Prévia do material em texto
Clínica Cirúrgica IntestIno DelgaDo 15ª edição Equipe SJT Editora Clínica Cirúrgica – Intestino delgado. São Paulo: SJT Editora, 2015. ISBN 978-85-8444-029-0 Copyright © SJT Editora 2015 SJT Editora Todos os direitos reservados. Diretor editorial e de arte: Júlio César Batista Diretor acadêmico: Raimundo Araújo Gama Editora assistente: Letícia Howes Editor de arte: Áthila Pelá Projeto gráfico: Rafael Costa Capa: Henrique Marques Barsali Editoração eletrônica: Equipe SJT Editora Contato com o departamento editorial: editora@sjtresidencia.com.br Contato com o departamento acadêmico: aluno@sjtresidencia.com.br Avenida Paulista, 949 – 9º andar Cerqueira César – São Paulo/SP CEP: 01311-917 Fone: (11) 3382-3000 http://www.sjteducacaomedica.com.br Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É expressamente proibida a reprodução ou transmissão deste conteúdo, total ou parcial, por quaisquer meios empregados (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem autorização, por escrito, da Editora. Este material didático contempla as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que vigora no Brasil desde 2009. Apresentação à 15ª edição Apresentamos, à comunidade médica, a mais nova edição do conteúdo didático SJT Preparatório para Residência Médica. Entendemos que nossa função não consiste apenas em prepará-lo(a) para as provas de Residência Médica, mas possibilitar conhecimento e cultura para o desenvolvimento de sua carreira profissional. O corpo docente do SJT, composto por professores das melhores instituições de São Paulo, tem como meta de trabalho fornecer o melhor preparo a você, fazendo com que seus planos se tor- nem realidade, por meio de muito esforço, determinação e vontade. O material didático SJT 2015 está atualizado com as últimas questões dos concursos de Residência Médica de todo o país. Estude com atenção e entusiasmo. Respeite sua agenda, pois aprendizado requer dedicação. O maior responsável pelo seu sucesso é você. Participe regularmente das atividades do site – o me- lhor programa on-line de atividades acadêmicas. Estamos juntos neste objetivo: Residência Médica 2016! O contato com o departamento acadêmico deverá ser feito pelo email: aluno@sjtresidencia.com.br. Você será Residente em 2016! un i verso sjt online www.sjteducacaomedica.com.br Login CPF sem pontos e traço. 4 primeiros números do CPF. Relação de cursos SJT. Encontre o seu. Meu perfi l Calendário com atividades, agenda de aulas, atualizações, eventos, etc. Novidades Notícias atualizadas sobre os temas dos cursos. Meu perfi l Perfi l do aluno, informações sobre aces- so, atividades, notas, etc. Mensagens: Por aqui o aluno poderá trocar mensagens com professores, tutores e colegas de curso. Curso atual Nesta opção você poderá encontrar to- dos os participantes do curso e navegar pe- los temas que serão abordados no mesmo. Meus cursos Caso você esteja matriculado em mais de um curso, poderá acessá-los por aqui. Administração do curso Área em que o aluno poderá consultar no- tas em simulados, fóruns e outras atividades. Confi gurações de perfi l Nesta opção o aluno poderá alterar seus dados de perfi l, e-mail, imagem, senha, con- fi gurações de notifi cações (Ex.: se receberá notifi cações por e-mail, ou apenas pelo AVA). Página inicial do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Visite ao menos uma vez por semana o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)! Aprender mais signifi ca investir na sua felicidade. Você é o dono do seu sucesso. O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Neste ambiente você poderá encontrar todo o material didático dos cursos, principais e complementares: Links para videoaulas; Glossário; Apostilas; Material complementar de leitura (manuais e artigos científi cos, guidelines, etc); Exercícios de fi xação; Fóruns de discussões temáticas Atividade recente Aqui você encontrará informações sobre atualizações no curso! Questões Comentadas sUMÁRIO 1 Intestino delgado 9 2 Estudo radiológico do intestino delgado 16 3 Obstrução do intestino delgado 21 4 Perfurações do intestino delgado 33 5 Doenças vasculares do intestino delgado 38 6 Tumores do intestino delgado 52 7 Divertículos do intestino delgado 71 8 Doença de Crohn 77 9 Síndrome do intestino curto 94 10 Síndrome da alça cega 98 11 Ileostomia 100 12 Fístulas digestivas 106 13 Pneumatose cística intestinal 115 14 Questões para treinamento – Intestino delgado 121 15 Gabarito comentado 150 222 Capítulo 1 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201510 Introdução O intestino delgado se estende do piloro ao ceco e tem a função de digestão e absorção dos alimentos. Esse processo depende de fatores endócrinos, fisioló- gicos e químicos. Além da função de digestão e absor- ção, o intestino delgado é o maior órgão endócrino do organismo, e é um dos mais importantes relacionados à imunologia juntamente com baço e linfonodos. Embriologia O intestino primitivo é formado durante a quar- ta semana embrionária. Com exceção do duodeno, que é oriundo do intestino primitivo anterior (foregut), o resto do intestino delgado vem do intestino primitivo médio (midgut). Na evolução embrionária existe uma herniação em torno do umbigo. O intestino primitivo médio é dividido em alça cra- nial (originará o duodeno distal, jejuno, e íleo proximal) e alça caudal (originando íleo distal,e dois terços proximais do cólon transverso). A junção das porções cefálica e caudal da alça comunica-se com o saco vitelino por meio do ducto vitelino ou onfalomesentérico. A persistência parcial ou total desse ducto pode dar origem a anomalias congêni- tas, como divertículo de Meckel e fístula entre o íleo e o umbigo. A persistência do conduto onfalomesentérico é o divertículo de Meckel, que incide em até 2% da população. A herniação umbilical persiste até a 10ª semana de gestação quando o intestino retorna para a cavidade ab- dominal e faz um giro de 270º em torno da artéria me- sentérica superior, ficando o jejuno localizado à esquerda e o íleo mais à direita. O ceco é o último a entrar na cavi- dade e fica temporariamente no quadrante superior di- reito e depois desce até o quadrante inferior direito. Nes- se ponto é que ocorrem as malformações de má rotação. Estômago Fígado Mesentério ventral Alça do intestino médio membro cranial membro caudal Saco vitelino Artéria vitelina A Artéria mesentérica inferior Aorta dorsal Artéria celíaca Mesentério dorsal alongado Artéria mesentérica superior Membro cranial Membro caudal Aorta Artéria mesentérica superior Divertículo cecal Divertículo cecal Umbigo C Artéria mesentérica superior Plano de secção A1 Plano de secção B1 B1 Delgado Duodeno Intestino posterior Ligamento falciforme B Veia umbilical Saco vitelino degenerado Divertículo cecal Sítio de formação do saco vitelino Bolsa omental Forame omental Artéria mesentérica superior D E Ceco Cólon Delgado Flexura esplênica Grande omento Pequeno omento Apêndice Flexura hepática D1 A1 Figura 1.1 Estágios da rotação intestinal durante o desenvolvimento. Anatomia O intestino delgado mede, in vivo, 270-290 cm (aproximadamente 3 m) e o intestino grosso 110 cm, sendo que a distância entre o nariz e o ânus é de 450 cm (anatomicamente, claro). � Duodeno: 20 cm � Jejuno: 1 m � Íleo: 1,7 m O jejuno começa no ângulo de Treitz (flexura duodenojejunal) e não há limite preciso anatômico entre onde acaba o jejuno e começa o íleo. Considera- -se arbitrariamente como jejuno os dois quintos pro- ximais do intestino entre o ângulo de Treitz e o ceco, e íleo, os três quintos distais. 1 Intestino delgado 11 Diferenças anatômicas Jejuno Íleo Ocupa abdome superior (esquerda) Ocupa abdome inferior e pelve (direita) Parede mais espessa Parede menos espessa Pregas circulares proeminentesEscassas pregas circulares 1-2 arcadas Múltiplas arcadas Vasa recta longos Vasa recta curtos Tabela 1.1 O intestino delgado é uma estrutura tubular cujo diâmetro diminui da porção proximal à distal. É cons- tituído de quatro camadas: serosa, muscular, sub- mucosa e mucosa. A serosa intestinal é formada por uma camada única de células mesoteliais, que recobre o plano muscular longitudinal. A camada muscular lisa é formada pelos planos longitudinal e circular. Entre esses dois planos musculares, está o plexo de nervos denominado Plexo mioentérico de Auerbach. Na submucosa existe um segundo plexo nervoso, deno- minado Plexo Meissner. Esses plexos nervosos comu- nicam-se entre si por meio de várias fi bras nervosas. A submucosa é a camada mais forte do intesti- no e é obrigatório ser incluída em anastomoses. É formada por tecido conectivo frouxo e fi broelástico forte, que contém o plexo nervoso de Meissner e uma rica rede de vasos sanguíneos e linfáticos. A mucosa do intestino delgado contém pregas circulares (válvu- las coniventes ou de Kerckring), que são dobras da submucosa, revestidas pelo epitélio. As pregas circula- res são mais altas e numerosas no duodeno distal e no jejuno proximal e, depois, tornam-se menos frequen- tes distalmente, até desaparecerem no íleo terminal. Elas também estão ausentes no bulbo duodenal. A mucosa é formada de epitélio, lâmina própria e muscular da mucosa. O epitélio é do tipo cilíndrico alto, constituído por células cilíndricas com função absortiva e células caliciformes que produzem o muco que lubrifi ca a mucosa intestinal. As células cilíndricas apresentam mi- crovilosidades. As células cilíndricas produzem dissacari- dases como lactase, maltase, isomaltase, sucrase e trealase. O epitélio contém duas estruturas importantes: as vilosidades e a cripta de Lieberkun. Vilosidades são projeções intraluminais da mucosa com forma de dedo, revestidas por epitélio colunar. Mesentério. O mesentério tem a forma de um le- que e liga o jejuno e o íleo à parede abdominal posterior. A sua borda fi xa à parede abdominal é denominada raiz do mesentério, tem 15 cm de comprimento e se esten- de da fl exura duodenojejunal (à esquerda da segunda vértebra lombar) até a articulação sacrilíaca direita. O mesentério é formado por duas lâminas de peritônio, que contêm vasos sanguíneos e linfáticos, nervos, linfo- nodos e uma quantidade variável de gordura. Muscular da mucosa Lâmina própria da membrana mucosa Vilosidades Epitélio de superfície Nódulo linfático LÚMEN Glândula de Lieberkühn Membrana serosa Submucosa Glândulas de Brunner Mesentério Grande gândula Ducto Plexo de Meissner Plexo mioentérico de Auerbach Camada longitudinal da muscular externa Camada muscular da muscular externa Figura 1.2 Diagrama esquemático de uma secção transversal do tra- to intestinal. Zona de extrusão celular Epitélio viloso Muscular da mucosa Lúmen da cripta Células absortivas Células globulares Epitélio da cripta Células indiferenciadas Vasos sanguíneos Vasos linfáticos Nervos Músculo liso Tecido conjuntivo Linfócitos Células plasmáticas Eosinófilos Lâmina própria Células gloculares Mitoses Células enterocromarfins Células de Paneth Figura 1.3 Diagrama esquemático de uma secção de vilos e criptas para ilustrar a organização histológica da mucosa do delgado. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201512 Vascularização Arterial: o suprimento sanguíneo do duodeno é derivado das artérias pancreatoduodenal anterior (ramo da artéria gastroduodenal), pancreatoduodenal posterior (ramo da artéria mesentérica superior), gás- trica direita, gastroepiploica direita e supraduodenal. A artéria gastroduodenal vasculariza o piloro. O jejuno e o íleo recebem o suprimento arte- rial da artéria mesentérica superior, que é o segundo maior ramo da aorta abdominal. O intestino delgado recebe circulação colateral da artéria pancreatoduo- denal superior (ramo do tronco celíaco) por meio da anastomose com a artéria pancreatoduodenal inferior (ramo da artéria mesentérica superior) e de ramos me- sentéricos inferiores que anastomosam com a artéria marginal de Drummond. Um número variável de artérias jejunais e ileais se origina da artéria mesentérica superior e forma vá- rias arcadas no mesentério. As arcadas dão origem a artérias retas, que se dividem próximas ao intestino e nutrem toda a sua parede. Essas arcadas permitem a mobilização cirúrgica de longos segmentos intestinais. A artéria mesentérica superior cursa anterior- mente ao processo uncinado do pâncreas e a 3ª porção do duodeno onde ela vasculariza o duodeno distal, o pâncreas, todo o intestino delgado e, ainda, o cólon ascendente e metade do transverso. Venosa: essas veias drenam na veia mesentérica superior que se une à veia esplênica atrás do colo do pâncreas para formar a veia porta. As veias seguem paralelamente ao suprimento arterial com o sangue drenando no final para a veia mesentérica superior, que depois vai se juntar com a veia esplênica, formando a veia porta. Vascularização linfática: a drenagem linfática intestinal acompanha a vascularização arterial e se ini- cia em um pilar linfático na vilosidade que se dirige ao plexo linfático submucoso e atravessa o plano muscular e seroso. Os linfáticos intestinais passam por três gru- pos de linfonodos: localizados próximos à parede intes- tinal às arcadas das artérias mesentéricas e do tronco da artéria mesentérica superior. A linfa drena na cister- na do quilo e ducto torácico. Este ducto passa pelo hiato aórtico do diafragma, ascende no mediastino posterior entre a aorta e a veia ázigos e finalmente drena na veia subclávia esquerda ao nível da sua junção com a veia ju- gular interna. Os linfáticos são a maior via de transpor- te de lipídios absorvidos pelo intestino. Desempenham função essencial na defesa imunológica e na dissemi- nação de células neoplásicas originárias do intestino. A maior parte dos linfáticos está depositada nas Placas de Peyer localizadas no intestino delgado distal. Inervação e motilidade Os movimentos intestinais são classicamente di- vididos em três tipos: � peristalse; � movimentos de segmentação; � movimentos pendulares. Os movimentos peristalse são principalmente pro- pulsivos, mas pode também ocorrer mistura do conteúdo. Os movimentos de segmentação consistem em duas ou mais contrações concêntricas simultâneas de pequenos segmentos intestinais de quatro a dez centí- metros. Esses movimentos têm a finalidade de mistu- rar os alimentos com secreções gastrointestinais. Os movimentos pendulares consistem em con- trações e relaxamento do músculo liso do intestino que resultam de encurtamento e alongamento de seg- mentos intestinais de maneira pendular. Nos últimos anos investiu-se muito na compre- ensão da motilidade gastrointestinal e com base nes- ses estudos foram definidos dois padrões de motilida- de: 1) padrão de jejum (complexo motor migratório); e 2) padrão digestivo ou alimentar. O complexo motor migratório (CMM) tem a função de impulsionar secreções, bactérias e resíduos pelo TGI com o objetivo de mantê-lo limpo durante o jejum, bem como preservar o trofismo das células musculares e lisas do ID no período do jejum, evitando assim atrofia pelo desuso. Fases do complexo motor migratório (CMM) Fase I: ausência de potenciais de ação ou ocorrência rara destes Fase II: frequentes potenciais de ação Fase III: fase máxima dos potenciais de ação, onde todas as ondas lentas apresentam potenciais de ação superpostos Fase IV: diminuição da frequências dos potenciais de ação, até que se inicie um novo complexo motor migratório. Tabela 1.2 A duração do CMM é em média de 90 minutos, sendo a fase III a mais significativamente fisiológica, pois está associada a contrações peristálticas que mi- gram do estômago ao íleo terminal a cada 90 minutos. Comprometimento do CMM pode acarretar pro- liferação bacteriana no intestino delgado(síndrome do supercrescimento bacteriano com má absorção in- testinal) e pseudo-obstrução intestinal. O padrão digestivo ou alimentar apresenta po- tenciais de ação de frequência variável de acordo com o tipo de alimentação. Alimentos gordurosos fazem com que a duração do padrão digestivo de motilidade seja mais prolongado. Uma vez cessada a digestão, o CMM reaparece, e novo ciclo se processará. 1 Intestino delgado 13 O intestino delgado possui inervação autônoma simpática e parassimpática. A simpática é prove- niente de fi bras pré-ganglionares que se origi- nam do nono e do décimo segmentos torácicos na medula espinhal e fazem sinapse no gânglio mesentérico superior. As fi bras simpáticas pós- -ganglionares se dirigem ao intestino, com os ra- mos da artéria mesentérica superior. A inervação parassimpática se origina do núcleo do nervo vago. As fi bras pré-ganglionares, que são parte do nervo vago, fazem sinapse com células do plexo nervoso mioentérico de Auerba- ch (localizado entre as camadas musculares lon- gitudinal e circular) e submucoso de Meissner. O estímulo das fi bras simpáticas diminui a motilidade intestinal e o das fi bras parassimpáticas aumenta a mo- tilidade e a secreção intestinal. As sensações dolorosas, geralmente na forma de cólicas, são mediadas por meio de fi bras aferentes torácicas (simpáticas). A. pancreatoduodenal inferior A. cólica direita A. oleocólica Aa. jejunais e ileais Alças anastomóticas Artérias retas Primeira anastomose A. mesentérica superior Figura 1.4 Artérias do intestino delgado. V. porta V. cólica direita V. ileocólica Veias jejunais e ileais Alças anastomóticas Veias retas V. mesentérica superior V. esplênica Figura 1.5 Veias do intestino delgado. Gânglios aorticorrenais Gânglio mesentericossuperiores Ramos mesentéricos A. mesentérica superior Gânglios celíacos Figura 1.6 Nervos do intestino delgado. Ducto torácico Cisterna do quilo Linfonodos cilíacos Linfonodos mesentéricos superiores Linfonodos mesentéricos Figura 1.7 Vasos linfáticos e linfonodos do intestino delgado. Fisiologia As funções do intestino delgado são fundamen- talmente fazer a digestão e absorver nutrientes. Estas funções são executadas e reguladas por mecanismos complexos que envolvem o sistema nervoso entérico (intrínseco), o sistema nervoso autônomo (extrínse- co) e uma grande quantidade de substâncias com ati- vidades neuro-hormonais. A compreensão dos mecanismos fi siológicos das funções digestivas e da sua regulação propiciará o diagnóstico e tratamento racionalizado dos distúrbios funcionais do intestino delgado. Função digestiva e absortiva do intestino delgado O intestino delgado participa da digestão e absorve nutrientes harmonicamente, interagindo com as fun- ções salivares, gástricas e biliopancreáticas, com ativi- dades motoras e secretórias. A atividade enzimática en- contrada na borda em escova dos enterócitos fraciona os nutrientes em suas unidades básicas, que são absorvidas por diversas modalidades por meio de transporte ativo e passivo. As vitaminas lipossolúveis A, D, E e K são ab- sorvidas por difusão passiva. A vitamina B12 combina-se com o fator intrínseco e é absorvida no íleo distal. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201514 Água e eletrólitos: a água é absorvida ao longo de todo o intestino, mas o principal sítio de absorção, seguindo-se a uma refeição, é a parte alta do tubo diges- tivo. O transporte epitelial de água e de eletrólitos fica parcialmente sob o controle do sistema nervoso central. Carboidratos: apesar de a totalidade do intes- tino delgado ter capacidade de digerir e absorver car- boidratos, em circunstâncias normais a maior parte da absorção de monossacarídeos ocorre no duodeno e no jejuno proximal. Aproximadamente 10% do amido da dieta passam para o cólon sem serem absorvidos. Proteínas: mais de 80% da absorção protei- ca ocorre nos cem centímetros proximais do jejuno. A absorção da proteína que se ingere é praticamente completa e a proteína excretada nas fezes deriva de bactérias, de células descamativas e de mucoproteínas. Gorduras: normalmente, a maior parte da gordura ingerida é digerida e absorvida no duodeno e na porção proximal do jejuno. Os ácidos biliares conjugados são ati- vamente absorvidos no íleo distal e retornam através do sangue porta para o fígado, onde são novamente secreta- dos para a bile. Quando esta circulação entero-hepática for interrompida (ressecção ileal distal, doenças ileais distais), quadros diarreicos com esteatorreia se farão presentes. Vitaminas: folato é absorvido no ID proximal, enquanto a vitamina B12 é absorvida no íleo distal. As vitaminas A, D, E e K são dissolvidas em micelas mistas e absorvidas de modo semelhante aos ou- tros lipídios. Por se comportarem como lípides to- talmente apolares, a ausência de bile compromete significativamente sua absorção. Funções Componentes Membrana plasmática apical - Regulação de nutrientes e entrada de água - Secreção regular (pathway A) - Proteção Membrana plasmática lateral - Contato celular e adesividade - Geração de gradientes iônicos Membrana basal lateral - Recepção do sinal e transdução - Geração de gradientes iônicos - Secreção constitutiva (pathway B) Membrana basal - Contato célula-substrato Membrana basal - Laminina, colágeno tipo IV, proteoglicanos Membrana basal - Receptores da membrana basal Membrana basal lateral - Canal aniônico (troca de CI-/HCO3-) - Na+, K+ ATPase - Receptores de hormônios e neurotransmissores - Sistemas de translução associados com receptores Membrana plasmática lateral - Moléculas de adesão celular - Complexo juncional Zona ocludens (ZO) Zona aderente (ZA) Desmossomos (D) Junções Gap (Gj) Membrana plasmática apical - Hidrolases - Canal de Na+ Amiloride-sensível - Transportadores Na+ dependentes - Canal de CI- - H+ ATPase - Protéinas ligadas via fosfatidilinositol - GlicolipídiosZO ZA A D B Gj Figura 1.8 Diagrama funcional de uma célula epitelial. Função endócrina A mucosa intestinal produz vários hormônios e peptídeos, cuja principal função é coordenar o tempo e a taxa de motilidade gastrointestinal e de secreções gastrointestinais e biliopancreáticas produzidas e eli- minadas no lúmen gastrointestinal. Alguns desses hormônios e peptídeos incluem: 1- Secretina. Produzida pela mucosa duodenal em resposta a um pH baixo ou por contato da mucosa com bile ou gordura. Estimula a secreção de água e bicarbona- to pelo pâncreas, a secreção biliar, inibe a secreção ácido- -gástrica e diminui a motilidade gastrointestinal. 2- Colecistoquinina. Também denomina- da pancreozimina, é liberada pela mucosa duodenal quando as suas células são banhadas por certos ami- noácidos e ácidos graxos. Estimula a secreção biliar de enzimas pancreáticas e a motilidade gastrointestinal. Também estimula o crescimento da mucosa intestinal, do pâncreas e a liberação de insulina. A sua porção ter- minal é idêntica à da gastrina, o que explica muitos dos seus efeitos similares. 3- Gastrina. Estimula a secreção ácida e possi- velmente tem um efeito trófico importante na mucosa gástrica. É produzida pelas células G que estão predo- minantemente no antro. 4- Peptídeo intestinal vasoativo (VIP). Rela- xa a musculatura lisa intestinal, causa vasodilatação, inibe a secreção ácido-gástrica e estimula as secreções pancreática e intestinal. Parece ser importante para relaxar o esfíncter esofágico inferior e o esfíncter anal. 5- Polipeptídeo inibitório gástrico. Desem- penha importante papel na liberação de insulina na presença de hiperglicemia. Possivelmente inibe a se- creção ácido-gástrica. 6- Peptídeo liberador de gastrina. Mediador da liberação da gastrina antral. 1 Intestino delgado 15 7- Substância P. É um neuropeptídeo envolvido na propagação de contrações peristálticas esofágica e intestinal. 8- Bombesina. Foi isolada inicialmente da pele dosapo e é equivalente ao peptídeo liberador da gastri- na. Estimula a secreção ácido-gástrica e libera gastrina do antro. Possivelmente tem a capacidade de liberar todos os peptídeos intestinais, exceto a secretina. 9- Motilina. Liberada no jejuno, causa contra- ção do trato gastrointestinal e é provavelmente im- portante na iniciação do complexo migratório (ver motilidade gastrointestinal). 10- Somatostatina. Inibe a liberação de insulina, a absorção intestinal, a secreção ácido-gástrica, a libera- ção de gastrina e a motilidade do trato gastrointestinal. 11- Polipeptídeo pancreático. Inibe secreção exocrinopancreática. 12- Enteroglucagon. Estimula o crescimento da mucosa intestinal e inibe a secreção ácido-gástrica e a motilidade do trato gastrointestinal. 13- Neurotensina. Possivelmente inibe a se- creção ácida e desempenha um papel na absorção de gordura e na vasodilatação intestinal. 14- Peptídeo Y. Possivelmente inibe a secreção pancreática e a secreção ácido-gástrica. 15- Neuropeptídeo Y. Está localizado nas fi - bras nervosas simpáticas pós-ganglionares que con- têm noradrenalina, e tem a função de aumentar o efei- to vasoconstritor da noradrenalina, sendo importante na regulação do fl uxo sanguíneo. Função imunológica O intestino é uma fonte importante de imuno- globulinas, particularmente IgA, as quais são prova- velmente produzidas nas células plasmáticas na lâmi- na própria da mucosa. Essa lâmina também contém macrófagos e linfócitos que são importantes na defesa imunológica. O intestino também possui células B e T, bem como células mieloides (macrófagos, neutrófi los, eosinófi los e mastócitos). As placas de Peyer são nódu- los não encapsulados de tecido linfoide. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 2 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 2 Estudo radiológico do intestino delgado 17 Radiografi a simples do abdome A radiografi a simples do abdome será utilizada em situações de urgência quando houver suspeita de oclusão ou suboclusão intestinal. Nos pacientes com obstrução do intestino delgado a radiografi a simples do abdome evidencia dilatação das alças proximais em relação à lesão, com pouco ou nenhum gás no cólon. Tomadas feitas com o paciente de pé ou em decúbito podem revelar níveis líquidos nas alças dilatadas. Exame contrastado do intestino delgado O estudo radiológico do intestino delgado pode ser obtido pelo trânsito intestinal ou enteróclise e pela inclusão retrógrada de meios de contraste pelo cólon ou por uma enterostomia. O exame contrastado do intestino delgado con- siste na ingestão de solução baritada pelo paciente, em jejum, e na tomada de várias radiografi as, até que o con- traste chegue ao ceco. O tempo de trânsito é variável, e isoladamente não tem grande signifi cado clínico. A coluna de bário é habitualmente contínua e mostra as valvas coniventes perpendiculares à parede do intesti- no, tornando-se menos marcadas à medida que vão se distanciando do jejuno e se aproximando do íleo. Nesta topografi a o exame deve ser minucioso, uma vez que muitas doenças do delgado incidem neste local. O trânsito pode mostrar, além da natureza da lesão, a sua gravidade e sua distribuição ao longo das alças do delgado. Enteróclise (com metilcelulose) A vantagem básica dessa técnica é que a entubação além do piloro vence o obstáculo esfi ncteriano e possi- bilita a infusão de contraste a uma velocidade desejada. Assim, obtém-se distensão luminal e uma velocidade de trânsito mais mantida. No entanto, a necessidade de entubar geralmente não é bem aceita pelos pacientes, em especial quando isto é feito por um técnico inexpe- riente. Assim, a entubação limita o uso da enteróclise aos casos com boas indicações clínicas de problemas re- lacionados com o intestino delgado que não seriam ade- quadamente resolvidos por uma seriografi a exclusiva. É possível fazer a enteróclise mais livremente quando existe a opção de sedação consciente dos pacientes. A enteróclise é a técnica atual mais exata de exame com bário do intestino delgado. Ela possibilita a demons- tração de detalhes do delgado durante os estágios uni- contrastados e duplo contrastados quando combinada a uma infusão de metilcelulose após a introdução do bário. Obtém-se radiografi a panorâmica ao término das infu- sões para se ter uma boa visão de todas as alças intesti- nais ainda revestidas com bário e com duplo contraste. Todavia, algumas limitações afetam a delineação do íleo distal. O fl uxo desobstruído de contraste pela válvula ileocecal pode impedir a distensão luminal. Além disso, o bário pode estar sufi cientemente diluído ao che- gar ao íleo distal, fornecendo imagens ruins da região ile- ocecal. A enteróclise não é o melhor método quando há um problema clínico especifi camente relacionado com a área do íleo terminal. Nesta situação, a colonoscopia e/ ou o clister opaco podem contribuir para o diagnóstico, uma vez que estes procedimentos podem ultrapassar a válvula ileocecal, facilitando o estudo do íleo distal. Enteróclise com ar Este método também requer entubação e traz pos- sível desconforto para o paciente. Não pode haver difu- são entre o ar e o bário e, assim, essa válvula de enteró- clise apresenta a maior diferença possível de densidade, continuando até o íleo distal. Contudo, não proporciona um estudo global do delgado, como o obtido por metilce- lulose, por causa do grande acúmulo de bário pelo ar e do menor grau de distensão da luz intestinal. Estudo retrógrado do intestino delgado Administra-se 1 mg de glucagon por via intraveno- sa e, em seguida, faz-se um clister unicontrastado com uma suspensão de bário hipodensa. O objetivo é a passa- gem retrógrada de contraste pela válvula ileocecal até se conseguir a opacifi cação do intestino delgado. Possui um índice de insucesso de aproximadamente 20%. Enema por ileostomia É o método de escolha sempre que existe uma ostomia madura e é preciso estudar principalmente o intestino delgado distal. O enema por ileostomia ge- ralmente é feito por bário e duplo contraste com ar, após a administração intravenosa de glucagon. Embo- ra possa proporcionar excelentes radiografi as de du- plo contraste do íleo, as precauções relacionadas com a entubação e a oclusão da luz da ostomia restringem a pressão de injeção e diminuem a extensão do delgado da qual se podem obter imagens. Enteroscopia É o exame endoscópico de todo o trato gastroin- testinal em especial o intestino delgado. A enteroscopia, hoje, permite uma avaliação mais adequada de sangramentos obscuros e doenças do in- testino delgado (como por exemplo a doença de Crohn), pois permite não apenas a avaliação (como radiografi as contrastadas e tomografi as computadorizadas), mas Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201518 Ela identifica prontamente alças intestinais cheias de líquido. A ultrassonografia pode fazer uma identificação positiva das alças intestinais distendidas e cheias de líquido nos casos em que se suspeita de obstrução do intestino delgado e as radiografias sim- ples mostraram um abdome sem gás. O peristaltismo pode ser estudado, sendo facilmente observado o pe- ristaltismo de “luta” pela US. Também pode ajudar no diagnóstico diferencial entre a obstrução e o íleo refle- xo, assim como pode ser útil nos casos de perfuração e no estudo das paredes das alças intestinais na doença de Crohn e nas complicações desta enfermidade. O Doppler colorido permite visualizar os vasos me- sentéricos e também auxilia na identificação de linfono- dos retroperitoneais e ao longo dos vasos mesentéricos. Tumores benignos e malignos podem ter carac- terísticas bastante sugestivas ao exame ultrassono- gráfico. Os linfomas intestinais podem se apresentar com grandes massas, que infiltram o mesentério e o retroperitônio envolvendo os vasos adjacentes e lin- fonodos, configurando um aspecto em “sanduíche”. Os tumores carcinoides podem se apresentarcom es- pessamento de alças na topografia do íleo e redução da mobilidade, ou como uma massa hiperecogênica se projetando para o interior da luz intestinal. O leiomiossarcoma mostra-se como lesão hete- rogênea com áreas císticas centrais decorrentes de ne- crose tumoral. Tomografia computadorizada Os estudos com tomografia computadorizada (TC) ajudam consideravelmente a compreender os achados na enteróclise, o que torna as técnicas verdadeiramen- te complementares. A TC fornece informações sobre o comprometimento da parede, da serosa e do mesentério por várias doenças, incluindo isquemia, abscesso, doença de Crohn, tumor e obstrução. O uso de contraste por via endovenosa e via oral em geral melhora a capacidade de estudo do intestino delgado e do mesentério. A TC tem apresentado importante impacto no diagnóstico das doenças intestinais e alguns estudos têm demonstrado que a TC pode identificar de forma correta a causa de obstrução intestinal em até 73% dos pacientes examinados. Estudos com gastrografina O diatrizoato de meglumina (gastrografina) é um meio de contraste inadequado para o intestino del- gado. É muito hiperosmolar e induz a secreção de uma quantidade de líquido entérico seis vezes maior do que o normal. Como consequência, sua densidade torna- -se insuficiente para fins de obtenção de imagens. A também a coleta de biópsias, se necessário, para análise histopatológica, sendo uma opção a cápsulas endoscó- picas. Novos instrumentos, como o enteroscópio de du- plo balão, facilitam a realização do exame. Enteroscopia por cápsula Sendo um método introduzido recentemente no Brasil, a enteroscopia por cápsula visa estudar as doenças do intestino delgado impossíveis de serem avaliadas pelos métodos tradicionais. A melhor aplicação da enteroscopia por cápsula é no diagnóstico do sangramento digestivo de origem obscura. Outras condições clínicas que acometem o intestino delgado, como doença de Crohn, teleangiec- tasias hemorrágicas hereditárias, síndromes poliposes, tumores de delgado, síndrome de imunodeficiência ad- quirida, doença celíaca, transplante de intestino delgado, bem como diarreia crônica, podem ser exploradas com o uso da cápsula. Trabalhos recentes comparando a enteros- copia por cápsula com a enteroscopia tradicional e outros métodos na exploração de sangramento digestivo de etio- logia obscura demonstraram resultado significativamente superior com o uso da cápsula. Como se realiza o procedimento? Orientar o paciente a permanecer em jejum du- rante as dez horas que antecederem o exame. O exame começa quando o paciente ingere a cápsula com uma pequena quantidade de água. As imagens e dados são recolhidos quando a cáp- sula estiver percorrendo o sistema digestivo. Estas in- formações são então transmitidas por ondas de rádio, ou telemetria, ao gravador que se encontra acoplado à cintura do paciente. O tempo de exame dura aproxi- madamente oito horas, com poucas variáveis. Duran- te o procedimento, o paciente poderá desempenhar a maioria das atividades do dia a dia. O paciente retorna ao consultório para devol- ver o gravador de imagens. Já a cápsula é totalmente descartável, sendo eliminada durante a evacuação. Os dados então serão condensados na estação de traba- lho computadorizada. O médico terá acesso às ima- gens geradas no procedimento, à interpretação dos resultados, além da gravação de imagens importantes, confecção de pequenos clipes, emissão de laudos com fotos, e outros procedimentos de interesse médico. Ultrassonografia Este exame vem se tornando cada vez mais im- portante como método de estudo e estadiamento abdominal de neoplasias. A introdução do Doppler e dos meios de contraste na US e, mais recentemente, a reconstrução de imagens em três dimensões, de alta qualidade, tornam mais efetivo este procedimento para estudo das doenças do intestino. 2 Estudo radiológico do intestino delgado 19 TC deve ser um estudo de imagens preferido sempre que o uso do bário for contraindicado (possível perfu- ração ou cirurgia iminente no intestino delgado). Ressonância nuclear magnética (RNM) Embora não seja ainda a solicitação rotineira para o estudo das doenças do intestino delgado, es- pera-se para o futuro a mesma aplicabilidade prática da US e da TC. Atualmente a RNM vem apresentando resultados que possibilitam a sua aplicação no estudo dos distúrbios isquêmicos intestinais. Outra aplicação clínica a se destacar é no diagnóstico da má rotação intestinal e no divertículo de Meckel, embora a cinti- lografi a e os outros exames contrastados do ID sejam sufi cientes para diagnosticar esta anomalia; a RNM também permite o estudo deste divertículo. Arteriografi a A indicação básica de estudos angiográfi cos em patologias do intestino delgado é na pesquisa de san- gramento digestivo de local indeterminado. A primeira abordagem diagnóstica em um caso de sangramento digestivo é a de clinicamente tentar defi nir a causa do sangramento como sendo de localização alta ou baixa e avaliar tal sangramento por meio de esofago- gastroduodenoscopia ou colonoscopia. Quando os procedimentos endoscópicos não determinam a causa do sangramento, é possível que ele esteja ocorrendo no intestino delgado. Durante a vigência do sangramento, os principais métodos diag- nósticos a serem utilizados são a MN e a arteriogra- fi a. Nos casos de sangramento crônico, intermitente e de pequeno volume, pode-se tentar identifi car uma alteração morfológica intestinal por meio dos estudos radiológicos contrastados convencionais. O estudo arteriográfi co, para ser positivo, exige um sangramento no momento da realização do exa- me, demonstrado pela caracterização do extravasa- mento do meio de contraste para o interior de um seg- mento de alça intestinal. O volume de sangramento necessário para a positividade do exame é de cer- ca de 0,5 mL por minuto. Nos casos de hemorragia digestiva, o exame arte- riográfi co deve ser completo, com estudo das artérias do tronco celíaco e seus ramos, artéria mesentérica supe- rior, artéria mesentérica inferior e artérias ilíacas inter- nas e seus ramos hemorroidários, preferencialmente por cateterização seletiva dessas artérias. Uma vantagem da investigação de sangramento digestivo pela arteriografi a é a possibilidade de con- trole do sangramento com a administração de subs- tâncias vasoconstritivas e agentes embolizantes. Medicina nuclear Embora possa ser utilizada também no estudo de doenças infl amatórias intestinais e na pesquisa de neo- plasias, as indicações mais usuais de estudos de medici- na nuclear (MN) relacionados com o intestino delgado são a pesquisa de divertículos de Meckel e o estudo de sangramento digestivo de causa indeterminada. Os divertículos de Meckel são remanescentes do ducto onfalomesentérico e situam-se na porção distal do íleo. Alguns pacientes com divertículo de Meckel podem apresentar quadros crônicos de sangramento digestivo ou infl amações agudas. Em cerca de 15% a 25% dos divertículos de Meckel existe uma mucosa do tipo gástrica e ela pode ser caracteri- zada pela administração de tecnécio-99m que é concentra- do e excretado por células gástricas produtoras de mucina. A investigação de sangramento digestivo ativo pode ser feita pela MN com diferentes marcadores, porém mais frequentemente adota-se a administração de hemácias marcadas com tecnécio-99m. A positivi- dade de um estudo cintilográfi co de hemorragia digestiva exige um sangramento ativo de aproxi- madamente 0,1 mL por minuto. Figura 2.1 Radiografi a simples do abdome em decúbito dorsal, mos- trando distensão de alças do intestino delgado com empilhamento compatível com obstrução intestinal. Figura 2.2 Radiografi a simples do abdome em decúbito supino, mos- trando distensão de alças do intestino delgado, níveis hidroaéreos em um paciente com obstrução no intestino delgado. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201520 Figura 2.3 Cintilografia mostrandoacúmulo anômalo do 99mTc- per- tecnetato compatível com a presença de divertículo de Meckel contendo mucosa gástrica na região periumbilical e à esquerda da linha mediana. Figura 2.4 Radiografia panorâmica da enteróclise bifásica com duplo contraste em toda a extensão do intestino delgado. Exame normal. Figura 2.5 Trânsito delgado mostrando múltiplos divertículos de colo estreito do íleo distal. Figura 2.6 Paciente com abdome agudo obstrutivo e distensão líqui- da de alça do intestino delgado. Imagem ultrassonográfica de pólipo no interior da alça intestinal. Figura 2.7 Tomografia computadorizada evidenciando pólipos no interior do intestino delgado distendido. Figura 2.8 Massa exoentérica. Linfoma primário do intestino delga- do. O flagrante do jejuno distal mostra o bário enchendo um grande es- paço (setas brancas grandes) que sai da borda mesentérica do intestino. O espaço apresenta uma superfície irregular. Nódulos lisos do tumor (setas abertas) situam-se na borda mesentérica da alça. As válvulas co- niventes (setas pretas) estão dilatadas e alvonodulares. Figura 2.9 Aspecto de pilha de moedas e impressão digital em um paciente com vasculite no intestino delgado. Pregas regulares, retas e espessadas (setas brancas) situam-se perpendicularmente ao eixo longitudinal do intestino delgado lembrando uma pilha de moedas ou paliçada. Impressão digital (setas abertas) referem-se a nódulos da sub- mucosa da borda mesentérica – os nódulos apresentam uma superfície lisa e fazem ângulos retos com o contorno do intestino. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 3 Etiologia Aderências são responsáveis por mais de 56% das obstruções intestinais. Elas são secundárias a operações pélvicas do tipo ginecológicas, apendicecto- mias e ressecções colorretais, assim como decorrentes de laparotomias para tratamento de ferimentos abdominais penetrantes. As causas menos comuns são as de origem congênita, as secundárias a traumas abdominais fecha- dos, processos inflamatórios ou hérnias inguinais indire- tas, com formação de aderências no anel interno. Neoplasias malignas são responsáveis por aproximadamente 10% dos casos de obstrução do intestino delgado. A maioria desses tumores é de lesões metastáticas que obstruem o intestino. Grandes tumores intra-abdominais podem causar obs- trução por compressão extrínseca. Cabe ressaltar que tumores primários do cólon (particularmente do ceco e colo ascendente) podem apresentar-se clinicamente como obstrução do intestino delgado. Os tumores pri- mários do intestino delgado também causam obstru- ção, mas são extremamente raros. Hérnias são a segunda ou terceira causa mais frequente de obstrução do intestino delga- do, mais comumente as ventrais ou incisionais, inguinais e hérnias internas. Intussuscepção é um evento raro no adulto comparado com a frequência encontrada na infância. Na infância, 95% são decorrentes do aumento do ta- manho das placas de Peyer, e a maioria dos pacien- tes tem menos de dois anos de idade. Acima dos dez anos, a causa mais frequente é neoplasia, mas tam- bém ocorre devido à invaginação do divertículo de Meckel e aquelas não identificadas. Os cálculos biliares podem migrar para a luz intes- tinal por meio de uma fístula colecistoentérica e determi- nar obstrução (íleo biliar, veja este capítulo no texto de vias biliares). Mais raramente, enterólitos originários de divertículos de jejuno, corpos estranhos ingeridos, parasi- tas (Ascáris) e fitobezoares também causam obstrução de delgado. Doença de Crohn é uma outra condição que pode evoluir para obstrução intestinal na sua história natural. Miscelânea (9%) Neoplasias (10%) Hérnias (25%) Aderências (56%) Figura 3.1 Obstrução do intestino delgado. Fisiopatologia No adulto normal são secretados de 7 a 9 litros de suco intestinal a cada 24 horas, sendo 98,8% reab- sorvidos no íleo terminal e cólon, levando em torno de 100 mL até o reto sob a forma de fezes. A obstrução da luz do intestino delgado interfere no processo de reab- sorção, e dois padrões podem ser distinguidos. Precocemente, no curso de uma obstrução intestinal, a motilidade aumenta em um esforço para impulsionar o conteúdo intraluminal através do ponto de obstrução. O aumento do peristaltismo ocorre acima e abaixo da zona de obstrução, o que explica a presença de diarreia que pode acompanhar a obstru- ção parcial ou total do intestino delgado na fase inicial do quadro clínico. Na evolução, o intestino apresenta fadiga e dilatação, e as contrações diminuem em frequência e em intensidade. Na obstrução jejunal alta as secreções de estôma- go, duodeno, fígado e pâncreas continuarão a ser produ- zidas, mas não ocorrerá reabsorção, porque o gradiente pressórico favorece a regurgitação para o estômago, de- terminando vômitos frequentes e volumosos, podendo levar à desidratação, hipocloremia, hipopotasse- mia e alcalose metabólica. A distensão abdominal é pequena e o que predomina são os episódios de vômito. Na oclusão baixa do intestino delgado ocor- re uma situação mais complexa. A distensão é má- xima, imediatamente próxima à obstrução. Progres- sivamente, vários segmentos do intestino começam a distender-se devido ao acúmulo de grande quantidade de secreções intraluminais e de gás. O edema da parede intestinal é ocasionado pelo aumento da pressão intra- luminal, que diminui o retorno venoso, contribuindo para o sequestro de líquido. No entanto, o desequilíbrio nos eletrólitos é menos frequente. Oligúria, azotemia e hemoconcentração podem acompanhar a desidratação e a hipovolemia. Os vômitos ocorrem tardiamente. Composição do gás intestinal Gás no intestino % Nitrogênio 70 Oxigênio 12 Dióxido de carbono 8 Hidrogênio sulfídico 5 Amônias e aminas 4 Hidrogênio 1 Tabela 3.1 Na obstrução em alça fechada (a alça intestinal encontra-se obstruída simultaneamente na extremidade proximal e distal) ocorrem grandes pressões intralu- minais, levando à diminuição do fluxo sanguíneo na mucosa. É determinada, frequentemente, pela torção do intestino, levando à oclusão arterial e à isquemia, ocasionando perfuração e peritonite. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201522 O estrangulamento intestinal geralmente envolve uma obstrução em alça fechada em que o fl uxo sanguíneo é comprometido, podendo levar a infarto intestinal. Obstrução Intestinal - (simples) Fisiopatologia Perda Líquida Hemoconcentração Hipovolemia Choque Oligúria IRA Figura 3.2 Fisiopatologia. Obstrução Intestinal (estrangulamento) Fisiopatologia Distensão da Alça Choque IRA Prolifer. Bacteriana Produção Toxinas Absorção Toxinas (Toxemia) Hipovolemia Perda de Sangue Alterações Vasculares Figura 3.3 Fisiopatologia. Obstrução Intestinal (choque) Fisiopatologia Toxêmico Alteração �ora intestinal Absorção de toxinas Hipovolêmico Perda externa - vômitos Perda Interna Sequestro Luz Sequestro Cavidade Hemorragia (Necrose Alça) Figura 3.4 Fisiopatologia. Quadro clínico e exame físico O quadro clínico de obstrução de delgado inclui dor abdominal em cólica, distensão, vômitos, náusea e obs- tipação (não eliminação de fezes ou de fl atos). De acordo com a localização da obstrução, pode haver predominân- cia de determinados sintomas. A dor em cólica, que ocorre em intervalos de 3 a 5 minutos, é mais característica das obstruções altas, enquanto as mais distais apresentam in- tervalos de 10-15 minutos. Quando a dor é constante e lo- calizada, sugere estrangulamento de alça. A obstrução em alça fechada se caracteriza por dor forte, constante e locali- zada, em decorrência do sofrimento vascular do intestino. As náuseas e os vômitos são mais frequentes nas obstruções gastroduodenais e jejunais altas. Quanto mais fecaloide é o vômito, mais distal deve ser a obstrução. A obstipação geralmente é um achado mais tardio no caso de abdome agudo obstru- tivo. Assim, é importante se ter em mente que não é possível descartar umaobstrução intestinal completa com base na informação de que o paciente eliminou fezes e fl atos no início do quadro de dor. Com o objetivo de auxiliar a anamnese, recomen- da-se a sistematização de algumas perguntas importan- tes seguindo uma ordem alfabética. A. Abaulamento na região inguinal ou ventral (hérnias como fator causal)? B. Blood – Perda de sangue nas fezes (único epi- sódio: intussuscepção ou isquemia, repetidos episó- dios: neoplasia)? C. Cirurgias abdominais prévias (aderências, bri- das. Lembrar que cirurgias com incisão em abdome su- perior causam obstrução com menos frequência)? D. Dor, localização e duração dos intervalos (dor localizada e contínua, pensar em sofrimento vascular do intestino; cólica com intervalos entre 3-5 min.: obs- trução alta, intervalos 10-15 min. obstrução baixa)? E. Eliminação de fezes ou de fl atos (pacientes com eliminação normal de fezes e fl atos têm pouca chance de ter obstrução mecânica completa)? Exceto no início do quadro. F. Febre (história de febre com quadro clínico de obstrução, pensar em necrose intestinal ou processo infl amatório e infeccioso associado)? Figura 3.5 A: obstrução do intestino delgado alto (vômitos frequentes, sem distensão); B: obstrução do intestino delgado médio (vômitos e distensão moderados. Dor intermitente, cólica, com intervalos livres); C: obstrução do intestino delgado baixo (vômitos tardios e fecaloides; distensão acentuada). 