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Conceito de Hermenêutica
Fornecer ao aluno o entendimento da etimologia da palavra Hermenêutica , quais são as razões do uso dessa teoria no Direito e entender o seu conceito
Conceito de Hermenêutica:
A palavra Hermenêutica é derivada do grego “hermeneuein” e acabou adquirindo diferentes sentidos ao longo da história. Ela é normalmente entendida como a teoria da interpretação e, nesse sentido, é muitas vezes usada como sinônimo de exegese. Se a exegese se concentra na interpretação de textos, a Hermenêutica vai adquirir uma abrangência maior, incluindo a análise não apenas dos textos, mas também e de manifestações não verbais, como uma pintura, uma escultura. É bastante difundida a ideias de que a palavra tenha como referência Hermes, um dos deuses olímpicos, filho de Zeus e de Maia – quando os romanos dominaram a Grécia, Hermes foi assimilado ao deus Mercúrio.
Para os gregos, Hermes era o deus dos rebanhos, da magia, das estradas e das viagens, dos ladrões, dos comerciantes, dos diplomatas, da eloquência, o guia das almas dos mortos para o Hades e também o mensageiro dos deuses. Muito do que a Hermenêutica representa está presente na mitologia grega, por exemplo, ao considerar Hermes o inventor da linguagem e da fala. Quando se fala, não se diz apenas a verdade, mas também a mentira. Ao falar, o comerciante pode convencer o cliente a comprar o seu produto por ser um bom produto, mas também pode trapacear o consumidor. No diálogo “Crátilo”, o mais antigo tratado sobre a linguagem da cultura ocidental, Platão diz que as palavras têm o poder de revelar ou de esconder a realidade, levando ou à verdade ou à falsidade.
E, muitas vezes, as mensagens assumem formas ambíguas, o que era retratado pelo deus Hermes. Nesse diálogo, é discutido o significado do nome do deus Hermes, a saber, “aquele que preside os discursos”. A própria dimensão da fala apresenta um caráter múltiplo: ao falarem, as pessoas não se referem apenas às coisas do mundo, mas também podem se referir à própria fala ou à fala de terceiros, para explicá-la, para deturpá-la, para interpretá-la. Por meio da representação de Hermes como o mensageiro dos deuses, do responsável pela transmissão de uma mensagem dos deuses aos mortais (isto é, aos homens), temos a ideia de uma atividade de interpretação.
Os deuses dizem algo aos mortais; mas nós, mortais, somente temos acesso àquilo que é dito (transmitido) por Hermes. Em outras palavras, Hermes diz o que os deuses disseram. Há uma sucessão de falas e o sentido é sempre transportado de uma para outra até o destinatário que, por sua vez, realiza uma operação de entender o sentido do que lhe é dito.A Hermenêutica lida, portanto, com uma tensão entre uma fala (ou um texto) e o sentido dessa fala (ou desse texto). Diante de uma fala ou de um texto existe uma atividade de compreensão do seu sentido e, também, pode existir uma reflexão a respeito do que é exatamente essa atividade de interpretação. Em outras palavras, a Hermenêutica se refere tanto a uma atividade (a de interpretar uma fala, um texto) como a uma teoria a respeito dessa atividade de interpretação.
Vejamos a definição de Hermenêutica que consta nos seguintes dicionários da Língua Portuguesa:
a) Dicionário Aurélio:
1. interpretação do sentido das palavras;
2. Interpretação dos textos sagrados;
3.Arte de interpretar as leis.
b) Dicionário Houaiss:
1. ciência, técnica que tem por objeto a interpretação de textos religiosos ou filosóficos, especialmente das Sagradas Escrituras;
2. interpretação dos textos, do sentido das palavras; teoria,
3. ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico;
4. conjunto de regras e princípios usados na interpretação do texto legal.
Enquanto teoria, ou disciplina teórica, a Hermenêutica procura discutir problemas como:- o que é interpretar?
Existem regras capazes de orientar a atividade de interpretação?
Existe uma interpretação verdadeira ou jamais se pode atingir a verdade a respeito do sentido de um texto?
Por que a interpretação é uma atividade tão fundamental para nós (interpretamos até mesmo os nossos atos, a nossa própria vida; e muitas pessoas que não encontram um sentido para as suas vidas adoecem física e psiquicamente)?
Na Faculdade de Direito, ao estudarmos a Hermenêutica, privilegiamos a sua dimensão teórica, estudando o que alguns dos filósofos pensaram a respeito da atividade de interpretação, privilegiando a interpretação dos textos legais.
Por que a Hermenêutica é tão importante a ponto de ser uma das disciplinas oferecidas pelas Faculdades de Direito hoje? A partir do século XIX, o direito passou a se identificar com a lei. E a lei nada mais é do que um texto, cujo sentido é ensinado nas faculdades, é debatido pela doutrina, é disputado pelas partes numa ação judicial. Portanto, é preciso que os alunos aprendam as regras e técnicas da atividade de interpretar os textos legais e reflitam sobre essa atividade.O senso comum jurídico separa a teoria da prática, sempre para desmerecer a teoria. Diz-se, por exemplo, que “na prática, a teoria é outra” ou que “isso é muito teórico, não serve para nada”.
Para o senso comum jurídico, bastaria aos alunos o conhecimento das regras e das técnicas da atividade de interpretar os textos legais (a “prática”), sendo desnecessária a reflexão sobre essa atividade (a “teoria”). Afinal, o aluno está sendo preparado para ser um operador do direito, um advogado, um juiz, alguém que tem que saber trabalhar com o direito e não para ser um “teórico”, um “filósofo” – aliás, para o operador, muita “teoria” é prejudicial, pois geram questionamentos, dúvidas que certamente impedirão a eficiência do operador do direito. Cuidado com essa desconfiança a respeito da teoria e da reflexão. Ainda que ele mesmo não reconheça, o senso comum jurídico adota um posicionamento teórico! Ao defender a separação da teoria e da prática, o senso comum jurídico afirma que aplicar o direito é uma atividade como fazer uma cadeira: basta aprender a usar os instrumentos para trabalhar a madeira e seguir um manual de instruções a fim de montar corretamente as peças.
Uma atividade mecânica que dispensa a reflexão a respeito de onde vem a madeira, da finalidade da cadeira ou das condições em que se produzem objetos como as cadeiras. Essas reflexões podem até ser importantes, mas em nada alteram a qualidade da cadeira produzida. Ora, a disciplina Hermenêutica nos mostra como, no caso direito, a separação entre teoria e prática é insustentável. O que o senso comum jurídico chama de “prática” é formado também pela “teoria”, isto é, a maneira como nós compreendemos o direito, o seu sentido, influencia a nossa prática jurídica. E, por outro lado, a teoria jurídica é construída a partir da prática, sendo que uma das suas finalidades é facilitar essa prática, ampliar o seu campo de ação, liberá-la de obstáculos desnecessários.
Referências
FERRAZ, JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5ª Ed. São Paulo Atlas, 2008.
BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ,. José Rodrigo (Orgs) Hermenêutica plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Hermenêutica Teológica, Filosófica e Jurídica
Construir uma visão da Hermenêutica Jurídica de tal maneira que, quando se se deparar com os texto legais, saber localizar e interpretar o problema e os sentidos conceitual e pragmático.
Hermenêutica Teológica, Filosófica e Jurídica:
Hermenêutica Teológica.
De maneira diferente das religiões grega e romana, as religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) caracterizam-se pela existência de um texto entendido pelos seus seguidores como sagrado. São religiões do livro: da Torá, da Bíblia e do Alcorão. Se existe um texto sagrado, cujo sentido que deve ser não apenas compreendido, mas também vivido pelo crente, surge a questão de saber qual a melhor maneira de se aproximar desse texto, de compreender-lheo sentido para que seja aplicado na própria realidade vivida pelo crente. Como exemplo, leia o texto abaixo, que relata a parábola do “bom samaritano”:
Em resposta, disse Jesus:
"Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois o colocou sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e lhe disse: 'Cuide dele. Quando eu voltar, pagarei todas as despesas que você tiver'. “Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes”?" "Aquele que teve misericórdia dele", respondeu o perito na lei. Jesus lhe disse: "Vá e faça o mesmo".
Lc (10:30-37) - http://www.bibliaon.com/versiculo/lucas_10_30-37/.
Na Igreja Antiga, foi adotado um método alegórico de leitura: para os seus adeptos, havia um sentido oculto no texto das Escrituras. Veja como Agostinho (354 – 430):
Um filósofo e um Padre da Igreja, um santo para os católicos, nascido no norte da África e bispo de Hipona, interpretou essa parábola: o homem vitimado pelos salteadores (que são o diabo) é Adão; Jerusalém é o céu; Jericó é a representação da condição mortal do homem; o sacerdote é a lei, enquanto que o levita representa os profetas; a figura do bom samaritano é Cristo; o azeite é a esperança e o vinho é o espírito fervoroso; a hospedaria representa a igreja; o hospedeiro é o apóstolo Paulo.No decorrer da Idade Média, o método alegórico se desenvolveu por meio da busca de quatro sentidos no texto bíblico:
1) O sentido literal: procura pelo sentido expresso pelos termos linguísticos em seu uso comum na linguagem quotidiana;
2) O sentido alegórico: procura pelo sentido num outro nível de referência, desvendando nas narrativas bíblicas um sentido oculto, além do seu sentido meramente literal;
3) O sentido moral: procura pelas lições morais que podem ser aprendidas a partir dos escritos bíblicos;
4) O sentido escatológico: é a interpretação mística, explicando os eventos narrados na Bíblia para descobrir o que o futuro reserva aos homens.
Na mesma parábola, os quatro sentidos são os seguintes:
1) O sentido literal: ame e ajude o próximo quando ele se encontrar necessitado;
2) O sentido alegórico: o homem que ia a Jericó é alguém desprovido de um sério compromisso com Deus e se deparou com os demônios (os salteadores) que o deixaram quase morto (do ponto de vista espiritual). 
O sacerdote e o levita representam os cristãos que não são dotados de compaixão concreta pelo próximo, ao contrário do samaritano. Para curar as feridas, é preciso do óleo (unção do Espírito Santo) e do vinho (remissão do pecado pelo sangue do Cordeiro de Deus). O homem é deixado na hospedaria, ou seja, na Igreja, com o hospedeiro, o pastor da Igreja. Os dois denários representam o Antigo e o Novo Testamento, indispensáveis para a Salvação das almas;
3) O sentido moral: além do amor ao próximo, a advertência ao sacerdote e ao levita, que nada fizeram para socorrer o homem espancado, de que os títulos e o mero conhecimento da lei nada valem se não se puser em prática aquilo que se conhece;
4) O sentido escatológico: A volta do samaritano nada mais é do que a segunda vinda de Cristo. O pastor da Igreja (o hospedeiro) tem a função de preparar os homens para essa segunda vinda do Messias. Preparar significa cuidar e ensinar a palavra de Deus.
Com a Reforma ou o Protestantismo, a questão da compreensão dos textos bíblicos ganha importância na medida em que Martinho Lutero (1483-1546) se pergunta: como ler a Bíblia?
Quem está autorizado a ler a Bíblia?
É preciso lembrar que a Bíblia ainda não havia sido traduzida para as línguas vernaculares (português, inglês, francês etc.) e a missa era celebrada em latim – o que garantia ao clero o monopólio da interpretação da Bíblia, já que a quase totalidade da população não dominava o latim.
Para se contrapuserem ao Catolicismo, os Protestantes tiveram de rejeitar a interpretação alegórica da Bíblia e passaram a interpretá-la no seu sentido literal, buscando regatar o seu sentido, que teria sofrido uma distorção causada justamente pela leitura praticada pela Igreja Católica.Lutero e seus discípulos entendiam que o texto a ser interpretado já reunia todas as possibilidades de entendimento, e que a concretização desse entendimento somente se daria na alma do próprio leitor, do crente em Deus.
Para que isso fosse possível, o crente deve partir da própria palavra presente na Bíblia, sem recorrer a outros textos, sem recorrer aos ensinamentos da própria Igreja, dos santos ou dos Padres da Igreja. Esse movimento de volta à palavra da Bíblia, de retorno à própria Escritura foi a grande contribuição de Lutero para a Hermenêutica.Em 1534 é publicada pela primeira vez a tradução da Bíblia para o alemão, realizada por Lutero. Era necessário levar o texto para os fiéis.
Os colaboradores e discípulos de Lutero vão insistir na equiparação da interpretação com a compreensão das palavras e das expressões do texto. Interpretar passa a ser superar as dificuldades linguísticas e gramaticais do texto, tarefa que exige um dicionário e uma gramática.
Philipp Melanchton (1497-1560) foi muito importante para a consolidação dessa nova maneira de lidar com as Escrituras Sagradas.Nos séculos XIX e XX, surgem outras importantes correntes da Interpretação Teológica, especialmente a partir da ciência da História.
Como essa ciência poderia ajudar a compreender o sentido de um texto?
Na parábola do bom samaritano, trata-se de investigar (aliás, a palavra “história” vem de um termo grego que significa “pesquisa”, “conhecimento adquirido por investigação”) o local, a região em que ela se passa, o momento histórico a que o texto alude, a dimensão histórica das personagens, o seu contexto cultural etc. Assim, começamos por analisar as pessoas que aparecem na parábola: o homem, um sacerdote, um levita e o samaritano. Nada se sabe a respeito do homem; o sacerdote e o levita são ligados ao serviço do Templo.
A tribo de Levi foi a escolhida para exercer o sacerdócio, mas apenas os descendentes de Arão poderiam fazê-lo. Os outros levitas apenas poderiam ajudar os sacerdotes nas suas funções junto ao Templo. O samaritano aparece como representante de uma etnia distinta da dos judeus: havia hostilidade entre os judeus e os samaritanos.
A cidade de Jerusalém era um grande centro religioso e comercial. Além das visitas ao Templo, as pessoas visitavam a cidade para comprar e vender muitas mercadorias, além da própria confusão entre comércio e religião, já que muitas oferendas devidas a Deus eram vendidas na parte mais exterior do próprio Templo. Sabendo que as pessoas que iam a Jerusalém ou a deixavam carregavam dinheiro e mercadoria, os ladrões preparavam emboscadas ao longo dos caminhos, especialmente se atravessasse um deserto, como era o caso do caminho a Jericó. Os judeus (levitas) não socorrem o homem porque não o conhecem e não sabem se é próximo a eles – isto é, se o homem é ou não é judeu.
O homem poderia ser um estrangeiro, um samaritano o que não o faria merecedor de ajuda. O samaritano não teve essa preocupação com a nacionalidade do homem agredido: ele não o enxergou como judeu ou como samaritano, mas simplesmente como um homem, como seu próximo.
A parábola é narrada por Cristo a um judeu, doutor da Lei. Para os judeus, aqueles que não fossem judeus não seriam próximos, já que não pertencentes ao mesmo, mas a outro grupo. Jesus, um judeu, está ensinando o sentido de “próximo”, como sendo aquela pessoa necessitada da nossa ajuda, independente de ser rico ou pobre, judeu ou estrangeiro (aos olhos dos judeus),como o homem da parábola.
No século XX, apareceram outras formas de interpretação do texto bíblico, muitas delas influenciadas pelas principais correntes filosóficas, como a Filosofia Hermenêutica, no caso de Rudolf Bultmann (1884-1976). Hermenêutica Filosófica: ao longo da história, a Hermenêutica foi entendida de três maneiras:
1. como a arte de interpretar os textos. Foi dessa maneira que a Hermenêutica foi compreendida, desde a Antiguidade até o século XIX.
· A Hermenêutica exercia uma função auxiliar para disciplinas que lidavam com textos canônicos ou sagrados: a Teologia (as escrituras sagradas, a Bíblia), a Filologia (obras de escritores antigos, normalmente em outras línguas) e o Direito (textos legais).
· A sua contribuição foi a de desenvolver regras para ajudar essas disciplinas a descobrir o sentido desses textos, especialmente quando os textos apresentavam obscuridade ou então passagens que eram escandalosas - por exemplo, como entender que Deus tenha matado todos os primogênitos dentre as crianças egípcias e, em seguida, também dentre todos os animais?
· (Ex., 12:29). A Hermenêutica era entendida como um conjunto de técnicas que permite ao leitor de um texto ter acesso ao seu sentido. A finalidade dessa técnica era o de eliminar as obscuridades e ambiguidades do texto interpretado para obter um acesso seguro, preciso ao que é dito pelo texto. Nesse aspecto, a Hermenêutica era vista como uma disciplina instrumental.
O teólogo e filósofo alemão Friedrich Schleiermacher deu uma dimensão mais ampla à Hermenêutica, procurando dar-lhe uma dimensão universal desconhecida até então, uma arte geral do próprio processo de entender. Para ele, entender algo é reconstruir esse algo a partir da maneira como foi criado. Entender um texto é reconstruí-lo como se, ao lermos um texto, fôssemos o seu autor.
É por essa razão que uma interpretação literal ou gramatical não mais é suficiente, pois é incapaz de alcançar o momento subjetivo que criou o texto. Outra importante contribuição de Schleiermacher foi a idéia de círculo hermenêutico: quando se compreende algo, é necessário compreender o todo a partir de suas partes e as partes a partir do todo. Não se pode conhecer o sentido de uma palavra sem que se conheça o sentido das palavras que estão à sua volta; não se pode conhecer o sentido de Memórias Póstumas de Brás Cubas sem o conhecimento das outras obras de Machado de Assis; assim como não se pode conhecer a obra de Machado de Assis sem se conhecer a cultura que deu origem à sua obra (um autor descendente de negros e portugueses numa sociedade escravista periférica do capitalismo da segunda metade do século XIX) etc. Exemplos de pensadores que entenderam a Hermenêutica como a arte de interpretar os textos: Quitiliano, 30 – 100; Agostinho, 354 – 430; Philipp Melanchton, 1497 – 1560; e Friedrich Schleiermacher, 1768 – 1834
2. como fundamento metodológico das Ciências Humanas. Por meio da Hermenêutica, alguns filósofos procuraram defender para essas ciências – como a história, a sociologia, a antropologia, a ciência do direito etc. – uma metodologia própria, distinta da metodologia das Ciências Naturais – como a Física, a Química, a Biologia etc. As Ciências Naturais obtiveram grande desenvolvimento nos séculos XVIII e XIX, e se acreditava que a razão de tamanho sucesso fosse o método científico empregado por elas, que se compunha de etapas: observação do fenômeno, criação de hipótese para explicá-lo e confirmação por meio de previsões.Um físico, um astrônomo, por exemplo, observa o movimento de Mercúrio e cria uma hipótese para explicá-lo – para Newton, por exemplo, o Sol, por meio da força da gravidade, atrai Mercúrio e o faz orbitar, girar ao redor do próprio Sol.
O astrônomo faz uma previsão:
Daqui a um mês, Mercúrio estará na posição p, o que, se confirmado, atesta que a explicação é correta. A Terra e os demais planetas também orbitam o Sol, o que explica o fato de vermos parte da trajetória de Mercúrio como retrógrada: a órbita da Terra é exterior à de Mercúrio e ela se movimenta mais vagarosamente, fazendo com que vejamos, na abóbada celeste, o planeta Mercúrio “andar para trás”.
Tudo isso é explicado com poucos conceitos (por exemplo, massa, força) e leis (de Newton e de Kepler), a partir de uma relação de causa e efeito (a massa do Sol causa o movimento de Mercúrio e da Terra ao seu redor). Nas ciências da natureza, existe uma completa separação entre o sujeito e o objeto, isto é, o sujeito não interfere no objeto que estuda.
Assim, o astrônomo descreve as órbitas de Mercúrio e da Terra ao redor do Sol e não possui nenhuma influência sobre esses movimentos, não interfere nesses movimentos.A Hermenêutica mostrou que as Ciências Humanas produzem de uma espécie diferente de conhecimento, de uma maneira também diferente.                                            
Nessas ciências, o sujeito e o objeto não podem ser completamente separados, pois aquele que investiga faz parte do objeto a ser analisado. Ao estudar a História do Brasil, por exemplo, o historiador pertence à história brasileira pelo fato de ser brasileiro, vem de um determinado estrato social, o que significa dizer que tem determinados valores, que se educou em determinada escola brasileira por meio de obras de outros autores brasileiros, esse historiador vive em uma determinada época e traz uma série de características que pessoas de outras épocas não teriam, ele traz atrás de si um passado e se projeta num futuro a partir desse passado que é diferente do passado de outras épocas e assim por diante.As perguntas que esse historiador se dispuser a responder são perguntas em grande medida questionamentos da sua época, elas são diferentes das questões estudadas por historiadores de outras épocas.                                                                  
Por exemplo, os historiadores do século XIX estavam preocupados com os fundamentos das nações a que pertenciam e buscaram no passado as origens de um sentimento de nacionalidade. Como o fundamento das nações deixou de ser buscado em Deus e passou a estar na legitimidade que o povo transfere aos seus governantes, é preciso encontrar a relação entre o povo e a nação. Buscava-se uma sequência linear de acontecimentos que levasse à constituição da nação, uma história com um final épico, uma história que procurava engrandecer a própria nação.
Ora, nenhum historiador, nos dias de hoje, está preocupado com essas questões.Além disso, as Ciências Humanas não têm a mesma natureza nem utilizam o mesmo método das Ciências Naturais: em vez de explicar os fenômenos por meio da relação de causa e efeito, as Ciências Humanas compreendem o seu objeto de estudo, sua tarefa é a de descobrir o seu sentido. Na investigação sobre o xamanismo, um biólogo e químico vão procurar explicar qual substância, extraída de alguma planta, que age no corpo do sacerdote, do pajé, do feiticeiro de uma determinada tribo indígena.
A substância é a causa dos efeitos observados no transe do sacerdote (o tremor do corpo, a fala alterada etc.). Para o antropólogo, contudo, não é essa a questão a ser respondida, mas, sim, qual o sentido dessa prática social para aquela comunidade indígena? O grande filósofo que apontou para essa vertente da Hermenêutica foi Wilhelm Dilthey (1833 – 1911).
1. como Filosofia Hermenêutica. Nessa acepção da Hermenêutica, a interpretação não é apenas um método que se encontra nas Ciências Humanas, mas uma característica essencial da presença dos seres humanos no mundo. Tem-se, agora, uma hermenêutica da existência. Não se trata de uma filosofia sobre o Homem (com letra maiúscula), procurando definir o que é o ser humano, saber do que ele é feito (ele tem alma?), conhecer suas características (ele é naturalmente bom?).
2. A Filosofia Hermenêutica rompe com a maneira tradicional de se fazer filosofia no Ocidente. Ela vai partir do ser humano entendido em seu sentido singular e concreto, do modo de ser desse existente humano. Isso porque o homem é o único para quem se exige uma solução para oproblema do existir, pois tem consciência do caráter finito de sua existência (sabe que um dia irá morrer; deixar de existir), consciência essa que o força a escolher o seu destino.Para a Filosofia Hermenêutica, a Hermenêutica não diz respeito somente a textos, mas à própria existência.
A Hermenêutica deixará de ser entendida como uma disciplina instrumental para se revestir de uma dimensão ontológica. “Ontologia” é o campo da filosofia que estuda os princípios e fundamentos últimos de toda a realidade, de todos os seres.Em outras palavras, a Hermenêutica revela agora não apenas a estrutura da nossa compreensão, mas principalmente a maneira como estamos no mundo e a estrutura do mundo para nós.
Os principais filósofos que entenderam a Hermenêutica nessa vertente foram Martin Heidegger (1889 – 1976) e Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002).Hermenêutica JurídicaNo direito, o principal problema da Hermenêutica é o sentido dos textos legais.Para os países cujos sistemas jurídicos se filiam à família romano-germânica, como é o caso do Brasil, a principal fonte do direito é a lei, ou seja, um conjunto de palavras impressas, que é o resultado do trabalho do Legislador. Qual o sentido das palavras da lei?No direito, esse problema é agravado pela própria natureza do direito:
· Em primeiro lugar, para cumprir com a sua função social, o direito deve ser expresso na linguagem natural, ou seja, em português para nós brasileiros, porque no Brasil se fala português. Todas as linguagens naturais são dotadas de imprecisões semânticas: uma mesma palavra designa objetos diferentes (“sanção” significa a previsão de um mal, “a sanção para o crime de homicídio é a pena de reclusão”; ou aprovação, “o projeto foi para aprovação presidencial”) e as palavras são dotadas de vagueza (a medida provisória pode ser editada em caso de urgência e relevância; entendemos o que significa “urgência” e “relevância”, mas será que a situação que estou analisando agora é urgente e relevante?).
· Em segundo lugar, as normas jurídicas são genéricas e abstratas. Elas não são criadas para disciplinar uma situação única e específica, mas uma família de situações: a norma que proíbe o homicídio usa o verbo “matar” e se pode matar uma pessoa de inúmeras maneiras e há situações em que surge uma dúvida se alguém matou ou não uma pessoa (se um paciente terminal deixa de receber um medicamento que prolongava artificial e inutilmente sua vida, pode-se dizer que o médico o matou?); a proibição de cobrança abusiva no Código de Defesa do Consumidor abrange muitas situações concretas, desde a cobrança em presença do consumido até aquela por carta, por telefone.
Ainda que fosse possível estabelecer normas cada vez mais específicas de maneira a eliminar situações como essa, é preciso notar que o número de normas seria tão grande que seria impossível não apenas o conhecimento dessas normas como o próprio trabalho dos chamados operadores do direito, que seria inviabilizado pelo nível de complexidade do Ordenamento. Além disso, por mais detalhista que seja o legislador, ele jamais conseguirá prever todas as situações futuras que possam vir a acontecer e que não encontrarão previsão legislativa.
· Em terceiro lugar, no direito existe o conflito de interesses. As partes, numa ação judicial, têm interesses opostos e vão realizar a interpretação dos textos legais de maneira a atingir os seus objetivos na ação.Dessa maneira, quando se tem o texto legal, aí se encontra posto o problema do seu sentido, problema enfrentado pela Hermenêutica Jurídica.
Referências
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Escola da Exegese: Positivismo jurídico ideológico
Propor ao aluno uma visão crítica de que os positivistas ideológicos tomam a lei como a expressão do próprio direito, inexistindo direito além da lei. Lei é sinônimo de direito e, se outras fontes do direito são eventualmente admitidas, é justamente porque assim a lei determina.
O Positivismo Jurídico ideológico é a doutrina que defende o dever de obedecer à lei, qualquer que seja o seu conteúdo. Muitos autores que se filiaram à teoria do Positivismo Jurídico não se filiaram ao Positivismo Jurídico Ideológico.
Exemplo:
Alf Ross, Herbert Lionel Adolphus Hart, Norberto Bobbio – a posição de Hans Kelsen é ambígua, em virtude do seu conceito de validade, conceito muito criticado pelos demais autores positivistas. Ainda assim, seria mais apropriado entender que ele não defendeu a tese do positivismo ideológico. Deve-se, portanto, fazer uma distinção entre:
a. Positivismo Jurídico como uma teoria que considera o direito como fato e não como valor (o que está em jogo é o conceito de direito): uma norma jurídica existe (vale) porque foi criada e imposta por quem detém o monopólio da violência numa determinada sociedade. O que caracteriza o direito não é a justiça da disposição das suas normas, mas a coatividade, a força para fazê-las cumprir. Por meio da teoria positivista é possível identificar quais são as normas jurídicas dentre as mais variadas normas sociais (normas morais, religiosas, de etiqueta).
b. Positivismo Jurídico como uma teoria da obediência (o que está em jogo não é o conceito de direito, mas uma obrigação moral): deve-se obedecer às normas jurídicas independentemente do conteúdo das suas disposições (“a lei é a lei”; “a lei é dura, mas é a lei”).Os principais autores positivistas do século XX não aderiram ao positivismo ideológico porque estavam preocupados com os aspectos conceituais do direito, estavam preocupados em definir o que é o direito e, com isso, identificar as normas jurídicas. Já o problema de obedecer ou não ao direito não é um problema jurídico, não é um problema da ciência do direito, mas um problema de natureza moral. Por mais que se encontre a justificativa da obediência de uma norma jurídica em outra norma jurídica e assim por diante, chegará o momento em que as normas jurídicas se esgotarão e a pergunta ainda permanecerá. Justamente porque a sua resposta depende de uma consideração de ordem moral, consideração esta que foge ao escopo daqueles autores positivistas como Ross, Hart e Bobbio.
No século XIX, no entanto, os positivistas foram em sua grande maioria também positivistas no sentido ideológico, O Positivismo Jurídico torna-se o paradigma dominante da Filosofia do Direito na modernidade, já que é na modernidade que se consuma a monopolização da produção jurídica pelo Estado: o Estado se torna o único centro produtor de norma. E, nos países da família romano-germânica (França, Itália, Espanha, Portugal, Brasil, Argentina etc.), o Estado monopoliza a produção jurídica na forma da legislação.
Ocorre, então, uma identificação entre direito, lei e Estado. Se, no início, foram os teóricos da moderna Ciência Política que associaram direito, lei e Estado, foi principalmente com a Revolução Francesa (1789-1799) que se concretizou tal associação. Na Idade Média, havia uma pluralidade de centros produtores do direito (os senhores feudais, as corporações, a Igreja, o rei, as cidades livres etc.), bem como uma pluralidade de fontes do direito (o direito germânico, o romano, o canônico, as cartas das cidades etc.). A autoridade política não tinha a pretensão de estabelecer o direito – não tinha nem mesmo as condições política para tanto. Ela era mais o garantidor de uma ordem jurídica preexistente a ela mesma: ela diz o direito que é anterior a ela e, até mesmo,o direito que a constitui enquanto autoridade. Com a modernidade, o soberano (seja um monarca ou uma assembleia, como nas democracias) é autoridade criadora de um sistema normativo artificialmente produzido por meio da legislação.
Na França, em 1804, é promulgado o Código Civil francês, chamado Código de Napoleão em virtude do empenho do Imperador francês, Napoleão Bonaparte, para a sua elaboração. Esse código, que não é o primeiro código europeu da Era Moderna, será responsável pela onda de codificação do direito, durante os séculos XIX e XX, onda que alcança o Brasil, independente em 1822, que passa a elaborar o seu código. Ao derrotar o Antigo Regime, a Revolução Francesa operou uma grande mudança na política e no direito:
· O fundamento da legitimidade do Estado deixou de ser o plano divino e passou a ser a vontade da nação;
· O povo elege seus representantes que elaboram as leis (a lei é a racionalização das vontades individuais);
·  A lei garante a liberdade: liberdade não significa “fazer o que quiser”;
· Liberdade significa autonomia, a capacidade de dar a si mesmo a lei de acordo com a qual se deve agir, e as pessoas agora se podem dizer livres porque elas indiretamente fazem as próprias leis – indiretamente porque o fazem por meio dos seus representantes;
· A lei garante a igualdade (formal): uma mesma lei vale para todos e todos são iguais perante a lei. No Antigo Regime, havia os privilégios (a palavra significa “lei privada, particular”: se as pessoas não eram consideradas como iguais, por que haveriam de obedecer a uma mesma lei?), e eles foram extintos;
· A lei é genérica e abstrata: ao não se aplicar a uma pessoa, mas a uma classe de pessoas (aos eleitores, aos empregadores, aos consumidores, aos maiores de 18 anos, etc.), é a lei que garante um aspecto importante da justiça, que é o da igualdade formal;
· Ao se aplicar a uma classe de ações (matar alguém, votar, contratar etc.), é a lei que garante a certeza e a segurança jurídicas, permitindo que as consequências das nossas ações sejam previstas.
Por todas essas razões, os positivistas entendiam haver uma obrigação de obedecer ao direito: é o direito que garante a ordem, a estabilidade das relações sociais, e desobedecer ao direito significa se colocar acima da lei (o que viola o ideal de igualdade) e impor aos demais o arbítrio da própria vontade (o que viola a liberdade dos demais). A teoria liberal do Estado, que está por detrás do positivismo ideológico, foi questionada durante o próprio século XIX, especialmente com o aparecimento da teoria de Karl Marx, que traz outra visão a respeito do Estado e do direito. As experiências totalitárias do século XX, como o nazismo e o stalinismo, mostram claramente como o Positivismo Jurídico ideológico é inaceitável.
A questão que hoje se coloca nos Estados Democráticos é a de saber em que condições de dizer que alguém tem o direito de resistir, de desobedecer a uma lei democraticamente elaborada. Para alguns, tal comportamento seria ilegal; para outros, há um direito de resistência contra uma lei que descumpre o papel que a lei deve ter que é o de realizar a justiça.
Referências
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
KELSEN, Hans. A Teoria Pura do Direito. São Paulo: Atlas, 2002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.
Escola da Exegese: Redução do direito à lei
Possibilitar ao aluno o entendimento de que sujeito é que dá o sentido ao mundo e que somente o Estado detém o poder de legislar. Assim sendo o Estado passa a concentrar a produção do direito a partir da sua vontade, portanto, não há direito senão o direito positivo e dizer direito é dizer lei.
Escola da Exegese: Redução do direito à lei.
A modernidade provocou a associação entre o Estado, o direito e a lei.
Para se entender a modernidade, é fundamental o conceito de soberania, que foi formulado por Jean Bodin, um jurista do século XVI e que se tornará a pedra angular da teoria de Thomas Hobbes no século seguinte.
De maneira oposta à teoria política aristotélica, Hobbes funda a política no poder. Para deixar o estado de natureza e inaugurar a vida política (estado civil), é fundamental que as pessoas abdiquem do poder que detenham em favor de um terceiro, o soberano (seja um monarca ou uma assembleia, como nas democracias). Esse soberano é absoluto, ou seja, absolvido de se submeter a qualquer outro poder. E a vontade do soberano passa a ser a única fonte de onde provém o direito.
Em outras palavras, o soberano é autoridade criadora de um sistema normativo artificialmente produzido por meio da legislação. Ele não se submete a outro poder nem admite outros centros de poder, exceto aqueles que são estabelecidos por sua delegação.
Esse conceito de soberania era desconhecido na Idade Média, pois ela se caracterizou por ser um período de descentralização política e disputa de poder por diferentes grupos. Nesse cenário, havia a concorrência de diferentes poderes na vida social e uma pluralidade de centros produtores do direito (os senhores feudais, as corporações, a Igreja, o rei, as cidades livres etc.), bem como uma pluralidade de fontes do direito (o direito germânico, o romano, o canônico, as cartas das cidades etc.).
O que se chama de ordem jurídica era entendida como uma realidade preexistente às autoridades; e essas autoridades se limitavam a garantir tal ordem, cuja legitimidade era anterior e exterior a essa mesma autoridade.
Principalmente nos primeiros séculos da Idade Média, com as chamadas invasões bárbaras, diferentes grupos sociais conviviam numa mesma região. Essas pessoas mantinham a maior parte das suas relações com membros internos ao próprio grupo, de maneira que as normas costumeiras davam conta de lhes regular a conduta.
Além disso, pelo princípio da pessoalidade das leis, cada povo tinha o seu próprio direito e o direito aplicável a uma pessoa dependia da sua nacionalidade.
Feudalismo instala-se na Europa por volta do século X, estabelecendo-se as relações feudo-vassalos: um contrato por meio do qual um homem se submete ao poder de outro, o senhor, obrigando-se a ajuda-lo em troca de proteção e manutenção. Na maior parte da Europa, com o desaparecimento da organização estatal, o costume passa a ser praticamente a única fonte do direito laico.
Desaparece também o princípio da pessoalidade das leis, passando o direito consuetudinário a ter uma base territorial: cada grupo social vive de acordo com as suas tradições jurídicas.
Contra esse quadro de fragmentação, a modernidade consiste num longo processo que leva o Estado a deter o monopólio da produção jurídica, isto é, o Estado se torna o único centro produtor de norma.
A lei apresenta uma série de características:
- representa a vontade da nação: o povo elege seus representantes que elaboram as leis;
- a lei garante a liberdade: liberdade como autonomia, a capacidade de dar a si mesmo a lei de acordo com a qual se deve agir, e as pessoas agora se podem dizer livres porque elas indiretamente fazem as próprias leis – indiretamente porque o fazem por meio dos seus representantes;
- a lei garante a igualdade (formal): uma mesma lei vale para todos e todos são iguais perante a lei;
- a lei é genérica e abstrata: ao não se aplicar a uma pessoa, mas a uma classe de pessoas (aos eleitores, aos empregadores, aos consumidores, aos maiores de 18 anos etc.), é a lei que garante um aspecto importante da justiça, que é o da igualdade formal; ao se aplicar a uma classe de ações (matar alguém, votar, contratar etc.), é a lei que garante a certeza e a segurança jurídicas, permitindo que se prevejam as consequências das nossas ações.
A única fonte do direito do direito é a lei – e se outras fontes, como o costume, forem reconhecidas é somente pelo fato de a lei assimhaver disposto.E a lei é a lei positiva, isto é, a lei criada pelo Estado (soberano). É somente lei positiva porque não cabe mais falar em lei natural.
Com a Filosofia Moderna deixa de ter sentido pensar a natureza como dotada de um sentido intrínseco. Para os antigos, o mundo era um cosmos, isto é, dotado de uma estrutura racional que poderia ser conhecida. E o homem faz parte dessa estrutura, nela encontra o seu lugar. Cada um, cada coisa tem o seu lugar. Daí que o cosmos fornece um critério para a justiça: dar a cada um o que é seu, o que somente faz sentido se cada um tiver um lugar natural. E daí que a finalidade da vida seja encontrar o lugar no cosmos.
Ao desaparecer a ideia de cosmos e de finalidade na natureza, na modernidade o mundo não mais oferece nenhuma diretiva para a conduta humana, a natureza não serve mais de modelo. Aliás, o mundo se torna desprovido de hierarquia, de harmonia: ele se torna caótico e infinito.
Se o mundo deixa de ser um cosmos, se ele deixa de ser doador de sentido, o sentido só pode vir do próprio homem. O sujeito dá o sentido ao mundo, não mais reconhecendo a ordem existe no mundo, mas construindo esse sentido. O sentido é sempre dado com relação a esse sujeito.
O direito somente pode encontrar sua fundamentação no sujeito, que agora constrói o direito a partir da sua vontade. É a ideia do Leviatã de Hobbes, um grande artifício construído pelos homens para dar ordem à sua vida. Não há direito senão o direito positivo e dizer direito é dizer lei.
 
