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AO JUÍZO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE IJUÍ/RS PEDIDO LIMINAR - URGENTE A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por seu defensor público que ao final subscreve, com fulcro nos artigos 1.º, inciso III, 5.°, caput e incisos XXXV, 6.°, caput, 127, 129, incisos II e III, 205, caput, 206, caput, 208, inciso I, todos da Constituição Federal; art.120, incisos II, III e XI, da Constituição do Estado do Paraná; artigos 1.º e 32, inciso II, da Lei Federal n.º 8.625/93; combinados com o art. 282, do Código de Processo Civil e demais diplomas normativos pertinentes a espécie; art.1.º, 57, incisos IV, alíneas “a” e “b”, V, 67, inciso II, da Lei Complementar n.º 85/99; ; artigos 4º, 53, inciso I, 54, inciso I, 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente; artigos 2º, 4º, 22, 29 e 30, da Lei nº 9.394/1996; vem respeitosamente perante Vossa Excelência propor: AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face do MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS, pessoa jurídica de direito público sediada na Rua Beijamin Constant, n. 510 Bairro Centro, nesta cidade, neste ato representado pelo Prefeito Municipal ANDREI COSSETIN, , podendo ser localizado na Prefeitura de Ijuí/RS, pelos seguintes motivos fáticos e jurídicos. 1. DOS FATOS O Município de Ijuí/RS possui escola de educação infantil para atender crianças e pré adolescentes . Conforme o censo escolar de 2018 (dados em anexo), haviam xxx números de crianças e adolescentes e xxx números de vagas disponíveis em turno integral no município. Sendo portanto um déficit de 300 vagas aproximadamente. Ocorre que o Município, em um primeiro momento, por meio de sua Secretária de Educação, informou que não atenderia crianças menores de três anos, por não possuir estrutura para Educação Infantil de zero a três anos. Veja, Excelência, que apesar da creche se tratar de direito fundamental da criança; apesar da provocação do Ministério Público, o Município, que acabara de elaborar Plano Orçamentário Plurianual, não se dignou ao menos em inserir em seu planejamento orçamentário a criação de vagas escolares para essa faixa etária. Não apresentou ao menos uma ação concreta voltada para o cumprimento de tão cara obrigação constitucional. Diante do desinteresse do Município e na tentativa insistente de solucionar a questão sem a necessidade de judicializar, o Ministério Público sugeriu ao senhor Prefeito Municipal a assinatura de um TAC, por meio do qual o Município poderia se planejar e, dentro de suas possibilidades, dar início à oferta de vagas em creches. Na data do vencimento do prazo, esta Defensoria buscou de todas as formas entrar em contato com o Senhor Prefeito Municipal, sempre buscando o cumprimento espontâneo, pelo Município, de seus deveres constitucionais. Não obteve êxito em falar com ele; recebeu notícias, por parte da Secretaria Municipal de Educação, de que havia interesse em implantar as vagas; o Procurador do Município, em contato telefônico, informou que estava buscando formas de assinar o termo de Ajustamento de Conduta e que enviaram oficio sugerindo alterações em cláusulas do TAC. Ocorre, Excelência, que decorrido mais de um mês da entrega de referido oficio, o Ministério Público recebeu uma reposta assinada pelo Procurador Jurídico do Município e pela Secretária Municipal de Educação, em que dizem que será realizada uma reforma e ampliação de imóvel já existente no município e que, dentro de suas possibilidades, não medirão esforços para a implementação da Educação Infantil. Ora, Excelência, o Município, com isso, furta-se de assumir de forma plena o compromisso de implantar referidas vagas. Ao simplesmente dizer que implantará as vagas nas medidas de suas possibilidades, recusando-se em assinar um Termo em que se compromete de fato, sob pena de multa, em cumprir com seus deveres constitucionais, o Prefeito deixa a população de zero a três anos do Município, mais uma vez, à mercê do acaso; à mercê de uma promessa que poderá ou não se realizar. O Ministério Público, no exercício da defesa da sociedade, não pode simplesmente acreditar em uma promessa e suspender um Inquérito Civil, aguardando que referida promessa seja cumprida. Até porque, se houvesse de fato interesse em cumprir referida promessa, haveria creche no Município de Antonina já este ano, tendo em vista que essa gestão municipal teve início no ano de 2013. Ao aguardar o cumprimento da promessa de que as vagas serão oferecidas dentro as possibilidades do Município, corre-se o risco de, no início do ano letivo de 2022, depararmo-nos com a inexistência de vagas para essas crianças; então, já será tarde para exigir sua implantação, pois toda instituição de ensino deve estar adequada conforme as normas legais de segurança, salubridade, etc, além das exigências pedagógicas, a serem verificadas previamente pelo Núcleo Regional de Educação. Em outras palavras, é necessária a existência prévia de ato autorizatório para o funcionamento de uma instituição de ensino, e sua expedição não pode se dar da noite para o dia. Assim, caso se inicie o ano letivo de 2015 sem a oferta de vagas para creche, uma eventual decisão judicial que obrigue o Município a oferecer de imediato as vagas em tela poderá vir com prejuízo da qualidade da instituição de ensino criada a toque de caixa, em virtude da inexistência prévia de profissionais, projeto pedagógico, itens de segurança, salubridade, localização, acesso, sanidade, iluminação, etc. A integração das instituições de ensino de educação básica, particular, estadual e municipal, no Sistema Estadual de Ensino faz-se mediante os seguintes e sucessivos atos: I – ato de criação; II - ato de credenciamento de instituição de ensino; III - ato de renovação de credenciamento da instituição de ensino; IV - ato de autorização para funcionamento do curso; V - ato de renovação de autorização; VI – ato de reconhecimento; VII - ato de renovação de reconhecimento. Portanto, se o início das aulas se der no mês de fevereiro/2022, o prazo para que o Município solicite autorização para seu funcionamento vencerá no mês de setembro/2022. Daí, a importância e a necessidade de se assegurar, antes de vencido esse prazo, que o Município adote as medidas cabíveis para o funcionamento da instituição de ensino. 2. DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO 2.1. Legitimidade Ativa da Defensoria Pública do Estado. Inquestionável a legitimação ativa da DPE para pugnar judicialmente pela defesa dos interesses difusos relativos à infância e à adolescência, conforme se infere dos dispositivos legais já mencionados. Nesta seara, o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece expressamente a possibilidade da DPE ajuizar a competente ação civil pública, buscando tutelar os interesses relacionados à criança e ao adolescente, conforme se constata do disposto no artigo 208, inciso III e 210, ambos da Lei n° 8.069/90. Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular: I - do ensino obrigatório; II - de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; III - de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reafirmou a obrigação dos Municípios em disponibilizar vagas para crianças e adolescentes em creches e pré-escolas, bem como a legitimidade do Ministério Público para exigir, por meio de ação civil pública, a oferta deste direito fundamental. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA DE MENORES DE ZERO A SEIS ANOS EM CRECHE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. DEVER DO ESTADO. 1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou AçãoCivil Pública com o fito de assegurar a matrícula de duas crianças em creche municipal. O pedido foi julgado procedente pelo Juízo de 1º grau, porém a sentença foi reformada pelo Tribunal de origem. 2. Os artigos 54, IV, 208, III, e 213 da Lei 8.069/1990 impõem que o Estado propicie às crianças de até 6 (seis) anos de idade o acesso ao atendimento público educacional em creche e pré-escola. 3. É legítima a determinação da obrigação de fazer pelo Judiciário para tutelar o direito subjetivo do menor a tal assistência educacional, não havendo falar em discricionariedade da Administração Pública, que tem o dever legal de assegurá-lo. Precedentes do STJ e do STF. 4. Recurso Especial provido (Grifo nosso. STJ. 2ª T. R.Esp. nº 511645/SP. Rel. Min. Herman Benjamin. J. em 18/08/2009). No mesmo sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal: Esta Corte (...) reconheceu a legitimidade do Ministério Publico para ajuizar ação civil pública em defesa de menores." (AI 698.478, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, julgamento em 18-5-2012, DJE de 28-5-2012.) Além do mais, a doutrina e a jurisprudência têm apontado de modo predominante a possibilidade de o Ministério Público propor ação civil pública na hipótese de constatação de lesão ou ameaça de lesão a interesses difusos e coletivos, como demonstra o seguinte aresto: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. “Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido”. (STJ, RESP 493811, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/11/03, DJ 15/03/04). Isso se deve a sua vocação institucional de legítimo protetor de interesses não individualizados, impessoais, supraindividuais, do qual decorre relevante papel na defesa de bens maiores; dentre eles, os referentes à garantia de acesso e permanência da população infantil às creches e pré-escolas, consoante será exposto a seguir. 2.2. Legitimidade Passiva Conforme exposto, traz a Constituição Federal que a educação, direito de todos, é dever do Poder Público e da família, ao passo que, o dever daquele com a educação será efetivado nos termos do artigo 208 da Carta Magna: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; da Educação: Em igual teor, estabelece a Lei de Diretrizes e Bases Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Acerca do dever do Poder Público em assegurar a efetivação dos direitos referentes à educação da criança e/ou do adolescente, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; Deste modo, inconteste é o dever do Poder Público em assegurar a educação, não apenas à criança e/ou adolescente, mas a todo cidadão. Ademais, quanto à competência para prestação de serviços referentes à educação infantil e a consequente legitimidade passiva processual, segue o disposto no artigo 211, §º, da Constituição Federal. Desta forma, quanto à educação infantil, não há qualquer dúvida de que a competência para a prestação do serviço é do Município, posto que a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação são claras em atribuir a este a responsabilidade pela oferta prioritária deste nível de ensino. Assim, tendo em vista que o Município de Ijuí não vem cumprindo com sua obrigação de disponibilizar as devidas vagas na educação infantil, ajuíza-se a presente ação civil pública para coagi-lo a cumprir seu dever constitucional, o qual, diga-se de passagem, já deveria estar sendo cumprido voluntariamente. Portanto, cabe ao Município de Antonina arcar com o ônus de assegurar às crianças aqui residentes a educação infantil, visando garantir a estas a o gozo da igualdade de condições de acesso à escola, conforme constitucionalmente assentado, disponibilizando, para tanto, vagas suficientes para suprir a demanda, sendo inegável sua legitimidade passiva ad causam. 2.3. Possibilidade Jurídica do Pedido Conforme se discorrerá amplamente a seguir, o direito das crianças à educação é previsto constitucionalmente como direito fundamental social e sua exigibilidade perante o Poder Judiciário é plenamente possível, de modo que se trata de direito previsto em lei e, portanto, juridicamente possível, ou seja, apto a ser alcançado via prestação judicial. 