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Prévia do material em texto

ISBN 978850262373-6
Araujo, Daniel de
História geral / Daniel de Araujo. - São Paulo: Saraiva, 2016. - (Coleção
diplomata / coordenador Fabiano Távora)
1. História 2. História - Concursos I. Távora, Fabiano. II. Título. III. Série.
14-13036 CDD-900.76
Índices para catálogo sistemático:
1. História geral : Concursos 900.76
Diretor editorial Luiz Roberto Curia
Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues
Gerência de concursos Roberto Navarro
Editoria de conteúdo Iris Ferrão
Assistente editorial Thiago Fraga | Verônica Pivisan Reis
Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria
Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e Ana
Cristina Garcia (coords.) | Carolina Massanhi | Luciana Cordeiro Shirakawa
Projeto gráfico Isabela Teles Veras
Arte e diagramação Know-how editorial
Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Ana Beatriz Fraga Moreira
(coords.) | Alzira Muniz
Conversão para E-pub Guilherme Henrique Martins Salvador
Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva | Kelli Priscila Pinto
Capa Aero Comunicação / Danilo Zanott
Data de fechamento da edição: 3-11-2015
Dúvidas?
Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio
ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
http://www.editorasaraiva.com.br/direito
Sumário
AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES POR ANO
INTRODUÇÃO
1. A Crise do Antigo Regime
1.1. ESTADO MODERNO EUROPEU OU ANTIGO REGIME
1.1.1. A formação
1.1.2. Absolutismo
1.1.3. Economia
1.1.4. Expansão marítima
1.2. CULTURA
1.2.1. O Iluminismo
2. A Revolução Francesa (1789-1799)
2.1. ANTECEDENTES
2.2. PROTAGONISTAS
2.3. AS FASES
2.3.1. Fase moderada (ou das assembleias): 1789-1792
2.3.2. Fase radical (ou convenção nacional): 1792-1795
2.3.3. Fase conservadora (ou diretório nacional): 1795-1799
3. A Era Napoleônica (1799-1815)
3.1. CONSULADO (1799-1804)
3.2. IMPÉRIO (1804-1815)
3.3. GOVERNO DOS CEM DIAS (março-junho de 1815)
4. A Restauração Europeia
5. As Revoluções Liberais
1820
1830
1848
6. Unificações Tardias
6.1. Itália (Risorgimento)
6.2. Alemanha
6.2.1. Introdução
6.2.2. Origens
6.2.3. Bismarck
6.2.4. Etapas do processo
6.2.5. Consolidação
7. As Revoluções Industriais
7.1. PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
7.1.1. Definição
7.1.2. Pioneirismo britânico
7.1.3. Consequências gerais
7.2. SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
7.2.1. Definição
7.2.2. Características
7.2.3. Consequências gerais
8. Imperialismo ou Neocolonialismo
8.1. Interpretações
8.1.1. Questão econômica
8.1.2. Questão político-social
8.2. Base Ideológica
8.3. Como foi possível?
8.4. Conferência de Berlim (1884-1885)
8.5. O Caso Português
8.6. África do Sul
8.7. Índia
8.8. China
8.9. Japão
8.10. Estados Unidos e América Latina
8.11. Conclusão
9. Os Estados Unidos - Colonização e Independência
9.1. América Inglesa
9.2. O processo de independência
9.3. Instabilidade política inicial
9.4. Marcha para o Oeste
9.5. Guerra de Secessão (1861-1865)
10. A América Espanhola
10.1. Introdução
10.2. Processo de Libertação
10.3. Era dos Cabildos Abiertos
10.4. Movimentos de Libertação
10.5. América Latina no Século XIX
11. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
11.1. Antecedentes
11.2. A Guerra
11.3. Construindo a Paz
11.4. Consequências Gerais
12. A Ascensão do Comunismo
12.1. Império Russo
12.2. Revolução de 1905
12.3. As Revoluções de 1917
12.4. Rússia Comunista - Os primeiros anos
12.5. Stalinismo Soviético até a Segunda Guerra Mundial
13. Os Estados Unidos no Período Entre-Guerras
13.1. Introdução
13.2. Anos 1920 - A Era da Ilusão
13.3. A Crise de 1929
13.4. Grande Depressão
13.5. Anos 1930 - A Recuperação
14. Os Fascismos
14.1. Introdução
14.2. Reino da Itália
14.3. Alemanha
14.4. Características Gerais
15. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
15.1. Antecedentes
15.2. 1939
15.3. FASES DO CONFLITO
15.3.1. Avanço do Eixo (1939-1941)
15.3.2. Equilíbrio de forças (1941-1942)
15.3.3. Vitória dos Aliados (1943-1945)
16. A Guerra Fria (1947-1991)
16.1. Origens
16.2. O início
16.3. Os Blocos de Poder
16.4. Periodização
16.4.1. Guerra Fria Clássica (1947-1955)
16.4.2. Coexistência pacífica (1955-1968)
16.4.3. Détente (1968-1979)
16.4.4. Segunda Guerra Fria (1979-1985)
16.4.5. O Desmonte (1985-1991)
17. As Lutas de Libertação Afro-Asiáticas
17.1. Fatores
17.2. ESTUDO DE CASOS
17.2.1. Índia
17.2.2. África do Sul
17.2.3. África Portuguesa
17.3. O processo de libertação
18. A América Latina no Século XX
18.1. CUBA
18.2. CHILE
18.3. NICARÁGUA
18.4. MÉXICO
18.4.1. Processo insurrecional (1911-1917)
18.4.2. Governo Cárdenas (1934-1940)
18.5. Argentina
18.5.1. Primeiras décadas do século XX
18.5.2. Ascensão de Perón
18.5.3. Perón no comando do país
18.5.4. Processo de reorganização nacional (1976-1983)
Referências Bibliográficas
1. A CRISE DO ANTIGO REGIME
2. A REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799)
3. A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815)
4. A RESTAURAÇÃO EUROPEIA
5. AS REVOLUÇÕES LIBERAIS
6. UNIFICAÇÕES TARDIAS
7. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS
8. IMPERIALISMO OU NEOCOLONIALISMO
9. OS ESTADOS UNIDOS - COLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA
10. A AMÉRICA ESPANHOLA
11. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)
12. A ASCENSÃO DO COMUNISMO
13. os ESTADOS UNIDOS NO PERÍODO ENTRE-GUERRAS
14. OS FASCISMOS
15. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)
16. A GUERRA FRIA (1947-1991)
17. AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO AFRO-ASIÁTICAS
18. A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX
Questões do IRBr
1. A CRISE DO ANTIGO REGIME
2. A REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799)
3. A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815)
4. A RESTAURAÇÃO EUROPEIA
5. AS REVOLUÇÕES LIBERAIS
6. UNIFICAÇÕES TARDIAS
7. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS
8. IMPERIALISMO OU NEOCOLONIALISMO
9. OS ESTADOS UNIDOS - COLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA
10. A AMÉRICA ESPANHOLA
11. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)
12. A ASCENSÃO DO COMUNISMO
13. OS ESTADOS UNIDOS NO PERÍODO ENTRE-GUERrAS
14. OS FASCISMOS
15. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)
16. A GUERRA FRIA (1947-1991)
17. AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO AFRO-ASIÁTICAS
18. A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX
AUTOR
Daniel de Araujo
Graduado na Universidade Federal Fluminense, especializou-se nas áreas
de História da África e do Negro no Brasil e Relações Internacionais. Com
mestrado em História Política e Bens Sociais, realizado no CPDOC da
Fundação Getulio Vargas, realizou sua dissertação de mestrado sobre a
relação entre o futebol e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). É professor
desde 2000, dedicando-se à preparação para o CACD nos últimos anos.
Coordenador
Fabiano Távora
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) - Turma
do Centenário - 2003. Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação
Getulio Vargas (FGV) - 2005. Mestre em Direito dos Negócios pelo Ilustre
Colégio de Advogados de Madri (ICAM) e pela Universidade Francisco de
Vitória (UFV) - 2008. Mestre em Direito Constitucional aplicado às
Relações Econômicas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) - 2012.
Advogado. Diretor-geral do Curso Diplomata - Fortaleza/CE. Foi
Coordenador do único curso de graduação em Relações Internacionais do
Estado do Ceará, pertencente à Faculdade Stella Maris. Professor de Direito
Internacional para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática.
Professor de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado,
Direito do Comércio Exterior e Direito Constitucional em cursos de
graduação e pós-graduação.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Vania de Araujo dos Santos e Jailto Leal dos Santos, que
sempre foram atentos para que eu e minha irmã, Daniele, pudéssemos ter a
melhor educação possível. Nossa formação em instituições de ensino
público de qualidade (CAP-UERJ, Pedro II e UFF) nos possibilitou ver o
mundo para além dos “outdoors”. Obrigado por tudo.
A minha esposa, Roberta Lemos de Souza, muito mais que uma
companheira ao longo de infinitos fins de semana perdidos em meio à
elaboração, revisão e ao fechamento desta obra. E não poderia deixar de
registrar: desde o dia 29 de março de 2015, JoãoVicente de Souza Santos
trouxe ainda mais alegria às nossas vidas.
Aos amigos constituídos ao longo dessas três décadas de vida, como meus
padrinhos de casamento, Rodrigo Bueno, Simone Vieira, Alexandre Simas,
Gisella Moura (autora do sensacional O Rio corre para o Maracanã), Lívia
Gonçalves (autora de A taça nas mãos) e Leonardo Gil. Ao professor João
Daniel de Almeida, autor do Manual de história do Brasil da FUNAG, que
abriu as portas da preparação à diplomacia para mim.
A Igor Vieira, Pedro César, Marcelo Caldas, Vicente Delorme e Eduardo
Valladares, pelo companheirismo de sempre.
Aos amigos de infância, Marcio Cardoso Dyonisio, Gustavo Lima e Vivian
Gama.
A Fabiano Távora e Rodrigo Goyena, que confiaram em mim e indicaram
meu nome para este trabalho.
A todos saudações rubro-negras.
PREFÁCIO*
Dez anos atrás, recebi a notícia de que havia sido aprovado no concurso do
Instituto Rio Branco para a carreira diplomática. Era difícil acreditar que
meu nome estava na lista de aprovados, que o meu antigo sonho tornara-se
realidade. Aquele momento deu-me a impressão de ser um divisor de águas,
o primeiro passo da carreira que por tantos anos me fascinara.
Hoje, percebo que o primeiro passo para a carreira diplomática havia sido
dado em um momento anterior, quando comecei meus estudos de
preparação para o concurso. A preparação para a carreira diplomática exige
o desenvolvimento da capacidade de analisar politicamente a combinação
de diferentes fatores da sociedade. Essa capacidade pode ser adquirida pela
leitura atenta de diferentes pensadores e exposição a diferentes
manifestações artísticas, o que requer uma caminhada de constantes
descobertas.
Essa caminhada é feita em direção às mais profundas e fundamentais
características da sociedade brasileira, percorrendo a longa estrada que
lentamente mostra as cores que delineiam o multifacetado cenário que é o
Brasil. A preparação para a carreira diplomática requer este (re)encontro
com o Brasil, este momento em que o futuro diplomata reflete sobre seu
país e sobre seu povo. Eu diria que o processo de preparação é uma
caminhada para dentro.
Ao caminhar em direção às profundezas do Brasil, o futuro diplomata se
defrontará com perspectivas históricas, geopolíticas, econômicas e jurídicas
da realidade brasileira que lhe proporcionarão o arcabouço intelectual para
sua contínua defesa dos interesses do Brasil e do povo brasileiro no exterior.
Essa observação de quem somos como povo e como país é fundamental
para o trabalho cotidiano dos diplomatas brasileiros, principalmente porque
também pressupõe as relações do Brasil com outros países. Ao
compreender a história política externa brasileira, o candidato poderá
perceber características do Brasil que explicam como o país percebe sua
inserção no mundo.
É interessante notar que essa caminhada para dentro é o início de uma
carreira feita para fora, em contato com o mundo. Os diplomatas são os
emissários que também contam para o mundo o que é o Brasil e o que é ser
brasileiro. A aprovação no concurso do Instituto Rio Branco não é,
portanto, o primeiro passo da carreira. É o momento em que a caminhada
para dentro do Brasil se completou e passa a ser uma viagem para fora, para
relatar ao mundo o que nós somos e o que pensamos.
Devo confessar que a minha caminhada foi bem difícil. Quando comecei a
me preparar para o concurso, poucas cidades brasileiras tinham estruturas
que guiassem os estudos dos candidatos para o concurso. Apesar de ter
certeza de que nunca nenhuma leitura é inútil, estou certo de que a
imensidão de pensadores e artistas que conformam o pensamento brasileiro
é difícil de ser abordada no momento de preparação para o concurso.
Lembro-me de que sempre busquei obras que me guiassem os estudos, mas
não tive a sorte de naquele momento haver publicações neste sentido.
Foi com muita alegria que recebi o convite para escrever sobre minha
experiência pessoal como jovem diplomata brasileiro em uma coleção que
ajudará na caminhada preparatória dos futuros diplomatas. Esta coleção
ajudará meus futuros colegas a seguir por caminhos mais rápidos e seguros
para encontrar o sentido da brasilidade e a essência do Brasil. Congratulo-
me com a Editora Saraiva, com os autores e com o organizador da coleção,
Fabiano Távora, pela brilhante iniciativa e pelo excelente trabalho.
Aos meus futuros colegas diplomatas, desejo boa sorte nessa caminhada.
Espero que se aventurem a descobrir cada sabor deste vasto banquete que é
a brasilidade e que se permitam vivenciar cada nota da sinfonia que é o
Brasil. Espero também que possamos um dia sentar para tomar um café e
conversar sobre o que vimos e, juntos, contar aos nossos amigos de outros
países o que é o Brasil.
Pequim, novembro de 2014.
Romero Maia
APRESENTAÇÃO**
Indubitavelmente, o concurso para o Instituto Rio Branco, uma das escolas
de formação de Diplomatas mais respeitadas do mundo, é o mais tradicional
e difícil do Brasil. Todos os anos, milhares de candidatos, muito bem
preparados, disputam as poucas vagas que são disponibilizadas. Passar
nessa seleção não é só uma questão de quem estuda mais, envolve muitos
outros fatores.
Depois de muito observar essa seleção, nasceu a ideia de desenvolver um
projeto ímpar, pioneiro, que possibilitasse aos candidatos o acesso a uma
ferramenta que os ajudasse a entender melhor a banca examinadora, o
histórico dos exames, o contexto das provas, o grau de dificuldade e
aprofundamento teórico das disciplinas, de forma mais prática. Um grupo
de professores com bastante experiência no concurso do IRBr formataria
uma coleção para atender a esse objetivo.
Os livros foram escritos com base nos editais e nas questões dos últimos 13
anos. Uma análise quantitativa e qualitativa do que foi abordado em prova
foi realizada detalhadamente. Cada autor tinha a missão de construir uma
obra que o aluno pudesse ler, estudar e ter como alicerce de sua preparação.
Sabemos, e somos claros, que nenhum livro consegue abordar todo o
conteúdo programático do IRBr, mas, nesta coleção, o candidato encontrará
a melhor base disponível e pública para os seus estudos.
A Coleção Diplomata é composta dos seguintes volumes: Direito
internacional público; Direito interno I - Constituição, organização e
responsabilidade do Estado brasileiro; Direito interno II - Estado, poder e
direitos e garantias fundamentais (no prelo); Economia internacional e
brasileira (no prelo); Espanhol (no prelo); Francês (no prelo); Geografia I -
Epistemologia, política e meio ambiente; Geografia II - Geografia
econômica; História do Brasil I - O tempo das Monarquias; História do
Brasil II - O tempo das Repúblicas; História geral; Inglês; Macroeconomia;
Microeconomia; Política internacional I - A política externa brasileira e os
novos padrões de inserção no sistema internacional do século XXI; Política
internacional II - Relações do Brasil com as economias emergentes e o
diálogo com os países desenvolvidos; Português.
Todos os livros, excetuando os de língua portuguesa e inglesa, são
separados por capítulos de acordo com o edital do concurso. Todos os itens
do edital foram abordados, fundamentados numa doutrina ampla e
atualizada, de acordo com as indicações do IRBr. Os doutrinadores que
mais influenciam a banca do exame foram utilizados como base de cada
obra. Juntem-se a isso a vivência e a sensibilidade de cada autor, que
acumula experiências em sala de aula de vários locais (Brasília, São Paulo,
Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Salvador,
Teresina...).
Cada livro, antes da parte teórica, apresenta os estudos qualitativos e
quantitativos das provas de seleção de 2003 até 2015. Por meio de gráficos,
os candidatos têm acesso fácil aos temas mais e menos cobrados para o
concurso de Diplomata. Acreditamos que esse instrumento é uma maneira
inteligente de entender a banca examinadora, composta por doutrinadores
renomados, bastante conceituados em suas áreas.
No final de cada livro, os autores apresentam uma bibliografia completa e
separada porassuntos. Assim, o candidato pode ampliar seus
conhecimentos com a segurança de que parte de uma boa base e sem o
percalço de ler textos ou obras que são de menor importância para o
concurso.
As questões são separadas por assunto, tudo em conformidade com o edital.
Se desejar, o aluno pode fazer todas as questões dos últimos anos, de
determinado assunto, logo após estudar a respectiva matéria. Dessa forma,
poderá mensurar seu aprendizado.
Portanto, apresentamos aos candidatos do IRBr, além de uma coleção que
apresenta um conteúdo teórico muito rico, bastante pesquisado, uma
verdadeira e forte estratégia para enfrentar o concurso mais difícil do Brasil.
Seguindo esses passos, acreditamos, seguramente, que você poderá ser um
DIPLOMATA.
Fortaleza, 29 de julho de 2015.
Fabiano Távora
EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES
POR ANO***
INTRODUÇÃO
Objetivando auxiliar os futuros diplomatas a realizar a prova de História
Geral, que vem ganhando mais espaço nos últimos anos no Teste de Pré-
Seleção do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática, esta obra é
resultado da experiência de anos trabalhando na preparação de alunos para
este concurso e também da leitura de livros outrora recomendados pela
banca para a preparação.
Diferentemente da preparação para a prova de História do Brasil, onde
existe um peso muito maior do conhecimento de correntes historiográficas e
discussões entre diferentes autores, a prova de História Geral é muito mais
objetiva e conteudista. A quantidade de temas apresentados também não
apresenta muitas surpresas, sendo a formação da Idade Contemporânea seu
pontapé inicial. Esta formação tem como base três principais eventos:
Revolução Inglesa, Revolução Industrial e Revolução Francesa. Neste livro
há um breve recuo no tempo, uma vez que para o bom entendimento do
Iluminismo, base ideológica para a construção do mundo contemporâneo, é
preciso saber qual é o sistema por ele criticado. Explica-se, assim, a
presença do Antigo Regime Europeu no primeiro capítulo.
O longo século XIX é abordado aqui com ênfase aos acontecimentos da
história europeia. Existem capítulos dedicados aos Estados Unidos
(Capítulo VIII) e América Latina (Capítulo IX), mas mesmo quando o alvo
preferencial são os continentes africanos e asiáticos, a visão europeísta
baliza as abordagens aqui apresentadas.
Sem dúvida alguma é o “Breve Século XX”, nas palavras de Eric
Hobsbawn, que tem maior espaço tanto nas provas do TPS como nesta
obra. O Capítulo Guerra Fria (1947-1991) tem uma atenção especial, afinal,
muitos são os eventos internacionais diretamente ligados a este tema. O
livro História das Relações Internacionais Contemporâneas, organizado por
José Flávio Sombra Saraiva, foi importante para a divisão cronológica do
período, com pequenas alterações por questões didáticas.
Nas Lutas de Libertação Afro-Asiáticas, trazemos a explicação geral dos
principais fatores que motivaram este processo que alterou a geopolítica do
hemisfério sul. Alguns casos são estudados de forma mais atenciosa,
chamando a atenção das independências e formação dos Estados Nacionais
na região da antiga África Portuguesa, principalmente devido às históricas
relações entre o Brasil e estas possessões.
Por fim, a América Latina no século XX e a sua tentativa de romper as
amarras com o passado dependente e agroexportador são abordados.
Opções pela modernização conservadora, como nos casos da Argentina e no
México, ou aqueles em que a opção socialista é apresentada (Chile, Cuba e
Nicarágua) são contemplados. A escolha por não abordar o Oriente Médio
como um capítulo a parte se explica pela pouca presença deste nos últimos
anos do concurso.
Ao ler e reler os capítulos e, principalmente, a cada semana de aula
ministrada, surgiam novas ideias de abordagens e conteúdos a serem
colocados nas páginas. O conteúdo do concurso não se encerra
completamente nestas páginas que se seguem mas, sem dúvida, dentro dos
limites impostos, a ideia é trazer uma breve história do Mundo
Contemporâneo para melhor capacitar aqueles que se propõem a fazer um
dos mais difíceis concursos públicos do Brasil. Sugestões sempre serão
bem-vindas. Abraços e bons estudos.
1. A Crise do Antigo Regime
1.1. ESTADO MODERNO EUROPEU OU
ANTIGO REGIME
Considerado um período de transição entre o sistema econômico feudal e o
capitalismo industrial, marcado pelo capitalismo concorrencial por aqueles
que privilegiam o econômico na interpretação dos processos históricos, a
formação do Estado Moderno é fruto da desarticulação do sistema feudal a
partir da Crise do século XIV, quando o sistema policêntrico e complexo
controlado pelos senhores feudais assim como o poder universal da Igreja
Católica são substituídos pela centralização de poderes nas mãos de um rei.
Interpretado como um esboço do que hoje compreendemos como um país, o
Estado Moderno é marcado pela “racionalização da gestão do poder e da
própria organização política”, segundo Max Weber. No controle deste
Estado, o rei administrava os interesses de diversos grupos sociais com suas
diferentes aspirações.
1.1.1. A formação
Com o enfraquecimento dos senhores feudais, era preciso encontrar alguma
nova fórmula para controlar as massas insatisfeitas durante a Baixa Idade
Média. A saída foi o fortalecimento da figura do rei, até então apenas mais
um senhor feudal.
O rei recebe o poder político daqueles senhores feudais enfraquecidos que,
em troca da submissão aos interesses do monarca, buscam proteção de seus
interesses, destacando-se a isenção no pagamento dos impostos, o
monopólio sobre a terra e ainda o controle das forças armadas. Classe em
ascensão naqueles tempos, a burguesia tinha interesse na formação do
Estado Moderno, pois a unificação de moedas ou mesmo de tarifas
alfandegárias poderia facilitar as suas transações comerciais. Em troca, seus
capitais deram suporte na construção do aparelho burocrático por parte do
rei.
Guerras também fizeram parte das origens do Antigo Regime. A Guerra dos
Cem Anos (1337-1453), citada no capítulo anterior, foi de fundamental
importância para a formação da França (o rei centralizador conduziu seus
homens na vitória) e também da Inglaterra. No caso da ilha, dos escombros
da guerra surge a necessidade de centralizar o poder. Duas casas
nobiliárquicas disputavam o trono: os York (Rosa Branca) e os Lancaster
(Rosa Vermelha), resultando na Guerra das Duas Rosas (1455-1485). Este
conflito, longo e intermitente, enfraquece as duas casas, e seu ponto final
ocorre quando o senhor de Richmond, Henrique Tudor, assume o poder
apoiado pelos Lancaster ao vencer a batalha de Bosworth Field. Ao casar-se
com Elizabeth de York, Henrique VII une as duas casas rivais.
Também na Espanha guerras e alianças foram fundamentais para a
unificação. Após séculos de dominação muçulmana na Península Ibérica, os
espanhóis, após dez anos de luta (1482-1492), conseguem derrotar os
mouriscos que estavam em Granada utilizando-se de novas estratégias
militares, como uma formação mista de artilharia e infantaria. Nesta
empreitada estavam juntos os dois principais reinos católicos da região
ainda inspirados em princípios cruzadísticos: Castela e Aragão. Logo após a
vitória cristã na Guerra de Reconquista, os católicos Fernão de Aragão e
Isabel de Castela casam-se, completando a última etapa do processo de
unificação espanhola.
Outros elementos colaboraram para a formação de um Estado Moderno,
como a existência de uma moeda única, língua comum, religião e outros
considerados símbolos (ou podemos chamá-los de fatores comuns)
nacionais que fazem os súditos se sentirem parte de um determinado reino.
1.1.2. Absolutismo
É de notar-se, aqui, que, ao apoderar-se de um Estado, o conquistador deve
determinar as injúrias que precisa levar a efeito, e executá-las todas de uma
só vez, para não ter que renová-las dia a dia. Deste modo, poderá incutir
confiança nos homens e conquistar-lhes o apoio, beneficiando-os. Quem
age por outra forma, ou por timidez ou por força de maus conselhos, tem
sempre necessidade de estar coma faca na mão e não poderá nunca confiar
em seus súditos, porque estes, por sua vez, não se podem fiar nele, mercê
das suas recentes e contínuas injúrias. As injúrias devem ser feitas todas de
uma só vez, a fim de que, tomando-se-lhes menos o gosto, ofendam menos.
E os benefícios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam melhor
saboreados4.
Uma complexa forma de centralização de poderes nas mãos do rei. Assim
podemos definir o Absolutismo, resultado da evolução política das
monarquias nacionais que surgiram no continente europeu ainda na Baixa
Idade Média. A composição do aparelho burocrático-administrativo é de
fundamental importância para reforçar o poder do Estado, que utiliza-se de
seu exército, ministros ou poder real para submeter aos seus interesses uma
decadente nobreza e uma burguesia ainda frágil.
Importante lembrar que nem todas as monarquias absolutistas conseguiam
uma excessiva centralização de poderes no rei. Considerado o mais forte
dos Estados Modernos da Europa, o absolutismo francês inicia a sua
gradual formação ainda no século X com a chegada dos captíngios ao
poder. Nos séculos seguintes os valois e, por fim, os bourbons chegaram e
comandaram o mais importante trono da Europa.
Ao conquistar o trono, Henrique IV cria o edito de Nantes, assinado em
1598, garantindo tolerância religiosa aos huguenotes. A suspensão dos
massacres e perseguições impostas a eles é importante para a coesão
nacional, que atinge seu ápice com o reinado de Luís XIV. Considerado por
muitos como o “único rei de fato absolutista”, Luís XIV sempre será
lembrado por sua célebre frase “O Estado sou eu”.
O czarismo russo também apresenta forte grau de centralização política. O
regime iniciado ainda no século XVI por Ivan IV (o primeiro monarca russo
entitulado czar ou tsar) somente tem seu fim com a Primeira Guerra
Mundial e o advento das Revoluções Russas de 1917.
As marcas da Guerra das Duas Rosas (1455-1485) estiveram presentes
durante toda a Idade Moderna na Inglaterra. A principal característica do
absolutismo inglês foi o respeito à Magna Charta Libertatum, assinada
ainda no século XIII. Considerado o primeiro estatuto inglês e base para a
constituição britânica, esta coibia as arbitrariedades do rei e abriu caminho
para o fortalecimento gradual do Parlamento, consultado em casos como o
do aumento de impostos e guerras.
Na Península Ibérica a longa guerra de expulsão dos muçulmanos conferiu
traços de extremo fervor religioso à construção dos Estados Modernos tanto
em Portugal como na Espanha. Desta forma, a Igreja Católica tem uma
influência maior sobre as questões políticas que em outras regiões da
Europa Moderna. De maneira alguma trata-se de submissão do rei perante a
Igreja, mas existe uma conveniente união de interesses políticos,
simbolizada pelo padroado. Neste sistema, era o rei que organizava e
administrava a Igreja Católica em seus Estados, nomeando até mesmo
bispos ou determinando onde seriam as dioceses. É também na Península
Ibérica que o Tribunal do Santo Ofício atua com maior rigor, utilizado para
promover perseguições contra os inimigos da Coroa.
Como base ideológica do Estado Absolutista ainda persistia a Teoria do
Direito Divino dos Reis sendo a mais destacada na Europa. Baseada na
crença de que o monarca deveria reinar por ser um representante de Deus na
terra, colocava aqueles que eram contra o rei em oposição direta ao poder
divino. As teocracias europeias seculares afirmavam, desta forma, que o
poder do rei somente poderia ser julgado por Deus.
Alguns teóricos obtiveram um luxuoso auxílio de pensadores como Jaques
Bossuet (1627-1704) e Jean Bodin (1530-1596). Bossuet atuou diretamente
na corte mais importante da História Moderna e, ao cuidar da educação do
filho de Luís XIV, acabou por escrever Memórias para a educação do
delfim e Política segundo a Sagrada Escritura, onde defendia a sacralização
da figura real e sua função como ministro de Deus na terra. Já Bodin em Os
seis livros da república tratava da soberania, afirmando que esta era
limitada apenas pelas leis de Deus e aquelas naturais.
Existiam também aqueles que mais se preocupavam com questões
racionais. Os teóricos chamados laicos mais destacados são,
respectivamente, Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Thomas Hobbes (1588-
1619). Maquiavel escreveu diversas obras, sendo O príncipe5 a mais
polemizada. Cabe salientar que diversas são as interpretações sobre o livro.
Aquela utilizada de forma mais corrente associa os “conselhos” dados pelo
renascentista ao príncipe a uma tentativa desesperada de Maquiavel auxiliar
a criação do Estado Moderno na Península Itálica, assolada pelas guerras
fraticidas entre as diversas repúblicas e saqueada por estrangeiros.
“Os fins justificam os meios” e “força é justa quando necessária” são
apenas alguns dos fragmentos retirados da obra clássica dedicada a Lorenço
de Médici para justificar a interpretação mais aceita entre a historiografia: O
príncipe trata de conselhos para o soberano florentino criar um Estado forte
que se sobrepusesse a todos os obstáculos da Itália renascentista.
Hobbes buscava na ideia de “estado de natureza” a necessidade da
formação de um Estado Absolutista. Nessa forma primitiva os homens
iriam deixar de existir em breve, uma vez que viviam em estado permanente
de guerra entre si (homem como “um lobo para o homem”). O sentimento
de autoconservação levaria os homens a transferirem seu poder político
para o rei por meio do chamado Pacto Social, um contrato onde este cederia
seu poder aos soberanos. Assim, em Leviatã, o inglês Thomas Hobbes
justificava a autoridade do Estado como um meio de proteção contra o caos
e a violência.
1.1.3. Economia
Manufaturas bem protegidas, [...] uma marinha poderosa, uma agricultura
próspera e lucrativa, instituições parlamentares e políticas favorecendo a
consulta e o confronto dos interesses, a Inglaterra estava pronta para a
grande aventura industrial. As duas revoluções políticas que ela atravessara
no século XVII tinham liquidado as confrarias, as guildas, os privilégios,
muitos vestígios, obstáculos e preconceitos herdados do passado, e
contribuíram para fazer do mercantilismo um meio muito eficaz de poder e
de progresso nacional.6
Se concordamos que a Idade Moderna pode ser interpretada como uma
transição do sistema feudal de produção para o capitalista, é necessário
interpretar o chamado capitalismo comercial. O comércio ganhava
importância crescente na Europa desde os tempos do Renascimento
Comercial e Urbano, mas com a formação do Estado Moderno Europeu
torna-se política de Estado. Karl Marx assim explicou o processo em sua
obra O capital:
A primeira etapa da acumulação capitalista é comumente chamada de
acumulação primitiva. Realizada inicialmente por meio de transformação
das relações de produção e surgimento do trabalho assalariado e
concentração dos meios de produção - nas mãos de poucos, seguidos da
expansão capitalista - “a cumulação primitiva é apenas o processo histórico
que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva
porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista.
O conjunto de práticas econômicas dos Estados Modernos com o objetivo
de promover a tal acumulação primitiva de capitais é chamado de
Mercantilismo, que tem no Estado interventor seu principal mecanismo na
obtenção de recursos e riquezas. Como principais práticas adotadas temos:
• Balança Comercial Favorável: exportar uma quantidade de produtos maior
que aqueles importados, acumulando a maior quantidade de ouro e prata
possíveis.
• Protecionismo Alfandegário: com o objetivo de desestimular as
importações, os Estados Modernos aumentam a tarifa alfandegária para
produtos estrangeiros.
• Colonialismo: busca por territórios no ultramar.
• Exclusivo (ou também pacto) Colonial: quando a economia de uma
colônia está submetida aos interesses da metrópole.
• Corso: associação entre piratas e Estados na informalidade, é claro! Os
corsários tinham certas facilidades em troca de partedos produtos
adquiridos mediante seus ataques no Atlântico Sul.
• Industrialismo: incentivo à exportação de produtos manufaturados. Prática
esta adotada principalmente por aquelas potências que não obtiveram
numerosas conquistas ultramarinas na primeira fase da Expansão Marítima.
Alguns Mercantilismos deram ênfase a determinadas práticas e por isso
tiveram uma alcunha especial:
• Colbertismo: na França de Luís XIV, o controlador geral das finanças
Jean-Baptiste Colbert buscou no incremento do protecionismo e no fomento
à exportação de manufaturas de luxo.
• Bulionismo: ênfase no acúmulo de metais preciosos, principalmente
praticado pela Espanha.
• Comercialismo: os ingleses buscaram incentivar de todas as formas
possíveis a exportação de manufaturas têxteis, incluindo a prática do
cercamento dos campos.
1.1.4. Expansão marítima
Antes deste nosso descobrimento da Índia, recebiam os mouros de Meca
muito grande proveito com o trato da especiaria. E assim, o grande sultão,
por mor dos grandes direitos que lhe pagavam. E assim também ganhava
muito Veneza com o mesmo trato, que mandava comprar a especiaria da
Alexandria, e depois a mandava por toda a Europa.7
No contexto do Mercantilismo, um conjunto de Grandes Navegações
proporciona a Expansão Marítima protagonizada pelas principais potências
europeias durante a Idade Moderna.
Sem dúvidas o espírito cruzadístico da Península Ibérica em muito
influenciou na empreitada ultramarina. Expulsar os muçulmanos do mundo
era o desejo de muitos navegadores no ocaso da Idade Média. A Queda de
Constantinopla em 1453 também tem a sua contribuição, uma vez que o
aumento dos custos para a importação de especiarias somente beneficiava
as cidades italianas de Gênova e Veneza. A busca por um caminho
alternativo para as Índias como a necessidade de obtenção de metais
preciosos tornava a conquista dos mares necessária no século XV.
A formação de Estados Modernos é fundamental para a Expansão
Marítima. Com a organização real, burguesia (interessada na ampliação de
suas rotas comerciais), igreja (em busca de mais fiéis) e nobreza (desejando
mais terras e poder) participaram ativamente no projeto ultramarino. Novas
embarcações como a nau, a caravela e o galeão, assim como o astrolábio e a
bússola, permitiram aos navegadores superarem os obstáculos reais, como
as tormentas, e aqueles imaginários, como as sereias e os monstros
marinhos.
O primeiro Estado Moderno a realizar o projeto nacional objetivando a
conquista de territórios no ultramar foi Portugal. O fato de Portugal ter sido
o primeiro Estado Moderno formado ainda no século XIII foi fundamental
para o seu pioneirismo. A Revolução de Avis deu condições para a
organização da expansão. O Estado português possuía excelentes relações
com o grupo mercantil nacional; a localização geográfica portuguesa é
favorável em relação ao Atlântico; e, por fim, a tradição náutica portuguesa
foram fatores que contribuíram na reunião de condições necessárias para a
conquista do entreposto comercial árabe de Ceuta em 1415, primeiro passo
na conquista do litoral atlântico.
A partir da conquista de Ceuta os portugueses promoveram, ao longo do
século XV, o chamado Périplo Africano. A ideia era contornar o continente
com o objetivo de se chegar ao Oriente. Navegadores como Diogo Cão, que
chegou ao Congo estabelecendo contatos com o soberano local, e
Bartolomeu Dias, que “descobriu” o Cabo da Boa Esperança, são alguns
dos mais destacados lusitanos. Vasco da Gama completou o processo em
1498, quando atingiu as Índias. No intuito de agraciar os soberanos de
Calicute, que tiveram atritos com os homens de Vasco da Gama, o rei
português D. Manuel montou uma expedição com treze embarcações
chefiada por Pedro Álvares Cabral que chega ao litoral brasileiro em 1500.
Após completar seu sangrento processo de unificação, a Espanha apostou
no projeto do navegador genovês Cristóvão Colombo. Após ser rejeitado
por Portugal, Colombo apresenta sua tese do el levante por el poente,
projetando chegar às Índias navegando para o Ocidente. Após os reis
católicos permitirem a composição de três embarcações para a aventura
(Santa Maria, Pinta e Nina), e dois meses de viagem, Colombo atingiu as
ilhas americanas de Guarani, atual Bahamas. Batizou os nativos de índios e
acreditava que tinha completado sua missão. Américo Vespúcio desfez a
ilusão do genovês: as terras descobertas não pertenciam às Índias Orientais,
mas sim a um novo continente. Nascia assim a América.
Portugueses e espanhóis travaram longas negociações ao longo de toda a
Idade Moderna para delimitar os territórios ultramarinos. Alguns destes
tratados são:
• Tratado de Alcaçovas - Toledo (1479-1480): decorre da disputa pela
sucessão do trono de Castilla. Como a Espanha ainda era fragmentada,
Portugal tem nele uma ação mais assertiva. Neste tratado a divisão é
horizontal e tem como linha fundamental a altura de Cabo Verde. Com isso
é ratificado o interesse português de continuar explorando o Atlântico Sul.
• Bula Intercetera (1493): No contexto do pós-unificação espanhola e
sapiente da existência de terras no Ocidente, a Igreja busca defender os seus
interesses. A divisão, mediada pelo Papa, passa a ser vertical e coloca-se a
cem léguas da ilha de Cabo Verde. Portugal não se vê satisfeita, não pelo
interesse inicial nas terras ao ocidente, mas porque tal divisão
impossibilitava a manobra que permitia contornar o sul da África (a grande
volta).
• Tratado de Tordesilhas (1494): satisfatório para as duas coroas. Esse
tratado viabiliza a chegada portuguesa as Índias, permitindo que, no século
XVI, Portugal domine a região e faça frente às rotas comerciais árabes.
1.2. CULTURA
A época moderna apresenta transformações em diversos setores. Na
política, como visto anteriormente, assistimos a uma centralização de
poderes nas mãos do monarca, em oposição à descentralização dos tempos
medievais. Na economia, os tempos de um sistema agrário fechado foram
substituídos por uma intensa troca mercantil. Na sociedade, a burguesia é a
classe em ascensão. Como consequência natural deste processo, os
elementos culturais serão marcados pelas transformações em vigor no
mundo moderno.
Durante os tempos feudais, notava-se, claramente, o controle da Igreja
Católica sobre o pensamento e a cultura. Consolidada como a organização
política mais forte da Europa Ocidental, após a conversão dos reis e da
nobreza ao catolicismo, a Igreja Católica consegue submeter o pensamento
europeu ao modelo teocêntrico, segundo o qual todo o funcionamento do
universo seria explicado mediante as leis divinas. De acordo com o teólogo
Santo Agostinho, o homem estaria marcado pelo pecado original e, por isso,
seria uma criatura imperfeita, inferior e mortal.
Reflexos desta submissão em todas as esferas ao poder da Igreja
mostravam-se presentes na arquitetura, na música e nas ciências. Na
arquitetura, os dois principais estilos desenvolvidos foram o gótico e o
romântico. O estilo romântico buscava ser o mais didático possível,
concretizando o mundo teocêntrico baseado em duas construções: o castelo,
que abrigava a nobreza, defensora da população e promotora da segurança;
e a catedral, onde encontrava-se o clero, simbolizando a estabilidade
espiritual. Já na Baixa Idade Média (séculos X-XV), o estilo gótico unia a
religiosidade cristã-feudal através da grandiosidade dos templos (como o de
Notre Dame em Paris) e dos novos tempos mercantis que se anunciavam,
uma vez que o progresso urbano e comercial possibilitava o seu
financiamento.
Na música, o canto é integrado aos cultos no pontificiado de Gregório
Magno (590-604), criando o chamado canto gregoriano. Como a Igreja
temia qualquer tipo de estudo que colocasse em risco seus dogmas católicos
e convicções, criam-se, ainda no século XIII, os tribunais do inquérito da
Inquisição, também conhecidos como Santo Ofício. Apesar de todas as
instituições educacionais estarem sob o controle da Igreja, a inquisição é
organizada dentro dos muros dos mosteiros, a escolástica, que buscavaconciliar a fé com um sistema de pensamento mais racional. Após décadas,
o esforço humano passava a ser novamente valorizado, tornando-se a base
destes estudos a obra de Tomás de Aquino, Summa Theologica.
Ainda no século XIV, tem origem o movimento filosófico conhecido como
Humanismo. Como um pensamento de oposição ao teocentrismo medieval,
o Humanismo buscava a valorização das aspirações e da capacidade
humana - o homem estaria no centro das atenções (e do universo). Assim, o
antropocentrismo caracterizaria-se como a principal base desse pensamento,
atribuindo ao homem a responsabilidade por suas conquistas e fracassos.
Buscando a Antiguidade Clássica como fonte de inspiração (Imitatio), os
humanistas resgatavam valores que se enquadravam nas novas aspirações
urbanas-comerciais, como o hedonismo, que valorizava a vida terrena e a
natureza.
No presente, o homem se faz através da posse da razão. Se as árvores e
bestas selvagens crescem, os homens, creia-me, moldam-se. [...] A
natureza, ao dar-vos um filho, vos presenteia com uma criatura rude, sem
forma, a qual deveis moldar para que se converta em um homem de
verdade. Se este ser moldado se descuidar, continuareis tendo um animal;
se, ao contrário, ele se realizar com sabedoria, eu poderia quase dizer que
resultaria em um ser semelhante a Deus8.
Embora o Humanismo contestasse os valores mais tradicionais da Igreja
Católica, não pode ser considerado um movimento ateu. A proposta dos
intelectuais humanistas era promover uma nova interpretação das escrituras
e, assim, a valorização do homem seria explicada como uma forma de
adoração a Deus, pois esse seria a mais perfeita criação divina.
Ademais, embora difundido pela Europa, o pensamento humanista não
poderia ser considerado um movimento de massas, restrito que estava a
uma pequena parcela da intelectualidade europeia.
Considerado a aplicação dos valores humanistas na pintura, ciências, letras
e outras manifestações artísticas, o Renascimento Cultural foi assim
denominado por Giorgio Vassari, considerado como o primeiro historiador
da arte. Em oposição à Idade Média, considerada pelos humanistas como
“Idade das Trevas”, o Renascimento foi assim nomeado devido ao que seus
protagonistas afirmavam ser uma “redescoberta” dos valores classissistas de
valorização do homem. O “berço do Renascimento”, sem dúvidas, foi a
Península Itálica, mais precisamente a região da Toscana; Siena e Florença
abrigaram alguns dos principais nomes do estilo.
1.2.1. O Iluminismo
Movimento racionalista do século XVIII, o Iluminismo não é considerado
uma escola no sentido estrito, mas uma tradição intelectual de valorização
do racionalismo que teve impacto determinante na filosofia, na literatura,
nas ciências sociais, na história, na música, na geografia, transformando-as.
Apesar de ter sido mais famoso na França, o pensamento ilustrado - como o
iluminismo também é conhecido - teve expoentes relevantes em
praticamente todos os países europeus e também na América. O que une
todas essas correntes é a valorização da razão como método para alcançar a
verdade, renegando a tradição e a verdade revelada. É herdeiro do
racionalismo estético do Renascimento e do racionalismo naturalista da
Revolução Científica do século XVII, mas se diferencia desses movimentos
ancestrais pela crítica à sociedade, não tendo se restringido à natureza ou às
artes, ainda que sobre elas tenha tido grande impacto.
Sob o ponto de vista sociopolítico une os iluministas a crítica generalizada
ao antigo regime e suas instituições políticas, econômicas, sociais e
culturais. Em maior ou menor grau - às vezes apenas a ironia, o sarcasmo -,
eles desmerecem a monarquia absolutista, a lógica intervencionista-
monopolista do mercantilismo, o monolitismo estanque da sociedade
estamental e o predomínio cultural do clero, considerado pelos iluministas,
em grande parte anticlericais, o promotor do obscurantismo medieval e da
ignorância.
Dentre suas contribuições está o advento da geografia moderna (Alexander
Humboldt), o historicismo nas ciências sociais (Giambattista Vico), o
desenvolvimento da cartografia racional, o surgimento das primeiras
escolas de pensamento econômico - como a fisiocracia - a defesa
intransigente da educação laica (Pombal), o reconhecimento do
universalismo da condição humana (“todo homem é dotado de razão”), a
crítica ao monopólio (Adam Smith), a divisão dos poderes (Montesquieu9),
o contratualismo (Jean Jacques Rousseau), a defesa do direito positivo
(Augusto Comte), o sistema de checks and balances (James Madison), o
fortalecimento do direito internacional (John Locke), do sistema judiciário
(Cesare Beccaria), da administração pública e a transformação da filosofia
em “mãe de todas as formas de saber”, entre outras conquistas modernas.
Surpreende descobrir que a origem social da maior parte dos pensadores
iluministas era a aristocracia. Funcionários da coroa ou membros da
burguesia abastada também produziram obras iluministas. Em todos os
casos sugeriam transformações estruturais na sociedade que atingiriam
diretamente seus privilégios de classe. Tratava-se de uma minoria ilustrada,
frequentemente perseguida pelos regimes absolutistas, mas que por sua
vanguarda conseguiu se impor e popularizar suas ideias ao longo do século
XVIII. Figuras como Voltaire e Diderot se tornaram muito famosas em vida
e verdadeiros fenômenos editoriais a ponto de poderem viver dos livros que
publicavam. A Enciclopédia, monumental e ambicioso projeto de
compilação de todo o conhecimento humano avaliado racionalmente,
sustentou Diderot e D’Alembert por meio de assinaturas dos leitores que
pagavam mensalidades adiantadas para financiar a obra que ia sendo
entregue progressivamente ao longo dos anos - sua prisão interrompeu o
projeto, mas os leitores seguiram contribuindo.
No plano econômico, criticavam como irracional as políticas metalistas de
acumulação que provocavam inflação e eram motivadoras de guerras
mercantis. Para a promoção da riqueza propunham a mínima intervenção
estatal na economia - exceto em casos de segurança e defesa. Acreditavam
que o comércio livre promoveria a riqueza e a paz entre os homens.
Inicialmente essas ideias aparecem de modo rudimentar na fisiocracia
francesa, a primeira escola econômica, cujo próprio nome já defende a não
intervenção; fisios, natureza, cracia, governo. Para esses pensadores, o
natural seria uma economia sem a intervenção do Estado, daí o famoso
lema laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui même. Adam Smith e
David Ricardo aperfeiçoam a fisiocracia criando a teoria de valor a partir do
trabalho e definindo de modo mais claro o mercado, como a mão invisível
que controla a disponibilidade de bens e favorece o crescimento da riqueza
dos homens e das nações, discordando da crença de riqueza finita e “jogo
de soma zero”, presente na concepção mercantilista de eterna guerra
comercial.
De um modo geral, esses pensadores defendiam uma visão moderadamente
reformista da sociedade, propondo melhorias racionais como escolas leigas,
livre comércio, liberdades concedidas pelo príncipe e estabelecidas em uma
constituição ou representação parlamentar. Não chegavam a defender uma
via revolucionária e disruptiva. Eram fortemente elitistas do ponto de vista
intelectual e defendiam a meritocracia. Os homens nasciam iguais mas não
eram igualmente capazes. Não se importavam que o voto fosse restrito por
renda e defendiam a igualdade apenas jurídica, não econômica ou social,
defendidas mais tarde pelos socialistas. Apesar deste “conservadorismo” o
iluminismo foi apropriado como a principal arma da burguesia para o
desmonte revolucionário do Antigo Regime tanto na Revolução Francesa
quanto nas revoluções burguesas que se seguiram. Influenciados pelo
pensamento mais radical do pensador genebrino Jean Jacques Rousseau
(Tratado da desigualdade entre os homens e O contrato social) defendiam a
ruptura do contrato social diante do despotismo e se valeram desta premissa
para legitimar suas revoluções.
Se indagarmos em queconsiste precisamente o maior bem de todos, que
deve ser o fim de todo o sistema de legislação, achar-se-á que se reduz a
estes dois objetivos principais: liberdade e igualdade. A liberdade, porque
toda a dependência particular é outro tanto de força tirada ao corpo do
Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode existir sem ela. Já disse o
que é a liberdade civil; a respeito da igualdade [...] que nenhum cidadão
seja bastante opulento para poder comprar a outro, e nenhum tão
paupérrimo para necessitar vender-se, o que supõe. Por parte dos grandes,
moderação de bens e de crédito; dos pequenos, moderação de ânsia e
cobiça. Mas os fins gerais de toda instituição devem modificar-se em cada
país pelas circunstâncias que nascem, tanto da situação local, como a do
caráter dos habitantes. E considerando estas circunstâncias, deve dar-se a
cada povo um sistema de instituição, que seja o melhor, embora não por si,
mas para o Estado a que se destina10.
Apesar disso, a maior parte do pensamento iluminista foi incorporada na
segunda metade do século XVIII justamente por monarcas ou estadistas ao
serviço do absolutismo. Influenciados pela hegemonia cultural francesa, ou
sinceramente desejosos de reformas, estes “déspotas esclarecidos” se
serviram do arsenal de ideias iluministas para modernizar seus reinos.
