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<p>Os Métodos da Geografia Pierre George</p><p>PIERRE GEORGE OS MÉTODOS DA GEOGRAFIA Tradução de HELOYSA DE LIMA DANTAS DIFEL Rio de Janeiro São Paulo</p><p>Título do original: Les méthodes de la géographie Copyright by Presses Universitaires de France, Paris 1978 Direitos exclusivos para a língua portuguesa: EDITORIAL S.A. Avenida Passos, 122 - 11.° andar - CEP 20000 Fones: 223-2365, 243-1802 e 243-9317 Rio de Janeiro Rua Marquês de Itu, 79 CEP 01223 Fones: 221-7725, 221-8599 e 222-0992 - São Paulo</p><p>INDICE INTRODUÇÃO - A geografia, ciência dotada de múltiplas vias de acesso 7 I - Uma ciência de síntese na confluência dos métodos de diversas ciências, 7. II A geografia é o estudo de um espaço contínuo, 12. III - Uma ciência voltada para a ação e guiada pela conjuntura, 14. PRIMEIRA PARTE FONTES E DOCUMENTOS CAPÍTULO I - A natureza dos documentos 19 CAPÍTULO II - A coleta dos documentos e sua interpretação geográfica 47 I - A coleta, 47. II - Apresentação e interpretação geográfica dos documentos, 54. SEGUNDA PARTE os CAMPOS E os PROBLEMAS DA PESQUISA GEOGRÁFICA CAPÍTULO I - A pesquisa em geografia física 59 I - A geomorfologia, 60. II - A pesquisa geográfica em climatologia, 66. III - As pesquisas de hidrologia, 70. IV - A biogeografia, 73. 5</p><p>CAPÍTULO II - A pesquisa em geografia humana 76 I - Geografia da população, 76. II - A geografia agrá- ria, 80. III - A geografia industrial, 86. IV - A geo- grafia dos transportes e do comércio, 90. V - A geografia econômica, 93. VI - A geografia urbana, 96. CAPÍTULO III - Os problemas e a evolução da geografia re- gional 102 CONCLUSÃO - Geografia ativa, geografia aplicada? 114 BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA 117 6</p><p>INTRODUÇÃO A GEOGRAFIA, CIÊNCIA DOTADA DE MÚLTIPLAS VIAS DE ACESSO No limiar de um estudo epistemológico referente à geografia podem ser enunciadas três características funda- mentais. Apresenta-se ela como um ciência que mobiliza o conhecimento dos métodos e dos resultados de um bom número de ciências associadas; pretende ser uma modali- dade de expressão de valores que se aplicam de maneira contínua ao conjunto do espaço terrestre; a variabilidade de suas orientações faz com que ela surja como uma ciência extremamente sensível à conjuntura, correspondendo a uma necessidade de conhecimento globais, inerente a preocupa- ções de ordem utilitárias e circunstanciais. Paradoxal- mente, este aspecto subjetivo e conjuntural é que constitui a melhor garantia para a preservação da unidade da geo- grafia. I - Uma ciência de sintese na encruzilbada dos métodos de diversas ciências A geografia, ciência de relações, implica um processo de pensamento específico, que parte da descrição para che- gar à explicação, em três termos principais: observação ana- 7</p><p>lítica, detecção das correlações, busca das relações de causa- lidade. Suscita duas atitudes mentais, cuja oposição não se deve exagerar a atitude estática, que leva à definição de balancetes e de tipos individualizados por determinadas formas de combinações de fatores; a atitude dinâmica, que se empenha na procura da relações de forças, de equilíbrios e de desequilíbrios para culminar com a abertura de pers- pectivas. Uma primeira originalidade da geografia deriva do estudo de relacionamentos de dados heterogêneos e diacrô- nicos, tais como as condições provenientes do meio geoló- gico cujos principais ritmos de variação atingem pelo menos a ordem da dezena ou da centena de milênios, a mobilidade cotidiana ou de estações e a arritmia de intervalos desi- guais e muitas vezes curtos dos tipos de tempo, os prazos indispensáveis aos empreendimentos humanos, avaliados em termos de "plano" ou de uma geração. Num lugar deter- minado, a realidade geográfica é constituída pela conver- gência ocasional de processos evolutivos, cada um dos quais é específico e se diferencia dos demais por sua dimensão, por seu ritmo, tanto quanto por sua natureza. Esta conver- gência é acompanhada de ações recíprocas que desviam, aceleram ou retardam de maneira mais ou menos pronun- ciada o andamento dos processos que se acham em con- flito ou em competição. De modo que, por natureza, a geografia tem de ser metodologicamente heterogênea. Alinha-se, por um lado, entre as ciências da terra ou da natureza, da mineralogia e da petrografia, da geologia até a biologia; por outro lado, situa-se entre as ciências do homem, desde a história até a sociologia, a economia, a psicologia social.. É esta a razão pela qual ela se encontra continuamente empenhada na busca de sua unidade. Esta unidade não pode ser metodológica: a pesquisa geográfica recorre sucessiva ou simultaneamente aos méto- 8</p><p>dos de cada uma das ciências de que se vale para chegar ao conhecimento analítico dos dados incluídos nas combi- nações que constituem o objeto de seus estudos fragmen- tários ou globais. Poderá ser buscada na maneira de dirigir o estudo das relações: torna-se então uma filosofia da natu- reza, e do meio ocupado pelo homem suces- sivamente dogmática (o determinismo natural, o racismo) ou dialética (descrição e medida das relações de forças que dão ensejo a um jogo constante de contradições de que decorrem o sinal e o sentido dos processos evolutivos). Seu caráter pode mudar, dependendo de ser ela considerada como um processo descendente ou, em outras palavras, como uma culminância das relações naturais numa paisagem natural, que define uma ecologia do homem, ou então como um processo*ascendente e conquistador, a partir da ação humana, cujo ponto de partida é o estabelecimento humano e o campo de aplicação, seu meio circundante no sentido mais apropriado a cada caso, desde a célula local até o conjunto planetário. problema essencial reside na coleta de dados e na determinação das formas e das intensidades das relações entre os dados. A coleta de dados atrai o geógrafo para o campo e para os quadros metodológicos das ciências de análise que dizem respeito ao meio natural e aos fatos humanos. Vê-se ela compelida a assumir as funções do geólogo, do petrógrafo, do pedólogo, do botânico, do clima- tólogo, do hidrólogo, assim como as do demógrafo, do etnólogo, do sociólogo, do agrônomo, do economista, do urbanista e isto, toda vez que aborda o todo geográ- fico. Se não for simultaneamente um historiador, ficará privado totalmente de retrospecção no domínio dos fatos humanos. Mesmo que não haja uma substituição propria- mente dita de função e será de muito bom aviso que essa substituição não ocorra existe, não obstante, a neces- sidade de uma iniciação ao vocabulário e aos métodos das 9</p><p>ciências de análise, a fim de garantir o diálogo, a colabo- ração, a boa interpretação e a verificação dos resultados fornecidos pelos especialistas, os quais por sua vez, também se sentirão incitados à pesquisa em alguns campos sobre os quais incide a curiosidade dos geógragos. Diante da impos- de um enciclopedismo, inatingível devido ao desenvolvimento de cada um dos ramos da pesquisa, paira sobre a geografia a ameaça de um fracionamento. Na verdade, a especialização se tornou inevitável: o problema principal consiste em fazer com que esta especialização se harmonize com uma unidade de pensamento. Hoje em dia, é totalmente inútil obstinar-se em esperar que o mesmo indivíduo produza obras-primas simultaneamente em geo- morfologia, em economia e em urbanismo; é indispensável, entretanto, que, tendo optado por este ou por aquele dentre esses vários setores, os pesquisadores geógrafos não se des- cuidem de agir como geógrafos, permanecendo continua- mente integrados numa equipe e num mesmo modo de pensar, de forma que seja sempre possível passar de um campo para outro, sem que isto lhes acarrete a obri- gação de se manterem cientes de tudo que ocorre ao nível da pesquisa fundamental. Esta compenetração do geógrafo advém de uma formação: esta sim, deverá ser enciclopédica; calcada numa atividade de relação que é o produto das associações, dos colóquios, das revistas de geografia; em resumo, esta compenetração tem como fundamento uma doutrina da geografia como ciência humana, pois seria impossível justificar a unidade dessas pesquisas díspares quanto ao objeto e aos métodos se as mesmas não se con- gregassem ao redor da ação humana. Uma segunda série de problemas é suscitada ao nível da elaboração dos múltiplos dados indispensáveis aos cômputos globais. volume dos documentos que devem ser utilizados e colocados em ação exige métodos de explo- ração rápida e sintética. 10</p><p>Até o momento presente, as visões de conjunto - particularmente no capítulo da geografia regional - ou as tentativas de coordenação parcial ao nível da geografia física, da geografia agrária, da geografia dos transportes ou da geografia urbana, para nos atermos a alguns exemplos, têm sido elaboradas a partir de pacientes trabalhos de cor- relação, passando pelo estabelecimento de demonstrativos, de cálculos de cocientes, de mapas de síntese. Derivam de um agudo senso das medidas e do indiscutível valor dos dados de ordens diferentes ou de fontes diversas. Os cálculos a que aí se procede sob forma de cálculos simples, de médias, de cocientes ou de índices - são sem- pre ponderados pela apreciação das margens de imprecisão específica, pela consideração de dados não "quantificáveis" e pela consciência da existência de lacunas no conhecimento. A geografia encontra-se atualmente diante de instru- mentos de exploração de dados que oferecem um interesse muito especial, justamente pelo fato de oferecerem a possi- bilidade de tratar simultaneamente de um número muito grande de dados, sejam quais forem sua natureza e sua ordem de grandeza. Manifesta-se, com muita intensidade, a propensão a procurar, através da exploração mecanográ- fica e matemática dos dados, uma nova base de sistemática calcada em modelos. A experiência é perfeitamente válida, desde que se tenha sempre presente a insuficiência e a desi- gualdade qualitativa dos dados numéricos e, conseqüente- mente, o caráter apenas indicativo dos modelos que devem constituir tão-somente uma base operacional e nunca uma imagem representativa da realidade. Entretanto, para que possa ser tentada, essa experiência pressupõe que tenha sido incorporado à formação do geógrafo um novo setor de iniciação: o da preparação dos cálculos. Trata-se certa- mente de uma determinada atitude matemática implicando uma experiência do raciocínio e da formulação e, antes de tudo, uma certa disposição mental. Seria tão arriscado 11</p><p>quanto inútil, invocar este argumento para exigir que o geógrafo se transforme num matemático ou mesmo que receba uma formação matemática de ordem geral, indiscri- minada e em grande parte inteiramente alheia