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<p>1</p><p>v</p><p>Curso de</p><p>PRIMÁRIA À SAÚDE</p><p>SAÚDE MENTAL</p><p>PARA A ATENÇÃO</p><p>APERFEIÇOAMENTO EM</p><p>Unidade de Aprendizagem 1</p><p>Saúde Mental no Contexto</p><p>das Políticas Públicas</p><p>2</p><p>Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.</p><p>É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte.</p><p>ESPP - Escola de Saúde Pública do Paraná - Centro Formador de Recursos Humanos.</p><p>Rua Doutor Dante Romanó, 120- Tarumã. CEP: 80.230-140 Curitba (PR).</p><p>Tel. (41) 3342-2293 www.escoladesaude.pr.gov.br</p><p>Governador do Estado do Paraná</p><p>Carlos Roberto Massa Junior</p><p>Secretário de Estado da Saúde do Paraná</p><p>César Augusto Neves Luiz</p><p>Diretor Geral</p><p>Nestor Werner Junior</p><p>Diretora de Atenção e Vigilância em Saúde</p><p>Maria Goretti David Lopes</p><p>Presidente da FUNEAS</p><p>Marcello Augusto Machado</p><p>Escola de Saúde Pública - Centro Formador de Recursos Humanos</p><p>Coordenação de curso</p><p>Aline Pinto Guedes - ESPP</p><p>Emerson Luiz Peres - SESA/ESPP/DES</p><p>Wladmir Cid Bastos Gonçalves - ESPP</p><p>Docente</p><p>Altieres Edemar Frei</p><p>Revisão</p><p>Camila Del Tregio Esteves - SESA/ESPP/DES</p><p>Emerson Luiz Peres - SESA/ESPP/DES</p><p>Vanessa Carvalho de Souza Leal - SESA/DAV/DVSAM</p><p>Supervisão</p><p>Aldiney José Doreto - ESPP/DTAES</p><p>Emerson Luiz Peres - SESA/ESPP/DES</p><p>Edição / Editoração do conteúdo</p><p>Fabiano Amaral - ESPP</p><p>Concepção Gráfica e Diagramação</p><p>Rodrigo Adauto da Costa - ESPP</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP</p><p>Biblioteca da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (BIBSESA)</p><p>Rodolpho Luiz D. Lorenzi - CRB9/2008</p><p>Paraná. Secretaria da Saúde. Escola de Saúde Pública do</p><p>Paraná. Centro Formador de Recursos Humanos</p><p>Caderno da Unidade de Aprendizagem 1 - Saúde Mental no</p><p>Contexto das Políticas Públicas. Curitiba : SESA, 2022.</p><p>28 p.</p><p>1. Saúde Mental no Contexto das Políticas Públicas. I. Título.</p><p>II. Autor</p><p>CDD362.1068</p><p>P223</p><p>3</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>1. HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL</p><p>1.1. No princípio era o asilo</p><p>1.2. Depois da construção da “demonização” da loucura, a exclusão</p><p>1.3. Para formar Estado, investir nos corpos: o nascimento da medicina social</p><p>e as Reformas Psiquiátricas</p><p>2. REFORMA PSIQUIÁTRICA E POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL</p><p>2.1. Destaques de conceitos e principais autores de influência para As</p><p>Reformas Psiquiátricas</p><p>2.2. Brasil: a Reforma Psiquiátrica como desdobramento da Reforma Sanitária</p><p>2.3. Dos movimentos sociais à institucionalização via agenda governamental:</p><p>desafios do campo no Brasil com ares de “país do futuro”</p><p>2.4. Sintonias com o Relatório sobre a Saúde Mental no Mundo (OMS, 2001)</p><p>2.5. Notas sobre a dimensão epistemológica da Reforma Psiquiátrica</p><p>2.6. Destaques sobre a Lei 10.216/2001, a Lei da Reforma Psiquiátrica</p><p>2.7. Todo hospício e prática manicomial em um país racista e colonial guarda</p><p>ecos do navio negreiro. Perspectivas sobre Frantz Fanon.</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR</p><p>Leituras sugeridas</p><p>Vídeos indicados</p><p>..................................................................................................................................................</p><p>...............................................</p><p>........................................................................................................................</p><p>..............................</p><p>...........................................................................................................</p><p>........................</p><p>.....................................................................................................................</p><p>......</p><p>.........................................</p><p>............</p><p>..........................</p><p>.........................</p><p>.........................................</p><p>...............................................................................................................</p><p>............................................................................................................................</p><p>.........................................................................................................................................</p><p>............................................................................................................................................</p><p>05</p><p>06</p><p>06</p><p>07</p><p>09</p><p>12</p><p>12</p><p>14</p><p>15</p><p>18</p><p>20</p><p>22</p><p>23</p><p>25</p><p>26</p><p>26</p><p>27</p><p>SUMÁRIO</p><p>4</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Colegas,</p><p>Sejam muito bem-vindos ao curso de aperfeiçoamento em Saúde Mental para a Atenção</p><p>Primária em Saúde! É com muito gosto que convidamos você a examinar o material composto</p><p>de textos, questões e videoaulas e tomá-lo como um ponto de partida ou um trampolim</p><p>para saltos e mergulhos mais detalhados no campo da saúde mental. Precisamos, cada vez</p><p>mais, de uma construção crítica que faça jus a envergadura das conquistas e desafios da luta</p><p>antimanicomial e das políticas públicas de cuidado para pessoas em sofrimento mental.</p><p>Nesta primeira Unidade de Aprendizagem (UA1), em seu módulo único – Saúde Mental</p><p>no Contexto das Políticas Públicas – trataremos de dois temas muito importantes e interligados</p><p>ao longo do texto base: 1. Histórico das Políticas de Saúde Mental no Brasil, e 2. Reforma</p><p>Psiquiátrica e Políticas de Saúde Mental no Brasil.</p><p>É com satisfação que as considerações sobre os autores estudados são tramadas por</p><p>meio deste texto de apoio; aqui, mais do que aprofundar-se nos respectivos conceitos ou fazer</p><p>valer o paradigma de livros didáticos, o convite é para uma passagem, um sobrevoo em meio</p><p>aos principais marcadores do campo da Reforma Psiquiátrica no Brasil e no Mundo.</p><p>A partir daí, almeja-se que o(a) leitor(a) menos familiarizado(a) com o assunto consiga</p><p>ter elementos para posicionar a mudança do paradigma asilar para o paradigma da atenção</p><p>psicossocial, um projeto maior, portanto, que a mera troca de equipamentos dedicados aos</p><p>cuidados de pessoas em sofrimento mental. A aposta aqui é pela sintonia em um fluxo de</p><p>pensamentos que é científico, mas nunca deixou de ser político, muito menos estético, posta</p><p>a premissa de uma disputa por tipo de sociedade ante a disputa por um tipo de modelo de</p><p>cuidado em saúde mental.</p><p>Fica o convite a esse breve sobrevoo e, se servir para tanto, reiterado ao(à) leitor(a) fazer</p><p>um mergulho com profundidade nos vídeos indicados e na obra dos autores comentados —</p><p>estes sim os mananciais para um estudo mais aprofundado. Ressalto que este curso, usufruindo</p><p>da liberdade de cátedra, é também autoral — as ideias que exponho aqui e nas videoaulas</p><p>gravadas não têm a pretensão de soarem como “verdades”; é apenas um ponto de vista, e, em</p><p>um estado democrático de direito, podem (e devem!) ser refutadas, pois precisamos debater</p><p>cada vez mais os assuntos de forma cidadã e respeitosa.</p><p>Desejo que o texto aqui — que deve ser visto como transversal a todas as demais</p><p>Unidades de Aprendizagem do curso – lhe sirva de estímulo e trampolim para outros estudos</p><p>e para exercício crítico do controle social no Sistema Único de Saúde!</p><p>Bom curso!</p><p>Altieres Frei1, dezembro de 2021.</p><p>5</p><p>Unidade de Aprendizagem 1</p><p>Saúde Mental no Contexto</p><p>das Políticas Públicas</p><p>6</p><p>1. Histórico das Políticas de Saúde</p><p>Mental no Brasil</p><p>1.1. No princípio era o asilo</p><p>Vamos iniciar indo para a Videoaula 1 - “A História das Reformas Psiquiátricas - Escavações e</p><p>Decomposições”. Acredito que vai ajudar você a compreender o texto após o contato com essa aula.</p><p>Logo de início, uma evidência: não é a psiquiatria que recomenda as internações. A psiquiatria nasce</p><p>das internações. Essa constatação é uma primeira “desconstrução” ou “desmontagem epistemológica”</p><p>que se faz crucial para entendermos o que chamamos de Reforma Psiquiátrica, tanto em suas diferentes</p><p>vertentes mundo afora, quanto em relação às tentativas e diferentes momentos de sua implantação no</p><p>Brasil. O convite aqui, de imediato, parte tanto para construirmos juntos conhecimentos sobre a temática,</p><p>mas, especialmente, para revisarmos e desconstruirmos o que parece “naturalizado”.</p><p>Afirmar que a psiquiatria nasce de dentro do hospício, dentro do asilo, pode soar como uma colocação</p><p>caricata, mas se pegarmos as trilhas deixadas</p><p>se aproxima de</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=fNsqfRH5yrY</p><p>24</p><p>alguns conceitos da psicanálise e refuta outros, especialmente quando mal ditos por alguns psicanalistas da</p><p>época (como a citada querela com O. Mannoni sobre o suposto complexo de inferioridade que este associava</p><p>à raça), ou ainda quando bem ditos por outras psicanalistas, como é o caso da forma com a qual Fanon refuta</p><p>o fenômeno da inibição do ego em Anna Freud (Faustino, 2018).</p><p>São discussões que podem soar específicas ao campo da psicanálise, e que aqui não alcançamos</p><p>aprofundá-las. Mas a este respeito, enquanto síntese, a primeira das citações abaixo de Fanon parece</p><p>categórica:</p><p>Compreendemos agora porque o negro não pode se satisfazer no seu isolamento. Para ele só existe uma porta de</p><p>saída, que dá no mundo branco. Donde a preocupação permanente em atrair a atenção do branco, esse desejo de</p><p>ser poderoso como o branco, essa vontade determinada de adquirir as propriedades de revestimento, isto é a parte</p><p>do ser e do ter que entra na constituição de um ego. Como dizíamos há pouco, é pelo seu interior que o negro vai</p><p>tentar alcançar o santuário branco. A atitude revela a intenção. (Fanon, 2008, p. 77)</p><p>E, ainda, no que diz respeito a questão das formações de neuroses articuladas ou atravessadas pelo</p><p>racismo, Fanon, que estudou a psiquiatria forense em Lyon, diz:</p><p>Qualquer que seja o domínio considerado, uma coisa nos impressionou: o preto, escravo de sua inferioridade, o</p><p>branco, escravo de sua superioridade, ambos se comportam segundo uma linha de orientação neurótica. Assim,</p><p>fomos levados a considerar a alienação deles conforme descrições psicanalíticas. O preto, no seu comportamento,</p><p>assemelha-se a um tipo neurótico obsessional, ou, em outras palavras, ele se coloca em plena neurose situacional.</p><p>Há no homem de cor uma tentativa de fugir à sua individualidade, de aniquilar seu estar-aqui. Todas as vezes que</p><p>um homem de cor protesta, há alienação. Todas as vezes que um homem de cor reprova, há alienação (…), o preto</p><p>inferiorizado passa da insegurança humilhante à auto-acusação levada até o desespero. Frequentemente a atitude</p><p>do negro diante do branco, ou diante do seu semelhante, reproduz quase que integralmente uma constelação</p><p>delirante que toca o domínio do patológico.