Perceberam logo que a implementação da racionalidade administrativa
trazia ganhos reais para a manutenção e o fortalecimento do absolutismo.
Ficava claro o paradoxo. O uso de ideias iluministas, fortemente críticas do
regime absolutista, justamente para modernizá-lo. São exemplos do
absolutismo ilustrado os reis da Prússia, Frederico, “O Grande”, e da
Áustria, José I, a primeira czarina da Rússia, Catarina, e o valido do rei
Português Sebastião José Carvalho de Melo, o marquês de Pombal.
Tomando-o como exemplo percebe-se o anticlericalismo iluminista na
expulsão dos jesuítas e na ampla modernização do ensino português com a
criação do Colégio dos Nobres e a reforma da Universidade de Coimbra. O
redesenho moderno da Lisboa destruída pelo terremoto incorpora as linhas
racionais do iluminismo e a reorganização administrativa da colônia -
reestruturação do sistema fiscal, mudança da capital para o Centro Sul,
criação do Vice-Reinado unificado - evidencia a influência da ilustração.
A aplicação de medidas modernizadoras tem algumas características em
comum. Foram em geral implementadas em países periféricos e/ou
atrasados, onde serviram para fortalecer uma burguesia fraca e enfraquecer
os estamentos conservadores clericais e aristocráticos. Ampliavam assim a
autonomia do Estado e incentivavam a manufatura. Estimulavam ainda a
educação, e, em algum grau, a liberalização econômica que tinha por
objetivo melhorar as finanças do Estado. Eric Hobsbawn vincula o
despotismo esclarecido ao sucesso econômico da Inglaterra que iniciava sua
Revolução Industrial. Tratava-se de um modo de emular a economia
burguesa britânica sem sacrificar o regime absolutista. Era forma sem
conteúdo e, é possível afirmar que foi parcialmente bem-sucedido enquanto
viveram seus propositores, até hoje celebrados em seus países como
grandes estadistas e modernizadores. Dois deles - Frederico e Catarina -
foram capazes de inserir seus reinos - até então periféricos - na dinâmica de
poder europeia do século XIX. Pombal consegue algum grau de autonomia
em relação à aliada britânica estimulando a burguesia portuguesa e a
racionalização da exploração.
Por outro lado não foram capazes de eliminar o obstáculo reacionário
encastelado na aristocracia tradicional e no clero conservador. Ainda que
enfraquecidos, só seriam efetivamente derrotados politicamente, mesmo
que não destruídos pelas sucessivas revoluções que se seguiram à Francesa.
A própria França não chegou a viver um “despotismo esclarecido” para
além de medidas reformistas pontuais. Muito pelo contrário, assistiu às
vésperas da revolução um movimento de reacionarismo aristocrático de
retomada dos cargos públicos que excluiu os setores burgueses do Terceiro
Estado do aparado burocrático monárquico, o que contribuiu em alguma
medida para acelerar o descontentamento pré-revolucionário. É também
uma razão possível para entendermos porque a França foi o dínamo difusor
do pensamento ilustrado na Europa. Tratava-se, como se sabe, justamente
do centro do poder absolutista que fora justificado e legitimado
ideologicamente por bispos da igreja francesa a serviço do Estado, como
Jean Bodin e Jacques Bossuet.
Se no século XVII a influência da política absolutista de Luís XIV
atravessou o Canal da Mancha e foi decisiva para os rumos da Restauração
dos Stuarts (1660-1688), no século XVIII as “luzes” francesas se
espraiaram pelo velho continente. Do Império Russo de Pedro, “o Grande”,
a Portugal de D. João V, o iluminismo francês “balançava os tronos” e
estimulava longas conversas em clubes e bares na Europa.
Destaque especial para a renovação intelectual da Escócia, país periférico
que foi um importante celeiro de iluministas como Adam Smith, David
Hume entre outros. Diferenciava-se do pensamento continental por não
aderir ao anticlericalismo e ter um viés mais pragmático e problem-solving
do que as elocubrações filosóficas teóricas dos pensadores franceses. Assim
como os pensadores anglo-saxões em geral - os federalistas e Thomas
Paine, por exemplo - buscaram desenvolver as ideias de Montesquieu a
partir de problemas práticos como os que surgem no contexto da
Independência das Treze Colônias. A partir de exemplos práticos surgidos
após a Revolução Americana e a Revolução Francesa o Iluminismo
ganharia ainda mais fôlego e se tornaria a matriz hegemônica do
pensamento ocidental alcançando todo o mundo. A racionalidade se torna o
modelo básico para a produção de conhecimento nas ciências humanas e a
partir do iluminismo sairão as diversas escolas de pensamento do século
XIX, como o positivismo, o liberalismo, o socialismo. Além disso, o
modelo de revolução racional-iluminista será copiado por todas as
revoluções sucessivas dos séculos XIX e XX, sempre na orientação de
ampliar a liberdade ou a igualdade entre os homens, ao menos até a
revolução teocrática iraniana.
A crítica ao iluminismo e à razão instrumental aparece já na virada do
século XVIII para o XIX nos escritos de Immanuel Kant (Crítica da razão
prática, Crítica da razão pura) e reaparecem no pensamento romântico
nacionalista do século XIX apelando para as emoções e sensações e não
mais para a razão. No século XX, a razão iluminista tradicional será atacada
pela psicanálise de Sigmund Freud e seu conceito de inconsciente, pela
escola de Frankfurt nos anos de 1920, e mais recentemente pela crítica
desconstrutivista da pós-modernidade.
Síntese Didática das críticas iluministas ao Antigo Regime.
Antigo Regime Proposta Iluminista
Plano
Político
Hegemonia
Absolutista Monarquia Constitucional
Plano
Econômico
Mercantilismo
Monopolista
Não intervenção do Estado (fisiocracia e
a Escola Clássica)
Plano
Social
Sociedade
Estamental Igualdade Jurídica entre os Homens
Plano
Cultural
Hegemonia Cultural
do Clero
Prevalência da Razão e Ensino Laico
2. A Revolução Francesa (1789-
1799)
A Revolução Francesa consigna-se desta maneira um lugar excepcional na
História do Mundo Contemporâneo. Revolução burguesa clássica, ela
constituiu, para a abolição do regime senhorial e da feudalidade, o ponto de
partida da sociedade capitalista e da democracia liberal na História da
França. Revolução camponesa e popular, porque antifeudal sem
compromisso, tendeu por duas vezes a ultrapassar seus limites burgueses:
no ano II, tentativa apesar do malogro necessário, conservou por muito
tempo valor profético de exemplo, e quando da Conspiração pela igualdade,
episódio que se situa na origem fecunda do pensamento e da ação
revolucionários contemporâneos. Assim, se explica, indubitavelmente,
esses vãos esforços no sentido de negar à Revolução Francesa, perigoso
precedente, sua realidade histórica ou sua especificidade social e nacional.
Mas, assim, tambémse explicam o sobressalto sentido pelo mundo e a
ressonância da Revolução Francesa na consciência dos homens do nosso
século. Esta lembrança, só por si, é revolucionária; ela ainda nos exalta11.
2.1. ANTECEDENTES
Centro difusor da ideologia iluminista, a França vivia uma situação de crise
institucional em meados do século XVIII. Do ponto de vista político, Luís
XVI era uma rei enfraquecido; diante de uma tradição centralizadora
oriunda do absolutismo clássico, o rei Bourbon enfrentava um contexto de
crescente mobilização liberal, no qual os súditos franceses contestavam seu
governo.
Em termos sociais, o Terceiro Estado, composto pela burguesia,
campesinato, artesãos, profissionais liberais, servos e trabalhadores urbanos
parisienses - chamados de sans culottes -, representava 98% dos cerca de 25
milhões de franceses mas não possuía representação política e, ainda,
sustentava com o pagamento de impostos, os luxos e a ostentação do clero
(dividido entre alto clero e baixo clero) e da nobreza (os nobres de origem
feudal tinham privilégios que a nobreza togada, em sua maioria burgueses
que compraram tal título, não possuía). O político francês Emmanuel
Joseph Sieyès, com base nos pensamentos de Rousseau, buscava explicar o
que seria o Terceiro Estado na França pré-revolucionária:
Que é o Terceiro Estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política?
Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa...
O Terceiro Estado forma em todos os setores os dezenove/vinte avos, com a
diferença de que ele é encarregado de tudo o que existe de verdadeiramente
penoso, de todos os trabalhos que a ordem privilegiada se recusa a cumprir.
Os lugares lucrativos e honoríficos são ocupados pelos membros da ordem
privilegiada...
Quem, portanto, ousaria dizer que o Terceiro Estado não tem em si tudo o
que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e
robusto que tem um dos braços ainda acorrentado. Se suprimíssemos a
ordem privilegiada, a nação não seria algo de menos e sim alguma coisa
mais. Assim, que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo livre e
florescente. Nada pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente melhor
sem os outros...
Uma espécie de confraternidade faz com que os nobres deem preferência a
si mesmos para tudo, em relação ao resto da nação. A usurpação é
completa, eles verdadeiramente reinam...
É a Corte que tem reinado e não o monarca. É a Corte que faz e desfaz,
convoca, demite os ministros, cria e distribui lugares etc. Também o povo
acostumou-se a separar nos seus murmúrios o monarca dos impulsionadores
do poder. Ele sempre encarou o rei como um homem tão enganado e de tal
maneira indefeso em meio a uma Corte ativa e todo-poderosa, que jamais
pensou em culpá-lo de todo o mal que se faz em seu nome12.
Soma-se a tal instabilidade política e social a grave crise econômica que
assolava o território francês nos mesmos oitocentos. Gastos com os luxos
dos 1º e 2º Estados não impactavam decisivamente no tesouro real, mas
foram explorados de forma hábil pela propaganda iluminista. A
participação francesa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), ainda sob o
comando de Luís XV, elevou consideravelmente os gastos do governo,
contexto agravado pelo projeto do ministro Vergennes, que visava recuperar
o prestígio perdido após a derrota diante dos ingleses auxiliando os colonos
americanos na Guerra de Independência das Treze Colônias (1776-1781).
A vitória ao lado dos aliados americanos trouxe efeitos colaterais, uma vez
que expôs a contradição de uma França absolutista em um movimento
liberal, além de proporcionar uma posterior reaproximação com a rival
Inglaterra, após a promulgação do Tratado de Paris (1783). Tal relação fez-
se sentir mais fortemente quando da assinatura do tratado comercial Eden-
Rayneval, que permitia a entrada do vinho francês com baixas tarifas
alfandegárias no outro lado do Canal da Mancha, enquanto os tecidos
britânicos obtiveram tarifas diferenciadas na França. Por conseguinte, as
manufaturas francesas acabaram não suportando a concorrência e muitas
decretaram falência, agravando ainda mais a situação econômica do país,
com o aumento do desemprego nas grandes cidades.
Sustentada ainda pelas exportações agrícolas, a economia francesa chegava
a um de seus momentos mais caóticos, diante da crise agrícola, oriunda de
fenômenos climáticos como secas e inundações, e agravada pela erupção do
vulcão islandês Laki. Foram resultantes dessa situação a fome e a miséria,
assim como o aumento dos impostos, para tentar cobrir o défict do Estado -
que tinha uma dívida externa correspondente ao dobro de todo o seu meio
circulante.
Diante desse quadro, o controlador geral das finanças do Estado, Charles
Alexandre de Calonne, acreditava que a única solução seria taxar o clero e a
nobreza, pondo fim aos privilégios que estes possuíam desde os tempos
medievais. A reação de tais classes foi imediata, com críticas contundentes
à proposta e ensaios de revoltas, o que Charles Fourrier chamou de
“Revolta dos Notáveis” (1787). Tal mobilização levou à queda do ministro,
substituído por Jaques Necker, que retornava depois de sete anos fora do
cargo. Necker convoca a Assembleia dos Notáveis com um objetivo:
estabelecer as regras pelas quais seria convocada uma instituição que desde
1614 não tinha papel na França: os Estados Gerais.
A mobilização em torno da convocação dos deputados dos Estados Gerais e
sua primeira reunião favoreceram a difusão do iluminismo pela França. A
ideologia que antes se restringia aos salões da nobreza e aos cafés e clubes
frequentados pela burguesia, agora, de forma simplificada, chegava às
classes populares. Porém, tal entusiasmo tinha limite. A nobreza tradicional
controlava o Parlamento, já que o voto era orgânico e, naturalmente, o clero
e a nobreza comungavam dos mesmos ideais conservadores.
Percebendo sua pequena margem de manobra - mesmo contando com 578
deputados (contra 291 do clero e 270 da nobreza) -, os representantes do
Terceiro Estado exigiram de Luís XVI o voto inorgânico, ou seja,
individual. Como o rei tentou obstruir tal intento, acompanhado de
representantes do baixo clero e da nobreza togada, os membros do Terceiro
Estado declararam-se em Assembleia Nacional Constituinte no dia 17 de
junho de 1789. Para defendê-la de possíveis ataques do rei, a burguesia
formou a Guarda Nacional e, para ingressar no movimento revolucionário,
os populares de Paris buscaram armas na fortaleza da Bastilha, antigo
símbolo da repressão do absolutismo francês.
Segundo Eric Hobsbawm, em A era das revoluções: “[...] Em tempos de
revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos. A Queda da
Bastilha, que fez do dia 14 de julho a festa nacional francesa, ratificou a
queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como princípio de
libertação”. O que aconteceu na França a partir de 1789 foi a explosão do
sentimento generalizado de repulsa a um absolutismo crescentemente
anacrônico iniciando, segundo a corrente hegemônica de interpretação
historiográfica, a Revolução Francesa.
2.2. PROTAGONISTAS
• Contrarrevolucionários: podemos classificar como contrarrevolucionários
todos aqueles que se colocavam contra o advento da Revolução. De nobres
a membros da Igreja, que teriam seus privilégios violados, passando por
camponeses que aderiram ao discurso de seus patrões, chegando às
monarquias vizinhas da França, que temiam a difusão dos princípios de
“liberdade, igualdade e fraternidade”, que ecoavam pelas ruas de Paris.
• Terceiro Estado: nos primeiros momentos da Revolução Francesa, os
membros do terceiro estamento estavam juntos, unidos por um mesmo
ideal: acabar com os privilégios do clero e da nobreza. Porém, com o
decorrer do processo revolucionário, diferentes propostas dividiram tal
grupo.
• Girondinos: assim conhecidos porque seu líder, Brissot, representava o
departamento da Gironda e também devido ao fato de que seus principais
membros eram provenientes desta região, representavam os interesses da
alta burguesia (banqueiros, industriais e grandescomerciantes), possuíam
discurso moderado, almejando uma revolução política, sem grandes
transformações sociais, e adotando postura crítica com relação ao
radicalismo dos setores populares.
• Jacobinos: estes, liderados pela baixa burguesia (pequenos comerciantes,
profissionais liberais e donos de oficinas artesanais) e contando com o
apoio das classes populares (chamadas de forma pejorativa de sans-
culottes), reuniam-se no convento de Saint Jacques (de frades dominicanos)
e por isso ganharam tal denominação. Muito influenciados pelos escritos de
Rousseau, defendiam uma revolução não somente política, mas também
social.
• Sans-culottes: grosso modo, eram trabalhadores urbanos de Paris, que
desejavam o fim dos privilégios da aristocracia, alimentos mais baratos e
uma maior igualdade social.
• Pântano ou planície: grupo composto por deputados que oscilavam
politicamente entre as tendências majoritárias, ou seja, os jacobinos e os
girondinos.
• Cordiliers: assim eram chamados os representantes das camadas mais
baixas na Assembleia Nacional.
• Feudillants: representantes da burguesia financeira.
2.3. AS FASES
2.3.1. Fase moderada (ou das assembleias): 1789-1792
Neste primeiro momento da Revolução Francesa, o principal objetivo do
Terceiro Estado, que, de maneira geral, agia unido, era acabar com o Estado
Absolutista e com os privilégios do clero e da nobreza.
A partir da queda da Bastilha (14 de julho de 1789) e da entrada dos
populares na processo revolucionário, não só Paris participava da
Revolução, mas também camponeses oprimidos por séculos de exploração
aproveitaram-se do clima instalado no país para queimar documentos de
servidão e atacar os castelos, símbolos de uma era que se desejava superar.
Paralelamente ao chamado “grande medo” que tomou conta da França,
trabalhava a Assembleia Constituinte para controlar o povo, que exigia
imediatas conquistas sociais e políticas.
Uma das primeiras medidas elaboradas foi a abolição dos direitos feudais
(agosto de 1789), que punha fim à isenção no pagamentos dos impostos
para o 1º e o 2º Estados, ao monopólio sobre a terra e à servidão. No mesmo
sentido, foram exterminados os privilégios dos clérigos mediante a
Constituição Civil do Clero (1790), que confiscava os bens dos membros do
Primeiro Estado e os transformava em funcionários públicos, submetidos às
regras da Assembleia.
Além da representatividade de tais medidas, elas tiveram importância
financeira, uma vez que o governo utilizou estes bens como lastro para a
emissão de uma nova moeda, os assignats, buscando assim amenizar a crise
econômica que assolava o país. Em Roma, o papa Pio VI criticava os rumos
da Revolução, levando a uma divisão entre os membros do clero francês:
aqueles que aceitaram a Constituição Civil faziam parte do clero
juramentado, e aqueles que se recusavam a reconhecer tal documento,
chamados de clero refratário.
Garantidos o fim dos privilégios e a igualdade jurídica por meio da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que ainda defendia a
propriedade privada, o direito à liberdade de se rebelar contra os abusos do
governo, dentre outros, era chegada a hora da conclusão da primeira
Constituição da França, elaborada em 1791. Dentre seus principais pontos
estão:
• Monarquia Constitucional composta pela divisão dos três poderes;
• Executivo (Rei), Legislativo (representantes do povo) e o Judiciário;
• voto censitário
• fim da isenção dos impostos;
• igualdade jurídica entre os indivíduos;
• formação de uma Assembleia Nacional;
• laicização do Estado;
• liberdade de crença.
Com tais medidas, torna-se evidente a consolidação de um Estado burguês
(por isso o período também é conhecido como Era das Instituições), no qual
os privilégios baseados no nascimento foram substituídos por restrições
econômicas, não alterando de fato as condições de vida da população pobre,
que nem mesmo participação política possuía segundo os critérios
censitários estabelecidos pela carta constitucional.
O ano de 1791 deixa bem claro que, para a alta burguesia, a revolução já
tinha acabado. Leis como a Le Chapelier, que proibia greves e coalizões
populares ou ações como a atuação da Guarda Nacional em relação a
agitação popular no Campo de Marte, em Paris, quando esta abriu fogo
contra a multidão desarmada matando 50 pessoas, seguida de prisões e o
fechamento de jornais e clubes populares, demonstram este fato. Na
Assembleia Nacional estes rumos se refletiram na divisão política de seus
membros, em especial, na separação entre girondinos e jacobinos.
Enquanto isso, nobres e clérigos emigravam em busca de auxílio para deter
os avanços liberais. Temendo a difusão da Revolução, as potências
absolutistas vizinhas, sob a alegação de defender a restauração da dignidade
real, elaboram a Declaração de Pillnitz. Em tentativa desesperada de
restaurar seus poderes absolutistas, Luís XVI busca refúgio na Áustria de
sua esposa, sendo capturado com sua família na cidade de Varennes,
próxima da fronteira (junho de 1791). Como prisioneiro da Revolução e
considerado um traidor, principalmente depois da descoberta de
correspondências em que dava auxílio importante para uma possível
invasão austríaca do território francês, Luís XVI agora era o principal alvo
de uma população que não via grandes mudanças advindas da Revolução e
sofria com o alto custo de vida.
Em abril de 1792, a França declara guerra à Áustria e à Prússia que, por sua
vez, criaram o Exército Contrarrevolucionário com o intuito de evitar a
difusão dos ideais iluministas pela Europa. Com apoio de nobres emigrados
com o início da Revolução (e principalmente com o Grande Medo), tal
Coligação Internacional marchou rapidamente em direção a Paris. Segundo
Hobsbawm, as dificuldades financeiras se agravavam (especulação
financeira associada a uma inflação sem precedentes) paralelamente ao
descontentamento dos setores populares, que defendiam o republicanismo.
Diante do perigo externo, a solução foi armar o povo, formando assim a
Comuna Insurrecional de Paris, que contava com alguns dos mais famosos
representantes jacobinos na sua liderança, como Robespierre e Marat.
Lutando pela primeira vez por sua nação e não por um rei, embalados pela
Marselhesa e por suas bandeiras tricolores (branco, que representava a
realeza agora encontrava-se somado às cores vermelha e azul de Paris),
derrotaram os emigrados na batalha de Valmy.
Era o despertar, para muitos analistas, do sentimento nacionalista francês.
No embalo da conquista sobre as forças do Antigo Regime, tinha fim o
modelo monárquico, com a proclamação da República na França. O voto
universal transformou a Assembleia Nacional em Convenção Nacional,
sendo o principal objetivo desta redigir uma nova constituição.
2.3.2. Fase radical (ou convenção nacional): 1792-1795
Formada por 749 deputados, a Convenção Nacional apresentou uma divisão
geográfica de seus membros que até os dias de hoje define a política no
mundo ocidental, afinal o partido da Montanha (representando os jacobinos
e sans-culottes) colocava-se à esquerda, oposto aos deputados girondinos
que estavam à direita, enquanto os membros do pântano estavam no centro.
É o ponto zero da revolução para os jacobinos. Inspirados no iluminismo
rousseauniano, no qual diz que a propriedade é um instrumento de opressão
e o contrato tem que ser feito para que se evite isto, desejavam uma maior
equalização das relações sociais. Segundo um de seus principais líderes,
Maximilien de Robespierre, o principal interesse dos jacobinos era o de
“fundar a República sobre os princípios da igualdade e do interesse geral”.
Este é o principal ponto de conflito entre os girondinos e os jacobinos:
enquanto os girondinos tentam salvar a revolução sem fazer concessões ao
povo e sem quebrar a legalidade, os jacobinos queriam uma revolução
popular, suspendendo, se possível, as garantias legais. Para os girondinos,
esta posição jacobina significava ser a favor da mais completa anarquia
social, como fica evidente nas palavras de um de seus líderes,Brissot: “Os
desorganizadores são os que pretendem tudo nivelar - os proprietários, o
bem-estar, o preço dos gêneros, os diversos serviços da sociedade”. Neste
discurso, fica bem claro que, para os girondinos, a igualdade social era igual
a anarquia (desorganização). Já Robespierre contra-atacava os girondinos,
alegando que estes “só querem constituir a república para si mesmos, que só
pretendem governar no interesse dos ricos e funcionários públicos”.
Por um breve momento inicial, os girondinos dominaram a Convenção. A
divisão entre seus membros sobre o que fazer diante do julgamento de Luís
XVI (alguns eram favoráveis ao indulto e outros à pena de morte)
fortaleceu os membros da Montanha, que exigiam a execução real com o
suporte do povo. Somada à divisão interna, a revolta antirrepublicana de
Vendeia, estimulada pelos setores conservadores e protagonizada por
camponeses, acirrou o quadro de crise que impossibilitou a manutenção dos
girondinos no poder. Como resultado, não só Luís XVI e a família real
foram executados (21 de janeiro de 1793), como também os montanheses
tornaram-se hegemônicos na Convenção.
Neste contexto de radicalização revolucionária, é formada a Primeira
Coligação (Áustria, Inglaterra, Prússia, Holanda e Espanha); a conscrição
maciça de homens solteiros entre 18 e 25 anos (medida precursora do
recrutamento militar obrigatório) e a formação de um exército profissional
são as soluções encontradas pelo Comitê de Salvação Pública - órgão
liderado por Robespirre que administrava o país e cuidava de sua defesa
externa - para promover a resistência na França.
Período conhecido também como a Era das Antecipações, este é o único
momento durante o processo revolucionário em que a alta burguesia está
alijada do poder, de acordo com Albert Souboul.13 Marcada pelas
conquistas sociais, a Convenção jacobina adota um novo calendário, o
Republicano, abandonando aquele gregoriano (radicalização do Estado
laico), sendo o nome de seus doze meses de trinta dias relacionados aos
ciclos agrícolas e à natureza (Vindimário, Frimário, Nivoso, Pluvioso,
Ventoso etc.).
A principal obra do período foi a Constituição do Ano I (ou 1793), que
buscava uma sociedade mais democrática através de:
• Sufrágio universal independente de renda;
• Abolição da escravidão nas colônias francesas;
• Criação de escolas primárias gratuitas;
• Direito à rebelião, ao trabalho e à subsistência;
• Pensão anual e assistência médica gratuita a enfermos, viúvas e população
idosas;
• Reforma agrária, com o confisco de terras da nobreza emigrada e da
Igreja, que seriam divididas em lotes menores e vendidas a preços baixos
para camponeses pobres.
Mesmo com as medidas em prol de uma sociedade com menores diferenças
sociais, a divisão interna não foi erradicada na França. Para tentar deter
aqueles que eram considerados “inimigos da revolução” - que iam desde
membros do clero refratário àqueles que violavam a Lei do Máximo (que
estabelecia preço máximo para preços e salários) -, o Comitê de Salvação
Nacional, responsável pela segurança interna, juntamente com o Tribunal
Revolucionário, executaram, entre agosto de 1793 e julho de 1794, cerca de
40 mil pessoas na guilhotina, após julgamentos sumários, nos quais os réus
não tinham direito à apelação.
O governo revolucionário tem necessidade de uma atividade extraordinária,
precisamente porque está em guerra. Suas regras são uniformes e rigorosas,
porque as circunstâncias são tumultuadas e inconstantes [...]. O governo
revolucionário não tem nada em comum com a anarquia nem com a
desordem. Sua meta, ao contrário, é de reprimi-las para implantar e
consolidar o reinado das leis14.
Apesar de contar com o apoio de facções que desejavam uma maior
igualdade social como os sans-culottes e os enregês, os jacobinos não
poderiam abandonar o principal fator que levava à desigualdade: a
propriedade privada. A luta de facções intensificava-se cada vez mais entre
os jacobinos. Os partidários de Hébert defendiam a intensificação do terror,
enquanto os dantonistas se colocaram a favor da suspensão do regime de
exceção e os aliados de Robespierre eram contrários às duas facções
anteriores.
Atingindo todos os franceses, o Terror Revolucionário fez vítimas famosas,
como o revolucionário jacobino Danton, agravando ainda mais a cisão
interna no partido. A radicalização, inclusive cultural (neste período a
catedral de Notre Dame foi transformada em “Templo da Razão”), somada
ao agravamento da crise econômica com a resistência de diversos setores à
Lei do Máximo, facilitou a retomada do poder pelos girondinos.
Dessa forma tinha efeito o Golpe do 9 Termidor, quando Robespierre e os
demais jacobinos que comandavam o Estado foram presos e posteriormente
guilhotinados - dando início ao chamado Terror Branco. A Convenção
Termidoriana marca a retomada do projeto inicial da alta burguesia, que
previa limitar a Revolução à esfera política. Sendo assim, as medidas
consideradas mais progressistas são extintas e os sans-culottes duramente
reprimidos; a Constituição do Ano III foi marcada pela exclusão do povo do
processo político, através da retomada do voto censitário. Ainda nesta carta
constitucional, fica decidido que o Poder Executivo seria controlado por
cinco membros eleitos pelos deputados, que formariam o Diretório.
2.3.3. Fase conservadora (ou diretório nacional): 1795-1799
Com a retirada dos jacobinos do poder, a alta burguesia buscava consolidar
as medidas elaboradas durante os primeiros momentos da Revolução, sem
os excessos democráticos do período em que os jacobinos foram
hegemônicos. Retornavam, portanto, os tempos do conservadorismo
girondino, que marcou um longo período, chamado por alguns historiadores
de A Era das Antecipações (1795-1815).
Devemos ser governados pelos melhores: os melhores são os mais
instruídos, os mais interessados na manutenção das leis; ora, com poucas
exceções, achareis semelhantes homens entre os que, possuindo uma
propriedade, estão apegados ao país que a contém, às leis que a protegem, à
tranquilidade que a conserva [...]15.
Em sua estrutura política, o Poder Executivo (composto por cinco membros
diretores) era eleito para um período de 5 anos, enquanto o Poder
Legislativo encontrava-se dividido entre a Assembleia Legislativa (também
chamada de Conselho dos Quinhentos) e o Conselho dos Anciãos (uma
espécie de Senado, considerado uma segunda casa legislativa). Tais
instituições podem ser consideradas um aperfeiçoamento do sistema
republicano no país, mas foram manchadas por inúmeras fraudes de seus
membros, o que as deslegitimavam perante o povo.
Mantinham-se os movimentos populares por melhores condições sociais,
paralelamente aos realistas estimulados pelos reacionários. Com as finanças
cada vez mais debilitadas, o Estado tinha grandes dificuldades para
controlar os sans-culottes. Em 1796, o líder popular Graco Babeuf liderou a
Conspiração dos Iguais, na qual realizava duras críticas à propriedade
privada, respaldado na crença de que ela era “odiosa em seus princípios e
mortífera nos seus efeitos”. Massacrado, o movimento de Babeuf é visto
como precursor dos movimentos socialistas do século XIX. Para Edmund
Wilson:
Graco Babeuf, primeiro político a dirigir um ataque à propriedade privada,
defendia a “ditadura dos humildes” [...] Para ele, a “natureza conferiria a
cada homem o direito igual de desfrutar de tudo o que é bom, e o objetivo
da sociedade era defender esse direito; que a natureza impusera a cada
homem o dever de trabalhar, e quem dele se esquivava era um criminoso
[...]”16.
Destacando-se na luta contra os invasores britânicos, o jovem Napoleão
Bonaparte era capitão de artilharia em 1793, com apenas 24 anos. Durante
os anos do Diretório, o Exército comandado pelo corso era utilizado para
reprimir as insurreições e manter o controle nas mãos da alta burguesia.
Além disso, foi responsável por deter os exércitos da Segunda Coligação
(que agora contavam com os reinos italianos) e expulsá-los definitivamente
do território francês.
Aproveitando-sede seu prestígio junto à população e da completa falta de
legitimidade do governo do Diretório, Napoleão Bonaparte retorna de sua
missão no Egito (onde tentava interferir nos negógios ingleses na região),
cerca o local onde se reunia o Conselho dos Quinhentos e promove um
golpe de Estado. Era o dia 18 do mês revolucionário de Brumário, quando
os poderes são usurpados por Bonaparte. Era também o fim da Revolução
Francesa. Começava um governo pessoal de Napoleão, conhecido como a
Era Napoleônica.
3. A Era Napoleônica (1799-1815)
Para alguns é apenas a continuação da Era das Consolidações (1795-1815)
da Revolução Francesa (1789-1799)17, para outros, uma ditadura pessoal
de Napoelão Bonaparte; a chamada Era Napoleônica (1799-1815) é
responsável por institucionalizar algumas das principais alterações na
ordem política e social francesa, tais como o fim dos direitos feudais, a
igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada e a garantia do
acesso dos cidadãos franceses a cargos públicos.
Herdando um país que vinha de profunda crise econômica - um dos
principais motivos para a eclosão da Revolução - e dez anos de
instabilidade política, Napoleão Bonaparte buscava efetuar a paz interna, a
estruturação da política nacional e, por fim, promover algum avanço do
ponto de vista econômico.
Na minha carreira se encontrarão vários erros, sem dúvida; mas [...] eu
soterrei o abismo anárquico e pus ordem no caos. Eu limpei a Revolução,
enobreci os povos e fortaleci os reis. [...] Minha ambição foi a de consagrar
o império da razão. [...] Milhares de séculos decorrerão antes que as
circunstâncias acumuladas sobre a minha cabeça encontrem outro na
multidão para reproduzir o espetáculo18.
3.1. CONSULADO (1799-1804)
Após a queda do Diretório (1795-1799), Napoleão instalou um novo
governo baseado em uma Constituição, a quarta, em menos de dez anos: a
Constituição do ano VIII, aprovada por referendo popular e que entra em
vigor a partir de 1800. Nesta, o poder encontrava-se centralizado no
Executivo, comandado por três cônsules, que, dentre suas funções, tinham o
poder de escolher os senadores que, por sua vez, determinavam os membros
do Tribunato (Poder Judiciário) e aqueles do Corpo Legislativo. Tal carta
ambém mantinha o voto censitário, excluindo a maior parte da população
francesa da política. Com a posterior Constituição do ano X (1802), o
primeiro cônsul (no caso, Napoleão Bonaparte) passou a ter poderes que se
sobrepunham aos demais e tornava-os conselheiros por um período de dez
anos, o que foi alterado com a Constituição do ano XII (1804), que garantiu
vitaliciedade para Napoleão Bonaparte.
Para completar a reorganização da política francesa, o Código Civil
Napoleônico (1804) foi aprovado, consolidando a liberdade individual, a
igualdade perante a lei e o direito à propriedade privada. É basicamente um
mecanismo a fim de consagrar os interesses da burguesia, sendo
considerado pedra angular do direito liberal ocidental contemporâneo e
exercendo marcante influência na institucionalização do direito privado na
Europa.
No entendimento de Napoleão, era importante concentrar esforços na
reestruturação interna, e, para isso, a paz externa era fundamental. Após a
derrota da Segunda Coligação, mencionada no capítulo anterior, a
neutralização das ameaças internacionais ocorre na medida em que são
assinadas a Paz de Amiens (com a Inglaterra) e a Paz de Luneville (com a
Áustria). Em relação à Igreja católica, as relações, que estavam rompidas
desde a Constituição Civil do Clero (1790), foram reatadas em 1801,
através da Concordata com o Vaticano, assinada com o papa Pio VII.
Segundo esta, o sumo pontífice voltava a exercer sua autoridade sobre o
clero francês. Por sua vez, a Santa Sé concordaria em abdicar de qualquer
constestação aos confiscos de bens realizados durante a Revolução, sendo
seus membros sustentados por meio de pensão paga pelo governo.
Ainda na esfera política, a centralização é uma das principais características
do período, sendo suprimidas, na prática, a liberdade de imprensa e
expressão que estavam garantidas pela ordem legal. Por outro lado, a
reorganização da educação pública com a construção de escolas do governo
colocava na prática um antigo projeto dos jacobinos.
Na América, Napoleão não conseguiu evitar que o radicalismo jacobino
chegasse aos escravos, que lideraram a primeira revolução de negros, cuja
consequência foi a implementação da primeira república negra na América
- o Haiti. É neste contexto que Napoleão vende a Louisiana para os
estadunidenses. Juntando a quantia recebida pela venda da Louisiana com
os capitais obtidos pela regulamentação da cobrança de impostos e mesmo
dos saques sobre os territórios conquistados na Europa, uma estrutura
econômica eficiente é criada, resultando no surgimento do Banco da França.
Tal instituição tinha o monopólio da emissão do franco - a nova moeda
francesa - e o resultado seria um equilíbrio nas contas públicas.
Empreendimentos industriais foram criados, incentivados e financiados pela
Sociedade de Fomento à Indústria, que ainda elevou as tarifas alfandegárias
para produtos importados. Até mesmo um auxílio legal para o
desenvolvimento industrial é promovido, uma vez que Napoleão resgata a
Lei Le Chapelier, no intuito de impedir qualquer tipo de movimento
grevista, alegando que este seria uma ameaça para a propriedade privada.
Obras públicas, como a contrução de estradas e portos, tal qual a reforma
que modificou a própria cidade de Paris, geravam emprego e aumentavam
ainda mais a idolatria com relação a Bonaparte.
Enquanto a burguesia prosperava a olhos vistos, no campo, a reforma
agrária napoleônica é considerada uma das maiores da História europeia.
Objetivando aumentar a produção agrícola francesa, atendendo a uma
demanda dos primórdios da revolução e, ao mesmo tempo, gerar mercado
consumidor para as nascentes indústrias nacionais, esta medida teve
impacto social até os dias de hoje, uma vez que um dos grupos sociais mais
engajados politicamente são os pequenos e médios produtores do país.
Aproveitando este contexto muito favorável aos seus interesses, Napoleão
incentiva a votação, por parte dos deputados, que põe fim à República e
estabelece um Império. Como este deveria ter base nos princípios das luzes,
em plebiscito o povo referenda a vontade napoleônica.
3.2. IMPÉRIO (1804-1815)
Mesmo sendo um imperador, Napoleão não possuía poderes ilimitados, na
teoria, afinal, a existência de uma Constituição e da Câmara dos Deputados
mantinham o liberalismo presente no país. No entanto, ainda se trata de um
Império, que possuía uma nobreza hereditária sem privilégios e uma nova
corte, sendo adotados emblemas que remetiam ao Antigo Regime.
O catolicismo foi uma importante ferramenta utilizada por Napoleão para
formatar o novo cidadão francês, que segundo os manuais do catecismo
imperial “honrar e servir nosso Imperador é, pois, honrar e servir a Deus”.
No campo militar, a retomada dos conflitos foi o grande tema neste período.
As hostilidades entre ingleses e franceses tinha cunho econômico, uma vez
que ambas temiam a concorrência no comércio internacional. As
monarquias absolutistas, interessadas na extinção do modelo liberal-
revolucionário francês, se associaram aos insulares. Já em 1805, a Terceira
Coligação (Inglaterra, Rússia e Áustria) entra em confronto com o Grande
Armée francês, que, auxiliado pela Espanha, tenta invadir a Inglaterra na
famosa batalha de Trafalgar.
Mesmo sendo a França superior no continente, o que possibilitou a
submissão do Sacro-Império Romano Germânico, a transformação desta na
Confederação do Reno e a imposição de seus parentes no comando das
nações dominadas, a impossibilidade de derrotar a Inglaterra resultou na
proibição, por parte de Napoleão, do comércio dos países da Europa
Continental com a Grã-Bretanha - era o Bloqueio Continental (1806). A
ideia era isolar e sufocar economicamente seu principal inimigo,
debilitando a tal ponto sua economia que a submissão aos interesses
napoleônicosseria inevitável.
Em seis grandes e oito pequenas batalhas navais entre britânicos e os
franceses, as baixas francesas foram cerca de dez vezes maiores que as dos
ingleses. Mas, no que tange à organização improvisada, mobilidade,
flexibilidade e acima de tudo pura coragem ofensiva e moral de luta, os
franceses não tinham rivais. Estas vantagens não dependiam do gênio
militar de ninguém19.
O fechamento dos portos europeus dependia do poder de coerção da França
que, no primeiro momento, foi bem-sucedido, como pode ser exemplificado
por meio do Tratado de Tilsit, quando o Império Russo aderiu ao Bloqueio
Continental. Porém, os países europeus dependiam da venda de seus
produtos agrícolas para a Inglaterra e, como a França era também uma
produtora agrícola, não consumia as matérias-primas destes países.
Portugal tenta burlar a determinação de Napoleão, uma vez que não
desejava romper os laços com a Inglaterra - estabelecidos desde o final da
União Ibérica (1640) e reforçados com o Tratado de Methuen (1703) - mas
não obteve êxito. Mediante o Tratado de Fontainebleau, assinado no dia 27
de outubro de 1807, França e Espanha dividiam o território português após
a invasão conjunta. A solução encontrada pelo príncipe regente D. João VI
foi promover a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em
novembro de 1807.
Pouco tempo depois, os laços com a Espanha foram rompidos, o que levou
à retirada dos Bourbons do poder e a imposição de José Bonaparte como
rei. Os boiardos, a aristocracia russa que necessitava exportar seu trigo para
a Inglaterra, forçaram o czar Alexandre I a romper o Tratado de Tilsit. Com
cerca de 600 mil homens é iniciada a campanha da Rússia, que não trouxe
bons resultados para os franceses que, enfrentando a tática de terra arrasada
e um intenso frio (o famoso “General inverno”), retornam para seu país com
menos de cem mil soldados “derrotados não tanto pelo inverno russo quanto
por seu fracasso em manter o Grande Exército com suprimento adequado”.
O retorno dos problemas financeiros era, principalmente, o reflexo das
campanhas militares desastrosas, que levaram ao crescimento da
insatisfação com os rumos do governo, algo impensável nos tempos do
Consulado. Aproveitando este quadro desfavorável, a Coligação formada
pelo Império Russo, a Inglaterra, a Prússia e a Áustria derrota Napoleão na
Batalha das Nações, em Leipzig. Cinco meses depois, o imperador dos
franceses assinava o Tratado de Fontainebleau, em que renunciava ao trono,
aceitava uma pensão e a soberania sobre a ilha inglesa de Elba, para onde
foi com sua guarda pessoal e a sua segunda esposa, Maria Luísa de
Habsburgo.
“Com homens iguais a vós, a nossa causa não estaria perdida. Mas a guerra
teria sido nossos interesses aos interesses da pátria [...].” (Napoleão.
Despedida em Fontainebleau, em 20 de abril de 1814).
Na França, o Antigo Regime é restaurado com o retorno dos Bourbons ao
trono. Declarado morto Luís XVII, que fora encarcerado juntamente com a
sua família durante a Convenção Nacional, assumia o poder seu tio, Luís
XVIII. Seu primeiro mandato foi breve, pois Napoleão conseguiu a evasão
de Elba, desembarcou no litoral sul da França e marchou em direção a
Paris. As tropas francesas que supostamente deveriam ser leais ao novo rei
ainda respeitavam seu ex-comandante, o que facilitou as manobras de
Napoleão.
3.3. GOVERNO DOS CEM DIAS (março-junho
de 1815)
Surpreendendo os principais representantes do Antigo Regime europeu que
se reuniam no Congresso de Viena (1814-1815), Napoleão Bonaparte
retoma o poder na França, alarmando aqueles que desejavam a restauração
imediata do absolutismo.
A estratégia das potências coligadas foi retomar a guerra, aproveitando a
confusa reestruturação da ordem napoleônica no curto Governo dos Cem
Dias. A batalha de Waterloo, quando Napoleão entrega a sua rendição para
o inglês duque de Wellington, marca sua derrota definitiva.
O exílio agora ocorre na ilha de Santa Helena, situada no Atlântico Sul e
distante a léguas do continente europeu. Em 1821, sob circunstâncias
suspeitas e controversas, morre Napoleão Bonaparte, cujo corpo retorna
para a França apenas em 1840, repousando até hoje no mausoléu construído
no Hotel dos Inválidos.
4. A Restauração Europeia
Reunindo-se entre setembro de 1814 e julho de 1815 o Congresso de Viena
tornou-se o principal marco diplomático para o estabelecimento da
Restauração, nome pelo qual ficou conhecido o Período posterior às
Guerras Napoleônicas. A Restauração tem uma vertente política
explicitamente reacionária, de retorno aos princípios legitimistas e
absolutistas do Antigo Regime, mas igualmente uma vertente internacional
capaz de viabilizar a reconstrução no mapa Europeu. Tal reconstrução nos
moldes anteriores à Revolução Francesa era notoriamente percebida como
inviável, por várias razões. Dentre elas percebemos os interesses das
potências vitoriosas em ampliar seu território e esfera de influência -
notoriamente os Prussianos e Russos; a necessidade de acolher em alguma
medida as imensas transformações político-territoriais implementadas por
Napoleão Bonaparte - como a extinção do Sacro Império Romano
Germânico - impossíveis de serem simplesmente revogadas; e a
necessidade de dar destino a Estados que apoiaram direta ou indiretamente
Napoleão, como a Saxônia e os poloneses, em que a aplicação do princípio
legitimista puro seria contraditória do ponto de vista da conjuntura política
da derrota napoleônica.
A ideia de retorno ao “Antigo Regime glorioso” é embalada pelo
movimento artístico, político e filosófico conhecido como Romantismo. Tal
corrente de pensamento foi hegemônica na Europa no início do século XIX,
criticando o racionalismo defendido pelo Iluminismo, associando o
liberalismo ao caos instalado na Europa com a Revolução Francesa e o
expansionismo napoleônico. A idealização do passado serve aos interesses
das principais lideranças políticas representadas em Viena ao exagerar as
mais importantes virtudes dos regimes absolutistas.
A historiografia resume cada uma dessas dificuldades no que ficou
conhecido como princípio do Equilíbrio. Buscou-se não simplesmente a
restauração pura e simples do status quo ante mas em termos territoriais o
estabelecimento de um novo mapa europeu que viabilizasse alguma forma
de equilíbrio de poder que evitasse a eclosão de novas guerras.
De um modo geral, até por ter tido sua obra subsumida na eclosão de
sucessivas rebeliões liberais das décadas seguintes, a avaliação posterior da
obra do congresso é negativa. Se tornou um símbolo do reacionarismo
conservador na historiografia burguesa e marxista dos século XIX e XX. O
advento do Estudo das Relações Internacionais lançou - sobretudo a escola
realista - um novo olhar sobre o evento de 1814-15, notoriamente graças ao
trabalho de Henry Kissinger, que em 1854 publicou O Mundo Restaurado,
analisando o Congresso e o sistema que lhe sucedeu sob as lentes do
realismo clássico e das vantagens do sistema de equilíbrio de poder, um dos
conceitos mais caros ao realismo. Para Kissinger, mais que a vitória de
Tayllerand, o grande nome do Congresso foi o Príncipe de Metternich,
sendo Viena a pedra de sustentação de sua obra diplomática conservadora
que duraria mais três décadas.
As quatro principais potências integrantes da coalizão antifrancesa que
derrotou Napoleão - Reino Unido, Áustria, Rússia e Prússia - eram os
poderes de fato no Congresso. Inexistiu uma sessão plenária ou mesmo um
congresso no sentido formal do termo. Cada arranjo político era discutido
em encontros secretos ou semissecretos intermeados por banquetes, bailes,
jantares e festas variadas a ponto de um famoso dito afirmar que o
“Congresso não anda, dança!” A inovação estava por conta do
estabelecimento de um lugar único - a cidade de Viena - para o encontro de
ministros plenipotenciários, e diversos soberanos em pessoa, a fim de
decidir os destinos da Europa e assinar acordos e tratados, o que antes era
feito quase que exclusivamente de modo bilateral por meio de emissários.
Erauma novidade sobretudo a escala da empreitada, que abarcava todo o
continente europeu e as colônias.
Afora os quatro grandes que tentaram excluir a França, representada por
Tayllerand, havia também as “potências menores”. A República de Gênova,
Suécia, Portugal e Espanha eram as principais. Tayllerand manobrou
habilmente para institucionalizar uma coalizão com este grupo e questionar
os métodos e procedimentos impostos pelos quatro grandes. O fez de modo
bem-sucedido e acabou sendo, após algum tempo, incluído nas negociações
das potências, o que evitou o isolamento francês em Viena e na ordem que
se seguiria.
Favorecia a reincorporação francesa à ordem de Viena a adesão
generalizada ao que ficou conhecido como o “princípio das legitimidades”,
pelo qual os governos dos estados deveriam ser restabelecidos às pessoas de
seus legítimos monarcas ou descendentes. O legitimismo se torna quase um
sinônimo ideológico de Viena e, na prática, exime o Estado francês,
restaurado sob Luís XVIII, de responsabilidades sobre o que havia ocorrido
sob o regime de Napoleão Bonaparte. O legitimismo interessava
significativamente à Tayllerand e contribuiu para a reincorporação da
França ao sistema de poder europeu. Uma vez conseguida esta
reincorporação, Tayllerand passou a desconsiderar a aliança com as
“potências menores”.
A obra de Kissinger detalha os meandros do Congresso e permite perceber
uma clara clivagem entre a facção revisionista - Prússia e Rússia,
representados pelo príncipe Hardenberg e pelo próprio czar Alexandre I - e
a facção defensora do status quo de Áustria e Reino Unido representados
por Klemens Von Metternich e o Visconde de Castlereagh. A aliança russo-
prussiana, militarmente mais dinâmica e que havia derrotado Napoleão em
Leipzig, na prática controlava quase toda a Europa central e demandava o
reconhecimento da incorporação da Polônia pelos Romanov - seria um
reino unido à Rússia, cuja coroa seria entregue ao czar - e da Saxônia aos
Hohenzolern, que se tornaria parte da Prússia.
Este expansionismo não foi aceito pela aliança entre Áustria e Reino Unido.
Os ingleses temiam que uma Rússia muito poderosa pudesse substituir
Napoleão como ameaça futura ao equilíbrio, enquanto os austríacos temiam
o expansionismo prussiano do ponto de vista do equilíbrio germânico.
Unidos pelo equilíbrio Castlereagh e Metternich se opuseram às pretensões
do czar e chegaram a assinar com os franceses uma aliança secreta que
previa a guerra sobre a questão saxã-polonesa no início de 1815. Pouco
tempo depois, Napoleão Bonaparte fugiu de Elba para retomar Paris. O
Congresso imediatamente o declara fora da lei e forma a sétima coalizão
antifrancesa para derrotá-lo. Cada uma das quatro grandes potências oferece
150 mil homens que, quase 4 meses depois, o derrotam em Waterloo.
O Congresso seguiu negociando ao longo do governo dos 100 dias (que na
verdade duraram 111 dias) e, possivelmente por conta da fuga de Napoleão
e da percepção sobre a necessidade de um governo francês legítimo
confiável e fortalecido, foi possível chegar a um acordo nas principais
controvérsias. O Reino da Saxônia foi mantido, mas perdeu 40% do seu
território para os Prussianos, que também incorporam a parte oriental da
Polônia. O Ducado de Varsóvia, maior parte da Polônia, é incorporado pela
Rússia que também incorpora ao seu território a Finlândia que tinha sido
território sueco até 1809.
