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<p>22</p><p>A HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS</p><p>FRENTE À EVOLUÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA</p><p>Felice Valentino Gaio Filardi12</p><p>Para iniciar as primeiras linhas da proposta temática, acredita-se,que</p><p>seja de grande valia restabelecer o significado, o grau de interação entre as</p><p>expressões. Nesse sentido, o escopo precípuo é dar ao presente estudo uma</p><p>seqüência metodológica que possa permitir ao leitor uma melhor compreensão</p><p>dos limites desta proposição e, acima disso, realmente permitir um juízo de</p><p>reflexão a respeito do tema.</p><p>A História das Constituições Brasileiras Frente à E volução da Odem Econômica</p><p>Segundo acredita a teoria monista, o Direito interno tende a se confundir</p><p>com o Direito internacional. À medida que as relações internacionais se tornam</p><p>globalizadas e o mundo mais integrado em suas estruturas, o Direito interno tal</p><p>como outros campos do saber como a economia, a política e a sociologia, vai</p><p>absorvendo os fluxos externos, sejam estes representados pelo aumento do</p><p>comércio, da interdependência financeira, da cultura etc. Assim sendo existem</p><p>teses que afirmam que a interdependência entre as esferas externa e interna</p><p>dos Estados é um processo, sendo assim há uma continuidade desses</p><p>movimentos que acaba por alterar algumas estruturas internas, sem falar nas</p><p>conjunturas que facilmente se sujeitam a modificações.</p><p>12 Doutor em Direito e Economia. Mestre em Direito das Relações Econômicas pela Universidade Gama</p><p>Filho. UGF. Professor de Graduação em Direito na UCB e UCAM e Pós-Graduação em Direito FGV.</p><p>23</p><p>Em nível das relações econômicas internas, um exemplo de aspectos</p><p>conjunturais tocados pelos fluxos externos pode ser o controle aduaneiro,</p><p>quando, por uma portaria qualquer, se alteram as barreiras tarifárias em</p><p>determinado setor. A incidência de taxas alfandegárias maiores ou menores é</p><p>uma questão conjuntural. O free trade já é uma questão estrutural. Pode-se dizer</p><p>que um conjunto de medidas de cunho neoliberal, que caracterizaria uma</p><p>economia liberal de free trade, portanto, ou um conjunto de medidas de cunho</p><p>protecionista apresentam-se como questões estruturais; são mais do que uma</p><p>opção eventual, são um conjunto de opções que acabam por definir uma</p><p>política, uma linha de atuação; daí serem consideradas como estruturais.</p><p>Neste trabalho assevera-se que os fluxos que caracterizam a</p><p>interdependência na vida dos Estados tocam, inclusive, nas questões</p><p>estruturais, mais herméticas e rígidas que as conjunturais. Neste trabalho,</p><p>pretende-se analisar em que medida os fluxos econômicos repercutem na vida</p><p>interna dos Estados, alterando substancialmente algumas de suas estruturas. A</p><p>estrutura repercutida ou alterada é, em última análise, a própria Constituição</p><p>Federal brasileira. Pretende-se, neste momento, demonstrar a relação entre a</p><p>ordem econômica internacional – entenda-se o também denominado direito</p><p>econômico – e o direito constitucional brasileiro, cujo objeto de análise é a</p><p>própria Constituição brasileira, pois “O entendimento do Direito Constitucional</p><p>vigente pressupõe uma compreensão do seu objeto: a Constituição.”13.</p><p>O Direito Constitucional e a Ordem Econômica Intern acional</p><p>Segundo Konrad Hesse:</p><p>13 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto</p><p>Alegre: Fabris, 1998, p. 35.</p><p>24</p><p>A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela</p><p>determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se</p><p>unidade política e tarefas estatais ser exercidas. 14 (sic.)</p><p>Para se compreender um Estado deve-se analisar sua Constituição15. A</p><p>Constituição expressa sua estrutura, sua composição. É a expressão máxima</p><p>de uma ordem estatal.</p><p>Ferdinand Lassale, em O Que é uma Constituição?, nos apresenta uma</p><p>parábola bastante interessante. Conta o autor que, caso se plantasse uma</p><p>macieira e se prendesse ao seu tronco uma placa com a seguinte inscrição:</p><p>“Esta árvore é uma Figueira”, bastaria este papel para transformar uma figueira</p><p>em macieira? Diz o autor que, embora se conseguisse que os criados, vizinhos e</p><p>conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente</p><p>na árvore de que o pé plantado seria uma figueira, a planta continuaria sendo o</p><p>que realmente era e, quando produzisse seus frutos, estes destruiriam a fábula,</p><p>pois teriam produzido maçãs e não figos16.</p><p>O mesmo acontece com as Constituições. De nada servirá o que se</p><p>escrever em uma folha de papel, se o que estiver escrito não se justificar pelos</p><p>14 Ibid., p. 37.</p><p>15 Santi Romano, em Princípios de Direito Constitucional Geral, pp. 59-61, diz que: “o conceito de</p><p>Estado é um dos mais controvertidos da hodierna ciência publicística, não porque se compreende entre</p><p>outros não menos incertos, mas também, e principalmente, pela sua complexidade, o que dificulta o</p><p>conhecimento de todas as suas notas essenciais. Esta dificuldade resulta claramente do desenvolvimento da</p><p>doutrina que a ele se refere, pois esta teve necessidade de uma lenta e árdua integração para conseguir</p><p>construí-lo; deriva ainda da própria terminologia com que aquele conceito às vezes vem expresso,</p><p>traduzindo-lhe incompleta ou aproximadamente os vários aspectos. (...) O problema da definição de Estado</p><p>não é apenas um problema de definição verbal, mas sobretudo jurídico. Isto significa que ele,</p><p>primeiramente, deve ser colocado e examinado em relação às várias ordenações positivas, cada uma das</p><p>quais, em abstrato, poderia assumir um conceito diverso de Estado. Deve-se considerar, porém, que</p><p>atualmente estas várias ordenações estatais ou não, por um ponto de vista prático e concreto: as</p><p>divergências são, sobretudo, de ordem doutrinária ou teórica e, por sorte, raramente repercutem na</p><p>linguagem legislativa ou oficial, dando lugar a incertezas de interpretação. Elas, mais que ao conceito, se</p><p>referem ao desenvolvimento de tal conceito ou aos atributos e qualidades do Estado que são necessários</p><p>para individualizá-lo, embora sirvam para esclarecer-lhe a natureza.”</p><p>16 LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? . s/ed., p. 117</p><p>25</p><p>fatos reais17. Esta visão compreende uma acepção material da Constituição.</p><p>Para Lassale, as Constituições são resultados, antes de tudo, de um jogo pelo</p><p>poder que rege a sociedade. Desta forma, a Constituição, no seu sentido</p><p>material, é o conjunto de forças políticas, econômicas, e ideológicas etc. que</p><p>conforma a realidade social de um determinado Estado18. Como ressalta Celso</p><p>Ribeiro Bastos, ao se referir à influência destas forças na estruturação escrita do</p><p>Estado, que é a Constituição, dizendo: “é o universo do ser, a não do dever ser,</p><p>do qual o direito faz parte.”19.</p><p>Então, de fato, a Constituição expressa, sobretudo, a composição do</p><p>Estado. Reflete em seu conteúdo suas características estruturais. Quando</p><p>Lassale diz que a Constituição reflete o conjunto de forças, como a econômica,</p><p>pode-se, a partir daí, questionar acerca de quais seriam estas forças</p><p>econômicas.</p><p>Uma das hipóteses deste trabalho é de que, considerando-se a</p><p>globalização das relações internacionais em todos os níveis, os fluxos</p><p>decorrentes da ordem econômica internacional acabariam determinando a</p><p>constituição da ordem econômica doméstica ou, quando pouco interfere,</p><p>determinando algumas práticas conjunturais da política econômica de um</p><p>Estado.</p><p>Poder-se-ia falar, então, em um direito constitucional econômico, à</p><p>semelhança, por exemplo, de novas nomenclaturas como direito constitucional</p><p>internacional20. A propósito, considera-se que o Direito Constitucional</p><p>Internacional seja a fusão do Direito Constitucional com o Direito Internacional.</p><p>Este campo estuda a relação da Constituição com os princípios de Direito</p><p>17 Ibid., p. 110.</p><p>18 Ibid., p. 111.</p><p>19 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:</p><p>ou brasileiros</p><p>analfabetos, os operários fabris não gozavam de nenhum direito político ou</p><p>trabalhista. Para conquistá-los beneficiaram-se da tradição de luta dos</p><p>trabalhadores europeus que os imigrantes trouxeram consigo. Socialistas,</p><p>anarco-sindicalistas e comunistas sucederam-se na liderança do operariado</p><p>paulista e carioca, organizando sindicatos, congressos e greves. Sob a direção</p><p>dos anarco-sindicalistas, o movimento operário brasileiro conheceu sua primeira</p><p>fase de ascensão.</p><p>A Economia na República Velha frente à Ordem Econôm ica Internacional</p><p>Quando se fala em economia e ordem econômica internacional na</p><p>passagem do período imperial para o republicano, há de se afirmar que a</p><p>inúmeros foram presos e muitos deles mortos. Interessante é observar que o mesmo tipo de problema</p><p>aconteceu na Rússia. Este episódio da história pré-revolucionária russa pode ser visto no filme de Serguei</p><p>Eiseinstain, denominado Encouraçado Potenkin, uma obra de arte do cinema mudo russo.</p><p>55</p><p>produção de café para o mercado externo, malgrado as profundas mudanças</p><p>políticas, continuou sendo a principal atividade econômica do país durante toda</p><p>República Velha. Só que, no novo regime, os cafeicultores conquistaram</p><p>hegemonia sobre o Governo Federal, sendo a política econômica adotada pelo</p><p>governo, inteiramente voltada para atender às necessidades da cafeicultura.</p><p>Mas, em face da crise econômica enfrentada pelos primeiros governos civis, não</p><p>restou outra alternativa para os sucessivos governos senão sacrificar alguns</p><p>interesses da cafeicultura67.</p><p>Os primeiros anos da República foram de crise econômica, gerada pelo</p><p>desequilíbrio entre exportação e importação, pelo peso da dívida externa e pela</p><p>retração do capital estrangeiro. Para combatê-la foi adotada uma série de</p><p>medidas de contenção, por meio das quais se procurava reduzir o déficit</p><p>orçamentário e controlar a oferta de moeda. Em relação à dívida externa,</p><p>Prudente de Morais firmou, com os credores, em 1898, um acordo que seria</p><p>implementado por seu sucessor, Campos Sales68. Em troca desse rolamento da</p><p>dívida, os banqueiros exigiam o saneamento da economia do país. Campos</p><p>Sales comprometeu-se a queimar papel-moeda na quantidade equivalente aos</p><p>títulos da dívida depositados em Londres, para provocar a queda da inflação.</p><p>Além disso, seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, promoveu uma política</p><p>de contenção de gastos e redução do déficit público, que consistiu no aumento</p><p>de impostos, paralisação dos investimentos em obras públicas, congelamento de</p><p>salários etc. Em consequência houve significativa elevação da taxa cambial,</p><p>justamente no momento em que os preços do café caiam no mercado</p><p>internacional.</p><p>Nos períodos em que não havia crises a serem enfrentadas, o Governo</p><p>Federal encontrava condições para implementar uma política mais de acordo</p><p>com os interesses da cafeicultura. Tratava-se basicamente de manipular as</p><p>67 FAUSTO, Bóris. “Expansão do Café e Política Cafeeira”, in História da Civilização Brasileira. Rio de</p><p>Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, T. III, 1º Vol., pp 193 - 248.</p><p>56</p><p>taxas cambiais de modo a garantir a lucratividade dos fazendeiros quando</p><p>ocorria queda de preços do café no mercado externo. A consequência era o que</p><p>Celso Furtado chamou de socialização das perdas: a desvalorização do mil-réis</p><p>gerava o aumento dos preços de produtos importados, na época com papel</p><p>importante no consumo da população, e a contração no volume das</p><p>importações. Assim, a manipulação do câmbio garantia que, em moeda</p><p>nacional, não houvesse queda nos lucros dos fazendeiros, mas, em</p><p>contrapartida, onerava a população com o aumento do custo de vida e o Estado</p><p>com a queda dos rendimentos do seu principal tributo, aquele que incidia</p><p>justamente sobre a importação69.</p><p>Além da desvalorização cambial, os cafeicultores procuravam proteger</p><p>seus lucros utilizando os governos estaduais para implementar a chamada</p><p>política de valorização do café. Os governadores de São Paulo, Minas Gerais e</p><p>Rio de Janeiro firmaram, em 1906, um acordo, o Convênio de Taubaté, pelo qual</p><p>comprometiam-se a empregar o dinheiro público para adquirir e queimar parte</p><p>da produção de café70. As políticas de valorização procuravam preservar os</p><p>lucros dos fazendeiros ameaçados pela superprodução. A queima foi necessária</p><p>haja vista à rápida expansão dos cafezais que acabou gerando uma produção</p><p>bem superior à demanda no mercado externo, forçando os preços do café para</p><p>baixo. Na verdade, o desequilíbrio entre a oferta de café e a capacidade de</p><p>consumo do mercado mundial gerou uma crise.</p><p>Com a crise econômica internacional, a progressiva limitação de crédito</p><p>em Londres comprometeu a possibilidade brasileira de obter empréstimos</p><p>externos. Esta crise representou o choque definitivo para os cafeicultores. Em</p><p>68 0 chamado Funding Loan estipulava que o pagamento de todos os empréstimos externos anteriormente</p><p>contraídos pelo governo federal seria efetuado até junho de 1901, com novos títulos de dívida que teriam</p><p>13 anos para serem resgatados.</p><p>69 FRITSCH, Winston. “Apogeu e Crise na Primeira República: 1900-1930”. Marcelo de Paiva Abreu</p><p>(org.). A Ordem do Progresso. Rio de Janeiro: Campus, 1992, 4ª ed., pp. 68 e seg.</p><p>70 O convênio procurava restringir a oferta do produto no mercado internacional, de modo a estabilizar seus</p><p>preços, utilizando para isso empréstimos externos feitos pelos governos estaduais. Novas políticas de</p><p>valorização foram adotadas, em 1917-1920 e 1921-1924, sempre com o apoio ou participação direta do</p><p>governo federal.</p><p>57</p><p>outubro de 1929, a produção cafeeira entrava em colapso, agravado pela quebra</p><p>da Bolsa de Nova York e pela conseqüente crise mundial.</p><p>Com o modelo de desenvolvimento baseado no café, a economia</p><p>brasileira sofreu profundas transformações: trabalho assalariado, urbanização</p><p>crescente, modernização na produção agrícola e industrialização. Na década de</p><p>1880 ocorria o primeiro surto industrial do país, financiado pelo capital cafeeiro.</p><p>Quanto à indústria nascente, esta permaneceu subsidiária ao café até o</p><p>final da década de 1920, quando a quebra da bolsa de Nova York provocou uma</p><p>profunda crise mundial, atingindo também a produção brasileira de café, cujos</p><p>preços tiveram uma queda drástica no mercado externo. Com o café entrava em</p><p>crise o regime oligárquico que ele vinha sustentando. Em 1930 a Aliança Liberal</p><p>conquistava o poder e inaugurava um novo regime, em que teriam lugar</p><p>destacado os representantes da indústria nacional. Começava o que se chama</p><p>de Estado Novo.</p><p>A Constituição de 1891</p><p>Considerado-se a hipótese de que a Constituição é o espelho dos</p><p>movimentos sociais, econômicos e políticos e que reflete a composição de um</p><p>ente jurídico que é o Estado, pode-se notar, ao se analisar a Constituição de</p><p>1891, que a política econômica brasileira a partir da Proclamação da República,</p><p>sofre uma redefinição. Esta redefinição não tem representação no texto</p><p>constitucional de 1891. Como ressalta Washington Albino P. de Souza, a Carta</p><p>de 1891 não apresenta elementos novos no que tange à área econômica,</p><p>diferenciando-se substancialmente no seu aspecto político71. Referindo-se às</p><p>Cartas de 1824 e 1891 o autor diz que:</p><p>71 SOUZA, op. cit., 387.</p><p>58</p><p>Confirmam sua marca individualista que, de resto, ainda permanece nesta</p><p>mesma disposição nas Cartas posteriores. Reafirmam a presença do</p><p>espírito liberal e individualista que continuam mantendo, embora</p><p>mitigados. 72</p><p>Pode-se observar a redefinição da política econômica ao se analisar a</p><p>política externa brasileira. Na primeira</p><p>fase do regime republicano a política</p><p>externa brasileira pautou-se por três características básicas: deslocamento do</p><p>eixo diplomático de Londres para Washington, delimitação de fronteiras ainda</p><p>controversas e papel mais ativo nos assuntos referentes ao continente. Os</p><p>Estados Unidos tornaram-se, no século XX, os principais consumidores dos</p><p>produtos brasileiros, substituindo a Grã-Bretanha como mais importante parceiro</p><p>externo do país. Além disso, ao final da I Guerra Mundial, Nova York passou a</p><p>ocupar, nas finanças internacionais, a posição que antes pertencia a Londres.</p><p>Em consequência, Washington, cada vez mais, assumia papel de</p><p>preponderância nas relações externas brasileiras. O Brasil aderia, assim ao pan-</p><p>americanisrno sob a liderança norte-americana.</p><p>Proclamada a República, os novos dirigentes pautaram sua política</p><p>externa para busca de alianças políticas e comerciais com os países</p><p>americanos, rompendo com a diretriz eminentemente européia que prevalecera</p><p>no período anterior. Vale citar um extrato da obra de Amado Cervo que resume</p><p>com propriedade os interesses econômicos e políticos brasileiros desta época:</p><p>O americanismo marcou a República nascente como que por antinomia</p><p>ao europeísmo com o qual se identificara a Monarquia. Se as instituições</p><p>monárquicas rendiam o Brasil à Europa, as republicanas integravam-no no</p><p>sistema continental americano (...). Um aspecto a ressalvar dessa</p><p>‘americanização’ é que ela nem sempre se confundia com ‘norte-</p><p>72 Ibid., p. 387.</p><p>59</p><p>americanização’. Houve preocupação em voltar a atenção do pais para o</p><p>contexto sul-americano, inaugurando uma política de fraternidade americana. 73</p><p>Estas são as raízes da cooperação regional com os vizinhos do sul que</p><p>culminou com a criação do MERCOSUL. Esta reorientação, todavia, não é</p><p>definida pela Carta de 1891, permanecendo os pressupostos herdados da Carta</p><p>de 1824 e a omissão com relação às diretrizes econômicas do novo Estado.</p><p>A História Político-Econômica Brasileira e as Const ituições de 1934, 1937</p><p>e 1946</p><p>Em princípio, cumpre explicar que as três Constituições estão sendo</p><p>estudadas em conjunto em razão de não ter havido um decurso de tempo</p><p>significativo, um lapso temporal realmente relevante entre uma e outra</p><p>Constituição. Assim, a própria história pode ser contada de forma conjunta.</p><p>Pode-se iniciar dizendo que a década de 1920 foi marcada pela crise do</p><p>regime oligárquico. As dificuldades enfrentadas pela produção cafeeira, com as</p><p>constantes crises de superprodução e a brutal queda do preço do café no</p><p>mercado externo quando da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929,</p><p>fragilizaram o regime que se sustentara na cafeicultura. O surgimento de</p><p>dissidências no seio das próprias oligarquias abalaram sua estabilidade, que se</p><p>fundamentava no acordo oligárquico. Além disso, alguns dos setores</p><p>politicamente excluídos foram capazes de articular-se em oposição organizada e</p><p>sistemática. Na década de 20, algumas oligarquias menores, lideradas pelos</p><p>gaúchos, passaram a questionar a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais no</p><p>governo federal. Em 1921, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Estado do</p><p>73 CERVO, op. cit., p. 150.</p><p>60</p><p>Rio formaram a “Reação Republicana” com a candidatura de Nilo Peçanha à</p><p>Presidência, em oposição a Artur Bernardes, candidato oficial74.</p><p>É interessante ressaltar, ainda que resumidamente, esses aspectos</p><p>políticos considerando-se que um dos principais pontos da campanha</p><p>oposicionista foi a crítica à política econômica adotada pelos sucessivos</p><p>governos, comprometida, apenas com os interesses da cafeicultura. A vitória de</p><p>Artur Bernardes refreou temporariamente as divergências regionais, que</p><p>ressurgiriam em 1930. Considerando-se que a política é um meio e não um fim,</p><p>o jogo de poder das oligarquias regionais em busca do poder político buscava,</p><p>na verdade, consolidar os interesses econômicos de um determinado grupo.</p><p>Esta crise política-econômica desembocou em um movimento revolucionário que</p><p>buscava reestruturar um novo sistema, cujo marco foi a Constituição de 1934.</p><p>Vitoriosa a Revolução de 1930, foi organizado um governo provisório</p><p>(1930-1934), chefiado por Getúlio Vargas, com a incumbência de convocar uma</p><p>Assembléia Constituinte e eleições para a presidência da República. As</p><p>primeiras medidas decretadas pelo novo governo já antecipavam as principais</p><p>preocupações que norteariam a ação das novas elites que assumiam o poder.</p><p>Procurava-se, de um lado, limitar os mecanismos institucionais que serviram de</p><p>instrumento para a dominação oligárquica (as oligarquias continuaram a exercer</p><p>a dominação a nível local, mas seu poder no Estado já não era hegemônico) e,</p><p>de outro, estabelecer as bases de um novo tipo de relação com os setores</p><p>populares75.</p><p>Nos primeiros anos do novo regime, a ampla aliança que subira ao</p><p>poder enfrentou profunda instabilidade política, fruto do confronto interno das</p><p>diversas forças que a compunham. Suas oposições e contradições ficaram</p><p>patentes logo no início do governo provisório. Além das contradições internas da</p><p>74 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. “O Processo Político-Partidário na Primeira República.” Bóris</p><p>Fausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, T. III, 2º vol. p. 215 e seg.</p><p>75 WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª ed., 1994,</p><p>pp 94 e seg.</p><p>61</p><p>própria aliança, o governo confrontou-se com movimentos de oposição, levados</p><p>a cabo por grupos que permaneceram afastados do poder. Em 1932 eclodia em</p><p>São Paulo a Revolta Constitucionalista, liderada pela oligarquia cafeeira que</p><p>perdera a hegemonia sobre o Governo Federal. Além disso, setores mais</p><p>radicais da classe média agrupavam-se na Aliança Nacional Libertadora (ANL),</p><p>com a liderança de Luís Carlos Prestes, enquanto as facções de direita</p><p>organizavam-se sob a bandeira do integralismo, movimento de caráter fascista</p><p>liderado por Plínio Salgado. A estabilidade do regime, o que significava</p><p>preservar os interesses no poder, dependia da derrota desses dois movimentos.</p><p>A Constituição de 1934 foi resultado de um ambiente de muitas revoltas,</p><p>alianças e golpes, por esta razão faz-se necessário apresentar uma breve</p><p>descrição deste cenário que, afinal, foi palco para a Constituinte.</p><p>Em 1932, o Partido Democrático paulista, que havia apoiado a</p><p>Revolução de 1930, aliou-se à oligarquia cafeeira, representada pelo PRP, em</p><p>uma revolta que tinha como pretexto a resistência de Vargas em convocar a</p><p>Assembléia Constituinte. Em fevereiro de 1932 era fundada a Frente Única</p><p>Paulista (FUP), reunindo os dois partidos, com um programa cujas</p><p>reivindicações centrais eram a elaboração de uma nova Constituição e a</p><p>restauração da autonomia de São Paulo, governado desde 1930 por</p><p>interventores ligados ao tenentismo. A 9 de julho era deflagrada a rebelião.</p><p>Embora derrotados três meses depois, seus protagonistas alcançaram seus</p><p>principais objetivos: a Assembléia Constituinte foi convocada e a FUP</p><p>conquistou o governo do Estado pouco depois.