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
HOBBES, Thomas. O Leviatã. (Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). São Paulo: Nova cultura,. 1988.
Escola da Exegese: In claris non interpretatio
Desenvolver no alunado o espírito crítico e criativo do intérprete de textos legais, desenvolver a capacidade de análise dos estudos de casos concretos em que apareçam dúvidas a respeito do sentido do texto legal, em que a sua aplicação dá margem para uma discussão no momento do exercício profissional.
Escola da Exegese: “In claris non interpretatio”
Esse brocardo também é conhecido como “in claris non fit interpretativo” e “in claris cessat interpretatio”, com o significado de que, sendo a redação da lei clara, não se faz necessária a interpretação.
Somente cabe interpretação se houver obscuridade, ambiguidade na lei.
Num primeiro momento, o brocardo parece ser sensato. Se a lei é clara, é perfeitamente inteligível, para que interpretar?
Se alguém, diante de um texto claro e cristalino, interpreta esse texto, não seria com o intuito de desvirtuar o sentido das palavras da lei?
Por exemplo: a Constituição Federal prevê a imunidade para os livros:
Art. 150 — Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI — instituir impostos sobre:[...]
· d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Livro goza, portanto, de imunidade tributária – o que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que alguma lei venha a instituir tributo sobre os livros.O texto constitucional é perfeitamente claro. De acordo com o brocardo “in claris cessat interpretatio”, ele não necessitaria ser interpretado.
O problema é que surgiu uma dúvida a respeito do álbum de figurinha da novela “Que rei sou eu”, da Rede Globo.
Esse álbum seria ou não seria um livro?
O passo seguinte é se perguntar: o que é um livro?
Qual o sentido da palavra “livro”, palavra que ocorre no texto constitucional?
Entende-se, normalmente, por “livro”, uma “reunião de folhas, encadernadas por uma lombada, e protegidas por uma capa”. Quando se toma um álbum de figurinha, será que se está diante de um livro?
Outro problema. Quando compro um “CD-Rom” que contém, por exemplo, parte da legislação brasileira, como aqueles que acompanham o “Vade mecum”? Parece não haver dúvida de que não estou diante de um livro, já que não há folha de papel, lombada, pois se trata de um disco de metal. Por outro lado, o conteúdo que existe no “CD-Rom” também se encontra em livros. É que o conteúdo daquilo que se entende por “livro” já foi encontrado em diversos suportes matérias: em pedra, couro de animais, papiro, papel – e, hoje, esse conteúdo é apresentado eletronicamente (CD-Rom, “e-book”, podendo ser lido em diferentes suportes).
Então o problema persiste: o sentido de livro é dado pelo seu suporte material (objeto feito de papel, encadernado etc.)? Ou pelo seu conteúdo (que pode ser registrado em diferentes suportes materiais)?
Todas essas questões mostram que se está a interpretar aquele dispositivo constitucional que, à primeira vista, parecia dispensar a interpretação.
A conclusão a que se chega é que o brocardo “in claris cessat interpretatio” não pode mais ser aceito;
· Em primeiro lugar, o texto legal somente é claro porque ele já foi interpretado e dessa interpretação não restou nenhuma dúvida quanto ao seu sentido.
· Em segundo lugar, a clareza é sempre relativa: o que pode ser claro para um, pode não ser para outro.
· Em terceiro lugar, sempre é possível encontrar casos concretos em que surgem dúvidas a respeito do sentido do texto legal, em que a sua aplicação dá margem para uma discussão, pois pelo menos dois sentidos são possíveis para aquele mesmo texto.
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
______, BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva, 2014.
Escola da Exegese: Aplicação mecânica do direito
A compreensão do aluno deve ser focada no saber de que: o juiz, ao realizar a subsunção, segue um raciocínio lógico de inserir o caso concreto na norma. A subsunção é o ato de inserir o caso no concreto na norma para a aplicação mecânica do direito.
Escola da Exegese: Aplicação mecânica do direito.
De acordo com Bobbio, o Positivismo Jurídico concebe a atividade dos juízes como uma declaração de um sentido já plenamente contido na norma legal. Como diz Bobbio, trata-se da “teoria da interpretação mecanicista, que na atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito.
A primeira distinção a ser feita é entre o texto legal (ou dispositivo legal) e a norma.O texto legal é o resultado do trabalho do Legislador. A norma é o sentido desse texto: o texto elaborado pelo Legislador é interpretado como um enunciado prescritivo (de dever-ser) e condicional (da forma “se ..., então ...”).Dada essa distinção, é possível:a) haver um texto legal que não expresse nenhuma norma.
Exemplo:
a. É permitido o uso de dispositivos eletrônicos durante a realização das provas. O aluno que for flagrado usando dispositivo eletrônico durante a prova terá a prova confiscada e a ela será atribuída nota zero”. Não expressa norma porque o texto não tem sentido por ser contraditório: permite e proíbe ao mesmo tempo a mesa conduta!
b. haver vários textos legais que expressem a mesma norma. Texto de lei: “todo cidadão, ao completar 18 anos, é obrigado a votar”; texto da Constituição: “o voto é obrigatórios aos maiores de 18 anos”. São textos diferentes, mas com o mesmo sentido, expressando a mesma norma.
c.haver um texto legal que expresse mais do que uma norma. Texto de lei: “é proibido instituir imposto sobre livros”. Norma que permite imposto sobre um “e-book”: “é proibido instituir imposto sobre livros (livro é um objeto de papel, encadernado por uma lombada, com capa)”. Norma que proíbe imposto sobre um “e-book”: “é proibido instituir imposto sobre livros (livro se caracteriza pelo seu conteúdo, podendo esse conteúdo estar impresso em papel ou disposto eletronicamente) ”Quando se tratar de uma norma de conduta, a norma tem a seguinte estrutura (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002 p. 102):
Se "F", então "C" deve ser. Se não "C", então "SP" deve ser "F" – hipótese fática "C" – consequência jurídica "SP" – Sanção punitiva.
Vejamos um caso:
O dever de se votar no Brasil.Dispositivos normativos:
a. Constituição Federal de 1988: art. 14; art. 7º, IV;
b. Código Eleitoral, Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, art. 7º;
c. Lei nº 6.091, de 15 de agosto de 1974;
d. Resoluções do TSE:Resolução 21.538/2003; Res.-TSE nº 21.920/2004.
Constituição Federal: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...] 
IV. salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I. plebiscito;
II. referendo;
III. iniciativa popular.
§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:
I. obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II. facultativos para:
 
a. os analfabetos;
b. os maiores de setenta anos;
c. os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
[...]
§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.
[...]
Código Eleitoral, Lei nº 4.737, de 15 [e julho de 1965.
Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o Juiz Eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo Juiz Eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. Art. 367. A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações criminais, obedecerão às seguintes normas:
I - No arbitramento será levada em conta a condição econômica do eleitor;
[...]
§ 2º A multa pode ser aumentada até dez vezes, se o juiz, ou Tribunal considerar que, em virtude da situação econômica do infrator, é ineficaz, embora aplicada no máximo.(Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966);
§ 3º O alistando, ou o eleitor, que comprovar devidamente o seu estado de pobreza, ficará isento do pagamento de multa.(Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966). Lei nº 6.091, de 15 de agosto de 1974.
[...]
Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o Juiz Eleitoral até sessenta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo Juiz Eleitoral e cobrada na forma prevista noart. 367, da Lei 4.737, de 15 de julho de 1965.
[...]
Art. 16. O eleitor que deixar de votar por se encontrar ausente de seu domicílio eleitoral deverá justificar a falta, no prazo de 60 (sessenta) dias, por meio de requerimento dirigido ao Juiz Eleitoral de sua zona de inscrição, que mandará anotar o fato, na respectiva folha individual de votação.Resolução TSE 21.538/2003Art. 80.O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 60 dias após a realização da eleição incorrerá em multa imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista nos arts. 7º e 367 do Código Eleitoral, no que couber, e 85 desta resolução.
[...]
Art. 85 A base de cálculo para aplicação das multas previstas pelo Código Eleitoral e leis conexas, bem como das de que trata esta resolução, será o último valor fixado para a UFIR, multiplicado pelo fator 33,02, até que seja aprovado novo índice, em conformidade com as regras de atualização dos débitos para com a União.Resolução TSE nº 21.920/2004.
Art. 1º O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para todas as pessoas portadoras de deficiência.Parágrafo único.Não estará sujeita à sanção a pessoa portadora de deficiência que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais, relativas ao alistamento e ao exercício do voto.Dados esses vários dispositivos, chegamos à seguinte norma:
a. é brasileiro;
b. tem de 18 a 70 anos.
Se alguém ...
c. é alfabetizado;
d. não é conscrito;
e. não seja portador de deficiência que demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais, relativas ao alistamento, então:
i. deve votar ou
ii. justificar até 60 dias após as eleições. Se "F" não votar; ou, "G" não tendo votado, deixar de justificar, justificar fora do prazo ou ter o indeferido o requerimento de justificação, então deve ser:
iii. condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 3,51 a R$ 35,14, exceto se comprovar devidamente o seu estado de pobreza.
Todo enunciado condicional apresenta duas partes. No caso de uma norma, temos:
a. o antecedente normativo (trazem as condições de fato, indicadas pelas letras de “A” até “G”);
b. o consequente normativo (traz as consequências jurídicas, no caso, i, ii e iii).
As Condições de Fato enunciam determinados fatos da realidade que, uma vez verificados no caso concreto, fazem com que se deva aplicar a consequência jurídica. A Consequência Jurídica é uma previsão de determinada providência jurídica que um aplicador deve tomar com relação a um caso concreto, sempre que se verificarem aquelas condições de fato.Para a teoria da aplicação mecânica do direito, sempre que uma norma disciplinar um caso concreto, a decisão é vinculada, isto é, o aplicador do direito dispõe de critérios determinados e fechados para chegar à decisão. Em outras palavras, os critérios são objetivos e permitem uma única resposta correta.
Neste caso, a norma aplica-se por subsunção, ou seja, se o caso concreto se encaixar no antecedente normativo, então deve ser aplicado o disposto no consequente normativo; se ele não se encaixar, não deve ser o consequente.Fala-se em silogismo judicial:
a. a Premissa Maior é a Lei, isto é, a norma;
b. a Premissa Menor é o caso concreto;
c. a Conclusão é a decisão judicial.
Basta ao aplicador da lei (um juiz, por exemplo) conhecer a Lei (isto é, ser capaz de passar do texto legal para a norma, extraindo do texto todas as condições de fato e consequências jurídicas ali presentes) e conhecer o caso concreto (como as partes devem provar o que alegam, é trazido ao conhecimento do juiz todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, para que ele possa verificar se aquelas condições de fato foram satisfeitas pelo caso concreto), para chegar à decisão: ou se aplica a consequência jurídica (todas as condições de fato foram satisfeitas pelo caso concreto) ou não se aplica a consequência jurídica (pelo menor uma condição de fato não foi satisfeita pelo caso concreto).
A aplicação do direito é realizada como um cálculo lógico.Dados dois casos concretos semelhantes quanto às características determinadas nas condições de fato da norma, eles devem receber a mesma decisão de dois juízes distintos. Se isso não acontecer, é possível identificar o erro judicial cometido, bastando refazer todo o silogismo judicial e verificando se a subsunção foi corretamente aplicada.
Vejamos três casos concretos:
1. João é brasileiro, tem 40 anos, é alfabetizado, não é portador de deficiência, não é conscrito, não votou nem justificou sua ausência. Este caso preenche todas as condições de fato; deve-se aplicar a consequência normativa, ou seja, deve ser condenado ao pagamento de multa.
2. Marianaé brasileira, tem 28 anos, é alfabetizada, não é portadora de deficiência, não votou e justificou sua ausência dentro do prazo. Como uma das condições de fato não foi satisfeita (afinal, ela não deixou de justificar a sua ausência), não deve sofrer a sanção.
3. Antônio, é brasileiro, tem 17 anos, é alfabetizado, não é portador de deficiência, não é conscrito, não votou nem justificou sua ausência. Como uma das condições de fato não foi satisfeita (ele tem menos que 18 anos), não tinha o dever de votar, não deve sofrer a sanção.
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002 .
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006.
______, BRASIL, Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2014.
______, Código Eleitoral, Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.
Outras Escolas de Interpretação
Compreender que as Escolas em estudo discorriam que: o direito provém do espírito do povo e para conhecê-lo era preciso observar como as pessoas do povo se comportavam observar os seus costumes, que: a defesa do formalismo jurídico entendia que não existem lacunas no direito, que: procuravam se libertar da ciência da rigidez imposta pelo formalismo jurídico.
Outras Escolas de Interpretação
1. Escola Histórica do Direito
O grande nome dessa escola é o de Friedrich Carl von Savigny (1779-1861). A Escola Histórica foi uma escola alemã que floresceu e se desenvolveu durante o Romantismo – aliás, é preciso também lembrar que o próprio Romantismo foi um movimento alemão por excelência. A Escola Histórica e o Romantismo representaram uma reação ao Iluminismo e ao racionalismo, na medida em que se recusa a explicação racional para a formação e desenvolvimento da sociedade, assim como se recusa o otimismo com relação ao Homem e à sua capacidade de organizar racionalmente a sociedade.
Daí surgirá a oposição de Savigny à ideia de codificação do direito alemão, como ocorrera na França com o Código Civil francês, o Código de Napoleão. Aliás, é preciso lembrar que o Código de Napoleão foi aplicado na Alemanha (lembrando que a Alemanha somente se unificará em 1871), ou melhor, na parte da Alemanha ocupada pelos franceses, durante 1806 e 1813.
Em 1806, Napoleão vence as tropas austríacas, o fim do Sacro Império Romano-Germânico é decretado e se forma a Confederação do Reno. Com a sua aplicação, surgem os defensores da necessidade de o direito alemão também se codificar, eliminando-se a sua obscuridade, redundância e complexidade. O grande defensor da codificação foi Anton Friedrich Justus Thibaut (1772-1840).
Para Savigny, a codificação representaria o engessamento do direito germânico. Para ele, o direito, os costumes, a língua de um povo nasce, desenvolvem-se e morrem, pois são organismos, cujo desenvolvimento não pode ser impedido nem controlado racionalmente, já que é o produto de forças irracionais. E, ainda, da mesma maneira que cada povo tem a sua língua, cada povo tem também os seus costumes e o seu direito, que refletem o volksgeist, o espírito do povo.
Da mesma maneira que não faz sentido transplantar uma língua estrangeira para o próprio país, não faz sentido nem importar o direito estrangeiro nem impor um direito racional (o direito natural deduzido da razão, como defendido pelos iluministas) como substituto do direito nacional, o direito alemão formava-se dos usos e costumes locais, de origem germânica, e a lei romana (o “Corpus Iuris Civilis”).
O trabalho de identificação e estudo do direito alemão não era feito a partir da lei, mas, antes, por juristas que estudavam o direito romano do uso comum. O que Savigny faz é sistematizar esse conhecimento jurídico produzido pelos juristas, a fim de compreender as estruturas jurídicas do direito alemão ao longo do tempo.
Se houver alguma contribuição legislativa a ser dada, ela não deve criar nenhum direito novo, mas dar apoio aquele direito descoberto pelos juristas, diminuindo-lhe a incerteza ou indeterminação. Quando a Escola Histórica fala em direito que revela o “espírito do povo”, é preciso desfazer uma confusão: não se trata de descrever os costumes verificados empiricamente, como se o jurista devesse observar a maneira como os seus concidadãos celebram os contratos nos mercados para daí elaborar as normas do Direito dos Contratos.
Da mesma maneira que um gramático não procura as regras da língua na fala popular, mas nas obras dos escritores que usam a língua para seus romances, poemas, pois é justamente no trabalho dos escritores que a língua alcança o seu grau maior de condensação, de exploração dos seus recursos; será nas obras dos juristas que deverá ser encontrado o direito.
Para se encontrar o verdadeiro sentido direito, Savigny defende a possibilidade de uma interpretação objetiva, sendo que esse verdadeiro sentido é um dado histórico. A fim de alcançar esse sentido histórico, não basta reconstruir a real vontade dos autores das leis – até mesmo porque, como se viu, esse legislador do direito germânico se perdeu no passado, não está mais disponível como está.
Exemplo: o legislador francês do Código de Napoleão. Além da interpretação gramatical e lógica, faz-se necessária a interpretação histórica, que investiga a compreensão da lei no momento em que a lei existe em que ela foi criada.
2. Jurisprudência dos Conceitos
O próprio desenvolvimento da Escola Histórica resultou na chamada Jurisprudência dos Conceitos. Se o direito é buscado no trabalho desenvolvido pelos juristas, não demorou muito para a Dogmática Jurídica substituir a História do Direito como a verdadeira ciência jurídica. Em lugar de conhecer o que dispõem as várias normas, o jurista enquanto cientista do direito deve conhecer a estrutura que sustenta essas normas.
Assim, como o físico não percebe um objeto pelas suas qualidades superficiais (cor, forma, beleza etc.), mas antes pelos conceitos básicos da física (massa, peso, velocidade, aceleração), o jurista deve buscar os conceitos jurídicos que sustentam o direito. E esses se organizam em um sistema, dos mais específicos aos mais gerais:
Exemplo: um contrato de aluguel e outro de comodato são espécies de um conceito mais geral, o de contrato; os contratos e os testamentos, por sua vez, são espécies de um conceito mais geral, o de ato jurídico.
Quais são as partes em que se decompõe um ato jurídico?
Qual a conceituação de cada uma dessas partes?
Representantes da Jurisprudência dos Conceitos:
Georg Friedrich Puchta (1798-1846) e Rudolf von Ihering (1818-1892), em sua primeira fase, já que ele será mais tarde um duro crítico ao formalismo jurídico, resultado a que levou a Jurisprudência dos Conceitos. A Escola da Exegese, a Histórica do Direito e a Jurisprudência dos Conceitos conduziram a ciência do direito ao formalismo.
O formalismo jurídico atribui ao direito as seguintes características:
a) ser formado apenas por normas criadas pelas autoridades competentes, especialmente pelos órgãos legislativos, desprezando-se os costumes e a jurisprudência;
b) o direito é um sistema de normas, um sistema fechado: os aplicadores do direito (os juízes, por exemplo) não precisam recorrer a outras normas (como as morais, por exemplo) para a sua decisão;
c) os aplicadores do direito estão obrigados a recorrer às normas jurídicas, e somente às normas jurídicas, para chegar às suas decisões;
d) o sistema jurídico é dotado de unidade, coerência e completude. As normas jurídicas são normas criadas pelo Estado, no exercício da sua soberania, o que garantea unidade do sistema; o sistema jurídico contém critérios para eliminar eventuais conflitos entre normas (por exemplo, o hierárquico determina que a norma superior revoga a norma inferior), de maneira a garantir-lhe a coerência; e, em caso de lacuna (lacuna é a inexistência de uma norma que se aplique a um caso, inexistência que implica falta de solução jurídica para esse caso), estão previstos meios de integração do direito, como a analogia, por exemplo.
e) para a maioria dos autores dessas escolas, todos estão obrigados a obedecer às normas jurídicas. Para o formalismo, é irrelevante o conteúdo do que é disposto pelas normas jurídicas, é irrelevante se ela é justa ou injusta, se ela atende ou não a determinada finalidade moral. Basta que elas sejam promulgadas por órgãos que tenham competência para fazê-lo para que elas sejam normas jurídicas, lembrando sempre que essa competência é determinada por outras normas também jurídicas.
Pode-se perceber como o sistema jurídico, para o formalismo, torna-se indiferente à sociedade e aos valores sociais, o que levará muitos pensadores a criticar essa maneira de conceber o direito. Dentre as escolas que criticaram o formalismo jurídico estão a Jurisprudência dos Interesses, a Escola do Direito Livre e o pensamento de Gény.
3. Jurisprudência dos Interesses
Essa escola inspirou-se no pensamento de Rudolf von Ihering (1818-1892), mas precisamente o da segunda fase, em que critica a Jurisprudência dos Conceitos a partir de uma visão mais próxima da sociologia, em obras como "A luta pelo direito" e "A finalidade no direito". A fim de se contrapor ao formalismo da Jurisprudência dos Conceitos, Philipp Heck (1858-1943) concebe o direito como um processo de proteção dos interesses.
As leis e as decisões judiciais resultam de interesses que existem na vida social. A ciência do direito não se limita a um acúmulo de conhecimento a respeito das normas, mas, antes, é um saber com uma finalidade, a de encontrar soluções práticas para a vida social. Em lugar do direito como uma ordenação lógica de conceitos, que acabou por isolar o direito das suas origens na sociedade, tem-se o direito vivo na sociedade.
E, para a disciplina dos interesses na vida social é fundamental a atividade do juiz, não mais limitada a uma exegese dos textos legais ou a uma arquitetura de conceitos da dogmática jurídica. A atividade dos juízes (e também a do legislador) é uma atividade de conhecimento e também de valoração.
A atividade do juiz é criadora, na medida em que desenvolve critérios axiológicos (ligados aos valores) para decidir entre os interesses em jogo, a partir da valoração já efetuada pelo legislador ao criar a lei. Com relação à hermenêutica, a escola seguiu a orientação de Ihering, privilegiando a interpretação teleológica, orientada para os fins e para os valores.
A atividade dos juízes assume um papel mais importante, pois se trata de uma atividade não limitada a uma técnica de simplesmente subsumir casos a uma norma anteriormente dada, mas os torna efetivos colaboradores do legislador na atividade de criação do direito, o que fica bastante claro no caso das lacunas, cuja existência era negada pela Jurisprudência dos Conceitos.
4. Escola do Direito Livre
Também constitui um movimento de reação ao formalismo jurídico e à Jurisprudência dos Conceitos. Sua influência se fez notar no momento de elaboração do Código Civil da Suíça, que previa que o juiz deveria criar uma norma a ser aplicada a um caso concreto sempre que se estivesse diante de uma lacuna. Seus principais representantes são Hermann Kantorowicz (1877-1940) e Eugen Ehrlich (1862-1922).
Compreensão sociológica do direito. Com base na sociologia, o juiz é livre para encontrar uma decisão, sempre que a solução prevista pela legislação for inexistente ou insatisfatória. Para chegar a uma decisão nesses casos, os juízes deveriam consultar documentos, observar a vida diretamente, verificar os usos e costumes que vigoram na sociedade, conhecer as associações que formam na vida social, mesmo aquelas ilegais!
O direito livre era considerado de maneira independente do direito estatal, uma vez que constituía o solo de onde se originava o direito estatal, razão pela qual o direito livre poderia corrigir as imperfeições do estatal e solucionar o problema das lacunas. O direito livre seria um direito mais efetivo que o próprio direito estatal.
Nesse cenário, o papel da ciência do direito se modifica, uma vez que ela não se limita a conhecer o direito criado pelo Estado, mas deve se constituir em uma atividade que leve a se descobrir o direito livre.
5. Escola da Livre Pesquisa Científica do Direito
François Gény (1861-1959) criticou a Escola da Exegese por se ater à exegeses dos textos legais. Para Gény, era preciso libertar a pesquisa da rigidez imposta pelo formalismo jurídico. Sua visão não era tão radical como a Escola do Direito Livre, uma vez que entendia a lei como um dos elementos essenciais do direito, e a lei não deveriam ser simplesmente posta de lado no momento de aplicação do direito.
Sempre se parte da lei; mas, uma vez tomada à lei e interpretada pelo jurista, se este verificar que existe uma defasagem com relação a uma nova realidade social, defasagem que não permite uma solução jurídica, o jurista deve identificar a existência de uma lacuna e procurar suprir essa lacuna por outros meios.
Para se chegar à solução do caso, deve-se proceder a uma investigação científica dos fatos sociais que constituem o caso analisado pelo juiz ou pelo jurista. Para Gény, cada fato social já traria em si mesmo uma razão que conduz à regra jurídica que deve regular esse fato – uma razão que revela a natureza desse fato. A ciência deve conhecer a realidade social (o que Gény chamava de “dado”) e, a partir da técnica própria dos juristas, chegar ao “construído”.
O próprio legislador, ao criar a lei, parte do “dado”, uma vez que o legislador não elabora as leis num vazio ou numa torre de marfim, mas sob a influência das forças e dos valores sociais, sendo que a lei irá, por sua vez, influenciar a sociedade, moldar os valores sociais. O “dado” é submetido, assim, a uma ordem de fins (ao “construído”).
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Interpretação Gramatical, Lógica e Sistemática
Possibilitar ao aluno o entendimento de que a interpretação gramatical, também chamada de literal, é o início e também o limite de toda interpretação, já a interpretação gramatical não é usada em algumas situações, que a interpretação lógica consiste no emprego do raciocínio lógico e que a interpretação sistemática, procura inserir o dispositivo legal a ser interpretado em um conjunto de outros dispositivos e dar um sentido coerente a todos eles. O aluno deve saber que, o direito configura um sistema de normas e uma das característicasatribuídas a esse sistema de norma é a coerência.
Interpretação Gramatical, Lógica e Sistemática.
A interpretação gramatical, também chamada de literal, é o início e também o limite de toda interpretação. É o início porque sempre que lemos um texto, começamos por atribuir o sentido que as palavras têm no seu uso quotidiano para compreender o texto. E é o limite porque não podemos atribuir o sentido que quisermos às palavras ou expressões do texto.
A interpretação gramatical não é usada em duas situações:
a) quando o próprio Legislador define os termos que utiliza.
b) quando são empregados termos técnicos, que devem ser compreendidos, evidentemente, no seu sentido técnico ? por exemplo, Sempre que o Legislador não define os termos empregados no texto da lei ou não emprega termos técnicos, devemos partir do pressuposto de que o termo foi empregado no seu sentido comum da linguagem quotidiana.
A interpretação lógica consiste no emprego do raciocínio lógico (a dedução, a indução, os princípios racionais) para se chegar ao sentido dos dispositivos legais.
Por exemplo:
Um determinado contrato estipula que uma das partes pode vender um determinado bem móvel, mas silencia sobre a possibilidade de a parte emprestar a outrem o bem. Será que ela pode fazê-lo? Partindo da ideia de quem pode o mais, pode o menos, chegamos à conclusão de que ela pode emprestá-lo, pois a vender algo representa uma conduta de maior amplitude do que emprestar, e se a pessoa está autorizada para fazer o que é mais amplo, está autorizada implicitamente a fazer o que está inserido naquela amplitude.
Muitas vezes, empregam-se raciocínios ou argumentos que não são propriamente lógicos, mas somente se aproximam dos raciocínios ou argumentos lógicos, de maneira a atrair para si a validade necessária dos argumentos lógicos.
Por exemplo:
É comum os advogados, surpreendidos por uma decisão contrária inesperada do juiz da causa, dizer ?juiz é juiz?. Esse enunciado assume a forma do princípio lógico da identidade (?algo é idêntico a si mesmo?; ?A = A?). Na verdade, o enunciado não significa que ?um juiz é idêntico a um juiz?, mas que ?o juiz é uma pessoa de quem se pode esperar qualquer coisa, como, por exemplo, essa decisão absurda e equivocada que acabou de ser tomada?.
A interpretação sistemática, por sua vez, procura inserir o dispositivo legal a ser interpretado em um conjunto de outros dispositivos e dar um sentido coerente a todos eles. Como se sabe, o direito configura um sistema de normas e uma das características atribuídas a esse sistema de norma é a coerência. O direito não pode tolerar as chamadas antinomias ou conflitos de normas, razão pela qual existem os critérios de solução de antinomias (norma superior revoga norma inferior, por exemplo).
Também a interpretação sistemática se refere a essa característica do sistema jurídico, que repousa em última análise numa ficção jurídica, a de que a vontade do legislador é una e coerente, que o legislador é racional.É importante perceber que o termo ?ficção?, empregado acima, não significa simplesmente ?mentira?, mas um princípio operador da ciência do direito ao lidar com as normas, no seu trabalho de descrição e reconstrução do direito.
Exemplo de interpretação sistemática:
O Código de Defesa do Consumidor determina em seu artigo 42 que, na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não seja exposto a ridículo, nem submetido a constrangimento ou ameaça. No caso abaixo, o consumidor alegou que a empresa o teria submetido a constrangimento e ameaça em razão das cobranças insistentes do débito e também pelo aviso de que seriam tomadas providências legais, por exemplo, o ajuizamento de ação, protesto de título, cadastramento negativo do consumidor.
Será que essas atitudes da empresa configurariam constrangimento e ameaça, proibidos pelo Código de Defesa do Consumidor?
Ora, ao interpretar o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor em conjunto com o artigo 188, I do Código Civil, que diz que os atos praticados no exercício regular de um direito reconhecido não constituem atos ilícitos, chegou-se à conclusão que aquelas atitudes da empresa não são ilícitas, não violam nenhum direito do consumidor.CONSUMIDOR. ALEGADO ABUSO NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE COBRANÇA. LIGAÇÕES telefônicas. CARTA DE COBRANÇA. DÉBITO SUPOSTAMENTE PAGO. PROCEDIMENTO DE COBRANÇA QUE NÃO EXPÕE AO RIDÍCULO OU CONSTRANGE OU AMEAÇA O DEVEDOR. ARTIGO 42 do CDC., ilícito não reconhecido.
Para se colorir a figura do constrangimento, exposição ao ridículo, ou mesmo da ameaça ao consumidor, a que alude o artigo 42 do CDC, não basta a cobrança insistente do débito ou o aviso de que serão tomadas providências legais - ajuizamento de ação, protesto de título, cadastramento negativo -, já que são medidas que denotam o exercício dos direitos previstos no ordenamento jurídico.
O ilícito só se colore se há ameaça da prática de ato em desconformidade com o direito. Ainda que diversas tenham sido as ligações efetuadas ao apelante, a fim de realizar a cobrança de débitos, tais ligações foram efetuadas porque, de fato, devedor era. Até aí, tratando-se de débitos em atraso, age o réu no exercício regular de seu direito de cobrança. Envio de carta sigilosa de cobrança à residência do devedor. Ausência de exposição ao ridículo, ou interferência no trabalho ou no lazer do consumidor. Resta patente a ausência de qualquer abuso, pelo réu, no exercício de seu direito de cobrança.
Dano moral não configurado. (Apelação Cível nº 70021918388, Comarca de Porto Alegre-RS) Normas que foram interpretados em conjunto de maneira a produzir um sentido coerente:
Constituição Federal:Art. 5º
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...].
Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990) dispões em seu art. 42 que:
"Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça".
Parágrafo único: O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Código Civil: Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva 2014.
______, Código Civil: Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. São Paulo: Saraiva 2014.
______, Código de Defesa do Consumidor Lei n° 8.078, de 11 de setembrode 1990. São Paulo: Saraiva 2009.
Interpretação Histórica, Sociológica e Evolutiva
Reconstruir o sentido original da lei mediante condições que levaram o legislador a criar a lei, revelando o contexto histórico que antecedeu a criação da lei.O aluno deve refletir no avanço da sociedade com referido estudo.
Interpretação Histórica, Sociológica e Evolutiva.
Para compreender esses métodos de interpretação, é preciso considerar que o direito, a partir do século XIX, passou a apresentar algumas características, como:
a) ser basicamente, um direito legislado (nos países que se filiam à família romano-germânica dos sistemas jurídicos, como o caso do Brasil);
b) o texto da lei deve ter certa permanência no tempo, não pode ser constantemente alterado, pois os cidadãos precisam conhecer o direito;
c) se a letra da lei permanece o mesmo durante certo tempo, as sociedades se modificam rapidamente, e tanto mais complexa uma sociedade, maior a velocidade dessa transformação.
Com isso, é comum acontecer que entre o momento de promulgação de uma lei e o momento de sua aplicação a um caso concreto decorra um período largo de tempo. Durante esse período, o texto da lei permaneceu o mesmo, mas a sociedade se modificou.Os métodos Histórico, Sociológico e Evolutivo fazem referência, portanto, a dois momentos, o momento anterior, que é o da criação da norma, e um momento posterior, o da sua aplicação.
A interpretação histórica tem o objetivo de reconstruir o sentido original da lei mediante um trabalho de reconstrução das condições que levaram o legislador a criá-la.
Qual era o direito anterior à criação da lei?
Por que esse direito se mostrou insuficiente a ponto de o legislador ter se proposto a modificá-lo mediante a criação da lei ora interpretada?
Como se deram as discussões parlamentares?
Quais as condições sociais que fizeram nascer os valores, os interesses tutelados pela lei?
No chamado método sociológico, os fatores sociais a serem levados em conta são aqueles fatores existentes no momento de aplicação da lei, fatores estes que podem influenciar a aplicação do direito.Os métodos histórico e sociológico acabam por interpenetrar-se, pois é preciso considerar tanto o momento em que a lei foi criada quanto o momento da sua aplicação.
 