Dentre outras decisões do Congresso de Viena estão a condenação ao
tráfico de escravos, a liberdade de navegação dos rios internacionais
europeus, sobretudo o Reno e o Danúbio, a perda das colônias francesas,
parte delas tomada pelos ingleses, a destituição da República de Gênova,
incorporada ao reino Sardo-piemontês, agora expandido com Nice e Savoia.
A restauração do Rei Fernando de Bourbon ao trono do Reino das Duas
Sicílias, até então sob o comando do cunhado de Napoleão Joaquim Murat,
que perdeu o trono por apoiá-lo durante o governo dos 100 dias e declarar
guerra aos austríacos no que ficou conhecido como a Guerra Napolitana.
Dentre os parentes de Napoleão, apenas sua esposa, Maria Luisa de
Habsburgo, filha do Imperador Austríaco, manteve o ducado de Parma até
sua morte. Os estados papais foram restaurados - a exceção de Avignon - e
foi criado o Reino Unido dos Países Baixos, compreendendo o que seria
hoje Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
Para a região alemã, a maior consequência foi a criação da Confederação
Germânica em substituição ao Sacro Império. As mais de 360 unidades
soberanas então existentes foram agrupadas em 38 estados sob a
presidência do Imperador Austríaco. Duraria até 1866, quando a vitória
prussiana sobre os austríacos levaria à criação da Confederação Germânica
do Norte e à exclusão da Áustria.
No Congresso os Austríacos assumem o controle direto do Norte da Itália,
incorporando ao Império a Lombardia e o Vêneto e nomeando duques
austríacos para os ducados da parte ocidental da Península. Também
incorporam ou reincorporam uma miríade de territórios balcânicos que mais
tarde constituiriam a Iugoslávia, como as províncias da Ilíria e da Dalmácia.
Os franceses foram obrigados a abrir mão de suas conquistas territoriais
entre 1795 e 1810 que já tinham sido acertadas pelo tratado preliminar de
Paris (1814) logo após a primeira derrota de Napoleão para a Sexta
coalizão. Apesar disso, há o entendimento de que a França, como potência
derrotada, não foi excessivamente punida, e graças à sua célere
reincorporação ao sistema de Estados Europeu evitou-se um revanchismo
francês que poderia ter surgido como o revanchismo alemão após a guerra
de 1914-18. Nas décadas que se seguem, percebe-se a crescente
proximidade entre o governo de Paris e o do Reino Unido, no que ficaria
conhecido como a “Primeira Entente”. O governo francês, na primeira
metade do século XIX, se esforçou para recuperar o prestígio e a
preeminência internacional que possuiu até 1815.
Para Portugal algumas questões discutidas no Congresso foram relevantes.
A primeira delas, o tráfico negreiro, foi considerada uma derrota. Dois anos
depois seriam os portugueses obrigados a assinar um novo tratado com o
Reino Unido que declarava abolido o Tráfico acima do Equador. A
resistência silenciosa do governo de D. João VI, então residente no Rio de
Janeiro, foi simplesmente procrastinar o assunto, assinando tratados que não
eram cumpridos. O status do Brasil, sede da monarquia, também era motivo
de controvérsia. Por sugestão de Tayllerand ao plenipotenciário português o
Conde de Palmela, o príncipe elevaria o Brasil a Reino Unido em 1815. Os
entendimentos com os franceses previam ainda a desocupação de Caiena, o
que ocorreu em 1817, e a desocupação espanhola de Olivença, praça forte
na Península Ibérica tomada pelos espanhóis em 1801. Apesar de os direitos
portugueses terem sido reconhecidos pelo Congresso em 1815, os espanhóis
não desocuparam Olivença e a controvérsia persiste até nossos dias. Salta
aos olhos a desimportância crescente do reino ibérico diante da principal
colônia, o Brasil. Dos assuntos tratados em Viena, apenas Olivença era
assunto exclusivamente europeu. Os demais temas diziam respeito ao
Brasil.
Dentre as consequências de longo prazo do Congresso está o
estabelecimento de um sistema de Concertação europeu que convocava
congressos ad hoc para a resolução de assuntos dos interesses das principais
potências, estabelecendo uma forma incipiente de governança global que
foi a precursora das instituições multilaterais do século XX, como a Liga
das Nações e a Organização das Nações Unidas. Procedimentos
diplomáticos universalmente aceitos, como a lógica da precedência e outras
liturgias e cerimoniais, também encontram em Viena sua gênese, dado que
foi o primeiro grande encontro multilateral da época contemporânea.
Complementar ao sistema de Concerto Europeu está a criação da Santa
Aliança, que mais tarde agiria em coordenação com a quádrupla e a
quíntupla aliança para a repressão de movimentos sediciosos liberais na
Europa restaurada. Tratavam-se de alianças militaresreacionárias com o
intuito de manter o legitimismo e reprimir os constitucionalistas.
Inicialmente, a Santa Aliança foi criada por sugestão do czar russo
Alexandre I, e congregava apenas Rússia, Prússia e Áustria. O Reino Unido
se recusa a participar apesar da anuência do rei Eduardo, também soberano
de Hanover. A incorporação da França na quádrupla Aliança, e mesmo do
Reino Unido na quíntupla, esconde aparentemente uma contradição, dado
que os ingleses não concordavam com a política repressiva da Santa
Aliança e irão progressivamente se afastando dos meandros políticos
continentais. O Retorno de George Canning ao Foreign Office em 1822, em
substituição à Castlereagh que se suicidara, estabelece definitivamente este
afastamento que passou para a história sob o nome de Isolamento
Esplêndido, após o Congresso de Verona.
Os principais encontros do chamado Concerto Europeu foram Aix-la-
Chapelle (1818), Troppau (1820), Laibach (1821) e Verona (1822).
Tratavam de mobilizações pela manutenção do Antigo Regime contra a
ação dos carbonários italianos e dos levantes no norte e Sul da Itália, na
Espanha e na América, na maior parte dos casos autorizando o uso da força,
ou delegando este uso a uma das potências participantes, como foi o caso da
França, que recebe autorização para intervir e reprimir a revolução na
Espanha. Aos poucos vai se percebendo que a unidade se fragmenta e as
controvérsias começam a surgir, sobretudo após o aparecimento da questão
grega ao longo dos anos de 1820. Também a Doutrina Monroe (1823)
estadunidense evidenciava a total impopularidade das potenciais ações da
Santa Aliança para reprimir os movimentos de libertação na América que
eram do interesse direto do Reino Unido, e contribuíram para que George
Canning se dissociasse dos parceiros continentais.
A eclosão das revoluções liberais nos anos de 1820 e 1830 na Itália,
Polônia, Espanha, América, Holanda, Grécia e mesmo na França era
explícita dos limites da Restauração na Era das Revoluções. Com o advento
da primavera dos povos em 1848, a queda de Metternich e a Guerra da
Crimeia na década seguinte, concluía-se a experiência reacionária e tinha
fim o “Sistema de Metternich”.
5. As Revoluções Liberais
Após o Congresso de Viena e a tentativa de Restauração do Antigo Regime,
o ano de 1815 é marcado pelo retorno - ainda que provisório - das
monarquias retiradas do poder por Napoleão Bonaparte, e o liberalismo,
associado naquele momento às guerras napoleônicas, é alijado dos centros
políticos europeus. Contudo, as ideias liberais defendidas pela burguesia
sobreviviam e o nacionalismo - desejado em especial por povos submetidos
à nova ordem europeia -, a partir de 1820, abalaria o Equilíbrio Europeu.
As “Ondas Revolucionárias” da primeira metade do século XIX, de
diferentes formas, resultaram em uma nova concepção organizacional da
política, a partir da segunda metade daquele século. Seja por meio da
imposição de uma constituição aos monarcas, mediante a criação de novos
países, ou mesmo pela implementação de repúblicas, a ordem de Metternich
entra em decadência, assinalada em 1848 com uma cisão marcante dentro
do Terceiro Estado.
Sobre os principais movimentos, algumas análises devem ser elaboradas:
1820
Grécia: A Revolução Grega, sob inspiração nacionalista, tinha como
principal objetivo a independência diante do Império Turco-Otomano.
Longevos e desgastados, os otomanos enfrentavam resistência maior na
Grécia diante das demais regiões e não foi surpresa ser esta a primeira
grande revolta contra o império multiétnico construído a partir do século
XIV.
Tal movimento chama atenção no contexto do regresso, pois os
revolucionários, que declararam o início da luta na Praça de Agios Georgios
em Pátras, receberam apoio de potências estrangeiras. Tal ajuda veio
também do Império Russo, aparentemente uma contradição, uma vez que o
czar Alexandre I foi o idealizador da Santa Aliança, órgão responsável por
impedir possíveis revoluções nacionalistas/liberais. Os britânicos,
preocupados com uma possível projeção russa em direção ao “mar quente”,
também intervieram no processo grego, tentando neutralizar a influência
russa. O ponto final da revolução foi a assinatura do Tratado de
Constantinopla ao final da Conferência de Londres, em 1932, que resultou
na construção de um novo país.
Espanha: Fernando VII, utilizando-se do direito de legitimidade consagrado
em Viena, retorna ao poder na Espanha após a queda de José Bonaparte.
Mas, ao contrário de Luís XVIII, que aceita uma constituição ciente que
deveria negociar com os liberais franceses, o rei Bourbons promove a
chamada “restauração radical” em seu país, rearticulando o absolutismo
espanhol como cópia fiel do passado. Utilizando-se da força contra aqueles
que se opunham a tal condição, é interessante perceber que a Revolução de
Cádiz é protagonizada justamente por tropas que deveriam atravessar o
Atlântico para reprimir os anseios emancipacionistas dos criollos
americanos.
Desejando a restauração da Constituição Liberal de 1812, apelidada de “La
Pepa”, os setores liberais da Espanha lutaram não somente contra as forças
de Fernando VII, mas também com tropas francesas que foram incitadas
pelas russos para auxiliar a restauração na Espanha. Temendo que tal
intervenção chegasse na América, Georges Canning inicia conversações
com o representante francês em Londres, o príncipe Jules de Polignac,
quando estes elaboraram um memorando (Memorando de Polignac -
outubro de 1823) em que as duas nações reconhecem não haver esperanças
de restauração do colonialismo espanhol no Novo Mundo. Em solo europeu
a intervenção francesa foi bem-sucedida, garantindo o irmão de Carlota
Joaquina como rei da Espanha até a sua morte, em 1833.
Portugal: A transmigração da corte portuguesa para o Brasil mas,
principalmente, a manutenção desta na antiga colônia, mesmo depois da
derrota bonapartista na Europa, é o pano de fundo principal dos
movimentos liberais portugueses. Desde 1815, como Reino Unido a
Portugal e Algarve, o Brasil realizava comércio diretamente com a Grã-
Bretanha - a partir da abertura dos portos, em 1808 - prejudicando os
interesses comerciais da burguesia lusitana, que se aproveita da sensação de
abandono forte entre os populares, para articular movimentos sediciosos.
O primeiro destes, a Conspiração de Gomes Freire de Andrade (1817), foi
prontamente reprimida pelo regente britânico que estava à frente do
governo português, Lord Beresford. Após sufocar o movimento de
ideologia republicana, com ampla participação da maçonaria, o britânico
viaja até o Rio de Janeiro para negociar com D. João VI o aumento de seus
poderes, uma vez que a crescente insatisfação colocava em xeque sua
administração.
Ao retornar a Portugal com seu pedido atendido, o regente não consegue
desembarcar. No Porto, a burguesia lusitana estava à frente de uma
Revolução Liberal (1820), que defendia o regresso imediato da corte para
Lisboa, a constitucionalização e a recolonização do Brasil. Em solo
brasileiro, D. João VI percebia a fragilidade de sua posição e, por isso, opta
por jurar a constituição ainda no Rio de Janeiro. Assim, as Cortes
Portuguesas (Assembleia Constituinte) iniciam seus controversos trabalhos,
tendo o príncipe herdeiro como líder e promulgando a primeira
Constituição portuguesa em 1822.
De caráter liberal, o texto constitucional apresentava como principais
pontos as liberdades individuais, a tripartição dos poderes e o fim dos
privilégios do clero e da nobreza. A reação dos conservadores não tardou.
Liderados por D. Miguel que, por sua vez, contava com o apoio de Carlota
Joaquina, tentaram por duas vezes impedir a consolidação do liberalismo,
com a Revolta de Vilafrancada (1823) e a Abrilada (1824). Diante desse
quadro, D. João VI suspende a Constituição de 1822, alegando a
necessidade de conter a radicalização política no reino; acaba falencendo
antes de substituí-la.
Herdeiro do trono, D. Pedro I abdica em favor de sua filha, D. Maria da
Glória, que, ao desembarcar em Portugal, traz consigoa Carta
Constitucional de 1826. Inspirada na Carta Outorgada brasileira de 1824, o
texto traz como principal novidade o Poder Moderador, embora mantivesse
em suas principais bases o liberalismo. Nem mesmo o maior autoritarismo
desta carta arrefeceu os ânimos dos miguelistas, defensores da tese de que o
direito de hereditariedade de D. Pedro I sobre o trono português caducou
quando este assumiu o trono brasileiro, tornando-se assim D. Miguel o
legítimo rei de Portugal. A Guerra Civil, que a partir de 1831 contou com a
presença de D. Pedro I - que abdicara do trono brasileiro -, tem seu fim com
a vitória dos liberais e a assinatura da Convenção de Évora-Monte, em
1834.
1830
Bélgica: Desde 1815 fazendo parte do Reino dos Países Baixos, a Bélgica
busca sua autonomia por meio de um movimento insurgente em 1830. Os
atritos possuíam motivações econômicas, uma vez que os belgas desejavam
o protecionismo para as suas nascentes indústrias, enquanto os
comerciantes holandeses defendiam o livre comércio; além disso, questões
culturais também estavam presentes, em especial no que diz respeito à
religião, uma vez que a Bélgica era católica e a Holanda, protestante.
A independência da Bélgica contou com o apoio da Inglaterra e da França,
que assinam o Tratado de Neutralidade Perpétua com os belgas, violado
somente após o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914.
França: A restauração francesa iniciada por Luís XVIII em 1814 foi
marcada por uma conciliação entre setores progressistas - derrotados com a
prisão de Napoleão - e os absolutistas, sendo a Constituição de 1814 um
símbolo destes novos tempos pós-Revolução Francesa. A participação no
Congresso de Viena (1814-1815) e a intervenção já mencionada na Espanha
(1823) são exemplos da tentativa francesa de reconquistar o prestígio
perdido com as derrotas militares de Bonaparte.
A lenta reconstrução da França, porém, foi desestabilizada com a chegada
de Carlos X ao trono. Seu projeto de restauração do Antigo Regime clássico
mobiliza novamente os populares e dá nova vida ao liberalismo francês.
Nem mesmo o aumento do império colonial francês com a conquista da
Argélia foi capaz de salvar o seu governo, abreviado com a Revolução de
Julho (também conhecida como “Os Três Gloriosos”), que colocou no
poder Luís Filipe, chamado de “o rei burguês”.
1848
Até 1848, as principais análises afirmam que o Terceiro Estado estaria
unido para derrubar os governos absolutistas e os privilégios do clero e da
nobreza. Porém, gradualmente, os novos governos com participação
burguesa adotaram medidas que beneficiavam esta classe em detrimento do
restante da população, ficando claro que interesses díspares separavam
burguesia e proletariado. Era a cisão do Terceiro Estado, denunciada por
Karl Marx e Friedrich Engels em seu Manifesto Comunista, publicado no
mesmo ano.
O espírito democrático das revoluções de 1848, chamada de Primavera dos
Povos, chegou a diversos pontos da Europa. Em Viena, Budapeste,
Frankfurt e diversas outras regiões do continente europeu a terceira onda
revolucionária do século XIX mesclava nacionalismo e liberalismo com
certas doses de socialismo utópico para incrementar o caráter popular de
alguns destes movimentos. Temas como voto universal, igualdade social e
direitos econômicos e políticos marcaram a polarização social entre
burgueses - a partir de então colocando-se entre as parcelas conservadoras
da sociedade - e o proletariado urbano/rural em busca do poder.
Portugal: Duas revoltas populares antecipam a “Primavera dos Povos” em
Portugal. A Revolta de Maria da Fonte (1846) e as Revoltas Populares da
Patuleia (1846-1847) seriam demonstrações de insatisfação das classes
populares em relação ao aumento dos impostos, deixando em voga todo o
ódio contra as autoridades monárquicas. Não há projeto político alternativo,
mas as revoltas chamam atenção pelo alto grau de violência e pela
participação das mulheres como protagonistas em diversos episódios.
Inglaterra: Antes mesmo do ano de 1848, revoluções sociais na Inglaterra e,
como mencionado acima, em Portugal prenunciavam a cisão do Terceiro
Estamento. Na Inglaterra, depois da intensa repressão sobre o proletariado
ludista, os trabalhadores reúnem-se em torno da Associação dos Operários
que, em 1838, lançou as chamadas Cartas do Povo, contendo uma lista de
reivindicações, tais como: eleição anual, igualdade de direitos eleitorais,
sufrágio universal e secreto, além de remuneração para os parlamentares, no
intuito de que representantes do povo tivessem condições de participar da
política. Com milhões de assinaturas, as Cartas do Povo apresentadas ao
Parlamento britânico exigiam também a aprovação das primeiras
regulamentações nas relações trabalhistas. Leis que versavam sobre o
trabalho feminino e infantil e sobre a jornada de trabalho de dez horas são
vistas como vitórias deste movimento.
França: Em território francês, a insatisfação dos trabalhadores, parcialmente
contida após a chegada de Luís Filipe I ao poder, retorna com mais força em
1848. Grupos de oposição à monarquia parlamentar instalada em 1830
estimularam os trabalhadores a exigirem as reformas econômicas e políticas
que não vieram com “Os Três Gloriosos”, reunindo-se em dois principais
grupos: os socialistas, que pregavam a abolição da propriedade privada, e os
republicanos-democratas, que defendiam a maior participação popular por
meio do sufrágio universal.
As barricadas retornaram às ruas de Paris em fevereiro, reunindo setores
populares sem um programa político definido, mas com imensa disposição
para derrubar Luís Filipe I. O monarca oferece reformas sociais a fim de
abrir negociação com os setores insurgentes, mas a manobra não obtém
resultados, pois os revoltosos controlavam os arsenais e contavam com o
apoio de significativos contingentes das tropas reais. O auge do movimento
ocorreu quando, na manhã do dia 24 de fevereiro, o rei foi vaiado ao
inspecionar as tropas. Isolado, o rei acaba por abdicar na tarde do mesmo
dia, sendo proclamada a República e dissolvido o Parlamento da Monarquia
de Julho.
Iniciada, a Segunda República francesa, ainda em seu governo provisório,
estabelece o voto universal (ampliando a franquia eleitoral de 240 mil para
9 milhões de franceses), a liberdade de imprensa, o fim da pena de morte
por motivos políticos, a definitiva abolição da escravidão nas colônias
francesas e a delimitação da jornada de trabalho em 10 horas diárias,
seguindo o exemplo da Grã-Bretanha. A fim de evitar maior radicalização
social, a burguesia moderada aceita integrar este novo governo, tendo ainda
a pequena burguesia e os socialistas assentos no governo.
Alemanha: Desde 1815 a região da atual Alemanha integrava a
Confederação Germânica, que reunia 39 Estados sob a hegemonia política
do Império Austríaco e predomínio econômico da Prússia. Tal situação
gerava incômodo em setores importantes da área, especialmente entre as
camadas médias urbanas, a burguesia e os intelectuais prussianos, que
afastavam os nobres latifundiários também descontentes pela viés radical de
seus discursos em prol da unificação.
Na visão da burguesia prussiana, a fragmentação política era um obstáculo
para o seu crescimento pois prejudicava seus negócios, uma vez que
existiam diferentes moedas e tarifas alfandegárias naquela região que, por
séculos, fez parte do Sacro-Império Romano-Germânico. Com o objetivo de
superar parcialmente este problema, os prussianos organizaram uma união
aduaneira entre os estados germânicos da região em 1834. O chamado
Zollverein inicialmente excluía a Áustria, mas, com os benefícios
comerciais gerados pela liberdade alfandegária e as facilidades maiores no
processo de industrialização, este absorve não só os austríacos mas também
Estados da região noroeste, no final dos anos 1840.
Neste contexto de progressiva união econômica, a região acaba também
atingida pelas ondas revolucionárias de 1848. Sob as influências
ideológicas do liberalismo, os prussianos buscavam a unificação política.
Reivindicando maior representaçãopopular na Dieta, pequena e média
burguesia se uniram aos trabalhadores (insatisfeitos com o aumento dos
preços alimentícios devido às safras ruins daquele ano) elaborando um
movimento que exigia transformações do rei Frederico Guilherme IV.
Comícios, manifestações e barricadas tomaram conta das principais ruas da
Prússia sob a bandeira preta, amarela e vermelha, que simbolizava a
Alemanha unida.
De início o monarca procurou se afastar dos massacres e atendeu
parcialmente às reivindicações, buscando identificação com o projeto
nacional e aceitando a elaboração de uma constituição em 1849. O principal
órgão político oriundo de tal mobilização, o Parlamento de Frankfurt (1848-
1850), teve curta atuação, uma vez que a nobreza latifundiária alemã
(junkers) aceitava o projeto nacional, mas rechaçava o caráter liberal
defendido em 1848. O Parlamento acaba sendo dissolvido e Frederico
Guilherme IV não aceita a constituição, adiando por vinte e um anos o
sonho de ver uma Alemanha unida.
6. Unificações Tardias
6.1. Itália (Risorgimento)
A unificação italiana, sonho de Maquiavel e muitos outros desde o
Renascimento, é conhecida pelos italianos como Il Risorgimento, graças ao
periódico unificacionista piemontês que levava esse nome e cujo editor-
proprietário era o Duque de Cavour. Sua origem política remonta às guerras
napoleônicas que reorganizaram completamente a Península Itálica criando
reinos novos, como o Reino da Itália governado por seu irmão José, mais
tarde nomeado rei da Espanha. Foram promovidas reformas liberais e
revogados os direitos feudais que com o Congresso de Viena em 1815
foram restaurados.
A situação da Itália convulsionada pelos conflitos do liberalismo sob
regimes absolutistas é plena de contradições e retratada de modo brilhante e
envolvente no famoso romance de Stendhal A Cartuxa de Parma que se
passa no principado de Parma, um dos muitos ducados tampões - como
Módena, Lombardia e Toscana - colocados sob a hegemonia austríaca entre
os Estados Pontifícios e a França. Ao sul dos Estados Pontifícios que
controlavam o centro da península no entorno a Roma estava o Reino das
Duas Sicílias, cuja dinastia era um ramo dos Bourbon espanhóis.
A única dinastia italiana era os Savoia no norte, responsáveis pelos reinos
do Piemonte e de Sardenha, unificados por Carlos Alberto em 1847.
Tinham sido os primeiros a enfrentar as invasões napoleônicas e pela
proximidade com os franceses era também ali que se concentrava a
vanguarda liberal atuante nas camadas médias, burguesas e no jornalismo.
Estes indivíduos defendiam o constitucionalismo liberal e a unificação
como bandeira única. Organizavam-se em sociedades secretas que se
espalharam pelo norte da Itália durante o rescaldo napoleônico.
Outra alternativa de unificação era o neoguelfismo, que enxergava no papa
um potencial elemento de unificação, dada a escassez de príncipes italianos
autóctones que, com o advento do nacionalismo seria essencial para a
promoção da coesão do novo Estado que se pretendia criar. Com a eleição
em 1846 de Pio IX, considerado um liberal, o neoguelfismo ganhou força e
passou a contar com a adesão de muitos liberais que acreditavam numa
monarquia constitucional possível sob a liderança temporal do Papa.
Uma síntese desta primeira fase da unificação italiana seria, portanto,
perceber três correntes políticas. A corrente hegemônica, reacionária,
absolutista, que controlava toda a península. Impopulares, tais soberanos
eram garantidos pelos austríacos que controlavam diretamente o nordeste
do país e indiretamente os arquiducados do centro-oeste da península. A
corrente neoguelfista, que via no papa uma alternativa de unificação, apesar
do próprio pontificado ser uma instituição conservadora. E, finalmente, a
corrente liberal, herdeira da Revolução Francesa e das reformas liberais
napoleônicas que se organizavam em sociedades secretas como os
carbonários. Por serem secretas as “vendas” dos carbonários não faziam
propaganda de suas atividades e, portanto, tinham dificuldades para
mobilização popular, essencial para a vitória revolucionária. Tais
contradições evidenciam perfeitamente as ambiguidades do discurso liberal
burguês que se por um lado queria destruir o absolutismo, por outro, tinha
interesse em evitar ampla mobilização popular que pudesse resultar em
jacobinismo e radicalizações. Temiam igualmente a repressão austríaca e,
por isso, precisavam da legitimidade que seria conferida por um príncipe,
que se dispusesse a aceitar uma constituição. Uma alternativa era Carlos
Alberto do Piemonte-Sardenha, outra alternativa era o papa Pio IX. Ambas
se provaram falsas promessas em 1848.
Dissidente dos carbonários, Giuseppe Mazzini parte para a mobilização
popular com a fundação do movimento “Jovem Itália”, em 1831, defendido
em um jornal de mesmo nome, que rapidamente se espalha por toda a
península. Preso e exilado, Mazzini exporta o modelo para outras regiões -
Jovem França, Jovem Alemanha - e sua ação em defesa do liberalismo, do
progresso e da unificação favorece a mobilização pela causa. Torna-se o
grande pioneiro e patrono intelectual do Risorgimento.
O ano de 1848 encerraria essa fase e inauguraria uma nova etapa no
processo de unificação italiano. O rei Carlos Alberto, católico, largamente
influenciado pelo papa Pio IX, recém-eleito, que já havia sido regente no
reinado de Carlos Félix e dera mostras de ambiguidade política, faz
promulgar em 1848 o Estatuto Fundamental, uma carta constitucional
largamente embasada na constituição francesa de 1830. Decide ainda,
influenciado pela opinião pública e por Cavour, declarar guerra à Áustria,
no que, apesar dos sucessos iniciais, é fragorosamente derrotado, sendo
forçado a abdicar do trono em 1849 em favor de seu filho Vittorio
Emmanuel. Foi acusado frequentemente de pouco sincero em suas medidas
liberais - apoiou o carlismo espanhol e o miguelismo português na
península ibérica, ambos movimentos absolutistas - e várias vezes voltou
atrás em decisões políticas, o que lhe valeu o apelido de “O Hamlet
Italiano”. Morreu exilado em Portugal meses depois.
O próprio papa declarou em Abril de 1848 que não concordava com a
guerra entre o Piemonte e não era candidato a liderar uma unificação
acabando com as esperanças dos guelfos. O papado de Pio IX foi
considerado liberal, logo após sua eleição. Ele promoveu uma série de
reformas nos Estados Pontifícios, construiu ferrovias, incentivou a
modernização agrícola, cancelou a obrigatoriedade de judeus frequentarem
missas e concedeu imediata anistia a todos os presos políticos dos Estados
Pontifícios, sendo considerado um governante modelo, e celebrado em todo
o mundo por liberais. Sua incrível popularidade durou vinte meses. Até a
eclosão da “Primavera dos Povos” parecia que o novo papa era de fato uma
alternativa liberal de unificação da Itália. Uma vez que eclodiu a chamada
República Romana em 1849, no entanto, a posição liberal de Pio IX
desaparece. Liderada por Giuseppe Mazzini e os liberais romanos foi
estabelecida a República Romana em fevereiro de 1849 declarando
liberdade religiosa nos Estados Pontifícios e promulgando uma constituição
Liberal. O papa é obrigado a fugir e só é restaurado ao poder após as tropas
do então presidente Luiz Bonaparte derrotarem as forças de Giuseppe
Garibaldi, em junho deste mesmo ano.
As revoluções na península itálica de 1848-49 foram derrotadas com a
mobilização de tropas estrangeiras, austríacas e inclusive francesas, em tese
uma república liberal governada por um presidente descendente familiar e
politicamente de Napoleão. Seu eleitorado era conservador, católico em um
país rural, fortemente influenciado pelo clero, pesava em sua política
externa, e sem seu auxílio, o poder temporal do papa teria sido extinto em
1849 e não apenas em 1870. Ainda que a Revolução e a esperança de
unificação tenham ganhado enorme popularidade após 1848-9, ainda seria
necessário aguardar mais de uma década para novamente mobilizar as
forças necessárias para a empreitada.
Uma vez reinstituído no poderem 1850 - apenas depois de ter garantida a
não ingerência francesa nos assuntos temporais dos Estados Pontifícios -,
Pio IX vai se mostrar o mais conservador dos pontífices revogando muitas
de suas medidas anteriormente liberais. O exemplo mais notório é a relação
com o judaísmo, única religião afora o catolicismo autorizada nos Estados
Pontifícios. O gueto judaico é reinstituído e o papa chega a ponto de
mandar sequestrar uma jovem criança judia - Edgardo Montara - que teria
sido batizada secretamente como católica por uma empregada católica que
temia que a criança, gravemente doente, morresse sem batismo. As leis
proibiam crianças católicas de serem criadas por pais judeus, ainda que
fossem seus pais naturais, e o papa, apesar dos apelos internacionais e da
campanha pela devolução do jovem Montara, adotou-o e mais tarde
ordenou-o sacerdote. Pio IX se torna o bastião mais conservador do
absolutismo monárquico na Península Itálica.
O sucessor de Carlos Alberto, seu filho Vittorio Emmanuel, foi, ao
contrário de seu pai, capaz de conquistar o respeito e a confiança dos
liberais da Sardenha e se tornar o candidato mais viável da península a
comandar a unificação. Respeitou a constituição recém-instituída e nomeou
Camilo Cavour para primeiro ministro. Estabeleceu um modus vivendi com
os grupos liberais e com os austríacos ao mesmo tempo que reprimia
rebeliões radicais em Gênova. De certo modo, é com Vittorio Emmanuel
que a unificação ganha dínamo graças à unificação do grupos Dinásticos
que viam nos Savoia uma alternativa de manutenção da monarquia
aristocrática e o afastamento do perigo jacobino e dos liberais que viam no
novo rei da Sardenha um príncipe que aceitava a monarquia constitucional.
A viabilidade da unificação dependia, no entanto, da vitória militar sobre os
austríacos no norte, os Bourbon no Sul e a submissão ou anuência do papa
na região central, o que se tornou possível, em menos de dois anos, graças à
aliança com os franceses. Após a participação bem-sucedida do reino
Sardo-Piemontês na Guerra da Crimeia que granjeou a Vittorio Emmanuel a
simpatia do, agora, Imperador dos franceses, Napoleão III. Em troca da
cessão dos ducados de Nice e Savoia, Napoleão daria apoio militar aos
piemonteses na luta contra os austríacos na retomada da Lombardia e do
Vêneto. A campanha franco-piemontesa se iniciou em 1869 e, após idas e
vindas - os austríacos concordam em se retirar apenas da Lombardia, mas
não do Vêneto, o que motivou a demissão, provisória, de Cavour e a ruptura
da promessa com os franceses - foi assinado o tratado de Turim. Semanas
depois as tropas piemontesas partiram para a incorporação dos Estados
Pontifícios e derrotaram as tropas do papa em Castelfidardo, obrigando Pio
IX a se recolher no Vaticano de onde ele excomunga o rei do Piemonte.
Ao mesmo tempo Giuseppe Garibaldi, partindo do norte, lança uma
expedição de voluntários que desembarca na Sicília e inicia uma campanha
para conquistar Palermo. “Os Mil” de Garibaldi rapidamente ganham a
adesão dos liberais meridionais e inclusive de alguns aristocratas que
aderem na esperança de moderar o processo revolucionário. As complexas
tramas políticas da conquista da Sicília sob o Risorgimento aparecem
deliciosamente retratadas no romance Il Gattopardo do príncipe de
Lampedusa, que se inspira em seus ancestrais para retratar o príncipe de
Salina e a lenta e gradual decadência da aristocracia tentando sobreviver em
tempos de agitação liberal. Com a vitória de Garibaldi e a entrega do
comando da Itália meridional a Vittorio Emmanuel, este é proclamado, em
Março de 1861, Rei da Itália, reino recém-criado.
Faltavam, ainda sob o controle austríaco, o Vêneto, o Trentino no noroeste
da península e a cidade de Roma, sob a proteção de Napoleão III, que,
apesar de ter recebido Nice e Savoia, não podia abrir mão do apoio ao
pontífice romano por razões de política interna francesa. O Vêneto foi
conquistado graças à hábil aliança entre a Itália e a Prússia na guerra austro-
prussiana de 1866. Apesar de derrotados, os italianos se beneficiaram da
rápida e eficaz vitória de Bismarck contra os austríacos, e com isso
conquistaram o Vêneto. Em Setembro de 1870, novamente em meio a uma
guerra prussiana, desta vez contra a França que se viu forçada a retirar as
tropas de apoio ao papa, Giuseppe Garibaldi foi finalmente capaz de
incorporar Roma ao reino da Itália após duas tentativas fracassadas em
1862 e 1867. Roma torna-se enfim capital do reino da Itália em julho de
1871.
Uma síntese do processo do Risorgimento denota dois momentos políticos
distintos. O primeiro, da derrota de Napoleão até a Primavera dos Povos, foi
uma lenta rearticulação dos grupos liberais sob a hegemonia legitimista do
absolutismo defendido por Viena. Fracassaram as tentativas de viabilizar a
unificação por estarem divididas as correntes que assim o desejavam.
Absolutistas não aceitavam o apoio dos liberais e os reprimiam, ou
adotavam posturas ambíguas como o rei do Piemonte Carlos Alberto (1831-
1848). Os liberais por sua vez se organizavam sobretudo em sociedades
secretas, tendo dificuldades de mobilizar o apoio popular. O
amadurecimento da luta se dá a partir de 1831, com a criação de
publicização da Jovem Itália graças ao protagonismo de Giuseppe Mazzini,
dissidente dos carbonários. Por último, havia inclusive grupos - os
neoguelfos - que viam no papa um candidato viável para a unificação da
Itália sob uma monarquia constitucional. A simpatia de Vittorio Emmanuel
pelo recém-eleito Pio IX em 1846, fez brotar uma efêmera esperança para o
guelfismo, desautorizado pelo próprio papa em abril de 1848. Percebe-se a
completa desarticulação das forças pró-unificação.
A situação muda estruturalmente depois das Revoluções Liberais de 1848-
49 que atingiram profundamente à Itália, iniciando o segundo e último
momento da Unificação. No norte a derrota de Carlos Alberto para os
austríacos na primeira guerra de unificação italiana (1848) leva à sua
abdicação e seu sucessor, Vittorio Emmanuel, com a ajuda de seus ministros
Massimo D’Azeglio e, sobretudo, Camilo de Cavour galvanizou o apoio
dos liberais para viabilizar a unificação ainda que sob o modelo
conservador de uma monarquia constitucional. Ao Sul, a derrota da efêmera
República Romana de Mazzini por tropas francesas em 1849 evidencia a
fragilidade do papado e transforma Pio IX em um reacionário antiliberal.
Tropas francesas serão necessárias para garantir a defesa de Roma por mais
duas décadas.
As mesmas tropas francesas de Napoleão III se aliam, em troca de Nice e
Savoia, contra os austríacos, em 1859, e viabilizam uma meia vitória ao
Piemonte, que consegue de Viena a cessão da Lombardia em 1860. Em
pouco tempo são tomados também os Estados pontifícios - exceto Roma - e
o Reino das Duas Sicílias, graças à expedição dos “Mil” de Garibaldi, que
destronaram os Bourbon de Palermo. Unificava-se a Itália em 1861. A
conjuntura de Unificação alemã da década de 1860 beneficiaria por duas
vezes a conclusão do Risorgimento. Em 1866, na tomada do Vêneto no
contexto da guerra Austro-prussiana, e em 1870, na retirada das tropas
francesas que foram lutar na Guerra Franco-prussiana, permitindo,
finalmente, a tomada de Roma por Garibaldi.
No plano cultural a frase “fizemos a Itália agora precisamos fazer os
italianos”, dita por Massimo D’Azeglio, retrata bem a realidade de um
estado fragmentado linguística e culturalmente em uma miríade de
subregiões cada qual com seu dialeto e história definidos e que tiveram que
ser homogeneizados por meio da ação cultural e educacional do Estado que
estimulou o uso da língua italiana e reprimiu o uso dos dialetos. O processo
de homogeneização cultural durou décadas e ainda hoje não é completo.
Do ponto de vista socioeconômico é perceptível a disparidade entre o norte
e o sul da península. Em termos de desenvolvimento do capitalismo,
modernização, infraestrutura e industrialização o sul da Itália permaneceu
análogo ao que foi por muitas décadas o nordeste brasileiro, atrasado,
agrário, miserável,sob o controle de grandes senhores latifundiários que
exploravam seus trabalhadores como retratado nos filmes do realismo
italiano do pós-guerra, sobretudo no cinema social de Visconti e Rosselini.
A hegemonia da máfia siciliana, que atraiu a atenção internacional para o
problema - surgida no sul da Itália e depois irradiada para todo o país até
Milão -, depois dos sucessos literários de Mario Puzzo filmados por
Coppola em O poderoso Chefão, protagonizou frequentes episódios de
assassinato de autoridades e a necessidade de virtual reconstrução do país
nos anos de 1990, sob a operação “mãos limpas”. Altera-se a correlação das
forças políticas no país enfraquecendo os partidos tradicionais como os
Socialistas e a Democracia Cristã.
Algumas consequências políticas são inescapáveis ao processo do
Risorgimento e essenciais para a compreensão posterior da história italiana:
A questão romana (1861-1829) e o Irredentismo, que duraria até depois da
Primeira Guerra Mundial.
A questão romana é o nome das controvérsias territoriais sob a soberania
dos Estados pontifícios, que envolveram a Santa Sé e o reino da Itália.
Subsistiu sob os pontificados de Leão XIII, Pio X, Bento XV, e Pio XI, que
se consideravam prisioneiros da Itália em Roma, criando grandes
dificuldades para um Estado cuja maior parte da população era católica,
proibida pelo papa de participar da vida política italiana, inclusive por meio
do voto (non expedit). Foi solucionada pelo Tratado de Latrão (1929), já
sob o governo fascista de Benito Mussolini). O tratado indenizou a Santa Sé
pela perda dos territórios e criou o Estado do Vaticano soberano dentro da
cidade de Roma na tentativa de cooptar os setores conservadores da
sociedade italiana, dos quais o catolicismo era o mais forte.
O Irredentismo é o nome dado ao movimento popular pela incorporação das
zonas cultural ou linguisticamente italianas que ainda não tinham sido
incorporadas ao reino da Itália após 1870. O Trentino e a Venézia Giulia,
além da cidade croata do Fiume (Rjeka, em croata), que conta com maioria
ítalo-falante. Para não envenenar as relações com a Áustria, os sucessivos
governos da monarquia italiana não estimularam o irredentismo nas três
últimas décadas do século XIX, apesar de as medidas crescentemente
nacionalistas do ponto de vista sociocultural acabarem favorecendo a
popularidade da causa. No início do século XX, no entanto, os irredentistas,
que se viam como herdeiros de Mazzini, passaram a defender
crescentemente a mobilização militar e a causa acabou assumida pela
extrema direita italiana, que foi o grupo mais mobilizado a favor da entrada
da Itália na Primeira Guerra Mundial (1914-18). A derrota austríaca na
guerra tornou o Trentino província autônoma do Reino da Itália mas não
arrefeceu os ânimos dos irredentistas, entre os quais o poeta nacionalista
Gabrielle D’Annunzio, que reuniu voluntários e invadiu em 1919 a cidade
de Fiume, cujo status estava ainda sob definição da Conferência de Paris. O
Fiume tornou-se estado livre e independente, e D’Annunzio, que se recusou
a aceitar o acordo, foi expulso com suas tropas em 1920, mas se tornou
extremamente popular na Itália, tornando-se figura próxima do fascismo,
que assumiu sua causa e decidiu pela incorporação à Itália do Estado livre
do Fiume em 1924. Com a 2ª Guerra Mundial, a região tornou-se parte da
Iugoslávia e hoje é território croata.
6.2. Alemanha
6.2.1. Introdução
A ideia de realização do processo de unificação são anteriores ao século
XIX na Alemanha. Mas certamente em muito influenciaram este processo
as convulsões políticas e sociais atravessadas pela Europa desde o início de
tal século.
Herdeiro direto da Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte (Napoleão I)
justificava seu expansionismo na difusão dos ideais de “igualdade,
liberdade e fraternidade”. Assim, diversas partes do continente estavam sob
seu domínio no início do século, destacando-se a região da atual Alemanha.
Nesta, Napoleão acabara com o principal resquício de medievalismo na
Europa, o Sacro Império Romano-Germânico, substituindo tal organização
pela Confederação do Reno.
Uma vez derrotado Napoleão, seus vencedores, reunidos em Viena, veem
no fim do Sacro Império uma forma de organizar politicamente a instável
região, criando assim a Confederação Germânica, já mencionada em outros
capítulos desta obra. Com seus trinta e nove Estados componentes, esta foi
por décadas peça de fundamental importância no Equilíbrio Europeu.
6.2.2. Origens
Desde as campanhas napoleônicas destacava-se a força da Prússia, que
passara pelo processo reformador ilustrado no século XVIII e, já no início
do século XIX, buscava aumentar a sua influência sobre a região do Sacro-
Império. Em 1815, prevaleceu a tese de Metternich do Equilíbrio, mas a
projeção econômica do Estado, governado pelos Hohenzollern (com
grandes reservas de carvão e quilômetros de malha ferroviária), auxilia em
seus intentos expansionistas.
Considerado o primeiro passo para a unificação, a criação da liga aduaneira
chamada de Zollverein aboliu as tarifas de importação entre os diversos
Estados germânicos, embora não incluísse, até a década de 1840, a Áustria
dos Habsburgo.
A “Primavera dos Povos” na região da Confederação Germânica teve como
principal objetivo a unificação; porém, naquele momento, não havia
interesses em comum entre os grandes proprietários de terras, que temiam a
radicalização do movimento, e os liberais, que estavam à frente das
manifestações; o isolamento dos liberais neste contexto leva ao fim da
“Primavera”.
6.2.3. Bismarck
Otto Von Bismarck ganha projeção na política alemã quando é designado
pelo rei Guilherme I (1861-1888) para ser o representante prussiano na
Dieta de Frankfurt, o principal órgão político da Confederação Germânica.
Em Frankfurt, o proprietário de terras de Schönhausen destaca-se por suas
ideias conservadoras e antiaustríacas.
Após esta experiência, que segundo o próprio Bismarck foi fundamental na
sua formação política, tornou-se embaixador, com atuação destacada em
São Petesburgo e Paris. Mesmo atuando no exterior, nas visitas à Prussia
não deixava de expressar suas opiniões em temas polêmicos na política.
Quando propôs, no Memorial de Baden Baden, a criação do parlamento do
Zollverein sem a participação da Áustria, atraiu a simpatia dos nacionalistas
e a desconfiança de Guilherme I.
Em meio à crise entre Guilherme I e o Reichstag, uma vez que o monarca
desejava investir no exército enquanto a assembleia se opunha a tal medida,
Bismarck é indicado para o cargo de primeiro-ministro em 1862. Com ele, a
supremacia junker e o militarismo são ressaltados e há uma significativa
melhora nas relações entre os poderes após diversas crises institucionais.
Já no início da década de 1860, Bismarck procurava esvaziar um possível
fortalecimento da Áustria, impedindo a reforma da Dieta de Frankfurt e a
criação de um Congresso dos Príncipes, proposto pela Áustria. Neste
sentido, a primeira das alianças de Bismarck é estabelecida ainda neste
momento: a Missão Alvenslaben. Com o objetivo principal de reprimir os
movimentos insurrecionais poloneses, Prússia e Império Russo articulam
um acordo militar. Na economia, a busca pela ampliação de mercados
ganha força com a assinatura do Tratado Comercial com a Bélgica em
1863.
6.2.4. Etapas do processo
Segundo os principais analistas, Bismarck elaborou um cuidadoso plano de
integração de todas as regiões alemãs, já interligadas por ferrovias.
Externamente, o chanceler explora os conflitos e tensões entre as nações
europeias com o objetivo de viabilizar a unificação.
Em 1864, Bismarck viu na morte do rei da Dinamarca uma oportunidade de
recuperar os ducados de Holstein e Schleswig para os germânicos, sendo
esta a primeira etapa do processo de unificação. Para tal, é estabelecida a
Missão Mantenfell, unindo a Áustria e a Prússia na luta pela região. Com a
Guerra dos Ducados (1864-1865), os austro-prussianos derrotaram a
Dinamarca e, pelo Tratado de Viena (1864), decide-se pela dupla soberania,
ficandoHolstein com a Áustria e Schleswig com a Prússia.
A segunda etapa unificatória é aquela que envolve a “Guerra entre Irmãos”;
Bismarck fomenta a rivalidade entre a Áustria e a Prússia, acusando os
austríacos de má administração em Holstein. Com a ocupação deste ducado
pelos prussianos, inicia-se a Guerra das Sete Semanas (1866). Naquele
momento, o grande Império Austríaco atuava militarmente contra as
tentativas de autonomia na Hungria e também ao norte da Itália, onde esta
possuía o controle da Lombardia. Desta forma, a rápida vitória prussiana
teve como símbolo a Batalha de Sadowa.
O principal resultado desta vitória foi a criação da Confederação Germânica
do Norte (1867), sob a liderança de Guilherme I. O resultado seria a
convocação de um Reichstag Constituinte, sob a hegemonia do partido
liberal, definindo um projeto político centralizador. Os Estados do Sul
(Baviera, Baden Baden, Wuttenberg e Hesse-Darmstadt) resistem, tentando
Bismarck superar este obstáculo com o fomento do nacionalismo por meio
da criação do Zollparlament, uma espécie de parlamento do Zollverein.
Insuficiente para incrementar o nacionalismo entre os sulistas, que temiam a
excessiva centralização de poderes nas mãos do rei prussiano, Bismarck
busca outra alternativa. Um conflito entre a França de Napoleão III e a
Confederação Germânica do Norte seria interessante, uma vez que os
Estados do Sul ficariam entre os dois rivais. Para além da crise de
Luxemburgo (Bismarck se coloca contra as pretensões expansionistas do
francês) e da sucessão espanhola (Guilherme I tenta, sem sucesso, a
indicação de seu primo Leopoldo de Hohenzollern ao trono vago desde
1868), o Despacho de Ems provoca a declaração de guerra francesa aos
austríacos.
A terceira etapa neste processo de unificação, a Guerra Franco-Prussiana
(1870-1871), leva não somente à anexação dos quatro Estados do sul, mas
também da região da Alsácia-Lorena, que estava sob domínio dos franceses
desde o século XVII. A guerra possui contornos interessantes, como os
festejos da unificação que ocorrem no Palácio de Versalhes e a Batalha de
Sedan, o ponto final deste conflito.
6.2.5. Consolidação
Ao final da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a Alemanha finalmente
completa o processo de formação nacional. Em sua composição, Guilherme
I é coroado imperador, tendo Bismarck uma posição sui generis, sendo ao
mesmo tempo chanceler e ministro do exterior da Prússia (o junker de
Schönhausen mantém este título até a sua saída do poder em 1890).
Como principais destaques da política interna de Bismarck podemos
destacar:
• Kulturkampf
• Política anticlericalista que criticava a crença na infalibilidade papal e o
auxílio de membros da igreja às minorias polonesas.
• Com esta doutrina, Bismarck procura aproximar-se dos políticos
nacionais-liberais (colocando-se contra os políticos do Centro) e incentivar
o nacionalismo na Alemanha.
• Mediante a Lei de Inspeção Escolar, os funcionários do Estado poderiam
inspecionar instituições de ensino católicas, intervindo em seu currículo.
• Tensões com o Reichstag
• Bismarck busca, por meio da crise de “guerra à vista” (1875), mais uma
vez estimular o nacionalismo alemão, analisando a possibilidade de uma
guerra preventiva contra a França, devido a seu rápido crescimento após
1871. No entanto, foi duramente criticado pelos políticos do Partido do
Centro e também por nacionais-liberais, assim como russos e britânicos que
eram contra um novo conflito europeu.
• A proposta de criação do seguro contra acidentes (1883) também gera
tensões internas, uma vez que Bismarck queria a intervenção do Estado nas
relações trabalhistas. Foi persuadido pelos principais partidos e, quando a
lei foi promulgada, em 1884, fica para patrões e empregados a definição
sobre como seria instituído o seguro.
• Lei Antissocialista (1878)
• Após dois atentados contra a vida de Guilherme I, Bismarck consegue
aprovar, após duas tentativas frustradas, esta lei, que restringe a atuação do
Partido Socialista.
• Este continua a participar do Reichstag, mas a lei suprimiu os sindicatos,
proibiu a imprensa operária, autorizou prisões e exílio de socialistas.
• Proteção Aduaneira (1879)
• Chamadas também de “trigo e aço”, estabelecem o protecionismo
econômico sobre os setores agrícola e industrial. Mesmo não superando
imediatamente as dificuldades que estes setores atravessavam no início da
década de 1880 (sobretudo o agrícola), a lei é importante pois estabelece
longa aliança entre estes setores e Bismarck.
• Interdito de Lombard (1887)
• Vetou a negociação de títulos da dívida externa russa no mercado
financeiro alemão, o que favorece a aproximação do Império Russo com a
França.
