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INTRODUÇÃO 
AOS ESTUDOS 
GEOGRÁFICOS
Silvana Kloster dos Santos
Geografia marxista 
e as agendas culturais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Descrever as teorias da filosofia e do marxismo para examinar as 
relações espaciais da geografia humana.
  Apontar os elementos da geografia marxista em pautas sociais.
  Identificar a necessidade de engajamento político dos geógrafos na 
defesa da diminuição das disparidades socioeconômicas e regionais.
Introdução
Neste capítulo, você aprenderá sobre a geografia crítica inspirada no 
marxismo, em que as relações sociais estão diretamente ligadas às forças 
produtivas dos meios de produção, inspirada no pensamento do filósofo 
alemão Karl Marx, ícone do pensamento crítico, político, filosófico e eco-
nômico presente à sua época. 
Abordaremos a dialética do pensamento econômico contemporâneo, 
de modo a compreender a corrente liberal que antecedeu o marxismo 
durante a Revolução Industrial, para, então, compreendermos a teoria 
social crítica inspirada no próprio marxismo. Posteriormente, nos anos de 
1970, o marxismo será introduzido aos estudos geográficos mais atuais, 
incorporando o conceito de espaço como uma função dinâmica tão 
importante quanto os demais setores da produção e da reprodução social. 
Do liberalismo clássico à teoria 
econômica de Marx
Para a compreensão do pensamento da geografi a marxista, é necessário entender 
a dialética do pensamento político contemporâneo, dividida entre a corrente 
liberal, que tem raízes no pensamento dos fi lósofos iluministas do século XVII 
e dos economistas da escola clássica do século XVIII, tendo como referência o 
fi lósofo e economista britânico Adam Smith (1723-1790), e a corrente marxista, 
que se inspira no pensamento do fi lósofo alemão Karl Marx (1818-1883), ícone 
do pensamento crítico, político, fi losófi co e econômico presente à sua época. 
O liberalismo clássico e o capitalismo
Até o advento da Primeira Revolução Industrial, ocorrida entre 1760 e 1870, 
na Inglaterra, o mundo era um conjunto de realidades espaciais das mais 
diversas, e as sociedades se distribuíam na infi nita diversidade espacial dos 
gêneros de vida das civilizações. A tecnologia industrial passa, então, a intervir 
na distribuição, unifi cando-se em sua expansão área a área, um após outro, 
nesses antigos espaços (MOREIRA, 2007).
A Revolução Industrial foi um conjunto de alterações socioeconômicas 
que se iniciou na Europa. É nesse período que se estabelece efetivamente 
o capitalismo, por meio da troca do trabalho artesanal pelo assalariado nas 
fábricas. Até o fim do século XVIII, a maior parte da população europeia 
residia no campo e produzia o que consumia. Uma nova estrutura social é 
formada no campo por elementos econômicos e sociais. Com a queda do 
feudalismo, os proprietários das terras comunais passam a cercar suas terras, 
impedindo o acesso da população camponesa. O trabalho no campo passa a 
ser assalariado, a burguesia rural se consolida e a produção agrícola passa a 
ser voltada para o mercado, e não mais para a subsistência. Os camponeses 
desprovidos de recursos financeiros deixam de residir no campo e passam 
a buscar trabalho nas cidades que despontavam para a industrialização, ao 
mesmo tempo em que a indústria necessitava de mão de obra para operar nas 
máquinas. Segundo Oliveira (2017, p. 91): 
Com base em intensos estudos e pesquisas, pode-se acrescentar que, a Revo-
lução Industrial na Inglaterra foi um processo revolucionário no período da 
Idade Moderna, a qual oportunizou um crescimento acelerado, tanto no meio 
urbano, como no meio industrial. A revolução restaurou a economia inglesa, 
sendo que essa restauração foi um dos pontos positivos da industrialização. 
Por outro lado, a mão de obra do proletariado foi substituída pelas máquinas, 
onde a classe trabalhadora perdeu totalmente a independência que tinha em 
sua produção no sistema doméstico, e passaram a trabalhar fora de suas casas, 
e ser vigiados nas grandes indústrias, assim como, explorados e oprimidos, 
onde crianças e adultos trabalham apenas para obter seu sustento, o pão de 
cada dia. A classe do proletariado não era mais dona do seu trabalho, mas 
sim, tinham que seguir as inovações, e a produção acelerada das máquinas, 
sem saber o resultado final do produto. 
Geografia marxista e as agendas culturais2
Junto à Revolução Industrial, ocorre, respectivamente, a ideologia do capitalismo e o 
êxito do liberalismo clássico. O liberalismo proporcionou as bases filosóficas do sistema 
capitalista industrial. Dessa maneira, são introduzidas inovações, destacando o desen-
volvimento da máquina à vapor como fonte de energia manufatureira, ocasionando 
intensas mudanças sociais e econômicas (HUNT; SHERMAN, 1977). 
 Com o advento da Segunda Revolução Industrial (1860 a 1900), na Ale-
manha, na França, na Itália, no Reino Unido e nos Estados Unidos, essa inter-
venção das máquinas é levada à escala planetária na forma da uniformização 
dos modos de vida e processamentos produtivos, envolvendo uma série de 
desenvolvimentos dentro das indústrias química, elétrica, de petróleo e de 
aço. Os espaços são globalizados em menos de um século sob um só modo de 
produção, que unifica os mercados e os valores, suprime a identidade cultural 
das antigas civilizações e traz, com a uniformidade técnica, uma desarrumação 
socioambiental em escala inusitada (MOREIRA, 2007).
Segundo Hunt e Sherman (1977), é no transcorrer do processo de indus-
trialização que a visão de mundo individualista subjacente ao liberalismo 
clássico tornou-se a ideologia influente do capitalismo. 
Muitas das ideias do liberalismo clássico haviam deitado raízes e mesmo 
conquistado ampla aceitação no período mercantilista, mas foi somente no 
final do século XVIII e no século XIX que o liberalismo clássico dominou 
definitivamente o pensamento político, econômico e social na Inglaterra 
(HUNT; SHERMAN, 1977, p. 57).
Contudo, o que é o liberalismo clássico que antecede o marxismo? Vamos 
entender. De acordo com Hunt e Sherman (1977), a doutrina psicológica dos 
ideológicos do liberalismo clássico assegurava quatro pressupostos sobre a 
natureza humana: todo homem é egoísta, frio e calculista, basicamente inerte e 
atomista. Segundo Bentham (1955 apud HUNT; SHERMAN, 1977), a natureza 
expôs a espécie humana ao domínio de duas autoridades imperantes: a dor 
e o prazer. Segundo o autor, somos por elas governados em todas as nossas 
atividades, em tudo o que falamos e em tudo o que pensamos. 