a suas neces- sidades científicas. Já é suficiente o que tem de aprender em outros setores para garantir o caráter essencial de sua formação, a qual terá de ser humanista. II A geografia é o estudo de um espaço continuo A segunda operação mental do geógrafo é a projeção dos conhecimentos adquiridos sobre as relações entre dados e as relações entre forças, sobre um espaço finito e contínuo. A geografia pretende alcançar uma exaustividade espacial de seu objeto, na medida em que o mapa representa seu meio de expressão específico. Esta exaustividade é que a distingue de outras ciências humanas que também definem relações, situações, que são equilíbrios ou desiquilíbrios de forças, tais como as ciências econômicas e sociais ou a demografia. A cartografia, para os geógrafos, constitui a um tempo uma linguagem, uma modalidade de abertura frente às outras ciências e uma disciplina. Esta dupla constatação tem sido expressa de maneira errônea: ao geógrafo se tem atribuído a responsabilidade por tudo aquilo que apresenta um aspecto de distribuição espacial na superfície do globo, o que vai muito além de sua verdadeira competência e de seu interesse específico. Trata-se de uma confusão entre cartografia e geografia. A cartografia é o instrumento utilizado para a expressão dos resultados adqui- ridos pela geografia; por si mesma, entretanto, ela repre- senta uma técnica que pode ser aplicada à projeção no espaço de qualquer noção ou ação que se tenha interesse em espacializar num dado momento, não sendo impres- 12</p><p>cindível que esta noção ou ação façam parte de um sistema de relações geográficas. Contudo, dentre as especificidades da geografia, a continuidade espacial do conhecimento e de sua represen- tação permanece como uma das características mais originais e ao mesmo tempo mais coercitivas. Ao contrário das ciências cujo único objeto é o estabelecimento de uma siste- mática, e à semelhança de alguns ciências da terra (geolo- gia, pedologia), impõe-se um inventário qualificativo total das unidades de espaço a que se aplicam suas pesquisas. Seus problemas, por conseguinte, são problemas de defi- nição de "espaços homogêneos" e de "limites", que se encontram na base de toda cartografia. Ao invés de excluir uma sistemática, ou melhor, uma tipologia (como quer a terminologia moderna das ciências humanas) e portanto classificações e hierarquias de formas, de fatores, de estru- turas, a linguagem cartográfica exige, quer se trate de expri- mir dados simples ou relações, uma projeção no espaço. Distinguem-se, por conseguinte, duas grandes categorias de fatos geográficos: os que se aplicam a superfícies, cobrindo e caracterizando essas superfícies, e os que se projetam sobre as superfícies - já pré-definidas como espaços homo- gêneos ou como conjuntos de espaços homogêneos - sob forma de linhas ou de pontos: linhas de escoamento de águas, eixos e fluxos de circulação, pontos específicos, cumes cotados ou locais habitados. Uma das maiores difi- culdades da pesquisa geográfica vem da necessidade de acesso a uma densidade constante do conhecimento, condi- ção fundamental para a expressão cartográfica numa deter- minada escala de referência. Frente à opção entre uma pesquisa especializada, empreendida em profundidade, e uma pesquisa da mesma ordem mas que cubra uma porção suficiente de espaço e o conjunto dos homens ou das ativi- dades concernentes a esse espaço, capaz de assegurar a expressão de uma significação geográfica e de prestar-se a</p><p>uma representação cartográfica, o geógrafo deverá pronun- ciar-se pela segunda, deixando a "amostragem" a cargo dos especialistas. Todavia, ser-lhe-á permitido recorrer à amos- tragem quando julgar possível daí extrair sempre dentro de uma margem calculada de risco dados que poderá extrapolar e aplicar por generalização a uma superfície mais ou menos vasta. Não nos impeça isto entretanto de fazer sentir que um dos critérios de delimitação entre a área de compe- tência da geografia e a das ciências naturais ou humanas contíguas está na possibilidade da representação cartográ- fica, em cartografia contínua, de espaços homogêneos com- pletamente identificados e qualificados, assim como no ordenamento de todos os dados relativos a um inventário completo da do fenômeno em pauta, numa super- fície definida. Com ainda maior razão, afirma-se a especi- ficidade da geografia através de sua aptidão para qualificar essa superfície a partir dos diversos dados e das relações de dados que determinam sua personalidade, independente- mente das preocupações de cada uma das ciências de análise da natureza ou das formas de organização e de atividade humanas. Não será ocioso acrescentar que, embora constituam instrumentos de grande utilidade para o geógrafo, os mapas resultantes da mera projeção no espaço de uma única série de dados (sociológicos, agronômicos, geológicos) não são mapas geográficos. Só possuem caráter geográfico os que exprimem relações, o que supõe o conhecimento do espaço a partir de diversos setores de análise. III - Uma ciência voltada para a ação e orientada pela conjuntura A terceira característica é a que mais se presta a contro- vérsias. A globalidade sintética da geografia é freqüente- 14</p><p>mente confundida com uma invasão, por parte dos geó- grafos, de áreas consideradas como campo de ação parti- cular pelos especialistas de outras disciplinas. Sobretudo pelo fato de ser bastante ambígua a justificativa da fina- lidade sintética da geografia. exame de diversos sistemas de relações entre dados que são da alçada das ciências naturais e dados procedentes da ação humana sobre a super- fície do globo só adquire sentido quando feito em função da busca de uma qualificação e - no plano da dinâmica das relações em função da previsão de situações que só se podem definir em face dos problemas suscitados pela vida humana. A paleontologia ou a demografia a botânica e a economia, a biologia e a sociologia possuem objetos próprios que se definem em termos específicos. o objeto da geografia é o estudo das relações de fatos e de movi- mentos cujo conhecimento específico é da alçada de uma outra ciência. Para poder reivindicar um objeto próprio, a geografia deverá colocar no centro dessas relações a preo- cupação com a existência dos homens. Que sentido se pode- ria atribuir a um estudo sintético de paisagem natural a não ser o de definir as condições oferecidas à vida e à ação humana pelas ações recíprocas dos fatores físicos? Como estabelecer uma distinção entre geografia humana e economia a não ser projetando os efeitos dos mecanismos econômicos gerais sobre uma matriz diversificada e pesqui- sando suas sobre a distribuição, sobre as formas de existência e sobre os movimentos da população? É fácil contornar a dificuldade de fornecer uma defi- nição epistemológica precisa e correta com a simples decla- ração de que a geografia é o ponto final e culminante da história. É desta maneira que ela é geralmente apresen- tada nos programas de ensino secundário, particularmente na França, e é isto que explica a aliás judiciosa associação que se tem feito entre o ensino da geografia e o da história. De acordo com esta aproximação simplista, tudo aquilo 15</p><p>que constitui objeto de história no passado se torna objeto de geografia no presente. Na realidade, esta atitude só faz é evitar o problema sem resolvê-lo, pois redunda em fazer com que a definição de geografia decorra da defini- ção de história, a qual está bem longe de ser cômoda e unívoca. História ou histórias? Geografia ou geografias? Pois os centros de gravidade da pesquisa histórica mudam de acordo com as tendências das escolas e segundo a personalidade dos historiadores. Por sua vez, essas ten- dências e essas orientações pessoais são fruto da conjuntura. Passando a outros o encargo de tratar dos efeitos da con- juntura sobre a orientação da pesquisa histórica, temos ainda de lembrar algumas formas de relações entre a conjun- tura e a pesquisa geográfica. A este respeito, suscita a história da geografia um bom número de reflexões. A geografia reassumiu seu lugar entre as ciências na época moderna, como instrumento e como fruto das grandes descobertas: de qualquer forma, como um estímulo para a aventura. Paralelamente às finalidades sucessivas ou concomitantes da história, desempenhou a geografia o seu papel na formação das consciências durante o século XIX e no início do século XX. Surge desde o século XVIII como uma emanação da "Estatística" que, no movimento filosófico da época, constitui justamente a primeira ciência dos balanços. Nesse momento, a palavra indica muito mais um estudo descritivo das potencialidades nacionais e regionais que uma abordagem propriamente quantitativa para a qual inexistiam na ocasião os dados numéricos. Esta Estatística tinha um duplo objeto: infor- mar a administração a respeito das virtualidades de suas circunscrições e revelar aos homens de negócio as probabi- lidades de especulações proveitosas, enquanto a cartografia topográfica e corográfica constitui uma das bases da arte militar. 16</p><p>No século XIX, a obra teórica de Humboldt e de Ritter encontra uma repercussão excepcional, numa época em que iam sendo fundadas em todas as grandes capitais sociedades de geografia patrocinadas pelos governos e pela burguesia mercantil que se lançava com empenho apaixo- nado à colheita de informações susceptíveis de guiar a política de partilha do mundo e de atrair para a aventura os contingentes imprescindíveis à conquista e à exploração. Buscam os sábios conferir à geografia foros de ciência den- tro da concepção racionalista do conhecimento. dogma- tismo determinista opõe-se à dialética da natureza, Ratzel a Vidal de La Blache. A abnegação dos grandes universi- tários confere um poderoso impulso à pesquisa, de Penck a Emmanuel de Martonne e a Raoul Blanchard. Todavia, essa obra multiforme insere-se no âmbito das preocupações circunstanciais que asseguram um lugar para a geografia em todos os graus do ensino e em todas as formações de espe- cialistas. A Europa se torna consciente de si mesma e de suas contradições internas, assim como de sua superiori- dade sobre o resto do mundo. Promove em suas escolas o ensino de uma geografia nacional que, a exemplo da história nacional, tem como finalidade o incentivo da cons- ciência nacional e do patriotismo, quando não do naciona- lismo, da consciência regional que constitui um de seus elos, assim como o ensino de uma geografia universal que sustenta a superioridade da Europa e açula o interesse pelas operações coloniais e pelas aventuras exóticas. A geografia econômica (geografia dos grandes mercados e das matérias- -primas) e a geografia colonial são produtos da conjuntura dos anos que medearam entre 1880 e 1930. Atendendo a essas diferentes funções, a geografia além da geografia militar assume seu posto de ciência de primeira ordem: assume o encargo da realização dos balanços de conheci- mentos acumulados graças à penetração dos exércitos e dos 17</p><p>negociantes, dos engenheiros e dos colonizadores a fim de, por sua vez, lhes iluminar o caminho. Hoje em dia, os problemas se propõem numa outra escala: a da introspecção de cada Estado e a da atualidade do desigual desenvolvimento. As políticas de organização de territórios, de cooperação técnica e de ajuda aos países subdesenvolvidos recorrem a um novo cortejo de conheci- mentos cujo significado prático só aparece quando se pre- tende uma visão sintética e uma prospecção global. A experiência se incumbiu de ensinar que só se podia pre- tender levar a bom termo um empreendimento especia- lizado com a condição de conhecer os efeitos em cadeia e as contradições acarretadas por qualquer ação inovadora: mais uma justificativa para os inquéritos e para os balanços geográficos. Os problemas, entretanto, vão se propondo de maneira diferente, de acordo com o grau de desenvolvi- mento e segundo a importância dos conhecimentos anterior- mente adquiridos; assim, sem emprestar uma ênfase exage- rada às correlações conjunturais, pode-se afirmar que a diversidade das necessidades de conhecimentos, resultante do desenvolvimento desigual e da variedade da conjuntura, antecede sempre qualquer interpretação da diversidade das preocupações das escolas geográficas. 