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<p>Disciplina: Introdução ao Antigo Testamento</p><p>Aula 10: Apocalipsismo</p><p>Apresentação</p><p>Nesta aula, estudaremos as condições hostis do período persa, grego e romano, e a reação judaica mediante a afirmação da</p><p>Torah. Em seguida, abordaremos o surgimento do gênero apocalíptico.</p><p>Por fim, debateremos o livro de Daniel, tanto os chamados contos de corte da primeira parte quanto os oráculos de Daniel,</p><p>em primeira pessoa.</p><p>Objetivos</p><p>Esclarecer a leitura da Torah no contexto de desenvolvimento da literatura apocalíptica;</p><p>Discutir o gênero apocalíptico;</p><p>Identificar os temas e a estrutura do livro de Daniel.</p><p>Lendo a Torah em um mundo hostil</p><p>Daniel e a literatura apocalíptica foram produzidos em um mundo em crise. O domínio selêucida sobre os judeus no</p><p>governo de Antíoco III foi, inicialmente, muito amigável.</p><p>198 a.C</p><p>Quando Antíoco III assumiu o controle de Judá após vencer os Ptolomeus em 198 a.C., ele adotou as políticas</p><p>persas antigas em relação a Judá: deu alívio fiscal à cidade e dinheiro para o templo. Mediante decreto real, deu</p><p>o direito aos judeus de viverem “de acordo com suas leis ancestrais”.</p><p>Mais tarde, ele sofreu a derrota para os romanos e começou a pagar pesado tributo a eles. Antíoco III morreu</p><p>no processo de tentar atacar um dos templos de seu reino por dinheiro.</p><p>175 a.C</p><p>Uma investida semelhante foi feita durante o reinado de seu sucessor, Seleuco IV (ver 2 Macabeus 3). Quando</p><p>Antíoco Epífanes IV tomou o trono de Seleuco em 175 a.C., o seu reino foi humilhado pelos romanos e ele</p><p>precisaria de dinheiro para pagar uma grande homenagem anual.</p><p>Judá, nesse tempo, era um dos poucos territórios selêucidas restantes no Mediterrâneo Ocidental. Nessas</p><p>circunstâncias, Antíoco IV começou a vender o alto sacerdócio em Jerusalém para o melhor pagador, algo</p><p>significativo, já que o sumo sacerdote do templo de Jerusalém funcionava como um governante local e coletor</p><p>de impostos para a região.</p><p>174 a.C</p><p>Jasão, irmão do sumo sacerdote, pagou a Antíoco e obteve dois privilégios: o cargo do sumo sacerdote e o</p><p>direito de transformar Jerusalém em uma cidade grega completa, com o seu próprio ginásio à vista do templo.</p><p>171 a.C</p><p>Menaleu, membro da família de Tobias, antigo opositor de Neemias, superou Jasão, adquiriu o sumo sacerdócio</p><p>e obrigou Jasão a fugir. Menaleu tornou-se altamente impopular. Os selêucidas tiveram que intervir duas vezes</p><p>para restaurar o seu poder.</p><p>167 a.C</p><p>Na segunda vez, Antíoco IV promulgou medidas severas destinadas a esmagar qualquer vestígio da cultura</p><p>judaica: impôs a pena de morte aos judeus que continuassem a seguir as leis da Torah, e instalou um altar para</p><p>Zeus Olímpico no templo de Jerusalém.</p><p>O que tinha começado como uma leve tentativa de Jasão e de outros para que Jerusalém</p><p>obtivesse privilégios gregos para os seus cidadãos, tornou-se uma luta de vida e morte</p><p>pela continuação da observância da Torah.</p><p> Representação do rei da Babilônia (ao lado do leão, Nabucodonosor) e do</p><p>rei persa (ao lado do urso, Ciro, o grande). Hall da Torre da Prefeitura de</p><p>Nuremberg. (Fonte: Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/24/N%C3%BCrnberg_Rathaus_%28The_Town_Hall%</p><p>)</p><p>As visões em Daniel 7.13 foram escritas para dar esperança aos judeus nesta crise. As visões apocalípticas de</p><p>Enoque e outros apocalipses históricos forneciam uma visão geral da história passada para falar do presente de crise.