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<p>UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO</p><p>INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>DISCIPLINA: CULTURA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO</p><p>PROFESSOR: MARCOS GERHARDT</p><p>ACADÊMICA: PÂMELA CRISTINA DE LIMA</p><p>Relatório de Extensão</p><p>Memórias do Bairro Vicentinos</p><p>Introdução</p><p>O projeto sobre as memórias do Bairro Vicentinos fazia vistas a obter uma visão mais abrangente sobre a vida da comunidade e os caminhos que a mesma seguiu até consolidar-se no ponto atual. Buscou-se um maior conhecimento sobre os valores e a cultura, bem como as raízes da formação, hábitos e modo de vida dos moradores. Foi, ainda, buscado um entendimento mais aprofundado das motivações que levaram os moradores a escolher o bairro para morar e, ainda, o porquê de terem permanecido como residentes da comunidade até o presente.</p><p>Relato de prática</p><p>Inicialmente, foram definidas as delimitações e assuntos que seriam abordados e visados para um aprofundamento maior nas questões socioculturais e cotidianas dos moradores. Assim sendo, objetivamos conseguir o máximo de informações sobre a vinda destes moradores para o bairro e, ainda, para a forma como fixaram residência e conseguiram superar dificuldades iniciais.</p><p>Foi conversado com inúmeros moradores, e seus relatos foram previamente anotados, formalizados e transformados em um folheto que ficou disponível à comunidade. Após os relatos, os moradores fizeram a assinatura do termo de cessão de memória e imagem, e fizeram a entrega de fotografias do período em que chegaram e se fixaram no bairro.</p><p>Imagem 01: Conversa com os moradores Vilmar e Marilene, onde seus relatos a respeito do bairro foram anotados e foi combinado o dia em que ocorreria a gravação.</p><p>Foi posta em prática a ideia do vídeo, um minidocumentário[footnoteRef:1], gravado com o auxílio do vídeo designer Djêisson Mauss. As gravações se deram em duas datas: 27 de outubro de 2018 e 03 de outubro de 2018. [1: O vídeo está publicado em sua versão completa na página Triângulo Fotografia. Disponível em https://www.facebook.com/triangulofotografia/videos/301357613809006/. Acesso em 26/11/2018.]</p><p>Imagem 02: Momento da escolha das imagens que seriam utilizadas para compor o documentário produzido.</p><p>Após ter os documentos e o minidocumentário em mãos, realizamos uma pequena e singela exposição das fotos, do vídeo e do folheto[footnoteRef:2] aos moradores que participaram e, ainda, aos demais moradores da comunidade. [2: Os relatos estão disponíveis na íntegra no ANEXO I.]</p><p>Imagem 03: Moradores com os quais foi conversado acompanhando o documentário durante a mini exposição. No mesmo dia, os moradores tiveram acesso ao folheto com os relatos.</p><p>O projeto foi estendido à escola do bairro. Realizou-se uma conversa expositiva, onde foram trabalhados os conceitos de cultura e memória, com os alunos do 8º e 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Maria Fortunata Armanini.</p><p>Imagem 04: Em aula, foram explicitados os conceitos de cultura e memória, além de ser apresentado o documentário feito com os moradores do bairro.</p><p>No dia 24 de novembro de 2018, o projeto foi para a Rádio Minuano, uma das redes de rádio da cidade de Sarandi. Na oportunidade, discutimos acerca da importância do projeto tanto para os moradores do bairro quanto para a comunidade em geral, e usamos o espaço para divulgar a exposição do mesmo. O programa[footnoteRef:3] iniciou às 09 horas, e teve duração de uma hora. [3: O vídeo do programa está disponível na íntegra no Facebook da Rádio. Disponível em https://www.facebook.com/radiominuanosarandi/videos/1982651058448972/. Acesso em 28/11/2018.]</p><p>Imagem 05: Na Rádio, contamos com a presença do sr. Machado (radialista), da moradora Nelsi, do vídeo designer Djêisson, da patrocinadora e representante da empresa JCA, Vanessa e, ainda, dos demais colaboradores da rádio.</p><p>Foi realizada uma exposição na Biblioteca Municipal de Sarandi – RS, no dia 26 de novembro de 2018, e contou com a presença de munícipes em geral.</p><p>Imagem 06: diálogo acerca da importância do projeto para a valorização da comunidade, após a exibição do documentário.