Prévia do material em texto
<p>ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS</p><p>AULA 1</p><p>Prof.ª Juliana Santos</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Durante nosso estudo, veremos as estruturas clínicas da psicanálise, são</p><p>elas: neuroses, psicoses e perversão. Verificaremos que Freud pouco usou o</p><p>termo estrutura, ele surge vez ou outra para abordar o diagnóstico diferencial.</p><p>Pois foi Lacan que de fato inseriu o estruturalismo na psicanálise a partir da</p><p>ciência linguística e, assim, conceitualizou os modelos estruturais da clínica</p><p>psicanalítica.</p><p>Assim, quando apresentamos uma estrutura clínica, estamos falando de</p><p>uma conjunção de elementos que se encontram implicados em suas posições</p><p>no interior do conjunto em suas relações mutuas. As leis válidas para o conjunto,</p><p>sublinha Coelho (1976), são validas também para cada um de seus elementos</p><p>isoladamente. (p. 21)</p><p>No período pré-psicanalítico que durou cerca de oito anos, e que</p><p>antecedeu a publicação da Interpretação do sonho datada em 1900, é possível</p><p>encontrar nos escritos de Freud uma pesquisa sobre as diferentes formas de</p><p>constituição do psiquismo. Pois, desde o início, ele pôde se dar conta de que ao</p><p>lado da histeria, enquadrada como uma neurose de defesa, poderia ocorrer um</p><p>outro tipo de neurose:</p><p>Foi-me preciso começar meu trabalho por uma inovação nosográfica.</p><p>Ao lado da histeria, encontrei razões para situar a neurose das</p><p>obsessões (Zwangsneurose) como uma afecção autônoma e</p><p>independente, embora a maioria dos autores classifique as obsessões</p><p>entre as síndromes que constituem a degenerescência mental ou as</p><p>confunda com a neurastenia.”. (Freud, citado por Roudinesco, 1998, p.</p><p>535)</p><p>E, assim, com os desdobramentos da teoria do autoerotismo e narcisismo</p><p>até a elaboração da segunda tópica, entre os anos de 1914 a 1924, Freud</p><p>concebe uma diferenciação estrutural entre neurose e psicose. Onde a neurose</p><p>é resultado de um conflito entre o eu e o isso, cujo efeito produz uma renúncia</p><p>das exigências pulsional, produzindo o recalque. Contudo, Freud ressalta que o</p><p>sujeito, nessa formação, preserva a realidade. Já na psicose, há uma</p><p>perturbação entre o eu e o mundo externo e, por conta disso, o psicótico rompe</p><p>com a realidade e produz uma realidade nova através de sua produção delirante</p><p>e alucinatória.</p><p>A perversão, como uma terceira estrutura, é caracterizada nos Três</p><p>ensaios sobre a teoria da sexualidade, sendo ela uma manifestação bruta e não</p><p>3</p><p>recalcada da sexualidade infantil, pois trata-se de uma perversão polimorfa</p><p>vivida na infância. Assim, Freud reúne as estruturas, na qual: a neurose é</p><p>produzida pelo recalque, a psicose como reconstrução de uma realidade</p><p>alucinatória e a perversão como efeito de uma renegação da castração, cujo</p><p>gozo retorna na vida sexual.</p><p>Para entendermos, então, a impotência do diagnóstico estrutural na</p><p>clínica psicanalítica, iremos, primeiramente, considerar as dimensões que a</p><p>separa da clínica médica, pois, ainda que os diagnósticos tenham herdado as</p><p>mesmas nomenclaturas da clínica psiquiátrica, elas servem à psicanálise de</p><p>maneira diferente e se sustentam por via de um outro discurso. Assim, para</p><p>compreender o modo como a psicanálise atua sobre uma condição</p><p>psicopatológica, é valido acompanhar, brevemente, a história da evolução da</p><p>clínica medica, visto que ela foi a matriz da clínica terapêutica psicanalítica</p><p>inventada por Freud.</p><p>E para ampliar nosso entendimento a respeito do diagnóstico estrutural,</p><p>pretendemos abordar as psicopatologias Operacional-pragmática, que estão</p><p>inseridas nos DSM e no CID para que, dessa forma, possamos estabelecer um</p><p>limiar entre a clínica psicanalítica e a psiquiatria.</p><p>TEMA 1 – O MODELO DA ESTRUTURA CLÍNICA CLÁSSICA</p><p>Na medicina clássica, é possível observar que o seu funcionamento se dá</p><p>pela articulação entre classificação e ordenamento, que visam contribui para a</p><p>construção de um domínio de linguagem, pondo em cena a semântica do termo,</p><p>que determina o significado clínico de signos, traços, sintomas e síndromes.</p><p>No projeto clínico moderno, busca-se estabelecer uma semiologia, isto</p><p>é, uma classificação e organização de signos, índices, sintomas e traços que</p><p>devem ser apresentados como diferenças significativas ao olhar clínico. Tipo: na</p><p>febre, as alterações na coloração, na textura ou na forma de uma região do corpo</p><p>são signos que se articulam de forma simultânea e sucessiva. Sendo, então, o</p><p>total dessas articulações que devem ser captados pelo olhar clínico como uma</p><p>unidade dotada de valor e significação. Nesse sentido o olhar clínico se</p><p>estabelece apenas sobre a nomenclatura da doença, se reduzindo a essência</p><p>de uma palavra (Dunke, 2011, p. 403).</p><p>A sanção da ordem médica ocorreu no sec. XVIII, com o nascimento da</p><p>clínica moderna, onde os sintomas vão se aproximar da matéria de linguagem</p><p>4</p><p>antes de ser recortada em unidades significantes, isso significa que os sintomas,</p><p>no sentido lato, que incluem e se misturam com o mal-estar e o sofrimento que</p><p>eram expressos, como vimos anteriormente, de forma narrativa, nesse momento</p><p>da história passam a ser tratados como sintoma, no sentido estrito. Trata-se da</p><p>operação da clínica do olhar. “É este movimento que torna o sintoma, como</p><p>queixa genérica, ao sintoma no sentido clínico” (Dunker, 2011, p. 405).</p><p>No entanto, se verifica que os pensamentos da clínica médica mantiveram</p><p>estável a relação entre signos e seus referentes, pois só eram considerados</p><p>signos os que, de fato, se apresentavam imediatamente legíveis na relação entre</p><p>o olhar do clínico e o corpo do doente. Desse modo, o que se refere à fala ou</p><p>lembrança do paciente, do relato de seus familiares e amigos ou da simples</p><p>impressão do observador, segundo Dunker, possuíam um valor secundário e</p><p>suspeito.</p><p>Nesse sentido, o clínico ouve o paciente, mas, não o escuta. Ou seja,</p><p>ouve na medida em que as informações, que lhe são transmitidas, possam ser</p><p>cortejadas pela referência anatomopatológica. Assim, a clínica exclui o paciente</p><p>como sujeito, pelo qual, o único sujeito, desta clínica, é o médico, cujo signo em</p><p>certificar a doença como tal, é legitimo.</p><p>E se na clínica clássica a semiologia é uma prática de leitura, o</p><p>diagnóstico diz respeito a um ato, onde, nele se presume uma organização</p><p>estável da semiologia, a saber, a nosografia. Dessa forma, o diagnóstico implica</p><p>a capacidade de discernimento acerca do valor e da significação que um</p><p>conjunto de signos possui quando estes aparecem de forma simultânea ou</p><p>sucessiva na particularidade de um caso (Dunker, 2011, p. 407).</p><p>Dunker nos remete à problemática do diagnóstico da clínica clássica, pois</p><p>é possível existir inúmeras variações: síndrome, quadro, transtorno, disfunção,</p><p>sintoma. Portanto, sua prática se torna ainda mais complexa por não possuírem</p><p>um valor de diagnóstico fixo quando tomados de formas isoladas, ou quando são</p><p>integrados numa situação de comorbidade em seu processo transformativo.</p><p>O processo do diagnóstico inclui, também, a anamnese que implica um</p><p>“desesquecimento” do passado da doença, pelo qual passa a relacionar-se</p><p>sincronicamente com sua capacidade de estabelecer um prognóstico. A</p><p>qualidade do prognóstico está, justamente, na possibilidade de estabelecer o</p><p>curso esperado para a enfermidade naquele paciente específico. Assim, a</p><p>diagnostica inclui não só a avaliação da perturbação, como também os recursos</p><p>5</p><p>e circunstâncias que o paciente dispõe para atravessar o seu processo mórbido.</p><p>Portanto, na estrutura da clínica moderna, se supõe, também, uma causalidade,</p><p>isto é, uma etiologia da doença, que segundo Dunker, está seria a ambição</p><p>máxima do trabalho diagnóstico, que, além de descrever e classificar a</p><p>enfermidade, visa indicar a causa precisamente. (p. 411)</p><p>E por último, a estrutura da clínica clássica apresenta em sua perspectiva</p><p>a operação terapêutica, que inclui todas as estratégias que visam interferir e</p><p>transformar</p><p>idas e vindas da mãe, isto é, o falo enquanto ela não o tem e</p><p>enquanto a criança o atribui a ela, na sua fantasia”. Sendo assim, o falo torna-se</p><p>pivô da economia do desejo, na medida que ele é o desejo sexual (o que falta a</p><p>mãe).</p><p>14</p><p>Lacan faz a distinção de dois falos, o falo como significante do desejo</p><p>resultado da inscrição simbólica (ɸ) e o falo significado, que é o objeto imaginário</p><p>da castração (-φ). Suas articulações se inscreve no processo da metáfora</p><p>paterna, que se efetua no processo edipiano, onde um laço vem se estabelecer</p><p>entre eles, por suas funções respectivas, como situa Patrick, não são</p><p>intercambiáveis, naquilo que Lacan chama de heteróclito do complexo de</p><p>castração — termo que aparece para lembrar que os elementos reais,</p><p>imaginários e simbólicos que o organizam são heterogêneos.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>A nova leitura de Lacan sobre o complexo Édipo deu ao conceito uma</p><p>afinação precisa para a clínica, pois a referência edípica passou a se situar no</p><p>centro da escuta para o diagnostico diferenciado das estruturas clínicas. Pois é</p><p>só partir da escuta da epopeia edípica do sujeito que podemos pensar na</p><p>hipótese de um diagnóstico diferencial. Na psicose, o sujeito não viveu o</p><p>complexo de Édipo, a inscrição do Nome-do-Pai foi foracluído.</p><p>Mas, na prática, como ouvir a história edipiana na clínica? Claro que o</p><p>sujeito não fala declaradamente sobre a sua relação edipiana, pois ela é</p><p>inconsciente. Ela em suas relações transferenciais. Por exemplo: nas entrevistas</p><p>preliminares, o analista deve investigar as relações do sujeito, se ele é casado,</p><p>se namora, com quem vive, se tem muitos amigos etc. Essas relações sociais</p><p>apontam para o modo como o sujeito se posiciona no laço social.</p><p>Certa vez, uma mulher de 49 anos, divorciada, sem filhos, formada em</p><p>história, mas nunca exerceu a profissão, buscou análise, pois dizia que estava</p><p>muito cansada da vida. Tudo lhe cansava, não tinha ânimo para nada, queria</p><p>dormir e não falar com ninguém. Aparentemente, parecia um quadro de</p><p>depressão, mas, ao ser questionada sobre o tempo que vinha se sentindo assim,</p><p>ela responde que sempre foi assim, nunca viu sentido na vida.</p><p>15</p><p>Sobre o seu casamento, diz que na faculdade conheceu um rapaz muito</p><p>bonito e que ele gostou dela, pois ela sempre chamou muita atenção. Assim,</p><p>eles começaram a namorar, ficaram noivos, sem saber o real motivo, pois</p><p>brigavam muito, ele vivia na praia e não gostava de trabalhar, mas que mesmo</p><p>assim se casaram, pois queria ter um casamento bem chique e eles juntos</p><p>faziam um belo casal. O casamento durou menos de um ano, um dia ele saiu e</p><p>não voltou mais. O seu pai conseguiu anular o casamento e, depois dele, nunca</p><p>quis ficar com ninguém.</p><p>O decorrer de suas sessões foi marcado por relatos de intrigas familiares.</p><p>Ela declaradamente odeia a sua mãe, chegando a agredi-la fisicamente, e nutre</p><p>um amor sexual pelo seu pai. Suas declarações não passam por nenhum crivo</p><p>de censura.</p><p>Portanto, nesse curto recorte de um caso clínico, é possível notar que no</p><p>discurso da paciente, o desejo como causa é esvaziado, pois a vivência edipiana</p><p>que funda o desejo através da interdição do incesto não ocorreu. Nesse caso, a</p><p>hipótese do diagnóstico estrutural é de uma psicose com delírios paranoicos.</p><p>FINALIZANDO</p><p>1. O mito de Édipo forneceu a Freud a estrutura de um desejo criminoso que</p><p>se articula a uma proibição de um impossível de ser suportado. Mas, por</p><p>outro lado, por se tratar de um desejo, o sujeito se divide — rejeitando na</p><p>consciência o desejo proibido e conservando no inconsciente, “entre não</p><p>querer saber e um saber que não cessa de se escrever”, como declara</p><p>Quinet (2015).</p><p>2. O complexo de castração é o momento de instauração da lei, pois, em</p><p>termos, é a ameaça de castração que valida a vivência edipiana e funda</p><p>a relação do ser humano através da interdição universal, a lei do incesto.</p><p>3. No mito de Totem e tabu, o pai é o personagem que ameaça com a</p><p>castração para punir o sujeito pelo desejo incestuoso. Quinet (2015)</p><p>apresenta as articulações proposta por Freud na seguinte ordem: 1º -</p><p>desejo sexual com a mãe; 2º - a ameaça da punição-castração; 3º - desejo</p><p>de assassinar o pai. Lacan, ao incidir sobre a teoria do complexo de Édipo</p><p>e o mito de totem e tabu, acrescenta que o pai é o portador da lei, não só</p><p>para proibir o incesto, mas o pai da Lei simbólica que funciona no</p><p>16</p><p>psiquismo com o significante do Nome-do-Pai, que articula a Lei e desejo</p><p>[lei (do pai) e desejo (pela mãe)].</p><p>4. Na releitura do complexo de Édipo em Lacan, ele vai resumir o complexo</p><p>de Édipo na metáfora paterna, onde o Nome-do-Pai surge como um novo</p><p>termo que vem barrar o gozo do Outro, destruído a identificação da</p><p>criança com o falo da mãe. E elabora os três tempos lógicos do Édipo: 1º)</p><p>A criança está identificada ao falo materno (mãe-bebê-falo); 2º) A criança</p><p>perde a identificação ao falo e recalca, simbolizando a ausência da mãe</p><p>pelo Nome-do-Pai (recalque originário); 3º) A saída do complexo de Édipo,</p><p>onde a questão do falo é colocada entre o ser e o ter.</p><p>5. A problemática do falo: Lacan faz a distinção de dois falos, o falo como</p><p>significante do desejo resultado da inscrição simbólica (ɸ) e o falo</p><p>significado, que é o objeto imaginário da castração (-φ).</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BARBOSA, K. De Jakobson a Lacan: a construção da metáfora paterna. Ágora:</p><p>Estudos em Teoria Psicanalítica [online], v. 23, n. 3, p. 29-37, 2020. Disponível</p><p>em: <https://doi.org/10.1590/1809-44142020003005>. Acesso em: 10 maio</p><p>2022.</p><p>FREUD, S. As neuroses de defesa. In: Obras completas. Vol. I. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1996.</p><p>_____. Conferência XXXI. A dissecção da personalidade. In: Obras completas.</p><p>Vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In:</p><p>Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.</p><p>_____. Livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,</p><p>1999.</p><p>NASIO, J. D. Édipo, o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar.</p><p>QUINET, A. Édipo ao pé da letra: fragmentos de tragédia e psicanálise. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 2015.</p><p>_____. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.</p><p>VALAS, P. As dimensões do gozo: do mito da pulsão à deriva do gozo. Rio de</p><p>Janeiro: Jorge Zahar, 2001.</p><p>ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS</p><p>AULA 3</p><p>Profª Juliana Santos</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Em conteúdos anteriores, vimos que o mito do Édipo é a tentativa de dar</p><p>forma a uma estrutura, ou seja, ele é a ficção do nosso envolvimento com o</p><p>registro simbólico. O falo em sua função imaginária coloca o sujeito diante da</p><p>questão do próprio sexo, na medida em que ele se inscreve como falta (-φ). A</p><p>castração, contudo, só opera se o Outro trasmitir a lei da interdição.</p><p>A intervenção do Nome-do-Pai no Outro é a releitura do Édipo feita por</p><p>Lacan, que se configura em um tempo lógico em que a identificação imaginária</p><p>da criança com o falo da mãe será recalcada. Assim, o falo passa para o nível</p><p>de significante do desejo do Outro, instituindo a castração no Outro.</p><p>Portanto, é o Nome-do-Pai inscrito no lugar do Outro, como lei simbólica,</p><p>que coloca o sujeito na ordem simbólica, permitindo a inauguração da cadeia do</p><p>significante no inconsciente. Essa situação pode ser vista, também, no esquema</p><p>L. Vejamos:</p><p>S a</p><p>a’ A</p><p>Lacan declara que tudo que acontece com o sujeito depende do que</p><p>acontece em A. Então, se o Outro foi barrado pelo Nome-do-Pai, as questões do</p><p>sexo e da existência do sujeito se colocaram no Outro em A (tesouro do</p><p>significante); assim, as questões ficaram barradas pelo muro da linguagem (a-</p><p>a’), eixo narcísico. Desse modo, o sujeito neurótico só terá acesso a elas pelas</p><p>formações do inconsciente (lapso,</p><p>sonho, ato-falho).</p><p>Portanto, o neurótico paga um preço para entrar na linguagem, e o preço</p><p>é o Édipo, que lhe condenará à falta através da castração simbólica. Não pagar</p><p>esse preço equivale a escolher o campo da psicose.</p><p>Nesta etapa, primeiramente vamos desenvolver um breve estudo sobre a</p><p>evolução conceitual da constituição das estruturas clínicas, isolando os</p><p>principais mecanismos que caracterizam cada estrutura na teoria freudiana. Em</p><p>seguida, vamos estabelecer o desenvolvimento conceitual proposto por Lacan.</p><p>3</p><p>TEMA 1 – ESTRUTURAS CLÍNICAS EM FREUD</p><p>As estruturas clínicas no campo da psicanálise dizem respeito à posição</p><p>do sujeito na linguagem. São elas: neurose, psicose e perversão. Ao dar ouvidos</p><p>ao sofrimento das histéricas que apresentavam sintomas de conversão</p><p>somática, Freud observou que as formações dos sintomas, dos atos falhos, dos</p><p>chistes e sonhos tinha gênese inconsciente. Por conta disso, ele se questionou</p><p>a respeito da organização do psiquismo, declarando que a própria neurose podia</p><p>se estruturar por conjecturas diferentes, não estando restrita à histeria. Nesse</p><p>sentido, Freud passa a se interessar pela “escolha da neurose”.</p><p>Na carta 125 (Freud, 1996b, p. 331), endereçada a Fliess, Freud declara:</p><p>“Tenho diante de mim o problema da “escolha da neurose”. Quando é que uma</p><p>pessoa se torna histérica em vez de paranoica?”. Já no texto A disposição à</p><p>neurose obsessiva uma contribuição ao problema da escolha da neurose, de</p><p>1913 (Freud, 1996a, p. 193), encontramos o seguinte questionamento: “por que</p><p>é que esta ou aquela pessoa tem de cair enferma de uma neurose específica e</p><p>de nenhuma outra. Este é o problema da ‘escolha da neurose’”.</p><p>Assim, se traçamos uma linha de desenvolvimento da teoria freudiana,</p><p>veremos que a questão da escolha da estrutura sempre esteve presente em sua</p><p>obra. Nos textos sobre a etiologia das neuroses, Freud apresenta a sua tese</p><p>inicial, que estabelece cronologicamente as ocorrências sexuais infantis</p><p>traumáticas. Cada neurose teria um requisito específico que determinaria a</p><p>origem do mecanismo de defesa.</p><p>Quadro 1 – Neuroses</p><p>Ia Ib A II B III</p><p>Até 4 anos</p><p>Pré-</p><p>consciente</p><p>Até 8</p><p>anos</p><p>Infantil</p><p>(De 8 a 10</p><p>anos)</p><p>Segunda</p><p>dentição</p><p>Até 14</p><p>anos</p><p>Pré-</p><p>puberdade</p><p>(de 13 a 17</p><p>anos)</p><p>Puberdade</p><p>Até X</p><p>Maturidade</p><p>Histeria Cena Recalque Recalque</p><p>N. obsessiva Cena Recalque Recalque</p><p>Paranoia Cena Recalque</p><p>Portanto, o momento da ocorrência do evento sexual na infância seria</p><p>determinante para a escolha da neurose, como demonstra o anterior. Camilia</p><p>Alvarenga Côrtes (2016, p. 28) descreve:</p><p>4</p><p>Na histeria, as cenas ocorreriam no primeiro período da infância, época</p><p>em que os resíduos de memória não são traduzidos em imagens</p><p>verbais. Assim, o resultado do despertar dessas cenas nas fases A e</p><p>B é sempre uma conversão, pois a tradução é impedida pela atuação</p><p>conjunta da defesa como excesso de sexualidade. Na neurose</p><p>obsessiva, as cenas seriam referentes a uma época em que já existe</p><p>tradução em palavras, e seu despertar, nas épocas II e III, provoca a</p><p>formação de sintomas psíquicos. Na paranoia, as cenas ocorrem na</p><p>época II, sendo despertadas em III, na maturidade, e a defesa</p><p>manifesta-se pela desconfiança.</p><p>Assim, o trauma sexual infantil coloca em função o mecanismo de defesa,</p><p>que funcionaria como o operador da estrutura. Porém, essa teoria não se</p><p>sustenta por muito tempo, pois para tanto Freud teria que admitir um abuso</p><p>sexual em todas as crianças.</p><p>Mais adiante, Freud, em Interpretação dos sonhos (1900), conceitualiza a</p><p>primeira tópica do aparelho psíquico, cujo funcionamento se baseia em três</p><p>sistemas: inconsciente, pré-consciente e consciente. Cada sistema exerceria</p><p>uma função específica. No surgimento da enfermidade, as instâncias estariam</p><p>em desarmonia, por conta da ocorrência de circunstâncias externas. Esse</p><p>discernimento leva Freud à elaboração do mecanismo do recalque, evidenciando</p><p>a sua relação com o desejo proibido – o Édipo.</p><p>Em 1911, na análise do “Caso Schreber”, um caso de paranoia, Freud</p><p>chega a mais uma constatação importante. Ele declara que, no cerne do conflito</p><p>paranoico, existe um desejo homossexual. Para explicar a sua descoberta,</p><p>Freud desenvolve o conceito do narcisismo, momento em que o sujeito toma</p><p>para si o seu próprio corpo como objeto amoroso, para só depois passar à</p><p>escolha de um objeto de amor. Segundo Freud, na paranoia há uma fixação</p><p>libidinal nesse estádio.</p><p>Logo, a história do desenvolvimento da libido está relacionada com o</p><p>modo como o recalque se efetua, a partir de uma distinção em três fases: fixação,</p><p>recalque propriamente dito e retorno do recalcado. Sobre a fixação, Côrtes</p><p>(2016, p. 40) declara:</p><p>A fixação é a condição necessária de todo recalque, caracterizando-se</p><p>pela inibição de um determinado componente pulsional no</p><p>desenvolvimento, que é deixado para trás, em um estádio mais infantil,</p><p>comportando-se como se pertencesse ao sistema inconsciente, como</p><p>recalcada. Tais fixações pulsionais formam a base para a disposição à</p><p>enfermidade posterior.</p><p>O recalque provém de um sistema mais desenvolvido do eu, que segundo</p><p>Freud se caracteriza por um processo ativo, enquanto a fixação é passiva.</p><p>Contudo, para que haja um recalque, é necessário repressão por parte do</p><p>5</p><p>sistema consciente, que exerce uma certa atração por parte do sistema</p><p>inconsciente. O retorno do recalcado diz respeito ao fracasso do recalque, que</p><p>produz efeitos patológicos no sujeito, quando os sintomas se fundem no ponto</p><p>de fixação da libido.</p><p>Na última parte da teoria freudiana, que se formalizou com a elaboração</p><p>da segunda tópica, Freud – com destaque para o texto Neurose e psicose, de</p><p>1924 – retoma a instância do eu para pensar a sua relação com o Id e todos os</p><p>outros elementos, aos quais o eu se submete simultaneamente. O autor</p><p>estabelece aí uma nova distinção entre neurose e psicose: “a neurose é o</p><p>resultado de um conflito entre o eu e o id, ao passo que a psicose é o desfecho</p><p>análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o eu e o mundo externo”</p><p>(Freud, 1996e, p. 89). Sobre o tema, Côrtes (2016, p. 44) traz o seguinte</p><p>esclarecimento:</p><p>Desta forma, a neurose seria decorrente de uma recusa do eu em</p><p>acolher ou conduzir a uma resolução motora uma pulsão oriunda do Id,</p><p>o que é realizado através do recalque. Porém, como o conteúdo</p><p>recalcado usa algumas vias para escapar disso, ocorre a formação do</p><p>sintoma, que se opõe ao eu e contra o qual este irá lutar a partir de</p><p>então, como antes lutou contra a moção pulsional. Disso resultaria o</p><p>quadro da neurose. Quanto ao mecanismo da psicose, [...] Freud</p><p>afirma que haveria uma perturbação entre as relações do eu com o</p><p>mundo externo. Segundo ele, este dominaria o eu pelas percepções</p><p>atualizáveis ou pelas lembranças de percepção passadas, o “mundo</p><p>interno”, que teria como função representar a realidade externa</p><p>internamente.</p><p>A tentativa de distinguir o mecanismo da neurose e da psicose sempre</p><p>esteve presente em Freud. Contudo, os mecanismos específicos da psicose não</p><p>chegaram a ser isolados, assim como foi feito com o recalque na neurose e com</p><p>o fetiche na perversão. Quem estabeleceu essa conceituação foi Lacan.</p><p>TEMA 2 – ESTRUTURAS CLÍNICAS EM LACAN</p><p>Lacan entra na psicanálise justamente pela porta da psicose, o caminho</p><p>inverso de Freud, que entrou pela histeria. Mesmo respeitando as elaborações</p><p>freudianas a respeito dos mecanismos de neuroses, perversões e psicose, ele</p><p>avança sobre outras dimensões, localizando as estruturas subjetivas de cada</p><p>uma delas.</p><p>De fato, a psicose não ocupou um lugar central nas obras de Freud. No</p><p>entanto, ele nunca deixou de abordá-la ao longo de sua teorização. E foi</p><p>exatamente a partir das pegadas deixadas por Freud que Lacan encontrou os</p><p>6</p><p>elementos necessários para o seu estudo, levando a cabo a sua tese a respeito</p><p>do mecanismo</p><p>próprio da psicose.</p><p>Lacan (1988) dedicou um seminário às psicoses, partindo dos termos</p><p>Verneinung e Verwerfung, que são retomados da obra freudiana e devidamente,</p><p>distinguidos. O primeiro termo diz respeito ao mecanismo responsável por operar</p><p>no psiquismo o fenômeno de negação, enquanto o segundo opera uma exclusão</p><p>(Verwerfung). Essa distinção será importante para a compreensão da escolha</p><p>de estrutura e também para definir o mecanismo específico da psicose – afinal,</p><p>segundo Lacan, a Verwerfung é um acontecimento anterior ao Verneinung, cujo</p><p>mecanismo pressente o juízo, que diz respeito à censura que opera o recalque.</p><p>A Verwerfung é, então, o ponto de partida de Lacan para construir a sua</p><p>tese sobre o mecanismo da psicose. Ele declara tratar-se de uma falha no</p><p>registro simbólico, situado na origem da vida psíquica, sendo portanto o primeiro</p><p>tempo lógico do processo de estruturação do sujeito, anterior ao recalque e à</p><p>formulação do juízo.</p><p>2.1 Origem da vida psíquica</p><p>Lacan, assim como Freud, também buscou compreender o momento</p><p>primitivo da origem da simbolização. Sobre isso, ele afirma: “na relação do sujeito</p><p>com o simbólico, há a possibilidade de uma Verwerfung primitiva, ou seja, que</p><p>alguma coisa não seja simbolizada, que vai se manifestar no real” (Lacan, 1988,</p><p>p. 100). Lacan levanta a hipótese de que no início da vida psíquica poderia</p><p>ocorrer uma rejeição primitiva.</p><p>Na origem da vida psíquica, Freud estabeleceu a ocorrência de uma</p><p>afirmação, a Bejahung (afirmação). A Bejahung deve ser entendida como um</p><p>processo primário, um primeiro juízo ou, dito de outro modo, uma aceitação do</p><p>simbólico ou da realidade – “Há, portanto, na origem, Bejahung, isto é, afirmação</p><p>do que é, ou Verwerfung” (Lacan, 1988, p. 101).</p><p>É aí, na origem, que Lacan localiza todas as espécies de acidentes, em</p><p>relação aos quais o sujeito terá que se arranjar para o resto da vida, tentando se</p><p>aproximar daquilo que ele admitiu que fosse: “Um homem quando ele se vê</p><p>sendo do sexo masculino, ou uma mulher em caso inverso” (Lacan, 1988, p.</p><p>102). Nesse sentido, Lacan (1998, p. 389) declara sobre a Bejahung: “não é outra</p><p>coisa senão a condição primordial para que, do real, alguma coisa venha a se</p><p>7</p><p>oferecer à revelação do ser”. Desse modo, pode-se compreender que a</p><p>Bejahung é uma aceitação de um registro simbólico primordial.</p><p>No caminho contrário à Bejahung, temos a Verneinung (negação). Trata-</p><p>se da negação que, como afirma Freud no texto A negativa, só pode ser</p><p>produzida de algo que, primeiramente, foi afirmado. Assim, a Verneinung é</p><p>tributária da afirmação primeira e de ordem do simbólico, não pelo seu valor</p><p>simbólico, mas sim pelo seu valor de existência, tendo se constituído por aquilo</p><p>que foi expulso, não como se fosse algo inexistente, mas como aquilo que foi</p><p>negado – por isso, pode ser encontrado, de modo lógico, pela palavra</p><p>inconsciente, pois pode se articular no discurso.</p><p>Desse modo, para Freud, a negação se constitui como um modo de tomar</p><p>conhecimento do recalcado pelo “não”; ou seja, o não tem o valor de signo da</p><p>marca, visto que o juízo gera processos a partir dos quais é realizada a inclusão</p><p>no eu ou a expulsão para fora do eu, tudo em complacência com o princípio de</p><p>prazer. Portanto, a Verneinung opera em consonância com a Behajung, pela qual</p><p>o seu produto pode ser recortado pelo simbólico.