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ISBN 978850262373-6 Araujo, Daniel de História geral / Daniel de Araujo. - São Paulo: Saraiva, 2016. - (Coleção diplomata / coordenador Fabiano Távora) 1. História 2. História - Concursos I. Távora, Fabiano. II. Título. III. Série. 14-13036 CDD-900.76 Índices para catálogo sistemático: 1. História geral : Concursos 900.76 Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente editorial Thaís de Camargo Rodrigues Gerência de concursos Roberto Navarro Editoria de conteúdo Iris Ferrão Assistente editorial Thiago Fraga | Verônica Pivisan Reis Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e Ana Cristina Garcia (coords.) | Carolina Massanhi | Luciana Cordeiro Shirakawa Projeto gráfico Isabela Teles Veras Arte e diagramação Know-how editorial Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.) | Alzira Muniz Conversão para E-pub Guilherme Henrique Martins Salvador Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva | Kelli Priscila Pinto Capa Aero Comunicação / Danilo Zanott Data de fechamento da edição: 3-11-2015 Dúvidas? Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. http://www.editorasaraiva.com.br/direito Sumário AGRADECIMENTOS PREFÁCIO APRESENTAÇÃO EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES POR ANO INTRODUÇÃO 1. A Crise do Antigo Regime 1.1. ESTADO MODERNO EUROPEU OU ANTIGO REGIME 1.1.1. A formação 1.1.2. Absolutismo 1.1.3. Economia 1.1.4. Expansão marítima 1.2. CULTURA 1.2.1. O Iluminismo 2. A Revolução Francesa (1789-1799) 2.1. ANTECEDENTES 2.2. PROTAGONISTAS 2.3. AS FASES 2.3.1. Fase moderada (ou das assembleias): 1789-1792 2.3.2. Fase radical (ou convenção nacional): 1792-1795 2.3.3. Fase conservadora (ou diretório nacional): 1795-1799 3. A Era Napoleônica (1799-1815) 3.1. CONSULADO (1799-1804) 3.2. IMPÉRIO (1804-1815) 3.3. GOVERNO DOS CEM DIAS (março-junho de 1815) 4. A Restauração Europeia 5. As Revoluções Liberais 1820 1830 1848 6. Unificações Tardias 6.1. Itália (Risorgimento) 6.2. Alemanha 6.2.1. Introdução 6.2.2. Origens 6.2.3. Bismarck 6.2.4. Etapas do processo 6.2.5. Consolidação 7. As Revoluções Industriais 7.1. PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 7.1.1. Definição 7.1.2. Pioneirismo britânico 7.1.3. Consequências gerais 7.2. SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 7.2.1. Definição 7.2.2. Características 7.2.3. Consequências gerais 8. Imperialismo ou Neocolonialismo 8.1. Interpretações 8.1.1. Questão econômica 8.1.2. Questão político-social 8.2. Base Ideológica 8.3. Como foi possível? 8.4. Conferência de Berlim (1884-1885) 8.5. O Caso Português 8.6. África do Sul 8.7. Índia 8.8. China 8.9. Japão 8.10. Estados Unidos e América Latina 8.11. Conclusão 9. Os Estados Unidos - Colonização e Independência 9.1. América Inglesa 9.2. O processo de independência 9.3. Instabilidade política inicial 9.4. Marcha para o Oeste 9.5. Guerra de Secessão (1861-1865) 10. A América Espanhola 10.1. Introdução 10.2. Processo de Libertação 10.3. Era dos Cabildos Abiertos 10.4. Movimentos de Libertação 10.5. América Latina no Século XIX 11. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) 11.1. Antecedentes 11.2. A Guerra 11.3. Construindo a Paz 11.4. Consequências Gerais 12. A Ascensão do Comunismo 12.1. Império Russo 12.2. Revolução de 1905 12.3. As Revoluções de 1917 12.4. Rússia Comunista - Os primeiros anos 12.5. Stalinismo Soviético até a Segunda Guerra Mundial 13. Os Estados Unidos no Período Entre-Guerras 13.1. Introdução 13.2. Anos 1920 - A Era da Ilusão 13.3. A Crise de 1929 13.4. Grande Depressão 13.5. Anos 1930 - A Recuperação 14. Os Fascismos 14.1. Introdução 14.2. Reino da Itália 14.3. Alemanha 14.4. Características Gerais 15. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) 15.1. Antecedentes 15.2. 1939 15.3. FASES DO CONFLITO 15.3.1. Avanço do Eixo (1939-1941) 15.3.2. Equilíbrio de forças (1941-1942) 15.3.3. Vitória dos Aliados (1943-1945) 16. A Guerra Fria (1947-1991) 16.1. Origens 16.2. O início 16.3. Os Blocos de Poder 16.4. Periodização 16.4.1. Guerra Fria Clássica (1947-1955) 16.4.2. Coexistência pacífica (1955-1968) 16.4.3. Détente (1968-1979) 16.4.4. Segunda Guerra Fria (1979-1985) 16.4.5. O Desmonte (1985-1991) 17. As Lutas de Libertação Afro-Asiáticas 17.1. Fatores 17.2. ESTUDO DE CASOS 17.2.1. Índia 17.2.2. África do Sul 17.2.3. África Portuguesa 17.3. O processo de libertação 18. A América Latina no Século XX 18.1. CUBA 18.2. CHILE 18.3. NICARÁGUA 18.4. MÉXICO 18.4.1. Processo insurrecional (1911-1917) 18.4.2. Governo Cárdenas (1934-1940) 18.5. Argentina 18.5.1. Primeiras décadas do século XX 18.5.2. Ascensão de Perón 18.5.3. Perón no comando do país 18.5.4. Processo de reorganização nacional (1976-1983) Referências Bibliográficas 1. A CRISE DO ANTIGO REGIME 2. A REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799) 3. A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815) 4. A RESTAURAÇÃO EUROPEIA 5. AS REVOLUÇÕES LIBERAIS 6. UNIFICAÇÕES TARDIAS 7. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS 8. IMPERIALISMO OU NEOCOLONIALISMO 9. OS ESTADOS UNIDOS - COLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA 10. A AMÉRICA ESPANHOLA 11. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918) 12. A ASCENSÃO DO COMUNISMO 13. os ESTADOS UNIDOS NO PERÍODO ENTRE-GUERRAS 14. OS FASCISMOS 15. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945) 16. A GUERRA FRIA (1947-1991) 17. AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO AFRO-ASIÁTICAS 18. A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX Questões do IRBr 1. A CRISE DO ANTIGO REGIME 2. A REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799) 3. A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815) 4. A RESTAURAÇÃO EUROPEIA 5. AS REVOLUÇÕES LIBERAIS 6. UNIFICAÇÕES TARDIAS 7. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS 8. IMPERIALISMO OU NEOCOLONIALISMO 9. OS ESTADOS UNIDOS - COLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA 10. A AMÉRICA ESPANHOLA 11. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918) 12. A ASCENSÃO DO COMUNISMO 13. OS ESTADOS UNIDOS NO PERÍODO ENTRE-GUERrAS 14. OS FASCISMOS 15. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945) 16. A GUERRA FRIA (1947-1991) 17. AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO AFRO-ASIÁTICAS 18. A AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX AUTOR Daniel de Araujo Graduado na Universidade Federal Fluminense, especializou-se nas áreas de História da África e do Negro no Brasil e Relações Internacionais. Com mestrado em História Política e Bens Sociais, realizado no CPDOC da Fundação Getulio Vargas, realizou sua dissertação de mestrado sobre a relação entre o futebol e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). É professor desde 2000, dedicando-se à preparação para o CACD nos últimos anos. Coordenador Fabiano Távora Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) - Turma do Centenário - 2003. Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV) - 2005. Mestre em Direito dos Negócios pelo Ilustre Colégio de Advogados de Madri (ICAM) e pela Universidade Francisco de Vitória (UFV) - 2008. Mestre em Direito Constitucional aplicado às Relações Econômicas pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) - 2012. Advogado. Diretor-geral do Curso Diplomata - Fortaleza/CE. Foi Coordenador do único curso de graduação em Relações Internacionais do Estado do Ceará, pertencente à Faculdade Stella Maris. Professor de Direito Internacional para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática. Professor de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito do Comércio Exterior e Direito Constitucional em cursos de graduação e pós-graduação. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Vania de Araujo dos Santos e Jailto Leal dos Santos, que sempre foram atentos para que eu e minha irmã, Daniele, pudéssemos ter a melhor educação possível. Nossa formação em instituições de ensino público de qualidade (CAP-UERJ, Pedro II e UFF) nos possibilitou ver o mundo para além dos “outdoors”. Obrigado por tudo. A minha esposa, Roberta Lemos de Souza, muito mais que uma companheira ao longo de infinitos fins de semana perdidos em meio à elaboração, revisão e ao fechamento desta obra. E não poderia deixar de registrar: desde o dia 29 de março de 2015, JoãoVicente de Souza Santos trouxe ainda mais alegria às nossas vidas. Aos amigos constituídos ao longo dessas três décadas de vida, como meus padrinhos de casamento, Rodrigo Bueno, Simone Vieira, Alexandre Simas, Gisella Moura (autora do sensacional O Rio corre para o Maracanã), Lívia Gonçalves (autora de A taça nas mãos) e Leonardo Gil. Ao professor João Daniel de Almeida, autor do Manual de história do Brasil da FUNAG, que abriu as portas da preparação à diplomacia para mim. A Igor Vieira, Pedro César, Marcelo Caldas, Vicente Delorme e Eduardo Valladares, pelo companheirismo de sempre. Aos amigos de infância, Marcio Cardoso Dyonisio, Gustavo Lima e Vivian Gama. A Fabiano Távora e Rodrigo Goyena, que confiaram em mim e indicaram meu nome para este trabalho. A todos saudações rubro-negras. PREFÁCIO* Dez anos atrás, recebi a notícia de que havia sido aprovado no concurso do Instituto Rio Branco para a carreira diplomática. Era difícil acreditar que meu nome estava na lista de aprovados, que o meu antigo sonho tornara-se realidade. Aquele momento deu-me a impressão de ser um divisor de águas, o primeiro passo da carreira que por tantos anos me fascinara. Hoje, percebo que o primeiro passo para a carreira diplomática havia sido dado em um momento anterior, quando comecei meus estudos de preparação para o concurso. A preparação para a carreira diplomática exige o desenvolvimento da capacidade de analisar politicamente a combinação de diferentes fatores da sociedade. Essa capacidade pode ser adquirida pela leitura atenta de diferentes pensadores e exposição a diferentes manifestações artísticas, o que requer uma caminhada de constantes descobertas. Essa caminhada é feita em direção às mais profundas e fundamentais características da sociedade brasileira, percorrendo a longa estrada que lentamente mostra as cores que delineiam o multifacetado cenário que é o Brasil. A preparação para a carreira diplomática requer este (re)encontro com o Brasil, este momento em que o futuro diplomata reflete sobre seu país e sobre seu povo. Eu diria que o processo de preparação é uma caminhada para dentro. Ao caminhar em direção às profundezas do Brasil, o futuro diplomata se defrontará com perspectivas históricas, geopolíticas, econômicas e jurídicas da realidade brasileira que lhe proporcionarão o arcabouço intelectual para sua contínua defesa dos interesses do Brasil e do povo brasileiro no exterior. Essa observação de quem somos como povo e como país é fundamental para o trabalho cotidiano dos diplomatas brasileiros, principalmente porque também pressupõe as relações do Brasil com outros países. Ao compreender a história política externa brasileira, o candidato poderá perceber características do Brasil que explicam como o país percebe sua inserção no mundo. É interessante notar que essa caminhada para dentro é o início de uma carreira feita para fora, em contato com o mundo. Os diplomatas são os emissários que também contam para o mundo o que é o Brasil e o que é ser brasileiro. A aprovação no concurso do Instituto Rio Branco não é, portanto, o primeiro passo da carreira. É o momento em que a caminhada para dentro do Brasil se completou e passa a ser uma viagem para fora, para relatar ao mundo o que nós somos e o que pensamos. Devo confessar que a minha caminhada foi bem difícil. Quando comecei a me preparar para o concurso, poucas cidades brasileiras tinham estruturas que guiassem os estudos dos candidatos para o concurso. Apesar de ter certeza de que nunca nenhuma leitura é inútil, estou certo de que a imensidão de pensadores e artistas que conformam o pensamento brasileiro é difícil de ser abordada no momento de preparação para o concurso. Lembro-me de que sempre busquei obras que me guiassem os estudos, mas não tive a sorte de naquele momento haver publicações neste sentido. Foi com muita alegria que recebi o convite para escrever sobre minha experiência pessoal como jovem diplomata brasileiro em uma coleção que ajudará na caminhada preparatória dos futuros diplomatas. Esta coleção ajudará meus futuros colegas a seguir por caminhos mais rápidos e seguros para encontrar o sentido da brasilidade e a essência do Brasil. Congratulo- me com a Editora Saraiva, com os autores e com o organizador da coleção, Fabiano Távora, pela brilhante iniciativa e pelo excelente trabalho. Aos meus futuros colegas diplomatas, desejo boa sorte nessa caminhada. Espero que se aventurem a descobrir cada sabor deste vasto banquete que é a brasilidade e que se permitam vivenciar cada nota da sinfonia que é o Brasil. Espero também que possamos um dia sentar para tomar um café e conversar sobre o que vimos e, juntos, contar aos nossos amigos de outros países o que é o Brasil. Pequim, novembro de 2014. Romero Maia APRESENTAÇÃO** Indubitavelmente, o concurso para o Instituto Rio Branco, uma das escolas de formação de Diplomatas mais respeitadas do mundo, é o mais tradicional e difícil do Brasil. Todos os anos, milhares de candidatos, muito bem preparados, disputam as poucas vagas que são disponibilizadas. Passar nessa seleção não é só uma questão de quem estuda mais, envolve muitos outros fatores. Depois de muito observar essa seleção, nasceu a ideia de desenvolver um projeto ímpar, pioneiro, que possibilitasse aos candidatos o acesso a uma ferramenta que os ajudasse a entender melhor a banca examinadora, o histórico dos exames, o contexto das provas, o grau de dificuldade e aprofundamento teórico das disciplinas, de forma mais prática. Um grupo de professores com bastante experiência no concurso do IRBr formataria uma coleção para atender a esse objetivo. Os livros foram escritos com base nos editais e nas questões dos últimos 13 anos. Uma análise quantitativa e qualitativa do que foi abordado em prova foi realizada detalhadamente. Cada autor tinha a missão de construir uma obra que o aluno pudesse ler, estudar e ter como alicerce de sua preparação. Sabemos, e somos claros, que nenhum livro consegue abordar todo o conteúdo programático do IRBr, mas, nesta coleção, o candidato encontrará a melhor base disponível e pública para os seus estudos. A Coleção Diplomata é composta dos seguintes volumes: Direito internacional público; Direito interno I - Constituição, organização e responsabilidade do Estado brasileiro; Direito interno II - Estado, poder e direitos e garantias fundamentais (no prelo); Economia internacional e brasileira (no prelo); Espanhol (no prelo); Francês (no prelo); Geografia I - Epistemologia, política e meio ambiente; Geografia II - Geografia econômica; História do Brasil I - O tempo das Monarquias; História do Brasil II - O tempo das Repúblicas; História geral; Inglês; Macroeconomia; Microeconomia; Política internacional I - A política externa brasileira e os novos padrões de inserção no sistema internacional do século XXI; Política internacional II - Relações do Brasil com as economias emergentes e o diálogo com os países desenvolvidos; Português. Todos os livros, excetuando os de língua portuguesa e inglesa, são separados por capítulos de acordo com o edital do concurso. Todos os itens do edital foram abordados, fundamentados numa doutrina ampla e atualizada, de acordo com as indicações do IRBr. Os doutrinadores que mais influenciam a banca do exame foram utilizados como base de cada obra. Juntem-se a isso a vivência e a sensibilidade de cada autor, que acumula experiências em sala de aula de vários locais (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Teresina...). Cada livro, antes da parte teórica, apresenta os estudos qualitativos e quantitativos das provas de seleção de 2003 até 2015. Por meio de gráficos, os candidatos têm acesso fácil aos temas mais e menos cobrados para o concurso de Diplomata. Acreditamos que esse instrumento é uma maneira inteligente de entender a banca examinadora, composta por doutrinadores renomados, bastante conceituados em suas áreas. No final de cada livro, os autores apresentam uma bibliografia completa e separada porassuntos. Assim, o candidato pode ampliar seus conhecimentos com a segurança de que parte de uma boa base e sem o percalço de ler textos ou obras que são de menor importância para o concurso. As questões são separadas por assunto, tudo em conformidade com o edital. Se desejar, o aluno pode fazer todas as questões dos últimos anos, de determinado assunto, logo após estudar a respectiva matéria. Dessa forma, poderá mensurar seu aprendizado. Portanto, apresentamos aos candidatos do IRBr, além de uma coleção que apresenta um conteúdo teórico muito rico, bastante pesquisado, uma verdadeira e forte estratégia para enfrentar o concurso mais difícil do Brasil. Seguindo esses passos, acreditamos, seguramente, que você poderá ser um DIPLOMATA. Fortaleza, 29 de julho de 2015. Fabiano Távora EVOLUÇÃO DAS QUESTÕES POR ANO*** INTRODUÇÃO Objetivando auxiliar os futuros diplomatas a realizar a prova de História Geral, que vem ganhando mais espaço nos últimos anos no Teste de Pré- Seleção do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática, esta obra é resultado da experiência de anos trabalhando na preparação de alunos para este concurso e também da leitura de livros outrora recomendados pela banca para a preparação. Diferentemente da preparação para a prova de História do Brasil, onde existe um peso muito maior do conhecimento de correntes historiográficas e discussões entre diferentes autores, a prova de História Geral é muito mais objetiva e conteudista. A quantidade de temas apresentados também não apresenta muitas surpresas, sendo a formação da Idade Contemporânea seu pontapé inicial. Esta formação tem como base três principais eventos: Revolução Inglesa, Revolução Industrial e Revolução Francesa. Neste livro há um breve recuo no tempo, uma vez que para o bom entendimento do Iluminismo, base ideológica para a construção do mundo contemporâneo, é preciso saber qual é o sistema por ele criticado. Explica-se, assim, a presença do Antigo Regime Europeu no primeiro capítulo. O longo século XIX é abordado aqui com ênfase aos acontecimentos da história europeia. Existem capítulos dedicados aos Estados Unidos (Capítulo VIII) e América Latina (Capítulo IX), mas mesmo quando o alvo preferencial são os continentes africanos e asiáticos, a visão europeísta baliza as abordagens aqui apresentadas. Sem dúvida alguma é o “Breve Século XX”, nas palavras de Eric Hobsbawn, que tem maior espaço tanto nas provas do TPS como nesta obra. O Capítulo Guerra Fria (1947-1991) tem uma atenção especial, afinal, muitos são os eventos internacionais diretamente ligados a este tema. O livro História das Relações Internacionais Contemporâneas, organizado por José Flávio Sombra Saraiva, foi importante para a divisão cronológica do período, com pequenas alterações por questões didáticas. Nas Lutas de Libertação Afro-Asiáticas, trazemos a explicação geral dos principais fatores que motivaram este processo que alterou a geopolítica do hemisfério sul. Alguns casos são estudados de forma mais atenciosa, chamando a atenção das independências e formação dos Estados Nacionais na região da antiga África Portuguesa, principalmente devido às históricas relações entre o Brasil e estas possessões. Por fim, a América Latina no século XX e a sua tentativa de romper as amarras com o passado dependente e agroexportador são abordados. Opções pela modernização conservadora, como nos casos da Argentina e no México, ou aqueles em que a opção socialista é apresentada (Chile, Cuba e Nicarágua) são contemplados. A escolha por não abordar o Oriente Médio como um capítulo a parte se explica pela pouca presença deste nos últimos anos do concurso. Ao ler e reler os capítulos e, principalmente, a cada semana de aula ministrada, surgiam novas ideias de abordagens e conteúdos a serem colocados nas páginas. O conteúdo do concurso não se encerra completamente nestas páginas que se seguem mas, sem dúvida, dentro dos limites impostos, a ideia é trazer uma breve história do Mundo Contemporâneo para melhor capacitar aqueles que se propõem a fazer um dos mais difíceis concursos públicos do Brasil. Sugestões sempre serão bem-vindas. Abraços e bons estudos. 1. A Crise do Antigo Regime 1.1. ESTADO MODERNO EUROPEU OU ANTIGO REGIME Considerado um período de transição entre o sistema econômico feudal e o capitalismo industrial, marcado pelo capitalismo concorrencial por aqueles que privilegiam o econômico na interpretação dos processos históricos, a formação do Estado Moderno é fruto da desarticulação do sistema feudal a partir da Crise do século XIV, quando o sistema policêntrico e complexo controlado pelos senhores feudais assim como o poder universal da Igreja Católica são substituídos pela centralização de poderes nas mãos de um rei. Interpretado como um esboço do que hoje compreendemos como um país, o Estado Moderno é marcado pela “racionalização da gestão do poder e da própria organização política”, segundo Max Weber. No controle deste Estado, o rei administrava os interesses de diversos grupos sociais com suas diferentes aspirações. 1.1.1. A formação Com o enfraquecimento dos senhores feudais, era preciso encontrar alguma nova fórmula para controlar as massas insatisfeitas durante a Baixa Idade Média. A saída foi o fortalecimento da figura do rei, até então apenas mais um senhor feudal. O rei recebe o poder político daqueles senhores feudais enfraquecidos que, em troca da submissão aos interesses do monarca, buscam proteção de seus interesses, destacando-se a isenção no pagamento dos impostos, o monopólio sobre a terra e ainda o controle das forças armadas. Classe em ascensão naqueles tempos, a burguesia tinha interesse na formação do Estado Moderno, pois a unificação de moedas ou mesmo de tarifas alfandegárias poderia facilitar as suas transações comerciais. Em troca, seus capitais deram suporte na construção do aparelho burocrático por parte do rei. Guerras também fizeram parte das origens do Antigo Regime. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453), citada no capítulo anterior, foi de fundamental importância para a formação da França (o rei centralizador conduziu seus homens na vitória) e também da Inglaterra. No caso da ilha, dos escombros da guerra surge a necessidade de centralizar o poder. Duas casas nobiliárquicas disputavam o trono: os York (Rosa Branca) e os Lancaster (Rosa Vermelha), resultando na Guerra das Duas Rosas (1455-1485). Este conflito, longo e intermitente, enfraquece as duas casas, e seu ponto final ocorre quando o senhor de Richmond, Henrique Tudor, assume o poder apoiado pelos Lancaster ao vencer a batalha de Bosworth Field. Ao casar-se com Elizabeth de York, Henrique VII une as duas casas rivais. Também na Espanha guerras e alianças foram fundamentais para a unificação. Após séculos de dominação muçulmana na Península Ibérica, os espanhóis, após dez anos de luta (1482-1492), conseguem derrotar os mouriscos que estavam em Granada utilizando-se de novas estratégias militares, como uma formação mista de artilharia e infantaria. Nesta empreitada estavam juntos os dois principais reinos católicos da região ainda inspirados em princípios cruzadísticos: Castela e Aragão. Logo após a vitória cristã na Guerra de Reconquista, os católicos Fernão de Aragão e Isabel de Castela casam-se, completando a última etapa do processo de unificação espanhola. Outros elementos colaboraram para a formação de um Estado Moderno, como a existência de uma moeda única, língua comum, religião e outros considerados símbolos (ou podemos chamá-los de fatores comuns) nacionais que fazem os súditos se sentirem parte de um determinado reino. 1.1.2. Absolutismo É de notar-se, aqui, que, ao apoderar-se de um Estado, o conquistador deve determinar as injúrias que precisa levar a efeito, e executá-las todas de uma só vez, para não ter que renová-las dia a dia. Deste modo, poderá incutir confiança nos homens e conquistar-lhes o apoio, beneficiando-os. Quem age por outra forma, ou por timidez ou por força de maus conselhos, tem sempre necessidade de estar coma faca na mão e não poderá nunca confiar em seus súditos, porque estes, por sua vez, não se podem fiar nele, mercê das suas recentes e contínuas injúrias. As injúrias devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, tomando-se-lhes menos o gosto, ofendam menos. E os benefícios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam melhor saboreados4. Uma complexa forma de centralização de poderes nas mãos do rei. Assim podemos definir o Absolutismo, resultado da evolução política das monarquias nacionais que surgiram no continente europeu ainda na Baixa Idade Média. A composição do aparelho burocrático-administrativo é de fundamental importância para reforçar o poder do Estado, que utiliza-se de seu exército, ministros ou poder real para submeter aos seus interesses uma decadente nobreza e uma burguesia ainda frágil. Importante lembrar que nem todas as monarquias absolutistas conseguiam uma excessiva centralização de poderes no rei. Considerado o mais forte dos Estados Modernos da Europa, o absolutismo francês inicia a sua gradual formação ainda no século X com a chegada dos captíngios ao poder. Nos séculos seguintes os valois e, por fim, os bourbons chegaram e comandaram o mais importante trono da Europa. Ao conquistar o trono, Henrique IV cria o edito de Nantes, assinado em 1598, garantindo tolerância religiosa aos huguenotes. A suspensão dos massacres e perseguições impostas a eles é importante para a coesão nacional, que atinge seu ápice com o reinado de Luís XIV. Considerado por muitos como o “único rei de fato absolutista”, Luís XIV sempre será lembrado por sua célebre frase “O Estado sou eu”. O czarismo russo também apresenta forte grau de centralização política. O regime iniciado ainda no século XVI por Ivan IV (o primeiro monarca russo entitulado czar ou tsar) somente tem seu fim com a Primeira Guerra Mundial e o advento das Revoluções Russas de 1917. As marcas da Guerra das Duas Rosas (1455-1485) estiveram presentes durante toda a Idade Moderna na Inglaterra. A principal característica do absolutismo inglês foi o respeito à Magna Charta Libertatum, assinada ainda no século XIII. Considerado o primeiro estatuto inglês e base para a constituição britânica, esta coibia as arbitrariedades do rei e abriu caminho para o fortalecimento gradual do Parlamento, consultado em casos como o do aumento de impostos e guerras. Na Península Ibérica a longa guerra de expulsão dos muçulmanos conferiu traços de extremo fervor religioso à construção dos Estados Modernos tanto em Portugal como na Espanha. Desta forma, a Igreja Católica tem uma influência maior sobre as questões políticas que em outras regiões da Europa Moderna. De maneira alguma trata-se de submissão do rei perante a Igreja, mas existe uma conveniente união de interesses políticos, simbolizada pelo padroado. Neste sistema, era o rei que organizava e administrava a Igreja Católica em seus Estados, nomeando até mesmo bispos ou determinando onde seriam as dioceses. É também na Península Ibérica que o Tribunal do Santo Ofício atua com maior rigor, utilizado para promover perseguições contra os inimigos da Coroa. Como base ideológica do Estado Absolutista ainda persistia a Teoria do Direito Divino dos Reis sendo a mais destacada na Europa. Baseada na crença de que o monarca deveria reinar por ser um representante de Deus na terra, colocava aqueles que eram contra o rei em oposição direta ao poder divino. As teocracias europeias seculares afirmavam, desta forma, que o poder do rei somente poderia ser julgado por Deus. Alguns teóricos obtiveram um luxuoso auxílio de pensadores como Jaques Bossuet (1627-1704) e Jean Bodin (1530-1596). Bossuet atuou diretamente na corte mais importante da História Moderna e, ao cuidar da educação do filho de Luís XIV, acabou por escrever Memórias para a educação do delfim e Política segundo a Sagrada Escritura, onde defendia a sacralização da figura real e sua função como ministro de Deus na terra. Já Bodin em Os seis livros da república tratava da soberania, afirmando que esta era limitada apenas pelas leis de Deus e aquelas naturais. Existiam também aqueles que mais se preocupavam com questões racionais. Os teóricos chamados laicos mais destacados são, respectivamente, Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Thomas Hobbes (1588- 1619). Maquiavel escreveu diversas obras, sendo O príncipe5 a mais polemizada. Cabe salientar que diversas são as interpretações sobre o livro. Aquela utilizada de forma mais corrente associa os “conselhos” dados pelo renascentista ao príncipe a uma tentativa desesperada de Maquiavel auxiliar a criação do Estado Moderno na Península Itálica, assolada pelas guerras fraticidas entre as diversas repúblicas e saqueada por estrangeiros. “Os fins justificam os meios” e “força é justa quando necessária” são apenas alguns dos fragmentos retirados da obra clássica dedicada a Lorenço de Médici para justificar a interpretação mais aceita entre a historiografia: O príncipe trata de conselhos para o soberano florentino criar um Estado forte que se sobrepusesse a todos os obstáculos da Itália renascentista. Hobbes buscava na ideia de “estado de natureza” a necessidade da formação de um Estado Absolutista. Nessa forma primitiva os homens iriam deixar de existir em breve, uma vez que viviam em estado permanente de guerra entre si (homem como “um lobo para o homem”). O sentimento de autoconservação levaria os homens a transferirem seu poder político para o rei por meio do chamado Pacto Social, um contrato onde este cederia seu poder aos soberanos. Assim, em Leviatã, o inglês Thomas Hobbes justificava a autoridade do Estado como um meio de proteção contra o caos e a violência. 1.1.3. Economia Manufaturas bem protegidas, [...] uma marinha poderosa, uma agricultura próspera e lucrativa, instituições parlamentares e políticas favorecendo a consulta e o confronto dos interesses, a Inglaterra estava pronta para a grande aventura industrial. As duas revoluções políticas que ela atravessara no século XVII tinham liquidado as confrarias, as guildas, os privilégios, muitos vestígios, obstáculos e preconceitos herdados do passado, e contribuíram para fazer do mercantilismo um meio muito eficaz de poder e de progresso nacional.6 Se concordamos que a Idade Moderna pode ser interpretada como uma transição do sistema feudal de produção para o capitalista, é necessário interpretar o chamado capitalismo comercial. O comércio ganhava importância crescente na Europa desde os tempos do Renascimento Comercial e Urbano, mas com a formação do Estado Moderno Europeu torna-se política de Estado. Karl Marx assim explicou o processo em sua obra O capital: A primeira etapa da acumulação capitalista é comumente chamada de acumulação primitiva. Realizada inicialmente por meio de transformação das relações de produção e surgimento do trabalho assalariado e concentração dos meios de produção - nas mãos de poucos, seguidos da expansão capitalista - “a cumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista. O conjunto de práticas econômicas dos Estados Modernos com o objetivo de promover a tal acumulação primitiva de capitais é chamado de Mercantilismo, que tem no Estado interventor seu principal mecanismo na obtenção de recursos e riquezas. Como principais práticas adotadas temos: • Balança Comercial Favorável: exportar uma quantidade de produtos maior que aqueles importados, acumulando a maior quantidade de ouro e prata possíveis. • Protecionismo Alfandegário: com o objetivo de desestimular as importações, os Estados Modernos aumentam a tarifa alfandegária para produtos estrangeiros. • Colonialismo: busca por territórios no ultramar. • Exclusivo (ou também pacto) Colonial: quando a economia de uma colônia está submetida aos interesses da metrópole. • Corso: associação entre piratas e Estados na informalidade, é claro! Os corsários tinham certas facilidades em troca de partedos produtos adquiridos mediante seus ataques no Atlântico Sul. • Industrialismo: incentivo à exportação de produtos manufaturados. Prática esta adotada principalmente por aquelas potências que não obtiveram numerosas conquistas ultramarinas na primeira fase da Expansão Marítima. Alguns Mercantilismos deram ênfase a determinadas práticas e por isso tiveram uma alcunha especial: • Colbertismo: na França de Luís XIV, o controlador geral das finanças Jean-Baptiste Colbert buscou no incremento do protecionismo e no fomento à exportação de manufaturas de luxo. • Bulionismo: ênfase no acúmulo de metais preciosos, principalmente praticado pela Espanha. • Comercialismo: os ingleses buscaram incentivar de todas as formas possíveis a exportação de manufaturas têxteis, incluindo a prática do cercamento dos campos. 1.1.4. Expansão marítima Antes deste nosso descobrimento da Índia, recebiam os mouros de Meca muito grande proveito com o trato da especiaria. E assim, o grande sultão, por mor dos grandes direitos que lhe pagavam. E assim também ganhava muito Veneza com o mesmo trato, que mandava comprar a especiaria da Alexandria, e depois a mandava por toda a Europa.7 No contexto do Mercantilismo, um conjunto de Grandes Navegações proporciona a Expansão Marítima protagonizada pelas principais potências europeias durante a Idade Moderna. Sem dúvidas o espírito cruzadístico da Península Ibérica em muito influenciou na empreitada ultramarina. Expulsar os muçulmanos do mundo era o desejo de muitos navegadores no ocaso da Idade Média. A Queda de Constantinopla em 1453 também tem a sua contribuição, uma vez que o aumento dos custos para a importação de especiarias somente beneficiava as cidades italianas de Gênova e Veneza. A busca por um caminho alternativo para as Índias como a necessidade de obtenção de metais preciosos tornava a conquista dos mares necessária no século XV. A formação de Estados Modernos é fundamental para a Expansão Marítima. Com a organização real, burguesia (interessada na ampliação de suas rotas comerciais), igreja (em busca de mais fiéis) e nobreza (desejando mais terras e poder) participaram ativamente no projeto ultramarino. Novas embarcações como a nau, a caravela e o galeão, assim como o astrolábio e a bússola, permitiram aos navegadores superarem os obstáculos reais, como as tormentas, e aqueles imaginários, como as sereias e os monstros marinhos. O primeiro Estado Moderno a realizar o projeto nacional objetivando a conquista de territórios no ultramar foi Portugal. O fato de Portugal ter sido o primeiro Estado Moderno formado ainda no século XIII foi fundamental para o seu pioneirismo. A Revolução de Avis deu condições para a organização da expansão. O Estado português possuía excelentes relações com o grupo mercantil nacional; a localização geográfica portuguesa é favorável em relação ao Atlântico; e, por fim, a tradição náutica portuguesa foram fatores que contribuíram na reunião de condições necessárias para a conquista do entreposto comercial árabe de Ceuta em 1415, primeiro passo na conquista do litoral atlântico. A partir da conquista de Ceuta os portugueses promoveram, ao longo do século XV, o chamado Périplo Africano. A ideia era contornar o continente com o objetivo de se chegar ao Oriente. Navegadores como Diogo Cão, que chegou ao Congo estabelecendo contatos com o soberano local, e Bartolomeu Dias, que “descobriu” o Cabo da Boa Esperança, são alguns dos mais destacados lusitanos. Vasco da Gama completou o processo em 1498, quando atingiu as Índias. No intuito de agraciar os soberanos de Calicute, que tiveram atritos com os homens de Vasco da Gama, o rei português D. Manuel montou uma expedição com treze embarcações chefiada por Pedro Álvares Cabral que chega ao litoral brasileiro em 1500. Após completar seu sangrento processo de unificação, a Espanha apostou no projeto do navegador genovês Cristóvão Colombo. Após ser rejeitado por Portugal, Colombo apresenta sua tese do el levante por el poente, projetando chegar às Índias navegando para o Ocidente. Após os reis católicos permitirem a composição de três embarcações para a aventura (Santa Maria, Pinta e Nina), e dois meses de viagem, Colombo atingiu as ilhas americanas de Guarani, atual Bahamas. Batizou os nativos de índios e acreditava que tinha completado sua missão. Américo Vespúcio desfez a ilusão do genovês: as terras descobertas não pertenciam às Índias Orientais, mas sim a um novo continente. Nascia assim a América. Portugueses e espanhóis travaram longas negociações ao longo de toda a Idade Moderna para delimitar os territórios ultramarinos. Alguns destes tratados são: • Tratado de Alcaçovas - Toledo (1479-1480): decorre da disputa pela sucessão do trono de Castilla. Como a Espanha ainda era fragmentada, Portugal tem nele uma ação mais assertiva. Neste tratado a divisão é horizontal e tem como linha fundamental a altura de Cabo Verde. Com isso é ratificado o interesse português de continuar explorando o Atlântico Sul. • Bula Intercetera (1493): No contexto do pós-unificação espanhola e sapiente da existência de terras no Ocidente, a Igreja busca defender os seus interesses. A divisão, mediada pelo Papa, passa a ser vertical e coloca-se a cem léguas da ilha de Cabo Verde. Portugal não se vê satisfeita, não pelo interesse inicial nas terras ao ocidente, mas porque tal divisão impossibilitava a manobra que permitia contornar o sul da África (a grande volta). • Tratado de Tordesilhas (1494): satisfatório para as duas coroas. Esse tratado viabiliza a chegada portuguesa as Índias, permitindo que, no século XVI, Portugal domine a região e faça frente às rotas comerciais árabes. 1.2. CULTURA A época moderna apresenta transformações em diversos setores. Na política, como visto anteriormente, assistimos a uma centralização de poderes nas mãos do monarca, em oposição à descentralização dos tempos medievais. Na economia, os tempos de um sistema agrário fechado foram substituídos por uma intensa troca mercantil. Na sociedade, a burguesia é a classe em ascensão. Como consequência natural deste processo, os elementos culturais serão marcados pelas transformações em vigor no mundo moderno. Durante os tempos feudais, notava-se, claramente, o controle da Igreja Católica sobre o pensamento e a cultura. Consolidada como a organização política mais forte da Europa Ocidental, após a conversão dos reis e da nobreza ao catolicismo, a Igreja Católica consegue submeter o pensamento europeu ao modelo teocêntrico, segundo o qual todo o funcionamento do universo seria explicado mediante as leis divinas. De acordo com o teólogo Santo Agostinho, o homem estaria marcado pelo pecado original e, por isso, seria uma criatura imperfeita, inferior e mortal. Reflexos desta submissão em todas as esferas ao poder da Igreja mostravam-se presentes na arquitetura, na música e nas ciências. Na arquitetura, os dois principais estilos desenvolvidos foram o gótico e o romântico. O estilo romântico buscava ser o mais didático possível, concretizando o mundo teocêntrico baseado em duas construções: o castelo, que abrigava a nobreza, defensora da população e promotora da segurança; e a catedral, onde encontrava-se o clero, simbolizando a estabilidade espiritual. Já na Baixa Idade Média (séculos X-XV), o estilo gótico unia a religiosidade cristã-feudal através da grandiosidade dos templos (como o de Notre Dame em Paris) e dos novos tempos mercantis que se anunciavam, uma vez que o progresso urbano e comercial possibilitava o seu financiamento. Na música, o canto é integrado aos cultos no pontificiado de Gregório Magno (590-604), criando o chamado canto gregoriano. Como a Igreja temia qualquer tipo de estudo que colocasse em risco seus dogmas católicos e convicções, criam-se, ainda no século XIII, os tribunais do inquérito da Inquisição, também conhecidos como Santo Ofício. Apesar de todas as instituições educacionais estarem sob o controle da Igreja, a inquisição é organizada dentro dos muros dos mosteiros, a escolástica, que buscavaconciliar a fé com um sistema de pensamento mais racional. Após décadas, o esforço humano passava a ser novamente valorizado, tornando-se a base destes estudos a obra de Tomás de Aquino, Summa Theologica. Ainda no século XIV, tem origem o movimento filosófico conhecido como Humanismo. Como um pensamento de oposição ao teocentrismo medieval, o Humanismo buscava a valorização das aspirações e da capacidade humana - o homem estaria no centro das atenções (e do universo). Assim, o antropocentrismo caracterizaria-se como a principal base desse pensamento, atribuindo ao homem a responsabilidade por suas conquistas e fracassos. Buscando a Antiguidade Clássica como fonte de inspiração (Imitatio), os humanistas resgatavam valores que se enquadravam nas novas aspirações urbanas-comerciais, como o hedonismo, que valorizava a vida terrena e a natureza. No presente, o homem se faz através da posse da razão. Se as árvores e bestas selvagens crescem, os homens, creia-me, moldam-se. [...] A natureza, ao dar-vos um filho, vos presenteia com uma criatura rude, sem forma, a qual deveis moldar para que se converta em um homem de verdade. Se este ser moldado se descuidar, continuareis tendo um animal; se, ao contrário, ele se realizar com sabedoria, eu poderia quase dizer que resultaria em um ser semelhante a Deus8. Embora o Humanismo contestasse os valores mais tradicionais da Igreja Católica, não pode ser considerado um movimento ateu. A proposta dos intelectuais humanistas era promover uma nova interpretação das escrituras e, assim, a valorização do homem seria explicada como uma forma de adoração a Deus, pois esse seria a mais perfeita criação divina. Ademais, embora difundido pela Europa, o pensamento humanista não poderia ser considerado um movimento de massas, restrito que estava a uma pequena parcela da intelectualidade europeia. Considerado a aplicação dos valores humanistas na pintura, ciências, letras e outras manifestações artísticas, o Renascimento Cultural foi assim denominado por Giorgio Vassari, considerado como o primeiro historiador da arte. Em oposição à Idade Média, considerada pelos humanistas como “Idade das Trevas”, o Renascimento foi assim nomeado devido ao que seus protagonistas afirmavam ser uma “redescoberta” dos valores classissistas de valorização do homem. O “berço do Renascimento”, sem dúvidas, foi a Península Itálica, mais precisamente a região da Toscana; Siena e Florença abrigaram alguns dos principais nomes do estilo. 1.2.1. O Iluminismo Movimento racionalista do século XVIII, o Iluminismo não é considerado uma escola no sentido estrito, mas uma tradição intelectual de valorização do racionalismo que teve impacto determinante na filosofia, na literatura, nas ciências sociais, na história, na música, na geografia, transformando-as. Apesar de ter sido mais famoso na França, o pensamento ilustrado - como o iluminismo também é conhecido - teve expoentes relevantes em praticamente todos os países europeus e também na América. O que une todas essas correntes é a valorização da razão como método para alcançar a verdade, renegando a tradição e a verdade revelada. É herdeiro do racionalismo estético do Renascimento e do racionalismo naturalista da Revolução Científica do século XVII, mas se diferencia desses movimentos ancestrais pela crítica à sociedade, não tendo se restringido à natureza ou às artes, ainda que sobre elas tenha tido grande impacto. Sob o ponto de vista sociopolítico une os iluministas a crítica generalizada ao antigo regime e suas instituições políticas, econômicas, sociais e culturais. Em maior ou menor grau - às vezes apenas a ironia, o sarcasmo -, eles desmerecem a monarquia absolutista, a lógica intervencionista- monopolista do mercantilismo, o monolitismo estanque da sociedade estamental e o predomínio cultural do clero, considerado pelos iluministas, em grande parte anticlericais, o promotor do obscurantismo medieval e da ignorância. Dentre suas contribuições está o advento da geografia moderna (Alexander Humboldt), o historicismo nas ciências sociais (Giambattista Vico), o desenvolvimento da cartografia racional, o surgimento das primeiras escolas de pensamento econômico - como a fisiocracia - a defesa intransigente da educação laica (Pombal), o reconhecimento do universalismo da condição humana (“todo homem é dotado de razão”), a crítica ao monopólio (Adam Smith), a divisão dos poderes (Montesquieu9), o contratualismo (Jean Jacques Rousseau), a defesa do direito positivo (Augusto Comte), o sistema de checks and balances (James Madison), o fortalecimento do direito internacional (John Locke), do sistema judiciário (Cesare Beccaria), da administração pública e a transformação da filosofia em “mãe de todas as formas de saber”, entre outras conquistas modernas. Surpreende descobrir que a origem social da maior parte dos pensadores iluministas era a aristocracia. Funcionários da coroa ou membros da burguesia abastada também produziram obras iluministas. Em todos os casos sugeriam transformações estruturais na sociedade que atingiriam diretamente seus privilégios de classe. Tratava-se de uma minoria ilustrada, frequentemente perseguida pelos regimes absolutistas, mas que por sua vanguarda conseguiu se impor e popularizar suas ideias ao longo do século XVIII. Figuras como Voltaire e Diderot se tornaram muito famosas em vida e verdadeiros fenômenos editoriais a ponto de poderem viver dos livros que publicavam. A Enciclopédia, monumental e ambicioso projeto de compilação de todo o conhecimento humano avaliado racionalmente, sustentou Diderot e D’Alembert por meio de assinaturas dos leitores que pagavam mensalidades adiantadas para financiar a obra que ia sendo entregue progressivamente ao longo dos anos - sua prisão interrompeu o projeto, mas os leitores seguiram contribuindo. No plano econômico, criticavam como irracional as políticas metalistas de acumulação que provocavam inflação e eram motivadoras de guerras mercantis. Para a promoção da riqueza propunham a mínima intervenção estatal na economia - exceto em casos de segurança e defesa. Acreditavam que o comércio livre promoveria a riqueza e a paz entre os homens. Inicialmente essas ideias aparecem de modo rudimentar na fisiocracia francesa, a primeira escola econômica, cujo próprio nome já defende a não intervenção; fisios, natureza, cracia, governo. Para esses pensadores, o natural seria uma economia sem a intervenção do Estado, daí o famoso lema laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui même. Adam Smith e David Ricardo aperfeiçoam a fisiocracia criando a teoria de valor a partir do trabalho e definindo de modo mais claro o mercado, como a mão invisível que controla a disponibilidade de bens e favorece o crescimento da riqueza dos homens e das nações, discordando da crença de riqueza finita e “jogo de soma zero”, presente na concepção mercantilista de eterna guerra comercial. De um modo geral, esses pensadores defendiam uma visão moderadamente reformista da sociedade, propondo melhorias racionais como escolas leigas, livre comércio, liberdades concedidas pelo príncipe e estabelecidas em uma constituição ou representação parlamentar. Não chegavam a defender uma via revolucionária e disruptiva. Eram fortemente elitistas do ponto de vista intelectual e defendiam a meritocracia. Os homens nasciam iguais mas não eram igualmente capazes. Não se importavam que o voto fosse restrito por renda e defendiam a igualdade apenas jurídica, não econômica ou social, defendidas mais tarde pelos socialistas. Apesar deste “conservadorismo” o iluminismo foi apropriado como a principal arma da burguesia para o desmonte revolucionário do Antigo Regime tanto na Revolução Francesa quanto nas revoluções burguesas que se seguiram. Influenciados pelo pensamento mais radical do pensador genebrino Jean Jacques Rousseau (Tratado da desigualdade entre os homens e O contrato social) defendiam a ruptura do contrato social diante do despotismo e se valeram desta premissa para legitimar suas revoluções. Se indagarmos em queconsiste precisamente o maior bem de todos, que deve ser o fim de todo o sistema de legislação, achar-se-á que se reduz a estes dois objetivos principais: liberdade e igualdade. A liberdade, porque toda a dependência particular é outro tanto de força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode existir sem ela. Já disse o que é a liberdade civil; a respeito da igualdade [...] que nenhum cidadão seja bastante opulento para poder comprar a outro, e nenhum tão paupérrimo para necessitar vender-se, o que supõe. Por parte dos grandes, moderação de bens e de crédito; dos pequenos, moderação de ânsia e cobiça. Mas os fins gerais de toda instituição devem modificar-se em cada país pelas circunstâncias que nascem, tanto da situação local, como a do caráter dos habitantes. E considerando estas circunstâncias, deve dar-se a cada povo um sistema de instituição, que seja o melhor, embora não por si, mas para o Estado a que se destina10. Apesar disso, a maior parte do pensamento iluminista foi incorporada na segunda metade do século XVIII justamente por monarcas ou estadistas ao serviço do absolutismo. Influenciados pela hegemonia cultural francesa, ou sinceramente desejosos de reformas, estes “déspotas esclarecidos” se serviram do arsenal de ideias iluministas para modernizar seus reinos. Perceberam logo que a implementação da racionalidade administrativa trazia ganhos reais para a manutenção e o fortalecimento do absolutismo. Ficava claro o paradoxo. O uso de ideias iluministas, fortemente críticas do regime absolutista, justamente para modernizá-lo. São exemplos do absolutismo ilustrado os reis da Prússia, Frederico, “O Grande”, e da Áustria, José I, a primeira czarina da Rússia, Catarina, e o valido do rei Português Sebastião José Carvalho de Melo, o marquês de Pombal. Tomando-o como exemplo percebe-se o anticlericalismo iluminista na expulsão dos jesuítas e na ampla modernização do ensino português com a criação do Colégio dos Nobres e a reforma da Universidade de Coimbra. O redesenho moderno da Lisboa destruída pelo terremoto incorpora as linhas racionais do iluminismo e a reorganização administrativa da colônia - reestruturação do sistema fiscal, mudança da capital para o Centro Sul, criação do Vice-Reinado unificado - evidencia a influência da ilustração. A aplicação de medidas modernizadoras tem algumas características em comum. Foram em geral implementadas em países periféricos e/ou atrasados, onde serviram para fortalecer uma burguesia fraca e enfraquecer os estamentos conservadores clericais e aristocráticos. Ampliavam assim a autonomia do Estado e incentivavam a manufatura. Estimulavam ainda a educação, e, em algum grau, a liberalização econômica que tinha por objetivo melhorar as finanças do Estado. Eric Hobsbawn vincula o despotismo esclarecido ao sucesso econômico da Inglaterra que iniciava sua Revolução Industrial. Tratava-se de um modo de emular a economia burguesa britânica sem sacrificar o regime absolutista. Era forma sem conteúdo e, é possível afirmar que foi parcialmente bem-sucedido enquanto viveram seus propositores, até hoje celebrados em seus países como grandes estadistas e modernizadores. Dois deles - Frederico e Catarina - foram capazes de inserir seus reinos - até então periféricos - na dinâmica de poder europeia do século XIX. Pombal consegue algum grau de autonomia em relação à aliada britânica estimulando a burguesia portuguesa e a racionalização da exploração. Por outro lado não foram capazes de eliminar o obstáculo reacionário encastelado na aristocracia tradicional e no clero conservador. Ainda que enfraquecidos, só seriam efetivamente derrotados politicamente, mesmo que não destruídos pelas sucessivas revoluções que se seguiram à Francesa. A própria França não chegou a viver um “despotismo esclarecido” para além de medidas reformistas pontuais. Muito pelo contrário, assistiu às vésperas da revolução um movimento de reacionarismo aristocrático de retomada dos cargos públicos que excluiu os setores burgueses do Terceiro Estado do aparado burocrático monárquico, o que contribuiu em alguma medida para acelerar o descontentamento pré-revolucionário. É também uma razão possível para entendermos porque a França foi o dínamo difusor do pensamento ilustrado na Europa. Tratava-se, como se sabe, justamente do centro do poder absolutista que fora justificado e legitimado ideologicamente por bispos da igreja francesa a serviço do Estado, como Jean Bodin e Jacques Bossuet. Se no século XVII a influência da política absolutista de Luís XIV atravessou o Canal da Mancha e foi decisiva para os rumos da Restauração dos Stuarts (1660-1688), no século XVIII as “luzes” francesas se espraiaram pelo velho continente. Do Império Russo de Pedro, “o Grande”, a Portugal de D. João V, o iluminismo francês “balançava os tronos” e estimulava longas conversas em clubes e bares na Europa. Destaque especial para a renovação intelectual da Escócia, país periférico que foi um importante celeiro de iluministas como Adam Smith, David Hume entre outros. Diferenciava-se do pensamento continental por não aderir ao anticlericalismo e ter um viés mais pragmático e problem-solving do que as elocubrações filosóficas teóricas dos pensadores franceses. Assim como os pensadores anglo-saxões em geral - os federalistas e Thomas Paine, por exemplo - buscaram desenvolver as ideias de Montesquieu a partir de problemas práticos como os que surgem no contexto da Independência das Treze Colônias. A partir de exemplos práticos surgidos após a Revolução Americana e a Revolução Francesa o Iluminismo ganharia ainda mais fôlego e se tornaria a matriz hegemônica do pensamento ocidental alcançando todo o mundo. A racionalidade se torna o modelo básico para a produção de conhecimento nas ciências humanas e a partir do iluminismo sairão as diversas escolas de pensamento do século XIX, como o positivismo, o liberalismo, o socialismo. Além disso, o modelo de revolução racional-iluminista será copiado por todas as revoluções sucessivas dos séculos XIX e XX, sempre na orientação de ampliar a liberdade ou a igualdade entre os homens, ao menos até a revolução teocrática iraniana. A crítica ao iluminismo e à razão instrumental aparece já na virada do século XVIII para o XIX nos escritos de Immanuel Kant (Crítica da razão prática, Crítica da razão pura) e reaparecem no pensamento romântico nacionalista do século XIX apelando para as emoções e sensações e não mais para a razão. No século XX, a razão iluminista tradicional será atacada pela psicanálise de Sigmund Freud e seu conceito de inconsciente, pela escola de Frankfurt nos anos de 1920, e mais recentemente pela crítica desconstrutivista da pós-modernidade. Síntese Didática das críticas iluministas ao Antigo Regime. Antigo Regime Proposta Iluminista Plano Político Hegemonia Absolutista Monarquia Constitucional Plano Econômico Mercantilismo Monopolista Não intervenção do Estado (fisiocracia e a Escola Clássica) Plano Social Sociedade Estamental Igualdade Jurídica entre os Homens Plano Cultural Hegemonia Cultural do Clero Prevalência da Razão e Ensino Laico 2. A Revolução Francesa (1789- 1799) A Revolução Francesa consigna-se desta maneira um lugar excepcional na História do Mundo Contemporâneo. Revolução burguesa clássica, ela constituiu, para a abolição do regime senhorial e da feudalidade, o ponto de partida da sociedade capitalista e da democracia liberal na História da França. Revolução camponesa e popular, porque antifeudal sem compromisso, tendeu por duas vezes a ultrapassar seus limites burgueses: no ano II, tentativa apesar do malogro necessário, conservou por muito tempo valor profético de exemplo, e quando da Conspiração pela igualdade, episódio que se situa na origem fecunda do pensamento e da ação revolucionários contemporâneos. Assim, se explica, indubitavelmente, esses vãos esforços no sentido de negar à Revolução Francesa, perigoso precedente, sua realidade histórica ou sua especificidade social e nacional. Mas, assim, tambémse explicam o sobressalto sentido pelo mundo e a ressonância da Revolução Francesa na consciência dos homens do nosso século. Esta lembrança, só por si, é revolucionária; ela ainda nos exalta11. 