18</p><p>PRIMEIRA PARTE FONTES E DOCUMENTOS CAPÍTULO I A NATUREZA DOS DOCUMENTOS A natureza da geografia implica, por si mesma, a de seus documentos. Sendo heterogênea e universal em suas curiosidades, seu interesse se volta para todos os elementos de um estado de fato concernente a um espaço mais ou menos extenso, e a todos os fatores de promo- ver mutações perceptíveis no momento presente ou previ- síveis dentro do curto prazo desse estado de fato. pro- cesso mental se faz em dois tempos: o estabelecimento de um quadro dos dados em termos de situação e de evolução, e a determinação das dimensões, isto é, de tudo aquilo que pode ser medido, quer se trate de um movimento, quer se trate de um estado. o primeiro tempo é o da observação, em seu sentido mais claro; o segundo, o da avaliação quan- titativa. De acordo com a natureza dos fatores, a obser- vação deverá preponderar sobre a medida, ou vice-versa: o relevo é da alçada sobretudo da observação, embora seja possível e até mesmo imperioso que se lhe apliquem preci- numéricas tais como altitude, amplitude dos desnive- lamentos, volumetria das massas e dos espaços vazios, 19</p><p>cálculos de superfície das bacias vertentes etc. Já o estudo das precipitações, do escoamento das águas, faz com que entre em cena a medida. A ocupação do solo é objeto de observação e de descrição: paisagem rural, parcelar, forma e localização do habitat; mas requer também a elaboração de coeficientes de intensidade, de etc. Com maior razão ainda, os estudos de população, a geografia econômica, recorrem a certas medidas essenciais, associan- do-as a seus métodos de abordagem descritiva. De modo que o geógrafo se vê compelido a aplicar, numa nada etapa de sua construção da representação do mundo, algumas técnicas de medida peculiares à estatística, de cuja documentação quantitativa ele é assim tributário Mas será que o geógrafo só deve recorrer a uma meto- dologia específica, a da estatística e do cálculo, no momento em que a medida vai entrar em ação? Em outras palavras, será que os métodos quantitativos se aplicam, no caso, a um material documentário verdadeiramente geográfico ou será que a missão dos geógrafos consiste apenas em reunir, com a finalidade de compor uma imagem geográfica, uma documentação cuja essência não seja necessariamente geo- gráfica? 1. o visível e o invisível. Em qualquer procedi- mento geográfico, o primeiro passo é a observação. Toda- via, o comportamento normal da observação consiste em propor problemas que deverão ser resolvidos pela expli- cação. Parte desses problemas provém de dados que esca- pam ao alcance da observação, quer por se tratar de dados pertencentes ao passado e dos quais só se podem observar os efeitos, quer pelo fato de ser necessário levar em conta certas impulsões invisíveis e muitas vezes oriundas de cen- tros de comando exteriores ao meio imediatamente consi- derado. Contudo, o visível e o invisível possuem algo em comum: pelo menos até certo ponto, tanto um como o outro são responsáveis pela dimensão. Por outro lado, 20</p><p>existe uma margem de interferência entre o visível e o invisível quando certas situações ou estruturas ocasionam afloramentos exteriorizados, de observação embora seu conhecimento dependa, quanto ao conjunto, muito mais de investigações, de pesquisas de laboratório e de estatísticas. Na área desta margem, uma parte bastante relevante é consagrada à detecção de indícios ou de símbo- los; esses sinais permitem, por assimilação, através da apli- cação de um método comparativo, a elaboração de hipó- teses de generalização (pela extrapolação de um dado tido como significativo). fato é que, por sua própria natureza, o visível e o invisível requerem dois comportamentos mentais diferentes. o visível é atingido pela observação, o invisível apenas através de métodos apropriados a sua natureza - diferen- ciados, por conseguinte, na mesma medida em que o invi- sível é diversificado. Esta distinção surge como funda- mental num certo sentido: com efeito, a observação repre- senta o instrumento de conhecimento geográfico por exce- lência, ao passo que os meios de investigação do invisível pertencem ao repertório técnico de ciências e de pesquisas variadas. Por conseguinte, a geografia é una por seu objeto porém diversa por suas formas de conbecimento e utiliza, numa proporção cuja importância será conveniente avaliar, métodos de abordagem elaborados com outras finalidades por ciências que concorrem para sua informação global, muito embora possuam objeto próprio. Não será supérfluo lembrar que o problema é complexo devido à imprecisão dos limites entre o visível e o invisível... São raros os dados geográficos inteiramente visíveis - podendo-se mesmo considerá-los como inexistentes sob certos aspectos, já que a explicação do visível quase sempre deve ser bus- cada no invisível - a tal ponto que é lícito perguntar se existem muitos documentos geográficos ou se o que se faz não é antes uma amordagem geográfica de documentos cuja 21</p><p>especificidade escapa à geografia. Na realidade, a resposta varia, segundo se levem em conta os conjuntos ou seus constituintes. A especificidade da geografia desaparece quando se retrocede no exame do processo de o documento geográfico é o resultado final da evolução de fatores que são os documentos ou o objeto dos estudos de outras ciências. geógrafo aplica métodos por ele elabo- rados durante a observação do visível e utiliza outros seto- res de pesquisa para analisar o invisível e reassume sua própria condição de geógrafo para construir uma imagem global do espaço, feita de visível e de invisível. Para tornar mais claro o que ficou dito, basta qualificar de visível e de invisível alguns dados habitualmente consi- derados como pertencentes ao domínio da geografia. visível por excelência é a paisagem, reconhecida como objeto essencial da curiosidade e do estudo geográficos. A paisa- gem é uma resultante de legados ou de forças atuais ou do passado as quais, em si mesmas, fogem ao domínio do visí- vel: são elas tanto as longas de acontecimentos geológicos ou históricos, como os fluxos de capitais ou as redes de comando e de decisão ligadas às estruturas. Entre- tanto, a paisagem só poderá ser qualificada e classificada numa tipologia geográfica se forem levados em conta todos os elementos invisíveis que lhe conferem sentido. A obser- vação propõe problemas que só poderão ser resenhados numa imagem sintética explicativa passível de classificação em escala zonal, regional ou local, se recorrermos ao conhe- cimento do invisível. Estamos, por conseguinte, diante de dois temas: a mobilização dos documentos de natureza geográfica aces- síveis à observação, e a utilização de documentos não geo- gráficos para fins geográficos, visando à construção de ima- gens geográficas. 2. Os documentos de observação, a imagem. Trata-se, neste caso, dos documentos que fixam a imagem 22</p><p>de tudo que é acessível à observação: imagem direta, ima- gem derivada. A imagem direta é a súmula do conjunto do visível; procede de uma imagem mecânica ou de uma imagem construída. A imagem derivada confunde-se com a descrição. A imagem mecânica é a única exaustiva com relação ao que é visualmente acessível mas não introduz nenhuma hierarquia de valores. A imagem derivada, tal como a imagem construída, procede de uma escolha; é ao mesmo tempo seletiva e sistemática num certo sentido pois ela pondera os elementos e os distribui em categorias. A imagem pode ser global constituindo então um eco tão fiel quanto possível do conjunto da realidade geográfica ou setorial, derivando de uma opção voluntária entre os elementos visíveis, pela eliminação de um conjunto mais ou menos extenso de categorias para só reter uma ou várias categorias privilegiadas. exemplo mais perfeito nos é fornecido pelo plano cadastral: a imagem de um espaço determinado surge aí reduzida, limitada à figuração do parcelar e da ocupação do solo. Durante muito tempo, só pudemos dispor, de imagens construídas ou de imagens derivadas: o mapa, a descrição que acompanhava os desenhos panorâmicos e mais tarde a fotografia tomada, ao nível do solo, aproveitando as melho- res condições oferecidas por um ponto culminante qual- quer. Entre o mapa e o desenho panorâmico comentado já transparece uma diferença qualitativa - mais teórica do que real com relação ao caráter seletivo e subjetivo de certos mapas. Em princípio, com efeito, o mapa constitui uma representação "objetiva" do conjunto dos dados obser- váveis; a descrição e sua ilustração através do desenho feito pelo autor são, voluntária ou involuntariamente, subje- tivas; pretende ser interpretativo e explicativo, submetendo o objeto a uma certa concepção prévia das categorias, reco- nhecendo implicitamente certas semelhanças e, conseqüen- temente, sugerindo-as embora não as exprima explicita- 23</p><p>mente. Talvez soasse como uma heresia a afirmação de que o melhor documento geográfico era o mapa elaborado por técnicos que só se arvoravam em geógrafos pelo objeto de sua obra e não pela utilização da mesma, deixada a cargo de outros. A elaboração do mapa básico, o chamado mapa topográfico ou corográfico ou simplesmente mapa não inclui a pretensão de fornecer qualquer