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VII_ Revista Serviço social e Sociedade, n 133 (1)

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399Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
Questão étnico-racial: 
desigualdades, lutas e resistência
Ethnic-racial question: inequalities, struggles and resistance
Dirce Kogaa
Raquel Santos Sant’Anab
Maria Lúcia Martinellia
Esta edição especial da Revista Serviço Social & Sociedade traz para 
o debate o “Racismo e suas expressões socioinstitucionais: traços estrutu-
rantes da sociedade brasileira”, que junto com a edição anterior da Revista 
sobre o tema da “Diversidade sexual e de gênero”, compõem um denso 
circuito de diálogos e reflexões que se articulam ao XI Seminário Anual de 
Serviço Social promovido pela Cortez Editora, no último mês de maio de 
2018, sobre a instigante questão: “Questão social, sexismo, racismo e 
 lgbtfobia: Que país é esse?”
O compromisso com a superação das desigualdades sociais, com o 
combate a todas as formas de opressão e exploração, faz parte do posicio-
namento do serviço social brasileiro há décadas.
Quando a profissão constrói uma direção social crítica, ela o faz bus-
cando um referencial teórico-metodológico que permita olhar para a reali-
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.149
 EditorialEDITORIAL
aPrograma de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo-SP, Brasil.
bCurso de Serviço Social da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) – campus de Franca-SP, Brasil.
400 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
dade numa perspectiva de totalidade e, ao mesmo tempo, coloca a necessi-
dade de um posicionamento ético-político; isto faz com que o serviço social 
brasileiro avance, mas ao mesmo tempo requer dos profissionais um cons-
tante aprimoramento profissional. Afinal, como superar as marcas dos pre-
conceitos socialmente construídos e que fazem parte da nossa formação 
social e política? 
Desconstruir preconceitos exige conhecimento, reflexão e posicio-
namento ético-político. Porém, não é possível superar limites se estes nem 
sequer são percebidos e apreendidos como tal. Como afirma Kosik (1995), 
ninguém investiga para além do imediato, se não acreditar que existe algo 
a ser descoberto. Afinal, nós assistentes sociais vivemos nessa sociabili-
dade e construímos conceitos e juízos provisórios para seguir a vida como 
seres sociais. Como muito bem nos lembra Heller (1980), os juízos pro-
visórios que são contestados pela razão e pela experiência, mas que se 
mantêm inabalados, são preconceitos, e mais: o afeto da fé os sustenta, 
basta acreditar, não importa que tenham sido cientificamente desconstruí-
dos, ou se mostrado equivocados pela vivência. Nas palavras da pró-
pria autora:
a maioria dos preconceitos, embora nem todos, são produtos das classe domi-
nantes [...] Isso não é apenas consequência de suas maiores possibilidades 
técnicas, mas também de seus esforços ideológicos hegemônicos: a classe 
burguesa aspira a universalizar a sua ideologia (Heller, 1980, p. 54). 
Essa edição da Revista Serviço Social & Sociedade vem contribuir com 
esse processo permanente que a profissão tem feito ao longo dos últimos 40 
anos, no sentido de avançar teórica e politicamente. Afinal, o racismo é uma 
marca estruturante da formação sócio-histórica brasileira, e remonta à face 
bárbara de um país que insiste em ser moderno (Ianni, 1994). Segundo José 
de Souza Martins (1994), trata-se de uma “sociedade de história lenta”, ou 
ainda, trata-se de uma interpretação da realidade social, a partir da perspecti-
va de uma “sociologia de história lenta”, que
401Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
permite fazer uma leitura dos fatos e acontecimentos orientada pela necessi-
dade de distinguir no contemporâneo a presença viva e ativa de estruturas 
fundamentais do passado (...) Mais do que isso, uma sociologia da história 
lenta permite descobrir, e integrar na interpretação, estruturas, instituições, 
concepções e valores enraizados em relações sociais que tinham pleno senti-
do no passado, e que, de certo modo, e só de certo modo, ganharam vida 
própria. É sua mediação que freia o processo histórico e o torna lento (Martins, 
1994, p. 14).
Tais marcas sócio-históricas que persistem na questão étnico-racial 
em nosso país seguem no artigo sobre as “Persistentes desigualdades 
raciais e resistências negras no Brasil contemporâneo”, de Zelma Madei-
ra e Daiane de Oliveira Gomes. Importa ressaltar, como defendem as 
autoras, que frente às persistentes desigualdades raciais encontram-se as 
resistências negras.
No final do editorial da Revista Serviço Social & Sociedade n. 132, 
as autoras lembravam do assassinato de Marielle Franco, dignamente 
lembrada como “mulher, negra, bissexual, moradora em favela, socióloga, 
defensora dos direitos humanos e a quinta vereadora mais votada do Rio 
de Janeiro nas últimas eleições municipais”. Sem dúvida, passados 120 dias 
de sua morte ainda não desvendada, faz-se necessário relembrar de sua 
figura nesta Revista 133, também pela face da luta e resistência. Em um 
capítulo do livro Tem saída? Ensaios críticos sobre o Brasil (2017), Ma-
rielle Franco apresenta um texto que trata justamente sobre uma outra 
perspectiva para se olhar para as periferias da cidade, suas mulheres e 
suas populações:
Ainda que essa realidade das desigualdades, que pavimenta a história brasi-
leira, tenha maior impacto em toda a periferia, principalmente nas favelas, as 
mulheres desse amplo território não são marcadas pela carência, como apa-
rece no discurso predominante da imprensa e do poder hegemônico. Assumi-
ram papel de centralidade de ações criativas e de conquistas de políticas do 
Estado que atuaram no caminho inverso das desigualdades, ampliando direi-
402 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
tos em várias dimensões humanas. Conquistaram, assim, alterações em seus 
territórios com força para disputar, na cidade, novas localizações no imaginá-
rio popular e para as relações humanas (Franco, 2017, p. 91).
Ou seja, a questão étnico-racial vincula-se ao próprio processo de 
construção desigual de nossas cidades, que reproduzem o modelo desigual 
e discriminatório da nossa formação societária, de que trata o artigo “Notas 
para o debate das relações de exploração-opressão na sociedade patriarcal-
-racista-capitalista”, de Milena Fernandes Barroso.
O debate sobre a questão étnico-racial dialoga diretamente com questões 
muito importantes para o serviço social que sustenta seu projeto profissional 
fundamentalmente a partir da teoria marxiana, e que tem na centralidade do 
trabalho o elemento fundante da sociabilidade. Afinal, haveria uma hierarquia 
na determinação da realidade e, portanto, a prioridade da classe? A questão 
racial vem depois? É preciso ficar atento a este debate, afinal, a prioridade 
ontológica do trabalho defendida pela teoria marxiana não se confunde com 
o estabelecimento de hierarquias; ao reconhecer no trabalho o elemento que 
funda a sociabilidade humana, essa referência teórica nos permite entender o 
que é a realidade como construção social; ora mas o trabalho sempre foi exe-
cutado pelos diversos seres humanos que compõem a realidade e que estabe-
leceram diferentes tipos de economia e sociedade. Na sociedade capitalista, a 
base que sustenta a desigualdade social é a exploração do trabalho, que vai 
acontecer de diferentes maneiras de acordo com outras particularidades que 
compõem a classe trabalhadora de cada país. Como muito bem destacam os 
artigos publicados nesta edição, se quisermos entender a classe trabalhadora 
desse país, temos que analisar a própria formação da sociedade brasileira, 
afinal, essa classe trabalhadora sempre teve sexo e cor. Sem o eixo classe não 
é possível entender a realidade brasileira, porém somente com esse complexo 
social tampouco a entenderemos, afinal nada mais estranho a Marx que um 
único determinante definindo uma realidade. Totalidade significa entender a 
complexidadeque compõe as diversas particularidades presentes na realidade. 
Cisne e Santos (2018) enfrentam esse debate e reafirmam a necessida-
de de identificar esses complexos sociais. A perspectiva de totalidade recla-
403Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
mada pelas autoras identifica o trabalho como elemento fundante da socia-
bilidade, mas descrevem três divisões estruturais que, associadas entre si, 
compõem a realidade:
Partimos da concepção marxista de que as relações sociais se fundam por meio 
do trabalho. O trabalho, nesta sociedade hetero-patriarcal-racista-capitalista, 
possui três divisões estruturais associadas entre si: a) a divisão social fundada 
nas relações entre as classes; b) a divisão racial, fundada nas relações sociais de 
raça; c) a divisão sexual, fundada nas relações de sexo. As relações sociais são 
perpassadas pela apropriação do trabalho de um grupo ou classe sobre outro. 
São essas relações sociais, mediadas por antagonismos e hierarquias, que pro-
cessam a produção e a reprodução sociais, permeadas pela exploração da força 
de trabalho e pelas opressões a ela vinculadas (Cisne; Santos, 2018, p. 25).
O preconceito étnico-racial foi e ainda é um dos pilares de sustentação 
das desigualdades, e isso tem que ser tratado no trabalho e na formação dos 
estudantes e profissionais que compõem o serviço social brasileiro. Afinal, 
o combate a todas as formas de preconceito tem que estar no cotidiano de 
formação e do trabalho profissional, e não apenas ser abordado quando uma 
atividade discriminatória surge. 
O mito da democracia racial realizou um grande desserviço para a 
sociedade brasileira e combatê-lo compõe nosso posicionamento ético-po-
lítico. E como afirma Matos (2015), o nosso projeto profissional não é um 
jaleco que colocamos para trabalhar, independentemente de nossos valores 
e concepções. Na realidade, são nossas concepções que irão dar a direção 
para o projeto profissional e: 
Se estivermos mais qualificados (as), daremos, no trabalho, respostas melho-
res. Se efetivamente internalizarmos os valores do projeto ético-político, que 
são emancipatórios, daremos respostas emancipatórias para “a dureza” do dia 
a dia — que naturaliza a desigualdade social, estimula o preconceito, desqua-
lifica os indivíduos fora do padrão dominante — tanto no trabalho como nas 
outras esferas da sociabilidade (Matos, 2015, p. 685).
404 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
Nesta edição, o leitor e a leitora ficarão fortalecidos para essa luta, pois, 
de fato, os diversos artigos, cada um com um enfoque, nos subsidiam e 
apoiam teórica e politicamente esse posicionamento coerente, previsto pelo 
projeto profissional do serviço social.
Os artigos, em geral, que compõem este número da Revista tratam da 
temática étnico-racial sob a tríade “desigualdade, luta e resistência”, e o 
fazem em diálogo plural com o referencial marxiano e com o projeto pro-
fissional do serviço social brasileiro.
Ainda que a ênfase dos artigos recaia sobre a questão dos negros, a 
Revista traz ainda o debate sobre a questão indígena. Um deles escrito, por 
Elizângela Cardoso de Araújo Silva, destaca o direito a terra como condição 
fundamental para os povos indígenas. 
O outro artigo sobre esta temática é de autoria de Joaquina Barata Tei-
xeira, intitulado “Etnias amazônicas: confrontos culturais e intercorrências 
no campo jurídico”. Não sem motivo, esta assistente social e professora 
aposentada pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em sua incansável 
militância pela questão indígena aos 82 anos de idade, recebeu justa home-
nagem no XI Seminário Anual de Serviço Social, cujo texto “Joaquina 
Barata: Amauta do Serviço Social brasileiro”, de autoria do Prof. Marcelo 
Braz, encerra este número da Revista, recordando-nos a importância de 
saber reconhecer méritos e comemorar juntos, pois ao fazê-lo estamos dan-
do visibilidade a trajetórias de vida densamente vividas.
Referências
CISNE, Mirla; SANTOS, Silvana Mara Morais. Feminismo, diversidade sexual e Serviço 
Social. São Paulo: Cortez, 2018. (Biblioteca básica de serviço social, v. 8)
FRANCO, Marielle. A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à 
retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista negra e favelada. 
In: BUENO, Winnie et al. (Orgs.). Tem saída? Ensaios críticos sobre o Brasil. Porto 
Alegre: Editora Zouk, 2017. 
405Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 399-405, set./dez. 2018
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1980. 
IANNI, Octavio. A ideia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1994.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso — ensaios de sociologia da história lenta. 
São Paulo: Hucitec, 1994.
MATOS, Maurílio Castro de. Considerações sobre atribuições e competências 
profissionais de assistentes sociais na atualidade. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, 
n. 124, p. 678-698, out./dez. 2015.
Notas das autoras
Dirce Koga — Assistente Social, doutora em Serviço Social, docente e pesquisadora 
CNPq. E‑mail: dirce.koga@gmail.com
Raquel Sant’Ana — Assistente Social, doutora em Serviço Social, docente e pesquisadora 
da UNESP. E‑mail: raquelssfranca@yahoo.com.br
Maria Lúcia Martinelli — Assistente Social, doutora em Serviço Social, docente e 
pesquisadora. E‑mail: mlmartinelli@terra.com.br
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
413Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.151
Relações raciais no Brasil:
colonialidade, dependência e diáspora
Race relations in Brazil: coloniality, dependency and diaspora 
Leonardo Ortegala
Resumo: Este artigo discute as relações raciais 
no Brasil, numa perspectiva crítica ao conhecido 
equívoco teórico de que o racismo é meramente 
um subproduto das desigualdades de classe. Dis-
cute também a teoria marxista da dependência e 
a decolonialidade, de modo que o exercício de 
aproximação dessas teorias demonstrou que a 
TMD e a decolonialidade são ferramentas teóricas 
convergentes, dotadas de grande relevância para 
se compreender e intervir na realidade brasileira 
de desigualdade social e racial.
Palavras-chave: Raça. Racismo. Decolonialidade. 
Teoria marxista da dependência. Genocídio. 
Diáspora.
Abstract: This article discusses race relations 
in Brazil, in a critical perspective to the well-
known theoretical misconception that racism is 
merely a by-product of class inequalities. It also 
discusses the Marxist Theory of Dependency 
and Decoloniality, so that the exercise of 
approximation of these theories demonstrated that 
TMD and Decoloniality are convergent theoretical 
tools, endowed with great relevance to understand 
and intervene in the Brazilian reality of social and 
racial inequality.
Keywords: Race. Racism. Decoloniality. Marxist 
theory of dependency. Genocide. Diaspora.
Introdução
Sabemos que qualquer esforço de compreensão da realidade brasileira a 
partir de sua história já revela indícios suficientes de que tal compreen-
são é impossível se tivermos como ferramentas apenas referenciais 
teórico-metodológicos importados direto dos países hegemônicos. Isso nos 
leva a perceber que a compreensão das realidades dos países capitalistas 
dominantes não significa a compreensão das dinâmicas do capitalismo nos 
 ArticlesARTIGOS
aDepartamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Brasília-DF, Brasil.
414 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
países subalternos. Foi diante desse fato que Rui Mauro Marini, Florestan 
Fernandes e outros se esforçaram para contestar o processo vigente nas 
ciências sociais dos países latino-americanos à época, em que se buscava 
compreender a realidade local a partir da utilização de referenciais europeus 
e estadunidenses de forma imediata, ou seja, sem compreender as particula-ridades da realidade brasileira ou da América Latina como um todo.
Essa não foi uma lacuna exclusiva das perspectivas positivistas, mas 
também de perspectivas críticas como o próprio marxismo, sempre que 
aplicado sem considerar as particularidades da realidade local. A proposta 
de uma teoria marxista da dependência busca compreender a realidade la-
tino-americana não apenas de forma crítica, como também a partir de suas 
características próprias, sendo a dependência uma de suas características 
principais para essa perspectiva.
Essa, porém, não é a única tentativa teórica de compreender a rea-
lidade local considerando especificidades em relação à realidade dos 
países hegemônicos. O próprio fenômeno que desencadeia o pensamento 
equivocado de associação direta entre a realidade dos países hegemônicos 
a uma realidade universal é uma demonstração de que a nossa forma de 
compreender o mundo está marcada pelo que seria a colonialidade. É essa 
uma das principais assertivas da perspectiva1 decolonial, que se dedica a 
recuperar e produzir saberes a partir desses lugares e sujeitos que têm em 
comum as marcas da subalternização na era moderna.2 Essa abordagem 
decolonial lança uma nova luz sobre os processos que marcam o início da 
era moderna e sobre como eles, muitas vezes aparentemente encerrados 
no passado, estruturam as relações na contemporaneidade. Na verdade, 
mais do que simplesmente lançar uma nova luz, o projeto decolonial busca 
1. Às vezes referida como projeto, às vezes como abordagem, entre outros termos, será aqui referida 
apenas como perspectiva para não confundir o/a leitor/a durante a exposição do texto.
2. O aprofundamento acerca da colonialidade como uma das chaves de compreensão do mundo nos 
últimos séculos é um esforço não apenas da abordagem decolonial, mas também de outras correntes de pen-
samento, como a pós-colonial, descolonial e outras, que partilham entre si semelhanças e diferenças. Neste 
texto, porém, a perspectiva análise é a abordagem decolonial. Sobre distinções entre essas perspectivas, 
conferir Bernardino-Costa e Grosfoguel, 2016.
415Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
resgatar pensamentos e autores que já realizavam esse trabalho teórico e 
que, no entanto, não tiveram a devida importância em seu tempo e lugar, 
em razão dos próprios processos da colonialidade e da subalternização. 
Esses processos assujeitam não apenas países, continentes ou economias, 
mas também determinados indivíduos, a partir de suas marcas, idiomas, 
linguagens e outras características, num processo que ocorre não apenas 
do império para fora, como também do império para dentro (Bernardino-
-Costa e Grosfoguel, 2016). Nesse processo é possível, então, matizar as 
realidades nacionais muitas vezes tratadas de forma homogênea, de modo 
que os países dominantes se revelam marcados por desigualdades diversas. 
Isto significa que, além das desigualdades de classe, outros processos são 
responsáveis por desigualar e assujeitar determinados indivíduos e grupos, 
por meio da raça,3 da etnicidade, do gênero e outros.
Assim como na maioria dos países da América Latina, o Brasil, fun-
dado enquanto Estado-nação a partir da colonização de países europeus, 
sobretudo de Portugal, teve como principal força de trabalho do país ao 
longo de seus cinco séculos de existência as pessoas trazidas à força do 
continente africano. Esse povo, que resistiu às mais diversas tentativas de 
aniquilação e que hoje é majoritário no território nacional, é denominado 
como população negra, e sua experiência no país é também compreendida 
por diversos intelectuais e ativistas negros como parte da diáspora africana. 
Essa diáspora não é uma experiência exclusiva dos negros brasileiros, mas 
é partilhada em diversas partes do mundo e, de modo especialmente seme-
lhante, nos países da América Latina e do Caribe, unidos simbolicamente 
pelo Atlântico Negro.4 A ideia de diáspora possibilita perceber as proximi-
dades entre experiências geograficamente distantes, ao mesmo tempo que 
permite compreender os distanciamentos entre experiências de vida entre os 
grupos populacionais que compõem uma mesma nação. É a compreensão da 
3. Aqui, vale dizer, raça e etnia possuem, não um sentido biológico, mas sociológico, cuja amplitude inclui 
outros processos, como xenofobia, migração, religiosidade, idioma, sotaque, fenótipo, indumentária e outros.
4. Atlântico Negro é a metáfora utilizada por Paul Gilroy (2012) para este elo entre os países africanos 
e da Diáspora.
416 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
diáspora e seus desdobramentos que permitem perceber as particularidades 
da experiência racializada das relações sociais, ainda que se esteja tratando 
de grupos pertencentes a uma mesma classe social ou a um mesmo extrato 
socioeconômico.
Um exemplo disso é o fenômeno dos homicídios na sociedade brasileira. 
Analisando os dados do Mapa da Violência (Waiselfisz, 2014), é possível 
observar que os homicídios estão concentrados em bairros de menor poder 
econômico e infraestrutura, nos quais vivem as classes trabalhadoras de média 
e baixa renda. Seria esperado, portanto, que os homicídios estivessem deter-
minados unicamente por uma questão de classe. Todavia, dentre os jovens 
assassinados no Brasil, 70% são negros, percentual muito acima da represen-
tação de jovens negros no país. Além disso, num período de dez anos, a taxa 
de homicídio de jovens negros sofreu um crescimento de 32%, enquanto o 
percentual de jovens brancos diminuiu 32% (Waiselfisz, 2014, p. 184).
Em razão de sua flagrante seletividade racial, esse fenômeno ficou co-
nhecido como extermínio da juventude negra, e é um entre os exemplos que 
evidenciam a importância de se conhecer a experiência da diáspora negra 
para que se possa efetivamente compreender a realidade brasileira. Fica mais 
do que evidente também a necessidade de se compreender a dimensão racial 
dos fenômenos sociais da realidade brasileira, quando se entende que tanto os 
processos da colonialidade quanto os da diáspora são estruturados pela ideia 
de raça, isto é, de que a humanidade é constituída de diferentes grupos raciais.
Diante disso, tornam-se imprescindíveis os estudos sobre as ideias de 
dependência, colonialidade e diáspora, tendo raça como um dos pilares 
epistemológicos principais para se compreender a realidade brasileira em 
suas particularidades.5 Em razão de tal importância, este artigo se propõe a 
discutir cada uma delas, seguidas de algumas considerações finais acerca 
desse movimento de compreensão da realidade latino-americana e, mais 
especificamente, a brasileira, a partir de teorias diferentes entre si, mas que 
demonstram potencial de complementaridade, pois têm em comum o esforço 
5. Sobre a categoria particularidade aqui utilizada, cf. Lukacs (1978). 
417Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
de compreender tal realidade não mais apenas a partir do universal, mas a 
partir de suas particularidades.
Tensões raciais no processo de formação do Brasil
Qualquer aproximação mais atenta em relação ao estudo da história 
brasileira é capaz de evidenciar o quanto as relações entre europeus, indí-
genas e africanos foram marcadas por distinções de cunho racial. Ora por 
argumentos espirituais, ora por argumentos biológicos e médicos, e até 
mesmo pelo senso comum senhorial, negros e indígenas eram classificados 
e reclassificados ao olhar do europeu de forma racializada, isto é, de forma 
a estabelecer distinções entre esses três grandes grupos, não apenas com um 
sentido de hierarquização, mas de definição do que era ou não considerado 
humano.6 Tal elemento é importante para compreender as relações sociais 
no Brasil, pois, em um mundo marcadamente antropocêntrico, caracterizar 
determinado grupo como não humano ou sub-humano resultava em total 
isenção moral para a exploração, escravização e extermínio desse grupo assim 
classificado. Isto está evidenciado nosmais diversos estudos da historiografia 
e da sociologia do Brasil e não teve seus efeitos suspensos “por decreto”, 
como a promulgação da Lei Áurea ou da Proclamação da Independência.
Dessa forma, muito antes de as classes sociais capitalistas emergirem e 
passarem a exercer forte determinação sobre os processos de relações sociais 
na maior parte do mundo, era a raça o distintivo oficial entre os grupos sociais 
nas metrópoles e colônias. Entretanto, à medida que o capitalismo foi se 
consolidando como modo de produção tanto nos países europeus quanto nas 
Américas, difundiu-se também a ideia de que o racismo ia chegando ao fim, 
dada a associação direta entre racismo e escravidão, bem como em virtude 
da condição supostamente indistinta de trabalhador que o livre mercado 
oferecia a todos os que dependiam da própria força de trabalho. Sobretudo 
6. Para um estudo aprofundado sobre a invenção do “ser negro”, conferir Santos (2002).
418 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
num país como o Brasil, no qual a convivência entre brancos e negros era 
supostamente pacífica, narrada principalmente por Gilberto Freyre ([1933] 
1998) como um palco romântico da democracia racial7 e da sublimação das 
diferenças, a ideia de que raça e racismo seriam dois componentes fundantes 
e fundamentais das desigualdades e violências da nova sociedade passou a 
dar lugar a explicações de caráter liberal, fundamentadas nas competências 
e no mérito individual, por um lado, no caráter de classe que se estabelecia, 
por outro.
O fato é que, no século XIX, o impulso capitalista causado pela Re-
volução Industrial e pela nova organização e divisão do trabalho que esta 
demandava coincide com os principais processos de abolição da escravidão 
racializada no Ocidente, sendo o Brasil considerado o país a realizá-la mais 
tardiamente, em 1888. As mudanças no modo de produção geradas pela Revo-
lução Industrial se desdobram nos mais diversos aspectos da sociedade. Entre 
estes, as relações entre dominados e dominantes, de modo que a abolição do 
regime de trabalho escravista não foi somente atravessada por lutas sociais 
do povo negro ou por concepções ideológicas abolicionistas, mas também 
pelas transformações econômicas em curso, de modo que a própria Ingla-
terra, antes um dos principais países no processo de reprodução do trabalho 
escravo, passou a coibi-lo de forma incisiva, com o objetivo de consolidar 
o novo sistema econômico e social do qual era protagonista (Moura, 2014).
Nesse processo de transição do regime escravista para o capitalista, 
a mão de obra escravizada passa a ser substituída pela mão de obra livre 
e assalariada. Isso, porém, não significa dizer que o trabalhador que antes 
era escravizado foi absorvido como assalariado. Num sentido contrário, 
estudos como o de Sales dos Santos (1997) demonstram a intensificação 
da importação de mão de obra de países europeus, com vistas a substituir 
os trabalhadores negros, movidos pela ideologia racista do sucessivo bran-
queamento da população brasileira. É nesse contexto, então, que se formam 
no Brasil as classes sociais capitalistas. Num contexto de enfraquecimento 
7. Sobre o conceito de democracia racial, conferir Guimarães (2002) e Bernardino (2002).
419Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
progressivo do regime escravista, em que as elites econômicas e políticas 
do país se viam diante de um impasse em relação a quem seria o tipo ideal 
de ocupante dos postos de trabalho do novo modelo econômico.
A pesquisa realizada por Santos (1997) apresenta trechos de discursos 
e de jornais da época, nos quais se discutia abertamente a transição para o 
regime do mercado de trabalho livre. A opinião de maior força era a de que 
negros, além de não possuírem os requisitos necessários para suprir a nova 
demanda, eram indesejáveis para o futuro do país, cuja elite econômica e 
política desejava que se tornasse branco. O imigrante europeu era considerado 
superior ao indivíduo negro e ao asiático, embora estes tivessem os custos 
para a importação menores que os do europeu (Idem). Quanto ao imigrante 
asiático, a exemplo da malquista africanização resultante do regime escra-
vista, o receio era o da “mongolização” do país (Idem). Quanto a isso, até 
mesmo o louvado político abolicionista Joaquim Nabuco falou a respeito, 
se manifestando contrário à imigração espontânea de africanos e asiáticos, 
ao mesmo tempo em que lamentava a expulsão dos holandeses da província 
de Pernambuco, a qual representava como deputado federal. Em um de seus 
discursos no Congresso Nacional,8 dizia Nabuco sobre a tentativa fracas-
sada de colonização holandesa, que “nós tivemos talvez essa possibilidade 
de sermos uma nação maior do que somos, mas nem a imigração africana, 
nem a imigração mongólica me inspiram a mesma simpatia” (Nabuco, 1983, 
p. 185, apud Santos, 1997). Santos afirma que uma das razões para a defesa 
do abolicionismo feita por Nabuco se devia ao atraso que o trabalho escravo 
representava para a transição ao trabalho livre e à importação de mão de 
obra europeia: “Não se pode ter ao mesmo tempo trabalho livre e trabalho 
escravo, escravatura e imigração” (Nabuco, 1983, p. 183, apud Santos, 1997). 
Episódios como esses são demonstrações de que as ideias de raça (e o 
racismo que lhes são inerentes) não se extinguiram no processo de transição 
do trabalho escravo para o trabalho livre. Pelo contrário, as mesmas ideias 
8. Os discursos podem ser acessados na íntegra por meio da publicação Perfis parlamentares, n. 58: 
Joaquim Nabuco (2010), disponível no portal da Câmara dos Deputados.
420 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
racistas que atribuíam superioridade e inferioridade a diferentes indivíduos por 
origem e fenótipo nos séculos da escravidão também pautaram e determinaram 
a constituição do trabalho livre e do capitalismo em território brasileiro. Neste 
breve panorama é possível perceber o quanto a história do Brasil é saturada 
de elementos que marcam sua constituição, como as relações de dependência 
em relação aos países capitalistas centrais, as relações de colonialidade ope-
rando tanto de fora para dentro do território como internamente, bem como 
a centralidade da diáspora no processo de construção do país.
Tudo isso, porém, não seria possível sem que a concepção de que a 
humanidade era dividida entre raças fosse amplamente aceita como verdade 
do ponto de vista científico. Ao longo do século XX, porém, essa tese vem 
a perder força, passando a ser combatida e sendo praticamente extinta dos 
discursos oficiais, sobretudo após a derrota nazista. Contudo, se por um lado 
as distinções de raça foram se esvaziando de sentido em seu fundamento 
biomédico, em seu sentido sociológico tais ideias passaram por um intenso 
processo de sofisticação, tornando-se extremamente importantes no processo 
de constituição do Brasil como Estado-nação com as profundas marcas de 
desigualdade, violência e privilégio que carrega ainda hoje. Portanto, faz-se 
necessário compreender de que forma a raça incide nas relações sociais 
brasileiras e de que forma as marcas da colonialidade e da dependência são 
por ela atravessadas. 
Raça e racismo no contexto brasileiro
Apesar de possuírem características comuns nos mais diferentes países, 
as ideias de raça e a operação do racismo possuem peculiaridades que as 
diferenciam de um território para outro. Na realidade brasileira, a ausência 
de um regime de segregação como o apartheid e o Jim Crow estadunidense, 
favoreceu por muito tempo a ideia já referida de um paraíso racial, onde 
brancos e não brancos conviviam harmoniosamente após o fim da escravidão. 
Essa suposta realidade despertou o interesse da Organização das Nações 
Unidas e de outras instituições ligadas à pesquisa e fomentaram uma série 
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de estudos, sobretudo durante as décadas de 1950 e 1960, com o intuitoinicial de compreender os segredos por trás do êxito brasileiro em superar 
o racismo (Nogueira, 2007). O que acontece é que o resultado da grande 
maioria das pesquisas realizadas confirmou a existência de um racismo à 
brasileira, o que o movimento negro brasileiro já afirmava e enfrentava dé-
cadas antes.9 Comprovou-se, então, academicamente, a existência do racismo 
no Brasil, e entre suas principais características encontravam-se: a) o fato de 
estar mais associado à cor da pele e do fenótipo do que à origem racial de 
um indivíduo, que ficou conhecido como preconceito racial de marca, em 
oposição ao preconceito racial de origem (Idem), b) a capacidade de operar 
no cotidiano e produzir apartação sem realizá-lo explicitamente, o que ficou 
conhecido também como racismo cordial (Turra e Venturi, 1995), assim 
como c) a capacidade de operar sem explicitar aquele que o opera, apelidado 
de racismo sem racistas, caracterizado a partir da pesquisa realizada pelo 
Instituto DataFolha (Idem), em que 89% dos entrevistados consideravam 
existir racismo no país, enquanto apenas 10% admitiam ser racistas.
Orientados por forte inspiração do marxismo vigente nesse período, 
os estudos mais difundidos em relação à questão racial, de autores como 
Florestan Fernandes, Carlos Hasenbalg, Octavio Ianni e outros, eram geral-
mente voltados para compreender o negro nesse novo modo de produção: o 
capitalismo. Durante a segunda metade do século XIX foi construída uma 
noção, que até hoje possui forte incidência, de que, diferentemente dos 
 séculos anteriores em que vigorava a escravidão e as ideologias racialistas fa-
lidas, o racismo no capitalismo estaria subordinado à desigualdade de classe. 
Partindo-se de um pressuposto factualmente comprovado de que a maioria 
da população pobre era a população negra, desenvolveu-se politicamente 
a tese economicista de que o racismo poderia ser extinto resolvendo-se as 
desigualdades de classe.
O desenvolvimento dos estudos sobre raça, entretanto, vem demons-
trando a multiplicidade de origens e efeitos das mais variadas expressões do 
9. Meios de comunicação como, por exemplo, o jornal Quilombo, criado por Abdias do Nascimento, 
são de 1948.
422 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
racismo, que se retroalimentam continuamente e extrapolam as estruturas 
econômicas. Jurema Werneck, fundadora da ONG Criola e atual diretora 
da Anistia Internacional no Brasil, apresenta, baseada na concepção apre-
sentada por Camara Jones a estrutura do racismo em três dimensões (Jones 
apud Werneck, 2016): 1) pessoal/internalizado, relacionado a sentimentos 
e condutas do próprio indivíduo para consigo e a aceitação individual de 
padrões e estigmas racistas, 2) interpessoal, manifestado por meio de ações 
ou omissões presentes nas relações sociais, por meio das quais se expressam 
o preconceito e a discriminação, expressões mais conhecidas do racismo, 
geralmente significados pelo senso comum como o racismo em sua totalidade, 
3) racismo institucional, também conhecido como racismo sistêmico, e que 
contempla ainda a perspectiva do racismo estrutural. Esta dimensão está 
associada a questões materiais e de acesso a poder. Sua complexidade está 
no fato de que geralmente não é possível identificar um indivíduo a operar 
esse tipo de racismo, que se encontra difuso nas dinâmicas institucionais 
e políticas, em processos históricos e na escassez de acesso à informação 
e outros recursos. Essas três dimensões, afirma Werneck, atuam de modo 
concomitante, “gerando sentimentos, pensamentos, condutas pessoais e 
interpessoais, atuando também sobre processos e políticas institucionais” 
(2016, p. 541).
O esquema apresentado por Werneck é didático e analítico, pois pro-
cura definir o racismo, este conceito muitas vezes difuso, em diferentes 
dimensões que são, na verdade, expressões de um mesmo fenômeno. A 
partir dessas dimensões, é possível compreender que as consequências do 
racismo não se resumem às questões econômicas. É uma forma de violência 
que agride o indivíduo também em seu subjetivo. Que elimina a história de 
um povo e que gera processos institucionalizados, mesmo que de manei-
ra indireta, porém de extrema eficácia. É importante, todavia, frisar que, 
embora didático, esse esquema explicativo das dimensões do racismo não 
pode ser tomado desprovido de mediações, sob o risco de não conferir ao 
fenômeno do racismo a profundidade e a intensidade que possui. Nesse 
sentido, é importante acrescentar a esse fenômeno duas outras categorias: 
diáspora e genocídio.
423Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
É a diáspora, mais precisamente a diáspora africana, a categoria res-
ponsável por reconectar o problema do racismo à sua formatação histórica 
na modernidade. Sem a compreensão dos flagelos sofridos pela população 
negra trazida à força para as colônias europeias, e de como esse histórico 
produz efeitos nos dias de hoje, tratar de racismo tende a ser mais um dos 
debates sobre as mazelas da sociedade capitalista do século XXI, aferíveis 
em números e curvas gráficas. O conhecimento sobre a diáspora africana é 
o que possibilita recompor as dinâmicas de opressão nos países colonizados, 
extrapolando as geografias oficiais e complexificando o esquema socioeco-
nômico tradicional, em que a opressão está diretamente relacionada à pobreza 
econômica. A compreensão da diáspora é que faz emergir o Atlântico Negro, 
expressão trazida por Paul Gilroy, que, entre outras contribuições, mostra 
que a experiência de um negro brasileiro pobre pode ser mais próxima à 
de um negro estadunidense rico do que a de um brasileiro branco, seja ele 
rico ou pobre. Essas conexões redescobertas por meio da identificação de 
“correntes marítimas” de unidade entre os países colonizados trazida pela 
identificação desse Atlântico Negro possibilita a constituição de novas rotas, 
formas e motivos para a coletivização da população negra das Américas, 
como parte do caminho de reescrita de sua história nesses territórios, de suas 
experiências de preservação de valores, de resistência e de reexistência, mas 
também de opressão e genocídio. 
O genocídio, mais precisamente o genocídio negro, é uma expressão que 
possui tanto um sentido denotativo quanto conotativo. No sentido denotativo 
está o movimento político e jurídico de classificar o conjunto de processos 
a que está submetida a população negra (no caso específico, a brasileira), 
como um crime de genocídio. Isto implica o reconhecimento de organismos 
internacionais e as penas e indenizações legalmente previstas para esse tipo 
de caso, como foi o genocídio do povo judeu pelo regime nazista (Flauzina, 
2014). Em seu sentido conotativo, está o uso da categoria genocídio como 
capaz de elucidar as conexões entre as violências e violações perpetradas 
contra a população negra, tratadas, via de regra, pelo Estado e pelas polí-
ticas sociais como problemas isolados. Nesse sentido, a predominância de 
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pessoas negras entre os casos de mortalidade materna, de evasão escolar 
e de encarceramento não são fenômenos independentes (Almeida, 2015). 
Estão essencialmente ligados por esse processo genocida, que é perverso, 
pelo fato de transcorrer ao longo dos séculos de existência do país, sem 
nunca ser enunciado enquanto tal, mas sempre como uma “coincidência” 
de tragédias (Ortegal, 2016).
É a categoria genocídio negro que traduz esse processo ativo, dotado de 
intencionalidade e racialmente determinado. É essa a categoria responsável 
por retirar a questão do racismo de seu local clássico, sobretudo no Brasil, de 
passividade, aleatoriedade, condicionado-a como subproduto das desigual-
dades de classe do capitalismo. Esse genocídio não pode ser compreendido 
sem que se compreenda também a diáspora negra, como categoria que dá ao 
racismo a profundidade histórica que este possui, desvelando os contínuos 
persistentes até hoje entre oque ocorreu no início do século XVI e o que 
acontece em pleno século XXI com a população negra. É o que complexi-
fica as relações sociais no Brasil e que faz emergir outras referências para 
a composição dos processos de opressão, revelando o caráter racista nas 
composições intragênero, intraclasse e outras. Por ser uma categoria dual, 
diferentemente da categoria essencialmente negativa que é o genocídio, 
a diáspora traduz não apenas a violência do sequestro e do apagamento 
da identidade de um povo. Aponta também para, a partir da consciência 
dos processos de violência, as possibilidades de reconexões históricas e 
epistemológicas com aquilo que fora apartado no processo diaspórico, e, 
consequentemente, abre novas possibilidades para a reorganização desse 
povo oprimido e sua luta.
Com essa contribuição teórica trazida pelas categorias genocídio e 
diáspora, a categoria racismo adquire outro patamar de complexidade, pro-
fundidade e também centralidade no processo de compreensão da história e 
da realidade brasileira. Esse processo atravessa e é também atravessado pela 
colonialidade e pela dependência, categorias que intitulam duas escolas de 
pensamento que, por sua criticidade e relevância, serão aqui discutidas, num 
esforço introdutório de aproximação e interlocução entre elas.
425Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
Teorias críticas para a realidade brasileira: a perspectiva decolonial e a teoria do 
capitalismo dependente 
Assim como é equivocada a ideia aqui já discutida de que o racismo 
é meramente uma expressão ou um subproduto das desigualdades sociais 
capitalistas,10 é também insuficiente a tentativa de compreensão da dinâmi-
ca do racismo no Brasil ignorando a tarefa de situar as relações raciais na 
estrutura social e econômica em que estão inseridas. Esse esforço implica ir 
além do superficial. Ir além de se afirmar, por exemplo, que o país vive sob 
o regime capitalista, socioeconomicamente dividido entre classes desiguais, 
de modo que a parcela minoritária da população brasileira vive em condição 
de abundância patrimonial, enquanto a maior parte da população vive em 
condições de pobreza ou extrema pobreza.11 Informações como estas, embora 
verídicas, são apenas a expressão superficial da realidade social, que mantém 
ocultas as estruturas e dinâmicas que determinam e produzem tal realidade.
A hegemonia da produção de teorias e recomendações a respeito do 
desenvolvimento dos países dentro do modelo capitalista estão concentradas 
em agências internacionais, como o Banco Mundial e países dominantes, 
com destaque para os Estados Unidos (Burginski, 2016). Uma análise su-
perficial e imediata poderia induzir a crer que a obediência às perspectivas 
e recomendações feitas pelas agências e países posicionados no topo do 
mundo capitalista levariam os países menos desenvolvidos a um patamar 
mais próximo ao daqueles em melhor situação. É justamente em contraposi-
ção a esse tipo de proposta que se levantam teorias como a chamada teoria 
marxista da dependência.
10. Diversos são os dados que evidenciam que raça e classe muitas vezes possuem incidências desa-
gregadas. Além das taxas de homicídios entre jovens já mencionadas, a taxa de homicídios entre mulheres, 
no período de 2003 a 2013, aumentou 54,2% entre mulheres negras, enquanto reduziu 9,8% entre mulheres 
brancas (Waiselfisz, 2014). 
11. O recente relatório da Oxfam Brasil (2017) apresenta dados importantes dessa realidade social do 
país. Esse panorama, no entanto, deve ser o ponto de partida de uma discussão mais ampla sobre a repro-
dução social no Brasil. Tratado como ponto de encerramento do assunto, o debate resta superficial, como 
recorrentemente tem sido.
426 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
Desenvolvida a partir dos anos 1960, essa teoria dedica-se a compreen-
der a condição dependente dos países periféricos como elemento da própria 
lógica de funcionamento da economia capitalista mundial (Carcanholo, 2013). 
Dentro dessa perspectiva, não se considera possível compreender a realidade 
de um país como o Brasil a partir da ideia de que todos os países possuem 
condições igualitárias de desenvolvimento no capitalismo. Deixando de lado 
classificações eufemísticas como as de países desenvolvidos e em desenvolvi-
mento, utilizadas pelo Fundo Monetário Internacional (2008), Nações Unidas, 
entre outras, essa teoria afirma que o sistema capitalista, que só pode ser 
compreendido em sua totalidade, é regido por uma dialética da dependência 
(Marini, 1973). Nessa perspectiva, desenvolvimento e subdesenvolvimento, 
ou dependência, estão profundamente conectados, de modo que a dependên-
cia e subordinação dos países de capitalismo periférico são o outro lado da 
moeda do desenvolvimento dos países centrais. Desse modo, a inserção dos 
países periféricos na divisão internacional das economias capitalistas não 
estaria orientada para atingir seu próprio desenvolvimento ou independência:
Em outros termos, é a partir de então que se configura a dependência, entendida 
como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em 
cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou re-
criadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. (Marini, 1973, p. 4)
Em sua obra Capitalismo dependente e classes sociais na América La-
tina (1973) Florestan Fernandes nega a pretensa universalidade do processo 
capitalista de desenvolvimento das classes sociais na Europa e passa a analisar 
a realidade sócio-histórica a partir de suas singularidades, sem, no entanto, 
desvinculá-la do contexto internacional. O que encontra a partir da análise 
histórica, estrutural e crítica empreendida é que a relação de subordinação 
dos países latino-americanos aos países de capitalismo central impossibilitou 
que as transformações sociais ocorressem conforme o esperado nas colônias 
recém-independentes. Segundo Fernandes (1973), as classes sociais na Amé-
rica Latina não se formaram como nos países europeus, e as principais razões 
para isso seriam justamente a relação de dependência e subordinação que é 
427Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
exercida, bem como a herança colonial e escravagista que, em vez de superada, 
foi atualizada e reaproveitada para a nova realidade social do continente e, 
portanto, no Brasil. Dessa forma, as classes dominantes internacionais são 
responsáveis por limitar e condicionar o desenvolvimento e a realidade social 
brasileira, em um processo que é intensificado pelo fato de que as classes 
dominantes no período colonial-escravagista não cederam lugar a uma nova 
classe essencialmente burguesa e industrial, mantendo então os mesmos di-
namismos coloniais que lhes favoreciam no período anterior (Idem).