2.1. ANTECEDENTES Centro difusor da ideologia iluminista, a França vivia uma situação de crise institucional em meados do século XVIII. Do ponto de vista político, Luís XVI era uma rei enfraquecido; diante de uma tradição centralizadora oriunda do absolutismo clássico, o rei Bourbon enfrentava um contexto de crescente mobilização liberal, no qual os súditos franceses contestavam seu governo. Em termos sociais, o Terceiro Estado, composto pela burguesia, campesinato, artesãos, profissionais liberais, servos e trabalhadores urbanos parisienses - chamados de sans culottes -, representava 98% dos cerca de 25 milhões de franceses mas não possuía representação política e, ainda, sustentava com o pagamento de impostos, os luxos e a ostentação do clero (dividido entre alto clero e baixo clero) e da nobreza (os nobres de origem feudal tinham privilégios que a nobreza togada, em sua maioria burgueses que compraram tal título, não possuía). O político francês Emmanuel Joseph Sieyès, com base nos pensamentos de Rousseau, buscava explicar o que seria o Terceiro Estado na França pré-revolucionária: Que é o Terceiro Estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política? Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa... O Terceiro Estado forma em todos os setores os dezenove/vinte avos, com a diferença de que ele é encarregado de tudo o que existe de verdadeiramente penoso, de todos os trabalhos que a ordem privilegiada se recusa a cumprir. Os lugares lucrativos e honoríficos são ocupados pelos membros da ordem privilegiada... Quem, portanto, ousaria dizer que o Terceiro Estado não tem em si tudo o que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e robusto que tem um dos braços ainda acorrentado. Se suprimíssemos a ordem privilegiada, a nação não seria algo de menos e sim alguma coisa mais. Assim, que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente melhor sem os outros... Uma espécie de confraternidade faz com que os nobres deem preferência a si mesmos para tudo, em relação ao resto da nação. A usurpação é completa, eles verdadeiramente reinam... É a Corte que tem reinado e não o monarca. É a Corte que faz e desfaz, convoca, demite os ministros, cria e distribui lugares etc. Também o povo acostumou-se a separar nos seus murmúrios o monarca dos impulsionadores do poder. Ele sempre encarou o rei como um homem tão enganado e de tal maneira indefeso em meio a uma Corte ativa e todo-poderosa, que jamais pensou em culpá-lo de todo o mal que se faz em seu nome12. Soma-se a tal instabilidade política e social a grave crise econômica que assolava o território francês nos mesmos oitocentos. Gastos com os luxos dos 1º e 2º Estados não impactavam decisivamente no tesouro real, mas foram explorados de forma hábil pela propaganda iluminista. A participação francesa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), ainda sob o comando de Luís XV, elevou consideravelmente os gastos do governo, contexto agravado pelo projeto do ministro Vergennes, que visava recuperar o prestígio perdido após a derrota diante dos ingleses auxiliando os colonos americanos na Guerra de Independência das Treze Colônias (1776-1781). A vitória ao lado dos aliados americanos trouxe efeitos colaterais, uma vez que expôs a contradição de uma França absolutista em um movimento liberal, além de proporcionar uma posterior reaproximação com a rival Inglaterra, após a promulgação do Tratado de Paris (1783). Tal relação fez- se sentir mais fortemente quando da assinatura do tratado comercial Eden- Rayneval, que permitia a entrada do vinho francês com baixas tarifas alfandegárias no outro lado do Canal da Mancha, enquanto os tecidos britânicos obtiveram tarifas diferenciadas na França. Por conseguinte, as manufaturas francesas acabaram não suportando a concorrência e muitas decretaram falência, agravando ainda mais a situação econômica do país, com o aumento do desemprego nas grandes cidades. Sustentada ainda pelas exportações agrícolas, a economia francesa chegava a um de seus momentos mais caóticos, diante da crise agrícola, oriunda de fenômenos climáticos como secas e inundações, e agravada pela erupção do vulcão islandês Laki. Foram resultantes dessa situação a fome e a miséria, assim como o aumento dos impostos, para tentar cobrir o défict do Estado - que tinha uma dívida externa correspondente ao dobro de todo o seu meio circulante. Diante desse quadro, o controlador geral das finanças do Estado, Charles Alexandre de Calonne, acreditava que a única solução seria taxar o clero e a nobreza, pondo fim aos privilégios que estes possuíam desde os tempos medievais. A reação de tais classes foi imediata, com críticas contundentes à proposta e ensaios de revoltas, o que Charles Fourrier chamou de “Revolta dos Notáveis” (1787). Tal mobilização levou à queda do ministro, substituído por Jaques Necker, que retornava depois de sete anos fora do cargo. Necker convoca a Assembleia dos Notáveis com um objetivo: estabelecer as regras pelas quais seria convocada uma instituição que desde 1614 não tinha papel na França: os Estados Gerais. A mobilização em torno da convocação dos deputados dos Estados Gerais e sua primeira reunião favoreceram a difusão do iluminismo pela França. A ideologia que antes se restringia aos salões da nobreza e aos cafés e clubes frequentados pela burguesia, agora, de forma simplificada, chegava às classes populares. Porém, tal entusiasmo tinha limite. A nobreza tradicional controlava o Parlamento, já que o voto era orgânico e, naturalmente, o clero e a nobreza comungavam dos mesmos ideais conservadores. Percebendo sua pequena margem de manobra - mesmo contando com 578 deputados (contra 291 do clero e 270 da nobreza) -, os representantes do Terceiro Estado exigiram de Luís XVI o voto inorgânico, ou seja, individual. Como o rei tentou obstruir tal intento, acompanhado de representantes do baixo clero e da nobreza togada, os membros do Terceiro Estado declararam-se em Assembleia Nacional Constituinte no dia 17 de junho de 1789. Para defendê-la de possíveis ataques do rei, a burguesia formou a Guarda Nacional e, para ingressar no movimento revolucionário, os populares de Paris buscaram armas na fortaleza da Bastilha, antigo símbolo da repressão do absolutismo francês. Segundo Eric Hobsbawm, em A era das revoluções: “[...] Em tempos de revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos. A Queda da Bastilha, que fez do dia 14 de julho a festa nacional francesa, ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como princípio de libertação”. O que aconteceu na França a partir de 1789 foi a explosão do sentimento generalizado de repulsa a um absolutismo crescentemente anacrônico iniciando, segundo a corrente hegemônica de interpretação historiográfica, a Revolução Francesa. 2.2. PROTAGONISTAS • Contrarrevolucionários: podemos classificar como contrarrevolucionários todos aqueles que se colocavam contra o advento da Revolução. De nobres a membros da Igreja, que teriam seus privilégios violados, passando por camponeses que aderiram ao discurso de seus patrões, chegando às monarquias vizinhas da França, que temiam a difusão dos princípios de “liberdade, igualdade e fraternidade”, que ecoavam pelas ruas de Paris. • Terceiro Estado: nos primeiros momentos da Revolução Francesa, os membros do terceiro estamento estavam juntos, unidos por um mesmo ideal: acabar com os privilégios do clero e da nobreza. Porém, com o decorrer do processo revolucionário, diferentes propostas dividiram tal grupo. • Girondinos: assim conhecidos porque seu líder, Brissot, representava o departamento da Gironda e também devido ao fato de que seus principais membros eram provenientes desta região, representavam os interesses da alta burguesia (banqueiros, industriais e grandescomerciantes), possuíam discurso moderado, almejando uma revolução política, sem grandes transformações sociais, e adotando postura crítica com relação ao radicalismo dos setores populares. • Jacobinos: estes, liderados pela baixa burguesia (pequenos comerciantes, profissionais liberais e donos de oficinas artesanais) e contando com o apoio das classes populares (chamadas de forma pejorativa de sans- culottes), reuniam-se no convento de Saint Jacques (de frades dominicanos) e por isso ganharam tal denominação. Muito influenciados pelos escritos de Rousseau, defendiam uma revolução não somente política, mas também social. • Sans-culottes: grosso modo, eram trabalhadores urbanos de Paris, que desejavam o fim dos privilégios da aristocracia, alimentos mais baratos e uma maior igualdade social. • Pântano ou planície: grupo composto por deputados que oscilavam politicamente entre as tendências majoritárias, ou seja, os jacobinos e os girondinos. • Cordiliers: assim eram chamados os representantes das camadas mais baixas na Assembleia Nacional. • Feudillants: representantes da burguesia financeira. 2.3. AS FASES 2.3.1. Fase moderada (ou das assembleias): 1789-1792 Neste primeiro momento da Revolução Francesa, o principal objetivo do Terceiro Estado, que, de maneira geral, agia unido, era acabar com o Estado Absolutista e com os privilégios do clero e da nobreza. A partir da queda da Bastilha (14 de julho de 1789) e da entrada dos populares na processo revolucionário, não só Paris participava da Revolução, mas também camponeses oprimidos por séculos de exploração aproveitaram-se do clima instalado no país para queimar documentos de servidão e atacar os castelos, símbolos de uma era que se desejava superar. Paralelamente ao chamado “grande medo” que tomou conta da França, trabalhava a Assembleia Constituinte para controlar o povo, que exigia imediatas conquistas sociais e políticas. Uma das primeiras medidas elaboradas foi a abolição dos direitos feudais (agosto de 1789), que punha fim à isenção no pagamentos dos impostos para o 1º e o 2º Estados, ao monopólio sobre a terra e à servidão. No mesmo sentido, foram exterminados os privilégios dos clérigos mediante a Constituição Civil do Clero (1790), que confiscava os bens dos membros do Primeiro Estado e os transformava em funcionários públicos, submetidos às regras da Assembleia. Além da representatividade de tais medidas, elas tiveram importância financeira, uma vez que o governo utilizou estes bens como lastro para a emissão de uma nova moeda, os assignats, buscando assim amenizar a crise econômica que assolava o país. Em Roma, o papa Pio VI criticava os rumos da Revolução, levando a uma divisão entre os membros do clero francês: aqueles que aceitaram a Constituição Civil faziam parte do clero juramentado, e aqueles que se recusavam a reconhecer tal documento, chamados de clero refratário. Garantidos o fim dos privilégios e a igualdade jurídica por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que ainda defendia a propriedade privada, o direito à liberdade de se rebelar contra os abusos do governo, dentre outros, era chegada a hora da conclusão da primeira Constituição da França, elaborada em 1791. Dentre seus principais pontos estão: • Monarquia Constitucional composta pela divisão dos três poderes; • Executivo (Rei), Legislativo (representantes do povo) e o Judiciário; • voto censitário • fim da isenção dos impostos; • igualdade jurídica entre os indivíduos; • formação de uma Assembleia Nacional; • laicização do Estado; • liberdade de crença. Com tais medidas, torna-se evidente a consolidação de um Estado burguês (por isso o período também é conhecido como Era das Instituições), no qual os privilégios baseados no nascimento foram substituídos por restrições econômicas, não alterando de fato as condições de vida da população pobre, que nem mesmo participação política possuía segundo os critérios censitários estabelecidos pela carta constitucional. O ano de 1791 deixa bem claro que, para a alta burguesia, a revolução já tinha acabado. Leis como a Le Chapelier, que proibia greves e coalizões populares ou ações como a atuação da Guarda Nacional em relação a agitação popular no Campo de Marte, em Paris, quando esta abriu fogo contra a multidão desarmada matando 50 pessoas, seguida de prisões e o fechamento de jornais e clubes populares, demonstram este fato. Na Assembleia Nacional estes rumos se refletiram na divisão política de seus membros, em especial, na separação entre girondinos e jacobinos. Enquanto isso, nobres e clérigos emigravam em busca de auxílio para deter os avanços liberais. Temendo a difusão da Revolução, as potências absolutistas vizinhas, sob a alegação de defender a restauração da dignidade real, elaboram a Declaração de Pillnitz. Em tentativa desesperada de restaurar seus poderes absolutistas, Luís XVI busca refúgio na Áustria de sua esposa, sendo capturado com sua família na cidade de Varennes, próxima da fronteira (junho de 1791). Como prisioneiro da Revolução e considerado um traidor, principalmente depois da descoberta de correspondências em que dava auxílio importante para uma possível invasão austríaca do território francês, Luís XVI agora era o principal alvo de uma população que não via grandes mudanças advindas da Revolução e sofria com o alto custo de vida. Em abril de 1792, a França declara guerra à Áustria e à Prússia que, por sua vez, criaram o Exército Contrarrevolucionário com o intuito de evitar a difusão dos ideais iluministas pela Europa. Com apoio de nobres emigrados com o início da Revolução (e principalmente com o Grande Medo), tal Coligação Internacional marchou rapidamente em direção a Paris. Segundo Hobsbawm, as dificuldades financeiras se agravavam (especulação financeira associada a uma inflação sem precedentes) paralelamente ao descontentamento dos setores populares, que defendiam o republicanismo. Diante do perigo externo, a solução foi armar o povo, formando assim a Comuna Insurrecional de Paris, que contava com alguns dos mais famosos representantes jacobinos na sua liderança, como Robespierre e Marat. Lutando pela primeira vez por sua nação e não por um rei, embalados pela Marselhesa e por suas bandeiras tricolores (branco, que representava a realeza agora encontrava-se somado às cores vermelha e azul de Paris), derrotaram os emigrados na batalha de Valmy. Era o despertar, para muitos analistas, do sentimento nacionalista francês. No embalo da conquista sobre as forças do Antigo Regime, tinha fim o modelo monárquico, com a proclamação da República na França. O voto universal transformou a Assembleia Nacional em Convenção Nacional, sendo o principal objetivo desta redigir uma nova constituição. 2.3.2. Fase radical (ou convenção nacional): 1792-1795 Formada por 749 deputados, a Convenção Nacional apresentou uma divisão geográfica de seus membros que até os dias de hoje define a política no mundo ocidental, afinal o partido da Montanha (representando os jacobinos e sans-culottes) colocava-se à esquerda, oposto aos deputados girondinos que estavam à direita, enquanto os membros do pântano estavam no centro. É o ponto zero da revolução para os jacobinos. Inspirados no iluminismo rousseauniano, no qual diz que a propriedade é um instrumento de opressão e o contrato tem que ser feito para que se evite isto, desejavam uma maior equalização das relações sociais. Segundo um de seus principais líderes, Maximilien de Robespierre, o principal interesse dos jacobinos era o de “fundar a República sobre os princípios da igualdade e do interesse geral”. Este é o principal ponto de conflito entre os girondinos e os jacobinos: enquanto os girondinos tentam salvar a revolução sem fazer concessões ao povo e sem quebrar a legalidade, os jacobinos queriam uma revolução popular, suspendendo, se possível, as garantias legais. Para os girondinos, esta posição jacobina significava ser a favor da mais completa anarquia social, como fica evidente nas palavras de um de seus líderes,Brissot: “Os desorganizadores são os que pretendem tudo nivelar - os proprietários, o bem-estar, o preço dos gêneros, os diversos serviços da sociedade”. Neste discurso, fica bem claro que, para os girondinos, a igualdade social era igual a anarquia (desorganização). Já Robespierre contra-atacava os girondinos, alegando que estes “só querem constituir a república para si mesmos, que só pretendem governar no interesse dos ricos e funcionários públicos”. Por um breve momento inicial, os girondinos dominaram a Convenção. A divisão entre seus membros sobre o que fazer diante do julgamento de Luís XVI (alguns eram favoráveis ao indulto e outros à pena de morte) fortaleceu os membros da Montanha, que exigiam a execução real com o suporte do povo. Somada à divisão interna, a revolta antirrepublicana de Vendeia, estimulada pelos setores conservadores e protagonizada por camponeses, acirrou o quadro de crise que impossibilitou a manutenção dos girondinos no poder. Como resultado, não só Luís XVI e a família real foram executados (21 de janeiro de 1793), como também os montanheses tornaram-se hegemônicos na Convenção. Neste contexto de radicalização revolucionária, é formada a Primeira Coligação (Áustria, Inglaterra, Prússia, Holanda e Espanha); a conscrição maciça de homens solteiros entre 18 e 25 anos (medida precursora do recrutamento militar obrigatório) e a formação de um exército profissional são as soluções encontradas pelo Comitê de Salvação Pública - órgão liderado por Robespirre que administrava o país e cuidava de sua defesa externa - para promover a resistência na França. Período conhecido também como a Era das Antecipações, este é o único momento durante o processo revolucionário em que a alta burguesia está alijada do poder, de acordo com Albert Souboul.13 Marcada pelas conquistas sociais, a Convenção jacobina adota um novo calendário, o Republicano, abandonando aquele gregoriano (radicalização do Estado laico), sendo o nome de seus doze meses de trinta dias relacionados aos ciclos agrícolas e à natureza (Vindimário, Frimário, Nivoso, Pluvioso, Ventoso etc.). A principal obra do período foi a Constituição do Ano I (ou 1793), que buscava uma sociedade mais democrática através de: • Sufrágio universal independente de renda; • Abolição da escravidão nas colônias francesas; • Criação de escolas primárias gratuitas; • Direito à rebelião, ao trabalho e à subsistência; • Pensão anual e assistência médica gratuita a enfermos, viúvas e população idosas; • Reforma agrária, com o confisco de terras da nobreza emigrada e da Igreja, que seriam divididas em lotes menores e vendidas a preços baixos para camponeses pobres. Mesmo com as medidas em prol de uma sociedade com menores diferenças sociais, a divisão interna não foi erradicada na França. Para tentar deter aqueles que eram considerados “inimigos da revolução” - que iam desde membros do clero refratário àqueles que violavam a Lei do Máximo (que estabelecia preço máximo para preços e salários) -, o Comitê de Salvação Nacional, responsável pela segurança interna, juntamente com o Tribunal Revolucionário, executaram, entre agosto de 1793 e julho de 1794, cerca de 40 mil pessoas na guilhotina, após julgamentos sumários, nos quais os réus não tinham direito à apelação. O governo revolucionário tem necessidade de uma atividade extraordinária, precisamente porque está em guerra. Suas regras são uniformes e rigorosas, porque as circunstâncias são tumultuadas e inconstantes [...]. O governo revolucionário não tem nada em comum com a anarquia nem com a desordem. Sua meta, ao contrário, é de reprimi-las para implantar e consolidar o reinado das leis14. Apesar de contar com o apoio de facções que desejavam uma maior igualdade social como os sans-culottes e os enregês, os jacobinos não poderiam abandonar o principal fator que levava à desigualdade: a propriedade privada. A luta de facções intensificava-se cada vez mais entre os jacobinos. Os partidários de Hébert defendiam a intensificação do terror, enquanto os dantonistas se colocaram a favor da suspensão do regime de exceção e os aliados de Robespierre eram contrários às duas facções anteriores. Atingindo todos os franceses, o Terror Revolucionário fez vítimas famosas, como o revolucionário jacobino Danton, agravando ainda mais a cisão interna no partido. A radicalização, inclusive cultural (neste período a catedral de Notre Dame foi transformada em “Templo da Razão”), somada ao agravamento da crise econômica com a resistência de diversos setores à Lei do Máximo, facilitou a retomada do poder pelos girondinos. Dessa forma tinha efeito o Golpe do 9 Termidor, quando Robespierre e os demais jacobinos que comandavam o Estado foram presos e posteriormente guilhotinados - dando início ao chamado Terror Branco. A Convenção Termidoriana marca a retomada do projeto inicial da alta burguesia, que previa limitar a Revolução à esfera política. Sendo assim, as medidas consideradas mais progressistas são extintas e os sans-culottes duramente reprimidos; a Constituição do Ano III foi marcada pela exclusão do povo do processo político, através da retomada do voto censitário. Ainda nesta carta constitucional, fica decidido que o Poder Executivo seria controlado por cinco membros eleitos pelos deputados, que formariam o Diretório. 2.3.3. Fase conservadora (ou diretório nacional): 1795-1799 Com a retirada dos jacobinos do poder, a alta burguesia buscava consolidar as medidas elaboradas durante os primeiros momentos da Revolução, sem os excessos democráticos do período em que os jacobinos foram hegemônicos. Retornavam, portanto, os tempos do conservadorismo girondino, que marcou um longo período, chamado por alguns historiadores de A Era das Antecipações (1795-1815). Devemos ser governados pelos melhores: os melhores são os mais instruídos, os mais interessados na manutenção das leis; ora, com poucas exceções, achareis semelhantes homens entre os que, possuindo uma propriedade, estão apegados ao país que a contém, às leis que a protegem, à tranquilidade que a conserva [...]15. Em sua estrutura política, o Poder Executivo (composto por cinco membros diretores) era eleito para um período de 5 anos, enquanto o Poder Legislativo encontrava-se dividido entre a Assembleia Legislativa (também chamada de Conselho dos Quinhentos) e o Conselho dos Anciãos (uma espécie de Senado, considerado uma segunda casa legislativa). Tais instituições podem ser consideradas um aperfeiçoamento do sistema republicano no país, mas foram manchadas por inúmeras fraudes de seus membros, o que as deslegitimavam perante o povo. Mantinham-se os movimentos populares por melhores condições sociais, paralelamente aos realistas estimulados pelos reacionários. Com as finanças cada vez mais debilitadas, o Estado tinha grandes dificuldades para controlar os sans-culottes. Em 1796, o líder popular Graco Babeuf liderou a Conspiração dos Iguais, na qual realizava duras críticas à propriedade privada, respaldado na crença de que ela era “odiosa em seus princípios e mortífera nos seus efeitos”. Massacrado, o movimento de Babeuf é visto como precursor dos movimentos socialistas do século XIX. Para Edmund Wilson: Graco Babeuf, primeiro político a dirigir um ataque à propriedade privada, defendia a “ditadura dos humildes” [...] Para ele, a “natureza conferiria a cada homem o direito igual de desfrutar de tudo o que é bom, e o objetivo da sociedade era defender esse direito; que a natureza impusera a cada homem o dever de trabalhar, e quem dele se esquivava era um criminoso [...]”16. Destacando-se na luta contra os invasores britânicos, o jovem Napoleão Bonaparte era capitão de artilharia em 1793, com apenas 24 anos. Durante os anos do Diretório, o Exército comandado pelo corso era utilizado para reprimir as insurreições e manter o controle nas mãos da alta burguesia. Além disso, foi responsável por deter os exércitos da Segunda Coligação (que agora contavam com os reinos italianos) e expulsá-los definitivamente do território francês. Aproveitando-sede seu prestígio junto à população e da completa falta de legitimidade do governo do Diretório, Napoleão Bonaparte retorna de sua missão no Egito (onde tentava interferir nos negógios ingleses na região), cerca o local onde se reunia o Conselho dos Quinhentos e promove um golpe de Estado. Era o dia 18 do mês revolucionário de Brumário, quando os poderes são usurpados por Bonaparte. Era também o fim da Revolução Francesa. Começava um governo pessoal de Napoleão, conhecido como a Era Napoleônica. 3. A Era Napoleônica (1799-1815) Para alguns é apenas a continuação da Era das Consolidações (1795-1815) da Revolução Francesa (1789-1799)17, para outros, uma ditadura pessoal de Napoelão Bonaparte; a chamada Era Napoleônica (1799-1815) é responsável por institucionalizar algumas das principais alterações na ordem política e social francesa, tais como o fim dos direitos feudais, a igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada e a garantia do acesso dos cidadãos franceses a cargos públicos. Herdando um país que vinha de profunda crise econômica - um dos principais motivos para a eclosão da Revolução - e dez anos de instabilidade política, Napoleão Bonaparte buscava efetuar a paz interna, a estruturação da política nacional e, por fim, promover algum avanço do ponto de vista econômico. Na minha carreira se encontrarão vários erros, sem dúvida; mas [...] eu soterrei o abismo anárquico e pus ordem no caos. Eu limpei a Revolução, enobreci os povos e fortaleci os reis. [...] Minha ambição foi a de consagrar o império da razão. [...] Milhares de séculos decorrerão antes que as circunstâncias acumuladas sobre a minha cabeça encontrem outro na multidão para reproduzir o espetáculo18. 3.1. CONSULADO (1799-1804) Após a queda do Diretório (1795-1799), Napoleão instalou um novo governo baseado em uma Constituição, a quarta, em menos de dez anos: a Constituição do ano VIII, aprovada por referendo popular e que entra em vigor a partir de 1800. Nesta, o poder encontrava-se centralizado no Executivo, comandado por três cônsules, que, dentre suas funções, tinham o poder de escolher os senadores que, por sua vez, determinavam os membros do Tribunato (Poder Judiciário) e aqueles do Corpo Legislativo. Tal carta ambém mantinha o voto censitário, excluindo a maior parte da população francesa da política. Com a posterior Constituição do ano X (1802), o primeiro cônsul (no caso, Napoleão Bonaparte) passou a ter poderes que se sobrepunham aos demais e tornava-os conselheiros por um período de dez anos, o que foi alterado com a Constituição do ano XII (1804), que garantiu vitaliciedade para Napoleão Bonaparte. Para completar a reorganização da política francesa, o Código Civil Napoleônico (1804) foi aprovado, consolidando a liberdade individual, a igualdade perante a lei e o direito à propriedade privada. É basicamente um mecanismo a fim de consagrar os interesses da burguesia, sendo considerado pedra angular do direito liberal ocidental contemporâneo e exercendo marcante influência na institucionalização do direito privado na Europa. No entendimento de Napoleão, era importante concentrar esforços na reestruturação interna, e, para isso, a paz externa era fundamental. Após a derrota da Segunda Coligação, mencionada no capítulo anterior, a neutralização das ameaças internacionais ocorre na medida em que são assinadas a Paz de Amiens (com a Inglaterra) e a Paz de Luneville (com a Áustria). Em relação à Igreja católica, as relações, que estavam rompidas desde a Constituição Civil do Clero (1790), foram reatadas em 1801, através da Concordata com o Vaticano, assinada com o papa Pio VII. Segundo esta, o sumo pontífice voltava a exercer sua autoridade sobre o clero francês. Por sua vez, a Santa Sé concordaria em abdicar de qualquer constestação aos confiscos de bens realizados durante a Revolução, sendo seus membros sustentados por meio de pensão paga pelo governo. Ainda na esfera política, a centralização é uma das principais características do período, sendo suprimidas, na prática, a liberdade de imprensa e expressão que estavam garantidas pela ordem legal. Por outro lado, a reorganização da educação pública com a construção de escolas do governo colocava na prática um antigo projeto dos jacobinos. Na América, Napoleão não conseguiu evitar que o radicalismo jacobino chegasse aos escravos, que lideraram a primeira revolução de negros, cuja consequência foi a implementação da primeira república negra na América - o Haiti. É neste contexto que Napoleão vende a Louisiana para os estadunidenses. Juntando a quantia recebida pela venda da Louisiana com os capitais obtidos pela regulamentação da cobrança de impostos e mesmo dos saques sobre os territórios conquistados na Europa, uma estrutura econômica eficiente é criada, resultando no surgimento do Banco da França. Tal instituição tinha o monopólio da emissão do franco - a nova moeda francesa - e o resultado seria um equilíbrio nas contas públicas. Empreendimentos industriais foram criados, incentivados e financiados pela Sociedade de Fomento à Indústria, que ainda elevou as tarifas alfandegárias para produtos importados. Até mesmo um auxílio legal para o desenvolvimento industrial é promovido, uma vez que Napoleão resgata a Lei Le Chapelier, no intuito de impedir qualquer tipo de movimento grevista, alegando que este seria uma ameaça para a propriedade privada. Obras públicas, como a contrução de estradas e portos, tal qual a reforma que modificou a própria cidade de Paris, geravam emprego e aumentavam ainda mais a idolatria com relação a Bonaparte. Enquanto a burguesia prosperava a olhos vistos, no campo, a reforma agrária napoleônica é considerada uma das maiores da História europeia. Objetivando aumentar a produção agrícola francesa, atendendo a uma demanda dos primórdios da revolução e, ao mesmo tempo, gerar mercado consumidor para as nascentes indústrias nacionais, esta medida teve impacto social até os dias de hoje, uma vez que um dos grupos sociais mais engajados politicamente são os pequenos e médios produtores do país. Aproveitando este contexto muito favorável aos seus interesses, Napoleão incentiva a votação, por parte dos deputados, que põe fim à República e estabelece um Império. Como este deveria ter base nos princípios das luzes, em plebiscito o povo referenda a vontade napoleônica. 3.2. IMPÉRIO (1804-1815) Mesmo sendo um imperador, Napoleão não possuía poderes ilimitados, na teoria, afinal, a existência de uma Constituição e da Câmara dos Deputados mantinham o liberalismo presente no país. No entanto, ainda se trata de um Império, que possuía uma nobreza hereditária sem privilégios e uma nova corte, sendo adotados emblemas que remetiam ao Antigo Regime. O catolicismo foi uma importante ferramenta utilizada por Napoleão para formatar o novo cidadão francês, que segundo os manuais do catecismo imperial “honrar e servir nosso Imperador é, pois, honrar e servir a Deus”. No campo militar, a retomada dos conflitos foi o grande tema neste período. As hostilidades entre ingleses e franceses tinha cunho econômico, uma vez que ambas temiam a concorrência no comércio internacional. As monarquias absolutistas, interessadas na extinção do modelo liberal- revolucionário francês, se associaram aos insulares. Já em 1805, a Terceira Coligação (Inglaterra, Rússia e Áustria) entra em confronto com o Grande Armée francês, que, auxiliado pela Espanha, tenta invadir a Inglaterra na famosa batalha de Trafalgar. Mesmo sendo a França superior no continente, o que possibilitou a submissão do Sacro-Império Romano Germânico, a transformação desta na Confederação do Reno e a imposição de seus parentes no comando das nações dominadas, a impossibilidade de derrotar a Inglaterra resultou na proibição, por parte de Napoleão, do comércio dos países da Europa Continental com a Grã-Bretanha - era o Bloqueio Continental (1806). A ideia era isolar e sufocar economicamente seu principal inimigo, debilitando a tal ponto sua economia que a submissão aos interesses napoleônicosseria inevitável. Em seis grandes e oito pequenas batalhas navais entre britânicos e os franceses, as baixas francesas foram cerca de dez vezes maiores que as dos ingleses. Mas, no que tange à organização improvisada, mobilidade, flexibilidade e acima de tudo pura coragem ofensiva e moral de luta, os franceses não tinham rivais. Estas vantagens não dependiam do gênio militar de ninguém19. O fechamento dos portos europeus dependia do poder de coerção da França que, no primeiro momento, foi bem-sucedido, como pode ser exemplificado por meio do Tratado de Tilsit, quando o Império Russo aderiu ao Bloqueio Continental. Porém, os países europeus dependiam da venda de seus produtos agrícolas para a Inglaterra e, como a França era também uma produtora agrícola, não consumia as matérias-primas destes países. Portugal tenta burlar a determinação de Napoleão, uma vez que não desejava romper os laços com a Inglaterra - estabelecidos desde o final da União Ibérica (1640) e reforçados com o Tratado de Methuen (1703) - mas não obteve êxito. Mediante o Tratado de Fontainebleau, assinado no dia 27 de outubro de 1807, França e Espanha dividiam o território português após a invasão conjunta. A solução encontrada pelo príncipe regente D. João VI foi promover a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em novembro de 1807. Pouco tempo depois, os laços com a Espanha foram rompidos, o que levou à retirada dos Bourbons do poder e a imposição de José Bonaparte como rei. Os boiardos, a aristocracia russa que necessitava exportar seu trigo para a Inglaterra, forçaram o czar Alexandre I a romper o Tratado de Tilsit. Com cerca de 600 mil homens é iniciada a campanha da Rússia, que não trouxe bons resultados para os franceses que, enfrentando a tática de terra arrasada e um intenso frio (o famoso “General inverno”), retornam para seu país com menos de cem mil soldados “derrotados não tanto pelo inverno russo quanto por seu fracasso em manter o Grande Exército com suprimento adequado”. O retorno dos problemas financeiros era, principalmente, o reflexo das campanhas militares desastrosas, que levaram ao crescimento da insatisfação com os rumos do governo, algo impensável nos tempos do Consulado. Aproveitando este quadro desfavorável, a Coligação formada pelo Império Russo, a Inglaterra, a Prússia e a Áustria derrota Napoleão na Batalha das Nações, em Leipzig. Cinco meses depois, o imperador dos franceses assinava o Tratado de Fontainebleau, em que renunciava ao trono, aceitava uma pensão e a soberania sobre a ilha inglesa de Elba, para onde foi com sua guarda pessoal e a sua segunda esposa, Maria Luísa de Habsburgo. “Com homens iguais a vós, a nossa causa não estaria perdida. Mas a guerra teria sido nossos interesses aos interesses da pátria [...].” (Napoleão. Despedida em Fontainebleau, em 20 de abril de 1814). Na França, o Antigo Regime é restaurado com o retorno dos Bourbons ao trono. Declarado morto Luís XVII, que fora encarcerado juntamente com a sua família durante a Convenção Nacional, assumia o poder seu tio, Luís XVIII. Seu primeiro mandato foi breve, pois Napoleão conseguiu a evasão de Elba, desembarcou no litoral sul da França e marchou em direção a Paris. As tropas francesas que supostamente deveriam ser leais ao novo rei ainda respeitavam seu ex-comandante, o que facilitou as manobras de Napoleão. 3.3. GOVERNO DOS CEM DIAS (março-junho de 1815) Surpreendendo os principais representantes do Antigo Regime europeu que se reuniam no Congresso de Viena (1814-1815), Napoleão Bonaparte retoma o poder na França, alarmando aqueles que desejavam a restauração imediata do absolutismo. A estratégia das potências coligadas foi retomar a guerra, aproveitando a confusa reestruturação da ordem napoleônica no curto Governo dos Cem Dias. A batalha de Waterloo, quando Napoleão entrega a sua rendição para o inglês duque de Wellington, marca sua derrota definitiva. O exílio agora ocorre na ilha de Santa Helena, situada no Atlântico Sul e distante a léguas do continente europeu. Em 1821, sob circunstâncias suspeitas e controversas, morre Napoleão Bonaparte, cujo corpo retorna para a França apenas em 1840, repousando até hoje no mausoléu construído no Hotel dos Inválidos. 4. A Restauração Europeia Reunindo-se entre setembro de 1814 e julho de 1815 o Congresso de Viena tornou-se o principal marco diplomático para o estabelecimento da Restauração, nome pelo qual ficou conhecido o Período posterior às Guerras Napoleônicas. A Restauração tem uma vertente política explicitamente reacionária, de retorno aos princípios legitimistas e absolutistas do Antigo Regime, mas igualmente uma vertente internacional capaz de viabilizar a reconstrução no mapa Europeu. Tal reconstrução nos moldes anteriores à Revolução Francesa era notoriamente percebida como inviável, por várias razões. Dentre elas percebemos os interesses das potências vitoriosas em ampliar seu território e esfera de influência - notoriamente os Prussianos e Russos; a necessidade de acolher em alguma medida as imensas transformações político-territoriais implementadas por Napoleão Bonaparte - como a extinção do Sacro Império Romano Germânico - impossíveis de serem simplesmente revogadas; e a necessidade de dar destino a Estados que apoiaram direta ou indiretamente Napoleão, como a Saxônia e os poloneses, em que a aplicação do princípio legitimista puro seria contraditória do ponto de vista da conjuntura política da derrota napoleônica. A ideia de retorno ao “Antigo Regime glorioso” é embalada pelo movimento artístico, político e filosófico conhecido como Romantismo. Tal corrente de pensamento foi hegemônica na Europa no início do século XIX, criticando o racionalismo defendido pelo Iluminismo, associando o liberalismo ao caos instalado na Europa com a Revolução Francesa e o expansionismo napoleônico. A idealização do passado serve aos interesses das principais lideranças políticas representadas em Viena ao exagerar as mais importantes virtudes dos regimes absolutistas. A historiografia resume cada uma dessas dificuldades no que ficou conhecido como princípio do Equilíbrio. Buscou-se não simplesmente a restauração pura e simples do status quo ante mas em termos territoriais o estabelecimento de um novo mapa europeu que viabilizasse alguma forma de equilíbrio de poder que evitasse a eclosão de novas guerras. De um modo geral, até por ter tido sua obra subsumida na eclosão de sucessivas rebeliões liberais das décadas seguintes, a avaliação posterior da obra do congresso é negativa. Se tornou um símbolo do reacionarismo conservador na historiografia burguesa e marxista dos século XIX e XX. O advento do Estudo das Relações Internacionais lançou - sobretudo a escola realista - um novo olhar sobre o evento de 1814-15, notoriamente graças ao trabalho de Henry Kissinger, que em 1854 publicou O Mundo Restaurado, analisando o Congresso e o sistema que lhe sucedeu sob as lentes do realismo clássico e das vantagens do sistema de equilíbrio de poder, um dos conceitos mais caros ao realismo. Para Kissinger, mais que a vitória de Tayllerand, o grande nome do Congresso foi o Príncipe de Metternich, sendo Viena a pedra de sustentação de sua obra diplomática conservadora que duraria mais três décadas. As quatro principais potências integrantes da coalizão antifrancesa que derrotou Napoleão - Reino Unido, Áustria, Rússia e Prússia - eram os poderes de fato no Congresso. Inexistiu uma sessão plenária ou mesmo um congresso no sentido formal do termo. Cada arranjo político era discutido em encontros secretos ou semissecretos intermeados por banquetes, bailes, jantares e festas variadas a ponto de um famoso dito afirmar que o “Congresso não anda, dança!” A inovação estava por conta do estabelecimento de um lugar único - a cidade de Viena - para o encontro de ministros plenipotenciários, e diversos soberanos em pessoa, a fim de decidir os destinos da Europa e assinar acordos e tratados, o que antes era feito quase que exclusivamente de modo bilateral por meio de emissários. Erauma novidade sobretudo a escala da empreitada, que abarcava todo o continente europeu e as colônias. Afora os quatro grandes que tentaram excluir a França, representada por Tayllerand, havia também as “potências menores”. A República de Gênova, Suécia, Portugal e Espanha eram as principais. Tayllerand manobrou habilmente para institucionalizar uma coalizão com este grupo e questionar os métodos e procedimentos impostos pelos quatro grandes. O fez de modo bem-sucedido e acabou sendo, após algum tempo, incluído nas negociações das potências, o que evitou o isolamento francês em Viena e na ordem que se seguiria. Favorecia a reincorporação francesa à ordem de Viena a adesão generalizada ao que ficou conhecido como o “princípio das legitimidades”, pelo qual os governos dos estados deveriam ser restabelecidos às pessoas de seus legítimos monarcas ou descendentes. O legitimismo se torna quase um sinônimo ideológico de Viena e, na prática, exime o Estado francês, restaurado sob Luís XVIII, de responsabilidades sobre o que havia ocorrido sob o regime de Napoleão Bonaparte. O legitimismo interessava significativamente à Tayllerand e contribuiu para a reincorporação da França ao sistema de poder europeu. Uma vez conseguida esta reincorporação, Tayllerand passou a desconsiderar a aliança com as “potências menores”. A obra de Kissinger detalha os meandros do Congresso e permite perceber uma clara clivagem entre a facção revisionista - Prússia e Rússia, representados pelo príncipe Hardenberg e pelo próprio czar Alexandre I - e a facção defensora do status quo de Áustria e Reino Unido representados por Klemens Von Metternich e o Visconde de Castlereagh. A aliança russo- prussiana, militarmente mais dinâmica e que havia derrotado Napoleão em Leipzig, na prática controlava quase toda a Europa central e demandava o reconhecimento da incorporação da Polônia pelos Romanov - seria um reino unido à Rússia, cuja coroa seria entregue ao czar - e da Saxônia aos Hohenzolern, que se tornaria parte da Prússia. Este expansionismo não foi aceito pela aliança entre Áustria e Reino Unido. Os ingleses temiam que uma Rússia muito poderosa pudesse substituir Napoleão como ameaça futura ao equilíbrio, enquanto os austríacos temiam o expansionismo prussiano do ponto de vista do equilíbrio germânico. Unidos pelo equilíbrio Castlereagh e Metternich se opuseram às pretensões do czar e chegaram a assinar com os franceses uma aliança secreta que previa a guerra sobre a questão saxã-polonesa no início de 1815. Pouco tempo depois, Napoleão Bonaparte fugiu de Elba para retomar Paris. O Congresso imediatamente o declara fora da lei e forma a sétima coalizão antifrancesa para derrotá-lo. Cada uma das quatro grandes potências oferece 150 mil homens que, quase 4 meses depois, o derrotam em Waterloo. O Congresso seguiu negociando ao longo do governo dos 100 dias (que na verdade duraram 111 dias) e, possivelmente por conta da fuga de Napoleão e da percepção sobre a necessidade de um governo francês legítimo confiável e fortalecido, foi possível chegar a um acordo nas principais controvérsias. O Reino da Saxônia foi mantido, mas perdeu 40% do seu território para os Prussianos, que também incorporam a parte oriental da Polônia. O Ducado de Varsóvia, maior parte da Polônia, é incorporado pela Rússia que também incorpora ao seu território a Finlândia que tinha sido território sueco até 1809. Dentre outras decisões do Congresso de Viena estão a condenação ao tráfico de escravos, a liberdade de navegação dos rios internacionais europeus, sobretudo o Reno e o Danúbio, a perda das colônias francesas, parte delas tomada pelos ingleses, a destituição da República de Gênova, incorporada ao reino Sardo-piemontês, agora expandido com Nice e Savoia. A restauração do Rei Fernando de Bourbon ao trono do Reino das Duas Sicílias, até então sob o comando do cunhado de Napoleão Joaquim Murat, que perdeu o trono por apoiá-lo durante o governo dos 100 dias e declarar guerra aos austríacos no que ficou conhecido como a Guerra Napolitana. Dentre os parentes de Napoleão, apenas sua esposa, Maria Luisa de Habsburgo, filha do Imperador Austríaco, manteve o ducado de Parma até sua morte. Os estados papais foram restaurados - a exceção de Avignon - e foi criado o Reino Unido dos Países Baixos, compreendendo o que seria hoje Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Para a região alemã, a maior consequência foi a criação da Confederação Germânica em substituição ao Sacro Império. As mais de 360 unidades soberanas então existentes foram agrupadas em 38 estados sob a presidência do Imperador Austríaco. Duraria até 1866, quando a vitória prussiana sobre os austríacos levaria à criação da Confederação Germânica do Norte e à exclusão da Áustria. No Congresso os Austríacos assumem o controle direto do Norte da Itália, incorporando ao Império a Lombardia e o Vêneto e nomeando duques austríacos para os ducados da parte ocidental da Península. Também incorporam ou reincorporam uma miríade de territórios balcânicos que mais tarde constituiriam a Iugoslávia, como as províncias da Ilíria e da Dalmácia. Os franceses foram obrigados a abrir mão de suas conquistas territoriais entre 1795 e 1810 que já tinham sido acertadas pelo tratado preliminar de Paris (1814) logo após a primeira derrota de Napoleão para a Sexta coalizão. Apesar disso, há o entendimento de que a França, como potência derrotada, não foi excessivamente punida, e graças à sua célere reincorporação ao sistema de Estados Europeu evitou-se um revanchismo francês que poderia ter surgido como o revanchismo alemão após a guerra de 1914-18. Nas décadas que se seguem, percebe-se a crescente proximidade entre o governo de Paris e o do Reino Unido, no que ficaria conhecido como a “Primeira Entente”. O governo francês, na primeira metade do século XIX, se esforçou para recuperar o prestígio e a preeminência internacional que possuiu até 1815. Para Portugal algumas questões discutidas no Congresso foram relevantes. A primeira delas, o tráfico negreiro, foi considerada uma derrota. Dois anos depois seriam os portugueses obrigados a assinar um novo tratado com o Reino Unido que declarava abolido o Tráfico acima do Equador. A resistência silenciosa do governo de D. João VI, então residente no Rio de Janeiro, foi simplesmente procrastinar o assunto, assinando tratados que não eram cumpridos. O status do Brasil, sede da monarquia, também era motivo de controvérsia. Por sugestão de Tayllerand ao plenipotenciário português o Conde de Palmela, o príncipe elevaria o Brasil a Reino Unido em 1815. Os entendimentos com os franceses previam ainda a desocupação de Caiena, o que ocorreu em 1817, e a desocupação espanhola de Olivença, praça forte na Península Ibérica tomada pelos espanhóis em 1801. Apesar de os direitos portugueses terem sido reconhecidos pelo Congresso em 1815, os espanhóis não desocuparam Olivença e a controvérsia persiste até nossos dias. Salta aos olhos a desimportância crescente do reino ibérico diante da principal colônia, o Brasil. Dos assuntos tratados em Viena, apenas Olivença era assunto exclusivamente europeu. Os demais temas diziam respeito ao Brasil. Dentre as consequências de longo prazo do Congresso está o estabelecimento de um sistema de Concertação europeu que convocava congressos ad hoc para a resolução de assuntos dos interesses das principais potências, estabelecendo uma forma incipiente de governança global que foi a precursora das instituições multilaterais do século XX, como a Liga das Nações e a Organização das Nações Unidas. Procedimentos diplomáticos universalmente aceitos, como a lógica da precedência e outras liturgias e cerimoniais, também encontram em Viena sua gênese, dado que foi o primeiro grande encontro multilateral da época contemporânea. Complementar ao sistema de Concerto Europeu está a criação da Santa Aliança, que mais tarde agiria em coordenação com a quádrupla e a quíntupla aliança para a repressão de movimentos sediciosos liberais na Europa restaurada. Tratavam-se de alianças militaresreacionárias com o intuito de manter o legitimismo e reprimir os constitucionalistas. Inicialmente, a Santa Aliança foi criada por sugestão do czar russo Alexandre I, e congregava apenas Rússia, Prússia e Áustria. O Reino Unido se recusa a participar apesar da anuência do rei Eduardo, também soberano de Hanover. A incorporação da França na quádrupla Aliança, e mesmo do Reino Unido na quíntupla, esconde aparentemente uma contradição, dado que os ingleses não concordavam com a política repressiva da Santa Aliança e irão progressivamente se afastando dos meandros políticos continentais. O Retorno de George Canning ao Foreign Office em 1822, em substituição à Castlereagh que se suicidara, estabelece definitivamente este afastamento que passou para a história sob o nome de Isolamento Esplêndido, após o Congresso de Verona. Os principais encontros do chamado Concerto Europeu foram Aix-la- Chapelle (1818), Troppau (1820), Laibach (1821) e Verona (1822). Tratavam de mobilizações pela manutenção do Antigo Regime contra a ação dos carbonários italianos e dos levantes no norte e Sul da Itália, na Espanha e na América, na maior parte dos casos autorizando o uso da força, ou delegando este uso a uma das potências participantes, como foi o caso da França, que recebe autorização para intervir e reprimir a revolução na Espanha. Aos poucos vai se percebendo que a unidade se fragmenta e as controvérsias começam a surgir, sobretudo após o aparecimento da questão grega ao longo dos anos de 1820. Também a Doutrina Monroe (1823) estadunidense evidenciava a total impopularidade das potenciais ações da Santa Aliança para reprimir os movimentos de libertação na América que eram do interesse direto do Reino Unido, e contribuíram para que George Canning se dissociasse dos parceiros continentais. A eclosão das revoluções liberais nos anos de 1820 e 1830 na Itália, Polônia, Espanha, América, Holanda, Grécia e mesmo na França era explícita dos limites da Restauração na Era das Revoluções. Com o advento da primavera dos povos em 1848, a queda de Metternich e a Guerra da Crimeia na década seguinte, concluía-se a experiência reacionária e tinha fim o “Sistema de Metternich”. 