Exemplo da Interpretação Histórica:
Quando o artigo 7º do Decreto 27.48/49 autoriza expressamente as empresas que exerçam as atividades constantes nos anexos a trabalharem em dias de repouso, é preciso verificar quais atividades comerciais estão descritas nos anexos.Ocorre que o texto legal foi escrito no ano de 1949 onde as atividades comerciais e empresariais eram diversas das existentes na atualidade, portanto, para se evitar injustiças é imprescindível utilizar uma interpretação histórico-evolutiva. No caso da ementa proposta o supermercado foi multado por estar trabalhando em dia de repouso, sendo certo que o termo “supermercado” não consta expressamente escrito nos anexos do decreto.
Com efeito, em 1949 não existiam as grandes redes de supermercado que existem hoje, todavia o decreto traz em seus anexos expressões como: varejistas de peixes, varejistas de carnes frescas e de caça, venda de pão e biscoitos, varejistas de frutas e verduras, feiras-livres e mercados, inclusive os transportes inerentes aos mesmos. É de se observar que um supermercado concentra todas as atividades ali descritas e, portanto, o julgador utilizou o método de interpretação histórico-evolutiva, para concluir que os supermercados também estão abarcados no decreto.
Ementa: ADMINISTRATIVO. FUNCIONAMENTO DE SUPERMERCADO EM DIAS DE REPOUSO. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA. IRRELEVÂNCIA DA VALIDADE DO ACORDO FIRMADO ENTRE A EMPRESA E SEUS EMPREGADOS. LEI 605 /49, ART. 10 . DECRETO 27.048 /49, ART. 7º. 1. Adotando a interpretação histórico-evolutiva, a Terceira e a Quarta Turma têm entendido que os supermercados se incluem dentre as empresas comerciais autorizadas a funcionar nos dias de repouso. 2. É irrelevante, para esse fim, a não intervenção do Sindicato dos empregados no acordo que estes firmaram com a empresa autuada. 3.
Apelo provido. LEI 605/1949 (LEI ORDINÁRIA) 05/01/1949. Art. 10. Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais.Parágrafo único. O Poder Executivo, em decreto especial ou no regulamento que expedir par fiel execução desta lei, definirá as mesmas exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas, ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes. DEC 27.048/1949 (DECRETO DO EXECUTIVO) 12/08/1949. Aprova o regulamento da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949, que dispõe sôbre o repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos.
Art1º Fica aprovado o Regulamento que a êste acompanha, assinado pelo Ministro de Estado dos Negócios do Trabalho, Indústria e Comércio, pelo qual reger-se-à a execução daLei nº 605, de 5 de janeiro de 1949. (...).
Art 6º Executados os casos em que a execução dos serviços for imposta pelas exigências técnicas das emprêsas, é vedado o trabalho nos dias de repouso a que se refere o art. 1º, garantida, entretanto, a remuneração respectiva.§ 1º Constituem exigências técnicas, para os efeitos dêste regulamento, aquelas que, em razão do interêsse público, ou pelas condições pecualiares às atividades da emprêsa ou ao local onde as mesmas se exercitarem, tornem indispensável a continuidade do trabalho, em todos ou alguns dos respectivos serviços. § 2º Nos serviços que exijam trabalho em domingo, com exceção dos elencos teatrais e congêneres, será estabelecida escala de revezamento, previamente organizada de quadro sujeito a fiscalização.§ 3º Nos serviços em que fôr permitido o trabalho nos feriados civis e religiosos, a remuneração dos empregados que trabalharem nesses dias será paga em dôbro, salvo a emprêsa determinar outro dia de folga.
Art 7º É concedida, em caráter permanente e de acôrdo com o disposto no § 1º do art. 6º, permissão para o trabalho nos dias de repouso a que se refere o art. 1º, nas atividades constantes da relação anexa ao presente regulamento.RELAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 7º(...). II – COMÉRCIO; 1) Varejistas de peixes; 2) Varejistas de carnes frescas e caças; 3) Venda de pão e biscoitos; 4) Varejistas de frutas e verduras; 5) Varejistas de aves e ovos; 6) Varejistas de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário); 7) Flores e coroas;(...). Exemplo de Método Sociológico:
RECURSO ORDINÁRIO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. A indenização por dano moral, à falta de norma específica que disponha sobre os critérios para sua fixação, é de difícil aferição aritmética, devendo o juiz ao fixar o valor a ser pago, levar em consideração diversos fatores, entre eles: A intensidade do ânimo em ofender, a gravidade da repercussão da ofensa no meio social e as condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor. No caso vertente, em face de tais fatores, é razoável que se mantenha a decisão de primeiro grau que fixou o valor da indenização dentro desses parâmetros. Recurso conhecido e provido. (TRT 16ª R. Proc. 00092-2003-011-16-00-5 (00000-2005). Rel. Juíza Márcia Andrea Farias da Silva. J. 14.12.2005)
Referências
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R.dos Tribunais, 2009.
BRASIL, LEI Nº 605, de 05 de janeiro de 1949. Lei Ordinária. D.O.U. de 14.01.1949. Repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos. Acesso em 14.05.2015.
______, Decreto Legislativo Nº 49, DE 1952 Aprova a Convenção n° 98, relativa à aplicação dos princípios do direito de organização e de negociação coletiva, adotada em 1949, em Genebra, na 3ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho.
Interpretação Teleológica e Axiológica
Compreender na interpretação teleológica, as normas jurídicas cumprem uma finalidade que justifica a sua existência. Deve o entender ainda, que, o estudo da teoria dos valores éticos o morais estão presente nos textos jurídicos e legislações e é através da interpretação axiológica que se verifica a liberdade de comunicação, a manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística e científica e o acesso e difusão da cultura e da educação.
Interpretação Teleológica e Axiológica
A interpretação teleológica parte do pressuposto de que as normas jurídicas cumprem uma finalidade que justifica a sua existência. Trata-se, portanto, de descobrir qual é a finalidade que o dispositivo legal a ser interpretado busca cumprir. Ao se identificar a finalidade da norma, encontra-se o seu sentido apropriado a ser aplicado ao caso concreto.Este método foi desenvolvido por Rudolf von Ihering (1818-1892), procurando liberar a ciência do direito do formalismo da Jurisprudência dos Conceitos. Para interpretar o direito, não se deve atentar apenas para as palavras dispostas no papel, mas também para os interesses vitais, para a realidade social concreta, o fim social da própria norma. 
Já a interpretação axiológica procura explicitar os valores que são concretizados pela norma. Estando esses valores presentes no caso concreto que enseja a interpretação, a esse caso concreto deve ser aplicada a norma.
Exemplo de interpretação Teleológica:
A Lei 9.099/95 criou a figura dos Juizados Especiais Criminais, órgãos do Poder Judiciário que julgam as contravenções penais e os crimes de menor potencial ofensivo, os crimes que têm pena máxima de até 2 anos (crimes como lesão corporal simples, omissão de socorro ou ameaça).
Essa lei permite que seja apresentada ao autor do fato uma proposta de suspensão do processo por um prazo de dois a quatro anos, desde que ele cumpra algumas condições. Se o autor do fato aceitar a proposta e cumprir as condições que lhe forem propostas, ao final do prazo o processo será extinto e ele não será condenado. A finalidade da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é trazer a juízo os atos de violência praticados no âmbito familiar. A proposta de suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei nº 9.099/95 vai contra a finalidade da Lei Maria da Penha, e, por essa razão, esse instituto jurídico é inaplicável a situações disciplinadas pela Lei Maria da Penha.
Por meio da interpretação teleológica da Lei 11.340/2006, foi afastada a aplicação da Lei 9.099/95, a Lei dos Juizados Especiais Criminais. APELAÇÃO CRIMINAL. Lesão corporal no contexto da violência doméstica contra a mulher.
1) Nulidade do processo a partir do recebimento da denúncia. Não oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Inadmissibilidade. Interpretação teleológica dos dispositivos encartados na Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, é tutelar com rigor a integridade psicofísica da mulher no contexto doméstico. A proposta de sursis processual deve compatibilizar-se com a desjurisdicionalização dos processos-crime, nas infrações de menor ofensividade social, o que não se verifica na violência doméstica. A proposta de suspensão condicional do processo é prerrogativa ministerial (...)
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0020660-03.2012.8.26.0161. COMARCA: Diadema.
“É inadmissível reconhecer nulidade absoluta, com a consequente desconstituição de todos os atos processuais a partir do recebimento da exordial acusatória, porque a proposta de suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei nº 9.099/95, é instituto jurídico incompatível com a mens legis da Lei nº 11.340/06, conhecida, ainda, como Lei Maria da Penha”. Vocacionada para superar preconceitos socialmente enraizados e coibir a cultura do machismo aviltante, a interpretação teleológica dos dispositivos encartados na Lei nº 11.340/06 permite deduzir que o objetivo maior daquele diploma legal é tutelar com rigor a integridade psicofísica da mulher no contexto doméstico, o que não seria possível, acaso se permitisse qualquer tipo de transação quanto à continuidade da persecutio criminis, flexibilizando-se a força repressiva do Estado em relação a tais delitos, como ocorre com as infrações de menor potencial ofensivo”. Lei 9.099/95 art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.
Lei 11.340/2006 art. 41.
Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Exemplo de interpretação Axiológica:
Os valores protegidos pelo artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal são a liberdade de comunicação e de manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística e científica, o acesso e difusão da cultura e da educação. Estes valores estão presentes no caso de álbuns ilustrados e cromos adesivos. Portanto, a consequência jurídica prevista no dispositivo constitucional, a imunidade tributária, alcança os álbuns ilustrados e cromos adesivos.“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE ÁLBUNS ILUSTRADOS E CROMOS ADESIVOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, "D" DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICABILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. PRECEDENTES.
1. A imunidade prevista no art. 150, VI, alínea "d", da Constituição Federal prestigia diversos valores, tais como a liberdade de comunicação e de manifestação do pensamento; a expressão da atividade intelectual, artística e científica; o acesso e difusão da cultura e da educação; dentre outros.
2. Conquanto a imunidade tributária constitua exceção à regra jurídica de tributação, não parece razoável atribuir-lhe interpretação exclusivamente léxica, em detrimento das demais regras de hermenêutica e do "espírito da lei" exprimido no comando constitucional.
3. É bem verdade que, segundo as regras de hermenêutica, o direito excepcional deve ser interpretado literalmente. Todavia, interpretar restritivamente o art. 150, VI, "d" da Constituição, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional.
4. Em alguns casos, a melhor opção é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade da norma de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando, assim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo constituinte.
5. Os livros, jornais e periódicos são veículos de difusão de informação, cultura e educação, independentemente do suporte que ostentem ou da matéria prima utilizada na sua confecção e, como tal, fazem jus à imunidade postulada.
6. In casu, verifica-se que os álbuns e "cards" importados pela autora difundem e complementam os livros de literatura "Magic The Gathering" e demais livros desse segmento, já que apresentam personagens e outros elementos retirados dessas histórias de ficção e aventura. Assim, é cabível atribuir elastério interpretativo ao disposto no art. 150, inc. VI, alínea "d" da Constituição Federal, de modo a estender a benesse nele contemplada as figurinhas para colecionar e aos respectivos álbuns que compõem a coleção trazidaaos autos.
7. Apelação e remessa oficial improvidas”.
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. 
htm>. Acesso em: 13.05.2015.
_______, Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Acesso em 14.05.2015.
______, BRASIL, Lei 9099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais e dá outras providências.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em 13.05.2015.
<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm> Acesso em 14.05.2015.
Interpretação especificadora
O Aluno deverá entender o sentido usual atribuído à letra da lei é suficiente, ele não precisa ser restringido para excluir casos que aparentemente seriam disciplinados pela lei, mas aos quais a aplicação da lei é inadmissível ou alargado para abarcar casos não previstos, mas aos quais a lei deve ser aplicada.
Interpretação Especificadora
Esse tipo de interpretação também é conhecido como Interpretação Declarativa.
De acordo com esse tipo de interpretação, o sentido usual atribuído à letra da lei é suficiente, isto é, ele não precisa ser restringido (para excluir casos que aparentemente seriam disciplinados pela lei, mas aos quais a aplicação da lei é inadmissível) ou alargado (para abarcar casos não previstos, mas aos quais a lei deve ser aplicada).
Nenhuma outra operação é exigida do intérprete, senão o de especificar ou declarar o que a lei enuncia por meio dos seus termos linguísticos. O legislador não escreveu nem mais nem menos do que realmente pretendia dizer.
Quando comparamos a interpretação especificadora com os outros dois tipos (interpretação restritiva e interpretação extensiva), percebe-se que na especificadora o intérprete dá-se por satisfeito ao simplesmente enunciar o pensamento expresso na norma. A letra da lei expressa, portanto, o espírito da lei.
 
· Analisemos a seguinte ementa:
 
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO DE NATUREZA GRAVÍSSIMA COMETIDA APÓS O PRAZO DE 1 (UM) ANO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR DE QUE TRATA O ART. 148, § 3º, DO CTB. INTERPRETAÇÃO DECLARATIVA DA LEI. FATO QUE NÃO OBSTA A EXPEDIÇÃO DEFINITIVA DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. ARQUIVAMENTO DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO APÓS O CUMPRIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA PREVISTA NA LEI. FATOS QUE CONFIGURAM MERO ABORRECIMENTO DO COTIDIANO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Entendimento de que o fim buscado pelo legislador foi preservar os objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito, em especial a segurança e educação para o trânsito, estabelecidos no inciso I do ar (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0035508-90.2013.8.16.0014/0 - Londrina - Rel.: Eveline Zanoni de Andrade - - J. 02.03.2015)(TJ-PR, Relator: Eveline Zanoni de Andrade, Data de Julgamento: 02/03/2015, 1ª Turma Recursal)
 
Legislação interpretada:
 Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.
        § 1º A formação de condutores deverá incluir, obrigatoriamente, curso de direção defensiva e de conceitos básicos de proteção ao meio ambiente relacionados com o trânsito.
        § 2º Ao candidato aprovado será conferida Permissão para Dirigir, com validade de um ano.
        § 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média.
        § 4º A não obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no parágrafo anterior, obriga o candidato a reiniciar todo o processo de habilitação.
         § 5º O Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN poderá dispensar os tripulantes de aeronaves que apresentarem o cartão de saúde expedido pelas Forças Armadas ou pelo Departamento de Aeronáutica Civil, respectivamente, da prestação do exame de aptidão física e mental.  
 
Conforme preceito estabelecido no artigo 148, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro, a Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor ao término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima.
A Autora possuía permissão para dirigir e completou o período de um ano no dia 15.01.2011 sem ter cometido nenhuma infração.
Ocorre que, no dia 05.03.2011, foi multada por ter ultrapassado o semáforo vermelho, cometendo infração gravíssima.
Em novembro de 2011, quando foi ao DETRAN/PR retirar a CNH definitiva, o órgão de trânsito negou a expedição do documento em virtude daquela multa.
Ao ingressar em juízo para obter a CNH definitiva, o magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido.Inconformada, a Autora interpôs Recurso Inominado para o TJPR.
O Colegiado julgou o recurso procedente com base em uma interpretação declarativa do texto legal, ou seja, se o texto legal determina o período de um ano sem cometer infração, não se pode negar a expedição do documento por fatos ocorridos após o período. Segue abaixo trecho do julgado.
“Apesar de a infração de trânsito, na conduta de ‘avançar sinal vermelho de semáforo’, poder ser objeto de censura, não é razoável impedir a recorrente de obter a habilitação definitiva, tendo em vista que a infração ocorreu 05/03/2011, portanto, após o transcurso de um ano da concessão da habilitação provisória. Nessas condições, deve ser dada também interpretação declarativa ao disposto no artigo 148, § 3°, do Código Trânsito Brasileiro, pois a norma é clara e precisa no fator temporal ‘A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média’”.
 
Referências
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito : técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo : Atlas, 2003.  
CRETELLA JR., José. Introdução ao estudo de direito. Rio de Janeiro : Forense, 1984.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo : Companhia das Letras, 1988. 
SOUZA, Daniel Coelho. Introdução à ciência do direito. São Paulo : Saraiva,  1980. 
Interpretação restritiva
O Aluno deverá compreender o sentido usual atribuído à letra da lei não é suficiente é preciso que ele seja restringido, a fim de excluir da sua aplicação os casos inadmissíveis.
Interpretação Restritiva
· É a interpretação que restringe o sentido literal da lei.
Como o sentido usual atribuído à letra da lei não é suficiente, épreciso que ele seja restringido, a fim de excluir da sua aplicação os casos inadmissíveis, isto é, casos que aparentemente seriam disciplinados pela lei, mas aos quais a aplicação da lei é inadmissível.
Se a esses casos não se deve aplicar a lei, o alcance do seu sentido deve sofrer restrição, redução. O legislador acabou por escrever mais do que pretendia dizer.Em outras palavras, a lei diz mais do que queria dizer.
Uma das recomendações da dogmática jurídica é a de que as normas jurídicas que restrinjam direitos e garantias sofram interpretação restritiva.
· Analisemos a ementa abaixo:
PRÊMIO INCENTIVO. INTEGRAÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. As normas que concedem benefícios, acrescendo um plus remuneratório extralegem, implementando o princípio constitucional da melhoria das condições de trabalho, devem receber interpretação restritiva, como preleciona a boa doutrina e a jurisprudência dominante.(TRT-2 - RECEXOFF: 00020442820125020442 SP 00020442820125020442 A28, Relator: MARGOTH GIACOMAZZI MARTINS, Data de Julgamento: 09/09/2014, 3ª TURMA, Data de Publicação: 16/09/2014)
· Legislação interpretada:
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Artigo 129 - Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por qüinqüênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no art. 115, XVI, desta Constituição.
LEI Nº 8.975, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1994
Artigo 4.º - O Prêmio de Incentivo não se incorporará aos vencimentos ou salários para nenhum efeito, e sobre ele não incidirão vantagens de qualquer natureza, bem como os descontos previdenciários e de assistência médica.
Parágrafo único - O valor do Prêmio de Incentivo não será computado no cálculo do décimo terceiro salário a que se refere a Lei Complementar nº 644, de 26 de dezembro de 1989.
Conforme preceito estabelecido no artigo 4º,parágrafo único, da Lei 8.975/1994, o Prêmio de Incentivo não se incorporará aos vencimentos ou salários para nenhum efeito, e sobre ele não incidirão vantagens de qualquer natureza, bem como os descontos previdenciários e de assistência médica, e, o valor do Prêmio de Incentivo não será computado no cálculo do décimo terceiro salário a que se refere a Lei Complementar nº 644, de 26 de dezembro de 1989.
Areclamação trabalhista foi ajuizada requerendo, entre outros pleitos, a incorporação da sexta-parte de seus vencimentos com arrimo no artigo 129 da Constituição Estadual do Estado de São Paulo.
Requereu-se, ainda, que, para fins de cálculo do valor da sexta-parte, fosse acrescido o valor percebido na forma de Prêmio de Incentivo e todos os demais vencimentos.
Finalmente, se requereu que o valor do Prêmio de Incentivo fosse computado para o cálculo do 13º salário e das férias.
A Reclamação foi julgada parcialmente procedente, Reclamante e Reclamada recorreram para Tribunal Regional do Trabalho. O Colegiado julgou ambos recursos parcialmente procedentes.
No que tange aos vencimentos utilizados para calcular o valor da sexta-parte devem ser computados todos os vencimentos, devido a expressão contida no artigo 129 da Constituição Estadual do Estado de São Paulo, qual seja, “sexta parte dos vencimentos integrais” logo, a remuneração deve ser sobre a totalidade de vencimento, e não apenas sobre o salário-base.
Quanto à incidência do Prêmio de Incentivo sobre o 13º salário e férias, o recurso foi julgado improcedente com fulcro na interpretação restritiva do artigo 4º, parágrafo único, Lei 8.975/94. Segue abaixo trecho do julgado.
“As normas que concedem benefícios, acrescendo um plus remuneratório extra legem, implementando o princípio constitucional da melhoria das condições de trabalho, devem receber interpretação restritiva, como preleciona a boa doutrina e a jurisprudência dominante.”
 
