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<p>N. 4 | DEZEMBRO DE 2O17</p><p>IS</p><p>S</p><p>N</p><p>2</p><p>35</p><p>7-</p><p>85</p><p>13</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>1</p><p>Endereço:</p><p>REAPCBH - Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>Rua Itambé, 227 - Floresta</p><p>Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>30150-150 – Belo Horizonte/MG</p><p>e-mail: reapcbh.fmc@pbh.gov.br</p><p>Telefone: (31) 3277-4665</p><p>homepage: http://www.pbh.gov.br/cultura/arquivo e</p><p>http://www.bhfazcultura.pbh.gov.br</p><p>REAPCBH [recurso eletrônico] /Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte,</p><p>R464    Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>/   v. 4, n. 4 (2017). – Belo Horizonte, MG: PBH, Fundação Municipal de</p><p>Cultura, 2017. 316 p.</p><p>Anual</p><p>Modo de acesso: http://www.pbh.gov.br/cultura/arquivo</p><p>ISSN: 2357‐8513</p><p>1. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte 2. Periódicos 3. Patrimônio Cultura I.</p><p>Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. II. Fundação Municipal de Cultura.</p><p>CDD 025.171</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>2</p><p>EXPEDIENTE</p><p>Prefeitura Municipal de Belo Horizonte</p><p>Fundação Municipal de Cultura</p><p>Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>Conselho Editorial</p><p>Demilson Malta Vigiano</p><p>Gabriella Diniz Mansur</p><p>Lays Silva de Souza</p><p>Michelle Márcia Cobra Torre</p><p>Yuri Mello Mesquita</p><p>Normalização Bibliográfica</p><p>Rafaela de Araújo Patente</p><p>Revisão</p><p>Michelle Márcia Cobra Torre</p><p>Design</p><p>Assessoria de Comunicação – FMC</p><p>Fotos da capa: Acervo APCBH</p><p>Diagramação</p><p>Michelle Márcia Cobra Torre</p><p>Conselho Consultivo</p><p>Drª. Andrea Casa Nova Maia (UFRJ)</p><p>Drª. Beatriz Kushnir (Arquivo Geral da</p><p>Cidade do Rio de Janeiro)</p><p>Dr. Caio César Boschi (PUC Minas)</p><p>Drª. Cláudia Suely Rodrigues de</p><p>Carvalho (Fundação Casa de Rui</p><p>Barbosa/UFRJ)</p><p>Drª. Ivana Denise Parrela (Escola de</p><p>Ciência da Informação – UFMG)</p><p>Drª. Janice Gonçalves (UDESC)</p><p>Drª. Júnia Sales (Faculdade de</p><p>Educação – UFMG)</p><p>Dr. Luiz Henrique Assis Garcia</p><p>(UFMG)</p><p>Drª. Maria do Carmo Alvarenga</p><p>Andrade Gomes (Fundação João</p><p>Pinheiro)</p><p>Drª. Regina Horta Duarte (Faculdade de</p><p>Filosofia e Ciências Humanas –</p><p>UFMG)</p><p>Dr. Renato Pinto Venâncio (Escola de</p><p>Ciência da Informação – UFMG)</p><p>Drª. Silvana Bojanoski (UFPel)</p><p>Dr. Tiago dos Reis Miranda (CHAM –</p><p>Centro de História de Além-mar)</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>3</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>A REAPCBH é uma publicação eletrônica que tem por objetivo divulgar trabalhos</p><p>científicos que contribuam para o desenvolvimento dos debates sobre a história de Belo</p><p>Horizonte, assim como o campo de estudos arquivísticos. Graças à valiosa colaboração</p><p>de diversas pessoas que aceitaram dispensar seu tempo e seus conhecimentos em</p><p>avaliações criteriosas, a Revista chega a sua quarta edição. Agradecemos a atenção</p><p>dispensada e os trabalhos realizados com empenho e dedicação.</p><p>Agradecemos também ao Conselho Consultivo pela disposição em sempre nos orientar</p><p>no necessário.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>4</p><p>SUMÁRIO</p><p>Editorial ....................................................................................................................... 06</p><p>ARTIGOS</p><p>Relatos de Raul Tassini sobre a Pampulha: impressões que vão além do discurso da</p><p>Pampulha moderna ..................................................................................................... 08</p><p>Carolina Paulino Alcântara</p><p>Victor Tadeu de Oliveira Pereira</p><p>“Triste horizonte”: a Serra do Curral del Rey, o marco geográfico da capital de</p><p>Minas (1897-1975) ....................................................................................................... 30</p><p>Alessandro Borsagli</p><p>A formação urbana de Belo Horizonte: o parque municipal e o viaduto Santa</p><p>Tereza .......................................................................................................................... 53</p><p>Gabriel Esteves Campos Costa</p><p>O "Projeto Lagoinha" na cidade de Belo Horizonte: memória e esquecimento nas</p><p>comemorações do centenário (década de 1990) ...................................................... 72</p><p>Renata Lopes</p><p>Memória documental: um importante contributo para a compreensão do processo</p><p>de desorganização social no hipercentro de Belo Horizonte</p><p>...................................................................................................................................... 95</p><p>Bruna Hausemer</p><p>As árvores e a cidade: temas de pesquisa no catálogo de fontes sobre arborização em</p><p>Belo Horizonte .......................................................................................................... 120</p><p>Carolina Marotta Capanema</p><p>Avenida Afonso Pena – Belo Horizonte/MG: análise de suas três espacialidades</p><p>(baixa, média e alta) ................................................................................................ 150</p><p>Fernando Henrique da Silva Roque</p><p>Jackson Junio Paulino de Morais</p><p>Lana Marx de Souza</p><p>Regina Gonçalves Bastos</p><p>Winnie Parreira Patrocínio</p><p>Reconstruindo uma memória esquecida: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário</p><p>de Contagem em seus primórdios e o lugar do povo negro ............................... 169</p><p>Kelly Rabello</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>5</p><p>A frequência e as temáticas de uso no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>pelos estudantes do curso de História da UFMG ..................................................... 192</p><p>Bruna Michels</p><p>Rafaela Patente</p><p>Eugenia e raça em Belo Horizonte: um discurso a partir da Revista Alterosa ...... 212</p><p>Ivana Morais Silva de Carvalho</p><p>Lucimar Lacerda Machado</p><p>Memória e manifestações Art Déco nas páginas de Bello Horizonte .................... 237</p><p>Carlos Eduardo de Almeida Oliveira</p><p>Ensino de história, educação patrimonial e relações de gênero: uma análise da</p><p>oficina desvendando o arquivo público .................................................................... 253</p><p>Tiago Vidal Medeiros</p><p>Pensar as ações educativas do Museu Casa Kubitschek: abordagens e práticas</p><p>experimentais para a educação em museus ............................................................. 265</p><p>Ana Karina Ribeiro Bernardes</p><p>Pollyanna Lacerda Machado</p><p>(Re) descobrindo a Pampulha: patrimônio, discursos e alteridade</p><p>...................................................................................................................................... 279</p><p>Ana Carolina</p><p>Bernardo Guimarães</p><p>Bryan Martins</p><p>Gustavo Dias</p><p>Gustavo Matos</p><p>Marco Antônio</p><p>Náthalekaren Oliveira</p><p>Scarlath Ohana</p><p>Tamires Celi da Silva</p><p>SEÇÃO - ARQUIVO NA SALA DE AULA</p><p>Proposta pedagógica</p><p>Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que</p><p>não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.</p><p>COSTA, Ângela Marques da; SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1890-1914: no tempo das</p><p>certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (Virando séculos).</p><p>FERREIRA, Luana Maia. As várias Pampulhas, no tempo e no espaço (1900-1950). In:</p><p>PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na</p><p>leitura do Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico Abílio</p><p>Barreto, 2007. p.45-72.</p><p>GARCIA, Luiz Henrique Assis. Ruptura e expansão: Pampulha em contrastes (1954-</p><p>1979). In: PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da</p><p>cidade na leitura do Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico</p><p>Abílio Barreto, 2007. p.89-110.</p><p>GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP,</p><p>1991.</p><p>GORELIK, Adrián. O moderno em debate: cidade, modernidade, modernização. In:</p><p>MIRANDA, Wander Melo (org.). Narrativas da modernidade. Belo Horizonte:</p><p>Autêntica, 1999. p. 55-81.</p><p>JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna: 1891-1920. In:</p><p>DUTRA, Eliana Freitas (Org.). BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/ARTE,</p><p>1996. p.49-118.</p><p>KROPF, Simone Petraglia. Sonho da razão, alegoria da ordem: o discurso dos</p><p>engenheiros sobre a cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século</p><p>XX. In: HERSCHMANN, Micael et al. Missionários do Progresso: médicos,</p><p>engenheiros e educadores no Rio de Janeiro. 1870-1937. Rio de Janeiro: Diadorim,</p><p>1996. p. 69-155.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>29</p><p>LEMOS, Celina Borges. Belo Horizonte nas décadas de 1940/1950 e o impacto da</p><p>Pampulha. In: CASTRO, Mariângela; FINGUERUT, Sílvia (Org.). Igreja da Pampulha:</p><p>restauro e reflexões. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. p. 60-74.</p><p>LIMA, Pablo Luiz de Oliveira. Múltiplos significados da Pampulha na metrópole (1980-</p><p>2007). In: PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da</p><p>cidade na leitura do Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico</p><p>Abílio Barreto, 2007. p.125-147.</p><p>Novos Registros resgata a história de fundação do Museu Histórico Abílio Barreto.</p><p>Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 2007. Disponível em:</p><p>http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=33759&ch</p><p>Plc=33759. Acesso em: 09 de Outubro de 2017.</p><p>PAMPULHA, MARAVILHA DO CINQUENTENARIO, Estado de Minas, 12 de</p><p>dezembro de 1947, p. 6.</p><p>PEREIRA, André Mascarenhas. Traços de Belo Horizonte: A contribuição dos</p><p>caricaturistas para o Modernismo na Cidade Moderna. (2011. 212f.) Dissertação</p><p>(Mestrado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas</p><p>Gerais, Belo Horizonte, 2011.</p><p>PESAVENTO, Sandra J. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. Porto</p><p>Alegre: Editora da UFRGS, 2002.</p><p>PIMENTEL, Thais Velloso Cougo. Belo Horizonte ou o estigma da cidade moderna.</p><p>VARIA HISTORIA. n. 18: p.61-66, Set. 1997.</p><p>PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na</p><p>leitura do Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico Abílio</p><p>Barreto, 2007.</p><p>POLLAK, Michael. Memória e Identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro.</p><p>Volume 5, n. 10: p. 200-212. 1992.</p><p>POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de</p><p>Janeiro. Volume 2, n. 3. p. 3-15. 1989.</p><p>ROMERO, José Luis. As cidades burguesas. In: ROMERO, José Luis. América Latina:</p><p>as cidades e as ideias. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. p. 283-353.</p><p>SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-siècle: política e cultura. São Paulo: UNICAMP,</p><p>1990. 373p.</p><p>TASSINI, Raul. Verdades históricas e pré-históricas de Belo Horizonte, antes Curral</p><p>D´El Rey. Belo Horizonte, 1947.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>30</p><p>“TRISTE HORIZONTE”: A SERRA DO CURRAL DEL REY, O MARCO</p><p>GEOGRÁFICO DA CAPITAL DE MINAS (1897-1975)</p><p>“SAD HORIZON”: THE SERRA DO CURRAL DEL REY, THE GEOGRAPHY</p><p>FRAME OF MINAS CAPITAL (1897-1975)</p><p>Alessandro Borsagli*34</p><p>Resumo</p><p>Nesse artigo será realizada uma abordagem histórico-geográfica da Serra do Curral del</p><p>Rey, um dos principais marcos geográficos referenciais para a ocupação do território na</p><p>qual se construiu a nova capital de Minas Gerais. O alinhamento montanhoso é</p><p>considerado atualmente patrimônio natural de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que</p><p>sofreu inúmeras alterações antrópicas ao longo do processo de desenvolvimento urbano</p><p>da capital. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo elaborar um histórico do</p><p>alinhamento montanhoso desde a inauguração da nova capital até o rebaixamento do</p><p>perfil da serra, ocorrido entre as décadas de 1960 e 1970, assim como definir qual a</p><p>posição da sociedade perante a metamorfose ocorrida na paisagem urbana de Belo</p><p>Horizonte. A análise pretende ainda esclarecer os motivos pelos quais a Serra do Curral</p><p>não despertava a atenção da sociedade, fato que possivelmente contribuiu para o descaso</p><p>acerca dos elementos naturais no município.</p><p>Palavras chave: Serra do Curral; Espaço urbano; Paisagem urbana.</p><p>Abstract</p><p>This article introduces a geography and historic approach about Serra do Curral del Rey,</p><p>one of the most important geography referential to territorial occupation of new Minas</p><p>Gerais Capital. Nowadays, this mountain is considered a natural patrimony of Belo</p><p>Horizonte, at the same time it suffered many human changes. In this sense, this article</p><p>tries understanding the factors that contributed to decrease of geographic relief, which</p><p>occurred between 1960 and 1970 decades. Besides that, this article pretends understand</p><p>the society position in front of the metamorphosis occurred in Belo Horizonte urban</p><p>space. This analysis pretends to clarify the motivations that the Serra do Curral did not</p><p>Graduado em Geografia pela PUC Minas e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em</p><p>Geografia/Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas. Autor do site curraldelrey.com e do livro</p><p>Rios Invisíveis da Metrópole Mineira. Email: borsagli@gmail.com</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>31</p><p>wake up the society attention, which probably has contributed to neglecting around to</p><p>municipal natural elements.</p><p>Keywords: Serra do Curral; Urban space; Urban landscape.</p><p>Introdução</p><p>Belo Horizonte possui uma identidade histórica e ignorada por muitos devido ao</p><p>distanciamento das raízes ambientais, a partir da negação do convívio entre o natural e o</p><p>urbano promovida pelas sociedades modernas. Essa identidade invisível é a Serra do</p><p>Curral del Rey (Figura 01), parte de um importante complexo de montanhas que se</p><p>estendem por cerca de 93 km na direção leste/oeste, desde a região de Carmo do Cajuru</p><p>até as proximidades da cidade de Caeté, a oeste da Serra do Espinhaço.</p><p>Figura 01 – Vista parcial de Belo Horizonte, ao fundo parte da Serra do Curral.</p><p>Fonte: APCBH Coleção José Góes</p><p>A Serra do Curral é o testemunho do relevo de uma região notável pelas suas</p><p>diversas orogêneses ao longo da evolução do planeta. A Serra apresenta altitudes que</p><p>atingem 1520 metros de altitude (Pico José Vieira) e o que se vê atualmente é o resultado</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>32</p><p>de um processo erosivo diferencial, na qual as áreas mais suscetíveis à erosão sofreram</p><p>maior rebaixamento em relação às áreas mais resistentes às intempéries35.</p><p>As formações geológicas do Quadrilátero Ferrífero apresentam características</p><p>interessantes no que diz respeito à composição e às suas estruturas que atestam a</p><p>monumentalidade das montanhas da região e da ação dos processos erosivos desde a</p><p>última orogênese ocorrida há centenas de milhões de anos atrás.</p><p>Nesse contexto, o ribeirão Arrudas assumiu um papel importante no processo de</p><p>rebaixamento do relevo compreendido entre o complexo e as Serras da Contagem/Onça,</p><p>atuando no processo de conformação do sítio que abrigaria a capital de Minas Gerais.</p><p>As serras do complexo que compõem a porção norte do quadrilátero se apresentam</p><p>com diversas denominações regionais (Figura 02):</p><p>Figura 02 – Mapa do Complexo da Serra do Curral e respectivas denominações.</p><p>Fonte: Brasil Visto do Espaço (elaborado por Alessandro Borsagli, 2016).</p><p>De oeste para leste, Serras de Itatiaiuçu e Igarapé, Serra Azul, Serra dos Três</p><p>Irmãos, Serra da Jangada, Serra do Rola Moça, Serra do José Vieira, Serra da Mutuca,</p><p>Serra da Água Quente, Serra do Curral del Rey, Serra do Taquaril e Serra da Piedade.</p><p>Essas serras são transpostas por dois rios, o Rio Paraopeba, pouco abaixo da cidade de</p><p>35 VARAJÃO, C.A.C.et al., 2009, p.1410.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>33</p><p>Brumadinho na garganta denominada Fecho do Funil e o Rio das Velhas na altura de</p><p>Sabará, onde suas águas encontram o maciço curralense.</p><p>Nesse artigo será realizada uma abordagem histórico-geográfica da Serra do</p><p>Curral del Rey, um dos principais marcos geográficos referenciais para a ocupação do</p><p>território no qual se construiu a nova capital de Minas Gerais. A Serra do Curral, protegida</p><p>pela Lei Orgânica do município desde o ano de 199036, é vista atualmente como um</p><p>patrimônio natural e de identidade de uma capital diversas vezes reinventada ao longo do</p><p>processo de desenvolvimento urbano.</p><p>Dessa forma, busca-se ainda a compreensão dos fatores que contribuíram para o</p><p>rebaixamento do perfil da serra ocorrido entre as décadas de 1960 e 1970, bem como qual</p><p>a posição da sociedade perante a metamorfose ocorrida na paisagem urbana de Belo</p><p>Horizonte.</p><p>É de suma importância o conhecimento dos processos que culminaram na</p><p>destruição de uma porção do perfil do maciço de ferro, no qual a cidade possivelmente</p><p>assistiu à mutilação de maneira impotente e algumas vezes indiferente, visto a austeridade</p><p>do período e a crença de que a exploração mineral era necessária para a cidade e para a</p><p>evolução da própria sociedade.</p><p>A serra e a cidade</p><p>Conhecida e explorada desde o século XVIII a Serra das Congonhas, nome</p><p>primitivo da Serra do Curral, não foi alvo assíduo dos mineradores que se espalharam por</p><p>toda a região das Minas durante o século do ouro, salvo algumas exceções como as</p><p>concessões de lavras auríferas na Serra do Mutuca, da qual existem vários vestígios pouco</p><p>estudados37 e da pequena exploração que existiu na Serra do Taquaril, em meados do</p><p>século XIX, da qual deu notícia o viajante e explorador inglês Richard Burton38 no ano</p><p>36 21 de março de 1990: Entre outras coisas: Art. 224 - Ficam tombados para o fim de preservação e</p><p>declarados monumentos naturais, paisagísticos, artísticos ou históricos, sem prejuízo de outros que</p><p>venham a ser tombados pelo Município:</p><p>I - o alinhamento montanhoso da Serra do Curral, compreendendo as áreas do Taquaril ao Jatobá;</p><p>II - as áreas de proteção dos mananciais;</p><p>37 Tais concessões datam da primeira metade do século XVIII e juntas elas formavam um complexo</p><p>minerário que se estendia desde a Serra do Mutuca até a Serra da Moeda. Muitas dessas lavras eram ilegais</p><p>e foram desmanteladas pela Coroa ou mesmo abandonadas, quando do início da decadência da exploração</p><p>do ouro. Ainda é possível identificá-las a olho nu em diversos pontos da serra.</p><p>38 BURTON, 1976, p.501.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>34</p><p>de 1865 e Samuel Gomes Pereira no ano de 1893, ao estudar os aspectos do arraial de</p><p>Belo Horizonte para sediar a nova capital39. O minério de ferro explorado nesse período,</p><p>por ter sido realizado de forma pontual e superficial, não acarretou em alterações</p><p>perceptíveis na Serra do Curral.</p><p>É importante ressaltar que as serras, assim como os cursos d’água, eram batizadas</p><p>de acordo com a tradição toponímica portuguesa, nas quais os elementos recebiam os</p><p>nomes de acordo com a primeira impressão que se tinha ao chegar a uma determinada</p><p>região, ou um evento extraordinário ocorrido no local ou mesmo alguma localidade ou</p><p>propriedade importante, não se esquecendo da influência indígena nos topônimos. Um</p><p>exemplo dessa influência é Congonhas40, nome de uma erva com propriedades anti-</p><p>inflamatórias que certamente se abundava na região, uma herança indígena quase</p><p>desconhecida e preservada a partir do contato dos forasteiros com os donos do solo</p><p>mineiro.</p><p>A Serra das Congonhas era considerada o marco geográfico dos arraiais de</p><p>Congonhas de Sabará e do Curral Del Rey, povoados que surgiram aos seus pés nos</p><p>primeiros anos do século XVIII. A serra desde os tempos coloniais era utilizada como</p><p>ponto de referência para quem vinha dos caminhos dos Sertões para o arraial ou para</p><p>outros arraiais e vilas que foram fundadas nas suas imediações. De maneira semelhante,</p><p>o Pico do Itacolomi representava para os viajantes a principal referência geográfica de</p><p>Vila Rica e Mariana. E pelo fato do Curral del Rey, importante entreposto entre os Sertões</p><p>e as Minas, ter se consolidado aos seus pés no início do século XVIII, o notável maciço</p><p>de ferro receberia o nome do lustroso Curral del Rey.</p><p>Sentinela dos caminhos que levavam às minas, o maciço permaneceu quase</p><p>virgem durante os áureos anos do século XVIII e durante parte do século XIX, salvo as</p><p>explorações iniciadas pela Taquaril Gold Mining Company limited, formada no ano de</p><p>1867 e pelas prospecções e transposições realizadas pela Saint John del Rey Mining</p><p>Company limited (Morro Velho), proprietária de grandes porções de terra ao longo da</p><p>Serra do Curral41.</p><p>A Serra do Curral engloba ainda outras denominações de nível local, como a Serra</p><p>do Acaba Mundo e a Serra do Taquaril, que batizavam os locais correspondentes às</p><p>39 MINAS GERAES, 1893, p.20.</p><p>40 Barbosa, 1971: Congonhas de Sabará foi à primeira denominação da cidade de Nova Lima, que também</p><p>já se chamou Villa Nova de Lima, assim batizada quando da sua emancipação, no ano de 1891.</p><p>41 BORSAGLI, 2017, p.96.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>35</p><p>extrações minerais nas cotas mais baixas da serra. O Acaba Mundo havia sido explorado</p><p>pela Morro Velho e o Taquaril fornecia além do tão afamado mármore, algum ouro</p><p>explorado pelos ingleses da referida Companhia, falindo poucos anos após a concessão,</p><p>na década de 187042. Certamente a serra e o próprio</p><p>quadrilátero já despertaram a atenção</p><p>dos estrangeiros para o seu potencial ferrífero, a ser explorado em momento conveniente.</p><p>A Serra do Curral forneceu ainda o minério de ferro para a fábrica construída na</p><p>confluência do córrego da Serra e ribeirão Arrudas pela Companhia Progressiva</p><p>Sabarense, iniciativa que durou pouco menos de dez anos, sendo a estrutura e os terrenos</p><p>vendidos para a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), que se instalou no</p><p>arraial no início do ano de 1894.</p><p>A CCNC logo após a sua chegada deu início aos estudos necessários para a</p><p>elaboração da Planta da nova capital do Estado. Os trabalhos de topografia e geodesia</p><p>apontaram que a cidade planejada deveria ser construída ao longo das cotas mais baixas</p><p>da Serra do Curral, transpondo em alguns trechos a acentuada declividade para fins</p><p>hierárquicos, figurando o paredão da serra como beleza cênica para a urbe planejada.</p><p>Nesse contexto, quando Aarão Reis apresentou a Planta no ano de 1895 pôde se</p><p>compreender que o projeto dava maior importância à perspectiva da Serra do Curral que,</p><p>obrigatoriamente, seria vista de toda a cidade planejada encaixada entre a serra e o vale</p><p>do ribeirão Arrudas e ainda da zona suburbana, que buscava uma relativa harmonia entre</p><p>os seus arruamentos e as curvas de nível das montanhas limítrofes ao paredão43.</p><p>O Morro do Cruzeiro, ponto final da Avenida Afonso Pena, figurava como a divisa</p><p>entre o natural e o racional, destinado a abrigar o novo templo dedicado à Nossa Senhora</p><p>da Boa Viagem, no cume da cidade e no sopé das montanhas. A cruz, que aí existiu</p><p>(Figura 03), era local de peregrinação dos curralenses impossibilitados de se dirigir ao</p><p>pico do Curral del Rey e marcava o início da serra, que então não se resumia ao paredão.</p><p>42 MINAS GERAES, 1893, p.20.</p><p>43 BORSAGLI, 2016, p.52.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>36</p><p>Figura 03 – Morro do Cruzeiro no ano de 1895. À esquerda o Pico Belo Horizonte.</p><p>Fonte: APCBH acervo CCNC</p><p>Na verdade, o perímetro da nova capital fora delimitado pela CCNC entre as duas</p><p>importantes serras limítrofes ao velho arraial, ou seja, ao sul pela Serra do Curral e ao</p><p>norte pela Serra da Onça, uma importante serra atualmente urbanizada e quase nula na</p><p>paisagem, salvo o seu perfil parcialmente preservado e completamente adensado.</p><p>A Serra da Onça, com altitudes que variam entre 850 e 950 metros é o maciço</p><p>divisor das bacias dos ribeirões Arrudas e Onça, motivo pelo qual se transformou no</p><p>marco geográfico de divisão entre a cidade e as áreas rurais do município até a década de</p><p>1930, quando o tecido urbano extrapolou as montanhas granito-gnáissicas em direção aos</p><p>povoados da Pampulha, da Onça e da Venda Nova.</p><p>Uma serra quase intocada</p><p>Após a inauguração da capital, a Serra do Curral permaneceu praticamente</p><p>intocada44 nas primeiras décadas do século XX, salvo as captações dos mananciais da</p><p>Serra e do Cercadinho, a instalação das torres da Cia. Força e Luz nas terras atualmente</p><p>pertencentes ao Parque das Mangabeiras, que conduziam à capital a energia gerada na</p><p>Represa Rio de Pedras construída em Acuruí para essa finalidade, e as estradas que</p><p>44 “Intocada” se refere a inexistência da exploração ferrífera em larga escala no período abordado pelo</p><p>subcapitulo (1897-1950).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>37</p><p>obrigatoriamente passavam pela serra, destacando-se a velha estrada para Villa Nova de</p><p>Lima, abandonada alguns anos após a inauguração da capital, devido à dificuldade da sua</p><p>conservação, no trecho correspondente ao entorno do Pico Belo Horizonte.</p><p>Nesse período as excursões e os piqueniques faziam parte do cotidiano da cidade,</p><p>cuja população aproveitava os belos finais de semana para se divertir no Alto do Cruzeiro,</p><p>ao lado da caixa d’água45 ou mesmo nas partes mais altas, uma verdadeira aventura para</p><p>os citadinos que buscavam paz em meio a uma capital de interior que se encontrava em</p><p>iminente transformação. Belo Horizonte não apresentava muitas alternativas de lazer e a</p><p>Serra do Curral, com suas águas geladas e cumes convidativos à contemplação era uma</p><p>das opções mais procuradas junto com o Parque Municipal e o Prado Mineiro. A serra</p><p>proporcionaria ainda a prática de caça, que acontecia nas proximidades da Lagoa Seca.</p><p>Até a década de 1920, a Serra do Curral (Figura 04) proporcionou não só o lazer</p><p>da população, mas também garantiu o abastecimento de água de Belo Horizonte a partir</p><p>da extensão da captação dos cursos d’água que nascem em suas vertentes na direção oeste,</p><p>correspondentes a região do Barreiro/Ibirité46.</p><p>Apesar da abundância hídrica, as águas supririam a demanda do município até</p><p>meados da década de 193047, quando a capital entrou em um déficit que só se resolveu no</p><p>ano de 1973.</p><p>45 Revista Fon Fon edição 27, p.20.</p><p>46 BORSAGLI, 2016, p.61.</p><p>47 FJP, 1997, p.90.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>38</p><p>Figura 04 - A cidade e a serra, desde o mirante do edifício Ibaté por volta de 1936.</p><p>Acervo MHAB</p><p>A década de 1930 trouxe além das profundas mudanças físicas, econômicas e</p><p>sociais ocorridas após a Revolução de 30 o Decreto nº 24.642 (Código de Minas) que</p><p>instituiu diretrizes para a exploração mineraria no Brasil. Poucos dias após o decreto foi</p><p>estabelecida pela nova Constituição que toda e qualquer exploração mineral empreendida</p><p>no país, pesquisas e concessões só poderiam ser realizadas por empresas organizadas no</p><p>Brasil e por seus cidadãos. Era o ponto de partida para a exploração em larga escala de</p><p>um recurso explorado pontualmente desde as primeiras décadas do século XIX, extraído</p><p>por pequenas companhias espalhadas pela região de Itabira e pelo Quadrilátero Ferrífero.</p><p>É importante ressaltar que, anterior ao Código de Minas, durante o mandato do</p><p>presidente Arthur Bernardes (1922-1926) houve um notável protecionismo relacionado a</p><p>exploração do minério de ferro perante os interesses das companhias estrangeiras que</p><p>chegavam a Minas, destacando-se a Companhia siderúrgica Belgo-Mineira, fundada no</p><p>ano de 1921 e a Itabira Iron, sociedade inglesa formada na década de 1910 que pretendia</p><p>explorar as montanhas ferríferas da região de Itabira a partir de concessões polêmicas,</p><p>rechaçadas por Bernardes durante o seu governo48.</p><p>Poucos meses após o sancionamento do Código de Minas, mais precisamente em</p><p>outubro de 1934, foi constituída a Companhia de Mineração Novalimense visando à</p><p>exploração das grandes jazidas pertencentes a St. John d’El Rey Mining Company, sócia</p><p>majoritária da companhia recém-formada. As jazidas foram reclamadas pela mesma</p><p>companhia no ano seguinte, incluindo ainda as terras dolomíticas das bordas da Serra do</p><p>Curral já exploradas superficialmente pela companhia inglesa e as terras denominadas</p><p>Fazenda Morro Velho ou Águas Claras, no limite dos municípios de Nova Lima e Belo</p><p>Horizonte49.</p><p>Caso resolvesse explorar as terras de sua propriedade, a companhia inglesa</p><p>transferiu no ano de 1938 para a Cia Mineração Novalimense as jazidas de minério de</p><p>ferro da Serra do Curral, Capão Xavier e diversas minas na região da Cata Branca, no</p><p>município</p><p>de Itabirito, medidas que visavam garantir a exploração futura por parte da</p><p>companhia.</p><p>48 COELHO, 2001, p.19.</p><p>49 MATA MACHADO, 2003, p.6.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>39</p><p>Os anos seguintes se caracterizam pela flexibilização das leis que restringiam a</p><p>participação estrangeira nas explorações minerais no país. Entre trabalhos geológicos</p><p>realizados em parceria com os Estados Unidos e argumentos favoráveis à participação</p><p>estrangeira na exploração e exportação mineral, iniciaram-se os estudos visando à</p><p>exploração mineral da Serra do Curral, a partir da concessão municipal para a perfuração</p><p>de quatro túneis de pesquisa à montante da captação do córrego da Serra50, próximo das</p><p>suas cabeceiras.</p><p>É importante ressaltar que a própria Prefeitura, detentora de grandes porções de</p><p>terras ao longo da Serra do Curral altamente cobiçadas pela qualidade dos minérios de</p><p>ferro, em particular a hematita compacta que aflorava em diversos locais do maciço, já</p><p>possuía planos de explorar as terras, vistas como imprescindíveis para equilibrar o déficit</p><p>financeiro do município recém emancipado do Estado.</p><p>Quatro anos após a emancipação da capital, mais precisamente no ano de 1951,</p><p>entrou em atividade nas terras da exaurida pedreira do Acaba Mundo, a Mineração Lagoa</p><p>Seca cuja extração da dolomita, mineral cárstico encontrado na base do maciço</p><p>curralense, contribuiu para a alteração do regime hídrico do córrego do Acaba Mundo.</p><p>Ferrobel/Águas Claras: o horizonte perdido</p><p>Visto o cenário favorável à exploração mineral no Brasil a partir das concessões</p><p>dadas pelo Governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1961) para as empresas</p><p>estrangeiras51 e a flexibilização das leis referentes às jazidas, nos primeiros meses do ano</p><p>de 1958, a Hanna Mining, que obtivera autorização para atuar no país sob o título de</p><p>Mineração Hannaco LTDA52, adquiriu em Londres as ações da St. John del Rey Mining</p><p>Co. para ter acesso às riquíssimas minas de ferro com cerca de dois bilhões de toneladas</p><p>de minério de alto teor das montanhas53.</p><p>Poucos meses após a aquisição do centenário grupo inglês, foi firmado um</p><p>contrato entre a Hannaco, St. John del Rey e Cia Novalimense, cuja companhia inglesa</p><p>era acionista majoritária para a exploração mineral das jazidas pertencentes às duas</p><p>50 MATA MACHADO, 2003, p.7.</p><p>51 MATA MACHADO, 2003, p.17.</p><p>52 Durante a administração federal de JK foram 31 concessões dadas à Hannaco para exploração de jazidas</p><p>no Quadrilátero, todas estritamente conectadas às pretensões da companhia norte americana.</p><p>53 Revista Time, 10 março de 1958.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>40</p><p>últimas. Após o acordo firmado entre o mesmo grupo, foi criada a Mineração Curral del</p><p>Rey Ltda. pertencente a St. John del Rey.</p><p>Era o indício que faltava para que o Governo do Estado solicitasse ao</p><p>Departamento do Patrimônio histórico e Artístico Nacional (DPHAN) o tombamento da</p><p>Serra do Curral54. Nesse momento o Estado reconheceu a importância da Serra do Curral</p><p>para Belo Horizonte não só pela beleza cênica e paisagística, mas também cultural,</p><p>histórica e urbanística, visto que a cidade fora pensada e planejada para que se</p><p>vislumbrasse o maciço de qualquer ângulo do perímetro planejado. Nesse contexto José</p><p>Francisco Bias Fortes, por meio do departamento jurídico do Estado solicitou o</p><p>tombamento da serra como um “bem do patrimônio artístico nacional, com sua silhueta</p><p>inconfundível e bem característica, tão ligada à nossa capital” (MATA MACHADO, 2003,</p><p>p.12).</p><p>Ainda assim, os estudos continuaram de modo a possibilitar a exploração mineral</p><p>da serra, visto que o município de Belo Horizonte era o proprietário da superfície do</p><p>maciço. Ao que tudo indica o poder público municipal não estava preocupado em manter</p><p>a integridade da serra e sim em proteger as reservas de ferro de sua propriedade, mirando</p><p>a exploração futura e em consequência o incremento do sofrido erário municipal.</p><p>Tombado parcialmente o perfil da Serra do Curral e o Pico Belo Horizonte em 21</p><p>de setembro de 1960, supunha-se que a pérola serrana de Belo Horizonte estaria protegida</p><p>da voracidade mineraria que agia ininterruptamente nos bastidores da política e da própria</p><p>administração municipal que não aceitava o tombamento, apesar do perímetro de proteção</p><p>federal não abranger as terras abaixo da cota 1.200, não contrariando assim os fortes</p><p>interesses privados e do próprio poder público.</p><p>Sabendo dos planos municipais para a exploração do minério de ferro, Rodrigo de</p><p>Melo Franco, diretor do DPHAN solicitou ao chefe do 3º Distrito, Sylvio de</p><p>Vasconcellos, esclarecimentos acerca da questão noticiada pelos jornais da capital. A</p><p>resposta por parte da administração municipal veio dois meses mais tarde, contestando o</p><p>tombamento sob a justificativa de prejudicar o patrimônio do município. O procurador</p><p>geral da Prefeitura argumentou que o tombamento foi “inscrito no Livro do Tombo da</p><p>Diretoria, como se nestes sítios veneráveis serpentasse a linfa arrancada à rocha pelo</p><p>54 MATA MACHADO, 2003, p.12.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>41</p><p>bordão de Pedro ou se descobrisse numa das furnas da Serra a urna mirífica de algum</p><p>êmulo tupiniquim de Ramsés Segundo” (MATA MACHADO, 2003, p.23).</p><p>O tombamento não vedava a exploração mineral na serra e a expansão do tecido</p><p>urbano para as proximidades do paredão, como observado pelo então chefe do DPHAN</p><p>em Belo Horizonte Sylvio de Vasconcellos:</p><p>As encostas da serra, do lado da capital, compreendem uma faixa, em projeção,</p><p>de cerca de um quilometro, estando já em alguns trechos de suas fraldas e</p><p>contrafortes ou ocupados por favelas ou por loteamentos e minerações (...) o</p><p>uso desta região para loteamento e mineração, pelo menos em seus trechos</p><p>limítrofes à área urbanizada, apresenta-se como uma natural contingencia já</p><p>em curso, cujo estancamento suscitaria serias dificuldades (MATA</p><p>MACHADO, 2003, p.13).</p><p>Em meio a questão, o município criou no dia 30 de outubro de 1961 a empresa</p><p>Ferro de Belo Horizonte (FERROBEL) de capital misto55, através da Lei Municipal Nº</p><p>898, instalando-se nas cabeceiras do córrego da Serra. A jazida apresentava originalmente</p><p>uma extensão de 2.800 metros, contendo não só a hematita e o itabirito, mas também a</p><p>dolomita, já explorada na Mina do Acaba Mundo.</p><p>A FERROBEL (Figura 05), de acordo com a administração municipal56 fora</p><p>criada para promover a industrialização do município a partir dos resultados financeiros</p><p>alcançados pela exploração mineral. Um argumento interessante, visto que Belo</p><p>Horizonte já havia passado pelo surto industrial pós-1930 e se encontrava em franca</p><p>metropolização proporcionada pela consolidação do polo industrial de Contagem.</p><p>55 A prefeitura possuía 70% das ações e o restante aos acionistas.</p><p>56 Relatório do prefeito Amintas de Barros (1962), p.116.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4,</p><p>n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>42</p><p>Figura 05 - Vista da Mina das Mangabeiras desde a crista da Serra na década de 1960.</p><p>Fonte: APCBH/ASCOM</p><p>Jânio Quadros, que sucedera a JK na Presidência da República, recebera meses</p><p>antes da sua renúncia um relatório que expunha as irregularidades nas concessões para</p><p>exploração do minério de ferro, incluindo a lavra de Águas Claras, cuja averbação foi</p><p>cancelada em 1962 a mando do ministro de Minas e Energia, Gabriel Passos, que</p><p>determinou a desapropriação das lavras cassadas, que passaram a integrar uma sociedade</p><p>cuja União seria sócia majoritária57. É interessante observar que as investigações</p><p>conduzidas pela Assembleia Legislativa acerca das irregularidades nas concessões do</p><p>poder público a Hannaco fora extinta no ano de 1961 sem apresentar resultado algum.</p><p>Nesse contexto, a cassação da concessão de Águas Claras deu sobrevida ao</p><p>intocado perfil da Serra do Curral, ao mesmo tempo em que a Cia Novalimense e o seu</p><p>presidente Lucas Lopes, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDE no governo</p><p>JK e um dos sócios da Consultec, empresa que prestava serviços à dita Companhia,</p><p>telegrafou ao presidente João Goulart protestando contra a cassação dos direitos minerais</p><p>da Companhia, da mesma forma que havia feito o embaixador estadunidense no Brasil</p><p>57 Tribunal Federal de Recursos, processo 29.881, 1962; in: MATA MACHADO, 2003, p.30.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>43</p><p>dias antes58 Lincoln Gordon, o embaixador que “sabe fazer amigos”59 que chegou a visitar</p><p>a capital mineira, sendo recebido pelo Governador Magalhaes Pinto e por diversos</p><p>segmentos que louvavam a aliança para o progresso, motivo alegado para sua visita à</p><p>sentinela das jazidas ferruginosas.</p><p>Em meio ao impasse Hanna/Novalimense, que culminaria com a confirmação</p><p>jurídica do ato de Gabriel Passos e a busca por alternativas que viabilizassem a</p><p>exploração, o município solicitou ao DPHAN, no final de 1962, a liberação para</p><p>exploração da área denominada Mina das Mangabeiras não pertencente ao perímetro</p><p>abrangido pelo tombamento, para a qual foi atendida positivamente, entrando a mina em</p><p>funcionamento no ano de 1963 sob a gestão do prefeito Jorge Carone.</p><p>O ano de 1964 representou uma reviravolta no caso Águas Claras, nacionalizada</p><p>pelo Governo Federal a partir das irregularidades encontradas quando da liberação da área</p><p>para exploração mineral. A Cia Novalimense entrou com um novo recurso poucos dias</p><p>após a derrocada de Jango, visto as mudanças que se vislumbravam no horizonte. E entre</p><p>mudanças e revogações no Código de Minas, deu-se a associação entre a Hanna e a</p><p>Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração60 para a exploração das jazidas de ferro</p><p>pertencentes à primeira, no mês de novembro de 1964. Da associação nasce a Minerações</p><p>Brasileiras Reunidas S/A (MBR)61 que exploraria a jazida de Águas Claras (Figura 06).</p><p>Entretanto, nem todas as agressões à serra vinham através da mineração. Em meio</p><p>à metropolização e a congestão urbana da região central, o tecido urbano da capital</p><p>começou a se expandir para as partes mais altas do município, alcançando o sopé do</p><p>paredão da Serra do Curral. No ano de 1966, através do decreto 1.466 foi criado o Parque</p><p>das Mangabeiras nos terrenos em que a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração.</p><p>Com o decreto a companhia entregaria para a iniciativa privada os terrenos de sua</p><p>propriedade localizados abaixo da Mina das Mangabeiras com a finalidade da construção</p><p>de um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital.</p><p>58 Ibid., p.30.</p><p>59 Revista Três Tempos, 28 de maio de 1962, p.2.</p><p>60 MATA MACHADO, 2003, p.37.</p><p>61 Formada ainda pelas minerações pertencentes à Hannaco. Os grandes grupos de mineração foram</p><p>favorecidos a partir de 1967, com a alteração no Código de Minas e a nova Constituição.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>44</p><p>Figura 06 - Imagem aérea do ano de 1953 correspondente às jazidas da Ferrobel e Águas Claras.</p><p>APCBH Gabinete do Prefeito</p><p>O enrijecimento da ditadura a partir de 1968 coincidiu com as liberações de</p><p>exploração das minas pleiteadas há mais de dez anos, incluindo a liberação da lavra das</p><p>Águas Claras a partir do decreto 62.967 de 10 de julho, cabendo a Cia Novalimense a</p><p>posse da jazida no ano de 1970. Desse ano até o ano de 1973, ano do início dos trabalhos</p><p>de exploração, foram realizadas pequenas mudanças no projeto inicial da Hanna, acordos</p><p>entre a MBR e a Rede Ferroviária Federal para a construção de um ramal e o transporte</p><p>do minério de ferro, mudanças de diretoria e a absorção oficial da Cia Novalimense pela</p><p>MBR, visto que tal fato já havia ocorrido oito anos antes.</p><p>O arquiteto Sergio Porto, em um parecer referente ao tombamento da serra a partir</p><p>das consultas realizadas pelo 3º Distrito ao então presidente do IPHAN, Renato Soeiro,</p><p>alegou que o tombamento realizado há pouco mais de dez anos era confuso em relação à</p><p>área delimitada, recomendando o destombamento para permitir a exploração mineral,</p><p>visto a impossibilidade de conciliar os interesses privados e a proteção do monumento</p><p>natural.</p><p>Nesse ínterim, a Ferrobel celebrou um contrato de venda de minérios com a MBR,</p><p>comprometendo-se a pagar ao município um royalty de Cr$ 2,00 por tonelada, e o início</p><p>das atividades da Águas Claras após a conclusão do ramal férreo que ligava a mina ao</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>45</p><p>Ramal do Paraopeba na altura da estação de Ibirité foi o ponto de partida para a retomada</p><p>de uma ferrenha discussão sobre a “remoção da montanha mineira”62.</p><p>Hugo Werneck, um dos poucos ambientalistas do período, em um momento em</p><p>que defender o meio ambiente era empreender uma guerra contra o progresso se tornou</p><p>uma das vozes mais atuantes contra a destruição da serra, chegando a afirmar que o</p><p>resultado da exploração mineral abriria uma garganta na serra63 desfigurando-a</p><p>completamente.</p><p>Em poucos dias, a moldura da capital mineira, tão afamada pelos seus fundadores</p><p>e construtores e guardiã das águas e dos velhos caminhos coloniais, se desfigurou perante</p><p>uma cidade indefesa, que bradava nos jornais a sua indignação, como o jornalista</p><p>Xico Antunes:</p><p>Dias atrás, por acaso, olhei para a Serra do Curral, a serra da minha infância,</p><p>que esteve sempre presente em minha vida e levei um susto. A serra não era a</p><p>mesma, o seu rendilhado, a bela linha sinuosa e escarpada que marca o seu</p><p>encontro com o azul do céu, nada mais era do que uma reta dura e insensível,</p><p>insossa e sem alma. Era uma reta, uma reta terrível que, sem dúvida, poluía a</p><p>beleza do horizonte, mostrando que, muito em breve, Belo Horizonte terá que</p><p>mudar de nome, pois não terá mais Belo Horizonte. Eram as maquinas</p><p>terríveis, imensas escavadeiras, transportadoras transistorizadas, caminhões e</p><p>outros veículos menos votados liquidando com a paisagem da cidade,</p><p>enchendo o ar da poeira fina e venenosa do minério, poluindo, poluindo,</p><p>poluindo... (ANTUNES, 1974, p.4).</p><p>A proteção oficial, em contraposição à proteção federal, permitiu o rápido</p><p>desmonte dos 1.800 metros de crista da serra (Figuras 07 e 08), considerados pela MBR</p><p>“inexpressiva, em</p><p>face das dimensões do conjunto (...) que se tornará praticamente</p><p>imperceptível para um observador situado no centro de Belo Horizonte. Assim sendo,</p><p>pode-se afirmar que o perfil da serra do Curral não será substancialmente alterado”</p><p>(MATA MACHADO, 2003, p.49).</p><p>O início das atividades de Águas Claras no ano de 1974 e a rápida supressão da</p><p>crista curralense acabou por mobilizar a opinião pública de Belo Horizonte,</p><p>historicamente avessa às perdas ambientais sofridas com o cenário urbano de eterna</p><p>construção e de uma rápida e desenfreada expansão viária à custa da supressão do verde</p><p>e das águas de uma cidade antes afamada pela sua coexistência, verdadeira floresta urbana</p><p>que encantava a todos que a visitavam.</p><p>62 Jornal Opinião, fevereiro de 1974, p.7.</p><p>63 Ibid., p.7.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>46</p><p>Em meio ao cenário desolador, betuminoso, cinzento e agora coberto de poeira</p><p>férrea, poucas não eram as vozes que se levantavam em meio à submissão pública e de</p><p>alguns meios de comunicação. Carlos Drummond de Andrade, ao receber uma matéria</p><p>publicada no jornal Estado de Minas (1976)64, se despediu da cidade que o recebera em</p><p>sua juventude através do poema Triste Horizonte, que serviu de alerta para quem ainda</p><p>ignorava as perdas ambientais sofridas não só pelo município, mas também pelo Estado</p><p>e pelo próprio país:</p><p>(...) Fujo da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor. Tento</p><p>fugir da própria cidade, reconfortar-me em seu austero píncaro serrano. De lá</p><p>verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte sem escutar o rumor dos</p><p>negócios abafando a litania dos fiéis. Lá o imenso azul desenha ainda as</p><p>mensagens de esperança nos homens pacificados - os doces mineiros que</p><p>teimam em existir no caos e no tráfico. Em vão tento a escalada. Cassetetes e</p><p>revólveres me barram a subida que era alegria dominical de minha gente.