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Índice
1. INTRODUÇÃO
Paulo
De onde falamos
2. AS FONTES
As categorias de fonte
As fontes arqueológicas
Via Egnatia, caminho usado por Paulo
A tradição literária
Os Atos dos Apóstolos
As cartas de Paulo
3. OS INÍCIOS DE SAUL
Saul, o fariseu
Saul de Tarso
Saul em Jerusalém, um radical
4. PAULO, SERVIDOR DE CRISTO
O encontro com Cristo
Novos passos de um crente
Anos na obscuridade: um longo interlúdio
Antioquia e o afluxo de conversos
5. PAULO, APÓSTOLO DOS GENTIOS
Rupturas
Semeador de comunidades
Sob “fogo amigo”
Os dilemas de uma ekklesía numa metrópole grega
Prisão, escravidão e justiça divina
Do Cristo escravo ao escravo feito irmão
Sob a justiça de Deus
Ao Ocidente via Jerusalém
6. CONCLUSÃO
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS E FONTES
CRONOLOGIA
LEITURAS RECOMENDADAS
SOBRE OS AUTORES
1. INTRODUÇÃO
PAULO
Paulo de Tarso pode ser considerado uma das pessoas mais influentes nos
rumos da História. Talvez apenas Jesus de Nazaré e Maomé possam ser
colocados na mesma categoria. Paulo, contudo, não era um pregador
popular e messiânico, como Jesus, nem um profeta, como Maomé. Talvez
possa ser considerado o intelectual de maior sucesso de todos os tempos,
sem o ter pretendido, pois, embora fosse um estudioso das Escrituras de seu
povo, não foi como pensador que se terá concebido, e também não foi um
líder de massas, como foram Jesus e Maomé, cada um à sua maneira. Já por
isso, sua trajetória despertaria a atenção. Como foi possível que um
pregador tivesse tanto êxito, fosse santificado e considerado o grande
pensador da fé de maior adesão no mundo? Nascido Saul, em família de
tradição judaica, cresceu na leitura tanto das escrituras hebraicas como das
letras gregas. Adulto, seguidor rigoroso das tradições das elites judaicas,
tornou-se perseguidor do que considerava ser uma heresia: os seguidores de
Jesus de Nazaré. De tanto perseguir, tornou-se seguidor daquele mesmo
Jesus que nunca conhecera em vida e cujos seguidores tanto combatera.
Sem ter convivido com o Nazareno, Saul teve contato direto com o Cristo
ressurreto e formulou sua própria interpretação da nova fé. Tornou-se
apóstolo dos gentios, foi conhecido pelo seu nome grego, Paulo, pregou
pelo mundo e fundou muitas das comunidades que estão na origem do
cristianismo.
Este livro procura apresentar, de forma breve, as pesquisas sobre esse
fascinante personagem histórico, Paulo de Tarso. Nosso objetivo, em
primeiro lugar, consiste em mostrar como podemos conhecer sua vida e
trajetória, quais as principais características de sua pregação e como seus
conceitos e propostas foram interpretados, no decorrer do tempo, por parte
de teólogos, historiadores e outros estudiosos. Preferimos usar, no título do
livro, o simples e neutro Paulo de Tarso, de maneira a evitar que se
considerasse que esta obra seria parte da hagiografia, o “relato da vida dos
santos”. Mas não há dúvida de que a posteridade conheceu esse personagem
como São Paulo, nome de catedrais e cidades, festejado, caso único, em
duas datas: 29 de junho, dia da sua morte ou do traslado das suas relíquias e
dia 25 de janeiro, dia da sua visão de Cristo e conversão à nova fé. Na
modernidade, esse mesmo Paulo foi instrumental para a Reforma
protestante, mas nunca deixou de servir à fé católica e mesmo àquela
ortodoxa. Nesta obra, buscamos mostrar tanto a historicidade de Saul, Paulo
de Tarso, como as doutrinas daquele que viria a ser logo considerado o
apóstolo dos povos, São Paulo. Mesmo que o cristianismo paulino seja mais
relevante do que a figura carismática de Paulo, sem ele não haveria essa
comunidade tão decisiva para os rumos da Igreja.
DE ONDE FALAMOS
Podemos tratar de algum tema sem ter perspectivas próprias? Claro que
não. Por isso mesmo e, em primeiro lugar, convém que explicitemos nossa
abordagem. Consideramos que as sociedades são caracterizadas pela
diversidade e que as pessoas vivem em constante mudança. Isso significa
que, no que se refere ao mundo na época de Paulo, não havia uma única
maneira de pensar ou de agir. Os romanos, os gregos e os judeus formavam
grupos humanos com imensa variedade interior, em constante interação.
Não havia romanos, gregos ou judeus puros: essa noção de pureza não fazia
sentido àquela época. Um bom exemplo, muito a propósito, refere-se a um
contemporâneo de Paulo: o historiador Flávio Josefo (37-100 d.C.). Ele era
judeu, de língua grega e cidadão romano. Era, pois, judeu, grego e romano a
um só tempo e à sua maneira. Nosso personagem, Paulo de Tarso, da
mesma forma, era judeu, mas falava também o grego (e escreveu nessa
língua as cartas que dele conhecemos), e o livro bíblico dos Atos dos
apóstolos nos garante que possuía cidadania romana.
Era, pois, um mundo caracterizado pela diversidade, por pessoas com
muitas experiências e formações, que se sentiam como pertencentes a
diversos grupos, a depender dos contextos. Esse, portanto, é um aspecto
essencial da nossa aproximação ao tema de Paulo: a fluidez das identidades
sociais, individuais ou coletivas. Elas estão em permanente mudança. A
vida de Paulo testemunha essa imensa fluidez. Nascido em cidade grega,
grande metrópole, em capital de província romana: Tarso. Fazia parte de
uma comunidade, a judaica, com tradições milenares e compatriotas
espalhados por uma imensa área, tanto dentro como fora do mundo romano.
Uma parte importante da comunidade judaica estava, de fato, a oriente, na
Mesopotâmia e Pérsia. Paulo, como Josefo, fazia parte dessa imensa e
variada comunidade judaica, que falava diversas línguas e interpretava o
judaísmo de forma muito variada. Ambos, Paulo e Josefo, conheciam o
hebraico, o aramaico, falado à época em Israel, mas seu idioma quotidiano
era o grego. Liam e conheciam as obras gregas clássicas, a retórica, a
filosofia e interpretavam as escrituras bíblicas com esse idioma, com os
conceitos gregos. Para completar esse quadro complexo, faziam parte de
um mundo romano, com sua língua latina, mas, principalmente, com uma
série de valores e costumes que lhes eram familiares, e com o poderio
militar com pretensões de onipresença. Não há, pois, que falar em pureza ou
homogeneidade, mas em diversidade, fluidez e permanente mudança. Essa
perspectiva, que transcende o nosso tema, é particularmente relevante para
entendermos Paulo, que, no entrecruzar de tantas e tão variadas influências,
costumes e pontos de vista se apresenta como um inovador e
revolucionário, manifestação concreta dessa diversidade cosmopolita.
Há um segundo aspecto que não podemos deixar de lado. As sociedades,
em todas as épocas e lugares, foram e são caracterizadas não apenas pela
diversidade, como pelos conflitos. A diversidade à qual aludimos sempre
implicou conflitos. Os romanos lutavam entre si, mas o mesmo o faziam os
judeus, os gregos e a mistura desses grupos humanos. Os motivos para isso
podiam ser os mais diversos: interesses econômicos, sociais, políticos,
religiosos, entre outros. Paulo de Tarso tampouco pode ser entendido sem
termos as contradições em mente. Participou de movimentos religiosos em
disputa constante. Como fariseu, combateu o nascente movimento dos
seguidores de Jesus de Nazaré. Tendo encontrado Cristo, opôs-se às
tendências herméticas e favoreceu, de forma decisiva, a pregação voltada
para não judeus. Nas comunidades em que pregava, sempre houve
desacordos e desavenças. Ele formou, como resultado do conflito,
comunidades autônomas em relação às sinagogas. Nada disso pode ser
compreendido sem tomarmos o conflito como um aspecto essencial da vida
em sociedade, assim como a diversidade. Ambos são aspectos inter-
relacionados.
Por fim, tomamos a religiosidade como característica essencial, com a
particularidade, nas sociedades antigas, de não podermos separar, de forma
absoluta, os aspectos racionais dos emocionais. Ao contrário, a experiência
religiosa do mundo foi fundamental para pensadores como Platão ou
Pitágoras. Milagres, êxtase, curas, contatos com anjos e com Deus,
expectativa do fim dos tempos são todos aspectos da vida quotidiana, sem
os quais não compreendemos Paulonem seus interlocutores e seguidores.
2. AS FONTES
AS CATEGORIAS DE FONTE
Como se pode conhecer o passado? Podemos saber, de forma objetiva, o
que se passou e de que maneira? Essas são perguntas básicas e essenciais, a
partir das quais poderemos iniciar nossa caminhada pela obra, doutrina e
repercussões da vida de Paulo de Tarso. O passado não pode ser revivido e
a própria palavra já mostra que se refere àquilo que se passou, que não
existe mais. Isso significa que nosso acesso àquilo que ocorreu deve ser por
meio de documentos ou fontes, produtos do ser humano e da sua interação
com o ambiente. No que se refere à Antiguidade, há duas grandes
categorias de fontes históricas: os documentos literários transmitidos por
meio de cópia, também conhecidos como Tradição Textual e a
documentação material ou arqueológica. Examinemos, de maneira breve, os
dois tipos de fontes de informação, suas características e limites.
AS FONTES ARQUEOLÓGICAS
Na Antiguidade, as pessoas utilizavam-se, com relativa amplitude, de
escritos para se comunicar. Escreviam cartas e as mandavam, faziam
anotações em tabuinhas, produziam, portanto, grande quantidade de textos.
Muitos deles eram de uso limitado e só tinham uma cópia. Alguns desses
documentos eram publicados na forma de livros. Estes eram copiados à
mão, em diversos exemplares, em rolos, que eram armazenados em
bibliotecas, vendidos em livrarias, com circulação ampla. Da imensa
produção antiga, pouco chegou até nós, em sua grande maioria, aquelas
obras que foram copiadas durante a Antiguidade e, depois, na Idade Média.
Por ser o resultado de reprodução manual, ficou conhecida com a expressão
“tradição textual”, aquilo que foi trazido pela cópia. Nesse processo secular
de reprodução, os manuscritos foram alterados à luz de questões técnicas
ligadas às dificuldades de leitura, mas também devido aos pontos de vistas
daqueles que copiavam.
Para além desses aspectos materiais referentes à reprodução da literatura
antiga, convém lembrar que a alfabetização no mundo antigo era baixa e
que os autores de obras publicadas constituíam uma ínfima parcela da
população. Basta dizer que não temos uma única obra literária escrita por
uma autora latina e que o número de autores latinos é também limitado a
algumas dezenas, para uma população romana que, à época de Paulo de
Tarso, devia ser de uns cinquenta milhões de pessoas. A produção literária
reflete, portanto, o ponto de vista masculino, de pessoas alfabetizadas e
instruídas. A literatura antiga veiculava, ademais, as ideias de escolas
filosóficas e religiosas que estavam inseridas em gêneros narrativos. As
particularidades de cada gênero literário explicam, como veremos, as
próprias características dos textos antigos que nos chegaram. A História era
um gênero narrativo que visava a agradar o leitor, mesmo quando afirmava
estar preocupada com a verdade dos fatos.
Desde o Renascimento, no século XVI, e mais intensamente a partir do
século XIX, nosso conhecimento do mundo antigo foi complementado por
objetos antigos ou arqueológicos. Foram descobertos estátuas e edifícios,
mosaicos e inscrições. O século XVIII testemunhou o início de
desenterramentos sistemáticos, como no caso de Pompeia, a cidade romana
destruída pela erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C. Nos séculos
seguintes, inúmeros sítios arqueológicos foram escavados, com a produção
de uma infinidade de objetos, como moedas, pinturas murais, inscrições
monumentais e grafites, artefatos de uso quotidiano, entre outras categorias
de manufaturas arqueológicas. Há três tipos principais de documentos
arqueológicos, a começar daqueles sem inscrições ou imagens, que
constituem a imensa maioria. São vasos de cerâmica usados para transportar
ou servir produtos como vinho e azeite, pesos de tear, brinquedos e muito
mais. Em seguida, existem artefatos com imagens, como os mosaicos, as
pinturas parietais, mas também imagens em relevo em lamparinas ou em
sepulturas. Por fim, há inscrições, sempre em algum objeto, e às vezes com
imagens. Podem ser inscrições monumentais, como podem ser, em sua
maioria, escritos em vasos de cerâmica, grafites em paredes, abreviaturas de
fabricantes em tijolos ou telhas, entre outros suportes.
O estudo da vida e obra de Paulo de Tarso também faz uso dessas
categorias de fontes. Vamos começar pelas fontes indiretas, que se referem
ao contexto e às circunstâncias à época do apóstolo. As fontes
arqueológicas são fundamentais para o nosso conhecimento da vida
romana, no século I d.C. As viagens de Paulo seguiam as estradas romanas,
que nos são conhecidas por seus vestígios e pelo marco das milhas
(miliários).
VIA EGNATIA, CAMINHO USADO POR PAULO
O império romano constituía-se numa grande área de comércio de
mercadorias e pessoas, o que está bem testemunhado pela ampla circulação
de objetos recuperados pela Arqueologia. As pessoas podiam viajar, de
maneira rápida e segura, por estradas. A navegação permitia que as viagens
fossem também frequentes e relativamente seguras, com o transporte a
distância de produtos como azeite, trigo, condimentos alimentares, vinho,
mármore e muitos outros produtos encontrados pela arqueologia em
embarcações soçobradas. Diversas cidades romanas visitadas por Paulo
foram escavadas de forma parcial, em particular Filipos da Macedônia,
Atenas, Delfos, Éfeso e Roma. Atestam sua pujança e vida pacífica, pois
não eram amuralhadas e foram encontrados produtos provenientes de todo o
império. Isso significa que a pregação universalista de Paulo estava bem em
sintonia com aquilo que a arqueologia tem encontrado.
Dentre as fontes arqueológicas mais relevantes estão as ruínas de Qumran,
assim como os rolos associados a essa comunidade de judeus
contemporâneos de Paulo, conhecidos como Manuscritos do Mar Morto.
Ali foram encontrados vestígios de um grupo, uma comunidade mística,
que teria durado até a destruição de Jerusalém, em 70 d.C. Foram
encontradas cópias de livros da Bíblia hebraica, assim como uma série de
livros que tratavam das expectativas religiosas, que incluíam perspectivas
de uma luta decisiva entre Deus e as forças do mal. Embora Paulo nunca
deva ter tido contato direto com tal grupo, por meio desses vestígios
conhecemos um pouco melhor a grande diversidade no interior do judaísmo
àquela época.
Um manuscrito do Mar Morto.
Imagem de Qumran, fotografada por Jonas Machado.
Vestígios de edifícios de Cesareia, cidade romana que abrigou o apóstolo Paulo.
Além disso, muitas passagens e referências de Paulo ganharam novo
sentido à luz dos Manuscritos do Mar Morto. Assim, quando Paulo diz: “A
vós, vindos do paganismo, eu digo: enquanto eu for apóstolo dos pagãos,
honrarei o meu ministério, na esperança de despertar ciúme nos da minha
raça e assim salvar alguns deles” (Rm 11,13-14), a expressão traduzida
como “pagãos”, no original grego ethne, povo, ecoa o que encontramos nos
rolos provenientes de Qumran, quando eles se referem ao Reino dos Povos.
A palavra usada, ammim, refere-se aos povos, aos não judeus, em uma
leitura apocalíptica, na qual uma nova era iria unir todos os povos. Outros
diversos termos usados por Paulo, como verdade, mentira, luz e justiça,
também faziam parte do caldo cultural judaico da época, que entendemos
melhor à luz das descobertas dos Manuscritos do Mar Morto.
A TRADIÇÃO LITERÁRIA
As circunstâncias políticas estão bem retratadas nas fontes literárias
romanas. O império romano que Paulo conheceu foi caracterizado como a
Paz Romana, pois desde Augusto (31 a.C.-14 d.C.), o primeiro imperador,
não havia guerras civis. O regime imperial romano era conhecido como
principado, com o governo do príncipe, ou imperador, apoiado no exército.
O senado romano constituía o grupo da elite imperial que compartilhava do
poder, assim como as elites das cidades, que faziam parte da câmara
municipal (ordo decurionum, ordem dos decuriões). Essas informações
estão retratadas em obras como os Anais, de Tácito, a Vida dos Doze
Césares, de Suetônio. Há, também, muitas obras filosóficas ou ficcionais
que sãomuito reveladoras do ambiente cultural da época. Assim, as obras
de Sêneca, preceptor do imperador Nero, retratam bem o estoicismo, escola
filosófica que se relacionava com as reflexões de Paulo, como a obra sobre
a Tranquilidade da Alma. O conceito de virtude, tão comum na Filosofia da
época, aparece também em Paulo com o mesmo termo (Arete): “Quanto ao
mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, digno de respeito ou
justo, puro, amável ou honroso, com tudo o que é virtude ou louvável” (Fl
4,8).
No Satyricon de Petrônio, romance possivelmente contemporâneo de
Paulo, aparece uma possível referência irônica à eucaristia. Nessa obra
sarcástica, um personagem, o rico liberto Trimalcião, encena com seus
companheiros de jantar algo que poderia ser uma paródia da última ceia, ao
propor que, quando ele estiver morto, comam o seu corpo. Como veremos
mais adiante, à época de Nero, os seguidores de Jesus já eram bem
conhecidos em Roma e outros lugares, e talvez seus rituais ligados à
refeição do corpo e sangue de Cristo fossem conhecidos (e criticados). Já a
situação no Israel daquela época está bem retratada pelo historiador judeu
Flávio Josefo, no seu livro A Guerra Judaica. No âmbito do próprio
judaísmo, fontes importantes são os livros da Bíblia Hebraica, que
constituíam o fundo cultural comum dos seguidores de Jesus. Em particular
no caso de Paulo, a versão em grego, conhecida como Bíblia dos Setenta,
ou Septuaginta, é uma fonte importante, pois as referências de Paulo às
Escrituras de seu povo são quase todas a partir do texto grego. Alguns
temas e conceitos de Paulo provêm, muito claramente, de passagens
bíblicas, como se pode ver neste exemplo: “Mas para os que são chamados,
tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus”
(1Cor 1,24). Tanto o poder (dýnamis) como a sabedoria (Sophia) de Deus
ecoam o Livro dos Provérbios, na sua versão grega.
As principais fontes, contudo, são aquelas recolhidas no que viria a ser o
Novo Testamento. Embora o conjunto de livros do Novo Testamento tenha
sido organizado bem mais tarde, como um todo ele constitui uma fonte
importante. Como ressalta o historiador G. W. Clarcke, a maioria dos
seguidores de Jesus possui nomes latinos ou gregos, e nos documentos
paulinos quase vinte por cento são mulheres. Isso parece apontar para o
caráter cosmopolita dessas primeiras comunidades seguidoras de Jesus, e
com as quais o apóstolo interagia, compostas por pessoas de diferentes
origens étnicas e religiosas, não exclusivamente masculina.