</p><p>A citação é categórica não só pela denúncia evidente dos processos de racismo que “impregnam”</p><p>as constituições de subjetividades brancas e negras, e que precisam, evidentemente, ser veementemente</p><p>combatidos, como por evidenciar que transformações deste tipo não se circunscrevem ao universo individual:</p><p>ou seja, não há como trabalhar esses “determinantes sociais” sem mudar a cultura, sem lutar por políticas</p><p>públicas e pela garantia de direitos fundamentais.</p><p>E no caso dos povos colonizados, isso é agravado pelo “sepultamento de sua originalidade cultural”,</p><p>o que inclui a tomada de posição diante da linguagem da nação civilizadora. Os efeitos psicológicos da</p><p>colonização, detalhará Fanon em sua série compilada de escritos psiquiátricos denominada “Alienação e</p><p>Liberdade”, evidenciam o “papel crucial da cultura no desenvolvimento de doenças mentais”. Fanon,</p><p>portanto, recusa qualquer “naturalização das doenças mentais” e rejeita com veemência “aquelas que a</p><p>etnopsiquiatria colonial, essencialmente biologizante e racista, havia inventado e encarnado na estrutura dos</p><p>hospitais” (Fanon, 2008, p. 12).</p><p>Frantz Fanon, que, quando em 1953 se muda para Argélia e assume a direção de um hospital</p><p>psiquiátrico na cidade de Blida, constata o quanto as divisões raciais das alas psiquiátricas daquele hospital</p><p>refletiam as representações dominantes e o quanto tais práticas eram úteis à manutenção das relações</p><p>de poder coloniais (Faustino, 2020). Mais ardido do que uma reforma psiquiátrica e, de certa forma, no</p><p>mesmo vácuo da antipsiquiatria, Fanon propõe a descolonização como a questão estruturante dos processos</p><p>que versam não só sobre as relações de saber e poder na psiquiatria e suas práticas, mas no ideário de</p><p>transformação social que viceja no projeto de cidadania.</p><p>É com esses ideários, ferramentas conceituais e críticas, que chegamos à perspectiva da luta para</p><p>conquista e garantia dos direitos. Nesse sentido, concluímos com o mantra: toda saúde é coletiva.</p><p>Para concluir essa Unidade, assista Vídeoaula 8 - “Cartilha Direito à Saúde Mental - Álcool e outras</p><p>Drogas na APS”. É um conteúdo complementar e muito importante.</p><p>25</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>AMARANTE, P. Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994.</p><p>AMARANTE, P.D.C. Reforma Psiquiátrica e Epistemologia. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental. [S. l.], v. 1, n. 1, p.</p><p>34-41, 2011. Disponível em:https//:periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/68425. Acesso em: 3 set. 2021.</p><p>ARBEX, Daniela Holocausto brasileiro 1. Ed. – São Paulo: Geração Editorial, 2013.</p><p>BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental em Dados – 12, ano 10, no 12. Informativo eletrônico. Brasília: outubro de</p><p>2015</p><p>BRASIL. Lei n. 10.216 de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos</p><p>mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, 2001. Disponível http://www.planalto.gov.br/</p><p>ccivil_03/ leis/leis_2001/l10216.htm.</p><p>Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; Conselho Nacional do</p><p>Ministério Público; Ministério Público do Trabalho Impresso no Brasil: 2a edição – Março 2020</p><p>DELEUZE, G., GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: 34, 1996. v.3.</p><p>ESCOHOTADO, Antonio. Historia general de las drogas. Madrid: Alianza Editorial, 1998.</p><p>IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Nota técnica PERFIL DAS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS BRASILEIRAS.</p><p>Nº 21, Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, março de 2017. Disponível</p><p>em:. Acesso em: 28.nov.21</p><p>CASTEL, Robert: A Ordem Psiquiátrica - A idade de Ouro do Alienismo. Rio de janeiro: Graal, 1978.</p><p>DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016</p><p>FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.</p><p>FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal,</p><p>1979.</p><p>GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 320 p.</p><p>ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: Saúde mental: nova concepção, nova</p><p>esperança. OMS, 2001. Disponível em: https://www.who.int/whr/2001/en/wh r01_djmessage_po.pdf. Acesso em 9</p><p>ago.2021.</p><p>ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Livro de Recursos da OMS sobre Saúde Mental, Direitos Humanos e Legislação.</p><p>2005. Disponível em: https://www.who.int/mental_health/p olicy/Livroderecursosrevisao_FINAL .pdf. Acesso em 9</p><p>ago.2021.</p><p>PAIM, Jairnilson Silva e outros. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015. Disponível em: http://www.</p><p>livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/4/</p><p>PESSOTTI, Isaías. A Loucura e as Épocas. São Paulo: Ed. 34, 1994</p><p>YASUI, Silvio. Rupturas e Encontros: desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010.</p><p>26</p><p>LEITURA COMPLEMENTAR</p><p>AMARANTE, P .D.C. e TORRE, E.H.G. 30 Anos da Reforma Psiquiátrica Brasileira: lutando por cidadania e democracia</p><p>na transformação das políticas públicas e da sociedade brasileira in: FONTES, E.M.M. (org.) Desinstitucionalização,</p><p>redes sociais e saúde mental: análise de experiências da reforma psiquiátrica em Angola, Brasil e Portugal. Recife, Ed.</p><p>Universitária da UFPE, 2010; p. 113-137.</p><p>FREI, Altieres Edemar. Reinserções, inserções e deserções: cartografia do dispositivo “reinserção social” para</p><p>adolescentes com histórico do uso abusivo de álcool e outras drogas. 2019. Tese (Doutorado em Saúde, Ciclos de Vida</p><p>e Sociedade) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/T.6.2019.tde-</p><p>01032019-142050. Acesso em: 2021-11-28.</p><p>Comentário: indico os capítulos 1 e 2 para contextualização do campo da saúde mental e do dispostivo da Reinserção</p><p>Social</p><p>_______________. A cara do CAPS. (Cartografia da RAPS) In Revista Contato - Conselho Regional de Psicologia do</p><p>Paraná, n. 132. P 9-11. Nov-dez. de 2020. Disponível em: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-132/</p><p>_______________. Imagem de um caboclo em Loanda. (Cartografia da RAPS) In Revista Contato - Conselho Regional</p><p>de Psicologia do Paraná, n. 131. P 11-13. Set-out de 2020. Disponível em: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-</p><p>contato-131/</p><p>FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organizaçao e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal,</p><p>1979. Disponível em: https://www.nodo50.org/insurgentes/biblioteca/A_Microfisica_do_Poder_-_Michel_Foulcault.</p><p>pdf Acesso em 30jan22 – indico os capítulos 5, 6 e 7 do livro.</p><p>Organização Mundial da Saúde. Relatório sobre a saúde no mundo 2001: Saúde mental: nova concepção, nova</p><p>esperança. OMS, 2001. Disponível em: https://www.who.int/whr/2001/en/whr01_djmessage_po.pdf. Acesso em 9</p><p>ago.2021.</p><p>_______________. Livro de Recursos da OMS sobre Saúde Mental, Direitos Humanos e Legislação. 2005. Disponível</p><p>em: https://www.who.int/mental_health/policy/Livroderecursosrevisao_FINAL.pdf. Acesso em 9 ago.2021.</p><p>PAIM, Jairnilson Silva e outros. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015. Disponível em:</p><p>http://www.livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/4/</p><p>YASUI, S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,</p><p>2010, 190 p. Loucura & Civilização collection. ISBN 978-85-7541-362-3. https://doi.org/10.7476/9788575413623.</p><p>Disponível em: https://books.scielo.org/id/8ks9h/pdf/yasui-9788575413623.pdf (Acesso em 30jan22)</p><p>Leituras sugeridas:</p><p>BRASIL. Ministério Público Federal. Cartilha Direito à saúde mental. Brasília: MPF-PFDC, 2012. Disponível https://</p><p>www.documentador.pr.gov.b r/documentador/pub.do?action=d&uuid=@gtf-escriba-sesa@16fc9e3d-26e3-4c0b-</p><p>b91e- 35727b20ee6a&emPg=true. Acesso em 9 ago.2021.</p><p>FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Ed. UFBA, 2008.</p><p>_______________. Alienação e Liberdade. Escritos Psiquiátricos. São Paulo. UBU Editora: 2020. 400 pp. ISBN</p><p>9788571260504.</p><p>FAUSTINO, Deivison Mendes. Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro. São Paulo: Ciclo Contínuo</p><p>Editorial, 2018</p><p>FREI, Altieres Edemar. Fragmentos da cartografia da RAPS - Paraná in Revista Contato - Conselho Regional de Psicologia</p><p>27</p><p>do Paraná, n. 123, p. 23 - 26. Maio de 2019. Disponível em: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-123/</p><p>_______________. A Clínica Agá Jota ou Apenas Mais Um Tijolo no Muro in Revista Contato - Conselho Regional de</p><p>Psicologia do Paraná, n. 127, p. 8 - 10.Janeiro de 2020. Disponível em: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-</p><p>contato-127/</p><p>_______________. Um tal CAPS híbrido em um buraco do tatu. In Revista Contato - Conselho Regional de Psicologia do</p><p>Paraná, n. 129. P 7-9. Maio-junho de 2020. Disponível em: https://crppr.org.br/revista-contato/revistas-contato-129/</p><p>_______________. Uma residência multiprofissional em Saúde Mental, uma boa roda de conversa e uma musse</p><p>vegana - singularidades em Apucarana PR in Revista Contato - Conselho Regional de Psicologia do Paraná, n. 130. p.</p><p>7 - 9. Julho de 2020. Disponível em: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-130/</p><p>MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. São Paulo: n-1 edições,</p><p>2018a.</p><p>PAIM, J. et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet, v.377, n.9779, p.1178-1797, 2011.</p><p>Disponível https://actbr.org.br/uploads/arquivo/925_brazil1.pdf. Acesso em 9 ago.2021.</p><p>PESSOTTI, Isaías. A Loucura e as Épocas. São Paulo: Ed. 34, 1994</p><p>Vídeos indicados:</p><p>“Stultifera Navis”, filme documentário dirigido por Clodoaldo Lino e Eduardo Medrado (1987) – 38’ (?!) — Disponível</p><p>em: “https://youtu.be/jmd4zKKZplQ”. Acesso em: 30jan2021</p><p>“O holocausto brasileiro”, filme documentário dirigido por Daniela Arbex em parceria com Armando Mendz (2016) –</p><p>1h30’ — Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=5eAjshaa-do , acesso em: 24nov2021</p><p>“Fechamento da Casa Anchieta” (1989). Reportagem com entrevistas produzidas pela Secretaria Municipal de Saúde</p><p>de Santos à época – 10’51’’ — Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7J192djiUvg&t=1s , acesso em:</p><p>24nov2021.</p><p>“A Reforma Psiquiátrica e Desinstitucionalização”. Vídeo entrevista com Benedetto Saraceno. Rio de Janeiro: ENSP TV</p><p>Fiocruz, 2015, 1 vídeo, MPEG-4, (11min58s), son., color. (Entrevistador: Dr. Pedro Gabriel Godinho Delgado). Disponível</p><p>em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/16780</p><p>“Frantz Fanon: psicanálise e racismo”, Live com Christian Dunker e Deivison Faustino (mediação de Priscilla Santos),</p><p>evento da Semana de Debates Internacionais - UBU das 5 às 7 – Transmitido em 01 out 2021. (Inicia às 1h e 21min do</p><p>video disponibilizado - 1h29’ de Live). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fNsqfRH5yrY . Acesso em</p><p>03 fev 2022.