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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JATAÍ (UFJ) UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS (UACHL) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE) LAUREANE MARÍLIA DE LIMA COSTA A perspectiva de mulheres com deficiência sobre gênero e sexualidade: contribuições para a Educação Sexual Emancipatória JATAÍ – GO 2021 II III IV LAUREANE MARÍLIA DE LIMA COSTA A perspectiva de mulheres com deficiência sobre gênero e sexualidade: contribuições para a Educação Sexual Emancipatória Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Unidade Acadêmica de Ciências Humanas e Letras, da Universidade Federal de Jataí (UFJ), como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Educação. Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Cultura e Processos de Ensino e Aprendizagem Orientador: Professor Doutor Claudionor Renato da Silva JATAÍ – GO 2021 V VI VII VIII LAUREANE MARÍLIA DE LIMA COSTA A perspectiva de mulheres com deficiência sobre gênero e sexualidade: contribuições para a Educação Sexual Emancipatória BANCA EXAMINADORA: Prof. Dr. Claudionor Renato da Silva Presidente da banca/Orientador Universidade Federal de Jataí Profa. Dra. Ana Cláudia Bortolozzi Membro externo Universidade Estadual Paulista Profª. Drª. Vivianne Oliveira Gonçalves Membro interno Universidade Federal de Jataí Profª. Drª. Geisa Letícia Kempfer Böck Suplente externo Universidade do Estado de Santa Catarina Prof. Dr. Silvio Ribeiro da Silva Suplente interno Universidade Federal de Jataí Jataí, 27 de agosto de 2021. IX FOLHA DE MENÇÃO Os Programas de Pós-Graduação stricto sensu, ora em funcionamento na Universidade Federal de Jataí (UFJ), em virtude de procedimentos técnicos relacionados à CAPES, continuam provisoriamente vinculados à Universidade Federal de Goiás (UFG), no entanto todos os elementos pré-textuais do trabalho apresentado estão identificados como Universidade Federal de Jataí, em função da migração da BDTD ter ocorrido a partir de 16 de agosto de 2021, e pelo fato de as pesquisas e produções estarem sendo realizadas na UFJ. X Às mulheres que participaram desta pesquisa, por me mostrarem que a trajetória valeu a pena. Às mulheres do Coletivo Feminista Helen Keller, por me ensinarem a potência do que significa ser mulher com deficiência. Às mulheres da minha família, por me possibilitarem uma vida com mais oportunidades. XI AGRADECIMENTOS Aos meus avós, por colocarem no mundo as melhores pessoas para eu chamar de mãe e pai. Aos meus pais, minha origem e continuidade. Sem o cuidado de vocês, eu não estaria frustrando as expectativas dos médicos há tanto tempo. Agradeço pelo amor incondicional na infância e pelos presentes condicionais às boas notas na escola. Vocês me nutriram o suficiente para fazer os enfrentamentos necessários, inclusive a sua proteção. Obrigada, também, por colocarem no mundo a melhor pessoa para eu chamar de irmã. À Laura, que me ensinou a dividir enquanto multiplicava alegrias na minha vida. Agradeço pelo companheirismo, pelos almoços acompanhados de debates políticos, teóricos, algumas piadas e fofocas (da sua parte, claro), pela colaboração na pesquisa e tanto mais que nem sei nomear. À tia Terezinha, pelas histórias que me faziam suportar a fisioterapia e por apoiar minha mãe a me transferir da escola segregada para a escola comum, 20 anos atrás, onde conheci a tia Cida, com quem até hoje posso conversar sobre tudo, absolutamente. Obrigada por serem anticapacitistas! À Nicolli e ao Matheus (em memória), por estarem nas minhas melhores lembranças da infância e adolescência. À Leiliane e Alexandra, por tornarem o sábado o melhor dia da semana, me engajando em atividades que não aumentam o valor do lattes, mas que, sem dúvida, fazem a vida valer muito mais a pena. À tia Márcia, por ser tão BANFS! Obrigada por ser sempre inspiração, acolhimento e sabedoria. À tia Das Dores (em memória), porque eu sei que, se estivesse aqui, seu coração estaria cheio de alegria com esse momento. A Fê, Carol, Lorrayne, Maynna, Laís, Polly, Rô, Ruth, Poliana, José, Nicolas, Tia Neuza, Madrinha Meire e Tchó, por vibrarem com cada uma das minhas conquistas, sem que meu valor dependa de nenhuma delas. À Karla, Mari Rosa, Thaís e Fati, pelas conversas leves e, ao mesmo tempo, tão profundas sobre a vida e a academia. Especialmente à Karla, pela generosidade de me convidar para o NED. Ao NED e ao LEdI, pelo meu amadurecimento pessoal, profissional, teórico e político. Obrigada por cada reflexão compartilhada e por mostrarem que uma academia com afetos XII positivos é possível. Especialmente, à Geisa, Sol e Débora, por serem sempre tão acolhedoras, generosas e exemplos de ética e profissionalismo. Quando olho para vocês, só penso que quero ser assim quando eu crescer. À Mari Gomes, por concretizarmos juntas o que eu almejava profissionalmente há tanto tempo. Obrigada por junto com Fê e Laura mandarem a Alexa me lembrar de que eu precisava de um pouco de leveza nas últimas semanas de escrita. À Luciana Porfirio, Cláudia Lemes, Helga de Paula e Tatiana Machiavelli, por tantas trocas sobre teoria, pesquisa e prática feministas. Às PLPs e ao Coletivo Feminista Jacarandá, pelo interesse em discutir gênero e deficiência. Ao Coletivo Feminista Helen Keller, por me fortalecer o suficiente para levar a discussão de gênero e deficiência adiante e pelo início da cura do capacitismo internalizado. À professora Umbelina Leite, por me apresentar os estudos de prevenção ao sexismo e violência no namoro, o que me inquietou e instigou a ponto de pensar nesta pesquisa. Ao professor Fábio Baia, por me iniciar nas comunicações orais em congressos, na experiência docente e por ter sido o principal incentivador da minha entrada no mestrado. Obrigada por se basear em dados e não em pressuposições capacitistas. À UFJ e ao PPGE, pela possibilidade de estudar em uma instituição pública. Especialmente às professoras Michele Sacardo, Elizabeth Raimann, Camila de Oliveira e ao professor Ari Raimann, por ampliarem minha consciência crítica. À professora Neuda Lago e ao professor Silvio Ribeiro da Silva, por tratarem as/os estudantes com tanto afeto. Ao professor Claudionor, por aceitar o desafio desta pesquisa e mostrar caminhos que viabilizaram sua realização. Às professoras Ana Cláudia Bortolozzi e Vivianne Oliveira, pelas ricas contribuições neste trabalho. Às/aos colegas de mestrado, por se sentarem no fundo do auditório, na nossa primeira semana de aula, para que eu não ficasse lá sozinha devido à falta de acessibilidade, por apoiarem as minhas reivindicações, por serem sempre tão carinhosas/os com a minha mãe e minha irmã e pelos lanches compartilhados, óbvio! Especialmente à Érica, Viviani, Giuliano, Flávia Cruz, Gustavo, Daniela Rezende, Leene, Andréia, Eulália, Sandra, pelo acolhimento das angústias; Sandorlei e Zezé, pelo carinho e descontração. Às/aos colegas do NuEPFES, especialmente à Eduarda e Adrielle, por conversas que fazem tanto sentido. XIII Ao NAI, especialmente à Angelita Martins e Flávia Rodrigues, por possibilitarem a realização da pesquisa com acessibilidade. À Cris Kenne, audiodescritora, por me ensinar a tornar as redes sociais mais acessíveis e por realizar a audiodescrição dos quadros desta dissertação, tornando-a, também,mais acessível. À Aurélia Magalhães, psicóloga da UFJ, por me ajudar a me reconectar comigo e manter o discernimento. Às participantes desta pesquisa, por, generosamente, permitirem sua realização, me mostrarem que ela fez sentido e me afetarem enquanto pesquisadora e mulher com deficiência, curando um pouco mais o capacitismo internalizado. Especialmente a uma delas por, sem saber, me enviar um feedback tão significativo quando desistir do mestrado passou pela minha cabeça, me fazendo, então, abandonar essa ideia. Às mulheres com deficiência que me antecederam, cujas ações tornaram as coisas mais fáceis para mim do que foram para elas, e às meninas com deficiência que apontam o horizonte para continuarmos avançando, especialmente, à Alice Rosa Bacelar. XIV Devo lutar com todas as minhas forças pelo pouco de positivo que minha saúde me permita fazer no sentido de ajudar a Revolução. Frida Kahlo XV RESUMO Pesquisas acerca da perspectiva de mulheres com deficiência sobre gênero e sexualidade, incluindo a intersecção entre deficiência, classe, nível de escolaridade, educação sexual recebida e vulnerabilidade a relacionamentos afetivo-sexuais abusivos e violação dos direitos sexuais e reprodutivos, são ainda lacunas no campo da Educação Sexual Emancipatória. Assim, esta pesquisa objetivou compreender a percepção de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado em uma Educação Sexual inclusiva, objetivando, também, identificar possíveis influências dos contextos em que as mulheres com deficiência estão inseridas acerca de suas percepções, além de identificar onde e como receberam Educação Sexual, outrossim quais conteúdos e metodologias consideram pertinentes à Educação Sexual. Para isso, realizou-se estudo qualitativo, exploratório e de campo com sete mulheres com deficiência, as quais responderam a um questionário socioeconômico e participaram de dois encontros de grupo focal online. Da Análise de Conteúdo, emergiram 5 (cinco) categorias e 16 (dezesseis) subcategorias, nomeadamente: construção social da desigualdade entre homens e mulheres; ser mulher é ser forte e resistir às opressões; ser mulher é determinado pela biologia; relacionamento amoroso é o oposto de relacionamento abusivo; relacionamento amoroso é um sonho que não se realizou; relacionamento é uma parceria, mas não algo que alguém depende para ser inteira; entre o direito e a obrigação de se relacionar amorosa e sexualmente; violência é tudo que machuca ou produz medo; exploração do conhecimento pelo parceiro íntimo; repressão sexual obstrui a vivência da sexualidade; direito à expressão da orientação sexual não heteronormativa; o prazer está em cada mulher e não se restringe ao sexo; questões que mulheres com deficiência consideram importantes em suas vivências sexuais; a educação sexual deve ser realizada por uma/um profissional com formação; queixa da educação sexual sem referenciar as pessoas com deficiência; e as pessoas com deficiência como protagonistas no processo de educação sexual. Apesar de haver maior reconhecimento da determinação social em relação às questões de gênero do que em relação às questões da deficiência, as participantes indicaram a pressuposição social de incapacidade como determinante do medo que sentem em relação à vivência da sexualidade e como facilitadora de violência nos relacionamentos íntimos, a qual não foi concebida como fruto da deficiência. Reafirmaram, ainda, a necessária inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços da sociedade e, consequentemente, na Educação Sexual em geral. Conclui-se que possíveis práticas, vinculadas ou não à Educação Sexual, formuladas para pessoas com deficiência e baseadas no tipo de impedimento corporal, devem dar lugar à construção conjunta com pessoas com e sem deficiência, além do rompimento dos limites do cuidado à esfera privada e inserção na esfera pública, difundindo a ética do cuidado entre homens e mulheres, apontando a pertinência da perspectiva feminista da deficiência em programas de formação das/os educadoras/es e em todo o espaço acadêmico, a fim de fomentar projetos emancipatórios de pesquisa e extensão, potencializando o questionamento da política do capacitismo, devendo, também, constituir a Educação Sexual Emancipatória para que a tarefa de superar as opressões seja completa. Palavras-chave: Gênero. Deficiência. Feminismo. Educação Sexual. XVI ABSTRACT Research on the perspective of women with disabilities on gender and sexuality, including the intersection between disability, class, education level, sexual education received and vulnerability to abusive affective-sexual relationships and violation of sexual and reproductive rights are still gaps in the field of Emancipatory Sexual Education. Thus, this research aimed to understand the perception of women with disabilities about the relationship between gender, disability, love relationships, violence, sexuality and sexual education and what they consider important to be contemplated in an inclusive Sexual Education, also aiming to identify possible influences of the contexts in which women with disabilities are inserted about their perceptions, in addition to identifying where and how they received sexual education, as well as what content and methodologies they consider relevant to sexual education. For that, a qualitative, exploratory and field study was carried out with seven women with disabilities, who answered a socioeconomic questionnaire and participated in two online focus group meetings. From Content Analysis emerged five categories and 16 subcategories, that were called: social construction of inequality between men and women; being a woman is to be strong and resist oppression; being a woman is determined by biology; love relationship is the opposite of an abusive relationship; love relationship is a dream that did not come true; relationship is a partnership, but it's not something one depends on to be whole; between the right and the obligation to relate lovingly and sexually; violence is anything that hurts or produces fear; exploration of knowledge by the intimate partner; sexual repression obstructs the experience of sexuality; right to expression of non-heteronormative sexual orientation; the pleasure is in every woman and is not restricted to sex; issues that women with disabilities consider important in their sexual experiences; sexual education must be carried out by a trained professional; complaint about sexual education without referring people with disabilities; and people with disabilities as protagonists in the sexual education process. Although there is greater recognition of social determination in relation to gender issues than in relation to disability issues, the participants indicated the social assumption of inability as a determinant of the fear they feel in relation to the experience of sexuality and as a facilitator of violence in intimate relationships, the which was not conceived as a result of disability, reaffirmed the necessary inclusion of people with disabilities in all areas of society and, consequently, in Sexual Education in general. It is concluded that possible practices, linked or not to Sexual Education, formulated for people with disabilities and based on the type of bodily impairment, should give way to the joint construction with people with and without disabilities, in addition to breaking the limits of care to the private sphere and insertion in the public sphere, spreading the ethics of care between men and women, pointing out the relevance of the feminist perspective on disability in trainingprograms for educators and throughout the academic space, in order to foster emancipatory research projects and extension, enhancing the questioning of the policy of ableism, and should also constitute Emancipatory Sexual Education so that the task of overcoming oppression is complete. Keywords: Gender. Disability. Feminism. Sexual Education. XVII LISTA DE QUADROS Quadro 1. Caracterização das participantes .............................................................................85 Quadro 2. Como se chegou ao grupo focal ...............................................................................89 Quadro 3. Categorias e subcategorias da Análise de Conteúdo ................................................94 XVIII LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIDS – Acquired Immunodeficiency Syndrome (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) CAAE – Certificado de Apresentação de Apreciação Ética CEP – Comitê de Ética em Pesquisa CONADE – Congresso de Educação do Sudoeste Goiano CONEPE – Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão DEADI/BH – Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso de Belo Horizonte COVID-19 – Doença do coronavírus DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis DUA – Desenho Universal para a Aprendizagem IFES – Instituição Federal de Ensino Superior IST – Infecções Sexualmente Transmissíveis LAI – Laboratório de Acessibilidade Informacional LEdI – Laboratório de Educação Inclusiva LGBTI – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis, Transexuais e Intersexuais LGBTQ+ – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis, Transexuais e Queer, além de outras orientações sexuais e identidades de gênero existentes LGBTTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Transexuais Libras – Língua Brasileira de Sinais NAI – Núcleo de Acessibilidade e Inclusão NED – Núcleo de Estudos da Deficiência NuEPFES – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Formação em Educação Sexual Pibid – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PLPs – Promotoras Legais Populares PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação RIMCD – Rede Internacional de Mulheres com Deficiência TCLE –Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina UFG/REJ – Universidade Federal de Goiás – Regional Jataí UFJ – Universidade Federal de Jataí UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UniRV – Universidade de Rio Verde XIX Upias – Union of the Physically Impaired Against Segregation (União dos Fisicamente Impedidos Contra a Segregação) XX SUMÁRIO BREVE MEMORIAL E APRESENTAÇÃO .......................................................................... 23 1. JUSTIFICATIVA, PROBLEMA E OBJETIVOS ............................................................. 34 1.1 Justificativa ............................................................................................................... 34 1.2 Problema ................................................................................................................... 46 1.3 Objetivos .................................................................................................................... 46 1.3.1 Objetivo geral .......................................................................................................... 46 1.3.2 Objetivos específicos ............................................................................................... 46 2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................... 47 2.1 Estudos Feministas da Deficiência .......................................................................... 47 2.1.1 Estudos Feministas .................................................................................................. 48 2.1.2 Estudos da Deficiência ............................................................................................ 52 2.2 Abordagens de Educação Sexual ............................................................................ 63 2.2.1 Abordagens de Educação Sexual segundo Figueiró ................................................ 64 2.2.2 Abordagens de Educação Sexual segundo Nunes ................................................... 67 2.2.3 Abordagens de Educação Sexual segundo Furlani .................................................. 72 3. CAMINHOS DA PESQUISA ............................................................................................. 77 3.1 Pesquisa Feminista e Pesquisa Emancipatória no Campo da Deficiência .......... 77 3.2 Tipo de Estudo .......................................................................................................... 81 3.3 Aspectos Éticos .......................................................................................................... 81 3.4 Instrumentos de Coleta de Dados............................................................................ 82 3.5 Colaboradoras da Pesquisa ..................................................................................... 82 3.6 Participantes da Pesquisa ........................................................................................ 83 3.7 Procedimento de Coleta de Dados ........................................................................... 86 3.8 Procedimento de Análise de Dados ......................................................................... 92 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................... 94 XXI 4.1 Gênero e Deficiência ................................................................................................. 97 4.1.1 Percepção da construção social da desigualdade entre homens e mulheres ............ 97 4.1.2 Ser mulher é ser forte e resistir às opressões ......................................................... 106 4.1.3 Percepção de que ser mulher é determinado pela biologia .................................... 108 4.2 Relacionamento Amoroso ...................................................................................... 109 4.2.1 Relacionamento amoroso é o oposto de relacionamento abusivo ......................... 109 4.2.2 Idealização de relacionamento amoroso, sonho que não se realizou .................... 110 4.2.3 Relacionamento é uma parceria, mas não algo de que alguém dependa para ser inteira .............................................................................................................................. 111 4.2.4 Entre o direito e a obrigação de se relacionar amorosa e sexualmente ................. 111 4.3 Violência .................................................................................................................. 113 4.3.1 Violência é tudo que machuca ou produz medo .................................................... 113 4.3.2 Percepção da exploração do conhecimento ........................................................... 115 4.4 Sexualidade e Deficiência ....................................................................................... 116 4.4.1 Percepção da repressão sexual que obstrui a vivência da sexualidade .................. 116 4.4.2 Direito à expressão da orientação sexual não heteronormativa ............................. 121 4.4.3 O prazer está em cada mulher e não se restringe ao sexo ...................................... 123 4.4.4 Questões que mulheres com deficiência consideram importantes em suas vivências sexuais ............................................................................................................................ 124 4.5 Educação Sexual ..................................................................................................... 129 4.5.1 A Educação Sexual deve ser realizada por uma/um profissional com formação .. 129 4.5.2 Queixa da EducaçãoSexual sem referenciar as pessoas com deficiência ............. 129 4.5.3 As pessoas com deficiência como protagonistas no processo de Educação Sexual: mediação no processo com outras/os profissionais ou grupos de discussões, como nas redes sociais e internet, por exemplo ............................................................................. 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 142 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 146 APÊNDICES ......................................................................................................................... 156 Apêndice 1 ..................................................................................................................... 156 Apêndice 2 ..................................................................................................................... 160 XXII Apêndice 3 ..................................................................................................................... 163 Apêndice 4 ..................................................................................................................... 167 ANEXO .................................................................................................................................. 170 23 BREVE MEMORIAL E APRESENTAÇÃO Ser anticapacista é sustentar a ideia radical de que as pessoas com deficiência são gente, e não um tipo de gente. Mariana Rosa A construção da minha subjetividade foi assinalada pelos marcadores gênero, classe e deficiência. Na adolescência, comecei a tomar consciência sobre como a intersecção gênero e classe condicionou as vivências das mulheres da minha família, impulsionando minha aproximação ao feminismo, por meio de leituras assistemáticas e militância, principalmente, virtual, dada a severa restrição de mobilidade. Assim, o contato com os Estudos Feministas foi anterior ao contato com os Estudos da Deficiência. Na graduação em Psicologia, iniciei leituras mais sistemáticas sobre gênero, a fim de desenvolver um projeto de prevenção ao sexismo na adolescência, resultando em uma publicação (ARCARI et al. 2015). Durante a consulta à literatura para realizar o projeto supracitado, percebi que o marcador deficiência não era contemplado nas produções científicas relacionadas à prevenção à violência no namoro (MURTA et al. 2011; MURTA et al. 2012; MURTA et al. 2013), o que me provocou inquietação, pois a experiência em grupos de Facebook e WhatsApp de mulheres com deficiência indicava que estamos notadamente vulneráveis a relacionamentos abusivos. A partir de então, me concentrei nos Estudos Feministas da Deficiência e constatei que a maior vulnerabilidade da mulher com deficiência permanecer em relacionamentos abusivos não era realidade apenas do meu círculo de convivência, pois esse fenômeno se repetia com mulheres com deficiência do Brasil e de outros países (GESSER; NUERNBERG; TONELI, 2013; HASSOUNEH-PHILLIPS, 2005; RICH, 2014; RIMCD, 2011; SMITH, 2008). Ciente da maior vulnerabilidade das meninas e mulheres com deficiência, decidi adentrar no mestrado para aprofundar o conhecimento sobre os Estudos Feministas da Deficiência e para compreender o que pensam as mulheres com deficiência em relação a gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual, e também como e o que elas consideram importante de ser contemplado na Educação Sexual, especificamente numa Educação Sexual Emancipatória, a qual se concentra em desvelar a 24 realidade opressora, a fim de tornar as pessoas conscientes das opressões em que vivem e, a partir da luta, transformarem a realidade (GOLDBERG, 1982; FIGUEIRÓ, 1995; 2006; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006; MELO, 2011). Inicialmente, minha intenção era construir um programa de Educação Sexual Emancipatória para mulheres com deficiência1, entretanto o aprofundamento teórico e as participantes desta pesquisa (sete mulheres com deficiência) me fizeram entender, ao longo do processo da pesquisa, que alguns direcionamentos podem ser carregados de capacitismo estrutural2. Deste modo, é preciso ficar atenta para: (1) não pensar a Educação Sexual, ou qualquer outra atividade formativa, de modo específico ou separado para pessoas com deficiência, uma vez que devemos estar nos espaços comuns. Nesse sentido, ao invés de um programa de Educação Sexual para mulheres com deficiência, os esforços devem ser direcionados para uma Educação Sexual Emancipatória a qual considere a deficiência como marcador social, só assim a Educação Sexual será, de fato, Emancipatória; (2) não se faz Educação Sexual Emancipatória, tampouco uma pesquisa feminista e emancipatória no campo dos Estudos da Deficiência, por suas próprias definições, para ninguém, mas sim com a participação de todas as pessoas, sendo que é nesse fazer conjunto que as singularidades deverão ser contempladas. Desta forma, acredito que a contribuição desta dissertação consiste no apontamento da necessária consideração da deficiência como categoria constitutiva no trabalho em Educação Sexual em geral, ao invés de trabalhos específicos para pessoas com deficiência, muitas vezes, planejados com base no tipo de deficiência e, assim, ancorado no modelo biomédico de compreensão da deficiência, ao passo que o Modelo Social da Deficiência coaduna com a denúncia da realidade e construção de um outro projeto de sociedade como propõe o referencial da Educação Sexual Emancipatória. Ao lado da perspectiva emancipatória na Educação Sexual, entendo a fundamental adoção da perspectiva emancipatória ao considerar a deficiência como objeto de pesquisa e/ou atuação, a qual se caracteriza pela compreensão da deficiência como uma forma de opressão social, pelo foco nas barreiras que obstruem a participação social das pessoas com deficiência, pela crítica à tendência de patologizar as pessoas com deficiência, pela análise dos efeitos da 1 Início da nota. Por isso, nos apêndices, a pesquisa está intitulada “Educação sexual emancipatória para mulheres com deficiência: levantamento de demandas”, título do então projeto de pesquisa. Fim da nota. 2 Início da nota. O capacitismo está para as pessoas com deficiência o mesmo que o sexismo está para as mulheres, a homofobia para os homossexuais e o racismo para as pessoas negras. Pressupõe uma superioridade natural das pessoas sem deficiência em relação às pessoas com deficiência (DINIZ, 2012; MELLO, 2016). Gesser, Block e Mello (2020) entendem que o capacitismo é estrutural e estruturante, uma vez que condiciona e forma sujeitos, instituições e suas relações. Fim da nota. 25 intersecção da deficiência com outros marcadores sociais na construção de subjetividades e produção de vulnerabilidades (GESSER; BLOCK; MELLO, 2020), finalmente, pela produção de conhecimentos e práticas com as pessoas com deficiência e não sobre elas (MORAES, 2010). Além desse interesse de pesquisa, outra motivação da minha entrada no mestrado em 2019 esteve relacionada à afinidade com o trabalho docente, o qual tive oportunidade de experienciar em 2018, quando trabalhei nas faculdades de Psicologia e Pedagogia da Universidade de Rio Verde (UniRV). A escolha pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – Regional Jataí (PPGE/UFG/REJ) foi condicionada por dois motivos principais, ambos relacionados à deficiência: (1) de ordem prática, acesso mais oportuno à Jataí, dado que minhas atividades são mediadas e possibilitadas por relações de cuidado da minha família; (2) de ordem acadêmica, tendo em vista que o PPGE/UFG/REJ possui docentes com experiência de pesquisa nas temáticasde deficiência e de gênero3. Pouco tempo depois de ingressar no mestrado, passei a integrar o Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência4. Convivendo nesses dois contextos (de pesquisa e de militância), tive certeza de que a condição de pesquisadora e a condição de militante não só estão conectadas, como se retroalimentam. Essa dupla condição, de pesquisadora iniciante e militante, favoreceu a aproximação de docentes e discentes com consciência feminista, oportunizando o conhecimento de estratégias administrativo-institucionais para a ampliação de políticas inclusivas, como, por exemplo, a introdução da demanda de transporte adaptado para estudantes com deficiência física ou mobilidade reduzida, com direito a acompanhante, solicitando apoio à participação em eventos em outras instituições5, algo que já é oferecido a discentes sem deficiência. A presença de pessoas com deficiência nos espaços mobiliza mudanças. Isso coaduna com a mudança de uma perspectiva biomédica para um modelo social de compreensão da deficiência em que se sugere ser o cuidado do plano público e não privado, quer seja, o meu 3 Início da nota. Dissertações. Disponível em: https://mestradoeducacao.jatai.ufg.br/p/20011-dissertacoes. Acesso em: 12 jan. 2020. Fim da nota. 4 Início da nota. Manifesto Coletivo Feminista Helen Keller. Disponível em: https://coletivofeministahelenkeller.blogspot.com/2019/09/manifesto-coletivo-feminista-helen.html. Acesso em: 12 jan. 2020. Fim da nota. 5 Início da nota. Na ocasião, eu tive o trabalho “Prevenção de violência por parceiro íntimo contra mulheres com deficiência: apontamentos para uma educação sexual emancipatória” aprovado para comunicação oral no Simpósio Temático “ST 078: Gênero e Deficiência: Diálogos e Intersecções” do Seminário Internacional Fazendo Gênero 12 – “Lugares de fala: direitos, diversidades, afetos”, que teria sido realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em julho de 2020, mas, em decorrência da pandemia, foi realizado na modalidade online em julho de 2021. Fim da nota. 26 direito à participação não deve estar condicionado a minha adequação para fazer parte destes contextos (COSTA; PIRES; SILVA, 2020; MELLO; FERNANDES; GROSSI, 2013; MELLO; NUERNBERG; BLOCK, 2014). É preciso provocar mudanças na cultura de toda uma estrutura social, em minha trajetória provoquei reflexões sobre capacitismo e adequações em tais situações: Participação em eventos científicos como o XXX CONADE, Congresso de Educação do Sudoeste Goiano (de 27 a 29 de agosto de 2019) e IV CONEPE, Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão (de 23 a 25 de outubro de 2019). No CONADE, por meio do minicurso “Educação sexual: teoria e práticas contemporâneas em espaços escolares e não- escolares”, em parceria com o colega Giuliano Vilela Pires e sob orientação do professor doutor Claudionor Renato da Silva, e da comunicação oral “Educação sexual para mulheres com deficiência: como é e como deveria ser?” (COSTA; SILVA, 2019). No CONEPE, por meio da comunicação oral “Educação sexual e pessoas com deficiência: abordagens mais utilizadas no Brasil”, ambas as comunicações orais sob orientação do professor Claudionor. Um evento no interior da disciplina “Cultura e Práticas Educativas”, ministrada pelo Prof. Dr. Claudionor, com a exibição do documentário “Longe da árvore”, no período vespertino. A formação sobre gênero, deficiência e violência para as Promotoras Legais Populares de Jataí (PLPs), no período noturno. Ambos no dia 17 de outubro de 2019. Participação em um evento de formação institucional, o “Curso introdutório de libras: o surdo e a acessibilidade na Universidade Federal de Jataí (UFJ)”, no qual tive participação na mesa-redonda “Acessibilidade e inclusão: experiências nos serviços de atendimento ao público”, no dia 19 de fevereiro de 2020. Nesse último evento, aproveitei a oportunidade para adiantar minha aproximação com o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), a fim de estabelecer uma parceria para a garantia de acessibilidade na coleta de dados desta pesquisa. O NAI é um órgão da UFJ, de fomento à inclusão de pessoas com deficiência à educação superior, por meio da eliminação de barreiras pedagógicas, arquitetônicas, comunicacionais e informacionais, compõe o Programa Incluir – Acessibilidade na Educação Superior, que por sua vez integra o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Viver sem Limite, e recebe orçamento do Ministério da Educação (BRASIL, 2013; NAI, 2013). Minha entrada no mestrado e encontro com as participantes da pesquisa, mulheres com deficiência estudantes ou egressas da UFJ, foi possível devido ao processo histórico de reivindicação das pessoas com deficiência por políticas educacionais inclusivas no cenário internacional e nacional, desde o final do século XX, ainda que em meio à redução da 27 responsabilidade do Estado, o que garantiu igualdade formal, mas não material entre pessoas com e sem deficiência (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013; LANNA JUNIOR, 2010; MAIOR, 2017; COSTA; SILVA, 2020; COSTA; PIRES; SILVA, 2020). Um ponto de apreensão em minha trajetória no mestrado se deu diante do III Seminário de Dissertações do PPGE/UFG/REJ, que ocorreu entre os dias 23 e 26 de setembro de 2019, devido à falta de acessibilidade arquitetônica no evento. Nesse momento, a condição de militante foi determinante para que eu requeresse o direito pela acessibilidade e provocasse discussão sobre o tema com as demais alunas e alunos da VII turma do PPGE/UFG/REJ. Ao receber o e-mail com a programação do III Seminário de Dissertações (recebido e respondido no dia 17 de setembro de 2019), percebi que minha participação estaria impossibilitada porque o auditório escolhido possui escada. Assim, para indicar a inacessibilidade e solicitar mudança de local, usei, estrategicamente, a opção “responder a todos”, intencionando deslocar um problema, aparentemente, individual para o âmbito coletivo. A resposta ao e-mail reverberou discussões no grupo de WhatsApp da turma, desencadeando apoio à minha atitude frente à falta de acessibilidade. Tal atitude esteve ancorada no entendimento de que a acessibilidade arquitetônica, informacional, comunicacional e atitudinal é um direito de todas e todos. Ainda que, neste momento, eu não necessite de recursos de acessibilidade informacional e/ou comunicacional, é parte do meu compromisso ético e político, na busca pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária, sensível à diversidade corporal humana. Esse compromisso está alinhado ao Modelo Social da Deficiência, que compreende a deficiência como uma forma de opressão resultante da interação de um corpo com impedimento e uma sociedade com barreiras, advertindo que as tentativas de normatização dos indivíduos devem ser transferidas para transformações na estrutura social, política e econômica (UPIAS, 1976; DINIZ, 2007; BARNES, 2012). A condição de pesquisadora e militante, mais uma vez, se retroalimentaram na colaboração da organização do guia produzido pelo Coletivo Feminista Helen Keller “Mulheres com deficiência: garantia de direitos para exercício da cidadania”6, o qual objetiva ser “instrumento de informação, articulação e ação política para o exercício da cidadania de mulheres, sobretudo as mulheres com deficiência” (BERNARDES, 2020, p. 3). 6 Início da nota. Guia “Mulheres com Deficiência: Garantia de Direitos para Exercício da Cidadania”. Disponível em: https://bit.ly/36pLJEs. Acesso em: 10 ago. 2020. Fim da nota. 28 Minha participação no guia ajusta-se à concepção de bell hooks7 (1995) de que o trabalho intelectual deve estar conectado com a política do cotidiano. Ao escrever alguns capítulos para o guia, procurei democratizar parte do conhecimentoadquirido ao longo da minha trajetória acadêmica, sobretudo, durante o primeiro ano de mestrado. O processo de construção coletiva do guia foi fundamental para a preservação da minha saúde mental nos primeiros meses da pandemia da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19), auxiliando tanto a lidar com o isolamento social, quanto com a negligência das autoridades políticas8 em relação às estratégias de contenção da disseminação do vírus, priorizando a economia em detrimento da vida e banalizando mortes de idosos e pessoas com deficiência. Nessa construção coletiva, ao lado de outras mulheres com deficiência, com experiência no controle social, como as companheiras Carolini Constantino e Vitória Bernardes, e com experiência acadêmica no campo dos Estudos da Deficiência, como as companheiras Fatine Conceição Oliveira, Karla Garcia Luiz e Thaís Becker Henriques Silveira, vivenciei a sensação de pertencimento e reconhecimento de ser mulher com deficiência, pela semelhança das ideias que ecoamos e dos compromissos políticos que assumimos, e não apenas pela semelhança de nossos corpos. A partir dessa aproximação, Karla, doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), convidou-me para participar do Núcleo de Estudos da Deficiência (NED), na mesma Universidade. Integrando o NED, tive oportunidade de integrar também o grupo de estudos do Laboratório de Educação Inclusiva (LEdI) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Ambos os acontecimentos foram importantes para o meu amadurecimento teórico no campo dos Estudos da Deficiência. Habitando esses espaços, pude efetivamente apreender a relação entre trabalho intelectual e o compromisso de transformação da sociedade, apontada por teóricas feministas 7 Início da nota. Pseudônimo da teórica feminista negra Gloria Jean Watkins, inspirado no nome de sua bisavó materna Bell Blair Hooks, grafado em letras minúsculas a fim de destacar suas ideias (hooks, 2020). Fim da nota. 8 Início da nota. Pronunciamento oficial do presidente da República. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VWsDcYK4STw&feature=emb_logo. Acesso em: 03 out. 2020. Entrevista do presidente da República ao programa do Ratinho. Disponível em: https://www.sbt.com.br/auditorio/ratinho/fiquepordentro/137927-vao-morrer-alguns-do-virus-sim-vao-morrer- vai-acontecer-lamento-diz-bolsonaro-sobre-pandemia. Acesso em: 03 out. 2020. Declarações do presidente da República sobre a pandemia. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/aumento-de-casos-de-covid-19-no- brasil-nao-sensibiliza-governo-bolsonaro/. Acesso em: 03 out. 2020. Trocas de ministros do Ministério da Saúde na pandemia. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/queda-de-dois-ministros-em-apenas-um-mes- deixa-saude-a-deriva/. Acesso em: 03 out. 2020. Após quatro meses sem ministro, o Ministério da Saúde é efetivamente assumido pelo general Eduardo Pazuello. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/16/em-ato-no-planalto-pazuello-e-efetivado-e-saude-passa-a-ter- ministro-titular-apos-4-meses.ghtml. Acesso em: 03 out. 2020. Fim da nota. 29 como hooks (1995), Garland-Thomson (2002) e Diniz (2003, 2007), assim como a emergência de direcionar as habilidades críticas do feminismo para a tarefa de desvelar os determinantes históricos, sociais, políticos e econômicos da deficiência e, ao mesmo tempo, transformar a compreensão da deficiência, concebendo-a a mais humana das experiências, podendo fazer parte da vida de qualquer pessoa e, inevitavelmente, fazendo parte da vida daqueles e daquelas que viverem por muito tempo e envelhecerem (GARLAND-THOMSON, 2002). Dotada dessa compreensão e da percepção da necessidade de aprofundar o debate da deficiência como categoria política na UFJ, contei, mais uma vez, com a parceria de Karla e propus a palestra “Feminismo e deficiência: um caminho em construção”9 ao projeto de extensão UFJ em ação “Aproximação em tempos de isolamento: caminhos dos saberes”. A proposta encontrou receptividade da coordenadora do projeto e a palestra foi proferida no dia 29 de junho de 2020. Essa palestra teve como principais referências os capítulos que Karla e eu escrevemos para o guia citado anteriormente. O público da atividade foi a comunidade acadêmica da UFJ, contando, também, com a adesão de integrantes do Coletivo Feminista Helen Keller, do NED/UFSC e do LEdI/UDESC. Na ocasião da proposta, verifiquei quais recursos de acessibilidade comunicacional estão presentes na universidade, sendo eles: interpretação/tradução em língua brasileira de sinais (libras), estenotipia e audiodescrição. Até aquele momento, a UFJ contava com interpretação/tradução em libras, algo comum a diversas universidades públicas que têm realizado atividades online no período da pandemia, o que pode decorrer da oferta de recursos e serviços de acessibilidade sob demanda dos estudantes com deficiência matriculados em cada Instituição Federal de Ensino Superior – IFES (BRASIL, 2013). No dia 18 de agosto de 2020, recebi a lista de alunas atendidas pelo NAI, participantes em potencial da pesquisa. Tive a feliz surpresa de receber uma lista maior do que esperava (40 mulheres com deficiência), considerando que o levantamento de estudantes com deficiência da universidade havia começado a ser realizado em fevereiro de 2020 e, cerca de um mês depois, a pandemia interrompeu as atividades acadêmicas. No dia seguinte (19 de agosto de 2020), na aula de abertura da disciplina “Tópicos especiais em educação - educação sexual: processos educativos e culturais nas temáticas de gênero e sexualidade”, ministrada na modalidade remota pelo professor Claudionor, pude identificar a presença de uma colega com deficiência visual, ao reconhecer a voz eletrônica de 9 Início da nota. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-le2LJMAkT0. Acesso em: 10 ago. 2020. Fim da nota. 30 um leitor de tela, algo sempre presente nas reuniões online do Coletivo Feminista Helen Keller, do NED/UFSC e do LEdI/UDESC. Nesse momento, senti uma inquietação ambígua. Por um lado, percebi a necessidade de abordar a colega para que a turma se organizasse de modo a garantir acessibilidade informacional; por outro lado, senti receio de perguntar sobre deficiência de forma direta e ser invasiva, uma vez que o capacitismo estrutural também atravessa a construção da nossa subjetividade (CAMPBELL, 2009). Para me convocar enquanto mulher com deficiência, foi necessário um processo longo de compreensão e apropriação do Modelo Social da Deficiência, processo esse ainda em andamento. Na dúvida, optei pelo compromisso de politizar a deficiência e perguntei se havia alguma pessoa com deficiência visual na sala virtual. Diante da afirmativa, fiz minha audiodescrição, objetivando tanto garantir acessibilidade, quanto oferecer um modelo às(aos) demais presentes. Durante o período em que estive no grupo de WhatsApp da disciplina, procurei fornecer instruções e exemplos de descrição de imagens e vídeos. Meus encontros e desencontros na universidade me deram o conhecimento mínimo sobre onde e quem procurar para garantir acessibilidade informacional e comunicacional. Assim, contatei o Laboratório de Acessibilidade Informacional (LAI) para verificar os procedimentos de solicitação de acessibilização dos textos adotados na disciplina, o que foi efetivado. No dia 5 de setembro de 2020, recebi um convite do NAI para realizar uma palestra sobre as percepções dos alunos com deficiência, compondo as atividades organizadas pelo Grupo de Trabalho de diagnóstico acerca do retorno das aulas em período emergencial de modo remoto. Meu nome foi sugerido pela coordenação do NAI e do projeto de extensão UFJ em ação “Aproximação em tempos de isolamento:caminhos dos saberes”, sendo a sugestão aprovada pelo grupo. Nesse convite, para minha surpresa, o NAI mencionou a audiodescrição que realizei na situação supracitada. Apesar de estar, na ocasião, em processo de coleta e transcrição de dados, aceitei o convite, dada a oportunidade de politizar a deficiência e o reconhecimento de que a realização de uma pesquisa é uma atividade social e, como toda atividade social, movida por relações de interdependência. No dia 24 de setembro, realizei a palestra “Modelos de compreensão da deficiência e a garantia de acessibilidade”, que contou com a participação de professoras/es de diferentes cursos de graduação, da pós-graduação em Educação, além de técnicas/os, tradutores/intérpretes de libras e alunas/os. 31 No dia 13 de outubro de 2020, junto com o professor Claudionor, compus a mesa “grupo focal nas pesquisas em educação sexual”, em atividade organizada pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Formação em Educação Sexual (NuEPFES). Na oportunidade, falei sobre “Pesquisa feminista e grupo focal”, apresentando alguns dos motivos teóricos e políticos que me fizeram escolher o grupo focal como técnica de coleta de dados. No final do ano de 2020, foi publicado o capítulo de livro “Ser, militar e pesquisar na área da educação sexual: em pauta os movimentos sociais feministas, mulheres com deficiência e LGBTQ+”, escrito em parceria com o colega Giuliano Vilela Pires e sob orientação do professor doutor Claudionor Renato da Silva (COSTA; PIRES; SILVA, 2020), resultado da disciplina “Cultura e Práticas Educativas”, ministrada pelo Prof. Dr. Claudionor. Também foi publicado o artigo “Ideais liberais e a inclusão educacional e do trabalho: uma aproximação à temática de gênero, com foco nas mulheres com deficiência”, na Revista Educação e Linguagens. Trata-se de artigo escrito em conjunto com o professor Claudionor (COSTA; SILVA, 2020), inicialmente trabalho final para a disciplina “Estado, Políticas Públicas e Educação”, ministrada pelo professor doutor Ari Raimann. Após a qualificação dessa pesquisa, em 08 de dezembro de 2020, precisei me afastar das atividades de militância, a fim de conseguir finalizar a dissertação, dedicando-me apenas às atividades profissionais e acadêmicas e atendendo às demandas pessoais de saúde, vivendo a experiência encarnada apontada por Liz Crow (1996) de que nem sempre o impedimento corporal é neutro ou irrelevante, pois pode ser fonte de dor e fadiga para muitas de nós e, ainda assim, isso não significa que nossa vida não vale a pena ser vivida. Nesse breve memorial, procurei demonstrar a conexão entre minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica, tentando demonstrar como minhas experiências pessoais me fizeram aproximar dos Estudos da Deficiência e, por sua vez, como este campo de estudos alterou minha percepção sobre a experiência da deficiência, dando-me bases para intervir, ainda que minimamente, nos contextos em que me encontro inserida, bem como alterou minha concepção de pesquisa. Nos parágrafos a seguir, apresento a organização desta dissertação. A presente dissertação está organizada em quatro Seções. Na Seção 1, apresento a justificativa, o problema e os objetivos desta pesquisa. Por meio de uma revisão narrativa da literatura, aponto alguns indicadores de violência contra mulheres com deficiência, bem como considerações acerca do cruzamento de questões relacionadas a gênero, deficiência, corpo, sexualidade e relacionamento afetivo-sexual, seguindo para a apresentação de pesquisas sobre a vivência da sexualidade pelas pessoas com deficiência, a educação sexual recebida e a 32 proposição de programas de educação sexual para pessoas com deficiência, em discussão com as diferentes abordagens de Educação Sexual, que são apresentadas na Seção 2. Finalizo a Seção 1 apresentando o problema e os objetivos da pesquisa. O problema no qual esta pesquisa se concentrou em responder foi: qual a perspectiva de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado (enquanto conteúdo e forma) na Educação Sexual para que esta seja inclusiva? O objetivo geral foi compreender a percepção de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado em uma Educação Sexual inclusiva. Os objetivos específicos foram: (1) identificar possíveis influências dos contextos familiar, social, econômico e religioso na percepção das mulheres com deficiência sobre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual; (2) identificar onde e como as mulheres com deficiência receberam Educação Sexual e (3) identificar quais conteúdos (o que) e metodologias (como) as mulheres com deficiência consideram pertinentes à Educação Sexual. Na Seção 2, exponho o referencial teórico no qual me apoiei. Essa Seção divide-se em duas subseções: (1) Estudos Feministas da Deficiência e (2) Abordagens de Educação Sexual. Na primeira subseção, apresento a emergência e consolidação dos Estudos Feministas, bem como a contribuição das feministas negras a partir das análises interseccionais. Em seguida, apresento a proposição do Modelo Social da Deficiência como crítica ao modelo biomédico e sua entrada acadêmica, consolidando o campo dos Estudos da Deficiência, o qual é ampliado pela crítica feminista de mulheres com deficiência e mulheres mães e cuidadoras de pessoas com deficiência. Na segunda subseção da Seção 2, apresento diferentes abordagens que podem orientar o trabalho em Educação Sexual a partir das classificações de duas autoras e um autor da área: Mary Neide Figueiró, Jimena Furlani e César Nunes. Juntamente com as autoras e o autor, defendo a abordagem Emancipatória e faço algumas inserções da deficiência na discussão. Na Seção 3, apresento a metodologia da pesquisa, passando pela apresentação: (1) de pesquisas feministas e da pesquisa emancipatória no campo dos Estudos da Deficiência, as quais harmonizam-se com a abordagem qualitativa e com o grupo focal como técnica de coleta de dados; (2) do tipo de estudo, a saber, exploratório e de campo; (3) dos aspectos éticos, indicando a aprovação no Comitê de Ética e preservação da identidade das participantes; (4) dos instrumentos de coleta de dados, os quais consistiram em um formulário de mapeamento de interesse em participar da pesquisa, um questionário socioeconômico e um roteiro para dois 33 encontros do grupo focal; (5) das colaboradoras da pesquisa, uma relatora e duas tradutoras/intérpretes de libras; (6) das participantes da pesquisa, sete mulheres com deficiência, estudantes e egressas da UFJ; (7) do procedimento de coleta de dados, descrevendo o contato com as participantes e a condução dos encontros do grupo focal e (8) do procedimento de análise de dados, sendo a Análise de Conteúdo a técnica adotada. Na Seção 4, apresento e discuto os resultados. Dos dois encontros do grupo focal, emergiram 5 (cinco) categorias, estabelecidas, a priori, a partir do roteiro do grupo focal, e 16 (dezesseis) subcategorias, estabelecidas, a posteriori, a saber: (1) gênero e deficiência: percepção da construção social da desigualdade entre homens e mulheres; ser mulher é ser forte e resistir às opressões; percepção de que ser mulher é determinado pela biologia; (2) relacionamento amoroso: relacionamento amoroso é o oposto de relacionamento abusivo; idealização de relacionamento amoroso, sonho que não se realizou; relacionamento é uma parceria, mas não algo de que alguém dependa para ser inteira; entre o direito e a obrigação de se relacionar amorosa e sexualmente; (3) violência: violência é tudo que machuca ou produz medo; percepção da exploraçãodo conhecimento; (4) sexualidade e deficiência: percepção da repressão sexual que obstrui a vivência da sexualidade; direito à expressão da orientação sexual não heteronormativa; o prazer está em cada mulher e não se restringe ao sexo; questões que mulheres com deficiência consideram importantes em suas vivências sexuais; (5) educação sexual: a educação sexual deve ser realizada por uma/um profissional com formação; queixa da educação sexual sem referenciar as pessoas com deficiência; as pessoas com deficiência como protagonistas no processo de educação sexual, mediação no processo com outras/os profissionais ou grupos de discussões, como nas redes sociais e internet, por exemplo. Nas considerações finais, indico as possíveis contribuições e limitações da pesquisa, apontando a necessidade de romper com práticas especiais, vinculadas diretamente ou não à Educação Sexual, para pessoas com deficiência e baseadas no tipo de impedimento corporal, sugerindo, em seu lugar, a construção conjunta com pessoas com e sem deficiência, visto que o exercício da sexualidade está intimamente ligado ao exercício da cidadania. Entre as limitações da pesquisa, estão a adoção de revisão narrativa, e não sistemática da literatura, bem como uma pequena amostra por conveniência, algo comum em pesquisas qualitativas. 34 1. JUSTIFICATIVA, PROBLEMA E OBJETIVOS Sempre haverá uma diferença de poder entre mim e as pessoas sem deficiência com as quais me relaciono. Sempre será uma escolha para elas não ter que se envolver em qualquer trabalho em torno da deficiência ou capacitismo. Sempre será perfeitamente aceitável que elas nunca tenham que ter conversas sobre deficiência ou capacitismo, e certamente nenhuma conversa que aborde seu privilégio, ignorância ou questione seus desejos capacitistas. Mia Mingus Nesta Seção, será apresentada uma revisão narrativa da literatura, apontando alguns indicadores da maior vulnerabilidade das mulheres com deficiência à violação dos direitos sexuais e reprodutivos, à violência de gênero e à permanência em relacionamentos afetivo- sexuais abusivos, considerando o cruzamento de questões de gênero, deficiência, corpo, sexualidade e cuidado ou assistência pessoal. Em seguida, serão apresentadas algumas pesquisas sobre a vivência da sexualidade pelas pessoas com deficiência e a educação sexual recebida, além de pesquisas que propõem programas de educação sexual para pessoas com deficiência, discutindo-as com as diferentes abordagens de Educação Sexual, as quais serão apresentadas na Seção 2 desta dissertação. Ao final da revisão narrativa, será apresentado o problema no qual este estudo se concentrou, bem como seus objetivos. 1.1 Justificativa Mulheres com deficiência compõem 19,2% da população feminina mundial e 26,5% da população feminina brasileira (IBGE, 2010; MSH; UNFPA, 2016). A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2008) reconhece os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência e admite que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação, responsabilizando os Estados Partes pela adoção de medidas que assegurem o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres e meninas com deficiência, garantindo-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais. 35 Apesar disso, pessoas com deficiência estão mais vulneráveis a sofrer violência física, emocional e sexual, sendo as mulheres com deficiência 10 (dez) vezes mais vulneráveis a experienciar violência sexual. No mundo todo, estima-se que de 16% a 30% dos garotos com deficiência e de 40% a 68% das garotas com deficiência sofrerão violência sexual antes dos 18 anos de idade. Essa vulnerabilidade aumenta quando estão fora da escola. Soma-se a isso esterilização compulsória, aborto forçado e maior vulnerabilidade às infecções sexualmente transmissíveis (MSH; UNFPA, 2016; UNFPA, 2018), as quais podem ocorrer tanto devido às agressões sexuais quanto à ausência de educação sexual. Frequentemente, pessoas com deficiência são consideradas destituídas de desejos sexuais, pouco atraentes, indesejáveis e incapazes de estabelecer e/ou manter relacionamentos afetivo-sexuais (MAIA; RIBEIRO, 2010). Esses mitos podem contribuir para negligenciar o estabelecimento de programas de educação sexual e promoção dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres com deficiência, colaborando com a manutenção de sua vulnerabilidade à violência sexual e ao relacionamento abusivo. Mulheres com deficiência estão mais propensas a permanecer por mais tempo em relacionamentos afetivo-sexuais marcados por violência (SMITH, 2008). Essa propensão pode ter origem no contexto social, o qual, ao combinar sexismo e capacitismo, produz desvalorização das mulheres com deficiência, as quais passam a se sentir inadequadas como parceiras íntimas, baixam os critérios que esperam encontrar em um/a companheiro/a e estabelecem e/ou mantêm relacionamentos afetivo-sexuais abusivos, conforme foi encontrado em entrevistas realizadas por Hassouneh-Phillips (2005) com 37 (trinta e sete) mulheres com deficiência física residentes nos Estados Unidos, sendo a maioria heterossexual. Esse estudo revelou que, além do contexto social de desvalorização, mulheres com deficiência que precisavam da mediação de uma pessoa para a realização das atividades de vida diária e que tiveram relacionamentos ruins com os pais e/ou foram vítimas de violência na infância estavam mais propensas a permanecer em relacionamentos íntimos de alto risco (HASSOUNEH-PHILLIPS, 2005). Em outra pesquisa, Hassouneh-Phillips e McNeff (2005) investigaram a influência da baixa estima corporal e sexual na vulnerabilidade à violência por parceiro íntimo com 37 (trinta e sete) mulheres com deficiência física dos Estados Unidos. A estima corporal foi definida no estudo como a percepção geral positiva ou negativa do próprio corpo, enquanto a estima sexual diz respeito à autoidentificação como ser sexual, variando de ‘sexualmente atraente e competente’ à ‘desagradável e incompetente’. 36 Quanto mais visível a deficiência, maiores os impactos do padrão de beleza que enfatiza a magreza, a juventude, a capacidade atlética e a relação sexual reduzida ao coito sobre a estima corporal e sexual das participantes, ao passo que, quanto mais baixa a estima corporal e sexual e mais forte o desejo de parceria afetivo-sexual, mais baixos os critérios de escolha de parceiro íntimo e mais altos os esforços para se engajar em relações sexuais, objetivando agradar os parceiros e afirmar sua feminilidade, estando mais propensas a tolerar violências, permanecendo em relacionamentos abusivos em troca de companhia e intimidade, sobretudo quando o parceiro era homem sem deficiência e as participantes temiam ficar sozinhas (HASSOUNEH-PHILLIPS; MCNEFF, 2005). As estratégias cognitivas usadas por mulheres com deficiência para lidar com as violências cometidas pelos parceiros íntimos foram investigadas por Rich (2014) com 19 (dezenove) mulheres com deficiência física dos Estados Unidos, das quais 12 (doze) foram vítimas de abuso na infância ou adolescência. As estratégias adotadas pelas participantes tendiam a amenizar a gravidade dos atos dos parceiros violentos, por exemplo: (1) julgavam a violência uma consequência inevitável do estresse de viver com uma mulher com deficiência, ao invés de reflexo do caráter dos agressores; (2) avaliavam que os parceiros se comportavam de forma violenta porque estariam debilitados, precisando de apoio e avaliando-se capazes de cuidar deles e fazê-los melhorar; (3) consideravam o abuso acidental, justificando que se tivessem estatura e força normais os atos dos agressores não as teriam prejudicado, assim, o impedimento corporal, e não a intenção do agressor,era considerado responsável pelo dano; (4) ponderavam que o abuso “não era tão ruim” em comparação com experiências dolorosas de procedimentos de reabilitação que já haviam experienciado e (5) compreendiam a restrição de sua autonomia pelos parceiros como devoção cavalheiresca, ao invés de estratégia de controle e poder (RICH, 2014). Além de amenizar a gravidade da violência dos parceiros íntimos, as estratégias cognitivas empregadas pelas mulheres com deficiência permitiam alinhar suas identidades aos scripts tradicionais de feminilidade, como ter um parceiro afetivo-sexual e exercer o papel de cuidadora, o que corroborou sua permanência nos relacionamentos abusivos por longos períodos de tempo. Tais estratégias não significam que as mulheres com deficiência são ingênuas ou alienadas. Trata-se de tentativas de lidar com problemas difíceis, principalmente, diante da impossibilidade de abandonar os relacionamentos marcados por violência, dada a ausência de acessibilidade nos abrigos para mulheres em situação de violência e de serviços alternativos de cuidado, conforme Rich (2014). 37 A autora (RICH, 2014) aponta que é necessário: (1) desafiar ativamente, tanto em intervenções individuais, quanto grupais, as normas culturais de perfeição física, que podem ser muito opressivas para mulheres com deficiência; (2) promover acessibilidade nos espaços comuns, a fim de aumentar a interação e convivência entre pessoas com e sem deficiência, sobretudo, entre mulheres com e sem deficiência que já enfrentaram violência de gênero, pois tal interação tende a favorecer uma compreensão feminista de suas situações; (3) criar oportunidades para mulheres com deficiência orientarem e cuidarem de outras pessoas e (4) promover educação sexual comunitária, difundindo e incentivando a aceitação de possibilidades mais amplas de atividades sexuais, ao invés daquelas que se enquadram em moldes rígidos e opressivos para mulheres com deficiência física. O processo de constituição de mulheres com deficiência na intersecção gênero e deficiência foi observado por Gesser, Nuernberg e Toneli (2013) por meio de entrevistas com 8 (oito) brasileiras com deficiência física de 24 a 68 anos. A análise de discurso identificou as seguintes categorias: (1) corporeidade, a qual é marcada pela compreensão do corpo com deficiência como desviante dos padrões valorizados socialmente, acarretando vergonha e dificuldade de aceitação do próprio corpo; (2) trabalho, reproduzindo os estereótipos de que as tarefas domésticas são de responsabilidade da mulher, originando frustração por não conseguirem cumprir o papel de dona de casa; (3) maternidade e cuidado, também reproduzindo os estereótipos de gênero que os naturaliza como atribuições da mulher e, mais uma vez, produzindo sofrimento emocional e (4) violência praticada por cônjuges e familiares, denunciando a naturalização da violência de gênero, o cerceamento dos direitos sexuais e o processo de infantilização da mulher com deficiência. Achados semelhantes foram encontrados pela pesquisa de Mello e Nuernberg (2013) acerca da articulação da deficiência com a construção do corpo, gênero e sexualidade com 2 (duas) brasileiras com deficiência física. Os resultados apontaram sentimentos de inferioridade, solidão, falta de autoestima, repressão da sexualidade e dificuldade de estabelecer e manter relacionamentos afetivo-sexuais, reconhecendo que a mulher com deficiência não se enquadra nas representações ocidentais contemporâneas de mulher enquanto objeto sexual e enquanto mãe. Já a pesquisa de Maia (2011a) acerca das questões psicossociais sobre a sexualidade de pessoas com deficiência física, dentre elas, as questões da autoestima e da representação do corpo, por meio de entrevista individual com 4 (quatro) brasileiras/o com deficiência física (três mulheres e um homem), indicou boa autoestima e percepção corporal, com exceção de uma participante, que tem dificuldade de olhar o próprio corpo, mas valoriza suas habilidades de 38 relacionamento interpessoal e dedicação ao trabalho e estudos. O homem que participou do estudo relatou que estar gordo o incomoda mais que a lesão medular. As mulheres que participaram da pesquisa percebem que a experiência da deficiência afeta homens e mulheres de modo diferente. Segundo elas, é mais comum encontrar relacionamentos entre homens com deficiência e mulheres sem deficiência do que o contrário, pois as mulheres se importariam menos com o desempenho e frequência sexual, bem como com os atributos físicos de beleza, e estariam mais dispostas a assumir as tarefas de cuidado que, muitas vezes, a deficiência requer e também o cuidado com os filhos. Assim, percebem que as mulheres com deficiência estariam em uma situação de desvantagem para estabelecer relacionamento amoroso dados os papéis de mãe e esposa, enquanto os homens com deficiência teriam desvantagem em relação ao papel de provedor financeiro (MAIA, 2011a). Uma das participantes da pesquisa de Maia (2011a) rompeu o namoro ao perceber o padrão dominador do namorado e compará-lo ao comportamento de seu próprio pai, que não aprovava que ela trabalhasse e continuasse estudando, duas atividades importantes para ela. A mesma participante não foi levada em consideração pela mãe, tampouco pelos policiais, ao denunciar o assédio sexual cometido por um fisioterapeuta, o que ela atribui ao fato de as pessoas com deficiência serem consideradas indesejáveis e assexuadas (MAIA, 2011a). A invalidação da denúncia de violência sexual também foi encontrada por Mello (2014) ao analisar a violência contra mulheres com deficiência por meio de narrativas de 3 (três) mulheres com deficiência física e observações e entrevistas realizadas na Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso de Belo Horizonte (DEADI/BH). As interlocutoras da pesquisa vivenciaram violência física, psicológica, sexual e patrimonial, praticada em domínios privados (por parentes de primeiro grau e ex-marido), semipúblicos (por profissionais da saúde da rede privada) e públicos (por profissionais da saúde de instituições públicas). Uma das participantes reclamou que, ao denunciar violência sexual cometida por médico ginecologista, sua família invalidou o relato e não procurou nenhum serviço de denúncia (MELLO, 2014). A complexa interação de discriminações que perpassam o gênero (sexismo) e a deficiência (capacitismo) é indicada no levantamento sobre violência realizado pela Rede Internacional de Mulheres com Deficiência (RIMCD, 2011), o qual demonstra que mulheres com deficiência estão mais vulneráveis que mulheres sem deficiência e homens com deficiência a sofrer violências física, emocional e sexual, além de receberem pouca credibilidade ao denunciar a violência sofrida. Como estratégias de enfrentamento à violência contra mulheres com deficiência, a RIMCD recomenda a disseminação de informações sobre os canais para 39 denúncia de todos os tipos de violência, educação sobre direitos humanos e sobre saúde sexual e reprodutiva. Ao encontro das estratégias de fortalecimento das mulheres com deficiência recomendadas pela RIMCD, encontra-se a formação feminista, conforme definido na Carta do I Seminário Nacional de Políticas Públicas e Mulheres com Deficiência (2013). A Carta define a necessidade de promover capacitações teóricas sobre feminismo para mulheres com deficiência; promover a realização de campanhas com foco na autoestima de meninas e mulheres com deficiência, bem como no enfrentamento a estereótipos, discriminações e preconceitos; assegurar às mulheres com deficiência o direito ao exercício de sua sexualidade, a constituição de família, ao pleno gozo dos direitos sexuais e reprodutivos, incluído o direito a gestação e a adoção; promover e aprofundar discussões sobre os assistentes eróticos; promover campanhasque abordem as diversas identidades das mulheres com deficiência (indígenas, negras, lésbicas ou bissexuais, quilombolas etc.); fortalecer e divulgar a rede nacional de mulheres feministas com deficiência (SEMINÁRIO NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E MULHERES COM DEFICIÊNCIA, 2013). Algumas pesquisadoras têm investigado a vivência da sexualidade pelas pessoas com deficiência, bem como a educação sexual recebida (LUIZ; KUBO, 2007; ALMEIDA, 2010; MAIA, 2011a; 2011b; 2016; FRANÇA, 2013; 2014). Luiz e Kubo (2007) investigaram, por meio de entrevista individual, as percepções de 5 (cinco) brasileiras/os (duas mulheres e três homens) com Síndrome de Down, com nível de escolaridade variando da alfabetização ao ensino médio completo, sobre relacionar-se amorosamente. Os resultados apontam que as percepções das pessoas com Síndrome de Down sobre relacionamento amoroso não diferem das percepções de pessoas da mesma idade sem Síndrome de Down, envolvendo percepções sobre cuidado e empatia para com a/o namorada/o, sentimentos de paixão, controle do próprio comportamento e seguimento de regras acerca do momento para iniciar a vida sexual, bem como o apontamento de conexão emocional e métodos contraceptivos como necessários para estabelecer uma relação sexual, consideração de atributos físicos e comportamentais para avaliar uma pessoa como atraente, havendo reprodução do ideal de beleza divulgado pela mídia (corpo magro). Esse estudo indicou a possibilidade de haver relação entre a condição socioeconômica das famílias e a educação para a vida amorosa das pessoas com Síndrome de Down. As/os participantes cujas famílias têm maior nível de escolaridade e renda tiveram mais oportunidades de estabelecer namoro. A pesquisa indicou, também, que as crenças de que pessoas com Síndrome de Down têm sexualidade exacerbada ou infantilizada são incompatíveis com a realidade das/os participantes (LUIZ; KUBO, 2007). 40 A pesquisa de Almeida (2010), adotando entrevista individual com 3 (três) adolescentes portugueses (duas garotas e um garoto) com deficiência mental10 acerca de seus conhecimentos, necessidades e sentimentos relativos à vivência da sexualidade, apontou que os conhecimentos das/o participantes sobre funções corporais, reprodução, nascimento, Doenças Sexualmente Transmissíveis11 (DST) e métodos contraceptivos são limitados e deturpados. Por outro lado, os relatos dos sentimentos sobre namoro, casamento, maternidade e paternidade são equivalentes aos esperados para adolescentes sem deficiência mental. A pesquisa indicou, também, que no contexto escolar são oferecidas poucas informações sobre educação sexual, enquanto no contexto familiar prevalece uma atitude de silêncio. As relações de amizade das/o participantes estão limitadas ao contexto escolar. Já no contexto familiar, há ausência de espaços e momentos de privacidade (ALMEIDA, 2010). Almeida (2010) apresenta uma proposta de um programa de educação sexual para pessoas com deficiência mental com os conteúdos: funções do corpo, exercício da sexualidade, distinção entre público e privado, diferentes sentimentos, relacionamentos interpessoais, saúde sexual e reprodutiva, cuidado diário do corpo, autoestima e autoimagem positiva e assertividade para reagir a comportamentos não desejados. Ao pesquisar questões psicossociais sobre a sexualidade de 4 (quatro) brasileiras/o com deficiência física com nível de escolaridade superior completo ou cursando, Maia (2011a) averiguou também a educação sexual recebida na família e na escola. O estudo revela pouca ou nenhuma informação sobre sexo e sexualidade nos contextos familiar e escolar, sendo as/os amigas/os com e sem deficiência, livros, palestras e consultas médicas fontes alternativas de informação, muitas vezes, por iniciativa das/o participantes e não das/os profissionais de saúde. As pessoas que participaram da pesquisa apresentaram uma compreensão ampla de sexualidade, não restrita aos órgãos genitais e envolvendo afeto, carinho e confiança. A pesquisa também revela a infantilização das mulheres com deficiência congênita por suas famílias, assim como controle e superproteção, até mesmo em relação ao trabalho e estudos, nesse caso, mais por parte dos pais que das mães. Há ainda a denúncia do preconceito social e da consideração equivocada de que as pessoas com deficiência são assexuadas e indesejáveis, o que não é compatível com a realidade das/o participantes (MAIA, 2011a). Em outro estudo, Maia (2011b) investigou a sexualidade e a educação sexual por meio de entrevista com uma mulher cega. Os resultados apontaram uma concepção natural, individual e orgânica de sexualidade. A educação sexual recebida ocorreu de modo superficial 10 Início da nota. Nomenclatura adotada pela autora. Fim da nota. 11 Início da nota. Nomenclatura adotada pela autora. Fim da nota. 41 e sem materiais adaptados na escola, enquanto na família prevaleceu o silêncio, sendo as conversas com as amigas e a própria relação sexual meios pelos quais a participante aprendeu sobre as diferenças entre os sexos. A participante desse estudo, que já teve namorados cegos e videntes, afirma que a deficiência não afeta sua sexualidade, tendo um conceito positivo do próprio corpo por se enquadrar nos padrões de magreza. Relata que deseja a maternidade, mas aponta que é uma tarefa difícil. A participante denuncia ainda que as barreiras sociais e a falta de acessibilidade a limitam mais que a cegueira em si. Percebe preconceito entre as/os familiares e avalia que a superproteção atrapalha a autonomia e independência. Percebe, também, que a sociedade reproduz a crença de que as pessoas com deficiência são assexuadas (MAIA, 2011b). Maia (2016) pesquisou a vivência da sexualidade e a educação sexual recebida por pessoas com deficiência intelectual, entrevistando 8 (oito) homens e 4 (quatro) mulheres com deficiência intelectual, os quais cursam o ensino fundamental em uma escola especial e pertencem à classe socioeconômica desfavorecida. A pesquisa revelou uma educação sexual superficial e com viés sexista, havendo orientação de uso de preservativo com fins de prevenção de DST12 para os homens e gravidez para as mulheres. A educação sexual foi fornecida por médicas/os, psicólogas/os e algumas/ns familiares. Essa pesquisa indicou compreensão genitalizada da sexualidade e valores heteronormativos; namoro, geralmente, sem sexo e vigiado por outros adultos para algumas/ns participantes e práticas sexuais vulneráveis (com pouca privacidade e sem preservativo) para outros. Por outro lado, suas expectativas sobre casamento e reprodução são responsáveis. Há preocupação com a estética como condição para a felicidade amorosa. A pesquisa revela, ainda, que as dificuldades na vivência da sexualidade são mais psicossociais que orgânicas (MAIA, 2016). França analisou como pessoas cegas definem a percepção de pessoas videntes em relação à sua sexualidade (FRANÇA, 2013) e como percebem seu direito à sexualidade (FRANÇA, 2014) com entrevista individual e grupo focal com 11 (onze) brasileiras/as cegas/os (seis homens e cinco mulheres) com nível de escolaridade do fundamental completo ao superior incompleto. As/os participantes reconhecem que houve avanços na inclusão em vários aspectos, mas não na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, denunciando que a sociedade considera as pessoas cegas assexuadas e incapazes de gerir a própria vida, o que pode contribuir com a 12 Início da nota. Nomenclatura adotada pela autora. Fim da nota. 42 privação de uma vida sexual prazerosa e obstruir o acesso aos serviços de prevenção de IST (FRANÇA, 2013). As/os participantes da pesquisa de França (2014) apontaram que seria importante ter acesso à educação sexual para compreender a sexualidadecomo algo natural, serem menos tímidas/os, quebrar o preconceito, diferenciar órgãos sexuais femininos e masculinos, devendo isso ocorrer desde a infância, sem necessidade de um método especial, apenas com materiais adequados como livros em braile, texturas e/ou áudio, modelos anatômicos do corpo humano, por exemplo. Tais pesquisas (LUIZ; KUBO, 2007; ALMEIDA, 2010; MAIA, 2011a; 2011b; 2016; FRANÇA, 2013; 2014) acerca da vivência da sexualidade pelas pessoas com deficiência e da educação sexual recebida indicam que esta é marcada, principalmente, por recomendações que coadunam com as abordagens13 médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico-biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006) e biológico-higienista (FURLANI, 2005; 2016), seguidas por indicações em harmonia com as abordagens religiosa (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), normativo- institucional (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006) e moral-tradicionalista (FURLANI, 2005; 2016). Também ocorrem nuances das abordagens terapêutico-descompressiva e consumista-quantitativa, difundidas pela mídia (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), como será apresentado na próxima Seção. Apesar disso, as pessoas com deficiência identificam fatores familiares e sociais, que cerceiam sua vivência da sexualidade, indicando uma leitura dos determinantes contextuais sobre a sexualidade a qual se aproxima do que é defendido pela Educação Sexual Emancipatória (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). Outras/os pesquisadoras/os têm se dedicado à elaboração e aplicação de programas de educação sexual para pessoas com deficiência (CURSINO et al., 2006; PIECZKOWSKI, 2007; MORALES; BATISTA, 2010; MAIA et al., 2015; OLIVEIRA et al., 2018). Cursino et al. (2006) identificaram as necessidades de informação de 14 (quatorze) jovens adultas/os com deficiência auditiva (oito mulheres e seis homens), com nível de escolaridade variando do ensino fundamental incompleto ao superior incompleto. As pesquisadoras aplicaram um programa de orientação sexual14 e verificaram a aquisição de informação. O programa foi composto por conteúdos sobre órgãos sexuais e relações de gênero, relacionamentos afetivos, gravidez, DST15 e autoestima. 13 Início da nota. As abordagens de Educação Sexual serão apresentadas na subseção 2.2. Fim da nota. 14 Início da nota. Nomenclatura adotada pelas autoras. Fim da nota. 15 Início da nota. Nomenclatura adotada pelas autoras. Fim da nota. 43 Os resultados identificaram mais acertos no pós-teste, em comparação ao pré-teste. É possível identificar uma combinação das abordagens médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico-biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), biológico-higienista (FURLANI, 2005; 2016), pedagógica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), dos direitos humanos e dos direitos sexuais (FURLANI, 2005; 2016) neste programa de educação sexual (CURSINO et al., 2006). Pieczkowski (2007) relatou os efeitos de orientações para alunas/os com deficiência mental16 de uma escola especial e suas/seus familiares acerca dos comportamentos de namorar, masturbar-se e tocar outras pessoas. Os resultados indicaram que, após as orientações, a masturbação passou a ocorrer em ambiente privado. Uma família conseguiu orientar sobre privacidade e as/os professoras/es e funcionárias/os ficaram mais tranquilas/os. Pieczkowski (2007) apontou maior dificuldade de abordar a sexualidade com mulheres com deficiência. A demanda desta intervenção não partiu das pessoas com deficiência. Observa-se as abordagens médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico-biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), biológico-higienista (FURLANI, 2005; 2016) e pedagógica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). Morales e Batista (2010) descreveram a compreensão de conceitos sobre sexualidade por 9 (nove) jovens com deficiência intelectual (seis homens e três mulheres) em aulas de educação sexual em uma escola especial de condição socioeconômica baixa. Os resultados sugerem apropriação heterogênea de conceitos de sexualidade pelas/os participantes e manifestação de valores e preconceitos semelhantes aos de seus grupos (heteronormatividade). As/os jovens apresentaram sinais de embaraço nas aulas sobre coito, beijo e homossexualidade, boa compreensão na aula sobre camisinha e DST17, o que pode ser fruto das propagandas da mídia. Nessa pesquisa, as/os participantes foram capazes de seguir as regras estabelecidas pelo grupo. Tais resultados indicam que aspectos do contexto podem favorecer ou desfavorecer as apropriações sobre sexualidade. É possível identificar uma combinação das abordagens médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico-biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), biológico-higienista (FURLANI, 2005; 2016), pedagógica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), dos direitos humanos e dos direitos sexuais (FURLANI, 2005; 2016) neste estudo (MORALES; BATISTA, 2010). Também é possível perceber, na educação sexual recebida pelas/os participantes em contextos diferentes da intervenção programada, a influência das abordagens religiosa (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), normativo-institucional (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), moral-tradicionalista 16 Início da nota. Nomenclatura adotada pela autora. Fim da nota. 17 Início da nota. Nomenclatura adotada pelas autoras. Fim da nota. 44 (FURLANI, 2005; 2016) e terapêutico-descompressiva (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). Maia et al. (2015) conduziram um programa de educação sexual para jovens com deficiência física (dois homens e uma mulher), cujos objetivos foram: ampliar e emancipar a noção de sexualidade, esclarecer e informar sobre a educação e repressão sexual, refletir sobre as mudanças na imagem corporal e autoestima da pessoa com deficiência física e suas implicações na sexualidade e discutir sobre a crença social de que a deficiência é impeditiva para a sexualidade. Os resultados apontaram predomínio de uma visão genitalizada da sexualidade, valores heteronormativos, valorização da virilidade, sensação de pecado ao sentir desejo e pouca compreensão sobre a construção social da sexualidade e da deficiência. Esse programa (MAIA et al., 2015) adotou a abordagem emancipatória de educação sexual (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006; FURLANI, 2005; 2016), mas não explicitou discussões peculiares à mulher com deficiência, a qual pode estar mais vulnerável à violação dos direitos sexuais e reprodutivos. Percebe-se, na educação sexual recebida pelas/os participantes em contextos diferentes da intervenção programada, a influência das abordagens médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico-biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), biológico-higienista (FURLANI, 2005; 2016), religiosa (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), normativo-institucional (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006) e moral-tradicionalista (FURLANI, 2005; 2016). Oliveira et al. (2018) avaliaram o aprendizado de 48 (quarenta e oito) mulheres cegas, nível de escolaridade médio e superior, sobre anatomia e fisiologia do sistema reprodutor feminino mediante uso de manual educativo (impresso em braile e tinta, com figuras em alto relevo e descritas). Os resultados revelaram mais acertos no pós-teste, em comparação ao pré- teste, nos seguintes aspectos: clitóris aumenta com a mulher excitada, função da vagina na relação sexual, como ocorre a fecundação e período da ovulação. Ao contrário de Maia et al. (2015), esse estudo (OLIVEIRA et al., 2018) apresentou especificidades de gênero, mas dentro das abordagens médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico-biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006) e pedagógica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006) de educação sexual. Nos estudos que descreveram programas de educação sexual para pessoas com deficiência, há predomínio das abordagens médica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), médico- biologista (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006), biológico-higienista (FURLANI, 2005; 2016),seguidas pelas abordagens pedagógica (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), dos direitos humanos e dos direitos sexuais (FURLANI, 2005; 2016), muitas vezes combinadas. 45 Com exceção de Pieczkowski (2007), os programas discutem e apontam estratégias e materiais que devem ser adotados para tornar as atividades acessíveis às pessoas com diferentes características para acessarem os conteúdos das atividades. A maioria das/os participantes dos estudos brasileiros descritos nesse texto, tanto os que investigaram a vivência da sexualidade pelas pessoas com deficiência, quanto os que descreveram programas de educação sexual para pessoas com deficiência, vem das camadas populares da sociedade (classe socioeconômica baixa) e não possuem ensino superior. Com isso, surge uma questão: a intersecção entre deficiência, classe e nível de escolaridade pode influenciar a compreensão das pessoas com deficiência acerca da sexualidade e a educação sexual que está disponível para elas? Nenhuma das pesquisas que descreveram programas de educação sexual para pessoas com deficiência, aqui analisadas, abordou a vulnerabilidade das mulheres com deficiência em permanecer por mais tempo em relacionamentos afetivo-sexuais abusivos, conforme apontado por Hassouneh-Phillips (2005), Hassouneh-Phillips e McNeff (2005), Smith (2008) e Rich (2014). Estas discussões seriam pertinentes para brasileiras com deficiência? Wild et al. (2014) realizaram um levantamento sobre as necessidades de educação sexual de alunas/os com deficiência visual residentes nos Estados Unidos. Participaram do estudo 30 (trinta) homens e mulheres com deficiência visual os quais indicaram o que e como gostariam de ter aprendido em relação à educação sexual. As/os participantes indicaram que um currículo ideal deve abordar não apenas informações sobre fisiologia, anatomia e métodos contraceptivos, mas também incluir questões sobre tomada de decisão, construção de confiança, comunicação, flerte, definições de consentimento nas relações sexuais, legalidade do sexo, opções para sexo seguro, masturbação, normas culturais e mitos sobre sexo, informações sobre orientações sexuais e recursos para localizar outras informações (WILD et al., 2014). Em relação à metodologia de ensino, a maioria das/os participantes afirmou que o uso de modelos anatômicos realistas para demonstrações de como colocar corretamente um preservativo era necessário, além de outros tipos de materiais acessíveis, como braile e multimídia. As/os participantes também apontaram para o uso de verbalização com linguagem explícita e situações de dramatização envolvendo relacionamentos e sexo (WILD et al., 2014). Diante desse estudo, um questionamento que se coloca é: brasileiras com diferentes experiências de deficiência fariam os mesmos apontamentos de homens e mulheres com deficiência visual dos Estados Unidos? 46 À vista das questões aqui levantadas acerca da intersecção entre deficiência, classe, nível de escolaridade e educação sexual recebida pelas pessoas com deficiência e da indagação acerca da pertinência de discussões sobre relacionamentos afetivo-sexuais abusivos para brasileiras com deficiência, assim como dos indicadores de que mulheres com deficiência encontram-se em situação de maior vulnerabilidade à violência de gênero e violação dos direitos sexuais e reprodutivos e das lacunas de uma educação sexual emancipatória com pessoas com deficiência, é necessário compreender o que pensam mulheres brasileiras com deficiência em relação a gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual. 1.2 Problema Qual a perspectiva de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado (enquanto conteúdo e forma) na Educação Sexual para que esta seja inclusiva? 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral Compreender a percepção de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado em uma Educação Sexual inclusiva. 1.3.2 Objetivos específicos Identificar possíveis influências dos contextos familiar, social, econômico e religioso na percepção das mulheres com deficiência sobre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual; identificar onde e como as mulheres com deficiência receberam Educação Sexual; identificar quais conteúdos (o que) e metodologias (como) as mulheres com deficiência consideram pertinentes à Educação Sexual. 