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SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL W B A 03 61 _v 1. 0 2 André Adriano do Nascimento da Silva Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL 1ª edição 3 2019 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor João Paulo Manfré Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Daniella Fernandes Haruze Manta Hâmila Samai Franco dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) __________________________________________________________________________________________ Guidotti, Flávio Junior G948p Posturologia e imaginologia aplicadas ao sistema musculoesquelético/ Flávio Junior Guidotti, Thiago Medeiros Rodriguez – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2019. 119 p. ISBN 978-85-522-1527-1 1. Posturologia. 2. Fisioterapia. I. Guidotti, Flávio Junior. II. Rodriguez, Thiago Medeiros. Título. CDD 610 ____________________________________________________________________________________________ Thamiris Mantovani CRB: 8/9491 © 2019 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 4 SUMÁRIO Noções históricas, paradigmas e previsão constitucional da segurança pública no Brasil. ____________________________________________________ 05 Sistemas de defesa social e as bases políticas da segurança pública. _____________________________________________________________ 21 Modelos de gestão e políticas de segurança pública: as polícias no Brasil. ____________________________________________________________ 35 Modelos de controle das organizações policiais e propostas de reformulação do Sistema de Segurança Pública Nacional ___________ 50 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL 5 Noções históricas, paradigmas e previsão constitucional da segurança pública no Brasil. Autor(a): André Adriano do Nascimento da Silva Leitor(a) crítico(a): Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Apresentar as noções introdutórias e um breve histórico da segurança pública no Brasil. • Esclarecer os paradigmas da segurança pública. • Analisar o tema segurança pública na Constituição Federal. 6 1.Noções introdutórias As noções construídas historicamente sobre o tema segurança pública estão entre as mais complexas e difusas dentro do arcabouço estatal. Marcada essencialmente por avanços, a ideia da segurança pública é fruto direto da própria ideia de Estado construída ao longo do tempo. A depender do modelo de Estado adotado em determinado tempo e espaço, possuímos uma noção de segurança pública. É claro que essa ideia decorre não só de influências internas, notadamente fatores sociais e criminais, mas também de influência externas, que podem justificar determinadas posturas mais ou menos repressoras tomadas pelo Estado. Diante desse quadro, cabe, ainda que de maneira breve, uma análise sobre a história da segurança pública no Brasil. 1.1 História da segurança pública no Brasil contemporâneo Normalmente, tratar da histórica da segurança pública no Brasil é tratar da origem das instituições policiais brasileiras. De acordo com José Afonso da Silva (2016, p. 635): “[a] palavra ‘polícia’ vem do Grego polis, que significava o ordenamento político do Estado”, no entanto, com o tempo, esse termo passou a “significar a atividade administrativa tendente a assegurar a ordem, a paz interna, a harmonia e, mais tarde, o órgão do Estado que zela pela segurança pública”. 7 Figura 1–Polícia alffoto/iStock.com Tradicionalmente, aponta-se que a atividade policial no Brasil teve início com a chegada de Martin Afonso de Souza ao Brasil, em 1530, 1º Governador Geral da Colônia, que era acompanhado por uma guarda militar. Contudo, por faltarem os elementos hoje entendidos como essenciais à atividade policial (atuação preventiva e repressiva da prática delitos), há quem aponte o início desse tipo de atividade em território nacional com a criação da Intendência-Geral de Polícia da Corte, em 1808, instituição que tinha como objetivo zelar pela manutenção da ordem do Rio de Janeiro (capital de então). A partir da Intendência-Geral, posteriormente foi estabelecida a ideia de polícia civil ou judiciária no País. De outro lado, com a criação da Guarda Real de Polícia em 1809, subordinada inicialmente ao Intendente-Geral de Polícia, estabeleceu-se a origem remota das polícias militares brasileiras. Nota-se que esse primeiro fluxo de atividades relacionadas à segurança pública tem como função essencial a preservação da autoridade do Estado e está muito ligado à ideia de uma segurança nacional, visando à 8 manutenção da própria figura do Estado. Representa, nesse contexto, a noção de Weber (2004) de um Estado que monopoliza o uso legítimo da violência: A violência não é, evidentemente, o único instrumento de que se vale o Estado – não haja a respeito qualquer dúvida –, mas é seu instrumento específico. Em nossos dias, a relação entre o Estado e a violência é particularmente íntima. Em todos os tempos, os agrupamentos políticos mais diversos – a começar pela família – recorrem à violência física, tendo-a como instrumento normal do poder. Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentre dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. É, com efeito, próprio de nossa época o não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não ser nos casos em que o Estado o tolere: o Estado se transforma, portanto, na única fonte do ‘direito’ à violência. (WEBER, 2004, p. 56) Essa noção weberiana de segurança como monopólio estatal condiz, assim, com a consolidação da figura do Estado em terras brasileiras, após a chegada dos portugueses. Após essa primeira “consolidação”, o passo subsequente e natural, a partir da Constituição Republicana de 1891, é o de estabelecer, sob uma perspectiva agora de Estado Democrático, uma noção de segurança ligada à proteção individual. Conforme aponta Humberto Fabretti (2013), a segurança pública desse momento centra-se, em sua essência, na figura da pessoa e no sentido garantidor de suas liberdades. A história é, contudo, pendular no mais das vezes. Com as idas e vindas da democracia no Brasil, a noção de segurança pública varia entre a segurança nacional e a segurança individual, hoje consolidada na Constituição de 1988, como veremos. 9 2. Paradigmas de Segurança Pública Na lição de Thomas Kuhn (2013, p. 184-185), as revoluções científicas são caracterizadas por “episódios de desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior”. Moema Dutra Freire (2009, p. 50) estabelece que teríamos no Brasil, basicamente, três paradigmas de segurança pública. O primeiro seria o paradigma da segurança nacional,vigente tanto no período inicial do estabelecimento do Brasil como Estado quanto durante a ditadura militar (1964-1985). Nesse contexto, as prioridades das atividades de segurança seriam a defesa do próprio Estado e da ordem política e social por ele estabelecida. Um segundo momento seria aquele estabelecido a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que registra a ideia de segurança sob a ótica da segurança pública, realizada com o objetivo de manutenção da ordem pública. Nessa ordem de ideias, a ordem pública, de acordo com José Afonso da Silva (2016), consiste em uma: situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa conduzia, a curto prazo, a prática de crimes. (...) A segurança pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reinvindicação de seus próprios direitos e defesa de seus legítimos interesses. Na sua dinâmica, é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. (SILVA, 2016, p. 635) Por fim, o paradigma mais moderno de segurança pública seria o da segurança cidadã, surgido no contexto global a partir dos anos 1990. 10 O conceito de Segurança Cidadã parte da natureza multicausal da violência e, nesse sentido, defende a atuação tanto no espectro do controle como na esfera da prevenção, por meio de políticas públicas integradas no âmbito local. Dessa forma, uma política pública de Segurança Cidadã envolve várias dimensões, reconhecendo a multicausalidade da violência e a heterogeneidade de suas manifestações. Uma intervenção baseada no conceito de Segurança Cidadã tem necessariamente de envolver as várias instituições públicas e a sociedade civil, na implementação de ações planejadas a partir dos problemas identificados como prioritários para a diminuição dos índices de violência e delinquência em um território, englobando iniciativas em diversas áreas, tais como educação, saúde, lazer, esporte, cultura, cidadania, dentre outras. (FREIRE, 2009, p. 52). Verifica-se, assim, a existência de três paradigmas essenciais ligados à ideia de segurança pública, cada qual ligado a um momento histórico determinado e a uma estrutura nacional e internacional de proteção de direitos humanos. 3. A Constituição Federal e a Segurança Pública A Constituição da República de 1988 foi pródiga em regular a vida em comunidade no País. Criticada pelo excesso, contudo, foi contida no que toca ao tema da segurança pública. Em seus 250 artigos, reservou apenas um para tratar do tema. O art. 144 consta do capítulo III do título V da Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988). O título, denominado Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, cuida dos mecanismos de Estado de Defesa e Estado de Sítio, da segurança nacional e, por fim, da segurança pública. De acordo com o caput do art. 144, “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988). 11 Inicialmente, é importante destacar que os conceitos de ordem pública e de incolumidade das pessoas e do patrimônio não se confundem. ...ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata deste ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social. (BRASIL, 2010b) Para cuidar da segurança pública, a Constituição estabelece uma série de estruturas, cada qual com suas próprias atribuições, mas todas destinadas ao fim comum previsto no caput do art. 144 (BRASIL, 1988). Com efeito, ele estabelece um rol de instituições destinadas à realização das atribuições de segurança pública. Em mais de uma hipótese, o Supremo Tribunal Federal já determinou a taxatividade desse rol. Vejamos: Impossibilidade da criação, pelos Estados-membros, de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos no art. 144 da Constituição. (...) Ao Instituto-Geral de Perícias, instituído pela norma impugnada, são incumbidas funções atinentes à segurança pública. Violação do art. 144, c/c o art. 25 da Constituição da República. (BRASIL, 2010a) 12 Esse rol, vale destacar, recentemente foi ampliado para abranger as polícias penais, responsáveis pela segurança dos estabelecimentos prisionais. Sob a perspectiva da competência, podemos dividir as instituições de segurança pública mencionadas no art. 144 (BRASIL, 1988) da seguinte maneira: Figura 2–Órgãos de Segurança Federal Polícia Federal Polícia Rodoviária Federal Polícia Ferroviária Federal Polícia Penal Federal Estadual/ Distrital Polícia Civil Polícia Militar Corpo de Bombeiros Militar Polícia Penal Municipal Guarda Municipal Fonte: elaborada pelo autor. Vale registrar que, embora a guarda municipal não esteja no rol do art. 144, sua existência é prevista textualmente no § 8º (BRASIL, 1988), que determina a possibilidade de os municípios constituírem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. 13 Atualmente, as guardas municipais (cuja nomenclatura permite diversos tratamentos pelos mais de cinco mil municípios brasileiros) estão reguladas pela Lei 13.022/14 (BRASIL, 2014), que estabelece o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Outro olhar sobre a questão permite a divisão das diversas entidades que realizam a missão da segurança pública a partir de suas diversas atribuições. Nesse sentido, a principal diferenciação é feita entre as polícias designadas como preventivas ou ostensivas e as investigativas ou judiciárias. Com efeito, enquanto as primeiras têm como missão a difícil prevenção da ocorrência do delito, colocando- se ostensivamente e, por isso, em regra fardada ou ao menos de alguma forma identificada de maneira visível a todos; as segundas agem essencialmente de maneira reativa, visando à investigação das condutas criminosas, agora já localizadas no passado. Elas têm o papel de reconstruir a realidade delitiva para que esta seja apresentada ao Poder Judiciário, que deverá restabelecer a ordem pública a partir da aplicação da lei ao caso concreto. É interesse notar que no âmbito federal, contudo, há uma polícia com dúplice função, isto é, que age tanto de maneira preventiva quanto investigativa, conforme veremos. Porém, vale desde já estabelecer a divisão funcional das atividades de segurança pública: 14 Figura 3–Atividades Policiais • Polícia Federal. • Polícia Rodoviária Federal. • Polícia Ferroviária Federal. • Polícia Militar. Polícias preventivas ou ostensivas • Polícia Federal. • Polícia Civil. Polícias investigativas ou judiciárias • Corpo de Bombeiros Militar. Defesa Civil • Polícia Penal Federal. • Polícia Penal Estadual. • Polícia Penal Distrital. Segurança dos estabelecimentos penais• Guarda Municipal. Guarda patrimonial Fonte: elaborada pelo autor. De acordo com o § 2º do art. 144 da Constituição da República (BRASIL, 1988), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) é um órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, tendo como função, na forma da lei, o patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Por seu turno, a Polícia Ferroviária Federal (PFF) destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. A PFF, embora já tenha existido (com o nome de Polícia dos Caminhos de Ferro, inclusive), atualmente não conta com estrutura nem cargos próprios. A Polícia Federal (PF), por sua vez, também é instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado 15 em carreira. Diferentemente das coirmãs federais, contudo, tem tanto atribuição preventiva como atribuições investigativas. Em relação às suas atribuições preventivas, atua essencialmente nas funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras e também para prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. De outro lado, atuando na função investigativa, cabe a ela apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; e exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Vale ressaltar, nesse ponto, que a Lei 10.446/02 (BRASIL, 2002) estabeleceu que, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça proceder à investigação, entre outras, das seguintes infrações penais: Quadro 1–Competências da Polícia Federal • Sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal) (BRASIL, 1940), se o agente for impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima. • Formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990) (BRASIL, 1990). • Violação a direitos humanos, o que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte. 16 • Furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação (arts. 155, 157 e 180 do Código Penal) (BRASIL, 1940). • Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Código Penal) (BRASIL,1940). • Furto, roubo ou danos contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação (arts. 155, 157 e 163 do Código Penal) (BRASIL,1940). • Qualquer crime praticado por meio da rede mundial de computadores que difunda conteúdo misógino, ou seja, crime que propaga o ódio ou a aversão às mulheres. Fonte: elaborado pelo autor. Ademais, questão interessante é a escolha pela Constituição da República de que a Polícia Federal investigará as infrações praticadas contra entidades autárquicas e empresas públicas da União, excluindo, portanto, as infrações cometidas contra fundações e sociedades de economia mista. É curioso, assim, que um crime contra o Banco do Brasil, sociedade de economia mista, em regra não seja investigado pela Polícia Federal, enquanto um delito contra a Caixa Econômica Federal, empresa pública, seja. O termo exclusividade, como se sabe, pressupõe a exclusão de outras polícias na função de polícia judiciária da União. Para saber as exatas hipóteses de aplicação desse dispositivo, deve-se verificar quais crimes serão julgados pela Justiça Federal, previstos no art. 109 da Constituição Federal (BRASIL, 1988): 17 Quadro 2–Competência da Justiça Federal • Os crimes políticos e os delitos praticados contra os bens, serviços ou interesse da União ou mesmo de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções penais (julgadas todas pela Justiça Estadual) e a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. • Os delitos previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente. • As causas relativas a direitos humanos em que se verificar grave violação de direitos humanos: cuida-se da hipótese do chamado incidente de deslocamento de competência, no qual o Procurador- Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, suscita, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, o deslocamento do julgamento para a Justiça Federal. • Os delitos contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207 do Código Penal) (BRASIL, 1940) e, em casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. • Os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar. • Os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o Exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização. Fonte: elaborado pelo autor. 18 No âmbito dos Estados e do Distrito Federal, a divisão é mais estanque, não havendo polícia que transborde de suas funções. No âmbito investigativo, existem as polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, que possuem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, exceto as militares (que são realizadas por cada uma das corporações militares). Por seu turno, as polícias militares devem realizar a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Já os corpos de bombeiros militares, além de outras atribuições definidas em lei, são responsáveis pela execução de atividades de defesa civil. Tanto as polícias militares quando os corpos de bombeiros militares são forças auxiliares e reservas do Exército e, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distritais, são subordinados aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (se houver). As mais recentes polícias criadas no âmbito constitucional são as polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, tendo como atribuição a segurança dos estabelecimentos penais. As polícias penais englobam os já existentes agentes de segurança penitenciária. É importante registrar, por fim, que, de acordo com o art. 144, § 7º (BRASIL, 1988), da Constituição da República, “a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades”, e “a remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39”, ou seja, por meio de subsídio fixado em parcela única (BRASIL, 1988). Encerrando o trato constitucional da segurança pública, o constituinte derivado inclui a previsão de que a segurança viária também seja exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônionas vias públicas. De acordo com o texto constitucional, a noção de segurança pública deve compreender tanto a 19 educação, engenharia e fiscalização de trânsito como outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente. Acrescenta-se, ainda, que competirá, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei, caracterizando função que deve ser observada, portanto, por todos os membros da Federação. Vale registrar, por fim, que, como a “atividade policial é carreira de Estado imprescindível à manutenção da normalidade democrática, sendo impossível sua complementação ou substituição pela atividade privada”, descabe falar em greve dos órgãos de segurança pública, pois “[a] carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A CF não permite”. (BRASIL, 2017) Assim se dá a construção da segurança pública no âmbito da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Referências Bibliográficas BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, [1940]. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 10.446, de 8 de maio de 2002. Dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição. Brasília, DF: Presidência da República, [2002]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10446.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 13.022, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Brasília, DF: Presidência da República, [2014]. 