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Questão Social e Assistência Social no Brasil Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Esp. Polyana Aparecida Santos Guimarães Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Assistência Social como Política Pública 5 · Assistência Social Como Política Pública: História, Análise e Marcos Legais · Percepções Sobre a Assistência Social no Período Pós 88 · O Processo de Institucionalização da LOAS e da PNAS · O SUAS no Contexto da PNAS O objetivo da unidade é avaliarmos o processo de constituição da Assistência Social como Política Pública de direito, compreendendo os seus principais marcos legais, tais como a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e da Política Nacional de Assistência Social - PNAS a partir de suas Normas Operacionais Básicas – NOBs. Para tal, buscaremos ainda compreender o papel do Sistema Único de Assistência Social – SUAS neste contexto. Por meio dessa unidade você poderá se apropriar dos conceitos e legislações que fundamentam a Assistência Social como política de Seguridade Social no cenário brasileiro. Nesta Unidade, percorreremos a trajetória da Assistência Social a partir da Constituição de 1988, a qual considera a Assistência Social como um dos tripés da seguridade social brasileira até sua institucionalização como política pública de direito. Para tal, você deverá refletir sobre o processo de institucionalização da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e sua operacionalização no cenário nacional. Convido você a explorar o conteúdo que segue de forma aprofundada, pois a exposição e discussão sobre cada legislação vigente no campo da Assistência Social poderá trazer-lhe um arcabouço de conhecimento técnico operativo para uma futura atuação como assistente social no campo da Assistência Social como espaço sócio - ocupacional. Estude o conteúdo dessa Unidade com compromisso, pois aqui introduziremos reflexões essenciais para a compreensão das próximas unidades que seguem. Assistência Social como Política Pública 6 Unidade: Assistência Social como Política Pública Contextualização Gostaria de propor uma introdução ao conteúdo teórico dessa Unidade a partir do processo de legitimidade da política de assistência social. Considerando o viés clientelista e as relações de favor presentes na trajetória da Assistência Social até sua consolidação como política pública de direito, após a leitura do texto abaixo, oriente sua reflexão sobre as seguintes questões: » A qual sistema econômico o texto se refere? » Como podemos relacioná-lo com a trajetória da assistência social? » Qual a mensagem deixada pelo autor para nós, trabalhadores da área social? Quando os trabalhadores perderem a paciência As pessoas comerão três vezes ao dia E passearão de mãos dadas ao entardecer A vida será livre e não a concorrência Quando os trabalhadores perderem a paciênciax Certas pessoas perderão seus cargos e empregos O trabalho deixará de ser um meio de vida As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência Quando os trabalhadores perderem a paciência O mundo não terá fronteiras Nem estados, nem militares para proteger estados Nem estados para proteger militares prepotências Quando os trabalhadores perderem a paciência A pele será carícia e o corpo delícia E os namorados farão amor não mercantil Enquanto a fome vai virar indecência Quando os trabalhadores perderem a paciência Quando os trabalhadores perderem a paciência Não terá governo nem direito sem justiça Nem os juízes, nem doutores em sapiência Nem padres, nem excelências Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca Sem que o humano se oculte na aparência O desejo será o termo de equivalência Quando os trabalhadores perderem a paciência Quando os trabalhadores perderem a paciência Depois de dez anos sem uso, por pura obsolescência A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá: “Fora o poder!” (Autor desconhecido) 7 Assistência Social Como Política Pública: História, Análise e Marcos Legais Abordaremos nesta Unidade o processo histórico de institucionalização da assistência social como política pública, a partir de sua composição dentro do tripé da seguridade social. Assim, analisaremos a implementação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) na passagem do século XX para o XXI. Adiante, você aprofundará seus conhecimentos, pois terá contato com diversos estudiosos que cotidianamente pesquisam sobre o tema abordado. Percepções Sobre a Assistência Social no Período Pós 88 Como previamente discutido no capítulo anterior, a