OS ATOS DOS APÓSTOLOS
Os Atos dos Apóstolos constituem o documento mais detalhado sobre a
vida de Paulo, mas nem por isso são dos mais antigos. Na antiguidade, a
História era um gênero literário e devia servir, em primeiro lugar, ao deleite
e à formação moral. Devia agradar o leitor ou ouvinte, pois se faziam
muitas leituras públicas: “A História, como quer que seja escrita, sempre
agrada” (Historia quoquo modo scripta delectat, Plínio, Carta 5,8,4). Seu
objetivo consistia em ensinar algo, como mestra da vida, na expressão de
Cícero. Para isso, o autor utiliza-se das mesmas técnicas narrativas da
historiografia grega e romana da época: a descrição de locais e personagens
e a composição de discursos apropriados para o contexto narrativo. Dessa
forma, assim como todos os outros historiadores antigos, temos muitas falas
reportadas que não pretendiam ser reproduções exatas do que foi dito. Nem
isso seria possível, àquela época, com aqueles recursos de registro. O que
intencionava era passar o teor, de maneira agradável e bem argumentada,
mas pensada e refletida posteriormente pelo autor do livro.
Os Atos inserem-se em tais preceitos, como já indica o título, no original
grego, “práxeis”, as ações, as práticas, dos apóstolos. Quando foram
escritos? Não sabemos, pois as cópias existentes são tardias, até mesmo
porque o cristianismo foi perseguido por três séculos, até sua tolerância, a
partir do início do século IV d.C. Referem-se a acontecimentos entre o
início dos anos 30 d.C. até o início da década de 60 d.C., mas parecem ter
sido escritos por volta de 80 d.C., embora haja muitas controvérsias quanto
a isso. O autor poderia ser o mesmo a quem se atribui a escrita do
Evangelho segundo Lucas. Parece que existiram relatos escritos mantidos
por seguidores de Paulo e que foram consultados, mas essa é apenas uma
hipótese. Isso tudo não podemos saber, nem importa tanto, pois o objetivo
maior da obra era relatar, para fins catequéticos, as ações da Igreja nos
primeiros tempos.
De todo modo, há muitas informações que demonstram conhecimento de
primeira mão e antigo. Assim, Filipos é descrita como uma colônia romana
(At 16,12), termo técnico; assim como outras denominações corretas são
apresentadas para magistrados diversas cidades: politarcas em Tessalônica
(At 17,6), prótos da Ilha de Malta (o chefe, At 28,7).
Inscrição em Tessalônica, com o termo politarca.
Quais seriam as fontes de informação do autor? Seria testemunha ocular,
como o texto dá a entender, ao usar o pronome pessoal “nós”? Tudo indica
que as cartas de Paulo não fossem do conhecimento do autor, pois não são
citadas de forma literal, nem sistemática, o que era comum ao gênero
historiográfico. Elas nem mesmo são mencionadas, e os temas principais
nelas tratados também não se fazem presentes em Atos. O conteúdo geral
da obra pode ser dividido em doze grandes partes:
1. Prólogo (1,1-5): ligação com o livro anterior, o Evangelho segundo
Lucas;
2. Acontecimentos iniciais (1,6-26): Jesus sobe aos céus e é escolhido o
sucessor de Judas Iscariotes;
3. O nascimento da Igreja de Jerusalém (2,1-5,42): Pentecostes, vida
comunitária e conflito com as autoridades;
4. O começo da perseguição (6,1-9,31): lapidação de Estêvão, vocação
de Paulo e prosperidade da Igreja;
5. A Boa-nova expande-se pelos gentios (9,32-12,25): Pedro e a inclusão
dos gentios;
6. Primeira missão de Paulo (13,1-15,41): assembleia de Jerusalém;
rompimento de Barnabé com Paulo;
7. A segunda missão de Paulo (16,1-18,23): Paulo e Timóteo em
pregação rumo ao Ocidente;
8. A terceira missão de Paulo (18,24-20,6): pregação extensa em Éfeso,
depois Macedônia e Grécia;
9. Viagem a Jerusalém (20,7-21,17): viagens de Paulo e chegada a
Jerusalém;
10. Paulo em Jerusalém (21,18-23,35): agitação, Paulo é preso, levado ao
Sinédrio e enviado ao governador Félix;
11. Paulo em Cesareia (24,1-26,32): acusação, defesa e investigação de
Paulo;
12. A viagem a Roma (27,1-28,31): naufrágio, estada em Malta, estada
em Roma.
São, portanto, dois momentos básicos: o primeiro relata a expansão da
Igreja entre os judeus, sob a liderança de Pedro (capítulos 1 a 12) e o
segundo a ação de Paulo direcionada aos gentios (capítulos 13 a 28).
Embora o relato dos Atos seja muito útil para o entendimento do que
pensavam os seguidores de Paulo, principalmente, não tinha pretensões de
precisão histórica e, por isso, deve ser tomado como testemunho da
repercussão que a vida de Paulo havia tido entre seus seguidores.
Documentos diretos são as epístolas de Paulo.
AS CARTAS DE PAULO
Os antigos comunicavam-se por meio de cartas, ou epístolas. Havia
grande troca de comunicação por meio do envio de mensagens, mais ou
menos longas, que podiam ser enviadas a pessoas ou comunidades
próximas ou distantes. Na maioria das vezes, o autor da carta não a escrevia
de próprio punho, mas a ditava para um escriba. No final, às vezes, escrevia
as linhas finais de saudação, como forma de assinatura, para atestar que foi
ele mesmo que redigiu a carta. A grande maioria dessas missivas se perdeu,
pois não foram copiadas e não sobreviveram ao tempo. As cartas de Paulo
foram preservadas por seus seguidores, que fizeram cópias e passaram a
constituir esse tesouro que chegou até nós dessa forma. A cópia mais antiga
desse conjunto, que se conservou até hoje, encontra-se num papiro datado
de inícios do século III.
As cartas faziam parte, assim como a Historiografia, de um gênero
literário. Tinham, portanto, certas características genéricas:uma saudação
inicial, o desenvolvimento do tema e da mensagem, uma conclusão, como
uma firma do autor. Paulo não poderia ter se preocupado, em vida, com a
publicação das suas epístolas, à diferença de autores como Cícero (século I
a.C.) ou Plínio, o Jovem (século II d.C.), pois estava sempre em
movimentação, a pregar e a enfrentar as agruras decorrentes dessa ação
missionária. Eram documentos de circunstância, para responder a
inquietações concretas e momentâneas das comunidades. Quem copiou suas
cartas? Não sabemos. Foi fidedigno ao original? Tampouco podemos saber
em que medida. Mesmo assim, as cartas constituem os documentos que
mais nos revelam Paulo.
Contudo, nem todas as cartas atribuídas a Paulo, que levam o seu nome no
cabeçalho, foram ditadas pelo apóstolo, pois algumas foram compostas,
posteriormente, por seguidores. Consideram-se sete como autênticas:
Romanos (56-57 d.C.)
1 Coríntios (54-55 d.C.)
2 Coríntios (um conjunto de fragmentos de cartas diversas, escritas entre
55-56 d.C.)
Gálatas (53-54 d.C.)
Filipenses (55 d.C.)
1 Tessalonicenses (51 d.C.)
Filemon (55 d.C.)
As demais, embora com graus maiores ou menores de segurança, tendem
a ser tomadas como produtos de seguidores de Paulo:
2 Tessalonicenses (70 d.C.)
Colossenses (80 d.C.)
Efésios (90-100 d.C.)
1 Timóteo
2 Timóteo
Tito (essas três últimas datariam de inícios do século II)
Claro que mesmo essas podem ser úteis para que entendamos a vida e o
pensamento de Paulo, mas constituem fontes, de maneira principal, sobre o
desenvolvimento dos grupos estabelecidos por Paulo, do que chamaríamos
o “movimento paulino”. Não temos, por tudo isso, como datar as cartas, de
modo que as indicações acima são apenas aproximadas. Todas essas
imprecisões, contudo, são menos importantes do que a constatação de que
as cartas constituem documentos de primeira mão, que nos levam àquilo
que pensava e dizia o apóstolo sobre si mesmo, sua vida e sua missão, bem
como aos primeiros desdobramentos que viveram os grupos por ele
estabelecidos. Particularmente aquelas sete indiscutivelmente saídas da
pena do apóstolo nos remeterão para o período decisivo da sua vida, aquele
pelo qual veio a tornar a figura impactante na constituição de nossa cultura:
a década de 50 do século I de nossa era.
3. OS INÍCIOS DE SAUL
SAUL, O FARISEU
Paulo, em sua carta aos Filipenses, apresenta-se como um judeu dedicado:
fui circuncidado no oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamin, hebreu filho de
hebreus; quanto à observância da Lei, fariseu; no tocante ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à
justiça que vem da Lei, irrepreensível (Fl 3,5-6).
Nessa passagem, Paulo mostra que sua ascendência era judaica, por parte
de pai e mãe. Havia judeus conversos, mas Paulo faz questão de esclarecer
que este não era o seu caso. Era seguidor dos preceitos da Torá, a Lei
aludida no trecho, conjunto de obras sagradas dos hebreus, o Pentateuco, ou
cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica. No sentido mais geral, a Torá
abrange todos os ensinamentos do hebraísmo. A própria palavra Torá
significa “instrução”, “ensinamento”. Ficou conhecida como Lei pela
palavra grega que foi usada para traduzir o original hebraico e que Paulo
usa nessa passagem: nomos, “regra”, “lei”. Pertencer ao movimento fariseu
também é muito revelador das convicções de Saul. Os fariseus derivam seu
nome do hebraico perushim, “os separados”, aqueles que se distinguiam do
povo comum, dos hebreus pouco atentos aos preceitos, bem como do grupo
mais próximo à alta cúpula do sacerdócio de Jerusalém, os saduceus.
Formavam uma confraria e se chamavam de “companheiros” (haverim).
Os fariseus acreditavam que as responsabilidades do crente perante a Torá
referiam-se a manter os mandamentos divinos (ha mitzvot). O conceito de
mitzvá era central para os fariseus, englobando tanto a obediência aos
mandamentos de Deus, como os valores associados a tais indicações
divinas. Não é à toa que a confirmação na fé judaica passou a ser conhecida
com o nome de bar mitzvá, “filho do mandamento ou aliança”. Os fariseus
criam, também, na vinda do Messias e na ressurreição do corpo, e
expressavam, dessa maneira, anseios populares, não da elite judaica. Ainda
nessa percepção popular estavam suas crenças em anjos e demônios. Jesus
de Nazaré compartilhava de alguns aspectos significativos das crenças
farisaicas que estiveram na base da educação de Saul, como atesta uma
passagem antiga do Evangelho segundo Marcos:
Um escriba aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”
Jesus respondeu: “o primeiro é este: ‘Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é um só. Amarás o
Senhor teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com
toda a tua força’. E o segundo mandamento é: ‘amarás teu próximo como a ti mesmo’! Não existe
outro mandamento maior do que estes”. O escriba disse a Jesus: “Muito bem, Mestre!” (Mc
12,28-32).
Saul seguia, portanto, alguns preceitos que estavam muito próximos tanto
da pregação de Jesus de Nazaré como de seus seguidores, antes mesmo de
converter-se. Ele afirma, ainda mais, que era zeloso. Essa palavra, zelo,
deriva, em grego, do verbo “ferver” e demonstra o fervor na defesa da fé.
Por fim, Saul era preocupado com a justiça divina, também algo que
caracterizou o movimento de Jesus desde o início:
Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus (Mt 5,10).
Mas, apesar disso, Saul era um perseguidor da Igreja. Como isso ocorreu?
SAUL DE TARSO
Nos Atos dos Apóstolos, temos um relato, em primeira pessoa, sobre o
nascimento e juventude de Saul:
Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado aqui nesta cidade. Como discípulo de
Gamaliel, fui instruído em todo o rigor da Lei de nossos antepassados e tornei-me zeloso da
causa de Deus, como vós o sois (At 22,3).
Falou em aramaico, língua falada em Israel nessa época, idioma de Jesus e
de seus seguidores, assim como do povo judeu que ali vivia. Tarso era uma
cidade antiquíssima, onde hoje é a Turquia, com mais de cinco mil anos de
História anterior ao nascimento de Saul. Tarso foi uma cidade ocupada por
uma sucessão de povos, desde o fim do segundo milênio a.C., como hititas,
assírios e persas. Embora no Mediterrâneo, estava, portanto, muito bem
conectada com a Mesopotâmia e com a Pérsia. As conquistas de Alexandre
Magno, a partir da década de 330 a.C., incluíram Tarso, que passou ao
âmbito grego. O general romano Pompeu incorporou a cidade ao império
romano no século I a.C., transformada em capital da província da Cilícia,
com o título de metrópole. Desde 66 a.C. seus cidadãos receberam o direito
de cidadania romana.
Tarso era uma cidade comercial, no caminho da rota principal que ligava o
planalto da Anatólia à planície costeira em direção à Mesopotâmia e ao
norte da Síria e, dali, para o restante do Oriente, para Israel, Arábia e Pérsia.
Tinha, ainda, um porto fluvial ao qual tinham acesso os navios mercantes
mediterrâneos. A presença de comunidades judaicas deve ser bem antiga,
como resultado da política dos seguidores de Alexandre, em particular os
selêucidas, desde o século IV tardio, favorável à diáspora judaica, tanto
oriunda de Israel como da Mesopotâmia. Nos Atos dos Apóstolos, Saul
declara-se cidadão romano:
O comandante foi até Paulo e lhe perguntou: “Dize-me, tu és cidadão romano?” Paulo respondeu:
“sim, eu sou”. O comandante disse: “Eu precisei de muito dinheiro para adquirir esta cidadania!”.
– “Pois eu a tenho de nascença”, disse Paulo (At 22,27-28).
Esta passagem explica, de alguma maneira, o nome pelo qual se tornaria
conhecido, Paulo (mesmo que a sua efetiva cidadania romana deva ser
colocada sob cautelosa suspeita, visto não ser mencionada em suas cartas).
Os cidadãos romanos deviam adotar sempre um nome latino e parece
natural que um Saul, por semelhança de pronúncia, escolhesse Paulo, tanto
mais se fosse mesmo de estatura baixa, sentido da palavra latina (Paulo quer
dizer “pequeno”). Mas se nasceu ele cidadão, como saberiam seus paisque
seria de pequena estatura? Talvez seus pais fossem, de alguma forma,
ligados à família romana dos Paulos. Não se pode saber. Já seu nome
hebraico, Saul, era apropriado para um membro da tribo de Benjamin, pois
Saul foi o primeiro rei de Israel e daquela tribo.
Como teria seu pai adquirido a cidadania romana? Poderia ter prestado
serviços e sido recompensado, pode mesmo ter sido um escravo, cujo filho
teria herdado a cidadania romana, como de direito (e mesmo o nome teria
herdado, se assim foi). Como em outros casos, os antecedentes e a infância
aparecem como nebulosos, ainda que possamos deduzir de sua vida que
tenha aprendido ali ao menos duas línguas, o grego, de uso corrente, e o
aramaico, da comunidade judaica, para não mencionar os fundamentos, ao
menos, do hebraico. Saul deve ter estudado o grego e rudimentos da
retórica clássica na sua cidade natal, a julgar por seus escritos.
Importa, contudo, lembrar como devem ter sido esses primeiros anos de
vida de Saul, em uma cidade cosmopolita, aberta para o Ocidente e o
Oriente, com povos de todas as partes, um cadinho de culturas. Como seria
chamado nesses primeiros anos? Para a maioria das pessoas de idioma
grego, tanto Saul como Paulo eram nomes estranhos, estrangeiros mesmo.
Como quer que fosse, Saul, ou Paulo, desde essa tenra infância vivia no
entrecruzar de ideias, povos e anseios.
SAUL EM JERUSALÉM, UM RADICAL
Como quer que fosse chamado em Tarso, seu nome fixou-se em Saul
quando foi enviado a Jerusalém, provavelmente quando jovem, para estudar
com o célebre rabino Gamaliel. Por que ele decidiu-se por essa formação
rabínica? Oriundo de uma cidade cosmopolita, escolado nas artes dos não
judeus (goim), o que o teria levado a Jerusalém? Teria mesmo sido um
seguidor de Gamaliel, que era um pregador prudente e moderado? Alguma
relação deve mesmo ter havido, mas não se pode saber até que ponto foi de
fato um aluno aplicado, pois as palavras que tanto Paulo como os Atos dos
Apóstolos usam para descrever sua atuação são do campo do zelo, do
fervor. Já Gamaliel é descrito, nos mesmos Atos, como benevolente para
com os seguidores de Jesus:
Então levantou-se no Sinédrio um fariseu chamado Gamaliel, mestre da Lei e estimado por todo
o povo. Ele mandou que os acusados saíssem por um instante. Depois falou: “homens de Israel,
vede bem o que estais para fazer contra estes homens... Quanto ao que está acontecendo agora,
dou-vos um conselho: não vos preocupeis com estes homens e deixai-os ir embora. Porque, se
este projeto ou esta atividade é de origem humana, será destruída. Mas, se vem de Deus, não
conseguireis destruí-los. Não aconteça que vos encontreis combatendo contra Deus (At 5,34-39).
É difícil imaginar Saul, perseguidor do incipiente movimento cristão e
seguidor de Gamaliel ao mesmo tempo. No período entre o estudo
adolescente e sua atuação como perseguidor dos seguidores de Jesus não
sabemos onde esteve, mas deve ter voltado para Tarso e por lá ficado alguns
anos. Mas é fácil supor que o adulto Saul, entre 30 e 32 d.C., estando
formalmente como seguidor do rabino, tenha sido atraído pelo movimento
recém-surgido, e tenha em relação a ele manifestado atitude ostensiva de
repulsa. Muito mais tarde ele dirá: “eu persegui a Igreja de Deus” (1Cor
15,9). Todos se lembravam disso, muitos anos depois:
Certamente ouvistes falar como foi outrora minha conduta no judaísmo: com que excessos eu
perseguia e devastava a Igreja de Deus e como progredia no judaísmo mais do que muitos judeus
da minha idade, mostrando-me extremamente zeloso das tradições paternas (Gl 1,13-14).
O ápice dessa atividade persecutória fervorosa ocorreu quando do
apedrejamento de Estêvão:
Mas eles, dando gritos e tapando os ouvidos, avançaram todos juntos contra Estêvão: arrastaram-
no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram seus mantos aos pés
de um jovem chamado Saulo... E Saulo estava lá, consentindo na execução de Estêvão (At 7,57-
60; 8,1).
Nada disso parece ser o resultado do aprendizado com o mestre Gamaliel,
mas, ao contrário, poderia indicar que Saul fazia parte de um movimento
zelota. Os mais radicais defensores do Templo de Jerusalém não eram os
rabinos fariseus como Gamaliel, mas os judeus de língua grega,
provenientes da Diáspora, que viviam em Jerusalém e se opunham, de
forma radical, àqueles que se contrapunham ao Templo, como os essênios
ou os seguidores de Jesus de Nazaré. Isso explicaria melhor a violência de
Saul e talvez mesmo o uso que fazia, na cidade santa, do seu nome
hebraico. Não sabemos como era conhecido em Tarso, bem poderia ser pelo
nome romano, mas isso não conviria no ambiente radical no qual se inseriu
o jovem. Seus antigos correligionários parecem ser aqueles que quiseram
matá-lo, vingança contra o ex-companheiro, quando depois aderiu ao
cristianismo, um grupo considerado como de opositores ao Templo:
No dia seguinte, os judeus armaram uma conspiração e se comprometeram sob juramento a não
comer nem beber enquanto não matassem Paulo. Eram mais de quarenta os participantes da
conjuração (At 23,12-13).
Antes disso, esse jovem radical, na defesa fervorosa do Templo,
perseguidor dos heréticos, passou por uma experiência mística que
transformou não apenas sua vida, como os destinos da própria humanidade.
4. PAULO, SERVIDOR DE CRISTO
O ENCONTRO COM CRISTO
Nada indica que o jovem Saul tenha conhecido Jesus de Nazaré. Nenhum
documento antigo se refere a isso e tudo indica o contrário. A chegada do
jovem Saul a Jerusalém parece ter ocorrido logo após a morte de Jesus. Os
relatos sobre o encontro místico de Saul com Cristo são poucos e
contraditórios. Paulo não fala disso com detalhes em lugar algum. É vago
ao extremo: “Eu mesmo fui alcançado pelo Cristo Jesus” (Fl 3,12).