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=5eAjshaa-do</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=7J192djiUvg&t=1s</p><p>https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/16780</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=fNsqfRH5yrY</p><p>28</p><p>PRIMÁRIA À SAÚDE</p><p>SAÚDE MENTAL</p><p>PARA A ATENÇÃO</p><p>APERFEIÇOAMENTO EM</p><p>Saúde Mental no Contexto</p><p>das Políticas Públicas</p><p>Unidade de Aprendizagem 1</p><p>por autores como Michel Foucault em “Microfísica do Poder”</p><p>(1979), Paulo Amarante em “Loucos Pela Vida” (2007), assim com outros autores, como Isaías Pessotti (1994),</p><p>veremos que é algo muito próximo a isso que, de fato, aconteceu.</p><p>Para contar uma parte dessa história, podemos recorrer aos diferentes lugares sociais que a “loucura”,</p><p>a “alienação” ou a “alteridade psíquica” ocupavam no imaginário social. Foucault fez bem esse exercício de</p><p>uma genealogia da loucura em “História da Loucura” (1978), no sentido de estudar também os impactos que</p><p>o signo da loucura imprimia em diferentes imaginários sociais.</p><p>Com base nisso é que podemos afirmar que em momentos da Grécia antiga, entre exemplos, o “louco”</p><p>não era estigmatizado ou excluído da sociedade, mas poderia inclusive ser visto como alguém que, por ouvir</p><p>vozes, por exemplo, teria acesso a um plano de saber diferente — e interessante. São essas, de certa forma,</p><p>as vozes dos oráculos.</p><p>Isaías Pessotti, em “A Loucura e as Épocas” (1994), dá a dimensão desse percurso da compreensão da</p><p>loucura na Grécia antiga a partir da leitura dos textos de Homero. Tanto a concepção da loucura quanto de</p><p>suas terapêuticas, em muito nos interessam aqui como marcadores, conforme trecho que citamos:</p><p>1 Altieres Edemar Frei - “Saúde Mental no Contexto das Políticas Públicas “ - Endereço para acessar o currículo lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/6813742221519906</p><p>http://lattes.cnpq.br/6813742221519906</p><p>7</p><p>No que toca à “terapia”, como vimos, Homero menciona um pharmakon, ritual, de fabricação humana e</p><p>misterioso. Além da reparação dos erros que determinaram a instauração do ciclo da loucura. Essa expiação ou</p><p>reparação recupera a aprovação social, a honra, a timê, mesmo após o erro ou desvio. Isso porque, dado que</p><p>a loucura é um “acidente de percurso”, ela não acarreta qualquer estigma. Não há necessidade de cura, já que</p><p>não existe doença alguma. O que chamaríamos doença (mental) não é mais a transgressão de uma norma</p><p>social explícita ou tácita, não é mais que uma des-ordem. A terapia é pois uma reordenação das relações do</p><p>herói transgressor com seu grupo social, incluindo vivos, ascendentes ou pósteros (PESSOTTI, 1994, p. 20)</p><p>Não é nosso objetivo aqui fazer ou compor essa análise detalhada, deveras vasta — e escorregadia,</p><p>posto a história ser uma colcha de retalhos composta de muitas análises e estratégias de observação aos</p><p>fenômenos e sociedades. Não alcançamos tamanha magnitude, nem é o objeto desse estudo. Mas aqui,</p><p>se tanto, “pegamos na mão” desses autores para entender que o “signo” , ou seja, o sentido da loucura, é</p><p>aberto, muda de tempos em tempos.</p><p>Isaías Pessotti também nos ajuda a sinalizar, dentro das diferentes modulações do signo loucura, às</p><p>suas associações e identificações com a possessão diabólica que marca a concepção moral da psicopatologia.</p><p>Segundo o autor, “Desde os Padres Apostólicos até Agostinho de Hipona, a mitologia demoníaca se desenvolve</p><p>e se consolida, com pesados efeitos políticos e morais” (PESSOTTI, 1994, p. 83).</p><p>Aqui, quanto às causas, a loucura é vista como decorrente da ação do demônio, e quanto à sua</p><p>natureza, Pessotti (1994) marca o comprometimento de funções mentais ou o descontrole de instintos, ou</p><p>das paixões; quanto às terapias, nesse caso, trata-se de exorcismos. Note que a figura do médico ou seus</p><p>equivalentes “desaparecem” nesse cenário:</p><p>Não se trata de incluir a loucura no rol das enfermidades para excluí-la da especulação teológica: trata-se de incluir</p><p>todas as enfermidades na categoria da possessão diabólica. Não se medicaria a loucura, retirando-a da mera</p><p>competência médica. Mesmo porque, se a medicina cura através de ervas e meios naturais, pode-se dizer que esses</p><p>recursos têm propriedades demonífugas. (PESSOTTI, 1994, p 188).</p><p>Essa história começa a mudar com os escritos de Cardano e de Paracelso, que são os primeiros a</p><p>marcarem a caracterização da loucura enquanto doença, a ser tratada por médicos, e não como produção</p><p>diabólica. De certa forma, essa visão marca a transição do pensamento medieval para o ressurgir da medicina,</p><p>ainda que com seus traços de alquimia e, como bem nos aponta Antonio Escohotado em “História Geral das</p><p>Drogas”, tendo extratos de ópio ou beberagens de láudano como a principal terapêutica para males que iam</p><p>da cólica à cólera (Escohotado, 1998).</p><p>1.2. Depois da construção da “demonização” da</p><p>loucura, a exclusão</p><p>Depois da diabolização da loucura, vem a excomunhão. E excomunhão é um termo categórico para</p><p>se referir aos processos de exclusão social que tiveram na alegoria de expulsar da comunidade, de colocar a</p><p>pessoa para fora dos feudos ou cidades medievais do ocidente. Mas talvez nada seja mais categórico do que</p><p>a representação do pintor Hyeronimus Bosch (1450-1516), executada em óleo sobre madeira e que compõe</p><p>o acervo do Museu do Louvre. A “Nau dos Loucos” retrata um grupo de degredados, postos em um barco que</p><p>ia à deriva.</p><p>Devolvia-se o desconhecido da loucura ao desconhecido representado, quase que “ipsis litteris”,</p><p>pelos oceanos, seus perigos reais e suas fantasias de monstros marinhos, Gigantes Adamastores, batismos e</p><p>sereias. Elementos do clero também podem ser notados no quadro, em uma evidência direta também aos</p><p>prazeres desregrados, com o consumo de vinho e comida, assim como nota-se uma árvore que “nasce”, que</p><p>“brota”, como que simbolizasse que a vida teima em pulsar em sua potência, mesmo em meio às atrocidades</p><p>da exclusão. Ainda que um dos seus frutos seja uma caveira — representação da morte e finitude.</p><p>8</p><p>Figura 1. A Nau dos Loucos:</p><p>Quadro “A Nau dos Loucos”, de HYPERLINK “https://pt.wikipedia.org/wiki/Hieronymus_</p><p>Bosch”Hieronymus Bosch (1490-1500), exposto no Museu do Louvre, Paris. Imagem disponível em:</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Navio_dos_Loucos. Acesso em 24nov2021</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Navio_dos_Loucos</p><p>9</p><p>A “Nau dos Loucos” foi um tema abordado com fôlego por muitos autores, muitas análises sobre</p><p>sua simbologia foram feitas, assim como o tema da “stultifera navis” foi abordado em outras pinturas e</p><p>estudos. Recomendamos, especialmente às(aos) colegas que não têm ainda tanta familiaridade com o</p><p>tema, o documentário homônimo: “Stultifera Navis”, dirigido por Clodoaldo Lino e Eduardo Medrado, em</p><p>1987, como introdução à temática, posto terem sido estas as primeiras equipes de filmagem a entrarem no</p><p>Hospital Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Embora repleto de cenas fortes que dimensionam o</p><p>tamanho da barbárie que toleramos ou “naturalizamos” em nome do paradigma científico vigente à época, o</p><p>documentário dá dimensão exata ao peso do título. O filme, de acesso livre, está disponível em: “http://site.</p><p>videobrasil.org.br/acervo/obras/obra/180491”.</p><p>Saiba mais:</p><p>Para saber mais, assista o filme documentário “Stultifera Navis”, dirigido por Clodoaldo Lino e</p><p>Eduardo Medrado (1987) – 38’ — Disponível em: “https://youtu.be/jmd4zKKZplQ”.</p><p>O próprio Michel Foucault se detém sobre a “Stultifera Navis”. Mas essa experiência dos “degredados</p><p>filhos” à deriva não é algo novo na história das navegações marítimas. Séculos depois da loucura posta à</p><p>deriva, corpos negros eram amontoados em porões do navio negreiro. Qualquer semelhança entre as formas</p><p>de exclusão e degredo aqui não é mera coincidência: como veremos adiante, todo hospício no Brasil tem em</p><p>seu DNA os navios negreiros, ou seja, a relação entre racismo e construção do imaginário da loucura tem um</p><p>veio em comum — e não somente porque raça é delírio. Haja banzo.</p><p>Mas quando faltou mar pra tanta loucura, ou quando faltou nau pra tanta sede de exclusão, veio</p><p>o período conhecido como “grande enclausuramento”. A loucura, outrora aceita e vista como condição</p><p>transitória, passa a ser demonizada, revestida de signos pagãos para justificar a liturgia medieval e, depois</p><p>disso, passa a ser então excomungada, trancafiada. As estruturas que serviam aos leprosários assumiram</p><p>essa função. Nasce assim o asilo, e, após isso, somente após</p><p>isso, a psiquiatria.</p><p>1.3. Para formar Estado, investir nos corpos: o</p><p>nascimento da medicina social e as Reformas</p><p>Psiquiátricas</p><p>Antes de continuar a leitura do texto base vá atá a Videoaula 2 - “Breve História das ‘Reformas</p><p>Psiquiátricas’: Luta Antimanicomial e Antipsiquiatria - Conceitos e Influências”</p><p>Não só o surgimento dos hospitais enquanto “hospedaria”, que servia mais para esperar a morte do</p><p>que enquanto máquina de cura (Foucault, 1979), seria o embrião da psiquiatria moderna, quanto a medicina</p><p>social serviria de contexto ou “pano de fundo” para os estudos daquilo que, anos depois, conceituaríamos</p><p>como determinantes sociais do processo saúde e doença. É o que Foucault acusa quando fala das experiências</p><p>pioneiras da medicina social na Alemanha, na França, na Inglaterra. Essas experiências cunharam definições</p><p>e paradigmas que precisam ser estudados para conseguirmos alcançar a abrangência do conceito saúde-</p><p>doença.</p><p>Em Microfísica do Poder, Foucault é categórico ao analisar o projeto alemão que normatiza seus</p><p>médicos e cria em senso mais qualificado do que só contar vivos e mortos, tal qual a França normatiza seus</p><p>canhões e professores. Com isso, o estado embrionário germânico se desenha com contornos que talvez não</p><p>teria ganho não fosse esse projeto.</p><p>Saiba mais:</p><p>Recomendamos a leitura dos capítulos V, VI e VII do livro “Microfísica do Poder”, de Michel Foucault.</p><p>Edição organizada e traduzida por Roberto Machado. Edições Graal, Rio de Janeiro, de 1979. Disponível</p><p>em: https://www.nodo50.org/insurgentes/biblioteca/A_Microfisica_do_Poder_-_Michel_Foulcault.pdf .</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=jmd4zKKZplQ</p><p>https://www.nodo50.org/insurgentes/biblioteca/A_Microfisica_do_Poder_-_Michel_Foulcault.pdf</p><p>10</p><p>Essa é a segunda inversão importante que Foucault permite torcer: não é que a medicina nasce</p><p>no corpo, no indivíduo, para depois se socializar. Ela nasce primeiro nessa perspectiva social, atrelada aos</p><p>contornos do Estado, para depois se individualizar. A frase parece um trocadilho, mas o capital socializa o</p><p>corpo, enquanto força de trabalho.