Nessa dinâmica, o desenvolvimento do capitalismo na América Latina 
conduz não ao antigo colonialismo e nem a um desenvolvimento autônomo 
como em outras partes do mundo, mas justamente a essa forma de depen-
dência, inclusive levada pelas classes dominantes locais que se beneficiam 
disso e conseguem, nessa dinâmica do capitalismo dependente, tirar proveito, 
assim como as classes dominantes externas (Idem).
Mesmo sem explicitar e desenvolver de forma mais substancial os com-
ponentes raciais presentes nesse processo, a leitura de Florestan Fernandes 
possibilita ampliar a compreensão sobre a realidade racialmente estabelecida 
nesse processo em um país como o Brasil — o mais tardio das Américas a 
abolir oficialmente a escravidão. Nesse processo que combina — traduzido 
pela ideia de dependência — as raízes e a essência de um colonialismo 
abandonado formalmente com um capitalismo periférico, subalternizado 
na divisão econômica global, mas que, embora subdesenvolvido, resulta em 
intenso desenvolvimento restrito para as elites internacionais e nacionais. 
Duas elites que, embora separadas por habitarem países diferentes, estão 
intimamente relacionadas do pontopelo aspecto racial que partilham.
Essa contradição que ao mesmo tempo distingue e unifica essas elites, e 
que é peça fundamental para a compreensão da dinâmica social de um país, 
embora seja muitas vezes desconsiderada, é um dos objetos de interesse da 
decolonialidade. Em “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América 
Latina”, Aníbal Quijano busca evidenciar justamente a força da coloniali-
dade nas relações de poder e afirma que “o processo de independência dos 
Estados na América Latina sem a descolonização da sociedade não pôde ser, 
428 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
não foi, um processo em direção ao desenvolvimento dos Estados-nação 
modernos, mas uma rearticulação da colonialidade do poder sobre novas 
bases institucionais” (2005, p. 123-124).
Para a decolonialidade, importa muito mais a dinâmica dos processos 
do que aquilo que é oficialmente estabelecido, como, por exemplo, o fim 
da escravidão negra e a independência do Brasil. O movimento teórico 
realizado por essa perspectiva é, ao mesmo tempo, de crítica às narrativas 
estabelecidas, geralmente produzidas pelo colonizador, e de elaboração e 
resgate de narrativas e epistemologias que partam de outros lugares, como, 
por exemplo, do chamado Sul global,12 e também por sujeitos que encarnam 
ou vivenciam essa experiência de subalternização/colonização, ainda que 
vivam no centro do centro do mundo.
Nesta perspectiva, é tarefa da maior importância a descentralização 
do poder de enunciação da verdade, de posse das colônias, e da pretensa 
universalização que estas sugerem (Bernardino-Costa e Grosfoguel, 2016). 
Do exercício realizado pela decolonialidade, contudo, emergem no centro 
das narrativas não apenas os territórios de países de lugares geográficos. Os 
sujeitos que as produzem também são objeto de preocupação. E no caso do 
debate racial, no qual historicamente o negro sempre foi muito tematizado, 
mas muito pouco escutado, o exercício de desconcentrar o poder de voca-
lização do sujeito clássico, branco e masculino é não apenas um esforço 
decolonial, mas, de fato, um esforço antirracista. 
Considerações finais
A história do Brasil é marcada pela invasão colonial exploratória e 
pela escravidão racializada, que resultaram posteriormente num capitalis-
mo tardio, periférico e estruturalmente racista. Diante do que foi discutido 
12. O Sul global pode ser definido aqui como a referência que busca aglutinar países que se assemelham 
em sua condição de subalternidade para além da posição cartográfica que ocupam.
429Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 413-431, set./dez. 2018
neste artigo, fica evidente que, para compreender essa realidade são ne-
cessárias teorias que atentem para tais particularidades. É nesse sentido 
que se buscou aproximar e fazer dialogar as teorias da dependência e 
da decolonialidade.
É importante ressaltar que, mais do que explicar e descrever tais teorias, 
o exercício aqui proposto foi de apresentar a possibilidade de contribuição e 
convergência de cada uma delas, no contexto da interpretação das relações 
raciais no Brasil.
Além disso, o debate sobre genocídio e diáspora negra, aqui apresentado 
brevemente, objetiva acrescentar ao debate sobre questão racial a devida 
complexidade que possui e que é tão frequentemente ignorada em produ-
ções, debates e agendas institucionais sobre o assunto. Considerando que as 
políticas sociais na sociedade capitalista expressam embates e correlações de 
forças (Behring e Boschetti, 2006), faz-se importante que as formulações e 
estudos a respeito destas, numa perspectiva de totalidade, também incluam 
tensões raciais aqui apresentadas, além das de classe, gênero, sexualidade 
e outras. E tendo em vista o caráter crítico e socialmente comprometido 
das perspectivas teóricas aqui discutidas, faz-se importante afirmar que, se 
a realidade do agora é de opressão e exploração, que ela possa ser, então, 
mais do que compreendida. Que seja abolida e superada.
Recebido em 23/1/18 ■ Aprovado em 20/6/18
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Nota do autor
Leonardo Ortegal — Assistente social, professor de Serviço Social, membro do Núcleo 
de Estudos Afro-Brasileiros da UnB. E-mail: ensejo@gmail.com
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
mailto:ensejo@gmail.com
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http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.152
A relação de classe e raça na formação 
da classe trabalhadora brasileira
The relationship of class and race in shaping the Brazilian working class
Ellen Caroline Pereiraa
Simone Sobral Sampaiob
RESUMO: O propósito deste artigo é apresentar 
e analisar, ainda que sucintamente, através de 
Fernandes (2007), Ianni (1978) e Moura (1992) a 
complexidade da relação classe e raça no enten-
dimento da composição da classe trabalhadora 
brasileira. Parte-se da compreensão de que as 
teorias racialistas, mesmo no processo de transição 
do escravismo para as relações de trabalho na 
sociedade capitalista, persistiram na formação da 
classe trabalhadora brasileira.
Palavras-chave: Escravismo. Capitalismo. Classe 
trabalhadora. 
ABSTRACT: The purpose of this article is to 
briefly present and analyze the complexity of 
class and race relations in the understanding of the 
composition of the Brazilian working class, through 
Fernandes (2007), Ianni (1978) and Moura (1992). 
One The must begin by understanding that racialist 
theories persisted in the formation of the Brazilian 
Working class and that this happened since very 
beginning of the process of transition from slavery 
to labor relations in capitalist society.
Keywords: Slavery. Capitalism. Working class.
Introdução 
As mudanças no sistema produtivo no Brasil e as novas composições 
da força de trabalho, presentes no início do século XX, são decisivas 
para o entendimento do processo organizativo da classe trabalha-
dora, seja mediado pela sua inserção produtiva no mercado de trabalho, seja 
aPrograma de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio 
de Janeiro - RJ, Brasil.
bDepartamento de Serviço Social (graduação e pós-graduação) da Universidade Federal de Santa Catarina 
(UFSC), Florianópolis - SC, Brasil.
433Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
através da compreensão dos sujeitos que a compõem, mesmo que alijados 
dessa inserção. Ainda que não seja objeto do presente artigo, vale destacar 
dois acontecimentos relevantes dos anos de 1930 no Brasil: a fundação do 
Partido Comunista Brasileiro em 1929 e a formação da Frente Negra Brasileira 
(1931-7). A riqueza desse momento histórico é elucidativa da necessidade 
de analisar a complexidade constituinte da formação da classe trabalhadora 
brasileira, inseparável do processo organizativo da população negra no Brasil. 
Segundo Florestan Fernandes (2007, p. 260), “como a economia de 
trabalho livre se organizou sobre um patamar pré-capitalista e colonial, seria 
lamentável se ignorássemos como as determinações de raças se inseriram 
e afetaram as determinações de classes”. Se essa análise é absolutamente 
pertinente para entender o nascimento do capitalismo brasileiro, ela também 
providencia poderosos elementos para compreender a formação da classe 
trabalhadora no país. É acerca desse aspecto que se pretende discorrer no 
ensaio que ora se apresenta. 
As classes sociais, na perspectiva marxista, são demarcadas a partir 
do modo de produção capitalista e pressupõe a apropriação da riqueza so-
cialmente produzida pela classe dominante — a burguesia —, a partir da 
exploração da força de trabalho da classe trabalhadora, que vende por meio 
de seu corpo a capacidade laborativa. Todo esse processo constituinte do 
capitalismo, produtor da exploração do homem pelo homem, marca essa 
sociedade pela divisão dessas duas classes — a dominante e a trabalhado-
ra —, e é essa divisão que produz as infindas desigualdades, pois tudo o que 
o trabalhador produz é apropriado por uma minoria, os donos dos meios de 
produção, a burguesia. (Marx, 2013)
Parte-se da ideia de que essa classe se perfaz nas singularidades dos dife-
rentes sujeitos e grupos que a constituem e, ao longo da história, reivindicam 
interesses comuns, mas também diferentes, em virtude das especificidades 
produzidas pelos lugares que ocupam.
Todavia, a classe social não é apenas resultado do lugar que se ocupa 
no modo de produção capitalista, se detentor dos meios de produção ou 
se possuidor apenas de sua força de trabalho. Esse tipo de definição seria 
434 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
meramente descritivo se não levasse em conta a processualidade conflitiva 
que lhe é constituinte, pois que é no antagonismo da luta que a classe tra-
balhadora forja-se a si mesma. Quer dizer, é a luta de classes o motor das 
relações sociais e das classes que a compõem.
A escravidão como um dos pilares estruturantes do capitalismo 
Octavio Ianni, em seu livro Escravidão e racismo, evidencia a relação 
entre escravidão e capitalismo demonstrando como esses aspectos se consti-
tuem simultaneamente, ao mencionar que “o mesmo processo de acumulação 
primitiva, que na Inglaterra estava criando algumas condições histórico-es-
truturais básicas para a formação do capitalismo industrial, produzia no Novo 
Mundo a escravatura, aberta ou disfarçada”. O autor trata do tema a partir 
da discussão acerca da acumulação primitiva do capital, compreendida por 
ele como o “processo social, político e econômico mais característico de 
transição do feudalismo para o capitalismo” (Ianni, 1978, p. 4). 
Foi o capital comercial que comandou a consolidação e a generalização do 
trabalho compulsório no Novo Mundo. Toda formação social escravista dessa 
área estava vinculada, de maneira determinante, ao comércio de prata, ouro, 
fumo, açúcar, algodão e outros produtos coloniais. Esses fenômenos, protegidos 
pela ação do Estado e combinados com os progressos da divisão do trabalho 
social e da tecnologia, constituíram, em conjunto, as condições da transição 
para o modo capitalista de produção. Assim, para compreender em que medida 
o mercantilismo “prepara” o capitalismo, é necessário que a análise se detenha 
nos desenvolvimentos das forças produtivas e das relações de produção. Mas 
para compreender esses desenvolvimentos é preciso situá-los no âmbito das 
transformações estruturais englobadas na categoria acumulação primitiva. 
Nesse sentido é que a acumulação primitiva expressa as condições históricas 
da transição para o capitalismo. Foi esse o contexto histórico no qual se criou 
o trabalhador livre, na Europa, e o trabalhador escravo, no Novo Mundo. Sob 
esses aspectos, pois, o escravo, negro ou mulato, índio ou mestiço, esteve na 
origem do operário. (Idem, p. 8)
435Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
Evidencia-se ainda, que para o autor “a exploração do trabalho com-
pulsório, em especial do escravo, estava subordinada aos movimentos do 
capital comercial europeu” (Idem). Ele observa que a expansão e o funcio-
namento do capital mercantil cria um paradoxo, que se dá pela coexistência 
do trabalho livre e do trabalho escravo. Segundo Ianni (1978, p. 12), “no 
limite, o escravo estava ajudando a formar-se o operário”, ou seja, a escra-
vidão “estava dinamicamente relacionada com o processo de gestação do 
capitalismo na Europa”. Se por um lado a análise de Ianni (1978) aponta a 
relação entre a escravização efetivada nos territórios coloniais e a formação 
do proletariado europeu, por outro, essas mesmas reflexões são decisivas 
à compressão do processo de escravização como condição necessária ao 
desenvolvimento do capitalismo. 
Marx (2013, p. 514) evidencia que a acumulação primitiva é“prévia 
à acumulação capitalista, uma acumulação que não é resultado do modo 
de produção capitalista, mas seu ponto de partida”. De acordo com ele 
(p. 515), “ela aparece como ‘primitiva’ porque constitui a pré-história do 
capital e do modo de produção que lhe corresponde”. Considerando tais 
aspectos, o que Ianni (1978) demonstra — conforme já mencionado — é 
que a escravidão é um dos aspectos constituintes do capitalismo e trará 
diferentes implicações nas diferentes partes do mundo. Ao encontro dessa 
perspectiva, Florestan Fernandes (2007, p. 260) esboça questões que coadu-
nam com o discorrido, afirmando que “como a economia de trabalho livre 
se organizou sobre um patamar pré-capitalista e colonial, seria lamentável 
se ignorássemos como as determinações de raças se inseriram e afetaram as 
determinações de classes”. Mas no que esses aspectos afetam a formação 
da classe trabalhadora brasileira? 
Tem-se, aqui, elementos que dão condições para pensar acerca das 
especificidades da classe trabalhadora brasileira, em uma realidade na qual 
a escravidão é, sumariamente, parte constitutiva do capitalismo, servindo 
historicamente ao desenvolvimento do capitalismo desde a sua gênese. 
Um dos elementos marcantes que garantiu o lugar da escravidão 
nesse processo, perpetuando-o por outros meios, foi a difusão das teorias 
436 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
racialistas. Vale dizer que as teorias racialistas não foram suspensas com a 
abolição da escravatura. Ao contrário, essas teorias raciais que, ao longo da 
história, fizeram da diferença, desigualdade, foram incorporadas na vida 
social brasileira e imbricadas ao sistema capitalista, passando a determinar 
as formas de organização do trabalho. Clóvis Moura, em seu livro História 
do negro brasileiro (1992), ao tratar da crise do sistema escravista no Brasil 
afirma que, antes mesmo do fim da escravidão, se cria no país o mito da 
superioridade do trabalhador branco. 
[...] de um lado aumenta a demanda internacional pelo café e, de outro, aumenta 
o preço do escravo internamente. Isto levará a que alguns segmentos, mercantis 
ou com capitais paralisados com a extinção do tráfico, se organizem no sentido 
de suprir a procura de braços. Mas, como esses segmentos visavam uma taxa 
de lucro elevada e altamente compensadora, não irão recrutar o trabalhador 
nacional não branco e em particular o negro. Essa mão de obra é descartada 
já antes da abolição, e se cria o mito da superioridade do trabalhador branco 
importado que traria, consigo, os elementos culturais capazes de civilizar o 
Brasil. (Moura, 1992, p. 56) 
Ou seja, de acordo com Moura, ainda que a mão de obra branca imi-
grante fosse mais cara, e mesmo que sem experiência e condições técnicas 
para o trabalho aqui exigido, o “trabalhador branco importado traria consigo 
os elementos culturais capazes de civilizar o Brasil”. Desta forma, a mão de 
obra negra “é descartada já antes da abolição”, a partir de uma concepção 
de superioridade racial branca, pautada no parecer “científico” higienista. 
Tais aspectos se associam e dão forma à política de branqueamento no país, 
que determina historicamente que o negro — para ser “aceito” — precisa 
se enquadrar nos padrões da “civilidade branca”, ou seja, no “mundo dos 
brancos”, como analisa Florestan Fernandes em sua obra, 
O negro foi exposto a um mundo social que se organizou para os segmentos 
privilegiados da raça dominante. Ele não foi inerte a esse mundo. Doutro lado, 
esse mundo também não ficou imune ao negro. Todos os que leram Gilberto 
Freyre sabem qual foi a dupla interação, que se estabeleceu nas duas direções. 
437Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
Todavia, em nenhum momento essas influências recíprocas mudaram o sentido 
do processo social. O negro permaneceu sempre condenado a um mundo que 
não se organizou para tratá-lo como ser humano e como “igual”. Quando se 
dá a primeira grande revolução social brasileira, na qual esse mundo se desin-
tegra em suas raízes — abrindo-se ou rachando-se através de várias fendas, 
como assinalou Nabuco — nem por isso ele contemplou com equidade as 
“três raças” e os “mestiços” que nasceram de seu intercruzamento. Ao con-
trário, para participar desse mundo, o negro e o mulato se viram compelidos 
a se identificar com o branqueamento psicossocial e moral. Tiveram de sair 
de sua pele, simulando a condição humana-padrão do “mundo dos brancos”. 
(Fernandes, 2007, p. 33, grifos no original)
A análise de Moura (1992, p. 62) coaduna com o discorrido por Florestan 
Fernandes, indicando em seu trabalho como a política de branqueamento operou 
já no fim da escravidão, evidenciando que “o trabalhador nacional descendente 
de africanos seria marginalizado e estigmatizado”, “o ideal de branqueamento 
das elites seria satisfeito, e as estruturas arcaicas de propriedade continuariam 
intocadas”. Neste sentido, para Moura (Idem), “o negro, ex-escravo, é atirado 
como sobra na periferia do sistema de trabalho livre, o racismo é remanipula-
do” o que cria “mecanismos de barragem para o negro em todos os níveis da 
sociedade, e o modelo do capitalismo dependente é implantado, perdurado até 
hoje”. Ou seja, no caso brasileiro, esses elementos demarcam o lugar que o 
Brasil ocupará na divisão internacional do trabalho, já no capitalismo. 
Sobre as marcas desse processo, o “retrato das desigualdades de gênero 
e raça” publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — Ipea, 
aponta informações que dão mostras dos níveis de subalternização e explo-
ração que se perpetuam atualmente, tais como: 
A taxa de desocupação dos homens passou de cerca de 5%, em 1995, para, 
aproximadamente, 6%, em 2009, ao passo que, para as mulheres, o resultado 
variou de cerca de 7% para 11%, em relação aos mesmos intervalos conside-
rados. O desemprego é também uma realidade permeada de desigualdades de 
gênero e raça. Assim, a menor taxa de desemprego corresponde à dos homens 
brancos (5%), ao passo que a maior remete às mulheres negras (12%). No 
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intervalo entre os extremos, encontram-se as mulheres brancas (9%) e os 
homens negros (7%). (Ipea, 2011, p. 27)
[...]
Quando se combinam as desigualdades de gênero e raça, percebe-se que as 
diferenças se acentuam: enquanto, em 2009, os homens brancos possuíam o 
maior índice de formalização (43% com carteira assinada), as mulheres negras 
apresentavam o pior (25% com carteira assinada). (Idem)
[...]
Finalmente, a distribuição por setor de atividade é igualmente importante 
para qualificar o padrão de inserção da população no mercado. É possível 
verificar que o setor de serviços apresentou um aumento expressivo no pe-
ríodo analisado, tanto para os homens, quanto para as mulheres ocupadas, 
embora seu detalhamento revele peculiaridades. Os dados evidenciam uma 
clara segmentação ocupacional, tanto relacionada ao gênero, quanto à raça. 
As mulheres, especialmente as negras, estão mais concentradas no setor de 
serviços sociais (cerca de 34% da mão de obra feminina), grupo que abarca 
os serviços de cuidado em sentido amplo (educação, saúde, serviços sociais e 
domésticos). Já os homens, sobretudo os negros, estão sobrerrepresentados na 
construção civil (em 2009, este setor empregava cerca de 13% dos homens e 
menos de 1% das mulheres). O setor agrícola apresentou queda generalizada 
na oferta de empregos, mas segue sendo atividade relevante, especialmente 
para os homens e na região Nordeste. Já o nível de emprego na indústria man-
teve-se relativamente estável (com leve aumento), sobretudo no Sul e Sudeste, 
seguindo empregando mais homens, sobretudo brancos. (Idem)
Ainda sobre esse processo de marginalização, delineado por Moura 
(1992), é relevante destacar que a condição da cor agrava-se quando ob-
servada a condição de gênero. Pode-se verificar que dentre as taxas de 
desemprego, a menor delas está entre homens brancos, e a maior, entreas 
mulheres negras. Além disso, os dados demonstram o mesmo fluxo quando 
se trata da formalização do trabalho. Ao tratar da distribuição do trabalho, 
o estudo citado anteriormente demonstra que as mulheres negras — em 
sua maioria — ocupam o setor de serviços, e o homem negro, o espaço de 
trabalho da construção civil. 
439Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
Ora, se o “ex-escravo é jogado como sobra na periferia do trabalho li-
vre”, parece que a ele seria destinado o exército industrial de reserva, já que 
sua mão de obra era considerada “inferior” em detrimento da mão de obra 
branca. Para Marx (2013, p. 707), o exército industrial de reserva corresponde 
a “uma população trabalhadora excedente” que é um “produto necessário da 
acumulação ou desenvolvimento da riqueza com base capitalista” porque, nas 
palavras dele “essa superpopulação se converte” em “alavanca de acumulação 
capitalista, e até mesmo numa condição de existência do modo de produção 
capitalista”. Ou seja, “ela constitui um exército industrial de reserva dispo-
nível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se ele tivesse 
criado por sua própria conta”, sendo que a formação desse exército permite 
que o valor da força de trabalho seja regulado de acordo com o mercado. 
Contudo, o que a história nos aponta é que o trabalhador escravizado 
— pelo menos no caso brasileiro — ocupou o lugar de “sobra da sobra”, 
não estando qualificado nem mesmo a ocupar lugar no exército industrial 
de reserva. Florestan Fernandes, em sua obra A integração do negro na 
sociedade de classes, explica esse processo ao sinalizar que, 
Nas zonas onde a prosperidade econômica desaparecera, os senhores já se 
haviam desfeito do excesso de força de trabalho escravo, negociando-a com os 
fazendeiros do leste e do sul. Para eles, a abolição era uma dádiva: livravam-se 
de obrigações onerosas ou incômodas, que os prendiam aos remanescentes da 
escravidão. Nas zonas onde a prosperidade era garantida pela exploração do 
café, existiam dois caminhos para corrigir a crise gerada pela transformação 
da organização do trabalho. Onde a produção se encontrava em níveis bai-
xos, os quadros da ordem tradicionalista se mantinham intocáveis: como os 
antigos libertos, os ex-escravos tinham de optar, na quase totalidade, entre a 
reabsorção no sistema de produção, em condições substancialmente análogas 
às anteriores, e a degradação de sua situação econômica, incorporando-se 
à massa de desocupados e de semiocupados da economia de subsistência do 
lugar ou de outra região. Onde a produção atingia níveis altos, refletindo-se no 
padrão de crescimento econômico e de organização do trabalho, existiam reais 
possibilidades de criar um autêntico mercado de trabalho: aí, os ex-escravos 
tinham de concorrer com os “trabalhadores nacionais”, que constituíam um 
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verdadeiro exército de reserva (mantido fora de atividades produtivas, em 
regiões prósperas, em virtude da degradação do trabalho escravo) e, principal-
mente, com a mão de obra importada da Europa, com frequência constituída 
por trabalhadores mais afeitos ao novo regime de trabalho e às suas implicações 
econômicas ou sociais. Os efeitos dessa concorrência foram altamente prejudi-
ciais aos antigos escravos, que não estavam preparados para enfrentá-la. Mas 
correspondiam aos interesses dos proprietários de terras e donos de fazendas, 
tanto quanto aos mecanismos normais da ordem econômica emergente. Em 
consequência, ao contrário do que se poderia supor, em vez de favorecer, as 
alternativas da nova situação econômica brasileira solapavam, comprometiam 
ou arruinavam, inexoravelmente, a posição do negro nas relações de produção 
e como agente de trabalho. (Fernandes, 2008, p. 31-32, grifos nossos)
O autor continua, 
[...] ainda nos fins do século XIX, todas as posições estratégicas da economia 
artesanal e do pequeno comércio urbano eram monopolizadas pelos brancos 
e serviam como trampolim para as mudanças bruscas de fortuna, que abrilhan-
tam a crônica de muitas famílias estrangeiras. (Idem, p. 33-34; grifos nossos)
Importa registrar que nesse período tem-se uma alta taxa de entrada de 
imigrantes (trabalhadores brancos) no país. Skidmore (2012, p. 87), constata 
que “ocorreu um rápido aumento na população ‘branca’ entre 1890 e 1950”, 
sendo que, 
A porcentagem de brancos, tal como definidos pelo censo oficial, cresceu de 
44% em 1890 para 62% em 1950. O declínio concomitante da população de 
cor foi mais intenso na categoria mulatos entre 1890 e 1940, caindo de 41% 
para 21%, embora aumentasse para 27% em 1950 [...].
Sendo assim, os ex-escravos e/ou libertos passam a ocupar o que aparece 
em O capital como o segmento “mais baixo da superpopulação relativa”. Para 
Marx (2013, p. 470-471), “o sedimento mais baixo da superpopulação relativa 
habita, por fim, a esfera do pauperismo”. De acordo com ele, “abstraindo 
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dos vagabundos, delinquentes, prostitutas, em suma, do lumpemproletariado 
propriamente dito, essa camada social é formada por três categorias”, sendo: 
Em primeiro lugar, os aptos ao trabalho. Basta observar superficialmente as 
estatísticas do pauperismo inglês para constatar que sua massa engrossa a cada 
crise e diminui a cada retomada dos negócios. Em segundo lugar, os órfãos e 
os filhos de indigentes. Estes são candidatos ao exército industrial de reserva e, 
em épocas de grande prosperidade, como, por exemplo, em 1860, são rápida e 
massivamente alistados no exército ativo de trabalhadores. Em terceiro lugar, 
os degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho. Trata-se especial-
mente de indivíduos que sucumbem por sua imobilidade, causada pela divisão 
do trabalho, daqueles que ultrapassam a idade normal de um trabalhador e, 
finalmente, das vítimas da indústria — aleijados, doentes, viúvas etc. —, cujo 
número aumenta com a maquinaria perigosa, a mineração, as fábricas químicas 
etc. O pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército trabalhador ativo 
e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída 
na produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, 
e juntos eles formam uma condição de existência da produção capitalista e 
do desenvolvimento da riqueza. O pauperismo pertence aos faux frais [custos 
mortos] da produção capitalista, gastos cuja maior parte, no entanto, o capital 
sabe transferir de si mesmo para os ombros da classe trabalhadora e da pequena 
classe média. (Marx, 2013, p. 470-471, grifos nossos)
Não se pretende aqui transpor o que Marx (2013) descreveu como 
“sedimento mais baixo da superpopulação relativa”, de maneira mecânica 
para a realidade brasileira quando tratamos do fim da escravidão, mas sim 
refletir sobre as interfaces que permeiam essa categoria, quando pensamos 
as especificidades de nossa formação social. Ou seja, entende-se que no caso 
brasileiro não é necessário que o negro seja “degradado, maltrapilho, inca-
pacitado para o trabalho”, para que componha esse lugar, porque o racismo 
já destinou a ele — pela sua insígnia — o lugar de “incapaz”, “inferior”, 
“vagabundo” e de tantos outros atributos que o subjugam. Tais aspectos 
traduzem aos negros o adjetivo de “classe perigosa”, denominação clássica 
— da administração pública do século XIX — atribuída a qualquer pessoa 
que fosse um potencial desagregador da ordem. 
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Sidney Chalhoub (1996) ao descrever historicamente os processos de 
expulsão e higienização dos cortiços no início do século XX, explicita as 
relações e disputas que perfazem esse espaço, formado predominantemente 
pela população negra. Dentre outras questões, o autor evidencia, a partir 
daquele ambiente, que a utilização do conceito de “classes perigosas” no 
Brasil, desde seu princípio, fez com que “os negros se tornassemos suspeitos 
preferenciais” (p. 23). De acordo ele, 
Na discussão sobre repressão à ociosidade em 1888, a principal dificuldade dos 
deputados era imaginar como seria possível garantir a organização do mundo 
do trabalho sem recurso às políticas de domínio características do cativeiro. Na 
escravidão, em última análise, a responsabilidade de manter o produto direto 
atrelado à produção cabia a cada proprietário/senhor individualmente. Este 
organizava as relações de trabalho em sua unidade produtiva através de uma 
combinação entre coerção explícita e medidas de proteção e “recompensas” 
paternalistas — uma combinação sempre arriscada, aprendida no próprio 
exercício cotidiano da dominação. Com a desagregação da escravidão, e a 
consequente falência das práticas tradicionais, como garantir que os negros, 
agora libertos, sujeitassem a trabalhar para a continuidade da acumulação de 
riquezas de seus senhores/patrões? (Chalhoub, 1996, p. 23-24)
O Código Penal de 1890 (Decreto n. 847/1890) oferece indícios des-
ses processos. Além da evidente criminalização da pobreza que ofereceria 
“perigo” à segurança pública, em seu capítulo XIII, intitulado “Dos vadios 
e capoeiras”, associa a prática desta última a uma infração e, consequente-
mente, à sua criminalização, como se pode observar nos artigos que seguem, 
Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e destreza 
corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com 
armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando 
tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor 
de algum mal:
Pena — de prisão cellular por dous a seis mezes.
Paragrapho unico. É considerado circumstancia aggravante pertencer o ca-
poeira a alguma banda ou malta.
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Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
Art. 403. No caso de reincidencia, será applicada ao capoeira, no gráo maximo, 
a pena do art. 400.
Paragrapho unico. Si for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.
Art. 404. Si nesses exercicios de capoeiragem perpetrar homicidio, praticar 
alguma lesão corporal, ultrajar o pudor publico e particular, perturbar a ordem, 
a tranquilidade ou segurança publica, ou for encontrado com armas, incorrerá 
cumulativamente nas penas comminadas para taes crimes. (Brasil, 1890) 
Apesar de o Código Penal não explicitar de maneira direta a crimina-
lização da pobreza e a definição de classe perigosa associada à insígnia de 
raça (pretos e mestiços), evidencia essa relação ao tratar da capoeira, por 
exemplo, prática esta de resistência da população negra afrodescendente 
desde a escravidão. 
Também fazia parte do discurso entre os parlamentares da época uma 
forte produção de estereótipos em torno da população negra. Sobre isso, é 
notória as duas ideias sobre os “vícios” dos libertos. Uma delas imputa o 
“vício” como resultado das condições de vida nos cativeiros quando escra-
vos, e a outra como algo que não se pode transformar, porque é resultante 
de sua própria natureza. Mesmo que apresente diferentes hipóteses acerca 
do que provocaria os “vícios” do liberto, é consenso o fato de que ele era 
“possuidor de ‘todos os vícios’”. 
De início, o deputado afirma algo que sugerimos há pouco: o “Estado” passa 
a ter o “dever imperioso” de agir decididamente na política de controle social 
dos trabalhadores. Em seguida, encontramos novamente uma certa confusão 
de ideias. Ao tentar explicar o que ele pressupõe sem nenhum esforço de 
comprovação — o “fato” de o liberto ser possuidor de “todos os vícios” —, 
nosso deputado mostra-se indeciso. Primeiramente, atribui os tais vícios dos 
negros a “seu antigo estado”: as condições de vida no cativeiro seriam as res-
ponsáveis pelo suposto despreparo dos ex-escravos para a vida em liberdade. 
Logo adiante, todavia, e ainda na mesma frase, o parlamentar argumenta que 
a lei de 13 de maio não poderia mesmo ter abolido os vícios dos libertos, pois 
uma lei não pode transformar “o que está na natureza”. Neste caso, o deputado 
já mudou claramente de conversa: os “defeitos” dos negros não se aplicam a 
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partir de um determinado fato social — a escravidão —, porém se situam num 
campo extrínseco à história — a “natureza”. Insinuam-se aqui, sem dúvida, 
as famigeradas teorias racistas, que se tornariam mais influentes nas décadas 
seguintes; e a consequência disso é o que os “defeitos” dos negros podem ser 
pensados como insuperáveis, tornando-se eles, assim, membros potencialmente 
permanentes das classes perigosas. (Chalhoub, 1996, p. 25) 
A intensa produção de déficits no corpo negro produziu, e ainda produz, 
marcas de toda ordem: na composição da classe trabalhadora, marcada pelo 
alijamento da população negra da relação salarial formal — exemplo disso é a 
formalização recente do trabalho das empregadas domésticas —; na segregação 
racista promovida pelo higienismo, na produção de inferioridade e estigma.
Considerações Finais
Os estudos e as investigações dão mostras que a constituição da classe 
trabalhadora brasileira possui não apenas a exploração própria do capitalismo, 
mas é marcada por um profundo processo de subalternização demarcado 
pela escravização e pelo racismo.
Além de compor o segmento mais baixo da superpopulação relativa, 
reduzidos ao pauperismo como “peso morto do exército industrial de reser-
va”, como “custos mortos” que o capital repassa para a classe trabalhadora, 
os negros e negras contam com pouco reconhecimento pelos demais sujeitos 
que compõem a classe trabalhadora.
Como se tudo isso não bastasse, o capitalismo no Brasil constituiu 
o racismo como poderoso veículo de fratura na classe trabalhadora. Essa 
fratura funciona duplamente, isto é, serve para criar formas de opressão que 
maximizam a exploração e, tragicamente, para produzir uma desconfiança no 
interior da própria classe trabalhadora, ou seja, através da produção do medo 
no seu próprio interior, entre seus próprios pares, fragiliza-a politicamente 
enquanto sujeito capaz de promover a revolução. 
Recebido em 16/4/18 ■ Aprovado em 18/6/18
445Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 432-445, set./dez. 2018
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brasileiro. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Notas das autoras
Ellen Caroline Pereira — Assistente social, doutoranda pela UERJ e Mestre em Serviço 
Social pela UFSC. E-mail: p.ellencaroline@hotmail.com
Simone Sobral Sampaio — Assistente social; doutora em Serviço Social pela UFRJ, 
professora associada da UFSC, vice-líder do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Profissão 
e Instituição. E-mail: simone.s@ufsc.br
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.htmlhttp://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html
mailto:p.ellencaroline@hotmail.com
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http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.153
Notas para o debate das relações de 
exploração-opressão na sociedade 
patriarcal-racista-capitalista
Notes for the debate of the relationship between exploitation 
and oppression in a patriarchal-racist-capitalist society
Milena Fernandes Barrosoa
Resumo: O artigo problematiza a relação entre 
exploração e opressão a partir da perspectiva de 
que o capitalismo está fundamentalmente ligado 
ao patriarcado e ao racismo — não como legado, 
mas como necessidade. Destaca-se a importância de 
apreensão desses sistemas de forma consubstanciada 
para uma análise da totalidade, já que, nas relações 
sociais, essas contradições se fundam, como pode 
ser visto, na indissociabilidade entre as determi-
nações de sexo/gênero, étnico-raciais e de classe.
Palavras-chave: Exploração-opressão. Patriarca-
do-racismo-capitalismo. Relações sociais.
Abstract: This article aims to discuss the 
relationship between exploitation and oppression, 
considering capitalism as a system fundamentally 
linked to patriarchy and racism — not as a legacy, 
but as a necessity. It is important to comprehend 
these systems in a substantiated way for an 
analysis of the totality, since these contradictions 
merge in the context of social relations, as can be 
seen in the indissolubility between determinations 
of sex/gender, ethnic-racial and class.
Keywords: Exploitation-oppression. Patriarchy-
racism-capitalism. Social relations.
Introdução
A relação entre exploração e opressão está diretamente relacionada 
à questão da relação estrutural entre patriarcado, racismo e capita-
lismo. Esse tema foi objeto de vários debates, na década de 1970, 
aUniversidade Federal do Amazonas (Ufam), Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ), 
Parintins-AM, Brasil.
447Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
entre teóricos e partidários do pensamento materialista e feminista-marxista 
(Arruzza, 2015). Neste sentido, questiona-se: seria o patriarcado e o racismo 
sistemas autônomos em relação ao capitalismo? Ou ainda: seria o capita-
lismo indiferente ao patriarcado e ao racismo? A partir dessas questões, 
problematiza-se neste artigo a importância de uma unidade dialética entre as 
relações sociais de sexo/gênero, étnico-raciais e de classe para a apreensão 
das contradições que constituem a realidade concreta.
Não é novidade que o modo de produção capitalista atinge ao máximo 
“a contradição presente em todas as formações econômico-sociais anteriores 
assentadas na apropriação privada dos meios de produção e dos produtos do 
trabalho humano” (Saffioti, 2013, p. 53).1 Esse modo de produção tem na 
acumulação o seu motor por meio da produção de mais-valor via explora-
ção do trabalho e engendra relações sociais mediadas por mercadorias, em 
que as necessidades humanas são substituídas pela produção de “coisas” 
alheias a estas. A saturação empírica da mercadoria como categoria, “além 
de fazer-se acompanhar por uma divisão social do trabalho extremamente 
desenvolvida, marca o divórcio entre o valor de uso e o valor de troca dos 
produtos do trabalho” (Idem). Isso ocorre porque o valor de troca passa a 
presidir o processo social da produção, determinando, inclusive, a própria 
força de trabalho e resultando no ocultamento da exploração sob “uma 
aparência puramente econômica, coisificada e quantificada abstratamente, 
fazendo com que as taxas de exploração sejam travestidas de lucratividade” 
(Fontes, 2010, p. 22).2 Assim, é possível afirmar que a mercadoria não se 
1. Marx (2013, p. 262) elucida esse processo ao apreender os pressupostos da relação capital-trabalho: 
“A relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições da realização 
do trabalho. Tão logo a produção capitalista se apoie sobre seus próprios pés, não apenas conserva aquela 
separação, mas a reproduz em escala sempre crescente. Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode 
ser outra coisa que não o processo de separação de trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho”.
2. “Embora o lucro de cada movimento singular do capital decorra da exploração do trabalhador livre 
pelo proprietário (de meios de produção e/ou de recursos sociais de produção), a conversão de dinheiro em 
capital envolve toda a vida social numa complexa relação que repousa sobre a produção generalizada e caó-
tica de trabalhadores cada vez mais ‘livres’, expropriados de todos os freios à sua subordinação mercantil. 
Somente em presença dessas condições sociais o processo produtor de mercadorias, no qual reside a extração 
do mais-valor, pode se realizar. É por obscurecer, por velar tal base social, que a produção capitalista, ou o 
448 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
refere a um objeto em si, mas é a forma pela qual os sujeitos estabelecem 
relações sociais no capitalismo.
Nessa direção, o capitalismo não é apenas um padrão de produção: 
trata-se de um amplo, complexo e expansivo processo histórico-social e 
político-econômico. Seria, portanto, necessariamente ligado ao racismo e 
ao sexismo (Federici, 2017) — não como legado, mas como necessidade 
própria do capitalismo, pois existe “não apenas uma relação simbiótica 
entre o trabalho assalariado contratual e a escravidão, mas também, e junto 
com ela, a dialética que existe entre acumulação e destruição da força de 
trabalho” — situação que as mulheres vivenciam de forma particular através 
da apropriação, opressão e exploração de seus corpos, seu trabalho e sua 
vida. Disso apreende-se a consubstancialidade entre patriarcado, racismo 
e capitalismo e, consequentemente, a indissociabilidade entre exploração 
e opressão. Essa imbricação, com frequência invisível, caracteriza o atual 
modelo societário3 e compõe uma nova realidade historicamente constituída. 
A indissociabilidade entre exploração e opressão
O debate da relação entre exploração e opressão, apesar de profícuo, se 
tornou fora de moda num contexto em que as críticas ao capitalismo retroce-
deram e outras correntes do pensamento feminista se concretizaram (Arruzza, 
2015).4 Ademais, mesmo com o risco de parecer “fora” de tempo, algumas 
teóricas feministas continuaram a trabalhar com essas questões a partir de 
motivações que se mantêm nos dias atuais, entre as quais a necessidade de 
explicar teoricamente as relações estruturais entre opressão e exploração. 
Contudo, esse tema ainda ocupa lugar secundário nos debates políticos e na 
produção teórica referenciada na teoria social crítica em geral. Prevalece, 
momento da atividade produtiva de valorização do capital se apresenta como meramente ‘econômico’, apesar 
de envolver toda a existência social” (Fontes, 2010, p. 42).
3. Neste artigo, essa relação é considerada sempre quando se faz referência à sociedade capitalista.
4. Arruzza (2015) refere-se ao debate de gênero a partir de uma perspectiva liberal, da essencialização 
das relações entre homens e mulheres e da desistoricização do gênero.
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apesar de alguns deslocamentos importantes, a visão de que as classes sociais 
são homogêneas ou de que a exploração é em si mesma a única determinação 
das relações capitalistas. O questionamento a essas visões, por sua vez, parte 
da perspectiva de que “há expressões de hierarquias no interior da classe tra-
balhadora, advindas da própria forma de organização da sociedade” (Cisne, 
2014, p. 23). São quatro as principais teses que debatem o tema: a tese da 
indiferencialidade do capitalismo sobre as opressões (Wood, 2011); o ponto de 
vista da teoria unitária (Arruzza, 2015); a perspectiva da interseccionalidade 
(Crenshaw, 1989 e 2002) e a perspectiva da consubstancialidade ecoexten-
sividade das relações sociais (Kergoat, 2010; Saffioti, 2004; Cisne, 2014).
