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INTRODUÇÃO À CIÊNCIA JURÍDICA
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SUMÁRIO
1 CIÊNCIA DO DIREITO ...................................................................................... 3
1.1 Divisão ............................................................................................................ 4
2 NATUREZA CIENTÍFICA .................................................................................... 6
2.1 Procedimento ................................................................................................. 9
2.2 Evolução ....................................................................................................... 11
2.3 Separação da moral ..................................................................................... 12
2.4 Escola histórica .............................................................................................. 13
2.5 Teoria geral .................................................................................................. 14
2.6 Posição enciclopédica .................................................................................. 15
2.6.1 Comte .............................................................................................. 15
2.6.2 Spencer ............................................................................................ 15
2.6.3 Bourdeau ......................................................................................... 15
2.6.4 Pearson ............................................................................................ 16
2.6.5 Windelband ...................................................................................... 16
2.6.6 Cossio .............................................................................................. 17
2.6.7 Kantorowicz ..................................................................................... 17
2.6.8 Kelsen .............................................................................................. 18
2.6.9 Máynez ............................................................................................ 18
3 TEORIA GERAL DO DIREITO .......................................................................... 19
3.1 Origem .......................................................................................................... 19
4 DIVISÃO ........................................................................................................... 25
4.1 Ramos do Direito Público Interno ................................................................. 27
4.2 Ramos do Direito Público Externo ................................................................ 28
4.3 Ramos do Direito Privado ............................................................................. 28
4.4 Ramos do Direito Difuso Interno ................................................................... 29
4.5 Ramos do Direito Difuso Externo.................................................................. 29
5 AS GRANDES DIVISÕES DO DIREITO ........................................................... 30
5.1 Direito Natural e Direito Positivo ................................................................... 30
5.2 Direito Objetivo e Direito Subjetivo ............................................................... 34
2
5.3 Direito Público x Direito Privado ................................................................... 35
5.4 Direito Material e Direito Processual ............................................................. 38
6 NORMA JURÍDICA ........................................................................................... 39
7 FONTES DO DIREITO ..................................................................................... 41
7.1 Classificação das fontes do Direito ............................................................... 41
7.2 Constituição .................................................................................................. 43
7.3 Lei ................................................................................................................. 45
7.4 Costume ....................................................................................................... 48
7.5 Jurisprudência .............................................................................................. 52
7.6 Direito anterior .............................................................................................. 55
7.7 Direito Comparado ........................................................................................ 55
7.8 Doutrina ........................................................................................................ 56
7.9 Princípios Gerais do Direito .......................................................................... 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 58
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1 CIÊNCIA DO DIREITO
A ciência do Direito, ensina Eduardo Garcia Maynez (1908), tem por finalidade
a exposição sistemática do Direito Positivo e o exame dos problemas ligados à sua
aplicação. (SOUZA, 1994)
O seu objeto é sempre o Direito Positivo. Sendo este um para cada Estado,
aplicase ela sempre a um Direito Positivo, isto é, a um ordenamento jurídico vigente
num local e num tempo.
Ela estuda a norma positiva de maneira esgotadora e sistemática. Mas, como
a regra jurídica não é somente objeto de saber teórico, porque seu fim é
essencialmente prático, ao seu aspecto expositivo outro se acrescente, o técnico ou
prático, pelo qual se consideram os problemas ligados à sua aplicação. (SOUZA,
1994)
Divide-se, portanto, em duas partes, uma teórica e outra prática. A teórica
chamamos de sistemática jurídica. A prática, de técnica jurídica.
A ciência do Direito, como sistemática jurídica, tem caráter dogmático. Esse
caráter justifica uma das suas denominações (dogmática jurídica) e consiste em que,
quando o jurista realiza atividade estritamente científica, aceita a regra jurídica como
um dogma, à semelhança do teólogo que, diante do preceito canônico, deve apenas
aceitá-lo e interpretá-lo. (SOUZA, 1994)
Posição diversa seria equiparável à do físico que investisse contra as leis
naturais, que estão para as ciências naturais, neste sentido, como as jurídicas para a
ciência do direito. Não quer isso dizer que o jurista, como filósofo, político, sociólogo,
não possa contestar a lei e até mobilizar esforços para revogá-la. Mas essa atitude
não lhe será própria no campo especificamente científico. Aliás, toda atividade
científica é neutra, de mera sensibilidade para o real, e não pode ser contaminada por
juízos críticos que lhe comprometeriam a pureza ascética da atitude valorativa.
Caracteriza, também, a ciência do Direito o ser reprodutivo, no sentido de que,
tendo por objeto normas, não as cria, mas as reproduz. Deve-se notar, entretanto, que
a reprodução, no caso, não é apenas da norma em si mesma, desenraizada da sua
ambiência, mas daquela compreendida em função das suas vertentes, como espelho
de valores comunitários e, assim, expressão de modelos sociais de comportamento.
(SOUZA, 1994)
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A ciência do Direito distingue-se, com bastante clareza, da Filosofia jurídica e
da Teoria Geral do Direito.
Da primeira bem se emancipa pela circunstância de lhe ser estranha a posição
valorativa, que é, por excelência, a da filosofia do Direito. Esta faz a crítica do direito
positivo, ao passo que a ciência do Direito o analisa e descreve.
Também a ciência do Direito parte de noções que têm por indiscutíveis os seus
pressupostos. A Filosofia jurídica dedicase à análise e à crítica desses. E ainda o
método daquela cabe a esta indicar. (SOUZA, 1994)
A distinção entre ciência do Direito e teoria geral do Direito resumese em que
a Segunda analisa os direitos positivos existentes, atuais ou passados, para identificar
as suas similitudes e, por indução,generalizar princípios fundamentais, de natureza
lógica, válidos para todos. A ciência do Direito, no entanto, a despeito do seu
instrumental lógico próprio, é ciência de um Direito Positivo, do Direito Romano, do
Direito germânico, do brasileiro, do soviético, etc., e, estudando um sistema de Direito
Positivo, procura menos destacar as suas similitudes com outros do que as suas
características. (SOUZA, 1994)
Também as noções fundamentais formuladas pela teoria geral do Direito, a
ciência jurídica as dá por pressupostas e não as aborda.
1.1 Divisão
A ciência do Direito, como já indicamos, divide-se em dois ramos:
Teórico: sistemática jurídica;
Prático: técnica jurídica.
O conteúdo de ambos transparece do seu próprio conceito: disciplina que tem
por objeto a exposição sistemática de um Direito Positivo (parte teórica, sistemática
jurídica) e o estudo dos problemas ligados à aplicação do Direito (parte prática, técnica
jurídica). (SOUZA, 1994)
A sistemática jurídica começa por uma tarefa classificadora, porque o Direito
Positivo se oferece como um aglomerado de regras de conduta que não estão
organizadas segundo um esquema lógico.
Não se pode entender nenhum ramo do Direito sem sistematizá-lo. Qualquer
pessoa, ainda a mais ignorante, dotada de boa memória, pode saber de cor os artigos
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do Código Civil. O civilista pode não memorizar nenhum, mas somente ele sabe o
Direito Civil, porque tem visão lógica do texto, ainda que a coordenação deste possa
não ser logicamente impecável. Por isso, Martínez Paz, citado por M. Carbone, atribui
à sistemática jurídica o estudo dos processos lógicos necessários para reduzir a
sistema o conjunto dos princípios jurídicos que compõem um ordenamento de Direito.
A técnica jurídica é de formulação e aplicação. Porque as normas jurídicas são
formuladas e aplicadas, há uma técnica para formulá-las, outra para aplicá-las. O
legislador as elabora, objetivando, como doutrinam Carlos Mouchet (1906) e Ricardo
Zorraquin Becú, transformar os fins imprecisos da ciência e da política em normas que
permitam sua realização.
A técnica legislativa, em sentido lato, segundo o ensinamento de Hélio
Fernandes Pinheiro, envolve todo o processo evolutivo de elaboração das leis, isto é,
desde a verificação da necessidade de legislar para um determinado caso, até o
momento em que a lei é dada ao conhecimento geral. Talvez mesmo por ser
demasiadamente ambiciosa essa meta, é que Victor Nunes (1914) confessa duvidar
do êxito pleno da formulação de boas normas de técnica legislativa, acrescentando
que assim pensa porque o problema é essencialmente de cultura, em especial de
cultura jurídica. (SOUZA, 1994)
São problemas da técnica de aplicação: vigência, interpretação, integração,
eficácia da lei no tempo e eficácia da lei no espaço.
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2 NATUREZA CIENTÍFICA
Há quem conteste o caráter científico do saber jurídico, pelo entendimento de
que somente os objetos naturais podem ser cientificamente abordados.
As palavras que maior eco encontraram foram as de Hermann Kirchmann
(18021884) que, numa famosa aula reitoral, contestou o direito como ciência, de
modo acrimonioso e, às vezes, pitoresco. (SOUZA, 1994)
Partiu Kirchmann da observação, sem dúvida procedente, de que o objeto de
uma ciência é sempre independente dela mesma. Exemplificava: o teorema de
Pitágoras (565497 a.C.) existia antes que ele o tivesse descoberto, assim como os
animais sempre viveram, dentro de sua própria fisiologia, antes que a ciência os
descrevesse. O mesmo acontece com o conhecimento jurídico, cujo objeto são
instituições, a família, o casamento, a propriedade, os contratos, etc. Um povo pode
viver sem ciência jurídica, não sem Direito. Assim, à ciência do Direito cabe missão
igual à das demais ciências em relação ao respectivo objeto: compreendê-lo, achar
suas leis, desenvolver conceitos, precisar as conexões existentes entre as várias
instituições e, por fim, tudo expor em um sistema claro.
É lícito então indagar: como tem ela desempenhado sua tarefa? A resposta
desanima e frustra. Diante de outras ciências, a jurisprudência revela espantoso
atraso. Na Grécia, por exemplo, já alguns ramos do conhecimento haviam feito
apreciável progresso, enquanto que a jurisprudência, máxime a relativa às instituições
privadas, apenas iniciara seu trabalho. Com Francis Bacon (15611626), firmado o
princípio da submissão da especulação à experiência, as ciências progrediram
espetacularmente, menos a do Direito que ficou estagnada. (SOUZA, 1994)
A causa dessa situação, porém, não pode ser atribuída aos juristas, tantos são
os séculos de sua atividade, mas ao objeto mesmo daquilo que pretendem seja a sua
ciência. Será, portanto, a comparação desse objeto com os de outras disciplinas que
revelará a essência do problema.
Se promovesse esse paralelo, os objetos de outras ciências são imutáveis (os
astros, os corpos animais, etc.), já o do direito é cambiante. Se uma ciência de objetos
reais se atrasa, essa circunstância não a compromete: a qualquer tempo, ela os
encontrará tal como eles são e sempre foram. Mas, se a jurisprudência, por hipótese,
ao cabo de longos anos, pudesse alcançar um autêntico conceito, uma verdadeira lei,
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seu objeto já teria variado. Sua fatalidade é chegar tardiamente ao conhecimento
daquilo a que se aplica. Por exemplo, o Estado grego só foi perfeitamente
compreendido depois da sua decadência. (SOUZA, 1994)
Daí, como corolários:
A ciência do direito tende a oporse ao progresso do próprio direito,
razoável que seja que se apegue às suas verdades, ainda quando já
inexistente o objeto a que se referem;
Por isso mesmo, inclinase com muita frequência para o estudo das
instituições passadas, cujos contornos se delineiam com mais fixidez do
que os das atuais.
Por outro lado, a posição de um estudioso de fatos naturais é puramente
intelectual, e a do jurista é habitualmente passional, uma vez que o próprio objeto do
seu estudo suscita paixões, tendências, ideologias e reivindicações. (SOUZA, 1994)
Finalmente, se analisar as próprias leis jurídicas positivas em si, pode-se ver
que elas jamais se podem prestar para tema de compreensão científica, porque:
Impõem-se, pouco importando sejam verdadeiras ou falsas, justas ou
injustas;
Quando verdadeiras, sua expressão é comumente defeituosa, gerando
lacunas, contradições, obscuridades e dúvidas;
São rígidas, enquanto o direito mesmo é progressivo;
São abstratas, alheias à riqueza das formações individuais, o que leva a
conceitos híbridos, como os de equidade e arbítrio individual;
São arbitrárias, como as que fixam a maioridade em data certa, ou as que
marcam prazo;
São dóceis tanto à sabedoria do legislador quanto à paixão do tirano;
A bibliografia que se escreve sobre elas converge, principalmente, para seu
aspecto imperfeito, o que faz dos seus erros os temas mais comuns da
ciência do Direito, sendo levadas a sério autênticas questiúnculas ridículas.
A crítica de Kirchmann reflete, em grande parte, uma atitude ligada a um certo
conceito histórico de ciência. Esta, com efeito, como assinala Bergson, em certa
época apenas se preocupava com as grandezas e sua medida, cuidado que logrou
aparente êxito no campo das ciências ditas naturais. Quando estas atingiram alto
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desenvolvimento e, coincidentemente, entraram em crise as grandes sínteses
filosóficas precedentes, valorizou-se ao extremo o saber da natureza, mentalidade
que corresponderia, necessariamente, à ideia de que ciência só é o conhecimento de
objetos naturais. Somente a natureza teria a fixidez e a regularidade precisas para
emprestarem a um objeto qualificação adequada ao saber científico. (SOUZA, 1994)
Verdade é, porém, que, se um saber é ou não é científico em função do seu
objeto, também o é ou não é, segundo a posição que o homem adota diantedele. Os
astros podem motivar, ao mesmo tempo, a astronomia, uma ciência, e a astrologia,
uma charlatanice. Não é simplesmente o objeto que ao saber empresa atributo
científico, mas também a posição e o método que o homem adota para abordá-lo e
expô-lo. Como observa J. Arthur Thomson, a ciência não se limita a determinada
ordem de fatos; Caracteriza-se como uma atitude intelectual. (SOUZA, 1994)
O saber é ciência se o homem, ao considerar um objeto, o faz através de
métodos idôneos, de maneira sistemática e impessoal.
