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<p>CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO</p><p>AULA 4</p><p>Prof. Cassio Gonçalves de Azevedo</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>A palavra sujeito comporta muitos sentidos e significados diferentes, a</p><p>depender do discurso no qual se insere, do emprego que dela se faz, da cadeia</p><p>significante, enfim, que a envolve e na qual se dispõe. Mesmo em Psicanálise,</p><p>existem mais de uma possibilidade de se pensar o termo sujeito; por isso,</p><p>adotamos aqui um percurso e um recorte específico.</p><p>Nessa etapa, recapitularemos as concepções de sujeito que vimos até</p><p>aqui, de modo a melhor compreender como se dá sua especificação em</p><p>psicanálise, visando a uma definição mais precisa e própria ao campo</p><p>psicanalítico. Vimos que Freud não conceitualizou, especificamente, o tema do</p><p>sujeito. Contudo, com base na clínica psicanalítica, podemos conceber uma</p><p>estrutura subjetiva da qual se pode derivar um sujeito com uma conotação</p><p>bastante original.</p><p>Iniciaremos, assim, resgatando um pouco das três noções básicas que</p><p>vimos a respeito do sujeito, desde a experiência mais imediata do termo, ou seja,</p><p>seu uso na linguagem corrente, do senso comum, sobre o que se entende a</p><p>grosso modo quando se diz ou se escuta a palavra sujeito, passando pela</p><p>emergência da noção de subjetividade que despontou com o advento da filosofia</p><p>cartesiana, e que funda a modernidade, da revolução em relação ao que a</p><p>precedeu, para adentramos ao sujeito da filosofia política, o sujeito de direitos e</p><p>deveres.</p><p>Ao recapitularmos essas noções, enfatizaremos, uma vez mais, o campo</p><p>que a psicanálise abriu no que diz respeito à subjetividade, ressaltando seu valor</p><p>subversivo, ou seja, de oposição às normas vigentes, sejam elas instituídas pela</p><p>sociedade em forma de leis ou de pedagogias do desejo, como, por exemplo, de</p><p>algumas tendências psicológicas.</p><p>Teremos então a oportunidade de criticar, já sob a ótica do retorno a Freud</p><p>proposto e efetuado por Lacan, os desvios a que foram submetidas a teoria e as</p><p>técnicas psicanalíticas sob aquilo que ficou referido como a psicologia do ego,</p><p>ou seja, a psicologia voltada para as funções do ego em detrimento do</p><p>inconsciente. Aprofundaremos um pouco mais a atmosfera de que fora feita essa</p><p>distorção ao nos demorarmos um pouco sobre a estrutura do Eu, tal como</p><p>capturada desde o Estádio do Espelho, conforme demonstrou Lacan.</p><p>3</p><p>Essa recapitulação nos subsidiará na apreensão de alguns conceitos</p><p>importantes que Lacan forjou no desenvolvimento da prática analítica, naquilo</p><p>que concerne ao sujeito. Especificaremos que, no retorno proposto por Lacan</p><p>aos fundamentos freudianos, é em relação ao Simbólico a que</p><p>fundamentalmente o sujeito será referido.</p><p>Na seção Na Prática, refletiremos sobre as aplicações práticas que as</p><p>noções estudadas nessa etapa podem surtir para finalizarmos, na seção</p><p>Finalizando, retomando um pouco do conteúdo visto até aqui.</p><p>TEMA 1 – O SUJEITO MODERNO E O DE DIREITOS</p><p>Quando ouvimos a palavra sujeito, de imediato, o que nos ocorre é a</p><p>noção de “alguém”, de uma “pessoa”, um ser humano a quem podemos designar</p><p>como um ente, um indivíduo concreto, um corpo que atende por um nome e</p><p>costuma residir em um endereço. Creditamos a essa pessoa vontades, desejos,</p><p>ambições, medos, crenças, enfim, tal como os reconhecemos em nós mesmos,</p><p>esses atributos todos e mais uma infinidade deles. Um sujeito assim é dotado de</p><p>um corpo, por óbvio, mas julgamos ser também alguém que pensa,</p><p>naturalmente, e que trabalha, come, ama, contribui etc.