Wood (2011), que defende a tese da “indiferencialidade do capitalismo” 
sobre as opressões, considera a opressão de gênero como reminiscente de 
formações sociais e modos de produção prévios ao capitalismo, quando o 
patriarcado diretamente organizava e determinava uma estrita divisão sexual 
do trabalho. Para a autora, o capitalismo é, em si, indiferente às relações de 
gênero, ou seja, a igualdade racial ou de sexo/gênero não é antagônica ao 
capitalismo, pois o capitalismo é indiferente às identidades sociais das pes-
soas que explora e provavelmente cooptará quaisquer opressões que estejam 
cultural e historicamente disponíveis, em qualquer uma de suas definições 
— assim, a relação entre exploração e opressão é meramente instrumental 
e contingente. Conforme destaca a autora,
Embora o capitalismo possa usar e faça uso ideológico e econômico da opressão 
de gênero, essa opressão não tem um status privilegiado na estrutura do capi-
talismo. Ele poderia sobreviver à erradicação de todas as opressões específicas 
das mulheres, na condição de mulheres — embora não pudesse, por definição, 
sobreviver à erradicação da exploração de classe. Isso não quer dizer que o 
capitalismo tenha passado a considerar a liberação das mulheres necessária 
ou inevitável. Mas significa que não há necessidade estrutural específica de 
opressão de gênero no capitalismo, nem mesmo uma forte disposição sistêmica 
para ela. (Wood, 2011, p. 232)
Contrapondo Wood, Federici (2017, p. 11) assevera que a opressão das 
mulheres “na sociedade capitalista não é o legado de um mundo pré-moderno, 
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mas sim uma formação do capitalismo, construída sobre diferenças sexuais 
existentes e reconstruída para cumprir novas funções sociais”. Para Arruzza 
(2015), Wood empreende uma confusão entre a dimensão lógica e a dimensão 
histórica da análise das relações de classe. Ainda que se pudesse supor de um 
ponto de vista absolutamente abstrato que a exploração capitalista “não precisa” 
da opressão para sobreviver, todo o seu desenvolvimento histórico a evidencia 
como uma necessidade absolutamente imprescindível de sua formação social 
(Farris, 2015; Góes, 2015). Isso traz o debate sobre o que é funcional ao capi-
talismo e sobre o que, além de funcional, é uma consequência necessária dele.
Arruzza (2015), em direção distinta à tese de Wood, considera que o 
capitalismo produz opressão por necessidade e, assim, localiza o argumento 
tanto no nível estrutural lógico como no nível histórico. Isso, em parte, dialoga 
com a discussão estabelecida nos termos de Wood (2011), porém considera 
impresumível a cisão desses níveis da análise. Arruzza defende a “tese uni-
tária”, segundo a qual “nos países capitalistas não existe mais um sistema 
patriarcal que seja autônomo do capitalismo. Relações patriarcais continuam 
a existir, mas não são parte de um sistema separado” (Arruzza, 2015, p. 37). 
Para a autora, considerar que o patriarcado não é um sistema autônomo dentro 
do capitalismo não implica aferir que a opressão de gênero não exista; por 
outro lado, busca não reduzir “cada aspecto da opressão para simplificá-la 
a uma consequência mecânica ou direta do capitalismo, nem busca oferecer 
uma explicação baseada somente em termos econômicos” (Idem, p. 38).
Arruzza não subestima a centralidade da opressão de gênero, da mesma 
forma que não concorda com a ideia de que o patriarcado seria hoje um sistema 
autônomo, e insiste na necessidade de considerar o capitalismo não como um 
conjunto de leis puramente econômicas, mas antes como uma complexa e 
articulada ordem social que tem seu núcleo constituído de relações de explora-
ção, dominação e alienação. Para a autora, o desafio que se coloca é entender 
como a dinâmica de acumulação de capital continua a produzir, reproduzir, 
transformar e renovar relações hierárquicas e opressivas, sem expressar esses 
mecanismos em termos estritamente econômicos ou automáticos.
O conceito de interseccionalidade, por sua vez, foi oficialmente siste-
matizado pela crítica e teórica estadunidense Kimberlé Crenshaw em 1989, 
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a partir da sua inserção no movimento Black Feminism norte-americano, 
para analisar como raça, gênero e classe se interseccionam e geram diferentes 
formas de opressões. Para Crenshaw (2002, p. 177),
A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as 
consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos 
da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o 
patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam 
desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, 
etnias, classes e outras.
As controvérsias em torno da interseccionalidade dizem respeito à 
perspectiva “geométrica” e transdisciplinar de intersecção entre as opres-
sões. Kergoat (2010, p. 98) destaca que se trata de uma tentativa de enten-
der “a variedade das interações das relações de gênero e de ‘raça’, o mais 
próximo possível da realidade concreta das mulheres afro-americanas”. A 
autora destaca o próprio título do artigo de Crenshaw, “Mapeamento das 
margens”, para tecer sua crítica à perspectiva da autora: “pensar em termos 
de cartografia nos leva a naturalizar as categorias analíticas”. Nessa mesma 
direção, destaca Elsa Dorlin (apud Kergoat, 2010, p. 98):
[...] a definição [de Crenshaw] das relações sociais como setores de interven-
ção implica que as mulheres [...] que enfrentam mais do que uma discrimi-
nação se acham em setores isolados. [...] O conceito de interseccionalidade 
e, de maneira geral, a ideia de intersecção, dificulta pensar uma relação de 
dominação móvel e historicamente determinada [...]. Em outros termos, a 
interseccionalidade é um instrumento de análise que coloca as relações em 
posições fixas, que divide as mobilizações em setores, exatamente da mesma 
maneira pela qual o discurso dominante naturaliza e enquadra os sujeitos em 
identidades previamente definidas.
As referidas críticas são pertinentes: a interseccionalidade, de fato, não 
consegue apreender a dinâmica complexa das relações sociais. Ademais, 
acreditamos que a interseccionalidade pode funcionar como um instrumento 
técnico-operativo aplicado às políticas públicas por possibilitar a conexão 
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das desigualdades sociais num nível das práticas sociais — por intermédio da 
integração de marcadores sociais tais como sexo/gênero, classe, “raça”, etni-
cidade, geração, deficiência e orientação sexual. Soma-se a isso o seu caráter 
político, uma vez que a interseccionalidade é também uma forma de luta contra 
as opressões e, portanto, um instrumento de luta política para o movimento 
de mulheres negras (Hirata, 2014; Marcondes et al., 2013). Contudo, não nos 
parece pertinente a fragmentação entre o nível da análise e o da intervenção.
A partir de um ponto de vista materialista, histórico e dinâmico, Kergoat 
(2010) defende a consubstancialidade e a coextensividade como uma lente 
ou possibilidade de apreender a relação entre exploração e opressão ou as 
relações sociais a partir de “unidade de substância”. Ao que parece, sua 
discordância principal com Arruzza localiza-se na importância que atribui 
à diferenciação analítica ou autonomia relativa dos tipos de relações sociais, 
“operação por vezes necessária à sociologia, mas que é analítica e não 
pode ser aplicada inadvertidamente à análise das práticas sociais concre-
tas” (Kergoat, 2010, p. 93). Dessa análise é possível apreender as relações 
patriarcais, mesmo que elas não funcionem sozinhas. São práticas que não 
se permitem apreender por noções geométricas como adição, intersecção e 
multiposicionalidade, uma vez que são móveis, ambíguas e ambivalentes. 
Assim,o ponto de vista de Kergoat (2010), também defendido por Saffioti 
(1987 e 2004), Silva (1992) e Cisne (2014),5 é que as relações sociais são 
consubstanciais; “[...] elas formam um nó que não pode ser desatado no nível 
das práticas sociais, mas apenas na perspectiva da análise sociológica; e as 
relações sociais são coextensivas: ao se desenvolverem, as relações sociais 
de classe, gênero e ‘raça’ se reproduzem e se coproduzem mutuamente” 
(Kergoat, 2010, p. 94). Ou seja, patriarcado e capitalismo — mesmo que 
tenham particularidades que permitam uma caracterização em si —, nessa 
perspectiva, compõem um sistema dependente um do outro a partir do 
pressuposto de que tais relações são dinâmicas e que existem três relações 
5. Angela Davis, mesmo que não faça alusão à consubstancialidade, realiza uma análise a partir da 
simbiose entre as contradições centrais das relações sociais (patriarcado, racismo e capitalismo) em suas 
obras, com destaque para o seu clássico trabalho Mulheres, raça e classe, de 1981.
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sociais fundamentais que se imbricam e são coextensivas: sexo/gênero, a 
classe e a “raça” (Kergoat, 2010).6
Porém essa perspectiva apresenta-se sob prismas distintos. Cisne (2014, 
p. 30-31) alude à consubstancialidade entre opressão-exploração, mas defen-
de a primazia ontológica da exploração sobre a opressão ou a centralidade da 
classe em relação ao sexo/gênero e raça (Cisne, 2014). Apesar de destacar 
a importância de não secundarizar os demais elementos estruturadores das 
relações sociais, destaca a centralidade da classe em razão do fundamento 
do modo de produção capitalista, que particulariza e caracteriza a formação 
social atual (ou seja, considera que, em última instância, as relações econô-
micas são definidoras). Para a autora, não se trata de hierarquizar exploração 
e opressão, mas de conferir à classe uma prioridade ontológica ao considerar 
que apenas a classe possibilita a articulação das demais contradições. Para 
Saffioti (1987) e Silva (1992), a determinação “em última instância” do eco-
nômico subordina as relações de sexo/gênero às relações de produção, afinal, 
“o conceito de relações de gênero não goza do mesmo estatuto teórico que 
o conceito de relações entre as classes sociais” (Silva, 1992, p. 21). Kergoat 
(2010, p. 99), por sua vez, considera que colocar o problema nos termos 
da consubstancialidade das relações sociais permite uma outra abordagem:
[...] de acordo com uma configuração dada de relações sociais, o gênero (ou a 
classe, a raça) será — ou não será — unificador. Mas ele não é em si fonte de 
antagonismo ou solidariedade. Nenhuma relação social é primordial ou tem 
prioridade sobre outra. Ou seja, não há contradições principais e contradições 
secundárias. Quando as mulheres da rede hoteleira Accor enfrentam conflitos, 
o fazem como mulheres, trabalhadoras, mulheres negras; não fazem reivindi-
cações separadas. Lutando dessa maneira, elas combatem a superexploração 
de todos e todas, e sua luta, assim, tem alcance universal.
6. A perspectiva da consubstancialidade foi elaborada por Danièle Kergoat inicialmente em termos de 
articulação entre sexo e classe social, e, posteriormente, em termos de imbricação entre classe, sexo e “raça”. 
Saffioti também parte inicialmente das relações de gênero e classe e, posteriormente, no livro O poder do 
macho, publicado em 1987, amplia a percepção da simbiose acrescentando a categoria raça/etnia.
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Assim, as relações sociais podem incluir uma ou mais dimensões em 
termos de determinantes,7 mas na realidade concreta se encontram imbica-
das, “podendo ser encontradas várias combinações, inclusive contraditórias, 
sob o ponto de vista de uma análise monolítica que considere a autonomia 
relativa de um dos sistemas de dominação-exploração” (Silva, 1992, p. 26). 
Para essa abordagem, não há primazia entre as relações: elas nem são sim-
plesmente superpostas ou adicionadas, nem intersecções — são imbricadas, 
consubstanciais e conformadas. O horizonte teórico-político desse uso é 
a transformação da sociedade, das relações capitalistas, que também são 
relações hierárquicas de sexo/gênero e “raça”.8
Nessa direção, feministas materialistas como Guillaumin, ainda em 
1972, pautava a construção social do que se entende por “raça”, consideran-
do-a “um processo de naturalização baseado num sistema de marcas físicas 
totalmente arbitrárias que teve a sua origem e causa no sistema escravista 
do século XVIII” (Cisne e Gurgel, 2014, p. 249). E demonstrou que tanto as 
opressões de sexo como as de raça se apoiam num processo semelhante de 
naturalização de determinados grupos sociais. Contudo, o escravismo não 
pode ser visto de forma isolada, mas como origem da acumulação capita-
lista nas Américas, imposto pela Europa a povos e países que não haviam 
experimentado o feudalismo.
Além disso, a despeito de ter origem com a escravidão moderna, 
também não pode ser considerado apenas a herança cultural escravista. 
Afinal, “a ciência do século XX derrubou por completo qualquer pretensão 
à cientificidade do argumento racialista da hierarquia entre raças” e, não 
obstante, o “racismo continuou e continua a orientar formas opressivas de 
exercício do poder e a interpenetrar-se nas relações de produção, criando 
hierarquias de funções” (Mattos, 2017). Logo, o “racismo não é apenas um 
problema ético, uma categoria jurídica ou um dado psicológico. Racismo é 
uma relação social, que se estrutura política e economicamente” (Almeida, 
7. Por exemplo, podem-se identificar relações de opressão-exploração do rico sobre o pobre, do homem 
sobre a mulher, do branco sobre o negro, e do heterossexual sobre o homossexual ou o bissexual (Silva, 1992).
8. Cabe elucidar que uso do termo “raça” é político e justifica-se como uma categoria social de domi-
nação e de exclusão.
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2016, p. 23), podendo ser facilmente apreendida no constrangimento e nas 
inúmeras violências vivenciadas pelas mulheres negras, por exemplo. A im-
bricação entre patriarcado, racismo e capitalismo revela, assim, hierarquias 
e privilégios nas relações sociais de sexo/gênero, étnico-raciais e classe. 
Nessa direção, Collins (apud Marcondes et al., 2013, p. 137) destaca que 
“todas as mulheres negras compartilham a comum experiência de compo-
rem uma sociedade que as desprivilegiam” e “a forma como os estereótipos 
vinculados à representação social são fontes inesgotáveis de violência con-
tra as mulheres negras e também confinadores sociais”. Reconhecer essas 
hierarquias implica reter que mulheres pobres, negras e indígenas sofrem 
mais intensamente as opressões da ordem patriarcal, pois carregam no corpo 
as marcas da opressão-exploração do sexismo, do racismo e do classismo.
Ademais, constatar que as opressões persistem historicamente e estão 
fundidas necessariamente à exploração é uma possibilidade para a unifica-
ção das lutas por emancipação política e humana, diga-se, a partir de uma 
totalidade diversificada, que reconheça as múltiplas experiências objetivas e 
subjetivas de sexo/gênero (incluindo as sexualidades) e étnico-raciais. É um 
esforço teórico-político enfrentar os antagonismos existentes na sociedade, 
que respondam a situações de dominação-exploração em que se encontram 
as mulheres, as minorias étnicas e os pobres (Saffioti, 1987; Silva, 1992). A 
finalidade é, portanto, “desnaturalizar radicalmente as construções que se 
baseiam na diferenciação das desigualdades, sem com isso perder de vista 
a dimensão concreta das relações sociais” (Kergoat, 2010, p. 99). Essa aná-
lise discorda, por exemplo, das abordagens que consideram que as relações 
de classe se inscrevem unicamente na instância econômica, e as relações 
patriarcais, unicamente na instância ideológica. Parte-se da compreensão de 
que “cada um desses sistemas possui suas próprias instâncias,que exploram 
economicamente, dominam e oprimem”, mas que “articulam-se entre si, de 
maneira intra e intersistêmica” (Idem).
Não obstante, se a teoria social crítica objetiva a apreensão da totalida-
de e isso implica, pois, considerar o capitalismo como totalidade histórica, 
dinâmica e contraditória e assim realizar análises e construir estratégias que 
tenham em conta as complexas relações no interior dessa totalidade (Mattos, 
456 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
2017), pode-se aferir que as relações de opressão/dominação patriarcal estão 
imbricadas às relações de exploração necessariamente, e não contingen-
cialmente, em concordância com Arruzza (2015). Logo, entende-se que o 
patriarcado não se limita ao campo da dominação, modelado pela ideologia 
machista, tampouco é um fenômeno reduzível a relações interpessoais. 
Diferentemente, possui um caráter e consistência societal (Arruzza, 2015) 
e é também um sistema de exploração, ou melhor, ele possui uma dupla 
dimensão: a dominação (opressão) e a exploração.9 
Portanto, não há dúvidas sobre o fato de que as opressões decorrentes 
do patriarcado antecedem o capitalismo. A questão aqui empreendida é a 
do reconhecimento de que essas opressões sobreviveram à sua emergência 
e tornaram-se necessárias às relações sociais capitalistas.10 Saffioti (2004) 
argumenta que a dominação patriarcal na cena contemporânea não é a mesma 
da Atenas clássica ou da Roma antiga. A autora refere-se a uma “máquina 
do patriarcado” para demonstrar a força e a abrangência dessa dominação-
-opressão que se trata de uma estrutura forte e sólida que pode ser acionada 
por qualquer um, inclusive por mulheres.
Contudo, apesar de reformulado conceitualmente e de suas manifes-
tações atualizadas conforme o movimento da realidade e os avanços no 
9. Não se trata aqui de uma analogia à perspectiva weberiana do patriarcado, como “um tipo de domi-
nação em que o senhor é a lei e cujo domínio está referido ao espaço das comunidades domésticas ou formas 
sociais mais simples, tendo sua legitimidade garantida pela tradição” (Castro e Lavinas, 1992, p. 237). O 
conceito weberiano de patriarcado, além de inapropriado às formas capitalistas por se tratar de um conceito 
específico do contexto social no qual teve sua origem (no caso, anterior ao advento do Estado), é conside-
rado uma interpretação patriarcal do patriarcado. Nessa perspectiva, Pateman (1993, p. 49) assinala que 
“A interpretação patriarcal do patriarcado como direito paterno provocou, paradoxalmente, o ocultamento 
da origem da família na relação entre marido e esposa. O fato de que os homens e mulheres fazem parte de 
um contrato de casamento — um contrato original que instituiu o casamento e a família — e de que eles são 
maridos e esposas antes de serem pais e mães é esquecido”.
10. Conforme destaca Mattos (2017, p. 1), “[e]m modos de produção anteriores ao capitalismo, especial-
mente nas relações de produção baseadas na unidade familiar, voltadas prioritariamente para a subsistência, 
a subordinação da mulher (e das crianças) ao poder patriarcal organizava em grande medida o processo pro-
dutivo. A acumulação primitiva de capital, um processo de expropriação que marcou a separação dos agora 
proletários e proletárias dos meios de produção necessários a suprir sua subsistência lançando-os ao mercado, 
consistiu, em grande medida, na quebra dessas relações de produção organizadas nas unidades familiares. No 
entanto, o patriarcado sobreviveu, transformado e incorporado pelo capitalismo”.
457Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
campo dos direitos das mulheres, é importante dizer que a base material do 
patriarcado não foi destruída. Se na Roma antiga o patriarca tinha direito de 
vida e morte sobre sua mulher, hoje o feminicídio ou a morte de mulheres 
por motivos sexistas é comumente justificada pelo desvio em torno das 
expectativas de condutas e caminha na direção da culpabilização das víti-
mas. Além disso, sobrevive e combina-se à valorização do modelo familiar 
monogâmico como norma e na afirmação de padrões heteronormativos. 
Assim, compreende-se o capitalismo também como sistema de dominação 
masculina de opressão e exploração das mulheres, o qual se mantém sob uma 
base material concreta e ancora-se numa economia doméstica e na violência 
sexista, que garante a produção e a reprodução da vida.
De forma contrária à comum dicotomia entre patriarcado e a classe, o es-
forço aqui é o de empreender um conteúdo histórico particular ao patriarcado,11 
o qual implica a legitimação e a organização das relações sociais capitalistas 
que subalternizam duplamente o trabalho (e a posição social em geral) da 
mulher, seja pela apropriação do trabalho reprodutivo — o capital destruiu 
as relações de produção baseadas na unidade familiar, mas não dispensou a 
família como unidade primordial na execução de uma série das formas de 
trabalho essenciais para a reprodução da força de trabalho —, que rebaixa o 
custo da força de trabalho em geral, permitindo ao capital remunerá-la com 
um salário inferior (ou não salário)12 ao que seria necessário à sua reprodução 
caso todas essas condições essenciais à sobrevivência fossem compradas no 
mercado (Mattos, 2017), conferindo aos homens o poder do salário, seja pela 
incorporação da mulher ao mercado de trabalho assalariado em posições 
11. Saffioti (2004) enumera seis justificativas para a manutenção do patriarcado como categoria útil 
para demonstrar a dominação-exploração das mulheres: 1) não se trata de uma relação privada, mas civil; 2) 
dá direitos sexuais aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição; 3) configura um tipo hierár-
quico de relação, que invade todos os espaços da sociedade; 4) tem uma base material; 5) corporifica-se; 6) 
representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência. Para a referida autora, 
isso implica reconhecer que as mulheres ainda são objetos da satisfação sexual dos homens, reprodutoras 
de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras. Essa “soma/mescla de dominação e exploração é 
entendida como opressão” (Saffioti, 2004, p. 105).
12. Aqui, refere-se ao trabalho doméstico não remunerado realizado prioritariamente pelas mulheres.
458 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
subalternas ou com remunerações mais baixas.13 Diga-se, incorporação 
imprescindível. Afinal, o trabalho doméstico não remunerado continuou a 
desempenhar um papel central na organização capitalista do trabalho e é “um 
dos principais pilares da produção capitalista, ao ser o trabalho que produz a 
força de trabalho” (Federici, 2017, p. 12). Nessa perspectiva, acredita-se que 
a dominação masculina é resultado também do poder que o salário confere 
aos homens, e não apenas da natureza “improdutiva” do trabalho doméstico.
Disso pode-se aferir que não há separação entre a exploração capitalista 
e a opressão patriarcal e racista, mas uma imbricação entre esses sistemas 
— ou, como expõe Saffioti (1984, p. 19), “opressão e exploração não são 
propriamente fenômenos distintos”, apenas se manifestam como dimensões 
específicas (política, cultural, social, sexual etc.) de um mesmo processo 
multidimensional.14 Exclusivamente para fins analíticos, torna-se possível 
distinguir entre o aspecto da opressão e o aspecto da exploração das mulheres, 
em que a opressão se manifesta nas relações de dominação (ideológicas), 
enquanto a exploração está mais diretamente ligada à dimensão econômica.
Defende-se a unidade dialética entre opressão e exploração na medida 
em que a opressão é veículo/motor para a exploração. Em outras palavras, 
através da opressão/dominação naturalizam-se relações, comportamentos, 
mentalidades, que se convertem em privilégios e desigualdades, os quais 
favorecem a exploração. Tais privilégios e desigualdades não se limitam ao 
sexo, mas abarcam as relações étnico-raciais. Assim, considera-se que “a 
opressão constitui,ao mesmo tempo, o veículo e o disfarce da exploração” 
e, apesar de afetar a todos (por seu caráter estruturante), incide de modos 
diferentes e com intensidades diversas sobre os elementos que pertencem a 
13. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam essa tendência ao 
apontar que a renda média nacional do brasileiro é de R$ 2.043, sendo que os homens ganham, em média, 
R$ 2.251, e as mulheres, R$ 1.762 (diferença de R$ 489). Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/
concursos-e-emprego/noticia/mulheres-ganham-menos-do-que-os-homens-em-todos-os-cargos-diz-pesquisa.
ghtml>. Acesso em: 10 jan. 2018.
14. Saffioti tem como pressuposto para tal análise a relação também simbiótica entre produção e repro-
dução. Para a autora, produção e reprodução são faces de um mesmo sistema produtivo, “posto que qualquer 
modo de produção necessita da produção de meios de subsistência e da reprodução de seres humanos” 
(Saffioti, 1988, p. 143).
459Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
uma e a outra categoria de sexo e raça (Saffioti, 1984, p. 24). Tais relações, 
apesar de suas particularidades, não atuam/funcionam de forma autônoma. 
Nos termos de Saffioti (2004, p. 215),
O importante é analisar estas contradições na condição de fundidas e enoveladas 
ou enlaçadas em um nó. [...] Não que cada uma destas condições atue livre e 
isoladamente. No nó, elas passam a apresentar uma dinâmica especial, própria 
do nó. Ou seja, a dinâmica de cada uma condiciona-se à nova realidade. De 
acordo com as circunstâncias históricas, cada uma das contradições integrantes 
do nó adquire relevos distintos. E esta motilidade é importante reter, a fim de 
não se tomar nada como fixo, aí inclusa a organização social destas subestruturas 
na estrutura global, ou seja, destas contradições no seio da nova realidade — 
novelo patriarcado-racismo-capitalismo — historicamente constituída.
Isso faz reconhecer, por exemplo, que os homens retiram um benefício 
relativo da opressão de sexo/gênero e que as mulheres não experimentam 
dessa opressão de forma homogênea, embora estejam submetidas em seu 
conjunto ao poder opressivo do patriarcado. Da mesma forma, desigualdades 
de classe e étnico-raciais geram distintas formas de subjetividade, como já 
se destacou. Portanto, as relações sociais de sexo/gênero interatuam com as 
de classe e raça, operando na determinação das formas específicas — e hie-
rarquizadas — de como as opressões são vividas objetiva e subjetivamente. 
Considerações finais
Ao apreender a sociedade patriarcal-racista-capitalista, uma ordem 
que tem seu núcleo constituído de relações de exploração-opressão de sexo/
gênero, raça/etnia e classe, afora demonstrar a articulação necessária entre 
exploração-opressão, pretende-se contribuir para uma prática política de uni-
dade. Logo, entende-se que separar a exploração das opressões — ou negar a 
centralidade das opressões ou as determinações para além da classe — pode 
cooperar para, além de fragmentar a apreensão da totalidade, segmentar as 
lutas. O patriarcado, com materialidade e cultura, penetrou em todas as es-
feras da vida social; o capitalismo mercantilizou todas as relações sociais; e, 
460 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
finalmente, o racismo, pela estrutura de poder, preconceito e discriminação, 
se espraiou em todo o corpo social como herança do escravismo. Assim, a 
suplantação da “opressão é impossível sob a lógica do capital, que a integrou 
de forma complexa e não linear à exploração do trabalho, sendo, portanto, 
indissociável da emancipação da totalidade da classe trabalhadora” (Mattos, 
2017, p. 2) — ou seja, uma sociedade emancipada só é possível se supera-
das as relações de opressões que a forjam. Desse ponto de vista, nenhuma 
forma de opressão pode ser entendida ou superada isoladamente, e a luta 
contra a opressão-exploração deve contemplar e incluir todas as camadas 
de oprimidos (Moraes, 2015).
Dito isso, acredita-se que afirmar o significado sócio-histórico das 
relações de raça e sexo/gênero também como contradições centrais na re-
produção do modo de produção capitalista não significa, em absoluto, negar 
ou secundarizar a condição determinativa do papel da classe. Ao contrário, 
refere-se à necessidade de conferir substância material aos modos de ser e 
reproduzir da própria determinação de classe. Disso decorre que, ao apreen-
dermos como se materializam as relações sociais de produção e reprodução 
no capitalismo, estamos levando em conta os processos concretos de que se 
vale a existência dessa forma social, de onde entendemos serem imprescin-
díveis as determinações de sexo/gênero e de raça, articulando, na perspectiva 
de totalidade, as determinações de classe.
Convém apreender esse processo não a partir de uma hierarquia de 
valores, mas de uma unidade dialética ou “unidade de substância” (Kergoat, 
2010) entre as relações de sexo/gênero, raça e classe. A unidade pressupõe que 
nenhuma dessas relações tem primazia sobre a outra — afinal, é a complexa 
dinâmica dessa relação que expressa, por exemplo, a impossibilidade de se 
prescindir ou hierarquizar uma ou outra contradição no próprio processo de 
reprodução do capital ou sem as quais este não poderia se materializar. Ade-
mais, é um dos pontos de partida para um feminismo materialista-histórico 
no qual a reprodução social ocupa um lugar indispensável.
Recebido em 19/1/18 ■ Aprovado em 20/6/18
461Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 446-462, set./dez. 2018
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Nota da autora
Milena Fernandes Barroso — Professora adjunta da Universidade Federal do Amazonas 
(Ufam), doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
(UERJ). E-mail: mibarroso@yahoo.com.br
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
463Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.154
Persistentes desigualdades raciais e 
resistências negras no Brasil contemporâneo
Persistent racial inequalities and black resistance in contemporary Brazil
Zelma Madeiraa
Daiane Daine de Oliveira Gomesb
Resumo: Este artigo aborda como o racismo se 
estrutura na sociabilidade brasileira e seus efeitos 
revelados nos índices de desigualdades sociais e 
raciais. Para tornar inteligíveis as relações das 
classes sociais em sua intersecção com a questão 
racial, apresentamos subsídios para repensar a 
edificação desta nação que se fundamenta em um 
conceito abstrato de democracia racial. A partir 
desse entendimento, destacamos as diferentes 
formas de resistências que têm sido constituídas 
pela população negra.
Palavras-chave: Racismo estrutural. Desigualda-
des raciais. Resistência negra.
Abstract: This article discusses how racism 
is structured in Brazilian sociability and its 
effects revealed in the indices of social and 
racial inequalities. To make the relations of 
social classes intelligible at their intersection 
with the racial question, we present subsidies to 
rethink the edification of this nation based on an 
abstract concept of racial democracy. From this 
understanding, we highlight the different forms 
of resistance that have been constituted by the 
black population.
Keywords: Structural racism. Racial inequalities. 
Black resistance.
Introdução
Para Andrews (2016), pesquisas têm revelado que, diferentemente do 
que se possa pensar, o Brasil, mesmo caracterizado como país plu-
riétnico, não conseguiu evitar a permanência de grandes disparidades 
raciais na renda, em inserção qualificada no mercado de trabalho, educação, 
aCentro de Estudos Sociais Aplicados nos cursos de graduação e mestrado em Serviço Social da Universidade 
Estadual do Ceará (Uece), Fortaleza-CE, Brasil.
bNúcleo de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidade, Gênero e Família (Nuafro) da Universidade Estadual do 
Ceará (Uece), Fortaleza-CE, Brasil.
464 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
saúde, expectativa de vida e outros indicadores revelados por agências de re-
conhecimento, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 
a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), entre outras.
Para Nogueira (2017), o racismo só pode ser compreendido como 
relação de poder, estruturado por dentro das instituições sociais, e sua 
superação não se faz sem a reforma destas. Racismo é uma relação que se 
estrutura política e economicamente. Desse modo, raça1 ganha centralidade 
como variável presente na produção e reprodução das desigualdades sociais 
e nos processos de exclusão social da população negra no Brasil. No dizer 
de Hasenbalg (1979), está presente na estrutura de classe e no sistema de 
estratificação social, daí a importância de uma análise crítica versar sobre 
as relações raciais no pós-abolição e a permanência do racismo estrutural. 
A escravidão nos legou o racismo como prática social dominante que 
liga ideologicamente os brancos, mantendo seus privilégios, enquanto é 
negada a cidadania aos negros e negras (Nogueira, 2017). Foi edificado 
um projeto de Estado-nação que insistia no processo de branqueamento, 
considerando que a miscigenação extremada significava a degenerescência, 
impedindo a evolução e o desenvolvimento do Brasil. Essa ideia é ilustrada 
quando o antropólogo Roquete Pinto, ao presidir o I Congresso Brasileiro 
de Eugenia em 1929, previa que em 2012 teríamos uma população com-
posta de 80% de brancos e 20% de mestiços, nenhum negro, nenhum índio 
(Schwarcz, 1998, p. 26).
Assim, a população negra do país tem sido subjugada, violentada e 
criminalizada desde a escravidão para saciar os interesses sociais e econômi-
cos das classes ricas — fenômeno acolhido por leis cujos efeitos camuflam, 
revalidam e perpetuam a opressão. A propagação do discurso preconceituoso 
1. A concepção de raça aqui adotada distancia-se daquela enraizada na biologia, posto que esse termo 
é perigoso na prática e enganoso na teoria. Priorizaremos aqui raça com densidade histórica e política. Não 
se tem o interesse de recorrer à questão sanguínea, mas compreender as determinações que constituem o 
sistema político, econômico e sociocultural hierarquizador entre povos, garantindo privilégios de todas as 
ordens para povos não negros (brancos), numa perspectiva biologizante/naturalizante cujo interesse alimenta 
um discurso racialista e segregador, enquanto seu uso em termos políticos vem como reivindicação de direitos 
historicamente suprimidos, como denuncia a militância negra e os cientistas sociais.
465Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
e discriminatório alicerça a narrativa para desqualificar a cidadania afrodes-
cendente. O discurso da acomodação, que afirmava serem os(as) negros(as) 
acomodados(as) com sua situação e condição, os considerava vítimas com 
defeitos. Por isso, eram tratados como infantilizados e deles retirada sua 
humanidade. Desta forma, fez com que as desvantagens que se acumularam 
fossem associadas à cor da pele, de um povo dado à escravidão e mal ajustado.
Destarte, as relações étnico-raciais no Brasil foram historicamente 
silenciadas, ou instalara-se um verdadeiro mal-estar, posto que o grupo 
dominante não desejava abrir mão de seus históricos privilégios e lugares 
sociais. A saída foi ou o silenciamento ou o discurso que retira do campo 
do conflito e das contradições, em nome de uma harmonia legitimada pelo 
processo de miscigenação e da democracia racial, a qual afirma que negros 
e negras usufruíram de oportunidades e integraram-se à cultura e à comu-
nidade nacional.
Abordagens como essas camuflam uma realidade marcada por tensio-
namentos eracismo. A ideia da democracia racial, propagada como poderoso 
mito, funcionava como instrumento ideológico de controle social, acabando 
por legitimar a estrutura, que vigora até os dias atuais, de desigualdade, 
discriminação e opressões raciais, que tendem a serem explicadas dentro 
do âmbito pessoal. 
Assim, trata-se a questão estrutural de forma limitada às relações 
interpessoais, como pessoas que, por questões de ordem individual, são 
acomodadas ou complexadas. Esse fato impede que as situações de racismo 
e de opressão se transformem em questão social, pública, ficando reduzidas 
à esfera pessoal e não ganhando conotações políticas e coletivas, com ex-
plicações relacionadas à formação social, às estruturas sociais, econômicas, 
políticas e culturais que se reproduzem nas práticas cotidianas.
Considerando a importância de evidenciar as consequências de séculos 
de relações sociais estruturadas pelo racismo e também as formas de resistên-
cia elaboradas pela população negra para enfrentá-las, este artigo apresenta 
dados reveladores das persistentes desigualdades raciais, caucionadas pela 
discriminação e racismo nesse contexto de impactos das transformações 
466 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
societárias no mundo do trabalho, na esfera do Estado e na configuração das 
políticas públicas no campo da transversalidade da promoção da igualdade 
racial e das resistências contemporâneas de negros e negras. Para isso, ini-
ciaremos elucidando sobre as elaborações sociais em torno da participação 
da população negra na sociedade brasileira, que obstaculizaram seu desen-
volvimento. 
1. O pós-Abolição e o pensamento social racista e excludente 
Ainda que a liberdade conseguida pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888 
fosse negra, a igualdade pertencia exclusivamente aos brancos. (Schwarcz, 
2012, p. 24)
É importante dizer que a abolição no Brasil foi inacabada e junto dela 
vigoraram discursos e práticas de criminalização de conduta, como: a ocio-
sidade, a vadiagem, a mendicância e a capoeiragem. Assim, a criminalização 
dos mestiços foi assumida como uma particularidade nacional. Tal fato guarda 
relação com os presídios abarrotados na sua maioria por negros e negras, 
gerando aumento de detentos tidos como os fora da lei, fora de controle, 
perigosos, maldosos e que representavam ameaça de violência.
Na esteira dessa compreensão, temos a contribuição de Célia Azeve-
do (2004), no seu livro Onda negra, medo branco: o negro no imaginário 
das elites — século XIX. O livro mostra a preocupação das elites — o que 
fazer com o negro quando a escravidão terminar? Ou, então, como impedir 
um final brusco da escravidão, deixando à solta e sem nenhuma regra uma 
imensa população de negros e mestiços pobres em um país regido por uma 
minoria de ricos proprietários brancos? A autora traz o debate em torno dessas 
questões, travado por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século XIX.
A resistência de negros e negras já levantava a possibilidade de desor-
ganização do trabalho. Então cresceu a exaltação a respeito das vantagens de 
trazer imigrantes europeus e, como corolário, “descobriu-se” a incapacidade 
467Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
do(a) brasileiro(a) negro(a). A inferioridade era justificada não apenas pela 
própria biologia, raça inferior, híbrida impura, de baixo quilate, como tam-
bém pela sua experiência como escravizado. Fazia com que seu trabalho 
fosse classificado como sujo, destituído de ética e moral como trabalhador. 
Como bem aponta Martins (2012, p. 456), “numa conjuntura em que 
o processo de constituição capitalista se efetivava, o trabalho assalariado se 
coloca numa direção essencialmente excludente, de valorização do traba-
lhador branco (o imigrante europeu) como símbolo da redefinição social e 
cultural do trabalho no país”. O que está posto nesse processo é a lógica da 
discriminação racial como determinante do modo de produção baseado no 
trabalho livre, que bloqueava a inserção da população negra. 
Tal compreensão forjou mentalidades racistas no pensamento social 
brasileiro ao ter como hipótese que a pobreza e alienação dos(as) negros(as) 
no século XX era uma suposta herança da escravidão. Tal perspectiva analí-
tica negava aos(às) negros(as) uma grande parte da responsabilidade pelas 
vitórias nas lutas contra a escravidão, ao mesmo tempo em que afirmava 
a existência de um pesado legado cultural cuja superação, novamente, 
excedia a capacidade do(a) próprio(a) negro(a). O racismo se solidifica 
como construção ideológica de conjunturas históricas, na qual os interesses 
materiais das classes dominantes encontraram uma justificativa científica 
para a importação de europeus e a inferioridade da maioria dos brasileiros.
Buscavam reafirmar que [...] a eliminação da condição legal de escravo não 
incluía uma luta pelos direitos civis dos negros, e muito menos uma distribuição 
diferente de poder político. A chegada da República, apoiada por partidários 
apaixonados pelo imigrante branco, mas não pelo brasileiro de cor, fortalecem 
este racismo. (Azevedo, 2004, p. 12)
As vulnerabilidades vivenciadas pela população negra são produtos 
da história criminosa da escravidão. Na atualidade, esta vive e sobrevive 
pagando a conta dos antepassados que não escolheram esse caminho de 
perversidade, atrocidades e acúmulos de desvantagens.
468 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
Sobressai a seguinte premissa: 
O ex-escravo e seus descendentes saíram espoliados da escravidão e des-
preparados para o trabalho livre, incapazes, enfim, de se adequar aos novos 
padrões contratuais e esquemas racionalizadores e modernizantes da grande 
produção agrícola e industrial, tornando-se doravante marginais por força da 
lógica inevitável do progresso capitalista. (Azevedo, 2004, p. 18)
Nas forças discursivas que sobressaíram sobre negros(as), foram qua-
lificados ou desqualificados como aqueles e aquelas que se concentraram 
nas ocupações indesejáveis e insignificantes, que receberam forte influência 
deformadora da escravidão, sendo apontados como despreparados, incapazes 
para o trabalho não coercitivo (livre).
Conformariam uma massa inerte, desagregada e inculta, posto que saí-
ram marginalizados da escravidão, sem condições de integrar a sociedade e 
as classes (vagabundos e inúteis), daí ser a marginalização inevitável. Eram 
tidos como seres apáticos, de baixo nível mental, despreparados profissional-
mente e derrotados na competição ocupacional e econômica. Foi construído 
um imaginário a partir do medo ou da insegurança suscitada pelos conflitos 
reais ou simplesmente potenciais entre uma diminuta elite, composta tanto 
dos grandes proprietários como das chamadas camadas médias de profis-
sionais liberais, e uma massa de gente miserável — escravos e livres —, 
cuja existência não passava pelas instituições políticas dominantes, o que 
significava conferir-lhes um perigoso grau de autonomia que nenhuma lei 
repressiva por si só poderia coibir (Azevedo, 2004).
O racismo foi abrindo caminhos para o abismo social entre negros e 
não negros na sociedade brasileira. Por esse motivo, buscamos explicitar não 
ser esse um problema que se limita ao âmbito interpessoal, comportamental, 
sendo uma questão estruturante das relações sociais, que em sua intersecção 
com o gênero e a classe demarca lugares sociais. Daí a importância de obser-
var as singularidades históricas, sob o risco de afastar o debate ideológico 
do combate ao racismo de questões ligadas a transformações societárias. 
469Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
Desse modo, é preciso inverter o sentido de cobrança da “consciência de clas-
se” pendente hoje sobre as intervenções políticas de recorte racial, buscando 
compreender de que modo é possível construir saberes voltados à emancipa-
ção completa por meio da integração do racismo e do sexismo como partes 
estruturantes da reflexão. Enfatiza-se:o esteio anticapitalista da luta contra o 
racismo é fundamental; sem ele, as intervenções resumem-se à integração do 
negro à sociedade salarial. (Devulsky, 2016, p. 27)
Os indicadores educacionais, econômicos, políticos e sociais, quando 
analisados, permitem um diagnóstico da estruturação das desigualdades 
sociais e raciais brasileiras. Apesar das conquistas dos movimentos negros, 
as disparidades ainda são grandes e se faz necessário analisá-las para que 
se possa intervir adequadamente visando a sua superação. 
2. Persistência das desigualdades raciais na sociedade contemporânea
De acordo com o último censo do IBGE de 2010, 92,4 milhões de pes-
soas se autodeclararam de cor branca, representando 45,5% da população. O 
grupo de pessoas de cor parda representava 45% do total populacional. Outros 
8,6% se declararam de cor preta (17,4 milhões de pessoas) e 1,8 milhão de 
pessoas (0,9%) declararam outra cor ou raça (indígena ou amarela). Para 
efeitos de políticas públicas voltadas para igualdade racial, são considera-
dos negros ou afrodescendentes os pretos e pardos. É fato que a população 
negra no Brasil é maioria e pesam sobre ela opressões, pois convive com as 
práticas discriminatórias cotidianamente. O fenômeno da “pardalização” se 
destaca na autoafirmação da população e apresenta o pardo como “coringa” 
para a indefinição. 
No que concerne ao sexo, conforme o Dossiê mulheres negras: retrato 
das condições de vida das mulheres negras no Brasil (Marcondes et al., 2013, 
p. 19), “em 2009 as mulheres negras respondiam por cerca de um quarto da 
população brasileira. Eram quase 50 milhões de mulheres em uma população 
total que, naquele ano, alcançou 191,7 milhões de brasileiros/as”.
470 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
Para compreender as vulnerabilidades que atingem negros e negras é 
pertinente apresentar os diversos indicadores revelados no último censo, 
nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) e em outras 
pesquisas de renome no Brasil, que mostram a força que tem a pertença ra-
cial de estruturar as relações e os lugares sociais dos sujeitos numa mesma 
sociedade. Tomaremos como referências os dados do Atlas da violência 
2016 e do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), do Mapa da 
Violência 2015, que trata do homicídio de mulheres, da PNAD 2014 e de 
outros documentos úteis para o diagnóstico, isto é, a análise da situação, 
mas também para a elaboração de solução dos problemas via construção e 
aprimoramento de políticas públicas e sociais.
De maneira geral, os dados das pesquisas recentes comprovam a evo-
lução da letalidade violenta contra jovens, população negra e mulheres. 
