Prévia do material em texto
<p>2</p><p>19</p><p>A ESSENCIALIDADE E OS DESAFIOS DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA EXECUÇÃO PENAL</p><p>Gêicy Rezende da Mota[footnoteRef:1] [1: Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Goiás – Campus Norte.]</p><p>Euzélio Heleno de Almeida[footnoteRef:2] [2: ]</p><p>RESUMO</p><p>O presente trabalho trata do princípio da individualização da pena, mormente a sua aplicação na execução penal, posto que constitui direito subjetivo dos condenados, conforme disposição do artigo 5º, inciso LXVI da Constituição Federal. Nesse contexto, tem-se como objetivo geral analisar como é realizada a avaliação individualizada do apenado na execução penal, tendo como parâmetro as características pessoais, circunstâncias do delito e necessidades de ressocialização, bem como possíveis entraves encontrados no sistema prisional brasileiro para efetiva inserção dos programas individualizadores. São objetivos específicos: demonstrar a origem e a evolução histórica que o ordenamento jurídico brasileiro tem para com o princípio da individualização da pena; verificar quais métodos utilizados pelo Juízo da Execução penal para assegurar a efetividade do princípio da individualização da pena; discorrer acerca de problemas enfrentados no sistema prisional brasileiro e sua influência na inclusão dos programas individualizadores. Para tanto, utilizou-se da pesquisa de cunho revisional bibliográfica, com emprego da pesquisa qualitativa e método indutivo. A materialização do princípio da individualização da pena a ser dada na fase executória é de suma importância para que se alcance os preceitos oriundos da ressocialização do condenado, conforme inúmeros fatores que distinguem cada crime e cada indivíduos. Entretanto, apesar dos diversos institutos individualizadores existentes na Lei de Execução Penal, objetivando a ressocialização do apenado, esse ideal está longe de ser atingido, uma vez que o cumprimento da sanção se dá de forma desumana e generalizada.</p><p>Palavras-chaves: Execução Penal; Individualização; Pena.</p><p>ABSTRACT</p><p>This work deals with the principle of individualization of the sentence, especially its application in criminal execution, as it constitutes a subjective right of those convicted, as provided for in article 5, item LXVI of the Federal Constitution. In this context, the general objective is to analyze how the individualized assessment of the convict in criminal execution is carried out, taking as parameters the personal characteristics, circumstances of the crime and resocialization needs, as well as possible obstacles found in the Brazilian prison system for the effective insertion of prisoners. individualizing programs. The specific objectives are: to demonstrate the origin and historical evolution that the Brazilian legal system has in relation to the principle of individualization of punishment; verify which methods are used by the Criminal Execution Court to ensure the effectiveness of the principle of individualization of the sentence; discuss problems faced in the Brazilian prison system and their influence on the inclusion of individualizing programs. To this end, bibliographic revisional research was used, using qualitative research and inductive method. The materialization of the principle of individualization of the sentence to be given in the execution phase is of utmost importance in order to achieve the precepts arising from the resocialization of the convicted person, according to numerous factors that distinguish each crime and each individual. However, despite the various individualizing institutes existing in the Criminal Execution Law, aiming at the resocialization of the convict, this ideal is far from being achieved, since compliance with the sanction occurs in an inhumane and generalized way.</p><p>Keywords: Criminal Execution; Individualization; Pity.</p><p>2</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A origem da pena é longínqua, posto que os povos antigos seguiam certas normas que, por mais desarrazoáveis que eram, constituíam premissas essenciais para a convivência harmônica. Para melhor compreensão acerca do contexto histórico, é preciso voltar na Idade Média, especificamente entre os séculos X e XV, onde o objetivo principal da lei penal da época era alastrar o terror coletivo, de modo que os indivíduos delituosos fossem submetidos aos mais terríveis tormentos para que servissem de exemplo para os demais (FOUCAULT, 2014).</p><p>Segundo Foucault (2014, p.35):</p><p>A pena de morte natural compreende todos os tipos de ordenação de morte: uns podem ser condenados à forca, outros a ter a mão ou a língua cortada ou furada e ser enforcados em seguida; outros, por crimes mais graves, a ser arrebentados vivos até a morte natural, outros a ser estrangulados e em seguida arrebentados, outros a ser queimado vivos, outros a ser queimados depois de estrangulados, outros a ter a língua cortada ou furada, e em seguida queimados vivos; outros a ser puxados por quatro cavalos, outros a ter a cabeça cortada, outros, enfim, a ter a cabeça quebrada.</p><p>A partir do momento em que os homens passaram a conviver em grupos, surgiu a necessidade de estabelecer regras de convivência, de modo que houvesse a aplicação de uma punição aos indivíduos que violassem o direito alheio (SOUZA, 2011).</p><p>O sistema penal mais antigo era disposto através do Código de Hamurabi, o qual previa a premissa “Olho por olho, dente por dente”. A exemplo: “195. Se um filho agrediu o seu pai, ser-lhe-á cortada a mão por altura do pulso. 196. Se alguém vazou um olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o olho.” (GILISSEN, 1995 apud SILVA; REIS, 2021, p. 03). Todavia, com a regulamentação estatal e a vedação à vingança privada, necessário se fez normatizar penas adequadas para cada infração cometida (SILVA; REIS, 2021).</p><p>O poder estatal se caracterizava pela junção da Igreja Católica e pela monarquia, de modo que se houvesse alguma violação a algum bem jurídico protegido pelo direito vigente, a pessoa era conduzida a uma investigação e comumente utilizava-se de castigos físicos e tortura para a busca da verdade (SILVA; REIS, 2021).</p><p>Para Foucault (1997, apud RIBEIRO, 2011), o surgimento da prisão é marcante na história do direito penal, vez que deflagra o acesso à humanidade, que não se refere a tão somente ao poder de punir, mas sim à adoção do conceito de redução do poder arbitrário de punir e o ajustamento da pena ao delito praticado. Logo, não é punir menos, mas punir com uma severidade atenuada, para punir com mais universalidade e necessidade.