Aquela restrita ideia de ciência teve em Dilthey o seu grande demolidor. Apeou
a filosofia da sua presunção de ciência do absoluto, afirmando não existir filosofia,
mas filosofias, pois que os princípios racionais saem do homem histórico, emergem
dos sentimentos vitais e da necessidade de entender precisamente determinadas
épocas históricas. Pondo o homem no centro do universo científico, precisou a
existência de ciências culturais, cujo método é o da compreensão, sendo esta um
reviver sentidos, dado que de outro modo algum será possível entender o que o
homem cria. Compreender, portanto, seria reviver situações humanas porque
somente estas revelam a significação do que é cultura. Semelhante foi a orientação
de Windelband, Rickert e Georg Simmel (18581918). Lembrando o ensinamento
kantiano, consoante o qual o conhecimento objetivo não é a mera imagem de uma
realidade externa, senão que vale pela sua universalidade e sua lógica necessidade,
Windelband introduziu no conhecimento do real um elemento de valor, que tem seu
lugar próprio e define um foco tão legítimo de consideração dos objetos, quanto o é
sua simples observação. Rickert, cuja importância é justamente realçada por August
Messer, observou que as ciências, assim consideradas aquelas puramente
descritivas, deixam escapar tudo quanto há de particular e individual na realidade
concreta, o que somente se alcança pelo método histórico, atuando este, portanto,
como fundamento de uma autêntica atividade cognoscitiva. E atribuiu prioridade lógica
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ao valor e ao deverser na determinação da verdade. E Simmel realçou a importância
da especulação do homem sobre a sua própria cultura. (SOUZA, 1994)
Assim despontou a distinção entre as ciências naturais e culturais,
respectivamente, de explicação e de compreensão. Ciências há que, diante de um
objeto, limitam-se a descrevê-lo. Outras procura, para além da sua realidade,
alcançar a sua significação, o que é sempre um dado humano. Estas compreendem
o objeto, assinalando o sentido.
Aliás, a convicção de que o empirismo deve ser admitido como princípio
científico geral foi rebatida de forma definitiva por Edmond Husserl (18591937), cuja
obra, na justa observação de Teodor Celms, constitui um mundo de ideias cuja
monumentalidade de dimensões assombra e ante cuja maestria de execução não
pode deter-se, senão com admiração e respeito, todo aquele que tiver um sério
interesse pela Filosofia. Dentre cujos argumentos críticos destacase, pela sua
simplicidade e limpidez, o relativo à existência dos números. Os objetos da
matemática nunca podem ser apreendidos empiricamente, e a ela, todavia, não se
pode negar condição científica. (SOUZA, 1994)
Pode-se, então, concluir pela existência de pelo menos três grupos de ciências,
perfeitamente autônomos:
As ciências matemáticas, de fundamento lógico imediato;
Os naturais empíricos descritivos;
As culturais compreensivas.
Ao conjunto das ciências culturais pertence a do direito, visto que este é, em
si mesmo, um produto cultural.
2.1 Procedimento
Admitido o caráter científico do conhecimento jurídico, resta explicar em que
consiste.
O seu objeto são normas jurídicas, integradas num sistema. Sobre a norma a
ciência do Direito realiza um trabalho de clarificação e compreensão. O jurista não se
limita a expô-la. Dedica-se, também, a compreendê-la, na sua plena significação, e
desdobrá-la em toda a sua aplicabilidade.
Esta tarefa é realizada em três níveis:
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Interpretação;
Construção;
Sistematização.
O primeiro labor do jurista é o de interpretar a norma. Ao fazê-lo, procura
apreender a sua significação total, revelando a normatividade latente que não raro se
oculta sob a sua normatividade aparente. Como se trata de processo que constitui
capítulo próprio da técnica jurídica, deixa-se seu exame mais minucioso para a última
parte deste trabalho, destinada, exclusivamente, à exposição dos problemas contidos
nesse departamento da ciência do Direito. (SOUZA, 1994)
Decalcado na interpretação, o jurista opera num plano lógico mais elevado,
que chamamos construção. O conceito de construção é indeterminado, não apresenta
contorno nítido e se presta a entendimentos variados.
O que se deve observar, de pronto, é que não existe um abismo nem uma linha
divisória clara entre a interpretação e a construção, de modo que é difícil dizer quando
a ciência do direito deixa de ser interpretação e passa a construção.
Ao interpretar normas jurídicas e perceber as suas conexões, identifica-se a
organicidade com que se apresentam no seu conjunto e observa-se que parecem
conduzir a uma ideia comum. A conquista dessa idéiasíntese, que é a compreensão
total de certo conjunto de normas, é alcançada pela construção. A construção é um
conceito sintético, obtido pelo jurista, depois que, interpretando diversas normas,
colocase numa posição capaz de compreendê-las, não cada uma de per si, nem
também apenas no seu conjunto, mas numa ideia a que todas se reduzem e que a
todas explica. No plano da construção é que bem constata-se o acerto do comentário
de Jacques Leclercq, ao ponderar que o Direito Positivo é, de certo modo, a matéria
prima que os juristas convertem em produto acabado.
Somente a construção permite conseguir amplos conceitos de um Direito
Positivo, intimamente ligados à experiência, mas superiores a ela, tais como os de
propriedade, pessoa, etc. (SOUZA, 1994)
A ciência do Direito opera num movimento de vaivém entre a interpretação e a
construção. Se lograr a construção pela interpretação, usa-se desta para testar
aquela. Não se encontra, por exemplo, a noção de família legal brasileira em nenhuma
norma positiva. Do conjunto das normas do Direito Civil, porém, obtém-se visão
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unitária do que é a família legal no Brasil. Se, por hipótese, tiver uma questão para
julgar, já partir daquele conceito para aplicá-lo à sua solução.
Entre a interpretação e a construção existe relação de reciprocidade. Só pode-
se construir depois de interpretar, mas, feita a construção, dela provém luz que dá
claridade ao campo da pesquisa interpretativa, que passa a ser feita em função de
uma ideia sintética.
A ciência do direito culmina na sistematização. Assim como não se pode
chegar à construção sem interpretação, não se pode sistematizar sem construir. Há
uma gradação nesses processos. Eles se sucedem e se influenciam, de tal maneira
que cada um é o suporte do subsequente, e, por sua vez, projeta sobre a precedente
noção mais clara do que a anteriormente obtida. A sistematização está para a
construção assim como a construção está para a interpretação. No trânsito da primeira
para a Segunda fase, como no da Segunda para a terceira, há um processo que se
caracteriza pela sua crescente generalização. A construção é mais generalizadora do
que a interpretação, e a sistematização, mais do que a construção.
Sistematizar é considerar um setor do saber jurídico na sua integralidade.
Depois de atingidos conceitos parciais, como os de família, propriedade, herança, etc.,
obtém-se uma visão total da área do saber jurídico do qual emergiram.
Exemplificando, interpretado o Direito Civil Positivo, construídos os conceitos das
instituições civis, chega à sua sistematização. Não será apenas uma visão
panorâmica, sim ordenada. Sistematizar não é verde longe ou ver tudo; é emprestar
a essa visão caráter lógico total. A lei pode seguir uma ordem e a sua exposição ser
feita em outra pelo jurista que a sistematiza, organizando logicamente a experiência
jurídica, atribuindo-lhe a configuração racional que ela em si mesma não contém.
A sistematização é a última tarefa da ciência do Direito, é a integração da
experiência jurídica num todo suscetível de compreensão e exposição lógicas.
(SOUZA, 1994)
2.2 Evolução
O protestantismo realizou a laicização do Direito, emancipando-o da religião. A
inteligência medieval não era infensa à distinção entre as normas jurídicas, morais e
religiosas. Doutrinariamente, a diferença estava já feita, com clareza, principalmente
12
nas obras de São Tomás de Aquino e Francisco Suárez (15481617), os maiores
nomes da escolástica na Filosofia jurídica. Mas a tradição medieval impunha ao
Direito e à moral certa subalternidade, diante da religião. Ora, qualquer realidade, cujo
fundamento seja sobrenatural, não pode ser objeto de ciência.
O protestantismo contribuiu para afirmar o caráter humano do Direito, sem
embargo do caráter divino da missão por ele pretendida, o que foi apenas um dos
aspectos da Reforma, que Alfred Weber considera o fato de maior importância
universal realizado pelos alemães no movimento do mundo ocidental. (SOUZA, 1994)
2.3 Separação da moral
O conhecimento jurídico foi melhor encaminhado no rumo científico pela
separação entre direito e moral, já na Idade Moderna com Thomasius e Kant. Daí as
regras de consciência passaram a distinguir-se das regras de coexistência. (SOUZA,
1994)
Ocorreu depois a ontologização do Direito Positivo, ou seja, este passou a ser
aceito como realidade em si, não reflexo da outra. Durante muito tempo, sob feições
variadas, perseverou a noção de um Direito Natural. Basicamente, significava, então,
algo existente que era direito naturalmente, direito justo, direito na sua própria
substância. A lei e os costumes, Direito Positivo, poderiam ser direito ou não,
conforme afinassem ou desafinassem com o Direito Natural. Para uns, esse Direito
Natural estava ligado à própria natureza das coisas, para alguns resultava da razão
do homem, para outros seria uma lei gravada por Deus na consciência humana. Em
suma, a ideia de um Direito Natural importava a afirmativa de que o Direito Positivo,
feito pelo homem, seria algo de artificial, podendo, segundo sua coincidência ou não
coincidência com o Direito Natural, ser ou não Direito. Das várias concepções do
Direito Natural a que mais perdurou foi a do Direito Natural racional, pela qual o
homem tem uma razão suficiente em si, capaz de lhe permitir formular, com exatidão,
regras válidas e justas de convivência, ideia que, embora metafísica, importava, como
assevera Alceu Amoroso Lima (1893), a afirmação da natureza temporal do homem
e do próprio Direito.
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2.4 Escola histórica
A escola histórica, que teve como principais representantes Gustav Hugo
(17641844) e Friedrich Karl von Savigny (17791861), rebelou-se contra tal teoria,
para sustentar que o direito nasce espontaneamente da convivência dos homens,
atribuindo-lhe natureza histórica e não a de fruto da razão. Sempre que os homens
convivem, o direito surge entre eles, através de usos e costumes. O direito é produto
da convivência, não obra de gabinete. A razão dos juristas limitase apenas a
constatar e revelar a sua presença numa ambiência social. Ou, como expõe Edgar
Bodenheimer, são eles apenas depositários da confiança do povo e autorizados, como
representantes do espírito da comunidade, a formular as leis nos seus aspectos
técnicos.
Todo o povo, para a escola histórica, tem a sua própria consciência, da qual
emergem suas tradições, costumes, usos e regras jurídicas. O Direito é, assim, obra
genuinamente popular, jamais invenção dos juristas. A escola emprestava-lhe origem
histórica, daí a sua denominação. O Direito é um acontecimento histórico como
qualquer outro, e, sendo acontecimento, provém do próprio povo. (SOUZA, 1994)
A tarefa do jurista é ser sensível a esse Direito, existente fora dele numa difusa
consciência social. Ficava eliminada, assim, a dualidade de direitos: um, Direito em
si, Direito mesmo, outro, Direito que o homem cria. O Direito é um só. É o que como
tal se vê nas leis, nos costumes, e não há outro que não seja esse. (SOUZA, 1994)
A Revolução Francesa havia gerado um sistema legal no qual se cristalizara a
concepção racionalista do Direito: a razão, em auto esforço criador, podia descobrir e
decretar quais as melhores formas de governo e qual o Direito mais perfeito e
adequado para reger as atividades humanas. O historicismo repudiou essa presumida
onipotência da razão, apontando a imprescindibilidade de se considerar o passado
vivido e as exigências atuais como determinantes legítimas de qualquer legislação.
Sob influência do romantismo, que ia desentronizando a razão do seu pedestal,
a escola histórica procurou outras fontes de formação da realidade fenomênica do
direito. Não pertenceram, porém, os juristas da escola histórica, como observa José
Corts Grau, citando Henri Bremond (1865 1933), à galeria dos românticos mórbidos,
que amam o passado como as viúvas aos seus maridos, porque já não os têm, de
modo que para aquele se volvem em posição contemplativa, como fizeram George
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Noel Byron (1788 1824) e Joseph Ernest Renan (18231892) para o helenismo.
Foram, sim, românticos tônicos, segundo a terminologia do mesmo autor, que
amaram o passado, mas o receberam como fonte de inspiração, e o reanimaram.
Para a escola histórica, o Direito é, como a moral, a religião, a língua, a arte,
fruto das essências mais íntimas do povo, produto do seu espírito, concreção vital das
suas convicções e sentimentos, função de cada consciência nacional. O espírito do
povo não é simples metáfora de sentido duvidoso e conteúdo impreciso, mas uma
entidade real que se alimenta da história. Por isso, o costume, que é a sua
manifestação mais espontânea e direta, brota como fonte primordial do Direito.
Hugo observou que o Direito pode aparecer e realmente aparece à margem de
qualquer atividade legislativa, como havia ocorrido em Roma e na Inglaterra, nesta
última criado pelos juízes, mas, nota Edward Jenks, nascido e desenvolvido do povo,
pois de costumes e de suas práticas foram tirados os seus materiais. E fez um paralelo
entre o Direito e a linguagem, ambos semelhantes em seu nascimento e
desenvolvimento. (SOUZA, 1994)
Quando Anton Friedrich Thibaut (17741840) publicou monografia
preconizando a necessidade de um Direito Civil comum para toda a Alemanha, à tese
opôsse Savigny, realçando a importância dos costumes, os quais levou ao primeiro
plano como expressão única verdadeira do espírito do povo, afirmando que ao
legislador mais não cabia senão ser intérprete e tradutor oficial das regras
consuetudinárias.
A partir da escola histórica, o Direito passou a ser coisaemsi, não sombra de
um Direito Natural. (SOUZA, 1994)
2.5 Teoria geral
Com isso, abriuse a perspectiva de uma real ciência do Direito, para cuja
aceitação necessário era que ao Direito Positivo fosse conferida realidade autônoma.
Na base desses elementos, a ciência do Direito pôde libertar-se dos obstáculos
que a tolhiam e atingir apreciável nível de rigor e exatidão. (SOUZA, 1994)
Já no século passado despontou a teoria geral do Direito, cuja importância,
para o seu desenvolvimento, nunca é exagerado estimar. A teoria geral reconheceu
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no Direito Positivo substancialidade própria, e, dele fazendo seu único objeto, partiu
para a formulação dos quadros em que opera a experiência jurídica.