2.4. Interesse Processual Esta condição de agir deve ser analisada sob dois enfoques: necessidade e utilidade. A necessidade evidencia-se quando o instrumento for o instrumento único, indispensável, para a consecução do fim pretendido. É o caso. Conforme restou demonstrado no tópico referente à exposição fática, especialmente diante notória demanda por vagas na educação infantil e do insucesso das tentativas administrativas de solucionar o problema. Veja-se que, após o Ministério Público propor ao Município a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta para implantação de vagas de creche, com previsão de prazos para o cumprimento das etapas necessárias e com previsão progressiva de criação de vagas, o senhor Prefeito, por meio da Secretária Municipal de educação limitou-se simplesmente a dizer que empreenderia esforços para a implantação das vagas, na medida de suas possibilidades. Esquivou-se o Prefeito, desta forma, de assumir o compromisso (que, diga-se de passagem, foi assumido com sua assunção no cargo, já que se trata de obrigação constitucional cabível expressamente aos Prefeitos municipais). Conforme já dito anteriormente, caso decorram os prazos para criação e pedido formal de autorização para funcionamento de instituição de ensino, uma eventual ordem judicial determinando a obrigação de criar as vagas levaria á criação a toque de caixa, comprometendo a qualidade e segurança da instituição de ensino. É justamente para evitar esse improviso que a presente ação é proposta; busca-se, desta forma, assegurar que as vagas em creches sejam criadas de fato. Afinal, se o senhor Prefeito deixou de cumprir com sua obrigação constitucional assumida perante a população quando da posse no cargo de Prefeito, não é possível confiar que cumprirá uma mera “promessa” feita perante o Ministério Público por meio de sua Secretária de Educação, em resposta atrasada a oficio,sem previsão de sanção pelo descumprimento. No que toca à utilidade, esta se verifica quando do resultado do processo decorrer proveito em favor dos interessados. Ora, no presente caso, a utilidade é incontestável. Com efeito, a presente ação tem por objetivo a criação de vagas na educação infantil, de modo que resultará, uma vez julgada procedente como se requer e espera, notório proveito em favor dos educandos, que serão devidamente matriculados. 3. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE PARA APRECIAR A MATÉRIA: Conforme fez com o Ministério Público, o Estatuto da Criança e do Adolescente em muito elevou a importância do papel da Justiça da Infância e Juventude, constituindo-a em instrumento para a plena efetivação dos direitos infanto-juvenis. Ao contrário do que ocorria no passado, a Justiça da Infância e Juventude hoje dispõe de mecanismos jurídicos para fazer com que o Poder Público assuma sua responsabilidade pela implementação e/ou adequação de serviços e estruturas que assegurem de maneira efetiva os direitos infanto-juvenis, superando assim uma inércia injustificada para - sem prejuízo da necessária imparcialidade - adotar papel proativo na proteção integral à criança e ao adolescente, consoante previsão já no art.1º da Lei nº. 8.069/90. A determinação contida no art. 221, da Lei nº. 8.069/90, segundo a qual “se, no exercício de suas funções, os juízes e os tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura de ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis”, deixa clara a obrigação de que o próprio Juiz da Infância e Juventude (ou qualquer outra autoridade judiciária), diante da constatação da falta de uma estrutura adequada no município para o atendimento educacional de crianças e adolescentes, provoque a iniciativa do Ministério Público, ao qual incumbe, como visto, “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis” (art. 201, inciso VIII, da Lei nº 8.069/90 - verbis - grifamos). Portanto, descabe à Justiça da Infância e Juventude manter-se inerte diante de ameaça ou concreta violação aos direitos das crianças e adolescentes, especialmente quando aferida a omissão do Poder Público na mantença e implementação de estrutura de atendimento adequada às demandas existentes. A omissão do Poder Público em assegurar o direito fundamental à EDUCAÇÃO a TODAS as crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos de idade, representa, como se verá adiante, em gravíssima e injustificável violação de expressas disposições constitucionais (cf. arts. 205, 211 e 227, caput, de nossa Carta Magna) e legais (cf. arts. 1º, 3º, 4º, caput, 53 e 54, inciso IV, da Lei nº 8.069/90), fazendo presumir a ocorrência da situação preconizada pelo inciso I, do art.98, da Lei nº. 8.969/90, que assim dispõe: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - (...). Como decorrência dessa conduta omissiva do requerido, há a obrigatória incidência do disposto nos arts. 5º e 208, inciso III, da Lei nº 8.069/90, que além de acarretar a responsabilidade do Poder Público omisso, autoriza a intervenção da Justiça da Infância e Juventude para compeli-lo ao cumprimento de suas obrigações com as crianças que, ainda hoje, vinte e cinco anos após o advento da Constituição Federal - que estabeleceu ser a educação (inclusive a educação infantil), um direito de TODOS, e um dever do Poder Público (cf. arts. 205, 211, §2º e 227, caput) - ainda não têm acesso à creche e pré-escola. Para tanto, assim dispõe o art.148, inciso IV da Lei nº 8.069/90: Art. 148. A Justiça da Infância e Juventude é competente para: IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art.209; (...). Art.209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores. 4. DO DIREITO É dever do Poder Público assegurar a crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, À EDUCAÇÃO, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária - conjunto de prerrogativas que encontram, nas unidades de educação infantil, espaços férteis à sua efetividade -, nos termos da regra prevista no caput do artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 4º da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A garantia de prioridade compreende, dentre outros fatores, (i) a precedência de atendimento nos serviços públicos e de relevância pública, (ii) a preferência na formulação e na execução das políticas sociais pública e (iii) a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à criança e ao adolescente, o que importa na previsão de verbas orçamentárias, nos mais diversos setores de governo, para fazer frente às ações e programas de atendimento, voltados à população infanto-juvenil; Por seu turno, a Constituição Federal determina, no inciso IV de seu artigo 208, que o dever do Estado com a educação seja efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, secundada pela Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Carta Magna, ao disciplinar a organização da educação nacional, no parágrafo 2º de seu artigo 211, prescreve a obrigação dos Municípios atuarem prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Também a Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina, no inciso V de seu artigo 11, que os Municípios incumbir-se-ão de oferecer, prioritariamente, o ensino fundamental e a educação infantil, em creches e pré- escolas, permitida a atuação em outros níveis de ensino, somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. A partir daí conclui-se que o Município de Ijuí tem a obrigação constitucional de ofertar vagas em creches para a primeira etapa da educação infantil – crianças na faixa etária compreendida entre 0 (zero) a 03 (três) anos de idade, para todas aquelas que manifestarem seu interesse (art. 208, inciso IV, da Constituição Federal). 4.1. A EDUCAÇÃO COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Carta Federal proclama que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. A expressão “dignidade da pessoa humana” - princípio jurídico essencial contido no artigo 1.º, III, da CF - já se encontrava inserta na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, na qual se assevera que o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. O artigo 1.° desse diploma internacional ressalta: Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Karl Laren, instado a pronunciar-se sobre o personalismo ético da pessoa no direito privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência e de fruir de umâmbito existencial próprio. Isso significa dizer, então, que a pessoa humana é um bem, e a dignidade, o seu valor. Mas o direito do século XXI não se contenta com conceitos axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para qualquer tese. Demanda, sim, o aprofundamento dos mesmos e, especialmente, neste caso, da ideia que o princípio jurídico da dignidade contempla. Como o próprio nome revela, o princípio da dignidade da pessoa fundamenta-se na essência da pessoa humana e esta, por sua vez, pressupõe, antes de mais nada, a presença de uma condição objetiva: a própria vida. Considerando-se cada indivíduo em si mesmo, tem-se que a vida é condição necessária da própria existência. Logo, a dignidade do ser humano impõe um primeiro dever básico, que é, justamente, o de reconhecer a intangibilidade da vida, e esse pressuposto configura-se como um preceito jurídico absoluto - um imperativo jurídico categórico - do qual decorre, logicamente e como consequência do respeito à vida, o fato da dignidade dar embasamento jurídico para se exigir o respeito à integridade física e psíquica (condições naturais) e aos meios mínimos para o exercício da própria vida (condições materiais). Como fundamento primeiro da República, o princípio jurídico da dignidade tem, portanto, a proteção e a defesa da vida humana como pressuposto, pois sem vida não há pessoa, e sem pessoa, não há que se falar em dignidade. Trata-se de preceito absoluto, que não comporta exceção e está, de resto, ratificado pelo caput do artigo 5.º da CF. Essa tese é reconhecida, acima de todas as outras, pelos nossos Tribunais, como se lê no seguinte pronunciamento do STJ: “sob a ótica pós-positivista, além das regras constitucionalmente fixadas, devem-se observar - antes e sobretudo - os princípios que, na maioria das vezes, dão origem às próprias regras (normogênese). Logo, é da Constituição que devem ser extraídos os princípios que, mais que simples regras, indicam os caminhos para toda a atividade hermenêutica do jurista e ostentam caráter de fundamentalidade. Para o fiel gozo da vida e de todas as suas prerrogativas e liberdades é indispensável o conhecimento, o qual se constitui em efetivo instrumento para a persecução e exigência de todos os demais direitos atribuídos à pessoa humana, que viabilizam o usufruto da vida em sua plenitude, tais como a saúde, o trabalho, o lazer, entre outros. Destarte, a dignidade da pessoa humana tem íntima relação com o direito à educação - seu pressuposto, pode-se afirmar - uma vez que para o efetivo exercício de todos os outros direitos fundamentais conferidos aos cidadãos é indispensável o conhecimento. 