Segundo dados do Atlas da violência (Ipea; FBSP, 2016), entre 2004 e 2014 
houve alta na taxa de homicídio de afrodescendentes (18,2%) e diminuição 
no número de homicídios de outros indivíduos que não de cor preta ou parda 
(14,6%). Em 2014, para cada não negro assassinado, morreram 2,4 indivíduos 
negros. Andrews (2016) e Hasenbalg (1979) afirmam que a população preta 
e parda tem sido maioria dos que morrem por homicídio na região Nordeste. 
Essa polarização geográfica foi historicamente condicionada pela dinâmica 
do sistema escravista no país e, desde a etapa final desse regime, pelas polí-
ticas de incentivo e subsídio à imigração europeia no Sudeste e Sul do Brasil.
O Mapa da violência 2015, que trata do homicídio de mulheres, revelou 
que, entre os anos de 2003 e 2013, foram mortas 46.186 mulheres. Desse 
total, 25.637 eram negras, ou 55%. As mulheres brancas assassinadas no 
período foram 17,5 mil, ou 37% do total. Notamos que tais disparidades são 
mais severas em relação a mulheres, juventude e crianças negras. 
Evidencia-se que as mulheres negras exercem papel fundamental em 
toda a estruturação das relações de opressão e subordinação. O corpo delas 
é utilizado de todas as formas, dentre estas a apropriação e desvalorização 
de seu trabalho, próprio da contradição entre capital e trabalho. 
Vale assinalar outras dimensões, além da produção econômica, que 
precisam de análise, ou seja, no nível da reprodução como sujeito histórico, 
471Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
como reconhecimento dos seus perfis identitários, as subjetividades, a cultura, 
entre outros complexos, tendo em vista que correm o risco de ser apagadas 
ou secundarizadas por compreensões reducionistas e vertentes baseadas no 
liberalismo universal abstrato, o qual desconsidera as condições materiais 
de existência e igualdade material posta para tais segmentos.
O retrato das desigualdades raciais é visível quando temos a renda média 
das mulheres, especialmente a das negras, que continua muito inferior não 
só em relação à dos homens, como também em relação à das mulheres bran-
cas. “O rendimento médio das mulheres negras era equivalente, em 2009, a 
40% do rendimento dos homens brancos, enquanto o das mulheres brancas 
equivalia a 68% do rendimento dos homens brancos” (ONU, 2011, p. 7).
Fatos como esses têm impedido que as mulheres negras desenvolvam 
suas potencialidades e consigam mobilidade e ascensão social, pois ocupam 
posições de desvantagens no que concerne à ocupação e renda, à escolaridade, 
à entrada na educação superior e no mercado de trabalho, enquanto há pre-
dominância no trabalho doméstico. São ilustrativos os dados fornecidos pelo 
Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea, 2017) no retrato das desigualdades 
de gênero e raça de 1995 a 2015: apesar de alguns avanços, nos deparamos 
com persistências para o grupo da população negra, sendo as piores posições 
para as mulheres negras.
Em 2015, a taxa de desocupação feminina era de 11,6% — enquanto a dos 
homens foi de 7,8%. No caso das mulheres negras, a proporção chegou a 
13,3% (a dos homens negros, 8,5%). Os maiores patamares encontram-se entre 
as mulheres negras com ensino médio completo ou incompleto (9 a 11 anos 
de estudo): neste grupo, a taxa de desocupação em 2015 foi de 17,4%. (Ipea, 
2017, p. 2)
No que se refere à presença de barreiras para encontrar melhores posi-
ções no mercado de trabalho, essas estão presentes para homens e mulheres. 
No entanto, acumulam desvantagens as mulheres negras, que são maioria no 
emprego doméstico, historicamente marcado pela precarização, exploração 
e opressão. As mulheres negras, no dizer de Florestan Fernandes, foram as 
472 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
que lograram êxito em encontrar trabalho no pós-Abolição: “Por causa de 
sua integração à rede de serviços urbanos, é a mulher que vai contar como 
agente de trabalho privilegiado não no sentido de achar um aproveitamento 
ideal ou decididamente compensador, mas por ser a única a contar com 
ocupações persistentes e, enfim, um meio de vida” (2008, p. 83). 
A categoria dos trabalhadores domésticos é formada por aproximadamente 
7 milhões de profissionais, sendo que, entre as mulheres, 61,7% são negras. 
Historicamente, o trabalho doméstico é a principal porta de entrada das mu-
lheres negras no mercado de trabalho e é onde a violação de direitos é mais 
evidente: praticamente 75% das trabalhadoras não têm carteira assinada. 
(ONU, 2011, p. 7)
No que concerne à educação, é interessante notar que, ao longo da histó-
ria, foi e é pauta importante nas reivindicações da população negra. Andrews 
(2015, p. 156) afirma que “a educação é universalmente reconhecida como 
uma área fundamental para a justiça social e como um dos mais poderosos 
determinantes de desigualdades e hierarquia social”.
Um dos indicadores selecionados é a taxa de analfabetismo, que vem caindo de 
maneira importante no Brasil nas últimas décadas, mas que ainda não atingiu os 
patamares ideais e, nesse caso, apresenta um diferencial racial importante: em 
2015, entre as mulheres com quinze anos ou mais de idade brancas, somente 
4,9% eram analfabetas; no caso das negras, este número era o dobro, 10,2%. 
Entre os homens, a distância é semelhante. (Ipea, 2017, p.2)
Em cenário de desemprego, trabalho precarizado como expressão da 
questão social no capitalismo contemporâneo, é exigido nível de escolaridade 
mais elevado. Porém, por motivos coloniais, a população negra tem encon-
trado dificuldade em ampliar seu nível de escolaridade, e, quando assim o 
faz, não tem se traduzido em melhor qualificação no mercado de trabalho. 
Se examinarmos a escolaridade das pessoas adultas, salta aos olhos também 
o diferencial de cor/raça. Apesar dos avanços nos últimos anos, com mais 
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brasileiros e brasileiras chegando no nível superior, as distâncias entre os 
grupos perpetuam-se, conforme demonstram os dados:
Entre 1995 e 2015, duplica-se a população adulta branca com doze anos ou 
mais de estudo, de 12,5% para 25,9%. No mesmo período, a população negra 
com doze anos ou mais de estudo passa de inacreditáveis 3,3% para 12%, um 
aumento de quase quatro vezes, mas que não esconde que a população negra 
chega somente agora ao patamar de vinte anos atrás da população branca. 
(Ipea, 2017, p. 2)
Acrescente-se a essas desigualdades as práticas do racismo institucional 
nas instituições públicas no Brasil, que coloca pessoas de grupos raciais ou 
étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios 
gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações; atua de forma 
difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, provocan-
do uma desigualdade na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades 
aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Vejamos o 
que revelam os dados do Ministério da Saúde de 2009.
Apontam que 73% das gestantes brancas realizam sete ou mais consultas de 
pré-natal. Essa proporção cai para 46% quando as gestantes são negras. As 
restrições de acesso aos serviços e a baixa qualidade da atenção são fatores 
que incrementam a vulnerabilidade de mulheres negras à morte por causas 
relacionadas à gravidez; o risco de morte para essas mulheres pode ser 80% 
maior do que para as brancas. A desigualdade na saúde também atinge crianças 
negras, as quais têm 25% mais probabilidade de morrer antes de completar 
um ano de idade do que as crianças brancas. (ONU, 2011, p. 7)
A desvantagem no acesso a direitos básicos que devem ser garantidos 
pelo Estado e na distribuição de renda por meio do acesso a postos no mer-
cado de trabalho é contraposta ao número expressivo de pretos e pardos 
encarcerados no Brasil. Isso nos leva ao início das discussões realizadas 
até aqui, sendo essas consequências de práticas racistas que mantêm as 
474 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
disparidades nas taxas de homicídios e encarceramento da população negra 
e seguem ocorrendo do período colonial até a nossa atualidade, em virtude 
do projeto de nação consolidado pela burguesia brasileira.
É importante ressaltar que, em meio às vulnerabilidades por que passa 
a população negra, de cenários de extrema pobreza, demandas não atendidas 
por acesso às políticas públicas de proteção social, de preconceito que se 
transforma em ação de exclusão, de negação de identidade, de sua cultura, 
esta criou e vem reinventando mecanismos de resistência para garantir sua 
sobrevivência, ao mesmo tempo em que oferece ao Estado e à sociedade 
brasileira suas experiências como forma de construir coletivamente outra 
dinâmica de vida e ação política.
Nesse sentido, compreendemos que uma luta real por uma sociedade 
sem exploração ou opressão, na qual o trabalho não se submeta ao controle 
do capital, só se efetivará com a superação das desigualdades raciais e de 
gênero. Logo, é exigida uma articulação das lutas sociais, pois enquanto o 
racismo e o sexismo forem tratados como fenômenos de menor importância, 
o exercício político voltado à emancipação humana continuará incompleto 
e inconcluso. 
3. Resistências plurais e cotidianas 
As formas de resistência da população negra serão aqui tematizadas 
em perspectiva que ultrapassa as organizações políticas que ganharam força 
na década de 1970. Apesar de sua importância, no que tange ao campo da 
resistência de negros e negras no Brasil, todos os movimentos, processos de 
luta, fuga, afirmação identitária, expressão cultural, desde a vinda nos navios 
negreiros até os dias atuais, são considerados como estratégias plurais de 
resistir e lutar contra a ordem societária de opressão e exploração vigente.
Na atual conjuntura, permeada por fortes ofensivas fundamentalistas 
e conservadoras que naturalizam violências, perpetuam desigualdades e 
ameaçam direitos conquistados, algumas estratégias e ações de negros e 
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negras se destacam no fortalecimento do campo democrático. A juventude 
negra das periferias tem protagonizado, graças ao hip-hop e/ou movimentos 
ligados à arte urbana e estética, ações de enfrentamento aos padrões opres-
sores do corpo, cabelo, comportamento em busca de uma identidade negra 
fortalecida. Essa estratégia tem contribuído não só para o fortalecimento 
identitário, mas também para a constante denúncia e o combate ao extermínio 
da juventude negra.
São nesses territórios negros e periféricos que a força do capital e do Estado 
fincam suas mais perversas raízes. Porém, são nesses territórios que surgem 
expressões de resistências culturais e políticas, sobretudo por parte da juven-
tude, que consegue construir experiências de sociabilidade e lutas alternativas 
e descolonizadoras, em face de um poder cada vez mais vil e agressivo contra 
as comunidades e populações negras. (Nogueira, 2017, p. 5)
A preocupação com os espaços de periferia das grandes e médias ci-
dades, onde a população negra é a maioria e recebe as posições de trabalho 
mais precarizadas, tem sido um caminho apontado pela juventude. Também 
os Povos e Comunidades Tradicionais (PCT’s) discriminados por questões 
étnicas e raciais, quilombolas, indígenas e povos de terreiro têm se utilizado 
de diferentes formas para reafirmar sua ancestralidade e permanecer lutando 
cotidianamente por direitos e reparação por séculos de discriminação. Diante 
dos numerosos conflitos que eles enfrentam no decorrer dos processos de 
busca por acesso a direitos, os movimentos sociais quilombola e indígena têm 
lutado pela efetividade do que foi garantido constitucionalmente em 1988.
Os conflitos vivenciados por comunidades remanescentes de quilombos 
e os povos indígenas do Brasil assumem cada vez maior projeção. A Con-
venção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada 
em 1989, que trata dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo, e o 
Decreto n. 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento 
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, reconhece-os como 
“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que pos-
suem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios 
476 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
e recursos naturais como condição para sua reprodução [...], utilizando 
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição”. 
Contudo, a efetividade desses direitos ainda é um desafio. Fundamen-
tadas em uma ideologia racista, as ações que contribuem para a ampliação 
do capital são privilegiadas em detrimento das necessidades básicas que 
devem ser garantidas aos PCT’s para seu desenvolvimento sustentável. A 
construção de grandes empreendimentos realizados sem respeitar os preceitos 
da Convenção n. 169 da OIT, os conflitos agrários intensificados pelo uso 
de violência contra indígenas e quilombolas, o uso degradante dos recursos 
naturais, a depredação de templos religiosos de matriz africana, além das 
ameaças atuais de retrocesso nas legislações que regulamentam os processos 
de titulação das comunidades quilombolas e demarcação das terras indígenas 
são alguns dos exemplos dessa realidade.
Porúltimo, mas não por menor importância, destacamos o protagonismo 
dos movimentos de mulheres negras. Conforme Lemos (2015), “na década 
de 1970, as mulheres negras no Brasil intensificaram suas organizações e 
empreenderam intensos debates acerca de direitos sociais, políticos, econô-
micos e civis”. Desde então, elas têm assumido função vital no que se refere 
à mobilização nacional e internacional da população negra, bem como de 
diferentes outros atores sociais. 
As mulheres negras têm potencializado as denúncias contra o racismo, o 
sexismo e o capitalismo. Nesse sentido, destacamos a Marcha das Mulheres 
Negras, que ocorreu em novembro de 2015, em Brasília, em que milhares 
de mulheres de todo o Brasil marcharam contra o racismo e a violência e 
pelo bem viver. Em seu manifesto afirmaram
que elas permanecem sendo a base para o desenvolvimento econômico e 
político do Brasil sem que a distribuição dos ativos do trabalho seja revertida 
para seu próprio benefício. Denunciam que vivem a face mais perversa do 
racismo e do sexismo por serem negras e mulheres, e alvo de discriminação 
de toda ordem, as quais não permitem que gerações e gerações de mulheres 
negras desfrutem daquilo que produzem. (Lemos, 2015, p. 210)
477Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 463-479, set./dez. 2018
A organização do feminismo negro tem indicado alguns caminhos para 
viabilizar transformações societárias estruturais. Como apontado por Angela 
Davis,2 “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade 
se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da 
pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do 
capitalismo”. Assim, essas populações seguem em marcha, por diferentes 
caminhos e de formas plurais, todos os dias em busca de uma sociedade 
justa, igualitária e livre de opressões. 
Conclusão
O racismo opera estruturalmente na formação social capitalista. Estrate-
gicamente funciona como mecanismo definidor de lugares sociais. Com a atual 
ofensiva do conservadorismo, as antigas desigualdades advindas do período 
colonial escravista são reeditadas e têm resultado em profundas violações de 
direitos humanos, as quais dilaceram e despotencializam essas populações.
A emancipação da população negra pressupõe mais do que a dimensão 
estritamente econômica; ela envolve dimensões culturais, políticas e de va-
lores profundas. Por esse motivo, os indicadores apresentados alertam para a 
urgência de políticas públicas qualificadas e a necessidade de desnaturalizar 
e analisar a sociedade de forma a considerar a intersecção entre raça/etnia, 
gênero e classe social.
É necessário ampliar ações que radicalizem a democracia, e alguns 
caminhos têm sido apontados nas formas plurais de resistência da população 
negra. Nesse sentido, é preciso fortalecer esses segmentos e suas organiza-
ções, bem como assegurar sua participação em todas as esferas de poder.
Recebido em 18/1/18 ■ Aprovado em 19/6/18
2. Palestra proferida em 25 de julho de 2017 na Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
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Notas das autoras
Zelma Madeira — Professora doutora de graduação e mestrado em Serviço Social da 
Uece. E-mail: zelmadeira@yahoo.com.br
Daiane Daine de Oliveira Gomes — Graduada e mestre em Serviço Social pela Uece. 
E-mail: daianedaine@hotmail.com
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
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mailto:daianedaine@hotmail.com
480 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.155Povos indígenas e o direito à 
terra na realidade brasileira
Indigenous peoples and the right to land in Brazilian reality
Elizângela Cardoso de Araújo Silvaa
Resumo: Este artigo analisa o processo histó-
rico das afirmações legais do direito dos povos 
indígenas brasileiros à terra. Trata da violência 
contra os povos originários: expropriação e 
mortes dos que resistem e lutam pela garantia do 
acesso e usufruto dos bens naturais. Com base na 
pesquisa bibliográfica e documental, analisam-se 
os conflitos que atingem os povos indígenas e a 
concreta necessidade de demarcação como con-
dição fundamental para a continuidade da vida 
indígena na realidade brasileira.
Palavras-chave: Indígena. Terra. Direitos 
humanos.
Abstract: This article deals with the historical 
process of the legal affirmations of the right of 
Brazilian indigenous peoples to land. It deals 
with the violence against indigenous peoples: 
expropriation and deaths of those who resist and 
fight for the guarantee of access and usufruct 
of natural goods. Based on bibliographical and 
documentary research, it analyzes conflicts that 
affect indigenous peoples and the concrete need 
for demarcation as a fundamental condition for the 
continuity of indigenous life in the Brazilian reality.
Keywords: Indigenous. Land. Human rights.
Introdução
A análise do processo histórico da luta e conquista do direito dos 
povos indígenas à terra na sociabilidade capitalista exige uma 
breve caracterização da relação entre instâncias de poder e povos 
originários na nossa formação social brasileira. A histórica questão fundiária 
indígena envolve diversas problemáticas quanto ao acesso e uso da terra: 
aIndígena Pankararu. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pernambuco-RE, Brasil.
481Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
violências sofridas por indígenas em conflitos diretos com a classe burguesa 
de ruralistas, donos do agronegócio acarretando consequências nefastas para 
os povos que ainda vivem no campo.
A invasão, ocupação e exploração do solo brasileiro foram e são 
determinantes para as transformações radicais que os povos originários 
passam no decorrer de cinco séculos. Um longo processo de devastação 
física e cultural eliminou grupos gigantescos e inúmeras etnias indígenas, 
especialmente através do rompimento histórico entre os índios e a terra. Por 
dentro da tradição da teoria social crítica, podemos captar elementos teó-
rico-metodológicos muito significativos para análise do processo histórico 
social vivido por esses povos e apreender a teia contemporânea de ameaças 
à própria continuidade da existência da vida indígena e sua possibilidade de 
autodeterminação e auto-organização.
Destaca-se a importância de reconhecer as mudanças que ocorrem com 
a interação real entre a vida indígena no campo brasileiro (marcada por ele-
mentos singulares de ruralidade) e o compartilhamento de diversos elementos 
próprios da vida tipicamente capitalista em algumas regiões brasileiras (os 
processos de proletarização e assalariamento indígena, incorporação de 
tecnologia na vida cotidiana e na organização do trabalho). 
Esse destaque tem o intuito de enfatizar a necessidade da superação 
de um pensamento evolucionista que defende a integração e a assimilação 
obrigatória dos povos indígenas ao modo de vida tipicamente capitalista 
na expectativa do apagamento étnico. Considera-se neste texto que essas 
transformações vividas por indígenas brasileiros não apagaram os traços 
étnicos que unem socialmente os grupos indígenas. As formas específicas 
de organização social estão presentes em elementos que dão unidade inter 
e intraétnica de diversas expressões da cultura do trabalho, organização 
econômica, social e vivências espirituais.
No caso específico do Brasil, de acordo com dados da Fundação Na-
cional do Índio, Funai (dados do censo do IBGE — Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística, 2010 disponíveis no site da FUNAI, 2016), conta-
biliza-se aproximadamente 305 etnias de povos indígenas, preservando 274 
482 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
línguas e totalizando 896,9 mil indígenas distribuídos em todo o território 
brasileiro em 688 terras e áreas urbanas.1
A condição dos povos indígenas na realidade brasileira foi histórica 
e socialmente desprezada ou tratada com muito preconceito e violência. O 
próprio termo “índio” não tem unidade concreta, nem semântica, expressando 
a marca histórica contraditória da colonização. A diversidade dos grupos 
étnico-linguísticos da América Latina não cabe nesse termo genérico, porém 
ele passa a ser assumido historicamente como uma definição estratégica de 
um grupo social no processo geral de organização e reivindicação política. 
De acordo com Almeida (2010, p. 31), “em toda a América havia inú-
meros povos distintos que foram chamados de índios pelos europeus que 
aqui chegaram”, classificados pelos portugueses com o intuito de viabilizar 
os objetivos da colonização. Nas investidas etnocêntricas, o colonizador era 
a referência. Assim, os nativos foram classificados em dois grupos de índios: 
“aliados” e “inimigos”.
Por dentro da reprodução histórica de preconceitos e de toda forma de 
violência da escravidão, perseguições e catequização, a trajetória institucio-
nal da atuação dos órgãos de “proteção” também registrou a diversidade de 
formas de organização social e resistência dos povos originários — língua, 
tipo físico e cultura —, constatando a diversidade de troncos linguísticos 
indígenas divididos em inúmeros subgrupos.
A primeira parte do artigo apresenta elementos históricos da condição 
social em que viveram e vivem os povos indígenas brasileiros. A segunda 
parte versa sobre os avanços legais da proteção das terras indígenas e as 
contradições da demarcação de terras indígenas na sociedade capitalista. 
Conclui-se com reflexões sobre a questão da importância da luta em defesa 
dos direitos humanos indígenas e sobre os limites da emancipação política 
indígena na sociabilidade burguesa.
1. De acordo com a Funai (2016), existem 32 grupos não contatados (isolados) confirmados pelo órgão 
(Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/politica-indigenista?start=4>. Acesso 
em: set. 2016). 
483Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
1. Histórica questão fundiária no Brasil: expropriação de terra indígena, 
aldeamento e avanços da política indigenista
Muitas são as formas históricas de acesso, uso e apropriação da terra. 
Esses são processos que geram diversos conflitos na história da humanidade. 
No caso específico da realidade brasileira, a terra, na sua dimensão política e 
econômica, é um bem que envolve muitas tensões e conflitos de disputa. Por 
se tratar de um meio de produção de riqueza bastante valioso, dispondo de 
diferentes possibilidades de exploração, o seu acesso, uso e apropriação são 
desiguais, envolvendo violência institucional, material e estratégias políticas 
que promovem concentração e expropriação. Trata-se aqui da constituição 
do latifúndio.
A realidade do acesso, uso e apropriação das terras brasileiras é resul-
tado de uma condição colonial de longa exploração. É importante recordar 
as consequências nocivas do sistema colonial secular que, além de devastar 
física e culturalmente as populações originárias, também garantiu a institui-
ção das grandes propriedades privadas nas mãos de poucos. Referimo-nos à 
grande concentração de terras nas mãos de classes agrárias que exerceram 
seu violento poder de dominação e exploração dos trabalhadores do campo 
através de múltiplas formas de expropriação. 
A Lei de Terras de 1850 foi o “batismo do latifúndio”. Depois do longo 
processo de concessões do sistema de sesmarias, através do qual a Coroa por-
tuguesa atribuía o poder de exploração de determinadas extensões de terras 
a sesmeiros com vistas à produção, a referida lei condiciona o acesso à terra 
exclusivamente por meio da compra.Nesse contexto também se alargou a 
grilagem, caracterizada pela falsificação em larga escala de documentações 
de posse de terra.2
A legitimação do latifúndio no Brasil é marcado por estratégias (i)legais 
e políticas que favoreceram economicamente as classes dominantes no meio 
agrário até os dias atuais. É também a base da violência social, desagregação, 
2. “Terras griladas são aquelas que foram apropriadas ilegalmente, através da falsificação de documen-
tos. A grilagem, [é uma] [...] prática arraigada na história agrária brasileira” (Caldart et al., 2012, p. 441).
484 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
desaldeamento e superexploração das massas pobres trabalhadoras do campo, 
indígenas e negras do nosso país. 
É com o avanço das formas capitalistas de exploração do campo brasi-
leiro que a relação entre indígenas, lavradores, quilombolas vive constantes 
ameaças de expropriação e reprodução das formas de rompimento com 
seu principal meio de reprodução da vida: a terra. Temos inúmeros casos 
na realidade brasileira de expulsão de populações ribeirinhas, tradicionais, 
quilombolas, pesqueiras pela ação predatória do grande capital nas investi-
das dos grandes empreendimentos (hidrelétricas, barragens, exploração de 
minérios, de madeira, entre tantos outros).
Dos primeiros anos da colonização até a Lei de Terras (séculos XV-XIX) 
ocorre uma destruição radical das populações originárias, bem como a dis-
persão e diversas formas de migrações compulsórias, produto da expulsão 
de seus territórios. A Lei de Terras exerceu a função de institucionalizar 
formas de expropriações. Os povos que resistiram e adentraram os sertões 
e outras regiões de difícil acesso no país, durante o século XX, continuam 
ameaçados com os avanços de formas de exploração capitalista no campo. 
Os processos constantes de expulsão de indígenas leva-os a compor uma 
massa de trabalhadores espoliados e em condições de extrema precariedade, 
seja nas pequenas ou nas grandes cidades.
Com o avanço do capitalismo no campo, a terra cumpre a função de 
mercadoria (“terra de negócio”, nos termos de José de Souza Martins). Desse 
modo, a questão da “propriedade” da terra no Brasil é complexa. Em termos 
legais, dispomos de muitas modalidades de posse, porém a realidade e a 
legislação são instâncias marcadas pela desigualdade.
Na base dos conflitos de terra no Brasil está o interesse capitalista da 
burguesia agrária pela exploração da grande riqueza natural existente nas 
terras ainda ocupadas por indígenas e os limites da força política e econô-
mica das diferentes modalidades de trabalhadores do campo, entre eles os 
povos originários.
[...] o que se observa em relação à terra no Brasil é uma complexa realidade 
que envolve, de um lado, múltiplas formas de acesso coletivo e comunitário, 
485Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
e lutas pelo seu controle democrático, no que diz respeito a terras indígenas, 
quilombolas, tradicionalmente ocupadas ou ocupadas pelos movimentos 
sociais em luta pela Reforma Agrária; e, de outro, a reafirmação de formas 
monopolistas de controle da propriedade da terra no Brasil, favorecidas por 
ações das diversas esferas do Estado brasileiro, seja quando nega a titulação 
de terras indígenas, rejeita o reconhecimento de terras quilombolas e não 
legitima terras tradicionalmente ocupadas, seja quando não desapropria para 
fins de Reforma Agrária as terras que descumprem a função social, favorece a 
grilagem de terras, garante a manutenção de latifúndios improdutivos intoca-
dos e preserva o direito de propriedade de quem utiliza mão de obra escrava. 
(Caldart et al. 2012, p. 444) 
A questão da disputa de terras e o monopólio da posse nas mãos de 
classes economicamente poderosas são os principais impasses vividos pelas 
populações originárias que residem em regiões ricas em recursos naturais, es-
pecialmente quando essa classe dominante se encontra bem representada em 
uma bancada ruralista no Parlamento brasileiro e em aparelhos privados de 
hegemonia que atuam para legitimar os interesses dos “reis do agronegócio”.
De acordo com o Relatório da Comissão Pastoral da Terra sobre os 
casos de violência no campo: 
Em 2015, 50 pessoas foram assassinadas no campo, o maior número de víti-
mas desde 2004, e 39% a mais do que em 2014, quando foram registrados 36 
assassinatos. Como em anos anteriores, a violência se concentrou de forma, 
pode-se dizer espantosa, na Amazônia, onde foram computados 47 dos 50 
assassinatos — 20 em Rondônia, 19 no Pará, 6 no Maranhão, 1 no Amazonas, 
1 no Mato Grosso —; 30 das 59 tentativas de assassinato; 93 das 144 pessoas 
que receberam ameaças de morte; 66 dos 80 camponeses presos. E ainda 
20.000.853 dos 21.374.544 hectares em conflito. 527 dos 998 conflitos por 
terra também lá ocorreram, com destaque para o Maranhão com 120, 99 no 
Pará e 83 em Rondônia. (CPT, 2015, p. 9-10)
Como verificamos no relatório, há uma condição alarmante de ameaças 
vividas pelos trabalhadores do campo. São números expressivos que indicam 
486 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
os interesses e as disputas pela riqueza dos recursos naturais disponíveis nas 
mãos da classe trabalhadora. Ainda de acordo com o relatório da Comissão:
A mineração, as hidrelétricas e as madeireiras se expandem exigindo do poder 
público a construção de linhões, portos, o asfaltamento e abertura de estradas e 
de hidrovias e, consequentemente, a valorização das terras. Está pronto o caldo 
para o aumento e o acirramento dos conflitos e, sobretudo, para o crescimento 
da concentração da propriedade latifundiária. (CPT, 2015, p. 10)
O incessante interesse do grande capital continua a ameaçar as vidas 
dos povos das florestas, ribeirinhos, pesqueiros, quilombolas e indígenas 
que vivem uma relação com a terra-natureza não mercadológica. O proces-
so de acumulação e renovação das formas de exploração do capital requer 
processos ampliados de expropriação.3 Essa lógica de exploração capitalista 
se depara com a resistência dos trabalhadores e lideranças organizados(as) 
do campo, usa da violência física, patrimonial e institucional para garantir 
a apropriação injusta e desigual da terra.
No início do século XIX, ocorrem diversas transformações no Brasil, 
especialmente a ruptura com o pacto colonial, superando o estado jurídico-
-político, nas palavras de Florestan Fernandes. Essa ruptura com o passado 
colonial não ocorre com a condição material que, para Fernandes (2005, 
p. 51), “iria perpetuar-se e servir de suporte à construção de uma nova so-
ciedade nacional”.4
3. Ao analisar a tendência incontrolável de expansão do capital, Virgínia Fontes (2010, p. 22) afirma 
que “a expropriação massiva é, portanto a condição inicial, meio e resultado da exploração capitalista”. A 
autora continua: “[...] expandir as relações capitalistas corresponde, portanto, em primeiro lugar, à expansão 
das condições que exasperam a disponibilidade de trabalhadores para o capital, independentemente da forma 
jurídica que venha a recobrir a atividade laboral de tais seres sociais. A expropriação primária, original de 
grandes massas campesinas ou agrárias, convertidas de boa vontade (atraídas pelas cidades) ou não (expulsas, 
por razões diversas de suas terras, ou incapacitadas de manter sua reprodução plena através de procedimentos 
tradicionais, em geral, agrários) permanece e se aprofunda, ao lado de expropriações secundárias, impulsio-
nadas pelo capitalismo — imperialismo contemporâneo [...]” (p. 44). 
4. Com a independência do Brasil e a formação de um Estado nacional e as exigências de adaptação às 
mudanças políticas e econômicas internacionais, nascem os ideais de unidade e nacionalidade voltadas para 
487Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
Prevaleceu nesse período uma subalternidade ideológica da vida e das 
necessidades dos índios. Eram tratados como crianças órfãs, definindo a 
condição de tutelaque juridicamente foi reafirmada no Código Penal de 
1916, considerados como “menores de idade” e “relativamente incapazes”, 
mantendo o princípio da tutela (Idem, p. 89 e 137).5 
1.2. A questão da terra na política indigenista no século XX
No início do século XX, a questão indígena não era tratada substan-
cialmente como se fosse social ou política. Estava situada nos conflitos de 
interesse econômico em torno da posse de terras. A Constituição de 1891 
não tratava de forma substancial da questão, fazendo apenas breve menção 
a um possível reconhecimento de terras que eventualmente tivessem sido re-
conhecidas anteriormente pela Coroa portuguesa. Índios continuavam sendo 
vistos como problema para o desenvolvimento nacional e como obstáculo 
para o progresso nacional. 
Após denúncias internacionais da condição indígena e dos trabalhadores 
do campo brasileiro, foi criado, em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios e 
Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que em 1918 se tornaria 
o Serviço de Proteção aos Índios, o SPI. Em função das dificuldades da pri-
meira versão do órgão para atuar na amplitude das demandas de tantos grupos 
sociais, o SPI passa a atuar exclusivamente com as demandas indigenistas. 
O índio passa a ser visto como “um ser digno de conviver em comunhão 
a construção de uma “única identidade histórica e cultural”. A identidade indígena não era, nem de longe, 
aquela que representaria essa imagem nacional. 
5. É importante enfatizar o papel que cumpriu a Lei de Terras de 1850, que dava o direito de posse da 
terra apenas àqueles que pagassem por ela. A lei excluía radicalmente pequenos lavradores e aldeias indíge-
nas. No período, a política indigenista passa a ser da responsabilidade do Ministério da Agricultura, criado 
em 1860, sendo que diversas aldeias foram extintas formalmente e índios dispersados. “Seus habitantes são 
condenados a viver como posseiros sem terra, perdendo suas características específicas. O período do Brasil 
Império caracterizou-se com a afirmação do poder dos grandes senhores, do latifúndio, pela manutenção da 
servidão e da escravatura”, afirma Gomes (2012, p. 88). 
488 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
nacional”, mas permanece a visão da inferioridade cultural e “evolutiva”. 
Vistos como infantis, “necessitariam da tutela do Estado a quem caberia 
dar-lhes condições para evoluir a um estágio cultural e econômico superior, 
para daí se integrarem à nação” (Gomes, 2012, p. 92-93). 
No decorrer do século XX ocorreram muitas transformações positi-
vas sobre a questão indígena brasileira, tanto na dimensão institucional de 
organização dos serviços de regularização das políticas como na atuação 
direta do Estado e dos órgãos de proteção em favor do avanço na legislação 
de proteção. Embora com elementos e instrumentos contraditórios, houve 
processos de mapeamento que favoreceram a visibilidade da presença in-
dígena no território brasileiro, bem como, ainda que de forma limitada, a 
organização de dados e registros oficiais que dimensionaram a condição 
concreta da realidade dos povos.
Em 1928, é aprovada a Lei n. 5.484, que passa a regulamentar a situação 
jurídica dos índios. Exonera a tutela orfanológica e coloca-os sob a tutela do 
Estado. Ocorre o processo de “classificação” indígena de acordo com o grau 
de relacionamento com a sociedade brasileira, denominados como: “grupos 
nômades”, “aldeados ou arrancados”, “incorporados a centros agrícolas”, e 
reunidos em povoações indígenas. Índios incorporados à sociedade ou em 
centros agrícolas são responsáveis por seus atos. (Gomes, 2012, p. 95-96)
A Constituição de 1934 apresenta pela primeira vez na história brasilei-
ra, e ainda de forma pontual, um artigo referente favorável à não alienação 
de suas terras: “[...] será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas 
se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado 
aliená-las” (Gomes, 2012, p. 96).
No tópico que segue são apresentadas as mudanças conceituais sobre 
terras indígenas no sistema normativo brasileiro. Essas mudanças ocorrem a 
partir da ampliação da organização política de órgãos de defesa e alargamento 
da formação política e organização dos próprios indígenas. 
489Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
2. A questão do direito indígena à terra no sistema normativo brasileiro
Antes das décadas de 1970-1980 foram se ampliando e reafirmando 
leis voltadas para a definição e proteção das terras indígenas, mas ainda pre-
valecia a ideia integracionista de nacionalização e incorporação dos índios 
(essa era a meta principal do órgão indigenista).6 
A Constituição de 1937, no artigo 154, definia: “Será respeitada aos 
silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter per-
manente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas”. Nos termos 
da Constituição de 1946, artigo 216: “Será respeitada aos silvícolas a posse 
das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de 
não se transferirem”.
No decorrer do século XX modificam-se as definições formais por den-
tro da legislação do que são “terras indígenas”, formas e tempo de “ocupação” 
(ocupação permanente, modo tradicional de ocupação, tempo de ocupação). 
Mudanças que passam a definir as ações do Estado brasileiro voltadas para a 
demarcação das terras indígenas e definição legal e institucional das formas 
de proteção, dos limites e controle dos territórios.
Gradativamente, amplia-se na sociedade brasileira o “sentimento de 
responsabilidade histórica do Estado brasileiro para com os índios” e o 
anseio de superar a condição de tutela e de objeto do Estado, construindo 
autonomia e atenção básica aos seus territórios. Esse sentimento entra em 
confronto com a nova realidade construída na trama do poder instituído pelo 
golpe militar de 1964.
Em meio aos retrocessos e violências próprias do regime militar que se 
instala no Brasil a partir de 1964, ocorrem diversas denúncias internacionais 
6. O Decreto n. 736, de 6 de abril de 1936, estabelece que “os índios devem ser nacionalizados para 
serem incorporados à sociedade brasileira e define as terras indígenas como ‘aquelas em que presentemente 
vivem e já primariamente habitavam e são necessárias para o meio de vida compatível com o seu estado 
social: caça, pesca, indústria extrativa, lavoura ou criação; aquelas que já lhes tenham sido ou venham ser 
reservadas para seu uso ou reconhecidas como de sua propriedade a qualquer título’” (Gomes, 2012, p. 96).
490 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
das torturas e massacres realizados contra índios brasileiros, além de crimes 
de responsabilidade administrativa atribuídos ao SPI, situação que leva à 
extinção do órgão (Gomes, 2012, p. 100-101).
No cenário ideológico do “desenvolvimento com segurança” foi criada, 
em 5 de dezembro de 1967, a Fundação Nacional do Índio (Funai) com a 
missão precisa de transformar o índio em brasileiro, permitindo que “evo-
luísse” rapidamente: “[...] integrá-los à nação e assimilá-los culturalmente 
ao seu povo em um processo acelerado”, nas palavras de Gomes (2012).
Na conjuntura, a Constituição de 1967 trouxe mudanças e retrocessos 
jurídicos e políticos. Segundo Gomes (2012), na conceituação sobre terras 
indígenas que passam a ser da União e para os índios, restou a posse exclusiva 
e a inalienabilidade. No entanto, a nova definição favoreceu o processo de 
demarcação das terras indígenas.
Em 1973, foi aprovado o Estatuto do Índio, a Lei n. 6.001, de 19 de 
dezembro desse mesmo ano.7 A referida lei regulamenta aspectos jurídico-
-administrativos e determina a condição social e política do índio perante a 
nação, tratando da definição de terras indígenas e processos de regularização 
fundiária e estipulando medidas de assistência e promoção dos povos indí-
genas como indivíduos.8 O Estatuto do Índio atribui à Funai a “responsabi-
lidade de único agente responsável pela definiçãodo que é terra indígena e 
pela demarcação em todas as ‘etapas’. O ato final de homologação fica sob 
a prerrogativa do presidente da república” (Gomes, 2012). A Funai, como o 
principal órgão do Estado voltado para as demandas de proteção aos direitos 
indígenas, tem se tornado o centro das grandes tensões e investidas do pensa-
mento conservador brasileiro que tenta ressuscitar as visões integracionistas 
e assimilacionistas sobre os povos indígenas.
7. De acordo com o Estatuto, “índio ou silvícola é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colom-
biana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais 
o distinguem da sociedade nacional”. E no seu art. 19: “As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação 
do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo 
estabelecido em decreto do Poder Executivo”.
8. Gomes, 2012, p. 102.
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2.1. A luta pela terra e afirmações constitucionais dos direitos indígenas no Brasil
As décadas de 1970 e 1980 foram momentos marcantes em termos de 
espraiamento de retrocessos na interpretação da condição de vida dos po-
vos indígenas e nas condições de trabalho do principal órgão de proteção, 
reconfigurado e enfraquecido pelo regime civil militar. Foi também um 
período de forte ebulição dos movimentos sociais na realidade brasileira, 
o que possibilitou denúncias e críticas sobre a atuação estatal. Naquele 
momento de redemocratização do país ocorreu uma ampliação dos debates 
sobre a “questão indígena” através da mobilização de organizações que 
defendiam as causas indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário 
(Cimi) e da própria organização política crescente dos índios em favor dos 
seus direitos com a criação de associações indígenas em diversas partes do 
Brasil (Gomes, 2012, p. 109). O artigo 172, inciso IX, do Estatuto do Índio 
(1973), passa a afirmar:
Cumpre à União, aos estados e aos municípios, bem como aos órgãos das 
respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para 
a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: 
garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, 
a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao 
usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas 
terras existentes.
Com a abertura política no país e a força participativa dos movimentos 
em favor da Constituinte, a questão indígena passa a ganhar mais espaço 
na agenda política brasileira no sentido de reverter o quadro de retrocessos 
legais. De acordo com o documento do Conselho Federal de Serviço Social, 
o “CFESS Manifesta” de 2012, a questão indígena também ganha maior 
visibilidade em termos de avanços normativos pela significativa atuação 
do movimento indígena, que ganha força no período da redemocratização 
política do Brasil pós-1980.
492 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
As reivindicações indígenas foram contempladas em grande parte na Cons-
tituição brasileira de 1988, concentradas no Capítulo VII, artigos 231 e 232. 
Legalmente, os/as índios/as são reconhecidos/as no seu modo de vida, quanto 
às suas formas de organização, costumes, línguas, crenças e tradições, e são 
assegurados os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas 
por eles/as. Rompeu-se a perspectiva da integração desses povos à sociedade 
nacional. (CFESS, 2012, p. 2)
A Constituição federal apresenta mudanças significativas no que se 
refere à orientação da ação do Estado, reformulando os seus mecanismos 
de ações voltadas aos povos indígenas.9
Conforme Baniwa (2012), na década de 1970 emerge um movimento 
pan-indígena que ganhou ampla dimensão no continente latino-americano e 
conquistou direitos constitucionais nas décadas de 1980 e 1990 — defesa do 
direito à particularidade e à diversidade e denúncia das injustiças étnicas. No 
Brasil, com a aprovação da Constituição de 1988, a ideologia da unicidade 
do Estado se afirma como coisa do passado.
A Carta Magna mudou, em termos legais, significativamente a inter-
pretação jurídico-social dos povos indígenas no país. Como afirma Baniwa, 
a Carta Magna supera a concepção de tutela, reconhecendo a capacidade 
civil dos índios; abandona o pressuposto integracionista, em favor do re-
conhecimento do direito à diferença sociocultural dos povos indígenas, na 
linha do multiculturalismo contemporâneo; reconhece a autonomia societária 
dos povos indígenas, garantindo para isso o direito ao território, à cultura, 
à educação, à saúde, ao desenvolvimento econômico, de acordo com seus 
projetos coletivos presentes e futuros; reconhece o direito à cidadania híbrida: 
étnica, nacional e global (Baniwa, 2012, p. 207). 
A principal demanda da vida indígena, a terra, é apresentada como 
condição fundamental para a continuidade da vida e da saúde, a reprodução 
9. No que se refere ao conceito de “terras indígenas”, a CF de 1988, no parágrafo 1º de seu artigo 231 
define: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as 
utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários 
a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
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social, sua autodeterminação e seu etnodesenvolvimento. De acordo com a 
Constituição Federal de 1988,10 nos termos da Funai (2016):
Terra Indígena (TI) é uma porção do território nacional, de propriedade da 
União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada para suas 
atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais 
necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, 
segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de 
posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito 
civilista de propriedade privada.
São mudanças significativas que possibilitam visualizar novos horizon-
tes para os povos indígenas no enfrentamento cotidiano dos seus desafios 
diante da possibilidade do respeito à diferença e reais necessidades para sua 
continuidade humana e social. 
No início deste século XXI, acompanhamos avanços nos debates sobre 
o fenômeno da “indianidade” e em favor da política da diferença.
Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito 
determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desen-
volvimento econômico, social e cultural (Artigo 3) [...] Os povos e indivíduos 
indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua 
cultura (Artigo 81). (Nações Unidas, 200811)
Entramos em um momento histórico de afirmação, no plano político, de 
uma nação pluriétnica, de rejeição das ideias evolucionistas, da busca pela 
garantia da legitimação de diferenças internas, garantias de direitos territo-
riais e repercussão desses avanços para as políticas indigenistas e indígenas 
(que possam envolver a participação efetiva dos povos em questão). Porém, 
10. Ainda no parágrafo § 2º: “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse 
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
11. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, 2008.
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esses avanços estão em confronto com a realidade da sociedade brasileira, 
como analisaremos no próximo tópico. 
2.2. Direitos humanos dos povos indígenas: as contradições do fenômeno jurídico na 
sociabilidade burguesa
A realidade contemporânea e as demandas vitais próprias dos povos 
originários são muito complexas e dinâmicas. Um sistema jurídico normativo 
não dá conta deincorporar as demandas das diversas formas de organização 
social. Porém os povos indígenas e sua singularidade estão sob as determina-
ções dessa dimensão da vida: o fenômeno jurídico da sociabilidade burguesa 
e suas formas de controle e regulação da vida social.
Tratar do “direito à terra” e da necessidade da demarcação das terras 
indígenas frente às ameaças da apropriação capitalista do campo é tratar do 
desenvolvimento concreto da singularidade indígena e sua interlocução com 
o complexo social total: como um ser social. 
As populações originárias nativas foram engolidas (e dizimadas) du-
rante todo o período colonial pela imposição de um novo sistema de vida. 
A própria construção de uma identidade nacional, de um poder estatal na 
realidade brasileira, coloca os indígenas numa condição radicalmente peri-
férica, subalterna, para obedecer e se enquadrar efetivamente no sistema de 
normas que se refere à sua própria vida. 
Neste tópico, não é possível dar conta da complexidade da análise sobre 
o direito por dentro das contradições do sistema jurídico capitalista burguês. 
Há uma tentativa de breves aproximações sobre a luta, na sociedade de clas-
ses, para garantia dos direitos básicos para a preservação da vida indígena.
De acordo com Sartori (nos seus estudos lukacsianos), o direito como 
sistema de normatividade contém uma essência classista. Envolve media-
ções de classes sociais, linguagem, divisão do trabalho e cotidiano. Nesse 
caso, para Sartori, o domínio de uma classe sobre a outra, como processo 
contraditório, nunca pode ser total. Significa dizer que a própria dinâmica 
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social permite, em circunstâncias favoráveis, mudanças que respondam aos 
interesses das classes não dominantes, atendendo a interesses particulares. 
Desse modo, “o direito é uma mediação que se interpõe entre o domínio 
direto e os conflitos entre as diversas classes sociais com interesses diversos” 
(Sartori, 2010, p. 80).
Ainda conforme Sartori, o direito como fenômeno jurídico atua a partir 
de uma função homogeneizadora: “a vontade da lei, aparentemente unitária, 
surge de compromissos entre atores cuja função é contraditória nos confli-
tos oriundos da sociedade civil-burguesa”. Sartori, citando Lukács afirma: 
“[...] quanto mais a vida social se faz social, tanto mais nítida se torna tal 
homogeneidade” (2010, p. 80). E continua:
O Direito visa alcançar o maior número possível de condutas [...] e é inerente 
à sua forma buscar a totalidade da sociedade, colocando sobre o mesmo con-
junto de normas os diversos indivíduos singulares [...] a própria legalidade da 
sociedade civil-burguesa, pois não deixa de ser uma imposição que avilta a 
personalidade dos indivíduos e tenta reprimir a mediação da particularidade, 
a qual se interpõe entre o singular e o universal. (p. 81).
Ao afirmar que “a totalização homogeneizante do fenômeno jurídico 
não é uma mera ilusão”, Sartori (2010) apresenta indicativos interessantes 
para refletir sobre a importância da luta indígena no seio contraditório da 
sociabilidade capitalista. É uma luta constante em favor da proteção de sub-
sistemas diferenciados de organização da vida social e reprodução humana, 
como o caso da resistência das populações indígenas ribeirinhas, pesqueiras, 
que vivem artesanalmente dos recursos naturais da mata para garantir sua 
reprodução social. Como nos lembra Sartori (2010, p. 82): 
O próprio complexo que prima pelos valores individualistas, em seu desenvol-
vimento real, subsume o indivíduo a uma categoria geral e niveladora [...] o 
indivíduo singular, assim, é colocado frente às normas universais de maneira 
abrupta; o que gera uma contradição que marca a forma de sociabilidade 
inerente à sociedade civil-burguesa.
496 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 480-500, set./dez. 2018
Para Sartori, o fenômeno jurídico, porém, continua ligado à dominação 
de uma classe social exercida, sempre que preciso, por meio da violência. 
O direito, assim, se configura como uma mediação que atenua a dominação 
direta, mesmo a pressupondo, mantendo.
Dando continuidade à análise do direito como complexo contraditório, 
também contamos com a contribuição de Mészáros para a interpretação 
marxista dos problemas da “esfera legal”. O texto do autor dá atenção à 
concepção de direitos humanos, seus limites e possibilidades.
A recuperação da trajetória histórica das mudanças legais dos direitos 
indígenas no decorrer da história do Brasil apresentadas neste artigo não 
propõe uma visão legalista do tema. Como afirma Mészáros (2008, p. 162), 
“nada se resolve apenas pela proclamação de direitos, nem mesmo pelo mais 
solene dos direitos do homem. A esfera legal se torna eficaz na medida em 
que se introduz profundamente no corpo da ‘sociedade civil’”. Prossegue 
o autor (p. 163):
A “ilusão jurídica” é uma ilusão não porque afirma o impacto das ideias legais 
sobre os processos materiais, mas porque o faz ignorando as mediações ma-
teriais necessárias que tornam esse impacto totalmente possível. As leis não 
emanam simplesmente da “vontade livre dos indivíduos”, mas do processo 
total da vida e das realidades institucionais do desenvolvimento social dinâmi-
co, dos quais as determinações volitivas dos indivíduos são parte integrante. 
As leis contemporâneas voltadas à proteção das demandas e necessida-
des próprias dos povos indígenas são resultado de muita luta, organização 
dos próprios indígenas e articulação com os órgãos que atuam em sua defesa. 
Também estão constantemente ameaçados porque entram em confronto com 
os processos materiais, com a realidade econômica dos empreendimentos 
capitalistas de exploração dos recursos naturais que ainda estão nas mãos 
dos povos originários. Essa tensão atinge toda a classe trabalhadora porque 
ela se volta contra os trabalhadores do campo, contra as próprias formas 
de vida marcadas pela produção e reprodução da vida em conexões diretas 
com a natureza.
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Não haverá emancipação humana dos povos indígenas por dentro do 
sistema capitalista, nem por dentro da divisão entre trabalhadores do campo, 
rurais e povos originários porque a massa de trabalhadores expropriados 
compõe toda a classe trabalhadora. 
Como lembra Mészáros (2008, p. 168):
“[...] enquanto estivermos onde estamos, e enquanto o ‘livre desenvolvimento 
das individualidades’ estiver tão distante de nós como está, a realização dos 
direitos humanos é e permanece uma questão de alta relevância para todos 
os socialistas”. 
3. Considerações finais
A situação contemporânea dos processos de demarcação das terras 
indígenas encontra-se no centro de grandes ameaças e pressões da bancada 
ruralista no Congresso Nacional brasileiro. Além das propostas e investidas 
relacionadas à reestruturação da Funai (sucateamento, terceirizações, nomea-
ções de militares para presidência), persistem propostas de mudanças signi-
ficativas nos processos de demarcação de terra e códigos que regulamentam 
a exploração de recursos naturais no território brasileiro por parlamentares 
conservadores da direita representantes do agronegócio. É o caso das propos-
tas de leis que tramitam no Congresso Nacional que visam extinguir direitos 
indígenas já conquistados, ou “modificar (dificultar) e criar possibilidades 
para a exploração dessas áreas por não indígenas” (ISA, 2016).12 
Atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas que representam 
cerca de 12,2% do território nacional, localizadas em todos os biomas, com 
concentração na Amazônia Legal (distribuídas da seguinte forma: 10% no 
12. Podemos destacar: “[...] a retirada do Poder Executivo, a função de agente demarcador das terras 
indígenas ao incluir entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das 
terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas. Deputados 
e senadores teriam o poder,inclusive, de rever e reverter demarcações antigas ou já encerradas” (ISA, 2010).
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Sul, 6% no Sudeste, 54% no Norte, 11% no Nordeste, e 19% no Centro-
-Oeste do país) (Funai, 2016). A demarcação das terras indígenas é muito 
importante, pois possibilita para os indígenas a segurança de um espaço 
fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica, como 
prevê a legislação.
As condições de continuidade da vida indígena envolvem uma lista in-
findável de ameaças, tanto para os povos que vivem nas florestas como para 
os que vivem na caatinga sertaneja, dos ribeirinhos do sertão aos litorâneos, 
que passam a assumir vida de migrantes, adentrando nas filas do proletariado 
urbano ou nos bolsões de pobreza das grandes cidades.
Documentos como “O dossiê Belo Monte — Não há condições para 
a licença de operação”, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e 
publicado em junho de 2015 (que denuncia os riscos para as populações 
indígenas ribeirinhas com o início do enchimento dos reservatórios da 
usina hidrelétrica de Belo Monte, situada na região de Altamira, PA e com 
o desvio definitivo do rio Xingu para que parte da usina comece a operar) 
e o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil — dados de 
2015”, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário, são reveladores 
das condições aviltantes impostas aos povos indígenas brasileiros.13
Embora reconheçamos a impossibilidade da norma, de a lei transformar 
a vida concreta, por reconhecer os limites da igualdade formal, e da função 
social do sistema jurídico na sociedade capitalista, é importante destacar 
o avanço normativo que trata dos direitos dos povos indígenas no Brasil. 
A aceitação social de que as terras indígenas são “direitos originários”, ou 
seja, antecedem a criação do próprio Estado brasileiro, é fundamental para 
13. O relatório do Cimi (2015) apresenta dados nacionais sobre as diversas formas de violência sofridas 
pelos povos indígenas brasileiros: violência contra o Patrimônio (omissão e morosidade na regularização de 
terras, conflitos relativos a direitos territoriais, invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais 
e danos diversos ao patrimônio); violência contra a pessoa (assassinatos, tentativa de assassinato, homicídio 
culposo, ameaça de morte, lesões corporais dolosas, abuso de poder, racismo e discriminação étnico cultural, 
violência); violência por omissão do Poder Público (suicídio, desassistência na área de saúde, morte por 
desassistência à saúde; mortalidade infantil, disseminação de bebida alcoólica e outras drogas, desassistência 
na área de educação escolar indígena; desassistência geral).
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os processos de demarcação, considerando as pressões constantes do grande 
capital através do agronegócio que amplia os processos de expropriação dos 
povos indígenas de suas terras.
Enquanto vivemos sob as determinações do sistema capitalista, as con-
quistas políticas e constitucionais dos povos originários ainda atuarão de forma 
significativa para garantir estratégias de proteção da vida dos nossos povos. 
Recebido em 15/4/17 ■ Aprovado em 27/2/18
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Nota da autora
Elizângela Cardoso de Araújo Silva — Assistente social, doutoranda em Serviço Social 
(PPGSS/UFPE), membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Questão Ambiental 
e Serviço Social (Nepass/UFPE). E-mail: elicardosoaraujo17@gmail.com
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
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http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.156
Etnias amazônicas:
confrontos culturais e intercorrências no campo jurídico
Amazon ethnics: cultural confronts and intercorrences in the legal field
Joaquina Barataa
RESUMO: O artigo trata da relação jurídica entre 
a ordem legal oficial brasileira e as não oficiais, 
surgidas do confronto entre a sociedade nacional e 
as etnias indígenas do território pátrio. No interior 
dessa conflituosa relação, o pluralismo jurídico, 
entendido como a coexistência de dois ou mais 
sistemas jurídicos, surge, a partir da Constituição 
brasileira de 1988. Não obstante os avanços, o plu-
ralismo não tem dado conta de assegurar às etnias 
indígenas da Amazônia a garantia de seus direitos. 
 
 
 
Palavras-chave: Etnias indígenas. Pluralismo 
jurídico. Constituição Federal de 1988.
ABSTRACT: The article deals with the legal 
relationship between the official Brazilian legal 
order and the unofficial ones, arising from the 
confrontation between the national society and the 
indigenous ethnic groups of the country. Within this 
conflictive relationship, legal Pluralism, understood 
as the coexistence of two or more legal systems that 
are effective, concomitantly in the same space-time, 
arises, starting from the Brazilian Constitution 
of 1988. Despite the constitutional advances, the 
underlying pluralism, has not taken into account the 
assurance to the indigenous peoples of the Amazon 
of the guarantee of their rights.
Keywords: Indigenous groups. Legal pluralism. 
Federal Constitution of 1988.
Introdução
Sabe-se que Estados republicanos possuem ordenamentos jurídicos 
que regulam a vida em uma sociedade determinada. A História, en-
tretanto, demonstra a convivência de vários ordenamentos jurídicos 
em nações que promoveram ou promovem sua expansão subsumindo ou-
tras nações, outras etnias, outras culturas, criando situações de convívio de 
várias referências para a vida social no campo das normas e dos princípios 
que regem a sociedade. 
aPesquisadora autônoma, Belém-PA, Brasil.
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Registros históricos indicam asconquistas do Império Romano, bem como 
seu esfacelamento decorrente das invasões bárbaras, como fatos que ensejaram 
inevitáveis intercâmbios culturais. A colonização também promoveu situações 
de choque cultural, no campo dos direitos, entre colonizados e colonizadores. 
É o caso da América do Norte, da América Latina e do Brasil (só para falar no 
continente americano). São territórios em que, antes dos “descobrimentos”, 
já habitavam, há mais de 10 mil anos, uma pluralidade de etnias indígenas. A 
mundialização do capital, a partir do século XX, também traz situações que, por 
sua vez, reivindicam amparos legais e criam certa onda de “pluralismo jurídico”.
“Pluralismo jurídico” e “monismo jurídico” opõem-se no plano 
conceitual e no plano fático. O monismo jurídico, que teria predominado 
após a Revolução Francesa, sustentava-se na crença de que somente o 
ordenamento jurídico estatal seria dotado de eficácia. Princípios e valores 
sociais de outras etnias não eram considerados porque esse ordenamento 
não concebia outras ordens jurídicas no mesmo espaço/tempo. Tal con-
cepção, entretanto, gradativamente relativizou-se na dinâmica histórica de 
processos de dominação, de intercâmbio, de movimento de migrações e de 
internacionalização do capital. 
O pluralismo jurídico, portanto, surge da existência de dois ou mais sistemas 
jurídicos, dotados de eficácia, concomitantemente em um mesmo espaço-tempo.
Neste artigo será tratada a relação entre a ordem legal oficial brasileira e as 
não oficiais, surgidas do confronto entre a sociedade nacional e as etnias indígenas 
do território pátrio, mais especificamente as situadas no território amazônico.
Observações de campo em territórios indígenas que comparecem neste 
artigo foram obtidas a partir de:
a) Pesquisas empreendidas em áreas indígenas do Alto Rio Negro, 
estado do Amazonas, entre 1975 e 1979. 
b) Pesquisa realizada em área indígena no município de Oiapoque 
(mesmo período).
c) Pesquisa realizada na área indígena Munduruku – sudoeste do Pará 
(mesmo período).
d) Visita empreendida na área indígena Tembé, em 1995.
503Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
As informações foram contidas em relatório oficial do setor de estudos 
da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) – 1979, 
e subsidiaram uma dissertação de mestrado do Núcleo de Altos Estudos 
Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1984. 
Pluralismo jurídico e direito de minorias na Constituição Federal de 1988
O direito estatal revelou-se na história do Brasil insuficiente e incom-
pleto para regular a vida social de um país que se originou de uma invasão 
e da conquista territorial de extensa área originalmente ocupada por uma 
pluralidade de etnias indígenas. Além disso, após o chamado “descobrimen-
to”, grande quantidade de migrantes, de início escravizados e mais tarde 
oficialmente libertos, originados do continente africano, passaram também 
a compor a riqueza étnica do país. 
Para Sánches Rúbio (in Wolkmer et al., 2010), tal insuficiência do direito 
estatal poderia ser suprida com a “oficialização” de outras práticas jurídicas 
provindas de fontes de direitos que não se reduzam ao Estado. Ao oficializar 
tal pluralidade, outras práticas sociais, outros valores e princípios passariam 
a coexistir no âmbito do direito estatal. Tratar-se-ia, todavia, de uma ofi-
cialização que não coloca os distintos sistemas jurídicos em contradição; 
ao contrário, tendem, ao menos no plano da lei, a se harmonizar. O direito 
estatal deixaria, então, de ser excludente e passaria a incluir outras fontes de 
direito. Estar-se-ia, aí, no campo de um “pluralismo jurídico”. 
O pluralismo jurídico traria duas grandes vantagens segundo o autor: 
a) os distintos sistemas normativos tornar-se-iam visíveis conceitualmente 
e b) os sistemas subsumidos no plano das relações reais passariam a ser 
legalizados, e não criminalizados.
O debate em torno do tema examina várias situações de interpenetração 
de diferentes ordenamentos legais (formais ou não) e chega a identificar 
diferentes abordagens do pluralismo jurídico. Vale destacar as mencionadas 
por Sabadell (2000, p.119):
504 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
a) a questão da interlegalidade;
b) a ordem internacional;
c) a abordagem das sociedades multiculturais – direitos de minorias.
No que se refere à abordagem das sociedades multiculturais – forma-
lizada no Brasil como direitos de minorias (assunto deste artigo), parece 
ter validade a afirmação de Tamanaha (2008), quando afirma haver grande 
indefinição no conceito de pluralismo jurídico. Dissensos manifestar-se-iam 
em várias áreas e começariam pela ausência de consenso acerca do que é 
“direito” e quais regras deveriam ser absorvidas na instrumentalidade estatal. 
Na verdade, é mais do que uma “indefinição”. Trata-se de grandes 
oposições no seio das formas de sociedade em convivência, que suscitam 
interrogar-se: o pluralismo jurídico dá conta de diferenças substantivas entre 
distintas ordens sociais no plano estrutural e superestrutural? 
A questão aqui tem como referência: identidades, valores, princípios e 
costumes, como se observa na relação entre as etnias e a sociedade nacional em 
confronto na Amazônia. Mapeando tais diferenças, tem-se o quadro a seguir:
Etnias indígenas e sociedade nacional: diferenças e oposições estruturais e superestruturais
Identidade, valores e 
costumes das etnias indígenas
Identidade, valores, princípios e 
costumes da sociedade nacional
Relações de produção preservam a igualdade 
social. Não há classes sociais em formato 
piramidal.
A desigualdade social é generalizada e tem sua 
base na divisão social do trabalho das relações de 
produção capitalistas, de onde emanam as classes 
sociais dominantes e subalternas.
Não há a propriedade privada da terra. As 
comunidades apropriam-se livremente dela pelo 
trabalho. Posse comunal.
A propriedade privada é assegurada na 
Constituição.
Inexistência de sistemas penais privativos de 
liberdade. Sistemas penais privativos de liberdade.
Gestão social pelo Conselho de anciãos. 
Sociedade sem Estado.
Gestão estatal da sociedade (Legislativo, 
Executivo e Judiciário).
Sistema de parentesco (família extensa). Prevalência da família nuclear.
505Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
São diferenças substantivas entre dois processos de produção radical-
mente distintos, cujas identidades advêm de seus peculiares processos de 
trabalho e apropriação social.
O modo de apropriação da natureza para a reprodução das sociedades 
indígenas conjuga de forma coerente a apropriação coletiva, livre, direta 
e natural da terra e dos meios de trabalho com os chamados elementos 
 superestruturais que se manifestam nos valores e normas que regulam o 
processo de troca, de distribuição e consumo das famílias extensas.
Qualquer que seja a etnia, qualquer que seja a variação cultural, os dados 
da observação direta constatam a forma cooperativa como ainda se articulam 
em muitas etnias, o processo de trabalho que intervém na natureza, com a 
apropriação livre de seu pré-requisito (objetos e instrumentos de trabalho). 
Tal processo envolve os membros ativos das etnias sem distinção, inclusive 
os sacerdotes (pajés, xamãs, caciques, tuxauas). 
A apropriação natural e livre dos meios de produção (pelo trabalho) e 
a “comunidade” no seio da qual estruturam-se internamente relações sociais 
igualitárias ainda são combinações percebidas na observação das etnias cuja 
estrutura produtiva não tenha sofrido significativas alterações na convivência 
com a sociedade nacional.
Quer no Alto Içana e Uaupés (formadores do rio Negro – estado do 
Amazonas), onde foram observadas oito etnias em 1976, quer no Alto 
 Tapajós, onde foi observada a etnia Munduruku em 1978, quer no Oiapoque, 
quando em contato com os Palikur, Garibi e Karipuna, em 1978, ainda foi 
possível perceber essa original forma de relação livrecom a natureza e de 
convivência produtiva e social sem dominação interna, especialmente nos 
grupos mais isolados, apesar de tratar-se de etnias já pressionadas há longos 
anos em sua cultura e organização pelas investidas da catequese (qualquer 
que seja o credo), do mercado e da propriedade privada.
Não obstante a presença da mercadoria, que é um dos tentáculos da 
produção capitalista em áreas indígenas, consubstanciada nos produtos que 
refletem maior dependência dos indígenas à sociedade nacional, não obs-
tante a produção de excedentes, que é a forma de transformar a tradicional 
506 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
produção local em valores de troca para o mercado, a estrutura produtiva 
mantém certa originalidade, evidenciada no livre acesso aos recursos da 
natureza, bem como no trabalho cooperativo, sustentáculos essenciais do 
processo de produção das etnias. 
Conforme essa estrutura, assenta-se o relacionamento dos indivíduos 
e o modo específico de trabalho, “que é sempre trabalho familiar e muitas 
vezes comunal” (Marx, 1977, p. 89).
Etnias indígenas e sociedade nacional
Não obstante a subsunção dos indígenas à sociedade nacional nos longos 
anos da conquista, com a extinção de várias etnias, em algumas áreas parece 
não ter sido abrupta a transformação do modo de produção, nem automáti-
ca e mecânica a desarticulação da forma de sociedade, mesmo que em seu 
conteúdo tenha ocorrido grandes mudanças. No Alto Içana, por exemplo, 
os grupos étnicos sofrem investidas há mais de trezentos anos em sua reli-
giosidade original e conformação cultural. Lá, atualmente, a influência dos 
evangélicos é bastante acentuada, tendo acabado por expurgar oficialmente 
as figuras sagradas da tradição cultural, sendo as sessões de oração e cânticos 
centradas agora em torno da Bíblia, traduzida por missionários estrangeiros 
para a língua baniwa ou nyengatu. As chefias têm presentemente, entre suas 
novas funções, as de “pastor”. Todavia, no que toca às relações de produção, 
face não se ter dado a separação da etnia dos meios de produção, elementos 
da forma de sociedade original são reproduzidos.
É importante notar que no dia 5/8/1976 o “chefe” da etnia baniwa de 
nome Virgílio, então “capitão” e “pastor” do povoado denominado Taiçu-
cãoeira, a pedido da equipe de pesquisa recusou-se, de forma cortês, a cantar 
e dançar com o seu grupo antigas canções e danças da tradição baniwa, por 
considerar “pecado” e, caso praticadas, “as coisas passariam a não dar certo 
na vida do povoado”. Apresentariam à equipe, caso quisessem, “cânticos 
protestantes, pois só traziam benefícios”. O mesmo observou-se quanto 
507Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
ao ritual denominado Dabukuri, extinto das práticas rituais da aldeia por 
constituir “pecado”. 
Apesar dessas alterações na consciência religiosa, os Baniwa continua-
vam até então suas práticas de trabalho cooperativo, sua relação livre com 
a natureza, bem como sua vida comunitária. Pode-se desconfiar, contudo, 
que tais transformações vêm como suporte para mudanças mais radicais no 
plano das relações materiais. O trabalho catequético de qualquer credo em 
áreas indígenas na Amazônia parece ter sido uma estratégia de penetração 
de outra ordem social e econômica.
De fato, nos povoados mais próximos ao município denominado São 
Gabriel da Cachoeira, encontramos índios “aculturados”, isolados em famí-
lias nucleares, proprietários privados de fazendas, com atividades comple-
mentares de comércio de mercadorias e transportes de produtos, enquanto 
outros serviam como força de trabalho assalariada, o que demonstra nem 
sempre o índio tem sua inserção na sociedade capitalista pelo estrato mais 
baixo da estrutura social.
Direitos indígenas na Constituição de 1988 e pluralismo jurídico
São amplamente reconhecidos os avanços que a Constituição brasileira 
de 1988 inaugurou com respeito aos povos indígenas. Pela primeira vez lhes 
foi assegurado, em âmbito jurídico, o direito à diferença; isto é, de serem 
índios e de permanecerem como tal.
Eis o que afirma o caput do artigo 231 da Constituição:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, cren-
ças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente 
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos 
os seus bens.
É importante notar que a nova Constituição estabelece que os direitos 
indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza 
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originária, isto é, são anteriores à formação do próprio Estado, existindo 
independentemente de qualquer reconhecimento oficial. Vide o parágrafo 1º 
do artigo 231:
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios(as) por eles habitadas em 
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as impres-
cindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e 
as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes 
e tradições.
Entende-se, pelo conteúdo desse artigo 231, que a demarcação de uma 
terra indígena, fruto do reconhecimento feito pelo Estado, deveria ser ato me-
ramente declaratório, cujo objetivo seria apenas identificar com precisão a real 
extensão da posse para assegurar a plena eficácia do dispositivo constitucional. 
No que se refere às terras indígenas, a Constituição de 1988 ainda 
estabelece, entre outros dispositivos, os seguintes:
• São nulos e extintos todos os atos jurídicos que afetem essa posse, 
salvo relevante interesse público da União (art. 231, § 6).
• Apenas os índios podem usufruir das riquezas do solo, dos rios e 
dos lagos nelas existentes (art. 231, § 2).
• O aproveitamento dos seus recursos hídricos, aí incluídos os poten-
ciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, só pode 
ser efetivado com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as 
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos 
resultados da lavra (art. 231, § 3, art. 49, XVI).
• É necessária lei ordinária que fixe as condições específicas para 
exploração mineral e de recursos hídricos nas terras indígenas 
(art. 176, § 1).
• As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e o direito sobre 
elas é imprescritível (art. 231, § 4). 
• É vedado remover os índios de suas terras, salvo casos excepcionais 
e temporários (art. 231, § 5).
509Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
Assim, como qualquer pessoa física ou jurídica no Brasil, as etnias 
passaram a ganhar legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus 
direitos e interesses. 
O pluralismo jurídico parece estar contido na letra da lei, mas a realidade 
social enseja questionar-se o alcance desse avanço constitucional, haja vista 
que nas Disposições Constitucionais Transitórias fixou-se em cinco anos o 
prazo para que todas as terras indígenas no Brasil fossem demarcadas, e o 
prazo não se cumpriu. As demarcações ainda são um assunto pendente. Não 
se pode esquecer, também, o embate de repercussão nacional em que fazen-
deiros e produtores rurais, instalados na reserva indígena Raposa Serra do Sol, 
queriam assegurar, ali, propriedades privadas consolidadas juridicamente.
Conflito jurídico: área indígena Raposa Serra do Sol
O mencionado “pluralismo jurídico” que deveria pacificar o usufruto 
dos direitos indígenas aos seus territórios tradicionais não eliminou a polê-
mica da velha tradição. E polêmicas no próprio campo jurídico estiveram 
fortemente presentes no conflito envolvendo a área indígena Raposa Serra 
do Sol, em Roraima, no ano de 2008, em que interesses de grandes proprie-
tários tentaram sobrepor-se à lei e aos direitos das etnias, não obstante as 
garantias constitucionais, o que levou Ricardo de Holanda Janesch (2008) a 
afirmar: “Não raro se vê, destarte, injustiças e absurdos jurídicos legitimando 
os desígnios dos coronéis”.
Envolvidosno conflito, estavam, de um lado, os arrozeiros e o governo 
do estado de Roraima, e de outro lado as etnias, a Funai, os antropólogos e 
as ONGs que atuavam na área.
O histórico resumido do conflito aponta que em 1917 o território lo-
calizado entre os rios Surumu e Cotingo fora destinado, pela Lei Estadual 
n. 941 do então estado do Amazonas (a que pertencia Roraima à época), à 
ocupação e usufruto das etnias Macuxi e Jaricuna. Contestações foram sur-
gindo desde 1977 contra a reserva ou ao seu tamanho, rebatendo no plano 
510 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
estatal. Estranhamente, no ano de 1996, o então Presidente Fernando Henri-
que Cardoso deu garantia à possibilidade de contestação da demarcação da 
terra indígena. Após muitos embates, finalmente o presidente Lula assinou 
a homologação da reserva em 15/4/2005, já incluindo, além dos Macuxi e 
Jaricuna, os Ingarikó, Patamona, Taurepang e Wapixana. Os embates, toda-
via, continuaram, até que em 2006 fazendeiros entram na justiça para tentar 
manter a posse de suas terras dentro da área demarcada da reserva, atrasando 
a desocupação da área. Em abril, o STF negou o pedido de suspensão da 
demarcação da Raposa Serra do Sol.
Vale lembrar que, além da Constituição que estabelece o princípio 
da prevalência dos interesses indígenas, há o Estatuto do Índio, que busca 
complementar as eventuais lacunas deixadas pela Lex Magna.
O pluralismo nos casos penais
E como se apresenta o pluralismo jurídico quando diferenças radicais 
no plano das responsabilidades penais comparecem no convívio entre a 
sociedade nacional e as etnias indígenas, se, como se viu, nas sociedades 
indígenas inexistem sistemas penais privativos de liberdade?
É conhecido o caso da comarca de Nova Xamantina (MT), em que o juiz 
determinou a soltura de um indígena que havia sido preso ao ser encontrado 
dormindo em um automóvel parado no meio de uma rodovia federal. A etnia 
Xavante, na região, reagiu ao fato, cercou o fórum da cidade e bloqueou a 
rodovia exigindo a libertação do índio. Interrogações várias surgiram, regis-
tradas pelo desembargador federal aposentado Vladimir Passos de Freitas em 
2013, tais como: Que fazer? Pode ser lavrado auto de prisão em flagrante? 
É necessária a presença de representante da Funai? Onde responderá o 
indígena por tal ato, na Justiça Federal? Estadual? Se condenado, onde e 
como cumprirá a pena?
Salienta o desembargador que os indígenas, no âmbito penal, são tra-
tados com base no Código de 1940, o qual não lhes teria feito referência 
511Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
explícita, do que se conclui que, nos termos do artigo 21, serão inimputáveis 
se forem inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de 
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Entretanto, o mesmo jurista reconhece mudanças recentes que vêm 
alterando esse quadro e trazendo novas dúvidas. Entre as mudanças, destaca 
as trazidas pela Constituição de 1988:
Fruto desta evolução, os povos indígenas vêm se organizando, estão mais 
conscientes de seus direitos e os reivindicam, dentro de suas possibilidades. 
Alguns de seus membros passaram a dedicar-se ao estudo. É o caso de Vilmar 
Martins Moura Guarany, mestre em Direito pela PUC-PR, e de Joênia Batista 
de Carvalho, conhecida como Joênia Wapichana, com mestrado em Direito 
no James E. Rogers College of Law, na Universidade do Arizona, em Tucson, 
Estados Unidos. (Freitas, p. 1, 2013)
Entre as dúvidas relacionadas a ocorrências criminais envolvendo in-
dígenas, diz o autor haver uma zona nebulosa sobre como se deve proceder. 
No âmbito policial, menciona o risco de a autoridade policial ser acusada 
de arbítrio.
Observa ainda que desde 1973 a Lei n. 6.015 (conhecida como Estatuto 
do Índio), dispõe no artigo 57: “Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, 
de acordo com as instituições próprias, de sanções disciplinares contra os 
seus membros”, desde que fatos ocorram no interior da reserva.
Fatos externos à reserva, como o de Mato Grosso, são decididos pelo Poder 
Judiciário. A competência não é da Justiça Federal, porque inexiste qualquer 
dispositivo constitucional ou processual penal que assim determine. Portanto, 
salvo caso de interesse indígena genérico (v.g., genocídio), a competência é da 
Justiça Estadual (STF, RE 419.528/PR, Pleno, j. 03.08.2006, rel. Min. Cézar 
Peluso). (Freitas, p. 12013). 
No caso da condenação de índio integrado, a execução da pena terá regras 
próprias, previstas no artigo 56, parágrafo único do Estatuto do Índio, que diz: 
512 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime 
especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de 
assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado.
Recomenda o jurista que “sempre que possível, a sanção corporal deverá 
ser evitada. A liberdade faz parte dos índios e na prisão tendem a isolar-se, 
muitas vezes adoecem” (Freitas, op. cit. p. única). Portanto, a execução, 
quando possível, “deve dar-se na própria aldeia a que pertencem e, se as 
circunstâncias recomendarem, em regime de semiliberdade sob controle de 
órgão que lhes dê assistência” (Freitas, op. cit, p. única).
Considerações finais
Parece não haver reciprocidade no chamado pluralismo jurídico 
quando normas, princípios e valores das sociedades subsumidas são ab-
sorvidas de forma seletiva, especialmente das etnias que foram vitimizadas 
num injusto e indesejável processo de dominação. Intercorrências de toda 
ordem comparecem para perturbar essa relação juridicamente plural, mas 
não igualitária.
Pesquisa da ONG denominada Centro de Trabalho Indigenista (CTI), 
realizada conjuntamente com a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) 
no ano de 2006, analisou, em Mato Grosso do Sul, processos judiciais 
abertos contra indígenas. A pesquisa registra que “quase 100% desrespei-
taram garantias previstas na Constituição Federal, no Estatuto do Índio e, 
principalmente, na convenção 169 da OIT (Organização Internacional do 
Trabalho) — da qual o Brasil é signatário”. 
Não obstante todas as garantias constitucionais, o Estado brasileiro não 
consegue conter a violência contra os povos indígenas, haja vista a ocorrên-
cia de 118 assassinatos em 2016, segundo relatório do Conselho Indigenista 
Missionário (Cimi). O relatório também aponta mortes por suicídio e causas 
diversas. Somente em 2017, 106 indígenas se suicidaram e 735 crianças 
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indígenas menores de cinco anos morreram por causas diversas, como, por 
exemplo, em decorrência da desnutrição infantil.
Em visita a um grupo da etnia Tembé, no Pará, por parte da Universi-
dade Federal (UFPA) em 1995, observou-se que os indígenas sobreviviam 
pela ação assistencialista da Funai. O estado de saúde visível das crianças 
era de subnutrição. Isto porque sua reserva, da qual haviam sido expulsos 
por fazendeiros, e que lhes fora devolvida por ação Judicial da Funai, fora 
reduzida a uma extensa área de capim. Não havia uma árvore sequer. 
Um grande número de vítimas também foi registrado em Roraima, 
entre o povo Yanomami, que em 2016 contabilizou 59 mortes. Outras re-
giões não estão isentas das violências. Mato Grosso do Sul, onde vivem os 
Guarani-Kaiowá, registrou dezoito mortes por agressões. No estado, é alto 
também o número de suicídios: trinta. “A gente tem observado, e os dados 
demonstram, um crescimento de todas as formas de violência contra os 
povos indígenas e seus direitos”, disse Cleber Buzatto, secretário executivo 
do Conselho Indigenista.
Buzatto parece ter razão quando identifica um processo mais amplo 
de tentativa de desconstrução dos direitos consagrados pela Constituição 
Federal. Aponta que a bancada de parlamentares identificada como ruralista 
é responsável por essa movimentação, que “acaba se refletindo em ataques”. 
Como exemplodesse processo, cita a Proposta de Emenda à Constituição 
(PEC) n. 215, que propõe alterar a Carta Magna para transferir ao Congresso 
a decisão final sobre a demarcação das terras indígenas. E nesse Congresso, 
cuja maioria pertence a uma organização criminosa, não se pode confiar. 
Além disso, segundo Buzatto, “há um aumento dos discursos de incitação 
ao ódio e à violência”. 
Eis aí um tema que merece muita atenção de pesquisadores, de juristas 
e dos ministérios públicos, para que no futuro não se venha a chorar por 
perdas irreparáveis na história da Amazônia. 
Recebido em 31/1/18 ■ Aprovado em 20/6/18
514 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 501-514, set./dez. 2018
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Nota da autora
Joaquina Barata — Professora aposentada de Serviço Social; mestre em Planejamento 
do Desenvolvimento; especialista em Administração Universitária; vice-presidente do 
CFESS (2002-2005). E-mail: Joaquina@ufpa.br
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
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http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.157
A luta contra as explorações/opressões, o debate 
étnico-racial e o trabalho do assistente social
The fight against farms/oppressions, the 
ethnic-racial debate and the work of the social worker
Márcia Campos Euricoa
Resumo: O artigo explicita alguns aspectos da 
questão étnico-racial no contexto da sociedade 
brasileira na contemporaneidade e busca apreen-
der como a intervenção protagonizada por várias 
mulheres negras, ativistas na luta contra o racismo, 
que ingressaram na profissão, principalmente a 
partir de 1980, legitima o debate efervescente na 
vida cotidiana. Apreender as assimetrias de raça/
cor e o modo como o racismo opera é condição 
primordial para a efetivação do Projeto Ético-Po-
lítico do Serviço Social.
Palavras-chave: Racismo institucional. População 
negra. Serviço Social. 
Abstract: The article clarifies some aspects of 
the ethnic-racial issue in the context of Brazilian 
society in contemporary and seeks to apprehend 
as the intervention starring by several black 
women, activists in the fight against racism, 
who entered the profession, mainly from 1980, 
legitimizes the debate, effervescent in everyday 
life. Apprehending the asymmetry of race/color 
and the way in which racism operates is a prime 
condition for the effective ethical-political project 
of Social services.
Keywords: Institutional racism. Black population. 
Social Services.
Diversas situações de violação dos direitos humanos são reproduzidas 
no miúdo da vida cotidiana brasileira, a exemplo das condições 
vexatórias em que sobrevivem parcelas significativas da população, 
sem acesso aos mínimos sociais, assistidas por políticas sociais fragmentadas, 
pontuais e focalizadas. Quando se entrecruzam as variáveis classe social, 
gênero, raça/etnia, a questão da miserabilidade afeta proporcionalmente mais 
homens e mulheres negras de todas as idades.
aAssistente social no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Docente na Faculdade Paulista de Serviço 
Social (FAPSS). Professora substituta na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil.
516 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
A despeito da concretude das assimetrias de raça/cor no país, somos 
bombardeadas(os) com discursos e práticas que reatualizam o mito da de-
mocracia racial e reivindicam o privilégio de classe, camuflado pela falácia 
da meritocracia. Há inclusive aqueles(as) que invocam o Artigo 5º da Cons-
tituição Federal vigente para desqualificar lutas e conquistas importantes 
para o conjunto da sociedade, sob o argumento de que qualquer tratamento 
diferenciado fere o princípio de que “todos são iguais perante a lei, sem 
distinção de qualquer natureza”. 
É fácil reivindicar mérito quando este é sinônimo de privilégio. Fácil 
levantar a bandeira do mérito quando a vida não está ameaçada de maneira 
diária, incessante e sem trégua por um Estado facista, racista e homofóbico. 
Os recentes acontecimentos reavivam em nós o status quo e a dor denunciada 
por exemplo pelas “Mães de Maio”, vozes femininas que insistem em afirmar 
que “os nossos mortos têm voz”. Aqui reverencio homens e mulheres de 
todas as idades que morreram pelas mãos do Estado brasileiro, pela fome, 
pobreza, acesso precário à saúde, à moradia, à segurança pública, pela cri-
minalização dos pobres e dos movimentos sociais, pela ação desenfreada das 
milícias, entre tantas outras expressões violentas da questão social. Mortes 
que se universalizam nas figuras das Cláudias, Marieles, Luanas, Dandaras, 
Amarildos, Fabianes... Quero lembrar também o encarceramento em massa 
da população negra, de maneira tão emblemática quanto o aprisionamento 
e a condenação por convicção do jovem negro Rafael Braga.
Este é o cenário que conforma a vida da maioria da população negra em 
um país que completará no próximo dia 13 de maio a marca de 130 anos de 
abolição da escravidão, sem que mudanças significativas tenham ocorrido 
na vida cotidiana. No próximo dia 15 de maio será a vez de o Serviço Social 
completar 82 anos de existência no país, e o material alusivo à data destaca 
que “Nossa escolha é a resistência: somos classe trabalhadora!”.
 Quero reafirmar que nosso compromisso com a classe trabalhadora 
precisa considerar necessariamente suas pautas universais, mas também 
apreender suas particularidades. Entre o universal e o particular se põe 
um campo de disputas onde certamente o pertencimento étnico-racial, a 
517Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
identidade de gênero, a orientação sexual, o lugar ocupado na divisão social 
e técnica do trabalho revelam a diversidade humana, mas também acirram 
a desigualdade no interior da própria classe.
Nas próximas linhas me ocuparei do debate acerca do racismo institu-
cional e do quanto as(os) assistentes sociais podem no seu trabalho cotidiano 
reproduzir práticas racistas, ainda que de maneira abstrata e no campo das 
ideias reproduzam o discurso da luta contra todas as formas de opressão.
Certamente esta é uma perspectiva radical, e é a partir dela que quero 
abrir o debate. O racismo no que se refere à população negra e aos povos 
indígenas está enraizado na sociedade brasileira, e as razões pelas quais ele 
se reatualiza cotidianamente são complexas e contraditórias. Logo, não existe 
uma única resposta para esta questão, posto que mergulhar nesse terrenoacidentado implica adentrar pelo campo da ideologia e da sua funcionalidade 
em cada período histórico, identificando os sistemas de privilégios dos grupos 
humanos que reivindicam para si um lugar de superioridade. 
 O Serviço Social brasileiro enfrenta na década de 1980 os mesmos 
dilemas postos para a sociedade, no árduo processo de redemocratização 
do país. Do ponto de vista do debate acerca do racismo, o período também 
é emblemático, e o avanço da luta contra o preconceito e a discriminação 
étnico-racial, seja em âmbito nacional, seja internacionalmente, com certeza 
incide na profissão. Ora, se o Serviço Social é parte e expressão da socieda-
de, a intervenção protagonizada por várias mulheres negras, militantes, que 
ingressaram na profissão tem grande impacto no sentido de ampliar o debate 
e exigir respostas institucionais acerca do racismo. A partir desta década o 
coletivo profissional será provocado a repensar suas referências teóricas e 
ampliar o debate para apreender os desdobramentos do racismo institucional 
no trabalho profissional. 
