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TESE Carolina Weiler Thibes

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E 
FILOSÓFICAS/ FACULDADE DE DIREITO 
 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM 
SOCIOLOGIA E DIREITO 
 
HISTÓRICO DA MILITÂNCIA NA 
CONSOLIDAÇÃO DE POLÍTICAS 
PÚBLICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR 
E NUTRICIONAL NO BRASIL 
 
CAROLINA WEILER THIBES 
NITERÓI 
2018 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRAUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAROLINA WEILER THIBES 
 
 
 
 
 
 
 
 
HISTÓRICO DA MILITÂNCIA NA CONSOLIDAÇÃO DE 
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito da 
Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para a obtenção do título de 
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. 
 
Orientador: Prof. Dr. Wilson Madeira Filho 
Coorientadora: Profa. Dra. Olivia Maria 
Ferreira Schneider 
 
 
 
 
NITERÓI 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
THIBES, Carolina Weiler. 
 
 Histórico da militância na consolidação de políticas públicas de 
Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil/ Carolina Weiler Thibes, UFF 
/ Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, 2018. 
 235 f. 
 
Orientação do Prof. Dr. Wilson Madeira Filho. 
Coorientação da Profa. Dra. Olívia Maria 
Ferreira Schneider. 
Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas e 
Sociais) – Universidade Federal Fluminense, 
2018. 
 
1. Segurança Alimentar e Nutricional; 2. políticas públicas; 3. narrativas 
orais. . I. Tese (Doutorado). II. Título: Histórico da militância na 
consolidação de políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional 
no Brasil 
 
 
 
 
 
CAROLINA WEILER THIBES 
 
 
 
HISTÓRICO DA MILITÂNCIA NA CONSOLIDAÇÃO DE POLÍTICAS 
PÚBLICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito da 
Universidade Federal Fluminense, 
como requisito parcial para a obtenção 
do título de Doutor em Ciências 
Jurídicas e Sociais. 
 
 
Aprovada em 14 de agosto de 2018. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
_____________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Wilson Madeira Filho – Orientador 
UFF 
 
_____________________________________________________________________ 
Profa. Dra. Olívia Maria Ferreira Schneider – Coorientadora 
UERJ 
 
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Annelise Caetano Fraga Fernandez 
UFRRJ 
 
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Daniela Sanches Frozi 
Fiocruz/Brasília 
 
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Patrícia Henriques 
UFF 
 
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. Taís de Souza Lopes 
UFRJ 
 
 
 
Queremos vossa atenção 
Nesses versos popular 
Rimado ou sem a rima 
Queremos manifestar 
O conceito que temos 
De segurança alimentar 
 
Todo mundo tem direito 
De poder se alimentar 
Com alimentos saudáveis 
Todo dia e sem parar 
Respeitando os costumes 
E a cultura do lugar 
 
A agricultura familiar 
É quem produz alimentos 
Mas precisa ter a terra 
A água e implementos 
Sem agredir a natureza 
Dando a ela seu sustento 
 
A falta de alimentos 
Existe em todo lugar 
Esse tipo de problema 
Nós temos que superar 
Distribuindo terra e água 
Para o agricultor cultivar 
 
Adquirindo terra e água 
Alguns problemas vão acabar 
Principalmente a fome 
E a obesidade popular 
Trazendo paz e saúde 
Para o povo do nosso lugar 
 
Para acabar com a fome 
E também a obesidade 
As doenças associadas 
Da nossa sociedade 
Precisamos de alimentos 
Saudáveis e em quantidade 
 
O direito alimentar 
É parte fundamental 
De condições necessárias 
Mas também essencial 
De forma igualitária 
E não discriminal 
 
Todo País tem direito 
À soberania alimentar 
Produção e distribuição 
É garantia, a Lei nos dá! 
Cabe aos nossos governantes 
Fazer isso funcionar 
 
Cordel de autoria de Juvaldino Nascimento da Silva, recitado na abertura 
da V Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
 
 
 
Dedico esta tese a todos e todas que militam pela efetividade 
da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 A redação da tese é solitária, mas todos os esforços pretéritos de aprovação 
para o ingresso no doutorado, a frequência nas disciplinas, a participação em 
congressos, o trabalho de campo, o delineamento do objeto de estudo e o empenho até 
se chegar efetivamente ao momento da defesa da tese, envolvem muitas pessoas. 
Nesse sentido, tenho muito a agradecer a todos os que estiveram comigo e fizeram 
parte desta caminhada para que eu conseguisse concluir este trabalho. 
 Agradeço aos meus pais Marta e Orestes, pelo exemplo, amor incondicional e 
importância que deram à minha educação. À minha irmã Aline, pelo carinho e apoio 
desde sempre. Aos meus amigos e familiares, por partilharem comigo muitas alegrias, 
compreenderam a minha ausência (muitas vezes por motivos acadêmicos) em 
momentos importantes e me incentivarem a prosseguir nesta jornada. Ao meu 
orientador Wilson, que desde a minha graduação em Direito vem me ensinando a 
desconstruir a dogmática jurídica e a compreender a interdisciplinaridade dos saberes. 
À minha coorientadora Olívia, pela proposta original deste estudo e contribuição 
sempre carinhosa ao longo deste trabalho. Ao amor da minha vida Daniel, pelo 
companheirismo, afeto, estímulo para que eu concluísse com êxito esta tese e por 
tornar minha vida mais feliz. Vocês todos foram fundamentais para que eu chegasse 
até aqui! 
 Agradeço ainda ao meu mestre budista, Daisaku Ikeda, por me incentivar a 
conquistar todos os meus objetivos e por acreditar na minha capacidade em me tornar 
uma pessoa melhor a cada dia, contribuindo para a construção de um mundo melhor 
também. 
 Agradeço aos entrevistados, que gentilmente cederam seu tempo e suas 
histórias tornando possível este trabalho de tese. 
 Por fim, agradeço à CAPES pela concessão de bolsa que viabilizou a 
elaboração e desenvolvimento de todo este trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
O objetivo desta tese é registrar, a partir das narrativas de algumas das principais 
lideranças de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Brasil, o processo de 
construção das políticas de SAN brasileira e de como se constituiu, em seus 
bastidores, a trajetória deste movimento. A pavimentação do caminho contra a 
desigualdade econômico-social, que desembocou no fortalecimento de ações políticas 
e na institucionalização de uma agenda governamental voltada especificamente para a 
temática de SAN é longa e caracterizada por lutas, denúncias e militância de 
múltiplos atores sociais. Trata-se de um movimento “de baixo para cima”, ou seja, 
que é concebido pela sociedade civil e que em virtude desta militância, se internaliza 
no Estado. Partimos das trajetórias precursoras de Josué de Castro e Betinho, 
baluartes da SAN no Brasil, desembocando na inserção da temática de SAN nos 
debates e engajamento da sociedade civil na década de 1990. Em seguida, a tese se 
estrutura nas narrativas coletadas em entrevistas semi-estruturadas com quinze atores 
sociais militantes na temática de SAN, a saber: Albaneide Peixinho, Ana Segall, 
Christiane Costa, Edgard Moura (conhecido como Amaral), Élido Bonomo 
(conhecido como Lelinho), Elisabetta Recine, Flavio Valente, Francisco Menezes, 
Írio Conti, Malaquias Batista Filho, Marcos Rochinski, Maria Emília Pacheco, Mauro 
Morelli, Pedro Kitoko e Renato Maluf. As primeiras entrevistas foram realizadas com 
os ex-presidentes do Conselho Nacionalde Segurança Alimentar e Nutricional 
(CONSEA), a saber: Renato Maluf, Francisco Menezes e Maria Emília Pacheco. Na 
triagem dos atores sociais considerados como relevantes para serem entrevistados 
citados por estes, chegamos aos quinze nomes citados. A partir de 2003, a SAN ganha 
uma nova abordagem e é tratada como prioridade na agenda política nacional. 
Algumas iniciativas foram fundamentais para integrar e consolidar várias ações de 
SAN, dentre elas está a recriação do CONSEA e a criação do Ministério 
Extraordinário de Segurança Alimentar, posteriormente remanejado para o Ministério 
de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Apesar dos avanços significativos na 
SAN brasileira, o golpe parlamentar de 2016 acarretou profundos retrocessos no 
cenário político, trazendo o receio de retorno aos índices de insegurança alimentar. As 
lideranças em SAN por nós entrevistadas, entretanto, afirmam unanimemente que 
pretendem resistir. A esperança é de que o movimento pela SAN, por ser originário da 
militância, tenha força para enfrentar a derrocada dos investimentos e o desmonte de 
equipes e ações de programas estratégicos na temática. Os relatos das lideranças em 
SAN parecem mostrar a importância da retomada da história de luta, característica 
inerente ao movimento da SAN no Brasil. 
 
 
PALAVRAS-CHAVES: Segurança Alimentar e Nutricional; políticas públicas; 
narrativas orais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The purpose of this thesis is to record, from the narratives of some of the main leaders 
of Food and Nutrition Security (SAN) in Brazil, the process of building the Brazilian 
SAN policies and how, behind the scenes, it was build the trajectory of this 
movement. The way against economic and social inequality, which led to the 
strengthening of political actions and the institutionalization of a government agenda 
focused specifically on SAN issues is long and characterized by struggles, 
denunciations and militancy of multiple social actors. It is a movement "from the 
bottom up", that is conceived by the civil society and that by virtue of this militancy, 
is internalized in the State. We start from the precursory trajectories of Josué de 
Castro and Betinho, bulwarks of SAN in Brazil, leading to the insertion of SAN in the 
debates and engagement of civil society in the 1990s. The thesis is then structured in 
the narratives collected in semi-structured interviews with fifteen social actors 
militants in SAN, namely: Albaneide Peixinho, Ana Segall, Christiane Costa, Edgard 
Moura (known as Amaral), Élido Bonomo (known as Lelinho), Elisabetta Recine, 
Flavio Valente, Francisco Menezes, Írio Conti, Malaquias Batista Filho, Marcos 
Rochinski, Maria Emília Pacheco, Mauro Morelli, Pedro Kitoko e Renato Maluf. The 
first interviews were held with the former presidents of the National Council for Food 
and Nutrition Security (CONSEA), namely: Renato Maluf, Francisco Menezes and 
Maria Emília Pacheco. In the screening of the social actors considered as relevant to 
be interviewed cited by them, we reach the fifteen names cited. From 2003, the SAN 
gains a new approach and is treated as a priority in the national political agenda. 
Some initiatives were essentials to integrate and consolidate several SAN actions, 
among them is the re-creation of the CONSEA and the creation of the Extraordinary 
Ministry of Food Security, later reassigned to the Ministry of Social Development and 
Fight against Hunger. Despite the significant advances in the Brazilian SAN, the 
parliamentary coup of 2016 brought profound setbacks in the political scenario, 
bringing fears of returning to food insecurity rates. The leaderships in SAN 
interviewed by us, however, unanimously affirm that they intend to resist. The hope is 
that the movement for the SAN, because it originates from the militancy, will have 
the strength to face the collapse of investments and the dismantling of teams and 
actions of strategic programs in the thematic. The reports of the leadership in SAN 
seem to show the importance of resumption of the history of struggle, a characteristic 
inherent to the movement of SAN in Brazil. 
 
 
KEYWORDS: Food and Nutrition Security; public policy; oral narratives 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIAÇÕES 
 
 
ABAG - Associação Brasileira de Agronegócio 
ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids 
ABRA - Associação Brasileira pela Reforma Agrária 
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva 
ACB - Ação Católica Brasileira 
ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 
ANA - Articulação Nacional de Agroecologia 
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária 
AP - Ação Popular 
ASCOFAM - Associação Mundial de Luta Contra a Fome 
ATER - Assistência Técnica e Extensão Rural 
AUP - Agricultura Urbana e Periurbana 
CAISAN - Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional 
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
CERESAN - Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional 
CID - Centro Internacional para o Desenvolvimento 
CIMI - Conselho Indigenista Missionário 
CNA - Comissão Nacional de Alimentação 
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros 
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento 
CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária 
CONDRAF - Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável 
CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
CONTAG - Confederação dos Trabalhadores na Agricultura 
CONTRAF - Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da 
Agricultura Familiar do Brasil 
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil 
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito 
CPT – Comissão Pastotal da Terra 
CTA - Centro de Tecnologias Alternativas 
CUT - Central Única dos Trabalhadores 
DHAA - Direito Humano à Alimentação Adequada 
DIAP - Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar 
EBIA - Escala Brasileira de Insegurança Alimentar 
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das 
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) 
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional 
FBSSAN - Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional 
FEC - Fundação Euclides da Cunha 
FETRAF - Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura 
Familiar do Brasil 
FIDA - Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola 
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação 
GESAN - Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Professor Pedro 
Kitoko 
 
IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas 
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor 
INAN - Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição 
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
INPA - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia 
IPEA - Instituto de Pesquisa Aplicada 
JEC - Juventude Estudantil Católica 
JUC - Juventude Universitária Católica 
LOSAN - Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional 
MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
 
MDA - Ministério de Desenvolvimento Agrário 
MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome 
MDSA - Ministério do Desenvolvimento Social e Agrári 
MESA - Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome 
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil 
OIT - Organização Internacional do Trabalho 
OMS - Organização Mundial de Saúde 
ONU - Organização das Nações Unidas 
OPPA - Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura 
PAA - Programa de Aquisição de Alimentos 
PBF – Programa Bolsa Família 
PCB - Partido Comunista Brasileiro 
PEC - Proposta de Emenda à Constituição 
PFL - Partido da Frente Liberal 
PFZ - Programa Fome Zero 
PIB - Produto InternoBruto 
PLANAPO - Plano Brasil Agroecológico 
PLANSAN - Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
PMA - Programa Mundial de Alimentos 
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostras por Domicílio 
PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar 
PNAN - Política Nacional de Alimentação e Nutrição 
PNAPO - Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica 
PNSAN - Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
PPGSD – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito 
PRONAF - Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar 
PRONARA - Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos 
PSB - Partido Socialista Brasileiro 
PT - Partido dos Trabalhadores 
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro 
SAN - Segurança Alimentar e Nutricional 
SAPS - Serviço de Alimentação da Previdência Social 
SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial 
SISAN - Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
SPG - Sistema Participativo de Garantia Orgânica 
STAN - Serviço Técnico de Alimentação Nacional 
STF - Supremo Tribunal Federal 
SUAS - Sistema Único de Assistência Social 
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste 
 
SUS – Sistema Único de Saúde 
TCU - Tribunal de Contas da União 
UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro 
UFF – Universidade Federal Fluminense 
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais 
UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso 
UFPA - Universidade Federal da Paraíba 
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro 
UNB - Universidade de Brasília 
UNESP - Universidade Estadual Paulista 
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas 
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
Figura 1: 1958 – material de campanha lançado pelos sindicatos de trabalhadores 
rurais de Pernambuco ................................................................................................. 48 
Figura 2: Figura 2: Betinho no aeroporto Galeão, no retorno do exílio, em setembro 
de 1979 ....................................................................................................................... 61 
Figura 3: Dom Mauro Morelli (em pé) na 1a Conferência Nacional de SAN, com 
Betinho (no canto esquerdo) ...................................................................................... 77 
Figura 4: Conselheiros do CONSEA Estadual do Espírito Santo em stand montado 
no salão principal durante a V Conferência Nacional de SAN ................................ 177 
Figura 5: Grupo debatendo o Eixo 1 “O que é Comida de Verdade?” ....................180 
Figura 6: Abertura oficial da V Conferência Nacional de 
SAN........................................................................................................................... 181 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
Gráfico 1: Evolução numérica da segurança alimentar nos anos de 2004, 2009 e 2013 
................................................................................................................................... 131 
Gráfico 2: Percentual da evolução da segurança alimentar nos anos de 2004, 2009 e 
2013 .......................................................................................................................... 131 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17 
1. PRECURSORES DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO 
BRASIL: JOSUÉ DE CASTRO E BETINHO ........................................................ 35 
1.1. JOSUÉ DE CASTRO: PIONEIRO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO 
BRASIL ...................................................................................................................... 37 
1.1.1. Vanguarda dos estudos de Josué de Castro e fundação de institutos 
relacionados à Segurança Alimentar e Nutricional ............................................ 38 
1.1.2. Publicação de Geografia da fome e convite a membro da Organização das 
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura ........................................... 41 
1.1.3. Josué de Castro na política brasileira e criação da Associação Mundial de 
Luta Contra a Fome ............................................................................................. 45 
1.1.4. Exílio, falecimento e legado ....................................................................... 50 
1.2. BETINHO: RETOMADA DO DEBATE E MOTIVADOR DA PARTICIPAÇÃO DA 
SOCIEDADE CIVIL ...................................................................................................... 53 
1.2.1. Hemofílico e militante católico .................................................................. 55 
1.2.2. O exílio ....................................................................................................... 58 
1.2.3. O retorno ao Brasil, fundação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e 
Econômicas e luta pela democracia .................................................................... 60 
1.2.4. Diagnóstico do HIV e redemocratização ................................................... 63 
1.2.5. Movimento pela Ética na Política e Ação da Cidadania contra a Fome, a 
Miséria e pela Vida .............................................................................................. 67 
1.3. DÉCADA DE 1990: RECONHECIMENTO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL À MARGEM DO GOVERNO FEDERAL .................................................... 71 
1.3.1. Programa Comunidade Solidária .............................................................. 79 
1.3.2. Cúpula Mundial de Alimentação ............................................................... 82 
1.3.3. Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e de 
Conselhos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional Estaduais ............. 86 
2. CRIAÇÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA 
ALIMENTAR E NUTRICIONAL ........................................................................... 91 
2.1. BASES CONCEITUAIS PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO ......................................... 91 
2.2. CRIAÇÃO DO PROJETO FOME ZERO .................................................................... 97 
2.3. RECRIAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL ......................................................................................................... 103 
2.4. CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO EXTRAORDINÁRIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR, 
REMANEJADO PARA MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME
................................................................................................................................ 109 
2.5. PROGRAMA FOME ZERO, PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS DA 
AGRICULTURA FAMILIAR E PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR .. 112 
2.6. AVALIAÇÃO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR PELA PESQUISA NACIONAL POR 
AMOSTRAS POR DOMICÍLIO .................................................................................... 123 
2.7. SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ................. 133 
2.7.1. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional ..................... 142 
2.7.2. Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional ............ 147 
2.8. EMENDA CONSTITUCIONAL 64/2010 ................................................................ 148 
 
3. CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL ....................................................................................................... 154 
3.1. I CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL....... 157 
3.2. II CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ..... 162 
3.3. III CONFERÊNCIANACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL .... 166 
3.4. IV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL .... 169 
3.5. V CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ..... 174 
4. CONTRIBUIÇÃO DAS LIDERANÇAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL E SUAS EXPECTATIVAS PARA O FUTURO ..................... 185 
4.1. ANÁLISE DAS PRÓPRIAS TRAJETÓRIAS JUNTO ÀS POLÍTICAS DE SEGURANÇA 
ALIMENTAR E NUTRICIONAL .................................................................................. 187 
4.2. O MOMENTO É DE RESISTÊNCIA: EXPECTATIVAS DAS LIDERANÇAS DE 
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL PÓS-GOLPE ............................................ 199 
4.3. CONTRIBUIÇÕES PESSOAIS DAS LIDERANÇAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL NA CONJUNTURA PÓS-GOLPE ........................................................... 210 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 219 
REFERÊNCIAS.......................................................................................................224 
ÍNDICE REMISSIVO DE TRECHOS DAS ENTREVISTAS............................235 
 
 
 
 17 
INTRODUÇÃO 
 
De acordo com relatório State of Food Insecurity in the World 2015 (Mapa 
Mundial da Fome 2015), desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a 
Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento 
Agrícola (FIDA) e pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), 795 milhões de 
pessoas no mundo estão subnutridas, sendo que 780 milhões estão localizadas em 
países subdesenvolvidos1. O relatório analisou os progressos alcançados e os desafios 
remanescentes em relação à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) de 129 países, 
entre os anos de 1990 – 2015. O State of Food Insecurity in the World 2015 registrou 
ainda a conclusão deste período de monitoramento das Metas dos Objetivos do 
Milênio, encerrado em 2015. Nesta análise, o Brasil é o país, entre os mais populosos, 
que teve a maior queda (82,1%) de subalimentados entre os anos de 2002-2014. Neste 
mesmo período, a América Latina reduziu em 43,1% esta quantidade. Além disso, 
entre os anos de 2003-2015, o Brasil reduziu pela metade, de 10,7% para 5%, sua taxa 
de desnutrição. 
 O fato de quase 800 milhões de pessoas no mundo viverem/sobreviverem em 
estado de subnutrição deixa evidente a necessidade de se ampliar a reflexão, o debate 
e a agenda de pesquisas sobre a desnutrição e a fome. Frisar a complexidade dos 
inúmeros fatores envolvidos nesta temática é premente para que se possa avançar na 
reversão deste diagnóstico. O vigoroso destaque do Brasil na busca pela erradicação 
da fome é um indicativo de que houve efetividade nas políticas públicas brasileiras 
nesse sentido e que é pertinente o resgate desta trajetória. A inclusão do estudo da 
fome em um conceito mais abrangente como o da Segurança Alimentar e Nutricional 
indica um refinamento nesta abordagem. 
É justamente a trajetória da evolução desde conceito, condicionado pela 
militância de inúmeros atores sociais e que irá desembocar na afirmação de políticas 
públicas voltadas para a SAN, que se pretende desenvolver neste trabalho de tese. 
 O tema da SAN é vasto e abrange toda a cadeia alimentar, deste o acesso à 
terra, reforma agrária, condições de plantio dos alimentos, seu transporte e 
possibilidade de escoamento até a informação nos rótulos da origem, qualidade e 
 
1 FAO, FIDA, PMA. The State of Food Insecurity in the World 2015. Meeting the 2015. 
international hunger targets: taking stock of uneven progress. Roma, Fao. 2015. p. 04. 
 18 
segurança dos alimentos e a venda nos mercados, perpassando ainda pela atuação do 
Estado e da sociedade civil. Entendemos que a pavimentação do caminho contra a 
desigualdade econômico-social, que desembocou no fortalecimento de ações políticas 
e na institucionalização de uma agenda governamental voltada especificamente para a 
temática da SAN, é longa e caracterizada por lutas, denúncias e militância de 
múltiplos atores. Trata-se de um movimento “de baixo para cima”, ou seja, que é 
concebido pela sociedade civil e que em virtude desta militância, se internaliza no 
Estado. Ora, as ações e a opinião que estes militantes sustentaram e sustentam, deram 
credibilidade à SAN, definindo sua importância e seu significado no âmbito das 
políticas públicas brasileiras. Dessa forma, seria contraditório abordar a evolução 
deste conceito, que se alicerça na estruturação de políticas publicas neste início de 
século, sem registrar a trajetória deste movimento e da atuação de personagens que 
foram fundamentais para o delineamento do quadro sócio-político atual. 
Sendo assim, o objetivo deste trabalho de tese é analisar o processo de 
construção das políticas de SAN brasileiras e registrar, através das narrativas de 
algumas das principais lideranças de SAN no Brasil, como se constituiu a trajetória 
deste movimento. Muitos acontecimentos não-oficiais protagonizados pelos 
entrevistados estão registrados nesta tese, desvendando as razões de alguns fatos e 
decisões no âmbito da SAN no Brasil. 
 
Construção e recorte do objeto de estudo 
 
 Nossa inserção no movimento da SAN no Brasil ocorreu em maio de 2015, 
quando nos debruçamos sobre o Projeto de Fortalecimento do Sistema Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) nos Estados de Minas Gerais, Rio de 
Janeiro e Espírito Santo. Coordenado pelo professor Wilson Madeira Filho 
(orientador desta tese), secretariado por Letícia de Oliveira Gago Ramos de Souza e 
por Ubiratan Alves da Silva, técnicos-administrativos da Universidade Federal 
Fluminense (UFF), o Projeto teve por finalidade desenvolver ações conjuntas entre a 
sociedade civil, o Conselho Estadual de SAN (CONSEA) e a Câmera Interministerial 
de SAN (CAISAN) dos respectivos Estados, que contribuíssem para fortalecer o 
SISAN. O Projeto se desdobrou em três etapas distintas: i) promoção de assessorias e 
capacitações, dentro da pauta de SAN, para servidores e gestores governamentais 
 19 
vinculados às CAISANs e para os conselheiros dos CONSEAs dos Estados do Rio de 
Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo; ii) promoção de oficinas e apoio à realização 
das Conferências Municipais, Regionais e Estatuais de SAN dos Estados do Rio de 
Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo e participação na V Conferência Nacional de 
SAN; iii) produção acadêmica através da elaboração de conteúdos e materiais a serem 
utilizados, tais como: diagnóstico, sistematizações, cartilhas, subsídios para 
campanhas, bem como artigos acadêmicos. 
 O Projeto foi financiado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e 
Combate à Fome (MDS) e teve o suporte contábil da Fundação Euclides da Cunha 
(FEC). Devido a burocracias internas tanto da FEC quanto da UFF, iniciamos a 
primeira etapa do Projeto sem o repasse das verbas prometidas. No primeiro 
momento, fomos a campo sem o repasse das bolsas de financiamento (os recursos 
foram liberados em maio de 2016), movidos pelo fascínio despertado pelo tema e para 
cooperar com o engajamento e militância das equipes que já atuavam na temática 
nestes Estados. 
 Em Minas Gerais, o Projeto foi coordenado por Élido Bonomo, atual 
presidente do CONSEA Estadual de Minas Gerais e com ampla militância na SAN 
neste Estado. Faziam parte desta equipe: Antonioni Afonso, Gisele Aparecida Dias 
Carneiro, Melissa Luciana de Araújo, Regina Rodrigues de Oliveira, Roberta Oliveira 
Lima e Wagner de Oliveira Rodrigues. No Espírito Santo, o Projeto teve a 
coordenação de Pedro Kitoko, que presidiu o CONSEA Estadual do Espírito Santo 
entre os anos de 2004 e 2016. Faziam parte desta equipe: Alcemi Almeida de Barros, 
professor da Universidade Federal do Espírito Santo,
Joabe Lucas de Oliveira Filho, 
Leidiçara Zoppi, 
Leticia Camillo Silvares, Marilene Rodrigues Cristo eSâmela da 
Silva Ferreira. 
No Rio de Janeiro, o Projeto foi coordenado por Marcelino Conti de Souza, 
técnico-administrativo da UFF, doutorando do Programa de Pós Graduação em 
Sociologia e Direito (PPGSD) da UFF e militante do movimento negro e que 
adentrou na militância da SAN por ocasião deste Projeto. Sua atuação no movimento 
da SAN no Rio de Janeiro foi crucial para a realização da IV Conferência Estadual de 
SAN no Rio de Janeiro. Faziam parte desta equipe: Alba Valéria Santos Simon, pós-
doutoranda junto ao PPGSD-UFF, Bernardo Raphael Bastos de São Clemente, 
doutorando do PPGSD-UFF, Amanda dos Santos Travisco, Jessica de Faria Santos 
 20 
e
Karina de Paula,
estudantes do curso de Segurança Pública da UFF. 
 Como equipe de supervisão, participando de eventos e diretrizes nos três 
Estados, atuavam Wilson Madeira Filho, como coordenador geral do projeto, Wagner 
Rodrigues, em apoio à subequipe mineira, Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da 
Costa, em apoio à sub equipe fluminense e eu, Carolina Weiler Thibes, em apoio a 
subequipe capixaba. 
Além disso, atuaram outras duas subequipes. Uma delas, sob a coordenação da 
professora Ana Maria Motta Ribeiro, composta por Márcia Barros Ferreira Rodrigues, 
professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo, Maria José Andrade de 
Souza, doutoranda do PPGSD-UFF e Rodrigo Pennut da Cruz, mestrando do PPGSD-
UFF, voltada a fazer o levantamento de produções acadêmicas em cada um dos três 
Estados federativos citados. E a outra, coordenada por Renato Maluf, professor da 
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e composta por Bruna Toniolo, Bruno 
Prado, Juliana Casemiro, Luciane Ferrareto e Mariana Santarelli, voltada para a 
sistematização das oficinas realizadas nos três Estados de atuação do Projeto de 
Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 
 O histórico, a trajetória e as configurações políticas e culturais dos três 
Estados envolvidos no Projeto são bastante distintas, demandando diferentes 
abordagens e estratégias de atuação. Minas Gerais foi o primeiro Estado da Federação 
a ter o CONSEA Estadual, possuindo uma lei estadual (Lei Estadual 15.982/2006) 
que dispõe sobre a Política Estadual de SAN. O Rio de Janeiro não tem uma Política 
Estadual de SAN e a realidade institucional da SAN do Estado é bastante frágil. Já o 
Espírito Santo ainda não dispõe de uma Política Estadual de SAN, embora já tenha 
um diagnóstico consistente da vulnerabilidade alimentar dos Povos e Comunidades 
Tradicionais capixabas. 
 As políticas de SAN no Estado do Espírito Santo, da mesma maneira como 
ocorreu em âmbito nacional, somente começaram a se estruturar a partir do ano de 
2003, com a recriação do CONSEA Estadual. A mobilização da população negra e 
dos Povos e Comunidades Tradicionais é relativamente organizada no Espírito Santo 
e a partir da realização do I Encontro Nacional de SAN da População Negra e dos 
Povos e Comunidades Tradicionais, em setembro de 2011, formalizou suas demandas 
nos debates da SAN no Estado, dando visibilidade ao movimento e ressaltando a 
necessidade de se revitalizar a diversidade cultural e os usos e conhecimentos 
 21 
tradicionais.2 
 Minha atuação, como já adiantado, se deu, particularmente, no Estado do 
Espírito Santo, onde atuei junto com os membros do CONSEA Estadual capixaba e 
com a equipe do Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Professor 
Pedro Kitoko (GESAN). Minha primeira participação no Projeto ocorreu em maio de 
2015, por ocasião da III Conferência Municipal de SAN de Vitória, quando tive meu 
primeiro contato com a equipe integrante do Projeto do Espírito Santo. Ao longo de 
2015, auxiliei na realização de outras Conferências Municipais e Regionais no 
Espírito Santo e em novembro de 2015, participei da V Conferência Nacional de 
SAN. Foi justamente por ocasião da V Conferência Nacional de SAN que se recortou 
o objeto desta tese. Em conversa com a nutricionista e professora Olívia Schneider 
(coorientadora desta tese), que tem longa atuação e militância no movimento da SAN 
no Brasil, esboçou-se a hipótese de resgatar a trajetória do movimento da SAN no 
Brasil através das narrativas das lideranças deste movimento. De acordo com Olívia 
Schneider, é no cotidiano da vida que se encontram os espaços de construção das 
tramas da rede em SAN3. A partir deste momento, apurei a minha observação sobre 
os atores sociais presentes à V Conferência Nacional de SAN e passei a conjecturar 
quem poderiam ser meus possíveis entrevistados. 
 A tese se estrutura nas narrativas coletadas em entrevistas com quinze atores 
sociais militantes na temática de SAN. As primeiras entrevistas foram realizadas com 
os ex-presidentes do CONSEA4, a saber: Renato Maluf, Francisco Menezes e Maria 
Emília Pacheco. Elaboramos um questionário com sete perguntas: 1) Como se deu o 
seu interesse pela temática de SAN?; 2) Na sua opinião, quais são os marcos 
essenciais na efetivação da SAN no Brasil?; 3) Que destaque você faria a sua atuação 
na construção e efetivação da SAN no Brasil?; 4) Como você visualiza a inserção da 
SAN no conjunto das políticas públicas brasileiras?; 5) Na sua opinião, como se 
encontra a atual conjuntura da SAN no Brasil?; 6) Quais as suas expectativas para a 
 
2 THIBES, Carolina Weiler; RODRIGUES, W. O. Segurança Alimentar e Nutricional: breve análise da 
atuação do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Espírito Santo. In: 
IV Congresso Interdisciplinar em Sociais e humanidades: fronteira e integração - estudos 
interdisciplinares na América Latina, 2015, Foz do Iguaçu/PR. 
3 SCHNEIDER, Olívia Maria Ferreira. Segurança Alimentar e Nutricional e Programa Saúde da 
Família: tecendo as similitudes e redes de saberes. In: SCHNEIDER, Olívia F. (org). Segurança 
Alimentar e Nutricional: tecendo a rede de saberes.Rio de Janeiro: FAPERJ, 2012. p. 185 
4 O CONSEA, conforme será mostrado ao longo da tese, é um órgão de assessoramento imediato à 
Presidência da República na temática de SAN. Dada a sua importância, elegemos seus ex-presidentes 
como os primeiros a serem entrevistados. 
 22 
SAN no Brasil daqui para a frente e como espera contribuir?; 7) Quais lideranças o 
senhor considera essenciais na trajetória da SAN no Brasil? 
 Na última pergunta, conforme explicitado, pedíamos a indicação de lideranças 
da SAN no Brasil que o entrevistado consideraria importantes para constar nesta tese. 
Após entrevistarmos estes três ex-presidentes do CONSEA, fizemos uma triagem dos 
atores sociais por eles citados como relevantes para constar nesta tese, selecionamos 
os que se repetiam e buscamos entrevistá-los. 
Na triagem dos atores sociais considerados como relevantes para serem 
entrevistados citados por Renato Maluf, Francisco Menezes e Maria Emília Pacheco, 
chegamos aos seguintes nomes: Albaneide Peixinho, Alessandra Lunas, Arnoldo de 
Campos, Carlos Eduardo (conhecido como Caê), Christiane Costa, Dourado Tapeba, 
Edgard Moura (conhecido como Amaral), Élido Bonomo (conhecido como Lelinho), 
Elisabetta Recine, Flavio Valente, Inês Rugani, Írio Conti, Luciene Burlandi, Luiz 
Marinho, Malaquias Batista Filho, Marcos Rochinski, Mauro Morelli, Maya Tagashi, 
Natalie Begamo, Pedro Kitoko e Vanessa Schottz. 
 Dom Mauro Morelli presidiu o primeiro CONSEA nos anos de 1993 à 1994, 
mas foi entrevistado posteriormente porque foi bastante reticente em nos conceder a 
entrevista. Luiz Marinho é sindicalista e presidiu o CONSEA nos anos de 2003 e 
2004. De acordo com os relatos de Renato Maluf e Francisco Menezes, a indicação de 
Luiz Marinho para a presidência do CONSEA se deu para apaziguar as disputas à 
época pelo cargo. Dada sua pouca afinidade com a temática de SAN, 
desconsideramos a possibilidade de entrevistá-lo. Elisabetta Recine, atual presidente 
do CONSEA, tomouposse em maio de 2017. De acordo com relato de Maria Emília 
Pacheco, sua permanência na presidência do CONSEA foi prorrogada por solicitação 
de conselheiros da sociedade civil do CONSEA e de presidentes de CONSEAs 
Estaduais, em virtude do golpe parlamentar em maio de 2016. Aguardamos, portanto, 
os desdobramentos políticos para entrevistarmos Elisabetta Recine recentemente, em 
março de 2018. 
 Em outubro de 2016, foi realizado em Brasília o II Encontro Nacional de 
Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional, o qual participamos apresentando 
um artigo sobre SAN5. Aproveitamos o evento e a presença de alguns dos atores 
 
5 THIBES, Carolina Weiler; COSTA, Rodolfo Bezerra de Menezes Lobato da. Direito Humano à 
Alimentação Adequada como atividade docente. II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança 
Alimentar e Nutricional. Brasília, 2016. 
 23 
sociais mencionados, para entrevistá-los, a saber: Edgard Moura, Flavio Valente, Írio 
Conti, Professor Malaquias, e, por indicação de nossa coorientadora, Olívia 
Schneider, que também participou do II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança 
Alimentar e Nutricional, entrevistamos Ana Maria Corrêa Segall. 
Albaneide Peixinho, Marcos Rochinski, Christiane Costa e Elisabetta Recine 
foram entrevistados por Skype. Entramos em contato com Carlos Eduardo (Caê), 
Dourado Tapeba e Luciene Burlandi, mas por questões alheias a nossa vontade, não 
conseguimos entrevistá-los. Não conseguimos contatar Alessandra Lunas, Arnoldo de 
Campos, Inês Rugani, Maya Tagashi, Natalie Begamo nem Vanessa Shots. 
Entretanto, incluímos trecho de entrevista de Arnoldo de Campos concedida à Revista 
SAN e trechos de artigo de Maya Tagashi, que trata da implementação do Programa 
Fome Zero. 
Acreditamos que as narrativas pessoais dos quinze atores sociais entrevistados 
e que compõe esta tese, tornam a análise da SAN no Brasil mais concreta e mais 
factíveis as situações relatadas. Além dos relatos orais, utilizamos discursos, relatos 
retirados de documentários, relatórios de pesquisa e textos dos próprios entrevistados, 
muitos deles estudiosos da SAN. As publicações destes intelectuais da SAN 
subsidiaram a construção analítica da trajetória que pretendemos desenvolver, dando 
coerência ao que é narrado. Assim, a perspectiva teórica desenvolvida nesta tese é a 
dos intelectuais militantes na SAN. 
 
Militantes entrevistados (ordem alfabética) 
 
 
Albaneide Peixinho - É graduada em Nutrição pela Universidade Federal da Bahia e 
Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo. É 
coordenadora geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar e membro do 
CONSEA. 
Ana Maria Segall Corrêa - É graduada em Medicina pela Universidade de Brasília, 
Mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins Bloomberg School of Public 
Health/EUA e Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas. 
Coordenou a investigação multicêntrica que validou para o Brasil a Escala Brasileira 
de Insegurança Alimentar (EBIA). Participa como especialista do Comitê Científico 
Latino-Americano para Desenvolvimento e Aplicação da Escala Latino-Americana e 
 24 
Caribenha de Medida da Segurança Alimentar. É membro do CONSEA desde 2009 
até o momento e participa como conselheira da Rede Internacional em Defesa do 
Direito de Amamentar. É professora associada aposentada com vínculo de professor 
colaborador no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade 
Estadual de Campinas. 
Christiane Gasparini Araújo Costa - É graduada em Ciências Sociais pela 
Universidade de São Paulo, Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de São 
Paulo e Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. É membro do Comitê 
Global de Segurança Alimentar e Nutricional da ONU e do Fórum Brasileiro de 
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. É membro do CONSEA e presidente 
do CONSEA Municipal de São Paulo. É coordenadora da área de SAN do Instituto 
Polis. 
Edgard Aparecido de Moura - É graduado em Gestão de Processos Empreendedores 
pela Faculdade de Tecnologia Diamante e é pós-graduado em História da Cultura 
Afro-brasileira pelo Instituto Mantenedor de Ensino Superior da Bahia. Cursa o 
mestrado em Alimentos, Nutrição e Saúde pela Universidade Federal de São Paulo. É 
membro do CONSEA e membro do Movimento Social Agentes de Pastoral Negros 
do Brasil. 
Élido Bonomo (Lelinho) - É graduado em Nutrição pela Universidade Federal de 
Ouro Preto, Mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais e 
Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais. Presidiu o 
Conselho Regional de Nutricionistas da 9ª Região - CRN9/MG e preside o Conselho 
Federal de Nutricionistas. Foi membro do CONSEA e é presidente do CONSEA do 
Estado de Minas Gerais. Integra o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança 
Alimentar e Nutricional e coordena o Centro Colaborador em Alimentação e 
Nutrição Escolar da Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto. É 
professor na Universidade Federal de Ouro Preto. Coordenou o Projeto de 
Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional no Estado 
de Minas Gerais nos anos de 2015 à 2017. 
Elisabetta Recine - Preside o CONSEA desde 2017 até o momento. É graduada em 
Nutrição pela Universidade de São Paulo, Mestre em Ciências pela Universidade de 
 25 
São Paulo e Doutora em Saúde Pública também pela Universidade de São Paulo. 
Integra o Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Associação 
Brasileira de Saúde Coletiva (GT ANSC/ABRASCO). É docente e coordenadora do 
Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de 
Brasília. 
Flavio Luiz Schieck Valente - É graduado em Medicina e Mestre em Saúde Pública 
pela Harvard University. Foi professor na Universidade Federal da Bahia nos anos de 
1979 à 1982 e nos anos de 1983 à 1995, foi professor na Universidade Federal de 
Santa Catarina. Nos anos de 1992 à 1994 foi assessor técnico da presidência do 
CONSEA. Foi consultor técnico da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos 
(ABRANDH) nos anos de 2002 à 2007 e por sete anos foi coordenador geral da ONG 
Ágora. É representante da sociedade civil no Comitê Diretivo do Comitê Permanente 
de Nutrição da ONU e membro da coordenação nacional do Fórum Brasileiro de 
Segurança Alimentar e Nutricional. Foi Secretário Geral da FIAN Internacional nos 
anos de 2007 à 2015 e desde 2016 é Senior Advisor da FIAN Internacional. 
Francisco Menezes - Presidiu o CONSEA entre os anos de 2004 à 2007. É graduado 
em Economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Mestre em 
Desenvolvimento Agrário pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. É 
membro da coordenação nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e 
Nutricional, coordenador do IBASE e colaborador na Área de Pobreza e Segurança 
Alimentar da ActionAid no Brasil. Durante sua gestão no CONSEA, três políticas 
foram priorizadas: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional 
de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Cisternas. A conversão em lei da 
compra institucional de 30% dos alimentos do PNAE diretamente da agricultura 
familiar somente se concretizou em 2009, mas foi em sua gestão que se iniciou esta 
demanda. Em sua gestão também foi aprovada a Lei Orgânica de Segurança 
Alimentar e Nutricional (Lei 11.346/2009), que criou o Sistema Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). 
Írio Luiz Conti - É graduado em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo e 
graduado em Teologia pelo Instituto Missioneiro de Teologia. É Mestre em 
Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutor em 
Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É membro 
 26 
fundador e ex-presidente da FIAN Brasil e ex-presidente da FIAN Internacional. É 
membrodo CONSEA e professor no Instituto Superior de Filosofia Berthier/Passo 
Fundo. 
Malaquias Batista Filho (Professor Malaquias) - É graduado em Medicina pela 
Universidade Federal da Paraíba, Mestre em Nutrição em Saúde Pública pela 
Universidade Federal de Pernambuco e Doutor em Saúde Pública pela Universidade 
de São Paulo. Implementou, sob orientação de Ivan Beghin (consultor da Organização 
Pan-Americana de Saúde), o Programa de Suplementação Alimentar Supervisada, que 
teria servido de protótipo para a criação, em 1975, do Programa de Suplementação 
Alimentar do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN)6. Participou de 
missões internacionais na América Central como consultor da Organização Pan-
Americana de Saúde e em Cabo Verde e Moçambique como consultor da FAO. 
Dentre outros prêmios, títulos e homenagens, foi agraciado em 2007 com a Medalha 
de Mérito Científico Nacional pelo Departamento de Nutrição da Universidade 
Federal de Pernambuco; em 2008 foi homenageado pela Academia Brasileira de 
Ciências por sua destacada atuação na área de Nutrição em Saúde Pública; em 2012 
recebeu da Fundação Bunge, o Prêmio Bunge em Segurança Alimentar e Nutricional 
na categoria Vida e Obra; e em 2016, recebeu o Prêmio Anísio Teixeira da 
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em 
reconhecimento por suas relevantes pesquisas na área da Nutrição. Atualmente, é 
docente no Programa de Pós-Graduação em Saúde Integral do Instituto de Medicina 
Integral Professor Fernando Figueira. 
Marcos Rochinski - É agriculto familiar e avicultor. Foi presidente do Sindicato dos 
Trabalhadores Rurais de Palmeira/PR e coordenador do Departamento Rural da 
Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Paraná e posteriormente, do Coletivo de 
Jovens Rurais da CUT do Fórum dos Três Estados do Sul (Paraná, Santa Catarina e 
Rio Grande do Sul). Nos anos de 2001 à 2007, foi Secretário de Formação da CUT-
PR, sendo um dos fundadores da Federação dos Trabalhadores na Agricultura 
 
6 VASCONCELOS, Francisco de Assis Guedes de. A epidemiologia das deficiências nutricionais no 
Nordeste: a contribuição de Malaquias Batista Filho à institucionalização da Nutrição em Saúde 
Pública no Brasil. Caderno de Saúde Pública vol.16 n.2 Rio de Janeiro Apr./June 2000. Disponível em: 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2000000200023 Acesso em junho 
de 2018 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2000000200023
 27 
Familiar da Região Sul do Brasil (FETRAF-SUL)7. É membro da direção nacional da 
CUT, membro do CONSEA e coordenador geral da Confederação Nacional dos 
Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (CONTRAF). 
Maria Emília Pacheco - Presidiu o CONSEA entre os anos de 2012 à 2017. É 
graduada em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social de Juiz de Fora e 
Mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É integrante da 
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), da Articulação 
Nacional de Agroecologia (ANA) e do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e 
Nutricional. Durante sua gestão no CONSEA, tiveram destaque os debates sobre a 
importância da redução do uso de agrotóxicos e transgênicos e do incentivo à 
produção orgânica de base agroecológica. 
Mauro Morelli - Presidiu o CONSEA entre os anos de 1993 à 1995. É bispo da Igreja 
Católica e emérito residente da Diocese de Luz, em São Roque de Minas/MG. 
Concluiu seus estudos ginasial e clássico no Seminário Seráfico São Fidélis, em 
Piracicaba/SP. É formado em Filosofia pelo Seminário Maior de Nossa Senhora da 
Conceição em Viamão/RS e em Teologia pela Saint Mary`s Seminary and University 
em Beltimore/EUA. Foi ordenado padre em Baltimore/EUA para a Diocese de 
Piracicaba em 28 de abril de 1965. Foi vigário da Paróquia São João Batista em Rio 
Claro/SP nos anos de 1966 à 1974. Foi vigário episcopal da região de Rio Claro/SP 
nos anos de 1967 à 1974 e Secretário Regional da Conferência Nacional dos Bispos 
do Brasil (CNBB) Sul 1/SP nos anos de 1971 à 1975. Em dezembro de 1974, foi 
nomeado bispo auxiliar do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns na Arquidiocese de São 
Paulo pelo Papa Paulo VI. Nos anos de 1975 à 1979, presidiu a Comissão Regional de 
Presbíteros/SP e nos anos de 1979 à 1981 presidiu a Comissão Episcopal 
Regional/SP. Em maio de 1981, foi nomeado pelo Papa João Paulo II o primeiro 
bispo da então criada Diocese de Duque de Caxias, onde permaneceu até junho de 
2005. Integrou, junto com o Pastor Presbiteriano Jaime Wright e Dom Waldyr 
Calheiros, nos anos de 1986 à 1990, a Junta Jurídica do Serviço Paz e Justiça na 
América Latina, organização internacional em defesa dos direitos humanos e 
 
7 Disponível em: 
http://www.fetrafsul.org.br/siteantigo/index.php?option=com_content&view=article&id=2615:marcos-
rochinski-e-o-novo-coordenador-da-fetraf-brasil&catid=1:ultimas-noticias&Itemid=104 Acesso em 
junho de 2018. 
http://www.fetrafsul.org.br/siteantigo/index.php?option=com_content&view=article&id=2615:marcos-rochinski-e-o-novo-coordenador-da-fetraf-brasil&catid=1:ultimas-noticias&Itemid=104
http://www.fetrafsul.org.br/siteantigo/index.php?option=com_content&view=article&id=2615:marcos-rochinski-e-o-novo-coordenador-da-fetraf-brasil&catid=1:ultimas-noticias&Itemid=104
 28 
organismo consultivo da ONU. Contribuiu na criação, em 1992, do Movimento pela 
Ética na Política e participou, em 1993, do Movimento Contra a Fome a Miséria e 
pela Vida. Em 2004, fundou o Instituto Harpia Harpyia, com sede em Indaiatuba/SP, 
que busca promover o direito humano à alimentação e nutrição. Foi presidente do 
CONSEA Estadual de Minas Gerais nos anos de 1999 à 2015. Durante sua gestão no 
CONSEA Nacional, incidiu politicamente em ações como a merenda escolar, nas 
ações emergenciais de combate à fome no Nordeste, na distribuição de estoques 
públicos de alimentos à população carente, nas pesquisas e programas sobre 
alimentação e nutrição e nos programas de distribuição de leite e de alimentação do 
trabalhador8, contribuindo para a inserção formal na agenda do governo federal de 
ações de SAN. Em sua gestão, foi realizada a I Conferência Nacional de SAN, em 
julho de 1994. 
Pedro Makumbundu Kitoko - É graduado em Nutrição pela Escola Superior de 
Ciências da Nutrição/Tunísia, Mestre em Saúde Pública e Nutrição pela Université 
Paris 1 (Pantheon-Sorbonne)/França, Doutor em Saúde Pública pela Universidade de 
São Paulo e Pós-Doutor em Epidemiologia Nutricional pela Universidade de São 
Paulo. Foi diretor administrativo da Faculdade de Medicina e Chefe do Departamento 
de Saúde Pública da Universidade Agostinho Neto/Angola. Foi membro do CONSEA 
e presidiu o CONSEA Estadual do Espírito Santo nos anos de 2004 à 2016. 
Coordenou o Projeto de Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar 
e Nutricional no Estado do Espírito Santo nos anos de 2015 à 2017. 
Renato Maluf - Presidiu o CONSEA entre os anos de 2007 à 2011. É graduado em 
Economia pela Universidade Metodista de Piracicaba e Mestre e Doutor em 
Economia pela Universidade Estadual de Campinas. Possui dois pós-doutorados: um 
pela Oxford University e outro pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. 
Entre os anos de 2010 e 2015 foi membro do Comitê Diretivo do Painel de Alto Nível 
de Especialistas em Segurança Alimentar do Comitê das Nações Unidas de Segurança 
Alimentar Global. Desde 2011 integra a Chaire UNESCO – Alimentations du Monde, 
Comité d`Orientation Stratégique (Collège Personnalités Qualifiées), sediada em 
Montpellier/França. Integra também o Observatório de Políticas Públicas para a 
 
8 Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN). Estruturando o Sistema 
Nacionalde Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) Brasília: CAISAN, 2011. p. 19. 
 29 
Agricultura (OPPA). É membro da coordenação nacional do Fórum Brasileiro de 
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e coordenador da Rede 
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. É professor 
titular do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, 
Agricultura e Sociedade (CPDA UFRRJ), onde coordena o Centro de Referência em 
Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN). Durante sua gestão no CONSEA, 
foi aprovada a Lei 11.947/2009, que institucionalizou que a compra de 30% dos 
alimentos destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar devem advir da 
agricultura familiar. Foi também em sua gestão que foi aprovada a Emenda 
Constitucional 64/2010, que inclui no artigo 6o da Constituição Federal o direito à 
alimentação. 
 