</p><p>Nessas visões, a intervenção de Deus era anunciada de forma codificada. Podemos ver um exemplo disso na visão de</p><p>quatro bestas saindo do mar em Daniel 7.3.</p><p>Essas quatro bestas correspondem aos quatro principais impérios mundiais que antecederam o tempo de Antíoco IV:</p><p>1</p><p>Daniel 7.4</p><p>Os babilônios que destruíram o templo de Jerusalém.</p><p>2</p><p>Daniel 7.5</p><p>Os medos que dominaram as terras a leste de Babilônia (7.5).</p><p>3</p><p>Daniel 7.6</p><p>Os persas (7.6).</p><p>4</p><p>Daniel 7.7-8</p><p>s gregos, em particular os 10 governantes (chifres) da dinastia selêucida (7.7), um dos quais é um chifre pequeno,</p><p>Antíoco IV (7.8).</p><p>Depois de examinar esses quatro impérios, a visão se move para o futuro, prevendo a destruição da quarta besta</p><p>grega. Daniel 7 foi originalmente destinado a dar esperança aos judeus observadores da Torah sob ameaça de</p><p>Antíoco. O mesmo ocorre com os demais livros apocalípticos — eles constituem uma defesa da Torah e da autoridade</p><p>divina de forma codificada em um mundo hostil.</p><p></p><p>Leitura</p><p>Leia o capítulo 7 do livro de Daniel <https://www.bibliaon.com/versiculo/daniel_7/> .</p><p>Gênero apocalíptico</p><p>A partir dos anjos encontrados nas visões proféticas de Zacarias, a combinação da revelação angelical e a escatologia</p><p>transcendente (caracterizada pelo julgamento dos indivíduos após a morte) constituiu um novo campo, um novo</p><p>gênero na literatura bíblica. Chamado de gênero apocalíptico, toma o nome do livro do Apocalipse do Novo</p><p>Testamento. Há uma extensa literatura apocalíptica do judaísmo nos períodos helenístico e romano.</p><p>Há pelo menos cinco apocalipses atribuídos a Enoque . Alguns deles são mais antigos do que o livro de Daniel.</p><p>Outros são mais ou menos contemporâneos. A obra Similitudes de Enoque é mais tardia, sendo provavelmente do</p><p>primeiro século d.C.</p><p>1</p><p>1 Enoque</p><p>Foi totalmente preservado apenas na língua etíope, mas fragmentos do original aramaico foram encontrados nos</p><p>Manuscritos do Mar Morto.</p><p>2 Enoque</p><p>Foi preservado em eslavo e tem data incerta, mas pode ter sido composto no primeiro século d.C.</p><p>Outro conjunto de apocalipses, 4 Esdras e 2 e 3 Baruque, foi composto no final do primeiro século d.C,</p><p>aproximadamente ao mesmo tempo que o livro de Apocalipse. Vários desses apocalipses, especialmente as</p><p>Similitudes de Enoch, 4 Esdras e Apocalipse, foram diretamente influenciados por Daniel.</p><p> Cabeçalho para o 2 Esdras da Bíblia de Bowyer, Apocrypha, publicada em</p><p>1815 - ilustração de 1812. (Fonte: Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/22/Triple_Eagle_2_Esdras.gif></p><p>)</p><p>Todos os apocalipses judaicos são pseudoepigráficos: seus autores reais não são nomeados. Essas obras são</p><p>atribuídas a pessoas famosas que viveram séculos antes de sua redação (ou, no caso de Enoque, milhares de anos</p><p>antes).</p><p>Tal dispositivo dava autoridade às composições e também permitia que o vidente previsse muitas coisas que estavam</p><p>acontecendo no momento em que o livro foi escrito. Isso fortalecia a confiança nas previsões reais, ao mesmo tempo</p><p>em que ocultava a identidade do autor, cujas críticas ao poder estabelecido certamente constituíam um crime na</p><p>visão dos dominadores.</p><p>Os apocalipses se dividem basicamente em dois tipos.</p><p>1 e 2 Enoque e 3 Baruque</p><p>Representado por 1 Enoque 1-36 e por 2 Enoque e 3 Baruque, descreve uma viagem maravilhosa a lugares que</p><p>normalmente estão além do alcance da experiência humana, uma ascensão aos céus. Nesses apocalipses, a</p><p>ênfase recai sobre a cosmologia, e o visionário tipicamente vê as moradas dos mortos e os locais de julgamento.