5. As Revoluções Liberais Após o Congresso de Viena e a tentativa de Restauração do Antigo Regime, o ano de 1815 é marcado pelo retorno - ainda que provisório - das monarquias retiradas do poder por Napoleão Bonaparte, e o liberalismo, associado naquele momento às guerras napoleônicas, é alijado dos centros políticos europeus. Contudo, as ideias liberais defendidas pela burguesia sobreviviam e o nacionalismo - desejado em especial por povos submetidos à nova ordem europeia -, a partir de 1820, abalaria o Equilíbrio Europeu. As “Ondas Revolucionárias” da primeira metade do século XIX, de diferentes formas, resultaram em uma nova concepção organizacional da política, a partir da segunda metade daquele século. Seja por meio da imposição de uma constituição aos monarcas, mediante a criação de novos países, ou mesmo pela implementação de repúblicas, a ordem de Metternich entra em decadência, assinalada em 1848 com uma cisão marcante dentro do Terceiro Estado. Sobre os principais movimentos, algumas análises devem ser elaboradas: 1820 Grécia: A Revolução Grega, sob inspiração nacionalista, tinha como principal objetivo a independência diante do Império Turco-Otomano. Longevos e desgastados, os otomanos enfrentavam resistência maior na Grécia diante das demais regiões e não foi surpresa ser esta a primeira grande revolta contra o império multiétnico construído a partir do século XIV. Tal movimento chama atenção no contexto do regresso, pois os revolucionários, que declararam o início da luta na Praça de Agios Georgios em Pátras, receberam apoio de potências estrangeiras. Tal ajuda veio também do Império Russo, aparentemente uma contradição, uma vez que o czar Alexandre I foi o idealizador da Santa Aliança, órgão responsável por impedir possíveis revoluções nacionalistas/liberais. Os britânicos, preocupados com uma possível projeção russa em direção ao “mar quente”, também intervieram no processo grego, tentando neutralizar a influência russa. O ponto final da revolução foi a assinatura do Tratado de Constantinopla ao final da Conferência de Londres, em 1932, que resultou na construção de um novo país. Espanha: Fernando VII, utilizando-se do direito de legitimidade consagrado em Viena, retorna ao poder na Espanha após a queda de José Bonaparte. Mas, ao contrário de Luís XVIII, que aceita uma constituição ciente que deveria negociar com os liberais franceses, o rei Bourbons promove a chamada “restauração radical” em seu país, rearticulando o absolutismo espanhol como cópia fiel do passado. Utilizando-se da força contra aqueles que se opunham a tal condição, é interessante perceber que a Revolução de Cádiz é protagonizada justamente por tropas que deveriam atravessar o Atlântico para reprimir os anseios emancipacionistas dos criollos americanos. Desejando a restauração da Constituição Liberal de 1812, apelidada de “La Pepa”, os setores liberais da Espanha lutaram não somente contra as forças de Fernando VII, mas também com tropas francesas que foram incitadas pelas russos para auxiliar a restauração na Espanha. Temendo que tal intervenção chegasse na América, Georges Canning inicia conversações com o representante francês em Londres, o príncipe Jules de Polignac, quando estes elaboraram um memorando (Memorando de Polignac - outubro de 1823) em que as duas nações reconhecem não haver esperanças de restauração do colonialismo espanhol no Novo Mundo. Em solo europeu a intervenção francesa foi bem-sucedida, garantindo o irmão de Carlota Joaquina como rei da Espanha até a sua morte, em 1833. Portugal: A transmigração da corte portuguesa para o Brasil mas, principalmente, a manutenção desta na antiga colônia, mesmo depois da derrota bonapartista na Europa, é o pano de fundo principal dos movimentos liberais portugueses. Desde 1815, como Reino Unido a Portugal e Algarve, o Brasil realizava comércio diretamente com a Grã- Bretanha - a partir da abertura dos portos, em 1808 - prejudicando os interesses comerciais da burguesia lusitana, que se aproveita da sensação de abandono forte entre os populares, para articular movimentos sediciosos. O primeiro destes, a Conspiração de Gomes Freire de Andrade (1817), foi prontamente reprimida pelo regente britânico que estava à frente do governo português, Lord Beresford. Após sufocar o movimento de ideologia republicana, com ampla participação da maçonaria, o britânico viaja até o Rio de Janeiro para negociar com D. João VI o aumento de seus poderes, uma vez que a crescente insatisfação colocava em xeque sua administração. Ao retornar a Portugal com seu pedido atendido, o regente não consegue desembarcar. No Porto, a burguesia lusitana estava à frente de uma Revolução Liberal (1820), que defendia o regresso imediato da corte para Lisboa, a constitucionalização e a recolonização do Brasil. Em solo brasileiro, D. João VI percebia a fragilidade de sua posição e, por isso, opta por jurar a constituição ainda no Rio de Janeiro. Assim, as Cortes Portuguesas (Assembleia Constituinte) iniciam seus controversos trabalhos, tendo o príncipe herdeiro como líder e promulgando a primeira Constituição portuguesa em 1822. De caráter liberal, o texto constitucional apresentava como principais pontos as liberdades individuais, a tripartição dos poderes e o fim dos privilégios do clero e da nobreza. A reação dos conservadores não tardou. Liderados por D. Miguel que, por sua vez, contava com o apoio de Carlota Joaquina, tentaram por duas vezes impedir a consolidação do liberalismo, com a Revolta de Vilafrancada (1823) e a Abrilada (1824). Diante desse quadro, D. João VI suspende a Constituição de 1822, alegando a necessidade de conter a radicalização política no reino; acaba falencendo antes de substituí-la. Herdeiro do trono, D. Pedro I abdica em favor de sua filha, D. Maria da Glória, que, ao desembarcar em Portugal, traz consigoa Carta Constitucional de 1826. Inspirada na Carta Outorgada brasileira de 1824, o texto traz como principal novidade o Poder Moderador, embora mantivesse em suas principais bases o liberalismo. Nem mesmo o maior autoritarismo desta carta arrefeceu os ânimos dos miguelistas, defensores da tese de que o direito de hereditariedade de D. Pedro I sobre o trono português caducou quando este assumiu o trono brasileiro, tornando-se assim D. Miguel o legítimo rei de Portugal. A Guerra Civil, que a partir de 1831 contou com a presença de D. Pedro I - que abdicara do trono brasileiro -, tem seu fim com a vitória dos liberais e a assinatura da Convenção de Évora-Monte, em 1834. 1830 Bélgica: Desde 1815 fazendo parte do Reino dos Países Baixos, a Bélgica busca sua autonomia por meio de um movimento insurgente em 1830. Os atritos possuíam motivações econômicas, uma vez que os belgas desejavam o protecionismo para as suas nascentes indústrias, enquanto os comerciantes holandeses defendiam o livre comércio; além disso, questões culturais também estavam presentes, em especial no que diz respeito à religião, uma vez que a Bélgica era católica e a Holanda, protestante. A independência da Bélgica contou com o apoio da Inglaterra e da França, que assinam o Tratado de Neutralidade Perpétua com os belgas, violado somente após o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. França: A restauração francesa iniciada por Luís XVIII em 1814 foi marcada por uma conciliação entre setores progressistas - derrotados com a prisão de Napoleão - e os absolutistas, sendo a Constituição de 1814 um símbolo destes novos tempos pós-Revolução Francesa. A participação no Congresso de Viena (1814-1815) e a intervenção já mencionada na Espanha (1823) são exemplos da tentativa francesa de reconquistar o prestígio perdido com as derrotas militares de Bonaparte. A lenta reconstrução da França, porém, foi desestabilizada com a chegada de Carlos X ao trono. Seu projeto de restauração do Antigo Regime clássico mobiliza novamente os populares e dá nova vida ao liberalismo francês. Nem mesmo o aumento do império colonial francês com a conquista da Argélia foi capaz de salvar o seu governo, abreviado com a Revolução de Julho (também conhecida como “Os Três Gloriosos”), que colocou no poder Luís Filipe, chamado de “o rei burguês”. 1848 Até 1848, as principais análises afirmam que o Terceiro Estado estaria unido para derrubar os governos absolutistas e os privilégios do clero e da nobreza. Porém, gradualmente, os novos governos com participação burguesa adotaram medidas que beneficiavam esta classe em detrimento do restante da população, ficando claro que interesses díspares separavam burguesia e proletariado. Era a cisão do Terceiro Estado, denunciada por Karl Marx e Friedrich Engels em seu Manifesto Comunista, publicado no mesmo ano. O espírito democrático das revoluções de 1848, chamada de Primavera dos Povos, chegou a diversos pontos da Europa. Em Viena, Budapeste, Frankfurt e diversas outras regiões do continente europeu a terceira onda revolucionária do século XIX mesclava nacionalismo e liberalismo com certas doses de socialismo utópico para incrementar o caráter popular de alguns destes movimentos. Temas como voto universal, igualdade social e direitos econômicos e políticos marcaram a polarização social entre burgueses - a partir de então colocando-se entre as parcelas conservadoras da sociedade - e o proletariado urbano/rural em busca do poder. Portugal: Duas revoltas populares antecipam a “Primavera dos Povos” em Portugal. A Revolta de Maria da Fonte (1846) e as Revoltas Populares da Patuleia (1846-1847) seriam demonstrações de insatisfação das classes populares em relação ao aumento dos impostos, deixando em voga todo o ódio contra as autoridades monárquicas. Não há projeto político alternativo, mas as revoltas chamam atenção pelo alto grau de violência e pela participação das mulheres como protagonistas em diversos episódios. Inglaterra: Antes mesmo do ano de 1848, revoluções sociais na Inglaterra e, como mencionado acima, em Portugal prenunciavam a cisão do Terceiro Estamento. Na Inglaterra, depois da intensa repressão sobre o proletariado ludista, os trabalhadores reúnem-se em torno da Associação dos Operários que, em 1838, lançou as chamadas Cartas do Povo, contendo uma lista de reivindicações, tais como: eleição anual, igualdade de direitos eleitorais, sufrágio universal e secreto, além de remuneração para os parlamentares, no intuito de que representantes do povo tivessem condições de participar da política. Com milhões de assinaturas, as Cartas do Povo apresentadas ao Parlamento britânico exigiam também a aprovação das primeiras regulamentações nas relações trabalhistas. Leis que versavam sobre o trabalho feminino e infantil e sobre a jornada de trabalho de dez horas são vistas como vitórias deste movimento. França: Em território francês, a insatisfação dos trabalhadores, parcialmente contida após a chegada de Luís Filipe I ao poder, retorna com mais força em 1848. Grupos de oposição à monarquia parlamentar instalada em 1830 estimularam os trabalhadores a exigirem as reformas econômicas e políticas que não vieram com “Os Três Gloriosos”, reunindo-se em dois principais grupos: os socialistas, que pregavam a abolição da propriedade privada, e os republicanos-democratas, que defendiam a maior participação popular por meio do sufrágio universal. As barricadas retornaram às ruas de Paris em fevereiro, reunindo setores populares sem um programa político definido, mas com imensa disposição para derrubar Luís Filipe I. O monarca oferece reformas sociais a fim de abrir negociação com os setores insurgentes, mas a manobra não obtém resultados, pois os revoltosos controlavam os arsenais e contavam com o apoio de significativos contingentes das tropas reais. O auge do movimento ocorreu quando, na manhã do dia 24 de fevereiro, o rei foi vaiado ao inspecionar as tropas. Isolado, o rei acaba por abdicar na tarde do mesmo dia, sendo proclamada a República e dissolvido o Parlamento da Monarquia de Julho. Iniciada, a Segunda República francesa, ainda em seu governo provisório, estabelece o voto universal (ampliando a franquia eleitoral de 240 mil para 9 milhões de franceses), a liberdade de imprensa, o fim da pena de morte por motivos políticos, a definitiva abolição da escravidão nas colônias francesas e a delimitação da jornada de trabalho em 10 horas diárias, seguindo o exemplo da Grã-Bretanha. A fim de evitar maior radicalização social, a burguesia moderada aceita integrar este novo governo, tendo ainda a pequena burguesia e os socialistas assentos no governo. Alemanha: Desde 1815 a região da atual Alemanha integrava a Confederação Germânica, que reunia 39 Estados sob a hegemonia política do Império Austríaco e predomínio econômico da Prússia. Tal situação gerava incômodo em setores importantes da área, especialmente entre as camadas médias urbanas, a burguesia e os intelectuais prussianos, que afastavam os nobres latifundiários também descontentes pela viés radical de seus discursos em prol da unificação. Na visão da burguesia prussiana, a fragmentação política era um obstáculo para o seu crescimento pois prejudicava seus negócios, uma vez que existiam diferentes moedas e tarifas alfandegárias naquela região que, por séculos, fez parte do Sacro-Império Romano-Germânico. Com o objetivo de superar parcialmente este problema, os prussianos organizaram uma união aduaneira entre os estados germânicos da região em 1834. O chamado Zollverein inicialmente excluía a Áustria, mas, com os benefícios comerciais gerados pela liberdade alfandegária e as facilidades maiores no processo de industrialização, este absorve não só os austríacos mas também Estados da região noroeste, no final dos anos 1840. Neste contexto de progressiva união econômica, a região acaba também atingida pelas ondas revolucionárias de 1848. Sob as influências ideológicas do liberalismo, os prussianos buscavam a unificação política. Reivindicando maior representaçãopopular na Dieta, pequena e média burguesia se uniram aos trabalhadores (insatisfeitos com o aumento dos preços alimentícios devido às safras ruins daquele ano) elaborando um movimento que exigia transformações do rei Frederico Guilherme IV. Comícios, manifestações e barricadas tomaram conta das principais ruas da Prússia sob a bandeira preta, amarela e vermelha, que simbolizava a Alemanha unida. De início o monarca procurou se afastar dos massacres e atendeu parcialmente às reivindicações, buscando identificação com o projeto nacional e aceitando a elaboração de uma constituição em 1849. O principal órgão político oriundo de tal mobilização, o Parlamento de Frankfurt (1848- 1850), teve curta atuação, uma vez que a nobreza latifundiária alemã (junkers) aceitava o projeto nacional, mas rechaçava o caráter liberal defendido em 1848. O Parlamento acaba sendo dissolvido e Frederico Guilherme IV não aceita a constituição, adiando por vinte e um anos o sonho de ver uma Alemanha unida. 6. Unificações Tardias 6.1. Itália (Risorgimento) A unificação italiana, sonho de Maquiavel e muitos outros desde o Renascimento, é conhecida pelos italianos como Il Risorgimento, graças ao periódico unificacionista piemontês que levava esse nome e cujo editor- proprietário era o Duque de Cavour. Sua origem política remonta às guerras napoleônicas que reorganizaram completamente a Península Itálica criando reinos novos, como o Reino da Itália governado por seu irmão José, mais tarde nomeado rei da Espanha. Foram promovidas reformas liberais e revogados os direitos feudais que com o Congresso de Viena em 1815 foram restaurados. A situação da Itália convulsionada pelos conflitos do liberalismo sob regimes absolutistas é plena de contradições e retratada de modo brilhante e envolvente no famoso romance de Stendhal A Cartuxa de Parma que se passa no principado de Parma, um dos muitos ducados tampões - como Módena, Lombardia e Toscana - colocados sob a hegemonia austríaca entre os Estados Pontifícios e a França. Ao sul dos Estados Pontifícios que controlavam o centro da península no entorno a Roma estava o Reino das Duas Sicílias, cuja dinastia era um ramo dos Bourbon espanhóis. A única dinastia italiana era os Savoia no norte, responsáveis pelos reinos do Piemonte e de Sardenha, unificados por Carlos Alberto em 1847. Tinham sido os primeiros a enfrentar as invasões napoleônicas e pela proximidade com os franceses era também ali que se concentrava a vanguarda liberal atuante nas camadas médias, burguesas e no jornalismo. Estes indivíduos defendiam o constitucionalismo liberal e a unificação como bandeira única. Organizavam-se em sociedades secretas que se espalharam pelo norte da Itália durante o rescaldo napoleônico. Outra alternativa de unificação era o neoguelfismo, que enxergava no papa um potencial elemento de unificação, dada a escassez de príncipes italianos autóctones que, com o advento do nacionalismo seria essencial para a promoção da coesão do novo Estado que se pretendia criar. Com a eleição em 1846 de Pio IX, considerado um liberal, o neoguelfismo ganhou força e passou a contar com a adesão de muitos liberais que acreditavam numa monarquia constitucional possível sob a liderança temporal do Papa. Uma síntese desta primeira fase da unificação italiana seria, portanto, perceber três correntes políticas. A corrente hegemônica, reacionária, absolutista, que controlava toda a península. Impopulares, tais soberanos eram garantidos pelos austríacos que controlavam diretamente o nordeste do país e indiretamente os arquiducados do centro-oeste da península. A corrente neoguelfista, que via no papa uma alternativa de unificação, apesar do próprio pontificado ser uma instituição conservadora. E, finalmente, a corrente liberal, herdeira da Revolução Francesa e das reformas liberais napoleônicas que se organizavam em sociedades secretas como os carbonários. Por serem secretas as “vendas” dos carbonários não faziam propaganda de suas atividades e, portanto, tinham dificuldades para mobilização popular, essencial para a vitória revolucionária. Tais contradições evidenciam perfeitamente as ambiguidades do discurso liberal burguês que se por um lado queria destruir o absolutismo, por outro, tinha interesse em evitar ampla mobilização popular que pudesse resultar em jacobinismo e radicalizações. Temiam igualmente a repressão austríaca e, por isso, precisavam da legitimidade que seria conferida por um príncipe, que se dispusesse a aceitar uma constituição. Uma alternativa era Carlos Alberto do Piemonte-Sardenha, outra alternativa era o papa Pio IX. Ambas se provaram falsas promessas em 1848. Dissidente dos carbonários, Giuseppe Mazzini parte para a mobilização popular com a fundação do movimento “Jovem Itália”, em 1831, defendido em um jornal de mesmo nome, que rapidamente se espalha por toda a península. Preso e exilado, Mazzini exporta o modelo para outras regiões - Jovem França, Jovem Alemanha - e sua ação em defesa do liberalismo, do progresso e da unificação favorece a mobilização pela causa. Torna-se o grande pioneiro e patrono intelectual do Risorgimento. O ano de 1848 encerraria essa fase e inauguraria uma nova etapa no processo de unificação italiano. O rei Carlos Alberto, católico, largamente influenciado pelo papa Pio IX, recém-eleito, que já havia sido regente no reinado de Carlos Félix e dera mostras de ambiguidade política, faz promulgar em 1848 o Estatuto Fundamental, uma carta constitucional largamente embasada na constituição francesa de 1830. Decide ainda, influenciado pela opinião pública e por Cavour, declarar guerra à Áustria, no que, apesar dos sucessos iniciais, é fragorosamente derrotado, sendo forçado a abdicar do trono em 1849 em favor de seu filho Vittorio Emmanuel. Foi acusado frequentemente de pouco sincero em suas medidas liberais - apoiou o carlismo espanhol e o miguelismo português na península ibérica, ambos movimentos absolutistas - e várias vezes voltou atrás em decisões políticas, o que lhe valeu o apelido de “O Hamlet Italiano”. Morreu exilado em Portugal meses depois. O próprio papa declarou em Abril de 1848 que não concordava com a guerra entre o Piemonte e não era candidato a liderar uma unificação acabando com as esperanças dos guelfos. O papado de Pio IX foi considerado liberal, logo após sua eleição. Ele promoveu uma série de reformas nos Estados Pontifícios, construiu ferrovias, incentivou a modernização agrícola, cancelou a obrigatoriedade de judeus frequentarem missas e concedeu imediata anistia a todos os presos políticos dos Estados Pontifícios, sendo considerado um governante modelo, e celebrado em todo o mundo por liberais. Sua incrível popularidade durou vinte meses. Até a eclosão da “Primavera dos Povos” parecia que o novo papa era de fato uma alternativa liberal de unificação da Itália. Uma vez que eclodiu a chamada República Romana em 1849, no entanto, a posição liberal de Pio IX desaparece. Liderada por Giuseppe Mazzini e os liberais romanos foi estabelecida a República Romana em fevereiro de 1849 declarando liberdade religiosa nos Estados Pontifícios e promulgando uma constituição Liberal. O papa é obrigado a fugir e só é restaurado ao poder após as tropas do então presidente Luiz Bonaparte derrotarem as forças de Giuseppe Garibaldi, em junho deste mesmo ano. As revoluções na península itálica de 1848-49 foram derrotadas com a mobilização de tropas estrangeiras, austríacas e inclusive francesas, em tese uma república liberal governada por um presidente descendente familiar e politicamente de Napoleão. Seu eleitorado era conservador, católico em um país rural, fortemente influenciado pelo clero, pesava em sua política externa, e sem seu auxílio, o poder temporal do papa teria sido extinto em 1849 e não apenas em 1870. Ainda que a Revolução e a esperança de unificação tenham ganhado enorme popularidade após 1848-9, ainda seria necessário aguardar mais de uma década para novamente mobilizar as forças necessárias para a empreitada. Uma vez reinstituído no poderem 1850 - apenas depois de ter garantida a não ingerência francesa nos assuntos temporais dos Estados Pontifícios -, Pio IX vai se mostrar o mais conservador dos pontífices revogando muitas de suas medidas anteriormente liberais. O exemplo mais notório é a relação com o judaísmo, única religião afora o catolicismo autorizada nos Estados Pontifícios. O gueto judaico é reinstituído e o papa chega a ponto de mandar sequestrar uma jovem criança judia - Edgardo Montara - que teria sido batizada secretamente como católica por uma empregada católica que temia que a criança, gravemente doente, morresse sem batismo. As leis proibiam crianças católicas de serem criadas por pais judeus, ainda que fossem seus pais naturais, e o papa, apesar dos apelos internacionais e da campanha pela devolução do jovem Montara, adotou-o e mais tarde ordenou-o sacerdote. Pio IX se torna o bastião mais conservador do absolutismo monárquico na Península Itálica. O sucessor de Carlos Alberto, seu filho Vittorio Emmanuel, foi, ao contrário de seu pai, capaz de conquistar o respeito e a confiança dos liberais da Sardenha e se tornar o candidato mais viável da península a comandar a unificação. Respeitou a constituição recém-instituída e nomeou Camilo Cavour para primeiro ministro. Estabeleceu um modus vivendi com os grupos liberais e com os austríacos ao mesmo tempo que reprimia rebeliões radicais em Gênova. De certo modo, é com Vittorio Emmanuel que a unificação ganha dínamo graças à unificação do grupos Dinásticos que viam nos Savoia uma alternativa de manutenção da monarquia aristocrática e o afastamento do perigo jacobino e dos liberais que viam no novo rei da Sardenha um príncipe que aceitava a monarquia constitucional. A viabilidade da unificação dependia, no entanto, da vitória militar sobre os austríacos no norte, os Bourbon no Sul e a submissão ou anuência do papa na região central, o que se tornou possível, em menos de dois anos, graças à aliança com os franceses. Após a participação bem-sucedida do reino Sardo-Piemontês na Guerra da Crimeia que granjeou a Vittorio Emmanuel a simpatia do, agora, Imperador dos franceses, Napoleão III. Em troca da cessão dos ducados de Nice e Savoia, Napoleão daria apoio militar aos piemonteses na luta contra os austríacos na retomada da Lombardia e do Vêneto. A campanha franco-piemontesa se iniciou em 1869 e, após idas e vindas - os austríacos concordam em se retirar apenas da Lombardia, mas não do Vêneto, o que motivou a demissão, provisória, de Cavour e a ruptura da promessa com os franceses - foi assinado o tratado de Turim. Semanas depois as tropas piemontesas partiram para a incorporação dos Estados Pontifícios e derrotaram as tropas do papa em Castelfidardo, obrigando Pio IX a se recolher no Vaticano de onde ele excomunga o rei do Piemonte. Ao mesmo tempo Giuseppe Garibaldi, partindo do norte, lança uma expedição de voluntários que desembarca na Sicília e inicia uma campanha para conquistar Palermo. “Os Mil” de Garibaldi rapidamente ganham a adesão dos liberais meridionais e inclusive de alguns aristocratas que aderem na esperança de moderar o processo revolucionário. As complexas tramas políticas da conquista da Sicília sob o Risorgimento aparecem deliciosamente retratadas no romance Il Gattopardo do príncipe de Lampedusa, que se inspira em seus ancestrais para retratar o príncipe de Salina e a lenta e gradual decadência da aristocracia tentando sobreviver em tempos de agitação liberal. Com a vitória de Garibaldi e a entrega do comando da Itália meridional a Vittorio Emmanuel, este é proclamado, em Março de 1861, Rei da Itália, reino recém-criado. Faltavam, ainda sob o controle austríaco, o Vêneto, o Trentino no noroeste da península e a cidade de Roma, sob a proteção de Napoleão III, que, apesar de ter recebido Nice e Savoia, não podia abrir mão do apoio ao pontífice romano por razões de política interna francesa. O Vêneto foi conquistado graças à hábil aliança entre a Itália e a Prússia na guerra austro- prussiana de 1866. Apesar de derrotados, os italianos se beneficiaram da rápida e eficaz vitória de Bismarck contra os austríacos, e com isso conquistaram o Vêneto. Em Setembro de 1870, novamente em meio a uma guerra prussiana, desta vez contra a França que se viu forçada a retirar as tropas de apoio ao papa, Giuseppe Garibaldi foi finalmente capaz de incorporar Roma ao reino da Itália após duas tentativas fracassadas em 1862 e 1867. Roma torna-se enfim capital do reino da Itália em julho de 1871. Uma síntese do processo do Risorgimento denota dois momentos políticos distintos. O primeiro, da derrota de Napoleão até a Primavera dos Povos, foi uma lenta rearticulação dos grupos liberais sob a hegemonia legitimista do absolutismo defendido por Viena. Fracassaram as tentativas de viabilizar a unificação por estarem divididas as correntes que assim o desejavam. Absolutistas não aceitavam o apoio dos liberais e os reprimiam, ou adotavam posturas ambíguas como o rei do Piemonte Carlos Alberto (1831- 1848). Os liberais por sua vez se organizavam sobretudo em sociedades secretas, tendo dificuldades de mobilizar o apoio popular. O amadurecimento da luta se dá a partir de 1831, com a criação de publicização da Jovem Itália graças ao protagonismo de Giuseppe Mazzini, dissidente dos carbonários. Por último, havia inclusive grupos - os neoguelfos - que viam no papa um candidato viável para a unificação da Itália sob uma monarquia constitucional. A simpatia de Vittorio Emmanuel pelo recém-eleito Pio IX em 1846, fez brotar uma efêmera esperança para o guelfismo, desautorizado pelo próprio papa em abril de 1848. Percebe-se a completa desarticulação das forças pró-unificação. A situação muda estruturalmente depois das Revoluções Liberais de 1848- 49 que atingiram profundamente à Itália, iniciando o segundo e último momento da Unificação. No norte a derrota de Carlos Alberto para os austríacos na primeira guerra de unificação italiana (1848) leva à sua abdicação e seu sucessor, Vittorio Emmanuel, com a ajuda de seus ministros Massimo D’Azeglio e, sobretudo, Camilo de Cavour galvanizou o apoio dos liberais para viabilizar a unificação ainda que sob o modelo conservador de uma monarquia constitucional. Ao Sul, a derrota da efêmera República Romana de Mazzini por tropas francesas em 1849 evidencia a fragilidade do papado e transforma Pio IX em um reacionário antiliberal. Tropas francesas serão necessárias para garantir a defesa de Roma por mais duas décadas. As mesmas tropas francesas de Napoleão III se aliam, em troca de Nice e Savoia, contra os austríacos, em 1859, e viabilizam uma meia vitória ao Piemonte, que consegue de Viena a cessão da Lombardia em 1860. Em pouco tempo são tomados também os Estados pontifícios - exceto Roma - e o Reino das Duas Sicílias, graças à expedição dos “Mil” de Garibaldi, que destronaram os Bourbon de Palermo. Unificava-se a Itália em 1861. A conjuntura de Unificação alemã da década de 1860 beneficiaria por duas vezes a conclusão do Risorgimento. Em 1866, na tomada do Vêneto no contexto da guerra Austro-prussiana, e em 1870, na retirada das tropas francesas que foram lutar na Guerra Franco-prussiana, permitindo, finalmente, a tomada de Roma por Garibaldi. No plano cultural a frase “fizemos a Itália agora precisamos fazer os italianos”, dita por Massimo D’Azeglio, retrata bem a realidade de um estado fragmentado linguística e culturalmente em uma miríade de subregiões cada qual com seu dialeto e história definidos e que tiveram que ser homogeneizados por meio da ação cultural e educacional do Estado que estimulou o uso da língua italiana e reprimiu o uso dos dialetos. O processo de homogeneização cultural durou décadas e ainda hoje não é completo. Do ponto de vista socioeconômico é perceptível a disparidade entre o norte e o sul da península. Em termos de desenvolvimento do capitalismo, modernização, infraestrutura e industrialização o sul da Itália permaneceu análogo ao que foi por muitas décadas o nordeste brasileiro, atrasado, agrário, miserável,sob o controle de grandes senhores latifundiários que exploravam seus trabalhadores como retratado nos filmes do realismo italiano do pós-guerra, sobretudo no cinema social de Visconti e Rosselini. A hegemonia da máfia siciliana, que atraiu a atenção internacional para o problema - surgida no sul da Itália e depois irradiada para todo o país até Milão -, depois dos sucessos literários de Mario Puzzo filmados por Coppola em O poderoso Chefão, protagonizou frequentes episódios de assassinato de autoridades e a necessidade de virtual reconstrução do país nos anos de 1990, sob a operação “mãos limpas”. Altera-se a correlação das forças políticas no país enfraquecendo os partidos tradicionais como os Socialistas e a Democracia Cristã. Algumas consequências políticas são inescapáveis ao processo do Risorgimento e essenciais para a compreensão posterior da história italiana: A questão romana (1861-1829) e o Irredentismo, que duraria até depois da Primeira Guerra Mundial. A questão romana é o nome das controvérsias territoriais sob a soberania dos Estados pontifícios, que envolveram a Santa Sé e o reino da Itália. Subsistiu sob os pontificados de Leão XIII, Pio X, Bento XV, e Pio XI, que se consideravam prisioneiros da Itália em Roma, criando grandes dificuldades para um Estado cuja maior parte da população era católica, proibida pelo papa de participar da vida política italiana, inclusive por meio do voto (non expedit). Foi solucionada pelo Tratado de Latrão (1929), já sob o governo fascista de Benito Mussolini). O tratado indenizou a Santa Sé pela perda dos territórios e criou o Estado do Vaticano soberano dentro da cidade de Roma na tentativa de cooptar os setores conservadores da sociedade italiana, dos quais o catolicismo era o mais forte. O Irredentismo é o nome dado ao movimento popular pela incorporação das zonas cultural ou linguisticamente italianas que ainda não tinham sido incorporadas ao reino da Itália após 1870. O Trentino e a Venézia Giulia, além da cidade croata do Fiume (Rjeka, em croata), que conta com maioria ítalo-falante. Para não envenenar as relações com a Áustria, os sucessivos governos da monarquia italiana não estimularam o irredentismo nas três últimas décadas do século XIX, apesar de as medidas crescentemente nacionalistas do ponto de vista sociocultural acabarem favorecendo a popularidade da causa. No início do século XX, no entanto, os irredentistas, que se viam como herdeiros de Mazzini, passaram a defender crescentemente a mobilização militar e a causa acabou assumida pela extrema direita italiana, que foi o grupo mais mobilizado a favor da entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial (1914-18). A derrota austríaca na guerra tornou o Trentino província autônoma do Reino da Itália mas não arrefeceu os ânimos dos irredentistas, entre os quais o poeta nacionalista Gabrielle D’Annunzio, que reuniu voluntários e invadiu em 1919 a cidade de Fiume, cujo status estava ainda sob definição da Conferência de Paris. O Fiume tornou-se estado livre e independente, e D’Annunzio, que se recusou a aceitar o acordo, foi expulso com suas tropas em 1920, mas se tornou extremamente popular na Itália, tornando-se figura próxima do fascismo, que assumiu sua causa e decidiu pela incorporação à Itália do Estado livre do Fiume em 1924. Com a 2ª Guerra Mundial, a região tornou-se parte da Iugoslávia e hoje é território croata. 6.2. Alemanha 6.2.1. Introdução A ideia de realização do processo de unificação são anteriores ao século XIX na Alemanha. Mas certamente em muito influenciaram este processo as convulsões políticas e sociais atravessadas pela Europa desde o início de tal século. Herdeiro direto da Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte (Napoleão I) justificava seu expansionismo na difusão dos ideais de “igualdade, liberdade e fraternidade”. Assim, diversas partes do continente estavam sob seu domínio no início do século, destacando-se a região da atual Alemanha. Nesta, Napoleão acabara com o principal resquício de medievalismo na Europa, o Sacro Império Romano-Germânico, substituindo tal organização pela Confederação do Reno. Uma vez derrotado Napoleão, seus vencedores, reunidos em Viena, veem no fim do Sacro Império uma forma de organizar politicamente a instável região, criando assim a Confederação Germânica, já mencionada em outros capítulos desta obra. Com seus trinta e nove Estados componentes, esta foi por décadas peça de fundamental importância no Equilíbrio Europeu. 6.2.2. Origens Desde as campanhas napoleônicas destacava-se a força da Prússia, que passara pelo processo reformador ilustrado no século XVIII e, já no início do século XIX, buscava aumentar a sua influência sobre a região do Sacro- Império. Em 1815, prevaleceu a tese de Metternich do Equilíbrio, mas a projeção econômica do Estado, governado pelos Hohenzollern (com grandes reservas de carvão e quilômetros de malha ferroviária), auxilia em seus intentos expansionistas. Considerado o primeiro passo para a unificação, a criação da liga aduaneira chamada de Zollverein aboliu as tarifas de importação entre os diversos Estados germânicos, embora não incluísse, até a década de 1840, a Áustria dos Habsburgo. A “Primavera dos Povos” na região da Confederação Germânica teve como principal objetivo a unificação; porém, naquele momento, não havia interesses em comum entre os grandes proprietários de terras, que temiam a radicalização do movimento, e os liberais, que estavam à frente das manifestações; o isolamento dos liberais neste contexto leva ao fim da “Primavera”. 6.2.3. Bismarck Otto Von Bismarck ganha projeção na política alemã quando é designado pelo rei Guilherme I (1861-1888) para ser o representante prussiano na Dieta de Frankfurt, o principal órgão político da Confederação Germânica. Em Frankfurt, o proprietário de terras de Schönhausen destaca-se por suas ideias conservadoras e antiaustríacas. Após esta experiência, que segundo o próprio Bismarck foi fundamental na sua formação política, tornou-se embaixador, com atuação destacada em São Petesburgo e Paris. Mesmo atuando no exterior, nas visitas à Prussia não deixava de expressar suas opiniões em temas polêmicos na política. Quando propôs, no Memorial de Baden Baden, a criação do parlamento do Zollverein sem a participação da Áustria, atraiu a simpatia dos nacionalistas e a desconfiança de Guilherme I. Em meio à crise entre Guilherme I e o Reichstag, uma vez que o monarca desejava investir no exército enquanto a assembleia se opunha a tal medida, Bismarck é indicado para o cargo de primeiro-ministro em 1862. Com ele, a supremacia junker e o militarismo são ressaltados e há uma significativa melhora nas relações entre os poderes após diversas crises institucionais. Já no início da década de 1860, Bismarck procurava esvaziar um possível fortalecimento da Áustria, impedindo a reforma da Dieta de Frankfurt e a criação de um Congresso dos Príncipes, proposto pela Áustria. Neste sentido, a primeira das alianças de Bismarck é estabelecida ainda neste momento: a Missão Alvenslaben. Com o objetivo principal de reprimir os movimentos insurrecionais poloneses, Prússia e Império Russo articulam um acordo militar. Na economia, a busca pela ampliação de mercados ganha força com a assinatura do Tratado Comercial com a Bélgica em 1863. 6.2.4. Etapas do processo Segundo os principais analistas, Bismarck elaborou um cuidadoso plano de integração de todas as regiões alemãs, já interligadas por ferrovias. Externamente, o chanceler explora os conflitos e tensões entre as nações europeias com o objetivo de viabilizar a unificação. Em 1864, Bismarck viu na morte do rei da Dinamarca uma oportunidade de recuperar os ducados de Holstein e Schleswig para os germânicos, sendo esta a primeira etapa do processo de unificação. Para tal, é estabelecida a Missão Mantenfell, unindo a Áustria e a Prússia na luta pela região. Com a Guerra dos Ducados (1864-1865), os austro-prussianos derrotaram a Dinamarca e, pelo Tratado de Viena (1864), decide-se pela dupla soberania, ficandoHolstein com a Áustria e Schleswig com a Prússia. A segunda etapa unificatória é aquela que envolve a “Guerra entre Irmãos”; Bismarck fomenta a rivalidade entre a Áustria e a Prússia, acusando os austríacos de má administração em Holstein. Com a ocupação deste ducado pelos prussianos, inicia-se a Guerra das Sete Semanas (1866). Naquele momento, o grande Império Austríaco atuava militarmente contra as tentativas de autonomia na Hungria e também ao norte da Itália, onde esta possuía o controle da Lombardia. Desta forma, a rápida vitória prussiana teve como símbolo a Batalha de Sadowa. O principal resultado desta vitória foi a criação da Confederação Germânica do Norte (1867), sob a liderança de Guilherme I. O resultado seria a convocação de um Reichstag Constituinte, sob a hegemonia do partido liberal, definindo um projeto político centralizador. Os Estados do Sul (Baviera, Baden Baden, Wuttenberg e Hesse-Darmstadt) resistem, tentando Bismarck superar este obstáculo com o fomento do nacionalismo por meio da criação do Zollparlament, uma espécie de parlamento do Zollverein. Insuficiente para incrementar o nacionalismo entre os sulistas, que temiam a excessiva centralização de poderes nas mãos do rei prussiano, Bismarck busca outra alternativa. Um conflito entre a França de Napoleão III e a Confederação Germânica do Norte seria interessante, uma vez que os Estados do Sul ficariam entre os dois rivais. Para além da crise de Luxemburgo (Bismarck se coloca contra as pretensões expansionistas do francês) e da sucessão espanhola (Guilherme I tenta, sem sucesso, a indicação de seu primo Leopoldo de Hohenzollern ao trono vago desde 1868), o Despacho de Ems provoca a declaração de guerra francesa aos austríacos. A terceira etapa neste processo de unificação, a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), leva não somente à anexação dos quatro Estados do sul, mas também da região da Alsácia-Lorena, que estava sob domínio dos franceses desde o século XVII. A guerra possui contornos interessantes, como os festejos da unificação que ocorrem no Palácio de Versalhes e a Batalha de Sedan, o ponto final deste conflito. 6.2.5. Consolidação Ao final da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), a Alemanha finalmente completa o processo de formação nacional. Em sua composição, Guilherme I é coroado imperador, tendo Bismarck uma posição sui generis, sendo ao mesmo tempo chanceler e ministro do exterior da Prússia (o junker de Schönhausen mantém este título até a sua saída do poder em 1890). Como principais destaques da política interna de Bismarck podemos destacar: • Kulturkampf • Política anticlericalista que criticava a crença na infalibilidade papal e o auxílio de membros da igreja às minorias polonesas. • Com esta doutrina, Bismarck procura aproximar-se dos políticos nacionais-liberais (colocando-se contra os políticos do Centro) e incentivar o nacionalismo na Alemanha. • Mediante a Lei de Inspeção Escolar, os funcionários do Estado poderiam inspecionar instituições de ensino católicas, intervindo em seu currículo. • Tensões com o Reichstag • Bismarck busca, por meio da crise de “guerra à vista” (1875), mais uma vez estimular o nacionalismo alemão, analisando a possibilidade de uma guerra preventiva contra a França, devido a seu rápido crescimento após 1871. No entanto, foi duramente criticado pelos políticos do Partido do Centro e também por nacionais-liberais, assim como russos e britânicos que eram contra um novo conflito europeu. • A proposta de criação do seguro contra acidentes (1883) também gera tensões internas, uma vez que Bismarck queria a intervenção do Estado nas relações trabalhistas. Foi persuadido pelos principais partidos e, quando a lei foi promulgada, em 1884, fica para patrões e empregados a definição sobre como seria instituído o seguro. • Lei Antissocialista (1878) • Após dois atentados contra a vida de Guilherme I, Bismarck consegue aprovar, após duas tentativas frustradas, esta lei, que restringe a atuação do Partido Socialista. • Este continua a participar do Reichstag, mas a lei suprimiu os sindicatos, proibiu a imprensa operária, autorizou prisões e exílio de socialistas. • Proteção Aduaneira (1879) • Chamadas também de “trigo e aço”, estabelecem o protecionismo econômico sobre os setores agrícola e industrial. Mesmo não superando imediatamente as dificuldades que estes setores atravessavam no início da década de 1880 (sobretudo o agrícola), a lei é importante pois estabelece longa aliança entre estes setores e Bismarck. • Interdito de Lombard (1887) • Vetou a negociação de títulos da dívida externa russa no mercado financeiro alemão, o que favorece a aproximação do Império Russo com a França. Com relação à política externa, Bismarck desenvolveu uma bem-sucedida política de alianças com diversas potências da Europa, chamada de Realpolitik. Seus principais objetivos seriam a integridade do Império Alemão e a neutralização de uma possível aproximação entre as potências europeias e a França, tomada pelo sentimento de revanchismo após a perda da Alsácia-Lorena. Dois são os chamados “Sistemas de Bismarck”, abaixo analisados: • Primeiro Sistema de Bismarck • Base: Dreikaiserbund (ou a Liga dos Três Imperadores), formada entre 1872-1873. • Origem: divisão da Polônia entre as três potências (Império Russo, Império Alemão e Império Austro-Húngaro). • Obstáculo: Questão do Oriente, uma vez que era desejo russo e austríaco expandir seus territórios e dominar a região dos Bálcãs, aproveitando a fragmentação do Império Turco-Otomano. • As tensões entre os dois impérios levou à convocação do Congresso de Berlim (1878), tendo Bismarck como árbitro da questão. O resultado desagradou austríacos e, sobretudo, russos, o que provocou dissolução da primeira versão da Dreikaiserbund. • Segundo Sistema de Bismarck. • Base: Dupla Aliança, formada entre Império Alemão e Império Austríaco em 1879. • Não desejando deixar-se isolar, o Império Russo propõe uma nova Dreikaiserbund (1881-1887), agora formal e com um dispositivo no qual seria renovada a cada três anos. • Tríplice Aliança (Império Austro-Húngaro, Império Alemão e Itália). • Obstáculo: a unificação da Bulgária e os interesses sobre o região dos Bálcãs mais uma vez colocam os impérios russo e austríaco em oposição, o que leva à não renovação da Dreikaiserbund. • A solução encontrada por Bismarck diante desta situação foi, ao mesmo tempo, defender a manutenção do status quo no Mediterrâneo (Tratado do Mediterrâneo, assinado com Inglaterra, Itália e Império Austríaco) e assinar com os russos o Tratado do Resseguro (1887). Com a morte de Guilherme I, Bismarck tem dificuldades para continuar sua atuação política, já que o novo kaiser, Guilherme II, não admitia a interferência do junker em suas decisões. Desta forma, em 1890, Bismarck é destituído de seus dois cargos, dedicando o final de sua vida à escrita de suas memórias. 