 
Narrativas orais 
 
 A abordagem da trajetória do movimento da SAN no Brasil a partir das 
memórias e narrativas de seus principais agentes propulsores parece não ter sido foco 
precípuo de trabalhos acadêmicos até o momento e é este o propósito central desta 
tese. Sendo assim, a principal fonte documental desta tese são os relatos orais 
coletados ao longo dos anos de 2016, 2017 e 2018 através de entrevistas 
semiestruturadas com as principais lideranças da SAN no Brasil. Por se estruturar em 
depoimentos orais gravados e transcritos, nossa metodologia se insere no ramo da 
História Oral. 
 A História Oral é uma metodologia de pesquisa que se baseia em entrevistas 
gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjecturas, 
instituições, modos de vida ou outros aspéctos da história contemporânea de forma a 
elucidar a compreensão do passado, com o auxílio de documentos escritos, imagens e 
outros tipos de registro9. Por se tratar de uma história não-oficial, ou seja, que não 
advém de arquivos nacionais (paradigma da instituição de memória organizada em 
torno de fonte escrita)10 ou de registros científicos, a História Oral atuaria como uma 
 
9 Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral Acesso em maio de 2018. 
10 TREBITSCH, Michel. A função epistemológica e ideológica da história oral no discurso da história 
contemporânea. In: História Oral. Marieta de Moraes (org). Rio de Janeiro: Diadorim Editora Ltda, 
1994. p. 23 
http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral
 30 
contra-história, uma história ‘vista de baixo’. De acordo com Trebitsch, em oposição 
à história positivista, que valoriza as fontes escritas, a História Oral: 
 
(...) vem se opor como contra-história, operando uma inversão 
historiográfica radical, tanto do ponto de vista dos objetos como dos 
métodos. História vista de baixo, história do local e do comunitário, 
história dos humildes e dos sem-história, tira do esquecimento aquilo 
que a história oficial sepultou11 
 
 Trebitsch prossegue: 
 
Opondo à fria trilogia acadêmica - Estado, história, escrita - a sua 
própria trindade - revolução, memória, oralidade -, a História Oral 
assume um projeto utópico de democratização da história, contra a 
instituição, a civilização, o progresso, a cidade, propondo-se 
devolver a palavra ao povo, ao rural, ao primitivo. História quente, 
militante, história dos excluídos, em que o oral se opõe ao escrito 
como a natureza à cultura, o vivenciado ao concebido, o verdadeiro 
ao artificial, a História Oral construiu sua identidade sobre um 
sistema maniqueísta de antinomias, de que decorrem os seus 
princípios metodológicos - uso da pesquisa de campo e da 
observação participante, abertura interdisciplinar para as demais 
ciências sociais.12 
 
 A luta pela SAN no Brasil é um movimento de “baixo para cima”, ou seja, é 
por meio da luta social que a SAN se institucionaliza como política de Estado. Assim, 
nos parece coerente narrar a história da SAN no Brasil sob a ótica dos militantes 
precursores desta luta. Entendemos que a trajetória e a experiência constituída por 
esses atores no cotidiano da militância em SAN, mostrará os caminhos das tensões, 
embates e dos encadeamentos que convergiram para a elaboração das políticas 
públicas de SAN no Brasil. Através da busca nos detalhes, na observação dos indícios 
dos depoimentos coletados não prezados por documentos oficiais, pretendemos 
enredar os principais fatos que engendraram o atual painel de políticas públicas de 
SAN no Brasil. 
 A compreensão de narrativa de Walter Benjamin, filósofo e sociólogo alemão, 
pode ser muito adequada para este trabalho de tese, pois na concepção do autor, a 
experiência e a memória se fundam na narrativa. Para Benjamin, “a experiência que 
 
11 TREBITSCH, Michel. A função epistemológica e ideológica da história oral no discurso da história 
contemporânea. In: História Oral. Marieta de Moraes (org). Rio de Janeiro: Diadorim Editora Ltda, 
1994. p. 23 
12 TREBITSCH, Michel. A função epistemológica e ideológica da história oral no discurso da história 
contemporânea. In: História Oral. Marieta de Moraes (org). Rio de Janeiro: Diadorim Editora Ltda, 
1994. .p. 25 
 31 
passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores” 13 e 
complementa: “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria 
experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência 
dos seus ouvintes”14. A narrativa, para Benjamin, teria caráter atemporal: “Ela não se 
entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de se 
desenvolver”15. E ainda: “um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado 
na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é 
apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois”16. A informação, ao contrário, 
é crua, direta e se esgota assim que cumpre sua função: “Ela só vive nesse momento, 
precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar 
nele”17. 
Neste trabalho de tese, pretendemos resgatar a narrativa do aconselhamento, 
que retrata a experiência coletiva e que condiz com a tessitura da trajetória que 
pretendemos registrar. 
 
Tudo isso esclarece a natureza da verdadeira narrativa. Ela tem 
sempre em si, às vezes de forma latente, uma dimensão utilitária. 
Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja 
numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida 
– de qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar 
conselhos. Mas se ‘dar conselhos’ parece hoje algo de antiquado, é 
porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis18. 
 
Sendo assim, as vivências, experiências e lembranças devem ser as fontes das 
narrativas a serem colhidas dos atores sociais com destaque na temática de SAN. 
Citando uma vez mais Benjamin, “ (...) o importante, para o autor que rememora, não 
é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração (...)”19, ou seja, a maneira como o 
passado é relembrado e como assume a sua forma no presente. 
Os estudos sobre a experiência do autor espanhol Jorge Larrosa parecem 
compor adequadamente com o encadeamento teórico que pretendemos utilizar neste 
 
13 BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Editora 
Brasiliense. 3a Edição. 1987. p. 198 
14 Idem. p. 201 
15 Idem. p. 204 
16idem. p. 37 
17 Idem. p. 204 
18 Idem. p. 200 
19 Idem. p. 37. 
 32 
trabalho de tese. Larrosa entende que a experiência é algo que nos acontece, que nos 
toca: 
 
A experiência seria o modo de habitar o mundo de um ser que 
existe, de um ser que não tem outro ser, outra essência, além da sua 
própria existência corporal, finita, encarnada, no tempo e no espaço, 
com outros. E a existência, como a vida, não pode ser 
conceitualizada porquesempre escapa a qualquer determinação. 
Porque é, nela mesma, um excesso, um transbordamento, porque é 
nela mesma possibilidade, criação, invenção, acontecimento. Talvez 
por isso se trate de manter a experiência como uma palavra e não 
fazer dela um conceito (...). a experiência é o que é, e além disso 
mais outra coisa, e além disso uma coisa para você e outra coisa 
para mim, e uma coisa hoje e outra amanhã, e uma coisa aqui e 
outra coisa ali, e não se define por sua determinação e sim por sua 
indeterminação, por sua abertura20. 
 
 Recuperar e registrar as experiências singulares de alguns dos protagonistas do 
movimento pela SAN no Brasil, no nosso entender, é valorizar a militância destes 
ativistas. É imprescindível buscar no passado o embrião que levou aos 
desdobramentos atuais da luta pela SAN no Brasil para que no presente, sua 
consolidação seja lembrada e vinculada a esta luta pretérita. Walter Benjamin, ao 
constatar a pobreza da experiência da sociedade capitalista moderna, questiona: “pois 
qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural se a experiência não mais o vincula a 
nós?” 21 . Analogamente, devemos nos questionar sobre o real significado das 
conquistas políticas e sociais de SAN se não as vincularmos à militância histórica 
dessa trajetória. 
Para Benjamin, não seria possível uma descrição unânime sobre o passado, 
pois ele é passível de diferentes interpretações. Nesse sentido, a história contada em 
registros escritos não seria absoluta, podendo ser reconstruída a partir de outras fontes 
e pontos de vista. Para Benjamin, não haveria uma verdade a ser alcançada, mas 
processos de construção/desconstrução de sentidos e significados22. 
 
O mesmo ocorre com a imagem do passado, que a história 
transforma em coisa sua. O passado traz consigo um índice 
misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por 
 
20 LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014. 
p. 43-44. 
21I BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: 
Editora Brasiliense. 3a Edição. 1987. p. 115 
22 MONTENEGRO, Antônio Torres. História e Memória: combates pela história. In: Revista História 
Oral da Associação Brasileira de História Oral – Vol. 10 – 2o semestre de 2007. p. 4 
 33 
um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem nas vozes que 
escutamos, ecos de vozes que emudeceram?23 
 
 
 Recorremos ao pensamento de Walter Benjamin buscando articular passado e 
presente para que ambos sejam transformados. Trilhando estes ensinamentos, 
entendemos que cabe ao presente retomar e reconhecer os sinais de resistência na luta 
histórica pela SAN para que acontecimentos esquecidos e emudecidos nesta trajetória 
ganhem destaque na história narrada neste início de século XXI. 
 
Estrutura da tese 
 
O primeiro capítulo abordará as trajetórias precursoras de Josué de Castro e 
Betinho, baluartes da SAN no Brasil, desembocando na inserção da temática de SAN 
na agenda política nacional na década de 1990. A biografia de Josué de Castro será a 
primeira a ser analisada, quando remontaremos às suas iniciativas pioneiras na 
implementação de programas em prol do que hoje se denomina Direito Humano à 
Alimentação Adequada (DHAA), ao seu trabalho como professor universitário, 
escritor e político até sua atuação por dois mandatos consecutivos como presidente da 
FAO e seu falecimento, em setembro de 1973. Em seguida, nos debruçaremos sobre a 
trajetória de Betinho, cuja vida e militância são indissociáveis. Sociólogo e exilado 
político, Betinho retoma a temática alimentar condicionando a participação da 
população na reversão do diagnóstico de fome de milhões de brasileiros. Em 1981, 
Betinho funda, junto com companheiros de exílio, o Instituto Brasileiro de Análises 
Sociais e Econômicas (IBASE) e no início da década de 1990, lidera a campanha 
nacional “Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida”, engajando a 
sociedade na luta contra a fome e as desigualdades sociais. 
A década de 1990 seria marcada por políticas neoliberais de escassos diálogos 
com os movimentos sociais e a temática da SAN teria amadurecido por iniciativas 
segmentadas da sociedade civil, à margem das políticas do governo federal. A 
iniciativa da Ação da Cidadania teria inserido, em definitivo, a temática da SAN na 
agenda política nacional e contribuído para a criação do CONSEA, extinto logo após 
 
23 BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Editora 
Brasiliense. 3a Edição. 1987. p. 223. 
 34 
sua criação, cedendo lugar ao Programa Comunidade Solidária. Outros 
acontecimentos, como a origem do Governo Paralelo, a Cúpula Mundial de 
Alimentação e a criação do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e 
Nutricional (FBSSAN) são tratados neste primeiro capítulo. 
No segundo capítulo analisamos a institucionalização da SAN no Brasil a 
partir do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano de 2003. 
Iniciamos o capítulo apresentando alguns princípios elencados por Maluf e Menezes 
que seriam condicionantes de uma alimentação satisfatória e que devem nortear as 
ações e políticas públicas de SAN. Em seguida, nos debruçamos sobre a estruturação 
do Programa Fome Zero (PFZ), que enseja a recriação do CONSEA, a criação do 
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a criação e o 
fortalecimento de dois de seus principais programas: o Programa de Aquisição de 
Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. 
 A progressiva diminuição dos índices de desnutrição e insegurança alimentar 
passam a ser mensurados a partir de 2004 através da Escala Brasileira de Insegurança 
Alimentar, criada por iniciativa de Ana Maria Segall Corrêa, que em entrevista a nós 
concedida descreve os bastidores da elaboração desta Escala. A narrativa da origem, 
do desenvolvimento e da posterior aplicação da EBIA também compõe o segundo 
capítulo, que prossegue tratando do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e 
Nutricional, da aprovação do projeto de lei que o instituiu, a Lei Orgânica de SAN 
(LOSAN) e dos componentes que estruturam este Sistema inovador e intersetorial. O 
capítulo se encerra tratando da inclusão do direito à alimentação na Constituição 
Federal através da Emenda Constitucional 64/2010 e dos embaraços e empecilhos que 
tiveram de ser sobrepujados para sua aprovação. 
 O terceiro capítulo trata das Conferências Nacionais de SAN, espaços 
deliberativos e de participação social, onde inúmeros segmentos se reúnem para 
monitorar e propor ações para a SAN no Brasil. São analisadas as cinco Conferências 
Nacionais realizadas nos anos de 1994, 2004, 2007, 2011 e 2015. Cada Conferência 
propõe um tema e o refinamento deste tema e do conteúdo debatido nestes encontros 
indicam o paulatino amadurecimento da SAN no Brasil e de sua inserção nas políticas 
públicas brasileiras. 
 Encerramos a tese com o capítulo quatro, quando abordamos a destituição da 
ex-presidente Dilma Rousseff, recepcionada como golpe parlamentar pelo movimento 
da SAN no Brasil, e as expectativas das lideranças em SAN por nós entrevistadas 
 35 
neste contexto pós-golpe. Neste capítulo final incluímos relatos e trechos das 
entrevistas que não foram integradas nos demais capítulos, mas que consideramos 
relevantes e peculiares aos entrevistados. São narrativas que não constam em nenhum 
documento oficial e onde se apresentam as perspectivas dos principais atores sociais 
militantes na temática sobre a SAN no futuro em um contexto de claros retrocessos 
civilizatórios. O horizonte que vislumbram é pessimista, sendo o maior deles o 
retorno do Brasil ao Mapa da Fome. Entretanto, conforme será mostrado ao longo 
deste trabalho de tese, a SAN noBrasil é fruto da militância e diante dos retrocessos 
vivenciados a partir do golpe parlamentar no primeiro semestre de 2016, a intenção é 
resistir e buscar reverter este cenário através de enfrentamentos via movimentos 
sociais.
1. PRECURSORES DA SEGURANÇA ALIMENTAR E 
NUTRICIONAL NO BRASIL: JOSUÉ DE CASTRO E BETINHO 
 
 
 Médico, cientista social, geógrafo, nutrólogo, político, professor e escritor, 
Josué de Castro é referência obrigatória no diagnóstico da fome e da miséria no 
Brasil. Em 1946, lançou Geografia da fome, sua obra mais conhecida, em que faz 
uma análise precisa da fome no Brasil, deixando evidente que este não é um 
fenômeno natural, mas consequência de uma realidade social desigual e injusta. A 
partir desta publicação, a fome torna-se objeto multidisciplinar de estudo e 
compreensão24. 
 A inserção da temática da SAN nas políticas públicas brasileiras ocorre 
conforme os desdobramentos históricos e no período da ditadura militar há uma 
estagnação desta matéria, quiçá uma involução. A reabertura política, a partir do final 
da década de 1970, permite o retorno de muitos exilados políticos, que colaboram 
para a retomada do debate do flagelo da fome no Brasil. Dentre os exilados que 
regressaram ao Brasil, o mais engajado na militância para o enfrentamento da fome 
teria sido Herbert de Souza, o Betinho. Em 1981, Betinho funda, junto com os 
economistas Carlos Afonso e Marcos Arruda, o IBASE e no início da década de 1990, 
lidera a campanha nacional “Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela 
Vida”. A partir desta mobilização nacional, a fome se torna, efetivamente, uma 
questão de política pública e se internaliza dentro do Estado. 
 Na década de 1990 há uma involução do processo para uma democracia 
participativa nas políticas públicas de SAN. Entretanto, movimentos e organizações 
sociais se articulam em paralelo ao governo federal (é formado o Governo Paralelo) e 
participam da Cúpula Mundial de Alimentação. Criam o CONSEA, alguns Conselhos 
Estaduais de SAN e fundam o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar 
e Nutricional. 
 
 
24 Nesse sentido ver o trabalho de NASCIMENTO, R.C. O Papel do CONSEA na Construção da 
Política e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 2012. Tese (Doutorado em 
Ciência Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Universidade Federal Rural do Rio de 
Janeiro. 2012. p. 13 
 37 
1.1. Josué de Castro: pioneiro da Segurança Alimentar e Nutricional 
no Brasil 
 
Até os anos 1920-30, o tratamento da problemática alimentar no Brasil teria se 
limitado ao âmbito do abastecimento e fiscalização dos alimentos25, o que enfatiza o 
caráter pioneiro dos estudos de Castro. Em âmbito mundial, o termo “Segurança 
Alimentar” passou a ser utilizado na Europa a partir da Primeira Guerra Mundial 
(1914-1918), mas sob estreita ligação com a segurança nacional, pois se vinculava 
com a capacidade de cada país produzir sua própria alimentação, ou seja, de se auto-
suprir, de forma a não ficar vulnerável a possíveis cercos, embargos e boicotes por 
razões políticas ou militares26. A eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a 
expansão dos conflitos para além das fronteiras europeias agrava a preocupação com 
o suprimento de alimentos e da fome como flagelo mundial27 e a Segurança Alimentar 
passa a ser tratada de forma hegemônica como uma questão de insuficiência de 
alimentos. Nesse contexto, a questão alimentar ganha novos contornos, tornando-se 
uma tarefa de Estado. De acordo com Maluf, a ação estatal é o nascedouro da noção 
de Segurança Alimentar e o fator “segurança” embutido no conceito, costuma ser 
atribuído às circunstancias excepcionais vivenciadas naquele período28. 
No pós-guerra são criados inúmeros organismos internacionais dedicados 
direta ou indiretamente à questão alimentar, com destaque para a FAO, instituída em 
1945 e a Organização Mundial de Saúde (OMS), criada em 1948. As bases dessa 
criação teriam sido lançadas em 1943 durante a Conferência das Nações Unidas sobre 
Alimentos e Agricultura, em Hot Spring/EUA, quando o então presidente norte-
americano Franklin Roosevelt convidou os países aliados a traçarem planos 
relacionados a alimentos e agricultura no bojo da reconstrução posterior ao final do 
conflito29. 
 
25 MAGALHÃES, Rosana. Fome: uma (re)leitura de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Fundação 
Oswaldo Cruz Editora, 1997. p. 28 
26 AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS (ABRANDH). O Direito 
Humano à Alimentação Adequada e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 
Brasília, 2013. p. 13 
27 INSTITUTO DE POLÍTICA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). A Trajetória Histórica da 
Segurança Alimentar e Nutricional na Agenda Política Nacional: projetos, descontinuidades e 
consolidação, Rio de Janeiro, 2014. p. 09 
28 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 30 e 36. 
29 Idem, p. 51 
 38 
No Brasil, a temática da SAN começa a ganhar certa difusão a partir das 
análises de Josué de Castro. Visionário, Josué de Castro foi pioneiro ao sistematizar o 
estudo da fome e a relacioná-lo à organização social desigual e injusta. Ao fazer este 
diagnóstico, Castro transfere para a esfera política e econômica a responsabilidade 
pelo seu enfrentamento. 
 
1.1.1. Vanguarda dos estudos de Josué de Castro e fundação de institutos 
relacionados à Segurança Alimentar e Nutricional 
 
 Em 1935, Josué de Castro desenvolveu seu primeiro estudo de cunho 
sociológico denominado As condições de vida das classes operárias do Recife, 
publicado originalmente no livro Alimentação e raça, sendo o primeiro do gênero no 
país a assinalar a gravidade dos efeitos da fome/subnutrição e a relacionar a 
produtividade do trabalhador à sua alimentação, sendo um marco na história da 
nutrição no Brasil 30 . No texto, Castro também analisa as condições de vida, de 
moradia e o salário dos operários e teria como desdobramento a institucionalização do 
salário mínimo no governo de Getúlio Vargas, em 1940. A partir de então, Josué de 
Castro passa a associar o aspecto biológico das carências e necessidades humanas, ao 
caráter político, social e econômico do fenômeno da fome. 
A origem dos estudos de Josué de Castro remonta à sua infância, vivida no 
Nordeste. Filho único de Manoel Apolônio de Castro e Josepha Carneiro de Castro, 
Josué Apolônio de Castro nasceu na cidade de Recife PE, em 05 de setembro de 1908. 
Seu pai, proprietário de terras e mercador de gado e leite, veio de Cabaceira PB31 para 
Recife em 1877, em virtude da grande seca que assolou a região naquele ano. Sua 
mãe era filha de senhor de engenho da Zona da Mata pernambucana e tornou-se 
professora em Recife.32 Quando tinha quatro anos de idade, seus pais se divorciaram e 
ele passou a morar em Recife com a mãe. 
Em 1935, Josué de Castro publica o conto O ciclo do caranguejo, em que 
descreve a trajetória de uma família de habitantes dos mangues de Recife. A realidade 
dos mangues do rio Capibaribe, sua lama, os caranguejos e os homens miseráveis que 
 
30 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em fevereiro de 2016. 
31 O município de Cabaceiras se localiza na microregião do Cariri, nos domínios da bacia hidrográfica 
do Rio Paraíba. 
32 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em fevereiro de 2018. 
javascript:janel('verbetes/fome.htm')
javascript:janel('verbetes/nutricao.htm')
javascript:janel('verbetes/vargas.htm')
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
 39 
sobreviviam neste cenário, é traço marcante e perpassa toda a obra de Josué de 
Castro. Segundo o autor: 
 
A primeira sociedade com que travei conhecimentofoi a sociedade 
dos caranguejos. Depois, a dos homens habitantes dos mangues, 
irmãos de leite dos caranguejos. Só muito depois é que vim a 
conhecer a outra sociedade dos homens – a grande sociedade. E 
devo dizer com franqueza que, de tudo o que vi e aprendi na vida, 
observando estes vários tipos de sociedade, fui levado a reservar, 
até hoje, a maior parcela de minha ternura para a sociedade dos 
mangues – a sociedade dos caranguejos e dos homens, seus irmãos 
de leite, ambos filhos da lama.33 
 
E complementa: 
 
A verdade é que a história dos homens do Nordeste me entrou 
muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos. Entrou-me por dentro 
dos meus olhos ávidos de criança sob a forma destas imagens que 
estavam longe de serem sempre claras e risonhas.34 
 
Esta é a raiz dos estudos de Josué de Castro, que se desdobra em muitas outras 
obras, que são referência nas abordagens da SAN brasileira. Remetendo-nos à 
perspectiva de Larrosa, que afirma que 
 
a experiência funda também uma ordem epistemológica e uma 
ordem ética. O sujeito passional tem também sua própria força, e 
essa força se expressa produtivamente em forma de saber e em 
forma de práxis. (...) O saber da experiência se dá entre o 
conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é uma 
espécie de mediação entre ambos.35 
 
 A experiência pretérita de Josué de Castro reflete-se nas suas escolhas 
profissionais e intelectuais. A infância vivida nos mangues do Recife e toda a miséria 
perpassada por aquela realidade, teria influência profunda em sua personalidade e na 
predileção pela temática da fome e miséria brasileiras, assim como na militância no 
sentido de reverter este flagelo brasileiro. 
 
33 BIBLIOTECA DIGITAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Josué de Castro. Brasília: Plenarium 
Editora, 2007. p. 20 
34 CASTRO, Anna Maria de. (org.). Fome: um tema proibido – Últimos escritos de Josué de Castro. 
Petrópolis: Editora Vozes, 1983. p. 22 
35 LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014. 
p. 30 
 40 
 Como professor, Josué de Castro mantinha um olhar crítico sobre as 
atividades acadêmicas. Assim, em setembro de 1933, junto com outros intelectuais, 
funda a Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais do Recife, onde atuaria como 
Professor Catedrático de Geografia Humana até 1935. De acordo com Nascimento: 
 
Essa Faculdade surge a partir das dificuldades [que] Josué de 
Castro e os demais intelectuais da época encontravam como 
pesquisadores sociais, sem o trabalho de equipes capacitadas, sem 
disciplina de métodos e sem bibliotecas especializadas. 36 
 
 Entre 1935 e 1938, Josué de Castro atuaria também como Professor 
Catedrático, mas de Antropologia, na Universidade do Distrito Federal. Antes disso, 
em 1934, se casara com uma de suas alunas da Faculdade de Filosofia e Ciências 
Sociais do Recife, Glauce Soares, e se mudara para o Rio de Janeiro, onde passara a 
chefiar o Serviço Central de Alimentação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos 
Industriários, considerado um marco na assistência alimentar do trabalhador. Este 
Instituto se transformaria no Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS)37, 
que dentre outras ações, destacam-se a criação de restaurantes populares, o 
fornecimento de alimentos por alguns empregadores e a participação na educação 
alimentar38. O SAPS teve vigência até 1967 e esta experiência teria inspirado o atual 
Programa de Alimentação ao Trabalhador do Ministério do Trabalho e Emprego 
assim como o Restaurante Popular do Ministério do Desenvolvimento Social e 
Combate à Fome 39. 
 No intuito de promover estudos e pesquisas que tratassem da alimentação 
como uma questão social e buscando colaborar com o Estado na execução de políticas 
públicas, Josué de Castro funda, em 1940, a Sociedade Brasileira de Nutrição, que 
preside entre 1942-1944. Em 1943, Castro idealiza e é designado Diretor do Serviço 
Técnico de Alimentação Nacional (STAN), que surge no contexto da desestruturação 
da economia mundial durante a Segunda Guerra Mundial. Cabia ao STAN realizar 
pesquisas e experimentos na área de tecnologia alimentar, como, por exemplo, 
 
36 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 49 
37 Idem, p. 52 
38 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em 11 de fevereiro de 
2016. 
39 NASCIMENTO, R.C. O Papel do CONSEA na Construção da Política e do Sistema Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional. 2012. Tese (Doutorado em Ciência Sociais em 
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2012. p. 12 
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
 41 
métodos de conservação dos alimentos. A partir de 1944, o STAN passa a publicar o 
periódico Arquivos Brasileiros de Nutrição, que seria a primeira publicação de porte 
sobre questões relacionadas à alimentação40. 
Em 1945, o STAN é substituído pela Comissão Nacional de Alimentação 
(CNA), que Josué de Castro passa também a dirigir até 1954. O CNA era um órgão 
do Conselho Federal de Comércio Exterior, que imprimia caráter mais permanente às 
atividades iniciadas pelo STAN, desde a educação alimentar e assistência à indústria 
nacional de alimentos 41. Concomitantemente, em 1945 tem fim a Segunda Guerra 
Mundial e é criada a Organização das Nações Unidas (ONU), em especial a FAO 42, 
que teria contribuído para que fossem articuladas internacionalmente, iniciativas de 
promoção de assistência e ajuda alimentar. 
 
1.1.2. Publicação de Geografia da fome e convite a membro da Organização das 
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura 
 
Nesse contexto de progressos das questões alimentares, que ganham 
relevância a ponto de ser criada uma agência na ONU para tratar especificamente do 
flagelo da fome no mundo, Castro publica pela editora O Cruzeiro, sua obra mais 
conhecida: Geografia da fome – o dilema brasileiro: pão ou aço, em que sistematiza 
de forma pioneira, o mapa da fome no Brasil. 
Para organizar e sistematizar o mapa da fome no Brasil, Josué de Castro 
divide a obra em cinco grandes regiões brasileiras, de acordo com suas características 
alimentares específicas: a Amazônia, o Nordeste Açucareiro, o Sertão do Nordeste, o 
Centro-Oeste e o Sul. Tais áreas são descritas conforme suas particularidades 
geográficas, sociais, econômicas e culturais, que demandam, segundo Castro, 
políticas públicas distintas para a erradicação da subnutrição e da fome. Este 
diagnóstico preciso e com argumentos científicos fundamentados deixam evidente 
que a discussão de que o fenômeno da fome seria consequência de questões climáticas 
e raciais tem, em realidade, caráter econômico, politico e social. Magalhães tece as 
seguintes observações sobre Geografia da fome: 
 
 
40 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em fevereiro de 2016 
41 Idem. 
42 A FAO tem o objetivo de combater a fome e a pobreza e promover o desenvolvimento agrícola e a 
segurança alimentar e nutricional. Disponível em: https://nacoesunidas.org/agencia/fao/. Acesso em: 
março de 2018. 
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
https://nacoesunidas.org/agencia/fao
 42 
Percebe-se a preocupação de refinar o conceito de fome, o que 
marca uma mudança em relação à produção anterior. Se, em seus 
primeiros escritos, a fome, a subnutrição e o problema alimentar 
aparecem, frequentemente, como sinônimos, neste último trabalho, 
Josué de Castro explora, exatamente, o eixo principal de suas 
formulações. Ao contrário dos enfoques fragmentados e pouco 
articulados entre si, ele propõe uma categoria que exprima a 
amplitude e a multidisciplinaridade da questão.O livro demonstra, 
ainda, algumas reorientações em seu pensamento que, para maior 
compreensão, necessita de uma aproximação não só com a trajetória 
pessoal do autor, como também com as mudanças na conjuntura 
histórica e social do País nos primeiros anos da década de 4043. 
 
Geografia da fome é lançado no contexto de industrialização e urbanização 
intensos no Brasil, inseridos no projeto modernizador do então Presidente da 
República, Getúlio Vargas. Conforme o título indica o dilema brasileiro: pão ou aço, 
Josué de Castro busca, nesta obra, ressaltar a importância das políticas públicas, 
especificamente a questão social, sendo a fome o seu símbolo44. 
 
Não devemos, pois, ter nenhuma reserva acerca da necessidade e da 
oportunidade de uma política desenvolvimentista para o Brasil. As 
nossas dúvidas e possíveis divergências se encontram no campo de 
execução desta política, nos elementos postos em jogo para 
dinamizar e orientar a nossa emancipação econômica. O atual 
governo, desejoso de promover em ritmo acelerado a nossa 
expansão econômica, e impregnado da ideia de que só através da 
industrialização intensiva poderemos emancipar-nos 
economicamente, vem realizando o seu programa de metas, de 
forma a criar nosso espírito um certa apreensão. Apreensão de que o 
critério de prioridades para aplicação de nossas escassas 
disponibilidades econômicas não seja o critério ideal. Somos 
daquele que julgam necessário promover o desenvolvimento 
industrial, sem contudo sacrificar exageradamente os investimentos 
no setor da economia agrária. 45 
 
E complementa: 
 
A solução ao dilema não está no atendimento exclusivo ao pão ou 
ao aço, mas simultaneamente ao pão e ao aço, em proporções 
impostas em face das circunstâncias sociais e das disponibilidades 
econômicas existentes. Todas as tentativas de exigir de qualquer 
coletividade um custo de progresso acima do tolerável acarretam 
ressentimentos e tensões sociais ameaçadoras.46 
 
43 MAGALHÃES, Rosana. Fome: uma (re)leitura de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Fundação 
Oswaldo Cruz Editora, 1997. p. 45 
44 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 75 
45 CASTRO, Josué de. Geografia da fome – o dilema brasileiro: pão ou aço. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira. 12a Ed., 2012. p. 281 
46 Idem. p. 283 
 43 
 
A militância coerente e fundamentada de Josué de Castro, exemplarizada em 
Geografia da fome, alcança repercussão e reconhecimento internacional, sendo 
traduzida para mais de 25 idiomas. Através desta obra, Castro se consolida como 
escritor e pesquisador da questão alimentar no mundo47. 
Professor Malaquias Batista Filho, médico, pesquisador, militante no combate 
à fome, em especial à desnutrição infantil e contemporâneo de Josué de Castro, foi 
um de nossos entrevistados e destacou a erudição intelectual de Castro: 
 
Josué era um personagem interessante até sob o ponto de vista 
fisiológico. Ele escrevia com a mão direita e esquerda. O Darcy 
Ribeiro, que era muito amigo dele e era vice-governador quando o 
Brizola foi governador do Rio de Janeiro, ele dizia que [diante de] 
qualquer um dos cinco grandes problemas do mundo podiam botar 
Josué de Castro como debatedor que ele tinha condições de 
debater.48 
 
 
O reconhecimento internacional de Josué de Castro o leva a ser delegado 
representante do Brasil na Conferência de Alimentação e Agricultura das Nações 
Unidas convocada pela FAO, em Genebra, em agosto de 1947 e a se efetivar como 
membro do Comitê Consultivo Permanente de Nutrição da FAO, também em 194749. 
Além disso, em 1948, é convidado a participar da Primeira Conferência Latino-
Americana de Nutrição promovida pela FAO, em Montevidéu.50 
Cabe ressaltar que no ano de 1946, Castro participa da fundação e torna-se o 
primeiro diretor do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, atual Instituto de 
Nutrição Josué de Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 
Sendo assim, Josué de Castro se consolida definitivamente no debate 
internacional sobre alimentação e nutrição e, em 1951, é eleito Presidente do 
Conselho Executivo da FAO, assumindo em 1952 e permanecendo no cargo por dois 
mandatos consecutivos, até 1956. Sobre sua vitória no primeiro mandato, Josué de 
Castro relembra: 
 
47 MAGALHÃES, Rosana. Fome: uma (re)leitura de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Fundação 
Oswaldo Cruz Editora, 1997. p. 45 
48 Trecho de entrevista concedida pelo professor Malaquias Batista Filho em 07 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
49 CASTRO, Anna Maria de. (org.). Fome: um tema proibido – Últimos escritos de Josué de Castro. 
Petrópolis: Editora Vozes, 1983. p. 152 
50 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 65 
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 44 
 
A mais tremenda emoção da minha vida foi quando alcancei a 
presidência do Conselho da FAO. Meu competidor era Lorde Bruce, 
da Inglaterra. Atribuo a minha vitória a dois fatores: a) não 
acreditavam nela; b) quem ganhou foi a miséria. (...) Foi justamente 
naquela eleição para presidente do Conselho da FAO, quando venci 
Lorde Bruce por 34 a 30 votos, depois de um embate no primeiro 
escrutínio. Minha grande emoção foi sentar na cadeira da 
presidência, olhar um a um os representantes das grandes potências 
e recordar os mocambos do Recife, onde se reproduzia o ciclo do 
caranguejo, onde viviam outros meninos de rua, como eu tinha sido. 
Pensei, comovido, na tremenda responsabilidade que carregava e na 
injustiça que a vida escreve de eu não poder correr à casa de meu 
pai e, depois, à casa de minha mãe, para lhes contar, separadamente, 
como sempre, que seu filho estava sentado na Cadeira da 
Presidência.51 
 
Uma vez mais, notamos a importância e a ascendência de seu passado de 
menino humilde sobre seu reconhecimento como intelectual conhecedor das questões 
alimentares e da fome. 
Dando prosseguimento a suas análises sobre a fome e a miséria, Josué de 
Castro publica em 1948, Geopolítica da fome, que aborda esta temática em âmbito 
mundial, dando sequência a Geografia da fome, em perspectiva mais completa e de 
diagnóstico mais amplo. Da mesma forma que a obra anterior, Geopolítica da fome 
recebeu vários prêmios, dentre eles o prêmio Franklin Roosevelt da Academia 
Americana de Ciências Políticas, em 1952 e o prêmio Internacional da Paz do 
Conselho Mundial da Paz, em 1954. 
Em outubro de 1953, ocorre, na Venezuela, a Terceira Conferência Latino-
Americana de Nutrição, quando Josué de Castro apresenta o Plano Nacional de 
Alimentação, sob responsabilidade da Comissão Nacional de Alimentação, órgão que 
presidia. Este Plano, segundo Nascimento: 
 
representou um marco na trajetória das políticas públicas em 
alimentação e nutrição no Brasil, na medida em que as experiências 
anteriores, a saber STAN e SAPS (que continuava precariamente 
funcionando), referiam-se à necessidade de melhorar a situação 
alimentar do país de maneira geral, sem mencionar especificamente 
a necessidade de cuidar da desnutrição (...) 52 
 
 
51 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Josué de Castro. Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 
46-47 
52 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 74 
 45 
Nesta Terceira Conferência Latino-Americana de Nutrição a questão da 
merenda escolar aparece com destaque, em função de experiências ocorridas em 
países da América Central. Dessa forma, em março de 1955, com grande empenho de 
Josué de Castro, érealizada no Brasil, a Campanha Nacional de Merenda Escolar, 
subordinada ao Ministério da Educação e Cultura53. 
 
1.1.3. Josué de Castro na política brasileira e criação da Associação Mundial de 
Luta Contra a Fome 
 
Em outubro de 1954, Castro se candidatou a deputado federal por seu Estado 
natal, Pernambuco, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em carta enviada ao 
médico e amigo pernambucano, Arnaldo Marques, militante de esquerda ligado ao 
Partido Comunista Brasileiro (PCB), Castro comenta sua decisão de concorrer às 
eleições: 
 
Cheguei à conclusão de que as forças de reação se organizam numa 
articulação ostensiva contra o liberalismo progressista, pretendendo 
esmagar quaisquer tentativas de se obter um certo progresso social 
através de medidas de libertação das classes mais pobres do regime 
da fome em que as mesmas vegetam. Diante disto, tenho a 
impressão de que não me é possível ficar à margem da luta, depois 
de ter denunciado nos meus livros a desigualdade social e o 
desequilíbrio econômico como as causas principais do marasmo 
desta zona do Brasil onde nasci, e por isto resolvi considerar a 
possibilidade de candidatar-me a deputado federal no próximo 
pleito (...)54 
 
Na sua campanha, além da formação de comitês descentralizados nos bairros 
de Recife e no interior, Josué de Castro teria feito vigorosa articulação na área 
sindical e também, com Francisco Julião, advogado, deputado estadual e líder das 
Ligas Camponesas, movimento que cresceria nos anos seguintes. A parceria com 
Francisco Julião teria levado Josué de Castro a se aproximar das questões agrárias, 
culminando na publicação, em 1957, do livro Sete palmos de terra e um caixão, seu 
 
53 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 73 
54 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Josué de Castro. Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 
56 
 46 
último livro publicado no Brasil e obra de referência para quem estuda a questão 
agrária55. 
Castro se elege deputado federal, sendo o sétimo mais votado da coligação56. 
Ao assumir seu mandato, em 1955, Josué de Castro torna-se vice-líder do PTB e 
Presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. 
 Em 1956, se encerra seu mandato na presidência do Conselho Executivo da 
FAO, onde, de acordo com Silva57 , ao empreender sua luta contra a fome, teria 
questionado as velhas estruturas agrárias e o latifúndio improdutivo, defendendo de 
maneira inconteste, a reforma agrária. Dessa forma, teria colocado os interesses dos 
países pobres como prioritários, reivindicando verbas para que a FAO, de fato, 
cumprisse sua função. 
 