</p><p>Os resultados da exposição foram expostos em uma matéria para o principal jornal da cidade, intitulado Jornal A Região. A matéria foi para a quinta página da edição de 28/11/2018.</p><p>Imagem 07: Matéria publicada no Jornal. A divulgação da exposição no periódico tornou o projeto mais conhecido, e desencadeou um segundo convite para participar do programa de rádio.</p><p>Resultados</p><p>Percebemos que a acolhida dos moradores foi ótima. Tivemos espaço enquanto desenvolvedores do projeto e enquanto “pessoas”, no sentido subjetivo do termo. Foi perceptível a nostalgia e emoção durante os relatos e, mais ainda, o desejo de muitos moradores de que aqueles tempos voltassem, embora tenham sido difíceis e árduos.</p><p>Durante a realização dos projetos, notamos grande colaboração dos moradores. Cada palavra e memória, cada foto que nos foi entregue revela um pedaço da história de muitas famílias que residem no Bairro Vicentinos. Descobrimos, por meio deste, que eles possuem uma história de superação de obstáculos, desde os mais básicos (como carestia de água) até os mais complexos (dificuldades financeiras).</p><p>Um dos aspectos mais interessantes, percebido no desenrolar do projeto, foi o envolvimento entre a comunidade e o membro da Academia, que desempenhou o trabalho. Mais do que ouvintes assíduos por memórias e episódios marcantes, fomos também tocados, abraçados, emocionados. Sentimos a nostalgia dos moradores. Vimos o brilho em seus olhos ao relembrar seus velhos tempos. Entre um chimarrão e um relato, conseguimos perceber o quão rica é a cultura e o quão variados são os valores da comunidade. Embora o grupo com quem conversamos seja heterogêneo, percebe-se que valores como o amor à família e o trabalho estão profundamente arraigados.</p><p>Conseguimos perceber um pouco da influência que a esfera religiosa apresenta sobre a comunidade, estando a religião arraigada na vida cotidiana dos moradores mesmo antes de o bairro se constituir tal como é. Mesmo havendo um número restrito de casas e uma infraestrutura em estado de precariedade, percebe-se a importância da fé e da prática de ritos religiosos, sobretudo católicos.</p><p>Em suma, cabe destacar as importantes descobertas que fizemos, embasadas na memória. Percebemos que muitas famílias numerosas do interior migraram para a zona urbana como forma de oferecer melhores condições de vida a si mesmas. Vieram buscando oportunidades, estabilidade, conquista de objetivos. Muitos saíram de uma vida de precariedade para uma com melhores condições, estas últimas refletidas na casa própria tão sonhada e numa maior disposição de recursos.</p><p>ANEXOS</p><p>ANEXO I – Relatos dos moradores do Bairro</p><p>O seguinte relato foi concedido por Irma Rodrigues. Ela tem 65 anos, e atualmente é aposentada.</p><p>“Nós chegamos ao Bairro Vicentinos no ano de 1995. Viemos eu, meu esposo (Olímpio Paci, que já é falecido) e meus 6 filhos, o mais velho deles com 15 anos na época, em busca de melhores condições de vida, uma vez que no interior de Sagrada Família nós passávamos muitas dificuldades. Ao chegar, fomos morar no local onde hoje há a rua, e lá permanecemos por nove meses, até que viemos para a atual residência, um pouco para trás. Onde hoje está a casa, havia um mandiocal e muita vegetação de mato, o que nos obrigou a carpir para que fosse possível estabelecer residência. Havia, ainda, uma patente de uso comum, uma vez que as condições de saneamento não eram como são atualmente. Eu não conhecia o local, vim direto para morar. Fiquei feliz quando vim, e logo arrumei emprego em uma lanchonete, onde recebia cerca de R$100,00 por mês. De início, eu até me perdia nas ruas, e precisava marcar pontos de referência para conseguir chegar onde precisava. Nós vimos o bairro progredir, como quando chegaram as creches e houve o encanamento do esgoto. Foi arriscado em função das crianças e da idade das mesmas, que eram todas pequenas, mas valeu a pena, pois conseguimos vagas na escola para que estudassem e melhorias</p><p>para nossa vida.”</p><p>O relato que segue foi concedido por Leandro Rodrigues, 38 anos, o filho mais velho de dona Irma, que ainda reside no Bairro com sua esposa e dois filhos.