3 Obstrução do intestino delgado 23 Obstrução do ID alto • vômitos frequentes • nenhuma distensão • dor intermitente, mas não do tipo clássico em crescendo Obstrução do ID médio • vômitos moderados • distensão moderada • dor intermitente em crescendo com intervalos livres Obstrução do ID baixo • vômitos tardios, fecaloides • distensão acentuada • dor variável que pode ser ou não do tipo clássico em crescendo Tabela 3.2 O paciente com obstrução intestinal pode apresentar taquicardia, hipotensão e desidratação em decorrência de perda de líquido para o tercei- ro espaço. Quando febre e irritação peritoneal localizada estão presentes, deve-se suspeitar de alça estrangulada. A distensão abdominal geralmente é maior nos casos de obstrução mais baixa. Os ruídos hidroaéreos, na fase inicial, frequentemente estão aumentados e apresentam som metálico na ausculta. Se houver silêncio ab- dominal, pode ser resultado de um quadro clínico arrastado em que o intestino entrou em fadiga ou peritonite concomitante. Íleo adinâmico também se caracteriza por diminuição de ruídos hidroaéreos. Figura 3.6 Peristaltismo de luta e distensão abdominal observados à ins- peção do abdome em portador de obstrução intestinal por brida. Um exame cuidadoso da região inguinal é ne- cessário para se excluir a possibilidade de hérnia en- carcerada. Outras hérnias também devem ser inves- tigadas e examinadas (ventral, umbilical, obturador). O toque retal deve ser feito rotineiramente com o objetivo de excluir massas intraluminais e verificar se não há sangue na ampola retal. Diagnóstico 1. É oclusão ou suboclusão intestinal? 2. É alta ou baixa? 3. É simples ou existe sofrimento? 4. Qual a extensão do comprometimento metabólico? 5. Qual é a provável etiologia? A avaliação clínica do doente é primordial para diagnóstico e tratamento dos casos de obstrução. Os estudos laboratoriais, radiológicos e endoscópicos são importantes, mas não passam de medidas auxiliares que poderão completar a avaliação clínica, mas nun- ca substituí-la. As manifestações clínicas típicas são: dor, distensão, vômitos e interrupção da eliminação de gases e fezes. A constatação de ondas peristálticas visíveis é o conhecido Sinal de Kusmaul. Exames laboratoriais: avaliação da gravidade Hematócrito e hemoglobina: geralmente há elevação por hemoconcentração. Leucograma: leucocitose é um achado comum em casos de obstrução, porém em níveis maiores que 15 mil, com desvio à esquerda, deve-se suspeitar de alça estrangulada. Ausência de leucocitose não exclui possi- bilidade de sofrimento vascular do intestino. Sódio, cloro e potássio: hiponatremia, hipo- cloremia e hipopotassemia são resultado das perdas para o terceiro espaço. Ureia e creatinina: elevadas devido à insufici- ência renal e pré-renal. Gasometria arterial: acidose metabólica é o re- sultado da perda de secreções alcalinas, jejum (cetose) e hipotensão. Alcalose metabólica menos frequente e geralmente é decorrente de obstruções altas, nas quais se perde principalmente ácido clorídrico. Amilase: hiperamilasemia, em combinação com qualquer um desses achados: dor contínua, febre e ir- ritação peritoneal, pensar em sofrimento vascular. Exames de imagem A história e o exame clínico do paciente frequen- temente fazem o diagnóstico. A radiografia simples do abdome é o primeiro exame radiológico a ser solicitado e, na maioria das vezes, confirma o diagnóstico de obstru- ção completa, além de definir se a obstrução é no intes- tino delgado ou no cólon. Aproximadamente 60% dos casos são definidos com o quadro clínico e a radio- grafia do abdome. As radiografias simples de abdo- me consistem em evidências no decúbito dorsal e na posição ereta (ou em decúbito). Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201524 Os achados característicos da obstrução in- testinal de delgado na radiografi a simples de ab- dome são os seguintes: níveis hidroaéreos em dife- rentes alturas em forma de degraus de escada (> 3 cm de diferença) e dilatação de alças de delgado (> 3 cm de diâmetro) sem distensão do cólon. O íleo adinâmico, encontrado com frequência em pós-operatório pode, al- gumas vezes, ser confundido com a obstrução mecânica de delgado. A radiografi a de abdome de um paciente com íleo costuma apresentar dilatação e gás no cólon, além de os níveis hidroaéreos se localizarem na mesma altura. Figura 3.7 Paciente em decúbito lateral esquerdo com radiografi a abdo- minal mostrando dilatação de alças de delgado e níveis hidroaéreos. Figura 3.8 Obstrução intestinal alta com níveis hidroaéreos. Figura 3.9 Radiografi a simples de abdome de uma criança com qua- dro de obstrução intestinal. Observe a imagem de bolo de ascáris acima. Figura 3.10 Radiografi a simples do abdome em caso de obstrução mecânica do delgado sem estrangulamento. A: radiografi a em decúbito dorsal evidenciando o aspecto das válvulas coniventes, além de demons- trar imagem compatível com corpo estranho intracavitário (setas); B: ra- diografi a em ortostatismo demonstrando presença de níveis hidroaéreos em diferentes alturas. 3 Obstrução do intestino delgado 25 Figura 3.11 Ultrassonografia do abdome mostrando distensão de alça do intestino delgado com conteúdo líquido. Observe a imagem de pólipo no interior da alça intestinal. Figura 3.12 Grande distensão do intestino delgado com edema da parede do intestino. Figura 3.13 Trânsito de delgado em caso de invaginação intestinal jejunojejunal. Figura 3.14 TC de abdome mostrando alças do intestino delgado distendidas e pólipos no interior dessas alças. Para graus intermitentes-médios de obs- trução do intestino delgado a enteróclise é o melhor exame. Ela determina distensão suficiente da luz para realçar o local de transição brusca entre as alças dilata- das e as não dilatadas, mesmo nas obstruções que não são clinicamente evidentes no momento do exame. Os detalhes da superfície mucosa obtidos com a enteróclise permitem a diferenciação entre a obstrução por brida e outras causas de oclusão, principalmente cânceres. A en- teróclise é o método preferido quando há incerteza clíni- ca quanto à presença de obstrução do intestino delgado. Figura 3.15 Obstrução leve do intestino delgado por uma brida. O efeito obstrutivo da brida que comprime a luz (seta) é acentuado pela distensão proximal provocada pela enteróclise. Para obstrução intestinal cerrada ou com- pleta recomenda-se a TC, pois sua exatidão é de 90% a 95%. O bário pode ser indesejável caso seja necessária uma intervençãocirúrgica imediata. O bário pode demorar muitas horas para alcançar o local da obstrução em virtude da perda de peristalse geralmente observada na obstrução intestinal cerrada prolongada. Além disso, está contraindicado quando se suspeita de gangrena, um diagnóstico clínico pré- -operatório difícil que pode ser bastante auxiliado pela TC. As obstruções em alça fechada podem ser identifi- cadas por enteróclise e pela TC. Obstrução do intestino delgado distal ver- sus obstrução colônica. Quando se suspeita de obs- trução do intestino delgado distal versus obstrução colônica em uma radiografia simples, recomenda-se o clister opaco (de preferência unicontrastado) como a Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201526 abordagem mais direta ao local de oclusão. Caso afaste a obstrução colônica, o infl uxo de bário deve ser conti- nuado para se tentar opacifi car de maneira retrógrada o segmento distal do delgado. É possível que o local da obstrução não seja apreciado, a menos que o bário atinja a alça proximal distendida, já que a obstrução é abordada pelo lado não dilatado. Figura 3.16 Obstrução em alça fechada devido à herniação por baixo de uma brida. As setas indicam as alças aferente e eferente. Íleo adinâmico O diagnóstico por radiografi as simples deve bas- tar quando se suspeita de íleo adinâmico, no qual se observa uma distribuição uniforme de gás no delgado e no cólon dilatados (incluindo o reto). Deve-se fazer a TC sempre que o íleo esteja associado a aspectos clíni- cos de infl amação, formação de abscesso ou gangrena. Aconselha-se a realização do clister com bário quando se suspeita que uma obstrução colônica distal com válvula ileocecal incompetente pode ter determinado distensão do delgado, bem como do cólon. Obstrução do intestino delgado em pacientes idosos Deve-se usar a TC, já que o bário permanece mui- to tempo no intestino desses pacientes. Figura 3.17 História de laparotomia para carcinoma da salpinge. Obstru- ção do intestino delgado por uma metástase. Deformidades luminais arre- dondadas (setas pequenas) acima e abaixo do segmento estreitado (seta). Figura 3.18 Obstrução do intestino delgado depois de uma laparotomia para o carcinoma do cólon uterino. A metástase desloca e infi ltra um seg- mento intestinal (setas curtas) mais distalmente, uma brida causa obstrução serrada (seta longa). Quadro sugestivo de obstrução de delgado Solicitar: hemograma, rotina radiológica para abdome agudo, eletrólitos, gasometria, função renal Obstrução completa ou de alto grau Evidência de sofrimento vascular Hérnia não redutível Cirurgia Suboclusão intestinal Quadro inde�nido ou sugestivo de suboclusão intestinal Solicitar TC + RX contrastado de intestino (se TC não conclusiva) Tratamento clínico por 24-48 h e reavaliação da conduta Hidratação EV SNG Sonda vesical Antibiótico EV Figura 3.19 Fluxograma para atendimento de pacientes com obstrução de intestino delgado. 3 Obstrução do intestino delgado 27 Tratamento Avaliação do paciente Avaliação dos distúrbios da volemia Pulso (frequência e amplitude) Pressão arterial (níveis e diferencial sistólica/diastólica) Velocidade do enchimento capilar Pressão venosa central Fluxo urinário Sinais de desidratação (ver abaixo) Avaliação dos distúrbios hidreletrolíticos Umidade da pele e das mucosas Turgor da pele e elasticidade do globo ocular Fluxo urinário e determinação da osmolaridade/densidade da urina Determinações séricas de sódio, potássio, cloro, hematócrito e proteínas Avaliação dos distúrbios acidobásicos Padrão respiratório (frequência e amplitude) Determinação do pH, pCO2 e diferença do sangue venoso ou, preferivelmente, arterial Avaliação das funções orgânicas (rins e pulmões) Fluxo urinário inicial e resposta após expansão Determinação sérica de ureia e creatinina Determinação da densidade e osmolaridade ou determinação da PO2 arterial em ar ambiente Estudo radiológico dos campos pulmonares Avaliação do componente infeccioso (hemograma e culturas) Em casos selecionados podem tornar-se necessárias outras determinações laboratoriais (amilasemia, coagulograma etc.) Tabela 3.3 O alívio da distensão pode ser conseguido pronta- mente, através de SNG (16 ou 18 French). A remoção de gases e secreções digestivas como medida inicial é de extre- ma importância para evitar a aspiração de conteúdo gas- trointestinal no pré-operatório ou na indução anestésica e para melhorar as condições de ventilação pulmonar. O aspecto do líquido aspirado poderá dar infor- mações úteis quanto ao nível e, eventualmente, quan- to à natureza da obstrução. No íleo paralítico, desde que associada à reposição e manutenção hidroe- letrolítica e à remoção da doença subjacente, a aspiração nasogástrica poderá ser o tratamento mais importante. A reposição volêmica deve ser iniciada precocemente. A expansão pode ser sangue total, plasma e soluções iso ou hipotônicas. A escolha será ditada pela clínica e por determinações laboratoriais, em particular pelo hemató- crito. O sangue total e as soluções coloidais, expansores volêmicos, às vezes podem ser escolha, pois permanecem no meio intravascular e não se dissipam para o interstício. Por outro lado, na obstrução intestinal existem siste- maticamente soluções hidrossalinas que devem ser repos- tas pela infusão de soluções cristaloides (soro fisiológico, Ringer) além da reposição hidreletrolítica usual do pós- -operatório, que é SG 5%. A avaliação repetida e frequente das condições do doente permitirá evitar a reposição insu- ficiente (o que poderá precipitar a insuficiência renal) ou hidratação excessiva (o que levará ao edema pulmonar). A administração de potássio será ditada pelos níveis séricos. Soro fisiológico 0,9%, Ringer lactato ou SG 5% mais NaCl 20 a 30 mL/L (necessidades de Na+= 1-2 mEq/kg) na velocidade de 1.000 mL/60 a 120 min. Esta conduta deve persistir até que se normalizem as condições hemodinâ- micas e se inicie a diurese, ou até que a PVC se eleve até valores de + 5 cmH2O (medida em nível esternal). O fluxo urinário de 0,5 a 1,0 mL/min., com osmolaridade urinária tendendo a se igualar à do plasma, deve ser mantido. Os distúrbios acidobásicos, por serem habitu- almente secundários às perdas extrarrenais e à de- terioração hemodinâmica, quase sempre respondem com a simples reposição acima comentada. A terapêutica poderá ser conservadora, de início, nos casos de suboclusão, nos casos de obstrução no período pós-operatório imediato e quando as causas forem hérnias redutíveis (exceto femoral). A evolução ditará a conduta definitiva. Nas demais circunstâncias, particularmente quando houver evidências ou mesmo suspeitas de sofrimento de alça, estará indicado o tra- tamento cirúrgico com o intuito de remover a causa ou contorná-la por meio de derivações internas ou exter- nas. Ao se considerar esta modalidade terapêuti- ca, alguns princípios deverão ser lembrados: 1- Sempre que não houver contraindicações, con- vém realizar exploração sistemática da cavidade perito- neal para avaliar adequadamente a extensão e o diag- nóstico diferencial, antes de optar por uma conduta; 2- As alças intestinais de vitalidade duvidosa ou claramente comprometida deverão ser ressecadas; 3- Quando for necessária uma ressecção, será prefe- rível uma anastomose primária, desde que haja condições; 4- Entretanto, não se deve vacilar em optar pela intervenção que permita resolver o problema obstrutivo agudo com o menor risco possível, mesmo que implique vários tempos cirúrgicos; 5- As derivações internas são aceitáveis como medida de exceção, quando o tratamento definitivo comporta riscos ou não pode ser realizado; 6- Nas obstruções do intestino delgado as ente- rostomias não são recomendáveis, pois frequentemen- te acarretam problemas metabólicos de difícil controle, além de terem caráter paliativo; 7- Pelo contrário, nas obstruções que acometem o colo, as enterostomias encontram frequente indicação, comexceção das cecostomias, que não são recomendáveis. Nas obstruções simples, antibioticoterapia não deve ser utilizada. A indicação formal ocorre quando existe necrose de alças. A escolha do anti- biótico deverá levar em consideração as características da flora intestinal polimicrobiana, com predomínio de germes gram-negativos e rica em anaeróbios. As doses deverão ser as terapêuticas e a via de administração parenteral. No ato cirúrgico, sempre que houver exsu- datos, será conveniente enviar uma alíquota para bac- terioscópico, cultura e antibiograma. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201528 Bridas e aderências É oportuno que o acesso à cavidade peritoneal se faça através de área não manipulada cirurgicamente em precedência. A avaliação das alças deve ser completa, e para tanto se torna necessário, habitualmente, amplo descolamento, que deve ser cauteloso para evitar lesões entéricas. A ressecção intestinal estará indicada quando houver necrose ou quando uma parte do delgado esti- ver tão comprometida pelas aderências, que se torne difícil ou impossível assegurar o restabelecimento do trânsito. Por outro lado, considerando a frequência com que as aderências se refazem, pode acontecer de serem realizadas ressecções posteriores, às vezes extensas, e a decisão de remover longos segmentos intestinais deve ser ponderada cuidadosamente. Como rotina, não se aconselham plicaturas tipo Noble ou outras, pois aumentam a morbidade, sem pôr o doente a coberto de futuras obstruções. Sendo neces- sário esvaziar o intestino durante a cirurgia, será pre- ferível fazê-lo levando o conteúdo entérico até o estô- mago por manobras cuidadosas, de onde será removido por meio da sonda nasogástrica. A técnica de Noble consiste na fi xação da alças umas às outras por sutura seromuscular que as mantêm em posição paralela entre si. A técnica de Child-Philips consiste também em manter as alças paralelas entre si, porém por meio de pontos em “U” transfi xantes do meso das alças. Essas técnicas possuem valor histórico, porém sem resultados satisfatórios na prática clínica. Figura 3.20 Obstrução intestinal por brida. Hérnias Constatada a irredutibilidade da hérnia por ma- nobras incruentas, a via de acesso inicial é a própria de herniorrafi a. Habitualmente torna-se possível a redução cirúrgica do conteúdo do saco herniário, pro- cedendo-se, a seguir, à reparação da parede. Mesmo que haja gangrena da alça contida no saco herniário, habitualmente serão possíveis a ressecção e a anasto- mose primária pela mesma via de acesso. Em casos es- porádicos será necessário recorrer à laparotomia para o tratamento da alça comprometida, o que não nos exime da responsabilidade de executar a herniorrafi a. O fechamento do colo do saco herniário por via abdo- minal não costuma dar resultados satisfatórios. Um tipo especial de hérnia que leva à obstrução intestinal é a hérnia interna (falha no mesentério ou no omento que permite a passagem de alça intestinal que ali fi ca encarcerada, podendo estrangular). Figura 3.21 Hérnia interna transmesentérica. Novelos de ascáris Na maioria dos casos de obstrução intestinal por bolos de ascáris os sintomas são leves e não há, de início, sinais de necrose intestinal ou peritonite. Dessa forma, o tratamento inicial é feito com medidas clínicas, constitu- ídas de jejum, sondagem nasogástrica de alívio e hidrata- ção parenteral. Por intermédio da sonda gástrica deve-se administrar óleo mineral na dose de 40 a 60 mL, e, se necessário, 15 a 30 mL a cada duas horas, com o objeti- vo de lubrifi car e facilitar a dissolução e a eliminação dos vermes, em conjunto com a piperazina na dose de 75 a 100 mg por quilograma de peso da criança. A piperazi- na (dietilenodiamina) atua de forma a paralisar a mus- culatura dos vermes, por agir na placa mioneural (ação curarizante), provocando paralisia fl ácida dos helmintos, os quais passam a ser eliminados mais facilmente. Ou- tras drogas anti-helmínticas não são recomendadas pelo perigo de promoverem hipermotilidade dos vermes e migração dos mesmos para os ductos biliares e pancre- áticos. Alguns autores recomendam a administração de gastrografi na, com o objetivo de promover aumento de líquidos no interior do intestino por mecanismo osmóti- co, o que facilita a dissolução do bolo de vermes. Deve-se tentar o tratamento clínico por 24 a 48 ho- ras, sob rigorosa observação médica. A boa resposta ao tratamento clínico ocorre em quase 90% dos casos e con- siste em melhora das dores e da distensão abdominal, com o retorno da eliminação de gases e fezes e eliminação dos vermes pelo ânus, 12 a 24 horas após. Nos casos em que não se observa resolução completa ou melhora após 24 a 48 horas de tratamento clínico, ou quando houver suspei- ta de complicações intestinais, deve-se indicar cirurgia. 3 Obstrução do intestino delgado 29 No ato cirúrgico será constatada, habitual- mente, a presença do novelo de Ascáris no íleo terminal. Se a vitalidade das alças for satisfatória, convém tentar manobras de malaxar (ordenhar alças) para que haja desobstrução. Caso não haja possibilida- de de malaxar, os vermes poderão ser retirados por en- terotomia realizada a montante (proximal) ao novelo, em alça bem vascularizada e não em alça edemaciada, para evitar a contaminação da cavidade peritonial. A ressecção intestinal, removendo-se a alça e o novelo de ascáris, é preferível em infestações maciças e deverá ser feita caso haja evidências de gangrena. Pode ser necessário abrir o lúmen intesti- nal (através de enterotomia ou ressecção). Deve-se ter o cuidado para não deixar vermes remanescentes, que podem causar deiscências e fístulas. A reconstrução do trânsito após ressecção, feita por anastomose ileal terminoterminal quando o seg- mento ressecado for próximo da ileocecal, por íleo as- cendente e anastomose lateral, pode ocorrer. Invaginação intestinal (intussuscepção) A cirurgia é indicada nas invaginações que acome- tem o intestino delgado e nas ileocólicas quando o enema baritado, feito sob visão direta, não consegue re- duzir a invaginação. Mesmo quando existe comprome- timento com gangrena da alça invaginada, as manifes- tações não costumam ser muito exuberantes. Lembrar que esta condição raramente é encontrada em adultos e, em geral, é causada por um pólipo ou por outra lesão intraluminal. Esta condição é própria da infância e se caracteriza por dor em cólica, eliminação de sangue pelo reto e uma massa palpável. Após a abertura da cavidade, a ressecção imediata da intussuscepção será indicada apenas quando houver evidências inconfundíveis de necrose de alça. Nas demais circunstâncias deve-se tentar desfazer a invaginação. A manobra apropriada neste sentido incluirá não só a tração delicada da alça invaginada, mas principalmente a compressão na “cabeça” da invaginação, tentando em- purrar a alça invaginada para a invaginante. Figura 3.22 Invaginação intestinal ileocecal. Observa-se, por trans- parência, a coloração azulada da alça invaginada necrosada. Hipofluxo O comprometimento vascular não se deve a oclusões de grandes artérias ou veias, mas decorre de hipofluxo mesentérico por doenças sistêmicas e/ou cardiovasculares. Nestas condições, é comum que se encontre, à laparotomia, uma sucessão de segmentos intestinais com boa vitalidade, alter- nados com outros isquêmicos, francamente necró- ticos. A distribuição esparsa dos de “sofrimento” e a dificuldade de avaliação da vitalidade intestinal levantam um problema de conduta (é o que ocorre, por exemplo, na pancreatite necro-hemorrágica). Na dúvida, é preferível analisar cuidadosamen- te a viabilidade do intestino, evitar a ressecção ime- diata e fechar a cavidade após drenagem, planejando nova laparotomia 24 a 48 horas após (second look). Neste intervalo, todos os esforços serão realizados para corrigir as doenças responsáveis pela diminui- ção da oferta sanguínea às vísceras. Síndrome da artériamesentérica superior A Síndrome da artéria mesentérica superior (SAMS) ou síndrome de Wilkie é uma afecção rara. É caracterizada pela compressão extrínseca da ter- ceira porção do duodeno pela artéria mesentérica superior, na face anterior, e pela aorta e coluna vertebral posteriormente. Disto resulta uma obs- trução intestinal alta. Foi descrita pela primeira vez por Von Bokitansky em 1861, e depois estudada por Wilkie, que detalhou a maioria dos achados clínicos, no início do século XX. A artéria mesentérica superior tem sua ori- gem no espaço retroperitoneal, onde está cercada por gânglios e nervos autonômicos, linfonodos e vasos linfáticos e uma camada de tecido adiposo de espessura variável. No seu trajeto oblíquo no sen- tido caudal, a artéria mesentérica superior forma um ângulo agudo com a aorta, que varia de 35º a 65º em indivíduos normais. O duodeno, por sua vez, cruza o espaço entre a aorta e a artéria mesen- térica superior, da direita para a esquerda. A compressão se faz na terceira porção do duodeno, pelo “pinçamento” do mesmo, no ângu- lo formado entre a aorta e a artéria mesentérica superior. Os fatores clínicos que podem provocar a compressão duodenal são o decúbito dorsal pro- longado, a perda rápida de peso e o uso de aparelho gessado ou prótese que comprima o abdome. Fa- tores anatômicos, como inserção alta do duodeno, ligamento de Treitz muito curto e lordose lombar excessiva também podem contribuir para a com- pressão vascular do duodeno. Os fatores anatômi- cos provavelmente explicam a ocorrência da sín- drome em vários membros de uma mesma família. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201530 Figura 3.23 Esquema anatômico da compressão duodenal pela arté- ria mesentérica superior. 1: duodeno; 2: seta indicando o local da com- pressão (terceira porção do duodeno); 3: artéria mesentérica superior. Quadro clínico O quadro de dor em cólica no abdome superior, náuseas e vômitos volumosos com conteúdo biliar (ou regurgitação pós-prandial em crianças) é sugestivo de obstrução intermitente ou suboclusão intestinal alta. Pode ocorrer perda de peso considerável, devido aos vômitos e ao receio de ingerir alimentos para não de- sencadear os sintomas. Alguns pacientes relatam alívio dos sintomas depois dos vômitos, ou quando adotam o decúbito lateral esquerdo ou a posição genupeitoral, que facilitam o esvaziamento duodenal. O quadro de obstrução duodenal está associado a algumas situações clínicas específi cas: tratamento ortopédico que exige decúbito dorsal prolongado (es- pecialmente operações sobre a coluna vertebral para correção de escoliose), trauma cerebral em crianças, grandes queimados, cirurgias sobre o cólon transverso e de aneurismas da aorta abdominal. Diagnóstico O diagnóstico deve ser suspeitado em pacientes com quadro clínico de oclusão intestinal alta, que apre- sentam os fatores clínicos predisponentes descritos no parágrafo anterior. A confi rmação diagnóstica se faz por serigrafi a gastroduodenal com contraste de bário, que mostra os sinais radiológicos típicos de distensão gástrica, retardo da passagem do contraste pela junção duodenojejunal e retroperistaltismo. Atualmente, o diagnóstico também pode ser confi rmado por tomo- grafi a abdominal. A endoscopia digestiva alta é útil para afastar outras causas de obstrução duodenal. O diagnóstico diferencial inclui as demais causas de obstrução digestiva alta, como tumores, doença péptica ulcerosa, cistos pancreáticos, bridas e hérnias internas. Tratamento A conduta clínica se baseia na reposição parente- ral de líquidos, na descompressão gastroduodenal por meio de sonda nasogástrica, que pode ser introduzi- da até o duodeno e na adoção de decúbito apropriado (lateral esquerdo). Alimentação parenteral total está indicada nos pacientes desnutridos, tanto como trata- mento primário quanto para preparar o paciente para eventual tratamento cirúrgico. A maioria dos pacien- tes melhora com o tratamento clínico, se o fator que desencadeou a síndrome (uso de aparelho gessado, por exemplo) puder ser tratado ou removido. Uma minoria de pacientes não melhora com as medidas clínicas, e o tratamento cirúrgico tem de ser considerado. A operação tradicional é a duodenoje- junostomia, feita entre a terceira porção do duodeno e uma alça de jejuno proximal. A operação pode ser aberta ou por via laparoscópica. Outras técnicas, como a gastrojejunostomia e a transposição anterior do duo- deno, não são mais utilizadas. O tratamento cirúrgico quase sempre resolve os problemas de compressão, e os pacientes se recuperam rapidamente, tanto do pon- to de vista clínico quanto nutricional. Bezoar São massas de cabelos (tricobezoar), massas de vegetal (fi tobezoar), ou uma combinação dos dois que formam um tumor dentro do estômago, mas podem se localizar mais raramente no intestino delgado. Os tricobezoares se formam em mulheres jovens e neuróticas. Já os fi tobezoares são vistos depois de uma ressecção gástrica e tendem a acontecer em homens mais velhos. O tratamento é a remoção cirúrgica. A videolaparoscopia tem surgido como alternativa à laparotomia. Em grupos selecionados, há diminuição do tempo de internação em relação aos pacientes subme- tidos a laparotomia. Quando optar pela laparoscopia? 1. distensão abdominal leve; 2. obstrução proximal; 3. quadro não sugestivo de obstrução em alça fechada. Res- peitando esses critérios, pode-se alcançar índices de sucesso de mais de 50%. Tabela 3.4 Os procedimentos cirúrgicos para resolução da obs- trução intestinal são divididos em cinco categorias, inde- pendentemente da via laparotômica ou laparoscópica: 1. Procedimentos que não necessitam de abertu- ra da alça, lise de aderências, manipulação e redução da intussuscepção, redução da hérnia encarcerada; 2. Enterotomia para remoção do obstáculo da obstrução – cálculo biliar, bezoar; 3 Obstrução do intestino delgado 31 3. Ressecção da lesão obstrutiva ou intestino es- trangulado com anastomose primária; 4. Anastomose de curto-circuito para desviar da zona de obstrução; 5. Formação de estoma cutâneo proximal à obstrução cecostomia (utilizado raramente), colos- tomia transversa. Cuidados pós-operatórios Mantenha SNG até que o trânsito gastrointestinal se restabeleça, com a eliminação de gases e/ou fezes. Tal cautela torna-se obrigatória quando existem suturas ou anastomoses interessando o intestino grosso. A antibioticoterapia, iniciada com finalidade pro- filática, deverá ser mantida se surgirem evidências de infecção, podendo ser modificada de acordo com os es- tudos bacteriológicos. Se a evolução for satisfatória, após três a quatro dias ela poderá ser interrompida. Quanto aos cuidados metabólicos, convém lem- brar que, com a resolução do processo obstrutivo, o líquido contido no terceiro espaço será reabsorvido, resultando em aumento da diurese. Tal fenômeno, que acontece habitualmente em torno do segundo e terceiro dia de pós-operatório, deve ser corretamente interpre- tado para evitar reposições hidreletrolíticas excessivas. Em situações habituais, a reposição parenteral deve- rá corresponder ao volume perdido pela SNG, somado a 500-1.000 mL equivalentes às perdas através da pele e dos pulmões e a 1.000 mL eliminados pelas vias urinárias. Entretanto, se a perda de suco gástrico for muito gran- de, poderá estabelecer-se uma situação de alcalose hipopo- tassêmica e hipoclorêmica. Quando as perdas digestivas fo- rem muito elevadas (mais de 2.000 mL/dia) e prolongadas (mais que três dias) será interessante acrescentar soluções coloidais (sangue, plasma, albumina) à hidratação. Situações específicas Obstrução intestinal recorrente O aparecimento de pacientes com múltiplas ope- rações devido à obstrução e ao abdome “congelado” faz parte do conhecimento de cirurgiões experientes. O tratamento conservador é a primeira escolha e a mais segura. A reoperação deve ser feita aos que não respon- dem a medidasconservadoras. São procedimentos difí- ceis nos quais deve ser tomado cuidado para evitar en- terotomias. A fixação por meio de pontos e acomodação da curvatura das alças tem sido tentada, porém apre- senta complicações como fístulas, peritonite e morte. Por causa dos maus resultados, esses procedimentos têm sido abandonados. Várias medidas têm sido utili- zadas para evitar a formação de aderências, desde he- parina e drogas citotóxicas até agentes fibrinolíticos, embora ainda não se tenham resultados efetivos. O modo mais eficaz de reduzir a formação de aderências é a boa técnica cirúrgica, que inclui a ma- nipulação delicada dos tecidos, evitando traumatismo da serosa. Evitar dissecções desnecessárias; uso de ma- terial de sutura absorvível quando possível, irrigando e removendo coágulos e tecidos isquêmicos; utilizar o omento para cobrir a zona operada. Obstrução aguda no pós-operatório As aderências são a principal causa, e o trata- mento conservador apresenta resultados razoáveis com respeito à resolução dos sintomas, ao tempo de internação, ao risco de recorrência e reoperação. Mui- tas vezes o diagnóstico é desafiador para o cirurgião. Dor abdominal, náuseas e vômitos podem ser atribu- ídos a íleo adinâmico pós-operatório. O desequilíbrio eletrolítico e especialmente a hipopotassemia podem ser causas de íleo e devem ser tratados. O raio X sim- ples de abdome, algumas vezes, tem dificuldade de diferenciar o íleo da obstrução. Nessas situações, a tomografia e o estudo contrastado de trânsito intesti- nal são indicados para se fazer o diagnóstico. O trata- mento deve ser conservador nas obstruções parciais, e cirúrgico nas totais, porém há maior tendência de se optar por tratamento conservador. O prognóstico da obstrução do intestino delgado tem melhorado nas últimas quatro décadas. São fatores de piora no prognóstico o maior tempo de elaboração diagnóstica, a idade avançada, a presença de comorbi- dades e de alças inviáveis devido a estrangulamentos. É recomendada a avaliação cirúrgica precoce em qualquer paciente em que seja considerado o diagnóstico diferen- cial de obstrução do intestino delgado. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201532 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 4 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201534 Introdução Trata-se de situação clinicocirúrgica de baixa in- cidência, que, no entanto, pode desencadear falência orgânica múltipla, secundária a sepses, com índices de mortalidade em torno de 30%. O diagnóstico precoce pode coibir essa evolução catastrófica. Etiologias Causas inflamatórias Doença de Crohn Colagenoses • ESP • Vasculites sistêmicas Procedimentos diagnósticos e terapêuticos Causas infecciosas • Febre tifoide • Tuberculose Imunodepressão • SIDA Causas parasitárias Perfuração por corpo estranho Causas neoplásicas • Divertículo de Meckel Tabela 4.1 Doença de Crohn A incidência de perfuração na doença de Crohn é em torno de 23% dos pacientes com ileíte ou ileocoli- te e sempre que ocorre se faz no íleo terminal. Perfu- ração para cavidade livre é a regra, mas só raramente manifesta-se sob a forma de peritonite difusa, uma vez que há mínima saída de conteúdo entérico. For- ma-se, então, abscesso que pode drenar para víscera oca ou através da pele. Constatada a perfuração na doença de Crohn, o tratamento cirúrgico consiste em ressecção do seg- mento lesado, associada à estomia, principalmente nos pacientes que estiverem debilitados. Nestes pacientes que vieram desta complicação há maior probabilidade de recorrência da doença par- ticularmente nos primeiros dois a seis anos. Vasculites sistêmicas e ESP são mencionadas como causas de perfuração do TGI; no entanto, só ra- ramente este quadro foi documentado. Na ESP é mais comum que a dismotilidade acarrete constipação in- testinal, pseudo-oclusão intestinal, divertículos de boca larga que raramente complicam com diverticuli- te, mas que podem sangrar. Procedimentos diagnósticos e terapêuticos Procedimentos diagnósticos e terapêuticos po- dem estar associados à perfuração intestinal. A incidên- cia de perfuração intestinal em diálise peritoneal ocorre em menos de 1%, mesmo após o cateter já estar instala- do, e parece neste caso resultar de necrose do segmento intestinal que fica em contato com a ponta do cateter. Perfuração decorrente de procedimentos endos- cópicos tem sido relatada, mas só raramente. Causas infecciosas Das causas infecciosas relacionadas à perfuração intestinal destacamos a tuberculose e a febre tifoide. A tuberculose intestinal ocorre geralmente como forma secundária, mas comumente pela ingestão de bacilos na vigência de doença pulmonar. Distinguem- -se duas formas de expressão anatomopatológica des- ta enfermidade no intestino delgado. 1- Forma ulcerativa, localizada preferencial- mente no íleo terminal. Há acometimento ganglionar mesentérico que se encontra hiperplasiado e com foco de necrose caseosa. O envolvimento contíguo do me- sentério o torna espesso e com tonalidade opaca. 2- Forma hipertrófica, que se localiza prefe- rencialmente no ceco, tende mais à obstrução, que se faz de forma lenta, expressando-se às vezes com tu- mor palpável na FID. Perfuração em peritônio livre é uma complicação rara da tuberculose, mas quando ocorre se associa à forma ulcerativa. Uma vez confirmada a perfuração, a ressecção do segmento acometido é a conduta de eleição, seguida de quimioterapia específica por um período de seis meses. Na história natural da febre tifoide os sintomas di- gestivos surgem no final da primeira semana. Ao exame físico o paciente se apresenta toxêmico, há dissociação pulso-temperatura, aspecto este que se denomina fenômeno de Faget, máculas eritematosas no abdome e tórax (roséolas tíficas) e hepatoesplenomegalia. As complicações gastrointestinais que podem complicar a evolução da febre tifoide são a hemor- ragia e a perfuração ileal, esta mais comum que a primeira, com incidência que varia de 0,5% a 78,6%. É mais comum em homens (3:1), ocorrendo em me- tade dos casos durante a terceira semana, mesmo na vigência do tratamento. Há uma forma didática de classificar a perfuração intestinal na febre tifoide e esta é feita em cinco estádios. As perfurações podem ser únicas (84%) ou múltiplas (16%), geralmente na borda contramesentérica. 4 Perfurações do intestino delgado 35 so infl amatório, que atinge a mucosa e a submucosa, pode justifi car a necrose e perfuração, que é mais co- mum no íleo terminal e no cólon. Além da perfuração, a infecção pelo CMV no TGI pode provocar ainda papi- lite, pancreatite, colecistite litiásica e hepatite. Causas neoplásicas Adenocarcinoma é o câncer mais comum do intes- tino delgado, localizando-se preferencialmente no intes- tino superior. Os linfomas primários do TGI são princi- palmente não Hodgkin, com localização preferencial no estômago. A segunda localização mais comum é no íleo, seguida pela porção proximal do jejuno. Embora rara, a manifestação inicial desses tumo- res pode ser perfuração ou obstrução. Causas parasitárias Infestação pelo Ascaris lumbricoides é principalmen- te uma causa de obstrução intestinal na infância e que eventualmente pode ser uma causa de perfuração intes- tinal. Com relação à conduta terapêutica para esta situa- ção, confi ra o capítulo sobre obstrução intestinal. Ileíte eosinofílica causada por um nematodo de- nominado Angiostrongylus costaricensis pode levar à perfuração intestinal, uma vez que ocorre um proces- so infl amatório eosinofílico signifi cativo na mucosa ileocecal que pode ser transmural. Divertículo de Meckel O divertículo de Meckel caracteriza-se por ano- malia no desenvolvimento do íleo em até 2% da popu- lação. Pode produzir perfuração, sendo que 60% das complicações ocorrem até os dez anos de idade. Quadro clínico As perfurações de segmentos de intestino del- gado para peritônio livre apresentamde modo geral quadro clínico bem menos exuberante que o da perfu- ração gastroduodenal. Isso se explica por alguns mo- tivos: não existe irritação química por ácido (como a causada pelo suco gástrico), e a quantidade de líquido e ar extravasados é menor, pois o conteúdo na luz é menor. A perfuração de delgado por corpo estranho, Febre tifoide: estádio da perfuração intestinal Estádio 0: febre tifoide sem evidência clínica ou radiológica de perfuração Estádio 1a: febre tifoide com peritonite moderada sem evi- dência radiológica ou operatória de perfuração Estádio 1b: peritonite localizada com perfuração simples e contaminação peritoneal mínima Estádio 2: peritonite discreta com uma ou mais perfurações e pequena contaminação peritoneal Estádio 3: uma ou mais perfurações e peritonite moderada Estádio 4: uma grande perfuração ou perfurações múlti- plas, abscesso e contaminação fecal com fi brina e pus nas goteiras paracólicas Tabela 4.2 Uma vez diagnosticada, as medidas de suporte são vitais: 1- Ressuscitação volêmica. 2- Antibioticoterapia (cloranfenicol, metronida- zol e ampicilina). Pode-se substituir o cloranfenicol por ciprofl oxacina. O esquema antimicrobiano deve ser mantido por no mínimo dez dias. No que diz respeito ao tratamento cirúrgico, se forem confi rmadas perfurações múltiplas e com mais de 1 cm, a ressecção do segmento afetado deve ser me- dida rotineira. Se houver perfuração única, menor que 1 cm, a realização de desbridamento seguido de sutura em dois planos pode ser realizada, mas a recomenda- ção, de acordo com a maioria dos serviços, é a reali- zação de ressecção segmentar seguida de anastomose. Nas duas situações a ressecção deve incluir 10 cm proximais e distais à perfuração. Durante a laparotomia constata-se frequentemente a conta- minação maciça da cavidade peritoneal com culturas positivas do líquido sinovial em 20% para Salmonella typhi, o que acarreta elevada incidência de complica- ções na ferida operatória. Por esse motivo recomenda- -se deixar a pele e o subcutâneo abertos. Os cuidados no pós-operatório visam principalmen- te o estado de hipercatabolismo, que é coibido com supor- te nutricional adequado, incluindo nutrição parenteral. As complicações pós-operatórias estão rela- cionadas ao estado clínico do paciente e ao tem- po decorrido entre o diagnóstico e o momento da cirurgia. Entre as complicações observa-se deis- cência da anastomose, e reperfuração em cerca de 10% dos casos. AIDS Pacientes com Aids podem evoluir com abdome agudo e entre as causas destaca-se a perfuração intes- tinal por CMV a partir de um quadro inicial de gas- troenterite ulcerativa difusa. A progressão do proces- Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201536 por exemplo, ocorre tipicamente de forma bloqueada, trazendo frequentemente quadro clínico inflamatório abdominal localizado, como febre, dor e sinais de peri- tonite localizada, eventualmente com tumor palpável no local, que corresponde a um abscesso bloqueado. As perfurações decorrentes de patologias intrínsecas do delgado frequentemente ocorrem em região já pre- viamente bloqueada, pois as doenças que as acarre- tam são geralmente de características subagudas ou crônicas, situações que permitem que a inflamação e a fibrose associadas formem bloqueio na volta da le- são. Eventualmente, esses pacientes já estão em uso de antibióticos, o que pode minimizar ainda mais os sinais e sintomas da perfuração. Abordagem diagnóstica A história clínica (HC) detalhada e o exame físico (EF) minucioso são fundamentais nesses casos para o diagnóstico. Os exames subsidiários somente deverão ser utilizados quando permanecer a dúvida diagnósti- ca em relação à perfuração e à indicação de um proce- dimento cirúrgico e/ou tratamento adequado. Exames complementares que podem auxiliar na suspeita do diagnóstico de perfuração de víscera do trato gastrointestinal Exames laboratoriais: hemograma US cervical, US de tórax, US de abdome TC cervical, TC de tórax, TC de abdome Raio X simples: cervical, de tórax, de abdome Raio X com contraste hidrossolúvel: esôfago, estômago, duodeno Endoscopia digestiva alta Videolaparoscopia Tabela 4.3 Radiografia de abdome O principal exame complementar utilizado na suspeita de perfuração de víscera oca é destacadamen- te o raio X simples de abdome. A intenção primordial é buscar imagem radiotransparente de gás (ou ar) em local fora da luz de víscera oca. Dificilmente o gás será identificado como estando em posição anômala à ra- diografia simples, se estiver bloqueado; o que se vê habitualmente é o gás livre (que muda conforme a po- sição do paciente) em cavidade peritoneal, o chamado pneumoperitônio. Como qualquer exame complemen- tar, o raio X simples pode não ser feito se já houver certeza do diagnóstico apenas pelo quadro clínico. Porém, por seu baixo custo, risco quase inexistente e sua rapidez para realização, raramente esse exame é dispensado. Com a impressionante evolução da tecno- logia na área de diagnóstico, especialmente por ima- gem, tais métodos são bastante utilizados hoje em dia, o que traz grandes discussões muito pertinentes em relação às suas indicações. A intenção é de se evitar gasto desnecessário, que pode chegar a ser altíssimo, quando analisado em grande escala. Dentro dessa óptica, o raio X simples de abdome provavelmente é realizado em demasia para outras situações (abdome agudo inflamatório, por exemplo). Porém, no caso es- pecífico de suspeita, ainda que remota, de perfuração de víscera oca, é razoável realizá-lo, pois o diagnóstico de pneumoperitônio, salvo raras exceções, é determi- nante para definir conduta. Tomografia computadorizada Na situação de suspeita de abdome agudo perfu- rativo, em que não se encontra pneumoperitônio ao raio X, nem com os cuidados descritos, deve-se tomar a decisão de realizar a conduta terapêutica – normal- mente cirúrgica – a partir da hipótese diagnóstica fei- ta com base apenas no quadro clínico, ou persistir na busca de pneumoperitônio por outro método. O mais utilizado nessa situação, hoje em dia, é a tomografia computadorizada de abdome. Esse método, especial- mente com os aparelhos de geração recente, como os multislice, possui grande sensibilidade para diagnósti- cos de diferentes tipos de abdome agudo, e para pneu- moperitônio apresentam sensibilidade e especificida- de superiores a 98%, podendo diagnosticar até apenas 1 mL de ar intraperitonial e eventualmente identificar (em geral, indiretamente) o local da perfuração. Na au- sência de tal recurso, é provavelmente mais adequado decidir a conduta, baseado apenas na hipótese clínica. Diferentemente de situações como suspeita de apen- dicite não complicada, em que a reavaliação é recurso bastante utilizado, na situação de suspeita de perfu- ração visceral, pode ser arriscado aguardar e repetir o raio X, pois se houver perfuração, o tempo decorrido pode contribuir significativamente para a piora da pe- ritonite, e portanto do prognóstico. Videolaparoscopia A videolaparoscopia tem se mostrado como mé- todo diagnóstico e muitas vezes terapêutico bastante efetivo nas suspeitas de perfuração visceral, visto que, além da identificação do problema, permite em muitas situações a realização de procedimentos que resolvam o caso em definitivo como nas apendicites, úlceras pépticas perfuradas etc. 4 Perfurações do intestino delgado 37 Endoscopia A EDA, quando realizada, pode evidenciar e/ou desbloquear uma perfuração, o que pode ser confi rma- do com a presença de pneumoperitônio se for repetido o raio X simples de abdome. A colonoscopia não deve ser realizada habitualmente nos casos de suspeita de perfuração de cólon, podendo ampliar determinada lesão e aumentar a contaminação da cavidade abdomi- nal por conteúdo intestinal. Tratamento O tratamento é basicamente cirúrgico e, havendo condições clínicas, deve ser imediato. São exceções al- gumas perfurações bloqueadas ou fistulizadas, como as que se costuma ver na doença de Crohn, que habitual- mente também necessitarão de tratamento operatório, porém permitem, e em geral demandam, primeiramen- te exames complementares mais complexos, como to- mografi a ou fi stulografi a, e algumas vezes demandam também tratamento da agudização da doença. As lesões em intestino delgado podem assumir apresentações clínicas distintas em razão da grande variedade de etiologias possíveis, sendo difícil uma padronização de conduta. A decisão é geralmente to- mada no intraoperatório e diversos fatores devem ser considerados, tais como quantidade de perfurações, localização dessas, presença de lesões associadas, con- dições locais da cavidade e condição clínica do doente. As anastomoses de intestino delgado em ge- ral apresentam bons índices de sucesso, com poucas complicações. Por isso, sempre que possível, a con- duta adotada é a ressecção da lesão com anastomose primária. Algumas situações demandam pesquisa de doenças específi cas na peça cirúrgica, como pesquisa de bacilo de Koch (BK) ou de citomegalovírus (CMV). A conduta de ressecção e exteriorização das bo- cas de intestino delgado por meio de estomias deve ser utilizada basicamente quando há maior risco de deiscência de anastomose de delgado. Isso ocorre mais frequentemente quando o delgado remanescente apresenta doença intrínseca, que geralmente é a mes- ma que causou a perfuração, em natureza e magnitude que colocariam uma anastomose em grau inaceitável de risco de deiscência. O grau de peritonite muito avançado (geralmente decorrente de perfuração diag- nosticada tardiamente), principalmente se acompa- nhada de grande edema de alças, pode também consti- tuir-se localmente de alto risco para uma anastomose. A condição sistêmica, como já foi comentada para per- furações gastroduodenais, infl uencia sobremaneira a chance de complicações pós-operatórias e, portanto, a conduta intraoperatória. Em situação sistêmica desfavorável, representa- da especialmente por condição cardiovascular, respira- tória e/ou nutricional precária, deve-se evitar anasto- moses, sendo, portanto, nesses casos, mais adequada a realização de estomias (proximal e distal). Nos casos em que é realizada a exteriorização do delgado, além do tratamento da peritonite e dos habituais cuidados pós-operatórios, antes da segunda cirurgia deve-se tentar proceder ao tratamento defi nitivo da doença que causou a perfuração ou seu controle clínico (por exemplo, tratamento de citomegalovirose com ganci- clovir). Não se deve esquecer também que, nesse tipo de doença, assim como em outras, que costumam aco- meter o intestino em áreas extensas, outros seg- mentos intestinais próximos também podem estar envolvidos e podem evoluir com perfuração, que é es- pecialmente difícil de diagnosticar em pós-operatório. No caso de se ter optado por estomia, a re- construção do trânsito (anastomose) habitual- mente é feita de um a três meses após a primeira cirurgia. É importante também o cuidado da recupe- ração nutricional para o doente enfrentar a segunda cirurgia. Isso geralmente é necessário não só pela es- poliação sofrida pelo quadro decorrente da perfura- ção, como pela natureza das doenças intestinais e suas características clínicas, como diarreia. Essa recupera- ção ocorrerá cada vez com maior difi culdade quanto mais proximal tiver sido o local da perfuração, e, por- tanto, da estomia. Em jejuno alto, uma estomia ten- de a levar a grandes perdas hidreletrolíticas, podendo provocar graves distúrbios dessa natureza; portanto, a localização de perfuração em jejuno proximal pode ser um fator que infl uencie na decisão por anastomo- se primária, pois, em algumas situações, o risco de se manter uma estomia nessa posição pode suplantar o risco de uma deiscência de anastomose nesse local. Muito excepcionalmente, pode ser aceitável op- tar-se por ráfi a de perfuração de intestino delgado. Essa exceção talvez possa se aplicar a pequenas per- furações de origem conhecida e com fi rmes evidên- cias de que não há motivo para persistência de con- dições locais adversas (como doença infl amatória), e associadamente é obrigatório que haja boas condi- ções sistêmicas, por exemplo, perfuração puntiforme de jejuno por corpo estranho operada precocemente, em um jovem hígido. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 5 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 5 Doenças vasculares do intestino delgado 39 Introdução A porção intraperitoneal do intestino recebe o seu suprimento sanguíneo pela artéria celíaca, artéria me- sentérica superior (AMS) e artéria mesentérica inferior (AMI), que perfundem o intestino anterior, médio e pos- terior, respectivamente. O intestino anterior inclui o estômago e o duodeno, o intestino médio estende- -se da porção proximal do jejuno à porção proximal do cólon descendente, e o restante do cólon intra- peritoneal constitui o intestino posterior. Entre a artéria celíaca e a AMS, as artérias pan- creaticoduodenais inferior e superior são os principais vasos colaterais. O ramo cólico médio da AMS e o ramo cólico esquerdo da AMI comunicam-se pela arcada da artéria mesentérica, também denominada arcada de Riolin. A artéria marginal de Drummond é o mais periférico e menos importante vaso colateral, formada por ramos da AMS e AMI. O comprometimento de um dos principais vasos do intestino pode resultar de uma oclusão trombótica ou embólica ou compressão extrínseca como ocorre na hérnia estrangulada. A defi ciência na microcirculação pode resultar de vasculites ou espasmos arteriais (is- quemia mesentérica não oclusiva), que ocorrem, pa- radoxalmente, em resposta à hipoperfusão sistêmica. A distensão prolongada do intestino também impede o fl uxo sanguíneo local e pode resultar em isquemia. O fl uxo sanguíneo intestinal em um indivíduo hígido, em repouso e em jejum corresponde a cerca de 10% do débito cardíaco. Esse fl uxo pode variar muito, na pendência de fenômenos de dilatação e constrição do leito vascular mesentérico. A vasodilatação provo- ca aumento acentuado do fl uxo sanguíneo intestinal e ocorre, por exemplo, após a alimentação. Entretanto, a mais importante resposta da circulação mesentérica, do ponto de vista fi siopatológico, é a vasoconstrição. A redução transitória do fl uxo sanguíneo intestinal, de causa local (oclusão da artéria mesentérica supe- rior) ou de causa sistêmica (choque ou insufi ciência cardíaca), desencadeia uma constrição intensa dos vasos mesentéricos. Essa resposta, mediada pelo eixo renina-angiotensina, pode se prolongar por muitas horas depois que cessou o estímulo desencadeante. A resposta vasoconstritora mesentérica tem importan- tes implicações na fi siopatologia e no tratamento da isquemia aguda dos intestinos. Pâncreas Artéria cólica média Duodeno Artéria cólica direita Artérias jejunais Artérias apendicular Artérias ileocólica Mesocólon transverso Artéria mesentérica superior Artéria mesentérica inferior Artéria cólica esquerda Artéria sigmoideas Artéria retais superiores A Veia cava inferior Veia hepática Fígado Veia porta Veia mesentérica superior Veia cólica média Veia cólica direita Cólon ascendente Veia ileocólica Veia apendicular Veias retais superiores Veias sigmoideas Íleo Cólon descendente Veias ileias Veias gastroepiploica direita Veias mesentérica interior Veias esplênica Veias gástrica e esofágicas Baço B Figura 5.1 Desenho esquemático. A: ramos principais das artérias mesentéricas superior e inferior. B: principais tributárias da veia porta. Estudo de imagem da circulação mesentérica Até a década de 1990, praticamente o único mé- todo disponível para investigação da circulação me- sentérica era a arteriografi a com cateter e injeção de contraste iodado. Atualmente, métodos menos invasi- vos vieram facilitar o diagnóstico das afecções vascu- lares intra-abdominais: Ultrassonografi a Doppler (USD): método que utiliza ondasde ultrassom, reunindo em um único apa- relho a imagem por ultrassonografi a e a análise de fl uxo sanguíneo pelo efeito Doppler. A USD permite visuali- zar a anatomia e avaliar o fl uxo das principais artérias e veias intestinais. Por ser completamente não invasivo, é um exame particularmente útil na triagem de pacientes com suspeita de doença vascular mesentérica. Angiotomografi a (angio-TC): a tomografi a de alta resolução com injeção de contraste iodado tem sua principal utilidade na investigação de aneurismas intra-abdominais e das tromboses das veias mesenté- ricas e da veia porta. Angiografi a por ressonância magnética (an- gio-RM): a ressonância magnética com injeção de con- traste especial (paramagnético) permite a obtenção de imagens de praticamente todos os vasos abdominais. A arteriografi a, por ser um método invasivo, foi praticamente substituída pelos métodos menos agres- sivos, acima descritos. Tipos de isquemia intestinal Tipo Incidência (%) Isquemia colônica 75 Isquemia mesentérica aguda 25 Isquemia segmentar focal 5 Isquemia mesentérica crônica 5 Trombose venosa mesentérica Incluída acima Tabela 5.1 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201540 Uma situação mais recente é o transplante de órgãos, incluindo-se aqui o transplante de intestino delgado que tem sido relatado como causa de isque- mia intestinal. O órgão a ser transplantado permanece tempo variável em regime de isquemia, sendo poste- riormente submetido à reperfusão, ficando, portanto, suscetível à lesão tecidual decorrente deste processo. Classificação da isquemia intestinal aguda Obstrução arterial Embolia de artéria mesentérica superior Trombose da artéria mesentérica superior Obstrução venosa Trombose venosa mesentérica Não oclusiva Isquemia mesentérica aguda não oclusiva Obstrução da microcirculação Isquemia segmentar focal Tabela 5.2 Isquemia mesentérica aguda Causas Incidência % Êmbolos da AMS 50 Isquemia mesentérica vaso-oclusiva 25 Trombose da AMS 10 Trombose da veia mesentérica 10 Isquemia segmentar focal 5 Tabela 5.3 AMS: artéria mesentérica superior. Aspectos clínicos de acordo com a etiologia Embolia arterial O paciente se queixa de dor abdominal difu- sa e intensa, de início abrupto. A dor pode ser con- tínua ou em cólica, e ser seguida por náuseas e vômitos. Pode ocorrer um episódio de esvaziamento intestinal. O paciente invariavelmente tem cardiopatia embolí- gena: arritmia cardíaca (mais comum é fibrilação atrial); infarto do miocárdio recente; doença valvular com sopro cardíaco ou miocardiopatia. Cerca de 30% dos pacientes têm história pregressa de embolia arterial. Tríade clássica: Dor abdominal aguda Esvaziamento intestinal História de cardiopatia Quais os achados cirúrgicos que diferenciam os pacientes com oclusão aterosclerótica daqueles com êmbolos na AMS? Como um êmbolo na AMS geralmente se locali- za além do jejuno proximal e artéria cólica média, es- tes segmentos são poupados (A), enquanto a oclusão trombótica ocorre junto ao óstio, onde o estreitamen- to aterosclerótico é mais severo, causando isquemia em todo o intestino médio (B). Isquemia mesentérica aguda (IMA) A isquemia mesentérica aguda consiste na au- sência ou diminuição acentuada do fluxo sanguíneo por comprometimento arterial, venoso ou da micro- circulação intestinal. A produção de radicais livres durante a fase de re- perfusão, seguindo a isquemia, é a principal causa de lesão tecidual. Já foi demonstrado por Parks e Granger, que três horas de isquemia seguidas por uma hora de reperfusão determinavam maior lesão na mucosa intestinal do que quatro horas de exclusiva isquemia. Etiologia e patogenia A obstrução abrupta do fluxo arterial pode ser decorrente de embolia ou trombose aguda, podendo ter como condição subjacente um ateroma. Além do fator predisponente, a placa de ateroma, a trombose surge na dependência de fatores desencadeantes, tais como a hemoconcentração, a hipovolemia ou a redu- ção do fluxo por causas gerais. A origem mais fre- quente dos êmbolos é o coração, seja de trombo atrial, em pacientes com fibrilação, seja de um trombo decorrente de infarto recente do miocár- dio, ou, ainda, de uma prótese valvar. Embolia de AMS é responsável por 40% a 50% de IMA. O co- ração é a grande fonte de êmbolos. Oclusão secundária à trombose aguda corresponde a 10% de todos os casos de IMA. A oclusão venosa que leva a infarto intestinal deve-se a trombose aguda, que corresponde a pouco mais de 10% do total de casos de isquemia oclusiva aguda. A trombose venosa ocorre como complicação de condições clínicas variadas, tais como: infecções intra-abdominais, estados de hipercoagulabilidade, congestão venosa local, estase e traumatismo opera- tório ou acidental. Em algumas circunstâncias de infarto mesen- térico não se observa obstáculo mecânico, denomi- nando-se, portanto, de não oclusivo. A causa mais comum é o baixo débito cardíaco, decorrente de toxemia, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias cardíacas, infarto agudo do miocárdio, hipovolemia profunda e, em certas circunstâncias, a própria cirur- gia cardíaca com circulação extracorpórea. A terapêutica pode também contribuir para essa situação. Assim, os vasopressores utilizados no trata- mento de estados de choque e os digitálicos são subs- tâncias capazes de induzir vasoconstrição mesentéri- ca, desencadeando ou agravando a isquemia tecidual. 5 Doenças vasculares do intestino delgado 41 Figura 5.2 IMA por êmbolos (A) e secundária a oclusão aterosclerótica (B). Trombose arterial O paciente é geralmente idoso, com mani- festações clínicas de aterosclerose (coronariana, cerebral ou dos membros inferiores). O quadro clí- nico tem início insidioso, com dor abdominal vaga, inapetência, náuseas e vômitos. Pode haver eliminação de fezes com sangue visível ou oculto. O quadro clínico simula o quadro de uma oclusão intes- tinal aguda. Ao exame físico, o abdome se apresenta distendido, mas os ruídos hidroaéreos são hipoativos ou ausentes. Alguns pacientes apresentam uma histó- ria prolongada de dor abdominal pós-prandial e perda de peso, sugerindo isquemia intestinal crônica. Isquemia não oclusiva Quais são as causas de isquemia mesenté- rica não oclusiva? Como deve ser diagnosticada e manejada? Isquemia mesentérica não oclusiva ocorre inicial- mente por hipoperfusão sistêmica e é caracterizada por intensa vasoconstrição do leito vascular mesentérico. O vasoespasmo na ausência de oclusão orgânica é de- monstrado angiografi camente. Fatores predisponentes incluem insufi ciência cardíaca, renal e hepática, como também grandes cirurgias abdominais ou torácicas. Em- bora a infusão de vasodilatadores através do cateter da angiografi a possa controlar o vasoespasmo local, a sobre- vida desses pacientes depende da reversão do estado de baixo débito, e isso é possível em < 20% dos pacientes. No início do quadro, a dor pode estar ausente ou, quando presente, ser apenas moderada. Eliminação de fezes sanguinolentas e/ou melena podem ser os sinto- mas iniciais. Ao exame, o abdome está distendido e pou- co doloroso à palpação, sugerindo íleo paralítico. Esses pacientes são invariavelmente cardio- patas graves, quase sempre em uso de digitálicos. Mais da metade dos pacientes tem evidência de intoxi- cação digitálica. O aparecimento de isquemia intestinal não oclusiva no pós-operatório de cirurgia cardíaca pode ocorrer em cerca de 0,8% dos casos. Diagnóstico O paciente com isquemia intestinal aguda inva- riavelmente apresenta dor abdominal. A dor é quase sempre fora de proporção com os achados do exame clínico do abdome. Em todo paciente com dor ab- dominal intensa e prolongada, mas com o exame clínico do abdome normal, deve ser levantada a suspeita de isquemia intestinal aguda. A suspeita deve aumentar se o paciente for idoso, com história de cardiopatia grave, arritmia cardíaca ou sinais de ate- rosclerose avançada. Atríade clínica de dor abdominal de início súbito, esvaziamento intestinal e doença cardíaca embolígena é altamente sugestiva de embolia me- sentérica. Infelizmente, a tríade nem sempre está presente. O quadro clínico, na imensa maioria dos casos, é apenas de dor abdominal aguda inespecífi - ca, caracterizada como abdome agudo, o que torna o índice de suspeição para o diagnóstico pequeno. Os exames laboratoriais são simples de serem rea- lizados, porém, um exame normal não descarta a possi- bilidade de isquemia intestinal. As principais alterações nos exames laboratoriais são a presença de leucocitose, o aumento do hematócrito decorrente da hemoconcen- tração, a acidose metabólica e a elevação do lactato. A amilasemia sérica também aumenta de for- ma moderada com valores inferiores a três vezes o valor máximo normal. Enzimas que refl etem destruição tecidual (creati- nofosfoquinase, desidrogenase lática e as transaminases) somente se alteram na fase tardia de necrose intestinal. A radiografi a simples do abdome pode demons- trar a presença de alças paréticas e distendidas, apre- sentando níveis hidroaéreos, porém de forma incons- tante. Perante uma isquemia extensa, geralmente o doente evolui com acidose metabólica identifi cada por meio da gasometria, preferencialmente arterial. A presença de pneumoperitônio indica a perfu- ração de alguma víscera oca. Radiografi as contrasta- das, principalmente por via retal, podem apresentar irregularidades da mucosa indicando ulcerações por necrose das vilosidades intestinais. O “duplex-scanning” teoricamente poderia ser bastante útil por representar um exame não invasivo, que poderia ser realizado à beira do leito na emergên- cia e de forma relativamente rápida quando objetivo. No entanto, as condições locais do abdome podem di- fi cultar este procedimento. A tomografi a computadorizada utilizando in- fusão de contraste endovenoso pode mostrar que os vasos mesentéricos encontram-se ocluídos próximos à origem por trombose isolada ou por ateromatose. A is- quemia intestinal aguda por embolia arterial apresen- ta-se sempre como uma falha de entupimento em uma artéria usual. Outros sinais aparentes na tomografi a são o edema de parede das alças intestinais e o espes- samento do mesentério com focos hemorrágicos. Si- tuações como a oclusão proximal da artéria mesenté- rica superior e a presença de ar nas veias mesentéricas Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201542 podem ser rapidamente diferenciadas com os cortes axiais da tomografia computadorizada com contraste endovenoso, enquanto as reconstruções tridimensio- nais com os modernos aparelhos multislice permitem melhor visualização da anatomia vascular. Com a incorporação de novas tecnologias, a sensibilidade da angiotomografia computadorizada é maior que 90% para o diagnóstico de isquemia mesen- térica aguda, podendo ser o exame inicial em pacien- tes com suspeita de isquemia intestinal, sobretudo nos serviços em que é prontamente disponível. A arteriografia, apesar de ser um excelente instrumento para confirmar e delimitar o quadro isquêmico, demanda tempo para ser realizada, o que retarda o tratamento definitivo. Devemos reservá-la aos casos em que as condições clínicas per- mitam: sem sinais de peritonite franca, sem acidose metabólica, sem coagulopatia e sem sinais de falência renal. Não existem estudos que comprovem o benefício de realizá-la pré-operatoriamente nos casos agudos. Na suspeita de um abdome agudo de origem vas- cular, o tratamento de eleição continua sendo a cirurgia. IMA: Indicações de arteriografia • paciente sem peritonite franca • sem acidose metabólica • sem coagulopatia • sem IRA Tabela 5.4 Figura 5.3 Aortograma de uma paciente com oclusão da artéria mesentérica superior, com proeminentes artérias colaterais presentes nesta oclusão que não é aguda. As setas mostram a direção do fluxo da artéria mesentérica inferior para a artéria mesentérica superior. Figura 5.4 Arteriografia de um homem de 71 anos de idade com diagnóstico de IMA decorrente de êmbolos na artéria cólica direita. A: observe a vasoconstrição distal à obstrução. Arteriografia 24 horas após embolectomia e infusão de papaverina no pré e pós-operatório. B: ob- serve a vasodilatação e a perviedade dos vasos. 5 Doenças vasculares do intestino delgado 43 Figura 5.5 Paciente com isquemia mesentérica não oclusiva (IMNO) secundária a hemorragia digestiva e evolução para choque. A: a artéria mesentérica superior apresenta vasoconstrição difusa. B: após 48 ho- ras de infusão de papaverina observa-se marcada vasodilatação. Tratamento Medidas essenciais: (1) ressuscitação e tratamen- to de suporte; (2) correção da causa vascular; e (3) ressec- ção do intestino necrosado. Os pacientes, geralmente idosos e cronicamente enfermos, desenvolvem distúrbios clínicos graves, como hipovolemia, choque, acidose metabólica e oligúria, que devem ser identifi cados e corrigidos enquanto se confi r- ma o diagnóstico. Medidas de suporte, como acesso ve- noso central, infusão endovenosa de fl uidos, passagem de sondas nasogástrica e vesical, monitoração e correção dos distúrbios hidreletrolíticos são implementadas, en- quanto se prepara o paciente para a abordagem cirúrgica. Havendo limite de segurança. Pacientes graves deverão ser encaminhados para cuidados em UTI. Figura 5.6 Alças intestinais isquêmicas à laparotomia. O tratamento cirúrgico da isquemia intestinal aguda depende do diagnóstico preciso da causa. Em condições ideais, a causa deve ser defi nida pela arte- riografi a, antes da operação. Na impossibilidade de realizar-se a arteriografi a de emergência, justifi ca-se la- parotomia precoce, baseada apenas na suspeita clínica. Procedimentos cirúrgicos Embolia arterial O tratamento ideal é a embolectomia mesen- térica. À operação, a artéria mesentérica superior é dissecada na raiz do mesentério. Por meio de arterio- tomia transversal, os tromboêmbolos são removidos com um cateter de Fogarty. As artérias distais são irrigadas com soluções diluídas de heparina e papa- verina. Durante a operação e no período pós-opera- tório, são administrados anticoagulantes (heparina, seguida por anticoagulante oral). Alguns autores recomendam o tratamento angio- gráfi co, com infusão de droga trombolítica diretamente na artéria mesentérica por meio do cateter de arterio- grafi a. O paciente é monitorizado intensivamente e le- vado à operação somente se a trombólise não for efe- tiva, permanecendo ocluídas as artérias intestinais, ou se o paciente desenvolver sinais de irritação peritoneal. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201544 Trombose arterial Praticamente todos os pacientes com trombose mesentérica aguda devem ser operados. A artéria me- sentérica superior é aberta por incisão longitudinal, e os trombos de propagação distais são removidos com o cateter de Fogarty. Uma ponte aortomesen- térica com safena ou material sintético é realizada. Após restabelecer o fluxo sanguíneo arterial, as alças são retornadas à cavidade peritoneal, cobertas com compressas mornas e observadas por um período de 30 a 45 minutos. Depois desse período, as alças cla- ramente inviáveis são ressecadas. A definição intraoperatória de quais os seg- mentos intestinais que ainda são viáveis e quais já estão necrosados pode ser extremamente difícil. Os critérios clínicos tradicionais: cor das alças, pul- sações dos vasos mesentéricos, presença de peris- taltismo e sangramento da parede intestinal à sec- ção podem ser inconclusivos e mesmo enganosos. Métodos objetivos para auxiliar na decisão de quais segmentos devem ser ressecados e quais devem ser preservados são ferramentas úteis na decisão pero- peratória. Os métodos mais aplicados são: o fluxô- metro Doppler ultrassônico; a medida do gradiente de temperatura entre as bordas mesentérica e anti- mesentérica do intestino; a infusão intravenosa de fluoresceína, seguidado exame das alças com uma lâmpada ultravioleta; e o uso do laser Doppler. Os quatro métodos são bastante acurados em estudos de laboratório e têm sido usados clinicamente. No único estudo controlado, a simples avaliação clíni- ca, o fluxômetro Doppler e o exame com fluoresce- ína, esta última se mostrou o método mais preciso para demonstrar viabilidade intestinal. Na prática, o simples exame clínico do intestino, após revascu- larização, tem sido o mais usado pela grande maio- ria dos cirurgiões, que geralmente não dispõem dos métodos acima descritos. Nos casos em que persistem dúvidas quanto à viabilidade intestinal, pode-se proceder à ressecção das alças claramente necrosadas e reoperar o paciente 12 a 24 horas depois, para reexaminar as alças intesti- nais remanescentes e suas anastomoses. Critérios de definição da viabilidade intestinal Cor das alças Pulsações dos vasos mesentéricos Presença de peristaltismo Sangramento da parede intestinal à secção Tabela 5.5 Aspectos nem sempre confiáveis. Isquemia não oclusiva O tratamento não é cirúrgico, pois não existe obstrução mecânica arterial a ser corrigida. O trata- mento de escolha consiste na infusão intra-arterial de papaverina por meio do cateter de arteriografia diretamente na artéria mesentérica superior, por um período de 24 a 72 horas. A dose recomendada de papaverina é de 30 a 60 mg por hora. Durante a infusão, o paciente deve ser monitorado continu- amente, em uma unidade de terapia intensiva. A volemia e os distúrbios hidreletrolíticos devem ser corrigidos. Digitálicos e vasopressores devem ser suspensos. Deve-se tentar otimizar a função cardí- aca pelo manejo judicioso de fluidos intravenosos. Se houver sinais de irritação peritoneal, o pacien- te deve ser levado à laparotomia exploradora enquan- to se continua a infusão intra-arterial de papaverina. Nesses casos, não há necessidade de serem abordadas as artérias mesentéricas, mas sim de se avaliar a viabi- lidade das alças intestinais. Prognóstico A mortalidade de IMA permanece alta. Os pacientes com embolia mesentérica operados pre- cocemente têm o melhor prognóstico, com a mor- talidade variando de 30% a 50%. Em contraste, a trombose mesentérica apresenta prognóstico sombrio. Como esses pacientes são quase sempre operados tardiamente, a mortalidade é superior a 85%. A isquemia não oclusiva tem um prognóstico intermediário, graças ao tratamento clínico inten- sivo e ao uso da papaverina intra-arterial. No en- tanto, mesmo em condições ideais, cerca da metade morre durante o tratamento, por complicações da doença cardíaca subjacente. A maioria dos pacien- tes que sobrevive a ressecções intestinais maciças falece posteriormente devido às complicações da síndrome do intestino curto. Reoperações programadas Em qualquer das circunstâncias do paciente ope- rado, quando há dúvidas sobre a necessidade de de- terminado segmento intestinal, programa-se, para 18 a 36 horas após a intervenção, uma reoperação para avaliar a viabilidade das alças, anastomoses etc. Esta reoperação comprovadamente melhorou a sobrevida de doentes com abdome agudo vascular e não deve ser postergada mesmo que o estado clínico do paciente seja bom. Estas reoperações são realizadas a cada 24 ou 48 horas durante o período em que se jul- gar adequado. 5 Doenças vasculares do intestino delgado 45 Suspeita clínica de isquemia mesentérica aguda Com sinais de irritação peritoneal Sem sinais de irritação peritoneal Tratamento cirúrgico Trombose arterial ou embolia Isquemia mesentérica não oclusiva Trombose venosa mesentérica Tratamento cirúrgico Fibrinólise para pacientes de alto risco cirúrgico Papaverina intra-arterial Investigação dos estados de hipercoagulabilidade Melhora clínica Sem melhora clínica Observação Observação com ou sem anticoagulação Tratamento cirúrgico Assintomático Anticoagulação Sintomático Irritação peritoneal Tratamento cirúrgico Angiotomogra a computadorizada ou angiogra a convencional Figura 5.7 Abordagem da isquemia mesentérica aguda. Condições associadas à trombose venosa mesentérica (cont.) uso de contraceptivos orais gravidez policitemia vera trombocitose Hipertensão portal cirrose esplenomegalia congestiva após escleroterapia de varizes do esôfago Infl amações pancreatites peritonites (víscera profunda, apendicite) doença infl amatória intestinal abscesso pélvico ou intra-abdominal doença diverticular Trauma ou estados pós-operatórios trauma abdominal rombo esplenectomia ou outros pós-operatórios Outros doença descompressiva tabagismo etilismo neoplasia maligna intra-abdominal Tabela 5.6 Segundo Boley, Kaleya & Brandt (1992). Trombose venosa mesentérica Trombose da veia mesentérica superior ou de um de seus ramos é uma causa infrequente de necro- se intestinal. O mecanismo de necrose hemorrágica do intestino na trombose venosa é a falta de perfusão arterial, provocada por congestão vascular intensa no segmento do intestino drenado pela veia trombosada. Trombose venosa mesentérica corresponde a 10% dos casos de IMA. Etiopatogenia A maioria dos pacientes com trombose venosa mesentérica apresenta hipercoagulabilidade sanguínea. Condições associadas à trombose venosa mesentérica Estados de hipercoagulação trombose venosa profunda periférica neoplasia defi ciência de antitrombina III defi ciência de proteína C defi ciência de proteína S Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201546 Quadro clínico Clinicamente, a trombose venosa mesentérica pode se apresentar de forma aguda, subaguda e crônica. Quando aguda, a dor abdominal é intensa, tipicamente fora de proporção com os achados do exame físico. O exame do abdome pode ser normal ou revelar apenas dor à palpação das alças intestinais congestas. O curso clínico da trombose venosa mesentérica pode ser suba- gudo, com o paciente apresentando dor abdominal que se prolonga por dias ou mesmo semanas, antes de o diagnóstico ser feito por exames complementares ou à laparotomia. Na sua forma crônica, a trombose venosa mesentérica pode ser assintomática e encontrada inci- dentalmente em exames de imagem ou em necropsias. Diagnóstico O diagnóstico de trombose venosa mesentérica pode ser estabelecido por USD, angio-TAC, angio-RM ou por arteriografia mesentérica. A angio-TAC mos- tra a presença de trombos nas veias mesentéricas e as alças intestinais congestas, e se constitui no exame radiológico mais útil. A angio-RM também é bastante acurada, mas de maior custo, reservando-se este procedimento para casos duvidosos. Tratamento e prognóstico A medida terapêutica mais importante é a ad- ministração de heparina, tão logo o diagnóstico seja confirmado por exames de imagem ou por cirurgia. O uso rotineiro de heparina na fase aguda, seguida de anticoagulante oral por tempo prolongado, tem reduzido substancialmente a progressão, a recidiva e a mortalidade por trombose venosa mesentérica. O tratamento cirúrgico é reserva- do para os pacientes cujo diagnóstico seja incer- to ou que, no decurso do tratamento, venham a apresentar sinais de peritonite. O tratamento ci- rúrgico consiste na ressecção do segmento intestinal necrosado. Como é sempre difícil definir os limites do segmento necrosado, a conduta inicial do cirurgião deve ser conservadora, ressecando apenas as alças cla- ramente necrosadas. Na dúvida, deve-se recorrer a uma reoperação deliberada (second-look opera- tion) 12 a 24 horas depois da operação inicial. Apesar dos avanços recentes no diagnóstico por imagem e no tratamento anticoagulante, a mortalida- de por trombose venosa mesentérica permanece rela- tivamente alta. Este fato se justifica pela falta de diag- nóstico precoce, progressão do processo trombótico, recidiva e necessidade de ressecção intestinal extensa. Diagnóstico por imagem Com sinais de peritonite Heparina agentes trombolíticos Segmento isquêmico longo Sem sinais de peritonite Laparatomia Segmento isquêmicocurto Ressecção Heparinização NPT a longo prazo Ressecção Fechar Inviável Viável Veia principal aberta ou reconstruída Heparina Papaverina Intra-arterial Second-look ressecção Veia principal ocluída Trombocitopenia Heparina Papaverina Intra-arterial ± Second-look ± ressecção Figura 5.8 Diagnóstico e orientação terapêutica para TVM. Características clínicas dos diferentes tipos de IMA Tipo Características clínicas EAMS Obstrução distal da AMS Dor abdominal súbita, intensa, de início pe- riumbilical Aumento do peristaltismo (vômitos, exoneração intestinal) Diarreia sanguinolenta ou toque retal com sangue (tardio) Características clínicas dos diferentes tipos de IMA (cont.) EAMS Exame físico pobre (no início) Fonte de êmbolos (arritmias ou infarto recente) Outros episódios de embolia 6º ou 7º decênios (mais comuns) TAMS História prévia de angina abdominal (50% dos casos) 5 Doenças vasculares do intestino delgado 47 Características clínicas dos diferentes tipos de IMA (cont.) TAMS Comum na evolução de outras doenças (ICC, IAM) Início mais insidioso Sinais precoces escassos Exame físico pobre (no início) Dor com características diferentes da embolia Obstrução no início da AMS IMANO Dor abdominal ausente em até 25% dos casos; quando presente, é de início gradual Distensão abdominal inexplicada ou sangra- mento do trato gastrointestinal Pacientes internados em terapia intensiva (IAM, cirurgia cardíaca etc.) e que desenvolvem baixo fl uxo Síndrome dos pés azuis (cianose periférica intensa) TVM História prévia de trombose venosa profunda dos MMII ou de embolia pulmonar Evolução insidiosa Quadro mais inespecífi co Dor abdominal de longa duração, intermitente. Pode adquirir grandes proporções Coexistência de fatores predisponentes Desproporção entre a dor e os achados abdominais Náuseas, vômitos e hemorragia digestiva Sinais precoces de depleção de volume Tabela 5.7 Resumo da história clinica dos diferentes tipos de IMA. EAMS: embolia da artéria mesentérica superior; TAMS: trombose da artéria mesentérica superior; IMANO: isquemia não oclusiva da artéria mesentérica; TVM: trombose venosa mesentérica. Isquemia intestinal crônica A isquemia mesentérica crônica é o estágio fi nal da doença oclusiva aterosclerótica, geralmente envol- vendo todos os três vasos viscerais. Esses pacientes, gradualmente, e algumas vezes sem saber o motivo, começam a temer a alimentação pela dor pós-prandial (angina intestinal). Além do “medo alimentar” e da dor pós-prandial, a caquexia e a dor abdominal ines- pecífi ca são outras características dessa doença. A causa mais comum de isquemia intestinal crônica é, de longe, a aterosclerose. Causas raras incluem: estenoses congênitas (coarctação da aorta abdominal), displasia fi bromuscular, arterites (doença de Takayasu) e sequelas de irradiação sobre o abdome (arterite actínica). Fisiopatologia A fi siopatologia básica da IMC é a incapacidade de manter a irrigação sanguínea hiperêmica pós-prandial. Nos indivíduos normais, o fl uxo sanguíneo intestinal au- menta depois da ingestão de alimentos e a ampliação má- xima ocorre em 30-90 min. Essa resposta hiperêmica dura de 4 a 6 horas e varia com o volume e a composição da refeição. A maior parte do fl uxo sanguíneo hiperêmico di- rige-se ao intestino delgado e ao pâncreas, com pequenos aumentos detectados no estômago e no intestino grosso. Há um aumento pós-prandial acentuado correspondente nas velocidades do fl uxo telediastólico da artéria mesenté- rica superior (AMS) detectado pelo ecodoppler, enquanto há pouca alteração das velocidades telediastólicas do tron- co celíaco, provavelmente em virtude da resistência rela- tivamente baixa nas circulações esplênica e hepática em condições basais. Nos pacientes com estenoses arteriais hemodinamicamente signifi cativas, a resposta hiperêmica pós-prandial é atenuada e resulta em um desequilíbrio re- lativo entre a irrigação sanguínea e a demanda de oxigênio e outros metabólitos, o que acarreta dor pós-prandial ou “angina mesentérica”. As alterações circulatórias hiperê- micas pós-prandiais voltam ao normal depois da revascu- larização mesentérica. Há uma rede colateral profusa entre os 3 vasos visce- rais e as artérias ilíacas internas. O tronco celíaco e a AMS formam colaterais com as artérias pancreaticoduodenais superior (tronco celíaco) e inferior (AMS), mas a direção do fl uxo sanguíneo depende da localização da estenose signifi cativa. A AMS e a artéria mesentérica inferior (AMI) estabelecem colaterais com o arco justacólico e com a ar- téria marginal de Drummond. A artéria sinuosa é o vaso colateral mais signifi cativo e interliga o ramo ascenden- te da artéria cólica esquerda com o ramo intermediário da artéria cólica média. Esse vaso está situado na base do mesentério e corre risco de ser ligado junto com a veia me- sentérica inferior durante a exposição da aorta infrarrenal. A AMI comunica-se com a artéria ilíaca interna por meio dos ramos hemorroidários e pode constituir uma colateral mais importante do que se pensava antes. Essa circulação colateral pode ser interrompida durante a colectomia do sigmoide ou o reparo dos aneurismas aórticos infrarrenais. Em virtude dessa rede colateral profusa, geralmente é necessário que haja doença obstrutiva arterial signifi cativa em 2 dos 3 vasos viscerais para que os pacientes desenvol- vam sintomas. Alguns autores afi rmaram que esse requi- sito é fundamental e o mito propagou-se em muitos livros de texto de cirurgia. Entretanto, é possível desenvolver do- ença obstrutiva arterial mesentérica sintomática em pre- sença de obstruções isoladas do tronco celíaco ou da AMS, contanto que a circulação colateral não seja sufi ciente. A situação geralmente é atribuída à existência de estenoses hemodinamicamente signifi cativas na AMS, que podem ser previstas pela resposta hiperêmica pós-prandial. Em vários estudos clínicos de grande porte, mais de 90% dos pacientes submetidos à revascularização cirúrgica aberta para isquemia mesentérica tinham estenoses ou obstru- ções signifi cativas da AMS e mais de 80% apresentavam lesões signifi cativas no tronco celíaco e na AMS. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201548 Ligamento arqueado mediano do diafragma Artéria frênica inferior Troco celíaco Artéria esplênica Artéria sigmoideas Colaterais gastroduodenais e pancreaticoduodenais Colaterais mesentéricos Artéria mesentérica superior Artéria mesentérica inferior Artéria retal superior Artéria hipogástrica (artéria ilíaca interna) Figura 5.9 Circulação colateral dos vasos mesentéricos. O tronco celíaco e a artéria mesentérica superior comunicam-se por meio das artérias pancreaticoduodenals superior e inferior. As artérias mesenté- ricas superior e inferior comunicam-se por meio da artéria mesentérica sinuosa e da artéria marginal de Drummond, embora esse 1º vaso seja o colateral predominante. A artéria mesentérica inferior comunica-se com a artéria ilíaca interna por meio dos vasos hemorroidários. Quadro clínico Os pacientes encaminhados para avaliação de IMC são muito característicos e o diagnóstico geral- mente é sugerido pela inspeção visual inicial. O pacien- te típico é mulher de meia-idade caquética com história de tabagismo maciço, que se queixa de dor abdominal e emagrecimento. A IMC é um dos poucos distúrbios cardiovasculares mais comuns nas mulheres. Em geral, dor abdominal é o sintoma que leva o pa- ciente a procurar um médico de assistência primária ou um gastroenterologista. Entretanto, não existem carac- terísticas específicas da dor associada à IMC. A dor geral- mente se localiza na região mesogástrica com irradiação ocasional para o dorso e é descrita como persistente ou es- pasmódica. O tipo de dor é nitidamente diferente da que é causada pela peritonite, que sugere perfuração intestinal. Em geral, começa 15-30 min. depois da refeição e dura 1-3 h. Essa apresentaçãoé compatível com a fisiopatologia bá- sica e com a resposta circulatória hiperêmica pós-prandial anormal. A etiologia da própria dor é desconhecida e atri- buída ao “desvio” do sangue arterial da circulação gástrica e aos diversos mediadores isquêmicos. A dor pode pro- gredir ao longo do espectro, que vai da dor intermitente associada a alguns tipos e quantidades de alimentos até a dor persistente que provavelmente prenuncia o infarto intestinal. A dor pode estar ausente por ocasião da apre- sentação, porque os pacientes desenvolvem estratégias adaptativas para aliviá-la ou atenuá-la. O resultado final da dor abdominal é que os pacien- tes evitam alguns tipos de alimento ou ingerir qualquer coisa e, por fim, começam a emagrecer, é a resposta com- portamental específica conhecida como “medo de comer”. O emagrecimento é causado pela ingestão nutricional inadequada, mais que por um problema absortivo como poderiam supor. Em alguns estudos clínicos de grande porte, a perda ponderal média variava de 10-15 kg. Alguns pacientes são magros por ocasião do início dos sintomas e ficam caquéticos na época do diagnóstico e do tratamento. A IMC não está associada a qualquer padrão consistente de evacuações. Alguns pacientes desenvolvem constipação causada pela abstenção dos alimentos, enquanto outros apresentam diarreia intermitente. A IMC é um estímulo catártico poderoso. O exame físico não é esclarecedor para firmar o diagnóstico da IMC, exceto pelo aspecto geral do pacien- te típico. Em geral, os pacientes têm outras evidências de doença vascular sistêmica e sopros abdominais, embora essas duas anormalidades não sejam muito específicas. A ausência notória de doença vascular sistêmica ao exame físico não exclui o diagnóstico da IMC. A doença vascular do paciente pode limitar-se à região aórtica central. Diagnóstico Os sintomas de dor abdominal crônica e perda de peso sugerem o diagnóstico de neoplasia maligna oculta. A tríade dor abdominal, medo de se alimentar e perda de peso deve levantar a suspeita clínica de isquemia intestinal crônica. Com base nessa suspeita, devem ser solicitados exames de imagem das artérias mesentéricas. Isquemia intestinal crônica Dor abdominal pós-prandial Perda de peso Medo de se alimentar Tabela 5.8 Exames baritados e endoscópicos são realizados inicialmente para investigação da dor e perda ponderal, e não costumam apresentar alterações. Porém, o achado de múltiplas úlceras antrais atípicas, não responsivas ao tra- tamento convencional para doença péptica, pode ser um indício de doença isquêmica. O duplo estudo ultrassono- gráfico que associa o modo B Doppler pode ser uma forma não invasiva de demonstrar o fluxo sanguíneo insuficien- te, aprimorado pelo teste provocativo com alimentação. A arteriografia se mantém como exame de elei- ção na suspeita de angina intestinal. Imagens antero- posteriores após a injeção de contraste na aorta demons- tram a direção do fluxo nas artérias viscerais, bem como a presença e características da circulação colateral. Imagens laterais e oblíquas permitem a identificação dos óstios ar- teriais e a mensuração aproximada do grau de estenose. Como vantagem adicional, o exame torna possível a visua- lização de doença associada da aorta e seus demais ramos, como os renais e ilíacos, permitindo assim o planejamen- to cirúrgico mais apropriado. A angiorressonância com a possibilidade de reconstruções tridimensionais arteriais e venosas apresenta um potencial grande do ponto de vista clínico, porém, algum tempo será necessário para que ela se mostre superior à angiografia. 5 Doenças vasculares do intestino delgado 49 Figura 5.10 A: imagem anteroposterior da arteriogralia contrastada da aorta, dos vasos viscerais e das artérias ilíacas comuns proximais. Os ra- mos do tronco celíaco estão demonstrados, mas não é possível observar as artérias mesentéricas superior e inferior. Do mesmo modo, as duas artérias renais não estão visíveis, embora os nefrogramas estejam evidentes bilateral- mente. B: imagem correspondente em perfi l. Há estenose grave da artéria ce- líaca proximal. A origem da artéria mesentérica superior está obstruída, mas parece reconstituir-se distalmente. As duas artérias renais estão patentes. Procedimento cirúrgico Há certa aceitação sobre operar o doente sintomá- tico crônico pelo risco de agudização do quadro e a conse- quente alta mortalidade. O tratamento, além de minimi- zar tal risco, alivia os sintomas e pode reverter o quadro de desnutrição geralmente observado. A correção das lesões estenóticas concomitante ao procedimento parece dimi- nuir o risco de complicações. A angioplastia percutânea as- sociada ou não ao uso de stents vem sendo realizada com relativo sucesso em algumas séries de casos, e há tendên- cia de melhores resultados com a evolução dos materiais. As melhores indicações consistem em lesões curtas, dis- tantes de 1 a 2 cm do óstio, ou aquelas secundárias à do- ença fi bromuscular que não apresentem obstrução total. A correção cirúrgica permanece como tratamento de primeira escolha na doença aterosclerótica. O supor- te pré-operatório inclui suplemento nutricional, depen- dendo das condições clínicas do doente. Geralmente desnutridos crônicos, tais doentes podem se benefi ciar do emprego de nutrição parenteral no pré e pós-opera- tório de cirurgias invariavelmente de grande porte. A grande maioria dos cirurgiões opta pela reali- zação de derivações aortomesentéricas. Os materiais sintéticos como dacron ou PTFE, 6 ou 7 mm são pre- feríveis à safena pela maior capacidade de vazão, ex- ceto nos casos de contaminação do campo cirúrgico. O local escolhido para a porção proximal da derivação geralmente é a aorta infrarrenal pela familiaridade e facilidade de exposição. Não se recomenda o implante proximal da ponte junto ao óstio da artéria receptora devido à maior chance de dobra ou “acotovelamento”; tal fato pode ser prevenido com uma anastomose mais caudal na aorta e consequente confecção de uma alça mais longa, mais complacente em relação à mobilida- de do mesentério. O local escolhido para o implante distal da derivação geralmente localiza-se na MAS (artéria mesentérica superior) 3 ou 4 cm distalmente ao óstio, o que coincide com a borda inferior do pân- creas; para o TC (tronco celíaco), confeccionamos um trajeto posterior ao pâncreas (lateral em relação à veia mesentérica inferior) e a anastomose pode ser feita na origem da artéria hepática comum. Quando eventu- almente a aorta infrarrenal não for adequada para o implante da derivação (calcifi cação ou cirurgia prévia), a aorta supracelíaca (pelo pequeno omento e por meio da dissecção do pilar diafragmático) pode ser uma al- ternativa viável. Recomenda-se a realização de um es- tudo arteriográfi co do 5º ao 7º dia pós-operatório para assegurar a perviedade do enxerto. Figura 5.11 Ilustração de um bypass anterógrado entre a aorta e o tronco celíaco e a artéria mesentérica superior. A anastomose proximal foi realizada com a aorta supracelíaca e os segmentos do enxerto estão orientados um so- bre o outro. A anastomose celíaca foi efetuada pela técnica terminoterminal, enquanto a anastomose da mesentérica superior tem confi guração termino- lateral. O corpo do enxerto deve ser o mais curto possível, porque a distância entre a aorta e a anastomose celíaca é muito pequena. O segmento inferior que se dirige à artéria mesentérica superior foi tunelizado sob o pâncreas. Figura 5.12 Ilustração de um bypass retrógrado entre a aorta e a artéria me- sentérica superior. A anastomose proximal foi realizada pela técnica termino- lateral com o segmento proximal da artéria ilíaca comum direita. A anastomo- se distal foi efetuada pela técnica terminoterminal com a artéria mesentérica superior, depois da mobilização do ligamento de Treitz e das outras inserções peritoneais do duodeno. O bypass descreve uma curva suave (ou alça em C) à medida que passa de trás para frente e da região proximalà distal. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201550 Prognóstico O prognóstico dos pacientes submetidos a revascu- larização intestinal eletiva é geralmente satisfatório. No entanto, para pacientes com isquemia crônica não tratada, que desenvolvem isquemia aguda e necessitam de trata- mento de urgência, o prognóstico é bastante desfavorável. Síndrome da compressão do tronco celíaco A compressão extrínseca do tronco celíaco é geralmente causada pelo ligamento arqueado do diafragma, que tem uma implantação anormal- mente caudal na coluna vertebral em alguns indivídu- os. A compressão também pode ser devida a gânglios nervosos ou tecido fibroso periaórtico. Os portadores dessas alterações anatômicas são, em geral, mulheres jovens, de biotipo delgado, que se queixam de dor epigástrica maldefinida e perda de peso (em 60% dos casos). Sopro epigástrico é audível na maioria dos casos. O achado característico nos exames de imagem (principalmente em arteriografia) é de uma estenose lisa e assimétrica do tronco celíaco, com deslocamento caudal do mesmo sobre a artéria mesentérica superior, que também pode estar comprimida. O grau de esteno- se pode variar com os movimentos respiratórios. A existência de uma síndrome clínica causada por compressão do tronco celíaco é controvertida e a existência de uma síndrome associada à compressão do tronco celíaco é, no mínimo, duvidosa. Alguns pa- cientes com dor crônica intensa e intratável e perda de peso significativa podem se beneficiar da descompres- são do tronco celíaco. A descompressão cirúrgica pode ser feita em operação aberta ou por videolaparoscopia. No entanto, grande cautela deve ser exercida na sele- ção de pacientes para o tratamento cirúrgico. Outras doenças vasculares Doenças vasculares do colágeno podem cursar com inflamação e necrose que afeta os vasos esplânc- nicos. Os sintomas dependem do tipo e do tamanho dos vasos acometidos. As vasculites sistêmicas estão nesse grupo e po- dem complicar a circulação do TGI levando à formação de aneurismas, obstrução vascular, hemorragia e ne- crose fibrinoide com perfuração. Portanto, poliartrite nodosa, síndrome de Churg-Strauss, vasculite de He- noch-Schölein, síndrome de Behçet e Takayasu estão na relação de possíveis causas de doenças vasculares que afetam o sistema digestivo. Doenças de Köhlmeier-Degos Doença rara, que se caracteriza por oclusão vascu- lar progressiva, acometendo artérias de pequeno e médio calibres, em que a pele e o intestino são os órgãos afeta- dos. Homens jovens são os indivíduos mais acometidos. A doença pode ser fatal, expressando-se por dor abdomi- nal aguda, hemorragia e perfuração intestinal. Síndrome de Cogan É uma síndrome rara, que acomete crianças e jovens. Caracterizada por vasculite, compromete a córnea, a conjuntiva e o ouvido interno. Esta vascu- lite é usualmente localizada, embora a doença pos- sa ser sistêmica. Parece tratar-se de uma reação de hipersensibilidade a um agente viral desconhecido. Cerca de 3% a 10% dos pacientes desenvolvem sin- tomas gastrointestinais com diarreia e sangramen- to, corticóide e agentes citotóxicos são necessários para coibir a evolução e, por vezes, há necessidade de tratamento cirúrgico. Angiodisplasia A angiodisplasia é uma alteração microvascular da mucosa e submucosa cuja ruptura ou ulceração po- dem causar sangramento digestivo crônico, intermi- tente ou agudo, volumoso ou oculto. Não se conhece com certeza a fisiopatologia das lesões. Especula-se sobre uma relativa obstrução das pequenas veias na sua passagem pela camada muscu- lar externa, que estaria hipertrofiada e comprimiria o vaso. Esta obstrução gradualmente se refletiria até nos capilares, que se dilatariam e formariam conexões arteriovenosas na mucosa e submucosa. As lesões an- giodisplásicas ocorrem mais comumente no ceco e no cólon direito, exatamente onde a tensão das paredes é maior, mas podem ser vistas em qualquer segmento do aparelho digestivo. É possível que alterações congê- nitas levem, a longo prazo, à formação das lesões, que aparecem mais frequentemente em idosos. À endoscopia, veem-se lesões de aspectos variá- veis: algumas de até 1 cm, espraiadas e de bordas irre- gulares; outras, pequenos pontos vermelho-rutilantes, que podem ainda ter forma linear. São planas ou discre- tamente elevadas, únicas ou múltiplas. Podem ser vis- tas como ponto sangrante, o que dificulta o diagnóstico. As lesões pequenas limitam-se à camada mucosa, e as maiores, elevadas ou umbilicadas, podem estender-se à submucosa ou formar anastomoses transmurais. O diagnóstico das lesões angiodisplásicas pode ser difícil, particularmente na vigência de sangramen- to. Portanto, é necessário suspeitar sempre, mesmo que endoscopias prévias tenham sido negativas para diagnosticar causa de sangramento, ou que doenças 5 Doenças vasculares do intestino delgado 51 comumente associadas à angiodisplasia (veja adiante) estejam presentes. Lesões semelhantes que podem ser confundidas com angiodisplasia no exame endoscópi- co são petéquias, hemorragias submucosas, artefatos traumáticos e sarcoma de Kaposi. Na confi rmação de angiodisplasia como causa de sangramento, indica-se o tratamento que hoje se faz, na maioria dos casos, por via endoscópica. Lesões pequenas e planas são facilmente tratadas por meio de eletrocoagulação, fotocoagulação a laser ou heater probe (transmissão de calor). As lesões sangrantes são tratadas com injeções de hemostáticos e, mais recen- temente, por ligadura elástica. Situações comumente associadas a angiodisplasia Síndrome de Osler-Weber-Rendu Doença da válvula aórtica Outras doenças cardíacas Doença de von Willebrand Doenças do colágeno com alterações vasculares Síndrome de Turner Radioterapia abdominal Insufi ciência renal crônica Diabetes mellitus Doenças hepáticas crônicas Doenças pulmonares crônicas Tabela 5.9 Doença de Rendu-Osler-Welser (Teleangiectasia Hemorrágica Hereditária) Doença autossômica dominante, caracterizada pela presença de teleangiectasias na pele e nas mucosas, constituindo-se causa rara de hemorragia digestiva. A patogênese desta síndrome é incerta, reconhe- cendo-se, no entanto, mutações no gene ALK-1. As lesões típicas são identifi cadas já no primeiro ano de vida, e epistaxe recorrente em crianças é uma carac- terística clínica da doença. Aos dez anos de idade, as manifestações hemorrágicas do TGI passam a ocorrer, mas hemorragia digestiva grave é incomum, e quando ocorre geralmente se faz após os 40 anos de idade. História familiar é reconhecida em 80% dos pacien- tes. Qualquer segmento do TGI pode ser acometido. Figura 5.13 Doença de Rendu-Osler-Weber. A: múltiplas teleangiec- tasias nos lábios; B: teleangiectasias na região proximal do estômago; C: antro; D: bulbo duodeno. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 6 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 6 Tumores do intestino delgado 53 Introdução As neoplasias do intestino delgado são relativa- mente raras, o que é surpreendente, considerando-se que o ID corresponde a 75% do comprimento do TGI e 90% de sua superfície mucosa. Dos tumores do TGI somente 1% a 2% ocorrem no intestino delgado. A in- cidência anual é de 0,7 para 1.000.000 em homens e de 0,6 para 1.000.000 em mulheres. Dos tumores benignos, o adenoma é o mais comum, e entre os malignos o adenocarcinoma; o car- cinoide, é o segundo mais comum tumor maligno do ID. Tumores benignos Correspondem a 60% das neoplasias de ID e na maioria dos casos são assintomáticos (75%), discretamente mais frequentes em mulheres com pre- dominância na 5ª e 6ª década de vida, com localiza- ção preferencial no jejunoíleo. Classifi cação Tumores do intestino delgado Tumores mesenquimais • Adenoma (se origina das glândulas do epitélio intestinal) • Lesões das glândulas de Brunner (adenoma, hamar- toma e hiperplasia) • Pólipos hamartomatosos (síndrome de Peutz--Jeghers) • Leiomioma (músculo liso) • Lipoma (tecido gorduroso) • Schwanoma, neurofi broma, ganglioneuroma (tecidos neurais) • Hemangioma (tecido vascular) • Tumores estromais (tecido de sustentação, estroma) Tabela 6.1 Tipos histológicos. Tumores benignos mais comuns Localização preferencial Adenoma (30% a 40%) Duodeno / Íleo Leiomioma (25% a 30%) Jejuno Lipoma (20%) Íleo Tabela 6.2 Adenoma Corresponde de 30% a 40% dos tumores benignos do intestino delgado e mais frequen- temente são sésseis. Do ponto de vista histológico, pode apresentar arquitetura tubular, vilosa ou tubu- lovilosa. Os adenomas tubulares são menores e têm dimensões que podem ser em média de 5 cm e locali- zam-se preferencialmente no duodeno. Embora os adenomas apresentem graus variáveis de displasia, o risco de malignidade é mais preocupante com a forma vilosa; quanto maior for o tamanho, maior o potencial de malignidade. Adenomas Localização Potencial de malignidade Tubular Íleo Baixo (14%) Tubuloviloso Jejunoíleo Intermediário (23%) Viloso Duodeno Alto (36%) Tabela 6.3 Lesões das glândulas de Brunner As glândulas de Brunner localizam-se preferencial- mente na mucosa do duodeno e em menor quantidade no ângulo duodenojejunal. Na região duodenal concen- tram-se principalmente entre o piloro e a papila de Vater. Lesões das glândulas de Brunner • Hiperplasia nodular difusa • Hiperplasia nodular circunscrita • Adenoma de Brunner Tabela 6.4 As lesões das glândulas de Brunner correspon- dem a 10% dos tumores benignos do duodeno, locali- zam-se preferencialmente na primeira e segunda por- ções do duodeno e incidem em indivíduos com mais de 40 anos de idade, sendo a maioria assintomática. Leiomiomas Correspondem de 25% a 30% dos tumores benig- nos do intestino e localizam-se preferencialmente no jejuno, são intramurais, com situação submucosa, em geral únicos, na maioria dos casos são descobertos em indivíduos entre os 40-50 anos, acometendo ambos os sexos e, da mesma forma que os anteriores, na maioria das vezes são assintomáticos. O potencial de degenera- ção maligna é da ordem de 15% a 20% dos casos. Lipomas Localizam-se preferencialmente no íleo e corres- pondem ao terceiro tumor benigno em ordem de fre- quência (adenoma, leiomioma, lipoma). Originam-se do tecido adiposo submucoso e, portanto, são de crescimento endoluminal. Geralmen- te são tumores únicos e em menos de 10% dos casos apresentam-se como múltiplos lipomas. Raramente sofrem degeneração maligna. Incidem com maior frequência na 6ª a 7ª década de vida. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201554 Figura 6.2 Síndrome de Peutz-Jeghers: manchas melânicas na ca- vidade oral. Figura 6.3 A: trânsito delgado evidenciando falhas de enchimento no jejuno proximal (setas pequenas) correspondendo a pólipos em uma paciente com síndrome de Peutz-Jeghers. B: observa-se também as mesmas lesões no antro gástrico (seta). Hemangiomas (angiomas) Representam aproximadamente de 5% a 7% das neoplasias benignas do intestino delgado. São tumo- res de origem vascular, geralmente múltiplos, e que podem envolver todo o TGI (hemangiomatose). Loca- lizam-se preferencialmente no íleo. Não apresentam potencial maligno. Tumores neurogênicos Representam cerca de 1% de todas as neoplasias do TGI. No ID podem aparecer em qualquer segmento. Originam-se dos plexos neurais de Auerbach, situados entre as camadas musculares circular e longitudinal. Os shwanomas originam-se especificamente das células de Schwann da bainha nervosa. Figura 6.1 A: enteróclise (observe a sonda oral), lesão de submucosa bem circunscrita com aspecto em falha de enchimento (seta). B: figura de uma peça cirúrgica do ID mostrando um lipoma. Pólipos hamartomatosos – síndrome de Peutz-Jeghers Doença de caráter autossômico dominante, com penetrância variável e incompleta, que se caracteriza pela presença dos pólipos múltiplos do intestino asso- ciados à pigmentação melânica mucocutânea (lábios, palma das mãos e planta dos pés). Embora os pólipos possam ocorrer em todo o TGI, concentram-se principalmente no intestino delgado, sen- do jejuno, íleo e duodeno a ordem de acometimento. Nos afetados por esta síndrome, estimou-se entre 2,4% e 3% o risco de adenocarcinoma do ID. 6 Tumores do intestino delgado 55 Tumores neurogênicos • Schwanoma (mais comum) • Neurofi broma • Ganglioneuroma Tabela 6.5 Uma vez que estes tumores por vezes apresen- tam difi culdade na distinção entre a natureza benigna ou maligna do ponto de vista histológico, atualmente são incluídos no grupo dos tumores estromais do TGI. A defi nição histológica do Schwanoma atual- mente é feita por pesquisa imuno-histoquímica da proteína S-100. Os neurofi bromas se associam a manifestações cutâneas do tipo melanodermia e tumores dérmicos in- dolores, constituindo a doença de von Recklinghausen (neurofi bromatose). Figura 6.4 Neurofi bromatose. Moluscos cutâneos e lesões cor de café com leite. Figura 6.5 A e B: trânsito delgado evidenciando falha de enchimen- to e que na fi gura B se apresenta como massa compressiva (seta) em um paciente portador de neurofi bromatose. O exame macroscópico revelou tratar-se de neurofi bromas intestinais. Tumores estromais São neoplasias constituídas por tecido de sustentação, portanto de natureza mesenqui- mal. A incerteza do padrão histológico torna difícil o diagnóstico quanto à benignidade ou à malignida- de dessas neoplasias. Tumores estromais com menos de 5 mitoses e ta- manho inferior a 5 cm devem ser considerados benignos. Tendo maior número de mitoses (> 5), independente do tamanho, deverão ser considerados malignos. Portanto, a atividade mitótica é o parâmetro mais confi ável para o diagnóstico de benignidade ou malignidade. Os tumores estromais do trato gastrointestinal (GIST) são raros, e compreendem cerca de 1% a 3% dos tumores malignos do trato gastrointestinal. A incidên- cia estimada é de 15 para 1 milhão de pessoas. Podem originar-se em qualquer lugar do trato gastrointestinal. O sítio mais frequente é o estômago (50%), seguido do intestino delgado (25%). São prove- nientes das células intersticiais de Cajal. � Padrão de célula fusiforme (cerca de 70%) � Padrão de célula redonda ou epitelioide (< 30%) � Misto O painel de imunoistoquímica é fundamental para o diagnóstico preciso, devendo-se testar a presença do receptor c-kit (detectada através do CD117). Nos casos em que este for negativo, deve-se testar a presença do receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGFR-α). Cerca de 50% dos GIST expressam CD34. O seguimento clínico dos tumores estromais demonstrou que no caso de mitose inferior a 5/50 hpf (fi guras mitóticas por 50 campos microscópi- cos de maior aumento) e tamanho inferior a 5 cm, não houve evolução da doença ou recidiva quando a lesão foi extirpada, comprovando assim sua be- nignidade. Pacientes com número de mitoses inferior a 5/50 hpf, mas com tumor de 5 cm ou mais mitoses/50 hpf, independente do tamanho do tumor, 80% vieram a falecer 24 meses em média após o diagnóstico. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201556 A localização dos GIST no intestino delgado confere um pior prognóstico. Além disso, eles têm seu risco de recidiva classificado pelo seu tamanho e pelo índice mitótico. Mutações no éxon 11 do c-kit conferem maior taxa de resposta objetiva e maior duração de resposta ao tratamento sistêmico com imatinibe. Quadro clínico A sintomatologia dos tumores benignos do ID é pouco expressiva e muitas vezes ausente. Nas ne- oplasias sintomáticas a hemorragia é a manifes- tação clínica mais comum. Tumoração palpável é incomum e a síndrome aguda com obstrução intestinal ocorre em 10% dos tumores benignos. Nos tumores sintomáticos o tempo médio de- corrente entre o início das manifestações clínicas e a identificação da doença varia de 8 a 16 meses. Diagnóstico complementar - meios de diagnósticoTrânsito delgado com bário Endoscopia digestiva Arteriografia TC do abdome Tabela 6.6 Estadiamento Esetadiamento de TNM para GIST de intestino delgado Tumor primário (T) Tx Tumor primário não pode ser avaliado T0 Sem evidências de tumor primário T1 Tumor com 2 cm ou menos T2 Tumor com mais de 2 cm, mas não mais que 5 cm T3 Tumor com mais de 5 cm, mas não mais que 10 cm T4 Tumor com mais de 10 cm em sua maior dimensão Linfonodos regionais (N) Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados N0 Sem metástase de linfonodo regional N1 Metástase de linfonodo regional Metástase distante (M) M0 Sem metástase distante M1 Metástase distante Grau histopatológico* Baixo 5 ou menos por 50 CGA Alta Mais de 5 po 50 CGA Esetadiamento de TNM para GIST de intestino delgado (cont.) Agrupamento por estágios Estágio 0 Tis N0 M0 Taxa mitótica Estágio I T1 N0 M0 Baixa T2 N0 M0 Baixa Estágio II T3 N0 M0 Baixa Estágio IIIA T1 N0 M0 Alta T4 N0 M0 Baixa Estágio IIIB T2 N0 M0 Alta T3 N0 M0 Alta T4 N0 M0 Alta Estágio IV Qualquer T N1 M0 Qualquer taxa Qualquer T Qualquer N M1 Qualquer taxa Tabela 6.7 *Grau é dependente da taxa mitótica. CGA: campo de grande aumento. Tratamento Para os tumores sintomáticos, a ressecção simples, preferencialmente por via endoscópica, é a medida terapêutica adequada. Para os tumores sésseis e de maiores dimensões, mesmo que assin- tomáticos, a recomendação é também a extirpação cirúrgica. Naqueles com displasia constatada por biópsia prévia ou por exame do espécimen, a con- duta é ressecção completa e vigilância posterior. Se a biópsia evidenciou foco de malignidade, impõe-se uma ressecção cirúrgica mais radical. As recomendações acima são pertinentes princi- palmente para os tumores do tipo adenomas. Nos pó- lipos hamartomatosos da síndrome de Peutz-Jeghers, quando assintomáticos, apenas o acompanhamento clínico é necessário, uma vez que a incidência de can- cerização é muito baixa (2% a 3%). Leiomiomas devem ser tratados particular- mente com enterectomia segmentar, incluindo o tu- mor. A excisão local da lesão isoladamente deve ser evitada devido ao risco de hemorragia pós-operató- ria pela artéria que nutre a neoplasia, bem como o potencial de malignidade (15% a 20%). Schwano- mas devem ser tratados com remoção segmentar do intestino delgado que contém o tumor, com o cuidado de verificar uma eventual múltipla localização. Esta medida se justifica pela dificuldade de se fazer a clara distinção histológica entre a natu- reza benigna ou maligna da lesão. Para os tumores estromais, a única forma segura de tratamento é a remoção cirúrgica da lesão e a via laparoscópica constitui a terapêutica de escolha. Comprovado o padrão histológico de benig- nidade, a cirurgia local deve ser considerada curativa. 6 Tumores do intestino delgado 57 Para os tumores com padrão limítrofe, faz-se neces- sário o controle clínico rigoroso e periódico. Uma vez constatada a malignidade da lesão, o tratamento cirúr- gico é radical, respeitando os princípios oncológicos. Nos tumores estromais com metástase ou irres- secável a conduta consiste em: Tratamento inicial: imatinibe na dose de 400 mg VO 1 vez ao dia. Ressecção de metástases após resposta máxima pode ser considerada para deixar o paciente sem evi- dência de doença. Ablação de metástases hepáticas por radiofre- quência ou quimioembolização hepática também são alternativas no tratamento da doença avançada. Tumores resistentes ao imatinibe: aumentar a dose para 400 mg VO 2 vezes ao dia. Nos casos de re- sistência ou refratariedade, veja comentários abaixo. Mecanismo de resistência secundária ao Imatinibe e novas drogas Embora possam existir inúmeras causas para resis- tência secundária a um medicamento, no caso do GIST, existem dois mecanismos principais associados à re- sistência. O primeiro, e mais frequente, é a aquisição de mutações secundárias do KIT e PDGFRA após período de tratamento (seleção), resultando no aparecimento de múl- tiplos clones resistentes. O segundo relaciona-se à ativa- ção de vias de sinalização abaixo do receptor como as vias PI3K/AKT e RAS/RAF/MEK/MARPK, que convergem na ativação do mTOR. Esta via é associada ao aparecimento de GIST na neurofi bromatose tipo 1. Outros mecanismos menos frequentes, porém também descritos, são ativação por via alternativa do receptor de tirosina- quinase, ampli- fi cação ou perda do KIT/PDGFRA ou de diferenciação do tumor para histologias mais agressivas. As mutações secundárias ocorrem preferencial- mente no KIT após período longo de exposição ao ima- tinibe ou sunitinibe. São mais frequentes nos pacientes com mutação do éxon 11, e raros nos pacientes com áxon 9 ou PDGFRA. As mutações podem diferir entre diferentes metástases de um mesmo paciente mais de uma mutação pode estar presente em um mesmo clone tumora1. Essas mutações secundárias levam à reativa- ção da tirosina-quinase por alteração na conformação estrutural da proteína resultante da mutação, ou por ativação por loop da tirosina-quinase (por exemplo: mutação D842V do éxon 18 do PDGFRA), mesmo na presença do inibidor, seja ele o imatinibe ou sunitinibe. A depender do tipo de mutação secundária identifi cada, pode-se prever o grau de sensibilidade ou resistência à nova intervenção medicamentosa. Sunitinibe, por exemplo, apresenta maior responsi- vidade nos pacientes com mutação secundária nos éxons 13 e 14, e é inativo nos pacientes com mutação nos éxons 17. O nilotinibe, por outro lado, parece ser muito mais potente em pacientes com KIT-selvagem ou pacientes resistentes à imatinibe. Já o dasatini- be parece ser um potente inibidor da ativação da tiro sina- quinas e, nos pacientes com mutação do éxon 17 ou mutação D842V ao éxon 18 do PDGFRA. Nos pacientes com ressecção completa da neoplasia, 42% estão vivos após 5 anos, todavia, apenas 8% daqueles com margens cirúrgicas comprometidas viverão 5 anos. Adenocarcinoma do intestino delgado Embora o adenocarcinoma seja o tumor maligno mais comum do ID, perfaz somente de 0,1% a 2% de todos os tumores malignos do TGI. Observe a tabela para apreciação dos diversos tipos de câncer do ID. Tumores malignos do intestino delgado mais frequentes e sua distribuição anatômica Tumor Prevalência (por milhão) Localização anatômica usual Carcinoma 3,7 Duodeno Carcinoide 2,9 Íleo Linfoma 1,6 Íleo Sarcoma 1,2 Igualmente distribuído Tabela 6.8 Epidemiologia e fatores de risco Adenocarcinoma do ID incide mais frequente- mente no duodeno (17% a 54%), seguido pelo jeju- no (28% a 38%) e íleo (18% a 29%). Há uma pequena prevalência deste câncer no sexo masculino, parti- cularmente na localização duodenal (2 a 4:1). A faixa etária mais comum é após os 50 anos. Os indivíduos negros são mais propensos. Fatores de risco � Doença de Crohn (6-320 vezes mais do que na população geral) * � Divertículo de Meckel no terço distal do íleo con- tendo mucosa gástrica ectópica � Duplicação jejunal � Síndrome de Lynch II** � Doença celíaca (82 vezes maior do que na população geral) � Ressecções gástricas com reconstrução em Y de Roux � Fibrose cística � Neurofi bromatose � Síndrome de Gardner � Síndrome de Peutz-Jeghers (baixo risco) � Polipose familiar � Radioterapia prévia Tabela 6.9 *Localização do câncer preferencialmente no íleo; **Sín- drome do câncer familiar hereditário não polipoide (CCHNP) que se manifesta com adenocarcinomas múltiplos sincrônicos ou metacrôni- cos (cólon, ovário e endométrio principalmente). Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201558 Inúmeras síndromes genéticas de câncer, como câncer colorretal hereditário não polipoide (CCHNP), polipose adenomatosa familiar (PAF) e síndrome de Peutz-Jeghers (SPJ), têm sido associadas a um risco aumentado de adenocarcinoma do intestino delgado. O risco estimado durante a vida para adenocarcinoma de intestino delgado é de 1% a 4% em pacientes com CCHNP, 5% nos pacientescom PAF e 13% naqueles com SPJ. Os pacientes com CCHNP desenvolvem ade- nocarcinoma do intestino delgado em uma idade mais jovem, com idade média ao diagnóstico de 49 anos. Os pacientes com SPJ, um distúrbio de polipose autossô- mico dominante, caracterizado por múltiplos pólipos hamartomatosos ao longo do trato intestinal, têm um risco significantemente aumentado para adenocarci- noma de intestino delgado. Os adenomas duodenais são observados em aproximadamente 80% dos pa- cientes com PAF, e esses exigem triagem endoscópica regular para o desenvolvimento de adenocarcinoma. Etiopatogenia O intestino delgado de um modo geral é muito resistente ao desenvolvimento de câncer, e vários fa- tores tentam explicar a baixa incidência de neoplasia neste segmento do TGI. 1. Trânsito rápido do conteúdo intestinal, redu- zindo o tempo de contato dos carcinogênicos com a mucosa; 2. Proliferação rápida das células epiteliais, re- duzindo a exposição das mesmas células epiteliais, e a exposição das mesmas células a carcinogênicos; 3. Diluição de carcinogênicos no quimo líquido do intestino delgado; 4. Presença de hidrolases na mucosa que conver- te carcinogênicos em substâncias menos agressivas; 5. Baixa proliferação bacteriana, particularmen- te de anaeróbicos, que convertem os ácidos biliares em carcinogênicos; 6. Conteúdo do intestino alcalino; 7. Elevado nível de IgA e de Linfócitos T na mu- cosa intestinal, que aumentam a defesa da mucosa. Além dos fatores de risco já expostos na Tabela 6.8, outros fatores predisponentes ou desencadeantes têm sido mencionados. Reconhece-se uma incidência maior deste tumor em pacientes colecistectomizados, provavel- mente devido a um fluxo mais contínuo de bile. Ingestão maior de gordura, carne vermelha e ali- mentos conservados ou defumados também são reco- nhecidos como fatores pré disponentes, assim como há maior incidência deste câncer em alcoólicos e tabagistas. Até o momento não foi encontrado o gene dire- tamente responsável por este câncer. Mutações nos códons 12 e 13 do gene cKras (de GGT para GAT) fo- ram documentados em pacientes com esta malignida- de. Outros genes foram documentados com um nível de expressão maior na presença do adenocarcinoma do duodeno: c-neu (60%), TGFa (60%), CEA (73%) e EMA (150%). Os genes c-neu, assim como os do p53 (gene su- pressor que ocorre na maioria dos cânceres), correspon- dem mais aos tumores bem diferenciados, enquanto o c-neu associa-se a uma sobrevida menor dos pacientes. Fisiopatologia A transformação de adenoma em carcinoma, por mecanismo de displasia, é a sequência de grande parte dos carcinomas do ID. Probabilidade de o adenoma se tornar carcinoma de acor- do com o tamanho da lesão Tipo histológico do adenoma e risco para adenocarcinoma Adenoma < 1 cm: 0,0% Adenoma viloso: 36% Adenoma 1-2: 33% Adenomatubuloviloso: 23% Adenoma > 2 cm: 37,5% Adenoma tubular: 14% Tabela 6.10 Inicialmente o adenocarcinoma surge na mucosa do ID e aqui permanece por tempo prolongado. Pos- teriormente, invade a submucosa e já nesta fase pode disseminar-se para os glânglios regionais e eventual- mente para órgãos a distância. Quando o tumor ul- trapassar por todas as camadas da parede do ID, poderá então invadir órgãos adjacentes e em pri- meiro lugar invade o pâncreas e depois, então, o pedículo hepático. Se invade o cólon uma fístula se formará. As metástases mais comuns se fazem para os linfonodos regionais, fígado, pulmões e ossos. Nos tumores avançados, observa-se perfuração livre para a cavidade abdominal em até 28% dos casos. Anatomia patológica Adenocarcinoma de ID é mais frequente- mente de localização duodenal, em geral uma lesão isolada. No entanto, ele pode ser multifocal, de um mesmo tipo histológico, surgindo em várias partes do delgado. Carcinomas metacrônicos, com espaço de tempo que varia de meses a muitos anos, pode ser ob- servado em qualquer câncer do TGI. Em cerca de 61% dos casos o tumor é bem de- limitado, porém nos 39% restantes se apresenta in- filtrativo e mal definido, dificultando dessa forma as margens de segurança para a ressecção. Formas macroscópicas Aspectos histológicos • Vegetante (65%) • Infiltrante-ulcerativo (17%) • Polipoide (12%) • Pediculado (6%) • Bem diferenciado • Moderadamente diferenciado • Pouco diferenciado Tabela 6.11 6 Tumores do intestino delgado 59 Estadiamento Estadiamento de TNM para o adenocarcinoma do intestino delgado Tumor primário (T) Tx Tumor primário não pode ser avaliado T0 Sem evidências de tumor primário Tis Carcinoma in situ T1a Tumor invade lâmina própria T1b Tumor invade submucosa T2 Tumor invade muscular própria T3 Tumor invade através da muscular própria até subserosa ou tecido perimuscular não pe- ritonealizado (mesentério ou retroperitôneo) com extensão de 2cm ou menos* T4 Tumor perfura peritôneo visceral ou invade di- retamente outros órgãos ou estruturas (inclui outras alças do intestino delgado, mesentério ou retroperitôneo em mais de 2 cm e parede abdominal através de serosa; para duodeno apenas, invasão do pâncreas ou ducto biliar) Linfonodos regionais (N) Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados N0 Sem metástase para linfonodo regional N1 Metástase de 1-3 linfonodos regionais N2 Metástase em 4 ou mais linfonodos Metástase distante (M) M0 Sem metástase distante M1 Metástase distante Agrupamento por estágios Estágio 0 Tis N0 M0 Estágio I T1 N0 M0 T2 N0 M0 Estágio IIA T3 N0 M0 Estágio IIB T4 N0 M0 Estágio IIIA Qualquer T N1 M0 Estágio IIIB Qualquer T N2 M0 Estágio IV Qualquer T Qualquer N M1 Tabela 6.12 * O tecido perimuscular não peritonealizado é para o jejuno e íleo, parte do mesentério; e para duodeno em áreas onde não há serosa, parte da interface com o pâncreas. Quadro clínico Na fase inicial a maioria dos casos é assintomáti- ca. Os tumores localizados na parte duodenal alta po- dem se apresentar com dispepsia. Na evolução haverá anemia, anorexia, perda ponderal e só eventualmente hemorragia digestiva mais vultosa. Na doença avan- çada quadro de obstrução intestinal ou semioclu- são ocorre de 40% a 80% dos casos. Nos tumores polipoides ou vegetantes pode ocorrer intussuscepção e consequente obstrução intestinal. Outra causa de obstrução em presença de tumores maiores é o volvo do segmento jejunal ou ileal acometido. Nos tumores avançados pode se observar nódu- lo metastático na região umbilical (sister Mary Joseph’s nodule), nódulos de irmã Maria José. Uma ceratose seborreica disseminada pode ocorrer em tumores do TGI e é denominada sinal Leser-Trélat. Fenômeno de Raynaud em decorrência de elevada concentração de crioglobulina foi des- crita em adenocarcinoma do ID bem como em di- versos outros tumores malignos. Diagnóstico complementar Exames laboratoriais O hemograma completo evidencia anemia entre 11% e 75% dos casos: com padrão microcítico e hipo- crômico ferroprivo para a maioria dos pacientes. A pesquisa de sangue oculto nas fezes é positiva em 78% dos casos. O CEA (antígeno carcinoembrio- nário) só é positivo em 5%, mas tem valor prático para esta malignidade. Endoscopia digestiva Nos tumores do ID alto (duodeno proximal) a defi nição é absoluta. Vale lembrar que nos tumores in- cipientes biópsias bem executadas podem apresentar resultados de falsos-negativos em até 35% dos casos. Quando os tumores se localizam no duodeno terminal e jejuno proximal, o uso do colonoscópio, por via alta, esclarece o diagnóstico da mesma forma quando a lesão é do íleo terminal – o colonoscópio por via retal atinge a válvula ileocecal, ultrapassando-a e, portanto, defi nindo o diagnóstico. A incorporação da cápsula endoscópica sem fi o tem possibilitado um método muito mais simples e aperfeiçoado para a avaliação da luz do intestino del- gado. Essa técnica tem sido aplicada principalmente para a avaliação de sangramento gastrintestinal obs- curo, para o qual demonstrou superioridade sobre outras imagens e técnicas endoscópicas.As principais limitações da cápsula endoscópica são que nenhuma coleta de amostra de tecido pode ser realizada e que os pacientes não podem ter obstrução intestinal, o que poderia resultar na retenção da cápsula no intestino. Exames de imagem O trânsito delgado (radiografi a de esôfago, estô- mago e intestino delgado) consegue diagnosticar de 50% a 90% dos adenocarcinomas. Tumores incipien- tes e aqueles associados à doença de Crohn não costu- mam ser identifi cados por esse exame baritado. Para muitos autores a arteriografi a é exame obri- gatório no câncer de ID, sendo o grande exame para Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201560 localizar sangramentos intraluminais em atividade, desde que o volume seja superior a 1 mL/min. Des- taca-se também a importância deste exame, uma vez que ele é capaz de estadiar corretamente o adenocarcinoma em até 83% dos casos. Perde em valor diagnóstico para os tumores da primeira parte média do intestino delgado. A cintilografia com enxofre coloidal marcada com 99m-tecnécio pode identificar o tumor, uma vez que há maior concentração do radiofármaco nesta região, mas não é um exame rotineiro e tampouco superior aos anteriores. A endossonografia (uma combinação de ul- trassonografia com endoscopia) tem mostrado uma fidelidade superior a 70% em identificar a invasão tumoral na parede do órgão e a presença de glânglios suspeitos de comprometimento. A tomodensitometria é superior à TC conven- cional e é mais uma ferramenta que tem por objetivo definir a extensão do adenocarcinoma. Veja bem, nem a ultrassonografia, endossonografia e tomodensito- metria devem ser encaradas como exames específicos para definir o diagnóstico, mas sim como exames im- portantes para definir a extensão do adenocarcinoma. Figura 6.6 Trânsito delgado normal. Seta apontando para o íleo terminal. Figura 6.7 Trânsito delgado mostrando infiltração por adenocarcinoma. Figura 6.8 Trânsito delgado demonstrando infiltração tumoral do duodeno secundária à metástase de um câncer gástrico. Tratamento Clínico Antibioticoterapia profilática em cirurgia gas- troduodenal é particularmente recomendada para os pacientes de alto risco onde se observa mais de 5% de infecção do sítio cirúrgico no pós-operatório. Con- sideram-se pacientes de alto risco aqueles operados por sangramento ou obstrução duodenal, úlcera gás- trica ou neoplasia. O duodeno contém caracteristi- camente um pequeno número de micro-organismos, predominando Streptococcus, lactobacilos, difteroi- des e, eventualmente, fungos. Os agentes mais frequentemente utilizados são as cefalosporinas de primeira e segunda geração, que mostram a mesma efetividade, portanto cefalospo- rina de primeira geração é bastante efetiva. A dose recomendada é de 1 g no pré-operatório, suplemen- tada no intraoperatório com mais 1 g se a cirurgia se prolongar por mais de 4 horas ou existir sangramento importante. Deve-se utilizar, no máximo, mais 2 ou 3 doses de 1 g no período pós-operatório. Para pacien- tes com adenocarcinoma de ID associado à doença de Crohn há um risco maior de sepse, prevenida por uma antibioticoterapia mais prolongada. Quimioterapia pré-operatória para reduzir o tamanho do tumor e continuada após a cirurgia ou como medida apenas coadjuvante no pós-operató- rio tem mostrado melhorar a sobrevida dos pacien- tes. As drogas mais utilizadas são 5-fluorouracil (5FU), mitomicina C, camustina isoladamente ou poliquimioterapia com esquema que utiliza 5FU + docunorrubicina + mitomicina + tiotepa + lomusti- na + carmustina + ciclofosfamida. Cirurgia O tratamento cirúrgico curativo envolve a reti- rada completa do tumor, com ampla margem de se- gurança, englobando, sempre que possível, em uma única peça cirúrgica, os linfonodos regionais e tecidos adjacentes acometidos. 6 Tumores do intestino delgado 61 A presença de envolvimento de linfonodos locor- regionais não deve impedir a intervenção cirúrgica, pois mais de um terço desses pacientes irá sobreviver por longo prazo. O número total de linfonodos examinados é prognóstico, sendo que um estudo demonstrou melhora dos desfechos em pacien- tes com mais de 7 linfonodos avaliados. Técnica cirúrgica A cirurgia com intenção curativa do câncer de duodeno avançado consiste na completa ressecção do duodeno, junto com a cabeça do pâncreas (cirurgia co- nhecida pelo nome de Whipple), e de todos os linfo- nodos peripancreáticos, da cadeia do hilo hepático e os do tronco celíaco. Tratando-se de tumor das duas primeiras partes do duodeno, o piloro gastroduodenal também precisa ser ressecado. A reconstrução é feita com o jejuno anastomosado ao pâncreas, colédoco e antro gástrico. Contudo, se o tumor duodenal for mais distal, pode-se preservar o piloro e restabelecer o trân- sito digestório por anastomose bulbojejunal. Se o carcinoma for incipiente e do duodeno pro- ximal, admite-se a ressecção apenas do segmento acometido, acompanhado da limpeza dos linfonodos regionais próximos à lesão. Fecha-se o coto duodenal e restabelece-se o trânsito por anastomose gastrojeju- nal terminolateral, acompanhada de vagotomia para prevenir úlcera anastomótica. Em presença de câncer inicial da parte distal do duodeno ou da junção duodenojejunal, a melhor op- ção é a retirada segmentar da parte comprometida, com margem de segurança e esvaziamento linfonodal locorregional. O duodeno remanescente é anastomo- sado terminoterminal ao jejuno, tendo-se especial cui- dado com os vasos mesentéricos superiores. A ressecção dos adenocarcinomas do jejuno ou íleo deve ser feita com boa margem de segurança e envolver todo o meso do segmento intestinal retirado. Se hou- ver comprometimento linfonodal mais extenso, remo- ver as cadeias linfáticas correspondentes (mesentérica, aórtica, cava etc.). Os tumores de íleo terminal são mais bem removidos com o ceco e o cólon ascendente. Essa operação não só confere uma margem de segurança mais adequada e permite uma limpeza linfonodal e de tecido peritumoral melhor, mas também acompanha- -se de uma anastomose (ileotransversa) mais segura. Anastomoses ileais próximas à papila ileocecal evoluem frequentemente para fístula decorrente da hipertensão ileal, em presença de piloro ileocecal competente. O ris- co de fístula é ainda maior com o intestino infl amado ou se o doente estiver em uso de corticosteroides. Os adenocarcinomas que ocorrem em ileostomias ou bolsas ileais são tratados com a ressecção completa do segmento acometido, em bloco com os linfonodos regionais e tecidos adjacentes. Nova bolsa ou ileosto- mia é confeccionada com o coto ileal remanescente. Atualmente, não há evidências que demonstrem um benefício da terapia adjuvante em pacientes com adenocarcinoma de intestino delgado que são subme- tidos à ressecção potencialmente curativa. Doença metastática A taxa de resposta signifi cativa e o tempo de so- brevida global prolongado, recentemente relatados com combinações de quimioterapia moderna em adenocar- cinomas do intestino delgado, defendem fortemente uma abordagem agressiva no tratamento de pacientes com doença metastática. Dados os resultados extre- mamente encorajadores do experimento de fase II com CAPOX para adenocarcinoma metastático do intestino delgado, uma combinação de fl uoropirimidina e oxali- platina é a terapia inicial adequada. Tratamentos mais efi cazes para o adenocarcinoma de intestino delgado são necessários, e a participação em ensaios clínicos para esse tipo de tumor raro é fortemente incentivada. Prognóstico De acordo com o estádio, a sobrevida em cinco anos é aproximadamente a seguinte: � Estádio I: 100% de sobrevida � Estádio II: 52% de sobrevida � Estádio III: 45% de sobrevida � Estádio IV: 0% de sobrevida A doença imunoproliferativa do intestino delga- do (DIPID) constitui uma variante do linfoma MALT. Também é conhecida como linfoma do Mediterrâneo ou doença da cadeia alfa pesada e consiste em infi ltra- ção linfoplasmocitáriada mucosa de todo o intestino delgado (principalmente nos segmentos proximais) e linfonodos mesentéricos. Nas fases iniciais da doença não há caracteriza- ção de um linfoma propriamente dito – embora o po- tencial maligno já exista desde o início –, motivo pelo qual a Organização Mundial da Saúde recomenda o uso do termo DIPID como mais adequado. Classifi ca-se a DIPID nas formas secretora (geral- mente secreção de IgA anômala, com cadeias pesadas incompletas e ausência de cadeias leves) e não secretora, isso porque na maioria dos casos há detecção de uma IgA anômala que é secretada pelas células B. A etiopatogenia da DIPID envolve fatores ambientais que interagem com aspectos genéticos. Existe associação demonstrada en- tre a DIPID e alguns antígenos leucocitários humanos. Quanto aos fatores ambientais, alguns autores demons- traram a presença do Campylobacter jejuni no intestino de pacientes com DIPID que apresentaram resposta rápida e efetiva ao tratamento com antibiótico. O sexo masculino é o mais acometido, com mé- dia de idade de 25 anos no momento do diagnóstico. A doença apresenta-se de forma insidiosa, com dor abdo- minal, diarreia crônica, má absorção e perda ponderal. As alterações macroscópicas mais comuns da DIPID são o espessamento proximal do intestino del- gado (particularmente do jejuno) e a linfoadenopatia dos nódulos mesentéricos adjacentes. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201562 Histologicamente, a DIPID caracteriza-se por in- filtrado celular linfoplasmocitário denso na mucosa e na submucosa, difusa e continuamente ao longo do intes- tino delgado, principalmente na sua porção proximal. Por outro lado, nos casos que não são DIPID, o infiltrado celular é descontínuo, com alterações restritas aos locais com alterações macroscópicas. Essa diferença pode ser responsável pela peculiaridade do quadro clínico. A natureza focal e transmural dos tumores não DIPID predispõe ao sangramento, à perfuração e à obstrução e, em geral, não há quadro de diarreia crôni- ca e má absorção intestinal, visto que existem áreas de intestino livres de alterações histológicas que promo- vem a absorção intestinal de nutrientes. As alterações laboratoriais na DIPID incluem ele- vação das provas de atividade inflamatória (exemplo: velocidade de hemossedimentação, proteína C-reativa, alfa-1-glicoproteína ácida) e detecção de imunoglobuli- na anômala por meio de técnicas de imunoeletroforese, além dos achados inerentes à síndrome de má absorção. Os exames endoscópicos permitem a retirada de tecido intestinal para o diagnóstico da doença, mas exames radiológicos também devem ser realiza- dos para excluir outros diagnósticos. Recomenda-se a realização de laparoscopia com biópsia do intestino e também de linfonodos intra-abdominais nos casos em que a biópsia endoscópica não revelar estágio A da doença de acordo com a classificação de Galian et al. O tratamento da DIPID é feito conforme o esta- diamento da doença. Quando se trata de doença pre- coce (estágio A), os antibióticos são a terapêutica de escolha e podem levar à cura da doença. Infelizmente, boa parte dos casos, quando diagnosticados, já se en- contra em estágios avançados da doença. Estádio Intestino delgado Linfonodo mesentérico A Infiltração de células madu- ras linfoplasmocitárias de aparência benigna restrita à lâmina própria da mucosa. Raras células atípicas Infiltração de células maduras linfoplasmo- citárias com ou sem discreta desorganiza- ção da arquitetura Estádio Intestino delgado Linfonodo mesentérico B Infiltração densa da lâmina própria por células linfo- plasmocitárias maduras e principalmente por células atípicas (centrocyte-like cells) Infiltrado plasmoci- tário, células atípi- cas, desorganização parcial ou total da arquitetura C Proliferação sarcomatosa invadindo todas as cama- das da parede intestinal Proliferação sarco- matosa, destruição total da arquitetura Tabela 6.13 Estadiamento histológico da doença imunoproliferativa do intestino delgado segundo Galian et al. Os antibióticos mais utilizados são tetraciclina, metronidazol com ampicilina ou com tetraciclina ou ciprofloxacina. O emprego dos antimicrobianos pode ser dirigido para a erradicação do Campylobacter jejuni ou baseado em cultura de aspirado da luz intestinal. Aqueles pacientes com doença avançada (estágios B e C) devem receber quimioterápicos, além dos antibióti- cos. No geral, a sobrevida em 5 anos é de aproximada- mente 50% a 70%. Linfoma Ainda não se conhece grande parte da etiologia do linfoma não DIPID. Apresentam maior risco de linfoma em qualquer local os pacientes com imuno- deficiência adquirida ou congênita, inclusive AIDS, os transplantados, os que fazem quimioterapia con- tra o câncer e também os pacientes com síndrome de Wiskott-Aldrich (doença autossômica recessiva carac- terizada por trombocitopenia, infecções recorrentes e eczema crônico) e imunodeficiência ligada ao X, com elevação do IgM. O risco de linfoma também é maior nos indivíduos expostos à radiação ionizante e naque- les com doença vascular do colágeno. Há referências de pacientes com doença de Cro- hn com linfomas do intestino delgado, mas não se conhece sua significância. Não há referências de pa- cientes com colite ulcerativa com linfomas do trato gastrointestinal fora do cólon. Tem-se associado a hiperplasia linfoide nodular (HLN) ao desenvolvimento de linfoma do intestino delgado. Observa-se HLN na deficiência primária de imunoglobulina, mas também há referência de HLN sem hipoglamaglobulinemia nos países subdesenvol- vidos, provavelmente como uma variante da DIPID. A doença celíaca está associada a uma maior in- cidência de linfoma do intestino delgado. Nesta condi- ção, os linfomas são neoplasias características das cé- lulas T, geralmente do jejuno. Na doença celíaca, cerca de metade das neoplasias é constituída de linfomas, devendo-se suspeitar deles nos pacientes com doença celíaca que não melhoram ou se deterioram, apesar da obediência estrita à dieta sem glúten. Fatores de risco Imunodeficiência adquirida AIDS Imunodeficiência congênita Transplantados Síndrome de Wiskott-Aldrich Imunodeficiência ligada ao X Doença de Crohn (?) Doença celíaca Tabela 6.14 A doença é mais comum em homens (2,1:1) com dois picos de incidência, um abaixo dos 10 anos e outro na 5ª-6ª década de vida. 6 Tumores do intestino delgado 63 Quadro clínico A maior parte dos linfomas não-Hodgkin é de lin- foma B de baixo grau de malignidade tipo MALT ou Lin- foma B de alto grau. Sintomas e sinais Dor abdominal 70% Vômitos 15% a 60% Hemorragia 40% Massa abdominal 30% a 50% Obstrução 40% Tabela 6.15 Diagnóstico complementar O diagnóstico é respaldado nos exames radio- lógicos habituais para o estudo do intestino delgado (trânsito delgado, US e TC) associados à endoscopia com biópsia. A laparoscopia permite uma avaliação mais exa- ta da extensão do tumor, propiciando maior acurácia quanto ao estadiamento. Figura 6.9 Trânsito delgado: infi ltração tumoral (setas) evidenciada por falhas de enchimento na mucosa intestinal. Tratamento Somente 30% a 40% dos pacientes se benefi ciam com o tratamento cirúrgico, uma vez que o diagnós- tico frequentemente é feito em um estágio avançado. Portanto, quimioterapia adjuvante e radioterapia são fundamentais na terapêutica destes pacientes. Doença localizada e de baixo grau será adequada- mente tratada com ressecção cirúrgica e quimioterapia. Tumor carcinoide O sistema neuroendócrino do aparelho digestivo localiza-se difusamente no estômago, intestino e pân- creas. No conjunto, essas células consistem no maior órgão endócrino do organismo, sendo constituído por cerca de 19 tipos celulares, sendo capaz de produzir pelo menos 40 tipos de substâncias químicas que in- cluem hormônios ou aminas biologicamente ativas. Pearse, em 1968, descreveu as características dessas células, que foram denominadas APUD, epônimoda língua inglesa, que diz respeito à sigla formada pelas propriedades que caracterizam essas células: amine, precursor uptake and descarboxilation. Portanto, são ca- pazes de captar peptídeos, descarboxilá-los e secretá- -los, sob a forma de hormônios ou compostos amina- dos, já mencionados. Historicamente os tumores neuroendócrinos do TGI são classifi cados de acordo com sua origem embriológica em tumores do intestino anterior (brô- nquios, estômago, pâncreas, vesícula biliar, duode- no), intestino médio (jejuno, íleo, apêndice e cólon direito) e intestino posterior (cólon esquerdo e reto). Tecidos tumorais e marcadores séricos para diagnóstico específi co dos tumores neuroendócrios gastrointestinais Localização Hormônios, aminas e peptídeos para diagnóstico específi co Estômago Histamina, gastrina, peptídeo liberador de gastrina, grelina e obestatina Duodeno Somatostatina, colecistocinina, gastrina, secretina, motilina, cromogranina B Duodeno e jejuno Polipeptideo inibitório gástrico Jejuno e íleo Serotonina, taquicininas, bradicininas, neuropeptídeo K, substância P Cólon e reto Glicetina, polipeptídeo pancreático, pep- tídeo YY e somatostatina Tabela 6.16 O tumor carcinoide constitui o mais fre- quente dos tumores neuroendócrinos. Embora seja encontrado geralmente na parede gastrointesti- nal, pode ocorrer no pâncreas, ovário e pulmão. Frequência dos tumores neuroendócrinos no TGI Tumor carcinoide 50% Gastrinomas 25% Insulinomas 15% VIPomas 6% Glucoganomas 2 a 5% Somatostatinoma < 2% Tabela 6.17 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201564 Distribuição do tumor carcinoide no aparelho digestivo Localização % Apêndice 44,4 Intestino delgado 16,2 Reto 16,3 Cólon 6,1 Estômago 2,3 Duodeno 1,8 Pulmão e brônquios 10,2 Tabela 6.18 Atenção: a localização mais comum do carcinoide no TGI é apêndice, no entanto a localização que mais expressa a síndrome carcinoide é o íleo (Godwin, 1978). Produtos secretados pelo tumor carcinoide Aminas bioativas • Serotonina (5-hidroxitriptamina) • Histamina • Dopamina • Norepinepinefrina Peptídios • ACTH; GHRH* • Calcitonina • Polipeptídio pancreático • Bradicinina • Neurotensina • Cromogranina • Secretina • Colecistocinina • Calicreína • Gastrina • Insulina Prostaglandinas Tabela 6.19 *O que justifica a possibilidade de Cushing é a acromegalia em pacientes com tumor carcinoide, principalmente carcinoide brônquico. Quadro clínico A principal manifestação dos tumores carci- noides do intestino delgado é a dor abdominal epi- sódica consistente com obstrução intestinal inter- mitente. Devido à localização profunda e ao pequeno tamanho dos tumores, é relativamente rara a intussus- cepção, que ocorre em menos de 3% dos pacientes com diagnóstico de pequeno carcinoide intestinal. O tumor estimula uma reação fibroblástica do mesentério quando se estende além da parede abdominal, fa- zendo com que a borda mesentérica se dobre e “se enrole” no intestino. Esse enrolamento provoca uma obstrução parcial difícil de ser demonstrada pelas radio- grafias intestinais de bário. Quando há disseminação do tumor para os gânglios linfáticos mesentéricos e celíacos, pode ocorrer um aprisionamento e espessamento vascu- lar regional peculiar, que leva à isquemia e ao infartamen- to intestinal. Pode disseminar-se também para o fígado, formando grandes massas hepáticas e expressando en- tão os sinais e sintomas da síndrome carcinoide. Locais comuns das metástases são linfonodos regionais, fígado, pulmão, osso e peritônio. Síndrome carcinoide (5% a 10% dos tumores carcinoides) Os sintomas sistêmicos dos tumores carcinoides recebem o nome de síndrome carcinoide. Eles estão relacionados a uma massa tumoral em uma área cujo suprimento sanguíneo drena na circulação sistêmica, sugerindo a presença de metástases distantes do carci- noide primário do intestino delgado. Tal síndrome é frequente nos pacientes com metástases hepáti- cas. Os tumores ileais são os que mais comumen- te enviam metástases, sendo o fígado o órgão mais comum. Esta associação carcinoide de ile- ometástases hepáticas é a apresentação intesti- nal que mais justifica a expressão clínica da sín- drome carcinoide. É importante observar que, para que ocorra a síndrome, deve haver uma grande massa tumoral. O sinal característico dessa condição é o rubor, causado por estresse emocional, alimentos, álcool, esforço ou relação sexual. Dois tipos de flushing acompanham a síndrome carcinoide. O primeiro é acompanhado de vermelhi- dão difusa, envolvendo a face e a parte superior do corpo; é de curta duração e pode ser provocado pela ingestão de bebidas alcoólicas e estresse emocional. O outro tipo é mais prolongado, cursa com dilata- ção venosa e pode resultar em dilatação permanen- te das veias e das telangiectasias. Como a infusão de serotonina não causa o sintoma, acredita-se que o flushing seja causado pela liberação de cininas. Flu- shes curtos podem ser controlados com bloqueadores α-adrenérgicos. Os tumores carcinoides do intestino anterior produzem um flush mais intenso, algumas vezes associado à sufusão hemorrágica conjuntival e a edema facial sugestivo de liberação de histamina. Os outros sintomas são diarreia, asma, pela- gra e, nos estágios finais, o desenvolvimento de cardiopatia carcinoide. O acometimento cardíaco pode ocorrer em 2/3 dos pacientes portadores de sintomatologia carcinoi- de, em geral, anos após o início da doença. As lesões cardíacas são do tipo placas, com espessamento en- docárdico fibrótico ocorrendo mais frequentemente do lado direito do coração, sugerindo que a doença cardíaca esteja relacionada à secreção de fatores di- retamente na veia hepática. com frequência ocorrem retração e fixação dos folhetos das valvas tricúspide e pulmonar. a regurgitação tricúspide é o achado mais comum. O acometimento cardíaco à esquerda ocorre em menos de 10% dos casos. Os pacientes portado- res de acometimento cardíaco secundário à síndrome carcinoide apresentam maiores níveis de serotonina sérica e de 5-HIAA urinário. São raros os ataques de asma carcinoide, só se observando a pelagra nos estágios terminais da doen- ça, com a caquexia. A diarreia, embora frequente em alguns pacientes com síndrome carcinoide, pode es- tar relacionada a fatores mecânicos, como obstrução parcial do intestino delgado ou ressecção anterior do intestino, e não à própria síndrome carcinoide. 