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COMPREENDENDO A ANSIEDADE Todo mundo experimenta medo e ansiedade, e poucos duvidam que algumas experiências provocariam medo em quase todo mundo. Quem não sentiria medo ao ver fumaça saindo por debaixo da porta do porão, ao perder o controle do carro em uma rodovia coberta de gelo, ao ver um tornado vindo em sua direção, ao ser atacado por um assaltante armado ou ao ouvir um piloto anunciar que o trem de pouso não responde e assim faremos uma aterrissagem forçada? O medo é uma emoção universal que sinaliza que estamos em perigo iminente. Como tal, ele é muito útil. Mas quando o medo é inapropriado, excessivo e desligado da realidade, ele deixa de ser um sinal preciso e confiável de perigo. Por exemplo, se você tivesse um medo excessivo de cães (p. ex., uma “fobia por cães”), você poderia tomar medidas extremas para evitar qualquer encontro com cães, ainda que a maioria dos cães não ponha ninguém em perigo iminente apenas por serem cães. Essas fobias ou medos específicos podem interferir no modo como os acometidos por eles conduzem suas vidas. Entretanto, o medo é uma emoção básica que também desempenha um papel importante nos quadros de ansiedade mais complexos. QUAL É A DIFERENÇA ENTRE MEDO E ANSIEDADE? Até aqui, usamos os termos medo e ansiedade como se eles significassem a mesma coisa. Contudo, faremos uma distinção entre as duas palavras que é importante para o êxito da terapia. O medo é uma resposta básica automática a um objeto, situação ou circunstância específica que envolve um reconhecimento (percepção) de perigo real ou potencial. Para uma pessoa com aracnofobia, qualquer coisa que sugira a possível presença de uma aranha, como uma teia de aranha, uma casa velha, andar numa floresta, até mesmo uma fotografia de uma aranha, pode provocar medo. Sempre que está fora de casa, esta pessoa pode estar constantemente pensando: “Será que eu não vou encontrar uma aranha?”, “Aranhas são perigosas porque elas podem entrar na sua boca ou nos seus ouvidos e botar ovos” ou “Se eu vir uma aranha, vou me apavorar”. Fisicamente, essa pessoa pode se sentir tensa, inquieta, sentir um frio na barriga, um aperto no peito ou o coração disparar sempre que vê algo que a faz se lembrar de aranhas. E o medo poderia causar uma mudança de comportamento, tal como evitar lugares com risco de exposição a aranhas. Em termos de terapia cognitiva, a principal característica do medo é um pensamento de ameaça ou perigo iminente à nossa segurança. A ansiedade, em contraste, é um estado emocional complexo muito mais prolongado que muitas vezes é desencadeado por um medo inicial. Por exemplo, você poderia sentir-se ansioso ao pensar em visitar amigos porque eles moram em uma casa velha onde pode haver aranhas, ou em ir ao cinema porque o filme pode conter uma cena com aranhas. O medo básico é de encontrar uma aranha, mas você vive em um estado de permanente ansiedade sobre a futura possibilidade de ser exposto a uma aranha. Assim, a ansiedade é uma experiência mais duradoura do que o medo. Ela é um estado de apreensão e de excitação física em que você acredita que não pode controlar ou prever eventos futuros potencialmente aversivos. Consequentemente, você pode se sentir ansioso pensando em uma entrevista importante, em ir a uma festa onde não conhece as pessoas, em viajar a um lugar desconhecido, em seu desempenho no trabalho ou em um prazo de entrega. Observe que a ansiedade está sempre orientada ao futuro; ela é governada pela ideia de “E se?”. Não ficamos ansiosos com respeito ao passado, com o que já aconteceu; ficamos ansiosos em relação a catástrofes ou eventos adversos futuros imaginados: “E se me der um branco durante a prova?”, “E se eu não conseguir terminar o trabalho?”, “E se eu tiver um ataque de pânico no supermercado?”, “E seu eu pegar o vírus da COVID-19 por ficar perto das pessoas?”, “E se eu encontrar alguém que me faça lembrar do assaltante que me atacou?”, “E se eu perder o meu emprego?” “E se ela ficar magoada comigo?” Ansiedade, portanto, é um estado emocional duradouro. Como o medo e a ansiedade operam juntos? O medo está no cerne de todos os estados de ansiedade. Quando estamos ansiosos, o medo é o estado psicológico subjacente que governa a ansiedade. Vejamos: Jan sofre de ansiedade social. Sempre que pensa (sempre é um pensamento) em