</p><p>Se na Alemanha o processo se dá com a polícia médica, na França o destino era outro: se dá por</p><p>meio da criação de esgotos, da organização dos mortos em uma Paris que amontoava não só pessoas, como</p><p>também cadáveres vivendo ao redor do Sena. Trataremos desse ponto em outro momento do texto, mas</p><p>o importante é deixarmos essa chave que tanto no projeto da medicina social alemã, quanto a francesa,</p><p>quanto a inglesa que culminaria na chamada “Lei dos Pobres”, trata-se de uma medicina do meio, para o</p><p>meio, não uma medicina voltada para o cuidado das pessoas.</p><p>Insistimos nessa compreensão histórica porque ela há de ser estratégica para posicionarmos,</p><p>no decorrer das videoaulas e do desenvolver do texto, a perspectiva do quanto a Reforma Psiquiátrica</p><p>pode ocupar-se dessa potência de intervir não só no corpo, mas na sociedade, no tecido social com suas</p><p>contradições e mecanismos de perpetuação do saber-poder. Mais adiante diremos tratar-se, portanto, de um</p><p>projeto de cidadania, de um projeto de sociedade, onde as alteridades tenham lugar.</p><p>As Reformas Psiquiátricas, de certa forma, são inauguradas antes mesmo da psiquiatria. Atribui-se a</p><p>Pinel o papel de “pioneiro” da psiquiatria, por conta da publicação do seu tratado sobre alienação e todas</p><p>suas categorias que desembocavam nas perspectivas dos chamados tratamentos morais; entretanto, antes</p><p>mesmo disso, Pinel já “reformava” o asilo dos alienados, já “mexia” em suas práticas medievais, com seu</p><p>gesto célebre de exigir que as mulheres e homens fossem desacorrentados das paredes.</p><p>A partir do estudo de Paulo Amarante (1996), é possível encontrarmos também outras nuances,</p><p>perspectivas históricas e contextos de transformação ou remendo às práticas de saber e poder que nasceram</p><p>das terapêuticas medievais. Da categorização das doenças obtidas “a partir da sua observação in vitro”, ou</p><p>seja, de dentro das instituições hospitalares como as conduzida por Esquirol, às proposições da psicanálise,</p><p>que tem no “fale mais sobre isso” um gesto subversivo, pois desloca o saber-poder da figura do médico ou</p><p>analista e repousa esse saber sobre o sujeito — saber que, anos depois, trataremos como um suposto saber,</p><p>postas as tópicas do inconsciente.</p><p>Em comum a ambas investidas, temos um olhar que vai se dilatando cada vez mais de uma perspectiva</p><p>individual para coletiva; de uma perspectiva assistencial para uma perspectiva preventiva. Mas isso, segundo</p><p>Amarante (1996), ainda são meras formas do modelo psiquiátrico — um exemplo citado é o dos Hospitais</p><p>Colônia, com áreas rurais mais afastadas, comuns na passagem do século XIX para o XX, que tem, no caso</p><p>paranaense, uma instituição que guarda os traços arquitetônicos característicos do modelo (Hospital Colônia</p><p>Adauto Botelho).</p><p>Figura 2: HYPERLINK “https://www.wikidata.org/wiki/Q19888022”Pinel, médecin en chef de la Salpêtrière en 1795</p><p>Autoria de HYPERLINK “https://en.wikipedia.org/wiki/pt:Tony_Robert-Fleury”Tony Robert-Fleury (1837–1912).</p><p>Domínio Público. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Philippe_Pinel_à_la_Salpêtrière_.jpg</p><p>https://www.wikidata.org/wiki/Q19888022</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Philippe_Pinel_à_la_Salpêtrière_.jpg</p><p>11</p><p>Entretanto, tais modificações arquitetônicas ou paradigmáticas em relação aos asilos tradicionais não</p><p>têm a contundência de questionar suas estruturas, pois mantém as mesmas como “locus do tratamento” e</p><p>a hegemonia do saber médico enquanto saber estruturante. É só com a “antipsiquiatria”, movimento que</p><p>teve sua verve mais intensa na Itália, com a desmontagem do aparato médico de Trieste, que contava com</p><p>um hospício, e a construção de centros comunitários de saúde, atrelados a programas que hoje chamaríamos</p><p>de geração de renda e também com retaguarda em leitos hospitalares, articulação com programas de</p><p>habitação e convivência, que, enquanto sociedade, assistimos a uma reforma da psiquiatria. Ou, posta sua</p><p>desconstrução, uma antipsiquiatria.</p><p>Aqui cabe um parênteses: ao leitor menos atento, a proposta pode soar como panfletária,</p><p>especialmente em tempos de polarização do debate público e, não bastasse isso, negacionismos diversos.</p><p>Entretanto, cabe o paralelo com as proposições que herdamos dos estudos sobre o racismo estrutural, como</p><p>a citação de Angela Davis (2016) de que “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser</p><p>antirracista”; ou seja, é preciso desmontar as estruturas disso que ainda perpetua barbáries e segregações;</p><p>não podemos passar incólumes a esse chamado. O mesmo prefixo vale para os debates sobre o porque</p><p>da luta ser antimanicomial, ser antiproibionista, ser antirracista. Nessa luta, não basta não ser à favor dos</p><p>manicômios, é preciso ser antimanicomial — ou seja, desmontar não só suas estruturas de exclusão, como</p><p>suas práticas que podem vicejar nos espaços que, em tese, seriam da Reforma Psiquiátrica ou do cuidado em</p><p>liberdade. É a partir dessa perspectiva que situamos o leitor quanto às ideias da antipsiquiatria.</p><p>12</p><p>2. Reforma Psiquiátrica e Política</p><p>de Saúde Mental no Brasil</p><p>2.1. Destaques de conceitos e principais autores de</p><p>influência para As Reformas Psiquiátricas</p><p>Assista a Videoaula 3 - “Breve História - 30 anos da Reforma Psiquiátrica Brasileira”, para continuar</p><p>seus estudos.</p><p>Paulo Amarante (1996), de forma sintética, destaca a corrente mundial que veio emergindo de</p><p>debates às estruturas asilares. Ervin Goffman, autor de “Asylum” (1974), livro que na sua edição em língua</p><p>portuguesa recebeu a tradução de “Manicômios, Prisões e Conventos”, foi um desses autores que pensava</p><p>e catalogava o que as chamadas instituições totais faziam em termos de dissolver a identidade do sujeito.</p><p>Assim, em um quartel um homem passaria a ser sua patente, em um convento uma irmã teria seu nome</p><p>mudado, e num hospício, ao invés de olharmos as pessoas, olhamos suas doenças — isolamos as pessoas</p><p>entre parênteses, para, novamente,</p><p>dar eco a proposição de Basaglia.</p><p>Goffman (1974) esmiuça a estrutura, a natureza, a “microssociologia” das instituições psiquiátricas</p><p>totais, mas outro autor contemporâneo, Robert Castel, também produz muita discussão com seu livro “A</p><p>Ordem Psiquiátrica: A Idade de Ouro do Alienismo” (1978) e, ainda, seguindo Paulo Amarante, são notáveis</p><p>as contribuições de Michel Foucault ao campo, aqui deveras abordadas.</p><p>Amarante (1996) cataloga as Reformas Psiquiátricas no Pós Guerra, classificando-as em:</p><p>A. Psicoterapia Institucional e Comunidades Terapêuticas;</p><p>B. Psiquiatria de setor e preventiva;</p><p>C. Antipsiquiatria.</p><p>De forma breve, comentando sobre a psicoterapia institucional e comunidades terapêuticas, de</p><p>imediato uma ressalva: este termo “comunidades terapêuticas” se distancia em muito do seu homônimo em</p><p>boa parte destas instituições no Brasil, posto, neste nosso caso, o particular acoplamento de parte destas</p><p>instituições com correntes religiosas, especialmente de abordagem neopetencostal, e propagando, em</p><p>muitas destas, ideais díspares em relação ao controle dos corpos do que havia nas concepções de Maxwell</p><p>13</p><p>Jones, autor abordado por Amarante (1996).</p><p>No modelo de M. Jones, destacava-se o foco terapêutico não mais no tratamento individual, mas a</p><p>integração de pacientes em sistemas grupais, e a observação de como davam-se as relações entre grupos.</p><p>O trabalho, ou laborterapia, aparece como protagonista desse ideal de transformação dos doentes mentais,</p><p>como eram nomeados à época. Mas com essa ressalva: a comunidade era vista como a soma, se tanto, da</p><p>equipe, dos pacientes e, quando muito, seus parentes. Não se pensava em uma perspectiva territorial, tal</p><p>qual dizemos hoje.</p><p>Outro modelo abordado por Amarante (1996) é da psicoterapia institucional, que tem como expoente</p><p>a experiência de F. Tosquelles em Saint-Alban, na administração de um tradicional hospital psiquiátrico</p><p>que passa a agregar também contribuições peculiares, de ativistas da resistência, marxistas, surrealistas,</p><p>psicanalistas e que tem a formação dos chamados “clubes terapêuticos”. Como veremos adiante, um dos</p><p>seus residentes em psiquiatria foi um jovem formado em Lyon, na França, o martiniquês Frantz Fanon.</p><p>Particularmente, negro.</p><p>Na França, também após a Segunda Guerra Mundial, há referências como a Clínica de La Borde,</p><p>mencionada de passagem por Amarante e com poucos comentários aos celebrados trabalhos conduzidos</p><p>por Jean Oury que, entre tantos colaboradores, contou com a parceria de Felix Guattari, psicanalista que</p><p>ensejaria uma série de conceitos e contribuições deveras vivas no campo da saúde mental, seja quando de</p><p>seu acoplamento maquínico com Gilles Deleuze nas célebres obras que, no bojo de maio de 1968, produziriam</p><p>ruídos diversos (caso de “O Anti-Édipo” e de “Mil Platôs”), seja quando de seus escritos e conferências</p><p>individuais. Vale lembrar que, para Guattari, o termo psicoterapia institucional não caía muito bem, pois ele</p><p>dizia não fazer uma psicoterapia da instituição, quando muito uma análise, abusando assim de conceitos</p><p>interessantes como transversalidade ou outras derivações de grupos (grupelhos) que não nos cabe adentrar</p><p>aqui.</p><p>Em comum, todas essas tentativas de Reformas Psiquiátricas são suscetíveis às críticas contundentes</p><p>da antipsiquiatria: por mais inovadoras que fossem tais práticas, por diversas razões (a começar pelo contexto</p><p>do que deve ser um local de desconstrução e de alto coeficiente de democracia que cuida da loucura de</p><p>outra forma, olhando para os sujeitos com outras perspectivas que não as da barbárie hospitalar, com suas</p><p>assembleias e pactos coletivos), eram práticas que ficavam apenas ilhadas em castelos, restritas àquelas</p><p>espécies de zonas autônomas temporárias (para valer-nos do conceito de Hakim Bey), e não chegavam</p><p>“com o pé na porta”, não se propunham com a veemência necessária a demolir as exclusões advindas dos</p><p>hospícios, tanto no que diz respeito à leitura crítica de como são constituídos seus territórios, quanto no que</p><p>diz respeito a imperiosa necessidade de minimizar desigualdades sociais no plano macropolítico.</p><p>Uma crítica que parece fazer ainda mais sentido em um país forjado por expropriações, assassino</p><p>dos povos originários e dizimação de seus traços culturais, num voraz empreendimento colonial que</p><p>moveu-se pela escravização de pessoas trazidas da África em nome de um delírio chamado raça. Olhando</p><p>a história, e percebendo as influências da antipsiquiatria na tentativa de Reforma Psiquiátrica Brasileira,</p><p>somos categóricos ao afirmar: não poderíamos ter tido melhor referência, especialmente quando propomos</p><p>a junção da antipsiquiatria com os estudos anticoloniais.