assistência social percorreu uma longa e árdua trajetória para a sua consolidação enquanto política pública de seguridade social, tendo em vista seu caráter clientelista e disciplinador no enfrentamento da “questão social” durante alguns séculos. Até a segunda metade da década de 1980, o Brasil foi marcado por governos autoritários e com predominância do desenvolvimentismo voltado para as questões econômicas, nos quais, as ações sociais eram marcadas pelo viés do favor e do apadrinhamento, sem que houvesse a legitimidade da assistência social como política social de cunho estatal. Na efervescência política à época, decorrente do fim de um regime político representado pela repressão e pelo caos socioeconômico no qual vivia a maioria da população brasileira, a necessidade de rever os rumos da conjuntura política tornou-se cada vez mais expressiva. “A combinação entre pobreza, exclusão social e complexificação das relações sociais, num quadro que começava a ser influenciado pelos primeiros ventos da globalização, produzia múltiplos fatores de pressão e instabilidade” (MESTRINER, 2011, p. 184). Nessa conjuntura, em 05 de outubro de 1988, é promulgada a Constituição Federal, que reintegra o país à sua condição democrática de garantia de direitos sociais, civis e políticos, estimulando e promovendo em âmbito nacional o resgate da cidadania no âmbito das relações sociais. É nesse contexto que, associada à saúde e à previdência social, a assistência social passará a compor o tripé da seguridade social brasileira, através dos seus Arts. 203 e 204, que dispõem que: 8 Unidade: Assistência Social como Política Pública Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular o programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I - despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)II - serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiadss. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (CF/88). Enfrentando um momento marcado por pressões populares, a Constituinte foi promulgada durante o governo de José Sarney (1985-1990) que, sendo vice na chapa de Tancredo Neves assumiu o cargo do presidente após sua morte. Importante ressaltar que tal eleição não representou o resgate das eleições diretas, conforme exigiam as camadas populares e médias da população. A eleição naquele momento foi de forma indireta, por representação do Colégio Eleitoral, que votou favorável a Tancredo Noves na corrida presidencial com Paulo Maluf. A gestão de Sarney, no entanto, foi caracterizada por elevados índices inflacionários e aumento do nível de concentração de renda no país. “Em 1990, 1% dos mais ricos detém 17,3% da renda nacional, restando aos 10% mais pobres, 0,6%” (Folha de São Paulo, 14/11/90, apud MESTRINER, 2011, p. 196). Esse período ficou historicamente conhecido como Nova República. 9 Diálogo com o Autor ... a Nova República teria diante de si, tal como esfinge, uma sociedade dilapidada pela crise, imersa num frenético processo de reorganização de seus padrões de sociabilidade, repleta de tensões e demandas de difícil processamento e que não podiam ser atendidas de uma só vez. Tudo no Brasil parecia imóvel, desenraizado, ‘em transição […] sedimentando a ideia dos anos 80 de década ‘perdida’, nascida do contraste entre as promessas da redemocratização e os (poucos) resultados concretos obtidos pelas políticas O ranço focalizado e clientelista da assistência social era historicamente tão arraigado que, mesmo com a sua legitimidade estabelecida pela Constituição, timidamente a assistência tentava avançar para a consolidação de suas prerrogativas. A tentativa iniciou-se ao elencar proteção, em especial, aos grupos estruturalmente mais desprotegidos da sociedade, tais como crianças, idosos e pessoas com deficiências. Nesse cenário, a população brasileira enfrentaria a contradição entre a conquista de direitos sociais a partir da CF/88 e do retrocesso político marcado pela primeira eleição direta do país após o doloroso período de ditadura militar, em meio a uma grave crise econômica. A conjuntura da época favoreceu a candidatura e posterior eleição de Fernando Affonso Collor de Mello em 1989, ex-governador de Alagoas, que usou o poder da mídia televisiva para realizar seu próprio marketing pessoal, ao disseminar um discurso de ruptura com as antigas posturas coronelistas, fazendo “da perseguição aos marajás e a corrupção sua bandeira...” (MESTRINER, 2011, p. 197). Impulsionadas por arbitrárias e desmedidas decisões políticas e econômicas do governo Collor (como ficou conhecido), a população brasileira, representada