Esta sua postura independente e em defesa do bloco de países mais 
pobres o tornou persona non grata frente aos interesses dos países 
que comandavam a economia mundial. Em resposta à sua política 
de defesa dos interesses dos países mais pobres, foi feito um acordo 
entre os representantes dos EUA e Inglaterra para impedi-lo de 
concorrer a um terceiro mandato. Em seu discurso de despedida, 
desiludido com o que se poderia chama ‘a indústria da fome’, 
denuncia o complô dos mais ricos contra os mais pobres e confessa 
a sua decepção frente à inoperância daquele organismo.58 
 
 
 Conforme elucidado por Silva, em seu discurso de despedida da presidência 
do Conselho Executivo da FAO, Josué de Castro foi fiel às suas convicções: 
 
 (...) me sinto decepcionado diante da obra que realizamos. 
Decepcionado pelo que fizemos porque, a meu ver, não elaboramos 
até hoje uma política de alimentação realista que ponha em linha de 
conta, ao mesmo tempo, as desesperadas necessidades do mundo e 
nossos objetivos. Não fomos suficientemente ousados, não tivemos 
a coragem suficiente para encarar, de frente, o problema e buscar as 
suas soluções. (...) Precisamos, a meu ver, ter a coragem de 
discordar de certas opiniões para aceitarmos a imposição das 
 
55 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 84 
56 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Josué de Castro. Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 
56 
57 SILVA, Tânia Elias Magno da. A Construção da Esperança e do Compromisso Social no 
Itinerário de Josué de Castro. Revista Eletrônica Inter-Egere: número quarto, dois anos. n. 04. 2009. 
p. 72 
58 Idem. p. 72 
 47 
circunstâncias, resolvendo o problema no interesse da 
humanidade.59 
 
Apesar dos enfrentamentos perante os países de Primeiro Mundo, Josué de 
Castro foi eleito em 1960, por iniciativa da FAO, Presidente do Comitê 
Governamental da Campanha Mundial de Luta Contra a Fome. 
A militância de Josué de Castro na Campanha Mundial de Luta Contra a Fome 
teria se iniciado logo após sua saída da FAO, em janeiro de 1957. Nesta data, 
organizou e fundou junto com Abade Pierre60, a Associação Mundial de Luta Contra a 
Fome (ASCOFAM) com o objetivo de transformar a realidade dos países 
subdesenvolvidos afetadas pelo fenômeno da fome. 
Tendo sua sede legal em Genebra e diversos escritórios regionais atuando em 
vários continentes, em setembro de 1957, a ASCOFAM funda o escritório brasileiro 
no Rio de Janeiro61. Faziam parte da ASCOFAM: Padre Dominique Pire62, Padre 
Joseph Lebret63, René Dumont64, Oswaldo Aranha, dentre outros. No Brasil, uma 
série de ações e propostas visando o conhecimento e o combate à fome foram 
realizadas pela ASCOFAM, dentre elas: o I Seminário sobre Desnutrição e Endemias 
Rurais, na cidade de Garanhuns PE, em 1958; o filme O Drama das Secas 65, dirigido 
por Rodolfo Nanni, a partir de um roteiro de Josué de Castro66; o estudo das estruturas 
agrárias visando à elaboração de um projeto piloto de reforma agrária; ampliação do 
projeto de novas indústrias alimentares; ampliação do plano de enriquecimento de 
alimentos; criação de um selo ASCOFAM a ser concedido aos produtos de alta 
qualidade; dentre outros.67 
 
59 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 69 
60 Henri Antoine Groués, também conhecido como Abbé Pierre, foi um sacerdote católico francês, 
fundador da Comunidade Emaús e figura emblemática na luta contra a pobreza. 
61 Esta sede regional brasileira foi fechada em 1964 em virtude do Golpe Militar. 
62 Georges Charles Clement Ghislain Pire: religioso dominicano belga. Fundou a Europe du Coeur au 
Service du Monde, organização de ajuda aos refugiados, que lhe rendeu o Premio Nobel da Paz em 
1958. 
63 Louis-Joseph Lebret: economista e religioso dominicano francês, criador de um grande número de 
associações para o desenvolvimento social, em vários países do mundo, dentre os quais o IRFED - 
Institut International de Recherche et de Formation, Éducation et Développement, atual Centre 
International Développement et Civilisations- Lebret-Irfed, em Paris. 
64 Agrônomo francês, conhecido por sua luta pelo desenvolvimento rural nos países de Terceiro Mundo 
e o por seu compromisso ambiental . Foi um escritor prolífico, com mais de 70 livros publicados. 
65 Primeiro documentário nacional com orientação científica sobre a seca no Nordeste. 
66 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em fevereiro de 2016. 
67 SILVA, Tânia Elias Magno da. A Construção da Esperança e do Compromisso Social no Itinerário 
de Josué de Castro. Revista Eletrônica Inter-Egere: número quarto, dois anos. n. 04. 2009. p. 57 
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
 48 
Em 1958, Josué de Castro é reeleito deputado federal pelo Estado de 
Pernambuco, sendo o mais votado do Nordeste. A campanha eleitoral teve amplo 
apoio de Francisco Julião, reeleito deputado estaduale, à época, se destacando de 
forma ascendente como grande líder das Ligas Camponesas e defensor da reforma 
agrária. Inúmeras organizações sindicais representativas do movimento operário 
também explicitaram apoio à candidatura de Josué de Castro. 68 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. 
Josué de Castro. 
Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 65 
 
Reeleito deputado federal também pelo PTB, Castro apresenta à Câmara dos 
Deputados em 1959, um Projeto de Lei que “defina os casos de desapropriação por 
interesse social e disponha sobre sua aplicação” 69 , uma proposta embrionária de 
reforma agrária. Além disso, defende a reaproximaçao das relações diplomáticas entre 
Brasil e União Soviética, em um contexto em que as forças políticas estavam 
polarizadas em dois blocos distintos70 em razão da Guerra Fria. 
 De acordo com Melo e Neves71, em sua trajetória política, Josué de Castro 
sempre esteve alinhado às forças de esquerda, sendo um crítico ferrenho do modelo 
de desenvolvimento econômico sustentado na simples elevação dos índices per 
capita. Diferenciava-se pelas posições mais avançadas e, não poucas vezes, teria 
sofrido sabotagens de setores mais conservadores de seu próprio partido, o PTB. Em 
 
68 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Josué de Castro. Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 
65 
69 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em fevereiro de 2016 
70 Bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos em oposição ao bloco socialista, dominado pela 
União Soviética. 
71 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Josué de Castro. Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 
79 e 81 
Figura 1: 1958 
– material de 
campanha 
lançado pelos 
sindicatos de 
trabalhadores 
rurais de 
Pernambuco 
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
 49 
04 de janeiro de 1957, escreveu em seu diário, ainda não disponível ao público, em 
que diz: 
 
A verdade é que a política no Brasil só inspira e aguça para uma 
espécie de atividade espasmodicamente agitada e intelectualmente 
improdutiva. Mais agitação que ação verdadeira. Não há debates 
nem lutas por idéias e princípios, mas uma surda e contínua luta 
pessoal por vantagens e posições. É uma luta de vida e de morte – 
luta vegetativa – sem deixar nenhuma disponibilidade para 
quaisquer veleidades intelectuais. Depois de dois anos como 
parlamentar, cheguei à triste conclusão de esterelidade e da 
infecundidade da inteligência no Parlamento. É esta uma arena ou 
circo onde se degladiam outras espécies de força: a astúcia, a 
audácia, o cinismo, o oportunismo. Não há lugar lá para outras 
qualidades menos subalternas, como o espírito público, o desejo de 
servir, a busca de novos caminhos que possam conduzir a uma 
melhor distribuição de quotas de felicidade. 72 
 
Embora decepcionado com a atuação política de seus conterrâneos, Josué de 
Castro prossegue em sua trajetória de militância e denúncia contra as mazelas sociais 
e suas causas. Em 1958, promove uma discussão nacional, com a criação de um grupo 
parlamentar das regiões menos favorecidas (União Parlamentar Norte-Nordeste) para 
se debater sobre políticas governamentais para desenvolver a região Nordeste. Deste 
movimento, é criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste 
(SUDENE)73. Também no ano de 1958, teria sido nomeado Ministro da Agricultura, 
mas por interesses conservadores da ala conservadora do PTB, não chega a tomar 
posse. Em documentário dirigido por Silvio Tendler e lançado em 1995, Darcy 
Ribeiro narra: 
 
Eu era chefe da Casa Civil então conversei com Jango e disse ‘é o 
homem mais brilhante do Brasil, mais importante nessa área de 
alimentos, de agricultura é Josué de Castro. E ele enfeitará o 
governo, vai ser uma coisa bonita ter Josué de Castro Ministro da 
Agricultura. Ele pode ser um grande Ministro da Agricultura.’ O 
Jango concordou e eu fui à Josué e disse ‘você vai ser nomeado, 
mas me faça um favor, não diga a ninguém’. O que o Josué fez, de 
besteira, foi pra Pernambuco e contou lá que seria ministro. E 
imediatamente surgiram os anticorpos. Uma quantidade de 
politicões foram em cima do Jango e de mim e disseram ‘eu sou 
muito melhor membro do partido, Josué não põe os pés no Brasil, 
está sempre fora’. Essa é uma coisa incrível, era um complô da 
 
72 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Josué de Castro. Brasília: Plenarium Editora, 2007. p. 
82 apud: SILVA, Tânia Elias Magno da. Josué de Castro: para uma poética da fome. 1998. Tese 
(Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 
73 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 79 
 50 
mediocridade, da mediocridade militante do partido (...). Então o 
partido dele, o PTB, impediu que o Josué fosse nomeado para uma 
coisa que já estava combinada, Ministro da Agricultura. É de pensar 
o que o Josué teria feito... Ele estava um vulcão de ideias, 
imaginando como fazer uma economia agrícola em que o povo 
comesse. É muito bom ter uma economia que produza muita soja 
para engordar porco no Japão, ou para engordar frango na 
Alemanha. Mas era preciso ter uma economia que produzisse 
mandioca, farinha de mandioca, feijão, arroz, o que o povo come. 
Então o Josué ia tentar fazer essa reversão. Mas pelo reacionarismo 
do Brasil e também pelos ciúmes dentro do seu próprio partido, ele 
foi alijado disso, não teve essa oportunidade. E o Brasil não teve a 
oportunidade de pegar o mais brilhante homem desse campo e fazer 
dele o seu Ministro da Agricultura, que é o Ministério encarregado 
de fazer ter comida farta em cada casa todo dia, coisa que nós 
estamos longe de conseguir. 74 
 
Em 1960, por iniciativa de Darcy Ribeiro, Josué de Castro defende o Projeto 
1.861 – C-60, que tratava da fundação da Universidade de Brasília, que graças ao seu 
empenho, é aprovado em agosto de 196175. 
Em 1962, é designado Embaixador-chefe da delegação do Brasil junto à ONU, 
em Genebra, cargo que é forçado a abandonar em 1964, pelo arbítrio da ditadura 
militar.76 No ano de 1963, Josué de Castro é designado para exercer a função de 
representante do Brasil junto ao Conselho de Administração da Organização 
Internacional do Trabalho (OIT), também em Genebra. Diante destes compromissos 
no exterior, em outubro de 1963, renuncia ao mandato de deputado federal. Ainda em 
1963, Josué de Castro é indicado pela Associação Mundial de Parlamentares para um 
Governo Mundial (World Parliament Association), ao Prêmio Nobel da Paz. 
 
1.1.4. Exílio, falecimento e legado 
 
Em 31 de março de 1964, deflagrado o golpe militar, o então Presidente da 
República, João Goulart, é deposto e uma junta militar assume o poder, tendo como 
representante Humberto de Alencar Castello Branco. Uma das primeiras medidas 
desta junta foi realizar a cassação de mandatos políticos, e dentre eles, o de Josué de 
Castro. Em 09 de abril de 1964, via Ato Institucional 01, Castro tem seus direitos 
políticos oficialmente cassados, se desliga dos cargos oficiais que ocupava nas 
 
74 TENDLER, Silvio. Josué de Castro: cidadão do mundo. 1994. (documentário) 
75 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 81 
76 Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro. Acesso em 11 de fevereiro de 
2016 
http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro
 51 
Nações Unidas e se muda/refugia, em Paris, onde assumiria a direção do Centro 
Internacional para o Desenvolvimento (CID)77, cargo que ocuparia até 1973. 
Segundo Nascimento, em virtude do exílio e da saudade de sua terranatal, 
Josué de Castro produz em 1966, seu único romance autobiográfico: Homens e 
caranguejos, em que retoma a infância passada em Recife. No prefácio desta obra, 
Castro relembra: 
 
Cedo me dei conta deste estranho mimetismo: os homens se 
assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, 
acachapando-se como os caranguejos para poderem sobreviver. 
Parados como os caranguejos na beira da água ou caminhando para 
trás como caminham os caranguejos. Foi com estas sombrias 
imagens dos mangues e da lama que comecei a criar o mundo da 
minha infância. Nada eu via que não me provocasse a sensação de 
uma verdadeira descoberta. Foi assim que eu vi e senti formigar 
dentro de mim a terrível descoberta da fome. Da fome de uma 
população inteira escravizada à angústia de encontrar o que comer.78 
 
Exilado na França, Josué de Castro retoma sua percepção inicial do flagelo 
social dos mangues de Capibaribe, onde nasceu, passou sua infância e forjou sua 
personalidade. Em 27 de setembro de 1969, sem esperança de voltar de forma 
definitiva para o Brasil, é nomeado professor associado do Centro Universitário de 
Vincennes - Universidade Paris VIII, sendo responsável pela cadeira de “Geografia 
dos Países Subdesenvolvidos”79. 
Em junho de 1972, ocorre a Conferência de Estocolmo, organizada pela 
Organização das Nações Unidas, quando representantes de países dos cinco 
continentes se reuniram para discutir questões relacionadas ao meio ambiente. Nesse 
contexto, Josué de Castro teria se aprofundado na temática ecológica e iniciado a 
escrita do livro Survivre ou Périr Ensemble, que permaneceu inacabada.80 
Josué de Castro faleceu em 24 de setembro de 1973, aos 65 anos, exilado em 
seu apartamento em Paris, enquanto dormia. Foi sepultado no Cemitério São João 
Batista no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1973. 
 
77 Organização Internacional, não governamental e sem fins lucrativos, voltada à assessoria dos países 
de Terceiro Mundo. 
78 CASTRO, Josué. Homens e Caranguejos. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2001.p. 04 
79 SILVA, Tânia Elias Magno da. A Construção da Esperança e do Compromisso Social no Itinerário 
de Josué de Castro. Revista Eletrônica Inter-Egere: número quarto, dois anos. n. 04. 2009. p. 76 
80 NASCIMENTO, R.C. Josué de Castro: o sociólogo da fome. 2002. Dissertação (Mestrado em 
Sociologia) - Universidade de Brasília. p. 86 
 52 
 Não é simples narrar a dimensão de sua influência e a grandiosidade de sua 
história. Precursor de estudos basilares, que inserem o fenômeno da fome sob um viés 
multidisciplinar, com significados sociais e políticos, Josué de Castro abriu o caminho 
para que outros estudiosos caminhassem nesta mesma direção anos mais tarde. 
 Pedro Kitoko, nutricionista, especialista em saúde pública, ex-presidente do 
CONSEA Estadual do Espírito Santo e militante na temática da SAN, narra a 
influência de Castro para despertar seu interesse pela SAN: 
 
Já como estudante universitário na Tunísia e na França, tive 
intensos contatos com eminentes personalidades envolvidas com o 
desenvolvimento social e econômico dos povos como Alfred Sauvy, 
cuja obra em demografia ainda é de destaque na França; Henri Vis 
(Université Libre de Bruxellas), destacado em saúde infantil na 
África Central; Jean Senecal (École Nationale de Santé Públique de 
Rennes/França), pediatra francês voltado para o combate à 
mortalidade infantil na África Ocidental; Françês Henri Dupin 
(Centre International de l´Enfance, Paris), que foi grande nome 
voltado para Nutrição em Saúde Pública. No entanto, a maior 
influência é fruto dos contatos que eu tinha com Josué de Castro 
(Centre International de Developpement e Universidade Paris VIII) 
e René Dumont, ambos bem conhecidos pelas suas obras sobre a 
fome no mundo. A relação com estes últimos acabou fortalecendo a 
minha relação com Alfred Sauvy pelo facto de que a divergência 
entre os dois se deve exatamente ao impacto da natalidade sobre a 
fome e vice-versa. René Dumont não concordava com a tese de 
Josué de Castro sobre a relação entre fecundidade e fome. O meu 
interesse para SAN é, portanto, fruto dos ensinamentos de Josué 
de Castro. (Grifos nossos)81 
 
 
 Flávio Valente, médico, pesquisador e militante na temática da SAN, em 
especial ao DHAA, destaca o pioneirismo e a importância de Josué de Castro na 
abordagem da fome no Brasil: 
 
Na época, isso era 1967/68, não havia grande disponibilidade de 
textos. Eu acabei encontrando um amigo que me emprestou o 
Geografia da fome e foi a primeira vez que li um livro de Josué de 
Castro. Não me lembro se era o Geografia da fome, eu lembro que 
era um livro de Josué de Castro e foi a primeira vez que eu li sobre 
a situação da fome no mundo. Eu venho de uma família 
extremamente conservadora, aliás, totalmente conservadora, 
essencialmente de direita, então para mim foi um choque saber que 
tinha gente passando fome na porta da nossa casa. Na época você 
não conseguia ler Josué, os livros dele eram proibidos, os livros 
 
81 Trecho da entrevista a nós concedida por Pedro Kitoko em 10 de março de 2018, via email. 
 53 
dele estavam sendo censurados. E aí eu comecei a me interessar 
por nutrição desde essa época82 (Grifos nossos) 
 
Irio Conti, filósofo, membro fundador e ex-presidente da FIAN Brasil e 
militante na temática da SAN, corrobora na ênfase a ser dada aos estudos de Castro: 
 
O primeiro marco é o Geografia da fome, sobretudo pra dizer 
assim: a fome é uma questão política que precisa ser trabalhada e 
assumida e ele deu visibilidade para o tema. Então nesse sentido, 
mesmo que na época não se falasse em Segurança Alimentar nem 
Segurança Alimentar e Nutricional, mas o problema, como um 
problema social e um problema político a ser enfrentado com 
politicas publicas, sem dúvidas Josué de Castro é um marco83 
(Grifos nossos) 
 
As reflexões e análises visionárias de Josué de Castrio deflagraram o debate 
sobre o fenômeno da fome como problema a ser inserido na agenda politica. Muitas 
das questões que hoje se discutem no Ministério de Desenvolvimento Social foram 
colocadas por Castro há mais de cinquenta anos. 
 
1.2. Betinho: retomada do debate e motivador da participação da 
sociedade civil 
 
A partir do Golpe Militar de 1964, os debates em torno da fome no Brasil são 
silenciados e assim como ocorreu com Josué de Castro, grande parte dos militantes de 
esquerda são enviados para o exílio, retornando para o Brasil somente na década de 
1980 com a reabertura política. 
Em âmbito mundial, a década de 1970 é marcada pela crise no abastecimento 
de alimentos, quando as quebras de safras em importantes países produtores levou à 
escassez do estoque de alimentos. Desta forma, é realizada em Roma, em 1974, a I 
Conferência Mundial de Alimentação da Organização das Nações Unidas. O 
argumento que prevaleceu nesta Conferência foi da fome e da desnutrição como 
consequência da produção insuficiente de alimentos, principalmente nos países 
 
82 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
83 Trecho da entrevista a nós concedida por Írio Conti em 06 de outubro de 2016 durante o II Encontro 
Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
 54 
subdesenvolvidos. Sob este pressuposto, as indústrias química e agroindustrial 
fortaleceram a defesa da tecnologia de alto rendimento, assegurado pelo uso maciço 
de insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos)84 e da mecanização, a chamada 
Revolução Verde85. 
Embora a produção mundial tenha se recuperado, ainda na década de 1970, a 
elevação da oferta de alimentos resultante da Revolução Verde não foi acompanhadapelo declínio da fome mundial conforme se prometia, e a fome e a desnutrição 
continuam a atingir milhões de pessoas no mundo. No contexto de ganhos contínuos e 
crescentes, com excedente de produção e aumento de estoque, sem a proporção 
equivalente na diminuição no número de famintos, a partir da década de 1980, o 
conceito de Segurança Alimentar passa a se relacionar com a garantia do acesso físico 
e econômico aos alimentos. Há o reconhecimento de que a pobreza e a falta de acesso 
aos recursos necessários, principalmente acesso à renda e à terra, são as principais 
causas da insegurança alimentar mundial86. Assim, em 1982, na 8a Sessão do Comitê 
de Segurança Alimentar Mundial87, estabeleceu-se que 
 
O objetivo final da segurança alimentar mundial é assegurar que 
todas as pessoas tenham, em todo momento, acesso físico e 
econômico aos alimentos básicos que necessitam (...) a Segurança 
Alimentar deve ter três propósitos específicos: assegurar a produção 
alimentar adequada, conseguir a máxima estabilidade no fluxo de 
tais alimentos e garantir o acesso aos alimentos disponíveis por 
parte dos que os necessitam”. 88 
 
 
 De acordo com Maluf, essa mudança de ênfase na abordagem da Segurança 
Alimentar teve ampla repercussão, entretanto, o foco principal da FAO permaneceu 
concentrado nos problemas relativos à estrutura produtiva dos sistemas alimentares e 
à disponibilidade agregada de alimentos.89 
 
 
84 MALUF, Rentao S., MENEZES, Francisco, Caderno Segurança Alimentar. Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em 23 de janeiro de 2016. 
85 Expressão criada em 1966, por William Gown. Trata-se de inovações tecnológicas na agricultura, 
como o uso de máquinas no campo, insumos industriais, sementes geneticamente modificadas, 
agrotóxicos, possibilitando o aumento da produção agrícola. 
86 AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS (ABRANDH). O Direito 
Humano à Alimentação Adequada e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 
Brasília, 2013. p. 14 
87 O Comitê de Segurança Alimentar Mundial foi instituído em 1976 no contexto das restriçoes da 
oferta global de alimentos 
88 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 61. 
89 Idem p. 61 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 55 
1.2.1. Hemofílico e militante católico 
 
 Em âmbito nacional, a década de 1980 se caracteriza pela abertura política, 
que resulta no retorno do exílio de vários intelectuais, políticos de esquerda e 
militantes, que se mobilizam pela restauração da democracia e da legitimação dos 
direitos fundamentais. Na luta contra a miséria e pela garantia do acesso aos 
alimentos a todos os brasileiros, perpassando pelo viés da cidadania, muitos destes 
ativistas se engajam na criação de organizações não governamentais e institutos, que 
balizariam a inserção da SAN no debate e nas políticas públicas nacionais. Dentre as 
diversas organizações, foi criado por Herbert José de Souza, o Betinho, e por Carlos 
Afonso e Marcos Arruda, em 1981 no Rio de Janeiro, o IBASE, justamente com o 
objetivo de promover a democracia e a cidadania. O site do IBASE informa sua 
finalidade: 
 
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas é uma 
organização de cidadania ativa, sem fins lucrativos. (...) O IBASE 
tem uma história institucional muito ligada à democratização do 
Brasil, em particular às lutas que permeiam a emergência da 
cidadania e a constituição da diversificada sociedade civil brasileira 
das três últimas décadas. Os grandes movimentos e campanhas 
cívicas deste período, foram também compromissos do IBASE e, 
por isto, foram momentos históricos de adaptação da sua agenda e 
das formas de atuação. Este legado está no ethos do IBASE.90 
 
Betinho presidiu o IBASE desde sua fundação em 1981 até seu falecimeto, em 
agosto de 1997 e todas as campanhas desenvolvidas pelo IBASE neste período fazem 
parte de sua agenda de militância por um mundo menos desigual e mais justo. 
 Herbert José de Souza, o Betinho, nasceu em Bocaiúva, Minas Gerais, em 3 de 
novembro de 1935. Filho de Henrique José de Souza, dono de padaria e do primeiro 
cinema mudo da cidade, e de Maria da Conceição Figueiredo de Souza, teve oito 
irmãos (Maria Cândida, Zilá, Vanda, José Maria (que morreu aos três anos), Maria da 
Glória, Henrique de Souza Filho – Henfil -, Filomena e Francisco Mário), sendo que 
todos os irmãos homens, assim como ele, sofriam de hemofilia91. A hemofilia é uma 
doença genética e hereditária e na descrição de Betinho: 
 
 
90 Disponível em: http://ibase.br/pt/sobre-o-ibase/. Acesso em março de 2018. 
91 PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs.). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf acesso em 08 
de fevereiro de 2018. p. 15 
http://ibase.br/pt/sobre-o-ibase/
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
 56 
Ela (a hemofilia) é muito concreta. São hemorragias intra-
articulares que distendem os músculos, os tendões, os nervos e a 
pele. Estes sangramentos enchem e incham a parte afetada, o pé, por 
exemplo, ou o joelho, e provocam dores insuportáveis 92 
 
 A hemofilia o acompanharia a vida inteira e seria a responsável por sua 
contaminação, em 1986, pelo vírus HIV, contraído em uma das transfusões de sangue 
que fazia com frequência. A luta pela vida teria sido uma constante na trajetória de 
Betinho. Aos 15 anos, foi diagnosticado com tuberculose e seus pais, para não o 
internarem em um sanatório, acomodaram-no em um quarto no quintal de casa 
normalmente destinado à empregada. Durante esta reclusão, que durou até os dezoito 
anos, procurando fugir do abatimento, Betinho teria procurado a religião. Em suas 
palavras: 
 
procurei a religião, engajando-me num processo místico que exigia 
todas as minhas forças psicológicas e me preparava para a cura. Um 
dia, lançaram um novo medicamento, a idrazida, que me curou em 
três meses. Desde o início eu tinha a convicção de que esse remédio 
me salvaria: um verdadeiro ato de fé me levou a acreditar na cura. 93 
 
 Sua fé, somada à leitura de autores católicos franceses, o teriam incentivado à 
entrar em 1953, para a Juventude Estudantil Católica (JEC), ramo da Ação Católica 
Brasileira (ACB), onde teria iniciado sua vida de ativista político. 
 
Respirávamos o ar da Revolução Cubana. Nosso engajamento 
católico nos levava a acreditar na revolução personalista de 
Emmanuel Mounier, na visão histórica de Teihard de Chardin, em 
uma crítica aguda ao capitalismo, que não respeitava a pessoa 
humana. Desenvolvemos uma proposta decididamente anti-
capitalista, que se orientava por uma visão tipicamente socialista, 
sustentada por um profundo entusiasmo pela transformação 
revolucionária. No decorrer daqueles anos, não estávamos 
realmente preocupados com o tipo de luta – que, mais tarde, se 
tornaria uma questão capital –, mas estávamos, sim, em total 
desacordo com a sociedade em que vivíamos. Ela devia ser mudada, 
e chegaríamos aos nossos objetivos por meios da ação política.94 
 
 Em 1958, Betinho inicia os cursos de Sociologia e Política e de Administração 
Pública, ambos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quando passa a 
 
92 PANDOLFI, Dulce, GAZIR, Augusto, CORREA, Lucas. (orgs.). O Brasil de Betinho. Rio de 
Janeiro: mórula Editorial, 2012. Disponível em: http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download 
acesso em fevereiro de 2018. p. 25 
93 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 14 
94 Idem. p. 15 
http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download
 57 
militar na Juventude Universitária Católica (JUC), também ligada à Ação Católica 
Brasileira.De 1958 até 1962, a minha presença na JUC foi marcada por uma 
ativa participação no movimento estudantil, que tinha então relativa 
força na política nacional. Assim como a vinculação religiosa nos 
jogou no movimento estudantil, o movimento estudantil nos jogou 
na política nacional. Ao crescer esse movimento de participação, a 
religião já não dizia mais nada. Passamos então de uma visão 
religiosa a uma perspectiva política. Só que passamos à política com 
a mesma mística que havíamos vivido na religião, a mesma 
perspectiva de compromisso, a mesma pureza, responsabilidade, 
auto-renúncia. 95 
 
 Assim, Betinho se lança efetivamente na vida política e em 1961 visita a 
União Soviética como líder estudantil. Em 1962, participa da fundação e torna-se 
dirigente nacional da Ação Popular (AP), organização política criada por militantes 
católicos oriundos da JUC e da JEC, que romperam com a hierarquia da Igreja96. 
 A militância na Ação Popular teria sido de grande amadurecimento para o 
ativista político e mobilizador social que Betinho se revelaria anos mais tarde. 
 
O contexto do nascimento da Ação Popular é interessante. 
Vivíamos, em pequena escala, uma intensa experiência política 
dentro da faculdade de Ciência Econômicas de Belo horizonte. Em 
dois anos, ela se tornou o centro político do movimento estudantil 
de Minas Gerais. Fomos a origem de todas as manifestações, 
campanhas em favor da reforma universitária, apoio à Cuba, 
solidariedade com o movimento operário, etc. Assim, nossa geração 
continuava sua aprendizagem política. 97 
 
 Além disso, a atuação junto à Ação Popular teria lhe permitido descobrir 
pessoalmente o Brasil e suas mazelas: 
 
Nunca tinha viajado antes, eu vivia a minha descoberta do Brasil. 
Em quarenta dias, visitei todas as cidades importantes, do sul do 
país até Manaus. Ficávamos quatro dias em cada cidade, 
convocando reuniões, organizando debates, apresentando peças de 
teatro... Eu, que só vivia entre Rio e Belo Horizonte, aproveitava 
para aprender sobre meu país. Foi como se tivesse feito um curso 
completo, tanto geográfica quanto economicamente, sobre o Brasil, 
sensibilizando-me com as diferenças e a miséria. Enquanto 
 
95 PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs.). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf acesso em 08 
de fevereiro de 2018. p. 24-25 
96Idem. p. 25. 
97 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 23 
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
 58 
comíamos nos restaurantes universitários, as crianças de rua se 
aproximavam de nós e mendigavam a comida que estava em nosso 
pratos. Essa visão da pobreza e da miséria, que no Rio não se 
manifestava de forma tão violenta, foi um ‘tapa na cara’ dos 
dirigente da UNE. 98 
 
 
 Inserido na política brasileira, Betinho se torna assessor do Ministro da 
Educação, Paulo de Tarso, em 1963, no governo de João Goulart, e empenha-se na 
campanha de alfabetização de adultos liderada por Paulo Freire.99 Em 31 de março de 
1964, ocorre o golpe militar e em agosto, Betinho segue para o Uruguai, onde se 
encontravam os dirigentes do Movimento Popular Brasileiro. Em julho de 1965, 
volta para o Brasil e retoma a liderança da Ação Popular. Mas é novamente 
perseguido e preso em dezembro de 1966. Mas por ser hemofílico e correr risco de 
vida por causa de uma úlcera supurada, não apanhou nem foi torturado. Foi liberado 
pelo delegado, por ser véspera de Natal, com a condição de que retornasse na 
segunda-feira seguinte100. Betinho não retornou e procurou asilo no consulado do 
México, onde permaneceu por dez dias. Nos anos seguintes permaneceu na 
clandestinidade usando codinomes e disfarces e militando junto à Ação Popular. 
 A militância de Betinho na Ação Popular teria se desgastado e suas 
convicções teriam seguido um caminho diferente do estabelecido no movimento. Em 
1972, já exilado no Chile, Betinho rompe com a AP. 
 
1.2.2. O exílio 
 
 O exílio no Chile teria sido outro momento de importante amadurecimento 
político na vida de quem, futuramente, mobilizaria o Brasil na causa da fome. 
Segundo Betinho: 
 
De 1971 ao golpe de Estado, descobri a política com ‘pê 
maiúsculo’, pois o Chile era, de longe, o país mais politizado e o 
mais mobilizado de toda a América Latina, talvez do mundo inteiro. 
Foram dois anos de curso intensivo em Ciências Políticas: a 
descoberta do que significavam, verdadeiramente, as massas 
 
98 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 25 
99 PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs.). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf acesso em 08 
de fevereiro de 2018. p. 26 
100 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 39 
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
 59 
populares, etc. Saí de uma situação sem política, ou apolítica, para 
entrar na Política, a política com a dimensão das massas. 101 
 
 O golpe de Estado chileno, em setembro de 1973, faz com que Betinho busque 
asilo na embaixada do Panamá, onde permanece por cinco meses. Em 1974, Betinho 
segue com Maria Nakano, sua esposa, que o acompanharia por toda a vida, para o 
Canadá. Antes deste casamento, Betinho fora casado com Irles Coutinho de Carvalho, 
com quem teve seu primeiro filho, Daniel, em 1965. 
 Durante o exílio no Canadá, Betinho teria tido tempo para ler, estudar, dar 
cursos e iniciar o doutorado em Ciências Políticas102. Neste período, teria consolidado 
a ideia da democracia como a melhor escolha política a ser praticada. Na análise de 
Dulce Pandolfi: 
 
Essas duas grandes derrotas da esquerda, uma aqui no Brasil em 
1964, com a queda do João Goulart: um governo eleito, que é 
derrubado por um grupo de militares, um governo apoiado pela 
população, constitucionalmente eleito, é derrotado, e o mesmo 
acontece com Allende, que ele (Betinho) vive também de uma 
forma muito dolorosa. É um governo também eleito, ele tinha uma 
grande força e uma penetração nos movimentos sociais e na 
população e cai também devido a um golpe militar. Então eu acho 
que essa derrota das esquerdas faz com que Betinho certamente 
aposte que sem uma sociedade forte, mobilizada, dificilmente você 
conseguiria ampliar as conquistas e consolidar essa luta pelos 
direitos, pela cidadania.103 
 
 Cândido Grzybowski, ex-diretor do IBASE, complementa esta afirmação: 
 
No Canadá que o Betinho tem uma mudança estratégica na visão 
dele do problema e que caracteriza essa fase final da vida dele: a 
criação do IBASE, a volta depois do exílio que é dizer: não, nós não 
precisamos conquistar o Estado, nós precisamos conquistar a 
sociedade, tem que mudar a sociedade. Se existe autoritarismo e 
ditadura é porque na sociedade os valores da igualdade, do respeito, 
da participação, da liberdade, não estão presentes. Então temos que 
mudar a sociedade e o IBASE é parte desta criação. 104 
 
 Carlos Afonso, parceiro de Betinho na fundação do IBASE, corrobora com a 
dimensão que a vivência de Betinho no Canadá teve para sedimentar sua 
 
101 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 50 
102 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 55 
103 MENDES, César. Betinho: o artista da cidadania. 2005. (documentário) 
104 Idem 
 60 
compreensão da democracia e da participação popular como único caminho para a 
construção de uma sociedade justa: 
 
Quando chegamos no Canadá nós vivemos uma experiência 
fantástica, porque foi a primeira vez que a gente chegou a um país 
com uma democracia absolutamenteconsolidada e funcionando105. 
 
 Como ensaio do que seria futuramente o IBASE, Betinho funda em 1974 junto 
com outros exilados, dentre eles Carlos Afonso, a Latin American Research Unit, 
entidade voltada para estudos socioeconômicos da América Latina. De acordo com 
Pandolfe: 
 
Exatamente no exílio, junto com Carlos Afonso, que é um grande 
amigo dele e o Marcos Arruda, os três no exílio, discutem muito a 
ideia de se criar no Brasil uma entidade voltada para assessorar os 
movimentos sociais, que consiga coletar, produzir dados, 
informações, fazer pesquisas, que sirvam exatamente para embasar 
esses movimentos sociais. Então a ideia do IBASE é germinada 
ainda no exílio106. 
 
 A experiência na fundação da Latin American Research Unit contribuiria, 
anos mais tarde, para a fundação no Brasil do IBASE por Marcos Arruda, Carlos 
Afonso e Betinho. 
 
1.2.3. O retorno ao Brasil, fundação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e 
Econômicas e luta pela democracia 
 
 Em 1979, fruto de extenso trabalho e campanha de seu irmão, o jornalista, 
escritor e cartunista Henfil, pelo seu retorno do exílio, colocando-o como símbolo da 
luta pela volta dos exilados, somada à repercussão da música O bêbado e o 
equilibrista, composta por João Bosco e Aldir Blanc, Betinho retorna ao Brasil. 
 
Todas as charges e desenhos publicados por meu irmão nos jornais 
brasileiros estavam acompanhados dessa interrogação: ‘Quando 
meu irmão poderá voltar?’. Eu me tornei o símbolo do conjunto dos 
exilados. 107 
 
 
105 MENDES, César. Betinho: o artista da cidadania. 2005. (documentário) 
106 Idem 
107 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 58 
 61 
 
 
Figura 2: Betinho no aeroporto Galeão, no retorno do exílio, em setembro de 1979. 
Fonte: PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs.). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. p. 36. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf 
Acesso em fevereiro de 2018. 
 
 
 No retorno ao Brasil, Betinho funda o IBASE tendo como objetivo 
acompanhar as políticas governamentais e democratizar a informação, apoiando os 
movimentos populares. De acordo com Betinho: 
 
Eu não queria voltar com a ambição restrita de começar a trabalhar 
para sobreviver. Voltei com a ideia, nascida da correspondência 
com meu amigo Carlos Alberto Afonso, de fundar no Brasil um 
instituto que acompanhasse as políticas públicas, segundo o modelo 
dos Think Tank americanos, capaz de analisar, acompanhar e dirigir 
as políticas governamentais. Isso não existia no Brasil. Trabalhei 
um ano, antes que Carlos Afonso me reencontrasse. Foi um ano de 
luta e de negociações para conseguir o financiamento do projeto. 
Nosso primeiro orçamento ficou em um milhão de dólares. Depois, 
baixamos para 600 mil dólares, até chegar a 200 mil. Em 1981, 
nascia o IBASE.108 
 
 
108 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 61 
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
 62 
 Concomitantemente à criação do IBASE, Betinho trabalha como consultor da 
FAO para projetos agrários e migrações na América Latina109 e em 1983 coordena a 
Campanha Nacional pela Reforma Agrária, lançada pelo IBASE e outras cinco 
organizações 110 . Esta campanha teria sido uma das mais importantes para os 
movimentos sociais na década de 1980, quando os conflitos agrários matavam 
centenas de pessoas no campo no Brasil111. Betinho teria sido nomeado coordenador 
nacional da campanha porque tentava conciliar as diferentes posições para se chegar a 
um consenso.112 O acesso à terra, para Betinho, seria uma condicionante para o pleno 
exercício da democracia: 
 
A democracia não é somente um espaço institucional da política. 
Ela, para existir, deve também realizar-se e estar presente em todas 
as dimensões de nossas vidas. Talvez por isso haja uma relação 
histórica tão estreita entre terra e democracia. Quando a terra é 
apropriada, usada, monopolizada por uns poucos a democracia não 
existe. Quando a democracia não existe a terra se transforma em um 
mundo de uns poucos, contra a maioria. A ausência da democracia, 
e este é um termo moderno, compromete a vida do homem na terra 
e a vida da própria terra113. 
 
 Em 1983, tem início o movimento das Diretas Já, movimento popular que 
reivindicava eleições diretas para presidente. Betinho enxerga este como um momento 
simbólico da história política brasileira na conquista da democracia: 
 
Essa bandeira acendeu uma mobilização popular fantástica. Milhões 
de pessoas compareceram aos famosos ‘comícios pelas diretas’. Na 
minha opinião, esse foi um dos momentos mais bonitos da história 
brasileira. A população correu atrás do voto, e isso tem um enorme 
valor simbólico, um valor político. O golpe tirou do cidadão o 
direito de escolher o presidente, portanto, o direito de constituir o 
poder político. Com a luta pela eleição direta, o cidadão mostra que 
 
109 PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf acesso em 08 
de fevereiro de 2018. p. 41 
110 CIMI (Conselho Indigenista Missionário), CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na 
Agricultura), CPT (Comissão Pastoral da Terra), ABRA (Associação Brasileira pela Reforma Agrária) 
e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 
111 PANDOLFI, Dulce, GAZIR, Augusto, CORREA, Lucas. (orgs.). O Brasil de Betinho. Rio de 
Janeiro: mórula Editorial, 2012. Disponível em: http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download 
acesso em 08 de fevereiro de 2018. p. 145. 
112 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p.78 
113 SOUZA, Herbert de. Escritos indignados. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1993. 3a Ed. p. 108 
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download
 63 
quer recuperar plenamente esse direito. Aí, sim, seria o fim do 
golpe. Porque o presidente passaria a ser escolhido pelo cidadão. 114 
 
 Em 1985, o movimento é derrotado e é eleito indiretamente Tancredo Neves 
para presidente. Entretanto, antes que assumisse a presidência, Tancredo vem a 
falecer e assume seu vice, José Sarney. O governo Sarney, que se prolongou até 1989, 
teria sido, para Betinho, de aprofundamento das desigualdades sociais e, portanto, de 
grandes retrocessos para a democracia: 
 
O período Sarney foi um dos desgovernos mais prolongados da 
história brasileira, caracterizado pela produção da crise social mais 
profunda, pelo agravamento da crise econômica, por todas as 
tentativas de continuísmo e de desmoralização do processo de 
democratização em curso na sociedade. Em cinco anos consegue 
enviar para o sistema financeiro mundial mais de 56 milhões de 
dólares a título de juros e amortizações da dívida externa, enquanto 
aprofunda a falência do sistema público de ensino, saúde, habitação 
e saneamento115. 
 
 Historicamente ligado à oligarquias nordestinas, o governo Sarney teria 
diminuído os investimentos públicos e agravado a crise inflacionária e financeira do 
Brasil. Entretanto, garantiu o processo de transição política de um governo militar 
para um governo civil, sendo enfim sucedido por um Presidente da República 
democraticamente eleito. 
 
1.2.4. Diagnóstico do HIV e redemocratização 
 
 Tomando os retrocessos como propulsores para a ação, em 1987, Betinho 
participa da Campanha pela Aprovação de Emendas Populares na Assembleia 
Nacional Constituinte, que influenciaria no conteúdo do texto final da Constituição. 
Após anos de censura e repressão, as Emendas Populares foram uma iniciativa inédita 
na história brasileira. 
 
O processoconstituinte teve como protagonista uma sociedade civil 
que amargara mais de duas décadas de autoritarismo. Na euforia - 
saudável euforia - de recuperação das liberdades públicas, a 
 
114 SOUZA, Herbert de; RODRIGUES, Carla. Ética e cidadania. São Paulo: Moderna (Coleção 
Polêmica), 1994. p. 46 
115 SOUZA, Herbert de. Escritos indignados. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1993. 3a Ed. p. 26-
27 
 64 
Constituição foi um notável exercício de participação popular. 
Nesse sentido é inegável seu caráter democrático. 116 
 
 Albaneide Peixinho, nutricionista, militante da SAN e membro do CONSEA, 
em entrevista a nós concedida, conta ter se engajado na coleta de assinaturas para que 
temas relacionados à alimentação constassem na Constituição Federal de 1988: 
 
E nesse período a gente começou a fazer negociações para a 
Constituinte de 1988. E nessas negociações a gente fez com que 
alguns temas que a gente considerava fundamentais, que 
constassem na Constituição Federal, como o da alimentação 
escolar e a gente pegou muitas assinatura para poder negociar com 
as lideranças parlamentares e eu fazia parte dessa história. 
Obviamente não era eu sozinha, tinha muita gente envolvida no 
Brasil, mas aqui (em Brasília) tinha um grupo pequeno, mas muito 
atuante. Alguns itens que constam na Constituição sobre 
alimentação e nutrição foram fruto desse trabalho das entidades da 
nossa categoria profissional com outras também, não era só a 
gente. Enquanto a gente passava aqui, tinham grupos no Rio que 
também passavam esse mesmo abaixo-assinado, porque a gente 
tinha que arrecadar na época, eu não lembro quanto, mas era 
muita assinatura que a gente tinha que arrecadar para poder 
aprovar alguma coisa117. 
 
Fruto de múltiplos debates no Congresso Nacional, com a participação de 
movimentos sociais, sindicatos, entidades de classe, setor público e privado, Igrejas, 
entre tantos outros segmentos relevantes da sociedade civil brasileira, em 05 de 
outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal, também chamada de 
Constituição Cidadã. 
 Dois anos antes, em 1986, Betinho foi diagnosticado com o vírus HIV e 
anuncia publicamente sua condição de soropositivo. 
 
Como único precedente, um hemofílico de Porto Alegre havia 
assumido publicamente que era soropositivo. Mesmo os hemofílicos 
não ousavam fazê-lo. Nenhuma razão poderia justificar aquele 
silêncio, principalmente porque eu tinha uma ‘vantagem’ sobre os 
homossexuais: a ‘desculpa’ de ser hemofílico. A epidemia aparecia, 
acima de tudo, como um problema dos homossexuais e dos 
drogados, um pouco menos como um problema dos hemofílicos. Na 
 
116 BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição de 1988: a reconstrução democrática do 
Brasil. In: PINHEIRO, Júlio (et all). Uma homenagem aos 20 anos da Constituição Brasileira. 
Florianópolis: Fundação Boitex, 2008. p. 42 
117 Trecho da entrevista a nós concedida por Albaneide Peixinho em 05 de marco de 2018 via skype. 
 65 
nossa sociedade, a homossexualidade e a droga têm forte carga de 
discriminação e culpa. 118 
 
 Dessa forma, em dezembro de 1986, Betinho funda a Associação Brasileira 
Interdisciplinar de Aids (ABIA), sendo eleito o seu presidente. 
 
Mesmo sendo difícil afrontar a discriminação, eu tinha, entretanto, 
mais elementos para conhecer minha condição de soropositivo. Fui 
convidado por um médico americano e um pesquisador brasileiro 
para participar do Instituto Interdisciplinar de Prevenção da Aids 
nos Estados Unidos. Aceitei, com a condição de que fosse criada 
uma sucursal brasileira. Em dezembro de 1986 fundamos a ABIA, 
agrupando pessoas de todas as disciplinas, de todos os horizontes, 
com o objetivo de ampliar a visão sobre a aids, de não mais 
considerá-la somente sob o ângulo médico, mas da integração de 
todas as suas dimensões. Percebera imediatamente a gravidade do 
problema e decidira assumir um papel público, dando conferências 
e frequentes entrevistas. Durante dois anos, consagrei a essa tarefa 
boa parte da minha energia119. 
 
 Assim como Betinho, seus irmãos Henfil e Chico Mário contraíram o HIV por 
transfusão de sangue e vêm a falecer em 1988. O controle dos bancos de sangue no 
Brasil teria sido melhorado e deixado de ser comercializado após a morte de Henfil e 
por iniciativa de Betinho: 
 
No Brasil, não existia o controle do sangue: a aids era desconhecida. 
Ele não existia, aliás, para outras doenças. Assistimos ao comércio 
de sangue, uma irresponsabilidade total. O controle sanitário era 
totalmente ineficiente, sem equipamentos, com pouquíssimos 
funcionários à disposição. Nesse sentido, a aids salvou o sangue. 
Depois de todo o desastre, o controle foi melhorado. A morte do 
meu irmão teve algo a ver com isso, porque houve uma revolta: 
‘Como? O Henfil morreu?’. Os outros hemofílicos, infelizmente, 
não eram assim tão conhecidos. A partir de então, foi estabelecido o 
controle nos hemocentros120. 
 
 Para Cândido Grzybowsky: 
 
Há dois pólos que se unem, de formas diversas e até contraditórias, 
no relato de Betinho: a luta pela própria vida, tão frágil, e a luta pela 
vida de todos os outros, uma opção política que imprime sentido à 
sua vida pessoal. (...) A luta pela vida dos outros, agora na 
 
118 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p.79 
119 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p.79-80 
120 Idem. p.93 
 66 
maturidade, exprime-se na luta pela democracia, pelos valores 
éticos que fundamentam a democracia121. 
 
 
 Seguindo na militância, em 1988 Betinho coordena junto com o IBASE a 
campanha Se Liga , Rio, momento em que o Rio de Janeiro passava por grave crise 
financeira. Em 1995, Betinho também participaria do Reage, Rio, contra a onda de 
violência na cidade. Também nos anos 1990, Betinho lançou o projeto Se essa rua 
fosse minha, voltado para as crianças de rua do Rio de Janeiro122. 
 Em 1989, um ano após a promulgação da Constituição democrática, é eleito 
pelo voto popular, em disputa de segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva, 
Fernando Collor de Melo. Uma das primeiras medidas do presidente após sua posse 
foi o bloqueio da caderneta de poupança dos brasileiros, como parte de um plano 
econômico anti-inflação. Betinho foi radicalmente contra aquele governo: 
 
O objetivo maior do governo atual é transformar o Brasil num país 
de primeiro mundo. Em nome do paraíso capitalista do primeiro 
mundo se justifica tudo. O programa maior do governo é 
modernizar o capitalismo, internacionalizar a economia abrindo 
todas as suas portas para o mercado e os capitais mundiais, 
privatizar tudo o que for possível, reduzir o Estado à sua dimensão 
mínima. (...) No primeiro mundo capitalista, quando um presidente 
viola a Constituição é deposto pelo Congresso e o mundo não se 
acaba. No primeiro mundo capitalista não se bota a mão na conta 
corrente dos cidadãos (...) O caminho para o primeiro mundo passa 
pela descentralização do poder, pelo respeito total à Constituição, 
pelo fortalecimento do legislativo e judiciário, pela desprivatização 
do Estado, pela democratização e profissionalização do setor 
público123 
 
 O plano econômico anti-inflação do governo Collor foi um fracasso e em 1991 
o Brasil afundava na inflação e na recessão. Além disso, em abril de 1992, Pedro 
Collor, irmão do então Presidente, concedeu entrevista em que denunciava um 
enorme esquema de corrupção liderado pelo tesoureiro da campanha de Fernando 
Collor. Foi então instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar 
as acusações. 
 