</p><p>Saiba mais:</p><p>Indico, com o perdão pela cafonice da autocitação, texto de minha autoria que compôs a “Cartografia</p><p>da RAPS no Estado do Paraná”, pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Psicologia 8a. Região,</p><p>cujos fascículos foram publicados na revista Contato. Neste texto, “Imagem de um caboclo em Loanda”,</p><p>em especial, destaco a presença de um sujeito de traços ameríndios “existindo” dentro de um Hospital</p><p>Psiquiátrico, com as singularidades que conseguia alcançar. O texto está nas páginas 7, 8 e 9 da revista</p><p>Contato n. 131 e pode ser acessado pelo link: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-131/</p><p>https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-131/</p><p>14</p><p>2.2. Brasil: a Reforma Psiquiátrica como</p><p>desdobramento da Reforma Sanitária</p><p>Para a continuidade dos estudos assista Vídeoaula 4 - “A Lei 10216-2001 - A reorientação do modelo</p><p>e o relatório da OMS-2001”</p><p>É em “30 anos da Reforma Psiquiátrica Brasileira: Lutando por cidadania e democracia na transformação</p><p>de políticas públicas brasileiras” que Paulo Amarante e Eduardo Torre nos ajudam a lembrar essa história.</p><p>Aos fatos: Brasil, anos da ditadura civil militar (1964-1985), sistema de saúde organizado pela chave da</p><p>“seguridade social” que não era universal, ou seja, ou se contribuía para a previdência e, via “carteira de</p><p>trabalho” ou “carteira do INAMPS”, se acessava os serviços; ou acessava-se a saúde por meio das entidades</p><p>filantrópicas, tais como as Santas Casas. Era esse o panorama no Brasil dos que não podiam pagar pelo acesso</p><p>à saúde.</p><p>Por isso a luta por saúde mental nasce de uma luta por saúde, que por sua vez, nasce por uma luta</p><p>por direitos, liberdades civis e cidadania. Parece elementar, mas tal qual a teoria dos conjuntos nos evidencia</p><p>quando um agrupamento está contido em outro, é preciso trazer essa dimensão sobre o Movimento</p><p>Sanitário no Brasil, o quanto a luta pela saúde como um direito de todos e um dever do estado, tal qual seria</p><p>consagrado o mote do SUS anos depois, é um traço fundamental do nosso componente civilizatório, da luta</p><p>por cidadania e democracia.</p><p>Aqui para nós, nesse estudo, é importante ressaltarmos que é nesse contexto do Movimento Sanitário</p><p>que surge o Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental, e junto aos setores progressistas da sociedade,</p><p>“botam a boca no trombone” e denunciam as violências diversas do contexto dos hospitais psiquiátricos,</p><p>assim como buscam romper a hegemonia do discurso psiquiátrico sobre a loucura.</p><p>Parte dos chamados “setores progressistas da sociedade” dizia respeito, evidentemente, ao caldo</p><p>cultural efervescente do Brasil dos anos 1970. A Reforma Psiquiátrica, em todos cantos do mundo, vem com</p><p>o frescor dos movimentos culturais e estéticos de contestação social: é evidente o sopro da contracultura e</p><p>tudo que explodiu nos anos 1960, mas também é de se destacar o peso de outras transformações estéticas</p><p>de vanguarda, como é o caso das influências surrealistas não só no movimento da psicoterapia (ou análise)</p><p>institucional, como também no próprio circuito arte-inconsciente-arte. E política, como diz Deleuze, é uma</p><p>questão de percepção.</p><p>Nesse sentido, Amarante (1996) destaca a importância do livro do jornalista Hiram Firmino, “Nos</p><p>Porões da Loucura”, que prestou-se a uma narrativa de vigor, uma vez que, ao acompanhar</p><p>a chamada “Louca</p><p>de Governador Valadares”, Maria, por diversos espaços de tratamento, Firmino documenta uma história de</p><p>violências e traduz à parte da sociedade brasileira a crueldade dos quartinhos fortes, da dopagem química,</p><p>dos eletrochoques, da impregnação.</p><p>Esse caldo cultural de produções oriundas de setores além daqueles tradicionalmente conhecidos</p><p>como “setores da prática psi” toma outra efervescência quando da visita de importantes teóricos do campo</p><p>ao Brasil, e da articulação de congressos, simpósios, colóquios e diferentes comunicações e intercâmbios</p><p>entre nomes importantes do cenário cultural e acadêmico à época. M.Foucault, F. Guattari, E. Goffman, R.</p><p>Castel, entre outros, visitam o Brasil. Com isso, o debate público ganha força, e suas obras passam a ser lidas</p><p>em seus originais ou nas possíveis “fotocópias” comuns à comunidade universitária à época, mas também</p><p>junto aos movimentos sociais. Obras estas que são acrescidas de produções importantes que despontam no</p><p>cenário nacional de autores até então desconhecidos: Joel Birman, Jurandir Freire Costa e Roberto Machado</p><p>são exemplos.</p><p>Mas dentre todas influências, a visita de Franco Basaglia parece ecoar até hoje, especialmente</p><p>por conta da sua denúncia ao que vira no Hospital de Barbacena-MG, definindo-o como um campo de</p><p>concentração: o holocausto brasileiro. Não será por acaso que, anos depois, Daniela Arbex será tão incisiva</p><p>quanto a usar o mote como título de seu livro, que documenta parte da história de Barbacena-MG, cidade</p><p>que quis ser capital do estado, mas não conseguiu, e como prêmio de consolação ganhou a extensão do</p><p>ramal de trem e um grande hospital que, consigo, traria ares de progresso e ciência, a quem procurava ares</p><p>de cura e bem-estar.</p><p>15</p><p>Nós não temos tempo aqui para detalhar essa história, mas também indicamos sua leitura e o</p><p>documentário homônimo, dirigido pela própria Daniela Arbex em parceria com Armando Mendz (2016). Não</p><p>deixa de ser peculiar, especialmente quando sobreposta à tragédia humanitária que milhares de pessoas</p><p>viveram e viram naquela instituição, fonte de cadáveres para escolas de medicina, fonte de exclusão para</p><p>muitos corpos desviantes, não por acaso em sua grande parte de cor negra, como nos deixam evidente as</p><p>muitas fotos que podemos acompanhar nos documentários sobre o assunto.</p><p>Saiba mais:</p><p>AMARANTE, P.D.C. e TORRE, E.H.G. 30 Anos da Reforma Psiquiátrica Brasileira: lutando por cidadania</p><p>e democracia na transformação das políticas públicas e da sociedade brasileira in: FONTES, E.M.M.</p><p>(org.) Desinstitucionalização, redes sociais e saúde mental: análise de experiências da reforma</p><p>psiquiátrica em Angola, Brasil e Portugal. Recife, Ed. Universitária da UFPE, 2010; p. 113-137.</p><p>“O holocausto brasileiro”, filme documentário dirigido por Daniela Arbex em parceria com Armando</p><p>Mendz (2016) – 1h30’ — Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5eAjshaa-do</p><p>Essas visitas e esse caldo cultural têm outros estopins, como a crise da Divisão Nacional de Saúde</p><p>Mental, com uma greve dos trabalhadores em 1978, e com a formação da Frente Ampla dos Movimentos</p><p>dos Trabalhadores em Saúde Mental. Outras associações, como o Movimento de Renovação Médica (REME),</p><p>o Centro de Estudos sobre Saúde (CEBES) ou a recém-formada Associação Brasileira de Saúde Coletiva, são</p><p>vistas e relatadas por Amarante (1996) como fatores importantes desse momento.</p><p>2.3. Dos movimentos sociais à institucionalização</p><p>via agenda governamental: desafios do campo</p><p>no Brasil com ares de “país do futuro”</p><p>É graças a essa pressão e a essa movimentação no âmbito político, estético, cultural, acadêmico e</p><p>junto aos diversos setores da sociedade civil que, nos anos 1970 e 1980, assistimos à passagem da crítica</p><p>institucional à institucionalização da Reforma Psiquiátrica, tal qual cita Amarante (1996). Com a inclusão do</p><p>Sistema Único de Saúde via integralidade, equidade, universalidade a partir da premissa da saúde enquanto</p><p>direito de todos e dever do Estado que ecoa na Constituição de 1998, instaura-se um corte que permite</p><p>à sociedade brasileira sair da chamada “cidadania regulada” (só era cidadão para acessar à saúde quem</p><p>contribuísse com o Instituto Nacional de Previdência e Seguridade Social, o INPS), para o direito universal à</p><p>saúde.</p><p>Saiba mais:</p><p>Indicamos o excelente livro interativo, organizado pela Fiocruz, “O que é o SUS”, de J. Paim .</p><p>Recomendamos com veemência sua leitura, especialmente por conta dos links que ali estão inseridos</p><p>— entre exemplos, há trechos de áudio de falas do sanitarista Sérgio Arouca quando da tramitação</p><p>da lei 8.080/1990 e quando da tramitação da Assembleia Constituinte, além de vídeos de apoio. Fica</p><p>a dica. Disponível em: http://www.livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/</p><p>Assim, a Reforma Psiquiátrica se articula aos princípios do SUS e abre-se as possibilidades para a</p><p>construção da política oficial, com um campo inovador de serviços e novas formas de se lidar com a loucura.</p><p>Com a inclusão das propostas oriundas da crítica institucional, com a possibilidade de diversos trabalhadores</p><p>da saúde mental assumirem cargos estratégicos no organograma da administração da saúde, possibilitam-</p><p>se diversos arranjos institucionais que, somados aos ecos mundo afora (incluindo protocolos internacionais</p><p>via Organização Mundial de Saúde ou, no caso da Declaração de Caracas, via Organização Panamericana de</p><p>Saúde), culminam na criação de equipamentos e redes (ainda que incipientes) de cuidados substitutivos.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=5eAjshaa-do</p><p>http://www.livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/</p><p>16</p><p>É o caso do primeiro Centro de Atenção Psicossocial no Brasil, o CAPS Itapeva, como é conhecido o</p><p>CAPS Luís da Rocha Cerqueira, que fica atrás da Avenida Paulista, às sombras do Museu de Arte de São Paulo</p><p>(MASP). Há, logo de início, uma inversão arquitetônica fundamental: se antes a loucura era exilada e isolada</p><p>em naus dos loucos, em hospitais e hospícios distantes da urbe, com o primeiro CAPS posto no coração</p><p>financeiro da capital do capital no Brasil se tem uma reedição da célebre frase: à César o que é de César — ou,</p><p>ao seio d’O Capital, devolvo o que este melhor produz: capitalismo e esquizofrenia, valendo-se do trocadilho</p><p>em relação ao subtítulo de “Mil Platôs”, escrito por Gilles Deleuze e Felix Guattari (1996).</p><p>Saiba mais:</p><p>Ainda com relação à discussão sobre o paradigma arquitetônico que a Luta Antimanicomial introduz,</p><p>a começar pela questão da territorialidade dos CAPS, mas também considerando-se a disposição dos</p><p>seus espaços internos e ambiência, indico, também com o perdão pela cafonice da autocitação, texto</p><p>que versa sobre a temática: “A cara do CAPS” – outro fascículo da “Cartografia da RAPS”, disponível</p><p>em: https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-132/ páginas 7, 8 e 9.</p><p>Outra experiência estudada se dava a quase cem quilômetros dali, do outro lado da Serra do Mar. No</p><p>município litorâneo de Santos-SP, uma gestão progressista assumia a prefeitura municipal e pôde aparelhar</p><p>consigo uma série de técnicos e pensadores de renome para compor o projeto político daquela cidade que,</p><p>entre outros títulos, gozava à época da alcunha de “capital da AIDS no Brasil”.</p><p>Foi imbuído dessa crítica e preocupação com públicos vulneráveis, que, após 1989, com o governo da</p><p>então prefeita Telma de Souza, Santos pôde assistir a primeira tentativa de implantação de um programa de</p><p>distribuição de seringas a usuários de drogas injetáveis na zona portuária. Uma tentativa, pois a determinação</p><p>a pedido do Ministério Público era a de que tal ação de saúde fosse enquadrada como apologia ao uso de</p><p>drogas, retratando parte do pensamento retrógrado que existia à época — e quem dera fosse essa uma</p><p>história jocosa do passado.