</p><p>Nessas nossas apreensões imediatas sobre o que um sujeito é, contudo,</p><p>estão pressupostas algumas noções que não são naturais, ou seja, que</p><p>precisaram ser gestadas e concebidas, isto é, construídas ao longo do</p><p>desenvolvimento na história do pensamento. Assim foi que, por exemplo, essa</p><p>nossa ideia de que um sujeito possui liberdade de pensamento, como vimos,</p><p>remonta à modernidade e ao filósofo René Descartes, que rompeu com o</p><p>pensamento que o antecedia. Vale lembrar que o Século XVI foi um período de</p><p>intensas revoluções nos âmbitos culturais, religiosos e políticos, como o</p><p>Renascimento, a Reforma Protestante e a proliferação das navegações, enfim,</p><p>toda uma gama de alterações no tecido social ocidental que clamava por uma</p><p>emancipação do ser humano em relação às amarras que lhe foram impostas até</p><p>então.</p><p>Esse foi o profícuo contexto em que Descartes, com a máxima do Cogito,</p><p>ergo sum (Penso, logo sou), concebeu o sujeito e a razão como as vias de</p><p>acesso para o conhecimento, e é essa ruptura que funda a Modernidade como</p><p>tal, pois, daí em diante, o conhecimento não será mais uma revelação, mas um</p><p>constructo do sujeito humano pelas vias racionais. Esse sujeito, o da razão,</p><p>4</p><p>tendo nas mãos as rédeas de sua ação, poderá imprimir no seu destino suas</p><p>próprias marcas, poderá planejar e pavimentar seu futuro, controlar sua</p><p>existência e construir sua vida à sua imagem e semelhança.</p><p>E as implicações desse câmbio paradigmático são inúmeras, dentre</p><p>elas o predomínio da racionalidade instrumental cientificista nas</p><p>explicações sobre as relações humanas, sociais, políticas e</p><p>econômicas, agora concebidas a partir da lógica matemática.</p><p>(Marrafon, 2018, p. 659)</p><p>O advento desse novo paradigma do sujeito racional fomentou o</p><p>movimento filosófico conhecido como Iluminismo, em que a razão fora tomada</p><p>como a luz frente às trevas obscurantistas que os dogmas religiosos impunham</p><p>durante toda a Idade Média. Esse movimento pavimentou o desenvolvimento de</p><p>outra concepção de sujeito muito importante, que é o sujeito de deveres e</p><p>direitos. Foi assim que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no</p><p>Século XVIII, promulgou os Direitos Humanos como universais. Essa concepção</p><p>de sujeito é, portanto, tributária do sujeito moderno e racional, individualizado.</p><p>Assim, nos dias de hoje, quando escutamos a palavra sujeito, também</p><p>nos ocorre a ideia de uma pessoa que goza de liberdade de escolhas, de</p><p>crenças, que tem direito à saúde, educação, segurança, alimentação, em suma,</p><p>direito à vida com dignidade. Essa intuição, que nos é quase imediata a respeito</p><p>do sujeito dos direitos, tem sua origem e desenvolvimento no interior da filosofia</p><p>e, mais especificamente, da filosofia política, que visa criticar e problematizar</p><p>sobre os espaços que possam assegurar as liberdades individuais, bem como a</p><p>ordem pública. O sujeito aqui é o sujeito dos direitos, que tem inscrições de</p><p>Registro Geral (RG), no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), Certidão de</p><p>Nascimento, entre outras certidões que lhe asseguram essa posição de sujeito</p><p>possuidor de direitos, inscrito numa ordem social que os reconhecem como tal.</p><p>Ora, o que temos até aqui, portanto, são duas concepções de sujeito. Em</p><p>primeiro lugar, um sujeito que pensa, e que, ao pensar, pode conhecer a si</p><p>mesmo e a realidade que o circunda. Esse sujeito é aquele que se reconhece a</p><p>si mesmo e que chama a si próprio na primeira pessoa do singular, ou seja, por</p><p>Eu. “Eu penso”, “Eu existo”, “desde que Eu me reconheço por gente” são frases</p><p>que denotam esse sujeito como o sujeito da ação.