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442 ARTIGO ORIGINAL DE TEMA LIVRE ATUAÇÃO DA ENFERMEIRA NA SALA DE VACINAÇÃO EM UNIDADES DE SAÚDE DA FAMÍLIA Isis Thamara de Argolo Cerqueiraa Josele de Farias Rodrigues Santa Barbara b Resumo A atuação da enfermeira na sala de vacinação é de suma importância na assistência e nas ações que são desenvolvidas nesse ambiente, visto que esse profissional deve atuar em todo o processo de imunização, levando sempre em consideração a orientação e educação em saúde dos usuários desse serviço de saúde, bem como o treinamento e a capacitação da equipe de saúde, buscando uma assistência humanizada. O objetivo deste trabalho foi conhecer a atuação da enfermeira na sala de vacinação em Unidades de Saúde da Família de um município do recôncavo baiano. Para tanto, foi utilizada a abordagem qualitativa, tendo como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada relacionada à temática. Os sujeitos da pesquisa foram as enfermeiras pertencentes às Equipes de Saúde da Família dos Distritos Sanitários II e III. A análise de dados foi realizada por meio da ordenação, classificação e análise propriamente dita dos dados. Os resultados indicaram que, com relação à atuação da enfermeira nos seus aspectos gerenciais e assistenciais na sala de vacinação, as entrevistadas relataram que atuaram na supervisão, no manuseio dos impressos específicos da vacinação e na triagem neonatal. Concluiu-se que a atuação da enfermeira na sala de vacinação foi pouca ou ausente, ficando a técnica de enfermagem, na maioria das vezes, como responsável por este setor, que, em sua formação, não teve disciplinas que a capacitassem para gerenciar e ser responsável técnica pela sala de vacinação. Palavras-chave: Imunização. Supervisão de enfermagem. Enfermagem de atenção básica. a Enfermeira. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. b Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Professora assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Endereço para correspondência: Caminho 4, número 2, Conjunto Feira V, Mangabeira. Feira de Santana, Bahia, Brasil. CEP: 44056-100. E-mail: isis_thamara@hotmail.com DOI: 10.22278/2318-2660.2016.v40.n2.a734 Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 443 NURSES ROLE IN VACCINATION ROOMS OF FAMILY HEALTH UNITS Abstract The role of the nurse in the vaccination room is of utmost importance to the assistance and actions carried out in this environment, since this professional should participate in the entire process of immunization, always taking into account the guidance and education in health of this health service users, as well as the training and qualification of the healthcare team, seeking a humanized assistance. The objective of this work was to understand the role of nurses in the vaccination room of family health units of a municipality of Bahia Recôncavo. For that purpose, a qualitative approach was used, and data was collected by means of a semi- structured interview. The research subjects were nurses belonging to the Family Health Teams of Sanitary Districts II and III. Data analysis was performed through ordination, data classification and analysis itself. In relation to the nurses’ managerial function and care responsibilities, the respondents reported that nurses act as supervisors, handle vaccine-related paperwork, and they work in neonatal screening which was described as a nurse’s responsibility in the vaccination room. In conclusion, this study shows that nurses play little or no role in the vaccination room. Nurse technicians typically take on this responsibility, despite the fact that a nurse technician’s education does not include training on how to manage these duties. Keywords: Immunization. Supervision of nursing. Nursing in primary care. ACTUACIÓN DE LA ENFERMERA EN LA SALA DE VACUNACIÓN EN UNIDADES DE SALUD DE LA FAMILIA Resumen El papel de la enfermera en la sala de vacunación es de suma importancia en la asistencia y las acciones que se realizan en este entorno, ya que este profesional debe actuar en todo el proceso de vacunación, siempre teniendo en cuenta la orientación y la educación en salud de los usuarios de este servicio de salud, y la formación y capacitación del equipo de salud, buscando una asistencia humanizada. El objetivo de este trabajo es conocer el desempeño de las enfermeras en la sala de vacunación en las