interpretação ou explicação. Constitui pura e simplesmente uma repre- sentação figurativa e um repertório em escala convencional de todos os elementos observáveis no terreno e grafica- mente traduzíveis no papel pela aplicação das convenções destinadas a permitir a conversão de uma plástica tridimen- sional numa imagem bidimensional. A história da cartografia daria margem até a se pensar que a elaboração dos mapas vem saindo gradativamente da alçada do geógrafo. Em seu livro, Le langage des géogra- phes, Fr. de Dainville mostra três séculos de cartografia a testemunharem o agudo senso da plástica e da realidade terrestres de que eram dotados os observadores e os meti- culosos desenhistas. Mas esta cartografia histórica era justa- mente uma de geógrafo e traduz, nas diversas etapas de sua evolução, os progressos e as variações da interpre- tação geográfica da "face da terra". A preocupação cons- tante da cartografia moderna tem sido a eliminação de toda e qualquer "pré-concepção" na análise dos fatos, conser- vando tão-somente uma preocupação interpretativa ao nível da pesquisa dos meios de figuração destinados, na verdade, a realçar o real sem o desfigurar. Assim procedendo, ela se tornou matemática, mas é mantida dentro de certos limi- tes pelas possibilidades de tratamento gráfico dos dados, e é isto que em geral se quer dizer quando se declara que ela é tanto mais precisa e mais completa quanto menor a sua escala. É uma linguagem, pois utiliza convenções de representação. Cada uma destas tem suas limitações, como todo artifício de linguagem. E, como toda linguagem, ela 24</p><p>constitui uma modalidade de expressão e, por conseguinte, de tradução da realidade em termos elaborados por pensamento sistematizador. Estamos cogitando aqui apenas dos "mapas-documentos", isto é, da cartografia de base, oferecida ao geógrafo como instrumento de conhecimento; não estamos falando dos mapas elaborados a partir desta cartografia de base para representar a difusão de certos fenô- menos e certos dados específicos, tais como os mapas marítimos, os mapas geológicos, os mapas meteorológicos e climáticos, os mapas de vegetação etc., nem estamos nos referindo aos mapas geográ- ficos elaborados por geógrafos sobre essas mesmas bases para expri- mir realidades diversas e que serão estudadas mais adiante. Distinguem-se esses mapas de base por sua escala: a precisão e a multiplicidade dos ensinamentos serão tanto maiores quanto menor for a escala; distinguem-se também pela escolha dos bolos e dos processos de representação do relevo. A respeito dos países cuja ocupação é muito rala e que só contam com levanta- mentos elementares, só podemos dispor de mapas em grande escala, os chamados mapas de reconhecimento (escalas de 1/500 ou mesmo milionésimas). Mas, em todos os países densamente ocupa- dos ou que apresentam algum interesse econômico, a cartografia de base é feita em escalas de pelo menos 1/50 000, quando não de 1/20 000 ou de 1/25 00 A representação exata do relevo é forne- cida pelo traçado das curvas de nível. Diversos processos têm sido utilizados sucessivamente para transmitir uma imagem mais figu- rativa do relevo, particularmente o do desenho em bachuras para o tradicional "mapa de estado-maior" em escala de adotado na França e para muitos mapas similares em escalas compreendidas entre 1/50 000 e 1/100 000 adotados na Europa, e mais recente- mente o processo dos cinzentos e das sombras que tem geralmente substituído o anterior, e nas mesmas escalas. A possibilidade de elaborar mapas em diversas cores, a preços acessíveis, facilitou a tarefa dos cartógrafos e a leitura dos mapas (exemplo: o mapa da França em escala de o trabalho do geógrafo a partir do mapa já repre- senta um "trabalho de segunda mão". Constitui uma expli- cação de texto a partir de uma tradução. Por este motivo, os geógrafos sempre consideraram o mapa como um instru- mento de acesso ao documento, mas para eles o documento geográfico propriamente dito é o terreno. Uma certa dia- 25</p><p>lética da leitura do mapa e da prática do terreno definiu o trabalho dos geógrafos no decorrer dos primeiros decê- nios deste século. mapa representa o documento de estudo por excelência. Antecede e conduz a pesquisa de campo. Sua leitura e sua "explicação" suscitam os pro- blemas que deverão ser elucidados pelo reconhecimento do terreno. Este permite a ponderação dos sinais cartográ- ficos e que lhes seja atribuído um conteúdo de que eram privados, por natureza. A observação do terreno confere à forma e ao sinal representados no mapa um valor geográ- fico, pelo fato de os integrarem numa tipologia e numa sistemática geográfica. Por extensão, a experiência do ter- reno e o conhecimento das relações tecnológicas entre o mesmo e as modalidades de representação cartográficas permitem que se trace uma imagem bastante próxima da realidade da boa interpretação de um bom mapa. Todavia, o mapa jamais poderia levar a prescindir do concurso do próprio conhecimento do terreno, quando mais não fosse, pelo fato de só oferecer uma imagem estática desse terreno, ao passo que, ao percorrê-lo, tem-se a possibilidade de tomar contato com os elementos de diversidade circuns- tancial (estações) e com todas as formas de movimentos. A observação geográfica do terreno só deve ser concebida como uma observação sintética, tão sintética como o mapa de que nos servimos e que procuramos tornar o mais explícito possível. Por certo, em alguns casos, a verificação de um dado em particular ou uma pesquisa sectorial podem levar a uma simples observação de algum detalhe do relevo ou de uma empresa agrícola ou industrial, ou talvez de alguma forma de implantação de habitat. Entretanto, como a explicação deve ser procurada quase sempre nas relações res- pectivas de diversos elementos do terreno, até mesmo uma "son- dagem setorial" exige considerações mais ou menos extensas. o terreno do geógrafo constitui um conjunto que ele busca apreender em percursos múltiplos, em itinerários circulares ou cruzados e pela busca de visões de conjunto que muitas vezes oferecem a explicação para as respectivas localizações e para os agrupamentos, fazendo com que surjam os sistemas fundamentais de relações. 26</p><p>Bem diversa da observação global do terreno pode ser a pesquisa especializada, particularmente em geomorfologia. Dela tra- taremos mais adiante. Hoje em dia, a observação do terreno pode ser ante- cedida e em grande parte substituída por uma leitura técnica apropriada de uma imagem mecânica. Trata-se até o momento de uma foto-interpretação e de uma leitura em visão estereoscópica de fotografias aéreas, cujas qualidades de representação podem ser moduladas por meio da dife- renciação das emulsões (filmes sensíveis ao infravermelho, sobretudo). Os processos de "retificação" atualmente utili- zados possibilitam um rigoroso ajustamento dos documentos, destinados a fornecer uma cobertura tão matematicamente exata quanto a obtida antes pela aplicação dos sistemas de projeção na execução dos mapas. A leitura estereos- cópica permite a restituição das três dimensões. Até hoje, nem sempre se emprestou o devido valor à revolução ope- rada na documentação geográfica pela introdução da foto- grafia aérea e, mais recentemente, pelas fotografias tomadas das naves espaciais. É bem verdade que a preservação do caráter de segredo militar que se vem atribuindo à cober- tura fotográfica do território de determinados países tem oposto barreiras à utilização generalizada da fotografia aérea por parte dos geógrafos. Veremos sem dúvida em futuro próximo que se há de tornar mais fácil a obtenção de documentos estabelecidos a partir dos satélites do que a dos elementos de cobertura fotográfica banal de alguns países. Seja como for, as fotografias aéreas vão se prestar daqui por diante à elaboração de mapas pormenorizados, desde as escalas de 1/20 000/25 000 até as escalas de 1/100 Aparelhos de fotointerpretação carto- gráfica têm sido usados na França, desde 1930, no Serviço Geográfico do Exército (atual Instituto Geográfico Nacio- nal). Os progressos técnicos não sofreram interrupção 27</p><p>desde então e fizeram com que os levantamentos aéreos se tornassem etapa inicial obrigatória para a cartografia. Entretanto, se os cartógrafos adaptaram seus métodos à utilização da fotografia aérea, não ficam os geógrafos só por isto desobrigados de recorrer à fotografia direta sempre que esta for praticável, pois a tradução cartográfica e a tradução geográfica possuem cada qual sua significação específica. As técnicas de leitura e de fotointerpretação devem passar a fazer parte da iniciação metodológica básica dos geógrafos. Será necessário tornar ainda mais explícito que, sejam quais forem a qualidade do documento e a experiência do leitor, jamais fica o geógrafo dispensado de voltar às fontes? Aqui se impõe, entretanto, uma distor- ção entre o documento e a contraprova. Com efeito, o que interessa não é a verificação ou a correção do documento por meio de um sobrevôo com o objetivo de corrigir ou de melhorar as condições das tomadas, sobretudo conside- rando-se que a ação conjunta da lente objetiva e da emulsão é capaz de superar com facilidade as possibilidades visuais do melhor observador nos limites de tempo de observação; o que realmente se impõe é a complementação da obser- vação aérea por operações ao nível do solo, o que permi- tirá a eliminação de dúvidas ou de ambigüidades (parti- cularmente quanto à cobertura vegetal ou a algumas micro- formas) e a tradução de determinadas imagens em termos de conteúdo representado confrontando-se escalas diferentes de apreensão dos fatos. Neste caso, a fotografia aérea é mais sintética que as observações no solo, embora tanto uma como as segundas sejam igualmente especificamente geográficas. conteúdo vivo da forma escapa, no entanto, à objetiva, sendo acessível à observação de terreno. Por convergência metodológica, o cartógrafo e o geógrafo dão-se novamente as mãos neste ponto, tal como o faziam na obra representativa dos primeiros mapas geográficos. Ambos necessitam da contraprova do terreno: um para estabelecer 28</p><p>a versão definitiva do mapa elaborado a partir das foto- grafias aéreas, e o outro para vitalizar a imagem, confe- rindo-lhe o conteúdo vivo e móvel que o transforma em imagem geográfica. A fotografia fornece a localização e a dimensão da casa, mas somente uma visita in loco permite afirmar se a mesma se encontra vazia ou ocupada, e ocupada por quem. Temos ainda de lembrar que a observação com meios mecânicos pode ser levada muito longe, pela multi- plicação dos documentos obtidos com iluminações diferentes e em diversas estações, focalizando uma mesma superfície controlada, e pelo apuro dos métodos de leitura e de inter- pretação