Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Profª. Cristiane Literatura Página 1 de 22 Parnasianismo, Pré-simbolismo e Pré-Modernismo Parnasianismo Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Olavo Bilac Fantástica Erguido em negro mármor luzidio, Portas fechadas, num mistério enorme, Numa terra de reis, mudo e sombrio, Sono de lendas um palácio dorme. Torvo, imoto em seu leito, um rio o cinge, E, à luz dos plenilúnios argentados, Vê-se em bronze uma antiga e bronca esfinge, E lamentam-se arbustos encantados. Dentro, assombro e mudez! quedas figuras De reis e de rainhas; penduradas Pelo muro panóplias1, armaduras, Dardos2, elmos3, punhais, piques4, espadas. E inda ornada de gemas e vestida De tiros5 de matiz6 de ardentes cores, Uma bela princesa está sem vida Sobre um toro7 fantástico de flores. Traz o colo estrelado de diamantes, Colo mais claro do que a espuma jônia8. E rolam-lhe os cabelos abundantes Sobre peles nevadas9 de Issedônia10. Entre o frio esplendor dos artefactos, Em seu régio vestíbulo de assombros. Há uma guarda de anões estupefactos11, Com trombetas de ébano nos ombros. E o silêncio por tudo! nem de um passo Dão sinal os extensos corredores; Só a lua, alta noite, um raio baço Põe da morta no tálamo12 de flores. (Alberto de Oliveira. In: Antonio Candido. Na sala de aula. 5 ed. São Paulo: Ática, 1995, p. 54-55.) Alberto de Oliveira é um dos maiores poetas do Parnasianismo brasileiro. Esse poema, que faz parte do livro Meridionais (1884), o primeiro de sua fase 1 Arranjo de armas cruzadas sob um escudo pregado na parede (Antonio Candido. Na sala de aula. 5 ed. São Paulo: Ática, 1995). 2 Vara curta com ponta de aço que se atira sobre o adversário (idem, ibidem). 3 Capacete fechado por viseira (idem, ibidem). 4 Lança. 5 Tecido cor de púrpura, chamado assim por metonímia, por ter se originado na antiga cidade de Tiro, no atual Líbano, difundido graças ao comércio dos fenícios (idem, ibidem). 6 Tonalidades do tecido ou, mais provavelmente, cores vivas de bordados feitos sobre ele (idem, ibidem). 7 Leito conjugal. parnasiana, é uma descrição desprovida de qualquer intervenção pessoal. O leitor depara com uma imagem pronta, um quadro feito para existir por si. Aqui, reinam os objetos; note que não há nenhuma voz em primeira pessoa, não há lugar para os sujeitos (tão presentes em poemas românticos). Por ser um poema absolutamente descritivo, seu sentido geral é facilmente apreensível. Se houver alguma dificuldade de entendimento, certamente estará no vocabulário, escolhido rica e cuidadosamente pelo autor. Estamos diante de um período que se opõe ao idealismo romântico e retoma a Antiguidade clássica em muitos aspectos. Influenciada pelo positivismo, pelo cientificismo e pelo agnosticismo (os poetas trabalham com o fenômeno que se propõem descrever, e não com a problemática do Infinito), é uma época pessimista, despida de grandes objetivos sociais e moralizadores, na qual as religiões têm valor apenas histórico. Não há um intuito educativo, doutrinário – a literatura visa ao entretenimento. Note como a forma de “Fantástica” é cuidadosamente trabalhada para que tenha um equilíbrio em relação ao conteúdo de que trata. Sobre o poema, diz Antonio Candido: A esterilidade egípcia e legendária [do poema “Fantástica”] configura um mundo fechado, no qual reinam as substâncias minerais, as peles, os artefatos; no qual as próprias flores parecem mineralizadas. O mundo natural foi elidido a favor de outro, inventado pela palavra. Chegando à hipótese sobre o significado final, a primeira pergunta que ocorre é se esse poema significa alguma coisa além dos sentidos parciais, porque como “objeto poético” ele seria apenas o que estes dizem, nada mais. [...] Nesse caso, [...] seu significado seria, por assim dizer, lateral, proposto pelo leitor quase como extrapolação, da mesma maneira por que se pode encontrar sentido no arranjo de um adorno ou no volteio de um arabesco. Visto assim, talvez seja a demonstração da poesia como artifício, do poema como artefato puro, cujo significado tende no fundo a ser ele próprio, integrado no silêncio de que o poeta cerca sua beleza morta e insignificante. Uma beleza desvitalizada, que, no entanto, vive a vida da arte. Desse modo, produz-se um objeto plasticamente belo, autônomo, existindo num espaço regido por leis sem medida comum com as que regem o mundo dos homens. Por isso talvez aqui a morte seja uma iniciação, e a morta, um símbolo. Esse mundo mineralizado e precioso, incrustado de objetos raros e fixado com um tom de irrealidade, exprime uma das ambições da mente poética: subverter as leis do mundo em benefício de outras, que ela estatui. Daí a criação de universos isentos, ricos, asperamente defendidos e, se necessário, eriçados de agressão contra o mundo das relações. Agressão latente nesse ambiente sepulcral murado, fechado, cheio de panóplias, narcotizado e esplendoroso. 8 Referência ao mar Jônio. 9 Branca como a neve, oriunda de países cujas neves, às vezes perenes, estão como materializadas na alvura da pelagem (idem, ibidem). 10 Nome de uma vaga região da Antiguidade, no território da atual Sibéria. Heródoto se refere a ela como uma espécie de limite extremo do mundo conhecido naquela direção (idem, ibidem). 11 No caso, não quer dizer “atônitos”, mas em estado de sono, entorpecido. Não se deve atualizar a ortografia nem a pronúncia nas palavras finais dos versos 21 e 23, porque a pausa forçada pelo grupo consonantal ct aumenta o efeito de suspensão, pasmo e mistério (idem, ibidem). 12 O mesmo que toro. Profª. Cristiane Literatura Página 2 de 22 Se assim for, o espaço fantástico de Alberto de Oliveira representa em geral em grau extremo a extensão de um dos ideais parnasianos, segundo o qual a vida morre, como a princesa, para renascer como arte intangível, na sua riqueza e sua pureza. Antonio Candido. Na sala de aula. 5 ed. São Paulo: Ática, 1995, p. 67. A leitura desse poema de Alberto de Oliveira já nos permite perceber diversas características da poesia dita parnasiana. Leia outros poemas do autor e note as semelhanças estilísticas entre eles. Vaso chinês Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, Casualmente, uma vez, de um perfumado Contador sobre o mármor luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado. Fino artista chinês, enamorado, Nele pusera o coração doentio Em rubras flores de um sutil lavrado, Na tinta ardente, de um calor sombrio. Mas, talvez por contraste à desventura, Quem o sabe?... de um velho mandarim Também lá estava a singular figura; Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a, Sentia um não sei quê com aquele chim De olhos cortados à feição de amêndoa. (Alberto de Oliveira. In: Massaud Moisés. A literatura brasileira através dos textos. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p. 241.) Vaso grego Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Então e, ora repleta ora esvasada, A taça amiga aos dedos seus tinia Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas o lavor da taça admira, Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se de antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa a voz de Anacreonte fosse. Alberto de Oliveira. In: Massaud Moisés. A literatura brasileira através dos textos. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p. 241. 13 Simbolicamente, a torre evoca Babel, porta do céu, fixada na Terra com o fim derestabelecer o elo primordial com (os) deus(es); pela brancura, conotar-se-ia com a pureza e o poder quase incorruptível do marfim. Contudo, embora construída com o propósito de elevar o homem à divindade, a torre acaba por perverter-se no seu contrário, símbolo do orgulho humano. O conceito de torre de marfim é Para melhor entender o que há em comum entre os textos de Alberto de Oliveira e de outros autores do período, vamos estudar o Parnasianismo. Parnasianismo início fim Brasil 1882 publicação do poema “Fanfarras”, de Teófilo Dias 1922 Semana de Arte Moderna Parnasianismo é uma escola literária que desenvolveu apenas a poesia. Originado na França a partir de 1850, foi um movimento contemporâneo ao Realismo-naturalismo. O termo “parnaso” remete à antologia de poemas franceses (Le Parnase Contemporain, poemas publicados entre 1886, 1871 e 1876) e ao monte Parnaso, montanha de pedra caliça situada no centro da Grécia, cujo cume está a 2 457 metros de altitude, sobre a antiga cidade de Delfos, a norte do golfo de Corinto. Na mitologia grega, o monte era consagrado a Apolo e às musas. Monte Parnaso, na Grécia (fonte: http://farm1.static.flickr.com) Os autores parnasianos buscavam retomar os valores estéticos da Antiguidade clássica. O culto da beleza e a busca pela perfeição formal levaram os parnasianos ao princípio da arte pela arte, ou seja, a poesia deveria valer por si mesma, ser alheia às controvérsias que agitam seu tempo e repudiar o compromisso social: o poeta considera sua arte o destino supremo que a vida lhe reserva. É uma literatura racional e engenhosa, em que se busca desenvolver o instrumento do ofício do escritor – a palavra – a partir de uma métrica rigorosa, da musicalidade, da lógica, da estilística e do purismo linguístico. A arte seria um “luxo intelectual”, e o artista parnasiano, indiferente e distante do mundo exterior, contempla-o comodamente refugiado em sua “torre de marfim”13. Os autores privilegiam a sensação em detrimento da emoção, são impassíveis e impessoais. São comuns poemas com a largamente difundido no século XIX no contexto antipositivista de reação a uma certa tendência romântica de atribuir à arte um fim utilitário (Carlos Ceia, e-dicionário de termos literários. Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/T/torre_marfim.htm). http://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9cia http://pt.wikipedia.org/wiki/Metro http://pt.wikipedia.org/wiki/Delfos http://pt.wikipedia.org/wiki/Golfo_de_Corinto Profª. Cristiane Literatura Página 3 de 22 descrição de objetos, cenas históricas e fenômenos naturais. Autores parnasianos Profissão de fé Não quero o Zeus Capitolino Hercúleo e belo, Talhar no mármore divino Com o camartelo. Que outro – não eu! – a pedra corte Para, brutal, Erguer de Atene o altivo porte Descomunal. Mais que esse vulto extraordinário, Que assombra a vista, Seduz-me um leve relicário De fino artista. Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor. Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra firo: O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro. Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papel A pena, como em prata firme Corre o cinzel. Corre; desenha, enfeita a imagem, A ideia veste: Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem Azul-celeste. Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito: E que o lavor do verso, acaso, Por tão sutil, Possa o lavor lembrar de um vaso De Becerril. E horas sem conto passo, mudo, O olhar atento, A trabalhar, longe de tudo O pensamento. Porque o escrever – tanta perícia, Tanta requer, Que oficio tal... nem há notícia De outro qualquer. Assim procedo. Minha pena Segue esta norma, Por te servir, Deusa serena, Serena Forma! Deusa! A onda vil, que se avoluma De um torvo mar, Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma Deixa-a rolar! Blasfemo, em grita surda e horrendo Ímpeto, o bando Venha dos bárbaros crescendo, Vociferando... Deixa-o: que venha e uivando passe – Bando feroz! Não se te mude a cor da face E o tom da voz! Olha-os somente, armada e pronta, Radiante e bela: E, ao braço o escudo, a raiva afronta Dessa procela! Este que à frente vem, e o todo Possui minaz De um vândalo ou de um visigodo, Cruel e audaz; Este, que, de entre os mais, o vulto Ferrenho alteia, E, em jato, expele o amargo insulto Que te enlameia: É em vão que as forças cansa, e à luta Se atira; é em vão Que brande no ar a maça bruta À bruta mão. Não morrerás, Deusa sublime! Do trono egrégio Assistirás intacta ao crime Do sacrilégio. E, se morreres por ventura, Possa eu morrer Contigo, e a mesma noite escura Nos envolver! Ah! ver por terra, profanada, A ara partida E a Arte imortal aos pés calcada, Prostituída!... Ver derribar do eterno sólio O Belo, e o som Ouvir da queda do Acropólio, Do Partenon!... Sem sacerdote, a Crença morta Sentir, e o susto Ver, e o extermínio, entrando a porta Do templo augusto!... Ver esta língua, que cultivo, Sem ouropéis, Profª. Cristiane Literatura Página 4 de 22 Mirrada ao hálito nocivo Dos infiéis!... Não! Morra tudo que me é caro, Fique eu sozinho! Que não encontre um só amparo Em meu caminho! Que a minha dor nem a um amigo Inspire dó... Mas, ah! que eu fique só contigo, Contigo só! Vive! que eu viverei servindo Teu culto, e, obscuro, Tuas custódias esculpindo No ouro mais puro. Celebrarei o teu oficio No altar: porém, Se inda é pequeno o sacrifício, Morra eu também! Caia eu também, sem esperança, Porém tranquilo, Inda, ao cair, vibrando a lança, Em prol do Estilo! Olavo Bilac. In: Massaud Moisés, op. cit., p. 224-227. O movimento parnasiano definiu-se em 1888, com Poesias, de Olavo Bilac (1865-1918), o “príncipe dos poetas”. Ao aderir à nova corrente poética, Bilac: [...] não só cuidou de materializá-la em suas composições, como também buscou traduzir- -lhe e divulgar-lhe a doutrina de modo tão direto quanto possível. Esta segunda preocupação exprime-se concretamente em “Profissão de fé”, que abre a coletânea de suas Poesias e representa algo como uma plataforma da poesia parnasiana. Apologia da forma (com maiúscula, no poema), do Belo, da Arte, do Estilo – constitui o timbre dessa modalidade poética em que se notam a retomada dos padrões de arte defendidos pelos clássicos e a recusa dos que os Bárbaros pregavam, isto é, os valores românticos. Tal concepção de poesia, com todo o seu projeto de universalidade e impassibilidade, e com toda a sua contradição interna, documenta-se nos sonetos. (Massaud Moisés, op. cit., p. 230.) Acompanhe no seguinte soneto os aspectos da poesia de Bilac comentados pelo professor Massaud Moisés. Velhas árvores Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores moças, mais amigas: Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera e o inseto, à sombra delas Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo. Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem: Na glória de alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem! (Olavo Bilac. In: Massaud Moisés, op. cit., p. 229.) Há ainda outro poema de Bilac que merece leitura atenta. 13º soneto de “Via Láctea”, parte da obraPoesias, tem certa dose de subjetividade. Como veremos, o autor não seguiu à risca todas as convenções parnasianas, o que engrandece sua obra, por torná-la mais complexa: trata também da morte, da velhice e da história do Brasil (e não apenas de assuntos universais). Aqui, o diálogo entre o eu lírico e o tu lírico sobre uma metafórica conversação com as estrelas evidencia o lirismo amoroso presente em muitos de seus poemas. XIII “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” Olavo Bilac (fonte: http://www.biblio.com.br) Outros autores também merecem destaque. Diferentemente dos outros poetas parnasianos, Raimundo Correia (1959-1911) não é obsessivo na busca da perfeição formal, característica notória de Alberto de Oliveira. Seu descritivismo é atenuado e, no lugar das notações precisas e impessoais, o poeta faz sugestões vagas e subjetivas. Leia a seguir um de seus mais belos poemas, com o qual fechamos esta aula. As pombas Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas De pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada... E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada... Profª. Cristiane Literatura Página 5 de 22 Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais... (Raimundo Correia. In: Massaud Moisés, op. cit., p. 239.) Exercícios (UNIFESP) Texto para as questões 1 e 2. Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar a todos o edifício: Porque a beleza, gêmea da Verdade, Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. Olavo Bilac 1. Nos versos, apresenta-se uma concepção de arte baseada __________, própria dos poetas ____________. Na frase, os espaços devem ser preenchidos por: a) na expressão dos sentimentos... românticos b) na sugestão de sons e imagens... parnasianos c) na construção dos valores sociais... simbolistas d) no extremo rigor formal... parnasianos e) na expressão dos conflitos humanos... Simbolistas 2. Os versos denunciam: a) vocabulário simples e pouca preocupação com as qualidades técnicas do poema, já que as sugestões sonoras não estão nele presentes. b) emoção expressa racionalmente, embora seja bastante evidente o caráter subjetivo na construção das imagens. c) a busca da perfeição na expressão, visando ao universalismo, como exemplificam os termos Beleza e Verdade grafados com maiúsculas. d) o afastamento da realidade social, decorrente de uma visão idealizada do mundo, descrito por metáforas pouco objetivas. e) a forma de expressão pouco idealizada, resultante de uma concepção de mundo marcada pela complexidade que, nos versos, se manifesta em vocábulo seleto. 