A expressão no original grego significa talvez algo mais forte: Paulo foi
tomado. Em outro lugar ele diz:
o evangelho por mim anunciado não é segundo um ser humano. Pois eu não o recebi de um ser
humano (nem o aprendi), mas por uma revelação de Jesus Cristo [...] Quando, porém, Deus, que
me separou desde o ventre de minha mãe, me chamou por sua graça, houve por bem revelar seu
filho em mim... (Gl 1,11-12.15-16)
Não há dúvida de que a experiência foi mística e profunda, e o momento
decisivo dela terá ocorrido por volta do ano 35 d.C. Mas os detalhes ficaram
por conta de seus seguidores, que os narraram muito depois, já sob efeito
das lendas que se formaram a respeito. Os relatos estão nos Atos dos
Apóstolos, nos capítulos 9, 22 e 26, e são contraditórios entre si, o que
demonstra que o autor sabia dessas incongruências, mas preferiu manter as
versões correntes: tinham o aval de fiéis de lugares diferentes. Elas
confirmam que Saul partia para Damasco, em missão nas sinagogas daquela
cidade síria, para combater o que considerava ser um desvio no interior da
fé judaica. No percurso, foi tomado, de alguma forma, por Cristo, que se
apresentou de forma direta ao jovem.
As diferenças estão nos detalhes do ocorrido. Um relato, que parece ser
mais antigo, está logo no início dos Atos dos Apóstolos e descreve a versão
que deve ter sido corrente em Damasco:
Durante a viagem, quando já estava perto de Damasco, de repente viu-se cercado por uma luz que
vinha do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saul, Saul, por que me persegues?”
Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor?” A voz respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu estás
perseguindo. Agora, levanta-te, entra na cidade, e ali te será dito o que deves fazer”. Os homens
que acompanhavam Saulo ficaram mudos de espanto, porque ouviam a voz, mas não viam
ninguém. Saulo levantou-se do chão e abriu os olhos, mas não conseguia ver nada. Então
tomaram-no pela mão e o fizeram entrar em Damasco. Saulo ficou três dias sem poder ver. E não
comeu nem bebeu (At 9,3-9).
Um seguidor de Jesus, Ananias, instado por Cristo, devolveu a vista a
Paulo. Nessa versão, houve um milagre, algo maravilhoso, um
acontecimento que colocava o jovem Saul, em certa medida, sob o comando
da comunidade cristã existente,pois ele foi, por assim dizer, retirado da
escuridão por meio dos cristãos de Damasco. Outra versão, narrada na
primeira pessoa por Paulo no final dos Atos (26), dá conta que Cristo o
chamou por meio de uma voz, sem cegueira ou por intermédio da
comunidade cristã de Damasco. Nesse relato, Paulo não foi conduzido à fé
pelos cristãos. Difícil dizer qual a narrativa mais próxima do que se passou,
mas essa segunda parece ser o resultado de uma autossuficiência que é
difícil de coadunar com a juventude de Saul. Já a taumaturgia, o poder
miraculoso de Ananias, parece mais razoável.
O encontro com Cristo, à diferença dos outros apóstolos, prescindiu de
um conhecimento de Jesus de Nazaré. Sem nunca ter conhecido o homem,
Paulo esteve, desde este primeiro momento, imbuído das suas próprias
convicções sobre o Cristo. Daí porque, com o tempo, tanto Paulo quanto
seus seguidores tenham obliterado o papel da comunidade cristã de
Damasco na sua inclusão no grupo.
NOVOS PASSOS DE UM CRENTE
Paulo tardaria a tornar-se o grande apóstolo. Pouco há de informação
sobre esses primeiros tempos, que foram, contudo, determinantes na
formação do pregador. Não se submeteu aos irmãos de Jerusalém:
Não consultei carne e sangue, nem subi, logo, a Jerusalém para estar com os que eram apóstolos
antes de mim. Pelo contrário, parti para a Arábia e, depois, voltei ainda a Damasco (Gl 1,16-17).
Tendo tido contato direto com Cristo, não consultou outros crentes, menos
ainda os apóstolos de Jerusalém, mas já partiu em missão, segundo suas
recordações muitos anos depois. Quanto tempo tardou antes de voltar a
Damasco? Pregou nas sinagogas da Arábia nabateia, atual Jordânia, ou já se
voltou para os árabes não judeus? Nada sabemos, embora convenha a
prudência e nada indique que Paulo já pregasse fora do âmbito das
comunidades judaicas.
De volta a Damasco, é certo que Paulo atuava nas sinagogas, com a
esperada oposição. Paulo relatou, muitos anos depois:
Em Damasco, o governador do rei Aretas mandou pôr guarda em toda a cidade, para me prender.
Mas, por uma janela, me desceram num cesto, muralha abaixo. E, assim, escapei das mãos dele
(2Cor 11,32-33).
Nos Atos dos Apóstolos (9,23), foram os judeus que tentaram matá-lo,
mas no final aparece o mesmo relato do cesto. Talvez se possa imaginar
que, tendo pregado nas sinagogas nabateias da Arábia, o rei tenha acedido a
uma demanda dos judeus de Damasco, para dar cabo do agitador. O que
importa assinalar é o caráter arrebatador de Paulo: o fervor continuava, com
a nova fé. Contudo, essa nova fé, como pensam diversos estudiosos, como o
teólogo Henry Chadwick e o historiador Martin Goodman, era considerada,
por seus praticantes, como parte do judaísmo.
ANOS NA OBSCURIDADE: UM LONGO INTERLÚDIO
Por mais de dez anos, Paulo manteve-se, ao que parece, como missionário
de expressão limitada. Após Damasco, Paulo foi por um curto período,
talvez de uma quinzena, para Jerusalém, de modo a conhecer Pedro, o líder
da comunidade cristã. Logo retornou a Tarso, de onde iniciou uma missão
evangelizadora na Síria e na Cilícia. Tudo indica que pregava nas sinagogas
aos israelitas, aos circuncidados. Ao que parece, por uns doze anos,
manteve-se fiel à linha que vinha da Igreja de Jerusalém, de continuidade da
pregação nas comunidades judaicas. É difícil admitir que se passaram tantos
anos para os quais temos tão poucas informações e que parecem ter
testemunhado uma atuação de Paulo para os próprios judeus. Teria Paulo
tentado conformar-se à concepção dominante, de um movimento voltado
para o interior da comunidade judaica. E se assim se deu, o que mudou,
quando, e em que circunstância Paulo se transformaria no apóstolo dos
gentios?
ANTIOQUIA E O AFLUXO DE CONVERSOS
Antioquia era uma importante cidade, no contexto da parte oriental do
Império Romano. Havia sido uma cidade fundada por Antíoco – general de
Alexandre o Grande – como capital do seu império, no final do século IV
a.C. Estava a poucos quilômetros do Mediterrâneo, no final da rota da seda
que ia até a China. Tendo sido capital do império selêucida, tornou-se, a
partir de 64 a.C., capital da província romana da Síria. À época de Paulo,
era a terceira maior cidade do Império Romano, atrás apenas de Roma e
Alexandria, com talvez mais de duzentos mil habitantes. As escavações
arqueológicas confirmam essa pujança, assim como a diversidade de grupos
humanos que viviam na cidade.
Segundo os Atos dos Apóstolos, foi em Antioquia que começaram a
ocorrer conversões numerosas de não judeus:
Não anunciavam a Palavra a ninguém que não fosse judeu. Contudo, alguns deles, habitantes de
Chipre e da cidade de Cirene, chegaram a Antioquia e começaram a pregar também aos gregos,
anunciando-lhes a Boa-nova do Senhor Jesus (At 11,19-20).
Não se sabe, portanto, de quem partiu a iniciativa. A Igreja de Jerusalém
enviou Barnabé a Antioquia e, ao constatar a situação, buscou Paulo em
Tarso. Passaram um ano juntos a pregar em Antioquia. Foi nesse momento
que, pela primeira vez, foram chamados de cristãos. Como movimento
judaico, eles eram chamados de nazarenos, pobres, seguidores do caminho.
O nome “cristão” já denotava a presença de não judeus. No ano 43 d.C., na
época do imperador romano Cláudio, em meio a uma fome, a comunidade
de Antioquia decidiu ajudar os irmãos de Jerusalém, com a intercessão de
Barnabé e Paulo. Os rumos do movimento dos seguidores de Jesus
passavam por mudanças substanciais e Paulo, ainda que não tenha sido seu
iniciador, será decisivo, na fase seguinte.
5. PAULO, APÓSTOLO DOS GENTIOS
RUPTURAS
Após tantos anos de pregação para as comunidades judaicas, mudanças
vinham dos novos prosélitos, alheios à fé hebraica. Barnabé e Paulo foram
enviados a pregar a Boa-nova em Chipre, em Perge da Panfília, com
crescente ênfase na inclusão de não judeus, pessoas comuns e de extração
popular. A origem da postura que viria a caracterizar Paulo como apóstolo
dos gentios parece ter partido dos cristãos de Antioquia, na maioria de
proveniência politeísta. A decisão seguinte foi partir em direção ao interior,
atravessando a cadeia montanhosa do Taurus. Buscavam pregar no planalto
da Anatólia, pelo caminho da Via Sebaste, a estrada que ligava o alto vale
do Rio Eufrates, Antioquia e Tarso às regiões do Mar Egeu, como a
província da Ásia. A decisão desse distanciamento das comunidades ligadas
à Igreja de Jerusalém parece ter sido de Paulo.
Segundo os Atos dos Apóstolos, foi em Antioquia da Síria que Paulo
encontrou oposição na sinagoga à sua pregação aberta aos não judeus, que
eram já mais numerosos do que os judeus. Segundo o relato dos Atos:
Era preciso anunciar a Palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais
indignos da vida eterna, sabei que vamos dirigir-nos aos pagãos (At 13,46).
O termo usado, ethné, significa “povos” e parece corresponder a goim ou
ammim, cujo sentido é mais neutro do que a tradução aqui reportada:
“pagãos”. A mensagem era clara: vamos aos povos, aos não judeus. Nas
paradas seguintes, na Licaônia, em Derbe e Listra, havia poucos judeus e a
pregação já se direcionava aos gentios, boa tradução para o termo grego
ethné. Nessas duas cidades, parece que foram criadas as duas primeiras
igrejas em lugares sem sinagogas. Na Licaônia e em Antioquia da Síria,
surgiam as primeiras assembleias ou igrejas fora da sinagoga, outra
novidade. Barnabé e Paulo não tinham mandato de Antioquia e muito
menos de Jerusalém para tais inovações. Pela primeira vez, não se exigia
circuncisão. O caminho para a crise entre a Igreja de Jerusalém e a nova
postura estava aberto.
Paulo relatou, na sua Carta aos Gálatas, o que se passou, segundo sua
memória e sua interpretação posterior, referindo-se à sua ida a Jerusalém
em 49 d.C., a uma reunião que ficou conhecida como “assembleia de
Jerusalém”, para fazer frente às queixas dos seus adversários:
Quatorze anos mais tarde, subi de novo a Jerusalém, com Barnabé, levando também Tito comigo.
Fui lá por causa de uma revelação. Expus-lhes o evangelho que tenho pregado entre os pagãos(Gl 2,2).
O uso do termo “revelação”, apocalipse, em grego, denota um fenômeno
místico importante, vivenciado por Paulo, que seria decisivo para os rumos
da sua vida e da própria fé. A Igreja de Jerusalém, num primeiro momento,
teria aceitado uma divisão entre a pregação aos judeus, a cargo de Pedro e
dos outros, e a missão aos gentios, nas mãos de Paulo. Logo ficou claro que
a Igreja de Jerusalém exigia o respeito a certos preceitos judaicos, o que
Paulo, com a segurança da sua revelação, não aceitou:
Mas, quando Cefas chegou a Antioquia, opus-me a ele abertamente, pois merecia censura... Não
se é justificado por observar a Lei de Moisés, mas por crer em Jesus Cristo, nós também
abraçamos a fé em Jesus Cristo. Assim fomos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da
Lei, porque pela prática da Lei ninguém será justificado (Gl 2,11.16).
Barnabé não mais acompanhava a ruptura com Pedro e a gente de Tiago:
assim isolado, Paulo se lançava sozinho na empreitada de pregação aos
gentios, depois desse incidente em Antioquia. Começava certamente a
radicalizar determinados posicionamentos e revisar estratégias: a longa
viagem que estava por iniciar não é a menos importante delas.
As palavras reportadas acima testemunham a dureza do confronto. As
comunidades criadas por Paulo receberiam visitas de Jerusalém, para que os
gentios fossem circuncidados. A reação mais dura de Paulo se mostra na
Carta aos Gálatas, na qual ele se apresenta como independente e contesta a
necessidade de adesão a ritos que indicassem a pertença ao judaísmo: “Ser
ou não ser circuncidado não tem importância; o que conta é ser nova
criatura” (Gl 6,15). Voltaremos mais adiante a esse assunto decisivo.
De toda forma houve um afastamento claro, decisivo e definitivo,
fundado, também, numa releitura dos patriarcas: “Isto sucedeu para que, no
Cristo Jesus, a bênção de Abraão chegasse às nações” (Gl 3,14).
SEMEADOR DE COMUNIDADES
Após a ruptura com Jerusalém, acentuada enormemente no conflito em
Antioquia, Paulo inicia aquela que costuma ser chamada sua segunda
viagem missionária, decisão esta destinada a repercutir enormemente. Passa
pela Galácia (cf. Gl 4,13), e, sempre segundo Atos, parece ter sido, uma vez
mais, tocado pela chama mística. O Espírito Santo o impulsionava para o
Ocidente:
Durante a noite, Paulo teve uma visão: na sua frente estava, de pé, um macedônio que lhe
suplicava: “vem para a Macedônia e ajuda-nos”. Depois dessa visão, procuramos partir
imediatamente para a Macedônia, pois estávamos convencidos de que Deus acabava de nos
chamar para anunciar-lhes a Boa-nova (At 16,9-10).
Paulo, acompanhado agora de Silvano (ou Silas), foi pregar em Filipos,
cidade composta, em grande parte, por soldados veteranos romanos. A
pregação paulina afastava-se, de forma mais decisiva, das tradições judaicas
mais estritas. A evangelização seguia a estrada romana, Via Egnatia, que
ligava Bizâncio ao Adriático, passando por Tessalônica. Era, portanto, a
pista de ligação da parte grega do Império Romano com o Ocidente latino.
A Via Egnatia, ligação entre o Oriente e o Ocidente.
Paulo e Silas acabaram por fundar uma importante ekklesía (termo grego
que significa basicamente “assembleia”; seu plural é ekklesíai) em
Tessalônica, capital da província romana da Macedônia, com uma
comunidade portuária numerosa e cosmopolita. Pela carta que depois
dirigirão a esse grupo, e pelo relato dos Atos dos Apóstolos (que aqui nos
parece bastante razoável), podemos identificar as linhas gerais de sua
presença na cidade, que terá sido tudo, menos pacífica. Ele e Silas são
tomados como “homens que vêm transtornando o mundo inteiro [...]
procedem contra os decretos de César, dizendo que existe um outro rei,
Jesus” (At 17,6.7). Esse apelo ao senhorio de César era particularmente
sensível naquela cidade, centro de confecção de moedas para toda a
província, moedas essas em que se cunhavam imagens dos imperadores
Augusto e Cláudio, tidos como divinos. Nas palavras dos estudiosos John
D. Crossan e Jonathan L. Reed, o culto à divindade imperial ia sendo
incrementado um pouco em toda parte no século I, e contribuía para manter
unificado o imenso território do império; a teologia daí derivada articulava-
se à tradição grega e se via consolidada num mundo marcado pela herança
helênica. Paulo, ao chegar a Tessalônica, quando Cláudio era o soberano de
Roma, encontrou um cenário marcado pela devoção ao imperador. Mais:
em Tessalônica havia particular preocupação em demonstrar lealdade a
Roma, visto que se aliara, algumas décadas antes, a um partido que saíra
derrotado em disputas pelo poder; necessitava, portanto, manifestar de
maneira eficaz e entusiástica sua fidelidade a Augusto. Também por isso o
culto ao imperador e a reverência a “Roma e aos benfeitores romanos”
tinham destaque naquela cidade da Macedônia.
Interessante notar, segundo o relato de Atos, que o alvoroço produzido na
cidade atinge a Paulo apenas de forma indireta; é Jasão que, por ceder-lhes
hospedagem, é levado às autoridades. Esse dado nos permite pensar no
quadro que se terá delineado para os membros da nova ekklesía, algo a que
Paulo se refere na sua carta ao falar da situação de tribulação em que se deu
a proclamação e a acolhida do evangelho naquela cidade (1Ts 1,6; 3,3).
Por que tal situação, que sugere hostilidade, da parte de forças da cidade,
aos propósitos missionários de Paulo? Certamente por conta do teor que
este propunha, e dos efeitos da proclamação correspondente. Em geral se
aceita que em 1Ts 1,9-10 lemos uma espécie de sumário do que terá sido o
teor do anúncio de Paulo em Tessalônica: a) apelo à conversão, que
implicava o abandono dos ídolos para o serviço ao Deus vivo e verdadeiro:
esse tópico da pregação de Paulo fazia ecoar uma simpatia que a religião
judaica produzia em determinados setores sociais, impressionados pelo
monoteísmo e pela ética que a caracterizavam de forma geral; ao mesmo
tempo, expressava a recusa à participação nos cultos em honra do
imperador e o envolvimento nas práticas religiosas tradicionais, que
evidenciava a piedade e a confiabilidade de alguém quanto ao cumprimento
dos deveres que se colocavam ao cidadão no tocante à família, ao padrinho,
à cidade, à província, ao império; b) a espera pela vinda de Jesus,
ressuscitado por Deus, que haverá de livrar os membros da ekklesía da fúria
que está por vir: esse aspecto exige particular atenção, seja por indicar a
distância de horizontes que separa Paulo e sua gente de boa parte das
pessoas neste início do século XXI, seja por mostrar-se decisivo para a
compreensão da atividade missionária do apóstolo, com seu horizonte e
expectativas, a interação com as ekklesíai e as cartas que deixou.
Paulo é filho da apocalíptica judaica. Esta, entre inúmeras outras
características, possuía aquela de apostar na intervenção de Deus a fim de
libertar os seres humanos da maldade do mundo atual, seja destruindo-o e
reconstruindo-o, seja conduzindo os fiéis a outro plano ou dimensão do
universo. Essa convicção resulta de experiências místicas que envolvem a
revelação de segredos do mundo divino, visões do âmbito celeste e
experiências semelhantes; no fim das contas, está-se no espaço de
imbricação entre expectativas futuras acentuadas e experiências presentes
profundas, para usar as expressões de um notável estudioso do assunto,
John Collins. Paulo e seus companheiros terão estimulado a ekklesía
formada em Tessalônica, e vivenciado com ela, a contatos especialíssimos
com o mundo divino, para a escuta de palavras inefáveis (cf. 2Cor 12,4),
visões grandiosas e confortantes do Deus de Israel, experiências essas
alicerçadas na certeza do iminente fim deste mundo, desta ordem de coisas,
e da tão esperada libertação frente aos seus poderes.
O que terá, portanto, caracterizado a primordial presença de Paulo em
Tessalônica terá sido, junto a eventuais manifestações expressivas de poder
(a que ele apenas alude, em 1Ts 1,5), seu anúncio retumbante da iminência
de um dia de fúria para todo o cosmos, bem como para suasestruturas
sociais e políticas, pela ação do Deus de Israel, ao qual a gente da cidade
era chamada a cultuar. Junto com isso vinha a proclamação de que a
possibilidade de libertação perante tal hecatombe estava em Jesus, justo o
Filho que Deus recentemente ressuscitara de entre os mortos. Era preciso
fazer a opção certa, e com rapidez.
