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CAO – Crim 
Boletim Criminal Comentado n°154, 9/2021 
 
 
 
(semana nº 4) 
 Procurador-Geral de Justiça 
Mário Luiz Sarrubbo 
 
Secretário Especial de Políticas Criminais 
Arthur Pinto Lemos Junior 
 
Assessores 
Fernanda Narezi P. Rosa 
Ricardo José G. de Almeida Silvares 
Rogério Sanches Cunha 
Valéria Scarance 
Paulo José de Palma (descentralizado) 
 
Artigo 28 e Conflito de Atribuições 
Marcelo Sorrentino Neira 
Manoella Guz 
Roberto Barbosa Alves 
Walfredo Cunha Campos 
Yolanda Alves Pinto Serrano 
 
Analistas Jurídicos 
Ana Karenina Saura Rodrigues 
Victor Gabriel Tosetto 
 
 
Boletim Criminal Comentado 154- Setembro 
2021 
 
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SUMÁRIO 
 
 
AVISO....................................................................................................................................................3 
ESTUDOS DO CAO CRIM........................................................................................................................4 
Tema: Nova Lei 14.197/2021...............................................................................................................4 
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................6 
DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................6 
 1-Tema: Estelionato praticado mediante depósito. Competência......................................................6 
DIREITO PENAL....................................................................................................................................10 
1-Tema: Estelionato Judiciário- Atipicidade?......................................................................................10 
2- Tema: Aplicação da reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal.................11 
MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................15 
1-Tema: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição 
funcional............................................................................................................................................. 15 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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AVISO 
Aviso nº 492/2021 - PGJ-CAOCR, de 30/08/2021 
O Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições legais e a pedido do Centro de Apoio das 
Promotorias de Justiça Criminais, AVISA aos membros do Ministério Público que a íntegra do 
Provimento CG n° 36/2021, que altera o artigo 509 da Seção XXV, do Capítulo IV, das Normas de 
Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, quanto aos procedimentos relacionados à destinação de 
armas de fogo e munições à guarda de objetos, está disponível no endereço 
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Criminal_Juri_Jecrim/armas%20defogo/P
ROVIMENTO-36-2021.pdf 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Criminal_Juri_Jecrim/armasdefogo/PROVIMENTO-36-2021.pdf
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Criminal_Juri_Jecrim/armasdefogo/PROVIMENTO-36-2021.pdf
 
 
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ESTUDOS DO CAOCRIM 
Tema: Nova Lei 14.197, de 1º. de setembro de 2021: alterações no Código Penal e na Lei das 
Contravenções Penais e revogação na Lei de Segurança Nacional. 
O CAOCrim, nas próximas edições do boletim, irá comentar os principais dispositivos da Lei 
14.197/21, pois entendemos que no seu bojo temos crimes da competência da justiça comum 
federal, estadual e eleitoral. 
É sabido que na vigência da Lei 7.170/83, todos os crimes nela previstos eram rotulados como 
políticos, de competência da Justiça Federal. O art. 109, IV, da CF/88, anuncia competir aos juízes 
federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de 
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, 
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. 
O Supremo Tribunal Federal assim definiu crimes políticos: “são aqueles dirigidos, subjetiva e 
objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas 
e sociais e, por conseguinte, definidos na Lei de Segurança Nacional, presentes as disposições gerais 
estabelecidas nos artigos 1º e 2º do mesmo diploma legal” (1). 
Com a entrada em vigor da Lei 14.197/21, revogando expressamente a Lei de Segurança Nacional, 
entendemos que não mais existe campo fértil para se cogitar de crimes políticos, mas crimes contra 
o Estado Democrático de Direito. 
Vicente Greco Filho, por sinal, há tempos já lecionava nesse sentido: 
Não há definição legal dos crimes políticos na legislação brasileira. Aliás, a referência a esse 
tipo de crimes é inadequada e, quiçá, odiosa. Certamente não se aplica aos crimes comuns, 
ainda que com motivação política. E menos ainda aos chamados crimes políticos puros, que 
a tradição constitucional brasileira sempre repeliu. Nos termos do art. 5º, LII, da Constituição, 
não se concederá extradição por crime político ou de opinião. Ora, como punir alguém por 
fato dessa natureza? A expressão no texto constitucional foi, portanto, no mínimo, infeliz e 
espera-se que não seja regulamentada.2 
Partindo dessa premissa, pergunta-se: de quem é a competência para o processo e julgamento dos 
crimes previstos no Título XII da Parte Especial do CP? Depende. 
 
1 RC nº 1.473/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.11.17. 
2 Manual de processo penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 145-146. 
 
 
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Certamente da Justiça Federal os crimes contra a soberania nacional (arts. 359-I a 359-K), crimes 
contra as instituições democráticas (arts. 359-L e 359-M), pois evidente o interesse da União (art. 
109, IV, da CF/88). 
Já os crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral (arts. 359-
N a 359-O), a competência nos parece ser da Justiça Eleitoral. Apenas no caso do crime do art. 359-
N, quando atenta contra o exercício do mandato, será da Justiça comum, estadual ou federal, a 
depender do caso concreto. Impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou 
psicológica, o exercício do mandato de um parlamentar ou chefe do executivo municipal ou estadual, 
a competência será da Justiça estadual. Se o crime visar prejudicar um Congressista ou presidente da 
República, será da Justiça Federal, pois patente o interesse da União (art. 109, IV, CF/88). 
O crime de sabotagem (art. 359-R), envolvendo estabelecimentos, instalações ou serviços destinados 
à defesa nacional, são de competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF/88). 
O crime do art. 359-S, vetado pelo presidente da República, é mais um caso em que a competência, 
da Justiça comum, seria estadual ou federal a depender das circunstâncias do caso concreto, não 
sendo demais lembrar que o interesse da União não se presume, devendo sempre ser demonstrado. 
Clique aqui para acessar a íntegra da nova Lei. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14197.htm
 
 
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM 
DIREITO PROCESSUAL PENAL: 
1-Tema: Estelionato praticado mediante depósito: competência 
STJ- Informativo de Jurisprudência n º. 706 
Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, "[a] competência será, de regra, determinada 
pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado 
o último ato de execução". 
Quanto ao delito de estelionato (tipificado no art. 171, caput, do Código Penal),a Terceira Seção do 
Superior Tribunal de Justiça havia pacificado o entendimento de que a consumação ocorre no lugar 
onde aconteceu o efetivo prejuízo à vítima. 
Ocorre que sobreveio a Lei n. 14.155/2021, que entrou em vigor em 28/05/2021 e acrescentou o § 
4.º ao art. 70 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que: "§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 
do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante 
depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou 
com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo 
local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela 
prevenção." 
Como a nova lei é norma processual, esta deve ser aplicada de imediato, ainda que os fatos tenham 
sido anteriores à nova lei, notadamente quando o processo ainda estiver em fase de inquérito 
policial, razão pela qual a competência no caso é do Juízo do domicílio da vítima. 
Acesse a decisão proferida no CC 180.832-RJ 
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM 
Lendo e relendo a decisão acima, pode parecer que o STJ manda observar o §4º, do art. 70 do CPP 
(competência ditada pelo domicílio da vítima), mesmo nos processos. Ousamos discordar dessa 
leitura e, novamente, iremos explicar o dispositivo em análise. 
Dadas as diversas circunstâncias em que o estelionato pode ser cometido, não raro surgem dúvidas 
a respeito do juízo competente para julgamento, pois nem sempre quem sofre o prejuízo e quem 
obtém a vantagem se encontram no mesmo local e, em tais situações, pode haver certa dificuldade 
para estabelecer com precisão onde o estelionatário realmente alcançou o proveito de seu ardil. 
O Superior Tribunal de Justiça julga incontáveis casos dessa natureza. Em seus julgamentos, a 
Terceira Seção do tribunal sempre diferenciou as situações em que a fraude é cometida por meio de 
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202101978770&dt_publicacao=01/09/2021
 
