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<p>SAÚDE MENTAL E SAÚDE COLETIVA</p><p>Antonio Lancetti</p><p>Paulo Amarante</p><p>F a z e r saúde mental hoje é uma tarefa que com pete a todos os profis�</p><p>sionais de saúde: médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem , den-</p><p>tistas, agentes co m unitários de saúde, assistentes sociais, terapeutas</p><p>ocupacionais, fQnoaudióJogos, psiçopedagogos e psicólogos.</p><p>C o m as novas diretriz es ocorridas na área da saúde nos últim os</p><p>anos no p lano m undial (até mesmo por recomendação da Organiz a �</p><p>ção M u n d ia l da Saúde) outros profissionais dessa área, especialmente</p><p>os que operam na atenção prim ária e outras áreas, são convocados para</p><p>in te rvir nos processos de reabilitação das pessoas que ouvem vozes,</p><p>usam drogas de maneira suicida, sofrem angústias, violências e opres�</p><p>sões graves.</p><p>Cada vez menos se busca separar a saúde física da saúde mental.</p><p>O hospital psiquiátrico já não é mais o centro de atenção da assis�</p><p>tência , da organização das políticas e da formação profissional, da mes�</p><p>ma form a com o não se considera que os centros de in ternação de doen �</p><p>tes m entais sejam eficientes para recuperação das pessoas em grave</p><p>sofrim ento psíquico .</p><p>O hábitat privilegiado para tratamento de pessoas com sofrim en �</p><p>to m ental, droeadictos. vio le n tados e pessoas que sofrem de angústias</p><p>profundas e intensas ansiedades é o b airro, as fam ílias e as com unida �</p><p>des e, logicam ente, as unidades de saúde encravadas nos territórjo io n d e</p><p>as pessoas existem.</p><p>Em São Paulo (nas regiões de Sapopem ba, V ila N ova Cachoeirinha,</p><p>V ila Brasilá n d ia) e C a m pin as; Q u ix ad á e So b ra l no Ceará; Recife,</p><p>Cam aragibe e Cabo de Santo Agostinho em Pernam buco; Aracaju no</p><p>Sergipe; no Vale de jeq uitin h onha e vários m u nicíp ios mineiros; em</p><p>alguns m unicíp ios cariocas e m uitos outros locais onde há Programa</p><p>de Saúde da Fam ília (PSF), que atuam de maneira articulada, todos os</p><p>«is</p><p>§</p><p>616 lancettl 6t am arante</p><p>trabalhadores recebem form ação e p articip a m a tiva m e n te das a t iv id a �</p><p>des terapêuticas d a saúdo m ental.</p><p>Ksses p ro fissio n a is tra b alh a m co m eq uip es d e saú d e m e n ta l co m �</p><p>postas p o r psicó lo g os , p siq u ia tras, terap eu tas o cu p acio n a is , assiste n �</p><p>tes sociais, m as na p rá tica se co - resp onsab iliz a m p e lo cu id a d o e p e lo</p><p>m o n ito ra m e n to das pessoas cobertas p e lo PSI* (Pro g ra m a d e Sa u d e d a</p><p>f a m ília ), isto é, q u e m ora m no te rritó rio de atuação .</p><p>A lg o s im ila r aco ntece entre os p ro fissio n a is de saú d e e os q u e tra �</p><p>b alh a m e m C aps (C e n tro s d e A tenção Psicossocia l). O s C a ps são se rv i �</p><p>ços q u e têm a a tr ib u içã o d e a te n d er pessoas co m graves p ro b le m as</p><p>psíquicos; alguns C aps têm cam as para aco lh e r pessoas e m crise.</p><p>O s Caps, cu jo fu ncio n a m e n to será e x p lica d o a d ia n te , tra b a lh a m</p><p>cada d ia m ais co n ecta d os co m as u n id ad es de saúde . O s p acie n tes são</p><p>os m esm os e a e x p eriência ve m d e m o nstran d o q u e o tra b a lh o c o n ju n �</p><p>to é m ais efica z e m enos d an oso para os p ro fissio n a is d e saúde .</p><p>A o co n trá rio d o q u e m u itos su p õe m , a p o ssib ilid a d e de in te rv ir</p><p>em situações q u e o u tro ra era e x clusivid a d e d e psiq u ia tras , p o lic ia is ou</p><p>relig iosos, e d e in te rv ir co m e ficácia , tra z reco m p ensa e a leg ra a d u ra</p><p>v id a dos tra b a lh a d ores d e saúde.</p><p>O Q UE É SA Ú DE MEN T AL?</p><p>A e x pressão saúde mental tem , certa m ente , m u itos sig n ifica d o s . O</p><p>m ais co m u m está re lacio n a d o à id é ia d e u m ca m p o p ro fiss io n a l, o u a</p><p>u m a área d e a tu ação . É co m u m o u v ir as pessoas fa la re m q u e lid a m</p><p>co m saúde da criança , o u q u e a lu a m n o ca m p o d a saúde da fa m ília , e</p><p>assim p o r d ian te , q u e atu a m na saúde mental. D essa fo rm a , u m p r im e i �</p><p>ro se n tid o q u e se a trib u i à e x pressão está re lacio n a d o a essa id é ia d e</p><p>ca m p o d e a tu ação , o u d o ca m p o d e co n h ecim e n to s re la c io n a d o à saú �</p><p>de m e n ta l d as pessoas. F a la r e m saúde m e n ta l s ig n if ica fa la r d e u m a</p><p>gran d e área de co n h ecim e n to e d e ações q u e se ca racte riz a m p o r seu</p><p>cará ter a m p la m e n te in te r e tra n sd iscip lin a r e in te rse to ria l. V á rio s sa b e �</p><p>res se e n trecru z a m e m to rn o d o ca m p o d a sa ú d e m e n ta l: m e d ic in a ,</p><p>p sico lo g ia , psicanálise , socio an álise , an á lise in st itu c io n a l, esq u iz o an álise ,</p><p>f ilo so fia , a n tro p o lo g ia , socio lo g ia , h istó ria , p ara c ita r a lg u ns .</p><p>M as. a p a rtir d aí, o le m a p arece tom ar - se m a is co m p le x o . P o r q u ê?</p><p>Para resp o n d er a esta perg u n ta , va m os te n tar in ve rte r a e x pressão</p><p>e. e m ve z d e fa la r d e saúde m ental va m os fa la r d e mente saudável. O q u e</p><p>s ig n ifica e x ata m en te ter u m a m e n te sa u d áve l? Ex iste e fe tiva m e n te esta</p><p>q u a lid a d e d e m e n te? Po d e m os d e fin i - la , m e di - la , d osá - la? V e m os as-</p><p>saúde mental e saúde coletiva 617</p><p>sim co m o nosso cam po de alunção é com plexo, d if íc il e perpassado</p><p>p or inúm eras variáveis de ordem ideológica, p olítica , social, cultural. .</p><p>Isso porque, em cada sociedade, época ou cultura, pudem os id e n tifica i</p><p>t ip os sociais m ais ou menos ideais, mais ou m enos sadios, m ais ou</p><p>m enos norm ais de acordo com cada um dos padrões.</p><p>En fim , considerando a am plitude e a co m ple x idade d a série de</p><p>práticas e teorias relacionadas com a d efinição de saúde menial, vam os</p><p>propor, neste texto, um a organização, exclusivamente a títu lo didático ,</p><p>e m três con ju ntos de acepções do termo. U m a análise mais detalhada,</p><p>assim co m o ou tras in fo rm ações e re ferências b ib lio g rá ficas destas</p><p>acepções de saúde m ental, pode ser encontrada em Loucos pela Vida —</p><p>a Trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil, de Paulo Am arante (A m a �</p><p>ra n te, 2005).</p><p>A prim eira acepção relaciona -se às origens históricas da psiquia �</p><p>tria , q uan do a expressão saúde mental ainda nem era cogitada. Vejamos</p><p>en tão alguns aspectos dessas origens históricas, a com eçar pela do hos�</p><p>p ita l psiquiátrico .</p><p>O s hospitais, hoje tão naturalm ente associados à m edicina , não</p><p>nasceram co m o instituições médicas, co m o dem onstrou Ceorge Rosen</p><p>n o seu clássico livro Uma História da Saúde Pública (1 9 9 4). O próprio</p><p>no m e já nos faz ver que eram instituições de hospedagem , de hospita �</p><p>lid a d e (d o la tim , hospitalis). Nasceram co m o instituições religiosas, fi �</p><p>la n tró p icas, de cuidados dos necessitados, dos m endigos, dos miserá �</p><p>ve is q u e careciam de assistência h u m anitária , característica de algumas</p><p>ordens relig iosas (ver tam bém A Doença, de G io va n n i Berlinguer, 1991).