Com relação à política externa, Bismarck desenvolveu uma bem-sucedida
política de alianças com diversas potências da Europa, chamada de
Realpolitik. Seus principais objetivos seriam a integridade do Império
Alemão e a neutralização de uma possível aproximação entre as potências
europeias e a França, tomada pelo sentimento de revanchismo após a perda
da Alsácia-Lorena.
Dois são os chamados “Sistemas de Bismarck”, abaixo analisados:
• Primeiro Sistema de Bismarck
• Base: Dreikaiserbund (ou a Liga dos Três Imperadores), formada entre
1872-1873.
• Origem: divisão da Polônia entre as três potências (Império Russo,
Império Alemão e Império Austro-Húngaro).
• Obstáculo: Questão do Oriente, uma vez que era desejo russo e austríaco
expandir seus territórios e dominar a região dos Bálcãs, aproveitando a
fragmentação do Império Turco-Otomano.
• As tensões entre os dois impérios levou à convocação do Congresso de
Berlim (1878), tendo Bismarck como árbitro da questão. O resultado
desagradou austríacos e, sobretudo, russos, o que provocou dissolução da
primeira versão da Dreikaiserbund.
• Segundo Sistema de Bismarck.
• Base: Dupla Aliança, formada entre Império Alemão e Império Austríaco
em 1879.
• Não desejando deixar-se isolar, o Império Russo propõe uma nova
Dreikaiserbund (1881-1887), agora formal e com um dispositivo no qual
seria renovada a cada três anos.
• Tríplice Aliança (Império Austro-Húngaro, Império Alemão e Itália).
• Obstáculo: a unificação da Bulgária e os interesses sobre o região dos
Bálcãs mais uma vez colocam os impérios russo e austríaco em oposição, o
que leva à não renovação da Dreikaiserbund.
• A solução encontrada por Bismarck diante desta situação foi, ao mesmo
tempo, defender a manutenção do status quo no Mediterrâneo (Tratado do
Mediterrâneo, assinado com Inglaterra, Itália e Império Austríaco) e assinar
com os russos o Tratado do Resseguro (1887).
Com a morte de Guilherme I, Bismarck tem dificuldades para continuar sua
atuação política, já que o novo kaiser, Guilherme II, não admitia a
interferência do junker em suas decisões. Desta forma, em 1890, Bismarck
é destituído de seus dois cargos, dedicando o final de sua vida à escrita de
suas memórias.
7. As Revoluções Industriais
7.1. PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
7.1.1. Definição
O processo de industrialização ocorrido na Grã-Bretanha, a partir da
segunda metade do século XVIII consistiu, basicamente, na gradual
substituição do homem pela máquina, isto é, na introdução da tecnologia no
processo produtivo, promovendo a maquinofatura em lugar da manufatura.
É parte componente da dupla revolução que caracteriza o período 1789-
1848, juntamente com a Revolução Francesa, de acordo com o historiador
Eric Hobsbawm.
No final do século XVIII e no início do XIX, após a introdução do bastidor
hidráulico de Arkwright, uma onda de avanços técnicos impulsionou a
segunda Revolução Industrial, movida a eletricidade, produtos químicos e
óleos. Juntas, essas descobertas tornariam as indústrias mais limpas e
eficientes do que as fábricas da etapa anterior, movidas a vapor e a carvão.
E as novas técnicas alavancariam o comércio de maneira inimaginável. No
final do século XIX, barcos a vapor, telégrafos e motores elétricos
multiplicavam-se: Arkwright não podia ter previsto nada disso quando
patenteou sua máquina fiandeiraem 1769. Em um século e meio, o mundo
mudou de forma irreversível nas esferas comercial, social e política20.
Foi no setor têxtil que as primeiras descobertas significativas ocorreram, em
particular na indústria algodoeira. O crescente mercado colonial e uma
intensa demanda interna exigiam uma produção maior. Com a criação da
lançadeira volante por John Kay em 1733, a produtividade é multiplicada
em quatro vezes, resultando em dificuldades para os tecelões tradicionais já
na década de 1760. Seguem-se invenções como a spinning-jenny (roda de
fiar aperfeiçoada), a máquina a vapor, criada por James Watt, o water-frame
de Richard Arkwright, ou mesmo o mule-jenny de Samuel Crompton, uma
máquina híbrida e robusta que articulava as principais qualidades da jenny e
da water-frame. Definitivamente estava em curso, na segunda metade do
século XVIII, a introdução da máquina no processo produtivo.
Embora o termo Revolução Industrial tenha surgido anos depois do
processo em si, inventado por um grupo de socialistas europeus, seus
impactos já se faziam presentes por toda parte ainda no século XVIII, em
especial a partir de 1780, constituindo-se em um dos maiores
acontecimentos da História mundial.
7.1.2. Pioneirismo britânico
O fato de um movimento tão complexo quanto o da industrialização ter
ocorrido de maneira inédita em solo britânico não se deve, evidentemente,
ao acaso. Em meados dos 1700, apenas a Grã-Bretanha reunia as condições
políticas, econômicas e sociais imprescindíveis para a concretização do
processo industrial.
Episódio fundamental para a resolução dos principais problemas políticos
que existiam na Inglaterra, a Revolução Inglesa (1642-1688) foi fator
decisivo. Originado na peculiaridade da formação do Estado Moderno
inglês, onde convinha ao rei absolutista consultar o Parlamento antes de
elaborar medidas de grande significado político, o processo teve quatro
principais etapas:
• Revolução Puritana (1642-1649): Resultado da política centralizadora dos
reis Stuarts (Jaime I e Carlos I), católicos, que sucederam os Tudor após a
morte da rainha Elizabeth I, tal movimento armado tem raízes em uma
oposição política, econômica e social. Os Stuarts objetivavam limitar as
ações da ascendente burguesia e dos proprietários de terras a ela ligada, a
gentry, por meio do aumento de impostos e da limitação do processo de
cercamento dos campos. Também existia a questão religiosa, pois, católico,
Carlos I seguia os ensinamentos arminianos, que aproximavam o
Anglicanismo de uma direção mais sacramental e tradicionalista, o que
afastava a religião oficial inglesa do puritanismo e gerou temor de um
possível retorno do catolicismo apostólico romano. Quando o rei Stuart
solicita o controle do Exército para invadir a Escócia (onde este enfrentava
a oposição na chamada Guerra dos Bispos), é obstruído pelo Parlamento,
que teme a utilização desta instituição para reforçar o absolutismo real. Os
crescentes atritos entre o Legislativo e o Executivo tornam-se
irreconciliáveis, levando a uma Guerra Civil. Liderados por Oliver
Cromwell, o New Model Army (fruto da remodelação do Exército
tradicional parlamentar, os chamados “cabeças redondas”) derrotara os
“cavaleiros do rei”, dando início ao único momento republicano da história
da Inglaterra.
• República Puritana (1649-1660): Após um período inicial onde o
Parlamento inglês comandava diretamente as ações políticas iniciando o
único momento onde a Inglaterra organizou-se de forma republicana. Neste
contexto, Oliver Cromwell exerce toda a sua influência para declarar-se
Lord Protector, implementando o Protetorado (1653-1658) que se sustenta
até a sua morte. Entre o final da Guerra Civil e a morte de Cromwell, uma
série de medidas são elaboradas e modificam por completo a estrutura
política da ilha, como a anexação da Escócia e da Irlanda ao
Commonwealth, a expansão ultramarina e, por fim, a criação dos Atos de
Navegação, que resultaram em conflitos com os neerlandeses. Além disso,
perseguições contra católicos/anglicanos e o domínio da burguesia nos
principais setores da burocracia estatal marcam este período. Após a morte
de Oliver Cromwell, seu filho Richard ascende ao poder, mas a
radicalização política, simbolizada no surgimento dos diggers (defendiam a
reforma agrária e uma distribuição de terras mais igualitária) e dos levellers
(eram favoráveis ao direito de praticar a religião de forma livre, além da
igualdade jurídica) fez as principais correntes políticas acreditarem que
melhor seria buscar a figura de um rei.
• Restauração (1660-1688): Com o objetivo de impedir a radicalização
popular, por sugestão do General George Monck, Carlos II é colocado no
trono, marcando o retorno dos Stuarts ao poder. Por meio da Declaração de
Breda, o monarca perdoava alguns opositores da monarquia, prometia
respeitar os poderes do Parlamento e a tolerância religiosa. Em pouco
tempo, entretanto, o rei católico entra em choque com os parlamentares e
sua proximidade com Luís XIV passa a incomodar importantes setores
políticos do país. Carlos II e sua esposa portuguesa Catarina de Bragança
não conseguem ter filhos e, quando o rei morre, não deixa herdeiro direto.
Assim, a ascensão do irmão católico de Carlos II abre nova crise política
em Londres.
Jaime II, o novo rei inglês, não se submete ao juramento do Ato da Prova,
deixando claro que não abriria mão de sua fé católica. Alguns
parlamentares defendem a posse do filho ilegítimo de Carlos II, outros
defendiam a ascensão da filha protestante de Jaime II, Maria Stuart. Neste
contexto, os whigs (liberais) apoiam o Ato de Exclusão para retirar o novo
soberano do poder, algo não aceito pelos tories (conservadores), sendo a
vontade dos últimos respeitada.
As suspeitas com relação aos supostos projetos centralizadores de Jaime II
criaram um clima de incerteza no Commonwealth, incrementadas com os
privilégios cedidos pelo novo rei aos súditos católicos. Os choques com o
Parlamento tornam-se ainda mais constantes, o que leva a uma grande
mobilização contra o rei. O que amenizava a situação era a crença de que,
uma vez morto, Jaime II daria lugar a sua filha protestante Maria. Mas
quando aos 54 anos este consegue um herdeiro homem (Jaime Francisco), a
certeza de que um novo rei católico seria o sucessor faz os tories
abandonarem o que restava do seu apoio ao reinado de Jaime II. Sem o
apoio das tropas regulares e com sua filha e genro invadindo a ilha para lhe
usurpar o trono, o rei decide abandonar o poder, dando início à última etapa
do processo revolucionário inglês.
• Revolução Gloriosa (1688-1689): A queda de Jaime II ocorre sem
derramamento de sangue, o que faz com surja a denominação “gloriosa”
para tal evento. Um compromisso entre o Parlamento e Guilherme de
Orange, casado com Mary Sturt, levam o casal ao poder, mas não sem antes
submeter o rei a assinar a “Declaração dos Direitos”, em que seria
reafirmada a hegemonia política do Parlamento. O monarca seria, assim, o
chefe de Estado, enquanto o chefe político seria indicado pelo Parlamento,
selando o acordo que até os dias de hoje garante estabilidade política à Grã-
Bretanha e, sobretudo, uma crescente influência da burguesia nos negócios
do Estado.
Em termos econômicos, é significativo que um dos poucos países que
investiram realmente no desenvolvimento da agricultura, no sentido de
transformá-la em uma atividade tipicamente capitalista, foi a Inglaterra. Isso
levou à formação de empresários agrícolas e de um “proletariado rural”,
segundo Hobsbawm, voltados a aumentar a produção de alimentos para a
população, gerar excedentes para as cidades e tornar-se mecanismo para o
acúmulo de capital. Além disso, atividades como o corso, o comércio de
escravos e a exploração das colônias - todas elas realizadas desde o século
XVI - também contribuíram para a formação de uma enorme reserva
financeira, posteriormente utilizada na atividade industrial.
Tratados desiguais assinados com alguns países do continente favoreceriam
a ampliação do mercado consumidor para os produtos britânicose a
obtenção de uma balança comercial extremamente favorável. Dois
exemplos significativos seriam os Tratados de Methuen (1703), assinado
com Portugal e também conhecido como de “panos e vinhos”, e o Tratado
Eden-Rayneval (17886), que estabelecia a redução e tarifas alfandegárias
para os produtos manufaturados britânicos e agrícolas franceses. Até o
advento das reformas bourbônicas, a Inglaterra também obtinha importantes
lucros no comércio com a América Espanhola, onde possuía o contrato do
asiento (fornecimento de escravos africanos) e o navio de permiso, quando
anualmente um navio inglês tinha o direito de aportar em Cartagena.
Outra medida importante foi criada ainda nos tempos de Oliver Cromwell:
os Atos de Navegação. Estes estabeleciam que mercadorias comercializadas
pelos ingleses somente poderiam chegar aos seus portos por navios
britânicos ou do país importador. Além de atacar a força comercial
neerlandesa, que possuía hegemonia marítima naqueles tempos, os
britânicos aumentaram sua arrecadação com o frete de seus produtos e
desenvolveram a construção naval britânica. Os atos somente foram
abolidos no início do século XIX, com o avanço das ideias liberais, mas,
principalmente, quando estes tornaram-se obsoletos diante da força naval
britânica, chamada desde então de “rainha dos mares”.
A grande disponibilidade de matérias-primas, em especial o ferro e o
carvão, fundamentais nessa primeira etapa industrial, além de algodão e lã,
provenientes das colônias da América e do processo de cercamento dos
campos - que até então eram de uso comum (terras comunais) -, certamente
facilitou a industrialização britânica. Como citado anteriormente, os
enclousures21 foram marcantes e estimulados pela monarquia inglesa desde
o século XVI, com o intuito inicial de fortalecer a manufatura têxtil.
Relevância equivalente teve também a considerável oferta de mão de obra
proveniente do êxodo rural entre os camponeses ingleses, que tornaram-se
trabalhadores nas indústrias das grandes cidades em formação, como
Manchester, Londres e Liverpool.
Desde o século XV que gerações de artífices, de técnicos, de amadores
apaixonados, investigam, com um sucesso desigual. Mas é no século XVII,
com uma difusão ainda mais ampla do gosto pelas “mecânicas” [...] com a
multiplicação dos experimentadores “esclarecidos”, que os esforços
seculares resultaram, após uma última arrancada de investigações febris.
Não se trata de um acaso, porque o econômico antecipa-se à técnica22.
7.1.3. Consequências gerais
O processo de industrialização acelerada ao final do século XVIII, que
conhecemos como Revolução Industrial, embora tenha ocorrido de modo
modesto em outras regiões da Europa, só teria impacto global a partir da
industrialização britânica. O desenvolvimento de um novo sistema
econômico, o capitalismo industrial, adaptado aos mercados nacionais e
mundiais, marca o final da Idade Moderna. Na dianteira deste processo, a
Inglaterra torna-se a potência econômica hegemônica no mundo. A “oficina
do mundo” exportou não apenas produtos e bens de consumo, mas também
tecnologia, mão de obra qualificada e engenheiros, que se espalharam por
todo o continente para replicar em zonas atrasadas a magia do progresso.
Em decorrência da industrialização, a Inglaterra verificou uma explosão
demográfica e uma urbanização sem precedentes, fruto direto da instalação
de indústrias nas grandes cidades do país. A energia a vapor e o ferro
também foram utilizados nos meios de transporte, com a criação da
locomotiva e do navio a vapor, não apenas diminuindo as distâncias, mas
também os custos do comércio internacional. Na esteira destes
acontecimentos, a imigração e os problemas ambientais em decorrência da
poluição trazida pelas fábricas ampliam-se.
No que diz respeito às questões sociais, com o capitalismo industrial duas
classes são claramente definidas. Os burgueses seriam aqueles que detêm
capital para obter a propriedade privada dos meios de produção (máquinas,
matéria-prima e instalações), conseguindo lucros crescentes com o
desenvolvimento da economia. Chamamos de proletário todo aquele que,
sem condições de controlar os meios de produção, sobrevive da venda de
sua força de trabalho.
Neste contexto, seria mediante a mais-valia que os lucros passam a se
realizar a partir de então. O trabalhador, agora apenas um operário, era
obrigado a conviver com péssimas condições de trabalho: longas jornadas
(14 a 18 horas por dia), baixos salários, falta de segurança, exploração do
trabalho feminino e infantil e desemprego, que desembocavam na miséria
dos trabalhadores, moradias precárias e epidemias constantes. Tais
condições agravavam-se no contexto de crises econômicas, reconhecidas já
naquela época como fenômenos periódicos regulares, como as que
assolaram a Europa entre 1836-1837, 1846-1848 e 1873.
À medida que as novas cidades industriais envelheciam, multiplicavam-se
os problemas de abastecimento de água, saneamento, superpopulação, além
dos gerados pelo uso de casas para serviços industriais, culminando com as
estarrecedoras condições reveladas pelas investigações sobre moradia e
condições sanitárias, na década de 1840. Essas condições, nas vilas rurais
ou nas aldeias têxteis, eram muito precárias, mas a dimensão do problema
era certamente maior nas grandes cidades, pela facilidade de proliferação de
epidemias. [...] Os habitantes das cidades industriais tinham frequentemente
de suportar o mau cheiro do lixo industrial e dos esgotos a céu aberto,
enquanto seus filhos brincavam entre detritos e montes de esterco. Na
verdade, alguns desses fatos persistem ainda hoje (década de 1960), no
panorama industrial do norte e da região central da Inglaterra [...]23.
Na tentativa de lutar contra a ausência total de proteção, o proletariado
inglês reagiu de muitas formas no início da luta de classes analisada por
Marx e Engels no Manifesto Comunista. São alguns exemplos:
• Ludismo: O movimento ludista segue a cultura política dos trabalhadores
britânicos, que utilizavam-se da estratégia de “negociação coletiva através
da arruaça”, causando impacto significativo no Parlamento. Assim, os
trabalhadores invadiam fábricas à noite, encapuzados, a fim de quebrar
máquinas. Segundo Hobsbawn, a hostilidade da classe operária às novas
máquinas da Revolução Industrial - especialmente entre as que
economizavam mão de obra - foi partilhada pela opinião pública, inclusive
por proprietários de manufaturas. Foram duas as grandes “ondas” ludistas: a
pioneira, entre 1792 e 1796, e a segunda, na década de 1810, favorecida
pelo aumento da exploração do proletariado no contexto da crise econômica
gerada pelas guerras napoleônicas. A intensa repressão governamental por
meio do Frame Breaking Act, que determinava a pena de morte àqueles
trabalhadores presos por quebrar máquinas, e os poucos resultados práticos
do movimento levaram ao seu declínio.
• Cartismo: Considerado o primeiro movimento político operário de massas,
baeava-se no envio das chamadas “Cartas do Povo” com petições ao
Parlamento inglês, representando a busca por participação política dos
trabalhadores, de forma referendada pelos pontos das cartas, entre os quais
se destacam: abolição do sufrágio censitário para a Câmara dos Comuns e a
adoção do sufrágio universal; representação igualitária para todos os
distritos industriais; abolição do trabalho infantil; eleições anuais para o
Parlamento e estabelecimento de remuneração aos parlamentares, para
assim os representantes do proletariado poderem atuar como deputados.
• Unionismo: Elementos rudimentares de associação entre os trabalhadores.
Em seus primeiros momentos, essas sociedades articulavam a criação de
“caixas de assistência”, em que o trabalhador mediante o pagamento de
uma taxa teria auxílio em caso de desemprego, doença ou morte, algo que o
Estado não lhes fornecia. Clandestinas a partir de 1799, sua proliferação foi
tamanha que o governo as legalizou em 1824 e estas resultariam,
posteriormente, nos primeiros sindicatos.
Os homens do século XIX ensurdecema história com o clamor de seus
desejos [...] Longe dos odores do povo - é conveniente arejar após a
permanência prolongada da empregada, após a visita da camponesa, após a
passagem da delegação operária - a burguesia, desajeitadamente, trata de
purificar o hálito de casa. Latrinas, cozinha, gabinete de toalete pouco a
pouco deixarão de exalar seus insistentes aromas [...] O que significa essa
acentuação da sensibilidade? Que tramas sociais se escondem por detrás
dessa mutação dos esquemas de apreciação?24.
Se poucos foram os resultados imediatos obtidos pelos trabalhadores, a
burguesia consegue, após décadas de participação no Parlamento, a
hegemonia nesta instituição na década de 1830. A Green England, formada
pelos proprietários rurais que eram líderes no Parlamento e buscavam a
proteção de seus interesses econômicos, dificultava os consolidação da
burguesia, mediante a criação de medidas como a Lei dos Cereais, que
estabelecia o protecionismo alfandegário ou mesmo com a manutenção da
Lei dos Pobres (1601), em que o Estado dava subsídio à classe dos
trabalhadores agrícolas. A burguesia repudiava de forma veemente estas
barreiras ao livre cambismo que dificultavam a circulação de mão de obra,
uma vez que o trabalhador tinha que fixar-se em um determinado condado
para receber o complemento de seu salário. Em 1832, a Câmara dos Lords
aprova a Reforma Eleitoral de 1832 devido às pressões do rei, que temia
uma nova revolução em seu país. Com a sua aprovação na Câmara dos
Comuns, aumenta-se a franquia eleitoral com a redução do piso para o
sufrágio e é realizada uma nova distribuição do mapa eleitoral, acabando
por fortalecer a chamada Black England, e estruturando a Inglaterra
definitivamente como um país liberal.
7.2. SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
7.2.1. Definição
Em meados do século XIX, teriam início consideráveis modificações no
sistema produtivo que levariam o processo industrial a uma nova fase, a
chamada 2ª Revolução Industrial. Nesta, o capitalismo tem suas estruturas
de produção modificadas e, consequentemente, assistimos à passagem da
fase concorrencial (ou capitalismo clássico, onde a livre concorrência e a
predominância da indústria sobre o comércio e as finanças eram as
características marcantes) para a monopolista (ou capitalismo financeiro).
7.2.2. Características
Antes restrita aos domínios britânicos, a Revolução Industrial estende-se a
novas áreas de desenvolvimento - França, Prússia, Japão e Estados Unidos.
Neste contexto, a produção industrial é impulsionada por uma nova fase de
experimentos e invenções, estimulando a criação de novos setores
produtivos - por exemplo, os automóveis - marcando a nova fase do
processo de industrialização, agora realizada também em outros continentes
para além do europeu.
Fundido, o ferro converte-se em aço, resultando na criação da importante
indústria siderúrgica que, juntamente com as indústrias automobilística e
química, são os grandes símbolos destes novos rumos da chamada “Era do
Capital”. Novas fontes de energia são adotadas, como a elétrica e a
hidráulica (associada à elétrica), e o petróleo gradualmente torna-se
essencial para as economias. Já no último quarto do século XIX, lâmpadas
elétricas eram utilizadas na iluminação e os transportes barateavam o frete
marítimo e os caminhos de ferro carregavam toneladas de produtos.
Eram os tempos da metralhadora, do telégrafo, da máquina de costura, da
nitroglicerina, do telefone, do alumínio, do pneu de borracha vulcanizada,
do raio X, dos corantes sintéticos, do revólver, do bonde elétrico, da
dinamite etc. Avanços no campo da medicina e da higiene, a chamada
revolução médico-sanitária, reduziram as taxas de mortalidade, enquanto no
campo as melhorias técnicas introduzidas na agricultura aumentaram a
produtividade, resultando em maior oferta de alimentos para as cidades
industriais.
As empresas, percebendo a importância da incorporação de forma regular
destas novas tecnologias para aprimorar seus produtos e lucros, passaram a
investir em pesquisas científicas. Mas, ao mesmo tempo, a incorporação
destas inovações técnicas tornam os produtos cada vez mais caros.
Juntamente com os dos preços, os movimentos dos capitais criam também
condições novas do crescimento. Porque doravante para produzir em grande
quantidade e adquirir um equipamento complicado e caro, para lutar com os
concorrentes, a empresa industrial tem de investir mais, muitas vezes às
apalpadelas, sem conhecer bem as evoluções da conjuntura. Tem
necessidade de recorrer ao crédito25.
A fusão do capital bancário ao capital industrial promoveu o advento do
capital financeiro, uma vez que os grandes bancos ou instituições
financeiras, por meio de empréstimos e compra de ações, passaram a
controlar a indústria, a agricultura e a pecuária. Sendo assim, formam-se
trustes, holdings e cartéis, uma vez que as pequenas companhias não
resistiam à concorrência, sendo os grandes conglomerados os protagonistas
desta nova era do capitalismo.
Economicamente, a 2ª Revolução Industrial colocava fim à abstenção
governamental, à ortodoxia do livre comércio e à era do individualismo,
onde grandes empresários e banqueiros controlavam as ações. Nestes
tempos, destacam-se empresas como a Standart Oil de John D. Rockfeller,
que controlava 36 empresas do setor petrolífero, e banqueiros como o
estadunidense John P. Morgan ou a rede britânica dos Rothschild.
7.2.3. Consequências gerais
• Incremento da competição internacional entre economias industriais da
Europa e dos Estados Unidos.
• Primeira crise de superprodução e subconsumo, conhecida como Grande
Depressão, causando queda nos preços dos produtos e falência das
pequenas empresas. Esta crise de 1873-1896 incrementou o protecionismo
alfandegário e foi especialmente sentida na Grã-Bretanha, uma vez que esta
dependia mais do que as demais concorrentes do mercado internacional.
• Inauguração de uma nova era tecnológica, com formas inéditas de energia
(petróleo, eletricidade, motor a explosão), de máquinas (feitas com ferro,
ligas e metais não ferrosos) e de novas ciências (siderurgia, química
orgânica).
• Intensificação da urbanização a partir de 1850, com a formação de
povoamentos com mais de duzentos mil habitantes e cidades metropolitanas
com mais de meio milhão, como Londres, Paris, Berlim e Viena, repletas de
cortiços onde morava a população mais pobre.
• Aumento da oferta de emprego nos grandes centros urbanos,
proporcionando um crescimento do mercado consumidor.
• Divisão internacional do trabalho, aprofundando a separação existente
entre as economias periféricas (África, Ásia e América Latina) daquelas dos
principais centros industriais europeus.
• Difusão das ideologias de esquerda, que pregavam mudanças na economia
e na sociedade em prol da diminuição (ou eliminação completa) das
desigualdades sociais:
• Socialismo Utópico: A crescente pauperização da população levou à
formulação de alguns projetos de reformas sociais, baseados em programas
que criticavam a “lei bárbara ditada pelo capital”. Pensadores como Robert
Owen e Charles Fourier realizavam uma oposição romântica aos novos
tempos progressistas da Revolução Industrial. Segundo o revolucionário
francês Conde Claude Saint - Simon, a sociedade deveria ser dividida em
três classes (sábios, proprietários e os que não tinham posses) e governada
por um conselho de sábios e artistas. Estes pensadores receberam a alcunha
de utópicos pelos marxistas, que acreditavam ser impossível a conciliação
entre o capitalismo e melhorias para o proletariado. As próprias
experiências fracassadas de Owen, em sua fábrica na Escócia e na
comunidade de New Harmony, nos Estados Unidos, serviram de base para
as decepções com os utópicos.
• Socialismo Científico: Karl Marx e Friedrich Engels foram os criadores
do marxismo, que estes acharam por bem chamar de socialismo científico.
Para os alemães, a única solução possível seria a eliminação total do
sistema capitalista por meio da luta de classes, onde o proletariado
conquistaria o Estado, promovendoassim a “ditadura do proletariado”,
momento no qual progressivamente o Estado seria abolido e o comunismo
seria definitivamente implementado. A primeira obra que lançaram de
forma conjunta e que esboça a teoria posteriormente desenvolvida foi A
ideologia alemã. Posteriormente, juntam-se a Liga dos Justos, organização
de operários alemães exilados, produzindo seu programa em 1848, onde
afirmava-se que “um fantasma ronda a Europa: o fantasma do comunismo”,
buscando estimular a união entre proletariado por meio da frase
“proletariado de todo o mundo, uni-vos!” - era o Manifesto do Partido
Comunista. Para Marx e Engels, o “socialismo” seria a fase inferior,
primeira, do sistema comunista, mas no decorrer do século XIX, porém,
uma fusão operar-se-á entre ambos os termos. Em sua mais importante
obra, O Capital, Karl Marx analisa o funcionamento interno da economia de
uma sociedade capitalista.
• Anarquismo: com base nos escritos de Pierre-Joseph Proudhon,
acreditando que uma república de pequenos proprietários seria possível sem
a presença do Estado, Mikhail Bakunin opunha-se à ideia de “ditadura do
proletariado” defendida por Marx, desejando, o revolucionário anarquista, a
abolição do Estado juntamente com a da propriedade privada - dois dos
principais instrumentos de dominação do proletariado. Esta divergência é
um dos principais fatores que levaram à cisão dentro da Primeira
Internacional (1864-1876), levando ao rompimento total entre estas duas
correntes em 1872. O movimento anarquista foi marcado pelo radicalismo,
muitas vezes defendendo ações como o terrorismo para conseguir derrubar
o Estado e implementar uma organização social baseada em cooperação
entre os povos, autogestão e o fim do comércio com fins lucrativos.
• Doutrina Social da Igreja: O papa Leão XIII publicou a encíclica Rerum
Novarum em 1891. Por meio desta, revivificou a religião como instrumento
de justiça social, atacando firmemente os excessos da exploração
capitalista. Segundo esta, “o capital e o trabalho deviam viver em
colaboração um com o outro, obedecendo princípios da caridade cristã”.
• Ao longo do século XIX, o nacionalismo tornou-se cada vez mais
agressivo. A exaltação dos heróis nacionais e a repressão aos opositores
(considerados “inimigos da pátria”) foram utilizadas pela burguesia para
deter o avanço dos ideais marxistas.
• Segundo as interpretações marxistas, o Imperialismo ou neocolonialismo
seria a principal consequência da Segunda Revolução Industrial, como
veremos no próximo capítulo.
8. Imperialismo ou
Neocolonialismo
A ideia que mais me acode ao espírito é a solução do problema social, a
saber: nós, os colonizadores, devemos, para salvar os 40 milhões de
habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, conquistar novas
terras a fim de aí instalarmos o excedente de nossa população, de aí
encontrarmos novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das
nossas minas.
O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido,
conquistado, colonizado. Penso nas estrelas que vemos à noite, esses vastos
mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os planetas se pudesse;
penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente e ao mesmo tempo
tão distantes26.
8.1. Interpretações
O fênomeno do Imperialismo (ou Neocolonialismo) seria, de maneira geral,
a exploração de alguns países europeus, mais Japão e Estados Unidos, sobre
a África, a Ásia e a América Latina, por meio do domínio direto
(colônia/protetorado) ou mesmo de relações econômicas assimétricas (áreas
de influência). As frases acima, que compõem a abertura deste capítulo,
foram proferidas por Cecil Rodhes, um dos maiores ideólogos da conquista
ultramarina pelo Império Britânico, e evidenciam como pensavam os
gestores da política externa europeia do final do século XIX.
A teoria mais clássica acerca do Imperialismo, influenciada pelos escritos
marxistas de Lenin (Imperialismo: a fase suprema do capitalismo e Rosa
Luxemburgo), defende a ideia de que a busca por colônias seria um
processo oriundo das necessidades da industrialização em sua segunda
revolução, a partir do século XIX. Para estes, o imperialismo representava
uma forma colonial de capitalismo, fusão do capitalismo industrial com a
formação de oligopólios.
O Imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento
onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a
exportação dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde
começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs a
termo a partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências
capitalistas27.
Insatisfeitos com algumas lacunas deixadas por esta interpretação
excessivamente economicista, outros analistas do processo neocolonial
encontraram nas disputas políticas entre as nações europeias a chave para
entender a busca por territórios que, naquele momento, não significavam
lucro imediato para as metrópoles. Além disso, a necessidade de “exportar”
pessoas também pode ser considerado um dos fatores que levam à corrida
imperialista. Basicamente podemos explicar o Imperialismo por meio de
dois grandes vieses interpretativos: a questão econômica e a questão
político-social.
8.1.1. Questão econômica
De acordo com este ponto de vista, a Segunda Revolução Industrial teria
papel central no desenvolvimento da expansão imperialista. No século XIX,
os conglomerados oriundos da junção entre o capital bancário e o industrial
enfrentaram a primeira grande crise de superprodução e subconsumo da
história do capitalismo: a depressão de 1873 a 1896. Nesta, os oligopólios
perceberam a imperiosa necessidade de angariar maior mercado
consumidor, diversificar suas matérias-primas, obter mão de obra a preços
menores, assim como buscar novos locais para investir o capital excedente.
Apesar do discurso liberal ainda predominante, as ideias a favor do
protecionismo alfandegário começavam a se expandir no continente
europeu; desta forma, as alternativas viáveis passavam por buscar novos
mercados na África, Ásia e América (nesta a concorrência estadunidense
fez a ação europeia mais contida), formando-se assim o principal “pano de
fundo”do imperialismo, sem este ser o único motivo para a sua execução28.
Mas algumas questões sempre ficaram em aberto: seria o mercado
consumidor afro-asiático suficiente para pôr fim à crise europeia? Apenas
questões econômicas motivaram o imperialismo? Seriam os setores ligados
a burguesia hegemônicos a ponto de determinarem os rumos da política
externa das potências europeias?
8.1.2. Questão político-social
Respondendo de forma negativa a todas as questões acima apresentadas,
verifica-se a influência das rivalidades nacionalistas e fatores políticos
internos das potências europeias com maior importância na corrida
imperialista.
Em um primeiro momento, que pode ser demarcado, grosso modo, até o
início da década de 1890, o imperialismo servia como “válvula de escape”
para as principais tensões nacionalistas europeias. Como exemplo, a França
buscava amenizar as consequências do isolamento imposto pela Realpolitik
de Bismarck e a humilhação no pós-guerra franco-prussiana (1871) com a
conquista de territórios no ultramar. O caso da Argélia, conquistada de
forma gradual desde a década de 1830, é emblemático: para lá foram
enviados os alsacianos que optassem pela cidadania francesa até que esta
região fosse reconquistada.
É também neste momento da expansão que as colônias auxiliariam na
questão social, uma vez que eram uma solução diante do aumento das
tensões em uma Europa que sofria com a intensa migração para as cidades,
associada ao excedente populacional, este, por sua vez, oriundo do
crescimento na expectativa de vida e na redução dos índices de mortalidade.
Esta soma mostrava-se explosiva diante do quadro de afirmação das
ideologias de esquerda que se utilizavam dos baixos salários pagos aos
trabalhadores europeus, péssimas condições de trabalho e desemprego para
difundir suas ideias de igualdade sociale luta de classes. Assim, “exportar
pessoas” seria uma alternativa para evitar - ou pelo menos reduzir - o caos
social.
Em um segundo momento, já ao final do século XIX, a disputa entre as
potências por territórios, apresentadas no capítulo posterior com maiores
detalhes, serão fundamentais para o acirramento das tensões entre as
potências europeias.
Mais importante do que eleger como verdade absoluta uma das correntes de
interpretação é saber quais são as suas bases e associá-las, assim podendo
entender de forma completa o fenômeno imperialista, sem se comprometer
com ideologias ou tendências historiográficas.
8.2. Base Ideológica
Neste momento, nas principais academias e entre os intelectuais europeus,
desenvolvia-se uma adaptação do darwinismo (e da teoria da evolução das
espécies daí decorrente) às ciências humanas: o chamado darwinismo
social. A crença em tal ideologia estimulou milhares de europeus a
enfrentarem as dificuldades do ultramar para participarem do processo
imperialista.
Com a crença no darwinismo social, traçava-se um parelelo entre a
evolução das espécies, estudada por Charles Darwin, e os diferentes seres
humanos: acreditava-se que existia uma raça superior às demais (a branca)
destinada, desta forma, a impor-se sobre as outras. O que hoje poderia ser
contestado mediante diversos estudos e exames, naqueles tempos, acabou
por conquistar mentes influentes não só da Europa, mas do mundo como
um todo (lembre-se da influência do Conde de Gobineau entre os políticos
brasileiros oitocentistas).
Uma vez superior, o homem branco europeu tinha um “fardo”: introduzir a
civilização e a religião ao “bárbaro mundo distante”. Assim, estabeleciam-
se missões protestantes ou católicas, que se destinavam não apenas a
evangelizar estes povos, mas também transmitir a cultura europeia.
Principalmente no caso do imperialismo luso-francês, a ideia de assimilação
era bastante acentuada, sendo propagandeado que aquele colono que
adquirisse por completo os costumes metropolitanos seria tratado como
cidadão. Em Portugal, é criado o “estatuto do colonizado”, no qual são
estabelecidas as principais regras para tornar-se um cidadão português,
como falar a língua do colonizador, ser católico ou até mesmo dormir de
pijamas.
Não vamos deixar a África para os pigmeus, quando uma raça superior se
está multiplicando ... Esses indígenas estão destinados a serem dominados
por nós ... O indígena deve ser tratado como uma criança, e o direito
eleitoral lhe é proibido pelas mesmas razões do álcool (Cecil Rhodes,
inglês, fundador da Rodésia).
8.3. Como foi possível?
É comum louvar os Estados por seu papel na resistência à invasão europeia
[...] Na realidade [...] esse papel foi ambíguo. Se é verdade que alguns
resistiram muito bem [...] muitas outras sociedades constituídas em Estados,
em compensação, entraram em colapso no contato com os europeus [...] Por
outro lado, a resistência das sociedades sem Estado foi muitas vezes
duradoura e heroica [...]29.
Até a segunda metade do século XIX, o interior do continente africano era
um mistério para os europeus. Expectativas de minas e diversidade de
matérias-primas dominavam a cabeça dos industriais europeus, assim como
as hostilidades de “tribos guerreiras”, ou mesmo doenças incuráveis.
Podemos afirmar que o imperialismo, em especial sobre o continente
africano, seria uma junção de expectativas exageradas e preocupações
excessivas por parte da Europa.
Com o passar do século, o desenvolvimento tecnológico, principalmente no
setor bélico, de transportes (ex.: barco a vapor desmontável),
telecomunicações (o telégrafo ligava as metrópoles e suas possessões
ultramarinas), ou mesmo com o avanço da medicina (surgimento do
quinino), facilitaram a conquista ultramarina.
Além disso, notadamente, o acirramento da corrida colonial contou com a
colaboração de chefias afro-asiáticas. É um equívoco pensar que todos os
colonos resistiram ao imperialismo. Uma parcela pequena foi beneficiada
por meio de sua associação com os europeus e este é um elemento decisivo
para o sucesso da dominação europeia sobre vastas regiões na África e na
Ásia. Cada vez mais surgem estudos combatendo a visão tradicional de
“vitimização” dos afro-asiáticos.
8.4. Conferência de Berlim (1884-1885)
De forma equivocada, esta reunião entre os países participantes da corrida
imperialista é interpretada como aquela que definiu a partilha do continente
africano, algo que definitivamente não ocorreu neste momento. Podemos
afirmar que esta foi uma etapa decisiva sim, mas não única.
Convocada com o intuito de discutir os rumos do Congo, naquela época
visto como fundamental para o escoamento da produção europeia (a bacia
do Congo, por completo desconhecimento dos europeus, era considerada
navegável em toda a sua extensão), a Conferência insere-se na breve
tentativa de Bismarck em buscar dividendos políticos de uma possível
política expansionista.
Diplomatas de segundo escalão lá estavam presentes, o que por si só
esvazia a ideia de definição de fronteiras. Em tal evento, destaca-se a
atuação do rei Leopoldo II da Bélgica que, auxiliado pelo explorador
Morgan Stanley, consegue obter apoio para a criação do Estado Livre do
Congo, que seria administrado indiretamente por ele, caso único no
contexto do neocolonialismo.
Outros pontos também foram estabelecidos em Berlim, tais como:
• Livre navegação nas bacias do rio Congo e Níger;
• Proibição da escravidão na África;
• Controle da venda de bebidas alcoólicas para as etnias africanas;
• Proteção e livre circulação das missões cristãs nas colônias;
• Posse pela ocupação efetiva do território.
8.5. O Caso Português
Portugal possui uma situação inusitada neste processo colonizador, uma vez
que foi protagonista nas conquistas ultramarinas dos séculos XV e XVI e,
em pleno século XIX, já mantinha posse de alguns entrepostos comerciais,
como São Jorge da Mina, Luanda e Lourenço Marques.
No entanto, a situação da decadente monarquia lusitana na “corrida
imperialista” é desvantajosa: vivendo em uma economia agrária, suas forças
armadas eram inferiores àquelas das demais potências imperialistas e não
possuía recursos para ampliar as suas ocupações. O que restava aos
portugueses era buscar no chamado “direito histórico” o argumento que
justificaria a sua expansão imperialista.
Após a Conferência de Berlim, a diplomacia portuguesa empenhou-se em
conseguir apoio às suas revindicações. Apresenta, inclusive, o chamado
“mapa cor-de-rosa”, onde seria criada uma grande colônia portuguesa na
África subsaariana, ligando as duas costas africanas, tendo como ponto de
partida os atuais territórios de Angola e Moçambique, passando por Zâmbia
e Zimbábue. Como não existia ainda ocupação efetiva, era o “direito
histórico” que justificaria a posse sobre este vasto território.
Ao descobrir as intenções portuguesas, imediatamente a Inglaterra se coloca
contra seu histórico aliado, argumentando que as resoluções de Berlim
estariam sendo violadas e que o projeto da ferrovia Cabo-Cairo estaria
ameaçado. Não apenas uma oposição político-diplomática é realizada:
canhões ingleses são apontados para Lisboa no intuito de fazer o rei D.
Carlos I abandonar seu projeto expansionista. O “ultimato britânico” é
considerado uma das maiores humilhações nacionais pelos lusitanos, fato
bastante explorado pela propaganda republicana, contando, inclusive, no
hino nacional português. O resultado é a criação das colônias inglesas da
Rodésia no Norte, Rodésia do Sul e Botswana. Portugal se contentaria com
a manutenção de Angola e Moçambique, além da Guiné, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe.
8.6. África do Sul
A região da Colônia do Cabo está intimamente ligada às Grandes
Navegações, uma vez que ao dobrar o Cabo da Boa Esperança o navegador
português Bartolomeu Dias confirmou ser possível concluir o périplo
africano e chegar às Índias, tão desejadas pelo rei D. Manuel. No século
XVII, a recém-criada Companhia das Índias Orientais holandesa ocupa a
região, construindo uma feitoria que, sob o comandode Jan Van Riebeeck,
objetivava abastecer os navios e fornecer repouso seguro para os tripulantes
da EIC. O estabelecimento dos boers data da década de 1650 e seus
conflitos com os nativos, mais precisamente os Khoikhoi, também
remontam a esta época.
Na virada do século XVIII para o XIX, diversos acontecimentos na Europa
marcaram mudanças decisivas na região: a guerra anglo-neerlandesa, a
falência da Companhia das Índias Orientais e a consequente ocupação
britânica, legitimada ao final do Congresso de Viena (1814-1815). Com o
controle britânico sobre a área, vieram também suas práticas colonialistas,
como a atuação das missões (que procuraram proteger os negros do sistema
de castas imposto pelos boers), a luta contra a escravidão (proibida
oficialmente em 1833) e a cobrança de impostos.
Inicia-se a interiorização dos boers rumo ao nordeste, no que ficou
conhecido como o Grande Trek (1836-1844), resultando no Estado Livre de
Orange (1842) e na República do Transvaal (1852), livres da tutela inglesa
e com uma legislação baseada na superioridade racial. A descoberta de
diamante e ouro, porém, incrementaram o desejo inglês de controlar tais
áreas, uma vez que estes nunca aceitaram a autonomia boer. Após diversos
pequenos atritos, explodiu a Guerra dos Boers (1899-1902), com o
recrudescimento do nacionalismo boer, enorme dificuldade inglesa para
submeter a região sob seu controle, exposição da fragilidade militar da
metrópole e a consequente conciliação com os nativos brancos, resultando
na criação da República Sul-Africana, em 1910.
8.7. Índia
Região inicialmente dominada pelos franceses, a Índia foi transferida aos
britânicos ao final da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). A partir daí, a
populosa possessão gradualmente transforma-se, ao longo do século XIX,
na mais importante colônia britânca, chamada então de “a joia da coroa”.
Aplica-se o vitorioso modelo inglês de dominação indireta (indirect rule),
com a instrumentalização das chefias locais, que recebiam todo o tipo de
benefícios da metrópole em troca da submissão aos seus interesses
coloniais, sendo este controle exercido pela Companhia Britânica das Índias
Orientais. Outras importantes bases para a dominação sobre a região seriam
a exploração das rivalidades religiosas locais entre hindus e muçulmanos, a
desestruturação da manufatura têxtil local em prol da exportação dos
industrializados metropolitanos e, por fim, uma força militar local que
serviu não só na preservação da dominação britânica sobre a Índia mas
também foi fundamental na expansão territorial no continente asiático: os
cipaios.
E seriam justamente os cipaios aqueles que protagonizariam uma das
maiores rebeliões contra o “Império onde o sol nunca se punha” na Ásia. A
Revolta dos Cipaios ou Sipaios (1857-1858) simboliza a insatisfação da
população local com a exploração da mão de obra, mercado consumidor e a
insistente tentativa de ocidentalização dos indianos. O motivo mais
conhecido para a eclosão do conjunto de incidentes que compuseram a
revolta, iniciada em maio de 1857, está intimamente ligado à questão
cultural: os soldados se opunham veementemente à utilização de gordura
animal na fabricação dos cartuchos dos fuzis por eles utilizados.
Uma vez controlada tal rebelião, a Companhia das Índias Orientais foi
retirada da administração, passando o local a ser organizado de forma
conjunta pela Coroa britânica e pelo vice-rei da Índia. Ao longo da segunda
metade do século XIX, outras modificações nas relações ocorreram, tais
como a coroação da rainha Vitória como Imperatriz da Índia em 1877 ou
mesmo a criação do Congresso Nacional Indiano em 1885, partido
fundamental no processo posterior de independência.
8.8. China
Império milenar e que despertava muita atenção dos ocidentais com seus
produtos típicos (principalmente seda, chá e porcelana faziam muito
sucesso na Europa), era uma área muito restrita ao contato com o resto do
mundo. Os produtos industrializados europeus tinham dificuldade em
penetrar no amplo mercado chinês, seja pelas restrições impostas pelas
autoridades locais (que mantinha aberto somente o porto de Cantão) ou pelo
pouco interesse que despertavam na população local, o que incomodava
especialmente os britânicos. Para amenizar o “déficit comercial”, a venda
ilegal de ópio apresentou-se como uma solução, provocando dependência
química em boa parte da população de algumas cidades litorâneas
(principalmente Cantão) e resultando em lucros extraordinários
principalmente aos súditos da Coroa inglesa.
Temendo não só pelas finanças, mas também pelo crescente número de
viciados, o Imperador Daoguang (1820-1850) procura reforçar a ilegalidade
do ópio em 1839, lançando novo decreto de proibição, juntamente com uma
campanha de conscientização da população. Após incidente envolvendo
marinheiros ingleses, Daoguang determina a expulsão de todos britânicos
de seu império, aproveitando o contexto favorável para confiscar milhares
de barris do produto em Cantão.
Esta carestia da prata provém de que ela sai do país em massa, drenada pelo
comércio do ópio. Esse comércio é feito pelos ingleses. Este povo, não
tendo de que viver na sua terra, procura debilitar os habitantes [...] consumo
que fará secar nossos ossos, verme que roerá o nosso coração, ruína das
nossas famílias e das nossas pessoas. Desde que o Império existe, nunca
ocorreu um tão grande perigo. É pior que uma invasão de animais ferozes.
Peço que o contrabando do ópio se inscreva no código entre os crimes
punidos com a morte30.
Era a oportunidade que parte do parlamento britânico desejava para “abrir”
a China por meio da força. Prolongado debate foi travado entre seus
deputados, envolvendo questões comerciais, humanitárias e políticas. O
resultado foi a Primeira Guerra do Ópio (1840-1842), que expôs a
superioridade naval britânica diante dos navios à vela dos chineses.
Bombardeadas Nanquim e Cantão, com dificuldades de comunicação com a
capital, a única solução para o Imperador Daoguang seria travar uma guerra
no continente, mas a insatisfação de grande parte da população com a
Dinastia Qing poderia resultar na queda do próprio imperador. Sendo assim,
em agosto de 1842 era assinado o primeiro dos diversos tratados desiguais
impostos à China ao longo do século XIX.
De acordo com o Tratado de Nanquim, seriam abertos cinco portos para o
comércio britânico (Xanguai, Fuchou, Amói, Cantão e Ningpo), Hong
Kong ficaria sob o controle inglês e ainda seria paga uma indenização pelos
prejuízos causados pela guerra. A resistência das autoridades locais (os
mandarins) às resoluções do “acordo” resultaram em uma Segunda Guerra
do Ópio (1857-1858), desta vez sendo a Inglaterra auxiliada pela França.
Após nova vitória militar, os ocidentais exigem a abertura de onze novos
portos ao comércio com o Ocidente e a livre movimentação de missionários
e comerciantes (muitos traficantes de ópio). O novo imperador Qing,
Xianfeng, apesar de tentar resistir a tal violação da soberania nacional de
seu país, com a Convenção de Pequim, aceita o Tratado de Tianjin. De
forma gradual, estadunidenses, alemães e até mesmo japoneses passam a
realizar comércio com a China ao final do século XIX, totalizando mais de
50 portos abertos e diversas áreas de influência.
A resistência da população foi diversa. A dinastia Qing (também conhecida
como Manchu) foi o alvo preferencial, uma vez que esta era vista como
estrangeira e conveniente com a exploração imperialista. As manifestações
variaram de caráter, sendo as mais famosas:
• Rebelião dos Taiping (1851-1864): revolta urbana e de caráter messiânico.