 
121 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 9 
122PANDOLFI, Dulce, GAZIR, Augusto, CORREA, Lucas. (orgs.). O Brasil de Betinho. Rio de 
Janeiro: mórula Editorial, 2012. Disponível em: http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download 
acesso em 08 de fevereiro de 2018. p. 151. 
123 SOUZA, Herbert de. Escritos indignados. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1993. 3a Ed. p. 72-
75 
http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download
 67 
1.2.5. Movimento pela Ética na Política e Ação da Cidadania contra a Fome, a 
Miséria e pela Vida 
 
 Nessa conjuntura, nasce o Movimento pela Ética na Política. À princípio, 
reunindo um pequeno grupo de pessoas, se amplia e cumula na coalizão de 
novecentas organizações a favor da destituição do Presidente da República acusado de 
corrupção. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu entregar aos 
parlamentares o pedido de impeachment, assinado pelos conselheiros da entidade e 
outras personalidades. No dia 01 de setembro de 1992, centenas de pessoas se 
reuniram na sede da OAB em Brasília e seguiram em caminhada até o Congresso 
Nacional para entregar o pedido de destituição do Presidente da República. Os 
conselheiros da OAB, acompanhados por Betinho, foram à frente da passeata, de 
braços dados. Conforme iam caminhando, as pessoas iam aderindo. Quando chegaram 
na Praça dos Três Poderes, havia mais de três mil pessoas reunidas. 
 Em reação a este ato e à adesão da mídia ao Movimento pela Ética na Política, 
Collor solicita que a população demonstrasse seu apoio saindo às ruas vestindo as 
cores nacionais no domingo. Na sexta-feira, o Movimento pela Ética na Política 
organizou uma manifestação propondo que se vestissem de preto, em repudio ao 
Presidente. Segundo Betinho: 
 
Marcamos o encontro imaginando encontrar uns cinquenta 
manifestantes vestidos de preto, em sinal de luto. Mas milhares 
foram ao encontro! Vivi um dos momentos mais importantes da 
minha história: a ética havia triunfado. Tive a sensação de 
assistir à realização do impossível. Agora podíamos dizer: ‘nada é 
impossível, mesmo no Brasil!’ (grifo nosso) 124 
 
 Em outra análise sobre o Movimento pela Ética na Política, Betinho reitera sua 
observação de que o Movimento pela Ética na Política foi o triunfo da democracia: 
 
A luta pelo impeachment foi um movimento político, sério e 
pacífico, que queria tirar o presidente por meios legais, portanto, por 
meios políticos. Como esses meios não eram conhecidos nem 
praticados na política brasileira, o objetivo parecia mesmo 
impossível, mas o Movimento conseguiu alcançá-lo. A opinião 
pública estava altamente politizada, as pessoas foram para as ruas e 
as instituições funcionaram para realizar o impeachment. Eu diria 
que a batalha pelo impeachment representou o movimento mais 
 
124 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 103 
 68 
definitivo na luta pela redemocratização do Brasil. A sociedade fez 
a democracia funcionar125. 
 
 Surpresos e otimistas com tamanha mobilização popular, os representantes das 
organizações que integravam o movimento se reuniram e constataram que a força do 
Movimento estava na ética, e que a fome não combina com a ética. Surge então a 
frase ‘Democracia e Miséria são incompatíveis’. Betinho narra como nasceu a Ação 
da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida: 
 
Em uma reunião do Fórum de Ciências e Cultura do Rio de Janeiro, 
colocamos lenha na fogueira desse novo projeto. Um dos 
participantes, Dom Luciano Mendes de Almeida, pronunciou 
palavras que, depois, estruturaram nossa ação: ‘É uma ação’, disse 
ele, ‘a palavra ação deve estar presente. Ela vem da cidadania, se 
opõe à fome, à miséria e é pela vida. Eis o nosso movimento; cada 
palavra tem sua origem e o seu sentido concreto.’126 
 
 Dom Mauro Morelli é bispo da Igreja Católica e emérito residente da Diocese 
de Luz/MG, tendo ampla atuação na defesa dos direitos humanos. Contribuiu na 
criação do Movimento pela Ética na Política e na Ação da Cidadania contra a Fome, a 
Miséria e pela Vida. Em entrevista a nós concedida, relembra a criação da Ação da 
Cidadania: 
 
O Movimento pela Ética na Política chegou a seguinte conclusão: a 
corrupção é um estado em que não atende mais o bem comum. 
Oitava economia do mundo com 32 milhões de famintos, segundo 
dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Aplicada). Aí decidiram 
lançar um movimento pela alimentação e nutrição. Naquele 
momento nós vínhamos de um processo político de sonhar com a 
democracia. (...) e aí surgiu a Ação da Cidadania contra a Fome, a 
Miséria e pela Vida. Antes desse momento, em um primeiro 
momento, pela ética, quando eles chegaram à conclusão sobre a 
corrupção e aí criaram a Ação da Cidadania contra a Fome, a 
Miséria e pela Vida. Quem cunhou isso foi Dom Luciano Mendes, 
que era um dos integrantes da coordenação pela CNBB 
(Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros). No Rio 
transformaram isso em ONG, mas nunca foi pretendido ser uma 
ONG. Me desculpa quem fez, eu conheci. A Ação da Cidadania 
contra a Fome, a Miséria e pela Vida é um movimento autônomo, 
solidário, cada um se organiza à vontade. Ele tem uma autonomia, 
cada um se organiza e vai em frente. 127 
 
125 SOUZA, Herbert de; RODRIGUES, Carla. Ética e cidadania. São Paulo: Moderna (Coleção 
Polêmica), 1994. p. 51 
126 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 104 
127 Trecho de entrevista a nós concedida por Dom Mauro Morelli em 20 de novembro de 2017 na 
Paróquia São Roque, no município de São Roque de Minas MG. 
 69 
 
 O combate à fome e à redução das desigualdades sociais ganham destaque na 
política nacional e com o respaldo da sociedade civil, em março de 1992, é criada a 
Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, movimento totalmente 
independente do governo, de partidos políticos e das Igrejas, que pregava um trabalho 
descentralizado, sem hierarquia, em que os cidadãos seriam os protagonistas. A Ação 
da Cidadania foi oficilamente lançada com a Carta da Ação da Cidadania, em 24 de 
abril de 1993, assinada por Betinho e outros ativistas, em que denunciam a fome e a 
miséria de milhões de brasileiros e fazem um chamado à mobilização de toda a 
população: 
 
Chegou a hora de colocar um basta nesse processo insensato e 
genocida gerador da miséria absoluta que coloca milhões de pessoas 
nos limites insuportáveis da fome e do desespero. (...) A sociedade 
brasileira definiu a erradicação da miséria como sua prioridade 
absoluta. Esse é o clamor ético de nossos tempos, ao qual tudo o 
mais deve se subordinar. Essa deve ser a prioridade da sociedade e 
do Estado. (...) Não se pode viver em paz em situação de guerra. 
Não se pode comer tranquilo em meio à fome generalizada. (...) A 
insanidade de um país que marginalizou a maioria deve terminar 
agora128. 
 
 Como forma de organizar as doações e insistindo na descentralização do 
movimento, foram criados comitês, que reuniam pessoas por atividade profissional, 
local de trabalho, moradia, pertencimento à escola, igreja, dentre outros, sendo que 
cada comitê deveria definir sua linha de conduta, só prestando contas à própria 
sociedade. Aos comitês caberia mobilizar a sociedade, interpelar e pressionar o 
Estado no sentido de mudar o quadro social existente. A orientação seria de que cada 
comitê fizesse um mapeamento da pobreza e da produção de alimentos em sua região 
com um levantamento de entidades ou pessoas que promovessem algum tipo de 
trabalho relacionado ao combate à fome, além de um planejamento de suas atividades. 
Havia, em 1994, mais de cinco mil comitês espalhados por todo o Brasil129. Segundo 
 
128 Trechos da Carta da Ação da Cidadania. Disponível em: PANDOLFI, Dulce, GAZIR, Augusto, 
CORREA, Lucas. (orgs.). O Brasil de Betinho.Rio de Janeiro: mórula Editorial, 2012. Disponível 
em: http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download acesso em 10 de março de 2018. p. 164. 
129 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). I Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Relatório Final). Brasília: CONSEA, 1995. p. 12 
http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download
 70 
Betinho, “Tal esforço, com essas características, jamais havia sido tentado no 
Brasil”130. 
 
O sucesso da Ação da Cidadania nos seus primeiros meses de 
existência era inegável. Sua grande repercussão foi amplamente 
confirmada por pesquisa do Ibope, realizada durante a segunda 
metade de dezembro de 1993, quando foram entrevistadas 2.000 
pessoas maiores de 16 anos em várias cidades brasileiras. A 
pergunta-chave era muito objetiva: “O (a) Sr. (a) conhece ou ouviu 
falar alguma coisa sobre a campanha nacional contra a fome e pela 
vida, coordenada pelo sociólogo Betinho?”. Os resultados, 
divulgados em meados de janeiro de 1994, impressionaram: 93% 
dos entrevistados consideraram a campanha necessária, 68% já 
tinham ouvido falar dela, 32% dela participaram ou para ela 
contribuíram de algum modo e 11% o fizeram enquanto membro de 
algum comitê. Em todo o Brasil, estimava-se existir, ao final de 
1993, cerca de três mil comitês, distribuídos por 22 dos 27 Estados 
da federação, concentrados nos Estados do Rio de Janeiro, São 
Paulo, Minas Gerais e Pernambuco131. 
 
 A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida foi um dos mais 
importantes movimentos sociais do país na década de 1990 e teria sido, dentre todas 
as campanhas em que Betinho se envolveu, a que alcançou maior repercussão nos 
meios de comunicação e a que teria tido a maior participação dos brasileiros132. 
 Em 09 de agosto de 1997, cercado da família e de amigos, Betinho falece em 
sua casa, no Rio de Janeiro, em decorrência da aids. Como reconhecimento por sua 
luta pela cidadania, Betinho recebeu inúmeros prêmios, dentre eles: em 1991, o 
Prêmio Global 500, um dos mais importantes prêmios ambientais, oferecido pela 
ONU; em 1993, recebeu do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) o 
Prêmio Crianças e Paz, concedido em reconhecimento ao seu trabalho em defesa das 
crianças brasileiras; em 1996, recebeu o título de doutor honoris causa da 
Universidade de York. 
 Além da campanha contra a fome, Betinho levantou outras bandeiras, como a 
reforma agrária, a aids, o meio ambiente, os problemas da cidade do Rio de Janeiro. 
Todas as suas pautas convergiam para a imprescindível necessidade de mobilização 
social. Após o exílio, a vivência da queda de dois presidentes eleitos e a experiencia 
com a democracia canadense, Betinho teria consciência de que a mudança deve vir de 
 
130 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 105 
131 PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf acesso em 08 
de fevereiro de 2018. p. 183 
132Idem. p. 179 
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
 71 
uma sociedade forte e atuante. E foi esta a motivação por detrás de todas as causas 
pelas quais lutou. 
 
 
1.3. Década de 1990: reconhecimento da Segurança Alimentar e 
Nutricional à margem do governo federal 
 
Fruto da recente redemocratização e do anseio por mudanças políticas e 
sociais, em 1991 durante o governo de Fernando Collor de Mello, é instituída a 
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fome, que “solicita a criação de CPI 
destinada a examinar as causas da fome e a iminente ameaça à segurança 
alimentar”133. No mesmo ano, é constituído o Governo Paralelo, movimento criado 
pelo Partido dos Trabalhadores (PT) sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, 
após sua derrota às eleições presidenciais de 1989, para apresentar propostas 
alternativas de políticas públicas, enquanto acompanhava, criticamente, o governo de 
Fernando Collor de Mello134. 
Albaneide Peixinho foi uma das integrantes do Governo Paralelo e conta a 
forma como se deu sua criação: 
 
Nesse período a gente começou a escrever junto com um grupo e o 
pai do Graziano trabalhava no INCRA (Instituto Nacional de 
Colonização e Reforma Agrária) e ele era aquele militante da 
reforma agrária então a gente fez um documento. Quando o Collor 
ganhou a eleição, o PT criou o Governo Paralelo, que resolveu 
escrever um documento sobre o que achava sobre a questão da 
fome, da segurança alimentar e nutricional, dentre outras coisas. 
Esse grupo se reunia pra ver o que a gente deveria escrever. A 
ideia inicial não era nem entregar este documento para o Collor, 
porque com o Collor não tinha condições de negociação, era ser 
oposição mesmo e para ser oposição a gente tinha que ter 
propostas concretas para poder ir para o enfrentamento nas 
discussões. E eu fiz parte da elaboração deste documento e várias 
outras pessoas escreveram. Mas a parte da nutrição foi escrita 
muito por a gente mesmo... eu, Rosane, Iara e a gente escrevia e 
passava para o pai do Graziano, que escrevia a parte da 
 
133 Câmara dos Deputados. Requerimento de Institição de CPI 5/1991. Disponível em: 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=238050. Acesso em 23 de 
janeiro de 2018. 
134 Disponível em: http://www.institutolula.org/historia. Acesso em janeiro de 2016. 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=238050
http://www.institutolula.org/historia
 72 
agricultura. Depois o Collor cai e eles entregaram (este 
documento) para o Itamar, que criou o primeiro CONSEA135. 
 
Renato Maluf também integrou o Governo Paralelo e corrobora com a 
narrativa de Peixinho: 
 
Logo depois da eleição em 1989, o Lula criou o Governo Paralelo 
com espécies de Ministérios. Foi uma tentativa de replicar a 
experiência inglesa do ‘gabinete sombra’, o shadow cabinet, mas lá 
tem a ver com o parlamentarismo, aqui não tem parlamentarismo. 
Mas ele construiu um governo, uma espécie de um governo paralelo 
com ministros. E o José Gomes da Silva (que é o pai do Graziano) 
era o Ministro da Agricultura e Alimentos e neste “ministério” 
tinham três grupos: um grupo que tratava da questão agrária, um 
da questão agrícola e nós, da segurança alimentar. Neste grupo 
que a gente produziu a primeira proposta de segurança alimentar, 
que foi a proposta que o Lula entregou para o Itamar. E foi um dos 
documentos que forneceu subsídios para a montagem do primeiro 
CONSEA, em 1993. Então esse é um documento de 1991, do 
Governo Paralelo, que um pouco alimentou, forneceu subsídios 
para a campanha do Betinho, da Ação da Cidadania, era naquele 
contexto.136 
 
 Em uma de suas publicações sobre SAN, Maluf faz menção à I Conferencia 
Nacional de Alimentação e Nutrição, realizada em 1986, como um dos embriões da 
proposta que levaria à criação do CONSEA, em 1993: 
 
A Conferência lançou um conjunto de proposições que também se 
tornaram referências permanentes, estando na origem da posterior 
incorporação do adjetivo ‘nutricional’ à noção de Segurança 
Alimentar entre nós. Ela propunha a instituição de um Conselho 
Nacional de Alimentação e Nutrição que formulasse a Política 
Nacional de Alimentação e Nutrição, que viria a ser adotada, 
oficialmente, em 1999. O formato do Conselho e várias das 
diretrizes da política sugerida eram bastante próximas da proposição 
antes referida. Nota-se, ainda, que a Conferência sugeriu a 
instituição de um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e 
Nutricional integrado por Conselhos e Sistemas nas esferas estadual 
e municipal, proposição que viria a ser retomada em 2004, pela II 
Conferência Nacional de SAN e pelo CONSEA137. 
 
 Flavio Valente tambémfoi um dos fundadores do Governo Paralelo e 
corrobora com a afirmação de que a proposta de um Conselho Nacional de Segurança 
 
135 Trecho da entrevista a nós concedida por Albaneide Peixinho em março de 2018 via skype 
136 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa de Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agrário, Agricultura e Sociedade 
(CPDA/UFRRJ) 
137 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 81 
 73 
Alimentar e Nutricional remontaria à I Conferencia Nacional de Alimentação e 
Nutrição: 
 
Então em 1986 teve uma Conferência Nacional de Alimentação e 
Nutrição, no qual eu fui o coordenador operativo, foi o Conselho do 
INAN (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição) que decidiu 
fazer. O INAN apoiou e nós convidamos todos os setores do 
governo que trabalhavam com nutrição, a comparecer, foi um pré-
CONSEA, vamos dizer assim. E foi a primeira vez que nós todos 
nos reunimos. Foi a primeira vez que se reuniu governo e sociedade 
civil. Foi o primeiro espaço de articulação do que viria a ser o 
CONSEA futuro. Inclusive se você ler o documento final, tem uma 
proposta de Conselho, mas não se chamava Conselho Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional, mas Conselho Nacional de 
Alimentação e Nutrição, que era ligado ao SUS (Sistema Único de 
Saúde). Eu considero um documento inovador. Levanta inclusive o 
direito humano à alimentação, é a primeira vez que aparece o 
direito humano à alimentação e à saúde. Inclusive eu tenho a honra 
porque fui eu quem assinei o relatório. Em 1988 foi a primeira vez 
que o Lula foi candidato e nós que estávamos nesse grupo, eu, o 
Chico (Menezes), o (José Roberto) Escórcio, o (Renato) Maluf, o 
Graziano, elaboramos uma proposta nacional de Segurança 
Alimentar e Nutricional para o Governo Paralelo. Foi aí que pela 
primeira vez eu participei de uma discussão sobre Segurança 
Alimentar e Nutricional138. 
 
 Entendemos, assim, que a primeira menção para a criação de um Conselho 
Nacional de SAN teria ocorrido durante a I Conferencia Nacional de Alimentação e 
Nutrição, que teria dado ensejo à elaboração, por ativistas do Governo Paralelo, do 
documento entregue por Luiz Inácio Lula da Silva ao então presidente Itamar Franco. 
Segundo Betinho: 
 
Lula foi recebido pelo presidente Itamar Franco, e lhe propôs uma 
campanha contra a fome pela criação de um Conselho de Segurança 
Alimentar. O presidente aceitou. A ideia veio do PT, mas Lula 
recusou-se a dirigir a campanha e citou meu nome, em meio aos de 
outras personalidades. Itamar Franco me convidou para encabeçar 
uma espécie de Ministério da Fome. Recusei, já que não consigo 
pertencer ao poder, tenho uma aversão inata. Indiquei Dom Mauro 
Morelli, bispo de Duque de Caxias139. 
 
 Flávio Valente, que contribuiu na elaboração do documento entregue à Itamar 
Franco, valida a narrativa de Betinho: 
 
 
138 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
139 SOUZA, Herbert de. Revoluções da minha geração. São Paulo: Moderna, 1996. p. 104 
 74 
Em 1992, quando o Collor foi impedido, o Lula se aproximou do 
Itamar e o Itamar queria que o Lula participasse do governo e o 
Lula, ao invés de participar do governo sugeriu a criação do 
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e o Itamar aceitou a 
proposta. Quem entregou a proposta fui eu, o (Renato) Maluf e o 
Pedro Simon. A gente fez uma apresentação para o Itamar e ele 
convidou o Lula para ser o presidente do CONSEA. O Lula não 
aceitou, aí ele convidou o Betinho. O Betinho não aceitou e aí foi o 
Dom Mauro. (...) Quando ele (Betinho) foi convidado para ser o 
presidente do CONSEA, ele não gostava de governo. Ele ficou 
preocupado e falou: ‘não, eu não quero ser não, estou muito 
doente’, e indicou o Dom Mauro. Então o Dom Mauro assumiu e eu 
fui ser assessor técnico do Dom Mauro na presidência do 
CONSEA140 
 
 Temos assim, de um lado, um contexto político neoliberal com Itamar Franco 
na Presidência da República e de outro, setores da sociedade civil, como o Governo 
Paralelo e a Ação da Cidadania, no pleito por um projeto político mais participativo. 
Representantes da sociedade civil entrevistados à época do governo Itamar Franco, 
elencaram três possíveis razões para o aceite na criação do CONSEA: 
 
i) a pressão exercida pela conjuntura da época, de mobilização 
social; ii) a sensibilidade pessoal de Itamar Franco, que se colocava 
muito ‘aberto’ ao diálogo com a sociedade civil; iii) a necessidade 
de legitimidade social do governo Itamar Franco, tendo em vista 
que ele era vice de Collor e havia assumido mediante o 
impeachment daquele Presidente.141 
 
 Dessa forma, atendendo aos anseios da sociedade civil por mais participação 
nas esferas de debate e deliberação das questões relacionadas à SAN, é criado em 24 
de abril de 1993, via Decreto 807/1993, o Conselho Nacional de Segurança 
Alimentar. O CONSEA seria um órgão de caráter consultivo, vinculado à Presidência 
da República e composto por nove ministros (da Justiça, da Educação, da Cultura, da 
Fazenda, da Saúde, da Agricultura, do Trabalho, do Bem-Estar Social e do 
Planejamento) e vinte e um representantes da sociedade civil designados por iniciativa 
do Presidente da República a partir de indicações do Movimento pela Ética na 
Política, além do Secretário Geral da Presidência da República. 
 
140 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
141 ZIMMERMANN, Silvia A. A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de 
Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política. Tese 
(Doutorado). Rio de Janeiro: UFRRJ, 2011. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2011. p. 24 
 75 
 O CONSEA, na época, teria constituído uma forma bastante inovadora de 
parceria entre sociedade civil e Estado na busca por soluções para o problema da 
fome e da miséria no pais142. Seu objetivo, de acordo com o artigo 2o do Decreto 
807/1993, era propor e opinar sobre: 
 
I - ações voltadas para o combate à fome e o atingimento de 
condições plenas de segurança alimentar no Brasil, no âmbito do 
setor governamental e não-governamental; 
II - medidas capazes de incentivar a parceria e integração entre os 
órgãos públicos e privados, nacionais e internacionais, visando a 
garantir a mobilização e racionalização do uso dos recursos, bem 
como a complementariedade das ações desenvolvidas; 
III - campanhas de conscientização da opinião pública para o 
combate à fome e à miséria, com vistas à conjugação de esforços do 
governo e da sociedade; 
IV - iniciativas de estímulo e apoio à criação de comitês estaduais e 
municipais de combate à fome e à miséria, bem como para a 
unificação e articulação de ações governamentais conjuntas entre 
órgãos e pessoas da Administração Pública Federal direta e indireta 
e de entidades representativas da sociedade civil, no âmbito das 
matérias arroladas nos incisos anteriores. 
 
O primeiro CONSEA teve como presidente o bispo da Igreja Católica, Dom 
Mauro Morelli, que à época era bispo da Diocese de Duque de Caxias. Em entrevista 
a nos concedida, Dom Mauro Morelli relembra sua atuação no combate à fome com 
Betinho: 
 
O IBASE começou ao mesmo tempo que a diocese de Duque de 
Caxias. O Betinho voltou do exílio e em 1981 ele começou o IBASE. 
Então a gente se aproximou. Eu participava sempre no IBASE das 
reuniões de conjuntura. O Betinho juntava todo mês umas cabeças 
para avaliar a realidade, pensar o que estavaacontecendo... Então 
ali a gente teve uma escola muito boa, um grupo que pensava bem, 
heterogêneo. Eu me lembro de uma reunião em que nós estávamos 
em torno de quarenta pessoas. Tinha de todas as tendências 
ideológicas, religiosas, até ateus e tudo. Eu sei que em um momento 
alguém chegou e disse assim: ‘o único aqui que pode falar por 
todos nós é o nosso bispo’. Eu adquiri uma capacidade, de, 
firmando a minha identidade, de ter uma relação muito boa de 
todas as tendências. Eu dizia: ‘nós estamos unidos contra a 
ditadura. Nós temos diferenças entre nós, no futuro elas vão ficar 
explícitas e podem até estar em campos opostos, mas agora nós nos 
 
142 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 83 
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11888843/art-2-inc-i-do-decreto-807-93
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11888808/art-2-inc-ii-do-decreto-807-93
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11888781/art-2-inc-iii-do-decreto-807-93
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11888746/art-2-inc-iv-do-decreto-807-93
 76 
unimos. O que nos une? O que nos une é a dignidade humana, é o 
respeito à vida, à liberdade, à participação’143. 
 
A atuação de Dom Mauro Morelli junto aos militantes da temática da SAN 
remontaria à década de 1980. Morelli afirma ter sido convidado a ser vice-presidente 
de Luiz Inácio Lula da Silva na candidatura de 1989: 
Eu fui do Governo Paralelo. Eu deveria ter sido vice-presidente do 
Lula na primeira vez, na primeira campanha dele e eu não aceitei. 
Eu fui convidado. Havia o Sétimo Encontro Intereclesial em Duque 
de Caxias em 1989 e eu não deveria aceitar e não aceitei, senão eu 
detonaria tudo, né? Mas eu participei do Governo Paralelo e todo 
mês nós tínhamos em São Paulo reuniões para trabalhar a questão 
do futuro governo nas questões144. 
 
A atuação contundente de Morelli na temática da SAN o leva a ser nomeado à 
presidência do primeiro CONSEA. Entretanto, tal nomeação teria ocorrido após a 
recusa de Betinho em assumir o cargo, que participa do CONSEA como representante 
da sociedade civil. De acordo com Dom Mauro Morelli: 
 
A Secretaria, a coordenação começa com o Itamar e o Itamar 
aceitou uma parceria. E como o Betinho tinha dificuldade de viajar 
constantemente, nessa coordenação nacional chegaram a dois 
nomes: o doutor (Marcelo) Lavenère, que tinha sido um dos dois 
advogados que entrou com um processo de impeachment e Dom 
Mauro Morelli. Como não ficava bem para o Lavenère ficar ao 
lado do Itamar Franco (não ficava bem, né? Ele derrubou lá e 
agora entra aqui), então o Betinho me telefona: ‘Dom Mauro, nós 
estamos organizando aqui e chegamos a uma decisão que o senhor 
será o Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar 
aqui em Brasília e vai coordenar a execução de tudo isso que nós 
estamos amarrando com o Itamar. Eu falei: ‘tudo bem, vamos 
lá!’145. 
 
A narrativa de Dom Mauro Morelli mostra que a presidência deste primeiro 
CONSEA se deu por indicação, ao contrário do que ocorre atualmente, em que o 
presidente do CONSEA deve advir da sociedade civil e deve ser eleito pelos 
conselheiros representantes da sociedade civil. 
 
143 Trecho da entrevista a nós concedida por Dom Mauro Morelli em 20 de novembro de 2017 na 
Paróquia São Roque, no município de São Roque de Minas MG 
144 Trecho da entrevista a nós concedida por Dom Mauro Morelli em 20 de novembro de 2017 na 
Paróquia São Roque, no município de São Roque de Minas MG 
145 Idem 
 77 
Este primeiro CONSEA, embora tenha tido menos de dois anos de duração, 
(abril de 1993 – janeiro de 1995), incorporou formalmente na agenda do governo 
federal a questão da Segurança Alimentar e realizou a I Conferência Nacional de 
SAN. 
A I Conferência Nacional de SAN teria sido antecipada por um processo de 
discussão de âmbito nacional sobre a problemática alimentar e de conscientização 
sobre a dimensão da fome no Brasil, tendo ocorrido entre os dias 27 a 30 de julho de 
1994, em Brasília. A Conferência recebeu contribuições das conferências realizadas 
em todos os Estados e dos comitês de empresas públicas e universidades146. 
Em 1993, Betinho cria o Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e 
pela Vida, tendo como objetivo reunir organizações e sensibilizá-las a encontrar suas 
próprias formas de atuação na sociedade. Este Comitê teria dado contribuições 
importantes na produção de documentos na organização da I Conferência Nacional de 
SAN147. 
 
Figura 3: Dom Mauro Morelli (em pé) na 1a Conferência Nacional de SAN, com Betinho (no 
canto esquerdo) 
Fonte: PANDOLFI, Dulce, GAZIR, Augusto, CORREA, Lucas. (orgs.). O Brasil de Betinho. Rio 
de Janeiro: Mórula Editorial, 2012. p. 170 
Disponível em: http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download Acesso em fevereiro de 2018. 
 
O primeiro CONSEA, além de promover a I Conferência Nacional de SAN, 
lançou, em dezembro de 1994, o documento Diretrizes para uma Política Nacional 
de Segurança Alimentar – As Dez Prioridades, que fornecia uma proposta inicial para 
 
146 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 83 
147 Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN). Estruturando o Sistema 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) Brasília: CAISAN, 2011. p. 18. 
http://www.ibase.br/obrasildebetinho/#download
 78 
a definição das prioridades na construção de uma Política Nacional de Segurança 
Alimentar. 
A curta duração do primeiro CONSEA e o êxito relativo de suas proposições 
poderiam ser elencados em quatros fatores principais, segundo Maluf: 
 
A novidade do tema, o caráter de transição do governo Itamar, a 
zelosa resistência dos controladores da política econômica e, 
reconheça-se, a frágil atuação da maioria dos conselheiros, tanto os 
oriundos do governo quanto os da sociedade civil. A débil 
repercussão da extinção do Conselho confirma o limitado 
enraizamento social daquela primeira e breve experiência. 148 
 
 Em entrevista à nós concedida, Maluf ratifica esta argumentação da 
importância do primeiro CONSEA, mas de sua relativa eficácia: 
 
Aquele (CONSEA) de 1994 foi uma experiência precursora, muito 
importante, que durou dois anos. Quando foi desfeita, quase 
ninguém chiou, exceto eu, Dom Mauro e não sei mais quem. Então 
os conselheiros foram parar no Comunidade Solidária, o Betinho 
não quis continuar... não houve uma reação que você dissesse 
assim ‘os conselheiros se indignaram’, não senti isso não... por isso 
que todo o reconhecimento da importância da primeira experiência 
de fato é o CONSEA de 2003, que é o marco institucional. 149 
 
Zimmermann, em sua tese de doutorado em que analisa as Conferências 
Nacionais de SAN, elenca duas possibilidades para que a extinção deste primeiro 
CONSEA fosse recebida sem resistência: i) o CONSEA, enquanto materialização da 
parceria entre governo e sociedade civil não teria sido suficientemente compreendido, 
já que estava inserido em uma mobilização que se caracterizava por iniciativas 
pessoais e com baixo grau de consciência política; e ii) a ilusão produzida pelo Plano 
Real, de que os problemas sociais tinham sido superados com o fim da inflação, 
inaugurou um novo período de desmobilização social, que permitiu também que a 
sociedade civil envolvida no CONSEA não esboçasse reação à extinção do 
Conselho150. Desta forma, em dezembro de 1994, o Presidente da República recém 
 
148 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 84 
149 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa de Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agrário, Agricultura e Sociedade 
(CPDA/UFRRJ) 
150 ZIMMERMANN,Silvia A. A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de 
Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política. Tese 
(Doutorado). Rio de Janeiro: UFRRJ, 2011. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2011. p. 25 
 79 
eleito, Fernando Henrique Cardoso, extingue o CONSEA e cria, em subistituição, o 
Programa Comunidade Solidária. 
No contexto internacional, o debate sobre a fome e a alimentação também 
prossegue e em 1992 ocorre a Conferência Internacional de Nutrição, por iniciativa da 
FAO e da OMS. Nesta Conferência, agrega-se definitivamente o aspecto nutricional e 
sanitário ao conceito alimentar com enfoque na importância do acesso aos alimentos 
nutricionalmente adequados e seguros para o bem-estar individual e para o 
desenvolvimento nacional, social e econômico 151 . Notamos, assim, um 
amadurecimento dos debates na temática alimentar. Também em âmbito 
internacional, em 1993, é realizada em Viena, a Conferência Internacional de Direitos 
Humanos, que reafirma a indivisibilidade dos direitos humanos, já consagrada em 
1948 na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
 No Brasil, em junho de 1992, é realizada a Conferência das Nações Unidas 
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92. 
Realizada vinte anos após a primeira Conferência sobre meio ambiente, a ECO-92 
reuniu representantes de cento e setenta e oito países do mundo e o IBASE ficou 
responsável pela instalação de rede de computadores em todos os espaços da 
Conferência. 
 
1.3.1. Programa Comunidade Solidária 
 
 O Programa Comunidade Solidária foi criado através do Decreto 1.366 de 12 
de janeiro de 1995. Neste Programa, a presidência é indicada pelo Presidente da 
República, ao contrário do que ocorreu no primeiro CONSEA e que passou a ocorrer 
nos demais CONSEAs, em que o presidente do Conselho é um membro da sociedade 
civil. No Programa Comunidade Solidária, Fernando Henrique Cardoso indicou para 
a presidência sua esposa, a primeira-dama, Ruth Cardoso. 
 Dom Mauro Morelli nos narrou seu encontro com o então Ministro das 
Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso, antes da criação do Programa 
Comunidade Solidária, para averiguar a possível continuidade do CONSEA: 
 
 
151 ZIMMERMANN, Silvia A. A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de 
Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política. Tese 
(Doutorado). Rio de Janeiro: UFRRJ, 2011. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2011. p. 62 
 80 
Aí quando o Fernando Henrique é eleito eu pedi uma audiência e 
fui recebido no Palácio da Alvorada. Ele me recebeu lá, estavam o 
Marco Maciel, uma turma do Nordeste e eu disse: ‘Presidente, o 
nosso Conselho tem duas matrizes: uma [advinda do] Presidente da 
República e outra [do] Movimento pela Ética, há um acordo. A 
nossa composição foi assim, por isso não renunciamos 
coletivamente. Cabe ao senhor, que é o novo presidente, reunir o 
Movimento e decidir: continua ou não continua’. Ele disse: ‘Dom 
Mauro, continua. Depois da posse eu chamo o senhor’. Até ele me 
disse: ‘O que o senhor acha de nomear este...’. Eu não achei nada. 
Aí eu desci a rampa com o Itamar, fui na recepção do Fernando 
Henrique no Itamarati, que é convite, né?, depois fui para o Rio e 
voltei lá uns dias depois e o Fernando Henrique nunca me chamou. 
A Ana Peliano veio me comunicar depois que ele iria criar o 
Comunidade Solidária152. 
 
 O Programa Comunidade Solidária incorporou alguns nomes da equipe do 
CONSEA, entre os quais o próprio Betinho. Dom Mauro Morelli, conforme 
mencionado, não foi chamado e nos narrou seu encontro com a primeira-dama, que 
teria contratado grande parte da equipe do extinto CONSEA, com a exceção dele: 
 
A estrutura que a esposa do Fernando Henrique, a Dona Ruth 
Cardoso tinha, o escritório dela era ao lado do prédio da catedral, 
o último prédio do Ministério. O meu era no Palácio do Planalto, 
tinha essa diferença. A minha equipe foi trabalhar com ela. Eu fui 
lá visitá-la um dia. Eu disse: ‘Dona Ruth, a senhora tem uma 
grande confiança em mim’ ela disse: ‘como assim?’ ‘porque toda a 
sua equipe trabalhou comigo’. O pessoal todo estava lá, mas nunca 
me chamou para nada. 153 
 
 No dia da posse de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, 
em 1o de janeiro de 1995, Betinho lhe entregou a ‘Carta da Terra’, documento em que 
denunciava a concentração de terras no Brasil e procurava comprometer o novo 
governo com a solução do problema. Entretanto, a prioridade do governo seria o 
Plano Real, que estabilizara a economia. Desta forma, mesmo participando do 
Programa Comunidade Solidária, Betinho fazia críticas ao governo. Após um ano de 
participação, Betinho se desliga do Programa154. 
 O Programa Comunidade Solidária englobaria duas propostas distintas, mas 
complementares: a do Conselho Comunidade Solidária, presidido pela então primeira-
 
152 Trecho da entrevista concedida por Dom Mauro Morelli em 20 de novembro de 2017 na Paróquia 
São Roque, no município de São Roque de Minas MG 
153 Idem 
154 PANDOLFI, Dulce e HEYMANN, Luciana. (orgs). Um abraço, Betinho. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2005. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf acesso em 08 
de fevereiro de 2018. p. 185 
http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1496.pdf
 81 
dama Ruth Cardoso, e que tinha como objetivo central a articulação e a interlocução 
entre o Estado e a sociedade civil, e a da Secretaria Executiva do Comunidade 
Solidária, subordinada ao Conselho Comunidade Solidária e coordenada por Anna 
Maria Medeiros Peliano, que teria uma agenda básica de implementação de 
programas sociais nos municípios mais pobres do país, visando ações integradas nos 
três níveis da Federação155. 
O Decreto 2.999 de 25 de marco de 1999, estabelece em seu artigo 1o, o 
objetivo do Conselho da Comunidade Solidária: 
 
O Conselho da Comunidade Solidária tem por finalidade promover 
o diálogo político e parcerias entre governo e sociedade para o 
enfrentamento da pobreza e da exclusão, por intermédio de 
iniciativas inovadoras de desenvolvimento social. 
 
O Conselho do Comunidade Solidária não teria priorizado os temas da SAN 
como teria feito o CONSEA156 por se tratar de um Conselho de políticas sociais não 
voltado exclusivamente à SAN. O primeiro mandato deste Conselho (1995-1998) 
manteve de forma limitada as políticas públicas de combate à fome e à miséria, e no 
segundo mandato (1998-2002), teria havido menos diálogo com o institutos e 
organizações não governamentais ligadas ao tema, como o IBASE, por exemplo157. 
 As principais críticas ao Programa Comunidade Solidária seriam o uso 
clientelista das políticas de SAN e a desarticulação das parcerias e alianças 
consolidadas anteriormente no âmbito do CONSEA. Entretanto, alguns avanços 
importantes devem ser mencionados durante sua vigência, como a implementação do 
Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF), em 1996, e a 
aprovação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), em 1999158. 
 
155 PERES, Thais Helena de Alcântara. Comunidade Solidária: a proposta de um outro modelo para as 
políticas sociais. Revista de Ciências Sociais, v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005. p. 114 
156 CUSTÓDIO, Marta Battaglia; FURQUIM, Nelson Roberto; SANTOS, Greice Maria Mansini dos; 
CYRILLO, Denise Cavallini. Segurança Alimentar e Nutricional e a construção de sua política: uma 
visão histórica. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, a. 18, n. 1, p. 1-10, 2011. Disponível 
em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/63527/1/1-Seguranca-alimentar-13-06-
2011.pdf Acesso em 10 /04/2018. p. 05 
157 NASCIMENTO,R.C. O Papel do CONSEA na Construção da Política e do Sistema Nacional 
de Segurança Alimentar e Nutricional. 2012. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e 
Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. p. 25 
158 CUSTÓDIO, Marta Battaglia; FURQUIM, Nelson Roberto; SANTOS, Greice Maria Mansini dos; 
CYRILLO, Denise Cavallini. Segurança Alimentar e Nutricional e a construção de sua política: uma 
visão histórica. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, a. 18, n. 1, p. 1-10, 2011. Disponível 
em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/63527/1/1-Seguranca-alimentar-13-06-
2011.pdf Acesso em 10 /04/2018. p. 05 
 82 
 O PRONAF foi implementado com o intuito de direcionar recursos para os 
agricultores familiares, em três modalidades: crédito, infraestrutura/serviços 
municipais e capacitação. A PNAN seria um compromisso do Ministério da Saúde 
com os males relacionados à escassez alimentar e à pobreza, sobretudo a desnutrição 
infantil e materna, assim como o complexo quadro dos excessos já configurado no 
Brasil pelas altas taxas de prevalência de sobrepeso e obesidade na população adulta. 
A PNAN previa sua atuação a partir do engajamento de pessoas, instituições 
governamentais e não-governamentais que atuassem no campo da alimentação e 
nutrição, servindo como marco conceitual de ação governamental. 
 
1.3.2. Cúpula Mundial de Alimentação 
 
Em novembro de 1996, é realizada em Roma, a Cúpula Mundial da 
Alimentação (World Food Summit), organizada pela FAO, que contou com a 
participação de 185 países e da Comunidade Européia. A organização do evento 
solicitava que os países participantes entregassem um relatório sobre a situação 
alimentar e da desnutrição em seus países. Nesta ocasião, estabeleceu-se no Brasil um 
Comitê Técnico Interministerial, que contou com a participação, além do Estado, da 
sociedade civil e da iniciativa privada, que em conjunto elaboraram o documento 
brasileiro a ser apresentado à Cúpula. Francisco Menezes, ex-presidente do CONSEA 
Nacional, participou da elaboração do documento e esteve na Cúpula Mundial da 
Alimentação como representante da sociedade civil e relembra: 
 
Se formou um grupo para escrever a proposta brasileira para a 
Cúpula Mundial de Alimentação. Nós escrevemos e inclusive o 
relator foi o Renato (Maluf). O Renato quem fez a redação. Foram 
longas discussões, havia temas polêmicos envolvidos. O direito à 
alimentação tinha muita discussão de alguns setores do governo 
Fernando Henrique, setores mais ligados à economia, entende? 
Depois o aspecto do acesso à alimentação, havia alguns que davam 
muita ênfase, outros que incorporavam outros componentes, então 
havia uma diversidade de opiniões, mas se conseguiu chegar a um 
documento comum e foi o documento oficial brasileiro levado. Mas 
nós ficamos muito decepcionados porque o representante do 
governo brasileiro na Cúpula Oficial deixou de lado o documento e 
fez um discurso que não tinha nenhuma relação com o documento, 
chegando inclusive a falar uma frase que ficou famosa nesse 
momento na Cúpula, famosa desfavoravelmente, dizendo que ‘o 
mercado era capaz de resolver todos os problemas da Segurança 
Alimentar’. Eu me lembro que diversos representantes estrangeiros 
 83 
vieram dizer que o mercado resolve tudo. Eu acho que era Alysson 
Paulinelli o nome dele, não tenho certeza. Era o Ministro da 
Agricultura159. 
 
 O governo de Fernando Henrique Cardoso teria tentado conciliar a segurança 
alimentar à liberalização comercial, atribuindo papel decisivo às exportações, e tendo 
as importações como elemento regulador do mercado doméstico nos aspectos da 
disponibilidade e formação de preços 160 . Conforme narrado por Menezes, os 
representantes da sociedade civil discordavam desta opção neoliberal, mas teriam 
conseguido chegar a um consenso no documento final, que, entretanto, não foi lido 
oficialmente durante a Cúpula. 
Renato Maluf , relator deste documento entregue à Cúpula, narra como se deu 
a participação brasileira no evento e o desdobramento deste engajamento do grupo 
brasileiro lá presente: 
 
(...) e quando foi em 1996, por ocasião da Cúpula Mundial de 
Alimentação, o governo brasileiro criou um grupo de trabalho para 
preparar um documento brasileiro para a Cúpula, um grupo 
tripartite: governo, setor privado e sociedade civil. E eu estava no 
grupo da sociedade civil e acabei sendo indicado a relator do 
grupo. Então o documento de 1996, que foi um precursor dos 
documentos de agora, inclusive expressando divergências dentro 
dele. Foi uma experiência notável. O governo brasileiro, mesmo 
sendo o Fernando Henrique com aquele perfil de governo dele, as 
cúpulas mundiais foram todas acompanhadas de eventos de 
participação social, para preparar... A nossa foi a que menos teve... 
teve, mas foi a mais corrida. Tiveram várias cupulas mundiais nos 
anos 1990, além da Rio-92. Mas por que eu estou me referindo a 
isso? Porque ali tem um documento muito importante para 
consagrar uma consepção intersetorial e etc, e participação e 
porque a delegação brasileira da sociedade civil que foi para a 
Cúpula, que era a maior delegação, fora a italiana propriamente 
dita, nós éramos vinte e poucas pessoas da sociedade civil 
 
159 Trecho da entrevista a nós por concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE. Alysson Paulineli, citado, foi Ministro da Agricultura no governo Geisel, de 1973 a 1979; foi 
presidente do Banco do Estado de Minas Gerais de 1979 a 1983, da Associação Brasileira de Bancos 
Comerciais Estaduais de 1980 a 1982, da Fiat Allis Latino-Americana de 1982 a 1986 e da Sociedade 
Mineira de Agricultura de 1983 a 1986; foi presidente da Confederação Nacional da Agricultura de 
1987 até 1990; em março de 1991, foi nomeado Secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento 
do Estado de Minas Gerais; de 1992 a 1993 exerceu a presidência do Fórum Nacional de Agricultura; 
em janeiro de 1995, foi reconduzido ao cargo, no qual permaneceu até março de 1998; após deixá-lo, 
dedicou-se à empresa de consultoria Listen, em Belo Horizonte. Disponíbel em: 
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/paulinelli-alysson, acesso em maio de 
2018) 
160 ZIMMERMANN, Silvia A. A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de 
Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política. Tese 
(Doutorado). Rio de Janeiro: UFRRJ, 2011. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2011. p. 47 
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/paulinelli-alysson
 84 
brasileira. Esse é o núcleo que criou o Fórum Brasileiro em 1998, 
na volta de lá. Ali a gente voltou e, vamos tocar essa agenda no 
Brasil, né? Na contramão do governo. O governo Fernando 
Henrique... não tinha interlocução com o governo Fernando 
Henrique. Tanto é que a gente começou a ir para os Estados. Todos 
os governadores que se elegeram em 1999, foi 1999?... Todos os 
governos a gente visitou... Garotinho, Mario Covas estava bastante 
mal... Olívio Dutra, o Zeca do PT, em Minas era o Itamar... para 
criar Fóruns Estaduais e CONSEAs nos Estados. (Grifos nossos)161 
 
Conforme narrado por Menezes e Maluf, a mobilização para e durante a 
Cúpula Mundial da Alimentação, possibilitou maior articulação entre o governo e a 
sociedade civil e acarretou na criação dos primeiros Conselhos de Segurança 
Alimentar em quatro Estados brasileiros. Outra contribuição da Cúpula Mundial da 
Alimentação, foi a associação definitiva do papel do DHAA à garantia da SAN. A 
partir de então, de forma progressiva, a SAN passa a ser entendida como uma possível 
estratégia para garantir o DHAA162. 
Maluf observa que a representação oficial de países importantes se fez em 
nível inferior ao de outras cúpulas, o que indicaria pouca atenção atribuídaà 
problemática alimentar à época e limitaria a eficácia dos compromissos assumidos 
pelos dirigentes presentes ao evento. 163 Nesse sentido, a principal motivação dos 
movimentos sociais em meados da década de 1990, teria sido responder à perda de 
capacidade dos Estados nacionais formularem políticas agrícolas e alimentares no 
contexto da progressiva internacionalização da economia164. A Associação Brasileira 
de Agronegócio (ABAG), por exemplo, tem dentre um de seus objetivos, o 
fortalecimento do sistema agroindustrial, e foi fundada em março de 1993 165 , 
justamente no bojo destas mobilizações dos movimentos e organizações sociais por 
um conceito de SAN em prol de políticas públicas mais democráticas. 
Segundo Maluf, a promoção da SAN deve se centrar na busca pela soberania 
de políticas relacionadas com os alimentos e à alimentação que se sobreponha à lógica 
 
161 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
162 AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS (ABRANDH). O Direito 
Humano à Alimentação Adequada e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 
Brasília, 2013. p. 15 
163 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 63 
164 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. p. 22 
apud: MENEZES, F. Food sovereignty: a vital requirement for food security in the contexto of 
globalization. Development, v. 44, n. 4, dec./2001. 
165 Disponível em: http://www.abag.com.br/institucional/historiamissaovisao. Acesso em: 06 de 
fevereiro de 2016. 
http://www.abag.com.br/institucional/historiamissaovisao
 85 
mercantil da regulação privada166. Ou seja, as políticas públicas de SAN devem se 
centrar nos interesses contra-hegemônicos do agronegócio, que com a criação da 
ABAG passa também a buscar imprimir seus interesses nos debates e no conceito de 
SAN. 
A Cúpula Mundial de Alimentação adotou, em 1996, a seguinte definição de 
Segurança Alimentar e Nutricional: 
 
A garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos básicos de 
qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem 
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base 
em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma 
existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da 
pessoa, com preservação das condições que garantam uma 
disponibilidade de alimentos a longo prazo. 
 