</p><p>Também em 1932 era fundada a Ação Integralista Brasileira (AIB),</p><p>tornando-se um dos primeiros partidos de massa do país, com um contingente</p><p>estimado entre 600 mil e 1 milhão de adeptos em 193676. Tratava-se de uma</p><p>concepção corporativista de Estado, na qual cada cidadão estaria representado</p><p>na medida em que fizesse parte de uma determinada classe profissional. Os</p><p>62</p><p>integralistas cortejaram o governo de Vargas e o apoiaram no golpe de 1937,</p><p>colaborando ativamente na elaboração do Plano Cohen77. A Vargas, contudo,</p><p>não interessava a aliança com um movimento autônomo, com diretrizes próprias</p><p>que nem sempre coincidiam com os interesses dos grupos no poder. Em 1937 a</p><p>AIB era dissolvida pelo governo e no ano seguinte os integralistas reagiam com</p><p>uma tentativa de tomar o Palácio da Guanabara,</p><p>sede do Governo Federal.</p><p>Por fim, o novo regime teve que enfrentar a oposição armada do Partido</p><p>Comunista Brasileiro (PCB), em uma revolta que eclodiu em 1935. Neste ano foi</p><p>criada a Aliança Nacional Libertadora que reuniu, sob a liderança do PCB, várias</p><p>tendências políticas aglutinadas em torno de um programa que privilegiava o</p><p>combate ao imperialismo e ao latifúndio e a defesa das liberdades democráticas.</p><p>O plano de um levante armado dirigido pela ANL foi elaborado em Moscou, onde</p><p>se encontrava Prestes, e contou com o apoio decisivo da Internacional</p><p>Comunista. O levante foi deflagrado em novembro e ficou restrito à sublevação</p><p>de algumas unidades militares em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Facilmente</p><p>derrotada, a rebelião serviu de pretexto para intensa repressão aos</p><p>oposicionistas do regime. Foram efetivadas milhares de prisões e o Congresso</p><p>aprovou uma série de medidas excepcionais solicitadas pelo Executivo,</p><p>declarando estado de sítio. O levante foi utilizado também como justificativa para</p><p>a instauração de um governo ditatorial, o que ocorreria em 1937.</p><p>A instabilidade política que marcou os primeiros anos após a Revolução</p><p>de 1930 foi conseqüência da peculiar correlação de forças que se instalou no</p><p>poder. Nenhum grupo social estava em condições de impor sua hegemonia ao</p><p>conjunto da sociedade, ao contrário do período anterior, quando os cafeicultores,</p><p>uma fração da burguesia agrária, estabeleceram seu predomínio por meio do</p><p>regime oligárquico. A opção Vargas suplanta uma lacuna de poder organizado</p><p>pelas elites, como bem explica Weffort:</p><p>76 Profundamente nacionalista, seus adversários centrais eram o capitalismo internacional, o liberalismo, o</p><p>socialismo e os judeus, e seu principal objetivo a implementação do chamado Estado integral.</p><p>77 O Plano Cohen foi um documento forjado para fazer crer que havia uma conspiração comunista em</p><p>andamento e assim justificar a instauração de uma ditadura.</p><p>63</p><p>O novo governo terá, portanto, que mover-se sempre dentro de uma</p><p>complicada faixa de compromissos e conciliações entre interesses diferentes e</p><p>por vezes contraditórios. De nenhum dos grupos participantes – as classes</p><p>médias, os grupos menos vinculados à exportação e os setores vinculados à</p><p>agricultura do café – se poderia dizer que teria assegurado para si as funções de</p><p>hegemonia política. Por outro lado, nenhum desses grupos tem condições para</p><p>oferecer as bases da legitimidade do novo Estado, para apresentar seus</p><p>próprios interesses particulares como a expressão dos interesses gerais da</p><p>Nação78.</p><p>Instaurou-se assim uma espécie de vazio de poder, solucionado pelo</p><p>que Francisco Weffort denominou estado de compromisso, no qual se</p><p>articularam burguesia industrial, camadas médias e burguesia rural em torno do</p><p>novo governo e, sobretudo, da figura de Getúlio Vargas. O novo regime</p><p>caracterizava-se também por um alto grau de centralização e de intervenção na</p><p>economia, com o fortalecimento do Governo Federal em detrimento dos</p><p>executivos estaduais. Procurava-se, assim, criar um quadro institucional de</p><p>abrangência nacional, em substituição ao profundo regionalismo que marcara o</p><p>regime anterior. Se a centralização seria levada a extremos a partir de 1937, ela</p><p>já estava consagrada na Constituição aprovada em 1934.</p><p>O fortalecimento do Executivo, em 1937, foi a fórmula adotada para</p><p>viabilizar o estado de compromisso, acomodando os diversos setores</p><p>dominantes em um regime ditatorial em que sobressaía a figura de Vargas como</p><p>núcleo aglutinador. Eleito presidente em 1934, pelo Congresso Nacional, para</p><p>um mandato que expiraria em 1938, Vargas liderou o golpe que inaugurou a</p><p>ditadura, alcunhada de Estado Novo. O historiador Eli Diniz descreve o Estado</p><p>78 WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª ed., 1989, p.</p><p>69.</p><p>64</p><p>Novo como um regime altamente centralizado, de autonomia relativa do Estado,</p><p>isto para:</p><p>(...) resguardar as posições econômicas dos grupos tradicionais,</p><p>favorecendo, ao mesmo tempo, a marcha dos setores emergentes,</p><p>particularmente a burguesia industrial. Neste sentido, ter-se-ia um arranjo</p><p>para institucionalizar o confronto entre os grupos dominantes, reforçando</p><p>os canais de acesso da coalizão vitoriosa ao poder em trinta excluindo ao</p><p>mesmo tempo a participação das forças ideologicamente indesejáveis, e</p><p>reduzindo, simultaneamente, a influência política dos setores</p><p>tradicionalmente dominantes, quer pela impossibilidade de que</p><p>readquirissem o controle do sistema decisório, quer pelo aprofundamento</p><p>do processo de desestruturação dos recursos de poder que ainda</p><p>manipulavam.79</p><p>Em 10 de novembro tropas oficiais cercaram o Congresso,</p><p>dissolvendo o Parlamento. Ao mesmo tempo, Vargas promulgava uma nova</p><p>Constituição que conferia ao chefe do Executivo poderes ditatoriais e cujos</p><p>dispositivos eram decalcados dos modelos corporativistas e fascistas de</p><p>Portugal e da Itália. Os partidos políticos foram abolidos e uma rigorosa censura</p><p>aos órgãos de comunicação passou a vigorar. O fortalecimento do Executivo</p><p>residiu também na transferência, para o Governo Federal, de funções antes</p><p>reservadas aos governos estaduais. Além disso, uma nova concepção do papel</p><p>do Estado determinou sua intervenção profunda na economia, não apenas para</p><p>resguardar alguns interesses como ocorrera no período anterior, mas, sobretudo</p><p>para promover o desenvolvimento. O Governo Federal tornou-se um importante</p><p>agente econômico, inclusive como proprietário:</p><p>79 DINIZ, Eli. “ O Estado Novo: Estrutura de Poder, Relações de Classes” , in História Geral da</p><p>Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, T. III, 3º vol., org. Boris Fausto, 1986, p. 84.</p><p>65</p><p>(...) através da instalação de novas indústrias, estatais, o Estado assumia</p><p>o papel de principal investidor. (...) esses investimentos tinham uma</p><p>significação intrínseca: em sua maioria canalizados para a indústria</p><p>pesada, setor pouco atraente para os investidores particulares, em que a</p><p>remuneração dos capitais, se faz a longo prazo, resultaram na instalação</p><p>das condições infra-estruturais para o desenvolvimento do capitalismo no</p><p>Brasil80.</p><p>Tratava-se do aprofundamento das diretrizes presentes a partir de 1930.</p><p>Vargas promulgou a Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1943, e criou uma</p><p>estrutura sindical diretamente ligada ao Estado, em ambos os casos inspirado</p><p>pelo corporativismo fascista italiano. Não era mais possível ignorar a existência</p><p>de uma classe que avançava na sua capacidade de organização e mobilização.</p><p>Era preciso incorporá-la ao jogo político, mas de maneira a não permitir que</p><p>colocasse em risco a supremacia dos grupos articulados em torno do Estado.</p><p>Para isso adotou-se uma política de concessões que colocava Vargas como o</p><p>grande líder dos trabalhadores em detrimento das lideranças independentes.</p><p>Uma série de medidas foram implementadas, especialmente a partir de 1937, a</p><p>fim de proteger a força de trabalho, promover sua limitada organização</p><p>econômica, incentivar o aproveitamento do operário nacional. Uma rede de</p><p>sindicatos atrelados ao Estado foi criada e direitos trabalhistas foram</p><p>consagrados, ao mesmo tempo em que Vargas procurava falar diretamente aos</p><p>trabalhadores por meio de comícios e do rádio, utilizando-se de um eficiente</p><p>esquema de propaganda. Estavam lançadas as bases do populismo, tipo</p><p>peculiar de relação entre governo e massas populares, que predominaria na</p><p>política brasileira a partir de então.</p><p>O Estado Novo vigorou até 1945, quando Vargas foi obrigado a</p><p>promover a democratização do país, convocando eleições e permitindo a</p><p>reorganização</p><p>partidária. Com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial. (1939-</p><p>1945) em 1942, na condição de aliado dos Estados Unidos contra o fascismo e o</p><p>80 SOLA, Lourdes. “O Golpe de 37 e o Estado Novo”, in Brasil em Perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand</p><p>66</p><p>nazismo, os movimentos que exigiam o fim da ditadura ganharam peso e foram</p><p>capazes de impor a reforma do regime81.</p><p>Em 1945 era promulgado decreto que convocava eleições para a</p><p>presidência da República e para a Assembléia Constituinte, a serem realizadas</p><p>em dezembro do mesmo ano. Vargas acalentava ainda a possibilidade de</p><p>permanecer no governo, mas, por um golpe militar desferido em outubro,</p><p>assumiu a presidência, em caráter provisório, o presidente do Supremo Tribunal</p><p>Federal, José Linhares. Realizadas as eleições, venceu o candidato getulista,</p><p>general Eurico Gaspar Dutra(1946-1951).</p><p>O novo regime foi marcado por profunda instabilidade política cuja</p><p>extensão pode ser avaliada pela dificuldade de vários presidentes em terminar</p><p>seus mandatos. Vargas, mais uma vez eleito para ocupar a presidência em</p><p>1950, suicidou-se em 1954, antes do término de sua gestão – Jânio Quadros</p><p>(1961) renunciou ao cargo apenas sete meses após sua posse e seu sucessor,</p><p>João Goulart (1961-1964), foi deposto por um golpe militar em 1964. O</p><p>crescimento do movimento operário ocupava o centro das preocupações dos</p><p>setores dominantes, especialmente porque Vargas havia recorrido à mobilização</p><p>popular para tentar evitar sua volta ao poder, no chamado movimento</p><p>queremista. Além disso, a nova conjuntura internacional favorecia o</p><p>fortalecimento do PCB, já que a URSS havia sido uma aliada importante na luta</p><p>contra o nazismo. No pleito de 1945 o PCB conseguira eleger alguns deputados</p><p>e um senador (Luís Carlos Prestes), tornando-se o quarto partido do país. O</p><p>número de greves aumentava significativamente, registrando-se mais de 60, só</p><p>nos dois primeiros meses de 1946.</p><p>O crescimento do movimento de massas, em especial da luta operária e</p><p>sindical, faria o governo pender para uma solução repressiva, cujo alvo básico</p><p>Brasil, (org.) Carlos Guilherme Mota, 16ª ed., 1987, p. 275.</p><p>81 Em 1943 latifundiários e empresários mineiros lançavam o Manifesto dos Mineiros, reivindicando a</p><p>democratização do país. No ano seguinte setores de oposição fundavam a União Democrática Nacional</p><p>(UDN) e lançavam o Brigadeiro Eduardo Gomes candidato à Presidência da República. Em janeiro de 1945</p><p>67</p><p>seria o Partido Comunista, considerado - parcialmente de forma verdadeira -</p><p>como responsável por essa conjuntura82.</p><p>A repressão foi favorecida pela mudança da conjuntura internacional,</p><p>com o desenvolvimento da guerra fria. Em 1947 o PCB tinha seu registro</p><p>cassado pelo Superior Tribunal Eleitoral, grande número de sindicatos sofria</p><p>intervenção governamental e a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil</p><p>(CGTB) era fechada. A profunda preocupação com os rumos que tomava o</p><p>movimento popular tinha por pano de fundo a presença do populismo como</p><p>principal elemento da democracia que se instaurava em 1946. Esses</p><p>movimentos populistas têm um desfecho em 1964 e será observado que, mais</p><p>uma vez, história e Constituição caminham juntas quando se analisar o texto</p><p>constitucional de 1967.</p><p>A Economia no Período Entre-Guerras e no Pós-II Gue rra Mundial e a</p><p>Ordem Econômica Internacional</p><p>A partir da década de 1930 o Brasil passou por transformações</p><p>econômicas e sociais profundas que foram responsáveis pela radical mudança</p><p>do perfil do país a partir de então. As mais significativas foram, com efeito, a</p><p>industrialização em larga escala e a substituição da mão-de-obra imigrante, nas</p><p>regiões econômicas mais ativas, notadamente em São Paulo, pelo trabalhador</p><p>nacional vindo de outras partes do país, principalmente do Nordeste. Em ambos</p><p>os casos o Estado desempenhou papel decisivo ao investir nas indústrias de</p><p>base e promover o enquadramento dos migrantes nordestinos, criando uma teia</p><p>legislativa e institucional que delimitava claramente seus direitos e,</p><p>consequentemente, impunha limites às suas reivindicações.</p><p>o 1 Congresso Brasileiro de Escritores divulgava manifesto em favor das liberdades democráticas.</p><p>82 ALMEIDA JÚNIOR, Antonio Mendes de. “Do Declínio do Estado Novo ao Suicídio de Getúlio</p><p>Vargas”, in História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, T.II, 3º vol., 3ª ed., org. Bóris</p><p>Fausto, 1986, p. 242.</p><p>68</p><p>A Revolução de 30 inaugurou uma nova fase na economia brasileira.</p><p>Seu eixo deslocou-se da agricultura exportadora para as atividades industriais.</p><p>Se no período anterior podia ser detectado um importante crescimento industrial,</p><p>na década de 30 o país passou por um processo de industrialização efetivo.</p><p>Uma das principais alavancas da industrialização brasileira foi o</p><p>estrangulamento do mercado externo em decorrência da crise instalada com a</p><p>quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. Como assinala a economista Maria da</p><p>Conceição Tavares:</p><p>O largo período que transcorreu até a recuperação mundial logo seguido</p><p>da Segunda Guerra Mundial obrigou a economia do país a voltar-se sobre si</p><p>mesma desenvolvendo novas atividades produtivas, com apoio em faixas de</p><p>demanda interna até então atendidas pelas importações. Sob a pressão de uma</p><p>redução drástica na capacidade para importar iniciou-se, assim, um processo de</p><p>substituição de importações que se manteve até a época atual levando a um</p><p>grau de diversificação industrial e a taxas de crescimento bastante mais</p><p>acentuadas do que as de quase todas as nações Latino-americanas. 83</p><p>Nesse processo predominou o Estado intervencionista, considerado o</p><p>único capaz de vencer rapidamente a distância que separava o país das nações</p><p>industrializadas.</p><p>A substituição de importações foi a diretriz básica que orientou a política</p><p>de desenvolvimento no período. Seu fundamento residia na crença em que a</p><p>viabilidade econômica do Brasil dependia do crescimento e fortalecimento do</p><p>mercado interno. Acreditava-se que era preciso produzir no país os produtos</p><p>consumidos por sua população. Diz, a este respeito, o renomado economista</p><p>Paul Singer, que o problema estava em que a implementação dessa nova</p><p>política teve início já sob a égide do capitalismo monopolista e da Segunda</p><p>Revolução industrial, o que significava, segundo ele, que:</p><p>83 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 1972, p.59.</p><p>69</p><p>(...) a produção de automóveis ou caminhões, derivados de petróleo ou</p><p>produtos farmacêuticos, eletrodomésticos ou material de comunicação não</p><p>poderia ser feita em pequena escala, por empresas familiares, que</p><p>cresceriam paulatinamente mediante a acumulação de seus próprios</p><p>lucros. A substituição de importações que se impunha, a partir do anos 30,</p><p>requeria uma reestruturação em profundidade das relações de produção.84</p><p>Para a produção de mercadorias eram necessários vultosos</p><p>investimentos e um mercado de capital que não existia no Brasil, o que</p><p>inviabilizava a passagem do país para a fase do capitalismo monopolista sob a</p><p>égide do capital privado nacional. A alternativa adotada foi fazê-lo mediante</p><p>intervenção do capital estatal.</p><p>Desde o Estado Novo, o governo esforçou-se em investir na indústria de</p><p>base de forma a garantir a infra-estrutura de que o capitalismo nacional</p><p>necessitava para expandir-se. Capitalistas e governo compartilhavam da mesma</p><p>visão sobre o caminho a ser adotado para industrializar o país. Ambos</p><p>compartilhavam da crença na “necessidade da interferência estatal como fator</p><p>de correção de distorções,</p><p>de organização de disciplina dos mecanismos</p><p>econômicos”85.</p><p>A política econômica voltada para a industrialização foi implementada</p><p>pela primeira vez por Vargas, que deixou como obra emblemática de seu</p><p>governo a Siderúrgica de Volta Redonda, construída na década de 1940 com</p><p>capital norte-americano86.</p><p>Foi no governo JK que a política de industrialização chegou ao seu</p><p>auge. A preocupação básica de investir em infra-estrutura e indústria de base,</p><p>de modo a garantir o desenvolvimento industrial, se concretizaria no Plano de</p><p>84 SINGER, Paul. “ Interpretação do Brasil: uma Experiência Histórica de Desenvolvimento”, in História</p><p>Geral da Civilização Brasileira, Boris Fausto (org), São Paulo: Difel, 1986, T. III, 4º vol., p.223.</p><p>85 DINIZ, op. cit., p. 92</p><p>86 Obtido em troca da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos aliados. No entanto, isso</p><p>não significa dizer que o novo regime tinha uma política econômica claramente industrialista.</p><p>70</p><p>Metas, por meio do qual o novo presidente prometia 50 anos de</p><p>desenvolvimento em 5 anos de mandato87. Era a política desenvolvimentista que</p><p>se materializava. Como descreve Maria da Conceição Tavares, tratava-se de</p><p>uma política de investimento que, em continuação à fase dos investimentos</p><p>pioneiros como Volta Redonda e a Petrobrás, avançou:</p><p>(...) para a eliminação sistemática dos principais pontos de</p><p>estrangulamento nos setores de infra-estrutura e o financiamento e</p><p>orientação de outros investimentos de base, através de uma agência</p><p>financeira estatal o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico. Essa</p><p>política foi consubstanciada num programa de metas, que representou a</p><p>primeira tentativa com certo êxito, de planejamento em escala nacional,</p><p>embora em termos setoriais e com todos os defeitos inerentes à falta de</p><p>uma visão global e integrada da economia88.</p><p>Para viabilizar seu Plano de Metas, Juscelino contou com a entrada</p><p>massiva de capital externo. Além do capital externo, JK utilizou largamente a</p><p>expansão monetária para financiar déficits orçamentários - decorrentes das altas</p><p>taxas de investimento sem retorno imediato, bancar aumentos salariais e</p><p>estimular as atividades produtivas. A industrialização foi acompanhada por outra</p><p>transformação fundamental nas relações econômicas, sociais e políticas: a</p><p>entrada em cena do trabalhador nacional. Se o primeiro surto industrial do país,</p><p>no final do século XIX, havia sido alimentado pelo fluxo de imigração européia</p><p>que viera substituir o tráfico negreiro para as fazendas de café, a partir da</p><p>década de 20 os imigrantes nordestinos substituíram paulatinamente os</p><p>87 O Plano de Metas, implementado a partir de 1956, elegeu 5 setores prioritários de investimento: energia.</p><p>onde sobressaíam energia elétrica e petróleo; transportes, com ênfase na construção e melhoramentos de</p><p>ferrovias e rodovias; alimentação, com prioridade para mecanização da agricultura, produção de</p><p>fertilizantes e construção de armazéns; indústria de base, com investimentos em siderurgia, produção de</p><p>alumínio, cimento, borracha, celulose e papel, indústria de automóveis, indústria mecânica e de material</p><p>elétrico pesado; educação, priorizando a formação de pessoal técnico. Ao final do governo a maioria das</p><p>metas havia sido atingida, se não na sua totalidade, pelo menos em grande parte.</p><p>88 TAVARES, op. cit., p. 62</p><p>71</p><p>europeus na composição do operariado paulista. As diferenças econômicas</p><p>entre as diversas regiões brasileiras acentuavam-se cada vez mais com a</p><p>industrialização do Sudeste e o empobrecimento crescente do Nordeste. O</p><p>processo de urbanização, articulado à industrialização, oferecia aos habitantes</p><p>das regiões mais pobres uma ampla gama de empregos que estimulava a</p><p>migração interna. Pela primeira vez na história do país, os setores mais ricos e</p><p>ativos da economia eram abastecidos majoritariamente por um fluxo constante e</p><p>sistemático de trabalhadores nacionais.</p><p>Por volta de 1930, pela primeira vez, como nota o historiador Luiz Felipe</p><p>de Alencastro, “o mercado de trabalho se territorializa”89. Como conseqüência, o</p><p>Estado assume nova tarefa em relação ao fornecimento de trabalhadores. A</p><p>partir de 30, ao Estado caberá a função de manter o controle sobre os</p><p>trabalhadores e legitimar sua exploração. Não se tratava mais de escravos ou de</p><p>estrangeiros e sim de cidadãos brasileiros que se empregavam nas fazendas e</p><p>nas indústrias, o que refletirá, necessariamente, nas relações entre Estado e</p><p>trabalhadores:</p><p>Enquanto o mercado de trabalho foi predominantemente alimentado pelo</p><p>tráfico negreiro e pela imigração (,..), o poder político encontrava-se em</p><p>face de trabalhadores mantidos em situação de infracidadania. Nessas</p><p>condições o discurso ideológico resumia-se praticamente ao diálogo entre</p><p>as classes dirigentes (a burocracia imperial e republicana) e as classes</p><p>dominantes (as oligarquias regionais). A partir do momento que a</p><p>reprodução ampliada da força de trabalho se territorializa (...), o discurso</p><p>ideológico não pode mais evoluir intramuros no estreito espaço do poder.</p><p>Doravante era preciso uma ‘linha de massa’, uma ideologia que</p><p>encobrisse o sentido e a orientação do cotidiano, que justificasse as</p><p>relações complexas unindo dominantes e dominados. Nacionalismo e</p><p>patriarcalismo fornecerão o esteio ideológico da nova fase do mercado de</p><p>trabalho brasileiro. A emergência de uma administração federal reforçada,</p><p>89 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “A Pré-Revolução de 30”, Novos Estudos CEBRAP. São Paulo,</p><p>set./1987, p. 17.</p><p>72</p><p>o trabalhismo, o populismo varguista eficazmente propulsado pelo rádio</p><p>(pela primeira vez todo o povo brasileiro ouve a ‘voz do dono’) veiculam o</p><p>nacionalismo90.</p><p>Desta forma, o Estado passa a desempenhar papel fundamental na</p><p>organização do trabalho e o faz por meio da criação de um aparato legal e</p><p>burocrático (legislação trabalhista, criação do Ministério do Trabalho,</p><p>organização de uma estrutura sindical oficial) que garante para as indústrias um</p><p>trabalhador barato.</p><p>Internacionalmente, a Guerra Fria estabeleceu uma dicotomia de blocos</p><p>que se estruturam sob a rivalidade ideológica entre capitalismo e comunismo. O</p><p>alinhamento quase incondicionado aos EUA permitiu ao Brasil vantagens seja</p><p>em termos de empréstimos seja pela gama de parcerias e tratados bilaterais91. É</p><p>bem verdade que houve um excesso de liquidez internacional, fato que</p><p>favoreceu o acesso a grandes montantes de empréstimos não apenas com o</p><p>FMI, mas com os banqueiros privados, como aqueles do Clube de Paris.</p><p>As Constituições de 1934, 1937 e 1946</p><p>A partir da Constituição de 1934 tem-se a inclusão de um título</p><p>especialmente dedicado à ordem econômica e social. As demais Constituições</p><p>brasileiras que se seguem também se orientam pela mesma fórmula, com uma</p><p>crescente atenção dada à parte econômica:</p><p>As diversas Constituições brasileiras, a partir de 1934, ao cuidar da</p><p>“ordem econômica”, caracterizando a Constituição Econômica, o fizeram</p><p>90 Ibid., p. 20.</p><p>91 Denomina-se esta parceria preferencial entre Brasil e EUA, durante a Guerra Fria, por alinhamento</p><p>automático.