47 2. REFERENCIAL TEÓRICO Minha vagina está cansada. Ela está cansada do silêncio, e cansada da escuridão que prevalece na vida de mulheres e meninas cujas vaginas são odiadas, humilhadas, rasgadas e mutiladas em nome da honra, em nome da cultura, em nome de Deus. Minha vagina grita. Ela clama por justiça e pela paz. [...] Devemos acabar com esta era de medo, esta era de encarceramento vaginal porque os cintos de castidade da época ainda estão lá com a continuação de mitos embrulhados em um cobertor rosa com uma promessa de virgindade, com uma promessa de normalidade. [...] Minha vagina vai sair vestida com metáforas feministas. Ela vai sair do armário transformada.18 Maria Palacios Esta Seção se divide em duas subseções e nela será apresentado o referencial teórico no qual esta pesquisa se apoiou. Na primeira subseção, será apresentado o campo dos Estudos Feministas da Deficiência. Esta, divide-se em dois tópicos: no primeiro, serão apresentados pressupostos dos Estudos Feministas; no segundo, serão apresentados pressupostos dos Estudos da Deficiência, inserindo as críticas feministas das mulheres com deficiência e das mulheres cuidadoras de pessoas com deficiência as quais contribuíram com a formação dos Estudos Feministas da Deficiência. Na segunda subseção, serão apresentadas diferentes abordagens que podem orientar o trabalho em Educação Sexual, partindo das classificações de duas autoras e um autor da área: Mary Neide Figueiró, Jimena Furlani e César Nunes, defendendo a abordagem Emancipatória e fazendo algumas inserções da deficiência na discussão. 2.1 Estudos Feministas da Deficiência Historicamente, a experiência das mulheres com deficiência vem sendo pouco considerada, ou tratada como o caso especial, tanto pelo movimento de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, quanto pelo movimento feminista. No primeiro, faltam análises de como o gênero impacta o significado da experiência da deficiência; no segundo, faltam análises 18 Início da nota. Tradução livre do Manifesto da Vagina (Vagina Manifesto), poema completo no Anexo 1. Fim da nota. 48 de como a deficiência influencia a experiência de ser mulher (FERRI; GREGG, 1998; MORRIS, 1996). O distanciamento entre o movimento das pessoas com deficiência e o movimento feminista é explicado por Garland-Thomson (2002) devido à falta de familiaridade das/os estudiosas/os da deficiência com os Estudos Feministas, assim como das/os estudiosas/os feministas com os Estudos da Deficiência. Essa falta de familiaridade será rompida pelas mulheres com deficiência e pelas mulheres cuidadoras de pessoas com deficiência. As mulheres, ao identificarem e denunciarem a opressão sexista, estabeleceram o campo dos Estudos Feministas, o qual foi ampliado pela perspectiva interseccional das feministas negras; homens com deficiência, ao identificarem e denunciarem a opressão capacitista, constroem o campo dos Estudos da Deficiência; as mulheres com deficiência e as mulheres cuidadoras de pessoas com deficiência, por sua vez, articulam os dois campos de estudos, fazendo emergir o campo dos Estudos Feministasda Deficiência (DINIZ, 2003; 2007; GESSER, 2019; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020; MELLO; NUERNBERG, 2012) Garland-Thomson (2002) entende que os Estudos Feministas da Deficiência unem os pontos fortes das duas áreas acadêmicas e beneficiam ambas, pois, assim como os Estudos Feministas procuram compreender e desconstruir a subordinação da mulher, os Estudos da Deficiência objetivam a plena inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, havendo, então, uma relação explícita entre o trabalho intelectual e o compromisso de construir uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva (GARLAND-THOMSON, 2002). 2.1.1 Estudos Feministas O Feminismo é teoria e ação política comprometidas com o combate de todas as formas de opressão e desigualdade, especialmente a opressão e desigualdade de gênero (DINIZ, 2003; hooks, 2020; PINTO, 2010; ZIRBEL, 2016). De acordo com Céli Regina Jardim Pinto (2010, p. 15), “tanto o movimento feminista quanto a sua teoria transbordou seus limites, provocando um interessante embate e reordenamento de diversas naturezas na história dos movimentos sociais e nas próprias teorias das Ciências Humanas em geral”. Isso foi possível em função da posição social das militantes que impulsionaram o Feminismo, pelo menos até a segunda metade do século XX, quais sejam: mulheres brancas, heterossexuais, de classe média e alta, com formação universitária (hooks, 2015; PINTO, 2010). 49 A articulação entre militância e produção teórica possibilitou, no final do século XX, a emergência da categoria analítica gênero, na tentativa de denunciar a insuficiência das explicações sobre a desigualdade entre mulheres e homens com base no determinismo biológico, que toma a natureza, o sexo ou a diferença sexual como a causa dos papéis e subjetividades de mulheres e de homens (PINTO, 2010; SAFFIOTI, 1987; SCOTT, 1995). Um dos empregos para o termo gênero tem sido como sinônimo, ou substituição, de mulheres e também de feminismo, com vistas a sugerir que os Estudos de Gênero teriam maior objetividade e neutralidade que os Estudos de Mulheres ou Estudos Feministas, o que poderia desimplicar a tomada de posição sobre as desigualdades (DINIZ, 2003; SCOTT, 1995). Por isso, intitulou-se este tópico do referencial teórico de Estudos Feministas, ao invés de Estudos de Gênero, concordando com a afirmação de Debora Diniz de que “gênero é uma ferramenta analítica para o feminismo, mas o feminismo não se reduz à perspectiva de gênero” (2003, p. 1), bem como com o entendimento do compromisso feminista de fazer análises que resultem em mudanças (DINIZ, 2003; hooks, 2015; 2020; SCOTT, 1995; ZIRBEL, 2016), uma vez que “a história do pensamento feminista é uma história da recusa da construção hierárquica da relação entre masculino e feminino, em seus contextos específicos, e uma tentativa para reverter ou deslocar suas operações” (SCOTT, 1995, p. 84). Assim, as feministas adotam a palavra gênero para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. [...] O uso de “gênero” enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade (SCOTT, 1995, p. 75-76. Grifos no original). Joan Scott (1995, p. 86) define gênero em duas proposições conectadas: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos; (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”. A primeira proposição possui quatro elementos inter-relacionados, a saber: (1) os símbolos da cultura que evocam representações simbólicas e, muitas vezes, contraditórias, como, na cultura ocidental, Eva e Maria como símbolos da mulher; (2) os conceitos normativos que interpretam os significados dos símbolos, afirmando o significado do homem e da mulher, do masculino e do feminino numa oposição binária fixa e reprimindo as possibilidades 50 alternativas; (3) a concepção de política, das instituições e da organização social, como o mercado de trabalho, a educação e o próprio sistema político; e (4) a identidade subjetiva (SCOTT, 1995). A segunda proposição de Scott (1995) indica a construção recíproca de gênero e de poder, ou seja, o gênero estabelece a distribuição diferencial de controle e de acesso aos recursos materiais e simbólicos, organizando concreta e simbolicamente a vida social, enquanto a manutenção das estruturas hierárquicas depende de uma compreensão generalizada de que as relações entre homens e mulheres têm determinação natural ou divina, ao invés de determinação humana, pois “pôr em questão ou alterar qualquer de seus aspectos ameaça o sistema inteiro.” (p. 92). Por isso, “o sexismo não é somente uma ideologia, reflete, também, uma estrutura de poder, cuja distribuição é muito desigual, em detrimento das mulheres” (SAFFIOTI, 2004, p. 35). Essa estrutura hierárquica de poder impregna as relações pessoais e o Estado, uma vez que o sexismo institucionalizado, isto é, o patriarcado, transforma a diferença sexual em desigualdade política, privando as mulheres do exercício do poder, pois socializadas para parecer naturalmente dóceis, cordiais e conciliadoras, portanto, destinadas ao espaço doméstico, ao passo que os homens são socializados para parecer naturalmente agressivos, fortes e corajosos, portanto, destinados ao espaço público (hooks, 2020; SAFFIOTI, 2004; 1987). Tais características e espaços não são atribuídos do mesmo modo para todas as mulheres e todos os homens, pois o gênero constitui uma estrutura hierárquica de poder, mas não a única. Raça e classe, assim como gênero, também constituem estruturas hierárquicas de poder, em detrimento de pessoas negras, ou pertencentes a outras minorias étnicas, e pessoas pobres (COLLINS, 2015; CRENSHAW, 2002; GONZALEZ, 2011; hooks, 2015; 2020; SAFFIOTI, 2004; 1987). À vista disso, por volta das décadas de 1970 e 1980, as pesquisadoras feministas com perspectiva política mais ampla passam a considerar as relações da categoria gênero com raça e classe, a fim de produzir reflexões teóricas que abordassem a realidade de mais mulheres, assim como uma análise da natureza e do sentido das opressões e desigualdades, compreendendo que estas se organizam em torno, pelo menos, desses três eixos: gênero, raça e classe (SCOTT, 1995; hooks, 2020). A consideração das relações entre esses três eixos, no entanto, não nasce necessariamente e somente da academia, mas também, e sobretudo, de coletivos de mulheres negras e lésbicas, cuja experiência marginalizada moldou a consciência e leitura do mundo, 51 conferindo uma perspectiva interessante para identificar e denunciar as opressões de gênero, raça e classe. Assim, feministas negras conscientes de sua condição de grupo oprimido, mas com pouco acesso aos mecanismos de poder que permitiriam o compartilhamento de suas reflexões sobre a natureza de sua opressão com um público mais amplo, já discutiam interseccionalidade antes desse conceito emergir e se consolidar na academia (HENNING, 2015; hooks, 2015; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020). O conceito de interseccionalidade foi elaborado, por volta da década de 1990, pela jurista estadunidense e feminista negra Kimberlé Crenshaw (HENNING, 2015; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020) usandoa metáfora da intersecção para evidenciar que raça, gênero e classe são eixos de poder diferentes, mas que, “frequentemente, se sobrepõem e se cruzam, criando intersecções complexas nas quais dois, três ou quatro eixos se entrecruzam”, estabelecendo “avenidas que estruturam os terrenos sociais, econômicos e políticos. É através delas que as dinâmicas do desempoderamento se movem” e criam vulnerabilidades que aumentam, desproporcionalmente, a subordinação de alguns subgrupos específicos de mulheres (CRENSHAW, 2002, p. 177). Assim, o conceito de interseccionalidade evidencia as desigualdades dentro da desigualdade. Nas palavras de Kimberlé, a interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento (CRENSHAW, 2002, p. 177). Desta forma, para garantir que todas as mulheres tenham seus direitos protegidos é necessário considerar as diversas maneiras pelas quais o gênero cruza ou intersecciona-se com várias outras identidades, a fim de evitar a invisibilidade interseccional tanto pela superinclusão, quanto pela subinclusão de determinadas discriminações à estrutura de gênero ou a outra estrutura de poder (CRENSHAW, 2002). A superinclusão ocorre quando “um problema ou condição imposta de forma específica ou desproporcional a um subgrupo de mulheres é simplesmente definido como um problema de mulheres”, desconsiderando como outras estruturas hierárquicas operam junto com o gênero para a produção da subordinação (CRENSHAW, 2002, p. 174). Já a subinclusão ocorre quando um subgrupo de mulheres enfrenta uma subordinação, “em parte por serem mulheres, mas isso não é percebido como um problema de gênero, porque 52 não faz parte da experiência das mulheres dos grupos dominantes” (CRENSHAW, 2002, p. 175). Perceber a subordinação interseccional “exige uma estratégia que valorize a análise de baixo para cima, começando com o questionamento da maneira como as mulheres vivem suas vidas” (p. 182) e tal questionamento só poderá ser respondido se as/os pesquisadoras/es se debruçarem nas experiências das mulheres marginalizadas, pois assim a análise poderá desvelar como diversas estruturas e políticas condicionam a vida e as oportunidades dessas mulheres (CRENSHAW, 2002). Ao apontar a importância e necessidade das análises feministas partirem de uma lente interseccional, as feministas negras abrem caminho para a consideração da deficiência em intersecção com gênero, raça e classe, ainda que não tenham apontado para a deficiência de forma específica, algo que será empreendido pelas mulheres com deficiência e pelas mulheres mães e/ou cuidadoras de pessoas com deficiência (DINIZ, 2003; 2007; GARLAND- THOMSON, 2002; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020). Kimberlé Crenshaw admite que a análise interseccional se ampliará à medida que “mulheres de todo o mundo entrelaçarem o fio de suas vidas no tecido dos direitos humanos” (CRENSHAW, 2002, p. 188). 2.1.2 Estudos da Deficiência Até por volta dos séculos XVIII e XIX, o discurso místico e religioso dominava as explicações sobre a deficiência, concebendo-a ora como fruto do pecado, ora como bênção divina, quando então essa narrativa foi questionada pelo modelo médico da deficiência. Assim, a culpa e o azar cederam espaço para a genética, as doenças e os acidentes (DINIZ, 2007; DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009). O modelo médico ou individual da deficiência entende que o impedimento corporal (lesão) é a causa da desigualdade social e das desvantagens experienciadas pelas pessoas com deficiência, elaborando uma explicação individualista e essencialista sobre a deficiência. A perspectiva biomédica categoriza os corpos como normais ou anormais. Assim, o corpo com deficiência é definido a partir da comparação e contraste com o corpo sem deficiência, logo, a deficiência é definida como um desvio do padrão normal de ser humano, acarretando medicalização e tentativas de correção do corpo com impedimento, enquanto a estrutura social permanece indiscutível (BARNES, 2012; DINIZ, 2003; 2007; DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009; OLIVER, 1981). 53 Do mesmo modo que o discurso místico e religioso foi questionado pelo modelo médico da deficiência, este foi contestado pelo Modelo Social da Deficiência. De acordo com o último, a explicação sobre a deficiência desloca-se do indivíduo para a organização social. Assim, a explicação de que o impedimento corporal causa a deficiência dá espaço à explicação de que a deficiência é fruto da relação entre um corpo com impedimento e uma sociedade com barreiras ambientais e culturais, incapaz de atender à diversidade física, sensorial e intelectual das pessoas (BARNES, 2012; DINIZ, 2007; OLIVER, 1981; THOMAS, 2004; UPIAS, 1976). Esse modo de compreender a deficiência, e então alterar o foco de intervenção, teve como mola propulsora a denúncia da extrema pobreza e da segregação das pessoas com deficiência em instituições até, aproximadamente, a década de 1970, culminando na primeira organização política sobre deficiência, formada e organizada por pessoas com deficiência e não para pessoas com deficiência, a União dos Fisicamente Impedidos Contra a Segregação [Union of the Physically Impaired Against Segregation – Upias] (BARNES, 2012; DINIZ, 2007; OLIVER, 2004; THOMAS, 2004). A Upias (1976) propôs a diferenciação entre impedimento e deficiência, entendendo o impedimento como a falta total ou parcial de um membro ou função do corpo, portanto, vinculado à biologia (anatomia e/ou fisiologia), enquanto a deficiência é a desvantagem ou restrição de participação causada pela sociedade que pouco ou nada considera as pessoas com impedimentos corporais, excluindo-as das atividades sociais convencionais como educação, trabalho, transporte e moradia. Conforme os membros da Upias: é a sociedade que incapacita as pessoas com impedimentos físicos. A deficiência é algo que se impõe sobre os nossos impedimentos, pelo modo como ficamos desnecessariamente isolados e excluídos da plena participação na sociedade. As pessoas com deficiência são, portanto, um grupo oprimido na sociedade (UPIAS, 1976, p. 3. Tradução nossa). Os propositores das ideias compiladas no termo Modelo Social da Deficiência assumem os impedimentos como uma constante do ciclo de vida do ser humano, o que não significa concebê-los como variáveis neutras, uma vez que podem produzir dor e desconforto para os indivíduos que os vivenciam. Não podem, entretanto, ser tomados como a causa da desigualdade e da exclusão das pessoas com deficiência. Por isso, a luta política se concentrou na experiência coletiva da deficiência como uma forma particular de opressão social, semelhante à opressão sofrida por outros grupos minoritários, apontando a necessidade de mudar a sociedade (ABBERLEY, 2008; BARNES, 2012; HUNT, 1966; OLIVER, 1981; 2004; THOMAS, 2004; UPIAS, 1976). 54 Tomar a deficiência como opressão social significa afirmar que as pessoas com deficiência se encontram em uma posição inferior à posição de outras pessoas da sociedade apenas em função dos impedimentos corporais e essa posição inferior está relacionada a uma ideologia que a justifica, sustenta e fortalece. Tal inferioridade e ideologia não são naturais, tampouco inevitáveis. Assim, é necessário identificar quem se beneficia dessa situação (ABBERLEY, 2008). Para isso, é preciso admitir que, enquanto naopressão sexual ou racial as diferenças biológicas servem apenas como condição qualificativa de uma opressão absolutamente ideológica, para as pessoas com deficiência a diferença biológica é parte da opressão, apesar de ser também consequência de práticas sociais e políticas não apenas na produção direta de impedimentos corporais, muitas vezes, produtos das condições laborais, como também no aumento da expectativa de vida em situações possíveis apenas em função do avanço da medicina, por exemplo (ABBERLEY, 2008; THOMAS, 2004). Conforme Paul Abberley: as afirmações sobre a origem social da deficiência apontam para a explicação da origem social dos fenômenos materiais e biológicos e devem ser tomadas como afirmações sobre os elementos sociais fundamentais e inextricáveis do que constitui uma base material para os fenômenos ideológicos e não como se dissolvessem esses elementos materiais em ideias ou atitudes. Portanto, tal visão não nega a importância dos germes, genes e traumas, mas aponta que seus efeitos só são evidentes no contexto histórico e social real, cuja natureza é determinada por uma complexa interação de fatores materiais e imateriais (ABBERLEY, 2008, p. 42. Tradução nossa). Assim como acontece com outros grupos oprimidos, às pessoas com deficiência são impostos estereótipos e distorções, restringindo a integridade de sua humanidade e reduzindo- as apenas a seus aspectos corporais que não se enquadram no padrão de normalidade. Um dos efeitos disso é a naturalização da situação de desigualdade, mantendo a organização social e do trabalho como está, a qual persegue a maximização dos lucros e, deste modo, define o valor das pessoas por sua capacidade produtiva, uma vez que as pessoas com deficiência são consideradas improdutivas, sua falta de produtividade deve ser administrada de modo a atrapalhar o mínimo possível a acumulação de lucro, o que vai de encontro à garantia de recursos humanos, materiais e tecnológicos que possibilitariam a participação das pessoas com deficiência no trabalho, e ao encontro da sua segregação em instituições, muitas vezes, filantrópicas (ABBERLEY, 2008; BARNES, 2012; HUNT, 1966). Nesse sentido, o combate à opressão pela deficiência perpassaria pela inclusão das pessoas com deficiência no trabalho, o que indica a necessidade de mudanças na organização do trabalho e também da educação, do transporte e da cultura em geral, a fim de conquistar 55 independência19 e controle de suas próprias vidas (ABBERLEY, 2008; HUNT, 1966; OLIVER, 1981; 2004; UPIAS, 1976). O enfrentamento à opressão também requer reconhecimento pelas pessoas com deficiência de sua posição particular e sua luta ao lado de outros grupos que também têm interesse em transformar a sociedade, ao invés de lutas especiais, pois a tendência de tratar as questões das pessoas com deficiência como casos especiais as segregou da vida social (UPIAS, 1976). A guinada na concepção de deficiência produzida pelo Modelo Social a retirou do controle exclusivo dos saberes biomédicos, o que não significa rejeitar os serviços médicos, mas inseri-la também no campo político e de intervenção do Estado (BARNES, 2012; DINIZ, 2007; OLIVER, 1981; 2004; THOMAS, 2004). Dentre os desdobramentos impulsionados pelo Modelo Social da Deficiência estão a elaboração de legislações contra a discriminação e a favor da inclusão das pessoas com deficiência nos espaços comuns de educação e trabalho, assim como novas orientações para profissionais que trabalham diretamente com pessoas com deficiência e nova abordagem para se fazer pesquisas relacionadas à deficiência, a pesquisa emancipatória, uma vez que as proposições dos ativistas com deficiência adentraram a academia a partir das décadas de 1970 e 1980 no Reino Unido e nos Estados Unidos, consolidando o campo dos Estudos da Deficiência (BARNES, 2012; BARNES; THOMAS, 2008; DINIZ, 2007). O campo dos Estudos da Deficiência caracteriza-se pela relação entre teoria e política, assumindo a compreensão social relacional da deficiência como estruturada pela opressão, exclusão e desigualdade e assumindo, também, o compromisso explícito de realizar pesquisas que contribuam com a luta das pessoas com deficiência por igualdade e inclusão plenas (BARNES; THOMAS, 2008; DINIZ, 2007; MELLO; NUERNBERG, 2012; THOMAS, 2004). Os Estudos da Deficiência desvelaram outra opressão sobre o corpo: o disablism (DINIZ, 2012) ou ableism, muitas vezes usados como sinônimos para “discriminação por motivo de deficiência” (MELLO, 2016, p. 3267). Ableism foi traduzido por Anahí Mello (2016) para o português brasileiro como capacitismo, o qual consiste na hierarquização das pessoas com base na aproximação de seus corpos a um ideal de estética e de capacidade funcional, isto é, corponormatividade, a qual 19 Início da nota. Até, aproximadamente, a década de 1990, a independência era o valor tido como fundamental para a garantia de igualdade e justiça no campo da deficiência, valor que será substituído pela interdependência, a partir da contribuição feminista, como será discutido adiante. Fim da nota. 56 advém de um julgamento moral que associa a capacidade unicamente à funcionalidade de estruturas corporais e se mobiliza para avaliar o que as pessoas com deficiência são ‘capazes’ de ‘ser’ e ‘fazer’ para serem consideradas plenamente humanas. [...] Desse modo, ‘esquece-se’ que as pessoas com deficiência podem desenvolver outras habilidades não agregadas à sua incapacidade biológica (não ouvir, não enxergar, não andar, não exercer de forma plena todas as faculdades mentais ou intelectuais etc.) e serem socialmente capazes de realizar a maioria das capacidades que se exige de um ‘normal’, tão ou até mais que este (MELLO, 2016, p. 3272. Grifos no original). Assim, na cultura capacitista, as pessoas com deficiência são presumidas, reiteradamente e generalizadamente, como incapazes de ser e de fazer qualquer coisa, “incapazes de produzir, de trabalhar, de aprender, de amar, de cuidar, de sentir desejo e ser desejada, de ter relações sexuais etc.”, refletindo a falta de conscientização sobre a importância da inclusão e acessibilidade (MELLO, 2016, p. 3272). A mesma autora, partindo de discussões que consideram a opressão capacitista como âncora de outras opressões ao corpo, amplia a compreensão do capacitismo como a forma hierarquizada e naturalizada de conceber qualquer corpo humano como algo que deve funcionar, agir e se comportar de acordo com a biologia. Nesse sentido, outras categorias de seres humanos também podem ser lidas como ‘menos capazes’: a mulher frente ao homem; o negro e o indígena frente ao branco; o gay e a lésbica em relação ao heterossexual; e a pessoa trans em relação à que é cis (MELLO, 2019, p. 136, grifo no original). Nesse sentido, algumas pesquisadoras com perspectiva interseccional, do campo dos Estudos Feministas e/ou dos Estudos da Deficiência, têm apontado a necessidade de articular as lutas anticapacitista, feminista, antirracista, anti-LGBTfóbica e anticapitalista com vistas à emancipação dos grupos historicamente oprimidos (ÁVILA, 2014; GARLAND-THOMSON, 2002; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020; MELLO, 2019; MELLO; MOZZI, 2018), assim como indicado a importância teórica de considerar o capacitismo, tal qual o sexismo e o racismo, uma estrutura de poder intimamente relacionada com o capitalismo, com vistas a produção de pesquisa e atuação profissional que contribuam com a justiça social (CAMPBELL, 2009; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020; TAYLOR, 2017). Nas palavras de Marivete Gesser, Pamela Block e Anahí Mello, o capacitismo é estrutural e estruturante, ou seja, ele condiciona, atravessa e constitui sujeitos, organizações e instituições, produzindo formas de se relacionarbaseadas em um ideal de sujeito que é performativamente produzido pela reiteração compulsória de capacidades normativas que consideram corpos de mulheres, pessoas negras, indígenas, idosas, LGBTI e com deficiência como ontológica e materialmente deficientes. Ademais, as capacidades normativas que sustentam o capacitismo são compulsoriamente produzidas com base nos discursos biomédicos que, sustentados pelo binarismo norma/desvio, têm levado a uma busca de todos os corpos a performá- los normativamente como ‘capazes’, visando se afastar do que é considerado abjeção. 57 Ademais, há uma estreita relação entre o capacitismo e as práticas eugênicas, uma vez que, com base no pressuposto da corponormatividade, justificou-se o uso compulsório de práticas de encarceramento, esterilização involuntária e até de eliminação das pessoas com deficiência. Outrossim, o capacitismo também tem relação com o aperfeiçoamento do sistema capitalista, à medida que há o estabelecimento de um ideal de corponormatividade que corrobora com a manutenção e aperfeiçoamento desse sistema econômico (GESSER; BLOCK; MELLO, 2020, p. 18. Grifo no original). Segundo Fiona Campbell (2009), todas as pessoas são formadas pela política do capacitismo, cuja premissa básica é a consideração de que o impedimento, de qualquer tipo, é inerentemente e invariavelmente negativo, devendo ser reduzido ou eliminado. Com essa premissa condicionando a cultura, a partir do momento em que uma criança nasce, ela recebe mensagens, diretas e indiretas, de que ser uma pessoa com deficiência é ser menos, podendo ser tolerada, mas não celebrada. Desse modo, e dialogando com a Teoria Crítica da Raça, Campbell (2008; 2009) afirma que os processos do capacitismo, como os do racismo, podem internalizá-lo nas pessoas com deficiência, induzindo a uma aversão a si mesmo que desvaloriza a identidade da deficiência, ao invés de assumi-la como parte do Eu [Self] da pessoa. Assim, o capacitismo internalizado provoca dispersão das pessoas com deficiência, isto é, o distanciamento, não apenas físico, umas das outras, dificultando a organização de resistência ao capacitismo e o reconhecimento de sua identidade como algo positivo, induzindo, por outro lado, a emulação das normas capacitistas pelas pessoas com deficiência, isto é a adoção da perspectiva liberal de que elas podem se afastar da identidade da deficiência, se se tornarem pessoas de sucesso. Campbell (2008; 2009) afirma que o capacitismo internalizado não é a causa do dano ou prejuízo que acomete às pessoas com deficiência, mas sim o efeito do dano, que é externo. Nesse sentido, a autora aponta a importância de assumir a perspectiva da vida com impedimento como uma possibilidade animadora, o que perpassa pelo desenvolvimento de uma consciência e identidade coletiva para então interrogar a política do capacitismo, pois é ela o elemento essencialmente prejudicial, e não o impedimento. Entende-se que os Estudos da Deficiência iniciaram essa tarefa. Há uma perceptível interlocução entre os Estudos da Deficiência e os Estudos Feministas. Ambos partem do mesmo pressuposto político: a desigualdade e a opressão contra grupos minoritários devem ser combatidas. Desta forma, teoria e política andam lado a lado, mulheres, ao reconhecerem as opressões a que estavam submetidas, iniciaram a estruturação dos Estudos Feministas; homens institucionalizados por impedimentos físicos iniciaram a estruturação dos Estudos da Deficiência (DINIZ, 2003; 2007; MELLO; NUERNBERG, 2012). 58 Outro ponto em comum é a diferenciação entre biologia e cultura. Explicar a opressão imposta às pessoas com deficiência com base no impedimento corporal é confundir impedimento com deficiência, tal como confundir sexo com gênero. Impedimento, assim como o sexo, tem origem na biologia, enquanto a deficiência, assim como o gênero, é uma construção sociocultural com localização histórica. Do mesmo modo que a desigualdade entre homens e mulheres não deve ser explicada pelas diferenças biológicas, mas pelos processos de socialização que atribuem às mulheres o espaço doméstico e aos homens o espaço público, também a desigualdade entre pessoas com e sem deficiência não deve ser explicada a partir das restrições provocadas pelo impedimento corporal, mas a partir das barreiras sociais que impedem a expressão das capacidades da pessoa com deficiência. A desigualdade deixa de ser fruto da ditatura da natureza e passa a ser uma questão de injustiça social (DINIZ, 2003; 2007; MELLO, 2014). Apesar dessa harmonia, até a entrada mais expressiva de mulheres com deficiência e mulheres cuidadoras de pessoas com deficiência com leitura feminista, o Modelo Social da Deficiência deu pouca atenção às relações de dependência e cuidado, as quais foram deixadas no âmbito privado e consideradas características femininas (DINIZ, 2003; 2007; GESSER, 2019; HUNT, 1966; OLIVER, 2004; THOMAS, 2004). O objetivo último dos propositores do Modelo Social, a maioria homens com impedimentos físicos, era alcançar a independência. Assim, os esforços foram concentrados na inclusão educacional e no mercado de trabalho, sem reformular a lógica capitalista e os princípios produtivos e morais que norteiam a sociedade (DINIZ, 2003; 2007). A independência para o campo da deficiência significa fazer escolhas e tomar decisões, assumindo, assim, o controle da própria vida, ainda que seja necessário a mediação de uma terceira pessoa para a realização das atividades do dia a dia (MELLO, 2010; MORRIS, 1996; OLIVER, 2004), muitas vezes, denominada assistência pessoal, a fim de evitar o termo cuidado (KITTAY, 2011). A perspectiva feminista insere duas críticas a essa questão, ampliando o debate. A primeira crítica, apontada por Jenny Morris (1996), refere-se ao fato de que ao centrar a reinvindicação por assistência pessoal ao acesso às atividades públicas como o trabalho assalariado, deixou-se de fora problematizações do interesse das mulheres com deficiência, cuja necessidade de mediação nas atividades não está relacionada apenas ao espaço público, mas também ao espaço privado, como o cuidado com os filhos, com outros membros da família e com as tarefas domésticas, discussões que implicariam novas definições acerca dos limites do trabalho de assistência pessoal. 59 A segunda crítica sobre esse aspecto refere-se ao foco na independência como garantia de dignidade. De acordo com Eva Kittay (2011), filósofa feminista e mãe de uma mulher com deficiência intelectual, apostar a dignidade humana na conquista da independência é mera ficção não apenas para as pessoas com deficiência, mas para todas as pessoas, pois todas estão inseridas em relações de “dependências aninhadas” (p. 56. Tradução nossa). A necessidade de cuidado das pessoas com deficiência não é a exceção, o caso especial, mas uma possibilidade inerente à condição humana, uma vez que, em diferentes momentos da vida, cada pessoa, com ou sem deficiência, requer cuidado, bem como oferta cuidado a outrem (DINIZ, 2003; 2007; FIETZ; MELLO, 2018; GARLAND-THOMSON, 2002; GESSER, 2019; KITTAY, 2011). Nas palavras de Kittay, reconhecer a dependência inevitável de certas formas de deficiência, colocando-as no contexto de dependências inevitáveis de todos os tipos, é outra maneira de reintegrar a deficiência à norma da espécie. Faz parte da tipicidade de nossa espécie ser vulnerável à deficiência, ter períodos de dependência e ser responsável por cuidar de indivíduos dependentes. Nós, como espécie, somos únicos (ou quase) na medida em que atendemos à dependência, muito provavelmente porque vivenciamos a longa dependência da juventude. Quando reconhecemos que a dependência é um aspecto do que significa ser o tipo de seres que somos, nós, como sociedade, podemos começar a enfrentar nosso medo e aversão à dependência e, com ela, à deficiência. Quando reconhecemoscomo a dependência de outra pessoa nos salva do isolamento e fornece a outra pessoa as conexões que fazem a vida valer a pena, podemos iniciar o processo de abraçar as dependências (KITTAY, 2011, p. 56-57. Tradução nossa). Nesse sentido, para garantir justiça no campo da deficiência, é necessário trocar o princípio da igualdade a partir da independência pelo princípio da igualdade a partir da interdependência (DINIZ, 2003; 2007; GESSER, 2019), pois a ambição por independência coaduna com “uma economia de custos, não com um compromisso com o florescimento de cada pessoa com deficiência” (KITTAY, 2011, p. 57. Tradução nossa). Algumas pessoas com deficiência não serão independentes, nem atenderão às demandas capitalistas, por maiores que sejam os ajustes ambientais e sociais (DINIZ, 2003; 2007). E por mais dependentes que essas pessoas sejam, sua dependência não anula sua possibilidade de crescimento e desenvolvimento desde que possam contar com cuidado de qualidade (KITTAY, 2011). Cientes disso, Helena Fietz e Anahí Mello afirmam que: uma ética baseada nos ideais de autonomia e independência é corponormativa porque segrega corpos que não se enquadram nos padrões de referência pré-estabelecidos pelo sistema capitalista ocidental. Reconhecer a dependência como constituinte da condição humana e desestigmatizar a necessidade de cuidado deve ser crucial para garantir o bem-estar e a dignidade das pessoas com deficiência e seus(suas) cuidadores(as) (FIETZ; MELLO, 2018, p. 135). 60 Desta forma, a crítica feminista aponta que a sociedade precisa se organizar para acomodar as relações de cuidado e interdependência como intimamente relacionadas a uma vida próspera e digna, tanto para as pessoas que cuidam, quanto para as pessoas que são cuidadas, indicando que o cuidado não pode continuar restrito ao ambiente privado e sob responsabilidade majoritária das mulheres, mas deve ser assumido como uma responsabilidade da sociedade em geral, inclusive do Estado (DINIZ, 2003; FIETZ; MELLO, 2018; GESSER, 2019; KITTAY, 2011; ZIRBEL, 2016). As considerações de Debora Diniz (2003; 2007), Helena Fietz e Anahí Mello (2018), Marivete Gesser (2019) e Eva Kittay (2011) revelam que para pessoas com alto nível de impedimento corporal as relações de cuidado são decisivas para a manutenção, ou não, da vida. Do mesmo modo, a ênfase na escolha exclui pessoas com impedimentos intelectuais significativos, para as quais a tomada de decisão independente não é uma possibilidade. Nesses casos, as relações de cuidado são permeadas por desequilíbrio de poder, o que não quer dizer que serão, necessariamente, relações de opressão. Na verdade, a opressão e a infantilização dessas pessoas com deficiência “advêm não das práticas de cuidado, mas do fato dessas práticas se darem em um mundo onde a escolha é tida como o valor central e onde aquele que está na posição de receber o cuidado será sempre apresentado como submisso” (FIETZ; MELLO, 2018, p. 135). Ao fazer tais críticas, que mais ampliam do que refutam o Modelo Social da Deficiência (DINIZ, 2003), as teóricas feministas estão atentas para não fortalecer perspectivas caritativas ou paternalistas que corroboram a opressão das pessoas com deficiência (GESSER, 2019; KITTAY, 2011). Eva Kittay (2011) discute que diversas dependências desnecessárias são criadas por instituições e práticas injustas e que enfrentar essa situação exige que o trabalho de cuidar seja sustentado em uma atitude de cuidar, pois esta se refere ao interesse de levar bem-estar à pessoa cuidada. Deixá-la melhor que antes da relação de cuidado se estabelecer requer, portanto, uma Ética do Cuidado, consoante a qual o cuidado que é oferecido precisa ser assumido pela pessoa que o recebe. Além da discussão acerca da necessidade de cuidado, outra discussão evidenciada pelas feministas diz respeito à experiência subjetiva de viver em um corpo com impedimento, a qual foi deixada na esfera privada pelos proponentes do Modelo Social (CROW, 1996; DINIZ, 2003; 2007; MORRIS, 1996; THOMAS, 2004), embora já reconhecessem que o impedimento corporal pudesse acarretar dor e desconforto (BARNES, 2012; OLIVER, 1981; 2004; THOMAS, 2004). 61 Liz Crow (1996) argumenta que é necessário renovar o Modelo Social da Deficiência transgredindo as fronteiras entre público e privado e inserindo todos os aspectos da vida das pessoas com deficiência, o que envolve um retorno ao impedimento corporal e sua entrada no espaço público de reinvindicações políticas. Nesse sentido, Crow (1996) aponta que é necessário trazer à tona que dor crônica ou uma doença degenerativa, por exemplo, as quais são impedimentos diferentes de impedimentos estáveis, podem em si acarretar sofrimento ao indivíduo. Sendo assim, mesmo que todas as barreiras que obstruem a participação das pessoas com deficiência fossem eliminadas, ainda haveria desigualdade de oportunidade, a qual só pode ser enfrentada com o rompimento do silêncio acerca da influência do impedimento sobre a vida de algumas pessoas com deficiência. Para Liz Crow (1996), romper esse silêncio é fundamental para a ampliação da consciência das pessoas com deficiência acerca de suas necessidades e, desta forma, para a reivindicação de políticas mais adequadas à garantia de justiça social. Uma quantia maior de dinheiro público, por exemplo, é investida em pesquisas e intervenções que objetivam a cura, a prevenção ou a eliminação de diversos impedimentos do que naquelas que objetivam a convivência com o impedimento. Assim, práticas de esterilização, eutanásia, infanticídio ou aborto seletivo, legitimadas pela interpretação de pessoas sem impedimentos, de que a vida de alguém com impedimento não vale a pena, podem receber mais recursos que a provisão de assistência pessoal para pessoas com impedimentos graves e suas famílias (CROW, 1996; GARLAND-THOMSON, 2002). Enfrentar essas situações requer o reconhecimento de que o impedimento pode produzir sofrimento, mas por mais grave, doloroso e desconfortável que um impedimento seja, o modo como as pessoas lidam com ele é determinado de muitas formas pelo acesso a uma variedade de recursos sociais e materiais (BARNES, 2012; CROW, 1996). A substituição do valor da independência pela interdependência, reescrevendo as relações de cuidado e dependência como características da condição humana, assim como o rompimento do pacto do silêncio em relação ao impedimento, compõem, ao lado da perspectiva interseccional, as contribuições feministas ao Modelo Social da Deficiência (DINIZ, 2003; 2007; GESSER, 2019). As feministas apontaram que a experiência de uma mulher com deficiência ou de uma mulher cuidadora de uma criança ou adulto com deficiência é diferente da experiência descrita pelos homens com deficiência, refletindo, assim, sobre a importância de considerar a deficiência em intersecção com outras variáveis de desigualdade, como raça/etnia, gênero, orientação sexual, idade, classe, dentre outros (DINIZ, 2003; 2007; MELLO, 2014; MELLO; 62 NUERNBERG, 2012). Da mesma forma, a necessária inserção da deficiência nos Estudos Feministas pode ampliar as análises e políticas interseccionais (FERRI; GREGG, 1998; GARLAND-THOMSON, 2002; LOPES; SOLVALAGEM; BUSSE, 2020; MELLO; MOZZI, 2018). Ferri e Gregg (1998) sugerem quatro pontos de debates dos Estudos Feministas que seriam ampliados ou transformados pela perspectiva da deficiência: (1) o objeto sexual e o sexo ausente, referindo-se à objetificação do corpo das mulheres sem deficiência para a satisfação sexual do homem heterossexual e à negação de quaisquer expressões da sexualidade das mulheres com deficiência; (2) controle dos corpos das mulheres, aludindo ao controle da reprodução, impelindo mulheres sem deficiência à maternidade obrigatória e submetendo mulheres com deficiência à esterilização e aborto forçados;(3) espelhos reversos, denunciando que do mesmo modo que os estereótipos de feminilidade servem para fazer os homens parecerem mais poderosos, os estereótipos da deficiência servem para as pessoas sem deficiência sentirem-se menos vulneráveis e mais capazes, pois tais estereótipos refletem uma imagem distorcida da pessoa com deficiência como impotente e vítima de uma tragédia individual; (4) mito da normalidade, referindo-se às tentativas de normatizar os corpos com deficiência, aos quais é negada a feminilidade. As feministas negras foram as primeiras a denunciar essa opressão, quando a representação de feminilidade era apenas o corpo branco. Ao revisar a literatura acerca da interface entre gênero e deficiência, Shakespeare (1999 apud MELLO; NUERNBERG, 2012) encontrou similaridade entre as ideias de feminilidade e deficiência, ao passo que as ideias de deficiência e masculinidade são contraditórias. Essas relações devem-se aos estereótipos binários vinculados às identidades masculina e feminina, às quais seriam correspondentes a atributos de atividade e passividade, respectivamente. Introduzir a deficiência na discussão sobre feminilidades e masculinidades colabora, pois, com a desconstrução da rigidez dos papéis de gênero. Tais considerações indicam que a deficiência ora pode intensificar os estereótipos de feminilidade, concebendo as mulheres com deficiência como mais passivas, ora pode atenuar as prescrições culturais de feminilidade, considerando as mulheres com deficiência como pouco atraentes e incapazes de exercer a maternidade (GARLAND-THOMSON, 2002). Jenny Morris (1996) ressalva que as análises com foco na intersecção gênero e deficiência não devem se concentrar apenas na posição de dupla desvantagem das mulheres com deficiência, pois correria o risco de representá-las como vítimas passivas, sendo fundamental evidenciar não só as desigualdades que atingem as mulheres com deficiência, mas também suas estratégias de resistência e oposição à opressão. 63 De acordo com Rosemarie Garland-Thomson (2002), os Estudos Feministas da Deficiência unem os pontos fortes dos Estudos Feministas e dos Estudos da Deficiência ao mesmo tempo em que amplia ambos os campos, assumindo deficiência, gênero, raça, classe e sexualidade não como elementos naturais de inferioridade, mas como sistemas de exclusão e opressão construídos culturalmente e que legitimam a distribuição desigual de recursos e poder. Ainda segundo Garland-Thomson (2002), ao assumir essa compreensão, os Estudos Feministas da Deficiência assumem também que toda análise tem implicações políticas. Desta forma, é preciso realizar análises que desnaturalizem a deficiência como algo que está errado com alguém e que a reescrevam como um conjunto de práticas materiais, uma posição política e uma identidade social na qual qualquer pessoa pode entrar a qualquer momento e que todas as pessoas entrarão se viverem por muito tempo. Os Estudos Feministas da Deficiência revelam que a deficiência, como gênero e raça, está em toda parte, uma vez que saibamos como procurá-la. Integrar análises da deficiência enriquecerá e aprofundará todo o nosso ensino e conhecimento. Além disso, esse trabalho intelectual crítico facilita uma integração mais completa do mundo sociopolítico – para o benefício de todos. Assim como acontece com gênero, raça, sexualidade e classe: entender como a deficiência funciona é entender o que é ser totalmente humano (GARLAND-THOMSON, 2002, p. 28. Tradução nossa). O compromisso entre trabalho intelectual e política dos Estudos Feministas da Deficiência ambiciona tensionar a sociedade excludente, opressiva e desigual, intencionando outro projeto de sociedade, o que converge com os pressupostos da Educação Sexual Emancipatória, como será apresentado na próxima subseção. 