</p><p>Assim, o efeito da expulsão produzida pela Verneinung é posto em</p><p>comparação com a expulsão produzida pelo Verwerfung. Desde aí, Lacan</p><p>passará a pensar o início da psicose. Diz assim: “A Verwerfung não está no</p><p>mesmo nível da Verneinung. Quando, no início da psicose, o não simbolizado</p><p>reaparece no real, há respostas do lado do mecanismo da Verneinung, mas elas</p><p>são inadequadas” (Lacan, 1988, p. 106). Isso significa dizer que o sujeito, ao se</p><p>deparar com alguma coisa do mundo exterior que não foi primitivamente</p><p>simbolizada, é incapaz de produzir uma Verneinung, já que não se trata de um</p><p>sentimento que originalmente suprimiu de uma Bejahung, mas daquilo que</p><p>nunca existiu.</p><p>A Verwerfung não é encontrada na história do sujeito; afinal, como nos</p><p>ensina Lacan, ela corta qualquer manifestação simbólica na abertura do ser, pois</p><p>trata-se daquilo que não existiu propriamente, ou seja, “nada existe senão na</p><p>medida em que não existe” (Lacan, 1998b, p. 394). Isso equivale a dizer que,</p><p>não pode se constituir como um saber inconsciente. Assim, o seu caráter é</p><p>formado através da percepção da realidade do sujeito, ou, pela formula</p><p>lacaniana: “O que não veio à luz do simbólico, aparece no real” (Lacan, 1998b,</p><p>p. 390).</p><p>8</p><p>É o caso do “homem dos lobos”, em que a alucinação, o conteúdo</p><p>maciçamente simbólico (castração), aparece no real, pelo fato de não existir na</p><p>pré-história do sujeito. Trata-se de um significante inconsciente, mas de um</p><p>inconsciente que permanecerá exterior ao sujeito, ao qual ele estará ligado</p><p>(Lacan, 1998b, p. 394).</p><p>TEMA 3 – VERWERFUNG</p><p>Quando na origem não há a Bejahung, o que se encontra lá é a</p><p>Verwerfung, que funciona como um mecanismo de rejeição primitiva, que se</p><p>difere da Verneinung (negação) e se contrapõe de forma fundamental a</p><p>Verdrangung (recalque), por ser anterior ao juízo. Lacan define: “Ao nível dessa</p><p>Bejahung pura, primitiva, que pode realizar-se ou não, estabelece-se uma</p><p>primeira dicotomia – o que teria sido submetido à Bejahung, à simbolização</p><p>primitiva, terá diversos destinos, o qual cai sob o golpe da Verwerfung primitiva</p><p>terá um outro” (Lacan, 1988, p. 100)</p><p>O termo Verwerfung é usado por Freud desde os Estudos sobre histeria,</p><p>para se referir à recusa do eu em relação às representações insuportáveis, de</p><p>modo que se comportam como se ela nunca houvesse existido. No entanto, de</p><p>acordo com o exemplo empregado por Freud, o preço pago por essa defesa</p><p>implica em uma psicose (quadro de confusão alucinatória). Porém, ele não</p><p>enunciou essa ideia nesses termos, pois o mecanismo da psicose ainda não</p><p>tinha sido elaborado.</p><p>Amelia Imbriano (2010) destaca uma noção da Verwerfung inserida por</p><p>Freud em 1915, a partir de uma distinção entre estímulos internos e externos:</p><p>“Enquanto que as últimas podem ser aludidas por meio da fuga, as primeiras</p><p>(estímulos pulsionais que provem do interior do organismo) não são suscetíveis</p><p>de uma evitação desse tipo” (Imbriano, 2010, p. 68, tradução nossa). Segundo</p><p>Imbriano, Freud buscava aí uma equivalência, que encontra no exercício de</p><p>repudio do eu, usando o termo Verwerfung. Dito de outro modo, a Verwerfung</p><p>seria uma forma de rejeitar uma identificação no eu – isto é, tal rejeição seria o</p><p>resultado de uma expulsão de um conteúdo de experiência fora do eu.</p><p>Em 1918, Freud apresenta o caso do “homem dos lobos”, em que a</p><p>questão da castração aparece vinculada ao mecanismo em que o sujeito “nada</p><p>quer saber”. Nesse ponto, o termo Verwerfung é utilizado pela primeira vez como</p><p>um mecanismo diferente da Verdrangung:</p><p>9</p><p>Já nos é de conhecimento a atitude que o nosso paciente adotou, de</p><p>início, em relação ao problema da castração. Ele a rejeitou e apegava-</p><p>se à sua teoria de relação sexual pelo ânus. Quando digo que ele o</p><p>havia rejeitado, o primeiro significado da frase é o de que ele não queria</p><p>saber nada dela no sentido da repressão. Com isso não se pronunciava</p><p>nenhum juízo sobre a sua existência, pois era como se não existisse.</p><p>(Freud, 1996d, p. 78)</p><p>Nesse sentido, Roland Broca (2017) declara que o sujeito, nesse caso, foi</p><p>posto antes da descoberta da diferença sexual, pois havia rejeitado a</p><p>significação genital. Freud havia enunciado no mesmo texto: “Todo processo se</p><p>torna assim característico do modo como trabalha o inconsciente. Uma</p><p>repressão [Verdrangung] é algo diferente de uma rejeição [Verwerfung]”. (Freud</p><p>1996d, p. 74).</p><p>Nessa ocasião, a Verwerfung é posta em oposição à Verdrangung, pois</p><p>trata-se de um mecanismo anterior</p><p>ao juízo, pelo qual, segundo Lacan, o sujeito</p><p>recusa o acesso ao mundo simbólico, pois se trata da própria ausência desse</p><p>registro, uma vez que a Bejahung faltou.</p><p>Lacan se interessa pelo caso do homem dos lobos, pois encontra nele os</p><p>argumentos que precisava para formular a sua tese sobre o conceito da</p><p>Verwerfung. Assim, ao analisar a alucinação do dedo cortado do homem dos</p><p>lobos, pôde demonstrar uma significação que lhe era desconhecida, já que se</p><p>tratava de um inconsciente externo ao sujeito.</p><p>3.1 Análise do caso do homem dos lobos</p><p>Lacan trabalha com um relato de caso clínico apresentado por Freud,</p><p>conhecido como o homem dos lobos. O paciente faz um relato de quando ainda</p><p>era criança. Ele conta que estava brincando com uma faca e cortou o dedo</p><p>mindinho, que ficou preso à mão apenas por um pedacinho de pele. Tomado</p><p>pela angústia, debruçou-se sobre um banco, sem coragem de olhar para o dedo</p><p>ou pedir socorro para a babá, que estava ao seu lado. A babá, conforme ele</p><p>conta, era a sua principal confidente; contudo, naquele momento, não foi capaz</p><p>de ajudá-lo a aplacar tamanha angústia. Assim, ele relata que ficou quieto e não</p><p>falou nada sobre o ocorrido.</p><p>Lacan (1988) destaca no caso a ausência da fala, pois para ele o que</p><p>sucede é uma suspensão total da possibilidade de dispor de um significante.</p><p>Descreve, ainda, a existência de uma imersão temporal, pois mesmo se</p><p>esforçando para voltar à superfície do tempo comum, o seu esforço não resulta</p><p>10</p><p>em nada: “acabou, não falemos mais disso”. Segundo Lacan, esse é o sentido</p><p>de quando Freud havia estabelecido o “especialíssimo não saber nada da coisa,</p><p>mesmo no sentido do recalcado”, que por sua vez leva à seguinte interpretação:</p><p>“o que é recusado na ordem simbólica ressurge no real” (Lacan, 1988, p. 22).</p><p>Lacan declara que, diferentemente do recalcado e do retorno do</p><p>recalcado, que são a mesma coisa e estão sempre aí articulados em sintomas e</p><p>outros fenômenos, o que foi rejeitado no sentido Verwerfung passa a ter um</p><p>destino completamente diferente.</p><p>O destino tomado pela Verwerfung passa a ocupar o ensino de Lacan</p><p>(1988), visto que o próprio Freud havia declarado que uma repressão</p><p>(Verdrangung) é algo diferente de uma rejeição (Verwerfung). Seguindo os</p><p>interesses freudianos, Lacan traz para o campo de seus estudo o termo da</p><p>Verwerfung, que traduz por foraclusão. A partir dessa interpretação, ele elabora</p><p>a sua tese a respeito daqueles que caem do galope da Verwerfung.</p><p>TEMA 4 – FORACLUSÃO</p><p>A base da tese de Lacan sobre o mecanismo da psicose tem seu</p><p>fundamento nos processos primitivo da Verwerfung, pois é aí, a partir desse</p><p>termo freudiano, que ele estabelece o cerne do seu discernimento a respeito do</p><p>conceito da foraclusão.</p><p>O termo foraclusão, como foi traduzido para o português, tem origem na</p><p>língua francesa (forclusion), que carrega um sentido do campo jurídico. A</p><p>tradução literal para o português é prescrição, que significa “perda do direito de</p><p>exercer ou validar um ato”.</p><p>Como vimos, Lacan considerou o surgimento da Verwerfung pela</p><p>ausência da Bejahung (afirmação primordial). Desse modo, a falta dessa</p><p>afirmação primordial precipita no psiquismo a “rejeição de um significante</p><p>primordial em trevas exteriores, significante que faltará desde então nesse nível”</p><p>(Lacan, 1988, p. 178). Nesse sentido, trata-se de um significante que surgiu, mas</p><p>foi prescrito e perdeu o seu valor.</p><p>A Verwerfung será interpretada como foraclusão: “A Verwerfung será tida</p><p>por nós, portanto, como foraclusão do significante” (Lacan, 1998a, p. 564)</p><p>A foraclusão é uma operação psíquica cuja consequência no sujeito é</p><p>estrutural. Assim como o recalque (Verdrangung) na neurose e a recusa</p><p>11</p><p>(Verleugnung) na perversão, a foraclusão refere-se a um modo de acesso à</p><p>linguagem, mas que diz respeito à psicose.</p><p>Mas do que se trata a foraclusão? A explicação é encontrada na metáfora</p><p>patena, pois é o significante do Nome-do-Pai que é foracluído no lugar do Outro.</p><p>4.1 A foraclusão do Nome-do-Pai</p><p>O Nome-do-Pai, como vimos na metáfora paterna, é o significante</p><p>fundamental que se inscreve na neurose, mas que na psicose é foracluído.</p><p>Porém, o que é o pai nos ensinos de Lacan, enquanto significante, Nome-do-</p><p>Pai? A resposta a essa questão só pode ser encontrada na função simbólica do</p><p>pai, problema central da psicanálise e ponto mais fecundo de toda obra de Freud,</p><p>que por sua vez remonta a uma questão edipiana, o conceito central das diversas</p><p>indagações clínicas.</p><p>O Nome-do-Pai é o significante primordial. Por isso, se torna fonte de toda</p><p>significação, pois garante que o significante possa ser atado ao significado e,</p><p>assim, sustentar a realidade. Vamos considerar a seguinte uma representação:</p><p>S Bejahung NP = S1</p><p>= cadeia significante</p><p>S Verwerfung</p><p>Significante qualquer = S</p><p>Quando o significante do Nome-do-Pai se localiza no lugar do Outro, o</p><p>sujeito pode endereçar a questão do seu ser (sexualidade, morte etc.) a essa</p><p>função simbólica que ele representa.</p><p>Na experiência psicótica, o significante do Nome-do-Pai é foracluído, o</p><p>que significa que a metáfora paterna não aconteceu. Portanto, o sujeito não</p><p>ascende à linguagem pela via do simbólico. Segundo Lacan (1995), o sujeito</p><p>transita do registro imaginário (estádio do espelho) ao simbólico através de sua</p><p>vivência edipiana, momento em que o Nome-do-Pai surge para barrar o gozo da</p><p>mãe, fazendo emergir o falo como significante do desejo do Outro. No entanto,</p><p>S S S2</p><p>S S S</p><p>S S S</p><p>S S S</p><p>S S S</p><p>S S S</p><p>12</p><p>na psicose, ao invés da emergência do falo, como causa de desejo do Outro, o</p><p>sujeito permanecerá preso em uma identificação arcaica ao desejo da mãe.</p><p>Outro Nome-do-Pai Outro Nome-do-Pai foracluido</p><p>A foraclusão do Nome-do-Pai, é importante ressaltar, não se trata de um</p><p>fenômeno, visto que não está no nível de observação. Trata-se de uma hipótese</p><p>que Lacan define como falha no nível do Outro, na psicose, sendo esse o motivo</p><p>fundamental que a separa, de modo estrutural, da neurose. A identificação da</p><p>foraclusão é feita pelos seus efeitos, ou seja, é pela foraclusão que se explica os</p><p>fenômenos da psicose: “É num acidente desse registro e do que ele realiza, a</p><p>saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da</p><p>metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição</p><p>essencial, com a estrutura que a separa da neurose” (Lacan, 1999, p.582).</p><p>Portanto, nos fenômenos psicóticos ocorre o efeito da foraclusão do</p><p>Nome-do-Pai no simbólico. Podemos compreender também que, pelo fracasso</p><p>da metáfora paterna, o falo não vai estar no nível de significante do desejo do</p><p>Outro. Sendo assim, o “ser do ente” do sujeito, que precisa ser significado, não</p><p>está implicado na significação fálica – com isso, o sujeito psicótico não entra na</p><p>lógica fálica da cadeia significante. Com efeito, o simbólico que produz o</p><p>significante é vazio; o imaginário que produz o significado é concreto; e o real</p><p>onde se encontra o ser do ente do sujeito não é uma incógnita. Assim o sujeito</p><p>psicótico se arranja para suprir a ausência do Nome-do-Pai.</p><p>4.2 O ponto de basta</p><p>O pai, como função simbólica, é elaborado por Lacan no seminário 3.</p><p>Porém, no seminário 5, que data do mesmo período do texto De uma questão</p><p>preliminar a todo tratamento possível da psicose (1958), a função simbólica do</p><p>pai é lida através da metáfora paterna.</p><p>O</p><p>Nome-do-Pai é o significante que metaforiza o desejo da mãe. Trata-</p><p>se, portanto, de uma simbolização primordial que produz a significação fálica,</p><p>que confere sentido ao ser do sujeito, ordenado na cadeia significante. Portanto,</p><p>Criança</p><p>Cçs</p><p>13</p><p>a significação fálica é a via em que todo significante pode se atar a outro</p><p>significante, pois é ele que confere estabilidade de sentido à cadeia. Essa função</p><p>é chamada por Lacan de “ponto de basta”, isto é, algo que detém o deslizamento</p><p>do significado sobre o significante, permitindo assim a sustentação de uma</p><p>significação. Veja o que Lacan diz:</p><p>S</p><p>S S S S S S</p><p>s s s s s s</p><p>Observem bem do que se trata aqui, que é, no nível mais fundamental,</p><p>exatamente a mesma coisa que a longa metáfora comum no terreno</p><p>maníaco. De fato, a fórmula da metáfora que lhes forneci não quer dizer</p><p>nada senão isto: existem duas cadeias, os S do nível superior, que são</p><p>significantes, ao passo que encontramos abaixo deles tudo o que</p><p>circula de significados ambulantes, porque eles estão sempre</p><p>deslizando. A amarração de que falo, o ponto de basta, é tão somente</p><p>uma história mística, pois ninguém jamais pode alinhavar uma</p><p>significação num significante. Em contrapartida, o que se pode fazer é</p><p>atar um significante num sÍgn-ificante e ver no que dá. Nesse caso,</p><p>sempre se produz alguma coisa de novo, a qual, às vezes, é tão</p><p>inesperada quanto uma reação química, ou seja, o surgimento de uma</p><p>nova significação. (Lacan, 1998a, p. 202)</p><p>A partir desses termos, Lacan concebe a noção de sujeito como um efeito</p><p>do significante, de modo que os fenômenos que decorrem da foraclusão não</p><p>podem ser equivalentes a um déficit de simbólico, pois a foraclusão implica,</p><p>justamente, no retorno do simbólico no real.</p><p>TEMA 5 – PERVERSÃO</p><p>As estruturas clínicas da psicanálise só podem ser pensadas a partir do</p><p>complexo de Édipo – ou, como dito por Lacan, a partir da metáfora paterna.</p><p>Portanto, a questão da perversão não é diferente.</p><p>Freud examinou a perversão a partir de diversos aspectos. O maior</p><p>escândalo de sua elaboração foi romper a fronteira entre perversão e</p><p>normalidade. Segundo Freud, a perversão é o resultado da Verleugnung, isto é,</p><p>da negação da castração no Outro, não no sentido da foraclusão, tampouco</p><p>como resposta de um recalque, pois trata-se de um tempo que surge a partir do</p><p>complexo de Édipo.</p><p>No texto Fetichismo (1996c), Freud concebe o mecanismo da perversão</p><p>por uma dupla posição a um só tempo: reconhece que a mãe é castrada, ou seja,</p><p>não tem o falo, mas nega esse reconhecimento:</p><p>14</p><p>O fetiche é um substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o</p><p>menininho outrora acreditou e que - por razões que nos são familiares</p><p>- não deseja abandonar. O que sucedeu, portanto, foi que o menino se</p><p>recusou a tomar conhecimento do fato de ter percebido que a mulher</p><p>não tem pênis. Não, isso não podia ser verdade, pois, se uma mulher</p><p>tinha sido castrada, então sua própria posse de um pênis estava em</p><p>perigo, e contra isso ergueu-se em revolta a parte de seu narcisismo</p><p>que a Natureza, como precaução, vinculou a esse órgão específico.</p><p>(Freud, 1996c, p. 95)</p><p>Segundo Lacan (1995, p. 158), a relação de objeto, apresenta a estrutura</p><p>do perverso a partir do fetiche. Ele ocupa a forma mais paradigmática na</p><p>perversão, cuja função é de véu ou cortina. O esquema é assim:</p><p>Objeto Nada</p><p>Sujeito</p><p>Cortina</p><p>Philippe Julien (2003, p. 112) explica que o véu esconde o Nada que fica</p><p>para além do Objeto enquanto desejo do Outro: “a mãe não tem o falo. Mas, ao</p><p>mesmo tempo e mesmo assim, o véu é o lugar onde se projeta a imagem fixa do</p><p>falo simbólico: a mãe tem o falo”.</p><p>Portanto, a imagem fálica projetada no véu, que esconde ao mesmo</p><p>tempo que designa o Nada, é o que o sujeito coloca diante dele, e onde podemos</p><p>localizar as seguintes perversões:</p><p>Fetichismo</p><p>Masoquismo Objeto Nada</p><p>Sujeito Voyeurismo</p><p>Homossexualidade Feminina</p><p>Véu</p><p>• Fetichismo: coloca véu sobre a falta fálica da mãe.</p><p>• Masoquismo: para o sujeito, o Outro é aquele que tem o chicote na mão,</p><p>como potência fálica.</p><p>• Voyeurismo: ele visa o desejo do Outro, introduz-se em seu mundo</p><p>privado. “O sujeito é fenda, fissura do véu que separa o escondido do</p><p>mostrado, o privado do público do espaço do Outro” (Julien 2003, p. 112).</p><p>15</p><p>De acordo com a crença perversa, todos tem o falo. Já ná</p><p>homossexualidade feminina, o que a mulher deseja na outra está para além de</p><p>ser amada por ela – é o que lhe falta.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Quem assistiu a série Motel Bates vai se lembrar da história de Norma e</p><p>Norman, mãe e filho que adquirem um motel em uma pequena cidade, onde vão</p><p>morar em busca de uma nova vida após a morte misteriosa do pai da família.</p><p>Norma era uma mulher bonita, sedutora, com um emocional complicado,</p><p>que se dedicava totalmente aos cuidados com o seu filho. No entanto, nem</p><p>sempre foi assim, pois teve um filho quando era mais jovem, que cresceu sem</p><p>os seus cuidados. Por outro lado, a relação com Norman, seu filho mais novo,</p><p>era excessivamente afetiva.</p><p>Norman era um jovem inteligente, bonito e às vezes tímido, com um</p><p>vínculo intenso, praticamente simbiótico com a mãe. Nessa relação entre mãe-</p><p>filho podemos encontrar o desejo da mãe, não metaforizado pelo significante do</p><p>Nome-do-Pai. Assim, a criança permanece identificada ao desejo materno, não</p><p>se diferenciando do outro. Afinal, é através da interdição do Nome-do-Pai que a</p><p>criança pode se separar da mãe, em busca de uma satisfação individual, se</p><p>diferenciando do Outro.</p><p>Normam era invadido o tempo todo pelo olhar da mãe, sentindo-se preso</p><p>a esse olhar onipotente, que tudo via. Quando entra um outro elemento na</p><p>relação, o xerife, Normam não consegue se sustentar, pois o seu eu estava</p><p>ligado, quase colado ao desejo da mãe. A perda desse olhar leva Normam a um</p><p>surto.</p><p>FINALIZANDO</p><p>A escolha da estrutura: vimos que Freud sempre se indagou a respeito do</p><p>modo como uma pessoa se constitui dentro de um tipo de estrutura clínica. No</p><p>início, suas investigações a respeito da etiologia se pautavam em</p><p>acontecimentos de ordem sexual. No último momento do seu ensino, Freud</p><p>estabelece uma distinção entre neurose e psicose: a neurose é o resultado de</p><p>um conflito entre o eu e o id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de</p><p>um distúrbio semelhante nas relações entre o eu e o mundo externo.</p><p>16</p><p>A tese de Lacan: vimos que Lacan busca, na origem da vida psíquica,</p><p>ocorrências fundamentais, isto é, mecanismos operantes que resultam na</p><p>constituição estrutural do sujeito. Ele pinça da teoria freudiana os temos</p><p>Verwerfung e Verneinung, buscando compreender as últimas consequências de</p><p>tais mecanismo.</p><p>A Verwerfung é uma rejeição primordial anterior a qualquer formulação de</p><p>juízo, que teria sido submetido à Bejahung, à simbolização primitiva, com</p><p>diversos destinos, que sob o golpe da Verwerfung primitiva terá um outro. O</p><p>destino da Verwerfung será apontado por Lacan como o mecanismo específico</p><p>da psicose.</p><p>A foraclusão: a Verwerfung será interpretada por Lacan como foraclusão,</p><p>pois a tese lacaniana recai sobre a simbolização primitiva do significante</p><p>primordial para organizar o psiquismo, a saber: o Nome-do-Pai, que foi</p><p>foracluído, ou seja, rejeitado da simbolização.</p><p>O fetiche: estrutura perversa elaborada por Freud a partir do objeto de</p><p>fetiche, que é colocado</p><p>no lugar da castração do Outro.</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BROCA, R. El sujeito psicótico em el discurso analítico. Buenos Aires: Logos</p><p>Kalós, 2017.</p><p>CÔRTES, C. A. Psicose na psicanálise, escolha ou determinação? Curitiba:</p><p>Juruá, 2016.</p><p>FREUD, S. A disposição à neurose obsessiva: uma contribuição ao problema da</p><p>escolha da neurose. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996a.</p><p>v. 12.</p><p>_____. Carta 125. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996b.</p><p>v. 1.</p><p>_____. Fetichismo. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996c.</p><p>v. 21.</p><p>_____. História de uma neurose infantil. In: _____. Obras completas. Rio de</p><p>Janeiro: Imago, 1996d. v. 17.</p><p>_____. Neurose e psicose. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago,</p><p>1996e. v. 19.</p><p>IMBRIANO, A. Las enseñanzas de las psicoses. Buenos Aires: Letra viva,</p><p>2010.</p><p>JULIEN, P. Pisicose, perversão, neurose: a litura de Jacques Lacan. Rio de</p><p>Janeiro: Companhia de letras, 2003.</p><p>LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose In:</p><p>_____. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998a.</p><p>_____. Livro 3, as psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.</p><p>_____. Livro 4, a relação de objeto. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.</p><p>_____. Livro 5, as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.</p><p>_____. Resposta ao comentário de Jean Hyppolite. In: _____. Escritos. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 1998b.</p><p>ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS</p><p>AULA 4</p><p>Profª Juliana Santos</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Em conteúdos anteriores, buscamos percorrer as trilhas de Freud e Lacan</p><p>para entendermos de que modo as estruturas clínicas se constituem. Freud se</p><p>indagava a respeito de por que uma pessoa “escolheria” a neurose ao invés da</p><p>psicose. Através dessa indagação, ele, ao longo de sua teorização, foi</p><p>encontrando alguns mecanismos que operam no início da vida psíquica e</p><p>condicionada à subjetividade em sua forma de apreender a realidade.</p><p>Freud, ainda que não tenha usado o termo estrutura, deixou pegadas para</p><p>que Lacan pudesse fundamentar a sua tese sobre a constituição das estruturas</p><p>clínicas. Isso porque foi através da interpretação do texto A negação (1925) que</p><p>Lacan apreende o conceito da Bejahung, uma afirmação primordial, que opera</p><p>no psiquismo a verificação de posse e de realidade das representações</p><p>internalizadas, atribuindo um juízo de existência.</p><p>A Bejahung é, portanto, a operação mais primordial de todas. Na sua</p><p>contraposição, está o que Freud nomeou de Austossung (expulsão), que,</p><p>segundo Lacan, é o campo do o real “na medida em que ele é o domínio que</p><p>subsiste fora da simbolização” (Lacan, 1954, p. 384). Contudo, se a Bejahung é</p><p>pura afirmação, para que ela se constitua como tal, algo tem que ser expulso, ou</p><p>melhor negado. A negação é, então, a forma possível da Bejahung se constituir</p><p>e se produzir no campo da consciência. Desse modo, o não viabiliza a existência</p><p>de um Bejahung.</p><p>É nesse sentido que Freud elabora a sua teoria da constituição da neurose</p><p>e perversão, onde é sob a égide da negação, da castração propriamente, que a</p><p>afirmação se institui por outras vias, isto é, pela via do recalque na neurose e por</p><p>via do desmentido na perversão.</p><p>Assim, para esta etapa, iremos nos deter nas ocorrências dessa</p><p>afirmação primária — a Bejahung, priorizando a ocorrência do recalque da</p><p>castração, em que o neurótico, para negar sua existência na consciência,</p><p>perpetua essa afirmação no inconsciente. E é daí que o sujeito se divide: por um</p><p>lado, pela força em que essa afirmação se institui; e por outro lado, por um não</p><p>querer saber nada sobre isso. E aí está a fórmula do conflito neurótico, que se</p><p>dá entre os impulsos do id e do ego.</p><p>3</p><p>Portanto, se as investigações acerca das neuroses sempre tiveram nos</p><p>holofotes da clínica psicanalítica, cabe-nos agora nos aprofundar sobre essa</p><p>estrutura, a fim de compreendermos o modo como o sujeito neurótico lida com a</p><p>sua realidade.</p><p>TEMA 1 – A NEUROSE</p><p>A neurose é o resultado de um conflito psíquico no qual resulta em</p><p>bloqueio das descargas necessárias, criando, desse modo, um estado</p><p>recalcado. Otto Fenichel (2004, p.119) afirma que, por definição, “o conflito</p><p>neurótico é um conflito que surge entre uma tendência que luta pela descarga e</p><p>outra tendência que tenta impedir esta última”.</p><p>Para entendermos a origem do conflito neurótico, vamos retomar o Projeto</p><p>para uma psicologia científica (1985), em que Freud apresenta a perspectiva</p><p>econômica do aparelho psíquico, aferindo à consciência o processo de descarga</p><p>do excesso de energia psíquica. Contudo, na evocação de lembranças muito</p><p>penosas, a consciência fica incapaz de reagir a essas representações, daí ela</p><p>se defende pela operação do recalque.</p><p>O recalque é, portanto, um mecanismo de defesa característico da</p><p>neurose, cujo objetivo é, essencialmente, afastar da consciência as ideias</p><p>incompatíveis. Porém, diante da queixa de seus pacientes, Freud se deu conta</p><p>que a operação do recalque é ineficiente e de que tais representações</p><p>insuportáveis retornam à consciência pelas formações inconscientes, a qual</p><p>Freud nomeou de sintoma.</p><p>Na Carta 105 (1899, p. 329), Freud destaca que “o sintoma surge ali onde</p><p>o pensamento recalcado e o pensamento recalcador conseguem juntar-se na</p><p>realização do desejo”. Desse modo, o sentido do sintoma é um par contraditório</p><p>de realização de desejo, conclui Freud.</p><p>Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, (1905), Freud nos indica</p><p>que a amnésia infantil se produz por uma ação do recalque e, por isso, tais</p><p>lembranças poderiam ser trazidas de volta em análise, já que elas não foram</p><p>apagadas. Nesse ponto, ele afirma que os neuróticos sofrem da mesma amnésia</p><p>infantil e, que, na sexualidade adulta seria um resíduo dessas experiências</p><p>infantis, que resistiria à recordação em virtude da moralidade impressa.</p><p>4</p><p>Assim, a sexualidade desempenha um papel fundamental na etiologia das</p><p>neuroses, pois é nesse encontro inevitavelmente traumático, que o sujeito</p><p>constitui sua defesa pela escolha de uma neurose.</p><p>1.1 O recalque</p><p>Freud concebeu o recalque como um mecanismo de defesa no qual as</p><p>representações insuportáveis são retidas e separadas da consciência, tal</p><p>operação estaria a serviço do princípio do prazer e se organiza no sistema</p><p>inconsciente. Com o desenvolvimento da teoria até a segunda tópica, o aparelho</p><p>psíquico é formulado em três instâncias: o eu, o id e o superego. Nessa nova</p><p>organização, o eu e o superego participam de determinada parcela inconsciente.</p><p>Desse modo, o recalcado é apenas parte do inconsciente, e não a parte inteira</p><p>dele, como se pensava antes.</p><p>A partir do conceito de pulsão de morte, o recalque passa por uma</p><p>revisão. No texto Inibição, sintoma e angústia (1926), o recalque é articulado a</p><p>“fora-da-lei”, visto que ele está submetido à lei do id, não a serviço do princípio</p><p>de prazer. Entretanto, o eu segue impondo uma censura, mas as moções</p><p>pulsionais não cessam de buscar a satisfação (Freud, 1926, p. 150). Assim, o</p><p>sujeito é impelido a uma compulsão à repetição inconsciente.</p><p>TEMA 2 – PULSÃO E FANTASIA</p><p>Freud, após comunicar à sociedade a existência da sexualidade infantil,</p><p>pôde conceber a teoria da pulsão como uma atividade primária. Nesse sentido,</p><p>a pulsão é posta como uma quantidade de energia que exerce força constante</p><p>em busca de satisfação, que só se encontra ao ser descarregada pelas zonas</p><p>erógenas (boca e ânus). É sob esse ponto de evacuação que a pulsão cria uma</p><p>fixação.</p><p>Assim, o corpo é uma superfície onde se inscrevem as primeiras marcas,</p><p>sede dos investimentos pulsionais. É a partir das incidências da linguagem que</p><p>o corpo perde a sua relação com a natureza e se transforma em um corpo</p><p>simbólico. O resultado dessa operação é a perda do objeto, isto é, a renúncia</p><p>pulsional imprescindível para a entrada no campo</p><p>simbólico. Contudo, as zonas</p><p>5</p><p>erógenas não deixaram de buscar esse reencontro com o objeto perdido da</p><p>satisfação.