</p><p>73</p><p>garantindo-lhe a mais alta expressão hierárquica em termos de disposição</p><p>formal da matéria, pois que a trataram como “Título”. Seu enunciado</p><p>apresentou variações não muito importantes até que se chegou ao texto</p><p>de 1988.92</p><p>Como já fora estudado, as duas Constituições anteriores não</p><p>apresentaram um título dedicado à ordem econômica; mas, ainda assim, pôde-</p><p>se observar a existência de alguns elementos dispostos por todo o texto</p><p>constitucional que tratam dos direitos econômicos como aqueles da garantia à</p><p>propriedade privada, da política comercial e outros. Há de se questionar, no</p><p>marco desta Constituição, a iniciativa do Constituinte em incluir um título</p><p>especialmente direcionado às questões de ordem</p><p>econômica e social.</p><p>Durante as quatro décadas que se seguiram à Constituição de 1891,</p><p>paulatinamente, foi se consolidando uma miríade de leis que regulavam</p><p>atividades econômicas, fazendo surgir uma verdadeira legislação nesta</p><p>matéria93. A inclusão do tema econômico na Constituição de 1934 foi um</p><p>resultado desta evolução normativa. Por seu turno, pode-se dizer que a</p><p>legislação também surgiu para atender às demandas das elites emergentes e</p><p>das conjunturas internacionais. Como já fora visto na parte histórico-econômica</p><p>deste trabalho, a partir de 1891, houve uma alteração substancial da política</p><p>externa brasileira, sobretudo pelas novas orientações para a política comercial</p><p>brasileira:</p><p>A Carta de 1934 absorveria em grande parte as inovações daquela</p><p>legislação e apresentaria uma estrutura inteiramente nova, com a adoção</p><p>pela primeira vez, como dissemos anteriormente, da Constituição</p><p>Econômica na História do constitucionalismo brasileiro. 94</p><p>92 SOUZA, op. cit. p.378.</p><p>93 Ib. Id., p. 381.</p><p>94 Ib. Id., p. 382.</p><p>74</p><p>Há de se ressaltar que a temática incorporada na Constituição de 1934</p><p>já havia sido introduzida em grande parte na legislação brasileira por meio de</p><p>Decretos do Governo Provisório, isso quer dizer, pelo poder discricionário do</p><p>governo que foi assegurado pelo Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de</p><p>193095. Vale citar o que Washington Peluso de Souza diz sobre este episódio:</p><p>Antes de chegarmos à Carta de 1934, verificamos que, após pressões</p><p>irresistíveis, foi expedido pelo Chefe do Governo Provisório o Decreto nº</p><p>21.402, de 14 de maio de 1932, que marcara as eleições para a</p><p>Assembléia Constituinte. A metodologia adotada por este próprio diploma</p><p>foi a da criação de uma Comissão Especial, que em nome do Governo</p><p>elaborasse o anteprojeto da futura Constituição, o que se deu pelo Dec. nº</p><p>22.040, de novembro de 1932.</p><p>Desde logo são detectados elementos fascistizantes e socializantes no</p><p>trabalho das Comissões, os quais se incorporariam ao texto final.</p><p>Apresentavam-se como o resultado da influência da Constituição alemã de</p><p>Weimar, de 1919; da espanhola, de 1931; bem como das idéias em</p><p>ascensão do fascismo italiano e dos demais países que se enveredavam</p><p>por este rumo político. 96</p><p>Assim, em seu Título IV, a Constituição de 1934 estabelece “Da Ordem</p><p>Econômica e Social” e, pela primeira vez, o tema econômico ganha um título,</p><p>apesar de o título referir-se também à ordem social. O Título IV compreende os</p><p>artigos 115 - 143, que dispõem acerca das atividades econômicas e das</p><p>relações sociais.</p><p>O princípio do liberalismo econômico é garantido no seu artigo 115,</p><p>quando este fala que é “garantida a liberdade econômica”. No seu artigo 116,</p><p>todavia, já se pode observar a possibilidade de o governo monopolizar setores</p><p>95 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro:</p><p>Forense, 1960, p. 172.</p><p>75</p><p>considerados de interesse público. O que é curioso é que a monopolização de</p><p>alguns setores da atividade econômica, entretanto, contradiz os pressupostos de</p><p>uma economia de free trade. Assim, pode-se dizer que se tem no texto</p><p>constitucional de 1934 um tipo de liberalismo intervencionista, onde o Estado</p><p>evoca pressupostos do liberalismo smithsoniano combinado a um pragmatismo</p><p>econômico que lhe garantia a possibilidade de intervir, quando achasse</p><p>necessário, em setores econômicos chaves para o desenvolvimento econômico</p><p>brasileiro:</p><p>Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios</p><p>da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a</p><p>todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade</p><p>econômica.</p><p>Art. 116 – Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a</p><p>União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica,</p><p>(...).</p><p>O interesse público, mencionado no artigo 116, é uma expressão que,</p><p>por seu subjetivismo conceitual, possibilita o empreendimento de intervenções</p><p>em vários setores econômicos a qualquer tempo. Quanto ao monopólio ao qual</p><p>se refere o artigo 116, complementa-o o parágrafo 4º do artigo 119:</p><p>A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas mineraes e</p><p>quedas d’água ou outras fontes de energia hydraulica, julgadas básicas ou</p><p>essenciais à defesa econômica ou militar do pais.</p><p>96 SOUZA, op. cit., pp. 382, 383.</p><p>76</p><p>Desta forma, a Constituição de 1934 define a possibilidade da</p><p>estatização de setores considerados essenciais, estrategicamente falando, para</p><p>a segurança nacional brasileira. É o que ocorre com o petróleo e com outros</p><p>minerais que passaram a ser monopolizados pelo governo brasileiro; também a</p><p>criação da siderurgia de Volta Redonda foi uma medida que visava a atender</p><p>aos interesses nacionais de uma potência em emergência, como era definido o</p><p>rótulo da política externa brasileira aquela época.</p><p>Ainda dentro deste título, encontram-se as normas legais para a</p><p>organização trabalhista no que tange à atividade econômica, haja vista a que o</p><p>trabalho, na literatura econômica, é um fator de produção e assim sendo é</p><p>matéria dos estudos econômicos. A organização dos sindicatos, a legislação</p><p>trabalhista, os trabalhos agrícolas e urbanos estão dispostos nos artigos 120 –</p><p>123. Como foi demonstrado na parte histórica deste período, no final do século</p><p>XIX e início do século XX, houve um desenvolvimento dos movimentos</p><p>populares, seja pela contribuição dos emigrantes europeus, pelas exigência das</p><p>parcerias comerciais ou pelas conjunturas políticas internas, que fizeram com</p><p>que os trabalhadores rurais e urbanos, cada um dentro de suas respectivas</p><p>demandas, se organizassem politicamente. Dessa organização nasceram muitos</p><p>movimentos de mobilização social, alguns deles bastante estruturados</p><p>politicamente, cujas demandas suscitaram a inclusão no texto constitucional de</p><p>alguns tópicos especialmente para atender às reivindicações destes grupos.</p><p>Enfim, pode-se resumir o espírito deste título IV, da Constituição de</p><p>1934, como sendo de um tipo de liberalismo intervencionista, valendo observar o</p><p>que nos diz o constitucionalista Afonso da Silva:</p><p>Adotou, ao lado da representação política tradicional, a representação</p><p>corporativa de influência fascista (art. 23). Instituiu, ao lado do Ministério</p><p>Público, e do Tribunal de Contas, os Conselhos Técnicos, como órgãos de</p><p>cooperação nas atividades governamentais . Ao lado da clássica</p><p>declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a</p><p>77</p><p>ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura,</p><p>com normas quase todas programáticas, sob a influência da Constituição</p><p>alemã de Weimar. Regulou os problemas da segurança nacional e</p><p>estatuiu princípios sobre o funcionalismo público (arts. 159 e 172). Fora,</p><p>enfim, um documento de compromisso entre o liberalismo e o</p><p>intervencionismo. 97 (grifos nossos)</p><p>Após a Constituição de 1934, os partidos políticos posicionaram-se</p><p>diante dos conflitos ideológicos que emergiram na Europa do pós-I Guerra</p><p>Mundial e que, somados às conjunturas internas, se refletiam no cenário político</p><p>brasileiro provocando sérios distúrbios a um governo centralizador como era o</p><p>de Vargas. Como já fora tratado na parte histórica deste trabalho, diante de uma</p><p>gama de movimentos políticos como a Ação Integralista Brasileira, o Partido</p><p>Comunista e de líderes como Plínio Salgado, Prestes e os paradigmas destes</p><p>movimentos como Hitler e Mussoline, Vargas, sob pressão, eleito que fora pela</p><p>Assembléia Constituinte para o quadriênio constitucional, assim como o fez</p><p>Deodoro, dissolve a Câmara e o Senado, revoga a Constituição de 1934 e</p><p>promulga a Carta Constitucional de 10.11.193798.</p><p>Disse o próprio Vargas em discurso</p><p>ao povo brasileiro, tentando</p><p>fundamentar seu golpe, entre outras coisas, que:</p><p>Por outro lado, as novas formações partidárias surgidas em todo o mundo,</p><p>por sua própria natureza refratária aos processos democráticos, oferecem</p><p>perigo imediato para as instituições, exigindo, de maneira urgente e</p><p>proporcional à virulência dos antagonismos, o reforço do poder central. 99</p><p>97 SILVA, op. cit., p. 84.</p><p>98 Diz Pontes de Miranda, em Comentários à Constituição de 1937, pp. 13-14, que a Constituição de 1937</p><p>veio de outros sistemas. Resume a Constituição de 1937 como um meio termo entre o sistema</p><p>constitucional norte-americana do século XVIII e o europeu do período pós-II Guerra Mundial.</p><p>99 TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o Fascismo Brasileiro da Década de 30. São Paulo: Difel, 1974, p.</p><p>45.</p><p>78</p><p>Assim, defendendo uma bandeira ultranacionalista, se implantou a nova</p><p>ordem denominada por Estado Novo, que também já fora bosquejada neste</p><p>trabalho. É interessante citar o preâmbulo da Constituição de 1937, pois ele</p><p>expressa toda a ideologia contida no texto constitucional, é uma síntese da</p><p>política externa de Getúlio Vargas:</p><p>Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e</p><p>social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem,</p><p>resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma</p><p>notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e</p><p>da extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu</p><p>desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando</p><p>a Nação sob a funesta iminência da guerra civil.</p><p>Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração</p><p>comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo</p><p>remédios de caráter radical e permanente.</p><p>Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado</p><p>de meios normais de preservação e de defesa da paz, de segurança e do</p><p>bem estar do povo.</p><p>Com o apoio das forças armadas e cedendo ás inspirações da opinião</p><p>nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos</p><p>que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem</p><p>processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas.</p><p>Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e á sua</p><p>independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e</p><p>social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem estar e à</p><p>sua prosperidade,</p><p>Decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo</p><p>o país:</p><p>79</p><p>O preâmbulo da Constituição de 1937, acima citado, bem expressa a</p><p>ideologia do Estado Novo. O intervencionismo do governo é assegurado no seu</p><p>artigo 9º, que dispõe que: “O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a</p><p>nomeação, pelo Presidente da República, de um Interventor, (...)”. O aspecto</p><p>autoritário que permeia o texto constitucional é ressaltado por Celso Ribeiro de</p><p>Bastos quando diz que a Constituição de 1937 é “(...) inspirada no modelo</p><p>fascista e, em conseqüência, de cunho eminentemente autoritário.”100. Este</p><p>aspecto pode ser observado, entre muitos outros dispositivos, no seu artigo 73,</p><p>que diz o seguinte101:</p><p>Art. 73 – O Presidente da República, autoridade suprema do Estado,</p><p>coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige</p><p>a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de</p><p>interesse nacional, e superintende a administração do país. 102</p><p>Há quem tenha uma opinião mais enfática ainda, dizendo que “Houve</p><p>ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrados</p><p>nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-lei que</p><p>ele próprio depois aplicava, como órgão do Executivo.”103. Inclusive, o Judiciário</p><p>também sofreu uma perda substancial no que diz respeito à constitucionalidade</p><p>das leis. Nos termos do artigo 170, durante o estado de emergência o Judiciário</p><p>100 BASTOS, op. cit., p. 118.</p><p>101 Discorda Francisco Campos com este caráter autoritário atribuído à Constituição de 1937: “A</p><p>Constituição de 1937 não é uma Constituição fascista. Aliás, está muito em moda acoimar-se de fascista a</p><p>todo indivíduo ou instituição que não coincide com as nossas opiniões políticas. No tempo em que o</p><p>comunismo representava la bête noire, a moda era inversa. Comunista era todo indivíduo ou a instituição</p><p>que julgávamos em desacordo com as nossas convicções políticas. A ascensão do comunismo e o declínio</p><p>do fascismo no horizonte político mundial determinaram essa inversão. Basta o exame superficial das</p><p>linhas gerais da Constituição, para que qualquer indivíduo da mais elementar cultura política verifique que</p><p>o sistema da Constituição de 1937, que assegura ao Poder judiciário as prerrogativas constantes da</p><p>Constituição de 1937, nada tem de fascista. Não se conceberia, com efeito, pudesse ser acoimada de</p><p>fascista uma Constituição que assegura ao Poder Judiciário as prerrogativas constantes da Constituição de</p><p>1937, que abre no próprio texto constitucional todo um capítulo destinado a garantir a estabilidade dos</p><p>funcionários públicos.” . (BASTOS, op. cit., p. 119)</p><p>102 A Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, suprimiu o artigo 73.</p><p>80</p><p>era posto fora de atuação na medida em que não podia conhecer dos atos</p><p>governamentais: “Durante o Estado de emergência ou estado de guerra, dos</p><p>atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os juízes e tribunais”.</p><p>Daí, a afirmação pertinente de Celso Bastos:</p><p>A Constituição, portanto, era na verdade uma tomada de posição do Brasil</p><p>no conflito ideológico da época pela qual ficava nítido que o país se</p><p>inseria na luta contra os comunistas e contra a democracia liberal.104</p><p>Quando Bastos fala do conflito ideológico, refere-se ao ocorrido na II</p><p>Guerra Mundial, quando os movimentos fascistas se defrontaram com a</p><p>ideologia democrática-liberal. Em suma, mais uma vez, pode-se observar em</p><p>que medida as conjunturas internacionais e os eventos históricos decorrentes da</p><p>inserção das variáveis externas no cenário interno determinaram os rumos do</p><p>conteúdo da Constituição de 1937.</p><p>No tange ao tema econômico, a Constituição de 1937 inova trazendo o</p><p>título Do Conselho da Economia Nacional, artigos 57 - 63, que se compõe de</p><p>representantes dos vários ramos da produção nacional e se divide em várias</p><p>seções destinadas às várias áreas econômicas. Seu objetivo principal é</p><p>estabelecer a organização civil da economia nacional, funcionando como um</p><p>órgão auxiliar. Visa a promover a organização corporativa, emitir pareceres</p><p>sobre iniciativas do governo, organizar inquéritos sobre as condições do</p><p>trabalho, estudar os problemas econômicos, enfim, contribuir com uma visão</p><p>crítica e alternativa para os problemas econômicos junto ao governo.</p><p>Outro título Da Ordem Econômica, artigos 135 - 155, pela primeira vez</p><p>aparece isolado e se tem uma seção dedicada exclusivamente à temática</p><p>103 SILVA, op. cit., p. 85.</p><p>104 BASTOS, op. cit., p. 120.</p><p>81</p><p>econômica. Pelo caráter controlador do governo Vargas expresso, a propósito,</p><p>por todo texto constitucional, observa-se nas disposições referentes à ordem</p><p>econômica nacional também a intenção de intervir no domínio econômico e nas</p><p>relações de trabalho. Revestido de uma intenção protecionista contra os</p><p>inimigos internos, assegura o artigo 135 que:</p><p>Art. 135 – (...) A intervenção do Estado no domínio econômico só se</p><p>legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os</p><p>fatores de produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e</p><p>introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos</p><p>interesses da Nação, representados pelo Estado.</p><p>A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata,</p><p>revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.</p><p>Assim, esta disposição garante ao Governo, em nome dos interesses da</p><p>nação, intervir, quase que livremente, nas relações econômicas e nas relações</p><p>de trabalho. O intervencionismo se mescla a um exacerbado paternalismo que</p><p>possibilita a paulatina estatização de algumas atividades produtivas</p><p>consideradas essenciais à defesa econômica, apesar do texto de 1934 já</p><p>mencionar esta prática:</p><p>Art. 144 – A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas</p><p>minerais e queda d’água ou outras fontes de energia, assim como das</p><p>indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou</p><p>militar da Nação.</p><p>Pode-se entender melhor esta preocupação se considerar que, à época,</p><p>o cenário internacional era marcado pela insegurança econômica e política</p><p>82</p><p>advindas da instabilidade gerada pela II Guerra Mundial. A própria noção de</p><p>soberania nacional justificava a preocupação dos Estados em desenvolver e</p><p>controlar alguns setores chaves para a economia de guerra. Foi o caso do</p><p>petróleo, da borracha, do aço e outros.</p><p>Quanto aos direitos do trabalhador, permanecem basicamente iguais</p><p>aos já dispostos na Constituição de 1934, inclusive diz o artigo 138 que “A</p><p>associação profissional ou sindical é livre”; mas, o artigo 139 já diz que “A greve</p><p>e o lock-out são declarados recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao</p><p>capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.</p><p>De forma geral, essas foram as principais orientações para a definição,</p><p>ao nível constitucional, de uma ordem econômica que estabelecia as linhas</p><p>gerais para um regime de governo intervencionista. Mas, “A Carta de 1937</p><p>nunca chegou a viger. Ela dependia de um plebiscito que nunca se realizou.”105.</p><p>Com efeito, a Constituição de 1937 não perdurou e foi a partir da Emenda</p><p>Constitucional nº 9 que, de fato, o processo para a elaboração da Carta de 1946</p><p>se iniciou. Foram convocadas eleições para o Parlamento e instalado um</p><p>governo de transição submetido ao Poder Judiciário na pessoa do presidente do</p><p>Supremo Tribunal Federal. As preparações para a nova Constituição tomaram</p><p>por base o texto de 1934 e não houve anteprojeto, apenas a consideração de</p><p>alguns aspectos dos trabalhos desenvolvidos pelas subcomissões. Ademais,</p><p>quando a II Guerra Mundial se aproximava de seu término, Getúlio Vargas,</p><p>vislumbrando a vitória dos países democráticos, altera sua política interna e</p><p>externa visando a compatibilizar sua agenda à nova realidade internacional.</p><p>Reflete-se esta mudança no texto constitucional de 1946:</p><p>Pela própria circunstância em que se dá aprovação da Constituição de</p><p>1946, não poderiam restar dúvidas de que ela tinha um endereço muito</p><p>certo: tratava-se de pôr fim ao Estado autoritário que vigia no País sob</p><p>105 Ib. Id., p. 125.</p><p>83</p><p>diversas modalidades desde 1930. Era, pois, a procura de um Estado</p><p>democrático que se tentava fazer pelo incremento de medidas que melhor</p><p>assegurassem os direitos individuais. 106</p><p>Assim, pode-se dizer que, em linhas gerais, a Constituição de 1946 é</p><p>mais liberal, porém mais engajada às causas sociais; daí, alguns autores</p><p>dizerem que “A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a</p><p>melhor, de todas que tivemos.” 107.</p><p>Em suma, com a Constituição de 1946, o Brasil procurou se inserir no</p><p>contexto internacional pautado por uma política externa de cunho democrático e</p><p>liberal, politicamente afinada aos preceitos democráticos então consagrados</p><p>pela consolidação das Nações Unidas e economicamente liberal, como</p><p>signatário de arranjos internacionais pró-capistalismo, tal como fora o GATT nos</p><p>anos subsequentes à II Guerra Mundial.</p><p>No que tange aos direitos individuais, muito se assemelha à Constituição</p><p>de 1934108. Houve de fato um alargamento dos direitos individuais e coletivos,</p><p>inclusive a revogação de institutos como o banimento, o confisco e a pena de</p><p>morte, o que demonstra a preocupação do Constituinte com o aspecto</p><p>humanitário.</p><p>Estas modificações também se refletem no âmbito econômico. A ordem</p><p>econômica descrita pela Constituição de 1946 é muito mais voltada para o lado</p><p>social do que as suas predecessoras o foram: “Do ângulo da ordem econômica</p><p>a Constituição de 1946 pode ser vista como uma tentativa de conciliar o princípio</p><p>106 Ib. Id., p. 126.</p><p>107 Ib. Id., p. 126.</p><p>108 Foram incluídos alguns dispositivos relevantes como o parágrafo 4º, artigo 141, que assegura o acesso</p><p>incondicionado à Justiça quando afirma que nenhuma lesão de direito individual poderá ser subtraída a sua</p><p>apreciação. Este artigo representa uma garantia de grande alcance que compõe um dos pilares sobre os</p><p>quais se erige o estado de direito. Também, o parágrafo 13 do mesmo artigo dispõe, pela primeira vez</p><p>acerca da organização patidária, sua liberdade e criação.</p><p>84</p><p>da liberdade de iniciativa com o princípio da justiça social.” 109. Como bem</p><p>destaca Bastos, a Constituição econômica de 1946 assegura a liberdade de</p><p>iniciativa apenas restrita aos casos em que possa haver intervenção por parte da</p><p>União, mas, mesmo assim, esta intervenção deve ser sustentada pelo interesse</p><p>público cujo fundamento é limitado pelo próprio texto constitucional. O texto</p><p>constitucional é cauteloso quanto à liberdade conferida às empresas, ou seja, à</p><p>iniciativa privada, pois entendia o Constituinte de 1946 que uma liberdade sem</p><p>limites e regras poderia acabar comprometendo o próprio desenvolvimento das</p><p>bases sociais e consequentemente econômicas. Por esta razão o artigo 148</p><p>prescreve seguinte:</p><p>Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder</p><p>econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais</p><p>ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os</p><p>mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente</p><p>os lucros.</p><p>Assim, o Constituinte procurou defender um tipo de desenvolvimento</p><p>econômico combinado à justiça social. Estes aspectos podem ser observados</p><p>no Título V da Constituição de 1946, principalmente se a comparar com a</p><p>Constituição de 1937.</p><p>O Título V diz Da Ordem Econômica e Social, vinculando a ordem</p><p>econômica ao social, devendo-se notar que, na Constituição de 1937, o título</p><p>dizia apenas Da Ordem Econômica. Talvez seja mera coincidência, mas, de</p><p>fato, parece que o texto de 1946 coaduna os princípios econômicos às</p><p>necessidades sociais, como se juntos viessem a estabelecer os paradigmas e as</p><p>diretrizes para o desenvolvimento nacional. Este título compreende os artigos</p><p>145 - 162 e, de forma geral, expressam a preocupação do Estado com o</p><p>109 BASTOS, op. cit., p. 130.</p><p>85</p><p>desenvolvimento econômico associado ao desenvolvimento social. Diz o artigo</p><p>145, que abre este título e os artigos seguintes que complementam a idéia do</p><p>Estado assistencialista:</p><p>Art. 145 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios</p><p>da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do</p><p>trabalho humano.</p><p>Parágrafo único: A todos é assegurado trabalho que possibilite existência</p><p>digna. O trabalho é obrigação social.