É importante ressaltar que o termo Segurança Alimentar e Nutricional 
somente passou a ser divulgado com mais força no Brasil após o processo 
preparatório para a Cúpula Mundial de Alimentação de 1996, e com a criação do 
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, em 1998. Mas 
por se tratar de um conceito recente, que envolve interesses diversos, a definição de 
seu significado se transforma constantemente em um espaço de disputa. O conceito de 
SAN não é um conceito estabelecido, mas em construção167. Dessa forma, o conceito 
de SAN adotado pela FAO, será utilizado no Brasil, mas paulatinamente modificado, 
na medida em que os movimentos sociais se fortalecem e enfatizam a necessidade de 
se incorporar uma dimensão mais justa na cadeia produtiva dos alimentos. 
O termo Soberania Alimentar difere do de Segurança Alimentar por enfatizar 
o direito dos povos de escolherem suas próprias estratégias de produção, tendo 
surgido como resposta dos movimentos sociais camponeses às políticas agrícolas 
neoliberais. De acordo com estes movimentos, o conceito de Segurança Alimentar 
estabelecido pela FAO é de garantir a todos o acesso a alimentos básicos de qualidade 
e em quantidade sufuciente, sem comprometer as outras necessidades essenciais. Ou 
seja, a FAO não ressaltaria a proecupação com os modos de produção, de valorização 
da cultura alimentar e a segruança na cadeia produtiva do alimento O conceito de 
 
166 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. p.22 
167 MALUF, Renato S. MENEZES, F. Caderno Segurança Alimentar. Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em 23 de janeiro de 2016. 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 86 
Soberania Alimentar, ratificado no Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar em 
Havana, em 2001, estabelece: 
 
Soberania Alimentar é o direito dos povos definirem suas próprias 
políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e 
consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para 
toda a população com base na pequena e média produção, 
respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos 
camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de 
comercialização e gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher 
desempenha um papel fundamental (...). A Soberania Alimentar é a 
via para erradicar a fome e a desnutrição e garantir a segurança 
alimentar duradoura e sustentável para todos os povos.. 168 
 
Este conceito também é adotado pelo movimento da Via Campesina, que 
esboçou o delineamento deste conceito em 1996, durante Cúpula Mundial de 
Alimentação. 
 
1.3.3. Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e de 
Conselhos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional Estaduais 
 
A mobilização social no entorno da Cúpula Mundial de Alimentação foi a 
semente da qual nasceu, a partir da organização de cerca de cinquenta entidades da 
sociedade civil, o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e 
Nutricional. As iniciativas relacionadas à SAN, que teriam tido relativa estagnação 
com a extinção do CONSEA, são retomadas com a realização da Cúpula. Francisco 
Menezes relembra: 
 
Pós-Cúpula o movimento da sociedade vem bastante fortalecido. 
Nós fomos provavelmente a delegação de maior expressão. Tinha 
vindo já aquele acúmulo da campanha contra a fome. Nós 
combinamos um esquema de conferência telefônica, não existia 
Skype na época, em que várias pessoas, de diferentes organizações, 
começavam a planejar de que forma atuar, como planejar as 
políticas... e isso culmina na criação do Fórum Brasileiro de 
Soberania Alimentar e Nutricional. Em uma reunião em São Paulo 
a gente decide pela formação do Fórum, que existe até hoje. (...)169 
(Grifo nosso) 
 
 
168 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. p. 23 
169 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
 87 
O objetivo do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e 
Nutricional é o de contribuir para a mobilização da sociedade civil na luta por 
soberania e segurança alimentar e nutricional, promovendo articulações entre redes, 
organizações e movimentos sociais 170 . Assim, a criação do FBSSAN viria, 
justamente, suprir a ausência de um espaço de atuação e discussão da temática de 
SAN em um governo caracterizado por políticas neoliberais. Maria Emília Pacheco, 
ex-presidente do CONSEA, destaca a importância do FBSSAN: 
 
(...) eu reputo da maior importância o papel exercido pelo Fórum 
Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional. Porque o Fórum 
estava antes e está durante esta história. Eu digo antes e durante a 
existência do CONSEA, por exemplo. O Fórum sempre procurou, 
na sua trajetória, influenciar nos rumos da política através do 
CONSEA e tomando também iniciativas. Eu me lembro, por 
exemplo, de um Seminário que nós fizemos sobre alimentação 
escolar, isso foi quando o Chico Menezes era presidente do 
CONSEA e foi extremamente importante porque nós pudemos ter 
um conjunto de fundamentação econômica, política, social e na 
horaque nós entramos no debate sobre a atual lei, sobre a feição 
atual do PNAE, nós tínhamos muito subsídios para dar e 
acompanhamos muito de perto por dentro do CONSEA e tendo o 
Fórum contribuído muito nisso. Outro momento também fizemos um 
bom debate, um bom seminário do Fórum sobre o Bolsa Família, os 
critérios do Bolsa Família, o funcionamento, enfim...171 
 
Foi justamente no contexto de criação do FBSSAN, que foram criados os 
primeiros CONSEAs Estaduais. A extinção do CONSEA Nacional teria minado o 
acesso de diferentes atores sociais aos processos de construção e de decisão das 
politicas públicas de SAN e a criação dos CONSEAs Estaduais poderia contribuir 
para a reversão deste quadro. Flavio Valente elucida: 
 
Foi nessa época que a gente criou os Conselhos (Estaduais). O 
Itamar criou o Conselho em Minas e o Dom Mauro virou presidente 
do CONSEA em Minas. A nossa ideia era começar a criar os 
CONSEAs Estaduais e eventualmente reconstruir o CONSEA 
Nacional, que havia sido extinto e o Fórum foi criado exatamente 
para articular essas posições. E o Fórum teve um papel importante 
de fazer as reuniões, fazer a reunião nacional, fazer as reuniões 
 
170 Disponível em: www.fbssan.org.br. Acesso em agosto de 2017. 
171 Trecho da entrevista a nós concedida por Maria Emília Pacheco em 03 de junho de 2016 na 
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) 
http://www.fbssan.org.br/
 88 
estaduais durante o período todo, que acabou tendo um impacto 
importante de mobilização no período eleitoral em 2000172. 
 
 Francisco Menezes relembra como se deu as visitas aos Estados para criação 
dos CONSEAs Estaduais, que ocorreu justamente na época de eleição dos novos 
governadores: 
 
O Fórum planeja iniciar sua ação política, de tentativa de 
incidência nas políticas, mas nós fomos surpreendidos pela própria 
conjuntura, porque ocorreram as eleições que reelegeram o 
Fernando Henrique, mas também de diversos governos estaduais e 
o governo Fernando Henrique ganhou em diversos Estados. Então 
nós procuramos com os governadores, que poderiam ser receptivos 
a uma proposta de dar continuidade na ênfase da questão da 
Segurança Alimentar e Nutricional. Visitamos vários deles. Eu, 
particularmente, estive no Rio Grande do Sul com o Olívio Dutra, 
no Acre com o Jorge Viana, em Minas Gerais com o Itamar Franco 
e no Rio de Janeiro com o Garotinho. Eu já conhecia o Garotinho 
de muito antes porque o Garotinho foi do PT e nessa época eu fui 
assessor dele quando ele estava em Campos, na tentativa de montar 
um grupo agrário. A gente percorreu... e foram fundados os 
diversos CONSEAs Estaduais. A gente fez um esforço, um exercício 
para que aquilo que tinha sido experimentado no primeiro 
CONSEA se reproduzisse: a participação da sociedade e a 
incidência nas políticas públicas dos Estados. Não havia, claro, o 
componente nacional. O que havia era um pequeno grupo dentro do 
Comunidade Solidária durante o primeiro governo, e no segundo 
governo não teve continuidade173. 
 
 Segundo Menezes, o FBSSAN, recém-criado, teve um papel decisivo na 
iniciativa de criação dos CONSEAs Estaduais, fazendo experimentar nessas cidades a 
formulação e gestão de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional pela 
via da ação conjunta de governos e sociedade174. 
Dom Mauro Morelli não participou da fundação do FBSSAN, mas esteve à 
frente da criação do primeiro CONSEA Estadual, o CONSEA de Minas Gerais. Dom 
Mauro Morelli afirma: 
 
Naquele processo em 1999, nós criamos CONSEAs em vários 
Estados, no Rio e aqui em Minas. Tinha o Fórum Brasileiro e 
criaram o Fórum Mineiro. Eu vim conversar com o Itamar para 
 
172 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
173 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
174 VEIGA, Adriana. Fome Zero: Uma História Brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento 
Social e Combate à Fome (MDS), Assessoria Fome Zero, v. 1, 2010. p. 122 
 89 
retomar e ele saber o que era... Quando eu volto aqui o Itamar 
estava com o decreto pronto me nomeando presidente. Eu disse: ‘ô 
Itamar, eu não sou dessa região. Aqui é Minas, Espírito Santo é 
uma região, o Rio é outra. Fica ruim para mim. Eu sou membro da 
Conferência Nacional (se refere à CNBB), mas a região é outra’ e 
ele: ‘não, mas está feito’. Ele e o Fórum fizeram um acordo e eu 
acabei ficando presidente do CONSEA de Minas até o ano passado, 
no governo Aécio. Nós implantamos 25 comissões no Estado, 
tivemos muitas coisas interessantes, fizemos as Conferências... a 
primeira lei orgânica de Estado veio daqui175. 
 
Élido Bonomo, conhecido como Lelinho, atual presidente do CONSEA 
Estadual de Minas Gerais, relembra a criação do CONSEA mineiro: 
 
(...) o Estado de Minas Gerais, a lei nossa é de 2005, é um ano 
antes da lei nacional, que é de 2006, a Lei Orgânica de Minas 
Gerais. Mas a gente fica entre dez e quinze anos sem ter política 
governamental. Do início da década de 1990 a 2000 não havia 
política de Estado. O nosso de Minas foi o primeiro Conselho de 
Segurança Alimentar. No governo Itamar Franco, Dom Mauro 
aparece lá. Porque o Itamar Franco tem aquela história da criação 
do CONSEA em 1993, e em 1994 ele cai no governo tucano, no 
governo Fernando Henrique. Mas o Itamar assume Minas Gerais e 
ele, junto com alguma experiência que ele já tinha, e Dom Mauro, 
que tinha sido o primeiro presidente do CONSEA, junto com ele e 
com a presença do Fórum Mineiro começam a levar para dentro do 
governo de Minas essa perspectiva. (...) entre 2000 e 2005, em 
Minas Gerais a gente já tinha um pouco essas experiências. São 
experiências várias. Tem a REDE, que já tinha experiência em 
agroecologia e em tecnologias sociais, tem o CTA (Centro de 
Tecnologias Alternativas) Zona da Mata, então já tinham algumas 
organizações que já vinham fazendo algumas coisas de Segurança 
Alimentar. Então juntam algumas pessoas da academia, alguns 
militantes, dando uma certa formatação de 1999 em diante, 
especificamente em Minas Gerais176. 
 
 
 O Conselho Estadual de SAN de Minas Gerais foi o primeiro a ser criado no 
Brasil, pelo Decreto 40.324/1999, tendo realizado a primeira Conferencia Estadual em 
2001. O pioneirismo de Minas Gerais também se deu com a aprovação da primeira 
Lei Estadual de SAN do Brasil. De acordo com Valente, em 1999 o CONSEA de 
Minas Gerais teria produzido um mapa detalhado da insegurança alimentar e 
nutricional e das iniciativas relativas ao tema em desenvolvimento no Estado. Um 
plano de ação foi aprovado e várias ações integradas teriam sido colocadas em 
 
175 Trecho da entrevista a nós concedida por Dom Mauro Morelli em 20 de novembro de 2017 na 
Paróquia São Roque, no município de São Roque de Minas MG 
176 Trecho da entrevista a nós concedida por Élido Bonomo em 12 de dezembro de 2017 via skype 
 90 
prática, dentre elas a criação do Instituto da Terra, encarregado da aceleração da 
reforma agrária e fortalecimento da agricultura familiar no Estado177. 
 
 
177 VALENTE, Flavio L.S.. Do combate à fome à segurança alimentar e nutricional: o direito à 
alimentação adequada. In: VALENTE, Flávio. (org). Direito Humano à Alimentação Adequada: 
desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002. p. 159 
 91 
2. CRIAÇÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA NACIONAL DE 
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL 
 
A partir de 2003 com a eleição de Lula para a Presidência da República, a 
temática da SAN ganha uma nova abordagem, tendo como principal estratégia o 
Programa Fome Zero, que teria fornecido asbases para a institucionalização da SAN 
na agenda das politicas públicas brasileiras. Um dos instrumentos utilizados para 
mensurar o grau de segurança alimentar dos brasileiros é a Escala Brasileira de 
Insegurança Alimentar, empregada na Pesquisa Nacional por Amostras por Domicílio 
(PNAD), que comprovou estatisticamente, que entre os anos de 2004 e 2013 
aumentou a segurança alimentar dos brasileiros. Este feito é fruto de inúmeras 
conquistas, dentre elas a recriação do CONSEA e a criação do MDS, que pleitearam o 
fortalecimento de muitos programas sociais, com destaque para o PAA e o PNAE. 
Embora se mensure estatisticamente o declínio da fome e da desnutrição, 
alguns aspectos devem ser considerados para que se prevaleçam condições 
alimentares adequadas e com respeito à cultura alimentar. Tais princípios são 
desenvolvidos por Maluf e Menezes178, que os condicionam ao êxito da SAN no 
Brasil. 
 A positivação de marcos legais como a Lei Orgânica de SAN e a inclusão do 
direito à alimentação no rol dos direitos fundamentais da Constituição Federal através 
da Emenda Constitucional 64/2010 teriam contribuído para o fortalecimento da 
temática e para maior comprometimento do Estado com as questões da SAN. 
 
2.1. Bases conceituais para a institucionalização 
 
 O amadurecimento do enfoque da SAN no Brasil se efetiva nas políticas 
públicas, que devem ser formuladas, monitoradas e avaliadas em parceria do Estado 
com a sociedade. De acordo com Valente, a partir da I Conferência Nacional de SAN, 
realizada em 1994, consolidou-se a entendimento de que a garantia da SAN deve ser 
um dos eixos de desenvolvimento social para o Brasil e que exige, para sua 
 
178 MALUF, Renato, MENEZES, Francisco. Caderno Segurança Alimentar. p. 2 Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em janeiro de 2016 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 92 
implementação, uma parceria efetiva entre governo e sociedade civil, sem 
subordinação e com complementariade de ações179. 
 Nesse sentido, Maluf entende que a incorporação da SAN entre os objetivos 
que orientam as escolhas estratégicas de um país contribui para implementar 
processos de qualidade superior em termos da combinação de resultados econômicos 
com equidade social, sustentabilidade ambiental e valorização cultural180. Estes três 
princípios são tratados por Maluf e Menezes181 , que definem as condições necessárias 
para que se prevaleçam condições alimentares satisfatórias. 
 Segundo os autores, a equidade social estaria relacionada ao acesso equitativo 
aos alimentos de boa qualidade nutricional e que sejam isentos de componentes 
químicos que possam prejudicar a saúde humana. Estes dois elementos seriam de 
grande importância no contexto atual de desbalanceamento nutricional das dietas 
alimentares e de envenenamento dos alimentos em nome de uma maior produtividade 
agrícola ou da utilização de tecnologias cujos efeitos sobre a saúde humana 
permanecem desconhecidos. 
 A valorização cultural se refere ao respeito aos hábitos e à cultura alimentar 
locais, ou seja, que se considere a dimensão do patrimônio cultural intrínseco às 
preferências alimentares das comunidades locais e às suas práticas de preparo e 
consumo. Para Maluf e Menezes: 
 
Cada sociedade, ao longo da sua história, construiu (e continua a 
construir) um conjunto de práticas alimentares que constituem seu 
patrimônio cultural. São estas tradições, peculiares a cada grupo 
social, que permitem às pessoas se reconhecerem como integrantes 
do mesmo tecido social. Estas escolhas alimentares e estas práticas 
de cozinha estiveram sempre associadas à região e às condições 
locais de existência. Dentre todos os elementos que compõem a 
cadeia alimentar são as diferentes cozinhas que melhor exprimem as 
tradições e costumes de uma sociedade182. 
 
 Para os autores, observamos atualmente uma ruptura radical desses sistemas 
alimentares e para que as tradições alimentares se perpetuem seria fundamental que 
cada sociedade conhecesse sua história agrícola e alimentar. 
 
179 VALENTE, Flávio. (org) Direito Humano à Alimentação Adequada: desafios e conquistas. São 
Paulo: Cortez, 2002. p. 159 
180 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. p. 11 
181 MALUF, Renato, MENEZES, Francisco. Caderno Segurança Alimentar. p. 2 Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em 23 de janeiro de 2016. 
182 Idem. p. 37 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 93 
 Por fim, a sustentabilidade ambiental teria relação com a sustentabilidade do 
sistema alimentar, pois a segurança alimentar dependeria não apenas da existência de 
um sistema que garanta, presentemente, a produção, distribuição e consumo de 
alimentos em quantidade e qualidade adequadas, mas que também não venha a 
comprometer a mesma capacidade futura de produção, distribuição e consumo. 
Além destes três princípios condicionantes de uma alimentação satisfatória, 
em publicação que trata do conceito de SAN183, Maluf elenca cinco princípios que 
devem nortear as ações e políticas públicas de SAN, que seriam: i) intersetorialidade; 
ii) ações estruturantes e medidas emergenciais; iii) descentralização das ações e 
articulação entre orçamento e gestão, iv) participação social; e v) equidade de acesso 
à alimentação adequada. 
 A intersetorialidade estaria imbricada no conceito de SAN, que por seu caráter 
suprasetorial deveria nortear a implementação de ações setoriais a partir de uma 
compreensão integrada da questão alimentar e nutricional com cada setor atuando em 
função dos objetivos mais amplos da SAN 184 . A intersetorialidade poderia ser 
compreendida como uma articulação estratégica voltada à convergência de iniciativas 
e integração de recursos gerenciais, financeiros e humanos para organizar de maneira 
mais colaborativa, articulada e flexível o padrão tradicionalmente fragmentado das 
estruturas burocráticas institucionais públicas185. 
 
A política de SAN lida de forma integrada com os fatores 
determinantes da situação alimentar e nutricional de uma população, 
que por sua vez são de naturezas distintas – econômica, psico-
social, ética, política, cultural, etc. Portanto, a inserção deste 
componente em cada política setorial implica numa mudança de 
lógica de atuação e na revisão de valores sociais, que impõe 
necessariamente o diálogo entre os diversos setores envolvidos. 
Impõe, antes de tudo um questionamento das próprias contradições 
da sociedade que se expressam nos objetivos setoriais mais 
específicos e que fazem com que muitas vezes as ações de 
determinados setores amortizem ou mesmo anulem o impacto dos 
demais186. 
 
183 MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis: Editora Vozes, 2009. p. 122 e 
123 
184 BURLANDY, Luciene (org.), MALUF, Renato (org.) e MAGALHÃES, R. (org.). 2006. 
Construção e promoção de sistemas locais de segurança alimentar e nutricional: aspectos produtivos, 
de consumo, nutricional e de políticas públicas. Rio de Janeiro : Ceresan/UFRRJ, 2006. p. 22 
185 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Documento de Referência). Brasília: CONSEA, 2015 
186 BURLANDY, Luciene (org.), MALUF, Renato (org.) e MAGALHÃES, R. (org.). Construção e 
promoção de sistemas locais de segurança alimentar e nutricional: aspectos produtivos, de 
consumo, nutricional e de políticas públicas. Rio de Janeiro : Ceresan/UFRRJ, 2006. p. 24 
 94 
 
 A perspectiva da gestão intersetorial como lógica e forma principal de atuação 
nas ações de SAN é nova no Brasil, por isso se destaca como grandedesafio de 
mobilizar os setores para agirem de forma coordenada e articulada, dentro de uma 
realidade onde a cultura hegemônica é a ação setorizada.187 As ações e programas se 
dariam, de acordo com Maluf, por meio de espaços e mecanismos institucionais de 
aproximação entre os diversos setores do governo e destes com organizações da 
sociedade civil. 
 A articulação entre ações estruturantes e medidas emergenciais se daria 
através da conjugação de medidas diretas e imediatas de garantia de acesso à 
alimentação adequada com ações que ampliassem a capacidade de subsistência 
autônoma da população. Para Maluf e Menezes, não podem ser exercidas políticas de 
natureza estrutural sem que sejam considerados os efeitos imediatos que serão 
provocados sobre as populações que estão em seu âmbito. As políticas emergenciais, 
se concretizam por programas e ações públicas dirigidas a grupos populacionais 
específicos, com o objetivo de suplementar carências alimentares e nutricionais e que 
são qualificadas como medidas assistenciais de natureza compensatória. Tais políticas 
emergenciais de segurança alimentar seriam indispensáveis para o enfrentamento de 
problemas que não poderiam esperar o tempo de resposta de medidas estruturais que 
estariam sendo tomadas simultaneamente. Estas medidas emergenciais devem trazer 
obrigatoriamente componentes ligados a uma transformação estrutural das condições 
geradoras das situações que as justificam188. 
 A descentralização das ações e articulação entre orçamento e gestão se daria 
pelo estabelecimento dos papéis e atribuições das esferas de governo, prevendo arenas 
e mecanismos de integração intergovernamental e com as organizações sociais, bem 
como mecanismos de continuidade das ações. 
 
Os termos do pacto federativo – as relações entre as três esferas de 
governo – devem se pautar pelo princípio da subsidiariedade que 
determina que as funções públicas sejam exercidas, sempre que 
possível, pelos níveis sub-nacionais de governo e que os níveis mais 
abrangentes só exerçam aquelas funções que os demais não forem 
 
187 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Documento de Referência). Brasília: CONSEA, 2015. 
p. 38 
188 MALUF, Renato., MENEZES, Francisco. Caderno Segurança Alimentar. p. 2 Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em 30 de janeiro de 2018. 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 95 
capazes. A redistribuição do financiamento e gestão no âmbito de 
um sistema federativo pressupõe também a adesão dos níveis de 
menor abrangência, uma vez que estes dispõem de autonomia 
política e fiscal189. 
 
 A sociedade civil sempre foi protagonista em todos os momentos históricos e 
políticos da organização das ações de SAN no Brasil e sua participação se daria por 
ações conjuntas com o Estado na formulação, implementação e monitoramento de 
políticas públicas nas diferentes fases da cadeia alimentar e em todas as esferas de 
governo (nacional, estadual e municipal), assegurando qualidade e fluxo das 
informações e mecanismos de responsabilização dos gestores e demais atores sociais. 
 
As políticas de segurança alimentar devem se constituir em um 
espaço privilegiado de exercício do interesse público, o que 
pressupõe efetivo envolvimento da sociedade civil. Ou seja, não se 
constitui num assunto exclusivamente governamental, devendo 
garantir a criação de novos espaços institucionais que assegurem a 
constituição de efetivas parcerias e que sejam adequados à 
articulação de iniciativas em áreas bastante diversas190. 
 
 Embora a participação da sociedade civil seja essencial nas ações e políticas 
de SAN, ainda se faz necessário capacitação dos representantes envolvidos na 
temática, em especial dos setores mais vulneráveis. 
 
Cabe alertar, porém, que entre os elementos a serem introduzidos 
pelos movimentos sociais e organizações não governamentais nos 
programas alimentares dos governos e em seus próprios projetos 
encontra-se, justamente, a ótica da SAN que, raramente, aparece 
como tal, como demanda espontânea. O objetivo da SAN ainda 
carece de legitimação social e reconhecimento político-institucional 
no Brasil. A propósito, é especialmente relevante a capacitação em 
SAN dos representantes da sociedade civil que integram os diversos 
conselhos que tratam de questões direta ou indiretamente ligadas às 
questões alimentares e nutricionais191. 
 
 É fundamental que a sociedade civil compreenda a temática da SAN para que 
possa, de fato se envolver nesta agenda. Investir na formação para a construção de 
 
189 BURLANDY, Luciene (org.), MALUF, Renato (org.) e MAGALHÃES, R. (org.). Construção e 
promoção de sistemas locais de segurança alimentar e nutricional: aspectos produtivos, de 
consumo, nutricional e de políticas públicas. Rio de Janeiro : CERESAN/UFRRJ, 2006. p. 34 
190 MALUF, Renato., MENEZES, Francisco. Caderno Segurança Alimentar. p. 43 Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em janeiro de 2018. 
191 BURLANDY, Luciene (org.), MALUF, Renato (org.) e MAGALHÃES, R. (org.). Construção e 
promoção de sistemas locais de segurança alimentar e nutricional: aspectos produtivos, de 
consumo, nutricional e de políticas públicas. Rio de Janeiro : Ceresan/UFRRJ, 2006. p. 33 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 96 
saberes e práticas acerca da SAN nos Estados e municípios, dialogando com os 
equipamentos públicos (escolas, creches, unidades básicas de saúde, restaurantes 
populares, cozinhas comunitárias, programas sociais, entre outros) seria um caminho 
para promover uma cultura de direitos que identifique e signifique para o cidadão a 
alimentação adequada e saudável não como uma mercadoria, mas como um dos 
direitos sociais. 192 
 Por fim, a equidade se daria, conforme já mencionado, na equidade do acesso 
à alimentação adequada, dado que a disponibilidade de alimentos deve levar em conta 
os aspectos sociais, econômicos, espaciais e ambientais da produção e do 
abastecimento alimentar. As condições em que se dá o acesso aos alimentos pela 
população é também determinada pelas formas sociais sob as quais os alimentos são 
produzidos e ofertados (tipo de exploração agrícola, grau de concentração econômica 
do processamento agroindustrial e da distribuição comercial, padrões de concorrência 
nos mercados de alimentos, dentre outros). Maluf e Menezes argumentam que o apoio 
aos pequenos e médios empreendimentos rurais e urbanos dedicados ao cultivo, 
transformação e comercialização de produtos agroalimentares ampliam a 
disponibilidade de alimentos de qualidade de um modo menos custoso, valorizando a 
diversidade nos hábitos de cultivo e de consumo193. 
 Élido Bonomo, atual presidente do CONSEA de Minas Gerais, enfatiza que o 
investimento na agricultura familiar seria o melhor caminho para a equidade no 
acesso ao alimento saudável: 
 
Para ter um abastecimento de alimentos que nós chamamos de 
saudável, nós acreditamos que tem que ser via a produção de 
alimentos da agricultura familiar com viés para a agroecologia. A 
agricultura familiar usa veneno, mas muito menos do que o 
agronegócio. Então tem que existir a agricultura familiar para a 
gente ter um alimento mais saudável e tem que ter estímulo à 
Politica Nacional de Agroecologia e Produção de Orgânico e o 
Plano Nacional de Agroecologia de Orgânico, que dentre elas tem 
várias outras coisas. Dentre elas tem que investir em assistência 
técnica com este perfil e em recursos para acesso ao PRONAF para 
 
192 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). I ConferênciaNacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Documento de Referência). Brasília: CONSEA, 2015. 
p. 39 
193 MALUF, Renato., MENEZES, Francisco. Caderno Segurança Alimentar. p. 10 Disponível em: 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf Acesso em janeiro de 2018. 
193 BURLANDY, Luciene (org.), MALUF, Renato (org.) e MAGALHÃES, R. (org.). Construção e 
promoção de sistemas locais de segurança alimentar e nutricional: aspectos produtivos, de 
consumo, nutricional e de políticas públicas. Rio de Janeiro : Ceresan/UFRRJ, 2006. 
http://ieham.org/html/docs/Caderno_Segurança_Alimentar.pdf
 97 
os agricultores melhorarem suas tecnologias e sua produção. Não é 
isto o que a gente está vendo. Os recursos estão diminuindo para o 
ano que vem194. 
 
 Nesse sentido, o fortalecimento da agricultura familiar se mostraria como uma 
forma mais equitativa de produzir os alimentos, além de dar a oportunidade de 
inclusão a este grupo que por muitos anos permaneceu à margem das políticas 
públicas. 
 
2.2. Criação do Projeto Fome Zero 
 
A forma como se organiza a produção agroalimentar de um país reflete as suas 
opções de desenvolvimento 195 . Tendo como principal objetivo apresentar uma 
proposta de Política de Segurança Alimentar e Nutricional participativa e inserida no 
eixo principal do desenvolvimento socioeconômico brasileiro, incluindo o 
fortalecimento da agricultura familiar, desenvlvimento rural, plano de reforma 
agrária, superação do analfabetismo, dentre outros, foi lançado por iniciativa do então 
candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo PT, em outubro de 2001, o 
“Projeto Fome Zero: Uma Proposta de Política de Segurança Alimentar para o 
Brasil”, sob coordenação de José Graziano da Silva196. 
O engajamento político de Lula com a temática da SAN remonta ao Governo 
Paralelo, em 1989, que se tornaria o Instituto Cidadania no ano seguinte. Desde então 
teria havido um esforço do PT em estruturar um projeto de transformação da 
sociedade brasileira, que se concretizaria em 2001, no Projeto Fome Zero. Em 
entrevista de José Graziano da Silva em livro que aborda a trajetória do Programa 
Fome Zero, ele relembra a maneira como a temática da fome no Brasil ganhou 
destaque na campanha de Lula, posteriormente transformada na principal política 
pública de seu governo: 
 
 
194 Trecho da entrevista a nós concedida por Élido Bonomo em 12 de dezembro de 2017 via skype 
195 MALUF, Renato S. Mercados agroalimentares e a agricultura familiar no Brasil: agregação de 
valor, cadeias integradas e circuitos regionais. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 25, n. 1. p. 299-322, abril 
2004. p. 301. 
196 José Graziano da Silva se tornaria Ministro do extinto Ministério Extraordinário de Segurança 
Alimentar e Combate à Fome 
 98 
Outro momento importante se deu quando o Lula falou da fome no 
Jornal Nacional (nas entrevistas que eram feitas com cada um dos 
candidatos a presidência em 2002). O Ricardo Kotscho, assessor de 
imprensa que também sempre acompanhava o Lula, comentou antes 
da entrevista que eles iriam perguntar qual seria a primeira medida e 
maior prioridade se ele fosse eleito. E Lula disse que já sabia o que 
ira responder, mas nós não sabíamos, literalmente fomos 
surpreendidos no ar. E aconteceu mais uma dessas coincidências da 
política. Nós vínhamos tentando achar qual seria o mote central da 
campanha e todo mundo achava que o mote deveria ser emprego, 
por causa da taxa alta de desemprego da época. Tinha havido uma 
crise e todo mundo falava: “Emprego! Emprego! Primeiro emprego! 
Melhor emprego! Mulher no emprego!”. Inventaram vários 
programas relacionados ao emprego. Essa fala do Lula no Jornal 
Nacional, que a prioridade era acabar com a fome, coincidiu com 
uma série de reportagens da emissora – do que começa no domingo 
e passa a semana inteira. No início da série entrevistaram uma 
velhinha no Vale do Jequitinhonha que foi filmada com a panela 
vazia, toda arrebentada, sem cabo, sem nada, dizendo que não havia 
nada para comer. Voltaram para fechar a matéria com a velhinha e 
ela estava morta. Foi uma comoção nacional. A partir daí começou 
o embate: o próprio presidente Fernando Henrique veio a público 
(até então ninguém nunca tinha respondido ao PT) e disse que 
estávamos querendo inventar que no nosso Brasil tinha fome, 
‘Brasil n’ai pas famine’, usou essa expressão em francês, me lembro 
bem porque essa expressão famine significa fome massiva, como a 
fome em Biafra. Hoje não é politicamente correto, mas antigamente 
se traduzia por ‘fome africana’. O português não tem uma tradução 
especial para famine, em português, fome é fome, acabou! Fui 
buscar no livro do Amartya Sen, que era um texto clássico na época, 
essa diferença entre famine e outros tipos de fome, o que hoje 
qualquer livro menciona. Mas ver um Presidente, que havia acabado 
com o Conselho de Segurança Alimentar, negar a existência da 
fome, foi o gancho. Começamos a juntar as peças: o CONSEA tinha 
acabado, a cesta básica tinha acabado e existia uma concepção 
arraigada no governo FHC de que a questão da alimentação não era 
um tema público, mas sim privado197. 
 
Há, desta forma, uma mobilização conjunta de organizações populares, ONGs, 
institutos de pesquisa, especialistas e movimentos sociais ligados à SAN, que via 
Instituto Cidadania, teriam contribuído na elaboração do Projeto Fome Zero. 
Christiane Costa, relembra ter sido convidada pelo Instituto Cidadania a participar do 
Projeto Fome Zero. Mas antes disso, discorre sobre sua participação na Cúpula 
Mundial de Alimentação, que teria sido fundamental para a retomada do debate 
público sobre SAN no Brasil. 
 
 
197 Trecho de entrevista de José Graziano da Silva, retirado de: ARANHA, Adriana Veiga. Fome Zero: 
uma história brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Assessoria 
Fome Zero, v. 1, 2010. p. 99 
 99 
Em Roma, que seria em 1996, eu fui nessa delegação do Brasil. A 
gente era um grupo grande, era o maior grupo de fora da Europa. 
Nós éramos mais ou menos umas cinquenta pessoas representando 
movimentos, ONGs e na volta e me lembro de ter ficado muito 
impressionada com a quantidade de países que tinham políticas de 
Segurança Alimentar, países até mais pobres do que o Brasil. Então 
na volta, duas coisas: uma eu comecei a escrever um projeto. Como 
eu atuava em uma ONG que tinha como objeto a cidade, pensar a 
cidade, eu escrevi um projeto pensando o que seria uma política 
municipal de Segurança Alimentar, isso antes do Fome Zero. E a 
segunda, é que nós começamos a pensar na criação do Fórum. Se 
formou um grupo de trabalho dessas pessoas que tinham ido 
participar da Cúpula e a gente começou a trabalhar, eu me lembro 
que era o começo da internet e formou esse grupo e ao mesmo 
tempo foi aprovado esse projeto de pesquisa que eu escrevi, com 
financiamento da Christian Aid e eu convidei o Renato Maluf para 
trabalhar comigo. Ele estava voltando de um pós-doc na Inglaterra 
e aí nós começamos a fazer seminários. Dividimos o trabalho em 
eixos, eixo de produção, eixo de abastecimento, eixo de educação, 
saúde e consumo, programas específicos e fomos levantando 
experiências concretas no Brasil, onde a prefeitura estava fazendo 
alguma coisa junto com a sociedade civil nestes eixos. Levantamos 
e fizemos acho que quatro pós-paper, que era sistematização dessas 
experiências e por último a gente fez uma publicação que reunia, 
que chama ‘Por uma Política Municipal de Segurança Alimentar’. 
Quando a gente estava terminando de fazer esta publicação, nós 
recebemos um convite do Instituto Cidadania, que estava 
elaborando o Projeto Fome Zero e aí nós entregamos esta revista 
para eles, que ainda nem tinha sido publicada. Integralmente, 
assim, a colaboração para oFome Zero, que para eles era uma 
boa, né? Eles estavam refletindo e a gente estava integrando uma 
reflexão de três anos de trabalho e assim começou o envolvimento 
no Fome Zero mesmo198. 
 
Francisco Menezes relembra ter sido convidado, assim como Christiane Costa, 
a participar do Projeto Fome Zero, e enfatiza que a proposta inicial do Projeto seria de 
combate à fome, mas após algumas reuniões e debates, teria se chegado ao consenso 
de elaboração de uma Política Nacional de SAN: 
 
Então em 2001, alguns de nós foram chamados para apoiar a 
elaboração da proposta do Fome Zero, que começava a ser 
elaborado no Instituto da Cidadania. Renato (Maluf) foi, Flavio 
Valente foi, Christiane foi e eu fui também. Dai a gente consegue, 
porque de inicio era só uma proposta de combate à fome, a gente 
consegue incorporar a ideia de uma Politica Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional. A mim, inclusive foi pedido, 
porque o documento abria discorrendo sobre o conceito de 
Segurança Alimentar e Nutricional, e eu escrevi essa parte 
conceitual. E começamos a opinar muito na construção daquela 
 
198 Trecho a entrevista a nós concedida por Christiane Costa via skype em 21 de fevereiro de 2018 
 100 
proposta. Quando o Lula ganha a eleição e se decide que o Fome 
Zero seria uma prioridade, eles montam, antes de o Lula tomar 
posse, um pequeno grupo para começar a definir as primeiras 
políticas que seriam implementadas e eu participei desse grupo. 
Nós tínhamos divergências sobre algumas coisas, mas 
trabalhávamos199. (Grifo nosso) 
 
 Flavio Valente, integrante do FBSSAN, que também participou da elaboração 
do Projeto Fome Zero, é mais enfático em seu relato: 
 
O Fome Zero foi elaborado no Instituto Lula com pequeníssima 
participação do nosso grupo. Ele é elaborado muito mais pelos 
acadêmicos e pelos amigos do Graziano. Então o Instituto Lula, 
na época Instituto da Cidadania, elabora uma proposta que 
encontra uma oposição frontal do movimento, que era uma 
proposta que tratava a questão da fome como uma questão 
emergencial, sem nenhuma integração com as políticas públicas. 
Então o que acaba acontecendo é que há uma situação de conflito 
mesmo, embate mesmo, dificuldade de diálogo. Nosso amigo 
Graziano é uma figura meio autoritária, centralizador e ele não 
queria interferência. As grandes críticas eram de que era um 
Programa emergencial, não tinha vinculação com as políticas 
públicas, tinha uma crítica muito grande que era criar os Food 
Stamps, o tíquetes para usar nos supermercados, ou seja, não 
trabalhava com as redes alternativas, não trabalhava com os 
pequenos produtores. E este era o viés do Graziano, ele trabalhava 
com o agronegócio, ele sempre foi ligado ao agronegócio. Aí bateu 
de frente, né? Bateu-se, bateu-se, bateu-se que chegou em um ponto 
que conseguimos mudar o Programa, um pouco. Não saiu mais o 
food stamps, saiu na forma Bolsa Família. Mas este foi o primeiro 
embate, tiveram vários outros, no primeiro ano de governo. 200 
(Grifo nosso) 
 
 
 Não entrevistamos pessoalmente José Graziano da Silva, mas encontramos 
entrevista por ele concedida em que trata dos debates durante a elaboração do 
programa Fome Zero e o chamado Food Stamps: 
 
Começou então uma segunda versão nacional do Programa, a partir 
de um projeto no Instituto Cidadania de chamar grupos e discutir 
cada um dos tópicos, o pessoal da agricultura familiar, o pessoal da 
nutrição, as diferentes tribos, como chamávamos. Como juntar 
todos era difícil, fomos montando esse conjunto aos poucos, 
trabalhando por partes, e fizemos alguns seminários com grupos 
grandes de discussão geral do projeto. No final do Projeto havia 
 
199 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
200 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
 101 
uma grande pendência, um grande debate, que era como é que se 
criava um mecanismo e uma dinâmica de desenvolvimento local? 
Um dos maiores problemas do desenvolvimento local é que em 
geral as áreas deprimidas não estão deprimidas por acaso ou por 
fatores da natureza, mas sim porque existem forças sociais no 
controle do poder local, que geralmente querem manter aquela 
situação. Para romper com essa situação não bastava opor o 
candidato do PT contra todo mundo, às vezes até contra o padre e o 
professor da escola. Os chamados grotões eram politicamente muito 
conservadores, porque sofriam uma dominação política muito forte. 
Para estudar formas de romper essa cerca local, fui passar uns 
tempos nos EUA pela UNICAMP e andei muito na Califórnia 
estudando um programa chamado de Food Stamps, que na época 
atingia mais os mexicanos imigrantes e os negros americanos 
pobres, mas ainda hoje é um programa que atinge aproximadamente 
15 milhões de famílias. É um programa criado após a crise de 1929 
pelo Roosevelt, quando existia um grande contingente de pessoas 
passando fome e uma grande quantidade de alimentos estocados 
sem consumidores e sem dinheiro para comprá-los. Para vincular a 
fome com a vontade de comer, tínhamos que estabelecer uma ponte. 
Essa ponte é o dinheiro, é o poder do dinheiro. O dinheiro cria 
mercado, essa é a lição dos economistas clássicos. (...) O dinheiro 
tem que ser dado nas mãos das pessoas e o problema era como fazer 
o dinheiro chegar às mãos das pessoas sem intermediação 
clientelística e/ou política. Tínhamos também consciência de que 
dar o dinheiro nas mãos de pessoas podia não dar certo. Uma coisa 
é ter uma caderneta de crédito que é utilizada para quitar suas 
contas, mas ter dinheiro vivo para fazer o que quiser podia não dar 
certo. Fizemos um debate longo no início do Programa sobre como 
fazer essa transferência – se condicionada, não condicionada, com 
ou sem restrições de produtos para comprar, etc. Esse é um dos 
pontos interessantes do Fome Zero, o fato de ter sido construído aos 
poucos. Eu trabalhei nele desde 1998. Não só eu, mas também 
Maya Takagi, Walter Belik e uma equipe que, no final, contava com 
quase 100 pessoas envolvidas. (...) Essa era a cara do Fome Zero: 
um Programa em construção e em debate – tudo no Fome Zero não 
era definitivo. Ele não teve um formato único, o que dava uma 
grande flexibilidade, mas por outro lado aumentava muito as 
polêmicas, pois ele se prestou a todo tipo de ataque e cada versão do 
Fome Zero recebia muitas críticas201. 
 
Conforme narrado, foi através de inúmeras reuniões e debates que se 
constituiu o Projeto Fome Zero, que após se consolidar, ganhou a denominação de 
Programa Fome Zero (PFZ). O PFZ teria o objetivo de, para além de atuar de forma 
emergencial, ser uma política de inserção social, de geração de renda, trabalho e 
 
201 Trecho de entrevista de José Graziano da Silva retirado de: ARANHA, Adriana Veiga. Fome Zero: 
Uma História Brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 
Assessoria Fome Zero, v. 1, 2010. p. 98. 
 102 
resgate da auto-estima e da cidadania202. O Programa Fome Zero se torna de fato uma 
política pública e a partir da vitória eleitoral do presidente Lula no ano de 2003, 
quando o Governo Federal afirma ser responsabilidade do Estado a garantia da SAN 
dos brasileiros. 
De acordo com Menezes e Valente, conforme demonstrado em trechos de suas 
entrevistas, o PFZ teria ganhado o viés de Política de SAN graças à insistência de 
seus militantes em defender esta proposta, o que deixa claro que o movimento pela 
SAN na década de 1990, embora caminhasse em paralelo aos interesses neoliberais do 
governo federal, amadureceu e se fortaleceu a ponto de conseguir influenciar suapauta política. 
 Os movimentos sociais expressam energias de resistência ao velho que oprime 
ou de construção do novo que liberte. Ao atuarem em rede, constroem ações coletivas 
que agem como resistência à exclusão. Através de diagnósticos sobre a realidade, 
constrem propostas e lutam pela inclusão 203 . Nesse sentido, Írio Conti aborda a 
importância das entidades da sociedade civil na defesa de uma politica de SAN: 
E poucos anos depois com a eleição do Lula, o governo Lula 
digamos assim, compra a ideia, no bom sentido, proposta pelas 
entidades da sociedade civil, porque já tinha um pool de entidades 
(...). E o governo Lula adere a esta ideia de traduzir isso em 
políticas publicas e daí deu no que deu. O acesso à água e as 
políticas públicas voltadas ao acesso à água. Foi um grande campo 
que se abriu204. 
 