</p><p>Em segundo lugar, temos o sujeito de direitos, ou seja, aquele sujeito que</p><p>deriva desse primeiro e que, pelo fato de o ser, isto é, de ser um sujeito, possui</p><p>direitos garantidos no seio da sua comunidade, de seu país. É um igual dentre</p><p>5</p><p>os outros, pois os direitos humanos existem justamente para assegurar que</p><p>todos tenham acesso às mesmas condições mínimas para viver, visando</p><p>impossibilitar que uns possam tolher os direitos de outros. Daí a máxima:</p><p>“Perante a Lei, somos todos iguais”.</p><p>TEMA 2 – O SUJEITO DO INCONSCIENTE</p><p>Já o sujeito do inconsciente não comparece nas suas expressões tal qual</p><p>esses outros dois aqui dispostos. Ele não coincide com o Eu que pensa</p><p>conscientemente, haja vista suas manifestações nas ditas formações do</p><p>inconsciente, inventariadas por Freud,</p><p>por exemplo, nos textos d’Os Chistes ou</p><p>da Psicopatologia da Vida Cotidiana, ou ainda na cena estranha do sonho.</p><p>é evidente que Freud persegue o objetivo de produzir uma definição da</p><p>experiência subjetiva. Quer dizer, aspira a resolver o grande problema</p><p>que representa a função do agente. Portanto, ele tem o propósito de</p><p>responder a uma questão. Quem é o autor dos atos humanos? A clínica</p><p>mostra que a resposta a essa pergunta não é simples. Pois, se</p><p>disséssemos que é o Eu, nos veríamos obrigados a relançar a</p><p>pergunta: quem Eu? Ou ainda, qual deles? O Eu consciente ou o Eu</p><p>inconsciente? O Eu ou o Isso? O Eu ou o Si-mesmo? (Cabas, 2009, p.</p><p>89)</p><p>Assim, o sujeito visado pela Psicanálise é o sujeito do inconsciente. Esse</p><p>sujeito é, em primeiro lugar, inconsciente, ou seja, insabido, inacessível pelo</p><p>pensamento racional consciente. Ele se manifesta, inclusive, à revelia do Eu, por</p><p>vezes, ultrajando-o, colocando-o em saias justas, constrangendo-o, haja vista</p><p>sua relação íntima com o Isso pulsional, e com tudo aquilo que a pulsão e suas</p><p>características, desmontadas por Freud no texto sobre A Pulsão e Suas</p><p>Vicissitudes, de 1905, implicam, como, por exemplo, a falta de objeto que lhe é</p><p>inerente e constituinte:</p><p>a falta de objeto – que o circuito da pulsão perfila com seu contorno e,</p><p>portanto, revela – recai sobre o sujeito. E que, se a torção pulsional se</p><p>dá em torno do objeto faltante, o retorno contra si próprio consagra um</p><p>lugar que define a posição do sujeito em questão. (Cabas, 2009, p. 72)</p><p>Ele também não se confunde com o sujeito dos direitos humanos, pois</p><p>não se presta a ser representado por um RG ou CPF, bem como por quaisquer</p><p>outras insígnias simbólicas conscientes, como a profissão que uma pessoa</p><p>desempenha (médico, advogado) ou o gênero, homem ou mulher, ou até seu</p><p>nome próprio. A instituição do sujeito dos direitos humanos, como vimos, visa</p><p>assegurar a prerrogativa de igualdade dos sujeitos perante o Outro da Lei</p><p>6</p><p>simbólica, sujeitos que são como que o efeito das relações de força entre os</p><p>âmbitos público e privado. Ao contrário do sujeito do direitos humanos,</p><p>representado, por exemplo, por um RG, o sujeito do inconsciente, alienado como</p><p>o quer o Ego, e dividido, como vimos, pelo simbólico, não tem identidade.</p><p>Em Freud, a questão da subjetividade será a da posição subjetiva, com</p><p>base na concepção do “desejo inconsciente”, essa posição ante a esse efeito</p><p>das relações de força intrapsíquicas, entre o Eu e o Supereu e o Isso. Essa</p><p>posição se definirá com base no recalcamento do Isso pulsional pelo Eu e pelo</p><p>Supereu, e é justamente em torno das faltas que constituem esse registro (o</p><p>Isso) como reprimido que a posição subjetiva vem assentar.</p><p>Em Lacan, o sujeito do inconsciente será teorizado como um efeito das</p><p>relações do indivíduo com o Outro, com a instância simbólica e as leis da</p><p>linguagem que o constitui e o cinde, atravessa-o, inaugurando essa subjetividade</p><p>dividida e indiretamente referida, pois a linguagem não apreende o sujeito na sua</p><p>radical singularidade sem se autorreferir.