 
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saque ou compensação de cheque das situações em que a vítima efetua depósito ou transferência 
de valores para uma conta corrente designada pelo estelionatário: 
“[...] 2. Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em 
que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no 
local e momento em que é auferida a vantagem ilícita. De se lembrar que o prejuízo alheio, 
apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato 
e não à conduta propriamente. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão 
pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de 
disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa 
efetivamente em sua conta corrente. 3. Há que se diferenciar a situação em que o estelionato 
ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado, da 
hipótese em que a própria vítima, iludida por um ardil, voluntariamente, efetua depósitos e/ou 
transferências de valores para a conta corrente de estelionatário. 
Quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou 
falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, 
pois é nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade 
financeira sacada para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário. Em tais 
casos, entende-se que o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a 
agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, seja dizer, onde a vítima possui conta 
bancária. 
Já na situação em que a vítima, induzida em erro, se dispõe a efetuar depósitos em dinheiro 
e/ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da 
vantagem ilícita por certo ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, 
seja dizer, no momento em que ele é depositado em sua conta. Precedentes: CC 169.053/DF, 
Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 
19/12/2019; CC 161.881/CE, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 
13/03/2019, DJe 25/03/2019; CC 162.076/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA 
SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 25/03/2019; CC 114.685/RS, Rel. Ministro MARCO 
AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 22/04/2014; CC 101.900/RS, 
Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 06/09/2010; CC 
96.109/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, 
DJe 23/09/2009. 4. Tendo a vítima efetuado transferências bancárias para contas de pessoas 
físicas cujas agências bancárias localizam-se todas no Município de Guarulhos/SP, é de se 
reconhecer que a competência para condução do inquérito policial é do Juízo de Direito da 4ª 
Vara criminal de Guarulhos/SP, o suscitado” (AgRg no CC 171.632/SC, j. 10/6/2020). 
A Lei 14.155/21 inseriu no art. 70 do CPP o § 4º para dispor o seguinte: 
 
 
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“Nos crimes previstos no art. 171 do Código Penal, quando praticados mediante depósito, 
mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com 
o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida 
pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-
se-á pela prevenção”. 
A partir da nova Lei 14.155, portanto, grande parte da controvérsia envolvendo a competência do 
estelionato plurilocal está resolvida: o crime cometido mediante depósito, emissão de cheques sem 
suficiente provisão de fundos ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores 
deve ser julgado segundo o domicílio da vítima. 
Nota-se que a solução trazida pela nova Lei diverge um tanto da orientação firmada pelo STJ. Para o 
tribunal, como vimos, o estelionato em que a vítima efetua depósito ou transferência bancária deve 
ser julgado no local em que se localiza a agência na qual o criminoso recebe o dinheiro. Mas o § 4º 
do art. 70 determina que, também nesse caso, a competência deve ser determinada pelo domicílio 
da vítima. 
Nos casos de pagamento por cheque, as decisões do STJ fazem referência ao local em que situada a 
agência bancária na qual a vítima mantém sua conta corrente. Embora, na grande maioria dos casos, 
a vítima mantenha a conta bancária no mesmo lugar de seu domicílio, é possível que isso não ocorra. 
Pela regra do § 4º do art. 70, importa o domicílio da vítima, não o local em que se situa a instituição 
financeira. 
É provável que o legislador tenha concebido a regra pensando também nas contas bancárias digitais, 
operadas por instituições financeiras que têm apenas uma agência – a sede, a qual na maioria das 
vezes está muito distante do local em que o crime é cometido. 
O novo parágrafo acaba tornando sem eficácia as súmulas 244 STJ e 521 STF. 
Por fim, debate que já nota no dia a dia (e antevisto pelo CAOCRIM no boletim 141, onde comentou 
a nova Lei) consiste em averiguar a competência para as ações penais que se encontrem em 
andamento. É dizer: em curso um processo envolvendo estelionato por meio de cheque sem fundos, 
iniciado antes da vigência da Lei 14.155, deve ele prosseguir perante o juízo de origem, do local da 
conta bancária, ou, ao revés, cumpre sua imediata remessa ao juízo do domicílio da vítima (quando 
diversos)? Entendemos que deve ser mantido no juízo de origem. Impõe-se a chamada perpetuatio 
juridicionis, pela qual a competência se firma, definitivamente, quando do registro ou distribuição da 
ação, não mais podendo ser modificada, segundo o art. 43 do Código de Processo Civil (com aplicaçãoao processo penal nos termos do art. 3º do CPP). 
O perpetuatio jurisdicionis traz uma ressalva, que ocorre quando as mudanças “alterarem a 
competência absoluta”. Ora, na hipótese vertente, a competência é territorial, relativa (e não 
absoluta), e, como tal, não se enquadra na exceção prevista no art. 43 do CPC. 
 
 
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Em suma: a retroatividade da norma do §4º, do art. 70 do CPP, deve ser observada se o crime ainda 
está na fase de investigação. Existindo processo, deve ser notado o instituto da “perpetuatio 
iurisdictionis”, necessário para a estabilidade da competência de foro. Uma vez determinada e fixada 
esta, quaisquer modificações de fato ou de direito supervenientes são irrelevantes em sua 
estabilidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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DIREITO PENAL: 
1-Tema: Estelionato Judiciário- Atipicidade? 
STJ- Notícias do STJ 
Por reconhecer a atipicidade da conduta, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 
maioria de votos, trancou a ação penal contra uma mulher que teria apresentado endereço falso com 
o objetivo de iniciar processo na Justiça Federal do Paraná sobre uma mesma questão que já havia 
sido julgada de forma definitiva no Distrito Federal. 
A ação penal proposta pelo Ministério Público Federal imputou à mulher os crimes de falsidade 
ideológica e uso de documento falso. Em primeiro grau, o juízo afastou a alegação de atipicidade da 
conduta e considerou que haveria motivos para a instauração do processo contra a denunciada. 
A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Segundo a Corte, o fato de o 
endereço supostamente falso ter sido informado em procuração e declaração de hipossuficiência 
juntadas a processo judicial – possivelmente de forma dolosa – tornaria prematuro o acolhimento da 
alegação de atipicidade. 
Jurisprudência vê atipicidade em estelionato judiciário. 
O relator do habeas corpus na Terceira Seção, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que a 
jurisprudência do STJ considera atípica a figura do chamado "estelionato judiciário", consistente no 
uso, em processo judicial, de documentos particulares com informações não condizentes com a 
realidade. 
Nesses casos, apontou, o entendimento é de que tais documentos gozam de presunção relativa de 
veracidade, passíveis de prova em contrário no curso do devido processo legal. 
"Ora, estando imputada conduta atípica, consistente no uso de documentos particulares, procuração 
e declaração de hipossuficiência, especificamente quanto à indicação de endereço, é necessário 
trancar a ação penal", concluiu o magistrado. 
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 664970 
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM 
Na mesma linha do entendimento exposto no julgado em comento, o STJ tem decidido 
reiteradamente que o ato de firmar declaração inverídica de pobreza para fins processuais não 
constitui falsidade ideológica: 
https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20664970
 
 
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“O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a mera declaração de estado 
de pobreza para fins de obtenção dos benefícios da justiça gratuita não é considerada conduta típica, 
diante da presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário”3. 
Já se decidiu também não haver falsidade ideológica na inserção de dados inverídicos em petição 
judicial, vez que se trata de simples alegações, posteriormente debatidas em juízo: 
“Falsidade ideológica: afirmação de fato inverídico em petição: hipótese de atipicidade. 1. A petição 
em processo judicial ou administrativo só faz prova do seu próprio teor; não, porém, da veracidade 
dos fatos alegados. 2. Por isso, de regra – isto é, salvo nos casos excepcionais em que a lei imputa ao 
requerente o dever de veracidade – a inserção em petição de qualquer espécie da alegação de um 
fato inverídico não pode constituir falsidade ideológica. 3. Caso, por outro lado, em que a veracidade 
ou não da questionada afirmação de fato era indiferente ao deferimento da petição de simples vista 
de processo administrativo para extração de cópias que interessassem à defesa do peticionário”4. 
De igual forma, o STJ considera que a inserção de informação falsa em currículo Lattes não caracteriza 
o crime de falsidade ideológica porque, tratando-se de página eletrônica em que o usuário insere 
informações apenas mediante o uso de login e senha, não é possível certificar a identidade de quem 
faz a inserção. Por isso, não se trata de um documento eletrônico, assim considerado aquele 
integrante de página ou sítio na rede mundial de computadores que possa ter sua autenticidade 
aferida por assinatura digital, como estabelece a regulamentação segundo a qual é possível garantir 
a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos eletrônicos (MP 2.200-2/2001). 
Além disso, assim como já vinha decidindo a respeito das declarações de pobreza e das petições 
iniciais, o tribunal ponderou que as informações constantes do Lattes – como de qualquer outro 
currículo – são verificáveis, isto é, não fazem prova por si (5). 
 