</p><p>Era evid e n te q ue u m a p o p ulação dessa nature z a seria tam bém u m a</p><p>p o p u lação co m m uitos proble m as de doenças, co n d ição co m u m enie</p><p>.associada à pobre z a e à carência econó m ica e social.</p><p>Mas, no século X V IL os hospitais passaram a exercer tam bém um a</p><p>fu nção social e d iscip linar, ao receberem d elin q u en tes o u desajustados,</p><p>"atém dos pobres e necessitados. Eram , geralm ente, grandes instituições,</p><p>'co m centenas ou m ilhares de pessoas internadas, am ontoadas nos pa �</p><p>v ilh õ es e nos p álios. M ich e l Foucault, que escreveu u m dos m ais im �</p><p>portantes trabalhos sobre as origens da psiq u ia tria e d a psicologia , in �</p><p>t itu la d o História da Loucura na Idade Clássica, cu n h o u a expressão 'A</p><p>Gran d e In te rn açã o ' para referir -se a essasjn acro insiitu ições asilares, ca�</p><p>racterísticas da época.</p><p>C o m o advento da Revolução Francesa, e, evidentem ente , de todo</p><p>o seu en to rn o histórico , tais instituições co m eçaram a ser reformadas.</p><p>D en tre as metas revolucionárias, inspiradas no lem a 'Lib erd a d e , Igual-</p><p>6 1 8 lancetti & am arante</p><p>dade e Fra tern id ad e ", e x istiam os o b je tivos de sanear o aspecto in sa lu �</p><p>bre e de superar a nature z a de vio lê n cia e exclusão socia l q ue tais in sti �</p><p>tuições representavam .</p><p>Fo i nu m destes h osp ita is q ue P h ilip pe Pin e i co m eço u a o p erar</p><p>u m processo de transform ações q ue deu origem a psiq u ia tria . Po r cau �</p><p>sa desse m o tivo seu n o m e é ho m enagead o em m uitos países d an d o</p><p>no m e a hosp itais psiq u iá tricos, e ele passou a ser co n h ecid o co m o o</p><p>Pa i da Psiq u ia tria .</p><p>Essa p rim eira m o d alid ad e de organiz ação da psiq u ia tria recebeu o</p><p>no m e de alienismo, e m virtu d e d o fato de ter sid o u m ca m po de saber</p><p>v o lt a d o ‘para - o estudo d o q ue Pin e i d e n o m in o u de alienação mental.</p><p>Vejam os in icia lm e n te o aspecto da re form ulação d o espaço e da fu nção</p><p>hospitalar. Pin e i, cu ja form ação p rincip a l era a de m é dico — e q u e fo i</p><p>professor de m e d icin a in terna da Faculdade de M e d icin a de Paris —</p><p>co m eçou p or re tirar d o hosp ital todos os q ue não eram esp ecifica m en �</p><p>te en ferm os e a dar - lhes o u tros d estinos. Em seu e n te n d im e n to , so �</p><p>m ente as pessoas doentes deveriam ficar n o h osp ital que, assim , co m e �</p><p>çou a ter sua função profu n d am ente re defin id a . N o h osp ita l os en fer �</p><p>m os passaram a ser separados: expressão p o r ele ad otada para designar a</p><p>d ivisão dos doentes de acordo com os tipos de en ferm idade . E nessa</p><p>ro tin a de id e n tificar as patologias, observá - las, descrevê - las m in uciosa �</p><p>m ente, dassificá - las e separá - las, u m a nova form a de p ro d ução e cons �</p><p>trução d o saber e da prática m édica co m eçou a to m ar form a , q ue v irá a</p><p>desem bocar n o que atualm ente d en o m ina m os de_clínica.</p><p>Nesse processo de id en tificação das m o d alid ad es de doenças, Pin e i</p><p>dedicou -se especialm ente ao que d e n o m in o u de alienação mental, p ri �</p><p>m eiro co nce ito u tili z a d o na m e d icin a p ara n o m ear o q u e e n tão era</p><p>co n h ecid o co m o loucura. Seu livro , que é u m m arco na fu n d ação do</p><p>saber psiquiátrico , intitulou - se Tratado Médico -Filosófico da Alienação M en �</p><p>tal ou M ania , e se tornou fonte o b riga tória de consultas e estudos dos</p><p>alienistas e psiquiatras p or lo n g o p erío d o de tem po .</p><p>E curioso observar que o term o alienação p rové m d o la tim alienado,</p><p>que sig nifica separação, ruptura, d e lírio , estar fora de si, fora da re a lid a �</p><p>de. Tem ain d a o sen tid o de alien ígen a , isto é, estran geiro , q u e pode</p><p>rem eter à id éia de alguém que ve m de fora, de o u tro m u n d o , d e ou tra</p><p>natureza. M ach ad o de Assis fo i m u ito sensível e perspica z ao escrever O</p><p>Alienista, um a das m ais im p ortan tes obras desse gran d e e x poente de</p><p>nossa literatura , e que pode ser considerada a p rim eira o bra crítica do</p><p>saber m édico - psiquiátrico , em q ue pese o fato de ser u m a o bra " lit e rá �</p><p>r ia " e não "cie n tífica "!</p><p>saúde mental e saúde coletiva 6 1 9</p><p>Nesse contexto de reorganização da ordem social e política, com a</p><p>su p eração da estru tura m onárquica e feudal, com o adven to do</p><p>Ilu m in ism o e do Racionalismo, nomear alguém de alienado poderia</p><p>significar diz er que ele estava incapaz de participar da sociedade. Na</p><p>i Idade dã Razão) o conceito de alíenaçãõsériã^sulíciente para excluir as</p><p>pessoas identificadas como tais. Efetivamente, para Pinelf a alienação</p><p>mental seria fruto, não de uma petd.çU0 j&L da Razão, mas de um dis �</p><p>túrb io na Razão. O que é paradoxal, pois a Razão é um conceito abso�</p><p>lu to . Lima pequena alteração na Razão im plica que não existe Razão</p><p>verdadeira.</p><p>Por outro lado, aventar a possibilidade de uma pessoa Sem-Ra-</p><p>zão, ou desprovida da Razão, em outras palavras, irracional, im plica</p><p>aproximá - la da idéia de anim alidade que, de acordo com o senso co�</p><p>m um , é sinôn im o de irracionalidade. Decorre daí a relação quase obri-</p><p>i ''g a tó ria entre os conceitos de alienação mental e de periculosidade. Em</p><p>I boa parte, a necessidade de internamento de enfermos mentais decorre</p><p>! da probabilidade de que o louco seja perigoso, de que represente ris-</p><p>j cos, para si próprio e para a sociedade.</p><p>U m outro conceito im portante neste processo de constituição do</p><p>paradigm a psiquiátrico foi analisado por Robert Castel (1 9 7 9), aulor</p><p>fundam ental para nossa compreensão da tecnologia pineliana ou síntese</p><p>alienista: trata-se do conceito de isolamento. Em A Ordem Psiquiátrica —</p><p>a Idade de Ouro do Alienismo, Castel demonstra com o Pinei, grande adep �</p><p>to das ciências naturais e, muito particularmente, Lineu, o Pai da Botâ �</p><p>nica, consideravam que para que um objeto fosse estudado e conheci�</p><p>do pela ciência, ele deveria ser isolado do mundo exterior, isto è, isolado</p><p>das interferências que prejudicassem a observação objetiva e inconteste.</p><p>' Por isso Pinei aconselhava que todos os alienados fossemTsolados de</p><p>| suas fam ílias, de seus viz inhos e amigos; enfim , que fossem internados</p><p>V e m u ma instituição onde inexistissem interferências indesejáveis à^ob-</p><p>\ se rvaçã o e ao conhecim ento científico .