</p><p>Ademais, conforme explica Foulcault (2013, apud MOREIRA, 2015), ao passar dos tempos, surgiu a necessidade de se analisar não somente a conduta delituosa, mas também o indivíduo por trás do delito, seja durante a fase de julgamento ou durante a fase de cumprimento da sanção aplicada.</p><p>Atualmente, mesmo sob a tutela do Estado, os apenados lutam pela sobrevivência, posto a superlotação do sistema carcerário brasileiro. Nesse sentido, surge o questionamento: qual a finalidade da punição?</p><p>As principais teorias que buscam justificar os fins e fundamentos da pena são, sem dúvida, a teoria absoluta/retribucionista, a qual visa a punição do criminoso e, ainda, tem a pena como um fim em si mesma; e a teoria relativa/preventiva, que objetiva a prevenção da prática de crimes e a ressocialização do indivíduo.</p><p>Extrai-se da leitura do art. 1º da Lei n. 7.210/84 o conceito de execução penal, o qual se perfaz como o conjunto de normas jurídicas e princípios que visam não apenas a efetivar o conteúdo decisório da sentença penal transitada em julgado que impôs ao sentenciado o cumprimento de uma pena, mas também, sobretudo, atender aos fins de prevenção especial da pena, buscando, assim, a ressocialização do condenado de modo a se evitar uma possível reincidência (LIMA, 2022).</p><p>O atual sistema carcerário brasileiro passa por diversas dificuldades, haja vista o descaso público, as mazelas vividas pelos indivíduos encarcerados, violações de direitos fundamentais dos apenados, violência dentro do ambiente prisional, dentre tantos outros (MOREIRA, 2015).</p><p>Com</p><p>efeito, evidente a necessidade da aplicação do princípio da individualização da pena, como instrumento de tratamento adequado a cada preso proporcional com o delito que cometeu, levando-se em consideração, ainda, suas circunstâncias individuais.</p><p>Posto isto, o presente trabalho tem como escopo discorrer acerca da aplicação do princípio da individualização da pena, visando averiguar sua indispensabilidade ante o ordenamento jurídico brasileiro e, ainda, os desafios existentes por parte do Juízo da Execução Penal evitando-se a padronização da sanção penal.</p><p>O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA EXECUÇÃO PENAL</p><p>A lei delimita as penas para cada tipo de crime, resguardando proporcionalidade com a importância do bem jurídico tutelado e o grau de lesividade da conduta, estabelecendo normas que possibilitam ulteriores individualizações (AMORIM, 2023).</p><p>Desse modo, a individualização da pena consiste em mensurar a pena da infração cometida ao caso concreto, haja vista que cada indivíduo deve receber a punição que lhe é devida, levando-se em consideração seu histórico pessoal e suas circunstâncias individuais (SILVA, 2015).</p><p>Quando um indivíduo pratica um crime, o Estado tem o dever/poder de aplicar uma sanção, isto tendo por base os princípios constitucionais implícitos ou expressos, como, por exemplo, o inciso XLVII do art. 5°, o qual prevê que: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis” (SILVA, 2016).</p><p>Dada a notória importância da individualização da execução da pena, denota-se que esta, antes de tudo, se perfaz como garantia humanitária, uma vez que proporciona a cada um oportunidades e elementos necessários para se alcançar a reinserção social (AMORIM, 2023).</p><p>O atual ordenamento jurídico brasileiro, mormente a Lei de Execução Penal, consolidou em seu artigo 1º, o axioma punir e recuperar: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.</p><p>No que concerne o ideal ressocializador, Paulo S. Xavier de Souza (2006, p. 259 apud PINATTO, 2008, p. 36) “esbarra em fatores negativos como a superlotação prisional, ineficácia do tratamento penitenciário, condicionamento do recluso no cárcere e submissão a um ambiente artificial e hostil, além dos variados efeitos nocivos da prisionização e da aculturação”.</p><p>Nesse sentido, para se alcançar a reinserção do condenado à sociedade, faz-se necessário que o Estado proporcione e garanta assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa (art. 11 da LEP) e a assistência ao egresso (art. 25 da LEP).</p><p>A assistência ao preso não é só direito seu, mas também dever inescusável do Estado, objetivando sempre a prevenção do crime e orientação ao retorno à convivência em sociedade, conforme estabelece o art. 10 da Lei de Execução Penal.</p><p>Segundo Pinatto (2008, p. 36):</p><p>Quando um Estado abarca em seu ordenamento jurídico a punição com pena privativa de liberdade, e admite um ideal ressocializador com o final da pena, ele se responsabiliza inteiramente pelas condições em que essas penas serão cumpridas. Passa a ser dever seu possibilitar ao recluso todos os meios possíveis e assistências necessárias para a sua recuperação moral, para o seu retorno satisfatório ao convívio em sociedade. A partir do momento em que o Estado pune privando cidadãos de sua liberdade, age usando medida drástica, ou seja, “ultima ratio”; e assim sendo, não assegurando nem ao menos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, como a dignidade humana, passa a ser Estado tirano, e a pena passa a ser injusta.</p><p>Tecidas estas considerações, convém discorrer acerca dos princípios e garantias para o cumprimento da pena na Lei de Execução Penal, impondo mencionar alguns deles: princípio da jurisdicionalidade (art. 2º), da igualdade, legalidade, liberdade (art. 3º e parágrafo único), proporcionalidade, personalidade, individualização (arts. 5º e 6º), e da humanidade das penas (art. 40).</p><p>No que concerne o princípio da individualização da pena, trata-se de garantia constitucional insculpida no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal, bem como respaldado pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal.</p><p>A individualização da pena é um dos alicerces fundamentais do sistema penal moderno, representando não apenas um princípio jurídico, mas também um reflexo dos valores humanitários e da justiça que sustentam as sociedades democráticas. No contexto da execução penal, a aplicação desse princípio ganha uma relevância ainda maior, uma vez que afeta diretamente a vida e a dignidade dos indivíduos submetidos ao sistema carcerário.</p><p>Individualizar a sanção penal, portanto, é posicioná-la com absoluta precisão na sua exata extensão, respaldando-se ao fato e às circunstâncias conforme a lei a ser aplicável, sempre levando-se em consideração a finalidade da pena e a pessoa do apenado em sua plenitude individual (ARAÚJO, 2019).