Liderada por aquele que se autoproclamou o filho chinês de Deus (Hong
Xiuquan), atacava os Qing, pregando simultaneamente o fim da tradição
confucionista, uma espécie de igualdade social e a expulsão dos
imperialistas do Império. Originada na província de Guangxi, rapidamente
se estendeu, tomando proporção tal que o imperador Xianfeng aceitou o
auxílio estadunidense para sufocá-la.
• Revolta dos Boxers (1899-1900): de origem rural (província deShandong), a revolta foi protagonizada por uma das diversas sociedades
secretas que surgiram na China na segunda metade do século XIX,
denominada Punhos Harmoniosos e Justiceiros. De caráter
anticristão/antiocidental, seus membros eram xenófobos, acreditando ser
possível derrotar os estrangeiros sem o uso de armas de fogo. Com apoio de
algumas autoridades (incluindo a imperatriz Tzu Hsi em tentativa
desesperada de conquistar o apoio popular), os revoltosos atacaram missões
e cristãos chineses na mesma proporção, desencadeando a formação de uma
ampla aliança imperialista, que incluía desde os Estados Unidos até o
Império Austro-Húngaro, para derrotá-la em sangrenta intervenção militar.
• Proclamação da República (1910-1911): uma das organizações secretas
existentes na China tinha como protagonista Sun Yan-Sen, que estudou
medicina no exterior e, nos Estados Unidos, entrou em contato com a
ideologia republicana. Acreditava que somente a modernização de seu país
poderia modificar a situação de exploração da população local, algo
também compartilhado por setores da monarquia chinesa - como na
tentativa fracassada chamada de Reforma dos Cem Dias, que somente
serviu para enfraquecer ainda mais o Império. Conseguindo apoio de outros
nacionalistas, Sun Yat-Sen forma o Kuomitang, que protagoniza a chamada
Revolução de 1911, contando com significativa parcela do exército para
acabar com o milenar império.
8.9. Japão
Sob organização política semelhante àquela da Europa medieval, uma vez
que grandes proprietários de terra detinham a maior parte do poder político
em detrimento do imperador, o Japão estava distante do Ocidente. Em
termos comerciais, desde o século XVII, somente uma semana do ano era
destinada ao comércio com os ocidentais, restringindo bastante os lucros
das companhias comerciais mercantilistas.
Mesmo com a expansão imperialista, o Japão manteve-se isolado, o que
incomodava especialmente os estadunidenses, que desde a Marcha para o
Oeste tinham o Pacífico como alvo de sua expansão comercial. Atritos com
os japoneses, devido a violações por parte de navios pesqueiros dos EUA,
foram utilizados como argumentos pelo governo para forçar a abertura do
Japão. O famoso Comodoro Perry protagonizou tal evento, que contou com
a colaboração das principais autoridades japonesas, que preferiram negociar
a perder a guerra, assinando tratados desfavoráveis como ocorrera com o
Império Chinês.
Alguns eventos foram decisivos para que o Japão se distinguisse das demais
regiões orientais em suas relações com os imperialistas na segunda metade
do século XIX. Logo após a assinatura dos tratados com os Estados Unidos,
este país enfrenta uma prolongada Guerra Civil (1861-1865), o que posterga
a execução das cláusulas comerciais, as quais os estadunidenses tinham
direito desde a década de 1850. Enquanto isso, um debate político se
estabelecia: estaria o Xogunato correto ao admitir tais acordos com os
ocidentais? Este é o principal motivo para a Guerra Boshin (1867-1868),
que opôs os partidários do fortalecimento do Imperador e aqueles que
controlavam o governo descentralizado.
Ao final desta guerra civil, acabava o Xogunato e o Império era
reestabelecido no Japão. Sucederam-se diversas reformas no país, que
levaram a uma modernização de grande envergadura, assimilando métodos
e costumes ocidentais. A Era Meiji (1868-1912) implementou uma
Constituição em 1889, com base no modelo prussiano, em que o imperador
dividia o seu poder com o Parlamento. No setor econômico, as grandes
famílias que dominavam a economia agroexportadora transformaram-se,
com o auxílio do Estado, em grandes conglomerados industriais (os
zaibatsus). A defesa era reforçada mediante a criação de um exército que
seguia o modelo ocidental, substituindo o modelo anterior baseado nos
samurais.
Não só o Japão mantém a sua independência, mas também consegue
realizar seu próprio imperialismo, obtendo áreas de influência na China e
derrotando o Império Russo, até então, encarado como uma potência
ocidental, na Guerra da Manchúria (1904-1905).
8.10. Estados Unidos e América Latina
Desde a adaptação do isolacionismo dos foundings fathers na década de
1820, por meio da Doutrina Monroe, os estadunidenses têm na América
Latina o horizonte de suas intenções expansionistas, seja do ponto de vista
comercial ou, ainda, em termos territoriais. Já na década de 1840, por meio
do Corolário Polk, o México foi alvo do crescimento territorial
estadunidense (tema abordado no capítulo sobre a história dos Estados
Unidos).
Após a vitória do projeto capitalista-industrial na Guerra de Secessão(1861-
1865), de forma gradual, a política externa dos EUA desenvolve-se. Na
década de 1880, com a chegada do democrata Cleveland ao poder, adota-se
a estratégia da “defesa ofensiva”, o que resultaria em maciços investimentos
na Marinha de guerra. Ao mesmo tempo, o secretário de estado Olney
busca um papel hegemônico para os norte-americanos na política
continental, colocando, por meio da diplomacia, estes como mediadores dos
conflitos existentes. O corolário Olney pregava a solução através do
arbitramento, conforme ocorreu em dois casos simbólicos no final do século
XIX: na disputa pela região do Essequibo (Venezuela X Inglaterra) e na
Questão de Palmas (Brasil X Argentina).
Do ponto de vista econômico, os EUA cresciam em alguns setores mais de
quatro vezes, se comparados com a Inglaterra, e suas relações com a
América Latina não mais eram contestadas pela maior potência imperialista
do período. A Tarifa Makinley, que estabelecia o protecionismo
alfandegário àqueles países que não tivessem acordos bilaterais com os
Estados Unidos era um sinal de que as intenções estadunidenses
ultrapassariam, logo, os bons termos diplomáticos.
Foi nas presidências de Makinley e, após a sua morte, do vice Theodore
Roosevelt que o imperialismo estadunidense de fato afirmou-se na América
Latina. A Guerra Hispano-Americana seria o ponto de partida para as
intervenções militares cada vez mais presentes na região. Cuba e Porto Rico
eram o resquício do império espanhol no continente e lutavam arduamente
pela sua autonomia, quando obtêm o precioso apoio da Marinha dos EUA.
Sob a alegação de que os espanhóis teriam participado do Desastre do navio
Maine (algo que não aconteceu, uma vez que uma explosão espontânea
levou ao afundamento da embarcação), os EUA entram no conflito em
1898, sendo fundamentais na derrota dos ibéricos.
Não somente o controle sob as Ilhas Filipinas conseguem os discípulos de
George Washington, como também exigem recompensas de porto-
riquenhos e cubanos. Porto Rico torna-se um protetorado estadunidense,
uma vez que sua economia e defesa eram controladas diretamente pelo Tio
Sam. Já Cuba, aceita uma emenda a sua constituição, proposta pelo senador
estadunidense Orvile Platt, que não somente concede uma base naval aos
Estados Unidos, como também dava o direito de intervenção militar em
caso de violação dos interesses políticos e econômicos dos EUA na ilha
caribenha. A partir da Emenda Platt, que vigorou até a década de 1930,
Cuba seria conhecida como o “Quintal dos EUA”.
Outras intervenções militares seguiram-se na América Central e Caribe:
intervenção na República Dominicana (1907), ocupação do Haiti (1915-
1934) e intervenção em Cuba com base na Emenda Platt em 1917. No caso
do Panamá, os estadunidenses estimulam o movimento já existente pela
independência da região, uma vez que possuíam interesse na construção do
canal que abreviaria a ligação oceânica entre as suas duas costas. Não
houve intervenção direta, mas o apoio dos EUA ao movimento autonomista
fez o governo colombiano desistir de qualquer tentativa de impedir a
secessão da região em 1903, sendo o canal inaugurado em 1914 e mantido
sob o controle direto dos Estados Unidos até 2000.
O início do século XX marca os tempos do Corolário Roosevelt, quando os
interesses estadunidneses eram defendidos por meio de intervenções
militares nas áreas da América Latina e do Caribe. Segundo o presidente
que dá nome a talpolítica externa, aquelas nações desgovernadas ou
turbulentas que não sabem fazer “bom uso da sua independência” sofreriam
com as ações estadunidenses. Até a década de 1930, quando é substituída
pela Boa Vizinhança, a política externa dos EUA para a região é baseada no
que fica conhecido como o Big Stick.
8.11. Conclusão
Consolidado somente ao final do que o historiador inglês Eric Hobsbawn
chama de o “longo século XIX” (1789-1914), com a conclusão da partilha
africana, o Imperialismo fez com que restassem apenas dois Estados
independentes naquele continente: a Etiópia cristã, que resistiu à invasão
italiana, e a República da Libéria, com seus históricos laços de união com
os Estados Unidos.
O processo imperialista tem como principais consequências:
• Criação de fronteiras artificiais, que unem em um mesmo território etnias
ou grupos rivais;
• Guerras étnicas/religiosas nas áreas coloniais entre tais grupos rivais
citados anteriormente, em alguns momentos estimuladas pelas potências
imperialistas;
• Diversas formas de resistência de chefias/grupos contra a submissão ao
poder imperialista.
Escutei tuas palavras, mas não vi qualquer motivo para obedecer-te, antes
preferiria morrer. Se o que queres é amizade, estou pronto a oferecer-te,
hoje e sempre; mas quanto a ser teu súdito, isso nunca! Se o que queres é
guerra, estou pronto para ela, mas ser teu súdito, nunca! Não cairei a teus
pés, porque és uma criatura de Deus, assim como eu. Sou sultão aqui na
minha terra. Tu és sultão lá na tua!31.
• Exploração da mão de obra local, agora não mais sob o regime escravista
(ao menos oficialmente). Muitas metrópoles usam o artifício da cobrança de
impostos para obrigar a população local a trabalhar em seus
estabelecimentos, uma vez que para obter dinheiro a fim de pagar os
tributos estes tinham que se empregar com os colonizadores.
• Desestruturação da economia local, pois muitas vezes os colonos
abandonam a agricultura de subsistência para trabalhar nos
estabelecimentos metropolitanos, causando muitas vezes fome.
• Imposição da cultura europeia sobre as colônias, heranças do imperialismo
até hoje sobre estas regiões.
• Tensões interimperialistas: Inglaterra e França possuem as melhores
colônias, enquanto potências emergentes como o Império Alemão somente
entram no processo de forma tardia.
[...] A infelicidade da África começou com a escravatura. Milhões de
africanos, sobretudo homens jovens, foram raptados e levados para o outro
lado do mar [...]. A colonização europeia, organizada em torno do tráfico
negreiro, aprofundou divisões antigas, criou outras, abalou estruturas
tradicionais, massacrou, destruiu, arrasou. Quando a vasta máquina de
extermínio, a escravatura, deixou de funcionar e os povos de África se
libertaram finalmente da opressão colonial, o que restava era um continente
ao qual haviam roubado a população, a dignidade e a própria
memória.Exige-se hoje aos africanos que esqueçam tudo isto. Julgo, pelo
contrário, que é importante lembrar. Porém, ao invés de chorar sobre o leite
derramado, devemos procurar utilizar a nosso favor alguns dos frutos da
política europeia relativa à África. Acontece que de árvores ruins podem
nascer frutos saudáveis e saborosos. A escravatura, por exemplo, deu
origem a florescentes sociedades crioulas no Novo Mundo. É preciso que
estas sociedades, e a comunidade negra dos Estados Unidos da América,
com crescente poder político e econômico, reencontrem a África32.
9. Os Estados Unidos - Colonização
e Independência
9.1. América Inglesa
Embora por determinação do Tratado de Tordesilhas a região hoje conhecida
como América do Norte estivesse sob domínio espanhol, a Inglaterra - que
passava por intenso crescimento econômico e iniciava sua expansão pelos
mares - venceu a resistência militar espanhola e organizou expedições que
iniciaram a exploração da área, com navegadores como John Howkins e
Francis Drake. Pouco depois, os ingleses fundariam a Companhia das Índias
Ocidentais, que ficaria responsável pelos laços comerciais estabelecidos com
a nova colônia.
De maneira geral, os problemas sociais pelos quais passava a Inglaterra
durante o século XVI acabaram contribuindo decisivamente para que a
ocupação e exploração do território que ficaria conhecido como Treze
Colônias (New Hampshire, Massachusets, Rhode Island, Connecutict, Nova
Iorque, Nova Jérsei, Delaware, Pensilvânia, Maryland, Virgínia, Carolina do
Norte, Carolina do Sul e Geórgia) obtivesse êxito.
Em primeiro lugar, os conflitos político-religiosos que opunham, na
Inglaterra, católicos e protestantes, estimularam de forma significativa a
vinda de perseguidos religiosos para a América e, consequentemente, a
colonização das Treze Colônias. A chegada do navio Mayflower na costa de
Massachussets, em 1620, é o grande marco da entrada maciça de puritanos
na região. Além disso, membros oriundos de classes mais baixas, em
especial camponeses que perderam suas terras após o processo de
cercamento dos campos, iniciado por Henrique VIII ainda no século XVI,
também compuseram o contingente de emigrados para a América inglesa,
bem como burgueses que viam no Novo Mundo uma alternativa atraente de
investimentos e enriquecimento.
As particularidades geográficas do território americano e, claro, os interesses
da metrópole inglesa, são responsáveis por ditar as regras e a forma pela qual
se desenvolveria o modelo de colonização inglesa.
Na região Sul, detentora de um clima subtropical que possibilitava a
produção de gêneros diferenciados daqueles que eram encontrados na
Europa, estabeleceu-se uma colonização baseada na plantation, ou seja,
grandes propriedades monocultoras (arroz, algodão, tabaco etc.),
dependentes do trabalho escravo africano e voltadas para o abastecimento do
mercado externo. Em tais áreas, o pacto colonial era rigidamente fiscalizado
- o que não impedia que fosse burlado vez por outra - visto que o retorno
econômico obtido pela metrópole era considerável.
Já na parte setentrional das Treze Colônias, conhecida como Nova
Inglaterra, cujo solo e clima eram bastante semelhantes aos que se viam na
própria metrópole, predominaram as pequenas e médias propriedades,
voltadas para atender ao mercado interno e o uso da mão de obra livre,
familiar ou assalariada. Dessa forma, instituiu-se na região uma política
colonial peculiar, conhecida como negligência salutar, em que o pacto
colonial, apesar de presente, não era alvo de intensas fiscalizações como em
outras áreas coloniais. Tal postura da metrópole acabaria propiciando um
maior desenvolvimento do Norte das colônias, o que seria verificado anos
mais tarde, quando essa área se consolidaria como um polo manufatureiro no
continente.
O conhecido comércio triangular, desenvolvido com sucesso durante anos
envolvendo Europa, África e América, consolida a ideia de integração
capitalista mundial citada anteriormente, consistindo na compra e venda de
produtos como armas de fogo, algodão, rum e produtos manufaturados sem
necessariamente passar pela metrópole, o que vai de encontro com as
tradicionais relações entre metrópole e colônia.
9.2. O processo de independência
O século XVIII é marcado pelo surgimento e difusão do Iluminismo,
conjunto de ideias liberais surgidas na Europa, que chegaria ao continente
americano servindo de base para a independência das Treze Colônias, antes
de se espalhar pelos demais domínios europeus na região. John Locke,
intelectual contemporâneo da Revolução Inglesa (1640-1689) e autor de
livros que defendiam a existência de leis naturais do contrato entre
governantes e governados, da autonomia entre os poderes de Estado, do
direito à revolta e outras, foi considerado o pensador-chave do processo
revolucionário que originaria os Estados Unidos da América.
O caráter pioneiro da libertação das Treze Colônias inglesas - quando
comparado aos demais processos de independência do continente -
relaciona-se com a mudança de postura por parte da metrópole, que, em
meados do século XVIII, altera as relações estabelecidas com seuscolonos.
Passando pela Revolução Industrial (a partir da metade do referido século) e
pela Guerra dos Sete Anos contra a França (1756-1763), a Inglaterra inicia
um arrocho no pacto colonial, acabando com a liberdade vivenciada pela
região Norte por meio da negligência salutar - política de não fiscalização
do pacto colonial - buscando um maior controle sobre suas possessões
ultramarinas e anunciando novos tributos que oneravam consideravelmente
a população colonial. Nesse sentido, o governo britânico estipulou a Lei do
Açúcar (1764 - criava impostos adicionais sobre o açúcar, procurando
proteger os produtores da concorrência das Antilhas), a Lei do
Aquartelamento (1765 - exigia que os colonos alojassem, concedessem
alimentos e transporte às tropas enviadas para a colônia), a Lei do Selo
(1765 - imposto sobre todos os documentos em circulação na região
colonial), entre outros mecanismos de taxação.
A reação na colônia foi imediata. Os colonos argumentavam que não
possuíam representação no Parlamento britânico e, portanto, não poderiam
ser taxados. Reunidos em Nova Iorque, realizaram o Congresso da Lei do
Selo (1765), em que decretaram o boicote aos produtos importados da
metrópole e a suspensão da Lei do Selo. As pressões de negociantes ligados
ao comércio atlântico foram inúmeras, o que resultou no recuo das
autoridades coloniais. Estava abolida a Lei do Selo.
Insatisfeito com essa vitória dos colonos, o primeiro-ministro Charles
Townshend decretou, em 1767, diversas novas taxações sobre produtos que
eram exportados para as Treze Colônias americanas, como chá, vidro,
corantes e papel. Novamente foram articulados boicotes que esgarçaram as
relações entre colônia e metrópole, com resultado próximo àquele de 1765,
ou seja, a revogação das taxações, exceto de um produto: o chá. A
Inglaterra acabara de conquistar a Índia, importante colônia francesa no
Oriente, sendo grande a quantidade de chá armazenada com a Companhia
das Índias, que fazia pressão pelo estabelecimento do monopólio do
produto, estabelecido em 1773. Apesar da redução dos preços, os
americanos acreditavam que estava aberto um precedente perigoso, uma
vez que o mesmo poderia acontecer com outros produtos.
Diante dessa situação, os colonos dividem-se em dois grupos: os chamados
legalistas, próximos aos tories, que defendiam a autoridade da Coroa
inglesa e pretendiam uma conciliação com a metrópole. Esta tendência é
formada, principalmente, por funcionários reais e latifundiários. Já os
conhecidos como patriotas, defensores de uma radicalização política que
culminaria na independência, apresentavam-se mais perto dos whigs, e
eram oriundos, em especial, de setores da burguesia e dos yeomen.
Em 1773, alguns colonos, liderados por Samuel Adams e componentes de
um grupo pró-independência, os “Filhos da Liberdade”, disfarçaram-se de
índios e, misturados aos trabalhadores portuários de Boston, lançaram todo
o carregamento de chá da Companhia das Índias - cerca de 45 toneladas -
ao mar. A reação inglesa foi severa: as chamadas Leis Intoleráveis
decretaram o fechamento do porto de Boston até que a indenização devida
fosse paga à companhia, a transformação de Massachussets em colônia real,
a transferência do poder jurídico nas colônias para os tribunais
metropolitanos e o aumento da quantidade de tropas do exército para
fiscalizar o cumprimento destas leis.
No ano seguinte, os colonos organizaram o Primeiro Congresso Continental
da Filadélfia, cujas decisões, compiladas na Declaração de direitos e
agravos, foram: intensificar o boicote às mercadorias britânicas, confiscar
as importações metropolitanas, recusar as leis intoleráveis e pleitear um
novo Congresso, com participação dos colonos (no taxation without
representation). A petição foi enviada ao rei George III, que a recusou
imediatamente. Uma vez que a tendência legalista não alcançara resultados,
realiza-se o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, entre 1775 e
1776, que, na Declaração das causas e necessidades de pegar em armas,
determina a utilização do uso da força como forma de resistência à agressão
britânica, o estabelecimento do Exército Continental - comandado por
George Washington - e, finalmente, em quatro de julho de 1776, a
Declaração de Independência dos EUA.
Esse documento, que teve Thomas Jefferson como principal autor, baseava-
se especialmente na defesa dos direitos individuais e do direito de
revolução, comunicando oficialmente que as Treze Colônias não mais
faziam parte do Império Britânico. Diante da recusa inglesa em aceitar a
independência de suas colônias, iniciou-se um conflito militar (1775-1781)
no qual os colonos formalizavam a luta pela autonomia, contando com
apoio francês (Tratado de Aliança Franco - Americana) e espanhol.
Finalizado em 1783, o processo de independência teve como ponto final o
Tratado de Paris, quando, finalmente, a Coroa inglesa reconheceria a
separação do antigo território colonial. A partir de então, os estadunidenses
buscam a pacificação externa tendo em vista a própria integração interna.
Neste sentido, o governo dos EUA evita participar do processo
revolucionário francês (1789-1798), mesmo quando seu auxílio foi
solicitado mediante cobrança de cumprimento do Tratado de 1778, que
falava de uma aliança perpétua entre os dois países. Tal atitude gera críticas
dos gauleses e aproxima os americanos de sua ex-metrópole (Tratado de Jay
- 1794). O próprio George Washington pregava em seu discurso de
despedida que os Estados Unidos deveriam “evitar anexos e envolvimentos
em assuntos estrangeiros, especialmente os da Europa, que teriam pouco ou
nada a ver com os interesses da América”. Para um dos founding fathers,
não fazia sentido o povo estadunidense ingressar em um conflito europeu,
sendo ainda a neutralidade vantajosa para concentrar-se em seus próprios
assuntos.
Com relação à organização política interna, as disputas mais significativas
eram protagonizados por aqueles que defendiam um poder central mais
forte, respeitando as autonomias dos estados (federalistas), e os
antifederalistas, favoráveis a uma grande autonomia para os estados,
publicando suas ideias nos chamados Artigos da Federação (1781-1787).
Para evitar que tais atritos e visões opostas levassem a revoltas populares de
grandes proporções, os federalistas redigem a primeira Constituição
estadunidense em 1787, a primeira do continente, que é composta por
princípios liberais, tais como:
• República como forma de governo;
• Tripartição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário);
• Bicamaralismo, com o Senado representando os estados (dois senadores
por estado) e a Casa dos representantes (o número de deputados seria
proporcional à quantidade de habitantes do estado);
• Voto censitário, sendo a renda o critério de participação no processo
eleitoral;
• Estado laico;
• Manutenção da escravidão.
Mas a aprovação do texto constitucional nos estados não foi tarefa fácil.
Federalistas como Alexander Hamilton, John Jay e James Madison,
defenderam a ratificação da Constituição nos chamados Papéis Federalistas,
uma série de artigos publicados em jornais em defesa do governo central
forte que respeitasse a tripartição de poderes. A antipatia dos
antifederalistas somente foi suplantada com a aprovação de 10 emendas em
defesa dos direitos individuais, aprovadas pelo Congresso, conhecidas
como a Declaração dos Direitos. São algumas delas:
• Liberdade de imprensa, expressão, religião e o direito de se reunir
pacificamente, de protestar e exigir mudanças (Primeira Emenda);
• Proteção contra buscas, confisco de propriedade e prisão injustificadas
(Quarta emenda);
• Cumprimento dos procedimentos legais em todos os casos criminais
(Quinta emenda);
• Direito a um julgamento justo e rápido (Sexta emenda);
• Proteção contra penas cruéis e incomuns (Oitava Emenda);
• Dispositivos assegurando que as pessoas reteriam direitos adicionais não
enumerados na Constituição (Nona Emenda).
Outras alterações ocorreram na Constituição, como aquela referente ao voto
qualificadodos negros (1865), voto universal (1870), voto secreto (1888) e
o sufrágio feminino (1920). Mas até hoje a Constituição original se mantém
nos Estados Unidos.
9.3. Instabilidade política inicial
Enquanto os federalistas se posicionavam ao lado da Inglaterra no contexto
das guerras europeias, uma vez que lucravam no comércio com a maior
potência econômica da época, por ideologia, os republicanos (antes
chamados de antifederalistas) acreditavam que o alinhamento com a França
era natural.
Decretado o Bloqueio Continental (1806), crescem as tensões com a
Inglaterra, descontente com a neutralidade estadunidense. Incidentes com
índios no Oeste, o recrutamento forçado de marinheiros e o desejo de
anexação do Canadá por parte dos Estados Unidos foram fatores
fundamentais para a eclosão da Guerra de 1812, também chamada de
Segunda Guerra de Independência.
O posicionamento contra a guerra por parte dos federalistas na Convenção
de Hartford enfraqueceu sua posição interna, uma vez que os ânimos
nacionalistas exaltados com o desenrolar do conflito, que tem episódios
emblemáticos na história estadunidense como a tomada de Washington
pelos britânicos ou mesmo a composição do hino dos Estados Unidos da
América, foram utilizados pelos democratas-republicanos (antes
republicanos), que, ao assinar a Paz Eterna de Gand em 1814, colocaram
um ponto final no conflito, capitalizando tal vitória militar. Nesta, a região
dos Grandes Lagos foi confirmada como zona neutra, fixando a fronteira
norte entre os Estados Unidos e o Canadá.
Entre os principais destaques da política estadunidense na primeira metade
do século XIX está a democracia jacksoniana (1829-1837). O chamado
jacksonianismo tem como base o apoio dos trabalhadores e dos pequenos
camponeses aos republicanos-democratas, acreditando em um governo que
promoveu a ampliação da cidadania, o sistema de spoils (retirando os
antigos funcionários públicos ligados ao governo de John Quincy Adams,
entre 1825 e 1829) e a extinção do II Banco dos EUA, considerado pelas
camadas baixas especulador e explorador da economia popular.
9.4. Marcha para o Oeste
Sobre a composição territorial, com o Tratado de Paris (1783) os Estados
Unidos garantiram a posse das terras a Oeste até o rio Mississipi. Ao longo
do século XIX, os estadunidenses não respeitaram este limites e deram
início ao processo de expansão territorial em direção ao Pacífico, que daria
ao país sua configuração geográfica atual, impulsionados por fatores
econômicos (como a necessidade de terras para a agricultura), sociais
(como a perseguição aos novos grupos religiosos - Novo Despertar) e
políticos.
A chamada Marcha para o Oeste era justificada ideologicamente pela Teoria
do Destino Manifesto, segundo a qual os estadunidenses haviam sido
escolhidos por Deus para ocuparem as terras a Oeste de seu território. John
L. O’Sullivan, escritor e político defensor do Partido Democrata, lançou
pela primeira vez a ideia de que os “norte-americanos foram escolhidos
pelo destino para dominarem a América”, em um misto de liberalismo e
teoria da predestinação. Baseados nessa doutrina, milhares de homens -
conhecidos como pioneiros - lançaram-se na empreitada, que possibilitou
um grande crescimento, não apenas geográfico, mas também econômico
para os EUA, que adquiriram áreas ricas em ouro e petróleo, além de
desenvolverem atividades como a agricultura e a pecuária.
O processo de expansão territorial inicia-se ainda em 1803, quando após
negociação com Napoleão Bonaparte, foi comprada a Louisiana. Pouco
tempo depois, em 1819, a Flórida foi comprada da Espanha, importante
para o acesso estadunidense para o golfo do México e para as Antilhas.
Neste contexto, ainda foi comprado o Alasca, pertencente ao Império
Russo, em 1867.
Objetivando estimular a ocupação das novas áreas conquistadas no Oeste, o
governo norte-americano oferecia terras a preços baixos. Em 1820, por
exemplo, oitenta acres poderiam ser comprados por cem dólares e, em
1862, foi decretado o Homestead Act, segundo o qual seriam cedidas terras
a quem se comprometesse a torná-las produtivas em um prazo de cinco
anos. Um dos principais incentivadores foi o presidente James Polk (1845-
1849), que dentre outras medidas, como a redução de tarifas e o
reestabelecimento do sistema independente do Tesouro, conquistou a região
do Oregon (hoje Oregon, Washington, Idaho e Columbia Britânica) por
meio de negociações com a Inglaterra e, ao mesmo tempo, ao sul, travou
intensa guerra contra o México para expandir o território estadunidense.
A Guerra México - Americana (1846-1848) inicia-se quando o presidente
Polk envia o diplomata John Slidell com o intuito de negociar a compra das
regiões do Novo México e da Califórnia. Insatisfeitos com a perda do
território do Texas para os estadunidenses (o Texas foi um Estado
independente de 1836 até ser aceito pela união em 1845 - era chamado de
“lonely star republic”), os mexicanos não aceitaram nem mesmo receber o
diplomata, sendo este o estopim para a declaração de guerra. Após meses de
conflito, os mexicanos aceitam os termos do Tratado Guadalupe - Hidalgo
(1848), no qual perdeu 2 milhões quadrados de seu territórios, que deram
origem ao Texas, à Califórnia, ao Novo México, ao Arizona, a Utah e a
Nevada, sendo assim obtida a saída para o Pacífico. Além da conquista de
mais de 2/3 do território mexicano, a Marcha para o Oeste ocorreu a
desrespeito das populações indígenas (apaches, navajos, cheyennes, dakotas
dentre outros), dizimadas ou confinadas em Oklahoma, distantes de suas
origens por meio da Lei da Transferência de Índios, forjou-se a construção
nacional dos Estados Unidos da América.
9.5. Guerra de Secessão (1861-1865)
Em todos os sistemas sociais, é preciso haver uma classe para desempenhar
as tarefas indígenas, para fazer o que é monótono e desagradável ... nós a
chamamos escravos. [...] não chamarei a classe existente do norte usando
esse termo; mas vocês também os possuem; [...] A diferença entre nós, é
que os escravos são contratados pela vida toda, e são bem recompensados;
não há fome, nem mendicância, nem desemprego entre nós, e nem excesso
de empregos, também. Os de vocês são empregados por diárias, não são
bem tratados, e têm escassa recompensa, o que pode ser provado, da
maneira mais deplorável, a qualquer hora, em qualquer rua de suas cidades.
Ora, pois a gente encontrava mais mendigos em um dia, em uma só rua de
Nova Iorque, do que os que se encontram durante toda uma vida no sul
inteiro. Nossos escravos são pretos, de uma raça inferior; ... os de vocês são
brancos, de sua própria raça; são irmãos de um só sangue33.
Ao mesmo tempo em que assistia à expansão de seu território, o país viu
crescer também as disparidades regionais, especialmente no que diz
respeito às diferenças entre os estados do Norte e os do Sul.
Enquanto os primeiros configuravam-se, geralmente, como polos
industriais, utilizando predominantemente o trabalho assalariado e
defendendo o protecionismo alfandegário, a região Sul caracterizava-se,
ainda, como na época colonial, por uma estrutura baseada na
agroexportação, no trabalho escravo e no livre-comércio, típicos de uma
sociedade consumidora - e não produtora - de gêneros industrializados.
As divergências, que remontam ao início da colonização inglesa na região,
tornaram-se irreconciliáveis diante da expansão territorial para o Oeste,
uma vez que os estados lutavam para que as novas áreas adquiridas
adotassem seus modelos socioeconômicos. Várias foram as tentativas de
organização:
• Compromisso do Missouri (1820): neste compromisso, o Missouri foi
admitido como escravista; em contrapartida o Maine era reconhecido como
livre. O restante da Louisiana seria integrada como territórios livres.
• Compromisso Clay (1850): a Califórnia era admitida como território livre,
mesmo com parte de suas terras ao sul.
• Ato Kansas-Nebraska (1854): os dois estados citados teriam liberdade de
escolha, por meio de um plebiscito, para escolher se seriam admitidos como
escravistas ou livres, violandoassim o Compromisso de 1820, uma vez que
os dois faziam parte da antiga Louisiana.
Episódios como a repercussão positiva do romance A Cabana do Pai
Tomás, considerado um libelo abolicionista, a formação do Partido
Republicano (1854) e o Caso Dread Scott, quando foi negado aos negros o
acesso à justiça, foram elementos importantes no acirramento das tensões
internas. Favorável à extensão dos territórios livres, o ex-deputado
Abraham Lincoln se opôs ao senador Stephen A. Douglas, idealizador da
Lei Kansas-Nebraska. Apesar de derrotado nas eleições para o senado em
1858, protagonizou uma série de debates sobre a abolição, sendo seu
discurso da “Casa Dividida” um símbolo da divisão política interna e um
dos principais fatores para a sua projeção nacional.
Com os democratas divididos entre duas candidaturas para a décade de
1860, o caminho para a vitória de Lincoln estava aberto. A confirmação nas
urnas da vitória do primeiro presidente eleito pelo Partido Republicano e
defensor do abolicionismo foi a gota d’água para que a região Sul formasse
os Estados Confederados da América e declarassem a secessão do restante
do país. Este episódio deu início à Guerra Civil entre o Norte e o Sul dos
EUA.
Graças, em parte, ao elevado contingente demográfico - cerca de 2/3 da
população dos EUA vivia nos estados do Norte - e a uma sólida
industrialização, a região - que contava com pelo menos três fábricas
modernas de armamentos - pôde vencer o Sul que, embora tenha saído em
vantagem nas primeiras batalhas, não teve possibilidade de manter-se no
conflito, assinando a rendição em abril de 1865.
Com um resultado final de seiscentos mil mortos, boa parte do Sul
devastada, e o decreto de abolição da escravidão finalmente assinado, a
guerra civil trouxe como consequência nefasta uma radicalização ainda
maior da segregação racial no país, dando origem a associações racistas
como a Ku-Klux-Klan, fundada em Nashville no ano de 1867, que não
aceitava a integração dos negros como homens livres com direitos
adquiridos e garantidos por lei após 1865. Vestindo capuzes cônicos e
longos mantos brancos, a fim de não serem reconhecidos, os membros da
KKK organizavam manifestações racistas, linchamentos, espancamentos,
incêndios de residências e assassinatos, não apenas de negros, mas também,
em menor escala, de brancos que com eles simpatizavam, judeus, católicos
e hispânicos.
Apesar dos prejuízos causados pelo conflito, a recuperação econômica dos
Estados Unidos foi rápida, possibilitando a expansão do modelo capitalista-
industrial de Norte a Sul e transformando o país na grande potência do
continente americano entre os séculos XIX e XX.
10. A América Espanhola
Porventura, este imenso território, seus milhões de habitantes devem
reconhecer a soberania dos comerciantes de Cádiz e dos pescadores da Ilha
de Léon? (...) Porventura, terão passado a Cádiz e à Ilha de Léon, que fazem
parte da Andaluzia, os direitos da Coroa de Castela, à qual foram
incorporadas as Américas? Não, senhor; não queremos seguir a sorte da
Espanha, nem ser dominados pelos franceses. Resolvemos tomar de novo o
exercício de nossos direitos de nos salvaguardarmos a nós mesmos34.
10.1. Introdução
O processo de independência das colônias espanholas na América insere-se
no contexto de difusão das ideias iluministas pelo continente, consolidadas
especialmente após a emancipação das Treze Colônias, ainda no século
XVIII e a expansão do iluminismo revolucionário francês com Napoleão
Bonaparte.
No entanto, podemos elencar alguns fatores mais específicos no que diz
respeito à relação metrópole-colônia na região, a partir de meados dos anos
1700. Nesse sentido, a política metropolitana de restrições comerciais
típicas do pacto colonial e a profunda insatisfação com a organização
político-social marcaram o período de crise do antigo sistema colonial na
América espanhola.
Marcada pelo preconceito racial, a sociedade colonial era dividida de
acordo com o nascimento. Os chapetones (cerca de 0,3% da população
total) eram espanhóis nomeados pelo Conselho Real e Supremo das Índias
para ocuparem os órgãos administrativos; logo abaixo na hierarquia social
vinham os criollos (aproximadamente 20% da população), brancos nascidos
na América, que formavam a elite colonial, detentores das minas, terras e
altos postos no exército e na Igreja colonial, porém tinham participação
limitada na política (somente atuavam nas câmaras municipais, os cabildos)
enquanto os não brancos levavam uma vida miserável, trabalhando de
forma compulsória (índios na mita e encomienda), escrava (negros) ou em
atividades de pouca qualificação (mestiços).
Durante o reinado de Carlos III (1759-1788) uma série de mudanças na
política colonial foram estabelecidas, ficando conhecidas como as Reformas
Bourbônicas. Procurando associar o absolutismo com ideias liberais, o
principal objetivo do Despotismo Esclarecido espanhol seria promover a
modernização da Espanha, reinserindo a península ibérica entre as maiores
potências da Europa. Para isso, a exploração mais racional das colônias era
fundamental, obtendo capital para financiar as inovações na metrópole.
Agumas destas medidas são:
• Criação de companhias de comércio que seriam beneficiadas com
monopólios;
• Criação do Vice-Reino do Prata, que reunia territórios que hoje pertencem
ao Uruguai, à Argentina, ao Paraguai e à Bolívia);
• Substituição dos alcaides pelas intendências;
• Aumento de impostos e das forças militares nas colônias;
• Ampliação do exclusivo colonial, com o fim do asiento e permiso aos
ingleses;
• Incentivo à diversificação agrícola, com o aumento do número de índios
cedidos para a mita e para a encomienda;
• Expulsão dos jesuítas das colônias americanas.
Influenciados de certa forma pelos ideais iluministas e pela independência
dos Estados Unidos (1776) surgem as primeiras ações pela libertação no
final do século XVIII. É o caso da rebelião liderada por Tupac Amaru (seu
nome real era José Gabriel Condorcanqui), descendente direto do último
imperador Inca, profundo conhecedor do território peruano devido a sua
atividade de tropeiro e frequentador da universidade de Lima, através de
uma carta, pedia ao rei espanhol a diminuição do número de índios na
mita/encomienda. Ignorado pelo soberano, Tupac incentivou os índios a
pegarem em armas pela abolição do trabalho compulsório e dos impostos.
Interpretada por muitos como o primeiro movimento pea libertação da
América, terminou de forma trágica: traído, Tupac Amaru foi preso,
torturado na Plaza de Armas em Cuzco e decapitado.
10.2. Processo de Libertação
Não obstante alguns movimentos que já usavam a palavra independência,
ainda no século das luzes, a onda emancipatória só se tornaria real nas
colônias hispano-americanas a partir da década de 1810. A associação entre
a Coroa Espanhola e o expansionismo napoleônico, que rendeu bons frutos
no início do século XIX (conquista de Olivença no contexto da Guerra das
Laranjas), após a invasão da Península Ibérica por parte dos franceses como
forma de retaliação pela violação do bloqueio continental (1806), por parte
de Napoleão, agora era onerosa para os súditos de Carlos IV.
Símbolo deste conturbado momento, o Motim de Aranjuez (1808) marca a
revolta da população com a situação de submissão aos interesses
napoleônicos e, em especial contra o gestor desta, o Primeiro Ministro
Manuel de Godoy - jovem comandante da Guarda Real que passou a ter
uma influência política gigantesca na Corte -, cerca o palácio imperial,
exigindo a renúncia do rei. Após o quase linchamento de Godoy e os
rumores, mal recebidos pelo povo espanhol, de que a família real fugiria
para a América, Carlos IV acaba abdicando ao trono em favor de seu filho,
D. Fernando, recebido com festa pelos populares.
Tentou o novo monarca negociar a manutenção da soberania espanhola com
Napoleão, sendo a resposta deste a invasão de Madri por seu exército
(comandado por Murat), forçando a abdicação de Fernando VII que ficou
até 1813 preso no castelo de Valençay. Assim, o irmãode Napoleão
assumia o trono espanhol sob o título de José I, prometendo implementar os
princípios revolucionários franceses na Espanha.
Em 1812, o novo governo promulgou a Constituição de Cádis, também
conhecida como La Pepa, que estabelecia a igualdade entre os súditos, o
fim dos tributos indígenas, a abolição do Santo Ofício e a liberdade de
imprensa, entre outras medidas. Apesar da curta vigência (cerca de dois
anos), esse texto constitucional é considerado um marco na política
espanhola e europeia, de modo geral.
10.3. Era dos Cabildos Abiertos
Na América, os criollos se dividiram em diversas tendências. Alguns se
recusaram a receber ordens de José Bonaparte, declarando-se fiéis a
Fernando VII, aproveitaram tal isolamento e liberdade diante da
instabilidade política da metrópole para boicotar impostos, expulsar os
chapetones e realizar o comércio direto com a Inglaterra. Em outros locais
aproveitaram para realizar a independência já neste momento, enquanto
outros foram convulsionados por tentativas de revoluções com caráter
social. Uma das poucas exceções foi a região do Vice-reino do Peru, onde
forças legalistas predominaram.
Em Buenos Aires, as duas tentativas de invasão inglesas entre os anos de
1806 e 1807 são consideradas importantes antecedentes para a
Independência, uma vez que confirmavam a capacidade de autodefesa
criolla, assim surgindo as primeiras correntes que acreditavam que a
situação metropolitana era de inferioridade com relação à colônia. A partir
de 1809, os rumores de uma suposta invasão napoleônica na Espanha foi
difundido na América, tendo sido confirmada quando uma fragata inglesa
chegou a Montevidéu e confirmou as notícias. Imediatamente algumas
correntes políticas defenderam a autonomia total enquanto a legalista
acreditava que, enquanto Fernando VII estivesse impossibilitado de
comandar a Coroa, Carlota Joaquina poderia comandar provisoriamente a
colônia, aproveitando que esta estava no Rio de Janeiro com a Corte
Portuguesa.
Hegemônico foi o projeto de uma autonomia parcial, resultando na
Revolução de Maio (1810), formando a Primeira Junta Governativa.
Acreditavam os portenhos que poderiam promover a autonomia de toda a
região do Vice-reino do Prata, mas isto não foi possível, uma vez que o
Paraguai promoveu a sua independência em separado, liderado por Juan
Gaspar Rodriguez de Francia (1811), escolhido por unanimidade como
chefe supremo da primeira república da América do Sul. Enquanto isso, a
banda oriental do rio da Prata também articulou a sua independência,
obstruída pelo desejo luso-brasileiro de controlar a região, que em 1821 foi
anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina.
Sob a liderança do padre Miguel Hidalgo, uma tentativa de independência
que preservasse os direitos das comunidades indígenas foi arquitetada no
Vice-reino da Nova Espanha, tendo como base o Grito de Dolores
(setembro de 1810): “Viva a Virgem de Guadalupe! Morte ao mau governo!
Viva Fernando VII”. Pregando o voto universal, a abolição da escravatura e
do trabalho compulsório indígena, o fim dos monopólios governamentais, a
reforma agrária baseadas nos ejidos (pequena propriedade indígena) entre
outros, o movimento foi duramente reprimido pelas forças legalistas,
levando à execução não só de Hidalgo, mas de seu sucessor na liderança do
movimento, José María Morelos y Pavón.
Na atual Venezuela, também em 1810, o movimento separatista liderado
por Francisco Miranda chegou ao poder, estabelecendo uma república
presidencialista, sendo Miranda o presidente com poderes centralizados. A
oposição da Igreja Católica, que considerava o discurso do revolucionário
demasiadamente liberal e das forças espanholas, levaram à abdicação
daquele que é considerado precursor da independência da região. Tanto a
Revolta de Francisco Miranda como a Rebelião de Hidalgo e Morelos
fracassaram em seus intuitos separatistas, mas foram fundamentais na
construção de um sentimento autonomista na região.
10.4. Movimentos de Libertação
Com a derrota das tropas de Napoleão Bonaparte, em 1813, o rei espanhol
volta ao trono. Agraciado posteriormente pelo princípio da Legitimidade
criado no Congresso de Viena, Fernando VII realiza uma restauração
radical do absolutismo, tentando restaurar o controle das colônias
americanas. Uma vez experimentada a liberdade, os colonos pegariam em
armas para manter a sua liberdade.
Influenciados pelo liberalismo e com o apoio da opinião pública
internacional, os criollos lideraram o processo de libertação colonial.
Interessados no comércio direto com a América, a Inglaterra não pode
conceder auxílio direto devido aos compromissos com o Equilíbrio
Europeu. Até mesmo a venda de armas e a vinda de mercenários para as
colônias espanholas eram formalmente proibidas pelos ingleses. A mudança
na posição inglesa viria com a chegada de Lord Canning ao poder
substituindo Castlereagh em 1822 na secretaria do exterior.
Lord Canning almejava o apoio dos Estados Unidos, que é rejeitado na
medida que, influenciado por John Quincy Adams, o presidente James
Monroe divulga um conjunto de princípios de política externa baseados na
ideia de “América para os americanos”: era a Doutrina Monroe (1823). O
governo estadunidense reconhecia as independências americanas e negava
qualquer tipo de cooperação com as potências europeias.
Os chamados “Libertadores da América”, criollos, líderes dos exércitos de
libertação, destacam-se neste contexto. Seus principais nomes são:
• Agustín de Iturbide
• Destacou-se na repressão à Rebelião de Hidalgo e Morelos como oficial
do exército espanhol, e aliou-se aos separatistas criollos como Vicente
Guerrero, formulando, em 1821, o Plano Iguala, que continha as bases da
declaração de independência do México. Chegou a oferecer o trono do país
independente a Fernando VII, que se negou a receber o trono, caindo este
nas mãos de Iturbide. Pouco tempo depois, o autoritarismo de Iturbide
levou a sua queda e consequente instalação da República em 1823.
• Bernardo O’Higgins
• Filho de um general espanhol que fora vice-rei do Peru, O’Higgins foi um
dos membros da elite que se recusou a aceitar o governo de José Bonaparte,
criando uma Junta Governativa em setembro de 1810. Eleito deputado do
Congresso chileno de 1811, contou com o apoio dos soldados de San
Martín na longa luta pela libertação contra a Espanha terminada em 1818.
Após a assinatura da Ata de Independência, em 1818, um longo período de
instabilidade política ocorre fruto do choque entre os que defendiam a visão
centralista e os federalistas. Até a década de 1830, guerras e golpes de
Estado foram constantes no país quando, por fim, a facção conservadora
centralista venceu a disputa pelo poder.
• José Artigas
• Considerado pelos uruguaios o líder do prcesso de independência
nacional, José Artigas liderou as tropas de Montevidéu contra a primeira
invasão luso-brasileira iniciada em 1810. Considerado por muitos o
primeiro grande “reformador agrário” da América do Sul, Artigas confisca,
sem indenizações, terras pertencentes aos “maus europeus e piores
americanos”, distribuindo-as entre “negros livres, índios e pobres criollos”,
o que gera descontentamento entre as elites uruguaias. A cisão interna
favorece a segunda invasão das tropas luso-brasileiras que ocorre em 1817,
transformando a Banda Oriental do Rio da Prata na Província Cisplatina,
adiando o sonho da definitiva autonomia em alguns anos.
• José de San Martín
• De origem aristocrática, filho de um militar europeu que estudou na
Espanha, regressou à Argentina em 1812, onde foi integrado ao exército na
qualidade de general. Favorável à independência, liderou o movimento de
libertação, auxiliado por Manuel Belgrano, consagrada no Congresso de
Tucumán em 1816.
• Simón Bolívar
• De origem aristocrática (seus pais eram donos de minas de prata e cobre,
de plantações de açúcar e criação de gado), aprofundou seus estudos e
entrou em contato direto com os ideais iluministas na Europa, onde viveu
entre Espanha e França, passando ainda por diversascidades dos Estados
Unidos antes de regressar para a Venezuela em 1807. Nesta participou da
Revolta de Francisco Miranda antes de formar seu próprio exército
composto por criollos, mestiços, mulatos, estrangeiros voluntários e negros
livres protagonizando as lutas de libertação da América do Sul (Capitania
Geral da Venezuela, Vice-Reino de Nova Granada, Província de Quito,
Província Livre de Quayaquil e o Vice-Reino do Peru). Como consequência
direta desses processos de libertação, foi criada, a partir do Congresso de
Angostura (1919), a Gran Colombia, país que reunia os atuais Colômbia,
Equador, Panamá, Venezuela e a região do Essequibo. As disputas entre
unitaristas e federalistas impediram a consolidação desse grande projeto
político defendido pelo libertador Bolívar.
Após derrotar as tropas espanholas no Peru, foram formadas diversas
repúblicas como fruto da fragmentação política da antiga colônia espanhola,
o processo de emancipação resultou no fim do trabalho compulsório dos
índios por meio da mita e da encomienda, assim como o fim da escravidão
negro-africana. Mantendo o povo afastado da participação política, a
independência favoreceu as elites criollas, que agora monopolizavam não
somente o poder econômico, mas também o poder político e social.
10.5. América Latina no Século XIX
A política latino-americana era dominada, em muitas de suas regiões, por
ex-criollos agora chamados de caudilhos. Proprietários de terras e
carismáticos em sua maioria, possuíam o poder político, econômico, social
e militar em suas regiões. Como principal resultado do caudilhismo,
surgiram governos autoritários instituídos por meio de golpes de estado,
resultando em uma disputa entre federalistas e unitaristas que levaram a
décadas de instabilidade política na América Latina.
O caudilhismo representou em certos casos a defesa das estruturas
socioeconômicas tradicionais, como também o artesanato e a indústria
incipiente, contra elites burguesas que atuavam na exportação de matérias-
primas, construindo a típica burguesia “compradora”.
Na América Latina, o termo caudilho ainda continua a ser usado, como o de
cacique, para designar chefes de partido local ou aldeia, com características
demagógicas.