</p><p>Mas o isolam ento abriu uma outra perspectiva, ainda. A de que a</p><p>inclusão de uma pessoa em uma instituição bem - estruturada pudesse</p><p>co n trib u ir para a reorganização da própria pessoa. O u melhor, a de que</p><p>a institu ição pudesse tornar-se, por si mesma, uma espécie de trata �</p><p>m ento . Esta m os assistin d o à origem das in stitu içõ es que M ich e l</p><p>Foucault, em outra obra fundamental in titulada Vigiar e Punir — Histó�</p><p>ria da Violência nas Prisões (Foucault, 1977) denom inou de disciplinares</p><p>e que formaram a base das sociedades modemas, industriais e com ple �</p><p>xas. Veja com o é curioso refletir sobre os nomes de tais instituições,</p><p>620 lancetti & am arante</p><p>co m o o 're fo rm a tó rio de adolescentes*, a 'casa de co rreçã o " , a " p e n i �</p><p>t e n ciá ria ' ou a 'esco la n o r m a l'! É nessa lin h a de propostas q u e o h os �</p><p>p ita l psiq u iá trico fo i constitu íd o , com o o b je tivo de o p erar o q u e Pin e i</p><p>d e n o m in o u de tratamento moral, q ue consiste e m u m a série de regras,</p><p>p rincíp ios , ro tinas, etc., que são ad otados nas institu içõ es e q u e têm</p><p>co m o o h je tivo reorgan iz ar o m u n d o in te rn o dos su je ito s in s t it u c io �</p><p>n a li z a d o s ^</p><p>O u tro au tor im portante , Ervin g G o ffm an , escreveu u m liv r o in t i �</p><p>tu la d o Manicômios, Prisões e Conventos (G o ffm a n , 1 9 7 4); a í re la ta sua</p><p>pesquisa na q ual estudou u m a variedade dessas institu içõ es , assim co m o</p><p>outras sim ilares, q ue nos au x ilia m a co m preen d er a nature z a d o h o s p i �</p><p>tal p siq u iá trico co m o instituição total.</p><p>'*En fím , revisita m os as bases d o saber e da in stitu içã o p siq u iá trica ,</p><p>que estam os d e n o m in a n d o de p aradig m a da p siq u ia tria , p ara p o d er �</p><p>mos enten der os p rincíp ios d o fu ncio n a m e n to dos h osp ita is nesta área,</p><p>e p orq u e são calcad os em prá ticas de tu te la , d isc ip lin a , v ig ilâ n c ia e</p><p>con trole .</p><p>A SA Ú D E MEN T AL C OMO ID EA L D E SO C IED A D E</p><p>Em que pese o co m pro m isso lib e rtá rio e d e m ocrá tico d e Ph ilip p e</p><p>Pin e), o h osp ital psiq u iá trico criad o p o r e le n ã o fo i ve rd a d e ira m e n te</p><p>u m lu g ar de tra ta m e n to e de c u id a d o das pessoas co m s o fr im e n to</p><p>m ental. Pe lo co n trário , em p ouco te m p o passaram a e x istir d e n ú n cias</p><p>de maus - tratos, d e vio lê ncias , de v io la çã o dos d ire ito s h u m a n o s d as</p><p>pessoas in ternadas. E assim surgiram m u itas p ro p ostas d e m u d a nças</p><p>d o m o d e lo p siq u iá trico ce n tra d o n o h o sp ita l, q u e d e m a rca m a se �</p><p>gunda acepção .d a .saúde m ental, q ue d iz resp eito às re fo rm as</p><p>psiq u iá - -</p><p>tricas.</p><p>As propostas m ais im p ortan tes surg ira m n o f in a l o u lo g o a p ós o</p><p>térm ino da Segunda Gran de Guerra . C o m a guerra, os euro p eus conhe -</p><p>ceram o h orror dos cam pos de co nce n tração e co m eçara m a p erce b er</p><p>q ue entre estes e os h osp ícios p ra tica m e n te n ã o ex is tia m d ifere nças .</p><p>Fra nçg jiasa g U a chegou a escrever u m liv ro e m q u e se refere à v io lê n c ia</p><p>in stitu cio n a l da psiq u ia tria co m o Crimes em Tempos de Pa z (Basa g lia ,</p><p>1982).</p><p>A p rim e ira p roposta para revo lucio n ar a p siq u ia tria , isto é , to rn a r</p><p>o h osp ita l psiq u iátrico ,' q ue era loca l de degrad ação e d e p ro d u çã o de</p><p>doença , em loca l terapêutico , ocorreu n o Rein o U n id o , e recebeu a d e �</p><p>n o m in ação de C o m u nid a d e Terapêutica .</p><p>saúde mental e saúde coletiva 6 2 1</p><p>A id éia de Maxwell Jones, seu principal líder, e seus co m pan hei�</p><p>ros, era envolver todas as pessoas que estavam no am biente hospitalar</p><p>(enferm os, médicos, enfermeiros e demais fu ncionários), nu m projeto</p><p>terapêutico com um . D a í a idéia de uma com unidade terapêutica,' onde</p><p>eram realiz adas assembléias, reuniões, grupos terapêuticos.</p><p>N os anos 1940 iniciou -se, no H ospital Saint - Alban, no sul da Fran-</p><p>ça, ou tra revoluçãg .j3s|quiátriçj . François Tosquelles, um enferm eiro</p><p>q ue tin h a trabalhado num hospital dô Pafs Bascoe , por ser m ilitan te ,</p><p>co nh ecia o m odo de organização sindical e das cooperativas criadas na</p><p>G u erra C iv il Espanhola , liderou a experiência.</p><p>N o H osp ita l Saint - Alban foi usado o m o d elo das coo perativas</p><p>dos operadores catalães (ver "François Tosquelles a Escola da Liberda �</p><p>d e " , de G iovan n a G a llio & Mauriz io Constantino , in: Saúde Loucura 4,</p><p>Sã o Pa u lo : Hucitec, 1993).</p><p>St. - Alban foi literalm ente atravessado pela v ida social: os cam po-</p><p>neses para irem à feira passavam por dentro do hospital com suas vacas</p><p>éreaTiz avam muitas atividades conjuntas, festas, com érciot etc. St. - Alban</p><p>tam bém_recebeu vários In telectuais fugidos dos cam pos de conceritia -</p><p>çãõ nazistas. Georges Canguilhem escreveu os ú ltim os cap ítulos de O</p><p>N orm al e o Patológico, ím ^cfos^naíores livros sobre a Filoso fia da M e d i �</p><p>c in a , e m St. - Alban, onde esteve m orando com a fa m ília .</p><p>Essa lin h a da transformação psiquiátrica é conhecida pelo nom e</p><p>def Psicò terap ia Institucional]</p><p>Essas propostas foram m uito im portantes, pois p ossib ilitara m , pela</p><p>p rim e ira ve z , que a v oz do paciente fosse ouvida , e que ele fosse visto</p><p>co m o u m a pessoa com p o tencial de p articip ar de seu p ró p rio tra ta �</p><p>m ento . C on tu d o , suas lim itações ficaram claras p e lo fato de que eram</p><p>pro p ostas q ue se atin ham à p ossib ilid ad e de transform ar o hosp ital</p><p>p siq u iá trico em uma instituição de cura. In tro d u z ira m m uitas in ova �</p><p>ções, m as ficaram restritas ao m odelo hosp italocên trico que, em ú ltim a</p><p>instância , afasta os sujeitos de suas fam ílias, de seus territórios.</p><p>O utras propostas procuraram sair d o m odelo hosp italar e se v o l �</p><p>taram para a com unidade , in tencionando , com isso, redu z ir a ocorrên �</p><p>cia de enferm idades mentais ou a necessidade de in terna m ento hos�</p><p>p ita lar. Estam os nos re ferin do às propostas da psiq u ia tria preven tiva</p><p>norte - am ericana (tam bém deno m inada de saúde m ental co m u n itária),</p><p>e da psiq u ia tria de setor francesa.</p><p>Em am bas as propostas predo m inaram os projetos de criação de</p><p>ce n tros de saúde m ental co m unitários, on de as pessoas con tinuaria m</p><p>a ser aco m p anhad as após a alta h osp ita lar o u on de seriam tratadas</p><p>622 lancetti ô am arante</p><p>lo go q ue fosse id e n tifica d o algu m prob le m a de so frim e n to m ental. N o</p><p>en tan to , tais propostas ficaram a in d a m u ito a p risio n a d as ao m o d e lo</p><p>hosp italar, p ois o h osp ital co n tin u ava sendo a re ferência fu n d a m en ta l</p><p>para as situações consideradas graves o u de crise. Franco Basaglia escre �</p><p>veu u m artig o in titu la d o 'C a rta de N ova York — o D o e n te A r t if ic ia l "</p><p>(Basa g lia , 2 0 0 5), em q ue e la b oro u a p rim eira e m ais p ro fu n d a crítica ao</p><p>m o d e lo p reve n tivista norte - am ericano . Para ele , os cen tros d e saúde</p><p>m ental am ericanos, q ue serviram de m o d elo para boa parte d a A m érica</p><p>La tin a e d o m u ndo , passaram a se ocu p ar dos casos clín ico s m ais leves,</p><p>m ais a d m in istráve is em regim e a m b u la to ria l, e passaram a re m eter os</p><p>graves p ara o h osp ita l. En fim , acabaram p or re forçar o p apel d o h o sp i �</p><p>tal co m o o locus p rivile g ia d o de tra tam ento , co m o n o arcaico m o d e lo</p><p>da p siq u ia tria tra d icio n a l.