</p><p>O princípio da individualização da pena exige que cada sentença deve ser ajustada às circunstâncias específicas do caso e às características do condenado, levando em consideração não apenas a gravidade do delito, mas também fatores individuais como antecedentes criminais, condições pessoais, socioeconômicas e de saúde mental, evitando, assim, tratamentos injustos e desumanos.</p><p>Na verdade, o princípio em tela é reflexo do pensamento jurídico-penal do Estado contemporâneo, haja vista que impõe limites ao direito de punir, daí porque a individualização da pena se opera em três fases, segundo Araújo (2019, p. 230):</p><p>a) fase legislativa, ensejo em que o legislador, na qualidade de representante do pensamento da Nação, elegendo o bem jurídico tutelado, formula o preceito descritivo da conduta vedada (matar alguém) e estabelece a sanção, ou seja, a pena cominada, mensurada, em regra, em tempo de privação da liberdade, estabelecendo balizas entre o máximo e o mínimo do castigo (6 a 20 anos de reclusão);</p><p>b) fase judicial, contemplada em nosso sistema com moldura legal exemplar, quando o juiz, após aferir um leque de circunstâncias de natureza subjetiva — culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente — e de natureza objetiva — motivos, circunstâncias e consequências do crime —, fixará aquela aplicável entre as cominadas, em quantidade necessária e sufi ciente para a reprovação e prevenção do delito, definindo, também, o regime inicial de cumprimento da sanção prisional;</p><p>c) fase executória, em que se conjugam ações judiciais e administrativas, de alta relevância no processo de ressocialização e de reinserção social do condenado, fase em que é de rigor a observância dos direitos fundamentais inerentes ao resguardo da dignidade da pessoa humana.</p><p>Acerca da individualização da pena na fase executória, Nucci discorre:</p><p>No caso da Lei de Execução Penal, torna-se fundamental separar os presos, determinando o melhor lugar para que cumpram suas penas, de modo a evitar o contato negativo entre reincidentes e primários, pessoas com elevadas penas e outros, com penas brandas, dentre outros fatores. Em suma, não se deve mesclar, num mesmo espaço, condenados diferenciados.</p><p>A individualização da pena é preceito constitucional (art. 5º, XLVI, CF) e vale tanto para o momento em que o magistrado condena o réu, aplicando a pena concreta, quanto para a fase da execução da sanção.1 Por isso, conforme os antecedentes e a personalidade de cada sentenciado, orienta-se a maneira ideal de cumprimento da pena, desde a escolha do estabelecimento penal até o mais indicado pavilhão ou bloco de um presídio para que seja inserido. (2018, p. 32).</p><p>O princípio da individualização da pena garante, em suma, que todo cidadão condenado deve ter uma pena particularizada, pessoal, distinta e, portanto, inextensível a outro cidadão que esteja em situação fática assemelhada, haja vista que a norma é que atribui à execução</p><p>penal a finalidade de proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (artigo 1º da Lei de Execução Penal). Nesse sentido, preleciona Lima (2022, p. 26):</p><p>Por isso, de maneira mais realista e pragmática, há de se trabalhar com a ideia de que o verdadeiro objetivo da execução penal deve gravitar em torno de um escopo geral de redução de danos, é dizer, tentar não agravar ainda mais as características deteriorantes e dessocializantes do encarceramento, oferecendo - jamais impondo - meios para que as pessoas presas busquem diminuir seu nível de vulnerabilidade ao poder punitivo, se assim o desejarem.</p><p>Imperioso destacar que, na execução penal, a individualização da pena se manifesta na definição das condições de cumprimento da pena, incluindo o regime de prisão (fechado, semiaberto ou aberto), a concessão de benefícios como progressão de regime, livramento condicional e indulto, bem como na aplicação de medidas disciplinares e programas de ressocialização.</p><p>Portanto, a correta aplicação desse princípio é essencial para assegurar a efetividade do sistema penal, promover a ressocialização dos condenados e proteger os direitos humanos no ambiente carcerário.</p><p>CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DOS CONDENADOS NA EXECUÇÃO PENAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA</p><p>A Lei de Execução Penal (LEP), promulgada em 1984, representa um marco legislativo fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo os princípios e diretrizes para a execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança.</p><p>A finalidade precípua da LEP vai além do mero cumprimento da pena, buscando garantir a reintegração social do indivíduo condenado, respeitando seus direitos humanos e promovendo sua reinserção digna na sociedade.</p><p>A Lei nº. 7.210 trouxe em seu artigo 1° duas importantes finalidades. A primeira representa o cumprimento das determinações da sentença criminal, executando, desse modo, o cumprimento efetivo das disposições da lei. Já a segunda tem como finalidade a busca pela ressocialização do condenado, objetivando, assim, uma comunhão social (BRASIL, 1984).</p><p>No âmbito da Lei de Execução Penal, um dos princípios basilares que norteiam sua aplicação é o da individualização da pena, que postula que cada sentença penal deve ser ajustada às particularidades do condenado, levando em consideração sua personalidade, seus antecedentes, suas circunstâncias pessoais e a gravidade do delito cometido (BRITO, 2019).</p><p>Nesse contexto, o diploma normativo supracitado desempenha um papel crucial ao estabelecer os critérios e os procedimentos para a individualização da pena, regulando aspectos como a definição do regime de cumprimento da pena, a concessão de benefícios como progressão de regime e livramento condicional, e a aplicação de medidas disciplinares e de ressocialização.</p><p>O princípio focaliza a classificação dos condenados para que cada um, de acordo com sua personalidade e antecedentes, receba o tratamento penitenciário adequado. A orientação deflui da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal n.° 213 de 09 de maio de 1983, senão vejamos:</p><p>Motivos:</p><p>26. A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado.</p><p>27. Reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização da pena, com todas as proclamações otimistas sobre a recuperação social, se não for efetuado o exame de personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal, e se não forem registradas as mutações de comportamento ocorridas no itinerário da execução.