2- Tema: Aplicação da reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal 
STJ- Informativo de Jurisprudência n º. 706 
A interpretação que as duas Turmas criminais do STJ dão ao art. 44, § 3º, do CP, conclui que a 
reincidência em crimes da mesma espécie, ainda que não seja no mesmo crime, obsta por 
completo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Fica prejudicado, 
 
3. RHC 24.606/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 2/6/2015. 
4. STF, HC 82605/GO, Rel. Min. Sepulveda Pertence, DJ 25/2/2003. 
5. RHC 81.451/RJ, DJe 31/8/2017. 
 
 
 
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assim, o debate quanto à suficiência da pena substitutiva, porque a reincidência específica torna 
desnecessário aferir se a substituição é ou não socialmente recomendável. 
Feita essa consideração, a questão que se apresenta pode ser sintetizada nos seguintes termos: 
para os fins da reincidência específica basta que o réu já tenha sido condenado por crime da 
mesma espécie, ou somente a condenação pelo mesmo crime impede a substituição da pena? A 
razão está com a última corrente. 
O art. 44, § 3º, do CP, excepciona o requisito da primariedade para a substituição da pena privativa 
de liberdade com a seguinte redação: "Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e 
substituem as privativas de liberdade, quando: [...] II - o réu não for reincidente em crime doloso; 
[...] § 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face 
de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha 
operado em virtude da prática do mesmo crime". 
De imediato, o princípio da vedação à analogia in malam partem nos recomenda que não seja 
ampliado o conceito de "mesmo crime". Toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada 
no texto normativo, a qual, apesar da ocasional fluidez ou vagueza de seus termos, tem limites 
semânticos intransponíveis. Existe, afinal, uma distinção de significado entre "mesmo crime" e 
"crimes de mesma espécie"; se o legislador, no particular dispositivo legal em comento, optou pela 
primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada. 
É verdade que, em sede doutrinária, não é unânime o conceito de reincidência específica, havendo 
quem a entenda configurada "se o crime anterior e o posterior forem os mesmos" ou, 
contrariamente, "quando os dois crimes praticados pelo condenado são da mesma espécie". Esta 
última definição está em sintonia com o art. 83, V, do CP, que proíbe o livramento condicional para 
o reincidenteespecífico em crime hediondo - ou seja, quando a reincidência se operar entre 
delitos daquela espécie. 
Também no art. 112, VII, da LEP, com as recentes modificações da Lei n. 13.964/2019, o conceito 
de reincidência específica está atrelado à natureza (hedionda, no caso desse dispositivo) dos 
delitos, e não à identidade entre os tipos penais em que previstos. 
Por isso, se o art. 44, § 3º, do CP vedasse a substituição da pena reclusiva nos casos de reincidência 
específica, seria mesmo defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma 
espécie obstaria o benefício legal, em uma interpretação sistemática do CP e da LEP. Não foi isso, 
porém, que fez o legislador: com o uso da expressão "mesmo crime" - ao invés de "reincidência 
específica" -, criou-se no texto legal uma delimitação linguística que não pode ser ignorada. 
 
 
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Pode-se argumentar, é claro, que a utilização de conceitos distintos de reincidência específica (um 
para a substituição da pena privativa de liberdade, outro para o livramento condicional e a 
progressão de regime) prejudicaria a coerência interna da legislação penal. Essa realidade, aliás, é 
de conhecimento de todos que com ela operamos diariamente: os dois principais diplomas 
legislativos que esta Terceira Seção é chamada a interpretar - o CP e o CPP -, ambos octogenários, 
encontram-se defasados, repletos de cortes e alterados de forma pouco sistemática ao longo das 
décadas. 
É possível ver, também, outro fator relevante em favor da interpretação que hoje prevalece, neste 
STJ, sobre o art. 44, § 3º, do CP. 
Pela redação do dispositivo, há situações em que a progressão criminosa, com a prática de um 
delito mais grave, premia o agente com a substituição, enquanto o cometimento de dois crimes 
mais leves a proíbe. Por exemplo: o réu reincidente pela prática de dois crimes de furto simples 
(art. 155, caput, do CP) não terá direito à substituição da pena, porquanto aplicável a vedação 
absoluta contida no art. 44, § 3º, do CP. De outro lado, se o segundo crime for de furto qualificado 
(art. 155, § 4º, do CP), o réu pode fazer jus à substituição, se a pena não ultrapassar 4 anos de 
reclusão. Em outras palavras, o cometimento de um segundo crime mais grave poderia, em tese, 
ser mais favorável ao acusado, em possível violação ao princípio constitucional da isonomia. 
Essa contradição é impedida pelo atual entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção 
deste Tribunal, que considera o bem jurídico tutelado pelos delitos para definir se incide, ou não, 
a proibição contida no art. 44, § 3º, do CP. Assim, se forem idênticos os bens ofendidos, não haverá 
substituição, mesmo que diversos os tipos penais pelos quais o réu foi condenado. Contudo, 
corrigir a discutível técnica legislativa em desfavor do réu é algo incabível no processo penal, que 
rejeita a analogia in malam partem em seu arsenal jusdogmático. 
Por essas razões, entende-se pela superação da tese de que a reincidência em crimes da mesma 
espécie impede, em absoluto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de 
direitos, porque somente a reincidência no mesmo crime (aquele constante no mesmo tipo penal) 
é capaz de fazê-lo, nos termos do art. 44, § 3º, do CP. 
Nos demais casos de reincidência, cabe ao Judiciário avaliar se a substituição é ou não 
recomendável, em face da condenação anterior. 
Acesse a decisão proferida no AREsp 1.716.664-SP 
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM 
Os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos estão 
previstos no artigo 44 do Código Penal e variam de acordo com a espécie de delito praticado. 
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2090257&num_registro=202001476515&data=20210831&peticao_numero=202000750685&formato=PDF
 