Além da dor e do prazer, os pensadores do liberalismo conferiram também 
o intelecto humano uma função bastante importante. 
3Geografia marxista e as agendas culturais
Aí está a vertente calculista e intelectual da teoria psicológica do liberalismo 
clássico: a ênfase que confere à avaliação racional dos prazeres e dores e, em 
contrapartida, o menosprezo pelo capricho, o instinto, o hábito, o costume e 
as convenções (HUNT; SHERMAN, 1977, p. 58). 
A visão que o indivíduo tem sobre si perante a sociedade é uma visão 
individualista, ou seja, cabe a cada cidadão esforçar-se individualmente para 
conquistar seu capital, sua renda e seu status social. Se os menos favorecidos 
economicamente estão em estado de penúria, é porque são preguiçosos, não 
se esforçaram o necessário. 
Outra característica importante que deve ser destacada sobre os liberais 
clássicos é a sua visão sobre a sociedade. Para eles, é importante que os homens 
estejam organizados em sociedade devido à necessidade de segurança coletiva 
e das vantagens econômicas da distribuição do trabalho, sendo a divisão do 
trabalho a base fundamental da doutrina econômica do liberalismo clássico. 
Um dos fundamentos básicos do liberalismo clássico era de que os homens, em 
particular os de negócio, deveriam possuir liberdade para dar vazão a seus im-
pulsos egoístas, o que sugeria a anulação dos mecanismos de controle e repressão 
impostos pelasociedade, exceto os indispensáveis (HUNT; SHERMAN, 1977).
Os economistas liberais afirmavam que as relações de competição junto 
às economias de mercado eram favoráveis tanto para os indivíduos como para 
toda a sociedade. Essa visão é exposta na obra considerada a mais importante 
consumação intelectual do liberalismo clássico, a obra de Adam Smith, “A 
Riqueza das Nações”, publicada em 1776 (HUNT; SHERMAN, 1977).
A obra de Adam Smith é considerada um marco na história da Economia 
Política. Nela, Smith toma o trabalho como problema econômico central, entendido 
como atividade produtiva, como fonte de riqueza, reagindo contrariamente à 
concepção elitista mercantilista agrária dos fisiocratas da época. O trabalho, para 
ele, servirá como base para a explicação sobre a riqueza das diferentes nações. A 
proporção, segundo Smith, sobre a qual o produto desse trabalho se reparte entre 
um número maior ou menor de consumidores é que torna a nação mais ou menos 
rica. Destaca-se na sua obra a teoria da produtividade do trabalho (HUGON, 1980).
Para Smith, os indivíduos esforçam-se sucessivamente para encontrar o 
emprego que seja mais vantajoso para o capital, o qual detém o comando. 
Aqueles que são desprovidos de capital estão sempre em busca de um em-
prego que lhes ofereça melhor rendimento em troca do seu trabalho. A falta 
de uma autoridade ou lei que determine onde o capital deve ser empregado 
torna o trabalho mais produtivo, pois o interesse no lucro faz a escolha recair 
naturalmente sobre a produção de um bem que corresponde à necessidade das 
pessoas e que elas estejam dispostas a adquirir (HUNT; SHERMAN, 1977).
Geografia marxista e as agendas culturais4
Smith era a favor do mercado livre, onde os produtores, movidos pelo desejo egoísta 
de obter maiores lucros, concorreriam entre si para atrair o dinheiro dos consumidores. 
Assim, o mercado e o trabalho seriam investidos na produção de bens mais desejados 
pelos consumidores. Era o livre jogo da oferta e da procura, e o mercado agiria como 
uma “mão invisível”, direcionando as motivações egoístas e interesseiras dos homens 
para atividades reciprocamente complementares que promoveriam, de forma har-
moniosa, o bem-estar de toda a sociedade, eliminando qualquer ação paternalista 
sobre a população mais pobre. Qualquer intervenção governamental na economia, 
impondo restrições, provocaria um efeito de retração da procura e interromperia o 
processo de acumulação de capital. Não era admissível a intromissão paternalista do 
governo nos assuntos econômicos (HUNT; SHERMAN, 1977).
Sobre a ética paternalista cristã, caberia aos ricos promover a segurança e o 
bem-estar dos pobres, por meio de medidas paternalistas e atos de caridade. O 
industrial Robert Owen (1771-1858), sobre o qual você estudará mais à frente, 
defendeu essa ideia e considerava injusta a sociedade em que uma classe, 
aproveitando-se do poder que possuía, explorava as classes inferiores. “A 
propriedade privada dos meios de produção (fábricas, máquinas, ferramentas) 
possibilitava a uma classe minoritária explorar economicamente a grande 
massa de agricultores e operários.” (HUNT; SHERMAN, 1977, p. 79). Adam 
Smith opunha-se a essa noção. Ao contrário, para ele, o capitalista que agir 
para o seu próprio interesse estará proferindo naturalmente investimentos 
para a própria sociedade (HUNT; SHERMAN, 1977). 
É no liberalismo clássico que surge a teoria populacional de Thomas Robert 
Malthus. Segundo a teoria malthusiana, a população, quando não está submetida 
ao controle, tende a crescer naturalmente em cada geração em proporção geo-
métrica (1, 2, 4, 8, 16, ...), ao passo que que a produção de alimentos cresceria 
em proporção aritmética (1, 2, 3, 4, 5, 6, ...), tornando necessário submeter a 
população a algum mecanismo de controle, pois a produção de alimentos não 
seria suficiente para alimentá-la. Como solução, Malthus propõe duas formas 
de controle do crescimento populacional: os controles preventivos e repressivos. 
Os preventivos consistem na limitação voluntária da natalidade, pela limitação 
do número de filhos, principalmente pelos mais pobres. Os pobres deveriam 
pôr no mundo apenas os filhos que pudessem sustentar. Já os repressivos são os 
que atuam com o máximo rigor, ou seja, com o aumento da mortalidade. São 
compostos por epidemias, mortes resultantes de uma alimentação insuficiente, 
pelas guerras, as disputas pelos meios de produção, como a terra (HUGON, 1980).