das tonalidades: isto apresenta um interesse infi- nito para o progresso do conhecimento geográfico de ter- ritórios onde a circulação é difícil e nos quais os reconhe- cimentos minuciosos ao nível do solo iriam exigir longos anos e equipes numerosas e experimentadas (as regiões árticas e subárticas, os desertos, as grandes montanhas etc.) Em pouco tempo, os meios utilizados para descrever e representar a imagem da. terra ampliaram-se e adquiriram proporções enormes. Nestas condições, não é de admirar que a tarefa explicativa dos geógrafos se tenha visto propor- cionalmente acrescida. À sua disponibilidade encontra-se uma enorme quantidade de material bruto, a exigir múlti- plas expedições, graças aos meios de circulação modernos. Todavia, a investigação vai recuando simulta- neamente os limites do invisível sujeito a investigação, e incita à utilização de novos métodos de abordagem que recorram a técnicas variadíssimas. É quando se em cheque a competência do geógrafo e surge a necessidade de uma coordenação Imagens setoriais. Tem-se por hábito considerar como ima- gens básicas para o estudo geográfico certas imagens setoriais capa- zes de fornecer apenas uma visão fragmentária da ocupação do solo mas que proporcionam do mesmo uma representação excepcional- mente precisa, num domínio específico. Tal é o caso, antes de 29</p><p>tudo, dos planos cadastrais nos países onde eles existem os quais oferecem uma documentação exaustiva sobre a divisão do solo e sobre sua ocupação pelas grandes categorias de utilização. o mesmo acontece com os mapas de localização de população elabo- rados pelos serviços de recenseamento (nos Estados Unidos) ou a partir dos resultados do recenseamento pela aplicação do método de representação por pontos, e com os mapas de redes de vias de circulação e de transportes. Em todos esses casos, estamos diante de documentos estabelecidos independentemente de qualquer preo- cupação geográfica, com objetivos bem definidos (a delimitação e a taxação da propriedade rural no que diz respeito ao cadastro), cuja utilização por parte dos geógrafos implica uma reinserção em complexos mais vastos. 3. Os meios explicativos. As análises de estrutura. A despeito da etimologia da palavra geografia, não poderia esta reduzir-se a uma descrição. Na verdade, a maneira de descrever já não pressupõe uma tomada de posição com relação à explicação? Todavia, a busca da explicação implica o acesso a um conjunto de técnicas e de conhecimentos que fogem em grande parte às possibilidades e à oportunidade de assimilação por parte do geógrafo. Em outras palavras, trata-se de lançar mão de documentos cuja mobilização é da alçada de outras disciplinas e corres- ponde a outros objetivos. No fundo, trata-se de um pro- blema de distorção qualitativa entre o documento de "ori- gem adventícia" e o uso que dele pretende fazer o geógrafo. Semelhante distorção gera no espírito dos geógrafos o desejo de tomar parte nesta mobilização, surgindo aqui então uma das dificuldades metodológicas e uma das ambi- güidades epistemológicas da geografia. Com efeito, a explicação dos fatos de observação lança mão de duas séries de dados: os dados estruturais e os dados históricos. Será conveniente incluir entre os dados estruturais tudo que entra na composição de um estado geográfico, tudo que entra nas combinações cujo conjunto é atingido pela observação, sob forma de paisagem geográ- fica, física e humana. Pairam acima da situação geográfica, 30</p><p>no interior da qual eles tomam forma. São de natureza extremamente variada e ordenam-se em sistemas, por sua vez estruturados. exemplo que se impõe em primeiro lugar é precisa- mente o da estrutura no sentido geológico e, mais especial- mente, tectônico da palavra, que se encontra na origem de qualquer tentativa de explicação do relevo. Entretanto, a estrutura stricto sensu é atacada e modelada pelos pro- cessos de erosão, de especificidades climáticas variadas, para oferecer o complexo de formas mais ou menos imbri- cadas e mais ou menos heterogêneas, atualmente obser- vável. Intervêm nesta combinação duas de dados; pertence a primeira a uma série de fenômenos pas- sados, concernentes à área da geologia, e cujo ritmo de evolução é lento; a segunda embora comporte fenômenos também passados, congrega processos que pos- suem homólogos atuais na superfície do globo. Constituem o objeto da geomorfologia. A geomorfologia se distingue da geologia por seu caráter "atual" ou "para-atual". Sua essência é geográfica e seu caráter histórico mas recorre, para a análise dos fenômenos e de seus efeitos (depósitos), a métodos compartilhados pela geologia e pela física (aná- lise petrográfica e mineralógica, sedimentologia etc.). A geomorfologia ocupa, por conseguinte, um lugar original: é uma ciência geográfica por seu objeto e por sua natureza, enquanto seus métodos fazem dela uma ciência física e química e, de uma maneira mais geral, uma "ciência da terra". S6 que não poderia haver pesquisa geomorfológica válida sem um substrato de conhecimento geológicos, simbolizado pelo mapa geológico, onde o geomorfólogo colhe todos os elementos geológicos básicos. Se o geólogo não anteceder o geomorfólogo, este se há de sentir compelido a assumir as funções do primeiro, sem haver recebido previamente uma formação paleontológica, petrográfica e físico-química adequada; este problema aparece em muitos países recém-abertos à pesquisa científica, nos quais o único 31</p><p>documento disponível de início consiste num mapa de reconheci- mento, estabelecido em grande escala e calcado em dados prove- nientes de reconhecimentos aéreos. Impõe-se cautela, em casos desta ordem; o reconhecimento petrográfico não apresenta grandes dificul- dades para o geógrafo; já a datação, que permite estabelecer a estra- tografia e a tectonica, é bem mais delicada. É de bom aviso a coleta de amostras e de fósseis, cujo diagnóstico ficará a cargo do laboratório de geologia. Em situação semelhante encontra-se a geografia dos solos, que convém distinguir da pedologia pura. Consti- tuem casos limites, nos quais fica fora de dúvida a respon- sabilidade do geógrafo como pesquisador, pois a curiosi- dade científica dos geólogos e dos pedólogos não desce a seu campo específico; além disto, estas ciências só fornecem ao geógrafo um material de dados incompleto. Igualmente incompleta é a distinção entre os dados estruturais e os dados históricos, de onde provêm os ele- mentos que permitem o estabelecimento de uma interpre- tação evolutiva, já que a própria estrutura representa o resultado de uma evolução. Se o geógrafo situa os antece- dentes geológicos aquém da análise estrutural e tectônica, já as combinações morfogênicas associam uma "organização" dos fenômenos e sua dinâmica (inclusive a néotectônica). A imbricação transparece de maneira ainda mais nítida no estudo dos fenômenos cujo ritmo evolutivo é curto. Já o observamos em geografia física, no campo da climatologia onde se associam dados estruturais (os mecanismos e as combinações a longo termo dos elementos) e dados ricos (a evolução dos tipos de tempos e as hipóteses cícli- cas de variação dos climas). Neste caso, as duas formas de abordagem são específicas das disciplinas de estudo da atmosfera. A explicação fica a cargo das ciências físicas (física do globo). o geógrafo não tem à sua disposição nenhum recurso próprio de investigação. Limita-se a pôr em ação os dados da física do globo e da meteorologia. É sensível a distorção entre os objetos das duas séries de 32</p><p>pesquisas. A climatologia só faz parte da geografia na medida em que oferece uma imagem lógica e explicativa da diversidade dos climas, considerados como elementos fundamentais da ecologia das espécies que condicionam de maneira positiva ou negativa a vida dos homens e da pró- pria ecologia humana. Propriamente geográfico é o estudo das relações, infinitamente variadas nas diversas escalas, existentes entre os fenômenos atmosféricos e a configu- ração do solo, inclusive do solo elaborado e organizado pelo homem. estudo teórico dos mecanismos não é da alçada da geografia; entretanto, a experiência demonstra ser por vezes difícil traçar limites, sobretudo quando a aqui- sição de novos dados faz com que surjam sistemas de rela- ções, de cuja existência antes suspeitava (caso dos fenô- menos de circulação de massas de ar em elevadas altitudes). Os documentos continuam, não obstante, de natureza física, mesmo quando se projetam de maneira particularmente espetacular sobre a imagem do globo por intermédio das fotografias tomadas dos satélites cósmicos. A biogeografia suscita menos problemas, pois as rela- ções de causalidade são simples e situadas no quadro geral de fenômenos pertencentes à alçada do geógrafo: geografia dos solos, geografia dos climas, geografia humana... A estrutura é aqui representada por uma dupla série de combi- nações: combinações entre os fatores físicos e a biologia vegetal e animal, e a combinação edáfica entre os diversos elementos de uma associação vegetal. A história se con- funde com a história dos homens ou então se estende ao conjunto de uma ou de várias fases climáticas recentes. Observando os fatos, verifica-se que, afinal de contas, a biogeografia deve muito pouco à botânica ou à zoologia, achando-se muito bem integrada ao campo de ação dos geógrafos, visto poder contar com dados e com o estudo de fenômenos já incorporados à pauta da geografia (solos, clima, ação humana). 