De acordo com Maya Takagi, o desenho institucional do Programa Fome Zero 
se caracterizou por: 
 
- recriação do CONSEA, como órgão de assessoramento do 
Presidente da Republica; 
- criação de um Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar 
(MESA) e Combate à Fome, ligado à Presidência da República, 
para formular e implementar políticas de segurança alimentar; 
- amplo processo de mobilização popular, inclusive com a criação 
de uma assessoria especial na Presidência para cuidar desse tema; 
 
202 BETTO, Frei. A fome como questão política. In: BETTO, Frei. (org) Fome Zero: textos 
fundamentais. Rio de Janeiro: Garamond editor, 2004. p. 23 
203 GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais na Contemporaneidade. Revista Brasileira de 
Educação. v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. p. 336 
204 Trecho da entrevista a nós concedida por Írio Conti em 06 de outubro de 2016 durante o II Encontro 
Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
 103 
- utilização de estrutura física, de pessoal e orçamentária da 
Secretaria Executiva da Comunidade Solidária, que também era 
vinculada à Presidência da República; 
- readequação do orçamento em R$1,8 bilhão para as ações do 
Programa em 2003, por ocasião da análise da relatoria do Projeto de 
Lei Orçamentária de 2003, na Câmara Federal.205 
 
 Observa-se, dessa forma, que além do incremento significativo do orçamento 
destinado ao Programa Fome Zero, houve o esforço em se articular sociedade civil, 
CONSEA e poder público nas ações em prol da SAN. 
 
2.3. Recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e 
Nutricional 
 
O engajamento da sociedade civil coloca a recriação do CONSEA Nacional 
como condicionante na construção da proposta de uma Politica de SAN. Conforme 
mostrado, a participção da sociedade civil, em especial na temática da SAN, foi se 
ampliando com a redemocratização do Brasil e a vitória do Partido dos Trabalhadores 
na eleições de 2002 teria aberto as instâncias de diálogo com diferentes segmentos 
sociais. De acordo com Élido Bonomo: 
 
Então todo esse acúmulo que foi acadêmico e do envolvimento e 
paralelo a isso, foram construídos CONSEAs Estaduais com muita 
dificuldade, então foram se organizando por Estado, dando suporte 
nacional, que quando volta o CONSEA novamente em 2003, ele 
volta com muita força e muita sede depois de dez anos de 
interrupção. Mas aí já tinha uma trajetória e a gente encontra um 
nascedouro muito rico, porque não eram mais os movimentos 
sociais falando para surdo, eram os movimentos sociais falando 
para uma estrutura estatal que tinham agentes da sociedade civil 
com esta escuta, que inclui povos de comunidades tradicionais, 
toda a questão dos indígenas, população de rua, população de 
periferia, população rural, população rural norte, que são as 
populações de mais insegurança alimentar 206 
 
Renato Maluf argumenta neste mesmo sentido: 
 
 
205 TAKAGI, Maya. A implementação do Programa Fome Zero em 2003. In: FRANÇA, Caio Galvão; 
SILVA, José Graziano da, GROSSI, Mauro Eduardo Del; (orgs.) Fome Zero: a experiência brasileira.. 
Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), 2010. p. 53. 
206 Trecho da entrevista a nós concedida por Élido Bonomo em 12 de dezembro de 2017 via skype 
 104 
O documento de 1996 foi fundamental, a criação do Fórum 
Brasileiro em 1998 foi fundamental do ponto de vista da 
organização da sociedade civil. Tudo isso explica como que quando 
o Lula ganha a eleição, tem um interlocutor social, que vai para ele 
e apresenta uma demanda de vários setores da sociedade, e é uma 
demanda que é acatada, que é de ter um CONSEA e de construir 
uma política intersetorial e papapá... Então isso não existiria se 
não tivessem essas coisas nos anos 1990. O governo Lula, o Fome 
Zero e o CONSEA não nascem do nada, tem uma história 
pregressa. (...) O marco em 2003, que é a criação do segundo 
CONSEA, tem ali dois elementos: um é a decisão política, foi 
central, foi mérito do Lula isso, decisão dele dar prioridade ao 
tema e criar o Conselho e o Fome Zero. O segundo fator, na minha 
avaliação, é a maneira como a sociedade civil soube ocupar o 
espaço que foi aberto. Não é porque eu estive envolvido. Eu não 
estou falando bem de mim mesmo, estou falando do movimento. 
Acho que a sociedade civil soube ocupar com sabedoria e 
competência esse espaço, por isso que se legitimou, por isso que 
ninguém mexe207. (Grifo nosso) 
 
O movimento pela SAN é um movimento ‘de baixo para cima’, concebido 
pela sociedade civil, que em função de sua militância e persistência, tem 
paulatinamente sua agenda internalizada no Estado. Este histórico de enfrentamentos 
é coroado com a recriação, em 2003, do CONSEA, composto por dois terços da 
sociedade civil e que inclui representantes de inúmeros segmentos sociais. A partir de 
então, o CONSEA se legitima como um espaço democrático de debates e de 
construção das políticas públicas de SAN. 
Flavio Valente reitera a importância precedente do engajamento da sociedade, 
que teria desembocado na mobilização concreta por políticas públicas de SAN: 
 
Antes do CONSEA tem toda uma luta prévia. Essa participação 
social e a eleição do Lula dentro de uma campanha essencialmente 
baseada na luta contra a fome, como prioridade central, ou seja, 
havia uma mobilização popular também, não só da Academia, dos 
movimentos sociais, mas da massa popular, em defesa de uma 
proposta como essa, criam condições especificas no Brasil para se 
estabelecer uma realidade como a do CONSEA e do Sistema e tudo 
mais. O povo brasileiro deu o mandato ao Lula para ele fazer isso e 
esperava que ele fizesse.208 
 
A recriação do CONSEA se deu através da edição da Medida Provisória 103, 
de 1o de janeiro de 2003, em seguida pelo Decreto 4.582, de 30 de janeiro de 2003, 
 
207 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
208 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
 105 
posteriormente convertido na Lei 10.683, de 28 de maio de 2003. Renato Maluf fala 
do papel do CONSEA não como instância filatrópica, mas de construção de políticas 
públicas: 
 
Desde o primeiro momento havia uma forte preocupação na 
apresentação de propostas consistentes. A gente teve uma batalha 
no início importante para dizer que o CONSEA não era um espaço 
de manifestação de benevolência social, para fazer doação, para 
gente de boa vontade se manifestar. O CONSEA era para discutr 
política pública. O governo faz política pública. A gente dizia, o 
governo não faz 0800. O governo arrecada imposto e faz política 
pública. Se a modelo, se a Gisele Bundchen quer dar o cheque, dá o 
cheque, faça a doação. A gente dizia, o CONSEAnão está aqui 
para pegar cheque de personalidade, o CONSEA está aqui para 
discutr política pública. E assim a gente foi insistindo. E fazíamos 
isso entendendo bastante bem a natureza do espaço, os seus limites, 
um Conselho consultivo, mas suas possibilidades209. 
 
 
Este “novo” CONSEA é caracterizado por sua intersetorialidade e por ser 
transversal aos Ministérios (supraministerial). Trata-se de um órgão de 
assessoramento imediato ao Presidente da República, composto, majoritariamente por 
membros representantes da sociedade civil em relação aos membros representantes do 
governo, na proporção de dois terços e um terço, respectivamente, para cada 
segmento. 
 De acordo com o Documento-Síntese entregue junto ao Projeto Fome Zero: 
 
O CONSEA representou uma novidade em termos de mecanismos 
de governabilidade no país: representantes do primeiro escalão do 
governo federal e da sociedade civil discutiam propostas que 
poderiam acelerar o processo de erradicação da pobreza e da 
miséria. Foram gestadas e/ou viabilizadas propostas de políticas 
públicas inovadoras, tais como: a descentralização do Programa 
Nacional de Alimentação Escolar, o Programa Nacional de Geração 
de Emprego e Renda, a busca de transparência na gestão de recursos 
públicos e a criação do PRODEA como mecanismo de 
aproveitamento de estoques públicos de alimentos a ponto de serem 
perdidos. Mais inovadoras ainda foram as formas de gestão 
implementadas no processo, com a criação de múltiplos grupos de 
trabalho mistos (sociedade civil/governo) que acabaram por 
consolidar uma nova política e cultura de gestão compartilhada de 
políticas públicas210. 
 
209 Trecho da entrevista à nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
210 INSTITUTO CIDADANIA. Projeto Fome Zero: Uma Proposta de Política de Segurança 
Alimentar para o Brasil. Documento-Síntese. Outubro de 2001. p. 25 
 106 
 
O presidente do CONSEA é indicado pelo plenário do seu colegiado entre os 
representantes da sociedade civil e designado pelo Presidente da República. A escolha 
da presidência do “novo” CONSEA foi arquitetada nos bastidores. Francisco Menezes 
relata que foi convidado, mas recusou o cargo: 
 
Aí houve a decisão sobre quem seria o presidente do CONSEA. Eu 
lembro que era um domingo, o Graziano me ligou e disse que eu 
havia sido apontado para ser o primeiro presidente nesse período. 
Eu levei um susto, evidentemente. Não estava nas minhas 
cogitações, eu queria ser só conselheiro. (...) Então eu cheguei para 
o Graziano e falei que eu não achava conveniente eu, que sou uma 
pessoa desconhecida da opinião pública, o CONSEA começar com 
esta fragilidade, então eu disse ‘eu estou recusando, eu não estou 
querendo ser presidente. Eu acho que vocês precisam achar um 
nome que seja uma figura mais pública para presidir o CONSEA. 
Eles ficaram um pouco assim, mas depois decidiram211. 
 
 
 Dom Mauro Morelli era presidente do CONSEA Estadual de Minas Gerais à 
época e havia presidido o primeiro CONSEA, em 1993. Em entrevista a nós 
concedida, conta que esperava ter sido indicado para a presidência do CONSEA 
Nacional: 
 
Mas depois, quando o Lula venceu, nós tínhamos uma equipe com 
três tendências: o pessoas da UNICAMP, nós do Rio e a Anna 
(Peliano) encarregada de fazer o Plano de Governo. Daí o Frei 
Betto entrou, ele tinha tentado derrubar o Gilberto Gil, não 
conseguiu e foi lá ciscar. (...) No fim da transição, um dia, dois 
amigos meus, um deputado e o outro empresário, estiveram com o 
Lula, amigos dele também, e o Lula disse: ‘O Dom Mauro não vai 
ser mais o Secretário de Segurança Alimentar, ele vai para o 
CONSEA e na segunda-feira, quando ele anuncia todo o governo 
ele não anunciou o CONSEA. O CONSEA só foi instalado em fins 
de janeiro. Eu não fui convidado para a posse do Lula e na 
segunda-feira, quando ele anunciou todo o governo não apareceu 
nada. A minha posição seria, eu queria que a professora de 
Recife, Tânia Bacelar, eu queria que ela fosse Secretária e eu 
ficaria no Conselho. Nós faríamos uma boa dobradinha. Aí eu 
escrevi no O Globo um artigo que saiu no dia 1o de janeiro 
intitulado “Boa Viagem, presidente”. Depois que eu fiquei sabendo 
de algumas coisas... o Chico Menezes e o Renato Maluf vieram me 
colocar que o meu nome tinha sido vetado da composição do 
CONSEA pelos evangélicos, o que é uma bobagem muito grande. 
Inclusive um dos bispos da Igreja Universal me pôs em uma 
 
211 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
 107 
entrevista na Rede Record e me disse: nós nunca iríamos contra o 
senhor’. (...) Então depois que eu soube que haviam vetado o meu 
nome para integrar o CONSEA, ‘O Globo’ publica uma crítica 
minha e da Zilda Arns nos primeiros dias do mandato do Lula, na 
página 3. Dom Mauro e Zilda Arns como os primeiros críticos do 
governo. Aí o Lula falou: ‘telefona para o bispo’. Aí ele me 
telefonou e eu gritei com ele no telefone, eu nunca fiz isso. Aí eu fui 
à Brasília e conversei com o José Dirceu, acho que umas duas 
horas lá no gabinete dele e o Dulci, que era Ministro, ele era 
mineiro, assistiu. Eu disse: ‘ô menino, antes de você pisar aqui eu 
já tinha gabinete neste prédio. Se você não leu a medida provisória 
que o Lula fez no primeiro dia de governo, eu li. É uma grande 
porcaria o trato que vocês fizeram.212 (Grifo nosso) 
 
 Assumiu a presidência do CONSEA Luiz Marinho, sindicalista, representante 
à época da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com pouca afinidade na temática 
de SAN, mas que teria apaziguado as disputas pelo cargo. A partir do funcionamento 
regular do CONSEA, reuniões ordinárias passaram a ocorrer a cada dois meses, além 
de várias reuniões extraordinárias213, proporcionando maior articulação entre governo 
e sociedade civil. De acordo com Francisco Menezes: 
 
O CONSEA no primeiro ano, de qualquer modo, foi muito ativo. O 
Lula dava muita força para o CONSEA. O Lula inclusive queria 
uma coisa que era impossível: que quinze ministros comparecessem 
a todas as reuniões do CONSEA. Chamava a atenção deles na 
frente de todo mundo se não compareciam. Alguns compareciam 
sempre, porque ficavam assustados com aquela pressão toda. O 
Cristovam Buarque comparecia sempre. O Ciro Gomes 
compareceu algumas vezes. O Ministro da Saúde, Humberto Costa. 
O Ministro do MESA, o Graziano, evidentemente214. 
 
Em seu primeiro ano de funcionamento, o CONSEA relatou as seguintes 
atividades em seu balanço: 
 
a) apresentação de proposta para modificar a orientação con- 
vencional do Plano de Safra 2003/2004, dando prioridade à adoção 
 
212 Trecho da entrevista à nós concedida por Dom Mauro Morelli em 20 de novembro de 2017 na 
Paróquia São Roque, no município de São Roque de Minas MG. Luiz Dulci, citado, dirigente nacional 
do PT desde sua fundação em 1980, exerceu o cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da 
República de 2003 a 2010 
213 TAKAGI, Maya. A Implementação do Programa Fome Zero em 2003. In: FRANÇA, Caio Galvão; 
SILVA, José Graziano da, GROSSI, Mauro Eduardo Del; (orgs.). Fome Zero: A experiência 
brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), 2010. p. 79 
214 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE. O entrevistado se refere ao MESA, o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e 
Combate à Fome, criado pela Medida Provisória 103, de 1 de janeiro de 2003, depois transformada na 
Lei 10.683, de 28 de maio de 2003. 
 108 
de medidas de incremento à agricultura familiar e aos assentados da 
reformaagrária; 
b) discussão e aprovação do Plano de Ação do Mesa para 2003 e 
das ações para o Plano Plurianual 2004-2007; 
c) reivindicação de maior participação na discussão do projeto de 
lei sobre os transgênicos junto à Casa Civil; 
d) montagem da Comissão Organizadora da II Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 
e) orientação para a realização de Conferências Municipais, 
Estaduais e Regionais preparatórias para a II Conferência Nacional; 
f) orientação para a formação de conselhos de nível municipal e 
estadual, a partir da elaboração de um caderno específico, que 
resultou na formação de 110 conselhos municipais e 22 estaduais 
até dezembro de 2003. 
 
 Temas que não constavam na agenda política do antigo governo como 
incremento da agricultura familiar, programas de transferência de renda e 
transgênicos, por exemplo, passaram a ser pauta das discussões do CONSEA, que 
teriam levado ao incremento das articulações do Conselho com organizações da 
sociedade civil e outros órgãos do poder público. 
Quanto ao aporte de recursos destinados ao MESA na sua criação, em 2003, 
foi substancialmente superior ao orçamento total de outros órgãos que atuavam 
anteriormente na área de nutrição, como a Coordenação-Geral da Política de 
Alimentação e Nutrição, do Ministério da Saúde, que lidava com o Programa Bolsa 
Alimentação e com o Programa de Educação Alimentar. O orçamento da Secretaria 
da Comunidade Solidária, que serviu de base institucinal para a criação do MESA, era 
de R$ 12,5 milhões e o orçamento previsto para as ações do Programa Fome Zero, em 
2003, foi de R$ 1,8 bilhão. Dessa forma, o orçamento total do MESA passou a ser 
superior ao da maioria das outras pastas, sendo menor apenas que o do Ministério da 
Saúde e o do Ministério da Educação215. 
De acordo com Takagi, na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2003, foram 
incluídas três novas ações: i) assistência financeira à família visando à 
complementação da renda para a compra de alimentos, que se concretizaria no 
Programa Cartão Alimentação; ii) ações voltadas para a compra da produção de 
alimentos de agricultores familiares, que se efetivaria através do PAA; iii) ações 
voltadas para a educação alimentar e melhoria das condições socioeconomicas das 
 
215 TAKAGI, Maya. A implementação do Programa Fome Zero em 2003. In: FRANÇA, Caio Galvão; 
SILVA, José Graziano da, GROSSI, Mauro Eduardo Del; (orgs.). Fome Zero: A experiência 
brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), 2010. p. 54-55. 
 109 
famílias, que incluiria os restaurantes populares, bancos de alimentos e construção das 
cisternas do semiárido nordestino216. 
 
2.4. Criação do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar, 
remanejado para Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à 
Fome 
 
O Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome 
(MESA) foi o primeiro Ministério, no Brasil, criado com a finalidade exclusiva de 
combater a fome e a miséria, tendo como Ministro José Graziano da Silva. A criação 
do MESA teve caráter emergencial, de forma a possibilitar que fossem 
implementadas, imediata e simultaneamente, um conjunto de políticas por vários 
ógãos do governo, além de articulá-las nas diferentes instâncias governamentais 
(federal, estadual, municipal) e com as ações de entidades da sociedade civil. 
A criação de um Ministério com a atribuição exclusiva para tratar da SAN não 
teria sido bem recebida pelos militantes da temática, que defendiam sua 
intersetorialidade. Maluf recorda: 
 
A princípio nós fomos contra a criação do Ministério 
Extraordinário. A gente achava que Segurança Alimentar não 
deveria ter ministério não... Tinha que ser um tema intersetorial. Aí 
nós criamos, estabelecemos uma interlocução com a equipe de 
transição, daí já era com o Graziano. Ele fez valer a proposta do 
MESA, passou, o Lula decidiu que sim, então o que a gente fez a 
partir desse momento foi começar a trabalhar a ideia do CONSEA. 
Então foi todo esse período da negociação com a equipe de 
transição, eles montando lá o Fome Zero. Nós do Fórum tínhamos 
uma concepção... nosso temor era que ao criar um Ministério os 
outros Ministérios se desobrigariam. E de fato, logo houve 
manifestações nessa direção. “Ah, esse negócio de segurança 
alimentar é lá com o Graziano”, o Ministério da Saúde falando. 
Então o temor de setorializar parecia se confirmar, né? Tanto é que 
durou um ano, um ano e pouco já criaram o MDS, que reuniu os 
programas sociais e o CONSEA sobreviveu217. 
 
 Francisco Menezes reitera o argumento de Maluf: 
 
216 TAKAGI, Maya. A implementação do Programa Fome Zero em 2003. In: FRANÇA, Caio Galvão; 
SILVA, José Graziano da, GROSSI, Mauro Eduardo Del; (orgs.). Fome Zero: A experiência 
brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), 2010. p. 54. 
217 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
 110 
 
A gente achava que não deveria ser um Ministério, a gente achava 
que deveria ser uma Secretaria diretamente ligada ao Presidente da 
República para dar essa prioridade. Nisso a gente foi derrotado 
pelo Graziano e outros que estavam a frente do Fome Zero. Eles 
achavam que isto daria mais força. Nós achávamos o contrário, 
que precisava o Presidente ter uma presença muito forte. Nessa 
época eu comecei a ter contato com o Lula, eu não conhecia o Lula. 
Conhecia só de passagem, o Lula participava de algumas reuniões. 
Então uma vez eleito o Lula nós passamos uns dois meses 
trabalhando na proposta e também trabalhando a proposta de 
recriação do CONSEA porque o CONSEA tinha sido extinto pelo 
Fernando Henrique e quando começou a se elaborar a proposta lá 
no Instituto Cidadania, a proposta do Fome Zero, não se colocava 
o CONSEA não. Mas depois o Fórum Brasileiro forçou, eles 
aceitaram e entrou na proposta do Fome Zero. Depois eles 
gostaram da ideia e passaram a apoiar218. 
 
 
Sobre a importância da intersetorialidade nas políticas de SAN, Elisabetta 
Rancine, atual presidente do CONSEA Nacional, afirma: 
 
Acho que não existe garantia de Segurança Alimentar e Nutricional 
sem transversalidade, sem intersetorialidade. É uma ilusão achar 
que um setor só de governo resolve o problema. E do ponto de vista 
da sociedade, a diversidade da participação social com diferentes 
demandas, com diferentes perspectivas e, portanto, diferentes 
soluções, também é essencial. Então esse encontro entre a 
intersetorialidade do Estado e a diversidade da participação e do 
controle social é que podem gerar um espaço de articulação, 
decisão e implementação que possam vir a garantir, de uma 
maneira sustentável, a Segurança Alimentar e Nutricional. Você 
tem ações e demandas que estão ligadas desde a posse da terra, 
acesso à sementes nativas, modos de produção sustentáveis, 
processo de capilarização e localização das estratégias de 
abastecimento e de consumo, as formas de comer, as formas de 
preparar os alimentos, etc., então isso perpassa as diferentes áreas 
de conhecimento, diferentes setores de inserção social e 
consequentemente diferentes saberes e práticas. e então, para mim, 
não tem como pensar garantia e realização do direito humano à 
alimentação adequada sem pensar nessa multidimensionalidade.219 
 
 O caráter supraministerial do CONSEA o torna o principal órgão articulador 
entre o governo e a sociedade civil na proposição de diretrizes para as ações na área 
da SAN. 
 
218 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
219 Trecho da entrevista a nós concedida por ElisabettaRancine em 26 de março de 2018 via telefone. 
 111 
 Dada a insistência dos militantes de SAN na transversalidade inerente à 
temática, em janeiro de 2004, o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e 
Nutricional é extinto, dando lugar ao Ministério de Desenvolvimento Social e 
Combate à Fome, que passa a incorporar dois órgãos recém-criados em 2003: o 
Ministério da Assistência Social e a Secretaria Executiva do Bolsa Família220. Dessa 
forma, o MDS unifica três estruturas: o Ministério Extraordinário de Segurança 
Alimentar e Nutricional, o Ministério da Assistência Social e a Secretaria Executiva 
do Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família. 221 O MDS foi criado 
pela lei 10.869/2004, mesma lei que extinguiu o antigo Conselho do Programa 
Comunidade Solidária. 
 Patrus Ananias foi nomeado ministro do MDS, onde permaneceu até março de 
2010. Em entrevista, afirma que o MDS teria como uma de suas funções integrar as 
ações e políticas de SAN: 
 
(...) com a criação do MDS, o Fome Zero ganhou uma dimensão 
mais ampla, pois deixou de ser uma política específica para integrar 
todas as políticas e ações em três dimensões: primeiro, as ações 
mais diretamente voltadas para o combate à fome e à desnutrição no 
Brasil; em um segundo momento, consolidar no País um Sistema de 
Segurança Alimentar e Nutricional, o SISAN, integrado a outros 
sistemas, como o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), o 
SUS, e também interagindo com outras políticas como a de 
transferência de renda e com outras ações fora do Ministério do 
Desenvolvimento Social e Combate à Fome como, por exemplo, o 
Programa Luz para Todos, o Programa Nacional de Fortalecimento 
da Agricultura Familiar e os Territórios da Cidadania vinculados ao 
Ministério do Desenvolvimento Agrário. Em terceiro lugar, e já 
numa perspectiva mais alargada, visa o Fome Zero assegurar a 
soberania alimentar no contexto da soberania nacional considerando 
que a soberania do País esta diretamente ligada à sua soberania na 
produção e na reserva de alimentos para garantir em qualquer 
situação o direito à alimentação adequada para toda a população, 
inclusive em eventuais situações de emergência, de crise ou 
conflito222. 
 
 
 
220 Bolsa Família: Programa unificado de transferência de renda, que incorporou o Programa Cartão 
Alimentação do Programa Fome Zero, além dos Programas Bolsa Escolar, Bolsa Alimentação e Vale-
Gás, de vários Ministérios com o objetivo de conferir mais racionalidade à administração federal. 
221 Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN). Estruturando o Sistema 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) Brasília: CAISAN, 2011.p. 21. 
222 Trecho de entrevista de Patrus Ananias, retirado de: ARANHA, Adriana Veiga. Fome Zero: uma 
história brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Assessoria 
Fome Zero, v. 1, 2010, p. 108 
 112 
2.5. Programa Fome Zero, Programa de Aquisição de Alimentos da 
Agricultura Familiar e Programa Nacional de Alimentação Escolar 
 
 O Programa Fome Zero foi construído, de acordo com Takagi223, em torno de 
cinco programas estruturais: i) reforma agrária; ii) fortalecimento da agricultura 
familiar; iii) projeto emergencial de convivência com o semiárido; iv) programa de 
superação do analfabetismo; v) programa de geração de emprego; e de cinco 
programas específicos: a) restaurantes populares; b) bancos de alimentos; c) 
ampliação da alimentação escolar; d) programa cartão de alimentação emergencial; e) 
educação alimentar. O objetivo seria que todos estes programas estivessem integrados 
no nível local, de forma a que os benefícios empregados fossem movimentados no 
município ou região, gerando empregos e produção de alimentos e superando o 
círculo vicioso da fome. 
 O primeiro Programa implementado pelo PFZ foi o Programa Nacional de 
Acesso à Alimentação, o ‘Cartão Alimentação’, posteriormente incorporado ao 
Programa Bolsa Família. O Bolsa-Família continha: Bolsa Escola (Programa 
Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação), Bolsa Alimentação (Programa 
Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde) e Programa Auxílio-Gás, além do 
Cartão Alimentação. Concomitantemente, foram criados outros programas estruturais 
e de fundamental importância para a efetivação da SAN, sendo os principais o 
Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e o 
fortalecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar. 
 A ideia do PAA teria nascido dentro da primeira reunião do ‘novo’ CONSEA 
e de acordo com Francisco Menezes, por iniciativa de Plínio de Arruda Sampaio: 
 
O Bolsa Família e a transferência de renda do Bolsa Família eram 
componentes da Política, mas houve a necessidade de revitalizar 
algumas políticas que já estavam em curso e de criar outras. 
Começando com esta parte de criar outras, eu me lembro que na 
primeira reunião do CONSEA, a reunião que reinaugurou o 
CONSEA, o Plínio de Arruda Sampaio, que era conselheiro, ele 
levanta uma questão importante. Ele disse assim: ‘Olha, com o 
Fome Zero vai precisar haver uma maior oferta de alimentos para 
esta população que não tinha acesso antes ou que tinha um acesso 
muito precário. E a gente deve se preocupar também com quem vai 
 
223 TAKAGI, Maya. A implementação do Programa Fome Zero em 2003. In: FRANÇA, Caio Galvão; 
SILVA, José Graziano da, GROSSI, Mauro Eduardo Del; (orgs.). Fome Zero: A experiência 
brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), 2010. p. 56 
 113 
produzir estes alimentos’. É daí que nasce a ideia do Programa de 
Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, porque o Plínio 
disse: ‘Olha, parte da agricultura familiar também vive em 
condições de pobreza muito aguda então vamos unir as duas pontas 
que isso tanto fortalece a agricultura familiar como possibilita que 
essa produção vá para a população carente, resolvendo a questão 
da oferta. Cria um mercado para a agricultura familiar, que era 
uma coisa que ela carecia muito. No mesmo momento também se 
define que assim como a agricultura patronal tinha o Plano Safra, 
que passe a ter um Plano Safra da agricultura familiar em 
específico, aí envolvendo o PRONAF, o PAA então foi criado, 
seguros agrícolas, esse tipo de coisa. Portanto o PAA nasce dentro 
do CONSEA. 224 
 
 
 O PAA tem duas finalidades básicas: promover o acesso à alimentação e 
incentivar a agricultura familiar, sendo dois os públicos beneficiários: os fornecedores 
e os consumidores de alimentos. Os fornecedores são os agricultores familiares, 
assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores 
artesanais, indígenas, integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais 
e demais povos e comunidades tradicionais, que atendam aos requisitos previstos no 
artigo 3o da Lei no 11.326/2006. Os fornecedores podem participar individualmente 
ou por meio de suas cooperativas ou outras organizações formalmente constituídas 
como pessoa jurídica. Os consumidores são os indivíduos em situação de insegurança 
alimentar e nutricional e aqueles atendidos pela rede socioassistencial e pelos 
equipamentos de alimentação e nutrição. O orçamento do PAA é composto por 
recursos do MDS e do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA)225. 
 O caráter inovador do PAA estava na possibilidade de os pequenos 
agricultores venderem diretamente ao governo, sem necessidade de licitação, a preços 
próximos aos de mercado. E, em situações específicas, de terem acesso a antecipação 
de recursos para o plantio, estimulando a produção de alimentos226. Essa inovação 
institucional teria propiciado uma atuação diferenciada do Estado para atuar 
 
224 Trecho da entrevistaa nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
225 BRASIL, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Cartilha Programa de 
Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar: renda para quem produz e comida na mesa para 
quem precisa! Brasília: MDS, 2012. 
226 TAKAGI, Maya. A Implementação do Programa Fome Zero em 2003. In: FRANÇA, Caio 
Galvão; SILVA, José Graziano da, GROSSI, Mauro Eduardo Del; (orgs.). Fome Zero: A experiência 
brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010. p. 70 
 114 
proativamente nas economias de territórios de baixa dinamização econômica e forte 
presença de agricultores familiares227. 
 Instituído pelo Artigo 19 da Lei 10.696/2003 e regulamentado pelo Decreto 
4.772/2003, o PAA sofreu alterações que foram positivadas na Lei 12.512/2011. 
Desde o início, o PAA foi coordenado pelo MDS em articulação com Ministério do 
Desenvolvimento Agrário, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Fazenda e 
Ministério da Educação, sendo a primeira política agrícola nacional para a agricultura 
familiar que se articula com a Política de SAN. 
 O PAA possui cinco modalidades: i) doação simultânea: tem como finalidade 
o atendimento de demandas locais de suplementação alimentar. Incentiva que a 
produção local da agricultura familiar atenda às necessidades de complementação 
alimentar das entidades da rede socioassistencial, dos equipamentos públicos de 
alimentação e nutrição (restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de 
alimentos) e, em condições específicas definidas pelo Grupo Gestor do PAA, da rede 
pública e filantrópica de ensino. É executada apenas com recursos do MDS; ii) 
compra direta: tem como finalidade a sustentação de preços de uma pauta específica 
de produtos definida pelo Grupo Gestor do PAA, a constituição de estoques públicos 
desses produtos e o atendimento de demandas de programas de acesso à alimentação. 
Para execução dessa modalidade, o MDS e MDA repassam, por meio de Termos de 
Cooperação, recursos financeiros para a Companhia Nacional de Abastecimento 
(CONAB), responsável pela operacionalização; iii) formação de estoques: tem como 
finalidade apoiar financeiramente a constuição de estoques de alimentos por 
organizações da agricultura familiar, visando agregação de valor à produção e 
sustentação de preços. Posteriormente, esses alimentos são destinados aos estoques 
públicos ou comercializados pela organização de agricultores para devolução dos 
recursos financeiros ao poder público. Para execução dessa modalidade, o MDS e o 
MDA repassam, por meio de Termos de Cooperação, recursos financeiros para a 
CONAB, responsável pela operacionalização; iv) PAA Leite: tem como finalidade 
contribuir com o aumento do consumo de leite pelas famílias que se encontram em 
situação de insegurança alimentar e nutricional e também incentivar a produção 
 
227 INSTITUTO DE POLÍTICA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). A Trajetória Histórica da 
Segurança Alimentar e Nutricional na Agenda Política Nacional: projetos, descontinuidades e 
consolidação, Rio de Janeiro, 2014. p. 39 
 115 
leiteira dos agricultores familiares. Esta modalidade é executada pelos Estados do 
Nordeste e Minas Gerais (região Norte); v) compra institucional: foi uma inovação do 
Decreto 7.775/2012. Sua finalidade é garantir que Estados, Distrito Federal e 
municípios, além de órgãos federais também possam comprar alimentos da 
agricultura familiar com seus próprios recursos financeiros, dispensando-se a licitação 
para atendimento às demandas regulares de consumo de alimentos. Poderão ser 
abastecidos hospitais, quartéis, presídios, restaurantes universitários, refeitórios de 
creches e escolas filantrópicas, entre outros. Após a definição da demanda, o órgão 
comprador elabora Edital de Chamada Pública, que deve ser divulgado em locais de 
fácil acesso a organizações da agricultura familiar228. 
 Os preços são definidos de acordo com a média dos preços praticados nos 
mercados regionais. O limite de aquisições é definido por decreto, de acordo com 
cada modalidade do Programa, estabelecendo anualmente um valor máximo por 
família. A CONAB teria papel fundamental no processo de execução do PAA, pois 
além de garantir a compra da produção e a determinação dos preços de mercado ao 
adquirir os alimentos ou sinalizar o preço de referência, também é a responsável pela 
operacionalização do PAA por meio de suas estruturas estaduais. A CONAB, ao 
exercer o direito de compra, enfraquece o papel dos intermediários comerciais, 
conhecidos popularmente como “atravessadores”, no escoamento da produção, 
possibilitando que as ações de aquisição, distribuição e consumo sejam efetuadas ao 
mesmo tempo e no âmbito do próprio município229. 
 Marcos Rochinski, coordenador da Confederação Nacional dos Trabalhadores 
e Trabalhadoras da Agricultura Familiar do Brasil (CONTRAF), corrobora com a 
importância da inclusão dos pequenos agricultores nas politicas públicas: 
 
(...) nós somos uma entidade representativa dos agricultores 
familiares e como tal nós sempre defendemos que a Segurança 
Alimentar e Nutricional do nosso país passa necessariamente pelo 
fortalecimento das políticas para este setor dos agricultores 
familiares, passa pelo fortalecimento da reforma agrária, pela 
distribuição de terras, de uma política agrícola que valorize os 
agricultores familiares, porque no nosso entendimento a Segurança 
 
228 BRASIL, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Cartilha Programa de 
Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar: renda para quem produz e comida na mesa para 
quem precisa! Brasília: MDS, 2012. 
229 INSTITUTO DE POLÍTICA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). A Trajetória Histórica da 
Segurança Alimentar e Nutricional na Agenda Política Nacional: projetos, descontinuidades e 
consolidação, Rio de Janeiro, 2014. p. 39 
 116 
e Soberania Alimentar do nosso país e de qualquer país só vai ser 
assegurado plenamente se você tiver um modelo de produção que 
consiga conciliar a preservação ambiental com um processo justo 
de produção e a produção de alimentos saudáveis230. 
 
 
 Uma avaliação do PAA feita pelo CONSEA com a participação de 
organizações de agricultores familiares e entidades e instituições beneficiadas pela 
doação de alimentos, destacou os seguintes pontos positivos referentes ao PAA: i) a 
capacidade de estimular a organização e integração de sistemas locais de produção e 
comercialização e valorizar a transição e/ou a adoção de sistemas de produção 
agroecológicos; ii) o fomento da economia local e a valorização dos circuitos locais 
de mercados; iii) a capacidade de integração campo e cidade e entre agricultores e 
consumidores; iv) o estímulo à diversificação da produção e valorização dos produtos 
regionais231. 
 Em junho de 2008, ocorreu em Brasília um seminário para se avaliar os 
resultados do PAA. Renato Maluf, presidente do CONSEA à época, em seu discurso, 
destacou que uma das razões do êxito do PAA se daria em função do engajamento dos 
setores envolvidos no Programa: 
 
Notem que esse é um Programa cujo êxito dependeu muito de ele 
ser apropriado pela população, pelos setores envolvidos, ou seja, 
pelo PAA ser comprado pelos setores que, de alguma maneira, 
participam dele. Isso é uma boa reflexão que a gente pode fazer, em 
um seminário como esse, no sentido de ver como é que as políticas 
públicas, o êxito do seu bom desenvolvimento. [inaudível] 
Fundamentalmente, de elas serem compreendidas pela sociedade, 
apropriadas pela sociedade. Aí reside grande parte do êxito dos 
programas, não é?232 
 
 Em outro trecho de seu discurso, Maluf ressalta o desafio da intersetorialidadena execução do PAA: 
 
Notem que, quando a gente fala da intersetorialidade, isso é um 
exercício difícil, viu? O pessoal do grupo gestor do PAA depois 
 
230 Trecho da entrevista a nós concedida por Marcos Rochinski em 27 de fevereiro de 2018, via skype. 
231 MAGALHÃES, Rosana; BURLANDY, Luciene; Forzi, Daniela. Programas de Segurança 
Alimentar e Nutricional: experiências e aprendizados. In: BURLANDY, Luciene; ROCHA, Cecília; 
MAGALHÃES, Rosana. (orgs) Segurança Alimentar e Nutricional: perspectivas, aprendizados e 
desafios para as políticas públicas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013. p. 123-124. 
232 Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-
presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-
perspectivas.pdf/view . Acesso em abril de 2018 
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-perspectivas.pdf/view
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-perspectivas.pdf/view
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-perspectivas.pdf/view
 117 
podia dizer como é que eles enfrentam, né?, na gestão do programa. 
Porque você está reunindo setores que têm concepções distintas, 
não é concepção distinta, são expectativas distintas. Você tem que 
colocar em comum acordo. De um lado, estão aqueles que fazem 
política agrícola, de outro lado, estão aqueles que usam o alimento 
para programas alimentares, do outro lado, estão aqueles que fazem 
alimentação escolar, do outro lado, está a economia, do outro lado, 
o orçamento, a inadimplência. Então, essa é a condição da 
intersetorialidade. E para avançar nas políticas sociais obviamente, 
eu não vou repetir, é preciso pensar a agricultura familiar e esses 
programas dentro de um modelo diferenciado233. 
 
 A criação do PAA fez com que o segmento da agricultura familiar se tornasse 
um dos principais atores no monitoramento, defesa e proposição de 
mudanças/adequações do PAA, sendo a ampliação do volume de recursos, o maior 
número de agricultores beneficiados, a simplificação da institucionalidade da política, 
o aumento do limite financeiro de comercialização por agricultor/ano e o 
fortalecimento da CONAB, as demandas mais frequentes nas pautas de suas 
reivindicações234. 
 Outro programa de fundamental importância, que ampliou o acesso aos 
alimentos a grupos populacionais vulneráveis foi o Programa Nacional da 
Alimentação Escolar. O PNAE, também conhecido como Merenda Escolar, existe 
desde 1955 235 e institui o repasse automático de valores financeiros do governo 
federal aos Estados, municípios e escolas federais conforme o número de 
matriculados em cada rede de ensino236. No primeiro mandado do ex-presidente Lula, 
o repasse para o PNAE teria aumentado consideravelmente, conforme narrado por 
Menezes, que à época presidia o CONSEA Nacional: 
 
Eu diria que a gente trabalhou com três Políticas com prioridade: 
sobre o PAA, sobre o PNAE e sobre o Programa de Cisternas, 
embora o CONSEA participasse também ativamente de avaliações 
e discussões sobre o Bolsa Família. Continuavam outras Políticas, 
como a de restaurante popular e tal, mas com uma participação 
 
233 Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-
presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-
perspectivas.pdf/view . Acesso em 15/04/2018 
234 GRISA, Catia. Políticas Públicas para a Agricultura Familiar no Brasil: produção e 
institucionalização das ideias. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). 
Programa de Pós-Graduação de Ciências em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade 
(CPDA/UFRRJ). Rio de Janeiro, 2012. p. 212. 
235 O PNAE é o mais antigo programa social do governo federal brasileiro na área de alimentação e 
nutrição. 
236 Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/pnae. Acesso em 15/03/2018. 
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-perspectivas.pdf/view
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-perspectivas.pdf/view
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/discursos/2008/discurso-do-presidente-do-consea-renato-s-maluf-na-abertura-do-seminario-paa-2013-balanco-e-perspectivas.pdf/view
http://www.fnde.gov.br/programas/pnae
 118 
mais secundária do CONSEA. E logo-logo eu tive uma primeira 
audiência com o Lula, no primeiro semestre de 2004 e eu defino 
que eu vou levar duas reivindicações para ele, defino 
evidentemente, com os conselheiros. A gente prepara uma 
reivindicação de aumento de dotação orçamentária para o PAA, 
que ainda era pequena e a gente leva a reivindicação de quebrar o 
congelamento do valor per capita do PNAE. O governo transferia 
recursos do PNAE para as prefeituras, para governos estaduais, 
porque a alimentação escolar era descentralizada. Essa dotação 
estava congelada há dez anos. A inflação tinha corroído 
completamente o valor que era repassado pelo governo para a 
alimentação escolar. A alimentação escolar estava fraquíssima, 
muita gente reclamando. Muitas escolas sequer forneciam, havia 
problema de fraude também. Nesta audiência o Lula pediu um 
tempo para responder sobre a questão do PAA. De fato, depois 
foram muito gradativas as elevações do orçamento, mas ele ficou 
muito sensibilizado com a questão de que há dez anos que não era 
corrigido. Sobretudo porque esses dez anos, grande parte dele dizia 
respeito ao governo Fernando Henrique. Aí ele colocou para mim a 
seguinte questão, ele disse: ‘Olha, a alimentação escolar pesa 
muito no orçamento. Se a gente faz uma correção forte, como 
precisaria, isso vai dar um aumento, vai pesar no orçamento, então 
a gente vai ter que fazer uma programação gradativa dessa 
correção. Eu me comprometo com você de corrigir em 15%, 
inicialmente’. Não, não era 15%, é o seguinte, é que estava em 13 
centavos o per capita, e depois ele aumenta para 15, depois para 
18, depois aumenta para 22, depois para 28, então ele faz uma 
correção gradativa237. 
 
 Entre 1995 a 2014, o PNAE ampliou de 33 milhões estudantes atendidos para 
mais de 42 milhões de escolares em 2014, chegando a 3,6 bilhões de reais o valor de 
recursos repassados em 2014. Além de aumentar o valor per capita da alimentação 
escolar, o PNAE passou a comprar 30% do alimentos da agricultura familiar 238 . 
Menezes nos relata os bastidores desta decisão: 
 
(...) a gente queria acabar com a terceirização da alimentação 
escolar, então nós colocamos isso na lei, proibindo empresas 
terceirizadas. Eu te diria que naquele momento, de 30 à 40% das 
escolas tinham alimentação escolar terceirizada então é um corte 
muito forte. Aí surge também a ideia de 30% da agricultura 
familiar para a alimentação escolar, claro que inspirado na 
experiência do PAA e mercado institucional de alimentos. Sobre 
estes 30%, a gente não chegava a uma conclusão, porque o Brasil é 
muito diverso, a gente dentro do grupo, sobre qual deveria ser o 
índice. Colocar diferentes índices significaria criar uma confusão 
 
237 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
238 BRASIL. Ministério da Educação. Cartilha Nacional da Alimentação Escolar. Brasília: 
Ministério da Educação, 2015 
 119 
ingovernável, municípiosreivindicando uma coisa, outros 
reivindicando outras, então... esses dias eu encontrei com a 
Albaneide Peixinho, que era coordenadora do PNAE e a gente 
estava recordando... diz ela, eu não consigo me lembrar disso, que 
fui eu quem propus os 30%, porque eles estavam em uma discussão 
que alguns falavam 40% outros falavam 20% e eu falei 30% e 
estavam todos cansados no grupo e fechou 30%. Eu não lembro 
como se chegou a isso. A gente também pediu para o cara da 
CONAB239 que nos ajudasse, que estava a frente do PAA. Ele tinha 
indicado mais ou menos isso, e como eu era o presidente do 
CONSEA, se eu falei 30% acabou ficando 30%, mas não existia 
nenhum cálculo ao pé da letra que devesse ser 30%. Mas 
evidentemente essa foi uma proposta que agradou, sobretudo, as 
organizações de agricultores familiares, porque abriu um mercado 
que eles nunca tinham tido. Naquela época eram 36 milhões de 
alunos se alimentando 200 dias por ano então era um mercado que 
a agricultura familiar nunca tinha visto. 240 
 
 A conversão em lei da compra institucional de 30% dos alimentos do PNAE 
da agricultura familiar somente se concretizou em 2009 com a Lei 11.947/2009. O 
Projeto de Lei da Alimentação Escolar (PL 2877/2008) entrou em tramitação na 
Câmara dos Deputados no dia 25 de fevereiro de 2008, com o objetivo de criar um 
marco regulatório para o PNAE. O PL 2877/2008 propôs que o Estado brasileiro 
garantisse o atendimento da alimentação escolar para as escolas públicas e privadas, 
na perspectiva de consolidar uma mudança do paradigma, abandonando uma lógica 
assistencialista e assumindo a lógica da alimentação como um direito, em vista da 
promoção de saúde. Entre suas diretrizes, está o fortalecimento do controle social, ao 
sugerir que deveria existir um acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, 
Distrito Federal e municípios sobre a oferta da alimentação escolar. 
 Maria Emília Pacheco afirma que o FBSSAN teve grande contribuição para a 
fundamentação da Lei 11.947/2009: 
 
O Fórum sempre procurou, na sua trajetória, influenciar nos rumos 
da política através do CONSEA e tomando também iniciativas. Eu 
me lembro, por exemplo, de um Seminário que nós fizemos sobre 
alimentação escolar, isso foi quando o Chico Menezes era 
presidente do CONSEA e foi extremamente importante porque nós 
pudemos ter um conjunto de fundamentação econômica, política, 
 
239 Se refere à Silvio Porto, coordenador nacional do PAA, no âmbito da CONAB, à época. Silvio Porto 
integrou a equipe que elaborou o Projeto Fome Zero. Nos anos de 2003 à janeiro de 2014, ocupou as 
Diretorias de Gestão e Logística e de Política Agrícola e Informações da CONAB. Representou o Ministério de 
Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Grupo Gestor do PAA. Disponível em: 
https://www.escavador.com/sobre/4425683/silvio-isopo-porto Acesso em 06 de junho de 2018. 
240 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
https://www.escavador.com/sobre/4425683/silvio-isopo-porto
 120 
social e na hora que nós entramos no debate sobre a atual lei, 
sobre a feição atual do PNAE, nós tínhamos muito subsídios para 
dar e acompanhamos muito de perto por dentro do CONSEA e 
tendo o Fórum contribuído muito nisso241. 
 