</p><p>28. O Projeto cria a Comissão Técnica de Classificação com atribuições específicas para elaborar o programa de individualização e acompanhar a execução das penas privativas da liberdade e restritivas de direitos. Cabe-lhe propor as progressões e as regressões dos regimes, bem como as conversões que constituem incidentes de execução resolvidos pela autoridade judiciária competente.</p><p>[...]</p><p>31. A gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinantes da execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará no sentido de conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena.</p><p>[...]</p><p>37. Trata-se, portanto, de individualizar a observação como meio prático de identificar o tratamento penal adequado, em contraste com a perspectiva massificante e segregadora, responsável pela avaliação feita "através das grades: "olhando" para um delinquente por fora de sua natureza e distante de sua condição humana" (René Ariel Dotti, "Bases e alternativas para o sistema de penas", Curitiba, 1980, págs. 162/3).</p><p>Como garantia fundamental, corroborando à Exposição de Motivos supracitada, a Constituição Federal (art. 5º, XLVI) assegura que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Em seguida, no inciso XLVIII determina que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.</p><p>É dentro desse contexto que a Lei de Execução Penal, especificamente em seu artigo 5º, consagra critérios de classificação dos presos condenados, como sendo segundo seus antecedentes e personalidade.</p><p>Cuida-se, portanto, a classificação, de verdadeiro direito do condenado, visando à diferenciação dos demais sentenciados, a fim de que cada um receba um tratamento adequado e individualizado objetivando a sua reinserção social. De se notar que, enquanto o processo de conhecimento visa olhar para o passado do acusado, remontando ao tempo do crime, a execução deve se voltar para o futuro, com o objetivo de punir o sentenciado, mas, ao mesmo tempo, proporcionar sua harmônica reintegração à sociedade, o que justifica a importância da elaboração desse programa individualizador logo no início do cumprimento da pena privativa de liberdade (LIMA, 2022).</p><p>Um dos critérios de classificação dos condenados (e internados) para fins de orientação da individualização da execução penal é o exame de seus antecedentes, entre os quais se destacam a reincidência, o envolvimento em inquéritos ou processos judiciais, alcançando-se, assim, toda a vida pregressa do condenado (LIMA, 2022).</p><p>Deve, portanto, o diretor do estabelecimento penitenciário evitar que reincidentes se misturem com primários, por exemplo, assim como condenados com vários antecedentes sejam colocados juntos com os sentenciados de bons antecedentes, sem nenhum registro antes da presente condenação (NUCCI, 2018).</p><p>Por sua vez, classificação dos condenados e internados também deve levar em consideração sua personalidade, que deve ser compreendida como o conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. Salienta Nucci (2018, pp. 33 e 34) que:</p><p>É imprescindível, no entanto, haver uma análise do meio e das condições onde o sentenciado se formou e viveu, até chegar ao presídio, pois o bem-nascido, livre de agruras e privações de ordem econômica ou mesmo de abandono familiar, quando tende ao crime, deve ser mais rigorosamente observado do que o miserável, que tenha praticado uma infração penal, para garantir sua sobrevivência. Por outro lado, personalidade não é algo estático, mas se encontra em constante mutação. Estímulos e traumas de toda ordem agem sobre ela. Não é demais supor que alguém,</p><p>após ter cumprido vários anos de pena privativa de liberdade em regime fechado, tenha alterado sobremaneira sua personalidade. São exemplos de fatores positivos da personalidade: bondade, calma, paciência, amabilidade, maturidade, responsabilidade, bom humor, coragem, sensibilidade, tolerância, honestidade, simplicidade, desprendimento material, solidariedade. São fatores negativos: maldade, agressividade (hostil ou destrutiva), impaciência, rispidez, hostilidade, imaturidade, irresponsabilidade, mau humor, covardia, frieza, insensibilidade, intolerância (racismo, homofobia, xenofobia), desonestidade, soberba, inveja, cobiça, egoísmo.</p><p>Originalmente, o art. 6º da LEP tinha a seguinte redação: “A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e restritiva de direitos, devendo propor, à autoridade competente, as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões”. No entanto, com a entrada em vigor da Lei n. 10.792/2003, o dispositivo em questão passou a ter a seguinte redação: “A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório”.</p><p>De acordo com o diploma legal supracitado, essa classificação (análise dos antecedentes e da personalidade) deverá ser feita por Comissão Técnica de Classificação, que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório (artigo 6º da LEP).</p><p>Dessa forma, a atuação da referida Comissão não deve ficar subordinada à indicação do estabelecimento penal ao qual o condenado deverá ser recolhido, mas deverá, ademais, indicar o tipo de trabalho mais recomendado para o preso, se este poderá exercer atividades educacionais, se há necessidade de acompanhamento com assistência social em relação ao preso e seus familiares, entre outros (LIMA, 2022).</p><p>O exame de classificação (antecedentes e personalidade) a que se referem os artigos 5º e 6º da LEP, não se confunde com o exame criminológico previsto no artigo 8º do referido diploma normativo. Como destaca Nucci (2018, p. 34):</p><p>O primeiro é mais amplo e genérico, envolvendo aspectos relacionados à personalidade do condenado, seus antecedentes, sua vida familiar e social, sua capacidade laborativa, entre outros fatores, aptos a evidenciar o modo pelo qual deve cumprir sua pena no estabelecimento penitenciário (regime fechado ou semiaberto); o segundo é mais específico, abrangendo a parte psiquiátrica do exame de classificação, pois concede maior atenção à maturidade do condenado, sua disciplina, capacidade de suportar frustrações e estabelecer laços afetivos com a família ou terceiros, além de captar o grau de agressividade, visando à composição de um conjunto de fatores, destinados a construir um prognóstico de periculosidade, isto é, da tendência a voltar à vida criminosa.