</p><p>TEMA 3 – PSICOLOGIA DO EGO</p><p>Essa subjetividade dividida, descentralizada, que Freud assinalou sob a</p><p>égide do desejo inconsciente, naturalmente não fora bem recebida pelos</p><p>racionalistas e positivistas de plantão. Os ideais cientificistas que visavam à</p><p>mensuração, ao controle sobre os dados quantificáveis, aos experimentos</p><p>controlados em termos laboratoriais, à previsão, à cura se orientavam para o</p><p>desenvolvimento, no campo da psicologia, de estudos sobre funções mentais</p><p>adaptativas. Assim, as sensações, a percepção, a consciência, as diferentes</p><p>formas de atenção, o pensamento, o julgamento da realidade, o raciocínio crítico,</p><p>funções superiores de discriminação, em suma, as faculdades mentais que</p><p>possibilitariam uma melhor compreensão do funcionamento mental com vistas</p><p>ao aprimoramento da ciência do comportamento humano.</p><p>Ora, não havia espaço para uma subjetividade calcada no funcionamento</p><p>inconsciente, pois o inconsciente não está entre as funções mentais adaptativas,</p><p>nem sequer passíveis de controle. O inconsciente é especificamente a porção</p><p>da personalidade desconjurada, recalcada na justa medida em que foge aos</p><p>ideais civilizatórios. Logo, o sujeito do inconsciente não era uma presença bem-</p><p>vinda aos meios cientificistas, especialmente no que tange ao Isso pulsional.</p><p>7</p><p>Foi dessa forma que a psicanálise, depois da morte de Freud, em 1939,</p><p>foi paulatinamente perdendo seu valor de subversão para dar lugar a uma</p><p>psicologia que cada mais era centrada na direção do Eu, do Ego, de</p><p>fortalecimento do Eu como instância reguladora e de arbítrio na economia</p><p>psíquica, ao ponto de ser referida como Psicologia do Ego ou do Eu:</p><p>A rota de desvio praticada pela psicologia do ego em relação à</p><p>psicanálise repousa, precisamente, no modo como foi por ela</p><p>entrevisto o mais caro dos conceitos psicanalíticos: o inconsciente,</p><p>bem como o recalque que o institui. Nesta escola, o inconsciente</p><p>recebe formas e contornos que de modo algum se encontram</p><p>presentes na obra freudiana, e é minimizado para conferir um lugar</p><p>privilegiado ao ego, tido por racional, consciente, com função de</p><p>síntese, denominada por Hartmann (1962) “função sintética do ego”.</p><p>Concebido nesta teoria como o eixo ordenador central dos processos</p><p>psíquicos, ao qual se deve o controle racional das condutas, o ego é</p><p>descrito por Hartmann (1969, p. 112) como “[...] o ‘órgão’ especial de</p><p>adaptação do homem”. Para este autor, “não cabe dúvida de que existe</p><p>uma correlação positiva entre a conduta racional e a conduta adaptada,</p><p>entre a conduta racional e a sadia, e de que estas correlações foram</p><p>aceitas desde há muito tempo” (HARTMANN 1969, p. 53). Ora, o</p><p>conceito de inconsciente e de divisão psíquica (Spaltung) que lhe é</p><p>correlato, assim como o tipo de sujeito que nele tem lugar, sustenta na</p><p>doutrina freudiana a noção de que não há, no psíquico, centro</p><p>ordenador, mas antes descentramento radical, a que o sujeito está</p><p>atrelado e submetido. (Baratto; Aguiar, 2007, p. 310-311)</p><p>Assim, vemos já nessa citação que Baratto e Aguiar fazem de Hartmann</p><p>a equivalência que este último, um dos expoentes máximos dessa Ego</p><p>Psychology, faz entre conduta racional e conduta adaptada, e dessas duas com</p><p>a conduta “sadia”. Essa noção moralizante equipara a adaptação do indivíduo</p><p>ao seu meio à noção de saúde, e atribui ao ego consciente a função dessa</p><p>adaptação, medindo por aí seu grau de maturidade e de realização subjetiva. Ou</p><p>seja, o sujeito do inconsciente é escamoteado e o Eu assume a primazia que</p><p>justamente ambiciona: a de manter afastada a esfera inconsciente. Nesse caso,</p><p>podemos dizer que as resistências do ego em relação às representações</p><p>inconscientes extrapolaram da esfera intrapsíquica para a produção de um</p><p>campo teórico que o replicou, ou seja, a psicologia do ego visava àquilo a que</p><p>visa o ego intrapsíquico, isto é, individual.