 O PL 2.877/2008 foi encaminhado pelo governo federal no início de 2008, 
sendo aprovado pela Câmara dos Deputados, por unanimidade, em novembro. A 
matéria seguiu para deliberação e votação no Senado Federal, onde enfrentou 
resistências, sendo então aprovado em junho de 2009242. Sobre as dificuldades de 
aprovação do PL 2.877/2008, convertida na Lei 11.947/2009, Menezes relembra: 
 
Já a Lei de Alimentação Escolar mexia com alguns pontos que 
depois a gente identificou que eram delicados para parlamentares 
que tinham financiamento de campanha de empresas interessadas, 
sejam empresas do agronegócio, sejam empresas terceirizadas que 
abasteciam a alimentação escolar. Então chega um determinado 
momento que é levado para o CONSEA e se tem um impasse na 
aprovação dela e isso eu já não era mais presidente. O Renato 
(Maluf) que era o presidente nesse momento e nos é dado por 
liderança do Congresso, ligado ao próprio governo, que a gente 
não vai ter condição de aprovar se a gente insistir com os 30% 
para a agricultura familiar e com a questão da proibição dos 
terceirizados, porque não vai somar a maioria nem dentro da 
Câmara dos Deputados para isso passar. E a gente tem que fazer 
uma escolha. Foi uma escolha difícil. A gente aceitou abrir mão da 
questão da terceirização como uma coisa para tentar enfrentar 
depois e manteve os 30%. Aí mesmo que lentamente e com muita 
pressão dos movimentos sociais, o projeto acabou sendo aprovado 
com algumas alterações, mas o Projeto de Lei foi aprovado. Isso 
abre para o movimento de Segurança Alimentar e Nutricional um 
ponto que já começava a ficar claro porque se formou uma frente 
parlamentar de Segurança Alimentar, mas vai ficando claro que 
não basta atuar junto ao Executivo. Precisa ter uma atenção em 
relação ao Congresso Nacional, se quer ter alguma incidência.243 
 
 A Lei 11.947/2009, dentre outros avanços, amplia a abrangência do PNAE 
para toda a rede pública de educação básica e de jovens e adultos, além de fortalecer a 
participação da comunidade no controle social das ações desenvolvidas pelos Estados, 
Distrito Federal e Municípios. 
 
241 Trecho da entrevista a nós concedida por Maria Emília Pacheco em 3 de junho de 2016 na 
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) 
242 ZIMMERMANN, Silvia A. A pauta do povo e o povo em pauta: as Conferências Nacionais de 
Segurança Alimentar e Nutricional, Brasil – democracia, participação e decisão política. Tese 
(Doutorado). Rio de Janeiro: UFRRJ, 2011. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2011. p. 61. 
243 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
 121 
 Christiane Costa é presidente do CONSEA Municipal de São Paulo e relata 
que se a compra de 30% dos alimentos da agricultura familiar para a alimentação 
escolar funcionou na cidade de São Paulo, que tem 12 milhões de habitantes, pode 
funcionar em qualquer outro município brasileiro: 
 
A Lei da Alimentação Escolar sempre teve dúvida se essa 
construção parava em pé nas grandes cidades porque ela tem 
características bastantes distintas de uma cidade média e de uma 
cidade pequena então nas cidades pequenas e nas médias, vai tudo 
bem. Não é que vai tudo bem, tem problemas, mas ela vai indo. 
Agora o problema são as grandes cidades. Eu escutei uma vez a 
presidente do FNDE244 (Fundo Nacional de Desenvolvimento da 
Educação) falar do Programa da Alimentação Escolar e dizer que 
se não parasse em pé nas grandes cidades, poderia derrubar a lei 
(dos 30% da compra da agricultura familiar). E São Paulo mostrou 
que era possível. Nós chegamos em 2015 a comprar muitas 
toneladas de arroz e feijão. São dois milhões de refeições diárias 
em São Paulo, então é complexo e a gente teve que fazer muitas 
costuras com o Tribunal de Contas, com o setor de compras da 
prefeitura. Inaugura questões essa lei, que setores que participam 
da compra, mas que não estão diretamente envolvidos, tem que ser 
sensibilizados também, então a gente estava nessa construção245. 
 
 Atualmente, o PNAE é conduzido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento 
da Educação e tem gestão descentralizada, ou seja, o governo federal repassa o 
recurso, mas são os Estados, o Distrito Federal e os municípios os responsáveis por 
administrar o Programa localmente. O PNAE é, portanto, um Programa com 
responsabilidade compartilhada. São as Entidades Executoras (as Secretarias de 
Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e as Escolas Federais) asresponsáveis pelo desenvolvimento de todas as condições para que o PNAE seja 
executado de acordo com a legislação. As Entidades Executoras podem e devem 
complementar o recurso repassado pelo FNDE, seja para a aquisição de alimentos em 
maior quantidade e qualidade, seja para outras despesas (como contratação de 
merendeiras e auxiliares, gás, energia elétrica, equipamentos, utensílios de cozinha, 
 
244 O Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) é a autarquia responsável pela 
definição da sistemática e dos procedimentos operacionais em relação aos produtos adquiridos pelo 
PAA 
245 Trecho da entrevista a nós concedida por Christiane Costa em 21 de fevereiro de 2018 via skype 
 122 
material de limpeza, entre outros), pois o recurso repassado pelo governo federal 
serve exclusivamente para a aquisição de alimentos246. 
 Sobre a importância do PNAE, Lelinho afirma: 
 
Eu continuo achando que um Programa que tem quase 45 milhões 
de pessoas que utilizam dele, é um equipamento público 
privilegiado para você tratar desse tema, seja ela com acesso ao 
alimento, você ofertando alimento de qualidade, seja levando a 
discussão do tema para dentro desses espaços com a comunidade 
acadêmica, com a comunidade escolar: alunos, professores, pais de 
alunos, funcionários e agricultores, que a partir de 2009 ele passa 
a ofertar247. 
 
 Sobre os avanços conquistados com o PAA e o PNAE, Rochinski observa: 
 
Eu acho que as compras institucionais, que foram bastante 
importantes, como o PAA, o PNAE não só possibilitaram para a 
população que recebia ou que recebe essa produção ter acesso a 
um alimento mais saudável, mas eles também possibilitaram que os 
agricultores familiares se emancipassem com condições de para 
além das compras institucionais começassem a se inserir em um 
tipo de mercado que até então era um mercado bastante distante 
para essas pequenas associações e cooperativas248. 
 
 
 Dessa forma, não pode ser minimizado o elo institucional estabelecido entre a 
alimentação oferecida nas escolas públicas e o papel da agricultura familiar da região 
em que se localizam. O PAA seria de fundamental importância na formatação das 
diretrizes do PNAE, que incorporam os agricultores familiares como fornecedores249. 
 
 
 
 
 
 
 
246 BRASIL. Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE). Cartilha para 
Conselheiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Brasília, Fundo Nacional para o 
Desenvolvimento da Educação (FNDE), 2017. p. 15 
247 Trecho da entrevista a nós concedida por Élido Bonomo em 12 de dezembro de 2017 via skype 
248 Trecho da entrevista a nós concedida por Marcos Rochinski em 27 de fevereiro de 2018, via skype. 
249 MALUF, Renato; NASCIMENTO, Renato Carvalheira. (orgs). Construção do Sistema e da 
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência brasileira. Brasília: 
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (CONSEA), 2009. p. 
66 
 123 
2.6. Avaliação da Insegurança Alimentar pela Pesquisa Nacional por 
Amostras por Domicílio 
 
 A Pesquisa Nacional por Amostras por Domicílio (PNAD) integra o Programa 
Nacional de Pesquisas Contínuas por Amostra de Domicílios da Fundação IBGE 
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e é realizada desde 1967, tendo por 
objetivos suprir informações multifinalitárias sobre a população brasileira e estudar 
temas insuficientemente investigados ou não contemplados por censo demográficos 
decenais realizados por aquela instituição. A pesquisa é feita em todas as regiões do 
Brasil, incluindo as áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e 
Amapá, que estavam excluídas até recentemente250. 
 A PNAD obtém informações anuais sobre características demográficas e 
socioeconômicas da população (como sexo, idade, educação, trabalho e rendimento) e 
características dos domicílios, e, com periodicidade variável, informações sobre 
migração, fecundidade, nupcialidade, entre outras, tendo como unidade de coleta os 
domicílios. Temas específicos abrangendo aspectos demográficos, sociais e 
econômicos também são investigados251. 
 Historicamente, a SAN é avaliada por meio de medidas que procuram 
quantificar o número de indivíduos em situação de carência alimentar ou fome. A 
FAO utiliza como medida a disponibilidade de alimentos, mensurada por estimativa 
calórica média diária per capita como ferramenta para captar o grau de 
vulnerabilidade ou carência alimentar dos diferentes países. Adicionalmente, utiliza 
informações sobre estado de saúde, condições demográficas, ambientais, econômicas, 
políticas, sociais, climáticas, renda, gastos com alimentação, condições de moradia, 
saneamento, dentre outros252. O Programa Fome Zero, ao ser lançado, não dispunha 
de uma avaliação ou de uma pesquisa específica de acompanhamento de seus 
indicadores. A médica, professora da UNICAMP e pesquisadora Ana Maria Segall 
Corrêa, ao tomar conhecimento da inexistência de indicadores alimentares que 
 
250 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/190-secretarias-
112877938/setec-1749372213/12521-informacoes-gerais-sobre-a-pnad Acesso em 15/04/2018. 
251 Disponível em: 
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?id_pesquisa=40 Acesso 
em 17/04/2018 
252 COSTA, Rosana Salles. Diagnóstico de insegurança alimentar nos estudos populacionais: suas 
implicações e limitações como indicador de SAN. In: SCHNEIDER, Olívia F. (org). Segurança 
Alimenar e Nutricional: tecendo a rede de saberes.Rio de Janeiro: FAPERJ, 2012. p. 122 
http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/190-secretarias-112877938/setec-1749372213/12521-informacoes-gerais-sobre-a-pnad
http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/190-secretarias-112877938/setec-1749372213/12521-informacoes-gerais-sobre-a-pnad
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?id_pesquisa=40
 124 
indicassem a evolução do Programa Fome Zero, teria proposto ao professor de 
nutrição da Universidade de Connecticut/EUA, que estava em período sabático na 
UNICAMP, a elaboração de uma pesquisa que aferisse tais indicadores. Em entrevista 
a nós concedida, Segall relata o início da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar 
(EBIA) da PNAD: 
 
A gente achava que uma proposta de governo como o Fome Zero 
tinha que ter um acompanhamento para saber a base e o depois. 
(...) Em 2003 o professor Rafael veio fazer um ano sabático na 
UNICAMP e ele chegou em dezembro. Em janeiro o Lula toma 
posse e lança o Fome Zero e ele veio fazer o sabático na área de 
aleitamento materno. Era uma proposta de estabelecer uma rede de 
monitoramento do aleitamento materno baseado nos indicadores 
que saíram da pesquisa que foi feita em Santos. Era uma base, uma 
plataforma, a gente ainda não tinha isso ainda tão desenvolvido na 
época, que as unidades básicas de saúde, os hospitais, poderiam 
criar para ser o que é o SISVAN, um sistema de vigilância do 
aleitamento materno. Ele veio com este projeto e eu estava 
conversando com ele quando saiu o Fome Zero e eu consegui um 
exemplar do Fome Zero no Instituto de Economia da UNICAMP 
com o professor (Walter) Belick, que tinha trabalhado na 
formulação do Fome Zero. E nós começamos a ler o Programa e 
ficamos super entusiasmados com a proposta do Fome Zero. Daí 
terminamos de ler e eu falei assim: ‘Você percebe que não tem 
nada de avaliação? Se faz um Programa dessa natureza e com essa 
abrangência sem nem uma linha de acompanhamento e avaliação’. 
Aí eu falei com ele assim: ‘A gente podia pensar em propor alguma 
coisa...’. Aí ele falou: ‘Olha... eu trabalhei com o pessoal do 
Senegal com uma adaptação de uma escala norte-americanade 
avaliação domiciliar de Segurança Alimentar e foi uma coisa que 
deu muito certo como indicador lá no Senegal’. Aí ele perguntou: 
‘Você acha que é possível?’, aí eu falei: ‘Olha, vamos atravessar 
aqui o corredor, porque nós estávamos na minha sala, que eu vou 
perguntar para o Secretário Geral do Ministério da Saúde, que era 
o Gastão Wagner’ Eele era meu colega de departamento e foi 
chamado pelo governo Lula para ser Secretário Geral. Aí fomos eu 
e o Rafael conversar com o Gastão: ‘Gastão, o que você acha de a 
gente fazer uma proposta...’. Aí ele disse: ‘Escreve umas páginas aí 
que o Ministério financia’. Começou assim... isso foi em 2003. Eu 
estou contando esta história feito mineiro mesmo, na beira do 
fogão... Mas aí nós sentamos para conversar mais 
organizadamente, mais academicamente sobre o assunto e aí 
fizemos uma proposta que ela tinha um pressuposto de 
aceitabilidade. Porque a proposta era: ‘Vamos desenvolver, já 
existe este modelo’. Porque esta escala, originalmente norte-
americana, já vinha sendo desenvolvida no Canadá, tinha sido 
usada em alguns países da Europa e algumas adaptações em países 
 125 
da África, então não era uma novidade a utilização deste 
instrumento253. 
 
 O modelo de pesquisa a que se refere Ana Maria Segall Corrêa teria sido 
elaborado por uma doutoranda da Universidade de Cornell em uma área rural carente 
do Estado de Nova Iorque e testado e sancionado pelo Departamento de Agricultura 
dos EUA (United States Department of Agriculture - USDA), onde se buscou uma 
metodologia de avaliação de severidade de segurança alimentar. O objetivo da EBIA 
seria medir, diretamente, a percepção de insegurança alimentar e fome em nível 
domiciliar254 . Segall nos narra as condicionantes de aplicação desta pesquisa no 
Brasil: 
 
Nos Estados Unidos já fazia parte do monitoramento da Segurança 
Alimentar desde 1995 usando este modelo de escala. Mas tinham 
duas questões envolvidas. Uma questão era se isso se adaptaria ao 
Brasil do ponto de vista de validade. (...) Apesar de ser um 
instrumento norte-americano, ele estava baseado na experiência de 
pessoas pobres, que tinham experiência de passar por problemas de 
acesso aos alimentos. Então um problema era saber: será que isso 
que foi lá, de 32 mulheres do norte dos Estados Unidos, de área 
rural, será que esses itens, esses componentes, essas expressões da 
experiência, será que isso se aplica? Essa era uma questão. A outra 
era uma questão eminentemente política. Será que no momento que 
a gente dá essa grande reviravolta política no país, assume um 
governo popular, será que vão aceitar que a gente use para avaliar 
um programa nosso uma escala norte-americana? Tinham essas 
duas perguntas que a gente precisava responder255. 
 
 Foi então realizado um seminário em Campinas, organizado pela UNICAMP, 
para fazer o que Ana Maria Segall Corrêa chamou de ‘validade de face’. Segundo 
Segall, foram convidados gestores de programas sociais, inclusive aqueles que já 
estariam envolvidos com o MESA, do inicio do Bolsa Família. Entre eles estavam 
Leonor Pacheco, docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Saúde 
da Universidade de Brasília, que já havia tido uma experiência anterior com esta 
pesquisa norte-americana, agentes comunitários de saúde e por indicação deles, 
algumas pessoas da comunidade. Sobre a elaboração prévia da PNAD, Segall 
relembra: 
 
253 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
254 KEPPLE, Anne Walleser; SEGALL, Corrêa Ana Maria. Conceituando e medindo segurança 
alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva 2011, 16(1):187-199. p. 195 
255 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
 126 
 
Primeiro fizemos uma reunião mais técnica, pra gente mesmo se 
entender com os convidados e gestores e tal. E depois fizemos um 
grupo focal, já com inclusão, para ver se era factível, do ponto de 
vista político e do ponto de vista de validade daquele instrumento, 
da gente partir para uma proposta de adequação, formulação e 
validação da escala. Foi aí que eu entrei na Segurança Alimentar, 
que eu comecei a trabalhar a partir do desenvolvimento da escala. 
E aí passamos a ter apoio. Os primeiros recursos foram do 
Ministério da Saúde. O resultado foi de que era absolutamente 
possível usar. Não existia uma barreira política. As diferenças 
políticas não anulavam as semelhanças da experiência com a fome, 
que era uma experiência que em qualquer parte do mundo se 
produz da mesma forma, com a exclusão e tal. E do ponto de vista 
mais específico do uso, quem falou mais foram os agente 
comunitários e as pessoas da comunidade, porque eram eles que 
seriam retratados naquele instrumento. Com isso deu sinal verde 
pra gente de fato partir para trabalhar256. 
 
 A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar da PNAD de 2004 é baseada no 
número de respostas positivas a um conjunto de 15 perguntas, respondidas por um 
morador identificado como preparado para respondê-las. As perguntas são257: 
 
1) Nos últimos 3 meses, os moradores deste domicílio tiveram 
preocupação de que os alimentos acabassem antes de poderem 
comprar ou receber mais comida? 
2) Nos últimos 3 meses, com que frequência os moradores deste 
domicílio tiveram a preocupação de não poderem comprar ou 
receber mais comida? 
3) Nos últimos 3 meses, os moradores deste domicílio ficaram sem 
dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada? 
4) Nos últimos 3 meses, os moradores deste domicílio comeram 
apenas alguns alimentos que ainda tinham, porque o dinheiro 
acabou? 
5) Nos últimos 3 meses, algum morador de 18 anos ou mais de 
idade, diminuiu, alguma vez, a quantidade de alimentos nas 
refeições ou deixou de fazer alguma refeição, porque não havia 
dinheiro para comprar comida? 
6) Nos últimos 3 meses, algum morador de 18 anos ou mais de 
idade, alguma vez comeu menos, porque não havia dinheiro para 
comprar comida? 
7) Nos últimos 3 meses, algum morador de 18 anos ou mais de 
idade, alguma vez sentiu fome, mas não comeu porque não havia 
dinheiro para comprar comida? 
 
256 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
257 Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/instrumentos_de_coleta/doc1174.pdf 
Acesso em abril de 2018. 
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/instrumentos_de_coleta/doc1174.pdf
 127 
8) Nos últimos 3 meses, algum morador de 18 anos ou mais de 
idade, perdeu peso, porque não comeu quantidade suficiente de 
comida devido à falta de dinheiro para comprar comida? 
9) Nos últimos 3 meses, algum morador de 18 anos ou mais de 
idade, alguma vez fez apenas uma refeição ou ficou um dia inteiro 
sem comer, porque não havia dinheiro para comprar comida? 
10) Nos últimos 3 meses, algum morador com menos de 18 anos de 
idade, alguma vez deixou de ter uma alimentação saudável e 
variada, porque não havia dinheiro para comprar comida? 
11) Nos últimos 3 meses, algum morador com menos de 18 anos de 
idade, alguma vez não comeu quantidade suficiente de comida, 
porque não havia dinheiro para comprar comida? 
12) Nos últimos 3 meses, algum morador com menos de 18 anos de 
idade, diminuiu a quantidade de alimentos nas refeições, porque não 
havia dinheiro para comprar comida? 
13) Nos últimos 3 meses, algum morador com menos de 18 anos de 
idade, alguma vez deixou de fazer uma refeição, porque não havia 
dinheiro para comprar comida? 
14) Nos últimos 3 meses, algummorador com menos de 18 anos de 
idade, alguma vez sentiu fome, mas não comeu, porque não havia 
dinheiro para comprar comida? 
15) Nos últimos 3 meses, algum morador com menos de 18 anos de 
idade, alguma vez ficou um dia inteiro sem comer, porque não havia 
dinheiro para comprar comida? 
 
 A pontuação atribuída a cada domicílio é o número de respostas afirmativas. 
Se a pontuação for igual a zero, significa que o domicílio tem segurança alimentar. 
No caso dos domicílios cujos moradores têm todos 18 anos de idade ou mais, 1 a 3 
pontos corresponde a ‘insegurança alimentar leve’, 4 a 6 pontos corresponde a 
‘insegurança alimentar moderada’ e 7 a 9 pontos significa ‘insegurança alimentar 
grave’. No caso dos domicílios com pelo menos um morador de menos de 18 anos de 
idade, categorias de insegurança alimentar leve, moderada e grave correspondem, 
respectivamente, aos intervalos de 1 a 5 pontos, 6 a 10 pontos e 11 a 15 pontos. Dessa 
forma, obtém-se, para cada domicílio, uma variável de insegurança alimentar em 
quatro níveis: ausente, leve, moderada e grave258. 
 A Insegurança Alimentar Ausente se refere aos casos de acesso regular e 
permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, das famílias que 
sequer se sentiam na iminência de sofrer restrição no futuro próximo. Insegurança 
Alimentar Leve se refere aos casos em que há preocupação ou incerteza quanto a 
disponibilidade de alimentos no futuro em quantidade e qualidade adequadas. 
Insegurança Alimentar Moderada se refere à redução quantitativa de alimentos e/ou 
 
258 HOFFMAN, Rodolfo. Determinantes da Insegurança Alimentar no Brasil: Análise dos dados do 
PNAD de 2004. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/1824 
Acesso em 20/04/2018. 
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/1824
 128 
ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos, entre os adultos. 
Insegurança Alimentar Grave se refere à redução quantitativa de alimentos e/ou 
ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre adultos e/ou 
crianças e/ou privação de alimentos e fome259. 
 De acordo com Ana Maria Segall Corrêa, a Escala Brasileira de Insegurança 
Alimentar da PNAD diferiria da norte-americana por não fazer nenhuma afirmação 
antes da pergunta: 
 
Nesse seminário a gente já tomou algumas decisões em relação à 
própria escala. Primeiro que não seria exatamente aquela escala 
americana porque a escala norte-americana são 18 itens e ela fala 
assim: ‘Algumas famílias aqui na sua área, aqui no seu Estado, 
relatam que quando chega no fim do mês, eles ficam muito 
preocupados de não ter dinheiro para conseguir comida suficiente. 
Isso aconteceu com você nos últimos 12 meses?’. Então há uma 
afirmação e em seguida uma pergunta. E aí tinha: “isso nunca 
aconteceu?, aconteceu algumas vezes? acontece frequentemente?’ e 
tal... Todas as perguntas eram assim: sempre uma frase, como eles 
dizem, um statement, e depois uma pergunta se aquilo acontecia. 
Nesse grupo das comunidades o pessoal já achou que aquilo era 
muito complicado, que a gente deveria partir para perguntas 
diretas. Disseram: ‘Olha, eu não tenho problema nenhum em dizer 
que na minha casa não tem comida. Tem que perguntar direto.’ A 
gente teve essa experiência em um estudo sobre violência. A gente 
foi trabalhar com umas mulheres que eram atendidas no centro de 
referência de atendimento às mulheres que sofrem violência e a 
gente cheio de cuidados para ver como a gente pergunta... e as 
mulheres disseram: ‘Pergunta direto! Ele chutou a sua barriga?’. E 
a mesma coisa aconteceu com relação a esta pesquisa. Então com 
este grupo a gente já reformulou a escala. Deixamos os 18 itens 
focais, tinham uns itens complementares que a gente deixou 
também, mas fizemos esta primeira modificação da escala. (...) As 
18 perguntas viraram 15, os pontos de corte foram redefinidos, o 
fraseamento das perguntas foram modificados e com isso o IBGE 
usou no PNAE de 2004 260. 
 
 Participaram do projeto de elaboração da Escala Brasileira de Insegurança 
Alimentar da PNAD, segundo Segall, além da UNICAMP, quatro universidades 
brasileiras: Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal da Paraíba 
(UFPA), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade 
 
259 Disponível em: 
https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/000000201124121120142438189866
95.pdf acesso em 15/04/2018 
260 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000020112412112014243818986695.pdf
https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000020112412112014243818986695.pdf
 129 
Federal de Mato Grosso (UFMT), pois haveria necessidade de se abranger a 
diversidade alimentar das diferentes regiões do Brasil: 
 
A gente achava que para fazer um instrumento no Brasil, ele tinha 
que ser adequada à diversidade nossa, não só social e econômica, 
mas sobretudo da cultura alimentar, né?, que é muito diversa nesse 
quadrante. No Sudeste poderia ficar igual, mas no Nordeste, o 
Norte e o Centro-Oeste, mais para o lado Oeste mesmo, a gente 
deveria contemplar. Então nós convidamos professores, fizemos um 
grande seminário, na verdade de homogeneização nossa, de 
compreensão das coisas e instituímos, com o apoio da OPAS 
(Organização Pan-Americana de Saúde), um comitê de 
acompanhamento da pesquisa, um acompanhamento externo da 
pesquisa. E aí tinham gestores, outros pesquisadores, antropólogos, 
sociólogos, e aí nós montamos um comitê externo de 
acompanhamento. Nós estávamos com muito cuidado porque eu já 
tinha passado pela experiência do Programa de Saúde da Mulher e 
a gente sabia que uma das questões importantes era ter 
legitimidade então a gente fez este comitê externo de 
acompanhamento. A gente se reuniu duas vezes no primeiro ano261. 
 
 O Programa Fome Zero foi lançado em 2003 e a Escala Brasileira de 
Insegurança Alimentar da PNAD foi introduzida em 2004. Dessa forma, a elaboração 
do questionário de pesquisa teria sido feito às pressas, mas com a acuidade necessária 
para a sutileza desse tipo de pesquisa. Segall relembra: 
 
Nós tivemos que desenvolver a Escala em um ano e pouco, um ano 
e dois meses porque o MDS, além de ter apoiado o financiamento 
de parte da pesquisa queria que o IBGE usasse na PNAE de 2004 e 
nós estávamos em 2003 e o IBGE queria a Escala pronta em 
fevereiro de 2004, porque eles queriam usar em setembro de 2004. 
Então a gente tinha pouquíssimo tempo, mas apesar do pouco 
tempo a gente achou que teria que ser uma coisa muito segura, 
especialmente se isso passasse a ser usado como indicador oficial, 
nacional. Então em cada local dessas regiões nós fizemos primeiro 
uma reunião com especialistas da região para discutir o 
instrumento e a partir daí, ouvidos os especialistas, nós fazíamos 
um grupo focal com a comunidade, tanto urbana como rural. Em 
todos os casos nós trabalhamos com o grupo focal urbano e o 
grupo focal rural. Primeiro a gente fez simultaneamente em 
Brasília, que já tinha bastante gente envolvida com o tema, e na 
Paraíba. Na Paraíba nós já fizemos algumas adaptações e de lá já 
fomos para Manaus com o pessoal do INPA e reproduzimos o 
mesmo processo em Manaus, com área rural e urbana. De lá fomos 
para o Mato Grosso. A gente ficava mais ou menos uma semana 
para fazer. Tinha a reunião de especialistas, o grupo focal e a gente 
montava com os pesquisadores o inquérito de uma amostra não-
 
261 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêaem 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
 130 
aleatória, uma amostra intencional de população rural e urbana 
para eles aplicarem porque não dava tempo de a gente 
acompanhar. Mas como são todos pesquisadores, gente habituada 
a fazer pesquisas desta natureza, a gente deixava tudo pronto com 
eles, tudo pactuado e eles faziam o inquérito quantitativo. A gente 
fazia, acompanhava com eles a parte quali e eles faziam a parte 
quanti. E a gente reproduziu isso em todos os locais. Então nós 
chamamos um especialista em análise estatística especifica desse 
tipo de escala e fizemos as análises. (...) A escolha foi de pessoas 
que tivessem uma relação com o tema, pessoas de confiança para 
além da questão acadêmica, porque era uma coisa que seria feita 
rápido, mas teria que seguir todos os rigores. Nós tínhamos que 
fazer rápido, mas com muito cuidado262. 
 
 A primeira etapa de validação qualitativa teria sido constituída por cinco 
painéis de especialistas para definição de indicadores rurais. A estes teriam seguido 
onze grupos focais, tendo como participantes cerca de dez homens e mulheres 
adultos, residentes em comunidades pobres, rurais e urbanas dessas localidades. Dos 
painéis de especialistas e dos grupos focais teria resultado uma proposta de escala 
com quinze perguntas, cada uma delas seguida de quatro opções de frequências, com 
estrutura, conceitos e linguagem considerados de fácil compreensão em populações 
dos contextos estudados. Na segunda etapa, teriam sido feitos inquéritos 
populacionais com amostras intencionais em quatro áreas urbanas e cinco rurais. Nas 
áreas urbanas, 717 famílias integraram as amostras selecionadas de tal forma que 
pudessem incluir estratos populacionais de renda média, média baixa, baixa e muito 
baixa. A amostra rural teria incluído 1.150 famílias de trabalhadores rurais 
permanentes, temporários, agricultores familiares tradicionais, agricultores de 
assentamentos de reforma agrária, agricultores ribeirinhos e remanescentes de 
quilombos. O instrumento incluiu renda familiar e consumo diário de alimentos, 
acrescentando-se no questionário da área rural variáveis de produção agrícola e 
produção de alimentos para autoconsumo, visando analisar a validade externa da 
escala263. 
 Teria sido formado, de acordo com Segall, um comitê externo para debater 
questões relativas à elaboração da EBIA, que teria sido de grande valia na elucidação 
do conteúdo do questionário. 
 
 
262 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
263 KEPPLE, Anne Walleser; SEGALL, Corrêa Ana Maria. Conceituando e medindo segurança 
alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva 2011, 16(1):187-199. p. 194 
 131 
Este comitê externo também foi muito importante porque eram 
discussões muito intensas. Por exemplo, como você vai quantificar 
a fome? Tinha gente que dizia ‘como assim quantificar a fome? Isso 
não existe quantificar a fome! E por que vocês querem 
quantificar?’. Então isso era um desafio para nós responder essas 
questões. E nós tínhamos que responder para nós mesmos... então 
esse comitê possibilitou que as coisas também ficassem mais 
claras264. 
 
 Foram feitos três levantamentos sobre a segurança alimentar através da Escala 
Brasileira de Insegurança Alimentar/PNAD nos anos de 2004, 2009 e 2013, todas em 
convênio com o MDS. A seguir, montamos dois gráficos que mostram a evolução da 
segurança alimentar de acordo com dados retirados da PNAD/IBGE: 
 
Gráfico 1: Evolução numérica da segurança alimentar nos anos de 2004, 2009 e 
2013 
 
Fonte: PNAD/IBGE. 
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/xml/suplemento_pnad.shtm. Acesso em abril de 
2018. 
 
 
 
Gráfico 2: Percentual da evolução da segurança alimentar nos anos de 2004, 
2009 e 2013 
 
 
Fonte: PNAD/IBGE. 
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/xml/suplemento_pnad.shtm. Acesso em abril de 
2018. 
 
 
264 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
 
http://www.ibge.gov.br/home/xml/suplemento_pnad.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/xml/suplemento_pnad.shtm
 132 
 Observamos um declínio contínuo e expressivo da prevalência da insegurança 
alimentar entre os anos de 2004-2013, principalmente da insegurança alimentar grave 
e moderada. Em 2004 a insegurança alimentar grave e moderada somavam 19,5%, 
sendo que em 2013 este percentual caiu para 8,7%. Se o objetivo da elaboração da 
EBIA seria avaliar a eficácia do Programa Fome Zero, conforme relatado por Ana 
Maria Segall Corrêa, podemos afirmar, de acordo com os dados da EBIA, que o PFZ 
se mostrou eficaz, pois se alcançou o objetivo de diminuição da fome e desnutrição no 
Brasil. Obviamente que permanecem ainda inúmeros desafios neste contexto da 
insegurança alimentar. Se destrincharmos estes dados, veremos que as macrorregiões 
com maiores índices de insegurança alimentar grave e moderada continuam sendo 
Norte e Nordeste. No fator raça/etnia, permanecem os maiores índices de insegurança 
alimentar grave e moderada na raça/etnia diferente da branca. Na população negra, 
verificou-se que houve uma redução de 27,4% para 11% do índice de insegurança 
alimentar e nutricional (moderada e grave) nos últimos 10 anos. Esta desigualdade 
racial fica evidente quando se compara com os mesmo dados para a população 
branca, cujo mesmo índice foi de 4,1% em 2013265. Mas apesar dos desafios, se 
constata uma expressiva diminuição nos índices de insegurança alimentar no Brasil. 
 Sobre as três PNAD realizadas e a mensuração da insegurança alimentar no 
Brasil, Segall afirma: 
 
A gente tem uma linha da segurança alimentar aumentando e a 
insegurança caindo. Então eu acho que a gente tinha razão, 
podemos quantificar sim! Claro que não é o único quantificador, 
não pode ser. Inclusive as pessoas acham, porque a gente só mede 
acesso com a escala, e isso tem que ficar claro para as pessoas que 
é uma limitação. Esta escala não pretende medir ou quantificar os 
desvios de todas as dimensões da segurança alimentar. Ela 
trabalha única e exclusivamente com acesso e por isso a gente não 
deve usá-la isoladamente. Ela deve estar em um conjunto de outros 
indicadores que deem conta tanto de explicar por que aquilo esta 
acontecendo, os determinantes da insegurança alimentar, você tem 
que ter os indicadores que sejam os explicativos da situação como 
você deve ter, sempre que possível, os indicadores das 
consequências disso na saúde, no bem-estar, nas condições 
psicossociais. A gente sempre recomenda que jamais se use esta 
escala isoladamente266. 
 
 
265 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Caderno de Debates). Brasília: CONSEA, 2015. p. 14 
266 Trecho da entrevista a nós concedida por Ana Maria Segall Corrêa em 06 de outubro de 2016 
durante o II Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional. 
 133 
 A EBIA mede diretamente a percepção e vivência de insegurança alimentar e 
fome no nível domiciliar e, segundo Segall, se aplicada isoladamente, não seria 
adequada para medir a complexidade de um fenômeno multidimensional e 
interdisciplinar como a SAN. A EBIA seria útil para as estimativas de prevalência dos 
diversos níveis de insegurança alimentar, para a identificação de grupos ou 
populações de risco em nível local, regional ou nacional, e para o estudo dos 
determinantes e consequências da insegurança alimentar, quando a ela são 
adicionadosos indicadores apropriados. Para a pesquisadora, embora esta 
quantificação seja subjetiva, a confiabilidade dos resultados obtidos com a EBIA seria 
alta, por ser um instrumento cujos conteúdos e conceitos estariam fortemente 
enraizados na experiência de vida com a insegurança alimentar ou a fome. A EBIA 
teria alta capacidade preditiva de SAN quando comparada com aquelas resultantes 
dos indicadores indiretos, tais como consumo alimentar e renda267. 
 Santos et al268, em artigo que trata da EBIA, destacam como pontos fortes da 
Escala: a sua representatividade nacional e o uso de medida consistente, validada e 
objetiva de insegurança alimentar, que teria sido analisada em diferentes pontos do 
tempo, permitindo o rastreamento detalhado do fenômeno na população brasileira 
entre os anos de 2004–2013. As limitações da EBIA, segundo os autores, seriam a 
impossibilidade de estabelecer relações causais entre as variáveis analisadas, 
característica que seria própria de estudos transversais e a influência do viés de 
memória, que se daria em virtude de a EBIA basear-se na percepção e nas diferentes 
experiências dos entrevistados. Além disso, avaliam que os dados apresentados 
poderiam não refletir a realidade encontrada em níveis geográficos menos 
abrangentes, pois a amostra analítica excluiria a população sem endereço residencial, 
que apresentaria elevada probabilidade de insegurança alimentar. 
 
 
 
2.7. Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
 
 
267 KEPPLE, Anne Walleser; SEGALL, Corrêa Ana Maria. Conceituando e medindo segurança 
alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva 2011, 16(1):187-199. p. 195 
268 SANTOS, T.G., SILVEIRA, J.A.C., SILVA, G.L., RAMIRES, E.K.N.M., MENEZES, R.C.E. 
Tendência e fatores associados à insegurança alimentar no Brasil: Pesquisa Nacional por Amostra de 
Domicílios 2004, 2009 e 2013. Caderno de Saúde Pública 2018. p. 13 
 134 
 As primeiras proposições para a elaboração de um Sistema Nacional de SAN 
teriam sido feitas por ocasião da I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, 
realizada em 1986 em paralelo à 8a Conferência Nacional de Saúde. Tais proposições 
não teriam produzido resultados práticos, embora tenham sido criados sistemas na 
área de saúde e também na de nutrição269. Essa perspectiva teria sido retomada na II 
Conferência Nacional de SAN, em março de 2004, quando foi defendida e aprovada 
em plenária final a iniciativa para a criação de uma Lei Orgânica de SAN (LOSAN) 
criando o SISAN e seus congêneres nas esferas estadual e municipal. De acordo com 
Francisco Menezes, presidente do CONSEA Nacional à época: 
 
A Conferência se realiza e surge de Minas Gerais e se fortalece 
muito a proposta de que é preciso criar um marco legal para a 
Segurança Alimentar e Nutricional. Essa ideia vem dos 
Conselheiros e da sociedade civil. Essa ideia cresce. No próprio 
processo de preparação da Conferência começa a se espalhar e 
acaba que na II Conferência a diretriz mais importante é criar esse 
marco legal, criar a Lei da Segurança Alimentar e Nutricional. (...) 
Nesse novo mandato, que sai da (II) Conferência, a gente elege 
prioridades. A criação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e 
Nutricional é uma das prioridades e se inspirava no SUS, no SUAS, 
a gente teve várias conversas. Foi criado um grupo de trabalho 
dentro do CONSEA, de governo e sociedade, que leva praticamente 
um ano para elaborar a proposta. Eu como presidente do CONSEA, 
eu presidia o grupo, mas isso tinha saído dentro da diretriz da 
Conferência da criação do marco legal de Segurança Alimentar e 
Nutricional.270 
 
 O Brasil tem longa experiência na implementação de programas sociais 
voltados para a questão alimentar e nutricional, todavia a descontinuidade e 
desarticulação entre os diversos programas descaracterizam esta experiência como 
uma política pública consistente e sistemática271 . A LOSAN, ao criar o SISAN, 
buscaria justamente articular as ações e programas relacionados à SAN e, segundo 
 
269 MALUF, Renato; NASCIMENTO, Renato Carvalheira. (orgs). Construção do Sistema e da 
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência brasileira. Brasília: 
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (CONSEA), 2009. p. 
38 
270 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
271 CUSTÓDIO, MARTA B. Política Nacional de Segurança Alimenta e Nutricional no Brasil: 
Arranjo Institucional e Alocação de Recursos. Tese (Doutorado). São Paulo: USP, 2009. Faculdade de 
Ciências Farmacêuticas da USP. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. 
Faculdade de Saúde Pública da USP. Curso Interunidades em Nutrição Humana Aplicada, 2009. p. 18 
 135 
Menezes, teria se baseado na sua constituição em outros sistemas já existentes, como 
o SUS. 
 A implementação do SISAN, contudo, seria bastante desafiadora, pois é 
regido por dois princípios estruturais: a intersetorialidade e a participação social, 
princípios bastante árduos de serem efetivados no sistema público brasileiro, uma vez 
que exigem quebra de paradigmas no modus operandi das políticas públicas no Brasil. 
O SISAN possui entre seus objetivos formular e implementar políticas, planos, 
programas e ações de SAN, estimular a integração de esforços entre governo e 
sociedade civil e promover o planejamento, o monitoramento, a gestão e a avaliação 
da SAN no Brasil. O SISAN foi pensado, assim, para articular os diferentes atores 
sociais num diálogo permanente da sociedade com o Estado em todas as suas etapas 
de estruturação. Este Sistema inovador requer forte engajamento político dos setores e 
atores sociais que compõem sua agenda e pressupõe a atuação conjunta das três 
esferas de governo (União, Estados e municípios) e das organizações da sociedade 
civil na formulação e implementação das políticas e ações de combate à fome, de 
promoção da SAN e da garantia do DHAA272. 
 O projeto de lei para criação do SISAN foi aprovado por unanimidade em três 
comissões na Câmara dos Deputados. No Senado Federal também foi aprovado por 
unanimidade e em caráter de urgência pela Comissão de Constituição e Justiça em 05 
de setembro de 2006, sendo a Lei 11.346/2006 sancionada dia 15 de outubro de 
2006273. De acordo com Menezes, a conjuntura política na época teria corroborado 
para a agilidade na aprovação da LOSAN: 
 
A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional que tinha 
sido a principal diretriz da II Conferência, foi elaborada em um 
ano. Passou inicialmente pela Câmara dos Deputados e não houve 
dificuldade. Havia uma conjuntura, que talvez hoje fosse diferente. 
Alguns temas, mesmo os deputados mais conservadores, eles 
ficavam temerosos em se colocar contrários. O máximo que eles 
faziam era atrasar o processo, mas eles ficavam temerosos em 
terem um desgaste político de se colocarem contra políticas como 
contra o enfrentamento da fome, da desnutrição, esse tipo de coisa. 
Tanto foi assim que a Lei Orgânica, sem nenhuma alteração de 
mérito durante todo o processo dela, correu na Câmara e correu no 
 
272 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Caderno de Debates). Brasília: CONSEA, 2015. p. 36 
273 AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS (ABRANDH). O Direito 
Humano à Alimentação Adequada e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 
Brasília, 2013. p. 144 
 136 
Senado e foi aprovada em onze meses. Houve muito engajamento 
do governo para esta aprovação. Nesse sentido foi bastante bom, 
ele tinha uma maioria folgada naquele momento, acionando as 
bases no Congresso para viabilizar esta aprovação274.A LOSAN institui o SISAN, tendo como objetivo assegurar o DHAA. 
Diferentemente do conceito estabelecido em 1986, na I Conferência Nacional de 
Alimentação e Nutrição, e em 1996, pela FAO na Cúpula Mundial de Alimentação, o 
artigo 3o da LOSAN reformula o conceito de SAN e inclui, além da necessidade do 
acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e sem 
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, o pressuposto de que este 
acesso tenha como base práticas alimentares promotoras de saúde, que seja respeitada 
a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente 
sustentáveis. O Artigo 3o da LOSAN positiva, ipsis litteris: 
 
A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito 
de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, 
em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras 
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares 
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que 
sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis275. 
 
Observamos um amadurecimento do conceito de SAN, que se deu, 
principalmente, em virtude da participação e militância do amplo e diversificado 
movimento social, principalmente dentro do CONSEA. 
O termo Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável tem origem no 
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo 
Brasil em 1992, e difere dos conceitos de SAN e de soberania alimentar por se tratar 
de um direito, que é inerente a todas as pessoas. O artigo 2o da LOSAN positiva e 
ressalta, que a alimentação adequada é um direito fundamental do ser humano, 
inerente à dignidade da pessoa humana. 
 De acordo com Maluf, as políticas de SAN devem estar subordinadas aos 
princípios do DHAA e da Soberania Alimentar, sendo que estes devem ser os 
princípios norteadores das estratégias de desenvolvimento do país e da formulação de 
 
274 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
275 Artigo 3o da Lei 11.346/2006 (LOSAN) 
 137 
suas políticas públicas276. Para efetivar o DHAA e a soberania alimentar, o SISAN 
busca implementar ações integradas, sendo que os dois elementos que caracterizam 
um sistema: i) fluxos de interdependência de seus componentes e ii) mecanismos de 
coordenação277, se ajustariam plenamente à análise e promoção da SAN. 
 A interdependência dos componetes da SAN estaria contemplada na 
intersetorialidade dos programas e ações do SISAN, que envolveria avaliação, decisão 
e monitoramento compartilhados entre diferentes setores do governo e sociedade 
civil. Já os mecanismos de coordenação estariam relacionados à cooperação entre 
Estado e sociedade civil, associado à recuperação da capacidade de regulação pública 
do sistema alimentar por parte do Estado, na contramão da ampliação da regulação 
exercida pelos agentes privados promovida pelas políticas de cunho neoliberal278. Os 
agentes coordenadores do SISAN seriam o CONSEA e a Câmara Interministerial de 
SAN (CAISAN), que devem ser implementados em âmbito estadual e municipal, 
integrando os diversos setores governamentais envolvidos no tema. 
 O artigo 11 da LOSAN positiva a composição do SISAN: 
 
Art. 11. Integram o SISAN: 
I. a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e 
Nutricional, instância responsável pela indicação ao 
CONSEA das diretrizes e prioridades da Política e do Plano 
Nacional de Segurança Alimentar, bem como pela 
avaliação do SISAN; 
II. o CONSEA, órgão de assessoramento imediato ao 
Presidente da República, responsável pelas seguintes 
atribuições (...); 
III. a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e 
Nutricional, integrada por Ministros de Estado e Secretários 
Especiais responsáveis pelas pastas afetas à consecução da 
segurança alimentar e nutricional, com as seguintes 
atribuições (...) 
IV. os órgãos e entidades de segurança alimentar e nutricional 
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos 
Municípios; e 
V. as instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, que 
 manifestem interesse na adesão e que respeitem os critérios, 
 princípios e diretrizes do SISAN. 
 