5Geografia marxista e as agendas culturais
Caberia aos governos, segundo a obra “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, 
três funções genéricas: proteger o país contra invasões de estrangeiros, proteger 
os cidadãos contra “injustiças” cometidas por cidadãos e o dever de construir e 
manter a instituições e obras públicas, que, mesmo sendo vantajosas para toda a 
sociedade, seus gastos não superariam o lucro se essas instituições estivessem a 
cargo de um pequeno grupo de indivíduos (HUNT; SHERMAN, 1977).
A teoria de Malthus, juntamente com as teorias econômicas liberais, se-
gundo Hunt e Sherman (1977), teria por finalidade a renúncia de qualquer 
tentativa de intervenção dos governos paternalistas em favor dos pobres na 
economia. Os mesmos liberais apoiariam um governo paternalista se este 
beneficiasse os capitalistas. 
No fim do século XIX, a função de proteger o país de ameaças externas 
foi desdobrada para a proteção e a ampliação dos mercados externos por meio 
de repressão militar. A função de proteger os cidadãos contra as “injustiças” 
recebeu outro sentido, o da proteção à propriedade privada, à propriedade 
de fábricas e equipamentos, garantir o cumprimento de contratos e garantir 
a ordem interna. Os capitalistas detinham o poder político e econômico por 
serem os donos dos meios de produção. A atribuição do governo na função de 
protetor da fonte de se provinha o poder fazia dos capitalistas a classe política 
e economicamente dominante (HUNT; SHERMAN, 1977).
Com a Revolução Industrial, os níveis de produtividade do trabalho foram 
elevados aos mais altos níveis pelo homem. Cresceram o número de fábricas e 
a utilização de máquinas para o rendimento da produção. Grande parte dessa 
produção destinava-se à criação de bens de capital, e muito pouco para bens 
de consumo. Esse investimento em bens de capital causou um custo social 
elevado, ocasionando enormes carências para as massas. “A experiência his-
tórica demonstra que sempre que as sociedades precisam obrigar parte de seus 
membros a apertar os cintos e a viver ao nível de subsistência, foram os de 
menor poder econômico e político que tiveram que arcar com os sacrifícios” 
(HUNT; SHERMAN, 1977, p. 71).
As fábricas concentravam os trabalhadores em um ponto sob a autoridade 
capitalista burguesa. Assim, era possível para o patrão dirigir o processo 
produtivo de acordo com seus interesses, determinar a carga horária por 
meio da tirania do relógio e controlar a dedicação do produtor ao trabalho. 
Com a concentração de trabalhadores, era possível também regular o padrão 
tecnológico utilizado na produção, controlar fraudes ou sabotagens e criar um 
modelo disciplinar e hierárquico na administração da fábrica.
Geografia marxista e as agendas culturais6
Enquanto os donos do sistema de produção enriqueciam, a classe de tra-
balhadores não sofria melhora alguma. De acordo com muitos pesquisadores, 
nesse período, a classe de operários sofreu todo tipo de exploração. Era comum 
o emprego de mulheres e crianças, mesmo despreparadas, para trabalhar nas 
máquinas, recebendo salários bem inferiores aos salários recebidos pelos homens 
(ver Figura 1). Famílias inteiras eram obrigadas a trabalhar para sobrevivência. 
Crianças eram negociadas como mera mercadoria, muitas trabalhavam de 14 
a 18 horas por dia, com uma única refeição. Muitas dormiam no trabalho por 
exaustão ou sofriam acidentes de trabalho. As mulheres eram submissas e muitas 
tinham de ceder aos desejos dos seus empregadores ou capatazes. Os operários 
eramexpostos a todo tipo de doenças (HUNT; SHERMAN, 1977).
Figura 1. Meninos e meninas trabalhando na sala de giro do moinho de Cornell, 
em Fall River, Massachusetts – janeiro de 1912. Foto de Lewis Hine. 
Fonte: Everett Historical/Shutterstock.com.
No novo contexto, enquanto as cidades cresciam rapidamente, acom-
panhando o processo de industrialização, os camponeses não conseguiam 
sobreviver à exploração dos seus pequenos lotes, e, como não havia emprego 
nas fazendas, só restava o abandono do campo e a busca por novas formas de 
sobrevivência. Esse deslocamento de um grande número de pessoas para as 
cidades tornou-se um problema.
7Geografia marxista e as agendas culturais
Para controlar as massas, a Inglaterra e, depois, outros países da Europa 
estabeleceram a Lei dos Pobres (séc. XV até o séc. XIX). Essa lei buscava o 
controle sobre as multidões de excluídos por meio de repressão pura e simples, 
com execução de mendigos e criminosos. Atribuía às autoridades a posse para 
entregarem sob contrato para as fábricas os filhos dos indigentes. Essas crianças 
eram submetidas às mais severas servidões, ficando à mercê dos seus patrões. 
Os operários não viam essa situação sem reagir, ao contrário, desde a intro-
dução das indústrias têxteis, os operários já buscavam organizar-se na defesa 
coletiva dos seus interesses. As resistências dos trabalhadores acabavam em 
motim e tiroteio. O fortalecimento dos sindicatos e o intenso descontentamento 
econômico e social que dominava a época intimidou as classes dominantes 
(HUNT; SHERMAN, 1977).
Insensíveis com as condições de vida dos mais carentes, os liberais clássicos 
combatiam as iniciativas que pudessem melhorar as condições de vida dos 
trabalhadores. Eram contrários a Spenhamland, estabelecida na legislação 
social liberal. Era um auxílio aos pobres, criado em 1795, que assegurava aos 
desamparados condições mínimas de sobrevivência, estando ou não emprega-
dos. O auxílio deveria ser bem inferior ao menor salário oferecido no mercado 
de trabalho, para que o indivíduo buscasse melhor emprego por medo de ser 
estigmatizado. Para os liberais clássicos, os trabalhadores deveriam aceitar 
qualquer tipo de emprego que lhes fosse oferecido, independentemente do 
salário e das condições de trabalho (HUNT; SHERMAN, 1977).
A insatisfação e os graves problemas sociais estabelecidos após a Revolução 
Industrial e a consolidação do capitalismo fizeram surgir um movimento 
contrário ao pensamento liberal clássico. Entre os abastados proprietários de 
terras e os aristocratas, havia uma parte que apoiava a ideia de que as classes 
superiores deveriam proteger e velar pela sorte dos pobres. Algumas das denún-
cias de exploração vinham justamente dos conservadores radicais. Atribuíam 
às classes médias, insaciáveis por lucros, a responsabilidade pelos problemas 
sociais gerados com a industrialização. Entre os capitalistas, o mais conhecido 
é Robert Owen. Owen foi operário desde os 10 anos de idade e, aos 20 anos, 
já era gerente de fábrica. Graças ao seu tino para os negócios, acumulou uma 
fortuna apreciável. Era a favor de condições decentes de trabalho, salários 
razoáveis e educação para os filhos de seus operários. Considerava injusta 
a exploração de uma classe sobre a outra (HUNT; SHERMAN, 1977). “A 
Geografia marxista e as agendas culturais8
propriedade privada dos meios de produção (fábricas, máquinas, ferramentas) 
possibilitava a uma classe minoritária explorar economicamente a grande massa 
de agricultores e operários” (HUNT; SHERMAN, 1977, p. 79).