Paulo bem sabia das implicações práticas que o seu anúncio produziria na
vida de quem aderisse a ele e tratasse de redirecionar sua vida a partir dele.
Tratava-se, sem mais, de reorientar, em termos éticos e sociais, sua
existência. Demandava-se a ruptura com velhas lealdades, expressas entre
outras coisas nos cultos tradicionais em que o componente da fidelidade
política a Roma não era de menor importância, como vimos. Além disso,
cabia reunir-se em comunidade para proclamar a morte de um crucificado
pelos romanos, que está prestes a vir do céu como libertador frente à fúria
iminente. E ainda mais: urgia comunicar tal nova a todos quantos pudessem
e quisessem ouvir. Não é difícil imaginar como as pessoas que aderiram à
proclamação de Paulo passaram a ser vistas no seu ambiente cotidiano, nos
espaços públicos, ou mesmo dentro das próprias casas. As tribulações não
terão passado; pelo contrário, a adesão a uma perspectiva assim radical só
as terá conduzido ao agravamento. Pois o Tentador estava em ação (1Ts
3,5).
De toda forma, era necessário seguir adiante. De acordo com os Atos dos
Apóstolos, foram para Bereia, a uns sessenta quilômetros a oeste de
Tessalônica, onde teriam encontrado oposição de judeus; então se
refugiaram em Atenas. Paulo confrontou-se, ali, com filósofos epicuristas e
estoicos, sem grandes êxitos, mas sem perseguições tampouco. De toda
forma, trata-se de um fracasso marcante, pois aqui Paulo terá tentado o
convencimento de membros da elite intelectual local recorrendo a
referências do universo cultural desses seus interlocutores.
Mas Paulo parece estar com a ekklesía de Tessalônica em permanente
lembrança e cuidado. Tanto que, ao sair de Atenas em direção a Corinto,
decidiu enviar Timóteo (outro que se juntou a ele em suas andanças) para
ter notícias mais atualizadas sobre o andamento das coisas naquela cidade
da Macedônia. Por meio desse companheiro alcançaria fazer perdurar sua
própria presença em meio à sua gente ali residente, ludibriar a Satanás, que
impedira que ele, Paulo, pudesse visitar outra vez a cidade (1Ts 2,18) e
mesmo superar o impacto da humilhação produzida pelos grandes do local.
Pretenderia ainda reiterar aos membros do grupo os valores e as convicções
estabelecidos quando de sua estada na cidade, incentivando-os a manter os
comportamentos e atitudes que os encheriam de honra, não diante dos
magistrados, mas da própria ekklesía e do juiz maior que está prestes a
chegar. Timóteo reencontraria Paulo e Silas já em Corinto. Desse encontro e
das notícias por ele trazidas, resultaria a escrita da carta que conhecemos
como 1Ts.
Assim, enquanto Timóteo se desloca a Tessalônica, Paulo e Silas vão para
Corinto, a maior cidade da Grécia, oitenta quilômetros a ocidente de
Atenas. Embora em ambiente grego, as pregações, cada vez mais, se voltam
para os romanos, no sentido amplo. Um não judeu simpatizante do
judaísmo, Tício Justo, acolheu Paulo por um ano e meio (51-52 d.C.), tendo
convertido o próprio chefe da sinagoga, Crispo. Era a época em que era
procônsul da Acaia (região de que Corinto era a capital) um certo Gálio (At
18,12). A grandeza da cidade e o sem-número de atividades que ali se
realizam lhe terão propiciado uma sobrevivência modesta, com o exercício
da fabricação de tendas, junto a um casal da cidade (cf. At 18,3). Embora a
meta de Paulo fosse o Ocidente, passando por Roma, a curto prazo esse
objetivo estava dificultado pela expulsão de judeus pelo imperador Cláudio,
em 49 d.C. Paulo, então, permaneceu em Corinto, o que veio a revelar-se
como um momento decisivo de sua ação: estabeleceu aí uma das ekklesíai
com que mais se veria comprometido, mas também envolvido em embates
fundamentais, como poderemos ver ao abordar as cartas que nos anos
seguintes haveria de dirigir-lhe. Disso logo trataremos.
Muito da complexidade que caracteriza a ekklesía que, em Corinto, Paulo
estabelece advém do ambiente em que ela se encontra, e da sua
composição, ou seja, da proveniência social de seus membros. Para nossa
sorte, quando, mais tarde, escrever a ela, Paulo acabará fornecendo
elementos importantes que nos permitem uma caracterização minimamente
clara desse cenário. Vejamos.
Nos termos de Aélio Aristides, cantador das glórias imperialistas romanas
do século II, Corinto
recebe todas as cidades e as despacha de novo; é refúgio comum para todos, como uma espécie
de rota ou passagem para todos os homens, não importa aonde viajem, e é cidade comum a todos
os gregos, na verdade como se fosse uma espécie de metrópole e mãe a esse respeito.
Destruída pelos romanos em 146 a.C., e um século depois reconstruída a
mando de César, Corinto se tornara, à época de Paulo, a maior e mais
importante cidade da Grécia. Sua localização privilegiada, bem na
passagem entre o Peloponeso e o continente, com dois portos, um a oriente
(no golfo de Sarônica) e outro a ocidente (no golfo de Corinto), fez dela um
entreposto indispensável, a começar da atividade de traslado das
mercadorias, por terra, de um porto a outro, o que a convertia em parada
obrigatória para os navios que garantiam a circulação delas por todo o
Mediterrâneo. Era também um centro industrial respeitável, com atividades
no âmbito da cerâmica, metalurgia, produção de tapetes, entre outros bem
conhecidos tanto pelas fontes literárias, como pelos vestígios arqueológicos.
Era também conhecida por sua imoralidade; havia inclusive um verbo na
língua grega, construído a partir da raiz do nome Corinto, para indicar um
modo dissoluto de viver. Somem-se a tudo isso o fato de se tratar da capital
da Acaia, a recuperação dos jogos ístmicos algumas décadas antes e uma
intensa atividade de construção, e temos o cenário com que Paulo se
defronta no início dos anos 50 do século I de nossa era. Da atividade que
levou à formação da ekklesía pouco sabemos. De toda sorte, é depois de
atravessar o mar Egeu, no sentido de Éfeso, após algum tempo de estadia
nessa cidade, famosa por seu templo em honra de Ártemis, que começará a
série de trocas de informações e correspondências, em que aquela que
chamamos de 1Coríntios é, sem dúvida, a peça mais destacada. Mas não
adiantemos.
O que Paulo encontrou quando de sua chegada a Corinto? Nada que não
tivesse percebido em Tessalônica ou Filipos, cidades anteriormente
visitadas, mas aqui em proporções maiores e mais complexas. Particular
sensibilidade terá manifestado às relações assimétricas que conhecemos
com o nome de “patronato”, um encadeamento de vínculos patrono-cliente
em que “A cultiva B, e B cultiva C”: ninguém é o único dono de si mesmo.
Hierarquias dos mais variados formatos, estabelecidas por um sem-número
de vínculos que, em última instância, remetiam ao imperador com sua larga
rede de funcionários locais (mas também ao âmbito do divino, cheio de
deuses padroeiros), fundavam valores e estruturas que se reproduziam
também em espaços e instituições de menor monta, como as casas e as
associações. Seria irreal considerar que os membros da ekklesía
estabelecida por Paulo na cidade estivessem alheios a essa estrutura, ou
isentos de suas implicações. Pelo contrário, é bastante adequado pensar que
alguns problemas discutidos por Paulo em 1 Coríntios tenham a ver com a
instituição do patronato, se é que não se fundam nela.
Como já dissemos, Paulo acabou por legar um número significativo de
informações sobre o perfil dos membros da ekklesía de Corinto, ao se
comparar com o que sabemos das ekklesíai de Filipos ou Tessalônica, por
exemplo. O ponto de partida é o que se lê em 1Cor 1,26-28, texto que,
muitas vezes, costuma ser pouco considerado quanto ao delineamento do
perfil daquela ekklesía: sábios são gente instruída, reconhecida como capaz
no exercíciode atividades como o comércio ou a política; poderosos são
pessoas de reconhecida influência nos espaços de tomada de decisão. As
pessoas “bem-nascidas” (assim se traduz, literalmente, a expressão usada
por Paulo!) são aquelas que se originam das famílias ricas. É óbvio que
quem se encontra entre os sábios não precisa ser dos “bem-nascidos”, ou
figurar entre os poderosos a que Paulo se refere. Mas é bastante razoável
pensar que sejam as mesmas pessoas, até porque a carta nos assegura que,
na ekklesía, elas são poucas; mas, assim como na cidade, elas exerciam na
ekklesía um papel de destaque e pretendiam tê-la sobre controle.
No entanto, é preciso prestar atenção à maioria dos membros da ekklesía,
visto que, em seu interior, “não há muitos sábios segundo a carne, nem
muitos poderosos, nem muitos bem-nascidos” (1Cor 1,26). O versículo
seguinte se encarrega de apresentá-los, sempre segundo as categorias
vigentes à época, constituídas “segundo a carne”. Ao tratar das “coisas
loucas” (ou insensatas), das “coisas fracas” e das “coisas ignóbeis do
mundo, desprezadas e que não são”, Paulo está se referindo a pessoas sem
instrução ou poder, pobres, situadas nos estratos mais baixos da sociedade.
É curioso notar que, ao se referir aos grandes, Paulo utilize termos no
masculino, enquanto aqui, ao tratar da gente marginal, faça uso do neutro:
estaria ele tratando de marcar, com esse recurso, o processo de
despersonalização e desumanização de que ela era vítima?
Assim, verifica-se que a ekklesía de Corinto incorpora, em sua maioria,
pobres, até porque estes são a maioria na cidade. Associados a “não muitos”
sábios, fortes e bem-nascidos, configuram um quadro, único e
surpreendente, de uma ekklesía configurada com gente de distintas
proveniências, com status variados em termos de riqueza e de honra. Seria
difícil, no mundo antigo, pensar numa associação com perfil assim tão
diversificado. Ricos numa reunião em que a maioria era de pobres: o que
teriam eles a fazer ali? A ekklesía paulina de Corinto representou, de fato,
uma novidade surpreendente. Por outro lado, não é de se estranhar que
conflitos advindos dessa convivência inusitada logo viessem a se
manifestar. E Paulo não deixou de perceber os desafios que essa conjuntura
lhe colocava. Suas palavras em 1 Coríntios expressarão seu entendimento
sobre as formas e o sentido da existência de uma ekklesía num grande
centro urbano.
Não bastasse esse cenário complexo, que tantos desafios colocava à sua
atividade, é justamente em Corinto que Paulo inicia uma das atividades que
mais haveriam de marcar seu nome na história subsequente: é dali que ele
envia seu escrito mais antigo entre os que nos foram preservados,
conhecido como Primeira Carta aos Tessalonicenses.
Por que Paulo passa a escrever? É preciso pensar que essa prática, embora
secundária no conjunto da sua atividade, joga nela papel estratégico e
indispensável. Como se expressará ao dirigir-se aos cristãos e cristãs de
Roma, numa carta atípica – que teremos condições de comentar no
momento oportuno –, Paulo, a partir das tensões vividas em Jerusalém e
Antioquia, fez questão de anunciar o Evangelho onde o nome do Cristo
ainda não era conhecido; não queria construir sobre alicerces que outros
haviam colocado (Rm 15,20). E se incomodava, e muito, com a
interferência de outros, sejam eminentes como Pedro ou Tiago, mesmo que
por meio de emissários. Assim, ele entendia a vida das ekklesíai por ele
fundadas como de sua inteira responsabilidade. Precisava acompanhar uma
enquanto lançava os fundamentos de outra; buscava saber das vivências e
desafios daquela estabelecida há alguns meses, ao mesmo tempo em que
tratava de viabilizar o estabelecimento de mais um grupo, em outra cidade.
Assim, deve-se ter em conta que as cartas que comentaremos (com a
notável exceção de Romanos!) são reações de Paulo a notícias que recebe
vindas das ekklesíai, ou a situações relacionadas a elas que lhe aparecem.
Elas não são a primeira proclamação de Paulo a uma ekklesía, mas
respostas pontuais a questões concretas que se lhe manifestam. Expressam o
esforço de Paulo em fazer-se presente em todas as partes, no meio de todas
as ekklesíai que foi estabelecendo. Daí que seja fundamental identificar, o
quanto possível, as circunstâncias em que cada uma dessas cartas foi
escrita, o que nem sempre será possível de maneira satisfatória.
A carta que aqui nos importa é a conhecida como 1 Tessalonicenses,
escrita, como dizíamos, a partir daquilo que Timóteo comunica ao voltar de
Tessalônica, e reforça, agora por meio da escrita, as preocupações acima
elencadas. Entre várias novas, uma delas terá sido o pretexto imediato para
que Paulo, Silvano e Timóteo se colocassem a escrever: a morte de um ou
alguns membros da ekklesía de Tessalônica a terá colocado em crise, de
alguma forma. Não sabemos se essa morte terá ocorrido por fatores que
chamaríamos “naturais”, ou seria efeito drástico das tribulações enfrentadas
pela ekklesía (a expressão “mortos em Cristo” de 1Ts 4,16 pode ser
entendida numa e noutra direção). De toda forma, o dado da morte de
membros da ekklesía produziu uma situação nova, e terá reforçado a
sensação de desconforto (em relação àquilo em que se apostou e diante da
sociedade em geral). Afinal de contas, Paulo não havia anunciado a
proximidade imediata do dia da fúria? Como será argumentado na carta, na
proclamação inicial que Paulo e seus companheiros fizeram quando
estiveram na cidade constava o anúncio fantástico de que o tal dia da fúria
alcançaria a todos os vivos, tão rápido haveria da manifestar-se. É provável
que a morte de tais pessoas terá colocado em dúvida a credibilidade de toda
a proclamação e apelo paulinos. A carta que conhecemos trata de enfrentar
essa delicada questão. Vejamos seu trecho mais significativo:
Não queremos, irmãos, que ignoreis acerca dos que dormem, para que não vos entristeçais, como
os demais, que não têm esperança. Pois se cremos que Jesus morreu e foi ressuscitado, assim
também Deus trará com ele os que dormiram em Jesus. Isto vos dizemos, pela Palavra do Senhor:
nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormiram. Porque
ele mesmo, o Senhor, ao alarido, à voz do arcanjo e à trombeta de Deus, descerá do céu; e os que
morreram em Cristo serão ressuscitados primeiro. Depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos
arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos
sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras. Acerca dos
tempos e das estações, irmãos, não necessitais de que se escreva; porque vós mesmos bem sabeis
que o dia do Senhor vem assim: como o ladrão de noite. Quando disserem: “Paz e segurança”,
então de repente lhes sobrevirá destruição, como a dor de parto para quem está grávida, e de
modo nenhum escaparão. Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que o dia vos surpreenda
como um ladrão; pois todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das
trevas (1Ts 4,13-5,5).
O “dia do Senhor” abalará as estruturas do mundo e destruirá todos
quantos estiverem confiados à paz e à segurança promovidas por Roma, a
que Tessalônica, em particular sua elite era, como vimos, tão fiel, confiada
que estava no ingresso na Idade de Ouro propagandeada a todos os cantos.
O desafio colocado à ekklesía é, primeiro, não perder a esperança, depois,
continuar construindo um modo alternativo de viver o presente, perpassado
do futuro que se espera, no tempo curto que o separa da manifestação desse
mesmo futuro, com a fúria divina e a parusia (“presença” e, daí, “vinda”),
não do imperador, como costumava ocorrer, mas do mesmo crucificado
pelos romanos e ressuscitado por Deus, que agora vem do céu como
libertador, em tom de comando, ao som da trombeta e à voz do arcanjo. A
iminência desse evento é espantosa e fantástica, e deverá encontrar vivos a
Paulo e muitos de seus interlocutores tessalonicenses. Mas certamente um
efeito desejado de proclamação assim arrojada foi ode convencer o público
de que o fim do mal e da violência já devia fazer-se, de alguma forma, na
experiência comunitária da ekklesía, que na carta é denominada, sem mais,
“santificação” (1Ts 4,3): os vínculos entre os membros do grupo, se de um
lado não os colocarão a distância do convívio com as demais pessoas, por
outro fortalecerão o compromisso de cada um para com o grupo,
preservando-o, até certo ponto, das desconfianças e investidas dos de fora.
Assim deverá ser, crê Paulo, a vida dos filhos da luz com vistas no grande
dia.
Continuemos acompanhando Paulo. De acordo com os Atos dos
Apóstolos, estando em Corinto, depois de um ano e meio, decidiu voltar
para a Síria, acompanhado de Priscila e Áquila. No porto de Corinto, “em
Cencreia, Paulo cortou os cabelos, pois tinha feito uma promessa” (At
18,18).
Essa promessa, ou voto de nazireu, consistia em deixar o cabelo crescer
até cumprir-se o voto. O que se tinha cumprido? Não sabemos, mas pode
bem ser que fosse a missão de expandir a Boa-nova entre os gentios. Nossas
informações são apenas indiretas, pois vêm da narrativa dos Atos dos
Apóstolos. Paulo desembarcou em Cesareia, depois passou por Antioquia
da Síria e daí, por terra, foi pelo planalto da Anatólia, passando pela Frígia,
até chegar a Éfeso, onde passou três longos anos e criou uma igreja fora do
âmbito da sinagoga local. No relato, fica claro que as comunidades, de
alguma forma ligadas ao judaísmo, eram muito variadas, pois havia ali um
grupo de seguidores de João Batista. Portanto, no interior das sinagogas, a
diversidade era dominante e isso explica como os movimentos cristãos
encontravam guarida, já que faziam parte do caldo geral do judaísmo da
época. Mesmo assim, após alguns meses, Paulo fundou uma ekklesía
autônoma em relação à sinagoga. Convertiam-se judeus e pagãos. Paulo
fazia milagres, o que demonstra como o apóstolo, tão pouco eficaz frente
aos filósofos e aos sofisticados, obtinha êxitos sucessivos com o povo
comum. Era o dom da graça, kharis, em grego, aquilo que o sociólogo
alemão Max Weber denominaria de carisma. Não por acaso, esta é a
expressão usada por Paulo nessa época: “Há diversidades de dons (graças),
mas o Espírito é o mesmo” (1Cor 12,4).
Os dons são as graças (Kharismáta), o carisma, que estava fundado no
Espírito, pneuma, no original grego, que significa o sopro, a capacidade de
fala, a lábia, de Paulo. Dessa maneira, Paulo organizava ekklesíai
comandadas por supervisores (episkopoi, bispos) e operada por servidores
(diákonoi, diáconos), sem exclusão das mulheres: “Recomendo-vos nossa
irmã Febe, diaconisa da Igreja em Cencreia” (Rm 16,1). Ao contrário, como
diz em outra passagem:
No entanto, diante do Senhor, como a mulher depende do homem, assim também o homem
depende da mulher. Pois como o homem foi tirado da mulher, assim também o homem nasce da
mulher, e tudo, afinal, vem de Deus (1Cor 11,11-12).
Da mesma forma, e de maneira ainda mais enfática: “Não há mais judeu
ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos sois um só, em
Cristo Jesus” (Gl 3,28). Nada mais revolucionário e contrário às hierarquias
do que essas palavras de Paulo!
Havia, porém, contradições subjacentes às igrejas paulinas. Por um lado,
sobejava a igualdade, por outro, iniciava-se a constituição de uma
hierarquia, com bispos, diáconos e presbíteros (“os mais velhos”). Estariam
essas contradições em Paulo, no ambiente mediterrâneo em que nascia a
Igreja, ou em ambos?
