Prévia do material em texto
<p>A peste negra e o impacto que ela causou na sociedade medieval</p><p>Antes de entendermos o que foi a peste negra, suas causas e consequências, veremos como era a Europa antes deste acontecimento desastroso e, com isso, conseguirmos compará-la com a Europa pós peste, e desta forma chegarmos a algumas conclusões.</p><p>A Europa medieval vinha num crescimento populacional constante, sendo que no século XIII menos de 20% dessa população morava nos centros urbanos. Vários fatores indicavam este crescimento populacional. Um dos indícios dessa expansão no número de pessoas é o movimento de arroteamentos, movimento este que fazia recuar terrenos baldios, florestas, etc., mostrando uma necessidade maior de espaço para plantio. Outro indício é o crescimento da população nas cidades, enquanto que por volta do ano 1000 d.C., não se tivesse nenhuma cidade com mais de 10.000 pessoas, em meados do século XIII já existiam 55 cidades com o número superior a esse (JÚNIOR, 2006)</p><p>Além desse aspecto demográfico mostrado por Junior, Le Goff, diz sobre os "êxitos da Europa do século XIII", que segundo ele, aparecem em quatro campos:</p><p>O primeiro é o do crescimento urbano. Se durante a Alta Idade Média vimos realizar-se uma Europa rural, no século XIII se impõe uma Europa urbana. A Europa incarnar-se-á essencialmente nas cidades. É aí que acontecerão as principais misturas de população, que se afirmarão novas instituições, que aparecerão novos centros econômicos e intelectuais. O segundo êxito é o da renovação do comércio e da promoção dos mercadores, com todos os problemas levantados pela difusão do uso do dinheiro na economia e na sociedade. O terceiro êxito é o do saber. Atinge um número crescente de cristãos pela criação de escolas urbanas, o que corresponde ao que chamaríamos de ensino primário e secundário. A importância dessa atividade escolar varia segundo as regiões e as cidades, mas atinge, frequentemente, 60% das crianças das cidades ou até mais. [...]. Mas se notará, sobretudo, para a nossa finalidade, a criação e o sucesso rápido de centros que diríamos de ensino superior, as universidades. [...]. Finalmente, o quarto acontecimento, que sustenta e alimenta os três outros. Trata-se da criação e extraordinário difusão, em cerca de trinta anos, de novos religiosos que residem na cidade e são ativos sobretudo no meio urbano, os frades das ordens mendicantes, que formam a nova sociedade e remodelam profundamente o cristianismo que ela professa (LE-GOFF, 2011)</p><p>Analisando esses autores, fica-se claro, o desenvolvimento que estava acontecendo na Europa medieval, em muitos aspectos. Porém, nenhum desses avanços era capaz de conter o que estava prestes a chegar no "velho continente". Além disso, muitos desses fatores cooperaram para a proliferação da peste negra que viria assolar uma parcela considerada das pessoas das cidades europeias.</p><p>A peste negra, antes de seu momento crítico nos anos de 1347-1350, já havia aparecido no ocidente e no oriente no século VI, no tempo de Justiniano. "Depois ela desapareceu do Ocidente". Mas no oriente foi diferente, pois a peste "ficou em seu estado endêmico na Ásia Central e, provavelmente, no chifre oriental da África", e depois "reanimou-se e voltou a agredir a Europa em 1347", quando voltou com força máxima pra cima da população europeia. (LE-GOFF, 2011)</p><p>Na Asia, a peste começou a surgir na sua forma epidêmica por volta do século XIII na Mongólia, quando este lugar era governado pelo terrível imperador Genghis Khan, que em pouco tempo, conquistou um território maior do que a Roma antiga. Durante uma batalha para conquistar a cidade de Caffa, cidade portuária de grande importância para o comércio ocidental, o exército dos mongóis estando perdendo muitos soldados por causa da peste e, também, quase perdendo a batalha, decidiram catapultar corpos contaminados pela doença, para dentro das muralhas de Caffa.