7. As Revoluções Industriais 7.1. PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 7.1.1. Definição O processo de industrialização ocorrido na Grã-Bretanha, a partir da segunda metade do século XVIII consistiu, basicamente, na gradual substituição do homem pela máquina, isto é, na introdução da tecnologia no processo produtivo, promovendo a maquinofatura em lugar da manufatura. É parte componente da dupla revolução que caracteriza o período 1789- 1848, juntamente com a Revolução Francesa, de acordo com o historiador Eric Hobsbawm. No final do século XVIII e no início do XIX, após a introdução do bastidor hidráulico de Arkwright, uma onda de avanços técnicos impulsionou a segunda Revolução Industrial, movida a eletricidade, produtos químicos e óleos. Juntas, essas descobertas tornariam as indústrias mais limpas e eficientes do que as fábricas da etapa anterior, movidas a vapor e a carvão. E as novas técnicas alavancariam o comércio de maneira inimaginável. No final do século XIX, barcos a vapor, telégrafos e motores elétricos multiplicavam-se: Arkwright não podia ter previsto nada disso quando patenteou sua máquina fiandeiraem 1769. Em um século e meio, o mundo mudou de forma irreversível nas esferas comercial, social e política20. Foi no setor têxtil que as primeiras descobertas significativas ocorreram, em particular na indústria algodoeira. O crescente mercado colonial e uma intensa demanda interna exigiam uma produção maior. Com a criação da lançadeira volante por John Kay em 1733, a produtividade é multiplicada em quatro vezes, resultando em dificuldades para os tecelões tradicionais já na década de 1760. Seguem-se invenções como a spinning-jenny (roda de fiar aperfeiçoada), a máquina a vapor, criada por James Watt, o water-frame de Richard Arkwright, ou mesmo o mule-jenny de Samuel Crompton, uma máquina híbrida e robusta que articulava as principais qualidades da jenny e da water-frame. Definitivamente estava em curso, na segunda metade do século XVIII, a introdução da máquina no processo produtivo. Embora o termo Revolução Industrial tenha surgido anos depois do processo em si, inventado por um grupo de socialistas europeus, seus impactos já se faziam presentes por toda parte ainda no século XVIII, em especial a partir de 1780, constituindo-se em um dos maiores acontecimentos da História mundial. 7.1.2. Pioneirismo britânico O fato de um movimento tão complexo quanto o da industrialização ter ocorrido de maneira inédita em solo britânico não se deve, evidentemente, ao acaso. Em meados dos 1700, apenas a Grã-Bretanha reunia as condições políticas, econômicas e sociais imprescindíveis para a concretização do processo industrial. Episódio fundamental para a resolução dos principais problemas políticos que existiam na Inglaterra, a Revolução Inglesa (1642-1688) foi fator decisivo. Originado na peculiaridade da formação do Estado Moderno inglês, onde convinha ao rei absolutista consultar o Parlamento antes de elaborar medidas de grande significado político, o processo teve quatro principais etapas: • Revolução Puritana (1642-1649): Resultado da política centralizadora dos reis Stuarts (Jaime I e Carlos I), católicos, que sucederam os Tudor após a morte da rainha Elizabeth I, tal movimento armado tem raízes em uma oposição política, econômica e social. Os Stuarts objetivavam limitar as ações da ascendente burguesia e dos proprietários de terras a ela ligada, a gentry, por meio do aumento de impostos e da limitação do processo de cercamento dos campos. Também existia a questão religiosa, pois, católico, Carlos I seguia os ensinamentos arminianos, que aproximavam o Anglicanismo de uma direção mais sacramental e tradicionalista, o que afastava a religião oficial inglesa do puritanismo e gerou temor de um possível retorno do catolicismo apostólico romano. Quando o rei Stuart solicita o controle do Exército para invadir a Escócia (onde este enfrentava a oposição na chamada Guerra dos Bispos), é obstruído pelo Parlamento, que teme a utilização desta instituição para reforçar o absolutismo real. Os crescentes atritos entre o Legislativo e o Executivo tornam-se irreconciliáveis, levando a uma Guerra Civil. Liderados por Oliver Cromwell, o New Model Army (fruto da remodelação do Exército tradicional parlamentar, os chamados “cabeças redondas”) derrotara os “cavaleiros do rei”, dando início ao único momento republicano da história da Inglaterra. • República Puritana (1649-1660): Após um período inicial onde o Parlamento inglês comandava diretamente as ações políticas iniciando o único momento onde a Inglaterra organizou-se de forma republicana. Neste contexto, Oliver Cromwell exerce toda a sua influência para declarar-se Lord Protector, implementando o Protetorado (1653-1658) que se sustenta até a sua morte. Entre o final da Guerra Civil e a morte de Cromwell, uma série de medidas são elaboradas e modificam por completo a estrutura política da ilha, como a anexação da Escócia e da Irlanda ao Commonwealth, a expansão ultramarina e, por fim, a criação dos Atos de Navegação, que resultaram em conflitos com os neerlandeses. Além disso, perseguições contra católicos/anglicanos e o domínio da burguesia nos principais setores da burocracia estatal marcam este período. Após a morte de Oliver Cromwell, seu filho Richard ascende ao poder, mas a radicalização política, simbolizada no surgimento dos diggers (defendiam a reforma agrária e uma distribuição de terras mais igualitária) e dos levellers (eram favoráveis ao direito de praticar a religião de forma livre, além da igualdade jurídica) fez as principais correntes políticas acreditarem que melhor seria buscar a figura de um rei. • Restauração (1660-1688): Com o objetivo de impedir a radicalização popular, por sugestão do General George Monck, Carlos II é colocado no trono, marcando o retorno dos Stuarts ao poder. Por meio da Declaração de Breda, o monarca perdoava alguns opositores da monarquia, prometia respeitar os poderes do Parlamento e a tolerância religiosa. Em pouco tempo, entretanto, o rei católico entra em choque com os parlamentares e sua proximidade com Luís XIV passa a incomodar importantes setores políticos do país. Carlos II e sua esposa portuguesa Catarina de Bragança não conseguem ter filhos e, quando o rei morre, não deixa herdeiro direto. Assim, a ascensão do irmão católico de Carlos II abre nova crise política em Londres. Jaime II, o novo rei inglês, não se submete ao juramento do Ato da Prova, deixando claro que não abriria mão de sua fé católica. Alguns parlamentares defendem a posse do filho ilegítimo de Carlos II, outros defendiam a ascensão da filha protestante de Jaime II, Maria Stuart. Neste contexto, os whigs (liberais) apoiam o Ato de Exclusão para retirar o novo soberano do poder, algo não aceito pelos tories (conservadores), sendo a vontade dos últimos respeitada. As suspeitas com relação aos supostos projetos centralizadores de Jaime II criaram um clima de incerteza no Commonwealth, incrementadas com os privilégios cedidos pelo novo rei aos súditos católicos. Os choques com o Parlamento tornam-se ainda mais constantes, o que leva a uma grande mobilização contra o rei. O que amenizava a situação era a crença de que, uma vez morto, Jaime II daria lugar a sua filha protestante Maria. Mas quando aos 54 anos este consegue um herdeiro homem (Jaime Francisco), a certeza de que um novo rei católico seria o sucessor faz os tories abandonarem o que restava do seu apoio ao reinado de Jaime II. Sem o apoio das tropas regulares e com sua filha e genro invadindo a ilha para lhe usurpar o trono, o rei decide abandonar o poder, dando início à última etapa do processo revolucionário inglês. • Revolução Gloriosa (1688-1689): A queda de Jaime II ocorre sem derramamento de sangue, o que faz com surja a denominação “gloriosa” para tal evento. Um compromisso entre o Parlamento e Guilherme de Orange, casado com Mary Sturt, levam o casal ao poder, mas não sem antes submeter o rei a assinar a “Declaração dos Direitos”, em que seria reafirmada a hegemonia política do Parlamento. O monarca seria, assim, o chefe de Estado, enquanto o chefe político seria indicado pelo Parlamento, selando o acordo que até os dias de hoje garante estabilidade política à Grã- Bretanha e, sobretudo, uma crescente influência da burguesia nos negócios do Estado. Em termos econômicos, é significativo que um dos poucos países que investiram realmente no desenvolvimento da agricultura, no sentido de transformá-la em uma atividade tipicamente capitalista, foi a Inglaterra. Isso levou à formação de empresários agrícolas e de um “proletariado rural”, segundo Hobsbawm, voltados a aumentar a produção de alimentos para a população, gerar excedentes para as cidades e tornar-se mecanismo para o acúmulo de capital. Além disso, atividades como o corso, o comércio de escravos e a exploração das colônias - todas elas realizadas desde o século XVI - também contribuíram para a formação de uma enorme reserva financeira, posteriormente utilizada na atividade industrial. Tratados desiguais assinados com alguns países do continente favoreceriam a ampliação do mercado consumidor para os produtos britânicose a obtenção de uma balança comercial extremamente favorável. Dois exemplos significativos seriam os Tratados de Methuen (1703), assinado com Portugal e também conhecido como de “panos e vinhos”, e o Tratado Eden-Rayneval (17886), que estabelecia a redução e tarifas alfandegárias para os produtos manufaturados britânicos e agrícolas franceses. Até o advento das reformas bourbônicas, a Inglaterra também obtinha importantes lucros no comércio com a América Espanhola, onde possuía o contrato do asiento (fornecimento de escravos africanos) e o navio de permiso, quando anualmente um navio inglês tinha o direito de aportar em Cartagena. Outra medida importante foi criada ainda nos tempos de Oliver Cromwell: os Atos de Navegação. Estes estabeleciam que mercadorias comercializadas pelos ingleses somente poderiam chegar aos seus portos por navios britânicos ou do país importador. Além de atacar a força comercial neerlandesa, que possuía hegemonia marítima naqueles tempos, os britânicos aumentaram sua arrecadação com o frete de seus produtos e desenvolveram a construção naval britânica. Os atos somente foram abolidos no início do século XIX, com o avanço das ideias liberais, mas, principalmente, quando estes tornaram-se obsoletos diante da força naval britânica, chamada desde então de “rainha dos mares”. A grande disponibilidade de matérias-primas, em especial o ferro e o carvão, fundamentais nessa primeira etapa industrial, além de algodão e lã, provenientes das colônias da América e do processo de cercamento dos campos - que até então eram de uso comum (terras comunais) -, certamente facilitou a industrialização britânica. Como citado anteriormente, os enclousures21 foram marcantes e estimulados pela monarquia inglesa desde o século XVI, com o intuito inicial de fortalecer a manufatura têxtil. Relevância equivalente teve também a considerável oferta de mão de obra proveniente do êxodo rural entre os camponeses ingleses, que tornaram-se trabalhadores nas indústrias das grandes cidades em formação, como Manchester, Londres e Liverpool. Desde o século XV que gerações de artífices, de técnicos, de amadores apaixonados, investigam, com um sucesso desigual. Mas é no século XVII, com uma difusão ainda mais ampla do gosto pelas “mecânicas” [...] com a multiplicação dos experimentadores “esclarecidos”, que os esforços seculares resultaram, após uma última arrancada de investigações febris. Não se trata de um acaso, porque o econômico antecipa-se à técnica22. 7.1.3. Consequências gerais O processo de industrialização acelerada ao final do século XVIII, que conhecemos como Revolução Industrial, embora tenha ocorrido de modo modesto em outras regiões da Europa, só teria impacto global a partir da industrialização britânica. O desenvolvimento de um novo sistema econômico, o capitalismo industrial, adaptado aos mercados nacionais e mundiais, marca o final da Idade Moderna. Na dianteira deste processo, a Inglaterra torna-se a potência econômica hegemônica no mundo. A “oficina do mundo” exportou não apenas produtos e bens de consumo, mas também tecnologia, mão de obra qualificada e engenheiros, que se espalharam por todo o continente para replicar em zonas atrasadas a magia do progresso. Em decorrência da industrialização, a Inglaterra verificou uma explosão demográfica e uma urbanização sem precedentes, fruto direto da instalação de indústrias nas grandes cidades do país. A energia a vapor e o ferro também foram utilizados nos meios de transporte, com a criação da locomotiva e do navio a vapor, não apenas diminuindo as distâncias, mas também os custos do comércio internacional. Na esteira destes acontecimentos, a imigração e os problemas ambientais em decorrência da poluição trazida pelas fábricas ampliam-se. No que diz respeito às questões sociais, com o capitalismo industrial duas classes são claramente definidas. Os burgueses seriam aqueles que detêm capital para obter a propriedade privada dos meios de produção (máquinas, matéria-prima e instalações), conseguindo lucros crescentes com o desenvolvimento da economia. Chamamos de proletário todo aquele que, sem condições de controlar os meios de produção, sobrevive da venda de sua força de trabalho. Neste contexto, seria mediante a mais-valia que os lucros passam a se realizar a partir de então. O trabalhador, agora apenas um operário, era obrigado a conviver com péssimas condições de trabalho: longas jornadas (14 a 18 horas por dia), baixos salários, falta de segurança, exploração do trabalho feminino e infantil e desemprego, que desembocavam na miséria dos trabalhadores, moradias precárias e epidemias constantes. Tais condições agravavam-se no contexto de crises econômicas, reconhecidas já naquela época como fenômenos periódicos regulares, como as que assolaram a Europa entre 1836-1837, 1846-1848 e 1873. À medida que as novas cidades industriais envelheciam, multiplicavam-se os problemas de abastecimento de água, saneamento, superpopulação, além dos gerados pelo uso de casas para serviços industriais, culminando com as estarrecedoras condições reveladas pelas investigações sobre moradia e condições sanitárias, na década de 1840. Essas condições, nas vilas rurais ou nas aldeias têxteis, eram muito precárias, mas a dimensão do problema era certamente maior nas grandes cidades, pela facilidade de proliferação de epidemias. [...] Os habitantes das cidades industriais tinham frequentemente de suportar o mau cheiro do lixo industrial e dos esgotos a céu aberto, enquanto seus filhos brincavam entre detritos e montes de esterco. Na verdade, alguns desses fatos persistem ainda hoje (década de 1960), no panorama industrial do norte e da região central da Inglaterra [...]23. Na tentativa de lutar contra a ausência total de proteção, o proletariado inglês reagiu de muitas formas no início da luta de classes analisada por Marx e Engels no Manifesto Comunista. São alguns exemplos: • Ludismo: O movimento ludista segue a cultura política dos trabalhadores britânicos, que utilizavam-se da estratégia de “negociação coletiva através da arruaça”, causando impacto significativo no Parlamento. Assim, os trabalhadores invadiam fábricas à noite, encapuzados, a fim de quebrar máquinas. Segundo Hobsbawn, a hostilidade da classe operária às novas máquinas da Revolução Industrial - especialmente entre as que economizavam mão de obra - foi partilhada pela opinião pública, inclusive por proprietários de manufaturas. Foram duas as grandes “ondas” ludistas: a pioneira, entre 1792 e 1796, e a segunda, na década de 1810, favorecida pelo aumento da exploração do proletariado no contexto da crise econômica gerada pelas guerras napoleônicas. A intensa repressão governamental por meio do Frame Breaking Act, que determinava a pena de morte àqueles trabalhadores presos por quebrar máquinas, e os poucos resultados práticos do movimento levaram ao seu declínio. • Cartismo: Considerado o primeiro movimento político operário de massas, baeava-se no envio das chamadas “Cartas do Povo” com petições ao Parlamento inglês, representando a busca por participação política dos trabalhadores, de forma referendada pelos pontos das cartas, entre os quais se destacam: abolição do sufrágio censitário para a Câmara dos Comuns e a adoção do sufrágio universal; representação igualitária para todos os distritos industriais; abolição do trabalho infantil; eleições anuais para o Parlamento e estabelecimento de remuneração aos parlamentares, para assim os representantes do proletariado poderem atuar como deputados. • Unionismo: Elementos rudimentares de associação entre os trabalhadores. Em seus primeiros momentos, essas sociedades articulavam a criação de “caixas de assistência”, em que o trabalhador mediante o pagamento de uma taxa teria auxílio em caso de desemprego, doença ou morte, algo que o Estado não lhes fornecia. Clandestinas a partir de 1799, sua proliferação foi tamanha que o governo as legalizou em 1824 e estas resultariam, posteriormente, nos primeiros sindicatos. Os homens do século XIX ensurdecema história com o clamor de seus desejos [...] Longe dos odores do povo - é conveniente arejar após a permanência prolongada da empregada, após a visita da camponesa, após a passagem da delegação operária - a burguesia, desajeitadamente, trata de purificar o hálito de casa. Latrinas, cozinha, gabinete de toalete pouco a pouco deixarão de exalar seus insistentes aromas [...] O que significa essa acentuação da sensibilidade? Que tramas sociais se escondem por detrás dessa mutação dos esquemas de apreciação?24. Se poucos foram os resultados imediatos obtidos pelos trabalhadores, a burguesia consegue, após décadas de participação no Parlamento, a hegemonia nesta instituição na década de 1830. A Green England, formada pelos proprietários rurais que eram líderes no Parlamento e buscavam a proteção de seus interesses econômicos, dificultava os consolidação da burguesia, mediante a criação de medidas como a Lei dos Cereais, que estabelecia o protecionismo alfandegário ou mesmo com a manutenção da Lei dos Pobres (1601), em que o Estado dava subsídio à classe dos trabalhadores agrícolas. A burguesia repudiava de forma veemente estas barreiras ao livre cambismo que dificultavam a circulação de mão de obra, uma vez que o trabalhador tinha que fixar-se em um determinado condado para receber o complemento de seu salário. Em 1832, a Câmara dos Lords aprova a Reforma Eleitoral de 1832 devido às pressões do rei, que temia uma nova revolução em seu país. Com a sua aprovação na Câmara dos Comuns, aumenta-se a franquia eleitoral com a redução do piso para o sufrágio e é realizada uma nova distribuição do mapa eleitoral, acabando por fortalecer a chamada Black England, e estruturando a Inglaterra definitivamente como um país liberal. 7.2. SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 7.2.1. Definição Em meados do século XIX, teriam início consideráveis modificações no sistema produtivo que levariam o processo industrial a uma nova fase, a chamada 2ª Revolução Industrial. Nesta, o capitalismo tem suas estruturas de produção modificadas e, consequentemente, assistimos à passagem da fase concorrencial (ou capitalismo clássico, onde a livre concorrência e a predominância da indústria sobre o comércio e as finanças eram as características marcantes) para a monopolista (ou capitalismo financeiro). 7.2.2. Características Antes restrita aos domínios britânicos, a Revolução Industrial estende-se a novas áreas de desenvolvimento - França, Prússia, Japão e Estados Unidos. Neste contexto, a produção industrial é impulsionada por uma nova fase de experimentos e invenções, estimulando a criação de novos setores produtivos - por exemplo, os automóveis - marcando a nova fase do processo de industrialização, agora realizada também em outros continentes para além do europeu. Fundido, o ferro converte-se em aço, resultando na criação da importante indústria siderúrgica que, juntamente com as indústrias automobilística e química, são os grandes símbolos destes novos rumos da chamada “Era do Capital”. Novas fontes de energia são adotadas, como a elétrica e a hidráulica (associada à elétrica), e o petróleo gradualmente torna-se essencial para as economias. Já no último quarto do século XIX, lâmpadas elétricas eram utilizadas na iluminação e os transportes barateavam o frete marítimo e os caminhos de ferro carregavam toneladas de produtos. Eram os tempos da metralhadora, do telégrafo, da máquina de costura, da nitroglicerina, do telefone, do alumínio, do pneu de borracha vulcanizada, do raio X, dos corantes sintéticos, do revólver, do bonde elétrico, da dinamite etc. Avanços no campo da medicina e da higiene, a chamada revolução médico-sanitária, reduziram as taxas de mortalidade, enquanto no campo as melhorias técnicas introduzidas na agricultura aumentaram a produtividade, resultando em maior oferta de alimentos para as cidades industriais. As empresas, percebendo a importância da incorporação de forma regular destas novas tecnologias para aprimorar seus produtos e lucros, passaram a investir em pesquisas científicas. Mas, ao mesmo tempo, a incorporação destas inovações técnicas tornam os produtos cada vez mais caros. Juntamente com os dos preços, os movimentos dos capitais criam também condições novas do crescimento. Porque doravante para produzir em grande quantidade e adquirir um equipamento complicado e caro, para lutar com os concorrentes, a empresa industrial tem de investir mais, muitas vezes às apalpadelas, sem conhecer bem as evoluções da conjuntura. Tem necessidade de recorrer ao crédito25. A fusão do capital bancário ao capital industrial promoveu o advento do capital financeiro, uma vez que os grandes bancos ou instituições financeiras, por meio de empréstimos e compra de ações, passaram a controlar a indústria, a agricultura e a pecuária. Sendo assim, formam-se trustes, holdings e cartéis, uma vez que as pequenas companhias não resistiam à concorrência, sendo os grandes conglomerados os protagonistas desta nova era do capitalismo. Economicamente, a 2ª Revolução Industrial colocava fim à abstenção governamental, à ortodoxia do livre comércio e à era do individualismo, onde grandes empresários e banqueiros controlavam as ações. Nestes tempos, destacam-se empresas como a Standart Oil de John D. Rockfeller, que controlava 36 empresas do setor petrolífero, e banqueiros como o estadunidense John P. Morgan ou a rede britânica dos Rothschild. 7.2.3. Consequências gerais • Incremento da competição internacional entre economias industriais da Europa e dos Estados Unidos. • Primeira crise de superprodução e subconsumo, conhecida como Grande Depressão, causando queda nos preços dos produtos e falência das pequenas empresas. Esta crise de 1873-1896 incrementou o protecionismo alfandegário e foi especialmente sentida na Grã-Bretanha, uma vez que esta dependia mais do que as demais concorrentes do mercado internacional. • Inauguração de uma nova era tecnológica, com formas inéditas de energia (petróleo, eletricidade, motor a explosão), de máquinas (feitas com ferro, ligas e metais não ferrosos) e de novas ciências (siderurgia, química orgânica). • Intensificação da urbanização a partir de 1850, com a formação de povoamentos com mais de duzentos mil habitantes e cidades metropolitanas com mais de meio milhão, como Londres, Paris, Berlim e Viena, repletas de cortiços onde morava a população mais pobre. • Aumento da oferta de emprego nos grandes centros urbanos, proporcionando um crescimento do mercado consumidor. • Divisão internacional do trabalho, aprofundando a separação existente entre as economias periféricas (África, Ásia e América Latina) daquelas dos principais centros industriais europeus. • Difusão das ideologias de esquerda, que pregavam mudanças na economia e na sociedade em prol da diminuição (ou eliminação completa) das desigualdades sociais: • Socialismo Utópico: A crescente pauperização da população levou à formulação de alguns projetos de reformas sociais, baseados em programas que criticavam a “lei bárbara ditada pelo capital”. Pensadores como Robert Owen e Charles Fourier realizavam uma oposição romântica aos novos tempos progressistas da Revolução Industrial. Segundo o revolucionário francês Conde Claude Saint - Simon, a sociedade deveria ser dividida em três classes (sábios, proprietários e os que não tinham posses) e governada por um conselho de sábios e artistas. Estes pensadores receberam a alcunha de utópicos pelos marxistas, que acreditavam ser impossível a conciliação entre o capitalismo e melhorias para o proletariado. As próprias experiências fracassadas de Owen, em sua fábrica na Escócia e na comunidade de New Harmony, nos Estados Unidos, serviram de base para as decepções com os utópicos. • Socialismo Científico: Karl Marx e Friedrich Engels foram os criadores do marxismo, que estes acharam por bem chamar de socialismo científico. Para os alemães, a única solução possível seria a eliminação total do sistema capitalista por meio da luta de classes, onde o proletariado conquistaria o Estado, promovendoassim a “ditadura do proletariado”, momento no qual progressivamente o Estado seria abolido e o comunismo seria definitivamente implementado. A primeira obra que lançaram de forma conjunta e que esboça a teoria posteriormente desenvolvida foi A ideologia alemã. Posteriormente, juntam-se a Liga dos Justos, organização de operários alemães exilados, produzindo seu programa em 1848, onde afirmava-se que “um fantasma ronda a Europa: o fantasma do comunismo”, buscando estimular a união entre proletariado por meio da frase “proletariado de todo o mundo, uni-vos!” - era o Manifesto do Partido Comunista. Para Marx e Engels, o “socialismo” seria a fase inferior, primeira, do sistema comunista, mas no decorrer do século XIX, porém, uma fusão operar-se-á entre ambos os termos. Em sua mais importante obra, O Capital, Karl Marx analisa o funcionamento interno da economia de uma sociedade capitalista. • Anarquismo: com base nos escritos de Pierre-Joseph Proudhon, acreditando que uma república de pequenos proprietários seria possível sem a presença do Estado, Mikhail Bakunin opunha-se à ideia de “ditadura do proletariado” defendida por Marx, desejando, o revolucionário anarquista, a abolição do Estado juntamente com a da propriedade privada - dois dos principais instrumentos de dominação do proletariado. Esta divergência é um dos principais fatores que levaram à cisão dentro da Primeira Internacional (1864-1876), levando ao rompimento total entre estas duas correntes em 1872. O movimento anarquista foi marcado pelo radicalismo, muitas vezes defendendo ações como o terrorismo para conseguir derrubar o Estado e implementar uma organização social baseada em cooperação entre os povos, autogestão e o fim do comércio com fins lucrativos. • Doutrina Social da Igreja: O papa Leão XIII publicou a encíclica Rerum Novarum em 1891. Por meio desta, revivificou a religião como instrumento de justiça social, atacando firmemente os excessos da exploração capitalista. Segundo esta, “o capital e o trabalho deviam viver em colaboração um com o outro, obedecendo princípios da caridade cristã”. • Ao longo do século XIX, o nacionalismo tornou-se cada vez mais agressivo. A exaltação dos heróis nacionais e a repressão aos opositores (considerados “inimigos da pátria”) foram utilizadas pela burguesia para deter o avanço dos ideais marxistas. • Segundo as interpretações marxistas, o Imperialismo ou neocolonialismo seria a principal consequência da Segunda Revolução Industrial, como veremos no próximo capítulo. 8. Imperialismo ou Neocolonialismo A ideia que mais me acode ao espírito é a solução do problema social, a saber: nós, os colonizadores, devemos, para salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, conquistar novas terras a fim de aí instalarmos o excedente de nossa população, de aí encontrarmos novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das nossas minas. O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado. Penso nas estrelas que vemos à noite, esses vastos mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os planetas se pudesse; penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente e ao mesmo tempo tão distantes26. 8.1. Interpretações O fênomeno do Imperialismo (ou Neocolonialismo) seria, de maneira geral, a exploração de alguns países europeus, mais Japão e Estados Unidos, sobre a África, a Ásia e a América Latina, por meio do domínio direto (colônia/protetorado) ou mesmo de relações econômicas assimétricas (áreas de influência). As frases acima, que compõem a abertura deste capítulo, foram proferidas por Cecil Rodhes, um dos maiores ideólogos da conquista ultramarina pelo Império Britânico, e evidenciam como pensavam os gestores da política externa europeia do final do século XIX. A teoria mais clássica acerca do Imperialismo, influenciada pelos escritos marxistas de Lenin (Imperialismo: a fase suprema do capitalismo e Rosa Luxemburgo), defende a ideia de que a busca por colônias seria um processo oriundo das necessidades da industrialização em sua segunda revolução, a partir do século XIX. Para estes, o imperialismo representava uma forma colonial de capitalismo, fusão do capitalismo industrial com a formação de oligopólios. O Imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs a termo a partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências capitalistas27. Insatisfeitos com algumas lacunas deixadas por esta interpretação excessivamente economicista, outros analistas do processo neocolonial encontraram nas disputas políticas entre as nações europeias a chave para entender a busca por territórios que, naquele momento, não significavam lucro imediato para as metrópoles. Além disso, a necessidade de “exportar” pessoas também pode ser considerado um dos fatores que levam à corrida imperialista. Basicamente podemos explicar o Imperialismo por meio de dois grandes vieses interpretativos: a questão econômica e a questão político-social. 8.1.1. Questão econômica De acordo com este ponto de vista, a Segunda Revolução Industrial teria papel central no desenvolvimento da expansão imperialista. No século XIX, os conglomerados oriundos da junção entre o capital bancário e o industrial enfrentaram a primeira grande crise de superprodução e subconsumo da história do capitalismo: a depressão de 1873 a 1896. Nesta, os oligopólios perceberam a imperiosa necessidade de angariar maior mercado consumidor, diversificar suas matérias-primas, obter mão de obra a preços menores, assim como buscar novos locais para investir o capital excedente. Apesar do discurso liberal ainda predominante, as ideias a favor do protecionismo alfandegário começavam a se expandir no continente europeu; desta forma, as alternativas viáveis passavam por buscar novos mercados na África, Ásia e América (nesta a concorrência estadunidense fez a ação europeia mais contida), formando-se assim o principal “pano de fundo”do imperialismo, sem este ser o único motivo para a sua execução28. Mas algumas questões sempre ficaram em aberto: seria o mercado consumidor afro-asiático suficiente para pôr fim à crise europeia? Apenas questões econômicas motivaram o imperialismo? Seriam os setores ligados a burguesia hegemônicos a ponto de determinarem os rumos da política externa das potências europeias? 8.1.2. Questão político-social Respondendo de forma negativa a todas as questões acima apresentadas, verifica-se a influência das rivalidades nacionalistas e fatores políticos internos das potências europeias com maior importância na corrida imperialista. Em um primeiro momento, que pode ser demarcado, grosso modo, até o início da década de 1890, o imperialismo servia como “válvula de escape” para as principais tensões nacionalistas europeias. Como exemplo, a França buscava amenizar as consequências do isolamento imposto pela Realpolitik de Bismarck e a humilhação no pós-guerra franco-prussiana (1871) com a conquista de territórios no ultramar. O caso da Argélia, conquistada de forma gradual desde a década de 1830, é emblemático: para lá foram enviados os alsacianos que optassem pela cidadania francesa até que esta região fosse reconquistada. É também neste momento da expansão que as colônias auxiliariam na questão social, uma vez que eram uma solução diante do aumento das tensões em uma Europa que sofria com a intensa migração para as cidades, associada ao excedente populacional, este, por sua vez, oriundo do crescimento na expectativa de vida e na redução dos índices de mortalidade. Esta soma mostrava-se explosiva diante do quadro de afirmação das ideologias de esquerda que se utilizavam dos baixos salários pagos aos trabalhadores europeus, péssimas condições de trabalho e desemprego para difundir suas ideias de igualdade sociale luta de classes. Assim, “exportar pessoas” seria uma alternativa para evitar - ou pelo menos reduzir - o caos social. Em um segundo momento, já ao final do século XIX, a disputa entre as potências por territórios, apresentadas no capítulo posterior com maiores detalhes, serão fundamentais para o acirramento das tensões entre as potências europeias. Mais importante do que eleger como verdade absoluta uma das correntes de interpretação é saber quais são as suas bases e associá-las, assim podendo entender de forma completa o fenômeno imperialista, sem se comprometer com ideologias ou tendências historiográficas. 8.2. Base Ideológica Neste momento, nas principais academias e entre os intelectuais europeus, desenvolvia-se uma adaptação do darwinismo (e da teoria da evolução das espécies daí decorrente) às ciências humanas: o chamado darwinismo social. A crença em tal ideologia estimulou milhares de europeus a enfrentarem as dificuldades do ultramar para participarem do processo imperialista. Com a crença no darwinismo social, traçava-se um parelelo entre a evolução das espécies, estudada por Charles Darwin, e os diferentes seres humanos: acreditava-se que existia uma raça superior às demais (a branca) destinada, desta forma, a impor-se sobre as outras. O que hoje poderia ser contestado mediante diversos estudos e exames, naqueles tempos, acabou por conquistar mentes influentes não só da Europa, mas do mundo como um todo (lembre-se da influência do Conde de Gobineau entre os políticos brasileiros oitocentistas). Uma vez superior, o homem branco europeu tinha um “fardo”: introduzir a civilização e a religião ao “bárbaro mundo distante”. Assim, estabeleciam- se missões protestantes ou católicas, que se destinavam não apenas a evangelizar estes povos, mas também transmitir a cultura europeia. Principalmente no caso do imperialismo luso-francês, a ideia de assimilação era bastante acentuada, sendo propagandeado que aquele colono que adquirisse por completo os costumes metropolitanos seria tratado como cidadão. Em Portugal, é criado o “estatuto do colonizado”, no qual são estabelecidas as principais regras para tornar-se um cidadão português, como falar a língua do colonizador, ser católico ou até mesmo dormir de pijamas. Não vamos deixar a África para os pigmeus, quando uma raça superior se está multiplicando ... Esses indígenas estão destinados a serem dominados por nós ... O indígena deve ser tratado como uma criança, e o direito eleitoral lhe é proibido pelas mesmas razões do álcool (Cecil Rhodes, inglês, fundador da Rodésia). 8.3. Como foi possível? É comum louvar os Estados por seu papel na resistência à invasão europeia [...] Na realidade [...] esse papel foi ambíguo. Se é verdade que alguns resistiram muito bem [...] muitas outras sociedades constituídas em Estados, em compensação, entraram em colapso no contato com os europeus [...] Por outro lado, a resistência das sociedades sem Estado foi muitas vezes duradoura e heroica [...]29. Até a segunda metade do século XIX, o interior do continente africano era um mistério para os europeus. Expectativas de minas e diversidade de matérias-primas dominavam a cabeça dos industriais europeus, assim como as hostilidades de “tribos guerreiras”, ou mesmo doenças incuráveis. Podemos afirmar que o imperialismo, em especial sobre o continente africano, seria uma junção de expectativas exageradas e preocupações excessivas por parte da Europa. Com o passar do século, o desenvolvimento tecnológico, principalmente no setor bélico, de transportes (ex.: barco a vapor desmontável), telecomunicações (o telégrafo ligava as metrópoles e suas possessões ultramarinas), ou mesmo com o avanço da medicina (surgimento do quinino), facilitaram a conquista ultramarina. Além disso, notadamente, o acirramento da corrida colonial contou com a colaboração de chefias afro-asiáticas. É um equívoco pensar que todos os colonos resistiram ao imperialismo. Uma parcela pequena foi beneficiada por meio de sua associação com os europeus e este é um elemento decisivo para o sucesso da dominação europeia sobre vastas regiões na África e na Ásia. Cada vez mais surgem estudos combatendo a visão tradicional de “vitimização” dos afro-asiáticos. 8.4. Conferência de Berlim (1884-1885) De forma equivocada, esta reunião entre os países participantes da corrida imperialista é interpretada como aquela que definiu a partilha do continente africano, algo que definitivamente não ocorreu neste momento. Podemos afirmar que esta foi uma etapa decisiva sim, mas não única. Convocada com o intuito de discutir os rumos do Congo, naquela época visto como fundamental para o escoamento da produção europeia (a bacia do Congo, por completo desconhecimento dos europeus, era considerada navegável em toda a sua extensão), a Conferência insere-se na breve tentativa de Bismarck em buscar dividendos políticos de uma possível política expansionista. Diplomatas de segundo escalão lá estavam presentes, o que por si só esvazia a ideia de definição de fronteiras. Em tal evento, destaca-se a atuação do rei Leopoldo II da Bélgica que, auxiliado pelo explorador Morgan Stanley, consegue obter apoio para a criação do Estado Livre do Congo, que seria administrado indiretamente por ele, caso único no contexto do neocolonialismo. Outros pontos também foram estabelecidos em Berlim, tais como: • Livre navegação nas bacias do rio Congo e Níger; • Proibição da escravidão na África; • Controle da venda de bebidas alcoólicas para as etnias africanas; • Proteção e livre circulação das missões cristãs nas colônias; • Posse pela ocupação efetiva do território. 8.5. O Caso Português Portugal possui uma situação inusitada neste processo colonizador, uma vez que foi protagonista nas conquistas ultramarinas dos séculos XV e XVI e, em pleno século XIX, já mantinha posse de alguns entrepostos comerciais, como São Jorge da Mina, Luanda e Lourenço Marques. No entanto, a situação da decadente monarquia lusitana na “corrida imperialista” é desvantajosa: vivendo em uma economia agrária, suas forças armadas eram inferiores àquelas das demais potências imperialistas e não possuía recursos para ampliar as suas ocupações. O que restava aos portugueses era buscar no chamado “direito histórico” o argumento que justificaria a sua expansão imperialista. Após a Conferência de Berlim, a diplomacia portuguesa empenhou-se em conseguir apoio às suas revindicações. Apresenta, inclusive, o chamado “mapa cor-de-rosa”, onde seria criada uma grande colônia portuguesa na África subsaariana, ligando as duas costas africanas, tendo como ponto de partida os atuais territórios de Angola e Moçambique, passando por Zâmbia e Zimbábue. Como não existia ainda ocupação efetiva, era o “direito histórico” que justificaria a posse sobre este vasto território. Ao descobrir as intenções portuguesas, imediatamente a Inglaterra se coloca contra seu histórico aliado, argumentando que as resoluções de Berlim estariam sendo violadas e que o projeto da ferrovia Cabo-Cairo estaria ameaçado. Não apenas uma oposição político-diplomática é realizada: canhões ingleses são apontados para Lisboa no intuito de fazer o rei D. Carlos I abandonar seu projeto expansionista. O “ultimato britânico” é considerado uma das maiores humilhações nacionais pelos lusitanos, fato bastante explorado pela propaganda republicana, contando, inclusive, no hino nacional português. O resultado é a criação das colônias inglesas da Rodésia no Norte, Rodésia do Sul e Botswana. Portugal se contentaria com a manutenção de Angola e Moçambique, além da Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe. 8.6. África do Sul A região da Colônia do Cabo está intimamente ligada às Grandes Navegações, uma vez que ao dobrar o Cabo da Boa Esperança o navegador português Bartolomeu Dias confirmou ser possível concluir o périplo africano e chegar às Índias, tão desejadas pelo rei D. Manuel. No século XVII, a recém-criada Companhia das Índias Orientais holandesa ocupa a região, construindo uma feitoria que, sob o comandode Jan Van Riebeeck, objetivava abastecer os navios e fornecer repouso seguro para os tripulantes da EIC. O estabelecimento dos boers data da década de 1650 e seus conflitos com os nativos, mais precisamente os Khoikhoi, também remontam a esta época. Na virada do século XVIII para o XIX, diversos acontecimentos na Europa marcaram mudanças decisivas na região: a guerra anglo-neerlandesa, a falência da Companhia das Índias Orientais e a consequente ocupação britânica, legitimada ao final do Congresso de Viena (1814-1815). Com o controle britânico sobre a área, vieram também suas práticas colonialistas, como a atuação das missões (que procuraram proteger os negros do sistema de castas imposto pelos boers), a luta contra a escravidão (proibida oficialmente em 1833) e a cobrança de impostos. Inicia-se a interiorização dos boers rumo ao nordeste, no que ficou conhecido como o Grande Trek (1836-1844), resultando no Estado Livre de Orange (1842) e na República do Transvaal (1852), livres da tutela inglesa e com uma legislação baseada na superioridade racial. A descoberta de diamante e ouro, porém, incrementaram o desejo inglês de controlar tais áreas, uma vez que estes nunca aceitaram a autonomia boer. Após diversos pequenos atritos, explodiu a Guerra dos Boers (1899-1902), com o recrudescimento do nacionalismo boer, enorme dificuldade inglesa para submeter a região sob seu controle, exposição da fragilidade militar da metrópole e a consequente conciliação com os nativos brancos, resultando na criação da República Sul-Africana, em 1910. 8.7. Índia Região inicialmente dominada pelos franceses, a Índia foi transferida aos britânicos ao final da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). A partir daí, a populosa possessão gradualmente transforma-se, ao longo do século XIX, na mais importante colônia britânca, chamada então de “a joia da coroa”. Aplica-se o vitorioso modelo inglês de dominação indireta (indirect rule), com a instrumentalização das chefias locais, que recebiam todo o tipo de benefícios da metrópole em troca da submissão aos seus interesses coloniais, sendo este controle exercido pela Companhia Britânica das Índias Orientais. Outras importantes bases para a dominação sobre a região seriam a exploração das rivalidades religiosas locais entre hindus e muçulmanos, a desestruturação da manufatura têxtil local em prol da exportação dos industrializados metropolitanos e, por fim, uma força militar local que serviu não só na preservação da dominação britânica sobre a Índia mas também foi fundamental na expansão territorial no continente asiático: os cipaios. E seriam justamente os cipaios aqueles que protagonizariam uma das maiores rebeliões contra o “Império onde o sol nunca se punha” na Ásia. A Revolta dos Cipaios ou Sipaios (1857-1858) simboliza a insatisfação da população local com a exploração da mão de obra, mercado consumidor e a insistente tentativa de ocidentalização dos indianos. O motivo mais conhecido para a eclosão do conjunto de incidentes que compuseram a revolta, iniciada em maio de 1857, está intimamente ligado à questão cultural: os soldados se opunham veementemente à utilização de gordura animal na fabricação dos cartuchos dos fuzis por eles utilizados. Uma vez controlada tal rebelião, a Companhia das Índias Orientais foi retirada da administração, passando o local a ser organizado de forma conjunta pela Coroa britânica e pelo vice-rei da Índia. Ao longo da segunda metade do século XIX, outras modificações nas relações ocorreram, tais como a coroação da rainha Vitória como Imperatriz da Índia em 1877 ou mesmo a criação do Congresso Nacional Indiano em 1885, partido fundamental no processo posterior de independência. 8.8. China Império milenar e que despertava muita atenção dos ocidentais com seus produtos típicos (principalmente seda, chá e porcelana faziam muito sucesso na Europa), era uma área muito restrita ao contato com o resto do mundo. Os produtos industrializados europeus tinham dificuldade em penetrar no amplo mercado chinês, seja pelas restrições impostas pelas autoridades locais (que mantinha aberto somente o porto de Cantão) ou pelo pouco interesse que despertavam na população local, o que incomodava especialmente os britânicos. Para amenizar o “déficit comercial”, a venda ilegal de ópio apresentou-se como uma solução, provocando dependência química em boa parte da população de algumas cidades litorâneas (principalmente Cantão) e resultando em lucros extraordinários principalmente aos súditos da Coroa inglesa. Temendo não só pelas finanças, mas também pelo crescente número de viciados, o Imperador Daoguang (1820-1850) procura reforçar a ilegalidade do ópio em 1839, lançando novo decreto de proibição, juntamente com uma campanha de conscientização da população. Após incidente envolvendo marinheiros ingleses, Daoguang determina a expulsão de todos britânicos de seu império, aproveitando o contexto favorável para confiscar milhares de barris do produto em Cantão. Esta carestia da prata provém de que ela sai do país em massa, drenada pelo comércio do ópio. Esse comércio é feito pelos ingleses. Este povo, não tendo de que viver na sua terra, procura debilitar os habitantes [...] consumo que fará secar nossos ossos, verme que roerá o nosso coração, ruína das nossas famílias e das nossas pessoas. Desde que o Império existe, nunca ocorreu um tão grande perigo. É pior que uma invasão de animais ferozes. Peço que o contrabando do ópio se inscreva no código entre os crimes punidos com a morte30. Era a oportunidade que parte do parlamento britânico desejava para “abrir” a China por meio da força. Prolongado debate foi travado entre seus deputados, envolvendo questões comerciais, humanitárias e políticas. O resultado foi a Primeira Guerra do Ópio (1840-1842), que expôs a superioridade naval britânica diante dos navios à vela dos chineses. Bombardeadas Nanquim e Cantão, com dificuldades de comunicação com a capital, a única solução para o Imperador Daoguang seria travar uma guerra no continente, mas a insatisfação de grande parte da população com a Dinastia Qing poderia resultar na queda do próprio imperador. Sendo assim, em agosto de 1842 era assinado o primeiro dos diversos tratados desiguais impostos à China ao longo do século XIX. De acordo com o Tratado de Nanquim, seriam abertos cinco portos para o comércio britânico (Xanguai, Fuchou, Amói, Cantão e Ningpo), Hong Kong ficaria sob o controle inglês e ainda seria paga uma indenização pelos prejuízos causados pela guerra. A resistência das autoridades locais (os mandarins) às resoluções do “acordo” resultaram em uma Segunda Guerra do Ópio (1857-1858), desta vez sendo a Inglaterra auxiliada pela França. Após nova vitória militar, os ocidentais exigem a abertura de onze novos portos ao comércio com o Ocidente e a livre movimentação de missionários e comerciantes (muitos traficantes de ópio). O novo imperador Qing, Xianfeng, apesar de tentar resistir a tal violação da soberania nacional de seu país, com a Convenção de Pequim, aceita o Tratado de Tianjin. De forma gradual, estadunidenses, alemães e até mesmo japoneses passam a realizar comércio com a China ao final do século XIX, totalizando mais de 50 portos abertos e diversas áreas de influência. A resistência da população foi diversa. A dinastia Qing (também conhecida como Manchu) foi o alvo preferencial, uma vez que esta era vista como estrangeira e conveniente com a exploração imperialista. As manifestações variaram de caráter, sendo as mais famosas: • Rebelião dos Taiping (1851-1864): revolta urbana e de caráter messiânico. Liderada por aquele que se autoproclamou o filho chinês de Deus (Hong Xiuquan), atacava os Qing, pregando simultaneamente o fim da tradição confucionista, uma espécie de igualdade social e a expulsão dos imperialistas do Império. Originada na província de Guangxi, rapidamente se estendeu, tomando proporção tal que o imperador Xianfeng aceitou o auxílio estadunidense para sufocá-la. • Revolta dos Boxers (1899-1900): de origem rural (província deShandong), a revolta foi protagonizada por uma das diversas sociedades secretas que surgiram na China na segunda metade do século XIX, denominada Punhos Harmoniosos e Justiceiros. De caráter anticristão/antiocidental, seus membros eram xenófobos, acreditando ser possível derrotar os estrangeiros sem o uso de armas de fogo. Com apoio de algumas autoridades (incluindo a imperatriz Tzu Hsi em tentativa desesperada de conquistar o apoio popular), os revoltosos atacaram missões e cristãos chineses na mesma proporção, desencadeando a formação de uma ampla aliança imperialista, que incluía desde os Estados Unidos até o Império Austro-Húngaro, para derrotá-la em sangrenta intervenção militar. • Proclamação da República (1910-1911): uma das organizações secretas existentes na China tinha como protagonista Sun Yan-Sen, que estudou medicina no exterior e, nos Estados Unidos, entrou em contato com a ideologia republicana. Acreditava que somente a modernização de seu país poderia modificar a situação de exploração da população local, algo também compartilhado por setores da monarquia chinesa - como na tentativa fracassada chamada de Reforma dos Cem Dias, que somente serviu para enfraquecer ainda mais o Império. Conseguindo apoio de outros nacionalistas, Sun Yat-Sen forma o Kuomitang, que protagoniza a chamada Revolução de 1911, contando com significativa parcela do exército para acabar com o milenar império. 