</p><p>“ Eu tive a oportunidade de conhecer o local onde iríamos morar antes de nos mudarmos. Quando cheguei, já tinha dois irmãos por parte de pai que aqui residiam. Fiquei com receio do ambiente urbano, pois pensava que meu modo de ser era mais ‘grosso’, que eu não sabia falar direito, e que na cidade seria tudo diferente. Consegui emprego na fábrica de móveis Strada, e assim nossa vida melhorou. Daí por diante não passamos mais necessidades, e conseguimos sair da condição de ‘agregados’ e de ‘pobreza danada’ para donos de nossa própria casa, que foi cedida por uma de nossas irmãs mais velhas que já residia em Sarandi. Enfrentei preconceito no meu trabalho, com apelidos como ‘colono burro’. Mais tarde, eu me adaptei ao ritmo urbano. Nós, entre a família fazíamos jantas, reuniões para jogar cartas e íamos a festas nos salões de comunidades. Também jogávamos futebol em um campinho que se localiza onde hoje fica a creche. Participávamos de missas na capela católica recebíamos a capelinha de Nossa Senhora das Graças em casa. Eu acabei formando família e mantendo residência aqui, pois gostei do lugar onde moramos e desenvolvi amizades.”</p><p>A próxima fala é da senhora Noeli Maria Mosna, de 74 anos.</p><p>“Eu e meu falecido marido, juntamente com nossos 9 filhos, viemos de Três Palmeiras para o Bairro no ano de 1989. A mais velha das crianças tinha 8 anos na época. Nós chegamos quando o bairro estava começando a se formar, tanto é que meu marido auxiliou na construção de várias casas. Fomos uns dos primeiros moradores, acomodados em uma casa pequena, com uma família numerosa. Eu vim direto para morar. Ao chegar, percebemos que não havia nada além de casas em construção, muito menos água encanada ou energia elétrica. Tinha uma escolinha, na época fechada. Eu iniciei, nesta escolinha, um trabalho com as mulheres deste e de outros bairros vizinhos. Era um clube de mães, onde eu ensinava costura. Consegui máquinas com a assistência social do município, mas precisava levar a trazer os equipamentos. Muitas mães levavam seus filhos por não ter com quem deixá-los. Em contato com a prefeitura, conseguimos auxílio para as famílias mais carentes. Por vezes fazíamos lanches com recursos próprios. Muitas pessoas pediam para participar do clube, tanto para aprender quanto para consertar suas próprias roupas. Pegávamos restos de couro no curtume para usar como solas para sapatilhas, que vendíamos para arrecadar dinheiro para manter o clube em funcionamento. Quando precisei me dedicar à costura como profissão, de modo a melhorar nossas condições, o clube acabou fechando. Em nossas horas vagas nos reuníamos com amigos, meu marido jogava baralho e eu me juntava com as amigas do clube. Sinto falta daquele tempo, e fiquei aqui por gostar do local.”</p><p>O relato a seguir é de Irma Farias, de 73 anos, moradora do bairro desde o fim da década de 1980.</p><p>“Meu marido João Pedro e eu, juntamente com nossas filhas, fomos os terceiros moradores da parte central do bairro. Nós saímos de Passo Fundo para morar aqui em razão do emprego do João, e eu arrumei trabalho no curtume. Havia muito mato no terreno, e não tínhamos agua encanada nem energia elétrica. Buscávamos água em vizinhos próximos, e a roupa era lavada no rio, até que conseguimos fazer um poço. Nós plantávamos muita coisa em casa mesmo, e não tínhamos o hábito de sair muito. Eu morei um tempo em Chapecó, pois meu marido havia sido transferido, mas acabei voltando e fixando residência. Gosto do local e, além do mais, acredito que Jesus fez uma aparição para mim, como se estivesse indicando que aqui era meu lugar.”</p><p>O próximo relato concedido é de Lurdes da Silva Mendes, de 60 anos.</p><p>“Em 1990 eu, meu marido e nossas duas filhas viemos morar no bairro. Nós morávamos no interior de Chapada, em uma casa alugada. Olhamos o terreno, que na época era usado para cultivo de mandioca e batatas, além de ter pinheiros próximos, e o compramos. Limpamos o terreno da vegetação e demos início à construção. Nós começamos do zero, de início sem acesso a luz e água, mais tarde dividindo uma mesma rede elétrica entre dezessete casas. Éramos caseiros em função de dificuldade de deslocamento da época. Nós, bem como nossas filhas, permanecemos aqui por ser um lugar bom de morar.”