</p><p>Essa distorção teórica implicava em muitas distorções práticas, como,</p><p>apenas a título de exemplo, no que diz respeito ao manejo da transferência, tão</p><p>caro à práxis psicanalítica. Preconizava-se que, à parte consciente e “madura”</p><p>do ego do analista, deveria identificar-se o ego do analisando, ou seja, imprimia-</p><p>se à direção da cura uma identificação de um ego a outro já, por si, adaptado,</p><p>isto é, identificado com ideais da cultura, neste caso, a norte-americana.</p><p>8</p><p>TEMA 4 – O EU E O ESTÁDIO DO ESPELHO</p><p>Diante de tamanha distorção foi que Lacan se debruçou, primeira e</p><p>justamente sobre o registro psíquico do Eu, para dele extrair seu sumo, isto é,</p><p>sua essência, e iniciar assim sua denúncia com o rigor necessário, de expor a</p><p>estrutura da instância que vinha sendo referida como tendo a consistência de</p><p>uma orientação de cura, digamos, fundamentada.</p><p>Lacan esquadrinha, assim, a constituição e a essência do Eu com base</p><p>no que chamou de estádio do espelho que,</p><p>como vimos, consiste na assunção,</p><p>por parte da criança, de uma imagem unitária, de integridade e totalidade. Essa</p><p>experiência, que se desenvolve entre os 6 e os 18 meses de idade, vai configurar</p><p>essa matriz imaginária, do campo da imagem, que fará frente ao corpo</p><p>despedaçado e faltante que é o corpo pulsional. A imagem do outro que a</p><p>sustenta frente ao espelho, que lhe oferecido como modelo e completo, bem</p><p>como a própria imagem de seu corpo especular, precipitará a criança, nas</p><p>palavras de Lacan,</p><p>da insuficiência para a antecipação – e que fabrica para o sujeito,</p><p>apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se</p><p>sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma</p><p>de sua totalidade que chamaremos de ortopédica – e para a armadura</p><p>enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua</p><p>estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental. (Lacan,</p><p>1949/1998, p. 100)</p><p>Trata-se do registro do engano, das identificações alienantes, em que a</p><p>ilusão de autoconsciência se insinua e que o sujeito toma a imagem que é dele</p><p>como se fosse ele, não obstante o fato de que, no espelho, o que vemos é</p><p>justamente uma imagem invertida, em que o lado esquerdo é o direito e vice-</p><p>versa. Assim, nas palavras de Lacan, em psicanálise, não se trata de</p><p>corrigir sabe-se lá qual curvatura do Eu. Ora, não é da espessura mais</p><p>ou menos grossa da lente que dependem as deformações que nos</p><p>impressionam. Sempre há de haver uma, de fato, já que, de qualquer</p><p>modo, o olho nu a comporta. É porque a lente vem no lugar de onde o</p><p>sujeito poderia olhar, e ali se coloca na lâmina de microscópio que de</p><p>fato lhe está ajustada, quando o sujeito olha de alhures, que ele se</p><p>sobreimprime, pois, para grande azar do conjunto, no que poderia vir a</p><p>ser avistado ali. (Lacan, 1960/1998, p. 675)</p><p>Nota-se, nessa citação, que o Eu não é passível de correções, já que não</p><p>está mais ou menos “desajustado”, como o viam os “psicanalistas” do Ego. O</p><p>problema é justamente o de excesso de ajustamento a que o Eu visa, isto é, a</p><p>sua alienação constitutiva, sua miopia fundamental. Não é nesse registro que a</p><p>9</p><p>psicanálise deveria intervir, paradoxalmente reforçando-o, haja vista que o Eu</p><p>veio se assentar justamente no lugar do sujeito que, alhures, ficou deslocado, o</p><p>sujeito do inconsciente.