</p><p>Se a ação que inaugura a ética do cuidado da Redução de Danos não vigorou como esperado (conta a</p><p>história que, já que não puderam sair distribuindo os kits com seringas descartáveis, os profissionais da saúde</p><p>improvisaram kits com hipoclorito</p><p>de sódio, também conhecida como água sanitária, e folhetos informativos</p><p>sobre desinfecção das seringas), Santos conseguiu com contundência o feito da criação de uma Rede de</p><p>Cuidados Substitutivos que foi ensejada após o fechamento da Casa de Saúde Anchieta, um hospício notório</p><p>por seus casos de maus-tratos e violação de direitos humanos, como pode-se observar, em partes, por meio</p><p>do vídeo produzido à época da intervenção. Recomendamos com igual veemência que você possa assistir a</p><p>esse vídeo, deveras útil para dimensionar as barbáries e os contextos da disputa2.</p><p>Foi nesse contexto que os Núcleos de Atenção Psicossocial foram criados e, articulados a eles, programas</p><p>e centros de convivência, como os que culminariam nas produções da “Rádio Tantan” e também programas</p><p>de moradia, articulados também com retaguardas para casos de necessidade de pronto atendimento no</p><p>Pronto Socorro Municipal. Como visto, uma proposta com ecos fortes de Trieste e as histórias que chegaram</p><p>por meio de Basaglia e sua lei 180 na Itália.</p><p>A partir daí, o modelo entra na agenda governamental e a série Saúde Mental em Dados, até a sua</p><p>última edição, de 2015, dá conta de mostrar a expansão histórica dos CAPS, do nível de cobertura da atenção</p><p>especializada para cada grupo populacional de cem mil habitantes, assim como dá conta de acompanhar os</p><p>incrementos da rede surgidos desde então.</p><p>Vale lembrar, a esse respeito, que os CAPS foram sendo diversificados, com a criação do CAPS infantil</p><p>ou infanto-juvenil, os CAPS para pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, o CAPS AD, assim</p><p>como sua modalidade de atendimento e acolhida 24 horas, os CAPS III. Também, recentemente, tivemos</p><p>com a alteração e consolidação das portarias da RAPS em 2017, a criação do CAPS AD IV para regiões com</p><p>grande fluxo de usuários, caso da famigerada “Cracolândia”, como se convencionou chamar a região da Luz</p><p>na cidade de São Paulo.</p><p>Em tese de doutoramento (FREI, 2019), propus a ideia de que os CAPS AD foram um “puxadinho”</p><p>no modelo CAPS. Um equipamento interessante, potente — pois atrela-se ao paradigma do cuidado em</p><p>liberdade e com a articulação territorial dos serviços para pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras</p><p>2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7J192djiUvg&t=1s, acesso em 24nov21.</p><p>https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-132/</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=7J192djiUvg&t=1s</p><p>17</p><p>3 Vale lembrar que o Estado do Paraná não possui esse tipo de serviço.</p><p>drogas — mas que nasce de uma “colagem” de técnicas, clínicas e estratégias comuns a casos de outros</p><p>sofrimentos mentais, como o caso das depressões e psicoses como a esquizofrenia.</p><p>Saiba mais:</p><p>Indico os capítulos 1 e 2, para contextualização do campo da saúde mental e do dispositivo da</p><p>Reinserção Social, da minha tese de doutoramento, de 2019, “Reinserções, inserções e deserções:</p><p>cartografia do dispositivo ‘reinserção social’ para adolescentes com histórico do uso abusivo de</p><p>álcool e outras drogas”. (Doutorado em Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade, pela Faculdade de Saúde</p><p>Pública, Universidade de São Paulo). Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6136/</p><p>tde-01032019-142050/pt-br.php</p><p>A clínica no campo do uso abusivo de álcool e outras drogas e, especialmente, a operação de reinserção</p><p>social ou reabilitação psicossocial ali atrelada são deveras distintas, por isso o CAPS AD nasceu carecendo de</p><p>refinamentos conceituais e da mesma coragem para opor-se ao proibicionismo que a Reforma Psiquiátrica</p><p>teve em relação aos manicômios, ainda que tenha “trocado o pneu com o carro andando” e inventado essas</p><p>práticas em muitos locais do Brasil e ainda que a passagem dos CAPS II para os CAPS III articulados com as</p><p>Unidades de Acolhimento Transitórias terem sido um remendo ao modelo. Mas essa é outra história, que</p><p>você poderá acompanhar com maior fôlego nas Unidades de Aprendizagem que se dedicam à RAPS e à</p><p>Reabilitação Psicossocial.</p><p>Atualmente contamos no Brasil com seguintes tipos de CAPS e suas especificações, de acordo com a</p><p>portaria da Rede de Atenção Psicossocial — que, como será detalhada em outra Unidade de Aprendizagem,</p><p>não discutiremos neste capítulo:</p><p>• CAPS I: atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente intenso</p><p>sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles</p><p>relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem</p><p>estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para Municípios ou regiões de</p><p>saúde com população acima de quinze mil habitantes; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art.</p><p>7o, § 4o, I)</p><p>• CAPS II: atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos</p><p>mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas,</p><p>e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos</p><p>de vida. Indicado para Municípios ou regiões de saúde com população acima de setenta mil</p><p>habitantes; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 7o, § 4o, II)</p><p>• CAPS III: atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos</p><p>mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas,</p><p>e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de</p><p>vida. Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas,</p><p>incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno</p><p>a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS AD. Indicado para Municípios ou regiões</p><p>de saúde com população acima de cento e cinquenta mil habitantes; (Origem: PRT MS/GM</p><p>3088/2011, Art. 7o, § 4o, III)</p><p>• CAPS AD: atende pessoas de todas as faixas etárias, que apresentam intenso sofrimento psíquico</p><p>decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas. Indicado para Municípios ou regiões de</p><p>saúde com população acima de setenta mil habitantes; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art.</p><p>7o, § 4o, IV)</p><p>• CAPS AD III: atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso sofrimento psíquico</p><p>decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas. Proporciona serviços de atenção contínua,</p><p>com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando</p><p>retaguarda clínica e acolhimento noturno. Indicado para Municípios ou regiões de saúde com</p><p>população acima de cento e cinquenta mil habitantes; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art.</p><p>7o, § 4o, V)</p><p>• CAPS AD IV3: atende pessoas com quadros graves e intenso sofrimento decorrentes do uso de crack,</p><p>https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6136/tde-01032019-142050/pt-br.php</p><p>https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6136/tde-01032019-142050/pt-br.php</p><p>18</p><p>álcool e outras drogas. Sua implantação deve ser planejada junto a cenas de uso em municípios</p><p>com mais de 500.000 habitantes e capitais de Estado, de forma a maximizar a assistência a</p><p>essa parcela da população. Tem como objetivos atender pessoas de todas as faixas etárias;</p><p>proporcionar serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo</p><p>feriados e finais de semana; e ofertar assistência a urgências e emergências, contando com</p><p>leitos de observação. (Redação dada pela PRT GM/MS no 3588 de 21.12.2017)</p><p>• CAPS i: atende crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico</p><p>decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao</p><p>uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços</p><p>sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões com população acima</p><p>de setenta mil habitantes. (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 7o, § 4o, VI)</p><p>Os avanços também se deram em uma perspectiva de compreender os diversos pontos de atenção</p><p>da rede, incluindo a atenção primária e terciária, assim</p><p>como as estratégias de desinstitucionalização e</p><p>reinserção social, bem como o avanço da formação continuada por parte das equipes. Esses pontos também</p><p>serão detalhados com vigor em outras unidades de aprendizagem deste curso.</p><p>A Reforma Psiquiátrica no Brasil, em que pese todos seus desafios, é, por esse aspecto, um projeto</p><p>bem sucedido: ainda que tenhamos uma série de questões em relação ao modelo, ao fortalecimento e</p><p>financiamento das Redes de Atenção Psicossocial, bem como ainda que pairem tentativas de retrocessos com</p><p>o avanço de setores ligados àquilo que Amarante (1996) referia como “Indústria da Loucura”, os mais de 2600</p><p>Centros de Atenção Psicossocial em voga no Brasil atestam a eficácia do modelo, assim como a transformação</p><p>cultural em curso é cada vez mais percebida, agora endossada pelas correntes de descolonização e seus</p><p>paradigmas de “desconstrução” de estigmas.</p><p>Avançamos também quando pudemos nos sintonizar com os relatórios internacionais e “nosso</p><p>próprio conhecimento de causa” da importância de articularmos a rede especializada ou secundária não</p><p>só com os leitos de retaguarda para casos de emergências, crises, ou que se mostrarem indicados para</p><p>internações, como ao articularmos tudo isso com a Atenção Primária em Saúde.</p><p>No centro do cuidado, não mais o Centro da Atenção Psicossocial — que hoje, por essa perspectiva,</p><p>poderia muito bem chamar Lugar de Atenção Psicossocial em vez de Centro — e sim a atenção primária em</p><p>saúde, com a indicação preferencial, tal qual viceja na Política Nacional de Atenção Básica, das equipes da</p><p>Estratégia de Saúde da Família, do apoio matricial e suporte dos Centros de Convivência.</p><p>2.4. Sintonias com o Relatório sobre a Saúde Mental</p><p>no Mundo (OMS, 2001)</p><p>Assista a Videoaula 5 - “Conceitos advindos da Reforma Psiquiátrica no Brasil”, e siga com a leitura.</p><p>Em 2001, mesmo ano em que a Lei 10.216 é, enfim, sancionada no Brasil depois de 12 anos de</p><p>tramitação, a Organização Mundial de Saúde edita o caderno “Relatório Sobre a Saúde no Mundo: saúde</p><p>mental: nova concepção, nova esperança”.</p><p>Como o tom do título do documento sugere, trata-se de recomendações e diretrizes internacionais</p><p>embasadas nos consensos em torno da Reforma Psiquiátrica — com a ressalva de uma crítica relativamente</p><p>branda aos pressupostos do que chamamos no Brasil de paradigma hegemônico da psiquiatria ou modelo</p><p>biomédico, em oposição ao modelo da atenção psicossocial.</p><p>Saiba mais:</p><p>Sugestão de leitura: “Relatório sobre a saúde no mundo 2001: Saúde mental: nova concepção, nova</p><p>esperança”, da Organização Mundial da Saúde, 2001. Disponível em: https://www.who.int/whr/2001/</p><p>en/wh r01_djmessage_po.pdf.