2.6 Posição enciclopédica
A possibilidade de classificação do conhecimento jurídico no quadro geral das
ciências está na dependência da aceitação de um conceito lato moderno de ciência.Por conseguinte, será inútil tentar localizá-lo em qualquer classificação tradicional.
2.6.1 Comte
Assim, na classificação de Comte, na qual as ciências estavam dispostas na
ordem crescente da sua complexidade e decrescente da sua generalidade
(Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia), não encontra-
selugar para a ciência do Direito. (SOUZA, 1994)
2.6.2 Spencer
Classificação que durante algum tempo foi objeto de larga aprovação, a de
Spencer grupava as ciências em três ramos: abstratas (Lógica e Matemática), abstrato
concretas (Mecânica, Física e Química) e concretas (Astronomia, Geologia, Biologia,
Psicologia e Sociologia). Nela também seria impossível encontrar posição adequada
à ciência jurídica. (SOUZA, 1994)
2.6.3 Bourdeau
A classificação de Louis Bourdeau (18241900), excelente para o seu tempo,
também não enquadrava qualquer ciência cultural: Ontologia positiva ou lógica,
ciência das realidades; Metrologia ou Matemática, ciência das grandezas; Teseologia
ou Dinâmica, ciência das situações; Poiologia ou Física, ciência das modalidades;
Crasiologia ou Química, ciência das combinações; Morfologia, ciência das formas; e
Praxiologia, ciência das funções.
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2.6.4 Pearson
Muito bem esquematizada e ampla é a classificação de Karl Pearson
(18571936), e nela se pode, por extensão, dar lugar à ciência do Direito, ainda que
com impropriedade:
Ciências a b s t r a t a s ( Lógica, Matemática, Estatística e
M a t e m á t i c a s aplicadas), as últimas servindo de enlace com as
primeiras;
Ciências concretas físicas (Física, Química, Mineralogia, G e o l o g i a ,
Geografia, Meteorologia, etc.) e
Ciências concretas biológicas (Biologia, Psicologia e Sociologia).
Passando às classificações inspiradas na orientação filosófica de Windelband
e Rickert, o quadro alterase sensivelmente.
2.6.5 Windelband
Windelband admitia dois grupos de ciências: as nomotéticas e as idiográficas.
Ao primeiro grupo pertencem as ciências explicativas. Seu ponto de partida é a
observação, sem que seja esta, porém, a sua finalidade. O objetivo delas é a
formulação de leis e, apenas em função dessa meta, servem se dos fatos e das coisas
a que se aplicam.
A Astronomia, por exemplo, estuda os astros, mas não se interessa por estes
em si mesmos, senão que objetiva reduzir a leis o seu movimento, etc. O psicólogo
examina as pessoas, sem tomar interesse por qualquer delas individualmente. Da sua
conduta serve-se para elaborar leis psicológicas. Assim também a Sociologia, com
isso se distinguindo da História. Os fatos de que ambas lançam mão são os mesmos.
Mas a Sociologia, nota-se, somente se interessa por eles na medida em que a
habilitam a enunciar leis gerais dos processos sociais.
Essas ciências não aderem ao seu objeto em sua singularidade, mas procuram,
antes, desta libertar-se para alcançar leis abstratas. (SOUZA, 1994)
Ao lado de tais ciências, que só se ocupam de coisas, fatos e pessoas enquanto
servem de suporte à abstração, há as ciências históricas ou ideográficas. Dedicam-se
17
aos fatos em si, são ciências individualizadoras, em contraste com as nomotéticas que
são generalizadoras.
A História, quando examina um acontecimento, quer vê-lo nas suas
características, naquilo em que ele é diferente de todos os outros ou, como escreve
Reichel, o que existe com caracteres próprios uma única vez e não se reitera.
As ciências nomotéticas utilizamse dos fatos como trampolim para as leis
gerais, e as ideográficas ou históricas pretendem os próprios fatos em si, na sua
peculiaridade. (SOUZA, 1994)
A divisão de Windelband, por mais ampla que seja comparada com as
anteriores, não acolhe a ciência do Direito, que não é uma ciência de leis gerais nem
de fatos, mas de normas.
2.6.6 Cossio
Carlos Cossio adota classificação decalcada na teoria dos objetos, que são de
tríplice natureza: ideais, naturais e culturais. Os ideais são: aespaciais e atemporais,
neutros ao valor, ausentes da experiência e alcançados por intelecção.
Correspondemlhes as ciências formais: Matemática e Lógica. Os naturais são
espaciais e temporais, dão-se na experiência, são neutros ao valor e ao seu
conhecimento é obtido por explicação. Pertencem às ciências naturais. Os culturais,
também espaciais e temporais, revelam-se na experiência, são positiva ou
negativamente valiosos, somente podem ser conhecidos por compreensão. O seu
estudo é feito pelas ciências culturais, também chamadas sociais e humanas.
Consoante Cossio, cabe a ciência do Direito entre as disciplinas culturais.
2.6.7 Kantorowicz
Kantorowicz, que dividia as ciências em três grupos (da realidade, de sentido
objetivo e de valores), situava a do Direito entre as últimas.
18
2.6.8 Kelsen
Kelsen divide as ciências em explicativas e normativas. A sua divisão é
concebida à luz da distinção entre as categorias de ser e dever ser. Haverá, assim,
ciências do ser, explorando o hemisfério do ser, tendo por objetivo aquilo que é, e
ciências do dever ser, explorando o hemisfério da conduta, enquanto reflexo de um
dever.
Na classificação de Kelsen, pode-se incluir o Direito entre as ciências
normativas, dado que o seu objeto próprio é a norma jurídica. (SOUZA, 1994)
2.6.9 Máynez
Máynez propõe uma classificação que é composição de elementos extraídos
das precedentes, a qual, sem ser original, é mais analítica. Para ele, as ciências
grupam-se em quatro categorias: explicativas, ideográficas, matemáticas e
normativas. Explicativas e ideográficas são as mesmas identificadas por Windelband.
As matemáticas são ciências dos axiomas, inconfundíveis, até mesmo pelo
imediatismo do seu suporte lógico, com quaisquer outras. Normativas, as mesmas da
classificação de Kelsen.
Máynez, com apoio em Somlò, subdivide as ciências normativas em
nomotéticas e normográficas. As nomotéticas consideram as normas na sua
formulação e os problemas ligados a esse processo. As normográficas estudam as
normas quanto à sua aplicação e respectivos problemas. (SOUZA, 1994)
Divididas assim as normativas, é evidente que a ciência do direito, tal como a
defini-se, se incluirá na Segunda subdivisão, porque ela não estuda a formulação de
normas jurídicas, mas normas já formuladas, para expô-las sistematicamente e
resolver os problemas de sua aplicação.
19
3 TEORIA GERAL DO DIREITO
Ao estudar as disciplinas jurídicas, conclui-se que somente duas eram
fundamentais: a Ciência e a Filosofia do Direito. Das complementares cita-se, apenas,
a Sociologia Jurídica, a história do Direito e o Direito Comparado. (SOUZA, 1994)
Quebrando esse esquema, surge a teoria geral do Direito, incluída na parte
alusiva às disciplinas jurídicas, sem que entre essas tivesse sido localizada.
Justifica-se a aparente incongruência, já porque a singularidade da teoria geral
dificulta sua inclusão num quadro didático das disciplinas jurídicas, já porque sua
importância não justificaria a omissão, podendo o seu aparecimento ser considerado
o mais importante evento na evolução da doutrina moderna do Direito. Não lhe basta,
portanto, uma simples referência eventual, senão que capítulo próprio no
planejamento do curso.
Além disso, parece que a teoria geral ocupa como que uma região fronteiriça
entre a filosofia e a ciência do direito. Já houve quem afirmasse que ela é o aspecto
científico da filosofia do Direito e o aspecto filosófico da ciência do Direito. Esta
observação é uma das mais sagazes que se podem formular a respeito. Realmente,
pela sua positividade, ela é científica. No entanto, pelos temas que considera e pela
generalidade com que o faz, é filosófica.
3.1 Origem
Para compreender o que é a teoria geral do Direito deve-se começar pelo
exame do sentido da filosofia que a impregnou. Na origem, a teoria geral do direito
está para a Filosofia jurídica,como o Positivismo para a Filosofia geral. Ela foi o
reflexo, no campo restrito daquela, de um movimento ocorrido no campo mais amplo
desta: o Positivismo, fundado por Augusto Comte, que teve repercussão até no Brasil,
talvez porque, repara Oliveira Martins (18451894), era o exemplo singular de uma
escola de Filosofia na qual abundavam médicos, engenheiros, economistas, publicitas
e até literatos, mas na qual não havia filósofos. Nos primeiros tempos da República,
impossível é negar, conforme a opinião de Sílvio Romero (18511914), tenham sido
os militares e os positivistas os dois grupos mais influentes.
O lema da bandeira brasileira é positivista: a ordem por base e o progresso por
fim. Por ter alcançado no Brasil de então grande ressonância, quando é certo que
20
ainda hoje, no comentário de Cruz Costa, parece muito cedo para que possa existir
Filosofia em nossa terra, é fácil concluir a que ponto chegou, em certo momento, a
influência desse movimento. (SOUZA, 1994)
A Filosofia prépositivista havia prescindido de toda problemática humana e
enveredado do racionalismo para o idealismo mais transcendental. Mas há, na história
da Filosofia, uma espécie de movimento pendular. Ela, por isso, teria que voltar a
participar dos problemas imediatos da vida do homem, esses que o interessam
realmente de maneira total.
O Positivismo foi um retorno da Filosofia à realidade dos fatos e da vida, razão
da sua atitude antimetafísica. (SOUZA, 1994)
A metafísica é o mais importante capítulo da Filosofia especulativa, porque
consagrado ao conhecimento das verdades absolutas. O problema metafísico por
excelência é o de ser não este ou aquele, nem todos um por um, mas o ente todo, o
ente como tal na totalidade, a que se refere Martin Heidegger (18891976).
Ainda que não seja fácil caracterizá-lo em síntese, pode-se, todavia, equacioná-
lo, observando o ensinamento de N. Gonzalo Casas. Diante da realidade, pode-se
compreendê-la de três pontos de vista, cuja sucessão representa um aprofundamento
crescente da visão e uma generalização progressiva do entendimento. O primeiro é a
sensível. Pela sua corporeidade móvel todas as coisas se identificam no mesmo nível
de realidade, sem embargo dos seus predicados característicos. Pode-se, porém,
abandonar os aspectos da realidade, sejam particulares ou comuns, e nos fixar,
unicamente, nas relações de quantidade entre os objetos. É exatamente esse
conhecimento metafísico (de essências, de verdades absolutas) que o Positivismo de
Comte contestou, recusando-lhe possibilidade. Não contestou, ensina Farias Brito,
cuja simplicidade de estilo é gabada por Jônatas Serrano (18851944), a existência
de causas primárias ou finais. Afirmou, apenas, que sobre esse assunto não há
conhecimento possível, sendo que todos os esforços empregados no sentido de dar
solução a esses problemas têm sido sempre vãos e de resultado inteiramente
negativo, razão pela qual se deveria desistir de qualquer nova tentativa. Na sua
maneira de entender, o saber humano consegue apenas fixar relações de semelhança
e sucessão entre os objetos, por isso é relativo segundo as coordenadas em que estão
contidos, o espaço e o tempo. Disso resultou, escreve M. Carbone, a pretensão de
que as ciências naturais e as que se chamavam do espírito, culturais ou de fins,
21
fossem investigadas mediante os mesmos procedimentos. Houve assim – a
observação é de Antônio Caso (18851946) – uma efetiva mutilação da experiência,
cujos próprios resultados possíveis foram minimizados.
A ambição metafísica é estéril, por absoluta impossibilidade de realização. Dela
devem afastar-se as ciências. A estas compete procurar leis ou relações entre os
fenômenos, e ignorar a natureza íntima e as causas das realidades ou essências que
correspondem aos seus objetos. (SOUZA, 1994)
Ora, se não se pode fugir aos limites da experiência externa (fatos físicos) e
interna (fatos psíquicos) e não é possível qualquer metafísica, a filosofia há de
contentar-se também com o conhecimento de fatos suscetíveis de experiência, para
o efeito de entendê-los unificadamente. Desempenhará, na verdade, o papel de
metodologia científica.
Essa teoria repercutiu na Filosofia jurídica, inspirando a teoria geral do Direito.
Abandonou-se a especulação sobre o direito, sua essência, sua idealidade. Deixou-
se de considerar o direito em si, com o que se continuava a escola histórica. Passou-
se a considerá-lo apenas tal como era dado pela experiência: o Direito Positivo.
Somente este poderia ser motivo de interesse intelectual. Quaisquer conceitos a que
se devesse chegar teriam de ser alcançados a partir da experiência do Direito Positivo,
e somente dela. Também aqui a tarefa intelectual consistiria em observar, comparar
e generalizar.
Os principais representantes da teoria geral do Direito, ao tempo da sua
formação, foram, na Alemanha, Karl Magnus Bergbohm (18491927) e Merkel, na
Itália, Francisco Filomusi Guelfi (18421922), na Rússia, Korkounov, na França,
Edmond Picard (18361924) e Ernest Roguin.
Antes, porém, já John Austin (17901859), fundando a chamada escola
analítica de jurisprudência, lhe antecipara a diretriz, atribuindo à atividade teórica dos
juristas a missão de expor as noções e os princípios gerais abstraídos dos sistemas
jurídicos positivos. Observou ele que os sistemas legais mais amadurecidos
apresentam uma certa uniformidade de estrutura, razão pela qual à ciência do Direito
caberia a tarefa de elucidar as suas uniformidades e analogias, partindo
exclusivamente da observação. (SOUZA, 1994)
Para a teoria geral do Direito a doutrina jurídica teria base indutiva. Até então,
exceção feita da contribuição da escola histórica, prevalecia a aplicação do método
22
dedutivo. Os jusfilósofos partiam de noções gerais e abstratas e delas deduziam as
consequências doutrinárias implícitas. Contra essa atitude voltou-se a teoria geral,
postulando a criação de uma ciência jurídica experimental.
Isso importava impor ao jurista a observação da realidade jurídica, que é o
Direito Positivo. Caber-lhe-ia comparar as instituições jurídicas, determinar o que
houvesse de constante e de afim em todas elas, para identificar suas noções comuns.