</p><p>Art. 146 – A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio</p><p>econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A</p><p>intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos</p><p>fundamentais assegurados nesta Constituição.</p><p>Art. 147– O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A</p><p>lei poderá, com observância do disposto no art. 141, parágrafo 16,</p><p>promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para</p><p>todos110.</p><p>A mera leitura dos artigos supra suscita a compreensão do que se diz</p><p>acerca da Constituição de 1946. Pode-se dizer que ao mencionar, logo no artigo</p><p>145, a expressão princípios da justiça social, o Constituinte procurou determinar</p><p>que seriam estes os</p><p>princípios maiores e, portanto, os norteadores da ordem</p><p>econômica e, portanto, o fundamento que sustenta a orientação disposta nos</p><p>artigos seguintes sobre a relação econômica e social. Os artigos supra</p><p>mencionados resumem o que Francisco de Assis Alves diz sobre este aspecto,</p><p>que mais lembra a base teórica da justiça distributiva de Ralws:</p><p>110 A Emenda Constitucional nº 10 de 9 de novembro de 1964 acrescentou ao art. 147 mais seis parágrafos</p><p>que tratam da desapropriação rural pelo Estado, do Imposto Territorial Rural, da regulamentação das</p><p>emissões monetárias, títulos, taxas de juros e outros, da reforma agrária e de sua regulamentação, no caso a</p><p>desapropriação seria por decreto presidencial.</p><p>86</p><p>Ao lado desse escrupuloso respeito pelos direitos individuais, a</p><p>Constituição Federal de 1946 soube prestigiar também os valores</p><p>coletivos que gradualmente marcavam presença nos textos básicos da</p><p>época de seu surgimento.</p><p>Nesse passo, proclamou que a ordem econômica haveria de ser</p><p>organizada conforme os princípios da justiça social e a liberdade de</p><p>iniciativa conciliada com a valorização do trabalho humano. Conclamou</p><p>que a todos seria assegurado trabalho que possibilitasse existência digna.</p><p>Alçou o trabalho à obrigação social. 111</p><p>Neste título vê-se consagrado o princípio da intervenção do Estado no domínio</p><p>econômico, fundamentando esta intervenção no interesse público e limitando-a</p><p>aos direitos fundamentais assegurados pela própria Carta, como diz o artigo</p><p>145. O uso da propriedade é vinculado ao bem-estar social e, ainda no</p><p>parágrafo único do art. 145, pode-se observar um humanismo digno das sociais-</p><p>democracias européias. O artigo 146 preceitua que, por lei, o Estado pode</p><p>reprimir toda e qualquer forma de abuso de poder econômico, até mesmo as</p><p>uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua</p><p>natureza, que passam vir a dominar os mercados nacionais, eliminar a</p><p>concorrência e fomentar os lucros excessivos. É a garantia constitucional para o</p><p>surgimento de leis antitrustes:</p><p>Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder</p><p>econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais</p><p>ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os</p><p>mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente</p><p>os lucros.</p><p>111 Ib. Id., p. 130.</p><p>87</p><p>O artigo 157 e seguintes tratam das relações de trabalho. Vale, mais</p><p>uma vez, relembrar que o trabalho é considerado, na literatura econômica, como</p><p>um fator de produção, assim como outros fatores que compõem um produto</p><p>final, tais como bens de produção, intermediários e outros. Desta forma, o</p><p>Constituinte tem mantido junto ao tema econômico a matéria do trabalho.</p><p>Preocupado com a melhoria de condições do trabalhador, os artigos 157 e</p><p>seguintes dispõem sobre salário mínimo, isonomia das funções, repouso</p><p>semanal, férias, segurança no trabalho, o direito da gestante, assistência</p><p>previdenciária e outros. Interessante notar que o direito de greve, pela primeira</p><p>vez é reconhecido:</p><p>Art. 158 – É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.</p><p>Ademais, ficam garantidos, no artigo 159, os direitos à livre associação e</p><p>os sindicatos podem se reorganizar sob outras bases, mais democráticas.</p><p>Ao se analisar apenas este título já se pode verificar a preocupação do</p><p>Constituinte em combinar o liberalismo econômico com um certo</p><p>intervencionismo, sobretudo aquele para preservar os direitos sociais. Ao se</p><p>analisar a parte histórico-econômica deste período, pôde-se observar que o</p><p>período Pós-II Guerra Mundial inaugurou uma nova fase para as relações</p><p>internacionais. A partir do término de 1945 até a década de 60, ou seja, mais ou</p><p>menos entre os 15 anos subsequentes organizou-se uma nova ordem</p><p>internacional que compreendia a restruturação das relações de poder. Duas</p><p>esferas dicotomizadas pela rivalidade ideológica foram estabelecidas: a ordem</p><p>Ocidental, capitalista, liderada pelos EUA e uma ordem Oriental, comunista,</p><p>liderada pela então URSS112. O Brasil se posicionou dentro do arranjo Ocidental,</p><p>112 Há de se observar que os conceitos de Ocidentalismo e Orientalismo são geopolíticos. Assim, o Japão,</p><p>apesar de estar localizado no hemisfério oriental, é parte do arranjo Ocidental. E Cuba, ao contrario, é</p><p>Oriental.</p><p>88</p><p>daí a necessidade de se entender os pressupostos ideológicos que guiaram a</p><p>política externa dos Estados partes do bloco Ocidental.</p><p>Quando finda a II Guerra Mundial, os EUA lideraram a estratégia de</p><p>atuação do bloco Ocidental e estabeleceram quais seriam as suas bases</p><p>ideológicas de sustentação. Em termos econômicos, impera o liberalismo. O</p><p>Brasil perseguia uma estratégia, como já fora ressalvado, de desenvolvimento</p><p>com crescimento. A política externa brasileira se pautava em disputar a</p><p>preferência norte-americana em suas parcerias com a América Latina e em</p><p>estabelecer um tipo de subimperialismo no Cone Sul. Esta política gerou</p><p>grandes conflitos com a Argentina, que também disputava a mesma preferência,</p><p>culminando em conhecidos conflitos como o da hidroelétrica de Itaipu.</p><p>Para o Brasil naquele momento, interessava estabelecer um modelo</p><p>engajado com o liberalismo, mas consistente com os propósitos</p><p>desenvolvimentistas. Era a meta crescimento com desenvolvimento que, aliás,</p><p>pode ser identificada no próprio texto constitucional, no título da ordem</p><p>econômica.</p><p>A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1967</p><p>Terminada a II Guerra Mundial, o Brasil permaneceu como aliado</p><p>incondicional dos Estados Unidos. Iniciava-se a era do que se denominou por</p><p>guerra fria, quando os novos sistemas de poder estavam consolidados e não</p><p>havia lugar para uma política externa independente, como aquela praticada na</p><p>década de 30. A política externa brasileira entrava numa fase de alinhamento</p><p>sem compensações. E a rigidez dos sistemas de poder no plano internacional,</p><p>nos 20 anos que se seguiram ao término da II Guerra Mundial, sufocou as</p><p>tentativas de autonomia da política externa brasileira entre 1951-54 e 1961-64.</p><p>Com o fim da guerra, prevaleceria o alinhamento automático da política externa</p><p>brasileira às diretrizes estabelecidas pelos Estados Unidos.</p><p>89</p><p>Deve-se explicar que o alinhamento significava colaboração política na</p><p>Guerra Fria e colaboração econômica no fornecimento de matérias primas para</p><p>os norte-americanos. No contexto da disputa com a URSS, a América Latina</p><p>desempenhava papel secundário e os objetivos básicos dos americanos para o</p><p>subcontinente restringiam-se à manutenção da estabilidade interna, fluxo</p><p>ininterrupto de matérias-primas para a indústria norte-americana, padronização</p><p>das forças armadas segundo o modelo de Washington e, evidentemente, apoio</p><p>latino-americano à política internacional dos EUA.</p><p>Essa orientação básica permaneceria inalterada durante o governo de</p><p>Juscelino Kubistchek, apesar de mudanças importantes no cenário internacional</p><p>abrirem brechas pelas quais o governo brasileiro poderia afirmar alguns de seus</p><p>interesses. Na segunda metade da década de 1950, a aparentemente sólida</p><p>unidade dos dois blocos que polarizavam as relações internacionais, liderados</p><p>pelos Estados Unidos e União Soviética, apresentou fissuras internas com</p><p>manifestações de rompimento como a ocorrida na Hungria em 1956. Ao mesmo</p><p>tempo, a luta pela independência de diversos países africanos, até então</p><p>colônias européias, introduzia no cenário internacional novas nações. No final da</p><p>década 50 começava a surgir o movimento dos países que se auto-</p><p>classificavam como não-alinhados, movimento que se tornaria oficial na</p><p>Conferência de Belgrado em 1961.</p><p>Também na América Latina alguns interesses próprios, divergentes</p><p>daqueles que norteavam a política dos EUA, manifestaram-se, embora</p><p>debilmente, na segunda metade da década de</p><p>50. As reivindicações eram de</p><p>caráter econômico e incluíam pontos como preços mais altos e estáveis para as</p><p>matérias-primas exportadas, créditos para a industrialização e estabelecimento</p><p>de um mercado integrado latino-americano. No caso brasileiro estava em curso</p><p>a política desenvolvimentista implementada por Juscelino e a política externa de</p><p>então refletia o interesse fundamental de obter capitais para financiar a</p><p>industrialização do país. Vale citar o que o historiador e analista internacional</p><p>Gerson Moura diz sobre este período histórico:</p><p>90</p><p>Em função dessa perspectiva, o governo JK procurou atrair maciçamente</p><p>para o Brasil capitais estrangeiros, tanto privados quanto públicos. Para os</p><p>primeiros, estabeleceu uma política cambial extremamente favorável (...).</p><p>Quanto aos capitais públicos estrangeiros, a possibilidade era muito</p><p>menor. (...) Prevalecia a noção de que, dada liberdade de ação aos</p><p>capitais privados norte-americanos, o desenvolvimento econômico latino-</p><p>americano seria uma decorrência natural, prescindindo portanto de</p><p>injeções maciças de recursos públicos norte-americanos (...). Foi para</p><p>quebrar a indiferença norte-americana nesse particular que o governo JK</p><p>lançou em 1958 uma vasta ação político-diplomática conhecida por</p><p>Operação Pan-Americana (OPA) cujo objetivo econômico era o aporte de</p><p>recursos em larga escala para projetos de desenvolvimento na América</p><p>Latina. 113</p><p>Procurava-se, assim, uma nova forma de atuação na política externa,</p><p>sem, no entanto quebrar os velhos laços que uniam o continente à potência</p><p>norte-americana. Alheio aos movimentos de ruptura dos blocos que se</p><p>confrontavam na Guerra Fria, o governo brasileiro em nenhum momento</p><p>questionou seu alinhamento aos Estados Unidos. No entanto, a necessidade de</p><p>compatibilizar desenvolvimentismo e as diretrizes norte-americanas impunha</p><p>algumas iniciativas que escapavam a essas mesmas diretrizes, como foi o caso</p><p>da OPA114. Iniciativas tímidas que não caracterizavam uma política externa</p><p>independente como a implementada por Vargas na década de 30 e como seria</p><p>novamente tentado pelo sucessor de JK.</p><p>Em 1960, pela primeira vez, desde o estabelecimento da democracia</p><p>populista, o resultado das eleições presidenciais não favoreceu o arranjo que</p><p>orquestrara a política brasileira desde o final do Estado Novo. Integrando a</p><p>113 MOURA, Gerson. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991, p.578.</p><p>Nesta obra, Gerson Moura analisa a política externa brasileira do governo Juscelino Kubitschek,</p><p>considerando as transformações ocorridas no plano internacional e as necessidades do desenvolvimento, no</p><p>plano interno. Alinhamento aos Estados Unidos e necessidade de capital externo para financiar a</p><p>industrialização do país foram as duas diretrizes, nem sempre plenamente compatíveis, que prevaleceram</p><p>então.</p><p>114 OPA: Operação Panamericana criada por JK.</p><p>91</p><p>coligação que conseguiu levar Jânio Quadros à vitória, a UDN quebrava a</p><p>hegemonia da aliança PSD/PTB ao derrotar o candidato governista Teixeira</p><p>Lott115. As tensões sociais ocorridas ao longo da década de cinqüenta</p><p>evidenciavam uma profunda crise que não decorria das ações dos governos que</p><p>se sucederam: tratava-se do gradativo esgotamento do regime e do modelo</p><p>econômico de substituição de importações116.</p><p>As tentativas golpistas que procuraram impedir a posse de Vargas e</p><p>Juscelino Kubitschek, a crise de 1954, bem como as sublevações militares de</p><p>1956 e 1959 em Jacareacanga e Aragarças expunham a precariedade do</p><p>equilíbrio institucional. Acentuava-se o enfrentamento das forças sociais, em</p><p>virtude da ampliação das pressões populares sobre o Estado colocando em</p><p>xeque o compromisso político-social que lhe dava sustentação. O golpismo</p><p>tornava-se um recurso de que setores da direita lançavam mão para deter o</p><p>avanço popular e compensar suas perdas eleitorais. A instabilidade e as tensões</p><p>políticas eram marcas estruturais do populismo.</p><p>A forte aceleração econômica, baseada na expansão da indústria de</p><p>bens de consumo duráveis, promovida pelo governo JK, havia deixado como</p><p>herança o descompasso entre o crescimento industrial e a produção agrícola. O</p><p>rápido aumento da população urbana e de sua demanda, além da</p><p>desorganização de determinadas áreas agrícolas, acabou por redundar em</p><p>seguidas crises de abastecimento e inquietações sociais generalizadas. Por</p><p>outro lado, o financiamento do Plano de Metas ampliou o endividamento externo</p><p>e o déficit orçamentário da União, coberto por emissões monetárias que</p><p>ocasionaram elevados índices de inflação. O crescimento desigual dos diversos</p><p>setores da economia e das várias regiões consolidou o processo de</p><p>concentração de renda, estimulando a onda de reivindicações sociais.</p><p>115 A respeito da postura da UDN, afirma o sociólogo Francisco Weffort que os liberais tradicionais não</p><p>escondiam seu desapontamento frente ao regime democrático onde era necessário cortejar as massas e sua</p><p>nostalgia pelas práticas políticas da República Velha. WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política</p><p>Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 22.</p><p>116 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 1972.</p><p>92</p><p>Interligada à crise econômica, desenvolvia-se um realinhamento político</p><p>que punha em xeque o frágil equilíbrio populista. Gradativamente, os dois</p><p>maiores partidos conservadores (PSD e UDN) foram perdendo terreno para o</p><p>PTB. Assim, na segunda metade da década de 50, surgia a Frente Parlamentar</p><p>Nacionalista (FPN), que procurava ser a expressão dos chamados</p><p>“progressistas” do PTB, PSB, e setores minoritários da UDN e PSD. No campo</p><p>conservador, nos primeiros meses de 1961, era constituída a Ação Democrática</p><p>Parlamentar, apoiada sobre a maioria do PSD, UDN, PSP e outros pequenos</p><p>partidos. Vale citar o que a cientista política Maria do Carmo diz sobre estes</p><p>arranjos partidários que podem bem elucidar o cenário político interno:</p><p>(...) embora registrassem aquelas mudanças de maneira mais abrupta e</p><p>dramática, condensando-as nos diversos estilos personalistas, distinguiam</p><p>menos o eleitorado em termos socioeconômicos, não só em virtude da</p><p>obrigatoriedade de se mobilizar uma maioria nacional, como também pelo</p><p>fato de que essa maioria não poderia ser obtida por nenhum partido ou</p><p>candidato senão através de acordos com as máquinas e oligarquias</p><p>estaduais. Um candidato presidencial efetivamente competitivo tinha</p><p>obrigatoriamente que ter estes dois componentes em sua votação: de um</p><p>lado, um apelo generalizado, ultrapassando fronteiras geográfico-sociais,</p><p>a começar pela quase unificação de seu próprio estado; de outro, a</p><p>conquista maciça de alguns dos estados menores, através de acordo com</p><p>os dirigentes locais. 117</p><p>Assim, ao mesmo tempo em que ocorria uma certa simplificação do jogo</p><p>político parlamentar, o Executivo mantinha as ambigüidades populistas calcadas</p><p>no compromisso de grupos sociais díspares e de articulação partidária conflitiva.</p><p>As tensões entre o Executivo e o Legislativo implicaria, portanto, a diferença de</p><p>tempos “segundo os quais a mudança econômica incidia sobre a formação dos</p><p>117 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). São</p><p>Paulo: Alfa-Ômega, 1976, p. 148.</p><p>93</p><p>dois poderes”118. A reação conservadora no Legislativo e o realinhamento</p><p>ideológico criavam obstáculos para a constituição de uma base parlamentar</p><p>governista e aumentavam, por outro lado, as pressões populares e as demandas</p><p>sociais.</p><p>A década de 60 apontava, portanto, para duas transformações políticas</p><p>fundamentais no país: primeiramente, a já referida eleição de um presidente</p><p>apoiado pela UDN; em segundo lugar, a progressiva desarticulação da aliança</p><p>PSD/PTB no campo parlamentar, substituída pela conservadora aproximação</p><p>PSD/UDN.</p><p>Jânio Quadros era a expressão</p><p>Saraiva, 1998, p. 43.</p><p>20 Um dos primeiros autores a falar em Direito Constitucional Internacional foi M. A . Caloyanni ao estudar</p><p>a Corte Permanente de Justiça Internacional. Quando estudou o Pacto de Paris (1928) de renúncia à guerra</p><p>afirmou que o referido pacto ao “proibir o recurso à guerra, domina o direito de declaração de guerra</p><p>inscrito nas diversas Constituições” e pode ser considerado como um embrião de um direito constitucional</p><p>internacional.</p><p>26</p><p>Internacional, adotados em seu texto. Estes princípios, não obstante, regem as</p><p>relações internacionais dos Estados e representam, grosso modo, a sua forma</p><p>de interação com o meio internacional. Deve-se lembrar, ainda, que cada Estado</p><p>vai apresentar uma relação própria entre esses princípios e seu Direito</p><p>Constitucional, já que, cada Estado, tem um nível de inserção diferente nas</p><p>relações internacionais. Como ressalta Pedro Dallari:</p><p>O equacionamento dos parâmetros de organização da sociedade insertos</p><p>na Constituição – aí incluídos aqueles referentes às relações exteriores do</p><p>país – guarda estreita ligação e tem certamente desdobramentos junto à</p><p>ordem internacional. 21</p><p>Celso de Albuquerque Mello, em Direito Constitucional Internacional,</p><p>define direito constitucional internacional como sendo “a norma de ordem pública</p><p>do Direito Internacional Público que se imporia às normas constitucionais dos</p><p>estados.”22. Mirkine-Guetzévitch, estudando o Direito Constitucional</p><p>Internacional, já em 1936 defende um monismo com primazia do Direito</p><p>Internacional Público23.</p><p>Enfim, o direito Constitucional Internacional é o estudo dos elementos de</p><p>Direito Internacional Público no texto Constitucional. Por analogia, pode-se dizer</p><p>que o Direito Constitucional Econômico seria, então, o estudo dos preceitos de</p><p>economia no texto constitucional. Cabe assinalar, neste contexto, que estes</p><p>preceitos referem-se àqueles originados do que se tem denominado por Ordem</p><p>Econômica Internacional. Dir-se-ia que, pela interdependência econômica</p><p>característica de uma ordem internacional globalizada, se pode observar em que</p><p>medida o texto constitucional expressa os princípios de direito econômico. Ao se</p><p>21 DALLARI, Pedro. Constituição e Relações Exteriores. Rio de Janeiro: Saraiva, 1994, p. 13.</p><p>22 MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994,</p><p>p. 01.</p><p>27</p><p>analisar a evolução histórica das Constituições vis à vis seus respectivos</p><p>contextos histórico-econômicos, pode-se comprovar a tese de que existe, de</p><p>fato, uma relação entre o Direito Constitucional e o Direito Econômico.</p><p>As Constituições Brasileiras</p><p>Se a Constituição representa a constituição de um Estado, seja se por</p><p>um prisma de interpretação sociológica, como o faz Lassale, ou estritamente</p><p>jurídico, como Kelsen, ou político, como pensa ser Carl Schmitt, então, pode-se</p><p>dizer que é analisando esta constituição que se entende um Estado. Também, já</p><p>fora dito que existem elementos exógenos à ordem interna influenciando na</p><p>composição do Estado, como os princípios de Direito Internacional Público, os</p><p>vários conceitos aceitos como verdadeiros, tais como os de direitos humanos e</p><p>outros; pois, como bem assevera José Afonso da Silva:</p><p>As Constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a</p><p>organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de</p><p>seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias</p><p>dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócioeconômicos</p><p>do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e</p><p>culturais. 24</p><p>Quando o autor se refere aos fins “sócioeconômicos” do Estado, refere-</p><p>se àqueles cuja influência na Constituição tem sido discutida. São os aspectos</p><p>econômicos que deverão ser abordados na análise do texto constitucional. Para</p><p>tanto, segue uma breve análise das Constituições brasileiras até a Constituição</p><p>23 Mirkine-Guetzévitch é precursor desta nova concepção. Em 1933 publica Droit Constitutionnel</p><p>International, onde estuda as relações entre o D. Internacional e o D. Constitucional Internacional.</p><p>24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 14ª edição,</p><p>1997, p.45.</p><p>28</p><p>de 1988 frente aos seus respectivos cenários econômicos, ressaltando que o</p><p>cenário doméstico é relevante para o entendimento da relação entre a</p><p>Constituição e os elementos exógenos, pois estes elementos, aqui denominados</p><p>por exógenos, são primeiramente catalisados pelos movimentos sociais,</p><p>econômicos e políticos.</p><p>A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1824</p><p>Para iniciar um estudo acerca da contribuição dos elementos</p><p>econômicos no texto constitucional brasileiro de 1824, deve-se melhor entender</p><p>o que significou o processo de Independência para o recém criado Estado</p><p>brasileiro. Sabe-se que a emancipação política brasileira, formalizada em 1822,</p><p>insere-se no quadro mais amplo de desagregação do sistema colonial</p><p>português, iniciado no século XVIII. De um lado, com a Revolução Industrial, as</p><p>transformações econômicas e políticas no cenário mundial tornaram anacrônico</p><p>o sistema baseado no exclusivismo metropolitano; de outro, a própria colônia</p><p>experimentava mudanças que traziam consigo a oposição entre os interesses</p><p>dos colonos e da metrópole.</p><p>No que tange exclusivamente às contribuições internacionais – se é que</p><p>se pode assim defini-las – no contexto econômico brasileiro, deve-se ressaltar</p><p>um aspecto relevante de um movimento que influenciou diretamente a formação</p><p>do novo Estado brasileiro que foi a Revolução Industrial. Ademais, quando se</p><p>fala em Estado brasileiro, quer-se remeter à Constituição deste Estado e, como</p><p>será demonstrado mais tarde, ao se analisar o texto constitucional de 1824, as</p><p>externalidades, ou influências, da Revolução Industrial inglesa, e depois</p><p>européia, podem ser nitidamente observadas em vários artigos de nossa</p><p>Constituição.</p><p>Em princípio, deve-se dizer que a Revolução Industrial ocorrida</p><p>primeiramente na Europa, com efeito, foi o elemento mais importante para a</p><p>29</p><p>transformação do sistema econômico internacional, de um sistema mercantilista</p><p>para um crescente neoliberalismo das práticas mercantis25. Quanto à Revolução</p><p>Industrial, esta é caracterizada, mormente, pela constituição do sistema fabril</p><p>mecanizado26; foi impulsionada pela articulação entre a produção interna inglesa</p><p>e as rotas do comércio ultramarino. A criação de novos mercados fornecedores</p><p>de matérias primas e de consumidores realizou-se a partir da agressiva política</p><p>externa britânica, ditada pelos interesses mercantis e manufatureiros. O sistema</p><p>colonial, baseado na exclusividade de trocas mercantis entre colônia e</p><p>metrópole, surgia, então, como obstáculo para a expansão do capitalismo</p><p>industrial que os ingleses procuraram transpor por meio do contrabando, de</p><p>guerras ou de acordos diplomáticos que ampliavam o comércio com as próprias</p><p>metrópoles, submetendo-as a uma dependência estrutural.