</p><p>Malgrado, o exame criminológico consista em uma avaliação psicológica que decide se o detento tem chances de voltar a cometer crimes caso passe para o regime semiaberto ou o aberto, urge ressaltar que o teste era obrigatório para a progressão de regime até o ano de 2003. sendo tal exigência extinta com o advento da Lei 10.792.</p><p>Assim, a alteração legislativa produzida pela Lei nº 10.792/2003, no art. 112, da Lei nº 7.210/84, suprimiu o exame criminológico como requisito à progressão carcerária, tendo o Superior Tribunal de Justiça consolidado o entendimento no sentido de que o Juiz da Execução Penal poderia exigir a sua realização, desde que o fizesse fundamentadamente (Súmula 439).</p><p>Entretanto, em 11 de abril de 2024, entrou em vigor a Lei n° 14.843, a qual tornou mais rigorosos os critérios para progressão de regime. Em assim sendo, a partir de agora, além do cumprimento do requisito temporal e bom comportamento carcerário, os apenados serão submetidos à exame criminológico, a fim de atestar se possuem condições psicológicas, psiquiátricas e sociais para cumprimento de pena em regime menos gravoso e, por conseguinte, tornar justa a individualização da sua pena.</p><p>Em resumo, tais critérios são importantes para determinar a forma como o condenado será inserido no sistema prisional e quais medidas serão adotadas para sua ressocialização e reintegração à sociedade após o cumprimento da pena.</p><p>Em assim sendo, a Lei de Execução Penal torna-se instrumento fundamental para separar os presos, determinando o melhor lugar para que cumpram suas penas, de modo a evitar o contato negativo entre reincidentes e primários, pessoas com elevadas penas e outros, com penas brandas, dentre outros fatores (NUCCI, 2018).</p><p>A individualização é algo que atinge os três poderes da República. É considerada em abstrato quando o legislador estipula limites máximos e mínimos para cada infração penal. É judicialmente aplicada quando o juiz, considerando as circunstâncias judiciais e legais, define a pena em concreto. E, por fim, é executada a cada condenado conforme seus méritos e deméritos, condições e circunstâncias pessoais.</p><p>Embora a execução deva tornar efetivas as determinações da sentença, o destino do condenado é muito mais definido pela execução do que pela própria sentença. É durante a execução que se procura definir a personalidade do condenado, o que conduz ao encurtamento ou prorrogação do prazo de restrição da liberdade (BRITO, 2019).</p><p>A terceira fase – a executória – é a mais importante da individualização, vez que não pode ser conduzida sem que os órgãos aplicadores da pena atentem às observações científicas e às pesquisas etiológicas que investigam as causas do comportamento do autor, antes e depois do fato criminoso, e suas respostas aos estímulos externos, alterando o curso da execução sempre em direção a devolvê-lo ao mundo livre (BRITO, 2019).</p><p>DESAFIOS DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO NA IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS INDIVIDUALIZADORES DE PENA: ANÁLISE DO RELATÓRIO DE INSPENÇÕES EM UNIDADES PRISIONAIS DO ESTADO DE GOIÁS</p><p>A execução da pena privativa de liberdade deve ter como enfoque a ressocialização do apenado, onde possa observar o seu desenvolvimento e criar meios para possibilitar a sua reintegração social, pois o que se pretende alcançar são as oportunidades que o preso tem o direito de usufruir, isto considerando a garantia à individualização da pena (SOUZA, 2011).</p><p>Diante desse sistema, a Lei de Execução Penal estabelece os institutos da progressão de regime, livramento condicional, indulto e remição, os quais são mecanismos que visam considerar as características individuais do condenado e seu potencial de reintegração à sociedade ao determinar a forma como a pena é cumprida e, em alguns casos, até mesmo perdoada.</p><p>A progressão de regime permite que o condenado progrida de um regime mais severo de cumprimento de pena (regime fechado) para um menos rigoroso (regime semiaberto ou aberto) conforme demonstra bom comportamento e mediante o cumprimento dos requisitos legais previstos no artigo 112 da Lei de Execução Penal.</p><p>Para que essa progressão de regime aconteça, o juiz tem a atribuição de individualizar a pena para que o condenado, de acordo com suas condições, limitações, características pessoais, comportamento, capacidade de ressocialização e histórico criminal, possa garantir o direito de liberdade que lhe foi suprimido. Ao passo que, caso o juiz não o faça, estará infringindo o princípio da individualização da pena na execução, que determina que a pena deve se adequar ao homem.</p><p>No que concerne o livramento condicional, este se perfaz como a antecipação da liberdade condicional do apenado que de acordo com os pressupostos estabelecidos na lei obtém a dispensa do efetivo cumprimento do restante da reprimenda, conforme preceitua o artigo 83 do Código Penal.</p><p>Portanto, para usufruir do benefício do livramento condicional são necessários requisitos objetivos como: a condenação a pena privativa de liberdade, a pena tem de ser igual ou superior a 02 (dois) anos, o cumprimento</p><p>parcial da pena e a reparação do dano; há ainda os requisitos subjetivos, quais sejam: a primariedade, bons antecedentes, comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho do trabalho, condições pessoais que levem à presunção de que não tornará o liberado a delinquir e, por fim, a ausência de reincidência específica.</p><p>Por sua vez, o indulto é o perdão da pena concedido pelo chefe do Poder Executivo, que extingue a punibilidade do condenado. Há de se levar em consideração o disposto no Decreto concessivo, isto respeitado o princípio da legalidade, de modo que somente o que ali constar pode ser exigido para o deferimento do indulto. Se não se demandar a análise do merecimento no decreto de indulto total ou comutação, é incabível que o juiz assim exija (NUCCI, 2018).</p><p>Por fim, a remição permite que o condenado diminua sua pena através do trabalho, estudo ou participação em atividades educacionais ou laborais enquanto cumpre a reprimenda privativa de liberdade, permitindo que o sentenciado desenvolva uma atividade laborterárpica ou ingresse em cursos, aperfeiçoando a sua formação, impedindo a ociosidade no cárcere (NUCCI, 2018).