Verificadas as constantes, passaria a formular os princípios gerais. A sua
posição seria sempre positiva. Da observação caminharia pela comparação, e, depois,
por indução, do particular para o geral, chegando à generalização.
Esta é a versão da teoria geral do Direito, tal como apareceu. Originariamente
positivista, enquanto submissa à filosofia de Comte, padeceu de certa esterilidade.
Ulteriormente, libertando-se dessa servidão, conquistou resultados notáveis.
Transformou-se no que Siches denomina teoria fundamental do Direito, capítulo da
Filosofia jurídica. Surpreendente foi, apenas, que tal modificação se tivesse operado
através da captação de elementos nitidamente influenciados pelo pensamento
kantiano. (SOUZA, 1994)
A teoria geral, adstrita a procedimentos empíricos, jamais atingiria níveis
significativos de generalização, imprescindíveis para que o conhecimento do Direito
possa estender-se aos horizontes de uma verdadeira doutrina. Como simples ciência
formal de relações e, por isso, completamente divorciada da Filosofia (Huntington
Cairns), seu horizonte ficou demasiado restrito. Se a experiência é indispensável ao
conhecimento de qualquer realidade e todo saber que dela se divorcia inclinase para
a abstração vazia, a inteligibilidade da experiência supõe pré-requisitos lógicos, sem
os quais é inviável. Por exemplo, fazer do Direito tema de experiência presume saber,
por antecipação, o que é Direito, pelo menos em sentido formal, a fim de que a
observação fique circunscrita ao seu objeto. O conceito mesmo de Direito, se
pretendido em termos abrangentes de qualquer realidade fenomênica sob a qual ele
seapresente, precede logicamente a experiência.
Assim é que, sabiamente, explica Giovanni Gentile (18751944), não é possível
falar de fenomenologia jurídica, como fazem sociólogos, historicistas e empiristas de
toda a espécie, sem postular uma investigação que transcenda a órbita dos
problemas a que se propõem, isto é, uma investigação da categoria das categorias
jurídicas. (SOUZA, 1994)
23
Orientada para finalidades mais ambiciosas e doutrinariamente mais
importantes, a teoria geral, convertida em teoria fundamental do Direito,
especialmente pelas contribuições com que a enriqueceram e modificaram Ernst Rodlf
Bierling (18411919), Stammler e Kelsen, este proporcionando, na justa observação
de Jerome Hall (1901), a melhor ontologia jurídica de que atualmente dispõe a ciência
do Direito, procura colimar dois resultados:
Determinar o conceito de Direito, de alcance universal, capaz de conter
qualquer manifestação efetiva da realidade jurídica, atual, passada ou
futura, real ou meramente possível.
Formular conceitos mais restritos, válidos para todas as disciplinas
jurídicas, sem os quais a experiência do Direito Positivo é impossível,
tais como os de norma, sujeito, objeto, relação, dever, direito, legalidade,
ilicitude, etc.
A determinação do seu preciso objeto, porém, ainda é tema de divergência.
Para alguns, ela deve ser uma enciclopédia jurídica, visão panorâmica do
Direito Positivo. Ora, só pode-se fazer enciclopédia jurídica de um Direito Positivo,
porque somente a sua organicidade a permite. Atitude, aliás bastante infiel à natureza
da teoria geral do Direito, pois que, se esta pretende alcançar princípios gerais obtidos
pela indução, não lhe corresponde confinarse a um determinado sistema de Direito.
Para outra corrente, a teoria geral é a própria Filosofia jurídica. Posição,
historicamente mais autêntica, por ter sido ela movimento doutrinário que visava à
implantação de uma disciplina sucedânea da filosofia do Direito. (SOUZA, 1994)
Há, também, quem estabeleça identidade entre a teoria geral e a ciência do
Direito. Essa pretendida identificação fundamentase em que a ciência do Direito mira
um Direito positivo, mas exerce sobre seu objeto uma tarefa conceitual que lhe
concede formular princípios, não sendo, assim, simplesmente descritiva. E como a
teoria geral também se eleva da simples experiência jurídica a princípios gerais, pode
parecer, por isso, que existe identidade entre ela e a ciência do Direito.
A evidente diferença está, entretanto, em que a ciência do Direito, no seu
sentido estrito, como ciência de um sistema de Direito Positivo, parte exatamente das
noções fornecidas pela teoria geral, que, para ela, são verdadeiros pressupostos,
sobre os quais não especula, como as de relação jurídica, sujeito ativo e passivo de
24
Direito, objeto do Direito, fato jurídico, etc. Com isso, verifica-se que tanto a ciência do
Direito como a teoria geral do Direito, são matérias generalizadoras, sendo, porém, a
generalização da Segunda muito mais ampla, e o seu ponto de partida mais recuado.
Observa-se, todavia, que, para os que afirmam aquela identidade, a ciência do Direito
não é concebida como pura exposição sistemática de um Direito Positivo. O
verdadeiro saber jurídico científico seria o elaborado pela teoria geral, tratado de
noções comuns a todas as ordens jurídicas positivas.
Atualmente, duas são as posições competitivas. Não se pretende mais que a
teoria geral do Direito seja disciplina sucedânea da Filosofia jurídica; Também não se
discute que não se pode confundi-la com a enciclopédia jurídica. Continuam em
conflitos duas teses: a teoria geral do Direito é parte da Filosofia jurídica (Ziches); a
teoria geral do Direito é a ciência do Direito (Kelsen).
É como se houvesse uma atração em duplo sentido. Para alguns, a teoria geral
atrai a ciência do Direito. Para outros, a filosofia jurídica atrai a teoria geral, que
daquela é apenas um departamento. (SOUZA, 1994)
Recorda-se, a propósito, comentário anterior, quando observa-se que a teoria
geral do direito parece ocupar, entre a Filosofia e a ciência do Direito, um lugar
fronteiriço.
Tal circunstância deve ter motivado a conclusão de A. L. Machado Neto, para
quem a teoria geral, à semelhança da introdução, não é uma disciplina jurídica
propriamente dita, que desfrute de autonomia, sim uma disciplina didática. (SOUZA,
1994)
25
4 DIVISÃO
Atribui-se preponderantemente à teoria geral do Direito a consideração de dois
temas: os elementos essenciais da relação jurídica e a técnica jurídica. Reputa-se a
matéria exclusiva da teoria geral o estudo dos pressupostos de cognição, mais ou
menos amplos, de qualquer ordenamento jurídico, o que importa situá-la no campo da
filosofia do Direito.
É verdade que se pode admitir, com certa sutileza, a inclusão da técnica jurídica
na teoria geral. É que aquela, enquanto subordinada a regras de Direito Positivo, está
inclusa na ciência do Direito. Mas, fora desse âmbito de sujeição, opera segundo
princípios lógicos, e, estes, pela sua própria natureza, estão imunes à diversidade
existente entre vários sistemas de Direito Positivo. Mas, se tal circunstância bastasse,
por si mesma, para levar à teoria geral qualquer modalidade de conhecimento jurídico
em relação ao qual fosse atuante, também se chegaria a conclusão idêntica em
relação à própria ciência do Direito, dado que esta exerce, por igual, sobre a
experiência jurídica, um trabalho de inteligibilidade que obedece a uma lógica
peculiar.
É importante frisar aos diletos acadêmicos, que a partir do momento em que
muitos juristas e autores começaram a tomar consciência dos novos direitos que se
formaram com o desenvolvimento das sociedades de massa (especialmente o Direito
do Consumidor e o Direito Ambiental), surgiu um novo conceito, um conceito diferente
que acabou possibilitando a elaboração de uma nova classificação, moderna e
globalizada.
Esta classificação ultramoderna é agora capaz de dar conta dos problemas que
os limites entre Direito Público e Direito Privado colocavam.
Sem dúvida, os chamados Direitos Difusos (aqueles cujos titulares não podem
ser especificados – os direitos indivisíveis – EXEMPLO: todos indeterminadamente
estão sujeitos à publicidade enganosa; o direito de respirar ar puro é de todos etc.)
vieram a resolver a pendenga que existia. Temos condições agora, com a existência
deles, nessa terminologia adotada, de fazer uma clara e completa classificação dos
direitos.
DIREITO PÚBLICO é aquele que reúne as normas jurídicas que tem por
matéria o Estado, suas funções e organização, a ordem e segurança internas, com a
26
tutela do interesse público tendo em vista a paz social, o que se faz com a elaboração
e a distribuição dos serviços públicos, através dos recursos indispensáveis à sua
execução. Não se deve esquecer que o Direito Público, cuida também, na ótica
internacional, das relações entre os Estados.
DIREITO PRIVADO é aquele que reúne as normas jurídicas que tem por
matéria os particulares e as relações entre eles estabelecidas, cujos interesses são
privados, tendo por fim a perspectiva individual.
Como todos devem saber e até sentir, cada vez mais o Estado intervém na
órbita privada, não só para garantir os direitos ali estabelecidos, mas para impor
normas de conduta, anular pactos e contratos, rever cláusulas contratuais etc.
Há de fato, uma nova concepção social no Direito, e esta nova concepção que
atingiu, por exemplo, o Direito do Trabalho, tem seu ápice no Direito do Consumidor.
Isto posto, pode-se analisar cada um dos ramos do Direito, conforme
organograma entregue em sala, exposto logo abaixo.
27
4.1 Ramos do Direito Público Interno
DIREITO CONSTITUCIONAL é o sistema de normas positivas e de princípios,
que regem o ordenamento jurídico do Estado constitucionalou de direitos e cuja
finalidade é o amparo e a garantia da liberdade e da dignidade do homem.
DIREITO ADMINISTRATIVO é o conjunto de princípios e normas jurídicas que
presidem ao funcionamento das atividades do Estado, à organização e ao
funcionamento dos serviços público, e às relações da administração com os
indivíduos.
http://2.bp.blogspot.com/-7x8OVsRCS3A/TcmLeuu8etI/AAAAAAAAAD8/FTwRtY9NtYY/s1600/Tabela+colorida+Direito+positivo+pub.+priv.+dif..JPG
28
DIREITO TRIBUTÁRIO é a disciplina da relação entre o Tesouro Público e o
contribuinte, resultante da imposição, arrecadação e fiscalização dos tributos.
DIREITO PROCESSUAL é o complexo de princípios e normas que disciplinam
o processo. O Direito Processual está dividido em áreas, com três subdivisões
básicas:
a) DIREITO PROCESSUAL CIVIL, que regula as situações relativas à órbita
civil, comercial, fiscal, administrativa, do consumidor etc. Seu principal instrumento é
o Código de Processo Civil (CPC);
b) DIREITO PROCESSUAL PENAL, que regula as situações relativas à órbita
penal; seus principais textos legais são o Código de Processo Penal (CPP), as leis
das execuções penais e a Lei dos Juizados Especiais Criminais;
c) DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO, que regula as situações relativas
à órbita trabalhista; sua principal base legal é a Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) e o Código de Processo Civil (CPC).
DIREITO PENAL é o conjunto de normas jurídicas que regulam a defesa
preventiva e repressiva conta os atos ofensivos das condições essenciais da vida
social, pela imposição de certas penas e meios educativos apropriados.
DIREITO ELEITORAL regula todos os aspectos pertinentes ao sufrágio, as
suas normas destinam-se a assegurar a organização e o exercício do direito de votar
e ser votado ou o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a escolha dos
membros do Poder Executivo e Legislativo.
DIREITO MILITAR é aquele que regula as normas que afetam os militares.
4.2 Ramos do Direito Público Externo
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO é o conjunto de princípios ou regras
destinadas a reger os direitos e deveres internacionais, tanto dos Estados ou outros
organismos análogos, quanto dos indivíduos.
4.3 Ramos do Direito Privado
DIREITO CIVIL é o complexo de normas jurídicas, relativas às pessoas, na sua
constituição geral e comum, nas suas relações recíprocas de família e em face dos
bens considerados em seu valor de uso.
29
DIREITO COMERCIAL é o complexo de normas que regulam as relações
provenientes da prática de atos de comercio e os direitos e obrigações das pessoas
que exercem profissionalmente esses atos – os comerciantes e seus auxiliares.
4.4 Ramos do Direito Difuso Interno
DIREITO DO TRABALHO é o conjunto de normas jurídicas que regulam as
relações entre o empregado e o empregador.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO é o ramo do Direito que engloba as normas
jurídicas que cuidam da Seguridade Social (compreendendo a Saúde, a Previdência
Social e a Assistência Social).
DIREITO ECONÔMICO é o ramo do direito que se compõe das normas
jurídicas que regulam a produção e a circulação de produtos e serviços, com vistas ao
desenvolvimento econômico do País. Estas normas regulam monopólios e oligopólios,
tentam impedir a concorrência desleal. (Lei Antitruste nº 8.884/94 – Lei de Economia
Popular – Lei de Livre Concorrência)
DIREITO DO CONSUMIDOR é o ramo do Direito cujas normas regulam as
relações potenciais ou efetivas entre consumidores e fornecedores de produtos e
serviços, visando a proteção e defesa do consumidor.
DIREITO AMBIENTAL é o conjunto de normas jurídicas que cuidam do meio
ambiente em geral, tais como a proteção de matas, florestas e animais a serem
preservados, o controle da poluição e do lixo urbano.
4.5 Ramos do Direito Difuso Externo
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO é o ramo do Direito composto pelas
normas jurídicas que regulam as relações privadas no âmbito internacional.
Para fins de conhecimento
DIREITO ESPACIAL disciplina o uso do espaço cósmico e dos corpos celestes
pelos Estados soberanos da Terra, fixando a responsabilidade civil pelos danos
causados a bens e pessoas na superfície terrestre, com a queda de sondas, de
foguetes ou de satélites, e os direitos e deveres, e regime jurídico dos astronautas e
dos controladores em terra dos voos espaciais.
30
DIREITOS NUCLEAR é o que disciplina o uso de energia atômica, para fins
pacíficos ou militares.
5 AS GRANDES DIVISÕES DO DIREITO
É recorrente, na teoria jurídica fundamental, a exposição de divisões
primordiais dos conceitos jurídicos, ordenadas para um maior aprofundamento dos
sentidos buscados no estudo. Assim, é comum falar-se em "divisões do direito" ou
"dicotomias clássicas".
