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<p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>216</p><p>RESUMO</p><p>Introdução: Os medicamentos de alerta máximo têm um potencial de</p><p>causar dano ao doente em caso de utilização incorreta, devido à gravidade</p><p>dos seus efeitos adversos. O metotrexato (MTX) é um antimetabolito</p><p>frequentemente utilizado no trata mento de doenças reumatológicas e</p><p>um exemplo de medicamento de alerta máximo. Comentário: A forma</p><p>mais comum de toxicidade por MTX é a sobredosagem acidental pelo</p><p>doente, geralmente com efeitos secundários graves, podendo mesmo</p><p>ser fatal. Este caso permite refletir sobre alguns aspetos importantes</p><p>na segurança do medicamento com este tipo de fármacos.</p><p>Palavras-Chave: Intoxicação; Artrite reumatoide.</p><p>ABSTRACT</p><p>Introduction: High alert drugs have the potential to cause harm to the</p><p>patient in case of incorrect use, due to the severity of their adverse</p><p>effects. Methotrexate (MTX) is an antimetabolite frequently used in</p><p>the treatment of rheumatic diseases and an example of a high alert</p><p>drug. Comment: The most common form of MTX toxicity is accidental</p><p>overdose by the patient, usually with serious side effects and can even</p><p>be fatal. This case allows us to reflect on some important aspects of</p><p>drug safety with this type of drug.</p><p>Keywords: Intoxication; Rheumatoid arthritis.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A prática da boa medicina encontra diversos obstáculos</p><p>na rotina do médico, entre eles, o nível de instrução do paciente</p><p>INTOXICAÇÃO POR METOTREXATO: RELATO DE CASO</p><p>METHOTREXATE INTOXICATION: A CASE REPORT</p><p>Autores</p><p>Eduardo Cardoso1</p><p>Alexandre Ribeiro Costa2</p><p>Gabriela Rubira do Espirito Santo2</p><p>Lucas Canas Spolador2</p><p>1. Prof. no Curso de Medicina do Univag</p><p>Centro Universitário</p><p>2. Internos do curso de Medicina do Univag</p><p>Centro Universitário</p><p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>217Intoxicação por metotrexato: relato de caso</p><p>para compreender a terapêutica, o uso de linguagem acessível, orientações e receituários claros,</p><p>autoexplicativos e sem rebuscamentos, a comunicação interespecialidades e a experiência clínica</p><p>com a terapêutica prescrita, em especial ao se tratar de fármacos de alerta máxima de uso.</p><p>Nesse contexto, identifica-se como medicamentos de alerta máximo de uso aqueles que</p><p>possuem posologias de pequena janela terapêutica, manipulação específicas (p. ex.: diluições e doses</p><p>em dias alternados ou distantes devido efeito cumulativo) ou alto potencial para eventos adversos</p><p>graves, incluindo internação hospitalar e morte1.</p><p>O Metotrexato é sabidamente uma droga modificadora de doença (disease-modifyinganti-</p><p>rheumatic drug), inibidora da síntese de ácido fólico, usado largamente em doenças reumatológicas</p><p>e autoimunes, o que implica seu uso crônico e, muitas vezes, em grupos populacionais de maior</p><p>faixa etária, que possuem baixo conhecimento técnico, dependência de cuidadores, dificuldades para</p><p>leitura e entendimento.</p><p>Além disso, o fármaco apresenta multiplicidade de vias metabólicas, o que implica maior</p><p>cuidado no momento da prescrição, para evitar uso inadvertido do medicamento e efeitos adversos</p><p>graves em diversos sistemas por intoxicação ao Metotrexato2.