 
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Nos crimes dolosos, a substituição da pena privativa de liberdade depende do preenchimento de 
quatro requisitos, dois de natureza objetiva e dois de natureza subjetiva. São eles: 
(i) pena aplicada não superior a 4 (quatro) anos 
(ii) crime cometido sem violência real ou grave ameaça à pessoa 
(iii) não ser o condenado reincidente em crime doloso 
(iv) seja indicada e suficiente a substituição da pena. 
Ainda que verificada a reincidência, permite-se a conversão da pena se o condenado, não reincidente 
no mesmo crime, a medida seja socialmente recomendável (art. 44, §3º, CP). Trata-se de clara 
expressão do princípio da suficiência da pena alternativa. 
Sempre se discutiu o alcance da expressão “não reincidente específico”, e sua aplicação para vedar 
a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 
Para uns, reincidente específico é o condenado pelo mesmo crime definitivamente julgado no 
passado. Se o sentenciado, por exemplo, tendo condenação por furto, cometesse novo furto, para 
esta corrente não tinha direito à substituição da pena. Se, no entanto, condenado por furto, 
praticasse estelionato, a substituição era possível, desde, de acordo com o caso concreto, seja 
socialmente recomendável. 
Para outros, condenado por crime da mesma natureza, mesmo que tipificado em artigo diverso, 
bastava para impedir a substituição de pena. Voltando aos exemplos acima, para esta corrente, nas 
duas hipóteses o condenado teria que cumprir pena privativa de liberdade. 
O STJ, no julgado em comento, adotou a primeiro corrente. Disse que, se o art. 44, § 3º, do CP, 
vedasse a substituição da pena reclusiva nos casos de reincidência específica, seria mesmo 
defensável a ideia de que o novo cometimento de crime da mesma espécie obstaria o benefício legal, 
em uma interpretação sistemática do CP e da LEP (art. 112, VI). 
Não foi isso, porém, que fez o legislador: com o uso da expressão "mesmo crime" - ao invés de 
"reincidência específica" -, criou-se no texto legal uma delimitação linguística que não pode ser 
ignorada. 
 
 
 
 
 
 
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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP 
1-Tema: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional 
 
CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO 
Autos n.º 000xx11.5x.2018.8.26.0052 – MM. Juízo do Foro Central Criminal (Barra Funda) da 
Capital. Dipo 4 
Suscitante: Promotora de Justiça Criminal de São Paulo 
Suscitado: Promotor de Justiça oficiante no 5º Tribunal do Júri da Capital (Pinheiros) 
Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional 
 
Cuida-se de procedimento investigatório instaurado para apurar suposto crime de homicídio 
doloso consumado (art. 121, caput, do CP) perpetrado por SERGIO RICARDO DA SILVA, VINÍCIUS 
QUEIROZ DA SILVA, RICHARD RAFAEL EQUER SILVA, RAFAEL LOPES DOS SANTOS e EDUARDO 
HENRIQUE SOARES, tendo por vítima Ivan Luiz dos Santos, fato este ocorrido no dia 19 de maio de 
2018, por volta das 9 horas e 30 minutos, à Rua Werner Siemens, 350, Lapa, na cidade e comarca da 
Capital. 
Policiais foram acionados para atenderem a ocorrência versando a respeito de encontro de 
cadáver (fls. 05/06); no local, o cadáver de Ivan apresentava sinais de violência (fls. 26/43). 
Nas adjacências do corpo da vítima, foram apreendidos dois pedaços de madeira, 
aparentemente usados para agredi-la; a vítima apresentava ferimentos pelo corpo, como escoriações 
nas costas, no flanco direito do tórax, no antebraço direito e na perda direita; ferimento punctório 
no braço esquerdo; ferimento corto-contuso no antebraço direito; ferimento corto-contuso na 
região da sobrancelha esquerda; dentes quebrados. 
A causa da morte apontada pelo laudo necroscópico foi “edema pulmonar agudo, por ação 
de agente biodinâmico secundário a cardiopatia hipertrófica, em vítima de politraumatismo e sob 
efeito de cocaína (fls. 62/66). 
 
 
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O exame toxicológico da vítima foi positivo para cocaína, na concentração de 352 ng/ml 
(trezentos e cinquenta e dois nanogramas por mililitro de sangue). 
O relatório de investigação de fls. 68 registra que, através de informações passadas pelos 
moradores da região, a vítima era morador de rua e usuária de drogas; o “boato” é de que a vítima 
teria sido morta por não pagar uma dívida contraída com o traficante de droga da Favela da Ritinha; 
o provável autor seria um indivíduo de apelido “Tio”. 
O pai da vítima Wilson Aparecido dos Santos esclareceu que Ivan era usuário de drogas, e já 
tinha sido preso por tráfico; ouviu comentários no sentido de que o ofendido teria sido morto por 
dívida de drogas na comunidade da Ritinha (fls. 71/72). 
A testemunha protegida ALPHA informou que Ivan adquiriu droga de um traficante de 
prenome RICARDO, alcunhado de “Tio”, morador da comunidade da Ritinha. A vítima foi até a favela 
para pagar a dívida com o referido traficante, mas faltou a quantia de R$ 35,00 (trinta e cinco reais); 
por não dispor da quantia integral, o ofendido passou a ser espancado por RICARDO, que chamou 
para auxiliá-lo seu filho, alcunhado de “BE”, e seu sobrinho RAFAEL, apelidado de “Rafa”, pedindo 
para que levassem Ivan até o campo de futebol, dando uma surra nele. Segundo a testemunha, a 
vítima foi espancada com paus, não resistindo aos ferimentos e falecendo no local. ALAN, 
“KIMBERLY” e “PICA-PAU” teriam presenciado o crime (fls. 99/100). Essas possíveis testemunhas não 
foram encontradas (fls. 110). 
“Tio” foi identificado como SÉRGIO RICARDO DA SILVA; “Rafa” como RICHARD RAFAEL EQUER 
DA SILVA e “Be” como VINÍCIUS QUEIROZ DA SILVA (fls. 101/103). 
Laudo perinecroscópico anexado a fls. 118/129. 
RICHARD RAFAEL EQUER DA SILVA negou a prática do crime (fls. 135). 
A testemunha BETA informou que conhecia de vista a vítima e que, na noite do crime, houve 
uma festa na casa de RICARDO, vulgo “Tio”, onde havia várias pessoas da comunidade; RICARDO seria 
traficante e dono da “Biqueira” da região; seu filho VINÍCIUS é conhecido como “Be”, morando ambos 
 
 
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na mesma residência. Presenciou o momento em que a vítima tentou pagar a dívida de drogas 
contraída com RICARDO, ocasião em este último disse: “está faltando dinheiro para o pagamento 
total”. RICARDO passou a desferir socos e pontapés contra IVAN nas costas e murros no estômago; a 
vítima foi levada, por VINÍCIUS, RICHARD e outro indivíduo de nome RAFAEL, até o campo de futebol 
da comunidade, onde todos deram pauladas, sendo que Ivan não resistiu e morreu. Após cerca de 
quarente minutos, “Be”, RICHARD e RAFAEL deixaram o campo; soube, depois, por populares, que a 
vítima tinha morrido (fls. 137/139). 
A testemunha BETA reconheceu por fotografia o indiciado “Tio” como sendo SÉRGIO 
RICARDO DA SILVA, que agrediu a vítima durante a festa, determinando que seu filho VINÍCUS, 
RICHARD e RAFAEL agredissem a pauladas a vítima Ivan, o que o levou à morte (fls. 140/141). 
Citada testemunha BETA também reconheceu por fotografia VINÍCUS QUEIROZ DA SILVA, 
alcunhado de “Be, filho de Ricardo, o qual, na companhia de RICHARD e de outro indivíduo de 
prenome RAFAEL, agrediram a vítima Ivan no Campo de futebol da Comunidade Bento Bicudo, 
resultando na morte da vítima (fls. 142/143). 
BETA reconheceu, ainda, por fotografia, RICHARD RAFAEL EQUER DA SILVA, conhecido por 
“Richard Rafel”, sobrinho de Ricardo, o qual na companhia de VINÍCUS e outro indivíduo de prenome 
RAFAEL agrediram mortalmente a vítima Ivan (fls. 144/145). 
Foi representado pela decretação das prisões temporárias de RICARDO, VINÍCUS e RICHARD, 
além de ordens de busca e apreensão (fls. 176/174). 
Nada de irregular foi arrecadado (fls. 185/200). 
A testemunha BETA reconheceu RICHARD como sendo a pessoa que acompanhou VINÍCUS e 
RAFAEL, arrastando a vítima até o campo de futebol onde foi executada (fls. 216/217). 
BETA reconheceu pessoalmente RICHARD (fls. 220/221); reconheceu, ainda, VINÍCIUS como 
sendo a pessoa que na companhia de RAFAEL e RICHARD arrastou a vítima pelos braços até o campo 
 