(SILVA; OBARA; ÁVILA, 2013)</p><p>A peste negra é como ficou conhecido um surto de peste bulbônica que é causada por uma bactéria chamada Yersinia pestis. Esta bactéria é encontrada em pulgas que ficam alojadas em ratos. a transmissão da doença acontece quando hà o contato com o ser humano. A doença pode ser transmitida de duas formas: de humano para humano, pelas secreções ou pela via respiratória. (SILVA, 2012)</p><p>"A peste negra foi um surto de peste bubônica que atingiu a Europa ao longo do século XIV, resultando na morte de, pelo menos, 1/3 da população."</p><p>(Fonte: Brasil Escola)</p><p>Além disso, a peste negra se mostrava de duas formas na população. A bubônica, tinha uma letalidade de 60% a 80%, e era chamada assim pelos bubões, uns inchaços, “que apareciam principalmente na viria e nas axilas” das pessoas infectadas. E também da forma pneumônica, que tinha uma letalidade de 100%, e fazia vir a óbito os infectados em dois ou três dias. Esta era transmitida de homem a homem (JUNIOR, 2006).</p><p>Entre os anos de 1313 e 1375, viveu Giovanni Bocaccio, autor do livro Decamerão, que foi inspirado pelo momento de peste no qual o autor viveu. Eis alguns trechos: “A peste, atirada sobre os homens por justa cólera divina e para nossa exemplificação, tivera início nas regiões orientais. Incansável, fora de um lugar para outro, e estendera-se de forma miserável para o Ocidente. [...] Nenhuma prevenção foi válida, nem valeu a pena qualquer providência dos homens”.</p><p>Assim o autor descreve os sintomas:</p><p>Apareciam, no começo, tanto em homens como nas mulheres, ou na virilha ou nas axilas, algumas inchações. Algumas destas cresciam como maçãs, outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos; chamava-as o povo de bubões. Em seguida o aspecto da doença começou a alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívidas nos enfermos. Tais manchas estavam nos braços, nas coxas e em outros lugares do corpo. Em algumas pessoas as manchas apareciam grandes e esparsas; em outras eram pequenas e abundantes. E, do mesmo modo como, a princípio, o bubão fora e ainda era indício inevitável de morte, também as manchas passaram a ser mortais (BOCCACCIO, 2013)</p><p>Também nos diz um pouco de como ficou na cidade de Florença, na Itália, onde residia:</p><p>Entre tantas aflições e tanta miséria de nossa cidade, a autoridade das leis, quer divinas quer humanas desmoronara e dissolvera-se. Ministros e executores das leis, tanto quanto outros homens, todos estavam mortos, ou doentes, ou haviam perdido os seus familiares e assim não podiam exercer nenhuma função. Em consequência de tal situação permitia-se a todos fazer aquilo que melhor lhes aprouvesse (BOCCACCIO, 2013)</p><p>Guy de Chauliac, um famoso médico que morava em Avignon, na França, servia ao Rei da França e também ao papa Clemente VI, foi infectado e sobreviveu, com isso deixou alguns relatos:</p><p>A grande mortandade teve início em Avignon em janeiro de 1348. A epidemia se apresentou de duas maneiras. Nos primeiros dois meses manifestava-se com febre e expectoração sanguinolenta e os doentes morriam em três dias; decorrido esse tempo manifestou-se com febre contínua e inchação nas axilas e nas virilhas e os doentes morriam em cinco dias. Era tão contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa a outra; o pai não ia ver seu filho nem o filho a seu pai; a caridade desaparecera por completo.</p><p>Na cidade ocidental de Caffa, se localizava uma colônia genovesa e com a proliferação da doença nos seus habitantes ficou mais fácil o contágio com o restante da população europeia, porque vários mercadores genoveses, que em seus barcos levaram a peste para outros portos europeus e em 1348 a doença espalhou-se praticamente por toda a Europa (LE-GOFF, 2011).</p><p>Estes genoveses levaram a peste para cidades importantes da Europa, como Constantinopla, Messina, Gênova e Marselha e destes pontos, de grande movimentação para o restante da Europa. Do Sul para o norte, a maioria das vezes do litoral para o interior do continente. A peste não escolhia quem iria atingir, "Ao contrário do que os historiadores sem conhecimento médico sempre afirmaram, a má nutrição não era condição</p><p>grave." Não importava a condição financeira da pessoa. Claro que grupos específicos eram mais atingidos por razões profissionais, como os médicos, coveiros e padres (JUNIOR, 2006).