</p><p>Como nova potência hegemônica na Europa, a Inglaterra ditava as</p><p>novas regras, impondo aos seus aliados acordos e tratados que a beneficiavam.</p><p>Como potência decadente, Portugal dependia da parceria inglesa para garantir a</p><p>defesa de seu combalido império ultramarino. Dessa forma, as bases do sistema</p><p>colonial foram sendo gradativamente, exauridas. Paralelamente, a colônia</p><p>passava, também, por mudanças que colocavam em xeque o sistema colonial</p><p>devido ao fortalecimento de interesses internos divergentes dos da Metrópole.</p><p>0 desenvolvimento econômico e a descoberta de ouro no final do século</p><p>XVII tornavam asfixiante a exploração metropolitana, com seus pesados tributos</p><p>e determinações monopolistas. Com todas estas transformações, o fim do pacto</p><p>colonial tornava-se uma aspiração</p><p>do realinhamento ideológico. Jânio</p><p>estimulou a elaboração de uma ideologia ambígua, “indecisa ainda entre seus</p><p>conteúdos operários e pequeno-burgueses”, como afirmou Weffort119. Mas,</p><p>Jânio define-se com um alinhamento discreto à ideologia comunista, fato que o</p><p>levou, rapidamente, para o isolamento político.</p><p>Eleito por uma coligação conservadora, Jânio contrariava-a com sua</p><p>política externa. Carlos Lacerda, o maior tribuno udenista e articulador de sua</p><p>candidatura, vociferava contra a esquerdização do país e contra supostas</p><p>tramas golpistas organizadas pelo presidente.</p><p>Quanto às medidas econômicas adotadas pelo novo governo, com</p><p>exceção do projeto de lei de remessa de lucros para o exterior, opunha-se aos</p><p>setores nacional-reformistas120. Com isso restou ao Presidente o episódio da</p><p>renúncia. João Goulart, vice-presidente que deveria sucedê-lo, era tido como um</p><p>comunista por amplos setores militares e estava ausente do país em viagem</p><p>oficial à China. Jânio acreditava que o povo sairia às ruas para reconduzi-lo ao</p><p>poder - como ocorrera com Fidel Castro em Cuba - e que os militares não se</p><p>118 Ibid., p. 153.</p><p>119 WEFFORT, op. cit., p. 35.</p><p>120 TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1984. Neste</p><p>livro o autor fornece os elementos fundamentais para a análise da última fase do período populista no</p><p>Brasil desde a renúncia do presidente Jânio Quadros até a destituição de João Goulart. Combinando de</p><p>forma apropriada as questões políticas e econômicas.</p><p>94</p><p>oporiam a uma saída golpista. De fato, setores militares vetaram a posse de</p><p>Jango. Em decorrência, significativas manifestações populares ocorreram no Sul</p><p>e nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia pelo cumprimento da</p><p>Constituição. No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, então governador, liderou o</p><p>Movimento de Resistência Democrática, que exigia a posse de João Goulart,</p><p>obtendo o apoio do III Exército.</p><p>Com o retorno ao presidencialismo, aprovado pelo plebiscito de janeiro</p><p>de 1963, Jango retomou o controle e a responsabilidade pelos destinos</p><p>nacionais e procurou</p><p>implementar o Plano Trienal, com o intuito de combater a inflação sem</p><p>recessão e com redução das desigualdades regionais121. Durante a campanha</p><p>pelo presidencialismo, João Goulart prometera tornar-se o presidente das</p><p>reformas sociais. Em seis meses de governo ocorreu aumento da inflação sem</p><p>que houvesse desenvolvimento econômico.</p><p>Quanto ao aspecto jurídico, ou seja, no que toca às reformas</p><p>constitucionais, Jango, ao meio da crise, enviou ao Congresso um anteprojeto</p><p>de reforma constitucional que possibilitaria o inicio das discussões acerca das</p><p>propaladas reformas. A UDN e o PSD assumiram um posicionamento contrário a</p><p>qualquer alteração na Constituição brasileira122. Há de se notar que, apesar de a</p><p>Constituição de 1946 ter fornecido as bases para a realização de uma reforma</p><p>agrária, todos os esforços no sentido de realizá-la foram impedidos pela maioria</p><p>conservadora e pela intensa mobilização dos proprietários rurais. A autoridade</p><p>do presidente era posta em questão tanto pela direita quanto pela esquerda. Os</p><p>primeiros denunciavam a esquerdização do País e a desordem provocada pelo</p><p>governo e pelas forças subversivas. A esquerda, por seu turno, reclamava da</p><p>omissão de Goulart que poderia decidir algumas questões concretas sem</p><p>121 LABAKI, Amir. 1961, A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista. São Paulo: Brasiliense,</p><p>1986. Neste livro o autor analisa a renúncia de Jango e a implementação do sistema parlamentarista.</p><p>122 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.</p><p>Vale dizer ressaltar que a história partidária brasileira é resumida de forma clara e objetiva por Skidmore e</p><p>95</p><p>recorrer aos labirintos parlamentares. Manifestações e greves tomavam as</p><p>grandes cidades brasileiras.</p><p>A direita organizou uma série de movimentos cujos objetivos eram frear</p><p>o avanço das reivindicações populares, financiar agrupamentos e políticos de</p><p>feições anticomunistas e destituir Jango da presidência, fosse por meio do</p><p>recurso legal do impeachment, fosse por meio de um golpe de estado.</p><p>Com efeito, neste período, o cenário político brasileiro foi tomado por</p><p>revoltas urbanas123, rurais124, estudantis125 e militares126 em todas as áreas</p><p>sociais127.</p><p>Procurando mobilizar as forças de esquerda e nelas apoiar-se, Jango</p><p>lançou a definitiva cartada do regime populista. A incorporação das massas ao</p><p>jogo político chegava ao seu clímax e deveria garantir as profundas reformas</p><p>sociais e institucionais, para além do próprio Poder Legislativo. Por outro lado, a</p><p>ação do presidente também mobilizava a oposição permitindo a composição</p><p>entre a UDN e o PSD na defesa de seus privilégios sociais e a gradativa coesão</p><p>serviu como fonte relevante para o entendimento das coligações partidárias, enfim, da história dos</p><p>movimentos políticos no Brasil. Também foi consultado o livro De Getúlio a Castelo, do mesmo autor.</p><p>123 Asseguram os historiadores que, em nenhum momento da história brasileira, as pressões populares</p><p>foram tão intensas. A política deixava de ser privilégio do jogo parlamentar e absorvia as universidades,</p><p>escolas, fábricas, quartéis e áreas rurais. O Brasil assistia a uma intensa mobilização sindical que levava a</p><p>um número crescente de greves de caráter político. Contando muitas vezes com o apoio tácito de setores</p><p>militares, tais movimentos acabaram por incendiar as camadas subalternas das Forças Armadas.</p><p>124 No campo ocorria a formação de diversos sindicatos cujas direções eram disputadas por grupos católicos</p><p>de direita e esquerda e pelo PCB, ainda na clandestinidade, reclamando a reforma agrária e o cumprimento</p><p>das leis trabalhistas aprovadas no início de 1963. Mas, o movimento dos trabalhadores rurais tinha nas</p><p>temidas Ligas Camponesas o seu braço mais radical. Organizadas por Francisco Julião como forma de</p><p>resistência dos pequenos agricultores e trabalhadores, as Ligas recorreram muitas vezes às armas contra os</p><p>desmandos de latifundiários e defendiam uma reforma agrária radical.</p><p>125 Os estudantes divididos em diversos agrupamentos de esquerda defendiam uma aliança operário-</p><p>estudantil-camponesa. Era criada a FMP, Frente de Mobilização, que procura congregar a UNE, a FPN, o</p><p>CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), e as Ligas Camponesas.</p><p>126O Movimento Nacional dos Sargentos, por exemplo, insurgia-se contra a severidade disciplinar dos</p><p>regulamentos militares e reclamava melhores salários e plenos direitos políticos.</p><p>127 É interessante observar a análise crítica de Florestan Fernandes sobre a relevante contribuição dos</p><p>intelectuais frente aos movimentos de democratização da América Latina. O autor analisa, com</p><p>propriedade, o papel das universidades e dos movimentos estudantis desempenhado durante a repressão</p><p>política e a ditadura militar. Foi consultada a obra: FERNANDES, Florestan. “A Ditadura Militar e os</p><p>Papéis políticos dos Intelectuais na América Latina”, in Circuito Fechado. São Paulo: Hucitec, 1977, 2ª</p><p>ed., pp. 122-131.</p><p>96</p><p>militar em resposta às manifestações populares. Iniciam-se os preparativos para</p><p>o golpe128.</p><p>Vale resumir a situação de crise política brasileira imediatamente antes</p><p>do golpe que instituiu no Brasil uma ditadura que perduraria por 20 anos,</p><p>inaugurada por mais uma Constituição que vai representar ou fundamentar o</p><p>regime rígido que se instaurava a partir da década de 60. Neste cenário, a</p><p>intervenção militar era anunciada, segundo alegavam, como passageira e</p><p>saneadora das mazelas deixadas pela infiltração esquerdista no país129. Para</p><p>ocupar a Presidência foi escolhido, por meio de eleição indireta, o líder do grupo</p><p>da “Sorbonne”, General Castelo Branco,</p><p>tendo como vice-presidente o político</p><p>do PSD mineiro, José Maria Alkmim.</p><p>Em termos econômicos, foram adotadas, por meio do Programa de Ação</p><p>Econômica do Governo (PAEG), medidas liberalizantes, que franqueavam a</p><p>entrada e saída de capitais estrangeiros no Brasil, e fórmulas de contenção de</p><p>salários e redução do déficit público como meios de conter a inflação. Como</p><p>afirmou Otávio lanni, o golpe militar assinalou “a transição efetiva para o modelo</p><p>de desenvolvimento econômico associado” em lugar do anterior modelo de a</p><p>substituição de importações, acentuando “a interdependência econômica,</p><p>política, cultural e militar, na América Latina e com os Estados Unidos”130.</p><p>128 Menos de uma semana após o Comício das Reformas, setores conservadores organizaram uma</p><p>estrondosa manifestação contra o governo federal reunindo, em São Paulo, mais de 250 mil pessoas na</p><p>Marcha da Família com Deus pela Liberdade.</p><p>129 Quando iniciada a intervenção, os primeiros alvos foram os ativistas de esquerda e nacionalistas e suas</p><p>organizações sindicais. Ocorreram diversas cassações políticas, algumas lideranças simplesmente</p><p>“desapareceram” e outras foram torturadas. Foram depredadas e destruídas as sedes de órgãos de imprensa,</p><p>centros culturais e universitários. O primeiro Ato Institucional, de 9 de abril, fortalecia o Executivo e</p><p>concedia ao Presidente poderes para suspender direitos políticos, cassar mandatos e exonerar funcionários</p><p>públicos.</p><p>130IANNI, Otávio. A Sociedade Global. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1992, p. 56.</p><p>97</p><p>A Economia Brasileira na Década de 60 e a Ordem Eco nômica</p><p>Internacional</p><p>A partir da década de 60, o Brasil começa a sentir fortemente crise</p><p>internacional que se prenunciava, combina à desfavorável conjuntura interna,</p><p>sobretudo a conjuntura de instabilidade política. Além da herança inflacionária e</p><p>do aumento da dívida externa, o desenvolvimento industrial não manteve o</p><p>mesmo ímpeto registrado no governo de Juscelino Kuhitschek. De um animador</p><p>índice de pouco mais de 10% ao ano entre 1956 a 1962, o crescimento médio</p><p>variou para cerca de 3% ao ano entre 1962 e 1967131. Os desequilíbrios na</p><p>Balança de Pagamentos e no orçamento público, e a conseqüente alta</p><p>inflacionária, alimentada ainda mais pelas malogradas tentativas do governo de</p><p>João Goulart de estabilização e retomada do crescimento, evidenciavam o</p><p>esgotamento do dinamismo da industrialização baseada na substituição de</p><p>importações132.</p><p>Entretanto, no lugar de estagnação, um novo modelo econômico,</p><p>responsável por uma nova forma de desenvolvimento capitalista, foi sendo</p><p>implementado pela ditadura militar. Foi estabelecido um modelo de produção</p><p>baseado no capital monopolista, um desenvolvimento associado ao capital</p><p>externo, que mantinha a dependência financeira e tecnológica dos principais</p><p>centros da economia mundial. Este modelo levou a uma maior integração do</p><p>Brasil ao mercado internacional, tanto pela exportação de manufaturados quanto</p><p>pela entrada de capitais (diretos e indiretos).</p><p>Os primeiros arranjos econômicos do regime militar valeram-se do</p><p>fortalecimento do Executivo. De um lado, o grau de coesão dos grupos</p><p>dominantes em torno dos novos dirigentes permitiu a adoção de uma política de</p><p>equilíbrio fiscal que reduziu o déficit público e acabou por favorecer o grande</p><p>capital, seja por meio das imposições de tributos e registros contábeis, que</p><p>131 SINGER, Paul. “Interpretação do Brasil: Uma Experiência Histórica de Desenvolvimento”, in História</p><p>Geral da Civilização Brasileira. Boris Fausto (org), São Paulo: Difel, 1986, 2ª ed., T. III, 4º vol., p. 228.</p><p>98</p><p>dificultaram a vida das pequenas e micro empresas, seja pelas isenções e</p><p>favorecimentos concedidos principalmente aos setores exportadores. A política</p><p>creditaria, que também beneficiava as grandes empresas, promoveu a formação</p><p>de grandes conglomerados financeiros industriais, que diversificaram suas</p><p>atividades pelos mais variados ramos, sob o custeio e a égide do capital</p><p>financeiro. Por outro lado, uma política de repressão aos trabalhadores</p><p>(casacões políticas, intervenções nos sindicatos, prisões e intimidações dos</p><p>principais líderes, fim da estabilidade no emprego, eliminação do direito de greve</p><p>etc.) determinou uma nova correlação de forças na sociedade, absolutamente</p><p>diversa da do período anterior. Assim, foi possível implementar uma política que,</p><p>além do achatamento salarial dos trabalhadores de menor qualificação, alterou</p><p>qualitativamente as relações de trabalho no país, gerando “maior subordinação</p><p>do trabalhador à disciplina da empresa, maior dependência face às autoridades</p><p>patronais, sindicais, previdenciárias, policiais, etc. e menor atenção às</p><p>necessidades e direitos do trabalhador”133. Como conseqüência desses ajustes,</p><p>a inflação decaiu de cerca de 100% no primeiro trimestre de 1964 para 20% em</p><p>1969 e o PIB passou a uma taxa de crescimento de 9,8% em 1968 no lugar de</p><p>apenas 0,6% de 1963134.</p><p>A partir de 1968 a economia brasileira passava a integrar uma nova</p><p>divisão internacional do trabalho, redefinida pelo capital monopolista. A</p><p>expansão industrial brasileira foi sendo dominada pelo capital multinacional,</p><p>aumentando a tendência à desnacionalização, presente desde o governo de</p><p>Juscelino Kubitschek. Incentivos a exportadores de manufaturados alteraram a</p><p>composição da pauta de exportações. Ao contrário do desenvolvimento vivido</p><p>nos anos da democracia populista, as prioridades industriais passavam a ser</p><p>ditadas pelas necessidades do mercado mundial e não mais pelo mercado</p><p>132 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro:</p><p>Ensaios sobre a Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, pp. 167-168.</p><p>133 SINGER, Paul. ”A Economia Brasileira depois de 64”, in A Crise do Milagre: Interpretação Crítica da</p><p>Economia Brasileira. P. 77</p><p>134 RESENDE, André Lara. “Estabilização e Reforma: 1964 – 1967”, Da Ordem do Progresso: Cem Anos</p><p>de Política Econômica Republicana, 1889-1989. Marcelo de Paiva Abreu (org.), Rio de Janeiro: Campus,</p><p>1992, p. 213.</p><p>99</p><p>interno. Sobre essa alteração afirmou Paul Singer, um dos principais críticos das</p><p>políticas econômicas implementadas durante a ditadura militar:</p><p>O país vendeu por um prato de lentilhas – a ‘ajuda’ externa – o seu direito</p><p>de primogenitura no sentido de procurar alcançar a fronteira tecnológica e,</p><p>um dia, tornar-se uma nação plenamente desenvolvida. Pois que outra</p><p>coisa significa uma estratégia que leva a expandir a produção e</p><p>exportação de calçados ou mesmo componentes de sistemas de</p><p>processamento de dados e a importar as máquinas de fabricar calçados e</p><p>os computadores? Não há dúvida que uma divisão de trabalho à base da</p><p>‘vantagens comparativas’ – cada um se especializa no que pode produzir</p><p>a custo mais baixo – entre países adiantados e países atrasados só pode</p><p>ter por resultado a consolidação do desnível e o aprofundamento da</p><p>dependência dos últimos em relação aos primeiros. 135</p><p>Com efeito, as taxas de crescimento econômico eram mantidas também</p><p>pela expansão da linha de crédito ao consumidor – privilegiando a classe média,</p><p>ávida por bens de consumo duráveis – e pelo estimulo à poupança interna,</p><p>corrigida pela correção monetária das taxas de juros. Dirigido por</p><p>tecnoburocratas civis e militares, o Brasil era anunciado pelas campanhas</p><p>oficiais como um iminente integrante do Primeiro Mundo.</p><p>A alocação do capital externo não era algo novo na economia nacional.</p><p>Buscando o mercado interno, empresas estrangeiras estabeleceram-se no país</p><p>durante a década de 50. No entanto, com as condições criadas pelo golpe</p><p>militar, a motivação residia nas possibilidades do mercado externo. Assim, o</p><p>grande capital dirigia-se a determinados países</p><p>subdesenvolvidos atraídos pelos</p><p>baixos custos dos fatores de produção, principalmente da mão-de-obra e pelos</p><p>incentivos concedidos às exportações. Dessa forma, o crescimento verificado</p><p>135 SINGER, Paul. ”A Economia Brasileira depois de 64”, in A Crise do Milagre: Interpretação Crítica da</p><p>Economia Brasileira. P. 115.</p><p>100</p><p>voltava-se para fora, para o mercado mundial, ao contrário de fases anteriores,</p><p>em que o crescimento operava-se para dentro, buscando o mercado interno.</p><p>Com as novas instituições do mercado mundial criadas após a II Guerra (FMI,</p><p>GATT, BIRD) abriu-se a possibilidade da “diversificação de exportações,</p><p>aproveitando as oportunidades de um mercado mundial em forte expansão”136.</p><p>Para o Brasil, naquele momento, interessava estabelecer um modelo</p><p>engajado com o liberalismo, mas consistente com os propósitos</p><p>desenvolvimentistas. Era a meta crescimento com desenvolvimento, que pode</p><p>ser identificada, aliás, no próprio texto constitucional, quando se analisar o título</p><p>da ordem econômica.</p><p>A Constituição de 1967</p><p>Como fora tratado na parte histórica, o golpe militar de 31 de março de</p><p>1964 instituiu o que se denominou por Governo Revolucionário. Também pôde</p><p>ser observado que foi por meio dos Atos Institucionais que o novo governo</p><p>empreendeu sua política de dominação. Pelo AI nº 1, foi consagrado o poder</p><p>constituído originário, expresso no preâmbulo do AI nº 12, que diz: “a Revolução</p><p>investe-se, por isso, no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se si</p><p>mesma” e que “o seu Poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do</p><p>processo revolucionário, que tem de ser dinâmico para atingir os seus</p><p>objetivos”137. Mais a frente, em dezembro de 1966, foi editado o AI nº 4 que tinha</p><p>por finalidade convocar o Congresso Nacional para que, em reunião</p><p>extraordinária, pudesse votar e promulgar o projeto de Constituição apresentado</p><p>pelo Presidente da República e que se transformou na Constituição de 1967.</p><p>Ocorreu o seguinte:</p><p>136 SINGER, Paul. “ Interpretação do Brasil: uma Experiência Histórica de Desenvolvimento”, in Boris</p><p>Fausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira. cit., p.239.</p><p>137 SOUZA, op. cit., p. 384.</p><p>101</p><p>Em lugar de convocação de uma Assembléia Constituinte, o Governo</p><p>concedeu ao Congresso Nacional, diretamente, o poder constituinte</p><p>delegado, no uso de uma faculdade que reputou inerente à revolução. (...)</p><p>o AI 4 determinou que o Presidente da República apresentasse projeto ao</p><p>Congresso Nacional. Recebido este, o Presidente do Senado convocou as</p><p>duas Casas para, em sessão conjunta, sendo designada Comissão Mista</p><p>composta de 11 senadores e 11 deputados, dar parecer pela aprovação</p><p>ou rejeição do projeto, submetido a discussão em sessão extraordinária.</p><p>As emendas eram submetidas à discussão do Plenário e votadas em</p><p>único turno. 138</p><p>Com efeito, a Constituição de 1967 surge em um cenário extremamente</p><p>conturbado. Surgiu em um período da história brasileira que foi marcado por</p><p>uma série de pequenos flancos que faziam oposição à política de alinhamento à</p><p>potência hegemônica ocidental. Todos estes movimentos políticos ensejaram</p><p>uma forte instabilidade na governabilidade, fato que se reflete na própria</p><p>Constituição. Houve uma redução da autonomia individual, permitindo a</p><p>suspensão de direitos e garantias constitucionais, tornando a Constituição de</p><p>1967 a mais autoritária que as anteriores.</p><p>Para se entender melhor os reflexos deste autoritarismo na Constituição</p><p>é necessária uma abordagem histórica do tema. Daí este trabalho enfocar, ainda</p><p>que de forma tão resumida, alguns eventos históricos que podem explicar os</p><p>rumos escolhidos pelo Constituinte. Também é verdade que, sobretudo neste</p><p>período, caberia uma análise mais atenta aos aspectos históricos, o que não é</p><p>possível haja vista a que o recorte deste trabalho está na análise do texto</p><p>constitucional no que tange, apenas, à influência destes movimentos, nacionais</p><p>e internacionais, no título que diz respeito à ordem econômica.</p><p>Há de se ressaltar que, se comparar o caráter autoritário das</p><p>disposições constitucionais referentes às garantias e liberdades individuais e</p><p>138Ib. Id., pp. 384, 385.</p><p>102</p><p>aquelas referentes à ordem econômica, tem-se nesta apenas uma discreta</p><p>intervenção. Paulo Bonavides ressalta esta liberdade econômica vis à vis o</p><p>cerceamento dos direitos e garantias individuais dizendo que:</p><p>Na Ordem econômica a Constituição de 1967 se afigura menos</p><p>intervencionista porque ela estreita as hipóteses de cabimento de</p><p>intervenção no domínio econômico, enquanto que no que atina ao direito</p><p>de propriedade dá-lhe um tratamento mais limitativo, na medida em que</p><p>autoriza desapropriação mediante pagamento de indenização por títulos</p><p>da dívida pública, para fins de reforma agrária. 139</p><p>Dado à crise econômica interna, o Governo brasileiro aproveita a</p><p>demanda internacional dos países pobres por empréstimos e se endivida ainda</p><p>mais. Este fenômeno ocasionou “o desenvolvimento de todo o sistema financeiro</p><p>extremamente sofisticado e bastante abastecido por uma poupança que era</p><p>estimulada a toda força” 140. Assim como os PEDs se beneficiaram com a</p><p>liquidez do capital internacional, contrariamente apresentaram um</p><p>recrudescimento do crescimento interno a partir de 1973, com a crise</p><p>internacional do petróleo, deflagrada em virtude de uma estratégia de atuação</p><p>dos países membros da OPEP em elevar o preço do barril.</p><p>Pode-se afirmar que a Constituição de 1967 no que diz respeito aos</p><p>preceitos econômicos permaneceu liberal, pouco intervencionista,</p><p>diferentemente do que ocorreu quanto aos direitos e garantias individuais, como</p><p>já fora demonstrado.</p><p>As disposições Da Ordem Econômica e Social estão compreendidas no</p><p>título III, artigos 157-166. Assim, inicia o título III, em seu artigo 157:</p><p>139 BASTOS, op. cit., p. 134.</p><p>140 BASTOS, op. cit., p. 135.</p><p>103</p><p>Art. 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social com</p><p>base nos seguintes princípios:</p><p>I - liberdade de iniciativa;</p><p>II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;</p><p>III - função social da propriedade;</p><p>IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;</p><p>V - desenvolvimento econômico;</p><p>VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio</p><p>dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos</p><p>lucros.