</p><p>O Metotrexato tem meia-vida terminal de aproximadamente 3 a 10 horas com baixas doses</p><p>(<15 mg/m2) e de 8 a 15 horas após doses superiores, sendo que noventa por cento da dose absorvida</p><p>é excretada de forma inalterada pela urina em 48 horas. No tratamento de doenças reumatológicas,</p><p>a administração pode ser feita por via oral (VO), com doses variando entre 7,5 e 30 mg, geralmente</p><p>utilizado em esquemas de administração semanal.</p><p>A maior parte da toxicidade é causada pelo excesso crônico de medicação VO em pacientes</p><p>que não entenderam a prescrição e tomaram suas doses semanais diariamente, por vários dias. A</p><p>toxicidade grave normalmente resulta de dose inadvertida elevada de metotrexato intratecal ou IV,</p><p>tendo como causas de morte sepse e insuficiência múltipla de órgãos3,4.</p><p>A toxicidade geralmente ocorre após o uso prolongado (2 anos) ou após uma dose oral total de</p><p>1,5g. Alcoolismo, obesidade, diabetes, idade avançada e função renal diminuída representam fatores</p><p>de risco associados à toxicidade hepática crônica.</p><p>Os principais efeitos adversos da toxicidade relatados são os efeitos gastrintestinais (desconforto</p><p>abdominal, náuseas, vómitos, alteração do paladar, úlceras orais, estomatite, anorexia, perda de peso,</p><p>dispepsia e diarreia), efeitos hematológicos (leucopenia, anemia, trombocitopenia e pancitopenia, que</p><p>ocorrem em uma semana após a exposição e se resolvem em duas semanas), manifestações hepáticas</p><p>(elevação aguda das aminotransferases e fibrose crônica ou cirrose após uso prolongado), pneumonite</p><p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>218Intoxicação por metotrexato: relato de caso</p><p>intersticial e reações dermatológicas3,4.</p><p>O nível sérico de metotrexato superior a 1mol/L é potencialmente tóxico, devendo ser</p><p>monitorado a cada 24 horas após a superdosagem.</p><p>Outras análises laboratoriais úteis incluem hemograma com contagem diferencial e de plaquetas,</p><p>ureia, creatinina, eletrólitos, teste de função hepática e radiografia torácica, quando indicada3.</p><p>RELATO DE CASO</p><p>Paciente J.S.P, sexo feminino, 64 anos, com antecedentes patológicos de hipertensão arterial</p><p>sistêmica, diabetes mellitus não-insulino dependente, intolerância à lactose, dislipidemia e artrite</p><p>reumatoide (diagnosticada há aproximadamente 1,5 ano).</p><p>Paciente relatou que fazia uso diário de Olmetarsana + Anlodipino 40/10 mg, Clortalinoda</p><p>25mg, Metformina XR 500mg, Ezitimiba 10mg, Rosuvastatina 10mg, Ácido Acetilsalicílico 100mg e</p><p>Pantoprazol 40mg, todos uma vez ao dia.</p><p>Além disso fazia uso de Addera D3 50.000 UI uma vez a cada 15 dias, Ácido Fólico 5mg uma</p><p>vez por semana e por fim, Metotrexato (MTX) 15mg, o qual a paciente estava incorretamente fazendo</p><p>uso diário há um ano.</p><p>Assim, a paciente deu entrada no Hospital Santa Rosa, na cidade de Cuiabá-MT, apresentando</p><p>queixa de inflamação em região oral, acompanhada de intensa dor e edema local, sinais flogísticos e</p><p>sem conseguir ingerir alimentos, líquidos e medicamentos.</p><p>Ao exame físico, a paciente apresentou hiperemia e edema em região oral e orofaríngea,</p><p>com mucosa friável, sem sinais de sangramento ativo. Encontrava-se hemodinamicamente estável,</p><p>eupneica em ar ambiente, porém com dificuldade de deglutição devido intensa dor na região.</p><p>Após revisão do quadro e da história patológica da paciente, associado as informações</p><p>fornecidas pela acompanhante (filha), a qual relatou o uso diário do MTX, foi levantada a hipótese</p><p>diagnóstica de Mucosite associada à intoxicação por MTX, uma vez que a paciente estava fazendo</p><p>uma superdosagem semanal de 105 mg de MTX, sendo que a dose utilizada habitualmente varia de</p><p>15 a 20 mg por semana.