O epíteto foi expressamente rejeitado pelos ditadores militares do nosso
século, pelas conotações naturais e inorgânicas que implicam a região,
contrariamente ao que acontecia na Espanha, onde os partidários do
franquismo chamavam oficialmente o seu chefe de caudilho. Mas não se
aludia neste caso à tradição latino-americana, mas ao lema das forças
antirrepublicanas durante a Guerra Civil: “una fe, una pátria, un caudilho”.
Presentemente, parte dos estudiosos da ciência política creem que o
caudilhismo é particularmente significativo para a compreensão da gênese
do militarismo na América Latina35.
Por exemplo, na Argentina, até a década de 1860 viram diversos caudilhos
lutarem para o poder, tais como Juan Manuel Rosas, que foi retirado do
poder depois de uma guerra (com intervenção brasileira) por Justo José de
Urquiza (1854-1860) que, por sua vez, foi suplantado pelos desejos
unitaristas de Bartolomeu Mitre (1860-1868). Tal instabilidade favoreceu o
Brasil que, com sua política estável com a chegada de D. Pedro II ao poder
em 1840, atraiu capitais estrangeiros.
Com a queda dos preços de gêneros alimentícios nas décadas posteriores à
independência, as novas repúblicas cada vez mais ficaram endividadas com
as potências europeias industrializadas, principalmente a Inglaterra. A
manutenção do modelo de uma economia baseada na exportação de
produtos agrícolas e matéria-prima fez com que a América Latina ficasse
dependente não só economicamente, mas também politicamente.
Era desejo de Simón Bolívar a promoção da integração da ex-colônia
espanhola. Em 1815, quando pressionado pelas forças legalistas, foi
obrigado a refugiar-se na Jamaica; Bolívar negava a ideia de formação de
um só país, mas explicitava seu desejo na criação de uma confederação
hispano-americana. Até hoje a oposição de ideias entre Bolívar e San
Martín não foi completamente esclarecida, mas acredita-se que o líder
argentino não aceitava a ideia republicana e integradora do venezuelano e,
para não dividir as forças pró-libertação, abandonou a vida pública e
renunciou a todos os seus cargos em favor de Bolívar.
Após a vitória da maior parte do processo de emancipação, Bolívar
articulou a criação do Congresso do Panamá (1826), que reuniria todas as
principais forças políticas na América Latina para organizar como seria a
integração da região, conhecida como Bolivarismo ou Pan-Americanismo.
Os convites foram enviados pelo Congresso colombiano, incluindo o Brasil
monárquico (que não teve interesse em enviar seu representante, mas
alegou oficialmente enfermidade para tal), à Inglaterra (que possuía
colônias na América) e aos Estados Unidos.
A participação estadunidense nesta reunião foi prejudicada devido à divisão
interna no governo de John Quincy Adams (1825-1829), o que retardou a
escolha de um novo representante após a morte do primeiro escolhido.
Enquanto a política oficial dos Estados Unidos seria a Doutrina Monroe
(1823), que pregava a adaptação no isolacionismo para o contexto latino-
americano de independências, a Inglaterra tinha o astuto Canning à frente
de seus negócios estrangeiros. Este envia como representante Dawkins, que
se opõe à política de “duas esferas” pregada pelos estadunidenses, buscando
uma cooperação com as repúblicas recém-criadas na América.
Prevaleceu a visão inglesa, que dominou a política do continente nas
décadas posteriores à libertação. Como fruto do Congresso, o Tratado de
União, Liga e Confederação Perpétua foi assinado por México, Peru,
Colômbia e República Centro-Americana (posteriormente dissolvida e
dividida em El Salvador, Nicarágua e República Dominicana), assim como
a formação de um exército comum, abolição do tráfico de escravos e a
convocação para futuras reuniões.
A oposição dos caudilhos e chefes políticos locais, a oposição e
desconfiança da monarquia constitucional brasileira e as diferenças
culturais entre os países sul-americanos foram fatores decisivos para o
fracasso do bolivarismo. Outras conferências não tiveram êxito:
• Congresso de Lima (1847-1848)
• Participação de Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
• É criada a “Confederação de Estados”, nunca materializada.
• Assinado um tratado definindo as regras do comércio e da navegação, que
também não saíram do papel.
• Congresso de Santiago (1856)
• Participação do Chile, Equador e Peru.
• É assinado pela primeira vez na América um Tratado de Aliança Militar e
de Assistência Recíproca, retomando a ideia de solidariedade continental de
Bolívar.
• No mesmo ano, Estados Unidos, México, Colômbia, Guatemala, Costa
Rica, Honduras e Peru assinam com o mesmo caráter no Congresso de
Washington (1856).
• Nenhum dos dois tratados foi ratificado.
• II Congresso de Lima (1864-1865)
• Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Venezuela e
Peru.
• Debates com relação ao perigo da fragmentação territorial contínua
tomam conta das reuniões.
• É assinado um Pacto de União por meio de uma aliança defensiva, sem
efetivas consequências.
A ideia de unificação permeou a história latino-americana ao longo de todo
o século XIX. Efêmeras tentativas como aquela da Confederação Peru-
Boliviana naufragaram. Fruto da instabilidade política peruana e dos
projetos ambiciosos do presidente boliviano Andrés de Santa Cruz, tal
união andina durou apenas três anos, entre 1836-1839, sendo derrotada
pelos ataques do caudilho Manoel Rosas e do governo chileno, insatisfeito
com o protecionismo promovido por Santa Cruz.
Os conflitos políticos, as rivalidades econômicas e as guerras marcam a
segunda metade do século XIX. Para além da Guerra do Paraguai (1864-
1870), fruto da formação dos Estados Nacionais platinos, a Guerra do
Pacífico (1879-1884) deixa nefastas consequências até os dias de hoje. A
exploração de guano e salitre no litoral pacíficoera alvo de constantes
disputas entre Peru, Bolívia e Chile. Diante de maior força chilena, Peru e
Bolívia assinaram um acordo secreto de cooperação mútua diante de uma
possível agressão de Santiago. E este foi acionado quando, após a
nacionalização da empresa chilena de capitais britânicos Antofogasta
Nitrate & Railway Company, 200 soldados chilenos invadiram a Bolívia.
Após anos de conflitos, o vitorioso Chile assina o Tratado de Ancón (1883)
com o Peru, no qual anexa o departamento de Taparacá, ocupando Tacna e
Arica. Já com a Bolívia, o acordo de paz prevê a cessão de sua saída para o
Pacífico ao Chile, sendo tais anexações ainda alvo de protestos e rivalidades
nacionalistas.
11. A Primeira Guerra Mundial
(1914-1918)
Como se explica que um período de tanto progresso pudesse levar o Velho
Continente, berço da civilização ocidental, a experimentar novamente a
barbárie, como se viu durante a Primeira Guerra Mundial? [...] Em 11 de
novembro (1918), terminava a Grande Guerra. Morreram 8 milhões de
pessoas, 20 milhões ficaram inválidas, sem falar nos prejuízos econômicos
e financeiros que atingiram os países europeus envolvidos diretamente com
a guerra36.
11.1. Antecedentes
Podemos interpretar os fatores que resultaram na eclosão da Primeira
Guerra Mundial de duas formas. A versão mais utilizada pelos
historiadores, influenciados pela visão leninista, trabalha que a guerra seria
um “choque entre imperialismos”. Por este viés, configura-se uma profunda
ênfase nas tensões interimperialistas. Outras análises, contudo, como a
desenvolvida no livro História das relações internacionais, não ignoram a
importância do neocolonialismo, mas ressaltam as modificações na
estrutura política europeia após a unificação alemã como ponto de destaque
dentro do contexto que antecede o conflito mundial.
Após a criação desse novo país, o pragmatismo da política bismarckiana
suplantou os nacionalismos europeus em nome da garantia das fronteiras do
Império Alemão e do isolamento da França nas relações internacionais no
pós-1870, com o objetivo principal de neutralizar qualquer tipo de
revanchismo francês. Porém, a partir da queda do chanceler, a agressiva
Weltpolitik toma conta de Berlim.
Ainda que alguns dos principais elementos deste período tenham origens no
período de Bismarck - como o afastamento em relação ao Império Russo, o
esboço de uma política imperialista e o fortalecimento da indústria pesada
germânica - é com Graf von Caprivi que a promoção de uma política
mundial alemã é incrementada. A insatisfação cada vez maior com suas
parcas possessões ultramarinas faz com que o Império Alemão invista cada
vez mais em sua Marinha, incrementando não somente as tensões
interimperialistas, mas acirrando também os ânimos nacionalistas.
Enquanto isso, o momento britânico não era dos mais favoráveis no início
do século XX; o incidente de Fashoda (1898) marcava uma dissociação
com a França devido às disputas territoriais ao norte da África, e a Guerra
dos Boers (1899-1902) repercutiu muito mal entre os europeus, recebendo
os britânicos críticas dos principais meios de imprensa do continente. O
crescimento naval alemão resultou no chamado navy scare, sendo o
contexto favorável para uma profunda mudança na política externa
realizada há décadas pela ilha.
O “isolamento esplêndido”, gestado ainda na década de 1820, chegava a seu
fim em 1904, quando a Inglaterra promove a Entente Cordiale com a
França. Com os gauleses, a Grã-Bretanha realiza um acordo no qual tem
reconhecido o domínio dos súditos da rainha Vitória sobre o Egito, em troca
do fornecimento de todo suporte à França para que esta mantivesse o
protetorado sobre o território marroquino, pondo fim à isonomia
determinada pela Convenção de Madri (1880). Para muitos, é com o intuito
de evitar um confronto direto com a Grã-Bretanha que a Alemanha aceita a
Convenção de Algeciras (1906) ou mesmo recua na Crise de Agadir (1911),
aceitando a exploração de parte do Congo em troca da aceitação da
presença francesa no Marrocos, compondo o que ficaria conhecido como a
Questão Marroquina.
Dois anos depois, com a abdicação russa de suas pretensões no extremo
oriente (após a derrota na Guerra da Manchúria seguida da Revolução de
1905), os britânicos pleiteiam a entrada do Império Russo na Tríplice
Entente (1907). Formada ainda em 1882, em meio à gestação do segundo
sistema bismarckiano, a Tríplice Aliança era composta por países que
pretendiam melhores condições de exploração na África-Ásia (Itália e
Império Alemão) e aqueles unidos pelo pangermanismo (Império Alemão e
Império Austro-Húngaro).
Disputas territoriais também compunham este instável cenário europeu que
antecede a Primeira Guerra Mundial. A região dos Bálcãs era alvo de
complexas tensões, sendo a fragmentação do Império Turco-Otomano sua
origem imediata. Nacionalismos locais, potências expansionistas regionais
(Bulgária e Sérvia) e grandes potências aproveitaram-se desse vácuo de
poder para impor suas próprias agendas. No início do século XX, o
principal território em disputa era a Bósnia, pretendida tanto pelo Império
Austro-Húngaro (defensor do Pangermanismo) como pela Sérvia, que
integrava o Pan-eslavismo. O choque entre os nacionalismos leva à forte
insatisfação dentro da Bósnia, que possuía população eslava, mas estava
sob o domínio dos austríacos.
Ainda nesse contexto, os russos pretendiam obter a sua saída para o “mar
quente”, uma vez que seu litoral norte congelava durante a maior parte do
ano, dificultando a comunicação com o exterior. Aproveitando o processo
de declínio do Império Turco-Otomano, o Império Russo pretendia, através
da conquista dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, resolver sua dificuldade
histórica, conseguindo desta forma “nadadeiras para o urso”.
Enquanto isso, acreditava-se que a Europa estava em paz; mas o cenário era
de “paz armada”, uma vez que boa parte dos orçamentos era destinada ao
incremento do setor bélico. Eram tempos de hegemonia da belle époque nos
grandes salões, e as exposições tecnológicas contribuíram para a maior
parte da população europeia ignorar o que acontecia nos bastidores
políticos. Bastaria um pequeno incidente para transformar o momento de
tensão em guerra de proporções inimagináveis.
O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando (juntamente com sua
esposa, a condessa Sofia Chotek) em visita a Sarajevo, capital da Bósnia
Herzegovina, no dia 28 de junho de 1914, serviu de estopim para a
deflagração do conflito. O grupo nacionalista eslavo “Mão Negra”
encomenda a execução do nobre austríaco para demonstrar sua insatisfação
com o domínio do império multiétnico. Como retaliação, Francisco José I
declara guerra à Sérvia no intuito de vingar a morte de seu sobrinho. As
alianças saíam do papel e entravam em confronto exatamente um mês após
o assassinato, iniciando assim um conflito bélico sem precedentes na
história: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Nenhum dos envolvidos no conflito acreditava que a guerra iria durar mais
de alguns poucos meses. O nacionalismo exaltado colaborou para o sucesso
do recrutamento forçado nas grandes potências envolvidas, assim como na
gestão da economia de guerra para o desenrolar do confronto.
11.2. A Guerra
Nos primeiros meses de conflito, uma guerra de movimentos mobilizou as
principais divisões europeias. Nesta “Primeira Guerra de Movimentos”
destacou-se o exército alemão, que tentou executar o Plano Schlieffen.
Neste, para evitar um prolongado conflito em duas frentes, o Império
Alemão buscava concentrar todo o esforço bélico para ganhar a guerra,
primeiramente na Europa Ocidental e, depois, voltaria sua atenção para a
frente oriental, evitando assim uma divisão das tropas e das reservas.
Assim, a França foi invadida pelos alemães através da Bélgica, marchando
o exército alemão em direção a Paris.
As consequências desta estratégia foram marcantes para o futuro do
conflito. Ao invadir a Bélgica, a Alemanha violava os termos da
Conferência de Londres (1831), quando Inglaterra e França se
comprometeram a defendera neutralidade perpétua daquele país. Por esse
motivo, a Inglaterra entra na guerra. Ao mesmo tempo, uma inesperada
ofensiva russa no Oriente levou à divisão das forças alemães, que não
contavam com a rápida mobilização militar francesa (incluindo a ida de
soldados para o front de táxi) ao Norte. Era o fracasso do Plano Schlieffen.
A partir desse momento, verifica-se um equilíbrio entre os exércitos, que
caracteriza uma guerra de posições, também chamada de Guerra de
Trincheiras. Apesar dos maiores combates acontecerem na Europa, outros
continentes também participaram ativamente do conflito. Ao lado da
Entente, lutaram Japão, China, Estados Unidos e Brasil, por exemplo,
existindo combates na Pérsia, Arábia e nas colônias alemãs da África e nas
ilhas do Pacífico. A pouca movimentação dos exércitos (por exemplo, os
alemães recuaram 16 km em cerca de três anos e meio) não impediu
mudanças entre os protagonistas.
Atritos com o Império Austro-Húngaro devido à Questão da Itália Irredenta
(territórios almejados desde os tempos da unificação - região de Trentino,
Tirol e Ístria) fizeram com que a Itália não entrasse em guerra mesmo
compondo a Tríplice Aliança, mantendo sob diversos subterfúgios a
neutralidade. Aproveitando tal situação, a Inglaterra promete territórios aos
italianos, que ingressam na Tríplice Entente em maio de 1915. À medida
que a guerra se prolongava, as dificuldades também cresciam: falta de
alimentos, que resultavam em dias de racionamento, alta de preços e
aumento da jornada de trabalho em nome dos “esforços de guerra”. Nas
fábricas, as mulheres substituíam os homens que foram para o front.
As alterações mais significativas ocorreram em 1917. Em abril desse ano,
os estadunidenses romperam seu isolacionismo. Ataques de submarinos
alemães a navios mercantes no Atlântico, com o objetivo de abreviar o
intenso comércio entre os Estados Unidos e os membros da Entente, além
da defesa dos capitais investidos na França e Inglaterra, foram fatores
decisivos para a entrada do “Tio Sam” na guerra, assim como a tentativa de
aproximação militar entre o Império Alemão e o México que, em troca de
suas bases militares e aliança, receberia de volta os territórios perdidos
durante a Marcha para o Oeste (Telegrama Zimmerman37).
Em novembro do mesmo ano, como consequência direta da Revolução
Bolchevique, Lenin e seus camaradas retiram a Rússia do conflito. Uma das
principais reivindicações do povo russo e promessa dos bolcheviques
durante o processo revolucionário, a saída da Rússia foi concretizada com a
assinatura do Tratado de Brest-Litovisk (3 de março de 1918). Os termos do
acordo geraram muitas críticas internas, uma vez que a Rússia perdia o
controle de alguns territórios, tais como Finlândia, Estônia, Lituânia,
Letônia, Ucrânia, Bielorússia e Polônia.
O Império Alemão parecia pronto para concentrar suas forças na frente
ocidental. Mas a entrada do exército estadunidense e a introdução de novas
armas, como tanques, armas químicas e aviões de guerra superaram as
trincheiras e provocaram a retomada da Guerra de Movimentos. Sucessivas
derrotas, enfraquecimento progressivo de aliados como o Império Turco-
Otomano e a Bulgária, assim como as revoltas internas na Alemanha
levaram à renúncia do imperador Guilherme I. O Império Austro-Húngaro
pede um armistício com base na proposta de paz estadunidense ainda em
outubro. Isolada, não resta outra alternativa à república alemã a não ser
assinar o Armistício de Compiegne, pondo fim à Grande Guerra.
11.3. Construindo a Paz
Sucessivos armistícios compuseram o final dos embates armados e, findas
as operações militares, era a hora da reunião entre os vitoriosos para decidir
acerca do pós-guerra. Na Conferência de Paz de Paris (1919), as propostas
estadunidenses e franco-britânicas se opunham. Enquanto o presidente dos
Estados Unidos, Wodrow Wilson, ignorava os anseios populares expressos
por meio do Congresso conservador, que desejava o afastamento das
questões políticas europeias, ingleses e franceses desejavam uma paz
punitiva aos alemães.
Os 14 Pontos de Wilson foram divulgados ainda em janeiro de 1918,
baseados na ideia de “paz sem vencedores”:
1. Inaugurar pactos de paz, depois dos quais não deverá haver acordos
diplomáticos secretos, mas sim diplomacia franca e sob os olhos públicos;
2. Liberdade absoluta de navegação nos mares e águas fora do território
nacional, tanto na paz quanto na guerra, com exceção dos mares fechados
completamente ou em parte por ação internacional em cumprimento de
pactos internacionais;
3. Abolição, na medida do possível, de todas as barreiras econômicas entre
os países e o estabelecimento de uma igualdade das condições de comércio
entre todas as nações que consentem com a paz e com a associação
multilateral;
4. Garantias adequadas da redução dos armamentos nacionais até o menor
nível necessário para garantir a segurança nacional;
5. Um reajuste livre, aberto e absolutamente imparcial da política
colonialista, baseado na observação estrita do princípio de que a soberania
dos interesses das populações colonizadas deve ter o mesmo peso dos
pedidos equiparáveis das nações colonizadoras;
6. Retirada dos Exércitos do território russo e solução de todas as questões
envolvendo a Rússia, visando assegurar melhor cooperação com outras
nações do mundo. O tratamento dispensado à Rússia por suas nações irmãs
será o teste de sua boa vontade, da compreensão de suas necessidades como
distintas de seus próprios interesses e de sua simpatia inteligente e altruísta;
7. Bélgica, o mundo inteiro concordará, precisa ser restaurada, sem
qualquer tentativa de limitar sua soberania à qual ela tem direito assim
como as outras nações livres;
8. Todo território francês deve ser libertado e as partes invadidas
restauradas. O mal feito à França pela Prússia, em 1871, na questão da
Alsácia-Lorena, deve ser desfeito para que a paz possa ser garantida mais
uma vez, no interesse de todos;
9. Reajuste das fronteiras italianas, respeitando linhas reconhecidas de
nacionalidade;
10. Reconhecimento do direito ao desenvolvimento autônomo dos povos da
Áustria-Hungria, cujo lugar entre as nações queremos ver assegurado e
salvaguardado;
11. Retirada das tropas estrangeiras da Romênia, da Sérvia e de
Montenegro, restauração dos territórios invadidos e o direito de acesso ao
mar para a Sérvia;
12. Reconhecimento da autonomia da parte da Turquia dentro do Império
Otomano e a abertura permanente do estreito de Dardanelos como
passagem livre aos navios e ao comércio de todas as nações, sob garantias
internacionais;
13. Independência da Polônia, incluindo os territórios habitados por
população polonesa, que devem ter acesso seguro e livre ao mar;
14. Criação de uma associação geral sob pactos específicos para o propósito
de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade
territorial dos grandes e pequenos Estados.
A reunião de Paris não concretizou as ideias de Wilson, vencedor do prêmio
Nobel da Paz de 1919. Os interesses de Lioyd George (Inglaterra) e
Clemenceau (França) predominaram, uma vez que os diversos acordos
paralelos às negociações levaram à criação do Tratado de Versalhes (1919).
A despeito das críticas de alguns delegados, inclusive britânicos como Lord
Keynes, que acreditavam que a Europa não poderia prescindir da economia
alemã no pós-guerra, a paz punitiva foi estabelecida.
Segundo o tal tratado, a Alemanha foi considerada culpada pela guerra,
obrigada desta forma a acatar uma série de pontos que visavam enfraquecer
a recém-criada república. Entre os principais pontos destacam-se:
• Pagamento de indenizações de guerra pelos danos causados;
• Devolução da Alsácia-Lorena aos franceses;
• Acesso da Polônia ao mar por uma faixa de terra dentro do território
alemão, que desembocava no porto de Danztzing;
• Perda de terriórios na Europa: Eupen e Malmedy com a Bélgica; Soldau,
Vármia e Masúria com a Polônia; Klaipeda com a Lituânia; Sonderjutlântia
com a Dinamarca, dentre outros.
• Perda de todas as colônias38;• Exército limitado a cem mil homens;
• Proibição de desenvolvimento das indústrias bélica e naval;
• Província de Sarre sob o comando da Liga das Nações por 15 anos.
É também neste contexto que foi oficializada a criação da Liga das Nações,
organismo com o objetivo de manter a paz mundial e resolver os principais
conflitos internacionais por meio do arbitramento e da negociação. A
Secretaria Geral era sediada em Genebra, tendo como principais órgãos a
Assembleia Geral e o Conselho Executivo, composto inicialmente por Grã-
Bretanha, França, Itália e Japão como membros permanentes, já que a Liga
não tinha a participação da Alemanha e da União Soviética, que
posteriormente iriam compor o Conselho Executivo, cujos membros não
permanentes seriam escolhidos pela Assembleia Geral (o Brasil foi um
destes membros entre 1919 e 1926).
Outros acordos foram discutidos com os derrotados. O Tratado de Saint-
Germain, assinado com a República da Áustria, declarava dissolvida a
monarquia austro-húngara, retirava a saída para o mar austríaco, forçava-a a
reconhecer as independências da Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e
Iugoslávia, assim como proibia uma suposta anexação da Áustria à
Alemanha. O Tratado de Trianon (1920) foi responsável por regular o
estatuto de uma Hungria independente do Império Austro-Húngaro, bem
como determinar suas fronteiras. Situação complicada ocorreu com o
Império Turco-Otomano, uma vez que os turcos não aceitaram as condições
do Tratado de Sèvres, que determinava a dissolução do “gigante doente” da
Europa. Na Guerra de Independência Turca, composta por conflitos contra
franceses, armênios e gregos - entre 1921 e 1923 - liderados por Kemal
Ataturk, a Turquia conseguiu a assinatura de um novo acordo, o Tratado de
Lousanne (1923), que estabelece as bases da Turquia moderna.
11.4. Consequências Gerais
O fim dos grandes impérios veio acompanhado de questões que marcaram o
período entre-guerras. O presidente Wodrow Wilson viu por duas vezes o
Senado estadunidense vetar a participação do país na Liga das Nações, que
não contaria com a participação dos founding fathers do projeto. Enquanto
isso, a Itália lamentava a humilhação pela forma como fora tratada pelas
grandes potências, uma vez que seus limitados esforços durante o conflito
(como na capitulação austríaca na batalha do Vittorio Veneto) não foram
recompensados com o recebimento dos territórios prometidos quando da
mudança para a Tríplice Entente.
Hegemônicos na economia mundial, os Estados Unidos voltaram à posição
isolacionista anterior ao conflito. A Europa enfrentava uma grave crise
econômica em seus esforços para a reconstrução, sendo esta situação
aproveitada pelos colonos afro-asiáticos que, naquele momento, realizavam
seus primeiros movimentos pró-independência.
Em tentativa de reorganizar as relações internacionais europeias, algumas
conferências são realizadas ao longo da década de 1920. Em 1922,
representantes de 34 países do mundo se reuniram em Genebra para discutir
os rumos da economia mundial após a Primeira Guerra Mundial.
Discussões acerca das relações com a Rússia e o pagamento das
indenizações de guerra por parte da Alemanha favoreceram a aproximação
entre Berlim e Moscou. O Tratado de Rapallo (1922), assinado pelo
ministro das relações exteriores soviético George Chicherin e pelo alemão
Joseph Wirth, buscava romper o isolamento imposto aos dois países pela
Conferência de Paz de Paris. A ideia central era normalizar as relações
diplomáticas, destacando-se a renúncia das reivindicações territoriais entre
ambos e também, por meio de uma cláusula secreta, a permissão de
treinamento militar de tropas alemãs em solo soviético.
Tal aproximação fez crescer a preocupação britânica com relação à situação
alemã. A profunda crise econômica alemã de 1923 e a ocupação francesa,
com o recrudescimento das posições bilaterais, são seguidas por um
movimento delicado: a desvalorização do franco faz com que a França
pegue empréstimo de banqueiros estadunidenses interessados em um
fortalecimento da economia alemã. Em 1924, o Plano Dawes de ajuda
estadunidense à Alemanha previa não apenas a diminuição da dívida
alemã, mas também a facilidade do pagamento das reparações de guerra, e,
em contrapartida, a França, comprometida com os banqueiros dos Estados
Unidos, se comprometeu a evacuar Ruhr e uma parte da Renânia.
Diante de tal quadro, a reinserção da Alemanha na geopolítica europeia se
impunha. Em outubro de 1925, representantes da República de Weimar,
França, Grã-Bretanha, Bélgica, Reino da Itália, Tchecoslováquia e Polônia
reuniram-se na Suíça para acertar as “arestas”. Dentre os principais acordos
assinados em 1925, destaca-se o “Pacto da Estabilidade”, no qual as
potências aliadas se comprometem a não violar a soberania alemã em troca
da garantia do respeito, por parte de Berlim, das fronteiras determinadas
pelo Tratado de Versalhes com a França e Bélgica, assim como a
desmilitarização da Renânia. Os Tratados de Locarno (1925) abriram o
caminho para a entrada da Alemanha na Liga das Nações em 1926.
Mesmo com tais negociações entre as potências, no qual inclusive há um
acordo em que os signatários estipulavam a renúncia à guerra como
instrumento de política nacional (Pacto Briando-Kellog), as humilhações
derivadas da Primeira Guerra Mundial figuram como um elemento
fundamental para a eclosão de uma nova guerra de proporções mundiais,
pouco mais de duas décadas da assinatura do armistício de 1918.
12. A Ascensão do Comunismo
A Rússia era até então economicamente desprezível, embora observadores
de larga visão já previssem que seus vastos recursos, sua população e seu
tamanho iriam, mais cedo ou mais tarde, projetá-la mundialmente. As minas
e as manufaturas criadas pelos czares do século XVIII, tendo senhores ou
mercadores feudais como empregadores, e servos como operários, estavam
declinando lentamente. As novas indústrias - fábricas têxteis domésticas de
pequeno porte - somente começaram a apresentar uma expansão realmente
digna de nota a partir de 186039.
12.1. Império Russo
Em inícios do século XX, a Rússia vivia uma situação de anacronismo
político; enquanto o mundo ocidental vivia a afirmação do liberalismo
originado, segundo expressão utilizada pelo historiador Eric Hobsbawn em
seu livro “Era das Revoluções”, a maior potência do leste europeu ainda se
encontrava na Idade Moderna.
O czarismo dos Romanov era um regime autocrático, próximo ao da França
absolutista e ideologicamente embasado no cristianismo ortodoxo. Nicolau
II, o último dos sucessores de Pedro (O Grande), administrava um Estado
que desde a derrota na Guerra da Crimeia buscava a modernização. O fim
da servidão ainda na década de 1860, a entrada de capitais estrangeiros para
a industrialização e a constituição de um proletariado urbano influenciado
pelo socialismo conviviam, paradoxalmente, com uma economia baseada
na agroexportação, forte concentração fundiária e ausência de leis
trabalhistas.
É nesse contexto que se fortalece a resistência ao czarismo. Desde os anos
1840, sucessivas gerações de intelectuais críticos se opunham ao czarismo
dos Romanov, atacando as reformas parciais protagonizadas pelo Estado,
sendo aí criado o termo intelligentsia que, posteriormente, daria a volta ao
mundo.
A oposição clandestina ganhou notoriedade com os populistas, também
conhecidos como narodniks, entre os anos 1860 e 1870. Estes acreditavam
nas comunas como forma de estabelecer a igualdade social no país e se
utilizavam do terrorismo contra as principais figuras do governo, sendo a
tentativa de assassinato do czar Alexandre III o auge dessa estratégia. A
institucionalização do populismo ocorre no início do século XX, com a
criação do Partido Socialista Revolucionário (1902), defensor da reforma
agrária e da igualdade social e liderado por Vitor Chernov, que, em pouco
tempo, transformou-se na mais popular organização partidária do Império
Russo.
Enquanto os socialistas revolucionários eram hegemônicos entre o
campesinato russo, o Partido OperárioSocial-Democrata Russo (POSDR)
atuava majoritariamente nas cidades. Seguindo as orientações da II
Internacional Socialista, o POSDR acaba tendo muitas dificuldades para
atuar dentro do Império e sua existência foi efêmera, uma vez que, cinco
anos depois de sua fundação, em seu II Congresso, ocorre uma grave cisão
interna. Enquanto os Mencheviques (“minoria” em russo, liderados por
Martov) desejavam um critério menos rigoroso na votação do Congresso, os
Bolcheviques (“maioria” em russo, liderado por Lenin) defendiam que
somente filiados do partido poderiam decidir os seus rumos.
Em termos historiográficos, os Mencheviques ficaram marcados pela sua
ortodoxia na interpretação dos escritos de Marx. Estes defendiam que a
Rússia não poderia realizar imediatamente a revolução socialista, uma vez
que não tinha passado pelo estágio capitalista (nem mesmo por uma
revolução liberal). Enquanto isso, Lenin adaptava o marxismo às condições
russas, acreditando na viabilidade da revolução socialista mesmo em uma
economia agrária com características feudais, como aquela do Império
Russo.
Por fim, a burguesia e os latifundiários organizaram o Partido
Constitucional-Democrático, cujo principal projeto político era a construção
de um Estado liberal na Rússia. Era essa a cena política que vigorava no
Império Russo às vésperas das revoluções que viriam a se desenrolar ainda
no início do século XX.
12.2. Revolução de 1905
As décadas de crescimento econômico industrial ao final do século XIX
resultaram na depressão iniciada em 1899. Ao lado deste quadro de crise, as
dificuldades do povo russo são agravadas devido às sucessivas derrotas das
tropas do czar diante do exército japonês. A disputa pela Manchúria (rica
região chinesa) demonstrou a fragilidade daquela que, outrora, acreditava-
se ser uma potência europeia. As manifestações de caráter “socialista
policial”, onde figuras do governo imperial se infiltravam em movimentos
populares, se avolumavam.
Em uma dessas manifestações, liderada pelo padre George Gapon, os
participantes exigiam melhorias das condições de vida, embalados sob o
Hino Imperial, Deus Salve o Czar. O planejado era chegar ao Palácio de
Inverno do Czar, mas antes se depararam com a infantaria do Império, e o
confronto resultou em noventa e dois mortos. Greves, insurreições militares
(como aquela do Encouraçado Potenquim) e novas manifestações populares
quase levaram à queda de Nicolau II. Para se manter no poder, o governante
lança o Manifesto de Outubro, prometendo liberdades individuais, reforma
agrária, legalização dos partidos políticos e soviets, assim como a criação
de uma Duma Nacional.
Dessa forma, Nicolau II consegue retomar o controle do Império,
elaborando reformas limitadas que logo seriam suspensas. Até mesmo um
novo grupo político - favorável à manutenção dos Romanov no poder sob
um regime liberal moderado -, os Outubristas, foi constituído. Já no início
da década de 1910 a economia retomara os números no início do século, os
partidos retornaram à ilegalidade e a Okhrana (polícia política do czar)
reprimia os opositores como nunca. Segundo Lenin, as manifestações de
1905 constituíram-se em um “Ensaio Geral”, preparando os ânimos para os
acontecimentos de doze anos depois, quando uma nova onda de revoltas
viria a acabar definitivamente com o Império de três séculos.
12.3. As Revoluções de 1917
O expansionismo do Império Russo, uma das características mais marcantes
do czarismo, possuía no pan-eslavismo sua principal ideologia. Em tempos
de pan-germanismo, rivalidade anglo-germânica e, sobretudo, revanchismo
francês, a disputa pelo controle da região dos Bálcãs opõe o Império Russo
ao Império Austro-Húngaro. O assassinato do arquiduque Francisco
Ferdinando coloca em pé de guerra a Tríplice Aliança (Império Alemão,
Império Austro-Húngaro e Itália) e a Tríplice Entente (Inglaterra, França e
Império Russo), levando o mundo à Primeira Guerra (1914-1918).
Na fronteira oriental, russos e alemães disputavam territórios. Se no início
do século XX a guerra contra Japão foi árdua para o exército russo, a partir
de 1914 sucessivas derrotas no front expunham novamente a fragilidade dos
russos diante do mais bem estruturado exército europeu. O Estado Maior do
Exército imperial exigia a imediata retirada do conflito e a negativa do czar
o leva ao isolamento político. Sem o apoio do aparato repressor e de seus
principais colaboradores, em apenas cinco dias de greves e manifestações,
os liberais moderados protagonizam a queda de Nicolau II, que abdica ao
trono. É a Revolução de Fevereiro de 1917.
Com os Romanov na Sibéria, o Governo Provisório deveria controlar os
destinos da Rússia até a organização da Assembleia Constituinte. Na
prática, um poder dual é instalado na Rússia: oficialmente, a Duma
Nacional é órgão gestor da política; entretanto, nas grandes cidades, os
soviets buscam influenciar os rumos do país. O príncipe Georgy Lvov (até
julho) e Kerensky (até outubro) comandaram a Duma que, apesar de
promover as liberdades individuais, não atendeu aos principais anseios do
povo russo: a realização de uma reforma agrária e a retirada do país da
Primeira Guerra Mundial.
Em um quadro de crescente insatisfação popular e grave crise econômica, a
cúpula do partido Bolchevique retorna do exílio desvencilhando-se de
qualquer relação com o Governo Provisório. Em suas Teses de Abril, Lenin
critica a manutenção da Rússia na “guerra burguesa do capitalismo” e
promete ao povo russo, além da saída da Primeira Guerra Mundial, uma
ampla reforma agrária e a solução dos problemas econômicos, sob o lema
“pão, paz e terra”. Hegemônicos no principal soviet do país, o de
Petrogrado, os bolcheviques decidem pegar em armas contra o Governo
Provisório em outubro de 1917, encabeçando a segunda revolução de 1917,
agora de caráter socialista.
A Revolução de Outubro teve repercussões muito mais profundas e globais
que sua ancestral, pois, se as ideias da Revolução Francesa, como é hoje
evidente, duraram mais que o bolchevismo, as consequências práticas de
1917 foram maiores e mais duradouras que as de 1789. A Revolução de
Outubro produziu, de longe, o mais formidável movimento revolucionário
organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo
desde as conquistas do Islã em seu primeiro século40.
12.4. Rússia Comunista - Os primeiros anos
Governo Lenin (1917-1924)
DECRETO SOBRE TERRAS DA REUNIÃO DOS SOVIETES DE
DEPUTADOS OPERÁRIOS E SOLDADOS.
26 de outubro (8 de novembro) de 1917
1) Fica abolida, pelo presente decreto, sem nenhuma indenização, a
propriedade latifundiária.
2) Todas as propriedades dos latifundiários, bem como as dos conventos e
da igreja, acompanhadas de seus inventários, construções e demais
acessórios ficarão à disposição dos comitês de terras e dos Sovietes de
Deputados Camponeses, até a convocação da Assembleia Constituinte.
3) Quaisquer danos causados aos bens confiscados, que pertencem, daqui
por diante, ao povo, é crime punido pelo tribunal revolucionário41.
A eleição da Assembleia Constituinte, marcada para dezembro de 1917, foi
mantida por Lenin. A popularidade dos socialistas-revolucionários refletiu-
se no resultado eleitoral, que garantiu a maioria das cadeiras disponíveis ao
grupo. As dificuldades que se apresentariam aos bolcheviques com a
manutenção deste órgão fazem com que Lenin dissolva a Assembleia,
sublinhando mais de uma vez que a República dos Sovietes é uma forma de
democratismo mais elevada do que a república burguesa habitual, com a
Assembleia Constituinte. Em seu lugar, é convocado o III Congresso dos
Soviets de toda a Rússia e o Comitê dos Comissários do Povo comanda a
política russa, sob a liderança de Lenin.
O decreto sobre os povos da Rússia concedia liberdade àqueles que por
séculos foram oprimidos pelo Império czarista, enquanto o decreto sobre o
controle operário transferia a administração das fábricas para o proletariado
russo. O decreto sobre a terra inicia a reforma agrária tão esperada pelos
camponeses e, por fim, o Tratado de Brest-Litovskretira a Rússia da
Primeira Guerra Mundial, mediante a cessão de diversas terras no leste para
a Alemanha.
Para além destas primeiras medidas, a economia russa passa por diversas
alterações para se adaptar aos novos tempos socialistas, como a estatização
imediata dos bens de produção e a declaração da moratória. No plano
político, a Igreja Cristã Ortodoxa é fechada e, para que não restasse
qualquer possibilidade de retorno dos Romanov ao poder, a família real é
executada. O temor da articulação dos seus inimigos leva à reforma do
exército, agora chamada de Exército dos Trabalhadores e Camponeses,
comandado por Leon Trotsky.
Ainda no ano de 1918, os contrarrevolucionários, chamados de “brancos”,
iniciam a Guerra Civil (1918-1921) contra os “vermelhos” bolcheviques.
Apesar de contarem com um discreto apoio de potências capitalistas e ainda
dos homens da temida “Legião Tcheca”, o confisco de toda a produção por
parte do Estado para abastecer o Exército Vermelho, assim como a apoio
dos “pretos” (anarquistas) em regiões importantes como a Ucrânia,
garantem a vitória e a consolidação do agora chamado Partido Comunista
da Rússia (1919).
No início da década de 1920, a maior parte do que fora antes de 1914 o
Império Russo dos czares emergiu intacta como império, mas sob o governo
dos bolcheviques e dedicada à construção do socialismo mundial. Foi o
único dos antigos impérios dinástico-religiosos a sobreviver à Primeira
Guerra Mundial, que despedaçara tanto o Império Otomano - cujo sultão
era califa de todos os muçulmanos - quanto o Império Habsburgo, que
mantinha relação especial com a Igreja romana42.
No entanto, os rumos centralizadores do governo comunista geravam
críticas internas fortes, como aquelas dos marinheiros da base de Kronstadt.
Em 1921, eles exigiam o retorno do poder aos soviets, sendo estes eleitos
por voto direto e secreto imediatamente, liberdade de expressão e de
imprensa, direito à reunião e liberdade dos sindicatos, dentre outros pontos.
A Revolta de Kronstadt foi massacrada ainda em março de 1921, sendo esta
uma clara demonstração de força e centralização do governo leninista.
Diante de uma crise econômica sem precedentes e de uma forte insatisfação
social, reformas eram necessárias e urgentes. Ainda em 1921, Lenin
anuncia um conjunto de modificações que sinalizavam a conciliação entre
medidas comunistas e capitalistas, objetivando a dinamização da economia
soviética. Eram tempos de Nova Política Econômica (NEP), de “um passo
atrás para dar dois passos à frente”, com a permissão de investimentos
estrangeiros, a diferenciação dos salários, propriedades privadas no campo
aliadas à liberdade de comércio em alguns setores. Outra medida elaborada
no contexto de recuperação foi a criação da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), unindo os territórios da Transcaucásia,
Ucrânia, Rússia e Bielorrúsia. Federalista em sua forma, ao longo de toda
sua existência a URSS transparece características centralizadoras. A
recuperação econômica ocorre de forma gradual até 1928, embora o líder
bolchevique não estivesse mais à frente de seu povo quando a NEP foi
concluída.
Após longo período enfermo, Lenin faleceria em 21 de janeiro de 1924. A
disputa pela sucessão na liderança no Partido Comunista da União Soviética
é incrementada, sendo os protagonistas Leon Trotsky e Joseph Stalin (na
época, Secretário-geral do Comitê Central). Nos manuais de História em
geral, a oposição de projetos políticos é considerada o principal motivo para
a vitória de Stalin, já que mais membros do politburo (onde ocorre a
eleição) apoiaram a ideia de fortalecer o socialismo primeiro na URSS para,
posteriormente, difundi-lo (“socialismo em um só país”), enquanto a
imediata internacionalização do socialismo soviético, defendida por Trotsky
(“revolução permanente”), era vista com receio, principalmente depois do
fracasso da tentativa de levar o leninismo para a Polônia (Guerra Russo-
Polonesa, entre 1919 e 1921). Fatores como o racismo existente no leste
europeu (Trotsky era judeu) e a posição de Stalin no Comitê Central,
facilitando articulações políticas para isolar Trotsky, também são
preponderantes para a consolidação do georgiano no Kremlin.
12.5. Stalinismo Soviético até a Segunda Guerra
Mundial
Nascido Iossif Vissarionovitch Djugashvili na Georgia, filho de mãe
costureira e pai sapateiro, dedicou-se à oposição ao regime dos Romanov na
juventude, quando adotara uma gama de alcunhas, dentre elas aquela que
seus mais próximos companheiros o chamavam mesmo depois da sua
consolidação entre os bolcheviques: Koba. Stalin, ou homem de ferro, viria
posteriormente, destacando o fato de nunca ter saído da Rússia imperial
mesmo sendo duramente perseguido pela Okhrana, a polícia secreta
czarista.
Sua ascensão até o posto de Secretário-geral do PCUS é envolta de muitas
intrigas e diversas interpretações. Após a morte de Lenin, Stalin incrementa
algumas características já apresentadas nos tempos leninistas, tais como o
autoritarismo, a repressão dos opositores ao projeto bolchevique e, também,
dentro do PCUS, em nome do centralismo democrático. Dessa forma,
quando Trotsky critica publicamente os novos rumos adotados pela gestão
stalinista, é expulso do partido, parte para o exílio da República Socialista
Soviética do Cazaquistão e, em 1929, é expulso da URSS. Considerado por
Stalin “inimigo do povo”, Trotsky vê familiares e ex-camaradas de partido
como Kamenev e Bukharin sendo duramente condenados nos “Processos de
Moscou” (1936-1938), também conhecidos como o Grande Expurgo. A
repressão stalinista atinge todos os setores da sociedade soviética, sendo os
campos de concentração (GULAGS) sistematizados para “recolher” esses
indesejados. Mesmo no México, Trotsky não escapa do destino de seus
conterrâneos: morre no México, assassinado pelo agente stalinista Ramón
Mercader em agosto de 1940.
Se a repressão e o autoritarismo deixavam nas páginas da História a
esperança democrática do “todo o poder aos sovietes”, na economia, Stalin
promove um forte crescimento econômico por meio da planificação: eram
os tempos dos Planos Quinquenais. A partir de 1928, a GOSPLAN
determinava as metas para cada setor da economia soviética, estabelecendo
investimentos, modo de produção e quantidades. Os três primeiros planos
quinquenais deram ênfase maior à indústria pesada e aos bens de capital,
mais do que triplicando a produção de aço e carvão, enquanto mantinha um
padrão social mínimo, mesmo que as indústrias de bens de consumo não
fossem esquecidas.
Uma questão amplamente debatida dentro das fileiras do politburo soviético
preocupava especialmente Stalin: a natureza da reforma agrária. Para o
georgiano, o estímulo à criação de pequenas propriedades nos tempos de
NEP era um traço do capitalismo: as propriedades deveriam ser coletivas.
Com os planos quinquenais, ocorre a coletivização forçada no campo, na
qual os camponeses foram obrigados a formar cooperativas agrícolas
(kolkhozes), em que os meios de produção eram fornecidos pelo Estado em
troca de uma parte da produção, ou se tornaram funcionários de uma
fazenda estatal - sovkhozes. Desde o início, tal projeto foi criticado por
inúmeros camponeses, que resistiram e foram duramente reprimidos pelo
Estado.
O stalinismo muitas vezes é interpretado como uma forma de totalitarismo.
Críticos e defensores de tal interpretação são unânimes em afirmar que a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) modificou a face do regime. Até
mesmo o apelo ao nacionalismo aparece, na medida em que a internacional
socialista é substituída pelo hino da URSS. Tal impacto será analisado de
forma mais apurada nos próximos capítulos.
13. Os Estados Unidos no Período
Entre-Guerras
13.1. Introdução
A primeira guerra mundial, anunciada como a “guerra para terminar com as
guerras”, deixou fixa a imagem de devastações e morticínios. Perto de treze
milhões foram mortos e vinte milhões feridos. As despesas bélicas não
apresentam termos de comparação com as das guerras precedentes e as
devastações [...] alcançamnúmeros vertiginosos43.
Enquanto a Europa sofria com as sequelas da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), com seu parque industrial afetado e cidades parcialmente
destruídas, os Estados Unidos da América colhiam os frutos de sua
participação tardia e sua localização privilegiada longe das tormentas
europeias.
Ao longo de todo o conflito, as empresas estadunidenses obtiveram lucros
ao exportar seus produtos industrializados para os beliciosos europeus que,
no pós-guerra, não só ainda precisavam dos produtos americanos, mas
também de créditos para a sua reconstrução. Enquanto isso, os
estadunidenses incrementavam o fordismo, a produção em série que
capacitava suas indústrias a produzirem em larga escala, além de
protegerem seu mercado interno por meio do protecionismo da tarifa
Fordney - MacCumber (38,5%). Já em 1921, a Breve Crise de reconversão
industrial ficara para a história e os estadunidenses viveriam tempos de
euforia.
13.2. Anos 1920 - A Era da Ilusão
Se o isolacionismo político foi retomado ainda no calor da decepção com o
desprezo europeu pelos 14 Pontos de Wilson e o consequente veto do
Congresso, a participação dos Estados Unidos no órgão que buscava a paz
mundial, não podemos afirmar que há uma completa ausência do gigante
americano com relação aos assuntos internacionais.
Ainda em 1922, os Estados Unidos convocam as principais potências navais
com o objetivo de evitar uma corrida armamentista em um contexto de
fadiga de guerra após o conflito iniciado em 1914. Em fevereiro daquele
ano, o Império Britânico, o Império do Japão, o Reino da Itália e a III
República Francesa, juntamente com os Estados Unidos (temerosos com
relação ao aumento do poderio bélico japonês no Pacífico) assinam o
acordo. Com relação à economia, os estadunidenses foram fundamentais
para salvar a Alemanha do caos em 1923, com empréstimos e
renegociações das dívidas de guerra por meio dos Planos Dawes e Young.
Mesmo não participando da Liga das Nações, o kantianismo pacifista não
foi esquecido na Secretaria de Estado. Em 1928, Frank B. Kellogg,
secretário de Estado, foi protagonista na elaboração do Tratado de Renúncia
à Guerra, também conhecido como Pacto Kellog-Briand, no qual seus
signatários “renunciavam à guerra como instrumento de política nacional”.
Enquanto isso a sociedade estadunidense vivia a euforia do American Way
of Life, quando o enriquecimento fácil e rápido era o sonho da maioria.
Livros como The Great Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, demonstravam que
nem todos aceitavam tal clima. Sucesso posterior de vendas, o livro de
Fitzgerald tem em seu protagonista um exemplo da prosperidade muitas
vezes aparente de poucos em meio a um crescente número de excluídos - é
sempre importante lembrar que a desigualdade social era crescente nos
Estados Unidos.
Outro elemento explorado pelo autor são as consequências da Lei Seca (ou
Volstead Act), aprovada em 1919. Tendo raízes nos Movimentos de
Temperança do século XIX, o Ato de Proibição Nacional era um exemplo
da força de uma sociedade conservadora, que baseava-se nas escrituras para
pautar sua ação política. Qualquer bebida com mais de 0,5% de teor
alcoólico seria considerada intoxicante e automaticamente teria sua
fabricação, venda e distribuição proibidas pelo governo. Para alguns
analistas tratava-se também de uma forma de controlar os operários para
além do muro das fábricas. As consequências são amplamente conhecidas:
trabalhadores com graves problemas de saúde por ingerir bebidas caseiras
altamente tóxicas, o estabelecimento de inúmeros speakeasies (bares
clandestinos) e o fortalecimento da máfia, que ganhou espaço ao traficar
bebidas para as mais diversas cidades, sendo a Chicago de Al Capone um
símbolo deste período.
Os excluídos do American Way of Life eram fortemente reprimidos quando
tentavam romper esta barreira. A Ku Klux Klan crescia em número e
influência nas mais altas esferas governamentais, ampliando também seus
alvos: para além dos negros, os cavaleiros da KKK também reprimiam
judeus e católicos, uma vez que estes também não se encaixavam no
modelo WASP (White, Anglo-Saxo and Protestant).