</p><p>Em princípio, o caráter social e de justiça distributiva permanece</p><p>presente na Carta de 1967, afirmação que pode se observada quando se lê nos</p><p>seus incisos expressões como “liberdade de iniciativa”, “desenvolvimento</p><p>econômico” ao lado de expressões como “função social da propriedade”,</p><p>“repressão ao abuso do poder econômico” e a “valorização do trabalho” que</p><p>fornecem um teor próprio das economias de sistemas como o da social-</p><p>democracia européia. A diferença é obvia, pois o sistema de governo na</p><p>Constituição de 1967 se pautava pelos caminhos inversos ao da democracia;</p><p>todavia, a contradição está exatamente na sustentação de uma ordem</p><p>econômica neoliberal em face de disposições antidemocráticas e liberais, como</p><p>disposto no título II, capítulo V, cujo título é Do Estado de Sítio. Neste capítulo, o</p><p>Constituinte tratou de garantir poderes especiais ao Presidente da República,</p><p>como enuncia o seu artigo 152: “ O Presidente da República poderá decretar o</p><p>estado de sítio nos casos de: (...)”.</p><p>Ademais, sabe-se que quando se fala em liberalismo econômico não se</p><p>está querendo dizer a mesma coisa que liberalismo no campo das relações</p><p>sociais. Pode haver a coexistência de um liberalismo econômico com um regime</p><p>104</p><p>autoritário e antidemocrático sem que um interfira no outro, mantendo-se</p><p>autônomos em suas bases ideológicas.</p><p>Considerando-se a inclusão dos direitos sociais nos econômicos, a</p><p>Constituição ainda</p><p>trata, neste título, da situação do trabalhador. O artigo 158</p><p>enseja a garantia dos trabalhadores baseada na melhoria de sua condição</p><p>social. Seguem-lhe vinte e um incisos que dispõem sobre o salário-mínimo,</p><p>salário família, jornada de trabalho, repouso semanal, direitos e garantias</p><p>previdenciárias e outros. A relação do trabalhador com o social e sua inserção</p><p>no mercado de trabalho é apresentada em um texto progressivo, preocupado</p><p>com a justiça social e com os valores morais ocidentais.</p><p>Também estão incluídas neste título, em seu artigo 160 e seguintes,</p><p>disposições sobre o regime das empresas que atuam na economia nacional,</p><p>sobre as jazidas, minas e outros recursos minerais e potenciais hidráulicos.</p><p>Nesta matéria, a Constituição de 1967 não inova, permanecendo os preceitos já</p><p>consagrados na Constituição de 1946.</p><p>Pode-se dizer que, até este ponto, a Constituição de 1967, no que tange</p><p>às relações econômicas, apresenta um teor liberal, mas intervencionista ao</p><p>mesmo tempo, característica que confere rótulos como neoliberalismo e neo-</p><p>intervencionismo. Na verdade, trata-se de um tipo de liberalismo moderado,</p><p>comprometido com o desenvolvimento social e não apenas com o crescimento</p><p>econômico. Observa-se o liberalismo em expressões do tipo “liberdade de</p><p>iniciativa”, art. 157, I, que é uma característica de uma economia de mercado e o</p><p>intervencionismo ou protecionismo em disposições como “a repressão ao abuso</p><p>do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados”. Neste, fica</p><p>manifestamente clara a intenção do constituinte de proteger o mercado e o</p><p>trabalhador do laissez faire desmesurado de uma economia internacional cada</p><p>vez mais interdependente e liberal em suas estruturas.</p><p>Ocorre que, dado à crise política, que foi um dos acontecimentos</p><p>históricos relevantes para a instabilidade do governo brasileiro à época, também</p><p>105</p><p>o direito constitucional refletiu estas transformações. Houve uma intensificação</p><p>na campanha contra o governo que vinha sendo movida pela oposição, que</p><p>pleiteava e estimulava um verdadeiro movimento pela convocação de uma nova</p><p>Assembléia Constituinte com vistas a reformar os elementos anti-democráticos</p><p>presentes no texto de 1967, sobretudo, os referentes às garantias e direitos</p><p>individuais. Em 1968, sobretudo, a situação política se agrava. As reedições dos</p><p>Atos Institucionais causam, cada vez mais, insatisfação à população, que reage</p><p>reclamando a democratização do sistema. É bem verdade que grande parte da</p><p>população brasileira não se engajou nesta manifestação, por isto terem sido tão</p><p>heterogêneos os movimentos de oposição que surgiram para combater o</p><p>crescente recrudescimento do sistema governamental baseado no militarismo e</p><p>no autoritarismo. A este respeito, Paulo Paes de Andrade chama a atenção para</p><p>o fato de que a Constituição de 1967 procurava institucionalizar o Estado</p><p>conseqüente do golpe por meio da ilegítima delegação de poderes constituintes</p><p>ao Legislativo Federal e, assim, organizar a legislação do novo governo que, nos</p><p>anos de 1965 e 1966, editou 4 Atos Institucionais, 36 Atos Complementares, 312</p><p>Decretos-leis e 3.746 atos punitivos141. Desta forma, na nova Carta, toda esta</p><p>legislação tornava-se, então, disposta de modo a conferir uma certa legalidade</p><p>ao regime militar, baseado no autoritarismo, típico dos tempos da Guerra Fria.</p><p>A Carta de 1967 recebeu uma Emenda Constitucional, nº 1 de 07 de</p><p>outubro de 1969, que fora considerada, por muitos, como uma nova</p><p>Constituição. Diz o professor Washington acerca desta Emenda que:</p><p>A metodologia adotada para tal emenda não obedeceu ao disposto nos</p><p>arts. 49, I e 50. Ao contrário, baseou-se no art. 3º do Ato Institucional nº</p><p>16, de 14-10-69, combinado com o parágrafo 1º do art. 2º do AI 5, de 13-</p><p>12-68, que decretou o recesso do Congresso Nacional. Foi interpretado</p><p>que caberia ao Executivo “legislar sobre todas as matérias”. Alegou-se</p><p>entre os “considerando” apresentados, que a elaboração de emendas à</p><p>141 PAES DE ANDRADRE, Paulo. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª ed.,</p><p>106</p><p>Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 49, I) estava na</p><p>atribuição do Poder Executivo Federal, embora tal não coincidisse com o</p><p>texto. E, assim, a emenda contendo dispositivos modificativos,</p><p>supressivos e mandando que a Constituição passasse a ser publicada de</p><p>acordo com o novo texto, foi promulgada pelos Ministros da Marinha, da</p><p>Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. 142</p><p>Na verdade, a sucessão de Atos Institucionais foi preparando o terreno</p><p>para a cartada final, que foi a Emenda nº 1. Como bem observa o autor na</p><p>citação acima, a fundamentação nos AI143 proporcionou ao governo a</p><p>elaboração de uma Emenda que dispunha sobre muitas matérias que ainda se</p><p>encontravam regulamentadas pelos Atos Institucionais e que passaram a ser</p><p>matéria de texto constitucional, inserindo-se peremptoriamente no direito</p><p>brasileiro.</p><p>Quanto ao título da ordem econômica, a Emenda forneceu-lhe apenas</p><p>uma nova restruturação, permanecendo o mesmo texto, sem alterações quanto</p><p>à matéria.</p><p>A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1988</p><p>A Constituição de 1988 é um marco na história brasileira. Determina a</p><p>transição de um regime militar e autoritário para um regime civil e democrático.</p><p>Ocorre um corte também na política internacional que inaugura uma nova era</p><p>para as relações internacionais. A verdade é que o mundo mudou e a</p><p>restruturação interna se tornou uma necessidade para todos os Estados-partes</p><p>deste sistema internacional.</p><p>1991, p.432.</p><p>142 SOUZA, op. cit., p. 385.</p><p>143 Atos Institucionais</p><p>107</p><p>No cenário político brasileiro, a década de 80 foi marcada, sobretudo,</p><p>por um movimento de democratização do regime. A democracia fora o elemento</p><p>de referência de uma nova era para a história do Brasil. Todos os conceitos</p><p>formulados à égide do regime militar como, por exemplo, as teorias da</p><p>segurança nacional, do interesse nacional, segurança hemisférica, do dominó144,</p><p>do cordão sanitário145, da cortina de ferro e conceitos como inimigo interno, low</p><p>profile146, foram suplantados por valores da democracia liberal, com a</p><p>consolidação dos direitos humanos e, sobremaneira, pelo primado do</p><p>capitalismo sobre o comunismo.</p><p>A era Tancredo Neves, marcada pela campanha das diretas já,</p><p>inaugurou esta nova fase. Seguindo-se os governos Collor de Mello e FHC, o</p><p>Brasil entra no novo milênio tendo como paradigma dois valores que parecem</p><p>insuperáveis historicamente, como, aliás, assegura Francis Fukuyama: a</p><p>democracia e a economia de mercado.</p><p>Com o término da Guerra Fria no final da década de 80, inicia-se um</p><p>novo período para as relações internacionais, assim como ocorrera na ordem do</p><p>Pós-II Guerra Mundial. Tem-se denominado esta nova fase, que na verdade</p><p>caracteriza uma nova macroestrutura internacional, por Nova Ordem</p><p>Internacional, também denominada por Ordem Pós-Guerra Fria. A Constituição</p><p>de 1988 surge exatamente no momento de transição entre a antiga e a nova</p><p>ordem internacional.</p><p>Vale lembrar que é ponto culminante deste trabalho é o estudo da</p><p>Constituição de 1988, servindo a breve análise dos textos constitucionais</p><p>anteriores como um estudo comparado. Com efeito, o que se quer demonstrar</p><p>com isto é que as conjunturas externas influenciam no cenário doméstico de um</p><p>Estado e que acabam se refletindo na sua Constituição, visto que é a</p><p>Constituição a forma expressa, formal, de representação do próprio Estado.</p><p>144 Teoria desenvolvida pela inteligência norte-americana para designar a conversão em escala dos países</p><p>para o socialismo, um após o outro, em efeito de dominó.</p><p>145 É um tipo de isolamento ao comunismo.</p><p>108</p><p>Segue, portanto, um</p><p>capítulo destinado apenas à analise da relação entre estes</p><p>dois contextos, o interno e o internacional, e sua relação com a Constituição de</p><p>1988.</p><p>Conclusão</p><p>Como foi especificado o objetivo principal foi apontar os princípios de</p><p>Direito Econômico no texto Constitucional de todas as Constituições brasileiras e</p><p>estabelecer uma relação entre este Direito e os desdobramentos internacionais</p><p>que muitas das vezes se viram refletidos na própria história do Estado brasileiro.</p><p>A ênfase, todavia é para a Constituição de 1988 frente ao que se tem</p><p>denominado Nova Ordem Internacional - NOI. Em outras palavras, seria de se</p><p>questionar em que medida o texto constitucional de 1988 estaria em sintonia ou</p><p>desacordo com as tendências e princípios encontrados na ordem econômica</p><p>internacional do Pós-Guerra Fria, considerando-se que o próprio cenário interno</p><p>reflete em grande medida, as transformações sofridas internacionalmente.</p><p>Para tanto, foi, ademais, apresentada uma breve descrição de todas as</p><p>Constituições brasileiras, no que toca à disposição do texto que trate da ordem</p><p>econômica e também sua relação com os eventos histórico-econômicos.</p><p>Entendeu-se que, assim, porder-se-ia fornecer uma visão diacrônica da</p><p>evolução dos princípios econômicos presentes no texto das Constituições</p><p>brasileiras até a Carta de 1988.</p><p>Desta análise, pôde ser observado que, de fato, as conjunturas</p><p>internacionais acabam por interferir no cenário doméstico, seja econômico ou</p><p>político, brasileiro, dos países com baixo potencial de inserção. Estes países são</p><p>classificados como PEDs e sendo o Brasil um PED (País em Desenvolvimento),</p><p>observou-se que em todos os momentos de sua história, o cenário internacional</p><p>146 low profile significa presença discreta.</p><p>109</p><p>acabou por definir importantes configurações internas. Estas configurações</p><p>podem ser de natureza econômica, política, cultural etc.</p><p>Quando neste trabalho se privilegiou o estudo da história brasileira, se</p><p>procurou demonstrar em que medida o contexto sócio-político e, sobretudo, os</p><p>desdobramentos econômicos acabaram por definir os princípios norteadores</p><p>presentes nas Constituições. Com efeito, sendo o Brasil um PED, o contexto</p><p>internacional acabou influenciando muito mais seu ordenamento interno do que</p><p>o contrário, ou seja, ter havido repercussões representativas de sua atuação</p><p>externa. Certamente, seu potencial de negociação é bastante reduzido se</p><p>comparado, por exemplo, aos países do G7147.</p><p>Quanto à Constituição de 1988, o que se observou ao se analisar o seu</p><p>ordenamento econômico, foi uma grande influência dos acontecimentos</p><p>internacionais em seu texto, não apenas no econômico, mas em todos os seus</p><p>capítulos. Como foi demonstrado, a NOI tem como sua característica mais</p><p>marcante a globalização das relações internacionais em todos os seus níveis,</p><p>econômico, político, cultural etc. É sobre esta característica que se procurou</p><p>verificar correspondentes no texto constitucional. Assim, se observou que o</p><p>liberalismo econômico, ainda que atado ao protecionismo paternalista,</p><p>característico nas democracias latino-americanas, é um preceito importante e</p><p>garantido na Carta Maior. Também os valores econômicos relacionados ao</p><p>aspecto social, como por exemplo, a propriedade privada, foram preservados,</p><p>haja vista a que se trata de uma herança constitucional e que alguns dos valores</p><p>remontam mesmo à primeira Constituição.</p><p>Nesta análise encontrou-se, todavia, um aspecto anacrônico às novas</p><p>tendências internacionais. Enquanto os países europeus primam por uma</p><p>unificação de um ordenamento supranacional, em torno da unidade européia,</p><p>cujo sustentáculo teórico é formado pela clássica crença de Kelsen em um</p><p>monismo radical com prevalência do direito internacional sobre o direito interno,</p><p>147 O Grupo dos sete países mais ricos do mundo.</p><p>110</p><p>na Constituição brasileira de 1988, vê-se um dispositivo que prima pela</p><p>prevalência do direito interno sobre o internacional. O Tratado de Maastrich só</p><p>poderia ser efetivamente implementado e ter alcançado o sucesso que, apesar</p><p>das dificuldades estruturais, tem alcançado se este prevalecesse sobre as</p><p>demais normas internas dos seus Estados membros. No contexto da integração</p><p>européia, o respeito aos compromissos assumidos internacionalmente é o cerne</p><p>do sucesso de seus resultados, haja vista que a União Européia é uma ficção</p><p>criada a partir de um arcabouço jurídico-institucional formalizado por uma</p><p>miríade de acordos.</p><p>Desta forma, a crítica remetida ao artigo 192 é pertinente considerando-</p><p>se o que se sustentou desde o início deste trabalho. O monismo radical ratifica</p><p>os principais desdobramentos no cenário internacional e qualquer ato que</p><p>contrarie esta tendência pode ser apontado como retrógrado. Ademais, sendo o</p><p>Brasil um PED, qualquer ato em dissonância com o todo, ao invés de gerar uma</p><p>repercussão exógena de alteração do status quo internacional, pode provocar</p><p>um recrudescimento de seu potencial de negociação e afetar, portanto, sua</p><p>capacidade de inserção nas relações internacionais, mormente nas relações</p><p>econômicas, nesta ordem que vai emergir neste novo milênio.</p><p>111</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>ABREU, Marcelo. “Developing Countries and the Uruguay Round of Trade</p><p>Negotiations”. First Annual World Bank Conference on Development Economics,</p><p>Washington D.C., 1989.</p><p>------. “O Brasil e o GATT: 1947-1991”. Projeto “60 Anos Anos de Política Externa</p><p>Brasileira”, Mimeo, 1991.</p><p>------. O Brasil na Rodada Uruguai do GATT: 1982 - 1983. 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Com o rompimento do monopólio,</p><p>rompe-se também a razão de ser do sistema colonial. Desta forma, rompido o</p><p>pacto colonial, invertidas as relações entre metrópole e colônia, alçada que fora</p><p>esta última à condição de capital do Império, iniciava-se, já em 1808, o processo</p><p>de Independência da antiga colônia lusitana.</p><p>A formalização da Independência, em 1822, foi resultado das</p><p>dissidências entre os portugueses cujos interesses enraizavam-se nas terras de</p><p>além mar e aqueles que haviam permanecido no reino. Expulso o invasor</p><p>francês, em 1810, Portugal encontrava-se com sua economia arruinada, não só</p><p>pela guerra interna que tivera de travar contra a França Napoleônica, mas,</p><p>sobretudo, porque sua principal fonte de renda, o comércio colonial, havia sido</p><p>drasticamente reduzida com a abertura dos portos brasileiros ao comércio de</p><p>outras nações28.</p><p>A situação política portuguesa – entenda-se a do Brasil também – nas</p><p>primeiras décadas do século XIX era de intensa crise política. Em 1820, eclodia</p><p>a Revolução do Porto com o principal objetivo de instituir em Portugal uma</p><p>Monarquia Constitucional. A revolta recebeu, imediatamente, a adesão da elite</p><p>colonial, que elegeu deputados para as Cortes reunidas em Lisboa com o</p><p>objetivo de escrever a nova Constituição. As intenções dos representantes</p><p>brasileiros eram traduzidas pelas propostas levadas pela deputação paulista,</p><p>27 No entanto, o caminho percorrido e o modo peculiar como se realizou a independência da Brasil foi</p><p>determinado pelos acontecimentos que vieram à tona no início do século XIX. Aliado incondicional da</p><p>Inglaterra, Portugal encontrava-se, em 1807, sob ameaça de invasão das tropas francesas, em guerra com o</p><p>reino britânico. Diante da iminência de invasão, a Corte optou pela fuga para sua colônia, instalando-se no</p><p>Rio de Janeiro, a partir de 1808. A cidade adquiria assim novo estatuto, o de capital de todo o império</p><p>lusitano. Para desempenhar as novas funções a colônia não poderia permanecer isolada, restrita ao</p><p>comércio com uma metrópole que estava agora sob o domínio de tropas inimigas. Assim, tornou-se</p><p>inevitável a abertura dos portos brasileiros a outras nações, medida também exigida pelos interesses do</p><p>poderoso aliado inglês. A transferência da Corte portuguesa para a América fora arquitetada e estimulada</p><p>pela Inglaterra que obteve, em troca, a assinatura de um tratado em 1810, estipulando taxas alfandegárias</p><p>para os seus produtos inferiores àquelas pagas pelas mercadorias provenientes de outros países, inclusive de</p><p>Portugal. Rompia-se dessa forma o monopólio metropolitano, cerne do pacto colonial.</p><p>31</p><p>cuja formulação é atribuída a José Bonifácio de Andrada e Silva: manter o Brasil</p><p>unido a Portugal, garantindo-se os privilégios conquistados a partir de 1808,</p><p>mediante o estabelecimento de uma monarquia dual, cuja sede deveria</p><p>revezar-se entre o Rio de Janeiro e Lisboa29. No entanto, a face liberal da</p><p>revolução portuguesa, concretizada no intuito de substituir o absolutismo vigente</p><p>por uma monarquia constitucional, tinha sua contrapartida no desejo de</p><p>reconduzir as terras de além mar ao estatuto anterior a 180830. Como poderá ser</p><p>observado adiante, a Constituição de 1824 vem consolidar os ideais de uma</p><p>monarquia esclarecida que se esforçava para se inserir em um contexto</p><p>econômico internacional liberal, mas que pecava em manter latente elementos</p><p>do ancien regime31.</p><p>Apenas a título de ilustração, haja vista a que este trabalho deve</p><p>enfatizar os aspectos econômicos, vale dizer que a consolidação de um Estado</p><p>Nação, ao molde do que se transcreve o texto constitucional, resultou de uma</p><p>confluência de forças políticas e econômicas.</p><p>No que tange aos aspectos de uma economia nascente que já buscava</p><p>uma multipolaridade de parcerias, a colonização lusitana, em princípio,</p><p>estabeleceu uma parceria bipolar, na qual o mercado de trabalho encontrava-se</p><p>fora das fronteiras do território de produção escravista na América, impedindo o</p><p>desenvolvimento de vínculos significativos entre as diversas zonas de produção</p><p>e, paradoxalmente, facilitando o fortalecimento do poder imperial, único capaz</p><p>de resistir às exigências britânicas. Conforme nota Luís Felipe de Alencastro:</p><p>(...) é a burocracia imperial - e só ela - que dispõe dos meios diplomáticos</p><p>e políticos aptos a enfrentar as pressões britânicas, a fim de manter, até</p><p>28LEITE, Maria Odila da Silva. "A Interiorização da Metrópole". Carlos Guilherme Mota (org.). 1822:</p><p>Dimensões. 2a. ed., São Paulo: Perspectiva, 1986, p.133.</p><p>29 Ibid., p.134.</p><p>30 Ibid., p. 134.</p><p>31 Como será analisado e demonstrado mais à frente, a garantia constitucional da continuidade do trabalho</p><p>escravo foi considerado um retrocesso da Constituição de 1824.</p><p>32</p><p>1850, o tráfico negreiro entre os portos africanos e o brasileiro. Um</p><p>equilíbrio perverso ergue o trono imperial entre o governo inglês, que</p><p>queria acabar logo com o tráfico, e o país real, que queria prolongá-lo o</p><p>mais possível. Graças a esta função específica e intransferível o poder</p><p>central afirma sua preeminência sobre as regiões e os proprietários</p><p>rurais32.</p><p>Há de se ressaltar, por fim, que havia, também, razões de ordem</p><p>financeira. Evaldo Cabral de Melo assinala como, na década de 1820, o</p><p>Centro-Sul ainda não contava com uma atividade econômica altamente rentável.</p><p>Só na década seguinte o café se alastraria por todo o Vale do Paraíba,</p><p>tornando-se o principal produto da pauta de exportação brasileira33. Desta forma,</p><p>tornava-se imprescindível ter como fonte de receita a tributação da economia do</p><p>Nordeste, único meio de viabilizar financeiramente o Estado que se procurava</p><p>construir. Estabeleceu-se uma organização fiscal pela qual a maior parte da</p><p>arrecadação era apropriada pelo governo central. Durante todo o século XIX</p><p>houve manifestações de descontentamento nas províncias do Norte contra essa</p><p>apropriação fiscal. Em Pernambuco, por exemplo, o desejo de manter na</p><p>província o fruto da arrecadação tributária esteve na origem de revoltas como a</p><p>Confederação do Equador e a Praieira34.</p><p>Foi o interesse em manter a ordem escravista que estimulou a busca de</p><p>uma solução negociada entre grupos regionais e elite do Centro-Sul, permitindo</p><p>a articulação dos diversos setores dominantes em torno de um único Estado.</p><p>Mas essa não foi uma negociação pacífica. A imposição do projeto da elite do</p><p>Centro-Sul foi marcada pela resistência armada dos grupos regionais em várias</p><p>32 ALENCASTRO, Felipe. “O Fardo dos Bacharéis”, in Revista Novos Estudos CEBRAP. São Paulo,</p><p>dez./1987, p. 69.</p><p>Sobre esses movimentos veja-se: Luís Felipe de Alencastro - "Memórias da Balaiada". Revista Novos</p><p>Estudos. São Paulo, 217-13, março/1989; Spencer Leitmann - Raízes Sócio-Econômicas da Guerra dos</p><p>Farrapos . Trad. port., Rio de Janeiro: Graal, 1979; e Izabel Marson - 0 Império do Progresso. São Paulo:</p><p>Brasiliense, 1987.</p><p>33 MELLO, Evaldo Cabral. O Norte Agrário e o Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.</p><p>34 Ibid.</p><p>33</p><p>revoltas reprimidas com maior ou menor violência,</p><p>a começar pelos movimentos</p><p>republicanos do Nordeste. Os grupos regionais dominantes, herdeiros da</p><p>autonomia conferida a eles pela organização colonial, relutaram em aceitar a</p><p>imposição dos novos padrões de comportamento político e a submissão aos</p><p>ditames de um Estado nacional.</p><p>Um dos momentos fundamentais do jogo político, assim estabelecido, foi</p><p>a instauração do poder provincial, com o Ato Adicional de 1834, por meio do</p><p>qual se conferia certo grau de autonomia aos grupos regionais e ao mesmo</p><p>tempo vinculava-se sua ação política ao aparelho de Estado. Com essa</p><p>iniciativa, delegava-se à província parte do poder tributário, coercitivo e</p><p>legislativo, a ser exercido pelo grupo dominante na região. Configurava-se,</p><p>assim, uma nova esfera de poder distinto do governo central e do municipal.</p><p>Substituía-se o sistema anterior, em que a administração provincial era</p><p>totalmente dependente do governo central por outro em que os grupos regionais</p><p>encontravam, no interior do Estado, espaço próprio para a defesa de seus</p><p>interesses. Ademais, esta distribuição de autonomia está prevista no texto</p><p>constitucional de 1824.