8.9. Japão Sob organização política semelhante àquela da Europa medieval, uma vez que grandes proprietários de terra detinham a maior parte do poder político em detrimento do imperador, o Japão estava distante do Ocidente. Em termos comerciais, desde o século XVII, somente uma semana do ano era destinada ao comércio com os ocidentais, restringindo bastante os lucros das companhias comerciais mercantilistas. Mesmo com a expansão imperialista, o Japão manteve-se isolado, o que incomodava especialmente os estadunidenses, que desde a Marcha para o Oeste tinham o Pacífico como alvo de sua expansão comercial. Atritos com os japoneses, devido a violações por parte de navios pesqueiros dos EUA, foram utilizados como argumentos pelo governo para forçar a abertura do Japão. O famoso Comodoro Perry protagonizou tal evento, que contou com a colaboração das principais autoridades japonesas, que preferiram negociar a perder a guerra, assinando tratados desfavoráveis como ocorrera com o Império Chinês. Alguns eventos foram decisivos para que o Japão se distinguisse das demais regiões orientais em suas relações com os imperialistas na segunda metade do século XIX. Logo após a assinatura dos tratados com os Estados Unidos, este país enfrenta uma prolongada Guerra Civil (1861-1865), o que posterga a execução das cláusulas comerciais, as quais os estadunidenses tinham direito desde a década de 1850. Enquanto isso, um debate político se estabelecia: estaria o Xogunato correto ao admitir tais acordos com os ocidentais? Este é o principal motivo para a Guerra Boshin (1867-1868), que opôs os partidários do fortalecimento do Imperador e aqueles que controlavam o governo descentralizado. Ao final desta guerra civil, acabava o Xogunato e o Império era reestabelecido no Japão. Sucederam-se diversas reformas no país, que levaram a uma modernização de grande envergadura, assimilando métodos e costumes ocidentais. A Era Meiji (1868-1912) implementou uma Constituição em 1889, com base no modelo prussiano, em que o imperador dividia o seu poder com o Parlamento. No setor econômico, as grandes famílias que dominavam a economia agroexportadora transformaram-se, com o auxílio do Estado, em grandes conglomerados industriais (os zaibatsus). A defesa era reforçada mediante a criação de um exército que seguia o modelo ocidental, substituindo o modelo anterior baseado nos samurais. Não só o Japão mantém a sua independência, mas também consegue realizar seu próprio imperialismo, obtendo áreas de influência na China e derrotando o Império Russo, até então, encarado como uma potência ocidental, na Guerra da Manchúria (1904-1905). 8.10. Estados Unidos e América Latina Desde a adaptação do isolacionismo dos foundings fathers na década de 1820, por meio da Doutrina Monroe, os estadunidenses têm na América Latina o horizonte de suas intenções expansionistas, seja do ponto de vista comercial ou, ainda, em termos territoriais. Já na década de 1840, por meio do Corolário Polk, o México foi alvo do crescimento territorial estadunidense (tema abordado no capítulo sobre a história dos Estados Unidos). Após a vitória do projeto capitalista-industrial na Guerra de Secessão(1861- 1865), de forma gradual, a política externa dos EUA desenvolve-se. Na década de 1880, com a chegada do democrata Cleveland ao poder, adota-se a estratégia da “defesa ofensiva”, o que resultaria em maciços investimentos na Marinha de guerra. Ao mesmo tempo, o secretário de estado Olney busca um papel hegemônico para os norte-americanos na política continental, colocando, por meio da diplomacia, estes como mediadores dos conflitos existentes. O corolário Olney pregava a solução através do arbitramento, conforme ocorreu em dois casos simbólicos no final do século XIX: na disputa pela região do Essequibo (Venezuela X Inglaterra) e na Questão de Palmas (Brasil X Argentina). Do ponto de vista econômico, os EUA cresciam em alguns setores mais de quatro vezes, se comparados com a Inglaterra, e suas relações com a América Latina não mais eram contestadas pela maior potência imperialista do período. A Tarifa Makinley, que estabelecia o protecionismo alfandegário àqueles países que não tivessem acordos bilaterais com os Estados Unidos era um sinal de que as intenções estadunidenses ultrapassariam, logo, os bons termos diplomáticos. Foi nas presidências de Makinley e, após a sua morte, do vice Theodore Roosevelt que o imperialismo estadunidense de fato afirmou-se na América Latina. A Guerra Hispano-Americana seria o ponto de partida para as intervenções militares cada vez mais presentes na região. Cuba e Porto Rico eram o resquício do império espanhol no continente e lutavam arduamente pela sua autonomia, quando obtêm o precioso apoio da Marinha dos EUA. Sob a alegação de que os espanhóis teriam participado do Desastre do navio Maine (algo que não aconteceu, uma vez que uma explosão espontânea levou ao afundamento da embarcação), os EUA entram no conflito em 1898, sendo fundamentais na derrota dos ibéricos. Não somente o controle sob as Ilhas Filipinas conseguem os discípulos de George Washington, como também exigem recompensas de porto- riquenhos e cubanos. Porto Rico torna-se um protetorado estadunidense, uma vez que sua economia e defesa eram controladas diretamente pelo Tio Sam. Já Cuba, aceita uma emenda a sua constituição, proposta pelo senador estadunidense Orvile Platt, que não somente concede uma base naval aos Estados Unidos, como também dava o direito de intervenção militar em caso de violação dos interesses políticos e econômicos dos EUA na ilha caribenha. A partir da Emenda Platt, que vigorou até a década de 1930, Cuba seria conhecida como o “Quintal dos EUA”. Outras intervenções militares seguiram-se na América Central e Caribe: intervenção na República Dominicana (1907), ocupação do Haiti (1915- 1934) e intervenção em Cuba com base na Emenda Platt em 1917. No caso do Panamá, os estadunidenses estimulam o movimento já existente pela independência da região, uma vez que possuíam interesse na construção do canal que abreviaria a ligação oceânica entre as suas duas costas. Não houve intervenção direta, mas o apoio dos EUA ao movimento autonomista fez o governo colombiano desistir de qualquer tentativa de impedir a secessão da região em 1903, sendo o canal inaugurado em 1914 e mantido sob o controle direto dos Estados Unidos até 2000. O início do século XX marca os tempos do Corolário Roosevelt, quando os interesses estadunidneses eram defendidos por meio de intervenções militares nas áreas da América Latina e do Caribe. Segundo o presidente que dá nome a talpolítica externa, aquelas nações desgovernadas ou turbulentas que não sabem fazer “bom uso da sua independência” sofreriam com as ações estadunidenses. Até a década de 1930, quando é substituída pela Boa Vizinhança, a política externa dos EUA para a região é baseada no que fica conhecido como o Big Stick. 8.11. Conclusão Consolidado somente ao final do que o historiador inglês Eric Hobsbawn chama de o “longo século XIX” (1789-1914), com a conclusão da partilha africana, o Imperialismo fez com que restassem apenas dois Estados independentes naquele continente: a Etiópia cristã, que resistiu à invasão italiana, e a República da Libéria, com seus históricos laços de união com os Estados Unidos. O processo imperialista tem como principais consequências: • Criação de fronteiras artificiais, que unem em um mesmo território etnias ou grupos rivais; • Guerras étnicas/religiosas nas áreas coloniais entre tais grupos rivais citados anteriormente, em alguns momentos estimuladas pelas potências imperialistas; • Diversas formas de resistência de chefias/grupos contra a submissão ao poder imperialista. Escutei tuas palavras, mas não vi qualquer motivo para obedecer-te, antes preferiria morrer. Se o que queres é amizade, estou pronto a oferecer-te, hoje e sempre; mas quanto a ser teu súdito, isso nunca! Se o que queres é guerra, estou pronto para ela, mas ser teu súdito, nunca! Não cairei a teus pés, porque és uma criatura de Deus, assim como eu. Sou sultão aqui na minha terra. Tu és sultão lá na tua!31. • Exploração da mão de obra local, agora não mais sob o regime escravista (ao menos oficialmente). Muitas metrópoles usam o artifício da cobrança de impostos para obrigar a população local a trabalhar em seus estabelecimentos, uma vez que para obter dinheiro a fim de pagar os tributos estes tinham que se empregar com os colonizadores. • Desestruturação da economia local, pois muitas vezes os colonos abandonam a agricultura de subsistência para trabalhar nos estabelecimentos metropolitanos, causando muitas vezes fome. • Imposição da cultura europeia sobre as colônias, heranças do imperialismo até hoje sobre estas regiões. • Tensões interimperialistas: Inglaterra e França possuem as melhores colônias, enquanto potências emergentes como o Império Alemão somente entram no processo de forma tardia. [...] A infelicidade da África começou com a escravatura. Milhões de africanos, sobretudo homens jovens, foram raptados e levados para o outro lado do mar [...]. A colonização europeia, organizada em torno do tráfico negreiro, aprofundou divisões antigas, criou outras, abalou estruturas tradicionais, massacrou, destruiu, arrasou. Quando a vasta máquina de extermínio, a escravatura, deixou de funcionar e os povos de África se libertaram finalmente da opressão colonial, o que restava era um continente ao qual haviam roubado a população, a dignidade e a própria memória.Exige-se hoje aos africanos que esqueçam tudo isto. Julgo, pelo contrário, que é importante lembrar. Porém, ao invés de chorar sobre o leite derramado, devemos procurar utilizar a nosso favor alguns dos frutos da política europeia relativa à África. Acontece que de árvores ruins podem nascer frutos saudáveis e saborosos. A escravatura, por exemplo, deu origem a florescentes sociedades crioulas no Novo Mundo. É preciso que estas sociedades, e a comunidade negra dos Estados Unidos da América, com crescente poder político e econômico, reencontrem a África32. 9. Os Estados Unidos - Colonização e Independência 9.1. América Inglesa Embora por determinação do Tratado de Tordesilhas a região hoje conhecida como América do Norte estivesse sob domínio espanhol, a Inglaterra - que passava por intenso crescimento econômico e iniciava sua expansão pelos mares - venceu a resistência militar espanhola e organizou expedições que iniciaram a exploração da área, com navegadores como John Howkins e Francis Drake. Pouco depois, os ingleses fundariam a Companhia das Índias Ocidentais, que ficaria responsável pelos laços comerciais estabelecidos com a nova colônia. De maneira geral, os problemas sociais pelos quais passava a Inglaterra durante o século XVI acabaram contribuindo decisivamente para que a ocupação e exploração do território que ficaria conhecido como Treze Colônias (New Hampshire, Massachusets, Rhode Island, Connecutict, Nova Iorque, Nova Jérsei, Delaware, Pensilvânia, Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia) obtivesse êxito. Em primeiro lugar, os conflitos político-religiosos que opunham, na Inglaterra, católicos e protestantes, estimularam de forma significativa a vinda de perseguidos religiosos para a América e, consequentemente, a colonização das Treze Colônias. A chegada do navio Mayflower na costa de Massachussets, em 1620, é o grande marco da entrada maciça de puritanos na região. Além disso, membros oriundos de classes mais baixas, em especial camponeses que perderam suas terras após o processo de cercamento dos campos, iniciado por Henrique VIII ainda no século XVI, também compuseram o contingente de emigrados para a América inglesa, bem como burgueses que viam no Novo Mundo uma alternativa atraente de investimentos e enriquecimento. As particularidades geográficas do território americano e, claro, os interesses da metrópole inglesa, são responsáveis por ditar as regras e a forma pela qual se desenvolveria o modelo de colonização inglesa. Na região Sul, detentora de um clima subtropical que possibilitava a produção de gêneros diferenciados daqueles que eram encontrados na Europa, estabeleceu-se uma colonização baseada na plantation, ou seja, grandes propriedades monocultoras (arroz, algodão, tabaco etc.), dependentes do trabalho escravo africano e voltadas para o abastecimento do mercado externo. Em tais áreas, o pacto colonial era rigidamente fiscalizado - o que não impedia que fosse burlado vez por outra - visto que o retorno econômico obtido pela metrópole era considerável. Já na parte setentrional das Treze Colônias, conhecida como Nova Inglaterra, cujo solo e clima eram bastante semelhantes aos que se viam na própria metrópole, predominaram as pequenas e médias propriedades, voltadas para atender ao mercado interno e o uso da mão de obra livre, familiar ou assalariada. Dessa forma, instituiu-se na região uma política colonial peculiar, conhecida como negligência salutar, em que o pacto colonial, apesar de presente, não era alvo de intensas fiscalizações como em outras áreas coloniais. Tal postura da metrópole acabaria propiciando um maior desenvolvimento do Norte das colônias, o que seria verificado anos mais tarde, quando essa área se consolidaria como um polo manufatureiro no continente. O conhecido comércio triangular, desenvolvido com sucesso durante anos envolvendo Europa, África e América, consolida a ideia de integração capitalista mundial citada anteriormente, consistindo na compra e venda de produtos como armas de fogo, algodão, rum e produtos manufaturados sem necessariamente passar pela metrópole, o que vai de encontro com as tradicionais relações entre metrópole e colônia. 9.2. O processo de independência O século XVIII é marcado pelo surgimento e difusão do Iluminismo, conjunto de ideias liberais surgidas na Europa, que chegaria ao continente americano servindo de base para a independência das Treze Colônias, antes de se espalhar pelos demais domínios europeus na região. John Locke, intelectual contemporâneo da Revolução Inglesa (1640-1689) e autor de livros que defendiam a existência de leis naturais do contrato entre governantes e governados, da autonomia entre os poderes de Estado, do direito à revolta e outras, foi considerado o pensador-chave do processo revolucionário que originaria os Estados Unidos da América. O caráter pioneiro da libertação das Treze Colônias inglesas - quando comparado aos demais processos de independência do continente - relaciona-se com a mudança de postura por parte da metrópole, que, em meados do século XVIII, altera as relações estabelecidas com seuscolonos. Passando pela Revolução Industrial (a partir da metade do referido século) e pela Guerra dos Sete Anos contra a França (1756-1763), a Inglaterra inicia um arrocho no pacto colonial, acabando com a liberdade vivenciada pela região Norte por meio da negligência salutar - política de não fiscalização do pacto colonial - buscando um maior controle sobre suas possessões ultramarinas e anunciando novos tributos que oneravam consideravelmente a população colonial. Nesse sentido, o governo britânico estipulou a Lei do Açúcar (1764 - criava impostos adicionais sobre o açúcar, procurando proteger os produtores da concorrência das Antilhas), a Lei do Aquartelamento (1765 - exigia que os colonos alojassem, concedessem alimentos e transporte às tropas enviadas para a colônia), a Lei do Selo (1765 - imposto sobre todos os documentos em circulação na região colonial), entre outros mecanismos de taxação. A reação na colônia foi imediata. Os colonos argumentavam que não possuíam representação no Parlamento britânico e, portanto, não poderiam ser taxados. Reunidos em Nova Iorque, realizaram o Congresso da Lei do Selo (1765), em que decretaram o boicote aos produtos importados da metrópole e a suspensão da Lei do Selo. As pressões de negociantes ligados ao comércio atlântico foram inúmeras, o que resultou no recuo das autoridades coloniais. Estava abolida a Lei do Selo. Insatisfeito com essa vitória dos colonos, o primeiro-ministro Charles Townshend decretou, em 1767, diversas novas taxações sobre produtos que eram exportados para as Treze Colônias americanas, como chá, vidro, corantes e papel. Novamente foram articulados boicotes que esgarçaram as relações entre colônia e metrópole, com resultado próximo àquele de 1765, ou seja, a revogação das taxações, exceto de um produto: o chá. A Inglaterra acabara de conquistar a Índia, importante colônia francesa no Oriente, sendo grande a quantidade de chá armazenada com a Companhia das Índias, que fazia pressão pelo estabelecimento do monopólio do produto, estabelecido em 1773. Apesar da redução dos preços, os americanos acreditavam que estava aberto um precedente perigoso, uma vez que o mesmo poderia acontecer com outros produtos. Diante dessa situação, os colonos dividem-se em dois grupos: os chamados legalistas, próximos aos tories, que defendiam a autoridade da Coroa inglesa e pretendiam uma conciliação com a metrópole. Esta tendência é formada, principalmente, por funcionários reais e latifundiários. Já os conhecidos como patriotas, defensores de uma radicalização política que culminaria na independência, apresentavam-se mais perto dos whigs, e eram oriundos, em especial, de setores da burguesia e dos yeomen. Em 1773, alguns colonos, liderados por Samuel Adams e componentes de um grupo pró-independência, os “Filhos da Liberdade”, disfarçaram-se de índios e, misturados aos trabalhadores portuários de Boston, lançaram todo o carregamento de chá da Companhia das Índias - cerca de 45 toneladas - ao mar. A reação inglesa foi severa: as chamadas Leis Intoleráveis decretaram o fechamento do porto de Boston até que a indenização devida fosse paga à companhia, a transformação de Massachussets em colônia real, a transferência do poder jurídico nas colônias para os tribunais metropolitanos e o aumento da quantidade de tropas do exército para fiscalizar o cumprimento destas leis. No ano seguinte, os colonos organizaram o Primeiro Congresso Continental da Filadélfia, cujas decisões, compiladas na Declaração de direitos e agravos, foram: intensificar o boicote às mercadorias britânicas, confiscar as importações metropolitanas, recusar as leis intoleráveis e pleitear um novo Congresso, com participação dos colonos (no taxation without representation). A petição foi enviada ao rei George III, que a recusou imediatamente. Uma vez que a tendência legalista não alcançara resultados, realiza-se o Segundo Congresso Continental da Filadélfia, entre 1775 e 1776, que, na Declaração das causas e necessidades de pegar em armas, determina a utilização do uso da força como forma de resistência à agressão britânica, o estabelecimento do Exército Continental - comandado por George Washington - e, finalmente, em quatro de julho de 1776, a Declaração de Independência dos EUA. Esse documento, que teve Thomas Jefferson como principal autor, baseava- se especialmente na defesa dos direitos individuais e do direito de revolução, comunicando oficialmente que as Treze Colônias não mais faziam parte do Império Britânico. Diante da recusa inglesa em aceitar a independência de suas colônias, iniciou-se um conflito militar (1775-1781) no qual os colonos formalizavam a luta pela autonomia, contando com apoio francês (Tratado de Aliança Franco - Americana) e espanhol. Finalizado em 1783, o processo de independência teve como ponto final o Tratado de Paris, quando, finalmente, a Coroa inglesa reconheceria a separação do antigo território colonial. A partir de então, os estadunidenses buscam a pacificação externa tendo em vista a própria integração interna. Neste sentido, o governo dos EUA evita participar do processo revolucionário francês (1789-1798), mesmo quando seu auxílio foi solicitado mediante cobrança de cumprimento do Tratado de 1778, que falava de uma aliança perpétua entre os dois países. Tal atitude gera críticas dos gauleses e aproxima os americanos de sua ex-metrópole (Tratado de Jay - 1794). O próprio George Washington pregava em seu discurso de despedida que os Estados Unidos deveriam “evitar anexos e envolvimentos em assuntos estrangeiros, especialmente os da Europa, que teriam pouco ou nada a ver com os interesses da América”. Para um dos founding fathers, não fazia sentido o povo estadunidense ingressar em um conflito europeu, sendo ainda a neutralidade vantajosa para concentrar-se em seus próprios assuntos. Com relação à organização política interna, as disputas mais significativas eram protagonizados por aqueles que defendiam um poder central mais forte, respeitando as autonomias dos estados (federalistas), e os antifederalistas, favoráveis a uma grande autonomia para os estados, publicando suas ideias nos chamados Artigos da Federação (1781-1787). Para evitar que tais atritos e visões opostas levassem a revoltas populares de grandes proporções, os federalistas redigem a primeira Constituição estadunidense em 1787, a primeira do continente, que é composta por princípios liberais, tais como: • República como forma de governo; • Tripartição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); • Bicamaralismo, com o Senado representando os estados (dois senadores por estado) e a Casa dos representantes (o número de deputados seria proporcional à quantidade de habitantes do estado); • Voto censitário, sendo a renda o critério de participação no processo eleitoral; • Estado laico; • Manutenção da escravidão. Mas a aprovação do texto constitucional nos estados não foi tarefa fácil. Federalistas como Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, defenderam a ratificação da Constituição nos chamados Papéis Federalistas, uma série de artigos publicados em jornais em defesa do governo central forte que respeitasse a tripartição de poderes. A antipatia dos antifederalistas somente foi suplantada com a aprovação de 10 emendas em defesa dos direitos individuais, aprovadas pelo Congresso, conhecidas como a Declaração dos Direitos. São algumas delas: • Liberdade de imprensa, expressão, religião e o direito de se reunir pacificamente, de protestar e exigir mudanças (Primeira Emenda); • Proteção contra buscas, confisco de propriedade e prisão injustificadas (Quarta emenda); • Cumprimento dos procedimentos legais em todos os casos criminais (Quinta emenda); • Direito a um julgamento justo e rápido (Sexta emenda); • Proteção contra penas cruéis e incomuns (Oitava Emenda); • Dispositivos assegurando que as pessoas reteriam direitos adicionais não enumerados na Constituição (Nona Emenda). Outras alterações ocorreram na Constituição, como aquela referente ao voto qualificadodos negros (1865), voto universal (1870), voto secreto (1888) e o sufrágio feminino (1920). Mas até hoje a Constituição original se mantém nos Estados Unidos. 9.3. Instabilidade política inicial Enquanto os federalistas se posicionavam ao lado da Inglaterra no contexto das guerras europeias, uma vez que lucravam no comércio com a maior potência econômica da época, por ideologia, os republicanos (antes chamados de antifederalistas) acreditavam que o alinhamento com a França era natural. Decretado o Bloqueio Continental (1806), crescem as tensões com a Inglaterra, descontente com a neutralidade estadunidense. Incidentes com índios no Oeste, o recrutamento forçado de marinheiros e o desejo de anexação do Canadá por parte dos Estados Unidos foram fatores fundamentais para a eclosão da Guerra de 1812, também chamada de Segunda Guerra de Independência. O posicionamento contra a guerra por parte dos federalistas na Convenção de Hartford enfraqueceu sua posição interna, uma vez que os ânimos nacionalistas exaltados com o desenrolar do conflito, que tem episódios emblemáticos na história estadunidense como a tomada de Washington pelos britânicos ou mesmo a composição do hino dos Estados Unidos da América, foram utilizados pelos democratas-republicanos (antes republicanos), que, ao assinar a Paz Eterna de Gand em 1814, colocaram um ponto final no conflito, capitalizando tal vitória militar. Nesta, a região dos Grandes Lagos foi confirmada como zona neutra, fixando a fronteira norte entre os Estados Unidos e o Canadá. Entre os principais destaques da política estadunidense na primeira metade do século XIX está a democracia jacksoniana (1829-1837). O chamado jacksonianismo tem como base o apoio dos trabalhadores e dos pequenos camponeses aos republicanos-democratas, acreditando em um governo que promoveu a ampliação da cidadania, o sistema de spoils (retirando os antigos funcionários públicos ligados ao governo de John Quincy Adams, entre 1825 e 1829) e a extinção do II Banco dos EUA, considerado pelas camadas baixas especulador e explorador da economia popular. 9.4. Marcha para o Oeste Sobre a composição territorial, com o Tratado de Paris (1783) os Estados Unidos garantiram a posse das terras a Oeste até o rio Mississipi. Ao longo do século XIX, os estadunidenses não respeitaram este limites e deram início ao processo de expansão territorial em direção ao Pacífico, que daria ao país sua configuração geográfica atual, impulsionados por fatores econômicos (como a necessidade de terras para a agricultura), sociais (como a perseguição aos novos grupos religiosos - Novo Despertar) e políticos. A chamada Marcha para o Oeste era justificada ideologicamente pela Teoria do Destino Manifesto, segundo a qual os estadunidenses haviam sido escolhidos por Deus para ocuparem as terras a Oeste de seu território. John L. O’Sullivan, escritor e político defensor do Partido Democrata, lançou pela primeira vez a ideia de que os “norte-americanos foram escolhidos pelo destino para dominarem a América”, em um misto de liberalismo e teoria da predestinação. Baseados nessa doutrina, milhares de homens - conhecidos como pioneiros - lançaram-se na empreitada, que possibilitou um grande crescimento, não apenas geográfico, mas também econômico para os EUA, que adquiriram áreas ricas em ouro e petróleo, além de desenvolverem atividades como a agricultura e a pecuária. O processo de expansão territorial inicia-se ainda em 1803, quando após negociação com Napoleão Bonaparte, foi comprada a Louisiana. Pouco tempo depois, em 1819, a Flórida foi comprada da Espanha, importante para o acesso estadunidense para o golfo do México e para as Antilhas. Neste contexto, ainda foi comprado o Alasca, pertencente ao Império Russo, em 1867. Objetivando estimular a ocupação das novas áreas conquistadas no Oeste, o governo norte-americano oferecia terras a preços baixos. Em 1820, por exemplo, oitenta acres poderiam ser comprados por cem dólares e, em 1862, foi decretado o Homestead Act, segundo o qual seriam cedidas terras a quem se comprometesse a torná-las produtivas em um prazo de cinco anos. Um dos principais incentivadores foi o presidente James Polk (1845- 1849), que dentre outras medidas, como a redução de tarifas e o reestabelecimento do sistema independente do Tesouro, conquistou a região do Oregon (hoje Oregon, Washington, Idaho e Columbia Britânica) por meio de negociações com a Inglaterra e, ao mesmo tempo, ao sul, travou intensa guerra contra o México para expandir o território estadunidense. A Guerra México - Americana (1846-1848) inicia-se quando o presidente Polk envia o diplomata John Slidell com o intuito de negociar a compra das regiões do Novo México e da Califórnia. Insatisfeitos com a perda do território do Texas para os estadunidenses (o Texas foi um Estado independente de 1836 até ser aceito pela união em 1845 - era chamado de “lonely star republic”), os mexicanos não aceitaram nem mesmo receber o diplomata, sendo este o estopim para a declaração de guerra. Após meses de conflito, os mexicanos aceitam os termos do Tratado Guadalupe - Hidalgo (1848), no qual perdeu 2 milhões quadrados de seu territórios, que deram origem ao Texas, à Califórnia, ao Novo México, ao Arizona, a Utah e a Nevada, sendo assim obtida a saída para o Pacífico. Além da conquista de mais de 2/3 do território mexicano, a Marcha para o Oeste ocorreu a desrespeito das populações indígenas (apaches, navajos, cheyennes, dakotas dentre outros), dizimadas ou confinadas em Oklahoma, distantes de suas origens por meio da Lei da Transferência de Índios, forjou-se a construção nacional dos Estados Unidos da América. 9.5. Guerra de Secessão (1861-1865) Em todos os sistemas sociais, é preciso haver uma classe para desempenhar as tarefas indígenas, para fazer o que é monótono e desagradável ... nós a chamamos escravos. [...] não chamarei a classe existente do norte usando esse termo; mas vocês também os possuem; [...] A diferença entre nós, é que os escravos são contratados pela vida toda, e são bem recompensados; não há fome, nem mendicância, nem desemprego entre nós, e nem excesso de empregos, também. Os de vocês são empregados por diárias, não são bem tratados, e têm escassa recompensa, o que pode ser provado, da maneira mais deplorável, a qualquer hora, em qualquer rua de suas cidades. Ora, pois a gente encontrava mais mendigos em um dia, em uma só rua de Nova Iorque, do que os que se encontram durante toda uma vida no sul inteiro. Nossos escravos são pretos, de uma raça inferior; ... os de vocês são brancos, de sua própria raça; são irmãos de um só sangue33. Ao mesmo tempo em que assistia à expansão de seu território, o país viu crescer também as disparidades regionais, especialmente no que diz respeito às diferenças entre os estados do Norte e os do Sul. Enquanto os primeiros configuravam-se, geralmente, como polos industriais, utilizando predominantemente o trabalho assalariado e defendendo o protecionismo alfandegário, a região Sul caracterizava-se, ainda, como na época colonial, por uma estrutura baseada na agroexportação, no trabalho escravo e no livre-comércio, típicos de uma sociedade consumidora - e não produtora - de gêneros industrializados. As divergências, que remontam ao início da colonização inglesa na região, tornaram-se irreconciliáveis diante da expansão territorial para o Oeste, uma vez que os estados lutavam para que as novas áreas adquiridas adotassem seus modelos socioeconômicos. Várias foram as tentativas de organização: • Compromisso do Missouri (1820): neste compromisso, o Missouri foi admitido como escravista; em contrapartida o Maine era reconhecido como livre. O restante da Louisiana seria integrada como territórios livres. • Compromisso Clay (1850): a Califórnia era admitida como território livre, mesmo com parte de suas terras ao sul. • Ato Kansas-Nebraska (1854): os dois estados citados teriam liberdade de escolha, por meio de um plebiscito, para escolher se seriam admitidos como escravistas ou livres, violandoassim o Compromisso de 1820, uma vez que os dois faziam parte da antiga Louisiana. Episódios como a repercussão positiva do romance A Cabana do Pai Tomás, considerado um libelo abolicionista, a formação do Partido Republicano (1854) e o Caso Dread Scott, quando foi negado aos negros o acesso à justiça, foram elementos importantes no acirramento das tensões internas. Favorável à extensão dos territórios livres, o ex-deputado Abraham Lincoln se opôs ao senador Stephen A. Douglas, idealizador da Lei Kansas-Nebraska. Apesar de derrotado nas eleições para o senado em 1858, protagonizou uma série de debates sobre a abolição, sendo seu discurso da “Casa Dividida” um símbolo da divisão política interna e um dos principais fatores para a sua projeção nacional. Com os democratas divididos entre duas candidaturas para a décade de 1860, o caminho para a vitória de Lincoln estava aberto. A confirmação nas urnas da vitória do primeiro presidente eleito pelo Partido Republicano e defensor do abolicionismo foi a gota d’água para que a região Sul formasse os Estados Confederados da América e declarassem a secessão do restante do país. Este episódio deu início à Guerra Civil entre o Norte e o Sul dos EUA. Graças, em parte, ao elevado contingente demográfico - cerca de 2/3 da população dos EUA vivia nos estados do Norte - e a uma sólida industrialização, a região - que contava com pelo menos três fábricas modernas de armamentos - pôde vencer o Sul que, embora tenha saído em vantagem nas primeiras batalhas, não teve possibilidade de manter-se no conflito, assinando a rendição em abril de 1865. Com um resultado final de seiscentos mil mortos, boa parte do Sul devastada, e o decreto de abolição da escravidão finalmente assinado, a guerra civil trouxe como consequência nefasta uma radicalização ainda maior da segregação racial no país, dando origem a associações racistas como a Ku-Klux-Klan, fundada em Nashville no ano de 1867, que não aceitava a integração dos negros como homens livres com direitos adquiridos e garantidos por lei após 1865. Vestindo capuzes cônicos e longos mantos brancos, a fim de não serem reconhecidos, os membros da KKK organizavam manifestações racistas, linchamentos, espancamentos, incêndios de residências e assassinatos, não apenas de negros, mas também, em menor escala, de brancos que com eles simpatizavam, judeus, católicos e hispânicos. Apesar dos prejuízos causados pelo conflito, a recuperação econômica dos Estados Unidos foi rápida, possibilitando a expansão do modelo capitalista- industrial de Norte a Sul e transformando o país na grande potência do continente americano entre os séculos XIX e XX. 10. A América Espanhola Porventura, este imenso território, seus milhões de habitantes devem reconhecer a soberania dos comerciantes de Cádiz e dos pescadores da Ilha de Léon? (...) Porventura, terão passado a Cádiz e à Ilha de Léon, que fazem parte da Andaluzia, os direitos da Coroa de Castela, à qual foram incorporadas as Américas? Não, senhor; não queremos seguir a sorte da Espanha, nem ser dominados pelos franceses. Resolvemos tomar de novo o exercício de nossos direitos de nos salvaguardarmos a nós mesmos34. 10.1. Introdução O processo de independência das colônias espanholas na América insere-se no contexto de difusão das ideias iluministas pelo continente, consolidadas especialmente após a emancipação das Treze Colônias, ainda no século XVIII e a expansão do iluminismo revolucionário francês com Napoleão Bonaparte. No entanto, podemos elencar alguns fatores mais específicos no que diz respeito à relação metrópole-colônia na região, a partir de meados dos anos 1700. Nesse sentido, a política metropolitana de restrições comerciais típicas do pacto colonial e a profunda insatisfação com a organização político-social marcaram o período de crise do antigo sistema colonial na América espanhola. Marcada pelo preconceito racial, a sociedade colonial era dividida de acordo com o nascimento. Os chapetones (cerca de 0,3% da população total) eram espanhóis nomeados pelo Conselho Real e Supremo das Índias para ocuparem os órgãos administrativos; logo abaixo na hierarquia social vinham os criollos (aproximadamente 20% da população), brancos nascidos na América, que formavam a elite colonial, detentores das minas, terras e altos postos no exército e na Igreja colonial, porém tinham participação limitada na política (somente atuavam nas câmaras municipais, os cabildos) enquanto os não brancos levavam uma vida miserável, trabalhando de forma compulsória (índios na mita e encomienda), escrava (negros) ou em atividades de pouca qualificação (mestiços). Durante o reinado de Carlos III (1759-1788) uma série de mudanças na política colonial foram estabelecidas, ficando conhecidas como as Reformas Bourbônicas. Procurando associar o absolutismo com ideias liberais, o principal objetivo do Despotismo Esclarecido espanhol seria promover a modernização da Espanha, reinserindo a península ibérica entre as maiores potências da Europa. Para isso, a exploração mais racional das colônias era fundamental, obtendo capital para financiar as inovações na metrópole. Agumas destas medidas são: • Criação de companhias de comércio que seriam beneficiadas com monopólios; • Criação do Vice-Reino do Prata, que reunia territórios que hoje pertencem ao Uruguai, à Argentina, ao Paraguai e à Bolívia); • Substituição dos alcaides pelas intendências; • Aumento de impostos e das forças militares nas colônias; • Ampliação do exclusivo colonial, com o fim do asiento e permiso aos ingleses; • Incentivo à diversificação agrícola, com o aumento do número de índios cedidos para a mita e para a encomienda; • Expulsão dos jesuítas das colônias americanas. Influenciados de certa forma pelos ideais iluministas e pela independência dos Estados Unidos (1776) surgem as primeiras ações pela libertação no final do século XVIII. É o caso da rebelião liderada por Tupac Amaru (seu nome real era José Gabriel Condorcanqui), descendente direto do último imperador Inca, profundo conhecedor do território peruano devido a sua atividade de tropeiro e frequentador da universidade de Lima, através de uma carta, pedia ao rei espanhol a diminuição do número de índios na mita/encomienda. Ignorado pelo soberano, Tupac incentivou os índios a pegarem em armas pela abolição do trabalho compulsório e dos impostos. Interpretada por muitos como o primeiro movimento pea libertação da América, terminou de forma trágica: traído, Tupac Amaru foi preso, torturado na Plaza de Armas em Cuzco e decapitado. 10.2. Processo de Libertação Não obstante alguns movimentos que já usavam a palavra independência, ainda no século das luzes, a onda emancipatória só se tornaria real nas colônias hispano-americanas a partir da década de 1810. A associação entre a Coroa Espanhola e o expansionismo napoleônico, que rendeu bons frutos no início do século XIX (conquista de Olivença no contexto da Guerra das Laranjas), após a invasão da Península Ibérica por parte dos franceses como forma de retaliação pela violação do bloqueio continental (1806), por parte de Napoleão, agora era onerosa para os súditos de Carlos IV. Símbolo deste conturbado momento, o Motim de Aranjuez (1808) marca a revolta da população com a situação de submissão aos interesses napoleônicos e, em especial contra o gestor desta, o Primeiro Ministro Manuel de Godoy - jovem comandante da Guarda Real que passou a ter uma influência política gigantesca na Corte -, cerca o palácio imperial, exigindo a renúncia do rei. Após o quase linchamento de Godoy e os rumores, mal recebidos pelo povo espanhol, de que a família real fugiria para a América, Carlos IV acaba abdicando ao trono em favor de seu filho, D. Fernando, recebido com festa pelos populares. Tentou o novo monarca negociar a manutenção da soberania espanhola com Napoleão, sendo a resposta deste a invasão de Madri por seu exército (comandado por Murat), forçando a abdicação de Fernando VII que ficou até 1813 preso no castelo de Valençay. Assim, o irmãode Napoleão assumia o trono espanhol sob o título de José I, prometendo implementar os princípios revolucionários franceses na Espanha. Em 1812, o novo governo promulgou a Constituição de Cádis, também conhecida como La Pepa, que estabelecia a igualdade entre os súditos, o fim dos tributos indígenas, a abolição do Santo Ofício e a liberdade de imprensa, entre outras medidas. Apesar da curta vigência (cerca de dois anos), esse texto constitucional é considerado um marco na política espanhola e europeia, de modo geral. 10.3. Era dos Cabildos Abiertos Na América, os criollos se dividiram em diversas tendências. Alguns se recusaram a receber ordens de José Bonaparte, declarando-se fiéis a Fernando VII, aproveitaram tal isolamento e liberdade diante da instabilidade política da metrópole para boicotar impostos, expulsar os chapetones e realizar o comércio direto com a Inglaterra. Em outros locais aproveitaram para realizar a independência já neste momento, enquanto outros foram convulsionados por tentativas de revoluções com caráter social. Uma das poucas exceções foi a região do Vice-reino do Peru, onde forças legalistas predominaram. Em Buenos Aires, as duas tentativas de invasão inglesas entre os anos de 1806 e 1807 são consideradas importantes antecedentes para a Independência, uma vez que confirmavam a capacidade de autodefesa criolla, assim surgindo as primeiras correntes que acreditavam que a situação metropolitana era de inferioridade com relação à colônia. A partir de 1809, os rumores de uma suposta invasão napoleônica na Espanha foi difundido na América, tendo sido confirmada quando uma fragata inglesa chegou a Montevidéu e confirmou as notícias. Imediatamente algumas correntes políticas defenderam a autonomia total enquanto a legalista acreditava que, enquanto Fernando VII estivesse impossibilitado de comandar a Coroa, Carlota Joaquina poderia comandar provisoriamente a colônia, aproveitando que esta estava no Rio de Janeiro com a Corte Portuguesa. Hegemônico foi o projeto de uma autonomia parcial, resultando na Revolução de Maio (1810), formando a Primeira Junta Governativa. Acreditavam os portenhos que poderiam promover a autonomia de toda a região do Vice-reino do Prata, mas isto não foi possível, uma vez que o Paraguai promoveu a sua independência em separado, liderado por Juan Gaspar Rodriguez de Francia (1811), escolhido por unanimidade como chefe supremo da primeira república da América do Sul. Enquanto isso, a banda oriental do rio da Prata também articulou a sua independência, obstruída pelo desejo luso-brasileiro de controlar a região, que em 1821 foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. Sob a liderança do padre Miguel Hidalgo, uma tentativa de independência que preservasse os direitos das comunidades indígenas foi arquitetada no Vice-reino da Nova Espanha, tendo como base o Grito de Dolores (setembro de 1810): “Viva a Virgem de Guadalupe! Morte ao mau governo! Viva Fernando VII”. Pregando o voto universal, a abolição da escravatura e do trabalho compulsório indígena, o fim dos monopólios governamentais, a reforma agrária baseadas nos ejidos (pequena propriedade indígena) entre outros, o movimento foi duramente reprimido pelas forças legalistas, levando à execução não só de Hidalgo, mas de seu sucessor na liderança do movimento, José María Morelos y Pavón. Na atual Venezuela, também em 1810, o movimento separatista liderado por Francisco Miranda chegou ao poder, estabelecendo uma república presidencialista, sendo Miranda o presidente com poderes centralizados. A oposição da Igreja Católica, que considerava o discurso do revolucionário demasiadamente liberal e das forças espanholas, levaram à abdicação daquele que é considerado precursor da independência da região. Tanto a Revolta de Francisco Miranda como a Rebelião de Hidalgo e Morelos fracassaram em seus intuitos separatistas, mas foram fundamentais na construção de um sentimento autonomista na região. 10.4. Movimentos de Libertação Com a derrota das tropas de Napoleão Bonaparte, em 1813, o rei espanhol volta ao trono. Agraciado posteriormente pelo princípio da Legitimidade criado no Congresso de Viena, Fernando VII realiza uma restauração radical do absolutismo, tentando restaurar o controle das colônias americanas. Uma vez experimentada a liberdade, os colonos pegariam em armas para manter a sua liberdade. Influenciados pelo liberalismo e com o apoio da opinião pública internacional, os criollos lideraram o processo de libertação colonial. Interessados no comércio direto com a América, a Inglaterra não pode conceder auxílio direto devido aos compromissos com o Equilíbrio Europeu. Até mesmo a venda de armas e a vinda de mercenários para as colônias espanholas eram formalmente proibidas pelos ingleses. A mudança na posição inglesa viria com a chegada de Lord Canning ao poder substituindo Castlereagh em 1822 na secretaria do exterior. Lord Canning almejava o apoio dos Estados Unidos, que é rejeitado na medida que, influenciado por John Quincy Adams, o presidente James Monroe divulga um conjunto de princípios de política externa baseados na ideia de “América para os americanos”: era a Doutrina Monroe (1823). O governo estadunidense reconhecia as independências americanas e negava qualquer tipo de cooperação com as potências europeias. Os chamados “Libertadores da América”, criollos, líderes dos exércitos de libertação, destacam-se neste contexto. Seus principais nomes são: • Agustín de Iturbide • Destacou-se na repressão à Rebelião de Hidalgo e Morelos como oficial do exército espanhol, e aliou-se aos separatistas criollos como Vicente Guerrero, formulando, em 1821, o Plano Iguala, que continha as bases da declaração de independência do México. Chegou a oferecer o trono do país independente a Fernando VII, que se negou a receber o trono, caindo este nas mãos de Iturbide. Pouco tempo depois, o autoritarismo de Iturbide levou a sua queda e consequente instalação da República em 1823. • Bernardo O’Higgins • Filho de um general espanhol que fora vice-rei do Peru, O’Higgins foi um dos membros da elite que se recusou a aceitar o governo de José Bonaparte, criando uma Junta Governativa em setembro de 1810. Eleito deputado do Congresso chileno de 1811, contou com o apoio dos soldados de San Martín na longa luta pela libertação contra a Espanha terminada em 1818. Após a assinatura da Ata de Independência, em 1818, um longo período de instabilidade política ocorre fruto do choque entre os que defendiam a visão centralista e os federalistas. Até a década de 1830, guerras e golpes de Estado foram constantes no país quando, por fim, a facção conservadora centralista venceu a disputa pelo poder. • José Artigas • Considerado pelos uruguaios o líder do prcesso de independência nacional, José Artigas liderou as tropas de Montevidéu contra a primeira invasão luso-brasileira iniciada em 1810. Considerado por muitos o primeiro grande “reformador agrário” da América do Sul, Artigas confisca, sem indenizações, terras pertencentes aos “maus europeus e piores americanos”, distribuindo-as entre “negros livres, índios e pobres criollos”, o que gera descontentamento entre as elites uruguaias. A cisão interna favorece a segunda invasão das tropas luso-brasileiras que ocorre em 1817, transformando a Banda Oriental do Rio da Prata na Província Cisplatina, adiando o sonho da definitiva autonomia em alguns anos. • José de San Martín • De origem aristocrática, filho de um militar europeu que estudou na Espanha, regressou à Argentina em 1812, onde foi integrado ao exército na qualidade de general. Favorável à independência, liderou o movimento de libertação, auxiliado por Manuel Belgrano, consagrada no Congresso de Tucumán em 1816. • Simón Bolívar • De origem aristocrática (seus pais eram donos de minas de prata e cobre, de plantações de açúcar e criação de gado), aprofundou seus estudos e entrou em contato direto com os ideais iluministas na Europa, onde viveu entre Espanha e França, passando ainda por diversascidades dos Estados Unidos antes de regressar para a Venezuela em 1807. Nesta participou da Revolta de Francisco Miranda antes de formar seu próprio exército composto por criollos, mestiços, mulatos, estrangeiros voluntários e negros livres protagonizando as lutas de libertação da América do Sul (Capitania Geral da Venezuela, Vice-Reino de Nova Granada, Província de Quito, Província Livre de Quayaquil e o Vice-Reino do Peru). Como consequência direta desses processos de libertação, foi criada, a partir do Congresso de Angostura (1919), a Gran Colombia, país que reunia os atuais Colômbia, Equador, Panamá, Venezuela e a região do Essequibo. As disputas entre unitaristas e federalistas impediram a consolidação desse grande projeto político defendido pelo libertador Bolívar. Após derrotar as tropas espanholas no Peru, foram formadas diversas repúblicas como fruto da fragmentação política da antiga colônia espanhola, o processo de emancipação resultou no fim do trabalho compulsório dos índios por meio da mita e da encomienda, assim como o fim da escravidão negro-africana. Mantendo o povo afastado da participação política, a independência favoreceu as elites criollas, que agora monopolizavam não somente o poder econômico, mas também o poder político e social. 