Na época, houve também um grupo de socialistas que protestavam contra 
as desigualdades cometidas pelo capitalismo. Defendiam a extinção da pro-
priedade privada do capital e a criação de uma sociedade industrial justa, em 
que homens e mulheres fossem tratados com dignidade e que os lucros da 
produção fossem divididos de forma justa. 
No liberalismo clássico, o cidadão é representado de maneira individualista, 
e esse sistema se mostra egoísta e insensível com os trabalhadores que tiveram 
de suportar os custos sociais da industrialização.
Surgiram, então, movimentos contrários, os quais criticavam o sistema capi-
talista vigente e defendiam o fim da propriedade privada do capital e a criação 
de uma sociedade industrial mais justa e digna para homens e mulheres. Esses 
movimentos contrários serviram como precursores para o estabelecimento de 
uma nova corrente, o marxismo, como veremos a seguir. 
Socialismo marxista
Karl Marx (1818-1883) é considerado o mais importante de todos os socialistas. 
Suas obras infl uenciaram não apenas no campo da sociologia, mas principal-
mente nas questões políticas que conduzem os destinos de uma grande parte 
da humanidade. Marx foi inspirado pelos socialistas do fi m do século XVIII 
e início do século XIX, porém ele refutava as utopias idealistas e sentimentais 
dos sociólogos, os quais qualifi cava como “socialistas utópicos”, pois creditava 
que era ingênua a ideia de que sensibilidade moral e a racionalidade da classe 
educada transformaria a realidade social. Para ele, os homens educados faziam 
parte das classes dominantes, e suas posições e privilégios eram consequências 
do capitalismo, e, dessa forma, eles defenderiam suas posições dentro desse 
sistema (HUNT; SHERMAN, 1977).
Karl Marx escreveu, juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), obras 
de destaque, como Manifesto comunista (1848) e O capital (1867). Foram os 
fundadores e principais teóricos do marxismo, ou socialismo “científico”, 
e organizadores e líderes ativos de um movimento revolucionário que ima-
ginavam poder destruir os sustentáculos do capitalismo durante suas vidas 
(OSER; BLANCHFIELD, 1983).
9Geografia marxista e as agendas culturais
O capital afirma a necessidade histórica de uma revolução socialista, a partir de uma 
análise da sociedade e da história, baseada na ideia da luta de classes. A luta de classes 
foi sempre o motor da história. O antagonismo que opõe a burguesia e o proletariado 
é, pois, a sua forma moderna. Esse antagonismo será concretizado por meio da vitória 
do proletariado, da abolição da propriedade privada e da exploração do trabalho e com 
a chegada de uma sociedade não antagônica: o comunismo (CLÉMENT et al., 1994).
Do Manifesto comunista, apenas o primeiro livro foi publicado enquanto Marx era vivo 
(1867), o qual analisa o “desenvolvimento da produção capitalista”. Os livros II – O processo 
da circulação da produção do capital e III – Processo de conjunto da produção capitalista foram 
redigidos por Engels, a partir das notas deixadas por Marx, e publicados em 1885 e 1894. 
A quarta parte da obra, As teorias da mais valia foi obra (1904-1910) de Kautsky, baseada na 
documentação fornecida por Marx; no seu primeiro capítulo, Marx faz críticas aos modos 
de produção capitalista e da “imoralidade de um intercâmbio capitalista ao termo do qual 
o dinheiro deve sempre render mais”: “[...] o patrão não compra o produto da trabalho, 
mas a ‘capacidade de trabalho’ de seus operários, o que acarreta uma nova forma de 
escravidão, a exploração do homem pelo homem” (DUROZOI; ROUSSEL, 1996, p. 325).
Os estudos de Marx sobre a sociedade capitalista estão baseados em uma 
abordagem histórica conhecida como materialismo histórico. Ele elaborou 
estudos sobre as causas e os efeitos que se conectam entre as relações dos 
sistemas sociais, ideias, leis, costumes, crenças religiosas, ética e moral, 
instituições econômicas e sociais presentes dentro dos sistemas sociais. Para 
ele, a base econômica da sociedade e os modos de produção exerciam uma 
forte influência sobre as demais instituições sociais e as especialidades de 
pensamento, inclusive a religiosa (HUNT; SHERMAN, 1977).
O que é, então, o materialismo histórico? Consiste na tese na qual as trans-
formações de ordem material determinarão todas as transformações de ordem 
ideológica. Tais transformações dependem das que operam na técnica de produção. 
A infraestrutura econômica da sociedade,a forma de se produzir, determina a 
superestrutura, ou seja, a moral, a arte, a literatura, a religião. Significa que as 
relações sociais estão diretamente ligadas às forças produtivas. O materialismo 
histórico constitui não só um método de interpretação dos fatos passados, mas 
também auxilia na dedução como um instrumento de previsão (HUGON, 1980). 
Segundo Gomes (1996, p. 282): 
A perspectiva marxista encontra no método materialista-histórico o instru-
mento capaz de projetar a percepção para além do fenomenológico, fazendo 
sobressair as verdadeiras essências escondidas atrás das aparências. A reali-
Geografia marxista e as agendas culturais10
dade última é, portanto, revelada por intermédio da razão, que reconhece, no 
movimento caótico da sociedade, os fatores fundamentais de sua organização 
e de seu desenvolvimento [...]. 
Antes individual, como as formas de se produzir e o regime da propriedade, 
hoje, a produção tornou-se coletiva, devido à concentração do trabalho nas 
fábricas e à imposição e à utilização das técnicas (maquinários). O trabalhador 
operário vende a sua força de trabalho ao empregador, detentor do capital e 
proprietário dos meios de produção, que continua sob o regime individualista, 
ao passo que que os meios de produção são coletivizados. A infraestrutura e a 
superestrutura atuam em uma relação mútua de causa e efeito (HUGON, 1980).