</p><p>Para ter efeitos individualizadores, o trabalho do preso deve ser escolhido de acordo com as aptidões individuais, ser remunerado e produtivo e eliminar as diferenças não necessárias entre o trabalhador preso e o trabalhador livre. Neste sentido, as penas devem ser justas e proporcionais, com também individualizadas, levando em consideração a aptidão à ressocialização demostrada pelo custodiado, por meio do estudo ou do trabalho (CASTRO, SÁ, 2018).</p><p>À despeito disto, o processo de individualização da pena é um caminho para a resposta da personalização punitiva do Estado, posto que a extensão do princípio da individualização na execução penal impõe aos juízes a vinculação, isto é, não podem ir de encontro a esta, fazendo-se necessário que tenham a real operatividade e que cumpram a função de tutela da dignidade da pessoa humana (SOUZA, 2011).</p><p>Para tanto, seria importante separar os perfis dos apenados, não só pela sua personalidade, mas principalmente pela gravidade dos crimes que cometeram e por isso foram condenados, colocando-os dentro de cada categoria, para separá-los de modo que sejam direcionados à terapêutica penal mais adequada na tentativa de ressocializar este apenado (SALES, 2020).</p><p>À propósito, imperioso destacar a fala de Júlio Fabbrini Mirabete:</p><p>Assim, além do exame de personalidade, que deve ser efetuado no curso do procedimento criminal e que se refere não só ao passado, mas também ao futuro, situando o indivíduo na escala ambiental e social, institui-se na lei nova o exame criminológico. Segundo a exposição de motivos da Lei de Execução Penal, a gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinantes da execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará a fim de conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, par determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá, evitando-se também a transferência para o regime de semiliberdade ou de prisão albergue, bem como a concessão do livramento condicional, sem que os sentenciados estejam para tanto preparados, em flagrante desatenção aos interesses da segurança social (2011, p. 240).</p><p>Ademais, acrescenta Souza (2011, p. 46):</p><p>Para que se possa individualizar a pena em execução, nada pode ser predeterminado, o objetivo é o de acompanhar o preso de forma a permitir seu livre desenvolvimento por meio de uma observação dinâmica e não o intuito de fazer da execução uma maneira de reeducar ou recuperar. A pena não deve ser vista como uma medida terapêutica em que vai reeducar o preso de qualquer maneira, por isso a importância da humanização e restrição da pena, para que este mal se inverta a uma pretensão de favorecimento ao delinquente.</p><p>Assim, o cumprimento da pena privativa tem de ser sempre compatível com o respeito às garantias constitucionais do condenado, bem como ter como análise o desenvolvimento da personalidade e o respeito à dignidade humana, haja vista que no âmbito do sistema prisional brasileiro há evidente contraditório entre o previsto na Legislação penal e a realidade do sistema punitivo penitenciário, prevalecendo-se, além de tratamentos desumanos aos presos, a inobservância do princípio da individualização da pena, não se consolidando, por conseguinte, a função ressocializadora.</p><p>Nesse contexto, visando averiguar a aplicabilidade dos programas individualizadores nos estabelecimentos prisionais do Estado de Goiás e tendo em vista o complexo cenário do sistema prisional do estado, fora criada a Portaria Conjunta CN/DMF Nº 01, de 25/04/2023, através da qual realizou-se a correição extraordinária às unidades judiciais e presídios de Goiás.</p><p>O estado de Goiás possui 88 (oitenta e oito) estabelecimentos prisionais ativos no Cadastro Nacional de Fiscalizações de Estabelecimentos Penitenciários (CNIEP), conforme Relatório de Fiscalização de Unidades Penitenciárias do Estado de Goiás elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) . Destes, 19 (dezenove) foram selecionados para inspeção, tendo em conta os critérios de diversidade de tipos de instalações prisionais, tais como: visitas sociais, acesso a advogados, acesso a organizações religiosas e da sociedade civil e viabilidade logística.</p><p>O Conselho Nacional de Justiça, em análise dos dados do sistema prisional do Estado de Goiás e com base em fiscalizações in loco, apontou que a maioria dos estabelecimentos prisionais vistoriados estavam com lotação excessiva, como é o caso do Centro de Detenção Especial que acomoda 3 (três) detentos em celas projetadas para 1 (uma) pessoa.</p><p>Consoante se verifica do Relatório de Inspeções, a superlotação e a estrutura instável das celas são agravadas pela falta de atividades esportivas ou recreativas para os privados de liberdade, que passam aproximadamente 22 (vinte e duas) horas em suas celas e que dispõem apenas de 2 ( duas) horas por dia.) horas de banho de sol. Não há, portanto, classificação e individualização da pena, realizado em conformidade com os parâmetros estabelecidos pela Lei de Execução Penal.</p><p>A partir do Relatório de Inspeções, denotou-se que os presos cumprem, na maioria dos estabelecimentos prisionais, quase que a totalidade de suas penas em regime fechado, situação esta que ignora e desconsidera o sistema trifásico estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. Esta situação é evidenciada por diversos fatores, notadamente: (a) atrasos no processamento dos pedidos de progressão, (b) falta de defesa técnica, (c) requisitos de rotina para exames criminológicos que na grande maioria dos casos são prejudiciais ao progresso, (d) existência de processos administrativos de longa data ou constatações de “má conduta prisional” sem período de reabilitação, investigação ou verificação formal, etc.</p><p>Cumpre destacar, ainda, que a maioria dos relatórios confeccionados durante a inspeção nos presídios realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, dizia respeito a falhas na realização de exames criminológicos para progressão de penas, indicando um número alarmante de atrasos e/ou pareceres negativos sobre a progressão. Nesse contexto, as exigências rotineiras dos exames criminológicos têm dificultado em grande medida o progresso e são consideradas uma das razões para o quase cumprimento da totalidade da pena em regime completamente fechado.</p><p>Deve-se ressaltar que o sistema prisional goiano oferece pouquíssimos empregos, educação e atividades esportivas e de lazer para pessoas que se encontram encarceradas, de modo que muitas vezes as penas para essas atividades não são remidas. Além disso, os critérios de seleção para trabalho ou estudo são opacos. No que diz respeito aos empregos, dizem que nem todos estão sendo pagos. Esta situação evidencia também a quase inexistência de equipas profissionais e técnicas para gerir e realizar atividades educativas, profissionais, desportivas e socioculturais.