2.2 Abordagens de Educação Sexual De acordo com Figueiró (1995), Educação Sexual é toda ação de ensino e aprendizagem sobre sexualidade, seja em nível de informações básicas, seja em nível de reflexões sobre valores, normas sociais, sentimentos e atitudes relacionados à vida sexual e às relações de gênero. Nesse sentido, assim como a Educação, a Educação Sexual é um fenômeno humano e social com múltiplas determinações (MELO, 2011). Em direção semelhante, entende-se a sexualidade como uma dimensão humana constituída a partir das relações que as pessoas estabelecem com o mundo natural e com a cultura, sendo o espaço híbrido entre o pessoal e o social, uma vez que os contextos social, religioso, histórico, econômico e político condicionam quais formas de usar o corpo com fins de obtenção de prazer físico e mental serão proibidas ou autorizadas, bem como quais atividades 64 sexuais poderão ou não ser praticadas e com quais pessoas deverão ou não ser realizadas (FIGUEIRÓ, 2006; NUNES; SILVA, 2006; LHOMOND, 2009). Quaisquer grupos, em quaisquer épocas e culturas, são agências educadoras formais ou informais, explícitas ou implícitas, que constroem significações culturais e padrões de comportamentos de acordo com as regras socioeconômicas vigentes. Deste modo, a Educação Sexual é sempre condicionada por dimensões sociopolíticas e histórico-culturais, que se expressam a partir de diferentes abordagens, as quais produzem diferentes implicações para diferentes grupos (MELO, 2011). Reconhecendo isso, Maria Goldberg (1982) defende que a Educação Sexual precisa ser combativa, buscando mais inquietar que acalmar, no sentido de que é necessário denunciar a realidade opressora e propor alternativas para agir sobre ela, buscando a transformação dos padrões de relacionamento sexual que estabeleceu o homem como sujeito e a mulher como objeto. Para que a transformação da realidade aconteça, é necessário um compromisso pessoal de coerência com lutas coletivas que buscam o fim da desigualdade, da violência e do preconceito sexual, ao passo que defendem a liberdade sexual, que significa o “exercício de uma sexualidade liberada (da culpa, no plano pessoal) e libertada (da opressão, no plano social)” (GOLDBERG, 1982, p. 83. Grifos no original). As proposições de Maria Goldberg podem ser enquadradas na abordagem política (FIGUEIRÓ, 1995) ou emancipatória (NUNES, 1996) de Educação Sexual. Algumas/ns autoras/es têm se concentrado na classificação das abordagens de Educação Sexual. Neste trabalho, serão apresentadas as classificações propostas por Mary Neide Damico Figueiró (1995; 2006), César Aparecido Nunes (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006) e Jimena Furlani (2005; 2016). Importante ressaltar que as diferentes abordagens não surgiram de modo linear ou sequencial, elas podem coexistir no mesmo bloco de espaço e tempo (MELO, 2011). 2.2.1 Abordagens de Educação Sexual segundo Figueiró Figueiró (1995) identificou quatro abordagens que podem nortear o trabalho em educação sexual, a saber: (1) abordagem religiosa, (2) abordagem médica, (3) abordagem pedagógica e (4) abordagem política ou emancipatória (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). 65 A abordagem religiosa pode ser tradicional ou liberadora, sendo que a vertente católica se orienta pelas normas oficiais da Igreja e a vertente protestante se orienta pelas mensagens bíblicas (FIGUEIRÓ, 2006). A Educação Sexual de abordagem Religiosa Tradicional promove a castidade e virgindade, orientando a vivência da sexualidade apenas no casamento, com envolvimento espiritual, emocional e físico entre marido e mulher, cumprindo a função de procriação, ao passo que condena experiências pré e extras conjugais, métodos não naturais de controle de natalidade, aborto, masturbação e toques íntimos, assim como a homossexualidade. Essa abordagem estabelece como ideal à mulher a submissão e obediência ao marido (FIGUEIRÓ, 1995). Já a Educação Sexual de abordagem Religiosa Liberadora reconhece que tanto a doutrina moral oficial, para o catolicismo,quanto normas baseadas na interpretação literal da Bíblia, para o protestantismo, são controladoras, repressivas e incoerentes com o momento histórico atual. Assim, abre espaço para que o indivíduo seja sujeito de sua sexualidade, livre para questionar a repressão da igreja e também a descompressão sexual potencializada pela mídia (FIGUEIRÓ, 1995). Na abordagem Religiosa Liberadora há a consideração das contribuições científicas, o entendimento do direito ao prazer para o homem e para a mulher, a condenação da utilização do outro como objeto sexual e a defesa do compromisso de transformação da sociedade, repensando as relações entre homens e mulheres e as discriminações sexuais de grupos humanos, conservando os princípios cristãos fundamentais de amor, respeito e justiça (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). Como, nessa abordagem, a Educação Sexual é vista como um instrumento de transformação social, Figueiró (2006) a compreende próxima da Educação Sexual Emancipatória. A Educação Sexual de abordagem Médica substitui a ideia de pecado por doença, medicalizando o sexo por meio da classificação das disfunções e anomalias, enquanto estabelece propostas de terapia. Se antes a procriação era um dever para com Deus, a partir do século XIX ela passa a ser um dever para com o Estado, o qual, no Brasil, faz uma aliança com a Medicina para proteger a família nuclear, que deveria “fornecer soldados fortes, saudáveis, submissos e servidores da Pátria”. Deste modo, há o estabelecimento de regras para o casamento ideal, cujo objetivo é facilitar a reprodução de pessoas com bom porte físico (FIGUEIRÓ, 1995, p. 57). Na mesma direção, a Medicina difunde ideias sobre o valor do aleitamento materno, influenciando a mulher a assumir sua vocação natural, fortalecendo a coesão do núcleo familiar 66 e promovendo estereótipos de gênero. A mulher é colocada como frágil, afetiva, feita para amar e não inteligente, enquanto o homem é colocado como forte, inteligente e responsável pelo sustento da casa (FIGUEIRÓ, 1995). O controle da sexualidade ocorre não mais devido ao excesso, mas à falta, e o direito ao orgasmo passa a ser uma obrigação cívica, sobretudo a partir do século XX, quando se inicia a modernização da vida sexual, por meio da racionalização da sexualidade, difusão de informações baseadas em estudos científicos e debates sobre sexo, masturbação, virgindade, aborto e várias práticas sexuais (FIGUEIRÓ, 1995). Nesse momento, a Educação Sexual Médica passa a recomendar, nas escolas, conteúdos sobre anatomia e fisiologia humana, os quais são considerados suficientes para uma boa vivência da sexualidade e para assegurar a saúde sexual do indivíduo e da coletividade (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). A Educação Sexual de abordagem Pedagógica se concentra no processo de ensino e aprendizagem de conteúdos básicos sobre sexualidade, o que requer planejamento e preparo da/o educadora/or. Preocupa-se com a gravidez precoce e a contaminação pela AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome) [Síndrome da Imunodeficiência Adquirida], podendo ou não contemplar discussões de normas, valores e atitudes relacionadas à sexualidade. O objetivo dessa abordagem é promover o desenvolvimento feliz e saudável da sexualidade, ajudando o indivíduo a “viver bem a sua sexualidade, sem haver preocupação com engajamentos no processo de transformação social” (FIGUEIRÓ, 1995; 2006, p. 83). No Brasil, o advento da Educação Sexual nas escolas é marcado por avanços e recuos desde 1920, havendo um aumento de escolas que adotam a Educação Sexual na década de 1960 até o início da ditadura militar, o qual estabelece um clima de puritanismo, autoritarismo e repressão, censurando a Educação Sexual nas escolas até o final da década de 1970, quando seu espaço começa a ser reconquistado, porém não de forma homogênea. A Educação Sexual escolar poderia se dar na forma de orientação de grupo, atendimento individual, trabalho com os pais e seminários de estudos para as/os profissionais, contando, às vezes, com equipe multidisciplinar. A partir da década de 1980, as discussões sobre sexualidade passam a ocorrer também através dos meios de comunicação (FIGUEIRÓ, 1995). De acordo com Figueiró (2006), a Educação Sexual de abordagem Médica e Pedagógica tem em comum o objetivo de promover a vivência saudável e positiva da sexualidade pelos indivíduos, ajudando-os a vivê-la bem, sem, necessariamente, entender a Educação Sexual como um instrumento de transformação da sociedade, característica essencial da Educação Sexual Política ou Emancipatória. 67 A Educação Sexual de abordagem Política (FIGUEIRÓ, 1995) ou Emancipatória (FIGUEIRÓ, 2006) também considera a vivência pessoal positiva da sexualidade, mas caracteriza-se, principalmente, por compreender a Educação Sexual como um compromisso com a transformação social, cultural, política e econômica da sociedade. Para tanto, é necessário entender o desequilíbrio de poder legitimado pelos padrões e normas sexuais ao longo da história, assim como a influência da economia e da política em cada época a fim de alterar os papéis sexuais e sociais para então alcançar a igualdade de direitos (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). A abordagem Política ou Emancipatória se preocupa em desvelar os determinantes internos e externos da sexualidade, incluindo a repressão e a incitação ao sexo, uma vez que a descompressão sexual se disfarça de liberdade e exerce poder sobre a vida das pessoas, impondo formas de agir e se relacionar (FIGUEIRÓ, 1995). Ao mesmo tempo, objetiva resgatar o aspecto erótico da sexualidade, isto é, o prazer, os sentidos, os gestos, os toques, o corpo como um todo (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). O compromisso explícito da Educação Sexual Política ou Emancipatória com a transformação da sociedade se dá por reconhecer que o bem-estar para a vivência positiva e feliz da sexualidade não é uma mera escolha individual isolada, pois a vivência pessoal é influenciada pela cultura. Por exemplo: como pode viver de forma plena sua sexualidade uma mulher, ou um homossexual, que, apesar de ter buscado informações e ter trabalhado aspectos afetivos e psicológicos relacionados à sexualidade, está inserida no contexto cultural de desigualdade de gênero e misoginia, ou inserido no contexto cultural que oprime os homossexuais? (FIGUEIRÓ, 1995). Acrescenta-se aqui que o mesmo vale para pessoas com deficiência. Como pode uma mulher com deficiência viver de forma plena sua sexualidade se está inserida no contexto cultural marcado, pelo menos, pelo sexismo e pelo capacitismo? 2.2.2 Abordagens de Educação Sexual segundo Nunes Nunes identificou cinco abordagens ou modelos que podem nortear o trabalho em Educação Sexual, a saber: (1) abordagem normativo-institucional, (2) abordagem médico- biologista, (3) abordagem terapêutico-descompressiva, (4) abordagem consumista-quantitativa e (5) abordagem emancipatória (NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). A Educação Sexual de abordagem Normativo-Institucional é a “base da reprodução da estrutura patriarcal” (NUNES, 1996, p. 189). Objetiva a conservação institucional da família monogâmica composta por pai, mãe e filhos, por meio da proliferação dos discursos normativos 68 que se mascaram de orientação para as novas gerações na Igreja e na Escola, a qual “emprestava espaço para o avanço do discurso institucional, voltado para a defesa intransigente do matrimônio e da família patriarcal tradicional” (p. 177). Algumas escolas brasileiras adotavam um manual de Educação Sexual de inspiração protestante, mesclando aspectos científicos e religiosos, defendendo a ideia de superioridade do masculino sobre o feminino, com foco na natureza procriativa da mulher, e propondo a inibição da sexualidade com base em recomendações amedrontadoras sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e suas possíveis sequelas (NUNES, 1996; NUNES; SILVA,2006). Apesar do silêncio sobre sexualidade na família, esta ensina os papéis sexuais tradicionais, contribuindo com a conservação dos conceitos estereotipados de homem e de mulher. Nessa abordagem, ser homem e ser mulher possui determinação biológica e institucional-religiosa, uma vez que se concentra na descrição das funções da paternidade e da maternidade, ao passo que a homossexualidade e a liberação sexual são consideradas anomalias ou perversões (NUNES, 1996). A Educação Sexual de abordagem Médico-Biologista compreende a sexualidade em seu aspecto biológico. Considera sua dimensão procriativa e a concebe como instinto natural do corpo humano, focando em compreender o funcionamento dos aparelhos reprodutivos na evolução animal, descrever e intervir cientificamente sobre as formas e mecanismos da reprodução. O paradigma dessa abordagem é que a natureza determina a condição humana, sendo o ser humano um conjunto de funções e aparelhos determinados pela evolução naturalista. Deste modo, a ordem natural proclama o que é ser homem e o que é ser mulher, bem como o que é ser normal e o que é ser anormal (NUNES, 1996). Nessa abordagem, a Educação Sexual deve abordar aspectos de higiene corporal e sexual, além da “descrição das funções procriativas, centrado na informação das etapas e características do aparelho reprodutor e das funções reprodutivas” (NUNES; SILVA, 2006, p. 14), muitas vezes, tentando amedrontar a juventude acerca das práticas sexuais “perigosas”. Não raro, a abordagem Médico-Biologista fortalece o discurso institucional da sociedade brasileira (NUNES, 1996), resultando “numa simbiose conservadora, descritiva, formalista e receituária” (NUNES; SILVA, 2006, p. 14). Embora Nunes não relacione o efeito das abordagens Normativo-Institucional e Médico-Biologista para as pessoas com deficiência, sobretudo às mulheres com deficiência, afirma-se aqui que, junto à visão capacitista e incompatível com a realidade de que as mulheres com deficiência são assexuadas, as “representações conservadoras que vinculam sexualidade à reprodução restringe-lhes as possibilidades de reconhecimento como sujeito, já que para muitas 69 sociedades contemporâneas as mulheres com deficiência representam ‘o degenerado que não deve ser reproduzido’” (MELLO; NUERNBERG, 2013, p. 8. Grifo no original). A Educação Sexual de abordagem Terapêutico-Descompressiva tem uma visão psicologista-terapêutica e descompressiva da sexualidade, tão reprimida no Brasil até os anos 1980. “As consultas sexuais passaram a ser a mediação da descompressão da fala, a expressão terapêutica de casos de extensão indireta capazes de induzir a uma suposta desculpabilização significativa de práticas contraditórias, ansiosas e muitas vezes desinformadas” (NUNES; SILVA, 2006, p. 16). Num misto de psicologia e senso comum, passa-se a incentivar que se fale de sexualidade para descomprimir as práticas reprimidas. Tal ideia foi difundida, principalmente, pelos meios de comunicação em massa, os quais contribuíram com a associação entre felicidade e consumo de coisas e de pessoas, com a transformação do corpo em mercadoria e com a venda “de todos os produtos capazes de compensar a frustração existencial e de tornar-se a compensação ontológica pela quantificação de práticas sexuais”. Consagra-se, assim, o ter acima do ser (NUNES, 1996, p. 160). Apesar disso, a essa abordagem pode-se agregar variantes de militância como a defesa dos direitos das mulheres, como críticas ao casamento tradicional e a denúncia de violência contra a mulher, bem como dos direitos dos homossexuais ao mesmo tempo em que se prescreve um ideal de homossexual educado e gentil (NUNES; SILVA, 2006). A Educação Sexual de abordagem Consumista-Quantitativa intensifica a mercantilização da sexualidade. Transformada em técnica, torna-se quantitativa, consumista, deserotizada, mecânica, reduzida aos genitais e desconectada do sentido humano. O capitalismo, sobretudo no pós-guerra, quando o poder de destruição de milhões de pessoas diminui o sentido da vida comum, coopta a sexualidade, tornando o corpo fetiche de consumo (NUNES, 1996). A mercantilização do corpo tem a televisão, meio de comunicação unilateral que diminui a habilidade de fazer uma leitura real do mundo, como grande aliada, pois é a loja de desejos e alienação dos sentimentos e da razão. Ela expõe as delícias do consumismo e entretém “a massa de sofridos e frustrados no seu projeto existencial, político, econômico e social” (NUNES, 1996, p. 202). Na mesma direção da televisão, estão as revistas e filmes pornográficos, favorecendo a busca de uma sensualidade estereotipada (NUNES; SILVA, 2006). Essa abordagem não costuma estar presente nas escolas, mas é a abordagem “dominante na sociedade de massas e que reduziu a revolução sexual, de fundamentos filosóficos e 70 políticos, a uma descompressão dessublimada de práticas sexuais compensatórias, reificadas, quantitativas e desumanizadas” (NUNES; SILVA, 2006, p. 16). Apesar de Nunes (1996) não discutir as consequências das abordagens Terapêutico- Descompressiva e Consumista-Quantitativa para as pessoas com deficiência, é possível perceber que, ao difundir a mensagem de que somente as pessoas cujos corpos se aproximam daqueles retratados pela mídia têm direito ao prazer sexual, assim como a mensagem de que o sexo prazeroso envolve, necessariamente, penetração e orgasmo, ambas as abordagens corroboram o fortalecimento dos mitos de que as pessoas com deficiência são indesejáveis, incapazes de estabelecer e manter um relacionamento afetivo-sexual e incapazes de desfrutar de uma vida sexual prazerosa. Tais mitos, por sua vez, resultam no cerceamento das possibilidades de as pessoas com deficiência expressarem e vivenciarem sua sexualidade (MAIA; RIBEIRO, 2010). A Educação Sexual de abordagem Emancipatória busca uma visão científica e crítica da sexualidade a qual é compreendida como energia vital da subjetividade e da cultura, condicionada por aspectos sociais, políticos, econômicos e históricos (NUNES, 1996). Ao perseguir uma visão científica da sexualidade, essa abordagem afirma que não há neutralidade na ciência, logo, não há neutralidade na/o cientista ou na/o educadora/or. A ciência é a forma de superar o senso comum, mas não pode se reduzir a descrições assépticas, frias e desencarnadas, pois o discurso aparentemente neutro “esconde ou impede uma reflexão ético- política mais ampla” (NUNES, 1996, p. 245) e a produção da ciência não deve estar desvinculada de um projeto político que supere as causas da opressão, sendo esse o objetivo último da Educação Sexual Emancipatória: superar as opressões (NUNES, 1996). Na mesma direção, a abordagem Emancipatória reconhece que cada iniciativa de abordar a sexualidade está condicionada por interesses hegemônicos, daí a necessidade de construir um discurso e prática contra-hegemônicos. A Educação Sexual Emancipatória constituiria o discurso e prática contra-hegemônicos, enquanto as demais abordagens coadunam com a reprodução dos interesses hegemônicos (NUNES, 1996). Nesse sentido, a função da Educação Sexual não é definir o permitido e o proibido, mas viabilizar os parâmetros para que cada pessoa seja sujeito da própria existência e da convivência que estabelece com as demais pessoas, pois assim será sujeito da própria sexualidade, vivenciando-a com autonomia, liberdade e responsabilidade coletiva. A Educação Sexual deve, portanto, estar acoplada a uma “educação para cidadania, para convivência de iguais, para uma adequada concepção de si e dos outros que estão ao seu redor”, ensinando inclusive a enfrentar e a conviver com as frustrações, pois fazem parte da vida (NUNES, 1996, p. 270). 71 Em vista disso, a abordagem Emancipatória refuta a compreensão da sexualidade como um conjunto de normas, como a abordagem Normativo-Institucional,pois coincide com a manutenção da ordem opressora; outrossim, recusa a compreensão da sexualidade nos limites da fisiologia, como a abordagem Médico-Biologista, pois retira do ser humano o caráter de expressão única em sua consubstanciação de espécie e, ao mesmo tempo, pessoa; igualmente, rejeita a compreensão da sexualidade como onipotência subjetiva e quantificação de práticas sexuais, aparentemente sem normas, mas essencialmente outra estratégia de exercer poder e controle sobre a sexualidade, como as abordagens Terapêutico-Descompressiva e Consumista- Quantitativa, pois a coloca como válvula de escape de indivíduos ausentes de si, convergindo para a negação do ser humano como ser histórico, político e social, obstruindo, assim, a emancipação, que só é possível no mundo de mulheres e homens livres, capazes de trocas gratificantes e significativas, de se reconhecer nos outros e na vivência coletiva (NUNES, 1996). Ao intencionar que cada pessoa se torne sujeito da própria sexualidade, a Educação Sexual Emancipatória assume que concebe o ser humano na contradição de ser determinante e determinado, presente e projetado para o futuro. Deste modo, pode buscar sua plena humanização e construir novas relações sociais, de produção e de significação da vida (NUNES, 1996). Para tanto, é necessário compreender o mundo para além das aparências, o que significa desvelar os diferentes discursos sobre sexualidade a fim de “descortinar a ideologia dominante e suas práticas de persuasão” (p. 248) e, então, denunciar intensamente as “relações de poder entre homens e mulheres, entre classes sociais, entre grupos etários” (p. 244), pois a denúncia das redes de poder é uma atitude fundamental para a libertação dos controles hegemônicos, corporificados na opressão e repressão sobre o prazer e o sentir (NUNES, 1996). A abordagem Emancipatória admite que não há um modelo preestabelecido que venha apresentar a sexualidade, necessariamente, como panaceia consoladora de todos os males, assumindo que a função da educação sexual é uma intervenção de ordem social [...] é delinear o que é o homem, o que é ser mulher, é construir utopias sobre o ser homem, ser mulher; é superar os reducionismos presentes pela construção de horizontes plenificantes e profundamente fecundados (NUNES, 1996, p. 230-231). À vista disso, a Educação Sexual Emancipatória busca a completa superação do machismo, o qual “é um comportamento estrutural da cultura e o feminismo é um componente da luta revolucionária de todos quantos buscam superar as atuais formas de opressão existentes 72 na sociedade” (NUNES, 1996, p. 205). Assim, entende-se aqui a Educação Sexual Emancipatória como sinônimo do Feminismo. Para Nunes (1996), as lutas dos movimentos emancipatórios das mulheres, das pessoas negras, homossexuais, ambientalistas e, acrescenta-se aqui, das pessoas com deficiência são fissuras do presente que abrem horizontes de cidadania para o futuro, já que além das denúncias das opressões é urgente novas proposições abrangentes para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Muitas dessas lutas não foram plenamente vencidas ou cooptadas pelos interesses hegemônicos. Na sociedade igualitária, livre de alienação econômica, sexual e dos desejos, haverá espaço e tempo para todos os corpos e não apenas para aqueles que atendem aos ditames do capitalismo, qual seja, belo, ágil e jovem, excluindo as/os idosas/os como improdutivas/os (NUNES, 1996). Reconhece-se aqui o mesmo efeito para as pessoas com deficiência, especialmente para as mulheres com deficiência. Apenas nessa sociedade que se pretende construir será possível desencadear uma visão positiva do corpo, da existência e das potencialidades de amor e desejo que as pessoas carregam em si, pois “ninguém é capaz de desejar plenamente em situações de miséria e opressão, e ninguém é capaz de amar sem poder desejar” (NUNES, 1996, p. 241-242). Nunes (1996) e Nunes e Silva (2006) defendem que a Educação Sexual Emancipatória deve espelhar os grupos historicamente marginalizados e consolidar-se como um projeto amplo e multidisciplinar, presente também na Escola, a qual, podendo fortalecer as estruturas atuais ou criticá-las a fim de ampliar a possibilidade de uma sociedade justa e igualitária, deve optar pela segunda alternativa e assumir a corresponsabilidade na emancipação de homens e mulheres, sendo emancipação “entendida como a formação para compreensão plena, integral, histórica, ética, estética e psicossocialmente significativa e consciente das potencialidades sexuais humanas e sua vivência subjetiva e socialmente responsável e realizadora” (NUNES; SILVA, 2006, p. 17). Nesse sentido, Nunes (1996) assegura que não é possível sustentar uma intervenção emancipatória sem coerência entre palavras e ações, o que requer conexão entre teoria e prática. 2.2.3 Abordagens de Educação Sexual segundo Furlani Furlani (2005) identificou oito abordagens que podem nortear o trabalho em Educação Sexual, a saber: (1) biológico-higienista, (2) moral-tradicionalista, (3) terapêutica, (4) religioso- radical, (5) dos direitos humanos, (6) dos direitos sexuais, (7) emancipatória e (8) queer. 73 A Educação Sexual de abordagem Biológico-Higienista toma a biologia como determinante do ser humano e da sexualidade. O trabalho nessa abordagem objetiva a promoção da saúde e o planejamento familiar a partir de discussões sobre reprodução humana com foco na prevenção de IST e gravidez indesejada (FURLANI, 2005; 2016). Tal abordagem está muito presente na Escola e na formação de professores. De acordo com Furlani (2005), a crítica à Educação Sexual Biológico-Higienista não é sobre a sua presença na Escola, o que é necessário, mas sim ao fato de considerar apenas a biologia para compreender a sexualidade, produzindo uma abordagem limitada, reducionista e que pode incorrer na naturalização das desigualdades de gênero. Enquanto a abordagem Biológico-Higienista propõe que questões de reprodução humana sejam discutidas a fim de promover saúde e planejamento familiar, a abordagem Moral- Tradicionalista defende a privação de informações sobre sexualidade e recomenda a abstinência sexual como prevenção de gravidez e IST (FURLANI, 2016). A Educação Sexual Moral-Tradicionalista é difundida por grupos pró-vida e pró-família de direita radical nos Estados Unidos e aparece também no Brasil. Seus princípios são a manutenção dos papéis sexuais tradicionais, do casamento monogâmico e da castidade. Defende a educação separada de meninos e meninas e a educação sexual como responsabilidade exclusiva da família (FURLANI, 2005; 2016). As críticas a essa abordagem se referem à censura que impossibilita o acesso a informações sobre sexualidade e anticoncepção, bem como à homofobia e ao sexismo (FURLANI, 2005; 2016). Em direção semelhante, a abordagem Terapêutica busca as causas e a cura das “vivências sexuais consideradas ‘anormais’”, com foco na cura da homossexualidade. Essa abordagem possui vínculo com instituições religiosas e pode ocupar a mídia em canais de televisão e rádios religiosas, além de consultórios de orientações e aconselhamento, constituindo uma mistura de psicoterapia e terapia espiritual (FURLANI, 2005, p. 208. Grifo no original). A crítica à Educação Sexual Terapêutica se refere à acentuação do sexismo, da misoginia e da homofobia, sendo a homossexualidade entendida como um desvio da normalidade causado pela ausência de relacionamento com o pai e falta de habilidades educativas da mãe (FURLANI, 2005; 2016). Outra abordagem de Educação Sexual originária em discursos religiosos é a Religioso- Radical, cujas recomendações baseiam-se em interpretações literais da Bíblia, tomada como verdade inquestionável na compreensão da sexualidade normal (FURLANI, 2005). 74 Essa abordagem está presente em instituições,escolas e mídias religiosas evangélicas e católicas, legitima a homofobia, a segregação racial e a opressão das mulheres pelo retorno da sua submissão e pela manutenção da família patriarcal. Assim como a abordagem Moral- Tradicionalista, defende a abstinência sexual (FURLANI, 2005; 2016). Além do caráter religioso e conservador, as abordagens Moral-Tradicionalista, Terapêutica e Religioso-Radical têm em comum as condições históricas em que surgem, parecendo ser uma reação da extrema-direita às conquistas do movimento feminista e LGBT (FURLANI, 2005; 2016). A Educação Sexual de abordagem dos Direitos Humanos foca na denúncia das desigualdades sociais e da inexistência da universalidade dos direitos humanos, pois, embora todas as pessoas do planeta pertençam à espécie humana, ser um ser humano não garante que todas as pessoas sejam seres de direitos humanos, indicando que a subordinação histórica de alguns grupos humanos não se encerrou com a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois o humano de referência, tido como universal, foi o “homem, masculino, branco, adulto, heterossexual, de classe média, cristão, ocidental” (FURLANI, 2005, p. 217). A Educação Sexual dos Direitos Humanos busca a cidadania plena e a inclusão social. Para tanto, é necessário explicitar, problematizar e desconstruir as identidades excluídas e subordinadas (FURLANI, 2005; 2016). Na mesma direção, a Educação Sexual de abordagem dos Direitos Sexuais pretende a cidadania e a inclusão dos grupos historicamente subordinados, bem como a efetividade da Declaração dos Direitos Sexuais, discutindo o significado dos direitos sexuais para as mulheres, para as pessoas LGBTTT, bem como para as crianças e adolescentes (FURLANI, 2005; 2016). Gostaria de acrescentar aqui as pessoas com deficiência. Essa abordagem tem produzido discussões sobre ética sexual no contexto da Educação, das mídias e dos Conselhos Profissionais, o que foi impulsionado pelos movimentos sociais que reivindicaram uma revisão acadêmica da patologização da sexualidade (FURLANI, 2005). Furlani (2016) problematiza que o debate sobre a garantia dos direitos sexuais não pode se limitar ao aspecto de tolerância às minorias, pois manter a dicotomia de quem tolera versus quem é tolerado não altera significativamente o desequilíbrio de poder e as desigualdades sociais. A Educação Sexual de abordagem Emancipatória identificada por Furlani (2005), assim como conceituada por Figueiró (1995) e Nunes (1996), busca o desvelamento da realidade opressora e sua transformação por meio da luta. Furlani (2005) aponta que a base teórica da Educação Sexual Emancipatória tem a mesma raiz da Teoria Crítica da Educação. 75 Citando Ayres (1997), Furlani (2005) indica que uma educação para a emancipação deve estar na contramão de qualquer tentativa de supressão violenta da alteridade, ao passo que procura desenvolver um equilíbrio entre adaptação e crítica a fim de que os indivíduos se inconformem com a realidade posta e, então, recriem essa realidade. Para tanto, a educação emancipatória deve favorecer que cada indivíduo leia o mundo sem precisar da tutela de outra pessoa. No Brasil, foi a partir do debate de Paulo Freire sobre educação popular que se começou a vislumbrar uma educação emancipatória, isto é, dialógica e antiautoritária, o que requer uma teoria intimamente relacionada com a prática política por mudanças. Somente uma educação dialógica, participativa e crítica tem condições de apoiar a transformação da pessoa em sujeito pleno, consciente da exploração em que vive e capaz de criar outra realidade (FURLANI, 2005; 2016). Essa abordagem de Educação Sexual entende que o contexto social reprime a sexualidade, sendo necessário buscar liberdade de escolha, a qual perpassa pela tomada de consciência dos mecanismos de opressão (FURLANI, 2005). A Educação Sexual de abordagem Queer tem raiz na Teoria Queer, que se caracteriza por uma política da diferença pós-identitária. Isso significa o questionamento do caráter fixo e estável da identidade homossexual construída pelo movimento gay e lésbico, bem como o questionamento de seus limites e fronteiras, criticando a exclusão de sujeitos que não se encaixam nessa identidade homossexual hegemônica, tais como travestis, drag queens e sadomasoquistas (FURLANI, 2005). A palavra queer, estranho ou esquisito em tradução livre, historicamente foi usada nos países de língua inglesa com a função de humilhar o grupo de pessoas cujas identidades sexual e de gênero não se enquadravam nos padrões de normalidade. Assim, “ao utilizar o termo queer (a princípio negativo e pejorativo), esse grupo marca uma resistência e uma proposital ironia à heteronormatividade” (FURLANI, 2005, p. 233). A premissa básica dessa abordagem é a rejeição a qualquer forma de normatividade, não só relacionada às questões sexuais e de gênero, mas também às questões raciais, étnicas, coloniais, geracionais, dentre outras (FURLANI, 2005). Assim, a abordagem Queer pretende discutir como cada representação do normal e do anormal é criada, como cada identidade é construída, valorizada ou desvalorizada, assumida ou não, a fim de desestabilizar a normalidade, demonstrando como sua produção “é intencional, histórica, política e, sendo assim, instável, contingencial e mutável” (FURLANI, 2016, p. 37). 76 De acordo com Furlani (2005), o caráter contestador e inconformado da abordagem Emancipatória parece convergir com a abordagem Queer, visto que uma educação com postura queer consiste na crítica desconstrutiva da educação dominante que apresenta a heterossexualidade como a identidade hegemônica, compulsória e incontestável. [...] Essa Educação Sexual poderia começar por apresentar-se como perturbadora das “verdades” que definem os campos de produção e reprodução de relações desiguais de poder e de legitimação das hierarquias sexuais e de gênero (FURLANI, 2005, p. 240. Grifo no original). A contestação das abordagens Emancipatória e Queer de Educação Sexual em relação à distribuição desigual de poder entre as pessoas, assim como o compromisso da Educação Sexual Emancipatória de desvelar a realidade opressora e transformá-la, coadunam com os princípios da pesquisa feminista e dos estudos emancipatórios no campo da deficiência, como será apresentado a seguir. 77 3. CAMINHOS DA PESQUISA A construção de barreiras a nossa participação, ao longo da história, vem sendo uma forma de nos manterem distantes dos espaços de decisão. Coletivo Feminista Helen Keller Nesta Seção, será apresentado o caminho percorrido para a realização desta pesquisa. A Seção está dividida em oito subseções, a saber: (1) Pesquisa feminista e pesquisa emancipatória no campo da deficiência; (2) Tipo de estudo; (3) Aspectos éticos; (4) Instrumentos de coleta de dados; (5) Colaboradoras da pesquisa; (6) Participantes da pesquisa; (7) Procedimento de coleta de dados e (8) Procedimento de análise de dados. 3.1 Pesquisa Feminista e Pesquisa Emancipatória no Campo da Deficiência Com esta pesquisa, pretendeu-se alinhar aos referenciais da Educação Sexual Emancipatória, às bases teórico-metodológicas feministas e à pesquisa emancipatória no campo dos Estudos da Deficiência, a qual prevê compromisso entre trabalho intelectual e o combate a opressões e desigualdades (hooks, 1995; GARLAND-THOMSON, 2002; DINIZ, 2003). De acordo com Sandra Harding (1987), uma pesquisa feminista caracteriza-se por partir de problemas que surgem das experiências das mulheres (no plural), estar a favor das mulheres e colocar a pesquisadora/or no mesmo nível crítico que o tema da pesquisa. Ao conduzir-se a pesquisa, deve se concentrar em desvelar fatores que estão na contramão da emancipação das mulheres, bem como sobre a possibilidade de modificar as condições opressoras, se empenhando em ofereceras explicações que as mulheres desejam e precisam e não em fornecer soluções aos problemas apontados pelo grupo dominante. Assim, os objetivos e análise da pesquisa devem estar intimamente conectados com as origens dos problemas. Para tanto, é necessário prestar muita atenção sobre o que as participantes dizem sobre suas próprias vidas (HARDING, 1987). Ao mesmo tempo, a pesquisa feminista precisa se manter atenta ao risco de, ao abordar violência, reafirmar o estereótipo das mulheres enquanto passivas e invariavelmente vítimas, negligenciando que as mulheres podem ser (tem sido e são) agentes sociais em favor de si mesmas e de outras pessoas, opondo-se à dominação (HARDING, 1987). Nesse sentido, é pertinente que com a pesquisa feminista sejam resgatadas as mulheres enquanto sujeitos do 78 conhecimento, denunciando que a ciência foi produzida pelo ponto de vista dos homens dotados de privilégio de classe e raça (HARDING, 1987). Além de evitar o risco de reafirmar estereótipos, é necessário que, com a pesquisa feminista, se atente à desconstrução do mito da mulher universal, uma vez que o feminino, assim como o masculino, são sempre categorias em intersecção com classe, raça (HARDING, 1987) e também deficiência, conforme apontado pelos Estudos Feministas da Deficiência (GARLAND-THOMSON, 2002; DINIZ, 2003; MELLO; NUERNBERG, 2012; MELLO, 2014; TAYLOR, 2017; MELLO; MOZZI, 2018). Daí a importância de buscar as experiências das mulheres, no plural. A pesquisa feminista questiona a distribuição desigual de poder no processo da sua investigação, o que implica colocar a/o pesquisadora/or no mesmo nível crítico que o tema e as/os participantes do estudo, explicitando os marcadores sociais que a/o atravessam, bem como o modo que tais atravessamentos podem ter influenciado o delineamento da pesquisa. Foi o que se objetivou fazer no breve memorial desta dissertação. A/o pesquisadora/or não deve ser tomada/o como sujeito neutro, invisível e anônimo de autoridade, mas como sujeito real e histórico, que possui desejos e interesses (HARDING, 1987). A objetividade da pesquisa feminista perpassa pela consideração dos elementos subjetivos da/o pesquisadora/or, isto é, pelo reconhecimento de que as crenças, os comportamentos e a cultura da/o pesquisadora/or feminista moldam suas análises, como também ocorre com as análises de pesquisadoras/es sexistas, mas de forma implícita. Somente a partir desse reconhecimento será possível produzir um conhecimento mais livre das distorções que têm origem nos comportamentos não analisados pelas/os pesquisadoras/es (HARDING, 1987). Em direção semelhante, Bruno Sena Martins, Fernando Fontes, Pedro Hespanha e Aleksandra Berg (2012) apontam que uma pesquisa emancipatória no campo dos Estudos da Deficiência se caracteriza por quatro princípios: (1) adoção do Modelo Social da Deficiência como ferramenta teórica, (2) comprometimento com as lutas das pessoas com deficiência, (3) responsabilidade da/o pesquisadora/or diante das/os participantes da pesquisa e (4) emprego de metodologias flexíveis e adaptáveis, que capturem a complexidade do real e valorize a voz das pessoas com deficiência. A adoção do Modelo Social da Deficiência suscita o questionamento das relações autoritárias que desqualificam as perspectivas das pessoas com deficiência, perspectivas essas que colocam a desigualdade imposta pela ordem social no lugar central da análise. Desse modo, a pesquisa emancipatória deve denunciar as estruturas econômicas, políticas e sociais que 79 excluem, marginalizam e invisibilizam as pessoas com deficiência, recusando a neutralidade e assumindo o compromisso político de tensionar por uma sociedade mais inclusiva (MARTINS et al., 2012). A fim de produzir conhecimentos que corroborem mudanças positivas na vida das pessoas com deficiência, na sociedade em geral e na própria forma de se fazer pesquisa, a/o pesquisadora/or deverá refletir profundamente sobre a participação das pessoas com deficiência, sobre a metodologia e sobre como os resultados poderão contribuir com a transformação da sociedade, focando a análise na sociedade capacitista (MARTINS et al., 2012; CAMPBELL, 2009). A abordagem qualitativa tem sido apontada como alinhada à pesquisa emancipatória, pois oferece possibilidade de romper com a dualidade sujeito/objeto, distribuindo o poder entre pesquisadora/or e participantes (MARTINS et al., 2012). Oliver (2002, apud MARTINS et al., 2012) aponta para a importância de escolher técnicas de pesquisa que possibilitem a coletivização de experiências individuais, além da abertura da/o pesquisadora/or para se deixar tocar e transformar ao longo da realização da pesquisa. Diante dessas considerações, este estudo adotou a abordagem qualitativa, por considerar que a relação entre pesquisadora/or e participantes é do tipo sujeito-sujeito e não sujeito-objeto, na qual a/o pesquisadora/or assume uma posição crítica, mas não neutra, uma vez que sua forma de olhar e interpretar os eventos está ancorada em sua formação acadêmica, suas opções teóricas e também em suas experiências individuais e sociais, seus valores e cultura (GONDIM, 2003). Segundo Sônia Maria Guedes Gondim (2003), os critérios de qualidade de uma pesquisa que adota a abordagem qualitativa são “a compreensão de uma realidade particular, a autorreflexão e a ação emancipatória” (p. 150), pois o conhecimento é entendido como um instrumento para a autoconscientização e ação humana e não como um fim em si mesmo. Busca-se uma diminuição da distância entre a produção e a aplicação do conhecimento, além do compromisso da/o pesquisadora/or com a transformação social (GONDIM, 2003). A técnica do grupo focal é comumente utilizada em pesquisas de abordagem qualitativa, bastante utilizada em estudos exploratórios e considerada uma técnica de coleta de dados intermediária entre a observação participante e a entrevista em profundidade, permitindo coletar mais informações em menos tempo, quando comparada às duas (GONDIM, 2003; GATTI, 2005). O uso do grupo focal está relacionado com os objetivos da pesquisa e com os propósitos da/o pesquisadora/or, podendo ser compreendido como técnica capaz de aprofundar o conhecimento sobre um tema específico e também como técnica promotora de conscientização e transformação social (GONDIM, 2003). 80 No mesmo caminho, os grupos focais foram apontados pelas pesquisadoras feministas Sue Wilkinson e Barbara Pini (WILKINSON, 1999; PINI, 2002) como técnica de coleta de dados com potencial de equilibrar as relações de poder entre pesquisadoras/es e participantes, bem como provocar a tomada de consciência de que experiências pessoais são também coletivas e incentivar mudanças sociais e políticas. Pini (2002) afirma que a pesquisa com grupos focais lhe exigiu muitos recursos pessoais, desde o planejamento do grupo, atraindo pessoas, durante a condução, mantendo a discussão fluida e construindo relacionamentos entre as participantes e também entre elas e a pesquisadora. A pesquisadora afirma que, no entanto, o investimento não ficou sem recompensa, tanto para ela quanto para as participantes. A pesquisa de Pini (2002), cujas participantes foram mulheres agricultoras, demonstrou que a coleta de dados, a partir de grupos focais, tornou evidentes as contribuições das mulheres na produção rural, que até então estavam na invisibilidade, possibilitou o estabelecimento de conexões entre suas experiências individuais e as experiências de outras mulheres, permitindo o desafio de crenças dominantes que colocam as mulheres em desvantagem, fornecendo um espaço para reflexão e discussão sobre questões de gênero. Wilkinson (1999) destaca que os grupos focais têm a vantagem de evitar a artificialidade e a descontextualização, uma vez que reproduzem os processos de comunicação da interação social cotidiana e possibilitam observarcomo os significados são produzidos, as opiniões formadas, expressas e modificadas na interação com outras pessoas, além de serem úteis para conhecer o ponto de vista de participantes pertencentes a grupos sociais pouco representados. Gatti (2005) recomenda que haja características em comum entre as/os participantes do grupo focal, mas variação suficiente para que apareçam opiniões diferentes, pois no processo de discussão emergem consensos e dissensos, concordâncias e discordâncias. Tal processo possibilita que as participantes ampliem sua compreensão sobre determinado tema e oportuniza desenvolvimento nos aspectos comunicacionais, cognitivos e afetivos, sendo a formação de opinião e possibilidade de ampliação do conhecimento resultado das interações sociais, ou seja, das relações de interdependência entre participantes (GONDIM, 2003; GATTI, 2005). As decisões acerca da composição do grupo, dos recursos empregados e da condução com maior ou menor diretividade da/o moderadora/or dependem dos objetivos e do problema da pesquisa (GONDIM, 2003). Assim, nesta pesquisa, a homogeneidade entre as participantes correspondeu à intersecção gênero e deficiência, havendo heterogeneidade de idade (geração), orientação sexual, raça/etnia, religião, entre outras. 81 A/o moderadora/or do grupo focal deve assumir um papel de facilitadora/or das trocas, estabelecendo um clima aberto e livre de ameaças, que garanta a exposição de opiniões e pontos de vista divergentes, mantendo a atenção nas interações, nas interinfluências, no plano intersubjetivo (GONDIM, 2003; GATTI, 2005). Em função disso, optou-se pela realização de grupo focal on-line do tipo síncrono (todas as participantes conectadas ao mesmo tempo) por videoconferência, a fim de observar a interação entre as participantes, que ocorreu por áudio, vídeo e também chat, sendo que nas manifestações via chat, a pesquisadora lia em voz alta (FLICK, 2013). 