33</p><p>Os problemas de competência e de divisão de respon- sabilidades científicas suscitados pela geografia humana são tão numerosos quanto os suscitados pela geografia física e mais pronunciadas serão as distorções, que serão propor- cionais à maior fluidez e imprecisão das ciências humanas. As estruturas são aqui de natureza étnica e cultural, demográfica, social e econômica. Seu conhecimento cons- titui o objeto de ciências humanas distintas, cujos métodos se encontram em constante evolução, sofrendo as suas muta- ções influências de teorias globais, que vão do determi- nismo ao estruturalismo. Cada uma delas possui seu objeto e suas "aplicações", que influem sobre a determinação do objeto e orientam as pesquisas, pelo menos a curto prazo. É um leque largamente aberto, pois vai da lingüística à econometria, passando pela ciência das religiões, pela die- tética, pela tecnologia industrial e pela agronomia. Do ponto de vista metodológico, impõe-se uma distinção entre o estrutural e o histórico mas a estrutura representa o resultado final de processos históricos e sobre ela paira a ameaça das contradições de forças que constituem os ele- mentos motores da história contemporânea. Ora, se a história pode ser considerada uma só, pelo fato de operar a síntese na curva da evolução geral, num "ponto" situado antes do "ponto geográfico", a análise estrutural, esta, é múltipla. De maneira muito simples, o geógrafo parece destinado a recorrer ao historiador para conhecer os antecedentes glo- bais e particulares da situação diante da qual se encontra, e aos especialistas das diferentes ciências humanas para se munir das imagens estruturais analíticas relativas à socie- dade, à economia, à população, à cultura, aos relaciona- mentos políticos etc. Entretanto, a história manifesta uma propensão a se mostrar mais setorial que global e a se interessar de maneira mais especial pelos setores que apre- sentam menor número de incidências primaciais sobre o 34</p><p>fato geográfico (história política, diplomática, militar) embora os geógrafos tenham motivos para se regozijarem pelo vasto desenvolvimento da história econômica e social nestes últimos quarenta anos. Além disso, o objeto das ciências do homem é, sobretudo, epistemologicamente dife- rente do objeto da geografia. Procura cada qual em si mesma a sua própria finalidade, que lhe interessa muito mais do que o acordo entre os seus dados e os das ciên- cias vizinhas. A convergência interessa aos "administra- dores" e aos "políticos", e o geógrafo se sente perigosa- mente atraído para o terreno dos utilizadores, para o ter- reno da aplicação, que requer atitudes muito mais pragmá- ticas que científicas. Os sociólogos procuram definir cate- gorias. Somente os que se preocupam com as sociedades globais caminham ao encontro dos geógrafos. Os econo- mistas são mais atraídos pelo setorial ou pelo modelo que pela economia regional diferenciada, na acepção adotada pelos geógrafos; a busca da perfeição na exatidão dos cálculos serve muitas vezes para manter os demógrafos alheios às preocupações mais imediatas menos absolutas dos geógrafos da população. geógrafo é propenso a cri- ticar a tendência à abstração demonstrada pelos "especia- listas", os quais retrucam criticando os geógrafos por se contentarem com aproximações elementares. Não existe nenhum método geográfico para a abordagem dos dados sociais, econômicos, demográficos ou culturais. Pode-se quando muito afirmar que existe uma maneira geográfica de confrontar os resultados das pesquisas exteriores e de fazer com que apareçam os sistemas de inter-relações entre esses dados, num meio definido no espaço e por seus pró- prios caracteres. Ora, os métodos das diversas ciências humanas não conduzem a uma finalidade geográfica. muito ligeiramente se preocupa a sociologia com os con- juntos e com a continuidade espacial de seus resultados. Jacta-se a economia de sua capacidade de gerar novas reali- 35</p><p>dades geográficas pela aplicação de parâmetros alheios à realidade geográfica. Os estudos de questões referentes à civilização mal se detêm em considerações de áreas cultu- rais num plano geográfico. De modo que se abrem duas perspectivas diante do geógrafo: ou ele se conforma e uti- liza um material cuja ordem de grandeza e de natureza difere da de suas necessidades, expondo-se a extrapolações e a generalizações envoltas em incerteza, ou então ele terá de aplicar, por iniciativa própria, o método de análise dos fatos peculiar aos sociólogos e aos economistas, porém em escala diferente, ponderando-o e equilibrando-o pela inser- ção de preocupações específicas. A empreitada se torna árdua na medida em que o feitio intelectual do geógrafo, no próprio campo das ciências humanas, corresponde ao do "naturalista" que estabelece uma sistemática e busca correlações, quando não leis, colocando-se assim em posição de desacordo epistemológico com as das ciências humanas, as quais dependem, tácita ou explicitamente, de uma ideo- logia. Barreira só dificilmente transposta é a que separa o objeto geográfico de métodos específicos de ciências outras que não a geografia e dotadas não apenas de objeto próprio como também de uma ou mais ideologias. Pode-se buscar uma solução na inserção da pesquisa geográfica nas famílias ideológicas das ciências humanas. Já têm sido feitas algu- mas tentativas neste sentido. Não parece entretanto que elas tenham conseguido congregar a maioria dos especia- listas, e é pena que a geografia, ao penetrar num sistema de pensamento e de explicação, se despoje de sua função de teste de verificação experimental, função que ela só pode exercer mantendo-se fora dos sistemas e ao nível dos diag- nósticos de realidade (1) o sociólogo e o economista podem assumir implícita ou explicitamente a tarefa de justificar uma sociedade ou uma econo- 36</p><p>geógrafo, não obstante, deve saber aplicar métodos de pesquisa sociológica e de análise econômica, não somente para poder criticar os resultados apresentados pelos soció- logos e pelos economistas, como também para enveredar por certos terrenos virgens de trabalhos analíticos ante- riores. E isto se aplica com ainda maior razão à utilização dos métodos empregados em demografia, na medida, evi- dentemente, em que esses métodos se declaram isentos de toda e qualquer tomada de posição ideológica anterior. Frente a um terreno (no sentido global e geográfico da palavra, isto é, frente ao espaço e a seus ocupantes) virgem de pesquisas o que será mais interessante para o geógrafo: tentar criar uma metodologia específica para atingir o "social, o econômico, o demográfico", ou aplicar os métodos das ciências especializadas, como a sociologia, a economia e a demografia? A resposta não é simples. Em primeiro lugar, ele necessita de documentos que se prestem à espacialização e à comparação. De modo que esses documentos não devem diferir especificamente daque- les de que ele dispõe para os terrenos vizinhos ou mais ou menos distantes. Por outro lado, é indiscutívelmente de seu interesse, em termos de tempo poupado e de assimi- lação prévia, pular todas as etapas analíticas que puderem ser puladas. O geógrafo não tem o menor interesse em efetuar numa aldeia três inquéritos diferentes: um demo- gráfico, um econômico e um sociológico. A pesquisa pode ser bloqueada mas os meios de conhecimento não deixam de ser os mesmos já utilizados pelos economistas, pelos sociólogos e pelos demógrafos. E persiste a diferenciação das pesquisas setoriais, na medida da mais ou menos radical diferenciação desses meios de conhecimento (numeração, mia. Mas à geografia não cabe justificar e sim constatar e explicar uma situação de fato. Todas as vezes em que exorbitou desta fun- ção, ela própria se condenou (geopolítica, geografia colonial...). 37</p><p>estudo de produção, de preço de mercado), utilizados junto a instituições especializadas ou a pessoas especialmente informadas, entrevistas diretivas, semidiretivas, ou não-di- retivas, distribuição de questionários em uma ou em várias amostras, para fins de informações sociais. Em casos desta ordem, pode-se quando muito recomendar um amálgama, sempre que possível. A pesquisa geográfica distingue-se das pesquisas setoriais das diversas ciências humanas por sua aplicação à expressão cartográfica. Por índole, a pesquisa econômica, a pesquisa sociológica se dirigem a temas limitados e a "amostragens". Exceto no caso dos estudos de economia regional, os economistas não cogitam de "cobrir" uma superfície, e os sociólogos muito menos. Além disso, a confiança por eles depositada em seus próprios métodos, particularmente na determinação de amostras representativas, incita-os à extrapolação dos resultados obtidos. o geógrafo deve se manter atento contra qualquer extrapolação visto como, por experiência, ele se encontra sensibilizado pela multiplicidade de variáveis que a podem tornar aleatória. É assim levado a buscar meios de exploração exaustiva no plano espacial. Enquanto esses meios permaneceram limitados exclusivamente às possibilidades da coleta de documentos através do exame individual das fontes administrativas acessíveis, a obriga- ção de realizar uma cobertura contínua impediu muitas vezes o geógrafo de transpor determinados limiares da análise ou das sín- teses regionais. A certeza geográfica expressa por meio dos mapas de localização e de extensão dos fenômenos, fornecendo uma imagem contínua e qualitativamente homogênea, mantinha-se mais "na super- fície" que as sondagens empreendidas em profundidade, sobretudo, pelos sociólogos, mas que só ofereciam informações sobre detalhes, pontuais, dificilmente de uma generalização com proba- bilidades de exatidão. A utilização de métodos mecânicos para tratamento das pesquisas abre novas perspectivas de obtenção tanto em superfície como em profundidade de dados que inte- ressam à geografia. A máquina permite que a exploração exaustiva, e por conseguinte a cobertura de todo o espaço em questão, substitua uma sondagem a 1/20 e suas aleatórias extra-polações. Para tanto, impõe-se como condição indispensável a aquisição de métodos de preparo das pesquisas para os tratamento mecanográficos além da iniciação aos processos de estabelecimento de programas de inter- pretação por máquinas de calcular, particularmente no que diz res- peito à pesquisa das intensidades dos sistemas de relações. o entre- 38</p><p>laçamento dos centros de pesquisa geográfica e dos centros de cálculo tornou-se não somente uma vantagem como, também, sem dúvida, uma necessidade. Concluindo, parece difícil definir métodos que sejam peculiares à geografia, na mobilização dos documentos. A geografia constitui muito mais uma maneira de classificar, de ponderar e de qualificar os resultados brutos obtidos pela aplicação de métodos elaborados por ciências de carac- terísticas mais analíticas. Por conseguinte, o título de ciência lhe há de ser sempre contestado pelos adeptos das disciplinas que lhe fornecem os documentos, visto como sua missão metodológica se restringe ao tratamento secun- dário de uma documentação primária. É um fato que não pode ser negado, nem deve ser lamentado, simplesmente por pertencer à ordem natural das coisas. Em compensação, seu procedimento permite demons- trar que nenhuma ação baseada numa análise fragmentária dos fatos será capaz de levar a efeitos concretos. Não se solucionam problemas econômicos sem uma intervenção no social, ou sem provocar efeitos sociais, sem influir sobre os ritmos demográficos e sem provocar mutações nas mentali- dades. Basta omitir um elemento para que o cálculo, mesmo eletrônico, leve a conclusões falsas e dê origem a catás- trofes, que ocorrerão dentro de prazos mais ou menos longos. Não existe teste melhor do que o estudo e a ação nos países subdesenvolvidos onde os problemas, afinal de contas, sendo por assim dizer insolúveis a curto prazo, são mais facilmente esquadrinhados até em seus mecanismos mais simples através de uma análise paciente dos meca- nismos de ações recíprocas e imbricadas. Pois a pesquisa empreendida pelo geógrafo não encontra justificação justa- mente no fato de ela se apresentar aqui como a única capaz de reunir todos os fios da trama de uma situação, desde os fatores fisiográficos, as endemias, as estruturas sociais 39</p><p>e mentais, até as da descolonização através da economia, da demografia, da tecnologia? Hoje em dia, entretanto, uma ciência tem de afirmar sua superioridade através de sua capacidade de dominar e de empregar o número. De fato: uma situação qualquer não pode ser seriamente "qualificada" a não ser quando simultaneamente "quantificada". Ora, a geografia não pos- sui métodos próprios de análise e apenas, quando muito, métodos de classificação e de hierarquização dos fatores, e também não conta com métodos de mensuração específicos. Tecnicamente falando, a medida pertence ao domínio da estatística, e o instrumento estatístico é utilizado para fina- lidades que, em si mesmas, nunca são geográficas, nem mesmo quando de serem transportadas para o plano geográfico. 