10.5. América Latina no Século XIX A política latino-americana era dominada, em muitas de suas regiões, por ex-criollos agora chamados de caudilhos. Proprietários de terras e carismáticos em sua maioria, possuíam o poder político, econômico, social e militar em suas regiões. Como principal resultado do caudilhismo, surgiram governos autoritários instituídos por meio de golpes de estado, resultando em uma disputa entre federalistas e unitaristas que levaram a décadas de instabilidade política na América Latina. O caudilhismo representou em certos casos a defesa das estruturas socioeconômicas tradicionais, como também o artesanato e a indústria incipiente, contra elites burguesas que atuavam na exportação de matérias- primas, construindo a típica burguesia “compradora”. Na América Latina, o termo caudilho ainda continua a ser usado, como o de cacique, para designar chefes de partido local ou aldeia, com características demagógicas. O epíteto foi expressamente rejeitado pelos ditadores militares do nosso século, pelas conotações naturais e inorgânicas que implicam a região, contrariamente ao que acontecia na Espanha, onde os partidários do franquismo chamavam oficialmente o seu chefe de caudilho. Mas não se aludia neste caso à tradição latino-americana, mas ao lema das forças antirrepublicanas durante a Guerra Civil: “una fe, una pátria, un caudilho”. Presentemente, parte dos estudiosos da ciência política creem que o caudilhismo é particularmente significativo para a compreensão da gênese do militarismo na América Latina35. Por exemplo, na Argentina, até a década de 1860 viram diversos caudilhos lutarem para o poder, tais como Juan Manuel Rosas, que foi retirado do poder depois de uma guerra (com intervenção brasileira) por Justo José de Urquiza (1854-1860) que, por sua vez, foi suplantado pelos desejos unitaristas de Bartolomeu Mitre (1860-1868). Tal instabilidade favoreceu o Brasil que, com sua política estável com a chegada de D. Pedro II ao poder em 1840, atraiu capitais estrangeiros. Com a queda dos preços de gêneros alimentícios nas décadas posteriores à independência, as novas repúblicas cada vez mais ficaram endividadas com as potências europeias industrializadas, principalmente a Inglaterra. A manutenção do modelo de uma economia baseada na exportação de produtos agrícolas e matéria-prima fez com que a América Latina ficasse dependente não só economicamente, mas também politicamente. Era desejo de Simón Bolívar a promoção da integração da ex-colônia espanhola. Em 1815, quando pressionado pelas forças legalistas, foi obrigado a refugiar-se na Jamaica; Bolívar negava a ideia de formação de um só país, mas explicitava seu desejo na criação de uma confederação hispano-americana. Até hoje a oposição de ideias entre Bolívar e San Martín não foi completamente esclarecida, mas acredita-se que o líder argentino não aceitava a ideia republicana e integradora do venezuelano e, para não dividir as forças pró-libertação, abandonou a vida pública e renunciou a todos os seus cargos em favor de Bolívar. Após a vitória da maior parte do processo de emancipação, Bolívar articulou a criação do Congresso do Panamá (1826), que reuniria todas as principais forças políticas na América Latina para organizar como seria a integração da região, conhecida como Bolivarismo ou Pan-Americanismo. Os convites foram enviados pelo Congresso colombiano, incluindo o Brasil monárquico (que não teve interesse em enviar seu representante, mas alegou oficialmente enfermidade para tal), à Inglaterra (que possuía colônias na América) e aos Estados Unidos. A participação estadunidense nesta reunião foi prejudicada devido à divisão interna no governo de John Quincy Adams (1825-1829), o que retardou a escolha de um novo representante após a morte do primeiro escolhido. Enquanto a política oficial dos Estados Unidos seria a Doutrina Monroe (1823), que pregava a adaptação no isolacionismo para o contexto latino- americano de independências, a Inglaterra tinha o astuto Canning à frente de seus negócios estrangeiros. Este envia como representante Dawkins, que se opõe à política de “duas esferas” pregada pelos estadunidenses, buscando uma cooperação com as repúblicas recém-criadas na América. Prevaleceu a visão inglesa, que dominou a política do continente nas décadas posteriores à libertação. Como fruto do Congresso, o Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua foi assinado por México, Peru, Colômbia e República Centro-Americana (posteriormente dissolvida e dividida em El Salvador, Nicarágua e República Dominicana), assim como a formação de um exército comum, abolição do tráfico de escravos e a convocação para futuras reuniões. A oposição dos caudilhos e chefes políticos locais, a oposição e desconfiança da monarquia constitucional brasileira e as diferenças culturais entre os países sul-americanos foram fatores decisivos para o fracasso do bolivarismo. Outras conferências não tiveram êxito: • Congresso de Lima (1847-1848) • Participação de Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. • É criada a “Confederação de Estados”, nunca materializada. • Assinado um tratado definindo as regras do comércio e da navegação, que também não saíram do papel. • Congresso de Santiago (1856) • Participação do Chile, Equador e Peru. • É assinado pela primeira vez na América um Tratado de Aliança Militar e de Assistência Recíproca, retomando a ideia de solidariedade continental de Bolívar. • No mesmo ano, Estados Unidos, México, Colômbia, Guatemala, Costa Rica, Honduras e Peru assinam com o mesmo caráter no Congresso de Washington (1856). • Nenhum dos dois tratados foi ratificado. • II Congresso de Lima (1864-1865) • Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Venezuela e Peru. • Debates com relação ao perigo da fragmentação territorial contínua tomam conta das reuniões. • É assinado um Pacto de União por meio de uma aliança defensiva, sem efetivas consequências. A ideia de unificação permeou a história latino-americana ao longo de todo o século XIX. Efêmeras tentativas como aquela da Confederação Peru- Boliviana naufragaram. Fruto da instabilidade política peruana e dos projetos ambiciosos do presidente boliviano Andrés de Santa Cruz, tal união andina durou apenas três anos, entre 1836-1839, sendo derrotada pelos ataques do caudilho Manoel Rosas e do governo chileno, insatisfeito com o protecionismo promovido por Santa Cruz. Os conflitos políticos, as rivalidades econômicas e as guerras marcam a segunda metade do século XIX. Para além da Guerra do Paraguai (1864- 1870), fruto da formação dos Estados Nacionais platinos, a Guerra do Pacífico (1879-1884) deixa nefastas consequências até os dias de hoje. A exploração de guano e salitre no litoral pacíficoera alvo de constantes disputas entre Peru, Bolívia e Chile. Diante de maior força chilena, Peru e Bolívia assinaram um acordo secreto de cooperação mútua diante de uma possível agressão de Santiago. E este foi acionado quando, após a nacionalização da empresa chilena de capitais britânicos Antofogasta Nitrate & Railway Company, 200 soldados chilenos invadiram a Bolívia. Após anos de conflitos, o vitorioso Chile assina o Tratado de Ancón (1883) com o Peru, no qual anexa o departamento de Taparacá, ocupando Tacna e Arica. Já com a Bolívia, o acordo de paz prevê a cessão de sua saída para o Pacífico ao Chile, sendo tais anexações ainda alvo de protestos e rivalidades nacionalistas. 11. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Como se explica que um período de tanto progresso pudesse levar o Velho Continente, berço da civilização ocidental, a experimentar novamente a barbárie, como se viu durante a Primeira Guerra Mundial? [...] Em 11 de novembro (1918), terminava a Grande Guerra. Morreram 8 milhões de pessoas, 20 milhões ficaram inválidas, sem falar nos prejuízos econômicos e financeiros que atingiram os países europeus envolvidos diretamente com a guerra36. 11.1. Antecedentes Podemos interpretar os fatores que resultaram na eclosão da Primeira Guerra Mundial de duas formas. A versão mais utilizada pelos historiadores, influenciados pela visão leninista, trabalha que a guerra seria um “choque entre imperialismos”. Por este viés, configura-se uma profunda ênfase nas tensões interimperialistas. Outras análises, contudo, como a desenvolvida no livro História das relações internacionais, não ignoram a importância do neocolonialismo, mas ressaltam as modificações na estrutura política europeia após a unificação alemã como ponto de destaque dentro do contexto que antecede o conflito mundial. Após a criação desse novo país, o pragmatismo da política bismarckiana suplantou os nacionalismos europeus em nome da garantia das fronteiras do Império Alemão e do isolamento da França nas relações internacionais no pós-1870, com o objetivo principal de neutralizar qualquer tipo de revanchismo francês. Porém, a partir da queda do chanceler, a agressiva Weltpolitik toma conta de Berlim. Ainda que alguns dos principais elementos deste período tenham origens no período de Bismarck - como o afastamento em relação ao Império Russo, o esboço de uma política imperialista e o fortalecimento da indústria pesada germânica - é com Graf von Caprivi que a promoção de uma política mundial alemã é incrementada. A insatisfação cada vez maior com suas parcas possessões ultramarinas faz com que o Império Alemão invista cada vez mais em sua Marinha, incrementando não somente as tensões interimperialistas, mas acirrando também os ânimos nacionalistas. Enquanto isso, o momento britânico não era dos mais favoráveis no início do século XX; o incidente de Fashoda (1898) marcava uma dissociação com a França devido às disputas territoriais ao norte da África, e a Guerra dos Boers (1899-1902) repercutiu muito mal entre os europeus, recebendo os britânicos críticas dos principais meios de imprensa do continente. O crescimento naval alemão resultou no chamado navy scare, sendo o contexto favorável para uma profunda mudança na política externa realizada há décadas pela ilha. O “isolamento esplêndido”, gestado ainda na década de 1820, chegava a seu fim em 1904, quando a Inglaterra promove a Entente Cordiale com a França. Com os gauleses, a Grã-Bretanha realiza um acordo no qual tem reconhecido o domínio dos súditos da rainha Vitória sobre o Egito, em troca do fornecimento de todo suporte à França para que esta mantivesse o protetorado sobre o território marroquino, pondo fim à isonomia determinada pela Convenção de Madri (1880). Para muitos, é com o intuito de evitar um confronto direto com a Grã-Bretanha que a Alemanha aceita a Convenção de Algeciras (1906) ou mesmo recua na Crise de Agadir (1911), aceitando a exploração de parte do Congo em troca da aceitação da presença francesa no Marrocos, compondo o que ficaria conhecido como a Questão Marroquina. Dois anos depois, com a abdicação russa de suas pretensões no extremo oriente (após a derrota na Guerra da Manchúria seguida da Revolução de 1905), os britânicos pleiteiam a entrada do Império Russo na Tríplice Entente (1907). Formada ainda em 1882, em meio à gestação do segundo sistema bismarckiano, a Tríplice Aliança era composta por países que pretendiam melhores condições de exploração na África-Ásia (Itália e Império Alemão) e aqueles unidos pelo pangermanismo (Império Alemão e Império Austro-Húngaro). Disputas territoriais também compunham este instável cenário europeu que antecede a Primeira Guerra Mundial. A região dos Bálcãs era alvo de complexas tensões, sendo a fragmentação do Império Turco-Otomano sua origem imediata. Nacionalismos locais, potências expansionistas regionais (Bulgária e Sérvia) e grandes potências aproveitaram-se desse vácuo de poder para impor suas próprias agendas. No início do século XX, o principal território em disputa era a Bósnia, pretendida tanto pelo Império Austro-Húngaro (defensor do Pangermanismo) como pela Sérvia, que integrava o Pan-eslavismo. O choque entre os nacionalismos leva à forte insatisfação dentro da Bósnia, que possuía população eslava, mas estava sob o domínio dos austríacos. Ainda nesse contexto, os russos pretendiam obter a sua saída para o “mar quente”, uma vez que seu litoral norte congelava durante a maior parte do ano, dificultando a comunicação com o exterior. Aproveitando o processo de declínio do Império Turco-Otomano, o Império Russo pretendia, através da conquista dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, resolver sua dificuldade histórica, conseguindo desta forma “nadadeiras para o urso”. Enquanto isso, acreditava-se que a Europa estava em paz; mas o cenário era de “paz armada”, uma vez que boa parte dos orçamentos era destinada ao incremento do setor bélico. Eram tempos de hegemonia da belle époque nos grandes salões, e as exposições tecnológicas contribuíram para a maior parte da população europeia ignorar o que acontecia nos bastidores políticos. Bastaria um pequeno incidente para transformar o momento de tensão em guerra de proporções inimagináveis. O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando (juntamente com sua esposa, a condessa Sofia Chotek) em visita a Sarajevo, capital da Bósnia Herzegovina, no dia 28 de junho de 1914, serviu de estopim para a deflagração do conflito. O grupo nacionalista eslavo “Mão Negra” encomenda a execução do nobre austríaco para demonstrar sua insatisfação com o domínio do império multiétnico. Como retaliação, Francisco José I declara guerra à Sérvia no intuito de vingar a morte de seu sobrinho. As alianças saíam do papel e entravam em confronto exatamente um mês após o assassinato, iniciando assim um conflito bélico sem precedentes na história: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nenhum dos envolvidos no conflito acreditava que a guerra iria durar mais de alguns poucos meses. O nacionalismo exaltado colaborou para o sucesso do recrutamento forçado nas grandes potências envolvidas, assim como na gestão da economia de guerra para o desenrolar do confronto. 11.2. A Guerra Nos primeiros meses de conflito, uma guerra de movimentos mobilizou as principais divisões europeias. Nesta “Primeira Guerra de Movimentos” destacou-se o exército alemão, que tentou executar o Plano Schlieffen. Neste, para evitar um prolongado conflito em duas frentes, o Império Alemão buscava concentrar todo o esforço bélico para ganhar a guerra, primeiramente na Europa Ocidental e, depois, voltaria sua atenção para a frente oriental, evitando assim uma divisão das tropas e das reservas. Assim, a França foi invadida pelos alemães através da Bélgica, marchando o exército alemão em direção a Paris. As consequências desta estratégia foram marcantes para o futuro do conflito. Ao invadir a Bélgica, a Alemanha violava os termos da Conferência de Londres (1831), quando Inglaterra e França se comprometeram a defendera neutralidade perpétua daquele país. Por esse motivo, a Inglaterra entra na guerra. Ao mesmo tempo, uma inesperada ofensiva russa no Oriente levou à divisão das forças alemães, que não contavam com a rápida mobilização militar francesa (incluindo a ida de soldados para o front de táxi) ao Norte. Era o fracasso do Plano Schlieffen. A partir desse momento, verifica-se um equilíbrio entre os exércitos, que caracteriza uma guerra de posições, também chamada de Guerra de Trincheiras. Apesar dos maiores combates acontecerem na Europa, outros continentes também participaram ativamente do conflito. Ao lado da Entente, lutaram Japão, China, Estados Unidos e Brasil, por exemplo, existindo combates na Pérsia, Arábia e nas colônias alemãs da África e nas ilhas do Pacífico. A pouca movimentação dos exércitos (por exemplo, os alemães recuaram 16 km em cerca de três anos e meio) não impediu mudanças entre os protagonistas. Atritos com o Império Austro-Húngaro devido à Questão da Itália Irredenta (territórios almejados desde os tempos da unificação - região de Trentino, Tirol e Ístria) fizeram com que a Itália não entrasse em guerra mesmo compondo a Tríplice Aliança, mantendo sob diversos subterfúgios a neutralidade. Aproveitando tal situação, a Inglaterra promete territórios aos italianos, que ingressam na Tríplice Entente em maio de 1915. À medida que a guerra se prolongava, as dificuldades também cresciam: falta de alimentos, que resultavam em dias de racionamento, alta de preços e aumento da jornada de trabalho em nome dos “esforços de guerra”. Nas fábricas, as mulheres substituíam os homens que foram para o front. As alterações mais significativas ocorreram em 1917. Em abril desse ano, os estadunidenses romperam seu isolacionismo. Ataques de submarinos alemães a navios mercantes no Atlântico, com o objetivo de abreviar o intenso comércio entre os Estados Unidos e os membros da Entente, além da defesa dos capitais investidos na França e Inglaterra, foram fatores decisivos para a entrada do “Tio Sam” na guerra, assim como a tentativa de aproximação militar entre o Império Alemão e o México que, em troca de suas bases militares e aliança, receberia de volta os territórios perdidos durante a Marcha para o Oeste (Telegrama Zimmerman37). Em novembro do mesmo ano, como consequência direta da Revolução Bolchevique, Lenin e seus camaradas retiram a Rússia do conflito. Uma das principais reivindicações do povo russo e promessa dos bolcheviques durante o processo revolucionário, a saída da Rússia foi concretizada com a assinatura do Tratado de Brest-Litovisk (3 de março de 1918). Os termos do acordo geraram muitas críticas internas, uma vez que a Rússia perdia o controle de alguns territórios, tais como Finlândia, Estônia, Lituânia, Letônia, Ucrânia, Bielorússia e Polônia. O Império Alemão parecia pronto para concentrar suas forças na frente ocidental. Mas a entrada do exército estadunidense e a introdução de novas armas, como tanques, armas químicas e aviões de guerra superaram as trincheiras e provocaram a retomada da Guerra de Movimentos. Sucessivas derrotas, enfraquecimento progressivo de aliados como o Império Turco- Otomano e a Bulgária, assim como as revoltas internas na Alemanha levaram à renúncia do imperador Guilherme I. O Império Austro-Húngaro pede um armistício com base na proposta de paz estadunidense ainda em outubro. Isolada, não resta outra alternativa à república alemã a não ser assinar o Armistício de Compiegne, pondo fim à Grande Guerra. 11.3. Construindo a Paz Sucessivos armistícios compuseram o final dos embates armados e, findas as operações militares, era a hora da reunião entre os vitoriosos para decidir acerca do pós-guerra. Na Conferência de Paz de Paris (1919), as propostas estadunidenses e franco-britânicas se opunham. Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Wodrow Wilson, ignorava os anseios populares expressos por meio do Congresso conservador, que desejava o afastamento das questões políticas europeias, ingleses e franceses desejavam uma paz punitiva aos alemães. Os 14 Pontos de Wilson foram divulgados ainda em janeiro de 1918, baseados na ideia de “paz sem vencedores”: 1. Inaugurar pactos de paz, depois dos quais não deverá haver acordos diplomáticos secretos, mas sim diplomacia franca e sob os olhos públicos; 2. Liberdade absoluta de navegação nos mares e águas fora do território nacional, tanto na paz quanto na guerra, com exceção dos mares fechados completamente ou em parte por ação internacional em cumprimento de pactos internacionais; 3. Abolição, na medida do possível, de todas as barreiras econômicas entre os países e o estabelecimento de uma igualdade das condições de comércio entre todas as nações que consentem com a paz e com a associação multilateral; 4. Garantias adequadas da redução dos armamentos nacionais até o menor nível necessário para garantir a segurança nacional; 5. Um reajuste livre, aberto e absolutamente imparcial da política colonialista, baseado na observação estrita do princípio de que a soberania dos interesses das populações colonizadas deve ter o mesmo peso dos pedidos equiparáveis das nações colonizadoras; 6. Retirada dos Exércitos do território russo e solução de todas as questões envolvendo a Rússia, visando assegurar melhor cooperação com outras nações do mundo. O tratamento dispensado à Rússia por suas nações irmãs será o teste de sua boa vontade, da compreensão de suas necessidades como distintas de seus próprios interesses e de sua simpatia inteligente e altruísta; 7. Bélgica, o mundo inteiro concordará, precisa ser restaurada, sem qualquer tentativa de limitar sua soberania à qual ela tem direito assim como as outras nações livres; 8. Todo território francês deve ser libertado e as partes invadidas restauradas. O mal feito à França pela Prússia, em 1871, na questão da Alsácia-Lorena, deve ser desfeito para que a paz possa ser garantida mais uma vez, no interesse de todos; 9. Reajuste das fronteiras italianas, respeitando linhas reconhecidas de nacionalidade; 10. Reconhecimento do direito ao desenvolvimento autônomo dos povos da Áustria-Hungria, cujo lugar entre as nações queremos ver assegurado e salvaguardado; 11. Retirada das tropas estrangeiras da Romênia, da Sérvia e de Montenegro, restauração dos territórios invadidos e o direito de acesso ao mar para a Sérvia; 12. Reconhecimento da autonomia da parte da Turquia dentro do Império Otomano e a abertura permanente do estreito de Dardanelos como passagem livre aos navios e ao comércio de todas as nações, sob garantias internacionais; 13. Independência da Polônia, incluindo os territórios habitados por população polonesa, que devem ter acesso seguro e livre ao mar; 14. Criação de uma associação geral sob pactos específicos para o propósito de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial dos grandes e pequenos Estados. A reunião de Paris não concretizou as ideias de Wilson, vencedor do prêmio Nobel da Paz de 1919. Os interesses de Lioyd George (Inglaterra) e Clemenceau (França) predominaram, uma vez que os diversos acordos paralelos às negociações levaram à criação do Tratado de Versalhes (1919). A despeito das críticas de alguns delegados, inclusive britânicos como Lord Keynes, que acreditavam que a Europa não poderia prescindir da economia alemã no pós-guerra, a paz punitiva foi estabelecida. Segundo o tal tratado, a Alemanha foi considerada culpada pela guerra, obrigada desta forma a acatar uma série de pontos que visavam enfraquecer a recém-criada república. Entre os principais pontos destacam-se: • Pagamento de indenizações de guerra pelos danos causados; • Devolução da Alsácia-Lorena aos franceses; • Acesso da Polônia ao mar por uma faixa de terra dentro do território alemão, que desembocava no porto de Danztzing; • Perda de terriórios na Europa: Eupen e Malmedy com a Bélgica; Soldau, Vármia e Masúria com a Polônia; Klaipeda com a Lituânia; Sonderjutlântia com a Dinamarca, dentre outros. • Perda de todas as colônias38;• Exército limitado a cem mil homens; • Proibição de desenvolvimento das indústrias bélica e naval; • Província de Sarre sob o comando da Liga das Nações por 15 anos. É também neste contexto que foi oficializada a criação da Liga das Nações, organismo com o objetivo de manter a paz mundial e resolver os principais conflitos internacionais por meio do arbitramento e da negociação. A Secretaria Geral era sediada em Genebra, tendo como principais órgãos a Assembleia Geral e o Conselho Executivo, composto inicialmente por Grã- Bretanha, França, Itália e Japão como membros permanentes, já que a Liga não tinha a participação da Alemanha e da União Soviética, que posteriormente iriam compor o Conselho Executivo, cujos membros não permanentes seriam escolhidos pela Assembleia Geral (o Brasil foi um destes membros entre 1919 e 1926). Outros acordos foram discutidos com os derrotados. O Tratado de Saint- Germain, assinado com a República da Áustria, declarava dissolvida a monarquia austro-húngara, retirava a saída para o mar austríaco, forçava-a a reconhecer as independências da Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia, assim como proibia uma suposta anexação da Áustria à Alemanha. O Tratado de Trianon (1920) foi responsável por regular o estatuto de uma Hungria independente do Império Austro-Húngaro, bem como determinar suas fronteiras. Situação complicada ocorreu com o Império Turco-Otomano, uma vez que os turcos não aceitaram as condições do Tratado de Sèvres, que determinava a dissolução do “gigante doente” da Europa. Na Guerra de Independência Turca, composta por conflitos contra franceses, armênios e gregos - entre 1921 e 1923 - liderados por Kemal Ataturk, a Turquia conseguiu a assinatura de um novo acordo, o Tratado de Lousanne (1923), que estabelece as bases da Turquia moderna. 11.4. Consequências Gerais O fim dos grandes impérios veio acompanhado de questões que marcaram o período entre-guerras. O presidente Wodrow Wilson viu por duas vezes o Senado estadunidense vetar a participação do país na Liga das Nações, que não contaria com a participação dos founding fathers do projeto. Enquanto isso, a Itália lamentava a humilhação pela forma como fora tratada pelas grandes potências, uma vez que seus limitados esforços durante o conflito (como na capitulação austríaca na batalha do Vittorio Veneto) não foram recompensados com o recebimento dos territórios prometidos quando da mudança para a Tríplice Entente. Hegemônicos na economia mundial, os Estados Unidos voltaram à posição isolacionista anterior ao conflito. A Europa enfrentava uma grave crise econômica em seus esforços para a reconstrução, sendo esta situação aproveitada pelos colonos afro-asiáticos que, naquele momento, realizavam seus primeiros movimentos pró-independência. Em tentativa de reorganizar as relações internacionais europeias, algumas conferências são realizadas ao longo da década de 1920. Em 1922, representantes de 34 países do mundo se reuniram em Genebra para discutir os rumos da economia mundial após a Primeira Guerra Mundial. Discussões acerca das relações com a Rússia e o pagamento das indenizações de guerra por parte da Alemanha favoreceram a aproximação entre Berlim e Moscou. O Tratado de Rapallo (1922), assinado pelo ministro das relações exteriores soviético George Chicherin e pelo alemão Joseph Wirth, buscava romper o isolamento imposto aos dois países pela Conferência de Paz de Paris. A ideia central era normalizar as relações diplomáticas, destacando-se a renúncia das reivindicações territoriais entre ambos e também, por meio de uma cláusula secreta, a permissão de treinamento militar de tropas alemãs em solo soviético. Tal aproximação fez crescer a preocupação britânica com relação à situação alemã. A profunda crise econômica alemã de 1923 e a ocupação francesa, com o recrudescimento das posições bilaterais, são seguidas por um movimento delicado: a desvalorização do franco faz com que a França pegue empréstimo de banqueiros estadunidenses interessados em um fortalecimento da economia alemã. Em 1924, o Plano Dawes de ajuda estadunidense à Alemanha previa não apenas a diminuição da dívida alemã, mas também a facilidade do pagamento das reparações de guerra, e, em contrapartida, a França, comprometida com os banqueiros dos Estados Unidos, se comprometeu a evacuar Ruhr e uma parte da Renânia. Diante de tal quadro, a reinserção da Alemanha na geopolítica europeia se impunha. Em outubro de 1925, representantes da República de Weimar, França, Grã-Bretanha, Bélgica, Reino da Itália, Tchecoslováquia e Polônia reuniram-se na Suíça para acertar as “arestas”. Dentre os principais acordos assinados em 1925, destaca-se o “Pacto da Estabilidade”, no qual as potências aliadas se comprometem a não violar a soberania alemã em troca da garantia do respeito, por parte de Berlim, das fronteiras determinadas pelo Tratado de Versalhes com a França e Bélgica, assim como a desmilitarização da Renânia. Os Tratados de Locarno (1925) abriram o caminho para a entrada da Alemanha na Liga das Nações em 1926. Mesmo com tais negociações entre as potências, no qual inclusive há um acordo em que os signatários estipulavam a renúncia à guerra como instrumento de política nacional (Pacto Briando-Kellog), as humilhações derivadas da Primeira Guerra Mundial figuram como um elemento fundamental para a eclosão de uma nova guerra de proporções mundiais, pouco mais de duas décadas da assinatura do armistício de 1918. 12. A Ascensão do Comunismo A Rússia era até então economicamente desprezível, embora observadores de larga visão já previssem que seus vastos recursos, sua população e seu tamanho iriam, mais cedo ou mais tarde, projetá-la mundialmente. As minas e as manufaturas criadas pelos czares do século XVIII, tendo senhores ou mercadores feudais como empregadores, e servos como operários, estavam declinando lentamente. As novas indústrias - fábricas têxteis domésticas de pequeno porte - somente começaram a apresentar uma expansão realmente digna de nota a partir de 186039. 12.1. Império Russo Em inícios do século XX, a Rússia vivia uma situação de anacronismo político; enquanto o mundo ocidental vivia a afirmação do liberalismo originado, segundo expressão utilizada pelo historiador Eric Hobsbawn em seu livro “Era das Revoluções”, a maior potência do leste europeu ainda se encontrava na Idade Moderna. O czarismo dos Romanov era um regime autocrático, próximo ao da França absolutista e ideologicamente embasado no cristianismo ortodoxo. Nicolau II, o último dos sucessores de Pedro (O Grande), administrava um Estado que desde a derrota na Guerra da Crimeia buscava a modernização. O fim da servidão ainda na década de 1860, a entrada de capitais estrangeiros para a industrialização e a constituição de um proletariado urbano influenciado pelo socialismo conviviam, paradoxalmente, com uma economia baseada na agroexportação, forte concentração fundiária e ausência de leis trabalhistas. É nesse contexto que se fortalece a resistência ao czarismo. Desde os anos 1840, sucessivas gerações de intelectuais críticos se opunham ao czarismo dos Romanov, atacando as reformas parciais protagonizadas pelo Estado, sendo aí criado o termo intelligentsia que, posteriormente, daria a volta ao mundo. A oposição clandestina ganhou notoriedade com os populistas, também conhecidos como narodniks, entre os anos 1860 e 1870. Estes acreditavam nas comunas como forma de estabelecer a igualdade social no país e se utilizavam do terrorismo contra as principais figuras do governo, sendo a tentativa de assassinato do czar Alexandre III o auge dessa estratégia. A institucionalização do populismo ocorre no início do século XX, com a criação do Partido Socialista Revolucionário (1902), defensor da reforma agrária e da igualdade social e liderado por Vitor Chernov, que, em pouco tempo, transformou-se na mais popular organização partidária do Império Russo. Enquanto os socialistas revolucionários eram hegemônicos entre o campesinato russo, o Partido OperárioSocial-Democrata Russo (POSDR) atuava majoritariamente nas cidades. Seguindo as orientações da II Internacional Socialista, o POSDR acaba tendo muitas dificuldades para atuar dentro do Império e sua existência foi efêmera, uma vez que, cinco anos depois de sua fundação, em seu II Congresso, ocorre uma grave cisão interna. Enquanto os Mencheviques (“minoria” em russo, liderados por Martov) desejavam um critério menos rigoroso na votação do Congresso, os Bolcheviques (“maioria” em russo, liderado por Lenin) defendiam que somente filiados do partido poderiam decidir os seus rumos. Em termos historiográficos, os Mencheviques ficaram marcados pela sua ortodoxia na interpretação dos escritos de Marx. Estes defendiam que a Rússia não poderia realizar imediatamente a revolução socialista, uma vez que não tinha passado pelo estágio capitalista (nem mesmo por uma revolução liberal). Enquanto isso, Lenin adaptava o marxismo às condições russas, acreditando na viabilidade da revolução socialista mesmo em uma economia agrária com características feudais, como aquela do Império Russo. Por fim, a burguesia e os latifundiários organizaram o Partido Constitucional-Democrático, cujo principal projeto político era a construção de um Estado liberal na Rússia. Era essa a cena política que vigorava no Império Russo às vésperas das revoluções que viriam a se desenrolar ainda no início do século XX. 12.2. Revolução de 1905 As décadas de crescimento econômico industrial ao final do século XIX resultaram na depressão iniciada em 1899. Ao lado deste quadro de crise, as dificuldades do povo russo são agravadas devido às sucessivas derrotas das tropas do czar diante do exército japonês. A disputa pela Manchúria (rica região chinesa) demonstrou a fragilidade daquela que, outrora, acreditava- se ser uma potência europeia. As manifestações de caráter “socialista policial”, onde figuras do governo imperial se infiltravam em movimentos populares, se avolumavam. Em uma dessas manifestações, liderada pelo padre George Gapon, os participantes exigiam melhorias das condições de vida, embalados sob o Hino Imperial, Deus Salve o Czar. O planejado era chegar ao Palácio de Inverno do Czar, mas antes se depararam com a infantaria do Império, e o confronto resultou em noventa e dois mortos. Greves, insurreições militares (como aquela do Encouraçado Potenquim) e novas manifestações populares quase levaram à queda de Nicolau II. Para se manter no poder, o governante lança o Manifesto de Outubro, prometendo liberdades individuais, reforma agrária, legalização dos partidos políticos e soviets, assim como a criação de uma Duma Nacional. Dessa forma, Nicolau II consegue retomar o controle do Império, elaborando reformas limitadas que logo seriam suspensas. Até mesmo um novo grupo político - favorável à manutenção dos Romanov no poder sob um regime liberal moderado -, os Outubristas, foi constituído. Já no início da década de 1910 a economia retomara os números no início do século, os partidos retornaram à ilegalidade e a Okhrana (polícia política do czar) reprimia os opositores como nunca. Segundo Lenin, as manifestações de 1905 constituíram-se em um “Ensaio Geral”, preparando os ânimos para os acontecimentos de doze anos depois, quando uma nova onda de revoltas viria a acabar definitivamente com o Império de três séculos. 12.3. As Revoluções de 1917 O expansionismo do Império Russo, uma das características mais marcantes do czarismo, possuía no pan-eslavismo sua principal ideologia. Em tempos de pan-germanismo, rivalidade anglo-germânica e, sobretudo, revanchismo francês, a disputa pelo controle da região dos Bálcãs opõe o Império Russo ao Império Austro-Húngaro. O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando coloca em pé de guerra a Tríplice Aliança (Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Itália) e a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Império Russo), levando o mundo à Primeira Guerra (1914-1918). Na fronteira oriental, russos e alemães disputavam territórios. Se no início do século XX a guerra contra Japão foi árdua para o exército russo, a partir de 1914 sucessivas derrotas no front expunham novamente a fragilidade dos russos diante do mais bem estruturado exército europeu. O Estado Maior do Exército imperial exigia a imediata retirada do conflito e a negativa do czar o leva ao isolamento político. Sem o apoio do aparato repressor e de seus principais colaboradores, em apenas cinco dias de greves e manifestações, os liberais moderados protagonizam a queda de Nicolau II, que abdica ao trono. É a Revolução de Fevereiro de 1917. Com os Romanov na Sibéria, o Governo Provisório deveria controlar os destinos da Rússia até a organização da Assembleia Constituinte. Na prática, um poder dual é instalado na Rússia: oficialmente, a Duma Nacional é órgão gestor da política; entretanto, nas grandes cidades, os soviets buscam influenciar os rumos do país. O príncipe Georgy Lvov (até julho) e Kerensky (até outubro) comandaram a Duma que, apesar de promover as liberdades individuais, não atendeu aos principais anseios do povo russo: a realização de uma reforma agrária e a retirada do país da Primeira Guerra Mundial. Em um quadro de crescente insatisfação popular e grave crise econômica, a cúpula do partido Bolchevique retorna do exílio desvencilhando-se de qualquer relação com o Governo Provisório. Em suas Teses de Abril, Lenin critica a manutenção da Rússia na “guerra burguesa do capitalismo” e promete ao povo russo, além da saída da Primeira Guerra Mundial, uma ampla reforma agrária e a solução dos problemas econômicos, sob o lema “pão, paz e terra”. Hegemônicos no principal soviet do país, o de Petrogrado, os bolcheviques decidem pegar em armas contra o Governo Provisório em outubro de 1917, encabeçando a segunda revolução de 1917, agora de caráter socialista. A Revolução de Outubro teve repercussões muito mais profundas e globais que sua ancestral, pois, se as ideias da Revolução Francesa, como é hoje evidente, duraram mais que o bolchevismo, as consequências práticas de 1917 foram maiores e mais duradouras que as de 1789. A Revolução de Outubro produziu, de longe, o mais formidável movimento revolucionário organizado na história moderna. Sua expansão global não tem paralelo desde as conquistas do Islã em seu primeiro século40. 12.4. Rússia Comunista - Os primeiros anos Governo Lenin (1917-1924) DECRETO SOBRE TERRAS DA REUNIÃO DOS SOVIETES DE DEPUTADOS OPERÁRIOS E SOLDADOS. 26 de outubro (8 de novembro) de 1917 1) Fica abolida, pelo presente decreto, sem nenhuma indenização, a propriedade latifundiária. 2) Todas as propriedades dos latifundiários, bem como as dos conventos e da igreja, acompanhadas de seus inventários, construções e demais acessórios ficarão à disposição dos comitês de terras e dos Sovietes de Deputados Camponeses, até a convocação da Assembleia Constituinte. 3) Quaisquer danos causados aos bens confiscados, que pertencem, daqui por diante, ao povo, é crime punido pelo tribunal revolucionário41. A eleição da Assembleia Constituinte, marcada para dezembro de 1917, foi mantida por Lenin. A popularidade dos socialistas-revolucionários refletiu- se no resultado eleitoral, que garantiu a maioria das cadeiras disponíveis ao grupo. As dificuldades que se apresentariam aos bolcheviques com a manutenção deste órgão fazem com que Lenin dissolva a Assembleia, sublinhando mais de uma vez que a República dos Sovietes é uma forma de democratismo mais elevada do que a república burguesa habitual, com a Assembleia Constituinte. Em seu lugar, é convocado o III Congresso dos Soviets de toda a Rússia e o Comitê dos Comissários do Povo comanda a política russa, sob a liderança de Lenin. O decreto sobre os povos da Rússia concedia liberdade àqueles que por séculos foram oprimidos pelo Império czarista, enquanto o decreto sobre o controle operário transferia a administração das fábricas para o proletariado russo. O decreto sobre a terra inicia a reforma agrária tão esperada pelos camponeses e, por fim, o Tratado de Brest-Litovskretira a Rússia da Primeira Guerra Mundial, mediante a cessão de diversas terras no leste para a Alemanha. Para além destas primeiras medidas, a economia russa passa por diversas alterações para se adaptar aos novos tempos socialistas, como a estatização imediata dos bens de produção e a declaração da moratória. No plano político, a Igreja Cristã Ortodoxa é fechada e, para que não restasse qualquer possibilidade de retorno dos Romanov ao poder, a família real é executada. O temor da articulação dos seus inimigos leva à reforma do exército, agora chamada de Exército dos Trabalhadores e Camponeses, comandado por Leon Trotsky. Ainda no ano de 1918, os contrarrevolucionários, chamados de “brancos”, iniciam a Guerra Civil (1918-1921) contra os “vermelhos” bolcheviques. Apesar de contarem com um discreto apoio de potências capitalistas e ainda dos homens da temida “Legião Tcheca”, o confisco de toda a produção por parte do Estado para abastecer o Exército Vermelho, assim como a apoio dos “pretos” (anarquistas) em regiões importantes como a Ucrânia, garantem a vitória e a consolidação do agora chamado Partido Comunista da Rússia (1919). No início da década de 1920, a maior parte do que fora antes de 1914 o Império Russo dos czares emergiu intacta como império, mas sob o governo dos bolcheviques e dedicada à construção do socialismo mundial. Foi o único dos antigos impérios dinástico-religiosos a sobreviver à Primeira Guerra Mundial, que despedaçara tanto o Império Otomano - cujo sultão era califa de todos os muçulmanos - quanto o Império Habsburgo, que mantinha relação especial com a Igreja romana42. No entanto, os rumos centralizadores do governo comunista geravam críticas internas fortes, como aquelas dos marinheiros da base de Kronstadt. Em 1921, eles exigiam o retorno do poder aos soviets, sendo estes eleitos por voto direto e secreto imediatamente, liberdade de expressão e de imprensa, direito à reunião e liberdade dos sindicatos, dentre outros pontos. A Revolta de Kronstadt foi massacrada ainda em março de 1921, sendo esta uma clara demonstração de força e centralização do governo leninista. Diante de uma crise econômica sem precedentes e de uma forte insatisfação social, reformas eram necessárias e urgentes. Ainda em 1921, Lenin anuncia um conjunto de modificações que sinalizavam a conciliação entre medidas comunistas e capitalistas, objetivando a dinamização da economia soviética. Eram tempos de Nova Política Econômica (NEP), de “um passo atrás para dar dois passos à frente”, com a permissão de investimentos estrangeiros, a diferenciação dos salários, propriedades privadas no campo aliadas à liberdade de comércio em alguns setores. Outra medida elaborada no contexto de recuperação foi a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), unindo os territórios da Transcaucásia, Ucrânia, Rússia e Bielorrúsia. Federalista em sua forma, ao longo de toda sua existência a URSS transparece características centralizadoras. A recuperação econômica ocorre de forma gradual até 1928, embora o líder bolchevique não estivesse mais à frente de seu povo quando a NEP foi concluída. Após longo período enfermo, Lenin faleceria em 21 de janeiro de 1924. A disputa pela sucessão na liderança no Partido Comunista da União Soviética é incrementada, sendo os protagonistas Leon Trotsky e Joseph Stalin (na época, Secretário-geral do Comitê Central). Nos manuais de História em geral, a oposição de projetos políticos é considerada o principal motivo para a vitória de Stalin, já que mais membros do politburo (onde ocorre a eleição) apoiaram a ideia de fortalecer o socialismo primeiro na URSS para, posteriormente, difundi-lo (“socialismo em um só país”), enquanto a imediata internacionalização do socialismo soviético, defendida por Trotsky (“revolução permanente”), era vista com receio, principalmente depois do fracasso da tentativa de levar o leninismo para a Polônia (Guerra Russo- Polonesa, entre 1919 e 1921). Fatores como o racismo existente no leste europeu (Trotsky era judeu) e a posição de Stalin no Comitê Central, facilitando articulações políticas para isolar Trotsky, também são preponderantes para a consolidação do georgiano no Kremlin. 12.5. Stalinismo Soviético até a Segunda Guerra Mundial Nascido Iossif Vissarionovitch Djugashvili na Georgia, filho de mãe costureira e pai sapateiro, dedicou-se à oposição ao regime dos Romanov na juventude, quando adotara uma gama de alcunhas, dentre elas aquela que seus mais próximos companheiros o chamavam mesmo depois da sua consolidação entre os bolcheviques: Koba. Stalin, ou homem de ferro, viria posteriormente, destacando o fato de nunca ter saído da Rússia imperial mesmo sendo duramente perseguido pela Okhrana, a polícia secreta czarista. Sua ascensão até o posto de Secretário-geral do PCUS é envolta de muitas intrigas e diversas interpretações. Após a morte de Lenin, Stalin incrementa algumas características já apresentadas nos tempos leninistas, tais como o autoritarismo, a repressão dos opositores ao projeto bolchevique e, também, dentro do PCUS, em nome do centralismo democrático. Dessa forma, quando Trotsky critica publicamente os novos rumos adotados pela gestão stalinista, é expulso do partido, parte para o exílio da República Socialista Soviética do Cazaquistão e, em 1929, é expulso da URSS. Considerado por Stalin “inimigo do povo”, Trotsky vê familiares e ex-camaradas de partido como Kamenev e Bukharin sendo duramente condenados nos “Processos de Moscou” (1936-1938), também conhecidos como o Grande Expurgo. A repressão stalinista atinge todos os setores da sociedade soviética, sendo os campos de concentração (GULAGS) sistematizados para “recolher” esses indesejados. Mesmo no México, Trotsky não escapa do destino de seus conterrâneos: morre no México, assassinado pelo agente stalinista Ramón Mercader em agosto de 1940. Se a repressão e o autoritarismo deixavam nas páginas da História a esperança democrática do “todo o poder aos sovietes”, na economia, Stalin promove um forte crescimento econômico por meio da planificação: eram os tempos dos Planos Quinquenais. A partir de 1928, a GOSPLAN determinava as metas para cada setor da economia soviética, estabelecendo investimentos, modo de produção e quantidades. Os três primeiros planos quinquenais deram ênfase maior à indústria pesada e aos bens de capital, mais do que triplicando a produção de aço e carvão, enquanto mantinha um padrão social mínimo, mesmo que as indústrias de bens de consumo não fossem esquecidas. Uma questão amplamente debatida dentro das fileiras do politburo soviético preocupava especialmente Stalin: a natureza da reforma agrária. Para o georgiano, o estímulo à criação de pequenas propriedades nos tempos de NEP era um traço do capitalismo: as propriedades deveriam ser coletivas. Com os planos quinquenais, ocorre a coletivização forçada no campo, na qual os camponeses foram obrigados a formar cooperativas agrícolas (kolkhozes), em que os meios de produção eram fornecidos pelo Estado em troca de uma parte da produção, ou se tornaram funcionários de uma fazenda estatal - sovkhozes. Desde o início, tal projeto foi criticado por inúmeros camponeses, que resistiram e foram duramente reprimidos pelo Estado. O stalinismo muitas vezes é interpretado como uma forma de totalitarismo. Críticos e defensores de tal interpretação são unânimes em afirmar que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) modificou a face do regime. Até mesmo o apelo ao nacionalismo aparece, na medida em que a internacional socialista é substituída pelo hino da URSS. Tal impacto será analisado de forma mais apurada nos próximos capítulos. 13. Os Estados Unidos no Período Entre-Guerras 13.1. Introdução A primeira guerra mundial, anunciada como a “guerra para terminar com as guerras”, deixou fixa a imagem de devastações e morticínios. Perto de treze milhões foram mortos e vinte milhões feridos. As despesas bélicas não apresentam termos de comparação com as das guerras precedentes e as devastações [...] alcançamnúmeros vertiginosos43. Enquanto a Europa sofria com as sequelas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com seu parque industrial afetado e cidades parcialmente destruídas, os Estados Unidos da América colhiam os frutos de sua participação tardia e sua localização privilegiada longe das tormentas europeias. Ao longo de todo o conflito, as empresas estadunidenses obtiveram lucros ao exportar seus produtos industrializados para os beliciosos europeus que, no pós-guerra, não só ainda precisavam dos produtos americanos, mas também de créditos para a sua reconstrução. Enquanto isso, os estadunidenses incrementavam o fordismo, a produção em série que capacitava suas indústrias a produzirem em larga escala, além de protegerem seu mercado interno por meio do protecionismo da tarifa Fordney - MacCumber (38,5%). Já em 1921, a Breve Crise de reconversão industrial ficara para a história e os estadunidenses viveriam tempos de euforia. 13.2. Anos 1920 - A Era da Ilusão Se o isolacionismo político foi retomado ainda no calor da decepção com o desprezo europeu pelos 14 Pontos de Wilson e o consequente veto do Congresso, a participação dos Estados Unidos no órgão que buscava a paz mundial, não podemos afirmar que há uma completa ausência do gigante americano com relação aos assuntos internacionais. Ainda em 1922, os Estados Unidos convocam as principais potências navais com o objetivo de evitar uma corrida armamentista em um contexto de fadiga de guerra após o conflito iniciado em 1914. Em fevereiro daquele ano, o Império Britânico, o Império do Japão, o Reino da Itália e a III República Francesa, juntamente com os Estados Unidos (temerosos com relação ao aumento do poderio bélico japonês no Pacífico) assinam o acordo. Com relação à economia, os estadunidenses foram fundamentais para salvar a Alemanha do caos em 1923, com empréstimos e renegociações das dívidas de guerra por meio dos Planos Dawes e Young. Mesmo não participando da Liga das Nações, o kantianismo pacifista não foi esquecido na Secretaria de Estado. Em 1928, Frank B. Kellogg, secretário de Estado, foi protagonista na elaboração do Tratado de Renúncia à Guerra, também conhecido como Pacto Kellog-Briand, no qual seus signatários “renunciavam à guerra como instrumento de política nacional”. Enquanto isso a sociedade estadunidense vivia a euforia do American Way of Life, quando o enriquecimento fácil e rápido era o sonho da maioria. Livros como The Great Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, demonstravam que nem todos aceitavam tal clima. Sucesso posterior de vendas, o livro de Fitzgerald tem em seu protagonista um exemplo da prosperidade muitas vezes aparente de poucos em meio a um crescente número de excluídos - é sempre importante lembrar que a desigualdade social era crescente nos Estados Unidos. Outro elemento explorado pelo autor são as consequências da Lei Seca (ou Volstead Act), aprovada em 1919. Tendo raízes nos Movimentos de Temperança do século XIX, o Ato de Proibição Nacional era um exemplo da força de uma sociedade conservadora, que baseava-se nas escrituras para pautar sua ação política. Qualquer bebida com mais de 0,5% de teor alcoólico seria considerada intoxicante e automaticamente teria sua fabricação, venda e distribuição proibidas pelo governo. Para alguns analistas tratava-se também de uma forma de controlar os operários para além do muro das fábricas. As consequências são amplamente conhecidas: trabalhadores com graves problemas de saúde por ingerir bebidas caseiras altamente tóxicas, o estabelecimento de inúmeros speakeasies (bares clandestinos) e o fortalecimento da máfia, que ganhou espaço ao traficar bebidas para as mais diversas cidades, sendo a Chicago de Al Capone um símbolo deste período. Os excluídos do American Way of Life eram fortemente reprimidos quando tentavam romper esta barreira. A Ku Klux Klan crescia em número e influência nas mais altas esferas governamentais, ampliando também seus alvos: para além dos negros, os cavaleiros da KKK também reprimiam judeus e católicos, uma vez que estes também não se encaixavam no modelo WASP (White, Anglo-Saxo and Protestant). Operários também recebiam a sua cota de repressão. Se na Europa os sindicatos eram reconhecidos como legítimos representantes dos trabalhadores na interlocução com patrões e Estado, nos Estados Unidos a ação destes era obstruída de todas as formas. Vistos como vetores de ideologias que ameaçavam a sociedade estadunidense, como o anarcossindicalismo e o comunismo, greves o movimentos sindicais eram alvo da polícia ou mesmo do aparato jurídico conservador. Até hoje controversa, a execução por eletrocução dos imigrantes anarquistas italianos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti à morte é interpretada como símbolo da intolerância com relação às esquerdas. 