</p><p>Proibido escalar. Proibido sentir o ar de liberdade destes cimos, proibido viver</p><p>a selvagem intimidade destas pedras que se vão desfazendo em forma de</p><p>dinheiro. Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com</p><p>o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala.</p><p>Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo. Jeremias me</p><p>avisa: Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhas tendas,</p><p>abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam. E todos os outeiros</p><p>estremeciam. Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada nada nada (DE</p><p>ANDRADE, 1976).</p><p>Figura 07 - Jornais Opinião e O Jornal de Minas (Diário de Minas) nos anos de 1973 e 1974, periódicos</p><p>que denunciaram os transtornos decorrentes da exploração mineral na Serra do Curral.</p><p>Fonte: Hemeroteca Histórica de Minas Gerais</p><p>64 Pela jornalista Maria Cristina Bahia Vidigal, impedida de subir a Serra do Curral por um funcionário da</p><p>MBR no ano de 1976, sob alegação de que a mesma pertencia à companhia, e ainda retrucando à indagação</p><p>da jornalista, que alegou que a serra pertencia à cidade “pois agora não sobem mais”.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>47</p><p>Figura 08 - Rebaixamento do perfil da Serra do Curral no ano de 1974 visto</p><p>desde o cruzamento da Avenida Brasil e Rua Cláudio Manoel.</p><p>Fonte: Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos/ EA-UFMG</p><p>Considerações Finais</p><p>Importante e imponente, a Serra do Curral e todo o seu complexo, guardiãs das</p><p>riquezas minerais do Quadrilátero Ferrífero e das melhores reservas de ferro do planeta,</p><p>repousou por milhões de anos livre da ação antropogênica, que em pouco tempo alterou</p><p>parcialmente a sua insistente beleza. Danos que as intempéries do ambiente, dentro do</p><p>processo natural de evolução geológica do planeta, levariam alguns milhares de anos para</p><p>realizar de forma menos agressiva.</p><p>A sua beleza cênica e a importância ambiental e simbólica para a região e para o</p><p>próprio arraial nascido, consolidado e arrasado aos seus pés, levou a Comissão</p><p>Construtora a valorizar o maciço e os seus arredores, como um importante marco</p><p>referencial da paisagem, figurando como o limite da cidade planejada, limitada nas cotas</p><p>mais baixas pelo ribeirão Arrudas, outro importante referencial geográfico.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>48</p><p>O que a CCNC compreendeu e tratou de emoldurar o espaço urbano, acabou por</p><p>se perder ao longo das décadas de acentuado crescimento urbano e das mudanças políticas</p><p>e econômicas no cenário nacional e mesmo mundial. Os valiosíssimos depósitos de ferro</p><p>do quadrilátero passaram a ser cobiçados pelas grandes potências mundiais, e da mesma</p><p>forma que o ouro mineiro foi a base do capital necessário para a Revolução Industrial na</p><p>imperial Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, o ferro viria a alimentar a cobiça imperial</p><p>armamentista dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, desbancando o</p><p>submisso Reino Unido no direito à exploração mineral no Quadrilátero.</p><p>Inexistia uma real consciência ambiental no período, e a pressa do Estado em</p><p>solicitar o tombamento diante da ameaça estrangeira é clara, visto que Juscelino</p><p>Kubitscheck, então presidente, buscava interceder em todas as esferas com o intuito de</p><p>desembaraçar as concessões de exploração mineral. Somente à Hanna foram cerca de</p><p>trinta concessões entre os anos de 1957 e 1958.</p><p>A partir de uma solicitação oficial, o perímetro do tombamento sugerido por</p><p>Sylvio de Vasconcellos, ciente da necessidade da proteção de uma grande porção da serra</p><p>por diversos aspectos, abrangeria uma área de 18 quilômetros de extensão, reduzida por</p><p>motivos econômicos quando do tombamento, a 1.800 metros, ou seja, o tombamento se</p><p>restringia a porção que emoldura a capital mineira.</p><p>Os anos anteriores à instalação da mina caracterizam-se pela minuciosa</p><p>preparação para a exploração, a base de propagandas, matérias pagas na imprensa e</p><p>influência política para, entre outras coisas, garantir o destombamento do maciço na</p><p>porção desejada.</p><p>O caso Águas Claras pode ser considerado como um exemplo clássico da</p><p>submissão do poder público aos interesses privados, tanto nacionais quanto estrangeiros,</p><p>visto que a MBR surgiu de uma fusão entre as empresas de Augusto Trajano de Azevedo</p><p>Antunes e a Hanna e suas Companhias.</p><p>As dezenas de concessões do Governo JK à Hanna e a difusão da crença de que o</p><p>Brasil não tinha condições de exportar e competir no mercado internacional sem a</p><p>participação estrangeira na exploração, como dito por José Maria Alkmin no ano de 1957,</p><p>ao justificar as alterações na política de exploração e exportação de minérios, acabou por</p><p>criar um sentimento na sociedade da imprescindível necessidade da aliança do país com</p><p>nações que tinham como única meta a exploração desenfreada de um bem cobiçado por</p><p>todos.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>49</p><p>(...) não possuímos posição competitiva no mercado mundial que torne nosso</p><p>minério de alto forno objeto de preferência pelos grandes</p><p>consumidores. Para</p><p>garantir sua colocação em larga escala e por tempo indefinido é indispensável</p><p>que associemos, a nossas atividades de produtores, os capitais das entidades</p><p>consumidoras. Para a exportação de grandes massas de minério, são</p><p>indispensáveis grandes investimentos em mineração, transporte terrestre,</p><p>transporte portuário e transporte marítimo. Esses investimentos têm que ser,</p><p>normalmente, vinculados a acordos de fornecimento de minério a longo prazo</p><p>e à garantia de cambiais para os serviços financeiros respectivos (PEREIRA,</p><p>1967, p.55).</p><p>Tal sentimento contribuiu para a repulsa às políticas de cunho nacionalista da</p><p>primeira metade da década de 1960, que acabaram por incorporar ao patrimônio da União</p><p>as valiosas minas concedidas nos últimos anos da década de 1950. A questão da</p><p>exploração das jazidas de ferro do Quadrilátero Ferrífero, na qual se insere a Serra do</p><p>Curral é mais séria do que se imagina. Galeano (2000, p.39) por exemplo, afirma que as</p><p>minas de ferro foram a causa da queda dos dois presidentes, visto as dificuldades impostas</p><p>frente aos interesses norte-americanos em manter o seu poderio militar no auge da Guerra</p><p>Fria. Uma observação plausível, visto que poucos meses após o golpe de 01 de abril de</p><p>1964 o então presidente Castelo Branco reintegrou ao grupo Hanna as minas tomadas três</p><p>anos antes.</p><p>Nesse contexto a Serra do Curral, apesar do tombamento federal, estava</p><p>condenada a experimentar em suas entranhas a voracidade ferrífera do momento. A</p><p>proteção integral acabou por sucumbir frente aos interesses do capital mineral e ao cunho</p><p>autoritarista do período, que solicitava aos órgãos competentes as alterações necessárias</p><p>para a exploração das jazidas. Ainda assim foram quase dez anos para o início da</p><p>exploração das Águas Claras, que alteraria para sempre o maciço símbolo de uma capital</p><p>nascida aos seus pés, mas que não dava nenhuma importância a sua existência.</p><p>De fato, até o final da década de 1970 a grande maioria das administrações</p><p>municipais e estaduais travaram uma guerra aos elementos naturais, nesse caso o maciço</p><p>da serra do curral. A natureza era vista como um meio que deveria fornecer recursos para</p><p>o desenvolvimento das sociedades humanas, cedendo espaço para a materialização das</p><p>grandiosidades da civilização. A promoção do afastamento do meio no qual a humanidade</p><p>faz parte contribuiu para a visão deturpada que ainda existe nas sociedades atuais, onde a</p><p>expansão horizontal e vertical dos centros urbanos, sendo Belo Horizonte um exemplo</p><p>clássico, acabou por gerar lucros fabulosos para poucos, e problemas decorrentes do mau</p><p>planejamento para muitos.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>50</p><p>O reconhecimento da proteção federal pelo município na década de 1970 e o</p><p>posterior tombamento a nível municipal nas décadas seguintes a partir da mudança da</p><p>consciência ambiental e patrimonial assegurou a preservação do perfil e das vertentes do</p><p>maciço, responsáveis há mais de cem anos pelo abastecimento das cidades surgidas ao</p><p>longo do complexo. No entanto, visto a fragilidade da área protegida, atingida pela</p><p>especulação imobiliária, exploração mineral e degradação ambiental, a delimitação de um</p><p>perímetro de entorno publicado pelo IPHAN, sob a Portaria 198 em maio de 2016, figura</p><p>como uma resistência perante a expansão do tecido urbano dos municípios de Belo</p><p>Horizonte e Nova Lima.</p><p>Enfim, resistindo à degradação e às agressões diversas de uma cidade que, em</p><p>meio à grandiosidade metropolitana, rompeu com os seus elementos naturais, e as</p><p>pressões do capital privado, a guardiã do Belo Horizonte, memória viva da existência e</p><p>sentinela da vida agitada dos curralenses do século XXI, a Serra do Curral del Rey é a</p><p>identidade viva de uma cidade em eterna construção.</p><p>Referências</p><p>ARRUDA, Rogério Pereira de; WESTIN, Vera Lígia Costa. A serra e a cidade. Belo</p><p>Horizonte: Secretaria Municipal de Cultura, 1998.</p><p>BARBOSA, Waldemar de almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais.</p><p>Belo Horizonte, SATERB, 1971.</p><p>BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva; história média. v.2.</p><p>Belo Horizonte: FJP/ Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.</p><p>BATISTA, Cláudia Paiva. Transformações e permanências na paisagem da Serra do</p><p>Curral. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de</p><p>Geografia, Belo Horizonte, 2004.</p><p>BELO HORIZONTE. Coleção Relatórios dos Prefeitos 1899-2000. Arquivo Público da</p><p>Cidade de Belo Horizonte.</p><p>BORSAGLI, Alessandro. Belo Horizonte em pedaços: fragmentos de uma cidade em</p><p>eterna construção. Belo Horizonte, Clube de Autores, 2016.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>51</p><p>BORSAGLI, Alessandro. Rios invisíveis da metrópole mineira. Belo Horizonte, Clube</p><p>de Autores, 2016.</p><p>BORSAGLI, Alessandro. Sob a sombra do Curral del Rey: contribuições para a história</p><p>de Belo Horizonte. Belo Horizonte, PerSe, 2017.</p><p>BRASIL. IPHAN. Livro do Tombo v.28, 1960.</p><p>BURTON, R. F. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Belo Horizonte: Itatiaia, São</p><p>Paulo: Edusp, 1976.</p><p>CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa: Volumes 1 e 2. Rio de Janeiro, Editora</p><p>Topbooks, 2004.</p><p>COELHO, E.J; SETTI. J.B. A E.F. Vitória-Minas e suas Locomotivas desde 1904.</p><p>Volume 1. Memória do Trem, 2001.</p><p>CORREA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática, 4ª edição, 1989.</p><p>FERRAZ, S. C. “Triste Horizonte”: Movimentos em defesa da Serra do Curral – Belo</p><p>Horizonte, década de 1970. Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal</p><p>de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Belo Horizonte, 2008.</p><p>FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO/Centro de Estudos Históricos e Culturais. Panorama de</p><p>Belo Horizonte; Atlas Histórico, Belo Horizonte, 1997.</p><p>FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO/Centro de Estudos Históricos e Culturais. Saneamento</p><p>Básico de Belo Horizonte: trajetória em 100 anos – os serviços de água e esgoto, Belo</p><p>Horizonte, 1997.</p><p>HENRIQUES, R. J. Fotografia e antropogeomorfologia: panorama das transformações</p><p>fisiografias da paisagem no município de Belo Horizonte, Minas Gerais. In: Anais do X</p><p>Simpósio Nacional de Geomorfologia, Manaus, 2014.</p><p>GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 39ª ed. Rio de Janeiro: Paz e</p><p>Terra, 2000.</p><p>MATA MACHADO, Bernardo Novais, O caso Hanna/MBR: cronologia de uma</p><p>investigação. Disponibilizado pelo próprio Autor, 2003.</p><p>MINAS GERAES. Commissão d'Estudo das Localidades Indicadas para a nova Capital.</p><p>Relatorio apresentado a S. Ex. Sr. Dr. Affonso Penna, Presidente do Estado, pelo</p><p>engenheiro civil Aarão Reis. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893b.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>52</p><p>MIRANDA, E. E. de; COUTINHO, A. C. (Coord.). Brasil Visto do Espaço. Campinas:</p><p>Embrapa Monitoramento por Satélite, 2004. Disponível em:</p><p><http://www.cdBrasil.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 29 Out. 2016.</p><p>NAVA, Pedro. Beira Mar. Rio de Janeiro Nova Fronteira, 1985.</p><p>PENNA, Octávio. Notas Cronológicas de Belo Horizonte. Fundação João Pinheiro, Belo</p><p>Horizonte, 1997.</p><p>PEREIRA, O. D. Ferro e Independência. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,</p><p>1967.</p><p>PLAMBEL. Programa metropolitano de parques urbanos: parque das Mangabeiras,</p><p>relatório preliminar. Belo Horizonte, 1979.</p><p>TULIO, P.</p><p>R. A. Falsários d’el Rei: Inácio de Souza Ferreira e a Casa da Moeda Falsa</p><p>do Paraopeba (1700-1734). Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em</p><p>história, Universidade Federal Fluminense, 2005.</p><p>VARAJÃO, C.A.C.; SALGADO, A.A.R.; VARAJÃO, A.F.D.C.; BRAUCHER, R.;</p><p>COLIN, F.; NALINI JR., H.A. Estudo da evolução da paisagem do Quadrilátero</p><p>Ferrífero (Minas Gerais, Brasil) por meio da mensuração das taxas de erosão e da</p><p>pedogênese. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 33: 1409-1425, 2009.</p><p>Jornais e Revistas</p><p>Jornal Diário da Tarde, 1935-1975.</p><p>Jornal Diário de Minas, 1899-1973.</p><p>Jornal Opinião (Rio de Janeiro), 1972-1977.</p><p>Revista Três Tempos (1962-1963).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>53</p><p>A FORMAÇÃO URBANA DE BELO HORIZONTE</p><p>O PARQUE MUNICIPAL E O VIADUTO SANTA TEREZA</p><p>THE URBAN FORMATION OF BELO HORIZONTE</p><p>THE MUNICIPAL PARK AND THE SANTA TEREZA VIADUCT</p><p>Gabriel Esteves Campos Costa*</p><p>Resumo</p><p>O artigo a seguir pretende provocar a reflexão sobre o espaço urbano, o espaço público e</p><p>o fenômeno da territorialidade. Discute-se os tipos de sociabilidade e as formas de</p><p>controle existentes nos espaços públicos da cidade de Belo Horizonte. O artigo pretende,</p><p>também, mostrar como as prioridades da esfera pública e as políticas de gentrificação</p><p>influenciaram os dinamismos que transformam a arquitetura urbana da cidade em seus</p><p>120 anos. Finalmente, este artigo traz como objeto de pesquisa o cenário da 1ª Seção</p><p>Urbana, no qual elementos como o Parque Municipal, o Viaduto Santa Tereza, a Praça da</p><p>Estação e seus entornos, oferecem materiais suficientes para reafirmar que são locais onde</p><p>as diferenças se tornam públicas e geram confronto social e político.</p><p>Palavras Chave: Espaço Urbano; Gentrificação; Territorialidade.</p><p>Abstract</p><p>The following article aims to provoke reflection on urban space, public space and the</p><p>phenomenon of territoriality. Discuss the types of sociability and the existing control</p><p>forms in the public spaces of the city of Belo Horizonte. Show how the priorities of the</p><p>public sphere and gentrification policies influenced the dynamos that transform the urban</p><p>architecture of the city in its 120 years. Finally, this article brings as a research object, the</p><p>setting of the 1st Urban Section, in which elements such as the Municipal Park, the Santa</p><p>Tereza Viaduct, Station Square and its surroundings, offers enough material to confirm</p><p>that they are places where the differences became public and generate social and political</p><p>confrontation.</p><p>Keywords: Urban Space; Gentrification; Territoriality.</p><p>* Aluno de graduação do 5º período em História pela UFMG. Estagiário no Arquivo Público da Cidade de</p><p>Belo Horizonte. Email: ccostagabriel@live.com.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>54</p><p>Considerações Gerais</p><p>A construção de Belo Horizonte, sendo uma das primeiras capitais planejadas do</p><p>país, se dá de forma muito particular. Diferente de experiências anteriores de</p><p>planejamento urbano65, a capital mineira, imaginada no final do século XIX, não falta</p><p>com suas influências claras do que era o urbanismo à época. Pode-se dizer que coube à</p><p>Comissão Construtora da Nova Capital, inclusive, pela proporção do projeto, idealizar o</p><p>rosto da arquitetura urbana do período.</p><p>Se pudéssemos situar melhor, essas últimas décadas do século XIX e as primeiras</p><p>do século XX foram o cenário propício para uma mudança drástica na concepção de</p><p>cidade. Durante o século XIX o arraial se encaminhava à decadência, da qual vagaria</p><p>espaço para se tornar a capital de Minas Gerais, afinal, as qualidades do seu sítio natural</p><p>de paisagens quase intocadas pelo homem influenciaram muito na decisão da Comissão</p><p>formada para escolher a localização da nova capital66.</p><p>Assenta bem ao norte da serra do Curral (...) e um pouco a oeste do vale</p><p>profundo e jovem do rio das Velhas, onde este emerge das montanhas em seu</p><p>caminho para o rio São Francisco. Nesta região um nível de planalto a uma</p><p>elevação de cerca de 1.000 metros encontra-se generalizadamente preservado,</p><p>com vales largos, abertos, esculpidos abaixo do nível superior a um de cerca</p><p>de 800 metros. Os rios principais, como o rio das Velhas, fluem através de</p><p>cânions estreitos e jovens com meandros encaixados nos vales do nível de 800</p><p>metros e os tributários dos principais rios estão estendendo seus vales</p><p>entalhados em V para montante planaltos adentro. A cerca de oito quilômetros</p><p>a jusante de Sabará, o rio das Velhas recebe pela margem esquerda o ribeirão</p><p>Arrudas, numa elevação abaixo de 700 metros. Este rio prolongou a sua jovem</p><p>garganta a uns 14 quilômetros adentro nas terras montanhosas a oeste do rio</p><p>das Velhas. Mas para além destas, ele corre através de um vale apenas</p><p>ligeiramente abaixo do nível geral de 800 metros, tendo o característico perfil</p><p>em V aberto dos jovens formadores. Acima da garganta do ribeirão Arrudas,</p><p>num vale largo, aberto, imitando uma bacia, que se arqueia dos remanescentes</p><p>de 1.000 metros em ambos os lados ao nível de 800 metros, no seu eixo, está</p><p>situada Belo Horizonte (JAMES, 1947, p.1603).</p><p>O conceito era de uma cidade que exprimisse conforto. As ruas se cruzavam em</p><p>ângulos retos e avenidas cortando-as em ângulos de 45º, facilitando o direcionamento e a</p><p>arborização das vias, as ruas eram largas, as casas espaçosas, praças e rios, além do</p><p>imponente parque municipal.</p><p>Notavelmente, apesar de estarmos falando de um projeto grandioso para a época,</p><p>deve-se admitir que, se comparado à Belo Horizonte de hoje, o projeto original da</p><p>65 Salvador (1549), Teresina (1852) e Aracaju (1855) são as três capitais planejadas antes de Belo</p><p>Horizonte.</p><p>66 JULIÃO, L. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna; 1891-1920. Belo Horizonte, 1992, p. 68</p><p>(Dissertação, Mestrado em Ciências Políticas).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>55</p><p>Comissão Construtora da Nova Capital compreende uma região muito restrita. Estamos</p><p>falando de uma organização urbana pequena e simples com um núcleo central delimitado</p><p>pela Avenida do Contorno, dispondo também de fazendas periféricas responsáveis pelo</p><p>abastecimento da cidade.</p><p>1. A Formação da Zona Urbana</p><p>Figura 1: Planta Geral da Cidade de Minas</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>O atual centro da cidade é formado pela 1ª, 2ª, 3ª e 4ª seções urbanas compostas</p><p>respectivamente por 34, 35, 36 e 34 quadras do projeto da Comissão Construtora da Nova</p><p>Capital. Especificamente, esse é o cenário no qual nessa discussão tentamos compreender</p><p>o uso do espaço urbano e suas prioridades. Sendo assim, faz-se a seguir uma breve</p><p>descrição desse espaço seguindo o projeto de Aarão Reis.</p><p>Segundo o projeto, a 1ª seção urbana, mesmo sendo ao centro do território, é a</p><p>principal entrada para a cidade. Sendo o transporte ferroviário o mais eficiente do período,</p><p>o ramal férreo da 1ª seção urbana, onde hoje funciona o Museu de Artes e Ofícios, recebeu</p><p>boa parte do material usado na construção da cidade e, após a inauguração da capital,</p><p>funcionou como uma essencial estação ferroviária.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>56</p><p>Logo à entrada, também havia a Praça Rui Barbosa conhecida como Praça da Estação</p><p>e, ao atravessar o Ribeirão Arrudas pela ponte, tinha-se acesso ao outro lado da praça.</p><p>Atualmente, ao percebermos a paisagem, notamos que a Avenida dos Andradas cobre o</p><p>rio e a Praça da Estação foi transformada em uma esplanada.</p><p>Boa parte das ruas e avenidas do centro da cidade de Belo Horizonte receberam os</p><p>nomes dos Estados no sentido norte-sul, e os nomes de grandes grupos indígenas no</p><p>sentido leste-oeste. O projeto da Comissão Construtora priorizou a estratégia que facilita</p><p>bastante a orientação na região, mas, além disso, a escolha pelo padrão foi também uma</p><p>tática utilizada para facilitar a arborização das vias.</p><p>Belo Horizonte recebeu o título de cidade jardim em virtude de a Comissão</p><p>Construtora imaginar Belo Horizonte como uma capital vergel, com vias completamente</p><p>arborizadas, um número considerável de praças e jardins e o ambicioso parque municipal.</p><p>Um cenário, talvez, não familiar para quem conviva com esse espaço atualmente.</p><p>O Parque Municipal da capital mineira, em seu presente estado, é uma construção</p><p>imponente. Depois de muitas reformas, o parque conhecido pelo belo-horizontino de hoje</p><p>seria irreconhecível ao parque imaginado por Paul Villon (1841-1905), renomado</p><p>paisagista francês, para o projeto da Comissão Construtora.</p><p>Figura 2: Detalhes Parque Municipal</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>Os limites do Parque Municipal, segundo o projeto, apresentavam um formato</p><p>muito diferente da área atual. Um vasto quadrado entre a Avenida Afonso Pena e a</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>57</p><p>Avenida do Tocantins (Av. Assis Chateaubriand), Araguaya (Av. Francisco Sales) e</p><p>Mantiqueira (Av. Alfredo Balena) (Figura 2). Atualmente a parte da Avenida do</p><p>Tocantins que ladeia o parque foi transformada no Viaduto Santa Tereza, mas muito além</p><p>dos limites da Avenida dos Andradas e o soterrado rio, o projeto da Comissão Construtora</p><p>imaginava um ribeirão dentro da área do parque. O formato octogonal idealizado por Paul</p><p>Villon era mais ambicioso, além do ribeirão, o projeto incluía a saída do ramal férreo</p><p>também através do parque.</p><p>Através da Avenida do Tocantins, até onde hoje fica uma parte da Avenida Assis</p><p>Chateaubriand, o parque se estendia. Na esquina da Avenida Assis Chateaubriand com a</p><p>Avenida Francisco Sales, apresentada no projeto como Avenida do Araguaya, o parque</p><p>ocupava uma parte hoje pertencente ao bairro Floresta. A partir da esquina com a Avenida</p><p>da Mantiqueira, hoje Alfredo Balena, até retornar à Afonso Pena, o parque possuía o</p><p>território que hoje é ocupado pela área hospitalar e o Campus Saúde da Universidade</p><p>Federal de Minas Gerais, onde foi construído o antigo campo do América (Figura 3).</p><p>Figura 3: Desmembramentos do Parque Municipal</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>58</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>É pertinente considerar que todas as mudanças estruturais do parque municipal</p><p>oferecem materiais o suficiente para alimentarmos a proposta dessa discussão. O</p><p>desmembramento do Parque Municipal é um reflexo nítido do propósito da cidade se</p><p>transformando. Uma área de nove quarteirões do bairro Floresta entre a Avenida dos</p><p>Andradas, Assis Chateaubriand e Francisco Sales provavelmente sequer existiu como</p><p>Parque Municipal, ou melhor, o que se sabe sobre esse caso é que de fato a área em</p><p>questão foi incorporada no loteamento do território durante a construção do parque, mas</p><p>fora desmembrada anos depois.</p><p>Cedo, o Parque perdeu a área ao norte do Arrudas, na confluência das avenidas</p><p>Tocantins e Araguaia, hoje Assis Chateaubriand e Francisco Sales,</p><p>respectivamente. Em 1912, o Prefeito Olinto do Reis Meireles anunciou que</p><p>estava providenciando o seu fechamento, tendo como limite as margens do</p><p>ribeirão.67</p><p>As áreas ladeadas pela outra margem da Andradas, entre a Avenida Francisco</p><p>Sales, Alfredo Balena e a Alameda Ezequiel Dias, atual lateral do parque, foram</p><p>67 CVRD. Parque Municipal - Crônica de um século. Belo Horizonte: 1992. 132p.: il.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>59</p><p>desmembradas entre 1907 e 1937. Ao todo, a Prefeitura de Belo Horizonte fez 8</p><p>desmembramentos da região para o levantamento de edificações da cidade, além de 5</p><p>construções erguidas dentro da atual área do parque.</p><p>Compreender todas as transformações do parque nos permite um bom parâmetro</p><p>sobre as prioridades da cidade. Mesmo que nosso objeto de pesquisa compreenda uma</p><p>região muito restrita, com suas particularidades, compreender o que levou a autoridade</p><p>pública a transformar a cidade nos mostra muito da relação Estado/Cidadão. A partir</p><p>disso, analisar quais foram as mudanças que interferiram no modo de viver do belo-</p><p>horizontino e a título de que essas transformações foram necessárias.</p><p>2. A Avenida, o Parque, o Ribeirão e o Ramal Férreo</p><p>As intervenções ao projeto da Comissão Construtora começam antes mesmo da</p><p>cidade estar pronta. Inaugurada em 12 de dezembro de 1897, a Cidade de Minas, que logo</p><p>viria a se tornar Belo Horizonte em 1901, já não era a mesma apresentada por Aarão Reis</p><p>no projeto da Comissão Construtora da Nova Capital. Em 1895, pouco mais de um ano</p><p>após assumir o cargo, Aarão Reis foi substituído pelo engenheiro Francisco de Paula</p><p>Bicalho, que permanece no cargo até a inauguração, e é responsável por algumas</p><p>alterações palpáveis dentro do projeto original da Comissão, como por exemplo, atenuar</p><p>o contraste entre o traçado ortogonal da cidade e o já novo formato orgânico do parque,</p><p>além da não edificação da maioria das praças projetadas e a concentração dos edifícios</p><p>públicos.</p><p>Afinal, como compreender que tivemos uma cidade pronta? Não existe um marco</p><p>que nos possa fornecer a conclusão da cidade senão sua inauguração. Ainda assim, A</p><p>cidade de Minas de 1897 aparentava estar muito longe de ser concluída. Ruas de terra</p><p>batida e sem calçamento, casas vazias, construções, lotes, ausência de serviços básicos e</p><p>uma população muito menor que o espaço da cidade.</p><p>Figura 4: Obras na Cidade</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>60</p><p>Fonte: Arquivo Museu Abílio Barreto [Reprodução]</p><p>Notavelmente, mesmo depois de inaugurada, logo nos primeiros anos, a cidade já</p><p>viria a derrubar edifícios, alterar ruas e oferecer serviços de acordo a com necessidade de</p><p>uma cidade que vinha dando seus primeiros passos para se consolidar como a nova capital</p><p>do Estado. Torna-se claro que logo após o período de estabilização, a nova capital já</p><p>apresentava uma série de deficiências de funcionamento. A área em questão apresenta</p><p>alguns fatores interessantes de serem observados.</p><p>Logo nas primeiras décadas de existência, a cidade apresentou a necessidade de</p><p>vias de fluxo mais planejadas. O trajeto do centro comercial</p><p>para regiões suburbanas</p><p>sempre foi uma necessidade dos moradores de Belo Horizonte, e o desenvolvimento da</p><p>cidade implicou diretamente na necessidade de transporte para os cidadãos.</p><p>Os bondes elétricos são símbolos da memória coletiva do belo-horizontino, pois</p><p>por muitas décadas foi o meio de transporte mais comum da cidade. Seu crescimento</p><p>demandou ano após ano a necessidade de rotas para bondes que escoassem e</p><p>alimentassem o centro indo e vindo das regiões suburbanas.</p><p>A Avenida do Tocantins funcionava como uma dessas vias que saía do coração</p><p>do Centro e ia diretamente para os bairros. Por inconveniência do projeto de Aarão Reis,</p><p>o trajeto da avenida possuía dois obstáculos: o ribeirão Arrudas, solucionado com uma</p><p>precária ponte, e a saída do Ramal Férreo.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>61</p><p>Figura 5: Antiga Ponte da Avenida do Tocantins</p><p>Fonte: Arquivo Museu Abílio Barreto [Reprodução]</p><p>A solução só se fez presente diante do projeto de Emílio Baumgart em 1928</p><p>quando Belo Horizonte inaugurou o Viaduto da Avenida do Tocantins, hoje conhecido</p><p>como Viaduto Santa Tereza. É interessante observar que mesmo estando às margens do</p><p>parque que já havia passado por desmembramentos, a construção do Viaduto não</p><p>despertou o interesse do poder público em alterar o formato do parque para desobstrução</p><p>da área, mesmo que tenham havido intervenções em períodos anteriores e posteriores à</p><p>construção.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>62</p><p>Figura 6: O Viaduto Santa Tereza em 1928</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>Mesmo assim, podemos considerar o Viaduto da Avenida do Tocantins como um</p><p>genuíno símbolo do processo de intervenção do espaço urbano. Em 1928, ao fim de sua</p><p>edificação, o Viaduto que havia sido planejado para desafogar a saída do Centro</p><p>Comercial para os Bairros, sendo um dos principais acessos dos bondes, vivia uma</p><p>realidade já diferente do período de seu planejamento.</p><p>Nessa época, os bondes já dividiam espaço com os automóveis que vinham</p><p>tomando conta da cidade ano após ano e acidentes não eram incomuns. No mesmo</p><p>período, o Ramal Férreo funcionava a todo vapor como acesso mais prático à cidade e,</p><p>além disso, o ribeirão já se apresentava como nem tão conveniente.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>63</p><p>Figura 7: Acidente de Bonde sobre o Viaduto Santa Tereza - 1937</p><p>Fonte: Omninbus: Uma História dos Transportes Coletivos de Belo Horizonte. 1996.</p><p>O período em questão é importante pela série de obstáculos que a cidade precisou</p><p>enfrentar diante de seus prematuros problemas, devido ao crescimento populacional</p><p>pouco planejado. A cidade havia acabado de se afirmar como a capital e até esse ponto o</p><p>projeto da Comissão Construtora já havia se provado insuficiente. Nessa década, o poder</p><p>público já havia descartado praças e levantado dezenas de novos edifícios.</p><p>Inclusive, nessa década, a Praça da Liberdade já havia sido transformada para o</p><p>atual formato, devido à visita da Família Real da Bélgica em 1920 “(...) os jardins</p><p>românticos do começo do século foram considerados provincianos demais e tiveram de</p><p>ser substituídos”.68 Algumas vias de trânsito já haviam sido alteradas, rios já haviam se</p><p>tornado inconveniências e não tardaria para que canalizações fossem planejadas. A</p><p>justificativa de que o poder público fazia tais intervenções com o propósito de promover</p><p>o desenvolvimento da cidade começa a perder o sentido a partir do acelerado processo de</p><p>urbanização desorganizado.</p><p>68 CVRD. Parque Municipal - Crônica de um século. Belo Horizonte: 1992. 132p.: il.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>64</p><p>As questões mais importantes a serem colocadas nesse ponto da discussão são: a</p><p>que custo essas intervenções foram feitas? Quais foram suas consequências? A partir</p><p>disso, é válido compreender essas intervenções para explicar as situações de calamidade</p><p>presentes na cidade hoje.</p><p>Esse texto jamais seria capaz de fazer um panorama tão amplo a ponto de concluir</p><p>tal estudo. Existem trabalhos muito bem executados de outros profissionais à disposição</p><p>para compreender esse processo que poderiam enriquecer tal leitura: pesquisas sobre a</p><p>história da cidade, dos bairros, dos jardins, praças e parques, o processo de desocupação</p><p>de favelas e edificação de conjuntos habitacionais, curso dos rios da cidade, a arquitetura</p><p>urbana, a elitização do espaço público, etc.; são exemplos de trabalhos executados sobre</p><p>a cidade que cooperam para compreender a relação entre a esfera social e o espaço da</p><p>cidade.</p><p>Pertinentemente, esse texto se contenta em apresentar o cenário da 1ª seção urbana</p><p>e como esse espaço urbano interage com a esfera social e se denomina espaço público. A</p><p>partir disso, tornou-se possível construir o discurso fazendo um panorama dos impactos</p><p>sociais provocados, observando casos de histórias como a do Parque, da Praça da Estação</p><p>e do Viaduto que narram diferentes períodos de intervenções no espaço público. O trecho</p><p>a seguir foi retirado da obra: Um olhar para o século XX: arquitetura civil na área urbana</p><p>da cidade planejada por Aarão Reis se tratando da 1ª seção urbana.</p><p>A sua escolha deveu-se principalmente por se tratar de uma região que sofreu</p><p>intensa transformação durante os mais de cem anos da cidade, portanto foi o</p><p>espaço de uma enorme variedade de usos, desde os grandes equipamentos</p><p>urbanos, como a estação ferroviária, o mercado inicial da cidade, em seu lado</p><p>oposto, até o local das primeiras industrias a se implantarem na cidade. A</p><p>região sofreu uma mutação muito expressiva, podendo em seu interior ser</p><p>identificadas construções de todas as épocas da produção do espaço urbano da</p><p>cidade.69</p><p>3. A relação entre o espaço urbano e a sociedade</p><p>Da mesma maneira que uma reforma em casa altera definitivamente sua vivência</p><p>nela, qualquer intervenção no espaço urbano gera consequências e afeta diretamente à</p><p>sociedade.</p><p>69 Fundação João Pinheiro: Um olhar para o século XX: arquitetura civil na área urbana da cidade</p><p>planejada por Aarão Reis - representação dos testemunhos criação de bancos de dados georreferenciados.</p><p>- Belo Horizonte, 2003. 68 p.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>65</p><p>Mudanças palpáveis o bastante para que a sociedade reaja bem ou mal. Rogério</p><p>Proença Leite diz que o espaço urbano só se torna público quando é investido de</p><p>significação.</p><p>Quando as ações atribuem sentidos de lugar e pertencimento a certos espaços</p><p>urbanos, e, de outro modo, essas espacialidades incidem igualmente na</p><p>construção de sentidos para as ações, os espaços urbanos podem se constituir</p><p>como espaços públicos: locais onde as diferenças se publicizam e se</p><p>confrontam politicamente.</p><p>1 ............................................................................................... 297</p><p>Moacir Fagundes de Freitas, Luíza Rabelo Parreira, Douglas de Freitas</p><p>Proposta pedagógica 2 ............................................................................................... 303</p><p>Marcelina das Graças de Almeida</p><p>ENTREVISTA</p><p>Luciana Teixeira de Andrade – professora PUC Minas ............................................ 307</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>6</p><p>EDITORIAL</p><p>Abrimos a presente edição com o artigo “Relatos de Raul Tassini sobre a</p><p>Pampulha: impressões que vão além do discurso da Pampulha moderna” escrito por</p><p>Carolina Paulino Alcântara e Victor Tadeu de Oliveira Pereira. O artigo coloca em foco</p><p>a coleção de textos do cronista belo-horizontino Raul Tassini sobre o projeto de</p><p>urbanização da Pampulha. Na esteira das reflexões sobre a história da cidade em seus</p><p>120 anos, seguimos com o artigo de Alessandro Borsagli, o qual realiza uma incursão</p><p>histórico-geográfica pela Serra do Curral, um dos principais referenciais quando da</p><p>construção de Belo Horizonte.</p><p>Já Gabriel Esteves Campos Costa propõe uma reflexão sobre as transformações</p><p>urbanas de Belo Horizonte focalizando o Viaduto Santa Tereza e o Parque Municipal</p><p>Américo Renné Giannetti. A pesquisa de Renata Lopes investiga o bairro Lagoinha</p><p>desde o início da capital até os dias de hoje, passando pelas comemorações do centenário</p><p>da cidade, momento no qual ocorreu um processo de revitalização da Lagoinha visando</p><p>a ressignificação de sua história. Em seguida, o artigo de Bruna Hausemer explora as</p><p>mudanças no hipercentro de Belo Horizonte, desde a inauguração da cidade até a década</p><p>de 1980.</p><p>O artigo de Carolina Marotta Capanema discute o tema da arborização em Belo</p><p>Horizonte por meio do Catálogo de Fontes: arborização na Legislação Municipal de</p><p>Belo Horizonte, publicação do APCBH. No artigo “Avenida Afonso Pena – Belo</p><p>Horizonte/MG: análise de suas três espacialidades (baixa, média e alta)” os autores</p><p>apresentam o espaço de Belo Horizonte ao longo da Avenida Afonso Pena, mostrando</p><p>como ela se fragmenta e se diferencia com seus usos e fluxos.</p><p>Kelly Rabello apresenta em seu artigo a história da fundação da Irmandade de</p><p>Nossa Senhora do Rosário de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.</p><p>Bruna Michels e Rafaela Patente investigam a frequência e as temáticas de uso no</p><p>Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte pelos estudantes do curso de História da</p><p>UFMG. Nesse percurso, as autoras exploram as potencialidades dos estudos de usuários,</p><p>apresentando a metodologia utilizada para essa pesquisa e contribuindo, assim, para</p><p>outros trabalhos que se dediquem a essa questão.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>7</p><p>Esta edição da REAPCBH também traz dois artigos sobre as revistas Alterosa e</p><p>Bello Horizonte, que compõem o acervo do APCBH, sendo fontes valiosas de pesquisas</p><p>sobre a cidade. O artigo de Ivana Morais Silva de Carvalho e Lucimar Lacerda Machado</p><p>analisa a revista Alterosa, publicação que circulou em Belo Horizonte entre 1939 e 1964.</p><p>As autoras investigam a relação das questões políticas do momento da Segunda Guerra</p><p>Mundial com a revista, demonstrando como os discursos de eugenia e de raça</p><p>perpassavam a publicação e a sociedade da época. Carlos Eduardo de Almeida Oliveira</p><p>trata em seu artigo como a revista Bello Horizonte foi um referencial da cultura belo-</p><p>horizontina das décadas de 1930 e 1940, assim como o Art Déco apareceu na publicação</p><p>e como foi sendo superado por outras estéticas.</p><p>Seguindo nosso percurso, apresentamos três artigos que refletem sobre</p><p>experiências de educação patrimonial. Tiago Vidal Medeiros apresenta e discute a oficina</p><p>Desvendando o Arquivo Público, ação educativa desenvolvida pelo Arquivo Público do</p><p>Estado do Rio Grande do Sul. Ana Karina Bernardes e Pollyanna Machado apresentam a</p><p>proposta de um olhar diferenciado para o Museu Casa Kubitschek e seu entorno,</p><p>buscando oferecer ao visitante experiências e vivências diferenciadas. Em “(Re)</p><p>descobrindo a Pampulha: patrimônio, discursos e alteridade”, os autores relatam a</p><p>experiência de um trabalho desenvolvido com alunos de Ensino Médio de uma escola nas</p><p>proximidades do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, buscando entender a relação que</p><p>esses estudantes estabelecem com o conjunto.</p><p>Por fim, apresentamos duas propostas de trabalho, com documentos históricos,</p><p>voltadas para estudantes de ensino fundamental e médio. A primeira proposta pedagógica</p><p>focaliza a história do bairro Confisco e a segunda trata do cemitério mais antigo da capital,</p><p>o Cemitério do Bonfim. Encerramos a edição com a entrevista da professora da PUC</p><p>Minas, Luciana Teixeira de Andrade, com uma reflexão sobre Belo Horizonte e o campo</p><p>de pesquisas sobre a cidade. Desejamos a todos uma boa leitura!</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>8</p><p>RELATOS DE RAUL TASSINI SOBRE A PAMPULHA: IMPRESSÕES QUE</p><p>VÃO ALÉM DO DISCURSO DA PAMPULHA MODERNA</p><p>RAUL TASSINI’S STORIES ABOUT PAMPULHA: IMPRESSIONS THAT GO</p><p>BEYOND THE CONTEMPORARY PAMPULHA DISCOURSE</p><p>Carolina Paulino Alcântara*</p><p>Victor Tadeu de Oliveira Pereira**</p><p>Resumo</p><p>Em 1897, a inauguração de Belo Horizonte concretizava o sonho das elites mineiras de</p><p>fazer da nova capital um centro urbano avançado em Minas Gerais. Desde então, a busca</p><p>pelo o que se considerava moderno acompanhou a vida da capital mineira, que tem sua</p><p>história marcada pela constante demolição do “velho” para a construção do “novo”.</p><p>Exemplo disso é a região da Pampulha, situada geograficamente ao norte de Belo</p><p>Horizonte, que recebeu diversos empreendimentos nas décadas de 1930 e 1940 com o</p><p>propósito de dar novos ares à capital. Com a intenção de promover análises sobre relatos</p><p>de memorialistas belo-horizontinos sobre a cidade, neste artigo serão analisadas as</p><p>impressões de Raul Tassini (1909-1992) sobre Belo Horizonte, dando enfoque especial</p><p>para o seu olhar sobre a Pampulha. O objetivo é perceber os aspectos que evidenciam os</p><p>impasses da modernidade local por meio dos textos do cronista Raul Tassini.</p><p>Palavras-chave: Raul Tassini; Pampulha; Modernidade.</p><p>Abstract</p><p>In 1897, the inauguration of Belo Horizonte materialized the Minas Gerais elite's dream</p><p>of making the new capital an advanced urban center in the state. Since then, the quest for</p><p>what could be considered contemporary went along with the life of the capital, which had</p><p>its history characterized by for the constant demolition of "the old" for the construction</p><p>of "the new". One example is the Pampulha region, geographically located in the north of</p><p>Belo Horizonte, which received several investments in the 1930s and 1940s, as an attempt</p><p>to renew the capital as a whole. In order to analyze narratives of memorialists who live</p><p>*Mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) com estudo sobre os debates em torno</p><p>da modernidade em Diamantina, na virada do século XIX-XX. Trabalhou no setor Educativo do Museu</p><p>Casa Kubitschek, mantido pela Fundação Municipal de Cultura - Prefeitura de Belo Horizonte, entre 2014</p><p>e 2015. Atualmente, é professora de história da rede estadual de Minas Gerais e pesquisadora</p><p>(LEITE, 2002).</p><p>O início da década de 40 do Século XX compreende um período de crescente</p><p>industrialização interna em todo país. Belo Horizonte vivenciou sua segunda explosão</p><p>populacional nessa época. Isso fez com que os parâmetros da desigualdade social</p><p>revelassem um abismo entre a elite belo-horizontina e a calamitosa situação de miséria</p><p>de incontáveis pessoas que chegavam à capital todos os dias a procura de trabalho.</p><p>O projeto de moradia popular da prefeitura se mostraria ineficiente ao cenário de</p><p>expansão da pobreza. A cidade passa então a conviver com favelas, todas afastadas do</p><p>centro, em regiões de fazendas e reservas, como a do Pindura Saia, do Acaba Mundo, a</p><p>favela do Leitão e mais tarde o Morro do Papagaio, a Cabana do Pai Tomaz e etc.</p><p>Moradores de rua foram se tornando cada vez mais parte comum do cenário,</p><p>principalmente nas regiões mais próximas do Centro. Assim, como atualmente, a partir</p><p>do momento que a desigualdade social produziu esse cenário, a situação dos moradores</p><p>de rua se tornou um problema para o poder público. A questão que se faz é: qual problema</p><p>a situação de miséria nas ruas desperta para as forças públicas?</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>66</p><p>Figura 8: Moradores de rua debaixo do Viaduto Santa Tereza – 1955</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>A área que estamos tratando é o lar de incontáveis pessoas em situação de rua.</p><p>Mais amplamente, deve-se entender que espaços como marquises embaixo de viadutos,</p><p>pontes, praças, parques, rios são locais que oferecem o mínimo de conforto a pessoas que</p><p>moram nas ruas e, consequentemente, em grandes cidades, essa situação se intensifica.</p><p>Incapazes de resolver os problemas de moradia, as ações postas em prática foram</p><p>a de cercear, perseguir e dispersar concentrações de moradores de rua na capital. Esse</p><p>processo de gentrificação pode ser observado em diferentes intervenções do espaço</p><p>urbano. O objetivo do fenômeno da gentrificação é a higienização do local, visando</p><p>recuperar o valor imobiliário e revitalizar o aspecto da área, podendo até dizer que as</p><p>medidas impostas através das décadas pelo poder público tem a intenção de elitizar o</p><p>espaço urbano e limpar o local de suas identidades.</p><p>A higienização urbana vai muito além de intervenções diretas aos moradores de</p><p>ruas. Ações como a transformação da Praça da Estação em um estacionamento em</p><p>meados dos anos 70 e, posteriormente, em uma esplanada em 2004, são exemplos claros</p><p>do empenho do Poder Público em transformar os espaços em locais de passagem,</p><p>impedindo a aglomeração. Além disso, podemos observar vários projetos de intervenção</p><p>do espaço na região que muito indicam esse propósito. Como por exemplo, a construção</p><p>de um depósito da prefeitura ocupando a baixada do Viaduto Santa Tereza. O projeto de</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>67</p><p>um posto de combustível que inclui bombas, um estacionamento, lavagem e oficina, em</p><p>1948 que ocuparia toda a baixada do viaduto ao lado do parque também evidencia a</p><p>verdadeira intenção do poder público. Aparentemente, este projeto não foi posto em</p><p>prática. A seguir, é perceptível na imagem o posto de combustível que incluiria um</p><p>estacionamento, lavagem e oficina.