6 Tumores do intestino delgado 65 Grandes quantidades de serotonina são produ- zidas e liberadas pelo tumor. A serotonina é meta- bolizada até ácido 5-hidroxi-indol acético (5-HIAA), facilmente determinado na urina. Embora haja uma clara relação entre os níveis urinários de 5-HIAA e a presença da síndrome, alguns pacientes apre- sentam níveis relativamente baixos de 5-HIAA e rubor intenso, e outros têm níveis muito al- tos, mas não têm rubor. Os outros mecanismos postulados são a liberação de calicreína pelo tumor, com indução de excesso de bradicinina, e também as prostaglandinas, gastrina e histamina. A 5-HIAA é responsável direta pelo aumento da motilidade e secreção do trato gastrointestinal e pela fi bro- gênese peritoneal e valvar cardíaca, sendo a insu- fi ciência tricúspide a mais comumente encontrada. A situação conhecida como crise carcinoide caracteriza-se por rubor generalizado intenso, que dura horas ou dias, anormalidades do SNC, que vão de tonturas ao coma, e anormalidades cardiovasculares como arritmias e hiperten- são ou hipotensão. Essa condição é desencade- ada, tipicamente, por um estresse físico, como a indução de anestesia ou a quimioterapia. O tratamento com octreotídeo pode salvar a vida des- ses pacientes. Em infusão contínua endovenosa em dose de 5 mcg/h por 12 horas antes e, no mínimo, 48 horas após o procedimento. Deve-se evitar o uso de drogas que causem liberação de histamina ou que ati- vem o sistema nervoso simpático. Apesar da terapia com octreotide, os pacientesainda podem desenvol- ver complicações cardiorrespiratórias graves, sendo necessário o uso de drogas alfa e beta bloqueadores para seu manejo. Tumores pancreáticos ou duodenais específi cos podem necessitar de profi laxia semelhan- te, como infusão de glicose em caso de insulinoma e octreotide em gastrinomas. Frequência das alterações na síndrome carcinoide Sintomas % Pele • Ruborização* • Teleangiectasia • Cianose • Pelagra 94 25 18 7 Trato gastrointestinal • Diarreia • Cólicas 78 51 Coração (lesão valvular) • Coração direito • Coração esquerdo 40 13 Trato respiratório • Broncoespamo 19 Rim • Edema periférico 19 Articulações • Artrite 7 Tabela 6.20 *Manifestação clínica mais característica. Mediadores hormonais da síndrome carcinoide Característica clínica Frequência (%) Mediadores Diarreia 78 Serotonina, histamina, prostaglandinas, VIP, glu- cagon, gastrina, calcitonina Flushing cutâneo 94 Serotonina, 5-hidroxitrip- tofano, calicreína, subs- tância P e prostaglandinas Telangiectasias 25 Desconhecido Sibilos 18 Serotonina e histamina Doença cardíaca Coração direito Coração esquerdo Serotonina 40 15 Tabela 6.21 Diagnóstico complementar A dosagem da 5-hidroxitriptamina-5HIAA (metabó- lito da serotonina) na urina de 24 horas constitui o primei- ro exame a ser realizado (vn= 2 a 8 mg/dia). Este teste tem sensibilidade de 75% e especifi cidade maior de 90%. A maioria dos pacientes com tumores neu- roendócrinos (NETs) apresenta excreção urinário maior que 100mg/dia (523 mmol/dia). Os níveis de 5-HIAA são fator prognóstico independente ao diagnóstico e durante seguimento em pacientes com doença disseminada. Apesar dos níveis urinários de 5-HIAA serem muito específi cos para NETs, não são muito sensíveis e podem estar normais mesmo em doença metastáti- ca. Feldman demonstrou especifi cidade de 100% para o diagnóstico de tumores neuroendócrinos, enquanto a sensibilidade foi de 73%. Os tumores derivados do intestino anterior ten- dem a produzir grandes quantidades de 5-hidroxitripto- fano (5HTP, precursor da serotonina), mas a produção de serotonina é rara, provavelmente pela defi ciência da en- zima descarboxilase no fígado. Para estes casos solicita- -se a dosagem da 5-HTP no sangue e do seu metabólito, o ácido acético metilimidazólico, na urina de 24 horas. Em centros mais especializados marcadores tu- morais podem estar presentes no sangue, como calcito- nina, cromogranina A (CgA), cromogramina B, gastrina, frações alfa e beta da gonadotrofi na coriônica. A dosa- gem da cromogranina A no sangue tem sensibilidade de 95% e especifi cidade de 80% e constitui hoje importan- te marcador da doença (é o marcador mais promissor). A ingestão excessiva de alguns alimentos, como banana, abacaxi, tomate, abacate e nozes, podem originar falsos-positivos, e o levodopa e a aspirina, falsos-negativos. Alguns pacientes com tumores carcinoides apresentam os sintomas clássicos da síndrome carcinoide, com níveis urinários normais de 5-HIAA. Nesses casos, devem-se determinar os ní- Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201566 veis plasmáticos e plaquetários de serotonina que es- tarão aumentados (normal = 117 a 194 mg/mL), um método mais sensível do que a dosagem de 5-HIAA. A causa mais comum de resultado falso-positivo é o mieloma múltiplo. Outras condições, como IRC, gas- trite crônica atrófica e uso de IBP podem causar com elevação dos níveis de CgA. A enolase neurônico-específica (NSE) é um marcador inespecífico e que se correlaciona com pobre diferenciação do tumor. Excreção urinária de catecolaminas e seus meta- bólitos parece se correlacionar com o flushing e as alte- rações cardiovasculares da síndrome carcinoide. Os níveis de taquicinas (neurocinina A e substâncias P) estão elevadas em 50% dos tumo- res do intestino médio e tem relção com a agres- sividade do tumor. Estudos de imagem devem ser realizados, como a ultrassonografia e a TC, para verificar se há me- tástases hepáticas, estabelecendo-se o diagnóstico histológico pela biópsia hepática dirigida. Pode-se determinar os tumores carcinoides, não identi- ficados com outras modalidades de imagem, pelo mapeamento com 111MIBG (m-iodobenzilguanidi- na), que se acumula nas células neuroendócrinas. Outra forma de avaliação das metástases carcinoides é a recentemente desenvolvida cintilografia com análogos radiomarcados da somatostatina, avidamente absorvi- dos por diversos tumores neuroendócrinos. A cintilo- grafia com 111In-pentetreotide (Octrescan) permite ob- servar cerca de 89% dos tumores carcinoides, mas não é útil para identificar lesões < 1 cm no ID. A ultrassonografia endoscópica gastrointes- tinal superior (USE) é muito útil para determinar se a lesão é um tumor dentro da parede intestinal, uma estrutura vascular ou uma compressão ex- trínseca, provocada por um órgão ou tumor adja- cente. Se a lesão parece se originar da parede intestinal, a camada sonográfica de origem e a ecotextura da lesão podem ajudar a inferir um diagnóstico. Essencialmente, a técnica envolve a colocação endoscópica de um transdutor de alta frequência na luz gastrointestinal e o esquadrinhamento da área de interesse. Os estudos da parede do trato gastrointes- tinal com a USE, com frequências de 7,5 a 12 MHz, demonstram, de forma consistente, cinco camadas sonográficas. A interpretação dessas camadas ainda é matéria de alguma discussão, mas, para fins práticos, as três camadas internas correspondem à mucosa e à submucosa, inclusive a mucosa muscular, com a quarta camada hipoecoica correspondendo à muscu- lar própria, e a quinta, mais externa, à serosa. Os tumores carcinoides originam-se de uma ou mais das três camadas sonográficas mais internas da parede (geralmente da segunda), ao contrário do leio- mioma ou leiomiossarcoma, que se originam da quar- ta camada hipoecoica. Os tumores carcinoides em geral são hipoecoicos ou de ecogenicidade inter- mediária, sendo homogêneos com uma borda lisa e bem definida. A arteriografia é capaz de localizar o tumor primário e as metástases hepáticas, lembrando que as lesões são hipervascularizadas. Na TC e RNM o tumor carcinoide mostra um típico padrão estrelado do tumor carcinoide. O PET/CT marcado por FDG não demonstrou boa eficácia para o diagnóstico uma vez que apenas ou tumores pouco diferenciados apresentam um aumen- to marcante do metabolismo da glicose. Figura 6.10 Trânsito delgado: tumor carcinoide. Observe as ima- gens de subtração ao exame baritado. Figura 6.11 Metástases hepáticas de tumor carcinoide. Classificação TNM para tumores neuroendócrinos de acordo com AJCC Duodeno/Ampola/Jejuno/Íleo Tumor (T) Tx T0 T1 T2 T3 T4 Tumor primário não pode ser avaliado Sem evidência de tumor primário Tumor invade a lâmina própria ou submucosa e tamanho ≤ 1 cm* (tumores de intestino delgado); tumor ≤ 1 cm (tumores ampulares) Tumor invade a muscular própria ou tamanho > 1 cm (tumores de intestino delgado); tumor > 1 cm (tumo- res ampulares) Tumor invade a muscular própria até tecido subseroso sem penetrar a serosa (tumores jejunais ou ileais) ou invade pâncreas ou retroperitônio *(tumores ampula- res ou duodenais) ou para tecidos não peritonializados Tumor invade peritônio visceral (serosa) ou invade outros órgãos Para qualquer T, acrescentar (m) para tumores múltiplos * Tumor limitado à ampola de Vater para paragangliomas gangliociticos ampulares. Tabela 6.22 6 Tumores do intestino delgado 67 Linfonodos regionais (N) Classifi cação TNM para tumores neuroendócrinos de acordo com AJCC Nx N0 N1 Linfonodos regionais não podem ser avaliados Ausência de metástases em linfonodos regionais Metástase em linfonodo regional M0 M1 Ausência de metástases à distância Presença de metástase à distância Tabela 6.23 Estádios/grupos prognósticos. Classifi cação TNM para tumores neuroendócrinos de acordo com AJCC Estádio 0 Estádio I Estádio IIA Estádio IIB Estádio IIIA Estádio IIIB EstádioIV Tis T1 T2 T3 T4 Qualquer T Qualquer T N0 N0 N0 N0 N0 N0 Qualquer N M0 M0 M0 M0 M0 M0 M1 Tabela 6.24 Tratamento Clínico O objetivo do tratamento clínico é controlar os sintomas e reduzir a massa tumoral, embora a do- ença seja indolente e alguns pacientes com doença disseminada vivam razoavelmente bem por muitos anos. Antes, tratavam-se alguns dos sintomas com várias drogas, como a clonidina, a fenoxibenzami- na, o propranolol, a fentolamina, a fenfl uramina, o α-metildopa e o metildopa, quase sempre com resul- tados decepcionantes. Atualmente, tem-se emprega- do, com algum êxito, a cipro-heptadina, que reduz a diarreia, mas raramente o rubor e a excreção urinária de 5-HIAA. A dose é de 4 a 8 mg, 3 vezes ao dia. O tratamento com octreotídeo – um análogo da somatostatina – geralmente reduz o rubor em minutos e a diarreia em horas. Também há uma rápida redução dos níveis de 5-HIAA. Quase 90% dos casos tratados com octreotídeo apresentam uma redução superior a 50% do rubor, com redu- ção, em dois terços dos casos, de mais ou menos 50% dos níveis de 5-HIAA. Pode haver até mesmo, em alguns pacientes, uma verdadeira redução do tu- mor. Infelizmente essa resposta não é duradoura, com quase todos os casos recidivando em cerca de um ano (ainda é desconhecido o mecanismo desse escape). A dose inicial de octreotídeo é de 150 µg, 3 vezes ao dia, que deve ser aumentada se o controle for apenas par- cial. Seus efeitos colaterais são mínimos, mas as doses elevadas podem provocar esteatorreia. Em um terço dos casos, a terapia crônica com octreotídeo pro- duz colelitíase, devido à estase biliar. Em função dos custos e do desenvolvimento de resistência à dro- ga, essa terapia deve ser reservada aos casos com sin- tomas incapacitantes e graves prejuízos da qualidade de vida. A grande maioria dos pacientes deixa de res- ponder ao tratamento com octreotídeo após 12 meses. Reserva-se a quimioterapia aos casos com sintomas muito incapacitantes ou aos com sinais prognósticos ruins, incluindo alterações da função hepática, cardiopatia carcinoide ou níveis muito altos de 5-HIAA. A resposta a qualquer regime é pequena, geralmente transitória e com toxicidade grave. Em um pequeno número de pacientes foram empregadas vá- rias drogas – isoladas ou em combinação –, entre elas a ciclofosfamina, a estreptozotocina e o 5-fl uorouracil, com taxas de resposta entre 23% a 40%. Inibidores da angiogênese (anticorpo monoclonal bevacizumabe e o VEGF-trap; moléculas pequenas inibi- doras da enzima tirosina-quinase do receptor do VEGF, como sunitinibe e o sorafenibe) são drogas promissoras e estudos confi rmatórios ainda são necessários. A imunoterapia com α-interferon tem se mos- trado promissora, com redução dos níveis de 5-HIAA, alívio dos sintomas e regressão do rubor. O controle dos sintomas é comparável ao dos análogos da somatostatina, com alívio sintomático em aproximadamente 50% dos casos e resposta clínica abaixo de 10%. Recentemente, um estudo randomiza- do comparou a combinação de IFN com os análogos da somatostina versus cada droga isolada, não observan- do diferença nos efeitos antiproliferativos, entretan- to os efeitos colaterais foram maiores nos grupos que receberam IFN. Hoje, raramente, encontra-se um caso em que se adiciona IFN ao tratamento com os análo- gos da somatostatina. Os efeitos antitumorais do IFN são: redução na proliferação celular, indução de apoptose, diferencia- ção e inibição da angiogênese. A dose recomendada é de 3 a 9 MU em dias alternados. A média de resposta sintomática e bioquímica é de 40% a 70%, e 44% res- pectivamente, e a média de resposta tumoral de 11% e estabilização da doença em 35% dos casos. Fadiga cró- nica e depressão leve aparecem em, aproximadamen- te, 50% dos pacientes. Reações autoimunes (tiroidite, lúpus eritematoso sistémico e polimialgia) aparecem em aproximadamente 30% dos pacientes. Em pacientes com extensas metástases he- páticas tem se empregado a oclusão da artéria hepática, com uma taxa objetiva de regressão de 65% e redução semelhante dos níveis de 5-HIAA, do rubor e da diarreia. Mais uma vez, a resposta dura pouco, uma média de apenas 6,4 meses, em um estudo. A associação da oclusão da artéria hepá- tica com a quimioterapia parece proporcionar uma taxa de resposta maior (85%) e de duração média (18 meses). Broncodilatadores da classe das metilxantinas em associação à prednisona são úteis para coibir a hiper-reatividade brônquica. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201568 Cirúrgico Durante a laparotomia, a cavidade abdominal deve ser explorada cuidadosamente em busca de um se- gundo tumor, que pode ocorrer em até 30% dos casos. Para os NETs de intestino delgado recomenda-se a res- secção intestinal em conjunto com ressecção do mesen- tério e dissecção das metástases linfonodais ao redor da artéria e veia mesentéricas. Esses tumores devem ser seguidos cuidadosamente por longo período, uma vez que a recidiva hepática ocorre na maioria dos pacientes. Se o tumor estiver localizado no duodeno proxi- mal (cerca de 2%) ou se estender ao pâncreas, é neces- sário fazer uma pancreaticoduodenectomia (cirurgia de Whipple). Deve-se ressecar, com a lesão primária, os nodos linfáticos regionais. As lesões ileais podem exigir uma hemicolectomia direita; se a lesão for do íleo, deve-se tentar preservá-lo o máximo possível, para evitar a diarreia pós-operatória ou a deficiência de vitamina B. Se a lesão não for ressecável, pode-se fazer uma derivação, para restabelecer a continuidade da luz intestinal permitindo a alimentação oral. O aparecimento de metástases linfonodais e hepáticas tem papel prognóstico bem definido. A sobrevida média de todos os casos em cinco anos varia de 50% a 60%. Nas doenças localizadas é de 75%; quando apresentam linfonodos positivos é de 59% e reduz para 20% a 35% na presença de metástases hepáticas. Portanto, os tumores pe- quenos dessa região devem ser submetidos à extensa ressecção intestinal, compreendendo toda área de dre- nagem linfonodal correspondente. Essa conduta per- mite o estadiamento histopatológico, a ressecção de metástases linfonodais ocultas e a prevenção de com- plicações locais, como a reação fibrótica do mesentério já mencionada. Além disso, todas as massas tumorais devem ser ressecadas sempre que possível – cirurgia citorredutora –, tendo em vista que o tempo de evo- lução da doença é imprevisível. Deve-se levar em con- sideração a possibilidade de haver multicentricidade em 20% a 40% dos tumores carcinoides do intestino delgado, bem como a presença de adenocarcinoma em outras porções do trato gastrointestinal, demandando avaliação intraoperatória meticulosa. A maioria dos tumores carcinoides do apêndice ce- cal é tratada por simples apendicectomia, tendo em vis- ta ter menos de 1 cm de diâmetro. A hemicolectomia direita associada à ressecção linfonodal regional extensa está indicada para os tumores maiores de 2 cm. Para os tumores de tamanho intermediário, a de- cisão deve se basear em outros critérios adicionais, que incluem localização na base apendicular, extensão para o mesoapêndice, devendo-se ser mais agressivo para pacientes jovens que apresentam risco cirúrgico menor. No tumor carcinoide do apêndice cecal tratado cirurgicamente o prognóstico de sobrevida em cinco anos varia de 90% a 100%. Tumor carcinoide e metástases Em geral as metástases hepáticas são multicên- tricas, impossibilitando ressecções hepáticas cura- tivas. Entretanto, o comportamento biológico imprevisí- vel dos tumores carcinoides e a necessidade de controlar sintomas decorrentes da produção hormonal justificam a realização de ressecções parciais de metástases hepáticas, muitas vezes de repetição. A cirurgia citorredutora pode melhorar o índice de sucesso com o tratamento subsequente, que inclui embolização, quimiotera- pia, imunoterapia e terapia com octreotida. Os critérios para a indicação de ressecção hepáticapaliativa não estão bem definidos, todavia deve ser con- siderada quando se pode remover cerca de 90% do tumor com segurança. Ressecções de grandes metástases hepáti- cas (maior de 10 cm) melhoram significativamente os sin- tomas. A hepatectomia segmentar é o procedimento padão para tratamento das lesões hepáticas. Em casos de doença acometendo ambos os lobos hepáticos, pode-se realizar o procedimento em dois tempos. Técnicas de crioterapia, ablação por radiofrequência (ARF), injeção alcoólica per- cutânea, embolização e quimioembolização estão entre as alternativas para controle da doença hepática metastática. A criocirurgia tem algumas vantagens em combi- nação com cirurgias abertas. A área de congelamento se torna de fácil monitorização. No entanto, em casos de lesão acometendo mais de 40% do volume hepático total ou envolvendo estruturas vasculares importan- tes, a ARF é preferível. A ARF pode ser executada por meio de técnicas percutâneas ou laparoscópicas com bons resultados. A alcoolização percutânea é conside- rada a casos de doença mais avançada. Tem boas taxas e resposta para doença hepática em NETs uma vez que essas lesões tendem a ser hipervascularizadas. Vários estudos mostraram que a embolização ar- terial hepática pode reduzir o tamanho tumoral e os níveis hormonais, resultando na paliação dos sinto- mas. A embolização hepática com ou sem quimiote- rapia (doxorrubicina, mitomicina C e cisplatina) pode ser utilizada em pacientes com tumores avançados com envolvimento hepático não passível de aborda- gem curativa ou ablação. No momento não existem estudos randomizados comprovando a superioridade da quimoembolização sobre a embolização. O transplante hepático para tratar metástases he- páticas confinadas ao fígado, uma vez que a doença apre- senta evolução lenta, foi utilizado por vários centros, po- rém a sobrevida a médio prazo não tem sido animadora. Critérios de Milão para indicação de transplante hepático em tumores neuroendócrinos com metástases hepática Critérios de inclusão 1. Histologia confirmada de tumor carcinoide (NET de baixo grau) com ou sem síndrome carcinoide 2. Drenagem natural primária através do sistema porta (pâncreas e intestino médio: estômago distal até cólon sigmoide) ressecados com intenção curativa ( ressec- ção de todos os sítios extra-hepáticos antes do trans- plante) em procedimentos distintos do transplante 6 Tumores do intestino delgado 69 Critérios de Milão para indicação de transplante hepático em tumores neuroendócrinos com metástases hepática (cont.) 3. Extensão da doença metastática para ≤ 50% do parên- quima básico 4. Boa resposta ou doença estável por período mínimo de 6 meses antes do transplante 5. Idade ≤ 55 anos Critérios de exclusão 1. Carcinoma de pequenas células ou carcinoma neuro- endócrino de alto grau (tumores não carcinoides) 2. Outras condições médicas/cirúrgicas que contra indiquem o transplante hepático, incluindo neoplasias prévias 3. Carcinoides não gastrointestinais ou tumores não dre- nados pelo sistema porta Tabela 6.25 A quimioterapia fundamenta-se na associação da estreptozotocina e 5-fl uorouracil; entretanto, inúmeras drogas têm sido utilizadas em associação a esse esquema. A quimioembolização, na qual se administram quimioterápicos sequencialmente à embolização do tumor hepático, tem mostrado resultados favoráveis. A radioterapia tem sido útil para o tratamento sintomático de metástases ósseas, cutâneas e cere- brais. A metaiodobenzilguanidina (iodo radioativo) apresenta resposta razoável em neoplasias que apre- sentam boa captação. Protocolos atuais avaliam o efei- to da octreotida marcada com índio III. A utilização da somatostatina com efei- to antitumoral baseia-se no seu efeito inibidor sobre diversos peptídios hormonais. Essa droga provou sua efi ciência no controle da crise carci- noide (vermelhidão, taquicardia, hipotensão e diarreia). Atualmente, o análogo da somatosta- tina de longa duração constitui o tratamento de escolha para controle da síndrome carcinoide. O alfainterferon estimula a função imunitária através das células natural killer, melhora os sinto- mas mediante o controle da secreção hormonal e inibe o crescimento tumoral. Seguimento Todos os pacientes devem ser reavaliados num período de três a doze meses após a ressecção do tu- mor e em seguimento anual subsequente. Na consulta de seguimento, deve-se incluir história clínica com- pleta, exame físico e exame de imagem, como TC ou RNM. Técnicas de medicina nuclear, como a cintigra- fi a e o PET/CT, não são recomendadas de rotina no se- guimento desses pacientes, mas podem ser utilizadas para a localização de doença em caso de suspeita de recidiva. A CgA sérica pode ser utilizada como marca- dor tumoral e níveis urinários de 5-HIAA podem ser utilizados em alguns casos. Tumores de apêndice < 2 cm e tumores retais < 1 cm em geral não requerem seguimento. Tumores retais com 1 a 2 cm de diâmetro devem ser seguidos com proc- toscopia a cada seis a doze meses após o tratamento. Pacientes portadores de gastrinomas devem ser sub- metidos à endoscopia digestiva alta a cada seis a doze meses nos primeiros três anos, e após, anualmente. Tumores metastáticos O melanoma maligno é o tumor metastático mais comum do intestino delgado, ocorrendo em 35,6 a 58% dos pacientes estudados em autópsias, mas em apenas 8%, antes da morte. As metástases do melanoma do intestino delgado são geralmente le- sões múltiplas, porém também pode haver infi ltração difusa, tumor intraluminar único ou implantes intesti- nais. As lesões podem levar à intussuscepção, obs- trução ou hemorragia. Em 1/3 dos pacientes não é possível identifi car a lesão primária e em muitos outros o tumor primário já tinha sido ressecado anos antes. São menos frequentes outros tipos de câncer que formam metástases por via hematogênica, como o car- cinoma de pulmão ou o de mama. O tratamento do câncer de mama com corticosteroides parece predispor as metástases gastrointestinais. Os tumores de cérvice, ovários, cólon e rins podem afetar, por extensão direta, o intestino delgado. A doença metastática mais co- mum do jejuno é a do carcinoma de células renais. Figura 6.12 Trânsito delgado: lesões metastáticas de melanoma ma- ligno (este é o câncer que mais metastatiza para o intestino delgado). Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201570 Figura 6.13 A: imagem endoscópica de tumor carcinoide duodenal; B: imagem ecoendoscópica de lesão hipoecoica, elevada, sem invasão da muscular própria (uT2N0Mx). Figura 6.14 A: imagem endoscópica de diminuta lesão polipoide de 0,8 cm, localizada na parede gástrica; B: imagem ecoendoscópica mos- trando que a lesão é superficial, mantendo intacta a muscular própria. Essa paciente foi submetida à remoção endoscópica e permanece em controle endoscópico e ecoendoscópico há mais de cinco anos. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 7 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201572 Os divertículos do intestino delgado podem ser congênitos ou adquiridos, e só raramente eles podem causar sintomas, dependendo da sua localização. Dos divertículos abordados neste capítulo o mais revelante é o divertículo de Meckel. Divertículo de Meckel (Johann Meckel, 1809) O divertículo de Meckel é a anormalidade congênita do intestino delgado mais comum. As manifestações clínicas são mais frequentes na criança. Mais da metade dos sintomas ocorre em crianças com menos de 2 anos de idade. A principal complicação clínica é o sangramento, que ocorre em 25% a 50% dos pacientes e é decorrente de uma úlcera pép- tica secundária ao ácido produzido pelo tecido gástri- co ectópico localizado no divertículo. Em crianças, o divertículo de Meckel é a principal causa de san- gramento gastrointestinal. Etiopatogenia e fisiopatologia O divertículo de Meckel é um resquício em- briológico do ducto onfalomesentérico (DOM) ouvitelino. Na 4ª semana de vida intrauterina, ten- do o embrião de 5 a 9 mm, o saco vitelino começa a se afastar do intestino primitivo, e a comunicação en- tre eles se faz através de estrutura canalicular, que é o ducto onfalomesentérico. Entre a 5ª-7ª semana a pla- centa substitui o saco vitelino em sua função de nutrir o feto, e o canal em questão se oblitera, e na 8ª semana ele desaparece totalmente. Anormalidades no proces- so embrionário podem fazer com que o ducto persista totalmente patente, comunicando a parte terminal do íleo ao umbigo – fistula enteroumbilical; pode ha- ver persistência somente da porção junto ao umbigo – seio umbilical, ou, ainda, da porção média –, cisto vitelino ou do DOM; pode ainda persistir somente um cordão fibroso unindo o íleo ao umbigo, e, finalmente, a permanência da porção proximal ao intestino cons- titui o divertículo de Meckel. Figura 7.1 Representação esquemática de três das formas de persis- tência do conduto onfalomesentérico. Epidemiologia Ocorre entre 1,5% e 2% da população, mas calcula-se que somente cerca de 4% dos porta- dores apresentarão manifestações durante sua vida. As complicações, que levam à descoberta do divertículo, acontecem em 60% das vezes abaixo dos dois anos de idade e em dois terços dessas crianças abaixo de 1 ano há relatos no período neonatal e, até mesmo, de diagnóstico pré-natal. A presença de sinto- mas que levam ao diagnóstico ocorre em torno de um terço dos casos, sendo os outros dois terços achados casuais de laparotomia. Ocorrem as complicações três vezes mais no sexo masculino, sendo a he- morragia mais comum nas crianças mais novas e a obstrução mais frequente em crianças mais velhas e em adultos. As anomalias frequentemente associadas são a atresia de esôfago, onfalocele, mal- formações cardíacas e do sistema nervoso e anomalias anorretais. Alguns autores descreveram a associação de fístula broncogástrica, sequestro pulmonar, má ro- tação intestinal e divertículo de Meckel. Quadro clínico e diagnóstico O divertículo de Meckel só apresenta quadro clí- nico ao se complicar. As três principais apresentações clínicas são descritas a seguir. Hemorragia É a complicação mais frequente em crianças; ocorre abaixo dos dois anos, é consequente à ul- ceração da mucosa ileal. Nessa apresentação parece haver sempre presença de mucosa gástrica. O quadro, em geral, não é acompanhado de dor, e a intensidade do sangramento vai desde pequenas perdas insidio- sas até hemorragias maciças com enterorragia franca causando hipovolemia; na dependência da velocidade do trânsito intestinal, pode ocorrer melena. Essas he- morragias são episódicas, cedendo espontaneamen- te, requerendo com frequência transfusões. Feito o diagnóstico de hemorragia intestinal baixa, temos de afastar outros sangramentos, através de endoscopia digestiva alta e colonoscopia; os exames radiológicos contrastados são pouco eficazes para o diagnóstico. O método de maior eficácia, e usado de longa data, é a cintilografla com 99mTc, pertecnetato, que re- vela presença de células parietais de mucosa gás- trica ectópicas, no quadrante inferior direito do abdome. Esse exame é positivo em cerca de 80% dos divertículos sangrantes. Falsos-positivos ocor- rem em obstruções do trato urinário e malformações vasculares, como hemangiomas, fístulas arterioveno- sas etc. A utilização de medicação prévia ao exame com agentes bloqueadores de H2 melhora a sensibilidade e diminui, praticamente a zero, os falsos-negativos. Al- guns autores recomendam utilizar ranitidina VO (20 mg/kg em crianças e 300 mg em adultos) 48 horas an- tes do exame, que é realizado com injeção venosa de 37 7 Divertículos do intestino delgado 73 (presença de enduração no seu interior) devem ser ressecados devido ao alto risco de complica- ções. Idade inferior a 40 anos, divertículo maior que 2 cm ou com cordão fi broso também são fa- tores de risco, sendo considerados indicações relativas para ressecção. Em crianças, a ressecção é geralmente recomendada para os divertículos assinto- máticos presentes durante laparotomia. Os divertículos sintomáticos devem ser ressecados. Ressecções nessas condições são as- sociadas à taxa de mortalidade de 5% a 10%. Existem controvérsias entre a realização de diverticu- lectomia ou a ressecção do segmento ileal. A ressecção segmentar é indicada: 1. nos casos de sangramento associados à úlcera ileal adjacente, pois a simples diverticulectomia pode não remover a úlcera, podendo resultar em recorrên- cia do sangramento; 2. em divertículos com base larga pelo risco de es- tenose ileal, se for realizada diverticulectomia. Em outras situações, a ressecção simples do divertículo é efi caz. O aumento na frequência do diagnóstico do di- vertículo de Meckel com a utilização da laparoscopia e os recentes relatos demonstrando efetividade no tratamento por via laparoscópica podem gerar novos conceitos no tratamento de pacientes com divertículo de Meckel assintomático. Divertículos duodenais adquiridos O divertículo de duodeno é o segundo mais co- mum do trato alimentar, após o divertículo do cólon. Em exames radiológicos contrastados, a ocor- rência de divertículos duodenais varia entre 0,16% e 5,76%. Embora a incidência correta de divertículo duodenal em pacientes de grupos etários diferentes não seja conhecida, ela é alta em pacientes de grupos etários mais avançados, parecendo não haver diferen- ça em relação ao sexo. Em um estudo radiológico, 67% de todos os di- vertículos duodenais foram encontrados na segunda porção ou na porção ascendente do duodeno a 2 cm da ampola de Vater. Os divertículos duodenais são frequente- mente assintomáticos. A maioria dos sintomas é inespecífi ca e inclui saciedade precoce, náuseas, vômi- tos cíclicos, dor epigástrica e diarreia. As possíveis complicações do divertículo duodenal são raras e incluem formação de cálculo biliar, colangite, pancreatite, hemorragia, oclusão intestinal, ulceração e obstrução do divertículo, diverticulite, fístula para ór- gãos adjacentes, abscesso retroperitoneal, degeneração maligna e diarreia secundária à síndrome da alça cega. a 180 mbq de 99mTcO4; a duração do exame é de 1 hora, e os autores aconselham, além da incidência anterior do detector, imagens oblíquas e laterais, conseguindo, desse modo, detectar praticamente 100% dos diver- tículos sangrantes. A arteriografi a é um método mais invasivo, mas que pode complementar o diagnóstico. Obstrução intestinal A segunda complicação mais frequente é a obstrução intestinal, que pode ser causada por: (1) vólvulo do intestino delgado ao redor do cordão fi broso, que ocasionalmente faz conexão do diver- tículo com o umbigo; (2) intussuscepção; (3) mais raramente, encarceramento em uma hérnia, condição conhecida como hérnia de Littré. A obstrução intestinal é a principal compli- cação encontrada em adultos. A diverticulite aguda geralmente apresenta um quadro semelhante ao da apendicite aguda. Ao contrário da obstrução in- testinal e da hemorragia, a diverticulite de Me- ckel é mais comum em pacientes mais velhos. O desenvolvimento de adenocarcinoma em tecido gástrico ectópico de divertículo de Meckel tem sido raramente observado. O diagnóstico pode ser estabelecido por estu- do radiológico contrastado do intestino delgado, ou empregando o estudo de captação de radioisótopos (tecnécio). O tecnécio é captado pela mucosa gástrica contida no divertículo e, assim, é capaz de identifi car os divertículos de Meckel que contêm mucosa gástrica ectópica. Portanto, esse método tem uma elevada pre- cisão para diagnosticar os divertículos de Meckel que complicam com sangramento. O diagnóstico geralmente é feito por laparoto- mia exploradora realizada por suspeita de apendicite, e, nesse caso, se o apêndice é normal, o íleo deve ser sempre examinado durante a operação. Diverticulite Essa apresentação é a menos frequente. Ela se sobrepõe a um quadro de apendicite aguda, e, maisuma vez, esse é o diagnóstico pré-operatório, sendo o divertículo um achado cirúrgico. Essa apresentação é mais comum em crianças maiores. A presença de per- furação agrava muito o prognóstico, pois ocorre em peritônio livre, diferentemente da apendicite, sendo a morbidade e a mortalidade altas. Os sintomas são os mesmos da apendicite aguda, e o exame radiológico apresenta um abdome agudo infl amatório. Tratamento O tratamento para o divertículo de Meckel acha- do incidentalmente é controverso. Os divertículos que aparentam conter mucosa gástrica ectópica Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201574 Divertículo e litíase biliar Vários relatos indicam uma possível relação en- tre divertículo duodenal e doença de ductos biliares com uma incidência de 44% a 53% de litíase biliar associada a divertículos justapapilares. A patogenia é desconhecida, mas alguns estudos sugerem que os di- vertículos justapapilares interferem com a drenagem biliar por compressão externa e alteram o funciona- mento do esfíncter de Oddi, causando estase biliar e predispondo à formação de litíases. Em muitos pacientes com divertículo duodenal e litíase biliar, os cálculos são geralmente pigmentares, com bilirrubinato de cálcio como o principal componen- te. Uma correlação entre bactérias e cálculos de bilirru- binato de cálcio é amplamente aceita. A explicação mais razoável desse fato é que bactérias intestinais nos ductos biliares produzem a enzima betaglicuronidase, que pode dividir a bilirrubina conjugada em bilirrubina não conju- gada e ácido glicurônico. A bilirrubina livre nos ductos bi- liares precipita-se como bilirrubinato de cálcio insolúvel. Divertículo e pancreatite Muitos relatos indicam uma correlação positiva entre os divertículos duodenais e o desenvolvimento de pancreatite. Entretanto, muitos dos casos relatados apresentavam também colelitíase, e, portanto, a pan- creatite pode ser secundária à colelitíase. Ainda não há nenhum estudo prospectivo demonstrando que os di- vertículos duodenais podem desencadear pancreatite. Divertículo justapapilar e da junção colédoco-duodenal Pacientes com divertículo justapapilar têm uma disfunção e, provavelmente, uma insuficiência do es- fíncter de Oddi. É possível que uma fraqueza na mus- culatura do duodeno, resultando na formação de di- vertículos, também afete o esfíncter de Oddi. Contaminação bacteriana associada ao divertículo duodenal Os divertículos do intestino delgado podem fun- cionar como alças cegas, e o crescimento bacteriano tem sido demonstrado nos divertículos, bem como no segmento adjacente do intestino. Em pacientes com divertículo duodenal, uma flora do tipo fecal com E. coli, Klebsiella sp., Proteus sp., Streptococcus faecalis e anaeróbios é comum no duodeno. A combinação de um crescimento de bactérias fecais no duodeno com uma insuficiência no esfínc- ter de Oddi aumenta o risco de infecção ascendente do duodeno para a árvore biliar. De fato, em pacientes com colelitíase associada ao divertículo justapapilar, as culturas de micro-organismos intestinais nos duc- tos biliares são positivas em 80% dos casos. Diagnóstico O divertículo duodenal pode ser diagnosticado por exames radiológicos ou por endoscopia. Todos os métodos radiológicos usados podem não detectar um grande nú- mero de divertículos. O único método seguro é a endos- copia digestiva, e, mesmo com esse método, o diagnóstico pode ser difícil. Na pesquisa de divertículos justapapilares, que são os mais importantes, é necessário um exame cui- dadoso de toda a porção descendente do duodeno. A área papilar deve ser examinada com um cateter de Teflon, e o divertículo deve ser canulado, examinado e preenchido com contraste para demonstração radiológica. A tomogra- fia computadorizada pode ser útil no diagnóstico de diver- tículo duodenal, diverticulite e perfuração. Tratamento Na ausência de complicações, não há necessidade de tratamento do divertículo duodenal. Quando houver perfuração, o tratamento cirúrgico está indicado. Se a inflamação não for intensa, a diverticulectomia é o trata- mento de escolha. Entretanto, se o processo inflamatório for intenso, pode ser necessário realizar uma operação de derivação (gastrojejunostomia ou duodenojejunostomia) para desviar o trânsito alimentar do local da perfuração do divertículo. A intervenção cirúrgica por sangramento é muito rara. Quando divertículos duodenais são diagnosti- cados em pacientes com litíase biliar ou pancreatite, essas condições devem ser tratadas como em qualquer outro paciente. Recentemente tem sido utilizado o tratamento endoscópico para divertículos justapapilares sintomáticos. Divertículos jejunais e ileais adquiridos Os divertículos jejunais e ileais são muito menos frequentes que os duodenais, e a sua in- cidência varia entre 0,5 e 1% nos estudos radio- lógicos contrastados do intestino delgado. A pa- togenia desses divertículos não está clara; entretanto, é provável que anormalidades na peristalse, discinesia intestinal e aumento na pressão intraluminal, como ocorre nos divertículos do cólon, participem da forma- ção. A maioria dos divertículos é encontrada na porção proximal do jejuno, próximo ao ligamento de Treitz. Divertículos jejunais e ileais estão associa- dos a divertículos colônicos em 35% a 50% dos casos. Entretanto, divertículos múltiplos são mais frequentes no jejuno e no íleo que no duodeno. Os divertículos são falsos e localizados na borda mesentérica e, portanto, podem não ser observados durante a cirurgia. São assintomáticos, e as complicações ocorrem entre 20% e 30% dos pacientes. Os sintomas incluem dor abdominal intermitente, anemia e dilatação de al- ças intestinais. A hemorragia maciça é a complicação mais séria e está associada à alta taxa de mortalidade 7 Divertículos do intestino delgado 75 devido ao atraso no diagnóstico. Diverticulite, perfu- ração, suboclusão e oclusão são complicações raras. A relevância clínica desses divertículos está relacionada ao crescimento bacteriano e talvez a sangramentos in- termitentes e pequenos do intestino delgado. Tecido ectópico não é relatado nesses divertículos. Divertículo e proliferação bacteriana intestinal Muitos estudos demonstram claramente que os di- vertículos jejunais e ileais estão associados à proliferação bacteriana exagerada não somente no divertículo, mas também na área adjacente do intestino. Em alguns pacien- tes isso pode levar a uma condição chamada síndrome de proliferação bacteriana exagerada do intestino delgado. Essa síndrome é comparada à síndrome da alça cega, e, de fato, um divertículo do intestino delgado é uma pequena alça cega. O interesse clínico maior nessa síndrome é a anemia megaloblástica e a esteatorreia associadas. Em qualquer local do in- testino delgado em que haja proliferação bacteriana aumentada, particularmente dos anaeróbios, ocorre má absorção de vitamina B12 e de gorduras, o que efe- tivamente explica a má absorção e a diarreia. A má absorção de vitamina B12 é responsável pelo aparecimento de anemia megaloblástica. As bactérias anaeróbicas competem pela vitamina B12, utilizando-a em seu metabolismo. As bactérias ligam-se ao comple- xo fator intrínseco vitamina B12, impedem sua absor- ção e, provavelmente, produzem análogos da vitamina B12 que competem com a própria vitamina B12 para sua absorção por um mecanismo de inibição competitiva. Esteatorreia A esteatorreia que ocorre em pacientes com di- vertículos do intestino delgado e proliferação bacte- riana exagerada é decorrente principalmente de alte- rações no metabolismo dos sais biliares. As bactérias anaeróbicas e lactobacilos convertem os sais biliares conjugados em desconjugados livres, o que leva à má absorção de gordura e esteatorreia. Diagnóstico Os divertículos jejunais e ileais são diagnostica- dos através de exames radiológicos contrastados ou por laparotomia. Em casos raros, com hemorragia ma- ciça como sintomainicial, o diagnóstico pode ser feito por angiografi a mesentérica. Perfuração do divertícu- lo do intestino delgado resulta em peritonite difusa ou em abscessos intraperitoneais localizados que neces- sitam de laparotomia. Nesses casos, o diagnóstico é feito durante o ato cirúrgico. Tratamento Os divertículos assintomáticos não requerem tratamento. As maiores complicações dos divertícu- los jejunais e ileais – perfuração e hemorragia maciça – requerem tratamento cirúrgico de emergência com ressecção da área envolvida. A ressecção intestinal com anastomose primária é o procedimento cirúrgico de escolha, pois os divertículos são encontrados na borda mesentérica. O tratamento da síndrome de prolifera- ção bacteriana aumentada e suas complicações é con- troverso. Tratamento com antibióticos, particularmen- te contra bactérias anaeróbicas, pode ser útil, sendo o metronidazol uma droga comumente utilizada. Este tratamento deve ter a duração aproximada de duas se- manas. Um curso único de tratamento pode manter os pacientes assintomáticos por um período prolongado. A defi ciência de vitamina B12 deve ser corrigida, na fase inicial através da introdução de B12 parenteral, 1 mg/dia por uma semana, posteriormente 1 mg/semana pelas próximas três semanas e após esse período 1 mg/mês por no mínimo quatro meses. Após 48 horas, a medula óssea começa a se regenerar, havendo o primeiro pico reticulocitário, com pico máximo no décimo dia e nor- malização do hemograma ao fi nal de dois meses. Figura 7.2 Trânsito delgado: vários grandes divertículos do intesti- no delgado (setas). Figura 7.3 Trânsito delgado: vários grandes divertículos do intesti- no delgado (setas). Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201576 Figura 7.4 A: tomografia computadorizada do abdome mostrando divertículo de Meckel contendo enterólito em seu interior com extru- são para a luz ileal (seta); B: tomografia computadorizada do abdome revelando enterólito no interior do divertículo de Meckel com processo inflamatório e formação de abscesso (seta). Figura 7.5 Espécime cirúrgico representado por segmento de íleo com divertículo de Meckel anteriormente ocupado por enterólito de 4 cm de diâmetro (seta). Figura 7.6 Espécime cirúrgico representado por segmento ileal com di- vertículo de Meckel com enterólito que promovia obstrução luminar (seta). ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 8 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201578 Introdução A DC foi descrita em 1932 por Crohn, Ginsburg e Oppenheimer. Sua etiologia ainda é desconhecida, e acredita-se que o processo inflamatório seja resul- tante da combinação de predisposição genética e fatores ambientais. Epidemiologia A incidência das DII (doença intestinal infla- matória) varia de maneira importante e depende de fatores étnicos e localização geográfica. Embora apre- sentem distribuição universal, registraram-se maiores incidências nos Estados Unidos (principalmente entre brancos), na Grã-Bretanha e Escandinávia. Nos EUA, a prevalência da DC é menor que a relatada para a RCUI, estimando-se que atinja aproximadamente 90 em cada 100 mil habitantes, embora já tenha sido re- latada relação inversa em outras regiões. A incidência da DC tem aumentado nas úl- timas décadas. No Brasil, também têm sido regis- trados índices cada vez maiores, particularmente na região Sudeste. Acomete igualmente ambos os sexos, pre- dominando na população de nível cultural maior do que a população-controle. A doença é mais co- mum em fumantes (2 vezes mais), em parentes de primeiro grau de indivíduos acometidos e ju- deus asquenaze. Começa a se manifestar com maior frequência após os dez anos de idade e apresenta dis- tribuição bimodal por faixa etária, atingindo pi- cos entre 15 e 25 anos e 55 e 60 anos. Dados RCU DC Incidência (por 100.000 hab.) 0,5-24,5 0,1-16 Prevalência (por 100.000 hab.) 35-100 10-100 Idade Entre 20 e 40 anos; às vezes 2º pico entre 60-80 anos Sexo (relação feminino:masculino) ≥ 1 < 1 ou > 1 Raça Brancos > negros > asiáticos Etnia Mais frequente em judeus; Ashkenazi > Sefarditas População urbana versus rural Urbana > rural Nível socioeconômico e ocupação Atinge mais indivíduos com nível so- cioeconômico mais alto; mais frequente entre os que traba- lham em ambientes fechados Tabela 8.1 Principais dados epidemiológicos descritivos da doença inflamatória intestinal. Atenção! Etiopatogenia Atualmente, a hipótese geral mais aceita a res- peito da etiopatogenia das DII considera um mecanis- mo multifatorial envolvendo a atuação integrada de componentes genéticos de predisposição, elementos da microbiota intestinal, fatores ambientais, além da resposta imunitária. No que diz respeito à predisposição genética o polimorfismo do gene N0D2 (nucleotide-binding oli- gomerization domain-containing protein 2), também conhecido como CARD15 (caspase recruitment domain-containing protein 15) presente no cromos- somo 16, foi a primeira entre muitas alterações gené- ticas documentadas na DC e que seguramente apon- tam para alterações funcionais de base imunológica ou relacionadas com respostas contra micro-organismos. Tem sido descrito como fator de risco para doen- ça ileal e doença estenosante. Consequentemen- te associa-se a maior necessidade de cirurgia. Entre os muitos fatores ambientais potencial- mente implicados, o tabagismo é o que oferece os dados mais concretos. Postula-se que componentes do fumo possam atuar diretamente sobre o sistema imunitário e sua resposta. Há relatos também de que o fumo provoca alterações no aporte de nutrientes à mucosa intestinal, na produção de muco e na permea- bilidade da barreira epitelial. O tabagismo está asso- ciado também a maior agressividade da doença. O papel da microbiota é de perticular relevância nas DII, nas quais se postula que componentes da mi- crobiota representem o alvo principal contra o qual uma resposta imunológica anormal estaria derecionada. No que diz respeito à resposta imunológica, nas DII, a lesão tecidual é observada em áreas onde há grande infiltração de linfócitos TCD4+, recrutados do sangue em função de produção aumentada de quio- micinas ou expressão de receptores quimiotáticos. Na DC, os Linfócitos T auxiliares apresentam tipica- mente o fenótipo Th1 de resposta, com produção aumentada de IFN-gama. Na mucosa intestinal dos pacientes com DC, os macrófagos que, juntamente com as células dendríticas, atuam como apresentadores de antígenos produzem grandes quantidades de citocinas indutoras, como, por exemplo, IL-12 e IL-18. Consequentemente, a ativação excessiva da resposta Th1 leva a produção de outras ci- tocinas pró-inflamatórias, principalmente pelos pró- prios macrófagos, como TNF-alfa e IL-lbeta. O subgrupo de linfócitos Th17, recentemente descoberto, também aparece como provável responsável, juntamente com lin- fócitos Th1, pela orquestração da inflamação na DC. Os linfócitos T da mucosa intestinal de pacientes com DC, sendo induzidos por IL-23, produzem IL-17 em excesso, constituindo contribuição adicional à inflamação Th1. 