</p><p>Daniel</p><p>Nesse caso, a ênfase está na história, que normalmente é dividida em um número específico de períodos (quatro</p><p>reinos, setenta semanas de anos). Esses tipos de apocalipse envolvem um juízo público das nações bem como</p><p>dos indivíduos, seguidos da vida ou do castigo eternos.</p><p>Os apocalipses dão grande destaque aos anjos ou aos demônios, e todos afirmam existir um juízo final dos mortos. O</p><p>julgamento do indivíduo é o motivo que mais claramente distingue os apocalipses da profecia bíblica.</p><p>A visão do mundo encontrada nos livros apocalípticos também é encontrada em outros gêneros literários da época e</p><p>é muito influente nos Manuscritos do Mar Morto e no Novo Testamento.</p><p>Atividade</p><p>1. Cite ao menos três perspectivas da história na literatura apocalíptica.</p><p>Daniel</p><p>O livro de Daniel é excepcional em muitos aspectos. Ele é provavelmente a última composição na Bíblia Hebraica.</p><p>Como o livro de Esdras, Daniel foi escrito parte em hebraico, parte em aramaico.</p><p>A edição grega do livro inclui passagens e histórias inteiras que não são encontradas na versão hebraica. Além disso,</p><p>contém o único exemplo de livro inteiro da Bíblia Hebraica escrito</p><p>no gênero apocalíptico, que foi de grande</p><p>importância para o judaísmo nos períodos helenístico e romano, e também para o cristianismo primitivo.</p><p>Bíblia grega e bíblia latina</p><p>Nas Bíblias gregas e latinas, e na tradição cristã, Daniel é considerado o quarto dos principais profetas, e o livro</p><p>segue os de Isaías, Jeremias e Ezequiel.</p><p>×</p><p>Bíblia hebraica</p><p>Daniel é colocado entre os Escritos. Pode ser que o cânon dos escritos proféticos já estivesse fechado quando Daniel</p><p>foi escrito. Pode ser, também. que os rabinos tenham visto o livro como tendo mais em comum com os Escritos do</p><p>que com os Profetas.</p><p>Daniel é um livro composto por duas seções.</p><p>Os primeiros seis capítulos são histórias sobre Daniel e seus amigos, que estavam entre os exilados, deportados</p><p>de Jerusalém por Nabucodonosor.</p><p>A segunda metade do livro, os capítulos 7-12, contém uma série de revelações para Daniel, explicada por um</p><p>anjo. Estritamente falando, apenas a segunda metade do livro é um apocalipse, mas as histórias nos capítulos</p><p>1-6 formam uma introdução que elucida as cenas da segunda parte do livro.</p><p> Nabucodonosor. Pintura de William Blake (entre 1795 e 1805). (Fonte:</p><p>Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/98/William_Blake_-</p><p>_Nebuchadnezzar_%28Tate_Britain%29.jpg> )</p><p>Uma das estranhezas de Daniel é que a divisão por língua não coincide completamente com a divisão por</p><p>gênero.</p><p>Aramaico</p><p>Os capítulos 2 a 7 (estritamente 2.4b-7.28) estão em aramaico.</p><p>Hebraico</p><p>Os capítulos 1 e 8 a 12 estão em hebraico.</p><p>Parece claro que o livro foi escrito em etapas.</p><p>As histórias aramaicas dos capítulos 2 a 6 devem ter circulado de forma independente. O capítulo 1 foi escrito como</p><p>uma introdução dessas histórias, presumivelmente em língua aramaica. A primeira das visões, no capítulo 7, foi</p><p>composta em aramaico para a continuidade dos contos. Os capítulos restantes foram adicionados em hebraico,</p><p>presumivelmente por causa do fervor patriótico no momento da revolta macabeia. O capítulo inicial teria sido, então,</p><p>traduzido para hebraico, de modo que o início e o fim do livro permanecem em hebraico, formando uma inclusão. Tal</p><p>explicação é hipotética, mas é plausível a partir da forma do livro.