</p><p>Figura 9: Projeto de Posto de Combustível sob o Viaduto Santa Tereza – 1948</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>Há diversos projetos de edificações para ocupar os baixios de viadutos da cidade,</p><p>como o exemplo de um restaurante que pudesse ocupar completamente o baixio de um</p><p>viaduto não identificado, que poderia ser, inclusive, para o Viaduto Santa Tereza. A</p><p>desocupação dos comerciantes que trabalhavam precariamente dentro do abrigo de</p><p>bondes Santa Tereza, onde hoje é o Mercado das Flores, na esquina entre a Avenida</p><p>Afonso Pena e a Rua da Bahia, em meados dos anos 60, é outra medida que transparece</p><p>bastante certa perseguição a grupos indesejados e desassistidos da sociedade. O Prefeito</p><p>Oswaldo Pieruccetti (1909-1990), a título de um projeto de revitalização da cidade,</p><p>lançou o Nova BH 66, responsável por uma série de medidas e intervenções controversas.</p><p>Ao mesmo ritmo que asfaltava vias e revitalizava monumentos, o projeto foi responsável</p><p>pela canalização de rios e desocupações: traços de uma cidade que vinha perpetuando</p><p>seus problemas com a sociedade no mesmo passo que se tornava uma metrópole.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>68</p><p>Figura 10: Desocupação de Comerciantes do Abrigo de Bondes Santa Tereza</p><p>Fonte: Arquivo Público da Cidade Belo Horizonte</p><p>Quanto mais nos aproximarmos do tempo presente mais intensa ficará essa</p><p>repressão, e os casos se multiplicam enquanto a desigualdade aumenta. Os anos mais</p><p>recentes da história do Viaduto Santa Tereza registram casos que se poderiam se comparar</p><p>aos relatados aqui se não fosse pela escala muito maior e por uma repressão muito mais</p><p>marcante.</p><p>Atualmente, a baixada do Viaduto Santa Tereza e seu entorno ainda concentram</p><p>um aglomerado volumoso de moradores de rua que vivem desse espaço, que também</p><p>acabou se tornando sede principal da maior expressão do movimento Hip Hop na cidade,</p><p>projetando artistas como Mc’s, Grafiteiros, skatistas, dançarinos, poetas, etc. para o</p><p>mundo. Eventos como o Duelo de Mc’s e o Game of Skate são idealizados e realizados</p><p>pelo coletivo Família de Rua, junto com a resistência de incontáveis artistas que persistem</p><p>em deixar suas marcas no espaço, mesmo que entre as insistentes camadas de tinta cinza</p><p>que o poder público acredita ser mais apropriado ao espaço.</p><p>O princípio da territorialidade se dá muito mais ao caso cultural do que físico. Seja</p><p>qualquer indivíduo, ou grupo, que ocupe um determinado local dando uma determinada</p><p>identidade a ele, pelo modo como o indivíduo ou grupo age naquele território. Essa</p><p>identidade que determinado local recebe de acordo com as pessoas que o frequentam se</p><p>denomina territorialidade.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>69</p><p>Figura 11: Duelo de Mc’S</p><p>Fonte: Acervo Pessoal</p><p>O Viaduto Santa Tereza possui uma história de resistência que vai além de seu</p><p>valor como simples edificação. Ao ultrapassar das décadas, a cidade teve diferentes</p><p>propósitos e consequentemente o cenário se alterou com o tempo. O Viaduto Santa Tereza</p><p>é um espaço resultado da intervenção do espaço da cidade e as pessoas que por ali</p><p>convivem, construíram, a partir disso, a identidade do local. Identidade essa</p><p>fundamentada por uma história de descaso social e de resistência, formando ali um</p><p>genuíno espaço de ocupação. Incomparavelmente às intervenções do poder público que</p><p>aconteceram ali, o que impressiona é que esse espaço foi ocupado pela sociedade, que</p><p>dirige suas próprias intervenções no local e define o propósito daquele espaço.</p><p>A territorialidade atribuída a certos locais como o Viaduto Santa Tereza devido às</p><p>ocupações dos espaços públicos por grupos marginais da sociedade não é bem vista pela</p><p>comunidade local e, por consequência, torna-se um problema para o poder público.</p><p>Os</p><p>processos de gentrificação que pretendem “higienizar” esses locais, privando</p><p>determinadas territorialidades, podem ser observadas no caso do Viaduto. Os grupos que</p><p>ocupam o local e dão identidade a ele enfrentam barreiras que dificultam o mantimento</p><p>de suas manifestações artísticas, como a tentativa da prefeitura de cobrar 33 mil por ano</p><p>para a execução do Duelo de Mc’s e, principalmente, o fechamento do Viaduto às</p><p>vésperas da Copa do Mundo tentando dissolver esses grupos.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>70</p><p>Considerações finais</p><p>Em uma pesquisa realizada anteriormente, intitulada Viaduto Santa Tereza: De</p><p>quem e para quem, a equipe da pesquisa procurou observar o Viaduto Santa Tereza como</p><p>espaço público, identificar os grupos que frequentam o espaço e apontar as possibilidades</p><p>de uma construção dos grupos na identidade com o lugar. Analisar a avaliação do impacto</p><p>sobre as ações para com o viaduto e também com o bairro, também, analisar os sentidos</p><p>e significados do lugar para o viaduto e para os grupos que o frequentam.</p><p>Através deste trabalho, do qual tive o prazer de construir com um grupo dedicado</p><p>de alunos da graduação do curso de História e Letras da PUC Minas, em parceria com</p><p>alunos da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, também resultou na</p><p>produção de um documentário sobre as histórias conhecidas nos movimentos debaixo do</p><p>Viaduto, também intitulado Viaduto Santa Tereza: De quem e para quem. O</p><p>documentário se encontra no YouTube e na página oficial do projeto no Facebook.</p><p>Com o acesso ao Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, enquanto</p><p>estudante do curso de História, esse trabalho pode tomar novas perspectivas. O acervo</p><p>cartográfico, textual e audiovisual do arquivo permitiu novas leituras sobre a história dos</p><p>espaços da cidade. Sendo assim, tornou-se possível essa produção na qual procurei</p><p>explicitar os aspectos do processo de ocupação e uso destes espaços ao longo do</p><p>desenvolvimento da cidade e, a partir disso, discorrer sobre as problemáticas apresentadas</p><p>no texto sobre espaço urbano, público, territorialidade e gentrificação.</p><p>Referências</p><p>Acervos Documentais</p><p>ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Acervo da Comissão</p><p>Construtora da Nova Capital. Disponível em: <www.acervoarquivopublico.pbh.gov.br></p><p>Acesso em: 31 ago. 2017.</p><p>ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Acervo Iconográfico. Disponível em:</p><p><http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br>. Acesso em: 31 ago. 2017.</p><p>Livros, teses, fontes digitais e impressas</p><p>AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Conhecer o arraial de Belo Horizonte para projetar</p><p>a cidade de Minas: a Planta Topográfica e Cadastral da área destinada à Cidade de</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>71</p><p>Minas e o trabalho da Comissão Construtora da Nova Capital. XVIII Encontro Regional</p><p>(ANPUH-MG), Mariana, 2012.</p><p>ANDRADE, Luciana Teixeira de, JAYME, Juliana Gonzaga, ALMEIDA, Rachel de</p><p>Castro. Espaços públicos: novas sociabilidades, novos controles. Cadernos Metrópole.</p><p>21, p. 131-153, 2009.</p><p>BARRETO, Abílio. Belo Horizonte, memória histórica e descritiva - história média. v.2.</p><p>Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996.</p><p>BORSAGLI, A. Rios invisíveis da metrópole mineira. Belo Horizonte: Ed. do autor,</p><p>2016.</p><p>CARSALADE, Flavio de Lemos. Estação em Movimento: a História da Praça da Estação</p><p>em Belo Horizonte – Belo Horizonte: Elos Produção Criativa, 2016. 176p.il. color.</p><p>CVRD. Parque Municipal - Crônica de um século. Belo Horizonte: 1992. 132p.: il.</p><p>Fundação João Pinheiro: Omnibus- Uma História dos Transportes Coletivos de Belo</p><p>Horizonte. Belo Horizonte, 1996.</p><p>Fundação João Pinheiro: Panorama de Belo Horizonte: Atlas Histórico.- Belo Horizonte,</p><p>Centro de Estudos Históricos e Culturais. Belo Horizonte, 1997. 104p.: il., - (Coleção</p><p>Centenário)</p><p>Fundação João Pinheiro: Um olhar para o século XX: arquitetura civil na área urbana da</p><p>cidade planejada por Aarão Reis - representação dos testemunhos criação de bancos de</p><p>dados georreferenciados. - Belo Horizonte, 2003. 68 p.</p><p>GUTIERREZ, Ramon. Arquitetura Latino-americana: Textos Para Reflexão e Polêmica.</p><p>São Paulo: Nobel, 1989.</p><p>JAMES, P. E. Belo Horizonte e Ouro Preto; estudo comparativo de duas cidades</p><p>Brasileiras. Boletim Geográfico, Rio de Janeiro, v. 4, n.48, p.1.598-1.609, 1 sem. 1947,</p><p>p. 1.603.</p><p>JULIÃO, L. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna; 1891-1920. Belo Horizonte,</p><p>1992, p. 68 (Dissertação, Mestrado em Ciências Políticas).</p><p>LEITE, R. P. (2002). Contra-usos e espaço público: notas sobre a construção social dos</p><p>lugares na Manguetown. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 17, n. 49,</p><p>pp. 115-134.</p><p>PERDIGÃO, João. Viaduto Santa Tereza. Belo Horizonte: Conceito, 2016.128p</p><p>REVISTA GERAL DOS TRABALHOS. Comissão Construtora da Nova Capital. Rio de</p><p>Janeiro, H. Lombaerts e C., abr. 1895. p.12.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>72</p><p>O "PROJETO LAGOINHA" NA CIDADE DE BELO HORIZONTE:</p><p>MEMÓRIA E ESQUECIMENTO NAS COMEMORAÇÕES DO</p><p>CENTENÁRIO (DÉCADA DE 1990)</p><p>EL “PROYECTO LAGUNA" EN LA CIUDAD DE BELO HORIZONTE:</p><p>MEMORIA Y OLVIDO EN LAS CONMEMORACIONES DEL CENTENARIO</p><p>(DÉCADA DE 1990)</p><p>Renata Lopes*</p><p>Resumo</p><p>Esse artigo procura analisar a construção da memória e o esquecimento do bairro</p><p>Lagoinha no contexto das comemorações do centenário de Belo Horizonte. Para realizar</p><p>essa proposta tomou-se como objeto o Projeto Lagoinha, idealizado em 1994 pelo</p><p>prefeito da cidade, Patrus Ananias. O projeto tinha como objetivo realizar a</p><p>requalificação do bairro em seus aspectos físicos, econômicos, ressignificar os aspectos</p><p>culturais e a própria memória do lugar. Como fontes foram utilizadas as matérias dos</p><p>jornais Estado de Minas e Hoje em Dia, que repercutiram a proposta, a implementação</p><p>e o fechamento do projeto. Pôde-se verificar que o Projeto Lagoinha não foi executado</p><p>da forma proposta, sendo finalizado sem que suas ações fossem completamente</p><p>concluídas.</p><p>Palavras-chave: Projeto Lagoinha; Memória; Centenário de Belo Horizonte.</p><p>Resumen</p><p>Este artículo busca analizar la construcción de la memoria y el olvido del barrio Lagoinha</p><p>en el contexto de las conmemoraciones del centenario de Belo Horizonte. Para realizar</p><p>esa propuesta se tomó como objeto el Proyecto Lagoinha, idealizado en 1994 por el</p><p>* Licenciada em História. Professora renatalopespinto01@gmail.com.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>73</p><p>alcalde de la ciudad, Patrus Ananias. El proyecto tenía como objetivo realizar la</p><p>recalificación del barrio en sus aspectos físicos, económicos, resignificar los aspectos</p><p>culturales y la propia memoria del lugar. Como fuentes se utilizaron las materias de los</p><p>periódicos Estado de Minas y Hoy en día, que repercutieron la propuesta, la</p><p>implementación y el cierre del proyecto. Se pudo comprobar que el Proyecto Lagoinha</p><p>no fue ejecutado de la forma propuesta, siendo finalizado sin que sus acciones fueran</p><p>completamente concluidas</p><p>Palabras clave: Proyecto Lagoinha; Memoria;</p><p>Centenario de Belo Horizonte.</p><p>1. Introdução</p><p>O bairro Lagoinha, situado na região noroeste da cidade de Belo Horizonte, tem</p><p>um significado diferente para a história da cidade no que se refere à sua importância no</p><p>contexto de construção e nos anos que se seguiram à inauguração da nova capital de</p><p>Minas Gerais. Diferentemente dos bairros que ficaram circunscritos à Avenida do</p><p>Contorno e que se destinaram às residências dos funcionários públicos e de governantes,</p><p>o bairro abrigou empregados, empreiteiros, migrantes, imigrantes, uma diversidade de</p><p>pessoas com seus ofícios que vieram trabalhar na construção de Belo Horizonte.</p><p>Muitas modificações urbanas ocorridas desde a década de 1970, como</p><p>construção de viadutos, a abertura de avenidas e a demolição de praças, fizeram com</p><p>que a Lagoinha se transformasse. A região acabou perdendo espaços de sociabilidade, o</p><p>que resultou em certo esquecimento da sociedade e do poder público ao longo do tempo.</p><p>Berman (1982) sintetiza em seu texto, a chegada da modernidade no Bronx, Estados</p><p>Unidos, entre 1950/1960, com demolições e construções de vias expressas chefiadas</p><p>pelo prefeito Robert Moses. De modo semelhante, as transformações ocorridas na</p><p>Lagoinha, podem ser entendidas como mecanismos de implantação da modernidade.</p><p>No contexto de comemoração do centenário de Belo Horizonte, o Projeto</p><p>Lagoinha foi criado com o objetivo de realizar a requalificação integrada do bairro. Esse</p><p>programa foi proposto e implementado durante a gestão do prefeito Patrus Ananias</p><p>(1993-1996) e suas propostas iam promover o bem-estar dos moradores, melhorar as</p><p>condições de moradia, impulsionar a economia local, valorizar as identidades culturais,</p><p>promover a recuperação dos espaços públicos e dos imóveis do bairro, estabelecendo,</p><p>para tanto, uma intrínseca relação com a memória coletiva do lugar. Para Patrus [...] Essa</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>74</p><p>obra vai resgatar a história deste bairro e propiciar o crescimento das atividades</p><p>econômicas na região”, declarou. (ESTADO DE MINAS, 1995).</p><p>Nesse ínterim, a imprensa escrita registrou o que ocorria, desde o seu</p><p>lançamento pela prefeitura até o seu encerramento, abordando as diferentes propostas</p><p>encampadas pelo projeto. Nesses registros, foi possível verificar que a municipalidade</p><p>buscou a repercussão das comemorações na grande mídia (jornais, rádio, programas de</p><p>televisão, entre outros) por meio de propagandas, notícias e entrevistas sobre o Projeto.</p><p>Por sua vez, jornais de circulação na época, também cobriram a comemoração do</p><p>centenário, mostrando o andamento do projeto, seus avanços e suas contradições.</p><p>Dessa maneira, será analisado o impacto do Projeto Lagoinha no bairro e sua</p><p>recepção por diferentes públicos locais, por meio dos debates presentes nos jornais</p><p>Estado de Minas e Hoje em Dia, buscando verificar a efetividade das ações propostas</p><p>pela Prefeitura de Belo Horizonte, dentro das comemorações do Centenário da cidade,</p><p>bem como identificar as reminiscências sobre o bairro até o final da década de 1990.</p><p>2. Da construção de Belo Horizonte aos dias atuais: um panorama sobre o</p><p>bairro Lagoinha</p><p>Há cento e vinte anos, a capital de Minas Gerais deixava de ser a antiga Ouro</p><p>Preto e era transferida para uma cidade nova. Belo Horizonte foi planejada em um</p><p>contexto republicano, no qual se desejava romper com as tradições monárquicas. A</p><p>nova Capital de Minas foi projetada e construída na transição entre Império e</p><p>República, buscando romper com o tradicionalismo herdado da monarquia. A cidade</p><p>foi edificada nos moldes de Paris, La Plata e Washington para ser moderna, arrojada e</p><p>inovadora. Cabe ainda ressaltar o higienismo, organização das ruas, avenidas e</p><p>setorização da cidade como marcas do projeto da Comissão Construtora70.</p><p>A construção de uma nova capital, localizada no centro geográfico do estado</p><p>facilitaria o governo, na medida em que possibilitava a comunicação entre as distintas</p><p>regiões do estado. A proposta republicana desejava promover o progresso de Minas</p><p>70 A comissão Construtora foi instituída pelo decreto nº 680 pelo governo do Estado de Minas Geras, em</p><p>1894, onde a comissão seria dirigida pelo Engenheiro Aarão Reis. Fonte:  <https://goo.gl/qeTVnz > acesso</p><p>em  10  out  2016.  às  15:10.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>75</p><p>Gerais, tornando o estado industrializado e desenvolvido economicamente, o que seria</p><p>inviável sendo Ouro Preto a capital, uma vez que não apresentava as condições</p><p>necessárias, seja do ponto de vista estrutural/espaço físico, seja do ponto de vista</p><p>ideológico.</p><p>Podemos verificar na Planta Cadastral de Belo Horizonte a disposição das ruas</p><p>do centro de Belo Horizonte e a Avenida do Contorno separando a região central da</p><p>cidade das Colônias Agrícolas e também o bairro Lagoinha. A região suburbana, na</p><p>época do plano urbanístico de Aarão Reis, ainda não havia sido planejada nas mesmas</p><p>proporções que a região central. A proposta era de que esse espaço fosse ocupado</p><p>posteriormente, sendo necessário um planejamento urbano no futuro. Por sua vez, as</p><p>áreas rurais eram compostas por cinco colônias agrícolas, com diversas chácaras e</p><p>tinham como função principal o abastecimento da cidade com gêneros</p><p>hortifrutigranjeiros. A dimensão do delineamento da nova capital mineira foi muito</p><p>importante, além de se tratar de uma cidade-capital, sede do poder político, ela deveria</p><p>também expressar o novo Brasil que se pretendia construir com a República.</p><p>No entanto, os bairros atualmente chamados de pericentrais, foram emergindo de</p><p>acordo com a necessidade de ocupação e moradia da população, que chegava para</p><p>trabalhar ou mesmo por aqueles que foram desapropriados no início das obras. O bairro</p><p>Lagoinha, objeto deste estudo, é um exemplo dessa situação.</p><p>A ocupação da Lagoinha se deu em conjunto à execução do projeto da nova</p><p>capital. O bairro foi construído com características tipicamente de periferia e seu</p><p>entorno era formado pelas fazendas do Pastinho e dos Menezes. Sabe-se ainda, que</p><p>havia uma área pantanosa próxima onde hoje está situado o Serviço Nacional de</p><p>Aprendizagem Industrial – SENAI, na Av. Presidente Antônio Carlos, sendo esse o</p><p>motivo pelo qual o bairro recebeu esse apelido “Lagoinha” conforme pontua Abílio</p><p>Barreto:</p><p>O nome deste bairro é mais antigo do que o próprio arraial de Curral Del Rei,</p><p>conforme tivemos ensejo de ver pela carta de sesmaria de João Leite da Silva</p><p>Ortiz, pois na designação da divisa das terras concedidas àquele bandeirante,</p><p>no cercado, já o local figurava com o nome de Lagoinha, que assim se chamou</p><p>pelo fato de ter existido ali, outrora, uma lagoa mais ou menos no local em que</p><p>hoje ficam as ruas Diamantina, Itapecerica, Adalberto Ferraz e Formiga</p><p>(BARRETO, 1995, p. 270).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>76</p><p>Nos bairros periféricos as ocupações ocorreram de maneira desordenada, sendo</p><p>constituídos de ruas estreitas e tortuosas, distintas do centro, que eram</p><p>geometricamente traçadas, apresentando definições sociais e administrativas</p><p>delimitadas. A Lagoinha seria local de moradia de pessoas desempregadas e</p><p>pertencentes às classes de nível econômico baixo, bem como de empregados da</p><p>construção</p><p>da capital, pequenos comerciantes e prestadores de serviços de ofícios</p><p>diversos.</p><p>A Lagoinha passou por transformações físicas, estruturais e sociais71 ao longo do</p><p>processo de crescimento urbano de Belo Horizonte. O bairro inicialmente participou do</p><p>abastecimento da cidade, estando entre o centro e a colônia agrícola Carlos Prates. Nele</p><p>foi construído o primeiro Mercado Municipal da capital, montado nos anos de 1899 e</p><p>1900.</p><p>A iluminação e o transporte foram instalados na Lagoinha por volta do ano de</p><p>1909 deixando a população um pouco mais confortável. Entretanto, o serviço de</p><p>fornecimento de água foi instalado somente em 1930 em substituição aos chafarizes</p><p>públicos existentes. Diante disso, a população da região se viu com uma melhor</p><p>qualidade de vida, devido à disponibilidade de recursos básicos inseridos na área, onde</p><p>a situação de marginalização e excluídos na dinâmica da cidade foram amenizadas.</p><p>Ainda nesse contexto, em 1929 houve a implantação do serviço de auto-ônibus com oito</p><p>linhas, sendo que uma delas atendia a região da Lagoinha. Pode-se perceber que</p><p>problemas de transporte coletivo persistiram ao longo da década de 1990, conforme as</p><p>seguintes passagens:</p><p>Mesmo vendo com bons olhos a possibilidade de reforma na região, Caetano</p><p>argumenta que depois que acabaram com a praça Vaz de Melo para a</p><p>construção do Complexo Viário da Lagoinha, o bairro nunca piorou tanto. Ele</p><p>reclama da falta de ônibus nas ruas próximas a sua casa, mas se mostra feliz</p><p>com a constante movimentação de pessoas na região (ESTADO DE MINAS,</p><p>1994).</p><p>Para Cláudia o fato de haver apenas três linhas de ônibus que atendem a</p><p>Lagoinha é uma prova do descaso com a região. Não há conexão entre elas, o</p><p>que provoca desarticulação interna. E o pior, ressalta a arquiteta somente a</p><p>71  Para  verificar mais  informações  sobre  os  impactos  sofridos  e  a  recuperação  do  bairro  Lagoinha,</p><p>consultar  Machado, 1997, p. 40 – 46.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>77</p><p>partir de 1950, telefone, esgoto, coleta de lixo e as linhas de ônibus. “Nada foi</p><p>feito diretamente para a região”, finaliza (HOJE EM DIA,1997).</p><p>Como se pode observar, a existência de uma modernidade paradoxal,</p><p>implementada apenas em um plano discursivo, abrangendo o que estava dentro dos</p><p>limites da Avenida do Contorno. Essa modernidade não estaria “disponível” a qualquer</p><p>morador da cidade, e sim a alguns que poderiam pagar por ela. Sendo assim, as regiões</p><p>periféricas receberam poucos investimentos de infraestrutura, tais como saneamento e</p><p>transporte.</p><p>Na década de 1930, a capital passava por um período de desenvolvimento, com</p><p>a implantação de indústrias ligadas à metalurgia, siderurgia e bens de consumo, com</p><p>expressivo crescimento econômico. Nesse momento, a região da Pampulha recebeu um</p><p>dos primeiros investimentos para o estabelecimento do primeiro aeroporto da</p><p>metrópole. O Aeroporto Carlos Drummond de Andrade, mais conhecido como</p><p>Aeroporto da Pampulha, foi inaugurado em 1933, com acesso pela “Estrada Velha da</p><p>Pampulha”. Essa via cortava a Lagoinha e recebeu calçamento em 1937, tornando o</p><p>acesso à região norte e ao aeroporto ainda mais fácil. (FREIRE, 2009).</p><p>As intervenções realizadas para fluidez do tráfego foram realizadas na medida</p><p>em que a população adensava. Em 1948, foi iniciada a construção do túnel Lagoinha-</p><p>Concórdia (Túnel Souza Lima) concluído apenas em 1971, ligando o centro de Belo</p><p>Horizonte à região Noroeste, como medida para desafogar os viadutos da Floresta e</p><p>Santa Tereza (FREIRE, 2009). Todas essas interferências viárias deixaram o bairro</p><p>muito descaracterizado de sua formação original, logicamente que, ao longo do tempo,</p><p>as mudanças ocorrem naturalmente, neste caso, houve um aceleramento deste</p><p>processo, além de ter sido realizada não pelos moradores e sim pelo poder público.</p><p>Assim, as “melhorias” para a cidade acabaram por deteriorar a rotina dos moradores</p><p>do bairro Lagoinha.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>78</p><p>Figura 1: Multilações na Lagoinha. 1973/1994/1999/2008. Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte.</p><p>Lagoinha em estudo: análise diagnóstico-propositiva do Bairro Lagoinha em Belo Horizonte, 2011.</p><p>Tais modificações acabaram por alterar a paisagem do bairro. A Praça Vaz de</p><p>Melo que constituía um quarteirão entre a Ferrovia e a Av. Pres. Antônio Carlos também</p><p>passou por transformações, como a construção de viadutos, alargamento e fechamento</p><p>de vias, construção do metrô de superfície, entre outros. Conhecida por ser reduto do</p><p>baixo meretrício e dos boêmios de segunda classe, a praça teria sido batizada em</p><p>homenagem a um dos principais comerciantes do local, Guilherme Vaz de Melo. A</p><p>Lagoinha foi considerada um dos berços do samba em Belo Horizonte, sendo que dessa</p><p>época é que vem a designação do popular “copo lagoinha”, atribuído a um modelo</p><p>comum de copo de vidro muito usado nos botequins e rodas de samba tradicionais da</p><p>região.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>79</p><p>Figura 2: Praça Vaz de Melo. Fonte: Revista</p><p>Cruzeiro, 1960.</p><p>Figura 3: Local onde estava localizada a Praça Vaz</p><p>de Melo. Fonte: Google.</p><p>Na década de 1950 o bairro Lagoinha era ponto de encontro de seresteiros,</p><p>dançarinos e amantes da noite de Belo Horizonte. Conviviam com o comércio, botequins</p><p>sempre abertos e cheios, pensões, com ribeirão Arrudas, o mercado, o barulho do trem</p><p>do subúrbio, os cinemas Paisandu, Mauá e São Geraldo. O bairro tipicamente suburbano</p><p>tinha as suas mazelas, mas a população encontrava espaços de sociabilidade para</p><p>compartilharem a vida, não apenas moradores, mas frequentadores, que por motivos</p><p>diversos encontravam na Lagoinha um ambiente acolhedor.</p><p>Os contrastes chamavam atenção, as mulheres e moças iam à missa e preparavam</p><p>quermesses na Igreja de Nossa Senhora da Conceição e faziam compras no Mercado da</p><p>Lagoinha. Os homens e rapazes se encontravam para jogos no antigo campo do Pitangui</p><p>para jogos entre Fluminense e Terrestre. Enquanto isso aconteciam os preparativos para</p><p>o desfile de carnaval do bloco “O leão da Lagoinha”. Ainda, na mesma região as casas</p><p>de prostituição ofereciam os seus serviços. Podemos observar que a região era viva, com</p><p>diversas manifestações culturais e apropriações, onde a comunidade procurava conviver,</p><p>talvez não de maneira totalmente harmônica, mas havia aceitação entre eles.</p><p>[...] A Lagoinha é familiar, conservadora e religiosa. Mas também reduto do</p><p>baixo meretrício, região onde trabalham prostitutas e travestis, um gueto dos</p><p>marginalizados. [...] “Você falava em praça Vaz de Melo e pensava logo em</p><p>mulher e prostituição. Tudo quanto era marginal frequentava a Lagoinha”. [...]</p><p>As declarações do pároco da igreja Nossa Senhoras das Graças, Padre Cândido</p><p>Santiago [...] “Quando cheguei á Lagoinha, em 1950, a prostituição estava em</p><p>toda a parte e o bairro era mal falado. Verifiquei que não havia razão para tanto.</p><p>Havia a prostituição, mas tirando isso era uma bairro completamente normal.</p><p>[...] O que ocorre ali e a convivência, no mesmo espaço geográfico, entre</p><p>segmentos sociais conservadores, religiosos, com marcante espírito familiar e</p><p>elementos contraventores, como a boemia e a prostituição. E essa coexistência,</p><p>é “pacifica e harmoniosa”.</p><p>(ESTADO DE MINAS, 1997)</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>80</p><p>Figura 4: Desfile do bloco de carnaval “O Leão da</p><p>Lagoinha” (1950/1960). Fonte: Museu Histórico</p><p>Abílio Barreto</p><p>Figura 5: Mercado da Lagoinha (Mar/1960).</p><p>Fonte: Museu Histórico Abílio Barreto</p><p>A partir da década de 1960 a boemia começava a perder espaço. As</p><p>tradicionais rodas de samba e os redutos de baixo meretrício deram lugar a casas de</p><p>família. O convívio entre as duas realidades delineava a trajetória do bairro, sendo</p><p>construída de uma imagem harmônica em meio à diversidade. Ainda podemos citar</p><p>os personagens lendários que fizeram parte da história da Lagoinha como Maria</p><p>Tomba Homem, uma prostituta que não perdia uma briga entre policiais e valentões,</p><p>Cintura Fina, uma travesti que fazia “ponto” na região e andava sempre com sua</p><p>navalha.</p><p>O declínio da Lagoinha como zona boêmia teve início na década de 1970,</p><p>principalmente, após a construção do túnel Lagoinha – Concórdia duplicado em</p><p>1984. Esse declínio aprofundou-se com a chegada do trem metropolitano e as</p><p>plataformas de embarque e desembarque posicionadas atrás da rodoviária. Após a</p><p>demolição da Praça Vaz de Melo, a boemia acabou se dispersando, a intensidade</p><p>comercial diminuiu e a vida social também foi diluída permanecendo a saudade</p><p>dos frequentadores e as memórias dos acontecimentos. A Lagoinha recebeu diversas</p><p>homenagens como os versos do músico e poeta Gervásio Horta: “Adeus Lagoinha,</p><p>adeus; estão levando o que resta de mim; dizem que é à força do progresso; um</p><p>minuto eu peço, para ver seu fim”.</p><p>“A turma ficava tomando sempre tragos ali, porque os dancings só</p><p>funcionavam às dez da noite. Ficavam nas ruas Guaicurus, São Paulo e</p><p>Curitiba, disse. Horta tem lembrança de que ali era região da Hilda Furacão,</p><p>do Cintura Fina e da Maria Tomba Homem [...] Sobre o copo Lagoinha,</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>81</p><p>Gervásio acha que ele surgiu naquela reigião, mas não tem dados para</p><p>comprovar. “É um copo de vidro com ranhuras”, disse. (HOJE EM DIA, 1997)</p><p>Em 1997, Belo Horizonte completaria seu centenário, o que trouxe ao poder</p><p>público municipal a oportunidade de (re)avaliar “os acontecimentos passados, a</p><p>avaliação dos feitos presentes e a perspectiva de realizações futuras” (MOTTA,</p><p>1992), ou seja, aproveitar o momento de comemoração para lançar propagandas</p><p>positivas sobre a cidade remetendo ao passado de planejamento, o desenvolvimento</p><p>e novas propostas de aprimoramento da capital.</p><p>Para a comemoração do centenário da cidade, o poder público municipal</p><p>produziu uma série de atividades, ações, organização e divulgação dessa efeméride.</p><p>A data foi muito esperada e promovida por prefeitos de três mandatos: iniciou-se</p><p>com Eduardo Azeredo (1990–1992), que focou as comemorações na Praça da</p><p>Liberdade, constituindo-a como espaço de representação de memória. Naquele</p><p>momento foi criado o Conselho de Municipal do Patrimônio.</p><p>Patrus Ananias (1993–1996) buscou realizar levantamento junto à população</p><p>de demandas a serem cumpridas pelo poder público municipal com o “Orçamento</p><p>Participativo”. Em seu mandato, foi elaborada a comissão “BH cem anos”, além de</p><p>terem sido criados projetos a serem concluídos após o seu mandado; e no governo de</p><p>Célio de Castro (1997–2000 e 2001 – 2002) foi elaborado o calendário de eventos</p><p>para a comemoração do centenário.</p><p>3. O centenário da capital e o Projeto Lagoinha</p><p>O que significa comemorar? Trazer à memória, fazer recordar, festejar com</p><p>comemoração. No intuito de festejar o aniversário da cidade sobressai a ideia de</p><p>monumentalizar. Na comemoração do centenário da capital mineira, o bairro Lagoinha</p><p>foi um dos espaços tomados como monumento da cidade. Nesse sentido, ao colocar o</p><p>centenário em voga, a Lagoinha emerge como símbolo de identificação coletiva. A</p><p>prefeitura publicizou o aniversário buscando “organizar o espaço público em um</p><p>processo de constituição de identidade que implica tanto no acentuar dos traços de</p><p>semelhança e homogeneidade” (MOTTA, 1992). Assim, definindo o que é comum ao</p><p>grupo, a memória coletiva “reforça as fronteiras socioculturais e se torna, pois, um</p><p>ingrediente básico da identidade nacional” (MOTTA, 1992). Nesse caso, podemos</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>82</p><p>dizer que se reforça a identidade regional, pois ao valorizar a região, o poder público</p><p>municipal (re)construiria a imagem moderna da construção da cidade e traria</p><p>identificação dos belorizontinos com aquele espaço.</p><p>O Programa de Reabilitação Integrada iniciou-se três anos antes das</p><p>comemorações do centenário, no intuito de revitalizar o bairro, por meio da construção</p><p>de uma memória afetiva de seus moradores e da cidade como um todo. A Lagoinha</p><p>requalificada seria harmônica como a cidade que fora planejada de acordo com os</p><p>pressupostos modernos de sua construção ou a Lagoinha seria um “não lugar” que</p><p>mesmo contra a vontade de setores da sociedade existia. Nesse sentido, ao longo desse</p><p>texto compreendemos que o Projeto Lagoinha buscou fundar a memória da Lagoinha e</p><p>nela instaurar seus lugares de memória. De acordo com Pierre Nora:</p><p>O lugar de memória supõe, para início de jogo, a justaposição de duas ordens</p><p>de realidades: uma realidade tangível e apreensível, às vezes material, às vezes</p><p>menos, inscrita no espaço, no tempo, na linguagem, na tradição, e uma</p><p>realidade puramente simbólica, portadora de uma história. A noção é feita para</p><p>englobar ao mesmo tempo os objetos físicos e os objetos simbólicos, com base</p><p>em que eles tenham ‘qualquer coisa’ em comum (NORA, 1997, p. 226).</p><p>Como forma de materialidade da memória, a rememoração de eventos, lugares e</p><p>cultura do bairro, evidencia o resgate da reminiscência. Devido às diversas intervenções</p><p>que modificaram não só o espaço físico do bairro Lagoinha, mas também os espaços de</p><p>sociabilidade como a Praça Vaz de Melo, que foi demolida, o Mercado da Lagoinha, a</p><p>Feira de Amostras, o ginásio do Paissandu, o Mercado Mauá, o Cine São Geraldo, entre</p><p>outros, além de interferir em seu cotidiano, interferiu diretamente no acesso e convívio</p><p>de seus moradores. Ao trazer novas perspectivas sobre a revitalização do espaço, as</p><p>memórias afetivas emergem ao monumentalizar momentos vividos na história da região.</p><p>(...) discurso que comemora um fato caro a determinado grupo social ou</p><p>comunidade. O monumento, assim, busca tornar viva a memória de algo</p><p>importante e identitário socialmente. Nesse caso, ele tem, necessariamente,</p><p>como mediadores a memória construída e a história (MENESES, 2006, p.31).</p><p>Pode-se dizer que o espaço físico material estava sendo utilizado como suporte</p><p>para a consolidação de uma memória coletiva imaterial, em que a monumentalização</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>83</p><p>do bairro Lagoinha traria um lugar de memória como suporte da comemoração do</p><p>centenário. Então, o ritual de comemorar o aniversário traz lembranças não apenas do</p><p>bairro, mas da cidade como um todo. A sociedade, ao se identificar com o lugar de</p><p>memória, está reafirmando</p><p>suas lembranças que ora foram deixadas de lado.</p><p>Esses lugares de memória, segundo Nora (1993), seriam locais físicos,</p><p>institucionais e simbólicos, a partir dos quais, a sociedade contemporânea</p><p>experimentaria um efeito de unificação diante de um mundo cada vez mais fragmentado,</p><p>fruto da crise dos paradigmas modernos. A partir da experiência de uso desses "lugares"</p><p>e das interpretações difundidas por eles, os membros de uma comunidade se</p><p>reconheceriam como agentes de seu tempo. A sua requalificação está ligada ao discurso</p><p>modernizador do Centenário da cidade que precisa de uma “vitrine” para demonstrar</p><p>que consegue melhorar/dinamizar facilmente áreas degradadas, fazendo sua projeção no</p><p>cenário nacional. O mesmo discurso da fundação da cidade prossegue, atravessa o século</p><p>e é usado como alicerce para renovar o bairro Lagoinha e transformá-lo em um local de</p><p>visitação agradável.</p><p>Diante o exposto, entendemos que a noção de "lugares de memória" e sua</p><p>associação com o sentido político e simbólico do ato de comemorar podem ser úteis para</p><p>analisarmos o processo de revitalização da Lagoinha, proposto durante as</p><p>comemorações do Centenário de Belo Horizonte. De acordo com Halbwachs (2004)</p><p>“nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se</p><p>trate de eventos que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós</p><p>vimos”. Dessa forma, a memória individual não deixa de existir, mas acaba se</p><p>convertendo em conjunto de fatos compartilhados, passando de individual para coletiva,</p><p>assim como “na memória mais pública, nos aspectos mais públicos da pessoa, pode</p><p>haver lugares de apoio da memória, que são os lugares de comemoração”</p><p>(POLLACK,1992).</p><p>A "construção" de uma nova identidade para a Lagoinha, promovida pela</p><p>requalificação e apagamento de algumas lembranças "incômodas" integrou, naquele</p><p>momento, um projeto que visou afirmar uma modernidade da cidade que não coadunava</p><p>com a antiga boemia do bairro periférico. Dessa maneira, o poder público buscou</p><p>elementos para ressignificar sua história, seu passado e sua memória, procurando refletir</p><p>sobre a necessidade de proteger as características que lhe são próprias. Pode-se destacar</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>84</p><p>que no período da década de 1990, existe uma circulação de ideias e discussões sobre</p><p>políticas de preservação de bens materiais e imateriais em todo o país.</p><p>A notoriedade da comemoração deveria estar presente nos moradores da cidade,</p><p>refletida na memória coletiva, assim o significado de ser integrante da efeméride, faria</p><p>sentido a todos, deixando o esquecimento de lado nesse momento. O centenário trouxe</p><p>à tona olhares diversificados sobre a cidade, sobre aspectos políticos, sociais,</p><p>econômicos e culturais, em que não só os moradores, mas os cidadãos de modo geral</p><p>voltam suas expectativas para algo monumental. Nesse caso, a memória oficial da</p><p>sociedade mais ampla foi permeada de expressões consolidadas em um passado coletivo,</p><p>no qual a comemoração do centenário tem importância significativa para a memória</p><p>coletiva do lugar:</p><p>O aniversário ganha corpo na medida em que ele é pronunciado por alguém e</p><p>se torna construção intersubjetiva. Podemos dizer que ele é fruto de um duplo</p><p>contar: um “contar” o tempo, a partir do estabelecimento de marcações, mas</p><p>também um “contar” aos outros, anunciar, partilhar um sentido e uma</p><p>informação (SILVA; FRANÇA, 1997, p.1).</p><p>Percebe-se que houve grande movimentação da Prefeitura de Belo Horizonte</p><p>(PBH) em realizar festas, propagandas e outros eventos envolvendo as festividades do</p><p>centenário. Durante governo de Célio de Castro, foram disponibilizados recursos</p><p>significativos72 para a mobilização da cidade em torno das comemorações do</p><p>Centenário, mantendo o foco dos aparelhos da administração nas festividades. Como</p><p>se observa as três administrações municipais buscavam celebrar o centenário de Belo</p><p>Horizonte, no entanto, não houve prosseguimento aos projetos desenvolvidos ao longo</p><p>dos mandatos. Fica evidente a gradativa construção de uma discussão em torno da</p><p>(re)valorização da história, da memória e do reconhecimento do patrimônio cultural da</p><p>cidade. Os eventos buscavam trazer notoriedade e enaltecimento para a “Capital do</p><p>Século”.</p><p>A primeira parte do Projeto Lagoinha foi redigida pelo escritor e jornalista José</p><p>Maria Cançado73. O autor disserta sobre ambiguidades do local, como o contraste da</p><p>72 Dados retirados Relatório de Atividades da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte de 1997.</p><p>Disponíveis em: https://goo.gl/1nuCX8. Acesso: 5 set 2016 às 14:20.</p><p>73 José Maria Cançado, mineiro de Belo Horizonte, era jornalista e foi secretário-adjunto de Cultura de Belo</p><p>Horizonte em 1993, no governo de Patrus Ananias.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>85</p><p>boêmia e da religiosidade, do tradicionalismo familiar e dos bares. Cançado (1994),</p><p>apesar de seu lugar de escrita, traz consigo certo sentimento pela região transparecida</p><p>em suas palavras como neste trecho do projeto “...é em grande medida pela Lagoinha</p><p>que essa cidade respira”. José Maria (1994) ressaltou a necessidade de preservação do</p><p>patrimônio material e imaterial contidos no bairro, os quais estavam ameaçados devido</p><p>esquecimento do poder público e da cidade como um todo com a região, segundo ele,</p><p>o Projeto do Centenário seria a forma de se “redimir com a Lagoinha”.</p><p>Pretendia-se unir o arcaico e o moderno, fazendo-os coexistir em um espaço que</p><p>não congregava todos os aspectos progressistas esperados da época. Objetivava</p><p>aprimorar os setores produtivos da região, tornando-a base para promoção do centenário:</p><p>“O que é formidável, pois nada melhor do que começar a realizar os paradigmas de</p><p>desenvolvimento econômico desta cidade no próximo século pela porta de algo tão</p><p>imbatível e simpaticamente popular e democrático como a Lagoinha.” (CANÇADO,</p><p>1994). O coordenador do projeto “BH 100” afirma que:</p><p>Belo Horizonte está condenada a ser moderna”, afirma José Maria Cançado,</p><p>coordenador do projeto BH 100. “A historia da cidade coincide com a historia</p><p>do século”, acrescenta e diz: “ O que houve de bom e de ruim”. [...] Celebrar</p><p>os cem anos da capital significa celebrar o reencontro da cidade com sua</p><p>história (ESTADO DE MINAS, 1995)</p><p>O governo de Patrus Ananias, no projeto, questionava todas as modificações e o</p><p>isolamento da Lagoinha dentro dela mesma, sem a participação da população nesse</p><p>processo. O Projeto Lagoinha (1994) propunha: “o ponto de partida deve ser a realidade</p><p>do bairro da Lagoinha tal como é vivida hoje pelos seus habitantes”. Apresentavam uma</p><p>nova metodologia de trabalho, em que o morador teria voz durante as etapas de</p><p>concepção, elaboração e execução do projeto.</p><p>Para Patrus [...] “a obra propiciará o desbloqueamento da Lagoinha e bairros</p><p>adjacentes. “A Lagoinha é uma região simbólica, do ponto de vista cultural, e</p><p>foi penalizada durante muitos anos com o isolamento. Essa obra vai resgatar a</p><p>história deste bairro e propiciar o crescimento das atividades econômicas na</p><p>região”, declarou. (ESTADO DE MINAS, 1995)</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>86</p><p>O projeto propunha a reabilitação integrada que, segundo os argumentos de seus</p><p>idealizadores,</p><p>resolveria todos os problemas da região de forma articulada e simultânea.</p><p>Assim, melhoraria as condições de vida da população, a preservação e o incentivo das</p><p>identidades culturais lá presentes. O projeto ainda previa a requalificação ambiental e</p><p>econômica, que por meio de um programa de desenvolvimento urbano e social todas</p><p>estas bases agiriam em conjunto. O projeto trazia uma nova identidade para a Lagoinha,</p><p>no entanto, moradores, passantes e frequentadores, que tinham um cotidiano no local,</p><p>poderiam vê-lo apenas como mais uma tentativa de revitalização do espaço.</p><p>Ao abrir o leque de questionamentos, algo salta aos olhos dentro do programa:</p><p>estavam previstas diversas obras de revitalização, a construção da alça do Viaduto A,</p><p>alargamento da Avenida Antônio Carlos, a proteção dos casarões e do patrimônio</p><p>cultural. No entanto, em 1997, ao fim do mandato de Patrus Ananias e a posse do prefeito</p><p>Célio de Castro o projeto foi interrompido, não sendo finalizado conforme descrito</p><p>inicialmente. Cumpre ressaltar que as obras de cunho material foram realizadas, como a</p><p>reforma do Mercado da Lagoinha – não com os usos previstos. Mas por que somente</p><p>esta parte foi concretizada? Aos olhos da população o que é palpável é significativo?</p><p>Pois, toda a requalificação prevista entre 1994 e 1997, vinte anos depois do centenário</p><p>em 2017, ainda não pode ser vista pela região que continua com os mesmos problemas</p><p>descritos no Projeto Lagoinha. Ainda pode-se pensar que o projeto de requalificação</p><p>patrimonial é um projeto secundário em detrimento do projeto viário implementado na</p><p>região, em que a Lagoinha perderia por um lado e ganharia por outro.</p><p>4. O Projeto Lagoinha nas páginas dos Jornais Estado de Minas e Hoje em Dia</p><p>Ao observar os projetos ligados ao centenário de Belo Horizonte, percebe-se que,</p><p>além da comemoração, existe, em paralelo, uma retórica discursiva em torno de assuntos</p><p>públicos, ligados diretamente a problemas e qualidades da cidade, ao cotidiano dos</p><p>moradores, à melhoria de condições de vida, de tráfego, temas que recorrentemente estão</p><p>ligados a poder público municipal.</p><p>A instituição do centenário iniciou em 1989 e ao longo dos anos que se seguiram</p><p>foi cada vez mais enfatizado. A publicização e a divulgação desse evento foram calcadas</p><p>na reconstrução de imagens de Belo Horizonte por parte da prefeitura por meio de</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>87</p><p>slogans e marcas. Entretanto, a imprensa, o rádio e a TV tomaram o assunto como objeto</p><p>para publicação de matérias, reportagens, entrevistas, entre outros.</p><p>Nas páginas dos jornais, o Projeto Lagoinha teve grande repercussão emergindo</p><p>diversas abordagens sobre o bairro. A partir de um número significativo de matérias de</p><p>jornais, optou-se por trabalhar com os jornais Estado de Minas e Hoje em Dia, que</p><p>estavam em circulação na época (e ainda estão). Esses jornais tiveram quantidade</p><p>significativa de reportagens sobre o andamento do projeto, apresentando pontos</p><p>convergentes e divergentes a seu respeito. Dessas reportagens, foram recolhidas para a</p><p>pesquisa cerca de trinta, sendo essas publicadas entre os anos 1990 a 2000. Dessas,</p><p>optou-se por trabalhar com vinte para um panorama geral, sendo referenciadas nove ao</p><p>longo deste trabalho.</p><p>Ao trabalhar com jornais como fontes históricas devemos entendê-los como</p><p>meios transmissores de acontecimentos, não sendo imparciais ou neutros, mas</p><p>permeados de subjetividade. A imprensa constitui um instrumento de manipulação de</p><p>interesses e intervenção da vida social, cabendo ao pesquisador identificar o</p><p>movimento das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais</p><p>(CAPELATO, 1988, p. 21), além de considerar que os periódicos não trazem verdades</p><p>e sim versões sobre os fatos. Dessa maneira é necessário compreender a escolha e o</p><p>histórico dos periódicos Estado de Minas e Hoje em Dia.