por organizações não- governamentais e militantes de vários movimentos sociais, conseguiram a aprovação da Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) e do Estatuto da Criança e do Adolescentes (8.069/90), os quais representaram importantes conquistas no âmbito da proteção social. Enquanto isso, a assistência social permanecia estagnada, provocada pelo descaso do governo vigente, no qual foi vetado pelo Executivo o projeto que previa a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Além disso, a LBA e o CNSS eram usados estrategicamente nas negociações fantasmas que envolviam a família do então presidente. A LBA era a principal instituição do governo de representação nas ações sociais usada para usufruto de vantagens financeiras. Diálogo com o Autor Além dos desmandos financeiros, o organismo foi destruído na sua ação programática. Todo seu processo de mudança foi prejudicado pelo isolamento dos técnicos e ocupação dos cargos pelo critério clientelístico. Os projetos inovadores foram interrompidos e a ação desenvolvida se deu com caráter assistencialista e fisiologista. Assim, a FLBA, um dos maiores organismos de assistência social do governo federal, foi desmoralizada e praticamente destruída […] Já o CNSS, transferido em 1991 do Ministério da Educação para o Ministério da Ação Social, pouco foi considerado por esse governo. Como o critério para as subvenções e outros privilégios (no caso da LBA) se davam pela via política, prescindia-se da regulação exercida pelo CNSS, até porque no caso das entidades-fantasmas não podia ser exigido nenhum pré-requisito ou documentação, e provavelmente por o CNSS estar sob poder de grupos de parlamentos, com os quais o governo não quis conflitar (MESTRINER, 2011, p. 205). 10 Unidade: Assistência Social como Política Pública Collor nomeou parentes oriundos de várias regiões do Estado de Alagoas para cargos de confiança, os quais estiveram envolvidos em diversos escândalos relacionados à criação de empresas fantasmas para recolhimento do dinheiro público. É o caso de sua esposa, Rosane Collor, a qual presidia a LBA no período. “A filantropia e a assistência se identificam então, perversamente, com a prática de corrupção e do favorecimento patrimonial” (MESTRINER, 2011, p. 293). Com o envolvimento de Collor e sua família em grandes esquemas de corrupção, o apelo moral da população e a própria mídia que o levantou, o levaram ao impeachment em 1992, sendo substituído pelo seu vice, o mineiro Itamar Franco, que teria a tarefa de recuperar a confiança política do povo brasileiro, que presenciava o país destruído pela gestão anterior. O Processo de Institucionalização da LOAS e da PNAS Durante a gestão de Fernando Collor e mediante a história política do país, a qual fora marcada pelas formas coronelistas e assistencialistas de não-reconhecimento da assistência social como política pública, longo foi o processo de institucionalização da Lei Orgânica da Assistência. Considerando a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Orgânica da Saúde, ambos em 1990, a assistência social caminhou até aqui a passos lentos para a conquista de sua implementação. A dificuldade de aprovação da referida lei pelo Congresso Nacional foi alvo de militância política de pesquisadores e estudiosos por meio de congressos e conferências que buscavam discutir e se posicionar frente as necessidades de aprovação de uma lei específica para a área da assistência social, tendo inclusive, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP) como um dos mais referidos espaços de discussão, justificado, pelo seu programa de pós- graduação em Serviço Social. Com o então presidente Itamar Franco na presidência entre 1992 a 1994, tem-se a promulgação da Lei nº 8.742 de 07/12/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social). Ao regulamentar os artigos 203 e 204 da Constituição federal, a LOAS reconhece a assistência social como política pública de seguridade, direito do cidadão e dever do Estado, provendo-lhe um sistema de gestão descentralizado e participativo, cujo eixo é posto na criação do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS (MESTRINER, 2011, p. 206). Nesse sentido, a assistência social passou a ter visibilidade no contexto das políticas sociais e, embora estivesse a passos lentos do processo de efetivação enquanto garantidora de direitos, passou por profundas transformações em âmbito nacional. A começar pelo Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, que passou a ser instituído pela LOAS “como órgão superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão de Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social” (Art. 17). 