Como quer que seja, nas comunidades paulinas difundia-se a cerimônia
central da cristandade, a refeição do Senhor, ou Eucaristia:
Na noite em que ia ser entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e
disse: “isto é o meu corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de mim”. Do mesmo modo,
depois da ceia, tomou também o cálice e disse: “este cálice é a nova aliança no meu sangue.
Todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em minha memória” (1Cor 11,23-25).
Paulo tornava-se o líder de um grupo de igrejas, secundado por
colaboradores. Cada comunidade se constituía numa assembleia (ekklesía,
de onde deriva a palavra igreja). Formavam um pequeno grupo de igrejas,
talvez uma dezena, na região do Mar Egeu, fiéis a Paulo, a partir de Éfeso.
Foram responsáveis pela preservação das suas cartas, compiladas nas
décadas seguintes a sua morte, e dos Atos dos Apóstolos, escrito por volta
de 80 d.C. As comunidades mais apegadas aos preceitos da Lei judaica
sobressaíam em Israel, Síria, Mesopotâmia, Egito, Chipre e mesmo Roma.
Os crescentes conflitos no interior do judaísmo e entre os judeus e os
romanos, que culminariam na destruição do Templo em 70 d.C. seriam
decisivos para a ruptura que se estabeleceria entre judeus e cristãos. Paulo,
minoritário, acabava por indicar o futuro de uma nova fé, em direção aos
gentios. Mas o caminho não foi direto, nem fácil.
Nesse sumário sobre a longa estada de Paulo em Éfeso ainda não tratamos
da intensa atividade de produção de cartas, algo que, como vimos, terá
começado em Corinto; fizemos delas apenas algumas citações esparsas. É
hora de fazê-lo. Afinal, terá sido nessa cidade que a maior parte de suas
cartas emergiu, sem que saibamos a sequência cronológica delas ou o
intervalo de tempo entre uma e outra. De toda forma, estamos próximos à
metade da década de 50.
SOB “FOGO AMIGO”
De acordo com os Atos dos Apóstolos, Paulo, no caminho trilhado desde
Antioquia até que ele parasse mais extensamente em Filipos e Tessalônica,
passou pela região da Galácia, no centro da atual Turquia. O que o relato
não nos diz é que Paulo precisou parar aí por algum tempo (que não temos
como precisar quanto à duração), por conta de uma doença (cf. Gl 4,13). O
que sabemos é que essa estada forçada acabou por revelar-se frutuosa,
resultando no surgimento de algumas ekklesíai por ali. Alguns anos depois,
estando em Éfeso, Paulo recebe notícias a respeito dessas assembleias por
ele estabelecidas, motivação imediata para a escrita dessa carta, agressiva,
de reação ao que lhe parece ser um ataque em dois flancos. Deixemo-lo
apresentá-la: depois de iniciar a carta, sem fazer algo que será uma marca
em suas cartas todas, ou seja, um agradecimento cordial ao grupo ao qual se
dirige, ele assim se expressa: “Estou admirado que tão depressa vos tenhais
desviado daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho,
que não é outro, mas há alguns que vos estão inquietando e querendo
perverter o evangelho de Cristo” (Gl 1,6-7).
O cenário parece claro: Paulo foi contestado, na Galácia, por outros
pregadores, tanto em termos pessoais quanto nos termos da proposta que ali
ele havia tratado de viabilizar quando de sua estada por aquelas regiões. E o
dado importante: Paulo está sendo desautorizado por agentes que também
pregam sobre Jesus (por isso fala de “perversão do evangelho de Cristo”)!
Mas quais seriam os termos da discórdia estabelecida? Pelos termos da
própria carta, Paulo parece ter sido desqualificado como alguém que não
teria autoridade para expandir o evangelho de Jesus Cristo por conta
própria, pois não seria apóstolo. Além disso, ele teria proclamado que, para
aderirem a Jesus como aquele que “liberta deste mundo mau” (Gl 1,4), e
porque o fizeram, os gálatas não necessitavam submeter-se a preceitos
estabelecidos na Lei judaica, a começar pela circuncisão. Parece que a
notícia que chegou a Paulo soava assim alarmante: os missionários recém-
chegados à Galácia teriam proclamado algo similar ao que se lê em At 15,1:
“Se não fordes circuncidados conforme o costume de Moisés, não podeis
ser salvos”.
A reação de Paulo é a carta que conhecemos, certamente a mais dura de
todas as que terá escrito, e por ela seu autor terá de responder nas duas
frentes em que se vê atacado: ele precisa legitimar-se a si mesmo diante dos
membros das ekklesíai da Galácia como autêntico apóstolo de Jesus, e,
junto com isso, fundamentar sua proposição de que aderir ao evangelho de
Jesus não implica submissão aos preceitos da lei judaica. Para dar conta da
primeira questão, Paulo faz uma espéciede autobiografia (que corresponde,
grosso modo, aos dois primeiros capítulos da carta), que se inicia com as
seguintes afirmações: “Eu vos faço conhecer, irmãos: o evangelho por mim
anunciado não é segundo um ser humano. Pois eu não o recebi de um ser
humano (nem o aprendi), mas por uma revelação de Jesus Cristo” (Gl 1,11-
12). Fala de seu passado de perseguidor da gente seguidora de Jesus, como
se viu chamado, como começou a atuar como evangelizador sem pedir
licença àqueles que eram apóstolos antes dele, até chegar ao já mencionado
incidente com Pedro, em Antioquia, momento em que se viu praticamente
só, abandonado até por seu companheiro Barnabé (Gl 2,11-14). Insiste em
que não rompeu nenhum dos acordos acertados na reunião de Jerusalém; os
missionários que depois dele estiveram na Galácia, sim, porque não
respeitaram a incumbência de Paulo de ir “às nações”, responsável que era
pelo “evangelho da incircuncisão” (Gl 2,7), enquanto eles deveriam ater-se
aos membros do povo judeu. A rigor, já nas primeiras linhas da carta, Paulo
protesta contra a desautorização que teria sofrido, apresentando-se como
apóstolo, “não da parte de seres humanos, ou mediante algum ser humano,
mas mediante Jesus e Deus Pai que o ressuscitou de entre os mortos” (Gl
1,1); ao final, depois de pedir aos gálatas que não lhe deem mais motivos de
aborrecimento, reitera sua identificação com Jesus e sua causa: “eu levo no
meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). Com isso deixa afirmada a
autonomia de sua atuação, frente àquela de Pedro, Tiago e outros.
Para compreendermos melhor como Paulo enfrenta o seu segundo desafio,
teríamos de conhecer melhor o perfil dos missionários que teriam passado
pela Galácia após Paulo e exigido que os membros das ekklesíai ali
estabelecidas se circuncidassem. Eles certamente entendiam as Escrituras
comunicadas a Israel como “a Lei”, uma dádiva dirigida a toda a
humanidade. A observância a seus mais variados preceitos (circuncisão,
restrições alimentares, atenção ao sábado e a festas religiosas definidas em
calendário [cf. Gl 4,9s]). Poder-se-ia pensar também que a adoção da
circuncisão e de outras prescrições comuns no âmbito do judaísmo teria
sido vista como conveniente, consideradas as dificuldades posteriores ao
decreto do imperador Cláudio contra judeus adoradores de um tal “Cresto”,
como nos informa o historiador romano Suetônio (70-135 d.C.), na Vida de
Cláudio (25,4): “Como os judeus estivessem perturbando, instigados por
Cresto, Cláudio os expulsou de Roma”.
Mas se poderia pensar ainda na possibilidade de estarmos diante de
pessoas de origem não judaica, entusiasmadas em poder, pela adesão ao
judaísmo e suas prescrições, a começar da circuncisão, marcar a diferença
em relação às crenças da maioria, que até há pouco vinham assumindo.
Ou seja, afinal de contas, quase nada sabemos sobre os adversários que
Paulo combate nessa carta. De toda forma, o que está em jogo não é um
conflito entre judaísmo e cristianismo, mas entre formas distintas de se
conceber e viver o judaísmo. É nesse sentido que ganha corpo a estranha
(do nosso ponto de vista!) abordagem que Paulo propõe da figura do
patriarca Abraão, e que ocupa o lugar central da carta que estamos
comentando. Talvez os próprios adversários de Paulo tenham apelado a
Abraão e, pelo que se lê em Gn 17, para insistir na necessidade da
circuncisão; poderão ter dito que Abraão, como dele se afirmava em
tradições da época, cumpriu a Lei avant la lettre. O embasamento
escriturístico que os adversários traziam era consistente. Paulo terá de reagir
exatamente nesse campo, discutindo sobre Abraão e, a partir daí, sobre o
lugar da Lei, bem como sua função.
Após afirmar que não são as obras da Lei que tornam a pessoa justa diante
de Deus, Paulo apela a Abraão, alguém que mereceu receber grandiosas
promessas divinas, ele que viveu, de acordo com a cronologia bíblica,
séculos antes que Moisés comunicasse aos hebreus a Lei, que Paulo
reconhece ter sido promulgada por anjos (Gl 3,19). Se, de acordo com o que
se lia em Gn 12,3 e 18,18, a promessa de Deus, mediada por Abraão,
alcançaria a todos os povos da terra, ela não demandaria a observância dos
preceitos legais. E, mais surpreendente: ao encontrar, em Gn 12,7, o
singular “descendência” Paulo considera, pelo que se lê em Gl 3,16, que a
promessa encaminhada a Abraão refere-se a apenas uma pessoa, Jesus!
Entendimento inusitado, sem dúvida, mas condizente com os métodos de
interpretação da Escritura de que são boas testemunhas, por exemplo, os
Manuscritos de Qumran: o texto sugere antes que diz; os sentidos dele
derivam daquilo que ele diz, do que deixa de dizer e do que sugere, como
diz e não diz.
A referência a Abraão não é fortuita, nem se justifica apenas pelo fato de
esse patriarca ter vivido antes da promulgação da lei de Moisés. Pela sua
trajetória, descrita nos capítulos 12 a 25 do livro do Gênesis, pelas diversas
histórias que dele se contavam, e ainda reflexões que se faziam a seu
respeito, nota-se a importância dessa personagem no ambiente em que
Paulo viveu. Em particular, era fundamental perceber-se “filho de Abraão”
e, dessa forma, herdar as promessas que por ele Deus destinava à
humanidade. Paulo se situa nesse âmbito para provocar: filho de Abraão?
Filho dele com quem? Com a escrava (Agar) ou com a esposa livre (Sara)?
Com uma argumentação tortuosa, Paulo defende que aquelas pessoas
apegadas aos preceitos da Lei judaica podem até ser filhas de Abraão, mas
com a escrava. E privilegiadas são aquelas que descobrem a relevância das
promessas feitas a Abraão, que não dependem dos referidos preceitos para
se estabelecerem. Terá sido este o efeito produzido (ou pretendido) pela
argumentação de Paulo lida em Gl 4,21-31.
Num olhar muito pessoal, e que deve ter sido tomado como excessivo e
mesmo injusto, Paulo considera como sinal de escravidão que pessoas não
nascidas de famílias judias fossem obrigadas a aderir à Lei mosaica (cf. Gl
5,1-3). Sua argumentação foi dura, em algum momento, agressiva. De toda
forma, o apóstolo podia apresentar, em favor de sua posição, que a cruz de
Jesus lhe exigia a desabsolutização daquela Lei na qual ele mesmo fora
educado e que nunca desprezou. Ele entende que a cruz, que à luz da Lei
tornaria Jesus maldito (cf. Gl 3,13), ela mesma é a referência básica a que
não se pode escapar, nem mesmo em contextos de perseguição. O apego a
prescrições rituais poderia ocultar o fundamental, o radical antagonismo
frente ao “mundo mau” em função de que a gente seguidora de Jesus há de
organizar sua existência antes da manifestação escatológica final. Que
aquelas pessoas, que tinham diante dos olhos a figura de Jesus crucificado,
pudessem ter experimentado em êxtases o Espírito (cf. Gl 3,1) essa era a
melhor manifestação de que a mediação da Lei mosaica não era
indispensável. Batizadas em Cristo, num rito que proclamava a igualdade
radical de todos os que a ele se submetessem, judeus e gregos, escravos e
livres, homens e mulheres, e, portanto, desautorizava qualquer justificativa
de privilégios hierárquicos diante de humanos e de Deus, a elas o
Crucificado, assassinado pelos romanos e ressuscitado por Deus, deverá
bastar. Viver desse Espírito, e não das ofertas daquele mundo mau (que ele
qualifica como sendo “da carne”), e fazer as obras que Ele inspira haverá de
marcar a diferença. As ekklesíai da Galácia terão o desafio de constituir
para si um ethos adequado a sua cidadania definida em termos divinos.
OS DILEMAS DE UMA EKKLESÍA NUMA METRÓPOLE GREGA
Também os diversos textos que compõem o que hoje chamamos de 1 e 2
Coríntios terão sido produzidos em Éfeso.
Dizemos “diversos”, pois é bastante seguro que o que conhecemos como
2 Coríntios reúna uma série de escritos de Paulo, reunidos em fragmentos,
dirigidos por ele à ekklesía mais complexa das que ele fundou (veja, por
exemplo, a diferença significativa, de tom e conteúdo, entre os atuais
capítulos 8-9, de um lado, e 10-13, de outro). Ao somarmos a isso o que
lemos em 1Cor 5,9, referência a uma carta anterior (cartaperdida?
Conservada em algum dos fragmentos que hoje compõem 2 Coríntios?),
percebemos que Paulo travou com essa ekklesía uma intensa troca de
informações, debates, com direito a réplicas e tréplicas (e não só escritas),
ocorrida em meados da década de 50. Nessas cartas notamos com um maior
número de evidências os modos de Paulo proceder e reagir quando se vê
contrariado e contestado em seus pontos de vista, as preocupações
fundamentais que marcam sua atividade como missionário, as posições das
quais não abre mão, seus ciúmes e mesmo contradições. Em nossas
considerações a seguir nos fixaremos naquela que é conhecida como
“Primeira Carta aos Coríntios”. E será preciso recordar o que já se disse
sobre a estada de Paulo nessa grande cidade, sua ação aí e as circunstâncias
do estabelecimento de mais uma ekklesía.
Paulo escreve 1 Coríntios por pelo menos duas razões, das quais agora
nos interessa a primeira, mencionada em 1Cor 1,10-11 (a segunda são
questões que membros da ekklesía dirigem a Paulo, conforme 1Cor 7,1): ele
fica sabendo de facções no interior da ekklesía, e, pelo que lhe chega, elas
envolvem seu nome e o de outros líderes: “cada um de vós diz: Eu sou de
Paulo, e eu de Apolo, e eu de Cefas [Pedro]”. O texto parece fazer alusão a
três grupos (a expressão “Eu sou de Cristo” soa-nos mais como o protesto
de Paulo frente às divisões que constata do que um indício da existência de
um quarto grupo na ekklesía), aquele vinculado à figura de Pedro propunha
uma observância mais reverente da Lei judaica do que aquela que as
posições de Paulo pareciam sugerir. Embora soe pouco relevante no cenário
suposto por 1 Coríntios, este grupo acolherá missionários chegados a
Corinto que contribuirão de forma importante para comprometer a
credibilidade de Paulo junto à ekklesía, como se poderia supor da leitura de
2Cor 11-12. Em 1 Coríntios Paulo está mesmo preocupado com outro
grupo, aquele vinculado à figura de Apolo, de quem sabemos muito pouco.
Pois parece que os estratos socioculturais melhor estabelecidos da ekklesía
de Corinto simpatizaram mais com a proclamação de Apolo, e terão feito
dela uma leitura muito peculiar (da qual Paulo não partilha), coadunando-a
com a sabedoria que buscavam (cf. 1Cor 1,22). Ao que tudo indica, depois
de Paulo ter estabelecido uma pequena comunidade, batizando alguns
indivíduos de condição modesta, e ter partido para Éfeso, Apolo chegou a
Corinto, e sua eloquente proclamação impressionou outros setores sociais,
privilegiados, da cidade; pessoas influentes na vida pública. Contudo, não
temos outro testemunho que os capítulos 1-4 de 1 Coríntios para aquilatar o
que terá sido a compreensão e internalização do anúncio de Apolo por parte
dessa gente ilustre de Corinto: nas entrelinhas é possível supor que ela
considerava que a perfeição encontrava-se na posse da sabedoria (2,6) e se
entendia como espiritual, portadora que era do Espírito de Deus (2,15).
Seus membros entendiam-se ricos e saciados (de bens divinos, além dos
terrenos [4,8]!) e se julgavam superiores aos demais membros da ekklesía,
seja pela posição social que ocupavam, seja pela perfeição especial de que
se consideravam os únicos portadores. A carta que Paulo escreve, a despeito
dos apelos à unidade e ao entendimento entre as diversas correntes que ali
se leem, é, em boa parte, uma defesa das posições que sustentam o grupo
que se vincula ao nome dele, especialmente diante da influência do grupo
que recorre a Apolo! Ilustraremos esse “embate” por meio de dois
exemplos, ambos relacionados a refeições.
Paulo dedica quatro capítulos de sua carta ao tema das refeições da
ekklesía. No capítulo 8 ele reflete sobre a conveniência da participação em
refeições de homenagem a “ídolos”. Para alguns, convencidos de seu
próprio conhecimento e sabedoria, a certeza da inexistência dos ídolos era a
melhor justificativa para que a participação em referidas refeições não
sofresse qualquer restrição, apesar de que isso pudesse ser motivo para
alguns de “consciência fraca”. O capítulo 9, que parece, à primeira vista,
deslocado do contexto, por outro lado pode ser resultado do esforço de
Paulo em mostrar que nem sempre aquilo que é, em tese, permitido seria
conveniente: o exemplo é o dos direitos do apóstolo. No capítulo 10, após a
apresentação de alguns eventos da história do antigo Israel, que teriam uma
reserva de sentido iluminadora para o momento em que escreve, Paulo
adota uma postura mais restritiva quanto à participação nas referidas
refeições, agora qualificadas como “mesa de demônios” (1Cor 10,20-21).
Esse diagnóstico é bem mais taxativo que o argumento anterior exposto no
fim do capítulo 8 e que será repetido, de que a decisão sobre participar ou
não de tais refeições deveria ser tomada levando em conta o cuidado com o
outro (1Cor 10,24). Um intervalo na discussão sobre refeições para tratar do
uso do véu pelas mulheres (1Cor 11,2-16), e encontramos agora uma
discussão específica sobre modos e comportamentos na ceia do Senhor
(1Cor 11,17-34), em que o que parece incomodar mais a Paulo é que “os
que nada têm” parece que estão sendo humilhados, privados que estão do
que comer (1Cor 11,22).
São, portanto, duas as questões principais: a participação nas refeições em
honra dos ídolos e a organização da “ceia do Senhor”. Quanto à primeira
delas, Paulo oscila entre dois posicionamentos: um, que poderíamos chamar
de mais “liberal” e transigente, em que Paulo parece, ao menos em tese,
estar de acordo com aquela ala da ekklesía mais ligada a Apolo, para a qual
a certeza da inexistência dos ídolos era o melhor argumento para que não
fosse inviabilizada a participação nas referidas refeições; e outro, muito
restritivo, em que o envolvimento em tais refeições torna quem delas
partilha “companheiro de demônios” (1Cor 10,20).
Mas, no fim das contas, a admoestação de Paulo caminha na direção mais
restritiva. E por pelo menos dois motivos imbricados entre si, mas distintos,
e que precisam ser considerados separadamente, para depois se tentar uma
síntese.
Primeiro, é seguro que Paulo pensa a ceia do Senhor como refeição
sagrada alternativa àquelas que se davam no contexto helenista. Assim, ele
vai adiante (ou retrocede?) frente ao argumento do capítulo 8, quando o que
colocava em questão era, aí sim, apenas o problema da consciência fraca. O
apóstolo parece compartilhar, às avessas, de uma percepção segundo a qual
a carne – ao ser oferecida em um ritual – adquiria algo de especial. Passava
a uma instância diferenciada, distanciada do cotidiano da vida. Assumia
outro caráter. Daí a aguda estigmatização das refeições em honra dos ídolos
e o veto à participação nelas.