</p><p>É nesse sentido que Freud declara que o neurótico sofre por</p><p>reminiscência. Ele se recusa a renunciar o objeto perdido, o objeto da satisfação</p><p>plena. Trata-se de das Ding, a coisa freudiana inominável, que se apresenta no</p><p>campo simbólico como falta.</p><p>Portanto, é em torno desse vazio que o sujeito vai se constituir no campo</p><p>simbólico, se utilizando dos sistemas de linguagem (metáfora e metonímia)</p><p>inconscientemente para tentar tamponar sua falta. A partir daí, surgem vários</p><p>objetos que vão sendo inseridos na cadeia significante e que têm por aspiração</p><p>o “eu ideal” (i(a)), a imagem plena. Trata-se do investimento feito na fantasia que</p><p>tenta articular o sujeito e o objeto.</p><p>2.1 A clínica da fantasia</p><p>Freud se deparou com a fantasia desde o início de sua prática clínica com</p><p>as histéricas. De início, chegou a acreditar nas cenas de sedução, as quais suas</p><p>pacientes relatavam nas entrelinhas. Mas, com o desenvolvimento da sua teoria,</p><p>pôde se dar conta que se tratava de uma realidade que não se conjectura com</p><p>o real, mas de uma realidade psíquica. Alessandra Fernandes Carreira (2009)</p><p>explica assim:</p><p>É justamente em função de seu caráter traumático que a</p><p>verossimilhança dessas cenas, narradas pelas histéricas freudianas,</p><p>não pôde ser tomada como inverdade, mas como ficção que dá</p><p>estrutura à verdade. Tal verdade é reiterada na enunciação que</p><p>subsiste nos enunciados dessa ficção e os engendra, fixando o sujeito</p><p>em um instante eterno e inenarrável: instante em que ele (não) é</p><p>tomado pelo desejo do Outro. (Carreira, 2009)</p><p>A fantasia passa a assumir o ponto crucial da escuta clínica, pois nela se</p><p>constitui um saber inconsciente onde o sujeito busca responder à questão sobre</p><p>o seu ser, tentando encobrir a falta inerente a ele.</p><p>2.2 Do Édipo à fantasia fundamental</p><p>Já sabemos que a constituição psíquica do sujeito se situa na vivência</p><p>edipiana, onde ocorrem os três tempos lógicos do Édipo. No primeiro tempo, a</p><p>criança está identificada ao objeto desejado da mãe (o falo materno), sendo</p><p>6</p><p>assim, a relação mãe-bebê plena; o segundo tempo ocorre a partir da presença</p><p>de um terceiro elemento, que faz a criança perceber que o desejo da mãe não</p><p>está dirigido apenas para ela, mas a mãe deseja outra coisa, geralmente o pai.</p><p>A interpretação da criança de que a mãe deseja o pai faz emergir uma rivalidade</p><p>imaginária com o pai, pois, para a criança, o pai tem o falo, que falta à mãe.</p><p>Assim, conforme nos ensina Lacan, é a função paterna, através do significante</p><p>Nome-do-Pai, que introduz a falta na relação mãe-bebê. A criança, então, perde</p><p>a identificação ao falo materno e recalca; começa o terceiro tempo lógico, onde</p><p>a criança se dá conta da castração da mãe e, assim, da sua própria castração e</p><p>vai em busca de ter falo. Portanto, o falo é elevado ao nível simbólico, fazendo</p><p>de todos castrados, inclusive o pai.</p><p>Ocorre que a criança, ao perder sua identificação ao falo, irá demandar</p><p>ao Outro, tesouro do significante, que responda sobre o seu desejo. Contudo, o</p><p>que surge desde aí é a pergunta: que quer você? (Lacan, 1960, p. 829).</p><p>O vazio pela falta de resposta do Outro indica que o Outro também é</p><p>faltoso, pois não existe nada que supra essa incompletude do Outro, portanto,</p><p>declara Lacan (1960, p. 833): “não há Outro do Outro”. Desse modo, o sujeito se</p><p>constitui pela falta do Outro, advindo como um falta-a-ser, pois do Outro não</p><p>receberá a resposta para o seu desejo. A falta, portanto, é irremediável, sendo</p><p>assim, a fantasia se forma para dar conta dela.</p><p>Portanto, a fantasia pode ser considerada o produto da operação do</p><p>complexo de Édipo, cujo registro é imaginário, mas que se articula ao simbólico,</p><p>e sua montagem inconsciente se ergue na tentativa de sanar o vazio deixado à</p><p>questão “Che Vuoi?”.</p><p>Coutinho Jorge (2010) afirma que a fantasia é um elemento que se</p><p>instaura para a criança como uma verdadeira contrapartida ao gozo que ela</p><p>perdeu. Assim, ela se constrói, essencialmente, como uma fantasia de</p><p>completude.</p><p>TEMA 3 – A FANTASIA FUNDAMENTAL</p><p>Freud (1919), em seu texto Bate-se numa criança, onde ele privilegia o</p><p>espancamento, mas poderia ser qualquer outra coisa, afirma que a fantasia</p><p>fundamental é uma fantasia origem edipiana, cuja dissolução desse complexo</p><p>7</p><p>faz emergir a fantasia como um resíduo que irá determinar a posição do sujeito</p><p>em seu modo de gozo.</p><p>O mecanismo principal que organiza a estrutura fantasmática, declara</p><p>Nasio (1993), está sempre encoberto por uma frase organizada em torno de um</p><p>verbo fácil de identificar no relato do paciente. O autor diz, ainda, que a</p><p>identificação do sujeito à posição de objeto, de fato, está no verbo da frase:</p><p>morder, espancar, sujar, ignorar etc.</p><p>Para entendermos isso, voltemos ao texto Bate-se numa criança, onde</p><p>Freud nos indica três tempos da fantasia:</p><p>1. Uma criança é espancada: é o relato de uma primeira cena emergente,</p><p>onde o relator não faz parte da cena, portanto, ela não é uma cena</p><p>masoquista nem sádica: bate-se.</p><p>2. Estou sendo espancada pelo meu pai: o relator da cena coincide com a</p><p>criança espancada. É uma cena de masoquismo, mas, segundo Freud,</p><p>trata-se de uma cena que nunca existiu, assim, diz respeito a uma</p><p>construção de análise.</p><p>3. Provavelmente estou olhando: o relator surge na cena apenas no lugar de</p><p>quem olha, não coincidindo com a criança espancada. Há presença de</p><p>excitação sexual masturbatória cujo caráter é sádico manifesto.</p><p>Freud, que de início considerou o sadismo de caráter primário, resultado</p><p>da rivalidade com a figura do pai, em 1920, com o conceito de pulsão de morte,</p><p>dá um passo atrás e reconhece no texto O problema econômico do masoquismo</p><p>(1924), que na origem está o masoquismo e permanecerá na base da estrutura</p><p>do sujeito. Portanto, com a nova leitura do masoquismo primário, podemos</p><p>entender que sobre o mecanismo da fantasia há um masoquismo nuclear, assim:</p><p>uma cena primária (deixa um traço de memória); depois, com a dissolução do</p><p>Édipo, a criança vai se identificar ao objeto da cena (a criança espancada), ou</p><p>seja, retroativamente (S1-S2), construindo a sua fantasia de base masoquista,</p><p>onde se vincula o gozo; e no terceiro tempo, o que caracteriza essa fase é que</p><p>a fantasia está fortemente ligada a uma excitação sexual e seu modo de gozo</p><p>resquícios dessas experiências. Sobre esse texto, Coutinho Jorge declara:</p><p>Os três tempos da fantasia “Uma criança é espancada” parecem,</p><p>assim, caminhar precisamente na seguinte direção: do amor ao gozo.</p><p>Da posição de sujeito, $, que a criança ocupa no primeiro tempo, para</p><p>8</p><p>a posição de objeto, a, que se delineia no segundo tempo e se</p><p>configura rapidamente no terceiro. (Coutinho Jorge, 2010, p. 108)</p><p>Portanto, a fantasia não se trata de um devaneio, ela porta o desejo.</p><p>Sendo assim, é a forma como o sujeito tenta encadear o seu desejo na cadeia</p><p>de significantes. Mas, em contrapartida, é justamente nessa tentativa de</p><p>passagem ao significante que o recalque é gerado.</p><p>Surge, então, o sintoma para encobrir a verdade do sujeito e, na clínica</p><p>psicanalítica, ele recebe voz para denunciar o desejo recalcado e desvelar o</p><p>modo de gozo da estrutura. Portanto, é dessa forma que o sujeito se apega ao</p><p>seu sintoma. Lacan situa o sintoma numa estreita relação com o corpo, que se</p><p>impõe para além das construções imaginárias e simbólicas que atravessam o</p><p>sujeito, pois há algo da dimensão do real, do sem sentido que não entra no</p><p>campo da linguagem do Outro.</p><p>TEMA 4 – A HISTERIA</p><p>Para a psicanálise, a histeria é, antes de mais nada, um dos modos como</p><p>o sujeito neurótico se enlaça e tece a suas relações com os outros a partir de</p><p>suas fantasias. Coutinho Jorge (2010) declara que a fantasia é uma espécie de</p><p>matriz psíquica que funciona mediatizando o encontro do sujeito com o real.</p><p>Desse modo, a fantasia constitui o princípio da realidade de cada sujeito. “Essa</p><p>fantasia, em que o sujeito é preso, é, como tal, o suporte do que se chama</p><p>expressamente, na teoria freudiana, o princípio de realidade” (Lacan citado por</p><p>Coutinho Jorge, 2010, p. 77).</p><p>Isso significa que o histérico, assim como qualquer sujeito neurótico, vai</p><p>se posicionar na relação afetiva com o outro de acordo com lógica de sua</p><p>estrutura, condicionado, sempre, por sua fantasia inconsciente sem que ele</p><p>tenha poder sobre isso.</p><p>A fantasia inconsciente diz respeito a algo traumático inerente à</p><p>sexualidade do histérico, contudo, Coutinho Jorge e Travasso (2021) sublinham</p><p>que se trata de um trauma contingencial, visto que não há como não ocorrer,</p><p>pois refere-se à falta de inscrição da diferença sexual no inconsciente. Sendo</p><p>assim, a própria concepção do sexo é, inevitavelmente, traumática. “Trata-se</p><p>aqui do real inerente ao pulsional, do inassimilável inerente à sexualidade, com</p><p>sua intensidade e excesso” (Coutinho Jorge; Travasso, 2021).</p><p>9</p><p>Freud descobre um paradoxo da sexualidade histérica, no qual aponta</p><p>para uma grande necessidade sexual, no mesmo passo que demostra uma</p><p>profunda aversão ao sexo. Assim, constata que o sujeito histérico erotiza o corpo</p><p>e amortece o órgão sexual. Na histeria, o corpo é sexualizado, exceto o próprio</p><p>sexo. Nesse sentido, os sintomas histéricos ocorrem geralmente no corpo,</p><p>obedecendo ao significante inconsciente. No texto Fragmento da análise de um</p><p>caso de histeria, Freud (1905, p. 37) declara: “Eu tomaria por histérica, sem</p><p>hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual</p><p>despertasse sentimentos preponderantes ou exclusivamente desprazerosos,</p><p>fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos”.</p><p>A inibição sexual histérica, contudo, não significa um retraimento, destaca</p><p>Nasio (1991), pois, na verdade, trata-se de um movimento ativo de rechaço. Diz</p><p>mais em A Histeria:</p><p>A impotência, a ejaculação precoce, o vaginismo ou a frigidez, todos</p><p>são distúrbios característicos da vida sexual do histérico, os quais, de</p><p>uma maneira ou de outra, exprimem a angústia inconsciente do homem</p><p>de penetrar no corpo da mulher, e a angústia inconsciente da mulher</p><p>de se deixar penetrar. O paradoxo do histérico diante da sexualidade</p><p>caracteriza-se, portanto, por uma contradição: de um lado, há homens</p><p>e mulheres excessivamente preocupados com a sexualidade,</p><p>procurando erotizar toda e qualquer relação social, e de outro, eles</p><p>sofrem — sem saber por que sofrem — por ter que passar pela</p><p>experiência do encontro genital com o sexo oposto. (Nasio, 1991, p.</p><p>45)</p><p>É preciso compreender, o quanto antes, que a sexualidade histérica não</p><p>é uma sexualidade genital, mas um “simulacro de sexualidade”, visto que seu</p><p>gozo está mais em criar sinais sexuais que raramente vão estar articulados ao</p><p>ato sexual que ele enuncia. “E, no entanto, se há um desejo a que o histérico se</p><p>atém é o de que esse ato (sexual enunciado por ele) fracasse; mais exatamente,</p><p>ele se apega ao desejo inconsciente de não realização do ato” (Nasio, 1991, p.</p><p>18), pois para o histérico, o desejo é que o desejo continue insatisfeito.</p><p>Mas, por que sustentar um desejo insatisfeito, se deveríamos ir em busca</p><p>de satisfação? Nasio (1991, p. 15) responde:</p><p>o histérico é fundamentalmente um ser de medo que, para atenuar sua</p><p>angústia, não encontrou outro recurso senão manter incessantemente,</p><p>em suas fantasias e em sua vida, o doloroso estado de insatisfação,</p><p>pois, para ele, o perigo pressentido que o levaria a seu aniquilamento</p><p>é “o perigo de viver o gozo máximo”.</p><p>Portanto, a questão da histeria é posta por Nasio da seguinte forma:</p><p>10</p><p>Pouco importa que ele imagine esse gozo máximo como o gozo do</p><p>incesto, o sofrimento da morte ou a dor da agonia; e pouco importa que</p><p>imagine os riscos desse perigo sob a forma da loucura, da dissolução</p><p>ou do aniquilamento de seu ser: o problema consiste em evitar a</p><p>qualquer preço qualquer experiência que evoque de perto ou de longe</p><p>um estado de plena e absoluta satisfação. Esse estado, de resto</p><p>impossível, é pressentido pelo histérico, no entanto, como o perigo</p><p>supremo de um dia ser arrebatado pelo êxtase e gozar até a derradeira</p><p>morte. (Nasio, 1991, p. 16)</p><p>O sujeito histérico é aquele, então, que para se defender de um gozo</p><p>máximo, ele se mantém num estado fantasmático de insatisfação. O histérico se</p><p>afasta da ameaça do gozo, construindo inconscientemente um cenário</p><p>fantasmático, do qual tenta provar a si mesmo que há falta e, portanto, o seu</p><p>gozo permanecerá insatisfeito.</p><p>A realidade histérica, consequentemente, terá os moldes de sua fantasia.</p><p>Desse modo, as pessoas de seu convívio também serão portadoras da falta, pelo</p><p>qual o histérico desenvolve, de formas aguçadas, meios incessantes de busca,</p><p>para poder apontar a falta do outro.</p><p>4.1 O caso Dora</p><p>O caso Dora é o caso clínico de histeria mais paradigmático da</p><p>psicanálise. Dora era uma jovem de 18 anos quando chegou para receber o</p><p>tratamento psicanalítico. Segundo relato de Freud, Dora apresentava todos os</p><p>sintomas que caracterizavam uma pequena histeria: enxaquecas, tosse nervosa,</p><p>perda da voz, abatimento e tédio da vida. Mas o fato que levou o pai de Dora a</p><p>buscar ajuda de Freud foi ter encontrado uma carta de despedida endereçada</p><p>aos seus pais, pois ela “não podia mais suportar a vida”, somada a um ataque</p><p>de perda de consciência.</p><p>A trama que rodeia a vida de Dora é formada pela relação conturbada</p><p>com a sua mãe, pois ela se recusa a ajudar nos afazeres domésticos; pela</p><p>relação com o pai, que manteve uma relação de amante com a Sra. K; pelo Sr.</p><p>K, que a cortejava e ela fingia não ver, pois, por causa da relação de amantes</p><p>entre o seu pai e a Sra. K, Dora se colocava como objeto de troca dessa relação.</p><p>Dora admite à Freud que era cúmplice dessa relação amorosa</p><p>extraconjugal de seu pai, pois todas as vezes que visitavam a Sra. K, cuidava de</p><p>seus dois filhos para deixá-los sozinhos.</p><p>11</p><p>Dora e a Sra. K eram amigas, confidentes e conselheiras. Nas vezes em</p><p>que Dora dormia na casa da Sra. K, o Sr. K deixava o quarto para que elas</p><p>dormissem na mesma cama, já que entre as duas não havia nada que não</p><p>pudessem ser conversado. Dora elogiava o corpo, a pele e a aparência da Sra.</p><p>K para Freud, o que lhe parecia mais um relato de amantes do que uma mulher</p><p>se referindo a uma rival.</p><p>Nessa relação com a família K, Dora relata a Freud que, quando tinha 14</p><p>anos, o Sr. K a convidou para encontrar-se com ele e a Sra. K, para juntos irem</p><p>à procissão. Ocorre que quando Dora chega à loja do Sr. K, ele estava sozinho,</p><p>e quando os dois vão sair, ele abraça Dora e lhe dá um beijo na boca. Dora conta</p><p>que sente uma violenta repugnância. Nadiá P. Ferreira e Marcus A. Motta (2014)</p><p>destacam essa cena e apontam para o horror histérico:</p><p>Esse beijo, um segredo só revelado na análise, opera, segundo Freud,</p><p>um trauma sexual que se conecta com outras experiências sexuais</p><p>traumáticas da infância. Referindo-se a esse episódio, Jacques-Alain</p><p>Miller comenta que o horror que Dora passa a sentir por um homem</p><p>sexualmente excitado e o nojo, que provém do recalque da parte</p><p>erógena dos lábios, permitem “afirmar que a interpretação que Freud</p><p>realiza centra-se no mau encontro de Dora com o gozo sexual”.</p><p>(Ferreira; Motta, 2014, p. 15)</p><p>Um segundo episódio é relatado por Dora. Ela conta que num passeio à</p><p>beira do lago com o Sr. K, ele a beija novamente e lhe faz uma declaração de</p><p>amor. Dessa vez, Dora lhe bofeteia e sai correndo. Passados uns dias, Dora</p><p>conta à mãe o que ocorre. Esta, por sua vez, relata ao seu marido. Contudo, o</p><p>Sr. K, ao ser procurado pelo pai de Dora, nega a acusação e diz ser fruto da</p><p>imaginação de Dora. O Sr. K tinha ao seu favor a denúncia de que Dora, junto</p><p>com sua esposa, tinham o hábito de ler livros inapropriados para a idade dela.</p><p>Freud aponta para a traição</p><p>da Sra. K com a sua amiga, pois revelara o</p><p>segredo das duas, mas o que surpreende Freud é que Dora, no lugar de sentir</p><p>ódio de sua amiga, sente ciúmes da relação amorosa que ela tinha com o pai.</p><p>Lacan (1951), em seu texto Intervenção sobre a transferência, assinala</p><p>para a inversão dialética estabelecida por Freud, pois ele se dá conta de que o</p><p>repentino ciúme de Dora pelo pai mascara, na verdade, uma fascinação pela</p><p>Sra. K, motivo pelo qual Dora se mantém leal, mesmo depois da traição e ela</p><p>própria se passando por mentirosa.</p><p>12</p><p>Numa primeira interpretação dada por Freud, ele acreditou que se tratava</p><p>de um amor recalcado pelo Sr. K. Mas, com a cena do lago, esse amor, por</p><p>motivos ainda desconhecidos, fez desencadear uma violenta resistência,</p><p>fazendo ressurgir o amor infantil. Já na última interpretação, Freud descobre a</p><p>face homossexual da neurose histérica, de modo que, a nível inconsciente, o</p><p>ciúme de Dora pela Sra. K é, de fato, fruto de sua identificação com o homem.</p><p>“Essas correntes afetivas masculinas, ou, melhor dizendo, ginecofílicas, devem</p><p>ser consideradas típicas da vida amorosa inconsciente das jovens histéricas”</p><p>(Freud citado por Ferreira; Motta, 2014, p. 16).</p><p>No seminário 4, Lacan (1957) sublinha que o laço libidinal que liga Dora à</p><p>Sra. K trata-se de uma identificação histérica à imagem viril. Portanto, ela, por</p><p>via do Sr. K, na medida em que está identificada imaginariamente ao Sr. K, está</p><p>ligada à Sra. K. Assim, conforme nos explica Ferreira e Motta, entre Dora e a</p><p>Sra. K, é muito mais do que uma paixão, mas trata-se de uma questão histérica:</p><p>o que é uma mulher?</p><p>Muito mais que uma paixão, o que liga Dora à Sra. K. é uma questão:</p><p>o que é ser mulher? É a partir dessa questão, encarnada na Sra. K.,</p><p>que Dora se situa em uma relação triangular. Todos, ou seja, ela, seu</p><p>pai e o Sr. K., idolatram a Sra. K. Dora, de certa forma, é</p><p>condescendente com o assédio do Sr. K. Mas ela o esbofeteia quando</p><p>ele lhe diz que a Sra. K. não é nada para ele. (Ferreira; Motta, 2014, p.</p><p>17)</p><p>Freud apreende, a partir do caso Dora, que a estrutura da fantasia</p><p>histérica é atravessada pelo desejo da bissexualidade que se enuncia através</p><p>da questão do impossível do sexo: sou homem ou mulher?</p><p>TEMA 5 – NEUROSE OBSESSIVA</p><p>Que a psicanálise foi inventada pelo encontro de Freud com as histerias,</p><p>todo mundo já sabe, mas o que é menos evidenciado é que Freud “inventou” a</p><p>neurose obsessiva. Pois bem, Maria Anita Carneiro (2011, p. 23), em seu livro</p><p>Um certo tipo de mulher, enfatiza que Freud foi o pai da neurose obsessiva: “sua</p><p>cria, surgida do rigor da pesquisa e do cuidado meticuloso com o diagnóstico</p><p>diferencial”. Ao contrário da histeria que os sintomas se manifestam</p><p>primordialmente no corpo, na neurose obsessiva, o sujeito sofre dos</p><p>pensamentos.</p><p>13</p><p>Na neurose obsessiva, o encontro com o sexo, que é sempre traumático,</p><p>é acompanhado com um excesso de gozo, que posteriormente, ao surgir na</p><p>consciência, será acompanhado de culpa e autorrecriminação. Desse modo,</p><p>será recalcado, e o afeto é deslocado para uma ideia substitutiva. O sujeito</p><p>obsessivo passará, então, a ser atormentado por uma autorrecriminação sobre</p><p>fatos aparentemente fúteis e irrelevantes.</p><p>Freud diz que, na verdade, a ideia obsessiva é correta no que tange ao</p><p>afeto e à categoria, mas é falsa em decorrência do deslocamento e da</p><p>substituição por analogia. Ou seja: a ideia obsessiva pode ser contrária</p><p>a qualquer lógica, embora sua força compulsiva seja inabalável.</p><p>(Carneiro, 2011, p. 16)</p><p>A formação dos sintomas da neurose obsessiva tem como efeito o</p><p>deslocamento do afeto e a substituição por analogia da representação</p><p>traumática. Por isso, a operação do recalque é mais frágil do que de uma histeria</p><p>que converte o sintoma no corpo. A consequência dessa fragilidade do recalque</p><p>pode ser observada facilmente na clínica, pois o obsessivo acaba colocando na</p><p>sua fala elementos que deveriam estar recalcados. Por exemplo: com</p><p>frequência, vemos relatos de sonhos eróticos, que ao final o analisante diz: “não</p><p>era a minha mãe”. Assim, através da negação, Freud vai nos dizer que o sujeito</p><p>se autoriza a dizer a frase proibida: “era a minha mãe”, pois, afinal, foi o próprio</p><p>analisante, que colocou a mãe na conversa.</p><p>Outro fenômeno presente nos sintomas obsessivos é a crença na</p><p>representação recalcada, pois o obsessivo crê na autorrecriminação, crê na</p><p>representação recalcada, e é porque crê, ele se permite duvidar. A dúvida, que,</p><p>como destaca Carneiro (2011), Descartes elevou à dignidade de um método</p><p>filosófico, não será apenas um sintoma da neurose obsessiva, mas também uma</p><p>defesa contra a angústia, contra o afeto que se desloca de uma representação</p><p>à outra. Desse modo, o neurótico obsessivo tende a esvaziar o seu afeto.</p><p>É nesse ponto, da crença, que Freud distingue a paranoia da neurose</p><p>obsessiva, pois em ambas o encontro com o sexo é vivenciado com gozo</p><p>excessivo, mas enquanto na neurose há uma autorrecriminação, na paranoia o</p><p>sujeito não crê na autorrecriminação, pois ele projeta a culpa para o outro.</p><p>14</p><p>5.1 Do sintoma da neurose obsessiva a sua fantasia</p><p>A neurose, como bem vimos, é resposta do recalque ao trauma sexual.</p><p>Através dessa descoberta, Freud conclui que não há indicação de realidade</p><p>objetiva no inconsciente, portanto, a realidade é psíquica, fruto de uma fantasia</p><p>inconsciente. Assim, quando tratamos do inconsciente, não há como distinguir a</p><p>verdade da ficção, pois a verdade do sujeito é tecida pela sua ficção. Sendo</p><p>assim, a fidedignidade dos fatos não nos interessa, visto que a verdade está no</p><p>que o sujeito conta.</p><p>Na neurose obsessiva, o sujeito está preso ao tema da morte, pois ela</p><p>configura o tema da castração, visto que na fantasia inconsciente, o pai pode</p><p>matá-lo por ter desejado e gozado da mãe. Essa ideia está na origem do sintoma,</p><p>que se constitui como compromisso à representação intolerável do trauma que</p><p>provocou gozo e culpa.</p><p>Outra consequência dessa fantasia inconsciente, na neurose obsessiva o</p><p>sujeito tenta, a todo custo, anular o seu desejo, cujas estratégias são de várias</p><p>consequências clínicas, mas com o mesmo objetivo: dar um curto-circuito no</p><p>desejo. Maria Anita Carneiro (2011) declara:</p><p>A estratégia obsessiva divide-se em duas partes: em primeiro lugar,</p><p>trata-se de fazer calar o desejo do outro reduzindo-o aos pedidos que</p><p>o outro lhe faz. Assim, um obsessivo pode ser muito solícito, muito</p><p>gentil, atendendo da melhor maneira a tudo que lhe pedem para não</p><p>deixar espaço para o desejo, que está oculto para além do que se pede</p><p>explicitamente. Ou então pode ser um sujeito “do contra”, que se opõe</p><p>aos pedidos dos outros, mantendo assim a ilusão de que anula o</p><p>desejo. São manobras opostas a serviço da mesma estratégia.</p><p>(Carneiro, 2011, p. 25)</p><p>Para se afastar do seu desejo, o sujeito obsessivo o mantém no lugar do</p><p>impossível. Assim, a procrastinação faz parte de sua vida, visto que ele joga para</p><p>o tempo o seu desejo. Portanto, só faz o que precisa quando não tem mais tempo</p><p>e precisa fazer. Carneiro sublinha que os sintomas da neurose obsessiva estão</p><p>articulados ao pai.</p><p>O obsessivo crê no pai, crê no traço identificatório tomado do pai e,</p><p>portanto, crê nas palavras, crê no pensamento, e é a partir dessa</p><p>crença que combate o desejo. O desejo é contra a lei, incestuoso — o</p><p>desejo proibido pela mãe inclui o desejo da morte do pai. O obsessivo,</p><p>submisso, se identifica ao traço tomado do pai (identificação simbólica),</p><p>mas também se identifica imaginariamente ao pai, cujo lugar quer</p><p>ocupar. E é a partir daí que a culpa cobra seu preço. (Carneiro, 2011,</p><p>p. 26)</p><p>15</p><p>5.2 O caso do homem dos ratos</p><p>O caso do homem dos ratos é paradigmático na clínica da neurose</p><p>obsessiva. Trata-se do relato de um jovem tenente de nome Lehrs, que buscou</p><p>Freud (1909), em meio a muito sofrimento. Ele conta que em seu acampamento</p><p>militar</p><p>havia um certo capitão, que narrou uma crueldade que se aplicava no</p><p>Oriente, onde, segundo o capitão, tomava-se um tonel com uma única abertura</p><p>e nele se colocavam muitos ratos famintos. E sobre a abertura do tonel, era posta</p><p>uma pessoa completamente nua para ser torturada, oferecendo-o, assim, como</p><p>única saída o seu corpo.</p><p>A partir dessa história, o jovem tenente passou a se sentir perturbado com</p><p>uma viva impressão, que a história que deixara. Passados uns dias, os óculos</p><p>que ele havia encomendado, após perder os seus, chegaram de Viena, e o tal</p><p>capitão, erroneamente, cobrou-lhe, dizendo que ele deveria pagar o reembolso</p><p>postal ao tenente Z, pois este havia pagado a dívida. Prontamente, jurou</p><p>mentalmente fazê-lo, e completou em pensamento a frase do capitão: “senão o</p><p>suplício dos ratos será aplicado à moça que eu amo e a meu pai”. O detalhe é</p><p>que seu pai já havia falecido.</p><p>Ocorre que quando vai pagar a sua dívida, descobre que quem pagou a</p><p>sua postagem foi uma senhora que trabalhava no correio. Então, armou de pagar</p><p>o tenente Z, para que ele pagasse a senhora do correio, mas o tenente Z havia</p><p>sido transferido para outro regimento em outra cidade. O tenente Lehrs resolveu,</p><p>então, pegar um trem e ir ao encontro do tenente Z, para convencê-lo a voltar</p><p>com ele para que ele o entregasse à senhora do correio, para que assim o</p><p>dinheiro fosse entregue ao verdadeiro encarregado do correio, o tenente B. Todo</p><p>esse jogo logístico ocorreu para que o tormento dos ratos não fosse aplicado à</p><p>sua namorada e ao seu pai, que aliás já estava morto.</p><p>Freud se dá conta de um elemento central em todos os casos de neurose</p><p>obsessiva — a dívida. A dívida, no caso do homem dos ratos, tem uma estreita</p><p>relação com a imagem do seu pai, pois, seu pai morreu devendo uma dívida de</p><p>jogo. “Diante de sua própria dívida para com a senhora do correio, agravada pelo</p><p>juramento que fizera, o tenente Lehrs se vê identificado ao pai devedor”</p><p>(Carneiro, 2011, p. 31).</p><p>16</p><p>No relato do homem dos ratos, Freud destaca que, em sua fala de</p><p>suplício, era possível observar em seu rosto um gozo desconhecido para o</p><p>próprio sujeito, pois parecia que ele se sentia fascinado e assustado pelo próprio</p><p>relato. Outro ponto destacado por Freud é que, o obsessivo, traz uma fala</p><p>interrompida, incompleta, mostrando dificuldade de tocar em assuntos difíceis,</p><p>trata-se de “mecanismo auxiliares do recalque”, pois o obsessivo sabe que ao</p><p>falar o desejo escapa. Nesse sentido, ele tenta anular a significação dos seus</p><p>atos e fala, por conta disso, que é necessário ao analista auxiliá-lo, emprestando-</p><p>lhe palavras.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Na clínica da neurose obsessiva, o Outro goza, como o capitão do homem</p><p>dos ratos, pois o Outro é patente do pai da horda primitiva que barra o seu acesso</p><p>ao gozo. Assim, para não deixar emergir o gozo do Outro, o sujeito anula o seu</p><p>desejo, com a dúvida, com pensamentos trágicos, com cálculos impossíveis,</p><p>pois, diante do Outro, o sujeito está sempre na posição de escravo.</p><p>Por exemplo: um analisante que desde criança buscava ganhar dinheiro,</p><p>pois achava que não podia ser um peso para sua família. Começou a trabalhar</p><p>logo que pôde e arcou com muita dificuldade a todo custo da sua faculdade. Diz</p><p>ser muito dinheirista e nunca se sentiu à vontade para pedir as coisas para a sua</p><p>mãe.