4.2. EDUCAÇÃO - PRESTAÇÃO POSITIVA DEVIDA PELO ESTADO AO CIDADÃO A Constituição Brasileira, atenta à importância da educação, nos termos acima, prevê que esta é responsabilidade não só da família e da sociedade, mas também do Poder Público, que tem o dever de prestá-la a todos, conforme os artigos 6º e 205 da Carta Maior: Art. 6º : São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Portanto, no âmbito jurídico, o direito à educação representa prerrogativa constitucional conferida a todos - art. 6º e art. 205, Constituição Federal - notadamente às crianças - art. 208, V e 227, caput - e afigura-se direito social expressivo, integrante da categoria dos direitos sociais ou fundamentais de segunda dimensão, cujo adimplemento impõe ao Poder Público o cumprimento de um dever de prestação positiva, consistente em um “fazer”. Ou seja, o Estado somente se desincumbe de tal ônus criando condições objetivas, que propiciem aos titulares desse direito o acesso pleno ao sistema educacional. O eminente Pinto Ferreira (“Educação e Constituinte”, “in” Revista e Informação Legislativa, vol. 92, p. 171/173), leciona de modo impecável sobre o tema, ensinando: “O Direito à educação surgiu recentemente nos textos constitucionais. Os títulos sobre ordem econômica e social, educação e cultura revelam a tendência das constituições, assinalando o advento de um novo modelo de Estado, tendo como valor-fim a justiça social e a cultura, numa democracia pluralista exigida pela sociedade de massas do século XX”. Nesse contexto, a educação emerge como direito- premissa, essencial para formar e preparar os cidadãos. Sem a devida formação, o individuo não acumula conhecimento e carece de aptidão para compreender seus direitos, quanto mais para exercê-los. A este respeito, vale destacar a lição de Celso Lafer (“A reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 127 e 130/131, 1988, Companhia de Letras), citado pelo ilustríssimo ministro Celso de Melo, ao relatar o Agravo Retido no Recurso Ordinário com Agravo nº 639.377 de São Paulo: “(...) É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo ‘welfare state’, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos - como o direito ao trabalho, à saúde, à educação - têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê- los. O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua individualidade. Daí a complementaridade, na perspectiva ‘ex parte populi’, entre os direitos de primeira geração e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas. Por isso, os direitos de crédito, denominados direitos econômico-sociais e culturais podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo (...)”. Os direitos sociais são, portanto, instrumento para o efetivo gozo dos direitos de primeira geração, possibilitam seu usufruto, posto que eliminam as barreiras para o seu regular exercício. Em sentido análogo, é o ensinamento de José Afonso da Silva (“Curso de direito constitucional positivo”. 10ª Edição. São Paulo. Malheiros), que assim conceitua direitos sociais: como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento de igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o efetivo exercício da liberdade” (grifos nossos). Verifica-se, assim, que os direitos fundamentais de segunda dimensão sociais decorrem da consciência constitucional, que ao invés de ignorar as desigualdades sociais, elencou sua mitigação como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, no artigo 3º da Lei Fundamental. Portanto, o dever do Estado de prestar educação, no que toca à educação infantil, somente é cumprido mediante a oferta de vagas em creches e pré-escolas, no caso de Antonina, nos denominados Centros Municipais de Educação Infantil. Ainda, no mesmo dispositivo, a Constituição Federal atribui à educação ‘status’ de direito público subjetivo do cidadão, e determina a responsabilizaçãodo Poder Público quando sua oferta for irregular: Art. 208. (...) § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (grifos nossos). Trata-se, portanto, além de direito de prestação inescusável pelo Poder Público, de direito que pode ser exigido judicialmente pelo particular do Estado, a qualquer tempo, em caso de omissão. Com efeito, direitos públicos subjetivos são, conforme a lição de Jellinek (1970:10) o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pelo ordenamento jurídico, tem por objeto um bem ou interesse. Confere, assim, ao indivíduo, a prerrogativa de transformar direito amparado pela norma em direito seu, permitindo o constrangimento judicial do Estado para tanto. Conclui-se, assim, que a efetivação do direito à educação, mediante a oferta de vagas na educação infantil, é: a) para o Estado - dever inafastável, que impõe atuação efetiva, visando proporcionar aos cidadãos condições objetivas de exercê-lo; b) para o cidadão - direito social fundamental, condição de exercício dos direitos fundamentais individuais e direito público subjetivo, corolário da dignidade da pessoa humana, cujo cumprimento pode ser exigido judicialmente do Estado. Sendo assim, não há argumento que afaste tal dever, nem se alegue a ofensa à tripartição dos poderes, a discricionariedade do poder público na escolha das políticas públicas a serem implementadas ou mesmo o princípio da reserva do possível, que serão discutidos em tópico pertinente. O Estado DEVE fornecer, em regime de prioridade absoluta, vagas suficientes na educação infantil a toda criança que dela necessite. E tem obrigação de fazê-lo, sob pena de ser acionado judicialmente. 4.3. Da Doutrina da Proteção Integral O artigo 1º do Estatuto das Crianças e Adolescentes introduz no Brasil a doutrina da proteção integral, que tem suas raízes na Convenção sobre os Direitos da Criança e na Declaração Universal dos Direitos da Criança. Fonseca, conceitua proteção integral citando outros doutrinadores, conforme segue: (...) Como ensina José Luiz Mônaco da Silva: ‘entende-se por proteção integral a defesa, intransigente e prioritária, de todos os direitos da criança e do adolescente’, valendo dizer que, ‘na noção de proteção integral está a idéia de efetivação de todos os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, centrada na concepção de que estes direitos fundamentais formam um todo unitário e interdependente, que deve ser igualmente assegurado, para que se alcance proteção material plena dos cidadãos crianças e dos cidadãos adolescentes’ (...) Conforme afirma Roberto João Elias, a proteção integral é ‘o fornecimento à criança e ao adolescente, de toda assistência necessária ao pleno desenvolvimento de sua personalidade’ (...) Segundo Valter Kenji Ishida: ‘pode-se conceituar proteção integral como um sistema em que crianças e adolescentes figuram como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado’ (...)”