Mas, e este é o segundo aspecto, parece ser preciso inserir aí o elemento
sociopolítico. Não devemos deixar de imaginar a situação de Erasto, o
“ecônomo da cidade” (Rm 16,23) e membro da ekklesía: seguramente ele
teria inviabilizado sua permanência no cargo se rejeitasse todos os convites
para cerimônias em que eram oferecidas carnes aos ídolos. Tais refeições
criam e reforçam lealdades a que os estratos privilegiados da ekklesía de
Corinto não podiam renunciar sem que suas obrigações públicas e
profissionais ficassem mais ou menos comprometidas.
Como avaliar a posição de Paulo? Seria ele apenas um inflexível
religioso, incapaz de tecer qualquer diálogo com a cultura e práticas
circundantes? Talvez a intransigência, no caso, tenha de ter seu horizonte
alargado, para além do religioso. Paulo, em seu ideário apocalíptico, deveria
ver com muitas reservas os rituais que não marcassem a diferença da
ekklesía frente à cidade circundante, de cuja idolatria era preciso fugir
(1Cor 10,14). É a matriz apocalíptica do pensar e agir paulinos que lhe
impede qualquer forma de concessão. Possivelmente os membros do grupo
mais próximo a Apolo tenham, nesse ponto, uma divergência de fundo com
o apóstolo: o horizonte escatológico não é percebido da mesma forma por
este e por aqueles. A intransigência de Paulo, portanto, não se refere
simplesmente a uma eventual incapacidade de interagircom a cidade
circundante, com seus valores religiosos e práticas cultuais, mas se enraíza
muito mais no pano de fundo apocalíptico que estrutura seu pensamento e
ação.
Essa convicção de que as refeições sagradas “cristãs” devam ter perfil
diferenciado daquele encontrado nas refeições sagradas praticadas em
Corinto fica reforçada quando se lê a censura de Paulo ao modo de a
ekklesía de Corinto celebrar a “ceia do Senhor” (1Cor 11,17-34). No
entendimento do apóstolo ela deveria obedecer a uma sequência: a)
invocação e partilha do pão, em memória de Jesus (11,23-24); b) a ceia (o
“após ter ceado” de 11,25a); c) invocação e distribuição do cálice, em
memória de Jesus (11,25b-26).
Note-se, portanto, que a memória de Jesus envolve, como se fora uma
moldura, a refeição que se esperaria comunitária; toda a ceia supõe o
envolvimento da ekklesía, como um corpo (cf. 1Cor 10,17). Mas o que se
deduz da leitura da carta é que na realização da “ceia do Senhor” em
Corinto são reproduzidas lógicas e práticas cujo resultado estava sendo a
vergonha ainda maior para “os que nada têm” (1Cor 11,22). Razões para
isso: ou a refeição intermediária incluía gente não “cristã”, ou porque “os
que nada têm” chegavam mais tarde (1Cor 11,33); ou não cabiam todas as
pessoas da ekklesía no triclínio, que acabava sendo reservado aos mais
privilegiados, devendo os demais assentarem-se no pórtico do átrio ou na
área de serviço; ou conjugavam-se esses fatores e ainda outros, a nós
desconhecidos; ou o mais provável: os coríntios trataram de dissociar a
refeição do rito memorial da morte do Senhor, deixando-o todo para o fim
da reunião, o que permitia que as pessoas mais bem situadas na sociedade,
ao chegarem primeiro, pudessem fazer sua “própria ceia”, e quando
chegavam os mais pobres, só podiam participar do rito em torno do pão e
do cálice.
Assim, os privilégios de classe e status acabavam por impor-se sobre a
percepção, desejada por Paulo, de que a “ceia do Senhor” deveria ser
realizada “discernindo o corpo” (1Cor 11,29), isto é, com o senso de
unidade entre todos os membros da ekklesía, congregando-os num só corpo
(1Cor 10,17). O futuro aguardado (o “até que ele venha” de 1Cor 11,26)
deveria permear o presente da ekklesía e revolucionar a forma de os
membros dela se relacionarem entre si. Afinal de contas, pão e cálice
partilhados em memória de Jesus também possuem qualidade sagrada que,
desrespeitada, traz o risco da enfermidade e da morte (cf. 1Cor 11,30) e, por
outro lado, faz constituírem uma unidade todos quantos deles se alimentam.
Onde está o problema? Por que foi em Corinto, até onde temos notícia,
que tensões desse teor explodiram de forma assim tão intensa? Segundo
uma intuição preciosa de Crossan, em Corinto achamo-nos diante de
uma refeição compartilhada com patrocínio, na qual um dos membros mais abastados é o
anfitrião da comunidade toda [...] Paulo claramente supõe que há os que têm comida para comer
em casa e não precisam vir à ceia do Senhor em busca de sustento. São os ricos. Por outro lado,
esses ricos desprezam “a Igreja de Deus” e querem “envergonhar aqueles que nada têm”. Estes
últimos são os pobres [...] Acontece que os ricos que não trabalham chegam antes dos pobres que
trabalham e juntos comem o que trazem ou o que o anfitrião prepara para eles. Quando os pobres
chegam, não resta mais nada para eles [...].
Ou talvez sobrasse a eles a participação no ritual, bem separado da
refeição anterior. Paulo esperaria, a partir de seu ideário apocalíptico, que a
ceia do Senhor, compartilhada a partir do patrocínio da gente privilegiada
da ekklesía, fosse a expressão da reviravolta nas relações entre os membros
todos da mesma: sintonizada com o mundo novo prestes a se manifestar, a
participação na ceia selaria rupturas fundamentais com o modo
convencional de ser e viver da cidade. Não foi isso que as notícias que
recebeu lhe informaram (1Cor 11,18).
Esse descaso que Paulo constata na forma de agir da minoria privilegiada
da ekklesía de Corinto no tocante às necessidades dos pobres se explicaria,
segundo ele, por uma visão mais geral que o pequeno grupo ligado a Apolo
parece ter do sentido do Evangelho. Como visto acima, parece viável
aproximar as concepções do referido grupo a algumas ideias básicas do
platonismo, à época bastante conhecida, como as relativas à corporeidade e
ao destino humano após a morte. Em seu elitismo social e religioso não
cabe a compreensão da “ressurreição dos mortos” (1Cor 15), mas se
justificariam tanto a prática do que o historiador Peter Brown chamou
“renúncia sexual” (1Cor 7) como seu inverso (1Cor 6,12-20). Seriam os
mesmos membros da ekklesía que, ciosos de suas lealdades e vínculos
citadinos e convencidos da qualidade de seu saber, não veriam problemas
em participar dos banquetes em honra das divindades do panteão greco-
romano.
Pela sua postura, que Paulo julga arrogante e pouco construtiva para o
conjunto da ekklesía, porque autocentrada, esses “sábios”, bem situados na
escala social e bem relacionados com instâncias importantes da vida da
cidade, parecem não levar em suficiente conta (sempre segundo Paulo!)
aquilo que para este se apresenta como o eixo principal a sustentar o
argumento de toda a carta: a “palavra da cruz” (1Cor 1,18). De fato, os
capítulos 1-4 apresentam uma vigorosa disputa que nada tem de quixotesca,
tratando de atingir pontos nevrálgicos do que Paulo entende ser
injustificado autoconvencimento do grupo de Apolo. Paulo contesta a
sabedoria deles e a pretensão de que esta possua origem superior: na
verdade, ela desconsidera aquilo que o apóstolo diz ser sua única
preocupação: o Cristo crucificado (1Cor 2,2). Paulo sugere nas entrelinhas
que o grupo de Apolo, ao não atentar para o dado da cruz, age de forma
oportunista e conveniente a seus interesses de lugar social e prestígio.
Assim, ao disputar com os “espirituais” de Corinto (termo com que os
membros do grupo de Apolo pareciam se denominar, segundo 1Cor 3,1),
Paulo denuncia o que se lhe evidencia como o caráter mundano da
sabedoria deles, similar à dos príncipes deste mundo, os responsáveis pela
crucificação de Jesus. A ela o apóstolo contrapõe a “sabedoria de Deus,
misteriosa, escondida, e que Deus, antes dos séculos, destinara de antemão
para a nossa glória” (1Cor 2,7). Tal sabedoria lhe foi acessível por alguma
forma de revelação, mas que derivou de algum raciocínio lógico sobre
pontos de doutrina. O anúncio de tal sabedoria, centrada no Cristo
crucificado, só foi possível a partir das experiências místicas que Paulo
vivenciou; elas lhe propiciaram descobrir o Messias divino e crucificado.
PRISÃO, ESCRAVIDÃO E JUSTIÇA DIVINA
Além de ter de cuidar dos problemas advindos da irrequieta congregação
de Corinto, Paulo tomava contato com a vida de outras ekklesíai,
movimentava-se, viajava. E em meio a tanta movimentação, a escrita de
cartas prossegue. Vamos a outro testemunho dessa atividade: a carta aos
Filipenses.
Uma ou três cartas? Já faz certo tempo que se nota uma alteração muito
brusca quanto ao estado de espírito do autor, na passagem de Fl 3,1 para
3,2. Além disso, em 4,9, parece que estamos numa conclusão que agora se
vê seguida de mais algumas linhas, sobre tema bem diverso. Por outro lado,
já houve quem sugerisse que tais mutações não seriam devidas a cenários e
épocas diferentes, mas à própria condição de prisioneiro em que Paulo se
encontra; bastaria tomar os exemplos do pensador italiano Antônio Gramsci
(1891-1937) ou do autor brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953), com
suas Memórias do cárcere, para perceber que oscilações assim bruscas
derivavam da própria experiência de cativeiro, e esta motivada por
convicções profundas cujo impacto se procura reprimir.
Não é só este o problema que se coloca na aproximação ao escrito
conhecido como Carta aos Filipenses. O texto, ao menos em seu início e
fim, deixa claro que seu autor encontra-se na prisão. O problema é
identificar em qual lugar ela se situaria. Embora tradicionalmente tenham
sido sugeridas as localidades de Roma e de Cesareia(onde, de acordo com
Atos, Paulo teria ficado preso por algum tempo), mais recentemente Éfeso
tem sido proposta como local adequado também para a escrita de Filipenses
e ainda da Carta a Filemon, que deverá receber, mais adiante, nossa
atenção. Claro, isso supõe reconhecer que o texto de Atos deixou de
mencionar dados importantes do itinerário e ação de Paulo, o que não teria
ocorrido pela primeira vez.
Em nome da brevidade, abordaremos o escrito de Filipenses em seu
conjunto, sem pensar em eventuais conjunturas diversas para a escrita de
suas partes. Os últimos versículos (Fl 4,10-23) constituem-se num
reconhecimento de um apoio material recebido da ekklesía estabelecida
naquela que era uma cidade diferenciada da Macedônia, com o status de
colônia (o que lhe garantia privilégios fiscais e legais, entre outros) e que
Paulo visitara, de acordo com Atos dos Apóstolos (16,11-40), antes de se
dirigir a Tessalônica. Dessa narração deve ser destacado que o grupo
estabelecido por Paulo terá tido a liderança de Lídia (embora seu nome não
seja citado na carta), cuja casa terá sido a sede das reuniões da incipiente
ekklesía. Em 1Ts 2,2 se menciona alguma hostilidade de que Paulo teria
sido vítima em Filipos, cujos detalhes nos são desconhecidos.
Já o conteúdo de Fl 3,2-4,9 destoa de tudo o que se lê antes e do bilhete
posterior, e por outro lado faz recordar a polêmica travada em Gálatas. No
entanto, aqui, em vez de defender a sua credencial de apóstolo e a
sustentabilidade de sua pregação, Paulo prefere ridicularizar os contornos
básicos da proposta religiosa de seus oponentes, que terão chegado a Filipos
com os mesmos propósitos que os adversários de Paulo na Galácia. Porque
insistem nas prescrições alimentares próprias da tradição judaica, recebem
de Paulo a pecha de terem como deus o ventre; porque acentuam a
exigência indispensável da circuncisão, merecem dele o diagnóstico de se
gloriarem naquilo que é vergonhoso (cf. Fl 3,19). Aliás, a esses
missionários, Paulo reserva palavras muito pouco lisonjeiras: cães, maus
operários (Fl 3,2). Após apelar a si mesmo e a sua condição de autêntico
judeu, o autor reitera que absoluta é a cidadania celeste, e que nada deve
distrair da espera do Cristo que vem dos céus (Fl 3,20-21): vê-se que o
entusiasmo apocalíptico que encontramos expresso em 1 Tessalonicenses
não arrefeceu em Paulo.
Mas na primeira parte da carta (1,1-3,1) o que marca não é a esperança
escatológica, mas a perspectiva de que a morte o alcance como resultado
daquilo que o levou à prisão (algo que não temos como precisar). Por conta
da possibilidade de não mais vir a encontrar a gente amiga daquela cidade,
Paulo se estende, de forma quase emocionada, nas exortações sobre o que
deve caracterizar o modus vivendi da ekklesía. Seus apelos, em última
instância, inspiram-se no perfil da trajetória de Jesus, expresso por um
poema já existente que Paulo assumiu e transcreveu em sua carta. Vale a
pena verificá-lo com um pouco mais de detalhe: a gente da ekklesía de
Filipos é desafiada a superar impulsos de competição e vanglória e, por
outro lado, alimentar em si mesma os sentimentos de Jesus, ele que,
sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo,
tomando a forma de servo, feito semelhante aos homens. E, achado na aparência como humano,
humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o
exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus
se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua
confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai (Fl 2,6-11).
O Cristo, cuja vinda é ansiosamente esperada, está no céu, glorificado, por
ter passado antes pelo processo que o texto chama de kénosis, ou seja,
esvaziamento. Esvaziamento de quê? De sua forma divina! Em vistas a
quê? A assumir a forma específica de escravo, não a genérica de um ser
humano. Verifique: o texto afirma que, ao final desse processo, Jesus se
tornou apenas semelhante a um ser humano. E isso se dá não por conta da
forma divina (até porque dela Jesus se esvaziou), mas por conta da condição
de escravo que assumiu! Essa formulação surpreendente ecoa as tradições
judaicas a respeito do Servo de Deus (por exemplo, de Is 53,4-5):
Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e
nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas
transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre
ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.
Mas principalmente remete às distinções essenciais que no mundo greco-
romano se faziam entre as pessoas livres e as escravas (estas últimas
consideradas desprovidas de humanidade). O hino, ao identificar Jesus com
o perfil de um escravo (o que densifica ainda mais a referência à cruz como
forma de sua morte), comunica sobre o caráter radicalmente distinto de sua
exaltação e de seu senhorio, justamente porque advindos e decorrência
imediata da brutal execução romana (sem contar o que concebe sobre a
própria “forma de Deus” de que Jesus se esvazia); ao mesmo tempo,
fundamenta os pedidos de que a unanimidade nos propósitos, o respeito
mútuo e a renúncia à consideração da importância pessoal façam-se marcas
do cotidiano da ekklesía. Um apelo que ia na contramão daquilo que era
tomado como valor, anseio e expectativa naqueles tempos imperiais, e em
tantos outros.
DO CRISTO ESCRAVO AO ESCRAVO FEITO IRMÃO
Terá sido na mesma prisão em Éfeso que Paulo produziu esse escrito
(Filemon), cuja presença no corpo do Novo Testamento é no mínimo
inusitada. Ele não trata daqueles que chamaríamos os grandes temas
paulinos da Lei, da justificação, dos últimos tempos. Não provê indicações
sobre os ritos a serem realizados nas ekklesíai, nem polemiza com
adversários como os que encontramos em cartas anteriores. Então, o que ele
está fazendo no Novo Testamento?
O destinatário é Filemon, o que faz dessa carta a única, dentre as que
conhecemos, que Paulo endereça a um indivíduo. Filemon é o interessado
direto e atingido pelo seu teor, e ele logo notou isso. Mas nem aqui Paulo
perde de vista a perspectiva da ekklesía: a saudação se dirige a mais gente, o
grupo que se reúne na casa de Filemon. Até porque ele, de alguma forma,
será testemunha e avalista das reações de seu líder. Mas por outra razão,
ainda mais decisiva: a escravidão de Onésimo, e sua possível e ansiada
liberdade, não são, para Paulo, questões de ordem privada, mas se articulam
(ou melhor, não se coadunam!) com a posição de Filemon como líder e
patrono de uma ekklesía.
No v. 6, Paulo diz esperar que a “comunhão da fé” manifestada por
Filemon se mostre eficaz, operante. Sugestiva essa expressão: a que se
referirá tal “comunhão”? O v. 7, testemunha da solidariedade de Filemon
em favor dos “santos” (mas que, até então, não alcançara o escravo
Onésimo), explicitaria o sentido da expressão citada?
Surpreende que Paulo não pretenda mandar, embora espere que sua
missiva seja, também ela, eficaz em seu intento. Entre a possibilidade de
ordenar (v. 8; cf. v. 14), que ele julga ser capaz para se alcançar o objetivo,
e o simples pedir, Paulo fica com esta última opção. E então passam a
surpreender os termos desse pedido. Em nosso linguajar comum, ele precisa
“apelar” à sua condição de velho, à sua situação de prisioneiro; pede que
Onésimo seja recebido como se fora o próprio Paulo, garante fazer logo
uma visita ao amigo, tão logo saia da prisão. Promete inclusive assumir os
eventuais prejuízos que o então escravo pudesse ter causado a seu senhor,
não sem antes lhe recordar seu débito, da própria vida, ao apóstolo.
Com toda a pressão, nos termos, que Paulo exerce sobre Filemon, ele
ainda pretende que o gesto deste último seja feito de livre vontade (v. 14, e
ainda o v. 21). Esse ponto parece fundamental: Paulo parece esperar que o
Evangelho seja o único meio de fazer mudaro modo de Filemon encarar
sua pertença à ekklesía e, ao mesmo tempo, os vínculos entre seus
membros, a começar por Onésimo. A carta se desenrola no fio da navalha:
entre a expectativa pela sua eficácia e a convicção de que é necessária a
decisão livre e responsável de Filemon.
Mas é preciso perguntar por que Onésimo teria buscado, ao fugir da casa
de seu senhor, justamente a Paulo, e este na cadeia. É preciso supor um
contato anterior, em alguma reunião da ekklesía na casa de Filemon. Poder-
se-ia imaginar que Onésimo tenha ouvido Paulo garantir, em alguma
oportunidade, que em Cristo Jesus já não há mais escravo nem livre (cf. Gl
3,28). Terá Onésimo decidido “pagar para ver”? Ou ele pensaria que Paulo
pudesse usar de sua autoridade moral sobre Filemon para constranger a este
de alguma forma e mantê-lo sob sua guarda (cf. v. 13)? Por que Onésimo
buscou Paulo?
Surpreende a decisão, tomada por Paulo, de enviar de volta Onésimo.
Talvez este último tenha sido o primeiro a se espantar. Mas há que se pensar
também nas implicações de tal postura, para entendê-la de forma mais
abrangente. Paulo não quer fazer nada sem o consentimento de Filemon (v.
14). Isto significa o respeito do apóstolo à ordem escravizante, ou sugere
que a libertação de Onésimo não é uma conquista apenas deste, mas de seu
futuro ex-senhor e da ekklesía que preside?