</p><p>Nesse caso, a relação com o dinheiro se agravou quando a analisante</p><p>perde o seu pai, e sua mãe fica muito “depressiva”. Essa situação a levou a</p><p>assumir o papel de supridor, cuja falta da família não podia parecer que</p><p>prontamente se forçava por tamponar. Entrava em relacionamentos abusivos,</p><p>dos quais não conseguia sair.</p><p>Quando a analisante começa o tratamento, aos poucos ela vai se dando</p><p>conta de todas as contradições de sua vida, pois sempre se direcionava para</p><p>caminhos que se opunha ao que deseja, visto que seu desejo era diminuído</p><p>frente ao desejo do outro, uma relação de escravo. A fantasia do neurótico</p><p>obsessivo é sustentada por uma dívida simbólica impagável, que o coloca</p><p>sempre culpado diante do seu desejo.</p><p>17</p><p>FINALIZANDO</p><p>A neurose: vimos que a neurose é resposta do recalque que opera no</p><p>encontro com o sexo, que, inevitavelmente, é da ordem do trauma.</p><p>A clínica da fantasia: assim, na neurose, o sujeito retira o investimento da</p><p>libido no objeto da realidade e o investe no objeto da fantasia.</p><p>A fantasia fundamental: na base estrutural de toda fantasia, existe o</p><p>masoquismo original, pelo qual o sujeito constitui o seu modo de gozo apoiado</p><p>em sua fantasia fundamental.</p><p>A histeria: em sua fantasia, o sujeito histérico se questiona: sou homem</p><p>ou mulher? Visto que seu corpo é entregue, mas seu gozo se mantém</p><p>insatisfeito.</p><p>A neurose obsessiva: em sua fantasia, o sujeito obsessivo está preso ao</p><p>tema da morte, pelo qual a morte é a grande figura da castração.</p><p>18</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>CARNEIRO, M. A. A neurose obsessiva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.</p><p>CARREIRA, A. F. Algumas considerações sobre a fantasia em Freud e Lacan.</p><p>Psicologia USP [online], v. 20, n. 2, p. 157-171, 2009. Disponível em:</p><p><https://doi.org/10.1590/S0103-65642009000200002>. Acesso em: 8 maio</p><p>2022.</p><p>COUTINHO JORGE, M. A.; TRAVASSO, N. P. Histeria e sexualidade. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 2021.</p><p>FERREIRA, N. P.; MOTTA, M. A. A histeria: o caso Dora. Rio de Janeiro: Zahar,</p><p>2014.</p><p>FREUD, S. Carta 125. In: Obras completas, Vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>_____. Fragmentos da análise de um caso de histeria. Obras completas, Vol.</p><p>1. Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>_____. Projeto para uma psicologia científica. In: Obras completas, Vol. 1. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>_____. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Obras completas, Vol. 1.</p><p>Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>NASIO, J. D. A histeria: teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge</p><p>Zahar, 1991.</p><p>ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS</p><p>AULA 5</p><p>Profª Juliana Santos</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Nosso percurso, até aqui, nos possibilitou conhecer a constituição da vida</p><p>psíquica, isto é, o modo como cada sujeito acessa ao registro simbólico, que</p><p>pode ser pelo recalque na neurose, a foraclusão na psicose e desmentida pela</p><p>perversão.</p><p>Em conteúdos anteriores, estudamos, mais especificamente, as neuroses</p><p>e o modo como os sintomas histéricos e obsessivos se moldam de acordo com</p><p>a fantasia que estrutura a sua posição subjetiva.</p><p>Nesta etapa, vamos nos deter, de forma mais minuciosa, sobre a clínica</p><p>da psicose, a fim que possamos compreender os fenômenos elementares que</p><p>constitui essa estrutura, bem como as formações delirantes que são produzidas</p><p>a partir dos subtipos clínicos: Paranoia, esquizofrenia e melancolia.</p><p>É evidente que a loucura sempre esteve no alvo das reflexões de Freud,</p><p>contudo, ele mesmo não acreditava que o tratamento da psicanálise pudesse</p><p>operar sob essa estrutura – pois, para Freud era impossível que o sujeito</p><p>psicótico estabelecesse transferência com o analista, por conta de sua fixação</p><p>narcísica. Contudo, Lacan, ao adentar a psicanálise por via da psicose declara</p><p>que os psicanalistas não devem recuar diante dessa estrutura clínica.</p><p>Para Lacan, a transferência na psicose acontece por uma outra via,</p><p>diferente da neurose – o delírio erotomaníaco, ou seja, “uma forma de amor</p><p>projetiva, exacerbada que precisa ser manejada a fim de que o psicótico possa</p><p>produzir, durante seu percurso analítico, uma solução subjetiva”, conforme</p><p>citado por Guerra (2010).</p><p>A solução subjetiva da psicose é completamente diferente da neurose,</p><p>porém, Lacan ensina que ela também possui uma lógica, pela qual necessita</p><p>ganhar escuta, assim como os sintomas neuróticos, pois, ainda que o psicótico</p><p>delire, fale sobre coisas que pareçam não existir, alucine, deprima-se</p><p>profundamente e desconfie do outro a ponto de agir com violência, é</p><p>imprescindível</p><p>a rede causal que constitui a etiologia, confirmam a diagnóstica e</p><p>verifica o valor semiológico dos signos e sintomas. Desse modo, a ação</p><p>terapêutica, na medida do possível, deve indicar a causa e, portanto, é nesse</p><p>sentido que Freud veio estabelece a psicanálise como terapêutica das causas.</p><p>Dito isso, Dunker compara as três tradições arqueológicas que compõem</p><p>a psicanálise com a da clínica em relação às estruturas e dispositivo de</p><p>tratamento:</p><p>1. As técnicas de tratamentos têm seus métodos definidos pela</p><p>aspiração moderna científica: nesse caso, a noção de terapia</p><p>subordina-se aos procedimentos de estrutura do tratamento (semiologia,</p><p>diagnóstico e etiologia). No entanto, vê-se que a estrutura da clínica</p><p>absorve em seu interior a metafísica do retorno, pela qual os signos</p><p>retornam aos mesmos lugares, nos mesmos tempos, caracterizando a</p><p>diagnostica das doenças. Dessa forma, o restabelecimento passa a</p><p>contornar ângulos fisiológicos (organismo), clínico (funcionalidade da</p><p>vida), ou da medicina social (equilíbrio antropológico);</p><p>2. Observa-se a tradição da terapia como aspiração de recomposição</p><p>social e integração narrativa. Nesse caso, a relação com a estrutura</p><p>clínica é de sobreposição incidental, indica Dunker, pela qual a tradição</p><p>terapêutica onde noção de “sanação” diz respeito à diminuição ou retirada</p><p>de sofrimento é entendida como noção moral e política, sendo, portanto,</p><p>indiferente para a estrutura clínica. Assim, surgem os espaços residuais,</p><p>que desenvolverão práticas higienistas, cuidados com o corpo, e no</p><p>campo da saúde mental, a psicoterapia francesa, a terapia moral entre</p><p>outras técnicas de alívio de sofrimento, formado pelo campo não</p><p>recoberto pela estrutura. (p. 417)</p><p>3. A tradição da cura: de modo mais simplista, esta designaria a extinção</p><p>do processo patológico. Aqui, há várias vertentes para serem pensadas</p><p>6</p><p>contextualizando com o momento histórico de cada época. Mas, a partir</p><p>da segunda metade do século XIX, Dunker sublinha que essa noção tende</p><p>a representar aquilo que era essencial à clínica na antiguidade e torna-se</p><p>contingente na clínica moderna: a atitude ética do médico diante do</p><p>doente. Gradualmente essa atitude vai se transferindo para os auxiliares</p><p>do médico. O médico observa e trata, o enfermeiro cuida, o padre cura (p.</p><p>419).</p><p>Desta feita, a ação terapêutica inclui três aspectos heterogêneos: a</p><p>intervenção metódica no quadro da estrutura da clínica, a atitude de cuidado,</p><p>atenção e acompanhamento e a utilização de técnicas secundárias, adjuvantes</p><p>ou auxiliares.</p><p>TEMA 2 – A SUBVERSÃO DA CLÍNICA PSICANALÍTICA</p><p>A novidade trazida por Freud à clínica refere-se a mudanças estruturais,</p><p>ao invés de caminhar da semiologia para o diagnóstico e daí sustentar uma</p><p>hipótese etiológica. Freud faz um caminho contrário e parte do “ponto fraco” do</p><p>sistema – a terapêutica, cuja estrutura é dada pelo ponto de vista tópico,</p><p>dinâmico e econômico. Para isso, ele dá a palavra às histéricas abrindo um novo</p><p>campo discursivo completamente inédito.</p><p>Verifica-se, então, que o sistema estava adequado para que não se</p><p>passasse da semiologia à terapêutica sem passar pela diagnostica. E não se</p><p>chegasse à diagnóstica sem semiologia; e para que não se fosse da diagnóstica</p><p>à etiologia sem passar pela semiologia ou pela terapêutica. Por fim, era possível</p><p>conceber as circulações fechadas entre diagnostica e semiologia, ou a pequena</p><p>circulação envolvendo semiologia, diagnóstico e terapêutica.</p><p>Terapêutica Diagnostica</p><p>Etiologia Semiologia</p><p>A proposta de Freud se dá após a descoberta dos sintomas histéricos,</p><p>descreve Dunker, visto que as histéricas podiam simular os sintomas através da</p><p>sugestão hipnótica. E assim, conforme especificou Bercherie, “podemos falar em</p><p>clínica psicanalítica sob a condição de não esquecer que, nesta expressão</p><p>7</p><p>composta, o adjetivo é mais importante do que o substantivo, e os dois termos</p><p>são inseparáveis” (Bercherie, citado por Dunker, p. 440).</p><p>Portanto, podemos verificar que a clínica psicanalítica submeteu a</p><p>estrutura clínica aos seus próprios pressupostos, pelo qual Dunker declara que,</p><p>“a psicanálise subverte, na acepção forte do termo, o estatuto dos parâmetros</p><p>da clínica da qual se originou.” (p. 440). Pois, então, se o sentido de subversão</p><p>é inverter e deslocar o sentido de um processo, podemos pensar que a</p><p>psicanálise promoveu uma ruptura constitutiva quando passa da clínica do olhar</p><p>para uma clínica da escuta.</p><p>2.1 Semiologia</p><p>Freud abandona o sistema baseado na semântica orgânica, onde se</p><p>prescrevia a estabilidade dos signos em relação a seu referente, e passa a se</p><p>interessar pelo seu carácter singular e instável da ligação entre o significante e</p><p>o significado e pelo aspecto multifacetado e temporal da produção da</p><p>significação. Isso significa que numa conversão histérica, com paralisia de um</p><p>membro, isso se realiza sobre a representação que o sujeito faz desse membro,</p><p>e não pela sua estrutura anatômica, ou seja, é o órgão sociossimbólico e não o</p><p>órgão anatômico que é convertido.</p><p>Dessa forma, a clínica psicanalítica rompe com o estilo epistêmico em</p><p>relação aos relatos clínicos, pelo qual passa a realizar uma genealogia do sujeito</p><p>e uma arqueologia do sentido. Visto que, as regras de composição do sonho,</p><p>dos chistes, dos atos falhos e dos sintomas possuem uma semiologia própria,</p><p>da qual se assenta a noção de inconsciente.</p><p>2.2 Etiologia</p><p>No plano da etiologia, Dunke afirma que a psicanálise introduz uma</p><p>subversão correlativa da noção de causalidade, sendo este o tema que a domina</p><p>desde sua origem.</p><p>Ao contrário da tradição que reinava no período da publicação do Estudos</p><p>sobre histeria, onde era enfatizada a diagnóstica e a semiologia, Freud sempre</p><p>esteve concentrado na possível articulação entre etiologia e terapêutica, pelo</p><p>qual é possível verificar nos primeiros textos pré-psicanalíticos e principalmente</p><p>nas correspondências com Fliess, essa intenção.</p><p>8</p><p>Em Lacan a noção da etiologia passará por dois momentos de revisões:</p><p>no primeiro momento, a noção de causalidade é revertida pelo conceito de</p><p>estrutura. “A estrutura não é nem um mecanismo, nem uma rede de condições,</p><p>e também não se reduz à determinação dialética reflexiva, mas de certa forma,</p><p>pode ser construída de modo a agregar dentro de si todos estes modelos de</p><p>causalidade.” O segundo momento “reintroduz a noção de causalidade do sujeito</p><p>(alienação e separação como categorias existenciais) e objeto a causa de desejo</p><p>(como causa negativa) e depois disseminada na teoria do real sob as diferentes</p><p>expressões da causalidade negativa.” (p. 450 -51).</p><p>2.3 Diagnóstica</p><p>Nesse ponto, encontramos, talvez, a maior subversão, onde Freud, no</p><p>lugar de uma exaustiva classificação e de uma descrição objetivante, introduz</p><p>uma homogeneidade entre tratamento e diagnóstico. E se na psiquiatria a</p><p>posição de sujeito era tomada pelo discurso médico, representado pela figura do</p><p>médico, situação na qual o objeto era o paciente representado pelo seu corpo,</p><p>Freud inverte essa relação: aqui, o paciente é quem toma a posição de sujeito e</p><p>que será posto por condição do método clínico. Assim, o analista exercerá a</p><p>posição de objeto, ainda que no lugar de agente do discurso. Seguindo essa</p><p>estratégia, Dunker acrescenta:</p><p>O diagnóstico é a leitura dessas articulações entre traços, significantes</p><p>e sintomas em sua reatualização da realidade sexual do inconsciente,</p><p>ou seja, é o diagnóstico feito não apenas através da transferência, mas</p><p>da transferência. Isso implica uma reformulação radical da</p><p>psicopatologia. Ela não exprime quadros fixos para um observador</p><p>anônimo, mas formas mais ou menos regulares de transferência.</p><p>(Dunker, 2011, p. 457)</p><p>Portanto, se o trabalho do diagnóstico depende da semiologia, como</p><p>apresentamos acima, na psicanálise a semiologia não implica</p><p>que suas produções sejam ouvidas não como uma déficit, mas,</p><p>como uma linguagem, uma posição subjetiva que abre o caminho para fazer</p><p>advir o sujeito.</p><p>3</p><p>TEMA 1 – A PSICOSE</p><p>A psicose se diferencia da neurose e perversão e, foi a psicanálise que</p><p>evidenciou o seu mecanismo específico. Em Freud a psicose refere-se a um</p><p>estado de defesa rigoroso, no qual, o eu para se defender de representações</p><p>insuportáveis se refugiando na psicose. Dito de outro modo, o eu rejeita a ideia</p><p>inassimilável e expulsa-a para fora, se separando, assim, da realidade, visto que</p><p>essa ideia inassimilável está inseparavelmente ligada a um fragmento da</p><p>realidade.</p><p>O caso Schreber é um dos maiores textos da tradição psicanalítica, pois</p><p>trata-se do texto mais frutífero, no campo da psicose, escrito por Freud. Sua</p><p>análise decorre do livro autobiográfico do presidente Dr. Daniel Paul Schreber,</p><p>portanto, Freud só teve contato com Schreber pelo seu livro e nunca</p><p>pessoalmente. Na sequência, vamos conhecer o caso.</p><p>1.1 Um breve resumo do Caso Schreber</p><p>Daniel Paul Schreber era considerado um homem incomum, pois possuía</p><p>inúmeras capacidade analíticas e intelectuais para a sua época, sendo doutor</p><p>em direito e juiz-presidente da Corte de Apelação da Saxônia. Sua primeira crise</p><p>ocorreu quando tinha 42 anos - em seu registro médico constava o diagnóstico</p><p>de “hipocondria grave”. Schreber ficou internado por vários meses na clínica do</p><p>Dr. Flechsig, motivo pelo qual nutriu uma imensa gratidão ao doutor que lhe</p><p>curou.</p><p>Schreber escreve em sua biografia a frustração de não ter tido filhos.</p><p>Conta que, mesmo casado por tanto tempo e mesmo passados 8 anos após a</p><p>sua internação e tido momentos “muito felizes” ao lado de sua esposa, o fato de</p><p>não ter filhos o desagradava.</p><p>Aos 51 anos de idade, foi nomeado presidente da Corte de Apelação. E</p><p>antes de assumir o cargo, sonhou por diversas noites que estava enfermo</p><p>novamente. Relata, ainda, que em uma manhã, quando estava semiacordado,</p><p>surgiu-lhe um pensamento: “seria muito bom ser uma mulher submetendo-se ao</p><p>coito”. Essa ideia foi extremamente rejeitada por Schreber.</p><p>Passados alguns meses, após sua nomeação, Schreber começou a ter</p><p>insônia, que foi se agravando e juntou-se à sensação de “amolecimento”</p><p>cerebral. Em seguida, surgiram ideias de perseguição e prenúncios de morte,</p><p>4</p><p>somadas a sensibilidades à luz e ao barulho. Depois disso, vieram as</p><p>alucinações visuais e auditivas, nas quais se via morto e se decompondo,</p><p>acometido pela peste e lepra.</p><p>Schreber passou a ficar por horas submetido ao terror de sua alucinação,</p><p>chegando a desejar a morte e tentar o suicídio em vários momentos. O último</p><p>estágio do seu delírio ganhou ares místicos, no qual passou a se relacionar</p><p>diretamente com Deus.</p><p>1.2 O delírio de Schreber</p><p>Os delírios de Schreber seguem duas vertentes de suma engenhosidade.</p><p>Uma se configura em perseguição e a outra na sua transformação em mulher.</p><p>No primeiro momento do discurso delirante de Schreber, ele se acha perseguido</p><p>por ninguém menos que o próprio Deus. É Deus quem está no comando de um</p><p>complô contra a sua integridade física e ameaçando a sua sanidade mental - e</p><p>que, para isso, instrumentaliza de tudo que o cerca, utilizando até mesmo o Dr.</p><p>Flechsig para lhe atingir. Segundo o relato de Schreber, de sua segunda crise, o</p><p>Dr. Flechsig se apresentou como um “agente divino” que operou nele ligações</p><p>nervosas para falar-lhe em sua cabeça, sendo isso nomeado por Schreber de</p><p>“assassinato de alma”.</p><p>Nenhuma parte do corpo de Schreber é poupada. J. D. Nasio, em seu livro</p><p>Os Grandes Casos de Psicose (2001), traz um recorte da ameaça ao corpo de</p><p>Schreber, em que se descreve que: “retiraram-lhe seus intestinos. Seu esôfago</p><p>foi picado em pedacinhos. Suas costelas foram quebradas e ele engoliu parte da</p><p>laringe. Seu estômago foi substituído por um judeu. Os nervos da cabeça foram-</p><p>lhe arrancados”. Os “raios de Deus”, que atravessavam o corpo de Schreber, se</p><p>aproveitavam de qualquer “descuido” para fugir e nesse momento Schreber</p><p>emitia uivos, para mostrar a Deus que ainda estava vivo e não havia “perdido a</p><p>cabeça”.</p><p>No segundo momento de seu delírio, Schreber consente ser a mulher de</p><p>Deus, sendo esse o momento crucial, em que ele se transforma em mulher por</p><p>via de sua emasculação. Nasio aponta ainda que no auge do delírio de</p><p>perseguição, a emasculação destinava-se a humilhá-lo, a fim de que ele fosse</p><p>posto como uma prostituta para ser abusado sexualmente. A prova disso era que</p><p>os raios de Deus o chamavam de “miss Schreber”. Mas, nesse segundo</p><p>momento do delírio, Schreber aceita ser transformado em mulher pelo “bem da</p><p>5</p><p>humanidade”. Em suma, diz o autor, Schreber começou a se reconciliar com a</p><p>ideia de transformar-se em mulher, quando entendeu que esse era um</p><p>“propósito” de Deus, que reclamava por sua feminilidade para salvar a</p><p>humanidade: “é meu dever oferecer aos raios divinos a volúpia e o gozo que eles</p><p>buscam em meu corpo”. (Schreber, citado por Nasio, 2001, p. 51)</p><p>A missão de Schreber era criar uma humanidade (de raça “schreberiana”),</p><p>sendo essa construção delirante a solução de seu conflito.</p><p>TEMA 2 – AS LIÇÕES DO CASO SCHREBER</p><p>Freud, ao analisar o caso Schreber, abordou os seus sintomas</p><p>restabelecendo a função da doença, como sempre fez, pois, assim como o</p><p>inconsciente obedece a uma lógica em suas manifestações clínicas, na psicose,</p><p>ele demostra que também obedece a um rigor próprio dela.</p><p>Assim, ao confrontar-se com o delírio de Schreber, Freud propõe</p><p>encontrar uma ideia coerente e específica à ele, rompendo, desde aí, com a</p><p>tradição psiquiátrica. Freud apontou para a evolução sistemática e projetiva dos</p><p>delírios de Schreber, distinguindo como um caso de paranoia e separando-o</p><p>nosograficamente da esquizofrenia, pois, do ponto de vista teórico, Freud</p><p>sustenta sua teoria da libido - na qual o paranoico retira do mundo externo a</p><p>libido investida e reinveste no próprio eu. Foi o que aconteceu com Schreber,</p><p>quando seu mundo foi destruído.</p><p>Voltemos à irrupção da doença de Schreber, que, segundo Freud, se</p><p>originou de um conflito que o levou ao rompante da doença quando foi acometido</p><p>pela ideia inassimilável, na qual ele relata: “como seria bom ser mulher</p><p>submetendo-se ao coito”. Sendo, portanto, por essa via que a psicose surge,</p><p>como tentativa de resolver o conflito.</p><p>Freud, então, nos ensina, a partir do delírio de Schreber, que todo delírio</p><p>é uma tentativa de cura. Schreber, no caso, ao ser confrontado com ideias</p><p>“incompatíveis”, forma uma rede com vários elementos que parecem aleatórios,</p><p>contudo, a complexidade com que os elementos se conectam, demostra que, na</p><p>verdade, trata-se de uma “produção” que busca restabelecer o laço com a</p><p>realidade.</p><p>Portanto, Freud destaca que o desmonte do mundo de Schreber, isto é, o</p><p>surto, representa a retirada da libido dos objetos do mundo externo. E o</p><p>restabelecimento da libido é feito pelas formações delirantes. Freud diz: “A</p><p>6</p><p>formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é, na realidade,</p><p>uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução” (1996, p. 78).</p><p>Além disso:</p><p>Podemos dizer, então, que o processo da repressão propriamente dita</p><p>consiste num desligamento da libido em relação às pessoas – e coisas</p><p>– que foram anteriormente amadas. Acontece silenciosamente; dele</p><p>não recebemos informação, só podemos inferi-los dos acontecimentos</p><p>subsequentes. O que se impõe tão ruidosamente à nossa atenção é o</p><p>processo de restabelecimento [...]. Foi incorreto dizer que a percepção</p><p>suprimida internamente é projetada para o exterior; na verdade é, pelo</p><p>contrário, como agora percebemos, que aquilo que foi internamente</p><p>abolido retorna desde fora. (Freud, 1911, p. 78)</p><p>O trabalho do delírio tem, por fim, a construção da metáfora delirante, isto</p><p>é, a produção do falo – que para Schreber é a mulher de Deus,</p><p>que foi de ameaça</p><p>insuportável a uma saída benéfica – a redenção do mundo, via pela qual</p><p>Schreber restabelece a ligação com os outros.</p><p>2.1 Fenômenos elementares</p><p>Partindo da definição do sintoma como metáfora nas neuroses, os</p><p>fenômenos elementares são os que fazem sintoma nas psicoses, sendo a</p><p>expressão radical da passagem do simbólico para o real, ao que se refere ao</p><p>significante foracluído na estrutura do discurso inconsciente.</p><p>Os fenômenos elementares estão na estrutura psicótica. É Lacan, no</p><p>Seminário 3 (1956), que evidencia a lógica da composição estrutural dos</p><p>fenômenos elementares que estão postos e não são subjacentes à construção</p><p>do delírio, pois eles possuem a sua própria “força” constituinte nos trabalhos de</p><p>delírio, quer seja em uma de suas partes, ou em sua totalidade. “Isso quer dizer</p><p>que a noção de elemento não deve ser tomada aí de modo diferente da de</p><p>estrutura, estrutura diferenciada, irredutível à outra que não ela mesma” (p. 30).</p><p>Dessa forma, as psicoses e seus fenômenos possuem uma estrutura de</p><p>linguagem (bem como as neuroses) sendo que os sintomas psicóticos não</p><p>são os de metáfora e, sim, os que surgem pela falta da metáfora, sendo eles</p><p>os fenômenos elementares que estão ao nível do fenômeno e da causa da</p><p>psicose.</p><p>Os fenômenos elementares podem ser compreendidos pelo conjunto de</p><p>fenômenos que se enquadram na semiologia da psicose. São os elementos que</p><p>obedecem ao automatismo da repetição quando isolados. Uns podem</p><p>7</p><p>acompanhar toda a vida do sujeito, enquanto outros surgem ao desencadear</p><p>uma psicose.</p><p>Ao nível dos fenômenos, Lacan evidencia a alucinação verbal com o</p><p>“significante no real”. Trata-se daquilo que foi rejeitado no simbólico e que</p><p>reaparece no real - essa demarcação, aliás, é feita à propósito, para demostrar</p><p>que o significante é no real e não no sujeito, ao passo que ele “rompe” a cadeia</p><p>significante, que deixa de produzir significação. Colette Soler, no livro O</p><p>Inconsciente a Céu Aberto da Psicose, nos apresenta essa demarcação da</p><p>seguinte forma:</p><p>É essa expressão que ele (Lacan) emprega nesse momento.</p><p>“Significante no real” não quer dizer significante no percepto (aquele</p><p>que percebe) – o significante no percepto não é o único gênero do</p><p>significante no real. O significante está no real quando é rompida a</p><p>cadeia significante, que concatena os significantes para produzir</p><p>significação. (Soler, 2007, p. 198)</p><p>Para Lacan, a percepção é um campo ordenado pela relação do sujeito</p><p>com a linguagem - sendo assim, o perceptum (objeto percebido) depende da</p><p>articulação entre sujeito e linguagem. Contudo, o próprio sujeito é produto da</p><p>linguagem, ou seja, o sujeito também se constitui como efeito do significante,</p><p>sendo assim, a alucinação tem uma primazia sobre o sujeito. Soler sublinha: “Ao</p><p>contrário do que dizem todas as teorias clássicas que postulam que o perceptum</p><p>resulta de uma atividade do percipiens, o perceptum já é estruturado. Que a</p><p>estrutura, portanto, não vem do percipiens, mas já está no perceptum, e que,</p><p>além disso, é ela que determina o sujeito, que não é um simples percipiens”</p><p>(Soler, 2003, p. 35).</p><p>Portanto, a alucinação verbal é um fenômeno elementar, visto que é uma</p><p>estrutura que já está no perceptum, constituindo-se como paradigma da psicose.</p><p>Ou seja, os fenômenos da psicose decorrem, de fato, da fala, assim: “quando é</p><p>o outro que fala, ele sofre efeito de sugestão; quando ele quem fala, divide-se</p><p>entre locução e audição. Quando ele é alucinado, sua fala é ouvida como vindo</p><p>do outro” (Soler, 2003, p. 35), o sujeito está totalmente identificado ao seu eu</p><p>com que ele fala, ou o eu assumido como seu instrumento.</p><p>Para explicar o efeito da alucinação, Lacan (1988) expõe o caso de uma</p><p>paciente. Conta que ela vivia numa relação dual com a mãe, mas entre elas,</p><p>tinha uma vizinha que era considerada invasiva, pois sempre vinha bater na porta</p><p>quando as duas estavam em certa intimidade. Um dia, no caminho de casa, a</p><p>paciente encontra com o amante dessa vizinha e ouve-o chamando-a de “porca”.</p><p>8</p><p>No momento em que Lacan a examinou, perguntou-lhe em que ela pensava</p><p>imediatamente antes de ouvir a palavra “porca”. Ela lhe respondeu: “Eu venho</p><p>do salsicheiro”.</p><p>Com esse exemplo, Lacan explica que, ao nível simbólico, a alucinação</p><p>verbal consiste na foraclusão do Nome-do-Pai, no qual o eu permanece</p><p>oscilante, pois não recebeu um designo simbólico. Desse modo, o “porca” é o</p><p>significante que surge onde o sujeito mostra todos os paradoxos de uma</p><p>percepção singular. Pois o sujeito “cai”, sob o efeito de uma sugestão na qual o</p><p>outro é o porta-voz de um discurso que vai em sua direção para fazer suplência</p><p>ao seu eu, de uma intenção que se mantém em segredo para ele.</p><p>Assim, quando o amante da vizinha aparece, ele vai corresponder ao</p><p>chamado do Nome-do-Pai, o terceiro elemento, visto que ele faz emergir um</p><p>novo significante que descontrói a sua relação dual, mãe-filha, desestabilizando</p><p>o par a – a’, da relação especular da paciente. Passemos ao esquema L, para</p><p>situar a posição do significante na alucinação:</p><p>Figura 1 – Esquema L</p><p>Verifica-se que o lugar do significante do Nome-do-Pai é vazio, por isso,</p><p>o sujeito, em S, não consegue responder desde o lugar simbólico, em A; daí,</p><p>quando surge uma situação que abala a relação especular imaginária com o</p><p>outro (Eu-mãe), surge um significante desconhecido para o sujeito “porca”, mas</p><p>que designa o sujeito da frase “eu venho do salsicheiro”, não conseguindo se</p><p>sustentar na realidade.</p><p>E o que retornou no real? No real, retorna o foracluído do simbólico sob</p><p>forma de alucinação. No caso, “porca” é o significante que aponta para o ser de</p><p>objeto do sujeito. Lacan aqui se propôs a buscar no romance da vida do sujeito</p><p>as evidências que sustentam o seu delírio. Nessa paciente, foi possível encontrar</p><p>em seu histórico o relato de que, um dia, ela fugiu de seu ex-marido, pois,</p><p>pensava que ele e sua família queriam esquartejá-la como uma porca: “cortá-la</p><p>em rodelas”. Portanto, o significante “porca” é o seu nome de gozo, pois desvela</p><p>9</p><p>sua posição enquanto sujeito psicótico, visto que, no registro imaginário, o sujeito</p><p>desestabilizado é tomado pelo sentido corporal de despedaçamento.</p><p>Portanto, o que Lacan nos ensina é que, a alucinação verbal se situa no</p><p>interior dos paradoxos da percepção da palavra, em que a palavra escutada é a</p><p>própria palavra do locutor e em que se pode observar o fenômeno, sendo assim</p><p>a própria palavra do sujeito que vêm de fora, trazida pelo Outro foracluído.</p><p>TEMA 3 – PARANOIA</p><p>A paranoia, esquizofrenia e a melancolia são subestruturas da psicose,</p><p>que se encontram submetidas ao mecanismo da foraclusão do Nome-do-Pai.</p><p>Portanto, essa é a característica fundamental do diagnóstico da clínica</p><p>psicanalítica – remeter à estrutura que o condiciona.