</p><p>O fato é que o Eu será resituado por Lacan, frente aos desvios que vinham</p><p>sendo perpetrados pela psicologia do ego, como aquilo que, na experiência em</p><p>psicanálise, revela-se como: “uma função de desconhecimento” (Lacan,</p><p>190/1998, p. 675).</p><p>TEMA 5 – O RETORNO A FREUD</p><p>O retorno a Freud, proposto e efetuado por Lacan, foi, sobretudo, um</p><p>retorno aos fundamentos do inconsciente enquanto estruturado pelo simbólico,</p><p>ou seja, pela linguagem. Lacan especificou que o campo sob o qual intervém o</p><p>psicanalista não é outro senão o da fala do analisando, isto é, o campo da</p><p>linguagem. Conforme afirma Jorge,</p><p>Cada um a seu turno, Freud e Lacan ressaltaram que a cultura norte-</p><p>americana sempre se pautou por uma poderosa resistência ao discurso</p><p>psicanalítico. Decorre desse fato que a pluralidade das produções</p><p>teóricas mais criativas da psicanálise contemporânea venha se</p><p>norteando por uma referência quase absoluta aos desenvolvimentos</p><p>trazidos pelo ensino de Lacan. (Jorge, 2008, p. 10)</p><p>Lacan não apenas denunciou de forma incisiva e contumaz o desvio</p><p>teórico e prático que vinha sendo realizado pela Psicologia do Eu, demonstrando</p><p>inclusive a estrutura imaginária da qual se tratava nesse registro, como caminhou</p><p>no sentido de formalizar a dimensão simbólica do inconsciente freudiano,</p><p>conferindo consistência e rigor à interpretação em psicanálise. E todas essas</p><p>operações foram fundamentais para que fosse especificado, dentro desse</p><p>campo, o sujeito a que ela visa: o sujeito do inconsciente.</p><p>A formulação de Lacan segundo a qual “o inconsciente é estruturado</p><p>como uma linguagem” é homóloga ao destacamento do registro do</p><p>simbólico e desemboca em sua concepção da lógica do significante.</p><p>Desde os Estudos sobre a histeria (1893-95), Freud faz referência ao</p><p>processo, que já denominava então de simbolização, inerente às</p><p>experiências de análise que começava a empreender, mas apenas</p><p>com os desenvolvimentos feitos por Lacan pôde ser evidenciado o que</p><p>esta simbolização designava efetivamente. (Jorge, 2008, p. 69)</p><p>Assim foi que Lacan avançou sobre a teoria do significante, para</p><p>especificá-lo e demonstrar que, “desde a origem, desconheceu-se o papel</p><p>constitutivo do significante no status que Freud fixou de imediato para o</p><p>10</p><p>inconsciente, e segundo as mais precisas modalidades” (Lacan, 1957/1998, p.</p><p>516).</p><p>É à luz da teoria do significante que Lacan procurará formalizar sobre</p><p>o estatuto do inconsciente, introduzindo o conceito de sujeito do</p><p>inconsciente, reconhecido por ele mesmo como novo (Lacan, 1988b,</p><p>p. 46). Com a denominação sujeito do inconsciente, formulação</p><p>ausente na obra de Freud, ele procurou demonstrar a estrutura formal</p><p>do inconsciente na teoria freudiana. Para ele, o sujeito do inconsciente</p><p>é o sujeito submetido ao significante nos seus encadeamentos</p><p>sucessivos. A articulação dos significantes em cadeia determina</p><p>pensamentos inconscientes que se produzem e operam à revelia do</p><p>eu. Isso significa que não é possível atribuir a esses pensamentos um</p><p>ser determinado, pois, quando um pensamento se articula no</p><p>inconsciente, o ser desse pensamento necessariamente se indica</p><p>como ausente. (Baratto, 2012, p. 241)</p><p>Segundo Lacan, é com base na linguística e na elucidação da função do</p><p>significante que se poderá compreender melhor seu papel “na gênese do</p><p>significado” (Lacan, 1957/1998, p. 500), de modo a mostrar como o significante</p><p>“entra no significado” (ibid, 1957/1998, p. 503) e a ele se antecipa. Ora, se a</p><p>primazia é a do significante, na relação com o significado, é sobre ele, o</p><p>significante, que a interpretação em psicanálise deverá incidir.