. Nesses termos, a doutrina da proteção integral determina o nascimento de um sistema de proteção, conjunta e prioritária, dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, oponíveis ao Estado, à família e à sociedade. Determina a atuação conjunta, para que seja disponibilizada à população infanto-juvenil toda assistência necessária para o seu completo desenvolvimento. Dentre os direitos que compõem o sistema da proteção integral inclui- se, por óbvio, o direito à educação, um dos meios - senão o principal - de materializar o pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes. Pois bem. Havendo um desequilíbrio nesse sistema, decorrente da inobservância do direito à educação, o que diminui as condições materiais de exercício de direitos pelas crianças e adolescentes; tendo em conta o déficit na educação infantil municipal, que demonstra tal ruptura, resta essencial, em observância a esta doutrina, seja efetivado esse direito por meio da presente ação, uma vez que, conforme prevê o próprio ECA, “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”. 4.4. DA GARANTIA DA ABSOLUTA PRIORIDADE OU PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA A legislação brasileira inseriu no artigo 277 da Constituição Federal o princípio da prioridade absoluta, também chamado de garantia da absoluta prioridade, ao determinar ser dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente COM ABSOLUTA PRIORIDADE, inúmeros direitos, dentre estes o direito à educação. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Antonio Cezar Lima da Fonseca, lecionando a respeito do princípio da prioridade absoluta e ressalta a excepcionalidade de tal garantia, conferida pela Lei Fundamental aos direitos das crianças e adolescentes, e a nenhum outro mais: “(...) A Constituição Federal, no artigo 227, caput, parágrafos e incisos, assegura um rol de direitos a crianças e adolescentes com ‘absoluta prioridade’ (caput). Aquele dispositivo, que consagra essa regra de forma absoluta como nenhum outro o faz, impõe deveres de asseguramento àqueles direitos, todos fundamentais; deveres destinados à família, à sociedade e ao Estado de forma prioritária (...)” Vale ressaltar que esta norma constitucional, por tratar de direitos fundamentais, tem aplicação imediata, consoante a determinação do artigo 5º, §1º da Constituição Federal e independe de regulamentação: Ainda - como não bastasse por si só - o artigo 227 foi reiterado, complementado e esmiuçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente no artigo 4º, para que não restassem quaisquer dúvidas quanto à sua aplicabilidade e importância: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Significa, portanto, que dentre todos os direitos e garantias a serem efetivados pelo Estado, primeiramente devem ser materializados aqueles conferidos às crianças e adolescentes. Não se trata de escolha. A priorização é dever constitucional. Com efeito, os dispositivos são autoexplicativos. É impossível interpretá- los senão conforme a vontade do legislador, que vale ser reiterada: dentre as políticas públicas necessárias, a serem formuladas, há preferência por aquelas que visem a proteção da infância e juventude e, para sua efetivação, garante-se, também, a destinação privilegiada de recursos públicos. De fato, inclusive o leitor menos atendo, que desconheça os fins da norma em apreço, é capaz de entender seu significado latente, cuja interpretação, ainda que meramente gramatical, não deixa espaço para burlas. Aliados, os verbetes traduzem o cristalino significado do princípio, já repetidamente mencionado nesta inicial: os direitos conferidos às crianças devem estar em primeiro lugar na hierarquia das preocupações dos governantes; suas necessidades devem ser as primeiras a serem atendidas. As demais questões que interessem ao Estado serão sempre secundárias. Portanto, não pode o Poder Público simplesmente ignorar a esta prioridade, como se não existisse, ou como se lhe fosse lícitonão observá-la. A função Executiva do Estado, incumbida da gerência da coisa pública, não pressupõe poderes irrestritos e arbitrários, aptos a permitir ao Administrador escolher se cumpre ou não a Constituição. Os Administradores Públicos submetem- se às leis tanto quanto os demais cidadãos. Em verdade, lhe devem obediência maior, posto que somente lhes é permitido agir conforme a determinação legal. E se o ordenamento jurídico determina a priorização dos direitos das crianças e adolescentes, assim deve ser. Nesse panorama, o princípio da prioridade absoluta emerge como verdadeira limitação ao campo de discricionariedade do administrador e a seu respeito descabe qualquer mitigação, conforme ensina FONSECA “(...) De fato, essa prioridade de atendimento deve ser absoluta, nela descabendo qualquer relativização em sua atuação”. Em suma, pode-se afirmar seguramente que diante do princípio constitucional da absoluta prioridade, desaparece por completo a “discricionariedade” do administrador. 