13.3. A Crise de 1929 O enriquecimento fácil e rápido era o sonho da maioria dos norte- americanos. O perigoso vírus da especulação contaminava especialmente aqueles que viviam em Nova York, mais próximos da caixinha mágica - a Bolsa de Valores - onde tais maravilhas aconteciam44. Na segunda metade da década de 1920 os efeitos da recuperação econômica europeia sobre os Estados Unidos já eram sentidos. Se na área rural, cenas de camponeses perdendo suas terras em um contexto de endividamento com os bancos e baixos preços dos produtos agrícolas era comum, nas cidades a prosperidade ocultava as mazelas de uma sociedade cada vez mais desigual, onde 90% da riqueza do país estava nas mãos de 13% dos estadunidenses. Após a utilização de empréstimos estadunidenses, os europeus reduzem as importações do Tio Sam. Se o refluxo do mercado externo era uma novidade, aquele que se referia ao mercado interno não. Baixos salários pagos aos operários somados à estandartização da produção, que não estimulava o consumo, levaram redução do mercado interno. Consequentemente, o sistema produzia muito mais do que podia absorver, sendo as demissões em massa o resultado imediato. Como solução para a crise de superprodução e subconsumo, os empresários buscaram a exportação de capitais e os investimentos no mercado financeiro. Em busca de lucro rápido, a especulação na bolsa de valores eleva o preço das ações de inúmeras empresas que não possuíam real valor. Enquanto o índice da Bolsa de Valores de Nova York subiu de 105 para 220 pontos entre 1926 e 1929, o volume de negócios produtivos cresceu somente de 105 para 120 - a diferença era pura especulação. O governo estimulava a concessão de créditos fáceis, para que o cidadão comum investisse também na bolsa, muitas vezes podendo comprar lotes de ação por apenas 10% do seu valor, sendo o restante liquidado com os lucros da própria aplicação. A crise seria fruto da percepção de que a economia real não crescia no mesmo ritmo da especulação na bolsa, buscando retirar seu dinheiro do mercado financeiro em busca de investimentos mais seguros. Desde o início de 1929 os grandes banqueiros estavam preocupados com os créditos abundantes diante da crescente volatilidade do mercado, que atingiu seu momento mais crítico entre a quinta-feira negra (24 de outubro) e o total desespero na terça-feira dia 29 de outubro. Era o Crack (quebra) da Bolsa de Nova York. 13.4. Grande Depressão A partir da Crise de 1929, a economia estadunidense e também mundial entram em um profundo processo de recessão. Em Washington, o presidente republicano Herbert Hoover exortava a população a manter a calma e repetia o mantra dos liberais, afirmando que “o próprio mercado iria resolver o problema”. Mesmo com o Congresso disponibilizando uma linha de crédito para o governo, o ultraliberal Hoover pouco investiu pois não acreditava na intervenção do Estado nas questões econômicas. As consequências foram inúmeras: • Falência de Empresas. • Desemprego em massa, chegando ao número de 14,5 milhões. • Miséria e fome. • Camponeses perdem suas terras para os bancos, uma vez que não conseguiram pagar suas hipotecas e, para piorar, a região do Meio Oeste enfrentou ondas de seca em 1930, 1934 e 1936. • Quebrade centenas de bancos. • Internacionalização da crise, com a retirada de capitais estadunidenses na Europa e a deteriorização do comércio mundial. 13.5. Anos 1930 - A Recuperação Hegemônicos na Casa Branca desde a eleição de Lincoln, os republicanos tentavam em 1932 o quarto mandato consecutivo. Mas nestas eleições o desafio seria enorme, pois os Estados Unidos estavam afundados na crise e diante da pouca eficácia das tímidas ações do presidente Hoover. O opositor, F. D. Roosevelt, tinha longa tradição de atuação política junto ao partido Democrata e, neste momento, criticava o liberalismo republicano tendo como base a sua administração em Nova York, onde promoveu obras sociais com o intuito de amenizar os efeitos da crise. A vitória de Roosevelt veio acompanhada da aplicação dos princípios do economista inglês John Maynard Keynes, defensor da intervenção do Estado na economia para promover o bem-estar social e, consequentemente, superar a Crise de 1929. Diversas medidas keynesianas foram adotadas pelo New Deal, sendo Roosevelt acusado por opositores de adotar o marxismo. Mais interessante ainda foi a reação da imprensa nazista, que chegou mesmo a elogiar o estadunidense por ter adotado “medidas nacionais- socialistas” nos Estados Unidos. Algumas das principais medidas adotadas pelo grupo conhecido como os “inventores do New Deal” estão: • Administração da Reconstrução Nacional • Órgão responsável pela aplicação de bilhões de dólares em obras públicas (Administração dos Trabalhos Civis), criando em menos de uma década mais de 8 milhões de empregos nos Estados Unidos. Reconstrução de hospitais, escolas, aeroportos e pontes. Neste contexto, foram criadas agências que forneciam ajuda governamental e criavam empregos temporários, como a WPA (Works Progress Administration) e a CCC (Civilian Conservation Corps). • Autoridade do Vale do Tennessee • Conjunto de medidas para auxiliar uma das regiões mais pobres do país e, portanto, que mais sofreram com a Crise de 1929. Construção de represas e incentivos para a criação de empresas são os destaques. • Ato de Ajustamento Agrícola • O governo não somente promoveu o refinanciamento das hipotecas (Corporação de Empréstimos para Proprietários), mas também promoviam estímulos em dinheiro para que os produtores agrícolas diminuíssem suas produções com o objetivo de reduzir a superprodução. Além disso, a Administração para a Eletrificação rural procurava dar suporte a estas áeras, além de facilitar créditos para os produtores. • Administração Federal de Moradias • Responsável pela intervenção do setor imobiliário. Criada pela Lei Nacional de Habitação de 1934, auxiliava no pagamento de hipotecas bancárias. • Leis Trabalhistas • Atenção especial foi dada pelo governo para o setor trabalhista. Ações como o incremento do salário mínimo ou mesmo a redução da jornada de traballho estimularam não somente a criação de novos cargos de trabalho, mas também aumentaram o poder de consumo das classes mais baixas. • Lei Wagner • Não somente criar leis trabalhistas, mas também estimular seu cumprimento. Para isso, esta lei, idealizada pelo senador Robert Wagner, estimulava a sindicalização ao defender o direito de greves e também promoveu a proteção de trabalhadores sindicalizados. • Ato de Segurança Social • Aprovado pelo Congresso estadunidense, em 1935, estabelecia a Lei da Previdência Social, garantindo não somente a ampliação do consumo como também o bem-estar de grande parte da população. Uma série de medidas também foram realizadas com o objetivo de regulamentar o setor financeiro, como a criação do Depósito Federal de Seguros Corporativos, que garantia os depósitos e também o Ato de Emergência Bancária, que intervinha no setor bastante prejudicado com a crise. Além disso, houve estímulos à indústria automobilística e também às empresas ligadas ao setor do entretenimento. Apesar do sucesso do New Deal, em 1939 os números da economia estadunidense se aproximavam daqueles de 1929, ou seja, no início da crise. A economia saíra da recessão, ficando a Grande Depressão na memória da população. Mas a Crise de 1929 ainda não estava totalmente superada, sendo para isso fundamental a participação dos Estados Unidos em um evento de grandes proporções: a Segunda Guerra Mundial. 14. Os Fascismos 14.1. Introdução O nazifascismo que se consolidaria na Europa nas décadas de 1920 e 1930 foi um marco fundamental e decisivo não apenas para a vida das populações submetidas aos regimes, mas para o rumo das relações internacionais de forma geral, a partir de um forte nacionalismo e de uma concepção política que ignorava diversas decisões tomadas anteriormente. Os regimes totalitários em ascensão na Europa aproveitaram-se de um contexto que aparecia de forma comum em quase todos os países que acabaram por adotar esse modelo político; tal contexto caracterizava-se, em parte, pela situação caótica trazida após a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), geradora de crises econômicas muito graves e humilhações inimagináveis, em especial para italianos e alemães. Além disso, o cenário também pautava-se pelo chamado “medo vermelho”, isto é, a oposição de determinados grupos sociais - em geral, burgueses, elites, classes médias, entre outros - à doutrina socialista que parecia ganhar força pelo mundo, em especial após a vitória da Revolução Russa de 1917. Evidentemente, há fatores mais específicos que serão abordados no estudo de casos, porém a 1ª Guerra mostrou-se como um antecedente importante na consolidação dos regimes nazifascistas na Europa. 14.2. Reino da Itália Camisas negras de Milão, camaradas operários! Há cinco anos, as colunas de um templo que parecia desafiar os séculos desabaram. O que havia debaixo destas ruínas? O fim de um período da história contemporânea, o fim da economia liberal e capitalista [...] Diante deste declínio constatado e irrevogável, duas soluções aparecem: a primeira seria estatizar toda a economia da Nação. Afastamo-la, pois não queremos multiplicar por dez o número dos funcionários do Estado. Outra impõe-se pela lógica: é o corporativismo englobando os elementos produtores da Nação e, quando digo produtores, não me refiro somente aos industriais mas também aos operários. O fascismo estabeleceu a igualdade de todos diante do trabalho. A diferença existe somente na escala das diversas responsabilidades. [...] O Estado deve resolver o problema da repartição de maneira que não mais seja visto o fato paradoxal e cruel da miséria no meio da opulência45. Crise. Esta é a palavra que melhor define o reino de Victorio Emanuel III após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mesmo participando do lado vitorioso do conflito. O sentimento geral na Itália naquele momento era de humilhação, uma vez que os Aliados (em particular os ingleses) violaram o Tratado de Londres (1915) quando das negociações de paz em Versalhes. Mesmo os tratados cedendo aos italianos àreas austríacas ao Norte (Trentino e Alto Ádige), região da costa da Dalmácia e as fronteiras da recém-criada Iugoslávia, não foram anexadas aos Reino da Itália, sendo as aspirações eslavas defendidas em detrimento do Irrendentismo. Na economia, a reconversão industrial que atingiu todas as economias de alguma forma relacionadas pela guerra resultou em uma grande depressão na Itália, sendo seu ápice entre 1921-1922. Diante deste quadro, a burguesia cortava custos de produção, sendo as demissões e salários baixíssimos comuns na península. Neste contexto, os trabalhadores aderiam as organizações sindicais que foram incrementadas, fortalecendo também as ideologias de origem marxista na península. Para a burguesia e parte significativa da classe média, o chamado medo vermelho fez com que estas buscassem uma solução para a radicalização de esquerda, sendo a extrema- direita uma alternativa apresentada. Baseando-se em uma popularidade crescente, o movimento fascista italiano, fundado em 1919, mostrava suas “garras”. Repressão aos movimentos de esquerda realizados por uma ala radical - a MilíciaVoluntária para a Segurança Nacional - e um discurso salvacionista foram utilizados pelo seu líder, o ex-socialista Benito Mussolini para conquistar a confiança dos conservadores e também de setores operários. Ultranacionalista (lembre-se que fascio era um símbolo de poder dos magistrados do Império Romano), o movimento pregava a defesa da monarquia, de propriedade privada, além da Igreja. Como alternativa ao discurso de luta de classes proposto pelos marxistas, os fascistas apresentavam o corporativismo. Este último parecia ser a forma mais conveniente de conter o sindicalismo ao propor a cessão de benefícios aos trabalhadores em troca de uma suposta “união de classes”. Segundo esta ideologia, a colaboração entre burguesia, Estado e proletariado proporcionaria não somente o crescimento econômico da Itália, mas também benefícios sociais aos trabalhadores. A crescente violência praticada pelos “camisas negras” (os membros da Milícia Voluntária para a Segurança Nacional), que violavam abertamente princípios constitucionais, foi contestada por diversos setores da sociedade. Inconformados, sindicalistas convocaram uma greve geral em outubro de 1922. Como resposta, os fascistas, agora reunidos em um partido, o Partido Nacional Fascista, convocaram uma manifestação em Roma para “protestar”contra a instabilidade política e social proporcionada pela “mobilização comunista”. O governo do primeiro-ministro Luigi Facta era ameaçado por todos os lados. Como resultado direto desse episódio, o rei Vitório Emanuel III, com apoio de importantes setores da indústria italiana e do governo, que acreditavam ser o fascismo uma solução para os graves problemas políticos e sociais do reino, convida Mussolini para assumir o cargo de Primeiro Ministro. O líder fascistas assumia o poder, mas ainda não possuía maioria parlamentar para poder alterar as bases da política italiana. Para isso, usa de todos os meios legais e ilegais para ganhar as eleições 1924, obtendo maioria absoluta dos votos. Com o parlamento em suas mãos, Mussolini promove a Reforma Constitucional de 1925, que não apenas centraliza o poder em suas mãos, mas também expulsa os deputados “aventinos” (socialistas e católicos opositores) do Parlamento e cria novos tribunais formados por oficiais do Exército e da Milícia Voluntária para a Segurança Nacional, que julgariam os delitos políticos. Duas tentativas de assassinato a Mussolini foram amplamente utilizadas pelos fascistas para justificar o massacre aos opositores. O caminho para o totalitarismo foi completado quando, em 1928, o Grande Conselho do Fascismo tornou-se o principal órgão constitucional do reino, sendo abolidas as eleições. Benito Mussolini era o “Duce”, assumindo o controle total do país. 14.3. Alemanha Após a Primeira Guerra Mundial, a República de Weimar teve controle muito limitado sobre as forças militares e policiais necessárias à manutenção da paz interna. No final, a República caiu em consequência dessa limitação, fragilidade explorada por organizações da classe média, as quais achavam que o regime parlamentar-republicano as discriminava e, assim, procuraram destruí-lo46. Ainda em 1918 diversas mudanças políticas atingiram a Alemanha em meio às sucessivas derrotas na Primeira Guerra Mundial (1939-1945). A queda do kaiser Guilherme II foi sucedida pela chegada dos republicanos ao poder, que negociaram o armistício que pôs fim ao conflito, como visto anteriormente. Ainda em meio a reconstrução nacional, algumas das figuras mais destacadas do novo regime saíram da conturbada Berlim para elaborar as bases de uma nova Constituição. Aprovada, com um caráter social destacado, a Constituição de 1919 é a base para o período republicano que se extende até a centralização de poderes nas mãos dos nazistas, conhecido como República de Weimar (1919-1933). Acompanhada da humilhação sofrida na Conferência de Paz de Paris, onde viu seu território ser dividido pelos vitoriosos, perdeu todas as suas possessões ultramarinas, pagamento de indenizações no valor de 132 bilhões de marcos dentre outras violações da soberania nacional impostas pelo “Tratado de Versalhes” - chamado de Diktak pelos alemães -, a situação alemã no pós-Primeira Guerra Mundial era consideravelmente mais grave do que a da Itália, uma vez que a crise econômica que atingiu os germânicos foi um episódio sem precedentes na história daquele país. A hiperinflação atingia números exorbitantes, o desemprego assolava a população em massa e o governo da República de Weimar não parecia estar nem perto de uma possível solução para tal situação. Encarada por muitos como a mais organizada da Europa, a esquerda alemã dividia-se com diversas estratégias para chegar ao poder. Enquanto os sociais-democratas buscaram a via eleitoral e o aumento de sua representatividade no Reichstag (Parlamento) alemão, os espartaquistas de Rosa Luxemburgo, defensores de uma espécie de comunismo libertário, foram brutalmente reprimidos. Para completar o quadro instável, o Partido Social Democrata Independente radicalizou suas ações ao tomar o poder e, por algumas semanas, implementar a êfemera experiência da República Soviética da Baviera em 1919. Enquanto isso, o movimento ultranacionalista também buscava o seu “lugar ao sol”. Fundado em 1920, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazista) ganha projeção ao longo da década. Muitas vezes as características do partido são associadas às ideias do seu mais longevo presidente: Adolf Hitler. Austríaco e ex-combatente no Exército Alemão durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Hitler não aceitava o desfecho desfavorável do conflito para a Alemanha, identificando como traidores aqueles que aceitaram as humilhações impostas pelas potências vitoriosas. Creditava aos inimigos internos não somente a assinatura do Tratado de Versalhes, mas também a crise econômica e social. Quem seriam estes inimigos? Os judeus. Defensor do arianismo, Hitler e seus companheiros mais próximos como Joseph Goebbels (futuro ministro da propaganda nazista) viam nos judeus uma ameaça à pureza da raça ariana, assim como creditavam a crise econômica aos burgueses (principalmente banqueiros e empresários) de origem judaica e também as humilhações impostas pelos vitoriosos na Primeira Guerra como uma associação da comunidade judaica internacional com aqueles que participavam da República de Weimar. O antissemitismo enraizado no continente europeu ganhava seu capítulo mais sombrio neste momento. Como fórmula para a crise econômica alemã, sugeria a superação do capitalismo por meio da intervenção da economia e de um Estado forte; e como alternativa ao discurso de igualdade social dos comunistas, Hitler defendia medidas sociais para os trabalhadores alemães, buscando esvaziar o discurso revolucionário das esquerdas. A fracassada tentativa de golpe liderada por Adolf Hitler em 1923 - o Putsch de Munique - e a publicação do livro de sua autoria, Mein Kampf (minha luta), no qual algumas características fundamentais do nazismo se apresentavam sem disfarce perante a sociedade alemã, contribuem para o crescimento da ideologia de extrema direita no país. Entre 1925 e 1929 os movimentos radicais apresentam um refluxo, visto que a República de Weimar parecia poder começar a respirar economicamente, graças aos Planos Dawes e Young, promovidos pelos estadunidenses. Juntamente com créditos facilitados, estes planos econômicos renegociavam o pagamento das indenizações de guerra, o que proporcionou um contínuo crescimento ao país. Porém, com a Crise de 1929, a retirada total dos capitais estrangeiros, em especial os estadunidenses que vinham dando um pequeno fôlego aos alemães, afunda o país em uma nova espiral de crise. Pautando-se no binômio repressão-arianismo, o Partido Nazista, em meio ao desespero de grande parcela da população alemã, conquista cadeiras no Parlamento. Em 1930, os nacionais-socialistas obtêm cerca de 18,3% dos votos. Em 1932, eram 38%, concedendo maior força à atuação de Hitler no Reichstag. O general Paulvon Hindenburg, herói da Guerra Franco- Prussiana (1870-1871), estava em seu segundo mandato47 de presidente (Reichspräsident), buscando conter mais uma crise política da República de Weimar. Três chanceleres estiveram à frente do Reichstag em 1932, sendo a indicação de Hitler por Hindenburg, em janeiro de 1933, uma alternativa. Poucas semanas depois (27 de fevereiro), um criminoso incêndio no Reichstag, promovido por três comunistas búlgaros ligados ao Comitern, favoreceu os anseios autoritários nazistas, sendo muito bem explorado o medo vermelho (Hitler falava em “conspiração vermelha”) na sociedade alemã. A novidade do nazismo era sua força psicológica, que predispunha todos, trabalhadores ou não, a aceitarem ou assumirem seu corpo ideológico. Os recalques sexuais e a energia psicossocial das massas eram canalizadas para um envolvimento contagiante com as propostas do movimento, e isto apesar de que elas se voltarem contra os interesses dos próprios trabalhadores48. Na sequência dos fatos, mais um avanço eleitoral nazista ocorre e, com maior poder em suas mãos, Hitler promove o fechamento de sindicatos e partidos de esquerda, sendo seus recursos confiscados e suas sedes invadidas49. Com a lei de depuração, o governo inicia uma autêntica “caça às bruxas”no funcionalismo público, sendo expulsos não somente judeus, como comunistas e defensores da democracia em bases liberais. Já em 1933, os 45 Lager (campos de concentração) possuíam cerca de 45 mil presos, sendo esta uma pequena amostra do que ainda estava por vir. Em agosto de 1934, com a morte de Hindenburg, em poucos dias os nazistas conseguem aprovar a unificação dos dois principais cargos políticos no país: presidente (Reichspräsident) e chanceler (Reichskanzler). A partir de então, ele era o “Führer”, isto é, único líder do país. Dentre suas concepções políticas fundamentais estavam o planejamento de anexar territórios com população germânica a fim de garantir o “espaço vital” e formar a Grande Alemanha. Também é importante assinalar que, gradualmente, são incrementadas as perseguições à comunidade judaica, sendo seu momento mais tenebroso a opção pela solução final em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). 14.4. Características Gerais Surgidos em contexto e épocas concomitantes, os governos nazista alemão e o fascista italiano apresentavam diversas características em comum. Autores como Leandro Konder, em artigo “Cultura Política nos anos críticos”50, inserido na coleção O Século XX - O tempo das crises (revoluções, fascismos e guerras), tratam o nazismo como uma variação do fascismo na Alemanha, devido às similaridades apresentadas pelos dois regimes. Dentre estas, podemos destacar: • Totalitarismo • O Estado está acima de tudo, sendo a frase de Benito Mussolini emblemática desta forma de governo: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado. O indivíduo está subordinado às necessidades do Estado e, à medida que a civilização assume formas cada vez mais complexas, a liberdade do indivíduo se restringe cada vez mais”. A filósofa alemã Hannah Arendt em sua obra As origens do totalitarismo51 identificava tais características mais presentes na Alemanha Nazista e na URSS Stalinista do que na Itália Fascista. Existem críticas crescentes a esta ideia. • Antiliberalismo • Por basearem-se no totalitarismo são também favoráveis a toda e qualquer intervenção estatal na vida política e econômica dos países; • Antidemocracia • O Estado garante a coesão nacional e tem o dever de gerir a vida de todos os cidadãos. • Unipartidarismo • Os únicos partidos políticos legalizados e admitidos pelo Estado seriam o Nazista, na Alemanha, e o Fascista, no Reino da Itália. • Anticomunismo • Uma das principais bandeiras, levantadas desde o surgimento dos partidos, era a luta contra o comunismo. O medo vermelho foi muito explorado, como visto anteriormente, pelos fascistas. A burguesia e a classe média, temendo ideias como a abolição da propriedade privada, apoiam a ascensão dos fascismos e a consequente repressão aos “vermelhos”. • Repressão • O uso da violência contra os opositores políticos (democratas, liberais, socialistas, comunistas, anarquistas ou simplesmente aqueles que se opunham ao totalitarismo nazista). Antes mesmo de chegarem ao poder a violência contra os opositores era largamente utilizada, sendo as milícias notórias neste quesito. No caso italiano, os “camisas negras”. No caso alemão, as Seções de Assalto (SA) e, posteriormente, as Seções de Segurança (SS). • Ultranacionalismo • A utilização de símbolos nacionais (bandeiras, hinos, desfiles) e os discursos nacionalistas, baseados na ideia de superação, vingança, vitória, foi fundamental para buscar uma coesão que facilitou a consolidação das ideologias fascistas no Reino da Itália e na Alemanha. Neste aspecto, o uso do esporte adquiriu um peso considerável também (exemplos são as Olimpíadas de 1936 em Berlim e a Copa do Mundo de 1934 no Reino da Itália). • Militarismo • Os investimentos na indústria bélica e no treinamento dos exércitos, bem como a ênfase no sentimento revanchista, uniram a população nos dois países e foram fundamentais durante a 2ª Guerra (1939-1945). • Expansionismo • Característica marcante no período que antecede a 2ª Guerra, ficaria bastante evidente na tentativa de anexação de territórios europeus pela Alemanha e no Norte da África pelo Reino da Itália. No caso italiano, os fascistas afirmavam que, para além da anexação dos territórios ligados à questão do Irredentismo, desejavam reconstruir as fronteiras estabelecidas pelo Império Romano. No III Reich, Hitler pregava a Teoria do Espaço Vital, formando um império unindo todos os povos de origem germânica, a “Grande Alemanha”. • Censura e Propaganda • Artifícios comuns a quase todos os regimes totalitários e/ou ditatoriais, a censura aos meios de comunicação que divulgassem pontos negativos dos governos e a propaganda positiva dos regimes eram estratégicos para o bom funcionamento dos mesmos, controlando a opinião pública e, consequentemente, a opinião das massas. • Culto ao líder • Parte integrante da propaganda dos governos, a ideia de transformar as imagens de Hitler e Mussolini em grandes heróis, figuras sem defeitos e que, portanto, deviam ser seguidas sem discussão, foi também importante para a consolidação dos regimes fascistas na Europa. O ditador era a encarnação da sua nação. • Racismo • Característica específica da Alemanha nazista, defendia a crença na superioridade da raça ariana e pregava a necessidade de eliminar grupos inferiores e que, de alguma maneira, ameaçavam a homogeneidade e pureza da raça ariana: judeus, negros, ciganos, homossexuais, deficientes etc. • Corporativismo • Traço típico da Itália Fascista, o corporativismo estabelecia o controle dos trabalhadores por meio da subordinação dos sindicatos ao Estado, substituídos por corporações, que reuniam trabalhadores e patrões, sob a direção de um delegado nomeado pelo governo. Uma vez cooptados, os operários seriam beneficiados pelas leis trabalhistas inseridas na Carta del Lavoro, que se, por um lado, significou a perda da autonomia sindical e a criação de mecanismos de controle da ação política dos cidadãos (por meio das agências estatais), trouxe benefícios trabalhistas ao operariado. Em 1936 teria início a Guerra Civil Espanhola, que reforçou definitivamente a aliança Alemanha-Itália (países que apoiaram o general Franco contra a Frente Popular), dando origem ao eixo Roma-Berlim, fortalecida posteriormente com a adesão do Japão. A partir daí ganharia força a escalada expansionista do nazifascismo, que culminaria na eclosão da Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. 15. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) A guerra europeia que se iniciou no primeiro de setembro de 1939 foi a guerra de Hitler. Historiadores continuarão a discutir as forças sociais, econômicas e políticas que o levaram a assumir uma série de riscos calculados que culminaram em uma guerra em grande escala52. Iniciadaem setembro de 1939, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) teve enormes proporções ao envolver setenta e dois países e todos os continentes direta ou indiretamente. Para alguns intérpretes, não existiram duas guerras mundias, e sim uma grande guerra mundial que iniciou-se em 1914 e terminou em 1945. Esta interpretação está relacionada às origens da Segunda Guerra Mundial que, em sua maior parte, tem início na forma como foi constituída a paz em 1919. O revanchismo alemão, a busca italiana por uma resposta à humilhação ao ver suas ambições territoriais negadas em 1919 ou mesmo a pouca importância concedida aos asiáticos que participaram na Primeira Guerra Mundial nas negociações de paz são fatores apontados como determinantes para que os regimes fascistas conseguissem angariar apoio suficiente para envolver seus povos em um novo conflito militar pouco mais de duas décadas após o fim das hostilidades iniciadas com o assassinato de Francisco Ferdinando. Para aqueles que privilegiam as análises econômicas, questões ligadas às dificuldades de negociação e transação entre os países na década de 1930 seriam fundamentais para entender as raízes deste conflito. A Crise de 1929 levou não apenas a uma retração da produção mundial mas também à adoção por parte de diversos países de um maior protecionismo econômico, produzindo uma “guerra tarifária” sem precedentes. Desta forma, a disputa por novas fontes de matéria-prima e mercados entre as principais potências que compunham o “Eixo” e os “Aliados” levaria o mundo a mais seis anos de confrontos bélicos. 15.1. Antecedentes As raízes do conflito relacionam-se com as políticas estabelecidas por determinados países europeus naquele momento, em especial à ascensão dos regimes nazifascistas na Alemanha e na Itália. Como trabalhado anteriormente, características como o belicismo, militarismo ou mesmo o expansionismo são características destacadas dos regimes fascistas europeus, e a consequência natural de tais atitudes levaria ao confronto, ao menos no campo ideológico, com as principais potências europeias. Do outro lado do mundo, mais especificamente no Japão, tais regimes encontraram um importante aliado. Alvo de muitas interpretações, o período que correspondeu ao período Showa, mais precisamente no reinado de Hirohito, possui diversas características semelhantes aos fascismos europeus. Mesmo sem um ditador carismático ou um único partido forte e centralizador, o Estatismo japonês era expansionista e militarista. Na segunda metade da década de 1930, quando os fascismos italiano e japonês já estavam consolidados, Hitler, como führer, alemão, articula a assinatura de um acordo com a potência asiática. Assinado pelo ministro alemão Joachim von Ribbentrop e pelo embaixador japonês Kintomo Mushakoji, em novembro de 1936, o Pacto Anticomintern objetivava proteger tais signatários das supostas ameaças do comunismo. Meses depois, já em 1937, a Itália aderiu a tal acordo, deixando de lado o incômodo quanto às pretensões alemãs com relação à Áustria, formando-se aquilo que posteriormente ficou conhecido como o Eixo. Em 1938, um dos lados do conflito já era realidade. Diante de tal expansionismo e articulação entre os fascistas era esperada uma reação forte por parte das potências capitalistas ocidentais - principalmente Inglaterra e França - ou mesmo daquele órgão criado para garantir a paz mundial: a Liga das Nações. Porém, refletindo os receios de seus populares, que ainda tinham em mente os horrores da Primeira Guerra Mundial e não queriam repetir desgastante experiência, ingleses e franceses nada fazem para deter o avanço do Eixo. Apostavam também os anglo- franceses que o discurso anticomunista dos fascistas acarretaria em um ataque à URSS, o que seria salutar para aqueles países que, em menor grau, também sofriam com o “medo vermelho”. Ausente os Estados Unidos deste órgão, cabia a ingleses e franceses a direção da Liga das Nações, que atua de forma também tolerante com relação ao expansionismo do Eixo. Era a Política do Apaziguamento franco-britânica que, adotada ao longo da década de 1930, foi interpretada por Hitler e Mussolini como um ato de fragilidade por parte de tais potências. Com isso, os fascistas não enfrentaram grandes obstáculos para elaborar o expansionismo. Enquanto as potências cultivavam a tolerância com os excessos fascistas, os mesmos espraiavam seus tentáculos no mundo. No Oriente, o Japão, fortalecido com os adventos da Era Meiji, tinha notórios problemas quanto à limitação de seu território e elegeu a República da China, frágil, como alvo de seus ataques. Desde o início do século XX, a Manchúria era alvo preferencial nipônico e, desde o final da Guerra Russo-Japonesa (1904- 1905), influenciava em demasia a economia daquela região, rica em minerais e com destaque para suas reservas de carvão. Desejando controlar de forma mais direta a Manchúria, o que até então era realizado em associação com os “senhores da guerra” chineses, o Japão aproveitou-se do Incidente de Mukden (1931), quando dissidentes chineses foram acusados de atacar uma ferrovia de propriedade japonesa ao sul da região para invadir a Manchúria. Como resultado direto desta situação é criado o Manchukuo (1932-1945), um Estado satélite do Japão Imperial, comandado pelo último imperador da China, que pertencia à Dinastia Qing de origem manchu. Pu Yi assume o trono em 1934, e comanda a região até 1945. Incidentes se sucederam entre a República Chinesa, neste momento assolada por uma Guerra Civil, e o Império do Japão, que resultarão na Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945). A partir de 1937, a guerra total entre os dois inicia-se, sendo interpretada por muitos como o início “de fato”da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Última nação livre do continente africano (afinal a Libéria possuía profundas ligações com os Estados Unidos da América), a Abíssinia resistira à ofensiva do Reino da Itália na última década do século XIX mas, na década de 1930, os tempos eram outros. Mussolini estava no poder há mais de uma década, consolidado e desejoso por mais uma demonstração de poder. Se no ano de 1934 comprovara a superioridade da organização corporativa nos campos de futebol com a vitória na II Copa do Mundo de Seleções da Fifa, um ano depois Mussolini estava disposto não só a “enterrar”a humilhante derrota na Primeira Guerra Ítalo-Etíope (1895- 1896), mas também fomentar seu sonho de “reconstruir o Império Romano”. Atritos na fronteira entre a Somália italiana e a Abissínia resultaram no conflito que resultou na morte de mais de trezentos mil italianos entre 1935 e 1936. Os fascistas não esperavam uma nova resistência vigorosa dos súditos de Haile Selassie e, mesmo com a notória superioridade bélica, os italianos recorreram a recursos como o uso de armas químicas para derrotar os etíopes. Mussolini anunciava a fundação do Império Italiano, sendo Vítor Emanuel III o imperador da Etiópia e, ao mesmo tempo, Primeiro Marechal do Império. A Liga das Nações demonstrou toda a sua fragilidade ao longo de todo o processo, iniciado ainda em 1928, quando os italianos violaram a fronteira construindo um forte em território etíope. Membros de pleno direito neste órgão, teoricamente o Reino da Itália e a Abissínia possuíam a mesma força. Mas a política do apaziguamento franco-britânica aqui também atuou, sendo a soberania africana sacrificada em nome dos interesses geopolíticos europeus. Enquanto isso, na Alemanha, o führer colocava em prática seus planos anunciados anteriormente em seu livro, Mein Kampf (Minha luta). O Tratado de Versalhes era considerado o “garrote”do povo alemão e, após inúmeros pedidos de revisão dos prazos para o pagamento de indenizações de guerra e secretamente investir na indústria bélica53, viola de forma flagrante o tratado de 1919 ao anunciar a criação de 400 mil postos dentro do exército alemão (o Wehrmacht). Como afirmava seu pacifismo e renunciava qualquer tipo de pretensão sobre a Alsácia-Lorena, afirmando que apenas estava exercendo um direito legítimode defender o seu país de possíveis ataques estrangeiros, a opinião pública das potências ocidentais tolerava tais ações alemães. Foi além no ano de 1936, quando violou mais uma vez o Tratado de Versalhes remilitarizando a região de fronteira com a França. Em um contexto em que o governo francês promovera um acordo com a URSS de Stalin de assistência mútua, o Pacto Laval-Stalin (1935), Hitler remilitariza a Renânia. Divididos internamente em uma luta fraticida entre as esquerdas e os fascistas, a população francesa pouco reagiu com a tal ocupação, talvez por confiar demasiadamente na Linha Maginot. Em 1938 o alvo é a pátria-mãe de Adolf Hitler. As disputas políticas internas geraram forte instabilidade na política austríaca: nazistas, social- democratas e comunistas disputavam o poder, com golpes e assassinatos fazendo parte da política local, após o chanceler Kurt Schuschnigg negociar um acordo com os nazistas, anistiando estes em troca da não intervenção de Hitler na política austríaca. Tal acordo foi ignorado, conseguindo os nazistas hegemonia na política. Um referendo em que 99% da população austríaca aceitou o Anschluss (anexação ou conexão) foi realizado em abril de 1938. A aceitação por parte das potências ocidentais motivou Hitler a discutir a questão da população alemã que vivia na região dos Sudetos. Conhecida na Tchecoslováquia como a “Sentença de Munique”, a Conferência de Munique (setembro de 1938) foi simbólica com relação à política do apaziguamento. O Führer alemão aproveita a ocasião para conseguir junto a Neville Chamberlain e Edouard Daladier a permissão para a anexação da região dos Sudetos tchecos, o que é realizado mediante um compromisso de que não mais iria reivindicar outros territórios para a Alemanha - era o Acordo de Munique. Interessante é lembrar as reações populares com relação a tal acordo. Ao retornar a Londres, Chamberlain faz seu célebre discurso onde afirma que voltou da Alemanha com a “paz em nosso tempo”. Na França o apoio popular também existiu, enquanto Hitler detectava ali sinais flagrantes de fragilidade nas autoridades ocidentais. O caminho estava livre para a construção do “espaço vital”. Antes mesmo de um conflito de proporções mundiais, as principais potências fascistas encontraram na Espanha uma espécie de “campo de testes” antes do conflito de proporções mundiais. A Segunda República Espanhola vivenciava uma guerra civil desde que, após a vitória das esquerdas nas eleições de 1936, quando anarquistas, comunistas e socialistas uniram-se de forma surpreendente, as direitas nacionalistas liderada pela Falange Fascista do general Francisco Franco tentam um golpe que desencadeia um dos conflitos mais sangrentos do século XX. Enquanto os republicanos contavam com o auxílio limitado e muitas vezes prejudicial de Stalin, destaca-se a solidariedade das esquerdas mundiais que enviaram milhares de voluntários (“brigadas internacionais”) para lutar na guerra. Enquanto isso, o “Movimento Nacional”franquista obteve a ajuda militar direta do III Reich e do Reino da Itália, enquanto o regime salazarista permitia o recrutamento de voluntários, mesmo sendo oficialmente neutro diante da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Neste conflito, Hitler e Mussolini tiveram a oportunidade de testar a eficiência em uma guerra convencional de algumas estratégias idealizadas por seus militares. Por exemplo, os alemães concedem importante apoio à força aérea franquista através da Legião Condor, que chegou a reunir cinco mil aviadores. O Corpo Truppe Volontarie seria a materialização do apoio italiano à Falange, com mais de cem mil homens atuando na Espanha. Uma das ações mais destacadas desta união de forças fascistas é o bombardeio da cidade de Guernica, eternizada na obra de Pablo Picasso. A vitória de Francisco Franco e dos nacionalistas ao final do conflito e a implementação de uma ditadura que se estende até o ano de 1975 são resultados diretos deste evento, também conhecido como o “Grande Laboratório”, uma vez que nazifascistas anteciparam e aperfeiçoaram armamentos e estratégias posteriormente utilizados na guerra que se iniciaria em 1939. 15.2. 1939 O ano de eclosão do segundo conflito de proporções mundiais é marcado por uma profunda tensão entre as chamadas nações democráticas e o Eixo. Em março, com o exército alemão cada vez mais sob seu controle direto, Hitler invade as regiões da Tchecoslováquia que não estavam sob domínio nazista, dividindo o território em três. Posteriormente, o alvo seria a região do chamado “corredor polonês”, na Crise de Danzing. O führer alemão exigia a anexação da Cidade Livre de Danzing, que estava sob controle político da Liga das Nações e econômico da Polônia. Diante das pressões diplomáticas dos alemães, a Polônia aceita a criação de uma estrada sobre a região do “corredor”, mas não o controle nazista sobre Danzing, no que recebe o apoio de França e Inglaterra. Em abril, interessado no controle do Mar Adriático e em uma estratégica posição para uma futura campanha sobre a região dos Bálcãs, além de uma “resposta nacionalista”o fracasso militar italiano na Guerra de Vlora e a posterior retirada do sul da Albânia, Benito Mussolini promove uma rápida e intensa campanha militar sobre a região, incorporando a Albânia ao Império Italiano como um reino independente em união pessoal com a Coroa Italiana, forçando o exílio do Rei Zog I. Mesmo depois de tantas ações ousadas em sua política exterior, Hitler ainda tinha o poder de surpreender o mundo e o faz mais uma vez no oitavo mês no ano. Após anos de isolamento diplomático, a URSS gradualmente rompia as amarras impostas pelo “cordão sanitário”. A dificuldade dos anos 1920, quando o Tratado de Rapallo (1922) e o Tratado de Berlim (1926) com a República de Weimar era uma exceção, foi superada na década seguinte. Em 1932 os soviéticos participaram da Conferência Mundial do Desarmamento; no ano seguinte foram estabelecidas relações diplomáticas com os Estados Unidos e, finalmente, em 1934, a URSS é admitida na Liga das Nações. Acordos bilaterais, como o já mencionado Laval-Stalin (França-URSS), também foram estabelecidos na segunda metade da década de 1930, o que justificava o grande trânsito de diplomatas estrangeiros em Moscou. O que não se esperava era que, da visita do ministro do exterior do III Reich, Joachim von Ribbentrop, um amplo pacto de apaziguamento fosse construído. Com a chegada dos nazistas ao poder, a questão racial ganha força novamente, revigorando a oposição entre pan-germanismo e pan- eslavismo do início do século XX. Para os nacional-socialistas, os povos de etnia eslava eram considerados untermenschen (sub-humanos) e, para aumentar a dose de ódio, Marx era judeu, o que fazia com que o bolchevismo soviético fosse associado ao antissemitismo. O ódio aos comunistas era uma das bases do nazismo, sendo o Pacto Anticomitern uma consequência natural de todo o processo. Mas no dia 23 agosto de 1939 todo o histórico de oposição e ódio foi deixado de lado quando Ribbentrop assina com o Vyacheslav Molotov o conhecido Pacto Germano-Soviético. Naquele momento, interessava ao III Reich evitar uma possível guerra em duas frentes de batalha como ocorrera na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Pelo lado soviético, em meio ao terceiro Plano Quinquenal iniciado em 1938, interessava evitar a entrada na guerra a todo o custo e, ao mesmo tempo, contar com o beneplácito nazista com relação ao expansionismo no leste europeu. Fica acertado entre as duas nações, além de uma paz de cinco anos entre os dois gigantes (não agressão), o afastamento bélico e o distanciamento com relação aos rivais diretos. Era importante tal medida naqueles tempos, lembrando que em julho de 1938 os soviéticos entraram em confronto com o Japão. O regime expansionista nipônico tentou alterar a fronteira mongol à força, respondendo a URSS com o ataque do Exército Vermelho. A Batalha do Lago Khasan deixou claro para os japoneses que os soviéticos eram adversários duros de serem superados, mudando o focoda sua expansão. Para os soviéticos, havia a sensação de que seria difícil manter suas fronteiras intactas diante do fortalecimento dos fascistas e, para tal, o pacto de fevereiro de 1939 teria forte contribuição. Mas gera muita polêmica nos anos 1950 a divulgação, por parte de Nikkita Kruschev no contexto da desestalinização, das cláusulas secretas do Pacto. Nestas, a Europa Oriental era dividida em zonas de influência entre germanos e soviéticos, a invasão mútua da Polônia (que deixaria de existir novamente, sendo partilhada pelos dois países) é acertada e os homens de Stalin comunicam a posterior ocupação soviética da Finlândia. Relações comerciais também estavam neste acordo, sendo interessante para a Alemanha nazista poder contar com o petróleo soviético enquanto a reconstrução do exército soviético contava com o material bélico alemão. Caiu como uma “bomba”em Paris e Londres tal acordo. As autoridades franco-britânicas, que apostaram em um possível ataque à URSS por parte dos fascistas, encaravam neste momento o fracasso da Política do Apaziguamento. Era tarde em demasia para conter o fortalecimento do Eixo, mas não restava outra alternativa para as potências ocidentais reafirmar que não telerariam outros avanços nazistas neste contexto. Iniciava-se uma “Guerra de Nervos”54. Quando o Führer alemão anuncia a necessidade de conquistar os territórios poloneses teoricamente usurpados ao final da Primeira Guerra Mundial, a reação franco-britânica foi de forte defesa da soberania da Polônia. Hitler manteve seu desprezo a Chamberlain e Daladier, preparando o ataque aos vizinhos do leste sem algum embargo. Finalmente, em 1º de setembro de 1939, quando, às quatro e quarenta e cinco da manhã, navios alemães abrem fogo contra guarnições polonesas na península de Westerplatte, franceses e britânicos não tinham outra saída senão declarar guerra, no dia 3 de setembro, dando início à 2ª Guerra Mundial. 15.3. FASES DO CONFLITO 15.3.1. Avanço do Eixo (1939-1941) A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) inicia-se de forma diferente do que era esperado. A primeira “surpresa” veio do leste, quando em outubro de 1939 ocorreu a ocupação soviética sobre o leste polonês. Um mês depois, o Exército Vermelho invadia também a Finlândia, promovendo uma enérgica resposta da já combalida Liga das Nações, que expulsa a URSS se suas fileiras. Enquanto isso, França e Inglaterra pouco faziam com relação à mobilização militar. A imprensa chamava o conflito de “a guerra estranha”, pois poucas ações efetivas de guerra foram tomadas pelos dois gigantes europeus. Na verdade, isso era reflexo da “fadiga de guerra” mencionada anteriormente como um dos fatores para a Política do Apaziguamento. Franceses acreditavam (ou queriam acreditar) que a “Linha Maginot” impediria qualquer avanço nazista sobre seu território, enquanto os britânicos confiavam na defesa natural (o mar) contra a Wehrmacht. A estratégia alemã baseava-se na blitzkrieg, uma guerra-relâmpago que permitiria a Hitler uma rápida vitória diante das escassas condições militares de manter-se em um conflito mais prolongado, já que a Alemanha ainda se encontrava em recuperação dos estragos causados pela 1ª Guerra e pela Crise de 1929. O avanço nazista era acompanhado pela conversão de prisioneiros de guerra em trabalhadores que, sob coersão, produziam para abastecer a máquina de guerra nazista. Enquanto isso, destacam-se as ações militares japonesas no Pacífico Asiático - mediante aliança com a Tailândia - o avanço italiano ao norte da África e na Grécia e a atuação germânica na Europa Ocidental, conquistando Dinamarca, Polônia, Noruega, Bélgica, Luxemburgo e Holanda. Conquistando a região dos Países Baixos, Hitler não precisa superar a Linha Maginot, invadindo a França pelo norte. Neste momento, a III República se encerra: o norte do país é administrado diretamente pelos nazistas e a região sul será administrada pela República de Vichy, um governo colaboracionista comandado pelo herói da Primeira Guerra, o Marechal Phillipe Pétain. A vitória do Eixo parecia certa no primeiro semestre de 1941, quando a Europa estava prestes a se submeter à Blitzkrieg. Mas existia uma ilha no caminho do fascista alemão. Diante da impossibilidade da mesma estratégia usada contra os franceses, o Wehrmacht precisava da Deustche Marine, que, por sua vez, batizou de Operação Leão Marinho a batalha nos mares que derrotaria o tradicional Real Marinha britânica. Sabendo da eficácia naval de seus adversários, demonstrada ao longo de séculos de história, os oficiais nazistas projetaram primeiro um amplo ataque aéreo aos súditos do rei George VI. Meses consecutivos de ataques da Luftwaffe não dobraram os britânicos que, embalados pelos discursos acalorados do experiente parlamentar e, nesta ocasião, primeiro-ministro Winston Churchill, conseguem resistir a força do expansionismo nazista. Por meio dos microfones da BBC, o sexagenário ministro conclamava: [...] Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império del além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho. Decisiva para os rumos do conflito mundial, a estratégia da Royal Air Force impediu a ideia de Hitler de vencer a guerra na Europa Ocidental em dois anos. A Batalha da Inglaterra obrigou o líder alemão a mudar seus planos e ampliar o conflito em busca de matérias-primas, buscando condições para resistir a uma guerra longa. 