3.2 Tipo de Estudo Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo exploratório, a partir de uma pesquisa de campo, uma vez que pretendeu aproximar-se das percepções e vivências das mulheres com deficiência sobre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual, a partir de um pequeno grupo de mulheres com deficiência, procurando também descobrir possíveis relações entre suas percepções e os contextos familiar, social, econômico e religioso em que estão inseridas (GIL, 2008; BORTOLOZZI, 2020). 3.3 Aspectos Éticos Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFG/REJ (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética – CAAE 30968720.3.0000.5083, parecer no 4.102.001) e apenas após a aprovação a pesquisadora entrou em contato com as possíveis participantes, apresentando os objetivos da pesquisa e fazendo o convite para participação voluntária. Os riscos e benefícios da pesquisa foram considerados e apresentados às participantes via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Apêndice 1), assim como as estratégias para diminuição dos riscos e as medidas de ressarcimento e assistência imediata e integral em caso de danos decorrentes da participação na pesquisa (Resolução 466/2012 III.2, letra “o”; IV.3, letras “b” e “c”). A identidade das participantes foi preservada pela substituição de seus nomes por nomes fictícios. Na mesma direção, foi solicitado que cada participante e colaboradora procurasse um local fechado e sem interrupções durante os dois encontros de grupo focal on-line. Foi ressaltado o direito de se recusar a responder qualquer questão que causasse desconforto 82 emocional ou constrangimento e de retirar o consentimento de participação na pesquisa em qualquer momento e sem nenhuma penalização. A fim de cumprir os aspectos éticos da pesquisa e cuidar do bem-estar das participantes, foram realizadas duas reuniões com as colaboradoras, assim como procurou-se garantir os recursos de acessibilidade atentando-se às demandas de cada uma, como será elucidado a seguir. 3.4 Instrumentos de Coleta de Dados Um formulário de mapeamento de interesse em participar da pesquisa (Apêndice 2) foi criado pela pesquisadora, por sugestão das colaboradoras, para verificar, além do interesse, também a disponibilidade, as necessidades de recursos de acessibilidade, o acesso à internet WiFi e a familiaridade com a ferramenta Google Meet de cada participante em potencial, a fim de garantir que a coleta de dados fosse acessível. Um questionário socioeconômico (Apêndice 3) foi elaborado pela pesquisadora, com base em diversos questionários socioeconômicos com os quais teve contato ao longo de sua trajetória escolar e acadêmica. Tal instrumento visou a atender ao objetivo específico de identificar possíveis influências dos contextos familiar, social, econômico e religioso na percepção das mulheres com deficiência sobre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual. Um roteiro para os encontros do grupo focal (Apêndice 4) foi construído pela pesquisadora, considerando orientações de Rolim (2020) e Gatti (2005). Com esse instrumento, pretendeu-se atender ao objetivo geral de compreender a percepção de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado em uma Educação Sexual inclusiva, bem como aos objetivos específicos deste estudo especificados na Seção 1. 3.5 Colaboradoras da Pesquisa A realização dessa pesquisa foi possível com a mediação de três colaboradoras, sendo uma relatora e duas tradutoras/intérpretes de libras, as quais serão apresentadas a seguir com seus nomes verdadeiros, conforme suas solicitações. Laura Aparecida de Lima Costa é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) do curso de História da UFJ, integrante do NuEPFES e do Grupo 83 de Pesquisa Pluriepistemologias do Ensino de História. Colaborou na pesquisa como relatora, fazendo anotações durante os encontros do grupo focal, sem interferir em seu funcionamento, e revisando as transcrições automáticas de cada encontro. Angelita Barbosa Martins é tradutora/intérprete de libras efetiva da UFJ, alocada no NAI. Possui graduação em Pedagogia, pós-graduação em Tecnologia Assistiva, Comunicação Alternativa e Língua Brasileira de Sinais e certificação em proficiência em libras. Colaborou na pesquisa auxiliando a mapear as participantes em potencial, sugerindo estratégias de garantia de acessibilidade e realizando a tradução/interpretação libras-português nos encontros do grupo focal. Flávia Ferreira Rodrigues é tradutora/intérprete de libras terceirizada da UFJ, alocada no NAI. Possui graduação em Pedagogia e pós-graduação em Psicologia com Ênfase no Ensino Especial e Educação Inclusiva. Assim como Angelita, colaborou auxiliando a mapear as participantes em potencial, sugerindo estratégias de garantia de acessibilidade e realizando a tradução/interpretação libras-português nos encontros do grupo focal. 3.6 Participantes da Pesquisa 7 (sete) mulheres com deficiência, estudantes e egressas da UFJ, participaram desta pesquisa. Seus nomes foram substituídos por nomes fictícios de sua escolha, a fim de preservar suas identidades. A seguir, cada participante será apresentada com base nos dados obtidos a partir do questionário socioeconômico. Olívia é uma mulher branca de 35 anos, tem impedimento20 visual, é solteira, heterossexual e não tem filhos. Recebe aposentadoria por invalidez, sua renda individual mensal corresponde a mais de 5 (cinco) salários-mínimos, assim como sua renda familiar. Possui ensino superior completo. É adepta às religiões cristãs Católica e Espírita. Precisa de mediação em transporte e objetos ou atividades não acessíveis. Quem, geralmente,realiza a mediação é seu pai, parentes ou amigos que estejam em sua companhia. Mora com o pai, que tem ensino superior completo, bem como sua mãe. Lana é uma mulher parda de 30 anos, tem impedimento visual, é solteira, homossexual e não tem filhos. Recebe auxílio emergencial, sua renda individual mensal corresponde a até 1 (hum) salário-mínimo e sua renda familiar está entre 1 (hum) e 3 (três) salários-mínimos. Está cursando ensino superior. É adepta à religião pagã Wicca. Não precisa de mediação nas 20 Início da nota. A palavra impedimento foi adotada na descrição das características das participantes a fim de alinhar-se à proposição do Modelo Social da Deficiência de diferenciar impedimento e deficiência, conforme apresentado no tópico 2.1.2. Fim da nota. 84 atividades do dia a dia, mora com os avós. Sua mãe tem ensino fundamental e desconhece a escolaridade do pai. Isabela é uma mulher parda de 23 anos, tem impedimento visual, é solteira, bissexual e não tem filhos. Recebe assistência estudantil, sua renda individual mensal corresponde a até 1 (hum) salário-mínimo, assim como sua renda familiar. Está cursando ensino superior. É ateia. Não precisa de mediação nas atividades do dia a dia, mora com a mãe e a irmã. Sua mãe tem ensino médio e seu pai tem ensino técnico. Gabriela é uma mulher branca de 23 anos, tem impedimento físico, é solteira, heterossexual e não tem filhos. Recebe Benefício de Prestação Continuada (BPC), sua renda individual mensal corresponde a até 1 (hum) salário-mínimo e sua renda familiar está entre 1 (hum) e 3 (três) salários-mínimos. Tem ensino superior completo. É deísta sem adesão à religião. Precisa de mediação na limpeza da casa. Quem realiza a mediação é sua mãe ou seu irmão. Mora com o irmão. Sua mãe e seu pai têm ensino fundamental. Roberta é uma mulher branca de 22 anos, tem impedimento auditivo, é solteira, heterossexual e não tem filhos. Não possui renda individual e sua renda familiar mensal está entre 1 (hum) e 3 (três) salários-mínimos. Está cursando ensino superior. É adepta à religião cristã Católica. Não precisa de mediação nas atividades do dia a dia, mora com os pais e os irmãos. Sua mãe tem pós-graduação e seu pai tem ensino superior. Mariluce é uma mulher parda de 48 anos, tem impedimento físico, é amasiada, heterossexual e tem duas filhas. Recebe auxílio previdenciário, sua renda individual mensal corresponde até 1 (hum) salário-mínimo e sua renda familiar está entre 1 (hum) e 3 (três) salários-mínimos. Tem ensino superior completo. É adepta à religião cristã Católica. Precisa de mediação em atividades que exigem equilíbrio e locomoção. Mora com o parceiro e uma filha. Seus pais não têm instrução. Judite é uma mulher parda de 18 anos, tem impedimento físico, é solteira, heterossexual e não tem filhos. Não possui renda individual e sua renda familiar mensal está entre 1 (hum) e 3 (três) salários-mínimos. Está cursando ensino superior. É adepta à religião cristã evangélica. Precisa de mediação em atividades de locomoção, como andar de ônibus ou a pé, atividades em que, geralmente, está acompanhada. Mora com a mãe, os avós e os irmãos. Sua mãe tem ensino médio e seu pai tem pós-graduação. As informações sobre as participantes foram compiladas no quadro na sequência. 85 Quadro 1: Caracterização das participantes Dado Olívia Lana Isabela Gabriela Roberta Mariluce Judite 1. Visual Visual Visual Físico Auditivo Físico Físico 2. 35 30 23 23 22 48 18 3. Branca Parda Parda Branca Branca Parda Parda 4. Heteros- sexual Homos- sexual Bissexual Heteros- sexual Heteros- sexual Heteros- sexual Heteros- sexual 5. Solteira Solteira Solteira Solteira Solteira Amasiada Solteira 6. Não Não Não Não Não Duas Não 7. Aposenta- doria por invalidez Auxílio emergen- cial Assistên- cia estudantil BPC Não Auxílio previden- ciário Não 8. Acima de 5 salários 1 salário 1 salário 1 salário Não tem 1 salário Não tem 9. Acima de 5 salários 1 a 3 salários 1 salário 1 a 3 salários 1 a 3 salários 1 a 3 salários 1 a 3 salários 10. Superior Superior cursando Superior cursando Superior Superior cursando Superior Superior cursando 11. Católica/es -pírita Wicca Ateia Deísta sem religião Católica Católica Evangéli- ca 12. Sim Não Não Sim Não Sim Sim 13. Pai Avós Mãe e irmã Irmão Pais e irmãos Parceiro e filha Mãe, avós e irmãos 14. Superior Funda- mental Médio Funda- mental Pós- graduação Sem instrução Médio 15. Superior Não sabe Técnico Funda- mental Superior Sem instrução Pós- graduação Fonte: Elaboração própria (2021) Legenda: 1. Impedimento 2. Idade 3. Cor/raça 4. Orientação sexual 5. Estado civil 6. Filhos 7. Benefício/bolsa 8. Renda individual 9. Renda familiar 10. Escolaridade 11. Religião 12. Necessidade de mediação ou apoio em alguma atividade do dia a dia 13. Com quem mora 14. Escolaridade da mãe ou quem cumpriu o papel de mãe 15. Escolaridade do pai ou quem cumpriu o papel de pai Audiodescrição do Quadro 1: O quadro traz uma tabela com perguntas e respostas. São 15 perguntas distribuídas em 16 (dezesseis) linhas e 8 (oito) colunas com as respostas de cada uma das 7 (sete) entrevistadas. Olívia tem impedimento visual, 35 (trinta e cinco) anos, é branca. Heterossexual, solteira e não tem filhos. É aposentada por invalidez, com renda individual e familiar acima de 5 (cinco) salários. Tem ensino superior e é católica/espírita. Necessita de mediação ou apoio em atividades do dia a dia. Mora com o pai. A mãe e o pai têm ensino superior. Lana tem impedimento visual, 30 (trinta) anos, é parda. Homossexual, solteira e não tem filhos. Recebe auxílio emergencial, tem renda individual de 1 (hum) salário e familiar de 1 (hum) a 3 (três) salários. Cursa ensino superior e sua religião é Wicca. Não tem necessidade de mediação ou apoio nas atividades do dia a dia. Mora com os avós. A mãe tem ensino médio e não sabe qual é a escolaridade do pai. 86 Isabela tem impedimento visual, 23 (vinte e três) anos, é parda. Bissexual, solteira e não tem filhos. Recebe benefício da Assistência Estudantil, tem renda individual e familiar de 1 (hum) salário. Cursa ensino superior e é ateia. Não necessita de mediação ou apoio nas atividades do dia a dia. Mora com a mãe e a irmã. A mãe tem ensino médio e o pai tem ensino técnico. Gabriela tem impedimento físico, 23 (vinte e três) anos, é branca. Heterossexual, solteira e não tem filhos. Recebe Benefício da Prestação Continuada, tem renda individual de 1 (hum) salário e familiar de 1 (hum) a 3 (três) salários. Cursa ensino superior e é deísta sem religião. Necessita de mediação ou apoio nas atividades do dia a dia e mora com o irmão. A mãe e o pai têm ensino fundamental. Roberta tem impedimento auditivo, 22 (vinte e dois) anos, é branca. Heterossexual, solteira e não tem filhos. Não recebe benefício ou bolsa, não tem renda individual e a renda familiar é de 1 (hum) a 3 (três) salários. Cursa ensino superior e é católica. Não precisa de mediação ou apoio nas atividades do dia a dia. Mora com os pais e irmãos. A mãe tem pós-graduação e o pai tem ensino superior. Mariluce tem impedimento físico, 48 (quarenta e oito) anos, é parda. Heterossexual, amasiada e tem duas filhas. Recebe auxílio previdenciário, tem renda individual de 1 (hum) salário e a renda familiar é de 1 (hum) a 3 (três) salários. Tem ensino superior e é católica. Necessita de mediação ou apoio nas atividades do dia a dia. Mora com o parceiro e uma filha. A mãe e o pai não tiveram instrução escolar. Judite tem impedimento físico, 18 (dezoito) anos, é parda. Heterossexual, solteira e não tem filhos. Não recebe benefício ou bolsa, não possui renda individual e a renda familiar é de1 (hum) a 3 (três) salários. Cursa ensino superior e é evangélica. Necessita de mediação ou apoio nas atividades do dia a dia. Mora com a mãe, avós e irmãos. A mãe tem ensino médio e o pai tem pós-graduação. Fonte: Elaboração própria (2021). Fim da descrição. A consideração de que, com uma exceção, as participantes possuem renda familiar mensal entre 1 (hum) e 3 (três) salários-mínimos permite refletir que a realização desta pesquisa se deve às conquistas não apenas do movimento político das pessoas com deficiência, outrossim da classe trabalhadora como um todo, o que indica a importância de resistência ao desmonte da educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade no Brasil. 3.7 Procedimento de Coleta de Dados A aproximação do campo para realização desta pesquisa teve início em fevereiro de 2020, quando a pesquisadora foi convidada para compor a mesa-redonda “Acessibilidade e inclusão: experiências nos serviços de atendimento ao público”, integrante de um evento organizado pelo NAI. Nessa ocasião, a pesquisadora aproveitou para adiantar o contato, que já estava previsto em seu cronograma, para verificar a viabilidade da execução da coleta de dados, tendo em vista: (1) o acesso a recursos de acessibilidade para possibilitar a participação das mulheres com deficiência com autonomia e (2) o acesso aos contatos de mulheres com deficiência que utilizam ou já utilizaram algum serviço prestado pelo NAI. O NAI é um órgão da UFJ, localizado no Câmpus Jatobá, que fomenta o acesso e a permanência de pessoas com deficiência na educação superior. Assim, atua junto às/aos candidatas/os ao ingresso, graduandas/as, pós-graduandas/os e servidoras/es, a fim de eliminar barreiras pedagógicas, arquitetônicas, comunicacionais e informacionais, assessorando atividades de pesquisa, ensino e extensão e promovendo eventos de formação continuada para técnicas/os e professoras/es. Conta com uma equipe de 15 (quinze) colaboradoras/es e oferta 87 apoio pedagógico, interpretação em libras nas aulas e eventos, legendagem das videoaulas no período remoto, transcrições e/ou impressão de materiais e mobilidade dentro da universidade (NAI, 2013). Após receber a aprovação da pesquisa pelo CEP, a pesquisadora entrou em contato com o NAI, informando o parecer favorável e solicitando: (1) a realização do convite às tradutoras/intérpretes de libras do núcleo para colaborarem com a coleta de dados da pesquisa, o qual foi aceito por Angelita e Flávia, e (2) o acesso aos contatos telefônicos das mulheres com deficiência, estudantes ou egressas da UFJ, sendo recebida uma lista com 40 (quarenta) contatos. No mesmo período, a pesquisadora entrou em contato com a colaboradora relatora (Laura), que, assim como a pesquisadora, integra o NuEPFES e havia aceitado colaborar com a pesquisa em discussões anteriores. Uma vez que o grupo de colaboradoras foi estabelecido, realizaram-se duas reuniões cujas pautas consistiram em: (1) apresentar a pesquisa, especialmente, os instrumentos de coleta de dados; (2) compreender as demandas de acessibilidade e recursos disponíveis, por exemplo, as tradutoras/intérpretes indicaram que estudantes surdas/os oralizada/os estavam com dificuldade de fazer leitura labial durante as aulas on-line e que ainda não havia estenotipista21 na universidade, o que inviabilizaria a participação na pesquisa com autonomia e igualdade de condições; (3) estabelecer um protocolo para os encontros do grupo focal, atentando-se para não demonstrar espanto ou desaprovação acerca dos relatos das participantes e para a necessidade de preservar a identidade das mesmas, e (4) mapear possíveis participantes e suas relações, evitando que mulheres muito próximas (irmãs ou namoradas, por exemplo) compusessem o grupo focal, conforme recomendações de Gatti (2005). Como o NAI compõe o Programa Incluir, e seu documento orientador indica que os recursos e serviços de acessibilidade se efetivem de acordo com a demanda das/os estudantes com deficiência matriculados em cada IFES (BRASIL, 2013), isso pode produzir uma assincronia entre a necessidade do recurso ou serviço e sua disponibilidade na instituição, uma vez que dependerá da autorização de verbas federais às licitações para contratação de recursos humanos ou compra de recursos tecnológicos e materiais. Isso indica que, apesar dos avanços, as políticas brasileiras de acessibilidade ainda estão pautadas mais no modelo biomédico do que no social de compreensão da deficiência, pois o último coaduna com práticas proativas que 21 Início da nota. O profissional estenotipista realiza a transcrição simultânea da fala oral em texto escrito. Para tanto, utiliza o estenótipo, um teclado de 24 teclas que podem ser clicadas ao mesmo tempo (MELLO; FERNANDES; GROSSI, 2013). Fim da nota. 88 antecipem a participação de um público com especificidades variadas, ao invés da oferta de acessibilidade sob demanda. Dos 40 (quarenta) contatos de mulheres com deficiência disponíveis na lista que a pesquisadora recebeu do NAI, foram retirados 4 (quatro) devido à impossibilidade de garantir acessibilidade e devido à existência de relação entre as mulheres, sendo que duas eram irmãs e duas eram namoradas. Assim, realizou-se um sorteio aleatório com cada dupla para fazer o convite, restando, então, 36 (trinta e seis) contatos telefônicos. Desses 36 (trinta e seis) contatos, 6 (seis) telefones não funcionaram nem por WhatsApp, nem por ligação. Assim, a pesquisadora conseguiu enviar a seguinte mensagem via WhatsApp para 30 (trinta) mulheres com deficiência: Oi, [nome]! Como vai? Espero que esteja bem. Meu nome é Laureane, sou aluna do mestrado em Educação da Universidade Federal de Jataí e estou fazendo uma pesquisa que pretende entender as demandas das mulheres com deficiência para a construção de um programa de educação sexual emancipatória. Estou entrando em contato com alunas com deficiência da nossa Universidade para verificar o interesse em participar da pesquisa de forma voluntária, afinal quem poderia saber melhor das vivências das mulheres com deficiência senão elas mesmas? Embora eu também seja uma mulher com deficiência, nós somos diversas, por isso é importante compreender o que outras mulheres com deficiência pensam sobre o assunto. Ficou interessada? Qualquer dúvida estou à disposição. Obrigada pela atenção! Não é possível afirmar qual o efeito dos marcadores gênero e deficiência, que atravessam a pesquisadora, sobre a adesão das mulheres com deficiência à pesquisa. A pesquisadora apresentou-se na mensagem como mulher com deficiência porque essa é uma informação disponível visualmente, uma vez que o apoio cervical da cadeira de rodas aparece em sua foto de perfil do WhatsApp. Tal informação, portanto, é inacessível às mulheres cegas ou com baixa visão. Assim, a pesquisadora decidiu colocá-la na mensagem escrita tanto para padronizar as informações as quais as possíveis participantes teriam acesso, quanto para se colocar no mesmo nível crítico que elas, explicitando os marcadores sociais que a atravessam, conforme recomendado por Harding (1987) quando se pretende uma pesquisa feminista. Das 30 (trinta) mensagens enviadas, a pesquisadora obteve retorno de 18 (dezoito) mulheres com deficiência, as quais solicitaram mais informações sobre a pesquisa. Para essas mulheres, a pesquisadora enviou o formulário de mapeamento de interesse em participar da pesquisa. A pesquisadora não obteve retorno das outras 12 (doze) mulheres. 89 Das 18 (dezoito) mulheres que receberam o formulário, 2 (duas) declararam não ter deficiência, 7 (sete) afirmaram que aceitariam responder ao questionário socioeconômico, mas não participariam dos encontros do grupo focal, 1 (uma) alegou que não teria tempo de participar dos encontros do grupofocal e 1 (uma) recusou participar da pesquisa por se tratar de um “assunto particular”. Assim, chegou-se às 7 (sete) mulheres com deficiência apresentadas anteriormente. As tentativas até se chegar ao grupo focal foram compiladas no quadro abaixo: Quadro 2: Como se chegou ao grupo focal Contatos excluídos 4 Telefone não funcionou 6 Não retornou 12 Não tem deficiência 2 Recusou participar do grupo focal 7 Não tem disponibilidade 1 Alegou ser um assunto particular 1 Aceitaram participar da pesquisa 7 N = 40 Fonte: Elaboração própria (2021) Audiodescrição do Quadro 2: O quadro traz uma tabela com perguntas e respostas. São 9 (nove) linhas e 2 (duas) colunas. Nas linhas da primeira coluna, as respostas à pergunta do quadro; na segunda coluna, quantas mulheres optaram por cada resposta. Pergunta: Como se chegou ao grupo focal? Contatos excluídos: 4 (quatro) Telefone não funcionou: 6 (seis) Não retornou: 12 (doze) Não tem deficiência: 2 (dois) Recusou participar do grupo focal: 7 (sete) Não tem disponibilidade: 1 (hum) Alegou ser um assunto particular: 1 (hum) Aceitaram participar da pesquisa: 7 (sete) Número total de 40 (quarenta)respostas Fonte: Elaboração própria (2021). Fim da descrição. Às sete mulheres com deficiência que aceitaram participar da pesquisa foi enviado o TCLE via WhatsApp, e-mail ou pelos Correios, segundo a preferência e demanda de acessibilidade de cada uma, por exemplo, documentos editados em fonte ampliada ou em arquivos acessíveis ao leitor de tela, como Word. O mesmo foi feito em relação ao questionário socioeconômico. Com o grupo de participantes formado, primeiro foi aplicado o questionário socioeconômico, pois, segundo Gatti (2005), tal medida pode ajudar a conhecer melhor as participantes. O formulário de mapeamento de interesse em participar da pesquisa indicou que Isabela e Mariluce não tinham experiência com o Google Meet, ferramenta escolhida para mediar os 90 encontros do grupo focal. Assim, três dias antes do primeiro encontro do grupo focal, a pesquisadora realizou um teste individual com cada uma, acompanhando passo a passo até se chegar à sala virtual, pelo celular e pelo computador, e apresentando as funções disponíveis na sala, como chat, microfone e câmera. No momento do teste com Mariluce, esta demonstrou interesse em conhecer mais sobre a pesquisadora, perguntando sobre o tipo de deficiência e há quanto tempo tem deficiência. As perguntas foram prontamente respondidas, pois a pesquisadora compreende que uma pesquisa que pretende se alinhar aos referenciais teórico-metodológicos feministas, bem como à pesquisa emancipatória no campo dos Estudos da Deficiência, pode-se deixar afetar pelo processo da pesquisa (HARDING, 1987; MARTINS et al., 2012). Além disso, na pesquisa de abordagem qualitativa, a relação entre pesquisadora e participantes é do tipo sujeito-sujeito e não sujeito- objeto (GONDIM, 2003). Nessa interação, a pesquisadora percebeu a referência à deficiência como um problema e, ao responder às perguntas feitas por Mariluce, procurou se ancorar no Modelo Social da Deficiência, colocando a deficiência como uma experiência relacional da pesquisadora com os diferentes contextos em que participa, apontando o apoio que recebe de sua família para a realização do mestrado, por exemplo. Nesse encontro de teste, assim como nos encontros do grupo focal, ficou evidente a necessidade de abordar a experiência das mulheres no plural e colocar a pesquisadora no mesmo nível crítico que as participantes e o tema da pesquisa, como indicado por Harding (1987), uma vez que não existe uma experiência universal de ser mulher, tampouco ser mulher com deficiência. Deste modo, a pesquisadora e as participantes podem experienciar diferentes privilégios e opressões, a depender do atravessamento de outros marcadores sociais e da rede de apoio disponível para cada uma, mesmo sendo todas mulheres com deficiência. Realizados os testes de uso do Google Meet, a pesquisadora acordou os horários dos encontros do grupo focal com as participantes e as colaboradoras, verificando a possibilidade de cada uma estar em um local fechado, livre de interrupções, como forma de preservar o anonimato das participantes. Foram realizados 2 (dois) encontros de grupo focal on-line via Google Meet. O número de encontros e o tempo de duração de cada um foram definidos conforme recomendações de Gatti (2005). A ferramenta Google Meet foi escolhida pela possibilidade de gravar os encontros a partir do e-mail institucional, bem como pela possibilidade de ser acessado tanto pelo celular, quanto pelo computador. Entre os dois encontros houve um intervalo de nove dias e cada encontro teve duração de 2h20 (duas horas e vinte minutos), contando os minutos de 91 ambientação da pesquisadora, das colaboradoras e das participantes com a sala virtual, como teste de microfone e câmera. No início do primeiro encontro do grupo focal, antes de iniciar a gravação, a pesquisadora fez sua audiodescrição22 e solicitou que cada mulher também fizesse a sua quando fosse falar pela primeira vez, a fim de tornar o encontro mais acessível. Em seguida, a pesquisadora apresentou as colaboradoras, indicando o papel de cada uma, tomou os objetivos da pesquisa, afirmou seu compromisso em garantir sigilo da identidade das participantes e as medidas de ressarcimento e assistência imediata e integral em caso de danos decorrentes da participação na pesquisa. Depois, conforme recomenda Gatti (2005), a pesquisadora afirmou que todas as ideias, opiniões e reflexões interessavam e eram importantes para a pesquisa, a qual não estava em busca de consenso, portanto, as participantes tinham liberdade para compartilhar seu ponto de vista, mesmo que ele fosse divergente do que as outras participantes dissessem, bem como tinham a liberdade de não responder a alguma questão se se sentissem constrangidas ou emocionalmente desconfortáveis. A pesquisadora explicou que o que se pretendia com o grupo focal era permitir troca de percepções entre as participantes, que não precisavam agir como se estivessem respondendo à pesquisadora o tempo todo, pois seu papel seria introduzir assuntos, propor questões, ouvir suas opiniões e pontos de vista, garantir que não se afastassem muito do tema e garantir que todas tivessem a oportunidade de se expressar e participar. A pesquisadora procurou se manter atenta às próprias expressões faciais, a fim de não denotar aprovação ou reprovação das colocações das participantes, mas, em alguns momentos, sinalizou semelhanças e diferenças nos relatos das participantes, elucidando a influência dos marcadores gênero, deficiência e geração em suas experiências. A pesquisadora perguntou se alguma participante gostaria de tirar alguma dúvida ou fazer alguma pergunta antes do início da discussão e uma participante (Judite) perguntou sobre como a pesquisadora chegou a esse tema de pesquisa, pergunta que foi respondida com algumas das informações do breve memorial. A pesquisadora pediu que as participantes sinalizassem quando se sentissem confortáveis para a gravação ser iniciada, esclarecendo que a tela do computador seria gravada. Logo após a sinalização positiva de todas as participantes, a pesquisadora iniciou a gravação e 22 Início da nota. A participação no Coletivo Feminista Helen Keller, no NED/UFSC e LEdI/UDESC possibilitou à pesquisadora noções básicas de audiodescrição, conforme mencionado no breve memorial. Fim da nota. 92 a condução do roteiro do grupo focal, solicitando que falassem uma de cada vez para permitir boa gravação. 3.8 Procedimento de Análise de Dados Os dados foram analisados a partir da Análise de Conteúdo temática ou categorial de Laurence Bardin, a qual consiste em “um conjunto de técnicasde análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 2011, p. 44), objetivando: (1) verificar se a leitura realizada pela pesquisadora é válida, ou seja, se corresponde, de fato, ao que foi dito pelas participantes; (2) ampliar a compreensão de que uma leitura espontânea não seria suficiente para trazer e (3) inferir conhecimentos sobre a pessoa que emite a mensagem e o meio em que está inserida (BARDIN, 2011). Os procedimentos para realizar a Análise de Conteúdo temática ou categorial foram seguidos conforme propostos por Bardin (2011) e apoiando-se nos exemplos de pesquisas reais e hipotéticas indicados por Bortolozzi (2020). Assim, após a coleta de dados, foi realizada a transcrição automática dos encontros do grupo focal pelo CABLE INPUT (VB-Áudio Virtual Cable), instalado no computador da pesquisadora. A transcrição de cada encontro foi revisada pela pesquisadora e pela colaboradora relatora para corrigir erros típicos da transcrição automática e para indicar momentos de silêncio, expressões faciais, risos e entonação de voz das participantes. Em seguida, os nomes das participantes foram substituídos por nomes fictícios e as informações que pudessem identificá-las foram omitidas. Enviou-se as transcrições às participantes para sua avaliação e, somente depois da aprovação de todas, deu-se seguimento à análise dos dados. Na fase da pré-análise, realizou-se a leitura flutuante de todo o material a fim de conhecê-lo em sua totalidade e deixar-se “invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 2011, p. 126). Após duas leituras do material completo, leu-se novamente, agrupando as respostas por questão e fazendo comentários no Word sobre os assuntos ou temas dos relatos das participantes (BARDIN, 2011; BORTOLOZZI, 2020). Na fase da exploração do material, realizou-se a pré-organização temática, fazendo comentários sobre o sentido de cada trecho dos relatos das participantes e agrupando os relatos com o mesmo sentido ou significado (BORTOLOZZI, 2020), uma vez que, para criar categorias 93 temáticas, o critério é semântico e “classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com outros” (BARDIN, 2011, p. 148). De acordo com Bardin (2011, p. 149), a classificação dos elementos em categorias pode se dar, a priori, quando “é fornecido o sistema de categorias e repartem-se da melhor maneira possível os elementos à medida que vão sendo encontrados” e/ou, a posteriori, quando “o sistema de categorias não é fornecido, antes resulta da classificação analógica e progressiva dos elementos”. Assim, as categorias foram estabelecidas a priori, a partir do roteiro do grupo focal, e as subcategorias estabelecidas a posteriori. Em seguida, as categorias e subcategorias criadas pela pesquisadora foram submetidas à avaliação de uma juíza, ou seja, uma pesquisadora da área da Educação Sexual, com conhecimento do Modelo Social da Deficiência e com experiência em Análise de Conteúdo, como recomenda Bortolozzi (2020). Após a validação da juíza, chegou-se a organização das categorias e subcategorias do Quadro 3, apresentado na Seção 4. Com as categorias e subcategorias estabelecidas e organizadas, realizou-se a interpretação dos dados à luz do referencial teórico e das produções sobre Educação Sexual, Estudos Feministas e Estudos da Deficiência, sendo os dados do questionário socioeconômico um aporte para a análise dos dados, como será apresentado na próxima Seção (BARDIN, 2011; BORTOLOZZI, 2020). 94 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Temos orgulho da maneira como desenvolvemos uma compreensão da opressão que vivenciamos, do nosso trabalho contra a discriminação e o preconceito, da maneira como vivemos com nossos impedimentos. Liz Crow Nesta Seção, serão apresentadas e discutidas as 5 (cinco) categorias e 16 (dezesseis) subcategorias que emergiram dos dois encontros do grupo focal, tendo como base o referencial teórico e as pesquisas apresentadas na Seção 1. Assim, esta Seção está dividida em 5 (cinco) subseções referentes às categorias apresentadas no Quadro 3 na sequência. Quadro 3: Categorias e subcategorias da Análise de Conteúdo Categorias Subcategorias Descrição das subcategorias Gênero e Deficiência Percepção da construção social da desigualdade entre homens e mulheres Relatos que revelam a percepção de uma educação sexista e desigualdades sociais privilegiando homens e atitudes de discriminação às mulheres Ser mulher é ser forte e resistir às opressões Relatos que revelam a percepção de que as mulheres são fortes, capazes e independentes e que precisam fortalecer umas às outras para fazer resistência à opressão Percepção de que ser mulher é determinado pela biologia Relatos que revelam a percepção de que ser homem ou ser mulher é uma determinação biológica Relacionamento Amoroso Relacionamento amoroso é o oposto de relacionamento abusivo Relatos que revelam a percepção de que relacionamento amoroso caracteriza-se por afeto, respeito, companheirismo e colaboração, sendo diferente de um relacionamento abusivo Idealização de relacionamento amoroso, sonho que não se realizou Relatos que revelam a idealização e o desejo de experienciar um relacionamento amoroso Relacionamento é uma parceria, mas não algo de que alguém dependa para ser inteira Relatos que revelam a percepção de que o relacionamento precisa ser entendido como uma parceria e não um complemento, pois cada pessoa já é uma pessoa inteira 95 Entre o direito e a obrigação de se relacionar amorosa e sexualmente Relatos que revelam a percepção de que as mulheres com deficiência têm o direito de estabelecer relacionamentos afetivo-sexuais, mas que isso pode se tornar uma cobrança social para se cumprir às expectativas de determinada faixa etária Violência Violência é tudo que machuca ou produz medo Relatos que revelam percepção ampla sobre violência, considerando os diferentes tipos de violência e também atitudes que produzem medo e cerceiam a liberdade de expressão, diminuindo suas tentativas de fazer coisas novas Percepção da exploração do conhecimento Relatos que revelam a percepção da exploração financeira e do seu conhecimento pelo parceiro íntimo Sexualidade e Deficiência Percepção da repressão sexual que obstrui a vivência da sexualidade Relatos que revelam a percepção de que a sociedade reprime a vivência e a expressão da sexualidade das mulheres e considera as pessoas com deficiência incapazes de sentir prazer sexual e relacionar-se afetivo-sexualmente Direito à expressão da orientação sexual não heteronormativa Relatos que revelam a percepção de que homossexuais com deficiência enfrentam repressão social, sendo necessário abordar a intersecção deficiência e orientação sexual O prazer está em cada mulher e não se restringe ao sexo Relatos que revelam uma percepção ampla do prazer, entendido como natural, estando dentro de cada mulher e não se restringindo à relação sexual Questões que mulheres com deficiência consideram importantes em suas vivências sexuais Relatos que revelam o que as mulheres com deficiência percebem como importante para a vivência da sexualidade e para diminuir inseguranças, medos e dificuldades Educação Sexual A Educação Sexual deve ser realizada por uma/um profissional com formação Relatos que revelam a percepção de que a Educação Sexual precisa ser mediada por profissionais com formação, cabendo à academia oferecer o preparo para compreender a sexualidade, sobretudo, os cursos da Educação 96 Queixa da Educação Sexual sem referenciar as pessoas com deficiência Relatos que revelam a percepção de que a EducaçãoSexual que receberam na escola, na família, com amigos e na internet foi falha por não fazer referência às pessoas com deficiência, indicando, também, como e o que deveria haver na Educação Sexual As pessoas com deficiência como protagonistas no processo de Educação Sexual: mediação no processo com outras/os profissionais ou grupos de discussões, como nas redes sociais e internet, por exemplo Relatos que revelam a percepção de que é necessário haver pessoas com deficiência colaborando com profissionais que trabalham com Educação Sexual, mediando aulas e discussões sobre sexualidade em diversos espaços, inclusive na internet Fonte: Elaboração própria (2021) Audiodescrição do Quadro 3: O quadro traz uma tabela com perguntas e respostas. O quadro é dividido em 3 (três) colunas nomeadas como: Categorias, Subcategorias e descrição de subcategorias: Na categoria Gênero e Deficiência, temos 3 (três) subcategorias. - Percepção da construção social da desigualdade entre homens e mulheres, com a descrição: relatos que revelam a percepção de uma educação sexista e desigualdades sociais privilegiando homens e atitudes de discriminação às mulheres. - Ser mulher é ser forte e resistir às opressões, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que as mulheres são fortes, capazes e independentes e que precisam fortalecer umas às outras para fazer resistência à opressão. - Percepção de que ser mulher é determinado pela biologia, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que ser homem ou ser mulher é uma determinação biológica. Na categoria Relacionamento Amoroso, temos 4 (quatro) subcategorias: - Relacionamento amoroso é o oposto de relacionamento abusivo, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que relacionamento amoroso caracteriza-se por afeto, respeito, companheirismo e colaboração, sendo diferente de um relacionamento abusivo. - Idealização de relacionamento amoroso, sonho que não se realizou, com a descrição: relatos que revelam a idealização e o desejo de experienciar um relacionamento amoroso. - Relacionamento é uma parceria, mas não algo de que alguém dependa para ser inteira, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que o relacionamento precisa ser entendido como uma parceria e não um complemento, pois cada pessoa já é uma pessoa inteira. - Entre o direito e a obrigação de se relacionar amorosa e sexualmente, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que as mulheres com deficiência têm o direito de estabelecer relacionamentos afetivo-sexuais, mas que isso pode se tornar uma cobrança social para se cumprir às expectativas de determinada faixa etária. Na categoria Violência, temos 2 (duas) subcategorias: - Violência é tudo que machuca ou produz medo, com a descrição: relatos que revelam percepção ampla sobre violência, considerando os diferentes tipos de violência e também atitudes que produzem medo e cerceiam a liberdade de expressão, diminuindo suas tentativas de fazer coisas novas. - Percepção da exploração do conhecimento, com a descrição: relatos que revelam a percepção da exploração financeira e do seu conhecimento pelo parceiro íntimo. Na categoria Sexualidade e Deficiência, temos 4 (quatro) subcategorias: - Percepção da repressão sexual que obstrui a vivência da sexualidade, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que a sociedade reprime a vivência e a expressão da sexualidade das mulheres e considera as pessoas com deficiência incapazes de sentir prazer sexual e relacionar-se afetivo-sexualmente. - Direito à expressão da orientação sexual não heteronormativa, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que homossexuais com deficiência enfrentam repressão social, sendo necessário abordar a intersecção deficiência e orientação sexual. - O prazer está em cada mulher e não se restringe ao sexo, com a descrição: relatos que revelam uma percepção ampla do prazer, entendido como natural, estando dentro de cada mulher e não se restringindo à relação sexual. - Questões que mulheres com deficiência consideram importantes em suas vivências sexuais, com a descrição: relatos que revelam o que as mulheres com deficiência percebem como importante para a vivência da sexualidade e para diminuir inseguranças, medos e dificuldades. 97 A última categoria é Educação Sexual e temos 3 (três) subcategorias: - A Educação Sexual deve ser realizada por uma/um profissional com formação, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que a Educação Sexual precisa ser mediada por profissionais com formação, cabendo à academia oferecer o preparo para compreender a sexualidade, sobretudo, os cursos da Educação. - Queixa da Educação Sexual sem referenciar as pessoas com deficiência, com a descrição: relatos que revelam a percepção de que a Educação Sexual que receberam na escola, na família, com amigos e na internet foi falha por não fazer referência às pessoas com deficiência, indicando, também, como e o que deveria haver na Educação Sexual. - As pessoas com deficiência como protagonistas no processo de Educação Sexual: mediação no processo com outras/os profissionais ou grupos de discussões, como nas redes sociais e internet, por exemplo, com a seguinte descrição: relatos que revelam a percepção de que é necessário haver pessoas com deficiência colaborando com profissionais que trabalham com Educação Sexual, mediando aulas e discussões sobre sexualidade em diversos espaços, inclusive na internet. Fonte: Elaboração própria (2021). Fim da descrição. 