</p><p>Nesta época, durante a primeira metade do século XIX, várias revoltas</p><p>eclodiram. Lideradas por proprietários e comerciantes ansiosos por</p><p>desvincularem-se do jogo do governo central ou apenas desejosos de, por meio</p><p>de armas, fazerem-se ouvir pela elite dirigente. Além disso, a criação de uma</p><p>nova instância de poder regional no Rio de Janeiro, com capacidade tributária,</p><p>legislativa e coercitiva teve conseqüências decisivas no comportamento dos</p><p>grupos de poder regionais: a partir de então, dividiram-se em setores que</p><p>disputavam entre si o controle da máquina administrativa provincial, originando</p><p>um confronto que resultou muitas vezes em luta armada. Esse foi o caráter dos</p><p>34</p><p>movimentos como a Farroupilha (1835-1845), no Rio Grande do Sul, a Balaiada</p><p>(1838-1841), no Maranhão, e a Praieira (1848), em Pernambuco35.</p><p>Com tantas revoltas, tomava-se patente a necessidade de cercear a</p><p>capacidade de mobilização dos diversos setores. Era preciso ampliar o grau de</p><p>centralização do regime, em especial aumentar o poder de polícia do governo</p><p>central nos mais distantes rincões, de forma a manter a população sob controle.</p><p>A autonomia regional só poderia existir, sem colocar em risco a integridade</p><p>territorial, se houvesse a neutralização dos potentados locais. Nesse sentido,</p><p>tornava-se imperativo garantir ao Estado nacional o monopólio da administração</p><p>da justiça para a proteção dos interesses nacionais. Tal missão paternalista</p><p>exigia, todavia, a criação de um aparato legal capaz de disciplinar a atividade</p><p>judicial. Parte importante do esquema de dominação pessoal, a justiça privada</p><p>deveria ser substituída pela pública, a moral baseada nos costumes deveria</p><p>ceder lugar a um código de regras promulgado pelo Estado. A reforma do</p><p>Código de Processo Criminal, em 1841, foi parte do esforço de impor nova forma</p><p>de dominação. Os legisladores de 1841 preocuparam-se em reformar o sistema</p><p>judiciário de modo a vinculá-lo diretamente ao governo central e, também, a</p><p>garantir que a aplicação das leis estivesse a cargo de homens treinados para</p><p>tanto e que não se deixariam influenciar pelos costumes. A reforma do Código</p><p>esvaziou de poder o cargo de juiz de paz, eleito na localidade e, portanto,</p><p>escolhido pelos fazendeiros que manipulavam as eleições, deslocando suas</p><p>atribuições para os cargos de delegados e subdelegados, diretamente</p><p>vinculados ao presidente da província. Avançava-se, desse modo, na criação de</p><p>uma rede estatal visando a substituir a justiça privada pela pública. No entanto,</p><p>isso não significa dizer que a ordem pública e a privada eram necessariamente</p><p>antagônicas. Tornava-se necessário ao governo central estabelecer uma</p><p>espécie de consórcio com os fazendeiros de forma a ter ao seu favor, no jogo</p><p>político, sua imensa clientela. Buscava-se, com efeito, adotar um modelo de</p><p>35 "' Sobre essas revoltas veja-se: DI PAOLO, Pasquali. Cabanagem. 2. ed., Belém: CEJUP, 1986; REIS,</p><p>João José. Rebelião Escrava no Brasil. 2a. ed., São Paulo: Brasiliense, 1987; SOUZA, Paulo César. A</p><p>Sabinada. São Paulo: Brasiliense, 1987.</p><p>35</p><p>Estado moderno europeu, obviamente que estas características deveriam ser</p><p>adaptadas à realidade brasileira que era uma sociedade agrária e escravista36.</p><p>Em suma, o grupo articulado em torno do governo do Rio de Janeiro</p><p>presidiu a construção do Estado nacional visando à continuidade da ordem</p><p>escravista. Este grupo, articulou os grupos de dominação regional, reprimiu as</p><p>revoltas escravas e de homens livres pobres, impôs uma legislação que permitiu</p><p>a acomodação da ordem privada herdada do período colonial no seio de um</p><p>Estado pretensamente moderno, promovendo seu ajuste com os novos</p><p>mecanismos de dominação. Em meados do século XIX o Estado nacional</p><p>consolidava-se revestido pelo regime monárquico que prevaleceria até 1889.</p><p>Assim, configurava-se o cenário interno, reflexo em grande medida das</p><p>transformações internacionais, que antecedeu à Independência, em 1822, e,</p><p>portanto, palco para as transformações que podem ser observadas na</p><p>Constituição brasileira de 1824.</p><p>A Economia Imperial frente à Ordem Econômica Intern acional</p><p>A partir do século XIX, o Brasil passa a se integrar à economia mundial</p><p>como país soberano, desempenhando o papel que lhe ficara reservado desde o</p><p>período colonial, pautando-se pela Revolução Industrial, como um país</p><p>exportador de matérias-primas e gêneros agrícolas e consumidor de produtos</p><p>industrializados37. Mantinha-se, assim, no Brasil independente, a estrutura</p><p>econômica básica herdada do período anterior: agricultura voltada para a</p><p>36 Há de se ressaltar o modelo sobre Estado moderno desenvolvido por Max Weber em Economia y</p><p>Sociedade. México: Fondo de Cultura Económica, 1974. Max Weber sempre é citado por outros autores na</p><p>área de Ciência Política. Muitos atribuem a ele a façanha de ter melhor desenvolvido um modelo de Estado</p><p>moderno. O próprio Bobbio, em Estado, Governo, Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, aponta</p><p>dois elementos relevantes para a descrição do Estado: “mediante dois elementos constitutivos: a presença</p><p>de um aparato administrativo com a função de prover a prestação de serviços públicos e o monopólio</p><p>legítimo da força”. Estes dois elementos significam, na verdade, a imposição de uma ordem legal, a criação</p><p>de uma burocracia, o monopólio da tributação e o exercício de uma jurisdição compulsória sobre um</p><p>território determinado.</p><p>36</p><p>exportação, organizada em latifúndios monocultores trabalhados pela mão-</p><p>de-obra escrava. Com tal estrutura, organizou-se a produção cafeeira no Vale do</p><p>Paraíba que, com a decadência da lavoura açucareira e a crescente demanda</p><p>por café no mercado europeu, se tornou a base da economia brasileira no</p><p>século XIX. A partir da década de 1840 o café já era o principal produto da pauta</p><p>de exportação do país e responsável pela maior parte dos rendimentos</p><p>nacionais. A história do Império confunde-se, assim, com a história do café.</p><p>Como diz Celso Furtado:</p><p>A etapa de gestação da economia cafeeira é também a de formação de</p><p>uma nova classe empresarial que desempenhará papel fundamental no</p><p>desenvolvimento subsequente do país. 38</p><p>A ocupação do Vale pelas fazendas cafeicultoras esteve intimamente</p><p>associada ao processo de construção do Estado nacional. A rede de</p><p>abastecimento, a integrar Sul e Centro-Sul, gerou o povoamento do Vale do</p><p>Paraíba e sua ocupação por famílias que formariam, mais tarde, o restrito grupo</p><p>dos barões do café39. Em troca dos serviços prestados para o abastecimento da</p><p>Corte, tropeiros, comerciantes, proprietários rurais e altos funcionários do</p><p>aparelho estatal foram recompensados, pelo governo, com terras nessa região.</p><p>Eles se tornaram os pioneiros da produção em grande escala do café para</p><p>exportação e, também, a base de sustentação</p><p>material e política da Corte40.</p><p>0 capital cafeeiro convivia, nesse período, com a intensa presença do</p><p>capital inglês, a financiar atividades fundamentais no processo de transformação</p><p>por que passava a economia do Império. A expansão da cafeicultura no Oeste</p><p>37 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1967, 7ª edição, pp. 45 -</p><p>178.</p><p>38 FURTADO, op. cit., p. 123.</p><p>39 Ib. Id., pp. 124- 125.</p><p>40 Ib. Id., pp. 123 - 124.</p><p>37</p><p>paulista ocorrera à égide de uma nova fase do capitalismo internacional. Ao lado</p><p>da troca de mercadorias, a exportação de capitais tornou-se importante fonte de</p><p>investimentos para os países industrializados, mormente a Inglaterra.</p><p>O Brasil começou a receber, a partir da primeira metade do século XIX,</p><p>empréstimos externos. 0 primeiro deles foi realizado logo após a Independência,</p><p>com o objetivo de sanar os déficits do tesouro nacional. A partir de então, os</p><p>empréstimos concedidos pela Inglaterra acumularam-se e, na segunda metade</p><p>do século XIX, serviram, direta ou indiretamente, para o financiamento da</p><p>imigração massiva de trabalhadores europeus para a construção de estradas de</p><p>ferro e para a implantação de serviços públicos que atendessem as novas</p><p>necessidades colocadas pela urbanização. Iluminação a gás, sistema de água e</p><p>esgotos, transportes públicos urbanos, quando não foram financiados por</p><p>empréstimos foram instalados por companhias britânicas que operavam esses</p><p>serviços com grandes margens de lucro. Esta etapa marca o vínculo brasileiro</p><p>com o capital internacional.</p><p>Mais tarde, o fim do tráfico negreiro foi responsável por outro conjunto</p><p>de fatores que propiciaram profundas mudanças na ordem escravista. A</p><p>impossibilidade de crescimento vegetativo da mão-de-obra escrava impunha aos</p><p>cafeicultores a necessidade de encontrar uma fonte alternativa de braços para</p><p>suas fazendas.</p><p>0 fim do tráfico significava, a médio prazo, o fim da escravidão. Tomando</p><p>a iniciativa, o governo brasileiro implementou a partir de 1871, o projeto da</p><p>abolição que parecia menos agressivo para os cafeicultores, que não haviam</p><p>encontrado ainda nova fonte de mão-de-obra para substituir os escravos em</p><p>suas fazendas. Através da Lei do ventre livre, promulgada naquele ano,</p><p>iniciou-se a emancipação gradual, mediante a indenização dos proprietários41.</p><p>41 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Brasiliense, 2 ed., 1989.</p><p>38</p><p>A necessidade de acabar com a escravidão e integrar o negro, como</p><p>condição para viabilizar o Estado nacional, já era clara para José Bonifácio, em</p><p>1823 quando apresentou à Assembléia Constituinte um projeto de emancipação</p><p>dos escravos42. Para ele, este era o único caminho para o Brasil constituir-se em</p><p>nação:</p><p>É da maior necessidade ir acabando tanta heterogeneidade física e civil;</p><p>cuidemos desde já em combinar sabiamente tantos elementos discordes e</p><p>contrários, e em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo</p><p>homogêneo e compacto, que se não esfarele ao pequeno toque de</p><p>qualquer nova convulsão política43.</p><p>Se em 1823 Bonifácio era uma voz isolada, na década de 1880 seus</p><p>argumentos seriam retomados pelos principais líderes abolicionistas. A outra</p><p>face do debate sobre o problema da mão-de-obra, que dominou a segunda</p><p>metade do século XIX, foi à busca de um substituto para o escravo; pois:</p><p>Pela metade do século XIX, a força de trabalho da economia brasileira</p><p>estava basicamente constituída por uma massa de escravos que talvez</p><p>não alcançasse dois milhões de indivíduos. Qualquer empreendimento</p><p>que se pretendesse realizar teria de chocar-se com a inelasticidade da</p><p>oferta de trabalho. 44</p><p>Na década de 1840 o senador Vergueiro iniciara as primeiras</p><p>experiências com imigrantes europeus em suas fazendas de café. A</p><p>42 ANDRADE E SILVA, José Bonifácio. “Representação sobre a Escravatura”, in Escritos Políticos, São</p><p>Paulo: Obelisco, 1964, p. 49.</p><p>43 Ibid., p. 49.</p><p>44 FURTADO, op. cit., p. 125.</p><p>39</p><p>implementação de uma política imigratória que satisfizesse os anseios da elite</p><p>dirigente em transformar a população à sua imagem e semelhança implicava</p><p>reestruturar o sistema fundiário nacional, facilitando aos imigrantes o acesso à</p><p>pequena propriedade. O projeto dos cafeicultores, ao contrário, pressupunha</p><p>vedar ao imigrante a possibilidade de tornar-se proprietário, oferecendo-lhe,</p><p>como única alternativa, o trabalho nas fazendas. Os fundos públicos, nesse</p><p>caso, deveriam ser direcionados à subvenção da vinda de imigrantes para as</p><p>fazendas de café. Foi essa política a que prevaleceu. Em 1850, os mesmos</p><p>legisladores que aprovaram o fim do tráfico aprovaram também a Lei de Terras,</p><p>que eliminava todas as formas de apropriação da terra que não fosse a compra</p><p>e venda. Dessa maneira, impedia-se que o imigrante pobre (e só esses</p><p>aventuravam-se à travessia do Oceano para "fazer a América") se tornasse</p><p>proprietário45.</p><p>Com efeito, o problema da mão-de-obra foi, no início do século XIX,</p><p>considerado um entrave ao crescimento econômico brasileiro. Enquanto a</p><p>Inglaterra pressionava a elite dirigente para estabelecer um mercado de</p><p>consumidores, pela abolição da escravidão, a Constituição de 1824 vem,</p><p>exatamente, de encontro às expectativas de uma economia de mercado, sobre a</p><p>qual as potências européias pautavam sua política externa, com vistas a</p><p>estabelecer no novos mercados consumidores no mundo novo.</p><p>A Constituição de 1824</p><p>Como já fora resumidamente abordado, houve um pacto entre as elites</p><p>dirigentes e dominantes para a organização do novo Estado. D. Pedro I e</p><p>burocracia reinol, embora aliados na Independência, não compartilhavam com</p><p>os grandes proprietários de um mesmo projeto. Aos primeiros interessava fundar</p><p>na América um novo império absolutista, enquanto para a elite local importava a</p><p>45 HALL, Michael e Verena Stockle. “ A Introdução do Trabalho Livre nas Fazendas de Café de São</p><p>Paulo”, in Revista Brasileira de História. São Paulo, set. de 1983, pp. 80 e seg.</p><p>40</p><p>organização de um novo Estado sob sua hegemonia, o que significava a</p><p>instituição de uma monarquia constitucional. 0 confronto era inevitável e teve</p><p>como palco, inicialmente, a Assembléia Constituinte, reunida em maio de 1823 e</p><p>dissolvida em novembro daquele ano por ordem de D. Pedro I, antes de</p><p>encerrados os trabalhos.</p><p>A Constituição seria outorgada pelo imperador em 1824 e tinha como</p><p>principal característica o alto grau de centralização do regime, graças à</p><p>instituição do Poder Moderador. Preconizado pelo pensador suíço Benjamin</p><p>Constant, tal instância serviria, em tese, como mecanismo de equilíbrio dos</p><p>demais poderes, mas sua aplicação no Brasil serviu como instrumento para a</p><p>vontade imperial sobrepor-se às instituições pretensamente representativas46.</p><p>Além de conferir ao imperador o direito de nomear e demitir livremente seus</p><p>ministros, sem compromisso com a maioria parlamentar, o Poder Moderador</p><p>permitia ao chefe do executivo dissolver a Câmara dos Deputados, expediente</p><p>utilizado justamente nos momentos em que a troca de ministério não</p><p>correspondia à maioria legislativa.</p><p>O alto grau de centralização concretizava-se também na determinação</p><p>de que as províncias seriam administradas por Conselhos totalmente vinculados</p><p>ao governo central. Não estavam dotados de competência tributária que os</p><p>habilitasse a implementar autonomamente suas decisões, que, além disso,</p><p>deveriam ser sancionadas pela Assembléia Geral e pelo Executivo. A</p><p>Constituição, entretanto, consagrava o item de interesse comum que havia</p><p>consolidado a aliança em torno da Independência: a exclusão dos demais</p><p>setores sociais. Através do artifício de distinguir os cidadãos entre ativos e não-</p><p>ativos, manteve-se</p><p>o monopólio do jogo político para os grupos dominantes.</p><p>Apenas eram cidadãos ativos aqueles que possuíam um determinado nível de</p><p>renda e mesmo esses eram divididos segundo sua riqueza, conforme o grau de</p><p>participação nas eleições. A exemplo, vale citar o inciso I, art. 95 da Constituição</p><p>de 1824:</p><p>46 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. Brasília: UNB, 1981, pp. 51 e seg.</p><p>41</p><p>Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, são hábeis para serem</p><p>nomeados Deputados. Exceptuam-se:</p><p>I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida, na fórma dos</p><p>Art. 92 e 94.47</p><p>Durante todo o primeiro reinado, elite local e burocracia reinol</p><p>antagonizaram-se na disputa pelo poder. Outorgada a Constituição, eclodiu, em</p><p>Pernambuco, a Confederação do Equador, revolta dirigida pelos grupos</p><p>dominantes de várias províncias do Norte contra o regime centralizado.</p><p>Reprimida a rebelião, o confronto teve prosseguimento na Câmara dos</p><p>Deputados, reunida a partir de 1826.</p><p>Em 1831, a elite local assumia definitivamente o controle do aparelho de</p><p>Estado. Chegava ao fim o processo de independência do país. A emancipação</p><p>política brasileira não foi, assim, o resultado da luta do conjunto da nação em</p><p>torno de um projeto comum. Em primeiro lugar, tratou-se de movimento restrito</p><p>aos setores dominantes em defesa de seus interesses concretos. Além disso, a</p><p>própria nação ainda não existia. As possessões portuguesas na América não</p><p>possuíam entre si vínculos que permitissem o despertar de uma identidade</p><p>nacional. A independência trouxe consigo apenas um elemento novo: a</p><p>instalação de um governo no Rio de Janeiro com pretensões de unificar sob sua</p><p>direção todo território americano de colonização portuguesa.</p><p>Neste cenário, a Constituição de 1824 estabeleceu uma fachada</p><p>parlamentarista, que foi mantida durante todo o regime monárquico. Uma vez</p><p>consolidado o Estado nacional, o regime atravessou um período de estabilidade</p><p>até a década de 1870, quando suas contradições emergiram em uma crise que</p><p>teria seu fim com a Proclamação da República em 1889. As reformas de 1840</p><p>47 CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. São Paulo: Ed. Atlas, 12ª ed., 1998, p. 822.</p><p>42</p><p>(em que se reviu o Ato Adicional, de modo a delimitar os poderes das</p><p>assembléias provinciais) e de 1841 foram acompanhadas da decretação da</p><p>maioridade de D. Pedro II e, conseqüentemente, da volta do Poder Moderador.</p><p>A partir de 1837 dois partidos nacionais organizavam-se, o Liberal e o</p><p>Conservador, revezando-se no poder ao sabor do desejo imperial.</p><p>No que se refere especificamente aos elementos concernentes à ordem</p><p>econômica, presente no texto na constitucional de 1824 pode-se observar que</p><p>não foi oferecido, pelo Constituinte, ou seja, pelo Imperador, haja vista que fora</p><p>outorgado, um título para a ordem econômica do novo Estado, que visasse a</p><p>especificar as diretrizes de uma nova ordem econômica para o Brasil. Existem,</p><p>todavia, permeando o texto constitucional, disposições que visam a atender às</p><p>demandas de uma economia internacional que se encaminhava para o livre</p><p>comércio e o livre mercado48. Ao se buscar estas disposições, observa-se que o</p><p>texto constitucional já nasce ultrapassado haja vista que consagra o trabalho</p><p>escravo e com isso cerceia as perspectivas do surgimento de uma economia de</p><p>mercado.</p><p>O título 2º da Constituição de 1824 dispõe sobre os cidadãos brasileiros.</p><p>Regulamenta, portanto, a situação do mestiço, do estrangeiro, fornecendo</p><p>garantias e sanções, quando em seu art. 7º diz “Perde os direitos de cidadão</p><p>brasileiro.”. Diz o art. 6º do Título 2º que:</p><p>Art. 6º. São cidadãos brasileiros</p><p>Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda</p><p>que o pai seja estrangeiro uma vez que este não resida por serviço de sua</p><p>Nação. 49</p><p>48 Estes são os dois princípios do GATT que regem o liberalismo econômico.</p><p>49 CAMPANHOLE, op. cit., p. 813.</p><p>43</p><p>O art. 6º define quem é cidadão, para que, no Título 8º, em seu art. 173,</p><p>venha elencar Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e</p><p>Políticos dos Cidadãos Brasileiros. Vale mencionar que o Título 8º se assemelha</p><p>ao art. 5º da Constituição de 1988. Lá estão dispostos os direitos e garantias</p><p>individuais do cidadão brasileiro. Fato relevante para a perspectiva deste</p><p>trabalho é a definição de cidadão. Os escravos não eram cidadãos brasileiros. O</p><p>trabalho escravo, garantido pelo texto constitucional, ainda, no início do século</p><p>XIX, representava, portanto, um retrocesso para a inserção econômica brasileira</p><p>no cenário internacional.</p><p>Apesar da Revolução Industrial e das pressões políticas da parceira</p><p>comercial inglesa, o trabalho escravo permanece, ou seria melhor dizer,</p><p>transcende às revoluções internas e às pressões internacionais, vindo a ser</p><p>consolidado na Constituição de 1824. Com efeito, pode-se falar mesmo em um</p><p>atraso ou contradição vis à vis os movimentos liberais e econômicos emanados</p><p>da Europa. Se por um lado o trabalho escravo atendia às necessidades de uma</p><p>elite econômica latifundiária brasileira, por outro, contrariava os movimentos</p><p>liberais. Estes movimentos representavam, no campo social, a crescente</p><p>demanda por valores democráticos e, no campo econômico, a crescente</p><p>liberalização do comércio internacional, seja pela diversificação de parceiros</p><p>comerciais, seja pela maior abertura aduaneira. Tem-se como marco a</p><p>Revolução Francesa, em 1789, que exportou para o mundo os seus ideais de</p><p>liberdade e igualdade50. Ademais, acerca dos impactos de uma nova ordem</p><p>econômica internacional no século XIX, as colônias americanas alcançaram sua</p><p>independência, exatamente, neste século. Com efeito, as relações internacionais</p><p>econômicas mudavam drasticamente. Era o fim do período colonial para as</p><p>colônias americanas.</p><p>Nesse marco, o trabalho escravo era uma barreira para a consolidação</p><p>de um mercado de consumidores para uma sociedade liberal-democrática.</p><p>50 É prova desta influência o movimento brasileiro para independência brasileira, denominado</p><p>Inconfidência Mineira.</p><p>44</p><p>Mostra-se o texto constitucional atrasado e defasado quanto aos princípios</p><p>econômicos internacionais. Primeiro, porque o texto constitucional de 1824 não</p><p>elabora diretrizes para a economia brasileira; segundo, porque permite a</p><p>prorrogação do status quo das relações de trabalho brasileiras. O trabalho</p><p>escravo representava, sobretudo, a subtração de uma parte significativa do</p><p>mercado consumidor interno, este de interesse inglês, haja vista a</p><p>complementação da balança comercial entre estes dois Estados.</p><p>Como fora dito, há uma omissão no que toca a vontade do Imperador de</p><p>fornecer um capítulo ou título especialmente para a ordem econômica na</p><p>Constituição de 1824. Explica Washington Albino de Souza, a este respeito, que:</p><p>A ausência da “Constituição Econômica” nas Cartas liberais de 1824 e de</p><p>1891 justifica-se pelas mesmas razões de comportamento semelhante nas</p><p>Constituições dos demais países, até a Carta de Weimar, de 1919. 51</p><p>Como, também, já fora exposto neste capítulo, apesar da ausência de</p><p>um título, capítulo ou mesmo um artigo que mencionasse diretamente alguma</p><p>diretriz econômica, existem subsídios nas entrelinhas do texto constitucional</p><p>que, por indução, remetem a alguns princípios econômicos. As contradições</p><p>com relação aos valores liberais, no que toca às relações de trabalho, são</p><p>entendidas como um atraso frente aos movimentos liberais emanados da</p><p>Europa. Há, por fim, que se distinguir este liberalismo.</p><p>51 SOUZA, Washington Peluso Albino de. “A Experiência Brasileira de Constituição Econômica”, Paulo</p><p>Lobo (org.). Antologia Luso-Brasileira de Direito Constitucional. Brasília: Livraria e Editora de</p><p>Brasília Jurídica Ltda, 1992,</p><p>p. 378.</p><p>O mencionado autor também tem os seguintes títulos públicados sobre direito econômico constitucional:</p><p>“A Experiência Brasileira de Constituição Econômica”, in Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo</p><p>Horizonte, nº 67/68, 1989, pp 93-132; “Conflitos Ideológicos na Cosntituição Econômica”, in Revista</p><p>Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, nº 74/75, 1992, pp. 17-39; “Da Ordem Econômica e</p><p>Financeira”, in Revista da Faculdade de Direito de MG. Vol. 33, 1991.