3. (UEL) Olavo Bilac e Alberto de Oliveira representam um estilo de época de acordo com o qual: a) O valor estético deve resultar de linguagem subjetiva e espontânea que brota diferentemente das emoções. b) A forma literária não pode se afastar das tradições e das crenças populares, sem as quais não se enraíza culturalmente. c) A poesia deve sustentar-se como forma bem lapidada, cuja matéria-prima é um vocabulário raro, numa sintaxe elaborada. d) Devem ser rejeitados os valores do antigo Classicismo, em nome da busca de formas renovadas de expressão. e) Os versos devem fluir segundo o ritmo irregular das impressões, para melhor atender ao ímpeto da inspiração. 4. (IBMEC-adaptado) Sobre o poema “Vaso chinês”, de Alberto de Oliveira, não é correto afirmar que: a) É um soneto descritivo, característico da produção literária parnasiana. b) O poeta assume uma postura impessoal diante do objeto descrito. c) A perfeição da linguagem é superada pelo enriquecimento no plano do conteúdo. d) A linguagem e as rimas são ricas e bem trabalhadas. e) A métrica é perfeita – versos decassílabos. 5. Não caracteriza a estética parnasiana: a) Oposição aos românticos e distanciamento das preocupações sociais dos realistas. b) Objetividade advinda do espírito cientificista e o culto da forma. c) Obsessão pelo adorno e contenção lírica. d) Perfeição formal na rima, no ritmo, no metro e volta aos motivos clássicos. e) Exaltação do “eu” e a fuga da realidade presente. 6. (UEL) Todos os elementos enumerados representam características da poesia parnasiana em: a) Pessimismo traduzido em melancolia sentimental; desejo de evasão; culto da solidão. b) Rebuscamento na linguagem; pessimismo traduzido em melancolia sentimental; temas e sentimentos nacionalistas. c) Temas e sentimentos nacionalistas; exaltação da natureza; condoreirismo. d) Busca da perfeição da forma; preciosismo no vocabulário; referências constantes à mitologia clássica. Profª. Cristiane Literatura Página 6 de 22 e) Referências constantes à mitologia clássica; confessionalismo lírico e espontâneo; idealização da vida bucólica. 7. (FATEC) Texto para a próxima questão. Soneto parnasiano e acróstico em louvor de Helena de Oliveira Houve na Grécia uma Beleza rara (Em versos de ouro o grande Homero celebriu-a) Linda mais do que a mente humana imaginara, E cuja fama sem rival inda ressoa Não a compararei porém (quem a compara?) A que celebro aqui: a outra não era boa. O esplendor da beleza é sol que só me aclara Luzindo sob o véu do poder que afeiçoa. Inspiremos-nos, pois, não na Helena de Troia, Vérsatil coração, frio como uma joia, Em cujo lume ardeu uma cidade inteira Inspiremo-nos, sim, de uma Helena mais pura. Ronsard mostrou na sua uma flor de ternura: A Mesma flor que orna esta Helena brasileira. (Manuel Bandeira) Apesar de ser modernista, Bandeira chama de parnasiano o seu poema porque: I. Sua forma, o soneto metrificado com rimas ricas, caracteriza a poesia tipicamente parnasiana. II. Na sua descrição de Helena de Tróia e de Helena de Oliveira não há espaço para as apreciações subjetivas características da poesia romântica que precedeu o Parnasianismo. III. Em seu elogio a Helena, retoma uma personagem da Na antiguidade clássica, evitando tratar da mulher comum. Qu anto a essas afirmações, deve-se concluir que apenas: a) I e II estão corretas. b) I e III estão corretas. c) I I e III estão corretas. d) I I está correta. e) I está correta. (UNIFESP) Utilize como base para as próximas duas questões o poema “As pombas”, de Raimundo Correia. 8. O poema de Raimundo Correia ilustra o Parnasianismo brasileiro. Dele, podem-se depreender as seguintes características desse movimento literário: a) Soneto em versos decassílabos, com predominância de descrição e vocabulário seleto. b) Versos livres, com predominância de narração e ênfase nos aspectos sonoros. c) Versos sem rima, liberdade na expressão dos sentimentos e recurso às imagens. d) Soneto com versos livres, exploração do plano imagético e sonoro. e) Soneto com rimas raras, com descrição e presença da mitologia. 9. Há uma equivalênciaentre os dois quartetos e os dois tercetos do poema. Assim, é correto afirmar que pombas, metaforicamente, representa: a) A) a adolescência. b) B) os sonhos. c) C) os corações. d) D) o envelhecimento. e) E) a desilusão. 10. (UNESP) Texto para a próxima questão. Tercetos Noite ainda, quando ela me pedia Entre dois beijos que me fosse embora, Eu, com os olhos em lágrimas, dizia: “Espera ao menos que desponte a aurora! Tua alcova é cheirosa como um ninho... E olha que escuridão há lá por fora! Como queres que eu vá, triste e sozinho, Casando a treva e o frio de meu peito Ao frio e à treva que há pelo caminho?! Ouves? é o vento! é um temporal desfeito! Não me arrojes à chuva e à tempestade! Não me exiles do vale do teu leito! Morrerei de aflição e de saudade... Espera! até que o dia resplandeça, Aquece-me com a tua mocidade! Sobre o teu colo deixa-me a cabeça Repousar, como há pouco repousava... Espera um pouco! deixa que amanheça!” – E ela abria-me os braços. E eu ficava. Olavo Bilac, Alma inquieta. Embora seja considerado um dos mais típicos representantes do Parnasianismo brasileiro, cuja estética defendeu explicitamente no célebre poema “Profissão de fé”, Olavo Bilac revela em boa parte de seus poemas ingredientes que o afastam do rigor característico da escola parnasiana e o aproximam da romântica. Partindo dessa consideração: a) Identifique duas características formais do poema de Bilac que sejam tipicamente parnasianas. b) Aponte um aspecto do mesmo poema que o aproxima da estética romântica. Roda de leitura Profª. Cristiane Literatura Página 7 de 22 Conheça agora um pouco da poesia de Vicente de Carvalho (1866-1924), convertido ao parnasianismo na maturidade. Apesar disso, não abandonou um certo romantismo inato e um pendor para a ironia, que caracterizam seu estilo desde os primeiros poemas. No soneto a seguir, note um patente camonismo salpicado de traços de melancolia ou desesperança confessional. Apesar de parnasiana, é uma poesia essencialmente emotiva. Velho tema Só a leve esperança, em toda a vida, Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos, Árvore milagrosa que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim: mas nós não a alcançamos Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos. Vicente de Carvalho. In: Massaud Moisés, op. cit., p. 244- 245. Gabarito das questões de Parnasianismo 1. d 2. C 3. C 4. C 5. E 6. d 7. e 8. A 9. b 10. a) O poema de Bilac apresenta diversas características típicas da poesia parnasiana, entre elas, o rigor métrico (tercetos formados por versos decassílabos) e rítmico, além das rimas ricas. b) A noite e a escuridão criam o cenário para um eu lírico sentimentalista e exagerado (com hipérboles como: “morrerei de aflição e de saudade”), que confessa seu amor pela mulher amada com um tom intimista. Simbolismo Enquanto o romântico deseja abandonar a Terra para encontrar Deus, o simbolista deseja encontrar a unidade do material e do espiritual aqui na Terra, de modo a recuperar a unidade de um mundo artificialmente dividido. Álvaro Cardoso Gomes 14 O poema é uma livre tradução de Gilberto Mendonça Teles do francês para o português. O original é todo eneassílabo, com acento Vincent van Gogh. A noite estrelada. 1889, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Arte poética14 A Charles Morice Antes de qualquer coisa, música e, para isso, prefere o Ímpar mais vago e mais solúvel no ar, sem que nada pese ou que pouse. É preciso também que não vás nunca escolher tuas palavras sem ambiguidade: nada mais caro que a canção cinzenta onde o Indeciso se junta ao Preciso. São belos olhos atrás dos véus, é o grande dia trêmulo de meio-dia, é, através do céu morno de outono, o azul desordenado das claras estrelas! nas quartas e nonas sílabas, com rimas opostas e, às vezes, internas. Conservou-se o número de versos por estrofe. Profª. Cristiane Literatura Página 8 de 22 Porque nós ainda queremos o Matiz, nada de Cor, nada a não ser o matiz! Oh! O matiz único que liga o sonho ao sonho e a flauta à trompa. Foge para longe da Piada assassina, do Espírito cruel e do Riso impuro que fazem chorar os olhos do Azul e todo esse alho de baixa cozinha! Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço! Tu farás bem, já que começaste, Em tornar a rima um pouco razoável. Se não vigiarmos, até onde ela irá? Oh! Quem dirá os malefícios da Rima? Que criança surda ou que negro louco nos forjou esta joia barata que soa oca e falsa sob a lima? Ainda e sempre, música! Que teu verso seja a coisa volátil que se sente fugir de uma alma em voo para outros céus e para outras paixões. Que teu verso seja o bem acontecimento esparso no vento crispado da manhã que vai florindo a hortelã e o timo... E tudo o mais é só literatura. (Paul Verlaine. In: Gilberto Mendonça Teles. Vanguarda europeia e Modernismo brasileiro. 17 ed. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 53- 54.) Contexto histórico-artístico A intensificação da Revolução Industrial e a tentativa de explicar o real a partir de pressupostos científicos teve rapidamente diversos efeitos para a 15 Arnold Hauser. História social de la literatura y el arte. V. III, Madrid: Guadarrama, 1969, p. 201-202. sociedade: crescimento da produção de manufaturados, economia de recursos, diminuição das distâncias – proporcionada pelo desenvolvimento dos meios de locomoção e pela multiplicação dos serviços de imprensa – etc. O Positivismo, o Determinismo e as teorias evolucionistas buscavam compreender o mundo sob a ótica da razão e desprezavam a metafísica em nome de um conhecimento experimental da realidade. Por outro lado, paradoxalmente, essa euforia despertou também um sentimento de crise. “O rápido desenvolvimento da técnica não só acelera a mudança das modas, mas também as variações no critério do gosto estético.”15 As certezas positivistas passam a ser abaladas por novas concepções filosóficas. Schopenhauer, filósofo pessimista, desmistifica o esforço e a luta e desestimula a ideia de competição – base ideológica da Revolução Industrial e do Positivismo. Eduard von Hartmann, em sua Filosofia do inconsciente, explica que “o princípio do inconsciente dá aos fenômenos observados sua única explicação verdadeira”16, e Henri Bergson, em sua obra A evolução criadora, desvaloriza a inteligência em prol da intuição: A inteligência, tão hábil em manipular o inerte, exibe sua imperícia quando atinge o ser vivo. Quer se trate de cuidar da vida do corpo ou do espírito, ela age com rigor e a rigidez e a rusticidade de um instrumento que não havia sido destinado a semelhante uso. [...] A inteligência é caracterizada por uma incompreensão natural da vida. Henri Bergson. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 149. Ainda sobre a intuição: [...] pela comunicação que ela estabelecerá entre nós e o restante dos seres vivos, pela dilatação que obterá de nossa consciência, ela nos introduzirá no domínio próprio da vida, que é interpenetração recíproca, criação infinitamente continuada. Henri Bergson, op. cit., p. 149. Esse mal-estar de cultura gera duas tendências intimamente relacionadas: uma existencial, o Decadentismo, e outra literária, o Simbolismo. Sobre a primeira,Gilberto Mendonça Teles afirma: Por volta de 1880, na França, havia a ideia generalizada de que a civilização francesa do século XIX era a de uma nação em decadência. Essa ideia, que tomou vulto na década anterior, tinha várias origens, literárias e políticas. Literariamente, ela representa a transição do romantismo para o naturalismo. Através de Baudelaire, para quem “a língua da decadência latina” é a mais própria para a expressão do sentimento (paixão) do homem moderno, foram-se desagregando as essências culturais do romantismo que, na década de 1870, se ia transformando em decadentismo. Théophile Gautier, na primeira edição póstuma das poesias de Baudelaire (1868), redige uma “Notice” que é tida como o primeiro manifesto da poesia de temas decadentistas. No ano seguinte, na sua Hérodiade, Mallarmé desenvolve o tema da impotência e da esterilidade. Em 1882, surge a primeira revista “decadente”, a Nouvelle rive gauche. Gilberto Mendonça Teles, op. cit., p. 55-56. 16 Eduard von Hartmann. Philosophie de l´inconscient. Paris: Bailière, 1877, p. 3. Profª. Cristiane Literatura Página 9 de 22 Nas artes plásticas também surge uma nova fase estética. Depois da ruptura inicial que fora o Impressionismo, as velhas convenções acadêmicas e os parâmetros tradicionais do gosto já pareciam definitivamente afastados. O pós-impressionismo é um período de choques e divergências, marcado pela radicalização das correntes e pelas relações tempestuosas entre seus líderes. Artistas renomados como Paul Cézanne, Paul Gauguin e Vincent Van Gogh são grandes representantes do movimento. Georges Seurat, Les Poseuses, 1887-88.17 Antecedentes e características do movimento simbolista Mais uma vez, a literatura desse fim de século se desloca da baliza clássico-científica para a romântico-poética. Os poetas são fortemente influenciados pela música romântica (Richard Wagner, por exemplo) e, principalmente, pelo escritor estadunidense Edgar Allan Poe, com seus contos misteriosos povoados de seres fantasmagóricos. Ele foi um dos precursores do movimento, pois “havia formulado o que equivalia a um novo programa literário, que corrigia a frouxidão romântica e devastava a extravagância romântica, ao mesmo tempo em que visava não a efeitos naturalistas, mas a ultrarromânticos. [...] A miscelânea de imagens, as metáforas deliberadamente mescladas, a combinação de paixão e agudeza, de maneiras prosaicas e solenes, o amálgama audaz do material com o espiritual”18 e a indefinição sugestiva e vaga da música presentes em sua obra são marcas também da literatura simbolista. Algumas características do Simbolismo foram antecipadas por românticos e parnasianos: a capacidade sugestiva, a musicalidade de expressão e o idealismo de origem platônica. Se é óbvia a distinção entre os parnasianos e os simbolistas – aqueles são claramente influenciados pelas escolas clássicas e estes, pelo Romantismo –, entre estes e os românticos as diferenças são mais sutis: Enquanto o romântico sonhava ascender a um paraíso, o simbolista, embora também espiritualista, fazia, via de regra, do mundo sua morada, sua meta. Álvaro Cardoso Gomes. A estética simbolista. São Paulo: Atlas, 1994, p. 17. Por volta de 1750, o místico sueco Emmanuel Swedenborg, cujas teorias muito influenciaram os poetas 17 O pintor Georges Seurat foi pioneiro do movimento pontilhista, que deu origem ao pós-impressionismo. simbolistas, teorizava um espiritualismo que contrastava com a visão materialista e positivista da época. Para ele: [...] todas as coisas que existem na natureza desde o que há de menor até o que há de maior são correspondências. A razão para que sejam correspondências reside no fato de que o mundo natural, com tudo o que contém, existe e subsiste graças ao mundo espiritual, e ambos os mundos, graças à Divindade. Emmanuel Swedenborg. In: Álvaro Cardoso Gomes, op. cit., p. 17. Gilberto Mendonça Teles resumiu didaticamente a doutrina do místico: Trata-se de um sistema tripartido: 1) O terceiro céu ou mundo terrestre, onde “existe” tudo o que á material, todos os seres, sem distinção de reinos; 2) O segundo céu ou mundo da verdade – é o reino intelectual: os seres são aqui percebidos através de leis que os ligam; 3) O primeiro céu ou mundo celeste ou íntimo – é o reino de Deus. Esses três céus se relacionam da seguinte maneira: como Deus não varia, sua permanença motiva as leis do segundo mundo, os quais estão relacionados com o terceiro mundo através do homem que é, ao mesmo tempo, corpo, alma e intelecto. Assim, os três céus se refletem nele: o homem é o microcosmo; logo, o universo é o GRANDE HOMEM. Mas há também correspondência entre outros seres através do símbolo. Gilberto Mendonça Teles, op. cit., p. 43. Swedenborg acredita que os objetos do mundo real não passam de símbolos do mundo espiritual, da Divindade. Caberia, portanto, ao homem, decifrá-los para alcançar o grande enigma do Universo. O poeta deveria ser um “decifrador de símbolos”, ou, nas palavras do poeta francês Rimbaud, um “vidente”, que se construiria a partir de um desregramento de todos os sentidos. A relação entre o mundo material e o espiritual recebe o nome de “correspondência”, título de um dos mais significativos poemas de Charles Baudelaire: Correspondências A natureza é um templo onde vivos pilares Deixam filtrar não raro insólitos enredos; O homem o cruza em meio a um bosque de segredos Que ali o espreitam com seus olhos familiares. Como ecos longos que à distância se matizam Numa vertiginosa e lúgubre unidade, Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade, Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam. Há aromas frescos como a carne dos infantes, Doces como o oboé, verdes como a campina, E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes, Com a fluidez daquilo que jamais termina, Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente, Que a glória exaltam dos sentidos e da mente. 18 Edmund Wilson. O castelo de Axel. São Paulo: Cultrix, 1987, p. 17. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/19/Georges_Seurat_-_Les_Poseuses.jpg Profª. Cristiane Literatura Página 10 de 22 Charles Baudelaire. As flores do mal. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 115. Nesse poema, o autor de As flores do mal fala: [...] das relações entre o mundo concreto e o abstrato e da fusão das diferentes sensações no mundo material. O poema ilustra uma espécie de ritual em que o homem atinge a plenitude dos sentidos e do espírito para comungar com a Natureza, depois de decifrada a “floresta de símbolos”. [...] Encontrada a correspondência entre os sentidos, o homem está apto a participar do mundo da natureza, em que tudo tem íntima relação entre si, em que o mundo material não está de modo algum dissociado do espiritual. Álvaro Cardoso Gomes, op. cit., p. 18. A sinestesia é um esforço do poeta simbolista para recuperar a linguagem original, em que, mais do que simples representação dos objetos, a palavra é também um objeto. Somada à luminosidade sonora, ela desperta no leitor uma lembrança de algo que não poderia ser traduzido senão pela palavra evocativa. O poeta faz poesia com o intuito de alcançar o cerne da vida, misteriosa e indecifrável. O símbolo, portanto, deve ser usado na poesia para sugerir o mistério que não pode ser revelado (ou deixaria de ser um mistério). A expressão de um poema simbolista é indireta, de modo a sugerir um estado de alma que se prolongue ao máximo. Assim, para o simbolista, o símbolo não pode ser entendido apenas como uma palavra ou imagem que remete a algo desconhecido, mas também como um conjunto de palavras e/ou imagensque evoca determinado estado de espírito. O sentido simbólico pode ser evocado pela palavra, por uma frase, uma estrofe ou todo um poema. A mais sugestiva das artes porque extremamente subjetiva, incapaz de reproduzir objetos do mundo real, a música exprime estados de alma através da sonoridade. É isso que almejam os poetas simbolistas: um texto suficientemente musical para evocar, a partir da própria musicalidade, diferentes estados de espírito. Daí a presença tão forte de aliterações, assonâncias e ecos nos poemas da época: Violões que choram... [excerto] Ah! Plangentes violões dormentes, mornos, soluços ao luar, choros ao vento... Tristes perfis, os mais vagos contornos, bocas murmurejantes de lamento. Noites de além, remotas, que eu recordo, noites de solidão, noites remotas que nos azuis da Fantasia bordo, vou constelando de visões ignotas. Sutis palpitações à luz da lua anseio dos momentos mais saudosos, quando lá choram na deserta rua as cordas vivas dos violões chorosos. Quando os sons dos violões vão soluçando, quando os sons dos violões nas cordas gemem, e vão dilacerando e deliciando, rasgando as almas que nas sombras tremem. Harmonias que pungem, que laceram, dedos nervosos e ágeis que percorrem cordas e um mundo de dolências geram, gemidos, prantos, que no espaço morrem... E sons soturnos, suspiradas mágoas, mágoas amargas e melancolias, no sussurro monótono das águas, noturnamente, entre ramagens frias. Vozes veladas, veludosas vozes, volúpias dos violões, vozes veladas, vagam nos velhos vórtices velozes dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. Cruz e Sousa. In: Frederico Barbosa (Org.). Clássicos da poesia brasileira. São Paulo: Klick, 1999, p. 161. A aproximação entre as palavras de um poema não é mais produzida por relações racionais (sintáticas, por exemplo), mas principalmente por uma orquestração melódica. Para alcançar os estados íntimos da experiência, os simbolistas optaram por usar a linguagem como um instrumento maleável, que buscava o intraduzível. O resultado foi uma poesia extremamente hermética. Edmund Wilson explica o que pretendiam os poetas simbolistas: Insinuar coisas, em vez de formulá-las ostensivamente, era, dessarte, um dos principais objetivos do Simbolismo [...]. Os pressupostos em que se baseia o Simbolismo levam-nos a formular uma doutrina como a seguinte: toda percepção ou sensação que tenhamos, a cada momento de consciência, é diferente de todas as outras; por conseguinte, torna-se impossível comunicar nossas sensações, conforme as experimentamos efetivamente, por meio da linguagem convencional e universal da literatura comum. Cada poeta tem uma personalidade única; cada um de seus momentos possui seu tom especial, sua combinação especial de elementos. E é tarefa do poeta descobrir, inventar a linguagem especial que seja a única capaz de exprimir-lhe a personalidade e as percepções. Essa linguagem deve lançar mão de símbolos: o que é tão especial, tão fugidio e tão vago não pode ser expresso por exposição ou descrição direta, mas somente através de uma sucessão de palavras, de imagens, que servirão para sugeri-lo ao leitor. Os próprios simbolistas, empolgados com a ideia de produzir, com a poesia, efeitos semelhantes aos da música, tendiam a considerar tais imagens como que dotadas de um valor abstrato, como o de notas e acordes musicais. Mas as palavras de nossa fala não são notação musical; na verdade, os símbolos do Simbolismo eram metáforas separadas de seu substrato, pois, além de certo ponto, não se pode, em poesia, desfrutar meramente o som e a cor por si mesmos: tem-se de presumir aquilo a que as imagens estejam sendo aplicadas. E o Simbolismo pode ser definido como uma tentativa, através de meios cuidadosamente estudados – uma complicada associação de ideias, representada por uma miscelânea de metáforas –, de comunicar percepções únicas e pessoais. Edmund Wilson. O castelo de Axel. São Paulo: Cultrix, 1987, p. 22. Profª. Cristiane Literatura Página 11 de 22 Dando as costas à mercantilização crescente dos objetos, o poeta simbolista se recusa a fazer de seu poema uma mercadoria e tenta recuperar estados de alma profundos do eu a partir de uma linguagem sensorial e alógica. Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens são os maiores nomes do Simbolismo brasileiro. Em Portugal, haverá importantes poetas como Eugênio de Castro, Antônio Nobre e Camilo Pessanha. Simbolismo início fim Brasil 1893 publicação de Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa 1902 publicação do romance Canaã, de Graça Aranha Portugal 1890 publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro 1915 lançamento do primeiro número da revista Orpheu Simbolismo em Portugal É pela poesia que o movimento alcança sua maior realização. É notável um permanente estado de contradição entre o modelo simbolista francês proposto por Verlaine, Mallarmé e Rimbaud e o Simbolismo português, cuja poesia mostrava-se indecisa entre o apelo universalista e o passado lusíada, confessional e regionalista. Vejamos alguns poemas portugueses de autores que merecem destaque. Texto I Tua frieza aumenta o meu desejo: Fecho os olhos para te esquecer, Mas, quanto mais procuro não te ver, Quanto mais fecho os olhos, mais te vejo. Humildemente atrás de ti rastejo, Humildemente, sem te convencer, Antes sentindo para mim crescer Dos teus desdéns o frígido cortejo. Sei que jamais hei-de possuir-te, sei Que outro, feliz, ditoso como um rei, Enlaçará teu virgem corpo em flor. Meu coração no entanto não se cansa: Amam metade os que amam com esp’rança, Amar sem esp’rança é o verdadeiro amor. Eugênio de Castro. In: Álvaro Cardoso Gomes. A poesia simbolista. São Paulo: Global, 1985, p. 34. Texto II Da influência da Lua Outono. O Sol, qual brigue em chamas, morre Nos longes de água... Ó tardes de novena! Tardes de sonho em que a poesia escorre E os bardos, a cismar, molham a pena! Ao longe, os rios de águas prateadas Por entre os verdes canaviais, esguios, São como estradas líquidas, e as estradas, Ao luar, parecem verdadeiros rios! Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos O xale pedem a quem vai passando... E os seus leitos nupciais, os ninhos, As lavandiscas noivas piando, piando! O orvalho cai do céu como um unguento. Abrem as bocas, aparando-os, os goivos; E a laranjeira, aos repelões do Vento, Deixa cair por terra a flor dos noivos. E o orvalho cai... E, à falta de água, rega O vale sem fruto, a terra árida e nua! E o Padre-Oceano, lá de longe, prega O seu sermão de Lágrimas à Lua! A Lua! Ela não tarda aí, espera! O mágico poder que ela possui! Sobre as sementes, sobre o Oceano impera, Sobre as mulheres grávidas influi... Ai os meus nervos, quando a Lua é cheia! Da Arte, novas concepções descubro, Todo me aflijo, fazem lá ideia! Ai a ascensão da Lua, pelo Outubro! Tardes de Outubro! ó tardes de novena! Outono! Mês de Maio, na lareira! Tardes... Lá vem a Lua, gratiae plena Do convento dos céus, a eterna freira! António Nobre. In: Álvaro Cardoso Gomes op. cit., p. 69-70. Texto III Violoncelo Chorai, arcadas Do violoncelo! Convulsionadas, Pontes aladas De pesadelo... De que esvoaçam, Brancos, os arcos... Por baixo passam, Profª. Cristiane Literatura Página 12 de 22 Se despedaçam, No rio, os barcos. Fundas, soluçam Caudais de choro... Que ruínas, (ouçam)! Se se debruçam, Que sorvedouro!... Trêmulos astro.., Soidões lacustres... – Lemes e mastros... E os alabastros Dos balaústres! Urnas quebradas. Blocos de gelo... – Chora, arcadas, Despedaçadas, Do violoncelo. Camilo Pessanha. In: op. cit., p. 103. Simbolismo noBrasil Aqui, o Simbolismo é praticamente contemporâneo ao Parnasianismo e ao Realismo. Para Alfredo Bosi, a diferença entre os parnasianos e os simbolistas no Brasil é apenas de grau: enquanto aqueles cultuam a forma, nestes encontramos a “religião do verbo”. Como técnica, o Simbolismo seria um sucedâneo fatal do Parnasianismo: O divisor de águas acompanha [...] a passagem da tônica, no nível das intenções: do objeto, nos parnasianos, para o sujeito, nos decadentes, com toda a sequela de antíteses verbais: matéria-espírito; real-ideal; profano-sagrado; racional-emotivo... Mas, se pusermos entre parênteses as veleidades dos simbolistas de realizarem, através da arte, um projeto metafísico; e se atentarmos só para a sua concreta atualização verbal, voltaremos à faixa comum do “estilismo” onde se encontram com os parnasianos. Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 302. Diferentemente da literatura europeia, em que o Simbolismo foi o movimento precursor do imagismo inglês, do surrealismo francês, do expressionismo alemão e da pura poesia espanhola, no Brasil, ele não rompeu com a literatura oficial. Cruz e Sousa precisou academizar-se para comover a vida literária de alguns centros menores do país e partilhar do prestígio dos poetas parnasianos. Acompanhe estes exemplares de poemas simbolistas brasileiros. Texto I Acrobata da dor Gargalha, ri, num riso de tormenta, como um palhaço, que desengonçado, nervoso, ri, num riso absurdo, inflado de uma ironia e de uma dor violenta. Da gargalhada atroz, sanguinolenta, agita os guizos, e convulsionado salta, gavroche, salta clown, varado pelo estertor dessa agonia lenta... Pedem-se bis e um bis não se despreza! Vamos! retesa os músculos, retesa nessas macabras piruetas d’aço... E embora caias sobre o chão, fremente, afogado em teu sangue estuoso e quente, ri! Coração, tristíssimo palhaço. Cruz e Sousa. In: Massaud Moisés. A literatura brasileira através dos textos. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p. 312. Texto II Música da Morte A música da Morte, a nebulosa, estranha, imensa música sombria, passa a tremer pela minh’alma e fria gela, fica a tremer, maravilhosa... Onda nervosa e atroz, onda nervosa, letes sinistro e torvo da agonia, recresce a lancinante sinfonia sobe, numa volúpia dolorosa... Sobe, recresce, tumultuando e amarga, tremenda, absurda, imponderada e larga, de pavores e trevas alucina... E alucinando e em trevas delirando, como um ópio letal, vertiginando, os meus nervos, letárgica, fascina... Cruz e Sousa. Massaud Moisés, op. cit., p. 312. Texto III Ismália Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar... Alphonsus de Guimaraens. Massaud Moisés op. cit., p. 332. Profª. Cristiane Literatura Página 13 de 22 Exercícios 1. (UFPE) Quais são as características do simbolismo que podem ser observadas nos versos abaixo? Infinitos espíritos dispersos Inefáveis, edênicos, aéreos, Fecundai o mistério destes versos Com a chama ideal de todos os mistérios. a) Subjetividade, cor local, amor sensual. b) Nacionalismo, mitologia, impessoalidade. c) Mistério, musicalidade, hermetismo. d) Descrição da natureza, ironia, impessoalidade. e) Racionalismo, religiosidade, versos livres. 2. (UFV) Texto para a próxima questão. Sinfonias do ocaso Musselinosas como brumas diurnas Descem do acaso as sombras harmoniosas, Sombras veladas e musselinosas Para as profundas solidões noturnas. Sacrários virgens, sacrossantas urnas, Os céus resplendem de sidéreas rosas, Da lua e das Estrelas majestosas Iluminando a escuridão das furnas. Ah! por estes sinfônicos ocasos A terra exala aromas de áureos vasos, Incensos de turíbulos divinos. Os plenilúnios mórbidos vaporam... E como que no Azul plangem e choram Cítaras, harpas, bandolins, violinos... Andrade Murici (Org. ). Cruz e Sousa. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 86. Sobre o autor e o poema citados acima, é incorreta a afirmativa: a) O autor explora sensações impalpáveis, vagas; utilizando-se de linguagem hermética, difícil, busca expressar o belo e o sublime de um cenário mais interiorizado do que real. b) Cruz e Sousa, autor simbolista, faz uso do verso decassílabo, presente também na poesia parnasiana. c) No poema, são intensamente explorados os sentidos da audição, da visão e do olfato, buscando transmitir ao leitor as impressões do eu lírico diante do pôr-do-sol. d) O poema apresenta uma visão subjetiva da natureza, em que o fenômeno do ocaso é mais sugerido do que descrito. e) No poema, expressivo do ideal da “arte pela arte”, é evidente o repúdio ao subjetivismo e à emoção, pelo uso de vocabulário raro e preciso. 3. (UFRS) Considere as seguintes afirmações em relação ao poema [“Acrobata da dor”] de Cruz e Sousa. a) Trata-se de um poema simbolista que não expressa nitidamente as emoções representadas, o que é incompatível com a forma do soneto. b) Os poetas do simbolismo, incapazes de captar as sensações e os sentimentos humanos em sua real dimensão, apelavam para imagens obscuras. c) O poema mistura em tom veemente imagens contraditórias de riso e dor, usando em diferentes metáforas a imagem do palhaço. Quais estão corretas? a) A) Apenas I. b) B) Apenas II. c) C) Apenas III. d) D) Apenas II e III. e) E) I, II, III. 4. (UFPE) Texto para a próxima questão. Os miseráveis, os rotos São as flores dos esgotos São espectros implacáveis, Os rotos, os miseráveis São prantos negros de furnas Caladas, mudas soturnas. Cruz e Sousa Assinale com (V) as afirmações verdadeiras sobre o poema; com (F), as falsas: ( ) esse autor representou o simbolismo no Brasil propondo uma poesia pura não racionalizada, explorando imagens e não conceitos. ( ) a poesia simbolista é hermética, misteriosa e despreza a poética racional. ( ) Cruz e Sousa, principal figura do movimento, era filho de escravos e, como tal, usou a escravidão e as injustiças como tema central de sua poética. ( ) pela espiritualização contínua de sua poesia, tenta desfazer-se de todos os referenciais concretos, adotando para isso uma linguagem rebuscada e musical. ( ) o trecho anterior pertence a “Litania dos pobres”, tem o tom de denúncia social, apesar do idealismo platônico do autor e de sua tendência à espiritualização. Profª. Cristiane Literatura Página 14 de 22 5. (UFMG) Com base na leitura de Broquéis, de Cruz e Sousa, é incorreto afirmar que se trata de uma poesia: a) de tendência naturalista, que se compraz na descrição mórbida dos sentimentos, embora mostre otimismo em relação ao homem. b) próxima da música, não apenas no plano temático, mas sobretudo no trabalho detalhista da sonoridade. c) abstrata, pois se afasta de situações cotidianas e, além disso, exprime um intenso sentimento de dor e de angústia. d) de atmosfera intensamente misteriosa, criada pelo forte impulso de transfiguração da realidade imediata. 6. (UFRS) Sobre o simbolismo brasileiro é correto afirmar que: a) reelabora a fala popular carioca em curtos poemas de temática urbana repletos de elipses e trocadilhosbilíngues. b) retoma a temática romântica com ânimo satírico e polêmico, inclusive parodiando trechos de romances do século XIX. c) explora a mitologia greco-latina e episódios da história antiga da Europa em sonetos descritivos com chave de ouro. d) explora a sugestividade dos sons da língua em poemas que reportam a sensações indefinidas e sentimentos vagos. e) reelabora a musicalidade dos vocábulos com experiências em que as palavras são segmentadas e a frase parte-se em fragmentos. 7. (MACK) Leia as afirmações a seguir. I. Misticismo, amor e morte caracterizam a obra de Alphonsus de Guimaraens. II. A poesia de Cruz e Sousa apresenta aspectos ligados ao subjetivismo e à angústia pessoal, evoluindo para posições mais universalizantes. III. O Simbolismo nega o cientificismo, valorizando as manifestações metafísicas e espirituais. Assinale: a) se apenas I e III estiverem corretas. b) se apenas I estiver correta. c) se todas estiverem corretas. d) se todas estiverem incorretas. e) se apenas III estiver correta. 19 Umedecidas, orvalhadas. 8. (PUC-SP) Texto para a próxima questão. Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras... Formas do Amor, constelarmente puras, De Virgens e de Santas vaporosas... Brilhos errantes, mádidas19 frescuras E dolências de lírios e de rosas... Indefiníveis músicas supremas, Harmonias da Cor e do Perfume... Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Esse trecho do poema, que abre o livro Broquéis, é considerado uma espécie de profissão de fé simbolista. Reflita sobre as afirmações a seguir. I. O fragmento revela a preocupação do eu lírico pelas formas caracterizadas pela cor branca, pelas cintilações, pela vagueza, pelo diáfano e pelo transparente. II. O fragmento apresenta uma construção apoiada na justaposição de frases nominais, com o intuito de descrever os objetos com clareza. III. O fragmento mostra alguns procedimentos estilísticos do Simbolismo como, por exemplo, a musicalidade das palavras, o uso de reticências, o emprego de letras maiúsculas e a rarefação do referente. Conforme se verifica, está correto o que se afirma: a) A) apenas em I e II. b) B) apenas em I e III. c) C) apenas em II e III. d) D) apenas em I. e) E) em I, II e III. (UNESP) Texto para as questões 9 e 10. Eras a sombra do poente Eras a sombra do poente Em calmarias bem calmas; E no ermo agreste, silente, Palmeiras cheia de palmas. Eras a canção de outrora, Por entre nuvens de prece; Palidez que ao longe cora E beijo que aos lábios desce. Eras a harmonia esparsa Em violas e violoncelos: Em solitários castelos. Eras tudo, tudo quanto De suave esperança existe; Manto dos pobres e manto Com que as chagas me cobriste. Profª. Cristiane Literatura Página 15 de 22 Eras o Cordeiro, a Pomba, A crença que o amor renova... És agora a cruz que tomba À beira da tua cova. Alphonsus de Guimaraens, Pastoral aos crentes do amor e da morte. 9. O texto em pauta, de Alphonsus de Guimaraens, apresenta nítidas características do Simbolismo literário brasileiro. Releia-o com atenção e, a seguir: a) Aponte duas características tipicamente simbolistas do poema. b) Com base em elementos do texto, comprove sua resposta. 10. A reiteração é um procedimento que, aplicado a diferentes níveis do discurso, permite ao poeta obter efeitos de musicalidade e ênfase semântica. Para tanto, o escritor pode reiterar fonemas (aliterações, assonâncias, rimas), vocábulos, versos, estrofes ou, pelo processo denominado “paralelismo”, retomar estruturas sintáticas de frases, repetindo alguns elementos e fazendo variar outros. Tendo em vista estas observações: a) Identifique no poema de Alphonsus um desses procedimentos. b) Servindo-se de uma passagem do texto, demonstre o processo de reiteração que você identificou no item a. Gabarito 1. 1. C 2. E 3.C 4. V – V – F – V – V 5. A 2. 6. D 7.C 8. B 3. 9. 4. a) Preocupação com a musicalidade (aliterações e assonâncias) e presença de misticismo religioso. b) Aliterações e assonâncias: “Eras a sombra do poente”; misticismo religioso: presença de metáforas bíblicas, como “pomba” e “cordeiro”. 10. a) O poeta utiliza-se da figura de linguagem anáfora. b) A repetição do verbo “eras” no início de cada verso revela, gradativamente, os atributos da amada morta, chegando à sublimação mística da mulher ao relacioná-la com os termos “cordeiro” e “pomba”. Pré-Modernismo brasileiro Creio que se pode chamar de pré-modernista (no sentido forte de premonição dos temas vivos em 22) tudo o que, nas primeiras décadas do século, problematiza a nossa realidade social e cultural. Alfredo Bosi Chamamos pré-modernista a literatura brasileira que se produz nas duas primeiras décadas do século XX. É um período de transição e, portanto, não pode ser chamado de escola literária: não há um estilo artístico comum entre os autores. Ainda influenciados, uns mais que outros, pelo Realismo, pelo Parnasianismo e pelo 20 Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 347. Simbolismo, o que os autores pré-modernistas têm em comum (e, ainda assim, não se pode dizê-lo de todos) é a problematização da nossa realidade social; revelam antes mesmo dos modernistas as tensões da vida nacional. Tudo o que rompe com a cultura oficial, alienada e verbalista, e busca novas sondagens sociais e estéticas pode ser dito pré-modernista. Já preocupados em denunciar os contrastes sociais e mais aproximados da vida cotidiana, é recorrente nesses autores uma grande influência do folclore nacional e, antecipando a busca modernista, inventam a oralidade na linguagem escrita. Os escritores que aqui estudaremos estão deslocados do período realista em que nasceram e se formaram porque, considerados na sua totalidade, formam uma crítica ao Brasil arcaico, rompem com a República Velha e negam todo o academicismo vigente. De alguma forma, antecedem a literatura em prosa que se fará nos anos 1930. Autores pré-modernistas 1. O jornalismo literário de Euclides da Cunha O sertanejo é antes de tudo um forte. Não tem o raquitismo neurastênico dos mestiços do litoral. Euclides da Cunha Vinculado aos determinismos sociais do século XIX, o engenheiro Euclides da Cunha (1866-1909) pode ser considerado moderno na medida em que desvenda “o mistério da terra e do homem brasileiro com as armas da ciência e da sensibilidade”20. Sua grande obra é Os sertões (1902), que nasce do acompanhamento que fez, a mando do jornal O Estado de S.Paulo, das operações do Exército na região de Canudos. A paixão pela palavra fez com que o veio cientificista da obra ganhasse dimensões literárias – e fosse comparada aos romances da seca e do cangaço dos anos 1930. Comprometido com a natureza, o homem e a sociedade, o autor dividiu o livro em três partes, nas quais descreveu minuciosamente a terra, o homem e a luta. Situando a obra na evolução do pensamento brasileiro, afirma Antonio Candido: Livro posto entre a literatura e a sociologia naturalista, Os sertões assinala um fim e um começo: o fim do imperialismo literário, o começo da análise científica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira (no caso, as contradições contidas na diferença de cultura entre as regiões litorâneas e o interior). Antonio Candido. Literatura e sociedade. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1965, p. 160. O livro alterna a certeza do fim das raças “retrógradas” e a denúncia da carnificina levada a cabo em Canudos.A partir de um “barroco científico”, expressão que muitos utilizam para justificar o conflito interior que se quer resolver pela aparência, pelo jogo de antíteses, descreve a luta do sertanejo contra o meio e, em outro plano, a corajosa resistência dos jagunços à invasão dos “brancos litorâneos”. Euclides teria evoluído de um determinismo racial e psicológico presentes no início da obra a uma forma de dialética socioeconômica. Para Alfredo Bosi: Profª. Cristiane Literatura Página 16 de 22 O observador [Euclides da Cunha] espantado diante da miséria sertaneja não o é menos em relação ao contemplar os desequilíbrios que trouxe a técnica na fase expansionista do capitalismo. Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 352. Interessante é notar como o jornalista republicano, que inicialmente se dirige a Canudos para testemunhar a morte do “foco monarquista”, passa a denunciar o absurdo de uma República que pune, em vez de curar, uma comunidade louca e miserável. Leia agora dois excertos de momentos diferentes da obra e compare-os. O primeiro faz parte do segundo capítulo da segunda parte do livro, “O homem”. O segundo é o fim da última parte, “A luta”. A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu, o negro e o brasílio-guarani, ou o tapuia, exprimem estádios evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos dos últimos. De sorte que o mestiço – traço de união entre raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um desequilibrado. (Euclides da Cunha. Os sertões. 39 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves/Publifolha, 2000) II Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados. Forremo-nos à tarefa de descrever seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos. Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem... Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos... E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante — e a quem devemos preciosos 21 Alfredo Bosi, op. cit., p. 367. esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa História? Caiu o arraial a 5. No dia 6, acabaram de o destruir, desmanchando-lhe as casas, 5 200, cuidadosamente contadas. O cadáver do Conselheiro Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro. Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam desparzido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do "famigerado e bárbaro" agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefato e esquálido, olhos fundos cheios de terra — mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida. Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa — único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! —, faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos decompostos. Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal, extinto aquele terribilíssimo antagonista. Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar sua cabeça tantas vezes maldita — e, como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores... Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura... Idem, ibidem, p. 514-515. 