 
276 MALUF, Renato. O Consea na Construção do Sistema e da Política Nacional de Segurança 
Alimentar e Nutricional. In: GRAZIANO DA SILVA, José; DEL GROSSI, Mauro Eduardo e 
FRANÇA, Caio Galvão de. Fome Zero: a Experiência Brasileira. Brasília: MDA, 2010. p. 268 
277 Idem. p. 268 
278 Idem. p. 268 
 
 138 
 O CONSEA representa a sociedade civil e a CAISAN, a instância 
governamental. Tanto o CONSEA como a CAISAN têm como referência as 
deliberações das Conferências Nacionais de SAN. Nas Conferências são elencadas as 
diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional de SAN, ocasião em que 
também se avalia o desempenho do SISAN. O CONSEA tem a atribuição de 
transformar as deliberações das Conferências Nacionais em propostas relativas ao 
SISAN e à Política Nacional de SAN, encaminhadas à CAISAN, que as transforma 
em ações e programas públicos279. 
 De acordo com o Documento Referência da V Conferência Nacional de 
SAN280, já é possível apontar diversos avanços na implementação do SISAN. Em 
âmbito nacional, o CONSEA estaria bastante atuante e a CAISAN estaria assumindo, 
de forma progressiva, suas competências de coordenação intersetorial e 
descentralização. 
 O SISAN, de acordo com Maluf281, pode ser considerado um sistema aberto, 
dado que sua função é articular, organizar e monitorar as ações e políticas públicas 
dos diversos setores governamentais e não governamentais, articulando-as numa 
Política Nacional de SAN. 
 As noções de sistemas são muito utilizadas no âmbito dos ecossistemas e 
ambiental ao se referirem às relações funcionais existentes entre os elementos que 
compõem a natureza e à interação do ser humano com esses elementos. Sistemas 
sociais, sistemas econômicos e sistemas políticos, entre outros, são igualmente 
difundidos, com distintas conceituações e aplicações e, por certo, algumas 
controvérsias acerca da extensão de sua aplicabilidade em processos que, no mais das 
vezes, comportam elevado grau de incerteza e de abertura de soluções. A perspectiva 
sistêmica a que se refere Maluf se filiaria aos enfoques que caracterizam o sistema 
como um conjunto composto de interrelações entre seus elementos, que evoluiria com 
contradições, dado que as relações sistêmicas presentes nas dinâmicas econômicas, 
sociais e políticas contêm elementos de conflito. A ação humana se daria em um 
 
279 MALUF, Renato; NASCIMENTO, Renato Carvalheira. (orgs). Construção do Sistema e da 
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência brasileira. Brasília: 
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (CONSEA), 2009. p. 
40-42 
280 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Caderno de Debates). Brasília: CONSEA, 2015. p. 37 
281 MALUF, Renato. O Consea na Construção do Sistema e da Política Nacional de Segurança 
Alimentar e Nutricional. In: GRAZIANO DA SILVA, José; DEL GROSSI, Mauro Eduardo e 
FRANÇA, Caio Galvão de. Fome Zero: a Experiência Brasileira. Brasília: MDA, 2010. p. 268 
 139 
ambiente de incerteza (desconhecimento em relação ao futuro) e recorreria ao 
conceito de ‘consequências não intencionais’ da ação humana com o sentido de 
abertura a várias soluções, admitindo, portanto, a possibilidade das soluções 
abertas282. 
 A Política Nacional de SAN seria uma ‘política de políticas’ justamente por 
propor ações integradas envolvendo participantes de outros sistemas ou processos 
decisórios. Esta pulverização da SANreduziria sua autonomia quando comparado aos 
sistemas com políticas e programas específicos com fundos orçamentários próprios, 
conferindo-lhe uma complexidade que, da mesma forma que o destaca dos demais 
sistemas, também torna difícil o seu desempenho283. 
 A política orçamentária do governo federal deveria estar associada com os 
objetivos e diretrizes da política de SAN, de modo a assegurar o máximo de recursos 
para os programas que a compõe. O desafio estaria em construir o orçamento da SAN 
tendo como base duas categorias de despesa: i) manutenção e gestão das instâncias do 
SISAN (Conferências, Conselhos, órgãos intersetoriais) e atividades correlacionadas, 
em todas as esferas de governo; ii) financiamento dos programas públicos sob 
responsabilidade dos órgãos responsáveis pelos mesmos. O CONSEA já desenvolve 
uma metodologia que lhe permite apresentar proposições e monitorar a execução dos 
programas que considera integrantes de um orçamento típico de SAN. O desafio que 
se colocaria seria que, embora o SISAN e a Política de SAN definam claramente seus 
objetivos, parece haver dificuldades de percepção sobre quais são as medidas 
implementadas de SAN e a eficácia delas, em virtude de algumas características 
intrínsecas à Política, como sua transversalidade temática e a possível sobreposição de 
diversas ações, complementares ou não entre si284. 
 
282 BURLANDY, Luciene; MALUF, Renato; MAGALHÃES, Rosana; REIS, Márcio; MAFRA, Luiz; 
FROZI, Daniela. Saúde e Sustentabilidade: desafios conceituais e alternativas metodológicas para a 
análise de sistemas locais de Segurança Alimentar e Nutricional. In: Tempus, Actas de Saúde Colet, 
Brasília, 9(3), 55-70 set, 2015. p. 60-61 
283 MALUF, Renato. O Consea na Construção do Sistema e da Política Nacional de Segurança 
Alimentar e Nutricional. In: GRAZIANO DA SILVA, José; DEL GROSSI, Mauro Eduardo e 
FRANÇA, Caio Galvão de. Fome Zero: a Experiência Brasileira. Brasília: MDA, 2010. p. 268 
284 CUSTÓDIO, MARTA B. Política Nacional de Segurança Alimenta e Nutricional no Brasil: 
Arranjo Institucional e Alocação de Recursos. Tese (Doutorado). São Paulo: USP, 2009. Faculdade de 
Ciências Farmacêuticas da USP. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. 
Faculdade de Saúde Pública da USP. Curso Interunidades em Nutrição Humana Aplicada, 2009. p.10-
11 
 140 
 Maria Emília Pacheco, ex-presidente do CONSEA Nacional, acredita que a 
eficácia do SISAN passa por uma mudança de mentalidade da cultura política sobre a 
gestão de um sistema intersetorial: 
 
E essa Política está pensada dentro de um Sistema Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional, isso também faz diferença. Não 
é exatamente um contorno de sistemas, como é o Sistema de 
Assistência Social, de Saúde... porque é um Sistema intersetorial, 
complexo, e que precisa de uma mudança de cultura política para 
que se opere como Sistema porque precisa haver muito mais 
interrelação e fortalecimento das instâncias de controle social 
como os CONSEAs, desde o Nacional passando pelos Estaduais e 
chegando nos Municipais... precisa que existam as Câmaras 
Intersetoriais no plano federal, estadual e municipal... e tudo isso 
está em construção há muito pouco tempo. Então é um Sistema que 
está em construção ainda, portanto é frágil ainda nesta trajetória 
de tão curto tempo e que nós tememos que isto se desconstrua neste 
momento da nossa história285. 
 
 A instituição e o funcionamento dos CONSEAs e das CAISANs nos Estados e 
municípios brasileiros, a que ser refere Pacheco, ainda se encontram em processo de 
organização e valorização política e a complementaridade e articulação das mesmas 
se encontra de maneira muito variada no cenário nacional. Dessa forma, é 
fundamental que se enfatize a importância desta complementaridade e articulação de 
funções para que não haja choque de competências nem conflitos hierárquicos. Esta 
gestão intersetorial deve estar sempre alinhada com a participação social.286 
 Flavio Valente acredita que a força do SISAN se deve ao amadurecimento e 
engajamento da sociedade civil na sua elaboração: 
 
Eu acho que isso daí (se refere à criação do CONSEA) junto com 
todo o preparo que havia sido feito na área técnica e apoio político 
na parte do social criaram as condições específicas para você ter 
um Sistema que não é só figurativo. Você tem um Sistema que é 
realmente participativo. Um Sistema que tem 2/3 da representação 
do CONSEA vem da sociedade civil, a presidência é da sociedade 
civil, tem uma Câmara Interministerial que executa, então todos os 
princípios que nós defendemos enquanto movimento social foram 
implementados nesse processo. Não foi um projeto elaborado pelo 
governo e aprovado, pelo contrário. Foi elaborado pela sociedade 
civil e ajustado por eles e grande parte dos ajustes que eles fizeram 
 
285 Trecho da entrevista à nós concedida por Maria Emília Pacheco em 3 de junho de 2016 na 
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) 
286 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Caderno de Debates). Brasília: CONSEA, 2015. p. 37 
 141 
foram derrotados na prática, então na realidade, o projeto final é 
muito mais próximo do projeto que a sociedade civil apresentou 
antes da primeira eleição do que um projeto trazido pelo Graziano 
quando eles foram eleitos. O movimento social era informado, 
sabia o que queria, tinha capacidade de pressão então a coisa 
aconteceu287. 
 
 Ainda sobre a participação social no fortalecimento do SISAN, Edgard Moura, 
conselheiro do CONSEA Nacional, corrobora com a opinião de que o SISAN ainda 
não está consolidado e reafirma a importância da sociedade civil neste processo: 
 
Qual é o foco principal em 2016, o grande desafio? É a 
consolidação do Sistema e ele só vai consolidar com a participação 
social. Hoje todos os Estados fizeram a adesão ao Sistema, mas 
qual Estado conseguiu de fato implementar o Sistema? Porque 
aderir é uma coisa, implementar é outra. Eu vou construir o 
Sistema quando eu tiver o Plano. Então o Plano Estadual está 
colado. Então o desafio é consolidar isso: adesão, construção do 
Plano e a aplicação com monitoramento do Plano. Nós estamos 
falando que o controle social é isso e nós só vamos conseguir 
vencer se houver este monitoramento. A gente costuma dizer que o 
SISAN é o primo mais novo do SUS. O SUS é um sistema vitorioso, 
com suas dificuldades, e o SISAN está em fase de consolidar 
mesmo, de conseguir fazer o Plano do seu Estado, de conseguir 
monitorar este Plano e garantir a participação social nesse 
Plano288. 
 
 No intuito de promover o acompanhamento, monitoramento e avaliação da 
SAN, a LOSAN positiva em seu artigo 10o que o SISAN tem como um de seus 
objetivos a formulação e implementação de políticas e planos de SAN e o artigo 18o 
da LOSAN detalha que a Política Nacional de SAN (PNSAN) deverá ser 
implementada por meio do Plano Nacional de SAN (PLANSAN). Ou seja, o Plano de 
SAN é o instrumento pelo qual se executa a Política Nacional de SAN. A PNSAN 
apresenta os procedimentos para gestão do SISAN e os mecanismos de 
financiamento, monitoramento e avaliação da ação do Estado. O PLANSAN, por sua 
vez, é a peça do planejamento da ação do Estado que contém os programas e ações a 
 
287 Trecho da entrevista a nós concedida por Flavio Valente em 06 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
288 Trecho da entrevista a nós concedida por Edgard Moura em 07 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
 142 
serem implementados, as metas quantificadas e o tempo necessáriopara sua 
realização, bem como o orçamento estipulando onde se deve aplicar os recursos289. 
 
2.7.1. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
 
 O Conselho Nacional de Segurança Alimentar, conforme estabelecido em sua 
primeira formulação em 1993, é composto por dois terços de representantes da 
sociedade civil e um terço de representantes governamentais, compreendendo vinte 
membros do Estado, que são Ministros e Secretários Especiais responsáveis pelas 
pastas relacionadas à SAN. Os dois terços dos representantes da sociedade civil são 
escolhidos a partir de critérios de indicação aprovados na Conferência Nacional de 
SAN, correspondendo a 40 representantes da sociedade civil, entre ONGs, redes, 
movimentos sociais, instituições religiosas e associações profissionais. Os 
representantes da sociedade civil têm mandato de dois anos, permitida a 
recondução.
O CONSEA conta também com observadores representando conselhos e 
associações de âmbito federal, organismos internacionais do Sistema das Nações 
Unidas, organizações não-governamentais, Defensoria Pública e o Ministério Público 
Federal, indicados pelos titulares das respectivas instituições, mediante convite 
formulado pelo Presidente do CONSEA290. 
 Esta composição híbrida do CONSEA, que abarca o Estado e 
predominantemente os representantes da sociedade civil, somada às ações e políticas 
intersetoriais inerente à SAN abordadas no Conselho, lhe conferem caráter inovador e 
de reconhecimento internacional. Maluf afirma: 
 
Eu estou dizendo isso, olhando retrospectivamente, tomando em 
conta as avaliações que existem hoje em dia. Quase todas (as 
avaliações) unanimemente reconhecem o caráter diferencial do 
CONSEA em relação aos outros Conselhos, como espaço de 
participação. Então algum acerto teve. Internacionalmente eles se 
surpreendem muito com o dinamismo da sociedade brasileira e esse 
espaço de participação e o CONSEA é inovador nesse sentido, no 
seu formato... Um Conselho com 2/3 da sociedade, presidido pela 
sociedade. Tem dezenove ministros. Então de fato há uma 
admiração muito grande internacional. Eu estou me referindo ao 
 
289 AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS (ABRANDH). O Direito 
Humano à Alimentação Adequada e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 
Brasília, 2013. p. 161 
290 Artigo 3, §2 do Regimento Interno do CONSEA.. 
 143 
nacional porque como nós temos trinta e tantos Conselhos, tem 
muita experiência de Conselho no Brasil. Felizmente, né? Mesmo 
nessa proliferação de Conselhos, se você olhar os trabalhos que 
avaliam a participação social no Brasil, quase todos eles irão fazer 
uma referência diferenciada ao CONSEA, então isso é um bom 
sinal291. 
 
 Maria Emília Pacheco argumenta neste mesmo sentido: 
 
Eu percebo que o CONSEA, é difícil dizer isso, porque eu estou lá, 
parece falta de modéstia, mas falando em nome do coletivo 
CONSEA, eu percebo que é um Conselho muito reconhecido, talvez 
pela maneira como a gente funciona. (...) É fruto de uma militância. 
A gente acaba articulando vários campos, porque se você olha a 
composição do CONSEA, é muito plural. No governo Dilma houve 
uma iniciativa de se criar um fórum inter-conselhos, mas antes 
mesmo dessa iniciativa nós já tínhamos uma interrelação do 
CONSEA com a Comissão de Agroecologia, porque o debate de 
agroecologia também foi feito dentro do CONSEA. Já tínhamos 
iniciado uma interação com o CONDRAF, que é o Conselho 
Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, então fomos 
construindo essas interações e eu acho que de uma forma muito 
respeitosa, de reconhecimento mútuo.292 
 
 O CONSEA está ligado diretamente à Presidência da República por seu 
caráter intersetorial, pela prioridade a ele conferido pelo ex-presidente Lula e por 
reivindicação dos movimentos sociais ligados à SAN. A integração do CONSEA à 
estrutura básica da Presidência da República seria uma vitória dos militantes da SAN. 
Maluf relata: 
 
E finalmente a ideia (da existência do CONSEA) passou e o 
primeiro decreto do Lula reestruturando a Presidência da 
Republica ele vai e mete o CONSEA na Presidência. Isso foi uma 
vitória brutal e de lá nunca mais saímos. Aí a gente construiu tudo 
negociado, a estrutura, o regimento... Os CONSEAs dos Estados 
foram se fortalecendo depois. Primeiro foi o fortalecimento do 
CONSEA Nacional. E gradativamente a consepção de um Sistema, 
de CONSEAs estaduais e municipais foram amadurecendo e a 
partir da indução do governo federal os estaduais começaram a ser 
montados293. 
 
 
291 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
292 Trecho da entrevista a nós concedida por Maria Emília Pacheco em 3 de junho de 2016 na 
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) 
293 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
 144 
 Como integrante da Presidência da República, o CONSEA conta com o apoio 
técnico-administrativo e financeiro da Secretaria Geral da Presidência e do MDS para 
a execução dos seus trabalhos. A articulação do presidente do CONSEA junto às 
demais instâncias de governo seria de fundamental importância para o engajamento 
do Estado nas ações relativas à SAN: 
 
O presidente do CONSEA tem um papel muito imprtante nesse 
sentido, na interlocução com o governo. Trazer o governo para 
dentro do Conselho. A participação do governo no CONSEA não é 
liquida e certa, nem do governo federal nem do estadual. O 
presidente do CONSEA e os Conselheiros da sociedade civil têm 
um papel importante para trazer o governo. Para debater os seus 
programas, monitorá-los, aperfeiçoá-los, exigir programas que não 
existem ou que estão se enfraquecendo para que eles sejam 
fortalecidos, coisas assim. Aí nesse caso, é um papel mesmo de 
mediação política que o presidente do CONSEA faz entre as 
demandas da sociedade, os setores representados no CONSEA e o 
governo294. 
 
 O CONSEA não possui caráter deliberativo sobre os assuntos que examina, 
entretanto, sua capacidade em incidir sobre a política não é determinada por essa 
condição de decisão. Na verdade, o conteúdo e força política de suas resoluções é que 
definirá se estas se impõem ou não. O CONSEA deve possuir capacidade apurada de 
negociação, de forma a chegar a propostas e resoluções possíveis de serem aprovadas 
e aplicadas295. 
 O CONSEA é organizado em torno de um pleno, um presidente, um secretário 
geral, um secretário executivo, Comissões Temáticas Permanentes e Grupos de 
Trabalho. O pleno constitui a instância deliberativa e decisória do CONSEA, sendo 
composto pelos membros do Conselho, titulares ou suplentes. Funciona com base em 
sessões ordinárias a cada bimestre (de acordo com o artigo 12 de seu regimento 
interno, o CONSEA deve se reunir de forma ordinária, seis vezes ao ano) e 
extraordinárias, quando necessário. Cada membro no exercício da titularidade tem 
direito a um voto no CONSEA, enquanto os suplentes têm direito apenas a voz296. As 
 
294 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
295 MALUF, Renato; NASCIMENTO, Renato Carvalheira. (orgs). Construção do Sistema e da 
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência brasileira. Brasília: 
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (CONSEA), 2009. p. 
66 
296 NASCIMENTO, R.C. O Papel do CONSEA na Construção da Política e do Sistema Nacionalde Segurança Alimentar e Nutricional. 2012. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e 
Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. p. 86 
 145 
atividades do CONSEA não são remuneradas, sendo sua atuação considerada de 
relevante interesse público. 
 O CONSEA possui um regimento interno que define suas atribuições e as 
regras para o seu funcionamento. Neste documento estão descritas as finalidades, a 
organização e o funcionamento de todas as instâncias do Conselho. De acordo com o 
artigo 2 deste regimento interno, compete ao CONSEA: 
 
I) convocar a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e 
Nutricional, com periodicidade não superior a quatro anos; 
II) definir os parâmetros de composição, organização e funcionamento 
das Conferências; 
III) propor à CAISAN, a partir das deliberações das Conferencias 
Nacionais de SAN, as diretrizes e prioridades da Política e do Plano 
Nacional de SAN, incluindo-se os requisitos orçamentários para sua 
consecução; 
IV) articular, acompanhar e monitorar em regime de colaboração com 
os demais integrantes do SISAN a implementação e a convergência 
das ações à Política e ao Plano Nacional de SAN; 
V) definir, em regime de colaboração com a CAISAN, os critérios e 
procedimentos de adesão ao SISAN; 
VI) instituir mecanismos permanentes de articulação com órgãos e 
entidades congêneres de SAN nos Estados, no Distrito Federal e nos 
municípios, com a finalidade de promover o diálogo e a 
convergência das ações que integram o SISAN; 
VII) mobilizar e apoiar as entidades da sociedade civil na discussão e na 
implementação da Política Nacional de SAN; 
VIII) estimular a ampliação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de 
participação e controle social nas ações integrantes da Política e do 
Plano Nacional de SAN; 
IX) zelar pela realização do DHAA e sua efetividade; 
X) manter articulação permanente com outros Conselhos Nacionais 
relativos às ações associadas à Política e ao Plano Nacional de 
SAN; 
XI) manter articulação com instituições estrangeiras similares e 
organismos internacionais; e 
XII) elaborar e aprovar o seu regimento interno. 
 
 Relatório de Pesquisa do IPEA297, que aborda o CONSEA na visão dos seus 
conselheiros, aponta que é consenso entre seus membros que o CONSEA funciona 
plena e adequadamente e com bons resultados. As dificuldades encontradas seriam 
aquelas que afetam a articulação de interesses, natural do contexto político. Dentre os 
pontos fortes do CONSEA destacados na pesquisa, estão, por ordem de importância: 
 
297 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). O Conselho Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional na Visão de seus Conselheiros. Brasília, 2012. p. 50-51 
 146 
i) aspecto deliberativo; ii) dedicação e capacidade dos conselheiros/mobilização 
social; iii) capacidade de influenciar políticas públicas; iv) representatividade, 
diversidade e legitimidade; v) articulação sociedade civil e Estado; vi) 
intersetorialidade; vii) fortalecimento da democracia; viii) funcionamento interno do 
Conselho; ix) apoio à agricultura familiar; x) apoio e articulação com estados e 
municípios; xi) articulação com o Congresso Nacional; xii) influência e referência 
internacional; xiii) localização na Presidência da República. O aspecto deliberativo foi 
o ponto forte do CONSEA mais citado pelos seus conselheiros, pois seria, de acordo 
com os entrevistados, “um espaço de diálogo, em que há uma discussão qualificada e 
o tema da SAN é considerado relevante”298. Seria um espaço que permitiria o diálogo 
como prática democratizante. 
 Em relação aos aspectos que precisam ser melhorados para a atuação do 
CONSEA, as sugestões de melhoria são, por ordem de importância: i) aperfeiçoar o 
funcionamento interno do Conselho; ii) apoiar Conselhos Estaduais e municipais; iii) 
incluir temas ausentes nas discussões; iv) monitoramento e avaliação do 
governante/controle social; v) participação mais ativa dos representantes do governo; 
vi) reorganização das plenárias; vii) ampliar a representação; viii) aprofundar a 
intersetorialidade; ix) mais recursos para o Conselho; x) modificações no regime 
interno; xi) maior publicidade ao trabalho do Conselho; xii) localização na 
Presidência; xiii) valorizar as comissões permanentes; xiv) outros. Aperfeiçoar o 
funcionamento interno do CONSEA foi a sugestão mencionada com maior frequência 
pelos conselheiros, com bastante variações nas falas que mencionariam desde “melhor 
funcionamento das comissões temáticas” até “mais objetividade dos trabalhos” ou 
“reduzir a quantidade de reuniões”299. Dada a amplitude e complexidade da temática 
da SAN e a diversidade de representatividade dos conselheiros, entendemos que seja 
natural as desavenças dentro do CONSEA e que se coloque como prioridade o seu 
aprimoramento. 
 
 
 
 
298 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). O Conselho Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional na Visão de seus Conselheiros. Brasília, 2012. p. 50 
299 Idem. p. 51 
 147 
2.7.2. Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional 
 
 A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional foi criada 
após a LOSAN pelo Decreto 6.273/2007, com o objetivo de promover a articulação e 
integração dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas de SAN. Sua 
missão é transformar em programas de governo as proposições emanadas do 
CONSEA. O artigo 1o do Decreto 6.273/2007, detalha as competências da CAISAN: 
 
I - elaborar, a partir das diretrizes emanadas do Conselho Nacional 
de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA: 
a) a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 
indicando as suas diretrizes e os instrumentos para su execução; e 
b) o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 
indicando metas, fontes de recursos e instrumentos 
de acompanhamento, monitoramento e avaliação de sua execução; 
II - coordenar a execução da Política e do Plano Nacional de 
Segurança Alimentar e Nutricional, mediante: 
a) interlocução permanente entre o CONSEA e os órgãos de 
execução; 
b) acompanhamento das propostas do plano plurianual, da lei de 
diretrizes orçamentárias e do orçamento anual; 
III - monitorar e avaliar, de forma integrada, a destinação e 
aplicação de recursos em ações e programas de interesse da 
segurança alimentar e nutricional no plano plurianual e nos 
orçamentos anuais; 
IV - monitorar e avaliar os resultados e impactos da Política e do 
Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 
V - articular e estimular a integração das políticas e dos planos de 
suas congêneres estaduais e do Distrito Federal; 
VI - assegurar o acompanhamento da análise e encaminhamento das 
recomendações do CONSEA pelos órgãos de governo, 
apresentando relatórios periódicos; 
VII - definir, ouvido o CONSEA, os critérios e procedimentos de 
participação no SISAN; 
VIII - elaborar e aprovar o seu regimento interno. 
 
 Integram a CAISAN todos os 20 ministérios que participam do CONSEA, 
sendo sua presidência exercida pelo Secretário-Geral do CONSEA. Renato Maluf 
relata que quando a CAISAN foi criada, a intenção era que a sua presidência estivesse 
ligada diretamente ao Presidente da República, conforme ocorre com o CONSEA: 
 
Hoje (a política de SAN no Brasil) já é uma referência 
incontornável, mas não era assim antes. Um fator muito importante 
para isso foi a construção da CAISAN e o seu progressivo 
fortalecimento. Nós fomos contra quando ela foi criada no MDS. A 
gente sempre quis que ela estivesse na Presidência da República, 
mas não conseguimos, ela ficou no MDS. O MDS precisou de um 
 148 
esforço longo para se legitimar como um pólo irradiador de um 
Programa que não é só seu, que os outros Ministérios precisam se 
enxergar nele e participar igualmente.A CAISAN de uns anos pra 
cá passou a ganhar um sentido real então quando os gestores dos 
vário setores, dos vários Ministérios são obrigados a ir numa 
Câmara debater suas ações sobre a ótica da Segurança Alimentar e 
Nutricional, isso significa que a sua incidência aumentou300. 
 
 É o Ministério de Desenvolvimento Social quem coordena as atividades da 
CAISAN através de sua Secretaria Executiva. 
 
2.8. Emenda Constitucional 64/2010 
 
 A proposta de se inserir o direito à alimentação na Constituição Federal se deu 
em 2001, quando do lançamento do Projeto Fome Zero pelos partidários do então 
candidato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva. O senador Antônio Carlos 
Valadares, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) de Sergipe, apresentou em 07 de 
agosto de 2001 a proposta de Emenda à Constituição (PEC) ao Senado Federal, 
defendendo a inclusão do direito à alimentação ao texto constitucional, 
especificamente no rol dos direitos sociais do artigo 6o. A PEC, denominada PEC 
47/2003, foi aprovada nos dois turnos no Senado Federal, sendo remetida à Câmara 
dos Deputados e lá permanecendo. 
 Em 15 de maio de 2007, o deputado Nazareno Fonteles, do PT do Piauí, 
propôs nova redação ao artigo 6o da Constituição Federal, acrescentando além da 
alimentação, a comunicação como direito social. Com parecer favorável da Comissão 
de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, a PEC 64/2007 
foi apensada, em 21 novembro de 2007, à PEC 47/2003, passando a tramitar 
conjuntamente. Por acordo que envolveu todos os parlamentares membros da 
comissão especial, o deputado Nazareno Fonteles abriu mão da apreciação da PEC 
64/2007, de sua autoria, reconhecendo ser aquele momento crucial para priorizar a 
inclusão da alimentação como direito social. Foram realizadas três audiências 
 
300 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
 
 149 
públicas no mês de setembro de 2009, em que se debateu o tema amplamente com 
diversos setores da sociedade civil, do governo e especialistas no tema301. 
 Francisco Menezes relembra fatos ocorridos nos bastidores da Câmara dos 
Deputados, que teriam contribuído significativamente para a aprovação da Emenda 
Constitucional: 
 
Existia desde 2001 uma PEC, que colocava o direito à alimentação 
dentro do artigo 6o da Constituição. Este projeto havia sido 
apresentado por um senador de Sergipe, Valadares, do PSB e este 
projeto tinha passado no Senado, mas estava engavetado na 
Câmara dos Deputados e foi feita toda uma movimentação dos 
movimentos sociais, da sociedade para desengavetar e colocar na 
pauta. Vou te contar mais um detalhe... eu tinha participado junto 
com o José Padilha, que é o cineasta do Tropa de Elite, da 
preparação de um filme sobre a fome que se chama Garapa. A 
gente estava participando de uma série de debates com a exibição 
do filme e teve uma proposta, casando com a PEC que estava 
engavetada na Câmara dos Deputados, de fazermos uma exibição 
dentro da Câmara dos Deputados, do filme e debate. E fizemos a 
exibição, teve participação de vários deputados assistindo e 
iniciando o debate, mas aí no meio do debate nós resolvemos que 
melhor do que prosseguir no debate era sair como que uma 
passeata por dentro da Câmara dos Deputados até o gabinete do 
presidente da Câmara, que nesse momento era o Michel Temer e 
pedir, com aquele monte de gente, para falar com ele e tentar 
arrancar dele o compromisso de liberação para a Câmara dos 
Deputados apreciar. Isso eu estou falando da PEC. Então depois de 
uma espera de uma meia hora com o Michel Temer fechado lá 
dentro da sala ele apareceu e a gente se apresentou. O Padilha já 
era uma figura mais conhecida e nós fizemos esse movimento302. 
 
 Outra estratégia adotada foram as formas de se fazer chegar à população 
brasileira a proposta da Emenda Constitucional. Teriam sido utilizados vários 
instrumentos para a mobilização, como internet, redes sociais e canais de televisão, 
usando as articulações já existentes das ONGs, das entidades religiosas, sindicatos, 
movimentos sociais e demais organizações relacionadas com o tema da SAN. A ONG 
Humanos Direitos contribuiu com um vídeo303 encenado por atores da Rede Globo e 
exibido gratuitamente pelos canais de televisão aberta em que narram a proposta da 
 
301 NASCIMENTO, R.C. O Papel do CONSEA na Construção da Política e do Sistema Nacional 
de Segurança Alimentar e Nutricional. 2012. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e 
Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. p. 144-145 
302 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE 
303 O video está diponível em.: http://www4.planalto.gov.br/consea/videos/alimentacao-direito-de-
todos-artistas-defendem-aprovacao-da-pec-47 Acesso em 05 de junho de 2018. 
 150 
PEC 64/2007. Menezes relembra os bastidores da elaboração deste vídeo e sua 
importância na aprovação da Emenda Constitucional: 
 
Um outro ponto que talvez ele (Reato Maluf) não tenha te contado e 
que foi absolutamente decisivo para que a PEC fosse aprovada, que 
a gente desencadeou depois, foi o seguinte: existe uma ONG aqui 
no Rio que é chamada de Humanos Direitos e que é formada 
principalmente por artistas globais, mas todos eles bastante 
progressistas e a gente tinha acesso e trouxemos a ideia de eles 
gravarem como que um clip falando da necessidade de colocar o 
direito à alimentação na Constituição e aí uns sete artistas, sendo 
que alguns muito renomados, como Camila Pitanga, Dira Paes, e 
outros, gravaram. A gente tinha conseguido uma verba da ACOM 
(Secretaria de Comunicação) para fazer uma coisa assim, 
contratada, super profissional. Os artistas não cobraram nada, 
aliás foram 100%, ficaram lá o tempo que precisava e gravaram. 
Mas tinham os técnicos, que fizeram todo o processo de gravação. 
Ficou muito bom. Então o que aconteceu... de um lado a gente 
conseguiu diversas tvs autorização para ficar gratuitamente 
passando e aí já viu... cara de artista da novela global todo mundo 
presta atenção, né? E ao lado disso, a gente também colocou... 
tinha umas televisões na Câmara dos Deputados e a gente 
conseguiu ficar passando para os deputados. Isso foi absolutamente 
decisivo para aprovar! E a gente conseguiu passar o Direito 
Humano à Alimentação na PEC. E o próprio texto que eles falam e 
o clip é muito bonito. Tinha que caber tudo eu acho que em 30 
segundos, mas a gente conseguiu. Os caras eram muito 
profissionais e a gente deu as bases do que seria para dizer e tal, 
eles fizeram uma proposta, a gente ainda discutiu um pouquinho, aí 
ficou a proposta e a gente levou para os artistas e cada um falava 
um pedacinho. Ficou muito bom. Então isso faz parte da história de 
aprovação da PEC304. 
 
 
 Além desta mobilização, teria havido um ato público, organizado pelo 
CONSEA, realizado no dia 1 de outubro de 2009 dentro do Congresso Nacional, 
quando cerca de 350 manifestantes batendo pratos de metal entregaram um abaixo-
assinado com mais de 50 mil assinaturas, em que se solicitava a aprovação da emenda 
constitucional pelo direito à alimentação. O ato foi realizado para aproveitar a 
presença de conselheiros e ativistas do DHAA que participavam do Encontro 
Nacional III Conferência + 2. Além da petição, centenas de mensagens recolhidas 
 
304 Trecho da entrevista a nós concedida por Francisco Menezes em 26 de julho de 2016 na sede do 
IBASE. 
 151 
pela ONG Action Aid em apoio à causa também foram entregues à presidência da 
Câmara305. 
 Em 3 de novembro de 2009, após oito anos de espera de tramitação nas duas 
CasasLegislativas, a PEC 47/2003 foi aprovada em plenário, em primeiro turno, com 
ampla vantagem de votos. De 377 deputados presentes no plenário, 374 votaram a 
favor, dois votaram contra e um absteve-se. Na primeira sessão deliberativa da 
Câmara dos Deputados em 03 de fevereiro de 2010, foi finalmente aprovada, em 
segundo turno, a PEC 47/2003. Foram 376 votos favoráveis, nenhum contrário e duas 
abstenções. A proposta foi transformada na Emenda Constitucional 64/2010, que 
alterou o artigo 6o da Constituição Federal, ficando assim redigido: 
 
Artigo 6o - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, 
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a 
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, 
na forma desta Constituição (Grifo nosso). 
 
 Sobre esta conquista, Renato Maluf afirma: 
 
Foi uma grande vitória, talvez com um significado efetivo não tão 
grande assim. A gente sabe que às vezes no Brasil, especialmente 
no que diz respeito aos direitos, tem uma eficácia muito relativa. 
Mas está lá, nos permite falar disso, nos permite envocar o direito, 
nos permite fortalecer a construção do SISAN ao dizer que tem um 
imperativo constitucional306. 
 
 Nesse mesmo sentido, Maria Emília Pacheco ressalta que a positivação do 
direito à alimentação na Constituição Federal é um avanço da SAN no Brasil, mas que 
não se traduziria de imediato em ações concretas: 
 
Um grande marco foi quando nós com uma boa mobilização 
conseguimos, e com uma adesão do Congresso Nacional, 
conseguimos incluir no artigo 6o da Constituição brasileira, o 
direito humano à alimentação adequada. Pode parecer algo 
redundante porque é um direito que diz respeito à vida e que não 
estava incluído, mas na medida em que se inclui, o Estado passa a 
ter responsabilidade e nós começamos a falar de política de Estado. 
Também foi nesse período que pela primeira vez temos uma 
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com estas 
 
305 NASCIMENTO, R.C. O Papel do CONSEA na Construção da Política e do Sistema Nacional 
de Segurança Alimentar e Nutricional. 2012. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e 
Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. p. 146 
306 Trecho da entrevista a nós concedida por Renato Maluf em 14 de abril de 2016 no Programa do Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ 
 152 
diretrizes tão amplas porque são várias diretrizes da Política que 
contemplam estas dimensões a que estávamos nos referindo, de 
acesso ao alimento, de produção sustentável, de distribuição, de 
consumo e isto é um avanço importante. Isso não significa que tudo 
isso se traduza de imediato em ações concretas que vão se 
resolvendo, mas nós ampliamos com esta perspectiva da Política 
Nacional, ampliamos a visão de Segurança Alimentar e Nutricional 
como algo mais amplo do que o combate a fome. Isso é uma 
conquista307. 
 
 Edgard Moura, em sentido correlato, afirma que a positivação na Constituição 
Federal do direito à alimentação serviria para ampliar as ações sobre a SAN: 
 
Eu acho que quando a gente coloca na Constituição a PEC do 
Direito Humano à Alimentação Adequada a gente de fato começa a 
fazer um debate transversal. Eu coloco ele como um guarda-chuva 
e debaixo dele eu consigo discutir a segurança alimentar, a 
soberania alimentar, e eu posso trabalhar com a população 
brasileira e posso fazer os recortes de terra e território para este 
tema da alimentação adequada. Então eu acho que garantir na 
Constituição o Direito Humano à Alimentação Adequada, com isso 
eu vou ser obrigado a discutir soberania alimentar, eu vou ser 
obrigado a discutir Segurança Alimentar e Nutricional. Então eu 
acho que este é o grande marco308. 
 
A positivação na Constituição Federal da alimentação como direito 
fundamental é um grande marco na história da SAN no Brasil. Conforme mostrado, a 
SAN no Brasil transformou-se substantivamente na medida em que a participação da 
sociedade civil e o monitoramento social se fortaleceram. A ênfase em políticas 
públicas voltadas para a proteção social, que se deu, principalmente, a partir do 
governo do ex-presidente Lula em 2003, contribuíram de maneira significativa para a 
inserção da SAN, em caráter prioritário, no bojo do processo de desenvolvimento 
socioeconômico brasileiro. A relevância da temática da SAN teria ido ao encontro das 
principais propostas de uma militância mais madura do movimento. Amadurecimento 
este que teria permitido o desenvolvimento e avanços significativos da SAN no Brasil 
neste início de século XXI. 
Entretanto, muitas questões ainda restam por ser melhor estruturadas e 
aprimoradas para que o DHAA seja de fato assegurado a todos os brasileiros. A 
intersetorialidade, intrinseca à temática da SAN, seria um dos grandes desafios a ser 
 
307 Trecho da entrevista à nós concedida por Maria Emília Pacheco em 3 de junho de 2016 na 
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) 
308 Trecho da entrevista a nós concedida por Edgard Moura em 07 de outubro de 2016 durante o II 
Encontro Nacional de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional 
 153 
superado para a efetiva garantia do DHAA. Muitas ações de SAN acabam 
pulverizadas pela falta de integração e do apoio intersetorial dos órgãos de governo. A 
proposta do SISAN, instituído pela Lei 11.346/2006, parece avançar na perspectiva de 
um olhar integrado com condições suficientes para o alcance das políticas de SAN, 
que somente seria viável com ações articuladas em nível intersetorial nas esferas 
federal, estadual e municipal e sob permanente participação da sociedade. 
Tal participação vem ocorrendo com a realização das Conferências de SAN, 
que são representações singulares do processo decisório das políticas públicas de 
SAN no Brasil. No capítulo seguinte, retomaremos alguns dos desafios estruturais 
debatidos nestas Conferências de SAN. 
 
 154 
3. CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SEGURANÇA 
ALIMENTAR E NUTRICIONAL 
 
 As Conferências Nacionais de Políticas Públicas não são um fenômeno novo 
na história brasileira. A primeira Conferência Nacionail de Política Pública teria 
ocorrido em 1941, no período do Estado Novo (1937 - 1946), com objetivos diversos 
das Conferências atuais e teria se limitado ao tema de educação e saúde 309. A partir 
do processo de redemocratização do Brasil, na década de 1980, os novos movimentos 
sociais, emergentes da luta contra o regime militar nas décadas de 1970-1980, passam 
a reivindicar a criação e experimentação de novas práticas sociais, fundadas em bases 
mais igualitárias310. São criados, dessa forma, mecanismos de participação em que o 
poder do Estado é compartilhado com a sociedade, como os Conselhos Gestores de 
Políticas Públicas, os Orçamentos Participativos, as Audiências Públicas, entre outros. 
As Conferências Nacionais de Políticas Públicas são retomadas, embora ainda com 
ocorrência limitada tanto do ponto de vista numérico quanto temático. 
 Segundo Dagnino: 
 
O fortalecimento da sociedade civil, ao se constituir nos anos 1970 
como o único pólo possível de resistência democrática ao regime 
autoritário, lançou as bases de um processo que acabou 
transcendendo a eliminação da ditadura e apontando para novos 
modos de fazer política. A emergência de novos sujeitos políticos, 
reivindicando o seu reconhecimento, participação, espaço e voz 
ativa, trouxe consigo essa concepção ampliada de política, vista 
como condição das possibilidades de democratização e conquista da 
cidadania311. 
 
 A consagração da participação social ocorre com a promulgação da 
Constituição Federal de 1988, marco formal desse processo, que estimula a 
participação popular, entendida como o exercício pleno da cidadania.A cidadania 
ganha um significado ampliado para além da escolha do governante, onde a 
participação da sociedade é central. A participação social seria uma característica 
 
309 VENTURA, Tiago Augusto da Silva. Democracia e Participação no Brasil: um estudo de caso das 
conferências nacionais de políticas públicas de 2003-2010. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013. p. 12. 
310 DAGNINO, E.; FERLIM, U.; SILVA, D. R.; TEIXEIRA, A. C. C. Cultura democrática e cidadania. 
In: Opinião Pública, Campinas, vol. V. no 1, Novembro, 1998, p. 20-71. p. 21 
311Idem. p. 28-29 
 155 
distintiva deste projeto subjacente ao próprio esforço de criação de espaços públicos 
onde o poder do Estado pudesse ser compartilhado com a sociedade. De acordo com 
Dagnino, no percurso desse projeto, dois marcos devem ser destacados: i) o fato de 
que o restabelecimento da democracia formal, com eleições livres e a reorganização 
partidária, abriu a possibilidade de que este projeto, configurado no interior da 
sociedade e que orientou a prática de vários dos seus setores, pudesse ser levado para 
o âmbito do poder do Estado, no nível dos Executivos Municipais e Estaduais e dos 
Parlamentos e, mais recentemente, em 2003, no Executivo Federal, com a eleição de 
Lula como Presidente da República; ii) como conseqüência, durante esse mesmo 
período, o confronto e o antagonismo que tinham marcado profundamente a relação 
entre o Estado e a sociedade civil nas décadas anteriores cederam lugar a uma aposta 
na possibilidade da sua ação conjunta para o aprofundamento democrático312. 
 Grande parte dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas foram criados após 
a promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo Rangel313, apenas cinco dos 
trinta e um Conselhos existentes até 2010 são anteriores ao texto constitucional, dado 
que foi justamente a Constituição Federal de 1988 quem estabeleceu as bases 
orientadoras para a expansão destes espaços de participação. De acordo com 
Tatagiba314, os Conselhos Gestores de Políticas Públicas passam a ser um espaço de 
interação onde a sociedade poderia exercer um papel mais efetivo de fiscalização e 
controle das políticas públicas, estando mais próxima do Estado e imprimindo uma 
lógica mais democrática na definição da prioridade na alocação dos recursos públicos. 
 As Conferências Nacionais de Políticas Públicas, assim como os Conselhos 
Gestores de Políticas Públicas, são espaços de participação e deliberação e também 
tiveram grande ampliação após a Constituição Federal de 1988. Segundo Ventura, 
73% do total das Conferências Nacionais de Políticas Públicas foram realizadas no 
período entre 1990-2010, quando as Conferências passam a se configurar como 
 
312 DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da 
confluência perversa. In: Política e Sociedade. n. 5 outubro 2005. p. 139-164. p. 141-142 
313 RANGEL, Tauã Lima Verdan. Segurança Alimentar e Nutricional em Perspectiva Regional: 
análise dos avanços do Banco Municipal de Alimentos “Cecílio Correa Cardoso”, em Cachoeiro de 
Itapemirim/ES, como instrumento materializador da Segurança Alimentar e Nutricional e do Direito 
Humano à Alimentação Adequada. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Federal 
Fluminense, 2015. p. 97 
314 TATAGIBA, Luciana. Conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: 
DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Editora Paz e Terra, 
2002. p. 47 
 156 
experiência mais presente na relação Estado e sociedade315. 
 A partir da eleição de Lula como Presidente da República, que tem a temática 
da SAN no bojo de sua estrutura governamental, é retomado o ciclo de Conferências 
de SAN, atendendo esta demanda de participação social que vinha sendo construída 
desde a redemocratização. Com a retomada do ciclo de Conferências de SAN, 
desencadeia-se um processo em todo o Brasil, com Conferências Municipais, 
Estaduais e Regionais, até seu ápice na Conferência Nacional. 
 Estas Conferências de SAN, além de um espaço de monitoramento, reflexão, 
deliberação e porposição de políticas públicas, contrubuem para a formação cidadã 
dos mais diversos setores sociais envolvidos com a SAN, inclusive os grupos 
populacionais mais vulnerabilizados. É uma oportunidade de se reconhecer novos 
sujeitos políticos e qualificar a gestão pública. 
 
A Conferência é, portanto, mais que um evento ou uma série de 
encontros.Trata-se de um processo político, caracterizado pela 
participação dos mais diversos setores da sociedade civil e de todos 
os entes federados, com a perspectiva de apontar novos passos para 
a realização do DHAA para toda a população brasileira. Constitui-
se, ainda, um processo de formação e capacitação dos atores sociais 
e do governo, envolvidos nesta agenda, dada a sua capacidade 
mobilizadora e propositiva.316 
 
 As Conferências Nacionais possuem grande quantidade de participantes, que 
se distrubuem em fases e dinâmicas organizativas com especificidades na forma de 
mobilização e organização das etapas escalonadas 317. As Conferências Naionais de 
SAN ocorrem com periodicidade não superior a quatro anos e são organizadas e 
convocadas pelo CONSEA. São precedidas de Conferências Estaduais, Distritais e 
Municipais, envolvendo milhares de pessoas em todo o país, onde se escolhem os 
delegados à Conferência Nacional, além de abordarem temas que são específicos às 
 
315 VENTURA, Tiago Augusto da Silva. Democracia e Participação no Brasil: um estudo de caso das 
conferências nacionais de políticas públicas de 2003-2010. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013. p. 12. 
316 BRASIL. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). V Conferência 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Caderno de Orientações). Brasília: CONSEA, 2015. p. 
06 
317 SOUZA, Clóvis Henrique Leite de. Capacidades Estatais para a Promoção de Processos 
Participativos: uma análise da forma de organização de conferências nacionais. Tese (Doutorado). 
Brasília: Universidade de Brasília, 2016. p. 12 
 157 
suas esferas 318 . As Conferências Distritais, Estaduais e Municipais são etapas 
preparatórias para a Conferência Nacional e contribuem para mobilizar o governo 
local e a sociedade civil. Seriam oportunidades de se ampliar a reflexão e balanço dos 
programas e ações desenvolvidos a nivel local, sensibilizando novos parceiros para 
esta agenda.319 Até o momento, foram realizadas cinco Conferências Nacionais de 
SAN (1994, 2004 e 2007, 2011 e 2015), mobilizando, cada uma delas, cerca de duas 
mil pessoas oriundas de todo o país, entre representantes da sociedade civil e do poder 
público. 
 As Conferências Nacionais de SAN, junto com o CONSEA e a CAISAN, 
formam a tríade dos componentes mais importantes do SISAN. É o CONSEA, com o 
apoio do MDS, o responsável pela organização dessas Conferências, que têm como 
objetivo ampliar e fortalecer os compromissos políticos para a promoção da soberania 
alimentar, garantindo a todos o DHAA por meio da implementação da Política de 
SAN e do SISAN nas esferas de governo e com a participação da sociedade320. São 
nas Conferências Nacionais de SAN que se avalia o desempenho do SISAN e quando 
são indicadas as diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional de SAN. 
 Nas Conferências Nacionais de SAN ficam claras as contradições existentes 
entre os diversos segmentos sociais participantes, mas revelam também a capacidade 
de geração e legitimação de suas propostas. Trata-se de um mecanismo de 
participação de composição plural, que tem contribuído para o amadurecimento da 
temática de SAN, além

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