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Internet, a informação franqueada 
 
Em 1969, mesmo ano em que o homem chegou à Lua, dois grupos de nerds 
situados, respectivamente, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), e 
no Stanford Research Institute (SRI), em São Francisco, conseguiram fazer com 
que seus computadores falassem entre si. Na época, quase ninguém deu o devido 
valor a esta proeza; e assim, enquanto a ida à Lua monopolizava as manchetes, o 
nascimento da Internet passava em brancas nuvens. O evento, convenhamos, 
deixou muito a desejar em termos de marketing; e, como espetáculo, não chegou a 
ser um sucesso. Os primeiros caracteres enviados por um computador a outro 
foram L, O e G, de LOGIN. O I e o N ficaram de fora porque, antes que se pudesse 
digitá-los, o sistema caiu. 
 
Em menos de 30 anos, porém, o mundo estaria radicalmente mudado graças 
àqueles improváveis heróis e suas máquinas maravilhosas. Ainda assim, foram 
necessárias mais de duas décadas, e o surgimento de uma interface de figurinhas 
com nome chique – World Wide Web – para que a rede se tornasse, enfim, um 
elemento de cultura de massa. Até a invenção da Web, em princípios dos anos 90, 
e o lançamento do proto-browser Mosaic, em 1993, a rede era considerada, pelas 
poucas pessoas de fora que sabiam de sua existência, uma simples ferramenta 
acadêmica – ou, na melhor das hipóteses, um passatempo de nerds, geeks e outros 
bichos de nome alienígena. 
 
A World Wide Web, também conhecida como Web, WWW ou W3, é apenas uma de 
várias formas de acesso à informação contida na Internet – mas se difundiu de 
forma tão espetacular que, para boa parte dos usuários, é confundida com a 
própria rede. Inventada pelo inglês Tim Berners-Lee no CERN, um instituto de 
pesquisas franco-suíço, ela se resume, basicamente, a quatro letras 
conhecidíssimas: HTTP, de HyperText Transfer Protocol, ou protocolo de 
transferência de hipertexto. Trocando em miúdos, um padrão universalmente 
reconhecido, que possibilita a troca de documentos de todos os tipos por máquinas 
de qualquer espécie, sem distinção de cor, credo ou plataforma. A sua combinação 
com o browser, programa que permite a visualização de textos e imagens através 
de uma navegação simples, tocada a cliques de mouse, foi, como bem sabemos, 
nitroglicerina pura. E o resto é História. 
 
Hoje, quando reclamamos que não estamos conseguindo conexão, e rogamos 
pragas sobre a Telemar, a Embratel e os provedores, com a plena – e justa – 
consciência de que um computador desconectado não passa de uma patética caixa 
aleijada, é difícil imaginar que houve um tempo em que, não só as coisas não eram 
bem assim, como sequer se percebia que assim deveriam ser. 
 
É por isso que somos todos, usuários, devedores eternos de um psicólogo nascido 
em 1915 chamado Joseph Carl Robnett Licklider. Professor do MIT, Lick – como era 
conhecido – estava longe de ser o psicólogo típico do seu tempo; ou, aliás, de 
qualquer tempo. Formado também em física e matemática, apaixonado por 
química, artes plásticas e aeromodelismo, ele gostava, particularmente, de umas 
máquinas de calcular gigantescas que, nos anos 50, começavam a brotar no 
cenário americano sob a alcunha de computadores. 
 
De tanto brincar com elas como não-especialista, Lick foi a primeira pessoa a intuir 
que, um dia, aqueles mostrengos poderiam se transformar em extensões do 
cérebro humano. Em 1960, publicou as suas idéias sobre o assunto em Simbiose 
Homem-Computador – e nada foi mais como antes. 
 
 
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O trabalho teve um impacto incalculável sobre os cientistas de computador da 
época e, de quebra, transformou o autor, definitivamente, num deles. Dois anos 
depois, ele era convocado pela ARPA – Advanced Research Project Agency –, a 
poderosa agência central de pesquisa e desenvolvimento do Governo americano, 
com carta branca para inventar novas funções para as máquinas, então restritas a 
cálculos elementares e pouco criativos. Naquele tempo, os poucos computadores 
que existiam falavam, cada qual, a sua própria língua, e obedeciam ao seu próprio 
grupo de comandos. Ainda não havia passado pela cabeça de ninguém criar 
qualquer padrão, até porque não havia necessidade disso. Mas Licklider, com 
excelente trânsito pelos centros de pesquisa universitários, começou a espalhar 
ideias radicais entre estudantes e professores: por que não desenvolver padrões 
universais, que pudessem ser utilizados por todas as máquinas? E por que não dar 
às máquinas condições de comunicação umas com as outras? 
 