2. O espírito aberto de Graça Aranha Graça Aranha (1868-1931) foi, sem dúvida, um espírito inovador: é o responsável por iniciar o pré-modernismo no Brasil e também por integrar o grupo que idealizou a Semana de Arte Moderna em 1922 – em nome da qual romperia com a Academia Brasileira de Letras, acusando-a de reacionária. Assim como Lima Barreto, expressou uma “atitude antipassadista e premonitória da revolução literária dos anos 1920 e 30”21. Impregnado de um sentimento nacional e de uma consciência crítica dos problemas brasileiros, é moderno em relação aos romancistas de épocas anteriores. Seu idealismo pode ser notado em obras como Canaã e A viagem maravilhosa, representantes de uma de suas faces. A outra seria o veio doutrinador de A estética da vida, de base evolucionista enriquecida pela filosofia irracionalista do século XIX Profª. Cristiane Literatura Página 17 de 22 (Schopenhauer, Nietzsche, Hartmann) e Espírito Moderno, conferência proferida a seus pares da ABL enquanto ainda a integrava, em que os incita a escolher entre “evoluir ou morrer”. Precursor do Futurismo de Marinetti no Brasil, criou uma literatura cujo tema se voltado para o nacionalismo, apesar de não poder ser considerado propriamente um “modernista”. Uma coloração cômica perpassa sua obra. A literatura criada por Graça Aranha não é de todo consistente, mas há certos fragmentos que demonstram sua sensibilidade e intuição. Note, abaixo, o tom impressionista da descrição de Maria, personagem de Canaã, quando adormecida à noite na mata, coberta e aureolada por vaga-lumes: Aumentavam as sombras. No céu, nuvens colossais e túmidas rolavam para o abismo do horizonte... Na várzea, ao clarão indeciso do crepúsculo, os seres tomavam ares de monstros... As montanhas, subindo ameaçadoras da terra, perfilavam-se tenebrosas... Os caminhos, espreguiçando-se sobre os campos, animavam-se quais serpentes infinitas... As árvores soltas choravam ao vento como carpideiras fantásticas de natureza morta... Os primeiros vaga-lumes começavam no bojo da mata a correr as suas lâmpadas divinas... No alto, as estrelas miúdas e sucessivas principiavam também a iluminar... Os pirilampos iam-se multiplicando dentro da floresta, e insensivelmente brotavam silenciosos e inumeráveis nos troncos das árvores, como se as raízes se abrissem em pontos luminosos. [...] As montanhas acalmavam-se na imobilidade perpétua; as árvores esparsas na várzea perdiam o aspecto de fantasmas desvairados... No ar luminoso tudo retomava a filosofia impassível. Os pirilampos já não voavam, e miríades e miríades delescobriam os troncos das árvores, que faiscavam cravadas de diamantes e topázios. Graça Aranha. In: Alfredo Bosi, op. cit., p. 371. 3. O romance social de Lima Barreto A biografia de Lima Barreto (1881-1922) – a origem humilde, a cor da pele, a vida penosa de jornalista e de amanuense, o preconceito sofrido e a consciência da própria situação social – explica, em certa medida, o ideário que perpassa sua obra. Iconoclasta de tabus, caracteriza-se por algumas contradições no ideário, que tipificam a modernização pela qual passava o Rio de Janeiro no início do século: cinema, futebol, arranha-céus, acesso das mulheres ao mercado de trabalho e mesmo uma crítica ao sistema republicano frente ao monárquico. O professor Alfredo Bosi pergunta: seria um instinto de defesa étnica, porque viera de uma classe média suburbana? Apesar dessas contradições, enxergou como ninguém “o ridículo e o patético do nacionalismo tomado como bandeira isolada e fanatizante”22. Em Triste fim de Policarpo Quaresma (1911), uma caricatura quixotesca (tipo, aliás, presente em diversas obras do autor) denuncia, de forma consistente e numa linguagem despojada e até displicente – que dá o grito de 22 Alfredo Bosi, op. cit., p. 359. 23 O estilo corrente na época era o de um Coelho Neto ou de um Rui Barbosa: “o da palavra a servir de anteparo entre o homem e as coisas e os fatos. Em Lima Barreto, ao contrário, as cenas de rua ou os encontros e desencontros domésticos acham-se narrados com uma independência em relação aos estilos literários vigentes23 –, a realidade social brasileira, a partir de dois planos: o narrativo – relato dos percalços do brasileiro em sua pátria – e o crítico – enfoque dos limites da ideologia. Castello comenta o protagonista: Idealista e metódico, severo e irrestritamente patriota-nativista, a ponto de propor a adoção do Tupi como língua oficial, Policarpo Quaresma defende a adoção da nossa cultura popular, a fertilidade das nossas terras e riquezas latentes. Mas vê-se na contingência de quem enfrenta uma realidade hipócrita e individualista, embora acreditasse no contrário. Não seria, pois, de estranhar que o herói, de fracasso em fracasso, esbarre no hospício sobre o crivo das ideias fixas. José Aderaldo Castello, op. cit., p. 32. Em Recordações do escrivão Isaías Caminha, encarna a personagem principal a própria frustração do autor e os preconceitos de classe e cor que sofrera. O protagonista é um “pobre-diabo”, ofendido e humilhado, figura que materializa a denúncia social feita pelo autor e que passará a ser recorrente nas obras modernistas da segunda geração brasileira. Dotado de um estilo realista e intencional, como os cronistas, a modernidade estilística de Barreto é característica, e ele pode ser considerado um elo entre os realistas e os modernistas. Leia um excerto do romance Triste fim de Policarpo Quaresma: Como lhe parecia ilógico com ele mesmo estar ali metido naquele estreito calabouço. Pois ele, o Quaresma plácido, o Quaresma de tão profundos pensamentos patrióticos, merecia aquele triste fim? De que maneira sorrateira, o Destino o arrastara até ali, sem que ele pudesse pressentir o seu extravagante propósito, tão aparentemente sem relação com o resto da sua vida? Teria sido ele com os seus atos passados, com as suas ações encadeadas no tempo, que fizera com que aquele velho deus docilmente o trouxesse até a execução de tal desígnio? Ou teriam sido os fatos externos que venceram a ele, Quaresma, e fizeram-no escravo da sentença da onipotente divindade? Ele não sabia, e, quando teimava em pensar, as duas cousas se baralhavam, se emaranhavam e a conclusão certa e exata lhe fugia. Não estava ali há muitas horas. Fora preso pela manhã, logo ao erguer-se da cama; e, pelo cálculo aproximado do tempo, pois estava sem relógio e mesmo se o tivesse não poderia consultá-lo à fraca luz da masmorra, imaginava podiam ser onze horas. Por que estava preso? Ao certo não sabia; o oficial que o conduzira nada lhe quisera dizer; e, desde que saíra da ilha das Enxadas para a das Cobras, não trocara palavra com ninguém, não vira nenhum conhecido no caminho, nem o próprio Ricardo que lhe podia, com um olhar, com um gesto, trazer sossego às suas dúvidas. Entretanto, ele animação tão simples e discreta, que as frases jamais brilham por si mesmas, isoladas e insólitas (como resultava da linguagem parnasiana), mas deixam transparecer naturalmente a paisagem, os objetos e as figuras humanas” (Alfredo Bosi, op. cit., p. 359). Profª. Cristiane Literatura Página 18 de 22 atribuía a prisão à carta que escrevera ao presidente, protestando contra a cena que presenciara na véspera. Não se pudera conter. Aquela leva de desgraçados a sair assim, a desoras, escolhidos a esmo, para uma carniçaria distante, falara fundo a todos os seus sentimentos; pusera diante dos seus olhos todos os seus princípios morais; desafiara a sua coragem moral e a sua solidariedade humana; e ele escrevera a carta com veemência, com paixão, indignado. Nada omitiu do seu pensamento; falou clara, franca e nitidamente. Devia ser por isso que ele estava ali naquela masmorra, engaiolado, trancafiado, isolado dos seus semelhantes como uma fera, como um criminoso, sepultado na treva, sofrendo umidade, misturado com os seus detritos, quase sem comer... Como acabarei? Como acabarei? E a pergunta lhe vinha, no meio da revoada de pensamentos que aquela angústia provocava pensar. Não havia base para qualquer hipótese. Era de conduta tão irregular e incerta o Governo que tudo ele podia esperar; a liberdade ou a morte, mais esta que aquela. O tempo estava de morte, de carnificina; todos tinham sede de matar, para afirmar mais a vitória e senti-la bem na consciência cousa sua, própria, e altamente honrosa. Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara – todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara. Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas cousas de tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, havia. A que existia de fato era a do Tenente Antonino, a do Doutor Campos, a do homem do Itamarati. E, bem pensando, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser a Pátria?
Compartilhar