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Autor(a): André Adriano do Nascimento da Silva Leitor(a) crítico(a): Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Apresentar os sistemas de defesa social no Brasil contemporâneo. • Esclarecer as bases fundantes da política de segurança pública. • Analisar o monopólio da força pelo Estado, a tradição liberal e a prática democrática em nosso sistema. 22 1. Sistemas de Defesa Social no Brasil Contemporâneo O termo defesa social normalmente é utilizado em direito penal para designar a função da sanção em um determinado contexto teórico. A construção mais difundida decorreu da corrente positivista do direito penal. De acordo com essa forma de pensar, datada do século XIX, o sistema punitivo impunha a sanção aos criminosos, visto sob a ótica determinista, como medida de necessária defesa social contra os crimes por eles praticados. A reformulação desse conceito, entretanto, deve-se especialmente a Marc Ancel e à “nova defesa social”. Pode-se afirmar, em resumo, que sua ideia era a de obter uma “organização racional de um sistema de reação contra o crime” (ANCEL, 1963, p. 412). Essa restruturação tem como fundamento central a utilização da política criminal de forma clara e direcionada ao controle da prática de crimes, partindo da premissa de que o crime está inserido no meio social e é a partir dele que deve ser enfrentado. Como aponta Nelson Pizzotti Mendes ([s.d.]): O domínio próprio da Defesa Social não é nem o Direito Penal (enfocado como disciplina própria) nem a Criminologia visualizada como a ciência do fato criminal, a quem a Defesa Social pede apenas indicações ou inspirações mas sim o da Política Criminal, pois ela se propõe, antes de tudo, organizar e dirigir mais eficazmente possível a reação social, inevitável e necessária, contra a criminalidade. (MENDES, [s.d.], p. 11) No sistema brasileiro, podemos observar uma confusão estrutural entre a ideia de defesa social e a própria ideia de segurança pública. Analisando a questão a partir da Constituição Federal, observa-se a construção da segurança pública como uma parte do título reservado à defesa do Estado e das instituições democráticas. Temos, portanto, 23 duas estruturas essenciais da defesa social: uma voltada à defesa do próprio Estado, caracterizada pela estrutura das forças armadas e das previsões tanto do Estado de Defesa quanto do Estado de Sítio; e outra, a de segurança pública, materializada pelos órgãos previstos no art. 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Correlacionar defesa social com segurança pública, contudo, não é suficiente. A segurança pública é apenas uma parte do todo. Relevante, é verdade, mas apenas uma parte. No Brasil contemporâneo, pode-se estabelecer como premissa de defesa social o estabelecimento de políticas criminais no âmbito federal pelo Governo Federal, mais notadamente pelo Ministério da Justiça e SegurançaPública. Ao menos de forma ideal, caberia a esse ministério a determinação de um norte à defesa social, isto é, o estabelecimento de políticas públicas nacionais destinadas à prevenção e repressão à prática de delitos. É conhecida a ideia de que qualquer política criminal que pretenda ser funcional não pode ficar restrita ao âmbito penal propriamente dito. Não bastam ações de polícia ou de criminalização, é necessário um sistema integrado no âmbito penal, educacional, social etc. Somente uma estrutura multifatorial será idônea a ensejar, de fato, uma possível redução nos índices estatísticos que apontam a efetiva melhora no âmbito da defesa social. Um importante órgão nesse sentido é o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em que pese a designação como um conselho, o estabelecimento de diretrizes de política criminal e penitenciária permite um aprimoramento da defesa social tanto pela administração pública federal propriamente dita como por todos os demais órgãos atuantes, desde que estabelecidas corretamente as premissas de enfrentamento. 24 Não pode ficar de fora da análise da defesa social o Ministério Público. Sua definição como função essencial à justiça pela Constituição Federal (arts. 127 a 130A) (BRASIL, 1988) é insuficiente para a completa compreensão de suas atribuições e importância em nosso sistema. Com efeito, atuando como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tem a atribuição de realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Entre suas funções institucionais, três em especial chamam a atenção para os fins aqui propostos. Cabe ao Ministério Público, privativamente, a ação penal pública, sendo ele o principal responsável pela propositura da ação penal contra aqueles que infringirem as proibições constantes da legislação penal. Essa função é privativa por conviver com a chamada ação penal de iniciativa privada. A hipótese da ação privada, embora limitada, não pode ser ignorada. Vale ressaltar nesse ponto que houve uma grande modificação na atuação do Ministério Público nesse âmbito. Com a edição da Lei n. 13.964/2019 (BRASIL, 2019), designando um pacote anticrime, o Código de Processo Penal passou a permitir o designado acordo de não persecução penal. Antes limitada às hipóteses do Juizado Especial Criminal (Lei n. 9.099/1995) (BRASIL, 1995) e de colaboração premiada (Lei n. 12.850/2013) (BRASIL, 2013), passou a ser permitida a disponibilidade do ingresso da ação penal sempre que, não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, o Ministério Público tiver a prerrogativa de propor acordo de não persecução penal, quando julgar que seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Para tanto, são necessárias de maneira cumulativa e alternativamente as seguintes condições para o acordo de não persecução, artigo 28-A CPP: 25 art. 28-A: (...) I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados como instrumentos, produto ou proveito do crime; III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução; IV pagar prestação pecuniária, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; e V cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (BRASIL, 1941) A otimização da função do Ministério Público, ao contrário do que pode parecer em uma primeira leitura, tende a aumentar a eficácia do sistema de defesa social, uma vez que permitirá que as forças do órgão acusatório sejam destinadas ao combate das infrações mais graves ao bem jurídico mais relevante. Como se nota na previsão do art. 28-A do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), a limitação do acordo de não persecução penal aos delitos com sanção inferior a quarto anos de reclusão e desde que praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa tende a centrar os esforços do Ministério Público, cada vez mais, à criminalidade violenta e organizada. Retornando ao papel constitucional do Ministério Público, é importante ressaltar, ademais, que cabe a ele a função de controle externo da atividade policial e de zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos 26 e aos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia. A figura do Poder Judiciário também é essencial à defesa social. Sua inércia, contudo, não permite uma atuação ativa, mas sempre reativa. Agindo provocado, em regra pelo Ministério Público, tem papel dúplice na defesa social. Sua primeira função está em limitar a função punitiva estatal. Deve o Poder Judiciário em primeiro momento impor ao Estado os limites constitucionais e legais estabelecidos para sua atuação. Quando estes estiverem devidamente preenchidos, terá o papel de aplicar a sanção prevista em lei àquele que a tiver infringindo. O Poder Judiciário em uma democracia, como se percebe, tem como função essencial garantir os direitos e a liberdade individuais. Figura 1–Liberdade Fonte: Pitiphothivichit/iStock.com Ao impor a sanção, deverá o Poder Judiciário, ainda, acompanhar sua execução, nos termos da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984). 27 Outro fator importante de defesa social é o complexo prisional brasileiro, que representa um dos maiores gargalos de nosso sistema, seja por sua superlotação (estima-se que a ocupação em 2019 esteja em 169% de sua capacidade) (CNMP, 2019), seja por suas condições precárias. Nosso sistema penitenciário, infelizmente, não é conhecido por sua eficiência. Figura 2–Sistema carcerário Fonte: spukkato/iStock.com Há, contudo, que se observar o importante esforço do Governo Federal nos últimos anos. Com a criação dos presídios federais, destinados aos presos de maior periculosidade, o sistema eminentemente estadual ganhou um parceiro de peso. Atualmente, há cinco penitenciárias federais: em Brasília (DF), Porto Velho (RO), Mossoró (RN), Campo Grande (MS) e Catanduvas (PR). Por fim, mas não menos importante, temos o Poder Legislativo. Sua atuação amparada em fatores de política criminal, especialmente nos dados colhidos pela criminologia, é que permite a formulação de 28 uma legislação consentânea com as necessidades sociais. A partir de seu trabalho, as penas podem ser impostas na medida adequada, fazendo com que todo o sistema se desenvolva corretamente. 