Unidades de Salud de la Familia en un municipio del Recôncavo en el estado de Bahia. Por lo tanto, se utilizó el enfoque cualitativo y la entrevista semi-estructurada relacionada con el tema como herramienta para la recolección de datos. Los sujetos de la investigación fueron las enfermeras pertenecientes a los Equipos de Salud 444 de la Familia de los Distritos Sanitarios II y III. El análisis de los datos se realizó a través de la ordenación, clasificación y análisis de los datos. Los resultados indicaron que, con relación a la labor de la enfermera en sus aspectos de gestión y atención en la sala de vacunación, los encuestados informaron que trabajan con supervisión, en el manejo de las formas específicas de la vacunación y evaluación neonatal. Se concluyó que la actuación de enfermería en la sala de vacunación es baja o ausente, dejando el sector a cargo del técnico de enfermería la mayor parte del tiempo, quien no tiene la formación para administrar y ser responsable técnico por la sala de vacunación. Palabras clave: Inmunización. Supervisión de enfermería. Enfermería de atención primaria. INTRODUÇÃO As doenças infectocontagiosas, até fins do século XVIII, assolavam o mundo. Nessa época não existia, medidas preventivas e de controle dessas patologias. Nesse momento, o médico inglês Edward Jenner desenvolveu, na Europa, a vacina contra a varíola, um método para prevenir esta doença que estava acometendo grande parte da população. No Brasil, no início do século XX, existia um excesso de casos e óbitos por doenças imunopreveníveis, decorrentes da febre amarela, da peste bubônica e da varíola, com altos índices de mortalidade. Em busca da resolução ou minimização desse problema, ampliaram-se os estudos sobre o uso de vacina, principalmente após o sucesso da vacinação contra a varíola1. Diante desse contexto histórico, observou-se a necessidade de aprimorar e organizar a política de imunização em âmbito nacional, o que possibilitou, em 1973, a institucionalização do Programa Nacional de Imunização (PNI), o qual surgiu com a finalidade de coordenar ações que se desenvolviam, até então, com descontinuidade, pelo caráter episódico e pela reduzida cobertura2. Nesse momento, a vacinação consolidava-se como uma das ações do Ministério da Saúde. Seu objetivo é a proteção/promoção da saúde e a prevenção de doenças imunopreveníveis, devendo ser iniciada logo quando a criança nasce e continuada durante toda a vida. Para efetivação do PNI, faz-se necessário a existência das salas de vacina nas Unidades de Saúde da Família (USF), que devem ser exclusivas para a administração de imunobiológicos, estando em conformidade com o que é preconizado pelo Ministério da Saúde, a fim de minimizar e evitar contaminações, tanto para os profissionais, quanto para a população envolvida2. A equipe de saúde que atua na sala de vacinação deve ser composta por enfermeira, técnicos de enfermagem, auxiliar de serviços gerais e agentes comunitários de Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 445 saúde, que devem realizar ações que vão desde a organização e limpeza da sala, previsão e provisão de insumos, até a administração dos imunobiológicos, orientação da população, treinamento/capacitação da equipe e supervisão dos profissionais, sendo esta uma função específica da enfermeira2. Sendo assim, a atuação da enfermeira na sala de vacinação é de suma importância na assistência e nas ações que são desenvolvidas nesseâmbito, visto que essa profissional deve atuar em todos os processos que envolvem ações voltadas para a imunização da população. Com base nessa reflexão, surge a pergunta da pesquisa: De que forma ocorre a atuação da profissional enfermeira na sala de vacinação em USF em um município do recôncavo baiano? Com o entendimento de que a enfermeira precisa atuar, direta e indiretamente, nas ações realizadas no âmbito das salas de vacina, surgiu a necessidade de estudar o tema. Importante ressaltar que a enfermeira tem um papel fundamental no PNI, porque é dela a responsabilidade de treinar e capacitar os técnicos de enfermagem para o desempenho das atividades de vacinação e de realizar a supervisão desse pessoal, além das ações ligadas ao planejamento e gerenciamento do processo de imunização, como estratégias de busca aos faltosos, organização de campanhas de vacinação, análise de coberturas vacinais, vigilância epidemiológica das doenças