Destaco a importância dessas mulheres na inserção do debate étnico-ra-
cial nas deliberações da categoria profissional a partir das(os) profissionais 
que integram a gestão do Conselho Federal de Serviço Social no período de 
1990 a 1993. Pela primeira vez na história da profissão, a questão da não 
discriminação aparece como um dos princípios fundamentais do Código de 
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Ética Profissional do(a) Assistente Social, aprovado em 1993. Deve-se des-
tacar que a trajetória das mulheres negras, assistentes sociais, que travaram 
batalhas importantíssimas e abriram caminho para o debate étnico-racial 
no espaço acadêmico, a partir da década de 1980, ainda carecem de um 
registro rigoroso, que nos permita compreender melhor o debate no interior 
da profissão naquele período. 
Um marco importante da luta contra o racismo e que merece destaque é 
o processo de organização da fase preparatória para a III Conferência Mundial 
contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e todas as Formas 
Correlatas de Intolerâncias (2001) realizada na cidade de Durban, África do 
Sul, espaço onde se discutiu o respeito aos direitos humanos e às liberdades 
fundamentais para todos, sem qualquer tipo de distinção. O documento final 
da conferência apresenta, desde os preâmbulos, a reafirmação dos princípios 
de igualdade e não discriminação, reconhecidos na Declaração Universal de 
Direitos Humanos. O racismo que incide sobre a população negra em esfera 
global foi alvo de críticas contundentes. No âmbito nacional, as deliberações 
são inseridas nas agendas dos movimentos sociais envolvidos na luta contra 
o preconceito, a discriminação étnico-racial, a xenofobia, a intolerância re-
ligiosa, evidenciando a urgência da aplicação de medidas que visem coibir 
práticas violadoras dos direitos humanos. 
A partir de então a questão étnico-racial ganha visibilidade na cena 
política e passa a ser reconhecida e tratada pelo Estado brasileiro como um 
problema nacional, momento em que se desenvolve o Programa de Com-
bate ao Racismo Institucional no país, com a finalidade de contribuir com 
o estabelecimento de políticas de desenvolvimento e redução da pobreza, 
bem como combater as desigualdades decorrentes da origem étnico-racial 
das(os) brasileiras(os). 
A participação ativa de diversos segmentos do movimento negro e de 
agentes públicos, com experiência em relação ao tema, foi crucial no pro-
cesso de denúncia das situações de racismo, preconceito e discriminação 
étnico-racial vivenciadas pela população negra no âmbito da vida privada. 
Para além dessas situações, os diversos sujeitos coletivos denunciaram o 
519Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
tratamento discriminatório no acesso aos bens e serviços e às várias políticas 
públicas promovidas pelas próprias instituições e que mantêm a reprodução 
da pobreza geracional e de mecanismos de permanência da população negra 
nas áreas de maior vulnerabilidade econômica, política, social, bem como 
a desqualificação de sua cultura e práticas religiosas. 
Seguramente, os debates protagonizados pelas(os) profissionais engaja-
das(os) na luta antirracista e que desenvolvem seu trabalho profissional como 
assistentes sociais representam um marco, à medida que permitem desvelar 
as determinações presentes na vida social e que requerem outras mediações 
que permitam a análise do movimento do real, naquilo que representam as 
particularidades da população negra brasileira.
Os avanços continuam, e a tarefa que se coloca como urgente é des-
vendar nas tramas do real a intrínseca relação entre questão étnico-racial e 
questão social, à luz da teoria marxista, ação que não se coloca apenas como 
modismo, como tarefa particular de assistentes sociais negras(os), mas como 
uma imperiosa tarefa do coletivo profissional, à medida que a fragmentação 
da análise pode produzir pesquisas e intervenções no âmbito das políticas 
públicas, com um cariz de modernidade, mas apoiadas em posturas conser-
vadoras e autoritárias.
Na contemporaneidade, a hierarquização dos grupos étnico-raciais, a 
partir do padrão da branquitude, tem sido funcional aos interesses do ca-
pitalismo. O conceito de branquitude vem sendo debatido com densidade 
teórica por Schucman (2014), o que nos permite apreender o “ser branco” 
como alguém que ocupa determinadas posições e lugares sociais vincula-
dos, no caso da experiência brasileira, à aparência, ao status e ao fenótipo. 
Schucman (2014) afirma que do mesmo modo que as categorias de classe 
e gênero, “a categoria raça é um dos fatores que constitui, diferencia, hie-
rarquiza e localiza os sujeitos em nossa sociedade” (p. 85). Neste sentido, 
podemos tomar como base o lugar do belo no imaginário social a partir da 
branquitude. Por conseguinte, a “superioridade estética é sim um dos traços 
da branquitude em nosso país” (p. 90) e se desenvolve em relação a todos 
os outros, não brancos. 
520 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
Iraci e Sovik (2004) vão além e referem que a branquitude e seu sis-
tema de privilégios não se restringe à cor da pele, mas funciona como uma 
espécie de passaporte, que possibilita o acesso a lugares diferenciados, o 
que se pode perceber entre as pessoas cuja herança genética é atribuída à 
população negra, mas que, ao exibir fenótipos próximos aos brancos, como, 
por exemplo, traços mais “finos”, podem ser tratadas como “brancas”.
A escolha metodológica de iniciar o debate pautando a questão da bran-
quitude tem como finalidade considerar, a priori, que nunca houve, não há e 
jamais haverá racismo reverso. Ao afirmar isto, busco apreender a questão 
da branquitude no âmbito das construções sócio-históricas e desnaturalizar o 
lugar do privilégio, no interior de uma sociedade patriarcal, machista, racista 
e sexista. Para tanto faz-se necessário superar um modo de vida em que as 
diferenças e os privilégios, segundo raça/cor, são potencializados. Retomando 
Schucman, “é preciso que a branquitude, como lugar de normatividade e 
poder, se transforme em identidades étnico-raciais brancas em que o racismo 
não seja o pilar de sustentação” (2014, p. 92).
O racismo é um fenômeno universal que, no caso do Brasil, incide 
majoritariamente sobre a população negra e tem como uma das formas 
mais eficazes de opressão a desqualificação de tudo aquilo que remete a 
sua herança genética, cultural, religiosa, a suas tradições e valores, quando 
estes colocam em jogo a supremacia branca. Há, no entanto, a apropriação 
de alguns símbolos do grupo e uma valoração positiva a partir da análise 
do grupo dominante, com o intuito de promover a harmonia social. Com 
frequência podemos encontrar a valorização de objetos/adornos específicos, 
o que nem de longe é sinônimo de valorização da própria população negra. 
Essa inversão apoia-se no racismo, um sistema de opressão estruturadoa partir de relações de poder. Ainda que, no âmbito individual, uma pessoa 
do grupo dito “inferior” consiga superar o grupo dito “superior”, isto não 
altera substantivamente a noção coletiva da hierarquização das raças e da 
“inferioridade”. 
A tese pseudocientífica de que a população negra era naturalmente 
inferior há muito foi derrubada. Entretanto, o racismo se mantém porque 
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cumpre uma função social, na qual a supremacia da branquitude continua a 
autorizar a exploração, a dominação e a opressão contra os outros. Por outro 
lado, as pesquisas com seres humanos avançaram de maneira significativa 
nas últimas décadas, evidenciando a proximidade genética entre grupos 
cujas características físicas são absolutamente distintas. Entretanto, a obje-
tividade da ciência, em vez de solucionar velhos dilemas, nos coloca novos 
desafios e reforça nossa indignação com os casos de racismo, preconceito 
e discriminação étnico-racial reproduzidos diariamente nos mais diferentes 
espaços e classes sociais. 
Ora, os estudos genéticos comprovaram que não existem raças puras, 
que indivíduos pertencentes a grupos diversos, com características físicas 
distintas, podem ser biologicamente muito próximos. Se nossa constituição 
genética pode ser tão próxima, ao mesmo tempo que nossa aparência física 
pode ser tão distante, como explicar a reprodução “viral” do racismo ao 
longo da história?
Raça é um conceito elástico que se modifica conforme as demandas 
históricas e pode ser utilizado igualmente tanto por defensores da ideologia 
racial, quanto por seus adversários. Essa elasticidade, não raramente, traz 
como resultado a indiferença quanto a um problema social tão complexo 
conforme Santos (1984). Portanto, mesmo que eu compartilhe dessa ideia, 
de que o conceito não se sustenta a partir do biológico, o debate sobre raça 
não é uma falsa questão, uma vez que os grupos raciais constroem concep-
ções acerca dos outros grupos raciais, no intuito de marcar a diferença e a 
hierarquia. 
A hierarquia tem sua gênese no processo de escravidão no Brasil, um 
fenômeno historicamente determinado e datado, ancorado na supremacia 
branca, e que se organiza a partir de uma estrutura que, pela primeira vez 
na história da humanidade, submete à escravização um grupo inteiro em 
virtude da sua origem étnico-racial negra, a partir do século XVI. O tráfico 
transatlântico de seres humanos do continente africano para o Brasil, no 
espectro da colonização portuguesa, é parte de um projeto maior, devido à 
necessidade de um contingente enorme de mão de obra altamente qualificada 
522 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
para desbravar um território tão extenso. São homens e mulheres negros 
detentores de saberes na área da agricultura, da fundição de ferro, extração 
de minérios, entre outros, que são arrancados do continente africano, perdem 
sua identidade, são batizados com nomes de santas e santos católicos, para 
ser imediatamente transformados em mercadoria. Mais que o suor do traba-
lho forçado, a capacidade intelectual é que agrega valor a essa mercadoria 
desumanizada para que não seja necessário o exame de consciência da classe 
dominante acerca da barbárie que o processo de escravização da população 
negra reatualiza. Afinal, a burguesia vive da exploração do trabalho.
Minha investigação parte da premissa que há entre o racismo e o ca-
pitalismo uma articulação fortalecida pela ideologia racial, essencial para a 
dinâmica das relações sociais na contemporaneidade e que justifica, ainda 
que não explique, o pauperismo de parcela majoritária da população negra 
brasileira. A permanência histórica desse grupo em patamares vexatórios 
e a forma como as políticas públicas vêm se desenvolvendo sob o mito da 
democracia racial leva a uma pretensa inclusão dos diferentes no acesso aos 
bens e serviços, cunhada pelo discurso da igualdade jurídica. 
O tratamento autoritário e racista com que o Estado brasileiro trata as 
questões relativas à população negra na contemporaneidade está atrelado ao 
projeto societário em curso e guarda profunda relação com o lugar da “infe-
rioridade” a que a população negra vem sendo submetida desde o período 
colonial. Com frequência, os detentores dos meios de produção a excluem 
das funções que exigem níveis altos de qualificação técnica e restringe seu 
acesso às vagas consideradas mais “simples”, por acreditarem que existe 
uma incompatibilidade entre ser negro e ser capaz de exercer atividades que 
demandam certo grau de desenvolvimento intelectual, reproduzindo a lógica 
da separação entre trabalho manual e intelectual. 
Sob tais bases, o trabalho manual se acopla à “incapacidade” da popula-
ção negra. E, no interior da classe trabalhadora, há níveis diferentes de explo-
ração da mão de obra, segundo o pertencimento étnico-racial, ou seja, quanto 
mais escura a cor da pele, mais as ofertas de trabalho serão precarizadas e 
desprotegidas, e as remunerações não permitem a manutenção de patamares 
523Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
mínimos de existência. As funções mais precarizadas, que se assemelham 
àquelas desenvolvidas durante a escravidão, são “naturalmente” reservadas 
para esse grupo, uma vez que permanece a reprodução da “inferioridade” 
étnico-racial da população negra. Em relação ao trabalho doméstico, não é 
por acaso que este é desenvolvido majoritariamente por mulheres negras, 
pois exige baixa escolaridade, pouca qualificação técnica e alta capacidade 
de resistência, quer do ponto de vista da força física, quer da condição de 
subalternidade, em um cenário de “afetividade” entre patrões e empregadas.
Angela Davis, no livro Mulheres, raça e classe, aborda a questão das 
diversas opressões que estruturam a sociedade capitalista, em especial nos 
Estados Unidos da América, mas sua análise tem muito a contribuir com os 
debates ao redor do mundo, sobre as faces excludentes do capitalismo, in-
clusive em relação ao modo pelo qual o racismo se sobrepõe à solidariedade 
de classe entre as(os) trabalhadoras(es) e, é essencial, entre as mulheres de 
diversas origens. As estratificações no interior da classe trabalhadora estão 
marcadas pelo racismo, com rebatimento, inclusive, entre homens e mulheres 
de origem branca.
As(os) assistentes sociais desenvolvem seu trabalho profissional nas 
diversas políticas públicas, no complexo e contraditório processo de repro-
dução das relações sociais. No modo de produção capitalista, a manutenção 
de níveis extremos de desigualdade social está mediada pela funcionalidade 
do racismo e, no caso das relações institucionais, sejam elas públicas ou pri-
vadas, é dependente do racismo institucional, que possibilita a manutenção 
de práticas racistas, internalizadas e reproduzidas de maneira automatizada 
e naturalizada. 
O racismo institucional refere-se às operações anônimas de discrimi-
nação racial em instituições, profissões ou mesmo em sociedades inteiras, 
de acordo com Cashmore et al. (2000). O anonimato existe na medida em 
que o racismo é institucionalizado, perpassa as diversas relações sociais, 
mas não pode ser atribuído ao indivíduo isoladamente. Ele se expressa no 
acesso à escola, no mercado de trabalho, na criação e implantação de políti-
cas públicas que desconsideram as especificidades raciais e na reprodução 
524 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
de práticas discriminatórias arraigadas nas instituições, conforme descrito 
por Eurico (2011).
Em Lopes e Quintiliano (2007) vemos que no âmbito institucional 
— onde se desenvolvem as políticas públicas, os programas e as relações 
interpessoais —, toda vez que a instituição não oferece acesso qualificado às 
pessoas em virtude de sua origem étnico-racial, da cor da sua pele ou cultura, 
o trabalho fica comprometido, o que se configura como racismo institucional.
Nas últimas duas décadas, as discussões sobre comoo setor público 
poderia comprometer-se mais efetiva e continuadamente com a prevenção 
e o combate ao racismo institucional, no âmbito público e privado, desen-
cadearam uma série de ações, com destaque para a proposta coordenada 
pelo Instituto Amma Psique e Negritude (2008) com o título Identificação 
e abordagem do racismo institucional, cuja análise aponta duas dimensões 
interdependentes e correlacionadas: a dimensão político-programática e a 
dimensão das relações interpessoais.
O racismo institucional se expressa no modo como as instituições esta-
belecem suas diretrizes gerais, as relações de poder, como são reproduzidas 
ações pragmáticas, sustentadas pelo mito da democracia racial, e as(os) 
profissionais precisam se apropriar do debate para que consigam fortalecer 
a resistência diante dessas estruturas de poder, inclusive no estabelecimento 
das relações interpessoais, que sofrem interferências institucionais, sendo que 
em várias situações a atitude individual extrapola os limites institucionais, 
desconsiderando princípios fundamentais baseados na ética e no respeito ao 
outro. Entendemos que no cotidiano das instituições, no qual o racismo se 
revela de maneira constante e sem tréguas, as(os) assistentes sociais podem 
assumir o compromisso de desvelar o racismo na dimensão organizacional, 
propor intervenções na direção oposta e desempenhar papel relevante tam-
bém no trabalho com a equipe para coibir práticas racistas, que incidem de 
maneira perversa na vida da população negra. 
Destaco como uma ação importante para as(os) assistentes sociais na 
luta contra o racismo o tratamento adequado dos indicadores sociais e a 
qualificação desses dados, posto que pela nossa “fama” recentemente fomos 
525Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
inseridas indiscriminadamente como “peritas(os)” em equipes responsáveis 
pela avaliação de fenótipo para o acesso às cotas para negras(os) em con-
cursos públicos, e somos consultadas também em relação aos critérios de 
autoclassificação no acesso às cotas nas universidades públicas.
É preciso aprofundar o debate para não incorrer em erros grosseiros, a 
partir da reprodução de discursos vazios e estéreis acerca de uma questão tão 
cara para a sociedade brasileira. Há que se pensar em qualificação profissional 
com envolvimento do conjunto CFESS/Cress, Abepss e Enesso, uma vez que 
a apreensão das determinações sócio-históricas que conformam a presença 
negra no país é fator primordial para que o atendimento dispensado pela(o) 
assistente social se efetive com base nos princípios que norteiam o trabalho 
profissional, independente da área de atuação.
Diversos estudos, seguindo a metodologia do próprio Instituto Brasileiro 
de Geografia e Estatística — IBGE (2010), apresentam os dados referentes 
ao quesito cor/raça, agregando pretos e pardos em um mesmo indicador, já 
que estes compõem a população negra. Nossa análise partilha dessa inter-
pretação, pois ainda que muitas pessoas não se reconheçam como pretas 
e se autodeclarem pardas, estas serão alvo do acesso precário às políticas 
públicas, tanto quanto as primeiras, quando comparadas a outros grupos 
raciais. Entretanto, há que se problematizar o fato de diversos instrumentais 
de coleta de dados, pesquisas acadêmicas e produções teóricas reproduzirem 
reiteradamente graves erros analíticos, ora classificando a população negra 
como negra e parda, ora como negra e mulata, ora como negra e preta, ora 
como preta e mestiça, entre outras variações presentes no imaginário social 
brasileiro. Mesmo quando se trata de trabalhos com reconhecida qualidade 
teórica, a confusão quanto aos termos e a falta de uniformidade no uso das 
classificações adotadas pelo instituto, e que são utilizadas por vários institutos 
de pesquisa, trazem prejuízos ao debate, reforçando aquilo que sistemati-
camente tenta se combater: o racismo institucionalizado e inquestionável, 
de tão naturalizado. 
Em última análise, o uso de terminologias diversas, conflitantes entre 
si, também cumpre o papel de reprodução do racismo institucional, à medida 
526 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
que seus interlocutores podem construir respostas falseadas para problemas 
reais. Preta e parda, entendidas como cores, correspondem às construções 
sociais, assim como as outras categorias, e o IBGE as adota para classificar 
a população negra no Brasil. A uniformização das cores é relevante, pois 
permite que as desigualdades étnico-raciais possam ser comparadas em di-
versas pesquisas de instituições diferentes. Se conhecer a população negra é 
fundamental, o uso de terminologias variadas e divergentes é um complicador. 
Nas últimas décadas, essa pauta tem sido ampliada, como resultado da maior 
visibilidade política que esse segmento alcançou, problematizando aquelas 
formas de identificação que eram historicamente pejorativas e que incidiram 
na formulação de qualificadores condizentes com o país.
Assim, a alta concentração da população na categoria parda, quando 
se analisa pretos e pardos, revela o longo caminho a ser trilhado rumo à 
consciência do pertencimento étnico-racial, reduzindo as barreiras da cor, 
pois há, entre os brasileiros, uma falsa ideia de que preta é uma categoria 
pejorativa — leia-se: feia. Então, uma parcela significativa da população 
negra vive um doloroso dilema: valorizar a herança africana, ao mesmo 
tempo que anseia por determinado status social obtido pela aproximação do 
grupo racial branco e pela negação da sua própria negritude.
O racismo institucional determina, antes mesmo do nascimento, o lugar 
de classe, no interior da própria classe trabalhadora, segundo critérios de 
raça/cor, com raríssimas exceções. E aqui vou me valer de uma constatação 
precisa do racismo nos escritos de Carolina Maria de Jesus, no livro Quar-
to de despejo: “Eu escrevia peças e apresentava aos donos de circos. Eles 
respondiam-me: — É pena você ser preta” (Jesus, 1960, p. 90). 
A coleta do quesito raça/cor apresenta-se fetichizada no trabalho profis-
sional das(os) assistentes sociais, que, ao se depararem com a pergunta, não 
sabem como encaminhar a questão. O preenchimento desse dado requer uma 
análise acerca do véu que separa a(o) profissional e a população atendida. Não 
fosse a incidência do racismo entre nós, perguntar a cor seria simplesmente 
classificar os sujeitos e a partir daí identificar a maior ou menor capacidade 
de cobertura dos diversos grupos étnico-raciais pelas políticas públicas.
527Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018
Em uma sociedade racista ocorre exatamente o oposto, e a coleta do 
quesito raça/cor faz emergir o mito da democracia racial e a turbulência pro-
vocada pelo racismo real, persistente e arraigado, ofuscado pelo discurso da 
igualdade. Chamo a atenção para isso porque têm sido recorrentes estudos 
que analisam raça/cor somente quando as pesquisas se referem à população 
negra, quando este deve ser um qualificador universal, que permite, nas 
pesquisas com outros grupos populacionais, apresentar a partir da raça/cor 
o lugar de maior ou menor privilégio de cada grupo. 
E por fim e sem esgotar o debate é importante explicitar que as mar-
cas e rupturas provocadas pelo racismo no Brasil que incidem de maneira 
violenta sobre a população negra são fatores determinantes nos processos 
de adoecimento e morte, seja pelas situações de violência urbana, que no 
caso dos jovens negros assassinados configuram-se como genocídio; seja 
pela violência obstétrica que tem, entre suas vítimas preferenciais, as mu-
lheres negras; seja no acolhimento institucional de crianças e adolescentes, 
majoritariamente negras(os), entre outras tantas formas de reprodução da 
violência étnico-racial. As marcas são visíveis. Remetem ao processo de 
escravidão e de uma abolição inconclusa nos termos de Chiavenato (1988), 
e para além disso, a violência étnico-racial tem sua função reformulada e 
continua a oferecer muniçãopara manter a desigualdade social. Quer seja 
no âmbito do capitalismo mundial, cujas dimensões são globais, quer seja 
no da particularidade da vida brasileira, a verdadeira democracia racial 
configura-se um mito, contrária aos interesses do modo de produção vigen-
te. A essa realidade soma-se as particularidades que compõem as relações 
étnico-raciais no país, indissociáveis da fragilidade da própria democracia 
brasileira. A primeira é absolutamente dependente da segunda e talvez esta 
seja a razão que mantém vivo o mito. A ação direta e contundente de homens 
e mulheres insatisfeitos com essa realidade provoca rupturas importantes 
que oxigenam os sonhos de uma sociedade melhor e as(os) profissionais 
de Serviço Social precisam se engajar também nessa frente de luta, pois o 
silêncio acerca dessa questão tão cara para a sociedade tem desdobramentos 
no trabalho cotidiano. Embora pareça óbvio, faz-se necessário pontuar que 
os sujeitos que acessam as políticas compõem-se de múltiplas dimensões: 
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pertencimento étnico-racial, sexo, idade, identidade de gênero, orientação 
sexual e classe social. Dimensões essenciais e interdependentes, as quais, 
compreendidas em sua totalidade, ampliam as possibilidades de um fazer 
profissional pautado na ética e no respeito aos direitos humanos.
O combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação étnico-racial 
exige, na mesma medida, o combate à sociedade de classes, à desigualdade 
de gênero, bem como o respeito à diversidade sexual, entre outras garantias 
individuais cotidianamente violadas. O debate está posto e cabe às(aos) 
profissionais se engajarem na luta contra todas as formas de exploração/
opressão, caminho indispensável rumo à efetivação do projeto ético-político 
profissional do Serviço Social, explicitado no Código de Ética de 1993, que 
dentre seus princípios reconhece a liberdade como valor ético central, pro-
põe a defesa intransigente dos direitos humanos, o empenho na eliminação 
de todas as formas de preconceito e a não discriminação como princípios 
éticos fundamentais. 
Recebido em 14/5/18 ■ Aprovado em 20/6/18
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Nota da autora
Márcia Campos Eurico — Mestre e doutora em Serviço Social pela PUC/SP, assistente 
social no INSS, docente na Faculdade Paulista de Serviço Social — FAPSS/SP e 
professora substituta na PUC/SP, Brasil. E-mail: marciamayza08@gmail.com
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
530 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.158
A manipulação das consciências em 
tempos de barbárie e a criminalização 
da juventude negra no Brasil
The manipulation of the consciousness in the present barbarism 
and the criminalization about the of the black youth in Brazil
Jaqueline Garcez Buozia
Resumo: Neste artigo, buscamos refletir sobre a 
relação entre a manipulação das consciências e a 
naturalização das manifestações mais expressivas 
da barbárie atual no Brasil, o superencarceramen-
to e genocídio da juventude negra. A partir do 
referencial teórico marxista, refletimos sobre o 
processo de consciência do ser social e o caráter 
manipulatório da esfera jurídica, destacando o 
papel fundamental que exerce no processo de 
criminalização e naturalização da barbárie.
 
 
Palavras-chave: Consciência. Criminalização 
seletiva. Ideologia. Direito. Manipulação.
Abstract: In the present article, we seek to reflect 
on the relationship between the manipulation of 
the consciousness and the naturalization of the 
most expressive manifestations of barbarism in the 
present Brazilian scenario, the over imprisoment 
and the genocide of black youth. From the Marxist 
theoretical framework, we reflect on the process 
of consciousness of the social being and, then, we 
analyze the manipulative character of the juridical 
sphere and the key role it plays in the process of 
selective criminalization and naturalization 
of barbarism.
Keywords: Consciousness. Selective Criminaliza-
tion. Ideology. Law. Manipulation.
Introdução
Bem-vindos ao espetáculo
Todos os espectadores
Facção Central apresenta
O circo dos horrores
Facção Central
aDefensoria Pública de São Paulo. São Paulo-SP, Brasil.
531Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
O tema apresentado neste artigo tem como objetivo refletir sobre a 
relação entre a manipulação das consciências e a naturalização das 
manifestações mais expressivas da barbárie atual. A partir desse 
recorte, buscamos revelar, introdutoriamente, alguns elementos que com-
põem o atual fenômeno do grande encarceramento e genocídio da juventude 
negra no Brasil. Assim, visando buscar os fundamentos reais, econômicos 
e ideoculturais do que está em curso, as reflexões sintetizadas neste artigo 
têm como referencial teórico a tradição marxista.
A reestruturação produtiva do capital, segundo Netto (2012, p. 417), 
tem caracterizado uma “extraordinária economia do trabalho vivo, elevando 
brutalmente a composição orgânica do capital; resultado direto na sociedade 
capitalista: o crescimento exponencial da força de trabalho excedentária em 
face dos interesses do capital”. 
Dentre outras transformações societárias que emergiram com a crise 
do capital, há uma nova onda punitiva que, segundo Menegat (informação 
verbal),1 configura-se através de duas formas que objetivam administrar o 
desmoronamento social causado pela crise estrutural do capital, a qual afeta 
todas as esferas constitutivas da vida social em âmbito global.
A primeira forma de gestão das massas ociosas consiste na ampliação 
das prisões e no grande encarceramento, travestida pela guerra contra as 
drogas iniciada na virada do século XX para o XXI. A partir dos anos 1980, 
foram registrados aumentos exorbitantes no número de instituições prisionais 
e da população carcerária, em sua maioria negra, motivados pelo Movimento 
de Lei e Ordem2 imposto pelos Estados Unidos, o qual representa a máxima 
1. Seminário Direito e Marxismo, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013 — Painel Criminologia 
Crítica — UFSC.
2. Cabe destacar que as Leis de Jim Crow, que institucionalizarama segregação racial nos estados do Sul 
dos EUA, vigoraram até 1965. Portanto, novas formas foram criadas pela sociedade burguesa para manter o 
controle social, através da segregação racial. “Um dos princípios do ‘Movimento de Lei e Ordem’ separa a 
sociedade em dois grupos: o primeiro, composto de pessoas de bem, merecedoras de proteção legal; o segundo, 
de homens maus, os delinquentes, aos quais se endereça toda a rudeza e severidade da lei penal.” Disponível 
em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7938>. 
Acesso em: 8 mar. 2017.
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7938
532 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
repressão e a expansão de leis incriminadoras. O aumento do encarceramento 
ocorre, portanto, em escala mundial, haja vista a relação entre a criminali-
zação3 seletiva e o processo de acumulação do capital. 
Os dados divulgados no último Levantamento Nacional de Informações 
Penitenciárias,4 atualizado em junho de 2016 e publicado em dezembro de 
2017 pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, são ainda mais impac-
tantes do que o levantamento realizado em 2014.5 Enquanto, naquele ano, o 
Brasil registrou um aumento de 575% na população prisional desde 1990, 
dois anos depois o crescimento chegou a 707%. 
Atrás apenas dos Estados Unidos e da China, o país ultrapassou a Rússia 
e ocupou a terceira posição entre as nações que mais prendem no mundo, 
registrando uma taxa de crescimento de 7,3% ao ano, enquanto a taxa de 
crescimento populacional brasileira é de 0,77% e está declinando nos últimos 
anos, segundo pesquisa publicada pelo IBGE agosto de 2017.6 
A proporção de pessoas presas para cada 100 mil habitantes era de 137 
nos anos 2000, saltou para 306,2 em 2014 e atingiu 352,6 em junho de 2016, 
no tempo em que a média mundial era de 144. Desse modo, a população 
carcerária brasileira chegou a 726.712 pessoas.
Cabe ainda destacar que 40% das pessoas estavam presas sem ter sido 
julgadas, sendo que nas unidades prisionais que informaram o dado, cerca 
3. A prisão, desde a sua origem, nunca foi um mecanismo de combate ao crime, mas um instrumento de 
controle de determinado grupo social em cada época da forma social hoje hegemônica. Partimos do conceito 
de criminalização como o ato de imputar crime ou tomar como crime as ações de determinados grupos sociais: 
“[...] a transformação em sistemas penais não pode ser explicada somente pela mudança das demandas da 
luta contra o crime, embora essa luta faça parte do jogo. Todo sistema de produção tende a descobrir formas 
punitivas que correspondem às suas relações de produção. É, pois, necessário pesquisar a origem e a força 
dos sistemas penais, o uso e a rejeição de certas punições e a intensidade das práticas penais, uma vez que 
elas são determinadas pelas forças sociais” (Rusche e Kirchheimer, 2004, p. 20).
4. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-
-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2018.
5. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf/@@
download/file>. Acesso em: 10 mar. 2017.
6. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/08/populacao-brasileira-passa-
-de-207-7-milhoes-em-2017>. Acesso em: 18 jan. 2018.
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf/@@download/file
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf/@@download/file
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/08/populacao-brasileira-passa-de-207-7-milhoes-em-2017
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/08/populacao-brasileira-passa-de-207-7-milhoes-em-2017
533Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
de 47% dos presos provisórios estavam custodiados há mais de noventa dias 
aguardando julgamento. Com isso, dentre os cinco países com maior popu-
lação carcerária, o Brasil também está entre as maiores taxas de presos sem 
condenação, ficando à frente dos Estados Unidos, cujo percentual é de 20%. 
Analisados os dados que demonstram o perfil dos presos, nota-se que 
esse “rigor” penal apresenta evidente seletividade: 64% dos presos são 
negros, enquanto na população brasileira em geral, a proporção é significa-
tivamente menor (46%); 55% têm entre 18 e 29 anos, e 19% entre 30 e 34 
anos; 51% possuem o ensino fundamental incompleto; 14%, apenas o ensino 
fundamental, 6% foram alfabetizados sem cursos regulares e 4% não foram 
alfabetizados.7 Sobre os tipos penais, a maioria consiste em crimes contra o 
patrimônio (40%) e tráfico de drogas (28%).
Esse panorama torna-se, ainda, mais alarmante se considerados os 
mandados de prisão aguardando cumprimento,8 as prisões domiciliares e 
os adolescentes em cumprimentos de medidas privativas de liberdade. Caso 
sejam computados, o Brasil se aproximará de 1, 5 milhão de pessoas.
Concomitante ao superencarceramento demonstrado pelos dados su-
pracitados, a segunda forma de gestão das massas, de acordo com Menegat 
(informação verbal),9 refere-se à cruel “contribuição” que o Brasil oferece 
ao mundo: o genocídio da juventude negra. A cada 23 minutos um jovem 
negro é morto no Brasil; cerca de 23,1 mil jovens negros são assassinados 
7. O levantamento aponta que “ao observarmos a participação dos jovens na população brasileira total, é 
possível afirmar que essa faixa etária está sobrerrepresentada no sistema prisional: a população entre 18 e 29 
anos representa 18% da população total no Brasil e 55% da população no sistema prisional no mesmo ano”. 
Já “a informação sobre a raça, cor ou etnia da população prisional estava disponível para 493.145 pessoas 
(ou 72% da população prisional total). A partir da análise da amostra de pessoas sobre as quais foi possível 
obter dados acerca da raça, cor ou etnia, podemos afirmar que 64% da população prisional é composta por 
pessoas negras. Na população brasileira acima de 18 anos, em 2015, a parcela negra representa 53%, indi-
cando a sobrerrepresentação desse grupo populacional no sistema prisional” Disponível em: <http://depen.
gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/
relatorio_2016_22111.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2018. 
8. Em 2014, correspondiam a cerca de 500 mil. Em janeiro de 2018, constavam abertos cerca de 608 mil 
mandados. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/bnmp/#/relatorio>. Acesso em: 18 jan. 2018.
9. Seminário Direito e Marxismo, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013 — Painel Criminologia 
Crítica — UFSC.
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
http://www.cnj.jus.br/bnmp/#/relatorio
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anualmente no país, a maioria durante ações policiais; os homicídios de 
jovens negros, de 15 a 29 anos, é quatro vezes maior quando comparado 
aos jovens brancos; aos 21 anos apresentam um risco 147% maior quando 
comparados aos brancos, amarelos e indígenas.10
Para pensar de que forma tais soluções barbarizantes do capital para 
a vida social são tratadas como naturais e (re)produzidas acriticamente no 
cotidiano11 da sociedade brasileira, partimos de uma reflexão sobre o processo 
de consciência do ser social, destacando a suaforma elementar, ou seja, a 
sua primeira manifestação. 
Em seguida, apontamos o caráter manipulatório da esfera jurídica e 
o papel fundamental que exerce no processo de criminalização seletiva, 
naturalização da violência estatal e reprodução do capital. 
Por fim, tecemos um breve comentário acerca da produção e reprodu-
ção dos estereótipos, através dos meios de comunicação, que legitimam a 
criminalização da juventude pobre, sobretudo negra.
O processo de consciência do ser social e a naturalização da criminalização
Na televisão
A verdade não importa 
É negro, favelado, então tava de pistola
MC Carol
O movimento da consciência, assim como o movimento da realidade, 
possui um caráter dialético e, desta forma, não pode ser considerado algo 
linear. Assim, esse movimento é constituído por formas de consciência que 
representam tanto o rompimento quanto a continuidade, isto é, encontra sua 
10. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_
atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf >. Acesso em: 8 mar. 2017.
11. Entendido neste artigo como espaço de reprodução da imediaticidade da vida social.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf
535Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
determinação material no movimento do ser social.12 Acerca desse processo,13 
o professor Iasi (2011, p. 11) explica que: 
[...] cada momento traz em si os elementos de sua superação, em que as formas 
já incluem contradições que, ao amadurecerem, remetem a consciência para 
novas formas e contradições, de maneira que o movimento se expressa num 
processo que contém saltos e recuos. 
Trata-se, ainda, de um processo ao mesmo tempo particular e universal, 
na medida em que “a partir da diversidade de manifestações particulares 
podemos encontrar, nitidamente, uma linha universal quando falamos em 
consciência de classe” (Iasi, 2011, p. 13). Desta forma, quando pensamos 
sobre a classe trabalhadora, a consciência ora é moldada pela ordem do 
capital, ora pela busca de seus próprios interesses. 
Para melhor compreender esse fenômeno, ao analisar o desenvolvimento 
da consciência, Iasi (2011) trata das três formas dialéticas desse processo: a 
forma elementar, a segunda forma de consciência denominada de consciência 
em si e a terceira forma ou consciência para si. 
Considerando os limites e os propósitos deste artigo, enfocaremos a 
primeira manifestação da consciência, a qual possui como um de seus me-
canismos básicos a ultrageneralização, ou seja, “a captação de um concreto 
aparente, limitado, uma parte do todo e do movimento de sua entificação”. 
Constitui-se, nesse momento, da interiorização das relações vividas pelo 
indivíduo. Contudo, não se trata de interiorizar as relações em si, mas sim os 
“seus valores, normas, padrões de conduta e concepções” (Iasi, 2011, p. 14).
Desse modo, de acordo com Iasi (2011, p. 18), a constituição das carac-
terísticas da forma elementar da consciência tem como elementos principais:
12. Lukács (2013, p. 41) define o ser social como um “complexo composto de complexos”, cujas cate-
gorias ontológicas sociais fundamentais, como o trabalho, a linguagem, a cooperação e a divisão do trabalho, 
não podem ser adequadamente compreendidas se consideradas isoladamente. 
13. “Falamos em processo de consciência e não em consciência porque não a concebemos com uma 
coisa que possa ser adquirida e que, portanto, antes de sua posse, poderíamos supor um estado de não cons-
ciência” (Iasi, 2011, p. 12).
536 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
1. a vivência de relações que já estavam preestabelecidas como realidade dada;
2. a percepção da parte pelo todo, onde o que é vivido particularmente como 
uma realidade pontual torna-se “a realidade” (ultrageneralização);
3. por esse mecanismo, as relações vividas perdem seu caráter histórico e 
cultural para se tornarem naturais, levando à percepção de que “sempre foi 
assim e sempre será”;
4. a satisfação das necessidades, seja de sobrevivência ou do desejo, deve 
respeitar a forma e a ocasião que não são definidos por quem sente, mas pelo 
outro que tem o poder de determinar o quando e o como;
5. essas relações não permanecem externas, mas se interiorizam como nor-
mas, valores e padrões de comportamento, formando com o SUPEREGO, um 
componente que o indivíduo vê como dele, como autocobrança e não como 
uma exigência externa;
6. na luta entre a satisfação do desejo e a sobrevivência, o indivíduo tende a 
garantir a sobrevivência, reprimindo ou deslocando o desejo;
7. assim, o indivíduo submete-se às relações dadas e interioriza os valores 
como seus, zelando por sua aplicação, desenvolvimento e reprodução. 
Diante desses elementos, destacamos para a compreensão do nosso 
tema que, em uma sociedade burguesa, as ideias e interesses do capital são, 
portanto, reproduzidas e naturalizadas na medida em que o indivíduo toma 
como geral a realidade que se apresenta imediata e particularmente. Ainda 
nas palavras do autor (p. 21):
Quando, numa sociedade de classes, uma delas detém os meios de produção, 
tende a deter também os meios para universalizar sua visão de mundo e suas 
justificativas ideológicas a respeito das relações sociais de produção que 
garantem sua dominação econômica.
Neste sentido, essa forma inicial da consciência “expressa-se como 
alienação” e pode ser considerada como “a base, o terreno fértil, onde será 
plantada a ideologia como forma de dominação”. Entretanto, é necessário 
apontar que ela “apresenta-se como alienação não porque se desvincula da 
537Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
realidade, mas pelo fato de naturalizá-la, por desvincular os elementos compo-
nentes da visão de mundo de seu contexto e de sua história” (Iasi, 2011, p. 20).
Os homens são os produtores de suas representações, de suas ideias e assim 
por diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um 
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio 
que a ele corresponde, até chegar às suas formações mais desenvolvidas. A 
consciência (Bewusstsein) não pode jamais ser outra coisa do que o ser cons-
ciente (bewusste Sein), e o ser dos homens é o seu processo de vida real. Se, 
em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo 
como numa câmara escura, este fenômeno resulta do seu processo histórico 
de vida [...]. (Marx e Engels, 2007, p. 94)
Destarte, a materialidade das relações que produzem a alienação e se ex-
pressam no universo das ideias como ideologia deve ser compreendida a partir 
da relação entre trabalho e capital, pois, ao mesmo tempo em que o trabalho 
é considerado fundante do ser social e do processo de humanização, sob o 
império da mercadoria, ele deixa de ser livre ao ser transformado em trabalho 
assalariado, alienado, fetichizado. Desta forma, “sob o capitalismo, o trabalhador 
frequentemente não se satisfaz no trabalho, mas se degrada; não se reconhece, 
mas muitas vezes recusa e se desumaniza no trabalho” (Antunes, 2013, p. 9).
Ao recordar Marx, Antunes (2013, p. 8-9) afirma que, com o modo como 
se organiza o trabalho e a vida a partir dos ditames do modo de produção 
capitalista, “o homem estranha-se em relação ao próprio homem, tornando-se 
estranho em relação ao gênero humano”. Posto isso, em síntese, a aliena-
ção se expressa a partir de três aspectos: “a) o ser humano está alienado da 
natureza; b) o ser humano está alienado de si mesmo; c) o ser humano está 
alienado de sua espécie” (Iasi, 2011, p. 22).
A consciência das massas, portanto, é a consciência das necessidades 
impostas violentamente pela forma social do capital. Nas palavras de Marx 
(apud Menegat, 2012, p. 66),
Não basta que as condições de trabalho apareçam num polo como capitale no outro polo, pessoas que nada têm para vender a não ser a sua força de 
538 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
trabalho. Não basta também forçarem-na a se vender voluntariamente. Na 
evolução da produção capitalista, desenvolve-se uma classe de trabalhadores 
que por educação, tradição, costume, reconhece as exigências daquele modo 
de produção como leis naturais evidentes. 
E de que maneira a consciência, em sua forma elementar, se relaciona 
com a criminalização e o genocídio da juventude negra? 
Ora, se o modo de produção capitalista em seu atual estágio de desenvol-
vimento produz um enorme exército de reserva14 incapaz de ser absorvido, em 
um momento de crise estrutural, em que as suas contradições são esgarçadas, 
o grande capital volta-se tão somente para sua lógica de autorreprodução, 
ampliando a mistificação das relações subsumidas ao capital. 
A ofensiva neoconservadora aparece nesse estágio com uma função 
ideológica, que “reproduz um modo de ser fundado em valores historicamen-
te preservados pela tradição e pelos costumes — no caso brasileiro —, um 
modo de ser mantido pelas nossas elites, com seu racismo, seu preconceito 
de classe, seu horror ao comunismo” (Barroco, 2015, p. 624).
Desta feita, a função repressiva do Estado15 é expandida, contudo, em 
um Estado democrático de direito, a coerção não será utilizada sem que seja 
de alguma forma legitimada. Para tanto, ganham destaque na manipulação 
das consciências as esferas de reprodução da vida social, as quais apresen-
tam como conteúdo essencial, “falando em termos inteiramente gerais e 
14. Subescrevemos a análise de Antunes (2015, p. 787): “[...] me parece claro que para Marx o exército 
industrial de reserva é parte intrínseca da classe trabalhadora. A classe trabalhadora que está no desemprego, 
que é estrutural, no sentido da lógica destrutiva do capital, compreende o que Marx com muita qualidade 
delimitou os distintos elementos que compreendem o exército industrial de reserva, que hoje podemos chamar 
de ‘exército de reserva’”.