Operários também recebiam a sua cota de repressão. Se na Europa os
sindicatos eram reconhecidos como legítimos representantes dos
trabalhadores na interlocução com patrões e Estado, nos Estados Unidos a
ação destes era obstruída de todas as formas. Vistos como vetores de
ideologias que ameaçavam a sociedade estadunidense, como o
anarcossindicalismo e o comunismo, greves o movimentos sindicais eram
alvo da polícia ou mesmo do aparato jurídico conservador. Até hoje
controversa, a execução por eletrocução dos imigrantes anarquistas italianos
Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti à morte é interpretada como símbolo
da intolerância com relação às esquerdas.
13.3. A Crise de 1929
O enriquecimento fácil e rápido era o sonho da maioria dos norte-
americanos. O perigoso vírus da especulação contaminava especialmente
aqueles que viviam em Nova York, mais próximos da caixinha mágica - a
Bolsa de Valores - onde tais maravilhas aconteciam44.
Na segunda metade da década de 1920 os efeitos da recuperação econômica
europeia sobre os Estados Unidos já eram sentidos. Se na área rural, cenas
de camponeses perdendo suas terras em um contexto de endividamento com
os bancos e baixos preços dos produtos agrícolas era comum, nas cidades a
prosperidade ocultava as mazelas de uma sociedade cada vez mais desigual,
onde 90% da riqueza do país estava nas mãos de 13% dos estadunidenses.
Após a utilização de empréstimos estadunidenses, os europeus reduzem as
importações do Tio Sam. Se o refluxo do mercado externo era uma
novidade, aquele que se referia ao mercado interno não. Baixos salários
pagos aos operários somados à estandartização da produção, que não
estimulava o consumo, levaram redução do mercado interno.
Consequentemente, o sistema produzia muito mais do que podia absorver,
sendo as demissões em massa o resultado imediato. Como solução para a
crise de superprodução e subconsumo, os empresários buscaram a
exportação de capitais e os investimentos no mercado financeiro.
Em busca de lucro rápido, a especulação na bolsa de valores eleva o preço
das ações de inúmeras empresas que não possuíam real valor. Enquanto o
índice da Bolsa de Valores de Nova York subiu de 105 para 220 pontos
entre 1926 e 1929, o volume de negócios produtivos cresceu somente de
105 para 120 - a diferença era pura especulação. O governo estimulava a
concessão de créditos fáceis, para que o cidadão comum investisse também
na bolsa, muitas vezes podendo comprar lotes de ação por apenas 10% do
seu valor, sendo o restante liquidado com os lucros da própria aplicação.
A crise seria fruto da percepção de que a economia real não crescia no
mesmo ritmo da especulação na bolsa, buscando retirar seu dinheiro do
mercado financeiro em busca de investimentos mais seguros. Desde o início
de 1929 os grandes banqueiros estavam preocupados com os créditos
abundantes diante da crescente volatilidade do mercado, que atingiu seu
momento mais crítico entre a quinta-feira negra (24 de outubro) e o total
desespero na terça-feira dia 29 de outubro. Era o Crack (quebra) da Bolsa
de Nova York.
13.4. Grande Depressão
A partir da Crise de 1929, a economia estadunidense e também mundial
entram em um profundo processo de recessão. Em Washington, o presidente
republicano Herbert Hoover exortava a população a manter a calma e
repetia o mantra dos liberais, afirmando que “o próprio mercado iria
resolver o problema”. Mesmo com o Congresso disponibilizando uma linha
de crédito para o governo, o ultraliberal Hoover pouco investiu pois não
acreditava na intervenção do Estado nas questões econômicas.
As consequências foram inúmeras:
• Falência de Empresas.
• Desemprego em massa, chegando ao número de 14,5 milhões.
• Miséria e fome.
• Camponeses perdem suas terras para os bancos, uma vez que não
conseguiram pagar suas hipotecas e, para piorar, a região do Meio Oeste
enfrentou ondas de seca em 1930, 1934 e 1936.
• Quebrade centenas de bancos.
• Internacionalização da crise, com a retirada de capitais estadunidenses na
Europa e a deteriorização do comércio mundial.
13.5. Anos 1930 - A Recuperação
Hegemônicos na Casa Branca desde a eleição de Lincoln, os republicanos
tentavam em 1932 o quarto mandato consecutivo. Mas nestas eleições o
desafio seria enorme, pois os Estados Unidos estavam afundados na crise e
diante da pouca eficácia das tímidas ações do presidente Hoover. O
opositor, F. D. Roosevelt, tinha longa tradição de atuação política junto ao
partido Democrata e, neste momento, criticava o liberalismo republicano
tendo como base a sua administração em Nova York, onde promoveu obras
sociais com o intuito de amenizar os efeitos da crise.
A vitória de Roosevelt veio acompanhada da aplicação dos princípios do
economista inglês John Maynard Keynes, defensor da intervenção do
Estado na economia para promover o bem-estar social e, consequentemente,
superar a Crise de 1929. Diversas medidas keynesianas foram adotadas pelo
New Deal, sendo Roosevelt acusado por opositores de adotar o marxismo.
Mais interessante ainda foi a reação da imprensa nazista, que chegou
mesmo a elogiar o estadunidense por ter adotado “medidas nacionais-
socialistas” nos Estados Unidos.
Algumas das principais medidas adotadas pelo grupo conhecido como os
“inventores do New Deal” estão:
• Administração da Reconstrução Nacional
• Órgão responsável pela aplicação de bilhões de dólares em obras públicas
(Administração dos Trabalhos Civis), criando em menos de uma década
mais de 8 milhões de empregos nos Estados Unidos. Reconstrução de
hospitais, escolas, aeroportos e pontes. Neste contexto, foram criadas
agências que forneciam ajuda governamental e criavam empregos
temporários, como a WPA (Works Progress Administration) e a CCC
(Civilian Conservation Corps).
• Autoridade do Vale do Tennessee
• Conjunto de medidas para auxiliar uma das regiões mais pobres do país e,
portanto, que mais sofreram com a Crise de 1929. Construção de represas e
incentivos para a criação de empresas são os destaques.
• Ato de Ajustamento Agrícola
• O governo não somente promoveu o refinanciamento das hipotecas
(Corporação de Empréstimos para Proprietários), mas também promoviam
estímulos em dinheiro para que os produtores agrícolas diminuíssem suas
produções com o objetivo de reduzir a superprodução. Além disso, a
Administração para a Eletrificação rural procurava dar suporte a estas áeras,
além de facilitar créditos para os produtores.
• Administração Federal de Moradias
• Responsável pela intervenção do setor imobiliário. Criada pela Lei
Nacional de Habitação de 1934, auxiliava no pagamento de hipotecas
bancárias.
• Leis Trabalhistas
• Atenção especial foi dada pelo governo para o setor trabalhista. Ações
como o incremento do salário mínimo ou mesmo a redução da jornada de
traballho estimularam não somente a criação de novos cargos de trabalho,
mas também aumentaram o poder de consumo das classes mais baixas.
• Lei Wagner
• Não somente criar leis trabalhistas, mas também estimular seu
cumprimento. Para isso, esta lei, idealizada pelo senador Robert Wagner,
estimulava a sindicalização ao defender o direito de greves e também
promoveu a proteção de trabalhadores sindicalizados.
• Ato de Segurança Social
• Aprovado pelo Congresso estadunidense, em 1935, estabelecia a Lei da
Previdência Social, garantindo não somente a ampliação do consumo como
também o bem-estar de grande parte da população.
Uma série de medidas também foram realizadas com o objetivo de
regulamentar o setor financeiro, como a criação do Depósito Federal de
Seguros Corporativos, que garantia os depósitos e também o Ato de
Emergência Bancária, que intervinha no setor bastante prejudicado com a
crise. Além disso, houve estímulos à indústria automobilística e também às
empresas ligadas ao setor do entretenimento.
Apesar do sucesso do New Deal, em 1939 os números da economia
estadunidense se aproximavam daqueles de 1929, ou seja, no início da
crise. A economia saíra da recessão, ficando a Grande Depressão na
memória da população. Mas a Crise de 1929 ainda não estava totalmente
superada, sendo para isso fundamental a participação dos Estados Unidos
em um evento de grandes proporções: a Segunda Guerra Mundial.
14. Os Fascismos
14.1. Introdução
O nazifascismo que se consolidaria na Europa nas décadas de 1920 e 1930
foi um marco fundamental e decisivo não apenas para a vida das
populações submetidas aos regimes, mas para o rumo das relações
internacionais de forma geral, a partir de um forte nacionalismo e de uma
concepção política que ignorava diversas decisões tomadas anteriormente.
Os regimes totalitários em ascensão na Europa aproveitaram-se de um
contexto que aparecia de forma comum em quase todos os países que
acabaram por adotar esse modelo político; tal contexto caracterizava-se, em
parte, pela situação caótica trazida após a Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), geradora de crises econômicas muito graves e humilhações
inimagináveis, em especial para italianos e alemães. Além disso, o cenário
também pautava-se pelo chamado “medo vermelho”, isto é, a oposição de
determinados grupos sociais - em geral, burgueses, elites, classes médias,
entre outros - à doutrina socialista que parecia ganhar força pelo mundo, em
especial após a vitória da Revolução Russa de 1917.
Evidentemente, há fatores mais específicos que serão abordados no estudo
de casos, porém a 1ª Guerra mostrou-se como um antecedente importante
na consolidação dos regimes nazifascistas na Europa.
14.2. Reino da Itália
Camisas negras de Milão, camaradas operários! Há cinco anos, as colunas
de um templo que parecia desafiar os séculos desabaram. O que havia
debaixo destas ruínas? O fim de um período da história contemporânea, o
fim da economia liberal e capitalista [...] Diante deste declínio constatado e
irrevogável, duas soluções aparecem: a primeira seria estatizar toda a
economia da Nação. Afastamo-la, pois não queremos multiplicar por dez o
número dos funcionários do Estado. Outra impõe-se pela lógica: é o
corporativismo englobando os elementos produtores da Nação e, quando
digo produtores, não me refiro somente aos industriais mas também aos
operários. O fascismo estabeleceu a igualdade de todos diante do trabalho.
A diferença existe somente na escala das diversas responsabilidades. [...] O
Estado deve resolver o problema da repartição de maneira que não mais
seja visto o fato paradoxal e cruel da miséria no meio da opulência45.
Crise. Esta é a palavra que melhor define o reino de Victorio Emanuel III
após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mesmo participando do lado
vitorioso do conflito. O sentimento geral na Itália naquele momento era de
humilhação, uma vez que os Aliados (em particular os ingleses) violaram o
Tratado de Londres (1915) quando das negociações de paz em Versalhes.
Mesmo os tratados cedendo aos italianos àreas austríacas ao Norte
(Trentino e Alto Ádige), região da costa da Dalmácia e as fronteiras da
recém-criada Iugoslávia, não foram anexadas aos Reino da Itália, sendo as
aspirações eslavas defendidas em detrimento do Irrendentismo.
Na economia, a reconversão industrial que atingiu todas as economias de
alguma forma relacionadas pela guerra resultou em uma grande depressão
na Itália, sendo seu ápice entre 1921-1922. Diante deste quadro, a burguesia
cortava custos de produção, sendo as demissões e salários baixíssimos
comuns na península. Neste contexto, os trabalhadores aderiam as
organizações sindicais que foram incrementadas, fortalecendo também as
ideologias de origem marxista na península. Para a burguesia e parte
significativa da classe média, o chamado medo vermelho fez com que estas
buscassem uma solução para a radicalização de esquerda, sendo a extrema-
direita uma alternativa apresentada.
Baseando-se em uma popularidade crescente, o movimento fascista italiano,
fundado em 1919, mostrava suas “garras”. Repressão aos movimentos de
esquerda realizados por uma ala radical - a MilíciaVoluntária para a
Segurança Nacional - e um discurso salvacionista foram utilizados pelo seu
líder, o ex-socialista Benito Mussolini para conquistar a confiança dos
conservadores e também de setores operários. Ultranacionalista (lembre-se
que fascio era um símbolo de poder dos magistrados do Império Romano),
o movimento pregava a defesa da monarquia, de propriedade privada, além
da Igreja.
Como alternativa ao discurso de luta de classes proposto pelos marxistas, os
fascistas apresentavam o corporativismo. Este último parecia ser a forma
mais conveniente de conter o sindicalismo ao propor a cessão de benefícios
aos trabalhadores em troca de uma suposta “união de classes”. Segundo esta
ideologia, a colaboração entre burguesia, Estado e proletariado
proporcionaria não somente o crescimento econômico da Itália, mas
também benefícios sociais aos trabalhadores.
A crescente violência praticada pelos “camisas negras” (os membros da
Milícia Voluntária para a Segurança Nacional), que violavam abertamente
princípios constitucionais, foi contestada por diversos setores da sociedade.
Inconformados, sindicalistas convocaram uma greve geral em outubro de
1922. Como resposta, os fascistas, agora reunidos em um partido, o Partido
Nacional Fascista, convocaram uma manifestação em Roma para
“protestar”contra a instabilidade política e social proporcionada pela
“mobilização comunista”. O governo do primeiro-ministro Luigi Facta era
ameaçado por todos os lados.
Como resultado direto desse episódio, o rei Vitório Emanuel III, com apoio
de importantes setores da indústria italiana e do governo, que acreditavam
ser o fascismo uma solução para os graves problemas políticos e sociais do
reino, convida Mussolini para assumir o cargo de Primeiro Ministro. O líder
fascistas assumia o poder, mas ainda não possuía maioria parlamentar para
poder alterar as bases da política italiana. Para isso, usa de todos os meios
legais e ilegais para ganhar as eleições 1924, obtendo maioria absoluta dos
votos.
Com o parlamento em suas mãos, Mussolini promove a Reforma
Constitucional de 1925, que não apenas centraliza o poder em suas mãos,
mas também expulsa os deputados “aventinos” (socialistas e católicos
opositores) do Parlamento e cria novos tribunais formados por oficiais do
Exército e da Milícia Voluntária para a Segurança Nacional, que julgariam
os delitos políticos. Duas tentativas de assassinato a Mussolini foram
amplamente utilizadas pelos fascistas para justificar o massacre aos
opositores. O caminho para o totalitarismo foi completado quando, em
1928, o Grande Conselho do Fascismo tornou-se o principal órgão
constitucional do reino, sendo abolidas as eleições. Benito Mussolini era o
“Duce”, assumindo o controle total do país.
14.3. Alemanha
Após a Primeira Guerra Mundial, a República de Weimar teve controle
muito limitado sobre as forças militares e policiais necessárias à
manutenção da paz interna. No final, a República caiu em consequência
dessa limitação, fragilidade explorada por organizações da classe média, as
quais achavam que o regime parlamentar-republicano as discriminava e,
assim, procuraram destruí-lo46.
Ainda em 1918 diversas mudanças políticas atingiram a Alemanha em meio
às sucessivas derrotas na Primeira Guerra Mundial (1939-1945). A queda
do kaiser Guilherme II foi sucedida pela chegada dos republicanos ao
poder, que negociaram o armistício que pôs fim ao conflito, como visto
anteriormente. Ainda em meio a reconstrução nacional, algumas das figuras
mais destacadas do novo regime saíram da conturbada Berlim para elaborar
as bases de uma nova Constituição. Aprovada, com um caráter social
destacado, a Constituição de 1919 é a base para o período republicano que
se extende até a centralização de poderes nas mãos dos nazistas, conhecido
como República de Weimar (1919-1933).
Acompanhada da humilhação sofrida na Conferência de Paz de Paris, onde
viu seu território ser dividido pelos vitoriosos, perdeu todas as suas
possessões ultramarinas, pagamento de indenizações no valor de 132
bilhões de marcos dentre outras violações da soberania nacional impostas
pelo “Tratado de Versalhes” - chamado de Diktak pelos alemães -, a
situação alemã no pós-Primeira Guerra Mundial era consideravelmente
mais grave do que a da Itália, uma vez que a crise econômica que atingiu os
germânicos foi um episódio sem precedentes na história daquele país. A
hiperinflação atingia números exorbitantes, o desemprego assolava a
população em massa e o governo da República de Weimar não parecia estar
nem perto de uma possível solução para tal situação.
Encarada por muitos como a mais organizada da Europa, a esquerda alemã
dividia-se com diversas estratégias para chegar ao poder. Enquanto os
sociais-democratas buscaram a via eleitoral e o aumento de sua
representatividade no Reichstag (Parlamento) alemão, os espartaquistas de
Rosa Luxemburgo, defensores de uma espécie de comunismo libertário,
foram brutalmente reprimidos. Para completar o quadro instável, o Partido
Social Democrata Independente radicalizou suas ações ao tomar o poder e,
por algumas semanas, implementar a êfemera experiência da República
Soviética da Baviera em 1919.
Enquanto isso, o movimento ultranacionalista também buscava o seu “lugar
ao sol”. Fundado em 1920, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores
Alemães (Nazista) ganha projeção ao longo da década. Muitas vezes as
características do partido são associadas às ideias do seu mais longevo
presidente: Adolf Hitler. Austríaco e ex-combatente no Exército Alemão
durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Hitler não aceitava o
desfecho desfavorável do conflito para a Alemanha, identificando como
traidores aqueles que aceitaram as humilhações impostas pelas potências
vitoriosas.
Creditava aos inimigos internos não somente a assinatura do Tratado de
Versalhes, mas também a crise econômica e social. Quem seriam estes
inimigos? Os judeus. Defensor do arianismo, Hitler e seus companheiros
mais próximos como Joseph Goebbels (futuro ministro da propaganda
nazista) viam nos judeus uma ameaça à pureza da raça ariana, assim como
creditavam a crise econômica aos burgueses (principalmente banqueiros e
empresários) de origem judaica e também as humilhações impostas pelos
vitoriosos na Primeira Guerra como uma associação da comunidade judaica
internacional com aqueles que participavam da República de Weimar. O
antissemitismo enraizado no continente europeu ganhava seu capítulo mais
sombrio neste momento.
Como fórmula para a crise econômica alemã, sugeria a superação do
capitalismo por meio da intervenção da economia e de um Estado forte; e
como alternativa ao discurso de igualdade social dos comunistas, Hitler
defendia medidas sociais para os trabalhadores alemães, buscando esvaziar
o discurso revolucionário das esquerdas. A fracassada tentativa de golpe
liderada por Adolf Hitler em 1923 - o Putsch de Munique - e a publicação
do livro de sua autoria, Mein Kampf (minha luta), no qual algumas
características fundamentais do nazismo se apresentavam sem disfarce
perante a sociedade alemã, contribuem para o crescimento da ideologia de
extrema direita no país.
Entre 1925 e 1929 os movimentos radicais apresentam um refluxo, visto
que a República de Weimar parecia poder começar a respirar
economicamente, graças aos Planos Dawes e Young, promovidos pelos
estadunidenses. Juntamente com créditos facilitados, estes planos
econômicos renegociavam o pagamento das indenizações de guerra, o que
proporcionou um contínuo crescimento ao país. Porém, com a Crise de
1929, a retirada total dos capitais estrangeiros, em especial os
estadunidenses que vinham dando um pequeno fôlego aos alemães, afunda
o país em uma nova espiral de crise.
Pautando-se no binômio repressão-arianismo, o Partido Nazista, em meio
ao desespero de grande parcela da população alemã, conquista cadeiras no
Parlamento. Em 1930, os nacionais-socialistas obtêm cerca de 18,3% dos
votos. Em 1932, eram 38%, concedendo maior força à atuação de Hitler no
Reichstag. O general Paulvon Hindenburg, herói da Guerra Franco-
Prussiana (1870-1871), estava em seu segundo mandato47 de presidente
(Reichspräsident), buscando conter mais uma crise política da República de
Weimar. Três chanceleres estiveram à frente do Reichstag em 1932, sendo a
indicação de Hitler por Hindenburg, em janeiro de 1933, uma alternativa.
Poucas semanas depois (27 de fevereiro), um criminoso incêndio no
Reichstag, promovido por três comunistas búlgaros ligados ao Comitern,
favoreceu os anseios autoritários nazistas, sendo muito bem explorado o
medo vermelho (Hitler falava em “conspiração vermelha”) na sociedade
alemã.
A novidade do nazismo era sua força psicológica, que predispunha todos,
trabalhadores ou não, a aceitarem ou assumirem seu corpo ideológico. Os
recalques sexuais e a energia psicossocial das massas eram canalizadas para
um envolvimento contagiante com as propostas do movimento, e isto apesar
de que elas se voltarem contra os interesses dos próprios trabalhadores48.
Na sequência dos fatos, mais um avanço eleitoral nazista ocorre e, com
maior poder em suas mãos, Hitler promove o fechamento de sindicatos e
partidos de esquerda, sendo seus recursos confiscados e suas sedes
invadidas49. Com a lei de depuração, o governo inicia uma autêntica “caça
às bruxas”no funcionalismo público, sendo expulsos não somente judeus,
como comunistas e defensores da democracia em bases liberais. Já em
1933, os 45 Lager (campos de concentração) possuíam cerca de 45 mil
presos, sendo esta uma pequena amostra do que ainda estava por vir.
Em agosto de 1934, com a morte de Hindenburg, em poucos dias os
nazistas conseguem aprovar a unificação dos dois principais cargos
políticos no país: presidente (Reichspräsident) e chanceler (Reichskanzler).
A partir de então, ele era o “Führer”, isto é, único líder do país. Dentre suas
concepções políticas fundamentais estavam o planejamento de anexar
territórios com população germânica a fim de garantir o “espaço vital” e
formar a Grande Alemanha. Também é importante assinalar que,
gradualmente, são incrementadas as perseguições à comunidade judaica,
sendo seu momento mais tenebroso a opção pela solução final em meio à
Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
14.4. Características Gerais
Surgidos em contexto e épocas concomitantes, os governos nazista alemão
e o fascista italiano apresentavam diversas características em comum.
Autores como Leandro Konder, em artigo “Cultura Política nos anos
críticos”50, inserido na coleção O Século XX - O tempo das crises
(revoluções, fascismos e guerras), tratam o nazismo como uma variação do
fascismo na Alemanha, devido às similaridades apresentadas pelos dois
regimes. Dentre estas, podemos destacar:
• Totalitarismo
• O Estado está acima de tudo, sendo a frase de Benito Mussolini
emblemática desta forma de governo: “Tudo no Estado, nada contra o
Estado, nada fora do Estado. O indivíduo está subordinado às necessidades
do Estado e, à medida que a civilização assume formas cada vez mais
complexas, a liberdade do indivíduo se restringe cada vez mais”. A filósofa
alemã Hannah Arendt em sua obra As origens do totalitarismo51
identificava tais características mais presentes na Alemanha Nazista e na
URSS Stalinista do que na Itália Fascista. Existem críticas crescentes a esta
ideia.
• Antiliberalismo
• Por basearem-se no totalitarismo são também favoráveis a toda e qualquer
intervenção estatal na vida política e econômica dos países;
• Antidemocracia
• O Estado garante a coesão nacional e tem o dever de gerir a vida de todos
os cidadãos.
• Unipartidarismo
• Os únicos partidos políticos legalizados e admitidos pelo Estado seriam o
Nazista, na Alemanha, e o Fascista, no Reino da Itália.
• Anticomunismo
• Uma das principais bandeiras, levantadas desde o surgimento dos partidos,
era a luta contra o comunismo. O medo vermelho foi muito explorado,
como visto anteriormente, pelos fascistas. A burguesia e a classe média,
temendo ideias como a abolição da propriedade privada, apoiam a ascensão
dos fascismos e a consequente repressão aos “vermelhos”.
• Repressão
• O uso da violência contra os opositores políticos (democratas, liberais,
socialistas, comunistas, anarquistas ou simplesmente aqueles que se
opunham ao totalitarismo nazista). Antes mesmo de chegarem ao poder a
violência contra os opositores era largamente utilizada, sendo as milícias
notórias neste quesito. No caso italiano, os “camisas negras”. No caso
alemão, as Seções de Assalto (SA) e, posteriormente, as Seções de
Segurança (SS).
• Ultranacionalismo
• A utilização de símbolos nacionais (bandeiras, hinos, desfiles) e os
discursos nacionalistas, baseados na ideia de superação, vingança, vitória,
foi fundamental para buscar uma coesão que facilitou a consolidação das
ideologias fascistas no Reino da Itália e na Alemanha. Neste aspecto, o uso
do esporte adquiriu um peso considerável também (exemplos são as
Olimpíadas de 1936 em Berlim e a Copa do Mundo de 1934 no Reino da
Itália).
• Militarismo
• Os investimentos na indústria bélica e no treinamento dos exércitos, bem
como a ênfase no sentimento revanchista, uniram a população nos dois
países e foram fundamentais durante a 2ª Guerra (1939-1945).
• Expansionismo
• Característica marcante no período que antecede a 2ª Guerra, ficaria
bastante evidente na tentativa de anexação de territórios europeus pela
Alemanha e no Norte da África pelo Reino da Itália. No caso italiano, os
fascistas afirmavam que, para além da anexação dos territórios ligados à
questão do Irredentismo, desejavam reconstruir as fronteiras estabelecidas
pelo Império Romano. No III Reich, Hitler pregava a Teoria do Espaço
Vital, formando um império unindo todos os povos de origem germânica, a
“Grande Alemanha”.
• Censura e Propaganda
• Artifícios comuns a quase todos os regimes totalitários e/ou ditatoriais, a
censura aos meios de comunicação que divulgassem pontos negativos dos
governos e a propaganda positiva dos regimes eram estratégicos para o bom
funcionamento dos mesmos, controlando a opinião pública e,
consequentemente, a opinião das massas.
• Culto ao líder
• Parte integrante da propaganda dos governos, a ideia de transformar as
imagens de Hitler e Mussolini em grandes heróis, figuras sem defeitos e
que, portanto, deviam ser seguidas sem discussão, foi também importante
para a consolidação dos regimes fascistas na Europa. O ditador era a
encarnação da sua nação.
• Racismo
• Característica específica da Alemanha nazista, defendia a crença na
superioridade da raça ariana e pregava a necessidade de eliminar grupos
inferiores e que, de alguma maneira, ameaçavam a homogeneidade e pureza
da raça ariana: judeus, negros, ciganos, homossexuais, deficientes etc.
• Corporativismo
• Traço típico da Itália Fascista, o corporativismo estabelecia o controle dos
trabalhadores por meio da subordinação dos sindicatos ao Estado,
substituídos por corporações, que reuniam trabalhadores e patrões, sob a
direção de um delegado nomeado pelo governo. Uma vez cooptados, os
operários seriam beneficiados pelas leis trabalhistas inseridas na Carta del
Lavoro, que se, por um lado, significou a perda da autonomia sindical e a
criação de mecanismos de controle da ação política dos cidadãos (por meio
das agências estatais), trouxe benefícios trabalhistas ao operariado.
Em 1936 teria início a Guerra Civil Espanhola, que reforçou
definitivamente a aliança Alemanha-Itália (países que apoiaram o general
Franco contra a Frente Popular), dando origem ao eixo Roma-Berlim,
fortalecida posteriormente com a adesão do Japão. A partir daí ganharia
força a escalada expansionista do nazifascismo, que culminaria na eclosão
da Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.
15. A Segunda Guerra Mundial
(1939-1945)
A guerra europeia que se iniciou no primeiro de setembro de 1939 foi a
guerra de Hitler. Historiadores continuarão a discutir as forças sociais,
econômicas e políticas que o levaram a assumir uma série de riscos
calculados que culminaram em uma guerra em grande escala52.
Iniciadaem setembro de 1939, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) teve
enormes proporções ao envolver setenta e dois países e todos os continentes
direta ou indiretamente. Para alguns intérpretes, não existiram duas guerras
mundias, e sim uma grande guerra mundial que iniciou-se em 1914 e
terminou em 1945. Esta interpretação está relacionada às origens da
Segunda Guerra Mundial que, em sua maior parte, tem início na forma
como foi constituída a paz em 1919.
O revanchismo alemão, a busca italiana por uma resposta à humilhação ao
ver suas ambições territoriais negadas em 1919 ou mesmo a pouca
importância concedida aos asiáticos que participaram na Primeira Guerra
Mundial nas negociações de paz são fatores apontados como determinantes
para que os regimes fascistas conseguissem angariar apoio suficiente para
envolver seus povos em um novo conflito militar pouco mais de duas
décadas após o fim das hostilidades iniciadas com o assassinato de
Francisco Ferdinando.
Para aqueles que privilegiam as análises econômicas, questões ligadas às
dificuldades de negociação e transação entre os países na década de 1930
seriam fundamentais para entender as raízes deste conflito. A Crise de 1929
levou não apenas a uma retração da produção mundial mas também à
adoção por parte de diversos países de um maior protecionismo econômico,
produzindo uma “guerra tarifária” sem precedentes. Desta forma, a disputa
por novas fontes de matéria-prima e mercados entre as principais potências
que compunham o “Eixo” e os “Aliados” levaria o mundo a mais seis anos
de confrontos bélicos.
15.1. Antecedentes
As raízes do conflito relacionam-se com as políticas estabelecidas por
determinados países europeus naquele momento, em especial à ascensão
dos regimes nazifascistas na Alemanha e na Itália. Como trabalhado
anteriormente, características como o belicismo, militarismo ou mesmo o
expansionismo são características destacadas dos regimes fascistas
europeus, e a consequência natural de tais atitudes levaria ao confronto, ao
menos no campo ideológico, com as principais potências europeias.
Do outro lado do mundo, mais especificamente no Japão, tais regimes
encontraram um importante aliado. Alvo de muitas interpretações, o
período que correspondeu ao período Showa, mais precisamente no reinado
de Hirohito, possui diversas características semelhantes aos fascismos
europeus. Mesmo sem um ditador carismático ou um único partido forte e
centralizador, o Estatismo japonês era expansionista e militarista.
Na segunda metade da década de 1930, quando os fascismos italiano e
japonês já estavam consolidados, Hitler, como führer, alemão, articula a
assinatura de um acordo com a potência asiática. Assinado pelo ministro
alemão Joachim von Ribbentrop e pelo embaixador japonês Kintomo
Mushakoji, em novembro de 1936, o Pacto Anticomintern objetivava
proteger tais signatários das supostas ameaças do comunismo. Meses
depois, já em 1937, a Itália aderiu a tal acordo, deixando de lado o
incômodo quanto às pretensões alemãs com relação à Áustria, formando-se
aquilo que posteriormente ficou conhecido como o Eixo. Em 1938, um dos
lados do conflito já era realidade.
Diante de tal expansionismo e articulação entre os fascistas era esperada
uma reação forte por parte das potências capitalistas ocidentais -
principalmente Inglaterra e França - ou mesmo daquele órgão criado para
garantir a paz mundial: a Liga das Nações. Porém, refletindo os receios de
seus populares, que ainda tinham em mente os horrores da Primeira Guerra
Mundial e não queriam repetir desgastante experiência, ingleses e franceses
nada fazem para deter o avanço do Eixo. Apostavam também os anglo-
franceses que o discurso anticomunista dos fascistas acarretaria em um
ataque à URSS, o que seria salutar para aqueles países que, em menor grau,
também sofriam com o “medo vermelho”.
Ausente os Estados Unidos deste órgão, cabia a ingleses e franceses a
direção da Liga das Nações, que atua de forma também tolerante com
relação ao expansionismo do Eixo. Era a Política do Apaziguamento
franco-britânica que, adotada ao longo da década de 1930, foi interpretada
por Hitler e Mussolini como um ato de fragilidade por parte de tais
potências. Com isso, os fascistas não enfrentaram grandes obstáculos para
elaborar o expansionismo.
Enquanto as potências cultivavam a tolerância com os excessos fascistas, os
mesmos espraiavam seus tentáculos no mundo. No Oriente, o Japão,
fortalecido com os adventos da Era Meiji, tinha notórios problemas quanto
à limitação de seu território e elegeu a República da China, frágil, como
alvo de seus ataques. Desde o início do século XX, a Manchúria era alvo
preferencial nipônico e, desde o final da Guerra Russo-Japonesa (1904-
1905), influenciava em demasia a economia daquela região, rica em
minerais e com destaque para suas reservas de carvão.
Desejando controlar de forma mais direta a Manchúria, o que até então era
realizado em associação com os “senhores da guerra” chineses, o Japão
aproveitou-se do Incidente de Mukden (1931), quando dissidentes chineses
foram acusados de atacar uma ferrovia de propriedade japonesa ao sul da
região para invadir a Manchúria. Como resultado direto desta situação é
criado o Manchukuo (1932-1945), um Estado satélite do Japão Imperial,
comandado pelo último imperador da China, que pertencia à Dinastia Qing
de origem manchu. Pu Yi assume o trono em 1934, e comanda a região até
1945.
Incidentes se sucederam entre a República Chinesa, neste momento
assolada por uma Guerra Civil, e o Império do Japão, que resultarão na
Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945). A partir de 1937, a guerra
total entre os dois inicia-se, sendo interpretada por muitos como o início “de
fato”da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Última nação livre do continente africano (afinal a Libéria possuía
profundas ligações com os Estados Unidos da América), a Abíssinia
resistira à ofensiva do Reino da Itália na última década do século XIX mas,
na década de 1930, os tempos eram outros. Mussolini estava no poder há
mais de uma década, consolidado e desejoso por mais uma demonstração de
poder. Se no ano de 1934 comprovara a superioridade da organização
corporativa nos campos de futebol com a vitória na II Copa do Mundo de
Seleções da Fifa, um ano depois Mussolini estava disposto não só a
“enterrar”a humilhante derrota na Primeira Guerra Ítalo-Etíope (1895-
1896), mas também fomentar seu sonho de “reconstruir o Império
Romano”.
Atritos na fronteira entre a Somália italiana e a Abissínia resultaram no
conflito que resultou na morte de mais de trezentos mil italianos entre 1935
e 1936. Os fascistas não esperavam uma nova resistência vigorosa dos
súditos de Haile Selassie e, mesmo com a notória superioridade bélica, os
italianos recorreram a recursos como o uso de armas químicas para derrotar
os etíopes. Mussolini anunciava a fundação do Império Italiano, sendo
Vítor Emanuel III o imperador da Etiópia e, ao mesmo tempo, Primeiro
Marechal do Império.
A Liga das Nações demonstrou toda a sua fragilidade ao longo de todo o
processo, iniciado ainda em 1928, quando os italianos violaram a fronteira
construindo um forte em território etíope. Membros de pleno direito neste
órgão, teoricamente o Reino da Itália e a Abissínia possuíam a mesma
força. Mas a política do apaziguamento franco-britânica aqui também
atuou, sendo a soberania africana sacrificada em nome dos interesses
geopolíticos europeus.
Enquanto isso, na Alemanha, o führer colocava em prática seus planos
anunciados anteriormente em seu livro, Mein Kampf (Minha luta). O
Tratado de Versalhes era considerado o “garrote”do povo alemão e, após
inúmeros pedidos de revisão dos prazos para o pagamento de indenizações
de guerra e secretamente investir na indústria bélica53, viola de forma
flagrante o tratado de 1919 ao anunciar a criação de 400 mil postos dentro
do exército alemão (o Wehrmacht). Como afirmava seu pacifismo e
renunciava qualquer tipo de pretensão sobre a Alsácia-Lorena, afirmando
que apenas estava exercendo um direito legítimode defender o seu país de
possíveis ataques estrangeiros, a opinião pública das potências ocidentais
tolerava tais ações alemães.
Foi além no ano de 1936, quando violou mais uma vez o Tratado de
Versalhes remilitarizando a região de fronteira com a França. Em um
contexto em que o governo francês promovera um acordo com a URSS de
Stalin de assistência mútua, o Pacto Laval-Stalin (1935), Hitler remilitariza
a Renânia. Divididos internamente em uma luta fraticida entre as esquerdas
e os fascistas, a população francesa pouco reagiu com a tal ocupação, talvez
por confiar demasiadamente na Linha Maginot.
Em 1938 o alvo é a pátria-mãe de Adolf Hitler. As disputas políticas
internas geraram forte instabilidade na política austríaca: nazistas, social-
democratas e comunistas disputavam o poder, com golpes e assassinatos
fazendo parte da política local, após o chanceler Kurt Schuschnigg negociar
um acordo com os nazistas, anistiando estes em troca da não intervenção de
Hitler na política austríaca. Tal acordo foi ignorado, conseguindo os
nazistas hegemonia na política. Um referendo em que 99% da população
austríaca aceitou o Anschluss (anexação ou conexão) foi realizado em abril
de 1938.
A aceitação por parte das potências ocidentais motivou Hitler a discutir a
questão da população alemã que vivia na região dos Sudetos. Conhecida na
Tchecoslováquia como a “Sentença de Munique”, a Conferência de
Munique (setembro de 1938) foi simbólica com relação à política do
apaziguamento. O Führer alemão aproveita a ocasião para conseguir junto a
Neville Chamberlain e Edouard Daladier a permissão para a anexação da
região dos Sudetos tchecos, o que é realizado mediante um compromisso de
que não mais iria reivindicar outros territórios para a Alemanha - era o
Acordo de Munique.
Interessante é lembrar as reações populares com relação a tal acordo. Ao
retornar a Londres, Chamberlain faz seu célebre discurso onde afirma que
voltou da Alemanha com a “paz em nosso tempo”. Na França o apoio
popular também existiu, enquanto Hitler detectava ali sinais flagrantes de
fragilidade nas autoridades ocidentais. O caminho estava livre para a
construção do “espaço vital”.
Antes mesmo de um conflito de proporções mundiais, as principais
potências fascistas encontraram na Espanha uma espécie de “campo de
testes” antes do conflito de proporções mundiais. A Segunda República
Espanhola vivenciava uma guerra civil desde que, após a vitória das
esquerdas nas eleições de 1936, quando anarquistas, comunistas e
socialistas uniram-se de forma surpreendente, as direitas nacionalistas
liderada pela Falange Fascista do general Francisco Franco tentam um
golpe que desencadeia um dos conflitos mais sangrentos do século XX.
Enquanto os republicanos contavam com o auxílio limitado e muitas vezes
prejudicial de Stalin, destaca-se a solidariedade das esquerdas mundiais que
enviaram milhares de voluntários (“brigadas internacionais”) para lutar na
guerra. Enquanto isso, o “Movimento Nacional”franquista obteve a ajuda
militar direta do III Reich e do Reino da Itália, enquanto o regime
salazarista permitia o recrutamento de voluntários, mesmo sendo
oficialmente neutro diante da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Neste conflito, Hitler e Mussolini tiveram a oportunidade de testar a
eficiência em uma guerra convencional de algumas estratégias idealizadas
por seus militares. Por exemplo, os alemães concedem importante apoio à
força aérea franquista através da Legião Condor, que chegou a reunir cinco
mil aviadores. O Corpo Truppe Volontarie seria a materialização do apoio
italiano à Falange, com mais de cem mil homens atuando na Espanha. Uma
das ações mais destacadas desta união de forças fascistas é o bombardeio da
cidade de Guernica, eternizada na obra de Pablo Picasso.
A vitória de Francisco Franco e dos nacionalistas ao final do conflito e a
implementação de uma ditadura que se estende até o ano de 1975 são
resultados diretos deste evento, também conhecido como o “Grande
Laboratório”, uma vez que nazifascistas anteciparam e aperfeiçoaram
armamentos e estratégias posteriormente utilizados na guerra que se
iniciaria em 1939.
15.2. 1939
O ano de eclosão do segundo conflito de proporções mundiais é marcado
por uma profunda tensão entre as chamadas nações democráticas e o Eixo.
Em março, com o exército alemão cada vez mais sob seu controle direto,
Hitler invade as regiões da Tchecoslováquia que não estavam sob domínio
nazista, dividindo o território em três.
Posteriormente, o alvo seria a região do chamado “corredor polonês”, na
Crise de Danzing. O führer alemão exigia a anexação da Cidade Livre de
Danzing, que estava sob controle político da Liga das Nações e econômico
da Polônia. Diante das pressões diplomáticas dos alemães, a Polônia aceita
a criação de uma estrada sobre a região do “corredor”, mas não o controle
nazista sobre Danzing, no que recebe o apoio de França e Inglaterra.
Em abril, interessado no controle do Mar Adriático e em uma estratégica
posição para uma futura campanha sobre a região dos Bálcãs, além de uma
“resposta nacionalista”o fracasso militar italiano na Guerra de Vlora e a
posterior retirada do sul da Albânia, Benito Mussolini promove uma rápida
e intensa campanha militar sobre a região, incorporando a Albânia ao
Império Italiano como um reino independente em união pessoal com a
Coroa Italiana, forçando o exílio do Rei Zog I.
Mesmo depois de tantas ações ousadas em sua política exterior, Hitler ainda
tinha o poder de surpreender o mundo e o faz mais uma vez no oitavo mês
no ano. Após anos de isolamento diplomático, a URSS gradualmente
rompia as amarras impostas pelo “cordão sanitário”. A dificuldade dos anos
1920, quando o Tratado de Rapallo (1922) e o Tratado de Berlim (1926)
com a República de Weimar era uma exceção, foi superada na década
seguinte. Em 1932 os soviéticos participaram da Conferência Mundial do
Desarmamento; no ano seguinte foram estabelecidas relações diplomáticas
com os Estados Unidos e, finalmente, em 1934, a URSS é admitida na Liga
das Nações. Acordos bilaterais, como o já mencionado Laval-Stalin
(França-URSS), também foram estabelecidos na segunda metade da década
de 1930, o que justificava o grande trânsito de diplomatas estrangeiros em
Moscou.
O que não se esperava era que, da visita do ministro do exterior do III
Reich, Joachim von Ribbentrop, um amplo pacto de apaziguamento fosse
construído. Com a chegada dos nazistas ao poder, a questão racial ganha
força novamente, revigorando a oposição entre pan-germanismo e pan-
eslavismo do início do século XX. Para os nacional-socialistas, os povos de
etnia eslava eram considerados untermenschen (sub-humanos) e, para
aumentar a dose de ódio, Marx era judeu, o que fazia com que o
bolchevismo soviético fosse associado ao antissemitismo. O ódio aos
comunistas era uma das bases do nazismo, sendo o Pacto Anticomitern uma
consequência natural de todo o processo.
Mas no dia 23 agosto de 1939 todo o histórico de oposição e ódio foi
deixado de lado quando Ribbentrop assina com o Vyacheslav Molotov o
conhecido Pacto Germano-Soviético. Naquele momento, interessava ao III
Reich evitar uma possível guerra em duas frentes de batalha como ocorrera
na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Pelo lado soviético, em meio ao
terceiro Plano Quinquenal iniciado em 1938, interessava evitar a entrada na
guerra a todo o custo e, ao mesmo tempo, contar com o beneplácito nazista
com relação ao expansionismo no leste europeu.
Fica acertado entre as duas nações, além de uma paz de cinco anos entre os
dois gigantes (não agressão), o afastamento bélico e o distanciamento com
relação aos rivais diretos. Era importante tal medida naqueles tempos,
lembrando que em julho de 1938 os soviéticos entraram em confronto com
o Japão. O regime expansionista nipônico tentou alterar a fronteira mongol
à força, respondendo a URSS com o ataque do Exército Vermelho. A
Batalha do Lago Khasan deixou claro para os japoneses que os soviéticos
eram adversários duros de serem superados, mudando o focoda sua
expansão. Para os soviéticos, havia a sensação de que seria difícil manter
suas fronteiras intactas diante do fortalecimento dos fascistas e, para tal, o
pacto de fevereiro de 1939 teria forte contribuição.
Mas gera muita polêmica nos anos 1950 a divulgação, por parte de Nikkita
Kruschev no contexto da desestalinização, das cláusulas secretas do Pacto.
Nestas, a Europa Oriental era dividida em zonas de influência entre
germanos e soviéticos, a invasão mútua da Polônia (que deixaria de existir
novamente, sendo partilhada pelos dois países) é acertada e os homens de
Stalin comunicam a posterior ocupação soviética da Finlândia. Relações
comerciais também estavam neste acordo, sendo interessante para a
Alemanha nazista poder contar com o petróleo soviético enquanto a
reconstrução do exército soviético contava com o material bélico alemão.
Caiu como uma “bomba”em Paris e Londres tal acordo. As autoridades
franco-britânicas, que apostaram em um possível ataque à URSS por parte
dos fascistas, encaravam neste momento o fracasso da Política do
Apaziguamento. Era tarde em demasia para conter o fortalecimento do
Eixo, mas não restava outra alternativa para as potências ocidentais
reafirmar que não telerariam outros avanços nazistas neste contexto.
Iniciava-se uma “Guerra de Nervos”54.
Quando o Führer alemão anuncia a necessidade de conquistar os territórios
poloneses teoricamente usurpados ao final da Primeira Guerra Mundial, a
reação franco-britânica foi de forte defesa da soberania da Polônia. Hitler
manteve seu desprezo a Chamberlain e Daladier, preparando o ataque aos
vizinhos do leste sem algum embargo. Finalmente, em 1º de setembro de
1939, quando, às quatro e quarenta e cinco da manhã, navios alemães abrem
fogo contra guarnições polonesas na península de Westerplatte, franceses e
britânicos não tinham outra saída senão declarar guerra, no dia 3 de
setembro, dando início à 2ª Guerra Mundial.
15.3. FASES DO CONFLITO
15.3.1. Avanço do Eixo (1939-1941)
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) inicia-se de forma diferente do
que era esperado. A primeira “surpresa” veio do leste, quando em outubro
de 1939 ocorreu a ocupação soviética sobre o leste polonês. Um mês
depois, o Exército Vermelho invadia também a Finlândia, promovendo uma
enérgica resposta da já combalida Liga das Nações, que expulsa a URSS se
suas fileiras.
Enquanto isso, França e Inglaterra pouco faziam com relação à mobilização
militar. A imprensa chamava o conflito de “a guerra estranha”, pois poucas
ações efetivas de guerra foram tomadas pelos dois gigantes europeus. Na
verdade, isso era reflexo da “fadiga de guerra” mencionada anteriormente
como um dos fatores para a Política do Apaziguamento. Franceses
acreditavam (ou queriam acreditar) que a “Linha Maginot” impediria
qualquer avanço nazista sobre seu território, enquanto os britânicos
confiavam na defesa natural (o mar) contra a Wehrmacht.
A estratégia alemã baseava-se na blitzkrieg, uma guerra-relâmpago que
permitiria a Hitler uma rápida vitória diante das escassas condições
militares de manter-se em um conflito mais prolongado, já que a Alemanha
ainda se encontrava em recuperação dos estragos causados pela 1ª Guerra e
pela Crise de 1929. O avanço nazista era acompanhado pela conversão de
prisioneiros de guerra em trabalhadores que, sob coersão, produziam para
abastecer a máquina de guerra nazista.
Enquanto isso, destacam-se as ações militares japonesas no Pacífico
Asiático - mediante aliança com a Tailândia - o avanço italiano ao norte da
África e na Grécia e a atuação germânica na Europa Ocidental,
conquistando Dinamarca, Polônia, Noruega, Bélgica, Luxemburgo e
Holanda. Conquistando a região dos Países Baixos, Hitler não precisa
superar a Linha Maginot, invadindo a França pelo norte. Neste momento, a
III República se encerra: o norte do país é administrado diretamente pelos
nazistas e a região sul será administrada pela República de Vichy, um
governo colaboracionista comandado pelo herói da Primeira Guerra, o
Marechal Phillipe Pétain.
A vitória do Eixo parecia certa no primeiro semestre de 1941, quando a
Europa estava prestes a se submeter à Blitzkrieg. Mas existia uma ilha no
caminho do fascista alemão. Diante da impossibilidade da mesma estratégia
usada contra os franceses, o Wehrmacht precisava da Deustche Marine, que,
por sua vez, batizou de Operação Leão Marinho a batalha nos mares que
derrotaria o tradicional Real Marinha britânica. Sabendo da eficácia naval
de seus adversários, demonstrada ao longo de séculos de história, os oficiais
nazistas projetaram primeiro um amplo ataque aéreo aos súditos do rei
George VI.
Meses consecutivos de ataques da Luftwaffe não dobraram os britânicos
que, embalados pelos discursos acalorados do experiente parlamentar e,
nesta ocasião, primeiro-ministro Winston Churchill, conseguem resistir a
força do expansionismo nazista. Por meio dos microfones da BBC, o
sexagenário ministro conclamava:
[...] Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e
oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar,
defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias,
lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas,
lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito
nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse
subjugada e passasse fome, então nosso Império del além-mar, armado e
guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora
de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em
frente para o resgate e libertação do Velho.
Decisiva para os rumos do conflito mundial, a estratégia da Royal Air Force
impediu a ideia de Hitler de vencer a guerra na Europa Ocidental em dois
anos. A Batalha da Inglaterra obrigou o líder alemão a mudar seus planos e
ampliar o conflito em busca de matérias-primas, buscando condições para
resistir a uma guerra longa.
15.3.2. Equilíbrio de forças (1941-1942)
Necessitando de fontes de petróleo para abastacer sua máquina de guerra, o
III Reich tinha duas opções: o Oriente Médio e a URSS. A primeira opção
foi prontamente descartada pelas dificuldades enfrentadas pelos italianos ao
norte da África. Mesmo com as destacadas ações do Panzergruppe Afrika,
muito difícil seria conseguir explorar o petróleo do Oriente Médio.