</p><p>Ademais, foi relatada a existência</p><p>de uma “política da bandeira branca”, pela qual pessoas de diferentes facções são destinadas e acomodadas nos estabelecimentos prisionais em uma mesma cela, sinalizando a intenção de evitar violência, privilegiando a paz, diálogo e a resolução pacífica dos conflitos.</p><p>A quase totalidade das instalações prisionais inspecionadas estavam superlotadas, com taxas de ocupação superiores a 100% das vagas anunciadas pela administração penitenciária no momento da inspeção. Em particular, em 10 (dez) prisões masculinas, a taxa de ocupação ultrapassou a linha limite para controlo da sobrelotação (ou seja, 137,5%); e em 3 (três) femininas ou mistas, ultrapassou o limite da Comissão Nacional de Política Penal e Prisional (limite de 100%), especificado na Resolução CNPCP nº 05/2016.</p><p>Fonte: Conselho Nacional de Justiça – Relatório de Inspeções Estabelecimentos prisionais do Estado de Goiás (pp. 49/50).</p><p>As situações de superlotação afetam diretamente o respeito pela dignidade das pessoas privadas de liberdade e resultam da incapacidade de garantir regras básicas, nomeadamente as relativas à assistência integral à saúde, à assistência material, educativa e laboral, ao incumprimento do princípio da individualização da punição e o direito à defesa e ao devido processo legal.</p><p>Destarte, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, a individualização se apresentou como uma fragilidade na execução penal do Estado de Goiás, posto que não há padronização na recepção dos condenados à pena privativa de liberdade nos estabelecimentos prisionais e que não há separação entre aqueles que foram temporariamente privados da sua liberdade e aqueles que foram finalmente condenados.</p><p>Uma observação notável pode ser feita em relação à falta de separação entre idosos e/ou portadores de deficiência, fazendo com que muitos residam em celas inacessíveis. Embora indivíduos com transtornos mentais ou deficiências psicossociais sejam separados, é importante destacar que alguns estabelecimentos elas estavam alojadas em celas gerais, como a Unidade Prisional Regional de Caldas Novas, a Unidade Prisional Regional de Planaltina de Goiás e a Unidade Prisional Regional de Anápolis.</p><p>A partir das inspeções realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça, ficou evidente numerosos casos de negligência das necessidades específicas dos indivíduos encarcerados, corroborando o ideal de que a execução penal no Estado de Goiás não observa às necessidades individuais de cada preso.</p><p>Em assim sendo, o que se observa no âmbito do sistema prisional brasileiro é um nítido contraditório entre o previsto na legislação penal brasileira e a realidade do sistema punitivo penitenciário, vez que prevalecem tratamentos desumanos aos presos, não se consolidando o princípio da individualização da pena (RIBEIRO; OLIVEIRA, 2015).</p><p>A situação caótica do atual sistema prisional não é algo recente, vez que Foucault já conjecturava a falência da pena privativa de liberdade cumprida em regime fechado, uma vez que o cárcere não cumpre as funções para as quais fora criado, isto é, se a finalidade era humanizar o cumprimento da pena, sua meta não foi atingida (GRECO, 2015).</p><p>O cenário carcerário brasileiro é marcado por precárias condições de higiene, celas superlotadas, com pouca e às vezes nenhuma ventilação, abrigando em geral um número muito superior a capacidade real e efetiva. Essa realidade favorece agravamento da má qualidade do sistema prisional, inviabilizado a aplicação prática da Lei de Execuções Penais e, por conseguinte, a inobservância do princípio da individualização da pena (RIBEIRO; OLIVEIRA, 2015).</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>A execução penal, conforme demonstrado, pressupõe a necessidade de promover a reinserção e reeducação dos condenados. Nesse aspecto, o princípio da individualização da pena garante aos indivíduos no momento de uma condenação que a sua pena seja individualizada e executada levando-se em consideração o histórico pessoal de cada sentenciado, atentando-se às peculiaridades aplicadas para cada caso em concreto.</p><p>Ao individualizar a pena, deve se ter a preocupação de que a sansão deverá, principalmente, servir como caráter pedagógico, objetivando não retirar do condenado as condições seguras para efetiva ressocialização, haja vista a premissa de que a função dos estabelecimentos prisionais seria a de recuperar o detento, mantendo-o encarcerado até que esteja preparado para retornar ao convívio em sociedade.</p><p>Desse modo, a função precípua da pena se torna distorcida com a realidade do sistema carcerário atual, ao passo que, enquanto deveria reeducar e ensinar o cidadão a se reinserir na sociedade, mal consegue manter o básico necessário a higiene dos presos.</p><p>Em que pese, a previsão em diversos diplomas legais que auxiliam no processo individualizador da pena, objetivando a ressocialização do apenado, esse ideal está longe de ser atingido, uma vez que o cumprimento da sanção se dá de forma desumana e generalizada, pois sem a correta classificação dos apenados, o processo de reincidência é potencializado.</p><p>As normas oriundas da Lei de Execução Penal são frontalmente atingidas, já que traz as regras de organização dos estabelecimentos prisionais segundo critérios pessoais de cada condenado e mecanismos para a concretização da individualização e da ressocialização do sentenciado.</p><p>Diante do exposto, a elaboração de programas e estratégias irão auxiliam de forma preventiva, sempre visando a individualização e a recuperação dos condenados, garantindo que as assistências previstas no artigo 11 da Lei de Execução Penal (assistência material, saúde, jurídica, educacional, social e religiosa), deverão ser prontamente observadas, posto que o descumprimento dessas garantias torna ainda mais opressiva o cumprimento da pena.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AMORIM, Kelly Cristine de. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA EXECUÇÃO PENAL. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, [S. l.], v. 9, n. 7, p. 894–909, 2023. DOI: 10.51891/rease.v9i7.10639. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/10639. Acesso em: 17 out. 2023.</p><p>ARAÚJO, Vicente Leal de. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. In: BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Doutrina : edição comemorativa, 30 anos. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2019. p. 227-260. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Dout30anos/article/view/3790/3909. Acesso em: 16 out. 2023.</p><p>BRITO, Alexis Couto de. EXECUÇÃO PENAL. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.</p><p>BONATO, Adriano Matos. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NO ÂMBITO DA LEI 8.072/90. Orientador: Leonardo Musumecci Filho. 2005. 77 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2005. Disponível em: https://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/amb.pdf. Acesso em: 15 out. 2023.</p><p>BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.</p><p>CASTRO, Ana Cristina de; SÁ, Mara Franco de. Remição de pena por leitura: perspectivas e desafios para a ressocialização nas unidades prisionais do Distrito Federal. Revista Projeção, Direito e Sociedade, v 9, n°1, ano 2018. Disponível em: https://revista.projecao.br/index.php/Projecao2/article/view/1041. Acesso em: 15 fev. 2024.</p><p>CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RELATÓRIO DE INSPEÇÕES: ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS DO ESTADO DE GOIÁS. Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas. Corregedoria Nacional de Justiça. Goiânia-GO: 2023.</p><p>CONSERVA, Mario César da Silva. A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: CONTROVÉRSIAS ACERCA DA NATUREZA INALTERÁVEL DO MÍNIMO LEGAL DAS SANÇÕES DIANTE DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. Caderno de Graduação - Ciências Humanas e Sociais - UNIT - SERGIPE, [S. l.], v. 4, n. 3, p. 63, 2018. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/cadernohumanas/article/view/4709. Acesso em: 17 out. 2023.</p><p>GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal.</p><p>– 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.</p><p>FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.</p><p>FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2014.</p><p>LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. – 8. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.</p><p>LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Execução Penal. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022.</p><p>MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 20. ed. rev. atual. e amp. [S. l.]: SaraivaJur, 2023.</p><p>MOREIRA, Paloma Costa. A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA EXECUÇÃO PENAL. 2015. Monografia (Curso de Especialização em Direito Penal e Política Criminal) - Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [S. l.], 2015. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/143619. Acesso em: 24 nov. 2023.</p><p>NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de execução penal. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.</p><p>PERISSÉ, Carlos Alberto Silva. A crise da execução penal e o sistema penitenciário brasileiro. 2018. 61 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) - Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.</p><p>PINATTO, Bruna Fernandes. A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NA EXECUÇÃO PENAL. Orientador: Marcus Vinícius Feltrim Aquotti. 2008. 91 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Faculdade de Direito de Presidente Prudente, Presidente Prudente/SP, 2008. Disponível em: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/Direito/article/viewFile/809/786. Acesso em: 11 out. 2023.</p><p>Regras de Mandela: Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/ a9426e51735a4d0d8501f06a4ba8b4de.pdf. Acesso em 14 Abr. 2024.</p><p>RIBEIRO, N. F. A prisão na perspectiva de Michel Foucault. In: LOURENÇO, A. S., and ONOFRE, E. M. C., eds. O espaço da prisão e suas práticas educativas: enfoques e perspectivas contemporâneas [online]. São Carlos: EdUFSCar, 2011, pp. 35-47. ISBN: 978-85-7600- 296-3. https://doi.org/10.7476/9788576002963.0003.</p><p>RIBEIRO, Rubens Carlos; OLIVEIRA, César Gratão De. AS MAZELAS DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: THE SUFFERINGS OF THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM. Revista Juridica, Anápolis/GO, ano 2015, v. 1, n. 24, 6 ago. 2015. Jan-Jun, Disponível em: https://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/revistajuridica/article/view/1264. Acesso em: 30 abr. 2024.</p><p>SALES, Filipe David de Oliveira. SISTEMA PRISIONAL EM CRISE: A SEPARAÇÃO DOS INDIVÍDUOS E SUA RESSOCIALIZAÇÃO. Orientador: Marupiraja Ramos Ribas. Pesquisa monográfica (Bacharelado em Direito) - Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita), Caruaru, 2020. Disponível em: http://200-98-146-54.clouduol.com.br/bitstream/123456789/2696/1/Filipe%20TCC%20final-convertido%20%281%29.pdf. Acesso em: 16 abr. 2024.</p><p>SILVA, Andressa Pereira Martins da; REIS, Gabriel de Castro Borges. EXECUÇÃO PENAL: A APLICAÇÃO DA LEI E O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. Repositório Instituicional AEE, [s. l.], 10 dez. 2021. DOI http://repositorio.aee.edu.br/handle/aee/21027. Disponível em: Repositório Instituicional AEE. Acesso em: 17 out. 2023.</p><p>SILVA, W. F. da. A ILUSÃO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: UM ESTUDO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO E A JUSTIÇA RESTAURATIVA. Revista Transgressões, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 293–311, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/transgressoes/article/view/7207. Acesso em: 17 out. 2023.</p><p>SILVA, Winicius Faray da. O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA SOB UMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL E PENAL. Jurídico Certo, [s. l.], 27 set. 2016. Disponível em: https://juridicocerto.com/p/winicius-faray-da-s/artigos/o-principio-da-individualizacao-da-pena-sob-uma-perspectiva-constitucional-e-penal-2803. Acesso em: 25 nov. 2023.</p><p>SOUZA, Isabella Mesquita Barbosa de. O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA EXECUÇÃO PENAL. Orientador: George Lopes Leite. 2011. 59 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, Brasília, 2011. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/123456789/467. Acesso em: 13 out. 2023.</p><p>TRIGUEIRO, Rodrigo de Menezes; RICIERI, Marilucia; FREGONEZE, Gisleine Bartolomei; BOTELHO, Joacy M. Metodologia científica. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014. E-book.</p><p>ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.</p><p>image1.jpeg</p><p>image2.jpeg</p>