</p><p>O jornal Estado de Minas é um periódico editado pelos Diários Associados</p><p>desde 7 de março de 1928, com circulação diária. Segundo dados fornecidos pelo</p><p>jornal, o maior número de seus leitores ocupam cargos de nível superior em sua</p><p>atividade profissional; são pós-graduados ou que pretendem fazer cursos de pós-</p><p>graduação; possuem renda familiar a partir de 10 salários mínimos e costumam</p><p>frequentar exposições, museus e peças de teatro74, ou seja, os leitores são de uma</p><p>classe social alta.</p><p>Segundo a historiadora Marieta de Morais Ferreira (N.D)75, ao longo do tempo,</p><p>desde a sua fundação, o periódico passou por diversos proprietários, editores e</p><p>constantemente mudava seu posicionamento diante do poder público.</p><p>74 Informações sobre o jornal disponíveis no site:</p><p><http://www.diariosassociados.com.br/home/veiculos.php?co_veiculo=29> Acesso: 08/10/16 às 19:58.</p><p>75 Informações disponíveis em artigo escrito por FERREIRA, em:</p><p><http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete‐tematico/estado‐de‐minas‐o>  08/10/16 às</p><p>10:12</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>88</p><p>O jornal Hoje em Dia foi fundado em 1988 pelo então governador de Minas</p><p>Gerais, Newton Cardoso para rebater as denúncias feitas pelo jornal Estado de Minas,</p><p>as quais, considerava perseguição. O controle do diário ficou com o mesmo até 1991,</p><p>quando deixou o governo e o vendeu ao grupo Record.</p><p>Conforme explicitado acima, os dois jornais apresentam divergências a respeito</p><p>de seus posicionamentos políticos. Tal característica permitiu verificar, através da</p><p>análise da periodicidade da reportagem, tamanho da manchete, forma de escrever,</p><p>editor, data de publicação, entre outros, os posicionamentos em torno do Projeto</p><p>Lagoinha.</p><p>Durante a análise dos jornais, várias Lagoinhas emergem de suas páginas. São</p><p>trazidas à tona memórias individuais e coletivas, o cotidiano dos moradores e</p><p>frequentadores do bairro, as transformações do lugar bem como elementos do Projeto</p><p>Lagoinha.</p><p>Uma das imagens que apareceu foi a da Lagoinha como a “Lapa mineira”, uma</p><p>vez que o lugar pode ser considerado um reduto boêmio da capital, pelo menos até</p><p>meados da década de 1970. “Antigo reduto boêmio, o bairro da Lagoinha tornou-se</p><p>conhecido como a “Lapa Mineira”, envolto sempre em imagens de prostituição,</p><p>marginalidade, vício e transgressão, que se fixaram na memória da cidade76”.</p><p>Entretanto, ao mesmo tempo em que a região é apresentada como espaço</p><p>“idílico-etilico-transgressor”, também permanece uma Lagoinha habitada por famílias</p><p>e por pessoas trabalhadoras, que ali residiram desde o início das obras de construção</p><p>da capital”.</p><p>Assim, a construção de uma memória coletiva do lugar passa por disputas, na</p><p>tentativa de afirmar qual “Lagoinha” seria conhecida pelas futuras gerações. A reforma</p><p>do Mercadinho da Lagoinha pode ser vista como um mecanismo para reter na</p><p>lembrança dos moradores o lugar, a Lagoinha do tempo da construção de Belo</p><p>Horizonte:</p><p>O tradicional Super Mercado Popular da Lagoinha, localizado na avenida</p><p>Antônio Carlos, zona Noroeste de Belo Horizonte, será reformado e continuará</p><p>com a mesma função que teve durante os 40 anos em que abasteceu de</p><p>alimentos a população da região. (ESTADO DE MINAS, 1995)</p><p>76 Conf. JANUZZI, 13/06/1990, n.p).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN:</p><p>2357‐8513</p><p>89</p><p>Em outras reportagens publicadas pelo jornal Estado de Minas fica evidente o</p><p>papel do Mercadinho como lugar de memória.</p><p>A Lagoinha, um dos bairros mais tradicionais de Belo Horizonte, pode renascer</p><p>das cinzas depois de anos de esquecimento. Com a proposta de restaurar o</p><p>antigo Mercadinho Popular Municipal, conhecido popularmente como</p><p>“Mercadinho”, a prefeitura deu o primeiro passa para um processo maior de</p><p>revitalização dessa região (ESTADO DE MINAS, 1996)</p><p>Após a reforma feita, reafirma-se a função do Mercadinho como o marco da</p><p>história da região:</p><p>A revitalização do Mercado da Lagoinha, realizada pela Prefeitura de Belo</p><p>Horizonte, através da Secretaria Municipal de Abastecimento (Smab),</p><p>representa um marco no campo da história do bairro e da capital mineira.</p><p>(ESTADO DE MINAS, 1996)</p><p>Contraditoriamente à abordagem em torno da importância da recuperação da</p><p>memória do lugar é frequente, nos periódicos analisados, sobretudo no jornal Hoje em</p><p>Dia, o trato dos problemas desencadeados na região pelo projeto. As denúncias diziam</p><p>respeito, principalmente, às perdas devido às desapropriações de imóveis que seriam</p><p>demolidos para a execução das obras. Há uma preocupação com a preservação de um</p><p>“patrimônio cultural” que diluiu com a demolição da Praça Vaz de Melo, além das</p><p>desapropriações realizadas. Esse patrimônio cultural transcende o material, no entanto,</p><p>há a necessidade de reestruturar, pois, pelo que se percebe nas reportagens, o Mercadinho</p><p>é o foco desse patrimônio.</p><p>Durante o processo de desapropriação dos cerca de quinze imóveis que</p><p>margeavam a Av. Antônio Carlos – decreto 7.857 de 14 de abril de 1994 -, o jornal Hoje</p><p>em Dia realiza reportagens sucessivas trazendo os desafios encontrados pelos moradores</p><p>em sair de suas residências e estabelecimentos comerciais. Descreve, pois, o receio dos</p><p>moradores em relação às desapropriações, visto a necessidade de realizar uma</p><p>manifestação.</p><p>[...] Moradores, comerciantes e donos de motéis e pensões do antigo bairro</p><p>Lagoinha fazem manifestação hoje, às 10 horas, pedindo mais prazo para</p><p>"abandonarem" os imóveis, onde será construído o Complexo Viário. (HOJE</p><p>EM DIA, 1994)</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>90</p><p>Aparentemente o jornal acompanhou mês a mês as movimentações do projeto</p><p>viário, em que escreveu em outra matéria com pouco mais de trinta dias as condições do</p><p>local oferecido pela prefeitura aos desapropriados.</p><p>Moradores e comerciantes do bairro Lagoinha continuam em movimento por</p><p>melhores condições de desapropriação do primeiro quarteirão da Rua</p><p>Itapecerica, para a construção de uma "alça" de viaduto do Complexo da</p><p>Lagoinha. Ontem pela manhã, eles visitaram o local oferecido pela prefeitura</p><p>para deixaram seus endereços atuais até o dia 8 de agosto. [...] Pedimos um</p><p>conjunto habitacional onde os desalojados pudessem continuar morando e</p><p>tendo seus negócios, sem prejuízos. Não temos nada contra a obra, mas não</p><p>podemos aceitar a desapropriação nestas bases” (HOJE EM DIA, 1994).</p><p>Pode-se analisar a fala do jornal em relação aos moradores não terem problemas</p><p>com as obras, no entanto, existem embates relacionados aos acordos feitos entre</p><p>moradores e prefeitura. Os locais “selecionados” para demolição pertenciam a pessoas</p><p>que faziam parte da história do bairro e de certa maneira iriam deixar suas lembranças</p><p>para reconstruir a sua vida em outro lugar determinado pelo poder público.</p><p>Se de um lado é possível mostrar a intenção do projeto no que diz respeito à</p><p>preservação da memória por meio da preservação de suas construções, por outro reside</p><p>a contradição com a destruição de outras. Alguns imóveis foram escolhidos para serem</p><p>preservados, como exemplo, o Mercadinho, acima mencionado. A outros, porém, restou</p><p>a demolição e a consequente perda da identidade do lugar. Diferentemente da Lagoinha</p><p>que existiu, hoje existe uma outra - a do complexo - com as alças dos viadutos dando</p><p>passagem aos automotores. A boemia ficou na lembrança ou no esquecimento, depende</p><p>de quem hoje a olha.</p><p>Para o governo de Patrus Ananias, as obras desenvolvidas na Lagoinha eram de</p><p>imensa importância, visto a ressonância do projeto de ampliação da Avenida Antônio</p><p>Carlos amplamente divulgado. Segundo o prefeito, desejava-se finalizar o que outras</p><p>administrações não alcançaram, ainda fazendo menção à requalificação integrada.</p><p>Para Patrus, além de representar grande impacto no transito da cidade, é um</p><p>compromisso ético do seu governo “terminar mais uma obra inacabada”. Ele</p><p>ressaltou que a obra propiciará o desbloqueamento da Lagoinha e bairros</p><p>adjacentes. “A Lagoinha é uma região simbólica, do ponto de vista cultural, e</p><p>foi penalizada durante muitos anos com o isolamento. Essa obra vai resgatar a</p><p>história deste bairro e propiciar o crescimento das atividades econômicas na</p><p>região”, declarou (ESTADO DE MINAS, 1995).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>91</p><p>Em meados de 1997 o projeto foi paralisado, no entanto, para a sua continuidade</p><p>seria necessário para a renovação da parceria entre a Secretaria Municipal de Indústria</p><p>e Comercio e a UFMG o que não foi realizado, visto a alteração de gestão neste ano.</p><p>Após a finalização desse projeto, outros foram criados com o mesmo intuito, requalificar</p><p>a região, mas para os moradores, frequentadores e passantes pouca coisa foi alterada</p><p>nessa década que se ateve o programa inicial. E mesmo com as comemorações do</p><p>centenário e toda a sua memorialização, o sentimento de pertencimento dos</p><p>belorizontinos em detrimento do bairro pouco mudou, a relação de esquecimento e</p><p>silêncio do poder público com a Lagoinha continua da mesma maneira.</p><p>5. Considerações Finais</p><p>O Projeto Lagoinha pretendeu requalificar o bairro Lagoinha com intuito de</p><p>internacionalizar Belo Horizonte para o cenário nacional, quem sabe mundial trazendo</p><p>turismo e investimentos econômicos. Cabe lembrar que o poder público municipal</p><p>utilizou a história do bairro para a sua projeção em detrimento da comemoração do</p><p>centenário da cidade. No entanto, ao realizar a análise da trajetória dos anos entre 1989</p><p>(início dos projetos) a 1997 (comemoração em si) podemos observar que mesmo com</p><p>todo o foco sobre a cidade e o bairro, o progresso prometido ficou apenas no projeto.</p><p>Podemos questionar qual era realmente o foco da requalificação, a viária para melhor</p><p>fluidez do tráfego adensado e/ou a requalificação integrada já que esta pode ter vindo</p><p>para amenizar os impactos de reivindicação da comunidade.</p><p>A tentativa de envolver a sociedade como um todo, fazendo emergir sentimentos</p><p>regionais em relação à Lagoinha pouco deu resultado, pois, caso os belorizontinos</p><p>tivessem aderido à comemoração, o processo de memorialização seria realmente</p><p>efetivado? Não percebemos maior envolvimento da cidade na celebração de seu</p><p>aniversário, o acontecimento era mais para a promoção econômica do que para a</p><p>integração social da urbe. Mesmo com toda a visibilidade reproduzida pela mídia, a</p><p>Lagoinha durante a implementação do projeto se manteve apagada, no mesmo lugar de</p><p>esquecimento em que esteve. O programa de maneira otimista e “revitalizador” não</p><p>cumpriu totalmente o papel a que se propôs, visto que a requalificação integrada não</p><p>transcorreu de acordo com seus moldes descritos. As memórias múltiplas que</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo</p><p>Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>92</p><p>emergiram nesse período parecem não terem sido capazes de servir como possibilidade</p><p>de deixar o silêncio e o esquecimento para manter a memória que parece impossível ser</p><p>resgatada.</p><p>A Lagoinha faz parte do imaginário dos moradores de Belo Horizonte,</p><p>indiferentemente se já viveu, morou, passou ou frequentou a região. Ao falar “Lagoinha”</p><p>vem à mente de cada indivíduo um sentimento ou uma lembrança que foi contada ou</p><p>presenciada. Entre essas retóricas observam-se as diversas Lagoinhas existentes no</p><p>sentido figurado ou de maneira palpável. A Lagoinha boêmia, a Lagoinha religiosa, a</p><p>Lagoinha familiar, a Lagoinha berço do samba, a Lagoinha abrigo entre outras</p><p>representações existentes. Cada um tem a sua Lagoinha para falar.</p><p>Fontes:</p><p>A Lagoinha não será a mesma, diz Patrus, Estado de Minas, 26 set. 1995, Caderno</p><p>Cidades.</p><p>Demolição - Moradores da Lagoinha fazem protesto hoje. Hoje em Dia, 04 mai. 1994.</p><p>LIRA, Aparecida. Estudo mostra a tradição e a boemia na antiga Lagoinha. Estado de</p><p>Minas, 18 ago.1997.</p><p>JANUZZI, Déa. Lagoinha agora é só uma doce lembrança no coração dos boêmios.</p><p>Estado de Minas, 13 jun. 1990.</p><p>Mercadinho, primeira etapa para revitalização da Lagoinha. Estado de Minas, 18 abr.</p><p>1994.</p><p>Mercadinho, revitaliza a história, Estado de Minas, 25 dez.1996, Caderno Gerais.</p><p>MAAKAROUN, Bertha. Quase nada em BH lembra o antigo arraial. Estado de Minas,</p><p>19 fev. 1995.</p><p>Nova moradia gera protesto na Lagoinha. Hoje em Dia, 26 out. 1994.</p><p>Obras vão resgatar função original do antigo Mercadinho da Lagoinha, Estado de Minas,</p><p>03 mar. 1995.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>93</p><p>PINHEIRO, Maricélia. Projeto premiado da Lagoinha está parado. Hoje em Dia, 26 nov.</p><p>1997.</p><p>Sem boemia a Lagoinha vai se acabando. Hoje em Dia, 27 jul. 1999.</p><p>Últimos sobreviventes da Lagoinha. Hoje em Dia, 16 jul. 1997.</p><p>PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Projeto Lagoinha - O Projeto-</p><p>Síntese do Centenário. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte: Belo Horizonte,1994.</p><p>Referências:</p><p>AGUIAR, Tito Flávio. Vastos subúrbios da nova capital: Formação do espaço urbano</p><p>na primeira periferia de Belo Horizonte. (18 de ago. 2006. 443 folhas) Tese</p><p>(Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.</p><p>BERMAN, Marshall. Tudo que e Solido Se Desmancha no Ar. 1ª reimpressão. São</p><p>Paulo, Schwarcz, 1982.</p><p>BERNARDES, Brenda Melo. Memória, cotidiano e as propostas institucionalizadas</p><p>direcionadas ao bairro Lagoinha em Belo Horizonte – MG: múltiplas visões de um</p><p>mesmo lugar. (7 de Jul. 2016.167 folhas) Dissertação (Mestrado). Universidade Federal</p><p>de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.</p><p>BRESCIANI, Maria Stella. As sete portas da cidade. Revista de Estudos Regionais e</p><p>Urbanos, São Paulo, Ano XI, Nº 34, p. 8-15, 1991.</p><p>CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. 3º edição, Petrópolis: Vozes, 1998.</p><p>FREIRE, Cíntia M. Pela. Cotidiano, memória e identidade: O bairro Lagoinha na voz</p><p>de seus moradores. (2009. 169 folhas) Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade</p><p>Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.</p><p>GOFF, Le Jacques. História e Memória. São Paulo, Ed Unicamp, 1990.</p><p>GONÇALVES, Janice. Pierre Nora e o tempo presente: Entre a memória e o patrimônio</p><p>cultural. Historiæ, Rio Grande, 3 (3): 27-46, 2012.</p><p>HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Ed. Centauro, 2004.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>94</p><p>LEAL, Luana Aparecida Matos. Memória, rememoração e lembrança em Maurice</p><p>Halbwachs, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, n.d.</p><p>LEFEBRE, Henri. O Direito a Cidade. 5ª edição, 2ª reimpressão, São Paulo, Centauro,</p><p>2001.</p><p>LEMOS, Celina. A Lagoinha e suas imagens – a refiguração do seu presente. Cadernos</p><p>de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 1, n. 4, p. 121-160, mai.1996.</p><p>MACHADO, Heloisa. A recuperação da Lagoinha dentro de uma nova concepção de</p><p>política urbana. Caderno de História, Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p.36-49, out. 1997.</p><p>MORAES, Fernanda; GOULART, Maurício. As dinâmicas da reabilitação urbana:</p><p>impactos do Projeto Lagoinha. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte,</p><p>v. 9, n. 10, p. 51-71, dez. 2002.</p><p>MUNAIER, Felipe Carneiro. As transformações na cidade de Belo Horizonte e a pedra</p><p>dos lugares. (28 de abr.2014.103 folhas). Dissertação (Mestrado), Universidade Federal</p><p>de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.</p><p>NORA, Piere. Entre memória e história. São Paulo, 1993</p><p>PIRANI, Denise. Lagoinha - Bonfim: seus corpos, seus corpos, seus caminhos tortos.</p><p>SALGADO, Nayara. A Pedra não para: Um estudo sobre a cracolândia na cidade de</p><p>Belo Horizonte. Revista UFMG, Belo Horizonte, v. 20, n.1, p.268-293, jan./jun. 2013.</p><p>SILVEIRA, Brenda. Lagoinha a cidade encantada. Belo Horizonte: Edição da autora,</p><p>2005.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>95</p><p>MEMÓRIA DOCUMENTAL: UM IMPORTANTE CONTRIBUTO PARA A</p><p>COMPREENSÃO DO PROCESSO DE DESORGANIZAÇÃO SOCIAL NO</p><p>HIPERCENTRO DE BELO HORIZONTE</p><p>DOCUMENTARY MEMORY: AN IMPORTANT CONTRIBUTION TO THE</p><p>UNDERSTANDING OF THE PROCESS OF SOCIAL DISORGANIZATION IN</p><p>THE HYPERCENTRO OF BELO HORIZONTE</p><p>Bruna Hausemer *</p><p>Resumo</p><p>O presente trabalho propõe reflexões acerca do processo de desorganização social da</p><p>região hipercentral de Belo Horizonte até a década de 1980 através da análise de sua</p><p>memória documental, que inclui literatura, revistas, mapas, plantas, registros oficiais e outros</p><p>tipos de documentos textuais sobre a capital, à luz das principais teorias sociológicas que</p><p>interpretam a desorganização social a partir de seus componentes ambientais. O que nos</p><p>permite examinar a problemática da evolução deste fenômeno sob uma ótica diferenciada</p><p>quanto à consideração do papel que a memória documental possui para a compreensão</p><p>das transformações sociais neste complexo espaço urbano de grande importância social,</p><p>econômica e simbólica para a capital mineira.</p><p>Palavras-chaves: Memória Documental; Desorganização Social; Belo Horizonte.</p><p>Abstract</p><p>This work proposes reflections about the process of social disorganization of the</p><p>hypercentral region of Belo Horizonte until the 1980s through the analysis of its</p><p>documentary memory, in the light of the main sociological theories that interpret the</p><p>development of social disorganization from its environmental components, that allows us</p><p>to examine the problematic of the evolution of this phenomenon under a different</p><p>perspective regarding the role of documentary memory in understanding the social</p><p>transformations of this complex urban space that has great social, economic and symbolic</p><p>importance for the capital of Minas Gerais.</p><p>Keywords: Documentary Memory; Social Disorganization; Belo Horizonte.</p><p>* Bacharel em Ciências do Estado com ênfase em Estado Democrático e Contemporaneidade pela</p><p>Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais.</p><p>bruna.hausemer@gmail.com.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>96</p><p>Introdução</p><p>Como surge uma cidade? É possível planejar sua estrutura viária, residencial e</p><p>comercial a partir de um “lugar” vazio? Quais os limites e desafios do planejamento no</p><p>que diz respeito à organização e controle da cidade? A capital federal do Brasil, assim</p><p>como Belo Horizonte, são exemplos de tentativas de se construir uma cidade a partir do</p><p>“nada”. Mas junto com a questão estrutural, vem toda uma organização social que deve</p><p>se adequar: interferindo, moldando, afetando e “desviando” todo o planejamento</p><p>inicialmente pré-concebido.</p><p>No início do século XX, surgiu entre os pesquisadores norte-americanos um</p><p>grande interesse em investigar a relação entre as cidades e o comportamento humano.</p><p>Esses estudos, denominados de ecologia humana (PARK, 1915; BURGESS, 1925,</p><p>MCKENZIE, 1924), estabeleceram relações entre a organização dos espaços urbanos</p><p>com a organização social. Nas décadas seguintes, Shaw e McKay (1942) conduziram um</p><p>grande corpo de pesquisas sobre a desorganização social e as características</p><p>socioespaciais dos grandes centros urbanos, conhecido atualmente como teoria da</p><p>desorganização social.</p><p>A partir dos anos 60, com o aumento da criminalidade, as diferentes formas como</p><p>o planejamento urbano poderia interferir na organização da sociedade e na ocorrência de</p><p>crimes foram intensamente exploradas, se tornando referencias para os trabalhos de</p><p>Jacobs (1961), Newman (1972) e Jeffery (1977). Essa tradição da Sociologia de investigar</p><p>a relação entre a transformação do ambiente urbano e o comportamento hurmano,</p><p>principalmente o criminal, atravessou o século e perdura até os dias atuais.</p><p>Devido a estes estudos, sabemos que o crescimento acelerado, comum nas cidades</p><p>modernas, afeta profundamente a sua dinâmica organizacional. Esse fenômeno é ainda</p><p>mais acentuado quando se analisa as áreas centrais. Frequentemente, esses espaços</p><p>acabam sendo ocupados por um grande volume de estabelecimentos e atividades ligadas</p><p>ao comércio e ao entretenimento (PARK, 1984). Como consequência, esse processo</p><p>provoca a migração dos residentes com renda mais elevada para lugares mais calmos e</p><p>afastados (BURGESS, 1925), sendo acompanhados pelos estabelecimentos que oferecem</p><p>produtos e serviços refinados, formando os chamados “subcentros” (GIDDENS, 1997).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>97</p><p>Esses movimentos marcam o início do processo de sucessão na região central e,</p><p>no geral, desencadeiam a sua deterioração (MCKENZIE, 1924). Aos poucos, o centro da</p><p>cidade passa a ser composto por um quadro ambíguo em que a prosperidade comercial e</p><p>o intenso fluxo de pessoas, produtos e serviços ocorrem lado a lado com o descaso em</p><p>relação ao mobiliário urbano, decadência dos imóveis e a intensificação de atividades</p><p>criminais (GIDDENS, 1997). O desenvolvimento dos grandes centros urbanos torna-se,</p><p>pois, sinônimo do aumento da criminalidade (BEATO, 2002).</p><p>Belo Horizonte foi a primeira cidade moderna planejada em território Brasileiro.</p><p>Cada parte de seu território havia sido projetada para uma função e eram claras as</p><p>delimitações e distinções entre os bairros. O Centro da cidade, principalmente, fora uma</p><p>área planejada e construída para ser um lugar bonito e tranquilo onde residiriam apenas</p><p>os funcionários do governo e a elite econômica da capital, e cujos poucos</p><p>estabelecimentos não residenciais se restringiriam às atividades administrativas, culturais</p><p>e serviços refinados (BOSI, 1983). Todavia, com o passar dos anos, ela foi perdendo essas</p><p>características e assumindo outras que são comuns nos centros das grandes cidades que</p><p>não são planejados: como a deterioração ambiental e a criminalidade (BARRETO, 1996;</p><p>GALDINO, 2013). Mas como isso ocorrera?</p><p>O presente trabalho pretende propor reflexões acerca do processo de</p><p>desorganização social da região hipercentral de Belo Horizonte através da análise de sua</p><p>memória documental, que inclui a literatura, registros históricos e documentos, à luz das</p><p>principais teorias sociológicas que interpretam a desorganização social a partir de seus</p><p>componentes ambientais, o que nos permite examinar a problemática da evolução deste</p><p>fenômeno sob uma ótica diferenciada quanto à consideração do papel que a memória</p><p>documental possui para a compreensão das transformações históricas deste complexo</p><p>espaço urbano de grande importância social, econômica e simbólica para a capital</p><p>mineira.</p><p>Da idealização à década de 30</p><p>Para compreendermos a intricada dinâmica que se desenvolveu na região</p><p>hipercentral da capital mineira ao longo das décadas, precisamos voltar aos primórdios</p><p>deste território. A história da região que hoje constitui o Hipercentro se inicia com a</p><p>concepção da cidade de Belo Horizonte que começa com a desapropriação do antigo</p><p>Arraial de Nossa Senhora do Curral Del Rey através da Lei nº 3 da Constituição Estadual</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>98</p><p>de Minas Gerais. Para a construção daquela que viria a ser a primeira cidade planejada</p><p>em território Brasileiro, foi contratado o engenheiro Aarão Reis, encarregado do desenho</p><p>da planta da nova capital que centralizaria as atividades políticas, administrativas e</p><p>culturais de Estado. Para formar a comissão de projeto e implantação, ele convidou os</p><p>engenheiros José de Magalhães, formado na École des Beaux-Arts de Paris, o francês</p><p>Paul Villon e o suíço João Morandi, também formado na França e envolvido na</p><p>construção da cidade argentina de La Plata (BARRETO, 1996).</p><p>A planta original de Belo Horizonte é marcada por malhas superpostas,</p><p>delimitadas por uma avenida circular, e faz distinção entre três zonas de ocupação</p><p>concêntricas: zona urbana, zona suburbana e zona rural.</p><p>Mapa 1 - Planta original da cidade de Belo Horizonte (1895)</p><p>Fonte: Acervo Comissão Construtora da Nova Capital</p><p>Ao analisar esse projeto de cidade moderna podemos identificar algumas</p><p>semelhanças da zona urbana com as famosas obras de Barão Haussmann e L’Enfant,</p><p>conhecidos pelo zelo entre a relação estética, a fluidez no meio urbano e a adoção das</p><p>ideias higienistas, que separam os grupos privilegiados dos demais. Esse modelo de</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>99</p><p>planejamento conduziria a um processo de segregação sócio-espacial que não se restringe</p><p>apenas à capital mineira, criando o que alguns autores chamam de “espacialização social</p><p>elitista” (LEMOS, 1988; LEFEBVRE, 2008).</p><p>Além da função primária de viabilizar os deslocamentos urbanos, as avenidas</p><p>foram dispostas de forma que facilitassem a observação da população. Devido à</p><p>configuração perpendicular entre elas, os encarregados da manutenção da ordem pública</p><p>podiam se posicionar nos cruzamentos e ter um amplo campo de visão. Com exceção da</p><p>Praça da Liberdade, as praças também desempenhavam o papel de proporcionar</p><p>perspectiva ao serem alinhadas estrategicamente ao longo do tecido urbano.</p><p>Os prédios públicos mais importantes ficavam no centro da zona urbana, o Palácio</p><p>do Governo, as Secretarias, a Prefeitura e o Palácio da Justiça foram erguidos ao redor da</p><p>Praça da Liberdade. Nas imediações, foram construídas as residências dos funcionários e</p><p>de outros membros da classe alta, formando o bairro Funcionários, a Igreja da Matriz e</p><p>estabelecimentos refinados – teatros, cinemas, bons</p><p>na área de</p><p>Patrimônio Cultural. Endereço eletrônico: carolinapalcantara@hotmail.com.</p><p>**Graduado em História pela Uni-BH (2017). Estagiou no museu Casa Kubitschek, mantido pela Fundação</p><p>Municipal de Cultura - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, entre 2014 e 2016. Endereço eletrônico:</p><p>victorolp21@gmail.com</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>9</p><p>in the city, we will, in this paper, examine the impressions of Raul Tassini (1909-1992)</p><p>regarding the capital, giving special emphasis to its view related to Pampulha. The</p><p>objective is to understand, through the texts of the chronicler Raul Tassini, the aspects</p><p>that emphasize the local novelty.</p><p>Keywords: Raul Tassini; Pampulha; Modernity.</p><p>Introdução</p><p>Este artigo é fruto de uma pesquisa realizada, em 2015, nos arquivos do Museu</p><p>Histórico Abílio Barreto (MHAB) para a produção do evento “I Semana de Arte Moderna</p><p>da Casa Kubitschek”. O evento, promovido por meio da Fundação Municipal de Cultura</p><p>de Belo Horizonte pelo Museu Casa Kubitschek, tinha como objetivo suscitar reflexões</p><p>acerca do movimento modernista Brasileiro, dando enfoque especial às suas</p><p>manifestações em Minas Gerais.</p><p>Para as intervenções nos espaços do museu a partir de uma ação educativa,</p><p>procuramos diversos relatos de memorialistas que escreveram sobre Belo Horizonte dos</p><p>anos 1940 e 1950. Nossa proposta era resgatar as impressões de antigos cronistas sobre a</p><p>capital mineira.</p><p>Durante a pesquisa realizada no acervo do MHAB, encontramos um conjunto de</p><p>doze caixas contendo anotações diversas de Raul Tassini (1909-1992) sobre inúmeros</p><p>assuntos, que vão de poemas a informações sobre Belo Horizonte (sua construção, espaço</p><p>urbano, imigração italiana, cotidiano, entre outros), passando por biografias, assuntos</p><p>políticos, históricos, literários e musicais.</p><p>Os itens da coleção particular do autor, tanto do Museu Histórico de Belo</p><p>Horizonte (MHBH)1 quanto do MHAB, são originais da década de 1941, quando Raul</p><p>Tassini doou cerca de dez objetos. Em 1992, após a sua morte, seus familiares doaram ao</p><p>museu trinta e quatro objetos, uma coleção de caixas de fósforo, um conjunto de fichas</p><p>de ônibus e uma coleção de lápis. Quatro anos depois, em 1996, seu sobrinho, Ronaldo</p><p>Boschi, entregou ao museu um acervo documental formado por um conjunto de papéis</p><p>acumulados pelo autor contendo cartas, livros, folhetos, recortes e anotações sobre as</p><p>cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro, além de crônicas e memórias (ALVES, 2008,</p><p>1 Segundo Célia Regina Araújo Alves, Raul Tassini trabalhava no Arquivo Geral da Prefeitura, quando</p><p>Abílio Barreto manifestou a possibilidade de criar um museu para a cidade de Belo Horizonte. Tassini doou</p><p>dois antigos candelabros da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, participando da formação do</p><p>núcleo inicial do acervo do Museu Histórico de Belo Horizonte, atual MHAB (ALVES, 2008, p.117).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>10</p><p>p.118-119). Esse acervo documental é atualmente denominado por “Coleção Raul</p><p>Tassini”.</p><p>Os relatos do belo-horizontino, filho de imigrantes italianos, artista plástico,</p><p>funcionário do MHBH, antiquário e colecionador também trazem informações sobre o</p><p>cotidiano na Pampulha, desde o início da urbanização da região. O interesse pelos escritos</p><p>do autor se justifica pela forma como ele abordou a Pampulha, ora colecionando</p><p>informações que enalteciam as edificações modernas, alimentando o glamour que estava</p><p>em volta do empreendimento de Juscelino Kubitschek, ora revelando acidentes, coisas</p><p>banais do cotidiano e situações que contrastavam com a ideia de modernidade.</p><p>No livro Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Museu Histórico</p><p>Abílio Barreto (2007), os autores dos artigos utilizaram os relatos de Raul Tassini para</p><p>falar sobre a história da Pampulha, desde a sua inauguração, passando pelas décadas de</p><p>1960 e 1970. Esse e outros estudos sobre região2 demonstram como os escritos do autor</p><p>são fontes importantes para dizer sobre a memória do bairro.</p><p>Houve por parte do cronista a intenção de registrar sua vivência e impressões</p><p>sobre a cidade de Belo Horizonte. Exemplo disso são os objetos e textos colecionados por</p><p>ele em um acervo pessoal e o livro Verdades históricas e pré-históricas de Belo</p><p>Horizonte, antes Curral D´El Rey, escrito em 1947. Nessa obra, ele deixou registradas</p><p>crônicas e textos de memória feitos a partir da sua prática de atuar na cidade. Nesse</p><p>sentido, Tassini entendia que a história poderia ser contada a partir de vestígios</p><p>arqueológicos e alguns fragmentos locais e memórias de terceiros. A diferença entre Raul</p><p>Tassini e Abílio Barreto na idealização para a construção de um museu histórico para</p><p>capital consistia exatamente nessa percepção, já que Abílio Barreto procurava escrever a</p><p>história dita “oficial” de Belo Horizonte a partir da análise de documentos escritos e</p><p>governamentais.3</p><p>Nesse sentido, para analisarmos a coleção de textos do cronista, precisaremos</p><p>levar em consideração o contexto de sua produção. Pois, ao se tratar da memória, é</p><p>necessário perguntar às fontes sobre as intenções de quem as produziu, seja no desejo de</p><p>lembrar algo ou no intuito de não mencionar algum fato. Afinal, lidar com a memória na</p><p>2 Verificar os estudos: Alves (2008) e Bahia (2011).</p><p>3 Ver a entrevista de Célia Regina Araújo Alves para o projeto “Novos Registros” do Arquivo Público da</p><p>cidade de Belo Horizonte, disponível no portal da Prefeitura do município:</p><p>http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=33759&chPlc=33759. Para</p><p>saber mais sobre o estudo da autora, ver a dissertação de mestrado Alves (2008).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>11</p><p>produção da História exige identificar que sua construção se dá a partir das memórias</p><p>individuais e coletivas e os conflitos provenientes.4 De certa maneira, há em torno da</p><p>história da Pampulha disputas entre aquilo que se desejava exaltar e abafar no processo</p><p>de transformação da região nas décadas de 1940 até 1970. Como mencionado, Raul</p><p>Tassini ora fazia críticas negativas para o projeto de urbanização da Pampulha, ora</p><p>demonstrava entusiasmo ou reconhecia a grandiosidade do projeto. De toda forma, ele</p><p>escreveu sobre a história da Pampulha de modo que a sua memória fosse integrada à</p><p>memória de Belo Horizonte, contribuindo para construção da história da cidade.</p><p>Tendo em vista o que foi exposto, este artigo será dividido em duas partes.</p><p>Primeiramente, faremos um apanhado histórico sobre a criação de Belo Horizonte a partir</p><p>dos ideais e símbolos da modernidade, presentes no início da construção da capital</p><p>mineira e que eram compartilhados pelas elites urbanas de outras cidades do país e do</p><p>mundo. Para isso, analisaremos os significados atribuídos à modernidade no contexto em</p><p>questão. 5</p><p>Passados um pouco mais de quarenta anos da inauguração da cidade, a busca pelo</p><p>o que seria considerado moderno também determinou as ações de outros prefeitos, como</p><p>Juscelino Kubitschek, que idealizou e financiou a construção do complexo arquitetônico</p><p>na região norte de Belo Horizonte. Com efeito, analisaremos símbolos e discursos em</p><p>torno da Pampulha dando enfoque</p><p>restaurantes, clubes particulares e</p><p>hotéis de luxo.</p><p>O desenvolvimento do que hoje constitui o Hipercentro de Belo Horizonte está</p><p>diretamente relacionado a estas disposições urbanísticas estabelecidas pelo plano de</p><p>Aarão Reis e sua equipe, sobretudo à localização escolhida para implantar os principais</p><p>edifícios da capital, entre os quais seriam formados eixos estruturadores, e à alta</p><p>densidade de vias de acesso e artérias viárias que cortam e se cruzam na área, o que</p><p>fizeram da porção norte da zona urbana o núcleo77 da nova capital (BELO HORIZONTE,</p><p>1989; SANT’ANNA, 2008).</p><p>Distanciando-se do centro, além do Mercado Municipal, tinha início o Bairro</p><p>Comercial, erguido sobre a atual esplanada da Lagoinha. Nesta região, como o nome</p><p>sugere, foram estabelecidos o comércio, os armazéns, as pequenas fábricas e residências</p><p>de tipo misto onde residia a classe média.</p><p>Às margens do rio Arrudas foi construída a Estação Ferroviária Central e as</p><p>instalações de apoio – galpões, depósitos e armazéns –, formando a “porta de entrada” da</p><p>cidade para pessoas e mercadorias, que chegavam principalmente do Rio de Janeiro</p><p>(SANT’ANNA, 2008). Esta configuração deu a esta região uma vocação espacial não</p><p>77 O núcleo corresponde à região da Rodoviária, Av. Santos Dumont e Praça da Estação.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>100</p><p>intencional que privilegiaria a construção de hotéis, bares e pequenas lojas (VILLAÇA,</p><p>2001).</p><p>Em contraste com a elegante e funcional zona urbana, a zona suburbana era</p><p>caracterizada pela ausência do planejamento em padrão geométrico, revelando um</p><p>traçado assimétrico, e distribuição irregular de serviços. Nela, foram morar os</p><p>trabalhadores usados para a construção da cidade e os antigos moradores locais (COSTA,</p><p>1994).</p><p>Devido ao crescente número de imigrantes, operários e trabalhadores da</p><p>construção civil que chegavam ano após ano em Belo Horizonte para ajudar na sua</p><p>construção e em busca de outras oportunidades de emprego, em 1912, a zona suburbana</p><p>já abrigava 68% da população da capital, que era formada por 38.000 habitantes. Alguns</p><p>historiadores afirmam que ela fora construída exclusivamente para abrigar a classe baixa,</p><p>o que facilitaria a manutenção do higienismo na zona urbana (SEVCENKO, 1983).</p><p>Já neste período, pode-se notar o descaso do Poder Público em relação aos</p><p>cidadãos de baixa renda, que seriam obrigados a residir nesta região que carecia de</p><p>infraestrutura por ser a única na capital com valores imobiliários acessíveis a eles.</p><p>A forma como Belo Horizonte foi planejada agrava o fenômeno da segregação</p><p>social adicionando a ele um elemento físico. A segregação socioespacial resultante faz</p><p>parte do processo de diferenciação em agrupamentos econômicos e culturais que dá forma</p><p>e caracteriza a cidade. Segundo Burgess (1925), essa segregação ofereceria ao grupo um</p><p>lugar e um papel na organização geral da vida urbana e formaria áreas naturais, cuja</p><p>tendência seria atrair determinados tipos de indivíduos, tornando-as cada vez mais</p><p>diferenciadas.</p><p>A concepção elitista e excludente de gestão do espaço público durante este período</p><p>da história Brasileira foi muito estudada por Nicolau Sevcenko (1983), que a sintetizou</p><p>em quatro princípios básicos: condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória</p><p>aos populares; negação de todo e qualquer elemento da cultura popular que pudesse</p><p>macular a imagem civilizada da sociedade dominante; um cosmopolitismo agressivo,</p><p>profundamente identificado com a vida parisiense; e políticas de expulsão dos grupos</p><p>populares da área central da cidade, destinada para o desfrute exclusivo das camadas</p><p>superiores.</p><p>O planejamento urbano resultante da adoção desses princípios gerava cidades</p><p>onde se verificavam configurações socioespaciais distintas das cidades americanas dos</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>101</p><p>anos de 1910 e 1920 estudadas pela Escola de Chicago, as quais frequentemente</p><p>apresentavam o modelo The Loop (BURGESS, 1925), segundo o qual, o desenvolvimento</p><p>urbano ocorre através de zonas concêntricas, formando cinco áreas com características</p><p>distintas: a primeira era constituída pelo centro comercial; ao seu redor, a zona de</p><p>transição, marcada pela visível deterioração, intensa rotatividade de moradores e que</p><p>sofre com a eminente invasão por parte do comércio e pequenas manufaturas; a terceira</p><p>área era habitada por trabalhadores que fugiam da degradação, mas ainda queriam</p><p>permanecer próximos aos seus trabalhos; e, na periferia, havia a área residencial onde</p><p>residiam as classes altas.</p><p>Todavia, representando uma exceção na morfologia social da capital (LEMOS,</p><p>1988, p.99), na região situada entre o Mercado Municipal e a Praça da Estação, havia</p><p>áreas cujo planejamento se diferenciava do restante da área urbana, deixando espaços no</p><p>tecido urbano que desde o início apresentaram sinais de degradação em relação ao seu</p><p>entorno e possibilitaram a instalação de habitações de cidadãos oriundos das classes mais</p><p>baixas (LEMOS, 1989). O entorno da Praça da Estação também apresentou aspectos</p><p>indesejados do ponto de vista dos planejadores: hotéis e pensões baratas. Estes</p><p>estabelecimentos haviam se desenvolvido frente à demanda das centenas de recém-</p><p>chegados que desembarcavam diariamente na Estação. Ao seu redor, desenvolveram-se</p><p>o comércio dos turcos e judeus, os botequins, salões de dança e os bordeis – formando</p><p>um ambiente de catarse para os moradores da capital. Um espaço para a extravagância e</p><p>onde a fuga dos padrões morais não seria condenada, uma zona moral78.</p><p>Apesar do minucioso planejamento para que o centro de Belo Horizonte pudesse</p><p>ser mantido como um espaço requintado, recepcionando apenas os hábitos e a cultura da</p><p>classe alta, a região foi progressivamente assumindo moldes distintos dos esperados. Mas</p><p>por que isso ocorreu?</p><p>A resposta a essa questão pode ser encontrada na teoria proposta por Robert E.</p><p>Park (1915) na qual ele afirma que a cidade teria suas raízes nos hábitos e costumes</p><p>daqueles que a povoam, consequentemente, ela teria não apenas uma organização física,</p><p>como uma organização moral que seria impossível de ser controlada através de meros</p><p>planejamentos institucionais. Essas duas formas de organização, por sua vez, interagiriam</p><p>78 Termo utilizado por Park (1979) para se referir a zona de perdição e vício das grandes cidades, cujos</p><p>frequentadores não necessariamente residem ali, mas se reúnem e compartilham seus gostos e</p><p>temperamentos desviantes.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>102</p><p>e se modificariam mutuamente. O anonimato e, consequentemente, o enfraquecimento</p><p>dos laços sociais, fenômenos comuns nas grandes cidades, reduziriam as inibições</p><p>individuais e propiciaria, em alguns lugares específicos, o aumento do vício e do desvio.</p><p>A permissividade aliada à multiculturalidade encontrada no meio urbano criaria uma via</p><p>para que as excentricidades, normalmente recalcadas ou controladas no ambiente das</p><p>pequenas comunidades, escapassem e se desenvolvessem ao fornecerem oportunidades</p><p>para que os indivíduos, que compartilham idiossincrasias se reunissem, formando essas</p><p>“zonas morais”. Estabelecimentos como</p><p>bordeis, cassinos e bares, por sua vez, surgiriam</p><p>justamente da oportunidade de explorar os impulsos humanos que naquele turbulento</p><p>meio urbano aflorariam com menor dificuldade (PARK, 1915).</p><p>Esses fatores começam a se agravar durante a década de 1920 com o crescimento</p><p>da indústria de bens de consumo e a implantação de empresas siderúrgicas pelo Estado.</p><p>Nesse período, a capital passa por um grande desenvolvimento impulsionado pela</p><p>aceleração econômica e a crescente oferta de empregos atrai um enorme número de</p><p>migrantes (FIEMG, 2009). Nestes anos, o setor terciário também se expande e passa a se</p><p>concentrar cada vez mais na área central, ocupando espaços que antes eram</p><p>exclusivamente residenciais (BELO HORIZONTE, 2015).</p><p>Segundo McKenzie (1924), essas grandes migrações populacionais para a cidade</p><p>causam expansão no desenvolvimento da comunidade que, excedendo a sua capacidade</p><p>natural, resultam em uma situação de crise ou desorganização. A região central de Belo</p><p>Horizonte não escapou desse processo. No núcleo e no entorno da Praça Sete, em</p><p>particular, aparecem as primeiras sedes bancárias mineiras – o Banco do Comércio e</p><p>Indústria em 1923, Banco da Lavoura em 1927 e Banco Mineiro em 1928 – o que ocorrera</p><p>juntamente com um aumento expressivo do comércio (BELO HORIZONTE, 1989).</p><p>Ainda, segundo a literatura utilizada nessa análise, devido ao rápido aumento do</p><p>uso comercial em uma região tradicionalmente residencial, acelera-se o processo de</p><p>junking, caracterizado pelo aumento da degradação ambiental e sua desvalorização</p><p>imobiliária (BURGESS, 1925). Desmotivados pela progressiva deterioração do entorno,</p><p>a manutenção do corpo edificado passa a ser negligenciada e os proprietários dos imóveis</p><p>são colocados sob o impulso econômico de alugar suas propriedades para serviços</p><p>parasitários e transitórios – que podem ser economicamente rentáveis e lucrativos, mas</p><p>são socialmente indesejados e frequentemente considerados vergonhosos para a</p><p>comunidade tradicional (MCKENZIE, 1924).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>103</p><p>Fazendo um paralelo com o Centro, pode-se dizer que a região passou exatamente</p><p>por esse processo já na década de 1920, período em que quarteirões residenciais foram</p><p>permeados pelo comércio e alguns imóveis passaram a exibir uso misto e a alugar espaços</p><p>juntos aos andares inferiores para uso comercial, comprometendo a estética de suas</p><p>fachadas.</p><p>Em 1930, a capital já possuía 120.000 habitantes e não apresentava sinal de</p><p>inflexão da tendência de crescimento (BELO HORIZONTE, 2015). Localizada entre as</p><p>principais vias da cidade e serviços públicos, a Praça Sete era a principal referência</p><p>simbólica e econômica da capital e passa a abrigar o principal ponto de bondes do centro</p><p>– um serviço público que atua como forte centralizador e indutor de atividades (BELO</p><p>HORIZONTE, 1989; SANT’ANNA, 2008).</p><p>Ao longo desta década também foram construídas na região central as Faculdades</p><p>Federais de Direito, Arquitetura, Odontologia, Filosofia e Engenharia, o que atraiu os</p><p>estudantes e desencadeou a construção de pensionatos para mulheres e repúblicas</p><p>estudantis (BELO HORIZONTE, 2015).</p><p>O ingresso abrupto de uma enorme população em uma determinada área urbana</p><p>tem o efeito semelhante ao de uma onda, inundando as áreas em que há menos resistência</p><p>por parte dos moradores, que normalmente se deslocam para a zona seguinte e assim por</p><p>diante, até que a força da onda se exaure (BURGESS, 1925). No meio biótico, diria que</p><p>esse processo é caracterizado por etapas de invasão, conflito, dominação e sucessão</p><p>(BURGESS, 1925; MCKENZIE, 1924).</p><p>A expansão em ritmo acelerado pela qual a capital passava impedia que fosse feito</p><p>um controle estrito de como o seu solo era ocupado, o que vinha ocorrendo de forma</p><p>desordenada aos olhos dos gestores (PLAMBEL, 1979). Na tentativa de fazer com que a</p><p>cidade não saísse mais dos moldes do planejamento original, o governo municipal</p><p>elaborou um plano que objetivava ordenar o uso do solo. Segundo ele, a região central</p><p>estava permeada por vazios e passou a ser adotada a ferramenta urbanística de valorização</p><p>virtual do solo para estimular a ocupação e o adensamento da região, o que acabou</p><p>impulsionando o seu processo de verticalização (PLAMBEL, 1979).