Uma visão otimista fez Hitler almejar o petróleo do Cáucaso soviético. Para
o Führer, a URSS era como uma casa podre, onde “só precisamos chutar a
porta da frente [...] então toda a apodrecida estrutura interna irá desmontar”.
Alegando violação de fronteira, Hitler invade a URSS sem declaração
formal de guerra ou mesmo um ultimato comum nestes casos. Stalin não
esperava a violação do Pacto Germano-Soviético naquele momento,
chegando mesmo a acreditar que poderiam ser dissidentes nazistas que
queriam jogá-lo contra o Führer. Mais de uma semana depois de iniciada a
Operação Barbarossa, Stalin convoca os trabalhadores para ingressar em
uma “Guerra Patriótica”, inclusive libertando generais do Exército
Vermelho presos nos Processos de Moscou (1936).
Enquanto isso, os atritos entre estadunidenses e japoneses no Pacífico
aumentavam. Diante da progressiva marcha dos homens de Hirohito
iniciada ainda na década de 1930 em uma região importante para a sua
política desde a conquista do oeste, os estadunidense retaliaram o Japão
com um bloqueio econômico. Para os generais japoneses, este seria o
primeiro aviso estadunidenses, reforçando tal ideia após o ultimato enviado
por Washington em 1941. Assim, uma guerra contra os Estados Unidos
seria inevitável e em duas Conferências Imperiais foram discutidas as bases
de um ataque às possessões estadunidenses do Pacífico.
O local escolhido para o ataque japonês foi a base de Pearl Harbor na
manhã do dia 7 de dezembro de 1941. Mesmo com sinais colhidos ao longo
dos meses sobre um possível ataque do Japão, as autoridades
estadunidenses não se prepararam devidamente para tal, nem mesmo
estando a base em alerta máximo paraminimizar possíveis perdas, o que até
hoje gera especulações sobre tal postura. Com quase duzentos aviões
destruídos e dois mil e quinhentos estadunidenses mortos em tal ataque,
seguiu-se a declaração de guerra dos Estados Unidos ao Japão, ordenando o
presidente Roosevelt um ataque a Tóquio.
Quatro dias depois, era o III Reich que declarava guerra aos Estados
Unidos, que ingressavam definitivamente na guerra, antes limitando sua
participação aos lend-and-lease acts, importantes para a o fornecimento de
armas e outros suprimentos militares para as nações aliadas que lutavam
contra o Eixo. Ainda no início de 1942, é convocada a III Conferência do
Rio de Janeiro, em que os estadunidenses conseguem, sob a justificativa de
salvar a “unidade continental”, uma moção que recomendava o rompimento
de relações com o Eixo.
O Brasil sinaliza o apoio aos Estados Unidos ao final do encontro em sua
capital, rompendo relações diplomáticas com o Eixo no dia 28 de janeiro de
1941. Tal posição brasileira recebe como resposta sucessivos ataques de
submarinos alemães ao seu vasto litoral, o que favorece as pressões
populares e estadunidenses para a entrada na guerra. É somente em agosto
que Getúlio Vargas decreta o estado de beligerância (22 de agosto) e, a
seguir, o estado de guerra (31 de agosto) contra Alemanha e Itália. Bases
aéreas estadunidenses foram montadas no nordeste brasileiro, destacando-se
aquela de Natal, chamada por muitos de “o trampolim para a vitória” dos
Aliados ao norte da África.
É neste momento que ganha força a Resistência Francesa, que tinha nos
general Henri Giraud e no marechal Charles de Gaulle seus principais
líderes militares. Comandando o governo da França Livre, de Gaulle
gradualmente conseguiu controlar algumas das principais colônias francesas
e também colocar a França em posição de destaque nas conferências entre
os principais líderes políticos aliados, sendo a primeira de grande
importância sediada no Marrocos francês.
A Conferência de Casablanca (janeiro/1943) reuniu os dois líderes
franceses, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill, declinando Stalin do
convite devido à situação de guerra em Stalingrado. Nesta, é decidida que
os Aliados somente encerrariam as hostilidades contra o Eixo em caso de
rendição incondicional do mesmo. Também é discutida a possibilidade de
abertura de uma frente na Europa Ocidental com vistas a auxiliar a ofensiva
russa no leste, assim como o fornecimento de auxílio para o Exército
Vermelho. Por fim, é importante destacar a aproximação dos Aliados com a
Turquia, que possuía ligações históricas com os germânicos.
15.3.3. Vitória dos Aliados (1943-1945)
É importante salientar que a divisão cronológica aqui apresentada é uma
ferramenta didática a fim de melhor apresentar os eventos deste conflito.
Assim tomamos como principal marco para a última fase a vitória soviética
na Batalha de Stalingrado, mesmo sabendo que importantes vitórias aliadas
ocorreram antes mesmo desta.
Entre outubro e novembro de 1942, ao norte da África, as tropas aliadas,
comandadas com maestria pelo general estadunidense Bernard Montgomery
derrotaram as tropas do Eixo na Batalha de El-Alamein. Esta foi
fundamental não somente para garantir que as tropas fascistas atingissem o
petróleo do Oriente Médio, mas também pois os Aliados conseguem
retomar o Mar Mediterrâneo.
Com o Mediterrâneo sob controle, imediatamente iniciam-se os ataques ao
sul da Itália, iniciando a libertação do país juntamente com a Resistência
Italiana que resultou na rendição em setembro de 1943. A reação dos
fascistas foi a instauração da República Social Italiana (também conhecida
como a República de Saló) na porção setentrional da península, chefiada
por Benito Mussolini. É no auxílio das tropas estadunidenses contra tal
governo fascista que as ações militares brasileiras ocorrem. A Força
Expedicionária Brasileira destaca-se em diversas ações, como na Batalha de
Monte Castelo.
Mais importante batalha da Segunda Guerra Mundial, aquela que ocorreu
entre julho de 1942 e fevereiro de 1943 tem algumas peculiaridades a serem
ressaltadas. Após serem expulsas dos subúrbios de Moscou, quando Stalin
apelou ao sentimento nacional para fortalecer a resistência militar criando
até mesmo hino para a URSS, as tropas nazistas deslocaram-se para o sul
soviético objetivando a região do cáucaso. Para isso, deveriam ocupar a
cidade que era batizada com o nome do líder máximo da URSS desde 1924,
o que simbolicamente seria significativo.
Para conter o Wehrmacht, Stalin aproveitou-se das condições climáticas
adversas. O rigoroso inverno russo impunha uma fragilidade temporária aos
alemães, o que favoreceu a decisão do Stavka soviético de iniciar um
contra-ataque em julho de 1942. A reação alemã também foi dificultada
pela distância entre o front e as indústrias que abasteciam o exército, pois,
antes mesmo de entrar na guerra, Stalin promoveu a sua própria versão da
tática de “terra arrasada” ao transferir centenas de indústrias para o lado
oriental da URSS.
Ao derrotar o poderoso exército do III Reich, o líder soviético consolidava
sua posição de protagonismo nas relações internacionais naqueles tempos.
Extinto o Comintern como forma de apaziguar suas relações com as demais
potências aliadas, Stalin agora estava em condições de pressionar
estadunidenses e ingleses para que estes promovessem a abertura da frente
ocidental contra Hitler. Os estadunidenses concentravam suas atenções no
Pacífico Asiático, onde obtiveram sua primeira grande vitória contra os
japoneses no mesmo fevereiro de 1943 em que Stalin derrotava o
Wehrmacht às margens do rio Volga, sendo esta considerada uma turning
point naquele teatro de guerra.
Em novembro de 1943 acontece a primeira reunião entre os três grandes
líderes das forças antifascistas. Na Conferência de Teerã (novembro-
dezembro de 1943), Roosevelt, Stalin e Churchill lançam as bases para a
futura divisão do mundo em áreas de influência. Importante também foi o
reconhecimento de Tito como líder das forças aliadas na Iugoslávia, o
reconhecimento da presença soviética no Báltico e a promessa
estadunidense de que, em breve, colocariam em ação suas tropas na Europa
continental por meio da Operação Overload. Outros temas como a entrada
da Turquia na guerra e a crise do Irã foram alvos de longas discussões na
conferência, garantindo os três principais aliados auxílio econômico para o
novo governo iraniano mesmo em um contexto de privações devido à
guerra. Analistas ressaltam a importância da aproximação pessoal entre
Stalin e Roosevelt neste momento, apostando o presidente estadunidense
que poderia alterar algumas das políticas soviéticas por meio da
aproximação com Moscou. Roosevelt, inclusive, prometeu auxílio
econômico para a reconstrução soviética no pós-guerra.
Stalin ainda esperou até o dia 6 de junho de 1944 para ver as forças alemãs
divididas em duas frentes de batalha do continente europeu. Com o
desembarque aliado na Normandia, o “Dia D”, inicia-se a
“desnazificação”da Europa Ocidental, sendo Paris oficialmente libertada no
dia 25 de agosto de 1944. Neste contexto, as tropas aliadas almejavam a
invasão da Alemanha. Sob a percepção de uma derrota iminente, Hitler
ordena a execução da “solução final” nos campos de concentração,
enquanto se resguardava em um dos diversos bunkers espalhados por
Berlim.
A proximidade da paz e a certeza de que a vitória era uma questão de tempo
fez com que os aliados buscassem arquitetar como seria o mundo do pós-
guerra. Do ponto de vista econômico, a interpretação é de que a guerra foi
fruto das dificuldades no comércio mundial nos anos 1930 com o crescente
protecionismo fruto da Grande Depressão. Assim, era preciso fomentar as
relações comerciais entre os países e, para isso, são organizadas as
Conferências de Bretton Woods reunindo representantes das 44 nações
aliadas, tendo como centro dos debates o Hotel Mount Washington, em
New Hampshire. Ao final das conversações, o Acordo de Bretton Woods
foi assinado, definindo um sistema de regras, procedimentose instituições
como o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento e o
Fundo Monetário Internacional. Fundamental para o incremento das trocas
comerciais seria a adoção de um política monetária que mantivesse a taxa
de câmbio dos países membros indexada ao dólar - era o padrão dólar-ouro.
Neste mesmo contexto ocorrem as Conversações em Washington para a Paz
Internacional e a Organização de Segurança, mais conhecidas como a
Conferência de Dumbarton Oaks (agosto-outubro/1944). O objetivo central
era discutir os formatos para a construção de um novo órgão para a paz
mundial, substituindo a Liga das Nações. China, União Soviética, Estados
Unidos e Inglaterra decidiram pela criação do Conselho de Segurança, que
seria o órgão mais importante nesta nova instituição. Roosevelt chega a
propor a entrada do Brasil como sexto membro permanente neste órgão,
mas a resistência de soviéticos e britânicos fez o democrata adiar seus
planos. Quando ocorre a criação oficial da Organização das Nações Unidas,
na Conferência de São Francisco (abril-junho/1945), o Brasil recebe apenas
o assento temporário no Conselho de Segurança.
Último encontro entre os três grandes, a Conferência de Yalta
(fevereiro/1945) tem como ponto alto a assinatura da Declaração da Europa
Libertada, onde os aliados se comprometem pelo estabelecimento e defesa
da democracia nas áreas desnazificadas no pós-guerra - compromisso este
que seria violado pelos soviéticos. Também são decididos os detalhes da
invasão e ocupação da Alemanha no pós-guerra.
O mês de abril reserva ao mundo a saída de cena de três dos protagonistas
do conflito. No dia 12, Roosevelt morre e é substituído por Harry Truman.
Benito Mussolini, diante da eminente queda da República de Saló, busca
refúgio na Suíça mas é aprisionado por membros da Resistência, que
realizam um julgamento público e executam o antigo Duce italiano no dia
28, um dia antes da rendição oficial. Hitler não queria correr o risco de ter o
mesmo destino de seu aliado, que teve seu corpo exposto em praça pública,
e decide pelo suicídio no dia 30 de abril, resistindo os alemães mais alguns
dias até a assinatura do Tratado de Rendição (7 de maio). Era o fim da
guerra na Europa.
Ainda restavam algumas questões em aberto para serem decididas entre as
potências e os aliados se reúnem pela última vez em julho de 1945.
Roosevelt não mais estava lá e Churchill chega a participar dos primeiros
encontros, mas perde as eleições inglesas para o representante do Partido
Trabalhista Clement Attlee, que o substitui na Conferência de Potsdam
(julho-agosto/1945). Entre as principais decisões tomadas, estavam a
divisão da Alemanha e de Berlim em quatro áreas de influência (URSS,
EUA, Inglaterra e França), a oficialização de uma nova fronteira entre a
Polônia e a URSS (Linha Oder-Neisse) e o julgamento dos nazistas por
crimes contra a humanidade no Tribunal de Nuremberg. Como a guerra
ainda existia no Oriente, Stalin promete mais uma vez direcionar suas
tropas para o Pacífico Asiático.
Em meados de 1945 restava apenas o Japão no conflito que, com a
utilização de pilotos kamikazes, ainda realizava estragos consideráveis nas
regiões comandadas pelos aliados, atirando seus aviões sobre encouraçados
dos estadunidenses. Diante da recusa nipônica em abandonar o conflito, os
Estados Unidos, de maneira unilateral, optam pelo lançamento de uma
bomba atômica na cidade de Hiroshima. Fruto do Projeto Manhattan que,
sob a direção do major-general Leslie Groves, desde 1942 buscava elaborar
uma arma a partir da fissão do átomo, muitas vezes obtendo informações
importantes de pesquisas alemães que iam no mesmo sentido. Como o
Japão não se rende, mesmo após os estragos realizados pela bomba,
Washington decide por um novo ataque nuclear, dessa vez tendo como alvo
a cidade de Nagasaki. É somente após este segundo golpe que os japoneses
assinam a rendição no dia 15 de agosto de 1945.
Muitos consideram que a decisão estadunidense ao usar as bombas
atômicas seria apenas para demonstrar força para os soviéticos que, àquela
altura, possuíam aquele que era considerado o maior exército do mundo.
Oficialmente, as bombas atômicas objetivavam abreviar a guerra, uma vez
que, mesmo depois das rendições italiana e alemã, o Exército Imperial
Japonês não se rendia. Além disso, outro elemento deve ser considerado:
evitar a presença soviética no Pacífico Asiático, mantendo esta região sob a
influência estadunidense após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Nos últimos quatro meses de 1945, as atenções mundiais são divididas entre
os impactos que as bombas atômicas provocaram no território japonês e o
início do Julgamento de Nuremberg, quando os nazistas aprisionados foram
julgados pelos crimes de guerra cometidos durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Muitos dirigentes ligados ao nacional-socialismo
conseguiram fugir da Europa (para a Argentina, por exemplo, através da
Operação Odessa), mas daqueles que enfrentaram os Processos de Guerra
de Nuremberg apenas três foram absolvidos (Franz von Papen, Hans
Fritzsche e Hjalmar Schacht) e outros 12 foram condenados à morte.
Iniciava-se a reconstrução do mundo nos escombros da longa guerra
mundial.
16. A Guerra Fria (1947-1991)
16.1. Origens
A Segunda Guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou
no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra
Mundial, embora uma guerra muito peculiar. Pois, como observou o grande
filósofo Thomas Hobbes, “a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de
lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar a bataha é
suficientemente conhecida”. A Guerra Fria entre EUA e URSS, que
dominou o cenário internacional na segunda metade do Breve Século XX,
foi sem dúvida um desses períodos. Gerações inteiras se criaram à sombra
de batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam
estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade55.
A tensão entre soviéticos e estadunidenses está intimamente ligada aos
contornos finais da Segunda Guerra Mundial. É evidente que a força
operada pelo exército de Stalin, que nos primórdios da Operação
Barbarossa chegou a demonstrar certo despreparo e fragilidade diante dos
homens de Hitler, mas depois comandou a desnazificação do Leste europeu,
foi determinante para as atitudes dos EUA nas últimas semanas do conflito.
Inclui-se, aí, a decisão de abreviar a guerra utilizando as bombas atômicas
recém-testadas no deserto do Novo México.
Como já vimos no capítulo anterior, a divisão do mundo proposta em Yalta
gerava temor de uma possível influência soviética no Japão. Era uma
demonstração clara ao camarada que controlava o maior exército do mundo
o poder de destruição dos Estados Unidos.
Mas a Guerra Fria ainda não começara. A URSS, preocupada com a sua
reconstrução, desmobilizou o poderoso exército vermelho. A economia
ainda sofria com os efeitos do conflito, devido à desestruturação de suas
indústrias e ao recuo pela metade de sua produção agrícola. Stalin
aguardava pelos empréstimos prometidos por Roosevelt em Yalta.
Na América, os Estados Unidos superavam uma pequena crise econômica
de reconversão industrial e aproveitavam o menor recuo soviético para
ocupar espaços na geopolítica mundial, como ocorrera no Irã. Era o
chamado “Efeito Irã”. No mundo ocidental, não só George Frost Kennan
acreditava no antagonismo inevitável entre o capitalismo e o comunismo,
mas o ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill anunciava que uma
“cortina de ferro” dividia a Europa em duas partes.
16.2. O início
Em 1945, o sistema econômico-financeiro mundial apresentava-se
profundamente desorganizado. Elementos de continuidade misturavam-se
às evidentes rupturas provocadas pela guerra, tanto com referência aos
diferentes agentes públicos e privados, Estados e empresas, quanto à
hierarquia e à natureza das relações que eles mantinham entre si. Sob a
influência predominante dos EUA, e também em grande parte sob a égide
da Organização das Nações Unidas (ONU), erguia-se uma nova ordem
mundial,que, baseada em um liberalismo renovado, perpassava tanto a
disciplina monetária quanto as regras do comércio internacional. Em um
mundo politicamente dividido e economicamente heterogêneo, a
reconstrução liberal não conseguiu derrubar todas as barreiras que
teimavam em dividir a economia mundial56.
A decadência da Europa, destruída por anos de guerra, montava um cenário
ideal para o espraiamento dos ideais de esquerda. Se na Itália, que por meio
de um referendo estabeleceu o regime republicano, os socialistas faziam
parte do governo de coalização nacional (panorama semelhante àquele da
França onde os comunistas também auxiliaram na expulsão dos fascistas),
na Grécia e na Turquia a instabilidade política poderia resultar na conquista
do poder pelos simpatizantes do marxismo.
Na Grécia, os partisans, que protagonizaram a expulsão dos nazistas no
país, contavam com o apoio dos estados socialistas vizinhos para derrubar o
frágil governo Tsaldaris. As tropas britânicas que estavam na região desde a
Segunda Guerra retiraram-se devido à grave crise econômica pela qual
atravessava o país, aumentando, assim, as chances de vitória das forças
esquerdistas. A aprovação de uma ação estadunidense contundente passa a
ser o principal objetivo dos conselheiros políticos do presidente Truman:
George Frost Kennen, Dean Acheson e George Marshall.
Como um líder de uma nova cruzada, o presidente dos Estados Unidos faz
um emblemático discurso no Congresso, no qual deixava evidente que a
oposição entre os ex-aliados aprofundou-se a ponto de colocar o mundo
diante de uma nova guerra. Nesta, a Europa não se apresentava mais no
epicentro das decisões mundiais, sendo Moscou e Washington os novos
protagonistas. O mundo apresentava-se dividido entre duas tendências
ideológicas: o comunismo e o capitalismo. Mergulhado na tensão gerada
pelo conflito político entre Estados Unidos e União Soviética, o mundo
agora encontrava-se bipolarizado.
O discurso de Truman no Congresso foi uma peça primorosa da dimensão
messiânica que os Estados Unidos dariam à Guerra Fria. O presidente
insistiu que todas as nações teriam que enfrentar uma escolha fundamental
entre duas formas de vida. A primeira, aquela que primava pelas
instituições livres e governos representativos. A segunda, a sustentada na
vontade da maioria sobre a minoria57.
A partir de então, a expectativa de um confronto nuclear tornou-se
iminente. Os investimentos na área militar resultaram no “equilíbrio pelo
medo”, baseado na ideia de “destruição mútua inevitável”. Liderada por
Washington, tinha início uma cruzada contra o comunismo, rompendo de
forma definitiva os contestados laços estabelecidos a partir da Conferência
de Teerã.
16.3. Os Blocos de Poder
A guerra produziu uma redistribuição de poder mais impulsiva do que
qualquer período anterior da história. Entre as nações principais no sistema
internacional multipolar pré-guerra, Japão, Itália e Alemanha foram
derrotados e ocupados. Exausta e quase falida, a antes dominante Grã-
Bretanha foi reduzida a uma potência de segundo nível. Derrotada no início
da guerra e liberada por seus aliados, a França sofreu perda ainda maior de
status e poder. O mundo eurocêntrico, devido em grande parte a um
processo de autodestruição, chegou a um fim inglório. Um novo sistema
bipolar substituiu o antigo. Apenas os Estados Unidos e a União Soviética
emergiram da guerra capazes de exercer influência significativa além de
suas fronteiras58.
Com base na ideia de contenção do avanço comunista em todas as partes do
mundo, os estadunidenses voltam suas atenções mais imediatas para o
continente europeu. Nos primeiros anos do pós-guerra, embalados pela
participação na luta contra os nazistas, os comunistas conseguiram
expressivas votações eleitorais, acirrando o medo - por parte dos EUA - de
uma possível “penetração soviética” na Europa Ocidental.
Os secretário de Estado estadunidense, George Marshall, apresenta na aula
inaugural na Universidade de Harvard (junho de 1947) um plano de ação
econômico-social cujo intuito era reconstruir a devastada Europa. Os
investimentos do Plano Marshall, que obteve do Congresso iniciais 12
bilhões de dólares, estariam condicionados à importação de produtos
estadunidenses e à retirada dos comunistas que compunham os governos de
coalizão nacional. Tal decisão foi bastante criticada, por ser excessivamente
intervencionista e violar a soberania nacional.
Os primeiros investimentos seriam destinados aos casos considerados mais
críticos. Na Grécia, por exemplo, os Estados Unidos associaram os planos
de intervenção militar com mais de vinte mil homens e investimentos
superiores a 250 milhões de dólares, conseguindo em 1949 a rendição final
dos partisans.
Delicada também era a situação da Alemanha. Dividida em quatro áreas de
influência, o país fora duramente atingido nos momentos finais da guerra,
sendo necessários investimentos maciços para a sua reconstrução; além
disso, com a eclosão da Guerra Fria, um novo elemento ganhava relevância:
era imprescindível fortalecer a parte capitalista diante dos soviéticos, que
ocupavam o lado oriental. A reforma do marco é um símbolo desses
esforços capitalistas.
Ainda nos primeiros momentos da bipolarização é organizado um sistema
de defesa coletiva das principais nações do Atlântico Norte, a OTAN
(Organização dos Tratados do Atlântico Norte). Com uma estrutura militar
coordenada pelos Estados Unidos, a aliança foi inicialmente composta por
Canadá, França, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Itália, Reino Unido, Itália
e Finlândia, contando posteriormente com a adesão de países como a
Turquia, a Grécia e a República Federal da Alemanha.
Porém, a preocupação dos estadunidenses não estava direcionada somente
para os rumos da Europa Ocidental. Também existiam problemas em outras
regiões do globo, o que resultou na criação de alianças militares para a Ásia
(OTASE - Organização dos Tratados do Sudeste Asiático) e América (TIAR
- Tratado Interamericano de Assistência Recíproca). Da mesma forma, são
elaborados programas de auxílio econômico para essas áreas, como o Plano
Colombo, destinado para o continente asiático e, mesmo que tardiamente, a
Aliança para o Progresso, que visava o desenvolvimento socioeconômico
da América Latina.
Enquanto isso, na URSS, o grande foco era superar a crise do pós-Segunda
Guerra Mundial. Com o fim das esperanças de receber auxílio
estadunidense para a reconstrução do Leste europeu, o politburo soviético
decide por atuar em dois vieses: por um lado, o fortalecimento de sua
estrutura militar e, de outro, a promoção da sovietização do Leste Europeu.
Mesmo com a perda de cerca de 20 milhões de homens na guerra, o
contingente de 3 milhões de soldados ainda era considerável em 1945. O
exército foi fortalecido com a ampliação do recrutamento e a Aeronáutica
investe no desenvolvimento da aviação de caça. Além disso, é acelerado o
projeto nuclear, que culminou no primeiro experimento soviético atômico
em 1949. Tais elementos foram fundamentais na reorganização da potência
comunista.
Após liderar a o Conselho Antifascista de Libertação Nacional, Josip Broz
Tito expulsou os invasores e liquidou a organização nacionalista Ustase,
que apoiou a ocupação nazista. Com tais credenciais e extremamente
popular, Tito foi escolhido para o cargo de primeiro-ministro do Reino da
Iugoslávia, onde enfrentaria com sucesso a resistência daqueles que
defendiam a monarquia e proclamaria a Iugoslávia Democrática Federal,
que oscilou de uma posição pró-soviética a uma equidistância perante a
bipolarização.
Perante tal contexto, era imperioso evitar que o exemplo do titoísmo
resultasse no enfraquecimento da influência soviética nos demais países do
Leste Europeu. O Komitern, extinto em 1943, foi substituído pelo
Komiform, cujo objetivo era semelhante no sentido de auxiliar no
esvaziamento da ideologia comunista. Violando unilateralmente a
Declaração da Europa Libertada, a URSS promove as chamadas
“revoluções pelo alto”, impondo, com muita dificuldade, partidos aliadosna
Hungria, Tchecoslováquia e Polônia.
Com um vasto histórico de domínio russo em sua história - sendo os mais
recentes aqueles que levaram à dissolução do país após o Congresso de
Viena, sem esquecermos da invasão resultante do Pacto Germano-Soviético
ainda em 1939 -, faziam do sentimento antissoviético um obstáculo para os
planos de Stalin, que enfrentou o Levante de Varsóvia (1944) e colocou o
Partido dos Trabalhadores Poloneses, oriundos da Resistência comunista,
no poder.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, a Rutênia era cedida à URSS e
progressivamente os comunistas aumentam a sua força, o que resultou no
Golpe de Praga (também conhecido como “Fevereiro Vitorioso”) em 1948.
Este episódio teve início com o aumento do poder do ministro comunista do
interior, Václav Nósek, seguida de demissões voluntárias de democratas
com o intuito de gerar instabilidade, greves convocadas pelos setores de
esquerda e, por fim, a hegemonia comunista nos ministérios sob a liderança
de Klement Gottwald.
O processo na Hungria também teve enredo semelhante. O Partido dos
Pequenos Proprietários consegue a maioria eleitoral em 1945, recebendo
57% dos votos contra apenas 17% do Partido Comunista Húngaro. No
comando soviético da Hungria (ainda resquício da desnazificação do Leste
Europeu), o marechal Voroshilov impediu a formação de um novo regime
com a maioria dos vencedores, impondo um governo de coalizão nacional,
nomeando comunistas para posições importantes.
Ao longo dos meses subsequentes, a polícia de segurança promoveu intensa
repressão aos anticomunistas. Em 1947, resultado da fusão entre o fraco
Partido Comunista Húngaro e o Partido Social-Democrata, o Partido dos
Trabalhadores Húngaros consegue expressiva votação nas urnas e,
progressivamente, sob a chefia Mátyás Rákosi, centralizou o poder em suas
mãos. Até 1956 esta versão de comunismo fica no poder. Na Romênia, o rei
Miguel parte para o exílio, abrindo espaço para a implementação do
comunismo, sendo assim criada a República Popular em 1947, ligada aos
interesses soviéticos.
Segundo José Flávio Sombra Saraiva, Stalin tinha a concepção de que a
Europa Oriental era parte do Império Soviético, sendo assim “o controle
político na região recrudesceu, o monitoramento e a planificação das
economias foram ampliados e a regra do arbítrio foi imposta sobre as vozes
dissonantes da democracia política”. Considerado como uma resposta ao
Plano Marshall, cria-se o Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME ou
Comecom), que objetivava promover a integração das economias do Leste,
com o intuito de criar uma espécie de “mercado comum” entre os
comunistas. Foram criados acordos de comércio preferencial, de
complementação econômica e mesmo sobre tarifa externa comum. Este
órgão foi ampliado ainda em 1962 com o ingresso da Mongólia e, nos anos
1970, com a inserção cubana (1972) e vietnamita (1978).
Do ponto de vista militar, uma aliança militar foi realizada em maio de
1955 sob a liderança da União Soviética. Além desta, Hungria,
Tchecoslováquia, Romênia, Albânia, Bulgária e Alemanha Oriental
estabeleceram um compromisso de auxílio militar mútuo em caso de
agressões. Mesmo que as suas principais ações tenham ocorrido por
questões internas e não devido a uma ameaça externa ao bloco soviético,
esta aliança militar preventiva e defensiva pretendia ser uma antagonista
aos países que compunham a OTAN.
16.4. Periodização
Mesmo sabendo que existem diferentes interpretações sobre as fases que
compõem a Guerra Fria, é importante para fins didáticos a escolha de algum
tipo de corte cronológico. Desta forma, segue uma divisão básica em cinco
períodos.
16.4.1. Guerra Fria Clássica (1947-1955)
Período de maior tensão entre os blocos de poder e definição de quais
seriam as bases da oposição entre as duas maiores potências mundiais.
Neste momento, são estruturados os mecanismos econômicos (Plano
Marshall e Comecom) e militares (OTAN e Pacto de Varsóvia) de cada
lado, assim como o mundo assiste a alguns dos principais embates entre
comunistas e capitalistas.
Nos Estados Unidos, o presidente Harry S. Truman buscava internamente
manter o legado de seu antecessor Franklin Delano Roosevelt, realizando
ajustes no New Deal (chamado de Fair Deal) e, ao mesmo tempo, fazendo
da cruzada anticomunista a principal marca de seu governo. Já na URSS, o
camarada Stalin reestruturava a sua política com o final da guerra,
incorporando elementos como o nacionalismo e o militarismo que não
faziam parte do stalinismo antes da Operação Barbarossa.
Não seria de se surpreender que a Alemanha se tornaria o palco da primeira
grande tensão dos tempos de Guerra Fria. Acertado ainda na Conferência de
Potsdam, quando da divisão da Alemanha em quatro áreas de influência, o
entendimento mútuo sobre as ações elaboradas no país não seria respeitado
a partir da eclosão da Guerra Fria. Desta forma, os capitalistas iniciam
investimentos para, da forma mais acelerada possível, recuperar a economia
alemã com capitais oriundos do Plano Marshall. Dentre as principais
medidas tomadas, estava a já citada reforma do marco, encarada por Stalin
com desrespeito aos acordos de 1945.
O secretário geral da União Soviética, em uma tentativa de demonstrar sua
força diante da Doutrina Truman estadunidense, cortou o tráfego ferroviário
e rodoviário a Berlim Ocidental, provocando uma crise de abastecimento na
área capitalista incrustrada em meio à região ocupada pelo exército
vermelho ao final da Segunda Guerra Mundial. A reação capitalista é
imediata: é criado um “corredor aéreo”, com mais de duzentos mil voos em
quase um ano para amenizar a crise. Foram gastos milhões de dólares nesta
solução, que transportou alimentos, combustíveis e demais materiais
necessários à contenção do caos implementado pelo bloqueio mas,
principalmente, atacou o moral de Stalin.
No dia 11 de maio de 1949 o bloqueio foi encerrado. Seu principal
resultado foi a criação de dois países: a República Popular Democrática
Alemã (RDA) e a República Federal da Alemanha (RFA). A Alemanha
estava oficialmente dividida.
Em 1949, encerrava-se um longo período de guerra civil na China, iniciado
em 1910, quando a milenar monarquia foi derrubada a partir do levante de
Wuchang, sendo substituída pelo regime republicano. A implementação
deste governo está intimamente ligada à figura de Sun Yat-sen, que atuou
no exílio contra o regime imperial participando de diversas organizações
secretas, dentre as quais, a Sociedade da Aliança Unida, embrião do partido
que comandaria a República da China: o Kuomitang.
Formar um novo Estado na China foi tarefa árdua. Yat-sen apoiou a posse
do líder do novo exército (com bases ocidentais de organização), Yuan
Shikai, como presidente, mas suas ambições imperiais levaram-no ao
isolamento e sua consequente saída do poder em 1916. A partir daí, a
República é dividida entre os chamados senhores da guerra (chefes
militares que detinham o poder em diversas regiões do país) e a tentativa de
unificação promovida pelo Kuomitang.
Em meio à crise, ações nacionalistas se destacam, como o Movimento
Quatro de Maio, organizado para protestar contra a pouca importância
conferida à China nas negociações que resultaram no Tratado de Versalhes.
Em julho de 1921 é fundado o Partido Comunista Chinês, de base urbana e
que se aproxima do Kuomitang. Os dois partidos se unem, com o apoio do
Komitern (simpático à organização do Kuomitang), contra os senhores da
guerra. Com a morte de Sun Yat-sen, assume a direção dos nacionalistas
Ching Kai-shek, que obtém a submissão dos senhores da guerra nortistas e
volta a sua atenção contra os comunistas. A forte repressão expulsa os
comunistas para as zonas rurais, onde este faz uma inédita aliança com o
campesinato, conseguindo inclusive romper o cerco quase mortal no
Noroeste através da Longa Marcha (1934-1935). Destaca-se neste evento a
estratégia de guerrilhas, a libertação e implementação de reformas nestas
áreas e a afirmação de Mao Tsé-tung como dirigente máximo do PCC.
Em 1937 o Japão, que já ocupara oterritório da Manchúria em 1931, inicia
sucessivos ataques ao litoral chinês. Diante de uma ameaça estrangeira,
senhores da guerra, PCC e Kuomitang formam a Frente Única Bem
Chinesa, uma aliança nominal que propunha, inclusive, a incorporação do
Exército de Libertação Popular àquele regular chefiado por Kai-shek.
Após a retirada japonesa, a guerra civil é retomada. Sendo um dos cinco
membros do Conselho de Segurança da ONU, era interessante para as
potências uma paz negociada, que fracassou. Os estadunidenses,
preocupados com as ações vitoriosas do PCC, repassam armas e dinheiro
para o Kuomitang, que mesmo assim não consegue êxito em seus esforços.
No dia 1º de outubro de 1949, contando com limitado apoio soviético, Mao
Tsé-tung proclama a República Popular da China. Os nacionalistas
transferem seu governo para Taiwan, sendo reconhecidos pela ONU como o
legítimo representante da China em sua estrutura.
Tal reação da ONU diante da Revolução Chinesa causou protestos na
península da Coreia. Parte do Império Japonês desde 1910, a Coreia foi
libertada por tropas estadunidenses ao sul e soviéticas ao norte, o que
resultou na divisão do país através do paralelo 38. Em 1948, o líder da
resistência contra a ocupação japonesa Kim II-sung tornou-se a principal
liderança política da República Popular Democrática da Coreia do Norte
enquanto na República da Coreia do Sul fora colocado como presidente
Syngman Rhee, liderando um governo de notáveis que haviam colaborado
com o Japão.
Incentivados pelos principais arquitetos da Guerra Fria - Acheson e Dulles
-, os sul-coreanos iniciaram uma série de “provocações” no paralelo 38.
Acreditando em uma vitória semelhante àquela obtida pelo PCC, os homens
de Kim II-sung invadiram o Sul e conseguiram a sua capitulação, buscando
a unificação da Coreia. Aproveitando os protestos soviéticos que se
materializaram na sua ausência no Conselho de Segurança e manobras da
diplomacia estadunidense, a ONU intervém no conflito.
O exército estadunidense lidera uma ampla coalizão de tropas que rumaram
ao sudeste asiático liderados por Mac Arthur. URSS e China deram suporte
aos nortistas. O maior conflito após a Segunda Guerra é abreviado em 1953,
uma vez que o contexto político nas duas potências foi sensivelmente
alterado: Stalin morre em março de 1953 e os republicanos saem vitoriosos
nas eleições de 1953. A paz em Pan Munjon manteve o paralelo 38 como
divisão entre as duas Coreias, suspendendo, ainda que não definitivamente,
as hostilidades na península.
16.4.2. Coexistência pacífica (1955-1968)
O curso das duas décadas que vinculam o ano de 1947 ao de 1968 foi ditado
pela supremacia de dois gigantes sobre o mundo. Os Estados Unidos e a
União Soviética assenhorearam-se dos espaços e criaram um condomínio de
poder que só foi abalado no final da década de 60 e início da de 70.
Existiam, no entanto, nuanças no sistema condominial de poder. Da relação
“quente” da Guerra Fria - 1947-1955 - à lógica da coexistência pacífica -
1955-1968 -, as duas superpotências migraram da situação de desconfiança
mútua para uma modalidade de convivência tolerável59.
Algumas mudanças no Leste Europeu foram fundamentais para o início de
uma “gradual flexibilização” da ordem bipolar, entre 1955 e 1968, no
período conhecido como Coexistência Pacífica. Dentro deste contexto
destaca-se, como mencionado anteriormente, a morte daquele que construiu
a URSS como uma potência militar-política mundial, Stalin. Logo depois
assume a liderança do PCUS o camarada Nikita Kruschev, após vencer a
disputa interna com outros membros destacados dos tempos stalinistas,
como Gueórgui Malenkov (burocrata e líder por um breve momento após a
morte de Stalin) e Viatcheslav Molotov (diplomata). O apoio de setores
dentro do exército vermelho foi de fundamental importância para o
fortalecimento de Kruschev dentro do politburo.
Com a chegada de Kruschev ao poder, que possuía uma tendência mais
“liberal” que seu antecessor, ocorre a chamada desestalinização. Baseado na
tese de que o socialismo soviético fora vitimado por uma doença - o “culto
à personalidade”de Stalin, fonte de graves perversões dos princípios do
partido, da democracia partidária e da legalidade revolucionária, Kruschev
denuncia e usa o XX Congresso do PCUS para denunciar os “crimes de
Stalin”. Em discurso marcante no Congresso, Kruschev assim se refere aos
tempos do georgiano:
Stalin inventou o conceito de “inimigo do povo”. Tal termo,
automaticamente, tornou-se desnecessário comprovar os erros ideológicos
de um ou vários homens engajados em controvérsia; o termo propiciou o
uso da mais cruel repressão [...] contra qualquer um que, de qualquer modo,
discordasse de Stalin, contra os apenas suspeitos de intenções hostis, contra
pessoas de má reputação. [...] A fórmula “inimigo do povo”foi
especificamente introduzida com o propósito de aniquilação física destes
indivíduos60.
Também chamado de Degelo de Kruschev61, este novo período da história
soviética é marcado por uma série de reformas que afetaram diversos
setores, mudando a ênfase da industrialização (privilegiando as indústrias
de bens de consumo), acabando com o culto à personalidade e libertando
alguns milhares de prisioneiros dos temidos campos de concentração, os
gulaks. Na política exterior, é aberto o caminho para uma maior
aproximação com Washington.
Na maior potência ocidental as mudanças também eram perceptíveis. A
chegada dos republicanos ao poder encerrava a longa gestão dos
democratas sobre os negócios do Estado, retirando do poder os
“arquitetos”da Guerra Fria, juntamente com Truman. Com o presidente
Eisenhower, alternativas para a construção da legitimidade internacional
estadunidense são elaboradas. A Cúpula de Genebra (1955) é considerada
marco inicial deste novo período das relações internacionais, sendo este o
primeiro encontro entre os principais líderes mundiais desde a Conferência
de Potsdam (julho-agosto/1945). O clima cordial não conseguiu aprovar a
proposta de Eisenhower de “Céus Abertos”, onde os protagonistas da
Guerra Fria permitiriam uns aos outros vigilância aérea de seu território,
com sobrevoos livres de aeronaves. Mesmo os soviéticos recusando tal
política transparente, o caminho para uma maior aproximação entre os
blocos foi aberto.
O quadro político da segunda metade da década de 1950 apresenta duas
superpotências que não mais conseguiam manter seus blocos de poder
coesos, possibilitando novas formas de inserção na ordem internacional. O
monolitismo político da URSS e dos EUA apresentava fissuras já em 1955,
quando os países recém-independentes que se reuniram na Conferência de
Bandung propuseram uma neutralidade positiva diante da Guerra Fria.
No Oriente Médio, o líder egípcio Nasser nacionalizou o canal de Suez
(ainda em poder de empresas britânicas e francesas) e posteriormente
bloqueou o estreito de Tiram aos israelenses, única ligação entre Israel e o
Mar Vermelho. Auxiliando os interesses de Israel, ingleses e franceses
promovem uma intervenção conjunta condenada pela ONU, incluindo aí
votos dos EUA e da URSS. Ao final da guerra, Nasser fortaleceu seu
discurso baseado no panarabismo e seus laços com a URSS, enquanto, por
outro lado, o presidente estadunidense divulgava a sua Doutrina
Eisenhower, afirmando que todos aqueles que eram contra os soviéticos no
Oriente Médio receberiam apoio de seu país, legitimando a aliança com
Israel.
Reflexos diferentes na Europa são sentidos. Enquanto a Inglaterra retira-se
definitivamente do Oriente Médio, acabando com anos de intervenção
desde o ocaso do Império Turco-Otomano, a França vai ao encontro do
fortalecimento da economia do continente, simbolizado pela formação da
Comunidade Econômica Europeia, afirmando “que a solidariedade
americana não deveria ser presumida como automática.”
A Segunda Guerra Árabe-Israelense (1956) teve seus contornos eclipsados
pelos acontecimentos na Hungria. A crescente insatisfação devido ao baixo
padrão de vida e ausência de liberdade a partir da “revolução pelo alto” que
colocou MátyásRákos no poder levam a diversos protestos, destacando-se
aquele liderado por estudantes que exigiam mudanças no governo. O
choque entre os manifestantes e a Autoridade de Proteção de Estado (AVH)
gerou comoção nacional e provocou uma série de choques que resultaram
na queda do governo pró-soviético que, naquele momento, tinha Ernõ Gerõ
no poder.
O novo governo, que possuía o líder da facção conservadora do PC húngaro
Imre Nagy, assumiu no dia 25 de outubro de 1956. Com o intuito de
aproximar-se dos anseios populares, anunciou medidas como o retorno do
pluripartidarismo, a extinção da polícia política e a libertação de presos
políticos. As reformas superaram a tolerância da URSS diante do evento,
resultando na primeira intervenção do Pacto de Varsóvia, que massacrou os
insurrentos e impôs o governo de János Kádár, que permaneceu no poder
até 1988. A Revolução Húngara (1956) gerou grande repercussão no
Ocidente, incitando diversos protestos. Ficava claro que a desestalinização
de Kruschev tinha os seus limites.
É neste momento que a URSS de fato torna-se uma potência mundial. Na
segunda metade da década de 1950, os soviéticos finalmente recuperam-se
dos estragos da Segunda Guerra Mundial nos planos econômico e
demográfico, refletindo esta estabilidade na conquista do espaço com o
lançamento do Sputinik (1957) e o fim da vulnerabilidade nuclear,
conquistando um real equilíbrio neste campo com os europeus ocidentais.
Uma série de viagens diplomáticas marcaram os primeiros anos do governo
de Kruschev na URSS. O líder do PCUS buscou a normalização das
relações com a Iugoslávia de Tito, rompidas no ano de 1948, visitou a
República Popular da China e protagonizou a primeira visita de um líder
soviético aos Estados Unidos entre 15 e 27 de setembro de 1959. Cercados
de muitas expectativas, os encontros entre Kruschev (que no mesmo ano
ganhou o prêmio Lenin da Paz) e Eisenhower resultaram nos primeiros
passos de uma aproximação entre as duas potências. Nas palavras do líder
soviético após o encontro havia entusiasmo: “Eu tenho a impressão que ele
(Eisenhower) quer sinceramente liquidar a Guerra Fria e melhorar as
relações entre duas grandes nações”.
Ao mesmo tempo em que os soviéticos aproximavam-se dos nacionalistas
do Terceiro Mundo, aumentando as suas áreas de influência, o incremento
das políticas de Kruschev afastavam a URSS da China popular. Na verdade
as relações entre as duas maiores potências comunistas eram tensas desde
os primórdios da Revolução Chinesa (1949). Os soviéticos pouco
auxiliaram a chegada de Mao Tsé-tung ao poder, incomodados com a
própria interpretação do marxismo, realizada pelo líder chinês.
A visita de Mao Tsé-tung a URSS logo após a vitória da Revolução Chinesa
reforçou suas impressões de que a URSS fazia pouco caso de seus esforços
na Ásia. Empréstimos limitados e o envio de alguns técnicos foram as
poucas ações de auxílio vindas de Moscou. O agravamento da crise
econômica na China após a tentativa de acelerar a industrialização com o
chamado “Grande Salto para Frente” fez Mao engrossar seus discursos
contra a URSS.
Acusando Kruschev de trair os princípios do marxismo (seria um
revisionista), Mao criticava a insistência soviética de que a China deveria
dar ênfase às indústrias de bens de consumo. Isto significaria a submissão
aos soviéticos. Acusações da URSS vieram como resposta, culminando no
rompimento do acordo nuclear em 1959 e no aumento das tensões nas
fronteiras. No ano seguinte, os técnicos soviéticos eram retirados da
República Popular e os acordos econômicos, extintos. A partir deste
momento, rompia-se o monolitismo político da URSS sobre o Segundo
Mundo, deixando de ser a satelização uma realidade no mundo comunista.
Até mesmo a aproximação com os Estados Unidos é colocada em xeque no
início dos anos 1960 e o Caso U-2 tem papel fundamental neste processo.
No dia 1º de maio de 1960 um avião Lockheed U-2 de espionagem
estadunidense, que usava bases no Paquistão, foi abatido sobre a URSS. Em
meio à aproximação com a URSS e 13 dias antes da reunião Leste-Oeste
em Paris, Washington tentou encobrir de todas as formas o ocorrido, mas
diante da divulgação soviética de que o piloto Francis Gary Powers estava
vivo e de que juntamente com ele os soviéticos possuíam destroços da
aeronave, nada puderam fazer os EUA. Tentando salvaguardar sua imagem,
o governo Eisenhower se nega a emitir nota pedindo desculpas oficiais, o
que inviabiliza a reunião de Paris.
Como consequência do fatídico caso, as relações entre comunistas e
capitalistas deterioram-se, retomando um período de cístole na Coexistência
Pacífica. Os soviéticos finalmente autorizam a construção do Muro de
Berlim pelo governo da República Democrática Alemã que, por sua vez,
buscava impedir a fuga de mão de obra qualificada para o lado capitalista.
Diante do uso de bases paquistanesas pelos EUA, Moscou intensifica o
envio de armas, equipamento e dinheiro para a Índia, aumentando ainda
mais o desequilíbrio entre os dois vizinhos.
Eleito em 1960 como o mais jovem presidente norte-americano da história e
o primeiro católico a ocupar o cargo, depois de vencer por pequena margem
o candidato republicano, Richard Nixon, John Kennedy apoiou uma
expedição de cubanos exilados contra a Revolução de 1959, no famoso
episódio da invasão da Baía dos Porcos, que resultou num grande fracasso.
O aprofundamento das reformas nacionalistas ao longo do ano de 1960,
especialmente a reforma agrária e as nacionalizações de empresas
estrangeiras, incomoda o governo estadunidense, que promove nestes
tempos o famoso embargo econômico, dificultando ainda mais o
entendimento entre os dois países.
O envolvimento de Kennedy com a América Latina foi intenso, e não se
limitaria a estipular diretrizes a serem seguidas por seus colaboradores
nesse continente. Na realidade, deveria assumir a liderança de “revolução
social pacífica” com o objetivo de, no espaço de um decênio, mudar a face
do continente. Neste período, segundo os cálculos estimados por eles, os
Estados Unidos investiriam um bilhão de dólares por ano (metade dos quais
nos setores públicos), a serem complementados por investimentos locais
numa proporção quatro vezes superior. Desta forma, esperava-se consolidar
uma terceira via que serviria de alternativa à tentação revolucionária e ao
imobilismo conservador ou direitista que, tradicionalmente, predominava na
América Latina.
Como medida de precaução em relação a um possível fracasso do
reformismo aliancista, e também para satisfazer os setores mais
conservadores do Congresso e do Pentágono, o governo Kennedy passou a
dar suporte prático, com o auxílio de um militar da reserva, o general
Maxwell Taylor, à teoria da contra-insurgência. Tratava-se de uma ampla
remodelação da instrução militar do continente, para adaptar as Forças
Armadas latino-americanas à luta antiguerrilheira. Até o início dos anos 60,
os exércitos e as demais armas de guerra do continente haviam sido
adestrados e treinados para a guerra convencional, para, seguindo o TIAR
(Tratado Interamericano de auxílio recíproco), atuarem como tropa auxiliar
dos norte-americanos em caso de um conflito aberto com a União Soviética.
O aparecimento da guerrilha fidelista e o êxito obtido por ela mudou
totalmente o quadro da instrução militar e da sua estratégia geral. Os
exércitos, seguindo o modelo que os Estados Unidos aplicavam ao exército
sul-vietnamita, deveriam ser dali em diante uma força contra-insurgente.
Para tanto foi fundada em 1961 a School of the Americas, localizada no
Forte Gulick, na Zona do Canal do Panamá. A Escola das Américas, logo
apelidada de Escola dos Ditadores, chegou a formar 33.147 militares vindos
de todos os países latino-americanos. Como atuação complementar, a Junta
Interamericana de Defesa apressou-se em criar o Colégio Interamericano de
Defesa (CID) para acelerar o ensino da antissubversão. Até 1975, mais de
70 mil oficiais latino-americanos haviam passado pelos cursos oferecidos
por aquelas instituições, e, segundo dados da mesma época,

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