4.1 Gênero e Deficiência 4.1.1 Percepção da construção social da desigualdade entre homens e mulheres As participantes identificam a desigualdade entre homens e mulheres como socialmente construída e como essa desigualdade as atinge. Entendem que as mulheres são educadas para serem inferiores e responsáveis pelo trabalho reprodutivo (tarefas domésticas e de cuidado), enquanto os homens são educados para serem superiores e responsáveis pelo trabalho produtivo. Nota-se uma compreensão que se aproxima do que é postulado pelos Estudos Feministas acerca da recusa das explicações baseadas no determinismo biológico, que tomam a natureza como a causa dos papéis e subjetividades de homens e mulheres (PINTO, 2010; SAFFIOTI, 1987; SCOTT, 1995). A percepção das participantes se aproxima, principalmente, da proposição de Scott (1995) e Saffioti (2004) em relação à distribuição desigual de poder para homens e mulheres, com desvantagem para elas. Como exemplificam os relatos23. Relato 1 “[...] eu me sinto feliz em ser mulher, na verdade assim, no meu eu, só que eu sofro por ser mulher. Por quê? Porque a sociedade nos trata de uma maneira que mulher é inferior e homem é superior. No meu caso, eu sou tratada com muito machismo, que eu tenho um companheiro, eu sou muito humilhada, muito oprimida [...] eu fico me esbarrando nessa indiferença aí e sofrendo todo preconceito possível e quase impossível, eu sofro esses preconceitos horríveis, pra mim é horrível esse preconceito”. (Mariluce) 23 Início da nota. Os relatos das participantes não seguem os padrões impostos pela Análise da Conversação, nem passaram por adequação para a norma padrão. Fim da nota. 98 Relato 2 “[...] preconceito do homem com a mulher a gente percebe dentro da nossa própria casa, é o homem daquele jeito mais forte, tentando oprimir a mulher, que eles pensam ser o sexo mais, mais frágil, mais fraco, e não é verdade, a gente é muito forte para falar a verdade”. (Lana) Lana apontou que a desigualdade de gênero é reproduzida dentro de casa, percepção da qual Mariluce também compartilha, lembrando que sua mãe fazia todas as atividades para seu pai e hoje ela tenta não repetir o padrão de comportamento da mãe com seu parceiro íntimo, o qualespera que Mariluce realize todas as tarefas domésticas. O relato exemplifica isso. Relato 3 “[...] e minha mãe fazendo tudo pro meu pai ir se ajeitando, é aquela coisa, né? A mulher é empregada do homem, então, desde pequena já vim, eu já tive que me virar por mim mesma, trabalhar, então, hoje eu me deparo com um conflito desse porque eu tenho um homem machista e ele quer me fazer de empregada [...] ele [parceiro] acha que é obrigação é das mulheres a tarefa todinha de casa e não é, então, eu mesma já abri mão dessas coisas, tarefa de casa hoje em dia eu não tô muito me prestando a ficar com detalhes dentro de casa, porque eu não sou obrigada sozinha, ainda mais com a minha dificuldade de tá andando, de tá fazendo as coisas, eu gosto de tudo arrumado, tudo organizado, mas eu também ficar limpando sujeira dos outros, e não tem contribuição de ninguém, eu acho que também é uma coisa, assim, que eu não vou ficar suportando”. (Mariluce) Ao identificarem a desigualdade entre homens e mulheres como socialmente construídas, as participantes reconhecem a transmissão de geração para geração da educação desigual para meninos e meninas, homens e mulheres, apontando a possibilidade de as mulheres internalizarem tal desigualdade e a reproduzirem tanto para si mesmas, quanto para as crianças que educam. Nesse sentido, algumas participantes (Mariluce, Gabriela e Lana) indicaram que as mulheres, especialmente, as mães, são principais responsáveis pela educação das crianças, sendo responsáveis, também, por uma educação não machista. Tal compreensão das participantes se aproxima das reflexões de bell hooks (2020) no que diz respeito à opressão sexista e patriarcal moldar o pensamento de todas as pessoas, homens e mulheres. Assim, embora as mulheres sejam mais prejudicadas pela dominação sexista, ambos podem reproduzir o sexismo por meio do exercício ou apoio da dominação de outras pessoas. Homens, por exemplo, com privilégio de classe e raça exercem dominação sobre mulheres em geral e homens sem tais privilégios, mulheres privilegiadas, por sua vez, podem exercer ou apoiar a dominação sobre outras mulheres e homens sem privilégios, os quais 99 exercem dominação sobre mulheres da mesma classe ou raça, todos/as podem exercer dominação sobre as crianças. Nos relatos das participantes, não apareceram elementos indicativos da dominação ou opressão em relação à raça ou classe, mas sim em relação à geração, principalmente, no tocante ao modo como as meninas são educadas. Nesse sentido, hooks (2020) aponta a importância do exame crítico de todas as pessoas acerca dos próprios pensamentos sexistas, propondo a educação feminista como a formação de uma consciência crítica e assumindo o Feminismo como a luta para acabar com a opressão sexista e com todas as violências, pois, assim, as políticas feministas terão potencial revolucionário, ao invés de reformista (hooks, 2020). Os relatos das participantes exemplificam: Relato 4 “[...] eu acredito também que isso vem da educação das próprias mães, já começa por aí que a mulher ela cresce no ambiente oprimido, que a mãe é oprimida, né? O pai é o grandão, ela cresce assim e é educada para ser assim, no dia que arrumar um parceiro ela vai ser assim, aí o homem como foi educado e, acredito que vem de geração para geração, também faz parte da educação da sociedade, como o homem já foi educado também pela própria mãe para ser superior. [...] muitas vezes, o homem oprime a mulher, tanto namorado, como marido, muitas vezes, o próprio pai já passa essa educação pra filha, a mãe, muitas vezes, não tem essa percepção, deixa isso acontecer, então, a gente vai criando uma sociedade que fica passando por essas barreiras aí, que são horrível psicologicamente, pra gente fica um sofrimento horrível, as mulheres se embaralham muito com esse sofrimento na vida delas, isso esbarra demais, eu acredito assim, eu tenho uma carga de sofrimento historicamente muito grande em relação exatamente isso aí: o que que é ser mulher, o que que é ser homem”. (Mariluce) Relato 5 “[...] existe esse preconceito, dentro da nossa criação a gente vê isso, eu vejo, eu fui criada pela minha avó e a figura de pai que eu tinha foi o do meu avô, e a gente sabe que esse povo mais antigo sempre é as pessoas mais rígidas, mais, mais severas em relação a homem e mulher, quer a mulher dona de casa, cuidando da casa, fazendo as coisas, cuidando do marido e só. E a gente cresce vendo aquilo que eles pensam, e eles querem criar a gente para pensar que a gente tem que ser aquilo, tem que ser igual, a gente vai crescer, trabalhar, casar, cuidar de casa, e marido, e filho, e pronto”. (Lana) Novamente, é possível observar no relato de Mariluce e Lana o reconhecimento de que a educação desigual entre homens e mulheres é transmitida de uma geração para outra, tendo 100 as famílias uma importante contribuição no processo de manter os papéis tradicionais de gênero. Judite, por sua vez, partindo da observação de seus irmãos, reconhece a dificuldade de formar o caráter de um menino, sobretudo na ausência de referência de pai, como seu relato elucida: Relato 6 “[...] sobre a questão da masculinidade e da feminilidade, eu reconheço que a gente tem muita distorção e é, realmente, muito difícil, como eu disse no começo, eu tenho dois irmãos e eu, de fato, presencio essa coisa de que não é fácil você formar o caráter de um menino, principalmente, quando você não tem uma referência paterna ou, se tem, às vezes, é um pouco distorcida”. (Judite) Mariluce considera que as mulheres, quando mães de um homem, seriam as responsáveis por uma educação não machista do filho, educando-o para tratar as mulheres como iguais e de modo respeitoso, o que se desdobraria no modo como esse homem constituiria sua própria família. O relato explica sua fala. Relato 7 “[...] acho que um pouco dessa educação tá nas nossas próprias mãos que somos mulheres, quando a gente é mãe educar, quando a gente tem filho homem, né? Educar para ser um homem, HOMEM, não um homem machista. Então é isso aí que acontece, tem que ser um homem que tenha capacidade de ter uma família, amar sua família e ter uma visão que nós somos seres humanos em primeiro lugar, independente de sexo, se é homem ou mulher, né? Do gênero masculino ou feminino, saber que somos pessoas, somos iguais, temos os mesmos sentimentos, a gente tem alegria, tem tristeza. [...] Sinceramente, eu acho que a educação dos homens está nas mãos das mulheres para eles ser os homens de respeito, de dignidade, de tratar uma mulher de igual para igual, é nós que mandamos nessa parte e a gente tem todo o poder na mão para transformar essa situação que hoje a gente vê o feminicídio, essas questões tudinho, realmente não tá na mão dos homens, tá na mão das mulheres, mulher mesmo, do sexo feminino, e a gente tá aí para tá batalhando para vencer essa indiferença”. (Mariluce) Em relação à responsabilidade das mães por prover uma educação não machista aos filhos, Gabriela concorda com Mariluce, partindo da observação de como sua mãe é mais permissiva com o irmão de Gabriela do que com ela. O relato exemplifica o que ela afirma. 101 Relato 8 “[...] outra coisa que eu queria falar, que a Mariluce tinha citado que as mulheres, que no caso, assim, as mães, elas que são responsáveis por criar homens não machista, eu acho que isso é verdade, porque, no meu caso, minha mãe, assim, ela sempre fala ‘ah, mas seu irmão é homem, ele pode isso, você não pode porque você é mulher’ então, assim, essa educação machista ela vem justamente de crenças antigas e nossas mães, nossos pais, são pessoas, assim, mais antigas, e aí elas traz isso para dentro de casa”. (Gabriela) No que se refere ao apontamento acerca da responsabilidade das mães sobre a educaçãodos meninos, entende-se que as mães não são os únicos agentes educativos. Ainda que a divisão dos papéis de gênero, assim como das esferas privada e pública, prescreva o trabalho educativo e de cuidado para as mulheres, a manutenção das subjetividades feminina e masculina e do desequilíbrio de poder entre mulheres e homens não se encerra na educação familiar, já que outras instituições, como a escola, a religião, a mídia, o trabalho e o Estado, também educam crianças, adolescentes e adultas/os, frequentemente, no sentido de conservar os papéis tradicionais de gênero (KERGOAT, 2009; LAMOUREUX, 2009; NUNES, 1996; SAFFIOTI, 2004; 1987; ZAIDMAN, 2009). Lana observa a possibilidade de reprodução do desequilíbrio de poder entre homens e mulheres pelas mulheres, ressaltando que algumas mulheres podem acreditar que devem obediência aos homens, como seu relato explica. Relato 9 “[...] a gente tem preconceito entre nós próprias mulher, entre as mulheres mesmo, porque tem mulher que coloca isso na cabeça, de que tem que fazer, obedecer ao homem, fazer o que o homem pede, o que homem manda, e cria esse preconceito entre nós mulheres mesmo”. (Lana) Judite ressalta que os meninos têm a sexualidade incitada desde muito cedo, enquanto deveriam aproveitar a infância, e lembra que, dados os preceitos de sua religião, sua família recomenda que o irmão trate as mulheres respeitosamente e que ser homem não é definido por práticas sexuais. Relato 10 “até isso da sexualidade, as pessoas acham normal falar para um menino de 10 [dez], 11 [onze] anos ‘e aí, e as namoradinhas?’ como se ele tivesse que já se preocupar com isso, quando ele tinha que estar o quê? Brincando e se 102 divertindo, pensando em outras coisas, e uma coisa que a gente fala muito para o meu irmão aqui em casa é que não é isso que vai definir o fato dele ser homem, principalmente pela nossa fé, justamente pela nossa fé que a gente pensa que ele tem que tratar as mulheres com respeito”. (Judite) As participantes percebem que a desigualdade entre homens e mulheres se mantém na experiência da deficiência. Relatam que mulheres com deficiência enfrentam mais repressão, preconceito, julgamento e cerceamento das possibilidades do que os homens com deficiência. Apontam que as mulheres com deficiência são tidas como incapazes de desempenhar os papéis tradicionais de gênero (dona de casa e cuidadora dos filhos e do marido), o que produz vulnerabilidade para elas e não para os homens com deficiência em função da atribuição cultural da responsabilidade de cuidar às mulheres, ao passo que já se espera que os homens mais recebam que ofertem cuidado, independentemente da experiência da deficiência. Há também o reconhecimento de que a repressão social pode ser internalizada e reproduzida pelas mulheres com deficiência. A percepção das participantes sobre como a deficiência interfere no desempenho dos papéis atribuídos às mulheres coaduna com o que foi encontrado nas pesquisas de Gesser, Nuernberg e Toneli (2013), Maia (2011a), Mello e Nuernberg (2013) e Rich (2014), sendo isso também indicado pelas discussões baseadas nos Estudos Feministas da Deficiência (FERRI; GREGG, 1998; GARLAND-THOMSON, 2002; GESSER, 2019; MORRIS, 1996). A articulação entre gênero, deficiência e cuidado apontam que a redução da vulnerabilidade que atinge as mulheres com deficiência perpassa pela retirada do cuidado da esfera privada e feminina, distribuindo-o entre todas e todos que compõem a sociedade, inclusive convocando o Estado a assumi-lo por meio da formulação de políticas públicas de cuidado ou assistência pessoal, como vem sendo defendido pelas teóricas dos Estudos Feministas e/ou dos Estudos Feministas da Deficiência (CROW, 1996; DINIZ, 2003; FIETZ; MELLO, 2018; GESSER, 2019; KITTAY, 2011; MORRIS, 1996; ZIRBEL, 2016). Ainda que não tenha sido nomeado pelas participantes desta forma, é possível vislumbrar em seus relatos o cruzamento de sexismo e capacitismo (CRENSHAW, 2002; MELLO, 2016; 2019; RIMCD, 2011; SAFFIOTI, 2004). Os relatos exemplificam. Relato 11 “[...] infelizmente, nesse ponto de vista [mulheres com deficiência] o preconceito ainda é maior ainda [...] muitas vezes os próprios pais ficam limitando ela [amiga] de fazer as coisas por ela ser deficiente, falando que ela não pode, é, que ela não pode ir em tal lugar porque ela é manca, não pode 103 andar direito, que ela não pode fazer isso porque ela tem a deficiência, então, infelizmente, nessa parte eu vejo muito maior é o preconceito”. (Lana) Ao lembrar de uma amiga com deficiência, Lana apontou que os pais da amiga cerceavam suas possibilidades em função da deficiência. Já Gabriela, partindo da comparação de sua experiência com a experiência do irmão e do primo, ambos homens com deficiência, afirma que a mulher com deficiência é mais reprimida e enfrenta mais julgamentos que o homem com deficiência, admite ainda que não sabe se sua sensação de ser observada pelas pessoas advém da internalização da repressão de gênero. Seu relato elucida esses aspectos. Relato 12 “[...] a questão de ser mulher e ser homem, e ser mulher com deficiência, ser homem com deficiência, tá muito interligada essa questão, assim, da mulher ser reprimida, então a mulher com deficiência, na minha opinião, ela é mais reprimida do que o homem com deficiência, eu tenho homens na minha família com deficiência, meu irmão, no caso, e meu primo, eles tem paralisia cerebral também, e me comparando a eles, eu tenho uma dificuldade muito maior, eu acho que é justamente essa questão da mulher ser mais reprimida, no caso, eles chegam nos lugares assim, pra eles, então, é tudo normal e para mim não é [...] os julgamentos, os olhos das pessoas, são muito piores quando é a mulher com deficiência, meu irmão chega nos lugares, assim, pra ele é tudo normal, e para mim não é. Eu não sei se é porque eu internalizei essa questão, assim, a mulher não pode isso, mulher não pode aquilo, então levei para mim, então quando eu chego nos lugares eu já começo ‘Ai, meu Deus, tá todo mundo me olhando e tal, porque eu uso andador’, então para a mulher é muito mais difícil do que para o homem”. (Gabriela) Em outro relato, Gabriela afirma ser reprimida em função do gênero e em função da deficiência, indicando a pressuposição social de incapacidade, como pode ser observado em seu relato. Relato 13 “[...] eu com deficiência já sou reprimida por ser mulher e ainda com deficiência sou mais reprimida ainda, ‘nossa! Porque você tem dificuldade, você não vai conseguir fazer isso, tal’, então, assim, é muito difícil, eu acho muito difícil”. (Gabriela) O cruzamento de gênero e deficiência também aparece no relato de Olívia, o qual indica que a deficiência pode impedir o desempenho do papel de cuidadora, socialmente atribuído às mulheres, enquanto o papel do homem constitui em ser cuidado pelas mulheres, inicialmente 104 pela mãe, depois pela parceira íntima, o que não aumentaria a vulnerabilidade dos homens com deficiência, ainda que a experiência da deficiência seja dolorosa para eles. Seu relato demonstra essas questões. Relato 14 “[...] existem papéis sociais que nos foram atribuídos, tem o papel social do homem e o papel social da mulher, e a deficiência é diferente para o homem e para mulher, porque para a mulher essa deficiência normalmente impede o desempenho desse papel de mulher, porque o papel de mulher, normalmente, é o de cuidadora, é a mãe, é a esposa, é a dona de casa, é aquela que trabalha fora para contribuir com a renda familiar, para auxiliar o provedor maior que é o homem, e quando essa mulher é deficiente, ela fica com uma dupla vulnerabilidade, a vulnerabilidade de ser mulher e a vulnerabilidade de ser deficiente e não poder desempenhar esses papéis que foram atribuídos a ela,enquanto mulher, porque enquanto deficiente, você ouve da família, dos amigos e, às vezes, a gente mesmo acaba pensando isso, porque nós também somos frutos dessa cultura, dessa sociedade, a gente acaba pensando que a gente não é capaz de cuidar de uma casa, de cuidar dos filhos, de ajudar o companheiro, de cuidar do companheiro, enquanto que um homem com deficiência, ele não tem esse problema, porque o papel dele já é de ser cuidado pela mulher, né? Primeiro ele foi cuidado pela mãe, depois ele vai ser cuidado pela esposa, então para ele, é claro que a deficiência pra ele também é dolorosa, também é uma pauta de lutas, né? Mas eles não têm essa questão dessa vulnerabilidade, de não poder exercer o seu papel de homem”. (Olívia) Na percepção de Isabela, a experiência da deficiência, no exemplo, psicossocial, pode ser levada mais a sério para as mulheres do que para os homens, que, segundo ela, levam as coisas na brincadeira, revelando que se sente incomodada com essa distinção. Seu relato explicita essa questão. Relato 15 “[...] o homem ele é... sempre... como fala? ‘Leva na brincadeira’, assim, homem é sempre uma coisa mais suave, né? Pra mulher é tudo muito, muito, muito mais pesado, então, quando você já é mulher, você já sabe que você carrega um peso maior do que os homens e os homens, quando eles são deficientes talvez eles sofram, não vou dizer que eles não sofram, mas em tudo, na questão de amigo, de amizade, de família eles sempre levam na brincadeira e acham que tá tudo bem, a mulher tem sempre que ser muito séria e isso me incomoda bastante, né? Que você vê a diferença nítida entre o homem e a mulher, principalmente quando tem uma deficiência. [...] eu tenho um amigo que tem depressão e todo mundo vê, mas ele sempre leva na brincadeira e fala que não, que ele tá tudo bem e aí quando eu falo que eu tenho ansiedade 105 todo mundo leva muito a sério e fica como se eu tivesse que resolver isso, né? Para não influenciar no resto da minha vida, e os homens sempre levam na brincadeira, sempre faz uma piada e fala que tá tudo bem, que não tem problema, e você vê que não é, que é um problema, que os homens deveriam levar a sério”. (Isabela) Mariluce, relatando sobre sua experiência, lembra que, antes do acidente que resultou em um impedimento corporal físico, não precisava da mediação de outras pessoas para realizar suas atividades, tampouco para criar suas filhas. Ao experienciar a deficiência e necessitar de cuidado ou assistência pessoal, passou a vivenciar conflitos com a irmã, que não era a provedora de cuidado. Assim, para evitar os conflitos e brigas com a irmã, Mariluce decidiu mudar-se com as duas filhas para a casa do pai de uma delas. Com o parceiro íntimo, Mariluce relata choques de ideias, afirmando que o ambiente conflituoso a levou a fazer uso de antidepressivo. Na percepção desta participante, se ela não experienciasse a deficiência, poderia sair do relacionamento conflituoso com maior facilidade. Seu relato explica isso. Relato 16 “[...] antes do acidente eu morava com a minha mãe, eu era independente e criava as minhas filhas sem homem, hoje eu moro aqui na casa do pai da minha menina mais velha, eu vim pra cá porque em casa já tava gerando conflito, minha irmã tava ignorante, ela saia da casa dela pra ir na casa da minha mãe implicar comigo, um dia teve uma briga tão feia, porque eu saí, eu tinha uns amigos que me pegou e pôs dentro do carro pra passear comigo, aí quando eu cheguei ela já tava pronta para brigar comigo, quase que deu até agressão, e eu tava na cadeira de roda, recentemente tinha acabado de sair do hospital, né, eu tinha acabado de passar por uma cirurgia com a perna ainda tudo bem recente, então eu tive que pedir pelo amor de Deus pra esse homem que hoje eu tô aqui, pra me acolher, pra mim sair da casa da minha mãe, que morava no fundo, então eu passei uma cena muito constrangedora... [...] [ele] ajudou, a natureza dele é uma natureza muito difícil, eu nunca tinha morado com ele, eu só tive uma filha, um namorico, tive essa filha, eu não conhecia a natureza dele e já vim pra cá, ele tava solteiro, né, e ainda tem outra menina que não era filha dele, que é enteada, então já no começo que começou vários conflitos, choque de ideia, choque de comportamento, sabe? Foi difícil de encarar, muita coisa aconteceu [...] eu tomo [antidepressivo] diariamente, porque eu não consigo suportar as coisas que me ocorre, se eu tivesse num ambiente acolhedor, de carinho, de amor, de atenção, não acontecia isso, porque a gente já fica ansioso por tá, igual eu falei para você antes dessa conversa, que a gente tem, eu era perfeitamente, fisicamente tranquila, né? Não tinha as deficiências, essa invalidez que eu tenho hoje, então era uma vida, agora daí mudou tudo, praticamente eu tive que aprender a andar, encarar a realidade. Mas eu sempre venho... dentro de mim eu sou uma pessoa muito alegre [...] eu senti isso aí mais por causa do problema da deficiência porque eu acredito assim se eu não tivesse deficiente eu saía disso mais fácil, sabe?”. (Mariluce) 106 Os dados de Maia (2011a) vão ao encontro desse relato no sentido de que, quando a experiência da deficiência aparece mais tardiamente para alguém, há mudança nos papeis dos membros familiares, na rotina e no espaço físico. De modo geral, nota-se que as participantes percebem mais determinação social em relação às questões de gênero do que em relação às questões da deficiência, o que indica a necessidade de difundir o Modelo Social da Deficiência dentro e fora da academia. 4.1.2 Ser mulher é ser forte e resistir às opressões A opressão relatada na categoria anterior não ocorre sem resistência. Algumas participantes (Mariluce, Lana e Gabriela) entendem que ser mulher é ser forte, independente e lutar contra a opressão. Indicam, também, que as mulheres precisam fortalecer umas às outras para mostrar que são capazes, desconstruir a ideia de inferioridade e conquistar seu espaço. Tais percepções confirmam a recomendação de Morris (1996) acerca da necessidade de evidenciar não apenas a vulnerabilidade das mulheres com deficiência, mas também sua oposição à opressão, uma vez que estão, de diversas formas, adotando estratégias de resistência, o que também coincide com os apontamentos de Harding (1987) sobre a pesquisa feminista não reproduzir os estereótipos de passividade das mulheres, pois elas também são agentes sociais em favor de si e de outras pessoas, como exemplificam os relatos. Relato 17 “[...] a figura de pai foi ausente na minha vida, mas foi a figura feminina, a minha mãe nos educou para ser forte, porque nunca tive pai para me auxiliar, uma figura masculina, então eu tive que ser forte, minha mãe teve que ser forte para cuidar das filhas, então acredito assim, a mulher tem que ter uma força muito grande, ela gera seus filhos, ela tem uma força muito grande para amparar aqueles filho, para cuidar deles. [...] minha mãe foi ensinando a gente ser forte e independente, e hoje eu tenho a minha independência”. (Mariluce) Na ausência do pai para auxiliá-la, Mariluce relatou que teve que ser forte, assim como sua mãe teve que ser forte para cuidar das filhas. Sua mãe ensinou as filhas a serem fortes e a buscarem independência. A seguir, Mariluce indica que as mulheres estão conquistando espaço e lutando contra a opressão, apontando para a liberdade de estudar, se comunicar e ter amizades. 107 Relato 18 “[...] as mulheres estão conquistando mais seu espaço, tão se fazendo valer, tão deixando, tão lutando para não ser oprimida, lutando contra o machismo e ter uma independência que isso é realmente é delas, sempre foi delas, elas têm o direito de ser independente, pensar, agir, ter uma vivência, ter a própria liberdade de estudar, de se comunicar, de ter amizades”.(Mariluce) A percepção de Lana vai em direção semelhante à percepção de Mariluce, indicando que as mulheres precisam ser fortes para conseguirem se colocar como são e mostrar sua capacidade. Indica, também, que é necessário mudar o pensamento de mulheres que acreditam ser inferiores e comenta que o Brasil está entre os países que mais comete feminicídio. Seu relato elucida isso. Relato 19 “[...] esse negócio de feminilidade é a gente ser forte, colocar o que a gente é, expressar o que a gente é, pra gente colocar para todo mundo, mostrar do que a gente é capaz e a gente tem que fazer isso, tentar colocar na cabeça dessas próprias mulheres que pensa que a gente é inferior para tentar fazer com aquelas mudem de ideia. [...] a gente tem que ser, tem que ser forte, tem que aprender a ser forte para poder colocar o que a gente é, o que a gente pensa em prática, a gente tem que bater o martelo mesmo para poder impor o que a gente quer ser, porque se a gente não fizer isso, a gente vai ficando cada vez, a gente vai tendo mais notícias de mulheres morrendo e isso não vai mudar, que infelizmente o Brasil está entre os países que mais mata mulheres no mundo e isso é um, muito triste ouvir isso”. (Lana) Também em direção similar, Gabriela indica a necessidade de lutar para conseguir espaço, lembrando de sua própria vivência em relação a sair sem os pais, tendo os amigos como companhia e afirmando que ainda vencerá o medo de sair sozinha em função da deficiência. Seu relato ilustra sua afirmação. Relato 20 “[...] a gente tem que lutar para conseguir o nosso espaço, hoje em dia eu já saio, eu nunca consegui sair sozinha, assim, que eu tenho muito medo, que as pessoas sempre olham ‘nossa, mas ela é deficiente, e ela tá só sozinha e tal’, ‘Cadê os pais?’, então, assim, eu sempre saio com meus amigos, mas eu ainda vou vencer esse medo e vou sair sozinha, se Deus quiser!”. (Gabriela) 108 4.1.3 Percepção de que ser mulher é determinado pela biologia Uma participante (Judite) compreende que ser homem e ser mulher é uma determinação biológica e reconhece que sua compreensão advém de sua religião, para a qual o homem e a mulher são iguais diante de Deus. Nota-se uma aproximação entre a percepção dessa participante e as abordagens de Educação Sexual normativo-institucional, médico-biologista (NUNES, 1996) e também religiosa liberadora (FIGUEIRÓ, 1995; 2006). Seus relatos exemplificam isso. Relato 21 “[...] eu sou Cristã, né? Então, eu tenho uma visão que me guia sobre tudo, e sobre a questão de ser homem e ser mulher eu realmente vejo do ponto de vista biológico, embora eu saiba que tem muitas pessoas que pensam diferente de mim e eu sei que eu tenho que respeitá-las, mas eu vejo pelo ponto de vista biológico”. (Judite) Relato 22 “[...] a gente vê que diante, né? Diante de Deus, Ele fez o homem e a mulher em igual valor, em igual importância”. (Judite) A articulação entre gênero, deficiência e cuidado tem o potencial de ampliar a percepção sobre as relações de dependência como essencialmente humanas, bem como questionar as ilusões individualistas de autossuficiência e subverter o sistema de gênero, que atribui e, ao mesmo tempo, desqualifica o cuidado como obrigação feminina, como vem sendo proposto pelos Estudos Feministas da Deficiência (DINIZ, 2003; GARLAND-THOMSON, 2002; GESSER, 2019; KITTAY, 2011). As participantes identificam opressões e, concomitantemente, reconhecem a necessidade de resistência, por meio do fortalecimento coletivo das mulheres e da insubordinação às atribuições sociais de incapacidade, ecoando os apontamentos de Jenny Morris (1996) no tocante a ser um equívoco retratar as mulheres com deficiência como vítimas passivas, uma vez que se opõem à opressão de diversas maneiras. A influência do contexto religioso foi mais explícita na percepção de uma participante, a qual entende que ser mulher é uma determinação biológica e reconhece a presença dos princípios de sua religião em sua compreensão, que ora se aproxima das abordagens de Educação Sexual normativo-institucional e médico-biologista (NUNES, 1996), ora se aproxima 109 da abordagem religiosa liberadora que, por sua vez, converge com a abordagem emancipatória ao indicar os ideais de igualdade e respeito, assim como observar os controles externos de incitação ao sexo e/ou ao relacionamento amoroso (FIGUEIRÓ, 1995; 2006), o qual, na visão dessa participante, pode ser colocado às mulheres com deficiência como forma de aproximação aos padrões normativos, como será discutido na próxima subseção. 4.2 Relacionamento Amoroso 4.2.1 Relacionamento amoroso é o oposto de relacionamento abusivo Para duas participantes (Olívia e Judite), relacionamento amoroso significa companheirismo, contribuição e respeito recíprocos, mas a mídia distorce esse conceito ao normalizar romances com atitudes abusivas. Tal perspectiva é próxima da Educação Sexual Emancipatória ao reconhecer que relacionamento amoroso consiste no envolvimento de sujeitos, ao invés de sujeito-objeto e ao analisar a manipulação da mídia nesse aspecto (GOLDBERG, 1982; NUNES, 1996). Assim, pode também constituir um fator de proteção a relacionamentos afetivo-sexuais marcados por violência, aproximando do que foi encontrado por Maia (2011a) e distanciando do que foi encontrado por Hassouneh-Phillips (2005), Hassouneh-Phillips e McNeff (2005) e Rich (2014), como pode ser observado nos relatos. Relato 23 “[...] eu acho que quando a gente usa a expressão ‘relacionamento amoroso’ ela é um, a gente usa como um gênero que abarca várias espécies, né? É o casamento, a união estável, namoro, uma relação casual e a gente se esquece de prestar atenção nesta palavra ‘amoroso’. Nem todo relacionamento é amoroso, às vezes, é um relacionamento que se torna abusivo, por diversas razões, diversas conjunturas, mas nos apegando a palavra ‘amoroso’ eu acho que o relacionamento amoroso é aquele em que duas pessoas ficam juntas porque são ligadas por laços afetivos, por laços de amor, de respeito, de companheirismo em que ambos contribuem para a vida um do outro e ambos somam, né?”. (Olívia) Relato 24 “[...] eu acho que a mídia também não colabora, a gente ainda tem muitos romances, novelas e livros de diversas formas que normalizam práticas abusivas, a gente tem filme que, às vezes, você tá vendo ali, você que saiu, né? Dessa caixa [incompreensível], que é algo errado e as pessoas pensam que não, que é um romance, que a pessoa sempre vai ser daquele jeito, que é 110 normal ser assim, quando não é, você pode ter alguém que respeite os outros”. (Judite) 4.2.2 Idealização de relacionamento amoroso, sonho que não se realizou Para Mariluce, relacionamento amoroso é compatível com o entendimento de Olívia e Judite. O relacionamento parece assumir, no entanto, uma grande importância para ela, reconhecendo ser um sonho que não se realizou e que ainda deseja. Mariluce foi a única participante que relatou violência por parceiro íntimo e também violência cometida pelo pai quando era criança, bem como a que mais idealizou/desejou um relacionamento amoroso, o que coaduna com as pesquisas que encontraram relação entre violência na infância, intensidade do desejo por parceria afetivo-sexual, necessidade de cuidado ou assistência pessoal e propensão para estabelecer e manter relacionamento abusivo (HASSOUNEH-PHILLIPS, 2005; HASSOUNEH-PHILLIPS; MCNEFF, 2005; RICH, 2014). Seu relato ilustra essas questões. Relato 25 “[...] relacionamento amoroso eu sempre sonhei, acho que foi um sonho que nunca foi realizado, relacionamento amoroso, que eu sempre idealizei, né? uma imagem de ter um companheiro amigo, um companheiro que trabalha, luta junto comigo, um companheiro carinhoso, um companheiro que me entende,um companheiro que conversa comigo, me escuta e eu também tenho tudo a doar de melhor para um companheiro, nesse ponto. Um companheiro que também ama os seus filhos, né? Esse daí é meu sonho, um sonho que nunca realizou na minha vida, esse é meu sonho, é uma coisa que eu idealizei desde nova, desde pequena. [...] Eu mesmo desejo do fundo do coração um homem carinhoso assim na minha vida, um homem que participa na minha vida, de verdade, que me entenda, que tudo vai dar certo, tenho muito amor para doar, mas tem que ser um homem que mereça, né?”. (Mariluce) 111 4.2.3 Relacionamento é uma parceria, mas não algo de que alguém dependa para ser inteira Para Isabela, relacionamento amoroso também coincide com o entendimento de Olívia e Judite. Ao contrário de Mariluce, entretanto, Isabela atribui menor importância e aponta que as mulheres não podem depender de um relacionamento para se sentirem inteiras. Sua perspectiva, tal qual a de Olívia e Judite, pode constituir um fator de proteção a relacionamentos abusivos, assim como foi encontrado por Maia (2011a). O relato de Isabela ilustra essa questão. Relato 26 “[...] relacionamento pra mim é alguém que, não um complemento, sabe? Uma pessoa para ser parceira, porque você já é uma pessoa completamente inteira e que tem tudo que você precisa em você mesmo, eu nunca tive muito esse sonho de ter um romance, alguma coisa assim, porque eu sinto que as mulheres precisam entender mais isso, né? Que a gente é suficientemente inteira, a gente não precisa, que a gente fala muito essa questão de ‘ah eu preciso de alguém para me completar’, só que eu nunca vi um relacionamento como isso, para mim um relacionamento tem que ser uma pessoa que só vai acrescentar, porque você já é suficiente para você, mesmo para gente que tem deficiência é muito mais difícil de entender isso, de viver isso na pele, mas para mim um relacionamento é isso: uma pessoa que só vai acrescentar, e deixar você mais confortável, mas não uma pessoa que você depende dela, porque você já é você e você não precisa de uma pessoa para terminar de ser você, né? Como se fosse um pedaço que estivesse faltando, não tem nenhum pedaço na gente faltando, então, um relacionamento para mim é só isso, se tiver um eu me sinto bem, mas se não tiver eu já me sinto bem também, porque para mim não faz muita diferença”. (Isabela) 4.2.4 Entre o direito e a obrigação de se relacionar amorosa e sexualmente Judite percebe que, algumas vezes, há imposição de relacionamento afetivo-sexual para cumprir o que se espera de mulheres da sua idade e entende que tal imposição pode ser fator de risco para um relacionamento abusivo. A percepção de Judite se aproxima do que é preconizado pela Educação Sexual, tanto de abordagem religiosa liberadora, quanto emancipatória ou política (FIGUEIRÓ, 1995; 2006) ao observar determinantes e controles externos via incitação ao sexo e/ou ao relacionamento amoroso (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; NUNES, 1996). Seus relatos ilustram essa questão. 112 Relato 27 “[...] às vezes nessa questão de relacionamentos amorosos as pessoas são muito desrespeitosas, elas acham que a gente precisa falar disso, e às vezes não, a gente pode não se sentir confortável para falar, a gente precisa entrar em um [relacionamento] porque o é o que todo mundo da nossa faixa etária de idade está fazendo, e às vezes não, e nisso são várias coisas que vão se acumulando. [...] às vezes, a forma como as pessoas falam sobre esse assunto conosco é sempre assim, que a gente tem que entrar em algum tipo de relacionamento, a qualquer custo para se valorizar, ou pra se validar, ou para realizar todas as etapas que o ser humano teria que ter, sendo que não precisa ser assim, não precisamos tolerar qualquer coisa como se merecesse quem tiver ali querendo ter um contato conosco, não, a gente tem a oportunidade de escolher e, às vezes, é... o modo como as pessoas falam é como se não, como se tivéssemos que tolerar tudo, que levar tudo na esportiva, porque isso vai nos preparar, e não, eu não acho que o sofrimento [incompreensível] vai nos preparar, vai nos fazer ficar mais traumatizado”. (Judite) Relato 28 “às vezes, as pessoas entendem que inclusão é sempre nivelar por igual, quando abordam a sexualidade com deficiência, é de maneira constrangedora ou desrespeitosa, sem nenhuma sensibilidade”. (Judite) As participantes revelaram percepção da desigualdade entre homens e mulheres como construção social, a qual permanece na experiência da deficiência e que foi indicada como um empecilho ao desempenho das atividades de cuidado, socialmente atribuídas às mulheres, conforme discutido na categoria ‘Gênero e Deficiência’. Apesar do maior reconhecimento da determinação social em relação às questões de gênero do que em relação às questões da deficiência, as participantes indicaram a pressuposição social de incapacidade das pessoas com deficiência, isto é, capacitismo (MELLO, 2016), muitas vezes fortalecida pela superproteção familiar (a ser discutido na próxima subseção) como determinante do medo que sentem em relação à vivência da sexualidade e como facilitadora de violência nos relacionamentos íntimos, a qual não foi concebida como fruto da deficiência. Dito de outro modo, consideram que a deficiência não explica, muito menos justifica um relacionamento abusivo, inclusive entendem- no em contraste a relacionamento amoroso. Tal entendimento apareceu mesmo na fala da participante que relatou violência cometida pelo pai na infância e violência cometida pelo parceiro íntimo, o qual assumiu papel de cuidador quando ela precisou de mediação em atividades do dia a dia no início da experiência da deficiência. Isso reafirma o necessário rompimento dos limites do cuidado à esfera privada, 113 a fim de transbordá-lo para a esfera pública, sendo assumido pelo Estado via estabelecimento de políticas de cuidado ou assistência pessoal na contramão da segregação de pessoas com deficiência em instituições específicas, bem como a necessária difusão da ética do cuidado entre homens e mulheres, quer seja em espaços públicos ou privados, como fundamentais à garantia de uma vida digna não só às mulheres com deficiência, mas a todas as pessoas (CROW, 1996; DINIZ, 2003; FIETZ; MELLO, 2018; GESSER, 2019; HUNT, 1966; KITTAY, 2011; MORRIS, 1996; OLIVER, 2004; ZIRBEL, 2016). Na categoria ‘Relacionamento Amoroso’, as participantes tiveram percepções parecidas, mas atribuíram diferentes níveis de importância. Novas pesquisas podem verificar o efeito do marcador social geração sobre a intensidade de desejo por parceria afetivo-sexual e a relevância atribuída ao relacionamento amoroso. 4.3 Violência 4.3.1 Violência é tudo que machuca ou produz medo As participantes apresentaram uma visão ampla sobre violência, considerando-a como a sensação de medo, a qual é entendida como fruto da internalização de uma violência que já machucou antes. Tal sensação de medo acaba diminuindo as tentativas de algo novo. Às vezes, esse medo é fortalecido pela família, que tenta proteger de tudo. A superproteção familiar também foi relatada pelas participantes de Maia (2011a; 2011b). Os relatos ilustram essas questões. Relato 29 “[...] eu acho que a violência começa quando a gente acha normal ter medo, por exemplo, sendo deficiente, às vezes, é muito natural para nós ter medo, ter medo de relacionamentos, ter medo de ser maltratado por alguém, ter medo constante mesmo que de uma forma muito suave, mesmo que eu não tenho né, graças a Deus, vivenciado nada trágico nesse sentido, eu vejo o quão natural é ter medo, às vezes, o quanto, às vezes, a família também tem medo que aconteça alguma coisa, tenta nos proteger ao máximo. [...] eu acho que a violência não é só o ato de alguma mulher apanhar ou algo psicológico, eu achoque é algo que está enraizado, infelizmente, na nossa sociedade, sabe? O medo, ou saber que a impunidade vai acontecer, às vezes, e isso é muito ruim, porque isso faz com que a gente fique mais recluso e tenha mais dificuldade de acreditar que a gente pode conseguir as coisas, independente da esfera que for”. (Judite) 114 Para Judite, violência se relaciona com a naturalização da sensação de medo de que algo negativo aconteça, ou ainda com sensação de possibilidade de impunidade diante de uma violação. Segundo essa participante, a sensação de medo também pode estar presente na família, desencadeando superproteção. Em direção semelhante, Olívia entende que violência é tudo que machuca ou produz dano, indicando as violências psicológica, física, sexual e moral, como pode ser observado em seu relato. Relato 30 “[...] violência é tudo que machuca, às vezes, é uma palavra, um gesto, pode ser uma atitude social, enfim, tudo que nos machuca, tudo que nos faz mal, pode ser psicológica, pode ser física, pode ser sexual, pode ser moral, então eu acho que é um leque bem abrangente, mas tudo que é capaz de nos causar algum dano, é violência, na minha opinião”. (Olívia) O entendimento de violência como a sensação de medo de que algo ruim aconteça e, assim, restringindo as tentativas de fazer uma atividade nova, também apareceu no relato de Isabela, a qual compreende que a sensação de medo é fruto de uma violência anterior. Seu relato ilustra isso. Relato 31 “[...] a violência, ela não é só física e psicológica, que, às vezes, a gente vê a violência, como uma pessoa xingando a outra ou agredindo fisicamente, mas só o fato de você ter medo e não fazer alguma coisa ‘ai, eu não vou conversar com essa pessoa porque ela me dá medo e ela pode fazer alguma coisa’, ‘não vou andar de ônibus porque vai me machucar e alguma coisa vai acontecer’, já é uma violência, porque a pessoa já te violentou antes e você se reprimiu e essa repressão também é uma violência psicológica muito forte, eu acho que a pior de todas porque você se violenta antes de pensar em ‘nossa pode ser que isso não aconteça, né?’, e aí fica muito difícil viver desse jeito porque você está sempre com medo de alguma coisa acontecer”. (Isabela) A compreensão do medo como consequência de violências anteriores também está presente no relato de Mariluce, afirmando que repetidas vivências negativas podem fazer interiorizar a violência, a qual é entendida por ela como a pior violência. Seu relato é elucidativo quanto a este aspecto. 115 Relato 32 “[...] esse medo, essa opressão, já é consequência de alguma violência anterior, alguma coisa que nos fez pra ter, aí a gente vai interiorizando tudo aquilo, a gente cria a própria violência dentro da gente mesmo, a gente é violentada a todo momento [...] a gente vai interiorizando as coisas, a gente vai acumulando, por isso a gente vai sofrendo uma sobrecarga de vivências negativas, que daí causa é outro tipo de violência, as violências comuns no nosso meio vai causar uma violência interior depois pra frente na gente, que talvez a gente vai carregar pro resto da vida, é a pior violência que tem”. (Mariluce) Além disso, Gabriela entende que a violência também se revela na repressão de direitos e na ausência de espaço para as mulheres com deficiência se expressarem. A compreensão de Gabriela se aproxima do entendimento da deficiência como opressão social a qual restringe a participação de pessoas com impedimentos, ainda que ela não tenha nomeado deste modo, e ecoa as reivindicações do Modelo Social (BARNES, 2012; DINIZ, 2007; HUNT, 1966; OLIVER, 1981; 2004; THOMAS, 2004; UPIAS, 1976). Seu relato ilustra isso. Relato 33 “[...] como o próprio nome já fala, né? Violência. Você está violando alguma coisa e acho que nós, mulheres com deficiência, a gente é violentada o tempo todo, não é questão física ou psicológica, mas como a gente é muito reprimida, a gente não, nossos direitos são reprimidos, nossos direitos de se expressar, raramente a gente tem espaço na sociedade para se expressar e isso eu considero como uma violência, violência muito grande que a gente passa por ela praticamente todos os dias, a todo momento”. (Gabriela) 4.3.2 Percepção da exploração do conhecimento Mariluce relata que dentre as violências que sofre de seu parceiro íntimo está a violência financeira e a exploração de seu conhecimento (violência patrimonial), encontrando no estudo uma forma de resistência. O estudo e o trabalho também foram considerados importantes pelas mulheres com deficiência participantes da pesquisa de Maia (2011a), além de uma forma de enfrentar o cerceamento de suas possibilidades pelos pais e namorado, o que novamente fortalece a indicação de Morris (1996) acerca das vivências das mulheres com deficiência serem marcadas não apenas por desvantagem, mas igualmente por estratégias de resistência e oposição à opressão. Seu relato exemplifica esse aspecto. 