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. ed 5ª São Paulo : Saraiva, 2006. 
CRETELLA JR., José. Introdução ao estudo de direito. Rio de Janeiro : Forense, 1984. 
BRASIL, Consdtituição Estadual do Estado de São Paulo. São Paulo: Emprensa Oficial, 2013.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1981.
Interpretação extensiva
O Aluno deve entender que o sentido usual atribuído à letra da lei não é suficiente, é preciso que ele seja alargado, a fim de ser aplicado a casos que seriam, à primeira vista, contemplados pela lei.
  
Interpretação Extensiva
É a interpretação que amplia o sentido literal da lei.
Como o sentido usual atribuído à letra da lei não é suficiente, é preciso que ele seja alargado, a fim de ser aplicado a casos que seriam, à primeira vista, contemplados pela lei.
Se a esses casos se deve aplicar a lei, o alcance do seu sentido deve sofrer ampliação. O legislador acabou por escrever menos do que pretendia dizer.Em outras palavras, a lei diz menos do que queria dizer
Por meio da interpretação extensiva, chegamos à conclusão de que o alcance da lei é mais amplo do que indicado pelos seus termos.
 
· Analisemos a seguinte ementa:
 
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO E MULTA. APARELHO CONCENTRADOR DE OXIGÊNIO PORTÁTIL SEM SIMILAR NACIONAL. POSSIBILIDADE. ARTIGO 17 DO DL 37/66. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 2º, II, l, DA LEI. 8.032/90. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CARÁTER EXTRAFISCAL DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. DESONERAÇÃO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO E DA MULTA DECORRENTE. 1. Autora portadora de doença pulmonar gravíssima, incurável e degenerativa conhecida como LINFANGIOLEIOMIOMATOSE (LAM), com necessidade de uso contínuo de equipamento CONCENTRADOR DE OXIGÊNIO. 2. O aparelho disponível no mercado nacional é de tamanho e peso excessivos, que impedem a livre locomoção da autora, diminuindo, sobremaneira, sua qualidade de vida, com redução substancial da sua dignidade como pessoa humana. 3. É princípio constitucional garantir aos cidadãos o direito à dignidade, saúde e qualidade de vida. 4. A aquisição, por compra direta no exterior de aparelho CONCENTRADOR DE OXIGÊNIO PORTÁTIL, sem similar no mercado nacional, não enseja a cobrança de imposto de importação. 5. O Decreto Lei n. 37/66, em seu artigo 17, de forma genérica, isenta do imposto de importação o produto sem similar nacional. 6. A Lei n. 8.032/90, que concede isenção e reduções no imposto de importação para medicamentos de aidéticos deve ser interpretada extensivamente, em benefício de outras doenças degenerativas e incapacitantes. 7. Apelação provida para declarar extinta a exigibilidade do imposto de importação incidente sobre a internação do aparelho CONCENTRADOR DE OXIGÊNIO PORTÁTIL INOGEN ONE, mod. 10-100, e, também, da multa decorrente da sua não declaração, anulando os processos administrativos 10814.005302/2007-38 e 10814.013093/2007-04. 8. Inversão dos honorários advocatícios, fixados na sentença em R$ 1.000,00, agora em favor de cada um dos autores.(TRF-1 - AC: 200738000362793 MG 2007.38.00.036279-3, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEOMAR BARROS AMORIM DE SOUSA, Data de Julgamento: 14/02/2014, OITAVA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1703 de 28/02/2014)
 
Legislação interpretada:
Decreto-Lei 37/66
Art. 17 - A isenção do imposto de importação somente beneficia produto sem similar nacional, em condições de substituir o importado.
 
Lei nº 8.032/90
Art. 2º As isenções e reduções do Imposto de Importação ficam limitadas, exclusivamente: (...)
II - aos casos de: (...)
l) importação de medicamentos destinados ao tratamento de aidéticos, bem como de instrumental científico destinado à pesquisa da Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida, sem similar nacional, os quais ficarão isentos, também, dos tributos internos;
 
Nesse processo, há dois autores. O primeiro autor viajou para os Estados Unidos da América (Miami, Flórida) e trouxe um aparelho concentrador de oxigênio portátil a pedido do segundo autor que sofre de doença pulmonar degenerativa.
Quando o primeiro autor foi ingressar no Brasil com o aparelho, foi surpreendido por um fiscal da Receita Federal exigindo o pagamento do Imposto sobre Importação de Produtos Estrangeiros para liberação do mesmo, além de multa por não ter declarado o referido aparelho.
Ele impetrou mandado de segurança e obteve a liberação do produto independentemente do pagamento do imposto e da multa.Posteriormente, os autores foram autuados com dois processos administrativos requerendo o pagamento dos II e da multa.
Desta forma, ingressaram em juízo buscando a declaração de inexigibilidade do II e da multa, e por consequência, a declaração de nulidade dos processos administrativos.
O juiz de primeiro graujulgou improcedente. Sobreveio recurso de apelação com integral reforma da sentença, acolhendo os argumentos dos autores, quais sejam, inexistência de produto similar no Brasil e dignidade da pessoa humana.
O órgão Colegiado entendeu pela interpretação extensivado art. 2º, inciso II, alínea l, da Lei 8.032/90, que se refere à isenção dos tributos para medicamento destinados ao tratamento de AIDS.
 
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito,Introdução ao estudo do direito, tecnica e decisão. São Paulo : Sa  raiva, 2015. 
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo : Saraiva, 1984. 
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1981.
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. São Paulo : Sa  raiva, 1973
Analogia
Saber que a analogia é um dos meios de integração do direito, um dos meios de preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico.
  
Determina a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942):
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
()
Também o art. 126 do Código de Processo Civil se refere à analogia:
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
()
Diante de um caso concreto, percorre-se o ordenamento jurídico e se aplica a interpretação extensiva, mas nenhuma norma jurídica aplicável é encontrada. Se essa ausência de norma jurídica implicar falta de solução jurídica para o caso, então estamos diante de uma lacuna.
Esse ponto é importante. Lacuna não significa simplesmente ausência de norma: é preciso que haja falta de solução jurídica em razão da ausência de norma. Por exemplo, o Código Penal não disciplina a conduta de andar pela calçada cantarolando. Não existe lacuna, pois a não tipificação dessa conduta pela lei penal indica que a conduta é permitida - há, pois, solução jurídica, sabe-se que a conduta é permitida.
Constatada a lacuna, para se chegar à decisão é preciso encontrar outra norma que possa preencher o vazio e ser aplicada ao caso.
Na analogia, é preciso seguir os seguintes passos:
a. existência de um caso não previsto no ordenamento jurídico;
b. existência de um caso previsto no ordenamento jurídico;
c. pelo menos uma semelhança relevante (e diferenças irrelevantes) entre o caso previsto e o não previsto no ordenamento jurídico; e
d. aplicação ao caso não previsto da solução do caso previsto.
A analogia obedece a um princípio muito importante para a justiça, o de que casos semelhantes devem receber o mesmo tratamento, a mesma solução jurídica.
Por exemplo:
A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – determina que:
Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.
()
Na Súmula 346, por meio da analogia o Tribunal Superior do Trabalho equiparou os digitadores aos serviços de mecanografia:
Digitador. Intervalos Intrajornada. Aplicação analógica do artigo 72 da CLT. Os digitadores, por aplicação analógica do artigo 72 da CLT, equiparam-se aos trabalhadores nos serviços de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), razão pela qual tem direito a intervalos de descanso de 10 minutos a cada noventa de trabalho consecutivo (TST, RR 334.360, de 1996, j. 2.2.2000, 04.º Turma, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagem, DJ, 3.3.2000).
()
Vejamos como os requisitos da analogia foram satisfeitos:
a. existência de um caso não previsto no ordenamento jurídico: os digitadores, pois eles trabalham com dispositivos eletrônicos, como o computador, e não mecânicos, como exigido pelo art. 72 da CLT;
b. existência de um caso previsto no ordenamento jurídico: os mecanógrafos, art. 72 da CLT; e
c. pelo menos uma semelhança relevante entre o caso previsto e o não previsto: mecanógrafos e digitadores exercem trabalho contínuo e repetitivo, que pode acarretar lesões, como a LER, lesões por esforço repetitivo.
Diante disso, o TST determinou, por aplicação analógica do art. 72 da CLT, que os digitadores têm direito a intervalos de descanso de 10 minutos a cada noventa de trabalho consecutivo.
Será que os trabalhadores que consertam as máquinas de escrever, por aplicação analógica do art. 72 da CLT, também têm direito a intervalos de descanso de 10 minutos a cada noventa de trabalho consecutivo?
Não, porque o terceiro requisito não foi satisfeito. Existe uma semelhança entre os mecanógrafos (no caso, datilógrafos) e os trabalhadores que consertam as máquinas de escrever: todos trabalham com máquinas de escrever. Essa semelhança, contudo, não é relevante. Não foi pelo fato de trabalhar com máquinas de escrever que o legislador concedeu aquele descanso aos mecanógrafos; foi em razão de o trabalho ser contínuo e repetitivo, levando a lesões. E essa razão não está presente no caso dos trabalhadores que consertam as máquinas de escrever. Por isso, a analogia não deve ser aplicada.
Analisemos a seguinte ementa:
AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - REMIÇÃO DE PENA - REGIME ABERTO - REMIÇÃO POR TRABALHO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - RESSOCIALIZAÇÃO E DIGNIDADE DA HUMANA - ANALOGIA IN BONAN PARTEM - REMIÇÃO CONCEDIDA - RECURSO PROVIDO. Não havendo previsão legal, mas analogia in bonam partem, concede-se a remição de pena no regime aberto, não somente aquele que estuda, mas também aquele trabalha, como forma de incentivo, estimulando a ressocialização do detento e prevenindo a reiteração delitiva, em homenagem ao princípio da ressocialização e da dignidade humana. (TJ-MS, Relator: Des. Romero Osme Dias Lopes, Data de Julgamento: 02/09/2013, 2ª Câmara Criminal).
()
Legislação interpretada:
LEP - Lei de Execução Penal 7.210/84
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:
I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente; (...)
...
Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1o  A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:      
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
§ 2o  As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.   
§ 3o  Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem.      
§ 4o  O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.
§ 5o  O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação.     
§ 6o  O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional,parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo. 
§ 7o  O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.
§ 8o  A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa.       
Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942)
Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
O caput do artigo 126 da LEP permite a remição da pena pelo trabalho apenas aos condenados que estejam em regime fechado ou semiaberto. Quanto aos apenados em regime aberto, é aplicado o §6º do mesmo diploma que permite a remição de pena somente pelo estudo.
No caso acima, a egressa em regime aberto trabalhou com registro na CTPS pelo período de 62 dias e requereu a remição com base no trabalho de 20 dias do restante da pena.
Ocorre que o julgador de primeiro grau denegou o pedido fundamentando sua decisão na ausência de previsão legal no artigo 126 da LEP e por ser da natureza do regime aberto o apenado estar trabalhando conforme art. 114 da LEP.
Inconformada, a egressa interpôs Recurso de Agravo em Execução Penal. Desta forma, o Órgão Colegiado deu provimento ao recurso fundamentando sua decisão igualando o estudo ao trabalho, para fins de ressocialização, interpretando por analogia o disposto no art. 126, §6º, da LEP, além de observar os fins sociais da pena.
 
É importante dizer que:
a. no direito penal, a analogia em prejuízo do réu (in malam partem) não é permitida, pois viola o Princípio da Legalidade (Código Penal, art. 1º: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”). Admite-se a analogia apenas para favorecer o réu (in bonam partem).
b. no processo penal, contudo, a analogia é permitida. O Código de Processo Penal, em seu artigo 3º determina: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.”.
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2013.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
Costumes
O aluno deverá saber que o costume é um dos meios de integração do direito, um dos meios de preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico.
Costumes
O costume é um dos meios de integração do direito, ou seja, um dos meios de preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico.
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina:
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Também o art. 126 do Código de Processo Civil se refere aos costumes:
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
 
Se a lei é criada mediante declaração solene por um órgão competente, no costume as normas formam-se espontaneamente. São as pessoas que vivem em sociedade que acabam por criar as normas costumeiras e não o fazem de maneira deliberada, como no caso da criação da lei pelo legislador.
Por essa razão, a criação do costume é difusa, ninguém pode precisar a data em que um costume tenha se formada, tratando-se de um longoprocesso de transformação de um mero hábito em um costume jurídico.
No meio social, muitas condutas se repetem. Quando essa repetição for acompanha pela consciência da sua obrigatoriedade, estamos diante do costume, diante de uma norma jurídica consuetudinária (do latim “consuetudo”, que significa costume).
Nos finais de semana, por exemplo, temos o hábito de comer pizza. Mas essa conduta não configura um costume jurídico, uma vez que ninguém se sente obrigado a se comportar dessa maneira; e, se alguém deixar de comer pizza num final de semana, não será criticado como tendo descumprido alguma obrigação.
Já com relação à fila, as coisas são diferentes: temos o hábito de, chegando por último, tomar o último lugar na fila; e o fazemos porque nos sentimos obrigados. Caso “furemos” a fila, somos imediatamente criticados pelas outras pessoas que estão na fila e sabemos que nossa conduta foi errada.
 
No direito romano e no direito medieval, o costume desempenhava um papel muito importante, constituindo a principal fonte do direito.
Como as pessoas nascem e crescem no meio de uma comunidade, comunidade que tem os seus usos e costumes, as normas costumeiras aparentam ser normas “naturais”, normas que sempre foram observadas por nós porque ensinadas pelos nossos pais, por exemplo.
Essa normas eram muito consideradas pelo fato de serem criadas pela própria sociedade,que delas se serve para se regular. E, caso o costume viesse a se mostrarinadequado, a própria sociedade trataria de o eliminar.
Foi apenas com o Ilumismo, no século XVIII, que o costume passou a ser duramente criticado como uma maneirairracional de regular a sociedade. De fato, muitas normas costumeiras acabam se tornandoanacrônicas, enrijecendo certas práticas sociais e impedindo o dinamismo da sociedade. A prórpia tradição passou a ser vista com suspeita, acarretando um menosprezo pelo costume.
No século XIX, a lei se tornou a principal fonte do direito e o costume começou a ser aceito apenas nos casos em que não contrarie o que a própria lei dispõe – proibição do costume “cotra legem”.
Mesmo assim, o costume continua uma importante fonte do direito, especialmente para alguns ramos do direito, como o Direito do Trabalho. Muitos dos nossos direitos trabahistas nasceram como normas consuetudinárias, como o décimo-terceiro salário, nascido como gratificação paga pelos empregadores aos seus empregados nos dias que antecediam o Natal.
 
O costume pode ser:
“Contra legem”: costumes que são contrários à lei. Por exemplo: dirigir falando ao celular.
“Praeterlegem”: costumes paralelos ao que dispõem as leis. Por exemplo, o cheque pré-datado. O cheque é uma modalidade de pagamento a vista. No Brasil, contudo, há o ‘costume’ de utilizar cheques como modalidade de pagamento a prazo.
“Secundumlegem”: costumes conforme a lei. Por exemplo, determina o Código Civil:
Art. 569. O locatário é obrigado:(...)
II - a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar; (...)
 
Como vimos acima, não é aceito o costume contrário à lei – “contra legem”.
· Analisemos a seguinte ementa:
 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CHEQUE PREENCHIDO COM DATA ERRADA E RETIFICADO NO VERSO. LACUNA DA LEI. APLICAÇÃO DE COSTUMES. CARACTERIZADA A FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO PELA DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Na ausência de direito positivo aplicável à espécie, recorre-se ao chamado direito subsidiário, ou seja, utilizam-se os costumes, a jurisprudência, os princípios gerais do direito, a analogia e a equidade. Assim, ainda que não haja uma norma positiva que obrigue as instituições bancárias a receberem o cheque com data retificada, a reiterada aceitação de tal prática configura-se um costume que tem o condão de legitimar as expectativas da consumidora acerca da validade e regularidade do título. Além disso, a própria FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos - emite, anualmente, um comunicado no qual o hábito é reconhecido. A imposição de exigências em desconformidade com os usos e costumes constitui prática abusiva e representa falha na prestação de serviço, na forma do artigo 39, II do Código de Defesa do Consumidor. O recorrente, embora tenha alegado a regularidade de seus serviços, não comprovou qualquer das excludentes de responsabilidade legais. O dano moral encontra-se configurado pela devoluçãoindevida do cheque. Aplicação da Súmula 388 do Superior Tribunal de Justiça. Verba reparatória fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que não merece ser reduzida, por não ser exorbitante, mas sim irrisória, embora não possa ser majorada por força da vedação à reformatio in pejus. Recurso em confronto com súmula do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Art. 557, caput, do Código de Processo Civil. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.(TJ-RJ - APL: 00113760720128190212 RJ 0011376-07.2012.8.19.0212, Relator: DES. ALCIDES DA FONSECA NETO, Data de Julgamento: 16/01/2014, VIGÉSIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 23/01/2014 15:22)
 
Não existe norma de direito positiva aplicável ao caso concreto. Desta forma, com base no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,foi aplicado o costume para fundamentar sua decisão.
A Autora emitiu um cheque com rasura na data indicando a data correta no verso, o banco devolveu o cheque em virtude da rasura.
Ela ingressou em juízo pleiteando reparação em virtude da falha na prestação de serviço, ou seja, a não compensação do cheque acarretou prejuízo para Autora. O Banco, em sua defesa, alegou a inexistência de legislação que o obriga a compensar cheques rasurados.
A ação, contudo, foi julgada totalmente procedente sob o fundamento de que a inexistência de norma é suprida pelo costume do mercado em aceitar rasuras nas datas dos cheques, logo, a Autora tinha legitima expectativa da compensação.
Inconformado, o Banco apelou ao TJ-RJ que, em decisão monocrática do Relator Desembargador, Alcides da Fonseca Neto, negou seguimento ao recurso, confirmado a decisão de primeiro grausob os mesmos fundamentos.
 
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 2013.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
Princípios Gerais do Direito
Compreender que os Princípios Gerais do Direito são um dos meios de integração do direito, um dos meios de preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico.
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina:
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
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Também o art. 126 do Código de Processo Civil se refere aos princípios gerais do direito:
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
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O termo “princípio” possui vários sentidos.
Tradicionalmente, entende-se por princípio geral do direito aquela norma que, mesmo não sendo escrita, encontra-se presente em todo o sistema, informando-o. Como exemplo, lembre-se do princípio de que “ninguém pode se aproveitar da própria torpeza”. Um candidato a prefeito dá causa à anulação das eleições. Quando o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que nova eleição deveria ser disputada, surgiu a dúvida: aquele candidato que deu causa à anulação do pleito poderia se candidatar à nova eleição? Como a legislação eleitoral era omissa, o tribunal resolveu aplicar o referido princípio e proibi-lo de participar das novas eleições.
Os autores divergem quanto ao conceito de princípio, pois acabam elegendo diferentes critérios para a tarefa de conceitua-lo: critério da abstração (os princípios são normas de maior abstração), critério da relevância (os princípios são os mandamentos basilares de um sistema jurídico), critério hierárquico (os princípios são as normas de maior hierarquia no sistema jurídico) etc.
Os autores também divergem a respeito da relação entre os Princípios Gerais do Direito e outros princípios, como os expressos na Constituição Federal (o da soberania popular, o da liberdade etc.), no Código Civil (a boa-fé objetiva, por exemplo), ou em outras leis.
Para uns, seriam conceitos distintos, pois os princípios expressos na Constituição ou em outras leis são normas válidas e vigentes, aplicáveis a todo e qualquer caso que lhe digam respeito; já os Princípios Gerais do Direito somente são aplicáveis em caso de lacuna, de maneira supletiva ao direito válido.
Para outros autores, contudo, trata-se do mesmo conceito, apenas a nomenclatura é que se modifica.
Como o chamado Pós-Positivismo, os princípios foram reconhecidos como verdadeiras normas jurídicas – a norma jurídica passa a ser entendida como um gênero com duas espécies, as regras e os princípios.
Uma série de distinções entre as regras e os princípios foram estabelecidos, especialmente quanto à maneira como ambos são aplicados e quanto à possibilidade de conflito (seja entre regra e princípio, seja entre dois ou mais princípios).
As obras de Robert Alexy e de Ronald Dworkin dedicam-se largamente a esses temas.
No que diz respeito ao sentido tradicional de Princípios Gerais do Direito, analisemos a seguinte ementa:
MEDIAÇÃO - COMISSÃO DE CORRETAGEM - COBRANÇA - DISTRATO POSTERIOR - NEGÓCIO INVIABILIZADO POR CULPA DO CORRETOR - NÃO INFORMAÇÃO SOBRE A EXISTÊNCIA DE ENCHENTES NO LOCAL - FATO RELEVANTE QUE INFLUENCIOU DIRETAMENTE NA RESCISÃO CONTRATUAL - SENTENÇA REFORMADA - O artigo 482 do Código Civil, repetindo o artigo 1126 do anterior, estabelece que a compra e venda considera-se obrigatória e perfeita, desde que as partes acordem no objeto e no preço. Já o artigo 725, sem correspondente no Código anterior, porém consagrando o que já era entendimento pacificado, estabelece que a remuneração é devida ao corretor desde que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ainda que o negócio não se efetive em virtude de arrependimento das partes. No entanto, se as provas produzidas indicam que o negócio somente não se concretizou pela falta de informação sobre enchentes existentes no local pelo corretor, fato este considerado relevante e que influenciou diretamente no distrato do negócio, evidenciando a culpa do corretor, a comissão de corretagem é indevida, pois é princípio secular que "ninguém pode se aproveitar da própria torpeza". - Recurso provido, v.u. - . (TJ-SP - CR: 768382002 SP , Relator: Manoel Justino Bezerra Filho, Data de Julgamento: 11/08/2008, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/08/2008)
Legislação citada:
Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.
Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
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Na ementa proposta, o Autor ingressou em juízo requerendo o pagamento da comissão de corretagem em virtude de ter aproximado comprador e vendedor de imóvel.
O negócio não se efetivou por arrependimento posterior das partes; o que não afasta o pagamento da comissão de corretagem, conforme art. 725 Código Civil, especialmente porque aquelas estavam ajustadas quanto ao objeto e ao preço, incidindo o art. 482 do mesmo Código Civil.
Em sede de defesa, as Rés alegaram que o negócio jurídico não se concretizou por omissão do corretor em informar que o imóvel objeto da compra e venda sofria alagamento com as enchentes naquele local.
O Órgão Colegiado reformou inteiramente a sentença de primeiro grau, acolhendo o argumento das Rés de que houve omissão por parte do corretor ao não informar a possibilidade de enchente e alagamento do imóvel.
Para decidir que a comissão de corretagem não era devida, o acórdão se utilizou do princípio geral do direito de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, isto é, o corretor não poderia se beneficiar da própria conduta faltosa para receber a comissão.
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. SãoPaulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
Equidade
Saber as características da norma jurídica e que a generalidade da lei, em algumas situações específicas a sua aplicação é contrária à realização da justiça.
Equidade
Os romanos já diziam summum jus, summa injuria, isto é, a aplicação cega da lei leva a uma situação de injustiça.
Esse tema já havia sido notado pelo filósofo grego Aristóteles como sendo a justiça do caso particular. Como se sabe, o legislador não cria as normas para uma situação específica – raramente o faz. Mesmo normas com maior grau de especificidade (pensemos na norma constitucional que outorga competência para o Presidente da República editar medidas provisórias) são normas gerais, pois são aplicadas a todos os presidentes da república eleitos e que venham a se eleger, a todos aqueles que já ocuparam ou vierem a ocupar interinamente o cargo de Presidente da República, além do que estipula dois requisitos (relevância e urgência) que devem ser atendidos por toda e qualquer medida provisória já editada e que venha a ser editada.
Dada a generalidade das normas, é possível que em certas circunstâncias a sua aplicação rigorosa ao caso julgado traia o espírito da própria norma. Em circunstâncias como essas, é preciso corrigir ou, ao menos, ajustar o disposto da norma para que a sua aplicação não seja desastrosa.
 
· O direito brasileiro faz referência à equidade. O Código de Processo Civil determina que:
Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei.
 
Já o Código Civil prevê:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
 
Já aLei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) não faz referência expressa à equidade, mas a idéia de equidade encontra-se implícita no seguinte dispositivo:
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum
 
 
Analisemos a seguinte ementa:
 
“HABEAS CORPUS” - CONCESSÃO DE “WRIT” CONSTITUCIONAL IMPETRADO, PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM FAVOR DE CO-RÉU - INDEFERIMENTO DO PLEITO DE EXTENSÃO FORMULADO PELO PACIENTE NAQUELA ALTA CORTE JUDICIÁRIA - APLICABILIDADE DO ART. 580 DO CPP - RAZÃO DE SER DESSA NORMA LEGAL: NECESSIDADE DE TORNAR EFETIVA A GARANTIA DE EQÜIDADE - DOUTRINA - PRECEDENTES - AUSÊNCIA, NO CASO, DE CIRCUNSTÂNCIAS DE ORDEM PESSOAL SUBJACENTES AO DEFERIMENTO DO “WRIT” CONSTITUCIONAL EM FAVOR DO CO-RÉU - PLENA IDENTIDADE DE SITUAÇÃO ENTRE O PACIENTE E AQUELE EM CUJO FAVOR FOI CONCEDIDA A ORDEM DE “HABEAS CORPUS” - CONDENADO QUE SE ENCONTRA NAS MESMAS CONDIÇÕES DO CO-RÉU QUE TEVE CONCEDIDOS DIVERSOS BENEFÍCIOS (APLICAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL, FIXAÇÃO DE REGIME PRISIONAL MENOS GRAVOSO E POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO) - INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO - PEDIDO DEFERIDO. (STF - HC: 110835 SP , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 24/04/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-022 DIVULG 31-01-2013 PUBLIC 01-02-2013)
 
Legislação analisada.
 
Código de Processo Penal
Art.  580.  No caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.
 
Código Penal
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 
 
Associação Criminosa
Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:   
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.  
Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
 
Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
 
 
Ocorreu associação criminosa. Um dos condenados obteve, em sede de Habeas Corpus, a diminuição da pena e fixação da pena em regime inicial aberto.
O outro condenado, que se encontrava em situação semelhante, requereu para si a extensão dos efeitos e todas as benesses concedidas àquele primeiro condenado, com base no art. 580 do CPP.
O Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem com base na equidade.
Se a sanção ao segundo condenado fosse mantida pelo Supremo Tribunal Federal, estaríamos diante de uma situação de extrema injustiça, razão pela qual foi preciso ajustar o disposto das normas ao caso, dando a mesma pena a condenados que se encontravam em semelhante situação.
 
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
CAMARGO, Maria Margarida Lacombe de. Hermenêutica e Argumentação. ed. Atlas: São Paulo, 2013.
Crítica ao caráter ideológico da Escola da Exegese
Compreender que a Escola da Exegese é uma escola do Positivismo Jurídico do século XIX, que se desenvolveu a partir de um evento muito importante para a história do direito: a promulgação do Código Civil francês, em 1804, o chamado Código de Napoleão.
  
Crítica ao caráter ideológico da Escola da Exegese
 
A Escola da Exegese é uma escola do Positivismo Jurídico do século XIX, que se desenvolveu a partir de um evento muito importante para a história do direito: a promulgação do Código Civil francês, em 1804, o chamado Código de Napoleão.
As principais teses defendidas por essa escola são as seguintes:
· - o direito reduz-se à Lei, isto é, ao direito criado pelo Legislador;
· - o processo de criação do direito mediante as leis conferem ao direito uma série de vantagens: clareza na redação, eliminação da redundância de normas (há apenas uma norma disciplinando um mesmo caso, o que elimina a antiga confusão de várias normas disciplinando a mesma matéria), sistemacidade do direito (as normas se organizam de maneira a possibilitar a solução de casos não previstos, por exemplo), segurança e certeza jurídica (as leis aplicáveis são de conhecimento de todos, eliminando-se por completo as normas que não sejam fruto do trabalho de legislação, como aquelas do direito natural);
· - o direito já se encontra acabado na lei, cabendo ao juiz apenas declarar o direito expresso na lei;
· - como a redação da lei tende a ser clara, o juiz não necessita interpretar a lei; havendo obscuridade, ao juiz basta aplicar os métodos de interpretação para alcançar o sentido verdadeiro da lei – a lei, portanto, carrega um sentido verdadeiro que, ou está expresso na literalidade dos seus termos, ou está acessível mediante o emprego dos métodos de interpretação;
· - a aplicação do direito é um processo lógico-racional, mediante o qual o juiz subsume o caso concreto na lei, encontrando a solução jurídica correta: sua decisão é, portanto, completamente vinculada pela lei.
Muitas dessas teses também podem ser encontradas em outras escolas positivistas do século XIX, como na escola Histórica do Direito e na Jurisprudência dos Conceitos, duas escolas alemãs. Mesmo que a Alemanha não tenha conhecido seu Código Civil durante o século XIX, as perspectivas teóricas eram próximas, entendendo o direito como um sistema de normas e de institutos jurídicos.
Para a Escola da Exegese, a interpretação e a aplicação do direito eram atividades de conhecimento do direito, controladas racionalmente, envolvendo a explicitação do direito contido na lei e a sua posterioraplicação aos casos concretos. Nessa atividade racional, os juízes deveriam se limitar a aplicar o direito criado pelo legislador sem recorrer a nenhum juízo de valor. Eles deveriam julgar sem qualquer preocupação com a justiça do conteúdo das normas que aplicavam. Deveria ser como cientistas que estudam seus objetos, um físico que descreve um raio que desce dos céus sem considerar os aspectos estéticos (é um fenômeno belo?) ou religiosos (é a manifestação da ira de algum deus?), apenas descrevendo o fenômeno a partir dos conceitos da Física (cargas elétricas, corrente,elétrons etc.).
A interpretação e a aplicação do direito deveriam ser técnicos, científicos – ainda hoje, muitas pessoas reclamam de certas decisões judiciais que seriam “políticas”, quando deveriam ser “decisões técnicas”.
 