4. Os meios de medição. recurso à estatística. Não poderia haver uma imagem completa de um espaço físico ou humanizado qualquer sem uma avaliação quanti- tativa da diferenciação específica e da originalidade própria dos fatores. Um rio visto numa fotografia aérea, ou num mapa, uma aldeia, uma cidade uma fábrica, uma superfície cultivada ou plantada, uma estrada ou uma vida férrea só assumem seu significado total quando acompanhados de algarismos que exprimam o regime hidrológico, o número de habitantes e - no interior deste número a proporção de crianças, de adultos, de velhos, de ativos e de inativos, de trabalhadores industriais ou do pessoal de serviço, os rendimentos por hectare, a intensidade do tráfego. Até o invisível exige uma avaliação numérica: o número de chamadas telefônicas, as quantidades de capitais transfe- ridos, o brain drain etc. A medida constitui uma operação delicada, que requer precauções tanto maiores pelo fato de haver o risco de que os dados a serem medidos se furtem espontaneamente a essa medição. Neste ponto, a margem de incerteza é 40</p><p>sem dúvida menor no que diz respeito aos dados naturais do que quanto aos "dados humanos". No primeiro caso, as precauções a serem tomadas são de ordem técnica: esco- lha dos locais onde proceder às medidas, qualidade dos aparelhos (levantamentos de altura de água em leitos flu- viais, de vazão de rios, medidas das precipitações, das tem- peraturas etc.). No segundo caso, as precauções estão liga- das à psicologia, às técnicas de gestão, de relações públicas e, simultaneamente, dependem também, aliás, da qualidade do crivo destinado a colher e a selecionar os dados. Além de difícil, este tipo de medida é oneroso e em campo um material de coleta, de confronto, de verificação, de comparação e interpretação cada vez mais complexo e que só poderá ser reunido numa central de cálculo. As exce- ções só aparecem ao nível das monografias locais, que lidam com algarismos reduzidos, para as quais o inquérito in loco e certas extrapolações, que não oferecem perigo em seme- lhante escala, permitem a colação, a conferição, de um material quantitativo válido, através de processos artesanais. Material, entretanto, adstrito à medida do visível e proce- dente em parte de documentos anteriores, tais como os registros civis, as medidas de superfícies agrícolas, os cocien- tes calculados de rendimento, número declarado de animais, vulto das colheitas registradas nas cooperativas ou transi- tadas pelas estações de estrada de ferro Via de regra, a medida é confiada a serviços que a ela procedem não por curiosidade científica mas sim para atender à necessidade de determinados conhecimentos por parte das coletividades públicas ou de organizações de inte- resse privado (Câmara de Comércio ou de Indústria, sindi- catos patronais, administrações e direção de serviços de transportes etc.). Em outras palavras, mede-se tudo aquilo que precisa ser conhecido em ordem quantitativa por moti- vos fiscais, econômicos e administrativos (previsão de soli- citações de serviços a curto e a médio prazo etc.). Não 41</p><p>se mede o que não oferece interesse imediato para a gestão dos negócios públicos ou privados (e quando mais onerosa for a medida, mais dificilmente será empreendida). A sondagem com generalização por extrapolação parece menos onerosa que a contagem exaustiva. Por conseguinte, a pri- meira substitui com a segunda em épocas e em países com escassez de meios financeiros. Ora, o geógrafo está plenamente ciente de que as generalizações matemá- ticas são muitas vezes inadequadas e levam à formação de imagens inexatas. Por outro lado, as contradições de inte- resses, reais ou apenas aparentes, influem na precisão das medidas. Sempre que a medida é encarada como parte integrante de um sistema opressivo e compulsório, obser- va-se uma tendência a aumentar a margem de quantidades que lhe são subtraídas. E se por acaso como ocorre nos países subdesenvolvidos e subadministrados (sobretudo qualitativamente) a impopularidade da coação soma-se à insuficiência ou à ineficácia dos métodos e sistemas de medida, tendo como resultado dados quantitativos grave- mente inexatos e que poderão fornecer uma caricatura da realidade. Por conseguinte, o geógrafo se vê na contin- gência de utilizar algarismos cuja ventilação setorial não foi por ele escolhida e que, apresentando um aspecto de identidade específica, talvez possuam um valor científico e uma significação muito desiguais, segundo os países, e até mesmo segundo as diversas regiões de um mesmo país. Que ele pelo menos considere indispensável manter-se per- feitamente alerta quanto a esta circunstância e não se esque- ça da necessidade de proceder a uma crítica interna dos documentos numéricos de que dispõe, antes de pensar em extrair dos mesmos alguma interpretação. É bem verdade que, por sua formação e pela orientação de seus processos mentais, ele se encontra preparado de um modo muito espe- cial para distinguir os fatores de valor objetivo desigual nas medidas que lhe são propostas, e isto em virtude do 42</p><p>fato de possuirem essas desigualdades fundamentos ou pelo menos caracteres geográficos. Seja como for, a utilização dos algarismos é tanto mais delicada quanto, pela própria natureza das preocupações da geografia, sente-se o geógrafo compelido a empregar constantemente o método dos cocien- tes que lhe permite exprimir numericamente relações entre dados de natureza diferente. Ora, a modulação da impre- cisão ou do erro estatístico não se mantém a mesma para dados diferentes. A margem de erro é mínima para certos dados tais como as medidas de superfície bruta; é fraca sobretudo graças à possibilidade de verificação por meio de fotografia aérea para o que relaciona com as super- fícies ocupadas; já é muito mais pronunciada, especialmente nos países subdesenvolvidos, com referência a algarismos populacionais e, com ainda maior razão, quanto às estima- tivas do produto bruto em termos monetários. A coleta das estatísticas é efetuada com base nos zoneamentos administrativos. Ora, as dimensões das unidades elementares são muito variáveis, de acordo com os países. Na própria Europa, e até mesmo no interior da França, as dimensões das comunas variam em proporções consideráveis. Mas, nos países onde existem vastos espaços subpovoados, a tendência normal é para o traçado de gran- des circunscrições administrativas. Por um feliz jogo de compen- sações, os países com vastos espaços subpovoados ou pouco povoa- dos, tanto na América do Norte, como na América do Sul, na África, como na Sibéria, apresentam uma relativa unidade geográ- fica, por vezes mesmo maior que a de circunscrições infinitamente menores da Europa, fragmentada por suas condições naturais e his- tóricas. Isto, contudo, não elimina a necessidade de nos mantermos alertas quanto à heterogeneidade das bases espaciais de contagem. Nos casos extremos, encontramo-nos diante de unidades vazias de homens em extensões correspondentes a três quartos ou a quatro quintos de sua superfície, onde a utilização do solo e o agrupa- mento da população se acham concentrados em estreitas faixas ao longo de algum vale privilegiado ou num ponto único e onde qualquer generalização empreendida em escala de conjuntos adminis- trativos constitui uma heresia científica. Em situações desta ordem, a quantificação geográfica se baseia unicamente no trabalho de 43</p><p>campo ou, quando muito, uma interpretação de fotografias aéreas. Todo e qualquer mapa de cocientes baseado em estatísticas adminis- trativas deve ser recusado. Neste ponto, muito mais que em outros, impõe-se a adoção de um método geográfico, com exclusão de qual- quer outra forma de abordagem quantitativa espacializada. Con- tudo, o que aparece em circunstâncias bem definidas e aliás muito bem representadas na superfície do globo - não se acha ausente das situações geográficas de países minuciosamente adminis- trados (do ponto de vista do zoneamento). Encontramo-nos por- tanto diante de um problema de limiar, abaixo do qual a medida pode se integrar numa imagem aproximadamente exata da unidade administrativa de coleta de dados numéricos - com a ressalva, entretanto, de observações qualitativas para o que diz respeito à distribuição dos valores numéricos e acima do qual qualquer homogeneização arbitrária ao nível quantitativo de um espaço natu- ralmente heterogêneo constitui grave erro metodológico. Não basta que o valor da informação estatística seja variável de acordo com os países e com os setores: temos ainda de enfrentar a variável possibilidade de acesso a essa informação. Os serviços públicos, os organismos privados de gestão coletam documentos cuja sinceridade fica a depen- der da disciplina cívica ou de interesses de grupo. Entre- tanto, a divulgação desses dados seja qual for sua exa- tidão fundamental para finalidades alheias às de seu obje- tivo original, é muitas vezes considerada como prejudicial aos interesses e à liberdade dos indivíduos ou das empresas. Os diferentes países possuem concepções variadas quanto ao segredo estatístico e não as aplicam aos mesmos Os países publicam estatísticas de rendas, quando não individuais, pelo menos por faixas quantita- tivas. Já as administrações francesas se mostram muito reti- centes quanto a este ponto. Raros são os países para os quais dispomos de estatísticas minuciosas sobre os produ- tos brutos e, com ainda mais razão, sobre os produtos líquidos das empresas. Somos assim levados a aplicar méto- dos de abordagem numérica pouco representativos e até mesmo pouco significativos. A importância de uma indús- 44</p><p>tria se avalia em geral a partir do número de assalariados por ela empregados. Ora, o preço de custo de criação de um emprego varia de 1 a 