116 Relato 34 “[...] sou agredida psicologicamente e tanto financeiramente também, tem a questão financeira porque eu não tenho recurso financeiro do lado dele, ele não me ajuda financeiramente, eu tenho que conquistar meu espaço, tenho que trabalhar, ter meu próprio dinheiro e ele quer ajuda financeira, então assim, eu vivo um conflito muito grande, agora eu estudo, eu conquisto meu espaço, até mesmo sobre o meu conhecimento ele vem querer me explorar, meu próprio conhecimento, é uma coisa e não... até hoje eu quero descobrir o que é que se passa na cabeça de um homem desse, que até meu próprio conhecimento, ele quer pegar meu conhecimento, sabe? Que eu, eu fiz [omitido] e tô fazendo [omitido], né? E tem muito conhecimento do curso, né? Que ele vai ter que precisar de mim, porque ele tá mexendo com [omitido] e ele vem querendo meu conhecimento, só que realmente esse daí tá dentro de mim, ele não vai conseguir pegar se eu não quiser dar para ele”. (Mariluce) 4.4 Sexualidade e Deficiência 4.4.1 Percepção da repressão sexual que obstrui a vivência da sexualidade As participantes apontam que a sexualidade das mulheres é reprimida e colocada a serviço dos homens, crítica que também vem sendo feita pela Educação Sexual Emancipatória (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; GOLDBERG, 1982; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). Na percepção das participantes, as mulheres com deficiência enfrentam mais barreiras para a vivência da sexualidade, pois são consideradas, por homens e mulheres sem deficiência, como incapazes de sentir prazer e de estabelecer relacionamentos afetivo-sexuais. Tais considerações são capacitistas porque partem da pressuposição de incapacidade das pessoas com deficiência de ser e de fazer qualquer coisa, incapacidade “de amar, de cuidar, de sentir desejo e ser desejada, de ter relações sexuais” (MELLO, 2016, p. 3272). São também incompatíveis com a realidade, como revelado por outros estudos (FERRI; GREGG, 1998; FRANÇA, 2013; GARLAND-THOMSON, 2002; MAIA, 2006; 2011a; 2011b; MAIA; RIBEIRO, 2010; MELLO; NUERNBERG, 2013). O capacitismo, ao hierarquizar as pessoas em função da corponormatividade, isto é, da adequação de seus corpos a um ideal de capacidade biológica e de beleza, diminui a autoestima e a autoaceitação das pessoas cujos corpos têm impedimentos e/ou não se encaixam no padrão estético vigente (CAMPBELL, 2008; 2009; MELLO, 2016; 2019), acarretando medo em relação à vivência da sexualidade, medo de ser rejeitada, medo de experienciar prazer sexual e, da mesma forma, medo de prazer pela vida, pois se a corponormatividade avalia o que as 117 pessoas “são capazes de ser e fazer para serem consideradas plenamente humanas” (MELLO, 2016, p. 3272), define também quais pessoas são merecedoras ou não de prazer, dignas ou não de exercer a sexualidade, já que esta é uma dimensão,essencialmente, humana (FIGUEIRÓ, 2006; NUNES; SILVA, 2006). A influência da corponormatividade sobre a estima corporal e sexual de pessoas com deficiência, sobretudo de mulheres com deficiência, também apareceu em outras pesquisas (GESSER; NUERNBERG; TONELI, 2013; HASSOUNEH-PHILLIPS; MCNEFF, 2005; LUIZ; KUBO, 2007; MAIA, 2011a; MAIA, 2016; MELLO; NUERNBERG, 2013). As participantes, concomitante, admitem suas dificuldades para a vivência da sexualidade, identificam a determinação social de seus medos e apontam que precisam desafiar ambas, por meio do conhecimento do próprio corpo e da educação das pessoas sem deficiência acerca das semelhanças das pessoas com deficiência para com elas, uma perspectiva que lê a realidade e aponta a necessidade de muda-la, logo, próxima da Educação Sexual Emancipatória (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; FURLANI, 2005; 2016; GOLDBERG, 1982; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). Os relatos exemplificam. Relato 35 “[...] com a mulher com deficiência, na sexualidade dela, com seus relacionamentos, é... elas se sentem mais oprimida, mas, assim, eu na verdade, eu já passei por situações que hoje eu já superei, mas eu acredito assim, tem opressão? Tem, mas a gente tem que defender psicologicamente, tem que acreditar que a gente consegue, que a gente supera, isso é o mais importante a gente vencer, vencer as barreiras que a sociedade nos impõe”. (Mariluce) Na percepção de Mariluce, as mulheres com deficiência se sentem mais oprimidas em relação à sexualidade e aos relacionamentos. Ao mesmo tempo, a participante indica a importância de acreditar que as mulheres com deficiência conseguem vencer as barreiras impostas pela sociedade. Já para Isabela, a sexualidade das mulheres é reprimida e colocada a serviço dos homens. Segundo a participante, a experiência da deficiência acentua a insegurança de que as mulheres não teriam necessidades sexuais. Seu relato elucida essa questão. Relato 36 “[...] a sexualidade da mulher já é uma coisa muito reprimida, tudo em relação à sexualidade da mulher é muito, muito reprimido, todo mundo diz 118 ‘não, a mulher não pode sentir isso, mulher não pode ter prazer’, não pode nada, só o homem e a mulher tá ali para servir o homem, e quando você tem uma deficiência é muito mais difícil porque você já vem com essa insegurança de que a mulher não tem sexualidade, ela não tem uma experiência própria, ela não tem as suas necessidades, e aí a deficiência é uma barreira maior, porque gera mais insegurança ainda, né? Para as mulheres”. (Isabela) Em outro momento, Isabela relata que as pessoas com deficiência são tidas como frágeis e como incapazes de ter um parceiro. Logo, não se cogita a respeito da sexualidade das pessoas com deficiência, o que negligencia conversas que envolvam sexualidade e deficiência, contribuindo com a sensação de medo relatada por outras participantes. Seu relato exemplifica: isso. Relato 37 “[...] só que as pessoas tratam como se fosse uma coisa que nunca vai existir, uma pessoa com deficiência ela não vai ter parceiro, porque ela nunca vai conseguir, aí ela fica naquela coisa de ‘Ah, então não precisa falar isso com ela, porque isso não vai acontecer’, e aí fica muito essa coisa de medo, que a gente tinha falado antes, que a pessoa é tratada como muito frágil, né? Sempre vai ser muito frágil e nunca vai conseguir ter uma coisa além de ter ela”. (Isabela) Ao encontro do relato de Isabela, Gabriela reafirma que às mulheres é negado o direito ao prazer e à exposição de suas vontades sexuais, reconhecendo que ela se reprime e tem medo de sofrer preconceito no momento de uma relação sexual em função dos preconceitos que já sofreu em outros contextos. Seu relato ilustra esse aspecto. Relato 38 “[...] em relação à sexualidade, é um assunto que, assim, que a gente quase não fala porque, como as meninas disseram, a mulher, ela não pode, ela não tem o direito de sentir prazer, expor as suas vontades, então, assim, falar desse assunto para mim é difícil porque eu mesmo me reprimo, porque tipo assim, sexualidade pra mim, apesar de no meio que eu convivo esse assunto ele é falado abertamente, esse preconceito, não, não é preconceito esse... essa repressão, ela, ela tá dentro de mim porque eu criei, igual, tipo relações sexuais, eu morro de medo, assim, porque justamente por causa do preconceito que a gente já sofreu a vida inteira, então, eu tenho medo de tipo, em alguma ocasião, no caso eu que sou hétero, um homem, é… como que eu vou dizer? Como que eu vou saber explicar? Tipo assim, sofrer preconceito nesse ambiente, então a gente acaba muitas vezes é se reprimindo”. (Gabriela) 119 Em outro momento, Gabriela lembra de já ter sido interpelada, por homens e mulheres, sobre sua capacidade de sentir prazer, situação desagradável e marcante que contribuiu para o medo que sente em relação à experiência da sexualidade. Em suas palavras, Relato 39 “[...] eu não sei se outras meninas já passaram por isso, mas já chegou, já teve caso, assim, momentos, de homens e mulheres chegar para mim e perguntar se eu, eu sou capaz de sentir alguma coisa, algum prazer. Então, assim, eu me senti péssima, né? Como se eu fosse de outro mundo, tá que tem gente, tem alguns casos aí, que pessoas com deficiência, elas têm mais dificuldade em sentir prazer, mas, assim, as pessoas generalizam demais, então, foi uma experiência que me marcou bastante e até hoje eu acho que contribuiu para esse medo que eu tenho, entendeu? Então, assim, acho bem difícil, mas que a gente precisa superar também”. (Gabriela) Mais uma vez, Gabriela reconhece que a repressão que sofre desde a infância está relacionada com o medo que sente, referindo-se a ela mesma e às demais participantes. Reconhece que é necessário lutar para mostrar que é capaz, ao mesmo tempo em que admite que o fato de a sociedade pressupor que as pessoas com deficiência são incapazes de sentir prazer produz insegurança e faz duvidar da própria capacidade. Concorda com as demais participantes acerca da importância de conhecer o próprio corpo para diminuir o medo em relação à vivência da sexualidade e complementa afirmando que é preciso ensinar para as outras pessoas que elas são iguais a todo mundo. Seu relato elucida essa questão. Relato 40 “[...] prazer nem sempre tá relacionado com prazer sexual, mas que que acontece, falando do prazer sexual em si, essa repressão que a gente sofre desde quando a gente é criança está muito relacionado com o medo que a gente sente, eu sei que a gente tem que lutar para mostrar que a gente pode, que a gente é capaz, só que eu acho que a sociedade não dá espaço para gente, sabe? Sempre essa questão, tipo assim ‘ah, você não é capaz de sentir prazer’ isso faz a gente se sentir insegura, porque quanto mais as pessoas ficam falando que ‘você não é capaz’ a gente começa a duvidar da gente mesma, tá que se a gente conhece o nosso corpo, conhece a nossa capacidade, esse medo vai indo embora, mas, assim, é um processo lento e as pessoas não contribuem, tipo assim, elas não procuram saber como que é essa deficiência, quais são as suas limitações, entendeu? Então, acho que isso atrapalha demais, mas, como as meninas falaram, a gente tem que conhecer nosso corpo, a gente tem que fazer nossa parte e... Como que eu vou falar? Ai, gente, 120 me sumiu a palavra aqui... É... Ensinar para as outras pessoas, é, como que funciona, que a gente é igual a todo mundo”. (Gabriela) Gabriela relata que, em sua vivência, nota mais repressão no tocante à sexualidade da parte das mulheres que dos homens, revelando que suas amigas afirmam que ela precisa “se guardar mais” em função da deficiência, o que faz a participante se sentir infantilizada. Seu relato demonstra isso. Relato 41 “[...] na minha vivência, [a repressão]vem mais das mulheres do que pelos homens, assim, eu noto mais, tipo as minhas amigas, elas me reprimem demais, e os homens não, eles me veem como uma pessoa normal, mas aí quando eu começo a conversar sobre esse assunto com minhas amigas já é totalmente diferente ‘ah, mas não sei o quê, porque tem deficiência, tem que se guardar mais, tomar cuidado’ eu me sinto uma bebê, entendeu? Quando eu tô falando com outras mulheres, senão todas, né? Mas a maioria. Então, assim, é muito difícil”. (Gabriela) Em direção parecida, Judite percebe uma associação de fragilidade e vulnerabilidade em relação às pessoas com deficiência, vistas como incapazes de se relacionar com alguém, sobretudo, com uma pessoa sem deficiência, como pode ser observado no seu relato. Relato 42 “[...] sempre associam o deficiente a alguém frágil que não vai conseguir se relacionar com ninguém, ou se conseguir não pode ser com alguém ‘normal’. [...] Como se o deficiente sempre estivesse numa posição vulnerável, que não pudesse confiar em ninguém. Com uma insegurança constante”. (Judite) Lana, partindo de sua experiência, relata que mulheres são reprimidas não apenas pelos homens, mas pelas mulheres também, afirmando que, como é lésbica, sente mais repressão das mulheres e teme ser rejeitada por ser gorda, admitindo que não sente medo apenas em relação ao prazer sexual, outrossim ao prazer pela vida. Seu relato explica essa questão. Relato 43 “[...] mulheres são reprimidas não só pelos homens como entre as mulheres também. Eu por ser gorda e gostar de mulher vejo e sinto essa repressão mais pelas mulheres do que pelos homens e também por eu ser gorda e cursar [omitido] aí está o medo. O medo da rejeição por eu ser gorda e não ser aceita, e não é só medo do prazer sexual, é também sentir o medo do prazer pela vida”. (Lana) 121 Olívia entende que tanto o medo, quanto o prazer estão relacionados à autoestima. Ela fica fragilizada com a deficiência e, uma vez que a autoestima esteja fragilizada, aumenta-se o medo de ser rejeitada. Deste modo, não é possível sentir prazer. Seu relato ilustra isso. Relato 44 “[...] em relação a essa questão do medo e do prazer, eu entendo que esse medo decorre de um ataque que nós sofremos em nossa própria autoestima, né? A deficiência nos fragiliza exatamente naquele ponto em que nós deveríamos ser mais fortes, que é a nossa autoestima, a nossa autoaceitação, e o medo decorre desse problema com a autoestima e uma vez que esse pilar esteja abalado, o prazer fica prejudicado, né? É impossível sentir prazer quando você não está se sentindo bem, quando você tem medo de não ser aceita, tem medo de ser rejeitada, então, eu acho que tudo passa pela autoestima”. (Olívia) Gabriela relata que, ao perceber que está na presença de uma pessoa que não está preparada para conversar sobre sexualidade e deficiência, evita falar sobre o assunto, como pode ser observado no seu relato. Relato 45 “[...] eu mesmo, dependendo da pessoa que tá [incompreensível] comigo, se eu percebo que ela não tem uma preparação, eu evito falar porque eu sei que não vai dar muito certo”. (Gabriela) De acordo com Figueiró (1995; 2006), a vivência feliz da sexualidade não resulta da simples escolha individual isolada, já que a vivência pessoal é influenciada pela cultura. Assim, para viver de forma plena a sexualidade, não basta que uma pessoa desenvolva seus aspectos afetivos e psicológicos, é necessário o compromisso com a transformação da sociedade, portanto, uma Educação Sexual Política ou Emancipatória. 4.4.2 Direito à expressão da orientação sexual não heteronormativa Gabriela e Isabela percebem que homossexuais com deficiência enfrentam mais repressão social, o que aponta a importância da Educação Sexual considerar a intersecção entre os debates da heteronormatividade e da corponormatividade compulsórias, como vem sendo realizado por autoras/or com perspectiva interseccional feminista, queer e/ou crip (ÁVILA, 2014; GARLAND-THOMSON, 2002; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; LOPES; 122 SOLVALAGEM; BUSSE, 2020; MELLO, 2016; 2019; MELLO; MOZZI, 2018; MELLO; NUERNBERG, 2012). Assim, com base na harmonia contestadora e inconformada com a produção e reprodução das relações desiguais de poder entre as abordagens Emancipatória e Queer de Educação Sexual e na premissa da abordagem Queer de rejeitar qualquer forma de normatividade, desvelando como a classificação do normal e do anormal é intencionalmente produzida (FURLANI, 2005; 2016), nota-se seu potencial de desestabilizar o sistema de opressão capacitista (CAMPBELL, 2009; MELLO, 2016; 2019) e de desconstruir os valores heteronormativos encontrados nos relatos de participantes das pesquisas relacionadas à sexualidade e educação sexual de pessoas com deficiência (MAIA, 2016; MAIA et al., 2015; MORALES; BATISTA, 2010). Por isso, sugere-se a inserção da deficiência em ambas as abordagens. Os relatos ilustram tudo isso. Relato 46 “[falar sobre] questão de gênero, porque muitos deficientes são homossexuais, então eles se sentem mais reprimidos ainda, então acho que esse assunto é importante. [...] Deficiente e homossexual já é intolerável para a sociedade...”. (Gabriela) De acordo com Gabriela, homossexuais com deficiência se sentiriam ainda mais reprimidos, pois a intersecção deficiência e homossexualidade é intolerável para a sociedade. No mesmo sentido, Isabela afirma que, para a sociedade, a homossexualidade seria uma escolha e uma pessoa com deficiência, com essa orientação sexual, estaria escolhendo dificultar mais a própria vida. Seu relato exemplifica suas colocações. Relato 47 “[...] a menina tinha falado aquela hora, tava pensando nisso também, a questão de homossexualidade na pessoa com deficiência, que as pessoas sempre tratam como uma coisa que ‘não, já é demais, né? Você já é deficiente, não pode ter tanta coisa assim, já é deficiente mais homossexual?’ como se fosse um bingo, né? Aonde você só pode ser uma coisa, porque se você for muitas, aí você já tá dificultando muito a sua vida [riso] e as pessoas tratam como se fosse uma coisa... como que fala? Como se você mesmo tivesse escolhendo isso para poder se dificultar mais ainda, então eu acho que isso é uma visão muito errada que as pessoas têm porque não é uma coisa que a gente escolhe, né? Ninguém escolheu isso em nenhum momento da vida da gente”. (Isabela) 123 4.4.3 O prazer está em cada mulher e não se restringe ao sexo Mariluce e Roberta apresentaram uma visão ampla de prazer e sexualidade, considerando-os não restritos à relação sexual, mas relacionados também à vida com a comunidade, compreensão semelhante à concepção de sexualidade da Educação Sexual Emancipatória (FIGUEIRÓ, 2006; NUNES; SILVA, 2006). Nota-se, entretanto, insipiência em relação aos determinantes sociais da sexualidade, como também observado por Maia (2011b) e Maia et al. (2015). As participantes consideram que o prazer é natural e está em cada mulher, pois vem de dentro para fora, desde que não se deixe oprimir e se conheça o próprio corpo, em relação ao qual apresentam percepção positiva, como algumas participantes das pesquisas de Maia (2011a; 2011b). Observa-se o modelo médico ou individual de compreensão da deficiência no relato de Roberta, ao associar a deficiência a problema e desvio da normalidade, o que mais uma vez indica a necessidade de difundir o Modelo Social da Deficiência (BARNES, 2012; CAMPBELL, 2008; 2009; DINIZ, 2003; 2007; DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009; OLIVER, 1981). Os relatos exemplificam essas questões. Relato 48 “[...] eu acho que a capacidade de sentir prazer tá em cada uma das mulheres, né? Da maneira que elas encaram o... assim… a contextualidade do ambiente onde elas estão e também as pessoas que elas convivem. Então, acho quetá em cada uma, eu mesma, se o meu eu, eu tenho que conciliar isso e encarar isso como natural, assim, eu consigo, eu tenho que mandar em mim, eu tenho que dominar, eu sei o meu corpo, né? Então, eu tenho que identificar o meu corpo, e só assim a gente consegue ver esse ‘sentir prazer’ e sentir prazer mesmo, né? Então, tá dentro da gente, em primeiro lugar, não se sentir oprimida, não deixar ninguém nos oprimir, só assim a gente vai ter uma libertação”. (Mariluce) Para Mariluce, a capacidade de sentir prazer está em cada mulher, no modo como cada uma lida com o contexto em que está inserida e com as pessoas com quem convive. A participante afirma, ainda, que ela precisa encarar o prazer como algo natural e identificá-lo no próprio corpo, o que requer não se deixar oprimir e perceber as coisas mais bonitas da vida, pois, segundo Mariluce, o prazer não se restringe ao sexo, estando também relacionado à vida com a comunidade e com a natureza. Seu relato exemplifica sua opinião. 124 Relato 49 “[...] prazer não é só prazer numa relação, não é não. Prazer, eu acredito que prazer é na vida, prazer naquilo que nos rodeia, na nossa convivência, tudo é prazer, desde que a gente encare a vida com naturalidade e ver as coisas mais bonitas, o lado bonito das coisas, todos vão conseguir ter prazer, todos vão conseguir viver, ser feliz e ter prazer do que tão vivendo, esse prazer eu acho que é muito mais abrangente do que, vamos falar assim, sexo, né? Relação íntima. É muito mais intenso, porque a sexualidade é muito mais intensa do que a vida a dois, é a vida com a comunidade, é a vida com seus semelhantes, é a vida com a natureza, tudo isso gera prazer, prazer é muito mais intenso do que essa parte restrita que a gente, a gente define, né? E pensa ‘não vou ter prazer’. Não, prazer é muito mais amplo do que a gente imagina”. (Mariluce) Roberta concorda com Mariluce em relação à compreensão de que o prazer não está restrito ao prazer sexual, percebendo seu corpo como normal e perfeito, portanto sem problema ou deficiência, ao passo que enfrenta outras formas de preconceito. Seu relato elucida sua opinião. Relato 50 “[...] a questão de perceber, sentir, eu concordo com a questão do sentimento, emoções, prazer, não é só sentir prazer sexual, né? Mas eu, como surda, tenho a percepção do meu corpo, meu corpo é normal, perfeito, não tenho problema nenhum, [incompreensível] deficiência, mas tem outros tipos de preconceitos”. (Roberta) 4.4.4 Questões que mulheres com deficiência consideram importantes em suas vivências sexuais Como discutido na subcategoria “Percepção da repressão sexual que obstrui a vivência da sexualidade”, experienciar a sexualidade e a deficiência, numa sociedade capacitista, acarreta inseguranças, medos e dificuldades. As participantes consideram que compartilhar essas experiências pode ser muito importante para todas as pessoas. Consideram, ainda, que é necessário desafiar a pressuposição social de incapacidade das pessoas com deficiência por meio de sua união coletiva, ressoando as reivindicações das/os propositoras/es do Modelo Social da Deficiência acerca da conquista de independência e de controle sobre suas vidas (MELLO, 2010; MORRIS, 1996; OLIVER, 1981; 2004; UPIAS, 1976). A união das pessoas, em torno da identidade coletiva da deficiência, poderia constituir uma resistência à tática do capacitismo de dispersar as pessoas com deficiência, o que não 125 significa retornar às práticas de segregação, mas, sim, organizar-se politicamente, como apontado por Campbell (2008; 2009). Além disso, as participantes tomam como fundamental que os trabalhos em Educação Sexual contemplem autoestima e autoconhecimento da mente e do corpo, refletindo sobre as possibilidades de prazer, além de conhecimentos acerca de seus direitos, indicando que, juntos, esses conteúdos têm potencial para a prevenção de relacionamento abusivo. Tais proposições confluem com as recomendações da Rede Internacional de Mulheres com Deficiência (RIMCD, 2011) e da Carta do I Seminário Nacional de Políticas Públicas e Mulheres com Deficiência (2013). Nota-se, nas considerações das participantes, uma conexão entre exercício da sexualidade e cidadania, o que coaduna com o referencial da Educação Sexual Emancipatória (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; GOLDBERG, 1982; MELO, 2011; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). De modo diferente da percepção das participantes da pesquisa de Rich (2014), as mulheres com deficiência que participaram desta pesquisa não concebem a deficiência como explicação, tampouco justificativa para violência nos relacionamentos afetivo-sexuais. Sua perspectiva está mais próxima a das participantes de Maia (2011a) e ao apontamento de Morris (1996). Os relatos ilustram isso. Relato 51 “[...] falar a questão do sexo mesmo, quais dificuldades, quais são os medos das pessoas, que as pessoas possam compartilhar experiências e, assim, as pessoas se sentissem mais seguras, né? Vão vencendo esse medo e vão vendo que não estão sozinhas”. (Gabriela) Para Gabriela, seria importante ter espaços para compartilhar dificuldades, medos e experiências em relação ao sexo, o que poderia aumentar a segurança e diminuir o medo das pessoas com deficiência acerca da vivência da sexualidade, ao constatarem que não estão sozinhas. Judite, por sua vez, aponta a importância de apoio psicológico para evitar a submissão a um relacionamento abusivo em função da deficiência. Segundo essa participante, existe uma pressuposição, incompatível com a realidade, de que quando uma pessoa sem deficiência se relaciona com uma pessoa com deficiência aquela estaria fazendo um favor a esta. Seu relato elucida essa questão. 126 Relato 52 “E também o apoio psicológico [...] por exemplo, não temos de nos submeter a um relacionamento abusivo só por sermos deficientes. Como se em um relacionamento entre uma pessoa deficiente com uma pessoa sem deficiência, a pessoa sem deficiência estivesse fazendo um favor a outra, e não é realidade”. (Judite) Para Isabela, é importante que as mulheres conheçam o próprio corpo e saibam o que são capazes de fazer, pois, segundo ela, isso aumentaria a independência na tomada de decisão e empoderamento, na presença ou não da experiência da deficiência. A participante ressalta a relevância de se conhecer os aspectos biológicos vinculados ao prazer, indicando a possibilidade desse conhecimento diminuir a aceitação da manutenção de um relacionamento que não satisfaz sexualmente. Seu relato explica esses apontamentos. Relato 53 “Eu acho que uma coisa que não poderia faltar de jeito nenhum, eu acho que é uma coisa importante, é a questão de você aprender a biologia do seu próprio corpo, né? Tipo, de você saber tudo sobre o seu corpo, eu acho que é uma coisa muito importante para você se empoderar dele, porque se você sabe o que que o seu corpo faz, e como você é, eu acho que você já consegue ser mais independente em várias coisas, tanto na questão de deficiência e tanto uma pessoa que não tem deficiência, saber o que o seu corpo é e o que ele faz é uma coisa muito importante, principalmente, nessa questão de sexualidade, né? Que é você saber o que que você tá fazendo. A questão de prazer que a gente tava falando, às vezes, a pessoa aceita um relacionamento que ela não tá satisfeita sexualmente com aquilo, a pessoa sabendo biologia do corpo, a anatomia e tudo que ele é capaz de fazer, ela já não vai aceitar aquilo porque, às vezes, a pessoa, igual a... eu não sei quem tava falando ali no chat, disse que a gente tem que aceitar qualquer coisa porque é deficiente, mas não é. Se você sabe o básico da biologia do seu corpo todo, você vai saber que ele é capaz de muito mais do que um relacionamento que não está satisfazendo é capaz de fazer, então você vai falar‘não, não tô gostando disso’ e tomar as rédeas de você mesma. Se você sabe o que que o seu corpo é capaz, você não vai aceitar qualquer coisa, se você sabe que você consegue andar daqui até ali, então você não vai aceitar que alguém diga para você que você não consegue. É questão de sexualidade, questão de ser independente, de ter autoestima, se você sabe que você é capaz, você não vai deixar ninguém passar por cima de você, tipo a pessoa falar ‘você não consegue caminhar até o supermercado sozinha’ aí você tem que aceitar o que que a pessoa vai decidir trazer para você ou não, isso já é uma forma de empoderar, porque você sabe que você é capaz de ir lá, então você vai sozinha”. (Isabela) 127 Gabriela complementa afirmando a necessidade de entender o corpo, os direitos e também cuidar da mente, em direção semelhante ao que havia sido apontado por Judite. Seu relato exemplifica esses apontamentos. Relato 54 “a gente precisa entender nosso corpo, saber dos nossos direitos, precisamos também cuidar da nossa mente” (Gabriela) Olívia, assim como Gabriela, indica que, na discussão sobre sexualidade e deficiência, é importante conhecer os direitos para lutar por eles, e acrescenta a necessidade de reforçar a autoestima, como pode ser observado no seu relato. Relato 55 “[o] que eu acho que não poderia faltar em um grupo pra discutir sexualidade e deficiência, a questão da autoestima, o reforço dessa autoestima e também o conhecimento dos nossos direitos, é importantíssimo, nós conhecermos nossos direitos, para que nós possamos lutar por eles”. (Olívia) Para Gabriela, é importante que as pessoas com deficiência se unam para mostrar que são capazes e derrubar as limitações impostas pela sociedade às pessoas com deficiência, desafiando, externa e internamente, a pressuposição de incapacidade. Segundo a participante, a limitação mental limita mais que a limitação física. Seu relato explana essa questão. Relato 56 “[...] nós temos a questão que você falou como fazer para mostrar que a gente é capaz nessa sociedade que tanto me limita, né? Acho que tem que partir da gente mesmo, a gente que tem que falar ‘não, eu sou capaz e eu vou lá e vou mostrar’. No dia 21 de setembro foi o dia nacional da luta pelos direitos da pessoa com deficiência, né? Eu acho que esses dias, é lógico que todo dia é dia da gente mostrar que a gente é capaz, que a gente tem que lutar e eu acho que a união de nós, nós sociedade com deficiência, precisa ser mais forte para derrubar essas limitações que a sociedade impõe a nós, a gente tem que mostrar que a gente é mais forte, falar ‘não, eu sou capaz, num tô nem interessada no que você quer saber’ tem que ser da minha... como que eu vou falar, gente? Do meu potencial. Eu mesmo, eu dou muito ouvido ao que a outra pessoa fala ‘ah, não, você não dá conta’ eu já fico ‘Ai, meu Deus, eu não vou dar conta mesmo e tal’ e já fico nervosa, e já quero desistir, mas a gente tem que parar e pensar ‘não, mas porquê que eu não dou conta? Lógico que eu dou conta!’ Então, acho que é lutar mesmo, lutar contra nossa mente, 128 porque o que nos limita mais é a nossa mente, não é a nossa limitação física, é a nossa limitação mental. Então a gente tem que trabalhar isso”. (Gabriela) A pressuposição social de incapacidade e assexualidade das pessoas com deficiência como produtoras de medo e insegurança para a vivência da sexualidade ficou evidente nos relatos das participantes. Algumas delas chamaram a atenção para a intersecção entre deficiência e orientação sexual, afirmando que homossexuais com deficiência enfrentam mais repressão social, o que indica a relevância de aprofundar o debate entre heteronormatividade e corponormatividade compulsórias em outras pesquisas que articulem as abordagens Emancipatória e Queer de Educação Sexual, podendo também dialogar com a Teoria Crip (FURLANI, 2005; 2016; MELLO, 2019). A Educação Sexual Emancipatória considera a vivência pessoal positiva da sexualidade, objetivando resgatar seu aspecto erótico, qualificado pelo prazer, os sentidos, os gestos, os toques e o corpo como um todo. Ao mesmo tempo, reconhece que a vivência feliz da sexualidade não decorre da simples escolha individual, pois a experiência pessoal recebe muita influência da cultura. Daí, a necessidade de desvelar os determinantes internos e externos da sexualidade, incluindo a repressão e a incitação ao sexo, o que perpassa pela consideração dos aspectos social, cultural, político e econômico da sociedade (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; NUNES, 1996). Para Nunes (1996), o objetivo último da Educação Sexual Emancipatória é superar as opressões. Assim, entende-se que essa tarefa será incompleta se negligenciar a deficiência como uma forma de opressão social, como é entendida por Abberley (2008), Gesser, Block, Mello (2020), Hunt (1966) e Upias (1976). Ademais, a inserção da deficiência como categoria constitutiva da Educação Sexual Emancipatória potencializa a ruptura das concepções biomédicas, normativas e mercantilistas de sexualidade, cujo caráter é capacitista, conservador e corponormativo. O questionamento da política do capacitismo favorece a libertação da alienação econômica, sexual e dos desejos almejada pela Educação Sexual Emancipatória (NUNES, 1996), pois o capacitismo contribui com o aperfeiçoamento do sistema capitalista e objetificação dos corpos e afetos (CAMPBELL, 2009; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; TAYLOR, 2017). 129 4.5 Educação Sexual 4.5.1 A Educação Sexual deve ser realizada por uma/um profissional com formação Mariluce identifica as/os profissionais da educação como responsáveis pela Educação Sexual e indica a necessidade da formação acadêmica prepara-las/os para compreender e abordar a sexualidade. Acrescenta-se a importância de a concepção social e emancipatória da deficiência integrar a formação das/os profissionais da educação (BOCK; NUERNBERG, 2018; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; MARTINS et al., 2012; MORAES, 2010). Seu relato exemplifica. Relato 57 “[...] essa questão aí da sexualidade é importante saber o seguinte, como eu já fiz o curso de [omitido], eu também tenho o papel de ser educadora, né? Então, quando fala de sexualidade na escola, eu acredito que ainda falta a preparação dos profissionais, nós estamos ainda engatinhando para poder passar para a futura geração essa contextualização de sexualidade, é um assunto que a gente não consegue compreender certinho, não consegue defini-lo certinho, muitas vezes é embaraçoso esse assunto, porque parece que as pessoas não consegue ter uma definição disso, e aí também eu acho que é meio complexo, mas é o seguinte, agora é a hora de tá preparando os profissionais e isso cabe à formação acadêmica, né? Para lançar profissionais, para tá atuando na escola e gerar futuras pessoas, adultos que entendam realmente essa contextualização”. (Mariluce) 4.5.2 Queixa da Educação Sexual sem referenciar as pessoas com deficiência Em relação à Educação Sexual recebida, a escola aparece como a fonte mais citada. A família, para algumas das participantes (Isabela e Gabriela), amigos, internet e mídia como fontes adicionais, mas todas elas sem referência às pessoas com deficiência, o que converge com outras pesquisas (MAIA, 2011a; 2011b). Diante disso, as participantes apontam que a Educação Sexual falha ao não incluir a pessoa com deficiência, o que é desejável e imprescindível para uma sociedade inclusiva e igualitária. Deste modo, suas proposições perpassaram por incluir a perspectiva de pessoas com deficiência nos espaços de discussão sobre sexualidade que já existem, ou seja, em espaços comuns, ao invés de criar espaços especiais ou segregados, além de representar corpos com impedimentos em livros didáticos, em geral, e de Biologia, em particular, entendendo que o 130impedimento corporal não é, necessariamente e inerentemente, negativo, como discutido por Campbell (2009), Garland-Thomson (2002), Oliver (1981) e Upias (1976). Para difundir essa compreensão, é necessário que as pessoas com deficiência estejam participando de todos os espaços da sociedade, o que, mais uma vez, indica a articulação entre exercício da sexualidade e da cidadania, ecoando os pressupostos da Educação Sexual Emancipatória (FIGUEIRÓ, 1995; 2006; GOLDBERG, 1982; MELO, 2011; NUNES, 1996; NUNES; SILVA, 2006). As considerações das participantes abrem uma fissura na tendência de pensar a elaboração de programas de educação sexual exclusivos para pessoas com deficiência e com base no tipo de impedimento (CURSINO et al., 2006; PIECZKOWSKI, 2007; MORALES; BATISTA, 2010; MAIA et al., 2015), estando de acordo com as premissas do Modelo Social da Deficiência (HUNT, 1966; OLIVER, 1981; 2004; UPIAS, 1976). Os relatos explicitam essas questões. Relato 58 “[...] eu acho que de tudo que a gente aprende sobre sexualidade primeiro vem a escola, né? Pelo menos para mim foi assim, e conversa com os pais que a gente aprende, só que é tudo muito voltado para pessoas normais que não tem deficiência. Conversa com os pais eu não sei se as outras meninas tiveram, mas eu tive muito disso. E escola, geralmente, eles falam sobre doenças, esse trem, então, é muito só informativo, e não muito inclusivo, né? Então, eu acho que falta muito isso e aí a gente acaba aprendendo por outros meios de representatividade, que a gente não tem muito, né? Não aparece muito na escola, então fica um pouco vago nosso aprendizado sobre esses temas”. (Isabela) Na percepção de Isabela, partindo de sua experiência escolar e relacionamento com os pais, a sexualidade foi abordada referindo apenas pessoas sem deficiência. Ela aponta, ainda, que, na escola, a discussão sobre sexualidade está mais focada nas doenças, sendo muito informativo e não muito inclusivo de acordo com ela. Da mesma forma, Gabriela lembra que os pais falavam sobre sexualidade, mas, assim como na escola, a discussão sobre sexualidade não se vinculava à deficiência. Na sua percepção, a ausência de diálogos que articulem sexualidade e deficiência influencia o fato da sociedade considerar que as pessoas com deficiência são assexuadas. Ainda, na ausência da abordagem da sexualidade de pessoas com deficiência, na família e na escola, Gabriela buscou sobre sexualidade da pessoa com deficiência em filmes e na internet, mas avalia que o assunto 131 também está vago nesses espaços e não supriu muito o que ela buscava. Seu relato elucida essa questão. Relato 59 “[...] eu tive muita informação de dentro de casa, assim, minha mãe e meu pai foi muito liberal, então amenizou um pouco [incompreensível] não tá relacionado com deficiência, então, isso influencia muito aquela questão de as pessoas falarem que a gente é assexuada, porque na escola, dentro de casa, eles nunca falam da sexualidade com o deficiente, é só com pessoas normais. Eu mesma, eu já cheguei a assistir filmes, procurar na internet para entender um pouco mais, porque as pessoas nunca falam, acho que é realmente muito vago. [na internet] muito pouco, as pessoas também, assim, muito reprimido, sabe? As pessoas não estão interessadas em saber, entender a sexualidade do deficiente, as pessoas que não têm nenhuma deficiência. Não supriu muito não”. (Gabriela) Diferente das famílias de Isabela e Gabriela, na família de Lana não houve qualquer conversa sobre sexualidade. Assim, ela aprendeu sobre sexualidade com os amigos, na escola e na mídia, sem representatividade de pessoas com deficiência como apontado por Gabriela. O relato de Lana exemplifica essa questão. Relato 60 “[...] eu aprendi sozinha, através de amigos, escola e a mídia, porque em casa nunca teve assunto relacionado à sexualidade. Não havia representatividade, é igual a Gabriela falou. Eles acham que não temos o direito de saber ou falar sobre o assunto”. (Lana) Isabela indica a importância de considerar as pessoas com deficiência ao abordar temas relacionados à sexualidade, o que inclui discutir modos de conversar com o parceiro ou com a parceira afetivo-sexual sobre as questões vinculadas à sexualidade e deficiência. Em sua percepção, é necessário conhecer as demandas das pessoas com deficiência e inclui-las na educação sexual de todos os lugares, citando escola, livro e aula de biologia, por ser comum essa disciplina trabalhar conteúdos que se relacionam com a sexualidade. A participante aponta, ainda, que na sua graduação, uma licenciatura, há comentários de que será necessário dar aula sobre sexualidade, mas nunca houve discussão acerca dos modos possíveis de incluir todas as pessoas na temática. Seu relato elucida esses aspectos. 132 Relato 61 “[...] eu acho que levar em consideração as outras pessoas e lembrar que as outras pessoas existem, pessoas com deficiência, como que vai ser isso para elas, se você for falar sobre um tema muito específico, tipo o uso de preservativo ou alguma coisa como que você vai relacionar com outras pessoas, como que você vai... Como que você vai conversar com alguém sobre... conversar com seu parceiro, com sua parceira sobre isso, não tem, né? Ninguém fala sobre as pessoas que são diferentes, que têm necessidade especial. [...] parar e ouvir quais são as suas demandas e colocar isso na educação sexual de todos os lugares, de escola, de livro, de aula de biologia, biologia sempre pega muito nesse tema, de aula sobre sexualidade, a gente sempre vai ter que falar isso em algum momento na escola. Então, o meu curso em si, ele fala que a gente vai ter que dar aula sobre isso, mas ele nunca falou sobre como que a gente vai incluir todas as pessoas nisso, então, acho que seria mais questão de ouvir as outras pessoas mesmo”. (Isabela) Para Judite, é preciso haver pessoas com deficiência em todos os espaços, uma vez que são cidadãs. Cita professores com deficiência e outros profissionais, além da representatividade de pessoas com diferentes experiências de deficiência em filmes. Seu relato ilustra suas opiniões. Relato 62 “Acho que precisamos de deficientes em todas as esferas, professores do ensino médio também deficientes, entre outros profissionais. [...] Além de só encontros em alguns eventos, entender que o deficiente é um cidadão em todos os sentidos. [...] Acho que são contados os filmes que vi um personagem deficiente, e quase sempre é especificamente cadeirante e acho que temos de pensar em múltiplas deficiências”. (Judite) Judite complementa indicando a relevância de rodas de conversas e debates com pessoas com e sem deficiência, podendo falar sobre dificuldades e conquistas. Seu relato demonstra esses aspectos. Relato 63 “Acho que tem que ter mais rodas de conversas, debates abertos ao público em geral com o deficiente ali inserido, mas ao mesmo tempo falando sobre suas dificuldades e conquistas”. (Judite) Segundo Gabriela, é importante que pessoas com ou sem deficiência estudem sobre sexualidade e deficiência e conversem com pessoas com deficiência, pois essa é a melhor forma 133 de entender como elas se sentem, preparando-se, assim, para abordar o assunto, deixando que as pessoas com deficiência também falem sobre sexualidade de modo natural. Seu relato exemplifica. Relato 64 “[...] nada melhor para as pessoas entenderem o que as pessoas com deficiência sentem, é conversando com uma, perguntando o que elas sentem, perguntando... aí gente, como que eu vou falar… conversando com ela. [...] acho que nada mais importante do que elas estudarem, tem que procurar saber, conversar com outras pessoas com deficiência para que elas se tornem preparadas para falar do assunto e deixar as pessoas com deficiência também falaremde maneira natural, sem ser constrangedor, porque, na maioria das vezes, como elas não estão acostumadas a lidar com isso, elas nos deixam vulneráveis e com vergonha de falar, então, muitas vezes, a gente evita”. (Gabriela) Isabela indica a necessidade de falar sobre a sexualidade das pessoas com deficiência de modo a normalizá-la. Entende-se aqui a referência à necessidade de normalizar no sentido de naturalizá-la, ao invés de normatizá-la enquadrando em um padrão normativo, ou seja, é necessário considerar natural a expressão da sexualidade por pessoas com deficiência, uma vez que a participante aponta para a importância de abordar que fenômenos como puberdade e vontade de estabelecer parceria afetivo-sexual também vão acontecer com pessoas com deficiência. Segundo a participante, abordar a sexualidade da pessoa com deficiência como algo normal (ou natural, ordinário) pode diminuir o receio de falar e tirar dúvidas sobre sexualidade. Seu relato explana suas opiniões. Relato 65 “Eu acho que antes da gente falar de quais as dúvidas, é claro que é importante falar sobre as dúvidas, se tiver, a gente já tem alguma dúvida, mas primeiro, assim, se a gente fosse falar numa escola, por exemplo, a gente tem que normalizar isso, falar ‘não, a pessoa com deficiência ela tem uma sexualidade, ela vai ter puberdade, ela vai desenvolver o corpo, ela vai ter vontade de ter um parceiro’. Então a gente tem que normalizar isso, para que as pessoas não fiquem com tanto receio de falar, né? Porque se você não entende uma coisa, você não vai ter dúvida, então se você for tratar isso no ambiente escolar, que eu falo muito disso porque é o meu ambiente, o meu trabalho, tem que normalizar, e tratar como se fosse normal, porque é normal. [...] a gente tem que tratar como é, que é uma coisa normal para as pessoas se sentirem à vontade de entender e ter as dúvidas que uma criança normal tem, que quando ela vai crescendo ela vai querendo desenvolver isso, né? 134 Então, ela vai ter as dúvidas que ela vai trazer, então se a gente trata isso como é uma coisa que vai acontecer, porque uma pessoa com deficiência vai crescer, ela vai ter as necessidade dela, a gente sabe, a gente torna o ambiente mais confortável para as pessoas que tenham deficiência chegarem e simplesmente falarem ‘não, eu tenho dúvidas sobre isso, como que vai ser?’ então, eu acho que é isso, primeiro tratar como uma coisa normal que é, né? E aí as pessoas vão se sentir confortáveis para poder entender e ter as próprias dúvidas”. (Isabela) Em direção semelhante, Olívia propõe que entender a sexualidade das pessoas com deficiência como algo normal perpassa por uma reformulação da educação sexual, incluindo as pessoas com deficiência nas informações sobre sexualidade sem um viés de diferença, o que significa não associar a limitação física à deficiência, no sentido de algo que diminui uma pessoa em relação à outra, mas como parte da diversidade humana. Perpassa, também, pela representatividade de pessoas com deficiência na mídia e por sua participação em todos os espaços sociais. Novamente, entende-se o apontamento da normalização da deficiência como sinônimo de colocar as pessoas com deficiência no campo do que é comum à vida social, indicando o direito a uma vida ordinária, conforme é discutido por Debora Diniz e Lívia Barbosa (2010). Nas palavras de Olívia, Relato 66 “[...] essa questão da sexualidade e da deficiência, ela passa pela necessidade de uma reformulação da educação sexual e eu fiquei pensando aqui, fiquei realmente reflexiva sobre como essa educação sexual poderia ser reformulada, porque eu acho que todas nós recebemos sempre informações tanto na escola, como na família, como na mídia, ou coletando isso com os amigos, com a ideia, sempre visualizando pessoas sem deficiência participando dessas sexualidades e os deficientes ficando a parte e... mas aí eu fiquei imaginando que também, se essa abordagem fosse diferente, se nós fossemos trazidos pra esse diálogo, mas com esse viés da diferença, é... também não sei seria legal, também seria constrangedor, o ideal é que fosse... acho que foi a Isabela que usou essa palavra, é que fosse normalizado, né? Que as nossas limitações físicas não fossem vistas como deficiências, como algo que nos diminui perante os outros, mas que fossem vistas uma parcela da diversidade humana, como se ser deficiente fosse ser normal também, eu acho que essa reformulação da educação sexual, em todos os níveis, deveria passar por essa normalização e essa normalização ela pode chegar por meio da representatividade que as meninas falaram também, né? Nós nos vermos em todos os meios sociais, como profissionais, como professores, como advogados, como juízes, como policiais, enfim, nós estivéssemos inseridos em todas as esferas, pudéssemos nos ver, inclusive, nos ver na mídia também, né? É na mídia escrita, na mídia falada, na internet, isso permite essa 135 normalização e diante dessa normalização eu acho que tudo fluiria com mais naturalidade”. (Olívia) No mesmo sentido, Judite percebe a necessidade de uma reeducação das pessoas com deficiência no tocante às limitações físicas não serem sinônimos de prisões. Seu relato ilustra sua opinião. Relato 67 “Acho que tem que ter uma reeducação de nós mesmos, saber que nossas limitações físicas não precisam ser prisões”. (Judite) Gabriela aponta que para deixar as pessoas com deficiência confortáveis para falar sobre sexualidade é necessário abordar a temática com normalidade, naturalidade e igualdade. Em suas palavras, Relato 68 “[para deixar mais à vontade é necessário] tratar o assunto com normalidade, com naturalidade, com igualdade, porque, na maioria das vezes, uma pessoa vem conversar com a gente que tem deficiência, ela já traz aquele [incompreensível] de desigualdade que existe diferença ‘não, mas é diferente, tal’ então assim, a gente já pensa ‘nossa, ela nos vê já diferente’, então tratar a gente de forma igual, como qualquer pessoa sem deficiência, a gente vai se sentir mais confortável para falar”. (Gabriela) Isabela chama atenção para a ausência de corpos de pessoas com deficiência em livros de anatomia, os quais ilustrariam apenas corpos que se enquadram no padrão de normalidade, difundindo a ideia de que todo corpo é, ou deve ser, igual ao corpo ilustrado no livro. A participante lembra de uma aula em que o professor apresentou uma ilustração representando variadas formas de vulva. Segundo Isabela, ter contato com essa ilustração produziu reflexões sobre o fato de todas as pessoas terem características diferentes e, ao mesmo tempo, todas as possibilidades serem tomadas como normais (ou naturais, características da humanidade). Seu relato elucida essa questão. Relato 69 “[...] alguém tinha falado sobre questão de livros e aí eu tinha pensado a questão de que a gente não tem... todos os livros de anatomia e de ensino médio, da faculdade também, não tem nenhum corpo diferente do que é o normal, então a gente fica sempre naquela coisa de que todo corpo é igualzinho aquele ali. Eu lembro que quando eu tava fazendo anatomia, eu 136 não sei quem que levou, acho que foi um professor, que ele levou um papel impresso onde tinha todos os tipos de hímen e de lábios e de vaginas diferentes e todo mundo ficou assim... a gente nem sabia que existia tanta diversidade, porque os livros sempre colocam todo aquele padrãozinho, como se todo mundo fosse igual aquilo e quando o professor levou isso, abriu um mundo para a gente, porque a gente entendeu que todos aqueles ali eram normais, porque todo mundo tem diferente, o seu corpo é diferente, então acho que falta muito essa questão de livro, ter inclusão de corpos diferentes, colocar corpos de pessoas deficientes e falar que o corpo de uma pessoa surdanão é diferente em algumas partes, só é diferente em algumas outras, eu acho que falta muito isso”. (Isabela) Corroborando a observação de Isabela, Judite relata que, às vezes, as pessoas sem deficiência se referem ao corpo das pessoas com deficiência como se sua anatomia fosse outra, distinta, em função da deficiência. Além das aulas de biologia, a participante aponta a necessidade de representatividade de pessoas com deficiência na literatura, como pode ser observado no seu relato. Relato 70 “Desde as aulas de biologia, como já dito, porque às vezes as pessoas fazem comentários como se a anatomia do nosso corpo fosse outra, distinta, só por sermos deficientes. Até a representatividade na literatura”. (Judite) 4.5.3 As pessoas com deficiência como protagonistas no processo de Educação Sexual: mediação no processo com outras/os profissionais ou grupos de discussões, como nas redes sociais e internet, por exemplo Para retificar as falhas da Educação Sexual, apontadas na subcategoria anterior, as participantes afirmam ser importante ter profissionais com deficiência dando aulas e/ou conduzindo discussões sobre sexualidade com ou não uma equipe multidisciplinar. Novamente, as participantes indicam a necessidade de participação das pessoas com deficiência em diversos espaços e em condição de igualdade com as pessoas sem deficiência, reivindicando que estejam em posição de propositoras e não apenas de receptoras dos projetos de Educação Sexual, o que coaduna com o Modelo Social da Deficiência e com os estudos emancipatórios no campo da deficiência ao ecoar as premissas de fazer com, ao invés de fazer para, bem como o lema do movimento político das pessoas com deficiência: nada sobre nós, sem nós (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; HUNT, 1966; LANNA JUNIOR, 2010; MAIOR, 2017; MARTINS et al., 2012; MORAES, 2010; OLIVER, 1981; 2004; UPIAS, 1976). 