</p><p>Dessa forma, a paciente apresentou imunossupressão secundária à intoxicação por MTX,</p><p>observada através de exames laboratoriais no momento da admissão (Hemoglobina 11,9g/dL,</p><p>Hematócrito 34,6%, Plaquetas 76.000, Leucócitos 750/mm3, Neutrófilos 0%, Uréia 63,50mg/dL,</p><p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>219Intoxicação por metotrexato: relato de caso</p><p>Creatinina 0,89mg/dL, Sódio 137mmol/L, Potássio 4,95 mmol/L, PCR 0,62mg/dL).</p><p>Além disso, a paciente realizou no dia uma Urocultura, a qual veio negativa, uma Tomografia</p><p>Computadorizada de Pescoço, a qual mostrou “Glândula tireoide heterogênea, aumentada e</p><p>multinodular, notadamente o lobo</p><p>esquerdo medindo 5,6 x 3,8 cm, determinando leve compressão</p><p>e deslocamento traqueal, sem sinais de insinuação mediastinal, sem presença de linfonodomegalias</p><p>em região” e uma Endoscopia Digestiva Alta no 5º dia de internação, a qual evidenciou uma esofagite</p><p>edematosa leva, hérnia hiatal por deslizamento, gastrite erosiva leve de antro e hiato alargado, com</p><p>teste de urease negativo.</p><p>Dessa forma, durante a internação, foi retirado o MTX da paciente e prescrito manejo terapêutico</p><p>para dor e também para a lesão em região oral, como Morfina 1mg a cada 4 horas, Lidocaína Spray</p><p>tópico na região lesada, Cápsula de Vitamina E e bochecho com Bicarbonato de Sódio.</p><p>Com isso, a paciente apresentou melhora diária tanto laboratorialmente quanto clinicamente</p><p>na lesão, recebendo alta hospitalar após 10 dias, sendo aconselhada a não retomar o uso do MTX</p><p>antes de procurar o reumatologista.</p><p>Figura1 - Lesões orais na admissão hospitalar</p><p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>220Intoxicação por metotrexato: relato de caso</p><p>Figura2 - Lesões orais em resolução após interrupção do metrotexato e instituição da conduta ter-</p><p>apêutica intra-hospitalar.</p><p>RELATO DE CASO</p><p>A educação em saúde e facilidade de acesso aos serviços médicos, promovidos pelas unidades</p><p>básicas de saúde e programas de educação continuada, têm aumentado o alcance dos serviços de</p><p>saúde e, consequentemente, o diagnóstico de doenças crônicas e insidiosas, a exemplo das etiologias</p><p>reumatológicas e autoimunes. Portanto, é natural enxergar o aumento do uso de drogas que tenham</p><p>perfil imunossupressor. Neste contexto, o Metotrexato apresenta-se como uma proposta terapêutica</p><p>amplamente utilizada devido seu já conhecido perfil farmacodinâmico, doses terapêuticas, modo de</p><p>uso, tempo de meia-vida e metabolização, resposta à patologia em questão e efeitos adversos3.</p><p>Dessa forma, o médico deve estar atento para respeitar a individualidade do tratamento do</p><p>paciente, esclarecendo-o sobre sua condição clínica, efeitos esperados ao uso da medicação e sinais</p><p>de alerta de intoxicação, bem como, planejar um receituário inteligível e descomplicado a fim de</p><p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>221Intoxicação por metotrexato: relato de caso</p><p>reforçar suas orientações e não ser objeto de confusão do paciente e seus familiares.2,3 Vale destacar</p><p>que a Iatrogenia é uma das síndromes geriátricas mais prevalentes no idoso, sendo a Reação Adversa</p><p>a Medicamentos (RAM) uma das principais causas de admissões hospitalares em enfermarias e UTI’s,</p><p>como visto no caso em análise, que resultou em uma internação de 10 dias da paciente em questão.