Há que se pensar também no que poderia ser o destino de Onésimo,
liberto de Filemon. Este não pode sentir-se isentado de responsabilidades
perante aquele que até agora submeteu como “coisa”. Quem há de ficar
livre é Onésimo, não seu futuro ex-senhor. Há uma ekklesía como pano de
fundo de toda essa trama; Onésimo é, de alguma forma, parte dela, e deverá
continuar sendo, agora que a revolução evangélica terá mostrado um fruto
insigne. Não mais escravo, e sim irmão amado: aqui, neste v. 16, se
encontra o cume da carta. Fuga de escravo, retorno de irmão: pela porta da
frente, recebido, incorporado à casa com outro status. Essa formulação de
Paulo, obscurecida pelos escritos posteriores que lhe foram atribuídos
(Colossenses e Efésios), fez pouca história.
O que terá sido depois do recebimento da carta por parte de Filemon?
Como terá sido o ósculo trocado entre os dois homens, tão ligados, quando
do retorno de Onésimo? Qual terá sido o clima do reencontro entre Paulo e
seu velho amigo, se é que ocorreu? Nada sabemos a esse respeito. Só
podemos suspeitar, a partir de uma certeza: se a carta chegou a Filemon (e
deve ter chegado), foi acolhida. O fato de ela ter sido preservada a ponto de
estar incluída no Novo Testamento não deve ser ignorado ou menosprezado.
Até aí chegar ela foi copiada, uma e várias vezes. Tais transcrições,
garantidoras da sobrevivência do escrito, em que contextos socioeclesiais
terão ocorrido? Seria possível imaginar ekklesíai de fins do século I e do
século II articuladas e comprometidas com o lema “não mais escravo, e sim
irmão amado”? A carta de Plínio, governador da Bitínia, da segunda década
do século II, ao referir-se a duas escravas cristãs que protestaram,
apresentando-se como diaconisas, faria eco, de alguma forma, a práticas
libertárias de ekklesíai surgidas das missões paulinas? E de que forma tais
práticas terão permitido confrontar as tendências em contrário, que o
mesmo século II veria entre as ekklesíai? Pensar estas questões foge ao
escopo deste volume, mas não deixam de ser instigantes.
SOB A JUSTIÇA DE DEUS
Ao contrário do que previa, Paulo não foi executado em Éfeso e livrou-se
da prisão que nessa cidade o havia alcançado. Sua vida prosseguiu quase
uma década mais. Os desafios não se suspendiam.
A correspondência com a ekklesía de Corinto foi, como já pudemos
salientar, intensa. A credibilidade de Paulo, que já vinha de alguma forma
sendo minada (uma das razões que o motivaram à escrita de 1 Coríntios),
sofreu outros golpes, que são registrados nos fragmentos que formam 2
Coríntios, em particular aquele que lemos nos capítulos 10-13 desse escrito.
Mas a recuperação dos vínculos com essa ekklesía envolveu mais do que
repetidas cartas; terá demandado um ou alguns deslocamentos até lá. Não
temos mais detalhes a respeito, mas certamente uma viagem a Corinto
aconteceu, depois de algumas incursões que de Éfeso Paulo fez (à
Macedônia, por exemplo) para visitar ekklesíai que havia estabelecido. Por
fim, ele chega a Corinto entre fins do ano 55 e inícios do ano seguinte.
Nesta, que seria sua última estada na grande cidade grega, a reconciliação
parece ter sido alcançada; inclusive Paulo terá logrado alcançar dos
membros da ekklesía o comprometimento com algo que lhe era, ao mesmo
tempo, muito caro e delicado: uma coleta, em dinheiro, em favor da
ekklesía de Jerusalém. Era a maneira de Paulo expressar sua sintonia com a
ekklesía daquela cidade em que Jesus tinha sido executado; isso lhe fora
solicitado quando da reunião com Tiago, Pedro e João (Gl 2,10). A despeito
de todos os conflitos, tensões e rupturas que viveu em relação a esses
líderes, tudo faz perceber que Paulo tomou esse seu compromisso com
denodo, e realizou todos os esforços que lhe estavam à mão para ser bem-
sucedido nessa empreitada. Até a ekklesía de Corinto, sensibilizada pelo
apelo que se lê em 2Cor 8-9, cedeu aos apelos de Paulo, de maneira que, ao
passar pela cidade e receber a valiosa contribuição, reunindo-a àquilo que
tinha vindo das ekklesíai da Macedônia, pode considerar encerrada sua
tarefa na região (cf. Rm 15,23). Suas preocupações agora se voltam para o
Ocidente, para a Espanha (nome que, para os antigos, designava o extremo
do mundo, correspondente ao território inteiro da Península Ibérica):
De imediato, porém, tenho de ir a Jerusalém, em serviço aos santos. De fato, a Macedônia e a
Acaia consideraram bom que se fizesse uma coleta para os santos de Jerusalém que estão na
pobreza. Depois que eu tiver cumprido essa minha incumbência e tiver entregue em mãos todos
esses donativos aos santos, partirei para a Espanha, passando por vós (Rm 15,25 e 28).
Dessa região (o “finis terrae”) Paulo nada conhece; entende, portanto, que
um bom caminho será contatar a ekklesía de Roma, solicitando o apoio dela
para a empreitada que pretende realizar. Ao rumar a um mundo romano de
língua latina, em tudo afastado dos meios mais marcadamente judeus,
poderia ver-se livre para fundar novas comunidades independentes. Mas,
antes, precisa ir pessoalmente a Jerusalém entregar a coleta. A coleta de
fundos nas igrejas sob sua liderança, dinheiro de não judeus, mandava uma
mensagem aos santos de Jerusalém: “se os pagãos participaram dos bens
espirituais dos santos de Jerusalém, devem, por sua vez, servi-los com bens
materiais” (Rm 15,27). A expressão usada, ethné, corresponde ao termo
goim ou ammim (estrangeiros, não judeus), maneira de Paulo enfatizar que
se tratava de dinheiro vindo de não circuncidados. Além disso, tal
deslocamento serviria para mostrar que, da parte dele, Paulo, não havia
ruptura irremediável com a igreja de Jerusalém, a despeito de todas as
tensões e hostilidades. Enquanto a cabeça e os olhos estão fixos nos novos
mundos do longínquo Ocidente que pretende conhecer e ver semeados com
a Palavra do Evangelho, as exigências o obrigam em direção contrária.
Adicione-se ainda um dado, qual seja, o temor de que a realização dessas
últimas inviabilize seus planos de explorar novas terras e fronteiras, e temos
o cenário do que emergirá a chamada Carta aos Romanos, seguramente o
escrito mais pretensioso de todos quantos dele brotaram e sobreviveram até
nós, e o mais complexo quanto a seu entendimento. É seu último escrito
conhecido, o mais extenso e mais famoso, e o que mais desafios coloca para
sua compreensão, dadas tantas apropriações que dele fizeram vinte séculos
de cristianismo.
Efetivamente, a Carta aos Romanos teve enorme impacto na tradição
teológica e religiosa posterior. Não será demais recordar toda a especulação,
devida a Agostinho, sobre aquilo que veio a ser chamado “pecado original”,
inspirada em alguns versículos do capítulo 5 da carta. E é sabido queo
iniciador da Reforma Protestante, Martinho Lutero (1483-1546), tinha em
Romanos a base fundamental de suas convicções e projetos. Aqui não
entramos no mérito dessas leituras da carta, apenas constatamos seu
poderoso impacto no mundo cristão que se formaria. Interessa-nos
investigar o que essa carta revela da interação de Paulo com mais uma
ekklesía, aquela sediada no coração do império.
Mas bem aqui vêm alguns diferenciais importantes. Paulo escreve a uma
ekklesía que ele não conhece! Se até então, primeiro tinha havido o contato
e a formação do grupo, e só depois a(s) carta(s), aqui a carta precede um
contato que Paulo pretende estabelecer, com vistas em “voos” mais
longínquos como seria aquele desejado para a Espanha. Além disso, trata-se
de uma ekklesía não fundada por Paulo, portanto não marcada pelo carisma
do apóstolo, é certo, e também por suas manias, ciúmes, e demais
características humanas.
Mas apenas isso não dá conta de explicar o conteúdo denso e complexo da
carta. Ao acabar de expor a mensagem ampliada do que chama “meu
evangelho” (Rm 2,16), Paulo acaba por apresentar-se a si mesmo e por
recapitular convicções e valores pelos quais veio batalhando enquanto
apóstolo de Jesus Cristo. E por que o teria feito?
Só é possível suspeitar. Talvez os temores que Paulo manifesta, ao final da
carta, quanto a sua ida a Jerusalém para entregar os resultados da coleta
pudessem também estender-se ao seu pretendido deslocamento para Roma,
após passar pela cidade santa dos judeus. Talvez receasse que na ekklesía da
capital do império pudesse ter fama similar àquela que, de acordo com o
livro dos Atos, corria na cidade em que estivera quase dez anos antes, em
reunião com Tiago, Pedro e João, e que de alguma forma antevia: “quantos
milhares há entre os judeus que têm crido, e todos são zelosos da lei; e têm
sido informados a teu respeito que ensinas todos os judeus que estão entre
os gentios a se apartarem de Moisés, dizendo que não circuncidem seus
filhos, nem andem segundo os costumes da lei” (At 21,20-21). Nada do que
se lê nas cartas de Paulo justificaria esses boatos, mas boatos nem sempre
se justificam.
E há mais. Paulo escreve a uma ekklesía que ele não conhece, mas que
tem uma história também pouco conhecida. Segundo a interpretação mais
corrente de uma informação fornecida por Suetônio, a que já aludimos, o
imperador Cláudio ordenou que se expulsassem de Roma judeus que,
impulsionados por um tal Cresto (supostamente uma corrupção do nome
Cristo), estavam provocando tumultos na capital. Isso no ano 49 (veja
também At 18,1-2). Esse grupo, portanto, terá surgido alguns anos antes
(sem que possamos dizer mais nada de seguro a esse respeito) e tomado
algum vulto, a ponto de suscitar as atenções do todo-poderoso soberano.
Quando este (ao que tudo indica) foi assassinado, em 54, seu sucessor,
Nero, revogou a ordem, e os judeus seguidores de Cresto puderam voltar à
capital; a ekklesía teria podido reorganizar-se, e foi nessas condições que,
algum tempo depois, ela recebeu a missiva de Paulo. Portanto, este escreve
a uma igreja que já tem em seu histórico um percurso assim atribulado. O
quanto dessa história ele conhece, e como o conhece? De toda forma, as
tensões vividas pela ekklesía em função das ações imperiais não terão
amainado com Nero, como se conclui da história posterior, qualquer que
seja a avaliação que se faça a respeito do episódio, citado por outro
historiador romano, Tácito, do incêndio da capital e imediata culpabilização
dos “cristãos”, em consequência do que, a se considerar a sugestão
predominante na tradição, Paulo e Pedro tenham sido martirizados, isso em
meados dos anos 60 daquele decisivo século I. Escrita menos de dez anos
antes desses fatídicos eventos, a Carta aos Romanos respira esses ares
tumultuados de afirmação do Império e da teologia a ele profundamente
imbricada.
Talvez seja por conta dessa conjunção de fatores (a imagem de Paulo
“arranhada” depois de tantos conflitos e tensões vividos, a situação peculiar
da ekklesía romana) que o apóstolo, ao escrever, trate de apresentar-se, a si
e a sua mensagem, de uma forma mais cautelosa que, por exemplo, aquela
adotada ao escrever às ekklesíai da Galácia. Parece querer evitar estabelecer
qualquer privilégio na consideração do judeu sobre o não judeu, e vice-
versa. Ambos estão, em princípio, ao alcance da ira de Deus (Rm 1,18; esse
tema, o da ira divina, como que emoldura o epistolário paulino; recordemo-
nos de 1 Tessalonicenses!), e isso porque foram colocados diante da
possibilidade do pecado e de a ele cederem. De fato, nos três primeiros
capítulos da carta lê-se uma poderosa exposição das potencialidades do mal,
diante do que judeu e não judeu nada têm a gloriar-se, muito menos um em
relação ao outro. A argumentação em torno de Abraão como protótipo da
ekklesía que supera dialeticamente a confrontação judeu – não judeu,
retoma, de forma mais cautelosa e cuidada, o que se encontra nos capítulos
centrais da Carta aos Gálatas. Ele, e não qualquer outro, é o ancestral
modelar. Nos capítulos 5-8, Paulo reflete sobre a novidade a tecer, entre o
batismo (mergulho na morte do Cristo, segundo Rm 6,3) e a manifestação
decisiva da parusia e da ressurreição, a vida daquelas pessoas que fizeram a
experiência da justificação pela fé no Cristo Jesus, que se sustentam na
esperança de em breve consumar sua identificação com ele, a despeito de
entraves viscerais (expostos dramaticamente num discurso em primeira
pessoa em Rm 7), e podem confiar em que nada as separará “do amor de
Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8,40). São capítulos
poderosos, em que se reflete sobre a nova identidade compartilhada pelos
membros da ekklesía, judeus e não judeus; identidade gloriosa, tanto em
termos presentes como futuros. Não é de se estranhar, portanto, o estilo
apaixonado e mesmo exaltado que Paulo assume a essa altura do escrito;
afinal, ele trata de como devem sentir-se seus interlocutores por fazerem
parte do grupo que configura em Cristo sua identidade, adotados que foram
seus membros por Deus como filhos, sabedores de que a completude dessa
adoção está por vir (v. 15 e 23).
Os capítulos 9-11 são particularmente complexos, e refletem sobre o lugar
de Israel nos desígnios mais profundos de Deus. Aqui Paulo parece ter em
mente o que se dizia dele em relação ao povo dentro do qual nasceu. Mas
não deixa de ser fiel à tradição apocalíptica que molda seu pensamento e
ação, que deslocou do povo inteiro para uma parcela dele a perspectiva da
eleição. A cegueira de muitos em Israel diante do Messias não é prova da
rejeição de Deus ao povo escolhido; antes é oportunidade para que os não
judeus se descubram filhos, também eles, de Abraão; ao final todo Israel
será salvo (Rm 11,26). A ekklesía de Roma se insere no interior daquele
Israel feito dos que têm o coração circuncidado (cf. Rm 2,29), a quem
promessas de salvação a Escritura destinou. Note-se aqui que Paulo está,
como outros judeus de seu tempo (Fílon de Alexandria é apenas o mais
ilustre deles), tratando de redefinir as fronteiras do que seja Israel, para
além da questão que chamaríamos “étnica”.
Os capítulos restantes da carta assumem, como acontece em alguns finais
paulinos, um tom exortativo. Deles destacamos aqui apenas aqueles
versículos que iniciam o capítulo 13 e que acabaram por se constituir, na
expressão de um estudioso contemporâneo, alicerces para uma metafísica
teológica do Estado. Com que intuito Paulo teria escrito palavras como as
que vêm a seguir, que parecem desmentir toda a sua trajetória e visão das
coisas: “Cada qual esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há
autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por
Deus. Por isso quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os
que resistem trarão sobre si mesmos a condenação”?
O espírito que anima as exortações dos capítulos finais de Romanos, e,
enfim, as últimas páginas conhecidas que saíram da pena de Paulo é
incomodado: “não vos conformeis a este mundo”, lemosem 12,2, abrindo
essa etapa parenética do escrito. À luz de tudo o que viveu, ao que temos
acesso por seus escritos, só podemos pensar que Paulo alerta para cautelas a
serem tomadas quanto ao tempo presente: há tempo para ceder e tempo para
reagir, para obedecer e desobedecer. Os eventos do nem um pouco
longínquo ano 49, por mais desconhecidos que sejam para nós, não o
seriam nem para Paulo nem para seus interlocutores. Paulo não convida à
resistência direta, até porque, se Deus permitiu a disposição dos poderes da
forma como estão, caberia a ele dissolvê-los, o que haveria de ocorrer muito
em breve, como já assinalado (assim rezava a teologia apocalíptica
judaica!). À ekklesía cabia encarnar a justiça de Deus no âmbito concreto e
cotidiano das relações entre os seus membros e irradiá-la, o quanto possível,
como sinal e antecipação daquilo que era esperado. Afinal de contas,
garantia Paulo,
toda a criação, conjuntamente, geme e está com dores de parto até agora; e não só ela, mas até
nós, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a nossa
adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. Porque na esperança fomos salvos (Rm 8,22-24).
AO OCIDENTE VIA JERUSALÉM
No caminho tortuoso que levaria de Corinto ao Ocidente, passando pelo
Oriente, houve, segundo o relato posterior dos Atos, várias paradas e
conselhos para que Paulo evitasse ir a Jerusalém. Esse relato, o único com
que podemos contar, já que Romanos acabara de ser remetido a seus
destinatários, e mais nada conhecemos saído da pena de Paulo, mostra-nos
uma recepção fria por parte de Tiago e sua gente em Jerusalém
(confirmando os temores das últimas linhas que Paulo dirige aos romanos) e
a imposição de rituais judaicos de purificação que em tudo contrariavam a
pregação de Paulo, que teria aceitado tudo em obsequioso respeito. Se
assim tiver sido, Paulo terá demonstrado pragmatismo e vontade de
compromisso, de forma a não romper com os santos. No Templo, foi
identificado por judeus da província romana da Ásia como aquele que os
havia confrontado, tendo sido denunciado como inimigo do Templo e da
Lei, profanador. Quase linchado pela multidão, os soldados romanos
intervieram para acabar com a confusão e levaram Paulo preso. Na
masmorra, um sobrinho de Paulo alertou que havia uma trama de um grupo
de judeus para assassinar o prisioneiro, o que levou à sua transferência para
Cesareia. O procurador Félix esperou por seus acusadores, que o
denunciaram como agitador e profanador do Templo. Paulo teria
permanecido preso por dois anos nessa situação, entre 58 e 60 d.C.
A marcha dos acontecimentos, contudo, não para, pois houve troca de
comando e um novo procurador, Pórcio Festo, foi instalado. Logo na
primeira visita concedida por Festo às autoridades judaicas, após apenas
uma quinzena da sua investidura, pediram que Paulo fosse transferido para
Jerusalém para julgamento. Paulo preferiu, então, apelar ao imperador, o
que foi concedido pelo governador romano. A viagem para Roma, segundo
os Atos dos Apóstolos, foi demorada e cheia de aventuras e perigos. Afinal,
foi recebido em Roma, em 60 d.C, por alguns fiéis que teriam, ao que tudo
indica, acolhido bem sua Carta aos Romanos, enviada três anos antes. Sua
prisão era domiciliar, com direito a receber visitas. Sempre segundo os Atos
dos Apóstolos, ficou ali recluso por dois anos, até 62 d.C.
Não há documento seguro a respeito do que se passou a partir daí. Os
Atos dos Apóstolos terminam de forma abrupta e tem-se a impressão de que
o motivo tenha sido o estado de conflito entre os seguidores de Paulo, de
um lado, e os judeus de observância mais estrita, de outro. Essa impressão
se reforça com a leitura da Carta de Clemente de Roma aos Coríntios,
talvez datada do final do século I d.C., que apresenta um quadro de
dissensões. Nessa epístola, Clemente menciona que Paulo esteve no
extremo Ocidente: seria a Espanha, ou Roma, a oeste do mundo grego
desses primeiros pregadores cristãos? Nada sabemos de concreto. Segundo
a tradição, Paulo teria sido morto por um golpe de espada, no caminho para
o porto de Óstia, como resultado das perseguições de Nero, em 64 d.C. Não
deixemos de registrar, contudo, a observação do estudioso alemão Helmut
Koester, segundo a qual escavações feitas em Filipos sugeririam essa cidade
como aquela em que a trajetória terrena de Paulo teria sido interrompida
definitivamente.
6. CONCLUSÃO
Por volta do ano 140, vinda do Ponto, região norte da atual Turquia,
aportou na ekklesía de Roma, a mesma que décadas antes havia recebido o
último escrito conhecido de Paulo, uma figura de nome Marcião.