imunopreveníveis, entre outros3. A supervisão e o treinamento/capacitação da equipe que atua na sala de vacinação também são responsabilidades da enfermeira da USF, visto que esta profissional dispõe de conhecimento científico sobre a temática, além de ser responsável técnica pelo local. As ações gerenciais realizadas pela enfermeira compreendem a solicitação de construção, adaptação e/ou manutenção da sala de vacinação; a aquisição e/ou manutenção dos equipamentos necessários para a estocagem; a conservação e a administração correta dos imunobiológicos; e a solicitação ou devolução de vacinas e insumos3. A enfermeira torna-se um elo de grande relevância para a implementação do PNI, visto que responde pelos aspectos técnicos e administrativos da sala de vacinação, por meio de ações educativas, de gerência e de assistência, baseadas no que o Ministério da Saúde preconiza como ideal. Essas ações acontecem rotineiramente e de forma simultânea, isto é, ao mesmo tempo em que se administra a vacina, são feitas orientações e ações gerenciais. Pode-se inferir que a imunização não deve ser uma atividade mecânica, tecnicista e automatizada, pois cada usuário tem a sua individualidade e as suas peculiaridades, que o diferenciam de outro, dependendo também da faixa etária, escolaridade, condição de saúde e história vacinal. Assim, as atividades de vacinação vão além do ato de vacinar, pois exigem uma soma de conhecimentos que abrangem anatomia, fisiologia e imunologia, normas de 446 conservação, armazenamento e estoque de imunobiológicos, além de noções de epidemiologia, formando um bloco complexo de informações3. É por isto que a enfermeira é a responsável pela sala de vacinação e pelas ações nela realizadas. A participação da enfermeira na prevenção e controle das morbidades transmissíveis em geral e nos programas de vigilância epidemiológica, além de corroborar com o que dispõe a Lei do Exercício Profissional de Enfermagem – Decreto n. 94.406/874 –, leva sempre em consideração a orientação e educação em saúde dos usuários desse serviço, buscando uma assistência integral, de qualidade e humanizada, visto que a imunização ultrapassa a simples aplicação de vacina, possibilitando a promoção da saúde e a prevenção de doenças e/ou agravos. Outro fator relevante que instigou a produção desta pesquisa foi o fato de ter observado, durante as vivências práticas em USF, a presença e a atuação maior de técnicos de enfermagem do que de enfermeira na sala de vacinação. É inegável a importância da enfermeira nesse ambiente, não só na gerência, mas também nos âmbitos da assistência e supervisão direta. Assim, o objetivo deste estudo foi conhecer a atuação da enfermeira na sala de vacinação em USF de um município do recôncavo baiano. METODOLOGIA O presente estudo trata-se de uma pesquisa de delineamento transversal de caráter qualitativo, desenvolvida no âmbito da Atenção Básica de um município do Recôncavo Sul da Bahia. O sistema de saúde, no que tange a atenção básica, neste município, é representado de acordo com as delimitações de USF, por distrito sanitário, compreendendo, no total, 4 distritos. Inicialmente foi delimitado o Distrito I para realização da pesquisa, por conter, em sua maioria, estabelecimentos da zona rural, que, principalmente, em função da distância e da dificuldade de acesso, tornam-se locais pouco pesquisados e estudados. Entretanto, a dificuldade de acesso às USFs para a coleta de dados, nesse distrito, não permitiu que o estudo continuasse. Assim, foram selecionados os Distritos II e III, por possuírem USFs próximas à Instituição de Ensino Superior (IES) que realizou a pesquisa, totalizando 11 USF e, consequentemente, o mesmo quantitativo de salas de vacinação. O total de sujeitos da pesquisa constituiu-se de 11 enfermeiras, pois os distritos selecionados continham 11 USF, porém 4 delas recusaram-se a participar da entrevista, justificando não haver interesse ou falta de tempo. Os sujeitos desta pesquisa foram, portanto, 7 enfermeiras que se enquadraram nos critérios de inclusão por pertencerem às equipes das USFs dos distritos selecionados e por aceitarem participar da pesquisa por meio da assinatura Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 447 do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A participação foi voluntária, sendo informado ao entrevistado que, a qualquer momento, ele poderia desistir da pesquisa, além de