Em termos lógicos, a expressão dicotomia indica a divisão de um conceito em
dois outros conceitos, em geral contrários, que lhe esgotam a extensão. Pode, assim,
caracterizar a bifurcação de um plano compreensivo sobre um determinado objeto.
Ao estudar o fenômeno jurídico, é comum o recurso a essa estrutura lógica,
pois as relações dicotômicas potencializam um amplo cabedal de informações sobre
o conceito jurídico estudado
Para franquear uma completa visão acerca das grandes questões do Direito,
propõe-se uma divisão conceitual de dados relevantes para o objeto estudado, a partir
das seguintes polarizações:
- Direito Positivo x Direito Natural
- Direito Objetivo x Direito Subjetivo
- Direito Público x Direito Privado
- Direito Material x Direito Processual
5.1 Direito Natural e Direito Positivo
O Direito Natural é o direito pressuposto pela intuição do que é o correto, dos
princípios elementares do "justo". A idéia de Direito Natural é, assim, de alta
indagação filosófica, constituindo-se o Jusnaturalismo em uma tendência que
visualiza o direito como um valor perene, imutável e válido universalmente. Em outras
palavras, seria o direito válido em todos os lugares e em todos os tempos,
para todos os povos, correspondendo à clássica fórmula "direitos do homem e do
cidadão", ou em outras palavras, "direitos humanos" [.
31
A base filosófica para a convicção de um direito de tal ordem radica no chamado
Jusnaturalismo, ou seja, na doutrina de um Direito Natural, que compreende
um conteúdo variável. Pode-se destacar as principais concepções jusnaturalistas:
A primitiva ou estoica, a teológica e a racionalista ou antropológica.
A concepção primitiva apresenta rastros remotos na Grécia Antiga, de um
direito que a natureza (Physis) ensinou aos animais e que prediz ser a virtude consiste
em uma vontade que está sempre de acordo com a natureza. Há que se ressaltar,
aqui, a chamada fase de indiferenciação entre o direito, a religião e a moral, em
que as normas jurídicas se confundem com as regras do culto.
A tragédia Antígona, de Sófocles, bem retrata a ideia arcaica do jus
naturalismo. Nela, o rei de Tebas, Creonte, editou uma norma proibindo o
sepultamento de Polinice, que havia se insurgido contra aquele governante. Antígona,
irmã de Polinice, ao desobedecer a norma real, proferiu, dirigindo-se ao próprio
Creonte, de forma encomiasta, seu laudatório acerca da superioridade do Direito
Natural:
Não foi do Sumo Zeus essa ordem emanada.
Nem a justiça a impôs dos Manes na morada.
Do céu não procedeu. Nem podia acudir-me
Que um decreto de rei ou ato humano infirme
Inolvidáveis leis, eternas, não escritas,
À raça dos mortais por imortais prescritas.
Não são d´ontem nem d´hoje; estranhas são às datas.
Têm existido sempre, imutáveis, inatas.
Por humana coação leis santas infringir
Fora da divindade a cólera atrair.
Alguns autores preferem atribuir aos estoicos [24] a primeira formulação dessa
doutrina, onde a participação dos seres vivos na ordem universal acontece por meio
do instinto para os animais e através da razão para os homens. Neste sentido, exsurge
a clássica definiçãode Ulpiano: "Jus naturale est quod natura omnia animalia
docuit".
32
Como ressalta João Maurício Adeodato, outro exemplo está na célebre
passagem atribuída a Jesus Cristo: "a César o que é de César, a Deus o que é de
Deus".
O Direito Natural teológico traduz-se na concepção medieval, com a notória
influência da Igreja Católica, sobretudo da filosofia tomista [26]. Persiste, aqui, a noção
de um direito imutável e superior, de origem divina, que é revelado aos homens
através da Santa Madre Igreja.
Com o enfraquecimento da Igreja Católica e a ascensão do Estado como
máxima instância sócio-político-jurídica, o mundo laico, isto é, secularizado, o jus
naturalismo transmuta-se em uma concepção antropológica ou racionalista. Esta
surge, sobremaneira, com Hugo Grócio [27] e seu o jus naturalismo. Com o
Renascimento, o direito perde, de maneira progressiva, seu caráter sagrado e, a partir
da construção de um sistema de normas que objetivassem a paz social, aparece
como regulador racional, capaz de se operar, apesar das divergências nacionais e
religiosas.
O Direito Natural seria, portanto, o conjunto de princípios da conduta humana
que resultariam ou da natureza, ou da divindade, ou, ainda, da própria razão humana,
sempre referente à ideia de justiça e que seria superior ao Direito Positivo.
Designa-se por Direito Positivo o conjunto de normas jurídicas escritas e não
escritas (como o costume jurídico, por exemplo), vigentes em determinado território e,
também, na órbita internacional na relação entre os Estados, sendo o Direito Positivo
aí aquele estabelecido nos tratados e costumes internacionais. O Direito Positivo de
um Estado soberano não se cinge apenas às normas ou previsões hipotéticas, mas
representa o conjunto de prescrições jurídicas, no qual se incluem as decisões, sejam
administrativas ou judiciais.
Embora apareça nos primórdios da civilização ocidental (na Grécia surge como
a nómos), o Direito Positivo se consolida como esquema de segurança jurídica a
partir do século XIX. [32]. Sobre as raízes desse postulado, anota Ovídio Baptista Silva
que, a busca da segurança jurídica foi o ethos que caracterizou toda a filosofia política
do século XVII, tendo Hugo Grócio, em sua obra "O Direito da guerra e da paz",
esposar sua idéia de ser preferível uma dominação ilegítima a uma guerra civil [33],
33
opinião compartilhada também por Hobbes, que considerava o caos como maior temor
das populações, a despeito do jugo da ditadura mais ferrenha.
Em síntese, o Direito Positivo seria o conjunto de normas que apresentam
formulação, estrutura e natureza culturalmente construídas. É a instituição
de um sistema de regras e princípios que ordenam o mundo jurídico, tendo como
ponto de partida a norma jurídica e cujo manancial seria o Estado.
Para Tércio Sampaio Ferraz Jr, atualmente, esta dicotomia resta enfraquecida.
A atual influência do direito natural, ainda existente, provém do século XVIII onde, sob
o império do racionalismo jurídico, era concebido como um conjunto de direitos e
deveres aplicados às relações entre os homens de maneira análoga a que se aplica
o direito posto pelo Estado formal.
Sucede-se, assim, a evolução de uma ordem jurídica racionalizada que, em
meados do século XIX já absorveu, de modo institucional (como em Declarações de
Direito), em que o nas primeiras décadas do século XX. Embora mantenha-se
até os dias atuais, aquela dicotomia, a nível prático, enfraqueceu-se
consideravelmente resumindo-se a discussões acerca da proteção dos direitos
invioláveis do homem contra o próprio Estado.
O direito natural na atualidade encontra-se "positivado", a exemplo de algumas
normas constitucionais que, com status de cláusulas pétreas, albergam direitos
fundamentais do cidadão. Este fato contribuiu para o enfraquecimento da dicotomia
ora falada, acarretando a trivialização do direito natural, a partir do momento em que
todo direito passou a ser logicamente redutível a direitos naturais.
O fato é que apesar de o direito natural ter perdido sua força, seu objeto ainda
continua presente, inclusive na ciência dogmática do direito, quando por exemplo
tenta descobrir-lhe substitutos para-universais, como o princípio da legalidade, da
autonomia privada, etc. A tudo isto acresça-se a teoria do direito artificial de Vittorio
Frosini, que intenta "ressuscitá-lo" e transformá-lo numa "jurisprudencia more
geometrico demonstrata".
https://jus.com.br/tudo/teoria-do-direito
34
Tabela 1
Características do Direito Positivo e do Direito Natural
DIREITO POSITIVO DIREITO NATURAL
É posto (monopolizado pelo Estado) É pressuposto (aspira
superioridade ao Estado)
É valido em determinado tempo (vigência
temporal) e em determinado lugar (base territorial)
Possui validade universal e imutável,
ou seja, é válido em todos os tempos e
para todos os povos
Tem como fundamento a estabilidade e a
ordem da sociedade (primado da segurança
jurídica)
Liga-se a princípios
fundamentais, de ordem abstrata.
Corresponde a ideia de justiça
Corresponde à dogmática jurídica Pode ser associado ao
pensamento zetético
5.2 Direito Objetivo e Direito Subjetivo
Outra dicotomia clássica é aquela que contrapõe o direito em sentido objetivo e
o direito em sentido subjetivo, ou, simplesmente, direito objetivo e direito subjetivo. O
primeiro é o conjunto de normas obrigatórias, como, por exemplo, as do direito civil.
No outro caso, quando se alude à capacidade de uma pessoa para determinar
obrigatoriamente a conduta de outra, com a expressão "ter direito a.. .", trata-se de
direito subjetivo [. Afirma Rabenhorst: "A teoria jurídica faz uma distinção importante
entre o direito entendido como o conjunto de normas vigentes em uma determinada
sociedade (direito objetivo) e o direito enquanto faculdade, poder, prerrogativa,
imunidade ou privilégio (direito subjetivo)".
O Direito Romano distinguia esses "dois lados do direito". No conceito jus est
norma agendi (o direito é norma de agir) está implícita a face objetiva do direito. A
noção subjetiva se traduz na fórmula jus est facultas agendi (o direito é a faculdade
de agir). A ordem jurídica compõe-se do direito objetivo, ao reunir prescrições, normas,
leis e imperativos jurídicos. O direito objetivo, ao voltar-se sobre situações concretas,
gera direitos subjetivos e deveres jurídicos que se opõem ou se articulam
reciprocamente.
https://jus.com.br/tudo/direito-romano
35
O direito como norma é chamado de "objetivo", porque, ao surgir, "se objetiva",
se põe como uma realidade objetiva, independente da pessoa do observador e
irredutível à sua subjetividade.
Já quando se afirma que "alguém tem um direito", isso quer dizer que alguém
possui direitos subjetivos, que podem (daí a expressão faculdade) ser exercidos, em
uma relação jurídica.
Desse modo, explica Savigny: "O direito considerado na vida real, envolvendo
e penetrando por todos os lados nosso ser, nos aparece como um poder do indivíduo.
Nos limites desse poder, reina a vontade do indivíduo, e reina com o consentimento
de todos. A tal poder ou faculdade nós chamamos ´direito´, e alguns, ´direito em
sentido subjetivo´".
5.3 Direito Público x Direito Privado
Quando se focaliza o direito como conjunto de normas vigentes para regular
uma determinada sociedade – direito positivo, estabelece- uma divisão conceitual dos
vários ramos dogmáticos que o compõem. Assim, referimo-nos a célebre divisão
dicotômica do Direito em Direito Público e Direito Privado.
O Direito Romano apontou, com muita propriedade, tal distinção, referindo-se
ao Jus Publicum e ao Jus Privatum. O primeiro ocupava-se do governo do Estado
e das relações entre os cidadãos e o Estado. O Jus Privatum tinha por objetivo
regular as relações entre os cidadãos, entre os particulares, enfim. Tal dicotomia foi
seguida pelo grande Savigny, paraquem, no Direito Público, o Estado é o fim, e no
Direito Privado, o indivíduo é o fim.
Embora sólida em suas bases, tal dicotomia não desfruta mais do antigo
prestígio. Dizer-se que no Direito Público há o interesse do Estado e que no Direito
Privado há o interesse da pessoa, como duas realidades estanques, incomunicáveis,
é afirmação que vem encontrando severas críticas, pois, na verdade, não pode deixar
de haver pelo menos uma pequena parcela de interesse do particular nos negócios
públicos e, em contrapartida, uma pequena parcela de interesse do Estado nos
direitos privados.
De tal sorte, alguns autores falam de descabimento técnico da dicotomia [40], ao
passo em que outros preferem criar um terceiro bloco, sui generis, "intermediário",
36
"misto" ou "difuso", em que se inserem os chamados direitos fundamentais da
Humanidade, cuja tutela jurídica está a ampliar-se.
Cabe, ainda, antes de fazer a disposição dos ramos referidos, tecer alguns
comentários acerca do problema da existência do direito na ordem internacional.
Pode-se falar, assim, de outra dicotomia: a do direito interno em face do direito
internacional.
Com efeito, as normas jurídicas têm seu campo de abrangência limitado por
espaços territoriais, em nível nacional, pelas fronteiras e extensões ficcionais do
Estado, o que caracteriza o princípio jurídico da territorialidade (existência do
direito em uma base territorial, entendida como elemento constitutivo de um Estado).
Segundo Rizzatto Nunes, com o avanço das relações internacionais, os
Estados modernos passaram a admitir, circunstancialmente, a aplicação de leis
estrangeiras em seus territórios [45]; haveria, assim, a quebra do princípio da
territorialidade e adoção de um novo: o da extraterritorialidade.
Assim, a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC)], estipula, em seu art. 8º, que,
para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-ão as
normas jurídicas do país em que estiverem situados, ao passo em que o art. 9º, do
mesmo diploma legal dispõe que, quanto às obrigações, valem as normas jurídicas do
país em que elas forem constituídas.
Existem duas correntes que tentam explicar o fenômeno direito na ordem
internacional: a monista e a dualista.
A corrente monista defende a unicidade da ordem jurídica, não concebendo um
sistema jurídico interno absolutamente separado do direito internacional. Sedimenta-
se na ideia de que o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado,
quer nas relações internacionais.
A corrente dualista, cujos principais representantes são Triepel, Anzilotti e
Oppenheim, enfoca o direito internacional e o direito interno dos Estados como
sistemas absolutamente independentes e distintos, de forma que a validade jurídica
de um em nada interfere na do outro. A validade do direito interno não se condiciona
à sintonia junto ao direito na ordem externa. De modo que o direito internacional e o
direito interno confrontam-se, um com o outro, como mero fato e não como normas
jurídicas colidentes.
https://jus.com.br/tudo/adocao
37
Uma das bases teóricas do dualismo é a diversidade das fontes de produção
normativa das normas jurídicas internas e internacionais. Outra base teórica refere-se
aos destinatários das normas: as normas internacionais são formuladas pelos
Estados, em conjunto, para serem aplicadas aos próprios Estados; as normas internas
são formuladas pelo Estado, unilateralmente, para ser aplicadas aos indivíduos,
súditos do Estado.