O materialismo histórico evidencia o resultado dessa interação, ou seja, 
o antagonismo entre as classes, a divisão entre os detentores dos meios de 
produção e os fornecedores da força de trabalho. No sistema feudal, eram os 
senhores e os servos, no sistema capitalista, são os proprietários e o proleta-
riado (operários). Os primeiros se empenham para manter seus privilégios, e 
os últimos lutarão contra esse poder dominador ou buscarão tornar-se também 
beneficiários (HUGON, 1980). 
O proletariado é, portanto, uma classe social que se define objetivamente pela 
ausência de posse dos meios de produção e, subjetivamente, por uma tomada 
de consciência de que não somente pertence a uma classe, mas também do 
papel histórico de que está incumbido (HUGON, 1980, p. 212).
 Marx classificou quatro sistemas econômicos ou modos de produção emi-
nentes, cuja sucessão marcou a evolução da civilização europeia: o comunismo 
primitivo, o escravismo, o feudalismo e o capitalismo. Em todos eles dominava 
um único modo de produção, caracterizado pela força de trabalho coletivo e 
uma estrutura particular de dominação. De acordo com Marx, a imposição de 
se ampliar a produção via exploração, visando a satisfazer à crescente demanda 
social, gera, inevitavelmente, conflitos, tensões e contradições entre as forças 
produtivas e as relações sociais de produção, alterando todo o sistema. Quando 
as tensões e os conflitos crescem, colocam abaixo o antigo sistema e dão origem 
a um novo sistema, com novas relações de classe, compatíveis, por um tempo, 
com as forças produtivas transformadas (HUNT; SHERMAN, 1977).
11Geografia marxista e as agendas culturais
Concepção econômica de Marx
Marx formula a tese da exploração por meio de dois aspectos complementares: 
o econômico, em o trabalho compõe o valor dos produtos; e o social, o valor 
do que foi produzido cabe a quem fornece o trabalho, ou seja, o operário. O 
empregador e o capitalista guardam para si uma parte do valor produzido, 
o operário não recebe o valor integral do seu trabalho, ao qual tem direito. 
Duas teorias foram geradas por Marx para explicar o aspecto econômico dessa 
exploração: a teoria do valor-trabalho e a teoria da mais-valia. 
Teoria do valor-trabalho: concordando com as teorias aceitas pelos liberais 
clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, Marx considerava que o valor de 
troca de uma mercadoria era determinado pelo tempo de trabalho necessário 
para produzi-la. Os trabalhadores se diferenciam quanto às suas habilidades 
e quanto ao trabalho simples e o trabalho qualificado. O trabalho qualificado 
representa um múltiplo do trabalho simples. Além disso, o tempo de trabalho 
utilizado em uma mercadoria inútil (sem procura) instituiria uma mercadoria 
cujo valor de troca não corresponderia ao valor de trabalho imposto nela. Dessa 
forma, o desejo de lucro faria os capitalistas produzirem somente produtos 
que cobrissem, aos menos, os custos de produção. A procura no mercado 
determina a oferta do produto e as suas quantidades. O trabalhador não recebe 
o valor integral pelo seu trabalho, sendo considerado uma vítima do sistema de 
trocas da sociedade capitalista (HUNT; SHERMAN, 1977; HUGON, 1980).
Teoria da mais-valia: quando os trabalhadores acabavam o processo de 
produção, o capitalista vendia as mercadorias por uma quantia superior à 
quantia investida no início do processo. Essa diferença é a origem dos lucros 
capitalistas, denominada mais-valia. Os capitalistas adquiriam uma mercadoria 
por meio da força de trabalho, e vendiam uma mercadoria diferente: aquela 
produzida com a força de trabalho no decorrer do processo de produção. O 
valor da força de trabalho é inferior ao valor do produto final, ou seja, das 
mercadorias produzidas com o emprego dela. Essa diferença é o lucro. O 
valor da força de trabalho é proporcional ao valor dos meios de subsistência 
necessários para a manutenção do trabalhador a um padrão mínimo de vida 
socialmente estabelecido (HUNT; SHERMAN, 1977).
Os capitalistas obtinham lucros por serem o proprietário do capital, rein-
vestindo a maior parte dos lucros para ampliar o seu capital e, assim, obter 
maiores lucros. Era o processo de acumulação de capital. No entanto, como 
Geografia marxista e as agendas culturais12
originou esse processo? Segundo os economistas da escola liberal, como 
o inglês Nassau Senior (1790-1864), os capitalistas conseguiram acumular 
capital à custa de muito trabalho, economizando inicialmente pequenas quan-
tias, que se transformaram em grandes fortunas, marcando o século XIX, ao 
passo que os trabalhadores não tiveram o mesmo êxito, pois, em vez de terem 
uma vida simples, esbanjavam e desperdiçavam as suas economias (HUNT; 
SHERMAN, 1977).
Marx era totalmente contrário a essa percepção, acusando os métodos 
de acumulação primitiva: o regime de cercamento dos campos e a expulsão 
de trabalhadores rurais, a inflação dos preços, os monopólios comerciais, a 
escravidão, a dizimação da população aborígene para exploração mineral, a 
conquista das Índias e o saque das Índias Orientais e a exploração do continente 
africano num campo de caça de escravos africanos (HUNT; SHERMAN, 1977).
Após a realização de uma acumulação inicial de capital, o desejo de acu-
mular cada vez mais é o propulsor e mantedor do sistema capitalista. O poder 
e o prestígio social do capitalista dependerão do volume de capital acumulado, 
não podendo se descuidar. O processo de concentração de riqueza e do poder 
é mantido quando o que detém o poder menor é esmagado ou absorvido pelo 
poder maior. 
Enquanto crescia a concentração de capital de um lado, do outro, crescia a 
miséria da classe operária. Para Marx, somente uma revolução por parte dos 
trabalhadores colocaria um fim nessa situação. Os conflitos entre os sistemas 
de classe resultariam na destruição do capitalismo e no estabelecimento de 
uma sociedade sem classes (HUNT; SHERMAN, 1977).
A garantia da ascendência da classe dominante sobre a classe dominada 
seria a principal razão do surgimento e da manutenção do Estado, segundo 
Marx. O Estado serviria apenas para camuflar a dominação da classe domi-
nante (INNOCENTI, 2013).
Seja qual for a classe dominante, o governo sempre estará sob o comando de 
uma ditadura. Se a ordem é capitalista, ela estará sob a “ditadura da burguesia” 
sob as mais diversas formas assumidas pelo Estado burguês. Se o governo 
estiver sob o comando do socialismo, conviverá sob a ditadura do proletariado. 