8 Doença de Crohn 79 submucosa, espessamento submucoso, fibrose, fissuras e a presença de granulomas. Os granu- lomas de células gigantes, característicos da DC, são detectados em 25 a 80% dos casos. As fissuras, por não serem encontradas em nenhum processo inflamatório do cólon, são indicadores confiáveis da DC. Mais importante para o diagnóstico da DC não é o encontro do granuloma, e sim a presença de infl amação em todas as camadas do intestino. A doença é segmentar, e caracteristica- mente NÃO acomete o reto e ajuda a fazer dife- renciação com retocolite ulcerativa. A doença de Crohn de longa duração tem aumento da in- cidência de câncer tanto do intestino delgado quanto do cólon. Quadro clínico A DC é uma entidade heterogênea que requer abordagens diagnósticas e terapêuticas individuais. Caracteriza-sepor infl amação transmural em qualquer parte do trato digestivo, apresentan- do períodos de exacerbações e remissões, muitas vezes acompanhados de manifestações extrain- testinais. Os segmentos mais atingidos são o intes- tino delgado (27%), o delgado e cólon (30%), o cólon (40%), o estômago e duodeno (5%) e a região perianal isolada (3%). Da cavidade oral ao reto pode-se do- cumentar a doença de Crohn. A apresentação clínica é extremamente variável, e os sintomas diferem conforme a localização predo- minante das lesões e a extensão da doença. O acome- timento esofágico é raro e se manifesta por disfagia, odinofagia, pirose ou dor torácica. A doença gástrica pode ser assintomática, restringindo-se à presença de úlceras aftoides. Quando mais avançada, há dor, vô- mitos e perda ponderal. No trato digestivo superior descreveram-se também fístulas esofagobrônquicas ou gastrocólicas. O acometimento duodenal é mais comum que o gástrico, embora seja raro. Pode haver espessamento de pregas, calcetamento, úlceras, este- nose e fístulas. A forma jejunoileal da DC caracteriza-se por có- licas, diarreia, emagrecimento e distensão abdominal. Na doença ileocólica ocorrem diarreia, dor em fossa ilíaca direita e quadros evolutivos de suboclusão. A colite de Crohn desencadeia surtos agudos de diarreia, dor em baixo-ventre, sangramento nas fezes, mucorreia, constipação e febre. Já a forma perianal pode se manifestar por fístu- las, abscessos, fi ssuras, úlceras e plicomas. A doença perianal ocorre em 25% dos pacientes com doença de Crohn, 41% com ileocolite e em 48% com doença colônica isolada. Pode ser a única apresen- tação clínica da doença de Crohn (5% dos casos). Outro fator importante para a persistência e a cronicidade da infl amação na DC é a longa permanên- cia de linfócitos Th 1 ativados na mucosa intestinal. Patologia A lesão inicial é a hiperplasia dos folículos linfoides das placas de Peyer, com ulceração tar- dia da mucosa adjacente. Estas lesões aparecem como pontos hemorrágicos ou nitidamente como úlceras. Em um próximo estágio, delimitam-se áreas de mucosa edemaciada e fi ssuras profundas na pare- de da alça. Finalmente a lesão torna-se transmu- ral (atinge todas as camadas), comprometendo toda a parede da alça. Pode evoluir para esteno- se, fi stulização interna – entre alças intestinais, com as vias urinárias ou mesmo perfuração em peritônio livre (fi stulização externa). O processo infl amatório na DC é caracteristicamente transmural, o que contrasta com a retocolite ulcerativa inespecífi ca (RCUI) e outras entidades infl amatórias. Esse compor- tamento produz ulcerações aftoides, puntiformes ou lineares, mais profundas que as erosões superfi ciais da RCUI e habitualmente dispostas no eixo longitudinal do intestino, representando uma das manifestações macroscópicas mais precoces da DC. O envolvimen- to de todas as camadas da parede intestinal pelo processo infl amatório, que pode estender-se até a gordura mesentérica e linfonodos regionais, é responsável pela instalação de fi ssuras, fístulas entre alças intestinais, órgãos vizinhos, parede abdominal e região perianal, abscessos, densas aderências entre alças intestinais e, fi nalmente, áreas de estenose intestinal. Devido à descontinui- dade do processo infl amatório, as áreas lesadas são entremeadas por áreas de mucosa normal, comporta- mento que também distingue a DC da RCUI. Outro aspecto típico encontrado na mucosa intestinal acometida pela DC é denominado pedras de cal- çamento (cobblestone), que resulta da combina- ção de ulceração mucosa profunda e espessamen- to submucoso nodular. Do ponto de vista macroscópico, o segmento in- testinal envolvido apresenta-se com hiperemia, espes- sado, com deposição de fi brina e aderências entre alças comprometidas. O mesentério torna-se espessado, fi - brótico, com edema e grande quantidade de gordura, estendendo-se até a serosa do intestino, em direção à borda antimesentérica, como projeções digitiformes ou em chama de vela. Macroscopicamente, os seguintes acha- dos caracterizam a DC, além da natureza transmural já mencionada: inflamação descon- tínua (focal), reação inflamatória mais intensa na Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201580 Causas comuns de diarreia na DC Causa Mecanismo Tratamento Deficiência de lactase (1) Diarreia osmótica (2) Evitar lactose (1) Dar lactose (2) Supercrescimento bacteriano Desconjugação de ácidos biliares Antibióticos Diarreia por ácidos biliares Secreção colônica Colestiramina Deficiência de ácidos biliares Esteatorreia Dieta hipogordurosa Relacionada a anti- bióticos (ATB) Alteração da flora colônica: C. difficile Suspender ATB e iniciar metronidazol ou vancomicina Síndrome intestino curto Má absorção Dieta hipogordurosa NPT Fístula intestinal Bypass Cirurgia AZA, 6-MP Ciclosporina Metronidazol Infecção intestinal Infecção Tratamento específico Tabela 8.2 NPT: nutrição parenteral total; AZA: azatiquina. Estenoses inflamatórias ou associadas à fi- brose intensa determinam estreitamento da parede intestinal, principalmente no íleo, desencadeando quadros de suboclusão. Fístulas podem se ori- ginar de qualquer segmento intestinal e envol- ver órgãos ou estruturas adjacentes, como a pele (enterocutâneas), bexiga (enterovesicais), vagina (re- tovaginais) e alças intestinais (enteroentéricas ou en- terocólicas). Fístulas perianais são uma manifestação frequente da DC, podendo resultar em morbidade sig- nificativa, como sepse, incontinência e necessidade de tratamento cirúrgico. Uma das complicações mais sérias é a colite fulminante, que representa uma inflamação aguda e grave do cólon associada a toxemia, com febre, taqui- cardia, hipotensão, leucocitose e peritonite. Quando esse quadro se acompanha de grande dilatação cólica, configura-se o megacólon tóxico, que apresenta gran- de possibilidade de perfuração do cólon. As DII estão associadas a maior risco de desenvolvimento de câncer no intestino del- gado e colorretal. Na DC, esse risco é cerca de 20 vezes maior que na população geral, ocorre em grupo etário mais jovem, desenvolvendo car- cinomas infiltrativos (coloide ou mucinoso) em segmentos excluídos ou em coto retal doente. Essa possibilidade deve ser cogitada quando ocorrer re- corrência dos sintomas em doença quiescente por tempo prolongado. Emergências nas doenças inflamatórias intestinais idiopáticas Colite fulminante • Ocorre na retocolite ulcerativa e na doença de Crohn do cólon • Diarreia > 6 evacuações ao dia, com ou sem sangramento retal • Taquicardia, febre, palidez cutaneomucosa, anemia, desidratação, hipotensão arterial • Leucocitose (com desvio à esquerda), elevação da velocida- de de hemossedimentação e do título de proteína C reativa Megacólon tóxico • Evidências radiográficas de distensão colônica (> 6 cm) • Pelo menos três dos seguintes critérios: • Febre > 38ºC • Frequência cardíaca > 120 bpm/min. • Leucocitose com neutrofilia > 10.500/mm³ • Anemia Além dos critérios acima, pelo menos um dos seguintes: • Desidratação • Alteração do nível de consciência • Distúrbios eletrolíticos • Hipotensão arterial Tabela 8.3 IA inflamatória na DC Pontuação Estado geral (ótimo = 0; bom = 1; regular = 2; mau = 3; péssimo = 4) 0 a 4 Dor abdominal (ausente = 0; leve = 1; mode- rada = 2; grave = 3) 0 a 3 Número de evacuações líquidas/dia nº/dia Massa abdominal (ausente = 0; leve = 1; mo- derada = 2; grave = 3) 0 a 3 Complicações: artralgia/artrite, uveíte/irite, eritema nodoso, aftas orais, pioderma gan- grenoso, fissura anal, fístulas, abscesso etc. 1 ponto cada < 7 = Inativa/Leve 8 a 10 = Leve/Moderada > 10 = Moderada/Grave Tabela 8.4 Índice de atividade (IA) inflamatória na doença de Crohn de acordo com Harvey & Bradshaw, 1980. IA inflamatória na DC Multiplicado por Número de evacuações líquidas na última semana 2 Dor abdominal (ausente = 0; leve = 1; mode- rada = 2; grave = 3). Considerara soma to- tal dos dados individuais da última semana 5 Estado geral (ótimo = 0; bom = 1; regular = 2; mau = 3; péssimo = 4). Considerar a soma to- tal dos dados individuais da última semana 7 Número de sintomas/sinais associados (alistar por categorias): 1) artralgia/artrite; 2) irite/uveíte; 3) eritema anal, fístula ou abscesso; 5) outras fístulas; 6) febre 20 valor máximo = 120 Consumo de antidiarreico (Não = 0; Sim = 1) 30 8 Doença de Crohn 81 IA infl amatória na DC Multiplicado por Massa abdominal (ausente = 0; duvidosa = 2; bem defi nida = 5) 10 Défi cit de hematócrito: homens 47-Ht; mulhe- res 42-Ht (diminuir em vez de somar no caso do Ht do paciente ser maior do que o padrão) 6 Peso-porcentagem abaixo do esperado (diminuir em vez de somar se o peso do pa- ciente for maior que o esperado) 1 Soma total (IA da doença de Crohn) < 150 = Remissão 150-250 = Leve 250-350 = Moderada > 350 = Grave Tabela 8.5 Índice de atividade (IA) infl amatória na doença de Crohn de acordo com Best et al. (conhecido como CDAI: Crohn’s Disease Activity Index). Do ponto de vista clínico, a doença de Crohn é fre- quentemente classifi cada com base na idade de início, com- portamento e lcoal de origem (classifi cação de Viena), como exposto na tabela abaixo: Classifi cação de Viena da Doença de Crohn Idade no diagnóstico (anos) A1: < 40 A2: ≥ 40 Comportamento Β1: sem estenose, não penetrante B2: estenosante B3: penetrante Localização L1: íleo terminal L2: cólon L3: ileocólon L4: trato gastrointestinal superior Tabela 8.6 Manifestações extraintestinais A DC pode comprometer praticamente todos os sistemas e órgãos, seja por efeito local ou sistêmico e, até mesmo, em decorrência de seu tratamento. As manifestações extraintestinais podem pre- ceder, acompanhar ou surgir após o início das alte- rações intestinais. Os pacientes que apresentam uma das manifestações extraintestinais têm maior risco de apresentar outras. A explicação para tais ocorrências parece ser de ordem imunológica, pelo achado de complexos imu- nológicos circulantes no soro desses pacientes. Entre- tanto, nem todo doente com esses achados apresenta manifestações extraintestinais. Algumas alterações metabólicas secundárias à DC também podem levar a manifestações extrain- testinais, principalmente por má absorção intestinal, como na colelitíase, litíase renal e hidronefrose. Pode haver comprometimento de vários órgãos, mas os chamados órgãos-alvo costumam ser as articu- lações, pele e mucosas, olhos, fígado e rins. Manifestações osteoarticulares Uma forma periférica de acometimento inclui a “sinovite enteropática” ou “artrite colítica”. Os joelhos, tornozelos e cintura escapular são as articulações mais envolvidas. Apresenta-se como monoartrite ou como po- liartrite migratória. É mais comum na colite ou ileo- colite da DC. Evolui paralelamente à doença intestinal. Por não ser destrutiva, não costuma deixar sequelas. Uma forma axial, manifestando-se como espondilite anquilosante ou sacroileíte, é mais rara na DC, porém mais comum nos pacientes HLA-B27 positivos. A espondilite pode apresen- tar um curso evolutivo completamente distinto da doença subjacente, e mesmo havendo remis- são da doença intestinal o quadro articular pode ter um curso até anquilosante. Como cerca de 50% dos pacientes com artrite também apresentam manifestações oculares, deve-se proceder a cuidadoso exame oftalmológico como roti- na nestes casos. As descrições de manifestações articulares na DC incluem artralgias, artrites, espondilite anquilosante, sacroileíte, sinovite granulomatosa e osteoartropatia hipertrófi ca. Baqueteamento digital é observado em 30% dos casos; é de aparecimento tardio, reversível e de causa desconhecida. Diminuição da densidade óssea é descrita ao diagnóstico e durante o curso da afecção. Os fatores implicados são: dieta insufi ciente no conteúdo calórico-proteico, inadequada ingestão ou má absorção de cálcio, defi ciência de vitamina D, excessiva produção de citocinas pelo intestino infl a- mado, interferindo no metabolismo ósseo, e a inibi- ção dos corticosteroides na absorção do cálcio e ação direta sobre a formação do osso. Como consequência, podem-se verifi car osteopenia, osteoporose, osteo- malacia ou osteonecrose. Manifestações cutâneo-mucosas O eritema nodoso é a manifestação mais co- mum e, geralmente, refl ete infl amação intestinal ativa. Cerca de 75% dos pacientes com essa manifes- tação também têm artrite. O pioderma gangrenoso é mais raro na DC. Outras descrições incluem acne, alopecia, celulite escrotal, DC na vulva, DC metastática na pele, eritema multiforme, vasculite cutânea, poliar- terite nodosa, pelagra, psoríase, epidermólise bolbosa. Na boca são observadas estomatite aftoide, glossite, queilite, pioestomatite vegetante e tonsilite granulomatosa. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201582 Manifestações oculares Os pacientes com comprometimento colônico são mais suscetíveis a desenvolver uveíte, esclerite ou epiesclerite. A administração crônica de altas doses de corticosteroides pode aumentar a pressão ocular e de- sencadear cataratas. Outras alterações compreendem úlceras de córnea, blefarite, conjuntivite, queratite, infiltrado do plexo coroide. Manifestações hepatobiliares Cerca de 15% dos pacientes podem apresentar elevação dos níveis de aminotransferases no curso da DC. São frequentemente associadas com surtos da doença, ao uso de drogas (6- mercaptopurina, sulfas- salazina), nutrição parenteral total, esteatose (corti- costeroides, má nutrição ou ganho maciço de peso). Hepatite crônica ativa e colangite esclerosante primária (mais comum com RCUI) são mais gra- ves e ocorrem em 1% das crianças com DC, po- dendo chegar à cirrose e à insuficiência hepática. Foram descritos ainda colelitíase, hepatite granulo- matosa, abscesso hepático, síndrome de Budd-Chiari, amiloidose e trombose da veia porta. Manifestações nefrológicas Hidronefrose à direita pode ocorrer quando o ureter direito é envolvido por massa inflamatória ile- ocólica. Nefrolitíase, fístula enterovesical, infecção do trato urinário, glomerulonefrite por complexo imune, abscesso perinefrítico, amiloidose e hipertensão tam- bém já foram descritos na DC. Os cálculos renais são de oxalato de cálcio e resulta da má absorção intestinal, ou seja, da hiperoxalúria. O cálcio alimentar em condições normais se liga ao exalato na luz intestinal, sendo eliminado pelas fezes. Na presença de má absorção, grande parte do cálcio se liga a ácidos graxos, dei- xando o oxalato livre para ser absorvido, ocorrendo assim a hiperoxalemia e secundariamente hiperoxa- lúria e nefrolitíase. Manifestações hematológicas Anemia por deficiência de ferro, folato ou vita- mina B12, anemia hemolítica autoimune, neutropenia, trombocitose e trombopenia são dados referidos por diversos autores. Manifestações vasculares Tromboflebites, vasculites, poliarterite nodosa, arterite de Takayasu, vasculite pulmonar, arterite de células gigantes. Redução dos níveis de proteína S e antitrombina III, assim como aumento dos ní- veis de fator VIII, V e I são aspectos que podem justificar o risco de hipercoagulabilidade e trom- bose na DC. Visão clínica Atualmente parâmetros clínicos, hematológicos e imunológicos têm sido propostos para avaliar a con- duta clínica da DC. A proposta é agrupar as lesões intestinais nas for- mas inflamatória, estenosante e fistulizante. A forma inflamatória usualmente responde a corticoides, mas recidiva precocemente. A estenosante está associada à maior necessidade de tratamento cirúrgico devido aos sintomas obstrutivos. A doença fistulizante tem maior incidência de complicações, principalmente abscessos. Início precoce da doença, história familiar de DII e taba- gismo relacionam-se a doença mais agressiva. O Índice de Atividade da Doença de Crohn (CDAI) é o critério mais utilizado na avaliação da atividade dessa afecção,incluindo variáveis clínicas e hematológicas que separam pacien- tes com doença ativa (> 200) ou em remissão (< 150). Embora nenhum parâmetro hematológico seja capaz de predizer o curso clínico da DC, a possível rela- ção entre os padrões de citocinas e o comportamento clínico da doença tem sido investigada. Em virtude dos sintomas e das complicações, muitos doentes apresentam importantes deficiências nutricionais, também associadas a alterações locais ou sistêmicas próprias da doença e a efeitos colaterais de medicamentos. A prevalência de desnutrição em pacientes com DII é alta, variando de 23% em pacientes ambulatoriais a 85% em pacientes internados por exacerbações do quadro clínico. A desnutrição tem impacto em todas as idades, especialmente nas crianças, sofrendo a influência da atividade, extensão e localização da doença. As deficiências são comuns na DC do intestino delgado e menos frequentes na inflamação limitada ao cólon. A anemia pode ocorrer por deficiência de ferro, folato, cobalamina (vitamina B2), inflamação crônica, ressecções intestinais ou per- da sanguínea. A hipoalbuminemia é resultante não só do menor aporte proteico e anorexia, mas também de menor síntese hepática, de perdas intestinais e do catabolismo consequente à inflamação, febre ou uso de corticosteroides. A avaliação nutricional permite o reconhecimento precoce da desnutrição e a instituição de medidas necessárias para sua correção. 8 Doença de Crohn 83 Proporção signifi cativa de pacientes apresenta manifestações extraintestinais, que podem preceder ou ocorrer paralelamente à evolução dos sintomas in- testinais. Eventualmente, tornam-se mais graves que a própria doença infl amatória, como a cegueira resul- tante da uveíte, a cirrose hepática e a amiloidose. Algumas dessas manifestações (artrite, uveíte, eri- tema nodoso e pioderma gangrenoso) têm relação com a atividade da doença infl amatória, enquanto outras (es- pondilite anquilosante, colangite esclerosante e carcinoma de ductos biliares) não apresentam essa característica. As manifestações articulares são as mais comuns, seja a artrite periférica migratória em grandes articulações e rica em queixas, seja a sacroileíte, pouco sintomática. As com- plicações urológicas podem ser inflamatórias (abs- cesso retroperitoneal, fibrose, cistite, fístulas) ou metabólicas (amiloidose e cálculos). As alterações hepáticas podem levar o doente a óbito, tendo sido descritas infiltração gordurosa, pericolangite e co- langite esclerosante. Entre as alterações oculares, a mais temida é a uveíte, que se manifesta por dor, turvação, fotobia e cefaleia. Figura 8.1 Pioderma gangrenoso em paciente com DC. Figura 8.2 DC com grave acometimento perianal, levando à destrui- ção do aparelho esfi ncteriano. Manifestações extraintestinais Manifestações pancreáticas Pancreatite aguda ou crônica, insufi ciência pancreática. Manifestações pulmonares Vasculite pulmonar, alveolite fi brosante, pneumonia eosinofíli- ca, pneumomediastino Manifestações cardíacas Miocardite, pericardite Manifestações musculoesqueléticas Miosite granulomatosa, dermatomiosite, miosite vasculítica, miopatia induzida por corticosteroides Manifestações neurológicas Neuropatia periférica, perineurite, abscesso epidural espinhal, convulsões Articulares Artrite, sacroileíte, espondilite anquilosante Hepatobiliares Pericolangite, colangite esclerosante, dilatação sinusoidal, abscesso hepático, infi ltração gordurosa, cirrose, colelitíase Urológicas Metabólicas (cálculos, amiloidose) e infl amatórias (abscesso re- troperitoneal, fi brose, obstrução ureteral) Dermatológicas Eritema nodoso, pioderma gangrenoso, vasculites Oftalmológicas Conjutivite, uveíte, episclerite, celulite orbitária Geral Amiloidose Tabela 8.7 Figura 8.3 DC com grave doença perianal. Figura 8.4 DC e eritema nodoso. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201584 Diagnóstico O diagnóstico da DC baseia-se na análise con- junta de dados clínicos, endoscópicos, radiológicos e histológicos. O diagnóstico presuntivo de DII deve ser contemplado em paciente com idade entre 15 e 25 ou 50 e 65 anos que apresente queixa de diarreia crônica, acompanhada ou não de sangue, dor abdo- minal, perda de peso, febre e manifestações extrain- testinais. Eventualmente o diagnóstico só é firmado na vigência de complicações que requeiram trata- mento cirúrgico. Os achados ao exame físico variam conforme o grau de atividade da doença. Alterações gerais impor- tantes são representadas por anemia, desnutrição e febre. Dor constante, picos febris e leucocitose suge- rem abscessos e fistulização. Deve-se pesquisar tam- bém a presença de manifestações extraintestinais. Ao exame físico abdominal podem ser cons- tatados dor, tumor inflamatório palpável e fístulas cutâneas. Às vezes as alterações perianais podem ser a primeira manifestação da doença. Pregas perianais edemaciadas, fissuras (únicas ou múltiplas, geralmen- te sem hipertonia esfincteriana), fístulas únicas ou múltiplas, abscessos, lesões aftoides, calcetamento da mucosa e úlceras longitudinais podem ser encontra- dos durante o exame proctológico. Achados laboratoriais Inespecíficos e dependem do local e da extensão do processo. São comuns: anemia, hipoalbuminemia, esteatorreia, absorção anormal de D-xilose, sugerindo doença extensa ou fístula; níveis altos de lisozima, in- dicando o grau de atividade da doença. Velocidade de Hemossedimentação (VHS) Como marcador inflamatório nas DII, a VHS ten- de a se elevar mais tardiamente bem como reduzir mais lentamente em comparação com a Proteína C reativa. Embora inespecífica, correlaciona-se bem à atividade clí- nica e endoscópica da doença. Vale ressaltar que a VHS é menos sensível para pos pacientes com DC localizada em íleo terminal. Proteína C reativa (PCR) Proteína da fase aguda da inflamação é estimulada principalmente pela interleucina-6 (IL-6), pela interleu- cina-1 (IL-1) e pelo fator de necrose tumoral alfa (TNF- -alfa). Possui maior sensibilidade e especificidade, assim com precocidade, em relação à VHS. Níveis de PCR > 53 mg/l na DC com ileíte regional são predi- tores de risco aumentado para ressecções intestinais. É também preditor de resposta ao tratamento. Pacientes com PCR acima de 5 mg/L apresentam me- lhor resposta terapêutica ao infliximabe. Níveis mais alto de PCR podem indicar melhor resposta à es- tratégica top-down de tratamento da DII. Biomarcadores fecais A mucosa intestinal inflamada contém um gran- de número de neutrófilos e proteínas fecais derivadas dessas células como a lactoferrina, a calprotectina e a elastase fecal, que se expressam como marcadores do processo inflamatório intestinal. Destes biomarcado- res, a calprotectina fecal (proteína ligada ao cál- cio) é atualmente o mais utilizado, sendo consi- derado um “ótimo biomarcador”. A concentração fecal é seis vezes maior que a plasmática, mantendo-se estável à temperatura am- biente por sete dias. A respeito deste biomarcador, destaca-se: � a elevação deste biomarcador pode revelar do- ença ativa em pacientes ainda clinicamente as- sintomáticos � correlação significativa entre os níveis fecais e os índices endoscópicos de atividade � valor preditivo de recorrência pós-operatória e no diagnóstico de bolsite � marcador de rastreamento de DII em familiares de indivíduos com DC VN: 25 mg/kg Níveis > 50 mg/kg é considerado para atividade inflamatória A S100A12 é uma proteína similar à calprotecti- na e que parece ser mais sensível na avaliação da ati- vidade endoscópica nas DII, porém necessita de mais estudos para ser validada. Calprotectina sérica Proteína proveniente de granulócitos, com meia vida de cerca de 5h. Na DC, sua elevação apresenta boa correlação com a atividade inflamatória clínica, com o nível de PCR, não havendo associação com o grau de atividade inflamatória endoscópica. (Atenção!). 8 Doença de Crohn 85 Testes sorológicos(ASCA/pANCA) Perinuclear antineutrophil cytoplasmic autoan- tibodies (pANCA) tem sido reconhecido como bom marcador de RCUI. Anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccharomyces cerevisiae (Sc) (ASCA) são marca- dores para DC. Ambos estão implicados no diagnósti- co diferencial entre as duas entidades. A combinação de ambos pode ajudar nesta diferenciação. Ambos são feitos por técnicas padronizadas de imunofl uorescência indireta e ELISA. A presença de ASCA em pacientes com DC está associada a comprometimento do in- testino delgado. Níveis elevados mostrou associa- ção com curso mais agressivo da doença. Um grande estudo de coorte relatou uma espe- cialidade de 92% para a doença de Crohn em pacien- tes que eram ASCA positivos/ANCAp negativos e 98% para colite ulcerativa em pacientes que eram ASCA ne- gativos/ANCAp positivos. Recentemente vários estudos buscaram correla- cionar a presença de anticorpos ao diagnóstico da DII, o risco de aparecimento de complicações, resposta te- rapêutica e necessidade de cirurgia, mas até o momen- to observou-se pouca acurácia e aplicabilidade clínica. Painel sorológico e sua associação a complicações Anti- corpo Doen- ça de delga- do Este- nose Pene- trante Cirur- gia Doen- ça pe- rianal pANCA - - Não as- sociado - Não as- sociado ASCA + +++ ++++ + Não as- sociado Anti-l2 + + Não as- sociado + Não as- sociado OmpC Não as- sociado +/- + + Não as- sociado Anti- -CBir1 Não as- sociado ++ +/- Não as- sociado Não as- sociado AMCA - ++ ++ ++++ - ALCA - ++ ++ ++ - ACCA - ++ ++ ++ - Anti-C - + + ++++ - Anti-L - ++++ ++++ ++++ - Anti-I2 (proteína da Pseudomonas fl uorescens relacionada com DC). CDbir1: anticorpo contra a fl agelina, antígeno imunodominante contra o qual há forte resposta de células B e linfócitos TCD4+. OmpC: anticorpos contra a porina C da membrana externa da E. coli. AMCA: antimanobiosídio. ALCA: antilaminaribiosídio. ACCA: anticitobiosídio. Tabela 8.8 O teste ASCA positivo em familiares de pacientes com DC sugere que este teste seja um marcador subclí- nico da afecção. Mas se ele refl ete fatores ambientais ou genéticos, ou a combinação de ambos, ainda não se sabe. Radiologia Os sinais radiológicos, em trânsito intestinal e enema opaco, podem estar ausentes na doença inicial. Os mais comuns são: relevo mucoso com serrilha- mento; falhas de enchimento; sinal do “cordel”, ou de Kantor (área de estenose segmentar no íleo terminal e fístulas internas). Outro sinal é a imagem em para- lelepípedo “cobblestone”. Figura 8.5 Trânsito delgado mostrando acometimento do íleo terminal por doença de Crohn. Observe o aspecto do ceco que se encontra retraído. Figura 8.6 Trânsito delgado mostrando várias úlceras intestinais (setas) em doença de Crohn. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201586 Figura 8.7 Doença de Crohn do intestino delgado mostrando múl- tiplas áreas de estreitamento com o clássico aspecto em calceamento. Figura 8.8 TC do abdome em doença de Crohn. Observe a formação de abscesso do psoas à esquerda por complicação da doença de Crohn da mesma forma que envolvimento do mesentério e linfadenopatia retroperitoneal. Figura 8.9 Megacólon tóxico: observe a grande dilatação do cólon transverso. Na fase aguda da doença, o exame radiológico simples pode trazer informações importantes, como distensão de alças com gás e níveis hidroaéreos na obstrução. Ocasionalmente esse exame poderá sugerir compli- cação grave como o megacólon tóxico, caracterizado por grande dilatação do cólon transverso e perda das haus- trações. Mais raramente, a ocorrência de perfuração in- testinal será atestada pelo achado de pneumoperitônio. O exame radiológico contrastado poderá revelar a alternância de áreas sadias e doentes, além de caracterizar complicações como estenose e fístula. Não deve ser realizado na suspeita de megacólon tóxi- co ou perfuração. No trânsito intestinal, são achados comuns o calcetamento, diminuição do lúmen, dilata- ção proximal a áreas estenóticas, distorção dos con- tornos e deslocamento de alças adjacentes por massa inflamatória na fossa ilíaca direita. A cápsula endoscópica reconhece lesões que não seriam vistas em outros exames de imagem. Ela é mais sensível que as modalidades convencionais, é fácil de ser realizada e é bem tolerada pelos pacientes. O exame da cápsula endoscópica é especialmente em- pregado para diagnóstico de sangramento oculto, mas também é muito útil na avaliação do intestino delgado em pacientes com DC. No entanto, está contraindi- cado nos casos de suspeita de obstrução gastrointes- tinal, estenoses ou fístulas, marca-passo ou outros dispositivos eletrônicos implantados e distúrbios da deglutição. Por ser ainda um exame caro, não está dis- ponível de forma mais abrangente. O exame de duplo contraste do cólon exibe ca- racterísticas semelhantes aos achados na RCUI, embora o envolvimento preponderante do íleo terminal e cólon direito, a presença de lesões salteadas, calcetamento, fístulas, estenoses e ausência de comprometimento re- tal sejam características mais marcantes da DC. A realização de colonoscopia visa o diagnósti- co e a avaliação da extensão da doença colônica. Nesse exame, lesões aftoides, fissuras e úlceras longitudi- nais, calcetamento da mucosa, pseudopólipos, fístulas e estenoses poderão ser observados. A ultrassonografia poderá revelar espessa- mento de alças intestinais, caracterizado por imagem em alvo. Esse exame também é útil no diagnóstico de abscessos associados à doença. A tomografia compu- tadorizada permite observar aumento da espessura da parede intestinal, alterações na gordura mesenté- rica, retroperitoneal e do grande omento, presença de linfonodomegalia regional, abscessos, fístulas e massas inflamatórias. Na presença de fístulas enterocutâneas, a rea- lização de fistulografia com contraste hidrossolúvel poderá ser útil para esclarecer o trajeto das fístulas e identificação das alças envolvidas. 8 Doença de Crohn 87 Principais diferenças macroscópicas entre RCU e DC Achados macroscópicos RCU Crohn Predomínio de envolvimento do: Cólon distal Comum Incomum Cólon proximal Incomum Comum Reto poupado Raro Comum Lesões segmentares (salteadas) Não Sim Úlceras aftosas Não Sim Úlceras profundas Incomuns Comuns Aspecto pavimentoso ou em mosaico (cobblestone) Raro Comum Pseudopólipos Comuns Incomuns Mucosa atrófi ca Comum Incomum Tabela 8.9 Principais diferenças microscópicas entre RCU e DC Achados microscópicos RCU Crohn Infl amação Difusa, mucosa Segmentar, focal, transmural Abscessos de criptas Frequentes Ocasionais Distorção de criptas Leve a intensa Leve Atrofi a de mucosa Comum Rara Depleção de células caliciformes Pronunciada Discreta Granulomas epitelio- ides e/ou células gi- gantes de Langerhans Ausentes Presentes em 30 a 60% dos casos: valor diagnóstico Ulcerações com pouca infl amação adjacente Só nos casos fulminantes Típicas Metaplasia pilóríca no íleo Ausente Típica Metaplasia de célula de Paneth Comum Rara Tabela 8.10 Tratamento clínico Como não há cura defi nitiva para a DC, os ob- jetivos terapêuticos são induzir e manter a remissão da doença e suas complicações, de preferência com o mínimo de efeitos colaterais e com o menor custo para o paciente e/ou o sistema de saúde. A primeira linha de tratamento é baseada em combinações que incluem aminossalicilatos e deri- vados, glicocorticoides, terapia nutricional e an- timetabólitos. Mais recentemente, novas opções tera- pêuticas têm sido lançadas no mercado, proporcionando novas estratégias que visam lançar os compostos ativos diretamente no local acometido, reduzir a fl ora intestinal e modular a resposta infl amatória e imunológica. A sulfassalazina é composta pela sulfapiridina e ácido 5-aminossalicílico (5-ASA), sendo absorvida pelo intestino delgado (25%), captada pelo fígado e ex- cretada na bile. O restante é clivado no cólon e libera o 5-ASA,que é pouco absorvido. Este inibe a ciclo-oxi- genase (e consequentemente a produção de prosta- glandinas), a produção de imunoglobulinas por células mononucleares intestinais, e tem atividade supresso- ra sobre radicais livres. É inefi caz na DC do delgado, mas benéfi ca na forma colônica. Pode ser responsável por efeitos colaterais dose-dependentes (cefaleia, náu- seas, vômitos) e por reações de hipersensibilidade. É utilizada nas doses de 2 a 4 gramas por dia. As preparações farmacêuticas do 5-ASA (comprimidos, enemas e supositórios) evitam os efeitos adversos da sulfapiridina, propiciam maior concentração no nível das lesões e maior atividade terapêutica no intestino delgado. Têm maior custo e são utilizadas em doses de 2 a 5 gramas por dia. São representadas pela olsalazina (Dipentum®), mesalazi- na (Asacol®, Pentasa®, Asalite®, Rowasa®). São efi cazes no tratamento das formas leve e moderada da DC, es- pecialmente na colite, embora com resultados menos pronunciados que na colite ulcerativa. Os preparados orais têm sido avaliados nas exacerbações agudas da DC, demonstrando vantagens terapêuticas sobre pla- cebo, mas resultados inferiores aos corticoides. Os glicocorticoides (prednisona e metilpred- nisolona) constituem a base do tratamento clínico da DC ativa, induzindo remissão dos sintomas em alta porcentagem de pacientes em 12 a 16 semanas (cerca de 70 a 90%). Inibem a produção de leucotrie- nos e têm atividade moduladora sobre a IL-1, TNF-alfa e outros. Geralmente inicia-se o tratamento com 40 a 60 mg de prednisona por dia, reduzindo-se a dose a 5 mg/ semana quando houver resposta terapêutica favorável. Doentes com colites graves necessitam de hospitalização e emprego da via venosa (hidrocortisona 100 mg três ve- zes ao dia ou prednisolona 30 mg 12/12 horas). Devido a seus potenciais efeitos colaterais (Cushing, osteoporose, diabete, sangramento digesti- vo), novos derivados glicocorticoides têm sido intro- duzidos no mercado. A budesonida e a beclometasona apresentam maior atividade tópica e pouca atividade sistêmica. A revisão de estudos controlados com bude- sonida utilizada em doses de 9 mg/dia mostra efi cácia comparável à da prednisona em doses de 40 mg/dia na DC do íleo distal e cólon direito, não havendo benefí- cios relevantes na terapia de manutenção. Uma vez obtida a remissão bem sucedida com glicocorticoides, seu uso no tratamento contínuo em doses baixas é inefi caz na prevenção da reci- diva; além disso, aproximadamente 35% dos pacientes desenvolvem dependência dessas drogas. Nesses casos, o controle efetivo do processo infl amatório é mandató- rio para evitar o desenvolvimento de complicações. Nesse contexto, os imunossupressores (azatio- prina, 6-mercaptopurina, metotrexato, ciclosporina) são habitualmente indicados para induzir remissão em doença refratária ou dependente de glicocorticoi- des, e também como terapia de manutenção. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201588 Azatioprina na dose de 50 mg/dia é a primei- ra alternativa. Nos casos de intolerância ou alergia, usa-se o metotrexato 25 mg por semana por via in- tramuscular por 6 semanas, reduzindo-se para 10 a 15 mg/semana na manutenção. Análogos da purina (AZA ou 6-MP) também podem ser empregados em fístulas abdominais/entéricas ou perianais, com ín- dices de sucesso de 80 e 56%, respectivamente. En- tretanto, têm a desvantagem de apresentar resposta tardia à terapêutica (3 a 9 meses) e estão associados a efeitos adversos em 9 a 15% dos pacientes, como depressão medular, infecção, pancreatite, hepatite tóxica e linfoma. A ciclosporina age por bloqueio seletivo da ati- vação de linfócitos T-helper e citotóxicos. Apesar de ser um agente útil na conduta inicial de fístulas refratárias da DC, ocorre recidiva com a diminuição dos níveis sé- ricos da droga. Além disso, os efeitos da ciclosporina na manutenção da remissão são desapontadores, ra- zão pela qual tem sido cada vez menos indicada. O emprego de antibióticos (metronidazol, ciprofloxacina) baseia-se na suposição de que a flo- ra bacteriana tenha um papel na patogênese das le- sões da DC. Podem ser usados na manutenção da remissão clínica, na doença refratária e na presença de fístulas. O metronidazol é ativo con- tra a flora anaeróbica, e tem sido especialmente in- dicado no tratamento da doença perianal ou quan- do o cólon está envolvido. A ciprofloxacina é uma quinolona com atividade sobre E. coli e enterobacté- rias, que pode ser usada isoladamente ou associada ao metronidazol. Terapêutica biológica O fator de necrose tumoral alta (TNF-alfa) é uma potente citocina, com uma série de efeitos proinfla- matórios em pacientes com DII. O infliximabe (1998), adalimumabe (2007) e o certolizumabe (2008) são as principais drogas anti- TNF-α. O golimumabe é o mais recente anti-TNF-α. O etanercept não se mostrou eficaz em pacientes com DC. Qual é o melhor? A experiência mais consisten- te é com o infliximabe. Na prática o infliximabe deve ser a escolha inicial, principalmente nos pacientes que necessitam de uma rápida indução de resposta clínica ou que possam ter problemas de adesão à autoinjeção. Indicações: DC moderada a grave, doença fistu- lizante, DC refratária e doença metastática. Dose do infliximabe: 5 mg/kg (meia vida de 7-12 dias), infusão venosa, a intervalos de 0,2 e 6 semanas, seguindo-se doses de manutenção a cada oito sema- nas. Em pacientes que não obtiveram mais respostas a 5mg/kg com dose de manutenção, há evidência de que venham a responder novamente com uma dose de 10 mg/kg. Efeitos adversos: reação de hipersensibilidade, lúpus-like, tuberculose, linfoma e doença desmielinizante do SNC. A realização de PPD e radiografia de tórax é obri- gatória. Pacientes com PPD reator e sem sinais de tuber- culose ativa, fazer infliximabe associado com isoniazida. Cocidioidomicose e histoplasmose são outras infec- ções documentadas nos pacientes em uso de infliximabe. Drogas anti-integrinas Os anticorpos anti-integrinas (natalizumabe e vedolizumabe) têm como alvo as moléculas integrinas, que são fundamentais na migração de leucócitos para os locais de inflamação. O natalizumabe foi aprovado pelo FDA em 2008. Em relação ao perfil de segurança a maior preocupação tem sido o desenvolvimento de en- cefalopatia multifocal progressiva, causada pelo vírus JC. A dose recomendada é de 400mg uma vez a cada quatro semanas e sem dose de indução, em infusão en- dovenosa. A indicação fica por enquanto aos pacientes não respondedores às drogas anti-TNF-α. Outros tratamentos A oxigenoterapia hiperbárica tem sido uti- lizada para elevar a tensão relativa de oxigênio tecidual, a fim de controlar infecção por anaeró- bios, melhorar a atividade bactericida de leucó- citos e a proliferação de fibroblastos. Sua adminis- tração normalmente requer várias sessões semanais de oxigênio a 100% em pressão de 2,5 atmosferas, com resultados iniciais bons em doença perianal refratária. O tratamento com probióticos, constituído pela administração de altas concentrações de bactérias não patogênicas (Lactobacillus, Bifidobacterium, Saccharomyces boulardii, Streptococcus salivarius) que modificam a flora in- testinal, substituindo as cepas mais agressivas e reduzindo a agressão antigênica oriunda das bactérias patogênicas, mais agressivas (exemplo: Salmonella, Listeria, Clostridium etc.), tem obtido resultados animadores, tanto em pacien- tes com RCU como em portadores da doença de Crohn prolongando o tempo de remissão da doença. Novos biológicos em andamento Novos produtos biológicos sob investigação para DII Fármaco Alvo molecular Anrukinzumabe IL-13 Etrolizumabe Integrinas Tralokinumabe IL-13 Ustekinumabe IL-12/23 Vatelizumabe VLA-2 IL: interleucina; VLA: antígeno de ativação muito tardia. Tabela 8.11 8 Doença de Crohn 89 Terapia nutricional (TN) A TN pelas vias oral, enteral ou parenteral pode ser necessária em várias fases evolutivas das DII. Osprincipais objetivos da TN são manter e/ou recuperar as condições nutricionais, obter uma eventual remis- são da atividade da doença, reduzir as indicações ci- rúrgicas e as complicações operatórias. De maneira geral, prefere-se a via enteral em vir- tude de gerar menos complicações e ter custo menor, reservando-se a via parenteral para quando houver con- traindicação ou intolerância à via enteral. Contraindi- cações ao uso da nutrição enteral (NE) incluem hemorragia maciça, perfuração ou obstrução in- testinal, fístulas de alto débito, megacólon tóxico e alguns casos de síndrome do intestino curto.2 DII Consegue atingir 60% das necessidades por via oral? Sim Não Dietas poliméricas por via oral Nutrição parenteral nos casos em que a nutrição enteral não é possível • Poliméricas • Oligoméricas • Monoméricas Nutrição enteral (sonda nasogástrica, enteral, gastrostomia, jejunostomia) Figura 8.10 Algoritmo para indicação da terapia nutricional na do- ença infl amatória intestinal (DII) Indicações cirúrgicas O tratamento cirúrgico de uma complicação deve ser limita- do ao do segmento envolvido e nenhuma tentativa deve ser feita para ressecar mais intestino, mesmo que uma doença macroscopicamente evidente possa ser aparente. As indicações cirúrgicas para tratamento das DII devem resultar de um consenso entre cirurgião e o paciente conhecedor das características de sua doença, das perspectivas do ato operatório e suas consequências. O tratamento cirúrgico possibilita melhora da qualidade de vida deteriorada em parcela signifi cativa dos pacientes. A intratabilidade clínica e a obstrução intes- tinal são as mais comuns indicações cirúrgicas. Vários autores destacam a intratabilidade clínica como a indicação mais comum, no entanto o tratado do Sabiston, 19a edição destaca a obstrução intestinal como a causa mais comum. Principais indicações cirúrgicas na doença de Crohn (DC) Intratabilidade clínica Difi culdade no controle dos sintomas com doses máximas de medicação Efeitos colaterais importantes do tratamento clínico Difi culdade de manutenção do tratamento pela presença de crises de agudização Complicações agudas Abscessos anais Abscessos abdominais Perfuração livre Oclusão intestinal Megacólon tóxico Hemorragia maciça Complicações crônicas Fístulas internas Fístulas enterocutâneas e colocutâneas Manifestações extraintestinais Retardo no crescimento Neoplasi Tabela 8.12 Preparo pré-operatório O preparo mecânico do cólon é fundamental. Pre- paros anterógrados com manitol, polietileno glicol ou picossulfato sódico devem ser realizados cuidadosa- mente, uma vez que muitos desses doentes podem ser portadores de estenose ou fístulas. O preparo reduz a quantidade de fezes e bactérias, mas não as elimina, ra- zão pela qual os antibióticos devem ser administrados antes que ocorra a contaminação bacteriana, visando a bactérias Gram-negativas e anaeróbicas. Nas DII, a an- tibioticoterapia deve ser terapêutica, porque esses do- entes apresentam alterações imunológicas que podem favorecer a instalação de infecções secundárias. Técnicas cirúrgicas Estima-se que o tratamento cirúrgico seja necessário em aproximadamente 50% dos pa- cientes após 5 anos de doença e entre 74 a 96% após 10-20 anos de seguimento. A ressecção com- pleta dos segmentos macroscopicamente envolvidos era considerada essencial, mas demonstrou-se que a incidência de recidiva não depende de doença residual microscópica nas margens de ressecção. Como princípios básicos, recomenda-se realizar incisão mediana para preservar os quadrantes inferio- res do abdome, reconhecer a extensão da doença para o correto planejamento operatório, proceder a ressec- ções econômicas e evitar anastomoses na presença de contaminação cavitária. Para preservar a maior extensão possível do intestino, empregam-se ressecções econômicas ou enteroplastias no tratamento das lesões múl- Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201590 tiplas do intestino delgado. Ressecções parciais ou múltiplas, retirando as áreas mais intensamente atin- gidas, podem ser benéficas para diminuir os sintomas e evitar desnutrição. Doença ileal ou ileocecal Na doença ileal os quadros obstrutivos são, ge- ralmente, parciais e passíveis de resolução com trata- mento conservador. Quando associadas a fibrose extensa, abscessos e fístulas associadas, a ressecção do segmento acometido torna-se imperativa, e a reconstrução do trânsito pode ser feita por anastomose laterolateral mecânica ou termino- terminal manual, reconhecendo-se, hoje, que a primeira está associada a menor índice de complicações e recidiva. A ressecção com margem mínima de segurança deve se acompanhar de cuidados técnicos adicionais na dissecção do mesentério inflamado e espessado, a fim de manter o segmento remanescente bem vascula- rizado. Linfadenectomias empregadas no passado são desnecessárias. Excepcionalmente, quando as condi- ções técnicas impedirem a ressecção intestinal, pode- -se realizar derivações internas ou externas. Em pacientes já submetidos a operações prévias, a combinação de ressecção limitada e técnicas conser- vadoras pode ser a melhor alternativa. A ressecção ile- al interfere com a absorção de vitamina B12 e dos sais biliares, podendo determinar alterações funcionais, desenvolvimento de litíase biliar e cálculos renais de oxalato. Desnutrição grave ocorre quando é excisado mais que 75% do intestino delgado. Jejunoileíte Forma clínica grave com acometimento de segmen- tos longos e/ou múltiplos no intestino delgado, levando, com maior frequência, a quadros de estenoses curtas. O tipo mais popular de enteroplastia é a técnica de Heineke-Mikulicz, originalmente proposta para trata- mento da hipertrofia pilórica. Geralmente usada em es- tenoses menores que 7 cm, essa técnica consiste em abrir longitudinalmente o intestino na borda antimesentéri- ca, fechando essa brecha no sentido transverso de ma- neira a aumentar a luz intestinal e corrigir a estenose. Já a técnica de Finney é mais bem indicada em estenoses entre 7 e 15 cm (geralmente > 10 cm), arqueando o seg- mento afetado em forma de U. Por esse detalhe técnico, seu uso não é indicado para longos segmentos intestinais pela dificuldade de dobrá-lo sobre si mesmo. Embora a técnica de Heineke-Mikulicz seja a mais comumente usada, a análise evolutiva dos pa- cientes sugere que a técnica de Finney pode reduzir os índices de reoperações em pacientes selecionados. Variações das técnicas de enteroplastia têm sido idealizadas. Fazio et al. descreveram um método que combina elementos desses dois tipos de plástica, utili- zada nas estenoses de até 20 centímetros. Michelassi sugeriu a realização de enteroplastia isoperistáltica com anastomose laterolateral para tratamento de es- tenoses longas. Em 1997, Taschieri et al. descreve- ram uma enteroplastia alternativa, indicada seletiva- mente para os casos em que o íleo terminal está muito inflamado e há estreitamento da válvula ileocecal. A seleção dos locais para realização da en- teroplastia é importante. Estenoses fibróticas seg- mentares (curtas) são consideradas as mais apropria- das, seja no jejuno íleo, duodeno ou em anastomoses ileocolônicas ou ileorretais após ressecção intestinal. As enteroplastias têm sido especialmente indicadas em pacientes com jejunoileíte difusa (especialmente com ressecções prévias) e nas estenoses longas, com bons resultados. Eventualmente, são associadas a ressecções parciais. Perfuração intestinal, fístulas e abscessos são considerados contraindicações para sua realização. Doença colônica As principais indicações cirúrgicas são in- tratabilidade clínica, fístulas e estenoses. A rea- lização de derivações intestinais isoladas para prover “repouso” ao intestino inflamado não oferece benefí- cios aos pacientes, sendo esta indicação abandonada em favor da instituição de terapia nutricional paren- teral no pré-operatório. Assim, a doença colônica deve ser tratadapor técnicas de ressecção que irão variar conforme as características de cada paciente. A conduta operatória irá depender da localização preferencial do processo inflamatório e da presença de lesão perianal. Ressecções econômicas segmentares do cólon direito ou do cólon esquerdo com anastomose primária podem ser realizadas em doenças limitadas a esses segmentos. Mesmo sendo elevada a incidência de recidiva, o paciente se beneficia pela ausência do esto- ma e pelo controle dos sintomas durante algum tempo. A maioria dos doentes com colite de Crohn apre- senta acometimento extenso, poupando o reto em até 25% dos casos. Colectomia total com ileorretoanasto- mose pode ser realizada em pacientes em que o reto tenha boa complacência, não esteja muito compro- metido pelo processo inflamatório ou por displasia, comprovando-se que há boa função esfincteriana. Do ponto de vista técnico, é procedimento mais simples, com baixo índice de complicações pós-operatórias e sem consequências na esfera urogenital. Nos casos em que o cirurgião não esteja convicto da viabilidade do reto ou na presença de sepse perineal, pode- -se preservar o reto e realizar colectomia subtotal e ileos- tomia, postergando a ressecção definitiva do reto. Nesses casos, o paciente deve ser submetido a exames rotineiros do reto em vista da possibilidade de malignização. O acometimento perianal importante torna ne- cessária a realização de proctocolectomia total com ileostomia definitiva. 