15.3.2. Equilíbrio de forças (1941-1942) Necessitando de fontes de petróleo para abastacer sua máquina de guerra, o III Reich tinha duas opções: o Oriente Médio e a URSS. A primeira opção foi prontamente descartada pelas dificuldades enfrentadas pelos italianos ao norte da África. Mesmo com as destacadas ações do Panzergruppe Afrika, muito difícil seria conseguir explorar o petróleo do Oriente Médio. Uma visão otimista fez Hitler almejar o petróleo do Cáucaso soviético. Para o Führer, a URSS era como uma casa podre, onde “só precisamos chutar a porta da frente [...] então toda a apodrecida estrutura interna irá desmontar”. Alegando violação de fronteira, Hitler invade a URSS sem declaração formal de guerra ou mesmo um ultimato comum nestes casos. Stalin não esperava a violação do Pacto Germano-Soviético naquele momento, chegando mesmo a acreditar que poderiam ser dissidentes nazistas que queriam jogá-lo contra o Führer. Mais de uma semana depois de iniciada a Operação Barbarossa, Stalin convoca os trabalhadores para ingressar em uma “Guerra Patriótica”, inclusive libertando generais do Exército Vermelho presos nos Processos de Moscou (1936). Enquanto isso, os atritos entre estadunidenses e japoneses no Pacífico aumentavam. Diante da progressiva marcha dos homens de Hirohito iniciada ainda na década de 1930 em uma região importante para a sua política desde a conquista do oeste, os estadunidense retaliaram o Japão com um bloqueio econômico. Para os generais japoneses, este seria o primeiro aviso estadunidenses, reforçando tal ideia após o ultimato enviado por Washington em 1941. Assim, uma guerra contra os Estados Unidos seria inevitável e em duas Conferências Imperiais foram discutidas as bases de um ataque às possessões estadunidenses do Pacífico. O local escolhido para o ataque japonês foi a base de Pearl Harbor na manhã do dia 7 de dezembro de 1941. Mesmo com sinais colhidos ao longo dos meses sobre um possível ataque do Japão, as autoridades estadunidenses não se prepararam devidamente para tal, nem mesmo estando a base em alerta máximo paraminimizar possíveis perdas, o que até hoje gera especulações sobre tal postura. Com quase duzentos aviões destruídos e dois mil e quinhentos estadunidenses mortos em tal ataque, seguiu-se a declaração de guerra dos Estados Unidos ao Japão, ordenando o presidente Roosevelt um ataque a Tóquio. Quatro dias depois, era o III Reich que declarava guerra aos Estados Unidos, que ingressavam definitivamente na guerra, antes limitando sua participação aos lend-and-lease acts, importantes para a o fornecimento de armas e outros suprimentos militares para as nações aliadas que lutavam contra o Eixo. Ainda no início de 1942, é convocada a III Conferência do Rio de Janeiro, em que os estadunidenses conseguem, sob a justificativa de salvar a “unidade continental”, uma moção que recomendava o rompimento de relações com o Eixo. O Brasil sinaliza o apoio aos Estados Unidos ao final do encontro em sua capital, rompendo relações diplomáticas com o Eixo no dia 28 de janeiro de 1941. Tal posição brasileira recebe como resposta sucessivos ataques de submarinos alemães ao seu vasto litoral, o que favorece as pressões populares e estadunidenses para a entrada na guerra. É somente em agosto que Getúlio Vargas decreta o estado de beligerância (22 de agosto) e, a seguir, o estado de guerra (31 de agosto) contra Alemanha e Itália. Bases aéreas estadunidenses foram montadas no nordeste brasileiro, destacando-se aquela de Natal, chamada por muitos de “o trampolim para a vitória” dos Aliados ao norte da África. É neste momento que ganha força a Resistência Francesa, que tinha nos general Henri Giraud e no marechal Charles de Gaulle seus principais líderes militares. Comandando o governo da França Livre, de Gaulle gradualmente conseguiu controlar algumas das principais colônias francesas e também colocar a França em posição de destaque nas conferências entre os principais líderes políticos aliados, sendo a primeira de grande importância sediada no Marrocos francês. A Conferência de Casablanca (janeiro/1943) reuniu os dois líderes franceses, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill, declinando Stalin do convite devido à situação de guerra em Stalingrado. Nesta, é decidida que os Aliados somente encerrariam as hostilidades contra o Eixo em caso de rendição incondicional do mesmo. Também é discutida a possibilidade de abertura de uma frente na Europa Ocidental com vistas a auxiliar a ofensiva russa no leste, assim como o fornecimento de auxílio para o Exército Vermelho. Por fim, é importante destacar a aproximação dos Aliados com a Turquia, que possuía ligações históricas com os germânicos. 15.3.3. Vitória dos Aliados (1943-1945) É importante salientar que a divisão cronológica aqui apresentada é uma ferramenta didática a fim de melhor apresentar os eventos deste conflito. Assim tomamos como principal marco para a última fase a vitória soviética na Batalha de Stalingrado, mesmo sabendo que importantes vitórias aliadas ocorreram antes mesmo desta. Entre outubro e novembro de 1942, ao norte da África, as tropas aliadas, comandadas com maestria pelo general estadunidense Bernard Montgomery derrotaram as tropas do Eixo na Batalha de El-Alamein. Esta foi fundamental não somente para garantir que as tropas fascistas atingissem o petróleo do Oriente Médio, mas também pois os Aliados conseguem retomar o Mar Mediterrâneo. Com o Mediterrâneo sob controle, imediatamente iniciam-se os ataques ao sul da Itália, iniciando a libertação do país juntamente com a Resistência Italiana que resultou na rendição em setembro de 1943. A reação dos fascistas foi a instauração da República Social Italiana (também conhecida como a República de Saló) na porção setentrional da península, chefiada por Benito Mussolini. É no auxílio das tropas estadunidenses contra tal governo fascista que as ações militares brasileiras ocorrem. A Força Expedicionária Brasileira destaca-se em diversas ações, como na Batalha de Monte Castelo. Mais importante batalha da Segunda Guerra Mundial, aquela que ocorreu entre julho de 1942 e fevereiro de 1943 tem algumas peculiaridades a serem ressaltadas. Após serem expulsas dos subúrbios de Moscou, quando Stalin apelou ao sentimento nacional para fortalecer a resistência militar criando até mesmo hino para a URSS, as tropas nazistas deslocaram-se para o sul soviético objetivando a região do cáucaso. Para isso, deveriam ocupar a cidade que era batizada com o nome do líder máximo da URSS desde 1924, o que simbolicamente seria significativo. Para conter o Wehrmacht, Stalin aproveitou-se das condições climáticas adversas. O rigoroso inverno russo impunha uma fragilidade temporária aos alemães, o que favoreceu a decisão do Stavka soviético de iniciar um contra-ataque em julho de 1942. A reação alemã também foi dificultada pela distância entre o front e as indústrias que abasteciam o exército, pois, antes mesmo de entrar na guerra, Stalin promoveu a sua própria versão da tática de “terra arrasada” ao transferir centenas de indústrias para o lado oriental da URSS. Ao derrotar o poderoso exército do III Reich, o líder soviético consolidava sua posição de protagonismo nas relações internacionais naqueles tempos. Extinto o Comintern como forma de apaziguar suas relações com as demais potências aliadas, Stalin agora estava em condições de pressionar estadunidenses e ingleses para que estes promovessem a abertura da frente ocidental contra Hitler. Os estadunidenses concentravam suas atenções no Pacífico Asiático, onde obtiveram sua primeira grande vitória contra os japoneses no mesmo fevereiro de 1943 em que Stalin derrotava o Wehrmacht às margens do rio Volga, sendo esta considerada uma turning point naquele teatro de guerra. Em novembro de 1943 acontece a primeira reunião entre os três grandes líderes das forças antifascistas. Na Conferência de Teerã (novembro- dezembro de 1943), Roosevelt, Stalin e Churchill lançam as bases para a futura divisão do mundo em áreas de influência. Importante também foi o reconhecimento de Tito como líder das forças aliadas na Iugoslávia, o reconhecimento da presença soviética no Báltico e a promessa estadunidense de que, em breve, colocariam em ação suas tropas na Europa continental por meio da Operação Overload. Outros temas como a entrada da Turquia na guerra e a crise do Irã foram alvos de longas discussões na conferência, garantindo os três principais aliados auxílio econômico para o novo governo iraniano mesmo em um contexto de privações devido à guerra. Analistas ressaltam a importância da aproximação pessoal entre Stalin e Roosevelt neste momento, apostando o presidente estadunidense que poderia alterar algumas das políticas soviéticas por meio da aproximação com Moscou. Roosevelt, inclusive, prometeu auxílio econômico para a reconstrução soviética no pós-guerra. Stalin ainda esperou até o dia 6 de junho de 1944 para ver as forças alemãs divididas em duas frentes de batalha do continente europeu. Com o desembarque aliado na Normandia, o “Dia D”, inicia-se a “desnazificação”da Europa Ocidental, sendo Paris oficialmente libertada no dia 25 de agosto de 1944. Neste contexto, as tropas aliadas almejavam a invasão da Alemanha. Sob a percepção de uma derrota iminente, Hitler ordena a execução da “solução final” nos campos de concentração, enquanto se resguardava em um dos diversos bunkers espalhados por Berlim. A proximidade da paz e a certeza de que a vitória era uma questão de tempo fez com que os aliados buscassem arquitetar como seria o mundo do pós- guerra. Do ponto de vista econômico, a interpretação é de que a guerra foi fruto das dificuldades no comércio mundial nos anos 1930 com o crescente protecionismo fruto da Grande Depressão. Assim, era preciso fomentar as relações comerciais entre os países e, para isso, são organizadas as Conferências de Bretton Woods reunindo representantes das 44 nações aliadas, tendo como centro dos debates o Hotel Mount Washington, em New Hampshire. Ao final das conversações, o Acordo de Bretton Woods foi assinado, definindo um sistema de regras, procedimentose instituições como o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional. Fundamental para o incremento das trocas comerciais seria a adoção de um política monetária que mantivesse a taxa de câmbio dos países membros indexada ao dólar - era o padrão dólar-ouro. Neste mesmo contexto ocorrem as Conversações em Washington para a Paz Internacional e a Organização de Segurança, mais conhecidas como a Conferência de Dumbarton Oaks (agosto-outubro/1944). O objetivo central era discutir os formatos para a construção de um novo órgão para a paz mundial, substituindo a Liga das Nações. China, União Soviética, Estados Unidos e Inglaterra decidiram pela criação do Conselho de Segurança, que seria o órgão mais importante nesta nova instituição. Roosevelt chega a propor a entrada do Brasil como sexto membro permanente neste órgão, mas a resistência de soviéticos e britânicos fez o democrata adiar seus planos. Quando ocorre a criação oficial da Organização das Nações Unidas, na Conferência de São Francisco (abril-junho/1945), o Brasil recebe apenas o assento temporário no Conselho de Segurança. Último encontro entre os três grandes, a Conferência de Yalta (fevereiro/1945) tem como ponto alto a assinatura da Declaração da Europa Libertada, onde os aliados se comprometem pelo estabelecimento e defesa da democracia nas áreas desnazificadas no pós-guerra - compromisso este que seria violado pelos soviéticos. Também são decididos os detalhes da invasão e ocupação da Alemanha no pós-guerra. O mês de abril reserva ao mundo a saída de cena de três dos protagonistas do conflito. No dia 12, Roosevelt morre e é substituído por Harry Truman. Benito Mussolini, diante da eminente queda da República de Saló, busca refúgio na Suíça mas é aprisionado por membros da Resistência, que realizam um julgamento público e executam o antigo Duce italiano no dia 28, um dia antes da rendição oficial. Hitler não queria correr o risco de ter o mesmo destino de seu aliado, que teve seu corpo exposto em praça pública, e decide pelo suicídio no dia 30 de abril, resistindo os alemães mais alguns dias até a assinatura do Tratado de Rendição (7 de maio). Era o fim da guerra na Europa. Ainda restavam algumas questões em aberto para serem decididas entre as potências e os aliados se reúnem pela última vez em julho de 1945. Roosevelt não mais estava lá e Churchill chega a participar dos primeiros encontros, mas perde as eleições inglesas para o representante do Partido Trabalhista Clement Attlee, que o substitui na Conferência de Potsdam (julho-agosto/1945). Entre as principais decisões tomadas, estavam a divisão da Alemanha e de Berlim em quatro áreas de influência (URSS, EUA, Inglaterra e França), a oficialização de uma nova fronteira entre a Polônia e a URSS (Linha Oder-Neisse) e o julgamento dos nazistas por crimes contra a humanidade no Tribunal de Nuremberg. Como a guerra ainda existia no Oriente, Stalin promete mais uma vez direcionar suas tropas para o Pacífico Asiático. Em meados de 1945 restava apenas o Japão no conflito que, com a utilização de pilotos kamikazes, ainda realizava estragos consideráveis nas regiões comandadas pelos aliados, atirando seus aviões sobre encouraçados dos estadunidenses. Diante da recusa nipônica em abandonar o conflito, os Estados Unidos, de maneira unilateral, optam pelo lançamento de uma bomba atômica na cidade de Hiroshima. Fruto do Projeto Manhattan que, sob a direção do major-general Leslie Groves, desde 1942 buscava elaborar uma arma a partir da fissão do átomo, muitas vezes obtendo informações importantes de pesquisas alemães que iam no mesmo sentido. Como o Japão não se rende, mesmo após os estragos realizados pela bomba, Washington decide por um novo ataque nuclear, dessa vez tendo como alvo a cidade de Nagasaki. É somente após este segundo golpe que os japoneses assinam a rendição no dia 15 de agosto de 1945. Muitos consideram que a decisão estadunidense ao usar as bombas atômicas seria apenas para demonstrar força para os soviéticos que, àquela altura, possuíam aquele que era considerado o maior exército do mundo. Oficialmente, as bombas atômicas objetivavam abreviar a guerra, uma vez que, mesmo depois das rendições italiana e alemã, o Exército Imperial Japonês não se rendia. Além disso, outro elemento deve ser considerado: evitar a presença soviética no Pacífico Asiático, mantendo esta região sob a influência estadunidense após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos quatro meses de 1945, as atenções mundiais são divididas entre os impactos que as bombas atômicas provocaram no território japonês e o início do Julgamento de Nuremberg, quando os nazistas aprisionados foram julgados pelos crimes de guerra cometidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Muitos dirigentes ligados ao nacional-socialismo conseguiram fugir da Europa (para a Argentina, por exemplo, através da Operação Odessa), mas daqueles que enfrentaram os Processos de Guerra de Nuremberg apenas três foram absolvidos (Franz von Papen, Hans Fritzsche e Hjalmar Schacht) e outros 12 foram condenados à morte. Iniciava-se a reconstrução do mundo nos escombros da longa guerra mundial. 16. A Guerra Fria (1947-1991) 16.1. Origens A Segunda Guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar. Pois, como observou o grande filósofo Thomas Hobbes, “a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar a bataha é suficientemente conhecida”. A Guerra Fria entre EUA e URSS, que dominou o cenário internacional na segunda metade do Breve Século XX, foi sem dúvida um desses períodos. Gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade55. A tensão entre soviéticos e estadunidenses está intimamente ligada aos contornos finais da Segunda Guerra Mundial. É evidente que a força operada pelo exército de Stalin, que nos primórdios da Operação Barbarossa chegou a demonstrar certo despreparo e fragilidade diante dos homens de Hitler, mas depois comandou a desnazificação do Leste europeu, foi determinante para as atitudes dos EUA nas últimas semanas do conflito. Inclui-se, aí, a decisão de abreviar a guerra utilizando as bombas atômicas recém-testadas no deserto do Novo México. Como já vimos no capítulo anterior, a divisão do mundo proposta em Yalta gerava temor de uma possível influência soviética no Japão. Era uma demonstração clara ao camarada que controlava o maior exército do mundo o poder de destruição dos Estados Unidos. Mas a Guerra Fria ainda não começara. A URSS, preocupada com a sua reconstrução, desmobilizou o poderoso exército vermelho. A economia ainda sofria com os efeitos do conflito, devido à desestruturação de suas indústrias e ao recuo pela metade de sua produção agrícola. Stalin aguardava pelos empréstimos prometidos por Roosevelt em Yalta. Na América, os Estados Unidos superavam uma pequena crise econômica de reconversão industrial e aproveitavam o menor recuo soviético para ocupar espaços na geopolítica mundial, como ocorrera no Irã. Era o chamado “Efeito Irã”. No mundo ocidental, não só George Frost Kennan acreditava no antagonismo inevitável entre o capitalismo e o comunismo, mas o ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill anunciava que uma “cortina de ferro” dividia a Europa em duas partes. 16.2. O início Em 1945, o sistema econômico-financeiro mundial apresentava-se profundamente desorganizado. Elementos de continuidade misturavam-se às evidentes rupturas provocadas pela guerra, tanto com referência aos diferentes agentes públicos e privados, Estados e empresas, quanto à hierarquia e à natureza das relações que eles mantinham entre si. Sob a influência predominante dos EUA, e também em grande parte sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU), erguia-se uma nova ordem mundial,que, baseada em um liberalismo renovado, perpassava tanto a disciplina monetária quanto as regras do comércio internacional. Em um mundo politicamente dividido e economicamente heterogêneo, a reconstrução liberal não conseguiu derrubar todas as barreiras que teimavam em dividir a economia mundial56. A decadência da Europa, destruída por anos de guerra, montava um cenário ideal para o espraiamento dos ideais de esquerda. Se na Itália, que por meio de um referendo estabeleceu o regime republicano, os socialistas faziam parte do governo de coalização nacional (panorama semelhante àquele da França onde os comunistas também auxiliaram na expulsão dos fascistas), na Grécia e na Turquia a instabilidade política poderia resultar na conquista do poder pelos simpatizantes do marxismo. Na Grécia, os partisans, que protagonizaram a expulsão dos nazistas no país, contavam com o apoio dos estados socialistas vizinhos para derrubar o frágil governo Tsaldaris. As tropas britânicas que estavam na região desde a Segunda Guerra retiraram-se devido à grave crise econômica pela qual atravessava o país, aumentando, assim, as chances de vitória das forças esquerdistas. A aprovação de uma ação estadunidense contundente passa a ser o principal objetivo dos conselheiros políticos do presidente Truman: George Frost Kennen, Dean Acheson e George Marshall. Como um líder de uma nova cruzada, o presidente dos Estados Unidos faz um emblemático discurso no Congresso, no qual deixava evidente que a oposição entre os ex-aliados aprofundou-se a ponto de colocar o mundo diante de uma nova guerra. Nesta, a Europa não se apresentava mais no epicentro das decisões mundiais, sendo Moscou e Washington os novos protagonistas. O mundo apresentava-se dividido entre duas tendências ideológicas: o comunismo e o capitalismo. Mergulhado na tensão gerada pelo conflito político entre Estados Unidos e União Soviética, o mundo agora encontrava-se bipolarizado. O discurso de Truman no Congresso foi uma peça primorosa da dimensão messiânica que os Estados Unidos dariam à Guerra Fria. O presidente insistiu que todas as nações teriam que enfrentar uma escolha fundamental entre duas formas de vida. A primeira, aquela que primava pelas instituições livres e governos representativos. A segunda, a sustentada na vontade da maioria sobre a minoria57. A partir de então, a expectativa de um confronto nuclear tornou-se iminente. Os investimentos na área militar resultaram no “equilíbrio pelo medo”, baseado na ideia de “destruição mútua inevitável”. Liderada por Washington, tinha início uma cruzada contra o comunismo, rompendo de forma definitiva os contestados laços estabelecidos a partir da Conferência de Teerã. 16.3. Os Blocos de Poder A guerra produziu uma redistribuição de poder mais impulsiva do que qualquer período anterior da história. Entre as nações principais no sistema internacional multipolar pré-guerra, Japão, Itália e Alemanha foram derrotados e ocupados. Exausta e quase falida, a antes dominante Grã- Bretanha foi reduzida a uma potência de segundo nível. Derrotada no início da guerra e liberada por seus aliados, a França sofreu perda ainda maior de status e poder. O mundo eurocêntrico, devido em grande parte a um processo de autodestruição, chegou a um fim inglório. Um novo sistema bipolar substituiu o antigo. Apenas os Estados Unidos e a União Soviética emergiram da guerra capazes de exercer influência significativa além de suas fronteiras58. Com base na ideia de contenção do avanço comunista em todas as partes do mundo, os estadunidenses voltam suas atenções mais imediatas para o continente europeu. Nos primeiros anos do pós-guerra, embalados pela participação na luta contra os nazistas, os comunistas conseguiram expressivas votações eleitorais, acirrando o medo - por parte dos EUA - de uma possível “penetração soviética” na Europa Ocidental. Os secretário de Estado estadunidense, George Marshall, apresenta na aula inaugural na Universidade de Harvard (junho de 1947) um plano de ação econômico-social cujo intuito era reconstruir a devastada Europa. Os investimentos do Plano Marshall, que obteve do Congresso iniciais 12 bilhões de dólares, estariam condicionados à importação de produtos estadunidenses e à retirada dos comunistas que compunham os governos de coalizão nacional. Tal decisão foi bastante criticada, por ser excessivamente intervencionista e violar a soberania nacional. Os primeiros investimentos seriam destinados aos casos considerados mais críticos. Na Grécia, por exemplo, os Estados Unidos associaram os planos de intervenção militar com mais de vinte mil homens e investimentos superiores a 250 milhões de dólares, conseguindo em 1949 a rendição final dos partisans. Delicada também era a situação da Alemanha. Dividida em quatro áreas de influência, o país fora duramente atingido nos momentos finais da guerra, sendo necessários investimentos maciços para a sua reconstrução; além disso, com a eclosão da Guerra Fria, um novo elemento ganhava relevância: era imprescindível fortalecer a parte capitalista diante dos soviéticos, que ocupavam o lado oriental. A reforma do marco é um símbolo desses esforços capitalistas. Ainda nos primeiros momentos da bipolarização é organizado um sistema de defesa coletiva das principais nações do Atlântico Norte, a OTAN (Organização dos Tratados do Atlântico Norte). Com uma estrutura militar coordenada pelos Estados Unidos, a aliança foi inicialmente composta por Canadá, França, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Itália, Reino Unido, Itália e Finlândia, contando posteriormente com a adesão de países como a Turquia, a Grécia e a República Federal da Alemanha. Porém, a preocupação dos estadunidenses não estava direcionada somente para os rumos da Europa Ocidental. Também existiam problemas em outras regiões do globo, o que resultou na criação de alianças militares para a Ásia (OTASE - Organização dos Tratados do Sudeste Asiático) e América (TIAR - Tratado Interamericano de Assistência Recíproca). Da mesma forma, são elaborados programas de auxílio econômico para essas áreas, como o Plano Colombo, destinado para o continente asiático e, mesmo que tardiamente, a Aliança para o Progresso, que visava o desenvolvimento socioeconômico da América Latina. Enquanto isso, na URSS, o grande foco era superar a crise do pós-Segunda Guerra Mundial. Com o fim das esperanças de receber auxílio estadunidense para a reconstrução do Leste europeu, o politburo soviético decide por atuar em dois vieses: por um lado, o fortalecimento de sua estrutura militar e, de outro, a promoção da sovietização do Leste Europeu. Mesmo com a perda de cerca de 20 milhões de homens na guerra, o contingente de 3 milhões de soldados ainda era considerável em 1945. O exército foi fortalecido com a ampliação do recrutamento e a Aeronáutica investe no desenvolvimento da aviação de caça. Além disso, é acelerado o projeto nuclear, que culminou no primeiro experimento soviético atômico em 1949. Tais elementos foram fundamentais na reorganização da potência comunista. Após liderar a o Conselho Antifascista de Libertação Nacional, Josip Broz Tito expulsou os invasores e liquidou a organização nacionalista Ustase, que apoiou a ocupação nazista. Com tais credenciais e extremamente popular, Tito foi escolhido para o cargo de primeiro-ministro do Reino da Iugoslávia, onde enfrentaria com sucesso a resistência daqueles que defendiam a monarquia e proclamaria a Iugoslávia Democrática Federal, que oscilou de uma posição pró-soviética a uma equidistância perante a bipolarização. Perante tal contexto, era imperioso evitar que o exemplo do titoísmo resultasse no enfraquecimento da influência soviética nos demais países do Leste Europeu. O Komitern, extinto em 1943, foi substituído pelo Komiform, cujo objetivo era semelhante no sentido de auxiliar no esvaziamento da ideologia comunista. Violando unilateralmente a Declaração da Europa Libertada, a URSS promove as chamadas “revoluções pelo alto”, impondo, com muita dificuldade, partidos aliadosna Hungria, Tchecoslováquia e Polônia. Com um vasto histórico de domínio russo em sua história - sendo os mais recentes aqueles que levaram à dissolução do país após o Congresso de Viena, sem esquecermos da invasão resultante do Pacto Germano-Soviético ainda em 1939 -, faziam do sentimento antissoviético um obstáculo para os planos de Stalin, que enfrentou o Levante de Varsóvia (1944) e colocou o Partido dos Trabalhadores Poloneses, oriundos da Resistência comunista, no poder. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a Rutênia era cedida à URSS e progressivamente os comunistas aumentam a sua força, o que resultou no Golpe de Praga (também conhecido como “Fevereiro Vitorioso”) em 1948. Este episódio teve início com o aumento do poder do ministro comunista do interior, Václav Nósek, seguida de demissões voluntárias de democratas com o intuito de gerar instabilidade, greves convocadas pelos setores de esquerda e, por fim, a hegemonia comunista nos ministérios sob a liderança de Klement Gottwald. O processo na Hungria também teve enredo semelhante. O Partido dos Pequenos Proprietários consegue a maioria eleitoral em 1945, recebendo 57% dos votos contra apenas 17% do Partido Comunista Húngaro. No comando soviético da Hungria (ainda resquício da desnazificação do Leste Europeu), o marechal Voroshilov impediu a formação de um novo regime com a maioria dos vencedores, impondo um governo de coalizão nacional, nomeando comunistas para posições importantes. Ao longo dos meses subsequentes, a polícia de segurança promoveu intensa repressão aos anticomunistas. Em 1947, resultado da fusão entre o fraco Partido Comunista Húngaro e o Partido Social-Democrata, o Partido dos Trabalhadores Húngaros consegue expressiva votação nas urnas e, progressivamente, sob a chefia Mátyás Rákosi, centralizou o poder em suas mãos. Até 1956 esta versão de comunismo fica no poder. Na Romênia, o rei Miguel parte para o exílio, abrindo espaço para a implementação do comunismo, sendo assim criada a República Popular em 1947, ligada aos interesses soviéticos. Segundo José Flávio Sombra Saraiva, Stalin tinha a concepção de que a Europa Oriental era parte do Império Soviético, sendo assim “o controle político na região recrudesceu, o monitoramento e a planificação das economias foram ampliados e a regra do arbítrio foi imposta sobre as vozes dissonantes da democracia política”. Considerado como uma resposta ao Plano Marshall, cria-se o Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME ou Comecom), que objetivava promover a integração das economias do Leste, com o intuito de criar uma espécie de “mercado comum” entre os comunistas. Foram criados acordos de comércio preferencial, de complementação econômica e mesmo sobre tarifa externa comum. Este órgão foi ampliado ainda em 1962 com o ingresso da Mongólia e, nos anos 1970, com a inserção cubana (1972) e vietnamita (1978). Do ponto de vista militar, uma aliança militar foi realizada em maio de 1955 sob a liderança da União Soviética. Além desta, Hungria, Tchecoslováquia, Romênia, Albânia, Bulgária e Alemanha Oriental estabeleceram um compromisso de auxílio militar mútuo em caso de agressões. Mesmo que as suas principais ações tenham ocorrido por questões internas e não devido a uma ameaça externa ao bloco soviético, esta aliança militar preventiva e defensiva pretendia ser uma antagonista aos países que compunham a OTAN. 16.4. Periodização Mesmo sabendo que existem diferentes interpretações sobre as fases que compõem a Guerra Fria, é importante para fins didáticos a escolha de algum tipo de corte cronológico. Desta forma, segue uma divisão básica em cinco períodos. 16.4.1. Guerra Fria Clássica (1947-1955) Período de maior tensão entre os blocos de poder e definição de quais seriam as bases da oposição entre as duas maiores potências mundiais. Neste momento, são estruturados os mecanismos econômicos (Plano Marshall e Comecom) e militares (OTAN e Pacto de Varsóvia) de cada lado, assim como o mundo assiste a alguns dos principais embates entre comunistas e capitalistas. Nos Estados Unidos, o presidente Harry S. Truman buscava internamente manter o legado de seu antecessor Franklin Delano Roosevelt, realizando ajustes no New Deal (chamado de Fair Deal) e, ao mesmo tempo, fazendo da cruzada anticomunista a principal marca de seu governo. Já na URSS, o camarada Stalin reestruturava a sua política com o final da guerra, incorporando elementos como o nacionalismo e o militarismo que não faziam parte do stalinismo antes da Operação Barbarossa. Não seria de se surpreender que a Alemanha se tornaria o palco da primeira grande tensão dos tempos de Guerra Fria. Acertado ainda na Conferência de Potsdam, quando da divisão da Alemanha em quatro áreas de influência, o entendimento mútuo sobre as ações elaboradas no país não seria respeitado a partir da eclosão da Guerra Fria. Desta forma, os capitalistas iniciam investimentos para, da forma mais acelerada possível, recuperar a economia alemã com capitais oriundos do Plano Marshall. Dentre as principais medidas tomadas, estava a já citada reforma do marco, encarada por Stalin com desrespeito aos acordos de 1945. O secretário geral da União Soviética, em uma tentativa de demonstrar sua força diante da Doutrina Truman estadunidense, cortou o tráfego ferroviário e rodoviário a Berlim Ocidental, provocando uma crise de abastecimento na área capitalista incrustrada em meio à região ocupada pelo exército vermelho ao final da Segunda Guerra Mundial. A reação capitalista é imediata: é criado um “corredor aéreo”, com mais de duzentos mil voos em quase um ano para amenizar a crise. Foram gastos milhões de dólares nesta solução, que transportou alimentos, combustíveis e demais materiais necessários à contenção do caos implementado pelo bloqueio mas, principalmente, atacou o moral de Stalin. No dia 11 de maio de 1949 o bloqueio foi encerrado. Seu principal resultado foi a criação de dois países: a República Popular Democrática Alemã (RDA) e a República Federal da Alemanha (RFA). A Alemanha estava oficialmente dividida. Em 1949, encerrava-se um longo período de guerra civil na China, iniciado em 1910, quando a milenar monarquia foi derrubada a partir do levante de Wuchang, sendo substituída pelo regime republicano. A implementação deste governo está intimamente ligada à figura de Sun Yat-sen, que atuou no exílio contra o regime imperial participando de diversas organizações secretas, dentre as quais, a Sociedade da Aliança Unida, embrião do partido que comandaria a República da China: o Kuomitang. Formar um novo Estado na China foi tarefa árdua. Yat-sen apoiou a posse do líder do novo exército (com bases ocidentais de organização), Yuan Shikai, como presidente, mas suas ambições imperiais levaram-no ao isolamento e sua consequente saída do poder em 1916. A partir daí, a República é dividida entre os chamados senhores da guerra (chefes militares que detinham o poder em diversas regiões do país) e a tentativa de unificação promovida pelo Kuomitang. Em meio à crise, ações nacionalistas se destacam, como o Movimento Quatro de Maio, organizado para protestar contra a pouca importância conferida à China nas negociações que resultaram no Tratado de Versalhes. Em julho de 1921 é fundado o Partido Comunista Chinês, de base urbana e que se aproxima do Kuomitang. Os dois partidos se unem, com o apoio do Komitern (simpático à organização do Kuomitang), contra os senhores da guerra. Com a morte de Sun Yat-sen, assume a direção dos nacionalistas Ching Kai-shek, que obtém a submissão dos senhores da guerra nortistas e volta a sua atenção contra os comunistas. A forte repressão expulsa os comunistas para as zonas rurais, onde este faz uma inédita aliança com o campesinato, conseguindo inclusive romper o cerco quase mortal no Noroeste através da Longa Marcha (1934-1935). Destaca-se neste evento a estratégia de guerrilhas, a libertação e implementação de reformas nestas áreas e a afirmação de Mao Tsé-tung como dirigente máximo do PCC. Em 1937 o Japão, que já ocupara oterritório da Manchúria em 1931, inicia sucessivos ataques ao litoral chinês. Diante de uma ameaça estrangeira, senhores da guerra, PCC e Kuomitang formam a Frente Única Bem Chinesa, uma aliança nominal que propunha, inclusive, a incorporação do Exército de Libertação Popular àquele regular chefiado por Kai-shek. Após a retirada japonesa, a guerra civil é retomada. Sendo um dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU, era interessante para as potências uma paz negociada, que fracassou. Os estadunidenses, preocupados com as ações vitoriosas do PCC, repassam armas e dinheiro para o Kuomitang, que mesmo assim não consegue êxito em seus esforços. No dia 1º de outubro de 1949, contando com limitado apoio soviético, Mao Tsé-tung proclama a República Popular da China. Os nacionalistas transferem seu governo para Taiwan, sendo reconhecidos pela ONU como o legítimo representante da China em sua estrutura. Tal reação da ONU diante da Revolução Chinesa causou protestos na península da Coreia. Parte do Império Japonês desde 1910, a Coreia foi libertada por tropas estadunidenses ao sul e soviéticas ao norte, o que resultou na divisão do país através do paralelo 38. Em 1948, o líder da resistência contra a ocupação japonesa Kim II-sung tornou-se a principal liderança política da República Popular Democrática da Coreia do Norte enquanto na República da Coreia do Sul fora colocado como presidente Syngman Rhee, liderando um governo de notáveis que haviam colaborado com o Japão. Incentivados pelos principais arquitetos da Guerra Fria - Acheson e Dulles -, os sul-coreanos iniciaram uma série de “provocações” no paralelo 38. Acreditando em uma vitória semelhante àquela obtida pelo PCC, os homens de Kim II-sung invadiram o Sul e conseguiram a sua capitulação, buscando a unificação da Coreia. Aproveitando os protestos soviéticos que se materializaram na sua ausência no Conselho de Segurança e manobras da diplomacia estadunidense, a ONU intervém no conflito. O exército estadunidense lidera uma ampla coalizão de tropas que rumaram ao sudeste asiático liderados por Mac Arthur. URSS e China deram suporte aos nortistas. O maior conflito após a Segunda Guerra é abreviado em 1953, uma vez que o contexto político nas duas potências foi sensivelmente alterado: Stalin morre em março de 1953 e os republicanos saem vitoriosos nas eleições de 1953. A paz em Pan Munjon manteve o paralelo 38 como divisão entre as duas Coreias, suspendendo, ainda que não definitivamente, as hostilidades na península. 16.4.2. Coexistência pacífica (1955-1968) O curso das duas décadas que vinculam o ano de 1947 ao de 1968 foi ditado pela supremacia de dois gigantes sobre o mundo. Os Estados Unidos e a União Soviética assenhorearam-se dos espaços e criaram um condomínio de poder que só foi abalado no final da década de 60 e início da de 70. Existiam, no entanto, nuanças no sistema condominial de poder. Da relação “quente” da Guerra Fria - 1947-1955 - à lógica da coexistência pacífica - 1955-1968 -, as duas superpotências migraram da situação de desconfiança mútua para uma modalidade de convivência tolerável59. Algumas mudanças no Leste Europeu foram fundamentais para o início de uma “gradual flexibilização” da ordem bipolar, entre 1955 e 1968, no período conhecido como Coexistência Pacífica. Dentro deste contexto destaca-se, como mencionado anteriormente, a morte daquele que construiu a URSS como uma potência militar-política mundial, Stalin. Logo depois assume a liderança do PCUS o camarada Nikita Kruschev, após vencer a disputa interna com outros membros destacados dos tempos stalinistas, como Gueórgui Malenkov (burocrata e líder por um breve momento após a morte de Stalin) e Viatcheslav Molotov (diplomata). O apoio de setores dentro do exército vermelho foi de fundamental importância para o fortalecimento de Kruschev dentro do politburo. Com a chegada de Kruschev ao poder, que possuía uma tendência mais “liberal” que seu antecessor, ocorre a chamada desestalinização. Baseado na tese de que o socialismo soviético fora vitimado por uma doença - o “culto à personalidade”de Stalin, fonte de graves perversões dos princípios do partido, da democracia partidária e da legalidade revolucionária, Kruschev denuncia e usa o XX Congresso do PCUS para denunciar os “crimes de Stalin”. Em discurso marcante no Congresso, Kruschev assim se refere aos tempos do georgiano: Stalin inventou o conceito de “inimigo do povo”. Tal termo, automaticamente, tornou-se desnecessário comprovar os erros ideológicos de um ou vários homens engajados em controvérsia; o termo propiciou o uso da mais cruel repressão [...] contra qualquer um que, de qualquer modo, discordasse de Stalin, contra os apenas suspeitos de intenções hostis, contra pessoas de má reputação. [...] A fórmula “inimigo do povo”foi especificamente introduzida com o propósito de aniquilação física destes indivíduos60. Também chamado de Degelo de Kruschev61, este novo período da história soviética é marcado por uma série de reformas que afetaram diversos setores, mudando a ênfase da industrialização (privilegiando as indústrias de bens de consumo), acabando com o culto à personalidade e libertando alguns milhares de prisioneiros dos temidos campos de concentração, os gulaks. Na política exterior, é aberto o caminho para uma maior aproximação com Washington. Na maior potência ocidental as mudanças também eram perceptíveis. A chegada dos republicanos ao poder encerrava a longa gestão dos democratas sobre os negócios do Estado, retirando do poder os “arquitetos”da Guerra Fria, juntamente com Truman. Com o presidente Eisenhower, alternativas para a construção da legitimidade internacional estadunidense são elaboradas. A Cúpula de Genebra (1955) é considerada marco inicial deste novo período das relações internacionais, sendo este o primeiro encontro entre os principais líderes mundiais desde a Conferência de Potsdam (julho-agosto/1945). O clima cordial não conseguiu aprovar a proposta de Eisenhower de “Céus Abertos”, onde os protagonistas da Guerra Fria permitiriam uns aos outros vigilância aérea de seu território, com sobrevoos livres de aeronaves. Mesmo os soviéticos recusando tal política transparente, o caminho para uma maior aproximação entre os blocos foi aberto. O quadro político da segunda metade da década de 1950 apresenta duas superpotências que não mais conseguiam manter seus blocos de poder coesos, possibilitando novas formas de inserção na ordem internacional. O monolitismo político da URSS e dos EUA apresentava fissuras já em 1955, quando os países recém-independentes que se reuniram na Conferência de Bandung propuseram uma neutralidade positiva diante da Guerra Fria. No Oriente Médio, o líder egípcio Nasser nacionalizou o canal de Suez (ainda em poder de empresas britânicas e francesas) e posteriormente bloqueou o estreito de Tiram aos israelenses, única ligação entre Israel e o Mar Vermelho. Auxiliando os interesses de Israel, ingleses e franceses promovem uma intervenção conjunta condenada pela ONU, incluindo aí votos dos EUA e da URSS. Ao final da guerra, Nasser fortaleceu seu discurso baseado no panarabismo e seus laços com a URSS, enquanto, por outro lado, o presidente estadunidense divulgava a sua Doutrina Eisenhower, afirmando que todos aqueles que eram contra os soviéticos no Oriente Médio receberiam apoio de seu país, legitimando a aliança com Israel. Reflexos diferentes na Europa são sentidos. Enquanto a Inglaterra retira-se definitivamente do Oriente Médio, acabando com anos de intervenção desde o ocaso do Império Turco-Otomano, a França vai ao encontro do fortalecimento da economia do continente, simbolizado pela formação da Comunidade Econômica Europeia, afirmando “que a solidariedade americana não deveria ser presumida como automática.” A Segunda Guerra Árabe-Israelense (1956) teve seus contornos eclipsados pelos acontecimentos na Hungria. A crescente insatisfação devido ao baixo padrão de vida e ausência de liberdade a partir da “revolução pelo alto” que colocou MátyásRákos no poder levam a diversos protestos, destacando-se aquele liderado por estudantes que exigiam mudanças no governo. O choque entre os manifestantes e a Autoridade de Proteção de Estado (AVH) gerou comoção nacional e provocou uma série de choques que resultaram na queda do governo pró-soviético que, naquele momento, tinha Ernõ Gerõ no poder. O novo governo, que possuía o líder da facção conservadora do PC húngaro Imre Nagy, assumiu no dia 25 de outubro de 1956. Com o intuito de aproximar-se dos anseios populares, anunciou medidas como o retorno do pluripartidarismo, a extinção da polícia política e a libertação de presos políticos. As reformas superaram a tolerância da URSS diante do evento, resultando na primeira intervenção do Pacto de Varsóvia, que massacrou os insurrentos e impôs o governo de János Kádár, que permaneceu no poder até 1988. A Revolução Húngara (1956) gerou grande repercussão no Ocidente, incitando diversos protestos. Ficava claro que a desestalinização de Kruschev tinha os seus limites. É neste momento que a URSS de fato torna-se uma potência mundial. Na segunda metade da década de 1950, os soviéticos finalmente recuperam-se dos estragos da Segunda Guerra Mundial nos planos econômico e demográfico, refletindo esta estabilidade na conquista do espaço com o lançamento do Sputinik (1957) e o fim da vulnerabilidade nuclear, conquistando um real equilíbrio neste campo com os europeus ocidentais. Uma série de viagens diplomáticas marcaram os primeiros anos do governo de Kruschev na URSS. O líder do PCUS buscou a normalização das relações com a Iugoslávia de Tito, rompidas no ano de 1948, visitou a República Popular da China e protagonizou a primeira visita de um líder soviético aos Estados Unidos entre 15 e 27 de setembro de 1959. Cercados de muitas expectativas, os encontros entre Kruschev (que no mesmo ano ganhou o prêmio Lenin da Paz) e Eisenhower resultaram nos primeiros passos de uma aproximação entre as duas potências. Nas palavras do líder soviético após o encontro havia entusiasmo: “Eu tenho a impressão que ele (Eisenhower) quer sinceramente liquidar a Guerra Fria e melhorar as relações entre duas grandes nações”. Ao mesmo tempo em que os soviéticos aproximavam-se dos nacionalistas do Terceiro Mundo, aumentando as suas áreas de influência, o incremento das políticas de Kruschev afastavam a URSS da China popular. Na verdade as relações entre as duas maiores potências comunistas eram tensas desde os primórdios da Revolução Chinesa (1949). Os soviéticos pouco auxiliaram a chegada de Mao Tsé-tung ao poder, incomodados com a própria interpretação do marxismo, realizada pelo líder chinês. A visita de Mao Tsé-tung a URSS logo após a vitória da Revolução Chinesa reforçou suas impressões de que a URSS fazia pouco caso de seus esforços na Ásia. Empréstimos limitados e o envio de alguns técnicos foram as poucas ações de auxílio vindas de Moscou. O agravamento da crise econômica na China após a tentativa de acelerar a industrialização com o chamado “Grande Salto para Frente” fez Mao engrossar seus discursos contra a URSS. Acusando Kruschev de trair os princípios do marxismo (seria um revisionista), Mao criticava a insistência soviética de que a China deveria dar ênfase às indústrias de bens de consumo. Isto significaria a submissão aos soviéticos. Acusações da URSS vieram como resposta, culminando no rompimento do acordo nuclear em 1959 e no aumento das tensões nas fronteiras. No ano seguinte, os técnicos soviéticos eram retirados da República Popular e os acordos econômicos, extintos. A partir deste momento, rompia-se o monolitismo político da URSS sobre o Segundo Mundo, deixando de ser a satelização uma realidade no mundo comunista. Até mesmo a aproximação com os Estados Unidos é colocada em xeque no início dos anos 1960 e o Caso U-2 tem papel fundamental neste processo. No dia 1º de maio de 1960 um avião Lockheed U-2 de espionagem estadunidense, que usava bases no Paquistão, foi abatido sobre a URSS. Em meio à aproximação com a URSS e 13 dias antes da reunião Leste-Oeste em Paris, Washington tentou encobrir de todas as formas o ocorrido, mas diante da divulgação soviética de que o piloto Francis Gary Powers estava vivo e de que juntamente com ele os soviéticos possuíam destroços da aeronave, nada puderam fazer os EUA. Tentando salvaguardar sua imagem, o governo Eisenhower se nega a emitir nota pedindo desculpas oficiais, o que inviabiliza a reunião de Paris. Como consequência do fatídico caso, as relações entre comunistas e capitalistas deterioram-se, retomando um período de cístole na Coexistência Pacífica. Os soviéticos finalmente autorizam a construção do Muro de Berlim pelo governo da República Democrática Alemã que, por sua vez, buscava impedir a fuga de mão de obra qualificada para o lado capitalista. Diante do uso de bases paquistanesas pelos EUA, Moscou intensifica o envio de armas, equipamento e dinheiro para a Índia, aumentando ainda mais o desequilíbrio entre os dois vizinhos. Eleito em 1960 como o mais jovem presidente norte-americano da história e o primeiro católico a ocupar o cargo, depois de vencer por pequena margem o candidato republicano, Richard Nixon, John Kennedy apoiou uma expedição de cubanos exilados contra a Revolução de 1959, no famoso episódio da invasão da Baía dos Porcos, que resultou num grande fracasso. O aprofundamento das reformas nacionalistas ao longo do ano de 1960, especialmente a reforma agrária e as nacionalizações de empresas estrangeiras, incomoda o governo estadunidense, que promove nestes tempos o famoso embargo econômico, dificultando ainda mais o entendimento entre os dois países. O envolvimento de Kennedy com a América Latina foi intenso, e não se limitaria a estipular diretrizes a serem seguidas por seus colaboradores nesse continente. Na realidade, deveria assumir a liderança de “revolução social pacífica” com o objetivo de, no espaço de um decênio, mudar a face do continente. Neste período, segundo os cálculos estimados por eles, os Estados Unidos investiriam um bilhão de dólares por ano (metade dos quais nos setores públicos), a serem complementados por investimentos locais numa proporção quatro vezes superior. Desta forma, esperava-se consolidar uma terceira via que serviria de alternativa à tentação revolucionária e ao imobilismo conservador ou direitista que, tradicionalmente, predominava na América Latina. Como medida de precaução em relação a um possível fracasso do reformismo aliancista, e também para satisfazer os setores mais conservadores do Congresso e do Pentágono, o governo Kennedy passou a dar suporte prático, com o auxílio de um militar da reserva, o general Maxwell Taylor, à teoria da contra-insurgência. Tratava-se de uma ampla remodelação da instrução militar do continente, para adaptar as Forças Armadas latino-americanas à luta antiguerrilheira. Até o início dos anos 60, os exércitos e as demais armas de guerra do continente haviam sido adestrados e treinados para a guerra convencional, para, seguindo o TIAR (Tratado Interamericano de auxílio recíproco), atuarem como tropa auxiliar dos norte-americanos em caso de um conflito aberto com a União Soviética. O aparecimento da guerrilha fidelista e o êxito obtido por ela mudou totalmente o quadro da instrução militar e da sua estratégia geral. Os exércitos, seguindo o modelo que os Estados Unidos aplicavam ao exército sul-vietnamita, deveriam ser dali em diante uma força contra-insurgente. Para tanto foi fundada em 1961 a School of the Americas, localizada no Forte Gulick, na Zona do Canal do Panamá. A Escola das Américas, logo apelidada de Escola dos Ditadores, chegou a formar 33.147 militares vindos de todos os países latino-americanos. Como atuação complementar, a Junta Interamericana de Defesa apressou-se em criar o Colégio Interamericano de Defesa (CID) para acelerar o ensino da antissubversão. Até 1975, mais de 70 mil oficiais latino-americanos haviam passado pelos cursos oferecidos por aquelas instituições, e, segundo dados da mesma época,