Hnas Kelsen critica de maneira muito dura essas teses. Apesar de também ser positivista, ele censura muitas escolas positivistas por não perceberem que:
· - o direito é expresso por meio da linguagem (de palavras), e as palavras possuem mais do que um sentido, o que impede a existência daquela clareza quanto à redação das normas – em boa parte das normas, sempre é possível encontrar mais de um sentido para os seus termos lingüísticos;
· - ao se passar de um escalão superior a um inferior (por exemplo, da lei para a sentença judicial), é impossível encontrar uma completa vinculação, como queria a Escola da Exegese, pois uma margem de livre apreciação é deixada para o aplicador da norma;
· - a aplicação do direito não se resume a um ato de conhecimento, racionalmente controlado; além dele, o aplicador (o juiz, por exemplo) realiza um ato de vontade, ou seja, ele escolhe um dos sentidos possíveis da norma geral a ser aplicada. Esse ato de vontade não é racionalmente controlado;
· - ao aplicar a norma geral (uma lei, por exemplo), produz-se uma norma individual (uma sentença judicial, por exemplo), o que significa dizer que a aplicação do direito significa criação do direito;
 
Para Kelsen, é uma ilusão se acreditar que apenas uma solução jurídica existe para um determinado caso.
Ao defender a tese de que existe apenas uma interpretação correta da lei e apenas uma decisão judicial possível para um caso, aquelas escolas positivistas do século XIX mascaravam a verdadeira natureza do direito, e faziam isso para defender a idéia de que o direito é capaz de oferecer certeza e segurança jurídica, de maneira a permitir que as pessoas se orientem racionalmente a partir do que dispõem as normas jurídicas.
Essa é uma postura ideológica dessas escolas, pois procura encobrir a maneira como o direito é interpretado e aplicado, estando a serviço dos valores da certeza e da segurança jurídica, valores importantes para o Estado Liberal, uma vez que serve para a previsibilidade das condutas, sem o que não se organiza adequadamente a sociedade e o mercado capitalistas.
Ora, para Kelsen, o direito não é fruto da razão, mas da autoridade – do ato de vontade da autoridade. Ainda que os juízes justifiquem suas decisões recorrendo a expressões como “vontade real do legislador”, “verdadeiro sentido da norma”, ainda que eles digam que chegam à sua decisão a partir de métodos científicos de interpretação ou de procedimento lógicos, a sua decisão é, em última análise, um ato de poder.
 
Referências
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe de. Hermeneutica e argumentação. Atlas 2013: São Paulo 2013.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
 A moldura da norma
Entender que para Hans Kelsen, o direito é um conjunto de normas que se dispõem em escalões no Ordenamento Jurídico.
 
Para Hans Kelsen, o direito é um conjunto de normas que se dispõem em escalões no Ordenamento Jurídico.
Desde o escalão de maior nível hierárquico – onde se encontram as normas constitucionais – até o escalão mais inferior – onde se encontram, por exemplo, as sentenças judiciais, que são normas jurídicas individuais –, as normas encontram-se relacionadas entre si por meio do Princípio da Hierarquia das Normas (a norma superior outorga competência a um órgão que cria a norma inferior). As normas fundamentam sua validade nas normas superiores.
Quando se passa de um escalão superior a um inferior (como de uma lei a uma sentença), o direito sempre apresenta uma indeterminação.
Essa indeterminação pode ser:
· - intencional: origina-se da vontade do criador da norma de escalão superior – por exemplo, o legislador determinou que a pena para o crime de homicídio simples é de seis a vinte anos. Cabe ao juiz, aplicador da norma e criador da sentença (norma jurídica individual), determinar a quantidade da pena, dentro do intervalo de seis a vinte anos;
· - não intencional: como as normas são expressas linguisticamente, isto é, por meio de palavras, há uma indeterminação quanto ao seu sentido, pois as palavras possuem mais do que um sentido, e o sentido das palavras depende do contexto em que são usadas.
 
Dada uma norma geral (que se encontra, por exemplo, numa lei), ela não possui um único sentido. Em outras palavras, diferentes pessoas que a interpretam podem chegar a resultados diferentes.
O juiz que vai aplicar essa norma geral encontra-se diante de várias normas jurídicas individuais em potencial. Ele terá que, mediante um ato de vontade, escolher uma dessas normas jurídicas individuais em potencial para formar a sua decisão, isto é, ele irá transformá-la na sentença que decidiu o caso julgado (na norma jurídica individual que, uma vez transitada em julgado, ingressou definitivamente no Ordenamento Jurídico).
 
Por exemplo: dois juízes julgam casos semelhantes, a saber, se o “e-book” goza ou não de imunidade tributária.
Determina a Constituição Federal em seu artigo 150, VI, d:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI - instituir impostos sobre: (...)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
 
Juiz J1: Os livros são objetos de papel, encadernados por uma lombada, com capa. Se o sentido do termo lingüístico “livro” é esse, o chamado “e-book” não é livro, pois não é feito de papel. Portanto, o “e-book” não goza de imunidade tributária e as empresas que o fabricam ou o comercializam estão obrigadas a pagar os impostos decorrentes dessas atividades.
Juiz J2: O sentido do termo lingüístico “livro” não pode ser dado a partir do seu suporte material. Afinal de contas, o conteúdo do que chamamos de “livro” já foi encontrado em outros materiais além do papel: em papiro, em couro, em pedra ...E, agora, esse conteúdo está armazenado eletronicamente nos “e-books”. “E-book”, portanto, é livro, é livro eletrônico, o que significa dizer que gozam de imunidade tributária e que as empresas que o fabricam ou o comercializam não estão obrigadas a pagar os impostos decorrentes dessas atividades.
 
É possível, ainda, que um terceiro juiz encontre um terceiro sentido para o termo “livro”, alargando os limites da moldura. Nem mesmo os limites da moldura são fixos!
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
Ato de conhecimento e de vontade
Definir o conhecimento como a atividade mediante a qual tomamos consciência dos dados da experiência e procuramos compreendê-los ou explicá-los.
Ato de conhecimento e de vontade
 Podemos definir o conhecimento como a atividade mediante a qual tomamos consciência dos dadosda experiência e procuramos compreendê-los ou explicá-los.
Por meio de um ato de conhecimento podemos explicar tanto o movimento da Terra ao redor do Sol quanto o conteúdo do que dispõem as normas jurídicas válidas do nosso Ordenamento Jurídico.
A Teoria Pura do Direito de Kelsen representa uma tentativa de, por um lado, identificar uma norma como jurídica e, por outro, de organizar o sistema do direito.
Essas duas questões encontram-se relacionadas: num dos sentidos a que atribui ao conceito de validade, a norma N é jurídica porque pertence ao sistema jurídico – isto é, N fundamenta sua validade em outra norma jurídica, chamada de norma superior (a norma superior outorga competência a uma autoridade ou órgão competente para criar N). É o Princípio da Hierarquia das Normas, que dispõe as normas hierarquicamente, em escalões, e que permite identificar as normas jurídicas, a partirda Norma Fundamental.
Identificadas as normas jurídicas por esse aspecto formal de produção do direito, é possível ainda conhecer o seu material, ou seja, o conteúdo das suas disposições. As normas são expressas lingüisticamente; no caso do Brasil, são expressas na Língua Portuguesa – mesmo as chamadas normas consuetudinárias (costume) necessitam ser expressas lingüisticamente.
Como o sentido das palavras não é unívoco ou como duas normas implicando distintas conseqüências jurídicas podem ser ambas aplicáveis ao caso, ocorre o que Kelsen chama indeterminação não intencional do ato de aplicação do direito.
Portanto, o ato de conhecimento que utilizamos para explicar e descrever o direito (as normas jurídicas) apresenta como resultado a moldura: dado que as palavras possuem mais do que um sentido e o sentido delas depende do contexto em que são usadas, as pessoas que interpretam uma norma podem chegar a resultados diferentes.
E, como não existe um único sentido possível para as palavras da lei, como não existe uma única solução possível para os casos submetidos aos juízes, não podemos exigir que, mediante o ato de conhecimento, seja encontrado “sentido verdadeiro” da norma ou a “decisão correta” para o caso. Esse é o erro cometido pelas escolas positivistas do século XIX, como a Escola da Exegese e a Jurisprudência dos Conceitos.
Existe um limite para o conhecimento do direito – o que significa um limite para a própria Ciência do Direito. No caso da interpretação e da aplicação do direito, esse limite é a descrição da moldura, descrição das várias normas individuais em potencial dentro da moldura.
Se a função da Ciência do Direito é descrever o direito, a função do Aplicador do Direito é a de criar o direito, isto é, produzir a solução jurídica do caso concreto. O Aplicador do Direito (o juiz, os Tribunais, a Administração Pública) não se detém na pluralidade de sentidos possíveis da norma ou na pluralidade de soluções possíveis para o caso concreto, uma vez que ele precisa chegar à decisão: qual desses sentidos ou soluções possíveis será concretizado na norma individual por ele produzida?
O juiz, por exemplo, deve escolher uma dessas normas jurídicas individuais em potencial para formar a sua decisão, isto é, ele irá transformá-la na sentença que decidiu o caso julgado (na norma jurídica individual que, uma vez transitada em julgado, ingressou definitivamente no Ordenamento Jurídico).
Essa escolha, contudo, não se configura como ato de conhecimento (pelas razões expostas acima), mas como ato de vontade. Ao julgar, o juiz conjuga um ato de conhecimento com um ato de vontade.
Podemos definir vontade como um princípio da atividade: um ato é voluntário quando tem o seu princípio em uma decisão interior do agente. A vontade designa o movimento que nos leva a uma ação. No caso aqui discutido, a ação de escolher uma daquelas normas jurídicas individuais em potencial da moldura para formar a sua decisão.
Kelsen diferencia o ato de vontade do ato de conhecimento dizendo que o ato de vontade não é racionalmente controlável. Para entender isso, suponha dois juízes, J1 e J2 que julgam dois casos semelhantes, um ocorrido no Paraná o outro ocorrido em Alagoas. Eles entendem que é aplicável ao caso a norma N. A norma N apresenta indeterminação, de tal maneira que existem três sentidos possíveis a respeito do que dispõe N (moldura de N se compõe dos sentidos Ni, Nii e Niii).
J1 adota o sentido Nii e cria sua sentença S1; J2 adota o sentido Niii e cria a sua sentença S2 – S1, por exemplo, condena o réu ao pagamento de indenização ter agido com culpa; enquanto que S2 não condena o réu por entender que não agiu com culpa.
Para J1, a melhor interpretação de N é Nii. Para J2, a melhor interpretação de N é Niii. Para outro juiz, pode ser Ni. Cada um deles escolheu um dos sentidos possíveis, pois acreditava que aquele era o sentido que deveria ser empregado para se chegar à decisão. Nenhum deles pode racionalmente demonstrar para os demais que a sua escolha é a correta: Nii foi a escolha de J1, essa escolha vale para ele, mas não vale para os outros juízes que escolheram Ni e Niii. O mesmo se pode dizer da escolha de J2 e assim por diante.
Ora, o que é racionalmente controlável vale para todas as pessoas racionais. Por exemplo, “3 x 7 = 21” vale para qualquer pessoa e, se alguém discordar que o resultado é 21, ou ele não aprendeu aritmética ou ele não é uma pessoa racional (pode ser um louco).
Para Kelsen, a criação do direito é sempre um ato de poder. Ainda que se conjugue com um ato de conhecimento, a Aplicação do Direito é essencialmente um ato de vontade da autoridade ou órgão competente.
 
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
Interpretação autêntica e não-autêntica
Saber que para Kelsen a interpretação é uma operação mental que se realiza durante o processo de aplicação do direito ao se passar de um escalão superior para um escalão inferior do ordenamento jurídico.
  
Interpretação autêntica e não-autêntica
 Para Hans Kelsen, a interpretação é uma operação mental que se realiza durante o processo de aplicação do direito ao se passar de um escalão superior para um escalão inferior do ordenamento jurídico.
Para ele, há duas espécies de interpretação:
a) Interpretação Autêntica: é a interpretação do direito realizada pelo órgão competente para a Aplicação do Direito (a Administração Pública, os juízes); e
b) Interpretação Não-Autêntica: a interpretação não realizada por um órgão jurídico, mas pelas pessoas em geral epela Ciência do Direito.
 
É preciso não confundir essas espécies de interpretação com os chamados métodos de interpretação (o literal ou gramatical, o sistemático, o teleológico etc.) Não se trata de um procedimento mediante o qual se chega a um sentido do dispositivo legal, não se trata de método. Trata-se, sim, de uma espécie de interpretação, a partir de uma classificação que usou como critério quem realiza essa interpretação.
A Interpretação Autêntica cria o direito. Ela é realizada pelos juízes, pelo Legislador, pela Administração Pública.
1º. Pelos juízes e tribunais: ao contrário das escolas positivistas do século XIX, como a Escola da Exegese, o juiz, ao aplicar o direito, não se limita a declarar o direito presente na lei (na norma geral), mas ele cria o direito, ele passa de um escalão superior (lei) para um inferior (sentença). As sentenças constituem normas jurídicas individuais.
2º Pelo legislador: ao editar leis ordinárias, o Poder Legislativo interpreta a Constituição. Por exemplo, ao discutir e aprovar um Projeto de Lei que determine a imunidade tributária de uma entidade beneficente, os deputados federais e senadores interpretam a Constituição:
a) tanto para decidir que são competentes para legislar em matéria tributária:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentementesobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)”
 
b) quanto para decidir conceder imunidade tributária a uma determinada entidade beneficente:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)
§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”
3º Pela Administração Pública: o Poder Executivo, por sua vez, interpreta uma Lei Ordinária, por exemplo, ao baixar Decreto que a regulamenta.
Por exemplo, em 1996, a Câmara Municipal de São Paulo decretou a Lei nº 12.117, que dispõe sobre o rebaixamento de guias e sarjetas para possibilitar a travessia de pedestres portadores de deficiência.
O Poder Executivo, ou seja, o Prefeito do Município de São Paulo regulamentou essa Lei, por meio do Decreto nº 37.031, de 27 agosto de 1997, determinando:
Art. 1º - O rebaixamento de guias e sarjetas de que trata o artigo 1º da Lei nº 12.117, de 28 de junho de 1996, será realizado em todas as esquinas e faixas de pedestres do Município de São Paulo, com a finalidade de possibilitar a travessia de pedestres portadores de deficiência.
Art. 2º - cabe à Secretaria da Habitação e desenvolvimento Urbano - SEHAB, através da Comissão Permanente de Acessibilidade - CPA, a elaboração de um Programa de Adequação de Vias Públicas, cuja finalidade será, no âmbito das atribuições da referida Comissão, coordenar e desenvolver plano de implantação de rebaixamento de guias e sarjetas, bem assim estabelecer padrões para a melhoria e adequação das condições de trânsito, acessibilidade e segurança nos logradouros públicos, tendo como prioritário o acesso a:
I - Terminais rodoviários e ferroviários;
II - Serviços de assistência à saúde;
III - Serviços educacionais;
IV - Praças e centros culturais;
V - Centros esportivos;
VI - Conjuntos habitacionais;
VII - Principais vias.
(...)
 
Já a Interpretação Não-Autêntica não cria o direito, limitando-se a atribuir sentido à norma geral, ou sentidos, já que a norma geral configura uma moldura dentro da qual existem várias normas individuais em potencial.
Essa espécie de interpretação é realizada apenas como ato de conhecimento. E, como é possível encontrar mais de um sentido para as normas gerais, o resultado da Interpretação Autêntica é a moldura.
Ao contrário do que supunha as escolas positivistas do século XIX, como a Escola da Exegese e a Jurisprudência dos Conceitos, a Ciência do Direito, mediante a Interpretação Não-Autêntica, é incapaz de encontrar o “sentido verdadeiro” da norma ou a “decisão correta” para o caso.
Na doutrina, é comum encontrar afirmações como: “não há dúvida de que o verdadeiro sentido da norma é ______” ou “a real vontade do legislador é _______, não sendo possível interpretar o referido dispositivo legal de outra maneira”.
Não se pode proibir o doutrinador de, no seu Curso de Direito Civil Brasileiro, por exemplo, expressar as suas preferências.
Kelsen alerta, no entanto, que o doutrinado não deve se esconder atrás da Ciência do Direito para fazer afirmações que não são científicas, mas, sim, políticas.
O limite da Ciência do Direito é a descrição da moldura, os vários sentidos possíveis de uma norma geral. Não há um único sentido possível, não há uma única solução jurídica possível para o caso, como a própria Ciência do Direito nos mostra.
Quando os doutrinadores sustentam opiniões como essas, estão procurando influir na decisão dos Aplicadores do Direito e já não estão no campo da ciência, mas da Política do Direito.
  
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
CANARGO, Maria Margarida Lacombe de. Hermenêutica e argumentação. Atlas 2013, São Paulo: 2013.
Função da Ciência do Direito
Estabelecer as bases de uma verdadeira Ciência do Direito, uma ciência que estude o direito a partir do ângulo normativo.
  
Função da Ciência do Direito
 O projeto desenvolvido por Hans Kelsen é o de estabelecer as bases de uma verdadeira Ciência do Direito, isto é, uma ciência que estude o direito a partir do ângulo normativo. Já se encontrava consolidada uma Sociologia do Direito, uma ciência que estuda o direito como um fato social. Mas a Sociologia do Direito não se confunde com o que se chama de Ciência do Direito, pois esta vê o direito enquanto norma, e não enquanto fato.
Até o momento em que publica a sua Teoria Pura do Direito, em 1934, ele acredita que falharam todas as tentativas de se construir uma Ciência do Direito que produza realmente conhecimento científico a respeito do direito, ou seja, que descreva objetivamente o seu objeto de estudo, como faz toda e qualquer ciência.
Ela não chegou de fato a se constituir porque os juristas se deixaram levar por temas que não diziam respeito ao objeto próprio dessa ciência.Em vez de se ater ao seu propósito enquanto cientistas do direito, os juristas passavam, por exemplo, a criticar o direito existente, propondo a sua alteração, ou, ainda, que não fosse levado em consideração pelos Tribunais no momento do julgamento de alguma ação, já que ofenderiam algum princípio moral ou protegeriam algum interesse social que não mereceria a proteção naquele caso.
Ao pretender estudar o direito, esses juristas promoviam uma grande confusão ao trazer para o conhecimento do direito elementos sociológicos, políticos, econômicos, culturais etc., bem como fatores valorativos ou ideológicos. Essa heterogeneidade de objetos impedia o avanço do conhecimento e a real constituição da Ciência do Direito.
A solução de Kelsen para evitar esse problema foi purificar a Ciência do Direito desses elementos que não são normativos (esses elementos devem ser estudados por outras ciências) e desses fatores valorativos e ideológicos (a tarefa da Ciência do Direito não é a de estipular o direito que deve ser, isto é, o direito que deverá ser criado, mas a de descrever o direito que existe, sendo irrelevante se o cientista está ou não de acordo com o conteúdo das disposições jurídicas, se o cientista avalia uma norma jurídica como justa ou como injusta).
O postulado metodológico fundamental adotado por Kelsen é o de se limitar a considerações jurídicas, levando em consideração apenas as normas jurídicas, o único objeto de estudo de uma ciência normativa do direito. Com isso, Kelsen pretendia garantir a autonomia dessa ciência normativa do direito, isto é, diferenciá-la das demais ciências, como a sociologia jurídica, e da filosofia do direito.
Nesse ponto, é preciso ter cuidado: Kelsen não escreveu a “Teoria do Direito Puro”, mas a Teoria Pura do Direito. Não é o direito que é puro, é a teoria que deve ser pura, para descrever o direito cientificamente.
Enquanto fenômeno social, o direito é criado a partir do jogo de forças políticas, de interesses econômicos, dos mais variados valores existentes na sociedade. Como bom positivista, Kelsen sabe que é a autoridade que faz o direito, não a razão. E a autoridade, por meio do direito, faz valer os seus valores, a sua visão política, privilegia este ou aquele interesse.
É a teoria (que tem a função de descrever o direito) que deve ser pura, ou seja, não se deixar contaminar pelos valores, pela ideologia, pelos interesses etc. Se isso acontecer, a visão que se terá direito será uma visão deformada, o que impedirá o conhecimento do direito.
Por exemplo: José é um constitucionalista (cientista do direito que estuda as normas constitucionais) e tem a crença de que o voto deva ser facultativo. Para ele, é um rematado absurdo obrigar as pessoas a votar; afinal, numaverdadeira democracia, segundo José, é o cidadão que deve decidir se vota ou não; além do que, pensa ele, a própria qualidade do voto será melhor, pois ele será conscientemente depositado na urna. Enquanto cidadão brasileiro, José pode lutar para que o voto deixe de ser obrigatório, escrever artigos e panfletos nesse sentido, criar um movimento pelas redes sociais, votar em deputados e senadores comprometidos com a sua causa etc. Enquanto constitucionalista, contudo, suas crenças políticas são absolutamente irrelevantes: ele deve descrever objetivamente o que dispõe a Constituição Federal é concluir que o voto é obrigatório, no Brasil, para aqueles que tenham de 18 a 70 anos.
 
O objeto da Ciência do Direito são as normas jurídicas. Kelsen define as normas como o sentido objetivo de um ato de vontade.
A Ciência do Direito estuda o direito, portanto, do ângulo normativo. Como se viu, a Sociologia do Direito também estuda o direito, mas como um fato social. Logo, não se pode estabelecer uma confusão entre elas.
A sociologia estuda, por exemplo, como os casais se estabelecem hoje em dia no Brasil. Analisa, por exemplo, a existência de relacionamentos amorosos paralelos. João é vendedor, solteiro, vive com Maria a vida inteira em São Paulo, e mantém outros dois relacionamentos também duradouros, com Isabel em Franca e com Amália em Bauru. Qual o tipo de relação social se estabelece entre todas essas pessoas? Qual a estrutura preponderante da família hoje em dia? Essas poderiam ser algumas questões a serem respondidas pela sociologia.
Já a Ciência do Direito se preocuparia com outras questões. Por meio das suas proposições normativas, descreve as normas que disciplinam a família. Por exemplo, qual a qualificação jurídica desses três relacionamentos de João? É juridicamente permitida a coexistência de três uniões estáveis paralelas? Ou a lei prevê a possibilidade de uma única união estável, qualificando juridicamente os outros dois relacionamentos como sociedades de fato?
 
Aproveitando esse paralelo com a Sociologia, uma importante distinção apresentada porKelsen é entre as Ciências Causais (como a Sociologia, a Física, a Química) e as Ciências Normativas, como a  Ciência do Direito. As primeiras se organizam pelo Princípio da Causalidade. Essas ciências estabelecem relações de causa e efeito entre determinados fenômenos ou fatos: “se um metal for submetido ao calor, então o metal se dilatará” (o calor causa a dilatação dos metais). Eis a forma das suas proposições: “se A é, então B é”.
Já a Ciência do Direito se organiza pelo Princípio da Imputação. A forma da sua proposição é outra: “se A é, então B deve ser”. Por exemplo, “se alguém subtrai para si ou para outrem coisa alheia móvel, então deve ser condenado à pena de reclusão de um a quatro anos e multa”.
As conseqüências dessa distinção são importantes para se compreender a especificidade da Ciência do Direito:
a) a proposição que trata da dilatação dos metais é falsa se, uma vez submetido ao calor, o metal não se dilatar. Suponha que tenha sido descoberto um novo metal. Uma vez submetido ao calor, ele não se dilata. Aquela proposição deve ser abandonada pela Física, pois foi desmentida pelos fatos. Já no caso da proposição jurídica, o fato de não ter sido condenada a pessoa que subtraiu para si coisa alheia móvel não torna falsa a proposição. Trata-se de um juízo de dever ser, não de uma descrição de um fato acontecido ou de uma previsão do que acontecerá.
b) No caso das ciências causais, as relações de causa e efeitos formam longas cadeias: o que era o efeito de uma causa torna-se, agora, causa de outro efeito que, por sua vez, torna-se causa de outro efeito etc. Do ponto de vista da Sociologia Criminal, é possível estabelecer uma série causal para explicar o fato de pessoas de alto poder aquisitivo cometerem crimes, como os chamados “crimes de colarinho branco”. Suponha que um alto executivo de uma empresa cometa o crime de lavagem de dinheiro. Várias causas podem ser descobertas para explicar o seu comportamento: sua educação em uma sociedade individualista em que vigore o lema “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”, as práticas de negócios em um determinado segmento econômico, a pressão pelos resultados econômicos sob pena de demissão, a falta de punição pelos órgãos controladores, a seletividade do Direito Penal em punir os crimes cometidos pelas pessoas de nível social inferior etc.Para a Ciência do Direito, essas causas são desconsideradas, pois se estabelece que, independentemente de uma causa social determinada, a pessoas que cometeu o ilícito deve ser condenada. Um recorte da realidade é feito e, desconsiderando-se aquela série causal, determina-se que uma sanção deve ser aplicada. Para o direito, o ato ilícito não é a causa da sanção aplicada. Trata-se de uma ligação de natureza diferente: a imputação. E a conseqüência do ilícito (a sanção) é imputada ao ilícito, mas não é produzida pelo ilícito como sendo a sua causa.
 
Referências
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
A linguagem: ambiguidade e vagueza
O Aluno deve compreender e relaciona-se com os termos linguísticos da textura aberta de H.L.A. Hart que descreve a linguagem: ambiguidade e vagueza e também analisar as características ou propriedades que um objeto deve ter para ser designado pelo termo.
  
A linguagem: ambigüidade e vagueza
A linguagem é um sistema de signos. No caso das línguas, como a Língua Portuguesa, os signos são chamados de símbolos (as palavras), porque eles são convencionais. Dentre as palavras de uma linguagem, encontram-se:
a) os nomes próprios: que representam um objeto e somente aquele objeto:
· Exemplo: São Paulo.
b) os termos gerais (ou de classe): referem-se a um conjunto de objetos que apresentam características semelhantes (p. ex., “cidade”).
· O significado dos termos gerais apresenta duas dimensões:
a) conotação (ou intensão, com “s”) é o conjunto de características ou propriedades que um objeto deve ter para ser designado pelo termo. É o que se encontra nos dicionários, por exemplo, quando se procura pelo significado de um verbete.
b) denotação (ou extensão) é a sua referência, isto é, os objetos aos quais o termo se aplica.
· No caso do termo “cidade”:
a) conotação (ou intensão): segundo o dicionário Houaiss,“aglomeração humana de certa importância, localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas, próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e a outras não relacionadas com a exploração direta do solo”.
b) denotação (ou extensão): São Paulo, Belo Horizonte, Bauru, Paris, Buenos Aires etc.
Outro exemplo: Se um estrangeiro perguntar o que é uma cadeira, é possível responder-lhe de duas maneiras:
a) dizendo: “cadeira é um objeto com pernas, assento e encosto usado para sentar” (intensão ou conotação); ou
b) apontando para a cadeira na qual o estrangeiro está sentado (extensão).
Na expressão “Os contratos são atos jurídicos” ocorrem, portanto, dois termos gerais: “contrato” e “ato jurídico”. Já na expressão “é proibida a entrada de veículos no parque” ocorrem os termos gerais “veículo” e ”parque”.
Algumas dificuldades no uso da linguagem dizem respeito àquelas duas dimensões. Essas dificuldades são chamadas de imprecisões semânticas:
a) ambigüidade: imprecisão semântica que se refere à conotação (intensão);
b) vagueza: imprecisão semântica que se refere à denotação (extensão).
· Ambigüidade:
a) homonímia: um mesmo termo apresenta dois significados que não guardam relação entre si.
Por exemplo:  “manga” pode significar uma determinada peça do vestuário ou uma fruta. Se alguém simplesmente diz “amanga”, não se pode saber ao que ele se refere. Em boa parte dos casos, essa imprecisão se resolve pelo contexto em que o termo é usado: se, numa feira, alguém pergunta pelo preço da manga, é claro que ele se refere à fruta;
b) relacional: um mesmo termo apresenta dois significados que têm relação entre si.
No direito, um bom exemplo é o do termo “culpa”: é diferente falar de culpa em sentido amplo (o que engloba o dolo) e de culpa em sentido estrito (nas modalidades negligência, imprudência ou imperícia), mas os significados estão relacionados entre si. Ou o próprio termo “direito”, que pode significar direito objetivo (“o direito brasileiro não prevê pena de prisão perpétua”) ou direito subjetivo (“ele tem direito de votar”), ciência do direito (“o direito é uma disciplina tradicional dos nossos cursos superiores”) ou a qualidade do que é justo (“jogar papel no chão não é direito”);
c) ambigüidade sintática: uma determinada estrutura sintática gera uma dúvida.
Por exemplo: no enunciado “durante as avaliações, os alunos podem consultar apostilas e livros que não tenham anotações“, a proibição quanto ao material que contenha anotações se refere somente aos livros ou também às apostilas?
· Vagueza:
A imprecisão semântica mais difícil de ser tratada é a vagueza. Nesse caso, o problema está em se saber se o objeto ao qual nos referimos é ou não designado por aquele termo. Há dois tipos de vagueza:
a) quando a propriedade que constitui o critério de aplicação do termo aparece de maneira gradual ou contínua nas coisas.
Por exemplo: o termo “careca”. Todos sabem o que é careca, todos sabem que o José Serra é careca e que a Dilma Rousseff não é careca, mas, em muitos casos, é difícil saber se uma determinada pessoa é ou não careca, quando ela ainda tem alguns fios de cabelo, mas as entradas são muito acentuadas.
Outro exemplo: não há dúvida de que alguém com 1,90m é uma pessoa alta; de que alguém com 1,60 não é uma pessoa alta.
· Uma pessoa, contudo, com 1,70m ou 1,75m é alta?
E a resposta não será a mesma em duas localidades distintas, uma em que a média de altura das pessoas é de 1,75m; a outra, em que a média é de 1,60m.
b) quando os casos típicos de aplicação de um termo se estruturam a partir de um conjunto de propriedades, enquanto que, nos casos duvidosos de aplicação, essas propriedades se apresentam de estruturadas de maneira especial.
Por exemplo: um objeto com quatro pernas, assento, encosto e usado para sentar é designado como uma cadeira. E se o objeto tiver três pernas, assento, encosto e seja usado para sentar, pode ser uma cadeira?
· Parece que sim. Um “puff”, no entanto, seria uma cadeira?
A vagueza representa uma grande dificuldade para o direito, pois ela não pode ser eliminada recorrendo ao contexto de uso do termo. Todo termo geral é potencialmente vago.
Exemplo: o termo “compra e venda” é vago. Vamos supor que um determinado bem custe, em média, R$ 2.000,00 no mercado. Se alguém comprou o bem por R$ 2.100,00 ou por R$ 1.850,00, realizou uma compra e venda. Podemos, contudo, falar de uma compra e venda se o preço pago foi de R$ 10,00? Não, no caso ocorreu uma doação simulada.
O mesmo se o preço pago foi de R$ 70.000,00, pois nesse caso também houve uma doação simulada, mas agora a doação foi de dinheiro.As certezas desaparecem quando começamos a analisar uma compra pelo preço de R$ 1.500,00. Ou de R$ 1.000,00.
· Será uma compra e venda?
Aliás, é impossível determinar a partir de qual valor a o ato jurídico deixaria de ser uma compra e venda e passaria a ser uma doação simulada.Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1992) dá um exemplo muito simples dessas dificuldades. Uma singela placa no parque diz “é proibida a entrada de veículo”.O significado do termo “veículo” é dado pela sua intensão e extensão.Com relação à sua intensão, o dicionário Houaiss traz mais de uma intensão, dentre elas:
(i) “substância que facilita a aplicação ou uso de outra substância com ela misturada ou nela dissolvida”, e
(ii) “qualquer meio usado para transportar ou conduzir pessoas, animais ou coisas, de um lugar para outro”.Pode-se ver que “veículo” é um termo ambíguo. Como ele ocorre numa placa afixada no portão de um parque público, essa ambigüidade se desfaz. Tem-se, portanto:
a) intensão (conotação):qualquer meio usado para transportar ou conduzir pessoas, animais ou coisas, de um lugar para outro.
b) extensão (denotação): carro, ônibus, bicicleta, moto etc.
Primeiro problema: quais as características relevantes para algo ser considerado um veículo e não poder entrar no parque?
a) fazer barulho e incomodar os freqüentadoresdo parque (mas, o carrinho de bebê, abicicleta e o “skate” não fazem barulho);
b) ter rodas (uma asa delta não tem rodas; mesmo o avião tem rodas, mas ele não roda e sim voa);
c) ameaçar a integridade física dos freqüentadores (mas uma bicicleta e um “skate” não ameaçam a integridade física);
d) não possuir uma finalidade de lazer (um carro de passeio não possui finalidade de lazer e, portanto, deve ser proibido no parque; mas um carro de corrida pode ter essa finalidade, será que a entrada de um kart deveria, então, ser permitida?).
Se não há dificuldade em constatar que a proibição de entrar no parque se aplica aos carros de passeio, por outro lado, parece que a proibição não alcança carrinhos de bebê, bicicletas, ambulâncias, caminhões de lixo, ainda que todos eles possam ser caracterizados como veículos.
Para finalizar, essas imprecisões, especialmente a vagueza, não devem ser necessariamente entendidas como algo negativo, afinal são elas que permitem usar a linguagem formada por um número limitado de termos (ou palavras), como a nossa linguagem.
Se fôssemos seres dotados de uma inteligência infinita, poderíamos ter uma palavra para cada objeto distinto, para cada circunstância distinta (na sala de aula, há 70 carteiras; como nenhuma delas é exatamente igual à outra, teríamos 70 palavras para designá-las; numa universidade, 70.000 palavras para designar as 70.000 carteiras etc.).
Além disso, não precisamos criar palavras novas (ou regras novas) a cada nova situação que surge, pois a vagueza dos termos linguísticos permite utilizar as palavras já existentes para designar o novo.
Exemplo:  “e-book” é um “livro eletrônico”.
Referências
HART, Herbert Lionel Adolphus Hart. O Conceito de Direito. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes. 2009.
FERRAZ JR. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas. 2013.
PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
Zona de certeza e de penumbra
Conhecer os termos linguísticos gerais que apresentam imprecisões semânticas. Ambiguidade, imprecisão semântica que se refere à conotação; e a vagueza e a imprecisão semântica que se refere à denotação.
  