</p><p>Para Jacobs (1961), a cidade é um território de relações no qual cada cidadão busca</p><p>satisfazer suas necessidades e realizar seus quereres, uma realidade viva e pulsante que</p><p>compõe uma complexa rede de fluxos de pessoas, mercadorias, matérias e energias em</p><p>constante movimento que seguem uma lógica natural própria. Logo a imposição de</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>104</p><p>planejamentos rígidos pautados em normas urbanísticas que surgem “de cima para</p><p>baixo”, como a valorização virtual do solo adotada pela Prefeitura de BH para estimular</p><p>o adensamento populacional no centro, configuraria uma doutrinação da dinâmica urbana,</p><p>sendo nociva para a população e para a organização da própria cidade.</p><p>As primeiras décadas da história de Belo Horizonte acabaram provando que a</p><p>cidade tende a assumir uma organização que não segue moldes de planejamento e</p><p>dificilmente pode ser controlada. Sua organização, assim como a da maioria das grandes</p><p>cidades modernas é, pois, determinada pelas predileções dos indivíduos, pela</p><p>conveniência, pelas vocações e pelos interesses econômicos que, inevitavelmente, vão</p><p>segregando e classificando as populações (PARK, 1915; BURGESS, 1925,</p><p>MCKENZIE,1924; PARK., 1984). Isto é, por uma dinâmica socioestrutural que</p><p>ultrapassa os limites arquitetados e previstos em sua concepção original.</p><p>1. Da década de 40 à década de 60: Um período de modernização e grandes</p><p>transformações</p><p>No início da década de 1940, a cidade ultrapassava os 200.000 habitantes. Esse</p><p>número tendia a aumentar com a conclusão da Cidade Industrial, que ocorreu em 1942 e</p><p>implantou um complexo parque industrial nas mediações da capital.</p><p>O processo de verticalização da região central, que já havia sido iniciado, foi</p><p>acelerado pelo aumento populacional decorrente da industrialização e pelo consequente</p><p>crescimento econômico (IGLÉSIAS E DE PAULA, 1988). Casarões, casas antigas e</p><p>outras formas de edificações tradicionais foram paulatinamente cedendo lugar para a</p><p>construção de prédios de apartamentos com capacidades para abrigar dezenas de famílias</p><p>e enormes edifícios de escritórios, como o Acaiaca - que foi construído sobre o espaço</p><p>antes ocupado pela igreja Metodista (LEMOS, 1988). Essas transformações fizeram com</p><p>que o Centro passasse por um grande aumento em sua densidade residencial na década</p><p>(BELO HORIZONTE, 2015).</p><p>Acompanhando o movimento de verticalização e os demais aspectos de metrópole</p><p>moderna que a capital mineira assumia, as vias foram sendo remodeladas para facilitar a</p><p>articulação entre a região central e a periferia, as ruas de paralelepípedos foram</p><p>substituídas pelo asfalto e o transporte público reforçado pela implantação de novas linhas</p><p>de bondes (VELOSO, 1947). O principal acesso para a Cidade Industrial se dava pela Av.</p><p>Amazonas, que fora prolongada durante a gestão de Juscelino Kubitschek para atender</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>105</p><p>melhor a região (BELO HORIZONTE, 2015). Essas modificações fizeram com que o</p><p>centro</p><p>de Belo Horizonte se tornasse mais conectado, portanto, mais ocupado por pessoas</p><p>de diversos lugares, caracterizando essa área como um lugar de fluxo de desconhecidos e</p><p>de anonimato (TAYLOR, 1995).</p><p>Durante os anos 50, a população atingiu os 700.000 habitantes (BELO</p><p>HORIZONTE, 2015). A região central da capital era caracterizada majoritariamente pela</p><p>moradia verticalizada que abrigava as classes alta e média, e pelas notáveis taxas de</p><p>concentração de atividades terciárias (LEMOS, 1988).</p><p>As antigas imagens e representações do centro tradicional não eram mais tão</p><p>nítidas. A demolição de muitos dos espaços aos quais as memórias dos antigos moradores</p><p>se prendiam levou consigo parte da identidade coletiva que existira (BOSI, 1983). A</p><p>maioria dos empreendimentos que antes caracterizavam a Rua da Bahia como um</p><p>importante ponto de socialização fecharam suas portas. Foi o fim de muitos hotéis,</p><p>restaurantes, teatros e bares tradicionais que serviram de cenários para o encontro e o</p><p>convívio de milhares de belo-horizontinos durante as primeiras décadas da cidade (BELO</p><p>HORIZONTE, 2015).</p><p>Para os historiadores, os anos 50 foram marcados pelo desaparecimento de parte</p><p>da vida tradicional que fora característica do Centro de Belo Horizonte (BOSI, 1983;</p><p>LEMOS, 1988). Essas transformações enfraquecem os laços sociais e a capacidade local</p><p>de controle informal, elementos que são cruciais para a manutenção da organização</p><p>social79 em uma região (SHAW E MCKAY, 1942; BURSICK E GRASMICK, 1993;</p><p>SAMPSON E GROVES, 1989; SAMPSON ET AL, 1997).</p><p>Também nos anos 50, o bonde foi substituído pelo trólebus e a criação da rodovia</p><p>BR-3 acarretou uma relevante diminuição no contingente humano que antes</p><p>movimentava a Estação (BELO HORIZONTE, 2015). Em consequência dessa mudança,</p><p>muitos dos hotéis ao redor da Praça da Estação foram ficando menos procurados e se</p><p>deteriorando, passando a serem usados como repúblicas ou convertidos em bordéis e</p><p>motéis – aumentando a aglomeração desses tipos de estabelecimentos na região (LEMOS,</p><p>1988). Essas mudanças confirmam a separação simbólica do Centro em "alto" e "baixo",</p><p>este marcado pela desorganização cujos sinais já se fizeram presentes pouco após a</p><p>inauguração da capital.</p><p>79 Esse fenômeno será explicado ao abordarmos a teoria da desorganização social. Ver sessão 2.3. “Da</p><p>década de 70 aos anos 80: Um grande centro urbano com grandes problemas”.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>106</p><p>Durante a década de 1960, a intensa expansão da cidade desencadeou a</p><p>conurbação com os municípios circundantes e os espaços urbanos foram mais</p><p>modificados em favor da circulação do crescente número de automóveis (BELO</p><p>HORIZONTE, 2015).</p><p>Ao longo do processo de desenvolvimento urbano, os anos 60 abarcaram</p><p>transformações que causaram o redirecionamento na forma como ocorria a ocupação do</p><p>Centro. O mercado residencial já não demonstrava mais interesse em fazer investimentos</p><p>na região (LEMOS, 1988) e a grande concentração de serviços e facilidades intensificou</p><p>a preferência do setor terciário pela ocupação das áreas que haviam sido destinadas ao</p><p>uso residencial (VILELA, 2006).</p><p>Por conta disso, o centro passou por uma profunda reconfiguração que consistiu</p><p>por um lado em um decréscimo populacional e, por outro, pela alteração do perfil</p><p>daqueles que ocupavam a região. Ao mesmo tempo em que a região central perde sua</p><p>característica de área residencial, as transformações urbanas desde sua concepção até esse</p><p>período permitiram que o Centro se consolidasse como espaço dos movimentos sociais,</p><p>principalmente das reivindicações populares e das manifestações políticas (LEMOS,</p><p>1988, BOSI 1983; MACHADO DA SILVA, 1978).</p><p>O edifício Maletta – prédio de uso misto formado por uma galeria que abrigava</p><p>bares, restaurantes e livrarias sob um gigantesco conjunto de apartamentos simples –</p><p>traduzia a efervescência da época do ponto de vista moral e político. Ele congregava os</p><p>mais diferentes grupos sociais, da “juventude coca-cola” aos grupos de intelectuais,</p><p>homossexuais e profissionais do sexo (MACHADO DA SILVA, 1978).</p><p>Toda essa efervescência acabou despertando ainda mais insatisfação nos</p><p>moradores tradicionais, que optaram por adquirir novas residências na região Sul da</p><p>capital, deslocando os investimentos do setor imobiliário e do comércio de luxo. As</p><p>classes mais altas também deixaram de frequentar a região central (MACHADO DA</p><p>SILVA, 1978; LEMOS, 1988; FREITAS, 2006).</p><p>O resultado dessa substituição territorial de um grupo social por outro é</p><p>denominada na ecologia humana de sucessão (MCKENZIE, 1924). Esse fenômeno</p><p>inicia-se com a invasão, quando indivíduos se mudam para um bairro habitado</p><p>majoritariamente por integrantes de um grupo social distinto do deles. A resistência à</p><p>invasão depende do tipo de invasor e da solidariedade entre os membros do grupo</p><p>primário. De acordo com McKenzie (1924), o invasor indesejável costuma penetrar</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>107</p><p>através dos pontos de alta mobilidade e baixa resistência. A invasão por grupos</p><p>socialmente indesejáveis geralmente acarreta desvalorização da terra e gera incômodos</p><p>aos antigos moradores que, sentindo-se repelidos, tendem a mudar para outras regiões.</p><p>Com o aumento no número de membros do grupo invasor no bairro ocorre a dominação</p><p>da região e, consequentemente, a sucessão do antigo grupo residente (MCKENZIE,</p><p>1924).</p><p>É possível fazer um paralelo entre essa discussão e o processo pelo qual Belo</p><p>Horizonte estava passando durante a década de 1960. A invasão por diferentes grupos</p><p>sociais causou repulsa por parte dos residentes tradicionais e impulsionou a sua saída da</p><p>região. Devido ao crescimento da capital, a intensificação da atividade comercial e da</p><p>prestação de serviços na região, espaços exclusivamente residenciais foram sucedidos</p><p>pelo uso comercial, formando segmentos de ruas exclusivamente comerciais. Ambos os</p><p>fenômenos foram acompanhados pela diminuição no valor imobiliário da região (BELO</p><p>HORIZONTE, 2015).</p><p>A partir dos anos 60, não se observava mais apropriação social do espaço público</p><p>central pelas classes elevadas, que passaram a utilizá-la apenas como lugar de passagem</p><p>(Lemos, 1988). A área central se torna cada vez mais utilizada como ponto de</p><p>desembarque e baldeação de linhas de ônibus municipais e intermunicipais, aumentando</p><p>massivamente o número de transeuntes e acelerando o processo de desgaste da região.</p><p>Com a crescente deterioração do ambiente urbano central, tanto o capital privado quanto</p><p>o Poder Público procuraram novas regiões para os seus investimentos, e as atividades</p><p>administrativas, o comércio nobre e os edifícios de luxo não ampliavam mais a sua taxa</p><p>de incidência no centro da cidade (LEMOS, 1988; MACHADO DA SILVA, 1978;</p><p>VILELA 2006; FREITAS, 2006).</p><p>A arquitetura desse período se direcionou para a construção de apartamentos bem</p><p>pequenos, estilo quarto-e-sala, acompanhando a mudança no perfil de seus habitantes e a</p><p>tendência a rotatividade que a região estava assumindo:</p><p>Os impactos causados pelas intervenções do poder público no centro nos anos</p><p>60 e 70 revelaram uma segregação social nos seus espaços. Nota-se que, entre</p><p>as poucas intervenções efetuadas, foram privilegiadas as áreas menos</p><p>conturbadas, onde se instalavam os serviços de melhor qualidade. Além do</p><p>mais, a destruição de marcos de referência e do meio ambiente levou a uma</p><p>perda da identidade coletiva</p><p>do lugar, já modificado pela concentração de</p><p>atividades. Tantas mudanças não geraram nenhum tipo de retorno para a</p><p>população e apenas aceleraram a degeneração da área. A destruição do</p><p>patrimônio urbano do centro não resultou em nenhum ganho em termos de</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>108</p><p>qualidade de vida, tendo ocasionado uma verdadeira transição social. Houve</p><p>um esvaziamento populacional expressivo na região, com uma perda de 14%</p><p>dos seus habitantes. [...] este passa a atrair um outro fluxo de população,</p><p>formada pelas pessoas vindas do interior e também da periferia. Logo, os</p><p>grupos de maior poder aquisitivo, que representavam a identidade do lugar, ao</p><p>deixá-lo, ocasionam uma substituição em nível social. [...] Há uma substituição</p><p>social apreciável, baseada num novo fluxo de pessoas que não têm um perfil</p><p>único. A partir dessa nova composição social, o centro adquire mais um papel</p><p>- o de lugar da moradia provisória - sendo que seus espaços ganham um alto</p><p>grau de rotatividade. Como lugar de passagem, rompe-se o Ringstrasse, que</p><p>situava o local no contexto da segregação social, enquanto região privilegiada</p><p>para se morar e viver (LEMOS, 1988, p.271).</p><p>Decorrente de seu desenvolvimento acelerado que acabou impossibilitando um</p><p>estrito controle urbanístico governamental (PARK, 1915), Belo Horizonte foi</p><p>paulatinamente se assemelhando ao modelo de “Loop” proposto por Burgess (1925),</p><p>sobre o qual falamos anteriormente. A grande concentração do comércio e de serviços</p><p>passou a caracterizar o Hipercentro da capital, sendo circundado por uma área de</p><p>transição fisicamente deteriorada e que apresentava rotatividade da população residente.</p><p>Distanciando-se do centro, iam sendo formados bairros residenciais com elevados valores</p><p>imobiliários e habitados pelas classes altas.</p><p>O processo que deu origem a essa configuração espacial – bem diferente daquela</p><p>que a elite e os projetistas da capital ansiaram: o centro como habitat exclusivo dos ricos</p><p>– é considerado por Burgess (1925), McKenzie (1924) e Park (1915) um processo natural</p><p>de diferenciação em agrupamentos econômicos e culturais a que todas as cidades</p><p>acabarão se submetendo.</p><p>2. Da década de 70 aos anos 80: Um grande centro urbano com grandes problemas</p><p>Durante os anos 70, o Censo aponta o Hipercentro como a região mais</p><p>verticalizada de Belo Horizonte - encapsulando 63,3% de todas as unidades prediais</p><p>existentes dentro da Avenida do Contorno. Ele também concentra 60,4% dos empregos</p><p>do setor comercial, 39,7% do setor de serviços e 16,7% do setor industrial da capital, e é</p><p>ponto de passagem e convergência da maioria das linhas de transporte coletivo que</p><p>servem a cidade.</p><p>Com uma considerável distância entre os pontos de ônibus – o que fazia com que</p><p>os usuários fossem obrigados a caminhar cerca de 10 minutos – as ruas do Hipercentro,</p><p>apesar de representarem apenas 3,3% do total da área urbanizada do aglomerado</p><p>metropolitano, recebiam diariamente uma massa de 400.000 pessoas em média</p><p>(PLAMBEL, s/d).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>109</p><p>O enorme número de transeuntes decorrentes da disposição das vias, dos</p><p>terminais, da grande concentração de empregos e da ofertas de serviços, somavam-se a já</p><p>elevada densidade habitacional da região, acelerando a transformação do espaço urbano</p><p>central e seu processo de degradação. Este Hipercentro dos anos 70 é caracterizado pelo</p><p>Instituto Horizontes como uma área urbana em estado de crise:</p><p>Essa crise manifesta-se principalmente pela redução da densidade econômica</p><p>e da degradação das condições ambientais. O modelo de transporte coletivo,</p><p>que está superado há cerca de 15 anos, faz convergir para o Hipercentro a</p><p>maioria de suas linhas e utiliza as vias da área central para operações de</p><p>transbordo. Há perda da população residente, congestionamento de veículos e</p><p>pessoas e invasão das calçadas pelo comércio informal.</p><p>A função passagem, que não é uma função central, está sufocando a função</p><p>“destino” que confere vida ao Hipercentro, ficando a centralidade cada vez</p><p>mais comprometida. A perda da acessibilidade faz com que as atividades</p><p>típicas dos grandes centros migrem para suas periferias, sendo substituídas por</p><p>atividades de comércio e serviços típicos dos centros de bairros.</p><p>(HORIZONTES, 2005, p.14)</p><p>Muitos autores demonstraram que essa transitoriedade populacional em uma</p><p>região urbana é uma característica que favorece a maior ocorrência de crimes e</p><p>probabilidade de vitimização naquele espaço (RONCEK, 1981; TAYLOR, 1995;</p><p>REYNALD, 2011). Se por um lado, a utilização intensa de um espaço público pode</p><p>reduzir a criminalidade sob determinadas circunstâncias – como quando há integração</p><p>entre os seus usuários (JACOBS, 1961) ou coesão e controle entre residentes (SAMPSON</p><p>et al 1997) –, por outro lado, as grandes aglomerações desconexas e um intenso fluxo de</p><p>transeuntes – como o observado na região central de Belo Horizonte, constituído</p><p>principalmente por moradores de distintas origens sociodemográficas e migrantes</p><p>oriundos de outras cidades (PLAMBEL, s/d) – se relaciona positivamente com as taxas</p><p>criminais, relação particularmente intensa quando analisamos os crimes contra o</p><p>patrimônio. (RONCEK, 1981; REYNALD, 2011). Isso se deve ao fato da enorme</p><p>população flutuante proporcionar anonimato, o que diminui a capacidade de</p><p>reconhecimento e controle natural feita pelos habitantes da região, reduzindo a</p><p>capacidade de detectar possíveis ofensores (TAYLOR, 1995) ao mesmo tempo em que</p><p>as oportunidades para sua atuação é aumentada (COHEN E FELSON, 1979; FELSON,</p><p>2006).</p><p>Posicionamento semelhante ao do Instituto Horizontes foi emitido pela</p><p>PLAMBEL (PLAMBEL, s/d), que afirmou em documento oficial que durante a década</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>110</p><p>de 70 a região central vivenciava um período de rápida transformação e degradação do</p><p>espaço urbano que obtinha um reflexo negativo sobre a dinâmica urbana da área central</p><p>que:</p><p>[...] Manifesta-se através da qualidade ambiental deteriorada, pela saturação</p><p>dos passeios, da criminalidade juvenil, atuando ainda sobre o uso do solo com</p><p>o estímulo de ocorrência de atividades de pequeno porte voltadas para o</p><p>suprimento de bens de consumo imediato, próprios da estrutura do comércio</p><p>de bairro (PLAMBEL, s/d, s/p).</p><p>A partir deste período, vemos que a criminalidade, sobretudo a juvenil, começa a</p><p>ser citada como mais um dos problemas que afetam a qualidade do espaço público da</p><p>região hipercentral de Belo Horizonte. A delinquência por parte de menores de idade,</p><p>principalmente se tratando de crimes contra o patrimônio e ações de menor potencial</p><p>ofensivo, constitui um fenômeno comum das grandes cidades modernas, tendo sido</p><p>estudada por inúmeros autores (SHAW E MCKAY, 1942; CLOWARD E OHLIN, 1993,</p><p>HIRSCHI, 1993; REISS E RHODES, 1961).</p><p>Sobre essa temática, o estudo de referência que relacionou a delinquência juvenil</p><p>à desorganização social foi realizado nas primeiras décadas do século XX por Shaw e</p><p>McKay (1942), que analisaram as variações nas taxas oficiais de delinquência juvenil por</p><p>unidade geográfica das cidades americanas com o propósito de determinar o quanto as</p><p>diferenças sociais e econômicas locais se relacionavam com as variações dessas taxas.</p><p>Em todas as cidades</p><p>estudadas, foram encontrados padrões similares de distribuição da</p><p>criminalidade juvenis: as áreas com as maiores taxas sempre possuíam elevados índices</p><p>de rotatividade populacional, baixo status socioeconômico, heterogeneidade do ponto de</p><p>vista étnico/cultural e a maior parte de seus moradores declarava que gostariam de se</p><p>mudar para outros bairros assim que obtivessem condições financeiras para tal.</p><p>Esse estudo é a base do que é conhecido na Sociologia como teoria da</p><p>desorganização social, que postula que o crime ocorre nas áreas socialmente</p><p>desorganizadas – comunidades que não podem resolver coletivamente os problemas,</p><p>alcançar objetivos e prevenir comportamentos socialmente indesejáveis (GRASMICK E</p><p>BURGESS, 1993, SAMPSON ET AL, 1997).</p><p>Para além dos elementos que caracterizam um bairro como desorganizado e</p><p>propenso à criminalidade (heterogeneidade, baixo status socioeconômico e rotatividade),</p><p>a teoria da desorganização social iniciada por Shaw e McKay (1945) tem sido expandida</p><p>por estudiosos através da identificação de duas dimensões básicas de controle social: A</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>111</p><p>primeira dimensão consiste nas normas compartilhadas pela comunidade que são usados</p><p>para avaliar o comportamento adequado e inadequado, enquanto a segunda dimensão é</p><p>composta pelos recursos que permitem aos grupos sancionar e evitar comportamentos</p><p>inadequados – os laços sociais permitem que as comunidades desenvolvam as normas</p><p>comuns de comportamento considerado adequado, enquanto as características</p><p>econômicas e demográficas moldam a capacidade do bairro de formar os laços sociais</p><p>que levam ao compartilhamento de normas comuns e a capacidade de fazer cumprir as</p><p>normas que existem (RAMNEY E SHRIDER, 2014).</p><p>Baseados neste arcabouço teórico, podemos inferir que as condições apresentadas</p><p>pelo Hipercentro durante os anos 70 - intensa rotatividade de moradores, composição</p><p>heterogenia do ponto de vista cultural e carência relativa de recursos econômicos - afetaria</p><p>a habilidade dos moradores de formarem laços sociais ou manterem uma sociedade civil</p><p>que fosse capaz de se autorregular, assim como se organizar de forma a atuar eficazmente</p><p>dando resposta aos problemas da região (SHAW E MCKAY, 1942; SKOGAN, 1989;</p><p>SAMPSON E GROVES, 1989; BELLAIR, 1997; BURSIK E GRASMICK, 1993;</p><p>GUEST ET AL, 2006; KUBRIN E WEITZER, 2003).</p><p>A pesquisa de Origem e Destino de 1972 (Fundação João Pinheiro, 1972) revelou</p><p>que entre os moradores da região central de BH a intenção de se mudar dentro de até</p><p>cinco anos foi manifestada por 40,5% das famílias entrevistadas, sendo que 25,1% delas</p><p>reiteraram que desejavam mudar para outro bairro. Essa falta de interesse em permanecer</p><p>no Hipercentro apontada pela pesquisa, assim como a ausência de sentimento de</p><p>pertencimento acarretariam o desinteresse pela persecução de melhorias para o bairro,</p><p>ficando estas à mercê das políticas públicas (WANDERSMAN, FLORIN, FRIEDMANN</p><p>E MEIER, 1987; PETERSON E KRIVO, 2010) que, por sua vez, dependem</p><p>significativamente da capacidade de articulação dos moradores com o poder público</p><p>(BURSIK E GRASMICK, 1993).</p><p>A importância do envolvimento da comunidade com o poder público para um</p><p>efetivo controle da criminalidade foi analisada por Bursik e Grasmick (1993) através da</p><p>incorporação de variáveis intervenientes ao modelo da desorganização social e a</p><p>consideração da existência de três níveis (privado, paroquial e público) pelos quais os</p><p>residentes de uma comunidade podem buscar ordem social (HUNTER, 1985). Isso</p><p>permitiu que eles identificassem que, à nível privado (formado basicamente pelo</p><p>relacionamento entre familiares, amigos e vizinhos), a rotação populacional dificulta</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>112</p><p>estabelecimento de laços entre os residentes, o que implica em menor capacidade de</p><p>formação de redes relacionais fortes e controle social local débil; que o nível paroquial</p><p>(constituído pelas relações entre os residentes e instituições locais, como igrejas, escolas</p><p>e associações comunitárias) dependente da capacidade dos residentes de se organizarem</p><p>e supervisionarem o comportamento uns dos outros; e que o nível público depende</p><p>substancialmente da capacidade de articulação dos moradores com o poder público para</p><p>a obtenção de recursos e serviços coletivos que possam beneficiar a comunidade.</p><p>Ao compreender o papel de cada um desses três níveis de controle social no</p><p>modelo sistêmico de crime, Bursik e Grasmick (1993) mostram que muitas das críticas</p><p>feitas à teoria da desorganização social, como a existência de comunidades com</p><p>população estável, baixa heterogeneidade e extensas redes interpessoais que mesmo</p><p>assim sofrem com as elevadas taxas de crimes – características geralmente muito comuns</p><p>quando trabalhamos, por exemplo, vilas e favelas Brasileiras –, não passam de falhas</p><p>resultantes da não atribuição às análises do importante papel do nível público.</p><p>Raciocínio teórico semelhante é feito por Ramney e Shrider (2014) ao afirmarem</p><p>que a primeira dimensão de controle social – normas partilhadas decorrentes de vínculos</p><p>sociais – é fortemente afetada por características socioeconômicas, o que sugere que a</p><p>segunda dimensão – recursos para fazer cumprir essas normas – desempenha um forte</p><p>papel no controle social. Consequentemente, muitas das normas compartilhadas por uma</p><p>comunidade, como as que dizem respeito ao anseio de se reduzir a desordem (como o</p><p>vandalismo), que normalmente requer investimento financeiro, ficam comprometidas.</p><p>Geralmente, os bairros que exibem os níveis mais elevados de desordem são</p><p>justamente os bairros mais pobres e menos articulados, que têm menos recursos para lidar</p><p>com esse tipo de distúrbio e são os menos propensos a receber investimentos financeiros</p><p>externos (PETERSON E KRIVO, 2010). Isso cria um ciclo em que os bairros que mais</p><p>necessitam de recursos para combater os transtornos urbanos são os que mais encontram</p><p>problemas para acessar tais recursos (RAMEY E SHRIDER, 2014).</p><p>A dinâmica comunitária do Hipercentro também poderia estar sendo influenciada</p><p>pelo fenômeno do feedback recíproco (SAMPSON E RAUDENBUSH, 1999). Como a</p><p>confiança social e o senso de controle por parte dos residentes é abalada frente a</p><p>criminalidade violenta, crimes em locais públicos e quando os ofensores são</p><p>desconhecidos (SKOGAN 1990), a ocorrência constante destes dois últimos tipos de</p><p>crime na região pode ter desestimulado as interações no espaço publico e,</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>113</p><p>consequentemente, ter debilitado a coesão social e as expectativas de ativismo por parte</p><p>da comunidade (LISKA E WARNER, 1991). O temor de ser atacado por estranhos nos</p><p>espaços públicos urbanos reduz a eficácia coletiva (SAMPSON E RAUDENBUSH,</p><p>1999) e é um forte indutor do êxodo nos grandes centros urbanos (FRED ET AL., 2005).</p><p>Além do aumento da criminalidade, outro fator que surgiu durante os anos 70 e</p><p>que pode ter intensificado o êxodo do Hipercentro foi o surgimento dos Shopping Centers,</p><p>construídos em diferentes regiões da cidade, proporcionado a junção de diferentes</p><p>serviços (lojas, bancos, correios, restaurantes diversos dispostos em forma de praças de</p><p>alimentação e cinemas) em um único espaço, distante do trânsito pesado do centro</p><p>da</p><p>cidade, com estacionamento gratuito e segurança privada. O surgimento desses cômodos</p><p>centros de compras e lazer também tirou das ruas centrais as poucas lojas refinadas que</p><p>ainda existiam e levou ao fechamento das tradicionais salas de cinema do Cine Brasil,</p><p>Cine Patê e do Edifício Acaiaca (LEMOS, 1988).</p><p>Em 1974, o Parque Municipal teve que ser completamente cercado por grades</p><p>para evitar a ação de vândalos e a apropriação de seu espaço por moradores de rua, que</p><p>ocorria principalmente durante a noite (BELO HORIZONTE, 2015). O Parque, que</p><p>outrora fora um dos principais espaços de lazer da região, só seria aberto durante ocasiões</p><p>especiais. Neste mesmo ano, os comerciantes do Hipercentro já se queixavam da ação</p><p>dos camelôs e dos ambulantes que lotavam os passeios e ofereciam forte concorrência</p><p>com a oferta de produtos por preços muito abaixo dos do mercado formal (SILVA, 1998).</p><p>Com o intuito de melhorar essa situação estrutural e ambiental do Hipercentro, a</p><p>Prefeitura desenvolvendo o Projeto da Área Central (PACE) que reordenou algumas</p><p>atividades que contribuíam para a deterioração do espaço urbano central, como a</p><p>distribuição dos pontos de ônibus e do comércio veiculado aos terminais (PLAMBEL,</p><p>1980). Todavia, ao mesmo tempo em que algumas ruas tiveram seu processo de</p><p>degradação interrompido devido a realocação dos pontos de ônibus, outras passaram a ser</p><p>vitimadas pelos impactos do redirecionamento do intenso fluxo de usuários do transporte</p><p>coletivo que foram acompanhados pelos camelôs, ambulantes e pelas atividades dos</p><p>ladrões e das gangues de meninos, que se aproveitavam das aglomerações e da distração</p><p>dos usuários do transporte coletivo para cometer crimes (VILELA, 2006).</p><p>Esse deslocamento espacial da criminalidade frente as mudanças implementadas</p><p>pelo PACE indica que o crime é potencializado pela estrutura espacial e temporal das</p><p>atividades rotineiras – tais como mobilidade urbana, compras, empregos e lazer –, que se</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>114</p><p>traduzem em oportunidades criminais, sendo elas igualmente importantes para a</p><p>compreensão dos padrões criminais no Hipercentro.</p><p>Portanto, os efeitos das condições socioeconômicas, heterogeneidade</p><p>composicional e rotatividade de moradores devem ser considerados juntamente com as</p><p>características das atividades realizadas no segmento de rua e o tipo de uso dos imóveis</p><p>centrais (SMITH, FRAZEE E DAVISON, 2000), até porque quando Shaw e McKay</p><p>(1945) descobriram que a delinquência distribuía-se de forma heterogenia pela cidade,</p><p>porém não aleatoriamente, e que as taxas elevadas concentravam-se em comunidades com</p><p>determinadas características, eles não intuíam afirmar que os níveis elevados ocorriam</p><p>em função das características dos grupos que habitavam essas comunidades, mas que os</p><p>fatores estruturais da pobreza, heterogeneidade e alta mobilidade, esses dois últimos</p><p>fortemente presentes no Hipercentro, criavam um ambiente de desorganização social e</p><p>que a desorganização social a nível comunitário, por sua vez, favoreceria o</p><p>desenvolvimento de atividades criminais – devido ao baixo controle social e eficácia</p><p>coletiva, conformes explicamos nos parágrafos anteriores.</p><p>Ao considerarmos isso, vemos a necessidade de complementaridade da teoria da</p><p>desorganização social para o estudo do nosso objeto, pois ela explica porque o</p><p>Hipercentro se tornou um lugar propício para a criminalidade, porém não elucida porque</p><p>há uma concentração tão grande de crimes contra o patrimônio justamente nessa região,</p><p>sabendo que outros bairros de Belo Horizonte são tão desorganizados ou mais que o</p><p>Hipercentro e não exibem taxas de crimes contra o patrimônio tão altas.</p><p>Para sanar essa limitação, propomos a complementação da teoria da</p><p>desorganização social através da teoria das oportunidades criminais que, como</p><p>demonstraremos, é capaz de explicar a concentração dos crimes contra o patrimônio no</p><p>Hipercentro devido a sua atual configuração como ambiente das atividades rotineiras de</p><p>grande parte da população, causando uma enorme confluência entre possíveis vítimas e</p><p>ofensores, e devido a carência de guardião capaz, decorrente tanto do controle formal</p><p>ineficiente – policiamento, vigilância formal e eletrônica – quanto da ausência de controle</p><p>informal, que são ambos reflexos da forte desorganização social na região. A</p><p>complementação teórica, portanto, se dá através da inter-relação existente na dimensão</p><p>de controle de ambas as teorias, se mostrando necessária e extremamente valiosa para</p><p>nosso estudo.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>115</p><p>O desenvolvimento do conceito de oportunidades criminais se iniciou através do</p><p>estudo do relacionamento entre as atividades rotineiras e a criminalidade urbana por</p><p>Cohen e Felson (1979) que considerando vítimas, ofensores e guardiões partes igualmente</p><p>essenciais na equação criminal desencadearam um giro paradigmático na Sociologia, ao</p><p>provarem que as mudanças em qualquer uma das partes da equação poderiam impactar o</p><p>nível de criminalidade na sociedade, enquanto as teorias tradicionais tinham focado</p><p>exclusivamente sobre o elemento ofensor.</p><p>Assumindo o crime como um tipo de atividade que, assim como as atividades</p><p>legais, é dependente das atividades rotineiras da população, modificações no espaço</p><p>urbano da forma como são propostas pelo PACE devem ser examinadas com atenção,</p><p>pois implicam em uma grande modificação na dinâmica social urbana daquele espaço, o</p><p>que certamente irá impactar na dinâmica criminal, pois a reordenação de pontos de ônibus</p><p>nessa região causa o deslocamento geográfico de todo um conjunto de atividades</p><p>rotineiras de milhares de cidadãos.</p><p>Devido a grande concentração de empregos, serviços, entretenimento e sua</p><p>importância na articulação do transporte público, atraindo diariamente uma quantidade</p><p>enorme de pessoas para a realização de suas atividades rotineiras, o Hipercentro integra</p><p>o awareness space80 de grande parte da população de Belo Horizonte e,</p><p>probabilisticamente, de um número considerável de ofensores. Logo, segundo Smith,</p><p>Frazee e Davison (2000), se a região for socialmente desorganizada – como</p><p>demonstramos que é o caso do Hipercentro –, ela apresentará elevados índices criminais,</p><p>pois proporciona inúmeras oportunidades para a realização de crimes.</p><p>Diante desses desafios e dificuldades em estabelecer o controle na região, ela se</p><p>consolida durante esse período no imaginário popular como um espaço urbano decadente</p><p>e mal frequentado, marcado pela desordem e temido pela criminalidade. Nele,</p><p>prevaleceram estabelecimentos que, ao mesmo tempo em que refletem a ambiência local,</p><p>agem como elementos de atração de indivíduos que reforçam o caráter da região:</p><p>botequins, saunas, motéis baratos, cinemas eróticos, caça níqueis, jogo do bicho,</p><p>prostituição e atividades ligadas ao tráfico de drogas (SILVA, 1998; LEMOS, 1988).</p><p>80 O termo awareness space foi criado por Paul e Pat Brantingham (1981) para designar a região familiar</p><p>de um ofensor em potencial. Eles se baseiam na concepção de que os ofensores, como qualquer outra</p><p>pessoa, tendem a permanecer próximos às ruas que conhecem bem, que em sua maioria são aquelas que</p><p>compõem seus trajetos para a realização de atividades rotineiras, dificilmente se arriscando a delinquir fora</p><p>desses limites (Bichler et al, 2011; Ratcliff, 2006; Felson, 2006).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>116</p><p>Considerações Finais</p><p>A região que atualmente compreende o Hipercentro de Belo Horizonte, desde a</p><p>inauguração da capital até o final dos anos 80, período em que atingiu o ápice da</p><p>degradação e da desorganização social (Vilela, 2006; Silva, 1998; Lemos, 1988; Lemos,</p><p>2006; Hausemer, 2017), mudou radicalmente. Da composição sociodemográfica às</p><p>características arquitetônicas, todos os seus aspectos foram transformadas em função do</p><p>desenvolvimento e do crescimento da capital mineira.</p><p>A região hipercentral, ao longo destas décadas, apresentou substituição na</p><p>composição de seus moradores, redução de seu status socioeconômico, elevada</p><p>rotatividade, fraco sentimento de identidade, baixo anseio de permanecer residindo no</p><p>bairro, grande população potencial, fácil acesso à região, uso misto, intensa atividade</p><p>comercial, presença de zonas morais e intensa degradação dos imóveis e espaços</p><p>públicos. Todos os elementos que constituem os indicadores teóricos da desorganização</p><p>social.</p><p>Embora o uso da metodologia documental como fora feito neste trabalho não</p><p>permita que se estabeleça uma relação causal entre essas características e os fenômenos</p><p>criminais, as reflexões oriundas da exploração da memória documental disponível sobre</p><p>Belo Horizonte sob a lente do arcabouço teórico adotado lança luz sobre importantes</p><p>aspectos que ajudam a elucidar o processo de desorganização social da região e que</p><p>podem servir como norteadores para posteriores investigações fenomenológicas.</p><p>Referências</p><p>BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – história antiga e</p><p>história média. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1996.</p><p>BEATO, Claudio. Crime e cidades. Editora UFMG. 2012.</p><p>BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. PACE – Plano da Área Central de Belo</p><p>Horizonte: resumo dos estudos e proposições. 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Instituto de Geociências,</p><p>Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>120</p><p>AS ÁRVORES E A CIDADE: TEMAS DE PESQUISA NO CATÁLOGO DE</p><p>FONTES SOBRE ARBORIZAÇÃO EM BELO HORIZONTE81</p><p>THE TREES AND THE CITY: THEMES OF RESEARCH IN THE CATALOG</p><p>OF SOURCES ON AFFORESTATION OF BELO HORIZONTE</p><p>Carolina Marotta Capanema*</p><p>Resumo</p><p>A arborização é uma preocupação comum no âmbito da administração dos centros</p><p>urbanos atualmente. Em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, o tema</p><p>mostrou-se presente desde o planejamento da cidade em fins do século XIX. Diante de</p><p>tal assertiva, o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, em parceria com o grupo</p><p>de pesquisa História e Natureza, da Universidade Federal de Minas Gerais, elaborou um</p><p>instrumento de pesquisa dedicado à temática, intitulado Catálogo de Fontes: arborização</p><p>na Legislação Municipal de Belo Horizonte. Este artigo tem por objetivo apontar temas</p><p>para investigações sobre arborização urbana e gestão de áreas verdes no referido catálogo</p><p>com o intuito de incentivar a pesquisa científica sobre as interações entre sociedade e</p><p>natureza em diversas áreas do conhecimento. Toma-se como premissa que o ambiente</p><p>não se configura apenas como um espaço onde a história se desenrola, mas também como</p><p>um campo de batalhas de ideologias e de representações políticas, sociais e culturais.</p><p>Palavras-chave: Arborização; políticas públicas; Belo Horizonte.</p><p>* Doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora visitante do Departamento</p><p>de História da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: cmcapanema@gmail.com.</p><p>81 A ideia deste artigo originou-se das pesquisas empreendidas no Arquivo da Cidade de Belo Horizonte</p><p>para a elaboração do Catálogo de Fontes: Arborização na Legislação Municipal de Belo Horizonte quando</p><p>estava no exercício das funções de técnica em tratamento, arranjo e descrição de acervos permanentes na</p><p>referida instituição, entre 2014 e 2016.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>121</p><p>Abstract</p><p>Urban afforestation is a common concern in the management of urban centers. In Belo</p><p>Horizonte, capital of the state of Minas Gerais, the theme has been present since the</p><p>planning of the city in the late nineteenth century. In view of this assertion, the Public</p><p>Archive of the City of Belo Horizonte, in partnership with the research group History and</p><p>Nature of the Federal University of Minas Gerais, developed a research instrument</p><p>dedicated to the theme, entitled Catálogo de Fontes: arborização na Legislação</p><p>Municipal de Belo Horizonte [Sources Catalog: afforestation in Municipal Legislation of</p><p>Belo Horizonte]. This article aims at pointing out themes for research on urban</p><p>afforestation and management of green areas in this catalog with the purpose of</p><p>encouraging scientific research on the interactions between society and nature in several</p><p>areas of knowledge. It is assumed that the environment is not only a space where history</p><p>unfolds, but also as a battlefield of ideologies and political, social and cultural</p><p>representations.</p><p>Keywords: Afforestation; public policy; Belo Horizonte.</p><p>Introdução</p><p>Desde o planejamento de Belo Horizonte pensou-se em sua arborização. A</p><p>Comissão Construtora da Nova Capital criada em 1894 e responsável por planejar e</p><p>conduzir as obras da nova capital do estado de Minas Gerais82 tinha, como uma de suas</p><p>preocupações, o planejamento das áreas verdes e arborização da cidade83. Inicialmente, a</p><p>Comissão foi organizada em seis “divisões de serviços” e a quarta divisão, responsável</p><p>82 A capital do estado de Minas Gerais originou-se na região da freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem</p><p>do Curral del Rey, criada na primeira metade do século XVIII. Em 1890, o decreto estadual nº 36 alterou a</p><p>denominação da localidade para Belo Horizonte. A lei estadual nº 2, de 14 de setembro de 1891, confirmou</p><p>a criação do distrito de Belo Horizonte, então vinculado a Sabará. Em 1893, foi elevada à categoria de</p><p>município e capital, com a denominação de Cidade de Minas, pela lei estadual nº 3, de 17 de dezembro</p><p>daquele ano, e decretos estaduais nº 716, de 05 de maio de 1894 e 776, de 30 de agosto de 1894,</p><p>desmembrando-se do município de Sabará. A capital foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897. Pela lei</p><p>estadual nº 302, de 01 de janeiro de 1901 o município e capital passou novamente a denominar-se Belo</p><p>Horizonte. BARBOSA, 1995, p.46-47; IBGE. Disponível em:</p><p>http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/belohorizonte.pdf. Acesso em: 21/07/2017.</p><p>83 Neste trabalho, assume-se o conceito de áreas verdes como qualquer área vegetada, englobando praças,</p><p>jardins públicos, parques urbanos, canteiros centrais de avenidas, trevos e rotatórias de vias públicas,</p><p>excetuando-se as árvores que acompanham os leitos das vias públicas, pois as calçadas são</p><p>impermeabilizadas. FERREIRA, s.d, p. 12.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>122</p><p>pelo “estudo e preparo do solo”, tinha como uma de suas funções os serviços de</p><p>ajardinamento e arborização, com o objetivo de garantir a salubridade e a beleza estética</p><p>da capital. O parque municipal84, a principal área verde planejada da cidade, ficou a cargo</p><p>da terceira divisão, que era encarregada, em sua terceira seção, da “confecção dos projetos</p><p>de edifícios, monumentos, jardins, avenidas e mais construcções architectonicas, que</p><p>tivessem que ser executadas na nova Capital” (CCNC, 1895a, p.56; CCNC, 1895b, p.13).</p><p>As áreas verdes, portanto, tiveram espaço privilegiado nas discussões sobre o</p><p>planejamento da cidade.</p><p>Aos olhares contemporâneos, os referidos investimentos em arborização e</p><p>planejamento das áreas verdes poderiam aparentar um compromisso da administração</p><p>pública com questões ambientais. Mas estudos históricos sobre a temática, como aquele</p><p>elaborado por Duarte (2007), assinalam que as preocupações institucionais com as</p><p>árvores da cidade vão muito além do interesse ambiental e mostram que o espaço público</p><p>foi, e ainda é, lócus privilegiado para negociações e imposições de determinados projetos</p><p>políticos e sociais85.</p><p>Este artigo visa apontar temas para investigações sobre arborização, gestão das</p><p>áreas verdes e as relações entre sociedade e natureza no espaço urbano, de uma forma</p><p>ampla, no Catálogo de Fontes: arborização na Legislação Municipal de Belo Horizonte86</p><p>(ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE, 2017)87. As</p><p>considerações que se seguem alinham-se às perspectivas da história ambiental, que</p><p>compreende a natureza como um problema histórico, como uma das variáveis</p><p>que</p><p>compõe a tessitura da história e, portanto, passível de estudos no que concerne às</p><p>interações que com ela homens e mulheres estabelecem no tempo.</p><p>Com os apontamentos aqui registrados pretende-se subsidiar pesquisas nas mais</p><p>variadas áreas do conhecimento, tais como História, Arquitetura, Geografia,</p><p>84 Atualmente denominado Parque Municipal Américo Renné Giannetti, em homenagem ao prefeito que</p><p>geriu o município entre 1951e 1954.</p><p>85 Sobre o tema ver também DUARTE; OSTOS, 2005; MESQUITA, 2013; OLIVER, 2008.</p><p>86 Doravante referido apenas como Catálogo de Fontes.</p><p>87 O instrumento de pesquisa, editado pelo Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, apresenta o</p><p>resultado do levantamento de dados sobre arborização urbana na Coleção Legislação Municipal, Estadual</p><p>e Federal referente ao Município entre os anos de 1891 e 1986. O trabalho que resultou no Catálogo de</p><p>Fontes foi desenvolvido mediante uma parceria entre o grupo de pesquisa História e Natureza, da</p><p>Universidade Federal de Minas Gerais, coordenado pela Profª. Regina Horta Duarte, e o Arquivo Público</p><p>da Cidade de Belo Horizonte (APCBH). A primeira etapa da pesquisa foi realizada pelos bolsistas do grupo</p><p>História e Natureza entre os anos de 2010 e 2011, sendo finalizada pelos técnicos do APCBH em 2015, ano</p><p>em que também se elaborou a revisão e editoração do produto. O catálogo pode ser consultado online no</p><p>endereço eletrônico www.pbh.gov.br/cultura/arquivo.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>123</p><p>Administração Pública, Sociologia, Engenharia Ambiental, entre outras. Não se propõe</p><p>uma análise conclusiva sobre os variados temas apresentados, mas apenas indicar</p><p>temáticas passíveis de aprofundamento analítico. A metodologia utilizada baseia-se na</p><p>indicação, para cada assunto abordado, de uma ou mais disposições legais que subsidiem</p><p>as discussões iniciadas88. Assim, pretende-se atuar como um ponto de partida para</p><p>investigações que terão no Catálogo de Fontes seu ponto de apoio.</p><p>Abordagens e possibilidades de pesquisa no Catálogo de Fontes</p><p>Nos quase cem anos que abrangem a documentação legislativa do Catálogo de</p><p>Fontes, a arborização de Belo Horizonte e suas áreas verdes passaram por inúmeras</p><p>apropriações políticas e culturais. À época do planejamento e instalação da nova capital,</p><p>no final do século XIX, a idealização da cidade planejada com avenidas largas e</p><p>arborizadas alinhava-se a um ideal de cidade “moderna”, nos moldes dos projetos</p><p>republicanos guiados pelo lema “ordem e progresso”. Posteriormente, as árvores urbanas</p><p>também foram investidas do significado de patrimônio coletivo referenciado por poetas</p><p>e escritores que reverenciavam a cidade vergel, planejada em consonância com os ideais</p><p>de “cidade jardim” (DUARTE, 2007, p.26-27).