</p><p>O paranoico é um tipo clínico que Freud aproximou da neurose, pois ela</p><p>estava dentro do quadro do mecanismo de defesa, ao lado da histeria e neurose</p><p>obsessiva. Essa aproximação da paranoia com as neuroses foi explicada por</p><p>Antonio Quinet (2009) pelo mecanismo de retenção (Verhaltung).</p><p>A Verhaltung é um termo alemão que se traduz por “retenção”. A retenção,</p><p>posta como o mecanismo específico da paranoia, diz respeito a uma</p><p>identificação imediata a Um significante mestre. Segundo Lacan, foi pela teoria</p><p>psicanalítica, por meio do conceito energético da libido, que Freud discerniu um</p><p>ponto de fixação que pode dar conta da noção de retenção psíquica.</p><p>3.1 O Um da paranoia</p><p>A compreensão do mecanismo de retenção na paranoia pode ser buscada</p><p>desde Freud, como iremos verificar. No Rascunho K, sob a égide de uma</p><p>psiconeurose de defesa, Freud compara a neurose obsessiva com a paranoia,</p><p>pois, no que se refere ao primeiro encontro com o sexo, tanto uma quanto a outra</p><p>são acompanhadas de uma experiência de prazer excessivo, mas,</p><p>posteriormente quando essa recordação</p><p>é evocada, em estado de neurose</p><p>obsessiva ela vem acompanhada por uma recriminação, causando desprazer lá</p><p>onde havia prazer. Por outro lado, na paranoia, segundo Freud, o sujeito</p><p>paranoico não acredita na recriminação. Quinet explica assim:</p><p>A crença ou a descrença na recriminação primária (que acompanha o</p><p>gozo) determina a “escolha da neurose”, expressão de Freud para</p><p>designar em que tipo de “psiconeurose” se situará o sujeito. A</p><p>10</p><p>recriminação, na medida em que marca a Coisa gozosa como proibida,</p><p>é índice do Nome-do-Pai, é a expressão da lei ao nível do fenômeno.</p><p>A crença na recriminação promove o recalque desta, assim como da</p><p>cena de gozo recriminada. Deste recalque resultará o sintoma. a</p><p>descrença na recriminação corresponde a foraclusão do Nome-do-Pai.</p><p>A recriminação foracluída do simbólico retorna no real sob forma</p><p>frequente de injuria alucinatória. (Quinet, 2009, p. 98)</p><p>Seguindo o esquema freudiano, Quinet propõe a constituição do sintoma</p><p>sob dois significantes: o significante do gozo, que ao ser evocado na memória</p><p>se transforma no significante traumático (St), e o significante da lei, que provoca</p><p>a recriminação e que equivale ao Nome-do-Pai (Sl).</p><p>Na neurose obsessiva, os dois significantes (Sl – St) serão recalcados, na</p><p>paranoia o significante da lei é foracluído, enquanto o significante do trauma é</p><p>retido. E assim, diferentemente da neurose, onde o significante traumático é</p><p>recalcado e retorna na cadeia significante, Quinet sublinha que, na paranoia, o</p><p>significante do trauma fica “congelado” e retém, portanto, o sujeito, trazendo-lhe</p><p>um gozo excessivo e conotado de desprazer. Assim, o destino do significante da</p><p>lei e do significante do trauma na paranoia seguem o caminho descrito abaixo:</p><p>Encontro com o sexo</p><p>St Sl</p><p>Verhaltung Verwefung</p><p>Retenção do sujeito Retorno no real</p><p>St</p><p>$</p><p>Na paranoia, diferentemente do tipo clínico da esquizofrenia, o significante</p><p>do trauma não se pulveriza – o esquizofrênico sofre, de fato, de dispersão do</p><p>significante, como veremos mais adiante, mas o paranoico tem o seu significante</p><p>retido, sendo esse o significante que o aproxima da neurose.</p><p>Na neurose, o significante representa o sujeito para outro significante que</p><p>não o representa. Essa representação no significante coloca o sujeito em</p><p>afânise, ou seja, o sujeito se aliena e se separa do significante de causa do</p><p>sujeito, pois o neurótico é, por excelência, um sujeito dividido e essa separação</p><p>desliza na cadeia significante para se fazer representar por outros significantes.</p><p>11</p><p>Na paranoia, por outro lado, o sujeito está alienado ao significante que o</p><p>representa para outros significantes, de modo que ele se encontra totalmente</p><p>identificado a esse significante-mestre, que se inscreve como Um. O paranoico</p><p>é o Um da referência, sendo desse ponto que surge o principal fenômeno que o</p><p>caracteriza.</p><p>3.2 A autorreferência paranoica</p><p>Os fenômenos que estão na base da interpretação delirante, que foi</p><p>descrita por Sérieux e Capgras como “auto-referência mórbida”, diz respeito ao</p><p>significante retido pelo sujeito. Trata-se da significação dada, no qual o sujeito</p><p>se coloca como referência: “hoje entrou uma borboleta na minha casa e sempre</p><p>que ela entra, é um sinal pra mim”. Assim, os significantes se transformam em</p><p>signos que “se dirigem” a eles.</p><p>Seguindo os esclarecimentos de Quinet (2009), a autorreferência se</p><p>conjuga ao retorno do foracluído no real, no qual o primeiro diz respeito ao</p><p>significante traumático fixo no sujeito e o segundo diz respeito ao Nome-do-Pai</p><p>foracluído no Outro. Nesse sentido, a interpretação delirante estabelece a</p><p>significação que inicialmente está em suspenso no fenômeno da autorreferência</p><p>(St), em que o sujeito é tomado de perplexidade, mas, ao se conjugar com o</p><p>foracluído (Sl), o sujeito é tirado da perplexidade e lançado a uma certeza</p><p>delirante: “querem me matar”.</p><p>Assim, é pela falta de divisão subjetiva em que o sujeito paranoico é</p><p>movido por uma certeza absoluta, que ele acaba se tornando um atrativo</p><p>“hipnótico” (política, religião ou seitas) para o neurótico que vive aflito pelos seus</p><p>conflitos internos.</p><p>TEMA 4 – ESQUIZOFRENIA</p><p>Tanto a paranoia quanto a esquizofrenia se desenvolvem no âmbito do</p><p>registro imaginário, isto é, no campo do narcisismo, onde a imagem do eu se</p><p>constitui. Na esquizofrenia, Freud aponta para um ponto de regressão no</p><p>autoerotismo, sendo o paranoico localizado num ponto de regressão no</p><p>narcisismo. Desse modo, no esquizofrênico a imagem corporal se encontra</p><p>“despedaçada”, daí se especificando um corpo fragmentado que institui a</p><p>dispersão do sentido, enquanto na paranoia, a imagem corporal é unificada pela</p><p>12</p><p>identificação imediata à imagem do outro (a-a´), cujo sentido é fixo e o eu</p><p>megalomaníaco.</p><p>No registro real, o esquizofrênico goza de um corpo. A fala e o sentido são</p><p>fragmentados, pois o gozo está disperso de forma anárquica, enquanto na</p><p>paranoia, o gozo se encontra concentrado no Outro, o seu perseguidor que o</p><p>“ama” ou “odeia”. De modo que, no sentido do registro simbólico, o Outro do</p><p>paranoico é consistente, enquanto na esquizofrenia o Outro é ausente. Com</p><p>base nisso, Quinet apesenta um quadro comparativo entre paranoia e</p><p>esquizofrenia:</p><p>Tabela 1 – Quadro comparativo</p><p>Registro Paranoia Esquizofrenia</p><p>Imaginário</p><p>Retorno ao narcisismo</p><p>Fixação da imagem e sentido</p><p>Um corpo preso na imagem do outro</p><p>Eu megalomaníaco</p><p>Retorno ao auto-erotismo</p><p>Dispersão da imagem e sentido</p><p>Imagem do corpo despedaçado</p><p>Eu fragmentado</p><p>Real J(A) gozo do Outro Dispersão do gozo</p><p>Simbólico</p><p>Verhaltung (retenção) do Um</p><p>NP°</p><p>Outro consistente</p><p>Dispersão, não há Um significante</p><p>NPº</p><p>Outro fragmentado</p><p>Fonte: Elaborado com base em Quinet, 2009.</p><p>4.1 O corpo despedaçado do esquizofrênico</p><p>Todo funcionamento psíquico da esquizofrenia é, segundo Bleuler - o</p><p>médico que situou a esquizofrenia como uma causalidade psíquica na psiquiatria</p><p>- consequência do desaparecimento da ordenação exercida pela representação-</p><p>meta, pela qual o sujeito fica entregue a um estado de devaneio.</p><p>Para Freud (1900), a ausência da representação-meta pode ser</p><p>desastrosa, pois representaria um pensamento com desagregação psíquica, de</p><p>modo que a representação-meta inconsciente é que garante o encadeamento</p><p>significante, do mesmo modo como ocorre nos sonhos:</p><p>A psicanálise das neuroses aproveita imensamente as duas regras que</p><p>indicamos: ela sabe que, quando renunciamos às representações-</p><p>meta conscientes, são as representações escondidas que dirigem o</p><p>curso de nossas representações; e que as associações superficiais só</p><p>fazem substituir, graças ao deslocamento, as associações recalcadas</p><p>profundas. (Freud, citado por Quinet, 2009, p. 69)</p><p>13</p><p>Em Lacan verificamos que toda representação-meta presentes no</p><p>pensamento, consciente ou inconsciente, é tributária do significante-mestre (S1),</p><p>cuja inscrição logica se dá pela operação do Nome-do-Pai no Outro. Dito de outro</p><p>modo, é com a inscrição do Nome-do-Pai no lugar do Outro que o sujeito se situa</p><p>com desejante e seus pensamentos têm uma meta que o guiam. Quinet afirma</p><p>que sem representação-meta “não há produção de sentido, que é sempre sexual.</p><p>As representações-meta fundamentais e inconscientes do sujeito constituem os</p><p>significantes primordiais do sujeito de desejo” (Quinet, 2009, p. 70).</p><p>Quando falamos de esquizofrenia, nos referimos à ausência do S1, o</p><p>suporte das representações-meta do pensamento inconsciente/consciente.</p><p>Portanto, o sujeito esquizofrênico tem uma dispersão de significantes, visto que</p><p>falta o significante mestre, que encadeia hierarquicamente a cadeia significante.</p><p>Na esquizofrenia, então, o S1 não equivale à ordem significante</p><p>estruturada,</p><p>pois o que vemos é uma multiplicidade de S1 sem hierarquia alguma</p><p>que tende para o infinito. O matema proposto por Quinet (2009) para escrever a</p><p>dispersão, que se manifesta nas diferentes formas fenomenológicas é a</p><p>seguinte:</p><p>(S1(S1(S1(S1 → )))</p><p>Portanto, no lugar que deveria advir um S2 como produto da cadeia</p><p>significante, ocorre um conjunto vazio. Nesse sentido, os significantes se</p><p>alinham, constituindo uma cadeia ordenada sem o par significante e, o resultado</p><p>é a dispersão, sendo aí em que todos os fenômenos esquizofrênicos se formam.</p><p>TEMA 5 – MELANCOLIA</p><p>A melancolia na clínica psicanalítica refere-se ao terceiro tipo clínico da</p><p>psicose, contudo, na psiquiatria ela está sob a etiqueta de distúrbio bipolar, e no</p><p>senso comum, muitas das vezes, confundida como depressão. Mas, na verdade,</p><p>a melancolia trata-se de uma tristeza estrutural que deve ser diferenciada do luto,</p><p>um estado depressivo neurótico, pois os sujeitos melancólicos estão</p><p>identificados à dor de existir.</p><p>No célebre texto Luto e melancolia, Freud (1915) compara o trabalho do</p><p>luto à dor, mas, posteriormente, quando elabora o conceito de pulsão de morte</p><p>e o masoquismo primordial, é que ele caracteriza a economia da dor, onde ela</p><p>14</p><p>vai corresponder à satisfação da pulsão de morte, que se revela na perversão</p><p>masoquista, no gozo do sintoma e na melancolia. (Quinet, 2009)</p><p>No luto, a dor está relacionada a um gozo que de modo paradoxal provoca</p><p>dores e prazer que surgem na perda do ideal, sendo assim, a dor do luto está</p><p>diretamente vinculada à castração – e a cada perda o sujeito é remetido a ela.</p><p>No neurótico, declara Quinet, a castração se inscreve como a falta de um</p><p>significante que complete o Outro – (S(A)). Portanto, a perda está relacionada</p><p>ao objeto que escamoteia a castração. “A dor da depressão é a dor constitutiva</p><p>da castração, que, em vez de aparecer como angústia, deixa triste o sujeito com</p><p>a nostalgia do Ideal, saudade do Um que encobria a falta” (Quinet, 2009, p. 173).</p><p>A melancolia corresponde a uma dor, porém, Freud a diferencia do luto,</p><p>pois, diferentemente deste, que possui um objeto perdido, na melancolia, o</p><p>sujeito se constitui identificado ao objeto perdido.</p><p>5.1 A coisa melancólica</p><p>No Rascunho G, de 1885, Freud faz uma indicação à melancolia,</p><p>apresentando quatro constatações:</p><p>• Melancolia e anestesia sexual: uma falta de vontade de tudo e</p><p>principalmente sexual. Desejo = 0;</p><p>• Melancolia e neurastenia: perda de vitalidade e cansaço;</p><p>• Melancolia e angústia: diferente da neurose de transferência, não faz</p><p>economia de angústia;</p><p>• Melancolia e mania: onde a primeira pode se transformar na segunda.</p><p>Segundo Quinet, Freud não propõe uma bipolaridade, mas sim uma</p><p>existência de melancolia que pode ser transformada em mania, sem que</p><p>deixe de ser melancolia.</p><p>Assim, conforme o Rascunho G, a melancolia é um luto provocado pela</p><p>perda da libido. Lacan propõe, a partir daí, um “furo no psiquismo”, que promove</p><p>uma dissolução das associações, por onde a libido se esvanece. Sendo desde</p><p>aí onde se forma os delírios melancólicos de ruína. Quinet explica:</p><p>A hemorragia (da libido) é descrita como uma excitação escorrendo por</p><p>um furo, que funciona como um ralo. Esse furo no psiquismo é</p><p>equivalente ao furo no simbólico, à foraclusão do Nome-do-Pai. Lá</p><p>onde deveria estar o Nome-do-Pai não se encontra nada, só um furo,</p><p>um ralo aberto por onde toda a libido escoa. Para Freud, é isso que</p><p>explica a anestesia sexual, pois “todos os neurônios devem abandonar</p><p>15</p><p>a excitação”. É essa perda hemorrágica que é dolorosa. Em outras</p><p>palavras, é a dor do furo, do que é foracluído do simbólico, que é</p><p>desvelada na melancolia – dor que corresponde à anestesia sexual, à</p><p>abolição do desejo. (Quinet 2009, p.198)</p><p>Contudo, esse estado melancólico da estrutura melancólica, assim como</p><p>nos demais tipos clínicos da psicose, quando estão fora da crise, há algo que</p><p>funciona como uma suplência no psiquismo, que vem para suprir no imaginário</p><p>a falta simbólica do Nome-do-Pai, na melancolia essa suplência funciona como</p><p>uma tampa dos psiquismos. Esse tema em específico, abordaremos no</p><p>desdobrar da clínica com psicose.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Para pensamos o “Na Prática”, nos reportaremos ao filme Melancolia</p><p>(2011) do diretor Lars Von Trier. Sem, contudo, nos atermos as riquezas de</p><p>detalhes que compõem toda essa trama, mas atendo-nos apenas ao nosso foco,</p><p>para demostrar um caso de melancolia. Assim, faremos alguns recortes no</p><p>personagem que nos interessa: Justine.</p><p>O filme inicia com o casamento de Justine, uma luxuosa festa organizada</p><p>pela sua irmã mais velha, chamada Claire. O perfil de Claire é sem dúvida um</p><p>prato cheio para análise, uma mulher que além de cuidar de seu filho e marido,</p><p>está sempre tomando conta de Justine. O pai das irmãs é um homem bobo, com</p><p>imagem fraca e sem autoridade. Já a mãe é uma mulher hostil, que não gosta</p><p>de nada e não demostra interesse pelas filhas e muito menos se mostra</p><p>interessada na ocasião, pois, de fato, ela demostra que não queria estar no</p><p>casamento.</p><p>Justine é uma mulher que apesar de bonita, tem um rosto sombrio e um</p><p>olhar sem vida. Ela chega a sua festa de casamento, com o noivo, já com</p><p>bastante atraso, mas não demostra se importar com os convidados que os</p><p>espera. Ela está sorridente e aparentemente feliz com a ocasião, mas ao longo</p><p>da festa, logo essa imagem vai se desfazendo, demostrando um cansaço e um</p><p>olhar sofrido de quem não está aguentando mais.</p><p>Claire, ao perceber o estado de Justine, a pressiona pedindo para que ela</p><p>não estrague a festa. Em seguida Justine sai da festa e vaga sem rumo pelo</p><p>imenso jardim, tentando encontrar força para suportar aquilo, que para ela, não</p><p>fazia o menor sentido.</p><p>16</p><p>Quando Justine retorna à festa, tenta se manter por mais um pouco</p><p>animada, mas logo arruma um pretexto para abandonar o local novamente.</p><p>Justine então leva o sobrinho para a cama e vai tomar banho, enquanto todos a</p><p>espera para cortar o bolo.</p><p>Quando o noivo a leva para o quarto de núpcias, Justine pede para que</p><p>ele a aguarde por um instante, ela, então, desce para a festa e transa com um</p><p>convidado no jardim. Em seguida, volta para o salão da festa e começa a dançar</p><p>animada. No final da festa o noivo vai embora e diz para ela: “poderia ter sido</p><p>diferente” e ela responde: como? Pois, Justine sabia que a única coisa que ela</p><p>podia fazer era isso mesmo.</p><p>Outra fala marcante do filme é a de sua irmã, dizendo: “pensei que era</p><p>isso que você queria”, mas Justine demonstrava que não queria era nada.</p><p>O filme, na verdade, não adota o sentido dado por Freud à melancolia,</p><p>pois melancolia, no filme, é o nome do planeta fictício que irá se chocar com a</p><p>Terra. O que, para nós, é mais um ponto interessante, pois, ao saber da tragédia</p><p>a caminho, Justine consegue se recompor e até toma banho, dando sinais de</p><p>um revestimento libidinal no próprio corpo. Pois esse planeta, para Justine,</p><p>representava o Outro, vindo de fora e barrando o seu gozo. A destruição do</p><p>planeta não abala Justine como abala a sua irmã, pois Justine já vivia em um</p><p>mundo destruído.</p><p>FINALIZANDO</p><p>O caso Schreber é um dos maiores textos de tradição psicanalítica no</p><p>campo da psicose escrito por Freud. O texto é decorrente de uma análise de um</p><p>livro autobiográfico do presidente do Dr. Daniel Paul Schreber, um homem</p><p>incomum, pois possuía inúmeras capacidade analíticas e intelectual para a sua</p><p>época, doutor em direito e juiz-presidente da Corte de Apelação da Saxônia.</p><p>O adoecimento de Schreber se sustenta pelos delírios que seguem duas</p><p>vertentes de suma engenhosidade. Uma se configura em perseguição e a outra</p><p>na sua transformação em mulher.</p><p>Segundo Freud, todo delírio é uma tentativa de cura. Pois, Schreber ao</p><p>ser confrontado com ideias incompatíveis, forma uma rede com vários elementos</p><p>que parecem aleatórios, contudo, a complexidade com que os elementos se</p><p>conectam, demostra que, na verdade, trata-se uma produção que busca</p><p>restabelecer o laço com a realidade.</p><p>17</p><p>Nesse sentido, Lacan, no Seminário 3 (1956), evidencia a lógica da</p><p>composição estrutural dos fenômenos elementares das psicoses cujos</p><p>fenômenos possuem uma estrutura de linguagem, bem como as neuroses,</p><p>sendo que os sintomas psicóticos não são os de metáfora e, sim, os que surgem</p><p>pela falta da metáfora, sendo eles os fenômenos elementares que estão ao nível</p><p>do fenômeno e da causa da psicose.</p><p>O paranoico é um tipo clínico que Freud aproximou da neurose, pois, ela</p><p>estava dentro do quadro do mecanismo de defesa, ao lado da histeria e neurose</p><p>obsessiva. Essa aproximação da paranoia com as neuroses foi explicada por</p><p>Antonio Quinet (2009) pelo mecanismo de retenção (Verhaltung). A retenção</p><p>posta como o mecanismo específico da paranoia, diz respeito, a uma</p><p>identificação imediata, do sujeito paranoico, a Um significante mestre.</p><p>Na esquizofrenia, Freud aponta para um ponto de regressão no</p><p>autoerotismo e, o paranoico num ponto de regressão no narcisismo. Desse</p><p>modo, o esquizofrênico a imagem corporal se encontra despedaçada, daí um</p><p>corpo fragmentado que institui a dispersão do sentido. Outra diferença é que ao</p><p>contrário do paranoico, o esquizofrênico não tem um significante mestre. Assim,</p><p>o sujeito esquizofrênico tem uma dispersão de significantes, visto que falta o</p><p>significante S1, que encadeia hierarquicamente a cadeia significante.</p><p>A melancolia é uma tristeza estrutural, pois trata-se de uma dor que Freud</p><p>diferencia do luto, pois diferente deste que possui um objeto perdido, na</p><p>melancolia o sujeito se constitui identificado ao objeto perdido.</p><p>18</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>FREUD, S. (1895) Rascunho G, In Obras Completas, vol. 1. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1996.</p><p>________. (1911) Caso Schreber, In Obras Completas, vol. 12. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1996.</p><p>GUERRA, A. M. C. A Psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.</p><p>QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio</p><p>de Janeiro: Zahar, 2009.</p><p>LACAN, J. (1956). Livro 3 - As psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.</p><p>PISANI, C., CORIAT, A. Um caso de S. Freud: Schreber ou a paranoia. In</p><p>NASIO, J. D. Os Grandes Casos de Psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.</p><p>SOLER, C. O Inconsciente a Céu Aberto da Psicose. São Paulo: Companhia</p><p>das Letras, 2003</p><p>ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS</p><p>AULA 6</p><p>Profª Juliana Santos</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Nesta etapa, apresentaremos a terceira estrutura clínica – a perversão. E</p><p>é interessante pensar que, por mais que a psicanálise tenha cunhado o termo</p><p>perversão para designar um campo de estudo clínico e uma estrutura psíquica,</p><p>ainda se ouve, no dito popular, “você é um perverso” para adjetivar uma ação ou</p><p>fantasia que imputa certa crueldade.</p><p>A perversidade confere um sentido moral e religioso que a psicanálise,</p><p>mesmo depois de um século, não conseguiu barrar do senso comum. A partir o</p><p>século XIX, verifica-se um apelo jurídico ao discurso médico para intervir sobre</p><p>a responsabilidade do sujeito, o qual visa encontrar resposta para uma</p><p>“perversão” moral ou de ordem patológica.</p><p>O médico responderá, então, falando de monomanias instintivas</p><p>(Esquirol), de busca de excitação (Janet) e de parestesias (Krafft-Ebing), situa-</p><p>nos Philippe Julien (2003), autor do livro Psicose, perversão e neurose. Já a</p><p>perícia responderá a partir das classificações descritivas da perversão. Assim,</p><p>para responder ao juiz, faz-se semiologia, recenseamento e nomenclatura</p><p>(Julien, 2003, p. 102).</p><p>Contudo, segundo Julien, ao se submeter à demanda do judiciário na</p><p>tentativa de “proteger” a sociedade, a psiquiatria inibe o avanço da ciência das</p><p>causas. Portanto, o avanço da psiquiatria foi em dar resposta, visto que a clínica</p><p>não ficou reduzida à perícia.</p><p>A ausência de demanda em pesquisas se dá pelo fato de que o perverso</p><p>não é uma doença, mas trata-se de pessoas comuns em sua vida diária, cuja</p><p>sexualidade pode levá-los à anormalidade. Krafft-Ebing, em 1887, trouxe o</p><p>entendimento para sua época de que toda exteriorização do instinto sexual que</p><p>não vai na direção da natureza, isto é, da reprodução, é perversa. Subverter o</p><p>sentido da natureza é consentir com a violência da sexualidade, admitindo uma</p><p>satisfação sexual de um e do outro. Assim, para o autor, as perversões se</p><p>dividem em dois grupos:</p><p>As perversões se dividem em dois grandes grupos: primeiro aquelas</p><p>em que o objetivo da ação é perverso e é preciso pôr aqui o sadismo,</p><p>o masoquismo, o fetichismo e o exibicionismo; em seguida aquelas em</p><p>que o objeto é perverso, a ação o sendo quase sempre, em</p><p>consequência: é o grupo da homossexualidade, da pedofilia, da</p><p>gerontologia, da zoofilia e do autoerotismo. (Krafft-Ebing, 1887 citado</p><p>por Julien, 2003, p. 103)</p><p>3</p><p>A psiquiatria parou até certo ponto aí, estando, por outro lado,</p><p>salvaguardado o essencial: definir o punível e proteger o futuro, declara Julien.</p><p>Freud, com a psicanálise, rompe a condenação dada à perversão.</p><p>TEMA 1 – A PERVERSÃO</p><p>Freud abordou a perversão em diversas perspectivas, a fim de contrapô-</p><p>la à neurose e psicose. Contudo, ao estudar seus construtos teóricos e clínicos,</p><p>deparamo-nos com conceitos tênues e de referências confusas no que tange a</p><p>sua especificidade. Se comparada à neurose e psicose, parece que a perversão</p><p>ficou à margem da teoria. E, pensando conforme a psicanálise nos ensina,</p><p>podemos imaginar o quanto esse tema é revelador e traz à tona afetos sobre os</p><p>quais “nada queremos saber”. Mas, desafiando-nos a pensar sobre a perversão,</p><p>vemos que Freud, primeiramente, rompe a fronteira entre a perversão e</p><p>normalidade.</p><p>No texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905)</p><p>instaura um verdadeiro escândalo na sociedade ao declarar que toda criança é</p><p>“polimorficamente perversa”, pois trata-se de uma plasticidade pulsional no que</p><p>tange ao seu objeto, pois a sexualidade infantil, em sua gênese, tem uma libido</p><p>das pulsões parciais com objetos pré-genitais (oral, anal, escópica). Nesse</p><p>sentido, Freud afirma uma predisposição original e universal da sexualidade</p><p>humana perversa.</p><p>Desse modo, a perversão só poderia ser superada num tempo ulterior do</p><p>genital, em que as pulsões parciais infantis se unificam numa só pulsão e passa</p><p>a se dirigir a um objeto genital. Ainda nesse texto, Freud nos dá a formula</p><p>determinante que demarca o destino para uma neurose e perversão; diz: "A</p><p>neurose é, por assim dizer, o negativo da perversão" (Freud, 1905, p. 102).</p><p>Joel Dor (1991) destaca, em seu livro Estruturas e clínica psicanalítica, a</p><p>economia pulsional, na qual os sintomas neuróticos resultam sempre de um</p><p>recalcamento dos componentes pulsionais da sexualidade, respondendo com os</p><p>sintomas neuróticos, representados da seguinte forma por Freud: “[...] uma</p><p>conversão de pulsões sexuais que deveriam ser chamadas perversas (no</p><p>sentido amplo da palavra) se pudessem, sem se afastarem da consciência,</p><p>encontrar uma expressão em atos imaginários ou reais". (Freud citado por Joel</p><p>Dor, 1991, p. 33).</p><p>4</p><p>No texto Pulsões e suas vicissitudes (1915), Freud aponta para dois</p><p>destinos pulsionais que são característicos do processo perverso: a "inversão</p><p>em seu contrário" e o "retorno sobre a própria pessoa". Desde aí, ele começa a</p><p>orienta as suas investigações a buscar um mecanismo metapsicológico</p><p>inaugural da perversão.</p><p>O complexo de Édipo é pensado a partir da atribuição fálica à mãe, cujo</p><p>efeito gira em torno da questão da diferença do sexo, que, para a criança, gera</p><p>um enigma. Desse modo, a vivência edípica em seu desenvolvimento efetuará</p><p>a elaboração da resposta ao sexo, quando o pênis deixa de ser um bem comum.</p><p>Freud formula isso no texto A organização genital infantil, em que declara:</p><p>No decurso dessa pesquisa, a criança chega</p><p>à descoberta de que o</p><p>pênis não é um bem comum a todos os seres que se lhe assemelham</p><p>[...]. Sabemos como elas reagem às primeiras impressões provocadas</p><p>pela ausência de pênis. Negam esta ausência e creem ver, apesar de</p><p>tudo, um membro: lançam um véu sobre a contradição entre</p><p>observação e preconceito; achando que ele ainda está pequeno e que</p><p>crescerá dentro em pouco, chegam lentamente a esta conclusão, de</p><p>um grande alcance afetivo: antes, em todo caso, ele estava aí com</p><p>certeza, tendo em seguida sido retirado. A ausência de pênis é</p><p>concebida como o resultado de uma castração e a criança encontra-se</p><p>agora no dever de enfrentar a relação de castração com sua própria</p><p>pessoa. (Freud, 1923, p. 85-86)</p><p>A criança, contudo, não renuncia de bom grado a ausência fálica da mãe,</p><p>pois trata-se de algo que deveria estar lá, mas está como falta. A falta fálica da</p><p>mãe gera um confronto real com a diferença do sexo, o qual a criança não tem</p><p>interesse algum em acolher. Com efeito, declara Dor (1991), o real desta</p><p>diferença é precisamente aquilo que o remete a uma consequência insuportável</p><p>– a dimensão imaginária de sua própria identificação fálica, que, em última</p><p>análise, implica numa renúncia de gozo.</p><p>É sob essa construção teórica que Freud estabelece o curso da economia</p><p>psíquica, no qual se erige o arcabouço das estruturas psíquicas. Neste contexto,</p><p>diante da ameaça de castração, o sujeito, em uma possibilidade, recalca e forma</p><p>os sintomas neuróticos e, em outra possibilidade, só aceita a incidência da</p><p>castração sob a reserva de continuamente transgredi-la, sendo esse o caso da</p><p>perversão.</p><p>A estrutura perversa se constitui sob dois polos: de um lado, pela angústia</p><p>da castração; do outro lado, pela mobilização de processos defensivos</p><p>destinados a contorná-la, descreve Dor (1991, p. 36). Sob o escopo do processo</p><p>defensivo, Freud evidencia dois modos de organização do funcionamento</p><p>5</p><p>perverso, a fixação (e a regressão) e a denegação da realidade, sendo estes os</p><p>dois mecanismos respectivamente constitutivos da homossexualidade e do</p><p>fetichismo. Nesse sentido, Freud coloca a homossexualidade como uma</p><p>resposta de defesa narcísica diante da castração, em que a criança fixaria</p><p>efetivamente a representação de uma mulher provida do pênis no inconsciente,</p><p>persistindo ulteriormente, de maneira ativa, o dinamismo libidinal.