Zona de certeza e de penumbra.
Os termos linguísticos gerais apresentam imprecisões semânticas.
A ambiguidade, que é a imprecisão semântica que se refere à sua conotação (ou intensão); e a vagueza, que é a imprecisão semântica que se refere à denotação (ou extensão).
Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1992), ou simplesmente H.L.A. Hart, trouxe para a teoria jurídica os resultados dos debates filosóficos a respeito da linguagem.
Hart cunhou uma expressão que se tornou famosa, textura aberta da linguagem, para mostrar como os termos gerais apresentam muitas vezes uma indeterminação (uma falta de certeza) na hora de serem aplicados a situações concretas.
Hart utilizou a metáfora do foco de luz para se referir à aplicação dos termos vagos aos objetos. Ao aproximar o foco de uma lanterna de uma parede, percebemos três regiões:
(i) ZONA DE CLARIDADE(região iluminada): a região mais próxima ao foco de luz da lanterna.
(ii) ZONA DE OBSCURIDADE (região escura): a região mais distante desse foco de luz. Como aproximamos a lanterna da parede, a maior parte de parede encontra-se às escuras.
(iii) ZONA DE PENUMBRA (região de penumbra): entre as duas regiões acima, forma-se uma região em que a luz, que era forte na região (i), começa a diminuir de intensidade, até a luz desaparecerao alcançar a região (ii). Ao transpormos a metáfora para a aplicarmos um termo vago, essas três regiões se apresentam da seguinte maneira.
· As duas primeiras regiões são regiões de certeza:
(i) certeza quanto à aplicação do termo; e
(ii) certeza quanto à não aplicação do termo.
Já a região (iii) é uma região de incerteza quanto à aplicação ou não do termo. 
· Tomemos um exemplo de Hart, o termo “calvo”. 
(i) certeza quanto à aplicação do termo: “A é calvo”. 
(ii) certeza quanto à não aplicação do termo: “B não é calvo”.
(iii) incerteza quanto à aplicação ou não do termo: “C é calvo? acima.
Outro exemplo, o termo “veículo”, que ocorre na placa afixada no portão de um parque: “é proibida a entrada de veículos”.
(i) certeza quanto à aplicação do termo: “um carro de passeio é veículo. Logo, a autoridade deve proibir a entrada de carros de passeio no parque”.
(ii) certeza quanto à não aplicação do termo: “uma pipa (ou papagaio) não é um veículo. Logo, a autoridade deve permitir a entrada de pipas ou papagaios no parque”.
(iii) incerteza quanto à aplicação ou não do termo: “uma bicicleta, um carro de controle remoto, um carrinho de bebê são veículos, uma ambulância, um caminhão de lixo? Deve a autoridade permitir a entrada deles no parque?”
Referências
HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de Direito. São Paulo: MARTINS FONTES, 2009.
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Discricionariedade judicial
Entender que para os representantes do Positivismo Jurídico no século XX , a decisão judicial não pode ser obtida apenas por processos lógico-racionais ou pelo conhecimento do direito, pois nos casos de dúvida quanto à aplicação do termo, a decisão do juiz é discricionária, ele tem liberdade para tomar a decisão, ainda que não seja uma liberdade absoluta, pois ele necessita fundamentar a sua decisão em algum juízo de experiência ou algum valor social.
  
Discricionariedade judicial
Para os principais representantes do Positivismo Jurídico no século XX (Hans Kelsen, Alf Ross e H.L.A. Hart), a decisão judicial não pode ser obtida apenas por processos lógico-racionais ou pelo conhecimento do direito.
Kelsen fala da norma geral a ser interpretada e aplicada como uma moldura, dentro da qual existem várias normas individuais em potencial. O juiz escolhe uma dessas possibilidades, e essa escolha não é racional, nem pode ser racionalmente justificada. É por essa razão que não existe, para Kelsen, uma teoria jurídica que trata da decisão judicial. A decisão judicial não pode ser explicada pela teoria do direito, mas apenas pela psicologia, pela economia, pela história etc.
H.L.A. Hart, por sua vez, chama a atenção para o fato de as normas jurídicas apresentarem termos vagos. Ao se aplicar um termo vago aos objetos e circunstâncias da realidade, três regiões se desenham:
(i) zona de claridade: certeza quanto à aplicação do termo.
(ii) zona de obscuridade: certeza quanto à não aplicação do termo.
(iii) zona de penumbra: incerteza quanto à aplicação ou não do termo.
Nos casos (i) e (ii) há certeza. A aplicação do direito não apresenta maior dificuldade ao juiz. Mediante um silogismo é possível chegar à decisão.
No caso (iii), contudo, a norma não oferece ao juiz um critério para que ele decida de maneira objetiva. O juiz usa da discricionariedade, segundo Hart. Em outras palavras, os critérios utilizados para se chegar à decisão são critérios extrajurídicos.
Por exemplo, lê-se no Código Penal:
· Furto
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
 
A norma que tipifica o crime de furto praticado durante o repouso noturno pode ser representada de maneira simplificada como:
Se alguém subtrai (para si ou para outrem) coisa alheia móveldurante o repouso noturno, então deve ser condenado à pena de reclusão, de um a quatro anos e multa, aumentada de um terço.
· A expressão “repouso noturno” apresenta vagueza:
(i) certeza quanto à aplicação do termo (zona de claridade): se o crime for praticado às 3h da madrugada, foi praticado durante o repouso noturno.
(ii) certeza quanto à não aplicação do termo (zona de obscuridade): se o crime for praticado às 2h da tarde, não foi praticado durante o repouso noturno.
(iii) incerteza quanto à aplicação ou não do termo (zona de penumbra): o crime foi praticado às 20h, foi praticado durante o repouso noturno?
O crime foi praticado às 18h, na zona rural de uma região bem afastada, na qual as pessoas se deitam cedo: foi praticado durante o repouso noturno?
 
Outro exemplo. Dispõe o Código de Defesa do Consumidor:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
 
Com relação ao que se entende por constrangimento pela cobrança da dívida, temos:
(i) certeza quanto à aplicação do termo (zona de claridade): acusar o devedor de ser malandro; atacar sua reputação junto aos colegas de trabalho; pedir que o seu patrão pague a dívida.
(ii) certeza quanto à não aplicação do termo (zona de obscuridade): telefonema para o devedor, durante o horário comercial, cobrando a dívida; dizer que, se a dívida não for paga, ela será cobrada judicialmente.
(iii) incerteza quanto à aplicação ou não do termo (zona de penumbra): telefonemas diários à noite; telefonemas no local de trabalho; enviar uma grande quantidade de cartas de cobrança;cobrar a dívida por meio de alguma comunicação que possa ser identificada por terceiros.
Segundo Hart, nos casos de dúvida quanto à aplicação do termo, a decisão do juiz é discricionária, o juiz tem liberdade para tomar a decisão, ainda que não seja uma liberdade absoluta, pois ele necessita fundamentar a sua decisão em algum juízo de experiência ou algum valor social.
Referências
HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de Direito. São Paulo: MARTINS FONTES, 2009.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO,Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
Vontade do Legislador ou Vontade da Lei
Compreender a ciência do direito com base no conhecimento da lei, e como a lei é criação do legislador, ao interpretar a lei compreender o pensamento do legislador, saber o momento em que a lei é criada, o que se privilegia nos métodos de interpretações. Verificar o "voluntas legis e o voluntas legislatoris".
Voluntas legis – voluntas legislatoris.
· “Voluntas legislatoris” – vontade do legislador – doutrina subjetivista.
Como a ciência do direito se baseia no conhecimento da lei, e como a lei é criação do legislador, interpretar a lei significa compreender o pensamento do legislador.Privilegia-se o momento em que a lei é criada, o que significa que se privilegia o método histórico de interpretação, que procura reconstruir as circunstâncias que levaram à criação da lei. A preocupação da doutrina subjetivista é preservar o sentido original, próprio da norma, o que não acontece, segundo ela, quando se permite ao intérprete adaptar o sentido da norma ao que ele, intérprete, entende ser uma situação de mudança social, como defende a doutrina objetivista. Aos olhos da doutrina subjetivista, essa “manipulação” do sentido da norma é suspeito, pois a vontade do intérprete se tornaria mais importante do que a do legislador. Ao se depender da opinião do intérprete, a segurança e a certeza jurídica seriam afetadas.
· “Voluntas legis” – vontade da lei – doutrina objetivista.
Uma vez criada, a norma desliga-se da vontade do legislador que a criou, no sentido de que o seu sentido será dado pelas circunstâncias do momento em que ela é interpretada (e aplicada), momento posterior ao da criação da lei.
Para a doutrina objetivista, é inútil buscar a vontade do legislador, pois o legislador é um órgão colegiado – no Brasil, por exemplo, o Código Civil é uma lei federal, foi aprovado por 513 deputados federais e 81 senadores, o que torna impossível investigar a vontade de 594 pessoas.
Além disso, é preciso levar em consideração os fatores objetivos (econômicos, sociais, por exemplo) que influenciam as mudanças na sociedade, o que provoca um ajuste da norma a situações modificadas ou novas. O direito é vivo, ele não pode ficar engessado por uma pretensa vontade que o tenha criado, muitas vezes, há décadas, quando as circunstâncias históricas eram bem diferentes do momento em que ocorre a sua interpretação e aplicação.
Essa disputa não é passível de ser resolvida. Trata-se de uma tensão própria ao direito, na medida em que, uma vez criada, a lei deve ter uma permanência no tempo (se a lei for constantemente alterada, torna-se praticamente impossível às pessoas tomar conhecimento e cumprir os deveres jurídicos; sem se falar no problema de estudar o direito, cujo conteúdo é sempre diferente toda vez que a ele se retorna). Na medida em que as palavras da lei se mantêm ao longo do tempo, a sociedade encontra-se em constante modificação, o que significa dizer que, pelo menos em tese, a distância entre o texto da lei e a realidade ao qual deve ser aplicado vai aumentando com o passar do tempo.
Tome-se o seguinte acórdão, no qual ocorreu a interpretação segundo a vontade do legislador:
Processo: APL 00063301920098190058 RJ 0006330-19.2009.8.19.0058
Relator(a): DES. MARIA SANDRA KAYAT DIREITO
Julgamento: 20/03/2012Órgão Julgador: QUARTA CAMARA CRIMINALPublicação: 25/05/2012 14:18Parte(s):
Apelante: DERCILIO RIBEIRO ALVES e Apelado: MINISTERIO PUBLICO.
EMENTA: APELAÇÃO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER LESÃO CORPORAL E AMEAÇA ARTIGO 129, § 9° E ART. 147, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL CONDENAÇÃO PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO INSTITUTOS DESPENALIZADORES PRÓPRIOS DA LEI 9.099/95 NÃO SE APLICAM ÀS HIPÓTESES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER A VONTADE DO LEGISLADOR FOI A DE PROTEGER A MULHER CONTRA QUALQUER TIPO DE VIOLÊNCIA, SEJA CRIME OU CONTRAVENÇÃO, PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR E PUNIR SEVERAMENTE A CONDUTA DAQUELE QUE DESAFIAR O COMANDO PROIBITIVO ESTATAL ASSIM SENDO, TRATANDO-SE DE INFRAÇÃO PENAL COMETIDA COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER, DEVEM SER VEDADOS OS BENEFÍCIOS DA LEI9099/95. - MÉRITO PROVA ROBUSTA ACERCA DA MATERIALIDADE E AUTORIA DA INFRAÇÃO PENAL QUE AFASTA O PLEITO DE ABSOLVIÇÃO RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.ck;mso-themecolor:text1'>Publicação: 25/05/2012 14:18Parte(s): Apelante: DERCILIO RIBEIRO ALVES e Apelado: MINISTERIO PUBLICO.
O apelante foi condenado à pena de 04 meses de detenção em regime aberto porque agrediu sua esposa Aparecida com um cabo de vassoura, enforcando-a com as mãos e ameaçando matá-la com uma faca, vindo a causar as lesões descridas no AECD (fl. 25 doc. 02). Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, não é possível a aplicação dos institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95, por haver expressa proibição legal no artigo 41 da Lei 11.340/06. Demais disso, o legislador resolveu dar tratamento mais severo aos casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher, considerando a desigualdade entre a vítima e o agressor, não podendo considerar crimes dessa natureza como sendo de menor potencial ofensivo. RECURSO DESPROVIDO.
A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) afastou a aplicação da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais) aos crimes praticados mediante violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre eles a lesão corporal leve. A Lei dos Juizados Especiais Criminais permite uma série de benefícios ao réu, como a composição civil (art. 74), a transação penal (art. 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89).
Houve o entendimento de que a proibição de se conceder tais benefícios ao réu acusado de praticar violência contra a mulher seria inconstitucional, ou então de que, havendo conflito de normas, deveria se conceder àquele réu os referidos benefícios.
Na decisão acima analisada, privilegiando-se a vontade do legislador, que foi a de proteger a mulher de qualquer agressão doméstica, mesmo que seja a mais leve agressão, esses benefícios não devem ser concedidos aos réus acusados de praticar violência doméstica contra a mulher, como determina a própria Lei Maria da Penha.
Tome-se o seguinte acórdão, no qual ocorreu a interpretação segundo a vontade da lei:
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos TerritóriosÓrgão: PRIMEIRA TURMA CRIMINALClasse:
RCL – RECLAMAÇÃON. Processo : 2009 00 2 007053-5
Reclamante: MINSTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
Reclamado: JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL, DO TRIBUNAL DO JÚRI E DOS DELITOS DE TRÂNSITO DE SANTA MARIA - DF
Presidente e Relatora: Desembargadora SANDRA DE SANTIS
Relator Designado: Desembargador MARIO MACHADO.
EMENTA: PROCESSO PENAL. RECLAMAÇÃO. ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS. ARTIGO 212DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INTERPRETAÇÃO. NULIDADE ALEGADA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO, ESSENCIAL AO RECONHECIMENTO DE NULIDADE, SEJA ELA ABSOLUTA OU RELATIVA. JURISPRUDÊNCIA REITERADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
No processo de interpretação, em que objetiva o intérprete alcançar a vontade determinável da lei, delimitando o sentido possível que tenha ela, releva a vontade não do legislador (voluntas legislatoris), mas a da própria lei (voluntas legis). Nenhum dispositivo legal existe isoladamente, pelo que toda interpretação, operada a começar da literalidade linguística do texto, deve ser lógico-sistemática, isto é, tem de buscar a vontade da norma, mas entrelaçada e consonante com as demais normas e princípios do sistema que ela integra. O sistema do Código de Processo Penal prestigia inicie o juiz a inquirição das pessoas que devam depor (artigos 188, 201 e 473), não havendo porque ser diferente em relação às testemunhas. A interpretação sistemática conduz a que continue o juiz a perguntar primeiro. Posição do relator designado, vencida.
A norma, posta no artigo 563 do Código de ProcessoPenal, agasalha o princípio pas de nullité sans grief: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. A demonstração de prejuízo é requerida para a declaração tanto de nulidade absoluta como de relativa. É da jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal que “o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades - pas de nullité sans grief - compreende as nulidades absolutas” (HC 81.510, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12/04/2002; HC 97.667, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe de 25/06/2009; HC 82.899, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe de 25/06/2009; HC 86.166, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ de 17/02/2006).
Em nenhum momento explica a reclamação onde o prejuízo causado à acusação ou à defesa pelo fato de o juiz haver iniciado as perguntas às testemunhas ouvidas. Afinal, ele poderia, depois das partes, fazer as mesmas perguntas. Não há a menor evidência de que as testemunhas mudariam suas respostas, se as mesmas perguntas fossem feitas primeiro pela acusação ou pela defesa, ou se o juiz fizesse as mesmas perguntas depois das das partes. Estas, repise-se, tiveram a oportunidade de perguntar o que desejaram, sem prejuízo algum.
· O que se deu foi nova redação do artigo 212 do CPP.
· Redação anterior:
“Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.
· Redação atual:
“Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.
Foi alterada a forma de indagar à testemunha. Antes as partes requeriam as perguntas ao juiz, que, intermediando, as formulava à testemunha. Agora fazem as partes as perguntas diretamente à testemunha, desaparecendo a intermediação do juiz, que apenas fiscaliza.
Alegou-se nulidade da ação penal porque as perguntas deveriam ter sido feitas, inicialmente, pelas partes, acusação e defesa, para que, depois, possa o magistrado, se o caso, completar a inquirição.
Pela vontade da lei, contudo, a ordem das perguntas não é, por si só, causa de dano a ensejar nulidade.
Em relação ao acusado, prescreve o artigo 188 que o juiz fará o interrogatório e, depois dele, as partes poderão solicitar esclarecimentos. Quanto ao ofendido, o Código, na nova redação do artigo 201, dada também pela Lei nº 11.690/2008, limita-se a dizer que “será qualificado e perguntado”. Não se controverte quanto a que pelo juiz. Malgrado a norma não preveja perguntas das partes, estas devem ser admitidas, depois das do juiz, em atenção ao princípio constitucional do contraditório.
Em nenhum momento explica a reclamação onde o prejuízo causado à acusação ou à defesa pelo fato de o juiz haver iniciado as perguntas às testemunhas ouvidas. Afinal, ele poderia, depois das partes, fazer as mesmas perguntas. Não há a menor evidência de que as testemunhas mudariam suas respostas, se as mesmas perguntas fossem feitas primeiro pela acusação ou pela defesa, ou se o juiz fizesse as mesmas perguntas depois das das partes. Estas, repise-se, tiveram a oportunidade de perguntar o que desejaram, sem prejuízo algum.
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
A figura do Legislador Racional
Compreender que o movimento de codificação do direito, que se desenvolveu no século XIX, foi entendido como uma criação racional do direito: as normas são dispostas de maneira organizada dentro de um mesmo diploma legal e são criadas ao mesmo tempo, de maneira a escapar ao capricho das determinações pontuais e arbitrárias dos reis ou à lenta elaboração do direito costumeiro, de conteúdo confuso e muitas vezes irracional.
  
Legislador Racional.
Carlos Santiago Nino (1943-1993) foi um filósofo e jurista argentino. Para explicar a dogmática jurídica (a forma que a ciência do direito assumiu a partir do século XIX nos países da família romano-germânica), ele criou a figura do Legislador Racional.
O movimento de codificação do direito, que se desenvolveu no século XIX, foi entendido como uma criação racional do direito: as normas são dispostas de maneira organizada dentro de um mesmo diploma legal, as normas são criadas ao mesmo tempo, de maneira a escapar ao capricho das determinações pontuais e arbitrárias dos reis ou à lenta elaboração do direito costumeiro, de conteúdo confuso e muitas vezes irracional.
Já que o direito é criação racional, os juristas acabaram por conferir ao sistema jurídico e às normas que o compõem uma série de propriedades: precisão, sentido claro e único das suas disposições, completude (o direito propõe solução para todo e qualquer caso), coerência (as normas não se encontram em conflito dentro do sistema jurídico) etc.
A ciência do direito (ou dogmática jurídica), ao estudar e descrever o direito, acaba por efetuar uma reformulação das normas jurídicas, com o objetivo de aproximá-las daqueles ideais racionais.
É importante notar que se trata de uma atividade encoberta: os juristas afirmam que se limitam a descrever o direito (como se dissessem: “nós, juristas, devemos respeitar a lei, não cabe a nós criar nem mudar o sentido do direito, que é criado apenas pelo legislador“), mas, ao final, o que acabam por fazer é reconstruir o direito de modo a torná-lo preciso, coerente, completo etc... .
O direito, na realidade, apresenta conflitos de normas, lacunas, disposições permitem várias interpretações, diferentes sentidos. A dogmática jurídica, contudo, ao estudar o direito, reelabora o sentido das suas normas, de maneira que esses “defeitos” desapareçam.
Para conseguir reelaborar o direito, a dogmática jurídica cria uma ficção, a figura do Legislador Racional. Como ela pressupõe a racionalidade do Legislador, ao se deparar com duas normas que se encontram em conflito.
Exemplo: "entre N1 “é permitido o acesso à internet durante as aulas“ e N2 “é proibido o acesso à internet durante as avaliações”, a dogmática “descreve” o direito como coerente, isto é, elimina o conflito dizendo, no caso de uma avaliação, o acesso à internet é proibido, enquanto que, não se tratando de avaliação, o acesso é permitido.
 
· Essas são as propriedades do Legislador Racional:
a) ele é único: apesar da existência de leis municipais, estaduais e federais, todo o ordenamento jurídico é fruto de uma única vontade;
b) ele tem permanência ao longo do tempo: ainda que os vereadores, deputados, senadores morram, o Legislador não morre;
c) é onisciente, ele conhece todos os elementos fáticos sobre os quais as normas jurídicas incidem; assim como todas as normas jurídicas do sistema jurídico, que regulam todos os casos possíveis;
d) é justo, sempre se atribui a ele a solução mais justa;
e) ele é coerente, já que a sua vontade não pode se contradizer;
f) ele é sempre preciso, pois, apesar das limitações da linguagem, o sentido da sua vontade,expressa por meio das normas, é claro e unívoco;
g) ele é finalista, ao criar as normas sempre tem alguma intenção;
h) é econômico, não usa palavras desnecessárias, nem as normas criadas são redundantes;
i) é operativo, pois todas as normas por ele criadas têm aplicabilidade.
 
Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
nação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
A função racionalizadora da Hermenêutica
Entender a dogmática jurídica como descritiva do direito em um ordenamento coerente, completo, constituído por normas precisas e com sentido único, justo e racional.
  
A função racionalizadora da hermenêutica.
Por um lado, o direito aparece para as pessoas comuns como algo incompreensível e mesmo contraditório.
Por outro lado, é insuportável para as pessoas, a idéia de que o direito não possua um sentido coerente, que o ordenamento jurídico se movimente em distintas direções, direções que possam ser contraditórias entre si.
Por meio da figura do Legislador Racional, a dogmática jurídica descreve o direito como um ordenamento coerente (sem conflito entre as suas normas), completo (sem lacunas), constituído por normas precisas e com sentido único, e justo.
· A teoria de Hans Kelsen apontou para um sério desafio essa atividade racionalizadora.
De acordo com Hans Kelsen, as normas não possuem um único sentido. Distintas pessoas que as interpretam podem chegar a resultados diferentes.
Diante desse fato, a ciência do direito, que tem a função de descrever o direito, encontra o seu limite: dada a existência de vários sentidos possíveis de uma norma geral, o ato de conhecimento que a ciência utiliza para explicar e descrever o direito apresenta como resultado apenas a moldura.
Se não existe um único sentido possível para as palavras da lei, como não existe uma única solução possível para os casos submetidos aos juízes, não se pode exigir que, mediante o ato de conhecimento, seja encontrado “sentido verdadeiro” da norma ou a “decisão correta” para o caso.
Dada uma norma com vários sentidos possíveis, como não é possível determinar qual o sentido verdadeiro ou mais adequado ou mais justo, todos esses sentidos acabam por ser equivalentes.
· Exemplo: Tome-se o crime de furto. Determina o Código Penal:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
O crime de furto sofre aumento de pena quando for “praticado durante o repouso noturno”. Para encontrar o sentido da expressão “repouso noturno”, um penalista (cientista do direito penal) pode pesquisar muitas decisões judiciais a fim de verificar como os juízes e os tribunais a interpretaram, pode recorrer ainda a outros penalistas e, segundo Kelsen, o resultado do seu trabalho é apresentar os vários sentidos dessa expressão:
(i) “repouso noturno” é o intervalo entre as 22h de um dia e as 6h do dia seguinte;
(ii) “repouso noturno” é o intervalo entre as 18h de um dia e as 6h do dia seguinte;
(iii) “repouso noturno” é o período de inexistência de luz natural (o que varia segundo a latitude do lugar e as estações do ano);
(iv) “repouso noturno” é o período em que a vítima dorme, independentemente se haja luz natural ou não (alguém que trabalhe à noite e use o dia para dormir, se for furtado durante o sono, o furto será considerado como praticado durante o período noturno);
(v) “repouso noturno” é um termo aplicável somente à zona rural e às pequenas cidades; os furtos praticados nas cidades médias e grandes, mesmo que à noite ou de madrugada, não são furtos praticados durante o repouso noturno porque nessas cidades a vida não cessa durante a noite; e
(vi) “repouso noturno” é qualquer período de descanso, como, por exemplo, o momento em que as pessoas assistem a programas de televisão durante o horário de almoço, para relaxar antes de retornar ao trabalho.
Essa é a moldura da norma do furto noturno – e é preciso lembrar que, para Kelsen, os limites da moldura não são fixos, isto é, se um novo sentido for dado, a moldura alarga-se, já que esse novo sentido deve ser incluído na moldura.
Segundo Kelsen, a ciência do direito não deve emitir nenhum juízo de valor a respeito desses vários sentidos, não deve dizer “o mais razoável é tal” ou “tal interpretação não é adequada”.
Por mais absurda que possa parecer uma interpretação, como é o caso do sentido (vi) acima, cabe apenas ao cientista acrescentá-la à lista.
Suponha que o sentido (vi) tenha sido atribuído por alguém que jamais pisou numa faculdade de direito ou jamais tenha aberto um livro jurídico, por exemplo, pelo companheiro de bar do penalista que, numa conversa descontraída, interpretou “repouso noturno” como qualquer período de descanso. A resposta do penalista, segundo Kelsen deve ser: “enquanto cientista do direito, só posso afirmar que a sua interpretação é uma das interpretações possíveis. Não há como dizer que você esteja errado”.
Em outras palavras, uma interpretação realizada por um penalista e outra realizada por uma pessoa que jamais estudou o direito são, segundo Kelsen, equivalentes. Se Kelsen tiver razão, não há nenhum sentido racional em se procurar a melhor interpretação, a interpretação mais justa, a mais adequada ou a verdadeira.
Esse resultado da teoria de Kelsen impõe um desafio, segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr., o desafio kelseniano: a filosofia do direito posterior a Kelsen vai procurar identificar critérios racionais para que se possam avaliar os resultados da atividade de interpretação dos dispositivos legais, bem como o das diversas soluções jurídicas obtidas a partir das interpretações realizadas.
A maioria dos filósofos e teóricos do direito não aceitou essa conclusão da teoria de Kelsen e mostrou que é possível avaliar racionalmente as diferentes interpretações, determinando qual é a mais razoável, racional, justa ou mesmo, para alguns autores, qual a interpretação verdadeira.
Como exemplos desses teóricos, podemos citar Chaïm Perelman, Theodor Vieweg, H.-G. Gadamer, Recaséns Siches, Robet Alexy, Ronald Dworkin, Jurgen Habermas. Tercio Sampaio Ferraz Jr. etc... .
Referências
PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RANGEL JÚNIOR, Hamilton. Manual de lógica jurídica aplicada. São Paulo: Atlas, 2009.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009.
CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Editora Antonio Sergio Fabris, 2003.
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BOUCAULT,  Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José  Rodrigo (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades justifilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito.3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
A Nova Retórica de Chaïm Perelman
Entender a lógica, a valoração mediante os padrões da argumentação jurídica.
  