15. Mandel (1982, p. 333-334), ao analisar o Estado na fase do capitalismo tardio, classifica as suas 
principais funções da seguinte maneira: “1) criar as condições gerais de produção que não podem ser as-
seguradas pelas atividades privadas dos membros da classe dominante; 2) reprimir qualquer ameaça das 
classes dominadas ou de frações particulares das classes dominantes ao modo de produção corrente através 
do Exército, da polícia, do sistema judiciário e penitenciário; 3) integrar as classes dominadas, garantir que a 
ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas 
aceitem sua própria exploração sem o exercício direto da repressão contra elas (porque acreditam que isso é 
inevitável ou que é ‘dos males o menor’, ou a ‘vontade suprema’, ou porque nem percebem a exploração)”. 
539Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
abstratos”, o convencimento de uma pessoa ou de um grupo de pessoas “a 
realizar, por sua parte, pores teleológicos concretos” (Lukács, 2013, p. 83)
Vejamos:
[...] o ser social é um complexo composto de complexos, cuja reprodução se 
encontra em variada e multifacetada interação com o processo de reprodução 
dos complexos parciais relativamente autônomos, sendo que à totalidade, 
no entanto, cabe uma influência predominante no âmbito dessas interações. 
(Lukács, 2013, p. 278)
Embora não possam ser adequadamente compreendidos se considerados 
isoladamente, dentre os complexos sociais parciais que constituem o espaço 
da reprodução, destacamos neste artigo a esfera jurídica e a linguagem, so-
bretudo a utilizada pela grande mídia controlada pelas classes dominantes. 
Em relação à esfera jurídica, Lukács (2013) infere que ela responde a 
interesses de classe econômicos, ao mesmo tempo em que se diferencia e 
não se confunde com a economia. O direito é entendido, em sua particulari-
dade, como uma esfera de ação teleológica que tem em vista não a relação 
direta com a natureza, mas o processo de convencimento da consciência, 
característica que, como vimos, constitui a categoria da reprodução.
Nesse sentido, há uma prioridade ontológica das relações socioeconô-
micas que não retira a sua função social. Logo, o direito exerce uma função 
na reprodução social na medida em que
a mediação jurídica faz parte do próprio cotidiano a partir do momento em 
que o Direito atua enquanto ideologia, o que ocorre, de maneira efetiva, so-
mente na sociedade civil-burguesa. O Direito, pois, não atua somente quando 
a “normalidade” é ameaçada: a própria normalidade só se configura como tal 
pela mediação jurídica. (Sartori, 2010, p. 78)
Lukács (2013) considera que, ao mesmo tempo em que não se trata de 
um simples epifenômeno, o direito possui um caráter manipulatório cada vez 
mais presente na sociedade burguesa. Há contradições presentes no direito, 
uma vez que tratar dele é tratar do movimento do próprio real.
540 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
A célula da sociedade capitalista — a mercadoria — é deixada intocada 
juntamente com a igualdade jurídica cujas raízes estão na realidade a que 
pretensamente se contrapõe: em verdade, a igualdade é um pressuposto da 
forma mercantil. Lukács admite que a ideia de justiça seja ambígua; assim, 
coloca de maneira dialética a preponderância das relações materiais: ao mesmo 
tempo em que aquilo que é questionado são as desigualdades da sociedade 
produtora de mercadorias, permanece-se na igualdade formal oriunda da forma 
mercantil. (Sartori, 2010, p. 113)
Acompanhando o movimento da própria sociedade, a reificação da 
esfera econômica é conduzida também para a esfera jurídica. Segundo 
Lukács (2013, p. 238) “o direito constitui uma forma específica do es-
pelhamento, da reprodução consciente daquilo que sucede de facto na 
vida econômica”. Por conseguinte, o autor húngaro afirma que o sistema 
jurídico não surge
do espelhamento da realidade, mas só pode ser sua manipulação homo-
geneizante de cunho conceitual-abstrato. Por outro lado, a coesão teórica 
do respectivo sistema jurídico positivo, essa sua falta de contraditoriedade 
oficialmente decretada, é mera aparência. (p. 239)
Outra contradição encontrada no direito refere-se à violência; na me-
dida em que cabe a ele lidar com os conflitos sociais e retirá-la de campo, 
ao mesmo tempo que parece se opor a ela, nela se baseia. Desta forma, o 
sistema vigente do direito positivo opera fundado no seguinte método:
[...] manipular um turbilhão de contradições de tal maneira que disso surja não 
só um sistema unitário, mas um sistema capaz de regular na prática o aconte-
cer social contraditório, tendendo para a sua otimização, capaz de mover-se 
elasticamente entre polos antinômicos — por exemplo, entre a pura força e a 
persuasão que chega às raias da moralidade —, visando implementar no curso 
das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classe que 
se modifica de modo lento ou mais acelerado, as decisões em cada caso mais 
541Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
favoráveis para essa sociedade, que exerçam as influências mais favoráveis 
sobre a práxis social. (Lukács, 2013, p. 247)16
Destarte, ainda que inerentemente burguês, o direito se apresenta como 
algo neutro no que se refere aos conflitos de classes e, ao invocar as noções de 
sujeito de direito e igualdade, oculta as contradições da sociedade capitalista.17
Fica claro que, para isso, faz-se necessária uma técnica de manipulação bem 
própria, o que já basta para explicar o fato de que esse complexo só é capaz 
de se reproduzir se a sociedade renovar constantemente a produção dos “es-
pecialistas” (de juízes e advogados até policiais e carrascos) necessários para 
tal. Porém, a tarefa social vai ainda mais longe. Quanto mais evoluída for uma 
sociedade, quanto mais predominantes se tornarem dentro dela as categorias 
sociais,tanto maior a autonomia que a área do direito como um todo adquire 
na interação dos diversos complexos sociais. (Lukács, 2013, p. 247)
O direito, portanto, exerce papel fundamental no que podemos chamar 
de “barbárie civilizada”, a qual se configura na medida em que “que a vio-
lência não é mais exercida de maneira espontânea, irracional e emocional 
pelos indivíduos, mas é monopolizada e centralizada pelo Estado” (Elias 
apud Lowy, 2000, p. 46). 
O processo de criminalização, nos componentes de produção e de aplicação 
de normas penais, protege seletivamente os interesses das classes dominantes, 
pré-seleciona os indivíduos estigmatizáveis distribuídos pelas classes e cate-
gorias sociais subalternas e, portanto, administra a punição pela oposição de 
classe do autor, a variável independente que determina a imunidade das elites 
de poder econômico e político e a repressão das massas miserabilizadas e sem 
16. “Por um lado, a força como garantia última dessa existência e unidade; por outro, a impossibilidade 
de basear unicamente no uso da força essa unicidade da práxis social controlada e garantida pelo direito” 
(Lukács, 2013, p. 246).
17. Sobre as categorias abstratas do direito, conforme a teoria geral do direito desenvolvida por Evgeni 
Pachukanis, cf. Teoria geral do direito e marxismo.
542 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
poder das periferias urbanas, especialmente as camadas marginalizadas do 
mercado de trabalho, complementada pelas variáveis intervenientes da posição 
precária no mercado de trabalho e da subsocialização — fenômeno definido 
como administração diferencial da criminalidade. (Santos, 2008, p. 126)
Desse modo, o superencarceramento, decorrente do processo de crimi-
nalização seletiva, representa uma das faces da barbárie atual e é operado 
justamente pela esfera jurídica em conjunto com outras esferas do espaço 
da reprodução. 
Embora não seja possível desenvolver uma reflexão mais profunda neste 
momento, é mister ressaltar que a comunicação social, sob todos os seus as-
pectos (interindividuais, institucionais e midiáticos), é outra esfera que possui 
um papel fundamental na manipulação da consciência em sua forma elementar. 
No que tange ao processo de criminalização seletiva, a comunicação 
desempenha um relevante papel de imposição das representações sociais e 
a mídia atua como um instrumento que produz e reproduz estereótipos,18 
manipulando as consciências. A perversidade contida nos discursos punitivos 
e criminalizantes, encontrados na grande mídia e nas redes sociais, revela o 
seu recorte classista e racial e divide a sociedade entre “cidadãos de bem” 
e bandidos.
Ao analisar a criminologia midiática, Zaffaroni (2013, p. 197) afirma 
que ela
cria a realidade de um mundo de pessoas decentes, diante de uma massa de 
criminoso, identificada através de estereótipos, que configuram um eles se-
parado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus. [...] 
Como para concluir que eles devem infundir muito medo e ser crível que seja 
ele o causador único de todas as nossas aflições. Por isso, para a TV, o único 
perigo que espreita nossas vidas e nossa tranquilidade são os adolescentes do 
bairro marginal, eles.
18. Cf. Suzane Jardim. 12 estereótipos racistas dos EUA que você já viu, mas não soube identificar. 
Disponível em: <https://voyager1.net/sociedade/estereotipos-racistas-dos-eua/>. Acesso em: 18 jan. 2018.
https://voyager1.net/sociedade/estereotipos-racistas-dos-eua/
543Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
Podemos citar como exemplo — dentre tantos outros19 de como essa 
questão se materializa no cotidiano da sociedade brasileira — a diferença 
de tratamento utilizada pelo Portal G1, principal site de notícias do país, em 
duas situações semelhantes. A primeira ocorreu uma semana antes e se refere 
à apreensão de um homem em um bairro periférico da cidade de Fortaleza, 
cujo título da notícia é “Polícia prende traficante com 10 kg de maconha em 
Fortaleza” (grifo nosso), enquanto a segunda anuncia “Polícia prende jovens 
de classe média com 300 kg de maconha no Rio” (grifo nosso).20
Nota-se, desta forma, como é construída a imagem do “criminoso” a 
partir da população pobre e periférica, sobretudo negra. Tal estereótipo é 
reforçado constantemente pelos meios de comunicação — cujos interesses 
visam à reprodução do capital — como potencial ameaça à manutenção da 
segurança pública, gerando na sociedade ondas de medo, que, como aponta 
Faustino (2012, p. 22), 
são conscientemente incentivadas e sistematicamente exploradas como es-
tratégia de controle a partir da legitimação da violência sistêmica. Ocorre 
que [...] as ondas de medo não são indistintamente distribuídas entre a classe 
trabalhadora como um todo, e muito menos aos pobres em geral.
Nesse sentido, “o racismo segue oferecendo aos aparatos de repressão 
os elementos ideológicos que legitimam o livre uso da força do Estado” 
(Faustino, 2012, p. 24). Na mesma perspectiva, o professor e jurista Silvio 
Almeida (informação verbal),21 ao analisar o racismo como elemento estru-
tural e estruturante das relações sociais que são determinadas pelo capita-
lismo, afirma que, nos momentos de crise e transformação econômica, na 
19. Basta uma rápida pesquisa na rede social mais utilizada pela população brasileira e é possível iden-
tificar diversas páginas e grupos carregados de discursos de ódio. Muitos deles utilizam como nomenclatura 
o famigerado jargão “bandido bom é bandido morto” e cultuam abusos policiais e imagens chocantes de 
jovens, em sua maioria negros, mortos pela polícia. 
20. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/g1-ve-diferencas-entre-apanha-
dos-com-drogas.html>. Acesso em: 12 mar. 2017.
21. Estado, direito e análise materialista do racismo. Disponível em: <https://www.youtube.com/ 
watch?v=Pyn40G76kBI>. Acesso em: 15 jan. 2018.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/g1-ve-diferencas-entre-apanhados-com-drogas.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/g1-ve-diferencas-entre-apanhados-com-drogas.html
https://www.youtube.com/watch?v=Pyn40G76kBI
https://www.youtube.com/watch?v=Pyn40G76kBI
544 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
história do mundo e do Brasil, ocorrem mudanças “nas estratégias de lidar 
com a questão racial”, a qual assume formas específicas e manifestações 
distintas, a partir das particularidades da formação social de cada país e em 
cada contexto histórico. 
Obviamente que, seja pelas vias da esfera jurídica ou da linguagem, a 
difusão desse processo de criminalização, que nos remete ao racismo científi-
co da criminologia lombrosiana, utiliza-se de diversos meios de mistificação 
da realidade, assim como ocorre em outros processos da vida social sob o 
domínio do capital. No Brasil neoliberal, por exemplo,
ganhou evidência [...] o encarceramento de legitimação, essas prisões espe-
taculosas de alguns brancos ricos, que, como dizem Nilo Batista e Raúl 
 Zaffaroni, “servem para encobrir ideologicamente a seletividade do sistema, que 
através de tais casos pode apresentar-se como igualitário”. (Batista, 2010, p. 33)
Em síntese, trata-se do que Lukács (2013, p. 242) já explicava: “nenhum 
direito pode subsistir se não puder ser efetivado mediante a coerção, mas 
para que o seu funcionamento se dê com o mínimo de fricção é preciso que 
haja certa consonância entre seus vereditos na opinião pública”.
Por fim, podemos concluir que com a colaboração da mídia e a legitima-
ção da esfera jurídica, “a acumulação capitalista e o neoliberalismo criaram 
as bases concretas para a reprodução social da barbárie manifesta em ideias, 
valores e comportamentos” (Barroco, 2015, p. 626), que instituem o terror 
em nome da “ordem”. Como diz José Paulo Netto (2012), esgotadas as suas 
possibilidades civilizatórias, a ordem tardia do capital “só tem a oferecer, 
contemporaneamente, soluções barbarizantes para a vida social”.
Consideraçõesfinais
As reflexões aqui trazidas, introdutoriamente, apontam que para com-
preender a relação entre as soluções bárbaras utilizadas pelo capital e a sua 
naturalização e reprodução no cotidiano da sociedade brasileira, é preciso 
545Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
analisá-la a partir da centralidade do trabalho, pois é a relação existente entre 
capital e trabalho que aliena, estanha e reifica as relações sociais.
Em tempos de crise estrutural, as contradições do modo de produção capi-
talista são esgarçadas, voltando-se tão somente à sua lógica de autorreprodução. 
Por conseguinte, o controle social das massas que já não são mais fun-
cionais ao capital ocorrem, na atualidade, em larga escala e de uma forma 
extremamente cruel: uma parte é presa e a outra é exterminada a céu aberto. 
No entanto, essas duas formas — superencarceramento e genocídio da ju-
ventude negra —, que visam evitar o desmoronamento social do capital, são 
vistas com naturalidade e reproduzidas no cotidiano da vida social brasileira. 
Os discursos de ódio, o aumento dos linchamentos, os crimes contra a 
vida praticados pela polícia, sob o véu da suspeita e da legalidade, demonstram 
a materialidade do racismo enquanto ideologia a serviço do grande capital.
Nesse processo de manipulação da consciência em sua forma primeira 
de manifestação, tanto a esfera jurídica quanto os meios de comunicação 
controlados pela classe dominante possuem papel fundamental. Assim, sob 
a égide da legalidade, se houver qualquer ameaça ao acúmulo de riquezas e 
à manutenção das frações dominantes, o direito — inerentemente burguês 
— sempre irá operar em seu favor, exercendo papel fundamental na “barbá-
rie civilizada”. Destarte, as expressões contemporâneas mais evidentes da 
barbárie atual no Brasil configuram um Estado de exceção que, através do 
caráter manipulatório do direito, se diz democrático.
É evidente, portanto, a necessidade de compreender as particularidades 
pelas quais a luta de classes atravessa as várias esferas da vida social, através 
do sistema de mediações dominantes. Por fim, é preciso identificar os traços 
constitutivos do fenômeno social real em cada esfera da reprodução do ser 
social, de forma que assim possamos encontrar as estratégias para superar 
o atual modo de produção, que se materializa na dominação, na exploração, 
na violência e na barbárie; e a construção de uma nova forma social voltada 
para as reais necessidades humanas e sociais.
Recebido em 22/1/18 ■ Aprovado em 20/6/18
546 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 530-546, set./dez. 2018
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Nota da autora
Jaqueline Garcez Buozi — Graduada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). 
E-mail: jaquelinegb2@gmail.com
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
http://kilombagem.org/o-encarceramento-em-massa-e-os-aspectos-raciais-da-exploracao-de-classe-no-brasil-deivison-nkosi/
http://kilombagem.org/o-encarceramento-em-massa-e-os-aspectos-raciais-da-exploracao-de-classe-no-brasil-deivison-nkosi/
547Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.159
Interseccionalidade, racismo 
institucional e direitos humanos:
compreensões à violência obstétrica
Intersectionality, institutional racism, and 
human rights: obstetric violence comprehensions
Jussara Francisca de Assisa
Resumo: O presente artigo objetiva trazer os 
conceitos interseccionalidade, racismo insti-
tucional e direitos humanos para compreender 
a violência obstétrica relacionada às mulheres 
negras na saúde. Pretende pontuar o movimento 
de mulheres negras como responsável por pautar 
as especificidades desse grupo social na pers-
pectiva de cidadania insurgente. Entende-se que 
tal movimento é de fundamental importância na 
luta pelo direitos das mulheres negras brasileiras, 
principalmente no que diz respeito aos direitos 
sexuais e reprodutivos.
Palavras-chave: Interseccionalidade. Direitos 
humanos. Racismo institucional. Cidadania 
insurgente. Mulheres negras.
Abstract: This article aims to bring the concepts 
intersectionality, institutional racism and human 
rights to understand obstetric violence related 
to black women in health. It aims to punctuate 
the movement of black women as responsible 
for guiding the specificities of this social group 
in the perspective of insurgent citizenship. It 
is understood that such a movement is of 
fundamental importance in the struggle for the 
rights of black Brazilian women, especially with 
regard to sexual and reproductive rights.
 
Keywords: Intersectionality. Human rights. 
Institutional racism. Insurgent citizenship. Black 
women.
Introdução
O presente artigo traz os conceitos interseccionalidade, direitos huma-
nos e racismo institucional como pano de fundo para compreender 
como o viés racial implícito incide nas possíveis práticas de vio-
lência obstétrica contra mulheres negras no Brasil. Ressalta o movimento 
aPrograma de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de 
Janeiro-RJ, Brasil.
548 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
de mulheres negras como peça fundamental para o enfrentamento das desi-
gualdades sociais que atinge tal grupo, tendo como perspectiva o conceito 
de cidadania insurgente sugerido por Holston (2013). De acordo como o 
autor, “os grandes avanços da cidadania desde a promulgação da Consti-
tuição de 1988 não se dissocia das fraturas sociais que fazem do Brasil um 
dos campeões da desigualdade e da violência urbana” (p. 6). A intensidade 
dessas desigualdades estimula o surgimento da cidadania insurgente que 
busca desestabilizar as opressões por meio da luta. Um dos principais moti-
vos desse fenômeno diz respeito aos primórdios da sociedade brasileira, que 
desde então alijou grande parte dos brasileiros de seus direitos.
A reflexão aqui trazida resulta do projeto de tese de doutorado em 
curso num Programa de Pós-Graduação em Serviço Social de uma insti-
tuição de ensino superior pública da região Sudeste do Brasil, cujoobjeto 
de estudo é o enfrentamento à violência obstétrica contra mulheres negras. 
Tal experiência dá continuidade aos estudos realizados durante mestrado e 
especialização em Serviço Social e Saúde, cujo objeto de estudo foi a morte 
materna de mulheres negras. Durante tal percurso, foi possível identificar 
que a sociedade brasileira, historicamente, demarca os espaços sociais não 
só pelas condições socioeconômicas, mas, também, a partir da aparência e da 
cor da pele dos sujeitos. Os efeitos dessa dinâmica sobre a população negra 
são perversos onde os resultados são evidenciados, direta ou indiretamente, 
através da observação de alguns aspectos das relações interpessoais e das 
relações que as instituições estabelecem com esse grupo; das condições de 
vida e de desenvolvimento humano, acesso aos bens e equipamentos sociais 
e de sua morbimortalidade (Lopes, 2005).
Torna-se oportuno pontuar que as relações sociais no Brasil são per-
meadas pelo chamado viés racial implícito, que, nos termos de Cruz (2016), 
refere-se a um atalho mental, um recurso útil que, por vezes, faz com que 
tenhamos ações automáticas (intencionais ou não) baseadas nas caracterís-
ticas fenotípicas. O viés racial pode ser entendido como uma perspectiva 
tendenciosa construída a partir do contexto sócio histórico que legitimou a 
escravidão negra no Brasil. Disso, resultaram práticas, conscientes e incons-
cientes, que têm como uma de suas bases um contexto peculiar articulado às 
549Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
ações políticas, econômicas, sociais e culturais que retratam a pessoa negra 
como desprovida de inteligência, humanidade, capacidade de articulação 
política, não sendo pensada como alvo de cidadania plena. Nessa teia, 
ideologias relacionadas à inferioridade e coisificação, legado da escravidão, 
conformam uma imagem engessada, crônica e naturalizada da população 
negra numa realidade subalternizada.
Essa construção dá margem ao chamado viés racial implícito, que pode 
se manifestar em todas as áreas da vida social, sobretudo nas instituições. 
Portanto, infere-se que a atenção à saúde da população brasileira, especial-
mente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), não está imune a tal 
fenômeno, já que tem refletidas em seu cotidiano as determinações políti-
co-raciais de nossa sociedade. 
O viés racial implícito pode ser entendido através de práticas suges-
tivas de discriminação e preconceito, resultante de estereótipos relativos 
à pessoa negra. Este seria o pavimento pelo qual o racismo institucional 
caminha, possibilitando desigualdades no acesso aos serviços institucionais. 
Ressalta-se que o racismo institucional atua de forma sutil, resultando em 
desigualdades não só na prestação de serviços, mas também na possibilidade 
de distribuição de benefícios e oportunidades aos variados grupos a partir 
do caráter racial (López, 2012).
Estudos como os de Kalckmann et al. (2007) identificaram expressões 
verbalizadas para mulheres negras durante o pré-natal e o parto, tais como: 
“Escutei a recepcionista (pré-natal) falar: negra é como coelho, só dá cria”; 
“No parto do meu último filho não me deram anestesia”; “O médico nem 
examinou a gestante negra”. Ou ainda: “No pré-natal, só mandavam ema-
grecer eu nem sabia o que era eclampsia, quase morri” (Kalckmann et al., 
2007, p. 146). A partir disso, tratar a violência obstétrica atrelada ao racismo 
institucional se torna relevante por externalizar o histórico de violação de 
direitos aos quais as mulheres negras são submetidas, sobretudo, no período 
gravídico puerperal. 
O presente artigo primeiramente trará a violência obstétrica relaciona-
da às mulheres negras, chamando a atenção para a tendência desse grupo 
550 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
vivenciar com maior intensidade as mais variadas manifestações de precon-
ceitos, mesmo num momento tão cheio de simbolismo como a gravidez. 
No segundo momento, abordará os conceitos de interseccionalidade, 
racismo institucional e direitos humanos, como luzes que auxiliam enxergar 
a magnitude do processo excludente possibilitado pelo racismo, sexismo e 
demais eixos de subordinação. Essa dinâmica precisa ser considerada a partir 
da realidade brasileira, já que apresenta uma forte tendência em cristalizar 
as mulheres negras num lugar de desprivilégio.
Por último, o texto traz o movimento de mulheres negras como ele-
mento fundamental na luta contra o racismo e o sexismo na saúde, fato que 
demonstra que a cidadania insurgente, enquanto conceito vital, é absoluta-
mente oportuna para caracterizar a existência e a resistência das mulheres 
negras no Brasil.
Violência obstétrica e mulheres negras
“Toda mulher tem direito ao melhor padrão atingível de saúde, o qual 
inclui o direito a um cuidado de saúde digno e respeitoso” (OMS, 2014, p. 1). 
Esta passagem é o preâmbulo da declaração da OMS referente à “Prevenção 
e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em institui-
ções de saúde”. Este documento reconhece que, ao redor do mundo, inúmeras 
mulheres são vítimas de abusos, desrespeito e maus-tratos em instituições 
de saúde no momento do parto. Reconhece também que tais práticas violam 
os direitos humanos das mulheres, ameaçando seu direito à vida, à saúde, à 
integridade física e à não discriminação. Diante dessa realidade, o objetivo 
da OMS é de convocar todos os entes envolvidos para o diálogo, maior ação, 
pesquisa e mobilização sobre o tema, numa perspectiva de saúde pública e 
direitos humanos, já que
[...] um crescente volume de pesquisas sobre as experiências das mulheres 
durante a gravidez, e em particular no parto, descreve um quadro perturba-
dor. No mundo inteiro, muitas mulheres experimentam abusos, desrespeito, 
551Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
maus-tratos e negligência durante a assistência ao parto nas instituições de 
saúde. Isso representa uma violação da confiança entre as mulheres e suas equi-
pes de saúde, e pode ser também um poderoso desestímulo para as mulheres 
procurarem e usarem os serviços de assistência obstétrica. (OMS, 2014, p. 1)
No Brasil, os debates em torno do termo violência obstétrica começam 
a surgir nos primeiros anos da década de 2000, sobre as influências das ex-
periências ocorridas na Venezuela e na Argentina. Além disso, uma de suas 
características básicas está atrelada à vertente do ciberativismo encabeçado 
por mulheres brancas e da classe média-alta, em que as mesmas relatam suas 
vivências durante o parto, denunciando práticas abusivas e desrespeitosas 
nos serviços de saúde.
Quanto à produção de conhecimento na área acadêmica, Diniz (2015) e 
outras realizaram o estado da arte em torno do conceito violência obstétrica 
a partir de revisão crítico-narrativa sobre o tema, no qual foi privilegiada 
a análise de literatura acadêmica, produções dos movimentos sociais e 
 documentos institucionais do Brasil e exterior.
Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos 
reprodutivos das mulheres por profissional de saúde que se expresse por meio 
de relações desumanizadoras, de abuso de medicalização e de patologização 
dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de 
decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na 
qualidade de vida das mulheres. (D’ Oliveira et al. apud Diniz et al. 2015, p. 3) 
As pesquisadoras relatam que tanto no Brasil como na América Latina 
o termo violência obstétrica é usado para descrever as variadas formas de 
violências ocorridas durante a gravidez. Os achados da pesquisa revelaram 
expressões como: violência de gênero no parto e aborto, violência no parto, 
abuso obstétrico, violência institucional de gênero no parto e aborto, des-
respeito e abuso, crueldade no parto, assistência desumana/desumanizada, 
violações dos direitos humanos das mulheres no parto, abusos, desrespeito 
e maus-tratos durante o parto.552 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
Tratamento diferencial com base em atributos considerados positivos (casada, 
com gravidez planejada, adulta, branca, mais escolarizada, de classe média, 
saudável etc.), depreciando as que têm atributos considerados negativos (pobre, 
não escolarizada, mais jovem, negra) e as que questionam ordens médicas. 
(Diniz et al., 2015, p. 3)
Baseadas nos atributos classificadores dirigidos às parturientes, as 
autoras identificam a existência de escolhas de determinados perfis de 
mulheres para o treinamento de procedimentos a partir de um ordenamento 
hierárquico do valor social das pacientes. Esse fato evidencia “uma hierar-
quia sexual, de modo que quanto maior a vulnerabilidade da mulher, mais 
rude e humilhante tende a ser o tratamento oferecido a ela” (Idem, p. 4). 
As pesquisadoras citam que “mulheres pobres, negras, adolescentes, sem 
pré-natal ou sem acompanhante, prostitutas, usuárias de drogas, vivendo 
em situação de rua ou encarceramento, estão mais sujeitas a negligência e 
omissão de socorro” (Idem).
De acordo com Diniz (2015), a mortalidade materna pode ser entendida 
como uma das possíveis consequências da violência obstétrica. Pesquisas 
apontam que as taxas de mortalidade materna são relacionadas ao acesso e à 
qualidade dos serviços de saúde ofertados, pois grande parte dessas mortes 
poderia ser evitada através da aplicação adequada de políticas públicas. O 
Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RASEAM) de 2014 demonstra 
que as mulheres negras são o público-alvo da mortalidade materna no Brasil. 
Tal fato foi alvo de audiência pública realizada pela Subcomissão Especial 
Avaliadora das Políticas de Assistência Social e Saúde das Populações Vulne-
ráveis na Câmara dos Deputados (Brasília) em 2016. Na época foi informado 
que as intercorrências que provocam os óbitos maternos vêm diminuindo 
entre as mulheres brancas e aumentando entre as negras. A audiência apurou 
que entre os anos de 2000 e 2012 as mortes por hemorragia caíram entre as 
brancas de 141 casos por 100 mil partos para 93 casos. Entre as mulheres 
negras aumentaram de 190 para 202 casos.
Embora as investigações sobre as causas das mortes de mulheres em 
idade fértil venham crescendo e tal fato impacte nos resultados expostos, 
553Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
considera-se, além de fatores clínicos e socioeconômicos, as sutis articula-
ções do racismo institucional. Na mesma audiência Jurema Werneck, atual 
diretora da Anistia Internacional no Brasil, afirmou que a justificativa para 
tais disparidades talvez resida no fato de os profissionais de saúde não es-
tarem alinhados a todas as técnicas necessárias para uma consulta de pré e 
pós-parto de qualidade para as mulheres negras.
Outro fator que deve ser levado em consideração são os óbitos maternos 
por tipo de causa obstétrica. As causas obstétricas diretas, tais como hiper-
tensão, hemorragia e infecção, são as mais recorrentes. São entendidas como 
aquelas que ocorrem por complicações durante a gravidez, parto ou puerpério. 
Por conta de intervenções, omissões, tratamento incorreto ou um conjunto 
de fatores resultantes de qualquer dessas causas (Brasil, 2002). Diante deste 
quadro é importante dizer que 92% dos casos de mortes maternas por causas 
diretas são evitáveis.
O conceito sobre violência obstétrica é reconhecido como questão de 
saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2014. Através 
da declaração intitulada “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e 
maus-tratos durante o parto em instituições de saúde” é possível identificar 
que embora existam evidências de desrespeito e maus-tratos às mulheres 
durante a assistência ao parto, no momento não há consenso de como tais 
problemas possam ser medidos (OMS, 2014). Contudo, ao considerar o 
marcador social cor/raça, Ramos (2016) afirma que as negras são as que 
mais sofrem com a falta de informação sobre o aleitamento, assim como o 
não acompanhamento durante a gravidez. A autora relata, também, que o 
tempo de atendimento dispensado às mulheres negras geralmente é menor 
do que o atendimento a uma mulher branca. “Fatos como esse fazem com 
que a mulher negra, além de não ser assistida devidamente, também se sinta 
inibida diante do cuidado com sua saúde” (Ramos, 2016).
Diante do exposto, é possível supor a existência do viés racial na aten-
ção às mulheres negras em período gravídico puerperal, sendo necessário 
reconhecer o valor do recorte étnico racial para a análise dos diferenciados 
serviços de saúde prestados à população, como as maternidades.
554 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
Interseccionalidade, racismo institucional e direitos humanos: impactos para 
as mulheres negras
O conceito interseccionalidade vem sendo empregado largamente para 
discussão em torno das especificidades das mulheres negras, principalmente 
entre as intelectuais negras dos EUA e do Brasil. Kimberlé Crenshaw, consi-
derada uma das lideranças da teoria crítica ao racismo nos Estados Unidos, 
é uma das pioneiras a respeito de tal pensamento.
O conceito é proposto a partir do texto “Documento para o encontro de 
especialistas em aspectos da discriminação racial relativa ao gênero” (2002), 
criado no contexto da III Conferência Mundial contra o Racismo realizada 
em Durban — África do Sul — no ano de 2001. O objetivo foi sugerir um 
protocolo provisório para melhor identificar as variadas formas de subor-
dinação que refletem os efeitos interativos das discriminações de gênero e 
raça (Crenshaw, 2002, p. 171). A intenção de Crenshaw foi trazer à tona a 
necessidade de as instituições de direitos humanos assumirem a responsa-
bilidade em lidar com as causas e consequências de tal discriminação. De 
acordo com ela, ao longo da década de 1990, os resultados do ativismo de 
mulheres, tanto nas conferências mundiais como no campo das organizações 
de direitos humanos, trouxeram um consenso de que os direitos humanos 
das mulheres não deveriam se limitar às situações onde seus problemas se 
parecessem aos vivenciados pelos homens.
A autora pontua que sua contribuição teve por objetivo sugerir formas 
de entendimento das experiências únicas de mulheres étnica e racialmente 
identificadas. Alerta que, muitas vezes, tais experiências são suplantadas nos 
discursos sobre direitos. Assim, propõe que as instituições se envolvam nos 
esforços de investigação das implicações acerca de gênero, racismo, xeno-
fobia e outras formas de intolerância que contribuem para uma combinação 
de abuso de direitos humanos.
[...] quando se fala dos direitos humanos, o primeiro que se aponta, quase de 
maneira automática, é a falta e a necessidade de proteção frente a violências 
555Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
multiformes e multicausais que, procedentes dos Estados ou dos particulares, 
negam os direitos mais elementares (à vida, à integridade física, à liberdade 
de movimento, à de expressão etc.) de amplos contingentes da população de 
países e regiões. (Gomez, 2004, p. 74) 
Há dificuldades em identificar a discriminação interseccional em contex-
tos nos quais as forças econômicas, culturais e sociais moldam uma estrutura 
onde as mulheres são atingidas por outros sistemas de subordinação. Para 
apreensão da discriminação como problema interseccional, Crenshaw (2002) 
afirma que as dimensões raciais ou de gênero, que são parte da estrutura, 
deveriam ser destacadas em primeiro plano, como fatores que contribuem 
sobremaneira para a produção da subordinação.
Desta forma, a autora define interseccionalidade como 
[...] uma conceituação do problema que busca capturar as consequências es-
truturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. 
Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a 
opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades bá-
sicas que estruturam as posiçõesrelativas de mulheres, raças, etnias, classes e 
outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas 
específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo 
aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento. (Crenshaw, 2002, p. 177)
A partir disso, faz sentido pensar como se constitui o viés racial implícito 
ao se considerar as relações raciais estabelecidas entre os diferentes grupos, 
especialmente entre negros e brancos, no caso do Brasil. O conceito de viés 
racial é largamente utilizado nos estudos estrangeiros, sobretudo nos EUA. 
James (2017) faz uma revisão seletiva de estudos publicados desde 2003 
sobre a provável contribuição do preconceito inconsciente dos médicos 
americanos para as desigualdades nos cuidados de saúde. O autor revela 
que naquele ano um comitê do Instituto de Medicina da Academia Nacional 
de Ciências dos Estados Unidos reuniu centenas de estudos documentando 
o fato de minorias raciais americanas, principalmente os afro-americanos, 
556 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
receberem cuidados de saúde piores para amplo número de doenças, em 
comparação com os americanos brancos. Nisso, o referido comitê concluiu 
que os estereótipos negativos inconscientes dos médicos contra afro-ame-
ricanos, e talvez contra outras pessoas de cor, provavelmente contribuam 
para essas disparidades.
O viés implícito é definido por James (2017) como um estereótipo 
realizado por um observador em relação a membros de um grupo racial ou 
étnico “minoritário”. Para se chegar a tal constatação são utilizados testes 
de associação implícita, que quantifica a velocidade relativa com que os 
indivíduos associam atributos positivos como “inteligentes” aos brancos 
e atributos negativos como “preguiçosos” aos negros. No que diz respeito 
ao viés racial implícito e à relação médico/paciente, o autor afirma que, na 
sociedade norte-americana,
Os médicos são mais propensos a prescrever analgésicos para pacientes bran-
cos do que para pacientes negros. Em uma pesquisa de opinião recente, uma 
estudante de medicina branca discutiu como o “currículo silencioso” ensinou-a 
a tratar pacientes de forma diferente com base em sua raça. Sobre a questão 
da gestão da dor, ela escreveu: “Quando cheguei ao hospital [...] Aprendi que, 
entre dois pacientes com dor aguardando em uma sala de exames do departa-
mento de emergência, o branco é mais provável que obtenha medicamentos 
e o preto é mais provável que seja dispensado com uma nota documentando 
narcóticos. (James, 2017, p. 4; tradução nossa)
A contribuição de James (2017) suscita reflexões a respeito da realidade 
brasileira, no que tange à sutileza do racismo, especialmente por conta da 
crença de uma democracia racial. Cruz e Faria (2017), ao pesquisarem as 
causas de óbito mais frequentes que incidiram em mulheres brancas (grupo 
hegemônico) e negras (grupo vulnerável) no estado do Rio de Janeiro, no 
ano de 2015, constataram que:
No contexto do sexismo institucional, a população de mulheres não rece-
be a devida atenção pela área de saúde fora do período perinatal e, com a 
557Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
sobreposição da ideologia opressiva que é o racismo institucional, as mulheres 
negras, no caso, têm o risco de nem na fase de idade reprodutiva receber o 
cuidado de saúde conforme preconiza a base de evidência científica. (Cruz e 
Faria, 2017, p. 1)
A partir dessas constatações, as autoras sugerem a promoção do cuidado 
de saúde centrado na pessoa e isento de viés racial e de gênero, visando a 
desconstrução do racismo institucional, entendido como
Fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e 
adequado às pessoas devido à sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se 
manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no 
cotidiano do trabalho, os quais são resultantes da ignorância, da falta de aten-
ção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer caso, o racismo 
institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados 
em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por 
demais instituições e organizações. (PCRI, 2006, p. 26).
Com o objetivo de identificar fatores associados à avaliação das mulhe-
res no que se refere à relação profissionais de saúde/parturiente e como esses 
fatores influenciam na satisfação com o atendimento ao parto, a pesquisa in-
titulada “Desigualdades sociais e satisfação das mulheres com o atendimento 
ao parto no Brasil: estudo nacional de base hospitalar” (D’Orsi et al., 2014) 
revelou que a cor da pele das entrevistadas foi associada à pior avaliação do 
tempo de espera até ser atendida e menos privacidade nos exames. Quanto ao 
trabalho de parto, as pesquisadoras identificaram menores níveis de respeito 
e maior relato de violência dirigidos às mulheres pretas e pardas. Cruz (2004, 
p. 450) revela que “a persistência de uma estrutura de discriminação pode 
ser decorrente, entre outras razões, do desconhecimento existente a respeito 
da demanda da mulher negra sobre suas condições de vida e saúde”.
Diante do exposto, é possível inferir que os efeitos da construção do 
imaginário social criado em torno da população negra no Brasil se repro-
duz nos serviços de saúde. A associação entre violência, doença, crime, 
558 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
prostituição, “feiura” e o corpo feminino negro parece ser refletida no 
atendimento à saúde, especialmente no momento do parto (Silva e Fonseca, 
2012). Pensar a violência obstétrica relacionada às mulheres negras se faz 
necessário para problematizar as hierarquias nos serviços de maternidade, 
visando a garantia do direito à assistência adequada para as mulheres negras 
nos referidos serviços.
Movimento de mulheres negras numa perspectiva de cidadania insurgente
Num contexto de permanente luta por direitos sociais, as mulheres 
negras brasileiras vêm se colocando como sujeitos políticos em busca da 
cidadania plena. É nesse contexto que as contribuições de Holston (2013) são 
pertinentes. Conforme o autor, os conflitos entre cidadãos avolumaram-se, 
principalmente, com a urbanização e a democratização do século XX. A in-
surgência mundial de cidadanias democráticas presentes nas últimas décadas 
confrontou formas estabelecidas de governos e de privilégios estabelecidos. 
O resultado é um emaranhado entre a democracia e seus opositores, em que 
novos tipos de cidadãos surgem para expandir a cidadania democrática, ao 
mesmo tempo que novas formas de violência e exclusão a corroem. (Holston, 
2013, p. 21)
Ao tomar o Brasil como um caso paradigmático no que se refere à 
cidadania, Holston (2013, p. 22) afirma que possuímos “uma cidadania que 
administra as diferenças sociais legalizando-as de maneira que legitimam e 
reproduzem as desigualdades”. Essa dinâmica caracteriza-se pela manutenção 
do regime de privilégios legalizados e desigualdades legitimadas que impera 
no país desde sua “descoberta”. Contudo, Holston (2013) discorre que os mais 
entricheirados dos regimes de cidadania desigual podem ser desfeitos por 
movimentos de uma cidadania insurgente. O autor afirma que desde a década 
de 1970 as classes trabalhadoras vêm formulando nas periferias das cidades 
brasileiras uma cidadania insurgente que desestabiliza o entrincheirado.
559Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
Seguindo o raciocínio de Holston (2013) e o articulando com a realidade 
das mulheres negras no Brasil, é possível afirmar que o movimento social 
deste grupo em específico está absolutamente imerso no que se caracteriza 
como cidadania insurgente. A trajetória de luta e resistência e contra as va-
riadas formas de exploração que atingem as mulheres negras brasileiras não 
é recente. Podemos considerar que desde a travessia do continente africano 
para as Américas, a resistência às formas violentase inumanas dispensadas 
aos africanos negros e seus descentes por parte dos colonos tiveram muitas 
formas de oposição. Werneck (2009), ao discorrer sobre a diáspora africana 
e o papel fundamental das mulheres negras nesse processo, afirma que:
Na formação e expansão desta diáspora, as articulações empreendidas tinham 
e têm como âncora principal a luta contra a violência do aniquilamento — ra-
cista, heterossexista e eurocêntrica — com vistas a garantir nossa participação 
ativa no agenciamento das condições de vida para nós mesmas e para o grupo 
maior a que nos vinculamos. (Werneck, 2009, p. 77).
A interpretação que pode ser dada a esse pensamento é que a resistência 
é parte intrínseca da identidade negra feminina, já que as experiências de 
desfavorecimento social, político, econômico e cultural vêm fazendo parte 
de seu cotidiano desde a travessia transatlântica. Sendo assim, a categoria 
mulher negra é histórica, e a luta contra as desigualdades que a permeiam 
é secular.
Num contexto de permanente luta por direitos sociais, as mulheres 
negras vêm se colocando como sujeitos políticos em busca da cidadania 
plena. Ao pensar a democracia, devemos pensar também na socialização 
da economia, da política e da cultura como vias para a liberdade humana. 
É sob a perspectiva da socialização de formas mais equânimes de vida 
e trabalho que o movimento de mulheres negras vem pautando suas rei-
vindicações políticas a partir da compreensão das hierarquias de gênero, 
raça e classe.