8 Doença de Crohn 91 Cirurgia de emergência O tratamento cirúrgico emergencial é realizado para o controle das hemorragias, tratamento da obs- trução aguda, do megacólon tóxico, da ileíte aguda e da perfuração, que são complicações pouco frequentes. Fístula Fístulos podem se originar de qualquer segmento intestinal e envolver órgãos ou estruturas adjacentes, como a pele (enterocutâneas), bexiga (enterovesicais), vagina (retovaginais) e alças intestinais (enteroentéri- cas ou enterocólicas). Fístulas perianais são frequen- tes. Defi ciências nutricionais, como anemia e hipoal- buminemia, são comuns. As fístulas enterocutâneas devem ser tratadas pela excisão do trajeto fi stuloso ao longo do segmento lesado do intestino e realizando-se uma reanastomo- se primária. Se a fístula formar-se entre duas ou mais alças adjacentes de intestino lesado, os segmentos en- volvidos devem ser excisados. A presença de uma fístula enteroenteral radiolo- gicamente demonstrável sem nenhum sinal de sepse ou de outras complicações não é, em si mesma, uma indicação cirúrgica. Caso haja indicação cirúrgica, a recomendação é ressecção econômica com anastomose primária. Nas fístulas ileossigmoideanas, geralmente, a res- secção fi ca restrita ao segmento do íleo acometido, já que o sigmoide, na grande totalidade dos casos, está sa- dio. Caso se evidencie doença nesse segmento colônico, o sigmoide deve ser ressecado em conjunto com o íleo. Megacólon tóxico O megacólon tóxico constitui complicação grave caracterizada por dilatação do cólon (> 6 cm) e quadro séptico, de etiologia ainda mal defi - nida. A infl amação transmural resulta em paralisia da musculatura lisa do cólon, que se dilata passivamente e perde as contrações propulsivas. A peritonite loca- lizada permite absorção de toxinas, desencadeando quadro séptico com febre, taquicardia, leucocitose e choque. Muitos pacientes não respondem à terapia clínica e requerem intervenção cirúrgica precoce. Constituem indicações para cirurgia ime- diata a presença de perfuração livre ou sinais de peritonite, dor abdominal intensa e localizada (indicando perfuração iminente), sinais de cho- que séptico, hemorragia maciça associada ou deterioração das condições gerais em período de 24 horas. A restauração da continuidade do trânsito intestinal não deve ser tentada em condições emer- genciais, como a colite fulminante e megacólon tóxico. Nessas circunstâncias, o procedimento mais in- dicado é a colectomia subtotal com ileostomia e sepul- tamento do reto remanescente, ou sua exteriorização como fístula mucosa. Doença perianal As manifestações perianais da DC ocorrem em proporção variável entre 20 a 80% dos pacientes, e a meta do tratamento é a resolução da sintomatologia. Embora o tratamento local possa ser efetivo em pa- cientes selecionados, todos os esforços devem ser diri- gidos para a resolução da doença intestinal, cujo con- trole ajuda na cicatrização perianal. Os critérios para avaliação da atividade da doença incluem a presença de dor abdominal, diarreia e complicações sistêmicas. A realização de colostomia não promove cicatri- zação, e a presença de lesões extensas pode motivar a indicação de amputação do reto, sendo essa situação pouco comum. Quando associada à incontinência fe- cal, outra opção é a proctocolectomia total, que evita a realização de grandes feridas que podem ter cicatri- zação lenta e difícil. O abscesso anal se constitui em indicação óbvia de tratamento cirúrgico local. O tratamento deve ser individualizado. Com- binações terapêuticas envolvendo antibióticos, azatioprina/6-MP com ou sem infl iximab, associadas à cirurgia conservadora (incisão, drenagem e coloca- ção de seton) podem facilitar a cicatrização de fístulas em muitos pacientes. Em casos de sepse perianal, o emprego de oxigenoterapia hiperbárica pode melhorar as condições locais, e o uso de drogas biológicas (anti- -TNF-alfa) podem ser benéfi cas. Videocirurgia na doença de Crohn Virtualmente, todas as operações realizadas por via convencional em pacientes com DC podem ser feitas por VL, incluindo procedimentos laparos- cópicos de complexidade variável, como laparosco- pia diagnóstica, derivação intestinal para controle de sepse perineal ou fístulas complexas, ressecção intestinal segmentar, ileocolectomia, enteroplastia, colectomia segmentar ou total (com ou sem anasto- mose). Essas técnicas variam na extensão em que os sucessivos tempos operatórios (desvascularização, secção intestinal e anastomose) são realizados den- tro ou fora da cavidade abdominal. A colocação dos portais deve ser cuidadosamente planejada, tendo em mente que ao longo da evolução podem ser necessárias reoperações ou a confecção de estoma de derivação (doença perianal grave, ileosto- mia permanente, quadro fulminante). As ressecções segmentares e enteroplastias de- vem ser feitas segundo os mesmos princípios da cirur- gia convencional. Recomenda-se reconhecer a exten- Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201592 são da doença pela inspeção sequencial retrógrada (do íleo terminal ao ângulo de Treitz), à procura de lesões não detectadas radiologicamente. Os segmentos do- entes podem ser marcados e exteriorizados para res- secção ou enteroplastia. As ressecções ileocolônicas são realizadas de maneira “assistida”. O segmento é mobilizado por via laparoscópica, após o que é exteriorizado por pe- quena incisão auxiliar (ou facilitadora), desvascula- rizado, ressecado e anastomosado fora da cavidade abdominal. Em seguida, as alças são reintroduzidas e se restabelece o pneumoperitônio. A desvasculari- zação também pode ser intracorpórea, facilitando a exteriorização do cólon. Na DC, é necessário evitar a apreensão e tra- ção da alça inflamada, progredindo-se a dissecção da área intestinal normal em direção ao segmento doente, a fim de evitar enterotomias. A inflamação transmural resulta em mesentério espessado, friá- vel e com aderências, tornando sua manipulação di- fícil e com maior risco de sangramento. Além disso, a mobilização de alças inflamadas através de uma pequena incisão pode causar estiramento e sangra- mento do mesentério, além de poder acarretar íleo pós-operatório prolongado. Apesar disso, a mobilização laparoscópica se- guida de ligaduras vasculares extracorpóreas pode ser mais segura, rápida e barata quando o mesen- tério for espessado, permitindo, inclusive, a con- fecção de anastomose fora da cavidade. Há que se considerar tambémque a aplicação de clipes requer maiores cuidados técnicos em mesentério espesso. Nesse sentido, uma opção bastante atraente con- siste em utilizar dispositivos especiais como o Li- gasure Lap (Valleylab), que permite selar vasos com mínimo chamuscamento e disseminação de energia térmica, mas a experiência atual é ainda pequena. Recomenda-se que as incisões auxiliares sejam me- dianas trans-umbilicais, ou transversais suprapú- bicas tipo Pfannenstiel. Além do efeito cosmético, essas incisões preservam os flancos do abdome para a eventual realização de estomas intestinais. Uma vantagem adicional da incisão mediana é possibi- litar reintervenções pós-operatórias e futuras res- secções laparoscópicas nas recidivas. Aqueles que defendem a incisão de Pfannenstiel acreditam que ela também proporciona menos dor e complicações (infecção e hérnia) em comparação às incisões me- dianas ou transversais. Após a ressecção com margem mínima de segu- rança, pode-se fazer anastomose laterolateral mecâni- ca ou terminoterminal manual, sabendo-se, hoje, que a primeira está associada a menores índices de compli- cações e recidivas. Figura 8.11 Ressecção ileocolônica típica para enterite regional. A: a margem de ressecção ileal fica imediatamente acima (proximal) da doença macroscópica. O ceco (e a válvula ileocecal) deve ser re- movido de forma que toda doença seja retirada, porém o cólon di- reito é preservado seccionando-o logo abaixo (distal) de qualquer acometimento colônico. O mesentério pode ser seccionado relativa- mente próximo ao intestino, a fim de preservar o suprimento san- guíneo (linha interrompida), pois os gânglios linfáticos aumentados não precisam ser removidos; B: uma anastomose terminoterminal é sempre exequível, apesar de qualquer discrepância de tamanho en- tre o íleo e o cólon. Figura 8.12 Estrituroplastia. A: os estreitamentos curtos podem ser alargados por uma incisão longitudial e um fechamento trans- versal (análogo à piloroplastia de Heineke-Mikulicz); B: os estrei- tamentos mais extensos são abertos por uma incisão longitudinal e realiza-se um longo fechamento laterolateral (análogo à piloroplasia de Finney). Figura 8.13 Técnica de enteroplastia de Finney. 8 Doença de Crohn 93 Prognóstico Os pacientes com pior diagnóstico são aqueles que manifestam a doença antes dos 40 anos ou naqueles que têm doença por mais de 13 anos. A taxa de mortalidade é duas a três vezes maiores do que na população geral. A chance de desenvolvimento de câncer é de 3-20 vezes maior do que na população em geral. Resumo dos fatores preditores de mau prognóstico na DII Risco aumentado Ao diagnóstico < 40 anos de idade Doença perianal Necessidade de corticosteroide no primeiro surto Envolvimento do trato digestivo superior Acometimento extenso do delgado (> 100 cm) Perda de peso > 5 kg 2 a 3 dos itens anteriores conferem > 90% de chance Qualquer momento Manifestações extraintestinais Tabagismo Envolvimento ileal Ulcerações profundas na colonoscopia Falta de cicatrização mucosa após indução Tabela 8.13 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 9 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 9 Síndrome do intestino curto 95 Introdução Ressecções de pequenos segmentos do intestino delgado normalmente são bem toleradas e geram pou- cos ou nenhum sinal de má absorção. Porém, com res- secções maiores, a má absorção torna-se um problema clínico signifi cativo. Apesar de relatos de pacientes com sobrevida após extensas ressecções de intestino delgado, doen- tes com segmento remanescente de 40 cm ou me- nos geralmente evoluem para perda progressiva de peso, sepse e morte. O comprimento do intestino delgado de um adulto in vivo é de aproximadamente 450 cm, mas é 200 cm maior quando avaliado em autópsias. A ques- tão fundamental é quanto de intestino delgado pode ser ressecado sem produzir efeitos de má absorção, e qual o comprimento mínimo necessário para a sobre- vida. Para tais esclarecimentos, deve-se considerar a qualidade do segmento intestinal remanescente (pre- sença ou não de doenças), a permanência ou não da válvula ileocecal e do cólon. De maneira geral, 50% de intestino delgado pode ser ressecado sem que cause má absorção grave ou persistente. Quando uma área maior de intestino delgado é ressecada, os efeitos de má absorção tornam-se progressivamente mais pro- nunciados, e a sobrevida depende de suporte médico, inevitavelmente, quando o comprimento do intestino delgado for menor que 100 cm. A síndrome do intestino curto é caracterizada por comprimento inadequado do intestino, com diar- reia, esteatorreia, má nutrição, perda de peso, trânsito intestinal rápido e hipergastrinemia. Etiologia A causa mais comum da síndrome do intestino curto é a ressecção maciça do intestino delgado. A ne- cessidade dessas ressecções maciças pode ser atribuí- da a diversas doenças, como mostra a Tabela 9.1. Patogênese Para a absorção normal de nutrientes pelo intestino delgado é necessário um comprimento mínimo do tubo, que é muito variável. A má absorção é mais intensa para gordura, que é o nutriente menos efi cazmente absorvido quando comparado com carboidratos e proteínas. A má absorção após ressecção do intestino delga- do se deve a vários fatores: 1. A ressecção do íleo distal, sobretudo com per- da da válvula ileocecal, mais do que nos segmentos proximais, causa uma redução do tempo de trânsito intestinal, afetando a absorção de todos os nutrientes. 2. Ressecção de, no mínimo, 15 cm do íleo termi- nal pode causar defi ciência de vitamina B12, bem como má absorção de sais biliares e diarreia. A depleção dos sais biliares e gorduras, com esteatorreia, aumenta o cálcio e, consequentemente, a absorção de sais solú- veis de oxalato, permitindo a formação de cálculos re- nais e também biliares. 3. Ressecção do intestino proximal permite má absorção de cálcio e ferro. 4. Ressecções intestinais produzem hipersecre- ção gástrica e hiperacidez diretamente proporcionais à quantidade de intestino delgado removido. A lesão da mucosa entérica pelo ácido pode impedir a absorção, aumentar secreções e inativar as enzimas digestivas (lipase e tripsina), causando má absorção e diarreia. 5. O intestino curto se adapta e promove um aumento signifi cativo de conservação de carboidratos inabsorvíveis. Esta hiperfermentação está associada com melhor absorção de ácidos graxos de cadeia curta, energia, água e sódio. 6. As ressecções extensas causam intolerância a alguns açúcares, especialmente lactose. Apesar do trânsito rápido, os pacientes fermentam mais lactose do que os indivíduos normais. O intestino delgado, após extensas ressecções cirúrgicas, sofre modifi cações estruturais e funcionais de adaptação. Essas modifi cações compreendem: dila- tação do intestino delgado, alongamento das vilosida- des, hiperplasia celular epitelial, migração celular mais rápida e aumento da capacidade de absorção. Causas de Síndrome do Intestino Curto Neonatos e crianças Enterocolite necrotizante Vôlvulo neonatal Aplasia intestinal Aganglionose Íleo meconial Intussuscepção Adultos Neoplasia Oclusão vascular mesentérica (arterial ou venosa) Aneurisma dissecante da aorta Trauma abdominal Estrangulamento intestinal (bridas) Doença de Crohn Fístulas entéricas Esclerodermia Pseudo-obstrução crônica por neuropatia ou miopatia entérica Neoplasia intestinal Enterite actínica Vôlvulo de intestino delgado Cirurgia para obesidade mórbida (jejunoileostomia) Tabela 9.1 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 201596 Tratamento O tratamento para pacientes com ressecções extensas do intestino delgado necessita de observa- ção e manipulação cuidadosa. Didaticamente pode- mos dividi-lo em: Nutrição parenteral total, nutrição enteral e dieta oral De início a nutrição parenteral total (NPT) é de grande valia e foi a responsável pela melhora sig- nificativa no prognóstico dos pacientes com síndro- me do intestinocurto. Porém, o uso a longo prazo de NPT contém riscos: sepse, lesões hepáticas (es- teatose, colestose), lesões ósseas (osteomalacia) e lesões renais, além do custo demasiadamente alto (cerca de 102 mil dólares/ano). O suporte nutricional enteral deve iniciar-se gra- dativamente, podendo-se utilizar dietas elementares ou não, considerando que ácidos graxos de cadeia mé- dia são mais bem tolerados do que os de cadeia longa, embora não produzam regeneração tecidual. A transição com dieta oral deve ser lenta e pro- gressiva, podendo levar alguns meses. Geralmente ini- cia-se com 300 a 500 calorias/dia e não se abandona totalmente o suporte nutricional de apoio. Portanto, sempre que possível, deve-se iniciar a dieta rica em carboidratos complexos e pobre em gor- duras. Segundo Byrne, pode-se utilizar uma dieta, du- rante uma a três semanas, composta por carboidratos (60% das calorias totais), proteínas (20% das calorias totais) e pobre em gorduras (máximo de 30 g/dia). Recomendação de reposição hidroelétrolítica e dietética para pacientes com SIC Cólon em continuidade Cólon excluído do trânsito intestinal Fluidos Hipotônicos e/ou SHO SHO Carboidratos 50% a 60% das necessidades calóricas 40% a 50% das ne- cessidades calóricas Gordura 20% a 30% das ne- cessidades calóricas TCM/TCL 30% a 40% das ne- cessidades calóricas TCL Proteína 20% a 30% das neces- sidades calóricas 20% a 30% das ne- cessidades calóricas Fibra 5 a 10 g de fibra solúvel 5 a 10 g de fibra solúvel SHO: solução de hidratação oral; TCM: triglicerídeos de ca- deia média; TCL: triglicerídeos de cadeia longa. Tabela 9.2 Quadro clínico A síndrome do intestino curto se apresenta de ma- neiras diferentes, de acordo com a fase da doença em que se encontra: fase aguda, fase adaptativa ou fase crônica. De modo geral, se manifesta por diarreia, perda de peso, desnutrição. Pode apresentar ainda litíase biliar (30% a 40%), litíase renal (25% a 30%), insuficiência pan- creática exócrina e aumento da população bacteriana. Fase aguda Esta fase inicia-se no período pós-operatório imediato e pode durar de um a três meses. O sinal do- minante é a diarreia, que geralmente começa entre o 2º e o 4º dia de pós-operatório e piora sensivelmente com a alimentação oral. O número de evacuações é de 5 a 20 vezes por dia, com uma perda hídrica diária de 5 a 10 litros. As fezes são líquidas, de coloração amare- lada, oleosas, geralmente pós-prandiais. Por causa da hipersecreção gástrica, também ocorre retardo do esvaziamento gástrico, podendo cau- sar vômitos frequentes. O emagrecimento é acentuado, cerca de 10% a 30% do peso corporal. Ocorrem hipoal- buminemia, hipocalemia, hiponatremia, hipocalcemia e hipomagnesemia. O exame clínico pode evidenciar distensão abdominal e ruídos hidroaéreos aumentados. A radiografia simples de abdome apresenta geral- mente níveis hidroaéreos, sem, contudo, haver obstrução. Fase adaptativa Essa fase pode prolongar-se do sexto mês até dois anos após o ato operatório. É caracterizada pela redução progressiva da diarreia e estabilização ponderal. O nú- mero de evacuações diárias é de quatro a seis. As fezes são de consistência pastosa, de coloração amarelo-amar- ronzada. Nessa fase intensificam-se as lesões gastroduo- denais decorrentes da hipersecreção gástrica. Ao exame, o abdome é flácido com ruídos hidroaéreos normais. Na seriografia pode-se observar diminuição no tem- po de esvaziamento gástrico e aumento do calibre do intes- tino delgado; raramente ocorre alongamento do mesmo. Nessa fase o paciente começa a reconhecer os alimentos que melhoram ou pioram a diarreia e pode definir a dieta. Fase crônica Nessa fase as evacuações diárias se estabilizam em torno de duas a quatro vezes, porém continuam volu- mosas e de consistência pastosa. Geralmente a perda de peso é irreversível. É neste período que aparecem as complicações tardias, tais como a litíase renal e biliar. 9 Síndrome do intestino curto 97 Terapia medicamentosa Como auxiliar da dieta, podem ser usados gluta- mina (0,6 g/kg/dia) e hormônio do crescimento (0,14 mg/kg/dia, endovenoso), durante um período de trin- ta dias; após este período, continua-se com glutamina via oral (30 g/dia). O uso de sais biliares adicionais ou colestiramina para o tratamento da esteatorreia e diarreia, respecti- vamente, raramente é efi ciente. Administração oral de carbonato de cálcio pode diminuir a esteatorreia e a absorção de oxalato de cálcio. O uso de determinados medicamentos que favore- cem o alentecimento do trânsito intestinal, tais como anti- diarreicos, anticolinérgicos e antieméticos, já foi sugerido. A hipersecreção gástrica deve ser tratada agressi- vamente com o uso frequente de antiácidos, bloquea- dores H2 ou inibidores da bomba de prótons durante um período de seis meses, para prevenir úlceras pépti- cas, bem como diarreia e má absorção. Antibióticos podem ser necessários para o trata- mento da sepse intestinal ou septicemia por causa do cateter de nutrição parenteral total, mas têm efeitos deletérios na absorção intestinal em virtude da pro- dução de mudanças na fl ora bacteriana do intestino. Portanto, devem ser usados com cautela. Suplementação polivitamínica, incluindo vitami- na B12, ácido fólico, vitamina K e vários minerais como zinco, ferro, iodo, magnésio, selênio e cobre. Análogos da somatostatina de ação longa estão disponíveis para o tratamento desta síndrome. Todos os relatos têm demonstrado uma redução no volume eliminado e um aumento na absorção de sódio e cloro. Medicamentos comumente utilizados em pacientes com SIC Sinais e sintomas Medicamentos Dismotilidade e diarreia Loperamida, difenoxilato, codeína, enzimas pancreáticas Hipersecreção gástrica Inibidores de receptor H2, inibidores de bomba de prótons, octreotide, clonidina Cálculos biliares Aminoácidos EV, colecistoquinina, metronidazol, ácido ursodesoxicólico Crescimento bacteriano Antibióticos, probióticos e procinéticos Tabela 9.3 Tratamento cirúrgico Muitas técnicas têm sido designadas para o tra- tamento da síndrome do intestino curto, porém os resultados nem sempre são animadores. Entre tantas, podem ser citadas: Interposição de segmentos de estômago, in- testino delgado e cólon, tanto isoperistáltico quan- to anisoperistáltico; Construção de válvulas intestinais ou estreitamen- tos para diminuir a velocidade do trânsito intestinal; � Construção de loops intestinais; � Uso de marcapassos elétricos retrógrados; � Inversão de alças intestinais; � Duplicação intestinal (operação de Bianchi); � Transplante intestinal. De modo geral, o tratamento de ressecção exten- sa, inclusive ileal ou do cólon, pode ser defi nido da se- guinte maneira, de acordo com Del Claro (1992): 1. Nutrição parenteral total; 2. Fluidos e eletrólitos EV; 3. Transição para via oral: gradativa; 4. Antagonistas receptores H2; 5. Loperamide: codeína; 6. Análogo da somatostatina - octreotídio; 7. Colestiramina: 4 g 3 vezes ao dia; 8. Vitamina B12: 100 a 200 microgramas/mês; 9. Triglicerídios de cadeia média; 10. Vitaminas lipossolúveis (esteatorreia); 11. Suplementos de cálcio, ferro, magnésio, zinco; 12. Prostaglandina E2; 13. Cirurgia: � vagotomia proximal; � inversão de segmentos do intestino; � esfíncteres artifi ciais; � criação de bolsas; � transplante do intestino delgado. Indicação para transplante de intestino e multivisceral Perda de dois dos seis maiores acessos vasculares (veias fe- morais, subclávias e jugulares) Múltiplos espidódios de sepse associada ao cateter central para NPT Anormalidade hidroelétrolítica, mesmo com manejo endo- venoso adequado Doença hepática colestática relacionada à NPT Trombose universal do sistema porta Tumores benignos ou malignos de baixo grau irressecáveis Catástrofes abdominais Tabela 9.4 Terapia psicológica O paciente deve receber apoio psicológico tanto da equipe médica quanto de seus familiares, seja no sentido de procurar alimentação que melhor seadapte à sua nova condição fi siológica, seja quanto a ocupa- ções domiciliares, visando a um retorno às suas ativi- dades profi ssionais e sociais. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 10 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 10 Síndrome da Alça Cega 99 Definição Defi nida pela presença de crescimento de bacté- rias Gram-negativas e anaeróbicas (usualmente supe- rior a 10 organismos/mL) no intestino delgado proxi- mal resultando em má absorção. Etiologia e patogenia O estômago humano e o jejuno são quase estéreis, apresentando no máximo em torno de 103 organismos Gram-positivos/mL. O íleo apresenta maior colonização bacteriana e em média possui 105 organismos/mL, dos quais 102 mL podem ser anaeróbios. A maior mudança ocorre no nível da válvula ileocecal, quando a fl ora colô- nica aumenta para 1010 organismos/mL, a maioria anae- róbios bacteroides, lactobacilos anaeróbicos e Clostridium sp. O principal motivo da relativa esterilidade do jejuno e da porção alta do íleo é o fato de não haver estase do conteúdo nessa parte do intestino por causa do clarea- mento periódico pelo complexo migratório motor (con- trações peristálticas). No paciente com síndrome da alça cega, há um aumento da fl ora do intestino del- gado alto em número e espécie, assemelhando-se ao observado no cólon. As causas são: 1. Desvios (bypass) intestinais, como gastroje- junostomia, ileocolostomia, jejunojejunostomia, jeju- noileostomia. Atualmente, houve aumento expressivo na frequência da síndrome da alça cega pela difusão do tratamento cirúrgico da obesidade mórbida com pro- cedimentos que empregam desvios intestinais; 2. Obstrução crônica com estase do conteúdo. Doença infl amatória intestinal, linfoma e tuberculose; 3. Pacientes com ileostomia com reservatório a Kock; 4. Desordem de motilidade gastrointestinal como pseudo-obstrução, neuropatia diabética e esclerodermia; 5. Divertículo do intestino delgado associado com hipocloridria e/ou desordem de motilidade; 6. Nos pacientes idosos devido a uma discreta desordem do complexo migratório motor; 7. Pacientes com pancreatite; 8. Pacientes com imunodefi ciência. Efeitos do crescimento bacteriano Ocorre consumo de vitamina B12 pelas bacté- rias e anemia megaloblástica em razão da defi ciên- cia dessa vitamina. Além disso, há desconjugação bacte- riana de sais biliares com liberação de ácidos biliares livres. Como são hipossolúveis, esses ácidos apresentam retrodi- fusão na mucosa intestinal. Consequentemente diminui a concentração de sais biliares no intestino delgado e os áci- dos graxos e monoglicerídeos na luz intestinal não podem ser incorporados às micelas de sais biliares. Normalmente a solubilização micelar aumenta a superfície sobre a qual a gordura é distribuída e assim promove absorção. Por essa razão, o efeito do crescimento bacteriano é causa de má absorção de gorduras. Além disso, as bactérias fermentam os carboidratos e reduzem sua absorção. Por outro lado, as bactérias sintetizam folato e o liberam no intestino aumentando sua absorção. Os aminoácidos são desami- nados, e esses pacientes podem tornar-se depletados em nitrogênio e hipoproteinêmicos. Quadro clínico As apresentações clínicas são aquelas da condição preexistente, como obstrução intestinal, esclerodermia, diabete e outras condições. Além disso, há clínica de má absorção com diarreia, passagem de fezes volumosas, perda de peso, anemia e hipoproteinemia. A anemia é megaloblástica e há defi ciência de vitamina B12. Diagnóstico O diagnóstico depende da associação clínica de diarreia, perda de peso e anemia em pacientes com uma das condições etiológicas ou em indivíduos idosos. É con- fi rmado pela demonstração de desordem de motilidade ou obstrução no estudo radiológico contrastado do trato gastrointestinal em pacientes com esteatorreia, má ab- sorção de vitamina B12 e evidência de crescimento bac- teriano. O teste mais comum para superpopulação bacteriana é a dosagem do hidrogênio respiratório após uma carga de lactulose e o teste respiratório do ácido biliar C14. O primeiro depende da produção de hidrogênio por fermentação bacteriana após ingestão de açúcar, e o último do aumento do CO2- 14 respiratório após a administração de uma dose de glicocolato-C14. No caso de o glicocolato ser desconjugado, a glicina é libera- da e é oxidada para CO2- 14. Entretanto, esses testes não são específi cos e são anormais nos pacientes com doença ileal e diarreia. O teste da xilose C-14 é sensível e espe- cífi co para crescimento bacteriano. A cintilografi a com leucócito marcada com In também pode ser valiosa no diagnóstico da síndrome da alça cega. Tratamento Se a correção cirúrgica da obstrução de uma alça aferente grande e estagnante for possível, essa condição pode ser curada. Em outros casos, o uso de antibióticos é recomendado. Combinação amoxacilina e clavulonato de potássio tem sido utilizada na dose de 500 mg três vezes ao dia por sete a dez dias. O tratamento tradicional é 250 mg de tetraciclina quatro vezes ao dia. A cefalexina e o metronidazol também têm sido utilizados em ciclos alternados. O suporte nutricional para correção de má nutrição deve ser utilizado conforme a necessidade. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 11 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 11 Ileostomia 101 Introdução A ileostomia é um procedimento mais frequen- temente indicado na doença infl amatória intestinal que envolve o intestino grosso. Assim, pacientes com doença de Crohn ou retocolite ulcerativa inespecífi ca podem, em alguma fase da doença, ser submetidos à derivação externa do íleo, em forma de alça ou termi- nal, expondo-se, dessa forma, a uma condição funcio- nal artifi cial que não só interfere na qualidade de vida do paciente, mas também gera um grande potencial de morbidade. Realizada de forma mais frequente como de natureza temporária, a ileostomia pode ser de cará- ter defi nitivo, como ocorre nas ressecções colorretais por doença neoplásica maligna. Classifi cação As ileostomias podem ser classifi cadas como tem- porárias ou permanentes, conforme tenham caráter de desvio temporário ou defi nitivo do conteúdo intestinal. Outro modo de classifi cação é o terminal ou lateral, conforme a alça ileal seja exteriorizada terminal ou late- ralmente sob a forma de uma alça. Enquanto as laterais costumam ser temporárias, as terminais têm caráter mais defi nitivo, embora não obrigatoriamente. As ileostomias em alça são frequentemente re- alizadas como procedimento de proteção, como, por exemplo, para uma bolsa ileal pélvica, conforme foi re- latado anteriormente, enquanto as ileostomias termi- nais são em geral associadas às ressecções totais do in- testino distal. A questão da derivação parcial ou total do fl uxo intestinal conforme a ileostomia seja lateral ou terminal é controversa, admitindo-se que não deva haver diferença signifi cante de desvio do conteúdo in- testinal quando se comparam ambas as técnicas. Técnicas de ileostomia A escolha da localização da ileostomia deve ser fei- ta previamente ao ato operatório. A localização ade- quada na parede abdominal é aquela distante de proeminências ósseas e de cicatrizes de cirurgias anteriores; além disso, o estoma deve ser visível, para permitir que o próprio paciente possa aplicar o disposi- tivo coletor. Uma ileostomia terminal deve ser realizada no quadrante inferior direito do abdome, anteriormente ao músculo reto abdominal anterior, na linha que une a espinha ilíaca anterossuperior e a cicatriz umbilical; as- sim, após incisão circular da pele, em disco de extensão aproximada de 2,5 cm de diâmetro, e a ressecção de um cilindro de tecido gorduroso até o plano da aponeurose do músculo reto abdominal, principalmente se essa ca- mada for excessiva, incisa-se a bainha aponeurótica an- terior do reto em forma de cruz, ressecando-se as áreas triangulares de aponeurose e transformandoa incisão em um círculo de aproximadamente 2,5 cm de diâmetro. O uso de diatermia facilita sobremaneira a dissecção e, consequentemente, a realização da hemostasia. O mús- culo reto anterior do abdome é aberto por divulsão de suas fi bras, evitando-se os vasos epigástricos inferiores, que, em algumas situações, devem ser ligados. A seguir expõe-se o plano do peritônio, que é aberto também em forma de cruz. Para a realização de todos esses tempos operatórios, é imprescindível um bom relaxamento da musculatura abdominal, o que permite um deslizamento de um plano anatômico sobre o outro, facilitando a iden- tifi cação das várias camadas. A alça ileal deve ser dividida em um ponto distal ao ceco em torno de 4 cm, dado que na maioria dos casos há uma disposição anatômica vascular típica nos 10 cm terminais do íleo, onde os vasos são paralelos, diferentemente de uma arcada vascular, como ocorre no restante do intestino delgado. A ligadura dos vasos mesentéricos deve ser feita de maneira a torná-lo em forma de L, preservando-se assim a circulação no seg- mento ileal a ser exteriorizado. A secção da alça ileal pode ser feita utilizando-se grampeador linear cortante, que permite a realização do procedimento sem contaminação do campo operató- rio e dos planos da parede abdominal. Após a exteriori- zação do íleo através da parede abdominal, em uma ex- tensão aproximada entre 6 e 8 cm, pontos de fi xação do mesentério ileal no peritônio da goteira parietocólica devem ser aplicados. Alguns cirurgiões preferem exte- riorizar a alça ileal através de um túnel extraperitoneal até o orifício na pele abdominal. Atenção especial deve ser dada à realização da estomia propriamente dita. Após a retirada da borda ileal com o grampea- mento realizado previamente e verifi cado que não há uma torção da alça ileal, quatro pontos cardinais são aplicados entre a camada seromuscular da alça ileal e na pele a cerca de mais ou menos 3 mm da sua borda – sutura mucocutânea do estoma. A pressão com os dedos permitirá a eversão do segmento ileal até uma extensão de aproximadamente 3 a 4 cm da parede ab- dominal. Suturas intermediárias são então aplicadas nos segmentos intermediários aos pontos cardinais. O procedimento operatório designado como ileostomia 554 foi recentemente descrito como preventivo de complicações cutâneas relaciona- das ao vazamento do conteúdo ileal para a pele abdominal. Nessa técnica, o íleo é exteriorizado em cerca de 5 cm da pele abdominal, sendo as su- turas de fi xação posicionadas às dez e duas horas de cada lado do mesentério e a 5 cm da pele; uma terceira sutura de fi xação é posicionada às seis horas e a 4 cm da pele. Essa técnica, que permite uma confi guração “em torneira” do segmento ileal ex- teriorizado, dirige o estoma para a frente e levemente para baixo, orientando-se o fl uxo intestinal direta- mente para o saco coletor, evitando-se, dessa forma, o contato com a pele da parede abdominal. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015102 Quando o mesentério está retraído por processos inflamatórios repetidos (mesenterite retrátil), o que ocorre frequentemente em pacientes com doença de Crohn e em doentes com parede abdominal espessa, a re- alização de uma ileostomia após a ressecção do segmento intestinal distal costuma apresentar grandes dificulda- des. Um recurso técnico, descrito por Keighley, permite a exteriorização do íleo e a formação de uma ileostomia em alça, sob a forma de “cabo de guarda-chuva”. O íleo, fechado terminalmente, é exteriorizado pela abertura da parede abdominal com o auxílio de uma alça introduzida em zona avascular a cerca de 5 cm do coto ileal, na borda mesenterial; uma enterotomia pequena é feita a seguir, a aproximadamente 2 a 3 cm da extremidade do coto intestinal; a alça proximal é então evertida e suturada à pele. Esse procedimento, em nossa experiência, tem se mostrado eficaz, considerando-se as dificuldades técni- cas inerentes à realização de uma ileostomia terminal convencional nessas circunstâncias. A ileostomia em alça, realizada da forma clássica, deve ser executada de modo a não permitir a passagem do fluxo entérico, ou seja, deve ter caráter desfunciona- lizante. A incisão dos planos da parede abdominal é rea- lizada da mesma forma que para a ileostomia terminal, desde a pele até o plano peritoneal, exteriorizando-se a alça ileal também através das fibras do músculo reto an- terior do abdome. Dependendo das dimensões da alça ileal, o tamanho das incisões nos vários planos da pare- de abdominal pode ser ligeiramente maior. A escolha da alça ileal terminal deve ser feita de modo a permitir a sua exteriorização sem tensão; abre- -se então o mais próximo possível da borda mesentéri- ca da alça ileal, em zona avascular, uma pequena janela que permitirá a introdução de uma alça de borracha ou látex para tracionar o íleo através da parede abdominal. Uma vez exteriorizada a alça ileal, é importante a iden- tificação dos ramos aferente e eferente do íleo. Uma manobra para não se confundir os ramos da ileostomia em alça, após o fechamento da parede abdominal, é a marcação do ramo aferente da alça com um fio de sutu- ra frouxo. A seguir, inicia-se a realização da ileostomia propriamente dita, pela enterotomia e sutura da mu- cosa na pele da parede abdominal. Suturas de fixação da alça ileal na aponeurose do músculo reto anterior do abdome podem ser realizadas para impedir retração ou prolapso do íleo. Esse procedimento implica maior difi- culdade quando do fechamento da ileostomia. É importante que todos esses procedimentos sejam realizados após o fechamento da incisão abdominal prin- cipal e curativo oclusivo, para evitar possível contamina- ção. Uma consideração também importante é a realização do estoma o mais distante possível da incisão abdominal, para permitir a aplicação adequada dos dispositivos cole- tores. A utilização de bastões fixadores da alça ileal exte- riorizada pode ser dispensada, no caso de serem aplicadas suturas de fixação na aponeurose muscular. Complicações As ileostomias estão sujeitas a complicações que podem ocorrer tanto imediatamente, após a sua realiza- ção (precoces ou imediatas), quanto algum tempo depois (tardias). De uma forma ou de outra, elas costumam de- terminar piora acentuada da qualidade de vida dos do- entes, podendo, em algumas circunstâncias, determinar necessidade de reintervenções para a sua correção. As complicações precoces, ou mais adequadamente desig- nadas como imediatas, que surgem ainda no período in- tra-hospitalar, estão frequentemente ligadas a cirurgias de emergência, quando não há um planejamento prévio para a realização do estoma; elas são com frequência de- rivadas de estomas realizados em pacientes obesos, com doença inflamatória intestinal que impede a exteriori- zação adequada da alça ileal, e executadas por cirurgiões com menor experiência. Calcula-se que cerca de um terço das complicações dos estomas requeira procedimentos operatórios para a sua correção. As complicações tardias, que ocorrem alguns meses após a realização dos estomas, podem também estar relacionadas à doença que gerou a necessidade do estoma. A maioria das complicações, no entanto, pode ser conduzida com medidas conservadoras, graças à assistência especializada do estomatoterapeuta. Der- matite periostômica, síndrome de disfunção da ileos- tomia, necrose, retração, hérnia periostômica, esteno- se, sepse periostômica, prolapso e sangramento são as complicações que podem ser observadas no estoma. Algumas delas, como a sepse periostômica e o sangra- mento, podem estar associadas à doença inflamatória intestinal, ou seja, sua ocorrência está ligada à recidiva local da doença, principalmente quando se trata de do- ença de Crohn. Na retocolite ulcerativa inespecífica, a ocorrência das complicações se deve principalmente a falhas técnicas, como, por exemplo, o posicionamento inadequado do estoma. De forma global,verificou-se incidência de complicações em 57% de 175 pacientes portadores de ileostomia e observados prospectiva- mente, tendo sido necessária correção cirúrgica do estoma em 18% desses pacientes. Acredita-se que a incidência de tais complicações pode ser minimizada desde que medidas preventivas relativas à técnica cirúrgica e aos cuidados pós-opera- tórios de assistência ao ostomizado sejam tomadas. O mais importante fator, no entanto, em nossa opinião, está relacionado com a formação do cirurgião, que o leva à tendência de negligenciar a importância desse procedimento operatório. Assim, os estomas são po- sicionados de forma inadequada, sem suficiente pro- jeção externa do intestino, com grandes aberturas do plano musculoaponeurótico etc., gerando um po- tencial grande para o aparecimento de complicações. Esses aspectos, considerados pelos cirurgiões como detalhes do procedimento operatório, são, na prática, os fatores determinantes de grande parte das compli- cações dos estomas. 11 Ileostomia 103 Dermatite periostômica A dermatite periostômica decorre da irritação constante do fl uido intestinal sobre a pele em torno do estoma, ocorrendo, principalmente, nas estomias situadas no plano da pele (rasantes), sem a adequada extensão de projeção externa do tubo intestinal da pa- rede abdominal. Pode-se evitar essa complicação com a realização da estomia saliente, de 3 a 4 cm do plano da parede abdominal. A ileostomia é a sede mais frequente dessa complicação dos estomas, dado o conteúdo ileal ser altamente irritante para a pele da parede abdominal. A técnica empregada e o comprimento externo da alça intestinal na ileostomia, em particular, são muito variáveis entre os cirurgiões. O procedimento operatório designado como ile- ostomia 554, como foi descrito anteriormente, tem o objetivo de evitar esse tipo de complicação. A dermatite periostômica, no entanto, pode se originar também de reações alérgicas de contato da pele com substâncias presentes na superfi cie de ade- rência dos sacos coletores. Nessas circunstâncias, a área cutânea comprometida tem a forma da área de contato com o dispositivo. O uso de pastas protetoras à base de zinco, de geleias neutralizantes e de tintura de benjoim são medidas de prevenção do contato direto do fl uxo ileal com a pele, permitindo a reepitelização cutânea. São consideradas como forma paliativa de tratamento, não atuando efetivamente na causa da lesão. Retração do estoma A retração, que ocorre mais frequentemente na estomia terminal, decorre, em geral, de exteriorização insufi ciente da alça ileal, que se encontra sob tensão, originando vazamento e dermatite periostômica. Nes- sa complicação, a alça intestinal fi ca abaixo do plano da pele. Sua prevenção pode ser feita pela fi xação da serosa intestinal no plano aponeurótico da parede abdominal associada à exteriorização de segmento intestinal mais longo. Para a sua correção, a técnica de grampeamento pode ser utilizada, quando linhas de grampeamento são aplicadas na parede intestinal, o que leva à fi xação do estoma. O emprego dessa téc- nica, no entanto, está condicionado à possibilidade de eversão do estoma sob pressão abdominal; caso contrário, sua execução não será possível, devendo- -se programar, oportunamente, a revisão da estomia e sua correção cirúrgica. A retração do estoma no período pós-operatório imediato, também reconhecida como afundamento da estomia, decorre de má fi xação da alça intestinal ou, mais frequentemente, da exteriorização de alça intes- tinal sob tensão em pacientes com parede abdominal de grande espessura. Nessas circunstâncias, a retração pode estar associada a sofrimento da parede intesti- nal por estiramento dos vasos sanguíneos e isquemia consequente. A conduta nessa situação é representada pelo exame interno da mucosa do estoma, utilizando- -se anuscópio ou retoscópio e avaliando-se, dessa for- ma, o grau de isquemia; verifi cando-se comprometi- mento da mucosa até o nível peritoneal há indicação de intervenção cirúrgica de imediato, dada a possibili- dade de necrose de alça intestinal intraperitoneal. Na maior parte das vezes, no entanto, o comprometimen- to da irrigação da parede da estomia é superfi cial, e a conduta conservadora pode ser adotada. Essas esto- mias, no entanto, a médio prazo, podem apresentar retração ou estenose, as quais podem levar à necessi- dade de revisões cirúrgicas. Quando não tratada, a retração do estoma tende a levar à estenose, em virtude de proliferação fi brótica no nível do tecido subcutâneo. As fezes se tornam afi ladas, surgindo difi culdades de esvaziamento intestinal. Figura 11.1 Técnica de realização de uma ileostomia em alça, em segmento ileal fechado terminalmente e de difícil exteriorização. O princípio de tratamento cirúrgico é a ressecção do anel cicatricial, exteriorização de segmento intesti- nal mais longo, eversão e fi xação na pele. A prevenção da retração do estoma é feita pela exteriorização de segmento intestinal sem tensão, projeção externa do segmento intestinal de extensão adequada, fi xação do estoma nos planos da parede ab- dominal e avaliação cuidadosa no fi nal do ato cirúrgico das condições gerais do estoma como, por exemplo, a perfusão da mucosa. Disfunção do estoma Essa síndrome, descrita nas ileostomias, com- preende um conjunto de sinais e sintomas associa- dos ao mau esvaziamento intestinal; de ocorrência rara, instala-se no período pós-operatório imediato, verifi cando-se distensão abdominal, dor, desconforto, alto volume de débito da estomia e, por vezes, dese- quilíbrio hidreletrolítico. A persistência da síndrome de disfunção da ileostomia leva a episódios de vaza- mento do dispositivo coletor, necessitando-se de esva- ziamentos frequentes no sentido de prevenção dessa Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015104 ocorrência. Admite-se que a disfunção da ileostomia seja devida a uma obstrução funcional da ileostomia, o que leva à dilatação do segmento intestinal distal. A persistência de débito alto nas ileostomias pode ser ocasionada também por obstrução mecânica, como aderências ou estenose; outras causas possíveis de dis- função da ileostomia são representadas pela dieta ina- dequada (vegetais e frutas) ou drogas (álcool, laxativos e antibióticos). Em muitos pacientes a causa da síndrome de disfunção da ileostomia pode nunca ser identificada. O tratamento na forma aguda da síndrome de disfunção da ileostomia cuja causa não é identificada, o que ocorre na maioria das vezes, é o esvaziamento do íleo terminal pela sondagem e a reposição de volu- me e de eletrólitos. A forma de prevenção dessa com- plicação também é a exteriorização de segmento mais longo do íleo, acompanhada da eversão da parede in- testinal. Codeína, loperamida e difenoxilato com atro- pina reduzem o volume do fluxo entérico e diminuem o tempo de trânsito intestinal. O tratamento cirúrgico da disfunção da ileosto- mia raramente é indicado, a não ser que se identifique alteração orgânica responsável pela síndrome; evita- -se tratamento operatório, pois frequentemente ele implica mais perda de segmento de intestino delgado, podendo levar à síndrome do intestino curto. Indica-se a reversão de 10 a 12 cm de segmento ileal como forma de tratamento da síndrome da disfunção da ileostomia. Esse tipo de complicação das ileostomias foi fre- quentemente relatado no passado, não apresentando, atualmente, incidência relevante. A adoção de técnicas operatórias que permitiram a criação de uma ileosto- mia evertida, em forma de “torneira” e com segmento intestinal exteriorizado mais longo, minimizou sobre- maneira a ocorrência dessa e das demais complicações. Em algumas situações, quando se quer realizar uma derivação intestinal temporária, discute-se, inclusive, a alternativa de realização de uma ileostomia em vez de colostomia, dado os bons resultados funcionais e a facilidade de controle das estomias ileais.Essa ques- tão será enfocada posteriormente. Prolapso e hérnia periostômica Essas complicações, que costumam ocorrer com relativa frequência, são causadas, principalmente, por falhas na técnica de execução das estomias. A fixação não adequada do segmento intestinal na parede abdo- minal e o posicionamento da estomia fora da bainha do músculo reto abdominal parecem ser as causas mais frequentes. O prolapso e a hérnia periostômica podem ocorrer associadamente. Pode-se entender o prolapso como uma invaginação intestinal prolabada, poden- do se originar a partir da parede abdominal, quando o segmento intestinal utilizado na estomia for mui- to longo, ou a partir da cavidade peritoneal, quando ocorrer uma falha de fixação e a alça intestinal desliza através da parede abdominal. Enquanto na primeira o tratamento é representado pela ressecção do excesso de alça exteriorizada, na segunda forma há necessida- de de revisão do local da ileostomia e implantação da mesma em outro local da parede abdominal. A hérnia periostômica decorre frequentemente de estomas mal situados e associados à grande aber- tura do plano musculoaponeurótico da parede abdo- minal. Nessas circunstâncias, a parede abdominal ad- jacente à estomia se torna enfraquecida, permitindo, quando do aumento da pressão intra-abdominal, a exteriorização de saco peritoneal contendo as vísce- ras abdominais. Origina-se então uma situação que dificulta não somente a aplicação dos dispositivos coletores, mas também o próprio funcionamento da estomia. Essa complicação requer correção cirúrgica, pelo reposicionamento da estomia e correção da falha anatômica de contenção da parede abdominal. Tanto o prolapso como a hérnia periostômica podem ser evitados através de cuidados de técnica operatória rela- tivos à extensão e fixação da alça intestinal exteriorizada, à extensão da abertura do plano musculoaponeurótico e à adequada fixação da alça na parede abdominal. Tais cuida- dos na execução de uma estomia não podem ser negligen- ciados, principalmente em procedimentos operatórios de emergência, visto que são responsáveis pela maior parte da morbidade periostômica. Sepse periostômica A sepse periostômica pode ser definida como a contaminação dos tecidos da parede abdominal em tor- no da ileostomia, pelo contato permanente ou não do conteúdo da luz intestinal com essa região. O abscesso periostômico decorrente de contaminação intraopera- tória não é frequente, e o tratamento, representado pela drenagem simples, costuma ser efetivo. Sua prevenção pode ser feita pela adoção de medidas intraoperatórias de prevenção de contaminação do espaço periostômico. A sepse periostômica se torna problemática quando decorre de contato permanente da mucosa in- testinal com o tecido subcutâneo ou mais profundo da parede abdominal, como, por exemplo, nos casos de fístulas periostômicas, ou seja, comunicação perma- nente da mucosa intestinal com o espaço periostômi- co. A fístula periostômica requer tratamento cirúrgico, devendo-se investigar a presença de doença intestinal subjacente. A retração da estomia associada à isque- mia intestinal pode ser também importante causa de sepse periostômica, dado que a parede intestinal com- prometida permite a passagem do seu conteúdo para o espaço periostômico. 