</p><p>Dor (1991) chama atenção que, enquanto a homossexualidade masculina</p><p>verte sobre a estrutura perversa, a homossexualidade feminina não deixa claro</p><p>o mecanismo que a consente, pois a própria ideia de uma estrutura perversa em</p><p>mulher ainda gera questionamentos. Todavia, o autor afirma que, de fato, a</p><p>homossexualidade masculina inscreve-se em um dispositivo psíquico</p><p>radicalmente diferente daquele que preside a homossexualidade feminina (1991,</p><p>p. 36).</p><p>Do ponto de vista clínico, o aspecto do fetichismo é um processo</p><p>defensivo ainda mais complexo do que na homossexualidade. Ele se funda pela</p><p>negação da realidade, pois trata-se de uma recusa em reconhecer a diferença</p><p>do sexo: a ausência do pênis na mãe. O mecanismo de denegação da realidade,</p><p>é explicada em dois tempos: de um lado, a denegação da realidade propriamente</p><p>dita, isto é, o sujeito percebe a realidade, mas a rejeita, no intuito de neutralizar</p><p>a angústia da castração.</p><p>Entretanto, a diferença do que ocorre na homossexualidade, em que há</p><p>uma fixação da representação da mãe fálica, assume uma situação de</p><p>compromisso. No caso do fetichismo, já que a mulher, na realidade, não tem</p><p>pênis, o sujeito vai encarnar o objeto suposto faltar em outro objeto da realidade,</p><p>assim o objeto fetiche é, na verdade, uma encarnação do falo. Pelas próprias</p><p>palavras de Freud: "O fetiche é o substituto do falo da mulher (da mãe) no qual</p><p>acreditou a criancinha e ao qual nós sabemos por que ela não quer renunciar"</p><p>(Freud, 1927, p. 95).</p><p>Joel Dor (1991) situa o objeto fetiche em três formas de mediar a</p><p>castração: a) antes de tudo, o objeto fetiche permite a não renuncia ao falo; b)</p><p>permite conjurar a angústia de castração e dela se proteger; c) permite</p><p>finalmente escolher uma mulher como objeto sexual, visto que supostamente</p><p>possuir o falo.</p><p>6</p><p>TEMA 2 – A ESTRUTURA PERVERSA NA DIALÉTICA EDIPIANA</p><p>Aprendemos que a identificação fálica no início da vida é posta em</p><p>questão com a intrusão do pai imaginário, que surge na fantasia da criança como</p><p>o objeto fálico de desejo da mãe. O fato é que, através do surgimento do terceiro</p><p>elemento, nessa relação dual mãe-bebê evidencia para a criança que o amor da</p><p>mãe não é exclusivo dele, abrindo a expectativa de um desejo materno para</p><p>além dele. Assim, a presença do terceiro elemento na imagem do pai se inscreve</p><p>para a criança como rival, que disputa o desejo da mãe.</p><p>Na estrutura perversa, o traço da rivalidade reaparece como um</p><p>estereótipo do perverso, que está sempre desafiando o outro. E, paralelamente</p><p>ao desafio do perverso, está a transgressão. Segundo Dor (1991), o que institui</p><p>e, ao mesmo tempo, confronta o terreno rivalidade fálica imaginária é o</p><p>surgimento irreversível da diferença dos sexos, pois, para a criança, trata-se de</p><p>antecipar um universo de gozo novo que se apresenta por trás da figura paterna,</p><p>um gozo que ela supõe interditado. Portanto, “é efetivamente com o sinal desta</p><p>incidência que o perverso lança a sorte de sua própria estrutura. Permanecendo</p><p>cativa deste êxtase do desejo, a criança pode aí sempre encontrar um modo</p><p>definitivo em relação à função fálica” (Dor, 1991, p. 40).</p><p>O perverso faz, então, da assunção à castração sua base, sem nunca</p><p>admitir a falta que lhe comete. Assim, ele se aliena na falta não simbolizável, de</p><p>dimensão inesgotavelmente psíquica, que efetua a denegação ou, ainda,</p><p>renegação da castração da mãe.</p><p>Contudo, a falta introduzida pela imagem do pai é justamente o que</p><p>assegura ao perverso a mobilização do desejo em direção à possibilidade de</p><p>uma nova dinâmica para a criança. Nessa perspectiva, a leitura que Lacan dá à</p><p>questão da falta do Outro e à dialética do desejo na estrutura perversa deve ser</p><p>buscada pela via da identificação ao falo.</p><p>2.1 A dialética do desejo</p><p>É em torno do significante da falta no Outro, S(A), que a questão da</p><p>perversão se impõe, como um ponto de báscula que se introduz no processo de</p><p>da estruturação do sujeito. Nesse sentido, Joel Dor declara que será a</p><p>sensibilidade da criança para abdicar do pai imaginário e acender ao pai</p><p>7</p><p>simbólico que determinará a sua constituição estrutural entre neurose e</p><p>perversão.</p><p>Assim, seguindo a explicação de Joel Dor, o pai aparece para a criança</p><p>como tendo aquilo que a mãe deseja ou, pelo pressentimento do perverso, como</p><p>sendo suposto ter o que a mãe é suposta a desejar junto a ele. Portanto, “esta</p><p>atribuição fálica do pai é justamente o que o institui como pai simbólico, ou seja,</p><p>o pai enquanto representante da Lei para a criança, portanto o pai enquanto</p><p>mediação estruturante do interdito do incesto” (Dor, 1991, p. 41).</p><p>Contudo, o perverso não quer saber nada da falta que a sombra do pai</p><p>simbólico impõe para ele; desse modo, o sujeito denega a falta, isto é, não</p><p>simboliza a falta no Outro. Dito de outro modo, a criança se encerra numa</p><p>convicção contraditória, na qual, por um lado, a criança entreve que a mãe, que</p><p>não tem o falo, deseja o pai porque ele o tem ou porque ele é o falo; por outro</p><p>lado, se a mãe não tem, talvez ela pudesse ter? E, para isto, basta-lhe ser</p><p>atribuído imaginariamente a atribuição fálica.</p><p>O desejo da criança, declara Santos e Besset (2013), faz-se desejo</p><p>encarnado pela mãe onipotente: por um lado, por razões de se sujeitar àquela</p><p>que lhe satisfaz todas as necessidades, e, por outro lado, pelo capital de gozo</p><p>que ela lhe assegura para além das necessidades. Nesse sentido, na estrutura</p><p>perversa, o sujeito se identificará ao falo que faz da mãe um Outro onipotente.</p><p>Lacan (1958) diz</p><p>assim:</p><p>Todo o problema das perversões consiste em conceber como a</p><p>criança, em relação com a mãe, relação esta constituída na análise,</p><p>não por sua dependência vital, mas pela dependência de seu amor,</p><p>isto é, pelo desejo de seu desejo, identifica-se com o objeto imaginário</p><p>desse desejo. Ne medida em que a própria mãe o simboliza no falo.</p><p>(Lacan, 1958, p. 561)</p><p>A identificação ao falo imaginário da mãe visa, então, restabelecer o gozo</p><p>perdido pela inscrição do pai simbólico. Portanto, é em razão da sua economia</p><p>de gozo que o perverso entra na dialética do desejo e se mantém</p><p>imperativamente “fixado em sua gestão cega”, pela qual reafirma a sua lei do</p><p>desejo como única. Assim, Dor (1991) destaca que é pela “lei do seu desejo” que</p><p>podemos situar os diferentes expedientes do funcionamento perverso e os traços</p><p>estruturais que o caracterizam: o desafio e a transgressão, sendo estas as duas</p><p>saídas para o desejo perverso.</p><p>8</p><p>TEMA 3 – ENTRE AS NEUROSES E PERVERSÃO</p><p>Os traços estruturais que caracterizam a perversão podem ser</p><p>observados tanto na neurose obsessiva quanto na histeria. Contudo, a</p><p>transgressão não se articula ao desafio da mesma maneira. Desse modo, para</p><p>estabelecer um diagnóstico diferencial, é preciso que reconheçamos, de maneira</p><p>específica, a relação do sujeito com o Outro. Portanto, é apenas na relação</p><p>transferencial que sem tem essa resposta. Joel Dor evidencia a oposição entre</p><p>neurose e perversão da seguinte forma:</p><p>No perverso, a problemática da denegação se organiza de modo</p><p>diferente. Enquanto na histeria e na neurose obsessiva, é a posse</p><p>imaginária do objeto fálico que é desafiada, nas perversões, é</p><p>fundamentalmente a Lei do pai. O desafio da Lei do pai, no perverso,</p><p>situa-se essencialmente na vertente da dialética do ser. No obsessivo,</p><p>como no histérico, o desafio concernindo à posse do objeto fálico se</p><p>situa, em contrapartida, na alternativa do ter ou não ter. (Dor, 1991, p.</p><p>48)</p><p>No entanto, no que concerne ao diagnóstico diferencial, para que ele seja</p><p>operatório, ainda há de considerar o caráter imperativo, no qual o perverso faz</p><p>intervir o seu desejo como única lei do desejo que ele reconhece, pois, no</p><p>neurótico, o desejo se funda pela lei do desejo do Outro, que tem sua</p><p>inauguração com a inscrição do significante do Nome-do-Pai. Na perversão, a</p><p>lei do pai só é articulada para desafiá-la, por meio de tudo aquilo que ela impõe</p><p>enquanto simboliza a falta. Joel Dor declara:</p><p>Desafiando esta Lei, ele recusa, em definitivo, que a lei do seu desejo</p><p>seja submetida à lei do desejo do outro. O perverso põe, então, em</p><p>ação duas opções: de um lado, a predominância da lei do seu desejo</p><p>como única lei possível do desejo; por outro lado, o desconhecimento</p><p>da lei do desejo do outro como a que viria mediar o desejo de cada um.</p><p>(Dor, 1991, p. 48)</p><p>Assim, a lei do pai é posta pelo perverso como um limite que ele</p><p>demonstra para, em seguida, ultrapassar. É dessa estratégia que o perverso</p><p>efetivamente goza. Contudo, para isso, o sujeito perverso busca um cúmplice ou</p><p>uma testemunha, imaginária ou real, que possa testemunhar o seu agir frente à</p><p>castração. Nesse sentido, Dor evoca a passagem Jean Clavreul:</p><p>É claro que é enquanto portador de um olhar que o Outro será o</p><p>parceiro, isto é, antes de tudo o cúmplice, do ato perverso. Tocamos,</p><p>aqui, no que distingue radicalmente a prática perversa, onde o olhar do</p><p>outro é indispensável, porque necessário à cumplicidade sem a qual</p><p>não existiria o campo da ilusão, e o fantasma perverso que não só se</p><p>acomoda muito bem com a ausência do olhar do outro, mas necessita</p><p>9</p><p>para ter êxito, se satisfazer na solidão do ato masturbatorio. Se o ato</p><p>perverso se distingue sem equívoco do fantasma, será, então, nesta</p><p>linha em que se inscreve o olhar do Outro que discerniremos a</p><p>fronteira, olhar cuja cumplicidade é necessária para o perverso,</p><p>enquanto é denunciador para o normal e para o neurótico. (Clavreul</p><p>citado por Dor, 1991, p. 49)</p><p>Desse modo, o perverso acessa o seu gozo, fazendo desencaminhar o</p><p>Outro com relação às balizas e aos limites que o inscreve diante da lei, pois, para</p><p>o sujeito perverso, é essa experiência de “devassidão”, isto é, da extração do</p><p>Outro do sistema que importa.</p><p>3.1 O terceiro cúmplice</p><p>O gozo perverso é, então, acessado através de sua estratégia de conciliar</p><p>o impossível: de um lado, a prevalência da lei do seu desejo como única lei</p><p>possível do desejo; do outro lado, o reconhecimento do desejo do outro como</p><p>instância que vem mediar o desejo de cada um. Essencialmente, o interesse</p><p>perverso é despertar a convicção de um terceiro de quem ela talvez “não o seja”,</p><p>isto é, seu interesse não está em relação ao Outro, e, assim, em capturá-la. “O</p><p>perverso é assim levado a colocar, primeiramente, a lei do pai (e a castração)</p><p>como um limite existente, a fim de melhor demonstrar em seguida que ela talvez</p><p>não seja, já que se pode sempre aceitar o risco de transpô-la” (Dor, 1991, p.</p><p>135).</p><p>Portanto, a convocação do terceiro cúmplice é necessária para sustentar</p><p>a assunção do gozo perverso, que remonta, de forma metonímica, a gênese da</p><p>ordem inaugural que a fez nascer tanto quanto sustentou, a saber, a mãe. É,</p><p>neste sentido, destaca Joel Dor, que o agir perverso somente pode assegurar-</p><p>se de seu prêmio de gozo, por meio de um terceiro cúmplice, cuja presença e</p><p>olhar lhe são indispensáveis.</p><p>TEMA 4 – A MÃE FÁLICA</p><p>O ponto fundamental no qual a estrutura perversa se ancora se encontra</p><p>indubitavelmente na questão da identificação fálica, que se sustenta pela</p><p>conjunção de dois fatores determinantes: a cumplicidade libidinal da mãe e a</p><p>complacência silenciosa do pai.</p><p>A cumplicidade materna manifesta-se no terreno da sedução, pois trata-</p><p>se de uma cumplicidade erótica que se exprime sobretudo em suas respostas</p><p>10</p><p>às demandas eróticas da criança. “Respostas que a criança inevitavelmente</p><p>recebe como testemunhos de reconhecimento e encorajamento”, pois, conforme</p><p>declara Dor, é uma resposta que a criança encara como um verdadeiro chamado</p><p>para o gozo, na medida em que mantém a atividade libidinal do filho junto à mãe.</p><p>No entanto, este apelo sedutor permanece hipotecado com um pesado equívoco</p><p>– o desejo da mãe concernente ao pai, pois o pai não deixa de aparecer como</p><p>um verdadeiro intruso, e a mãe não confirma esse desejo. Assim, o apelo</p><p>sedutor da mãe se organiza tanto nos registros de “dar-se a ver” quanto nos de</p><p>“dar-se a entender”, que se traduz no momento crucial do Édipo, tornando-se um</p><p>verdadeiro convite ao tormento para a criança. Ocorre que, por mais que a</p><p>criança perceba uma autêntica incitação ao gozo, já que não estamos tratando</p><p>de uma fantasia, na maioria das vezes, a mãe se silencia diante da questão do</p><p>desejo que se supõe ao pai.</p><p>É, então, na medida em que se instaura esta ambiguidade que a atividade</p><p>libidinal da criança se desenvolve junto à mãe, pois, desde então, ela passa a se</p><p>esforçar por seduzir cada vez mais, “na esperança de levantar esta dúvida em</p><p>relação à intrusão paterna” (Dor, 1991, p. 52). Assim, diante da sedução materna</p><p>que paralelamente coincide com uma interdição à mãe, a criança encontra</p><p>cumplicidade na mãe para transgredir a lei do pai. E, por outro lado, o pai se</p><p>mostra complacente, despossuindo, de bom grado, da representação de sua</p><p>função simbólica. “Se, nesse caso, podemos falar da complacência silenciosa do</p><p>pai, é em referência à aptidão que ele demonstra em delegar sua própria palavra</p><p>através da palavra da mãe, com toda a ambiguidade que a coisa supõe” (Dor,</p><p>1991, p. 52).</p><p>Portanto, a criança se aliena ao jogo de sedução materna, que coloca</p><p>como plano de fundo a função simbólica do pai. A consequência deste processo</p><p>é vista desde o ponto de vista clínico, no qual a mãe fálica está posta de forma</p><p>definitiva na fantasia, sendo essa a gênese da ordem que funda o seu desejo.</p><p>Desse modo, a imagem da mulher fálica</p><p>o acompanhará a cada estratégia</p><p>desejante a respeito das mulheres, dirá Joel Dor, “com o risco de procurar</p><p>algumas vezes e encontrá-las, apesar de todos os obstáculos, na pessoa de</p><p>outros homens” (Dor, 1991, p. 111).</p><p>11</p><p>4.1 O fetiche</p><p>O objeto fetiche é o paradigma da perversão. Ele funciona como um</p><p>memorial que é posto no lugar da falta. Porém, ao cobrir a falta, marca-se, mais</p><p>que tudo, a existência desse vazio, que é resultado de uma operação simbólica.</p><p>Lacan, no seminário 4, A relação de objeto (1957), relança o olhar sobre o caso</p><p>do pequeno Hans, para demostrar a reação de Hans diante a calcinha da mãe,</p><p>apontando, desde aí, constituição do objeto fetiche.</p><p>O essencial é o seguinte: as calças em si mesmas estão ligadas para Hans a</p><p>uma reação de repulsa. Mais que isso, o pequeno Hans pediu que se</p><p>escrevesse a Freud, dizendo que quando viu as calças, ele havia cuspido,</p><p>caído no chão e depois fechara os olhos. É por causa desta reação que a</p><p>escolha está feita: o pequeno Hans jamais será um fetichista. Se ele</p><p>houvesse reconhecido, ao contrário, essas calças como seu objeto […] ficaria</p><p>satisfeito com elas, e se teria tornado fetichista, mas como o destino quis</p><p>outra coisa, o pequeno Hans fica repugnado pelas calças. Só que ele explica</p><p>que, quando a mãe as usa, a coisa é outra. Aí elas não são mais repugnantes,</p><p>em absoluto. Aí está toda a diferença. Ali onde elas poderiam se oferecer a</p><p>ele como objeto, quando as calças estão ali em si mesmas, ele as rejeita.</p><p>Elas só conservam sua virtude, se assim podemos dizer, estando em função,</p><p>ali onde ele pode continuar a sustentar o engodo do falo. (Lacan, 1957, p.</p><p>359)</p><p>Nesse sentido, observa-se que Lacan estabelece uma relação clara com</p><p>a repugnância da calcinha, como uma recusa de tomá-la como objeto. Desse</p><p>modo, segundo o autor, Hans não se posiciona como um fetichista. Contudo, a</p><p>solução provisória para se proteger da mãe insaciável se dá pelo</p><p>desenvolvimento de uma fobia.</p><p>Assim, para Lacan, tanto o objeto fóbico e o objeto fetiche são soluções</p><p>imaginárias na trama edípica para lidar com o horror da castração materna. Do</p><p>lado da fobia, encontramos o “nada de saber” sobre a castração, pois trata-se do</p><p>recalque nos termos freudiano, em que a eficácia do saber inconsciente é que</p><p>fabrica o sintoma. Enquanto isso, no fetiche, a eficácia se manifesta pela</p><p>constituição do objeto substitutivo que vela a verdade da castração.</p><p>Nesse sentido, o objeto fetiche funciona como lembrança encobridora,</p><p>cuja natureza é de variedade infinita, mas a ligação tem por via de regra o</p><p>deslocamento do olhar para a falta do pênis. O objeto fetiche guarda, portanto,</p><p>essa dupla vertente no inconsciente: por um lado, a recusa e por outro a</p><p>afirmação da castração, constituindo no sujeito uma clivagem do eu. Por fim,</p><p>Lacan (1957) afirma que o objeto fetiche não é o falo, “mas o véu por trás do</p><p>qual se deixa desenhar a possibilidade de sua presença escondida”.</p><p>12</p><p>TEMA 5 – A IDENTIFICAÇÃO AO FALO NA PERVERSÃO E PSICOSE</p><p>O sujeito, como enfatizamos ao longo desse estudo, é efeito de</p><p>linguagem. Assim, a sua constituição estrutural deve ser pensada a partir da</p><p>estrutura edípica, composta por quatro elementos (criança, mãe, falo e pai), pois</p><p>é desde aí que cada sujeito internaliza o interdito, função da inscrição do Nome-</p><p>do-Pai no Outro, cujo efeito é S(A).</p><p>Assim, a lei do significante do Nome-do-Pai pode ser buscada como o</p><p>agente discriminador da estrutura psíquica. Portanto, nos processos de</p><p>estruturação da perversão e da psicose, ele também pode ser buscado no lugar</p><p>em que esse significante fará significação para o sujeito.</p><p>Joel Dor (1991) explica que é na diferença entre significante da lei e</p><p>significação da lei que, de fato, podemos dizer que o perverso "escapa" à</p><p>psicose. No perverso, mesmo que de forma radicalmente marginal, o significante</p><p>da lei permanece relacionado à única instância que lhe garante seu caráter</p><p>obrigatório, ou seja, pelo significante do Nome-do-Pai.</p><p>A atribuição do falo à mãe só é possível, portanto, pela lógica do registro</p><p>simbólico, no qual a criança, ao se confrontar com castração da mãe, isto é, a</p><p>falta de pênis, concebe essa falta pela referência àquele que o tem. Desse modo,</p><p>a atribuição fálica paterna surge no horizonte da interrogação fantasmática do</p><p>perverso sobre a diferença dos sexos. Assim, a atribuição fálica paterna é</p><p>estabelecida, mesmo que no limite, a preço de coexistir a atribuição contraditória</p><p>do falo à mãe (Dor, 1991).</p><p>Na psicose, a identificação fálica da criança persistira, pois o significante</p><p>da lei não opera, portanto não efetua nenhuma significação sobre o Desejo da</p><p>Mãe. Assim, nos termos lacanianos, a forclusão do Nome-do-Pai só ocorre pelo</p><p>que ele evoca ou pelo que ele significa. Nesse sentido, Joel Dor sublinha que o</p><p>psicótico tem, então, uma certa experiência da castração, mesmo que essa</p><p>castração não tem, para ele, nenhuma inserção simbólica, visto que ela escapa</p><p>a qualquer tentativa de simbolização. Dito de outro modo, a foraclusão do Nome-</p><p>do-Pai não pode ser pensada como forclusão da castração, pois, na verdade, é</p><p>por essa via que se pode supor que o psicótico toma conhecimento da castração.</p><p>No caso das perversões, então, o significante do Nome-do-Pai substitui,</p><p>na metáfora paterna, o significante do desejo da mãe. Contudo, o significante</p><p>fálico somente se presta a essa substituição metafórica com algumas reservas,</p><p>13</p><p>pois ele estará se referido a uma atribuição paterna, ainda que seja no estado</p><p>de suposição, considerando que o pai não soube dar provas disso. Essa</p><p>ausência de prova, destaca Joel Dor, é o que induz à uma trajetória de "curto-</p><p>circuito", que confere ao significante fálico uma referência ambígua. Nesse</p><p>sentido, o perverso estará continuamente descobrindo um lugar onde ele</p><p>permanece fundamentalmente “aquém da castração”. Por outro lado, o psicótico</p><p>ficará alienado nesse lugar, aquém da castração, preso a uma identificação</p><p>fálica.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Para demonstrar o modo como a estrutura perversa se presentifica na</p><p>clínica, tomaremos um recorte de um caso clínico, de forma literal, apresentado</p><p>por Paul Lemoine no livro Clínica lacaniana: casos clínicos do campo freudiano</p><p>(1994) e nomeado como “O homem da caneta Bic”.</p><p>O caso retratado é de um homem de vinte e oito anos que procurou</p><p>atendimento porque desejava livrar-se de um sintoma incômodo: não conseguia</p><p>fazer amor se não desenhasse, no peito da mulher, uns traços com uma caneta</p><p>Bic. Ele chamava esses traços de “tatuagens”. Não eram desenhos realmente,</p><p>mas traços quaisquer. Esse era o meio pelo qual a ereção, que sumia assim que</p><p>ele a penetrava, podia se manter. Desse modo, declara Lemoine, as "tatuagens”</p><p>tinham o valor de fetiche.</p><p>O motivo dele, que deseja se libertar de seu sintoma, era, em grande</p><p>parte, por causa das reações da mulher, que não cedia sem mal-estar a essas</p><p>práticas extravagantes e que temia que elas pudessem atingi-la profundamente.</p><p>"Faz meia hora que decidimos nos separar", começou o paciente no momento</p><p>da primeira consulta – a esposa o acompanhava. A separação veio de fato a</p><p>realizar-se só alguns anos depois.</p><p>Logo, fica claro que essa necessidade de tatuagem tem sua origem numa</p><p>fala da mãe. "Se eu perdesse um de meus filhos na multidão, eu o reconheceria</p><p>pelo sinal no braço". Lemoine conta que isso se referia ao filho mais velho e ao</p><p>caçula, porque o paciente estava desprovido de sinal (na pele). Todos os quatro</p><p>estavam numa feira, tendo ele se perdido entre os carrinhos elétricos que se</p><p>entrechocavam.</p><p>Relata que, na primeira vez que aplicou a “tatuagem” no corpo, estava</p><p>sentado junto de uma escrivaninha onde tinha, diante de si, uma jovem colegial,</p><p>14</p><p>na qual ele aplica, no peito e na coxa (zona mais erógena que o braço), um</p><p>carimbo da fábrica do pai e vai ao pátio, onde sobe numa árvore, como Tarzan.</p><p>Temia</p><p>e desejava ser visto pelos operários do pai. Em seguida, volta para a sala</p><p>e masturba-se.</p><p>Essa prática passa a acompanhá-lo. Em outra época, mais adulto, ele se</p><p>aplicou no escritório um carimbo de um chefe que lhe fazia medo, cujas inscrição</p><p>era "Para classificar"; depois, foi ao banheiro e masturbou-se. Ele gozava não só</p><p>dos carimbos cinzentos, mas coloria também seu corpo com pintura a óleo e</p><p>traçava também desenhos. Um dos operários do pai, tatuado desde o serviço</p><p>militar, tinha com ele uma relação particular: iam urinar juntos num muro da</p><p>fábrica. Era uma maneira, pensava, de se virilizar, e conservou dessas práticas</p><p>um forte erotismo uretral. De modo que, tendo percebido operários tatuados, já</p><p>adulto, vai urinar num mictório e depois volta para olhá-los com admiração.</p><p>A recordação de infância que evoca quase sempre é de uma cena em</p><p>que, tendo ele ficado no leito até tarde, sua empregada, que arrumava a cama</p><p>do irmão caçula, lhe diz: "Se você borrar na cama, vou lambuzar você." E o</p><p>caçula acrescentou: "Eu vou pintar você com minhas tintas." Tatuando-se, ele se</p><p>identifica com a mulher, com a sua submissão no ato sexual e finalmente com a</p><p>mãe, de quem ele, assim, obtém o amor, por estar marcado como os irmãos.</p><p>Tatuar-se, segundo ele, é aviltar-se para ser amado: "Aviltar-me no amor</p><p>é submeter-me e tentar reviver... Sou castrado e tenho tatuagens, o que me</p><p>assimila às mulheres." A tatuagem, para ele, tem a mesma necessidade de</p><p>qualquer outro objeto no fetichista. É sua necessidade que lhe faz temer a cura:</p><p>Se elimino as tatuagens, tenho medo de não ter mais sexo. Por isso é</p><p>que procuro um sexo não importa onde, até na máquina fotográfica,</p><p>por exemplo. Como compreender que o primeiro sexo que eu recuso é</p><p>o que tenho verdadeiramente? Se me amarro na tatuagem é para</p><p>procurar o gozo. Ele não é coisa de homem, pois que minha mãe me</p><p>fez compreender que eu não podia ter gozo com o meu sexo</p><p>masculino, era proibido.</p><p>Portanto, a parir do que estudamos e conforme confirma Lemoine, a</p><p>prática da tatuagem era um verdadeiro rito para evitar o confronto com a</p><p>angústia.</p><p>FINALIZANDO</p><p>• A perversão, na psicanálise, trata-se de uma estrutura clínica, cujo</p><p>mecanismo específico é a denegação, que opera sob dois polos: de um</p><p>15</p><p>lado, pelo horror da castração no Outro; e por outro lado, pela mobilização</p><p>de processos defensivos destinados contornar a falta no Outro.</p><p>• Contudo, é em torno do significante da falta no Outro, S(A), que a questão</p><p>da perversão se impõe, como um ponto de báscula que se introduz no</p><p>processo de estruturação do sujeito. Nesse sentido, será a sensibilidade</p><p>da criança de abdicar do pai imaginário e acender ao pai simbólico que</p><p>determinará a sua constituição estrutural entre neurose e perversão.</p><p>• No que concerne ao diagnostico diferencial, para que ele seja operatório,</p><p>ainda há de considerar o caráter imperativo, no qual o perverso faz intervir</p><p>o seu desejo como única lei do desejo que ele reconhece, pois, enquanto</p><p>neurótico, o desejo se funda pela lei do desejo do Outro, que tem sua</p><p>inauguração com a inscrição do significante do Nome-do-Pai. Na</p><p>perversão, a lei do pai só é articulada para desafiá-la através de tudo</p><p>aquilo que ela impõe enquanto simboliza a falta.</p><p>• O apelo sedutor da mãe se organiza tanto nos registros de “dar-se a ver”</p><p>quanto nos de “dar-se a entender”, que se traduz no momento crucial do</p><p>Édipo, tornando-se um verdadeiro convite ao tormento para a criança.</p><p>Ocorre que, por mais que a criança perceba uma autêntica incitação ao</p><p>gozo, já que não estamos tratando de uma fantasia, na maioria das vezes,</p><p>a mãe se silencia diante da questão do desejo que se supõe ao pai.</p><p>• A diferença entre significante da lei e significação da lei é que, de fato,</p><p>podemos dizer que o perverso "escapa" à psicose. No perverso, mesmo</p><p>que de forma radicalmente marginal, o significante da lei permanece</p><p>relacionado à única instância que lhe garante seu caráter obrigatório, ou</p><p>seja, pelo significante do Nome-do-Pai.</p><p>16</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>DOR, J. Estruturas e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Taurus-Timbre,</p><p>1991.</p><p>_____. Estruturas e perversão. Porto Alegre: Arte Médicas, 1991.</p><p>FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade. In: _____. Obras completas. Rio</p><p>de Janeiro: Imago, 1995. v. 6.</p><p>LACAN, J. O Seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Zahar,</p><p>1995.</p><p>Lemoine, P. O homem da caneta Bic, in Clínica Lacaniana, casos clínicos do</p><p>campo freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.</p><p>SANTOS, A. B. dos R.; BESSET, V. L. A perversão, o desejo e o gozo:</p><p>articulações possíveis. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 30, n. 3, p. 405-</p><p>413, nov. 2013.</p><p>numa semântica</p><p>de regime de signos fixos, de modo que a universalidade está apenas na forma</p><p>vazia das leis de articulação do inconsciente e da pulsão. Assim, o trabalho de</p><p>diagnóstico deve ser feito através de isolamento de significantes particulares que</p><p>aparece na articulação de cada paciente.</p><p>A linguagem entra na diagnostica psicanalítica não apenas como</p><p>estrutura, sublinha Dunker, mas como mediação fundamental na dialética com o</p><p>Outro. A linguagem tem a dimensão da alteridade, o campo simbólico, no qual o</p><p>9</p><p>sujeito está submetido, “que o constrange ali onde ele não é mais senhor em sua</p><p>própria morada”. (p.458)</p><p>É importante termos a distinção entre o diagnóstico para a clínica médica</p><p>da clínica psicanalítica, pois na primeira o paciente é objetivado ao seu</p><p>diagnóstico em forma de uma alienação, enquanto na psicanálise o analisante</p><p>não perde sua posição de sujeito para o seu diagnóstico.