ter, oficialmente, o anonimato e o sigilo garantidos pelas pesquisadoras. Para a realização da coleta de dados nos campos da pesquisa, foi entregue à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), especificamente à Coordenação de Integração Ensino- -Serviço (CIES), uma cópia do projeto da pesquisa, para que fosse emitida uma carta de anuência, liberando o campo para a coleta de dados. Posteriormente, o projeto de pesquisa, a carta de anuência e o TCLE foram submetidos à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Após a autorização do CEP, o parecer foi encaminhado para o CIES, com a finalidade de emissão das cartas de apresentação para as enfermeiras das USFs dos Distritos selecionados. Em posse desse documento, os sujeitos da pesquisa foram contatados e convidados a participar e, após o aceite, foram agendados os dias para assinatura do TCLE e realização das entrevistas. A coleta dos dados primários foi realizada no período de fevereiro a março de 2013, por meio de um instrumento específico − entrevista semiestruturada −, que continha duas perguntas norteadas pelas questões que envolviam a atuação da enfermeira na sala de vacinação. Foi uma entrevista individual, previamente agendada, realizada utilizando um gravador e que foi transcrita para que não se perdesse nenhuma informação e pudesse ocorrer a posterior análise dos dados. Após a coleta, os dados foram analisados e interpretados com base na Análise e Tratamento do Material Empírico e Documental, de Minayo. A análise foi realizada em três momentos. Primeiramente, foi executada a ordenação dos dados, produzida com a transcrição das entrevistas por meio de repetidas escutas, objetivando a fidedignidade das falas dos indivíduos envolvidos na pesquisa. Na segunda etapa, foi realizada a classificação dos dados, uma leitura compreensiva do conjunto do material selecionado, de forma exaustiva, buscando estabelecer categorias e subcategorias para facilitar a classificação dos dados, apresentadas no Quadro 1. Quadro 1 − Descrição das categorias e subcategorias CATEGORIA SUBCATEGORIA Categoria I – Atuação da enfermeira nos aspectos gerenciais e assistenciais Supervisão Impressos específicos da vacinação Triagem Neonatal: como uma forma de atuação da enfermeira na Sala de Vacinação Fonte: Elaboração própria. 448 O terceiro momento foi o da análise propriamente dita, em que se realizou uma exploração do material, fazendo a identificação e a problematização das ideias explícitas e implícitasno texto. A pesquisa seguiu as Normas para Pesquisa envolvendo Seres Humanos – Resolução n. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde –, sendo submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (CEP/UFRB), seguindo as exigências éticas e científicas de toda pesquisa que envolve seres humanos, seja individual ou coletivamente. Foi aprovada em 16 de dezembro de 2012, pelo Parecer número 174.183. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados sobre a atuação da enfermeira na sala de vacinação foram encontrados e discutidos, por meio da Categoria I e suas subcategorias trabalhadas por meio dos dados coletados através das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa. A Categoria I refere-se à atuação da enfermeira nos seus aspectos gerenciais e assistenciais, abarcando como subcategorias: supervisão; impressos específicos da vacinação; e triagem neonatal: uma forma de atuação da enfermeira na sala de vacinação. Faz-se, aqui, a apresentação e discussão dos resultados encontrados na pesquisa. CATEGORIA I – ATUAÇÃO DA ENFERMEIRA NOS SEUS ASPECTOS GERENCIAIS E ASSISTENCIAIS • Supervisão Com a criação e implantação do SUS, o modelo de atenção à saúde foi modificado, ampliando, consequentemente, as funções da enfermeira que atua na atenção básica. Além de exercer atividades assistenciais, ela passou a realizar ações gerenciais, sendo responsável pela execução dos atos administrativos das unidades de saúde na quais está inserida3. Sendo assim, a atuação da enfermeira na sala de vacinação não está mais restrita à administração dos imunobiológicos, mas relacionada também aos aspectos gerenciais, principalmente à supervisão direta. A enfermeira responsável pela sala de vacinação permanece pouco tempo em atividades fixas nesse setor específico, pois é também responsável por vários outros programas, exercendo funções de coordenação, supervisão e controle da sala