</p><p>As adições gregas ao livro são de dois tipos:</p><p>Composições poéticas</p><p>A Oração de Azarias e a Canção dos Três Jovens, inseridas no capítulo 3. As histórias de Susana (capítulo 13), de Bel</p><p>e do Dragão (capítulo 14), são histórias autônomas análogas às histórias presentes nos capítulos 1 a 6.</p><p>Contos de corte</p><p>As histórias em Daniel 1-6 são histórias sobre judeus na corte de um rei estrangeiro e têm muito em comum com as</p><p>narrativas mais breves da Bíblia Hebraica, especialmente as de José e Ester .</p><p>Os contos mostram ostensivamente a história de um grupo de jovens judeus que foram deportados após a conquista</p><p>de Jerusalém por Nabucodonosor. Qualquer tentativa de obter informações históricas desses relatos, no entanto,</p><p>encontra problemas insuperáveis.</p><p>2</p><p>Agora, vamos analisar alguns dos capítulos que fazem parte dos contos:</p><p>Verso de abertura</p><p>Menciona episódios desde o cerco de Jerusalém até o terceiro ano do rei Jeoaquim (606 a.C.). Nós sabemos de</p><p>outras fontes, tanto bíblicas quanto babilônicas, que Nabucodonosor não sitiou Jerusalém até 598/597 a.C., e</p><p>Jeoaquim morreu antes do início do cerco. Seu filho, Joaquim (ou Jeconias), submeteu-se aos babilônios em 597</p><p>a.C. e foi deportado para a Babilônia.</p><p>Capítulo 2</p><p>Cita o segundo ano do reinado de Nabucodonosor, o que exigiria que ele tivesse conquistado Jerusalém em seu</p><p>primeiro ano (um manuscrito grego resolve o problema ao datar o capítulo 2 no décimo segundo ano). Capítulos</p><p>posteriores apresentam problemas que são ainda mais flagrantes.</p><p>Capítulo 4</p><p>Afirma que Nabucodonosor foi transformado em uma fera por sete anos. Não há corroboração histórica de um</p><p>evento tão extraordinário. Daniel 4.16 “Seja mudado o seu coração, para que não seja mais coração de</p><p>homem, e lhe seja dado coração de animal; e passem sobre ele sete tempos.”</p><p>Capítulo 5</p><p>Apresenta um rei da Babilônia chamado Belsazar. Houve, de fato, um Belsazar histórico, que era o filho do</p><p>último rei da Babilônia, Nabonido, que governou a Babilônia na ausência de seu pai. Porém, ele nunca foi rei.</p><p>Daniel continua dizendo que após a morte de Belsazar, “Dario, o medo” recebeu o reino. Nenhum personagem</p><p>histórico pode ser identificado com esse Dario. As histórias de Daniel, portanto, são adequadas ao gênero</p><p>apocalíptico: são repletas de elementos milagrosos (a fornalha ardente, a cova dos leões). Eles são destinados a</p><p>inspirar admiração e não devem ser tomados como fatos objetivos e absolutos.</p><p>O nome de Daniel (Danel) foi anexado a uma figura lendária da antiguidade, conhecida pela epístola ugarítica de</p><p>Aqhat, e que é mencionada em Ezequiel 14.14,20, em conjunto com Noé e Jó, como uma pessoa justa. Ele também é</p><p>mencionado em Ezequiel 28.3 como um sábio (“Você é mais sábio do que Daniel?”). Esse Daniel mencionado em</p><p>Ezequiel é um contemporâneo mais jovem de Ezequiel. É provável que o autor bíblico tenha tomado emprestado o</p><p>nome do herói lendário e o atribuísse a um personagem judeu ficcional no exílio babilônico.</p><p>Mosaico com cena de Daniel intercedendo junto a Arioco, comandante da guarda do rei, encarregado de matar</p><p>todos os sábios da Babilônia depois que eles falharam em interpretar o sonho de Nabucodonosor. 1243-1248,</p><p>Sainte-Chapelle, Paris.</p><p> Fonte: Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/92/BLW_Stained_Glass_-</p><p>_Scene_from_the_Story_of_Daniel.jpg></p><p>A história de Daniel, então, não é histórica. No entanto, é exemplar. Daniel é um judeu</p><p>excepcional que faz coisas que a pessoa comum deve imitar, ele modela um estilo de vida</p><p>para os judeus na diáspora. Ele representa o bom equilíbrio entre a lealdade aos</p><p>governantes pagãos e fidelidade a Deus e à sua tradição religiosa.