</p><p>Os desdobramentos do diagnóstico em psicanálise têm a prerrogativa de</p><p>se completar apenas ao final do tratamento, de modo que a cada sessão deve-</p><p>se buscar a posição do sujeito nas transferências, isso, porque em psicanálise a</p><p>investigação diagnóstica diz respeito à exploração e construção da fantasia, pelo</p><p>qual, em última análise o que se busca é um diagnóstico etiológico (p. 459).</p><p>Quantos às categorias semiológicas e diagnósticas, Freud importou e</p><p>manteve as noções descritivas da psiquiatria: histeria, neurose obsessiva, fobia,</p><p>paranoia (demência precoce), esquizofrenia, melancolia, sadismo, fetichismo e</p><p>masoquismo. O mesmo aconteceu com outros níveis semiológicos. No entanto,</p><p>Dunker demarca, neste ponto, três procedimentos decisivos para a clínica</p><p>psicanalítica que subverteram a clínica clássica:</p><p>1. A separação entre psiconeuroses de defesa (fobia, neurose obsessiva,</p><p>histeria e paranoia) e psiconeuroses atuais (neurastenia, hipocondria e</p><p>neurose de angústia) tem como crivo de organização a incidência</p><p>diferencial da sexualidade. A separação entre neuroses de transferência</p><p>(histeria de angústia, histeria de conversão e neurose obsessiva) e</p><p>neuroses narcísicas (melancolia, paranoia e parafrenia) tem como</p><p>princípio de ordem a relação diferencial da circulação da libido entre o</p><p>eu e os objetos. A separação entre psicoses, neuroses e perversões tem</p><p>como parâmetro a relação com a perda da realidade. Desse modo,</p><p>verifica-se que são os conceitos psicanalíticos que comandam as</p><p>redescrições e não apenas as descrições clínicas puras dos quadros</p><p>psiquiátricos.</p><p>2. A introdução de nova categoria clínica, como as neuroses atuais (de</p><p>angústia, neurastenia, hipocondria), a parafrenia (espécie de híbrido entre</p><p>paranoia e esquizofrenia), e as neuroses não estruturais (neurose de</p><p>caráter, neurose de destino, neurose traumática). Assim, Dunker assinala</p><p>que “não há dependência ou soberania da origem psiquiátrica das</p><p>10</p><p>descrições”, pelo qual elas se apresentam como verdadeiras</p><p>contribuições da psicanálise à clínica em geral.</p><p>3. As redescrições das categorias da clínica clássica, que Dunker considera</p><p>ser a de maior importância, na psicanálise não foi reduzida a uma</p><p>linguagem regional de uso próprio apenas pelos psicanalistas, ainda que</p><p>sua circunscrição seja para o tratamento que lhe será próprio. No entanto,</p><p>foi preciso essa redescrição para as categorias da diagnóstica</p><p>psicanalítica, cujo objetivo foi sujeitá-las à dependência de sua</p><p>semiologia, de sua terapêutica e de sua concepção etiológica. Mas, o que</p><p>Dunker nos chama a atenção é que, nem sempre esse trabalho de</p><p>redescrição foi orientado pelas exigências da metapsicologia, visto que é</p><p>possível observar na história da psicanálise inúmeras afecções que</p><p>migraram para o seu interior sem um trabalho de redescrição subversiva.</p><p>De modo que encontrarmos vários tipos de categorias como a depressão,</p><p>a dependência química, o déficit de atenção, os transtornos psicomotores,</p><p>os problemas de aprendizagem e outros inúmeros gêneros que foram</p><p>empregados em seu valor de face descritiva, sem qualquer consideração</p><p>pelo seu funcionamento na clínica psicanalítica. Por outro lado, sublinha</p><p>Dunker, há também algumas categorias introduzidas pela própria</p><p>psicanálise, tais como os estados-limite e casos borderline. (p. 461)</p><p>Em Lacan, os fundamentos naturalistas serão completamente afastados</p><p>do campo da psicopatologia, contudo, deixaremos para nos aprofundar nos</p><p>diagnósticos a partir de Lacan quando tocarmos no tema das estruturas clínicas.</p><p>2.4 Terapêutica</p><p>Sobre a questão da terapêutica, Dunker nos remete ao texto do próprio</p><p>Lacan: Variantes do Tratamento Padrão, de 1955. E sublinha que a terapêutica</p><p>psicanalítica se caracteriza por acolher o discurso reconhecendo “o poder</p><p>discricionário do ouvinte para elevá-lo a uma segunda potência” (p. 472). Desse</p><p>modo, quem escuta tem de fato o poder discricionário, isto é, determina o sentido</p><p>da mensagem e não que a profere, mas, ao invés de se colocar como intérprete</p><p>do discurso do paciente, cabe a ele devolver ao analisante suas próprias</p><p>palavras para que ele possa se apropriar delas e reconhecer nelas o seu desejo.</p><p>11</p><p>Sendo assim, as exigências terapêuticas, afirma Dunker, são exigências</p><p>de discurso: interrupção, contenção, coerência, racionalidade interna,</p><p>referencialidade externa, aceitação pelo outro. Pelos quais os critérios</p><p>terapêuticos são critérios de linguagem: fala constitutiva, discurso constituído. E</p><p>sobre a questão da técnica terapêutica, encontramos algo que foge à questão</p><p>da técnica, ou seja, o desejo do analista que diz respeito a “considerar a ação</p><p>que lhe cabe na produção da verdade”, sendo este, ponto de intersecção entre</p><p>o plano da terapia e o plano da cura em psicanálise, conclui o autor (p. 473).</p><p>Dunker ainda nos apresenta um quadro, proposto por ele, onde nos ajuda</p><p>a situar as operações de covariância internas à terapêutica psicanalítica:</p><p>Quadro 1 – Operações de covariância internas</p><p>Momento do tratamento Operação lógica Operação clínica</p><p>Primeiro tempo</p><p>Entrevistas preliminares</p><p>Ou não penso</p><p>ou não sou</p><p>Retificação das relações</p><p>com o Real</p><p>Implicação subjetiva Desalienação Entrada em análise</p><p>Neurose de transferência</p><p>Corte</p><p>(operação verdade)</p><p>Interpretação</p><p>Segundo tempo Mutação da transferência Não penso e não sou</p><p>Análise das resistências</p><p>Travessia da angústia</p><p>Travessia das</p><p>identificações</p><p>Terceiro tempo</p><p>Construção da fantasia</p><p>Penso onde não sou</p><p>Sou onde não penso</p><p>Castração</p><p>Separação entre sujeito</p><p>suposto saber e objeto a</p><p>Luto (não penso) Queda do objeto a</p><p>Destituição Subjetiva Separação (não sou)</p><p>Passagem de analisante</p><p>a analista</p><p>TEMA 3 – AS PSICOPATOLOGIAS E A PSICANÁLISE</p><p>Psicopatologia é o termo usado para designar as manifestações das</p><p>doenças mentais. A palavra vem do grego: psique = “alma” e pathos = “doenças”,</p><p>ou seja, doenças da alma ou doenças do espirito. Os elementos que constituem</p><p>sua disciplina – semiológicos e diagnósticos, são partilhados entre a psicologia,</p><p>psiquiatria e psicanálise, cujas definições foram erigidas da medicina. A</p><p>psicopatologia, como prática, pretende estabelecer a distinção diagnóstica e</p><p>explicá-la.</p><p>Assim, para alinhar o entendimento dos diversos profissionais sobre</p><p>questões, critérios e conceitos relacionadas à saúde, tais como: diagnóstico,</p><p>funcionalidade e incapacidade, a Organização Mundial de Saúde recomenda</p><p>algumas classificações internacionais, onde é utiliza uma linguagem comum</p><p>padronizada, permitindo, dessa forma, uma comunicação segura.</p><p>12</p><p>Dunker e Kyrillos Neto (2011), no artigo: A psicopatologia no limiar entre</p><p>psicanálise e a psiquiatria: estudo comparativo sobre o DSM, declaram:</p><p>Pelo número de disciplinas, disparidade de métodos e diversidade de</p><p>posições, vê-se que a psicopatologia exige e implica a tomada de</p><p>posição, visando organizar de modo coerente e homogêneo práticas</p><p>terapêuticas e diagnósticas,</p><p>bem como discursos semiológicos e</p><p>etiológicos (Dunker, 2010). Isso implica a articulação entre</p><p>experiências regulares de aspecto universal pelas quais pathos</p><p>aparece como determinação excessiva ou deficitária e experiências</p><p>contingentes ou singulares pelas quais pathos aparece como</p><p>indeterminação produtiva ou improdutiva (Honneth, 2007). Não se trata</p><p>de oposição simples entre quantidades e qualidades, entre</p><p>singularidade e universalidade, mas da lógica de constituição da</p><p>experiência, ou seja, do real e do regime de verdade em curso na</p><p>psicopatologia. (Dunker; Kyrillos Neto, 2011)</p><p>Portanto, as psicopatologias se desenvolveram conceitualmente num</p><p>terreno de trocas conceituais entre psiquiatria e psicanálise, contudo, a oposição</p><p>na contemporaneidade entre elas parece atualizar um dilema antigo entre corpo-</p><p>alma, impondo uma distância cada vez maior na medida em que a clínica do</p><p>caso a caso, tão cara à psicanálise, não consegue encontrar lugar nas</p><p>classificações consideradas universais e generalizáveis. Portanto, resta-nos</p><p>saber o que sobrou de diálogo entre esses dois campos.</p><p>Sendo assim, precisamos, primeiramente, conhecer os instrumentos que</p><p>geraram essa correspondência psicanalítico-psiquiátrico, onde se destacam três:</p><p>• CID: critérios para diagnóstico de doença: fornece código que gera motivo</p><p>para vincular a pessoa a um serviço de saúde ou garantir direitos jurídicos.</p><p>• DSM: critérios diagnósticos para transtornos mentais.</p><p>• CIF: caracteriza a funcionalidade e limitação, mas não define diagnóstico</p><p>e não dá nome de doença. Apresenta apenas as manifestações das</p><p>doenças / patologias. A CIF contribui por fazer uma descrição das</p><p>condições atuais da pessoa em relação ao que ela tem de positivo e</p><p>negativo, ou seja, o que ela consegue ou não fazer em determinado</p><p>contexto. Não se propõe a investigar e nem descrever determinantes, ou</p><p>seja, não se detém ao que levou a pessoa a estar assim atualmente.</p><p>Apenas descreve as potencialidades e limitações para a vida diária em</p><p>determinado contexto. Tem aplicação universal e é bastante útil para</p><p>fundamentar laudos sobre saúde mental.</p><p>O principal deles é o que tomaremos para análise: o Diagnostic and</p><p>Statistic Manual of Mental Disorders (DSM), editado pela Associação Americana</p><p>13</p><p>de Psiquiatria (APA). Em sua primeira versão, o DSM-1 (1952), reconhece o</p><p>papel proeminente da psicanálise. Nele se revelou, pela primeira vez, a tentativa</p><p>de concilia a classificação, que era provida pela Organização Mundial da Saúde</p><p>- a Classificação Internacional de Doença (CID-6), as ideias psicanalíticas e</p><p>psicopatológicas subjacentes, na qual elas poderiam conter particularidades não</p><p>tão facilmente aceitas no resto do mundo. Mas, a partir do DSM-III (1980-1987),</p><p>foi observada a retirada gradativa das categorias e signos clínicos advindos da</p><p>psicanálise para serem substituídos por entidades “propriamente psiquiátricas”.</p><p>Assim, nos DSM de nossos dias, que tipo de expressão poderíamos encontrar</p><p>no campo da psicopatologia que seria capaz de contemplar as referências</p><p>clínicas, semiológicas e diagnósticas tanto de solo psicanalítico quanto</p><p>psiquiátrico?</p><p>3.1 A evolução dos DSM</p><p>O DSM é um manual diagnóstico e estatístico que possui relação com a</p><p>classificação de transtornos mentais e de comportamento da Classificação</p><p>Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Pelas</p><p>palavras de Dunker e Kyrillos Neto: “o DSM é um imenso empreendimento</p><p>coletivo, do qual participam diferentes grupos de trabalho, comportando milhares</p><p>de pesquisadores divididos em seções que expressam orientações teóricas e</p><p>clínicas distintas”.</p><p>No DSM-I, encontramos uma lista de diagnósticos categorizados, isto é,</p><p>um glossário com descrição clínica de cada categoria diagnóstica. E através dele</p><p>surge uma série de revisões sobre questões relacionadas às doenças mentais.</p><p>Em 1968, foi publicado o DSM-II, desenvolvido paralelamente com a CID-</p><p>8, que trouxe apenas pequenas alterações nas terminologias. As alterações</p><p>importantes vieram na publicação do DSM-III em 1980, quando a APA introduz</p><p>modificações metodológicas e estruturais.</p><p>É, portanto, a partir do DSM-III, que o enfoque passa a ser mais descritivo,</p><p>com critérios explícitos de diagnóstico organizados em um sistema multiaxial.</p><p>Seu objetivo era facilitar a coleta de dados estatísticos. Em 1987 o DSM-III passa</p><p>por uma revisão e sua publicação é feita como DSM-III – R. Nessa nova revisão,</p><p>a homossexualidade foi retirada de uma condição patológica e posta nos termos</p><p>de Homossexualidade Egodistônica. Mas o ponto que definitivamente</p><p>estremeceu a relação entre psicanálise e psiquiatria fico sob a supressão do</p><p>14</p><p>conceito de neurose, visto que se trata da classe fundamental da psicopatologia</p><p>psicanalítica.</p><p>Dunker e Kyrillos Neto mencionam que, a partir do DSM-III, a psiquiatria,</p><p>pela primeira vez, define-se em oposição à psicoterapia e “os psicoterapeutas</p><p>são acusados de criar demandas e serviços para aqueles que realmente não</p><p>estavam doentes, mas apenas descontentes (discontents)” (Mayes; Horwitz,</p><p>citado por Dunker; Kyrillos). Por outro lado, os psicanalistas se posicionaram</p><p>contra os psiquiatras partidários de uma visão fiscalista do transtorno mental.</p><p>Em 1994, foi publicado o DSM-IV, esse período representa uma grande</p><p>mudança no manual que resultaram na inclusão de novos diagnósticos descritos</p><p>com maior critério e precisão, sendo que, em 2013, ele passa por uma revisão e</p><p>é lançado como DSM-IV – TR, um manual diagnóstico e estatístico que está</p><p>relacionado ao CID-10. Antonio Quinet (2009) nos reporta que a partir dessa</p><p>publicação os tipos clínicos da neurose (histeria, neurose obsessiva e fobia)</p><p>foram retiradas do catálogo, e no campo da psicose apenas permaneceu a</p><p>esquizofrenia, sendo removida a paranoia e melancolia.</p><p>Ao se substituir as doenças própria da psiquiatria clássicas por</p><p>transtornos, opta-se mais pela descrição e pela comunicação desses</p><p>fenômenos entre colegas que por uma clínica em que cada caso seja</p><p>efetivamente um caso e onde os fenômenos sejam considerados</p><p>sintomas, ou seja, formações entre as diversas instancias do aparelho</p><p>psíquico. (Quinet 2009, p. 11)</p><p>Para Pessoti (1999), a CID, o DSM, tem por finalidade padronizar os</p><p>critérios diagnósticos, o registro estatístico e o entendimento entre os clínicos,</p><p>criando uma linguagem comum para a psiquiatria.</p><p>Kyrrillos, em seu artigo: DSM e psicanálise: uma discussão diagnóstica,</p><p>enfatiza que entre a psicanálise e psiquiatria não se trata de uma disputa</p><p>ideológica, “a psicanálise conservou a função diagnóstica da psiquiatria sem</p><p>deixar de se referir à psiquiatria clássica, mantendo a relevância e a</p><p>singularidade da fala de cada sujeito tanto no nível do enunciado quanto no da</p><p>enunciação”. E conclui o autor, “o que colocamos em questão é que atualmente</p><p>a psiquiatria encontra-se tomada pelo furor sanandi da farmacopeia,</p><p>abandonando o seu saber clássico e clínico”.</p><p>Atualmente, temos vigente o DSM-V, publicado também em 2013,</p><p>resultado de doze anos de estudos de diferentes grupos de trabalho. Seu</p><p>objetivo foi trazer uma nova classificação, com a inclusão, reformulação e</p><p>exclusão de outros diagnósticos. O DSM progressivamente foi ficando cada vez</p><p>15</p><p>menos preocupado com a etiologia e voltado para o uso de drogas dotadas de</p><p>eficácia para fazer correções biológicas capazes de suportar sua prática. Assim,</p><p>a psiquiatria afasta-se progressivamente da psicanálise e dos seus preceitos</p><p>conceituais e clínicos.</p><p>TEMA 4 – PASICANÁLISE E PSICOPATOLOGIA</p><p>Para abordar as psicopatologias pelo olhar da psicanálise, é preciso</p><p>efetuar um diagnóstico que, como vimos, diz respeito a um reconhecimento de</p><p>um conjunto de signos, contudo, ela não se explica pela etiologia orgânica, mas</p><p>pela linguagem, pois, na psicanálise, as psicopatologias estão diretamente</p><p>ligadas ao recalcamento</p><p>do desejo.</p><p>O desejo está desde sempre, para a psicanálise, na origem edipiana e,</p><p>ainda que as modalidades dos sintomas se transformem de acordo com o seu</p><p>tempo, o diagnóstico será fruto de um processo de construção do caso clínico</p><p>que deve, necessariamente, se referir à estrutura que o condiciona. Freud, ao</p><p>desenvolver a metapsicologia, pôde conceber um modelo para as</p><p>psicopatologias clínicas da psicanálise a partir das formações inconsciente, a</p><p>saber: neuroses, psicoses e perversão.</p><p>Antonio Quinet (2009), em seu livro Psicose e laço social, declara: “Freud</p><p>mostrou que as leis do inconsciente estão presentes em todos os sujeitos:</p><p>neuróticos, perversos e psicóticos”. Assim, ele encontra semelhança da</p><p>formação dos sonhos com a formação dos sintomas neuróticos, a analogia do</p><p>sonho com a alucinação e seu parentesco com a psicose”. (Quinet, 2009, p. 13).</p><p>No texto Considerações acerca do DSM-IV, os autores Roberto Calazans,</p><p>Pedro Sobrino Laureano e Fuad Kyrillos Neto (2019), a respeito da etiologia,</p><p>dizem: “a respeito da hipótese etiológica, Freud não se contenta apenas em</p><p>deslocar para o psiquismo a causa dos distúrbios. Ele confere valor etiológico ao</p><p>fracasso mesmo de representação da causa”. (p. 71). Isso significa que a</p><p>etiologia do sofrimento será buscada, na psicanálise, à falha de inscrição</p><p>psíquica do evento traumático.</p><p>Foi assim que Freud fez no Estudo sobre histeria: ele transpôs a</p><p>dificuldade etiológica, encontrada pela medicina, para o psiquismo do doente,</p><p>pelo qual declara: “as histéricas sofrem de reminiscência” (Freud; Breuer, 1895,</p><p>p. 217).</p><p>16</p><p>O sintoma é efeito de um trabalho psíquico bastante elaborado que surge</p><p>diante do mal-estar que acomete o sujeito e, como sublinha Silvia G. Myssior e</p><p>Zilda Machado (2019) no texto: O que será das atividades da criança, ele “tem a</p><p>função essencial de sustentar a estrutura do aparelho psíquico” (p. 115).</p><p>O texto O único não cabe no Manual, escrito pelas autoras: Cláudia</p><p>Ferreira Melo Rodrigues, Cláudia Aparecida de Oliveira Leite e Rogéria Araújo</p><p>Guimarães Gontijo (2019), afirma que narrativa sempre única do mal-estar</p><p>escapa ao imperativo da codificação universal que o manual (DSM) propõe, pois</p><p>a singularidade emerge na estampa de cada vivência de sofrimento. E foi assim</p><p>que Freud concebeu a psicanálise, destacando a maneira única em que cada</p><p>um é afetado para dizer do seu sintoma. “A estranha psicanálise demarca que o</p><p>initium subjetivo é operado pelo traço unário, essa marca que recebemos do</p><p>Outro e que traz para cada um a inscrição da diferença absoluta.” (p. 129).</p><p>Portanto, se a proposta do DSM é a de silenciar o sujeito, uma vez que</p><p>oferta universalmente a descrição do sintoma, levando a palavra do que confere</p><p>o “cada um” a desaparecimento, a psicanálise sustenta a palavra como direção</p><p>de cura.</p><p>É imprescindível entender que ainda que a psicanálise tenha mantido as</p><p>categorias psicopatológicas da psiquiatria clássica, Freud construiu uma</p><p>semiologia própria da psicanálise e incluiu algumas inovações que na época</p><p>acabaram influenciando as classificações da própria psiquiatria.</p><p>TEMA 5 – A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO EM PSICANÁLISE</p><p>A importância do diagnóstico diferencial em psicanálise não está para</p><p>submeter o sujeito a uma categoria, nem mesmo a noção de estrutura clínica</p><p>deve ambicionar a totalização da subjetividade e de suas formas de sofrimento,</p><p>como nos adverte Dunker (2011), pois, assim, seria o mesmo de confundir</p><p>semiologia e diagnostica, mas, na verdade, se trata de considerar a posição do</p><p>sujeito no Édipo, ou seja, o modo como o sujeito entra na linguagem e a sua</p><p>relação com a realidade. Desse modo, o psicanalista não trabalha com o</p><p>diagnóstico, mas efetua uma leitura sobre o modo como sujeito é incidindo pela</p><p>linguagem.</p><p>Nesse sentido, verificamos que o diagnóstico na clínica psicanalítica está</p><p>relacionado à estrutura do sujeito e não aos fenômenos, portanto, o analista, ao</p><p>nomear a estrutura do paciente, incide sobre a condução do tratamento,</p><p>17</p><p>mantendo em seu horizonte aquilo que se impõe como verdade singular do</p><p>sujeito.</p><p>Contudo, Freud buscou referências dos grandes nomes da psiquiatria</p><p>clássica, como Kraepelin, fazendo da psicopatologia um tributo a ela. Reuniu as</p><p>neuroses no fim do século XIX, com uma formulação etiológicas, muito diferente</p><p>daquelas preconizado pela clínica psiquiátrica, pois, Freud possibilitou uma nova</p><p>maneira de compreender os fenômenos e situou os sintomas numa relação de</p><p>compromisso entre as diversas instancias do aparelho psíquico.</p><p>Os termos Verdrängung, Verwerfung e Verleugnung (repressão, rejeição</p><p>e negação), que a princípio não representavam o marco divisório, aos poucos</p><p>vão ganhando na obra freudiana a importância de um mecanismo que efetua</p><p>uma forma de defesa especifica do sujeito e que determinará a sua constituição</p><p>estrutural.</p><p>Para a psicanálise, o diagnóstico estrutural é, portanto, o resultado de uma</p><p>investigação feita no um a um, no registro simbólico, pois é desde aí, onde todas</p><p>as questões fundamentais do sujeito estarão articuladas (sobre sexo, morte e</p><p>procriação) e por onde podemos encontrar os três modos de negação do Édipo,</p><p>que correspondem às três estruturas clínicas:</p><p>1. Recalque = neurose, a castração do Outro é negada na consciência e</p><p>mantida no inconsciente.</p><p>2. Desmentido = perversão, a castração do Outro é encoberta pelo objeto</p><p>fetiche.</p><p>3. Negação = psicose, o Outro não é castrado.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Vemos então que o valor da clínica psicanalítica não se constituiu pelo</p><p>olhar sobre a doença e tampouco pelo efeito de cura sobre uma doença, mas</p><p>em estabelecer, ou dito de outro modo, restituir a verdade do sintoma do sujeito</p><p>e essa pode ser considerada uma das maiores subversão da clínica dada pela</p><p>psicanálise.</p><p>Freud, ao situar o sujeito em sua constituição estrutural, não submeteu à</p><p>clínica ao diagnóstico, mas submeteu o diagnóstico a uma causalidade psíquica</p><p>singular ao sujeito, portanto, o sujeito passa a se implicar no seu discurso. Assim,</p><p>reconhecer as estruturas psíquicas através do discurso do sujeito é poder atuar</p><p>18</p><p>na clínica como o agente de causa psicanalítica, ou seja, atuar na posição de</p><p>analista.</p><p>Recorte de um caso: esse caso ocorreu no CAPS Nise da Silveira RJ, com</p><p>um senhor que nomeamos de “Lopes”. Trata-se de um usuário antigo do CAPS,</p><p>com um alto grau de socialização com os outros usuários e amigável com os</p><p>técnicos. Lopes vivia sozinho em sua casa, pois seus pais já eram falecidos e</p><p>casualmente mantinha contato com seus familiares.</p><p>De acordo com os eixos classificatórios do DSM-IV-TR, Lopes era tratado</p><p>pelo seguinte diagnóstico: esquizofrênico paranoide, transtorno de</p><p>personalidade Borderline, heteroagressividade, autoagressão, transtorno sexual</p><p>sem outra especificação.</p><p>Por manter uma relação amistosa no CAPS, um grupo de técnicos e</p><p>usuários realizaram uma vaquinha para reformar a casa de Lopes, pois a casa</p><p>estava bastante depredada, com porta quebrada, paredes rabiscadas, sendo</p><p>que Lopes dormia no chão em um colchão sujo.</p><p>A reforma foi realizada: doaram uma cama com colchão as paredes foram</p><p>pintadas a porta consertada. A casa foi entregue limpa e arrumada para Lopes,</p><p>que ao receber não esboçou nenhuma reação, ficou paralisado e sem falar nada.</p><p>Lopes não compareceu no CAPS durante duas semanas após a</p><p>interversão, por conta disso, dois técnicos foram visitá-lo. Lopes estava</p><p>agressivo e não quis recebê-los. A porta de sua casa estava quebrada e as</p><p>paredes rabiscadas.</p><p>Na semana seguinte, Lopes retornou ao CAPS e disse que sua casa havia</p><p>sido destruída pelos técnicos e que teve muito trabalho para consertá-la. Ao ouvir</p><p>o relato, o analista pediu para que ele falasse sobre o que teve que consertar e</p><p>Lopes não teve dúvida, “tive que colocar tudo como estava, pois ninguém iria</p><p>saber que aquela era a casa</p><p>era a minha casa do jeito que a deixaram”.</p><p>Lopes nos ensina sobre o belo, a escuta do um a uma, será que a</p><p>intervenção feita pelo CAPS era o que Lopes desejava ou desejaram por ele? O</p><p>que é o bom e belo para o sujeito?</p><p>O trabalho do psicanalista é com a escuta, cujas referência são dadas</p><p>pelo sujeito que fala. As produções delirantes estão para o sujeito como sintoma</p><p>na neurose, portanto, a casa do caso clinico refere-se à sua identidade, qualquer</p><p>intervenção nela pode destruir o modo como o sujeito se relaciona no laço social,</p><p>podendo levá-lo ao surto.</p><p>19</p><p>FINALIZANDO</p><p>O modelo da estrutura clínica foi o modelo herdado pela psicanálise, no</p><p>entanto, Freud não submeteu a psicanálise ao seu sistema, pelo contrario, ele</p><p>subverteu a clínica classica é inovou o funcionamento que a ordenava. A</p><p>subversão da clínica passa do olhar para a escuta.</p><p>A semiologia psicanalítica se interessa pelo carácter singular e instável da</p><p>ligação entre o significante e o significado e pelo aspecto multifacetado e</p><p>temporal da produção da significação.</p><p>A etiologia – correlativa da noção de causalidade, sendo, este, o tema que</p><p>a domina desde sua origem.</p><p>A diagnostica – está foi a maior subversão, onde Freud, no lugar de uma</p><p>exaustiva classificação e de uma descrição objetivante, introduz uma</p><p>homogeneidade entre tratamento e diagnóstico, no qual o paciente é quem toma</p><p>a posição de sujeito e que será posto por condição do método clínico.</p><p>A terapêutica – a terapêutica psicanalítica se caracteriza por acolher o</p><p>discurso reconhecendo “o poder discricionário do ouvinte para elevá-lo a uma</p><p>segunda potência”.</p><p>O DSM é um manual diagnóstico e estatístico que possui relação com a</p><p>classificação de transtornos mentais e de comportamento da Classificação</p><p>Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Cada</p><p>vez menos preocupada com a etiologia e dispondo de drogas dotadas de eficácia</p><p>para fazer correções biológicas capazes de suportar sua prática, a psiquiatria</p><p>afasta-se progressivamente da psicanálise e dos seus preceitos conceituais e</p><p>clínicos.</p><p>As psicopatologias em psicanálise – estão diretamente ligadas ao</p><p>recalcamento do desejo, desejo de origem edípica, que resultam no modo de</p><p>linguagem: neuroses, psicoses e perversão.</p><p>As psicopatologias em psicanálise são, portanto, tributárias da psiquiatria</p><p>clássica, contudo ela é justamente o que podemos considerar como uma</p><p>descontinuidade dessa prática, visto o modo como Freud utilizou o termo, pois</p><p>ele introduz o patologico na vida cotidiana em seu eximio texto: As psicopatologia</p><p>da vida cotidiana, no qual ele inclui os acontecimentos ordinarios da vida</p><p>humana, como o esquecimento, os atos falhos, as supertiçoes, etc. a uma</p><p>especie de patologia para além da doença.</p><p>20</p><p>Na clínica psicanalítica, é a escuta do complexo de Édipo na história do</p><p>sujeito que vai determinar a sua posição subjetiva, no qual cada estrutura clínica</p><p>será o resultado de múltiplas vivências complexas e paradoxais de cada criança</p><p>com o seu par parental (mãe e pai), onde pela presença e ausência, se</p><p>configurará diferentes versões que engendra as versões das neuroses, das</p><p>perversões ou das psicoses.</p><p>21</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>COELHO, E. P. Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade</p><p>e estruturalismos, in Estruturalismo antologia de textos teóricos. Portugal:</p><p>Martins Fontes, 1956</p><p>CALAZANS, R.; SOBRINO, P.; NETO, F. K. Considerações acerca do DSM-IV.</p><p>In: psicanálise e psicopatologia: Olhares contemporâneo. São Paulo: Blucher,</p><p>2019.</p><p>DUNKER, C. Estrutura e constituição da clínica psicanalítica: uma</p><p>arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento. São Paulo:</p><p>Annablume, 2011.</p><p>DUNKER, C. I.; KYRILLOS NETO, F. A psicopatologia no limiar entre psicanálise</p><p>e a psiquiatria: estudo comparativo sobre o DSM. Vínculo - Revista do NESME,</p><p>v; 8, n. 2, 2011.</p><p>GARCIA ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Vol. 2. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 2008.</p><p>FREUD, S. (1895). Rascunho K. As neuroses de defesa. In: Obras completas.</p><p>Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>FREUD, S. (1913). Totem e tabu. In: Obras completas. Vol. XIII. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1996.</p><p>MELO, C. F.; LEITE, C. A. de O.; GONTIJO, R. A. G. O único não cabe no</p><p>manual. In: psicanálise e psicopatologia: Olhares contemporâneo. São Paulo:</p><p>Blucher, 2019.</p><p>NETO, F. K. et al. DSM e psicanálise: uma discussão diagnóstica. Rev.