Conhecido basicamente por seus detratores, que trataram de desqualificá-lo,
bem como por aquilo que propunha, ele se apresentava (junto a uma edição
reduzida do que hoje conhecemos como Evangelho segundo Lucas) com
uma coleção de cartas de Paulo que trazia mais títulos do que aqueles que
neste livro comentamos, porém menos do que aquilo que no cânon do Novo
Testamento veio a ser reconhecido como de origem paulina. Garantia ele
que eram aqueles escritos, com aquele teor, que tinham saído da pena do
grande apóstolo. Eram dez cartas, todas presentes no atual Novo
Testamento (não constavam as chamadas “cartas pastorais”, aquelas a
Timóteo e a Tito; e em uma das fontes se cita uma “carta aos laodicenses”),
mas tinham um tamanho bem menor do que aquele que conhecemos hoje de
cada um desses escritos.
Parece que Marcião, além de trazer uma coleção peculiar de escritos,
portava também uma visão teológica muito própria. Como dirá, no século
IV, Eusébio de Cesareia em sua História eclesiástica, Marcião “ensinava
que o Deus proclamado pela Lei e pelos Profetas [partes fundamentais da
Bíblia hebraica] não era o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, porque este
último era conhecido e o outro desconhecido; o primeiro era também justo,
mas o outro cheio de graça”.
Marcião terá chegado a conclusões como essa por uma leitura cuidadosa
das Escrituras judaicas, pelo contraste que estabeleceu entre elas, de um
lado, e, de outro, pelas cartas que reconhecia terem sido escritas por Paulo,
em especial aquelas passagens em que o apóstolo polemizava no tocante ao
caráter absoluto da Lei judaica. Só este havia compreendido a radicalidade
da ruptura que Jesus teria vindo estabelecer em relação à história e à
tradição de Israel. Haveria uma verdadeira polarização entre Lei e
Evangelho, e qualquer composição entre ambos implicaria trair o legado
mais profundo de Jesus, e que apenas Paulo tinha sido capaz de apreender
em sua densidade maior.
O curioso, contudo, para nossos propósitos conclusivos, é identificar um
dos elementos do debate. Como salientamos, as cópias que Marcião trazia
apresentavam as cartas num tamanho significativamente menor que aquele
com o qual as conhecemos. No seu entendimento, Paulo havia escrito bem
menos do que os adversários dele [Marcião] alegavam, e estava convencido
de que esses escritos tinham sido adulterados, com interpolações que
serviam para anular a polarização estrutural que ele identificava como base
da mensagem de Jesus. Por outro lado, seus opositores entendiam que
Marcião tinha produzido adulterações na direção contrária, ou seja, havia
recortado dos escritos paulinos aquelas passagens que não se coadunavam
com a mensagem que ele propunha, e que eles consideravam herética.
Não é o caso de aqui entrar no mérito de tal discussão, que se dava oito
décadas após a morte de Paulo. Ela nos serve aqui de ilustração de como
este começou a se tornar aquilo em que o cristianismo, no decorrer de sua
história, haveria de transformá-lo. De fato, a proposta de Marcião foi
rechaçada, uma vez que a igreja cristã, em seu processo de organização e
articulação, formou o que hoje chamamos Novo Testamento (talvez por
provocação do mesmo Marcião) com contornos bem diferentes daqueles
definidos pelo líder vindo do Ponto. Paulo não rejeitou as Escrituras
judaicas, como Marcião apregoava dever ser feito, muito menos admitiu
distinguir entre o Deus criador do mundo e doador daLei aos judeus e o
Deus misericórdia e amor anunciado por Jesus. Mas essa controvérsia
introduziu os escritos de Paulo num novo cenário. Acrescidos de outras
cartas (aquelas que levam o seu nome, mas têm todos os traços de terem
sido produzidas depois da sua morte, e hoje constam do Novo Testamento),
eles vieram a mostrar Paulo como um autêntico antimarcionita, bem menos
libertário (se assim se pode qualificá-lo) do que sugerem as cartas que aqui
brevemente comentamos, bem mais preocupado com as burocracias e
hierarquias internas à ekklesía, atento ao lugar dela no interior da sociedade
romana, e sem qualquer tensão concernente ao fim iminente dos tempos. O
que resulta desse complexo cenário é a imagem de um Paulo capaz de
contribuir para duas “tarefas” fundamentais naquele momento e decisivas
para o futuro: definir a identidade da igreja cristã em relação à religião
judaica e viabilizar um lugar para aquela no mundo da ordem romana, a
ordem em função da qual Jesus tinha sido assassinado, e seu apóstolo mais
arrojado submetido ao martírio, nos últimos anos do governo de Nero, em
meados dos anos 60 do século I.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a André Leonardo Chevitarse, Gabriele Cornelli, Lourdes
Domínguez, Richard A. Horsley, Paulo Augusto de Souza Nogueira,
Mônica Selvatici, Rafael Rodrigues da Silva. Mencionamos, ainda, o apoio
institucional do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/Unicamp), da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e seu Departamento de
Ciência da Religião, do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (curso
de Teologia, campus Pio XI), CNPq, FAPESP. A responsabilidade pelas
ideias restringe-se aos autores.
REFERÊNCIAS E FONTES
Indicamos, a seguir, obras que substanciaram nossas considerações, de
modo que o leitor possa se aprofundar na leitura de textos com referências
adicionais.
A perspectiva adotada neste volume destaca a diversidade e os conflitos.
Sobre isso, consulte-se o volume Identidades fluidas no judaísmo antigo e
no cristianismo primitivo (São Paulo: Annablume/FAPESP, 2010),
organizado por Paulo Augusto de Souza Nogueira, Pedro Paulo A. Funari e
John Collins. A importância da religiosidade está retratada, em sua
diversidade, em Religiões que o mundo esqueceu (São Paulo: Contexto,
2009), organizado por Pedro Paulo A. Funari. O cristianismo paulino está
bem estudado em Experiência religiosa e crítica social no cristianismo
primitivo (São Paulo: Paulinas, 2003), de Paulo Augusto de Souza
Nogueira, especialmente o quinto capítulo, sobre os cristianismos da Ásia
Menor.
O estudos das fontes históricas e arqueológicas são tratados em
Antiguidade clássica, a História e a cultura a partir dos documentos
(Campinas: Editora da Unicamp, 2003, 2a ed.) de Pedro Paulo A. Funari;
em Fontes históricas (São Paulo: Contexto, 2005), organizado por Carla B.
Pinsky e em Arqueologia (São Paulo: Contexto, 2003).
A produção e cópia de manuscritos na Antiguidade estão bem explicadas
em O que Jesus disse, o que Jesus não disse (Rio de Janeiro: Editora
Prestígio, 2006), de Bart D. Ehrman. A vida no Império Romano à época de
Paulo está tratada em obras como A vida quotidiana na Roma antiga (São
Paulo: Annablume, 2003), de Pedro Paulo A. Funari, e com o mesmo título,
escrito por Neil Grant (Lisboa: Caminho, 2005).
A História romana está bem resumida em O Império Romano (Porto
Alegre: LP&M, 2009), de Patrick Le Roux. A História como gênero
literário está apresentada em Teoria da História (São Paulo: Brasiliense,
2007), de Pedro Paulo A. Funari e Glaydson José da Silva. O manuscrito do
Mar Morto citado sobre a palavra ammim, povos, está publicado em The
Dead Sea Scrolls Uncovered (Harmondsworth: Penguin, 1993, p. 64-68)
(Pseudo-Daniel). Diversos manuscritos foram traduzidos para o português
por Clarisse Ferreira da Silva, O novo Templo e a Aliança sacerdotal da
comunidade de Qumran (São Paulo: USP, 2009, tese de doutoramento). Os
textos não bíblicos achados em Qumran encontram-se quase todos
publicados em Textos de Qumran, de Florentino García Martínez
(Petrópolis: Vozes, 1995). G. W. Clarcke apresenta um quadro sucinto, mas
substancial sobre as origens cristãs em “The origins and spread of
Christianity”, Cambridge Ancient History, vol. X (Cambridge: CUP, 1996,
p. 848-872). Martin Goodman discute, de forma exaustiva, o rompimento
do cristianismo com o judaísmo, no seu livro Rome and Jerusalem, The
clash of ancient civilizations (Londres: Penguin, 2008) e ressalta que Paulo
se considerava seguidor do judaísmo. Henry Chadwick apresenta o quadro
geral do movimento dos seguidores de Jesus no seu clássico The Early
Church (Harmondsworth: Penguin, 1981). Precioso estudo sobre os
desenvolvimentos dos grupos paulinos após a morte de Paulo, tal como se
pode deduzir das cartas escritas em seu nome, é o de Margaret Macdonald,
Las comunidades paulinas (Salamanca: Sígueme, 1994). A citação de Aélio
Aristides foi retirada de Jerome O’Connor, Paulo: biografia crítica (São
Paulo: Loyola, 2000, p.122) e a de John Dominic Crossan vem de O
nascimento do cristianismo (São Paulo: Paulinas, 2004, p. 465). Já a
referência a Filipos como possível lugar do martírio de Paulo é-nos
oferecida por Helmut Koester em sua Introdução ao Novo Testamento (São
Paulo: Paulus, 2005, v. 2, p. 158-159).
CRONOLOGIA
As datas são, em muitos casos, apenas aproximadas, para que o leitor
possa ter noções gerais sobre a vida e a obra de Paulo.
31 a.C.-14 d.C. Principado de Augusto
4 a.C. Nascimento de Jesus de Nazaré
2-7 d.C. Nascimento de Paulo
29-30 d.C. Crucificação de Jesus
32-35 d.C. Atuação de Paulo em Jerusalém como perseguidor dos
seguidores de Jesus
35 d.C. Episódio de Damasco
38 d.C. Primeira visita de Paulo a Jerusalém após a sua conversão
48 d.C. Paulo em Antioquia
48 a 60 d.C. Cartas de Paulo
49 d.C. Assembleia de Jerusalém; início da pregação autônoma de Paulo
49-50 d.C. Expulsão dos judeus de Roma pelo imperador Cláudio
50-51 d.C. Paulo em Corinto; Galião Procônsul da Acaia
54 d.C. Morte do Imperador Cláudio
54 a 56 d.C. Paulo em Éfeso
57 d.C. Última viagem de Paulo a Jerusalém
57-59 d.C. Prisão de Paulo em Cesareia
60-62 d.C. Prisão de Paulo em Roma
62-68 d.C. Morte de Paulo
64 d.C. Incêndio de Roma
68 d.C. Morte do imperador Nero
66-70 d.C. Guerra Judaica
70 d.C. Destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos
80 d.C. Redação dos Atos dos Apóstolos
70-120 d.C. Redação de cartas atribuídas a Paulo
130-140 d.C. Compilação das cartas de Paulo
Cerca de 140 d.C. Aparecimento de Marcião em Roma com a primeira
coleção conhecida de cartas de Paulo
140 a 400 d.C. Processo de compilação do que viria a ser o Novo
Testamento
160 a 200 d.C. Referências à sepultura de Paulo, na estrada para Óstia, onde
Constantino construiu, no século IV, a Basílica de São Paulo fora dos
Muros, em Roma.
1947 Descoberta dos Manuscritos do Mar Morto
LEITURAS RECOMENDADAS
BOWERSOCK, G.W. ROME ET LE MARTYRE. PARIS: FLAMMARION, 1995.
BROWN, PETER. CORPO E SOCIEDADE: O HOMEM, A MULHER E A RENÚNCIA SEXUAL
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SOBRE OS AUTORES
Pedro Lima Vasconcellos
Nasci em Barra do Piraí (RJ), graduei-me em Filosofia (Unifai, 1992) e Teologia (Faculdade de
Teologia N. Sra. da Assunção, São Paulo, 1988), obtive o mestrado em Ciências da Religião: Bíblia
(UMESP, 1994), doutorado em Ciências Sociais: Antropologia (PUC-SP, 2004) e Livre-docência em
Ciências da Religião (PUC-SP, 2009). Professor licenciado do Programa de Estudos Pós-graduados
em Ciências da Religião da PUC-SP, onde vim desenvolvendo pesquisa e docência na área dos
Textos Sagrados das religiões. Lecionei também no curso de Teologia do Centro Universitário
Salesiano de São Paulo (UNISAL). No momento estou atuando como Professor Adjunto da
Universidade Federal de Alagoas. Entre minhas publicações permito-me citar Como ler a Carta aos
Hebreus (2ª ed., São Paulo, Paulus, 2008), O código da Vinci e o cristianismo dos primeiros séculos
(São Paulo, Paulinas, 2006), Fundamentalismos: matrizes, presenças e inquietações (São Paulo,
Paulinas, 2008). Outro campo de minhas investigações é o dos mal-chamados “movimentos
messiânicos”, com produções voltadas particularmente à história de Belo Monte (Canudos) e seu
líder Antonio Conselheiro. A esse respeito tenho publicado o livro, resumo de minha tese de
doutorado, Do Belo Monte das promessas à Canudos destruída: o drama bíblico da Jerusalém do
sertão (Maceió: Catavento, 2010). Meu endereço eletrônico: plvascon@uol.com.br.
Pedro Paulo A. Funari
Nasci em São Paulo, graduei-me em História (USP, 1981), obtive o mestrado em Antropologia
Social (USP, 1985), doutorado em Arqueologia (USP, 1990), Livre-docência em História
(UNICAMP, 1996). Fui professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis) (1986-1992),
sendo hoje Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (1992 em diante), pesquisador
associado da Illinois State University (Estados Unidos) e Universitat de Barcelona (Espanha),
professor, também, do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo,
coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da UNICAMP. Atuo, ainda, como pesquisador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam/Unicamp) e no doutorado em Ambiente e
Sociedade. Lidero Grupo de Pesquisa do CNPq, sediado no Núcleo de Estudos Estratégicos da
UNICAMP. Publiquei mais de trezentos artigos científicos em revistas acadêmicas brasileiras e
estrangeiras arbitradas. Publiquei dezenas de livros, diversos deles no exterior, como Memories from
Darkness (Nova Iorque, Kluwer, 2009). Organizei o volume Religiões que o Mundo Esqueceu (São
Paulo, Contexto, 2009) e me dedico ao estudo das religiosidades antigas, assim como das identidades
judaicas e cristãs. Meu e-mail é ppfunari@uol.com.br.
mailto:plvascon@uol.com.br
Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos
Coordenação de desenvolvimento digital: Erivaldo Dantas
Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes
Revisão: Cícera Gabriela Sousa Martins, Iranildo Bezerra Lopes
Capa: Marcelo Campanhã
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Vasconcellos, Pedro L.
Paulo de Tarso: um apóstolo para as nações / Pedro L. Vasconcellos, Pedro Paulo A. Funari. — São Paulo: Paulus, 2013. —
(Coleção Biografias)
ISBN 978-85-349-3629-3
1. Paulo, Apóstolo, Santo 2. Santos católicos - Biografia I. Funari, Pedro Paulo A. II. Título. III. Série.
13-03473
CDD-282.092
Índices para catálogo sistemático:
1. Santos: Igreja Católica: Biografia e obra 282.092
© PAULUS – 2013
Rua Francisco Cruz, 229
04117-091 São Paulo (Brasil)
Tel. (11) 5087-3700
Fax (11) 5579-3627
editorial@paulus.com.br
www.paulus.com.br
eISBN 978-85-349-3674-3
Indice
Scivias
de Bingen, Hildegarda
9788534946025
776 páginas
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Scivias, a obra religiosa mais importante da santa e doutora da Igreja
Hildegarda de Bingen, compõe-se de vinte e seis visões, que são
primeiramente escritas de maneira literal, tal como ela as teve, sendo, a
seguir, explicadas exegeticamente. Alguns dos tópicos presentes nas visões
são a caridade de Cristo, a natureza do universo, o reino de Deus, a queda
do ser humano, a santifi cação e o fi m do mundo. Ênfase especial é dada
aos sacramentos do matrimônio e da eucaristia, em resposta à heresia
cátara. Como grupo, as visões formam uma summa teológica da doutrina
cristã. No fi nal de Scivias, encontram-se hinos de louvor e uma peça curta,
provavelmente um rascunho primitivo de Ordo virtutum, a primeira obra de
moral conhecida. Hildegarda é notável por ser capaz de unir "visão com
doutrina, religião com ciência, júbilo carismático com indignação profética,
e anseio por ordem social com a busca por justiça social". Este livro é
especialmente significativo para historiadores e teólogas feministas. Elucida
a vida das mulheres medievais, e é um exemplo impressionante de certa
forma especial de espiritualidade cristã.
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Santa Gemma Galgani - Diário
Galgani, Gemma
9788534945714
248 páginas
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Primeiro, ao vê-la, causou-me um pouco de medo; fiz de tudo para me
assegurar de que era verdadeiramente a Mãe de Jesus: deu-me sinal para me
orientar. Depois de um momento, fiquei toda contente; mas foi tamanha a
comoção que me senti muito pequena diante dela, e tamanho o
contentamento que não pude pronunciar palavra, senão dizer,
repetidamente, o nome de 'Mãe'. [...] Enquanto juntas conversávamos, e me
tinha sempre pela mão, deixou-me; eu não queria que fosse, estava quase
chorando, e então me disse: 'Minha filha, agora basta; Jesus pede-lhe este
sacrifício, por ora convém que a deixe'. A sua palavra deixou-me em paz;
repousei tranquilamente: 'Pois bem, o sacrifício foi feito'. Deixou-me.
Quem poderia descrever em detalhes quão bela, quão querida é a Mãe
celeste? Não, certamente não existe comparação. Quando terei a felicidade
de vê-la novamente?
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DOCAT
Vv.Aa.
9788534945059
320 páginas
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Dando continuidade ao projeto do YOUCAT, o presente livro apresenta a
Doutrina Social da Igreja numa linguagem jovem. Esta obra conta ainda
com prefácio do Papa Francisco, que manifesta o sonho de ter um milhão
de jovens leitores da Doutrina Social da Igreja, convidando-os a ser
Doutrina Social em movimento.Compre agora e leia
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Bíblia Sagrada: Novo Testamento - Edição
Pastoral
Vv.Aa.
9788534945226
576 páginas
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A Bíblia Sagrada: Novo Testamento - Edição Pastoral oferece um texto
acessível, principalmente às comunidades de base, círculos bíblicos,
catequese e celebrações. Com introdução para cada livro e notas
explicativas, a proposta desta edição é renovar a vida cristã à luz da Palavra
de Deus.
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A origem da Bíblia
McDonald, Lee Martin
9788534936583
264 páginas
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Este é um grandioso trabalho que oferece respostas e explica os caminhos
percorridos pela Bíblia até os dias atuais. Em estilo acessível, o autor
descreve como a Bíblia cristã teve seu início, desenvolveu-se e por fim, se
fixou. Lee Martin McDonald analisa textos desde a Bíblia hebraica até a
literatura patrística.
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	1. INTRODUÇÃO
	Paulo
	De onde falamos
	2. AS FONTES
	As categorias de fonte
	As fontes arqueológicas
	Via Egnatia, caminho usado por Paulo
	A tradição literária
	Os Atos dos Apóstolos
	As cartas de Paulo
	3. OS INÍCIOS DE SAUL
	Saul, o fariseu
	Saul de Tarso
	Saul em Jerusalém, um radical
	4. PAULO, SERVIDOR DE CRISTO
	O encontro com Cristo
	Novos passos de um crente
	Anos na obscuridade: um longo interlúdio
	Antioquia e o afluxo de conversos
	5. PAULO, APÓSTOLO DOS GENTIOS
	Rupturas
	Semeador de comunidades
	Sob “fogo amigo”
	Os dilemas de uma ekklesía numa metrópole grega
	Prisão, escravidão e justiça divina
	Do Cristo escravo ao escravo feito irmão
	Sob a justiça de Deus
	Ao Ocidente via Jerusalém
	6. CONCLUSÃO
	AGRADECIMENTOS
	REFERÊNCIAS E FONTES
	CRONOLOGIA
	LEITURAS RECOMENDADAS
	SOBRE OS AUTORES

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