11 Leia os artigos 17 e 18 da Lei Orgânica da Assistência Social, que dispõem sobre a instituição e competências do Conselho Nacional de Assistência Social no âmbito da LOAS. Diálogo com o Autor Da mesma forma que a Lei Orgânica de Assistência Social demandou para sua aprovação um longo e árduo movimento de lutas, mobilizado por diferentes agentese organizações sociais, também a CNAS exigiu um complexo processo de negociações e estabelecimento de consensos […] Como órgão democratizador da gestão da assistência social, com poderes de deliberação sobre a política e seus recursos orçamentários, sua implantação era vista com reservas pelo governo Itamar. Apesar disto, o ministro do Bem-Estar Social Juthay Magalhães, que empreendera negociações entre o governo e o movimento organizado, em favor da aprovação da LOAS, tendo que se desincompatibilizar do cargo de ministro para ser candidato, empreendeu articulações a fim de instalar rapidamente o Conselho, como garantia de operacionalização da Lei (MESTRINER, 2011, p. 220). Mediante o fim do mandato de Itamar Franco em 1993 e da posse do sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na presidência do Brasil em 1994, o país entraria num período representado principalmente pelo surgimento do Plano Real, que com a proposta de estabilização da economia e contenção da inflação ganhou aos poucos a confiança do brasileiro. Pelo desastre econômico e social ocasionado pelo governo Collor, o projeto neoliberal não conseguiu ganhar sustentabilidade no âmbito das políticas sociais, o qual seria disseminado de forma avassaladora nas estratégicas de intervenção econômica e social em todos os canais da gestão pública no governo de FHC. Os anos 1990 representaram para o país, o marco legal do projeto neoliberal, sistematizado pelas privatizações das empresas estatais, como a Vale do Rio Doce, pela mínima intervenção do Estado na economia e pela limitação das políticas sociais. “A reforma do Estado reduziu- se apenas a uma ‘desconstrução’, sem uma clara ‘perspectiva gerencial’, desmoralizando o funcionalismo” (MESTRINER, 2011, p. 173). Essa ideologia justificada em especial pela crise do capital, possibilitou o resgate a novas formas (ou talvez nunca extintas) de boicotes aos projetos de intervenção estatal na área de assistência social, abrindo espaço para o crescimento do terceiro setor, que se colocava na execução de um papel que deveria ser exercido pelo Estado. As entidades filantrópicas de assistência social deveriam ser regulamentadas pelo CNAS. Apesar dos esforços empreendidos de estudos, debates e da série de resoluções adotadas - , o Conselho não conseguiu alterar a relação público- privado e nem fixar critérios mais objetivos e corretos para a relação Estado- filantropia, no sentido da sua democratização e transparência, acabando por se envolver no comportamento conflituoso e incongruente do Ministério da Previdência e Assistência, que legisla pontualmente sem definir sobre o sistema de regulamentação que quer estabelecer sobre o setor privado (MESTRINER, 2011, p. 267). Nesse sentido, a CNAS na referida década caminhava na contramão das propostas estabelecidas na LOAS, que visava reiterar o caráter legitimador de direitos sociais. 12 Unidade: Assistência Social como Política Pública Diálogo com o Autor ...o CNAS, apesar de todos os esforços relatados, constitui-se num continuum do sistema anterior de regulação entre Estado e instituições sociais. O padrão de relação público-privado na assistência social continua discricionário, burocrático e cartorial, sem nenhuma avaliação qualitativa, permitindo que uma instância pública burguesa, um conjunto de instituições, num “corporativismo” pouco explícito, continuem dominando a área, numa aliança conivente com o Estado (MESTRINER, 2011, p. 265). Assim, “em 28 de maio de 1998, a Resolução nº 80 oficializa a estrutura do CNAS, que vinha funcionando em caráter experimental, editando novo regime interno, o terceiro nessa trajetória” (MESTRINER, 2011, p. 252), como podemos ver a seguir: Organograma CNAS/1998 Serviço de apoio ao sistema descentralizado e participativo Serviço de acompanhamento do orçamento e do fundo Assessoria Coordenação de normas Serviço de normas Serviço de cadastro Coordenação de comunicação social Coordenação de �nanciamento e orçamento Serviço de análise de registro e CEFF Serviço de apoio ao colegiado Serviço de apoio administrativo Serviço de arquivo Divisão de apoio técnico-operacional administrativo Coordenação de política de assistência social Colegiado Presidência Secretaria executiva Figura retirada da página 254 (Quadro 5.3) do livro: “O Estado entre a filantropia e a assistência social”, de Maria Luíza Mestriner. 