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Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Fafich Departamento de História Disciplina: HIS 043 - História da Ciência e da Técnica Prof. Mauro Condé II - 2023 Resenha I: Ben-dov, Yoav, “Elementos e Causas”. In: Convite à Física. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. Capra, Fritjof, A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1997. Yoav Ben-dov é um filósofo formado na Universidade de Tel Aviv. Interessado nas origens e no desenvolvimento do pensamento científico, o autor analisa no primeiro capítulo de seu livro os rumos tomados pelo conhecimento em diferentes períodos da história. Para isso, se ocupou em descrever a construção dos saberes na Antiguidade, Idade Média e Modernidade. Através de seu estudo, ele estabelece uma linha do tempo interessante que foge da concepção de que os saberes se superam sem nenhuma conexão. Por meio da observação do fenômeno da Revolução Científica, Ben-dov nos faz concluir que na verdade, os encontros, embates e discordâncias entre as lógicas de diferentes períodos renderam frutos importantes para a estruturação da ciência. Assim, identifica na dialética o papel fundamental de estimular a elaboração de novos saberes. Mas para melhor compreender a ideia por trás de sua obra, é necessário recorrer às contextualizações trazidas pelo autor. Inicialmente, é válido explorar o paradigma antigo, uma vez que Ben-dov o identifica como precursor da noção de ciência. Segundo o autor, os gregos foram responsáveis pelo desenvolvimento e propagação da ideia de que é possível fornecer interpretações sobre os fenômenos do universo através da racionalidade humana. Cientes da complexidade dos fenômenos da natureza, entendiam que era impossível ter uma única interpretação para os acontecimentos. Assim tolerava-se que uma multiplicidade de interpretações coexistisse. Nenhum destes intelectuais esteve preocupado em testar e comprovar suas ideias através de experimentos científicos. Ao contrário do modelo moderno, o clássico era predominantemente contemplativo. Assim, esses pensadores acreditavam que o discurso e a observação eram não só suficientes, mas também o único caminho para chegar à verdade. Partindo de todos esses pressupostos, eles elaboraram uma série de teorias. Os conceitos físicos e matemáticos neste momento trarão impactos para intelectuais posteriores. Por isso, é necessário nos atentarmos para alguns deles com maior riqueza de detalhes. Observando primeiramente as ideias de Pitágoras, é importante destacar que sua teoria foi construída com o auxílio dos números. Sua percepção será fortemente resgatada pelos cientistas da modernidade, pois o pensador foi responsável pela noção de que os fenômenos da natureza poderiam ser matematizados. Existiam também filósofos que procuraram compreender o universo a partir de unidades fundamentais. Empédocles, por exemplo, insistirá na lógica de que o cosmos seria composto por quatro elementos: água, terra, ar e fogo. Apesar da multiplicidade e explicações desenvolvidas no período, serão as contribuições de Aristóteles a ficarem mais famosas e sobreviverem ao longo dos séculos. Diferente de Pitágoras, o filósofo oferecia em suas aplicações uma interpretação qualitativa dos fatos. Ele procurava elaborar sua teoria a partir de fenômenos observáveis, do cotidiano, que poderiam ser intuitivamente percebidos. Por conta disso, fica muito conhecido como filósofo do senso comum. O autor explicita que Aristóteles volta sua atenção principalmente às causas de mudanças, já que nenhuma modificação ocorreria sem motivo. Aristóteles também elaborou uma cosmologia, tendo como um dos principais fundamentos a separação do universo físico em dois. Para ele, existiria um mundo sublunar, onde estaria a terra e sua atmosfera, feito de água, terra, ar e fogo. Esse mundo sublunar estaria submetido à mudança e degradação. Por outro lado, também existiria um mundo supralunar, contendo os planetas visíveis e, sendo esse imutável, estaria mais próximo da perfeição, com os corpos celestes se movendo eternamente em um curso simples. Essa distinção dos dois mundos indicou uma ruptura essencial entre a física antiga e a física de Galileu e Newton. O escritor relembra que Aristóteles e outros filósofos da época não submeteram suas teorias a verificações experimentais sistemáticas e que várias formas de interpretação dos fatos coexistiram até desaparecerem coletivamente. No século XII, os escritos de Aristóteles são resgatados com ajuda dos árabes e são apropriados pelos cristãos. São Tomás de Aquino é o grande responsável por conciliar a teoria aristotélica com a teologia cristã. Ele criou um sistema de saberes complexos ao relacionar a teologia, a filosofia, a astronomia e a física, podendo assim responder de forma lógica a diversas questões. A síntese de São Tomás de Aquino é tomada como base da teologia católica durante os séculos posteriores à sua consolidação, e foi aprofundada pelos escolásticos durante a baixa idade média, contexto em que serviu como estimulante para a revolução científica e para o desenvolvimento da física, já que se passou a ter a necessidade de sistematizar seus pensamentos. Após o século XVII, Ben-dov demonstra que a filosofia escolástica foi desprezada pois passou a ser compreendida como um obstáculo ao progresso. Os adeptos da ciência moderna aparecem como protetores de uma ciência “revolucionária”, não dando espaço a interpretações anteriores. Essa visão, no entanto, é apontada pelo autor como fortemente questionável, uma vez que somente nos lugares onde a filosofia aristotélica esteve presente ocorreu revolução científica. A filosofia aristotélica pode então ser interpretada como causa da revolução, uma vez que estimulou a ordenação das ideias em uma teoria lógica e autônoma. O que realmente leva ao declínio da física aristotélica é a questão da mobilidade da Terra. A concepção de que a Terra se movia em torno do sol não teve muita aceitação em outras épocas, apenas sendo suficiente contemporaneamente a seus fundadores. Os astrônomos tentaram escrever um modelo matemático capaz de explicar as órbitas circularmente perfeitas, mas encontraram vários obstáculos pois o movimento parecia mais irregular do que uniforme. Com o modelo de Copérnico, os planetas, a lua e o sol se moveriam sobre circulares chamados epiciclos, centrados em pontos imaginários. Não se tratava mais de um modelo simples, sendo dotado de uma complexa matemática e estrutural. Esse sistema fundamentou a astronomia até fins do século XVI e pavimentou o caminho para diversas transformações após renunciar aos fundamentos da física da Alta Idade Média. O texto de Yoav Ben-dov é interessante para se pensar a ciência através do tempo, mas é imbuído de uma lógica teleológica, usada para dar sentido à história da ciência. Não parece correto afirmar que a presença da lógica aristotélica foi fundamental para que a ciência “evoluísse”. Uma vez que não há como prever as consequências de um ato, o desenvolvimento científico pode ser percebido apenas como um dos resultados possíveis entre incontáveis outros.