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Uma interpretação Lacaniana.</p><p>No documentário “Um Encontro com Lacan”, é relatada, por uma paciente</p><p>de Lacan, uma interpretação que incide especificamente sobre o significante que</p><p>podemos aqui tomar como exemplo.</p><p>Havia muitos anos que a mulher não acordava desesperada em um certo</p><p>horário da madrugada de um sono já muito agitado, no horário preciso em que,</p><p>quando era criança, na cidade em que vivia, a Gestapo, polícia do regime nazista</p><p>de Hitler, entrou em sua casa durante a invasão de sua cidade.</p><p>Essa sua experiência havia sido traumática e esses sonhos, ou</p><p>pesadelos, que se repetiam noite após noite, funcionavam como uma espécie de</p><p>estresse pós-traumático.</p><p>A mulher, ao narrar a experiência com a Gestapo para Lacan, disse que</p><p>ele levantou de sua cadeira como um flecha e veio até ela, tocou de leve seu</p><p>rosto e lhe disse: Geste à peau. Algo como Gesto para a pele, ou, carinho. A</p><p>paciente relata que, de fato, seus pesadelos com a Gestapo se encerraram</p><p>desde então.</p><p>11</p><p>FINALIZANDO</p><p>Vimos que a ideia de sujeito é quase que imediatamente referida à de</p><p>pessoa, de um corpo, um ser, em particular, um ser humano, ao qual creditamos</p><p>vontades, desejos, pensamento, razão, responsabilidades, direitos etc. Essas</p><p>impressões que nos são tão imediatas, contudo, não são naturais, isto é, o</p><p>sujeito é um termo que, mesmo no senso comum, comporta uma historicidade,</p><p>um desenvolvimento no tempo e no espaço.</p><p>Esse desenvolvimento, mais especificamente, tem um marco bastante</p><p>importante com a inauguração da Modernidade, tempo que se seguiu a</p><p>importantes revoluções na estrutura social ocidental, por exemplo, o</p><p>Renascimento e a Revolução Francesa. O rompimento com o pensamento</p><p>escolástico, ou seja, com a filosofia medieval que visava conformar a</p><p>racionalidade com os preceitos e dogmas religiosos, estabeleceu a razão como</p><p>a via privilegiada de construção do conhecimento. O Racionalismo de Descartes</p><p>influenciaria, assim, o Iluminismo que</p><p>seguiu, que enalteceu a razão como a luz</p><p>frente às trevas que o pensamento religioso impunha até então.</p><p>Nesse processo, Descartes enunciou um sujeito, com seu Discurso do</p><p>Método e o Cogito, ergo sum. O sujeito cartesiano era esse sujeito da razão, do</p><p>pensamento, que, ao pensar, acessava o conhecimento de si e do mundo, e que,</p><p>assim, assumia nas próprias mãos as rédeas de sua ação, imprimindo ao seu</p><p>destino as marcas de suas próprias ideias, o que lhe possibilitava planejar e</p><p>pavimentar seu futuro, controlar sua existência e construir sua vida à sua imagem</p><p>e semelhança, ou pelo menos, à imagem e semelhança do seu pensamento.</p><p>Criaram-se assim as bases para o moderno método científico, inclusive.</p><p>Esse movimento pavimentou o desenvolvimento de outra concepção de</p><p>sujeito muito importante, que é o sujeito de deveres e direitos, e foi assim que a</p><p>Declaração Universal dos Direitos do Homem, no Século XVIII, promulgou os</p><p>Direitos Humanos como universais. Um sujeito passa assim a ser aquele que</p><p>pensa e que, portanto, se compromete com a sociedade em que vive de forma</p><p>racional, responsabilizando-se pelo bem comum e pela ordem pública, ou seja,</p><p>um sujeito com deveres e direitos, que lhe confere o status de cidadão,</p><p>assegurado pelas inscrições simbólicas como RG e CPF e as Declarações</p><p>citadas anteriormente, ou seja, pelo código da Lei. Em suma, um sujeito</p><p>legalmente reconhecido como um entre iguais.