 
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de futebol, onde foi agredida com chutes, pontapés, socos e agressões, com uso de madeira com 
prego na ponta. 
A testemunha GAMA disse que conhecia a vítima fatal, que era usuária de drogas, 
trabalhando para o tráfico para “Tio”. No dia do ocorrido, viu “Tio”- notório traficante do local- na 
travessa João Antônio Ferreira Filho, defronte ao número 28, agredindo a vítima com madeiradas por 
motivo de “desacordo” referente ao pagamento de dívida de drogas. RICARDO agrediu a vítima com 
golpes de madeira pelo corpo (desferindo de cinco a seis pauladas); agrediu, ainda, as mãos do 
ofendido. Ivan foi arrastado por RICARDO, VINÍCIUS, RAFAEL e EDUARDO até um campo de futebol. 
Disse que não viu as agressões naquele local, mas soube que Ivan foi agredido a “madeirada”, com 
pontas de prego. As pessoas que executaram a vítima, segundo soube, seriam RICARDO, RAFAE e 
VINÍCIUS, enquanto que EDUARDO continha os moradores da comunidade (fls. 222/223) 
GAMA reconheceu por fotografia RICARDO como sendo o “Tio”, traficante de drogas, que 
praticou as agressões com pauladas, chutes e pontapés contra Ivan. 
BETA reconheceu por fotografia RAFAEL LOPES, citado como RAFAEL, o qual, na companhia 
de RICARDO, VINÍCIUS e RICHARD agrediram Ivan a pauladas (fls. 241). 
Foi determinada a prisão temporária de RAFAEL e busca apreensão em sua residência (fls. 
269/271). 
Resultante da busca e apreensão na residência de RAFAEL nada de irregular foi encontrado; 
já na residência de Fabiana foi apreendido seu aparelho celular (fls. 275). 
Foi determinada a quebra de sigilo telefônico e telemático dos dados do celular apreendido 
(fls. 281/282). 
O suspeito Eduardo foi identificado como EDUARDO HENRIQUE SOARES (fls. 297/298). 
GAMA reconheceu fotograficamente EDUARDO HENRIQUE SOARES como sendo a pessoa 
que no local do crime conteve moradores da comunidade Ritinha para não ingressarem no local, 
visando assegurar o homicídio (fls. 370). 
 
 
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EDUARDO HENRIQUE SOARES foi indiciado (fls. 321). 
Em seu interrogatório, EDUARDO disse que participou da festa de aniversário de VINÍCIUS, 
acrescentando que no evento estavam seus colegas RICARDO, vulgo “Tio”, VINÍCIUS, RICHARD e 
RAFAEL, vulgo “Gordo”, além de outras pessoas que não conhecia. Por volta das 3 horas e 30 minutos, 
IVAN ficou conversando com RICARDO, na porta da residência; afirma ter presenciado RICARDO 
agredir Ivan com tapas no rosto e socos no peito, tendo a vítima deixado o local no sentido da Rua 
Suraia Aidar Menon. Soube apenas no dia seguinte, por intermédio dos moradores da comunidade, 
que IVAN havia sido agredido com pauladas no campo de futebol por VINÍCIUS, RICHARD e RAFAEL. 
Ivan foi morto em decorrência do não pagamento de dívida de drogas contraída com RICARDO. 
EDUARDO reconheceu fotograficamente RAFAEL, RICHARD, RICARDO e VINÍCIUS (fls. 340). 
VINÍCIUS foi indicado diretamente, enquanto que SÉRGIO RICARDO DA SILVA e RAFAEL LOPES 
DOS SANTOS foram indiciados pela forma indireta (fls. 344), todos nos termos do art. 121, § 2, incisos 
III e IV, do Código Penal RICARDO e RAFAEL não foram localizados. 
RICHARD RAFAEL EQUER DA SILVA foi também indiciado (fls. 366). 
Interrogado, o indiciado RICHARD esclareceu que participou da festa de VINÍCIUS na 
residência de SÉRGIO e FABIANA, sendo que VINÍCIUS, RAFAEL e EDUARDO também lá estavam. Na 
madrugada do dia 19 de maio de 2018, a vítima Ivan se dirigiu até a residência de RICARDO a fim de 
pagar uma dívida de drogas, sendo certo que Ivan trabalhava na “biqueira”. Afirma ter presenciado 
o momento em que seu tio RICARDO agrediu com socos no peito de Ivan,que foi conduzido até um 
campo de futebol por seu primo VINÍCIUS. Passado algum tempo, junto com seu primo Victor, 
avistaram no campo de futebol, RAFAEL e outra pessoa de prenome LUCIANO agredindo Ivan a 
pauladas. Asseverou que chegou a pedir para VINÍCIUS, RAFAEL e LUCIANO cessarem as agressões 
contra Ivan, mas as agressões continuaram e Ivan foi lesionado na cabeça, pernas e costas de Ivan. 
As madeiras foram deixadas no próprio local. Refere não ter visto o indiciado EDUARDO pelo local. O 
indiciado reconheceu, por fotografia, LUCIANO SILVA como sendo a pessoa que, na companhia de 
VINÍCIUS e RAFAEL agrediram a pauladas a vítima Ivan (fls. 382). 
 
 
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RICHARD foi indiciado (fls. 377/385). 
 Victor Queiroz Ferreira da Silva confirmou ter participado da festa de aniversário de 
VINÍCIUS, seu irmão; negou ter visto qualquer agressão (fls. 381/388). 
A Digna Autoridade policial relatou o inquérito policial, concluindo que a vítima morreu em 
decorrência de edema pulmonar agudo por ação de agente biodinâmico, secundário a cardiopatia 
hipertrófica, em virtude de poli traumatismo e sob efeito de cocaína, caracterizadas as lesões, 
cometidas em concurso de agentes: RICARDO teria sido o mandante do crime, visto que a vítima lhe 
devia a quantia de R$ 35,00 (trinta e cinco reais), decorrente do tráfico de drogas; VINÍCIUS, RAFAEL 
e LUCIANO seriam os coautores do crime, conduzindo Ivan até o campo de futebol, onde teria sido 
executado por meio cruel e recurso que dificultou sua defesa. RICHARD e EDUARDO teriam atuado 
como partícipes, uma vez que acompanharam os coautores, mas sem agredirem a vítima. 
Representa, então, ao fim, pela decretação das prisões preventivas de SERGIO RICARDO DA SILVA, 
VINÍCIUS QUEIROZ DA SILVA, RAFAEL LOPES DOS SANTOS e de EDUARDO HENRIQUE SOARES (fls. 
392/411). 
O Douto Promotor de Justiça atuante no Júri ressaltou que, pelo exame necroscópico de fls. 
62/65, após descrever as lesões suportadas pela vítima, concluiu que a causa da morte decorreu de 
edema pulmonar agudo por ação de agente biodinâmico, com poli traumatismo e sob efeito de 
cocaína. Requereu, então, a complementação do exame necroscópico para que fosse esclarecido, de 
forma expressa e conclusiva, se a causa da morte apontada guarda relação com as agressões sofridas 
pelo ofendido (fls. 414/415). 
Foi determinado o envio dos autos à delegacia de polícia (fls. 416/417). 
O indiciado LUCIANO ARISTIDES DOS SANTOS foi reconhecido por RICHARD RAFAEL EQUER 
DA SILVA como a pessoa que agrediu a vítima Ivan Luís dos Santos, com pedaços de madeira (fls. 
432/433). 
Em seu interrogatório, LUCIANO ARISTIDES DOS SANTOS admitiu sua presença na festa 
realizada no dia 18 de maio de 2018 na residência de Fabiana; havia no local doze pessoas. Era um 
 