A diferença entre ambas, segundo Innocenti (2013), é que, no capitalismo, a 
sociedade viveria a ditadura da minoria, ou seja, a da burguesia,ao passo que, 
no socialismo, viveria sob a ditadura da maioria, o proletariado. 
13Geografia marxista e as agendas culturais
Quem foi Karl Marx?
Marx nasceu na Prússia e era descendente de família judia, porém se converteu ao 
protestantismo durante sua infância. Estudou Direito, História e Filosofia nas Universida-
des de Bonn, Berlin e Jena, e recebeu o grau de doutor em Filosofia com 23 anos. Dois 
anos depois, casou-se com Jenny von Westphalen (1814-1881), filha de um barão que 
ocupava elevado cargo governamental. Jenny foi uma companheira muito devotada 
a Marx durante todas as vicissitudes de sua carreira. 
Os cargos universitários foram fechados para Marx em virtude de seu radicalismo. 
Dedicou-se, então, ao jornalismo, foi exilado da Alemanha, estudou socialismo francês 
e a economia política inglesa em Paris, foi exilado da França a pedido do governo 
prussiano e, finalmente, estabeleceu-se em Londres. Exceto por breves visitas ao 
continente, viveu o resto de sua vida na Inglaterra. Marx passou dias e anos na sala de 
leitura do Museu Britânico, explorando “a complicada ramificação da economia política”. 
Atormentado por doenças, pela extrema pobreza e pela morte de vários de seus filhos 
na infância, continuou a estudar, a escrever e a organizar-se. Escreveu muitos artigos 
e liderou a Associação Internacional dos Trabalhadores, a Primeira Internacional*, que 
durou de 1864 a 1876. Em 1867, publicou o primeiro volume de sua grandiosa obra, 
O capital. Após a sua morte, Engels editou seus manuscritos e também publicou os 
volumes II e III de sua obra. Após a morte de Engels, os manuscritos remanescentes 
foram deixados para o principal marxista da época, Karl Kautsky (1854-1938), que 
publicou outros três volumes sob o título de Teorias do valor excedente (ou mais-valia).
Friedrich Engels, amigo íntimo, contribuinte e arrimo financeiro de Marx, era filho de 
um próspero fabricante de algodão alemão. Seguiu carreira dupla: de 1842 até sua apo-
sentadoria, em 1869, cuidou dos interesses manufatureiros da família em Manchester, na 
Inglaterra; ao mesmo tempo, foi estudioso, escritor e revolucionário. Durante uma breve 
visita a Paris, em 1844, encontrou Marx (que havia conhecido em 1842); tornaram-se amigos 
e colaboradores por toda a vida. Juntos, os dois jovens escreveram o Manifesto comunista, 
em 1848. Engels escreveu, certa vez, que estava feliz por permanecer em posição secundária 
em relação a Marx, ao que Marx respondeu: “Você sabe que sou sempre muito lento para 
captar as coisas e que sempre sigo seus passos” (OSER; BLANCHFIELD, 1983, p. 167-168).
A geografia marxista e a teoria social crítica
No fi m da década de 1960 e início da década de 1970, o marxismo exerceu 
intensa infl uência na geografi a e nas ciências sociais. Essa infl uência se deu pela 
necessidade de ajustar os trabalhos acadêmicos à uma visão mais profunda e 
racional da realidade política e da sociedade. Nos estudos geográfi cos, houve 
a adoção da teoria e do método marxistas ocidentais no centralizado grupo 
Geografia marxista e as agendas culturais14
de geógrafos modernos ingleses. É o nascimento da geografi a humana crítica 
que vem a contrapor o positivismo pretensioso e reducionista da corrente 
geográfi ca presente nesse período (GOMES, 1996; SOJA, 1993). 
O positivismo foi uma doutrina criada por August Comte (1798-1857), que 
afirmava que o espírito científico (positivo) substitui por lei intransponível do 
progresso do espírito humano as crenças teológicas ou as explicações meta-
físicas. Cinco ciências são beneficiadas: a astronomia, a física, a química, a 
fisiologia e a física social (sociologia). O período marcado pela era industrial e 
das ciências deve obedecer a uma política voltada à uma organização racional 
da sociedade, tendo uma religião sem Deus, ligada à humanidade (CLÉMENT 
et al., 1994; DOROZOI; ROUSSEL, 1996). 
A crítica ao positivismo se dá pelo isolamento da geografia focada numa visão 
mais técnica e matematizada em relação à história e às ciências sociais. Apesar 
de sua abordagem humana norteada pela fenomenologia, a geografia da época 
necessitava de novas ligações fora do seu campo geográfico. As cidades, as regiões 
e os Estados estavam crescendo, assim como os conflitos e as crises do mundo 
moderno. O meio acadêmico estava se tornando mais politizado e crítico, e o dis-
curso teórico voltou-se contra o positivismo em direção a alternativas mais críticas, 
extraídas das correntes do pensamento da teoria social da Europa Continental. 
Surge a corrente da geografia radical, composta por dois grupos, de um lado, 
os geógrafos, sobretudo franceses que trabalharam para repensar o papel das 
tradições geográficas e para impor um ponto de vista sobre o uso político do 
espaço. Do outro lado, a geografia crítica absolutamente inspirada no marxismo 
e que foi muito desenvolvida nos Estados Unidos. O papel desses geógrafos 
foi adaptar os instrumentos dessa doutrina à análise espacial (GOMES, 1996). 
O segundo grupo teve maior destaque. 
Surgiram os debates críticos que reformularam e aprofundaram algumas 
expressões, sendo a mais evidente a do materialismo histórico profundamente 
especializado. David Harvey, geógrafo britânico, foi um dos destaques na 
evolução da geografia marxista desde o início. Para ele, a geografia marxista é 
um método de investigação, ao passo que a geografia histórica do capitalismo 
é objeto de teorização (SOJA, 1993).
De acordo com Soja (1993, p. 58): 
Esse materialismo histórico-geográfico é muito mais do que um levantamento 
de resultados empíricos através do espaço ou do que a descrição das restrições 
e limitações espaciais da ação social ao longo do tempo. É uma convocação 
irresistível para uma reformulação radical da teoria social crítica como um 
15Geografia marxista e as agendas culturais
todo, do marxismo ocidental em particular, e das muitas maneiras diferentes 
como encararmos, conceituarmos e interpretarmos não apenas o espaço em 
si, mas toda a gama de relações fundamentais entre o espaço, o tempo e o ser 
social, em todos os níveis de abstração. 