de vacinação5. Essa situação foi bastante relatada pelas entrevistadas, como pode ser observado nas falas a seguir: Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 449 “Eu tenho que tá observando a hora da abertura da geladeira, que horas que ela abriu pra colocar a vacina na dispensação com isopor, termômetro, essas coisas.” (Entrevistada 1). “Eu preciso tá, na realidade, mais fiscalizando e coordenando, né? Eu vejo a questão da temperatura da geladeira [...] Eu vejo a técnica de aplicação correta da vacina, vejo questão de... de... é... é... com quantos meses tá o que, que vacina é que tem que tá tomando.” (Entrevistada 3). “Basicamente é... eu atuo com mais um controle, né, das funções da sala de vacina [...] e quando eu chego eu... eu procuro observar se tá na temperatura correta, quando eu saio também. Tem a questão também do degelo do gelo [...] tá observando, né, a espessura do gelo, que tem que ser a 0,5.” (Entrevistada 6). “Verificação do controle da temperatura da geladeira, onde se verifica sempre a temperatura anterior do dia e também a atual, né, quando a menina já registra a temperatura do dia. Então logo depois da temperatura, você também verifica o transporte dos imunos para a caixa térmica e também a... a parte da arrumação e acondicionamento dos imunos. E depois você supervisiona também como é que tá a questão da validade, a questão da abertura do frasco, é... a questão da higienização, que a sala tá limpa, se realmente tá faltando algum material pra você solicitar com certa urgência, caso não tenha na unidade [...] e toda parte é... do dia a dia da sala de vacina você sempre tem que tá é... flexionando seu horário de consulta pra também a supervisão da sala de vacina, né?.” (Entrevistada 4). Observa-se que o controle da temperatura do refrigerador e o acondicionamento dos imunobiológicos são as maiores preocupações das profissionais enfermeiras entrevistadas em relação à supervisão das atividades desenvolvidas na sala de vacinação. Entretanto, existem outras ações que a enfermeira deve estar atenta e acompanhar de perto e que foram pouco citadas pelas entrevistadas: a organização e limpeza da sala; a previsão e provisão de material e vacinas; e a administração correta e sequência do esquema vacinal2-3,5-6. Além dessas, existem outras atividades que não foram relatas pelas entrevistadas, mas que a enfermeira deve realizar. São elas: manter os equipamentos em condições adequadas de uso; solicitar manutenção preventiva e/ou corretiva dos equipamentos; orientar os usuários 450 e/ou seus cuidadores/responsáveis; realizar esterilização dos imunobiológicos inutilizados, de natureza atenuada, possibilitando-lhes destino adequado, das outras vacinas e do lixo da sala de vacinação; descartar os instrumentos para aplicação; realizar a higienização da sala e do refrigerador; e treinar e capacitar a equipe de saúde2-3,5-6. Por meio das falas, pode-se inferir que a supervisão é uma atividade presente no cotidiano da enfermeira e deve ser realizada de forma sistematizada, para favorecer a melhoria da assistência prestada à população, assim como o processo e as condições de trabalho, utilizando do planejamento, da execução e da avaliação das ações7. A supervisão da atividade de vacinação na sala de vacinação vai além do controle da temperatura do refrigerador e da observação do acondicionamento dos imunobiológicos, envolvendo ainda aspectos relacionados às condições de funcionamento; adequação do pessoal envolvido, em termos de quantidade e de padrão técnico; adequação do equipamento e dos materiais para a conservação de vacinas, no que se refere ao tipo de energia disponível, à capacidade de estocagem específica, à disponibilidade de gelo reciclável, de caixa térmica para transporte, de termômetros etc.; manutenção dos equipamentos; adequação dos insumos necessários à administração de vacinas em termos de qualidade, quantidade e regularidade de suprimento; adequação do suprimento de vacinas: controle de estoque2. A supervisão da sala de vacinação deve ser realizada de forma direta, visto que a enfermeira é a responsável técnica por ela e, muitas vezes, refere-se à falta de tempo para atuar diretamente no setor, como evidenciado anteriormente nas falas das entrevistadas. Desse modo, elas estão atuando de forma limitada na imunização, deixando a responsabilidade para as técnicas de enfermagem, o que descaracteriza e entra