</p><p>O próximo relato foi concedido por Marilene Nogueira Paci, de 50 anos, e seu esposo Vilmar Paci, de 49 anos, residentes no bairro desde 1994.</p><p>“Nós viemos ao bairro para conhecer o local onde iríamos morar, bem como para acertar a compra do terreno. Antes morávamos de aluguel. Aqui era um matagal, e para baixo de nossa casa não havia residências, muito menos rua. Aqui pudemos ter salário fixo e maior acesso a recursos, como a saúde. A estrutura era precária, não tínhamos água no começo, e a luz vinha de um ‘rabicho’ entre vários moradores. As estradas eram apenas um carreirinho de barro. Fomos ter melhorias a partir da gestão do prefeito Scheibe, onde passamos a ter água encanada, energia elétrica e ruas melhores. De início, nosso tempo livre era dedicado a carpir o terreno e construir a casa. Trouxemos as janelas com carrinhos de mão. Mais tarde, passamos a nos reunir com as demais famílias para jogar cartas. Não faltava a caipirinha e, nas jantas, tomávamos vinho com carne de porco, que nós mesmos comprávamos vivo, limpávamos e fazíamos salame e torresmo. Hoje estamos no céu, e ficamos aqui por ser um lugar bom de viver, além de estarmos bem estabelecidos.”</p><p>A seguir, temos o relato de Sueli Martini Vieira, de 62 anos.</p><p>“Em 1994, viemos para cá eu, meu esposo Hermogênio e nossos filhos Sílvia e Rafael. Viemos do interior do Rocha, no município de Palmeira das Missões. Lá trabalhávamos em uma terra dos outros, onde tínhamos poucos recursos. Já conhecíamos o bairro, e viemos para cá buscando melhores condições. Havia poucas casas e o capim era dominante nos terrenos. As ruas eram de terra, a luz era compartilhada entre todos e a creche foi o que marcou a urbanização, por atrair mais moradores para cá. Eu consegui emprego na Aurora Alimentos, assim como meu esposo. Desde que chegamos, passamos a frequentar a Igreja. Nós pouco saíamos, não tínhamos muitas coisas e nosso foco era conseguir recursos. Ficamos por gostar do bairro, por ter amizades.”</p><p>A seguir, temos as memórias de Clóvis Gilmar de Lima, de 54 anos, que vive no bairro desde 1995 juntamente com a esposa Ivete Paci, de 52 anos.</p><p>“Minha esposa e eu viemos para o bairro e, de início, moramos em uma casa mais simples, até que nossa atual residência ficasse pronta. Vínhamos aqui para passear em nosso cunhado Vilmar, que já residia no bairro. Eu limpei o terreno, que era minado de capim elefante, uma vez que havia poucas casas. Não foi fácil, uma vez que tínhamos despesas e estávamos pagando o material para a construção da casa. Viemos para cá pois era onde tínhamos condições de comprar o terreno. Trabalhávamos o dia todo; minha esposa era doméstica, eu trabalhava para uma empresa terceirizada da RGE. Eu auxiliava o pedreiro aos fins de semana, na construção da casa. Saíamos para bailes, fazíamos jantas com os amigos e jogávamos cartas. Ficamos no bairro por gostar do lugar e nos sentirmos bem aqui.”</p><p>O relato a seguir foi concedido por Nelsi Foschiera da Costa, que reside no bairro desde seus 12 anos de idade.</p><p>“Quando chegamos ao bairro, eu era criança, e fui uma das primeiras a ajudar na tarefa de catequização das crianças. Nossos recursos eram escassos, uma vez que não havia luz ou água disponíveis. Buscávamos água em uma fonte, bem como no rio, que era nosso local de lavar roupas e tomar banho. Eu auxiliava nas tarefas da Igreja Católica, no trabalho com as famílias e na catequese, que era realizada nas casas e, após algum tempo, ganhou espaço próprio na escolinha. Mais tarde, conseguimos um terreno para fazer a Igreja e, juntamente com a parte religiosa, oferecíamos um trabalho básico de alfabetização. O Bairro tem esse</p><p>nome em razão do grupo católico dos Vicentinos, que intermediou na aquisição dos terrenos e lotes, bem como na fixação de moradores. Adoro morar aqui, só saio para ir para o cemitério.”</p><p>ANEXO 2 – Termo de cessão de direitos</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALBERTI, Verena; Manual de História Oral. Editora FGV, 2013. 244 p.</p><p>GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. Atlas, 2006. 197 p.</p><p>MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. Atlas, 1982. 205 p.</p><p>image4.jpeg</p><p>image5.jpeg</p><p>image6.jpeg</p><p>image7.jpeg</p><p>image8.png</p><p>image1.jpeg</p><p>image2.jpeg</p><p>image3.jpeg</p>