Esses novos debates envolvendo a teorização da geografia, do espaço, 
do tempo e da história ultrapassou o campo da teoria social e influenciou os 
discursos críticos em outras áreas, como literatura, artes, arquitetura, cinema, 
cultura e política. Entretanto, acabaram envolvendo críticos de tantas áreas 
que, hoje, não se enquadram mais no estereótipo de “geógrafo” ou “marxista” 
(SOJA, 1993).
A geografia marxista e o uso político do espaço
A geografi a marxista originou-se primeiramente nos países de língua inglesa, 
e, a partir dos anos de 1970, tomou corpo junto aos geógrafos franceses. Sua 
contribuição ocorre, necessariamente, do estudo da relação entre o espaço e os 
processos sociais, na busca de explicar os efeitos práticos do desenvolvimento 
geográfi co desigual (diferenciação de área), observando a estrutura, as práticas 
e as relações organizacionais que compõem a vida social (SOJA, 1993). 
 Um dos símbolos de difusão do pensamento crítico na França é a revista 
Hérodote, publicada em 1976 por Yves Lacoste (1929-). Seu texto, devido 
à crítica à geografia tradicional, abre caminho para a nova geografia, que 
alertava o atraso histórico e a ineficiência da ciência em não acrescentar uma 
dimensão política para a sua funcionalidade. Não que a geografia tradicional 
seja ultrapassada, ao contrário, deve-se reconhecer a sua utilidade ideológica. 
A nova geografia marca a transição para o moderno ao integrar a natureza 
política intrínseca à reflexão espacial. Segundo Gomes (1996, p. 290-291): 
Uma nova ciência não pode ser definida somente em termos teóricos na 
concepção de Lacoste, a prática geográfica é também um elemento primeiro 
do problema epistemológico. Poder-se-ia dizer que uma revolução científica 
não se configura somente pela substituição de parâmetros, uma revolução 
epistemológica deve se desenvolver em consonância com a sociedade. A nova 
geografiaproposta por Lacoste é, ao mesmo tempo, um saber sem disfarce 
e uma pedagogia militante. 
Em resumo, o esforço epistemológico de Lacoste repousa sobre uma relação 
entre espaço e poder político, através de elementos didáticos como a análise 
de mapas e a consideração dos fenômenos em diferentes escalas. O valor 
de verdade, segundo a proposição de Lacoste, é função da interação entre a 
prática científica e a transformação social. 
Geografia marxista e as agendas culturais16
A geografia tradicional era vista como uma ciência conservadora que ten-
cionava afirmar a natureza imutável das relações entre o homem e a Terra. Já a 
geografia radical, sob a influência direta do marxismo, sugere um novo modelo 
de análise espacial, que objetiva ser rigorosamente científico e revolucionário. 
No campo marxista, o espaço deve ser considerado como um produto social, 
ou seja, ele só pode ser explicado valendo-se dos aspectos fundamentais que 
organizam a sociedade. O espaço tem uma função tão dinâmica quanto os 
outros elementos dos setores da produção e da reprodução social. O conceito 
de “modo de produção” é, então, adotado para a compreensão das condições 
materiais de existência social, levando em consideração a divisão territorial 
do trabalho (GOMES, 1996).
O conceito de região, em sua forma tradicional, que, por um tempo, foi 
deixado de lado pelos geógrafos ou foi relacionado ao conceito de formação 
socioeconômica, volta a ter importância graças ao conceito de desenvolvimento 
espacial desigual (GOMES, 1996).
De acordo com Corrêa (1987, p. 45): “A região pode ser vista como um 
resultado da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela 
sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e pela associação 
de relações de produção distintas”. As formas de representação do conceito 
de região são diversas e estão em constante movimento. A região não possui 
limites rígidos e está em constante construção e reconstrução, visto que nela 
está contida a sociedade em constante transformação, relacionando-se com o 
global e o local, considerando interesses que podem ser tanto políticos como 
econômicos, sociais, culturais e de interesse do próprio espaço. 
No Brasil, o debate sobre a geografia crítica marxista ganha destaque na 
obra de Milton Santos, “Por uma Geografia Nova”, escrita em 1978. Nela, o 
autor faz críticas ao modo como era feita a geografia tradicional clássica e 
divide em geografia, sociedade e espaço. Santos (1978, p. 153) define o espaço 
da seguinte forma: 
O espaço deve ser considerado coo um conjunto de relações realizadas atra-
vés de funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma 
história escrita por processos do passado e do presente. Isto é, o espaço se 
define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do 
passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais 
que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através 
de processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de forças 
cuja aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial não se faz de forma 
idêntica em todos os lugares. 
17Geografia marxista e as agendas culturais
O importante na geografia crítica marxista é lembrar que ela renovou a 
carga do cientificismo que, antes, dava ênfase primordial às leis e ao rigor 
metodológico. O novo olhar da geografia marxista mostra que o importante 
não é chegar a observações gerais fundadas em regras que regulam e organi-
zam o espaço, e sim enfatizar a concepção pela qual o marxismo distingue os 
oprimidos dos opressores, os dominados dos dominadores, os trabalhadores 
dos operários, etc. Refere-se ao humanismo moral, alinhado ao senso de justiça 
e de direito, valorizando os temas voltados à cultura e à cidadania. 
Geografia marxista: o estudo da desigualdade 
e da pobreza 
Segundo o princípio marxista, a desigualdade e a pobreza são produzidas 
pelas sociedades capitalistas, e a concepção geográfi co-social acrescenta que 
a desigualdade pode ser transmitida de uma geração para outra, por meio do 
ambiente de oportunidades no espaço geográfi co em que o indivíduo está 
inserido (PEET, 1982). 
 Essa desigualdade não pode ser extinta sem alterar de modo essencial os 
mecanismos do capitalismo. Na verdade, a desigualdade faz parte do sistema, 
ou seja, os detentores do capital têm interesse em manter a desigualdade social. 
Segundo o marxismo, buscar soluções políticas para amenizar os sintomas da 
desigualdade não farão efeito sem avançar contra as forças geradoras básicas. 
Daí a necessidade de uma revolução social e econômica para a queda do capi-
talismo e, consequentemente, a sua substituição por um método de produção 
e modos de vida organizados, com base nos princípios de igualdade e justiça 
social (PEET, 1982).
A diferença de renda entre os trabalhadores é um dos alicerces da desi-
gualdade social. O salário, segundo Marx, deve cobrir as despesas do sustento 
básico para a manutenção do corpo, mas também algumas necessidades sociais 
que causem satisfação e ampliem o crescimento econômico. Os salários devem 
cobrir os custos de substituição dos trabalhadores “desgastados” por novos 
trabalhadores e garantir a criação e a educação das crianças, ou seja, assegurar 
o desenvolvimento da força de trabalho por meio da educação (PEET, 1982).