</p><p>U m a re fle x ão crítica sobre a p rop osta p reve n tivista p o d e ser e n �</p><p>co n trad a n o texto "Prevenção , Preservação e Progresso em Sa ú d e M e n �</p><p>t a l " d e A n to n io la n ce t t i, p u b lica d o em Saúdeloucura 1. Mas, em to d o</p><p>caso, as propostas de caráter p reven tivista ab rira m a p ersp ectiva d o tra �</p><p>b a lh o co m u n itá rio e a id é ia da p ro m oção em saúde m ental.</p><p>A EXPERIÊN CIA REV OLUCIO N ÁRIA :</p><p>DE TRIEST E , NA IT ÁLIA A SANT OS, NO BRASIL</p><p>Em Trieste , a p artir de 1971, desenvolveu - se a e x p eriência m ais o r i �</p><p>g in a l e ra d ica l de transform ação d o m o d e lo assistencial p siq u iá trico ,q u e</p><p>servirá de base para a terceira acepção da saúde m e n tal a d o ta d a neste</p><p>ca p ítu lo , q ue nos abre a d im ensão revo lu cio n ária das ru p turas co m o</p><p>p arad ig m a p siq u iá trico e não sim p lesm en te suas m e lh o rias o u tra ns �</p><p>form ações.</p><p>Fra nco Basaglia fo i a p rin cip a l personagem deste processo , e nos �</p><p>so o b je tivo agora é p rocu rar en ten d er suas pro p ostas e pro je tos.</p><p>A e x p eriência de G o ri z ia e, m ais tarde , de T rieste na It á lia leva ra m o</p><p>processo de co le tiviz ação da e x p eriência e de inserção e tra nsfo rm ação</p><p>socia l a sua m á x im a ex pressão co m o fecha m ento d o H o sp ita l Ps iq u iá �</p><p>trico e sua su b stitu ição p or serviços te rrito ria is .</p><p>Basa g lia co nsid erava que para p o d er estu d ar as d oenças m e n tais ,</p><p>a p siq u ia tria h avia posto o h o m e m en tre parênteses. Assim , a p siq u ia �</p><p>tria aca b o u estu d an d o doenças abstratas, p o is elas n ã o e x iste m p o r si</p><p>sós. As doenças, expressão m u ito in a d e q u a d a para o ca m p o p síq u ico ,</p><p>so m e n te e x iste m q u a n d o são e x p eriências de su je ito s co n cre tos . D a</p><p>m esm a form a , a p siq u ia tria afastou -se d os doentes, o u seja , dos sujei-</p><p>saúde mental e saúde coletiva 623</p><p>los concretos das experiências de sofrim ento, e passou a tratar das d o e n �</p><p>ças co m o alg o q ue e n v o lv ia as pessoas, co m o u m a in fe cç ã o o u</p><p>traum atism o . Em contrapanida, Basaglia propunha que era preciso co�</p><p>locar a doença entre parênteses para que se pudesse tra tar e lid a r com os sujei�</p><p>tos concretos que sofrem e experimentam o sofrimento.</p><p>Trata-se, aparentemente, de uma operação sim ples, mas na p rá lica</p><p>ela revela grande riqueza, pois o profissional de saúde m ental, q ue antes</p><p>tin h a d ian te de si um esquiz ofrênico catatònico , u m alien a d o , u m in �</p><p>capaz de Razão e Consciência, encontra subitam ente u m a pessoa, co m</p><p>nome, sobrenome, endereço, familiares, amigos, projeios, desejos. C o m</p><p>a d oença m ental entre parênteses, o sujeito deix a de ser re d u z id o à</p><p>doença; surgem assim necessidades outras, novas, que antes os p ro fis �</p><p>sionais de saúde mental não conseguiam vislu m brar. Por isso, o iraia -</p><p>m ento tam bém deixa de ser a prescrição do isolamento ou d o tratamento</p><p>moral. O sujeito, visto em sua totalidade, requer dem andas de trabalho ,</p><p>de lazer* 3 ê cuidados, de relações e.afetos. Percebe^e. nessas jnierven - ,</p><p>ções epistem</p><p>ológicas e práticas de Franco liasa^Ua.que^a_um só ie m po ,^</p><p>estão sendo operadas algumas rupturas com as bases d o p ara d ig jn a psi �</p><p>q u iá trico , na medida em que estão sendo superados os co nce itos de</p><p>alienação mental, de isolamento e de tratamento moral, q ue n en h u m a das</p><p>propostas anteriores de reformas psiquiátricas havia a lm ejad o realiz ar.</p><p>Õ processo desenvolvido em Trieste passou en tão a ser de cons �</p><p>trução e reconstrução de inuitas vidas que estavam apagadas e re p rim i �</p><p>das nos m anicô mios e das m uitas vidas que estariam p or ad en trar nos</p><p>m anicô m ios caso não fosse in iciad o esse processo. Po r isso, fora m cria �</p><p>das cooperativas de trabalhos para pessoas antes in ternadas, agora não</p><p>m ais chamadas de pacientes, mas de usuários. Po r q u e usuários? Po r �</p><p>q ue não são apenas pessoas doentes, mas cid ad ãos q u e u tili z a m u m</p><p>recurso público . Foram criadas residências para os ex - internos q ue não</p><p>tin h a m mais fam ília ou que, por inúm eras razões, não teria m co n d i �</p><p>ções de habitar com ela. Foram in iciad os vários p ro je ios de nature z a</p><p>cu ltu ral, de vídeo , cinem a, teatro, o ficinas de arte, d en tre outros. Fo �</p><p>ram constituídas associações de fam iliares e usuários para q ue se p u �</p><p>desse d ialogar com as demais entidades da sociedade c iv il e co m o pró �</p><p>p rio Estado. Enfim , foram postas em ação diversas p ossib ilid ad es e in i �</p><p>cia tivas que Franco Rotelli (1 9 9 0), sucessor de Basaglia em Trieste , d e �</p><p>n o m in o u de estratégias de desinstitucionalização.</p><p>Em Trieste os m anicô m ios foram fechados e in te ira m ente substi�</p><p>tuídos por esta gama de recursos assistenciais, p o líticos, cu ltu rais e so �</p><p>ciais. O doente, que no m odelo an terior estava restrito às enferm arias</p><p>624 lancetti Gt am arante</p><p>d o h o sp ício , agora passava a h a b ita r a cidade , co m o os d e m ais cid a �</p><p>d ãos. E, p or o u tro la d o , o tra b a lh o d ito " te ra p ê u tico " dos p ro fissio �</p><p>nais, q u e antes tam bém se restringia ao h osp ício , e antes a in d a às a t iv i �</p><p>d ades d e co n tro le e vig ilâ ncia , características das instituições totais, o u de</p><p>tra ta m en to m é dico tra d icio n a l, co m o ad m inistração de fárm acos o u de</p><p>terap ias b io ló g icas (e le troconvulso terapias, lo b o to m ias), agora se a m �</p><p>p lia va p ara a a tuação no território . Assim é que surge a noção de tra b a �</p><p>lh o d e base te rrito ria l, isto é, u m tra b alh o que se desenvolve n o co tid ia �</p><p>n o da vid a da cidade, nos bairros, nos locais o n de as pessoas vive m ,</p><p>tra b a lh a m e se re lacio na m . O territó rio não é apenas a região a d m in is �</p><p>tra tiva , mas a das relações sociais e p o líticas, afetivas e id eoló g icas que</p><p>ex istem em u m a dad a sociedade.</p><p>A e x p eriência de Trieste fo i m u ito im p ortan te e desencadeou u m</p><p>processo d e m u danças em toda a Itá lia , onde, em 13 de m a io de 1978,</p><p>fo i ap rovad a a Lei 180, conhecida co m o a Lei da Reform a Psiq u iá trica</p><p>Ita lia n a o u Le i Basaglia . Esta é a ú n ica le i n acio n a l em to d o o m u n d o</p><p>q ue prescreve a e x tinção dos m anicô m ios em to d o o te rritó rio n acio n a l</p><p>e d e term in a q u e sejam constitu ídos serviços e estratégias substitutivas ao</p><p>m o d e lo m a n ico m ia l.