</p><p>45</p><p>São duas as formas de liberalismo. Uma individual remetida à condição</p><p>de cidadania do brasileiro. Outra é a do liberalismo nas relações de comércio.</p><p>Quanto à primeira forma, inclusive como já fora dito, a Constituição de 1824</p><p>consolidou alguns princípios de liberdade individual que, inclusive, estão</p><p>presentes até hoje em nossa Constituição.</p><p>Assim, o artigo 179 da Constituição de 1824 assegurava aos cidadãos</p><p>brasileiros a liberdade, a segurança individual e a propriedade. No seu inciso</p><p>XXII complementava-o dizendo que é garantido o Direito de Propriedade em</p><p>toda a sua plenitude. Também, no seu inciso XXIV, pode-se verificar uma</p><p>garantia típica de economia de mercado que é o livre mercado, ou seja, a livre</p><p>iniciativa privada:</p><p>Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria, ou comércio pode ser</p><p>proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança, e</p><p>saúde dos Cidadãos. 52</p><p>Em suma, apesar do trabalho escravo, o liberalismo e o individualismo</p><p>ficaram consagrados em fórmulas como a liberdade individual, de propriedade,</p><p>iniciativa privada e de comércio, todas representando princípios emanados da</p><p>Revolução Francesa e, posteriormente, da Revolução Industrial que foram</p><p>sendo, paulatinamente, incorporados pelo ancien regime e pela elite econômica</p><p>e reinol em emergência no Brasil do século XIX.</p><p>A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1891</p><p>Pode-se iniciar a narrativa histórico-política deste período ressaltando,</p><p>que foi a partir do início do século XIX, com a conquista da soberania política e a</p><p>construção do Estado nacional, que foram estabelecidas as primeiras diretrizes</p><p>52 CAMPANHOLE, op. cit., p. 833.</p><p>46</p><p>de política externa brasileira. Em princípio, a política externa brasileira esteve</p><p>condicionada a quatro variáveis:</p><p>(...) o jogo de forças que compunham o sistema internacional no início do</p><p>século XIX e os objetivos dos Estados dominantes, a inserção do</p><p>continente americano nesse sistema, a herança colonial brasileira tanto</p><p>sócioeconômica quanto jurídico-política e, finalmente, o precoce</p><p>enquadramento luso-brasileiro no sistema internacional vigente, através</p><p>da aliança inglesa53.</p><p>Até 1828 esses elementos convergiram para um único ponto: o desejo</p><p>do governo imperial de obter reconhecimento internacional da Independência do</p><p>país. Essa diretriz influiu, sobremaneira, nas relações exteriores, imobilizando as</p><p>decisões até a década de 1840. A importância da política do reconhecimento</p><p>está na função que desempenhou, de ponte entre as pressões externas e as</p><p>decisões internas: estas se moldaram àquelas, pela via da negociação e do</p><p>consentimento final. Há críticas por parte dos historiadores brasileiros que dizem</p><p>que, em vez de tirar proveito do quadro internacional e das forças internas, o</p><p>governo brasileiro estendeu gratuitamente às nações estrangeiras um</p><p>extraordinário poder de barganha por ele criado e por elas utilizado para</p><p>realização de seus desígnios. O que se observa nesta fase histórica é que, em</p><p>troca do reconhecimento internacional, o governo brasileiro assinou tratados e</p><p>fez concessões que agravaram ainda mais a pesada herança colonial. Se a</p><p>organização econômica impunha uma inserção subordinada à economia</p><p>mundial, de país fornecedor de matérias primas e gêneros alimentícios, as</p><p>concessões determinadas pela diplomacia aprofundaram os mecanismos desta</p><p>dependência. Pode-se dizer mesmo que foi, a esta época, que surgiu ou se</p><p>53 Sobre o posicionamento externo do governo brasileiro frente às potências européias, foi estudada a obra</p><p>de: CERVO, Amado Luiz e Clodoaldo Bueno. História da Política Exterior do Brasil. São Paulo: Ática,</p><p>1992.</p><p>47</p><p>consolidou a relação comercial do Brasil com os países de Primeiro Mundo</p><p>baseada nas trocas de matérias primas por industrializados.</p><p>Em 1844 expirava o tratado de comércio assinado com a Inglaterra, que</p><p>estabelecia taxas alfandegárias privilegiadas para os produtos britânicos que</p><p>entravam no país. A partir de então passou a vigorar nova tarifa, elevando a</p><p>30% os direitos da maioria dos artigos, sendo que, para aqueles com</p><p>equivalentes produzidos no Brasil, as taxas ficavam entre 40% e 60%54. A tarifa</p><p>Alves Branco, como ficou conhecida a nova política alfandegária55, foi um</p><p>importante passo para o estabelecimento política aduaneira que não tivesse por</p><p>meta apenas a obtenção de maiores recursos financeiros, mas, que procurasse,</p><p>sobretudo, incentivar quer o trabalho, quer a indústria nacional.</p><p>A extinção do tráfico negreiro, em 1850, por sua vez, marcou o fim de</p><p>um período turbulento nas relações externas brasileiras. Desde antes da</p><p>Independência, a Inglaterra, interessada em ampliar os mercados consumidores</p><p>para seus produtos industrializados, pressionava para que fosse extinto o tráfico</p><p>de africanos para o Brasil. Realizada a emancipação política, seu</p><p>reconhecimento pelo governo britânico foi condicionado à assinatura de um</p><p>acordo em que o governo brasileiro comprometia-se em acabar com o tráfico, o</p><p>que foi feito por lei promulgada em 1831. A lei, no entanto, permaneceu letra</p><p>morta e o comércio de africanos continuou a prosperar nas costas brasileiras</p><p>sem sofrer qualquer tipo de empecilho. Enquanto isso, os ingleses valiam-se do</p><p>acordo assinado em 1826 para aprisionar os navios negreiros e julgar os</p><p>traficantes. A tensão alcançou seu clímax em 1845. 0 governo brasileiro</p><p>recusou-se a renovar o tratado de comércio assinado em 1827 e decretou o fim</p><p>da convenção sobre o tráfico que permitia os julgamentos de Serra Leoa e o</p><p>direito de visita, busca e apreensão de navios negreiros, pelos ingleses. A</p><p>resposta britânica foi à aprovação, em 1845, do Bill Aberdeen, lei que autorizava</p><p>o governo inglês a mandar julgar pelo alto tribunal do almirantado as</p><p>54 DEVEZA, Guilherme. “ Política Tributária do Período Imperial”. Sérgio Buarque de Holanda (org.).</p><p>História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 4ª ed., 1985, T II, 4º Vol., pp. 40 e seg.</p><p>48</p><p>embarcações brasileiras que apresentassem indícios de serem utilizadas no</p><p>tráfico negreiro, embarcações que poderiam ser capturadas pelos navios</p><p>britânicos em qualquer parte do mundo56.</p><p>A política externa brasileira no século XIX teve como um dos seus</p><p>principais eixos garantir o predomínio do país na região do Prata57. Inicia-se o</p><p>processo de integração econômica e política com o Cone Sul, politicamente</p><p>estruturado na Constituição de 1988 58.</p><p>Por fim, extinto o tráfico negreiro, com a conseqüente normalização das</p><p>relações com a Inglaterra, reprimidas as últimas revoltas internas, consolidado o</p><p>Estado nacional, o Estado brasileiro conheceu, nas primeiras décadas do século</p><p>XIX, um período de estabilidade política que permitiu ao novo Estado expandir</p><p>seus interesses para além de suas fronteiras. Adotava o Brasil uma postura</p><p>intervencionista59. Este é o cenário que antecede aos trabalhos da Constituinte.</p><p>A crise do regime monárquico ensejou um ambiente propício à</p><p>Proclamação da República. Não apenas as crises internas, mas as conjunturas</p><p>internacionais fomentaram o desmantelamento do sistema Imperial de governo.</p><p>55 Alves Branco era o então Ministro da Fazenda e foi</p><p>quem propôs os novos direitos aduaneiros.</p><p>56 Embora constituísse uma grave violação do direito internacional e um atentado à soberania brasileira, a</p><p>nova lei era a expressão da vontade da potência então hegemônica, e os protestos brasileiros não foram</p><p>capazes de impedir sua aplicação. Em 1850 os ingleses passaram a invadir portos brasileiros e neles</p><p>apreender e afundar navios nacionais. Naquele ano o tráfico era definitivamente extinto. Havia sem dúvida</p><p>interesses internos a exigir a medida, mas a pressão inglesa foi também elemento decisivo para sua</p><p>consumação.</p><p>57 (CERVO, op. cit., p. 36)</p><p>58 Após as independências, Rio de janeiro e Buenos Aires vão administrar o secular conflito regional entre</p><p>Portugal e Espanha, relativo ao domínio do estuário do rio da Prata. Para o Brasil tratava-se de garantir a</p><p>livre navegação pela bacia platina de modo a proteger seus interesses comerciais na região. Em 1821 d.</p><p>João VI anexava a Província Oriental do Rio da Prata (atual Uruguai) que, com o nome de Cisplatina,</p><p>permaneceu como província brasileira até 1828. Com a conquista da independência pelo Uruguai, o</p><p>governo brasileiro preferiu manter neutralidade na região. Opção que prevaleceu até a década de 1850,</p><p>quando o Brasil adotou uma política de intervenção em que procurou afirmar-se como potência regional.</p><p>(SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército. Rio de</p><p>Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 47.)</p><p>59 A nova postura intervencionista concretizou-se na guerra contra Rosas e Oribe, vencida pelo Brasil em</p><p>1852, e teve seu auge com a guerra empreendida contra o Paraguai (1864-1870), em que o BrasiI contou</p><p>com Argentina e Uruguai como aliados. A vitória da Tríplice Aliança significou o fim da opção de</p><p>desenvolvimento implementada no Paraguai – em que foi desprezada a aliança com o capitalismo industrial</p><p>inglês em favor dos investimentos no mercado interno e na industrialização nacional – e a consolidação do</p><p>Brasil como potência regional.</p><p>49</p><p>No cenário interno, vários foram os elementos que determinaram a crise</p><p>em que submergia o regime monárquico, a partir da década de 1870. Em</p><p>primeiro lugar, as contradições inerentes à própria monarquia brasileira tomaram</p><p>vulto uma vez vencida a guerra contra o Paraguai. Há de se ressaltar como</p><p>elementos determinantes da crise: as contradições entre o princípio moderno da</p><p>soberania popular e o da unção divina; entre um sistema nominalmente</p><p>representativo e a carência de verdadeira representação; entre um regime de</p><p>natureza aristocrática e a inexistência de aristocracias tradicionais; entre um</p><p>liberalismo formal e a falta de autêntica democracia; finalmente, entre uma Carta</p><p>outorgada, de cunho acentuadamente monárquico, e uma Constituição não</p><p>escrita que pendia para o parlamentarismo60. A corrupção, a ausência de</p><p>representatividade, o excessivo poder do imperador são exemplos de elementos</p><p>que sempre estiveram presentes na monarquia brasileira e que se tornavam</p><p>fatores de desgaste do regime, agravados pela prolongada guerra contra o</p><p>Paraguai61. Não se deve esquecer do problema da mão-de-obra, pois, a</p><p>iniciativa do governo em abolir a escravidão gradualmente, com a Lei do Ventre</p><p>Livre, divorciava o Estado de sua principal base de sustentação, que eram os</p><p>barões do café.</p><p>0 ideal republicano não foi produto do final do século XIX. Antes mesmo</p><p>da independência, os movimentos de cunho republicano foram eclodindo a partir</p><p>da insurreição de 1817 em Pernambuco, seguida das revoltas contra o governo</p><p>central, como na Farroupilha. Mas, foi apenas a partir da década de 1870 que o</p><p>movimento republicano encontrou condições propícias para propagar-se.</p><p>Devendo-se lembrar que todos os movimentos de cunho republicano e</p><p>democrático brasileiros buscaram sua sustentação ideológica nos movimentos</p><p>revolucionários europeus, sobretudo na Revolução Francesa.</p><p>60 HOLANDA, op. cit., p. 68.</p><p>61 As despesas com a manutenção do conflito pesavam sobre o Tesouro público e indiretamente, sobre a</p><p>população que enfrentava constante aumento do custo de vida.</p><p>50</p><p>A guerra do Paraguai conferiu uma importância ao Exército que pode ser</p><p>observada por sua influência no cenário político. O esprit de corps militar surgia</p><p>por uma espécie de fusão mística entre a corporação e a pátria.</p><p>Assim, em novembro de 1889, oficiais do Exército proclamavam a</p><p>República, num movimento que, segundo a historiografia, é definido como nada</p><p>mais do que uma quartelada, mas, uma quartelada vitoriosa visto que contava</p><p>com o decidido apoio da elite econômica mais representativa, os cafeicultores</p><p>paulistas. Instaura-se um regime conhecido por regime oligárquico.</p><p>Proclamada a República, apenas o Exército, entre os grupos que</p><p>lideraram o movimento, estava aparelhado para exercer o poder e o fez até que</p><p>as oligarquias cafeeiras reunissem condições para assumir diretamente o</p><p>governo federal. A disputa entre cafeicultores e Exército, aliados na</p><p>Proclamação da República, em torno da definição das novas regras do regime,</p><p>dominou os dois primeiros governos militares, chefiados por Deodoro da</p><p>Fonseca (1889-1891). 0 confronto estava centrado na oposição entre a</p><p>autonomia regional desejada pelas oligarquias estaduais e o projeto</p><p>centralizador dos militares.</p><p>As duas rebeliões, Revolução Federalista62 e Revolta da Armada63, que</p><p>eclodiram durante o governo de Floriano, foram sintomáticas das dificuldades</p><p>das elites dominantes em estabelecer as novas bases para a sua hegemonia no</p><p>cenário político interno. As profundas crises dos primeiros anos da República só</p><p>seriam superadas com o afastamento definitivo dos militares e a instauração de</p><p>62 A Revolta Federalista resultou das dissidências oligárquicas no Rio Grande do Sul. A disputa pela</p><p>hegemonia no estado entre o grupo de Júlio de Castilhos e o chefiado por Silveira Martins havia sido</p><p>resolvida pelo apoio dado ao primeiro por Floriano, restando aos federalistas a opção da luta armada. De</p><p>fevereiro de 1893 a agosto de 1895 os dois grupos enfrentaram-se, com a vitória dos castilhistas apoiados</p><p>pelo governo federal. Sem um sistema de regras definidas que sustentasse o regime oligárquico, as lutas</p><p>entre as facções que disputavam a hegemonia estadual eram resolvidas pela intervenção do governo federal</p><p>e facilmente podiam degenerar em confronto armado.</p><p>63 Já a RevoIta da Armada (1893) foi fruto das tensões entre Marinha e Exército, que tiveram início ainda</p><p>no governo de Deodoro. A oficialidade da Marinha havia sido uma das principais responsáveis pela queda</p><p>do primeiro presidente, antes do término de seu mandato. Não conquistou, entretanto, participação</p><p>significativa no governo de seu sucessor, acusado por essa mesma oficialidade de comportamento</p><p>51</p><p>um regime exclusivamente oligárquico, cujas regras seriam definidas no governo</p><p>de Campos Sales, no que ficou conhecido como política dos governadores. A</p><p>origem dessas crises estava basicamente no confronto entre setores dos grupos</p><p>dominantes estaduais que disputavam o apoio presidencial para tomar o</p><p>governo ou manter-se nele. Na ausência de regras definidas, além da</p><p>Constituição promulgada em 1891, que determinassem os modos de</p><p>dominação, o apoio presidencial tornava-se imprescindível. 0 problema estava</p><p>em que a primeira Constituição da história republicana brasileira, assim como</p><p>sua predecessora, não refletia, em muitos aspectos, a realidade social e</p><p>econômica do país e por isso permaneceu como um referencial apenas formal.</p><p>Em termos políticos, tem-se apontado como principal contradição o</p><p>sistema representativo que consagrava a dominação oligárquica. O sistema</p><p>representativo disposto na Constituição de 1891 era expresso pelo predomínio</p><p>da vontade popular por meio do voto; mas, o regime oligárquico pressupunha a</p><p>manipulação fraudulenta das eleições pelos coronéis. Uma vez que os diversos</p><p>grupos dominantes regionais eram igualmente capazes de manipular</p><p>as</p><p>eleições, nenhum deles estava aparelhado para manter uma posição</p><p>hegemônica.</p><p>A política dos governadores contornaria o problema ao garantir o</p><p>domínio permanente da máquina administrativa por um mesmo grupo, em</p><p>detrimento dos demais, evitando-se o confronto. Tratava-se de uma espécie de</p><p>acordo entre presidente da República e oligarquias estaduais, segundo o qual o</p><p>governo federal não apoiaria dissidências nos estados, consentindo na</p><p>hegemonia dos setores oligárquicos então nos governos estaduais que, em</p><p>troca, garantiriam eleições de deputados e senadores leais ao Executivo da</p><p>União, dispostos a aprovar todas as medidas por ele propostas. Além disso, a</p><p>política dos governadores pressupunha a supremacia do Executivo sobre os</p><p>ditatorial. Após tentativa fracassada de unir esforços com os rebeldes gaúchos, a revolta foi reprimida pelo</p><p>governo.</p><p>52</p><p>demais poderes, de forma a tornar quase absoluto o poder das oligarquias que o</p><p>dominavam.</p><p>Se o sistema representativo não correspondia à realidade da dominação</p><p>oligárquica, a nova Carta consagrava, por outro lado, um princípio que constituía</p><p>uma das principais reivindicações das oligarquias cafeicultoras, o federalismo. A</p><p>forma federativa garantia-lhes ampla autonomia, com direito a contrair</p><p>empréstimos externos, constituir forças militares próprias, elaborar sua</p><p>legislação eleitoral, organizar uma justiça estadual e estabelecer tributos sobre</p><p>determinados setores, inclusive exportação, decidindo sobre a aplicação da</p><p>renda arrecadada.</p><p>A Constituição de 1891 estabeleceu uma Federação composta por 20</p><p>Estados com alto grau de autonomia econômica e administrativa, responsável</p><p>cada um deles em prover suas próprias necessidades, cabendo à União</p><p>acudi-los apenas em caso de calamidades. Dessa forma, atendia-se a principal</p><p>reivindicação das oligarquias estaduais, de completa liberdade para gerir a</p><p>economia e a política de seus Estados.</p><p>O regime oligárquico, estabelecido a partir da Constituição de 1891, era</p><p>caracterizado pela associação entre poder público e poder privado, fato que</p><p>permitia aos grandes fazendeiros exercer intensa dominação sobre os</p><p>municípios rurais, enquanto as forças políticas hegemônicas no Estado tinham</p><p>nos proprietários de terra importantes aliados para garantir a eleição dos seus</p><p>candidatos.</p><p>0 regime oligárquico funcionou sem maiores abalos até o início da</p><p>década de 1920, quando, neste momento, se estabelece um regime em que a</p><p>sucessão presidencial era invariavelmente resultado da vontade das oligarquias</p><p>paulista e mineira (política do café com leite). Em 1910 Rui Barbosa disputou a</p><p>presidência contra o candidato oficial marechal Hermes da Fonseca. Hermes era</p><p>miIitar e Rui apresentou-se como a alternativa civil, na chamada campanha</p><p>civilista. Vitorioso, Hermes da Fonseca (1910-1914) implementou durante seu</p><p>53</p><p>governo o que ficou conhecido como política das salvações. Mas, os</p><p>fundamentos da dominação oligárquica não haviam sido alterados e não o</p><p>seriam até 1930, quando a rebelião liderada por Vargas poria fim à República</p><p>Velha.</p><p>0 regime republicano, na sua primeira fase, embora formalmente</p><p>representativo, restringia a participação política efetiva aos membros das</p><p>oligarquias estaduais. A verdade é que na zona rural predominava a vontade</p><p>dos coronéis que impunham seus candidatos através do clientelismo ou da</p><p>violência. Sem acesso às instituições republicanas, a população procurou outros</p><p>meios para manifestar-se. Revoltas e protestos populares eclodiram por todo o</p><p>período. No campo alastraram-se os movimentos messiânicos como o de</p><p>Canudos na Bahia64 (1895-1897) e o do Contestado em Santa Catarina65 (1912</p><p>-1916), enquanto nas cidades, além de revoltas como a da Vacina no Rio de</p><p>Janeiro (1904) e da Chibata66 (1910), os operários começavam a organizar-se,</p><p>64 Canudos e Contestado foram a radicalização da luta pela terra de camponeses oprimidos pela exploração</p><p>oligárquica e abandonados pelo Estado. Em Canudos, no interior baiano, uma comunidade organizou-se em</p><p>torno de Antônio Conselheiro, líder messiânico que percorria o sertão pregando contra a laicização</p><p>republicana e defendendo uma sociedade mais justa. Acusados de monarquistas, Conselheiro e seus</p><p>seguidores tiveram que defender-se de sucessivas expedições militares enviadas pelo governo federal para</p><p>destruir sua comunidade. A guerra contra Canudos teve profunda repercussão na opinião pública. Através</p><p>dos relatos da imprensa a população do Rio de janeiro e de São Paulo entrava em contato com uma</p><p>realidade que lhe era totalmente desconhecida. De outro lado, a guerra contra os sertanejos foi explorada</p><p>pelas diversas facções que disputavam a hegemonia política nesses primeiros anos de República.</p><p>Considerados fanáticos, monarquistas, ignorantes e selvagens, os seguidores de Conselheiro eram antes de</p><p>tudo homens marginalizados da sociedade republicana, abandonados à sua própria sorte, que procuravam</p><p>alternativas de sobrevivência.</p><p>65 Em Santa Catarina, anos depois, os sertanejos também agregaram-se em torno de um líder messiânico</p><p>para fundar uma comunidade organizada de acordo com as regras do que consideravam uma sociedade</p><p>justa. Desta feita o problema da terra apareceu de modo explícito na origem da revolta que abalou a região</p><p>conhecida como Contestado. Entre os seguidores do boa parte constituía-se de posseiros expulsos de suas</p><p>terras por companhias estrangeiras que vieram à região construir uma ferrovia e instalar modernas serrarias.</p><p>Além deles havia também "ex-trabalhadores da construção da estrada de ferro, que, trazidos das capitais de</p><p>vários Estados, recrutados que haviam sido entre grupos marginalizados, acabaram sendo abandonados à</p><p>própria sorte pela empresa, ao terminar a construção da ferrovia. Em todos esses casos, tratava-se de gente</p><p>que encontrava no ajuntamento uma alternativa de reconhecimento social, uma chance de obter proteção e</p><p>uma possibilidade de eventuais revides. Também na Guerra do Contestado o Exército teve grandes</p><p>dificuldades, como tivera em Canudos, para destruir a comunidade organizada pelos sertanejos. Os rebeldes</p><p>foram capazes de resistir durante quatro anos contra as investidas das tropas oficiais.</p><p>66 Em 1910 os marinheiros dos dois navios da esquadra brasileira, o São Paulo e o Minas Gerais,</p><p>amotinaram-se, prendendo e expulsando os oficiais que estavam a bordo e matando aqueles que tentaram</p><p>resistir. Os marinheiros exigiam o fim dos castigos físicos e ameaçavam bombardear a cidade. Eram</p><p>homens pobres, em geral negros e mulatos, na sua maioria forçados a se engajarem por órgãos repressivos</p><p>do Estado. Derrotados, foram anistiados pelo governo, mas pouco depois, sob pretexto de nova rebelião,</p><p>54</p><p>realizando greves e manifestações. Os setores populares rebelavam-se contra</p><p>um Estado de cuja condução não participavam e que lhes negava qualquer tipo</p><p>de assistência. Como manifestações da população pobre e mestiça que habitava</p><p>o Rio de janeiro, a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata não conseguiram</p><p>ultrapassar os limites de motins circunstanciais contra determinadas medidas</p><p>opressivas do Estado. Em contrapartida, outro tipo de movimento, mais</p><p>organizado, começava a delinear-se nas principais cidades do país.</p><p>Articulando-se em torno de sindicatos, o operariado nascente procurava meios</p><p>mais efetivos para satisfazer suas reivindicações.</p><p>A Proclamação da República veio acompanhada do primeiro surto</p><p>industrial significativo na história brasileira, cujo núcleo básico eram as cidades</p><p>de São Paulo e Rio de Janeiro. A fonte inicial para abastecer de mão-de-obra as</p><p>fábricas foi a mesma utilizada pelos cafeicultores: a imigração européia. No</p><p>início do século, 90% dos operários das indústrias paulistas eram estrangeiros,</p><p>principalmente italianos, espanhóis e portugueses. Estrangeiros</p>

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