13 Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, ganhou a reeleição fundamentado na suposta estabilização da taxa inflacionária do país e pôde prosseguir com as escamoteadas propostas neoliberais, promovendo a exacerbação da desigualdade social no país, evidenciada escandalosamente pelos elevados índices de desemprego, aumento de pessoas em situação de rua e em péssimas condições de saúde. Durante a gestão de 1994-2002, o Brasil teve um dos maiores aumentos da dívida externa na sua história, somado ao aumento da violência urbana e do número de pessoas vivendo em favelas, sob o mínimo investimento nas áreas da saúde, educação e projetos sociais. Dessa forma, logo após assumir, o governo procedeu ao desmanche dos organismos da assistência social, realizou um imbricado reordenamento político institucional bastante distante do previsto pela Loas. Criou a Secretaria da Assistência Social – SAS, onde alocou parte das ações da antiga FLBA, remanejando a atenção à criança e ao adolescente para o Ministério da Justiça (bem como o Conselho Nacional dessa área), e a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde ao Ministério da Saúde. Dilui, assim as ações assistenciais do Estado em vários órgãos, esvaziando a assistência social enquanto direito de cidadania. (MESTRINER, 2011, p. 274). A expressão “portadora de deficiência” caiu em desuso, sendo correto aferir o termo “pessoas com deficiência”, considerando que não é uma escolha para que se possa ou não portar a deficiência, mas sim, algo que já nasce com o indivíduo. Não obstante à delicada situação em que o Brasil se encontrava, o governo não media esforços para tornar as ações assistenciais cada vez mais centralizadas e focalizadas, completamente contrárias ao proposto pela Loas. Em 01/01/1995, pela medida provisória nº 813, aprovou o “Programa Comunidade Solidária”, muito favorável às propostas neoliberais, ao isentar qualquer relação da assistência social como uma política pública de direito garantida e regulamentada pelo Estado. Tal medida retomou os pressupostos de enfrentamento da pobreza com ações paliativas, representado ainda pela primeira dama, Ruth Cardoso. Ao retomar a cultura do primeiro damismo na história da assistência social brasileira, o programa expressou mais uma vez a dificuldade de avanços para a aprovação da política de assistência social, direcionada por ações descentralizadas e pautada no modelo de gestão compartilhada. Efetivamente, o Programa Comunidade Solidária caracterizou-se por grande apelo simbólico, com ênfase em ações pontuais, focalizadas em “bolsões de pobreza”, direcionadas apenas aos indigentes, aos mais pobres.” (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 58). Diálogo com o Autor Longe de ser fato episódico ou perfumaria de primeira dama, opera como uma espécie de alicerce que desmonta as possibilidades de formulação da Assistência Social como política pública regida pelos princípios universais dos direitos e da cidadania: implode prescrições constitucionais que viabilizariam integrar a Assistência Social em um sistema de Seguridade Social, passa por cima dos instrumentos previstos na Loas, desconsidera direitos conquistados e esvazia as mediações democráticas construídas” (TELLES, 1998, p. 19). 14 Unidade: Assistência Social como Política Pública Nesse contexto, a primeira aprovação da Política Nacional de Assistência Social ocorreu somente em 1998 que, juntamente ao CNAS teria sido fruto de grandes lutas sociais. Contudo, tornou-se timidamente insuficiente, devido à proposta que seperdurava com o Programa Comunidade Solidária e a própria resistência do governo de se efetivar as propostas. Era a tentativa de consolidação de uma política que de fato contemplasse de forma justa e democrática os interesses de grande parte da população. Como resultado do intenso processo de vulnerabilidade da população, desencadeado pelas sucateadas relações de trabalho, processos de exclusão e empobrecimento em massa, alavancadas pela hegemonia neoliberal na última década, grandes foram as manifestações em prol da revisão daquilo que se havia proposto na política de assistência social em 1998. Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e com sua posse em 2003, as reivindicações na área social, em especial, no campo da assistência social, iam- se fortalecendo em âmbito nacional, fruto de uma recessão política, vivenciada por grandes retrocessos na área social nas duas últimas décadas. “Efetivamente, a Política Nacional de Assistência Social de 2004, como resultado de intenso e amplo debate nacional, é uma manifestação de resistência” (COUTO, YASBEZ e RAICHELIS, 2012, p. 59). A sua aprovação estaria baseada, principalmente pela IV Conferência Nacional de Assistência Social que havia acontecido em Brasília, em 2003, a qual buscava discutir os princípios estabelecidos na Constituição Federal e dos já dispostos pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). “Aprovada pela Resolução n. 145, de 15 de outubro de 2004, do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS e publicado no DOU de 28/10/2004” (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 59), a Política Nacional de Assistência Social têm como princípios: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se a qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, se, discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão (PNAS, 2004, p. 33). É de extrema importância o conhecimento da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) como um dos documentos de construção democrática que subsidiará a prática do assistente social. Para leitura na íntegra da PNAS, acesse: www.mds.gov.br 15 O SUAS no Contexto da PNAS A PNAS trouxe a proposta de sistematização das ações que poderiam ser direcionadas no campo da assistência social como forma de fortalecimento do direito como garantia na Assistência Social, elencando diretrizes e princípios para sua efetivação. “A PNAS situa a Assistência Social como Proteção Social não contributiva, apontando para a realização de ações direcionadas para proteger os cidadãos contra riscos sociais inerentes aos ciclos de vida e para o atendimento de necessidades individuais e sociais” (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 63). No tocante à criação da PNAS, estabeleceu-se a necessidade de sua operacionalização por meio de novas Normas Operacionais, às quais determinariam a gestão da política por meio de um Sistema Único de Assistência Social, o SUAS. Aprovado em 15 de julho de 2005, o SUAS tornou-se, a exemplo do SUS na área da saúde, o sistema de gestão da política de assistência, organizando os serviços, por meio da descentralização e distribuição de benefícios e serviços na articulação com os atores da sociedade civil, tendo como referência as ações no âmbito territorial e com foco no indivíduo e na família na centralidade da política. A NOB/SUAS disciplina a operacionalização da gestão da Política de Assistência Social, conforme a Constituição Federal de 1988, a LOAS e legislação complementar aplicável nos termos da Política Nacional de Assistência Social de 2004, sob a égide de construção do SUAS, abordando, dentre outras coisas: a divisão de competências e responsabilidades entre as três esferas do governo; os níveis de gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que compõem o processo de gestão e controle dessa política e como elas se relacionam; a nova relação com as entidades e organizações governamentais e não-governamentais; os principais instrumentos de gestão a serem utilizados; e a forma da gestão financeira, que considera os mecanismos de transferência, os critérios de partilha e de transferência de recursos (BRASIL/MDS, 2005, p. 84). Além da NOB/SUAS, a Política Nacional de Assistência Social apontou sua discussão em 2004 para uma forma de organizar o Sistema Único de Assistência Social do ponto de vista dos trabalhadores que dentro dele atuam, sugerindo a necessidade de surgimento de outra norma operacional diretamente designada à administração dos recursos humanos nessa área. Criada em dezembro de 2006, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS, visa a um investimento profissional aos trabalhadores que trabalham na efetivação da política. O desgaste físico e mental dos profissionais que trabalham no setor público, decorrentes da precarização das relações de trabalho, dos recursos e da pouca estrutura oferecida pelos serviços, pode ter motivado a dificuldade de consolidação de uma política efetiva na área da assistência social. 