2. Segurança pública e bases fundantes da política: o monopólio da força pelo Estado, a tradição liberal e a prática democrática Muitas vezes parece contraditória a ideia da utilização da força justamente para limitá-la. Nas palavras de John Stuart Mill (2019): Em linhas gerais, uma questão raramente exposta e quase nunca discutida, mas que, com sua presença latente, influencia profundamente as controvérsias práticas da época, e que, em breve, tende a ser reconhecida como a questão essencial do futuro. Está longe de ser nova, já que, em certo sentido, dividiu a humanidade quase desde as eras mais remotas; mas, no estágio de progresso em que entraram agora as porções mais civilizadas da espécie humana, apresenta-se sob novas condições e requer um tratamento diferenciado e mais fundamental. O conflito entre Liberdade e Autoridade é a característica mais perceptível nas partes da história com que estamos mais familiarizados, principalmente as da Grécia, Roma e Inglaterra. Contudo,nos tempos antigos, essa disputa ocorria entre súditos, e o Governo. Por liberdade, entendia-se a proteção contra a tirania dos governantes políticos. Considerava-se que os governantes (exceto em alguns dos governos populares da Grécia) estavam necessariamente em posição de antagonismo em relação ao povo que governavam. (MILL, 2019, p. 11-12) Embora majoritariamente se assuma a noção contratual do Estado, remetendo à clássica visão de Thomas Hobbes, é difícil pensar em uma sociedade em que não haja uma figura como o Estado ditando as regras de convivência social. É claro que nem sempre a noção teve esse nome ou a forma atual; pelo contrário, ela teve diversas designações e diversos “senhores”. Seu poder já foi divino (ainda é em diversos locais) e baseado 29 unicamente na força. Porém, independentemente de sua forma, somos acostumados a viver sob a égide de uma autoridade de alguma forma superior. Hoje essa autoridade superior é designada, entre nós, como democracia, o governo de todos. A própria Constituição da República Federativa Brasileira (BRASIL, 1988), após afirmar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, estabelece no parágrafo único do art. 1º que todo poder emana do povo. A ideia democrática, assim, apresenta em sua gênese o máximo da liberdade possível e seria ela a materialização da liberdade individual. A máxima da democracia seria a “quebra das correntes” da escravidão da vontade alheia para imposição unicamente da vontade de todos. Figura 3–Prisão Fonte: Boonyachoat/iStock.com Sob a tutela do Estado, reduzimos parcialmente nossas liberdades individuais para que ele nos garanta o máximo possível dessa liberdade. Parece incongruente no primeiro olhar: diminuir para multiplicar, reduzir a liberdade para ter mais liberdade. 30 Na mencionada construção hobbesiana, a ideia seria a de que, sem a figura de um Estado, estaríamos todos sob constante guerra de todos contra todos, seria um estado de natureza no qual imperaria o mais forte naquele momento. Como forma de estabilizar as relações sociais, as pessoas decidiriam estabelecer leis da razão que superariam a mera imposição da força pela força. A partir da consolidação dessas regras, formariam uma espécie de contrato para que não mais se submetessem à força do outro, mas à força da razão. O estado de natureza seria substituído por um estado civil. Para se manter, contudo, esse estado civil, é preciso monopolizar a força, pois é somente por meio dela que se limita a força individual dos seres que a compõem. Uma vez titular desse poder maior, Hobbes chega a defender em difundida fórmula que mesmo um Estado despótico é melhor do que nenhum Estado. Por pior que fosse o governante, dentro de sua visão, seria melhor do que a constante insegurança da falta de um governante. O processo pelo qual o Estado passa a obter o monopólio da força não é simples nem rápido. Basta ver o processo da Revolução Francesa, que perdurou de 1789 a 1799, tendo passado, inclusive, por um período denominado Reino do Terror. É curioso que data desse momento histórico, justamente de consolidação democrática, a ideia remota de terrorismo, antes visto como o terror do próprio Estado. Na democracia, como bem observa John Stuart Mill (2019), há de se observar o risco da tirania da maioria: “Como outras tiranias, a tirania da maioria apoiou-se a princípio no medo, e vulgarmente ainda se apoia nele, em especial quando atua por intermédio de atos das autoridades públicas”. Embora na conhecida expressão de Winston Churchill, de que a democracia seria a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas, sua consolidação é essencial para o atingimento dos objetivos estabelecidos pela Constituição Federal Brasileira. Somente a partir de bases democráticas, de um verdadeiro Estado de Direito, em que há o império da lei, é que pode ser estabelecido um critério seguro de defesa social 31 direcionado aos direitos. Como observam Vilobaldo Adelídio de Carvalho e Maria do Rosário de Fátima e Silva (2011, p. 61): O processo de transição para a democracia, das últimas décadas, enfrentou o desafio de manter a ordem pública em um contexto afetado pela insegurança urbana e a necessidade de mudança de atuação dos órgãos de segurança pública, estruturados sob a influência de resquícios autoritários, mas com a responsabilidade de atuar de acordo com os princípios democráticos, impostos pela sociedade por meio dos movimentos sociais. A “Constituição Cidadã”, promulgada no Brasil em 1988, não culminou, concomitantemente, na construção de uma política de segurança pública democrática por parte dos órgãos responsáveis, estabelecidos no “Estado democrático de Direito”. Por isso, as ações de “controle da ordem pública” tornaram se mais complexas na “ordem democrática” e a reorganização do aparelho estatal não resultou na imediata participação social na construção da política de segurança pública, necessária ao país. Estado e sociedade devem exercer papéis cruciais na definição de estratégias políticas e de poder que legitimam o processo pelo qual se desenvolve a política pública. Neste embate, os interesses e as contradições, inerentes à dinâmica das relações entre governantes e governados, constituem o fundamento da construção política. (CARVALHO; SILVA, 2011, p. 61) Atualmente, na base política da segurança pública no Brasil, consta a Política Nacional de Segurança Pública, que teve início com a implementação do Sistema Único de Segurança Pública, a partir da edição da Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2010). O funcionamento desse sistema tem como objetivo a integração e a coordenação de seus órgãos integrantes, atuando por meio de: art. 10: (...) I operações com planejamento e execução integrados; II estratégias comuns para atuação na prevenção e no controle qualificado de infrações penais; III aceitação mútua de registro de ocorrência policial; 32 IV compartilhamento de informações, inclusive com o Sistema Brasileiro de Inteligência; V intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos; VI integração das informações e dos dados de segurança pública. (BRASIL, 2018) Vale mencionar, por fim, que a ideia do Sistema Único de Segurança Pública é integrar todos os órgãos que cuidam de segurança pública no âmbito executivo. Ele tem como integrantes estratégicos a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos e os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados. De outro lado, os integrantes do sistema operacional são: Quadro 1–Órgãos de Investigação Guarda Portuária Agentes de Trânsito Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad) Secretarias Estaduais de Segurança Pública ou Congêneres Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) Institutos Oficiais de Criminalística, Medicina Legal e Identificação Órgãos do Sistema Penitenciário Guardas Municipais Corpos de Bombeiros Militares Polícias Militares Polícias Civis Polícia Rodoviária Federal Polícia Federal Fonte: elaborado pelo autor. Conclui-se, portanto, que, embora aparente incongruência com o desenvolvimento teórico das ideias, vemos que tal aparência fica apenas nela. Um sistema de segurança pública voltado à defesa social é 33 instrumento essencial para a garantia da liberdade individual, já que esta somente pode ser obtida a partir de um mínimo de segurança individual, garantida, ao menos em tese, pelo Estado, detentor do monopólio da força no Estado Democrático de Direito. Referências Bibliográficas ANCEL, Marc. Les doctrines de la défense sociale devant le probleme de la peine de mort. Revue de Science Criminele et Droit Penal Comparée, [s.l.], p. 411- 427,1963. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, [1941]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal [...]. Brasília, DF: Presidência da República, [2013]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/ l12850.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [1984]. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1995]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099. htm. Acesso em: 30 mar. 2020. CARVALHO, Vilobaldo Adelídio de; SILVA, Maria do Rosário de Fátima. Política de segurança pública no Brasil: avanços, limites e desafios. Rev. Katálysis, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm 34 Florianópolis, v. 14, n. 1, jan./jun. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/ v14n1/v14n1a07.pdf. Acesso em: 30 mar. 2020. CNMP. Conselho Nacional do Ministério Público. Sistema prisional em número: primeiro semestre. 2019. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/ relatoriosbi/sistema-prisional-em-numeros. Acesso em: 30 mar. 2020. MENDES, Nelson Pizzotti. A nova defesa social: Verificação da obra de Marc Ancel. Revista Justitia, [s.l.], n. 85, p. 9-27, [s.d.]. Disponível em: http://www.revistajustitia. com.br/revistas/6b6wzc.pdf. Acesso em: 30 mar. 2020. MILL, Jonh Stuart. Da liberdade individual e econômica: princípios e aplicações do pensamento liberal. Tradução Carlos Szlak. São Paulo: Faro Editorial, 2019. http://www.scielo.br/pdf/rk/v14n1/v14n1a07.pdf http://www.scielo.br/pdf/rk/v14n1/v14n1a07.pdf https://www.cnmp.mp.br/portal/relatoriosbi/sistema-prisional-em-numeros https://www.cnmp.mp.br/portal/relatoriosbi/sistema-prisional-em-numeros http://www.revistajustitia.com.br/revistas/6b6wzc.pdf http://www.revistajustitia.com.br/revistas/6b6wzc.pdf 35 Modelos de gestão e políticas de segurança pública: as polícias no Brasil. Autor(a): André Adriano do Nascimento da Silva Leitor(a) crítico(a): Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Apresentar os modelos de gestão e as políticas de segurança pública. • Esclarecer o processo constitutivo das organizações policiais no Brasil. • Analisar as funções e atribuições da polícia em uma sociedade democrática. 