</p><p>Se a crítica poderia ter sido mais ardida do que foi, as diretrizes ali expostas, por outro lado, endossam</p><p>a sintonia do cuidado em liberdade, de base territorial, com a articulação entre diferentes níveis de atenção</p><p>https://www.who.int/whr/2001/en/wh r01_djmessage_po.pdf</p><p>https://www.who.int/whr/2001/en/wh r01_djmessage_po.pdf</p><p>19</p><p>em saúde e com um olhar para parcerias e articulações intersetoriais. O documento também ressalta a</p><p>importância dos cuidados aos familiares e da dispensação de medicamentos adequados e modernos — em</p><p>oposição à prática “naturalizada” da dispensação de medicamentos psicotrópicos de primeira e segunda</p><p>geração, boa parte deles com efeitos colaterais adversos mais acentuados do que as drogas contemporâneas</p><p>que são produzidas pela indústria farmacêutica.</p><p>Destacamos aqui as dez diretrizes:</p><p>1. Proporcionar tratamento na Atenção Primária;</p><p>2. Disponibilizar medicamentos psicotrópicos;</p><p>3. Proporcionar a atenção na comunidade;</p><p>4. Educar o público;</p><p>5. Envolver as comunidades, as famílias e os usuários;</p><p>6. Estabelecer políticas, programas e legislações nacionais;</p><p>7. Preparar Recursos Humanos;</p><p>8. Formar Vínculo com outros setores;</p><p>9. Monitorar a saúde mental em uma comunidade;</p><p>10. Dar mais apoio à pesquisa (OMS, 2001).</p><p>Além dos destaques citados, outro ponto importante é a qualificação das equipes ou força de trabalho,</p><p>aqui denominados Recursos Humanos, assim como a perspectiva de apoio às pesquisas. Cabe, a este respeito,</p><p>destacar outro protagonismo importante da Reforma Psiquiátrica no Brasil que diz respeito à articulação</p><p>com a produção de conhecimento. São muitos os cursos de graduação e pós-graduação que produzem</p><p>dissertações, teses, programas de extensão ou de estágios curriculares que, para além de prestarem-se como</p><p>campo de inovação conceitual, prestam-se como potentes estratégias de intervenção nos territórios.</p><p>Dentre tantos exemplos que poderíamos destacar, os programas de residência multiprofissional em</p><p>saúde mental ou atenção primária em saúde vinculadas às muitas Instituições de Ensino Superior no Brasil</p><p>merecem destaque, uma vez que rompem com a lógica de um curso específico para a profissão a ou b e, além</p><p>disso, congregam experiências profissionais. No Estado do Paraná, um destes programas é oferecido por esta</p><p>Escola de Saúde Pública do Paraná – a Residência Multiprofissional em Saúde Mental.</p><p>Mas são formações que podem ocorrer em diversos pontos do país. A cidade de Apucarana-PR é um</p><p>exemplo que, via autarquia municipal, conseguiu se organizar para proporcionar um espaço de formação de</p><p>residentes, com recursos oriundos de programas federais e estaduais, além das contrapartidas do município.</p><p>Este é um entre tantos espaços de formação e que, em um outro momento (FREI, 2020) pude registrar</p><p>parte de suas características, em trecho de um trabalho de campo intitulado “Cartografia da RAPS”, trabalho</p><p>realizado e publicado por meio do Conselho Regional de Psicologia do Paraná — textos indicados como</p><p>leitura de apoio4.</p><p>Por fim, o comentário posto no relatório da Organização Mundial de Saúde (2001) que endossa o</p><p>paradigma da mudança do cuidado às pessoas com sofrimento mental. Esse modelo de atenção em saúde</p><p>mental, segundo a OMS, deve considerar o enlace de três fatores independentes. Cito:</p><p>a) A psicofarmacologia fez progressos significativos, com o descobrimento de novas classes de drogas, particularmente</p><p>neurolépticos e antidepressivos, bem como se desenvolveram novas modalidades de intervenção psicossocial.</p><p>b) O movimento em favor dos direitos humanos converteu-se num fenômeno verdadeiramente internacional, sob a</p><p>égide da recém-criada Organização das Nações Unidas, e a democracia avançou em todo bloco, embora a diferentes</p><p>velocidades e em diferentes lugares.</p><p>c) Foram firmemente incorporados os componentes sociais e mentais na definição de saúde estabelecida pela OMS</p><p>em 1948 (OMS, 2001).</p><p>De importância mais contundente para o contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira, posto ter sido</p><p>documento inspirador e contemporâneo às primeiras Conferências Nacionais de Saúde Mental, a Declaração</p><p>de Caracas tem sua influência e assertividade das propostas até os dias atuais.</p><p>Entre os destaques, o primeiro ponto, que versa sobre a reestruturação da atenção psiquiátrica com</p><p>base na Atenção Primária em Saúde, assim como os pontos que recomendam a revisão crítica do papel</p><p>predominante e centralizado desempenhado pelos hospitais psiquiátricos.</p><p>4 FREI, A.E. Uma residência multiprofissional em Saúde Mental, uma boa roda de conversa e uma musse vegana - singularidades em Apucarana PR’ in Revista Contato -</p><p>Conselho Regional de Psicologia do Paraná, n. 130. p. 7 - 9. Julho de 2020. Disponível em https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-130/</p><p>https://crppr.org.br/revista-contato/revista-contato-130/</p><p>20</p><p>2.5. Notas sobre a dimensão epistemológica da</p><p>Reforma Psiquiátrica</p><p>Vá para a Vídeoaula 6 - “Rupturas e Encontros – Destaques” e procure relacionar seu conteúdo às</p><p>ideias abaixo.</p><p>Paulo Amarante (2011) define a chamada “dimensão epistemológica” da Reforma Psiquiátrica</p><p>enquanto o conjunto de questões que se situam no campo teórico-conceitual, que fundamentam e autorizam</p><p>o saber-fazer médico psiquiátrico e a produção de conhecimentos na área.</p><p>Foram esses conceitos, tais como alienação,</p><p>doença mental, isolamento terapêutico, degeneração,</p><p>normalidade e anormalidade, que abasteceram o referencial teórico de uma ciência psiquiátrica, embebida</p><p>de um tipo de abordagem positivista que culminou nas primeiras nosografias e categorizações de “doenças”.</p><p>A Reforma Psiquiátrica é, por esse aspecto, também um empreendimento epistemológico, segundo</p><p>Amarante, na medida em que revisita os conceitos que orbitam a clínica e o sujeito da experiência da loucura.</p><p>Para o autor, aqui a clínica deixa de ser o isolamento terapêutico, o tratamento moral e demais atrocidades</p><p>asilares para se tornar um espaço de criação, de produção de sociabilidades e subjetividades. E o sujeito da</p><p>experiência da loucura, antes excluído do mundo e da cidadania, torna-se “pessoa” e não objeto de saber.</p><p>Por isso o destaque de que o processo da Reforma Psiquiátrica não se restringe à reestruturação</p><p>técnica de serviços, ou a produção de novas e modernas terapias, mas sim um “processo complexo de</p><p>recolocar o problema, de reconstruir práticas e estabelecer novas relações” (Amarante, 2011).</p><p>Assim, a Reforma Psiquiátrica se firma como um processo ético-estético, de reconhecimento de novas</p><p>situações que produzem novos sujeitos (Amarante, 2011). A premissa posta, portanto, é a de que na medida</p><p>em que aquele conceito de doença é colocado em discussão ou desconstruído, as relações entre as pessoas</p><p>envolvidas é transformada. E a partir daí, transformam-se não só os serviços, mas também os conceitos e as</p><p>práticas jurídicas. Daí a célebre colocação de Franco e Franca Basaglia, resgatada por Amarante (2011):</p><p>“A psiquiatra colocou o sujeito entre parênteses para ocupar-se da doença; para Basaglia a doença é que deveria</p><p>ser colocada entre parênteses para que pudéssemos ocupar-nos do sujeito em sua experiência […] Colocar</p><p>a doença entre parênteses, não significa sua negação, a negação de que exista algo que possa produzir dor,</p><p>sofrimento, diferença ou mal-estar. Significa a recusa à explicação psiquiátrica, à capacidade de a psiquiatria</p><p>dar conta do fenômeno com a simples nomeação abstrata da doença”. (AMARANTE, 2011, grifos nossos)</p><p>A dimensão cultural, aqui entendida como conjunto de intervenções e estratégias que visam transformar</p><p>o lugar da loucura no imaginário social, é outro conceito importante. Parece óbvio, mas é preciso destacar:</p><p>o objetivo não é a cura, não é “curar a loucura” e sim transformar o mundo para que a loucura possa ser</p><p>acolhida com gentileza, respeito, humanidade, ciência e políticas públicas eficazes e, assim, evitar-se que</p><p>novos casos apareçam ou se agravem. Ou, nos dizeres de Amarante, trata-se da “transformação do lugar</p><p>social da loucura, da diferença e da divergência” (Amarante, 2011).</p><p>Aqui as associações de usuários e familiares, tais como a Associação Londrinense de Saúde Mental</p><p>em Londrina-PR, a Associação Marialvense de Saúde Mental em Marialva-PR, a Associação Dr. Régis Viola</p><p>de usuários e familiares de Saúde Mental em Araucária-PR, para citar exemplos locais, se inserem nesse</p><p>campo de transformação da dimensão cultural, assim como os movimentos atrelados ao Dia Nacional da Luta</p><p>Antimanicomial, que começa com uma data (18 de maio) e aos poucos vai se alastrando até se constituir, em</p><p>muitos lugares, a Semana da Luta Antimanicomial — evento que acontece desde a promulgação da histórica</p><p>“Carta de Bauru” em 1987, quando o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental e diversas outras</p><p>entidades lançaram o clássico mote: “por uma sociedade sem manicômios”.</p><p>Em sua tese de doutorado, que rendeu a publicação “Rupturas e Encontros: Desafios da Reforma</p><p>Psiquiátrica” (Fiocruz, 2010), Silvio Yasui, professor que acumula em sua trajetória experiências profissionais</p><p>importantes no tradicional Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São Paulo, e também passagem pelo primeiro</p><p>CAPS do Brasil à época de sua implantação, ainda nos anos 1980, vai ao encontro de Amarante (2011) ao citar</p><p>as quatro dimensões da Reforma Psiquiátrica, a saber: jurídico-política (no que diz respeito tanto às legislações</p><p>21</p><p>quanto Políticas Públicas em disputa), técnico-assistencial (no que diz respeito aos equipamentos, serviços e</p><p>diversos olhares para a clínica e a reabilitação psicossocial), epistemológica (conjunto de saberes envolvidos</p><p>nos postulados de tratamento, bem como as categorias dali delimitadas) e a dimensão sociocultural (citada</p><p>há pouco).</p><p>Saiba mais:</p><p>Indico os capítulos 1 ou 2 da tese de doutorado de Silvio Yasui, “Rupturas e encontros: desafios da reforma</p><p>psiquiátrica brasileira”, de 2006. (Doutorado em Saúde Pública, pela Escola Nacional de Saúde Pública</p><p>Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz). Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/4426</p><p>Gosto de pensar na relação de interdependência dessas dimensões enquanto uma mesa de quatro</p><p>pernas: sem uma dessas dimensões desenvolvida em paralelo às outras, a mesa pode ficar “bamba” ou</p><p>até cair. Yasui, entretanto, recorre a um outro modelo mais sofisticado para se referir a essa relação de</p><p>interdependência: a fita de Moebius:</p><p>As quatro dimensões da Reforma Psiquiátrica</p><p>Figura I - Representação gráfica das quatro dimenções da Reforma Psiquiátrica,</p><p>inspirada na faixa de Moebius</p><p>Figura 3: As quatro dimensões da Reforma Psiquiátricas no formato da Fita de</p><p>Moebius, segundo Silvio Yasui.