</p><p>Os gastos com arborização foram expressivos no primeiro ano da Comissão</p><p>Construtora, se comparados, por exemplo, ao valor investido em outras áreas para o</p><p>mesmo período, como mostra publicação da Comissão, em 1895, relatando algumas de</p><p>suas despesas (Figura 1). Embora a imagem de uma cidade arborizada não corresponda</p><p>às representações do período inicial da história da nova capital. Segundo Aguiar (2006,</p><p>p.160), até o fim da primeira década do século XX, a Cidade de Minas foi muitas vezes</p><p>descrita como vazia e sem vida, com arborização rarefeita, mesmo conservando algumas</p><p>árvores do antigo arraial. Não se podem desconsiderar as possíveis lacunas entre o</p><p>planejado e o realizado na construção da capital mineira.</p><p>88 As disposições legais são citadas apenas pelo número e data, pois podem ser consultadas no Catálogo de</p><p>Fontes, que é organizado cronologicamente e fornece um resumo de cada item documental. O texto</p><p>completo das leis, decretos e portarias citados está disponível no sítio da Câmara Municipal de Belo</p><p>Horizonte: https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-legislacao.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>124</p><p>Outro momento de inflexão nas políticas públicas de arborização de Belo</p><p>Horizonte são os meados do século XX em que outros símbolos do “progresso” se</p><p>impuseram, tais como o asfalto e a indústria. Nesse período, o ambiente urbano da capital</p><p>mineira sofreu grandes transformações. As ruas passaram a ser vislumbradas como lugar</p><p>dos automóveis e, segundo esta concepção, pedestres, árvores ou córregos não deveriam</p><p>atrapalhar o ir e vir dos carros. A derrubada das árvores de fícus da Avenida Afonso Pena,</p><p>em 1963, foi um ato paradigmático dessa percepção, tendo sido justificada pelo então</p><p>prefeito Jorge Carone como medida necessária para melhorar o trânsito de veículos na</p><p>principal via da cidade (DUARTE, 2007; MESQUITA, 2013, p.101-109).</p><p>No estudo da legislação de um período de quase cem anos (1891-1986) é possível</p><p>observar diversas mudanças nas políticas públicas de arborização de Belo Horizonte, bem</p><p>como se pode inferir o destaque dado à temática em diferentes épocas da história</p><p>administrativa do município. O Catálogo de Fontes fornece detalhes sobre o tema da</p><p>arborização e gestão das áreas verdes em vários âmbitos da legislação municipal, desde</p><p>aqueles diretamente relacionados à temática até assuntos correlatos que indicam as</p><p>políticas públicas de cada gestão administrativa da cidade.</p><p>Figura 1 – Despesas parciais da CCNC em 1894.</p><p>Fonte: CCNC, 1895c, p.30.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>125</p><p>Uma análise da legislação que regula o corte de árvóres na capital pode indicar os</p><p>diferentes intuitos da política de valorização do verde na área urbana e rural, bem como</p><p>os seus limites. A Lei n. 86, de 9 de junho de 1949, por exemplo, previa multas para o</p><p>corte de árvores sem autorização, com variação de valores para as zonas urbana,</p><p>suburbana e rural89, estabelecia recompensa para replantio em propriedades rurais,</p><p>propunha desconto no imposto territorial para os cultivadores de árvores frutíferas e</p><p>autorizava o prefeito a instituir o serviço de reflorestamento com o fornecimento gratuito</p><p>de mudas e sementes.</p><p>Em 10 outubro de 1977, a Lei n. 2804 declarou imunes ao corte árvores de</p><p>algumas áreas do município, tais como aquelas existentes em todas as vias públicas, as</p><p>árvores ou conjunto de árvores junto de lagos, lagoas artificiais ou naturais, bem como o</p><p>conjunto de árvores, bosques, matas e similares existentes em qualquer ponto do</p><p>município, não mencionados anteriormente. Interessante destacar que o artigo que tratava</p><p>da proibição do corte de árvores existentes em loteamentos aprovados foi vetado.</p><p>Provavelmente devido à intervenção de interesses imobiliários.</p><p>Árvores como patrimônio</p><p>Outro ponto para análise seriam as políticas de patrimonialização da natureza, bem</p><p>como as espécies arbóreas mais valorizadas em cada período específico, o que poderia</p><p>guiar investigações sobre as representações simbólicas do mundo natural, bem como</p><p>sobre as apropriações pragmáticas da mesma. Atualmente as dez espécies mais comuns</p><p>na arborização viária de Belo Horizonte são a quaresmeira, eleita como a árvore símbolo</p><p>89 À época do planejamento da nova capital, Belo Horizonte, então chamada Cidade de Minas,</p><p>“foi ordenada</p><p>em um arranjo tripartite, composto por três zonas concêntricas. No núcleo, estaria a área urbana, a cidade</p><p>por excelência, o centro da vida urbana. Delimitada pela Avenida do Contorno, essa área urbana seria</p><p>envolvida pela zona suburbana, o arrebalde, os subúrbios, espaço de transição entre a cidade e o campo.</p><p>Por fim, essa zona suburbana seria circundada pela zona rural do município, ou seja, o campo”. Este arranjo</p><p>foi estabelecido apenas como forma de estabelecer referências úteis à Comissão Construtora da Nova</p><p>Capital na condução dos serviços se obras e mais tarde na gestão urbana, mas permanece oficialmente até</p><p>os dias de hoje, embora poucos belo-horizontinos tenham conhecimento disso ou façam uso dele. AGUIAR,</p><p>2006, p.22.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>126</p><p>da cidade, alfeneiro, bauhínia, escumilha-africana, espatódea, ipê-rosado, magnólia,</p><p>munguba, sibipiruna e tipuana.90</p><p>Em 1976, o Decreto n. 2.940, de 27 de setembro, declarou algumas árvores da</p><p>cidade imunes ao corte ou derrubada devido à sua “beleza, raridade ou localização”. Entre</p><p>elas, destacam-se algumas: uma paineira situada na Av. Bernardo Guimarães por</p><p>caracterizar-se como uma “árvore majestosa, de grande porte”, com aproximadamente</p><p>sessenta anos; um jambo do Pará situado na Rua Espírito Santo, por ser o “único exemplar</p><p>desta espécie existente nas ruas de BH”; várias “árvores adultas” localizadas na Praça da</p><p>Igreja da Boa Viagem; mangueiras da Avenida Carandaí e Alfredo Balena, por serem “as</p><p>últimas mangueiras restantes das centenas que foram plantadas nas ruas da cidade”; entre</p><p>outras. Vinte anos depois, em 1996, algumas espécies foram objeto de tombamento pelo</p><p>Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município (DOM, 12/04/1996;</p><p>PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, s.d.). As espécies tombadas</p><p>foram paineira, pau d’óleo, pau-Brasil, jequitibá, ipê branco, jambo do pará, sapucaia,</p><p>pau-ferro, sibipiruna, angico, esponjinha, pau rei, cássia.</p><p>As duas iniciativas citadas, que dão valor patrimonial a algumas espécimes de</p><p>árvores em Belo Horizonte, se dão em um período (décadas de 1970 e 1990) marcado por</p><p>alterações significativas na concepção de patrimônio cultural, com a instituição do</p><p>conceito de patrimônio ambiental urbano, que resultou na incorporação de novas</p><p>categorias, tais como os chamados “bens naturais” (SCIFONI, 2006, p.68).</p><p>Entre os principais argumentos para justificar o tombamento das árvores, em</p><p>1996, estão as questões da raridade e da importância histórica das espécies contempladas,</p><p>quando poucos remanescentes restavam na malha urbana (PREFEITURA DE BELO</p><p>HORIZONTE, s.d.). Em seu texto sobre a arborização de Belo Horizonte a partir da</p><p>análise das perspectivas de dois autores do início do século XX – Abílio Barreto e Raul</p><p>Tassini –, Graciela Oliver (2008, p. 108) identificou uma tradição na capital mineira de</p><p>valorização dos espécimes históricos de árvores. As centenárias eram mais valorizadas,</p><p>pois, associadas à hierarquização da própria sociedade, eram como as tradicionais</p><p>famílias mineiras, que teriam presenciado a chegada da modernidade ao local.</p><p>90Disponível em:</p><p>http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&app=meioambiente&tax=11020&pg</p><p>=5700&taxp=0&idConteudo=67167. Acesso em: 11/02/2016.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>127</p><p>As escolhas feitas pelos poderes públicos representam, portanto, significados</p><p>políticos, sociais e culturais atribuídos à natureza no espaço urbano. Os exemplos citados</p><p>acima mostram que naqueles contextos, tanto no caso do decreto de 1976, quanto no caso</p><p>do tombamento de 1996, a valorização do verde se deu pelos seus aspectos estéticos,</p><p>históricos e de raridade. Nesses casos, a questão ecológica e a importância da preservação</p><p>de espécies pelo seu valor biológico e de manutenção do bioma em que está inserida a</p><p>cidade é pouco ou nada considerada.</p><p>A criação de uma relação identitária entre a cidade e sua arborização, sua natureza,</p><p>já é clássica nas análise sobre a cidade (DUARTE, 2007; OLIVER, 2008), mas nem</p><p>sempre a arborização foi vista sem ressalvas. No relatório de atividades do prefeito</p><p>Cornelio Vaz de Mello, de 1917, os problemas causados pelas árvores à vida pública</p><p>cotidiana se destacam, e o administrador chega a ironizar o título de cidade “vergel”:</p><p>A arborização da cidade, gabada por todos quantos a vêm e que lhe dá, na</p><p>realidade, aspecto gracioso e alegre, não deixa de ter seus inconvenientes, em</p><p>rasão [sic] da especie das arvores que a formam e da sua collocação nas ruas.</p><p>(...) Em sua maioria, a arborisação [sic] é constituida de magnolias, cujo</p><p>crescimento é exaggerado [sic] e além disso as folhas caducas e sementes são</p><p>em tão grande quantidade, que a respectiva remoção acarreta não pequena</p><p>despesa (PREFEITURA MUNICPAL DE BELO HORIZONTE, 1917, p.11)91</p><p>A citação acima mostra a complexidade da temática da arborização urbana e</p><p>indica como em cada período da história atribui-se um significado específico à natureza,</p><p>que é regido por percepções que definem as interações entre sociedade e natureza e se</p><p>expressam no corpo jurídico de cada sociedade.</p><p>Programas de arborização e valorização do verde na capital</p><p>Ao longo dos anos, planos de arborização foram estabelecidos para a cidade,</p><p>alguns deles em convênio com outras instituições públicas, como o Instituto Estadual de</p><p>91 Os relatórios de prefeitos de Belo Horizonte (1899-2005) estão disponíveis em:</p><p>http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=24201&chPlc=24201.</p><p>Acesso em 31/07/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>128</p><p>Florestas92, e outros através da abertura de concursos.93 A legislação constante do</p><p>Catálogo de Fontes também mostra a criação de campanhas educativas de valorização</p><p>das árvores em âmbito municipal, tal como a instituição do prêmio “Pio Corrêa”94, que</p><p>premiava o aluno que elaborasse a melhor composição sobre árvores, e o prêmio “Álvaro</p><p>da Silveira”95, conferido ao melhor estudo ou pesquisa, de caráter inédito, feito por</p><p>estudantes do ensino básico sobre a utilização e preservação de recursos naturais no</p><p>país.96 Em 1971, o decreto n° 2.067, de 24 de setembro, instituiu uma campanha educativa</p><p>de proteção às árvores nas escolas municipais.</p><p>De acordo com Duarte; Ostos (2005, p.79-83) foi justamente na segunda metade</p><p>do século XX, época em que o surto industrial passou a pressionar fortemente as árvores</p><p>e matas do município, que se intensificaram as comemorações em torno do Dia da Árvore</p><p>em Belo Horizonte. Iniciativas de campanhas de plantio de árvores e distribuição de</p><p>mudas, entre outras, foram comuns na década de 1970, em Belo Horizonte (Figura 2).97</p><p>De acordo com Duarte (2007), o verde foi um elemento fundador de um sentido comum</p><p>para os habitantes de Belo Horizonte e as árvores da cidade foram investidas do</p><p>significado de um patrimônio coletivo. Assim, o seu corte – incentivado pelo</p><p>desenvolvimento urbano do período – gerou inúmeros debates e reações por parte da</p><p>população e da imprensa.</p><p>Diante de tal configuração histórica – de valorização do verde por parte da</p><p>população e sua consequente</p><p>na sua “glamourização” como um grande centro</p><p>moderno de Minas Gerais.</p><p>Sustentamos a ideia de que existe em torno dos projetos urbanos para Belo</p><p>Horizonte uma vontade de fazer da modernidade a “vocação” da cidade. Isto é, a capital</p><p>nasceria sob a égide moderna e assim deveria permanecer, sempre se atualizando e</p><p>acompanhando o que aconteceria em outros centros urbanos do país e do mundo.</p><p>A dicotomia “antigo x novo” para pensar a história da capital mineira ao longo de</p><p>sua existência foi tema do artigo publicado por Thais Veloso Cougo Pimentel (1997). A</p><p>autora destaca que Belo Horizonte carrega consigo um estigma da cidade moderna que é</p><p>alimentado pelo “ímpeto renovador”, que acometeu diferentes gerações de políticos,</p><p>4 Para uma discussão conceitual sobre a memória e sua relação com a História, ver Pollak (1989; 1992).</p><p>5 Esta parte do artigo, que trata sobre os significados atribuídos à modernidade para contextualizar a criação</p><p>da cidade de Belo Horizonte, é baseada em análises feitas na dissertação de mestrado de um dos autores</p><p>deste texto. O tema do primeiro capítulo do estudo em questão é sobre os ideais que impulsionaram as elites</p><p>de várias cidades da América Latina, inclusive as do interior do Brasil e, no caso, de Minas Gerais, a</p><p>promover melhoramentos urbanos. Para mais informações, ver Alcântara (2015).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>12</p><p>empreendedores e moradores. Essa vontade de transformar em antigo tudo que</p><p>incomodava fazia com que pudesse ser “passível de ser substituído pelo moderno”</p><p>(PIMENTEL, 1997, p. 61). Para a autora, a construção do complexo arquitetônico da</p><p>Pampulha, na década de 1940, foi um elemento importante para alimentar a sensação de</p><p>que havia em Belo Horizonte muita coisa antiga. A partir de sua construção, a tônica do</p><p>desenvolvimento da capital nos anos seguintes passou a ser cada vez mais o progresso e</p><p>a modernização, elementos que marcaram a administração de Juscelino Kubitschek.</p><p>As impressões de uma Belo Horizonte que sempre buscava ser moderna não</p><p>escaparam aos olhos de diversos cronistas, como Carlos Drummond de Andrade, Cyro</p><p>dos Anjos e Pedro Nava, que deixaram percepções ambivalentes em relação às</p><p>transformações urbanas por qual a capital passou nas primeiras décadas.6 Raul Tassini,</p><p>cujos textos serão objetos de análise deste artigo, também escreveu sobre o cotidiano da</p><p>cidade por meio do qual buscou dizer sobre as transformações do espaço. Ao mesmo</p><p>tempo, procurava dizer sobre aquilo que permanecia, como os traços arquitetônicos das</p><p>edificações construídas no momento da inauguração da capital e que ainda estavam</p><p>presentes em ruas e avenidas. Segundo Célia Regina Araújo Alves, o memorialista saía</p><p>todas as manhãs à procura dos casarões condenados ao desaparecimento (ALVES, 2008,</p><p>p.118).</p><p>Dessa forma, as posições ambivalentes e contraditórias presentes na maioria dos</p><p>escritores, que vivenciaram a passagem da sociedade tradicional para a moderna nas</p><p>cidades, também podem ser percebidas em Tassini. O autor alimentava sentimentos</p><p>contraditórios, pois à medida que buscava acompanhar as modificações na paisagem belo-</p><p>horizontina, lamentava as diferenças que percebia, situação que lhe causava certo</p><p>saudosismo.</p><p>Na segunda parte deste artigo, analisaremos os relatos de Raul Tassini que tem</p><p>como tema a região da Pampulha. As impressões do cronista sobre o cotidiano informam</p><p>sobre os problemas enfrentados pela população local, revelando uma situação que</p><p>contrastava com a imagem de uma região próspera e moderna. Sendo assim, o objetivo</p><p>deste estudo é dizer sobre os impasses da modernidade local a partir da análise de seus</p><p>paradigmas e contradições.</p><p>6 O estudo de referência para pensar as diversas impressões sobre Belo Horizonte pelos modernistas é</p><p>Andrade (2004).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>13</p><p>Para isso, será apresentado um panorama histórico da região, destacando o início</p><p>do processo de ocupação – momento identificado por “Pampulha Velha” - para, em</p><p>seguida, abordar o seu contraste com a “Pampulha Nova”, que surgiu após o</p><p>empreendimento de Juscelino Kubitschek. Tassini comentou sobre essas diferenças</p><p>abordando como a população que vivia nas antigas fazendas e seus arredores fora excluída</p><p>do processo de modernização de Belo Horizonte.</p><p>A vocação de Belo Horizonte para modernidade: da sua construção à inauguração</p><p>de um complexo arquitetônico moderno na Pampulha</p><p>É possível imaginar uma cultura urbana mundial quando falamos das</p><p>transformações vividas pela sociedade ocidental, na virada do século XIX para o XX.</p><p>Muitos autores, como Marshall Berman (2007), por exemplo, chegam a dizer dos</p><p>processos de modernização das cidades, acompanhados naqueles séculos, como algo que</p><p>se expandiu e abarcou boa parte do mundo. Berman se referia ao “turbilhão” da vida</p><p>moderna que tem sido alimentado, em grande parte, pelas amplas descobertas nas ciências</p><p>físicas, os processos de industrialização, o aumento demográfico, os conflitos sociais, as</p><p>disputas econômicas e políticas, enfim, por todo um conjunto de transformações que</p><p>sacudiram, com maior ou menor grau, a vida de milhares de pessoas.</p><p>De Karl Marx, a frase “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, título da obra do</p><p>filósofo Marshall Berman (2007), exemplifica o imaginário de uma época, trazendo à</p><p>tona os anseios e temores do pensador e de seus contemporâneos frente a um mundo em</p><p>constante mudança. Marx viveu e descreveu a moderna sociedade burguesa como um</p><p>homem do século XIX, denunciando as contradições dessa classe que se firma e se</p><p>sustenta sempre na novidade, seja tecnológica, na forma de viver, de se relacionar e/ou</p><p>no consumo.</p><p>A análise do livro passa pelas impressões de Marx e de outros autores sobre o</p><p>espaço urbano. Esses sujeitos e tantos seguintes, ao andarem pelas cidades, viram surgir</p><p>indústrias, carros, edifícios, um número cada vez mais crescente de transeuntes, cafés e</p><p>lojas. Isso sem mencionar as constantes modificações de ruas, avenidas e calçadas</p><p>implementadas pelo poder público em cada grande centro. Tudo isso deixaria mais</p><p>evidente que viver a modernidade era presenciar o breve e o inconstante.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>14</p><p>Se essas questões suscitaram reflexões por parte das elites europeias e</p><p>estadunidenses, na América Latina a situação não foi diferente. Muitos países latino-</p><p>americanos passaram por mudanças econômicas, sociais e políticas que também</p><p>resultaram em transformações urbanas. Algo que pode ser verificado nas principais</p><p>cidades do continente. Outro importante fato, não menos importante, é que as elites,</p><p>alimentando a decisão de apagar o passado recente – associado ao período colonial,</p><p>principalmente -, iniciaram tais obras e projetos de embelezamento e reordenamento de</p><p>áreas públicas no desejo de fazer refletir uma imagem de prosperidade e modernidade.</p><p>Adrian Gorelik (1999) e José Luis Romero (2009), que se dedicaram ao estudo</p><p>sobre as transformações do espaço urbano na América Latina, destacam que essas</p><p>modificações estruturais partiram de uma “vontade ideológica” das lideranças locais que</p><p>desejavam acompanhar o que acontecia</p><p>supressão pelas políticas de urbanização – não seria</p><p>92 Lei n. 1.627, de 31 de março de 1969; Resolução n. 445/80, de 04 de julho de 1980.</p><p>93 Abertura de concurso público para arborização da Av. Afonso Pena .Lei n. 1.144, de 21 de outubro de</p><p>1964.</p><p>94 Manoel Pio Corrêa (1874- 1934) foi “naturalista, botânico, geólogo e pesquisador, nascido na cidade do</p><p>Porto, em Portugal, filho do editor e livreiro Ignacio Corrêa, dedicou-se ao estudo da botânica aplicada,</p><p>ressaltando aspectos científicos, econômicos e industriais das plantas. Membro de mais de uma dezena de</p><p>instituições científicas. Os trabalhos desenvolvidos por este naturalista deram origem a importantes</p><p>publicações, dentre as quais os seis volumes do Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas</p><p>Cultivadas, publicados a partir de 1926 pelo Ministério da Agricultura. Sua bibliografia completa inclui</p><p>cerca de 150 trabalhos. Quando faleceu, era pesquisador do Museu de História Natural de Paris”. Disponível</p><p>em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Pio_Correia#endnote_1. Acesso em 14/07/2017.</p><p>95 Álvaro Astolfo da Silveira (1867-1945), mineiro de Passos, formou-se engenheiro de minas na Escola de</p><p>Minas de Ouro Preto, mas teve destacada produção no meio botânico e geográfico. Foi autor de estudo</p><p>pioneiro sobre a arborização de Belo Horizonte, publicado em 1914. Cf. SILVEIRA, 1914. Atuou em</p><p>instituições de destaque em Minas, como a Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, obtendo</p><p>reconhecimento nacional. Viajou e classificou inúmeras espécies vegetais no estado, publicando livros</p><p>como “Flora e serras mineiras” (1917), “Memórias corográficas” (1922), “Fontes, chuvas e florestas”</p><p>(1923) e “Geografia do Estado de Minas Gerais” (1929), entre outros (FILHO, 1947, p.115-116).</p><p>96 Decreto n. 2.067, de 24 de setembro de 1971 e Decreto n. 2.067, de 24 de setembro de 1971,</p><p>respectivamente.</p><p>97 Para uma interpretação histórica sobre as políticas de arborização no período, ver DUARTE; OSTOS,</p><p>2005.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>129</p><p>incongruente o investimento da administração municipal em campanhas de arborização e</p><p>na divulgação intensiva das mesmas, como documentado no acervo fotográfico constante</p><p>do fundo “Assessoria de Comunicação Social do Município” (ASCOM) do Arquivo</p><p>Público da Cidade de Belo Horizonte98.</p><p>Oswaldo Pieruccetti, prefeito entre 1964-1967 e 1971-1974, que teve suas gestões</p><p>marcadas por programas de urbanização intensos da cidade, como a canalização de rios e</p><p>o asfaltamento (MESQUITA, 2013), na figura 3 posa para fotografia no mês em que se</p><p>comemora o dia da Árvore. Na foto, posa em uma atitude nitidamente publicitária, que</p><p>alude a uma vontade de construir uma imagem de administrador público que “coloca a</p><p>mão na massa” e se identifica com os interesses do povo.</p><p>98 A Assessoria de Comunicação Social do Município (ASCOM) foi criada na estrutura organizacional da</p><p>prefeitura de Belo Horizonte em 1992, depois de antigos órgãos e setores com atribuições semelhantes</p><p>sofrerem inúmeras alterações. O órgão tem a finalidade de planejar e coordenar as atividades de</p><p>comunicação social da administração municipal, dentre elas a divulgação, cobertura e distribuição do</p><p>material jornalístico, assistência ao Prefeito e aos setores vinculados à gerência pública, além de coordenar</p><p>a política de comunicação externa e interna da administração. O fundo documental homônimo (ASCOM),</p><p>sob a guarda do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, possui itens datados de 1947 a 2015, e</p><p>contém documentos textuais e iconográficos, como fotografias e cartazes, dentre outras tipologias</p><p>documentais. MIRANDA, 2015, p.100; ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE,</p><p>2016, p.31-35.</p><p>Figura 3: Semana da Árvore. 1º à esquerda:</p><p>Prefeito Oswaldo Pieruccetti. Setembro de 1965.</p><p>Fonte: APCBH/ASCOM</p><p>Figura 2: Evento da Semana da Árvore na</p><p>Avenida Afonso Pena. Prédio da Prefeitura.</p><p>Dia da árvore, gestão Pieruccetti (1971-1975).</p><p>Fonte: APCBH/ASCOM</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>130</p><p>Regulação urbana</p><p>A legislação referente à arborização e gestão de áreas verdes também contempla</p><p>dados de interesse à regulação urbana, pois estabelece regras para a área destinada a</p><p>jardins e áreas verdes nas construções da zona urbana e suburbana99 da capital, faz</p><p>considerações sobre alterações na arborização de ruas da cidade ao alterar o espaçamento</p><p>entre as árvores para facilitar o trânsito de veículos100, regula a conduta dos cidadãos nas</p><p>áreas verdes da cidade, tais como jardins, praças e parques101, expressa em uma</p><p>legislação, na maioria das vezes, excludente102, e determina regras a respeito da</p><p>construção de marquises e toldos, para que não estes prejudicassem a arborização da</p><p>cidade, entre outros assuntos.103 A legislação contempla também as normas mais amplas</p><p>que regem as áreas verdes, estabelecendo suas categorias de uso, os modelos de</p><p>assentamentos urbanos e delimitando as áreas a reservar.104</p><p>Algumas proibições reinteradas ao longo dos anos são indícios de que as</p><p>disposições legais não estavam sendo cumpridas, como no caso da regulação do uso de</p><p>árvores e áreas verdes por feirantes na década de 1940, reiterada na década de 1970.105</p><p>Em contraposição, na década de 1980, o Decreto Lei n. 4885, de 18 de dezembro de 1984,</p><p>estabelece normas e concede permissão de uso para publicidade em grades protetoras de</p><p>árvores nas vias públicas. Fato que não era novo, já que a Portaria n. 1985, de 17 de</p><p>dezembro de 1973 designou uma “comissão julgadora da Concorrência Pública</p><p>Ordinária” relativa à concessão de propaganda em grades de proteção de árvores.</p><p>Outra determinação legal que trata da questão da arborização na regulação urbana</p><p>é a disposição sobre a obrigatoriedade de os imóveis das seções urbanas e suburbanas</p><p>99 Lei n. 226, de 2 de outubro de 1922; Lei n. 264, de 9 de outubro de 1923.</p><p>100 Decreto n. 8, de 6 de fevereiro de 1925.</p><p>101 Decreto n. 10, de 24 de junho de 1925.</p><p>102 Sobre o tema, ver DUARTE, 2007, p.27; OLIVEIRA, 2014, p.18.</p><p>103 Decreto n. 165, de 1º de setembro de 1933.</p><p>104 Lei n. 2.662, de 29 de outubro de 1976; Decreto n. 3.073, de 7 de junho de 1977; Decreto n. 3.074, de 7</p><p>de junho de 1977.</p><p>105 O Decreto n. 170, de 10 de janeiro de 1946 e a Lei n. 85, de 9 de junho de 1949, proíbem os feirantes de</p><p>utilizarem os troncos e galhos de árvores para quaisquer fins. Já o Decreto n. 2.437, de 26 de outubro de</p><p>1973 regulamenta as feiras de artes e artesanato de Belo Horizonte. Em seu parágrafo único diz: “Não se</p><p>admitirá a instalação de "stands" de exposição nas áreas verdes e floridas de parques, avenidas ou jardins,</p><p>sob nenhum pretexto. Na organização de seus "stands" de exposição, o expositor: a) - não poderá colocar</p><p>letreiros, cartazes, faixas ou outros processos de comunicação visual dependurados em postes, árvores ou</p><p>gramados”.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>131</p><p>finalizarem suas construções com a criação de passeios calçados e arborizados, uma vez</p><p>que ruas e avenidas que não estivessem providas de água, esgoto, energia elétrica,</p><p>calçamento e arborização não seriam consideradas finalizadas e em</p><p>condições de serem</p><p>habitadas pela prefeitura106.</p><p>O Catálogo de Fontes agrega várias possibilidades de pesquisa, pois fornece</p><p>detalhes sobre o temas que, à primeira vista, não estão necessariamente vinculados à</p><p>arborização, indicando ligações - algumas vezes até inusitadas – entre temáticas distintas.</p><p>Um exemplo interessante é o estabelecimento da obrigatoriedade da instalação de “pátio</p><p>arborizado” ou jardins em colégios, hospitais e asilos, bem como a arborização do</p><p>cemitério e do matadouro nos primeiros anos da capital.107</p><p>As florestas e a cidade: pressões urbanas na vegetação</p><p>Outra abordagem possível da legislação constante no Catálogo de Fontes seria a</p><p>análise cronológico-temporal dos dados, tentando abarcar características específicas de</p><p>períodos pré-estabelecidos de pesquisa, relacionando-as ao contexto geral do período e</p><p>especificamente à história de Belo Horizonte.</p><p>Na década de 1910, por exemplo, a legislação apresenta referências sobre a</p><p>questão florestal, que permanece ativa ainda nas décadas seguintes. A Lei n. 60, de 14 de</p><p>outubro de 1912, autoriza o prefeito a dar prêmios aos proprietários de terrenos que</p><p>plantassem árvores florestais108. Este é um caso interessante para a reflexão sobre a</p><p>valorização de certas espécies florestais específicas em detrimento de outras em um dado</p><p>período e sobre quais seriam os objetivos de tal disposição. No caso específico da lei de</p><p>1912, as espécies valorizadas foram: eucalipto, caneleira, ipê, cambuí, palmeira, cedro</p><p>rosa, sucupira, folha de bolo, pinheira, canela, sassafrás e vinhático.</p><p>Outros documentos do acervo do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte</p><p>são importantes auxiliares na análise desse contexto de valorização e incentivo de plantio</p><p>106 Lei n. 62, de 14 de outubro de 1912.</p><p>107 Decreto n. 1.368, de 5 de março de 1900; Decreto n. 1.369, de 5 de março de 1900, respectivamente.</p><p>108 Lei n. 60, de 14 de outubro de 1912; Resolução nº 49, de 18 de fevereiro de 1937. Em âmbito federal, o</p><p>tema também vinha sendo foco de legislação. Em 1918, com o intuito de intensificar a cultura de essências</p><p>florestais no Brasil, principalmente o eucalipto, uma lei estabeleceu uma recompensa por árvore plantada.</p><p>Cf. COLEÇÃO DAS LEIS DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS BRASIL, 1919, p.105-7 apud</p><p>CAPANEMA, 2006, p.56.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>132</p><p>de áreas florestais em Belo Horizonte, como a “Coleção dos relatórios anuais de</p><p>atividades da Prefeitura de Belo Horizonte – 1899-1987”. No “Relatório apresentado aos</p><p>membros do Conselho Deliberativo da capital pelo prefeito Dr. Olyntho Deodato dos Reis</p><p>Meirelles”, em 1912, a devastação das florestas e matas do município é abordada, sendo</p><p>contraposta à suposta exuberância da arborização da cidade:</p><p>A exuberancia e beleza da nossa arborização, na área da cidade, constituem</p><p>uma das notas mais originaes e caracteristicas de Bello Horizonte, e que</p><p>provocam verdadeira admiração dos nossos hospedes. E esta sensação é tão</p><p>viva e intensa quanto ao lançarem as vistas pelos arredores e mesmo por todo</p><p>o município da Capital só vêm uma vegetação pobre e rachitica.</p><p>PREFEITURA MUNCIPAL DE BELO HORIZONTE, 1912, p.28.</p><p>O prefeito chega a elencar quais teriam sido as causas daquela situação no</p><p>município. Segundo ele, os terrenos nas porções sul e sudeste da cidade, na sua quase</p><p>totalidade mineralógicos, seriam naturalmente pobres para manter uma vegetação</p><p>“luxuriante ou mesmo regular”. Já as partes norte e oeste, ao contrário, possuíam matas</p><p>“bem vestidas e de bello aspecto”, que faziam parte de antigas fazendas, mas onde o fogo</p><p>anualmente as consumia transformando-as em “enfesadas capoeirinhas de porte</p><p>mesquinho e folhas anemiadas”. Nota-se aqui que ele não faz referência aos possíveis</p><p>causadores dos incêndios. Ainda segundo Meirelles, o que foi preservado do fogo foi</p><p>abatido “aos golpes impiedosos dos commerciantes de madeira branca, de lenha e de</p><p>carvão”. Mal que, para ele, perdurava desde o tempo da Comissão Construtora. E, ao seu</p><p>ver, era</p><p>o maior inimigo da nossa riqueza florestal, o perturbador do regimen de nossas</p><p>aguas, o abridor de largos flancos aos ventos predominantes, que mais ou</p><p>menos impetuosos, dessecam a terra, estiolam e queimam a planta,</p><p>despojando-as das suas vestimentas, alterando-lhe a forma e o porte. Si</p><p>continuar a devastação praticada até agora, em breve será a cidade um oásis no</p><p>meio de um grande deserto. PREFEITURA MUNCIPAL DE BELO</p><p>HORIZONTE, 1912, p.28.</p><p>E é aí então que o prefeito contextualiza a Lei n. 60, de 14 de outubro de 1912, ao</p><p>definir que todo comerciante de madeira branca, lenha ou carvão deveria pagar licença e</p><p>imposto sobre sua produção, ao mesmo tempo em que o proprietário agrícola que</p><p>possuísse maior quantidade de árvores florestais “que sirvam mais tarde para construção</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>133</p><p>e para industria” receberia um prêmio pecuniário da prefeitura (PREFEITURA</p><p>MUNCIPAL DE BELO HORIZONTE, 1912, p.29).</p><p>Nas primeiras décadas do século XX, a política florestal em Minas Gerais foi um</p><p>assunto de estado. Naquele período, os governos mineiros pretendiam promover o</p><p>desenvolvimento econômico por meio da diversificação e modernização da agricultura,</p><p>seguindo as diretrizes propostas no Congresso Agrícola de 1903, liderado por João</p><p>Pinheiro. Na medida em que a agricultura, a indústria e as ferrovias dependiam do</p><p>consumo de combustível vegetal, a defesa das matas ganhou dimensão estratégica. Assim,</p><p>ao longo dos anos 1910-1920, Minas Gerais elaborou uma política florestal ancorada nas</p><p>discussões sobre a modernização econômica, social e tecnológica do Brasil. Em função</p><p>das demandas crescentes de matérias-primas tanto no Sudeste Brasileiro quanto na</p><p>Europa e nos Estados Unidos, Arthur Bernardes, presidente do estado (1918-1922) e</p><p>principal mentor e executor desta política, considerou que o problema do combustível</p><p>vegetal exigia solução prática e segura através do reflorestamento (MARTINS, 2011).</p><p>Outra justificativa ao incentivo de políticas de conservação e reflorestamento nos</p><p>arredores de Belo Horizonte refere-se à manutenção dos recursos hídricos da capital. A</p><p>devastação teria causado problemas para o abastecimento hídrico da cidade, devido ao</p><p>ressecamento de nascentes, como indica a legislação ao especificar a necessidade de</p><p>conservação das “mattas, nas cercanias da Capital e nas encostas e cabeceiras de</p><p>mananciaes, dentro do município 109. Três anos depois, a Lei n. 138, de 16 de outubro de</p><p>1917 previa que deveriam ser “reservadas quaesquer minas e fontes mineraes, as mattas</p><p>e as terras que forem necessarias para a formação da reserva florestal da cidade”. A</p><p>história mostra que muitas vezes quando um recurso se faz escasso amplia-se a legislação</p><p>reguladora sobre aquele insumo. Em Minas Gerais, desde o século XVIII esta</p><p>prerrogativa é abordada na legislação. A redução dos recursos hídricos vinculada ao</p><p>desmatamento foi objeto de regulamentação naquele período (CAPANEMA, 2013,</p><p>p.200-203).</p><p>Essa política possui continuidade nas décadas de 1920 e 1930 em Belo Horizonte,</p><p>com expressão nas políticas federais. Quando se falava em proteção à natureza nas</p><p>primeiras décadas do século XX referiam-se essencialmente à conservação de florestas,</p><p>a preservação/conservação de outros tipos de vegetação não era assunto prioritário, o que</p><p>109</p><p>Lei n. 78, de 21 de outubro de 1914.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>134</p><p>se constata na legislação essencialmente florestal vigente: Serviço Florestal do Brasil,</p><p>criado em 1921 (Decreto n.4421, de 28/12/21) e organizado em 1925 (Decreto n.17042,</p><p>de 16/09/25); Código Florestal (Dec. n. 23.793, de 23/01/1934) (CAPANEMA, 2006,</p><p>p.56). Em 1926, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio publicou o Mappa</p><p>Florestal do Brasil (CAMPOS, 2000), que vem reforçar a valorização do tema à época110.</p><p>Em Belo Horizonte, uma resolução datada de 1937 previa o incremento do</p><p>reflorestamento do município, incentivado através do estabelecimento de recompensa por</p><p>árvore plantada na área rural111. A ligação entre a disponibilidade hídrica e as matas pode</p><p>ser observada em outros dispositivos legais quando vincula, por exemplo, a função de</p><p>conservar as matas à conservação e fiscalização de adutoras e mananciais.112 Outros</p><p>dispositivos legais referem-se à aquisição de áreas de terrenos necessários à proteção de</p><p>mananciais de córregos (Mutuca ou Cristais e Fechos) que abasteciam a capital113.</p><p>Dados quantitativos no Catálogo de Fontes</p><p>O Catálogo de Fontes apresenta dados quantitativos que podem ser úteis na</p><p>elaboração de pesquisas sobre arborização e estudo urbanos, de maneira mais ampla. É</p><p>possível comparar, por exemplo, os salários de jardineiros e outros funcionários do setor</p><p>de parques e jardins com o de funcionários de outros setores para estabelecer uma análise</p><p>comparativa, tentando traçar o significado e peso das funções na administração pública.114</p><p>Despesas do Departamento de Parques e Jardins, por exemplo, podem ser comparadas a</p><p>gastos com outros departamentos, anualmente115. Assim como a abertura de créditos</p><p>suplementares para empregar em aquisição de materiais e trabalhadores da área e no</p><p>pagamento de aluguel de carroças para serviços de arborização116, créditos especiais para</p><p>o Departamento de Parques e Jardins117, verbas para arborização e reflorestamento.118 O</p><p>ano de 1957, por exemplo, apresenta o acréscimo de muitas verbas suplementares para o</p><p>110 Sobre o tema florestal no Brasil, ver também DRUMMOND, 1998/99.</p><p>111 Resolução nº 49, de 18 de fevereiro de 1937.</p><p>112 Portaria n. 316, de 4 de setembro de 1930.</p><p>113 Decreto n. 511, de 8 de Setembro de 1956.</p><p>114 Lei n. 304, de 11 de outubro de 1952</p><p>115 Lei n. 356, de 7 de dezembro de 1953; Lei n. 525, de 3 de dezembro de 1954</p><p>116 Lei n. 306, de 11 de novembro de 1952</p><p>117 Decreto n. 633, de 17 de dezembro de 1957.</p><p>118 Decreto n. 264, de 2 de outubro de 1953; Decreto n. 267, de 6 de outubro de 1953.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>135</p><p>Departamento de Parques e Jardins, bem como 1958 e 1959. Mas qual seria o motivo? A</p><p>pouca disponibilização de verbas regulares? Ou um maior investimento real no setor? Ou</p><p>outros setores também teriam recebido maior incentivo?</p><p>Para uma análise da dotação orçamentária do município é necessário que o</p><p>pesquisador compreenda a legislação pertinente à matéria, que define a legalidade,</p><p>regularidade, possibilidade de aplicação de verbas, acréscimos e limites de investimento</p><p>em cada setor. Atualmente, a lei orgânica de Belo Horizonte dispõe sobre os gastos</p><p>prioritários do município, entre os quais se inclui a proteção ao meio ambiente. De acordo</p><p>com o artigo 130, “a lei orçamentária assegurará investimentos prioritários em programas</p><p>de educação, saúde, habitação, saneamento básico e proteção ao meio ambiente”.</p><p>Grande parte dos dados disponibilizados na legislação municipal refere-se a dados</p><p>quantitativos. Vale ressaltar que em alguns anos as receitas e despesas não foram citadas,</p><p>o que prejudica a pesquisa, como a partir de certo período em que cada setor da prefeitura</p><p>passa a ser identificado apenas por números e, por isso, os dados não foram selecionados</p><p>para o Catálogo de Fontes devido à dificuldade de identificação. Em outros casos, os</p><p>índices de receitas e despesas não são mencionados na legislação anual, como nos casos</p><p>dos ano de 1938, 1943, 1947 e 1952. Já em outro, os orçamentos anuais não fazem</p><p>menção a gastos com arborização ou temáticas afins, tais como os anos de 1937, 1939-</p><p>1940, 1942, 1944 a 1946, 1948 e 1950.</p><p>Esta ausência constitui outra perspectiva de pesquisa que se abre mediante a</p><p>consulta ao Catálogo de Fontes. A partir de uma análise aprofundada dos dados anuais,</p><p>unidos à observação de dados semelhantes em outros anos e em outros acervos</p><p>municipais, o pesquisador pode levantar os motivos que levaram a um maior invetimento</p><p>em uma área em um determinado período em detrimento de outras.</p><p>Políticas de criação e manutenção de parques e jardins</p><p>A política de criação e manutenção de parques e jardins em Belo Horizonte</p><p>também constitui um interessante tema de pesquisa e tem sido foco de manifestações</p><p>populares em Belo Horizonte em defesa da preservação de áreas ameaçadas por pressões</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>136</p><p>imobiliárias. Citam-se os movimentos recentes em defesa da “Mata do Planalto”, iniciado</p><p>em 2010, e em defesa da criação do “Parque Jardim América”, a partir de 2011.119</p><p>O índice urbano de áreas verdes por habitante é constantemente utilizado pelas</p><p>administrações municipais com intenções publicitárias, como indicadores de qualidade</p><p>de vida nas cidades. Estes são os casos de Curitiba120 e Goiânia121, que muitas vezes se</p><p>atribuem o título de “capitais verdes” do Brasil. O atual índice de áreas verdes por</p><p>habitante em Belo Horizonte, segundo dados da prefeitura municipal, é de 18 m2. Este</p><p>índice é considerado satisfatório, pois a administração pública toma como parâmetro o</p><p>mínimo de 12 m² de área verde por habitante supostamente recomendado pela</p><p>Organização Mundial de Saúde (OMS)122.</p><p>Guimarães (2010, p.20), entretanto, atenta para o fato de o número ser</p><p>erroneamente atribuído à OMS, que não o reconhece oficialmente. O autor também revela</p><p>que não há consenso na utilização de indicadores de medição de áreas verdes na</p><p>administração pública. Dados quantitativos das áreas verdes são utilizados para</p><p>identificar e localizar espaços para (re)planejamento das cidades e proposição de políticas</p><p>públicas, mas muitas vezes utilizam parâmetros diferentes de medição. “Dessa forma, é</p><p>bastante comum que um mesmo indicador seja utilizado de maneira diferente por cada</p><p>gestor ou pesquisador, dificultando avaliações comparativas e reformulações</p><p>urbanísticas” (GUIMARÃES, 2010, p.19).</p><p>Ademais, há discrepância na utilização de termos utilizados sobre áreas verdes</p><p>urbanas entre autores e profissionais que atuam na área e, consequentemente, nas</p><p>informações veiculadas pela mídia. Similaridades e diferenças entre termos geram</p><p>conflitos teóricos, como no caso dos conceitos de espaços livres urbanos, áreas livres,</p><p>espaços abertos, áreas verdes, sistemas de áreas de lazer, jardins, praças, parques urbanos,</p><p>119 Os dois movimentos pressionam os poderes públicos a criarem parques nas áreas de remanescentes</p><p>verdes nos bairros que dão nome aos movimentos: Planalto e Jardim América. O tema foi amplamente</p><p>divulgado nas mídias locais e redes sociais. Disponível em: http://hojeemdia.com.br/horizontes/moradores-</p><p>protestam-e-pauta-sobre-a-mata-do-planalto-sai-da-reuni%C3%A3o-do-comam-1.393319;</p><p>http://cidadeludica.com.br/2016/11/04/em-bh-moradores-resistem-e-lutam-para-criar-o-parque-jardim-</p><p>america/; https://www.facebook.com/salveamatadoplanalto/; https://www.facebook.com/ParqueJAbh/.</p><p>Acesso em: 31/07/2017.</p><p>120 Disponível em: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/indice-de-area-verde-passa-para-645-m2-por-</p><p>habitante/25525; http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/novo-mapa-revela-aumento-de-areas-verdes-na-</p><p>cidade/25193. Acesso em: 31/07/2017.</p><p>121 Disponível em: http://www4.goiania.go.gov.br/portal/goiania.asp?s=2&tt=con&cd=1265. Acesso em:</p><p>31/07/2017.</p><p>122Disponível em:</p><p>http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&</p><p>app=meioambiente&tax=38428&lang=pt_br&pg=5700&taxp=0&. Acesso em: 12/02/2016.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>137</p><p>unidades de conservação em área urbana e arborização urbana. Este último conceito, por</p><p>exemplo, corresponde aos elementos vegetais de porte arbóreo na cidade. Árvores</p><p>plantadas nas calçadas fazem parte da arborização urbana, mas não integram os sistemas</p><p>de áreas verdes, como parques, jardins e praças (FERREIRA, s.d, p.11-12)123.</p><p>Nesse sentido, faz-se necessário relativizar os coeficientes de áreas verdes dos</p><p>centros urbanos. Muitos parques urbanos foram criados em diversas partes do mundo</p><p>valendo-se do discurso ambientalista, mas em muitos casos desempenham apenas função</p><p>estética e de lazer, pela insignificância do seu conteúdo natural. Ainda assim, são</p><p>utilizados para construir os índices de verde por habitante (GOMES, 2014, p.85).</p><p>Nem sempre a criação de uma praça significa a proteção de uma área verde, às</p><p>vezes a vegetação em uma praça pública é desprezível ou trata-se de uma área</p><p>impermeabilizada, como é o caso da Praça Rui Barbosa (Praça da Estação) em Belo</p><p>Horizonte (Figuras 4 e 5). Em artigo publicado na Revista Eletrônica do Arquivo Público</p><p>da Cidade de Belo Horizonte, Carlos Alberto Oliveira (2017, p.10) destaca o equívoco</p><p>conceitual na definição de praças no Brasil, comumente confundidas com jardins e</p><p>parques.</p><p>Como alerta Gomes (2014, p.82), no caso específico dos parques urbanos,</p><p>“difundem-se que estes equipamentos contribuem para a proteção da fauna e flora, são</p><p>importantes para o aumento dos índices de áreas verdes, além de estarem voltados ao uso</p><p>das massas e, consequentemente, à melhoria das condições de vida do homem urbano,</p><p>123 Para uma definição pormenorizada dos termos, consultar FERREIRA, s.d., p.11-13.</p><p>Figuras 2 e 5: Praça Rui Barbosa (Praça da Estação), Belo Horizonte/MG, sob duas perspectivas.</p><p>Fotos: Rivail Miranda Xavier, julho/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>138</p><p>independentemente de sua classe social. No entanto, não se atentam para as disparidades</p><p>socioespaciais que induzem”. Na verdade, muitas vezes os parques contribuem para o</p><p>aumento da desigualdade socioespacial, pois alteram o preço da terra e se voltam a um</p><p>público restrito, por terem localização privilegiada. Geralmente os discursos</p><p>supostamente ambientais divulgados por instituições públicas e mídia não consideram os</p><p>conflitos, as disputas pelo solo urbano e a apropriação desigual dos “espaços verdes”</p><p>existentes nas cidades (GOMES, 2014, p.84-86).