137 Isabela e Gabriela apontam as redes sociais da internet como espaços possíveis para conversar sobre sexualidade e deficiência com pessoas com e sem deficiência. Isabela indica, ainda, que, além das discussões nos espaços comuns, reuniões de pessoas com deficiência podem ser úteis para fortalecê-las. Importante ressaltar que a sugestão dessa participante é no sentido aditivo e não substitutivo, o que pode ter potencial de enfrentar a tática de dispersão das pessoas com deficiência pela política do capacitismo, como discutido por Campbell (2008; 2009). Os relatos elucidam essa questão. Relato 71 “[...] eu acho que seria mais de levar em consideração, colocar essas pessoas no lugar de fala, né? Chegar e falar ‘olha, essa pessoa vai dar aula sobre pessoas deficientes e ela vai falar sobre sexualidade’ uma pessoa que vive isso, que já experimentou isso. Eu nunca tive aula sobre sexualidade com uma pessoa que não fosse totalmente normal, sem deficiência, então acho que seria mais falta de representar as pessoas com deficiência e ouvir elas, né?”. (Isabela) Isabela indica a importância de haver pessoas com deficiência dando aula sobre deficiência e sexualidade, lembrando que ela nunca teve aula sobre sexualidade com uma pessoa que não fosse normal, usando normal em oposição à deficiência, o que indica, mais uma vez, a necessidade de popularizar o Modelo Social da Deficiência em espaços acadêmicos e não acadêmicos, a fim de questionar a compreensão biomédica da deficiência como desvio da normalidade. Em outro momento, Isabela aponta que, além da educação na escola e na família, considera importante reuniões entre pessoas com deficiência para conversar e descobrir o que conseguem fazer. Seu relato exemplifica suas colocações. Relato 72 “[...] eu acho que muita educação na escola, na família, conversa e uma questão da gente também se reunir entre pessoas deficientes e descobrir o que a gente é capaz de falar ‘eu consigo fazer isso’, eu acho que essas rodas de conversa aqui são muito, muito importantes”. (Isabela) Para Judite, é importante que profissionais com deficiência estejam no ambiente educacional e falem sobre suas demandas, como pode ser observado em seu relato. 138 Relato 73 “[...] profissionais com deficiência no ambiente educacional para falar acerca de suas próprias demandas”. (Judite) Em direção parecida, Gabriela considera importante a articulação entre pessoas com deficiência e profissionais, como psicólogos e biólogos, para falar sobre sexualidade. Seu relato exemplifica sua opinião. Relato 74 “[...] acho que é muito importante essa junção de profissionais e a gente pra falar... psicólogos, biólogos”. (Gabriela) Olívia considera importante que o processo de educação sexual seja conduzido por uma equipe multiprofissional, sugerindo a presença de psicólogo, pedagogo e bacharel em Direito que conheça os direitos das pessoas com deficiência, pois assim poderia orientar acerca de situações de relacionamento abusivo ou violência doméstica. Seu relato elucida suas colocações. Relato 75 “[...] que fosse conduzido por uma equipe multiprofissional. Acho que seria importante um psicólogo, um pedagogo e também um bacharel em direito, que tivesse conhecimento dos direitos que uma pessoa com deficiência possui, até mesmo pra orientar quanto essa situação de relacionamento abusivo, violência doméstica, seria interessante”. (Olívia) Judite fortalece a recomendação de outras participantes no tocante ao trabalho em educação sexual ser multidisciplinar, como pode ser observado em seu relato. Relato 76 “Acho que tem que ser, como todas já disseram, um trabalho multidisciplinar, não dá para apontar uma área específica, acho que tem que ser um conjunto”. (Judite) Isabela sugere grupos de Facebook ou outra plataforma da internet como espaços possíveis para conversar sobre sexualidade e deficiência, tirando dúvidas e trocando experiências. Lembra que algumas pessoas usam perfis falsos para se sentirem mais confortáveis para conversar, comentando sobre sua participação em grupo virtual de discussões relacionadas a relacionamentos e sexualidade. Seu relato exemplifica essa questão. 139 Relato 77 “[...] acho que seria interessante a gente criar um grupo, tanto no Facebook, quanto qualquer outra plataforma que fosse possível várias pessoas estarem juntas, aonde a gente tenha como objetivo conversar sobre isso, né? As pessoas tirarem as dúvidas, contarem experiência, às vezes falar uma coisa que não consegue falar com outra pessoa, tem pessoas nesse outro grupo que usam perfis falsos, né? Porque, às vezes, fica com muita vergonha de falar, mas aí quando ela tá numa coisa que a pessoa não sabe quem é, ela já sente mais confortável, então, acho que seria um meio da gente incluir todo mundo e todo mundo se sentir confortável de conversar e também dá para definir o tema, né? Então, seria um tema sobre isso, conversar sobre isso, seria uma boa”. (Isabela) Em direção semelhante, Gabriela considera importante que a mídia aborde sobre sexualidade e deficiência. Indica, também, as redes sociais da internet como espaços possíveis para profissionais da saúde e da educação realizarem lives sobre sexualidade com a participação de pessoas com deficiência. Seu relato elucida essas questões. Relato 78 “[...] muitas crianças, adolescentes, jovens, é... eles não têm espaço para falar disso em casa, conversar sobre sexualidade em casa, então acho que as mídias, tipo a internet, como eu já havia falado, eu cheguei procurar na internet, quando eu me senti sozinha para falar do assunto e eu não encontrei nada. Então eu acho que é interessante a mídia começar a falar sobre o assunto, acho importante. [...] quando eu falo mídia, acho que as redes sociais, Facebook, Instagram, youtube, eu acho que profissionais da saúde, psicólogos, professores poderiamfazer tipo lives, convidando pessoas com deficiência para falar, para conversar, para que outras pessoas com deficiência pudessem assistir e até participar da conversa”. (Gabriela) Em relação à Educação Sexual recebida, variadas fontes foram mencionadas, sendo a escola a mais lembrada, seguida da família, amigos, internet e mídia como fontes complementares, todas sem contemplar as pessoas com deficiência, portanto ancoradas na corponormatividade, o que reflete a abordagem médico-biologista de Educação Sexual (NUNES, 1996) e o modelo biomédico de compreensão da deficiência (DINIZ, 2003; 2007; DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009; OLIVER, 1981). À vista disso, as participantes propõem a inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços da sociedade e, consequentemente, na Educação Sexual em geral, desde grupos comuns de discussão sobre sexualidade até a representatividade de corpos com impedimentos em livros didáticos, literatura e mídia a fim de desafiar a concepção de que o impedimento 140 corporal é necessariamente, invariavelmente e inerentemente negativo, convocando o Modelo Social da Deficiência, ainda que não tenham nomeado dessa forma (BARNES, 2012; GARLAND-THOMSON, 2002; OLIVER; 1981; TAYLOR, 2017; THOMAS, 2004; UPIAS, 1976). Com essas proposições, as participantes indicam a necessidade de romper com a tendência de elaborar programas de Educação Sexual, ou quaisquer outras intervenções educativas e de formação humana, de modo especifico, exclusivo, especial ou segregado para pessoas com deficiência, cujo planejamento parte, muitas vezes, do tipo de impedimento, devendo emergir uma Educação Sexual com as pessoas com deficiência, reconhecendo-as não apenas como meras receptoras de projetos e intervenções em Educação Sexual, mas também como proponentes dos mesmos. Tais proposições, assim como esta pesquisa, são passíveis de realização em virtude dos avanços da luta histórica das pessoas com deficiência por acesso à educação e trabalho, ainda que nos limites do liberalismo e da igualdade formal (CABRAL FILHO; FERREIRA, 2013; LANNA JUNIOR, 2010; MAIOR, 2017; COSTA; SILVA, 2020) atualmente ameaçados em função da ascensão internacional de forças políticas que priorizam a redução do orçamento público, produzindo ou acentuando, a depender do país, a precarização da assistência social, da educação, do apoio ao trabalho, dentre outras políticas públicas, o que amplifica os efeitos do capacitismo na vida das pessoas com deficiência (GESSER, 2019; THOMAS, 2019). Retornando às proposições das participantes, há a indicação das/os profissionais da educação como responsáveis pela Educação Sexual e o apontamento da necessidade da formação acadêmica prepara-las/os para compreender e abordar a sexualidade. Em relação a isso, acrescenta-se a importância da concepção feminista da deficiência compor a formação das/os educadoras/es, pois, dentre outros motivos, pode favorecer práticas de ensino alinhadas à ética do cuidado, ampliando, assim, as possibilidades de uma prática docente mais acolhedora às distintas experiências do ser humano, sendo o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) um caminho possível, uma vez que contribui com o rompimento da oferta de recursos e estratégias de ensino a partir do impedimento, provendo, ao contrário, variadas opções por compreender que pessoas com e sem deficiência podem acessar o conhecimento de diferentes modos. Nesse sentido, o DUA coaduna com os Estudos Feministas da Deficiência (BOCK; NUERNBERG, 2018; BOCK; GESSER; NUERNBERG, 2020; BOCK; GESSER, no prelo). Além da inserção da perspectiva feminista da deficiência na formação das/os educadoras/es, é fundamental sua difusão em todo o espaço acadêmico, a fim de fomentar projetos emancipatórios de pesquisa e extensão, problematizando a reprodução da concepção 141 biomédica da deficiência por pessoas com e sem deficiência, desta forma, potencializando o questionamento da política do capacitismo (CAMPBELL, 2009; GARLAND-THOMSON, 2002; GESSER; BLOCK; MELLO, 2020; GESSER; MORAES; BOCK, 2020; MARTINS et al., 2012; MORAES, 2010). 142 CONSIDERAÇÕES FINAIS Vida independente é uma falácia que reforça a ideia de que algumas pessoas são capazes e outras não, quando, na verdade, o que acontece é que algumas pessoas têm suas demandas atendidas e outras não. Rita Louzeiro Com esta pesquisa, intentou-se responder ao problema: qual a perspectiva de mulheres com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência, sexualidade e educação sexual e o que consideram importante de ser contemplado (enquanto conteúdo e forma) na Educação Sexual para que esta seja inclusiva? Pode-se afirmar que as mulheres com deficiência, participantes desta pesquisa, percebem a desigualdade entre homens e mulheres e a concebem como socialmente construída e transmitida através das gerações, identificando o papel da família na reprodução da educação desigual entre homens e mulheres. De acordo com as participantes, tal desigualdade permanece na experiência da deficiência, a qual foi considerada um empecilho ao desempenho das atividades de cuidado, socialmente atribuídas às mulheres, o que indica a necessidade de rompimento dos limites do cuidado à esfera privada e inserção na esfera pública, difundindo a ética do cuidado entre homens e mulheres, inclusive convocando o Estado a assumir essa responsabilidade. De modo geral, houve maior reconhecimento da determinação social em relação às questões de gênero do que em relação às questões da deficiência. Apesar disso, as participantes indicaram a pressuposição social de incapacidade das pessoas com deficiência, isto é, capacitismo, como produtora do medo que sentem em relação à vivência da sexualidade e como facilitadora de violência nos relacionamentos íntimos, sendo que, para as participantes, a deficiência não causa, tampouco justifica, um relacionamento abusivo, entendendo-o como o oposto de um relacionamento amoroso. Ao mesmo tempo em que as participantes identificam as opressões sexista e capacitista, ainda que sem nomeá-las desta forma, indicam a necessidade de resistência às opressões, tanto pelo fortalecimento das mulheres, quanto pela insubordinação às pressuposições sociais de incapacidade e assexualidade em relação às pessoas com deficiência. 143 As mulheres com deficiência demonstraram uma concepção ampla de prazer e sexualidade, afirmando que não se vinculam apenas à relação sexual, mas atravessam também a vida em comunidade, sugerindo a relação entre exercício da sexualidade e da cidadania. Nesse sentido, as participantes apontaram que, para enfrentar o medo em relação às vivências sexuais, é necessário desenvolver autoconhecimento do corpo e da mente, adquirir conhecimento sobre seus direitos e educar as pessoas sem deficiência no tocante às suas semelhanças com as pessoas com deficiência, ou seja, reafirmam a necessidade da concepção de igualdade entre as pessoas. As participantes receberam Educação Sexual na escola, algumas delas, na família, nas conversas com amigos e também em buscas na internet, sendo que todas essas fontes negligenciaram a consideração de pessoas com deficiência. Diante dessa constatação, as participantes recomendam a inclusão de pessoas com deficiência em todos os espaços da sociedade e, consequentemente, em todos os espaços, propostas e materiais de Educação Sexual, quais sejam: grupos de discussão sobre sexualidade, aulas de educação sexual, livros didáticos, literatura e mídia. Diante dessas recomendações das participantes, é possível perceber que quaisquer práticas educativas ou formativas, relacionadas diretamente ou não à Educação Sexual, precisam ser construídas conjuntamente por pessoas com e sem deficiência e colocadas à disposição de todas as pessoas, o que perpassa pela garantia de acessibilidadeem todos os espaços e materiais, dadas as possibilidades de acolher as singularidades de cada indivíduo, com ou sem deficiência. As participantes recomendam, ainda, que a Educação Sexual seja realizada por profissionais com formação, citando as/os professoras/es e outras/os profissionais das ciências humanas e biológicas e ressaltando a necessidade da formação acadêmica prepará-las/os para compreender e abordar a sexualidade. Em relação a esse aspecto, acrescenta-se a importância dos Estudos Feministas da Deficiência e da abordagem emancipatória de Educação Sexual comporem o currículo de programas de formação das/os educadoras/es, pois possibilita a emergência de práticas próximas à ética do cuidado, por sua vez, mais acolhedoras às distintas experiências do ser humano, por entender a importância do provimento de uma variedade de recursos e estratégias de apropriação de conceitos em função da concepção de que pessoas com e sem deficiência podem acessar o conhecimento de diferentes formas. Além da importância da perspectiva feminista da deficiência e da Educação Sexual Emancipatória na formação das/os educadoras/es, sejam professoras/es ou não, sugere-se a relevância de difundi-las, dentro e fora da academia, dado o potencial de provocar projetos emancipatórios de pesquisa e extensão, bem como problematizar a reprodução da concepção 144 individual ou médica da deficiência por pessoas com e sem deficiência, e então enfraquecer a compreensão da deficiência como sinônimo de algo, essencialmente e invariavelmente, negativo. Isso em consideração, a adoção do grupo focal como técnica de coleta de dados favoreceu a coletivização das experiências das participantes e, talvez, a percepção de que as dificuldades que enfrentam não são consequências de limitações individuais, e sim de contextos sociais pouco acolhedores às suas necessidades, embora pesquisas futuras tenham que se debruçar na análise desse possível efeito. Os Estudos Feministas da Deficiência e a Educação Sexual Emancipatória têm em comum a relação explícita entre o trabalho intelectual e o compromisso ético-político de transformar a sociedade. Nesse sentido, propõe-se a inserção da deficiência como categoria constitutiva na Educação Sexual Emancipatória, a fim de torná-la mais inclusiva e, deste modo, potencializá-la enquanto projeto de superação das opressões, o qual precisa considerar o questionamento da opressão capacitista para que esteja completo. Dentre as limitações identificadas nesta pesquisa, está a justificativa construída a partir de uma revisão narrativa, ao invés de sistemática da literatura. Outro limite, comum às pesquisas qualitativas, refere-se a não generalização dos resultados para além da amostra de conveniência desta pesquisa. Assim, sugere-se sua replicação com mulheres com diferentes experiências de deficiência e/ou com diferentes níveis de escolaridade e socioeconômico. De modo semelhante, recomenda-se que próximos estudos ampliem a discussão interseccional, considerando como as categorias gênero e deficiência se relacionam com raça, geração e territorialidade, por exemplo, bem como procurem compreender a percepção de adolescentes com deficiência, homens com deficiência e pessoas com identidade de gênero não- binária ou fluida com deficiência sobre a relação entre gênero, deficiência, relacionamento amoroso, violência e sexualidade, bem como sobre o que consideram pertinente à Educação Sexual, a fim de fazer análises que não se encerrem no binarismo de gênero e estabeleçam um diálogo entre as perspectivas Queer, Crip, Decolonial e da Justiça pela Deficiência (Disability Justice), dado o potencial de crítica aos padrões normativos de tais perspectivas. Pesquisas futuras também podem se concentrar na análise da representatividade de corpos com impedimentos nos livros didáticos, principalmente, de ciências e biologia, bem como apontar possibilidades de intervenção sobre eles. Espera-se que esta pesquisa possa subsidiar programas em Educação Sexual, numa perspectiva emancipatória e interseccional, contribuindo com a formação de educadoras/es, professoras/es e lideranças comunitárias e de movimentos sociais, numa construção conjunta 145 de pessoas com e sem deficiência, uma vez que, na sociedade inclusiva, a deficiência atravessa a identidade tanto de quem propõe, quanto de quem recebe intervenções em Educação Sexual e/ou outras atividades educativas e de formação humana. Considera-se, assim, imprescindível que as pessoas com deficiência estejam em todos os espaços, participando em igualdade de condições com as pessoas sem deficiência, o que, por sua vez, requer a defesa intransigente da garantia de acessibilidade e da difusão da ética do cuidado nos espaços públicos e privados. 146 REFERÊNCIAS ABBERLEY, P. El concepto de opresión y el desarrollo de una teoría social de la discapacidad. In: BARTON, L. (Comp.). Superar las barreras de la discapacidad: 18 años de Disability and Society. Madrid: Ediciones Morata, 2008. p. 34-50. ALMEIDA, P. A. P. F. P. C. A Sexualidade na Deficiência Mental. Saber e Educar, n. 15, p. 1-9, 2010. Disponível em: http://revista.esepf.pt/index.php/sabereducar/article/view/96. Acesso em: 06 nov. 2020. ARCARI, C.; COSTA, L. M. L.; COSTA, P. S.; MOTA, S. F.; LEÃO, A. M. C. Prevenção ao sexismo, heterossexismo e comportamento sexual vulnerável. 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Esclareço que em caso de recusa na participação você não será penalizada de forma alguma. Mas se aceitar participar, as dúvidas sobre a pesquisa poderão ser esclarecidas pelos pesquisadores, via e-mail laureanelimacosta@gmail.com ou claudionorsil@gmail.com e, inclusive, sob forma de ligação a cobrar, através dos seguintes contatos telefônicos: (xx) xxxxx-xxxx ou (xx) xxxxx-xxxx. Ao persistirem as dúvidas sobre os seus direitos como participante desta pesquisa, você também poderá fazer contato com o Comitê de Ética em Pesquisa – colegiado responsável por revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos das voluntárias participantes na referida pesquisa, da Universidade Federal de Jataí, pelo telefone (64) 3606-8337. Informações importantes sobre a pesquisa: A pesquisa “Educação sexual emancipatória para mulheres com deficiência: levantamento de demandas”, objetiva analisar as demandas das mulheres com deficiência para a construção de um programa de educação sexual emancipatória, considerando a influência dos contextos político, social, econômico e religioso sobre a vivência da sexualidade das mulheres com deficiência. Para tanto, pretende compreender as percepções e vivências das mulheres com deficiência sobre sexualidade, papéis de gênero, deficiência e violência, assim, identificar as demandas, de conteúdo e de metodologia, para um programa de educação sexual e elaborar um programa de educação sexual de caráter emancipatório. Os dados serão coletados por meio de 157 um questionário socioeconômico e de duas sessões de grupo focal, que ocorrerão no mês de setembro de 2020, a depender da disponibilidade das participantes, com duração de 1h30 a 2h, com 6 a 10 mulheres com deficiência acima de 18 anos. A coleta de dados ocorrerá na modalidade online (por videoconferência) devido ao risco que as aglomerações representam para a saúde em decorrência da pandemia da COVID-19. A pesquisadora se compromete a garantir recursos de acessibilidade a fim de eliminar as barreiras e garantir sua participação com dignidade, autonomia, liberdade e esclarecimento. Nas sessões de grupo focal, estarão presentes: a pesquisadora responsável (que conduzirá as sessões), a pesquisadora relatora (que fará anotações, sem interferir no funcionamento do grupo) e intérprete de libras, se houver participantes usuárias de libras. As sessões de grupo focal serão registradas a partir da gravação da tela do computador da pesquisadora. As gravações e demais dados coletados ficarão sob a guarda dos pesquisadores por um período de cinco anos, mas não serão usadas para fins de outras pesquisas, caso haja interesse em utilizar os dados em outra pesquisa, uma nova proposta deverá ser submetida ao Comitê de Ética. Após o período de cinco anos os dados serão destruídos. Caso esteja de acordo com o registro das sessões de grupo focal, por favor, assinale uma das alternativas abaixo e rubrique ao lado da alternativa escolhida: ( ) Permito a gravação da minha voz/imagem para uso exclusivo de transcrição e análise dos dados e sob a guarda exclusiva dos pesquisadores; ( ) Não permito a gravação da minha voz/imagem para uso exclusivo de transcrição e análise dos dados e sob a guarda exclusiva dos pesquisadores. As transcrições e anotações das sessões serão apresentadas às participantes, as quais terão a liberdade para retirar sua opinião caso não concordem com o conteúdo da transcrição realizada ou mesmo solicitar a não divulgação de uma resposta. Após aprovação das participantes, as análises serão realizadas. Os pesquisadores garantem manter sigilo acerca da identidade das participantes, substituindo seus nomes por nomes fictícios, a fim de assegurar sua privacidade e anonimato no processo de divulgação dos resultados, entretanto, há risco de quebra de sigilo, caso as anotações e os equipamentos eletrônicos sejam perdidos ou roubados. Os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles favoráveis ou não, via publicação de artigos em revistas científicas ou capítulos de livros, bem como apresentação de trabalhos em congressos. Caso esteja de acordo com a divulgação de sua opinião de forma anônima, a partir da substituição de seu nome por nome fictício, por favor, assinale uma das alternativas abaixo e rubrique ao lado da alternativa escolhida: 158 ( ) Permito a publicação anônima da minha opinião nos resultados publicados da pesquisa; ( ) Não permito a publicação anônima da minha opinião nos resultados publicados da pesquisa. A pesquisa apresenta risco psicológico, podendo causar desconforto emocional, constrangimento, ansiedade, mudanças na autoestima, na visão de mundo e nos relacionamentos. Se a pesquisadora perceber algum dano, não previsto, entrará em contato com o Comitê de Ética imediatamente para avaliar a adequação ou suspensão da pesquisa. A fim de amenizar os riscos da pesquisa, a pesquisadora responsável oferecerá instruções sobre confidencialidade aos colaboradores da pesquisa (intérprete de libras e pesquisadora relatora) e às demais participantes. Caso os riscos previstos resultem em dano psicológico, decorrente da participação na pesquisa, a pesquisadora responsável e o pesquisador orientador assegurarão indenização e assistência imediata e integral às participantes, conforme sua necessidade e de acordo com a resolução 466/2012 (III.2, letra “o”; IV.3, letras “b” e “c”). Apesar dos riscos, há possibilidade de benefícios em curto, médio e longo prazo. As participantes podem se beneficiar a curto prazo com a pesquisa, pois a discussão em grupo pode ampliar o conhecimento sobre direitos sexuais e reprodutivos, construção histórica, social e política da sexualidade, papeis de gênero, deficiência e violência, possibilitando percepção e tomada de consciência de que vivências individuais são também coletivas, oportunizando observação crítica da realidade e das opressões vivenciadas, se vivenciarem. Além disso, há a possibilidade de, a médio e longo prazo, a pesquisa resultar em orientações, serviços e políticas públicas de prevenção, enfrentamento e combate à violência sexual e de gênero contra mulheres com deficiência, contribuindo com a construção de práticas emancipatórias. A participante tem garantida sua liberdade de se recusar a responder qualquer questão que cause desconforto emocional ou constrangimento, podendo inclusive retirar o seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma. Os pesquisadores se comprometem com o ressarcimento das despesas decorrentes da cooperação com a pesquisa(internet dados móveis, por exemplo), bem como com a indenização da participante como reparação de danos decorrentes da sua participação na pesquisa. Recursos de acessibilidade necessários para garantir a participação plena da participante: Por favor, especifique seu tipo de deficiência e os recursos (materiais e/ou humanos) de acessibilidade que necessita para que os pesquisadores garantam sua participação plena: 159 ___________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ . Consentimento da participação na pesquisa: Eu, ______________________________________________________________________ , inscrita sob o RG/CPF ___________________________________ , abaixo assinada, concordo em participar do estudo intitulado “Educação sexual emancipatória para mulheres com deficiência: levantamento de demandas”. Informo ter mais de 18 anos de idade e destaco que minha participação nesta pesquisa é de caráter voluntário. Fui devidamente informada e esclarecida pela pesquisadora responsável Laureane Marília de Lima Costa sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação no estudo. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade. Declaro, portanto, que concordo com a minha participação no projeto de pesquisa acima descrito. Jataí, ____ de __________________________ de 2020. ___________________________________________________________ Assinatura por extenso da participante Ou assinatura datiloscópica para participante sem letramento ou com redução de mobilidade que impossibilite assinar por extenso Testemunhas em caso de uso da assinatura datiloscópica __________________________________________________________ ___________________________________________________________ __________________________________________________________ Assinatura por extenso da pesquisadora responsável (Laureane Marília de Lima Costa) ___________________________________________________________ Assinatura por extenso do pesquisador orientador (Dr. Claudionor Renato da Silva) 160 Apêndice 2 FORMULÁRIO DE MAPEAMENTO DE INTERESSE EM PARTICIPAR DA PESQUISA Olá! Fico feliz e agradecida com seu interesse em participar voluntariamente da minha pesquisa. Vou apresentar mais informações sobre a pesquisa e fazer algumas perguntas sobre você para que eu consiga os recursos de acessibilidade necessários para garantir nossa participação com autonomia, liberdade e esclarecimento. Tudo bem? Informações sobre a pesquisa: Título: “Educação sexual emancipatória para mulheres com deficiência: levantamento de demandas” Objetivos: - analisar as demandas das mulheres com deficiência para a construção de um programa de educação sexual emancipatória, considerando a influência dos contextos político, social, econômico e religioso sobre a vivência da sexualidade das mulheres com deficiência; - compreender as percepções e vivências das mulheres com deficiência sobre sexualidade, papéis de gênero, deficiência e violência; - identificar as demandas, de conteúdo e de metodologia, das mulheres com deficiência para um programa de educação sexual emancipatória. Metodologia: A pesquisa será realizada em duas etapas: Etapa 1: respondendo um questionário socioeconômico que será enviado por WhatsApp ou por e-mail, a depender da preferência da participante. Etapa 2: participando de dois encontros de grupo focal online (por videochamada) com duração de 1h30 a 2h, com 6 a 10 mulheres com deficiência acima de 18 anos. Nos encontros de grupo focal, estarão presentes, além de mim e das demais participantes, a pesquisadora relatora (que fará anotações, sem interferir no funcionamento do grupo) e intérprete de libras (Angelita e Flávia), se houver participantes usuárias de libras. 161 Nome: Email: Você tem 18 anos ou mais: ( ) Sim ( ) Não Tipo de deficiência: ( ) Deficiência física ( ) Deficiência visual ( ) Deficiência auditiva ( ) Surdocegueira ( ) Deficiência intelectual ( ) Deficiência múltipla ( ) Não tenho deficiência ( ) Outro: Qual recurso de acessibilidade você precisa: ( ) Libras ( ) Legenda ( ) Audiodescrição ( ) Não preciso de recurso de acessibilidade comunicacional ( ) Outro: Tem acesso à internet WiFi: ( ) Sim ( ) Não Já usou o Google Meet para reunião: ( ) Sim ( ) Não Continua interessada em participar da pesquisa de forma voluntária: 162 ( ) Sim ( ) Não Alguma sugestão de como a pesquisa poderia ser melhor ou mais acessível para você (use esse espaço para escrever o que desejar): 163 Apêndice 3 QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO - PESQUISA “EDUCAÇÃO SEXUAL EMANCIPATÓRIA PARA MULHERES COM DEFICIÊNCIA: LEVANTAMENTO DE DEMANDAS” Olá! Muito obrigada por aceitar participar da minha pesquisa! Este questionário tem o objetivo de compreender um pouco do contexto em que mulheres com deficiência estão inseridas e também encontrar elementos para orientação de políticas públicas, já existentes, de prevenção, enfrentamento e combate à violência sexual e de gênero contra mulheres com deficiência ou implementação de novas políticas. Qualquer dúvida pode me chamar no WhatsApp. Nome (apenas para articulação com os dados do grupo focal, o anonimato das participantes será garantido): Nome social (apenas para articulação com os dados do grupo focal, o anonimato das participantes será garantido): Idade: Naturalidade: Em relação à cor da pele, você se considera: ( ) Branca ( ) Preta ( ) Amarela (oriental) ( ) Parda ( ) Indígena ( ) Prefiro não declarar ( ) Outra: Orientação Sexual: ( ) Heterossexual 164 ( ) Homossexual ( ) Bissexual ( ) Outra: Estado Civil: ( ) Solteira ( ) Em relacionamento sério ( ) Casada ( ) Amasiada ( ) Separada / Divorciada ( ) Viúva ( ) Outro: Com quem você mora? Tem filho (a)? Quantos? Ocupação / Profissão: Recebe algum benefício ou bolsa? Qual? Qual é a sua renda individual mensal: ( ) não tenho renda ( ) até um salário mínimo (até R$ 1.045,00) ( ) de um a três salários mínimos (R$ 1.045,00 a 3.135,00) ( ) de três a cinco salários mínimos (R$ 3.135,00 a 5.225,00) ( ) acima de cinco salários mínimos (acima de R$ 5.225,00) ( ) Outro: Qual é a sua renda familiar mensal (considerando a soma da renda daqueles que moram e contribuem para o sustento do lar): ( ) até um salário mínimo (até R$ 1.045,00) ( ) de um a três salários mínimos (R$ 1.045,00 a 3.135,00) ( ) de três a cinco salários mínimos (R$ 3.135,00 a 5.225,00) 165 ( ) acima de cinco salários mínimos (acima de R$ 5.225,00) ( ) Outro: Qual a sua participação na vida econômica do grupo familiar: ( ) Sou sustentada por minha família ou outras pessoas ( ) Sou sustentada parcialmente por minha família ou outras pessoas ( ) Sou responsável por meu próprio sustento ( ) Sou responsável por meu próprio sustento e contribuo parcialmente para o sustento da família ( ) Sou a principal responsável pelo sustento da família ( ) Outro: Qual a sua escolaridade: ( ) Ensino fundamental ( ) Ensino médio ( ) Ensino técnico ou profissionalizante ( ) Ensino superior cursando ( ) Ensino superior completo ( ) Pós-graduação ( ) Outro: Qual a escolaridade da sua mãe (ou quem cumpriu papel de mãe): ( ) Sem instrução ( ) Ensino fundamental ( ) Ensinomédio ( ) Ensino técnico ou profissionalizante ( ) Ensino superior ( ) Pós-graduação ( ) Não sei Qual a escolaridade do seu pai (ou quem cumpriu papel de pai): ( ) Sem instrução ( ) Ensino fundamental ( ) Ensino médio 166 ( ) Ensino técnico ou profissionalizante ( ) Ensino superior ( ) Pós-graduação ( ) Não sei Em relação à religião, você é: ( ) Ateia ( ) Agnóstica ( ) Católica ( ) Evangélica ( ) Espírita ( ) Praticante de religião afro-brasileira ( ) Budista ( ) Muçulmana ( ) Judia ( ) Outra: Você precisa da mediação (ajuda) de alguém para realizar alguma atividade de vida diária? Se sim, quais? Quem realiza essa mediação (ajuda)? 167 Apêndice 4 ROTEIRO PARA OS ENCONTROS DO GRUPO FOCAL Orientações iniciais (encontros 01 e 02) No início de cada encontro do grupo focal serão lidas orientações baseadas em Rolim (2020)24 e Gatti (2005)25, a fim de estabelecer uma situação de conforto e segurança: Cumprimentos e boas-vindas. Essa pesquisa que vocês estão participando tem o objetivo de entender as demandas das mulheres com deficiência para a construção de um programa de educação sexual emancipatória. Isso significa identificar o que (quais conteúdos) deveria ter no programa e como (por meio de quais metodologias) isso deveria ser trabalhado. Para isso, precisamos compreender as percepções das mulheres com deficiência sobre sexualidade, papéis de gênero, deficiência e violência. Por isso escolhi fazer minha pesquisa com vocês, um grupo de mulheres com deficiência, afinal quem poderia saber melhor de suas vivências senão vocês mesmas? Todas as ideias, opiniões e conhecimentos interessam, são importantes para a pesquisa e podem enriquecer a experiência de todas. Sinta-se livre para compartilhar seu ponto de vista, mesmo que ele seja diferente do que as outras pessoas disserem, pois não há certo ou errado, estamos em busca de aprendizado e não em busca de consenso. O que se pretende com esse grupo é permitir troca de percepções entre vocês, não precisam agir como se estivessem respondendo a mim o tempo todo, meu papel é introduzir alguns assuntos, propor algumas questões, ouvir suas opiniões e pontos de vista, garantir que não se afastem muito do tema e que todas tenham chance de compartilhar, afinal todas merecem a oportunidade de se expressar! As conversas nesse grupo, podem produzir desconforto emocional, fique atenta aos seus sentimentos e avise quando o desconforto emocional se aproximar do que é difícil suportar ou do que você não quer compartilhar. Lembre-se de ser gentil com você mesma e que você tem o direito de não responder a qualquer questão, assim como deixar de participar da pesquisa a qualquer momento. A fim de amenizar os riscos da pesquisa, ofereci instruções sobre confidencialidade às colaboradoras da pesquisa (intérprete de libras do NAI e relatora) e às demais participantes. 24 ROLIM, P. Psicoterapia analítica funcional: curso online de 8 semanas. 2020. Online. Notas de aula. 25 GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Liber Livro, 2005. 168 Caso os riscos previstos resultem em dano psicológico, decorrente da participação na pesquisa, eu e meu orientador asseguraremos indenização e assistência imediata e integral, conforme sua necessidade. Se eu perceber algum dano, não previsto, entrarei em contato com o Comitê de Ética imediatamente para avaliar a adequação ou suspensão da pesquisa. Como experiências pessoais serão compartilhadas aqui, suas identidades não serão divulgadas. Seus nomes serão substituídos por nomes fictícios para garantir seu anonimato. Por isso todas as exposições verbais ou escritas são absolutamente confidenciais. Ninguém deve comentar sobre as experiências das outras participantes fora desse grupo. Para dar seguimento na pesquisa e analisar os dados aqui gerados, esse encontro será gravado e o gravador apenas será ligado quando vocês se sentirem confortáveis. Peço que, por favor, fale uma de cada vez para permitir boa gravação. Alguma sugestão ou solicitação que faria esse grupo deixar você mais à vontade? Após ligar o gravador, dá-se início ao roteiro do encontro. Encontro 01: 1. Apresentação das participantes e da pesquisadora: o nome, idade, algum livro, filme ou música que gosta e uma informação sobre si mesma que gostaria que todas soubessem; 2. o que é ser mulher e o que é ser homem? o Atentar para os papéis de gênero e a percepção das participantes sobre os mesmos 3. O que é ser mulher com deficiência e o que é ser homem com deficiência? o Atentar para as semelhanças e diferenças do tópico anterior, ou seja, observar se a inserção do marcador deficiência altera a percepção das participantes sobre os papéis de gênero. 4. O que é sexualidade? o Atentar para a compreensão das determinações biológicas, familiares, religiosas, escolares, sociais, midiáticas e políticas. 5. Sexualidade e deficiência. o Atentar para as semelhanças e diferenças do tópico anterior, ou seja, observar se a inserção do marcador deficiência altera a percepção das participantes sobre a sexualidade e suas determinações. 6. O que é relacionamento amoroso? 169 o Atentar para os conceitos de namoro, “ficar” e casamento, bem como o que significa relacionar-se afetivamente e/ou sexualmente com alguém, nível de comunicação com o (a) parceiro (a). 7. O que é violência? o Atentar para o reconhecimento dos diferentes tipos de violência 8. Autodeterminação, autonomia e cuidado. o Atentar para superproteção ou negligência da família. Encontro 02: 1. A partir de análise do encontro anterior, explorar pontos que precisam ser esclarecidos: o sexualidade: medo, mulheres são reprimidas, mulheres com deficiência mais reprimidas ainda, medo, pessoas perguntando se é capaz de sentir prazer (inserido após o primeiro encontro); o sexualidade, deficiência e prazer. 2. O que, onde (ou com quem) e como vocês aprenderam sobre sexualidade, papéis de gênero e deficiência? 3. O que vocês gostariam que tivessem contado a vocês sobre sexualidade? 4. O que vocês gostariam que contassem a vocês sobre sexualidade? 5. Como vocês gostariam que isso acontecesse? o Atentar para os recursos de acessibilidade 170 ANEXO VAGINA MANIFESTO Maria Palacios Is there such thing as a crippled vagina? Is there such thing as the weaker gender? To tell you the truth, my vagina is frustrated. She's been sitting in silence for too long. She has been hibernating waiting for that distant howl like the call of the wolf like the call of the wild. She hollers my name como La Llorona, the weeping ghost of my temple. That's who my vagina becomes when poems invade her lips. But for a while, my vagina was silent. 171 She was hiding, I guess.... hiding from the ignorance and the hatred; hiding from the anti-vagina propaganda that tells us that a vagina is this ugly, dark, stinky hole where all sins are born, (even the sins of men). Vaginas are blamed for the downfalls of humanity. Honestly, my vagina is tired, tired of disguising who she is. She is tired of the labels and the stigma, tired of the Victorias' Secret underwear she's expected to wear as socially acceptable etiquette over the distorted politics of female genitalia. My vagina is tired Tired of being called dirty and unholy of being forced to hide under the vulgarity of words like pussy and cunt while being stripped off her most basic rights. Yes. My vagina IS tired She's tired of the silence, and tired of the darkness that prevails in the lives