</p><p>Pela razão de a peste ter chegado pelos barcos genoveses, logo os primeiros lugares afetados foram os litorais. Rezende, descreve:</p><p>Em 1347 a epidemia alcançou a Crimeia, o arquipélago grego e a Sicília. Em 1348 embarcações genovesas procedentes da Crimeia aportaram em Marselha, no sul da França, ali disseminando a doença. Em um ano, a maior parte da população de Marselha foi dizimada pela peste (REZENDE, 2009).</p><p>E, depois de algum tempo, começou sua ida para o centro do continente:</p><p>Em 1349 a peste chegou ao centro e ao norte da Itália e dali se estendeu por toda a Europa. Em sua caminhada devastadora, semeou a desolação e a morte nos campos e nas cidades. Povoados inteiros se transformaram em cemitérios. Calcula-se que a Europa tenha perdido pelo menos um terço de sua população (REZENDE, 2009).</p><p>E, continua o autor:</p><p>As consequências sociais, demográficas, econômicas, culturais e religiosas dessa grande calamidade que se abateu sobre os povos da Ásia e da Europa, foram imensas. As cidades e os campos ficaram despovoados; famílias inteiras se extinguiram; casas e propriedades rurais ficaram vazias e abandonadas, sem herdeiros legais; a produção agrícola e industrial reduziu-se enormemente; houve escassez de alimentos e de bens de consumo; a nobreza se empobreceu; reduziram-se os efetivos militares e houve ascensão da burguesia que explorava o comércio. O poder da Igreja se enfraqueceu com a redução numérica do clero e houve sensíveis mudanças nos costumes e no comportamento das pessoas (REZENDE, 2009).</p><p>Entre os anos de 1347 e 1350 é que a peste teve seu maior furor. Porém, durante todo o século XIV se teve surtos da doença, que até o ano de 1720, quando em Marselha na França, foi registrado o último surto. Com isso tudo acontecendo e a atuação da doença, ao longo do século XVI a população europeia teve uma redução muito expressiva (SILVA, 2012).</p><p>Segundo o historiador Le-Goff “A mortalidade varia segundo as regiões. É provável que em nenhuma região tenha sido inferior a um terço da população, e a avaliação mais verossímil vai da metade a dois terços da população da cristandade. A queda demográfica foi de 70% para a Inglaterra, que passou de cerca de 7 milhões para 2 milhões de habitantes em 1400”</p><p>Continua ele, “Os efeitos catastróficos da peste foram aumentados” pois a epidemia voltava de tempos em tempos mais ou menos forte. E assim perdurou ao longo dos séculos XIV e XV.</p><p>A população europeia viu seu estilo de vida mudar totalmente pós peste. Muita gente morreu. A mentalidade do povo se alterou. As cidades europeias diminuíram de tamanho de forma drástica. O povo teve que se reinventar.</p><p>Porém, mesmo com todos esses acontecimentos catastróficos, algumas coisas conseguiram sair mais forte do que antes. Um exemplo é a medicina. Que evoluiu com o passar do tempo e das dificuldades que aquele momento os impunha.</p><p>"LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2011"</p><p>"JÚNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006"</p><p>"BOCCACCIO, Giovanni. Decameron. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2013."</p><p>"QUÍRICO, Tamara. Peste Negra e escatologia: os efeitos da expectativa da morte sobre a religiosidade do século XIV"</p><p>CASTIGLIONI, A. História da Medicina. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1947</p><p>"REZENDE, Joffre Marcondes de. As grandes epidemias da história." Disponível em: https://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-08.pdf. Acesso em 08 de dezembro de 2012.</p><p>SILVA, Daniel Neves. "Peste negra"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/pandemia-de-peste-negra-seculo-xiv.htm. Acesso em 12 de setembro de 2022.</p><p>MENDES, Elaine. “Peste Negra”; EDUCA+BRASIL. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/historia/peste-negra. Acesso em 12 de setembro de 2022.</p><p>image2.jpg</p>