11 Ileostomia 105 Hemorragia do estoma Essa complicação, que ocorre no período pós- -operatório imediato e que é pouco frequente, pode decorrer de hemostasia inadequada tanto da parede abdominal como da submucosa e do mesentério da alça intestinal. Quando não exteriorizada, pode dar origem a hematoma na parede abdominal; sua preven- ção se faz pela revisão meticulosa da hemostasia dos vasos mesenteriais e da parede abdominal. Os vasos da submucosa intestinal, que também podem ser a origem do sangramento, costumam formar pequenos hematomas submucosos com tendência a se estabili- zar. O tratamento consiste em revisão imediata, quan- do a perda sanguínea justifi car, e hemostasia local. A hemorragia pode decorrer, no entanto, tam- bém da doença de base que levou à realização do esto- ma. Nessas circunstâncias, o sangue se origina da luz intestinal. Assim, lesões ulcerativas decorrentes de re- cidiva local de doença infl amatória intestinal ou lesões polipoides adenomatosas podem ser responsáveis pelo sangramento. O tratamento dessa complicação está relacionado com o da doença subjacente. O trau- matismo local por manuseio do estoma pode ocorrer, carecendo, no entanto, de signifi cado clínico. A mortalidade relacionada diretamente à ileosto- mia é de difícil estimativa. Aceita-se que a mortalidade se deva, principalmente, à doença subjacente que de- terminou a indicação da estomia. Ileostomia como técnica de derivação intestinal A operação de desvio temporário do conteúdo fecal é representada mais frequentemente pela colostomia em alça no colo transverso. Parece haver, no entanto, uma tendência atual de substituição desse tipo de estomia de proteção pela ileostomia, como método de descompres- são, quando for necessária uma exclusão funcional do in- testino distal. Isso seria justifi cado pelo melhor controle no manuseio das ileostomias e pela menor incidência de complicações no fechamento da ileostomia em alça. Figura 11.2 Ileostomia após colectomia. A: uma incisão paramediana para a colectomia é indicada pela linha pontilhada, e o local da ileostomia, pelo ponto negro (muitos cirurgiões preferem uma incisão na linha média). B: o íleo foi exteriorizado através da parede abdominal. C e D: o estoma da ileostomia foi evertido e suas margens suturadas às bordas da ferida. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 12 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 12 Fístulas digestivas 107 Introdução Fístula externa ou interna é uma comunicação anormal entre o trato digestivo e o exterior, ou entre dois órgãos internos. A fístula digestiva é sempre uma complicação: o paciente, submetido a ato cirúrgico, sur- ge com deiscência de anastomose, ou já desenvolvia do- ença interna (exemplo: Crohn) da qual eclodiu a fístula. A fístula externa localiza-se entre o trato gastroin- testinal e a superfície externa do corpo, geralmente a pele, tal como a enterocutânea ou pancreatocutânea. Uma porcentagem menor surge espontaneamente, secundária à doença de Crohn, tuberculose intestinal e blastomicose. Aparece mais frequentemente após operações de emergência para trauma, hemorragia, peritonite e obstrução. No entanto, pode ser observa- da após qualquer operação intra-abdominal que envol- va víscera oca. Presença de doença infl amatória ou ne- oplásica em atividade, irradiação prévia, anastomose em área isquêmica, anastomose cirúrgica sob tensão e desnutrição funcionam como fatores predisponentes. Fístulas internas Esofagobrônquica Esofagopleural Gastroentérica Colecistoentérica Enteroentérica Enterourinária Tabela 12.1 Classifi cação dos principais tipos de fístula Classifi cação Tipos Características Tipo de comunicação Interna Sem exteriorização Externa Comunicação para exterior Volume de débito Baixo < 500 mL/24 horas Alto > 500 mL/24 horas Características do trajeto Simples Trajeto único Complexas Múltiplas fístulas Abertura da fístula Lateral Difícil fechamento espontâneo Terminal Mais fi siológico, fechamento espontâneo mais provável Tabela 12.2 Fístulas esofagianas As fístulas esofagianas (FE) podem ser congê- nitas ou adquiridas. As fístulas congênitas já foram abordadas no capítulo das doenças do esôfago. Estas fístulas costumam apresentar uma evolução grave porque podem comprometer o mediastino, a pleura, o pulmão e a árvore traqueobrônquica e levar infl ama- ção e infecção a qualquer uma dessas estruturas, além de, eventualmente, causarem septicemia, falência de múltiplos órgãos e sistemas, e morte. As causas mais comuns de FE adquiridas são lesões provocadas por endoscopia alta e mani- pulação instrumental na luz do esôfago, cirur-gia de cabeça e pescoço (incluindo intervenção sobre vértebras cervicais), o traumatismo do esôfago, corpos estranhos, lesão por cáusticos e por irradiação, infecção e doença maligna. A ro- tura espontânea do esôfago pode ocorrer como consequência de vômitos incoercíveis, ou consti- tuir a chamada síndrome de Boerhaave: ambas as situações podem determinar fístula esofagopleural. O abuso de bebidas alcoólicas e refeição copiosa são considerados fatores desencadeantes ou facilitadores de rotura espontânea, que, na maioria das vezes, se localiza na porção distal do esôfago. A fístula esofagocutânea é rara. A causa mais comum é a deiscência de anastomoses ci- rúrgicas feitas com o esôfago. Em geral, surgem do 5º ao 10º dia pós-operatório, manifestando- -se por dor, febre, disfagia e leucocitose. As per- furações instrumentais do esôfago são caracterizadas, ao exame físico, por crepitação no pescoço. A área mais comum de perfuração é nas vizinhanças do mús- culo cricofaríngeo. As fístulas cervicais são confi rma- das por estudo radiológico sem preparação do pescoço e do tórax, ou por radiografi as contrastadas usando contraste hidrossolúvel per os. As fístulas esofagianas torácicas compor- tam-se de maneira mais agressiva, evoluindo rapidamente para infecção. As causas das fístulas esofagotorácicas são: traumatismo (contuso ou pene- trante), endoscopia alta, dilatação do esôfago, corpos estranhos, lesões cirúrgicas, câncer e tubos endolumi- nais deixados no esôfago por longo tempo. O refl uxo gastroesofagiano pode constituir-se em antecedente importante. O doente queixa-se de dor torácica, dis- fagia, tosse e febre. Pode evoluir para empiema, me- diastinite, pneumonite por aspiração, hemoptise, abs- cesso subfrênico e septicemia. Suspeitando-se dessa complicação, deve-se recorrer aos exames radiológicos já mencionados e, confi rmada , instituir imediatamen- te o tratamento adequado. Há duas condutas terapêuticas que podem ser adotadas na vigência de perfuração instrumental do esôfago torácico. Se os sintomas são mínimos, se o pa- ciente permanece estável, se não há sinal de infecção, e o estudo radiológico confi rma uma situação de ruptu- ra contida, o médico pode indicar tratamento conser- vador, naturalmente observando de perto a evolução do doente. Se, ao contrário, há sintomas exuberantes, sinais evidentes de infecção (febre, taquicardia, leuco- citose), então o tratamento é cirúrgico. Em qualquer das duas circunstâncias, interrompe-se a alimentação oral, institui-se terapêutica com antibióticos de largo espectro, providencia-se a reposição hidreletrolítica e adequada nutrição (parenteral ou enteral). As fís- Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015108 tulas pós-anastomóticas em geral regridem es- pontaneamente e não necessitam de tratamento cirúrgico. Mas, se houver infecção e comprovar-se coleção líquida, então a indicação é drenar cirurgica- mente, com ou sem correção da lesão inicial. Em certas circunstâncias, o cirurgião optará pela esofagostomia. Fístulas gástricas As fístulas gástricas são iatrogênicas em sua maioria (70% a 90%). Em geral, surgem após ope- rações sobre o estômago. Ademais, podem resultar de traumatismo, corpos estranhos, úlcera péptica, câncer e doença de Crohn gástrica. O reconhecimento da fís- tula pode ser demorado, com evidente prejuízo para o doente. Quando a fístula ameaça aflorar à pele, surgem no local eritema, às vezes, sinais de celulite, e a drena- gem pela fístula ocorre entre 24 e 48 horas depois de seu aparecimento. O diagnóstico depende de exames radiológicos, com uso de contraste hidrossolúvel. No caso de fístula gastrocólica, recorre-se ao enema opaco. A fistulografia pode ser necessária para melhor conhe- cimento da anatomia e trajeto da fístula. O tratamento inclui a estabilização metabólica do paciente, correção dos distúrbios hidreletrolíticos, nutrição adequada e cuidadoso controle do paciente. O octreotídio poderá ser utilizado na tentativa de inibir a secreção gástrica. Fístulas intestinais O intestino delgado é a origem mais comum de fístulas digestivas. O íleo é responsável por 51% das fístulas de alto débito. A maioria dessas fístulas resulta de complicações operatórias. Outras causas são representadas por doença inflamatória intestinal, câncer, infecção, traumatismo, obstrução, pancreatite e enterite radiógena. Sinais premonitórios Dentre os sinais premonitórios, possíveis evi- dências que permitem prognosticar o aparecimento das fístulas digestivas, surge como grande determi- nante o estado nutricional. Vários estudos compro- vam que a desnutrição é um dos principais respon- sáveis pelo aumento da morbidade e mortalidade em pacientes hospitalizados. Assim, a análise criteriosa do estado nutricional no pré-operatório pode fornecer pistas para os casos de maior risco. Essa avaliação dispensa qualquer sofisticação técnica. Inquérito nutricional, determinação de porcentagem de peso perdido, albumina sérica e conhecimento do poten- cial evolutivo da doença, podem ser dados suficientes para uma boa correlação entre desnutrição e eventuais complicações no período de estada hospitalar. Uma perda maior que 10% do peso corporal habitual e albumina sérica inferior a 3 mg% representam riscos de complicações. Manifestações e consequências clínicas Classicamente, o paciente portador de fístula di- gestiva externa é um indivíduo em pós-operatório que desenvolve dor, distensão abdominal, febre e taquicar- dia, rapidamente seguidas de drenagem de conteúdo entérico pela ferida ou sítio de drenagem. Não trata- da, evolui com perda excessiva de fluidos e eletrólitos, dermatite perifistular, infecção de parede, desnutrição, sepse abdominal, falência de múltiplos órgãos e morte. As fístulas gástricas, duodenais e do intestino delgado proximal são consideradas altas, por sua loca- lização, e de grande débito, pois drenam secreções sali- var, gástrica, biliar, pancreática e do intestino delgado. As do cólon são chamadas baixas e de pequeno débito. Nestas, as secreções digestivas são absorvidas antes do orifício fistuloso. A composição e as consequências me- tabólicas estão ilustradas na Figura 12.1. As perdas hidreletrolíticas, a ação corrosiva do líquido intestinal, a infecção e a desnutrição são os principais fenômenos fisiopatológicos a serem trata- dos. Essas alterações dependem fundamentalmen- te da localização da fístula no trato gastrointestinal. Quanto mais alta a fístula, maiores as perdas e as con- sequências clínicas e nutricionais. As perdas aumentam com o diâmetro da fístula e com a presença de obstrução distal. As fístulas que excretam mais de 500 mL/dia podem ser definidas como de alto débito, e as que deixam escapar me- nos de 500 mL/dia, como de baixo débito. Nas fístulas de baixo débito, mais facilmente con- troladas, as perdas são menores e os distúrbios hidre- letrolíticos e acidobásicos, menos comuns. Em geral, o estado nutricional não sofre deterioração grave. Alguns autores consideram alto débito acima de 200 mL/dia. Confirmação diagnóstica Alguns acidentes são de identificação simples e inequívoca, mormente quando há eliminação de saliva, alimentos ou material bilioso, entérico ou fecal caracte- rísticos. Em numerosas ocasiões, porém, tal diagnósti- co não é tão óbvio. O curativo da incisão poderá exibir apenas secreção serosa ou seropurulenta, ou o débito inicial poderá ser inteiramente nulo, chamando a aten- ção apenas o surgimento de picos febris, o contexto de sepse e a queda de estado geral do doente. Apenas nos dias seguintes poder-se-á vislumbrar uma eventual co- leção que passa a ser evacuada para o exterior, deno- tando um aspecto sugestivo de proveniência digestiva. 12 Fístulas digestivas 109 Diversas manobras à beira do leito são consagra- das para o esclarecimento desses casos, desde a inje- ção de corantes (azul de metileno, vermelho-carmim, carvão coloidal) até a ingestão de líquidos ou insufla- ção de ar por sonda gástrica. Em nossa experiência, a confi abilidade dessas manobras é baixa, e sua eventual negatividade pode estabelecer uma falsa sensação de segurança na equipe responsável. Explorações endos- cópicas são pouco recomendáveis, pois raramente se alcança a visualização do local envolvido, e as manipu- lações de um aparelho poderão lacerar tecidos ainda infl amados pela cirurgia recente. Os melhores subsídios são de regra obtidos mediante investigação radiológica, combinando injeções externas (fi stulografi as) com trânsitos al- tos ou baixos (raio X de esôfago, estômago e duodeno ou, se a suspeita incluir o colo, um enema opaco). Os contrastes solúveis (iodados) deverão merecer a preferência sempre que tecnicamente cabíveis; al- ternativamente pode-se recorrer ao bário bem diluído. Note-se que qualquer injeção pelo trajeto da ferida deve ser efetuada sem pressão, pois existe evidente risco de bacteremia e até de choque séptico quando a instilação é feita de forma vigorosa. Finalmente, se abscessos sa- télites estiverem sendo contemplados, tornar-se-á im- portante realizar uma tomografi a computadorizada. Outra conduta de algum interesse, em uma etapa preliminar, é a dosagem de amilase, ou eventualmente de bilirrubinas nos líquidos coletados. Valores superiores aos plasmáticos serão sugestivos de origem gastrointestinal. Orientação inicial O tratamento das fístulas repousa em diversas atitudes simultâneas. Nas fístulas pós-operatórias e pós-traumáticas, o uso de antibióticos é conveniente nos primeiros dias, sempre guiado pelo antibiograma dos líquidos coletados. Certamente existem fístulas tardias em abdomes bem bloqueados e drenados, ou certos abscessos de necessidade em pacientes já afe- bris, nos quais ausência de manifestações sistêmicas nenhum agente antimicrobiano poderá ser exigido. O levantamento das dosagens dos hidreletrolí- ticos é igualmente valioso para orientar a reposição desses elementos. Terapêutica geral das fístulas digestivas Reposição hidreletrolítica Assistência nutricional Diminuição das secreções gastrointestinais Combate à infecção Proteção da pele Reoperação quando necessário Tabela 12.3 Exames recomendáveis na abordagem das fístulas enterocutâneas Radiológicos: confi rmação da origem e disposição geral Microbiológicos: cultura e antibiograma das secreções Bioquímica do sangue - Hemograma completo - Eletrólitos e minerais (Na+, K+, Mg++, Ca++, P+) - Gasimetria arterial - Proteína total e frações - Amilase (bilirrubinas) - Bioquímica da fístula: amilase (bilirrubinas) Tabela 12.4 A avaliação e a monitorização do estado nutricio- nal não poderão ser dispensadas, mesmo em pacientes previamente sadios ou com fístulas aparentemen- te pouco agressivas, ou secundárias a traumatismos limitados, pois o curso clínico nem sempre é previsível. Orifícios de aspecto inocente e com débitos modestos podem esconder sérias complicações e necessidade de múltiplas reoperações, que exaurem as reservas do do- ente conduzindo-o à desnutrição e caquexia. Na reali- dade, estimativas cuidadosas atestam índices de com- prometimento das reservas corporais de 55% até 90% nessa população. Por esta razão, os exames enumerados precisarão ser colhidos periodicamente. A escolha da modalidade de suporte mais vanta- josa será discutida mais adiante. Documentação nutricional periódica Dados antropométricos: peso, altura, índice de massa corporal Achados laboratoriais: albumina, transferrina, pré-albumina, linfócitos Outros: bioimpedância Tabela 12.5 A aspiração das secreções e a proteção da pele são dois quesitos primordiais nas fístulas de débito apreci- ável e que benefi ciam não somente o controle das per- das como o bem-estar e o conforto do doente. Quando bem executada, a aspiração através de múltiplos drenos fi nos e fl exíveis, conectados a aspiradores efi cientes, alivia marcadamente a digestão dérmica pelas enzimas. De todo modo, são sempre interessantes as placas de proteção cutânea à base de karaya ou pectina (Sto- mahesive® ou similares), ou eventualmente a aplicação de silicone líquido ou em pasta, quando disponível. Um alerta deve ser registrado para a aplicação de açúcar ou outros materiais de desbridamento agressi- vos. Embora sua ação antibacteriana e de lise celular seja potencialmente indicada no tratamento de feri- das grosseiramente contaminadas e contendo mate- Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015110 rial necrótico, é preciso ter consciência de que seu con- tato com epitélio intestinal ou outros tecidos viscerais expostos pode conduzir à necrose e perfuração de te- cidos viáveis, aumentando as dimensões do problema. O mesmo grau de desconfiança deve existir perante tubos de drenagem rígidos ou de grosso calibre, pois a possibilidade de novas escaras e perfurações não po- derá ser descartada. Assistência metabólica Tradicionalmente a espoliação em líquidos áci- dos do estômago precipita a alcalose metabólica, en- quanto sucos entéricos e biliopancreáticos alcalinos acarretam acidose. O conteúdo colônico é quase neu- tro, porém volumes não desprezíveis de material do delgado poderão ser excretados por essa via, depen- dendo das condições do peristaltismo. Além de atenção para o pH arterial, não po- deremos afastar muito os olhos do balanço eletro- lítico, nomeadamente nas fístulas de alto débito. As perdas de potássio tendem a ser maciças e con- tribuem para intensa alcalose metabólica, porém balanços negativos de sódio, magnésio, zinco e ou- tros eletrólitos, minerais e vitaminas não podem ser ignorados. Todavia, é o déficit proteico-calórico que costuma repercutir mais intensamente nesse contexto. O jejum e a má nutrição prolongados, em combinação com o roubo de nutrientes pelo estoma acidental, retardam a cicatrização das feridas e deprimem a resposta imu- nológica, contribuindo ainda mais para o descontrole da infecção que é o mecanismo de morte dominante nessa população. Figura 12.1 Composição eletrolítica dos débitos de fístulas de diferentes topografias Fluido Na+ (mEq/L) K+ (mEq/L) Cl- (mEq/L) HCO3 - (mEq/L) Volume (mL) Gástrico 20-80 5-20 100-150 5-25 1.000-2.500 Pancreático 120-140 5-15 40-80 60-110 500-1.000 Jejunal 100-140 5-15 90-130 20-40 1.000-3.000 Biliar 120-140 5-15 80-120 30-40 300-1.000 Ileal 45-135 3-15 20-115 20-40 1.000-3.000 Tabela 12.6 Volume e pH das secreções digestivas. Fístulas digestivas: efeitos no metabolismo Localização Composição Consequências clínicas Gástrica Perda de ácidos [H] + [Na]= [K+] Alcalose metabólica Hipocloremia Hipocalemia Pâncreas, duodeno, intestino delgado Perda de HCO3, [Ca++]; [Mg++] Acidose metabólica Intensa ação cor- rosiva sobre a pele (tripsina) Cólica Fezes Flora microbiana Infecção Sepse Tabela 12.7 Nutrição parenteral exclusiva Trata-se da prescrição clássica para o tratamento das fístulas, uma vez que o trânsito entérico se reduz a níveis mínimos e os desvios metabólicos se revertem, possibilitando recuperação acelerada. Os resultados convencionais com essa modalidade são de 70% a 90% de fechamento espontâneo e 6% a 20% de mortalida- de, comprovando-se benefícios palpáveis para a mace- ração da pele e o estado geral do paciente. As formulações habituais perdem por não manter a proliferação e o trofismo intestinal em níveis ótimos, ensejando ainda a possibilidade de 12 Fístulas digestivas 111 translocação bacteriana. Isso pode modernamente ser revertido em parte mediante a adição de glu- tamina em altas doses (20-30 g/dia), por sonda ou por veia. A propósito, já se contam em nosso meio com peptídeos da glutamina, de grande solubilidade e está- veis em formulações líquidas, o que os torna ideais para alimentação venosa (Dipeptiven, Fresenius), mas tam- bém para dietas enterais líquidas e prontas para o uso (Hiper Diet High Protein High Glutamin, Support Produ- tos Nutricionais). A propósito, para inibir a translocação bacteriana, a glutaminaé um poderoso imunoestimu- lador, tornando menos ameaçadoras as intercorrências infecciosas nesses indivíduos. Indicação da nutrição parenteral nas fístulas digestivas Fístulas recentes (sem trajeto estabelecido) Fístulas em dois tempos (com coleção satélite) Fístulas de alto débito (acima de 500 mL/dia) Fístulas múltiplas (altas e baixas) Tabela 12.8 Nutrição enteral As primeiras dietas de sonda a serem pesquisadas com sucesso nas fístulas enterocutâneas foram as ele- mentares, e até hoje formulações à base de aminoácidos cristalinos ou pequenos peptídeos (El Diet e Peptison, Support são muito usadas em nosso meio) confi rmam- -se como opção interessante para casos apropriados. Ainda assim, dietas à base de proteína integral (polimé- ricas) poderão ser escolhidas, precipuamente na hipóte- se de fístulas colônicas e também de fístulas altas onde uma sonda distal conseguiu ser inserida. Indicações das dietas enterais elementares e poliméricas Fístula pancreática (elementar) Fístula do intestino grosso (polimérica) Fístula esofágica, gastroduodenal e biliar com sonda intro- duzida distalmente (elementar ou polimérica) Fístulas jejunais proximais com sonda posicionada distal- mente (elementar) Tabela 12.9 Vantagens e limitações da dieta enteral nas fístulas externas Contraindicações: fístula de alto débito; fístula em dois tempos ou sem trajeto consolidado; fístulas digestivas altas (sem sonda distal). Pontos positivos: menores custo e difi culdade técnica; melho- ra do trofi smo intestinal; combate à translocação bacteriana. Precauções: débito poderá se elevar; maceração cutânea não se benefi cia inicialmente; risco de refl uxo e aspiração. Tabela 12.10 Hormônios estimulantes e inibidores O uso da somatostatina (Stilamin, Serono) mos- trou-se benéfi co para fístulas de alto débito. Realmente essa substância inibe uma multiplicidade de hormônios, sejam envolvidos com a secreção de sucos digestivos ou não, tais como gastrina, secretina, polipeptídeo pan- creático, VIP, motilina, serotonina, insulina, glucagon e hormônio do crescimento. Em decorrência, costuma-se reduzir a produção de enzimas pancreáticas como trip- sina, quimotripsina, lipase e amilase, mas também a de outros fermentos e fl uidos digestivos. Um análogo sintético desse hormônio, a octreo- tida (Sandostatin, Novartis), cujo esquema de admi- nistração é mais fl exível, por não exigir oferta gota a gota na veia e ser compatível com injeções subcutâne- as 2-3 vezes/dia, é atualmente o mais utilizado. A partir das primeiras 24-48 horas de adminis- tração as perdas costumam baixar de 20% a 30% ou mais, e essa situação tende a se consolidar nos dias subsequentes. Impõe-se afi rmar que nos primeiros oito a dez dias de instalação de uma fístula, o uso da octreotida não se demonstra superior à terapêutica nutricional convencional, devendo-se cogitar sua in- trodução somente após tal prazo, e apenas nas lesões que continuam com fl uxo muito abundante, na ausên- cia de obstrução intestinal distal. Ainda no âmbito dos hormônios de ação local ou sistêmica, alguns trabalhos experimentais com hormô- nio do crescimento (GH) e também com seu efetor bio- lógico, o IGF-1, atestam melhor proliferação do epitélio gastrointestinal, o que poderia ser de valia em proces- sos fi stulosos ou deiscências. A combinação de GH com suplementos de zinco em alta dose parece ser promis- sor; melhores resultados precisam ser documentados. Outro fator de crescimento recentemente en- saiado no contexto da regeneração entérica é o EGF (epidermal growth factor), que atua tanto por via oral como venosa. Vem sendo estudado, aguardando-se re- sultados futuros. Entre 10% e 20% de todas as fístulas corretamente tratadas por quatro a seis semanas não cicatrizarão, justifi cando adoção de outras medidas. Localização das fístulas digestivas e previsão para o tempo médio de fechamento espontâneo, se excluídos os fatores impedientes Local da fístula Porcentagem de fechamento Tempo previsto (dias) Gástrica Duodenal Jejunal Ileal Cólica 50% 100% 87,5% 40% 79,2% 52,1 18,8 33,8 30,7 45,7 Tabela 12.11 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015112 Fatores preditivos do fechamento espontâneo da fístula digestiva Favorável Desfavorável* Fístula terminal Fístula lateral Ausência de abscesso contíguo Abscesso adjacente Intestino adjacente sadio Intestino adjacente doente Fluxo distal livre Obstrução distal à fístula Trajeto fistuloso > 2 cm Trajeto fistuloso < 2 cm Trajeto não epitelizado Trajeto epitelizado Abertura enteral < 1 cm Abertura enteral > 1 cm Localização Localização Esofágica Gástrica Duodenal Ligamento de Treitz Pancreatobiliar Ileal Jejunal Tabela 12.12 *Outros critérios: câncer, DII ativa no segmento intes- tinal, enterite por irradiação e corpo estranho no trajeto fistuloso. A reoperação das fístulas pode abranger uma ressecção e anastomose, uma derivação ou até mes- mo uma estomia, dependendo das peculiaridades de cada paciente. Além das inevitáveis bridas, aderências e distorções da anatomia, sabe-se que alças, parcial ou totalmente excluídas do trânsito por períodos prolon- gados, costumam exibir atrofia da parede e excesso de proliferação bacteriana. Passa-se, pois, a lidar com um intestino frágil, que se rompe com facilidade, e no qual as suturas em ambiente rico em micróbios correm ele- vados riscos. Recomenda-se a utilização de grampe- adores ou fios de sutura finos e sintéticos, manuseio delicado, e proteção cuidadosa das suturas mediante superposição de outras vísceras de vizinhança. Antes ainda da intervenção, durante um prazo de uma a duas semanas quando factível; há razões para se procurar perfundir as alças previamente excluídas que serão abordadas com dieta enteral e glutamina (20-30 g/dia), a fim de amenizar o impacto negativo da flora bacteriana exuberante e favorecer o trofismo da parede. Fístula de tratamento cirúrgico Conceitualmente, as fístulas gastrointestinais e pancreáticas somente devem ser operadas se existirem complicações associadas. Essas complica- ções são os chamados fatores impedientes ao fechamen- to espontâneo, acrescidos da intercorrência de infecção incontrolável. No entanto, as operações reconstrutivas precoces são imprudentes antes que o estado nutricio- nal esteja adequado e, se possível, a infecção controla- da. Assim, as fístulas gastrointestinais necessitam de suporte nutricional e medidas clínicas por tempo que varia de quatro a seis semanas (na dependência do esta- do nutricional prévio do paciente) para recuperação do estado de nutrição e melhora das condições cirúrgicas. Não se justifica tratamento conservador após esse perí- odo, exceto em casos excepcionais. O tratamento cirúrgico busca restaurar a continui- dade funcional do trato gastrointestinal, eliminar a fís- tula e, eventualmente, tratar a doença de base associada. A escolha da operação dependerá da localização da fístula. A ressecção do segmento acometido com restituição do trânsito é a operação ideal para a corre- ção de fístula intestinal. A exclusão total ou parcial, bypass e ressecção com derivação são operações justificáveis quando a ressecção da fístula, com restituição do trânsito, não é possível por dificuldade técnica. A simples sutura da fístula é desaconselhável, pois está condenada a falhas e complicações, tais como recidiva e estenose da luz intestinal. Pode esporadica- mente ser realizada em fístulas internas, cuja origem foi um abscesso adjacente à alça intestinal: por exem- plo, fístula de ângulo esplênico do cólon por continui- dade com abscesso perinefrético. O planejamento cirúrgico depende da habilidade e experiência do cirurgião. É de fundamental impor- tância, no pré-operatório, proceder ao preparo intes- tinal e à antibioticoterapia profilática, bem como ao suporte nutricional. Em geral, o prognóstico das fístulas intestinais, quanto à vida, é bom. A etiologia delas, sua localização visceral,a idade, as condições nutricionais dos pacien- tes e o tratamento adotado podem modificá-lo. Possíveis indicações de operações alternativas Exclusão parcial e bypass Fístula duodenal com obstrução parcial Fístula de íleo terminal de acesso difícil Exclusão total Doença de Crohn Neoplasia Enterite actínica Múltiplas operações prévias para fístulas Ressecção com derivação proximal (colostomia) Infecção não controlada Obstrução Fístula interna Tabela 12.13 Fatores que influenciam a mortalidade de pacientes com fístulas gastrointestinais Fator Aumentado Diminuído Idade (anos) > 50 < 50 Doenças associadas (câncer, diabetes) Presente Ausente 12 Fístulas digestivas 113 Fatores que infl uenciam a mortalidade de pacientes com fístulas gastrointestinais (cont.) Localização Esôfago torácico, duo- deno, jejuno proximal, íleo proximal Esôfago cervical, cólon, bíliopan- creática, íleo distal Etiologia Gangrena, câncer, evisceração DII Débito (mL/dia) > 500 mL < 500 mL/dia Sepse Presente Ausente Desnutrição Presente Ausente Duração Aguda Crônica Procedimento cirúrgico Apenas drenagem, bypass anastomose com infecção Ressecção com anastomose DII: doença infl amatória intestinal Tabela 12.14 Fístula pancreática Considera-se fístula pancreática todo escoamento de líquido pancreático através de drenos ou orifícios de drenagem, com taxa de amilase alta e prolongando-se além do oitavo dia pós-operatório, quando há operação implicada; além disso, o aspecto do líquido, límpido, se- melhante à água de rocha, caracteriza a origem pancreá- tica e constitui um elemento de defi nição. A fístula pancreática pode ser externa, que é a mais comum, ou interna, quando o trajeto fi stuloso desem- boca em órgãos vizinhos ao pâncreas, sendo os mais comuns o duodeno, os ductos biliares extra-hepáticos, o estômago e o cólon transverso, mas também a pleura. A principal causa da fístula pancreática é o trauma abdominal com lesão da glândula. Ocu- pam, também, papel importante na etiologia dessa complicação os procedimentos cirúrgicos sobre o pân- creas para tratamento de neoplasias, de pancreatites, de cistos e a biópsia pancreática. Entre os procedimentos cirúrgicos, a drenagem externa de pseudocistos é o que resulta em maior inci- dência de fístulas, porque o próprio procedimento es- tabelece uma comunicação entre o pâncreas e a super- fície corporal, difi cultando o escoamento natural pelo ducto pancreático, quando há comunicação deste com o cisto drenado. É citada a incidência de 50% de fístu- las após drenagem externa, e, em revisão da literatura, foi verifi cado que os cistos são responsáveis por quase 50% das fístulas descritas. Outro procedimento que apresenta elevado índice de fístulas é a pancreatectomia distal (cau- dal ou corpocaudal) para tratamento de pancrea- tite crônica, e a porcentagem, após esse procedi- mento, pode alcançar até 52%. A elevada ocorrência de fístulas, após pancreatectomia distal, pode ser expli- cada pela presença de obstrução ductal proximal. Sabe- -se que uma das características da pancreatite crônica calcifi cante é a existência de estenoses segmentares do ducto pancreático. Além disso, nem sempre o cirurgião consegue fazer a ligadura do Wirsung isoladamente du- rante o ato operatório. Já a incidência de fístula após pancrea- tectomia cefálica em portadores de pancreati- te crônica é relativamente baixa, com taxa não superior a 15%. A baixa incidência em portadores de pancreatite crônica calcifi cante pode ser explicada pelo fato de o pâncreas fi brosado facilitar e aumentar a segurança das suturas. É citada a incidência de 11% a 18% após duodenopancreatectomia cefálica para tra- tamento de câncer; apesar de incidir menos, quando comparada aos demais procedimentos, essas fístulas são particularmente temíveis e apresentam os maio- res índices de mortalidade. Diagnóstico O diagnóstico das fístulas pancreáticas é habi- tualmente clínico, baseado no aspecto do líquido dre- nado. Outros métodos diagnósticos são a dosagem de amilase nesse líquido, exame por ultrassom ou to- mografi a computadorizada, a fi stulografi a através de drenos e a pancreatografi a endoscópica retrógrada, estes dois últimos métodos adquirindo especial va- lor para o diagnóstico das fístulas internas. Quando a defi nição diagnóstica se baseia apenas no aspecto do líquido drenado, considera-se o estabelecimento da fístula a partir do momento em que o líquido se torna límpido, semelhante à água de rocha, caracte- rizando o líquido pancreático. Pode-se fazer o diagnóstico da fístula sempre que a dosagem da amilase no líquido drenado apre- sentar-se alta, acima da amilasemia. Habitualmente, os valores encontrados são bastante elevados, poden- do alcançar até 30 mil UI. Os métodos de diagnóstico por imagens, tais como ultrassom e tomografi a computadorizada, auxi- liam a avaliar a presença de coleções intracavitárias e o trajeto da fístula. Em relação ao débito diário, as fístulas são classi- fi cadas de formas diferentes por cada autor. Podem ser consideradas fístulas de baixo débito, quando a dre- nagem é menor que 500 mL/dia, e alto débito quan- do a drenagem está acima desse valor; ou, de modo diferente: drenagem de até 100 mL seria fístula de baixo débito, entre 100 e 700 mL confi rmaria débito moderado e, acima de 700 mL, alto débito. Pode-se constatar, porém, que a grande maioria dos pacientes apresenta fístula de baixo débito ou débito moderado. Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015114 Tratamento O ideal é a prevenção da fístula pancreática du- rante o ato operatório. Uma das orientações técnicas atualmente adotadas é evitar os pontos “em massa” no coto pancreático remanescente. A hemostasia deve ser feita ligando-se individualmente cada vaso com pon- tos transfixantes de fio fino inabsorvível, sem trauma- tizar o tecido pancreático. Uma variação técnica é preconizada para prevenir a formação de fístulas pancreáticas: no caso de pancreatectomia distal, incluir a ligadura da artéria esplênica, tendo o cuidado de deixar pequeno segmento de artéria em relação ao nível da ressecção pancreática. Deve-se também realizar a medida da pres- são do ducto de Wirsung com a finalidade de identificar hipertensão no sistema canalicular. Se a pressão estiver elevada, parece aconselhável acrescentar uma anasto- mose pancreatojejunal com alça excluída em Y de Roux. Outro artifício é a utilização de alça jejunal dupla excluída para anastomoses separadas da via biliar e do pâncreas após duodenopancreatectomia cefálica. Tal- vez isso possa ser justificado no tratamento do câncer do pâncreas, mas não em portadores de pancreatite crônica calcificante, nos quais o pâncreas fibrosado fa- cilita e aumenta a segurança das suturas. Uma vez instalada a fístula, a conduta te- rapêutica deve ser inicialmente conservadora. A maioria dos autores concorda que as fístulas pancreá- ticas usualmente se fecham espontaneamente e uma operação é raramente necessária. O tratamento con- servador baseia-se em drenagem com aspiração contínua do líquido da fístula, proteção da pele com pomada de alumínio e zinco, ou de outro tipo, manutenção do equilíbrio hidreletrolítico e conservação da permeabilidade do trajeto fistulo- so, visando evitar acúmulo de secreção. O uso de nutrição parenteral está indicado em pacientes desnutridos e naqueles com fístula de alto débito. O octreotídio é medicamento importante no tratamento dessas fístulas, e é usado em doses de 0,5 mg TID, no subcutâneo, por um máximo de sete dias. As complicações sistêmicas da so- matostatina incluem intolerância à glicose, hi- pocloridria, formação de cálculos biliares, este- atorreia e má absorção. Náusea, cólicas abdominais e diarreia já foram notadas nos primeiros dias de tratamento. Em casos sem desnutrição, o suporte nutricional não contribui para acelerar o fechamento espontâneo. O tipo de mistura nutritiva é a convencionalmente utilizada emoutros estados de hipercatabolismo. Não há contrain- dicação para o uso de lipídios, salvo em casos de hiper- lipoproteinemia tipos I e V. Não há dados concludentes sobre quando rei- niciar a alimentação por via oral e retirar a nutrição parenteral. Em geral, esta é mantida até que o trajeto da fístula esteja maduro e fibrosado (de uma até duas semanas),caso o paciente não tenha sintomas e o dé- bito da fístula seja baixo. O tratamento cirúrgico está indicado quan- do houver falha na resposta à terapêutica con- servadora, demonstrada pelo longo tempo e alto débito de drenagem. A presença de coleções infec- tadas, déficit nutricional ou obstrução no trajeto do ducto pancreático, evidenciada por fistulografia ou pancreatografia endoscópica, são fatores importantes de perpetuação, apesar do tratamento clínico. As operações têm por fim ou a ressecção do seg- mento pancreático, onde se origina a fístula, ou a ressecção do próprio trajeto fistuloso, ou, então, faci- litação da drenagem do ducto de Wirsung através da pancreatojejunostomia. O tratamento de escolha consiste em excisão do trajeto fistuloso até o ponto de saída do pân- creas e anastomose dessa porção do pâncreas com alça jejunal excluída em Y de Roux. As fístulas ori- ginadas na cauda do pâncreas devem ser tratadas por ressecção pancreática distal, associada à anastomose pancreatojejunal, quando houver estenose do Wirsung e/ou hipertensão ductal. Existe, ainda, a possibilidade de endoprótese, colocada através de duodenoscopia, com a finalidade de reduzir a pressão intracanalicular no Wirsung e acelerar a cicatrização da fístula. A morbidade e a mortalidade dependem de inter- corrências ou de complicações que surjam na evolução das fístulas. A principal causa de óbito em pacientes com fístula pancreática é a hemorragia causada por erosão da artéria gastroduodenal. Essa complicação é particularmente grave. Ela exige tratamento imediato. O controle da hemorragia pode ser muito difícil e a mortalidade resultante é elevada. Outras complicações possíveis são a formação de abscessos intra-abdominais por coleção de secreção, infecção no trajeto do dreno, distúrbios hidreletrolíticos, desnutrição importante e maceração da pele ao redor do orifício da fístula. A mortalidade decorrente de fístula pancreática isolada é menor que a mortalidade por outras fístulas do aparelho digestivo. A taxa de mortalidade também depende do procedimento realizado e da doença-base. A maioria dos autores relata taxa de até 11%. Um fator primordial para diminuir a incidência de fístula pancreática pós-operatória consiste na pre- cisa execução técnica das operações sobre o pâncreas. Como acontece em outras áreas médicas, quanto mais experimentado for o cirurgião em operações pancre- áticas, menor será a incidência dessa grave complica- ção, embora não seja possível aboli-la completamente. Perpetuação de uma fístula intestinal Presença de corpo estranho Lesão por radiação do local da fístula Abscesso ou infecção ao redor da fístula Epitelização do trajeto da fístula Neoplasia ao redor da fístula Obstrução da alça intestinal distal à fístula Tabela 12.15 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 13 Clínica cirúrgica | Intestino delgado SJT Residência Médica - 2015116 Definição A pneumatose cística intestinal é uma doença rara, caracterizada pela presença de múltiplos cis- tos gasosos (ricos em nitrogênio, bióxido de carbono e hidrogênio) na parede intestinal, comprometendo a ca- mada subserosa e submucosa, sendo encontrada no in- testino delgado em 42%, no intestino grosso em 36% e difusamente em 22%. Pode ter manifestação clínica isolada em 25% dos casos, quando recebe a denomina- ção de pneumatose cística intestinal primária e quando está associada à outra doença é considerada como se- cundária, apresentando-se ainda como assintomática ou com graus variáveis de severidade, podendo ser agu- da ou subaguda. Acomete o sexo masculino em uma frequência três vezes maior, com maior frequência na faixa etária adulta sendo mais rara na infância. Etiologia A maioria dos casos de pneumatose intestinal está associada à doença pulmonar obstrutiva crônica ou a um estado de imunocomprometimento (exemplo: AIDS, pós-transplante, com associação de leucemia, linfoma, vasculite ou doença vascular por colagenose, e nos pacientes que recebem quimioterapia ou corti- costeroides). Outras doenças associadas incluem as doenças inflamatórias, obstrutivas ou infecciosas do intestino; os problemas iatrogênicos, como a endos- copia ou nos portadores de jejunostomia; a isquemia e doenças extraintestinais como o diabete. A pneuma- tose que não está associada a outras lesões é denomi- nada pneumatose primária. Fisiopatologia A fisiopatologia da pneumatose intestinal não é bem compreendida, principalmente por causa da mul- tiplicidade de fatores envolvidos com o aparecimento dos cistos gasosos. As três mais importantes teorias enunciadas para explicar a patogênese da pneumatose intestinal são a mecânica, a bacteriana e a bioquímica. Teoria mecânica Nessa teoria é sugerido que o gás intestinal, sob pressão, ganha os espaços intersticiais da parede intestinal, do mesentério ou do omento. Para que a infiltração gasosa ocorra, pressupõe-se que haja rom- pimento da mucosa intestinal, secundário à infecção, inflamação ou a procedimentos cirúrgicos. A teoria mecânica é favorecida pela ocorrência de pneumocistos associados às doenças pulmonares obstrutivas crônicas, ao trauma, aos procedimentos endoscópicos e às intervenções cirúrgicas. Teoria bacteriana Essa teoria propõe que os determinantes são as bactérias produtoras de gases que invadem a parede intestinal. A teoria bacteriana tem apoio em estudos experimentais nos quais o modelo envolve a injeção intramural de Clostridiun perfringens. A enterocolite necrotizante e a colite pseudo- membranosa são entidades mórbidas que exempli- ficam o papel da bactéria no desenvolvimento da pneumatose intestinal. A coleção gasosa na parede in- testinal é linear, a evolução da afecção é grave e põe em risco a vida do paciente. Contudo, nas formas císticas, que são as mais comuns das pneumatoses intestinais, em geral não se encontram bactérias no interior do cisto e seu rompimento para a cavidade peritoneal não resulta em peritonite. Teoria bioquímica Sugere-se, nessa teoria, que a fermentação dos car- boidratos, pelas bactérias, gera excessiva produção de ga- ses que são absorvidos e coletados na parede intestinal. Quadro clínico A apresentação clínica pode ser frustrada, pouco sintomática, apresentando um discreto desconforto ab- dominal ou com perda sanguínea fecal, enfisema subcu- tâneo, até quadros mais graves em que se observa a pre- sença de isquemia intestinal, gás no plexo venoso portal e mesentérico, acidose metabólica e sepsis abdominal. Os sintomas na pneumatose intestinal primária, quando presentes, incluem mais comumente diar- reia, dor abdominal, distensão abdominal, náuseas, vômitos, perda de peso e presença de muco nas fe- zes. A hematoquezia e a constipação também foram descritas. As complicações associadas à pneumatose intestinal ocorrem em aproximadamente 3% dos ca- sos e incluem o vôlvulo, a obstrução intestinal, a he- morragia e a perfuração intestinal. Mais comumente, o pneumoperitônio ocorre nesses pacientes, em geral no intestino delgado. A peritonite é incomum. De fato, a pneumatose intestinal representa um dos poucos ca- sos de pneumoperitônio estéril e deve ser considerada no paciente com ar livre na cavidade abdominal, mas sem evidências de peritonite. 13 Pneumatose cística intestinal 117 Assim, no transcurso do diagnóstico, pode-se di- vidir a pneumatose intestinal em três grupos clínicos. Grupo I – Pacientes assintomáticos: achado ocasional. Grupo II – Pacientes sintomáticos com alteração do hábito intestinal, aumento do número das evacu- ações, evacuação de muco e hematoquesia ocasional. GrupoIII – Pneumatose manifestando-se du- rante ou após o tratamento de doenças agudas graves que impõem suporte ventilatório, ou após hemorragia intestinal maciça, trauma abdominal, infarto agudo do miocárdio ou na vigência de doenças intestinais in- fl amatórias ou infecciosas complicadas. Diagnóstico Associado ou não a sintomas, o diagnóstico pode ser feito durante o exame radiológico simples do abdo- me, que permite ver a imagem que caracteriza a pre- sença de ar distribuindo-se na parede intestinal, junto aos vasos mesentéricos ou com pneumoperitônio. Em determinadas circunstâncias, principalmente quando a forma é cística e o comprometimento é do intesti- no delgado, o diagnóstico radiológico pode ser difícil pela difi culdade da diferenciação da imagem de ar nos cistos com a imagem de ar que normalmente está no interior das alças intestinais. Por outro lado, a forma linear de infi ltração da parede do intestino, que pode ocorrer na isquemia visceral ou na enterocolite necro- tizante, é mais fácil de ser diagnosticada. A B C D E Figura 13.1 Radiografi as de abdome de diferentes pacientes, em de- cúbito dorsal, demonstrando pneumatose intestinal, caracterizada por imagens lineares radiolucentes, visíveis na parede das alças intestinais (setas). Forma linear de pneumatose intestinal. Tratamento O tratamento é, inicialmente, clínico conser- vador, com sintomáticos, suporte hemodinâmico e hidroeletrolítico, antibioticoterapia, tendo uma boa resolução através da oxigenoterapia hiperbárica. Nos casos em que o tratamento conservador não é efetivo ou quando há uma piora progressiva do quadro clínico a intervenção cirúrgica se impõe, por meio de videola- paroscopia ou por laparotomia exploradora. Abernathy C, Harken A. Segredos em cirurgia. 5ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 2007. Ashley S, Zinner M. Maingot’s abdominal operations. New York: McGraw-Hill Medical; 2007. Carvalho M, Santana E. Técnica cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. Coelho U. Aparelho digestivo: clínica e cirurgia. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2005. Coelho U. Manual de clínica cirúrgica: cirurgia geral e especialidades. Rio de Janeiro: Atheneu; 2009. Feldman M, Friedman L, Sleisenger M. Sleisenger & Fordtran´s gastrintestinal and liver disease: pathophysiology; diagnosis; management. V. 1. 7th ed. Philadelphia: Saunders; 2002. Gama Rodrigues JJ, Machado MCC, Rasslan S. Clínica cirúrgica – FMUSP. Barueri: Manole; 2008. Goffi F. Técnica cirúrgica: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas da cirurgia. Rio de Janeiro: Atheneu; 2006. Hoff PMG, et al. Tratado de Oncologia. São Paulo: Atheneu; 2013. Lopes A (org.). Tratado de clínica médica. V. 1. São Paulo: Roca; 2006. Martins HS, Damasceno MCT, Awada SB. Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Barueri: Manole; 2008. Miszputen S (org.). Guia de gastroenterologia. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar/UNIFESP. 2ª ed. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva – SOBED. Endoscopia gastrointestinal terapêutica. São Paulo: Tecmedd; 2006. Townsend Jr. CM, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL. Sabiston: tratado de cirurgia. 19ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015. Vieira O (org). Clínica cirúrgica: fundamentos teóricos e práticos. São Paulo: Atheneu; 2000. Way LW (org.). Cirurgia: diagnóstico e tratamento. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.