participar de uma reunião, ela fica extremamente ansiosa. Contudo, o medo subjacente (que é o causador, que está por trás da ansiedade) é o medo do constrangimento: “E se me fizerem uma pergunta que eu não souber responder? Todos vão pensar que sou incompetente, e eu vou me sentir insuportavelmente constrangida.” Larry sofre de ansiedade pela saúde. Sempre que ele tem o menor sinal de incômodo abdominal, ele se sente ansioso. Seu medo subjacente, ou essencial, vem do seguinte pensamento: “E se eu ficar muito doente, começar a vomitar, não conseguir parar e sufocar por não poder conseguir respirar?” Mary sofre de agorafobia. Sempre que ela pensa em ir ao supermercado, fica ansiosa. Seu medo subjacente vem do pensamento de que ela vai ter (pensa no futuro) um grave ataque de pânico no supermercado: “E se eu fizer um escândalo na frente de todas aquelas pessoas?” Mack também sofre de agorafobia. Ele se sente ansioso só de pensar em atravessar uma ponte suspensa de carro. Seu medo subjacente é de que ele vai ficar tão nervoso na direção que vai perder o controle do carro e dirigir para fora. A terapia cognitiva concentra-se no medo que está no âmago de sua ansiedade, por isso é importante ter uma boa compreensão do medo que subjaz a suas vivências de ansiedade. Parte da definição de ansiedade é que ela é complexa. Quando você se sente muito ansioso, você é afetado de maneira física, emocional, comportamental e, é claro, cognitiva. Talvez você não esteja consciente disso no momento em que está ansioso, mas no estado ansioso seu modo de pensar, sentir e se comportar é diferente do que quando você não está ansioso. Eis alguns dos efeitos comuns da ansiedade: Sintomas físicos Frequência cardíaca aumentada, palpitações Falta de ar, respiração rápida Dor ou pressão no peito Sensação de asfixia Vertigem, tontura Sudorese, calores, calafrios Náusea, estômago embrulhado, diarreia Tremores, estremecimento Formigamento ou dormência nos braços, pernas Fraqueza, desequilíbrio, sensação de desmaio Tensão muscular, rigidez Boca seca Sintomas cognitivos Medo de perder o controle, de ser incapaz de enfrentar Medo de dano físico ou de morte Medo de “enlouquecer” Medo de avaliação negativa dos outros Pensamentos, imagens ou lembranças assustadoras Percepções de irrealidade ou alheamento Baixa concentração, confusão, Estreitamento da atenção, hipervigilância para perigo Memória fraca Dificuldade de raciocínio, perda de objetividade Sintomas comportamentais Evitação de sinais ou situações de ameaça – ex. Evito desagradar alguem Fuga, escape – Não vou, não faço algo Busca de segurança, reasseguramento – zona de conforto Desassossego, agitação, andar nervosamente de um lado para o outro Hiperventilação (respiração ofegante, muito oxigênio nos pulmões) Paralisia, imobilidade Dificuldade para falar Sintomas emocionais Sentir-se nervoso, tenso, irritado Sentir-se assustado, temeroso, aterrorizado Ser irascível, apreensivo, alvoroçado Ser impaciente, frustrado Não relaxar “Será que devo trabalhar minha ansiedade?” Talvez você já saiba por sua própria experiência que a ansiedade varia de intensidade, não somente de uma pessoa para outra, mas também na mesma pessoa, de um episódio para outro. O fato de que ela “nem sempre é tão ruim” pode na verdade ser o motivo pelo qual você não tenha dado atenção à sua própria ansiedade até agora. Talvez você ainda se pergunte se deveria se incomodar, especialmente se você ainda não estiverfazendo terapia. Apesar destas incertezas, existem características específicas que os terapeutas avaliam ao fazer um diagnóstico de ansiedade. Um terapeuta diagnosticaria um transtorno de ansiedade em você com base em quantas e em que medida você possui essas características. Mesmo que você não tenha um transtorno, você poderia se beneficiar recebendo algum tipo de ajuda profissional, mas ter um transtorno significa que você deveria considerar seriamente procurar um tratamento mais formal com um profissional de saúde mental qualificado. Os terapeutas usam várias características para determinar se a ansiedade de uma pessoa se qualifica como um transtorno clínico: 1. Intensidade exagerada (observar os sintomas emocionais). A ansiedade clínica tende a ser muito maior do que se esperaria em uma determinada situação. Por exemplo, sentir ansiedade intensa ao atender o telefone, ao dirigir sobre uma ponte, ao fazer um pedido a um atendente de loja ou tocar uma maçaneta sugeririam um nível anormal de ansiedade porque estes tipos de ações causam pouca ou nenhuma ansiedade na maioria das pessoas. 