36 1. Modelos de Gestão e Políticas de Segurança Pública Antes de desenvolver propriamente a ideia central deste tema, é importante fazer uma observação sobre o sistema federativo brasileiro. O Brasil é, comparativamente, um país novo. Perto da tradição milenar europeia, asiática e africana, nossa existência oficial tem pouco mais de quinhentos anos. Obviamente, essa leitura superficial não quer reduzir ou desrespeitar os habitantes originários do território nacional, hoje chamado Brasil, mas urge pensar o modelo atual a partir da colonização, posto que os modelos de segurança nas sociedades indígenas são inteiramente diversos. Levando em conta, assim, a história “pós-descobrimento”, vemos que o Brasil ainda está, até hoje, formando sua estrutura federativa. Embora países com tempo de descoberta próximo ao nosso, como é o caso dos Estados Unidos da América, já tenham atingido um nível diferenciado, o Brasil ainda patina em critérios básicos de sua própria estrutura. Isso se mostra evidente pelo número de constituições já editadas desde a primeira em 25 de março de 1824. No último modelo, de 1988, tivemos, ainda, a estruturação autônoma do ente Município, inclusive com a designação de guarda própria, mas com diversos problemas estruturais na federação, a começar pela própria divisão de tributos. No sistema federativo brasileiro, as competências estatais estão divididas entre diferentes esferas de governo, diferenciadas entre si no que se refere às suas instituições, seus recursos financeiros, humanos e políticos, e sua relação com a sociedade civil. Isso torna o tema da segurança pública ainda mais complexo. A distribuição de poder entre os níveis de governo e o tipo de relação estabelecida entre eles são decisivos para a definição das ações que serão adotadas na área de segurança pública, determinando desde seus conteúdos até a maneira e momento oportunos de executá-las. (BALLESTEROS, 2014, p. 8) 37 Percebe-se, assim, a complexidade do sistema brasileiro. Esperam- se políticas nacionais de segurança pública, apesar de, em nossa prática, as polícias serem essencialmente estaduais. Embora haja polícias federais (tanto a Polícia Federal propriamente dita como a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal e a Polícia Penitenciária Federal), a grande maioria dos crimes são objeto de atuação dos Estados e do Distrito Federal. Porém, de todo modo, é essencial que, diante da existência de 26 Estados e um Distrito Federal e mais de 5.500 municípios, ao menos os planos de gestão sejam designados nacionalmente. Nesse ponto, vale a pena uma breve análise dos Planos Nacionais de Segurança Pública. Embora o primeiro, de 2000, seja intensamente criticado por ter nascido como resposta reativa a um crime midiático (o famoso caso do Ônibus 174, que acabou com uma refém e o sequestrador mortos), deve-se dar a ele o mérito de inaugurar diversas tentativas de gestão da segurança pública pela administração federal. O ponto mais importante do modelo apresentado pela União à época foi a centralização do esforço de inteligência, que permitiria não só o estabelecimento de diretrizes mais claras na segurança pública, mas que os diversos órgãos que o integram pudessem trocar informações. É incrível que, em um país de dimensões continentais, o registro civil das pessoas seja regionalizado. Cada Estado tem sua própria numeração e, assim, caso determinada pessoa precise emitir um registro geral (o famoso R.G.) em outro Estado da federação terá outro número. Mesmo que haja cadastros nacionais, como o CPF, no âmbito da segurança pública ainda impera a utilização do RG. De todo modo, atualmente cabe à Lei n. 13.675/2018 (BRASIL, 2018) a regulamentação do modelo de gestão e das políticas públicas de segurança no Brasil, com o estabelecimento de uma Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. De acordo com essa norma, 38cabe ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública a coordenação e a gestão do Sistema Único de Segurança Pública, cabendo a esse Ministério elaborar o Plano Nacional de Segurança Pública, com validade de dez anos. Por meio desse plano, serão articuladas as ações da União no âmbito da segurança pública. A Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social tem princípios bem definidos implementados por meio de estratégias que garantam integração, coordenação e cooperação federativa, interoperabilidade, liderança situacional, modernização da gestão das instituições de segurança pública, valorização e proteção dos profissionais, complementaridade, dotação de recursos humanos, diagnóstico dos problemas a serem enfrentados, excelência técnica, avaliação continuada dos resultados e garantia da regularidade orçamentária para a execução de planos e programas de segurança pública (conforme art. 7º da Lei n. 13.675/2018) (BRASIL, 2018). 39 Quadro 1–Princípios Princípios Respeito ao ordenamento jurídico e aos direitos e às garantias individuais e coletivos. Proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança pública. Proteção dos direitos humanos, respeito aos direitos fundamentais e promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Eficiência na prevenção e no controle das infrações penais. Eficiência na repressão e na apuração das infrações penais. Eficiência na prevenção e na redução de riscos em situações de emergência e desastre que afetem a vida, o patrimônio e o meio ambiente. Participação e controle social. Resolução pacífica de conflitos. Uso comedido e proporcional da força. Proteção da vida, do patrimônio e do meio ambiente. Publicidade das informações não sigilosas. Promoção da produção de conhecimento sobre segurança pública. Otimização dos recursos materiais, humanos e financeiros das instituições. Simplicidade, informalidade, economia procedimental e celeridade no serviço prestado à sociedade. Relação harmônica e colaborativa entre os Poderes. Transparência, responsabilização e prestação de contas. Fonte: elaborado pelo autor. A política de segurança conta ainda com as seguintes diretrizes: • Atendimento imediato ao cidadão. • Planejamento estratégico e sistêmico. 40 • Fortalecimento das ações de prevenção e resolução pacífica de conflitos, priorizando políticas de redução da letalidade violenta, com ênfase para os grupos vulneráveis. • Atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios em ações de segurança pública e políticas transversais para a preservação da vida, do meio ambiente e da dignidade da pessoa humana. • Coordenação, cooperação e colaboração dos órgãos e das instituições de segurança pública nas fases de planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações, respeitando-se as respectivas atribuições legais e promovendo-se a racionalização de meios com base nas melhores práticas. • Formação e capacitação continuada e qualificada dos profissionais de segurança pública, em consonância com a matriz curricular nacional. • Fortalecimento das instituições de segurança pública por meio de investimentos e do desenvolvimento de projetos estruturantes e de inovação tecnológica. • Sistematização e compartilhamento das informações de segurança pública, prisionais e sobre drogas, em âmbito nacional. • Atuação com base em pesquisas, estudos e diagnósticos em áreas de interesse da segurança pública. • Atendimento prioritário, qualificado e humanizado às pessoas em situação de vulnerabilidade. • Padronização de estruturas, de capacitação, de tecnologia e de equipamentos de interesse da segurança pública. 41 • Ênfase nas ações de policiamento de proximidade, com foco na resolução de problemas. • Modernização do sistema e da legislação de acordo com a evolução social. • Participação social nas questões de segurança pública. • Integração entre os poderes legislativo, executivo e judiciário no aprimoramento e na aplicação da legislação penal. • Colaboração do poder judiciário, do Ministério Público e da defensoria pública na elaboração de estratégias e metas para alcançar os objetivos dessa política. • Fomento de políticas públicas voltadas à reinserção social dos egressos do sistema prisional. • Incentivo ao desenvolvimento de programas e projetos com foco na promoção da cultura de paz, na segurança comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais existentes em outros órgãos e entidades não pertencentes ao sistema de segurança pública. • Distribuição do efetivo de acordo com critérios técnicos. • Deontologias policial e de bombeiro militar comuns, respeitados os regimes jurídicos e as peculiaridades de cada instituição. • Existência de unidades de registro de ocorrência policial. • Uso de sistema integrado de informações e dados eletrônicos. • Incentivo à designação de servidores da carreira para os cargos de chefia, levando em consideração a graduação, a capacitação, o mérito e a experiência do servidor na atividade policial específica. 42 • Celebração de termo de parceria e protocolos com agências de vigilância privada, respeitada a lei de licitações. Esses princípios e diretrizes serão destinados à consecução dos objetivos da Política Nacional e devem buscar, ainda, o estabelecimento das metas do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. 2. Conceitos: o Processo Constitutivo das Organizações Policiais no Brasil A ideia de polícia é, certamente, mais antiga que a própria polícia. A institucionalização das funções policiais é, assim, muito mais recente do que a materialização de suas funções. Trata-se de um daqueles conceitos que são construídos depois da existência fática do que ele pretende explicar, pois, às vezes, a necessidade antecede a justificativa. O próprio estudo da instituição policial é recente: O tema da história da polícia é bastante recente na historiografia. Até os anos 1960, existia apenas uma historiografia oficial ou quase, realizada em sua maioria por antigos policiais. Da mesma forma, o tema era bastante raro nas ciências sociais. Diversos elementos da década de 1960, agitações raciais, estudantis etc. contribuíram para dar maior visibilidade à polícia e começaram a transformá-la em um foco de interesse acadêmico. Ainda assim, o desenvolvimento do objeto — especialmente no campo da história — se fez lentamente, tendo de enfrentar uma série de obstáculos. (BRETAS; ROSEMBERG, 2013, p. 163). É, portanto, complexa a formulação histórica das organizações policiais. Digladiam-se diferentes olhares sobre o mesmo objeto de estudo. 