Em âmbito internacional, o Estado apresenta-se como um membro da
sociedade internacional. Em âmbito interno, o Estado apresenta-se, sobretudo, como
ente soberano, legitimado a impor regras aos seus indivíduos.
Assim, a obediência dos Estados frente aos pactos internacionais assumidos
advém do princípio pacta sunt servanda, ao passo que os súditos do Estado devem
cumprir as normas por este imposta em virtude da soberania de que está investido,
externada pelo seu poder].
No quadro abaixo, uma visão geral dos principais ramos da clássica divisão,
ampliada pela dimensão do tertium gens chamado por Rizzatto Nunes de "Direito
Difuso".
Tabela 2
Os Ramos do Direito: Direito Público, Direito Privado e o "Direito Difuso"
DIREITO PÚBLICO DIREITO PRIVADO DIREITO "DIFUSO"
DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO CIVIL DIREITO DO TRABALHO
DIREITO ADMINISTRATIVO DIREITO COMERCIAL DIREITO PREVIDENCIÁRIO
DIREITO TRIBUTÁRIO - DIREITO ECONÔMICO
DIREITO PENAL - DIREITO AMBIENTAL
DIREITO PROCESSUAL - DIREITO DO CONSUMIDOR
DIREITO ELEITORAL - DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO
38
DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO
- -
5.4 Direito Material e Direito Processual
Poucos autores recorrem a essa distinção nos manuais de Introdução ao
Direito, cabendo crédito ao opúsculo de Hugo de Brito Machado, Uma Introdução ao
Estudo do Direito, que trata de diferençar o direito material do processual.
Dentre os autores estrangeiros, pode-se anotar a presença de tal dicotomia em
Werner Goldschmidt e Torres Lacroze.
Tal dicotomia, em verdade, só passa a ser enquadrada quando do estudo da
Teoria Geral do Processo.
Direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas
referentes a bens e utilidades da vida em seus respectivos ramos dogmáticos (Civil,
penal, constitucional, tributário etc). De tal sorte, as normas de direito material (ou
substancial) são aquelas que disciplinam imediatamente a cooperação entre pessoas
e os conflitos de interesses ocorrentes na sociedade, escolhendo qual dos interesses
conflitantes, e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado.
Já o Direito Processual liga-se à regulação da atividade do Estado (com
respeito à sua função jurisdicional) e das partes litigantes, bem assim o modo como
essa atividade se desenvolve. Subdivide-se em Processual Civil, Processual Penal,
Administrativo e do Trabalho.
O Direito Processual disciplina a imposição da regra jurídica específica e
concreta (Direito Material) pertinente a determinada situação litigiosa. Assim, as
normas de direito processual, pela sua característica instrumental, são aquelas que
disciplinam a aplicação das normas substanciais (materiais), seja regulando os meios
de tornar estas efetivas e ainda as vias adequadas para provocar o seu cumprimento
e efetivação.
39
6 NORMA JURÍDICA
Considerado o Direito como um sistema de normas que regulam -esta
a finalidade essencial, a organização, o funcionamento e a proteção de um
determinado Estado e os direitos e deveres fundamentais de seus jurisdicionados ou,
como querem outros, um sistema de normas destinadas a regular a conduta humana,
impende-nos recordar, na oportunidade, certas características básicas das normas
jurídicas, que as distinguem de outros tipos de normas, tais como
sua imperatividade, sua coercibilidade, eis que envolvem a possibilidade de sua
asseguração por determinada forma de sanção imposta pelo aparelhamento coercitivo
do Estado, sua generalidade, inerente à sua própria natureza e corolário de seu
objetivo, posto que criada através de um processo de generalização e de abstração,
buscando regular relações futuras, imprevisíveis em sua particularidade, devendo
assim prevalecer o elemento genérico, observando-se que apenas excepcionalmente
o elemento particular a ser considerado pela norma jurídica, quando conveniente ao
fim a que ela se propõe e possível sua regulação, pois sendo a lei, em
geral, prospectiva, destinada a regular relações futuras, imprevisíveis em seus
contornos casuísticos, normalmente não lhe é dado tipificar todos os casos
particulares, deixada essa tarefa à atividade do exegeta, incumbido de proceder à
subsunção da norma genérica, abstrata e prospectiva ao caso concreto
particularizado, consubstanciando-se consequentemente a prestação jurisdicional,
dever estatal pertinente à contínua vivificaçãodo ordenamento jurídico, pela sua
cotidiana adaptação às necessidades e à realidade social, sem o que o Direito Positivo
não poderá, realmente, regular com eficácia a conduta humana em sociedade, mas
se tornará uma moléstia hereditária da sociedade humana.
Na verdade, o Direito Positivo não é um simples produto da vontade do
legislador, mas um produto sociológico, o que exatamente lhe atesta a índole
orgânica. Pode não ter o legislador imaginado determinada conformação de relações.
Isso pouco importa, porque essas relações, que estão na vida, encontram sua norma
genérica no organismo jurídico, que é expressão da vida, que deve ser, como esta,
completo e em tudo a ela corresponder. O sistema tem sempre em si a base para a
decisão de todas as questões que possam surgir na vida.
40
Evidentemente, não nos caberá perquirir, na oportunidade, a respeito da
legitimidade, da justiça, ou da representatividade envolvidas pela efetivação do
processo decisório, quer aquele que pode-se tomar como originário (atividade
legiferante), quer o derivado (atividades jurisprudencial e administrativa), quer o
processo decisório consubstanciado em uma atividade monogenética consciente (lei),
quer o inconsciente (costume), quer aquele que pode-se chamar, talvez, de não
jurídico, e que resulta na efetiva substituição do Direito Positivo por simples fatores
de Poder.
Outras características da norma jurídica são o seu tecnicismo, porque o
preceito jurídico exige uma demarcação de contornos impossível nas outras normas
de conduta (convencionais, religiosas, morais) e sua bilateralidade, de onde decorre
que a norma jurídica é imperativo-atributiva, a cada dever correspondendo um
direito de exigir.
41
7 FONTES DO DIREITO
Pode-se afirmar que são fontes do Direito todas as manifestações, formalísticas
ou não, da normatividade jurídica. A norma jurídica assume diversos aspectos, de
acordo com sua proveniência deste ou daquele órgão de expressão do Direito,
podendo manifestar-se, v.g., através da LEI (que assume diversos tipos, neste ou
naquele Estado, neste ou naquele momento histórico) ou através
do COSTUME. Assim, o Poder Constituinte, os Poderes Constituídos
(tradicionalmente, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário) ou mesmo os
jurisdicionados, secretam a norma jurídica, pelo desempenho de suas atribuições,
pela convivência no meio social e atendendo às determinantes traduzidas nos
diversos fatores que constituem aquilo que se pode sinteticamente denominar
realidade social e que envolve fatores econômicos, morais, religiosos e a própria
cultura daquela sociedade, tomada em seu sentido global.
FERDINAND LASSALLE, político e doutrinador austríaco, em seu famoso
opúsculo "Que é uma Constituição" (Über Verfassungswesen), resultante de duas
conferências realizadas em Berlim, em abril e novembro de 1.862, diz que a
Constituição é uma lei fundamental, é o fundamento do Estado e deve se distinguir
das leis comuns e atender aos seguintes requisitos: ser superior às demais leis, ser o
fundamento das demais leis e possuir uma força ativa, à qual ele chama FATORES
REAIS DO PODER. Lassalle conclui que a Constituição é a suma dos fatores reais do
poder que regem um país em um determinado momento. Assim, para ele, a
Constituição (e, consequentemente, também as leis) que estivesse em desacordo
com esses fatores, não passaria de uma folha de papel, sem qualquer importância,
exatamente porque não poderia ser efetivada pelo aparelhamento do Estado.
7.1 Classificação das fontes do Direito
Feitas essas considerações preliminares e deixadas de lado as fontes
materiais do Direito, estudadas mais diretamente e com toda a profundidade pelas
Ciências Políticas, cabe classificar, nesta oportunidade, as fontes formais do direito,
exatamente aquelas através das quais se exterioriza a ideia de direito gerada pelo
convívio humano em sociedade.
42
Fontes do direito, neste sentido, serão todas as manifestações, formalísticas ou
não, da normatividade jurídica destinada a regular a conduta humana em sociedade.
A Doutrina costuma distinguir ainda as fontes do Direito levando em
consideração sua positividade ou sua característica de fontes destinadas apenas ao
estudo do direito.
Assim, inicialmente, das fontes positivas ou fontes principais do direito, que
são: a Constituição e a lei, resultantes de uma atividade monogenética consciente; o
costume e a jurisprudência, resultantes de uma atividade monogenética inconsciente.
A importância maior ou menor de cada uma dessas fontes neste ou naquele Estado
será abordada a seguir. Deve-se observar, desde logo, que qualquer delas poderia,
eventualmente, ser considerada como fonte única do direito. A Constituição, desde
que tomada em seu sentido material, isto é, no sentido de ordenamento do Estado,
abrangendo, portanto, todas as outras fontes, seria a única fonte do direito. A lei,
tomada em sentido lato, abrangendo normas constitucionais e legais, também poderia
ser assim considerada. Da mesma forma, o costume constitucional, naqueles Estados
que não possuíssem constituição escrita e nos quais o consuetudo abrangesse toda
a normatividade constitucional (ou, talvez em uma sociedade primitiva, toda a
normatividade). E, finalmente, a jurisprudência, pela consideração de que a lei, o
costume e a constituição nada significam, divorciados de sua exegese pelos tribunais,
também poderia ser tomada como a única fonte.
Se, no entanto, considerar que são, ainda, fontes do direito, além daquelas que
encerram o direito positivo, aquelas através das quais se estuda essa matéria e que
exercerão sua influência sobre as próprias fontes positivas por meio da atividade
exegética, podere-se classificar as fontes do direito em PRINCIPAIS ou POSITIVAS
e SUBSIDIÁRIAS ou AUXILIARES.
Nesse sentido, são fontes positivas ou principais aquelas que encerram as
normas jurídicas, exteriorizadas, a saber, a Constituição, a lei, o costume e a
jurisprudência. São fontes subsidiárias ou auxiliares aquelas que apenas servem para
o estudo da matéria, para sua interpretação e integração, não encerrando assim
normas cogentes, obrigatórias, como ocorre com o Direito Anterior, o Direito
Comparado (ou Legislação dos Povos Cultos), a Doutrina (ou Ciência Jurídica) e os
Princípios Gerais do Direito.
43
7.2 Constituição
Entendida a Constituição como ordenamento total do Estado, abrangendo,
assim, todas aquelas NORMAS cujo conteúdo se refere à matéria constitucional será
ela a única fonte do Direito. Nesse sentido (MATERIAL), a Constituição abrangerá
quaisquer ordenamentos, formalmente falando, abrangerá a Constituição em sentido
formal, a lei, o costume constitucional e a jurisprudência.
Em sentido FORMAL, porém, a Constituição é uma LEI, escrita, portanto,
hierarquicamente superior às demais leis, que com ela não poderão conflitar, sob pena
de nulidade. Tradicionalmente, nos Estados considerados democráticos, a
Constituição formal resulta da votação pelos representantes do povo, especialmente
investidos desse mandato para criar a Constituição do Estado, através de uma
Assembleia Constituinte ou de uma Convenção Constitucional. Esses representantes
não se confundem com os membros do Poder Legislativo, também mandatários do
povo, mas normalmente, apenas, para a elaboração da legislação ordinária. Trata-se,
aqui, da distinção entre Poder Constituinte e Poderes Constituídos. Isso não significa,
porém, que uma Constituição outorgada seja, necessariamente, autocrática, ou que
uma Constituição votada ou promulgada seja, necessariamente, democrática, porque
tudo dependerá de sua maior ou menor concordância com a realidade social, quer no
momento de sua elaboração, quer no momento de sua aplicação/efetivação.
Também tradicionalmente, a Constituição escrita é rígida, isto é, estabelece
certas dificuldades para sua reforma, comoacontece com a Constituição Federal
Brasileira, que exige para sua reforma os votos de dois terços dos membros de cada
uma das Casas do Congresso Nacional.
Além disso, nossa Constituição Federal, em seu art. 47 § 2º, estabelece que
não poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a
abolir a federação ou a república, o que significa que o constituinte originário
considerou imutáveis essas bases de nosso ordenamento constitucional e assim,
somente através de uma Revolução, porque a Revolução é manifestação do Poder
Constituinte originário, pode-se substituir a Federação pelo Estado Unitário, ou a
República pela Monarquia.
Foi proibido ao Poder Constituinte derivado, consequentemente, reformar a
Constituição a não ser pelo processo e de acordo com as limitações temporais,
44
materiais e processuais constantes dos dispositivos constitucionais e por essa razão,
ser entende inconstitucional a recente emenda que alterou o "quórum" para aprovação
das emendas, para dois terços, porque se o Poder Constituinte derivado (o Congresso
Nacional) tivesse competência para reformar, através de emendas constitucionais
(que são o instrumento formalizador de sua competência), quaisquer dispositivos da
Constituição, inclusive aqueles que estabelecem os limites para a sua própria ação,
poderia também, pelo mesmo motivo, reformar o citado art. 47, para permitir a reforma
tendente a abolir a federação ou a república.
Neste sentido, a Constituição é, necessariamente, a primeira fonte do Direito,
a sua fonte mais importante, abrangendo, no Brasil, a Constituição de 1.967, com a
redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1.969
e pelas Emendas Constitucionais posteriores, bem como os Atos Institucionais e seus
atos complementares, decorrentes do processo revolucionário, naquilo em que não
conflitem com a Constituição. Observe-se que, hoje, a situação está invertida, em
relação à que vigorou durante os quase vinte anos de vigência da Legislação
Revolucionária, quando a Constituição Federal é que vigorava naquilo em que não
conflitasse com os Atos Institucionais, que foram revogados pela Emenda
Constitucional nº 11/78, o que é absurdo, sob o enfoque jurídico, quer porque envolve
uma confusão entre o Constituinte originário e o derivado, quer porque a Constituição
Federal continha, em suas disposições transitórias, uma norma muito clara no sentido
de que os Atos Institucionais e complementares poderiam ser revogados pelo
Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional.