2. Persistência. A ansiedade clínica tende a persistir por mais tempo do que os estados não clínicos. Todo mundo se preocupa de vez em quando, mas as pessoas com preocupações patológicas a experimentam por horas ou dias a fio. 3. Interferência. A ansiedade clínica tende a interferir no funcionamento no trabalho ou na escola, em eventos sociais, no lazer, nas relações familiares e em outras atividades. Os efeitos negativos da ansiedade podem limitar-se a algumas áreas da vida, mas o impacto é, com certeza, perceptível. Alguns indivíduos com agorafobia, por exemplo, farão suas compras de alimentos às três horas da madrugada para evitar outras pessoas; outros, com medo de julgamento, poderão deixar de sair e encontrar com amigos por acreditar que irão lhe achar sem graça; outros enfrentarão muitos quilômetros a mais de trânsito para evitar a travessia de uma ponte; e pessoas com ansiedade generalizada podem não conseguir dormir à noite por causa de preocupações. 4. Ansiedade ou pânico repentino. Um aumento ocasional da ansiedade ou até pânico não é incomum, mas ocorrências frequentes podem representar um transtorno de ansiedade. O pânico espontâneo, sem motivo aparente, é especialmente digno de atenção, e o desenvolvimento do medo de ter outros ataques de pânico é uma característica significativa dos transtornos de ansiedade. 5. Generalização. Nos transtornos de ansiedade, o medo e a ansiedade com frequência se espalham de um determinado objeto ou situação para um amplo espectro de situações, tarefas, objetos ou pessoas. Mary, por exemplo, teve seu primeiro ataque de pânico enquanto estava em um restaurante lotado. Isso realmente a assustou, e ela começou a se certificar de que os restaurantes não estivessem muito lotados antes de entrar. Isso evoluiu para a escolha de restaurantes menos populares e em horários de pouco movimento. Por fim, Mary parou totalmente de frequentar restaurantes e outros lugares públicos, por medo de ter de novo aquela “sensação de estar presa” e começar a ficar ansiosa. A ansiedade de Mary estava se espalhando, causando mais interferência e limitações em sua vida. 6. Pensamento catastrófico. As pessoas com ansiedade clínica tendem a pensar sobre as piores hipóteses. Uma vez que a ansiedade sempre envolve antecipação (os “e se”), o estilo de pensamento nos transtornos de ansiedade pende para a presunção de que sérias ameaças são muito mais prováveis do que realmente são. Por exemplo, uma pessoa com transtorno do pânico poderia automaticamente pensar: “Estou com dificuldade de respirar. Será que não vou morrer sufocado?” Alguém com ansiedade social pensa: “E se as pessoas notarem que estou nervosa e pensarem que tenho uma doença mental?” Uma pessoa com ansiedade generalizada poderia pensar: “Se eu não parar de me preocupar, isso vai me enlouquecer.” Todas estas ideias envolvem a possibilidade (“e se”) de alguma catástrofe que é um exagero do perigo real. 7. Evitação. A maioria das pessoas com transtornos de ansiedade tenta eliminar ou ao menos minimizar sua ansiedade evitando qualquer coisa que a dispare. Os gatilhos podem ser certas situações (p. ex., lojas lotadas, dirigir em rodovias, dependências públicas, reuniões, salas de cinema, ou igrejas), indivíduos (desconhecidos, pessoas “suspeitas”, autoridades, enfermos, etc.) ou objetos (tais como pontes, túneis, hospitais, certos animais). A extensa evitação pode reduzir a ansiedade em curto prazo, mas tem um alto preço. Ela contribui para a persistência do quadro de ansiedade e reduz o nível de funcionamento diário de uma pessoa. 8. Perda da segurança ou do sentimento de tranquilidade. Por fim, as pessoas com um transtorno de ansiedade com frequência sentem-se menos seguras ou protegidas do que as outras. Embora possam fazer muitas coisas para se sentirem seguras, qualquer senso de segurança é de curta duração, e o sentimento de apreensão e de ameaça retorna. Relaxar ou permanecer calmo pode ser muito difícil. Nos transtornos de ansiedade, a pessoa pode se sentir inquieta, tensa e agitada na maior parte do tempo. A dificuldade para dormir pode ser um problema importante na maioria dos transtornos de ansiedade.