43 Oficialmente, pode-se falar em uma instituição genuinamente policial no Brasil a partir da edição do alvará de 10 de maio de 1808, pelo Príncipe Regente, que estabeleceu a criação do Intendente-Geral de Polícia da corte e do Estado do Brasil. Eis o teor do dito alvará: Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente Alvará virem, que tendo em consideração a necessidade que há de se criar o lugar de Intendente Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, da mesma forma e com a mesma jurisdição que tinha o de Portugal, segundo o Alvará da sua criação, de 25 de junho de 1760, e do outro de declaração, de 15 de Janeiro de 1780; sou servido creá-lo na sobredita maneira com o mesmo ordenado de 1.600$000, estabelecido no referido Alvará de declaração. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, [s.d.]) É claro que, antes mesmo dessa instituição, já atuavam no Brasil forças vindas de Portugal. Contudo, em terras brasileiras, pode- se apontar com a exatidão que os registros históricos legislativos permitem que a intendência-geral da polícia foi a nossa primeira polícia. Esse estabelecimento é decorrência lógica da migração da família real portuguesa para o País. Essa Intendência-Geral da Polícia pode ser entendida como uma espécie de Polícia Federal do Império. De fato, ela é tida como a primeira polícia judiciáriaou investigativa em sua “certidão de nascimento”. Em relação à ideia de polícia ostensiva, de segurança, mais precisamente de uma polícia militar nos moldes que se costuma designar, a pedra fundamental foi a criação da Guarda Real de Polícia, em 13 de maio de 1809. Uma tradicional historiografia da polícia no século XIX sugere o papel desta polícia como missionários domésticos, levando a presença do Estado a regiões distantes ou a públicos que percebiam pouco sua ação. O que se vê do policiamento mal disciplinado e em precárias 44 condições deste Brasil do século XIX parece indicar uma imersão dos sistemas policiais no cotidiano das sociedades com pouco impacto transformador, fazendo com que a tensão entre ação pública, poder local e normas tradicionais seja um tema de grande complexidade no interior brasileiro. Uma das preocupações constantes desta historiografia, que permanece no início do século XX, é avaliar quem são os policiais, fazer seu perfil social, demonstrando a precariedade da ocupação e a total falta de prestígio destes representantes muito distantes do Estado. (...) Os corpos de polícia militarizados, criados a partir do impulso descentralizador da Regência, foram adquirindo, paulatinamente, autonomia em relação às dinâmicas políticas que impunham a substituição de governantes, administradores da justiça e prepostos policiais (chefe de polícia, escrivães, delegados etc.), cada vez que a parcialidade política dominante perdia o posto no gabinete imperial. Instituía-se, embora obliquamente, um embrião de burocracia moderna que obstinava diante da politicagem. (BRETAS; ROSEMBERG, 2013, p. 168-169). Com o passar do tempo, foi forte o movimento pela constituição de polícias estaduais, tirando a centralização das forças policiais. A partir da Constituição da República, com a Constituição de 1891, foram reforçadas as ideias de regionalização da segurança pública, já não mais preocupada somente com a defesa do próprio Estado, uma vez que, pelo menos em teoria, não havia mais a necessidade de uma figura de força voltada à manutenção do próprio Estado, agora escolhido pelos brasileiros, e não imposto pelos portugueses. Com o passar do tempo, as figuras de Intendência e da Guarda Real foram se consolidando nos âmbitos estaduais, como polícias civis e polícias militares. Para se ter ideia, a formação do que hoje conhecemos como Polícia Federal, à época designada como Departamento Federal de Segurança Pública, somente se deu em 28 de março de 1944, com a transformação da antiga Polícia Civil do Distrito Federal, que funcionava no Rio de Janeiro. 45 Figura 1–Inteligência Intendência- Geral da Polícia Polícia Civil Polícia Federal Guarda Real de Polícia Polícia Militar Fonte: elaborada pelo autor. Hoje nossas polícias encontram assento constitucional e estão previstas em rol taxativo no art. 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). 3. Funções e Atribuições da Polícia em uma Sociedade Democrática São claras as funções e atribuições das polícias em uma sociedade democrática. Em primeiro lugar, deve-se observar que tanto as funções quanto as atribuições decorrem diretamente da regra constitucional da legalidade. Todo o funcionamento dessas instituições é fundamentado e justificado pelo modelo constitucionalmente previsto. Com efeito, no que toca ao tema das funções e atribuições, faz-se relevante, nesse momento, a diferenciação das forças policiais em dois grandes eixos. O primeiro é o das polícias investigativas ou judiciárias. Fala-se, aqui, das polícias civil e federal. Essa atribuição é, por natureza, repressiva e atua quando o delito já foi perpetrado, buscando, portanto, seu esclarecimento. Busca dar o subsídio necessário para que seja estabelecida, ou não, a relação processual. 46 Sua atuação essencial é por meio da investigação. Formalmente, inclusive, o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) determina que o meio adequado de realização da atividade da polícia investigativa é o famoso inquérito policial. Embora não seja peça obrigatória, o desenvolvimento natural do processo penal passa pela realização desse procedimento investigativo preliminar. As polícias investigativas, ademais, também recebem o nome de polícias judiciárias. Essa atribuição decorre não só do fato de que a partir de suas investigações iniciais é que será facilitado, ou ao menos direcionado, o acesso do órgão acusatório ao Poder Judiciário, mas também pelo fato de que, após, ou mesmo independentemente de um, inquérito policial, deverão essas polícias (tanto no âmbito estadual quanto no federal) atuar cumprindo as determinações do Poder Judiciário. Nota- se, inclusive, que, apesar de os Tribunais possuírem em seus quadros a figura do oficial de justiça, responsável por dar cumprimento às suas determinações, quando se fala em cumprir um mandado de prisão, essa função recai para as polícias judiciárias. Figura 2–Investigação forense Luka Lajst/iStock.com 47 De outro lado, agindo de maneira preventiva em relação à prática delitiva, estão as chamadas polícias ostensivas, as polícias que vemos nas ruas. Normalmente fardadas, buscam por meio da presença física e de atividades de inteligência, como o patrulhamento rotineiro, o comunitário, entre outras medidas, antecipar a possibilidade criminosa, evitando, assim, a vulneração ou a colocação em risco dos bens jurídicos mais relevantes para a nossa sociedade. Numericamente, os quadros das polícias ostensivas, notadamente das polícias militares, são expressivamente maiores do que o das polícias investigativas, judiciárias. A própria Constituição Federal (BRASIL, 1988) chega a prever que as polícias militares e os corpos de bombeiros militares serão força reserva e auxiliar do exército, pensando não só na sua habilitação profissional, mas também nos seus relevantes números. Figura 2–Investigação digital gorodenkoff/iStock.com Há, assim, um modelo especializado de polícias no sistema brasileiro. Algumas atuam antes da prática delitiva, buscando evitá-la. Centradas em atividades de inteligência, buscam a proteção incansável dos bens jurídicos penalmente relevantes. Aqui temos, taxativamente, a Polícia 48 Militar, a Polícia Federal (única que tem funções também investigativas), a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal (embora atualmente exista apenas formalmente). Por outro lado, agindo após a prática delitiva, as polícias investigativas (Polícias Civil e Federal) atuam de maneira a embasar o processo criminal futuro, que objetiva impor a sanção àquele que descumprir as proibições emanadas pela legislação penal. A atuação conjunta das polícias é essencial para que a defesa social seja atingida e os objetivos de política criminal sejam estabelecidos pelo Estado. A falha de qualquer delas caracteriza uma falha do próprio sistema. De maneira excepcional, é bom que se diga que mesmo as polícias militares podem atuar de maneira investigativa, quando a hipótese for de crime militar. Também atuarão de maneira semelhante as polícias da marinha, do exército e da aeronáutica. Essas atribuições, contudo, são excepcionais e limitadas à aplicação do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar. Vale mencionar, por fim, que há outros órgãos previstos no mesmo dispositivo constitucional, mas com funções mais específicas. É o caso do corpo de bombeiros militar, que tem a atribuição essencial de defesa civil, da guarda municipal, pelo texto constitucional, uma guarda patrimonial, e a polícia penal, voltada à segurança de estabelecimentos penais. Referências Bibliográficas BALESTEROS, Paula Rodriguez. Gestão de políticas de segurança pública no Brasil: problemas, impasses e desafios. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 6-22, fev./mar. 2014. 49 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988].Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, [1941]. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRASIL. Lei n. 13.675, de 11 de junho de 2018. Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública [...]. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. BRETAS, Marcos Luiz; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. Topoi, Rio de Janeiro, v. 14, n. 26, p. 162-173, jan./jun. 2013. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Coleção das Leis do Império do Brasil. Coleção publicada pela Imprensa Nacional: Inclui cartas de leis, alvarás e outras normas. [s.d.]. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/ doimperio. Acesso em: 30 mar. 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/doimperio 50 Modelos de controle das organizações policiais e propostas de reformulação do Sistema de Segurança Pública Nacional Autor(a): André Adriano do Nascimento da Silva Leitor(a) crítico(a): Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Analisar os modelos de controle das organizações policiais. • Esclarecer as diferenças entre os controles interno, externo e misto. • Apresentar propostas de reformulação do Sistema de Segurança Pública Nacional. 