</p><p>Fra nco Basag lia fo i sensível e capaz de co m pre e n d er as especi-</p><p>ficid ad es e positividades de cada m o m ento h istó rico da psiq u ia tria e da</p><p>saúde m e n tal. Percebeu que o m a n icô m io se fez necessário , u m a ve z</p><p>q u e ofereceu asilo a q uem d ele necessitasse, assim co m o ofereceu a b ri �</p><p>go e cuidados a m uitos desassistidos, em q ue pese a form a co m o re a li �</p><p>z ou tais tarefas. Assim , e x traiu das ex periências de saúde m e n tal co m u �</p><p>n itá ria a estratégia d o centro de saúde m ental, mas de form a d iferen te:</p><p>não co m o serviços au x iliares ou co m ple m en tares ao m o d e lo p siq u iá �</p><p>trico m a n ico m ia l, mas co m o serviços e fe tiva m ente su bstitu tivos; co m</p><p>fu ncio n a m en to de 24 horas, todos os d ias da sem ana, co m o ferta de</p><p>cam as para atenção à crise e outras p ossib ilid ad es de assistência e c u i �</p><p>dado , co m equipes m u ltid iscip lin ares capazes d e a tu ar n ã o apenas no</p><p>in te rio r d o cen tro de saúde m ental, mas n o territó rio , nas residências,</p><p>nas escolas, praças e locais d e trab alho . In s titu iu tam bé m os pro je tos</p><p>de resid encial idade, isto é, a criação de residências ou estratégias outras</p><p>d e m orad ia p ara pessoas que, pelos m ais variad os m o tivos, n ã o tin h a m</p><p>co n d içã o de co nstru ir as pró prias casas. Po r o u tro lad o , ressig n ifíco u a</p><p>id éia da laborterapia , das o ficinas de ergoterapia, d o tra b alh o co m o tra -</p><p>lamento moral e crio u as coo perativas de tra b a lh o q u e p ro d u z e m cid a d a �</p><p>n ia , su b je tivid ad es e sociab ilid ad es nas relações dos q u e nelas se e n v o l �</p><p>ve m . C o m preendeu enfim a im p ortância de atuar n o território , não co m o</p><p>saúde mental e saúde coletiva 625</p><p>form a de expandir a ideologia psiquiatrizante / psicologizante m anico m ial,</p><p>mas, ao contrário, como estratégia de superação do m odelo m anico m ial.</p><p>Para m aior aprofundam ento no pensam ento e na tra je tó ria de</p><p>Franco Basaglia é fundamental conhecer os Escritos Selecionados em Saú �</p><p>de Mental e Reforma Psiquiátrica (Basaglia, 2005).</p><p>O Brasil também conta com tristes páginas na sua história pelo</p><p>m o do com o tratou seus doentes mentais. Segundo o líd e r in d ígena</p><p>A ilto n Krenak, seus parentes não conheciam um a palavra com a qual</p><p>pudessem chamar alguém de "louco”. Indagado a respeito de com o tra �</p><p>tavam as crises de pessoas que piravam, ele disse que cuidavam para que</p><p>não machucassem nem se machucassem, que os deixavam isolar -se e</p><p>que depois, usando a sensibilidade, os integravam aos afazeres do povo.</p><p>Em 1975, no Hospital Juliano Moreira de Salvador, Bahia , havia</p><p>pacientes esquizofrênicos, na total m aioria negros, trancafiados em</p><p>antigas senzalas. O prédio do hospital foi construído outrora p or um</p><p>im p ortad or de escravos nos Altos da Boa Vista, um dos locais mais</p><p>altos da cidade, para avistar os navios negreiros que chegavam da Á fri �</p><p>ca. A propriedade foi posteriormente vendida para o pai de Castro Alves,</p><p>que a í instalou uma casa de saúde. Conta -se que nesse lugar Castro</p><p>Alves escreveu alguns de seus poemas libertários. Posteriorm ente fo �</p><p>ram a í instalados o manicômio jud iciário e um hospital psiquiátrico</p><p>que já não existem. O hospital tem o nome de Ju lia n o Moreira , um</p><p>psiquiatra baiano, negro, que, apesar de ter form ação na Alem anha ,</p><p>por problemas de discriminação racial, migrou para Rio de laneiro , onde</p><p>d irig iu o H ospício Nacional de Alienados (ex - Hospício de Pedro II).</p><p>N o Brasil foram construídos hospitais estatais e federais em todas</p><p>as grandes capitais. Muitos foram e ainda são filantrópicos. Durante os</p><p>anos 1960 e mais incisivamente nos anos 1970 e 1980, os hospitais finan �</p><p>ciados pelo IN PS (Instituto Nacional de Previdência Socia l) tomaram -</p><p>se negócio rentável apesar de seu alto grau de iatrogenia, pois podiam</p><p>ter centenas e até milhares de pacientes internados com pouquíssim os</p><p>funcionários, péssimas condições sanitárias e anulação de direitos de</p><p>cidadania de seus internos. Luiz Cerqueira, em seu livro Problemas Bra �</p><p>sileiros de Psiquiatria Social, afirmava que o Brasil chegou a ter cerca de</p><p>cem m il leitos psiquiátricos no in ício dos anos 1980 (Cerqueira , 1984).</p><p>Mas também no Brasil foram realizadas numerosas experiências</p><p>de transformação. O país é tão vasto que seria in justiça destacar um a</p><p>626 lancetti & amarante</p><p>o u o u tra ex periência , mas a títu lo ilustra tivo m encionare m os a expe�</p><p>riê ncia d a C o m u nid ad e Enfance liderada p or O svald o D i Loretto em</p><p>Sã o Pa u lo q u e testou a p rá tica da co m u n id a d e te ra p ê</p><p>u tica , o u de</p><p>O sw ald o Santos, que realiz ou ex periência sem elhante no Rio de Ja n e i �</p><p>ro , ou ain d a a ex periência de Luiz C erq ueira em São Pa u lo q u e in icio u ,</p><p>co m a psiq u ia tria d eno m inada p or ele de preventivo - regionaliz ada , u m a</p><p>ten tativa de superação do m o delo hosp ita locên trico lid e ra d o em São</p><p>Pa u lo p or Franco da Rocha, criad or do H osp ita l Ju q u eri, q ue chegou a</p><p>ter m ais d e 15.000 in ternos.</p><p>C o m a pro m ulgação da C o nstitu ição de 1988 e a co nstrução d o (</p><p>Siste m a Ú n ico de Saúde, os h osp itais psiq u iá tricos co m eçara m a ser i</p><p>criticad os d o p on to de vista ideológico , p o lítico , san itá rio e fundam en - 1</p><p>talm en te prático . Seu ex ercício foi regulam entado e foram d eix an d o de j</p><p>ser o pção d e lucro .</p><p>E m Sã o Pa u lo , no in íc io dos anos 1980, in iciou - se u m a ten tativa</p><p>de re form a d o sistem a psiq u iátrico co m o re - equipam ento dos A m b u �</p><p>la tó rios d e Saúde M en tal (q u e eram locais cro n ifica d os o n de se d istri �</p><p>b uía m re m édios co m consultas feitas às pressas) p ara a te n d im e n to em</p><p>grupo e co m o b je tivo de que estes procedim entos evitassem o e nca m i�</p><p>n h a m en to dos pacientes ao hosp ício . Po r o u tro la d o , nos ce n tros de</p><p>saúde, foram instaladas equipes m ín im as com postas p or u m psiq uia -</p><p>tra, u m psicólogo e um assistente social destinadas a fazer p revenção</p><p>em saúde m ental, abrangendo o to d o bio - psico -social.</p><p>Nessa valiosa experiência, ain d a in flu enciad a p elo p reven tivism o</p><p>am ericano , acreditava -se que, operando em três níve is — p rim ário , se�</p><p>cun dário e terciário — , se poderia deter o flux o de pacientes q ue ir ia para</p><p>o hosp ital psiq u iátrico . O q ue se co m provou fo i q ue so m ente alguns</p><p>a m b ulatórios conseguiam d ar aco lh im ento a pacientes graves, e q ue os</p><p>centros de saúde encam inhavam m ais pacientes para o hosp ital psiq u iá �</p><p>trico que os am bulatórios, apesar de cobrirem u m a p op ulação m enor.</p><p>Em 1989, co m a C o nstitu ição Brasile ira recentem ente p ro m ulg a �</p><p>da, criaram -se as condições de u m grande salto na h istória da saúde m en �</p><p>tal brasileira: e la propugnou que a saúde é u m d ire ito do cid ad ão e um</p><p>dever do Estado . A C onstitu ição prescreveu ain d a que q uem d everia ve �</p><p>la r pela situação de saúde dos cidadãos eram as autoridades m u nicip ais.