</p><p>Os contos em Daniel 1-6 foram escritos para apresentarem aos leitores “um estilo de vida adequado à diáspora”. Sua</p><p>mensagem para os judeus no exílio é dupla:</p><p>Eles devem participar da vida do mundo dos gentios e, ao mesmo tempo, devem</p><p>ser leais ao rei. Porém, devem perceber que seu sucesso final depende de sua</p><p>fidelidade ao seu Deus e às suas leis.</p><p>Essas histórias têm muito em comum com Ester, mas são muito mais abertamente religiosas. Daniel 1 a 6 deve ter</p><p>sido composto na diáspora, mas, caso isso seja correto, foi trazido de volta a Israel em algum momento.</p><p>No contexto do livro, os contos dos capítulos 1-6 estabelecem a identidade de Daniel, a figura que apresenta suas</p><p>próprias visões nos capítulos 7-12.</p><p>A maneira como Daniel é descrito pode fornecer uma pista sobre os autores que produziram essa literatura. Daniel é</p><p>retratado como um homem sábio que faz as mesmas coisas que os caldeus, mas confia no poder de Deus para</p><p>revelar mistérios.</p><p>Ele não é um profeta típico, mas aborda os reis dos gentios.</p><p>Ele não é um sábio no modelo retratado em Provérbios ou em Eclesiastes, mas possui uma sabedoria mântica —</p><p>ele tem capacidade de interpretar sonhos e outros mistérios como a escrita na parede (semelhante a José do</p><p>Egito).</p><p>As visões na segunda metade do livro de Daniel (7-12) diferem dos contos dos capítulos 1 a 6 tanto em gênero</p><p>quanto em cenário. Daniel 7 a 12 tem quatro unidades literárias, cada uma das quais relata uma revelação.</p><p>1</p><p>Capítulos 7 e 8</p><p>Visões simbólicas na tradição profética (ver especialmente as visões de Zacarias). Em cada caso, as visões são</p><p>interpretadas para Daniel por um anjo.</p><p>2</p><p>Capítulo 9</p><p>A revelação é a interpretação de uma antiga profecia de Jeremias, mas novamente a interpretação é dada por um</p><p>anjo.</p><p>3</p><p>Capítulos 10 a 12</p><p>Daniel tem uma visão de um anjo, que narra uma revelação para ele. Em cada caso, a revelação é escatológica.</p><p>4</p><p>Capítulo 12</p><p>A revelação final culmina na declaração da existência da ressurreição e do juízo final. Essa passagem final de Daniel é</p><p>a única passagem na Bíblia Hebraica que fala inequivocamente de uma ressurreição individual.</p><p>Essa esperança também é expressa nos livros apócrifos</p><p>ou deuterocânicos de 2 Macabeus e Sabedoria de Salomão,</p><p>que são parte do Antigo Testamento de tradição católica, mas não estão incluídos na Bíblia Hebraica, pois foram</p><p>escritos em grego.</p><p> Gravura: Davi e a visão de quatro bestas. Matthäus Merian, 1630. Fonte:</p><p>Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/13/Merian%27s_Daniel_7_engraving.jpg></p><p>A configuração espacial de Daniel 7 a 12 também difere da dos capítulos 1 a 6. Os contos pertencem</p><p>geograficamente à diáspora e geralmente refletem a aceitação da regra dos gentios. As visões, em contraste, estão</p><p>focadas em Jerusalém e refletem um período de perseguição. Embora nenhum nome seja mencionado e as alusões</p><p>sejam veladas, as visões indicam claramente a perseguição instigada pelo rei Antíoco Epífanes IV em 168-164 a.C.</p><p>No tempo de Antíoco IV, suas tropas ocuparam o templo de Jerusalém e instalaram um altar pagão em cima do altar</p><p>de sacrifício. O altar pagão é conhecido como abominação desoladora ou abominação da desolação tanto em Daniel</p><p>11.31 quanto em 1 Macabeus 1.54.</p><p></p><p>E braços serão colocados sobre ele, que profanarão o santuário e a fortaleza, e tirarão</p><p>o sacrifício contínuo, estabelecendo abominação desoladora.