A Nova Retórica de Chaïm Perelman
Chaïm Perelman (1912-1984) nasceu na Polônia e desenvolveu sua vida acadêmica na Bélgica.Em 1958, publicou a sua principal obra, “Tratado da Argumentação: a Nova Retórica”.
O grande tema do seu pensamento foi a construção de uma via intermediária entre dois extremos: de um lado, a lógica, a matemática e as ciências naturais (como a física, por exemplo) e, de outro, as crenças individuais meramente arbitrárias.
No campo da lógica, da matemática e das ciências naturais, a partir de uma verdade (de algo que se impõe pela evidência), vai se caminhando por meio de demonstrações racionalmente justificadas que conduzem a conclusões necessariamente verdadeiras.
Exemplo: a Física descobriu uma propriedade de todos os metais: submetidos ao calor, os metais se dilatam. Se alguém pegar a sua aliança de ouro e colocá-la próxima ao fogo, é indiscutível que a aliança se dilatará, já que o ouro é um metal.
Já as crenças individuais arbitrárias não são racionalmente fundamentadas: são irracionais, contingentes, particulares e discutíveis. Pedro acredita que todas as pessoas que defendem programas sociais, como o “Bolsa Família”, são comunistas. Para ele, as pessoas devem trabalhar e, em função do trabalho receber salário proporcional ao que produziram; os programas assistencialistas desvirtuam a meritocracia (cada pessoa de acordo com o seu mérito) e isso só pode ser coisa de comunista. Essa crença é irracional: esses programas assistencialistas existem em países capitalistas, ou seja, não são programas comunistas; o seu funcionamento está de acordo com a economia capitalista, uma vez que as pessoas assistidas passam a consumir, isto é, a renda a elas destinada é passada para a economia, gerando crescimento econômico. Essa crença é contingente: Pedro não aceita que os outros sejam ajudados pelo Estado, mas ele se esquece de que ele mesmo foi ajudado pelo Estado, uma vez que cursou universidade pública; e, se o Estado mantém universidades públicas, esse fato não significa, para Pedro, que o Estado é comunista. Trata-se de uma opinião particular e discutível, ou seja, Pedro opera uma seleção: se ele foi ajudado pelo Estado (não teve que pagar pelo ensino universitário, por exemplo), entende que era dever do Estado manter a gratuidade da universidade; se o Estado ajuda outra pessoa, entende que é o mesmo que dar esmola, que é “coisa de comunista”.
Ou então Raquel, que tem a opinião de que as pessoas do signo de Leão são vaidosas e querem ser o centro das atenções. É uma opinião irracional: a interferência dos planetas e do sol nas pessoas é desprezível, como a ciência física nos mostra, o que invalida as premissas adotadas pela Astrologia, bem como a própria Astrologia como presumível fonte de conhecimento. É uma opinião contingente: a irmã de Raquel é do signo de Leão, mas não é vaidosa (Raquel jamais conseguiu que a sua irmã entrasse num salão de cabelereiro!). É uma opinião particular: Raquel leu a entrevista de um astrólogo dizendo que ser o centro das atenções, não seria a mesma coisa que ser vaidoso, pois a vaidade é um defeito: o leonino é magnânimo, como o próprio rei dos animais, o leão, e não se deve deixar levar pelo orgulho. É uma opinião discutível, afinal, Raquel não concordou com o astrólogo – aliás, nem a irmã de Raquel concorda com ela ou com o astrólogo, pois a irmã de Raquel diz que é Raquel quem almeja ser o centro das atenções, ainda que seja do signo de Virgem.
O Positivismo Jurídico, como o de Hans Kelsen, tem como objetivo produzir um conhecimento científico do direito, ou seja, conhecimento verdadeiro (isto é, que corresponda ao objeto descrito, que seja objetivo), irrefutável e necessário.
Exemplo: a ciência do direito descreve a norma que tipifica o homicídio: “se matar alguém, então deve ser condenado à pena de reclusão de 6 a 20 anos”. Basta comparar essa descrição com o ato da autoridade que positivou a norma para verificar que a descrição é verdadeira. Essa é a função de uma verdadeira Ciência do Direito: descrever o direito criado pela autoridade.
O processo que levou à criação do direito – isso é, os motivos que levaram o legislador a criar a lei, os motivos que conduziram o juiz a interpretar a norma em um sentido determinado – não é objeto da Ciência do Direito. Quando se trata da interpretação, Kelsen afirma que mais de um sentido pode ser dado à norma – há uma pluralidade de sentidos possíveis de uma norma, o que ele chama de moldura. E os juízes, ao aplicarem essa norma, na verdade escolhem um dos sentidos possíveis, por meio de um ato de vontade. Trata-se de um ato de vontade porque não pode ser racionalmente controlado. Em outras palavras, para Kelsen, a interpretação e a aplicação do direito fogem ao campo da racionalidade científica, baseando-se no campo das crenças individuais arbitrárias.
A teoria de Perelman representa uma tentativa de mostrar que a interpretação e a aplicação do direito não se reduzem à arbitrariedade do ato de vontade, de que fala Kelsen. É certo que a interpretação e a aplicação do direito não podem ser consideradas uma atividade científica estrita – e, nesse, ponto Kelsen tem razão. Não se trata, contudo, de uma atividade que se funda em crenças individuais arbitrárias, uma vez que é uma atividade argumentativa que obedece às regras e às estruturas dos argumentos.
Existem para Perelman três grandes campos:
a) a Lógica Formal (ou o campo da lógica e da ciência): trata das coisas que têm natureza precisa e consistente. É possível ter evidência, ou seja, clareza e distinção dos conceitos. Por meio de uma linguagem formal (ou passível de ser formalizada), sem imprecisões semânticas, parte-se de uma verdade, estabelecida por uma evidência, e, por meio da demonstração, chega-se a uma conclusão necessária, não existindo lugar para a valoração;
b) a Teoria da Argumentação (o campo do direito, por exemplo): abrange aquilo que é ambíguo, provável, muitas vezes inconsistente – não existe uma evidência inicial, uma verdade da qual se possa partir. As premissas não estão dadas, elas precisam ser encontradas. Se não há evidência, há o verossímil (o provável, o plausível): existem outros graus de adesão, como opiniões razoáveis, prováveis. A linguagem é a ordinária (a que se usa no dia-a-dia), com ambiguidade e vagueza. E, como as palavras são usadas em determinado contexto, de acordo com o contexto em que elas são usadas, o seu sentido se modifica. Há lugar para a decisão e para a valoração (para se estimar o que é mais conveniente, mais justo, mais desejável etc.); e
c) as crenças individuais meramente arbitrárias.O problema com o Positivismo Jurídico é o de ignorar o campo intermediário da Teoria da Argumentação. Ao ignorá-lo, considera todo o campo coberto pela Argumentação (que é o campo do direito, da política, da moral) como sendo constitutivo do campo das crenças individuais meramente arbitrárias.
Um bom exemplo é o tratamento dado à ação humana – e, lembre-se, a decisão judicial é uma ação!. Como a Lógica Formal e as ciências são incapazes de orientar a ação humana (pois se limitam a um conhecimento da realidade, a dizer como é a realidade, e do fato de a realidade ser de uma maneira não se pode extrair nenhum dever, não se pode passar do ser ao dever-ser), para o Positivismo Jurídico, os motivos que levam o juiz a interpretar e decidir o caso de uma determinada maneira não podem ser racionalmente justificadas, podem apenas ser descritas.
Por meio da Teoria da Argumentação, Perelman procura mostrar como é possível orientar racionalmente a ação humana, quando se trata de convencer ou persuadir as pessoas de algo e a fazer algo.
Quando os valores (o justo, por exemplo) estão em jogo, existem técnicas de argumentação que procuram estabelecer um acordo (consenso) entre o orador e o auditório. Orador é quem argumenta. E o orador dirige-se a determinadas pessoas (o auditório). Oorador quer persuadir ou convencer o auditório de que a sua conclusão é justa ou razoável.
É nesse sentido que Perelman fala de Retórica, como um conjunto de técnicas de argumentação, de persuasão mediante o discurso – e é preciso ter cuidado para não confundir com o sentido vulgar de retórica (“falar bonito para enganar as pessoas”) que não é o sentido em que Perelman emprega o termo.Se não é possível estabelecer a verdade, por exemplo, quanto à interpretação de um dispositivo legal (é possível atribuir a ele mais de um sentido), a questão passa a ser a procura pelo consenso, a procura por persuadir os outros. Não se trata mais, como entendia Kelsen, de se preocupar com o processo “interno” do juiz interpretando e aplicando o direito; mas, sim, da maneira como o juiz justifica para o auditório, mediante a argumentação, a sua decisão.
O orador, mediante o seu discurso (argumentação), procura influenciar o auditório. No caso do direito, o auditório é representado pelos tribunais superiores. É verdade que, na primeira instância, os advogados se dirigem aos juízes de direito e estes, ao prolatarem suas sentenças judiciais, também se dirigem às partes. Todos eles, advogados e juízes, sabem, no entanto, que a parte vencida apelará da decisão, de maneira que serão os tribunais que decidirão em última instância.
Ao se dirigir ao auditório, o decisivo para o orador é encontrar objetos (fatos, valores, hierarquias de valores, “topoi”) que venham a estabelecer um meio de se obter o acordo, a adesão do auditório.Um dos conceitos centrais da Retórica é o conceito de “topos” (o seu plural é “topoi”). “Topos” é uma palavra grega que significa “lugar” (daí se falar em “medicamente de uso tópico”, uma pomada, por exemplo, que deve ser aplicada no lugar em que há uma lesão; ou “utopia”, lugar que não existe). “Topos” é uma forma padronizada de argumentar ou um esquema de um argumento, que pode ser utilizado em diferentes circunstâncias, Por exemplo: o princípio de que “a lei especial revoga a lei geral”. Sempre que duas normas se contradizerem, sendo uma geral e a outra particular, esse “topos” é utilizado para eliminar o conflito entre elas.
· Como se pode perceber, a argumentação que se dirige ao seu auditório é construída a partir desses “topoi”, isto é, segundo esquemas de argumentos.
Se existem regras para argumentar, essas regras não foram estabelecidas pelo orador. São regras aceitas pelo auditório. Como o orador objetiva a adesão do auditório, deve seguir essas regras.
Exemplo: o “topos” do argumento de autoridade. Ele não é aceito na Física: nenhum físico pode justificar a existência de buracos negros porque “Einstein disse que eles existem”. Já no direito, esse “topos” é aceito: se o Supremo Tribunal Federal decidiu de uma determinada maneira, ao utilizar essa decisão como argumento, ao incluir no seu arrazoado tal acórdão, o advogado se utiliza de um objeto poderoso para a adesão do seu auditório.
É por meio da obediência a padrões argumentativos aceitos pela comunidade jurídica que se diminui – ou se procura eliminar – a arbitrariedade na interpretação e na aplicação do direito. Se existem várias possibilidade de interpretação e de decisão, é possível racionalmente determinar qual é a mais justa ou a mais adequada.
Vamos supor que o professor em sala de aula pretende incentivar os alunos a visitarem uma exposição de arte moderna – por exemplo, a do pintor espanhol Pablo Picasso. O professor mostra aos alunos o cartaz da exposição, que traz os quadros abaixos (“O almoço na relva”), uma das obras expostas:
Os alunos não conhecem as obras de Picasso e ficam chocados com o que vêem:—
Isso não pode ser arte! Isso é muito feio!
– gritou o Marcelo.
— Eu não consigo nem entender o que foi pintado nessa tela! – completou a Marina.
Bem, o professor está em apuros. Ele precisa persuadir os alunos a visitar a exposição e o cartaz teve o efeito de afastá-los da exposição!
O professor (o orador) precisa dirigir uma argumentação (persuadir) aos alunos (o auditório) a fim de que eles visitem a exposição (realizar uma ação). Para isso, o professor precisa conhecer os valores do auditório e encontrar um elemento comum (“topos”) aceito por todos e conseguir obter a sua adesão (consenso).Ele vê uma aluna com a camisa do conjunto de rock Queen, com a imagem estampada do Freddie Mercury. E dispara:
— O Freddie Mercury costumava dizer que as pinturas da arte moderna são como as mulheres, você jamais vai gostar delas se tentar compreendê-las. Ainda que vocês não consigam compreender a pintura, a visita vale a pena pela experiência de estar em contato com a arte e passar a gostar dos quadros de Picasso.
Bem, na verdade, os alunos não se persuadem, já que, para eles, o Freddie Mercury não é uma autoridade no assunto. Por que acreditar nele? Além do que, muitos alunos têm antipatia pela sua música, de maneira que o professor não obtém a adesão do seu auditório. O professor vai ter mais trabalho do que imaginava.
— Pessoal, vamos partir do que o Marcelo disse. Realmente, a pintura não é bonita. Agora, será esse fato um defeito do quadro? Somente poderia ser um defeito se o pintor estivesse pensando em realizar uma bela pintura. Será esse o caso de Picasso? Não. E por que não? Porque, para a arte moderna, a idéia de beleza deixou de servir de parâmetro para se determinar o que é arte.
— Mesmo sabendo disso, por que sair de casa para ver uma pintura feia dessas? Se for para sair de casa, gastar na condução, no lanche, no ingresso, que seja para ver alguma coisa bonita!
— Vale a pena para conhecer algo que é novo para vocês. Afinal, vocês estão na Universidade para conhecer coisas novas – retruca o professor, apoiando a sua argumentação no valor do conhecimento, um valor tão importante para os estudantes.
— Sim, coisas novas, mas coisas ligadas ao direito, já que cursamos direito! O que uma obra de arte pode me ensinar para que eu me torne um advogado melhor? Os demais alunos parecem concordar com o Marcelo.
O professor percebe que o útil é um valor largamente aceito pelos alunos – afinal, é um valor aceito pelas sociedades capitalistas, como a brasileira. O professor sabe que a arte não tem valor pela sua utilidade; mas, nesse momento, o mais importante é fazer com que os alunos visitem a exposição. Na aula da semana seguinte, discutirá com eles a questão da utilidade ou não da arte; vai deixar essa discussão para depois, porque agora consegue encontrar o “topos” que poderá finalmente conseguir a adesão do auditório, o valor do útil:
— Muito bem. Partindo da premissa de que as atividades devam ter uma utilidade (premissa que assumo provisoriamente), a arte moderna pode nos ensinar muitas coisas: (i) a pensar por conta própria, pois os artistas – principalmente os modernos – costumam romper com as idéias aceitas no seu tempo, questionando aquilo que era tido como verdadeiro; (ii) a encontrar um modelo de autenticidade, pois muitos dos artistas foram incompreendidos pelo seu tempo,mas nem por isso deixaram de acreditar em si mesmos ou de procurar uma maneira própria de se expressar, diferente das pessoas do seu tempo; (iii) a sempre mostrar, de uma maneira nova, aquilo que é rotineiro, que já é conhecido por todos nós.
— Um bom advogado, continua o professor, precisa de todos esses atributos. Ele deve ser capaz de olhar o problema a partir de um ângulo novo, pois somente assim descobrirá uma solução que não existia antes que ele a concebesse. Por exemplo, interromper a gravidez configura o crime de aborto. Interromper a gravidez de feto anencéfalo significa cometer esse crime; salvo se o feto não tiver viabilidade de vida, uma vez que, por meio desse tipo penal, protege-se o bem jurídico vida. Ora, se viabilidade de vida não há, não há que se falar em crime contra a vida (como o aborto). Essa capacidade de ver o novo onde todos somente enxergam a mesma coisa é o que permite ao advogado descobrir uma solução jurídica que, por sua vez, encontre o direito, a justiça no caso concreto.
Os alunos finalmente pareciam concordar com o professore aceitar fazer o que lhes era proposto: visitar a exposição de Pablo Picasso.
— Para completar, meus caros alunos, percebam a posição das figuras no centro do quadro: Picasso está citando a pintura “O almoço sobre a relva”, do grande pintor Édouard Manet (para muitos, o primeiro pintor da arte moderna); e Manet, por sua vez, cita uma gravura de Raimondi, que nada mais é do que uma citação de Rafael, pintor do Renascimento italiano. Isso nos pode levar a pensar como o direito é feito também de citações, no sentido de que, no direito, o que temos é uma série de padrões que se repetem (nas artes plásticas, há uma série de padrões gráficos, como o padrão dessas três figuras sentadas, que se repete ao longo do tempo, pelas obras mencionadas; no direito, os padrões se constituem de estruturas de argumentos). São esses padrões argumentativos (a analogia, o princípio de que ninguém pode se aproveitar da própria torpeza, o “in dubio pro reo”, o critério de que a norma especial revoga a norma geral, “suum cuique tribuere”, dar a cada um o que é seu etc.) que garantem a própria possibilidade de encontrar a solução mais justa para o caso concreto, ou seja, de realizar o próprio direito. Mais do que um conjunto de normas, o direito é um conjunto de padrões de argumentos.
“O Almoço sobre a Relva”, de Édouard Manet (1832-1883).
Marcantonio Raimondi (1480-1534), “O Julgamento de Páris”, a partir de um desenho de Rafael Sanzio (1483-1520). Note as três figuras no canto inferior direito do quadro.
 
 
O almoço na relva - Pablo Picasso
O Almoço da Relva
O Almoço da Relva
Fonte: Marcantonio Raimondi (1480-1534), ¿O Julgamento de 
Páris¿, a partir de um desenho de Rafael Sanzio (1483-1520). Note as três figuras no canto inferior esquerdo.
Referências
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
GADAMER, Hans-Gerog. Verdad y Método. Salamanca: Ediciones Sigame, 2001.
KELSEN. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Brasília: Dep. de Imprensa Nacional, 1979
A Tópica de Theodor Vieweg
O aluno deverá ressaltar a importância da argumentação no direito, encontrando a racionalidade nos padrões de argumentação, que diminuem a arbitrariedade nas decisões judiciais.
A Tópica de Theodor Vieweg Theodor Vieweg (1907-1988) nasceu na Alemanha, foi juiz e também filósofo do direito.
Em 1953, publicou sua principal obra, “Tópica e Jurisprudência”, traduzida para o português por Tercio Sampaio Ferraz Jr., que foi orientando de Vieweg, na Universidade de Mainz, na Alemanha.
· O nome do Tercio não leva acento!!!!!
· 
Vieweg caracteriza a tópica de diversas maneiras:
a) como uma técnica do pensamento problemático;
b) pela noção de “topos” ou lugar comum;
c) como busca pelas premissas (no pensamento problemático, as premissas ganham maior importância que as conclusões).
Os “topoi” (plural de “topos”) são premissas que, em razão da sua plausibilidade, são aceitas e compartilhadas pelas pessoas. Perelman também se refere aos “topoi”, mas os entende num sentido mais restrito que Viewweg. Para o primeiro, “topos” é um esquema de argumento; para Vieweg, “topos” é também o próprio argumento.
Exemplos de “topoi”:-
· Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza;- 
· Norma especial revoga norma geral;-
· Quem pode o mais, pode o menos;-
· Não se pode transferir a outrem mais do que se tem;-
· Os contratantes devem respeitar a boa-fé; etc.
Como são aceitos pelas pessoas, aqueles que invocarem os “topoi” não precisam apresentar razões para justificar o seu emprego argumentativo; o que não ocorre com aqueles que se dispuserem a contestá-los, que têm o ônus de provar que determinado “topos” deve ser afastado.
Vieweg entende a tópica como uma técnica do pensamento problemático. Para ele, problema significa uma questão que admita mais de uma resposta. No direito, o problema aponta para a aporia fundamental do justo “aqui e agora”.
Para se compreender o sentido de problema, Vieweg estabelece a distinção entre:
a) o pensamento sistemático: sistematiza aquilo que já está dado, decidido ou já se encontra positivado; e
b) o pensamento problemático: a partir dos “topoi”, procura solução que ainda não se encontra dada.
O pensamento problemático enfatiza que uma determinada situação concreta apresenta várias soluções jurídicas, o que significa dizer que o juiz terá de escolher uma delas.
Já o pensamento sistemático parte de um sistema, que fornece a solução para todo e qualquer problema apresentado – surgindo um problema que não esteja dentro da relação de problemas selecionados pelo sistema, esse problema novo deve ser ignorado como pseudo-problema, uma vez que são as próprias normas do sistema que determinam quais são os problemas relevantes.
Como as normas do direito brasileiro, ao disciplinar a união estável, determinam que é a união entre um homem e uma mulher, do ponto de vista do pensamento sistemático, a união estável homoafetiva seria um pseudo-problema, ou melhor, não se configura como problema para o direito. Ora, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal reconheceu recentemente a união estável homoafetiva, entendendo que se estava diante de um problema jurídico e encontrou a solução jurídica para ele.
É importante dizer que Vieweg não se opunha ao pensamento sistemático, mas, antes, procurava acentuar a primazia do pensamento problemático para o direito. Segundo ele, o direito sempre se orientou pela tópica, desde o direito romano até a época moderna: a partir de um problema dado, procurava encontrar argumentos que encaminhassem a sua solução. A partir da época moderna (século XVII), implementou-se o modelo axiomático-dedudtivo (sistema dedutivo): a partir de certas premissas, deduzem-se todas as demais normas.
Apesar dessa tentativa de impor o modelo axiomático-dedudtivo, o direito jamais deixou de ser tópico na sua aplicação, uma vez que:
a) as normas e os fatos precisam ser interpretados;
b) o direito – pelo menos o direito moderno – proíbe o “non liquet”;
c) existem casos não previstos pelo legislador (lacunas);
d) a solução prevista por uma norma não se revela a justa medida para o caso.
Tome-se, como exemplo de “topos”, a cláusula geral da boa-fé (Código Civil, art. 422: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua consecução, os princípios de probidade e boa-fé”).
Tem-se uma idéia geral do que seja a boa-fé. Dado um caso concreto, no entanto, o que significa agir de boa-fé? Nesse caso concreto, o dever de agir com boa-fé pode levar a que se limite o exercício de um direito subjetivo da outra parte? E, se em lugar de limitar, ele se satisfizer em ampliar o escopo dos deveres já estabelecidos contratualmente? Há possibilidade de se afastar por completo a autonomia da vontade das partes, em face do dever de agir com boa-fé?
Segundo o artigo 766 do Código Civil, “se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”.
Carlos contratou seguro do automóvel e, ao preencher o seu perfil, declarou à seguradora que não utilizava o veículo no período noturno para freqüentar nenhum curso, para se dirigir à faculdade, por exemplo. O carro foi furtado e a seguradora descobriu que o furto aconteceu nas imediações da faculdade cursada por Carlos à noite. Ela se negou a indenizar Carlos, invocando o artigo 766 do Código Civil. Partindo-se do sistema, a solução pode ser facilmente encontrada.
Trata-se, contudo, de uma solução inaceitável, porque se violou a boa-fé objetiva. Ao se partir do problema, uma série de questionamentos se apresenta. É preciso esclarecer que não se trata da boa-fé subjetiva (ou seja, não se trata de verificar a intenção de Carlos ao omitir da seguradora a informação de que usaria o veículo para se dirigir à faculdade à noite), mas da objetiva. Se é assim, deve-se, agora, perguntar:se Carlos tivesse informado a seguradora de que ele usaria o carro para freqüentar a faculdade, a seguradora teria recusado o risco?
Pela análise da maneira objetiva de contratação do seguro em São Paulo, onde ocorreu a sua contratação, pode-se dizer que não, pois a seguradora se limitaria a aumentar o valor do prêmio a ser pago pelo segurado (para simplificar, ela cobraria 10% a mais, em virtude de o risco ser também maior). Primeira conclusão: se essa falta de informação não seria capaz de impedir a contratação do seguro, a falta dessa informação não pode ser invocada como razão para que a segurador deixe de indenizar o segurado! Segunda conclusão: se essa falta de informação fez com que a seguradora cobrasse 10% a menos pela contratação do seguro, ela pode descontar esses 10% no momento da indenização (se o valor da indenização for R$ 60.000,00, ela pode descontar os 10% e indenizar apenas R$ 54.000,00).
Como se pode perceber, utilizou-se o pensamento problemático, e, por meio de um “topos”, a boa-fé objetiva, não apenas foram interpretadas algumas normas jurídicas, como também se encontrou uma solução mais adequada para o caso concreto.
Se o direito se encontra no campo do razoável, cabe à tópica encontrar caminho para que a decisão seja justa. Não se trata de caminho arbitrário, uma vez que a razão caberá a quem recorrer aos “topoi” mais aceitos pela comunidade jurídica, articulando-os de maneira mais coerente e persuasiva.
Pode-se ver como a argumentação jurídica restringe a arbitrariedade: há liberdade na atividade de argumentar, o que não significa arbitrariedade, porque ela é articulada pelos “topoi” ao redor dos problemas – a atividade da ciência do direito é concebida e compreendida a partir do problema.
No caso tratado pelo acórdão abaixo, a defesa do réu questiona a validade da perícia realizada nos objetos apreendidos, já que não foi realizada em todos os bens apreendidos, como o Código de Processo Penal determina em seu art. 530-D: “subseqüente à apreensão, será realizada, por perito oficial, ou, na falta deste, por pessoa tecnicamente habilitada, perícia sobre todos os bens apreendidos e elaborado o laudo que deverá integrar o inquérito policial ou o processo”.
Por meio de um raciocínio tópico, esse argumento é recusado: “entendo ser plenamente admissível, no caso concreto, a prova pericial que recaia sobre bens analisados por amostragem, a despeito da redação do art. 530-D do CPP. É que a simples interpretação sistemática não é mais admitida. Deve o magistrado aplicar o direito a partir do caso concreto, conjugando ao pensamento sistemático também o pensamento problemático. É dizer: o Direito deve ser compreendido como sistema aberto às particularidades do caso concreto”.
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES – DIREITO AUTORAL - RESGATE DO VOTO MINORITÁRIO QUE MANTEVE A DECISÃO ABSOLUTÓRIA PROFERIDA NA INSTÂNCIA PRIMEVA POR AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO DELITO - INVIABILIDADE - MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADA NOS AUTOS - EMBARGOS REJEITADOS.
O simples exame pericial por amostragem, que seja criterioso em avaliar aspectos externos aos objetos alvo de contrafação, tais como código de barras, nome do fabricante, selo holográfico e qualidade de impressão gráfica, é suficiente para atestar a materialidade do delito insculpido no art. 184, 2º, do Código Penal, inclusive se considerar o fato de que a ação penal, nos casos de cometimento do crime em testilha, é pública incondicionada, o que afasta a necessidade de constatação, prima facie, de qualquer uma das possíveis vítimas da violação ao seu direito autoral.
(...)
Feitas essas ressalvas, destaco que o objeto de divergência no presente caso se cinge à discussão da ausência ou não da materialidade delitiva, haja vista que a perícia realizada nos CD's e DVD's apreendidos foi feita por amostragem.
O eminente Desembargador Walter Luiz de Melo em seu voto sustenta que "o laudo de fls. 33/35 não obstante determinar os direitos autorais violados pelos produtos falsificados, o fez por amostragem, impossibilitando a consumação da conduta àquela tipificada no art. 184, 2º do CP". Afirma, ainda, que as provas dos autos "não apresentam elementos capazes de indicar quais pessoas físicas ou jurídicas tiveram direitos autorais e conexos eventualmente violados pela prática do apelado".
(...)
Primeiramente destaco que venho me posicionando no sentido de que a exigência de descrição de todos os titulares dos direitos violados (direitos do autor e conexos) não é razoável, pois o que importa não é a descrição de todos os títulos e de seus autores, mas sim o fato de os CD's e DVD's apreendidos serem inautênticos, o que restou devidamente comprovado pelo laudo pericial de fls. 33/35.
(...)
Outrossim, entendo ser plenamente admissível, no caso concreto, a prova pericial que recaia sobre bens analisados por amostragem, a despeito da redação do art. 530-D do CPP. É que a simples interpretação sistemática não é mais admitida. Deve o magistrado aplicar o direito a partir do caso concreto, conjugando ao pensamento sistemático também o pensamento problemático. É dizer: o Direito deve ser compreendido como sistema aberto às particularidades do caso concreto.
Nesse diapasão, há que se reconhecer a legalidade da perícia de fls. 33/35.
Ora, o fato de os peritos, por razões de ordem técnica, ter optado por escolher, aleatoriamente, alguns exemplares dos CD's e DVD's apreendidos para proceder a comparação com o material autêntico, de modo algum altera o valor probante da prova técnica.
Neste ponto, nem se diga que a perícia se ateve aos aspectos externos do material apreendido, pois os signatários, conforme esclarecem, submeteram as peças motivo e padrão a sucessivas análises comparativas, embora tenham priorizado a análise das características de fabricação relativas ao código de barra, número de catálogo, nome do fabricante, impressão da capa ilustrativa, selo holográfico, etc.
Com efeito, o exegeta não pode se apegar à literalidade do texto legal. Impõe-se que utilize como filtro hermenêutico a Constituição e os princípios gerais do direito. Sendo assim, não lhe é facultado olvidar-se da exeqüibilidade da norma. Deve ele, diante das dificuldades do caso concreto, questionar-se acerca da pertinência, adequação e proporcionalidade do ato impugnado.
Ademais, entendimento diverso pode vir a ocasionar a inviabilidade da própria realização da prova em procedimentos como o dos autos, em que foi apreendida considerável quantidade de material ilícito. Ora, chega a ser jocoso pretender que peritos, não importa se oficiais ou "ad hoc", atolados de serviço como bem se sabe, analisem as milhares de mídias contrafeitas e que constituem objeto de prova em sabe-se lá quantos inquéritos/processos criminais no vasto território de Minas Gerais.
(...)
De mais a mais, caso houvesse autorização dos titulares do direito para a reprodução, não há dúvida de que a defesa traria essa prova ao processo. Entendimento contrário, sempre com o devido respeito ao defensor, equivaleria a uma inversão de valores: o titular do direito é que teria que diligenciar e identificar a violação, para possibilitar a sua indenização e a punição do acusado. Não há dúvida, a meu sentir, de que apreendidas as mídias contrafeitas em poder do acusado - e provado que ele as expunha à venda -, a este incumbe demonstrar a licitude de sua conduta, o que não foi feito até o momento.
Referências
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2008.
BITTAR, Eduardo C.B.; ALMEIDA, Guilherme de Assis. Curso de Filosofia do Direito. 4.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.
PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: a nova retórica. Tradução de Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
A Filosofia Hermenêutica
O aluno deve entender que a Filosofia Hermenêutica parte do ser humano entendido em seu sentido singular e concreto, tanto a estrutura da nossa compreensão quanto a maneira como estamos no mundo e aestrutura do mundo para nós.
  