Estavam lançadas aí as sementes da Grande Revolução, que logo foram cultivadas, 
com extraordinário sucesso, por pioneiros como Bob Taylor e Larry Roberts, que 
pensaram os primeiros projetos de redes; Paul Baran, que criou o conceito das 
redes distribuídas, em que as máquinas estão interligadas entre si, independentes 
de um computador central – base da flexibilidade e da virtual indestrutibilidade da 
Internet; Donald Davies, que encontrou um jeitinho de partir os dados transmitidos 
em pacotes; Frank Heart, que deu o pontapé inicial no conceito dos roteadores; e 
mais Wes Clark, e Jon Postel, e Len Kleinrock... a lista vai longe. Mas, deles todos, 
quem acabou conhecido como o pai da Internet foi Vint Cerf que, com Bob Kahn, 
apresentou, em 1974, um protocolo conhecido como TCP, – mais tarde TCP/IP –, 
sem o qual a Internet – a união de diversas redes – jamais existiria. 
 
O TCP é o padrão que permite a comunicação de diferentes redes; e Cerf fez mais 
jus à paternidade da rede do que Kahn porque, além de desenvolver o padrão, 
inteiramente aberto, lutou com todas as forças para que ele prevalecesse sobre os 
padrões proprietários que, então, começavam a pôr as manguinhas de fora. Como 
todos os pioneiros da rede, Vint Cerf sabia que ela só daria certo se estivesse 
baseada num sistema aberto, ou seja: num padrão único, gratuito, à disposição de 
todos. Caso contrário, centenas de empresas criariam, cada qual, o seu próprio 
padrão, numa babel em que a ganância só seria superada pelo desserviço ao 
usuário. 
 
A primeira das muitas redes que viriam a formar a Grande Rede que conhecemos 
atualmente foi, justamente, aquela nascida da conexão entre as máquinas da UCLA 
e do SRI: a Arpanet. Depois apareceram outras: Bitnet, Usenet, CSNet, Span, 
CDNet... O termo Internet começou a ser usado, para valer, em meados dos anos 
80, mais exatamente a partir de 1983, quando o TCP/IP foi adotado urbi et orbe. E, 
em 1989, a Arpanet deixou, oficialmente, de existir como tal. 
 
Em outras palavras, terminou, aí, o grosso do subsídio governamental à rede. 
Estava dada a largada para o que se chamava, então, Internet comercial. O termo 
que, hoje, nos parece um pleonasmo, era, naquele tempo, quase uma heresia: 
rodando nas universidades e nos laboratórios de pesquisa, à disposição de quem 
tivesse acesso a uma senha e às máquinas locais, a Internet era considerada livre e 
sagrada como o ar. Que alguém ousasse cobrar por isso, ou usar tão sublime meio 
de comunicação com intenções mercantilistas, era simplesmente monstruoso. 
 
Esse espírito prevalecia de tal maneira que mesmo o trabalho que se fazia pela 
rede era considerado um privilégio, ou uma espécie de hobby remunerado. Nenhum 
 
 
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dos pioneiros enriqueceu com a sua invenção. Com exceção de Vint Cerf, que foi 
para a MCI e se tornou, até por força do seu trabalho de evangelização tecnológica, 
uma personagem mais high-profile, os outros continuaram suas carreiras em 
universidades e centros de pesquisa. Marc Andreessen, que criou o Mosaic, e depois 
o Netscape, a partir do protótipo de browser do CERN, foi o primeiro milionário com 
fama de pop star da rede. Mas Tim Berners-Lee, o discreto gênio de Genebra, hoje 
no MIT, não se arrepende de não ter patenteado a sua invenção. Ele prefere a 
sensação de realização que sente ao ver a Web crescendo sem barreiras a uma 
montanha dedinheiro no banco. 
 
CORA RÓNAI é editora do caderno InformáticaEtc do GLOBO. 
 
Fonte 
RÓNAI, Cora. Internet, a informação franqueada. O Globo. Rio de Janeiro, n. 33, 
1999. Globo 2000, p. 770-771.

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