</p><p>SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 12, n. 2, p. 44-55, dez. 2011.</p><p>PESSOTI, I. Os nomes da loucura. São Paulo: Editora 34, 1999.</p><p>QUINET, A. Psicose e laço social. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.</p><p>ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS</p><p>AULA 2</p><p>Profª Juliana Santos</p><p>2</p><p>CONVERSA INICIAL</p><p>Nesta etapa, vamos dar continuidade ao tema do diagnóstico diferencial</p><p>da clínica psicanalítica. Para a psicanálise, o que lhe interessa, de fato, são as</p><p>estruturas que constituem os fenômenos. Portanto, ao estabelecer um</p><p>diagnóstico diferencial, como propôs Freud, estamos falando de uma ruptura</p><p>com a psiquiatria que apresenta a cada nova edição do manual uma descrição</p><p>nosográfica ampliada para estabelecer um diagnóstico. Assim, para pensarmos</p><p>sobre a constituição estrutural que orienta o diagnóstico da clínica psicanalítica,</p><p>temos que retomar os pensamentos iniciais de Freud.</p><p>Freud, no Projeto para uma psicologia científica (1895), nos apresenta a</p><p>fundação do aparelho psíquico através da primeira experiência de satisfação,</p><p>onde a relação mãe-filho é uma fonte contínua de excitação e satisfação sexual</p><p>que se intensifica a cada toque e faz despertar, na criança, a pulsão sexual. E é</p><p>dessa relação primitiva e arcaica, na qual a criança se considera o objeto de</p><p>amor exclusivo dessa relação, que Freud extrai o complexo de Édipo, como</p><p>sendo, este, o fundamento da fantasia do sujeito, pois, como afirma Nasio (2007)</p><p>na abertura de seu livro Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa:</p><p>“não, o Édipo nada tem a ver com sentimento e ternura, mas com corpo, desejo,</p><p>fantasias e prazer. Provavelmente, pais e filhos amam-se ternamente e podem</p><p>se odiar, mas, no coração do amor e do ódio familiar, medra o desejo sexual”.</p><p>São, portanto, os efeitos da vivência edípica no psiquismo que, quando</p><p>recalcado, desmentido ou foracluído, vão traçar o destino do sujeito e posicioná-</p><p>los dentro ou fora da partilha dos sexos. Então, para esta aula, iremos nos deter</p><p>de forma minuciosa sobre a teoria do complexo de Édipo que foi formulada por</p><p>Freud em 1900 e que, desde então, sustenta a sua tese sobre a constituição</p><p>psíquica, visto que o complexo de Édipo é o complexo nuclear da constituição</p><p>das neuroses, como também da sexualidade humana.</p><p>O Édipo é a experiência vivida por uma criança de cerca de quatro anos</p><p>que, absorvida por um desejo sexual incontrolável, tem de aprender a</p><p>limitar seu impulso e ajustá-lo aos limites de seu corpo imaturo, aos</p><p>limites de sua consciência nascente, aos limites de seu medo e,</p><p>finalmente, aos limites de uma lei tácita que lhe ordena que pare de</p><p>tomar seus pais por objetos sexuais. Eis então o essencial da crise</p><p>edipiana: aprender a canalizar um desejo transbordante. No Édipo, é a</p><p>primeira vez na vida que dizemos ao nosso insolente desejo: “Calma!</p><p>Fique mais tranquilo! Aprenda a viver em sociedade!” Assim,</p><p>concluímos que o Édipo é a dolorosa e iniciática passagem de um</p><p>3</p><p>desejo selvagem para um desejo socializado, e a aceitação igualmente</p><p>dolorosa de que nossos desejos jamais serão capazes de se satisfazer</p><p>totalmente. (Nasio, 2007, p. 10)</p><p>TEMA 1 – O ÉDIPO REI</p><p>A peça do Édipo rei foi a inspiração de Freud para a sua teoria do</p><p>complexo de Édipo. A peça retrata a história do jovem Édipo que, em dúvida</p><p>quanto à sua origem, vai em busca de um oráculo. Este, lhe adverte sobre o seu</p><p>destino e profetiza dizendo que Édipo</p><p>mataria o seu pai e se casaria com a sua</p><p>mãe. Horrorizado com a fala do oráculo, Édipo abandona sua cidade em Corinto,</p><p>onde vivia com seus pais Pólibo e Peribéia, e vai em direção a Tebas, a fim de</p><p>evitar o cumprimento da tão sinistra profecia enunciada pelo oráculo.</p><p>No caminho para Tebas, Édipo se envolve numa briga com um</p><p>desconhecido, tendo como resultado a morte do homem. Prosseguindo seu</p><p>caminho, encontra-se com uma Esfinge às portas de Tebas, que lhe propõe um</p><p>enigma, pelo qual, se Édipo o decifrasse, a cidade se livraria da peste que a</p><p>assolava, caso contrário, seria devorado. Tendo decifrado o enigma, Édipo é</p><p>acolhido como herói, recebendo em troca o trono de Tebas, que estava vago</p><p>devido à morte do rei Laio. Juntamente com o trono, Édipo recebe a mão da</p><p>rainha Jocasta.</p><p>Com o passar do tempo, a cidade passa a ser assolada por uma nova</p><p>peste, onde os sacerdotes declaram que o motivo da peste vinha por conta de</p><p>um acolhimento dado a um culpado. Desse modo, enquanto o culpado se</p><p>mantivesse encoberto, a peste seguiria dizimando a população.</p><p>Édipo ordena, então, que houvesse uma investigação em busca do</p><p>culpado. No transcorrer da investigação, eis que na cidade chega um adivinho,</p><p>vindo de Tirésias, e ele dá indícios de que o culpado seria ninguém menos que</p><p>o próprio Édipo. Ao final, depois da revelação de que Édipo seria um filho</p><p>adotado por Pólibo e Peribéia, fica evidente que seus verdadeiros pais são Laio</p><p>e Jocasta. Com isso, a trágica verdade emerge: rei Édipo, parricida e incestuoso.</p><p>1.1 A tese do complexo de Édipo</p><p>Antes mesmo de publicar a sua tese do complexo de Édipo na</p><p>Interpretação dos sonhos, Freud, em 1987, já havia abordado o tema com Fliess,</p><p>seu amigo de correspondências, porém vale ressaltar que a construção</p><p>4</p><p>conceitual do complexo de Édipo como operador clínico foi elaborado ao longo</p><p>de toda a sua obra.</p><p>Édipo assassinou o seu pai e casou-se com a sua mãe e, para Freud, o</p><p>efeito trágico da peça se efetua ao ecoar nos espectadores o reconhecimento de</p><p>seus desejos criminosos, a saber: o assassinato do pai e o incesto com a mãe.</p><p>Garcia Roza, em seu livro Introdução à metapsicologia Vol. II (2008), enfatiza</p><p>que a verdade do parricídio e do incesto só emerge para Édipo no final do</p><p>processo, pois entre a certeza do rei Édipo (ser herói) e a verdade do criminoso,</p><p>interpõe-se um processo que transforma o primeiro momento no segundo, sendo</p><p>este o produtor-revelador da verdade de Édipo.</p><p>Em primeiro lugar, para Freud, o complexo de Édipo vem vinculado à</p><p>interdição do incesto, diferentemente do que ocorreu na peça, onde após</p><p>assassinar o pai, Édipo casa com a mãe e tem quatro filhos. Mas o que se segue</p><p>da peça mostra que Édipo, ao descobrir seu ato incestuoso, fura seus olhos, se</p><p>autocegando, o que, para Freud, configura-se uma punição, que equivale ao que</p><p>ele nomeou de castração, uma consequência lógica da vivência edipiana.</p><p>O mito de Édipo forneceu a Freud a estrutura de um desejo criminoso que</p><p>se articula a uma proibição de um impossível de ser suportado. Por outro lado,</p><p>por se tratar de um desejo, o sujeito se divide — rejeitando na consciência o</p><p>desejo proibido e conservando no inconsciente, “entre não querer saber e um</p><p>saber que não cessa de se escrever”, como declara Quinet em seu livro Édipo</p><p>ao pé da letra (2015).</p><p>Portanto, a condição de não saber do Édipo é a condição legitima do</p><p>inconsciente, enquanto saber não-sabido, isto é, o saber inconsciente do qual o</p><p>sujeito não quer conscientemente saber. Assim, o destino do complexo de Édipo</p><p>tende sempre ao recalque, que resulta, como veremos, em algumas</p><p>consequências psíquicas.</p><p>TEMA 2 – O COMPLEXO DE CASTRAÇÃO</p><p>Freud (1924) explica a relação do complexo de Édipo com o complexo de</p><p>castração nos textos A organização genital infantil e A dissolução do complexo</p><p>de Édipo. No primeiro texto, Freud apresenta a primazia do falo como</p><p>característica da organização sexual infantil, onde o órgão genital masculino</p><p>representa o falo. Freud então instaura a fase fálica no desenvolvimento sexual,</p><p>5</p><p>onde explica que o pênis está em posse comum a ambos os sexos, portanto, o</p><p>falo é universal.</p><p>Mas com o surgimento da imagem “acidental” do órgão genital feminino,</p><p>faz emergir a primeira negação da falta de pênis e, posteriormente, a conclusão</p><p>de que ele esteve lá, mas foi arrancado. Assim, para o menino, ele conclui que</p><p>ele também pode ser castrado (ameaça de castração).</p><p>Para a menina, a visão do pênis faz com que repare na sua falta</p><p>(castrada). Dessa forma, Quinet (2015) declara: “Doravante, o falo imaginário,</p><p>objeto ameaçado de perda para um, e objeto de inveja para outro, é inscrito na</p><p>subjetividade, para ambos os sexos como faltante (-). Nesse momento, que</p><p>representa o declínio do Édipo para os meninos e a entrada no drama edípico</p><p>das meninas, Freud estabelece o surgimento do supereu, como o herdeiro do</p><p>complexo de Édipo, cujas exigências serão paradoxais, pois ao mesmo tempo</p><p>que exige que se cumpra a lei, ordena a sua transgressão. Veremos isso adiante.</p><p>Mas o que precisamos destacar por ora é que tal momento que constitui</p><p>o complexo de castração é o momento de instauração da lei, pois, em termos, é</p><p>a ameaça a castração que valida a vivência edipiana e funda a relação do ser</p><p>humano através da interdição universal, a lei do incesto.</p><p>2.1 O efeito trágico da epopeia edipiana</p><p>No texto Para além do princípio de prazer, Freud (1920) retoma a</p><p>dimensão trágica do Édipo para mostrar que na repetição transferencial e nas</p><p>relações amorosas, o que se repete é o que se encontra na própria estrutura do</p><p>complexo de Édipo, que se conjuga com o complexo de castração, onde Quinet</p><p>sublinha o “ser-para-o-sexo”:</p><p>O laço da afeição, que via de regra liga a criança ao genitor do sexo</p><p>oposto, sucumbe ao desapontamento, a vã expectativa de satisfação,</p><p>ou ao ciúme pelo nascimento de um novo bebê, prova inequívoca da</p><p>infidelidade do objeto da afeição da criança. Sua própria tentativa de</p><p>fazer um bebê, afetuada com trágica seriedade, fracassa</p><p>vergonhosamente. A menor quantidade de afeição que recebe, as</p><p>exigências crescentes da educação, palavras duras e um castigo</p><p>ocasional mostram-lhe por fim toda extensão do desdém que lhe</p><p>concederam. (Freud citado por Quinet, 2015, p. 30)</p><p>6</p><p>Trata-se da experiência que está para além do princípio do prazer, o gozo</p><p>oriundo daquilo que escapa a simbolização do complexo de Édipo, que mais</p><p>tarde Lacan textualiza pelo não inscrição da relação sexual.</p><p>TEMA 3 – TOTEM E TABU</p><p>Na peça grega Édipo rei, o assassinato do pai permitiu o gozo à mãe,</p><p>mesmo que tenha sido preciso pagar o preço dos olhos furados (castração real</p><p>no corpo). Anos depois, Freud elabora o texto de Totem e tabu (1913-14), onde</p><p>demonstra a interdição universal ampliando a discussão sobre o complexo de</p><p>Édipo, projetando-o no âmbito social.</p><p>Esse texto, segundo Quinet, é mais adequado do que o mito de Édipo,</p><p>pois, como vimos, o próprio Édipo não tinha o complexo de Édipo. Em Totem e</p><p>tabu, o pai da horda primitiva retinha o gozo total de todas as mulheres, enquanto</p><p>seus filhos eram proibidos de gozar sexualmente delas. O gozo do pai primitivo</p><p>era absoluto, e ameaça de castração os outros homens, pois ele era o único que</p><p>podia gozar, já que seu gozo estava excluído de interdição.</p><p>Certa vez, movidos pelo ódio da proibição, os filhos em comum acordo</p><p>assassinam o pai gozador. No entanto, depois do pai assassinado, os próprios</p><p>filhos restauram a interdição da endogamia e erguem um totem que simbolizava</p><p>o pai morto, erigindo a interdição do incesto, ou seja, não se goza com a mulher</p><p>do pai, esteja ele vivo ou morto. Nesse mito, verificam-se duas figuras do pai: o</p><p>pai gozador e o pai morto, que após a sua morte assume a função do pai</p><p>simbólico.</p><p>Freud, então, ressalta no texto a importância do assassinato do pai da</p><p>horda para que todos pudessem</p><p>ter acesso ao gozo, mas não ao gozo supremo,</p><p>pois, com o pai morto, o acesso ao gozo supremo também foi excluído.</p><p>Quinet (2015) afirma que tanto na tragédia do Édipo rei, onde o parricídio</p><p>permite o gozo à mãe ao preço da castração no real do corpo (os olhos furados),</p><p>quanto no parricídio do pai da horda, onde se erige um totem que o representa</p><p>e reafirma que o gozo supremo está barrado para o sujeito, é a função do pai,</p><p>enquanto morto, ou seja, enquanto função simbólica, que faz barra o gozo da</p><p>mãe, pois o sentimento de culpa é que faz vigorar o olhar de vigilância e a voz</p><p>que critica sob a forma do supereu. Diz:</p><p>7</p><p>O gozo do pai desaparece com a sua morte e fica a Lei da interdição</p><p>do incesto e o nome (substituto do pai que é um animal) como</p><p>significante da lei e insígnia identificativa daquela “tribo”. Assim, o</p><p>Nome-do-Pai elaborado por Lacan a partir do mito de totem e tabu</p><p>nomeia o pai da lei e o pai da nomeação (função que Lacan atribuirá</p><p>ao Nome-do-Pai nos anos 1970). (Quinet, 2015, p. 26)</p><p>O pai é o personagem que ameaça com a castração para punir o sujeito</p><p>pelo desejo incestuoso. Quinet (2015) apresenta as articulações propostas por</p><p>Freud na seguinte ordem: 1º - desejo sexual com a mãe; 2º - ameaça da punição-</p><p>castração; 3º - desejo de assassinar o pai. Lacan, ao incidir sobre a teoria do</p><p>complexo de Édipo e o mito de totem e tabu, acrescenta que o pai é o portador</p><p>da lei, não só para proibir o incesto, mas o pai da Lei simbólica que funciona no</p><p>psiquismo com o significante do Nome-do-Pai, que articula a Lei e desejo [lei (do</p><p>pai) e desejo (pela mãe)].</p><p>Para além da lei civilizatória imposta pela figura do pai, como pai</p><p>simbólico, Lacan pontua que o pai de Totem e tabu é o pai gozador que submete</p><p>todos a seu poder. Tal representação constitui a figura do pai real que, em Freud,</p><p>recebe o nome de supereu, instância herdada pelo filho.</p><p>TEMA 4 – A RELEITURA DO ÉDIPO EM LACAN</p><p>A leitura que Lacan faz do complexo de Édipo rende novos horizontes</p><p>para a clínica, pois ele coloca o Édipo no centro do diagnóstico estrutural, isto é,</p><p>o complexo de Édipo surge como divisor de águas entre o campo da neurose e</p><p>psicose, isso significa que, sem o complexo de Édipo, o sujeito responderá a</p><p>partir da foraclusão do Nome-do-Pai.</p><p>O Édipo em Lacan corresponde, então, a uma primeira metaforização, do</p><p>desejo materno, pois como vimos em Freud, a mãe e o bebê inicialmente vivem</p><p>uma relação plena de amor, com a incisão da lei do pai, o bebê se separa da</p><p>mãe, e esse momento representa a entrada do sujeito na linguagem. Desse</p><p>modo, verificaremos que os desdobramentos do complexo de Édipo nos ensinos</p><p>de Lacan implicarão o sujeito na sua relação com o seu desejo, situando-o na</p><p>partilha dos sexos.</p><p>É, então, no seminário 5, As formações do inconsciente (1958), que Lacan</p><p>traz à tona o que sempre esteve na mira de Freud, a função do pai. O pai, como</p><p>um registro imaginário, tem a função de sustentar a lei simbólica através do</p><p>significante do Nome-do-Pai, interditando o gozo da mãe. Assim, Lacan nos</p><p>8</p><p>ensina a ler o Édipo pela “metáfora paterna” uma operação lógica dos</p><p>significantes que terá como resultado a inscrição do Nome-do-Pai no lugar do</p><p>Outro.</p><p>4.1. A metáfora paterna</p><p>A metáfora paterna é o modo como Lacan nos ensina a ler o</p><p>acontecimento edipiano. Em primeiro lugar, verificamos a preeminência do</p><p>simbólico sobre o imaginário e o real, e reordenando o campo das estruturas</p><p>clínicas.</p><p>A função simbólica do pai é apreendida pela linguagem, onde o pai se</p><p>transforma num significante que Lacan nomeou de Nome-do-Pai. O momento</p><p>fecundo que institui essa constituição pode ser pensado através do mito</p><p>freudiano de Totem e tabu, onde o pai morto provoca uma dívida simbólica, que</p><p>liga o sujeito a vida e a lei, destaca Antonio Quinet (2015).</p><p>Desse modo, a função paterna evocada por Lacan não é a do pai genitor,</p><p>e sim a função simbólica do significante do Nome-do-Pai que representa a lei</p><p>simbólica no lugar do Outro.</p><p>A importância do simbólico como um registro na organização psíquica é</p><p>abordada por Lacan no seminário 3, As psicoses (1956), onde a função da</p><p>estruturação da cadeia significante é destacada pelo seu arranjo especifico, que</p><p>operar por meio da metáfora. Ou seja, a metáfora opera pela lei de linguagem,</p><p>portanto, ela não ocorre por qualquer arranjo de significante, é preciso de um</p><p>vínculo posicional, internos ao significante, para que haja ordem das palavras e,</p><p>assim, gere um fundamento de sentido. Assim, é apenas por esse sentido, que</p><p>ordena a cadeia significante, que a metáfora pode cumprir sua função e precipitar</p><p>um novo sentido. “Para que vocês compreendam isso, basta lembrarem-se de</p><p>que Pedro mata Paulo não é equivalente a Paulo mata Pedro”, portanto, a</p><p>organização das palavras, da cadeia significante, é um sistema de linguagem de</p><p>coerência posicional.</p><p>Lacan afirma que o inconsciente funciona pela mesma lei de linguagem.</p><p>Assim, a metáfora é a substituição de significantes que se articulam na cadeia,</p><p>cuja função é criar um novo sentido a uma articulação já existente. Keylla</p><p>Barbosa, em seu artigo “De Jakobson a Lacan: a construção da metáfora</p><p>paterna”, declara:</p><p>9</p><p>Para que os significantes possam se substituir, eles devem estar</p><p>encadeados e deve haver uma identidade entre eles, porque a</p><p>identidade se dá pela posição, e, para haver pareamento posicional, é</p><p>indispensável uma cadeia significante articulada. Portanto, se a</p><p>metáfora se faz por uma articulação posicional, a condição para que</p><p>ela exista é que haja articulação significante e que, nesta articulação,</p><p>cada elemento ocupe a posição específica que lhe caiba. Um</p><p>significante resta e outro é elidido. O significante que cai no decorrer</p><p>desta operação não sai totalmente de cena. Ele se mantém em uma</p><p>relação metonímica com o restante da cadeia.</p><p>Portanto, é preciso sublinhar que na operação da metáfora, ela fica</p><p>subordinada à metonímia, pois é ela que garante o encadeamento para dar</p><p>origem a um novo sentido, ou seja, o significante metaforizado se mantém na</p><p>cadeia pela metonímia: “É a metonímia a responsável por fazer com que toda</p><p>significação remeta a outra e, deste modo, a cadeia não para de se articular”. A</p><p>fórmula da metáfora apresentada por Lacan em De uma questão preliminar é a</p><p>seguinte:</p><p>Onde se lê assim: os S são significantes, x é a significação desconhecida</p><p>e s é o significado induzido pela metáfora, que consiste na substituição, na</p><p>cadeia significante, de S’ por S. A elisão de S’ está representado pelo risco,</p><p>sendo essa a condição de sucesso da metáfora. No segundo termo da fórmula,</p><p>o símbolo I (inconsciente) nos lembra que S’ foi recalcado.</p><p>Vamos pelo exemplo de Antonio Quinet, que explica essa operação</p><p>assim: se digo: “Maria é uma flor” é porque há um significante que encontro tanto</p><p>em “Maria” quanto em “flor”: o significante “delicado”, podemos então escrever</p><p>através da operação:</p><p>Na metáfora paterna, o pai como significante que metaforiza o desejo da</p><p>mãe para a criança vai ser posto por Lacan a partir do seminário 3, onde o pai</p><p>totêmico, de Freud, passará assumir a função simbólica, instância da lei. Isso</p><p>significa que o pai, que funciona para o filho, não é o pai genitor, mas trata-se do</p><p>significante Nome-do-Pai.</p><p>10</p><p>O Nome-do-Pai é um significante e não uma pessoa, ele está no discurso</p><p>da mãe, declara Antonio Quinet (2015). Assim, Lacan propõe uma operação</p><p>simbólica, fundamental, que corresponde em Freud à epopeia edipiana, que</p><p>efetuara a inscrição do Nome-do-Pai, o significante que permite a simbolização</p><p>da procriação, isto é, da posição feminina e masculina na partilha dos sexos. Em</p><p>última análise, o significante do Nome-do-Pai é o significante que estrutura o</p><p>inconsciente como uma linguagem e instaura a ordem das leis de linguagem —</p><p>metáfora e metonímia, portanto, trata-se do significante primordial</p><p>para a</p><p>organização psíquica.</p><p>4.1.2 A leitura da metáfora paterna</p><p>Se tomarmos a metáfora por fração, verificamos que, de início, temos a</p><p>relação mãe-bebê, onde o bebê está enredado ao Desejo-da-Mãe (DM), resume-</p><p>se o desejo por ele (o bebê) como desejo dela. O denominador X é o que significa</p><p>para o sujeito, portanto, uma incógnita, pois para o sujeito bebê, perante o desejo</p><p>da mãe: o que ela quer?</p><p>No segundo tempo, de um tempo lógico e não cronológico, o discurso da</p><p>mãe insere na relação o Nome-do-Pai, pelo qual este vem substituir o DM, pela</p><p>operação metafórica (trabalho, pai, corpo etc.); desse modo, X recebe uma</p><p>significação, ou seja, um valor fálico:</p><p>Assim, a operação de substituição metafórica resulta na inscreve o Nome-</p><p>do-Pai no lugar do Outro em A. Logo, o sujeito entra na lógica fálica, pois o falo</p><p>é significação dada ao desejo do Outro, que é marcado pela falta.</p><p>O falo, diz Quinet, entra em jogo como significante (ɸ) produto da</p><p>operação da metáfora paterna. Ele se distingue do falo imaginário, que é sempre</p><p>11</p><p>negativo (-φ), pois evoca nos homens a castração e nas mulheres a inveja desejo</p><p>de pênis. Lacan faz da metáfora paterna a sua releitura do Édipo freudiano.</p><p>TEMA 5 – OS TRÊS TEMPOS DO ÉDIPO</p><p>Ainda no seminário 5, As formações inconscientes (1958), Lacan introduz</p><p>uma nova forma de pensar o complexo de Édipo, distinguindo três tempos</p><p>lógicos.</p><p>• 1º tempo: momento em que a criança está totalmente identificada ao</p><p>objeto de desejo da mãe. O bebê=falo, uma equivalência simbólica que é</p><p>resultado do complexo de Édipo na mulher, pois daí resulta essa posição</p><p>de identificação com o falo materno. Antonio Quinet (2015) sublinha que</p><p>há nesse tempo três elementos: a criança, a mãe e o falo, sendo que a</p><p>criança equivalente ao falo.</p><p>Nesse tempo, a mãe está na posição do Outro absoluto, pois, para a</p><p>criança, ela é a única capaz de suprir as suas necessidades, dependendo</p><p>apenas da boa ou má vontade. Trata-se da lei do capricho, ressalta Quinet, na</p><p>qual a criança se encontra assujeitada, assim, “nesse primeiro tempo lógico do</p><p>Édipo, a mãe é para a criança um Outro absoluto. Se a criança jubilar, se ela</p><p>atinge o equivalente ao orgasmo, como diz Freud em Três ensaios sobre a teoria</p><p>da sexualidade”, é porque ela responde de um lugar de objeto do desejo da mãe”</p><p>(Quinet, 2015, p. 40).</p><p>• 2º tempo: esse momento corresponde à inauguração da simbolização.</p><p>Lacan explica essa passagem através do brincar da criança e resgata o</p><p>jogo de carretel (fort-da), descrito por Freud em Além do princípio de</p><p>prazer. Trata-se da repetição feita de forma lúdica pela criança, onde ela</p><p>lança o carretel, fazendo desaparecer; depois puxa o carretel, fazendo</p><p>reaparecer. Tal repetição seria uma forma de simbolizar o</p><p>desaparecimento e o retorno da mãe que é enunciando pelas palavras</p><p>que representam o seu afastamento e o seu retorno (fort-da).</p><p>Lacan aponta nessa brincadeira uma tentativa de poder representar a</p><p>mãe de forma simbólica pelo objeto e fonemas entonados. Pois, ao enunciar o</p><p>par de fonema “ooo”, que Freud interpreta por fort (longe), e “aaa”, por da (aqui),</p><p>12</p><p>é fundada a sua entrada na linguagem, posto que é possível situar o par</p><p>significantes (S1 – S2) base da cadeia significante, por onde se desloca o sujeito.</p><p>Quinet diz assim:</p><p>Ela (a criança) entra no binarismo significante (S1 – S2), fundamento</p><p>da cadeia significante, por onde se desloca o sujeito. A mãe, podendo</p><p>ser simbolizada por um significante, passa do status de objeto</p><p>primordial ao de signo. A relação da criança com ela deixa de ser</p><p>imediata, pois há uma mediação simbólica pela linguagem. (Quinet,</p><p>2015, p. 40-41)</p><p>É preciso enfatizar que no segundo tempo do Édipo, essa operação que</p><p>efetua a simbolização da ausência da mãe não ocorre de forma espontânea, é</p><p>necessário que surja a intervenção de um quarto termo que possa inscrever a lei</p><p>de interdição. Trata-se do significante do Nome-do-Pai, que se impõe barrando</p><p>o desejo da mãe, interditando a posse da criança como objeto e significando</p><p>para a criança que o desejo da mãe está para além dessa relação.</p><p>O Nome-do-Pai, portanto, o pai enquanto uma função simbólica, entra em</p><p>cena para metaforizar o lugar de ausência da mãe. Se no primeiro tempo o Outro,</p><p>encarnado pela mãe, era um Outro pleno e absoluto, com a interdição do Nome-</p><p>do-Pai o Outro é barrado e, assim, a lei simbólica se instaura para o sujeito, pela</p><p>qual o Outro em A, passa a se constituir como lugar de lei, do pacto da fala.</p><p>O segundo tempo do Édipo, portanto, equivale à castração simbólica, o</p><p>recalque originário, pelo qual a criança perde a sua identificação ao falo da mãe,</p><p>ou pelo menos recalca. O falo é elevado ao nível de significante de desejo da</p><p>mãe, pois a ela o falo falta também (A). Quinet declara assim:</p><p>O Nome-do-Pai, inscreve-se no Outro, lugar ocupado anteriormente</p><p>pela mãe, não simbolizada, permite a articulação entre o complexo de</p><p>castração e o acesso ao simbólico no processo do Édipo. Por</p><p>intermédio da metáfora paterna, a significação do falo é evocada no</p><p>imaginário do sujeito. Antes disso, não havia tal possibilidade. Mas o</p><p>preço de tornar-se significante é o próprio desaparecimento do falo. O</p><p>efeito da castração simbólica aparece no imaginário como falta: (-φ).</p><p>(Quinet, 2015, p. 41)</p><p>Dessa forma o falo é elevado ao nível de significante (ɸ), como desejo do</p><p>Outro, não como (-φ), que é a sua forma imaginarizada. O falo, diz Quinet, é o</p><p>significante que permitirá ao sujeito atribuir significações a seus significantes, ou</p><p>seja, é o significante que, por excelência, permite ao sujeito situar-se na ordem</p><p>simbólica e na partilha dos sexos. “O sujeito passa de uma posição de ser falo a</p><p>uma posição de falta-a-ser, entrando na dialética do ter ou não ter”.</p><p>13</p><p>• 3º tempo: configura-se pelo declínio do complexo de Édipo, onde o</p><p>menino passa da posição inicial de ser o falo à posição de ter o falo,</p><p>podendo a partir daí dar uma significação ao seu pênis. Nesse sentido, a</p><p>figura do pai, enquanto marido da mãe, é tomado como modelo de</p><p>identificação do Ideal do eu, cuja matriz simbólica é o significante do</p><p>Nome-do-Pai. A mulher se situará como o objeto de desejo do homem,</p><p>ser o falo.</p><p>5.1 A problemática do falo</p><p>A assimetria que há no Édipo, entre menina e menino, deve ser entendida</p><p>pela assunção do falo, isto é, ter ou não o falo como o elemento pivô, na qual a</p><p>identificação sexual (e não genital) do sujeito se organiza e se diferencia. Patrick</p><p>Valas (2001) nos ajuda a alcançar esse discernimento em seu livro As</p><p>dimensões do gozo, que diz assim:</p><p>• a menina entra no Édipo através do complexo de castração, isto é,</p><p>como castrada, e ela sai pela angústia, que funciona para ela como</p><p>equivalência da castração, pois na realidade a ela o falo só falta</p><p>simbolicamente; ela não está privada de nenhum órgão;</p><p>• o menino entra no Édipo pela angústia de castração, angústia de ser</p><p>castrado, e sai pelo complexo de castração, o que significa que paira</p><p>sempre sobre ele o temor de ser castrado - Freud precisa que se trata</p><p>essencialmente de um temor que se enraíza no narcisismo.</p><p>A posição de ter o falo ou ser castrado, é importante que se entenda, não</p><p>se designa pela realidade anatômica, mas sim entre a presença e ausência de</p><p>um único termo — o simbólico. A função simbólica que pode dizer ao homem</p><p>tem o falo, enquanto a mulher se diz castrada. Isso porque o pênis, enquanto</p><p>forma, é sede de um gozo privilegiado, que, como situa Patrick, Freud o designa</p><p>muito bem, pois é a parte de libido que permanece fixada ao corpo próprio,</p><p>porque sempre há uma parte de libido que não é transferida para o objeto.</p><p>O falo, como definido por Lacan, “é a significação, nenhuma outra</p><p>significação, que não a própria significação", dito de outra maneira, por Patrick</p><p>valas: “o falo como significado é justamente o objeto que dá à criança a</p><p>significação das</p>