O conjunto dos provimentos suso referida forma a Constituição brasileira no
sentido formal (constituição não codificada, portanto). A Constituição no sentido formal
é a fonte mais importante do direito, posto que suas normas são hierarquicamente
superiores a todas as demais. Caberia, neste ponto, o estudo do princípio da
supremacia constitucional, capitulado pelo Professor PINTO FERREIRA como um dos
mais importantes do Direito Constitucional moderno (ao lado do princípio democrático,
do princípio liberal, do princípio do socialismo e do princípio do federalismo). Na
Inglaterra, contudo, não se admite que haja uma supremacia da Constituição em
relação aos ordenamentos oriundos do Parlamento. Ao contrário, o Parlamento é que
é supremo. Não há, na Inglaterra, uma distinção hierárquica entre a Constituição e as
45
leis ordinárias, mas no Brasil ou nos Estados Unidos, a Constituição é um
ordenamento supremo e não se admite que nenhum outro possa contrariá-la.
A Constituição é, portanto, em nossa sistemática, admitida quase
universalmente, a primeira fonte do direito; ela é o metro da regularidade jurídica. De
tal concepção resulta, necessariamente, o problema do controle de
constitucionalidade, pelo qual o intérprete da norma jurídica deverá verificar,
preliminarmente, antes de subsumir sua regra ao caso concreto, se essa norma é
regular em face do Estatuto supremo e, em caso contrário, deverá deixar de aplicá-la
ao caso "sub judice".
Existem dois sistemas de controle de constitucionalidade: o concentrado,
característico das Constituições europeias, que atribuem a uma Corte Constitucional
(cujo modelo é a criada sob inspiração de Hans Kelsen, na Constituição Austríaca de
1.920) o exame da regularidade das leis em face da Constituição, e o difuso, pelo qual
incumbe aos juízes e tribunais a efetivação desse controle. Entre nós, em face da
famosa regra do art. 200 da Constituição de 1.946, que tantos debates suscitou, no
tocante à competência do juiz singular para a decretação da inconstitucionalidade,
somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros poderão os tribunais declarar
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, mas a doutrina hoje
já reconhece ao juiz singular, igualmente, a competência de negar aplicação às leis
que contrariem a Constituição.
Mas a Constituição, sendo um estatuto mínimo, um grande arcabouço que
estabelece as bases para o ordenamento jurídico do Estado, não poderia ser a única
fonte do direito. Este arcabouço deverá ser complementado por ordenamentos de
categoria hierárquica inferior à da Constituição, tais como a lei, os decretos que editam
seus regulamentos, as portarias, instruções, etc.
7.3 Lei
A Lei é outra fonte de grande importância, especialmente no direito moderno,
pela tendência quase universal de adoção das normas jurídicas legisladas, ou seja,
do direito escrito, em substituição às normas consuetudinárias.
46
A rigor, a Lei poderia ser considerada a única fonte do direito, porque a
Constituição é, também, uma lei, embora de nível especial, pelo reconhecimento
quase universal do princípio da supremacia da Constituição.
Sendo a Constituição um código-mínimo, uma lei-síntese, seus dispositivos
devem, normalmente, ser detalhados, explicitados, através das leis. Assim, tomada a
lei como segunda fonte do direito, considerando-se como ato ordinário (no sentido de
que a Constituição, como ato extraordinário, será de nível hierarquicamente superior),
significando, portanto, no sentido amplo, qualquer ato normativo escrito, inovador da
ordem jurídica, capaz de gerar direitos e deveres e que normalmente encerra um
caráter genérico e prospectivo.
Qual o órgão do Estado encarregado da função legiferante?
Quais os instrumentos formalizadores dessa função de prover a ordem jurídica?
A resposta a essas questões deverá ser encontrada na Constituição de cada
Estado e dependerá ainda do momento histórico. Assim, atualmente no Brasil a
missão legiferaste pertence, basicamente, ao Poder Legislativo, embora o Presidente
da República tenha competência para editar decretos-leis, sob certas condições.
Pode-se citar, portanto, entre os diversos instrumentos formalizadores da
competência legiferante, ou seja, entre os vários tipos de lei previstos em nosso
processo de elaboração legislativa, a título de ilustração, a lei ordinária, a lei
complementar (para alguns autores, a lei complementar ficaria em categoria
intermediária, entre a Constituição e as leis), a lei delegada, o decreto-lei, o decreto
legislativo e as resoluções. A emenda constitucional, também elaborada pelo
Congresso Nacional, nos termos dos artigos constitucionais já referidos e que dispõem
a respeito do processo de reforma constitucional (função constituinte derivada),
embora tratada pela Constituição na parte referente ao processo de elaboração
legislativa, a rigor não é lei, no sentido de ato ordinário. A emenda constitucional é
elaborada pelo Congresso Nacional no exercício da função constituinte derivada, com
a finalidade, portanto, de reformar o texto constitucional. Trata-se, assim, de reforma
constitucional, consubstanciada na substituição do texto constitucional, enquanto que
a mudança constitucional, sem atingir o texto em si, substitui o seu entendimento.Assim, no Brasil, a lei, como fonte do direito, de acordo com nosso processo
legislativo e como ocorre em todos os Estados que adotam o modelo de separação
dos poderes do Estado e o princípio da supremacia constitucional, é aquele ato do
47
Poder Legislativo (ou, excepcionalmente, do Poder Executivo), no exercício de suas
funções normais de Poder Constituído, provendo assim a ordem jurídica, desde que
esse ato seja REGULAR em face da Constituição.
Deve-se, ainda, observar que outras leis, elaboradas sob a vigência de
Constituições anteriores, e, portanto, REGULARES no momento de sua edição, se
ainda não foram expressas ou tacitamente revogadas, continuam em vigor, embora
não pertençam a qualquer dos tipos de lei atualmente previstos em nosso processo
de elaboração legislativa. Pelo princípio da continuidade jurídica, então, ainda
vigoram, v.g., o Código Comercial Brasileiro, Lei no. 556, de 25.06.1850, elaborada
sob a vigência da Constituição do Império, bem como os diversos decretos-leis
baixados, durante o recesso do Congresso Nacional, com fundamento em Atos
Institucionais.
Como consequência, portanto, em certas hipóteses, uma lei ordinária poderá
revogar um decreto-lei (ou vice-versa), ou revogar, talvez, uma lei complementar,
porque o importante para se saber se um determinado ato é ou não uma LEI (sentido
amplo) consiste no exame desse ato no momento de sua edição. Se, no momento em
que esse ato foi editado, ele era regular, tanto formal como materialmente, então há
de ter uma lei, deste ou daquele tipo, e se essa lei não foi ainda revogada, continuará,
evidentemente, sendo aplicada pelo Poder Judiciário, contenciosamente, e pelo Poder
Executivo, administrativamente, e assim produzindo seus efeitos.
Portanto, a lei, como ato ordinário, é fonte do direito e sua importância no
contexto do ordenamento jurídico total dependerá das coordenadas características de
cada Estado. Podem ainda ser considerados como fontes do direito os atos do Poder
Executivo, sejam esses atos normativos, como são os regulamentos, sejam atos
mesmo de caráter executivo "stricto sensu", os atos de impulsionamento cotidiano da
administração, por parte do Poder Executivo organizado, cuja cabeça é o Presidente
da República, desde que feita a ressalva pertinente ao princípio da legalidade, que em
nossa Constituição é consagrado pelo § 29 do art. 153 e pelo qual ninguém será
obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, de modo
que os regulamentos baixados pelo Presidente da República através dos decretos
serão destinados, tão-somente, a possibilitar a fiel execução das leis, não podendo
conflitar com estas.
48
Também aqueles atos baixados pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo,
com a finalidade de regular a aplicação das leis ou de tratar assuntos da economia
interna dos tribunais e órgãos legislativos (resoluções), seriam enquadrados por
alguns autores nesta categoria.
Deve-se ainda observar que muitas leis podem, às vezes, encerrar matéria
constitucional e, embora não lhes tenha sido conferida a garantia da maior
estabilidade, pela sua inclusão no texto constitucional, sendo essas leis materialmente
constitucionais, com maior razão deveriam ser citadas como fontes do próprio Direito
Constitucional. Seria o caso, entre nós, das diversas leis que tratam do processo
eleitoral ou dos partidos políticos. Especialmente naqueles Estados que possuem
Constituições não racionalizadas, isto é, aquelas Constituições que tratam apenas de
um elenco mínimo de matérias, crescem de importância, como fontes do direito
constitucional, a lei e o costume.
7.4 Costume
Assim como a lei, também o costume é importante fonte do direito e,
dependendo de se considerar este ou aquele Estado, este ou aquele momento
histórico, poderá uma dessas fontes ser preponderante em relação à outra.
Não há negar, contudo, a precedência histórica do costume, a mais espontânea
fonte do Direito e, de certa forma, também a mais normal, consubstanciada nessas
normas de conduta, oriundas dos usos e costumes, em decorrência da necessidade
de regulamentação da convivência humana em sociedade.
Os romanos já se preocupavam com o estudo dessas fontes, o direito escrito_e
o não escrito. CUJACIO assim os correlacionava:
"Quid consuetudo? lex non scripta. Quid lex? consuetudo scripta."
Modernamente, porém, há uma tendência quase universal no sentido da
adoção do direito escrito, prevalecendo, cada vez mais, o preceito legislativo, mesmo
com referência à matéria constitucional.
O costume é, assim, uma das fontes mais influentes do direito. Esta influência
será, contudo, maior ou menor, conforme seja a Constituição escrita ou não escrita,
racionalizada ou não racionalizada. É claro que, em países como a Inglaterra, o
costume (que não é o costume romano, mas o costume conforme é reconhecido pelos
49
tribunais) tem uma preeminência que não tem em países de constituição escrita. Na
Inglaterra, cuja Constituição é consuetudinária, não escrita, pois não existe
Constituição formal, mas apenas no sentido material, é ele a fonte mais importante do
próprio direito constitucional ou, mesmo, sua única fonte.
Também nos Estados Unidos, o costume tem grande importância, porque sua
Constituição, embora escrita (1.787, em vigor a 1.789), não é racionalizada, isto é,
não seguiu a tendência, posterior à Primeira Guerra Mundial, de submeter ao Direito,
regulamentando-o nos textos legislados, todo o conjunto da vida coletiva. Isso facilita
o permanente processo de adaptação do texto constitucional norte-americano à
realidade social (diria LASSALLE, aos fatores reais do poder), especialmente através
do costume e da jurisprudência, evitando-se, assim, as soluções extrajurídicas que
fatalmente se consubstanciariam em movimentos revolucionários destinados à
violenta modificação do ordenamento estabelecido.
Mas, ainda em países de Constituição escrita racionalizada, não se pode
prescindir do costume, mesmo como fonte do Direito Constitucional, porque sendo a
Constituição rígida, sendo difícil reformá-la (como ocorre no Brasil), surgirão
dificuldades cotidianas para adaptar o texto constitucional à vida do Estado. Haverá
necessidade, então, de certas soluções de emergência, fórmulas inteligentes, e serão
criados precedentes, ou convenções, como dizem os ingleses; serão criados
costumes constitucionais.
O costume consiste, portanto, na prática de uma determinada forma de
conduta, repetida de maneira uniforme e constante pelos membros da comunidade.
A Doutrina costuma exigir a concorrência de dois elementos para a
caracterização do costume jurídico, o elemento objetivo e o elemento subjetivo.
O elemento objetivo ou material do costume corresponde à prática, inveterada
e universal, de uma determinada forma de conduta.
O elemento subjetivo ou espiritual consiste no consenso, na convicção da
necessidade social daquela prática, na "opinio juris et necessitatis".
A noção de costume ou consuetudo é sempre a mesma, qualquer que seja o
ramo do Direito em que se manifeste. Em relação ao costume constitucional, todavia,
podem ser apontadas determinadas características, a saber:
50
a) Em relação à matéria constitucional, a primeira caraterística
do consuetudo se encontra no fato de que, necessariamente, os órgãos
constitucionais do Estado participam de sua formação. Esses órgãos constitucionais,
isto é, os órgãos que, pela sua atividade, são autônomos e independentes e
respondem por uma determinada parcela do poder estatal, deverão ser identificados,
em cada sistema, quando não expressamente declarado pelas normas vigentes,
através do exame de sua competência e posição constitucional. É evidente que os
costumes constitucionais podem ser determinados pelo comportamento dos
jurisdicionados, porque a atividade dos órgãos constitucionais se inspira,em última
análise, nas tendências políticas predominantes, porém sua ação será juridicamente
irrelevante, enquanto não absorvida e transformada em prática por parte daqueles
órgãos.
b) Em decorrência de seu aspecto essencialmente político, o costume
constitucional apresenta maior flexibilidade e maior elasticidade, em confronto com o
costume observado em outros campos do Direito. Desta ideia, decorreria que, no
Direito Constitucional, o costume assume uma posição de maior relevo do que nos
outros ramos do Direito interno, pelo fato de que a generalização das normas escritas
se mostra pouco apropriada para o regulamento das relações de caráter
constitucional, que em decorrência das necessidades e aspirações políticas, tendem
a contínuos desvios e adaptações. Em sua formação, influem a doutrina e a opinião
pública, mas esta força social atua através dos órgãos constitucionais. A Opinião
pública constitui o germe do qual surge e se desenvolve, pela atividade dos órgãos
constitucionais, o "consuetudo", mas a opinião pública se manifesta através dos
programas e da orientação dos partidos políticos.
c) O costume constitucional, normalmente, se forma e se firma em breve lapso
de tempo. Isso decorre do número limitado de órgãos elaboradores do costume
constitucional, do fato de que na formação desta fonte do direito a "opinio juris et
necessitatis" precede a prática, e da particular natureza deste ramo do Direito, no qual
fatores de índole política agem da maneira mais dinâmica no sentido de adequar as
instituições à necessidade social.
Autores há que (CARMELO CARBONE, "La Consuetudine nel Diritto
Costituzionale") classificam o costume constitucional em dois tipos: o fundamental e o
não fundamental. Seriam fundamentais aqueles costumes referentes ao complexo de
51
princípios básicos que alimentam, e vivificam todo o sistema constitucional, pois em
cada Constituição há, sempre, uma ideia central e originária, que unifica, em um
complexo orgânico, suas diversas partes. As normas constitucionais, em sua maioria,
senão todas, são simplesmente deduzidas dessas ideias fundamentais. Esta noção
relaciona-se, evidentemente, com o princípio da supremacia constitucional e seu
corolário, do controle da regularidade das leis em face da Constituição.