</p><p>12</p><p>Daí nossas apreensões imediatas de um sujeito individualizado, que</p><p>pensa e se responsabiliza pelo que pensa, que cria e se adequa à ordem vigente,</p><p>que deseja o que almeja e que almeja o bem para si e para os outros. Um sujeito</p><p>que tem liberdades individuais asseguradas e balizadas pelos direitos dos</p><p>outros.</p><p>Seguimos na compreensão do sujeito inconsciente como aquele</p><p>concebido por Freud como realmente inconsciente, ou seja, insabido e</p><p>inacessível pelas vias racionais. Um sujeito escamoteado pelo Ego e que,</p><p>portanto, dele difere, pois, “de fato, ao descentrar a sede do sujeito de sua</p><p>consciência, o inconsciente freudiano subverteu de modo radical o cogito</p><p>cartesiano e introduziu a dimensão de uma racionalidade inteiramente nova”</p><p>(Jorge, 2008, p. 17).</p><p>Vimos que também não coincide com o sujeito dos direitos humanos, na</p><p>medida em que não é o efeito das relações de força entre os âmbitos público e</p><p>privado, mas das forças intrapsíquicas como o Ego, o Isso e o Superego, e eu</p><p>também não é um sujeito dentre iguais, na medida mesma em que a relação do</p><p>sujeito com a falta que lhe constitui é absolutamente particular.</p><p>O sujeito do inconsciente, recriminado pelo Eu racional e dividido pela</p><p>linguagem, que o cinde, diferente do sujeito dos direitos humanos, representado,</p><p>por exemplo, por um RG, acaba por ficar sem identidade, escamoteado como</p><p>um rebotalho, uma sobra do Isso pulsional que, não obstante as castrações que</p><p>lhe são impostas, insiste.</p><p>Vimos também que, depois da morte de Freud, em 1939, a psicanálise foi</p><p>paulatinamente perdendo seu valor de subversão do sujeito para dar lugar a uma</p><p>psicologia cada vez mais centrada na direção do Eu, do Ego, de fortalecimento</p><p>do Eu como instância reguladora e de arbítrio na economia psíquica, ao ponto</p><p>de ser referida como Psicologia do Ego ou do Eu. Coube a Lacan demonstrar a</p><p>atmosfera de desconhecimento concernente à instância do Eu, situando-a como</p><p>esfera de alienação e desconhecimento sobre o sujeito do inconsciente.</p><p>Por fim, vimos que o retorno à letra freudiana proposto por Lacan consistiu</p><p>no retorno aos fundamentos da fala e da linguagem como espaço privilegiado de</p><p>intervenção, e que toda a operação, desde a desmontagem do registro</p><p>imaginário como instância de alienação até a especificação do significante como</p><p>o que organiza a estrutura simbólica, o que está em questão de ponta a ponta é</p><p>a questão do sujeito do inconsciente.</p><p>13</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BARATTO, G.; AGUIAR, F. A “Psicologia do Ego” e a Psicanálise Freudiana: das</p><p>diferenças teóricas fundamentais. Revista de Filosofia Aurora, v. 19, n. 25, p.</p><p>307-331, jul./dez. 2007.</p><p>BARATTO, G. O sujeito barrado do inconsciente: O sujeito do pensamento e do</p><p>desejo. Revista Armagumento. Curitiba, v. 30, n. 69, p. 239-244, abr./jun. 2012.</p><p>CABAS, A. G. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão do</p><p>sujeito ao sujeito em questão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.</p><p>FREUD, S. (1900-1901). A Interpretação dos Sonhos. Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 5. Rio de</p><p>Janeiro: Imago, 1996.</p><p>FREUD, S. (1914-1916). A História do Movimento Psicanalítico — Artigos</p><p>sobre a Metapsicologia e outros trabalhos. Edição standard brasileira das obras</p><p>psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>JORGE, M. A. C. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. 5. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.</p><p>LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.</p><p>MARRAFON, M. A. A Construção do Sujeito de Direito Moderno: Descartes e a</p><p>Tríplice Mediação da Subjetividade. In: Revista da Academia Brasileira de</p><p>Direito Constitucional. Curitiba, v. 10, n. 19, p. 653-673, jul./dez, 2018.</p>

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