5. DA URGÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL No presente caso, necessária a urgência em compelir o Município de Ijuí a proporcionar, já para o próximo período letivo, a oferta de vagas em creches, de modo a atender de forma universal a todas as crianças que zero a três anos com interesse em se matricular, Sendo que o mínimo necessário é 300 vagas. O provimento jurisdicional em caráter liminar exige a presença de dois requisitos essenciais: fumus boni iuris (juízo de probabilidade e verossimilhança da existência de um direito) e periculum in mora (fundado temor de que a demora na solução do litígio inviabilize a sua “justa composição”). No caso em apreço, não resta qualquer dúvida quanto à possibilidade ou probabilidade do direito alegado, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais antes mencionados. Com efeito, a plausibilidade do direito invocado, qual seja o fumus boni iuris, está plenamente evidenciado pela flagrante desobediência às referidas normas constitucionais e infraconstitucionais, haja vista que todas as crianças do Município encontra-se privada de atendimento gratuito em creche. Os diversos julgados acima transcritos não apenas reconhecem de maneira expressa o direito à igualdade de acesso de todas as crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos idade à educação infantil, com o correspondente dever do Poder Público (mais especificamente, do município), em proporcioná-la - inclusive, na forma da lei, sob pena de RESPONSABILIDADE - mas também o poder-dever da Justiça da Infância e Juventude em determinar o cumprimento dos comandos legais e constitucionais respectivos, coibindo assim a omissão do Estado (latu sensu) tão lesiva aos interesses infanto-juvenis. Por outro lado, não permitir a continuidade do agir (ou, melhor, do não agir) do requerido, mostra-se conveniente - e necessário - para minimizar os danos causados à população infantil desta cidade. A continuidade dos atos lesivos a esses interesses só pioraria e agravaria a atual situação que não foi e nunca será bem aceita pelas entidades de atuação em benefício da infância, bem como pela comunidade de Antonina. Quanto mais tempo perdurar a negligência e omissão do requerido, maiores os prejuízos àqueles que se encontram privados do atendimento em creche nos Centros Municipais de Educação Infantil - e como dito, enquanto isto as crianças do município permanecem expostas a toda sorte de situações de risco - e maior a chance de tornarem-se inviáveis as soluções às graves violações apontadas aos direitos das crianças e dos adolescentes (até porque as crianças não deixarão de nascer e crescer). Assim, diante dos argumentos apresentados, conclui-se que a situação caótica em que se encontra a população infantil do Município de Ijuí, principalmente aquela oriunda de famílias de renda mais baixa, não pode perdurar indefinidamente, sob pena de se tornar um problema de proporções e consequências gravíssimas e insuperáveis. Assim sendo, resta patente o requisito do periculum in mora, já que a permanência desta situação poderá gerar lesões graves e de difícil reparação às crianças mais carentes, tendo em vista a impossibilidade de receberem educação escolar, retardando e prejudicando o pleno desenvolvimento físico, nutricional, mental e intelectual. Muitos são os prejuízos das crianças que ficam em casa ou em outro lugar expostas ao perigo, tendo em vista que os pais necessitam trabalhar e não têm onde deixar seus filhos. Invoca-se o exemplo dos casos expostos no tópico referente à descrição fática: pais que trabalham e acabam por deixar seus filhos aos cuidados de pessoas idosas que não têm mais a vitalidade física necessária aos cuidados com bebês; pais presos, ou adolescentes em situação de risco, país que terão de deixar seus trabalhos por tempo indefinido porque não terão a quem delegar os cuidados de seus filhos, prejudicando a renda familiar - situação absurda e inaceitável diante do direito fundamental e urgente das crianças a uma vaga na rede municipal de ensino. Tais situações são vistas, diga-se de passagem, diariamente, por diversas vezes, nos processos que envolvem crianças em situação de risco nesta comarca. Excelência, os danos decorrentes da demora na disponibilização das vagas necessárias na educação infantil são evidentes. Muitas famílias não podem abrir mão da força de trabalho de um de seus membros para que este se dedique exclusivamente aos cuidados da criança que deveria estar na escola, e somente não está em decorrência da omissão do Poder Público. Ora, a atual situação é confortável para a Administração Pública e desesperadora para as famílias. Além disso, as crianças estão deixando de aprender as primeiras noções da vida em sociedade e de receber estímulos físicos e psíquicos cuja falta repercutirá não somente em toda sua vida, mas também na realidade social. Motta finaliza o ensinamento citando a lição do Conselheiro Newton Sucupira “A idéia que nós fazemos de educação nacional parte desta verdade evidente de que na realidade não há formação do homem em abstrato, não pode haver educação desvinculada das motivações concretas e dos objetivos de uma determinada sociedade”. Tudo para concluir: “É assim, através da educação nacional, que se forma tanto o homem nos sentido individual e universal, quanto o cidadão de uma nação, o qual, quando efetivamente educado, contribui, a seu modo, para o desenvolvimento da sociedade em que vive. Mas, como continua ensinando o mestre SUCUPIRA, ‘Isto não quer dizer que atribuamos à educação uma força e poder capaz, por si só, de transformar a sociedade em que se insere, mas que dentro da dinâmica total da cultura ela é na verdade um importante instrumento de realização dos fins a que ele se propõe’ (...)”. Sendo assim, Excelência, é notório que a falta de vagas na educação infantil periclita não apenas cada uma das crianças Caso persista, portanto, a negligência e omissão do Município de Ijuí, as crianças, repita-se, principalmente as carentes, já privadas de uma gama imensa de direitos, e a sociedade como um todo, poderão sofrer danos irreparáveis em face do descaso municipal. Portanto, depreende-se que se encontram presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar, na forma do artigo 12 da Lei 7.347/85, sem que seja necessária justificação prévia. 