Em nossa sistemática, o costume é colocado em posição secundária,
conforme decorre das disposições do art. 49 da Lei de Introdução ao Código Civil e
do art. 126 do Código de Processo Civil:
"art. 49- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito."
"art. 126- 0 juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não
as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito."
No tocante às Emendas Constitucionais, existe entre nós um costume que
poderá ilustrar a matéria já exposta. Trata-se do processo de elaboração das
Emendas Constitucionais, quando após sua aprovação pelo Congresso Nacional, a
Emenda é solenemente promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado e enviada
ao órgão responsável pela sua publicação, entrando IMEDIATAMENTE em vigor, uma
vez publicada no Diário Oficial da União, mesmo na ausência de disposição expressa
em seu próprio texto. Surge aqui um problema, porque normalmente, se a LEI (sentido
amplo) não estabelece data para seu início de vigência, deverá começar a vigorar
quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, nos termos do art. 19 do
Decreto-lei no. 4.657, de 04.09.42 (Lei de Introdução ao Código Civil).
Ora, sendo a Emenda Constitucional uma lei, posto que incluída na
enumeração do art. 46 da Constituição Federal, embora, conforme já explicado, de
nível extraordinário, porque destinada a reformar a Constituição, a ela não se aplica o
citado princípio da Lei de Introdução ao Código Civil, em decorrência de um costume
constitucional que se desenvolveu nesse sentido.
Há quem afirme que não poderia, absolutamente, o princípio da Lei de
Introdução, ser aplicado à hipótese sob exame, exatamente porque não se trata de
uma norma constitucional e não poderia, assim, reger matéria constitucional, no caso
52
a elaboração da Emenda, embora a Constituição não diga uma só palavra a respeito
do início de vigência da emenda constitucional.
A matéria deve merecer todo o cuidado do intérprete, porque, de outra forma,
pode-se até mesmo negar a existência do costume constitucional, simplesmente
porque a Constituição não nos fala a respeito de sua existência e o art. 126 da Lei no.
5.869, de 11.01.73 (Código de Processo Civil), que estabelece que ao juiz caberá, no
julgamento da lide, aplicar as normas legais e, na sua falta, recorrer à analogia, aos
costumes e aos princípios gerais do direito, da mesma forma, não poderia ser aplicado
em relação à matéria constitucional.
7.5 Jurisprudência
Finalmente, é também fonte principal, ou positiva, do Direito, a jurisprudência,
consubstanciada no conjunto das manifestações do Poder Judiciário, a quando do
desempenho de sua missão de aplicar contenciosamente a lei aos casos concretos.
A jurisprudência, expressa nas sentenças e acórdãos, estabelecendo um
entendimento a respeito da norma a ser subsumida ao caso "sub judice", é assim fonte
através da qual se manifesta o Direito, em sua aplicação prática e real. A Constituição
e as leis só valem, verdadeiramente, através desse significado que lhes empresta a
jurisprudência.
Com efeito, sob um enfoque puramente sociológico, o Direito vigente será
exatamente aquele que é efetivado pelos órgãos judiciários, podendo ser muito
diverso daquele constante das leis e dos códigos, que poderiam constituir, no dizer de
LASSALLE, já citado, "meras folhas de papel".
A exemplo do costume, a jurisprudência poderá ser mais ou menos influente,
conforme o Estado possua uma Constituição escrita ou não escrita, uma Constituição
escrita racionalizada ou uma constituição escrita não racionalizada. Na Inglaterra e
nos Estados Unidos, pode-se dizer que a jurisprudência é uma das fontes mais
precípuas, não somente do Direito Constitucional, mas do Direito em geral. Nos
Estados Unidos, onde existe o controle jurisdicional de constitucionalidade (que não
existe na Inglaterra, por maior que seja a autoridade dos juízes e dos tribunais
britânicos), uma decisão definitiva da Suprema Corte, interpretando uma norma
constitucional, pode ser equiparada à própria Constituição. Por várias vezes, na
53
história constitucional norte-americana, foi necessário votar uma emenda
constitucional para derrubar uma determinada diretriz da Suprema Corte, conforme
ocorreu com a Emenda no. 11. Por essa razão, disse Wilson, que antes de ser
Presidente foi professor na Universidade de Princeton, que a Suprema Corte é uma
constituinte contínua, porque a todo momento está emendando a Constituição.
A esse processo de simples substituição da interpretação, sem a alteração do
texto constitucional, denomina-se MUDANÇA, em oposição à reforma, feita através
das emendas constitucionais, votadas, normalmente, pelos órgãos legislativos,
conforme já exemplifica-se com o processo adotado no Brasil. E foi exatamente esse
processo de mudança constitucional, com a extraordinária importância da missão
constitucional do Poder Judiciário, que possibilitou a sobrevivência da Constituição
norte-americana nestes quase duzentos anos, em que sofreu apenas vinte e cinco
emendas.
Destinada, conforme MARSHALL, a reger todas as crises dos negócios
humanos, a Constituição exige, porém, um permanente processo de adaptação às
necessidades sociais, porque é meramente uma fonte formal do Direito e não pode
ser (como também a LEI) desvinculada da fonte verdadeira do preceito que não
representa, apenas, vontade e, muito menos, arbítrio dohomem.
A normatividade jurídica não decorre, a nosso ver, da simples vontade do
legislador, mas se impõe, em certo grau (e talvez não necessariamente, porque afinal
o processo implica em uma via de duas mãos), como decorrência das próprias
condições criadas pela convivência humana em sociedade.
O conteúdo da norma jurídica depende e decorre do fim que com ela se
pretende alcançar e está condicionado a exigências particulares, provenientes dos
diversos elementos que constituem a matéria regulamentada pela norma, elementos
que possuem realidade objetiva, que assim deverá ser respeitada pela atividade
legiferante.
"A salvação dos Estados Unidos, dizia RUI BARBOSA, está na divina grandeza
da sua justiça. A América anglo-republicana se desvanece de ser um país regido pela
magistratura, "a judge ruled country". Ali tem uma realidade literal o "judicial rule", o
predomínio dos tribunais. A "suprema lei do país" são os arestos da Corte Suprema.
Aquela extrema democracia faz honra de se chamar "uma democracia de toga”.
Segundo as conjunturas e os tempos, ora sobressaem ali as feições de um governo
54
presidencial, ora as de um governo congressual. Mas a barreira às intrusões da
presidência, a estacada contra as usurpações da legislatura consiste nesse poder,
que não governa, mas impõe-se, mediante a soberania da sua majestade moral.
Graças a ele resiste aquela nação à violência dos seus partidos, à corrupção da sua
política, ao gigantismo da sua fortuna."
Nos Estados Unidos, portanto, a jurisprudência desempenha importante missão
e um advogado, para ganhar a questão, citará decisões do tribunal, em casos
análogos, de vez que se espera, normalmente, que o precedente seja mantido.
A jurisprudência não tem a mesma força, mas não se pode estudar qualquer
assunto jurídico, desvinculando-o das manifestações do Poder Judiciário,
especialmente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que no desempenho
de sua missão constitucional de árbitro da Federação, guardião da Constituição e
uniformizador da jurisprudência, manifesta-se a respeito dos mais diversos temas
jurídicos.
Para ilustrar, o ordenamento constitucional, a importância da interpretação da
norma pelos órgãos do Poder Judiciário, basta-nos citar o art. 119, III, "d", que prevê
o cabimento de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal na hipótese de
divergência jurisprudencial.
Essa orientação, consagrada no art. 153, § 4º de nossa vigente Constituição
Federal, através do chamado princípio do judiciarismo, somente foi adotada no Brasil
ao ensejo da proclamação da República, quando muda nosso eixo constitucional,
porque no Império, sob a influência do constitucionalismo europeu continental, o juiz
era considerado um mero aplicador da lei, nos termos da frase célebre de
MONTESQUIEU, já transcrita: os juízes são a boca que pronuncia as palavras da lei.
Ainda hoje, em França, ao juiz não é conferida a mesma autoridade que possui
o juiz britânico ou o norte-americano, mas não é, também, um mero aplicador da lei.
Diz JEAN CRUET, a respeito, que a função da jurisprudência é supletiva da lei e que
a proclamação de sua onipotência e imobilidade, com a passividade e a
irresponsabilidade do juiz nada mais é do que uma bela fachada, por detrás da qual
se desenvolve, na França, como na Inglaterra, uma lei feita pelo juiz ("a judge made
law").
O princípio do judiciarismo, aliado à possibilidade de decretação da
inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público pelos juízes e
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tribunais, poderia resultar, no Brasil, em assumir o Poder Judiciário uma extraordinária
importância política, em relação ao próprio aperfeiçoamento das instituições e à sua
cotidiana adaptação às necessidades sociais, o que razões outras, contudo, ainda não
permitiram ocorresse na devida medida.
7.6 Direito anterior
Terminado o estudo das fontes positivas, ou seja, daquelas fontes que
encerram o Direito vigente em um determinado Estado, passa-se agora às chamadas
fontes subsidiárias ou auxiliares, que são apenas fontes de estudo do direito.
O Direito Anterior é constituído por todas aquelas normas jurídicas que
perderam a vigência, ou seja, deixaram a ordem jurídica porque foram substituídas ou
revogadas por outras normas.
No Brasil, esta é uma importante fonte de estudo do Direito, especialmente do
Direito Constitucional, porque nossa história registra a presença de cinco
Constituições já revogadas, afora a reforma de 1.926, o texto originário da
Constituição de 1.967 e as diversas reformas sofridas por nossas Constituições, como
a de 1.946.
Também integram o Direito Anterior, como fonte do estudo do Direito, as leis já
revogadas, os costumes não mais vigentes e a jurisprudência hoje infirmada
(overruled).
7.7 Direito Comparado
À semelhança do que ocorre com o Direito Anterior, o Direito Comparado é
indispensável ao estudo do Direito e à interpretação de suas normas pelos órgãos
encarregados de sua aplicação.
Não se pode estudar com profundidade a locação, o presidencialismo ou
qualquer instituto jurídico, sem o recurso de sua comparação com os de outros
Estados.
Esta fonte compreende, assim, os sistemas constitucionais e os ordenamentos
jurídicos globais (envolvendo leis, costumes, jurisprudência) dos outros povos e
constitui, com o Direito Anterior (também o comparado), um insubstituível campo para
a observação dos fenômenos sociais relacionados com sua regulamentação jurídica.
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Pode-se afirmar, assim, que ninguém conhecerá o Direito de um determinado
Estado, se o não estudar com o auxílio do Direito Comparado e do Direito Anterior e
mais, que esses estudos fornecerão preciosos subsídios tendentes a aconselhar a
adoção desta ou daquela norma, deste ou daquele instituto jurídico, por um
determinado Estado.
7.8 Doutrina
A Doutrina, ou Ciência Jurídica, consiste na exposição, explicação e
sistematização do Direito, consubstanciada nas manifestações dos estudiosos,
jurisperitos ou jurisconsultos, através de tratados, livros didáticos, monografias,
conferências, etc.
É, portanto, um enfoque especulativo do Direito, de grande importância, porque
satura todas as outras fontes, através das teorias que engendra, inspirando,
orientando, esclarecendo, justificando, enfim, adaptando o direito às necessidades
sociais.
Dependerá, entretanto, de cada povo, sua maior ou menor importância. Nos
países anglo-americanos, por força da "Common Law", e da teoria dos precedentes,
a doutrina jurídica é escrita com base nas decisões; a jurisprudência é a fonte mais
precípua.
Entre nós, segue-se a tradição francesa, a tradição italiana; a doutrina é mais
livre. Os tribunais é que constantemente, por um processo inverso, estão citando a
Doutrina. Muitas vezes, mesmo, as partes interessadas no desfecho de uma contenda
judicial contratam juristas famosos, para estudarem o assunto e emitirem parecer,
certas de que a autoridade dessa Doutrina poderá, de certa forma, condicionar a
decisão do juiz ou tribunal.
Assim, no direito moderno, embora a contribuição da Doutrina não seja oficial,
não constitua Direito positivo, certamente influencia os legisladores e os juízes,
cabendo-lhe estabelecer diretrizes, sistematizar o conhecimento jurídico, promover a
defesa de certos princípios e propor as alterações tendentes a adaptar o ordenamento
jurídico à realidade social.
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7.9 Princípios Gerais do Direito
Pode-se afirmar que os princípios gerais do direito são os elementos
fundamentais da cultura jurídica humana, ou seja, as ideias e os princípios sobre os
quais assenta a concepção jurídica dominante. Seu conceito é, na realidade, bastante
controvertido, mas deve-se acentuar que não se trata de princípios jurídicos,
propriamente ditos, mas de princípios mais amplos, tendentes a critérios universais.
Autores há que identificam esses princípioscom a equidade, com a razão
jurídica natural ou com aquilo que a tradição denominou direito natural.
Para DABIN, neles se consubstanciam, em geral:
a) soluções especificamente jurídicas, consagradas nos textos, como a regra
da irretroatividade das leis;
b) construções doutrinárias, como o princípio da unidade e da indivisibilidade
do patrimônio;
c) máximas de bom senso, de equidade e de ordem social, aplicadas à matéria
jurídica e latentes na regulamentação legal, como a sentença de que o acessório
segue o principal, ou o princípio famoso da "res inter alios acta".
A aplicação rígida desses princípios, sem a consideração do que a vida
reclama, do que é exigido pelas relações sociais e pelo senso da justiça, obsta, muitas
vezes, a recepção de novas diretrizes, impostas pelas necessidades da convivência
social, embora não compreendidas nessas categorias existentes e dominantes.
Muitos autores se preocupam em estudar os princípios gerais do direito e deve-
se citar, aqui, o importante trabalho de PINTO FERREIRA, de consulta obrigatória,
"Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno".
O art. 126 do Código de Processo Civil, na falta de disposição legal e na
impossibilidade do recurso à analogia ou aos costumes, permite ao juiz sentenciar ou
despachar com fundamento nos princípios gerais do direito. É evidente que por essa
via, aberta pelo art. 126, o juiz poderá, até mesmo, fundamentar sua decisão, sua
sentença, nesses princípios universalmente aceitos, v.g., os da Declaração Universal
ou os da Declaração Americana.
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