em desacordo com o preconizado pelo Programa Nacional de Imunização e o Ministério da Saúde. Nas falas a seguir, percebe-se que há pouca participação das enfermeiras com relação à administração dos imunobiológicos. Esta função é delegada às técnicas de enfermagem, que ficam com responsabilidade total de uma ação que é considerada uma das atribuições da enfermeira, principalmente em situações de vacinação especial: “É, na verdade a gente tem que mais observar como a técnica de enfermagem tá atuando, né, porque... é... nós, eu como enfermeira não preciso tá aplicando vacina, esse tipo de coisa, né?” (Entrevistada 3). “Os técnicos são bastante treinados, às vezes são mais treinados até do que os enfermeiros pra ficar na sala de vacina.” (Entrevistada 5). Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 451 Outra situação evidenciada sobre a atuação das entrevistadas na sala de vacinação é a de que elas não vão em busca das necessidades e prioridades do setor, atribuindo essas atividades aos técnicos de enfermagem, que precisam informar e se reportar à enfermeira quando necessitam tirar dúvidas ou comunicar irregularidades do setor, como observado nas falas a seguir: “Eu vou supervisionar o trabalho do técnico que fica alocado na sala de vacina [...] sempre que eu tenho tempo eu vou na sala de vacina pra observar o atendimento, pra observar como a demanda tá sendo atendida, né? E esclareço dúvidas dela, né, no que eu achar necessário.” (Entrevistada 2). “Eu sempre peço asmeninas pra me comunicar quando as vacinas estão vencidas, se tem alguma vacina de coloração... suspeita e elas me falam, me comunicam.” (Entrevistada 6). Uma entrevista, porém, foi diferente das demais, visto que foi relatado que a enfermeira atua, com relação à vacinação, apenas durante a consulta de puericultura. Pode- -se inferir, diante do exposto pela entrevistada, que não há atuação da enfermeira na sala de vacinação, como observado na fala a seguir: “Toda puericultura, toda criança atendida pelo enfermeiro, a gente encaminha para sala de vacina para fazer as vacinações, e também tá olhando o cartão pra ver se tem vacina atrasada, se as vacinas tão em dia, orientando a importância de cada vacina para criança, que muitas mães vem vacinar e não sabem nem o porquê tá vacinando, nem pra que significa cada vacina. Então a gente tá atuando nessa área, mais baseado na puericultura, que é quando a gente tem acesso realmente às crianças, pra tá orientando e verificando se as vacinas estão sendo feitas no dia.” (Entrevistada 7). Dentre os entraves da vacinação, destaca-se a ausência da enfermeira na sala de vacinação e o distanciamento, cada vez maior, dos profissionais com relação a um dos seus objetos de trabalho primordiais: a educação em saúde8. Desta forma, a enfermeira deve criar estratégias para ter maior proximidade com a sala de vacinação, levando em consideração a necessidade de uma atuação mais intensificada na supervisão diária, uma vez que o manejo 452 dos imunobiológicos (indicação, contraindicação e monitoramento das reações adversas) corresponde a uma ação complexa a ser realizada pela enfermeira9, contudo é uma função que, diante do retratado pelas entrevistadas, fica, em sua maioria, a cargo do técnico de enfermagem. • Impressos específicos da vacinação O registro das atividades realizadas na sala de vacinação é de grande relevância, pois é por meio dele que se pode fazer o controle e a avaliação da administração dos imunobiológicos e do trabalho desenvolvido neste setor, assim como acompanhar e analisar os resultados e impactos da vacinação2. Este registro é feito em impressos específicos, que devem ser preenchidos corretamente e analisados todo mês, para que se possa traçar a demanda e o perfil dos usuários que utilizam os serviços de vacinação. Quando as entrevistadas foram questionadas sobre como atuam diante das ações burocráticas da sala de vacinação, a maioria destacou a realização ou não do fechamento do mapa de vacina, como pode ser evidenciado nas falas a seguir: “Com relação a mapa de vacina ainda não.” (Entrevistada 1). “Em relação a fechar mapa de vacina, essas coisas? [...] Então elas [técnicas de enfermagem] que estão fazendo o fechamento do mapa, pedido, tudo ficam com elas e eu só faço, é... corrigir, né? No final de cada mês, eu... eu sento com elas, elas me falam mais ou menos a demanda do da unidade e eu só faço corrigir algo coisa, uma besteira ou outra e assino, pronto. São elas mais que fazem mesmo.” (Entrevistada 3). “E a relação dos impressos que você tem que verificar se realmente tá tudo preenchido né. Se as doses aplicadas ao dia tão sendo preenchido. Se a vacinadora... ela faz a realização do aprazamento em lápis e o registro realmente de caneta através da caderneta.” (Entrevistada 4). “Pedidos de vacina. [...] Mas é... fechamento de produção também. As técnicas fazem, aí a gente olha vê se tá tudo certinho e tal, e dá o ok né? Dá o carimbo.” (Entrevistada 5). Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 453 “As questões burocráticas, é... as meninas, elas... elas anotam direitinho, porque também eu não tenho tempo, porque o certo seria a gente tá, né, fazendo pedido, tá encaminhando pra rede de frios, tá anotando as vacinas que faltam, que tá, tem pouca na unidade tem que pedir a rede de frios pra... pra, né, recompor essas vacinas. Aí assim, elas me comunicam, elas fazem esse controle, esse pedido e eu... eu assino, carimbo e assino.” (Entrevistada 6). “Não, porque essa parte burocrática só o pessoal que trabalha diretamente na vacina. Só se acontecer algum fator, digamos assim [silêncio] um erro programático, uma vacina... um... uma criança sentiu alguma reação devido a vacina, aí o enfermeiro tem que intervir, tem que saber o que foi que aconteceu, se foi alguma falha técnica da técnica na hora da administração, se foi algum efeito é... adverso normal da vacina naquela criança, já que cada organismo reage de uma forma, aí sim a gente interfere nesse aspecto.” (Entrevistada 7). Os impressos da vacinação, entretanto, não têm a função apenas de solicitar vacinas, pois, com base neles, as enfermeiras podem evidenciar a demanda de cada imunobiológico, o perfil dos usuários que utilizaram do serviço no mês e o trabalho do técnico de enfermagem que atua no setor. Se a enfermeira distancia-se da realização e análise dos registros das atividades desenvolvidas na sala de vacinação, ela não tem condições de saber e acompanhar a situação vacinal da população, assim como conhecer se o setor está adequado para atender as demandas da comunidade adscrita à Unidade de Saúde. Além disso, existem vários impressos utilizados na vacinação, aos quais a enfermeira deve estar atenta, como, por exemplo: cartão da criança, do adolescente, do adulto, do idoso e da gestante; cartão controle e espelho; boletim diário de vacinação; boletim mensal de doses aplicadas de vacinas; inutilização de imunobiológicos; movimento mensal de imunobiológicos e insumos; mapa de controle diário de temperatura; e ficha de investigação de eventos adversos pós-vacinação2. Dentre os impressos citados pelas entrevistadas, o mapa de vacina foi um dos mais utilizados, que corresponde, de acordo com o Ministério da Saúde, ao boletim diário de vacinação, o boletim mensal de doses aplicadas de vacinas, o impresso de inutilização de imunobiológicos e o movimento mensal de imunobiológicos. Além desses, o impresso de pedido de vacina, que, no Ministério da Saúde, corresponde ao movimento mensal de imunobiológicos, foi outro registro citado por várias entrevistadas. Entretanto, eles não são preenchidos e/ou analisados pelos responsáveis, como evidenciado nas falas citadas. 454 Outro impresso bastante citado foi o mapa de controle diário de temperatura, contemplado na subcategoria anterior. E pouco se falou sobre os cartões de vacina e a ficha de investigação de eventos adversos pós-vacinação como impressos importantes para o controle de sequência adequada do esquema vacinal e da vigilância em saúde, respectivamente, demonstrando o distanciamento de várias atividades às quais a enfermeira deve estar atenta, ciente e atuando, o que pode vir a comprometer as ações de imunização. • Triagem neonatal: uma forma de atuação da enfermeira na sala de vacinação Durante a pesquisa, algumas entrevistadas mencionaram a supervisão da triagem neonatal como uma forma de atuação da enfermeira na sala de vacinação, o que pode ser observado nas falas a seguir: “O que eu faço na sala de vacina, por enquanto ainda é quando chega [silêncio] alguém é paciente relacionado a teste do pezinho, que eu ainda vou lá dou um auxílio.” (Entrevistada 1). “Coleta de triagem neonatal, então sempre eu tô de olho em relação aos filtros.” (Entrevistada 2). “Teste do pezinho.” (Entrevistada 5). É notório, na fala da Entrevistada 