16 Unidade: Assistência Social como Política Pública Diálogo com o Autor Tal proposta consolida os principais eixos a serem considerados para a gestão do trabalho na área da assistência social: • Princípios e Diretrizes Nacionais para a gestão do trabalho no âmbito do SUAS. • Princípios Éticos para os Trabalhadores da Assistência Social. • Equipes de Referência. • Diretrizes para a Política Nacional de Capacitação. • Diretrizes Nacionais Para os Planos de Carreira, Cargos e Salários. • Diretrizes para Entidades e Organizações de Assistência Social. • Diretrizes para o cofinanciamento da Gestão do trabalho. • Responsabilidades e Atribuições do Gestor Federal, dos Gestores Estaduais, do Gestor do Distrito Federal dos Gestores Municipais para a Gestão do Trabalho no âmbito do SUAS. • Organização do Cadastro Nacional de Trabalhadores do SUAS – Módulo CADSUAS. • Controle Social da Gestão do Trabalho no âmbito do SUAS. • Regras de Transição (NOB-RH/SUAS, 2006. p.10). Através das NOB-97 e NOB-98, criadas lá na década de 1990 pelo CNAS, pode-se discutir uma nova proposta de implementação da Política Nacional de Assistência Social, e embora sua primeira aprovação em 1998 se desse de forma fragilizada perante à conjuntura política do momento, estas puderam nortear os pressupostos das normas vigentes no âmbito da assistência. Com a NOB/SUAS e a NOB-SUAS/RH, projetou-se um aprofundamento das resoluções anteriores, primando para uma “ressignificação do trabalho na assistência social, referenciada em um projeto coletivo de redefinição do trabalho no campo das políticas sociais públicas” (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 84). Você sabia? A assistência social é a área que mais emprega assistentes sociais no Brasil atualmente, vindo acompanhada da área da saúde, que hoje ocupa a segunda maior área de atuação. “A NOB-Suas/RH (2006) não é a definição ideal e acabada frente às necessidades de recursos humanos para o funcionamento adequado do Suas, mas é resultado do viável histórico, dentro da correlação de forças políticas que participaram do processo de negociação” (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 81). 17 Diálogo com o Autor A reforma neoliberal do Estado trouxe agregada intensa campanha ideológica de desconstrução do Estado e de “tudo que é estatal”, em seus diferentes níveis de poder, atingindo diretamenteas condições e relações de trabalho na esfera estatal. Essa ambiência neoliberal afetou também a imagem do servidor público junto à população e à opinião pública instalando um clima desfavorável à recomposição e expansão da força de trabalho na administração pública (COUTO, YASBEK e RAICHELIS, 2012, p. 82). Finalizando, podemos observar que o processo de construção e implementação da Política Nacional de Assistência Social, frente aos desafios colocados no contexto da ordem do capital sempre representou espaço de lutas cotidianas no universo de trabalhadores e militantes da área social. Sua aprovação, bem como as demais resoluções que se impõem como necessárias ao contexto social, mediante as imposições do pensamento neoliberal, coloca aos profissionais da área de assistência social o desafio de pensar cotidianamente sua intervenção, de forma a oferecer à população usuária os serviços disponíveis com qualidade e respeito, na busca pela desmistificação que representa a máquina pública como ineficiente perante à operacionalização das políticas sociais. 18 Unidade: Assistência Social como Política Pública Material Complementar Para aprofundamento do conteúdo apresentado nesta Unidade, complemente seus estudos com as seguintes indicações: Livros: CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 17 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. FALCÃO, Maria do Carmo; SPOSATI, Aldaíza e TEIXEIRA, Sônia Maria Fleury. Os direitos (dos desassistidos) sociais. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2008. SILVA, Maria Ozanira da Siva e et. al. A descentralização da política de assistência social: da concepção à realidade. Rev. Ser. Soc. Soc., 2001, n. 65, págs. 124-145. YASBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2009. Sites: http://goo.gl/Hcwv3F 19 Referências BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Disponível em: http://www.mds.gov.br. COUTO, Berenice Rojas; YAZBEK, Maria Carmelita; SILVA, Maria Ozanira da Silva e; RAICHELIS, Raquel (Orgs.). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. MESTRINER, Maria Luzia. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2011. NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política: ideias para a reforma democrática do Estado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: Versão Oficial. São Paulo: Cortez, 2004. TELLES, Vera da Silva. No fio da navalha: entre carências e direitos. Notas a propósito dos programas de renda mínima no Brasil. In: Programas de renda mínima no Brasil: impactos e potencialidades. São Paulo: Pólis, 1998. 20 Unidade: Assistência Social como Política Pública Anotações