51 1. Modelos de controle das organizações policiais: controles interno, externo e misto Como todo exercício de poder, a atividade policial demanda constante controle. A própria gênese do poder estatal, de matriz constitucional, é marcada por essa gestão. Seja pela divisão do federalismo brasileiro em diversas unidades federativas, seja pela forma de governo republicano, seja pela essencial divisão de poderes, o Título I da Constituição Federal (BRASIL, 1988) tem como uma de suas principais preocupações, além de conformar a própria República Federativa do Brasil, estabelecer limites ao exercício do poder, especialmente deixando claro que todo o poder emana do povo, verdadeiro titular. Ademais, a marca de um estado centrado na dignidade humana transparece ainda mais a importância do ser humano como papel básico do Estado. Com a atividade policial, esses mecanismos de controle devem se intensificar, seja em razão da polícia atuar diretamente com a criminalidade, seja em razão de ela constituir o braço armado do Estado atuante no dia a dia do cidadão. O art. 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que trata das polícias no Estado Democrático de Direito Brasileiro, não aponta para nenhum mecanismo de controle. Essa expressão aparece no art. 129, VII, da Constituição da República (BRASIL, 1988), como função institucional do Ministério Público. Para início da análise, é importante destacar que as polícias brasileiras são parte do Poder Executivo e, sem exceção, devem submeter-se às previsões legais que ao mesmo tempo justificam e restringem sua atuação. De acordo com o art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), toda a atividade administrativa, incluindo a polícia, deve obediência ao princípio da legalidade administrativa, no sentido limitativo da 52 expressão, isto é, devendo agir somente quando autorizada pela lei, omitindo em seu silêncio. Contudo, a lei por si só não é suficiente. Não basta que certos atos, quer de funcionários públicos, quer de setores privados, sejam regidos pela lei [...]. Esses atos podem impor a aplicação de uma lei discriminatória e/ou que viole direitos básicos, ou a aplicação seletiva de uma lei contra alguns enquanto outros são arbitrariamente isentos dela. A primeira possibilidade acarreta uma violação dos padrões morais que a maioria dos países inscreve em suas constituições e que hoje em dia, sob a rubrica dos direitos humanos, esses países têm a obrigação, assumida internacionalmente, de respeitar. A segunda possibilidade acarreta a violação de um princípio crucial tanto de justiça quanto do Estado de Direito, o de que casos iguais recebem tratamento igual. Outra possibilidade ainda é que num dado caso a lei seja adequadamente aplicada, mas em razão da decisão de uma autoridade que não é, e não se sente, obrigada a proceder do mesmo modo em ocasiões equivalentes no futuro. (O’DONNELL, 2000, p. 349-350) Assim, a lei deve ser o farol de atuação de toda a atividade policial, e o devido cumprimento dos ditames legais depende, sem sombra de dúvida, do constante controle, seja para limitar os excessos individuais, seja para limitar os excessos institucionais. Desse modo, em razão da complexidade da atividade e das constantes possiblidades desviantes que se apresentam na atividade policial, apresentam-se diversas formas de controle. Inicialmente, é interessante a diferenciação encontrada na doutrina entre mecanismos formais e informais de controle da atividade policial. Mecanismos formais e informais funcionam de maneira diferente, a partir de conceitos diferentes de violência policial, mas ambos podem ser eficazes ou ineficazes, dependendo da forma e do contexto em que forem empregados. Os mecanismos formais permitem um controle mais centralizado e intensivo de violência policial, dirigido principalmente aos tipos mais visíveis/observáveis de violência policial, como homicídios, tortura e agressões físicas, e são encontrados tradicionalmente, mas 53 não exclusivamente, em organizações políticas e principalmente em organizações militares. Já os informais possibilitam um controle mais descentralizado e extensivo da violência policial, voltado sobretudo para os tipos menos visíveis/observáveis de violência policial, como abuso de autoridade, desrespeito, ameaça, extorsão, agressões verbais e tratamento diferenciado em função de classe ou status social, e são controlados tradicionalmente, mas não exclusivamente, em organizações sociais, organizações econômicas e principalmente organizações profissionais. (MESQUITA NETO, 1999, p. 147). A criminologia ressalta constantemente a necessidade de reforçar os mecanismos informais de controle, pois, no mais das vezes, apresentam- se mais efetivos do que aqueles institucionalizados. No meio virtual, muitas vezes nos deparamos com pequenas amostras desse controle: há vídeos curiosos que demonstram furtadores em ação, os quais, assim que consumam a subtração de um pequeno objeto, uma carteira ou mesmo celular, percebem estar sendo observados por uma câmera (normalmente particular). Diante desse controle ocasional, acabam, imediatamente, restituindo o bem à vítima, que sequer sabia ter sido vítima. Figura 1 – Mapeamento Fonte: MediaProduction/iStock.com 54 De todo modo, por mais que se incentive e se deseje esse tipo de controle, o controle formal, feito pelas instituições do Estado, é igualmente essencial. Ressalta-se que esse controle é importante não só quando age ativamente sob a conduta policial, mas também a sua existência e confiabilidade são uma segurança para o cidadão destinatário da segurança pública. Em relação às formas de controle, destacam-se, essencialmente, três formas: a interna, a externa e a mista ou híbrida. A forma de controle interna consiste na atuação de órgãos estabelecidos na estrutura própria da polícia, mas que atuem com certa independência justamente para permitiro controle sobre a atividade policial. Com efeito, essa atividade normalmente é atribuída às chamadas Corregedorias de Polícia. O papel das Corregedorias é essencial. Por serem compostas de policiais, permitem que a apuração de eventuais desvios seja mais eficiente, tendo em vista que aqueles que atuam na Corregedoria estão inseridos na própria força policial, já tendo atuado “do outro lado”, isto é, advêm da própria atividade que pretendem controlar. Desse modo, um controle por quem já possui o conhecimento da própria atividade parece ter parâmetros evidentes de eficácia. Esse é o principal benefício desse modelo de controle interno. As críticas à atuação das Corregedorias, contudo, centram-se em um certo corporativismo, que levaria à leniência com o comportamento dos policiais. Ademais, as Corregedorias seriam centradas unicamente no controle dos policiais individualmente considerados, que dificilmente atuam diante de desvios da própria instituição policial. Nesse sentido, ganham importante espaço os sistemas de Ouvidorias, que atuam dentro do mesmo poder policial, o que mantém a estrutura de um controle interno. Contudo, o grande diferencial de uma Ouvidoria é que sua atividade, embora vinculada ao mesmo Poder, incorpora quadros externos à atividade que pretende controlar. Assim, o Ouvidor 55 e os funcionários da ouvidoria devem, em regra, ser provenientes de setores não policiais para permitir mais autonomia e isenção na atividade de controle. Deve-se ressaltar que “[o] papel da ouvidoria pública não é o de procurar e apontar defeito na ação da instituição, mas funcionar como um controle social da qualidade do serviço público” (CGU; OGU, 2012), sendo suas principais funções: a) Contribuir para a melhoria do desempenho e da imagem da instituição; b) Contribuir para o aprimoramento dos serviços prestados e das políticas públicas da instituição; c) Facilitar ao usuário dos serviços prestados o acesso às informações; d) Viabilizar o bom relacionamento do usuário do serviço com a instituição; e) Proporcionar maior transparência das ações da instituição; f) Contribuir para o aperfeiçoamento das normas e procedimentos da instituição; g) Incentivar a participação popular na modernização dos processos e procedimentos da instituição; h) Sensibilizar os dirigentes das unidades da instituição no sentido de aperfeiçoar processos em prol da boa prestação do serviço público; e i) Incentivar a valorização do elemento humano na instituição. (CGU; OGU, 2012, p. 17-18) Esse controle interno, assim, é o responsável mais direto pelo controle diário da atividade policial. Seja ele vinculado diretamente à própria atividade ou não, é responsável por exercer o mais intenso controle da atividade policial, inclusive por meio de central de denúncias anônimas, atendendo diretamente ao cidadão interessado. 56 Figura 2 – Controle - gorodenkoff/iStock.com De outro lado, caracteriza-se como controle externo a atividade de órgãos externos ao Poder Executivo, ao qual está vinculada diretamente a atividade policial. Destacam-se, nesse ponto, três diferentes âmbitos de controle. O primeiro, como já citado anteriormente, é o controle levado a efeito pelo Ministério Público. Por determinação constitucional, cabe ao Parquet a atribuição de cuidar da melhor forma possível do controle externo da atividade policial. Cabe ao Ministério Público, a atuação mais próxima da atividade policial, uma vez que o bom desenvolvimento do processo penal depende diretamente da qualidade da investigação realizada pelo órgão policial. De todo modo, é sempre bom registrar que cabe ao Ministério Público não só a titularidade privativa da ação penal, mas é ele, sobretudo, fiscal da lei. A constante observação dos padrões legais e constitucionais da atuação policial é, assim, da essência do Ministério Público, seja no nível federal, por meio do Ministério Público da União (que se subdivide em Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, Ministério Público Militar e Ministério Público do Trabalho), seja no nível estadual e municipal, por meio do Ministério Público dos Estados. 