 
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evento para comemorar o aniversário de VINÍCIUS, vulgo “Be”. Negou ter agredido a vítima (fls. 
434/435). 
O laudo necroscópico indireto relata o que foi apurado no laudo necroscópico anterior: 
escoriação e equimose arroxeada na região frontal esquerda; escoriação na região frontal direita, 
nariz, região malar direita; escoriação e equimoses arroxeadas lineares em região anterior do tórax, 
abdome, antebraço esquerdo, braços região torácico-lombar; escoriações em joelhos e face anterior 
das pernas. Equimoses arroxeadas em braço direito. No exame interno: segmento encefálico, não 
foram observadas lesões, na calota craniana, mas se verificou edema e congestão. No segmento 
torácico-abdominal, no pescoço não se avistaram lesões; no tórax, havia infiltrado hemorrágico nos 
músculos intercostais anteriores, bilateralmente e posteriores à direita, com fraturas dos arcos 
costais à direita; pulmões congestos e edemaciados. Coração com hipertrofia ventricular. Congestão 
hepática, com discreto infiltrado hemorrágico. No exame anátomo-patológico constatou-se que no 
pulmão havia congestão crônica, com edema alveolar moderado. Antracose. No coração constatou-
se hipertrofia de fibras miocárdias, com fibrose intersticial discreta. Fígado, rins e cérebro com 
congestão. Verificada a presença de cocaína com concentração de 352 ng/ml. Conclui o médico 
legista afirmando que a causa da morte foi edema pulmonar agudo, por ação de agente biodinâmico 
secundário a cardiopatia hipertrófica em vítima de poli traumatismo e sob efeito de cocaína. Na parte 
de discussão, o perito explica a promoção, pelo stress, físico e emocional, de reações do organismo, 
de acordo com as agressões: ocorre o aumento da pressão sanguínea, da pressão arterial e da 
frequência ventilatória. Em pessoas saudáveis, a reação costuma ser benéfica, tendendo a normalizar 
após o evento estressante. Já em pessoas com patologias prévias, essa resposta ao estresse costuma 
ser catastrófica, podendo levar inclusive à morte. As lesões traumáticas sofridas pela vítima, 
promovidas por ação contundente, foram inúmeras, porém não fatais, não sendo, assim, capazes de 
causar a morte. Mas, considerando-se as condições anteriores ao óbito, podem ter provocado um 
nível de estresse que, em conjunto com o uso de substâncias, provocou uma resposta cardiovascular 
e respiratória excessivas. A cocaína, usada em larga escala, tem a capacidade de se ligar aos 
transportadores de dopamina, um neurotransmissor ligado ao bem-estar e ao prazer, fazendo com 
que o seu uso seja abusivo. Com o uso prolongado dessa droga, pode ocorrer hipertensão, 
taquicardia e arritmias; essas alterações podem ser fatais em pessoas com patologia cardiovascular 
 
 
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prévia. A conclusão é a de que a morte ocorreu por uma associação de fatores: as lesões traumáticas 
sofridas pela vítima, causando uma sobrecarga cardíaca e respiratória, o uso de cocaína em um 
indivíduo portador de cardiopatia crônica, levando ao edema pulmonar agudo e óbito (fls. 453/455). 
Laudo de local a fls. 458/469. 
Em nova representação, a Douta Autoridade policial requereu a decretação da prisão 
preventiva dos indiciados (fls. 472/473). 
O Culto Promotor de Justiça ressaltou que, apesar do novo estudo técnico anexado aos autos, 
remanescem dúvidas se as agressões anteriores- consistentes em sua grande maioria em escoriações 
e equimoses- com exceção da lesão por fratura de arcos costais, terem, de fato, desencadeado a 
causa final da morte, por edema pulmonar agudo; requereu, então, a intervenção do núcleo de 
perícias do IML, a fim de oferecer parecer médico legal conclusivo quanto a causa mortis (fls. 
478/479). 
Em novo parecer, a equipe de perícias médico-legais, após dissertar a respeito das concausas 
preexistentes, concomitantes e supervenientes ao evento danoso, afirma que as lesões traumáticas 
(na pele, subcutâneo e fraturas de arcos costais) incidiram em pessoa com uma condição mórbida 
pré-existente, cardiopatia hipertrófica, concausa pré-existente, com agravamento do estado 
patológico anterior pela ação do traumatismo, acelerando a evolução da doença, em vítima sob 
efeito de cocaína, com o consequente estresse, provocando uma respostas cardiovascular e 
respiratória excessivas e fatias para a vítima, com falência cardiorrespiratória, edema pulmonar 
agudo e óbito (fls. 484/485). 
Nova representação pela decretação da prisão preventiva dos indiciados (fls. 486/487). 
Foi requerida pelo diligente Promotor de Justiça nova perícia para se apurar, de fato, a causa 
da morte (fls. 488/489). 
Mais uma reiteração da prisão preventiva (fls. 502). 
 
 
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No derradeiro parecer, analisam-se as fotos do cadáver da vítima no local: foto de fls. 465- 
escoriações- o lado direito do tronco e no antebraço direito do cadáver. Não foram observadas 
manchas de aspecto úmido, todas estão ressecadas, apergaminhadas; foto de fls. 466-escoriações- 
em joelho e na perna; não se observa manchas de aspecto úmido são manchas ressequidas e 
apergaminhadas. Fls. 466- escoriações- na região torácica; manchas também ressecadas. Fls. 467- 
escoriação- na região torácica esquerda (idêntica à anterior). Fls. 467- ferimentos em face do cadáver, 
com substância compatível com sangue. Fls. 468- imagem do tronco- não se observa manchas de 
aspecto úmido, estão ressecadas. Fls. 468- ferimento punctiforme- na porção posterior do braço 
esquerdo cadáver com mancha de sangue. Na discussão do laudo, afirma-se que, observando as fotos 
das lesões, constata-se a existência de escoriações, que apresentam aspecto ressecado, mas sem 
qualquer substância úmida em bordas ou fundos, não se permitindo aquilatar se são lesões 
produzidas em vida. Não há como se diferenciar de lesões realizadas em vida ou secundárias em 
razão da ação de insetos necrofágicos; as lesões vitais são as de pálpebra superior esquerda e braço 
esquerdo. A vítima apresenta duas escoriações, ferimentos corto-contusos e punctórios ao exame 
externo, mais acentuado no tronco. Na cavidade torácica constatou-se infiltrado hemorrágico em 
musculatura intercostal anterior em ambos os lados e, à direita, fraturas de arcos costais posteriores 
à direita, mas em exame interno desta cavidade não há lesão traumática; no abdome, há descrição 
de infiltração hemorrágica na região peri-esplênica, mas sem descrição de traumas nesta cavidade. 
Constatação de alteração pulmonar aguda e crônica (congestão, edema e antracnose); coração com 
alterações crônicas (hipertrofia de fibras- fibrose intersticial) e congestão em cérebro, rim e fígado. 
No exame toxicológico, verificada a presença de cocaína, na concentração de 352 ng/ml de sangue, 
que não é descrita como sendo dose comprovada de óbito. Mas a análise desse resultado deve ser 
criteriosa, uma vez que o efeito da cocaína é individual. A relação média entre dose e mortalidade, 
na maioria dos casos, é de uma concentração acima de 1000 ng/ml de sangue. A overdose clássica 
se apresenta com teores sanguíneos acima de 1000 ng/ml. Na segunda categoria, estão os casos em 
que, em concentrações não tão altas (entre 400 a menos de 1000 ng/ml), existe relato de 
sintomatologia que precede o óbito (convulsões, comportamento bizarro, etc). Na terceira categoria, 
existem as toxicidades de dose baixa, em que a cocaína como causa do óbito apresenta 
concentrações sanguíneas na mesma faixa daquelas apresentadas por usuários; nesse último caso, 
 