10, quando não de 1 a 20, entre a indústria alimentar e a indústria siderúrgica. E as distân- cias entre a produtividade do emprego expressas em termos de negócios são ainda maiores entre as indústrias clássicas e as indústrias avançadas como as indústrias eletrotécnicas e as indústrias de materiais eletrônicos. No plano social, é muito difícil comparar um cargo de operário não qualifi- cado no setor das construções e o de um assalariado da indústria eletrônica ou química que trabalha num setor de pesquisa. Mesmo levando-se em conta o distanciamento entre os índices salariais, só se poderá obter uma imagem inexata da realidade pois o especialista é economicamente sub-remunerado enquanto o operário é socialmente super- -remunerado. Quando se trata de questões econômicas, os algaris- mos publicados fazem parte muito mais de operações publi- citárias que de uma informação objetiva pura e seu valor, por conseguinte, é desigual. As empresas poderosas, em fase de alta, publicam seus balancetes sem hesitar; as empre- sas marginais se furtam ou procuram iludir. Além disso, o jogo entre o fisco e o contra-fisco intervém muitas vezes, desvirtuando os números. Seria por conseguinte, até certo ponto, ilusório pretender extrair imagens plenamente repre- sentativas de quadros estatísticos de valor desigual, ou pretender deduzir, a partir dos mesmos, tendências evolu- tivas demasiadamente precisas. É mais prudente conten- tar-se com ordens de grandeza, sem pretender descer às decimais ou às unidades. Contudo, muito embora isto possa parecer paradoxal, é recomendável que o geógrafo disponha do maior número possível de dados numéricos pois os mesmos desempenham, com relação uns aos outros, o papel de elementos ponderantes ou de fatores de cor- reção</p><p>Sem dúvida alguma, o geógrafo está destinado a se tornar um dos maiores utilizadores dos processos de cálculo, em virtude mesmo da oportunidade de compensar uns pelos outros o maior número possível de dados, e de aplicar coeficientes de correção e de ponderação que variam de acordo com os dados, assim como de cruzar ordens quanti- tativas de especificidade variada. 46</p><p>CAPÍTULO II A COLETA DOS DOCUMENTOS E SUA INTERPRETAÇÃO GEOGRÁFICA A documentação utilizada pelos geógrafos pode ser classificada em duas séries; a primeira congrega os documentos já pertencentes à geografia, os mapas geográ- ficos, as monografias locais ou regionais, os estudos de síntese sobre temas gerais de utilização direta para novas expressões geográficas; a segunda série propõe problemas mais delicados e se compõe de documentos seto- riais, de per si à geografia porém indispensáveis à sua informação: mapas especiais (mapas geológicos, meteo- rológicos), compilações estatísticas, estudos econômicos, pesquisas sociológicas e I A coleta A coleta e a classificação dos documentos já integrados à geografia são relativamente fáceis. Em compensação, o problema principal da constituição e da utilização de mate- rial documentário de proveniência heterogênea e destinado a uma utilização geográfica, é de resolução bem mais difícil. Requer a elaboração de um plano de classificação e de uma codificação de dados. Evidentemente, é recomendável que tanto este plano como esta codificação sejam internacionais, a fim de facilitar as operações de pesquisa em todo e qual- 47</p><p>quer país, e o propósito de todo e qualquer país ou de todo e qualquer tipo de questão que interesse à geografia. A preocupação neste sentido foi manifestada já há quase meio século, por ocasião dos primeiros Congressos interna- cionais de Geografia e culminou, através de etapas suces- sivas, com a criação da Bibliografia geográfica internacional. Este problema deve ser integralmente reformulado atual- mente, devido ao aprofundamento e à ampliação da pesquisa geográfica, ao prodigioso aumento da massa de documentos utilizáveis em todas as línguas e oriundos de setores de pesquisa cada vez mais numerosos e, finalmente, como feliz compensação, levando em conta os novos recursos téc- nicos proporcionados pela informática. A codificação pressupõe uma linguagem e, por conse- guinte, um vocabulário rigorosamente definido, a partir do qual os dados serão catalogados analítica e sintetica- mente, qualitativa ou quantitativamente, as imagens carto- gráficas, as imagens fotográficas etc. Esta operação comporta portanto: estabelecimento de um léxico ou de um dicio- nário. fichamento - e a triagem mecanográfica das fontes de informação, com base nos verbetes definidos no dicionário: a) As estatísticas; b) Os estudos analíticos de base setorial; c) Os estudos sintéticos em escala regional ou local; d) Os mapas; e) As coleções de documentos fotográficos ou mesmo as fotografias isoladas que apresentam algum inte- resse temático (fotografias publicadas em livros ou revistas). 48</p><p>Como em todas as ciências humanas, o problema tecno- lógico atual consiste na elaboração das estruturas de um "banco de documentos" que sirva de base para a publi- cação de repertórios periódicos e que conserve todos os repertórios publicados no mundo, no quadro de um sistema universal de classificação. Como a base da codificação consiste num vocabulário internacional estabelecido pelas instâncias científicas internacionais - no caso, a União Geográfica Internacional - a partir dos diversos vocabu- lários nacionais disponíveis, a base da classificação deve ser estabelecida de acordo com convenções a um tempo precisas e flexíveis que permitam a inserção de um mesmo documento em múltiplas rubricas. caráter sintético da geografia exige, com efeito, a prática mais ampla possível de entradas múltiplas, não apenas porque um documento apresenta sempre simultaneamente um interesse setorial e um interesse regional, como também porque os temas geo- gráficos sempre se estendem por diversos domínios seto- riais ao mesmo tempo. Um mesmo estudo de cunho geográ- fico pode-se relacionar com a geologia, com a geomorfologia, com a pedologia, ou com a demografia, a sociologia, a etno- grafia a economia e o urbanismo, fazendo jus simultanea- mente à catalogação em primeira análise dentro da rubrica desenvolvimento ou subdesenvolvimento e a uma inclusão no capítulo de determinado continente ou país. Podemos conceber facilmente as perspectivas de trabalho que se abrem para equipes de documentalistas que atuem no plano internacional com o objetivo de elaborar um método de codificação a ser introduzido no conjunto dos trabalhos e publicações vindouros a fim de facilitar a memorialização dos mesmos; isto, entretanto, só poderá ser feito se edito- res e promotores de revistas e de trabalho geográficos e para- geográficos dos diversos países entrarem em acordo para a adoção desse método. 49</p><p>Trata-se, numa palavra, de conferir uma forma adaptada aos meios atuais de classificação documentária, a uma obra dentro em pouco centenária: a Bibliografia inter- nacional, completada pela Bibliografia cartográfica interna- cional. Em fins do século XIX, atendendo a um apelo de P. Vidal de La Blache, Louis Raveneau elaborou com notá- vel segurança e extensa cultura geográfica um método de coleta e de apresentação de documentos geográficos, dentro das condições das publicações e da pesquisa geográfica vigentes no decorrer do decênio de 1890. O trabalho bibliográfico e o processamento da pesquisa prestavam-se a uma ordenação muito minuciosa com entradas múltiplas já compensadas pelas "chamadas". A entrada era ao mesmo tempo metodológica, pela classificação dos títulos por gran- des rubricas setoriais geográficas e por capítulos regionais e - no interior desses capítulos regionais novamente por grandes séries sistemáticas e nominativas, sendo os títulos classificados por ordem alfabética de nomes de auto- res no interior de cada capítulo. Para simplificar as pes- quisas sistemáticas, foram introduzidos "bloqueios" por assuntos, no interior da divisão anteriormente exposta; um índice remessivo dos nomes dos autores e retomando todos os títulos, colocado no fim do volume anual e enriquecido de "chamadas" aos anos precedentes, fizeram destes volu- mes da Bibliografia geográfica anual, desde a sua criação, instrumentos exemplares de referência e de pesquisa. De referência e de pesquisa pois a obra não tinha como único escopo a apresentação de uma enumeração fiel e sistemá- tica: era também analítica e crítica, comportando cada cita- ção algumas linhas de resumo e de observações. Salvo algumas alterações de detalhes, a Bibliografia geográfica manteve sua unidade conceptual até a Segunda Guerra Mundial, graças ao ininterrupto propósito de assim a con- servar, a despeito das crescentes dificuldades advindas tanto dos obstáculos à transmissão de documentação de país para 50</p><p>país, quanto do aumento da produção e da escassez de analisadores para a quantidade de trabalhos diferentes publicados em línguas cada vez mais numerosas. Louis Raveneau encontrara um sucessor na pessoa de Elicio Colin. Sob a direção de ambos, a Bibliografia geográfica anual, inicialmente francesa, tanto por sua concepção como pela realização, complemento documentários dos Annales de géo- graphie, transformou-se após quarenta anos de experiência, em Bibliographie géographique internationale, por decisão do Congresso Internacional de Geografia reunido em Paris em 1931, e passou a contar com a colaboração de geógrafos estrangeiros. Analítica e crítica, pelo menos em parte (pois vai se tornando cada vez mais difícil apor comentários inte- grados às diversas referências), ela atende, dentro de um estilo peculiar às formas de trabalho do primeiro terço do século XX, às necessidades de informação geográfica, apesar de suas inevitáveis lacunas. Constitui o melhor auxiliar possível para o manuseio dessa verdadeira enciclopédia geo- gráfica, a Géographie universelle, concebida pelo mesmo P. Vidal de La Blache. Vem acrescida, no plano interna- cional, de repertórios estrangeiros publicados separada- mente, como o Geographisches Jahrbuch dirigido pelo P. Mecking ou incluídos em diversos periódicos nacionais; conserva entretanto, sua forma e sua missão internacionais frente à União Geográfica Internacional. o Comité Nacional Francês de Geografia considerou ponto de honra levar adiante a obra de Louis Raveneau e de Elicio Colin (morto em 1948), o que vem fazendo ainda hoje. Não resta a menor dúvida de que nos deves- semos congratular sem restrições por tal fato, na medida em que se foi tornando progressivamente impossível con- servar o sentido e a utilização de tal obra, tal como podiam ser concebidos em 1920 ou mesmo em 1930. Em 1950 ou em 1960, somente um organismo internacional provido de poderosos meios de coleta, de classificação, de tradução 51</p>

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