1, que a única atuação dela na sala de vacinação é o auxílio ao teste do pezinho, o que evidencia o quanto está equivocada a atuação desta profissional na sala de vacinação, priorizando a triagem neonatal em detrimento da vacinação. Diante do relato das entrevistadas e daquilo que o Ministério da Saúde preconiza como ideal para a imunização e para o bom funcionamento do setor, a situação exposta não está adequada, visto que a sala de vacinação deve ser de uso exclusivo para a administração de imunobiológicos,a fim de minimizar ou evitar o risco de contaminação e infecção. Para solucionar esta problemática, a triagem neonatal poderia ser transferida para outra sala e ser realizada juntamente com a triagem das consultas médicas e de enfermagem, permitindo que a sala de vacinação seja exclusiva para a vacinação, o que melhoraria o serviço prestado no setor e aumentaria o quantitativo de atendimentos. Revista Baiana de Saúde Pública v. 40, n. 2, p. 442-456 abr./jun. 2016 455 CONCLUSÃO A efetivação das ações de imunização depende de vários fatores e dentre eles está a atuação da enfermeira na sala de vacinação como o fator principal para o planejamento, a organização, a execução e a avaliação das atividades relacionadas a esta temática. Conclui-se que a atuação da enfermeira na sala de vacinação é reduzida ou ausente, o que acarreta a delegação de responsabilidades e funções, que são exclusivas da enfermeira, para a técnica de enfermagem. A enfermeira distancia-se da sala de vacinação, inclusive da supervisão, ação de gerência mais citada nas entrevistas, interferindo diretamente nos resultados esperados e preconizados pelo Ministério da Saúde e Programa Nacional de Imunização, isto é, a promoção/proteção da saúde e a prevenção de doenças imunopreveníveis. Além disso, a atuação das enfermeiras na sala de vacinação está acontecendo de forma equivocada, devido à priorização da triagem neonatal no setor, em detrimento das reais atividades de vacinação. Em função disso, destaca-se a necessidade de atribuição de uma maior importância à temática na formação acadêmica de enfermagem, para que o estudante possa entender, ainda na graduação, a necessidade da valorização do PNI e de suas ações. AGRADECIMENTO Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela concessão da bolsa de iniciação científica de Isis Thamara de Argolo Cerqueira para realização da pesquisa que originou este trabalho. COLABORADORES 1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Isis Thamara de Argolo Cerqueira e Josele de Farias Rodrigues Santa Barbara. 2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Isis Thamara de Argolo Cerqueira e Josele de Farias Rodrigues Santa Barbara. 3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Isis Thamara de Argolo Cerqueira e Josele de Farias Rodrigues Santa Barbara. 4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Isis Thamara de Argolo Cerqueira e Josele de Farias Rodrigues Santa Barbara. 456 REFERÊNCIAS 1. Araújo ACM, Silva MRF, Frias PG. Avaliação da rede de frio do programa municipal de imunização do distrito sanitário IV do município do Recife. Rev APS. 2009;12(3):238-42. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de normas e procedimentos para vacinação. Brasília; 2014. 3. Marchionatti CRE, Dias IMAV, Santos RS. A produção científica sobre vacinação na literatura brasileira de enfermagem no período de 1973 a 1999. Esc Anna Nery. 2003;7(1):57-68. 4. Brasil. Decreto n. 94.406, de 8 de junho de 1987. Regulamenta a Lei n. 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 9 jun 1987. Seção 1, p.8853. 5. Sousa SLP, Monteiro AI, Enders BC, Menezes RMP. O enfermeiro na sala de vacinação: uma análise reflexiva da prática. Rev RENE. 2003 jul-dez;4(2):95-102. 6. Alexandre LBSP, David R. Vacinas: orientações práticas. 3a ed. São Paulo: Martinari; 2011. 7. Correia VS, Servo MLS. Supervisão da enfermeira em Unidades Básicas de Saúde. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):527-31. 8. Oliveira VG, Pedrosa KKA, Monteiro AI, Santos ADB. Vacinação: o fazer da enfermagem e o saber das mães e/ou cuidadores. Rev RENE. 2010;11(n. especial):133-41. 9. Queiroz SA, Moura ERF, Nogueira PSF, Oliveira NC, Pereira MMQ. Atuação da equipe de enfermagem na sala de vacinação e suas condições de funcionamento. Rev RENE. 2009 out-dez;10(4):126-35. Recebido: 26.9.2013. Aprovado: 18.2.2016. Publicação: 19.9.2017.