Dessa maneira, a desigualdade dos salários é importante para manter a 
diferença entre os níveis de educação e o conhecimento das camadas sociais 
da população. Dentro da própria classe operária, existe a hierarquia, que faz 
cada grupo de trabalhadores promover a sua substituição. A desigualdade 
Geografia marxista e as agendas culturais18
possui a sua utilidade, pois estimula os assalariados a se esforçarem cada vez 
mais, principalmente nos países de alto poder aquisitivo e consumistas, como 
os Estados Unidos (PEET, 1982).
A desigualdade gera a alienação, pois o mercado sempre lança novas tendên-
cias de consumo que se iniciam nas camadas superiores da hierarquia social e vão 
se propagando para as camadas de base, por meio dos sistemas de comunicação 
orientados para o consumo. As pessoas pertencentes à camada mais pobre são 
persuadidas a adquirir um produto novo, e, assim, a grande maioria das pessoas 
está numa luta diária para ganhar o suficiente para consumir, de alguma forma, 
um produto ou uma parte do consumo da camada superior. Dessa forma, a 
desigualdade é altamente funcional, visto que faz as pessoas se submeterem 
aos trabalhos, muitas vezes degradantes, desagradáveis e pesados, para o seu 
sustento e, consequentemente, para o consumo (PEET, 1982).
O desejo de lucro faz o capitalista reduzir regularmente os seus custos de 
produção, introduzindo e aperfeiçoando suas máquinas e equipamentos de 
trabalho. A mecanização, somada aos salários de subsistência, produzirá um 
excedente de trabalhadores, uma massa de desempregados que formarão o que 
Marx chamou de “exército industrial de reserva”, formado por trabalhadores 
vivendo abaixo do nível de subsistência e dispostos a aceitar qualquer emprego 
que lhes proporcionem um salário (GOMES, 1996). 
A luta de cada indivíduo para sobreviver ocorre no seu espaço físico, 
social e econômico. Esse espaço pode conter uma série de recursos, serviços, 
contatos, oportunidades com os quais ele se relaciona, são as relações sociais 
entre os indivíduos. O resultado dessa relação é a produção de bens e serviços 
para a sociedade e de salários para os indivíduos. 
Numa visão sociogeográfica, a desigualdade pode ser justificada pelo alcance 
ou a ausência da relação do indivíduo com esses aspectos físicos e abstratos, 
ou seja, das oportunidades que o indivíduo tem dentro do seu espaço, pois, 
ao preparar-se para o mercado de trabalho, o indivíduo só pode aproveitar os 
recursos sociais de uma área limitada do espaço. A ampliação ou não dessa 
área dependerá do grupo social ao qual o indivíduo está inserido (PEET, 1982).
O espaço geográfico é uma somade aspectos físicos: a casa, a escola, a 
universidade, as fábricas, o comércio em geral e abstratos: o conhecimento, 
a interação social, as redes de relações sociais, redes de informação, etc., que 
estão à disposição dos indivíduos. Por meio do espaço é possível compreender 
os problemas sociais, que são gerados, em grande parte, pelas crises econômicas 
globais, não estando diretamente ligados ao local, mas que refletem diretamente 
nas camadas sociais mais desfavorecidas economicamente.
19Geografia marxista e as agendas culturais
Nesse capítulo, você viu que, de acordo com o princípio marxista, a de-
sigualdade e a pobreza são produzidas pelas sociedades capitalistas, e essa 
desigualdade não pode ser extinta sem alterar, de modo ativo, os mecanismos 
do capitalismo. Na verdade, a desigualdade de salários e, consequentemente, 
social, é necessária para manter o sistema funcionando, pois é por meio da 
alienação provocada pelos canais de comunicação, que trabalham a favor do 
capitalismo, que se mantém o estímulo ao consumo e, dessa forma, a submissão 
dos indivíduos ao trabalho. 
A fim de enriquecer ainda mais os seus conhecimentos, sugerimos a leitura do texto 
“Mudanças paradigmáticas: a geografia crítica e o momento histórico de seu surgi-
mento”, que apresenta uma compreensão do conhecimento da ciência geográfica, 
analisando a fase da geografia crítica. Para acessá-lo, clique no link a seguir.
https://qrgo.page.link/t5Wq
CLÉMENT, E. et al. Dicionário prático de filosofia. Lisboa: Terramar, 1994.
CORRÊA. R. L. Região e organização espacial. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987.
DUROZOI. G.; ROUSSEL, A. Dicionário de filosofia. Campinas: Papirus, 1996. 
GOMES, P. C. da C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
HUGON, P. História das doutrinas econômicas. São Paulo: Atlas, 1980. 
HUNT. E. K.; SHERMAN, H. J. História do pensamento econômico. Petrópolis: Vozes, 1977.
INNOCENTI, A. A. F. Segurança nacional: uma discussão conceitual. Revista Cadernos 
de História, v. 8, n. 1, jul. 2013. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/che/. 
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MOREIRA, R. Da região à rede e ao lugar: a nova realidade e o novo olhar geográfico 
sobre o mundo. Etc... Revista Eletrônica de Ciências Humanas e Sociais e outras coisas, v. 
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pdf/. Acesso em: 6 abr. 2019.
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OLIVEIRA, R. M. de. Revolução industrial na Inglaterra: um novo cenário na idade 
moderna. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 1, n. 2, p. 89-
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revolucao-industrial-na-inglaterra. Acesso em: 6 abr. 2019.
OSER, J.; BLANCHFIELD, W. C. História do pensamento econômico. São Paulo: Atlas, 1983. 
PEET, R. Desigualdade e pobreza: uma teoria geográfico-marxista. In: CHRISTOFOLETTI, 
A. Perspectivas da geografia. São Paulo: DIFEL, 1982.
SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: Edusp, 1978.
SOJA, E. W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Rio de 
Janeiro: Zahar, 1993. 
Leituras recomendadas
BATISTA, E. E.; SALVI, R. F. Mudanças paradigmáticas: a geografia crítica e o momento 
histórico de seu surgimento. Geografia, v. 11, n. 2, 2002. Disponível em: http://www.
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SANTOS. M. Por uma nova geografia: da crítica à geografia a uma geografia crítica. São 
Paulo: USP, 2004.
21Geografia marxista e as agendas culturais

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