 
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não é possível uma correlação direta entre a droga e o óbito. As causas de uso de cocaína que levam 
à morte são: infarto do miocárdio, arritmias ventriculares e acidente vascular cerebral, sendo que os 
achados patológicos do exame poderiam caracterizar e correlacionar o óbito da vítima com a 
concentração detectada de cocaína em seu sangue (352 ng/ml de sangue). Ocorre, nessa última 
situação: espasmo coronariano, constrição arterial coronariana, necrose, miocardiopatia dilatada, 
arteriosclerose coronariana. Prossegue o laudo afirmando que, com tais elementos, a vítima, com 41 
anos de idade, com lesões em tegumento corporal em face, tronco e membros, constatadas no 
exame de local e exame necroscópico externo; ao exame interno, apesar de fratura dos arcos costais, 
infiltrado hemorrágico, que foi entendido como hematoma, em musculatura de arcos costais e em 
região peri-esplênica, não foram observados traumas, hemorragias, contusões viscerais significativas 
que pudessem causar a morte da vítima. A vítima apresentava um quadro de congestão difusa, 
incluindo cérebro, pulmões e rins, com alterações cardíacas crônicas, e também pulmonares. As 
alterações todas constatadas não caracterizam o óbito como decorrente de trauma: a morte foi 
causada em decorrência de edema e congestão pulmonar, em vítima portadora de doença cardíaca 
e pulmonar crônica, por ação de agente biodinâmico. As lesões constatadas na vítima não podem 
ser correlacionadas com sua morte (fls. 503/513). 
O Douto Promotor de Justiça oficiante no Júri, ao analisar o conteúdo do último estudo 
médico-legal, concluiu que os indiciados cometerem, em tese, o delito de lesão corporal, e não de 
homicídio, razão porque remeteu a remessa dos autos ao Foro Criminal Central (fls. 516/518). 
O pleito foi deferido (fls. 519). 
O Digno Promotor de Justiça atuante na Vara Criminal fixou a compreensão de que a 
atribuição para atuar no presente feito é do membro do Ministério Público do Júri, uma vez que a 
vítima sofreu lesões traumáticas em áreas nobres do corpo humano, com fraturas dos arcos costais, 
que seriam concausas da morte de Ivan; desse modo, segundo a concepção do Culto Promotor, não 
se poderia descartar a presença do dolo do homicídio, além do que eventual dúvida reverteria em 
favor da sociedade, a fim de prevalecer a competência constitucional do Júri (fls. 522/523). 
 
 
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Os autos foram remetidos a esta Chefia Institucional ante o declínio de atribuições de ambos 
membros do Ministério Público (fls. 524). 
É o relato do essencial. 
Pelo que se depreende do caderno investigatório, restou devidamente apurado, através da 
colheita de vários depoimentos e interrogatórios, e dos laudos necroscópicos, perinecroscópico, e 
estudos médico-legais que a vítima Ivan Luiz dos Santos foi agredida, em um primeiro momento, pelo 
indiciado SÉRGIO RICARDO DA SILVA, em razão de a vítima dever a quantia de R$ 35,00 (trinta e 
cinco) reais decorrente do tráfico de drogas (o indiciado SÉRGIO RICARDO seria o traficante e o 
ofendido Ivan seu “funcionário”); depois dessas primeiras agressões, SÉRGIO, que seria o mandante, 
determinou aos indiciados VINÍCIUS, RAFAEL e LUCIANO que agredissem a vítima (esses indiciados 
seriam os coautores, que conduziram Ivan até um campo de futebol, matando-o por meio cruel e 
recurso que dificultou a defesa da vítima, espancando-a, inclusive com pedaços de madeira. Os 
indiciados RICHARD e EDUARDO teriam atuado como partícipes, uma vez que acompanharam os 
coautores VINÍCIUS, RAFAEL e LUCIANO, até o local das agressões, mas não lesionaram a vítima). 
O laudo do local referenda o teor dos depoimentos prestados, inclusive se fotografando o 
cadáver da vítima e os pedaços de madeira possivelmente utilizados para agredir a vítima (fls. 
458/469). 
Percebe-se, então, que existem elementos informativos e provas coerentes de autoria e 
materialidade no sentido de se demonstrar que os indiciados, em concurso de agentes, agrediram 
o ofendido Ivan, lesionando-o. 
O que está em discussão nestes autos é a questão do nexo de causalidade entre as lesões 
sofridas em decorrência das condutas dos indiciados e a morte da vítima. 
O laudo necroscópico descreve escoriações e equimoses na região frontal, no nariz, na região 
malar, no tórax, abdome, antebraço esquerdo, braço direito; infiltrado hemorrágico nos músculos 
intercostais anteriores, fraturas dos arcos costais, pulmões congestos e edemaciados. Constata-se, 
ainda, hipertrofia ventricular do coração; congestão crônica do pulmão; a conclusão do médico 
 
 
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legista, neste primeiro laudo, é de que a causa da morte ocorreu em decorrência de agente 
biodinâmico secundário a cardiopatia hipertrófica em vítima de politraumatismo, sob o efeito de 
cocaína (fls. 62/66). 
Pelo que se extrai deste primeiro laudo, a vítima apresentava lesões corporais referentes a 
escoriações e equimoses em diversas partes do corpo; as escoriações são arranchamentos 
traumáticos da epiderme6; enquanto que as equimoses são as infiltrações de sangue nas malhas de 
tecidos, ambas lesões contusas decorrentes de ação contundente (no caso, agressões com os punhos 
e uso de pedaços de madeira). 
Além das lesões sofridas, o laudo necroscópicoaponta que o ofendido Ivan era uma pessoa 
gravemente doente: apresentava edema pulmonar, ou seja, o acúmulo de líquido no interior do 
pulmão, o que, segundo estudos médicos7, ocorre com mais frequência quando o coração encontra 
dificuldades para bombear o sangue, aumentando a pressão do sangue no interior dos pequenos 
vasos sanguíneos dos pulmões. Para liberar essa pressão, os vasos liberam líquido para dentro dos 
pulmões, o qual interrompe o fluxo normal de oxigênio, resultando em falta de ar. Na maior parte 
das vezes, o edema é causado pela insuficiência cardíaca. E, de fato, Ivan apresentava, 
provavelmente relacionado ao edema pulmonar, hipertrofia ventricular, que é o aumento da 
espessura do músculo da parede do ventrículo esquerdo, responsável pelo bombeamento do sangue 
do coração para todo o corpo. Verificou-se, a antracnose, uma lesão pulmonar típica de fumantes, 
que pode ocasionar disfunções pulmonares graves, inclusive fibrose. Apresentava, ainda, o ofendido 
hipertrofia miocárdia, uma sobrecarga funcional ao coração. Verificou-se, ademais, o consumo de 
quantidade significativa de cocaína pela vítima Ivan (352 ng/ml). 
Pelo que se constata, então, ao se interpretar o laudo necroscópico direto (o primeiro 
deles), a vítima tinha doenças graves preexistentes às agressões, especialmente no coração e 
pulmões, e tinha feito uso de quantidade significativa de cocaína. A conclusão deste primeiro laudo 
 
6 Medicina Legal, Texto e Atlas, 2ª edição, Revista e Ampliada. Hygino de C. Hércuels. Editora Atheneu. 2014. 
São Paulo. Página 196 e 209. 
7 www.hospitalsiriolibanes.org.br 
 