</p><p>F o i nesse p rin cíp io q ue se fun d a m entou a e x periência d a cid ad e</p><p>de Santos.</p><p>N e la , a d iferença de tu d o q ue se tin h a ten tad o até en tão « co m e �</p><p>çou -se a construção de u m sistem a de saúde m ental p ela desconstrução</p><p>d o h osp ita l psiq u iá trico .</p><p>saúde mental e saúde coletiva 627</p><p>Em 3 de maio de 1989 foi decretada a Intervenção no único hos�</p><p>p ital psiquiátrico da cidade — a Casa de Saúde Anchieta. D epois de</p><p>denúncias de maus-tratos e de mortes acontecidas no hospício , um a</p><p>equipe liderada pelo psiquiatra Roberto Tykanori começou a gerenciar</p><p>essa instituição privada que tinha aproximadamente quinhentos pa �</p><p>cientes.</p><p>U m a legião de profissionais de saúde, enfermeiros, médicos, den �</p><p>tistas entrou no hospício para cuidar dos pacientes que se encontra �</p><p>vam em estado de saúde lamentável. Toda a ordem institucional foi</p><p>alterada; na prim eira noite foram fechadas as celas- fones, p roibida a</p><p>aplicação de eletrochoques, alguns pacientes começaram a sair do hos�</p><p>p ital e as famílias convocadas para participar das altas.</p><p>A Intervenção na Casa de Saúde Anchieta foi mais uma escola de</p><p>liberdade; Santos fez jurisprudência, pois até então só existia um prin �</p><p>cíp io constitucional, a letra da lei; houve então m uitos e intensos con �</p><p>flitos e embates.</p><p>As enfermarias foram reorganizadas de maneira que dignificasse a</p><p>vid a dessas pessoas. Os internos foram agrupados em enfermarias se�</p><p>gundo a localidade de origem. De modo que quando a equipe técnica e</p><p>seus pacientes estavam suficientemente integrados e fortalecidos saíam</p><p>do hospital para criar os Naps (Núcleos de Atenção Psicossocial).</p><p>Esses núcleos eram fundados com um trabalho prévio de m o �</p><p>b iliz ação dos moradores do local. Em centros com unitários, sindicatos</p><p>e igrejas era discutido um vídeo que apresentava a Intervenção , mostra �</p><p>va o H ospício para a sociedade e discutia a necessidade de conviver</p><p>com as pessoas internadas no Hospital.</p><p>Os Naps de Santos nasceram substitutivos do H ospício . Lam en �</p><p>tavelmente, nem todos os Caps, como o Ministério da Saúde preferiu</p><p>chamá-los, têm essa missão. Os Naps, além de estarem encravados no</p><p>território , estavam articulados num complexo que fez de Santos a pri�</p><p>meira cidade brasileira sem manicômios.</p><p>À medida que se ia desmontando o hospício iam-se criando os</p><p>Naps, os Prontos-Socorros Psiquiátricos, o N úcleo de Trab alh o e as</p><p>cooperativas, a moradia para os pacientes crônicos sem contato fam i�</p><p>liar, o Centro de Valorização da Criança e do Adolescente (C V C) e o</p><p>Núcleo de Artes TAM TAM.</p><p>Esse núcleo criou uma rádio, que in icialm ente funcionava no hos�</p><p>pital e depois se transformou na Rádio TAM TAM, que divulgou seus</p><p>programas pelo Brasil afora e até no exterior. Foi criado também um</p><p>programa de vídeo chamado de T V TAM TAM.</p><p>6 2 8 lancetti & am arante</p><p>O u tra característica d iferencial de Santos fo i q ue a e x p eriência fo i</p><p>lid erad a pelas au toridades governam entais. O grande líd e r fo i o en tão</p><p>secretário de Saúde, e d ep ois prefeito da cidade , D avid C a p istra n o F i �</p><p>lh o . T alve z tenha sid o essa a razão de a e x periência ter sid o realiz ada</p><p>em te m po recorde. Em 1989 foi in icia d a a In tervenção n o H osp ita l e</p><p>em 1994 o h osp ital estava fechado e o sistem a de saúde m en tal fu n cio �</p><p>n a n d o .</p><p>En fim , co m a e x periência de Santos fo i possível d e m o nstrar que</p><p>l era possível cu id a r de pessoas co m so frim en to m ental in te nso sem o</p><p>/ concurso dos m anicô m ios. O ensinam ento q ue devem os à Revolução</p><p>Sa n tista da Saúde M en tal foi a m igração de sua m eto d o lo g ia a o u tros</p><p>cam pos de atuação: assistência social, tra tam ento de drogados, de m e �</p><p>n in os e meninas^ em situ ação de rua o u de p rostitu içã o , ed ucaçã o e</p><p>p rogram as de d istrib u ição de renda.</p><p>M as, a lé m da co n trib u içã o de Santos, o certo é q u e a Re fo rm a</p><p>Psiq u iá trica avançou sig nifica tiva m en te n o Brasil: em 1989 h avia treze</p><p>N aps e Caps e o ite n ta m il leitos. H o je tem os 820 C aps e N a ps e 45 .0 0 0</p><p>leitos psiq u iátricos.</p><p>SA Ú D E MEN T AL E SA Ú D E DA F A M ÍLIA</p><p>A saúde m ental é, p or assim diz er, o eix o da Estratégia de Sa ú d e da</p><p>Fa m ília (ESF). N a ESF os pacientes conhece m os m édicos, en ferm eiros,</p><p>au x iliares de enferm agem e agentes co m u nitá rios p e lo no m e . E os m e m �</p><p>bros da eq uip e de Saúde da F a m ília (SF ) tam bém con hece m os p acie n �</p><p>tes p elo no m e . C onhece m , cada d ia m elhor, suas b io grafias e o te rritó �</p><p>rio e x istencial e geográfico.</p><p>N a ESF os pacientes deix am de ser nú m eros de p ro n tu ário ; eles</p><p>são tratados nas tramas q ue organiz am suas vidas.</p><p>C inco agentes co m unitários, u m ou dois au x iliares de enferm agem ,</p><p>enferm eira e m édico atendem de oitocentas a m il fa m ílias. O s m ú ltip los</p><p>procedim entos e o fato de serem sem pre essas mesmas pessoas p erm ite</p><p>um a co n tin u id a d e nunca vista em outras m o dalidades de aten dim ento .</p><p>Essa co n tin u id a d e exige dos p ro fissio n ais de saúde lid a re m co m o</p><p>so frim e n to hu m an o . Lid ar co m fa m ílias e suas h istó rias gera an gústia ,</p><p>en tusiasm o , im potências, m edo . . .</p><p>O s usu ário s d o siste m a de saúde d e p osita m nos m e m b ros das</p><p>e q uip es as m ais variadas form as de am or, ó d io , esperança; e os p ro fis �</p><p>sio n a is tam bé m e x perim entam diversas m aneiras in usitad as de re lacio �</p><p>nar-se co m eles.</p><p>saúde mental e saúde</p><p>coletiva 6 2 9</p><p>Esse campo relacional pode ser posto a serviço de objetivos tera�</p><p>pêuticos ou transformar-se em carga insuportável. Dai a importância</p><p>da capacitação, do apoio dos profissionais da saúde mental.</p><p>A ESF é, por assim dizer, um Programa de Saúde Mental: há trata�</p><p>m ento continuado , base sobre a qual os pacientes podem ressignificar</p><p>seus sintom as e seus sofrimentos; pratica-se o acolhimento, que é uma</p><p>m aneira de escutar as pessoas e que é considerado um dos dispositivos</p><p>fundam entais das práticas de saúde mental; desenvolvem-se ações co �</p><p>letivas, com o caminhadas, iniciativas culturais, educativas e de partici -</p><p>pação e protagonismo político.</p><p>O sim ples encaminhamento para departamentos ou setores espe�</p><p>cializ ados não funciona no caso da saúde da família. Parte significativa</p><p>da população sofre de algum distúrbio psíquico, três por cento com gra�</p><p>vidade. Muitos desses pacientes nem sequer vão aos serviços de saúde</p><p>m ental ou de psiquiatria, e às vezes a forma de intervenção da estratégia</p><p>d a fa m ília é mais incisiva e tem potencial de operar mudanças maiores</p><p>que as d o Caps e, certamente, maiores que as do Hospital Psiquiátrico.