</p><p>Yasui (2010) analisa a Reforma Psiquiátrica em quatro recortes: enquanto movimento social e política</p><p>pública, enquanto transição pragmática, assim como analisa os Caps enquanto estratégia de produção de</p><p>cuidados e também, valendo-se das proposições de um importante teórico do Movimento Sanitário, que</p><p>foi um dos articuladores e defensores do SUS, Sergio Arouca, aponta a Reforma Psiquiátrica enquanto um</p><p>processo civilizador.</p><p>Para o primeiro dos recortes, reconhece como antecedentes e enquanto pioneiros da Reforma</p><p>Psiquiátrica dois escritores clássicos da literatura brasileira: o primeiro deles, Machado de Assis, autor de</p><p>“O Alienista”, célebre obra de ficção que retrata o médico psiquiatra Simão Bacamarte e suas epopeias</p><p>na “Casa Verde”. O outro autor, entretanto, não escreveu uma ficção, mas suas “memórias do cárcere”:</p><p>Lima Barreto, autor de “Cemitério dos Vivos”, que narra suas passagens por internações por conta de suas</p><p>tentativas de tratar-se do alcoolismo. E, além disso, coaduna com os estudos de Amarante, detalhando o</p><p>surgimento dos Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental e do percurso de institucionalização da</p><p>Reforma Psiquiátrica, com o surgimento do Sistema Único de Saúde.</p><p>No segundo recorte, Yasui (2010) visita os paradigmas da Racionalidade Científica em suas transições</p><p>que culminam com a crise do paradigma médico-psiquiátrico e apontam para o estudo dos Determinantes</p><p>Sociais do processo de saúde-doença, ao citar que todo conhecido científico atual é científico social, que</p><p>todo conhecimento é autoconhecimento, e que todo conhecimento científico via a constituir-se em senso</p><p>comum (Yasui, 2010).</p><p>Com isso, se no no modelo psiquiátrico o objeto é a simples doença mental, no novo modelo da</p><p>política</p><p>técnico-assistencial ep</p><p>ist</p><p>em</p><p>ol</p><p>óg</p><p>ica</p><p>so</p><p>cio</p><p>cu</p><p>ltu</p><p>ra</p><p>l</p><p>https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/4426</p><p>22</p><p>atenção psicossocial, o objeto passa a ser o complexo existência-sofrimento. Yasui (2010) segue na demarcação</p><p>conceitual entre os dois modelos: no que diz respeito às estratégias de intervenção, no primeiro deles</p><p>permanece o isolamento e abordagens predominantemente biológicas; no modelo da atenção psicossocial,</p><p>entretanto, vigora a predominância da diversidade e da invenção. Em um modelo, viceja a hospitalização</p><p>enquanto o lugar do cuidado; em outro, a rede e a intersetorialidade, na perspectiva atrelada ao cuidado em</p><p>liberdade; em um modelo, viceja a exclusão social e violência, com o paradigma intramuros; em outro, trata-</p><p>se de trabalhar em prol da inclusão e solidariedade.</p><p>2.6. Destaques sobre a Lei 10.216/2001, a Lei da</p><p>Reforma Psiquiátrica</p><p>Demorou 12 anos para o Projeto de Lei</p><p>do Deputado Paulo Delgado, apresentado na Câmara dos</p><p>Deputados, tramitar em todas as instâncias daquela casa, nas instâncias do Senado Federal, até ser, em abril</p><p>de 2001, sancionado enquanto a Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil.</p><p>Muito se fala em torno das concessões que foram feitas em relação ao projeto original, mais incisivo</p><p>em propor o fechamento dos hospitais psiquiátricos no Brasil, e a versão aprovada, que prevê a progressiva</p><p>substituição do modelo. O fato é que, em que pese os arranjos políticos que compuseram as negociações,</p><p>trata-se de um marco não só no que diz respeito à dimensão jurídico-política da Reforma Psiquiátrica, como</p><p>no que ratifica as reivindicações de usuários, familiares e trabalhadores do campo da saúde mental, seja</p><p>ao longo dos espaços sazonais de participação do Controle Social no Sistema Único de Saúde (tais como as</p><p>Conferências de Saúde Mental), seja nos espaços permanentes de participação (Conselhos de Saúde, entre</p><p>exemplos).</p><p>Avança ao ratificar direitos básicos, como o de acesso ao “melhor tratamento do sistema de saúde”,</p><p>em seu artigo segundo, bem como quando define as responsabilidades do Estado no desenvolvimento da</p><p>política de saúde mental, assistência e promoção das ações de saúde, no artigo terceiro. Mas a citação do</p><p>signo “Lei 10.216” quase sempre é acompanhada da citação dos signos “internação compulsória”, “internação</p><p>voluntária”, “internação involuntária”. Não é para menos.</p><p>Ao delimitar os tipos de internação possíveis, na prática a Lei 10.216/2001 veda as internações “por</p><p>atacado”, aquelas que justificavam a exclusão, entre exemplos, das pessoas em situação de rua ou em conflito</p><p>político, bem como pessoas com questões familiares decorrentes de heranças, limites morais com relação à</p><p>sexualidade e outros motivos torpes que embasavam muitos pedidos de internação.</p><p>A internação voluntária é detalhada em seu artigo sétimo, quando acusa que “a pessoa que solicita</p><p>voluntariamente sua interação […] deve assinar no momento de sua admissão uma declaração de que optou</p><p>por esse tipo de tratamento” e especifica critérios para seu término.</p><p>A internação involuntária, por seu turno, é detalhada no artigo oitavo: ali estão especificados</p><p>a necessidade do termo médico, bem como o comunicado ao Ministério Público Estadual, podendo esta</p><p>ser cessada por determinação do especialista, do responsável legal ou familiar da pessoa. Notem o termo:</p><p>pessoa. Não é “paciente”, não é “louco”, não é “dependente químico”, não é “doente mental”, mas pessoa</p><p>— e, tal qual veremos em outra Unidade de Aprendizagem, com o estudo dos Cadernos da Atenção Básica,</p><p>volume 34 - saúde mental, é a definição sugerida para a Atenção Básica ou Atenção Primária em Saúde.</p><p>Ainda destaca-se na Lei 10.216/2001, de imediato, o campo dos direitos e a proteção das pessoas</p><p>acometidas de transtorno mental sem qualquer forma de discriminação quanto a cor, sexo, orientação sexual,</p><p>religião, opção política (…) ou grau de gravidade do transtorno. Parece elementar tal citação, mas em um país</p><p>que tem relatos de imposição de credo, de cerceamento das questões de gênero e sexualidade, entre outras</p><p>formas de violação dos Direitos Humanos, tal advertência é, infelizmente, ainda necessária.</p><p>Algumas comunidades terapêuticas e clínicas de reabilitação, entre exemplos, acumulam denúncias de</p><p>situações em que há imposição de credo ou proselitismo religioso, ou que não aceitam pessoas transsexuais.</p><p>A este respeito, vale a consulta aos documentos que melhor embasam esse panorama das instituições</p><p>asilares vigentes no Brasil, como é o caso do Relatório do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada,</p><p>o IPEA, que, em 2017, lançou o “Perfil das Comunidades Terapêuticas Brasileiras”, uma Nota Técnica que é o</p><p>5 Disponível em https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29865</p><p>6 Disponível em https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/12/Relatorio_Inspecao_HospPsiq.pdf</p><p>https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29865</p><p>https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/12/Relatorio_Inspecao_HospPsiq.pdf</p><p>23</p><p>documento mais robusto sobre a temática, coordenado por Maria Paula Gomes dos Santos5 ou o Relatório</p><p>Nacional de Inspeção aos Hospitais Psiquiátricos, proposto pelo Conselho Federal de Psicologia e pelo</p><p>Mecanismo Nacional de Combate à Tortura6</p><p>2.7. Todo hospício e prática manicomial em um país</p><p>racista e colonial guarda ecos do navio negreiro.</p><p>Perspectivas sobre Frantz Fanon.</p><p>Para continuidade dos estudos, asssista a Vídeoaula 7 - “Precisamos falar de Frantz Fanon”</p><p>Tal ressalva sobre a “discriminação por cor”, tipificada no Código Penal Brasileiro como crime de</p><p>racismo, também se faz necessária, infelizmente, em um país que foi o último a abolir o emprego de pessoas</p><p>escravizadas em nome do “delírio da raça”. Repetimos que, se todo hospício guarda um eco da “nau dos</p><p>loucos”, no Brasil esses ecos também vem com o banzo dos “navios negreiros”. Por isso a oportunidade que a</p><p>luta antimanicomial tem na atualidade de se atualizar tanto com os debates sobre o campo antiproibicionista,</p><p>no que concerne à crítica ao modelo atual de “Guerra às Drogas”, que, na prática, encarcera e vitimiza pessoas</p><p>com pouco estudo, advindas das classes baixas e periféricas, pessoas negras ou migrantes, enfim, corpos</p><p>marcados para morrer — incluindo, neste caso, os corpos dos soldados rasos das polícias que fazem esse</p><p>enfrentamento; quanto no que concerne a perspectiva do racismo estrutural.</p><p>Por essas e outras, os estudos de Frantz Fanon são importantes para o campo, tal como os estudos</p><p>contemporâneos de autores como Achile Mbembe quando versam sobre “necropolítica” — que pode assim</p><p>ser definida como a continuação da ideia de biopolítica, tal qual aparece na obra de Foucault. Enquanto esta,</p><p>a biopolítica, pode ser definida como as formas como o poder se engendra, se enlaça e se infiltra em todas</p><p>as esferas da vida, a necropolítica pode assim ser vista como as estratégias políticas que marcam corpos</p><p>para serem descartados. E, como cantava a finada musa Elza Soares, “a carne negra é a carne mais barata do</p><p>mercado”.</p><p>Os escritos de Frantz Fanon são cruciais, portanto, não só por conta do seu debate contundente sobre</p><p>o racismo, sobre o “delírio da raça”, que sua obra mais incensada “Pele Negra, Máscaras Brancas” pretende,</p><p>especialmente quando pontua o “duplo narciscismo” que atravessa “o branco fechado em sua brancura e o</p><p>negro fechado em sua negrura” (Fanon, 2008); mas também por conta de sua trajetória enquanto médico</p><p>que acumulou em sua biografia tanto a passagem pelo celebrado Hospital Saint Alban, à época conduzido por</p><p>F. Tosqueles e, tal qual visto anteriormente, aberto a diferentes acoplamentos com artistas do movimento</p><p>surrealista, ativistas políticos e outros setores da cultura, como por sua experiência na condução de um</p><p>hospital psiquiátrico na Argélia, durante os anos da revolução que culminaria na independência da então</p><p>colônia francesa.</p><p>Saiba mais:</p><p>Há o livro de Deivison Mendes Faustino, “Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente</p><p>negro”, edição de 2018 do Ciclo Contínuo Editorial, de São Paulo, incluído nas ‘Leituras Sugeridas’.</p><p>Mas devido à proteção autoral, não dispomos de link de acesso ao livro. Há, entretanto, diversas</p><p>palestras e ‘lives’ com a participação de Faustino que dão conta de introduzir o pensamento de</p><p>Fanon, como esta, em parceria com o psicanalista Christian Dunker intitulada “Frantz Fanon:</p><p>psicanálise e racismo”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fNsqfRH5yrY</p><p>Fanon nasceu nas Antilhas, na colônia francesa da Martinica, estudou medicina em Paris e, em 1951,</p><p>aos 25 anos de idade, apresenta seu trabalho de conclusão de medicina na área da psiquiatria chamado</p><p>“Ensaio sobre a desalienação do negro”, que foi rejeitado pela comissão julgadora, ponderando a necessidade</p><p>de um “estudo clínico”.</p><p>Em seus estudos sobre os efeitos do colonialismo na estrutura psíquica humana,</p>

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