</p><p>Esta é uma perspectiva de análise fecunda que poderia ser aplicada aos parques</p><p>urbanos de Belo Horizonte. Quais seriam os reais objetivos da criação dos parques da</p><p>cidade? A que ideais políticos, econômicos e sociais estariam submetidos? Atualmente,</p><p>de acordo com dados disponibilizados pela Prefeitura de Belo Horizonte na plataforma</p><p>digital BHMap124, a capital possui 73 parques municipais, sendo 6 parques na Regional</p><p>Venda Nova, 15 na Regional Pampulha, 5 na Regional Norte, 13 na Regional Nordeste,</p><p>2 na Regional Noroeste, 1 na Regional Leste, 9 na Regional Oeste, 18 na Regional Centro-</p><p>Sul e 4 parques na Regional Barreiro.</p><p>A Figura 6 indica a desigualdade na distribuição espacial dos parques municipais</p><p>da cidade, não apenas quantitativamente, mas também em extensão. A Regional Centro-</p><p>Sul, que possui parques municipais em maior número e extensão, também apresenta a</p><p>maior concentração de riqueza da capital. Enquanto 4,8% da população residente em Belo</p><p>Horizonte possui renda mensal declarada superior a dez salários mínimos, na região</p><p>Centro-Sul este percentual é de 22,6%.125</p><p>124 Disponível em:</p><p>http://bhmap.pbh.gov.br/BHMap/mapa/#zoom=0&lat=7799871.0925&lon=614126&layers=B0FFFFFFF</p><p>FFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFF. Acesso em: 01/08/2017.</p><p>125 Dados baseados no Censo de 2010. Disponível em:</p><p>http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=54009&chPlc=54009&v</p><p>iewbusca=s. Acesso em: 01/08/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>139</p><p>Para além da pressão de aspectos econômicos e sociais sobre a criação e</p><p>manutenção dos parques municipais, outros fatores devem ser levados em consideração</p><p>no caso de uma análise comparativa sobre os parques, tal como a história do</p><p>desenvolvimento urbano da cidade, expressa na ocupação e crescimento de cada regional,</p><p>na medida em que os locais de ocupação mais antiga podem tender a ter menores áreas</p><p>verdes passíveis de tornarem-se parques se o espaço destinado ao verde no passado for</p><p>menos valorizado, bem como a pressão sofrida em cada região. Áreas ocupadas sem</p><p>planejamento poderiam ser mais adensadas em população e, por isso, ter restado pouco</p><p>espaço para o verde.</p><p>Figura 6: Mapa dos parques</p><p>municipais de Belo Horizonte.</p><p>Fontes: PREFEITURA</p><p>MUNICIPAL DE BELO</p><p>HORIZONTE, s.d.;</p><p>UNIVERSIDADE FEDERAL</p><p>DE MINAS GERAIS, 2014.</p><p>Elaboração: Herbert Pardini.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>140</p><p>Uma maneira interessante de conjugar uma análise ambiental à história seria</p><p>investigar, quantitativa e qualitativamente, os momentos de criação dos parques urbanos,</p><p>estabelecendo os períodos de surto, bem como de letargia, buscando compreender que</p><p>relações poderiam ser feitas entre estes fatores e questões políticas, culturais, sociais e</p><p>econômicas.</p><p>Em âmbito federal, a criação dos primeiros parques nacionais tem relação</p><p>intrínseca com o conceito de áreas de “natureza intocada” que deveriam ser protegidas do</p><p>uso humano, exceto para contemplação, recreação e pesquisa científica, alinhadas a um</p><p>ideal divulgado principalmente pelos idealizadores dos primeiros parques do mundo</p><p>(como Yellowstone, em 1872), que tinham como pressuposto a ideia de que a as</p><p>sociedades urbano-industriais eram destruidoras da natureza (DIEGUES, 2008, p.17).</p><p>No Brasil, na década de 1930, também foram criados os primeiros parques</p><p>nacionais – Itatiaia (MG/RJ), em 1937; Iguaçu (PR) e Serra dos Órgãos (RJ), em 1939.</p><p>Nesse período, pode-se fazer uma associação entre os ideais de conservação e preservação</p><p>da natureza e um projeto nacionalista de modernização Brasileira,</p><p>em que a natureza</p><p>passou a ser considerada uma peça chave para o desenvolvimento econômico mediante</p><p>sua exploração “racional”, bem como pela utilização de seu conteúdo simbólico para a</p><p>afirmação de uma identidade nacional (CAPANEMA, 2006).</p><p>Se as primeiras áreas de proteção ambiental em nível federal foram criadas nos</p><p>anos 1930, essa não foi uma prática que se manteve crescente nas décadas seguintes. Na</p><p>década de 1940 houve uma estagnação; nos anos 1950 criaram-se mais três unidades de</p><p>conservação; na década seguinte, oito; e, nas décadas de 1970 e 1980 houve um grande</p><p>impulso à criação de parques e reservas biológicas, devido ao surgimento e intensificação</p><p>do movimento ecológico no Brasil (DIEGUES, 2008, p.113-125). Segundo Roncaglio</p><p>(2007, p.107), a criação de áreas de proteção também coincidiu com as frentes de</p><p>expansão econômica sobre o território Brasileiro, como é o caso da década de 1970,</p><p>caracterizada pelo investimento em indústrias de base através dos planos nacionais de</p><p>desenvolvimento lançados na ditadura no Brasil.</p><p>A criação ou implantação de parques e áreas verdes protegidas no município de</p><p>Belo Horizonte também é marcante naquele período. Em de 21 de setembro de 1971, o</p><p>Decreto n. 2.065 dispôs sobre a criação do Parque Municipal Vila Betânia (atual Parque</p><p>Municipal Jacques Cousteau). No ano seguinte, o decreto n. 2.225, de 27 de junho de</p><p>1972 definiu a desapropriação de terreno no lugar denominado "Fazenda São José", nas</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>141</p><p>proximidades do Bairro Padre Eustáquio, para preservação de “matas naturais” e</p><p>implantação de “parque florestal recreativo, de autódromo ou de outras obras públicas”.</p><p>O decreto n. 2.345, de 30 de março de 1973, declarou de utilidade pública, para</p><p>fins de desapropriação, uma área de terreno com 156.800 m2 na Avenida José Cândido da</p><p>Silveira, de propriedade da Fundação João Pinheiro.126 Em 1973, o decreto n. 2.408, de 5</p><p>de setembro, declarou de utilidade pública terrenos de propriedade da Imobiliária Mineira</p><p>S/A, situados no Bairro Novo Itapoã, no local denominado "Lagoa do Nado", com área</p><p>aproximada de 300.000,00 m2. O terreno conformou o Parque Municipal Fazenda Lagoa</p><p>do Nado, implantado apenas em 1994.127</p><p>O Parque das Mangabeiras, por sua vez, foi implantado em 1974, tendo sido criado</p><p>por decreto datado de 1966.128 O decreto n. 2.939, de 27 de setembro de 1976, dispôs</p><p>sobre a transformação em Reserva Biológica o Parque Municipal da Vila Betânia. O</p><p>decreto n. 3.338 de 23 de setembro de 1978, criou o Parque Municipal Ursulina de</p><p>Andrade Mello, situado no bairro Castelo e também implantado apenas na década de</p><p>1990129. Já o decreto n. 3.590 de 3 de outubro de 1979, declarou de utilidade pública, para</p><p>fins de desapropriação, terrenos no Bairro Sion, zona sul da capital. A desapropriação</p><p>destinava-se à “preservação ecológica” da área, assim como a implantação de parque de</p><p>recreação e lazer no local.</p><p>As diversas disposições legais dedicadas ao tema da criação de parques e áreas</p><p>verdes na capital na década de 1970, momento de expressivo desenvolvimento urbano,</p><p>indicam, portanto, a complexidade da análise do tema, que vai muito além de</p><p>preocupações ambientais. A arborização e conservação de áreas verdes no ambiente</p><p>citadino podem representar obstáculos para o seu desenvolvimento, bem como podem ser</p><p>apropriadas por interesses econômicos, públicos e privados, que veem nesses espaços</p><p>possibilidade de valorização imobiliária. Nesse sentido, são inúmeras as variáveis e</p><p>126 Ver também Lei n. 2.264, de 17 de dezembro de 1973.</p><p>127  Dado  disponível  em:  http://belohorizonte.mg.gov.br/local/servico‐turistico/espaco‐para‐</p><p>evento/aberto/parque‐municipal‐fazenda‐lagoa‐do‐nado. Acesso em: 31/07/2017. Sobre o Parque Lagoa</p><p>do Nado, ver também o decreto n. 3.568 de 14 de setembro de 1979 e a Lei n. 3.842, de 21 de agosto de</p><p>1984.</p><p>128  Ver  decreto  n.  1.466,  de  24  de  outubro  de  1966,  e  lei  nº  2.403,  de  30  de  dezembro  de  1974,</p><p>respectivamente.</p><p>129  Dado  disponível  em:  http://www.belohorizonte.mg.gov.br/local/entretenimento‐cultura/parque‐</p><p>praca/parque‐municipal‐ursulina‐de‐andrade‐mello. Acesso em: 31/07/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>142</p><p>possibilidades que se abrem à pesquisa das políticas de criação de parques, praças e</p><p>jardins na cidade.</p><p>Esboço sobre os setores responsáveis pelas áreas verdes na estrutura administrativa</p><p>municipal</p><p>As leis que regulamentam a organização administrativa da prefeitura são</p><p>importantes para entender os interesses e valores que são privilegiados em cada época da</p><p>administração municipal. Algumas disposições legais são bastante detalhadas, como a lei</p><p>que institui o sistema de classificação de cargos no serviço público da prefeitura em 1957,</p><p>que traz informações específicas sobre as funções de cada categoria, como a de chefe de</p><p>conservação de arborização, chefe de jardinagem, chefe de manutenção de parques, entre</p><p>outros.130 Outro exemplo detalhado é o decreto que aprova as competências e atribuições</p><p>da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, à qual estava vinculado o setor de parques</p><p>e jardins em 1970.131</p><p>Ao longo das pesquisas para a elaboração do Catálogo de Fontes, foi possível</p><p>traçar um esboço sobre a estrutura administrativa municipal no que tange à gerência das</p><p>áreas verdes. Um esboço, pois os dados levantados não foram confrontados com as</p><p>informações disponibilizadas oficialmente pela prefeitura de Belo Horizonte132, assim</p><p>como não foi feita uma análise exaustiva do conteúdo de cada alteração na legislação</p><p>sobre organização administrativa municipal.</p><p>Assim, a seguir listamos as alterações identificadas na estrutura administrativa que</p><p>possuem relações com a gestão de áreas verdes e arborização do município, devido à sua</p><p>importância para a elaboração de pesquisas na documentação jurídica levantada pelo</p><p>Catálogo de Fontes. Afinal,</p><p>a criação, a reestruturação ou a extinção de órgãos ou de partes deles –</p><p>departamentos, gerências, divisões, seções, serviços e outros – traz impactos</p><p>para a organização e o destino dos documentos que foram produzidos ou</p><p>acumulados pelos órgãos públicos. A criação, a adição, a supressão de</p><p>130 Lei n. 620, de 19 de junho de 1957.</p><p>131 Decreto n. 1.923, de 16 de novembro de 1970.</p><p>132 Os organogramas da “Evolução da Estrutura Administrativa da Prefeitura de Belo Horizonte” estão</p><p>disponíveis  em:  http://www.pbh.gov.br/evolucaodaestrutura/organogramas.htm.  Acesso  em:</p><p>31/07/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>143</p><p>competências dos órgãos públicos, assim como a transferência de</p><p>competências de um órgão para outro - o que, muitas vezes, implica na</p><p>necessidade de transferência de documentos de um local para outro – são</p><p>situações vivenciadas na administração pública que também impactam a</p><p>política municipal de arquivos (ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE</p><p>BELO HORIZONTE, 2016, p.22).</p><p>Outro fator importante a ser observado é que nem sempre os assuntos ligados à</p><p>arborização e temas afins estão ligados apenas a um setor específico. Muitas vezes as</p><p>funções se dividem em mais de um departamento. Em 1948, por exemplo,</p><p>o Horto</p><p>Municipal, que tinha como uma de suas funções o cultivo de espécies vegetais para a</p><p>arborização da cidade, estava ligado à Seção de Serviços Agronômicos, apesar de haver</p><p>uma Seção de Arborização no Departamento de Abastecimento na estrutura</p><p>administrativa municipal133. Portanto, é possível coincluir que a distribuição de funções</p><p>a cada órgão administrativo está ligada a fatores que não são objetivos, mas que possuem</p><p>relação com as concepções específicas de natureza em cada momento.</p><p>Com a instalação da Cidade de Minas (Belo Horizonte) pelo decreto nº 1.085, de</p><p>12 de dezembro de 1897, o governo da nova capital, que até então estava submetido ao</p><p>estado, foi reorganizado134. Até então, os órgãos responsáveis pelo planejamento das</p><p>áreas verdes, aos quais nos referimos no início do texto, estavam subordinados à</p><p>Comissão Construtora da Nova Capital (1894-1898), que teve sua estrutura adminitrativa</p><p>definida pelo decreto estadual nº 680, de 14 de fevereiro de 1894.135</p><p>O decreto nº 1.208, de 27 de outubro de 1898, organizou a estrutura da prefeitura</p><p>da Cidade de Minas e a manutenção e conservação das áreas verdes da cidade passaram</p><p>133 Lei n. 51, de 21 de novembro de 1948.</p><p>134 No período inicial, de acordo com dados da Prefeitura de Belo Horizonte, não havia uma estrutura</p><p>administrativa legal, apenas uma divisão de serviços e atribuições de competências aos cargos. Ver:</p><p>http://www.pbh.gov.br/evolucaodaestrutura/pbh_I_01.htm. Acesso: 31/07/2017.</p><p>135 “A Comissão Construtora da Nova Capital de Minas / CCNCM foi um órgão criado pelo governo do</p><p>Estado de Minas Gerais (Decreto Estadual nº 680, de 14 de fevereiro de 1894, complemento à Lei nº 3,</p><p>publicado pela então Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas) com</p><p>a atribuição de tomar todas as providências, consultivas e executivas, para a construção de uma cidade que</p><p>serviria de sede para a administração do Estado. Aquele decreto estabelecia as atribuições e a estrutura</p><p>administrativa da CCNCM, organizada em 06 divisões de acordo com as tarefas que lhes caberiam, e tendo</p><p>a chefia técnica e administrativa de um engenheiro-chefe. O paraense Aarão Leal de Carvalho Reis,</p><p>nomeado engenheiro-chefe, contava com total apoio do presidente Afonso Pena (...) Comissão Construtora</p><p>era diretamente subordinada à Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas . Para tarefas rotineiras</p><p>e determinadas funções ( compras de imóveis, de materiais, assinaturas de contratos etc.) a CCNCM, atuaria</p><p>como representante do Governo do Estado de Minas Gerais”. Disponível em:</p><p>http://www.acervoarquivopublico.pbh.gov.br/acervo.php?cid=474. Acesso em: 31/07/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>144</p><p>à responsabilidade do “diretor de Obras, Fazenda e Viação” e do “administrador do</p><p>Parque”. É interessante observar que a administração do parque municipal é tratada à</p><p>parte de outros órgãos administradores desde a criação da Comissão Construtora.136 O</p><p>decreto n. 10, de 24 de junho de 1925, subordinou “parques, jardins e praças ajardinadas”</p><p>à Seção do Patrimônio. Em 1927, vinculou-se a Inspetoria de Matas e Jardins à Diretoria</p><p>Geral de Obras e Serviços pelo decreto n. 16, de 12 de maio.</p><p>Em 1930, a Diretoria Geral de Obras foi subdividida em três setores, entre elas a</p><p>Subdiretoria de Limpeza Pública, a qual se vinculava o setor de arborização.137 O decreto</p><p>n. 102, de 2 de março de 1931, suprimiu o cargo de inspetor de Matas e Jardins. Enquanto</p><p>o decreto n° 36, de 23 de julho de 1935, definiu as atribuições das inspetorias, entre elas</p><p>a “Inspetoria de Águas” e a “Inspetoria da Limpeza Pública”, encarregadas dos assuntos</p><p>concernentes à arborização e às áreas verdes da cidade.</p><p>Em 1947 cria-se o Departamento de Parques, Jardins, Arborização, pelo decreto-</p><p>lei n. 209, de 11 de novembro. A Lei n° 51, de 21 de novembro de 1948, dispôs sobre a</p><p>reforma dos serviços da Prefeitura, entre eles os relacionados ao “Departamento de</p><p>Abastecimento”, ao qual se vinculava a “Seção de Arborização”. Em 1951, a Seção de</p><p>Arborização foi colocada provisoriamente sob a direção da Seção dos Serviços</p><p>Agronômicos pela portaria n. 288, de 24 de março daquele ano. Ainda em 1951, cria-se</p><p>o Departamento de Parques, Jardins e Arborização (o que nos faz inferir sobre sua</p><p>extinção provavelmente no ano seguinte ao seu decreto de criação em 1947) e extingue-</p><p>se a Seção de Arborização do Departamento de Abastecimento, pela Lei n. 254, de 22 de</p><p>novembro.</p><p>O Decreto n° 1.562, de 28 de setembro de 1967, iniciou uma reforma</p><p>administrativa na prefeitura e criou a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, à qual</p><p>estavam incorporados os "Departamentos de Abastecimento", "Limpeza" e "Parques e</p><p>Jardins". O Decreto n° 1.818, de 27 de novembro de 1969, modificou a estrutura de órgãos</p><p>da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e o Departamento de Parques e Jardins foi</p><p>transformado em Departamento Zoo-Botânico, subordinado à Secretaria Municipal de</p><p>Serviços Urbanos. A portaria n. 1.822, de 1 de novembro de 1971, vinculava</p><p>provisoriamente ao prefeito o Departamento Zoo-Botânico.</p><p>136 Decreto n. 1.208, de 27 de outubro de 1898.</p><p>137 Decreto n. 86, de 5 de setembro de 1930.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>145</p><p>Em 1983, o decreto n. 4453, de 07 de abril, estabeleceu a reestruturação do</p><p>Departamento de Parques e Jardins da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e, alguns</p><p>meses depois, em 16 de junho, a Lei nº 3.570 reformulou a estrutura administrativa da</p><p>prefeitura e criou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, cujas competências foram</p><p>estabelecidas pelo decreto n° 4534, de 12 de setembro daquele ano. O Departamento de</p><p>Parques e Jardins continuou a pertencer à estrutura administrativa, mas agora vinculado</p><p>à nova secretaria.</p><p>A Secretaria Municipal de Meio Ambiente foi criada em um período em que a</p><p>temática ambiental ganhou amplitude na sociedade Brasileira e tornou-se um tema</p><p>premente. As questões ambientais começaram a assumir destaque para parte da sociedade</p><p>a partir da década de 1970 vindo a constituir uma preocupação generalizada a partir do</p><p>final do século XX. O Catálogo de Fontes possui um marco temporal restrito ao período</p><p>de 1891-1986 e pode ser também um instrumento interessante para investigações que</p><p>tratam do início da ação dos poderes públicos na montagem de estruturas para garantir a</p><p>ação pública do estado no âmbito da ascendência de discursos ambientais na sociedade</p><p>Brasileira.</p><p>Conclusão</p><p>As políticas públicas de arborização e gestão das áreas verdes adotadas ao longo</p><p>de quase cem anos em Belo Horizonte evidenciam, portanto, que as sociedades são</p><p>constituídas em suas relações com o ambiente, ao qual conferem diferentes significados,</p><p>quer sejam simbólicos, como quando as árvores assumem um papel identitário nos</p><p>discursos sobre a cidade, quer sejam políticos e pragmáticos, como quando as árvores da</p><p>principal via pública da cidade (Avenida Afonso Pena) são cortadas, em nome do</p><p>progresso, para dar espaço aos automóveis.</p><p>Sob essa perspectiva, o ambiente não se configura apenas como um espaço, mas</p><p>também como um campo de batalhas de ideologias, políticas e culturas, já que os</p><p>discursos e propostas de gestão da cidade nunca são unânimes. As teorias e ideias sobre</p><p>a natureza constituem-se socialmente e podem servir, de diferentes maneiras e em</p><p>diferentes períodos, como</p><p>instrumentos de autoridade, identidade e reflexão (ARNOLD,</p><p>2000).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>146</p><p>Em alguns momentos da história da capital de Minas Gerais, a defesa das árvores</p><p>da cidade, expressa em campanhas de arborização e distribuição de mudas à população,</p><p>foi utilizada pela administração pública como item de manobra da opinião pública, que</p><p>muitas vezes discordava das decisões políticas tomadas em relação ao verde da capital,</p><p>como nas gestões do prefeito Oswaldo Pieruccetti nas décadas de 1960 e 1970.</p><p>Nesse sentido, é necessário ressaltar que a elaboração de um discurso sobre a</p><p>natureza em Belo Horizonte, bem como o estabelecimento de determinadas disposições</p><p>legais, não corresponde, necessariamente, à aplicação das normas prescritas. No Brasil há</p><p>extensa historiografia dedicada a estudar a distância entre o que propõe a legislação e a</p><p>gestão prática das determinações legais, desde o período colonial. Nesse caso, citam-se</p><p>especificamente aqui as prescrições elaboradas pela Comissão Construtora da Nova</p><p>Capital no que concerne à arborização. O tema é constantemente citado em relatórios e</p><p>planos, o que induz à construção de uma imagem de cidade arborizada, mas que não</p><p>correspondia às representações do período inicial da história da nova capital.</p><p>Por fim, e diante das diversas políticas públicas sobre arborização e gestão das</p><p>áreas verdes de Belo Horizonte apresentadas no Catálogo de Fontes, conclui-se que cada</p><p>época e cada cultura elabora uma ideia sobre a natureza, bem como estabelece relações</p><p>diferentes com o mundo natural. O conceito de natureza não é, pois, “natural” e não pode</p><p>ser considerado sob uma perspectiva única e universal. Às vezes é considerado sob a</p><p>perspectiva simbólica, assumindo significados sublimes e identitários, e em outras é</p><p>percebido em sua conotação pragmática, como insumo para o desenvolvimento</p><p>econômico e cultural. A ideia de natureza é, pois, instituída pelas sociedades, sendo um</p><p>dos pilares sobre os quais se erguem as relações sociais, a produção material e espiritual</p><p>humana (GONÇALVES, 2001, p. 23).</p><p>Referências</p><p>AGUIAR, Tito Flávio Rodrigues de. Vastos subúrbios da nova capital: formação de</p><p>espaços urbanos na primeira periferia de Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História).</p><p>Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais,</p><p>2006.</p><p>ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el médio, la cultura y la</p><p>expansión de Europa. Traduccíon de Roberto Elier. México: Fondo de Cultura</p><p>Económica, 2000.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>147</p><p>ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Catálogo de fontes:</p><p>arborização na Legislação Municipal de Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura;</p><p>Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v.1, 2017.</p><p>ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Guia do Acervo do</p><p>Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Municipal de</p><p>Cultura; Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, 2016.</p><p>BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais.</p><p>Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 1995.</p><p>CAMPOS, Gonzaga de. (org.). “Mappa florestal do Brasil”, Ministério da Agricultura,</p><p>Indústria e Comércio, Rio de Janeiro, 2a ed., 1926. In: ENCINAS, José Imaña (Org.).</p><p>Relíquias bibliográficas florestais. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de</p><p>Engenharia Florestal, 2000.</p><p>CAPANEMA, Carolina Marotta. A natureza política das Minas: mineração, sociedade</p><p>e ambiente no século XVIII. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Filosofia e</p><p>Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.</p><p>CAPANEMA, Carolina Marotta. A natureza no projeto de construção de um Brasil</p><p>Moderno e a obra de Alberto José de Sampaio. Dissertação (Mestrado em História).</p><p>Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo</p><p>Horizonte, 2006.</p><p>CCNC. COMMISSÃO CONSTRUCTORA DA NOVA CAPITAL. Revista Geral dos</p><p>Trabalhos. Rio de Janeiro: H. Lombaerts & C., abril de 1895a.</p><p>CCNC. COMMISSÃO CONSTRUCTORA DA NOVA CAPITAL. Revista Geral dos</p><p>Trabalhos. Rio de Janeiro: H. Lombaerts & C., agosto de 1895b.</p><p>CCNC. COMMISSÃO CONSTRUCTORA DA NOVA CAPITAL. Exposição</p><p>apresentada ao Exm. Sr. Dr. Chrispim Jacques Bias Fortes, presidente do Estado pelo</p><p>engenheiro civil Aarão Reis ao deixar o cargo de Engenheiro-Chefe, em 22 de maio de</p><p>1895. Rio de Janeiro: H. Lombaerts & C., 1895c.</p><p>COLEÇÃO DAS LEIS DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS BRASIL, de 1918,</p><p>vol.2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1919.</p><p>DIEGUES, Antônio Carlos S. O mito moderno da natureza intocada. 6ª ed. ampliada.</p><p>São Paulo: Hucitec: Nupaub-USP/CEC, 2008.</p><p>DOM. Diário Oficial do Município. Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do</p><p>Município, Deliberação Nº24[06]/96, 12/04/1996.</p><p>DRUMMOND, José Augusto. "A Legislação Ambiental Brasileira de 1934 a 1988:</p><p>comentários de um cientista ambiental simpático ao conservacionismo”. 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Acesso</p><p>em: 21/07/2017.</p><p>MARTINS, Marcos Lobato. “A política florestal, os negócios de lenha e o desmatamento:</p><p>Minas Gerais, 1890-1950”. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH,</p><p>São Paulo, julho 2011.</p><p>MESQUITA, Yuri Mello. Jardim de asfalto: água, meio ambiente, canalização e as</p><p>políticas públicas de saneamento básico em Belo Horizonte, 1948-1973. Dissertação</p><p>(Mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade</p><p>Federal de Minas Gerais, 2013.</p><p>MIRANDA, Thiago Henrique Costa. “A trajetória e o tratamento destinado aos negativos</p><p>35mm do acervo ASCOM”. REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da</p><p>Cidade de Belo Horizonte, número 2, fevereiro de 2015.</p><p>OLIVER, Graciela de Souza. “Memórias sobre a arborização de Belo Horizonte”.</p><p>Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 12, n. 2/n. 3, 2008.</p><p>OLIVEIRA, Carlos Alberto. “Tensões no espaço público”. 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Belo Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1917.</p><p>PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Cultura.</p><p>Processo de Tombamento de Árvores na Malha Urbana, nº0100545296-00, s.d.</p><p>RONCAGLIO, Cynthia. O emblema do patrimônio natural no Brasil: a natureza como</p><p>artefato cultural. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento). Universidade</p><p>Federal do Paraná. Curitiba, 2007.</p><p>SCIFONI, Simone. “Os diferentes significados do patrimônio natural”. Diálogos,</p><p>DHI/PPH/UEM, v.10, n.3, 2006.</p><p>SILVEIRA, Álvaro Astolfo da. A Arborização de Bello Horizonte. Bello Horizonte:</p><p>Imprensa Official, 1914.</p><p>UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Plano Metropolitano RMBH.</p><p>Macrozoneamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2014. Disponível em:</p><p>http://www.rmbh.org.br/central-cartog.php. Acesso em: 01/08/2017.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>150</p><p>AVENIDA AFONSO PENA – BELO HORIZONTE/MG: ANÁLISE DE SUAS</p><p>TRÊS ESPACIALIDADES (BAIXA, MÉDIA E ALTA)</p><p>AFONSO PENA AVENUE – BELO HORIZONTE/MG: ANALYSIS OF ITS</p><p>THREE SPATIALITIES (LOW, MID AND HIGH)</p><p>Fernando Henrique da Silva Roque*</p><p>Jackson Junio Paulino de Morais</p><p>Lana Marx de Souza</p><p>Regina Gonçalves Bastos</p><p>Winnie Parreira Patrocínio</p><p>Resumo</p><p>Construção, destruição e reconstrução, fenômenos que passam despercebidos. Desde sua</p><p>construção, Belo Horizonte é tomada como uma pretensa cidade moderna, por isso várias</p><p>modificações podem ser percebidas ao longo da historicidade da cidade, nos vetores de</p><p>crescimento, nas ruas, nos bairros e nas avenidas. Tomando como estudo de caso a</p><p>Avenida Afonso Pena, fundada em março 1897, construída para se tornar o principal eixo</p><p>norte-sul do centro de BH é uma das avenidas mais antigas e importantes da capital. Tem-</p><p>se como objetivo analisar a produção do espaço de Belo Horizonte ao longo da Avenida</p><p>Afonso Pena. Esta pesquisa procura mostrar a relevância dessa avenida na grande Belo</p><p>Horizonte, e como ela se fragmenta e se diferencia com seus usos e fluxos ao longo da</p><p>mesma. Para evidenciar melhor essa fragmentação decidiu-se fazer um recorte espacial</p><p>da Avenida em “Baixa, Média e Alta Afonso Pena”.</p><p>Palavras-chave: Cidade; Belo Horizonte; Avenida Afonso Pena.</p><p>* Graduando do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Bolsista do PIBID pela CAPES</p><p>fernando.h.roque@hotmail.com</p><p>Graduando do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Bolsista do PIBID pela CAPES e monitor do</p><p>Laboratório de Práticas de Ensino e Pesquisa pela PUC-MG. jacksmorais@hotmail.com</p><p>Graduanda do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Estagiária do Centro de referência a Juventude de</p><p>Belo Horizonte/MG. lanamarx4@gmail.com</p><p>Graduanda do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Estagiária em Geoprocessamento e Meio ambiente</p><p>na Azurit Engenharia LTDA. reginab127@hotmail.com</p><p>Graduanda do 8º período em Geografia pela PUC-MG. Estagiária da PUC-MG no setor de Patrimônio,</p><p>Limpeza e Conservação. winnieparreira@gmail.com</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>151</p><p>Abstract</p><p>Construction, destruction and reconstruction, phenomena that go unnoticed. Since its</p><p>construction, Belo Horizonte is considered a modern city, so various modifications can</p><p>be seen throughout the city’s historicity, growth vectors, streets, neighborhoods and</p><p>avenues. Taking as a case study Afonso Pena Avenue, founded in March 1897, built to</p><p>become the main north-south axis of downtown BH is one of the oldest and most</p><p>important avenue of the capital. This paper’s objective is to analyze the production of the</p><p>space of Belo Horizonte along Afonso Pena Avenue. This research seeks to show the</p><p>relevance of this avenue in Belo Horizonte, and how it fragments and differs with its uses</p><p>and flows along the avenue. To better illustrate this fragmentation, we decided to make a</p><p>spatial cut of the Avenue in Low, Mid and High Afonso Pena.</p><p>Key-Words: City; Belo Horizonte; Afonso Pena Avenue.</p><p>Breve contexto histórico</p><p>Belo Horizonte surgiu em um contexto histórico diferente de outras capitais</p><p>Brasileiras. O final do ciclo do ouro no século XVIII deu lugar à expansão da pecuária e</p><p>da agricultura e agregou uma nova identidade para o Estado de Minas Gerais. Já no fim</p><p>do século XIX, o ciclo do ouro trouxe grande desenvolvimento econômico a nível</p><p>mundial e regional, fazendo surgir a necessidade de expansão urbana. Naquela época, a</p><p>cidade de Ouro Preto, devido à sua localização montanhosa, apresentava dificuldades</p><p>para viabilizar a expansão urbana, fazendo surgir a necessidade de uma nova capital, mais</p><p>condizente com os ideais reformistas e desenvolvimentistas da época vivida pelo Estado.</p><p>Barreto (1996).</p><p>Definiu-se, em dezembro de 1893, que a região do Curral Del’ Rei, habitada desde</p><p>o século XVIII, era o local mais adequado para se construir a capital do Estado de Minas</p><p>Gerais. Nessa mesma data, o então Presidente de Minas Gerais, Afonso Pena, promulgou</p><p>a lei que designava o Arraial de Belo Horizonte para ser a capital do Estado, sendo que a</p><p>capital, então denominada “Cidade de Minas”, foi inaugurada pelo presidente Bias Forte,</p><p>no dia 12 de dezembro de 1897.</p><p>Segundo Barreto (1996), a capital de Minas Gerais foi a primeira cidade planejada</p><p>do país e construída a partir das ideias modernas do engenheiro paraense Aarão Reis. No</p><p>projeto urbanístico da nova capital, Aarão Reis concebeu os setores urbano e suburbano,</p><p>separados pela Avenida do Contorno. O plano da nova capital, elaborado por uma equipe</p><p>de profissionais, previa uma cidade dividida em três áreas: uma área central, denominada</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>152</p><p>urbana; em torno desta uma área suburbana e uma terceira área, nominada rural. O nome</p><p>“Cidade de Minas” foi mudado para Belo Horizonte. A nova capital cresceu tanto que</p><p>extrapolou os limites da Avenida do Contorno.</p><p>Figura 1 - Mapa do projeto da cidade de Belo Horizonte - MG</p><p>Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte</p><p>Segundo Borsagli e Medeiros (2013), a Avenida Afonso Pena foi uma das que</p><p>mais se destacou ao longo das primeiras décadas do Século XX. Ela é considerada, por</p><p>muitos, a mais importante de Belo Horizonte, não só por ser a via mais arborizada, mas</p><p>também por ser definida como um dos principais pontos de encontros. Considerada eixo</p><p>monumental da cidade, pois além de sua morfologia urbana</p><p>revelou por meio de suas</p><p>edificações a monumentalidade arquitetônica da época. Tinha como principais</p><p>características: ser o principal eixo de ligação de pontos distintos na cidade, logo sendo</p><p>passagem obrigatória para o deslocamento; um dos principais locais de verticalização e</p><p>congestão urbana no centro; direcionar o crescimento urbano do centro à periferia.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>153</p><p>Estende-se hoje por 4,3 km no sentido norte-sul. Quase em linha reta, percorre os bairros</p><p>Centro, Funcionários, Serra e Mangabeiras.</p><p>A Avenida, quando criada, havia sido aberta desde o antigo mercado (atual</p><p>rodoviária) até o atual cruzamento com a Av. Brasil. A partir disso, ela era em um</p><p>caminho de terra até o Cruzeiro, que era o ponto onde a avenida se finalizava de acordo</p><p>com a planta de 1895 (figura 1). Nas primeiras décadas do Século XX, a Avenida Afonso</p><p>Pena e a Rua da Bahia tornaram-se os principais espaços de articulação urbana de Belo</p><p>Horizonte. Era nessa avenida e nessa rua que se davam o maior fluxo de pessoas e de</p><p>veículos diariamente, segundo Borsagli e Medeiros (2013).</p><p>O Estado interventor permitiu a continuação da urbanização dentro da zona</p><p>compreendida dentro da Avenida do Contorno próximo à Serra do Curral. A partir disso</p><p>foram necessárias a regularização e a finalização da Avenida Afonso Pena e seu entorno.</p><p>Após a retomada dos investimentos, tornou-se possível a finalização da Avenida Afonso</p><p>Pena no trecho aberto entre a Praça 21 de Abril (Praça Tiradentes) e a Praça do Cruzeiro</p><p>(Praça Milton Campos). Esta parte da avenida se caracterizava pela predominância de</p><p>casas residenciais. Muitas delas já existiam mesmo estando a Avenida ainda inacabada</p><p>até 1927. A região abaixo da Praça Tiradentes continuava apresentando uma função</p><p>mista, com predominância de casas comerciais, terrenos e edifícios institucionais,</p><p>concentrados na sua maioria nas proximidades do Parque Municipal.</p><p>Em 1924 foi inaugurada a Praça Quatorze de Outubro, no cruzamento das</p><p>Avenidas Afonso Pena e Amazonas, logo após foi denominada como Praça Sete de</p><p>Setembro marcando o hipercentro de Belo Horizonte nas décadas seguintes, deslocando</p><p>o espaço de articulação urbana do cruzamento da Rua da Bahia e Afonso Pena para o</p><p>cruzamento da Avenida Amazonas.</p><p>Segundo Borsagli e Medeiros (2013), até a década de 1940 ainda existiam muitos</p><p>sobrados de dois pavimentos, destinados ao uso comercial e residencial. Ainda na década</p><p>de1940 a Prefeitura lançou o regulamento de construções que permitiu o aumento da</p><p>densidade da área central, incentivando a verticalização.</p><p>Ainda segundo Borsagli e Medeiros (2013), a avenida Afonso Pena conservou-se</p><p>na década seguinte de acordo com o projeto original, o prolongamento de 1940</p><p>permaneceu até a década de 1960 como uma larga estrada de terra próxima ao Parque</p><p>Amilcar Vianna Martins (Caixa D'água), em direção à Serra do Curral. A avenida e suas</p><p>árvores haviam sobrevivido praticamente intactas às transformações ocorridas no seu</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>154</p><p>entorno durante a primeira metade do século XX. A arborização da Afonso Pena era</p><p>marca registrada da capital mineira, mas as árvores não sobreviveram ao intenso processo</p><p>de urbanização e impermeabilização do solo urbano que acontecia na capital desde a</p><p>década de 1950, responsável pelas mudanças na paisagem urbana que também</p><p>sepultariam os principais cursos d’água da capital, em prol da mobilidade urbana, uma</p><p>política vigente até os dias atuais.</p><p>No final de 1962 foi retirado da Praça Sete o monumento comemorativo do</p><p>centenário da Independência, o famoso “Pirulito”, sob alegação que obstruía o já caótico</p><p>trânsito das Avenidas Amazonas e Afonso Pena, local que havia se tornado o “epicentro”</p><p>da capital mineira. De acordo com Silva e Ziviani (2016), as reformas feitas na Praça</p><p>Sete, podem ter relações diretas com a intenção de reprimir as manifestações públicas que</p><p>ocorrem no local desde as primeiras décadas de existência de Belo Horizonte. Como pode</p><p>ser observado na figura 2.</p><p>Figura 2 - Praça Sete na década de 1960.</p><p>Fonte: Borsagli, 2012</p><p>As profundas transformações da paisagem urbana ocorridas nas décadas de 1960</p><p>e 1970 viriam a descaracterizar a Afonso Pena, antes vista como um dos mais importantes</p><p>cartões postais de Belo Horizonte, ponto de encontro da população, da construção de uma</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>155</p><p>sociabilidade e de manifestações populares e de resistência. Ela havia se tornado, com a</p><p>evolução urbana, uma via rápida, onde reinavam a pressa e o não relacionamento.</p><p>Em meio à metropolização e congestão urbana da região central, a malha urbana</p><p>começa a se expandir para as partes de topografia mais altas da Avenida, próximas à Serra</p><p>do Curral. Nessa expansão a Avenida Afonso Pena teria um papel central, por permitir</p><p>uma melhor mobilidade entre o centro e a região sul, ao dar continuidade à via, como</p><p>proposto em 1940 na gestão JK. Em 1966 foi criado o parque das Mangabeiras.</p><p>Desde a finalização da Afonso Pena na década de 70 ela continua exercendo o</p><p>papel de principal eixo articulador da zona urbana inserida dentro da Avenida do</p><p>Contorno. Com pouco mais de quatro quilômetros de extensão a avenida continua sendo</p><p>a artéria responsável pelo recebimento dos fluxos viários de grande parte das zonas sul e</p><p>oeste da capital e abriga ainda a Estação Rodoviária, a Praça Sete, principal marco</p><p>simbólico da capital e a sede da Prefeitura.</p><p>A avenida Afonso Pena continua exercendo a função de artéria principal da cidade</p><p>planejada, responsável pela ligação direta entre a parte mais baixa da capital às partes</p><p>mais altas, atravessando toda zona planejada e canalizando os fluxos provenientes dela,</p><p>tanto populacional quanto viário. Sem dúvidas, uma avenida que apresenta grandes</p><p>contrastes e diversidades ao longo do seu trajeto.</p><p>Para que se possa analisar a espacialidade da Avenida Afonso Pena decidiu-se por</p><p>regionalizá-la em três recortes espaciais, como pode ser observado no Mapa 1, que serão</p><p>apresentados e analisados a seguir. Considerada a sua importância para a capital mineira,</p><p>a Avenida Afonso Pena recebe fluxos diários intensos, que revelam sua grande</p><p>capacidade de mobilidade e utilidade para os que a frequentam. E, assim como Belo</p><p>Horizonte é a capital promulgada como a moderna, através da avenida Afonso Pena, é</p><p>possível analisar as implicações do moderno através das diferentes temporalidades</p><p>encontradas nos fluxos que a avenida recebe ao longo de sua extensão.</p><p>Foram definidos três recortes espaciais para o eixo de análise, pelas suas</p><p>peculiaridades tão presentes e reveladas através dos fixos e fluxos. A “Baixa Afonso”</p><p>Pena se caracteriza como uma região com intenso fluxo devido às suas apropriações de</p><p>uso; a “Média Afonso Pena” é apresentada como uma região de transição entre a “Baixa</p><p>Afonso Pena” e a “Alta Afonso Pena”, que revela grandes disparidades de uso, ao</p><p>reconhecê-la como oposta ao percebido na “Baixa Afonso Pena”.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>156</p><p>Ao longo de sua caracterização, será perceptível a influência da paisagem como a</p><p>indicadora de diferentes usos e apropriações ao longo da avenida, assim como a</p><p>disparidade da modernidade, como ela é e representa Belo Horizonte.</p><p>Mapa 1 – Espacialidades da Av. Afonso Pena BH/MG</p><p>Regionalização da Avenida Afonso Pena</p><p>“Baixa Afonso Pena”</p><p>A Avenida Afonso Pena é uma via responsável pela maior parte do deslocamento</p><p>do fluxo viário e populacional proveniente de diversas regiões da capital mineira. A</p><p>região que denominada “Baixa Afonso Pena”, segundo o Mapa 1, inicia-se na Rodoviária,</p><p>e estende-se até o Othon Palace Hotel, que se localiza na própria avenida no número 1050.</p><p>Essa primeira região foi, desde sua origem, uma das mais movimentadas e dinâmicas da</p><p>capital. O fluxo de pessoas e a presença de um comércio significativo tiveram início ainda</p><p>no final do século XIX.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>157</p><p>Segundo Silva (1991), A Estação Rodoviária central era utilizada como ponto de</p><p>acesso às grandes casas comerciais e prédios públicos. Com isso as pessoas utilizavam a</p><p>Rua da Bahia que, juntamente da Avenida Afonso Pena, consolidaram-se como principais</p><p>espaços de articulação urbana de BH. Nessas vias se concentravam o maior fluxo de</p><p>pessoas e de veículos da capital. Nesta mesma esquina, da Avenida Afonso Pena com</p><p>Rua da Bahia, se consolidou a primeira centralidade da capital. Soma-se a isso a</p><p>existência de um ponto final dos bondes, que incentivou e dinamizou essa espacialidade.</p><p>Construída no início da Avenida Afonso Pena, a Feira Permanente de Amostras</p><p>teve sua inauguração em 1935 e chamou atenção da população por ser até então o prédio</p><p>mais alto de BH. Da sua torre era possível ver toda a cidade, como pode ser observado na</p><p>figura 3. É importante mencionar que essa edificação foi construída no local do antigo</p><p>mercado municipal. O prédio da Feira Permanente de Amostras (Figura 3) foi demolido</p><p>para a consolidação de uma nova concepção moderna, a das edificações verticais. Com a</p><p>implantação deste prédio na Afonso Pena houve aumento do fluxo de pessoas e veículos,</p><p>pois o prédio era utilizado tanto para atender o comércio e os agricultores quanto para as</p><p>indústrias de Minas.</p><p>Figura 3 - Prédio da Feira Permanente de Amostras (Início do séc. XX)</p><p>Fonte: Werneck, 2012.</p><p>Em 1965 o prédio foi demolido para a construção do, até então, primeiro terminal</p><p>rodoviário do Brasil, inaugurado em 1971. Com isso a Afonso Pena se consolida como</p><p>Avenida de grande fluxo da capital. O grande comércio se localiza na parte "mais baixa"</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>158</p><p>por conta da facilidade de localização e por estar na parte central da Capital, este mesmo</p><p>local que se transforma à noite com a diminuição do comércio e fluxo de pessoas, cedendo</p><p>espaço para outro tipo utilização, como, por exemplo, o da prostituição.</p><p>Definida a “baixa Afonso Pena”, essa região é considerada como uma das partes</p><p>mais antigas do centro de BH, caracterizada pela presença dos primeiros prédios da</p><p>capital, as primeiras moradias de baixo custo e também as primeiras lojas de comércio,</p><p>trazendo para a região um caráter mais urbano e popular, pois é considerada a área da</p><p>avenida apropriada pelas classes sociais de menor poder aquisitivo.</p><p>Na “baixa Afonso Pena” o fluxo intenso de pessoas, os shoppings populares, o</p><p>comércio intenso de vários tipos de produtos, as zonas de prostituição, os moradores de</p><p>ruas que são elementos comuns da paisagem, que ali se aglomeram em cantos, debaixo</p><p>de marquises se apropriando do espaço, tomando aquilo como seu território, caracterizam</p><p>essa espacialidade da Avenida.</p><p>Da rodoviária até a Praça Sete, nota-se uma parte muito dinâmica, seja por sua</p><p>grande influência comercial ou por sua importância nas questões administrativas da</p><p>capital, devido à presença de alguns edifícios públicos. Toda essa diversidade de</p><p>elementos fixados ali constrói uma baixa Afonso Pena de fluxos, de transições rápidas,</p><p>uma parte heterogênea. Subindo a Avenida em direção à Serra do Curral, há diversos</p><p>cruzamentos com ruas significativas da capital, vários edifícios e lojas, dentre os quais</p><p>destaca-se o edifício Ibaté, o primeiro arranha-céu de BH, cujo nome significa “o ponto</p><p>mais alto” em tupi-guarani, (localizado na esquina da Rua São Paulo com Avenida</p><p>Afonso Pena, para fim exclusivamente comercial).</p><p>Próximo à Praça Sete (Figura 4), no encontro das avenidas Amazonas, Rio de</p><p>Janeiro e Carijós, localiza-se o ponto do clímax do movimento da capital, talvez o ícone</p><p>mais apropriado para se lembrar do novo centro da metrópole em processo de</p><p>modernização. O obelisco tornou-se um dos marcos mais representativos do centro da</p><p>cidade. No seu entorno é possível identificar ainda os prédios do Cine Teatro Brasil</p><p>(1932), o Banco da Lavoura (1946) e o prédio do Banco Mineiro da Produção (1953), o</p><p>edifício onde funciona o Posto de Serviço Integrado Urbano (PSIU) desde 1998, que foi</p><p>construído no final do século XIX e abrigou a sede do Banco Hipotecário e Agrícola do</p><p>Estado de Minas Gerais (Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e</p><p>Artístico de Minas Gerais (IEPHA), o imóvel totalmente reformado em 2009). Grupos</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>159</p><p>religiosos, culturais, sociais e políticos ali se manifestam de maneira muito regular e</p><p>ganham foco com esses protestos, devido ao fluxo ali existente.</p><p>Figura 4 - Avenida Afonso Pena com o Obelisco (popularmente conhecido como</p><p>Pirulito da Praça Sete)</p><p>Fonte: Morais, 2014.</p><p>Com 120 metros e 30 andares, inaugurado em 1934, o edifício Acaiaca abrigou</p><p>inúmeros tipos de estabelecimentos, já abrigou cinema, lojas de roupas femininas, boate,</p><p>escola e teve importância na vida política, como pelo grupo conhecido como os Novos</p><p>Inconfidentes, grupo empresarial que se reunia para planejar um golpe de estado. Além</p><p>disso, a sede mineira do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a</p><p>faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também</p><p>funcionaram neste prédio, o que o tornou um polo de cultura.