</p><p>O médico de fam ília e, algumas vezes, o agente com unitário de</p><p>saúde têm poder vinculador muito maior que um psiquiatra ou um</p><p>psicólogo .</p><p>A SF tem poder de inserção no território maior que o Caps.</p><p>Mas os Caps e as equipes volantes de saúde mental devem asso�</p><p>ciar-se às equipes de SF, contribuir com a capacitação e, fundam ental�</p><p>mente, trabalhar juntas.</p><p>A característica principal dos programas de saúde mental desen�</p><p>vo lvid os no âm bito da SF é o envolvim ento, a co - responsabilização</p><p>dos pacientes e seus grupos familiares. Os pacientes são atendidos pe�</p><p>las equipes de Saúde da Família e pelas equipes de saúde mental.</p><p>Em alguns casos as equipes m ultidisciplinares trabalham nos Caps,</p><p>em outros as equipes são volantes: não tèm consultório . Mesmo nos</p><p>locais onde há am bulatórios de especialidades com ginecologista, car�</p><p>d iologista , pneumonologista, gastroenterologista, etc., não há consul�</p><p>tório de psiquiatra nem de psicólogo.</p><p>As equipes de saúde mental são compostas por psicólogos, psi�</p><p>quiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e enfermeiros (exis�</p><p>tem localidades no Brasil onde não há enfermeiros da área ou não há</p><p>psiquiatras ou terapeutas ocupacionais).</p><p>A m etodologia adotada por essas equipes está sintoniz ada com</p><p>os presupostos da Reforma Psiquiátrica, com a metodologia apreendi�</p><p>da nas experiências de desconstrução manicomial, com a migração da</p><p>630 lancetti 6c am arante</p><p>p rá x is d a d e s in s t itu c io n a li z a ç â o e a in v e n ç ã o in s t it u c io n a l (v e r</p><p>Dtsinstitucionaliz ação , tex tos de Franco Ro te lli, liv ro o rg an iz a d o p or</p><p>Fernan d a N icácio , 1990).</p><p>D e m aneira q ue o p rim eiro p rin cíp io que organiz a o tra b a lh o é</p><p>q ue são atendidas p rio ritaria m en te as pessoas e fa m ílias em m aio r ris �</p><p>co : os q u e são e n co n tra d o s p e los agentes co m u n itá rio s de saú d e</p><p>trancafiados, em prisão d o m icilia r, os q ue usam drogas de form a su ici �</p><p>da, os que e x plodem em erupção psicótica ou que d e prim e m p ro fu n �</p><p>dam ente .</p><p>C o m o alertam os autores da Psiq u ia tria D e m ocrática ita lia n a , há</p><p>que p reve n ir a prevenção , a associação de p ro fissio n a is d e saúde da</p><p>fa m ília e de saúde m ental não é para fazer p revenção separada da cura.</p><p>Essa parceria é realiz ada para a rticu la r a clín ica co m as necessidades im �</p><p>postas p ela ep id e m iolo g ia .</p><p>Se há algo a ser p reven id o é a in ternação psiq u iá trica , o su icíd io ,</p><p>h o m icíd io e a vio lê n cia fa m ilia r e co m u nitária .</p><p>Todas as ações d ese nvolvid as devem ser pautadas p e lo co n ce ito</p><p>de cid a d a n ia — o p acien te é, antes de m ais nada , u m cid a d ã o . A n tig a �</p><p>m ente os ve lh os psiquiatras e psicólogos o lh ava m para u m p acien te e</p><p>já pensavam em d assificá - lo d iagnosticam ente: psicó tico , perverso , n e u �</p><p>ró tico , etc.</p><p>Esses pro fissio nais não buscavam con hecer a b iografia , o m e io no</p><p>q u a l o su je ito v iv ia , as regu larid ad es q u e m a n ifestava n o seu gru p o</p><p>fa m iliar, os in terlocu tores invisíve is q ue essa pessoa tin h a , q u ais eram</p><p>suas teorias a respeito d o d ese q u ilíb rio psíq u ico e m u ito m enos o q ue</p><p>essa pessoa p o d ia , sua p o tencia lid ad e su b je tiva e sua p ossib ilid a d e de</p><p>a u to n o m ia .</p><p>Evid e n te m e n te u m a pessoa protestan te q ue se desestru tura n ã o</p><p>en ten d erá sua desord e m da m esm a form a q u e u m u m b a n d ista . E a</p><p>adesão ao tra ta m en to será m a io r se os cuidadores con hecere m a cu ltu �</p><p>ra d o in terlocu tor.</p><p>N ã o esqueçam os q ue o tra ta m en to d ad o a essas pessoas n ã o está</p><p>fu n d a m e n ta d o n o seqüestro co m o oco rria n o h osp ita l p siq u iá trico , o</p><p>co m b ate d e concepções era m ais o u m enos assim : o p acien te d iz que</p><p>as vo z es q ue o uve são d evid as a u m tra b a lh o q ue lh e fiz era m (u m ebó ,</p><p>p o r e x e m p lo), e o técnico psi d iz que é p aranóia .</p><p>N ã o se trata de ab an d o n ar os co n h ecim en tos de p siq u ia tria c lín i �</p><p>ca, d e psica n álise , p sico lo g ia so cia l o p era tiva , a n á lise in s t itu c io n a l e</p><p>esq u iz o an álise . Q u a n d o se tra b a lh a n o te rritó rio é p reciso p ra tica r a</p><p>d e m ocracia psíq u ica , con h ecer a cu ltu ra e co nversar co m as pessoas e</p><p>saúde mental e saúde coletiva 631</p><p>seus in terlocu tores invisíveis, com o afirm a o etno psiq uiatra T o b ie</p><p>N a th an .</p><p>N o m odelo hospitalocêntrico os pacientes sofriam contenção, no</p><p>m odelo do território recebem continência, isto é acolhim ento e escuta.</p><p>A terceira questão imponante é que a SF já desenvolve uma série</p><p>< de práticas que podem ser consideradas práticas de saúde mental: ca-</p><p>/ m inhadas de hipertensos, intervenções ambientais, consultas médicas,</p><p>V odontológicas, etc.</p><p>Mesm o em situações complexas, a ação dos profissionais que não</p><p>possuem experiência é fundamental para o desenvolvim ento da pro �</p><p>gram ação terapêutica. Por exemplo, a uma pessoa deprim ida pode-se</p><p>prescrever caminhadas junto com hipertensos e antidepressivos. O u</p><p>ain d a participar das muitas atividades coletivas que desenvolvem as</p><p>unidades de saúde da família. O dispositivo clín ico denom inado aco�</p><p>lhimento consiste na escuta da pessoa que procura a unidade de saúde.</p><p>O acolhim ento é um dispositivo de saúde e de saúde mental.</p><p>N os casos mais complicados, que são os escolhidos para dar prio �</p><p>ridade e para iniciar o trabalho, os profissionais de saúde m ental po �</p><p>dem in icia r o atendimento fazendo a prim eira visita ao d o m icílio , des�</p><p>de que acom panhado de algum membro da equipe de saúde da fam í�</p><p>lia , mas im ediatam ente os dois grupos reunidos discu tirão o caso e</p><p>elaborarão um programa de saúde mental para cada fa m ília atendida.</p><p>Essas reuniões precisam ser sistemáticas. Nas prim eiras in terven �</p><p>ções realizadas no do m icílio pode nos surpreender a adesão in icia l de</p><p>grupos inteiros, mas depois é preciso acompanhar passo a passo cada</p><p>grupo familiar.</p><p>N o Programa de Saúde da Fam ília de São Paulo — ex -Projeto</p><p>Q u alis — existem prontuários de fam ília e de saúde m ental conjuntos.</p><p>Além do registro do grupo fam iliar e da situação de saúde, há uma</p><p>folh a de monitoram ento da saúde mental que descreve a situação-pro -</p><p>blem a, a prim eira intervenção, a proposta terapêutica e o acom panha �</p><p>m ento passo a passo, além de registrar internações e medicações psi�</p><p>q uiátricas utiliz adas. Esse registro será fundamental para discussão dos</p><p>casos e o seu monitoramento.