7. DO PEDIDO LIMINAR Desta forma, presentes os requisitos necessários, requer a DPE seja concedida medida liminar, inaudita altera parte, determinando que o Município de Ijuí: a. Até a data de 01 de março de 2023, comprove o protocolo, perante o Núcelo Regional de Educação, do pedido de autorização para funcionamento de creche para crianças de zero a três anos de idade, devidamente instruído com a documentação necessária, ofertando no mínimo 300 vagas. b. Até a mesma data ofereça vagasem creche para todas as crianças de zero a três anos de idade no Município de Ijuí, cujos pais tenham interesse na matrícula, devendo esta obrigação ser constada a partir da inexistência de crianças nessa faixa etária a quem tenha sido negada a vaga. Na hipótese do Prefeito Municipal de Ijuí não providenciar o requerido, nos prazos e períodos mencionados, requer a DPE seja ele pessoalmente condenado a arcar com multa cominatória diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada dia de atraso no cumprimento da obrigação estabelecida no item a; e em R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada criança a quem for negada vaga até a data de 19 de outubro de 2022, nos termos do artigo 213, § 2º, da Lei nº 8.069/90 e artigo 12, §2º, da Lei nº 7.347/85. Tal valor deverá ser destinado ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente deste Município, na forma do artigo 214 do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c os artigos 11 e 13, da Lei nº 7.347/85. 7. DOS PEDIDOS FINAIS Ante todo o exposto, restando evidente a prática de atos atentatórios aos direitos das crianças e dos adolescentes, requer- se: 7.1 - A concessão e confirmação da medida liminar pleiteada e especificada no item anterior, inaudita altera parte e independentemente de justificação prévia ou, se entendendo necessário, observado o prazo de 72 (setenta e duas) horas da Lei n° 8.437/92; 7.2 - A citação do Município de Ijuí, na pessoa de seu representante legal, para contestar, querendo, a presente ação, sob pena de revelia; 7.3 - A total procedência do pedido, no sentido de, já a título de tutela antecipada, na forma do disposto no art.273, do Código de Processo Civil, também aplicado subsidiariamente a procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude por força do disposto no art.152, da Lei nº 8.069/90: a) Condenar o Município de Ijuó a protocolar, até 05 de setembro de 2023, perante o Núcleo Regional de Educação, o pedido de autorização para funcionamento de creche para crianças de zero a três anos de idade, devidamente instruído com a documentação necessária. b) Condenar o Município de Ijuí, oferecer vagas em creche para todas as crianças de zero a três anos de idade no Município de Antonina, cujos pais tenham interesse na matrícula, devendo esta obrigação ser constada a partir da inexistência de crianças nessa faixa etária a quem tenha sido negada a vaga. c) Condenar o Município de Ijuí a, ao longo dos 05 (cinco) anos subsequentes - período correspondente aos exercícios de 2022 a 2027 -, obedecendo a um cronograma de implantação a ser definido e protocolado em Juízo até, no máximo, o dia 31 de dezembro de 2022, bem como contemplado no Plano Orçamentário Plurianual a ser elaborado no ano de 2022, suprir a demanda em toda a área do Município, segundo a população infantil do Município, com a criação de creches na área urbana e na área rural, priorizando as regiões onde exista maior índice de populacional de crianças nessa idade e fornecendo transporte escolar seguro e de acordo com as normas aplicáveis, às crianças que residam em locais mais distantes e cujos pais tenham interesse na matrícula, garantindo, assim, o direito de acesso ao serviço público de educação infantil em condição de igualdade, respeitados os princípios da universalidade e gratuidade; d) A fixação de multa cominatória diária para cada dia de atraso no cumprimento as obrigações acima impostas e também por cada criança que não esteja sendo atendida e que expresse o interesse na matrícula, vencidos os prazos concedidos, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), a ser fixada pessoalmente contra o Prefeito Municipal, nos termos do artigo 213, § 2º, da Lei nº 8.069/90 e artigo 12, §2º, da Lei nº 7.347/85, valor esse que deverá ser destinado ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente deste Município, na forma do artigo 214 do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c os artigos 11 e 13 da Lei nº 7.347/85; e) A condenação do Município de Ijuí à obrigação de fazer, consistente na previsão dos recursos necessários à criação e implantação de Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) para crianças de zero a três anos, nos moldes do acima exposto, nas propostas de leis orçamentárias - Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias anuais - devendo promover, para atendimento da obrigação requerida, a alocação e/ou remanejamento dos recursos necessários na proposta e/ou Lei Orçamentária para 2014, com posterior execução prioritária do orçamento no setor, tudo de acordo com o disposto nos arts.4º, caput e par. único, alíneas “b”, “c” e “d” e 259, par. único, da Lei nº 8.069/90 e Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). 7.4 - A produção de todas as provas legalmente admissíveis, especialmente depoimento pessoal do réu, inquirição de testemunhas, juntada de documentos (nos termos do artigo 397 do Código de Processo Civil) e exames periciais que se fizerem necessários; 7.5 - A condenação do Município ao pagamento de encargos de sucumbência e demais cominações legais. Dá-se à causa para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Nestes termos, pede deferimento. Ijuí, 20 de Outubro de 2022. RICARDO DE LUCA ROSSETTO DEFENSOR PÚBLICO