</p><p>Sob esse cenário, os casos de manifestações adversas graves ao uso de Metotrexato estão</p><p>mais relacionadas à intoxicação por sobredosagem, em ocorrência da interpretação equivocada</p><p>sobre a forma de uso do medicamento, em que o paciente faz dose plena diária em detrimento</p><p>do intervalo de tempo, mais comumente, semanal entre as tomadas dos comprimidos.2 Assim,</p><p>observa-se comprometimentos maiores nos sistemas gastrointestinais, hematológicos, hepáticos e</p><p>dermatológicos, não raro, sendo causas de admissões hospitalares e deflagrando uma cascata de</p><p>exposição a possíveis complicações inerentes a internação, como restrição ao leito, déficit nutricional,</p><p>catabolismo, delirium, comprometimento cognitivo, infecções hospitalares, sarcopenia, síndrome da</p><p>fragilidade e do imobilismo nos pacientes idosos, dentre outros5.</p><p>Exposto a problemática, ressalta-se a importância em acompanhar em intervalos de consultas</p><p>mais próximos esses pacientes submetidos a tratamento com medicações de alerta máximo, tendo</p><p>em vista examiná-lo em busca de possíveis efeitos adversos sistêmicos e/ou laboratoriais e reavaliar o</p><p>comportamento e métodos utilizados para administração, armazenamento, interação medicamentosa</p><p>e adaptação, evitando veementemente a prática de renovar o receituário desconsiderando os</p><p>pormenores da idiossincrasia do assistido2,5.</p><p>Por fim, outras alternativas para aumentar a segurança, cuidados e prevenção de desfechos</p><p>desfavoráveis, incluem: desenvolver protocolos para uso seguro de Metotrexato, fomentar programas</p><p>de educação profissional acerca da prescrição, controle da dispensa do fármaco, divulgar informações</p><p>sobre o medicamento e compartilhar experiências profissionais com o Metotrexato5.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>1. Direção-Geral da Saúde. Medicamentos de alerta máximo: norma n.º014/2015, de 06/08/2015.</p><p>Lisboa: DGS; 2015</p><p>2. ISMP Brasil – Instituto para Práticas Seguras no Uso de medicamentos. Metotrexato uso oral. Belo</p><p>Horizonte; 2012. (International Standard Serial Number; 2317-2312).</p><p>3. Olson KR. Manual de toxicologia clínica. 6 ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. p. 321-324.</p><p>COORTE 2022 - Número 14</p><p>Revista Científica do Hospital Santa Rosa</p><p>e-ISSN 2358-3622 / ISSN 2178-0544</p><p>R E V I S T A C I E N T Í F I C A D O H O S P I T A L S A N T A R O S A</p><p>222Intoxicação por metotrexato: relato de caso</p><p>4. Passos LFS. Agentes modificadores de curso de doenças inflamatórias e autoimunes. In: Fuchs</p><p>FD, Wannmacher L. Farmacologia clínica: fundamentos da terapêutica racional. 4 ed. Rio de Janeiro:</p><p>Editora Guanabara-Koogan, 2010. p. 437-50.</p><p>5. Freitas EV et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 4ª. Edição. Grupo Editorial Nacional (GEN),</p><p>2017.p 2647-2657.</p><p>6. Wilsdon TD, Whittle SL, Thynne TR, Mangoni AA. Methotrexate for psoriatic arthritis. Cochrane</p><p>Database Syst Rev. 2019;(7):CD012722.</p><p>7. Ahmadzadeh A, Zamani N, Hassanian-Moghaddam H, Hadeiy SK, Par-hizgar P. Acute versus chronic</p><p>methotrexate poisoning; a cross-sectio-nal study. BMC Pharmacol Toxicol. 2019;20(1):39.</p><p>8. Howard SC, McCormick J, Pui CH, Buddington RK, Harvey RD. Preventing and managing toxicities</p><p>of high-dose methotrexate. Oncologist. 2016;21:1471–1482. doi: 10.1634/theoncologist.2015-0164.</p><p>9. Idaki R, Kian M, Owliaey H, Zarch MB, Feysal M. Accidental chronicpoisoning with methotrexate:</p><p>report of two cases. Emerg (Tehran).2017;5(1):e67.</p>