</p><p>O utra questão fundamental é o conceito de fa m ília que adotam )</p><p>I os trabalhadores de saúde e de saúde mental. O conceito de fa m ília</p><p>/ que a pessoa apreende no decorrer da vida é cunhado na experiência /</p><p>) que realiz a na sua</p><p>família . Não é de se estranhar que, quando se trata</p><p>/ de profissionais universitários, muitas vezes, a idéia de fa m ília que o j</p><p>l técnico tem não condiz com as fam ílias que conhecerá no território . ^</p><p>6 3 2 lancetti 6t am arante</p><p>Q u a n d o esse técn ico chega às vilas e favelas, o n d e fo i d esign ad o</p><p>p ara tra b a lh a r p o d e e nco n trar grupos fa m iliares q ue destoa m d o gru p o</p><p>q u e co n h ece u na in fâ ncia e na adolescência . Po d e até co n sid e ra r q ue</p><p>esse g ru p o q u e está co n h ecen d o não é u m a fa m ília .</p><p>Para evita r a p ara lisia e a cegueira co nce itu a i q u e essas situaçõ es</p><p>\ p rovo ca m , é im p o rta n te le m brar q ue a fa m ília é u m a in s titu içã o em</p><p>̂ co nstan te m u tação e, d aí, q ue consid era m os fa m ília a q u a lq u e r g ru p o</p><p>de pessoas q u e m ora m juntas, e x istin d o o u n ã o en tre eles re lações de</p><p>^ co n sa n g ü in id a d e .</p><p>O o u tro co n ce ito im p ortan te é o decorrente d o a b a n d o n o da id é ia</p><p>de fa m ília d esestru turada . O q ue in teressa co n h ecer é co m o a fa m ília</p><p>está estru turad a . Q u a is são as regularidades, os líderes, as re petições.</p><p>En riq u e Pic h ó n Riviè re , psiq u ia tra e p sica n a lis ta su íço - arg e n tin o</p><p>cria d o r da Psico lo g ia Socia l O p era tiva , a firm ava q u e o m e m b ro a d o eci �</p><p>d o d e u m a fa m ília , o lo uco da fa m ília , é o m e m bro m ais forte d o gru p o</p><p>f a m ilia r e n ã o o m ais fraco . M ais forte p orq ue capa z de su p o rta r a lo u �</p><p>cura d o gru p o fa m ilia r in te iro .</p><p>Po ste rio rm e n te fora m estudadas fa m ília s p o r d iversas corre n tes:</p><p>sistê m icas , p sico dra m a , psicanálise , etc., e n u nca essas a firm açõ es fo �</p><p>ra m con testad as. O q u e in teressa para co m pree n d er o g ru p o f a m ilia r é</p><p>p erce b er d e q u e m a n eira e le está estru turad o . Q u a n to m ais p a to ló g ico</p><p>o g ru p o fa m ilia r , m ais estru turad o . A in te rve nçã o de saú d e m e n ta l p ro �</p><p>voca u m a d esestru turação e u m a re - estruturação .</p><p>N este p o n to ra d ica u m a das m aiores d ificu ld a d es p rá ticas . O s p ro �</p><p>fissio n ais de saúde são cap acitad os p ara d ia g n ostica r e p ro p o r u m a te �</p><p>ra p êu tica . Ex e m plo : u m a pessoa tem in fecçã o u rin á ria , to m a a n t ib ió t i �</p><p>co d u ra n te sete d ias, d e p o is realiz a exam e, o caso " fech a " . N o s casos de</p><p>saú d e m e n ta l, q u a n d o u m p acie n te d e u m a f a m ília m e lh o ra , o u tro</p><p>d esco m p ensa , os casos n u nca " fech a m " . O s in to m a n ã o se e lim in a , o</p><p>s in to m a circu la .</p><p>N a saú d e g eral o v é rt ice d a p irâ m id e da co m p le x id a d e está n o</p><p>h o sp ita l. U m tra nsp la n te o u in te rve n çã o cirú rg ica ca rd íaca se fa z e m</p><p>lo ca is d e a lta co m ple x id ad e , o n d e há cen tros cirú rg ico s e u n id a d es de</p><p>te ra p ia in te nsiva .</p><p>N a saú d e m e n ta l é o co n trá rio : n o h o sp ita l o p ro ce d im e n to é s im �</p><p>p lif ic a d o e n o te rritó rio os p roce d im e n tos são m ais co m ple x os .</p><p>D esd e a p rim e ira in te rve nçã o , o aco m p a n h a m e n to , a a t iva çã o dos</p><p>recursos d a co m u n id a d e co m o o re to rn o d e u m jove m à escola , a co o �</p><p>p eração de u m ce n tro re lig io so o u c o m u n itá rio p ara a a te nção d e u m a</p><p>cria n ça o u ad olescen te , p recisa ser m o n ito ra d a p asso a passo .</p><p>saúde mental e saúde coletiva 633</p><p>Para isso os médicos e enfermeiros são capacitados no uso racional</p><p>de psicofárm acos, em grupos operativos, fam ília , psicopatologia, etc.</p><p>São surpreendentes os êxitos dos programas de saúde m ental. N a</p><p>cid ad e de Q uixadá, estado do Ceará, por exem plo, antes d o PSF / saúde</p><p>m ental, eram internados oito pacientes por mès, d epois da e x istência</p><p>d o program a passaram a ser internados seis pacientes p or ano.</p><p>O s objetivos desse programa são: a redução da in ternação psiq u iá �</p><p>trica , a d im in u içã o das mortes por vio lência e a d im in u içã o d o uso</p><p>p ato ló g ico de drogas legais e ilegais.</p><p>A saúde mental praticada por profissionais de saúde e de saúde</p><p>m ental consegue resultados insólitos com pacientes drogados, psicó �</p><p>ticos, em prisão do m iciliar, com crianças violentadas e, fu n d a m en ta l �</p><p>m ente, conseguem d im in u ir os índices de violência . Nas unid ad es d o</p><p>ex -Projeto Q u al is, que foi m unicipaliz ado e sua m eto dologia preserva �</p><p>da , d im in u íra m as mortes por causa externa apesar de a vio lê n cia ter</p><p>au m entado em São Paulo . Para maior conhecim ento das ex periências</p><p>de programas de saúde mental no âm bito da saúde da fa m ília n o Brasil</p><p>é de enorm e im portância o volum e 7 da Coleção Saúdeloucura in titu la d o</p><p>Saúde M enial e Saúde da Família, organiz ado por A . Lancetti.</p><p>C o m o demonstra Benedetto Saraceno (1 9 9 9), u m dos p rincip a is</p><p>conhecedores da saúde mental em plano m undial, em Libertando Iden �</p><p>tidades: da Reabilitação Psicossocial à Cidadania Possível, os esquiz ofrênicos</p><p>se reab ilita m mais nos países do terceiro m undo , co m o m ostram as</p><p>pesquisas, porque nas com unidades mais hu m ildes há m ais so lid arie �</p><p>dade e possibilidades de ativar os recursos dessas co m unidades.</p><p>As ex periências dos Caps e das equipes volan tes de psiq u iatras,</p><p>psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais, associados aos</p><p>profissionais de saúde da ESF abrem o sulco do cam po pós - m anico m ial</p><p>e con trib ue m para uma clín ica com prom etida co m a vid a , co m um a</p><p>su b je tividade livre e com uma maneira de viver e de e x istir orien tada</p><p>para a justiça, para a liberdade, para a m ultip licid ad e e para a 'socie d a �</p><p>de socia lista do fu tu ro ', expressão-sonho que to m am os em prestada</p><p>d o saudoso D avid Capistrano Filho .</p><p>BIBLIO G R A FIA</p><p>Am arante, Paulo e col. Loucos pela vida — a trajetória da Reforma Psiquiá �</p><p>trica no Brasil. Rio de laneiro: Fiocruz , 2005.</p><p>Basaglia, Franco. Escritos selecionados em Saúde Mental e Reforma Psiquiátri�</p><p>ca (org. por Paulo Amarante). Rio de laneiro: Caram ond , 2005.</p><p>634 lancetti 6 amarante</p><p>Basaglia , Franco . C arta de N ova York — o d oente a rtific ia l. In : Escritos</p><p>selecionados em Saúde M en tal e Reforma Psiq u iátrica (o rg an iz a d o p or</p><p>Pa u lo A m aran te). Rio d e lan eiro : G ara m o n d , pp. 151-60, 2005.</p><p>Basaglia , Franco & Franca O n garo Basaglia. C rim in i d i pace. In : Franca</p><p>O n g aro Basaglia (o rg .). Basaglia scrim II. T u rim : Ein a u d i, pp . 237 -</p><p>338 , 1982.</p><p>Berling u er, G io va n n i. A doença. São Paulo : I lucitec - Cebes, 1991.</p><p>C astel, Robert A ordem psiquiátrica — a idade de ouro do alienism o . Rio</p><p>d e Jan e iro : C ra a l, 1979.</p><p>C erq ueira , Luiz . 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