A Filosofia Hermenêutica.
Para a Filosofia Hermenêutica, a interpretação não se resume a um método para se alcançar o sentido dos textos, mas revela uma característica essencial da presença do ser humano no mundo, a sua existência.
A Filosofia Hermenêutica parte do ser humano entendido em seu sentido singular e concreto, do modo de ser desse existente humano, a fim de revelar tanto a estrutura da nossa compreensão quanto a maneira como estamos no mundo e a estrutura do mundo para nós.
Seus principais representantes foram Martin Heidegger (1889 – 1976) e Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002).
Como se sabe, o Positivismo Jurídico foi o paradigma teórico dominante na filosofia e teoria do direito durante o século XIX e boa parte do século XX. Não apenas no direito, mas também em outras ciências, a visão positivista diante do saber científico foi muito influente nesses séculos.
A Filosofia Hermenêutica representa uma crítica a essa postura positivista:
a) o positivismo apresenta uma preocupação teórica de ordem metodológica e não valorativa, enquanto que, para a filosofia hermenêutica, o conhecimento é valorativo, na medida em que o mundo humano é o mundo das ações que precisam ser compreendidas, no qual o próprio sujeito que conhece faz parte do processo de conhecimento;
b) o positivismo entende o conhecimento como uma relação entre um sujeito e um objeto exterior já dado na realidade, conhecer é descrever esse objeto; enquanto que, para a filosofia hermenêutica, o conhecimento somente pode ser obtido a partir da compreensão daqueles que conhecem, do ponto de vista interno dos participantes do processo de conhecimento, sendo que o conhecimento se compõe de enunciados interpretativos;
c) o positivismo jurídico separa os enunciados em descritivos (ser) e prescritivos (dever ser), a ciência do direito se compõe de enunciados descritivos a respeito das normas jurídicas (enunciados prescritivos); enquanto que a filosofia hermenêutica privilegia o discurso, a comunicação lingüística, como tecido de uma vida comum – a norma não é entendida mais como proposição ou fato, mas como argumento, como razões que somente podem ser obtidas a partir do interior dos contextos discursivos;
d) para o positivismo jurídico, a função da ciência do direito é descrever, do ponto de vista externo, o direito; enquanto que, para a filosofia hermenêutica, o conhecimento do direito somente se dá a partir da compreensão daqueles que o conhecem do ponto de vista interno (por exemplo, da comunidade jurídica, dos juízes), o que significa dizer que a ciência do direito não é exterior ao direito;
e) para o positivismo jurídico, existe um objeto (enunciado normativo) que precede a interpretação; enquanto que a filosofia hermenêutica vê o direito como atividade interpretativa, isto é, o direito deixa de ser entendido como um conjunto de normas que existem antes e de maneira independentes da sua interpretação pelos juízes e pelos juristas;
f) o positivismo jurídico concebe o sujeito do conhecimento como neutro, enquanto que a filosofia hermenêutica concebe o sujeito do conhecimento situado em determinada perspectiva e, por isso, o conhecimento é, ao mesmo tempo, ação (trata-se de um conhecimento valorativo), exigindo que se investiguem os motivos racionais da ação; e
g) o positivismo jurídico vê a decisão judicial como um resultado a ser descrito pela ciência do direito, enquanto que a filosofia hermenêutica vê a decisão judicial como ação, o que significa que importa também investigar os motivos racionais da ação, e não apenas o resultado obtido.
Para o Positivismo Jurídico, ao decidir, o juiz opera no vazio: ele analisa e toma conhecimento dos fatos do caso concreto, interpeta as normas jurídicas que estão à sua disposição, e aplica a norma escolhida ao caso para chegar à decisão judicial. Cabe à ciência do direito descrever o resultado de todo esse processo, pouco importando a ela como o juiz alcançou tal resultado. Para Hans Kelsen, os processos “internos” ao juiz, que o levaram à sentença judicial, são irrelevantes para a ciência do direito. Se alguma ciência deve deles se ocupar é a psicologia ou a sociologia.
Para a Filosofia Hermenêutica, contudo, antes que o juiz decida, os fatos e as normas jurídicas sofrem uma valoração por parte do juiz, valoração que não se processa no vazio. Essa valoração se dá segundo “lentes” adquiridas por meio da experiência social do juiz. Ao perceber aqueles fatos e aquelas regras, o juiz, como qualquer pessoa, acentua certos aspectos, valora as condutas, prefere determinado elemento a outros, entende que algumas características são aquelas relevantes para a sua solução, etc.
A esse processo inicial, a filosofia hermenêutica chama de pré-compreensão. Na pré-compreensão, há elementos subjetivos (dizem respeito àquele que compreende, como, no caso, o juiz, sua situação social, onde e em que época nasceu, sua formação familiar e social, suas expectativas e valores etc.) e objetivos (o contexto social no qual se dá todo o processo, pois a decisão judicial se constitui como prática social que se desenvolve dentro de uma tradição com vistas a cumprir determinadas expectativas históricas, sociais).
A interpretação é um processo circular, um processo constituído pelas interações entre os fatos, o texto legal e a pré-compreensão, ente os fatos e as normas, entre a norma e outras normas etc. – esse processo é conhecido como “círculo hermenêutico”.
Para a Filosofia Hermenêutica, ao se interpretar uma lei, é impossível se desvincular da própria situação histórica, da pré-compreensão. A lei não é a realidade do direito, mas apenas uma possibilidade do direito. É por meio de cada situação concreta, de modo distinto e novo, que o texto da lei vem a ser entendido e adequado.
O direito não é, portanto, um objeto dado e acabado, mas é construído, é algo em contínuo devir, resultado da sua contínua aplicação (práxis interpretativa/aplicativa). A interpretação é a síntese entre a norma abstrata e o caso concreto, razão pela qual o processo de interpretação do direito não pode ser separado do processo de aplicação do direito ao caso concreto.
A aplicação (interpretação) é a passagem do geral ao particular, do passado ao presente. A compreensão se dá justamente nessa mediação entre o geral e o particular. Quando se trata da lógica ou da ciência natural, essa passagem poderia ser explicada mediante a subsunção: se a Biologia afirma que os mamíferos são vertebrados e que os cães são mamíferos, conclui-se que todos os cães são vertebrados.
No campo do direito, da sua aplicação, não se utiliza o modelo lógico-formal da dedução, mas a razão prática, uma sabedoria prática que consegue lidar com aquilo que é contingente e com o tempo. Ao decidir se um médico agiu com culpa ao cancelar uma cirurgia por entender que ela representava um risco de morte do paciente, sendo que o paciente veio a morrer no dia seguinte, o juiz deverá ser capaz de estabelecer, nesse caso específico, quais eram os deveres e obrigações próprias do médico – não basta dizer que ele devia salvar a vida do paciente, porque a questão permanece: o médico salvou-lhe a vida (ainda que por um dia) ao cancelar a cirurgia ou não lhe permitiu uma chance maior de vida quando cancelou a cirurgia? O que seria legítimo exigir do profissional naquelas circunstâncias? As razões para cancelar a cirurgia são aceitáveis? É relevante saber como agiria outro médico? Que informações estavam disponíveis ao médico no momento em que decidiu cancelar a cirurgia? Os demais profissionais da área médica têm alguma responsabilidade? O anestesista, que concordou com o cancelamento da cirurgia, tem alguma culpa? O Hospital? Seria legítima a expectativa de que o paciente apresentasse melhoria no seu quadro clínico sem a intervenção cirúrgica? Qual o grau de confiabilidade em prognósticos dessa natureza?
O que caracteriza a ação (seja a do médico ao cancelar a cirurgia, seja a do juiz ao julgar) é a sua contingência. É preciso agir, contudo, tendo-se consciência queo curso e o sentido da ação somente se dão pela ação, isto é, ao agir. As normas jurídicas e as decisões tomadas pelo médico somente são encontradas e somente se conformam na ação.
Referências
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação - uma contribuição ao estudo do Direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica jurídica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993.  
BETTI, Emilio. Teoria generale della interpretazione. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1990.
Distinção entre as duas espécies de normas: regras e princípios
Entender que para o Pós-Positivismo, as normas jurídicas são um gênero com duas espécies, as regras e os princípios.
  
Distinção entre duas espécies de normas: regras e princípios.
De acordo com o Pós-Positivismo, as normas jurídicas são um gênero com duas espécies: as regras e os princípios.
a) as regras, por meio da hipótese fática, disciplinam uma situação; quando se dá tal situação na realidade, incide a norma.
Exemplo: a norma que tipifica o homicídio estabelece, como hipótese fática, “matar alguém”, o que engloba uma série de condutas, como esfaquear, dar um tiro, desligar aparelho que mantém artificialmente a pessoa viva, envenenar etc. Se uma pessoa envenena outra e esta morre, a norma tem incidência; se não há morte, não incide a referida norma;
b) os princípios são diretrizes gerais, o que significa dizer que a sua incidência é mais ampla e difusa, incidindo num arco maior de situações concretas.
Exemplo: o princípio da presunção de inocência, que protege o réu de uma condenação injustificada, disciplina como deve ser produzida a prova para que o réu possa vir a ser condenado ou como se deve dar a ampla defesa do réu.
Reconhecer os princípios como verdadeiras normas jurídicas significa reconhecer a sua normatividade, a sua aplicação direta e imediata aos casos concretos, a sua eficácia. Esse reconhecimento é recente na teoria jurídica.
Os princípios jurídicos foram entendidos de diferentes maneiras ao longo do tempo:
a) pelos jusnaturalistas, como axiomas racionais a partir dos quais as normas jurídicas seriam deduzidas: a partir dos princípios da justiça comutativa – princípios já estudados por Aristóteles, já descobertos pelos jurisconsultos romanos – deveriam ser deduzidas as normas do direito das obrigações, por exemplo;
b) meio de integração do direito, como os entendia o positivismo jurídico. Em caso de lacuna, se poderia recorrer aos princípios para dar a solução jurídica ao caso;
c) mera expressão de valores, sem nenhuma normatividade jurídica (como não apresentam sanção, os princípios não seriam normas jurídicas, mas simples expressão dos valores aprovados socialmente).
Com o reconhecimento dos princípios como normas jurídicas, modifica-se a maneira de se compreender o direito. Entender o direito como composto apenas por regras tem, como cosequência, admitir que os casos não previstos pela sua hipótese fática são casos de não direito.
Exemplo: todas as normas (normas que são regras) do direito brasileiro que disciplinam a união estável determinam que união estável é a união entre um homem e uma mulher. Quando dois homens ajuízam ação pedindo o reconhecimento de união estável, a ação deve ser rejeitado como um caso não previsto pelo direito, pois não se subsume na hipótese fática daquelas normas.
Ora, ao se partir de um princípio, como o da igualdade, é possível entender que o direito disciplina o caso daqueles dois homens que mantém relação homoafetiva. Foi o que entendeu o Supremo Tribunal Federal recentemente.
Referências
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação - uma contribuição ao estudo do Direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008.
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica jurídica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
 
A visão Robert Alexy
O aluno deverá entender que de acordo com o critério de Robert Alexy, se a norma puder ser aplicada gradualmente, estaremos diante de um princípio; se a norma é aplicada na totalidade, então se está diante de uma regra.
  
A visão de Robert Alexy
Robert Alexy é um filósofo alemão, nascido em 1945. Publicou a sua principal obra, “Teoria da Argumentação Jurídica”, em 1983.
Para Alexy, existem duas espécies de normas: as regras e os princípios:
a) regras são normas que devem ser cumpridas na sua totalidade e também aplicadas na sua totalidade; e
b) princípios são mandamentos de otimização, isto é, normas que devem ser cumpridas e aplicadas na maior medida possível a partir das condições reais e jurídicas possíveis.
As regras ou são cumpridas ou não são cumpridas. Já os princípios admitem que o seu cumprimento se dê de maneira gradual, em razão de limitação de ordem jurídica e fática.
Exemplo:- o direito à liberdade de expressão está restringido pelo direito a não ser discriminado em razão de raça (ao publicar uma obra, o seu autor tem a liberdade de expressar seu pensamento, desde que não seja discriminatório, por exemplo, aos judeus – como já decidiu o Supremo Tribunal Federal no caso do editor Siegfried Ellwanger, em sede de Habeas Corpus – HC 82.424);
· - todos os brasileiros têm direito à moradia. Não existem, contudo, condições econômicas para que o Estado construa e distribua moradias para todos aqueles que carecem de moradia. A limitação é de ordem econômica.
Outra distinção diz respeito ao conflito entre regras e a colisão entre os princípios:
a) conflito entre regras: esse conflito é resolvido de duas maneiras:
a.1) por uma cláusula de exceção. Suponha que o Regulamento da Biblioteca da Uninove contenha as seguintes normas: (Ni) “O aluno da Uninove devolverá o material retirado no prazo de 7 dias ” e (Nii) “O aluno de Direito da Uninove devolverá o material retirado no prazo de 15 dias”. Há um conflito entre Ni e Nii; e o conflito é resolvido quando se considera Nii uma cláusula de exceção à Ni: tratando-se de alunos do curso de Direito, há uma exceção quanto ao prazo de devolução do material da biblioteca. Conhecendo o amor que os alunos de Direito devotam aos livros, nada mais merecido!
a.2) ao se invalidar uma das regras em conflito. É o caso de uma regra que tenha sido declarada inconstitucional. No conflito, a regra infraconstitucional foi declarada inválida, o que significa dizer que deixou de existir o conflito com a regra constitucional.
b) a colisão entre princípios: a colisão é resolvida pela ponderação ou sopesamento dos princípios em colisão. É importante ressaltar que, somente diante de um caso concreto, é possível realizar a verificação de qual é o princípio de maior peso (maior importância, maior relevância).
Referências
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
BOBBIO, Noberto.Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 6ª ed., 1995
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4ª ed. São Paulo; Atlas, 2003.
PERELMAN, Chaïm. Tratado da argumentação: a nova retorça. Tradução Maria Ermantina Galvão; São Paulo; Martins Fontes, 1996.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
A visão de Ronald Dworkin
Compreender que as normas são um gênero com duas espécies, as regras e os princípios.
  
A visão de Ronald Dworkin.
Ronald Dworkin (1931-2013), filósofo do direito norte-americano, foi um crítico do Positivismo Jurídico, especialmente da teoria positivista mais refinada que, a seu juízo, é a de H. L. A. Hart.Publicou várias obras, sendo que as mais influentes são “Levando os Direitos a sério”, em 1977, e “O império do direito”, em 1986.
Para Dworkin, as normas são um gênerocom duas espécies, as regras e os princípios.As regras aplicam-se segundo o critério do “tudo ou nada”.
As regras, no antecedente normativo, estipulam uma condição ou hipótese para a sua própria incidência. Por meio da hipótese fática, as regras disciplinam uma série de fatos (“matar alguém”, “ser proprietário de imóvel urbano”).
Sempre que algum caso concreto se adequar à hipótese fática, incide a norma e, com ela, uma consequência jurídica é atribuída: (“pena de reclusão de 6 a 20 anos”, “obrigação de recolher IPTU”). Se João matou o seu cunhado, deve receber a pena de reclusão de 6 a 20 anos; se Mariana é proprietária de um apartamento em São Paulo, deve pagar o IPTU. Se os fatos do caso concreto não se adequarem à hipótese fática da norma, a norma não se aplica: se João feriu, mas não matou o cunhado, não se aplica a norma referida; se Mariana mora no apartamento cujo proprietário é o seu tio, ela não deve pagar o IPTU.
As regras estipulam deveres de maneira definitiva. Se uma outra norma determinar que os imóveis urbanos com área menor do que 40 m2 estão isentos do pagamento de IPTU e este for o caso do imóvel do tio de Mariana, estabelece-se um conflito de normas (antinomia) e, segundo o critério da especialidade, a norma especial revoga a geral, o que significa que se aplica ao caso apenas a norma especial (isenção do IPTU).
Já os princípios não se aplicam da mesma maneira. Eles possuem o que Dworkin chama de dimensão de peso. Os princípios estabelecem deveres provisórios, isto é, eles admitem que sejam afastados pela aplicação de outros princípios. Apenas no caso concreto é que se saberá qual o princípio será aplicado e, por conseqüência, qual o dever que se revelou preponderante.
No Brasil, existem dois princípios constitucionais: o da liberdade de expressão e o da não discriminação em razão da raça, religião etc. No plano abstrato, não existe conflito entre eles. Num caso concreto, contudo, pode ocorrer um conflito: alguém escreve um livro em que afirma que os adeptos de uma determinada religião são pessoas degeneradas.
Dizer que prevalece um dos dois princípios, não significa dizer que um seja válido e o outro seja inválido, mas apenas que, no caso concreto analisado, um deles deve prevalecer (os dois princípios são e continuam sendo válidos).
Diferentemente de Alexy, Dworkin admite a existência de apenas uma resposta que seja a correta, do ponto de vista jurídico, para um determinado caso. Dworkin justifica essa pretensão por meio de uma concepção mais forte dos princípios.
Referências
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. (Trad.) Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
______ . Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
______ . O Império do Direito. (Trad.) Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fonte, 2003.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. (Trad.) Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UNB, 1999.
HART, HERBERT L. A. O Conceito de Direito. (Trad.) A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
Princípio da razoabilidade
Conhecer o Princípio da Razoabilidade como garantia do devido processo legal, com base na Constituição dos Estados Unidos da América.
Princípio da Razoabilidade
Na doutrina brasileira, os Princípios da Proporcionalidade e o da Razoabilidade são, muitas vezes, tratados como sinônimos.
Se ambos procuram limitar o poder do Estado (por meio do Estado-juiz, entenda-se), será estabelecida uma distinção entre eles:
a) quanto à origem: o Princípio da Razoabilidade surgiu nos Estados Unidos da América, o da Proporcionalidade, na Alemanha;
b) quanto à forma de aplicação: o Princípio da Razoabilidade avalia os atos do Estado, enquanto que o Princípio da Proporcionalidade diz respeito ao problema da colisão entre princípios.
O Princípio da Razoabilidade desenvolveu-se como uma garantia do devido processo legal, com base na Constituição dos Estados Unidos da América. No início, dizia respeito apenas quanto ao aspecto formal; depois, quanto à matéria do ato estatal.
Na Constituição Federal Brasileira, o artigo 5°, inciso LIV, determina: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, o que é considerado por muitos doutrinadores como uma disposição semelhante àquela da Constituição Norte-Americana.
Por meio do Princípio da Razoabilidade, o Poder Judiciário conseguiu limitar o poder estatal, especialmente quanto aos seus abusos.
No julgamento da Suprema Corte, em 1905, do caso Lochner versus Estado de Nova York, ficou estabelecida uma limitação quanto à possibilidade de uma lei afetar os direitos individuais: para fazê-lo, a lei deveria estipular uma adequação racional entre meios e fins, sendo que os fins deveriam sempre ser legítimos. No caso, uma lei do Estado de Nova York limitou o número de horas de trabalho dos padeiros. O proprietário de uma padaria, Joseph Lochner, foi acusado de ter violado a lei do Estado de Nova York. A Suprema Corte rejeitou o argumento de que a lei era necessária para proteger a saúde dos padeiros, entendendo a lei como atentatória à liberdade negocial, declarando-a irrazoável, desnecessária, arbitrária por interferir na liberdade negocial dos indivíduos.
Por meio do Princípio da Razoabilidade, tem-se, portanto, um critério para avaliar uma lei (e, por extensão, qualquer outro ato do Estado, inclusive uma decisão do próprio Poder Judiciário):
a) qual o fim que é visado pela lei?
b) esse fim é legítimo? Ou seja, é conforme ao que dispõe a Constituição?
c) os meios estipulados para atingir esse fim são adequados?No caso abaixo, a candidata que havia sido desclassificada foi readmitida em função da falta de razoabilidade entre os meios e os fins do edital do concurso:
Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. INSPEÇÃO DE SAÚDE. NÃO ENTREGA DE UM DOS VINTE E OITO EXAMES MÉDICOS EXIGIDOS. FATO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE DOLO. BOA FÉ DA CANDIDATA. CONTINUAÇÃO NO CONCURSO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E EFICIÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. O edital é a lei regulamentadora do concurso público, que vincula a Administração e os candidatos concorrentes ao cumprimento das regras ali estabelecidas. Contudo, a interpretação de suas normas não pode ser completamente enrijecida, sob pena de prevalecer o excesso de formalismo em detrimento aos fins que se pretende alcançar com a prática do ato. 2. A finalidade da inspeção de saúde é verificar a higidez do candidato, de modo a constatar doenças, sinais ou sintomas que o impossibilitem de exercer o cargo pretendido, conforme critérios gerais e específicos. 3. Desse modo, não se afigura razoável, nem proporcional, que a banca avaliadora elimine sumariamente o candidato que deixou de apresentar o resultado de apenas um, dentre os vinte e oito exames laboratoriais solicitados, sem oportunizar-lhe encaminhar os exames que comprovariam sua plena saúde física, máxime quando o próprio edital prevê que os exames podem ser apresentados posteriormente, a pedido da Junta Médica. 4. Ademais, restou comprovado nos autos que o exame faltante havia sido realizado quinze dias antes da data marcada para inspeção de saúde, com resultados satisfatórios, e estaria, portanto, pronto para ser apresentado na data prevista. 5. Dentro desse contexto, o ato administrativo que eliminou a candidata do certame não pode prevalecer, sob pena de contrariar os princípios da proporcionalidade erazoabilidade, até porque a entrega dos exames em data posterior à realização das avaliações era perfeitamente possível, de acordo com o edital, sem que houvesse qualquer prejuízo à Administração ou mesmo aos demais candidatos (...)
Referências
GADAMER, HANS-Georg. Verdade e método. Petropolis: Vozes, 1999.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
MEGALE, Maria Helena Damasceno e Silva . A Fenomenologia e a Hermenêutica Jurídica. Belo Horizonte:Edições da Fundação Valle Ferreira, 2007.
SALGADO, Ricardo Henrique Carvalho. Hermenêutica Filosófica e a aplicação do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
STRECK, Lenio Luiz Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2000.  
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2001. 
Princípio da proporcionalidade
Compreender que a denominação ¿princípio da proporcionalidade¿ foi mantida no título do tópico pelo fato de ser amplamente difundida na doutrina brasileira no campos da hermenêutica.
Princípio da Proporcionalidade.
A doutrina brasileira diverge a respeito de alguns temas a respeito:
a) a proporcionalidade é um princípio ou uma regra?
b) o princípio da razoabilidade e o princípio (ou regra) da proporcionalidade são a mesma coisa?
c) qual a origem da proporcionalidade?
O posicionamento adotado é o de que:
a) seguindo a teoria de Robert Alexy, a proporcionalidade é uma regra, já que é aplicada por subsunção, e não por ponderação;
b) a proporcionalidade não se confunde com a razoabilidade; e
c) apesar de alguns autores encontrarem a origem da proporcionalidade na passagem para o Estado de Direito, foi a partir dos julgamentos do Tribunal Constitucional Alemão depois da Segunda Guerra Mundial que ela foi desenvolvida de fato.
A denominação “princípio da proporcionalidade” foi mantida no título do tópico pelo fato de ser amplamente difundida na doutrina brasileira.
Para Robert Alexy, a diferença entre regras e princípios não é apenas de grau, mas também de natureza.
Para ele, os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, constituindo mandamentos de otimização.
Quando os princípios colidem entre si, a decisão é obtida mediante o sopesamento, isto é, mediante a verificação da dimensão de peso de cada um dos princípios envolvidos nessa colisão, para que se chegue àquele que tem maior peso no caso concreto analisado.
A Constituição Federal de 1988 incorporou uma série de princípios, reconhecidos como verdadeiras normas jurídicas, aplicáveis, portanto, às situações concretas.
A regra da proporcionalidade é utilizada para resolver esses conflitos. Ela é, portanto, uma regra de interpretação do direito, para se alcançar uma decisão judicial. A proporcionalidade é importante para que, em razão de um ato do Estado, uma eventual restrição a um direito não se mostre desproporcional. Esse ato do Estado é um ato que procura realizar outro direito. Daí a colisão entre direitos (normalmente direitos fundamentais): para se promover um, acaba-se por restringir outro.
Como encontrar a justa proporção nesses casos? Trata-se de encontrar uma restrição às restrições (a proporcionalidade aplica-se contra atos estatais): essa a função da regra da proporcionalidade.
A regra da proporcionalidade estabelece que dentre todos os meios adequados para se alcançar a finalidade estipulada pela lei, deve ser escolhido o menos restritivo e, verificada a finalidade instituída pela norma, deve resultar numa relação de proporcionalidade entre os meios e o fim.
Analise-se a seguinte ementa:
DNA: submissão compulsória ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questão no direito comparado: precedente do STF que libera do constrangimento o réu em ação de investigação de paternidade (HC 71.373) e o dissenso dos votos vencidos: deferimento, não obstante, do HC na espécie, em que se cuida de situação atípica na qual se pretende - de resto, apenas para obter prova de reforço - submeter ao exame o pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai biológico da criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria.
Durante o casamento, foi gerado um filho. O marido (“M”) foi registrado como pai, dada a presunção de paternidade. Mais tarde, outro homem ajuíza ação para que seja declarado pai da criança. Como prova, juntou os exames de DNA dele próprio, da mãe e da criança. Como se a prova não bastasse, pediu que “M” também fizesse exame de DNA para comprovar que não era de fato o pai biológico da criança. Como o juiz de direito deferiu a produção dessa prova, “M” impetrou Habeas Corpus para ver anulada tal decisão.
Como os exames de DNA criança, da mãe e do autor da ação já se encontram nos autos, o exame de DNA de “M” não se faz necessário. Afinal, como se sabe, esse tipo de exame tem altíssimo grau de certeza. A questão que cabia ao Suprem Tribunal Federal decidir era se “M” deveria ou não ser obrigado a realizar o exame de DNA, fato que afetaria a sua dignidade pessoal, bem como violaria a sua intimidade e sua integridade física, sabendo-se que se tratava de uma prova não essencial para se determinar a paternidade.
O conflito de princípios se dá entre o direito do autor da ação a ter reconhecimento da paternidade, de um lado, e os direitos à dignidade pessoal, à intimidade e à integridade física de “M”.
Obrigar “M” a realizar o exame teria como consequência não promover a sua dignidade humana. Para que fosse promovido um fim (o direito ao reconhecimento da paternidade) uma medida desproporcional seria adotada (o desnecessário exame de DNA).
No caso de sopesamento dos princípios, tem-se que a integridade física e a dignidade pessoal prevalecem sobre o reforço que o exame de DNA de “M” eventualmente traria para a prova já existente nos autos.
· A aplicação do Princípio da Proporcionalidade envolve as seguinte etapas:
1. Adequação: o meio (o exame de DNA de “M”) era o meio adequado para se promover o direito ao reconhecimento da paternidade?
2. Necessidade: obrigar a realização do exame é necessário para se promover o direito ao reconhecimento da paternidade? Não existe outro meio mais adequado (menos lesivo a “M”) para tanto?
3. Proporcionalidade em sentido estrito: sopesamento entre a intensidade da restrição imposta a “M” (a obrigação de realizar do exame) e a importância do direito do autor da ação ao reconhecimento da paternidade. Comparar os danos decorrentes de se adotar a medida (obrigação de realizar os exames) com os benefícios dela advindos (reconhecimento ou não da paternidade).
Referências
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy Ed., 2001.
Outros princípios de justificação da decisão judicial na contemporaneidade
Entender que existem outros princípios constitucionais ligados à hermenêutica.
  
Outros princípios.
Além dos chamados princípios da razoabilidade e o da proporcionalidade, existem outros princípios constitucionais ligados à hermenêutica, como:
1. Princípio da supremacia da Constituição. As normas jurídicas constitucionais são as normas de maior grau hierárquico dentro do sistema jurídico, de maneira que prevalecem sobre as demais normas (normas infraconstitucionais). Como se sabe, se alguma lei ou ato administrativo entrarem em conflito com o disposto na Constituição, a lei ou o ato devem ser declarados inválidos.Dada essa posição desfrutada pela Constituição, as demais normas serão interpretadas a partir das disposições constitucionais.
2. Princípio da unidade da Constituição. Se a Constituição é um diploma com inúmeras normas jurídicas, não se pode conceber que essas normas sejam contraditórias entre si. Ainda que haja uma série de tensões entre as normas, é preciso que a interpretação da Constituição harmonize essas tensões, de maneira que, a partir de um conjunto de princípios basilares, conceba-se a ordemconstitucional como dotada de unidade.
3. Princípio da força normativa da Constituição. Esse princípio determina que, existindo mais de um sentido atribuído a uma norma constitucional, isto é, distintas interpretações, deve-se escolher aquele sentido que resulte em maior grau possível de eficácia ou de aplicabilidade àquela norma constitucional objeto de interpretação.
Referências
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy Ed., 2001.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996.
MAXIMILIANO, Carlos. Hemenêutica e Aplicação do Direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001.
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