 
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é de que a causa da morte foi edema pulmonar agudo, por ação de agente biodinâmico secundário 
a cardiopatia hipertrófica em vítima de politraumatismo e sob efeito de cocaína. 
Essa conclusão pericial é bastante confusa e ambígua, uma vez que, ao invés de esclarecer 
os fatos, acabou por obnubilar a causa da morte: a vítima morreu em razão das doenças pré-
existentes e do uso de cocaína, ou esse estado mórbido anterior atuaria como concausa pré-
existente às lesões suportadas no dia do crime, e que juntamente com ela, ocasionaram, 
conjuntamente, a morte da vítima? 
Se for entendido que as doenças e uso de drogas pela vítima causaram, por si sós, a morte 
da vítima, não haveria como se responsabilizar os indiciados pelo homicídio, mas sim apenas pelo 
crime de lesão corporal: seria o caso de uma causa preexistente absolutamente independente que 
causou, por si só, o evento letal. No entanto, se as doenças e o uso de drogas pela vítima caracterizar 
uma causa pré-existente que tenha contribuído, como concausa, para a eclosão do evento morte, 
juntamente com as lesões suportadas, os indiciados deveriam responder pelo crime de homicídio. 
Como explica o mestre Nelson Hungria8: 
“Se o agente procede necandi animo (isto é, com dolo, direto ou 
eventual, específico), que importa, sob o ponto de vista penal, a 
preexistência, concomitância ou superveniência de uma causa que, 
embora alheia ao cálculo do agente, favoreça ou condicione a 
eficiência letal da lesão infligida, sem ultrapassar a órbita do perigo 
criado por esta por esta ou incidindo na sua linha de desdobramento 
físico? (...) Tanto faz que a morte tenha resultado da ocorrência, por 
exemplo, do estado hemofílico ou diabético do ofendido, quanto da 
fragilidade congênita do seu osso frontal, atingido pelo golpe, ou de 
um processo infeccioso consequente à lesão recebida. E arremata: 
“O nexo causal entre a conduta do agente e o resultado não é 
 
8 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Volume V, Edição Revista Forense, Rio de Janeiro, 1953. 
Páginas 38 e 40. 
 
 
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interrompido ou excluído pela interferência cooperante de outras 
causas. Assim, no crime de homicídio, a relação causal entre o agente 
e o resultado “morte” não deixa de subsistir, ainda quando para tal 
resultado haja contribuído, por exemplo, a particular condição 
fisiológica da vítima ou a falta de tratamento adequado”. 
Até esse primeiro momento da persecução penal, em uma leitura apressada do laudo 
necroscópico direto, poderia se concluir que, embora o estado mórbido pré-existente da vítima, as 
lesões suportadas por ela teriam dado causa à morte da vítima, de modo que os indiciados deveriam 
responder pelo delito de homicídio e não pelo crime de lesões corporais. 
Bem verificou essa grande ambiguidade do laudo pericial, o Douto Promotor de Justiça que 
determinou a complementação do exame necroscópico para que fosse esclarecido, de forma 
expressa e conclusiva, a causa da morte da vítima (fls. 414/415). 
Foi elaborado um segundo laudo pericial (laudo necroscópico indireto) em que se aduz que 
o estresse aumenta a pressão arterial e que, tais alterações, em pessoas com patologias prévias 
(como era o caso da vítima Ivan), seria “catastrófico”, podendo levar à morte; salienta-se, no laudo 
em estudo, que as lesões traumáticas sofridas pela vítima, não foram fatais; mas, se forem 
consideradas as condições anteriores ao óbito, em conjunto com o uso de drogas e o estresse 
poderiam provocar uma resposta cardiovascular e respiratória excessivas. Conclui-se o laudo pericial 
apontando que a causa da morte teria sido uma associação de fatores: lesões traumáticas sofridas 
pela vítima, causando uma sobrecarga cardíaca e respiratória, o uso de cocaína por um cardiopata, 
levando ao edema pulmonar agudo e morte (fls. 453/455). 
Pela interpretação deste laudo, a conclusão é a de que a vítima, cardiopata e com grave 
doença pulmonar, foi agredida pelos indiciados, o que gerou estresse, com aumento dos batimentos 
cardíacos e da respiração, o que ocasionou- em conjunto de concausas- a morte da vítima em razão 
de edema pulmonar; por esse estudo médico-legal, estaria caracterizada a prática de homicídio por 
parte dos indiciados. 
 
 
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Em perspicaz manifestação, o Culto Promotor de Justiça, Dr. Rodrigo Merli, apontou que, 
mesmo com a juntada do segundo laudo necroscópico (indireto) remanesceriam dúvidas se as 
agressões anteriores- consistentes em sua maioria em escoriações e equimoses (com exceção da 
fratura nos arcos costais) desencadearam, ou não, a causa final da morte, por edema pulmonar 
agudo; solicitou, então, a intervenção do núcleo de perícias do IML (fls. 478/479). 
O terceiro estudo médico-legal, emanado do núcleo de perícias do IML (fls. 503/513), em 
estudo das fotos do cadáver da vítima que retratariam escoriações, observou a não existência de 
manchas de aspecto úmido; ao contrário, se mostravam apergaminhadas, ressecadas. Dessa 
constatação, é apontado que não se permite aquilatar se tais lesões foram produzidas em vida, uma 
vez que não há como diferenciar lesões realizadas em vida ou secundárias em razão de insetos 
necrofágicos; as lesões vitais são as de pálpebra superior esquerda e braço esquerdo. Quanto à 
fratura dos arcos costais, não se constatou lesão traumática, quando do exame interno da cavidade. 
Aponta o estudo médico que a quantidade de 352 ng/ml de sangue podem caracterizar o óbito da 
vítima por espasmo coronariano, ou seja, em miúdos, a vítima poderia ter morrido de overdose. 
Acrescenta-se que, apesar da fratura dos arcos costais, infiltração hemorrágica em musculatura de 
arcos costais, e na região peri-esplênica (região abdominal), não se observou traumas, contusões 
viscerais significativas que pudessem causar a morte da vítima. Em outras palavras, segundo as 
conclusões periciais, o óbito não se caracterizou como decorrente de trauma, sendo ocasionado 
em razão de edema e congestão pulmonar, em vítima portadora de doença cardíaca e pulmonar 
crônica, por ação de agente biodinâmico; in verbis: “As lesões constatadas na vítima não podem 
ser correlacionadascom a sua morte”. 
Depreende-se desse profundo trabalho pericial que a vítima foi agredida pelos indiciados, 
sofrendo escoriações, na pálpebra, no braço esquerdo, no tronco, além de fratura dos arcos costais, 
com infiltrado hemorrágico, na musculatura das costelas; mas essas lesões não foram a causa da 
morte da vítima, que decorreu, segundo as conclusões do núcleo de perícias, provavelmente, de 
overdose. 
O laudo ora em estudo afasta – peremptoriamente - o nexo de causalidade entre as 
agressões praticadas pelos indiciados e a morte da vítima, de modo que não se pode atribuir, 
 
 
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depois desse completo e exauriente estudo de medicina legal, a prática de homicídio aos 
investigados, mas, apenas, o de lesões corporais. 
 Comprovado o rompimento de nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado 
morte, descaracterizando, de maneira científica, a prática do crime de homicídio, não há por que se 
remeter os autos à Vara do Júri, com base em suposta dúvida em favor da sociedade, quando é certo 
que a ambiguidade e a dúvida, efetivamente antes existentes, foram sanadas e esclarecidas de 
maneira categórica. 
 Diante deste quadro, inexistindo justa causa para uma acusação idônea e responsável pela 
prática de homicídio, certo que a persecução penal deve permanecer junto ao membro do Ministério 
Público oficiante no Juízo Comum, para que elabore sua livre convicção quanto ao delito de lesão 
corporal. 
 Ante o exposto, conhece-se do presente incidente para dirimi-lo e declarar que a 
atribuição para oficiar nos autos é do Douto Suscitante, Promotor de Justiça que oficia perante a 
Vara Criminal Central da Comarca da Capital. 
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão 
colide com a sua opinio delicti, designa-se, se necessário, outro promotor de justiça para atuar na 
persecução penal, requerendo o que de direito, facultada a observação do disposto no art. 4-A da 
Resolução nº 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pela Resolução 
nº 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. 
Expeça-se, se necessário, portaria, designando o substituto automático. 
São Paulo, 26 de agosto de 2021. 
 
Mário Luiz Sarrubbo 
Procurador-Geral de Justiça

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