Vale pontuar que a realização da I Marcha Nacional das Mulheres Ne-
gras: Contra o Racismo e a Violência pelo Bem Viver, ocorrida em Brasília 
560 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
em 15 de novembro de 2015, prova a contemporaneidade e a potencialidade 
de tal movimento. O ato caracterizou um marco político fundamental na 
histórica luta das mulheres negras brasileiras por direitos sociais e humanos 
com o objetivo de demonstrar que esse grupo apresenta demandas sociais 
particulares que devem ser consideradas pelo conjunto da sociedade. Em 
relação à saúde, teve como destaque a denúncia da mortalidade materna de 
mulheres negras relacionada à dificuldade de acesso aos serviços de saúde, 
à baixa qualidade do atendimento somada à falta de ações e capacitação de 
profissionais de saúde voltadas para os riscos aos quais as mulheres negras 
estão expostas (Geledés, 2015). É possível inferir que a violência obstétri-
ca atinge, sobremaneira, as mulheres negras, já que os indicadores sociais 
apontam que esse público vive de maneira mais expressiva as desigualdades 
impostas pelas contradições do capital.
No caso das maternidades do município do Rio de Janeiro, estudos 
apontam para a necessidade de atenção à qualidade dos serviços prestados. 
Índices de óbitos maternos no Rio de Janeiro apresentam uma das mais altas 
taxas, superando a taxa média do país, que gira em torno de sessenta mortes 
por 100 mil nascidos vivos.1 De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde 
(SMS-RJ, 2016) do Rio de Janeiro a razão de mortalidade materna chegou 
a 71,4% em 2014, ou seja, foram em média 71 mortes por 100 mil nascidos 
vivos. Estudos apontam que a violência obstétrica vem sendo considerada 
uma prática que contribui para aumentar os índices de mortalidade mater-
no-infantil (Ministério Público de Pernambuco, 2015).
Dados disponibilizados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade 
(SIM) referentes aos óbitos maternos, no período de 2000 a 2013, indicam 
que o município do Rio de Janeiro registrou 273 mortes de mulheres brancas, 
enquanto o mesmo indicador para mulheres negras somou um total de 485 
mortes. Ou seja, as mulheres negras morreram em média 56% a mais que as 
brancas durante o período gravídico puerperal (DATASUS — SIM, 2015).
1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que o coeficiente de dez mortes por 100 mil 
nascidos vivos está dentro da normalidade, sendo aceitável até vinte mortes por 100 mil nascidos vivos 
(OMS, 2014).
561Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
A luta por condições dignas de vida é impulsionada enormemente 
pela investida política do movimento de mulheres negras representado por 
instituições ligadas à Articulação de Organizações de Mulheres Negras no 
Brasil. Conquistas importantes no campo das políticas sociais têm crédito 
nesse movimento, sobretudo no atual contexto de desmonte sucessivo das 
políticas sociais e aumento da violência contra a população negra. Nesse 
cenário, a assistência à saúde das mulheres negras em período gravídico 
puerperal sofre grande impacto. Sendo assim, a cidadania insurgente oriunda 
do movimento de mulheres negras se coloca urgente e fundamental para a 
manutenção e o desenvolvimento de direitos das mulheres negras brasileiras. 
Considerações finais
Este artigo procurou trazer à tona a problemática vivenciada por mu-
lheres negras e pobres em período gravídico puerperal nos serviços públicos 
de saúde. A gestação é um momento cercado de expectativas por grande 
parte das mulheres e suas famílias. No entanto, o momento que poderia ser 
festivo e de alegria, muitas vezes transforma-se em momento de dor e perda. 
O viés racial implícito sugestivo de racismo institucional e o sexismo 
tecem uma rede de complexidades que tem no espaço das unidades de saúde 
uma dinâmica cheia de conflitos. Geralmente, o saber biomédico que conta-
mina a maioria dos profissionais de saúde tende a desconsiderar as opiniões 
das mulheres, não as tendo como sujeitos de direitos. Neste sentido, a va-
lorização de princípios éticos, o investimento em educação em saúde, quer 
para profissionais, quer para usuários (as), devem ser colocados em pauta 
para que haja o reconhecimento do valor de cidadania no que se refere aos 
direitos reprodutivos das mulheres negras. 
Não se pode deixar de considerar que as políticas de saúde existen-
tes, que contemplam o enfretamento da mortalidade materna de mulheres 
negras, são importantes instrumentos de superação da problemática. Sem 
dúvida, a implementação dessas políticas não passam sem críticas, já que as 
562 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, set./dez. 2018
dificuldades e a falta de interesse em colocá-las em prática são visivelmente 
atravessadas pelo racismo e pelo sexismo. Contudo, acredita-se que esse 
aparato legal, esse ganho político é o que garante às mulheres negras vislum-
brarem o alcance da garantia de seus direitos. Nesse processo, as mulheres 
negras organizadas possuem tal aparato legal (construído a partir de sua 
participação) na contínua luta pelos direitos das mulheres negras brasileiras. 
Embora os avanços adquiridos a partir das políticas públicas e iniciativas 
governamentais em prol da saúde da população negra e a luta das mulheres 
negras diante da mortalidade materna sejam factíveis, muitos desafios ainda 
precisam ser superados. Os baixos recursos destinados às políticas públicas, a 
falta de integralidade entre o setor de saúde e os demais setores, as hierarquias 
de gênero, a discriminação racial, dentre tantos outros, devem ser enfrentados 
a partir da participação social e a valorização dos profissionais de saúde. O 
investimento em educação continuada e o redesenho da formação profissio-
nal, visando maior conhecimento e visibilidade das condições de vida e saúde 
da população negra, são urgentes para a modificação do quadro preocupante 
em que se insere a saúde pública brasileira. A cidadania insurgente proposta 
por Holston (2013) e representada aqui pelo movimento de mulheres negras 
tem a possibilidade e a potencialidade de enfrentar o racismo institucional e 
pontuar a necessidade de compreensão integral dos direitos humanos para 
as mulheres negras brasileiras em período gravídico puerperal.
Recebido em 19/1/18 ■ Aprovado em 19/6/18
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Nota da autora
Jussara Francisca de Assis — Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço 
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: lfjussara2015@gmail.com
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
566 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 566-584, set./dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.160
El marxismo en la reconceptualización:
¿De qué marxismo se trata?
Marxism in reconceptualization: What Marxism is it about?
Sergio Quintero Londoñoa
Resumen: El artículo analiza algunas caracte-
rísticas del marxismo en la reconceptualización. 
Se reflexiona sobre las condiciones de las décadas 
1960-1970, donde producto de las contradicciones 
socio-históricas, se genera una pluralidad en los 
fundamentos teórico-metodológicos. Se demues-
tra cómo el marxismo incursiona en el Trabajo 
Social a partir de diversas fragmentaciones del 
corpus teórico de Marx, desconociendo la crítica 
de la economía política, y por tanto disolviendo 
la perspectiva de totalidad.
Palabras claves: Capital. Reconceptualización. 
Marxismo. Valor.
Abstract : In this ar t ic le we analyze 
some characteristics of marxism in the 
reconceptualization. It reflects on the conditions 
of the decades 1960-1970, where product of 
the socio-historical contradictions, generates 
a pluralityin the theoretical-methodological 
foundations. It shows how Marxism ventures 
into Social Work from various fragmentations of 
Marx’s theoretical corpus, ignoring the critique 
of political economy, and therefore dissolving the 
perspective of totality.
Keywords: Capital. Reconceptualization. 
Marxism. Value.
Introducción
Al considerar que el Trabajo Social emerge y se profesionaliza en 
el periodo capitalista en que los monopolios se han tornado he-
gemónicos, debemos ser conscientes que la “historia profesional” 
es relativamente nueva. Sin embargo, debido al momento socio-histórico 
en que constituye sus trazos fundamentales como profesión inscrita en la 
aCandidato a Doctor en Servicio Social por la Universidad del Estado de Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Ja-
neiro-RJ, Brasil. 
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división socio-técnica del trabajo, nutrida por las contradicciones teóricas 
y políticas de la lucha de clases, también debemos reconocer que (pese a su 
corta historia), el Trabajo Social ha presentado varios periodos en los cuales 
se encuentra gran diversidad de tensiones y contradicciones.
Sin entrar en un análisis extensivo sobre “la historia del Trabajo Social”, 
es conveniente mencionar que su constitución (génesis y desarrollo) se da 
como resultado de las contradicciones de la sociedad capitalista en la que las 
clases dominantes se encuentran obligadas a dar un tratamiento diferencial 
a la cuestión social, más allá de las medidas policiacas y represivas que 
caracterizaron el siglo XIX. (Iamamoto e Carvalho, 1984).
La estructuración de la profesión avanza desde sus protoformas hasta 
alcanzar ciertos fundamentos teórico-metodológicos, con los cuales incor-
pora elementos de las ciencias positivas (caracterizada por el pragmatismo 
y el instrumentalismo). Posterior a la segunda mitad del siglo XX, en el 
Movimiento de la Reconceptualización se presenta el ingreso del marxis-
mo como arsenal heurístico con potencialidades para la explicación de las 
contradicciones socio-históricas, y para dar respuesta a las manifestaciones 
de la cuestión socia. En este contexto, la diversidad y enfrentamiento entre 
el positivismo y el marxismo se presenta como consecuencia de las contra-
dicciones del modo de producción que determinan la profesión, y no como 
un proceso correspondiente a las fuerzas endógenas del Trabajo Social. 
(Netto, 2000; 2012).
Incorporación del marxismo al Trabajo Social
Los años 60 y 70 del siglo XX irrumpen con una crisis estructural que 
impacta todas las esferas del capitalismo. Las consecuencias de tal crisis se 
hacen expresivas al interior de la institucionalidad educativa (especialmente 
las universidades), en la que se reflejan las contradicciones entre diferentes 
propuestas teórico-metodológicas, que traen consigo ideas de proyectos 
societarios diametralmente opuestos.
568 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 566-584, set./dez. 2018
La dinámica de crisis y antagonismos presenta su mayor expresión en 
el Trabajo Social a través del Movimiento de la Reconceptualización, donde 
se genera una diversidad de pensamiento que pluraliza los fundamentos de la 
profesión, e incorpora debates de carácter político e ideológico de las clases 
sociales en pugna. En otras palabras, a través de la Reconceptualización, la 
profesión entra de forma explícita y consciente en la contradicción política 
del orden capitalista, enfrentando la supuesta neutralidad valorativa, y po-
niendo en tensión la estructura clásica con la que el pensamiento conservador 
mantenía una matriz de pensamiento ideológico reproductor de las relaciones 
sociales de dominación.
Uno de los principales avances de la Reconceptualización es la cons-
titución de pluralidad teórico-metodológica; al interior de este avance 
se evidencia la máxima expresión con el ingreso del marxismo como 
interlocutor válido, plenamente reconocido por las demás tendencias 
teórico-metodológicas. Sin embargo, el ingreso del marxismo al Tra-
bajo Social (al igual que en otras profesiones, en las “disciplinas de las 
Ciencias Sociales” y en organizaciones político-partidarias) no se da sin 
contradicciones y límites.
Basados en la premisa de que son las contradicciones del capital las 
que determinan la profesión (sin dejar de reconocer la autonomía relativa 
de ésta), consideramos que las características particulares a través de las 
cuales entra el marxismo al Trabajo Social encuentran su explicación en la 
totalidad del modo de producción capitalista. El análisis del Trabajo Social 
en la historia (diferente a “la historia del Trabajo Social”), permite entender 
que la incursión del marxismo al debate profesional obedece al contexto so-
cio-histórico (particularmente del contexto convulsionado de América Latina 
en las décadas 1960 y 1970) y heurísticamente está vinculado al desarrollo 
teórico-político del movimiento socialista-comunista (y sus divergencias) 
a nivel mundial1.
1. Una exposición clara sobre el marxismo en Trabajo Social como un reflejo del debate de los partidos 
políticos y el movimiento comunista a nivel mundial, es presentada por Consuelo Quiroga, 2000.
569Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 566-584, set./dez. 2018
Durante todo el siglo XX, el análisis histórico-sistemático de Karl Marx 
se configuró en piedra angular para la comprensión de las relaciones del modo 
de producción capitalista, sin embargo, su apropiación por diferentes secto-
res académicos y políticos no representó per se una apropiación adecuada, 
ni mucho menos una profundización de sus fundamentos. Por el contrario, 
lo que caracterizó al marxismo en su gran mayoría fue una incorporación 
parcializada y precarizada de la teoría social de Marx2.
En este sentido, si la apropiación de la teoría social de Marx se da con 
dificultades al interior del movimiento socialista-comunista, es una conse-
cuencia objetiva el hecho de que tales dificultades también se presenten y 
hasta se profundicen al interior del Trabajo Social Reconceptualizado, en 
tanto que, fundamentalmente, es a través de movimientos y organizaciones 
políticas que se incorpora el marxismo a la profesión.
Ahora bien; ¿cuáles son los fundamentos estructurales desarrollados 
por Marx sobre los cuales se presentan profundas diferencias en las inter-
pretaciones “marxistas”?
De acuerdo a la célebre expresión de Lenin, son tres fuentes y tres 
partes integrantes del marxismo las que se deben reconocer como arsenal 
heurístico. En las tres fuentes, Karl Marx se encargó de incorporar y superar 
(o superar-conservando) lo mejor del socialismo francés, la economía clásica 
inglesa y la filosofía alemana. Cada uno de estos procesos se convirtió en pilar 
indispensable e indisoluble de la teoría marxiana, consolidando una teoría 
crítica con mayor potencia explicativa y transformadora. Sólo la comprensión 
relacional y dialéctica que de allí se desdobla (la perspectiva revoluciona-
ria, la crítica de la economía política y el método dialéctico-materialista) 
pueden dar cuenta de las contradicciones y leyes tendenciales del modo de 
producción capitalista, como condición ineludible para su transformación.
Teniendo en cuenta lo anterior, es necesario revisar, aunque sea de for-
ma introductoria, en qué consiste la tergiversación y apropiación limitada 
2. Aquí no se aborda el debate de cuáles son las tendencias herederas de Marx que mejor incorporaron su 
propuesta teórico-metodológica, sin embargo vale la pena una referencia a Lukács cuando llama la atención 
sobre la “paralización” y “petrificación” del marxismo durante el periodo stalinista y la Tercera Internacional.
570 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 566-584, set./dez. 2018
de pensamiento de Marx por parte de movimientos y partidos políticos, las 
“Ciencias Sociales” y el Trabajo Social.
Se podrían enumerar varios limites-tergiversaciones del marxismo, sin 
embargo, para efectos del presente trabajo, tan sólo se retoman algunos, que 
a nuestro modode ver, configuran los mayores límites para el desarrollo de 
la crítica marxiana.
• Confundir la crítica con el ente criticado: no es extraño que cualquie-
ra de las críticas desarrolladas por Marx sea incorporada en la forma 
que él intenta superar; esto sucede de forma reiterada con la teoría 
de los economistas clásicos (Smith, Ricardo y otros) que planteaban 
la valorización del valor como un proceso originado en la circula-
ción. De igual forma sucede con la filosofía idealista (principalmente 
Kant y Hegel) en la que la consciencia determina el ser, y no el ser 
a la consciencia. Y con el socialismo utópico (Saint Simon, Fourier, 
Owen y otros) para quienes el politicismo o los criterios morales, no 
pocas veces caracterizados por el voluntarismo, se expresan como 
alternativas (subjetivas) de superación del orden capitalista.
• Dividir los elementos integrantes de un proceso indivisible: el 
pretender colocar la teoría de Marx como una más de las “Ciencias 
Sociales” conllevó a la disolución de la perspectiva de totalidad; 
consecuencia de ello fue la edificación de fronteras claramente 
definidas al interior de las ciencias, que buscan delimitar objetos, 
métodos y teorías propias-específicas. En el campo profesional, la 
búsqueda de teorías y métodos propios estimuló la creación de una 
supuesta especificidad, que reproduce el carácter fragmentario de 
las “Ciencias Sociales”. La división de la historia, la política y la 
economía hicieron de la totalidad concreta (modo de producción 
capitalista) una suma de “factores” o “esferas” que en la teoría no 
guardan relación dialéctica entre sí.
• Incorporar de manera unilateral la interpretación política de Marx: 
Como consecuencia del auge de las luchas políticas durante el pe-
riodo 1960-1970, se sobreponen interpretaciones politicistas que 
subestiman o ignoran el carácter determinante de las relaciones de 
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producción. En su gran mayoría, los postulados del politicismo se 
fundamentan en una crítica moral de la explotación, haciendo pro-
puestas que se limitan a la distribución de la riqueza social, dejando 
intacta la forma de producción.
• Establecer falsas jerarquías al interior de la totalidad: con el objetivo 
de superar el subjetivismo (o el politicismo) que caracteriza algunas 
corrientes “marxistas”, el economicismo toma tal fuerza que se presen-
ta como causa predeterminada de las consecuencias políticas, dando 
lugar al mecanicismo divulgado por los manuales del “socialismo 
real”. Se sobrevalora la expresión de que “la estructura determina la 
superestructura” configurando un determinismo que poco o nada tiene 
que ver con la dialéctica al interior de los elementos que constituyen 
la totalidad, o con el momento ontológicamente predominante.
Estos y otros límites incorporados en el marxismo se convirtieron en 
factores decisivos para la neutralización o eliminación del potencial revo-
lucionario de la teoría marxiana. En nombre del marxismo se intentaron 
legitimar análisis parcializados y decisiones políticas que generaron fuertes 
cuestionamientos (teóricos y políticos) a nivel mundial. El epistemologismo, 
queriendo hacer de la teoría social de Marx un simple desarrollo académico; 
al igual que el politicismo, cayendo en voluntarismos pseudo-revoluciona-
rios, instrumentalizaron la teoría marxiana, equiparándola con cualquier otro 
desarrollo de las “Ciencias Sociales”.
Las principales obras de Marx que fueron apropiadas en el debate teóri-
co corresponden a aquellas dirigidas al análisis de coyunturas y situaciones 
políticas específicas, o documentos político-partidarios; entre esas obras 
se corona como obra prima el Manifiesto del Partido Comunista, y otras 
subsidiarias como El dieciocho brumario de Luis Bonaparte, La ideología 
alemana, Crítica al Programa de Gotha, entre otras de menor difusión3.
3. En este artículo no se niega el valor que estas obras tienen en la producción teórica de Karl Marx; el 
principal objetivo corresponde a entender que un análisis parcializado, sea político, económico o histórico, 
es insuficiente para entender las leyes tendenciales del modo de producción capitalista.
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Un análisis filológico de los textos mencionados podría evidenciar 
claramente que la exposición de Marx no pretende limitar su comprensión a 
las contradicciones políticas de situaciones coyunturales determinadas, sino 
que desarrolla un análisis histórico-sistemático, a través del cual presenta 
las contradicciones políticas como expresiones de otras contradicciones 
más profundas, es decir, como formas a través de las cuales se manifiesta 
la totalidad concreta. Sin reducir el valor que en sí guardan las relaciones 
políticas, Marx encuentra su raíz, no en las contradicciones políticas stricto 
sensu, sino en la base estructural de la producción, de donde se desdoblan 
todos los desarrollos y contradicciones del Ser Social4. Es justo aquí donde 
se identifica el mayor límite del marxismo en el Trabajo Social, al abordar 
de forma limitada, o simplemente al no abordar El Capital (y en general toda 
la crítica de la economía política), obra que constituiría la piedra angular de 
Marx para la comprensión de la sociedad moderna.
En síntesis, la mayor dificultad que estamos advirtiendo al interior del 
marxismo y de la Reconceptualización es la fragmentación de las tres partes in-
tegrantes, con especial desconocimiento de la crítica de la economía política5.
Contribuciones para superar los límites
Para Marx el objetivo de la ciencia es captar el movimiento contradic-
torio de la realidad social, que se constituye en leyes tendenciales propias 
4. En apariencia, con esta expresión estaríamos cayendo en el límite criticado anteriormente al establecer 
falsas jerarquías, sin embargo, no es eso de lo que se trata en esta situación. En Marx es claro que la relación 
entre la producción, circulación, distribución y consumo, analizadas a lo largo de la crítica de la economía 
política, es una relación indisoluble que comprende en su debida proporción el peso de cada momento; así 
entonces, de forma ontológica, Marx demuestra la primacía (como momento predominante) de la producción 
sobre los demás momentos de la rotación del capital. Al entender el Capital no como cosa, sino como la 
relación social que rige el mundo contemporáneo, es posible captar la primacía de las relaciones de producción, 
sobre los demás escenarios de socialización.
5. De acuerdo con nuestra interpretación, es a partir de esos límites que se desdoblan equívocos de gran 
envergadura en la profesión, tal y como el mesianismo de la Reconceptualización; el cual presenta reediciones 
contemporáneas en algunos sectores del cuerpo profesional. Sobre el mesianismo y fatalismo en el Trabajo 
Social, ver Iamamoto 2001, y el texto supracitado de Consuelo Quiroga.
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de un tipo de sociedad determinado; en este caso, el modo de producción 
capitalista6. Superar la interpretación o descripción de los elementos super-
ficiales, y llegar al reconocimiento de la lógica a través de la cual se desa-
rrolla el capital (su dinámica inmanente), constituye el camino que debe ser 
recorrido en el ejercicio investigativo.
Pese a reconocer la importancia (y límites) de las descripciones, cuanti-
ficaciones y clasificaciones (propias del pensamiento positivista), al igual que 
las interpretaciones, causalidades, sentidos y significados (sobre los cuales se 
desarrolla el comprensivismo), Marx se preocupa por descubrir las leyes ten-
denciales de la sociedad capitalista, tendencias que no se manifiestan de forma 
plena y explícita en la superficialidad de las relaciones o en la vida cotidiana.
Después de acumular gran parte del debate filosófico y político desarro-
llado hasta entonces (segunda mitad del siglo XIX), Marx alcanza su mayor 
nivel de comprensión sobre elmodo de producción capitalista al plantear la 
crítica de la economía política, expuesta principalmente en Los Grundrisse 
escritos entre 1857-1858, en la Contribución a la Crítica de la Economía 
Política publicado en 1859, y de forma más acabada en El Capital, el cual, 
lleva por subtítulo Crítica de la economía política7.
El objetivo de su crítica queda claro en el prólogo a la primera edición 
de El Capital:
Lo que de por sí nos interesa, aquí, no es precisamente el grado más o me-
nos alto de desarrollo de las contradicciones sociales que brotan de las leyes 
6. Marx capta el movimiento de la realidad como ley tendencial que se caracteriza por la tensión 
permanente de contratendencias. Por su parte, el positivismo pretenden alcanzar o evidenciar leyes absolutas, 
y muchas veces ahistóricas.
7. Aunque la estructura más organizada de la crítica de la economía política adquiere una forma expositiva 
a finales de los años 50 y durante los años 60, no hay que olvidar que desde 1844 Marx inaugura sus estudios 
“económicos” con los Manuscritos económico-filosóficos.
No sobra recordar que Marx sólo alcanza a publicar el libro I de El Capital (el proceso de producción) 
en 1867. Los libros II (el proceso de circulación) y III (el proceso de producción capitalista en su conjunto) 
son publicados por Engels en 1885 y 1894 respectivamente, y el libro IV (teoría de la plusvalía) es publicado 
por Kautsky en la primera década del siglo XX.
Un análisis detallado de la forma en que se va consolidando la crítica marxiana a la economía política 
se encuentra en Rosdolsky, 1989.
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naturales de la producción capitalista. Nos interesan más bien estas leyes de 
por sí, estas tendencias, que actúan y se imponen con férrea necesidad. (Marx, 
1976, XIV)
Queda claro que las formas en las que se presentan las leyes tendencia-
les no son el objeto central de análisis para la comprensión de la sociedad 
capitalista, aunque sea a través de éstas que se consigue develar la esencia 
del mismo. El objeto central de análisis es la lógica a través de la cual se 
desarrolla el Ser Social en el modo de producción capitalista; la dinámica 
inmanente que encuentra su núcleo fundamental en el valor.
Desde el primer lustro de los años 40 y todo el tiempo corrido hasta 
1883 (año de su muerte), Marx confronta los planteamientos “científicos” 
preestablecidos por la ciencia burguesa. Consigue develar que a partir del 
1830-1848, producto de la lucha de clases y especialmente con la pérdida 
del carácter revolucionario en la burguesía, la ciencia (burguesa) pasa a tener 
un carácter conservador en tanto que se plantea como principal objetivo la 
defensa del orden social establecido, y no la búsqueda de las leyes fundamen-
tales de la realidad. La filosofía burguesa entra en un proceso de decadencia, 
recayendo no sólo en el idealismo, sino también en la reproducción ideológica 
del orden burgués. Por su parte, la economía política clásica es remplazada 
por la economía vulgar, y los economistas burgueses, al decir de Marx, se 
convierten en espadachines a sueldo (mercenarios) en defensa del capital.
Con base en lo anterior es necesario preguntar cómo comprende Marx 
que debe ser el ejercicio investigativo. La respuesta a este interrogante no 
es una formula instrumental, sino una premisa orientadora de carácter fun-
damental: la principal herramienta con la que se cuenta en el estudio de las 
relaciones sociales es la abstracción; es a través de ésta que se identifican 
la singularidad del objeto analizado, y sus mediaciones con la totalidad.
Uno de los principales logros de Marx al indagar la realidad a partir 
de la dialéctica materialista es descubrir que cada periodo histórico tiene 
características propias que lo diferencian de periodos anteriores. Es por 
ello que la producción teórico-política de Marx se encarga de mostrar las 
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particularidades del modo de producción capitalista, que no se reduce a la 
lucha entre “burgueses y proletarios”, sino que da cuenta de la compleja 
producción-relación mercantil y sus expresiones (sociales, políticas, eco-
nómicas y culturales).
La perspectiva de historicidad niega los análisis hipostasiados de la 
ciencia y la filosofía burguesa, que confunden el presente con el pasado y éste 
con el futuro, negando alternativas sociales diversas a la implantada por el 
capital. El debate directo con la economía clásica, especialmente con Smith 
y Ricardo, le permite demostrar a Marx que uno de los principales errores 
de la ciencia burguesa es trasladar categorías propias de un periodo histórico 
hacia otro, tergiversando o negando por completo las nuevas características 
que determinan la sociedad moderna.
Tal vez el principal aporte de la crítica de la economía política es el 
descubrimiento del valor como mediación inherente de las relaciones sociales 
en el capitalismo. Sin embargo, esta categoría brilla por su ausencia en los es-
tudios “marxistas”, y especialmente en los debates de la Reconceptualización.
En su obra madura, Marx despliega el análisis para demostrar cómo 
el valor es una característica propia y exclusiva del capitalismo a través de 
la cual las relaciones sociales se presentan de forma fetichizada. Sólo en 
la sociedad capitalista el valor adquiere su pleno desarrollo, hasta llegar a 
determinar la forma en que los individuos se relacionan entre sí.
Explicando la forma en que surge y se desarrolla el valor, quedan 
claras las características particulares que adquieren ciertas categorías en las 
relaciones capitalistas. Algunas categorías que van a encontrar su máximo 
nivel de desarrollo en el capitalismo ya se encontraban presentes en modos 
de producción pre-capitalistas; tal es el caso de la propiedad, dominación, 
explotación, la propiedad privada, división del trabajo, alienación, dinero, 
entre otras. Sin embargo, en el momento que el valor entra a configurar la 
mediación fundamental a través de la cual se establecen las relaciones so-
ciales, tales categorías adquieren nuevas características.
Con base en la obra madura de Marx es posible plantear que el valor 
es la categoría central que determina (aunque no de forma mecánica y 
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unidireccional) otras categorías de gran relevancia en la sociedad capitalista; 
esta expresión recupera el carácter predominante de la ontología marxiana, 
profundizando las raíces del análisis, al pasar de observaciones superficiales 
de la circulación, hasta llegar a la producción. Ahora bien, el análisis más 
profundo de la producción no se agota allí, sino que encuentra su relación 
con la circulación, vistas en un proceso complementario e indisoluble8.
El valor es el ente que rige la producción, circulación, distribución y 
consumo de mercancías, constituyendo una división social del trabajo en la 
que los productores individuales se relacionan entre sí a través de sus produc-
tos, de su trabajo objetivado. En otras palabras, en el marco de la sociedad 
capitalista la relación mercantil (de valor) es la que (predominantemente) 
posibilita las relaciones sociales.
Las relaciones sociales en contextos pre-capitalistas se caracterizan por 
la relación directa entre los individuos, sin necesidad de ocultar su mutua 
dependencia; es decir, debido a que existe dependencia personal, las rela-
ciones sociales se dan de forma clara; los hombres se relacionan y dependen 
mutualmente los unos de los otros de forma directa. Contrario a eso, en la 
sociedad capitalista las relaciones sociales recurren a una mediación a través 
de la cual los individuos tienen contacto entre sí; tal mediación es el valor, 
que necesariamente adquiere materialidad en las mercancías.
Este tipo de relaciones fetichizadas, al decir de Marx, presenta las re-
laciones sociales como relaciones entre cosas, y las relaciones entre cosas 
como relacionessociales; además, tal inversión se presenta como natural9.
A primera vista podríamos responder con Marx que “lo que aquí reviste, 
a los ojos de los hombres, la forma fantasmagórica de una relación entre 
8. De esta manera, para comprender en la obra de Marx el modo de producción y sus leyes tendenciales 
no basta con el abordaje del primer tomo de El Capital (proceso de producción) o del segundo (el proceso 
de circulación), sino que debe ser vista la obra en su conjunto. Además se debe tener claro que la crítica de 
la economía política no es una teoría económica, sino una obra que analiza las relaciones sociales sobre las 
cuales se desarrolla el capitalismo.
9. El fetiche no es un proceso de abstracción sino una forma de ser de lo concreto en la sociedad capitalista; 
en ese sentido, el fetiche no puede ser eliminado por la investigación objetiva (que revela la esencia), sino 
por la transformación del objeto.
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objetos materiales no es más que una relación social concreta establecida 
entre los mismos hombres” (Marx, 1976, p. 38). Por demás, se debe mencio-
nar que ésta ha sido la respuesta parcial más utilizada por diversos sectores 
al interior del marxismo; sin embargo esta respuesta, no deja de ser eso, una 
respuesta parcial. Veamos por qué.
En el proceso de producción capitalista, entendido éste como 
 producción y reproducción, el capital constante cada vez adquiere mayor 
magnitud frente al capital variable. Con el desarrollo de la gran industria, 
en el proceso de producción ya no es el trabajador el que controla a las 
máquinas, sino éstas a aquel; el trabajo muerto controla al trabajo vivo. 
Además, en la circulación, como fue mencionado anteriormente, son 
las mercancías las que permiten la socialización entre los productores 
individuales; las personas se relacionan a través de las cosas (mercancías). 
De esta manera, el hecho de que las relaciones sociales se presenten como 
relaciones entre cosas, y por ellas dominadas, no es simplemente cuestión de 
apariencia, sino que es la forma en que se desarrolla el capital; las relaciones 
sociales aparecen como lo que son.
Si se pretende responder con los planteamientos radicales de Marx a 
la forma fetichizada en que se presentan las relaciones sociales en el capita-
lismo, no será suficiente con develar el secreto a través del cual queda claro 
que los son hombres (al transformar la naturaleza) quienes crean la riqueza 
material y constituyen toda la realidad, tanto política como económica. Será 
necesario ir mucho más allá, al demostrar que esta inversión es inherente 
al capital y sólo podrá ser superada con la construcción de otro modo de 
producción. Si como dice Marx, el fetiche es propio del capitalismo, y de 
éste no se puede eliminar, la superación del fetiche necesariamente es la 
superación del capital.
En la transformación ininterrumpida del valor es que se desarrolla el 
capital (no como cosa sino como relación) tanto en el proceso de producción 
como en la distribución; de ello dan cuenta las metamorfosis del valor 
analizadas por Marx en el Libro II (capital-dinero, capital-productivo y 
capital-mercantil) y en el Libro III (donde expone la forma y los sectores 
en que tal valor se distribuye como renta, salario y lucro) de El Capital.
578 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 566-584, set./dez. 2018
Teniendo en cuenta que la lógica o esencia de esta sociedad se presenta 
de diferentes formas, vale la pena llamar la atención sobre la centralidad que 
al interior de ciertas tendencias “marxistas” se ha otorgado sobre algunas 
de estas manifestaciones, disminuyendo importancia, o incluso en algunos 
casos, dejando de lado el análisis del valor.
En algunos análisis que priorizan el debate político, se presenta la 
explotación como la categoría central a partir de la cual se consolida y re-
produce el sistema capitalista; al parecer, es con la explotación, (asumida 
como apropiación del trabajo ajeno) desde donde se desdobla toda forma 
de relación social capitalista. La respuesta lógica (y limitada) del marxismo 
vulgar corresponde al fin de la explotación y a la distribución más equitativa 
de la riqueza social, enfocando sus argumentos al proceso de circulación, 
olvidando el momento predominante de la producción. El capitalismo se 
resume a un problema de distribución de riqueza, desconsiderando su abor-
daje como una forma alienada de producción y reproducción social. Este se 
convierte en el principal argumento de las organizaciones políticas que actúan 
en América Latina durante los años 60 y 70, con los cuales corresponde el 
debate académico-político de la Reconceptualización.
A nuestro modo de ver, si se tiene en cuenta lo dicho sobre el valor, 
estas premisas, aunque hegemónicas, son ciertas, pero parciales; o dicho en 
otros términos, son parte de la explicación de la lógica del capital, aunque 
no su explicación plena. Si se considera el valor como eje central del modo 
de producción capitalista, se debe entender que el fin último de la explo-
tación, que es desarrollada a través de la propiedad privada de los medios 
de producción, es justamente la creación de valor y su desarrollo creciente, 
el cual no puede ser entendido como relaciones económicas, sino como 
relaciones sociales propias del capital. El valor como categoría central se 
encuentra tanto en la producción como en la circulación de mercancías, y a 
su vez son éstas las que se encargan de garantizar la reproducción social y 
las relaciones sociales.
Si de lo que se trata es de enfocar la centralidad del capitalismo, el 
núcleo de análisis debe partir de la comprensión del valor y avanzar hacia 
579Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 566-584, set./dez. 2018
la explotación (esta es la forma en que Marx realiza su exposición). No im-
porta que el valor tenga su origen en la producción, puesto que su campo de 
influencia va mucho más allá, llegando a la determinación dialéctica de la 
política y la cultura. En síntesis, el análisis del valor no se reduce al campo 
meramente económico, sino que comprende la lógica del capital como una 
lógica general que abarca la totalidad de las relaciones sociales.
Ahora bien, el hecho que la explotación, la propiedad privada de los 
medios de producción, la apropiación privada del trabajo social, y otras 
tantas categorías del capital sean consecuencias directas le la lógica del valor, 
no quiere decir que estas tengan que pasar a un segundo plano, perdiendo 
el peso que en sí tienen al interior del capital. Contrario a ello, la creación 
de valor no será posible si tales condiciones no están dadas en la forma que 
asumen bajo el régimen capitalista. De esa manera, la centralidad del valor 
no será tal, si no se entiende su relación congénita con otras tantas categorías 
que posibilitan la valorización del valor.
Al abordar el valor de forma autónoma y autosuficiente se extrapolan 
sus características, tergiversando la forma real en la que éste se presenta. Hay 
quienes creyendo entender la importancia del valor, le otorgan cualidades 
extralimitadas, hasta el punto de asumir literalmente la lógica automática 
en la que éste se desarrolla. Si bien, la ley del valor es la que determina la 
sociedad capitalista, y no depende de la voluntad de los hombres que apare-
cen como personificaciones de categorías económicas (sean ellos capitalista 
o asalariados), no es posible plantear la independencia plena del valor con 
respecto a los sujetos y por tanto a la lucha de clases. El valor no es un 
sujeto autónomo que avanza indefinidamente y de forma natural al margen 
de las contradicciones de los sujetos; plantear esto es tan equivocado como 
el hecho de creer que el fetiche se supera cuando se develan las relaciones 
sociales en el intercambio de mercancías.
En el tomo II de El Capital, Marx insiste en la lógica del valor como una 
cuestión autónoma del desarrollo capitalista, sin embargo ello no significa 
una autonomía strictosensu, subvalorando otras categorías de gran relevan-
cia, como por ejemplo la explotación. Para Marx, tal y como fue planteado 
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anteriormente, el valor no se desarrolla aisladamente, sino que requiere un 
conjunto de condiciones propias del modo de producción capitalista.
Veamos la complementariedad que Marx coloca en el análisis entre el 
valor y la explotación:
El capital, como valor que se valoriza, no encierra solamente relaciones de 
clase, un determinado carácter social, basado en la existencia del trabajo como 
trabajo asalariado. Es un movimiento, un proceso cíclico a través de diferentes 
fases, que, a su vez, se haya formado por tres diferentes etapas. [capital-dine-
ro, capital-productivo, capital-mercancía]. (…) Quienes consideran una pura 
abstracción la sustantivación del valor olvidan que el movimiento del capital 
industrial es precisamente esta abstracción hecha realidad. (Marx, 1975, p. 94)
A primera vista, esa expresión de Marx confirma la existencia autónoma 
del valor frente las dinámicas y decisiones de los seres humanos agrupados 
en clases sociales, sobredimensionando la ley del valor y cayendo en abs-
tracciones idealistas o en el economicismo. Sin embargo, inmediatamente 
después de explicar el movimiento constante a través de las metamorfosis 
del capital y su ciclo, el mismo Marx llama la atención sobre la relación de 
donde realmente surge el valor; indica la raíz de todos los ciclos y formas 
del valor, apuntando hacia la explotación de la fuerza de trabajo.
Esta sucesión de las metamorfosis del capital en acción implica la compara-
ción constante de los cambios de magnitud de valor del capital operados en 
el ciclo de su valor originario. La sustantivación del valor frente a la fuerza 
creadora de valor, o sea, la fuerza de trabajo, se inicia con el acto D-T (compra 
de la fuerza de trabajo) y se realiza, como explotación de la fuerza de trabajo, 
durante el proceso de producción. (Ibíd. p. 95)
De esta manera queda claro que no puede existir valor sin explotación; 
esta complementariedad, que en realidad es una relación que hace parte de 
un complejo de relaciones más amplio, es lo que caracteriza la lógica del 
capital, es decir, la dinámica inmanente o ley tendencial. El objetivo de la 
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sociedad capitalista es la producción y reproducción ampliada de valor, para 
lo cual son indispensables ciertas categorías o relaciones sociales, que no 
pueden ser sobrestimadas, o por el contrario, subestimadas.
El análisis del capital debe ser una evaluación objetiva de las condi-
ciones en las que se desarrollan las relaciones sociales; este fue el principal 
objetivo y el mayor logro de Karl Marx al constituir un método de investiga-
ción fundado en la perspectiva de historicidad y totalidad, a través del cual 
evidencia la lógica (leyes tendenciales como dinámica inmanente) del modo 
de producción, y los impactos que éste ejerce sobre las relaciones sociales.
La investigación de Marx frente a la sociedad capitalista es una síntesis 
de análisis filosóficos, culturales, políticos, históricos y económicos que 
muestran la relación indisoluble entre todos esos elementos; su propuesta 
de conocimiento científico, contrario a las “Ciencias Sociales”, rompe con 
la fragmentación y los muros (epistemológicos) imaginarios que determinan 
objetos específicos de una u otra ciencia, que fragmentan la unidad lógica 
en la que se presenta la realidad histórico-concreta.
Consideraciones finales
La teoría social de Marx es una propuesta de análisis que se propone 
conocer las principales características de la sociedad capitalista (sus leyes 
tendenciales), y a su vez, aportar en la transformación social que supere el 
modo de producción/reproducción. Con este objetivo fue que Karl Marx, 
dando continuidad a desarrollos teóricos precedentes, logró descubrir los 
elementos centrales la ley del valor-trabajo.
Según lo anterior, el análisis de la sociedad capitalista no puede estar 
basado en planteamientos superficiales fragmentarios o morales del meta-
bolismo del capital. Solo el descubrimiento de las leyes tendenciales posibi-
litará una crítica radical que muestra las relaciones sociales como realmente 
son. De acuerdo con Marx, no se transforma de manera consciente lo que no 
se conoce; ello implica que para superar el orden capitalista, se tiene como 
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presupuesto el análisis de su dinámica inmanente. A partir del conocimiento 
de la realidad objetiva se tienen las condiciones necesarias para unificar teoría 
y praxis, articuladas en un proyecto social emancipartorio.
Sin embargo, la obra de Marx es poco conocida, fragmentada o distor-
sionada tanto en las organizaciones socio-políticas de las décadas 1960 y 
1970, como en los centros de formación universitaria. El Marx que pretende 
indagar la totalidad del modo de producción capitalista es sustituido por una 
interpretación fragmentaria, que centra sus argumentos en interpretaciones 
politicistas.
El Movimiento de la Reconceptualización, marcado por el contexto 
latinoamericano de organizaciones e ideales revolucionarios, incorporó la 
obra de Marx en su parte política, la cual, llevado al extremo, creó una forma 
de politicismo estéril fundado en el voluntarismo mesiánico. El supuesto 
“Agente de Cambio” destinado a orientar las transformaciones estructurales 
desconocía la lógica del capital, y por tanto otorgaba poderes extraordinarios 
a la lucha política y los individuos que en ella se podrían inscribir desde 
el escenario profesional. El choque de realidad demostró los equívocos 
de planteamientos voluntaristas, el cual, sumado a los nuevos contextos 
neoliberales, propiciaron la reinstalación de perspectivas conservadoras y 
neoconservadoras caracterizadas por el fatalismo, o por la apología abierta 
a las relaciones propias del capital.
Al señalar la ausencia de la crítica de la economía política, o su tergi-
versación, son comprensible los equívocos de la Reconceptualización sobre 
el análisis de las condiciones objetivas del momento vivido. El análisis de 
la realidad que privilegia y limita la interpretación de elementos políticos, 
desconoce la centralidad de la teoría del valor-trabajo, lo que conlleva 
equívocos teóricos y prácticos.
El Trabajo Social, como profesión dio un gran salto cualitativo durante 
las décadas 1960-1970 al introducir el marxismo en su arsenal teórico-me-
todológico; sin embargo, el salto cualitativo no fue plenamente consolidado. 
Ahora bien, las condiciones objetivas que brinda la historia, abren la posi-
bilidad de profundizar el salto cualitativo, no para hacer del Trabajo Social 
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una profesión “marxista”, sino para que Marx y el marxismo tengan una 
participación más cualificada y competente al interior de las tensiones que se 
tejen en la lucha por la orientación de un proyecto profesional ético-político.
Recebido em 18/1/18 ■ Aprovado em 18/6/18
Referências bibliográficas
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2001.
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relaciones sociales y Trabajo Social. 3 ed. 
Lima: CELATS/ Editorial Alfa S.A., 1984.
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______. El Capital. Crítica de la economía política. Tomo I. Bogotá: Fondo de Cultura 
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