57 O Poder Legislativo também tem relevante atuação no controle externo da atividade policial. O art. 49, X, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), determina serem competências exclusivas do Congresso Nacional a fiscalização e o controle direto, ou por suas Casas, dos atos do Poder Executivo (no qual se inserem os atos policiais). Merece destaque importante a atuação das Comissões do Congresso Nacional. Embora não propriamente voltada à atuação policial, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), por exemplo, tem papel essencial na fiscalização do funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que tem como órgão central a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). No âmbito da atividade policial, a Comissão de Segurança Pública atua com proeminência no âmbito do Congresso Nacional e no combate ao crime organizado (Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado – CSPCCO). Em paralelo ao Poder Legislativo, há ainda o controle externo realizado pelos Tribunais de Contas (seja no âmbito da União ou dos Estados), mas que é direcionado à temática específica que levou à criação desses órgãos, não atuando na atividade finalística da polícia. Por fim, vale mencionar o controle externo realizado pelo Poder Judiciário. Embora inerte, realizará esse controle sempre que a atividade policial for levada a seu conhecimento, seja por meio de processo criminal proposto pelo Ministério Público ou pelo ofendido nos casos de ação penal privada, ou mesmo no âmbito civil, por meio de ações específicas como as de indenização pelos danos causados. Vale registrar, ademais, que o incremento no funcionamento da polícia e dos próprios mecanismos de controle pode causar, paradoxalmente, um aumento no registro de casos, muitas vezes decorrente de seu próprio sucesso. O aprimoramento dos serviços de segurança pública pode elevar o grau de confiança da população nas polícias, o que, por sua vez, pode levar ao 58 crescimento do volume das denúncias ou dos registros de crimes. É o que tipicamente ocorre quando, por exemplo, o Estado oferece às mulheres um atendimento respeitoso e diferenciado, mediante a qualificação de policiais e da instalação de Delegacias Especializadas (as Deam). Os delitos computados crescem exatamente quando a performance melhora e uma política positiva se implementa – o que, em geral, leva os incautos na mídia e os espertos na oposição a críticas injustas e precipitadas. Políticas especificamente dedicadas à redução da homofobia e do racismo produzem o mesmo efeito. Via de regra, o efeito é sentido em qualquer área e se potencializa quando são as instituições da segurança pública e da Justiça criminal, em seu conjunto, que se aprimoram e conquistam credibilidade. (SOARES, 2007, 79) Todo sistema de controle, contudo, deve agir com todo o rigor e ao mesmo tempo com todo o cuidado possível. [...] um número excessivo de queixas pode indicar que há um problema com um oficial em particular, pode significar que ele precise de mais treinamento ou que se trate de uma personalidade não apropriada para o policiamento. Reclamações também podem significar que um/uma oficial está desempenhando bem o seu papel. (KERR, 1998, p. 192). Assim, como toda atividade estatal, o controle da atividade policial, interno, externo ou misto, deve pautar-se nos princípios norteadores da atividade administrativa e respeitar, sem exceção, as regras e os princípios constitucionais. 2. Propostas de reformulação do Sistema de Segurança Pública Nacional Antes de desenvolver qualquer proposta de reformulação, é essencial observar que nenhuma atividade de segurança pode descurar da proteção incansável dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e dos direitos humanos decorrentes do SistemaInternacional. 59 [...] Os direitos humanos ainda são percebidos no Brasil como algo que atrapalha o combate contra o crime. A polícia vê os direitos humanos como limite e não como objetivo do seu trabalho. Cumprir os direitos humanos é cumprir a lei, cumprir a lei é função da polícia. Então, há uma contradição interna quando os chefes de polícia dizem que esses caras dos direitos humanos estão atrapalhando a polícia. O trabalho da polícia é justamente preservar a lei. (CANO, 2001, p. 119-120) Uma vez estabelecida essa premissa, é possível tecer algumas considerações sobre a possibilidade de reformulações do sistema de segurança pública. Uma das mais prementes é o investimento em atividades de inteligência policial. Com efeito, é de conhecimento geral cada vez maior a organização das atividades criminosas. Para compensar esse fato, não deve ser menor o esforço das atividades estatais no sentido, igualmente, de uma maior eficiência. A atividade policial, seja de atuação ostensiva ou de atuação investigativa, cada vez mais depende das atividades de inteligência, seja para melhorar, por exemplo, o patrulhamento ou para fazer uma melhor coleta de provas. Há forças policiais, inclusive, utilizando já a alta tecnologia nesse intento, com o emprego, por exemplo, de drones. Figura 3 – Controle social - Maxiphoto/iStock.com ID: 499771090 60 Em um país de dimensões continentais como o Brasil, também se mostra importante a melhora das atividades de fronteira, e há várias propostas para a constituição de uma polícia de fronteiras. O problema central do Brasil não é só a extensão da fronteira, mas o fato de que grande parte é transitável a pé. Também sua geolocalização, próxima a países produtores de drogas e rota para países compradores, é um fator que torna premente uma melhor relação do País com suas fronteiras. Figura 4 – Controle de fronteira - Alicia_Garcia/iStock.com ID: 601903120 É de se destacar, ainda, que todo o esforço de melhora das atividades de segurança pública deve ser conjunto e complexo. Não é eficiente a ideia de simplesmente combater um determinado tipo de infração penal ou em um determinado espaço. Muitas vezes a aparente melhora é apenas uma migração: Efeitos paradoxais das políticas de segurança e da performance policial podem ser, ainda, as migrações das práticas criminosas: o sucesso de determinadas intervenções locais acaba provocando o deslocamento dos crimes para bairros contíguos, cidades próximas ou estados vizinhos. O resultado agregado pode, com isso, manter-se inalterado ou deteriorar-se, uma vez que 61 migrações podem implicar disputas por território e intensificação do recurso à violência para que se viabilize o empreendimento criminoso. Há também a migração não-geográfica, mas de tipo de crime: quando a repressão de roubos a banco aumenta, os criminosos podem deslocar-se para a prática de sequestros e daí para o roubo de cargas – e assim sucessivamente. (SOARES, 2007, p. 82) Também parece essencial a constitucionalização da Força de Segurança Nacional. Embora exista no âmbito legislativo, essa importante atividade não está prevista no rol taxativo do art. 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Sua previsão na Constituição permitiria não só uma melhor autonomia em sua atuação, como haveria possibilidade de expansão de sua atividade e melhora em suas condições. Um dos seus problemas atuais é que precisa de outras forças policiais para a sua composição, o que acaba, de um lado, reduzindo sua eficiência, posto que seus quadros são provisórios, e prejudicando as forças locais, que se veem obrigadas a ceder parte de seus efetivos. A melhor articulação entre as unidades federativas, ademais, deve ser buscada como proposta de reformulação. A Polícia Federal especialmente deveria ter atuação mais destacada no combate ao crime organizado. Sua atuação hoje parece mais focada no crime transnacional, mas todos os crimes organizados, sejam locais ou não, deveriam contar com a atuação da Polícia Federal, especialmente no âmbito da inteligência policial, até para impedir a simples migração das atividades criminosas. Por fim, não há como falar em reformulação das atividades sem que estas sejam justamente responsadas. Por mais que seja uma atividade de estado, como todas as atividades, é uma atividade humana, e o ser humano precisa ser devidamente responsado por seu trabalho. O policial, por colocar a própria vida em risco diariamente, deveria ter um piso nacional que permitisse segurança social para si e sua família, não necessitando atuar nos famosos bicos como forma de sobrevivência, em muitos casos. Em diversos Estados, o salário dos policiais, sejam militares ou civis, é 62 incompatível com uma qualidade mínima de vida, o que impede o justo descanso, forçando-os a jornadas exaustivas. Também com o mesmo objetivo, deve o Estado buscar eficiência na atividade policial, melhorando o sistema legislativo e jurisdicional. O policial que perde seu tempo atuando em crimes que sequer deveriam ser caracterizados como crimes (essencialmente as contravenções penais e alguns crimes de penas diminutas no próprio Código Penal) deixa de atuar onde a segurança pública é mais urgente. Um Estado com atribuições demais é ineficiente, e uma polícia com atribuições demais não poderia ser diferente. Referências Bibliográficas BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 mar. 2020. CANO, Ignácio. Nós e eles: direitos humanos, a polícia e a visão dicotômica da sociedade. In: NOVAES, Regina (Org.). Direitos humanos: temas e perspectivas. Rio de Janeiro: Mauad Editora/ABA/Fundação Ford, 2001. p. 117-122. CGU; OGU. Controladoria-Geral da União; Ouvidoria-Geral da União. Orientações para implantação de uma unidade de ouvidoria: rumo ao sistema participativo. Coleção OGU. 5. ed. 2012. Disponível em: http://www.ouvidorias.gov.br/central-de- conteudos/biblioteca/arquivos/cartilhas/cartilha-1.pdf/view. Acesso em: 30 mar. 2020. KERR, Robert. 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Objetivos 1. Modelos de Gestão e Políticas de Segurança Pública 2. Conceitos: o Processo Constitutivo das Organizações Policiais no Brasil 3. Funções e Atribuições da Polícia em uma Sociedade Democrática Referências Bibliográficas Modelos de controle das organizações policiais e propostas de reformulação do Sistema de Segurança Objetivos 1. Modelos de controle das organizações policiais: controles interno, externo e misto 2. Propostas de reformulação do Sistema de Segurança Pública Nacional Referências Bibliográficas