</p><p>No final da “baixa Afonso Pena”, localiza-se o cruzamento da avenida com a Rua</p><p>da Bahia e em sua esquina o elemento que, pode ser considerado o mais contraditório, o</p><p>Belo Horizonte Othon Palace, observado na figura 5. O hotel, construído na década de</p><p>1970, marca de uma controvérsia, em contraste com a “baixa Afonso Pena” é a região</p><p>mais popular enquanto esse hotel apresenta um conceito elitizado para o local, sendo um</p><p>dos hotéis de maior importância em BH.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>160</p><p>Figura 5 - Belo Horizonte Othon Palace Hotel</p><p>Fonte: Vanessa, 2014.</p><p>Assim, a parte mais antiga da Avenida é evidenciada pela existência de prédios</p><p>antigos, os primeiros da capital a testemunhar o começo do processo da verticalização, a</p><p>intensificação do comércio, o enorme fluxo de pessoas, as manifestações e a</p><p>demonstração da metropolização, ocorrida em um tempo curto na capital de Minas</p><p>Gerais.</p><p>em outros países industrializados do globo. Ou</p><p>seja, ao passo que na Europa e nos Estados Unidos a consolidação da sociedade burguesa</p><p>modificou as relações sociais e de trabalho e, concomitantemente a isso, também</p><p>transformou radicalmente o espaço urbano, na América Latina um projeto político</p><p>adotado pelas elites, que ambicionavam conduzir seus países à modernidade, antecedeu</p><p>às necessidades de adequação do espaço urbano ao crescimento demográfico, por</p><p>exemplo. As cidades (re)planejadas e embelezadas tornaram-se, portanto, objetos</p><p>privilegiados e foram consideradas como um instrumento para se chegar a essa “outra”</p><p>sociedade, necessariamente mais moderna.</p><p>Os projetos de reordenação dos espaços urbanos não se limitaram apenas em</p><p>cidades da América Latina. Ao contrário, o que se viu em Viena, na virada do século XIX</p><p>para o XX, por exemplo, foi o nascimento de uma cidade calcada em princípios e valores</p><p>culturais de uma classe média, que assumiu o poder da cidade procurando transformá-la em</p><p>seu “bastião político, sua capital econômica e o centro de irradiação de sua vida intelectual”</p><p>(SCHORKE, 1988, p. 43). A Ringstrasse – uma ampla faixa de terra que separava a antiga</p><p>cidade interna e os subúrbios – era o centro dessa reconstrução urbana em Viena, com</p><p>edifícios públicos e residências particulares.</p><p>Ainda assim, é importante reforçar que conforme também destacou Adrian Gorelik</p><p>(1999), na Europa, onde a burguesia se consolidou como classe hegemônica, as</p><p>transformações materiais estavam diretamente relacionadas aos conflitos de valores que, ao</p><p>longo do tempo, foram gerando e se firmando na sociedade local. As cidades se firmaram</p><p>como palco tanto desse conjunto de modificações estruturais como dos modos de vida</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>15</p><p>inaugurados e difundidos pela burguesia. Se apoiando na técnica e na ciência e tendo como</p><p>doutrinas o progresso, a civilização e o uso da racionalidade, buscaram reformular seus</p><p>espaços urbanos a fim de solucionar os problemas ocasionados pela concentração</p><p>demográfica e industrialização. Procuraram também, através dessas mudanças, mostrar</p><p>para o restante do mundo seus valores e modos de vida.</p><p>É nesse sentido que as cidades latino-americanas não são apenas produto da</p><p>modernidade ocidental, mas “um produto criado como uma máquina para inventar a</p><p>modernidade, estendê-la e reproduzi-la” (GORELIK, 1999, p.55-56). Para o sociólogo</p><p>Anthony Giddens (1991) a modernidade é um fenômeno que se tornou mundial em sua</p><p>influência, com propagação das concepções culturais, econômicas, científicas e políticas</p><p>no decorrer do século XIX. Para o autor, essa onda de valores da modernidade atingiu os</p><p>países latino-americanos a partir da segunda metade dos oitocentos.</p><p>Portanto, chamamos a atenção do leitor para o fato de que essa “vontade</p><p>ideológica”, no qual se referiu Andrian Gorelik (1999), talvez tenha se sobreposto às</p><p>necessidades de transformações estruturais, tendo como exemplo as cidades europeias e</p><p>estadunidenses. Gorelik ainda afirma que a modernidade vivida na América do Sul foi um</p><p>caminho para a modernização, isto é, um conjunto de ideias que foram utilizadas como</p><p>justificativa para a modernização econômica, política e cultural.</p><p>Em relação ao que ocorreu no Brasil, foi a partir de 1870, com a dinamização</p><p>da economia cafeeira, que se assistiu a maiores investimentos nos maquinários,</p><p>transportes e portos para produção e escoamento do café. Assim é que eram visíveis</p><p>que as mudanças socioeconômicas, urbanísticas e demográficas, presenciadas em São</p><p>Paulo, procuravam assegurar à capital paulista uma imagem de entreposto comercial e</p><p>financeiro importante para as relações da lavoura do café com o capital internacional.</p><p>Para tanto, desenvolveu-se a incipiente indústria da região, foram construídas as</p><p>primeiras ferrovias e criadas infraestruturas de transporte, sanitárias, entre outros</p><p>(COSTA; SCHWARCZ, 2000, p.30). O fim da escravidão, em 1888, e a proclamação</p><p>da República, em 1889, fomentaram esses e outros projetos de modernização, como o</p><p>incentivo à imigração estrangeira - cujo desejo era substituir a mão de obra negra pela</p><p>do europeu e a promoção de melhoramentos no espaço urbano.</p><p>Para além de São Paulo, outras capitais do país também passaram por</p><p>procedimentos semelhantes e o mais emblemático foi o “bota-baixo” da capital</p><p>federal. No caso do Rio de Janeiro – onde o governo literalmente pôs abaixo casarões,</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>16</p><p>edifícios e cortiços, expulsando a população mais pobre das áreas centrais -, mais do</p><p>que solucionar os problemas causados pela falta de infraestrutura, as reformas</p><p>confirmam aquilo dito há pouco: um plano mais abrangente que procurava garantir o</p><p>aperfeiçoamento e modernização da nação Brasileira.7 A capital da República</p><p>divulgaria a imagem do Brasil no mundo, uma vez que foi eleita pelas elites nacionais</p><p>como “cartão-postal” da belle époque nos trópicos.8 A ideia central era aproximar a</p><p>paisagem urbana do Rio de Janeiro com a de Paris, depois da reformulação</p><p>implementada pelo Barão de Haussmann.9</p><p>Esses discursos e projetos em torno do urbano só fazem sentido quando</p><p>compreendermos que, no pensamento latino-americano do final do século XIX, a cidade</p><p>incorporava uma ideia que colocava em oposição à noção de civilização em relação ao</p><p>mundo da natureza e ao passado colonial. Isto é, o modelo de sociedade ideal que se</p><p>queria implementar tinha como elemento central a associação entre a cidade e a</p><p>civilização, fixando como indispensável a criação e/ou ampliação dos meios de</p><p>transporte e de comunicação, privilegiando o embelezamento do espaço urbano,</p><p>estabelecendo como meta a dinamização da economia, procurando modificar costumes</p><p>e introduzir novos hábitos entre as populações, e, entre outros aspectos, tendo como</p><p>perspectiva resolver os problemas de saúde pública.10</p><p>A criação de Belo Horizonte, projetada ainda no final dos oitocentos, insere-se</p><p>nesse contexto. A nova capital surgiria para atender aos anseios das elites mineiras que</p><p>desejavam garantir que Minas Gerais tivesse uma capital moderna bem aos moldes do</p><p>que a República inaugurava no país. Por isso, a edificação da nova capital, que seguiu</p><p>preceitos cientificistas e higienistas, é um bom exemplo do desejo de modernização do</p><p>espaço urbano como forma de evidenciar o progresso e a civilização.</p><p>Foram vários os embates e discussões acerca da transferência ou permanência da</p><p>capital em Ouro Preto, fato levado até o legislativo mineiro. De um lado estavam os</p><p>7 Para discussões mais aprofundadas sobre os projetos de modernização no período da Primeira República</p><p>a partir das ações dos engenheiros na reforma do Rio de Janeiro, ver Kropf (1996).</p><p>8 Para saber mais sobre a reforma da antiga capital do Brasil e as imagens divulgadas sobre a cidade no</p><p>exterior, conferir Carvalho (2012) e Costa; Schwarcz (2000).</p><p>9 Geroges Eugène Haussmann (1809-1891), mais conhecido como Barão de Haussmann, foi nomeado por</p><p>Napoleão III prefeito do Departamento de Seise (1863-1870), para realizar reformas em Paris,</p><p>transformando-a em um modelo de metrópole imitado em todo o mundo. Para saber mais sobre Haussmann</p><p>em Paris e suas influências na administração de Pereira Passos no Rio de Janeiro e outras cidades, ver</p><p>Jaime Larry Benchimol (1992) e Sandra Jatahy Pesavento (2002).</p><p>10 Ver Alcântara (2015).</p><p>“Média Afonso Pena”</p><p>A fim de se realizar a análise da produção do espaço da Afonso Pena, considerou-</p><p>se como “Média Afonso Pena” a região da avenida que começa no quarteirão do Palácio</p><p>das Artes e se estende até a Praça Milton Campos. Nesse recorte da paisagem, nota-se</p><p>aspectos relacionados à produção de sentido de monumentalidade na Avenida.</p><p>Nesse sentido, no que tange a perspectiva da construção do lugar enquanto</p><p>categoria geográfica possível de ser trabalhada no campo epistemológico, a</p><p>monumentalidade nem sempre é associada a uma possibilidade dessa construção, uma</p><p>vez que, segundo Carlos (1996), “é através de seu corpo de seus sentidos que ele [o</p><p>homem] constrói e se apropria do espaço e do mundo. O lugar é a porção do espaço</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>161</p><p>apropriável para a vida – apropriada através do corpo – dos sentidos – dos passos de seus</p><p>moradores.”.</p><p>Nesse quarteirão, nota-se a transição de uma “baixa Afonso Pena” para uma “alta</p><p>Afonso Pena”. Nesse “recorte” da Avenida destacam-se equipamentos públicos</p><p>municipal, estadual e federal, como o prédio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte,</p><p>o Parque Municipal, Teatro Francisco Nunes, Palácio da Justiça, o Conservatório da</p><p>Universidade Federal de Minas Gerais e o Palácio das Artes.</p><p>Estando localizada no centro de Belo Horizonte e, como mencionado</p><p>anteriormente, por ser dotada de monumentalidade, a avenida é uma referência espacial</p><p>para trabalhadores e transeuntes que perpassam a região diariamente. Por esse motivo, é</p><p>possível notar que a região funciona como catalisadora de fluxo de pessoas de diferentes</p><p>lugares, a exemplo dos cidadãos da metrópole interessados em acessar os equipamentos</p><p>ali localizados a turistas que param com o intuito do registro fotográfico da estátua de</p><p>Tiradentes ou da arquitetura arrojada do Palácio das Artes (figura 6). O Parque Municipal</p><p>assume papel de destaque entre os frequentadores com o intuito de permanência e/ou lazer</p><p>na avenida, caracterizando-se enquanto um espaço do encontro. Nesse sentido, torna-se</p><p>importante ressaltar a característica paisagística do parque, que conta com espécies</p><p>nativas e exóticas (principalmente de origem europeia) que, além de conferir conforto</p><p>visual, serve como uma amenidade do microclima.</p><p>Figura 6 - Palácio das Artes</p><p>Fonte: Morais, 2014.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>162</p><p>O Parque Municipal foi planejado (figura 7) para ocupar uma região muito mais</p><p>extensa que hoje ocupa (GÓIS, 2003). Porém, com o intuito de criar novos espaços para</p><p>maximizar o uso do solo urbano, a fim de se impulsionar o desenvolvimento da capital,</p><p>uma parte significativa do parque foi cedida para outros fins.</p><p>Figura 7- Parque Municipal de Belo Horizonte (1926)</p><p>Fonte: Paulo, 2008.</p><p>Percebe-se nesse trecho da avenida um caráter de transição. Pois, ao contrário do</p><p>que foi observado na “Baixo Afonso Pena” (que era dotada de um caráter popular e de</p><p>intenso fluxo de pessoas, principalmente por efeito da Rodoviária), o padrão de uso vai,</p><p>aos poucos, assimilando as características da “Alta Afonso Pena” (que será trabalhada no</p><p>tópico seguinte), com funções mais especializadas e voltadas para atender as classes mais</p><p>abastadas. A elevação desses padrões de serviços e consumo torna-se evidente de acordo</p><p>com a variação da altimetria da avenida, tornando-se muito expressivo nos arredores do</p><p>bairro Mangabeiras, cujo metro quadrado é um dos mais caros de Belo Horizonte.</p><p>O comercio popular é cada vez mais escasso nessa região. A falta de equipamentos</p><p>voltados para atender as classes menos privilegiadas é bastante notável nesse trecho.</p><p>Percebe-se também que as atividades comerciais vão aos poucos cedendo lugar para</p><p>edifícios com outros fins. A Praça Tiradentes é outro marco importante da Avenida</p><p>(apesar de que a praça também está restrita a um caráter de monumentalidade, uma vez</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>163</p><p>que pouco se percebe a permanência de pessoas por ali) evidenciando o saudosismo da</p><p>Inconfidência Mineira enquanto um indicativo de identidade da nova capital – que desde</p><p>a concepção pretendeu-se romper com o “arcaico” do período colonial – além da Praça</p><p>Milton Campos que carrega o nome de um Estadista mineiro.</p><p>Figura 8 - Praça Milton Campos</p><p>Fonte: Cardoso, 2014.</p><p>Torna-se perceptível ao olhar que o fluxo de pessoas é diminuído de acordo com</p><p>a variação da hipsometria do local, quanto mais próximo a Praça da Bandeira, menor a</p><p>presença de transeuntes. No “sentido Serra do Curral”, percebe-se outros usos da Avenida</p><p>e dos equipamentos no entorno, evidenciando estruturas diferentes que visam atender as</p><p>demandas de grupos pertencentes a camadas sociais mais abastadas.</p><p>Desta forma, as análises e as comparações realizadas durante o percurso da</p><p>avenida evidenciam grandes diferenças nas características espaciais. O grande fluxo de</p><p>trabalhadores e transeuntes não chega com a mesma intensidade ao “alto da avenida”,</p><p>pela própria característica do planejamento e do direcionamento do uso para as classes</p><p>médias, como mencionado anteriormente. Porntato, é interessante notar como a alteração</p><p>da paisagem ( e dos equipamentos ) ditam os fluxos, evidenciando que o que foi recortado</p><p>enquanto “Média Afonso Pena” trata-se de uma espacialidade transitória.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>164</p><p>“Alta Afonso Pena”</p><p>O que denominamos de “alta Afonso Pena” compreende o trecho que vai do</p><p>cruzamento da Avenida Afonso Pena com a avenida do Contorno, nos bairros</p><p>Cruzeiro/Serra, até a Praça da Bandeira no bairro Mangabeiras, portanto a parte da</p><p>avenida fora da região central de Belo Horizonte. O trecho é localizado numa região nobre</p><p>de Belo Horizonte e contém características distintas (residencial e empresarial) e</p><p>semelhantes (turística) de outras regiões da avenida.</p><p>Pontos principais da “alta Afonso Pena”: Praça Milton Campos - Praça localizada</p><p>no cruzamento da avenida Afonso Pena com a avenida do Contorno. Conta com a estátua</p><p>de Milton Campos no centro, além da Fundação Mineira de Educação e Cultura</p><p>(FUMEC), a Associação Hispano-Brasileira Instituto Cervantes e o Cartório 6º Ofício de</p><p>Notas João Teodoro da Silva. No decorrer da Alta Afonso Pena, há, predominantemente,</p><p>construções verticais modernas que evidenciam uma nova tendência arquitetônica das</p><p>grandes metrópoles mundiais. Prédios com fachadas de vidro contrastam com as antigas</p><p>construções de meados do século passado (localizadas principalmente na Baixa e Média</p><p>Afonso Pena). Essas mudanças aparecem como uma forte concepção arquitetônica da</p><p>modernidade. Belo Horizonte, que desde sua origem procurou se afirmar como moderna,</p><p>se mostra adepta a esse tipo de construção.</p><p>Um marco localizado nesta parte da Avenida é a Praça da Bandeira. Localizada no</p><p>final da Avenida Afonso Pena, início da avenida Agulhas Negras e cortada pela avenida</p><p>Bandeirantes, próxima à serra do Curral; a praça é conhecida por ter hasteada no centro a</p><p>Bandeira Nacional, trocada de ano em ano pelo desfile do dia 7 de Setembro.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>17</p><p>“antimudancistas”, que queriam a permanência de Ouro Preto, do outro os “mudancistas”,</p><p>que discordavam entre si acerca da escolha do local para a construção da nova capital.</p><p>Após diversas discussões, o projeto arquitetônico do engenheiro Aarão Reis foi o</p><p>escolhido e a cidade de Belo Horizonte seria a nova capital do estado. (ARRUDA, 2012,</p><p>p. 92-99)</p><p>O projeto do engenheiro Aarão Reis tem semelhanças com a concepção</p><p>arquitetônica da cidade argentina La Plata. Ambas foram escolhidas após os resultados</p><p>de estudos que levaram em consideração alguns pontos como disposição cartográfica da</p><p>cidade, abastecimento de água e comida, rede de esgoto e transporte (ARRAIS, 2009,</p><p>p.71).</p><p>Dessa forma, como afirma Rogério Arruda (2012, p.112), a proposta urbanística</p><p>para a nova capital se distanciava daquela encontrada nas antigas cidades coloniais. Afinal</p><p>os traçados irregulares davam lugar a linearidade, geometrização e higienização.</p><p>Raul Tassini é um entre outros memorialistas que divulgou a imagem de Belo</p><p>Horizonte como uma capital próspera. Em suas anotações sobre a arquitetura, ele</p><p>afirmava que a cidade mineira podia “se orgulhar, de ter sido, nas suas construções</p><p>antigas, erguidas a partir de 1894, uma das mais ornamentadas cidades do mundo, ê quiça,</p><p>dentre todas, a primeira”.11</p><p>Com a fundação da nova cidade, os setores administrativos do Estado também se</p><p>transferiram e várias famílias trocaram o interior pela capital. Esse processo “gerou uma</p><p>vida social incongruente com a proposta estética que a cidade representava”, pois sua</p><p>população não estava acostumada aos modos de viver das grandes metrópoles, o que criou</p><p>certa monotonia nos primeiros anos (JULIÃO, 1996, p.79).</p><p>Os novos residentes sentiam uma espécie de incongruência entre espaço</p><p>e a vida sociocultural [...]. Contraditoriamente, a vida sociocultural de</p><p>Ouro Preto e Mariana, no entanto, foi transportada juntamente com seus</p><p>novos habitantes, oriundos de cidades como estas, mantendo um estilo</p><p>de vida interiorano (PEREIRA, 2007, p.80).</p><p>No entanto, a população de Belo Horizonte foi aos poucos se expandindo. Isso se</p><p>fez acompanhado de uma transformação na vida cultural, que passou a ser mais dinâmica,</p><p>11 TASSINI, Raul. ARQ... [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/415.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>18</p><p>e ao desenvolvimento das estruturas, com melhorias urbanas a partir da pavimentação de</p><p>ruas e da construção de novas edificações.</p><p>Ao rememorar uma Belo Horizonte da sua infância para dizer das transformações</p><p>no espaço urbano, Tassini relatou que as ruas da cidade, na década de 1920, eram bastante</p><p>movimentadas, contando com a presença de automóveis, hotéis, teatros, cafés que</p><p>agitavam a vida na capital.12</p><p>Essas mudanças, que marcaram a vivência do autor, causaram sentimentos</p><p>ambíguos em Raul Tassini ao longo de sua vida. Seus escritos transpareciam emoções</p><p>que variavam entre o entusiasmo pelo novo e o saudosismo em relação ao antigo. Um</p><p>exemplo disso é o texto Avenida Afonso Pena de outrora..., escrito possivelmente na</p><p>década de 1980. Ao mesmo tempo em que exaltava com orgulho o fato de Belo Horizonte</p><p>ter se tornado a “terceira Capital” do país, reconhecida por Tassini como “Cidade</p><p>Maravilhosa” e onde era “notável progresso”, o cronista ressaltava que, frente aos</p><p>acontecimentos, “do agigantamento de Belo Horizonte” que, “em todos os sentidos,</p><p>exageradamente, a cidade antiga [ia] se arraza[ndo], pois não resta[va] lá grandes coisas”,</p><p>“recordar” não significava mais viver, mas sim “sofrer”.13</p><p>Outras fontes também deixam transparecer como Raul Tassini enxergou as</p><p>transformações da capital mineira. É o caso dos textos B.H. e Belo Horizonte...14,</p><p>possivelmente da década de 1980, e de outras anotações avulsas do autor em momentos</p><p>diversos. O texto intitulado ARQ... revela sua preocupação por resgatar a memória da</p><p>cidade a partir do seu papel de apresentar “aos olhos da população [belo-horizontina],</p><p>tudo o que mais brilhou em sua arquitetura antiga”.15</p><p>O memorialista também deixava evidente que o crescimento de Belo Horizonte,</p><p>além de modificar rapidamente os lugares da sua infância, se fez acompanhando de</p><p>problemas:</p><p>A capital mineira era então, naqueles tempos, iluminada em moda do tempo.</p><p>Com os progressos que o ramo alcançou. Crescia vertiginosamente em casas,</p><p>em população, em automóveis, ou bondes, mas alguns setores, como o da água</p><p>12 TASSINI, Raul. Onde está a Rua da Bahia da minha infância? [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção</p><p>Raul Tassini. Notação: RT pe 2/404.</p><p>13 TASSINI, Raul. Avenida Afonso Pena de outróra..., [1980?]. 3f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul</p><p>Tassini”. Notação: RT pe 1/016.</p><p>14 TASSINI, Raul. B.H. [1980?]. 2f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 1/017;</p><p>TASSINI, Raul. Belo Horizonte. [1980?]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”, RT pe 2/420.</p><p>15 TASSINI, Raul. ARQ... [19..]. 7f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tasini”. Notação: RT pe 2/415.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>19</p><p>e exgotos, que ficavam sobre a terra, ou que ninguém via, segundo um amigo</p><p>ilustre, ficaram na mesma. Santa Terêsa era o bairro mais sofisticado. Havia</p><p>sêde ali. Com o tempo, o problema se ampliou de tal forma, que até a Serra,</p><p>um dos bairros elegantes, cujas vivendas dormiam por entre árvores, passou a</p><p>sentir esse aspécto desastroso. Generalizou-se a falta de água. Quanto a luz,</p><p>estava no mesmo caso. Ineficiente, e as ruas vastas e avenidas da cidade,</p><p>passaram a penumbra. O comércio e a indústria, gritavam num côro com a</p><p>população. De súbito os elevadores paravam a meio caminho e os passageiros</p><p>ficavam presos, mais do que esperavam.16</p><p>O caos e os transtornos causados pela falta de energia foram noticiados nos jornais</p><p>e o assunto foi discutido na câmara municipal. Tassini transcreveu a fala do ex-deputado</p><p>Fabrício Soares que afirmou que tal situação era insustentável: “parece que até voltamos</p><p>a era colonial. Em Belo Horizonte, como num arraial, só se fala em lampião, vela e</p><p>lamparina”.17</p><p>Percebemos que ele procurava descrever, a partir da análise do cotidiano, os</p><p>problemas enfrentados pela população belo-horizontina, que assistia sua cidade adentrar</p><p>na modernidade. De todo modo, as análises sobre a história da capital apontam que, aos</p><p>poucos, em permanente expansão, Belo Horizonte da infância de Tassini passava a</p><p>cumprir o papel de centro político-administrativo, econômico, comercial e industrial,</p><p>abarcando para si e para seus moradores a noção de metrópole que queriam lhe atribuir,</p><p>desde os anos iniciais.</p><p>Juscelino Kubitschek, prefeito de Belo Horizonte entre os anos 1941-1945, foi</p><p>um dos principais responsáveis pela modernização da cidade. Ele asfaltou e abriu novas</p><p>avenidas, construiu relevantes edificações, como o Conjunto do Instituto de</p><p>Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) e a Estação Rodoviária, além de</p><p>apoiar a Exposição de Arte Moderna de 1944, que possibilitou a vinda de vários nomes</p><p>de arte moderna para a cidade.</p><p>O Museu Histórico de Belo Horizonte, idealizado por Abílio Barreto e contando</p><p>com atuação presente de Raul Tassini nos primeiros meses, foi inaugurado durante a</p><p>gestão de JK. Em meio aos</p><p>projetos de modernização da capital, o MHBH surgia para</p><p>resgatar a memória do antigo Curral Del Rei e dos primeiros anos da cidade. Esse e</p><p>outros investimentos na área cultural, como a criação da Escola Guignard, em 1943, e</p><p>16 TASSINI, Raul. B. Hte Acropole das rosas ou cidade turbulenta?[1980?]. 2f. MHAB, Acervo textual</p><p>“Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/520.</p><p>17 Ibidem.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>20</p><p>a exposição de arte moderna, mencionada há pouco, propiciaram a inserção da cidade</p><p>no circuito nacional das artes plásticas (FERREIRA, 2007, p. 57).</p><p>A política de Juscelino pautava-se em ações que buscavam conciliar o novo com</p><p>a tradição, valorizando, portanto, o passado em sintonia com o pensamento moderno.</p><p>Vale ressaltar, que a busca pelo progresso e pela modernização se dava a partir da</p><p>inserção de elementos arquitetônicos e urbanísticos, o que não necessariamente significa</p><p>dizer que houve a substituição ou a renovação de velhas práticas políticas. A imagem do</p><p>tradicional político mineiro, sempre representante da elite, se sobrepunha aos projetos</p><p>inovadores, contribuindo para o paradoxo entre o moderno e a presença constante da</p><p>tradição.18</p><p>Seguindo essa linha, os anos de JK na prefeitura são marcados por um contexto</p><p>de industrialização e intervenções estatais no país, que estava em crescente expansão.</p><p>Para além dos projetos de urbanização, o ideal da modernidade estava associado ao</p><p>desenvolvimento do setor industrial e de serviços, que aqueciam o comércio a partir</p><p>do aumento do consumo.19</p><p>Nessa época, Belo Horizonte teve notável crescimento nas áreas periféricas,</p><p>tanto em termos populacionais quanto em áreas urbanizadas. Foi nesse ritmo que a</p><p>região onde se encontra hoje a Pampulha, um local ainda pouco habitado da cidade, foi</p><p>“eleita para sediar um empreendedorismo há tempos esperado e responsável por</p><p>conferir ares cada vez mais modernos à capital” (FERREIRA, 2007, p.52).</p><p>Ao menos essa era a expectativa de Juscelino Kubitschek ao realizar um</p><p>concurso para promover a urbanização da região. É curioso o fato de que o concurso</p><p>não teve vencedor, pois os projetos apresentados eram voltados para estilos</p><p>arquitetônicos tradicionais. Foi então que o ministro da educação, Gustavo Capanema,</p><p>apresentou à JK o jovem arquiteto Oscar Niemeyer. “Niemeyer fez da Pampulha um</p><p>dos maiores exemplos da arquitetura modernista do Brasil” e, em contrapartida, a</p><p>Pampulha fez com que Niemeyer logo se destacasse como um dos maiores arquitetos</p><p>do Brasil (FERREIRA, 2007, p.63).</p><p>O novo bairro logo adquiriu projeção nacional e internacional devido à</p><p>construção do complexo arquitetônico, que foi bastante inovador para a época.</p><p>18 Conferir Pimentel (1997).</p><p>19 Para saber mais sobre o governo de JK na presidência, também marcado pelo ímpeto da modernização,</p><p>ver Benevides (1991, p.9-23).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>21</p><p>Tomamos como exemplo a Igreja de São Francisco, considerada a primeira igreja</p><p>moderna do Brasil. Tido como um projeto ousado pela população da cidade e por</p><p>membros da Igreja Católica, a edificação angariou reações negativas e positivas. As</p><p>autoridades governamentais, reconhecendo o seu valor histórico, artístico e</p><p>arquitetônico, logo tombaram a edificação por meio do Serviço do Patrimônio</p><p>Histórico e Artístico Nacional/SPHAN (atual Instituto do Patrimônio Histórico e</p><p>Artístico Nacional/IPHAN). Essa e outras edificações e transformações colaboraram</p><p>para uma alta e rápida valorização dos lotes (FERREIRA, 2007, p.69).</p><p>A transformação física do espaço deveria vir acompanhada da modificação dos</p><p>costumes. Por isso, os edifícios inaugurados buscavam trazer novos locais de</p><p>sociabilidade para os moradores da cidade. O Cassino da Pampulha, chamado na época</p><p>de Palácio da Represa, é o maior exemplo disso, pois tinha como finalidade ser um</p><p>centro de vida ativa para a população e um dos pontos de atração do turismo nacional</p><p>e internacional, divulgando Minas Gerais para o Brasil e para o mundo. A decoração</p><p>luxuosa reproduzia um espaço elegante e sofisticado, que era frequentado pela elite</p><p>econômica e política do estado (FERREIRA, 2007, p.63-64). A Casa do Baile, por sua</p><p>vez, foi concebida como espaço destinado às camadas mais populares. Isso evidencia</p><p>a preocupação pela função social do espaço, que deveria tanto promover a diversão</p><p>como valorizar artisticamente a região (FERREIRA, 2007, p.65-66).</p><p>Conforme destaca Luana Maia Ferreira (2007), o plano de “aperfeiçoamento da</p><p>raça”20 com base nas práticas esportivas era a finalidade principal do Iate Golfe Clube.</p><p>A sua destinação principal eram as atividades esportivas, mas também contava com</p><p>espaços para a realização de festas e eventos no salão apropriado, no bar ou no</p><p>restaurante (FERREIRA, 2007, p.66).</p><p>Além dos espaços públicos descritos, Niemeyer construiu uma casa de</p><p>residência de campo para a família de Juscelino Kubitschek, inaugurando uma nova</p><p>forma de morar na capital mineira.</p><p>É visível que, naquele momento, a arquitetura, entendida como expressão da</p><p>contemporaneidade, conferia visibilidade à modernização implementada pelo governo.</p><p>Nesse sentido, conforme destacou Denise Bahia “a Pampulha deu forma a uma nova</p><p>prática política e de governo” no qual se daria continuidade na construção de Brasília,</p><p>20 Este termo foi usado no Relatório da prefeitura dos exercícios de 1940 e 1941.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>22</p><p>anos depois. Em comum, esses projetos tinham como objetivo constituir aquilo que se</p><p>entendia por identidade nacional (BAHIA, 2011, p.111).</p><p>Se de um lado a imprensa belo-horizontina vendia a imagem de uma Pampulha</p><p>sofisticada, com construções luxuosas, símbolo do progresso e desenvolvimento</p><p>mineiro21, do outro Tassini expunha os acidentes e crimes que ali ocorriam, deixando</p><p>impressões que vão para além do discurso da Pampulha moderna. É sobre esses relatos</p><p>que dedicaremos as páginas a seguir.</p><p>As contradições da modernidade em Belo Horizonte: os relatos de Raul Tassini</p><p>sobre a Pampulha</p><p>A origem do nome Pampulha vem de um ribeirão e de uma fazenda de mesmo</p><p>nome, que, existente desde o final do século XVIII com a imigração portuguesa e com a</p><p>presença de escravos, deu origem a um dos primeiros núcleos de povoamento no local.</p><p>No final do século XIX, um aglomerado de fazendas da região era responsável pelo</p><p>abastecimento de produtos hortifrutigranjeiros da nova capital. Posteriormente, no início</p><p>do século XX, os italianos e outras pessoas oriundas de todo o estado, que não tinham</p><p>condições de comprar terreno na zona urbana de Belo Horizonte, se fixaram por ali,</p><p>denominado na época por Santo Antônio da Pampulha, ou Pampulha Velha, como ficou</p><p>mais conhecido.22</p><p>A Pampulha Velha teve sua formação socioespacial relacionada ao processo de</p><p>exclusão da capital e pode ser caracterizada pelo seu forte sentido de comunidade e</p><p>religiosidade. Ana Moraes dos Reis e Manoel dos Reis, portugueses que compraram terras</p><p>no local, foram personagens importantes, que ajudaram a construir esse perfil religioso.</p><p>Os dois levantaram a capela</p><p>de Santo Antônio de Pádua, onde eram celebradas as festas</p><p>de São João e de Santo Antônio e de onde saíam as inúmeras procissões.</p><p>Com o crescimento da capital, as autoridades focaram seus investimentos para o</p><p>vetor norte, fomentando a criação de um aeroporto e de uma barragem para abastecer a</p><p>cidade na década de 1930. Nos anos seguintes, conforme relatado na seção anterior, houve</p><p>21 PAMPULHA, MARAVILHA DO CINQUENTENARIO, Estado de Minas, 12 de dezembro de 1947,</p><p>p. 6.</p><p>22 Ver Lemos (2006).</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>23</p><p>de fato a ocupação efetiva da região a partir da construção do complexo arquitetônico</p><p>moderno, concebido por JK, em 1940.</p><p>Com efeito, Luana Ferreira (2007) enfatiza que “a história do Arraial de Santo</p><p>Antônio da Pampulha, ou Pampulha Velha, pouco contada, foi sufocada pela</p><p>monumentalidade da Pampulha Nova”, tida como “oficial” e que foi idealizada e</p><p>projetada para “satisfazer a aspirações estéticas, políticas, arquitetônicas e econômicas”</p><p>das elites políticas de Minas Gerais (FERREIRA, 2007, p. 46).</p><p>Apesar de Raul Tassini ter qualificado a Igreja de São Francisco de Assis como</p><p>“Coisas Exóticas” em suas anotações avulsas sobre arquitetura antiga23, a</p><p>monumentalidade do conjunto moderno da Pampulha Nova também impressionou o</p><p>memorialista, que destacou:</p><p>Assim (em 1941), o Cassino, a Casa do Baile, a Igreja formaram naquela parte</p><p>da cidade, um conjunto, numa tríade de rara imponência arquitetonicamente</p><p>falando, cujos grandes e caríssimos edifícios de fachadas erguidas a margem</p><p>do lago, espelharam nas águas tranquilas, preguiçosas. É claro que o conjunto</p><p>desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, impressiona com suas lindas</p><p>horizontais predominando.24</p><p>Na escolha do local para o empreendimento de JK, no início dos anos 1940, o</p><p>urbanista francês Alfred Agache foi convidado pelo próprio prefeito para conhecer a</p><p>cidade e avaliar a região que se pretendia construir o moderno projeto. Agache propôs</p><p>que a Pampulha se tornasse um local a ser ocupado por camadas de baixa renda, no intuito</p><p>de suprir a crescente demanda populacional que acontecia em regiões da zona suburbana</p><p>(FERREIRA, 2007, p.60). Algo notado e compartilhado por Tassini, que destacou em</p><p>seus relatos que a Pampulha não deveria ser um local de alto investimento para</p><p>proporcionar lazer e diversão para as classes mais ricas, mas sim um bairro criado para</p><p>solucionar os problemas sociais existentes na cidade, pois era uma “obra suntuária (...)</p><p>inexpressiva em suas finalidades”.25 Portanto, ele discordava do empreendimento porque</p><p>existia na cidade “tanta miséria rondando os lares, tanta falta de escolas”.26</p><p>23 TASSINI, Raul. Coisas Exóticas [19..]. Manuscrito. 1f. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”.</p><p>Notação: RT pe 2/445.</p><p>24 TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>25 TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>26 Ibidem.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>24</p><p>Talvez por isso Tassini não compareceu à inauguração da Pampulha, apesar de</p><p>reconhecer que foi “um grande acontecimento social na vida da capital”.27 Com efeito, os</p><p>relatos de Raul Tassini abordam um discurso diferente daquele adotado pela imprensa em</p><p>Belo Horizonte. Ele denunciou acidentes, mortes e os excessos cometidos acerca da</p><p>construção do bairro da Pampulha. Luiz Garcia, em seu texto sobre a ruptura da barragem,</p><p>apelidou Tassini de crítico de “primeira hora”, dado aos inúmeros registros deixados por</p><p>ele sobre o que acontecia na região da Pampulha (GARCIA, 2007, p.99).</p><p>Dessa forma, as anotações críticas de Tassini mostram uma disparidade entre as</p><p>duas Pampulhas (a “velha” e a “nova”). O cronista relatou que muitas famílias foram</p><p>desapropriadas de seus lares, não importando se eram “proprietários ou herança de seus</p><p>antepassados, desde os tempos coloniais, e viram-se forçados a abandonar suas terras”</p><p>para a idealização do moderno bairro.28</p><p>Era evidente que, aos olhos de Tassini, a Pampulha Nova nascia excluindo a</p><p>população mais pobre, que não tinha condições de comprar terrenos no entorno da lagoa</p><p>e/ou não podia frequentar os espaços de entretenimento, pois, além das atrações terem</p><p>custo além do que a maioria podia pagar, o acesso ao local era ineficaz. Belo Horizonte</p><p>dos anos 1940 era carente em transportes públicos e poucos bondes atendiam o novo</p><p>bairro.</p><p>Os moradores da Pampulha Velha sofriam com inúmeros problemas, que, muitas</p><p>vezes, eram abafados pela grandeza das obras modernas. Já se reclamava da falta de</p><p>escola na região e da presença de caramujos na água infestada de esquistossomose</p><p>(GARCIA, 2007, p.91). Segundo Luiz Henrique Assis Garcia (2007), o rompimento da</p><p>barragem, em 1954, foi o estopim, pois evidenciou a condição de vida dessa população.</p><p>As águas inundaram áreas residenciais e de fazendas, desmoronando casas, alagando</p><p>áreas de plantação, matando animais e causando outros transtornos, como interrupção dos</p><p>serviços de luz e telefone, além de inviabilizar a pista do aeroporto. Raul Tassini</p><p>comentou a respeito:</p><p>No sábado tomei um ônibus que me deixou na Pampulha Velha. Entrevistei</p><p>várias pessoas dali, passei pela Capela de Santo Antônio e atravessando a pista</p><p>do aeroporto alcancei a Ponte quebrada [...] no entrocamento das estradas de</p><p>Vespasiano e a direita a de Santa Luzia. (...) Fui ver as ruínas da Ponte</p><p>quebrada. A conrrenteza [caudalosa?] da represa da Pampulha, levou metade,</p><p>27 TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>28 TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>25</p><p>dela. E lá estão 18 metros da ponte, com seus 4 vãos de balaustradas. É uma</p><p>ruína de ponte que a represa deu causa.29</p><p>O rompimento acentuou o contraste simbólico entre as Pampulhas. Para o</p><p>memorialista a tragédia também contribuía para manchar a grandeza das obras</p><p>implementadas ali:</p><p>Com o rompimento da barragem da Pampulha, a desgraça foi semeada no</p><p>percurso seguido pelas ‘aguas’ que desvairadas rolaram, desrespeitando lares,</p><p>bens, sêres, criações, tudo... Com o decorrer dos dias toda a beleza</p><p>‘paizagistica’ da Pampulha que a tornou famosa no mundo sumiu. Formou-se</p><p>um lamaçal e a podridão, a (inelegível) fez dela o seu império. Os peixes</p><p>apodrecendo, emanaram de tudo que la dentro morrera, um mau horrível.30</p><p>Ai fica a Pampulha em seus dados, (inelegível), pequena história da sua curta</p><p>mas turbulenta existência, ‘rosario’ de lágrimas, cujas contas são feitas de</p><p>‘dôr’. Já disseram que a vida não vale pelos anos que representa, mas pela</p><p>intensidade da mesma. E aí está como exemplo, a Represa da Pampulha, que</p><p>aterroriza visitante como o espectro da morte. É como um leito do mar sem</p><p>água, uns canteiros sem plantas, um templo sem Deus.31</p><p>Para Raul Tassini, a Pampulha perdia seu encanto. Ele buscava nos casos contados</p><p>por antigos moradores da região, que foram excluídos em parte</p><p>do processo de</p><p>modernização, alguma explicação. Questionava, por exemplo, se Ana Moraes dos Reis,</p><p>citada na seção anterior como responsável pela vida religiosa da Pampulha, poderia ter</p><p>previsto o ocorrido. Conhecida como “Sá Donana da Pampulha”, ela foi rezadeira e</p><p>feiticeira. Raul Tassini indagou:</p><p>Donanna distribuía esperanças a todos os desenganados que a procurassem.</p><p>Fazia voltar o sorriso aos tristes e da animo [...] aos que já haviam perdido.</p><p>Enfim, era a mesa de sua casa um bálsamo para as chagas do alheio, na magia</p><p>das cartas [inelegível]! E como acontece sempre algumas cousas davam certo,</p><p>outras [inelegível] não. Mas teria previsto na vida [inelegível] da Pampulha, a</p><p>sua ascensão a rainha e a sua destruição, a sua queda? Teria ela ao ler e reter</p><p>as cartas coloridas, do seu baralho, vaticinando toda a glória e todas as graças</p><p>que lhe cobrem? Teria ela previsto a queda do império fabuloso da</p><p>Pampulha?32</p><p>29 TASSINI, Raul. Belo Horizonte [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>30 TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>31 TASSINI, Raul. [19..]. 1 f. Manuscrito. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe</p><p>2/599.</p><p>32 TASSINI, Raul. [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/601.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>26</p><p>De acordo com que foi contado por Tassini, existia entre os moradores uma</p><p>explicação para a tragédia que dizia de uma maldição da época da urbanização da</p><p>Pampulha:</p><p>Contou-me um antigo pampulhense que quando eram acertados os terrenos</p><p>para a represa, uma coruja do alto de uma árvore seca, por três noites</p><p>consecutivas, no seu piar estridente e nostálgico, parecia dizer: vocês vão ver!</p><p>Vocês vão ver! Vocês vão ver! ... E nesse rito foi noite a dentro,</p><p>impressionante! (...) E assim entra na história da Pampulha, a coruja</p><p>agourenta.33</p><p>Possivelmente o rompimento da barragem foi o marco de maior impacto na vida</p><p>dos que moravam na região, pois suscitou vários embates acerca de quem eram as</p><p>responsabilidades da tragédia, além de ter evidenciado o contraste simbólico entre as duas</p><p>Pampulhas. De todo modo, a Pampulha é tida como a expressão maior da administração</p><p>desenvolvimentista e modernizadora de JK na prefeitura, e, sem dúvida, seus</p><p>equipamentos representam a concretização da arquitetura como expressão simbólica da</p><p>modernidade. Isso não escapou aos olhos nem de Raul Tassini, apesar de ter discutido</p><p>várias contradições que marcaram o empreendimento e a história da região.</p><p>Considerações finais</p><p>O advento da modernidade determinou transformações sociais e econômicas em</p><p>vários lugares do globo. Cidades como Belo Horizonte foram planejadas sob a égide do</p><p>novo e edificadas para ser símbolo do que se entendia por progresso. Anos depois, o</p><p>projeto desenvolvimentista, implementado por governantes como Juscelino Kubitschek,</p><p>determinou ações do Estado que tinham como foco a industrialização, os bens de</p><p>consumo, os automóveis, os novos modos de viver e divertir modernos. A arquitetura</p><p>desse período serviria para simbolizar esses projetos e ações no campo político em prol</p><p>da modernização, semelhante como vimos em relação à Pampulha (barragem e demais</p><p>edificações modernas), que surgiu sob o tripé de garantir o abastecimento, o lazer e o</p><p>turismo em Belo Horizonte e Minas Gerais a partir de sua função utilitária e decorativa.</p><p>Contudo, como visto ao longo do texto, as contradições entre o “velho” e o “novo”</p><p>estiveram presentes na história da cidade, gerando embates que tinham como origem as</p><p>33 TASSINI, Raul. [19..]. MHAB, Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Notação: RT pe 2/584.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>27</p><p>transformações e ocupações dos espaços. Raul Tassini procurou dizer em seus relatos</p><p>sobre as várias Pampulhas existentes e os conflitos oriundos das disparidades entre as</p><p>realidades e vivências dos moradores em ambos locais. Por isso, o acervo documental do</p><p>memorialista revela contradições e aspectos que vão além do discurso majoritário da</p><p>época, que exaltava a Pampulha como centro moderno. Dessa forma, as anotações do</p><p>cronista e as transformações ocorridas nos bairros de Belo Horizonte revelam o paradoxo</p><p>de uma capital que, nascida para ser moderna, tem sua história marcada pela constante</p><p>desconstrução do passado e a busca pelo progresso.</p><p>Por fim, que esse artigo possa colaborar com outros estudos sobre Belo Horizonte</p><p>a partir da análise de fontes históricas ainda pouco investigadas, como é o caso da Coleção</p><p>Raul Tassini presente no Museu Histórico Abílio Barreto.</p><p>Referências</p><p>Fontes documentais</p><p>Acervo textual “Coleção Raul Tassini”. Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB).</p><p>Notações: RT pe 1/015 a 019; RT pe 1/020 a 023; RT pe 1/030 e 031; RT pe 2/075 a 086;</p><p>RT pe 2/143; RT pe 2/381 a 403; RT pe 2/404 a 426; RT pe 2/427 a 474; RT pe 2/519 a</p><p>520; RT pe 2/569 a 605; RT pe 2/692 a 693; RT pe 2/733 a 746; RT pe 3/088.</p><p>Bibliografia, dissertações, artigos de revistas, páginas da internet, entre outros.</p><p>ALCÂNTARA, Carolina Paulino. “PRINCEZA DO NORTE”: contradições da</p><p>modernidade em Diamantina (1889-1930). (2015. 170f) Dissertação (Mestrado).</p><p>Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas</p><p>da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.</p><p>ALVES, Célia Regina Araujo. Preciosas memórias, belos fragmentos: Abílio Barreto e</p><p>Raul Tassini – a ordenação do passado na formação do acervo do Museu Histórico de</p><p>Belo Horizonte (1935-1956). (2008) Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia e</p><p>Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.</p><p>ANDRADE, Luciana Teixeira de. A Belo Horizonte dos modernistas: representações</p><p>ambivalentes da cidade moderna. Belo Horizonte: PUC Minas; C/ Arte, 2004.</p><p>ARRAIS, Cristiano Alencar. Belo Horizonte, a La Plata Brasileira: entre a política e o</p><p>urbanismo moderno. Revista UFG, Goiás. v.11, n.6. jun. 2009.</p><p>ARRUDA, Rogério Pereira. Belo Horizonte e La Plata: cidades-capitais da modernidade</p><p>Latino-americana no final de século XIX. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro.</p><p>v.6, n.1, 2012.</p><p>REAPCBH – Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, v. 4, n. 4, dezembro de</p><p>2017‐ ISSN: 2357‐8513</p><p>28</p><p>BAHIA, Denise Marques. A arquitetura política e cultural do tempo histórico na</p><p>modernização de Belo Horizonte (1940-1945). (2011. 198f). Tese (Doutorado).</p><p>Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.</p><p>BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. A renovação</p><p>urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria</p><p>Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e</p><p>Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.</p><p>BENEVIDES, Maria Victoria. O governo Kubitschek: a esperança como fator de</p><p>desenvolvimento. In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro:</p><p>Editora da Fundação Getúlio Vargas – CPDOC, 1991. p.9-23.</p><p>BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura na modernidade.</p><p>São Paulo: Companhia das Letras, 2007.</p><p>CARVALHO, José Murilo de.</p>

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