</p><p>Daniel 11.31</p><p>Alguns judeus foram mortos por observarem a lei de Moisés (por exemplo, por terem seus filhos circuncidados) ou</p><p>por se recusarem a participarem de sacrifícios pagãos. De acordo com o Deuteronômio, aqueles que mantinham a Lei</p><p>deviam prosperar e viver longas vidas. Entretanto, os judeus foram confrontados com uma situação em que aqueles</p><p>que quebraram a Lei prosperaram e aqueles que a observaram arriscaram e até perderam suas vidas. As visões de</p><p>Daniel devem ser lidas a partir desse cenário.</p><p>Já observamos que o texto grego de Daniel contém duas longas orações no capítulo 3 que não são encontradas no</p><p>aramaico. O livro de Daniel em grego também contém três histórias adicionais sobre Daniel:</p><p>Susana</p><p>Fornece uma imagem de Daniel que é bastante diferente da que encontramos nas outras histórias. Aqui, Daniel</p><p>não é um oficial real, mas é um jovem em uma comunidade judaica na Babilônia. Ele adquire proeminência por</p><p>causa da tentativa de dois velhos de seduzirem a virtuosa Susana enquanto ela está se banhando no jardim de</p><p>seu pai. O banho ao ar livre é conveniente para o enredo de tais histórias — como demonstra a história de Davi</p><p>e Bate-seba em 2 Samuel 11.2.</p><p>“Uma tarde Davi levantou-se da cama e foi passear pelo terraço do palácio. Do terraço viu uma mulher muito</p><p>bonita, tomando banho,/ e mandou alguém procurar saber quem era. Disseram-lhe: "É Bate-Seba, filha de Eliã</p><p>e mulher de Urias, o hitita".</p><p>2 Samuel 11.2-3</p><p>Quando Susana recusa os avanços dos anciãos, eles a acusam de fornicação com um jovem (semelhante à</p><p>acusação contra José pela esposa de Potifar em Gênesis 39). Como eles são juízes na comunidade, sua acusação</p><p>é aceita e Susana é condenada à morte. Daniel, no entanto, a resgata pelo simples dispositivo de interrogar os</p><p>dois acusadores. Os juízes são mortos em vez de Susana.</p><p> Susana e os anciãos. Pintura de Guido Reni (1820-1825). Fonte:</p><p>Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a7/Guido_Reni_-</p><p>_Susanna_and_the_Elders_-_WGA19296.jpg></p><p>A história de Susana tem muito em comum com a tradição das histórias judaicas mais curtas, que muitas vezes</p><p>se assemelham a parábolas na forma como elas revertem as expectativas (ver a história de Judá e Tamar em</p><p>Gênesis 38 <https://www.bibliaon.com/genesis_38/> ). Normalmente, dois juízes homens e idosos</p><p>seriam considerados sábios e justos. No caso do relato, no entanto, o jovem é mais sábio e a mulher, muitas</p><p>vezes considerada como inferior em uma sociedade patriarcal, é um exemplo de virtude.</p><p>Bel e o Dragão</p><p>As narrativas de Bel e o Dragão estão intimamente relacionadas a Daniel 6. Porém, elas são ambientadas no</p><p>período do reinado de Ciro. Os babilônios supostamente acreditavam que uma estátua do deus Bel consumia as</p><p>ofertas que eram colocadas para ele (na realidade, os babilônios não eram tão crédulos).</p><p>Daniel mostra que os sacerdotes e suas famílias vinham à noite para comer as oferendas. Ele faz isso por meio</p><p>de um simples estratagema: ele espalhou cinzas no chão para mostrar os seus passos. Em seguida, a narrativa</p><p>sobre uma grande cobra ou dragão, também adorada pelos babilônios, visa demonstrar que o dragão não é</p><p>deus. Então, os sacerdotes babilônicos ficam alarmados e se queixam constantemente de que “o rei se tornou</p><p>um judeu”. Eles obrigam o rei a lançar Daniel na cova dos leões por seis dias. A sobrevivência de Daniel é</p><p>explicada de uma maneira diferente de Daniel 6. O profeta Habacuque é transportado da Judeia por um anjo,</p><p>que o segura pelos cabelos, e leva para Daniel um ensopado e pão. Ao fim, os inimigos de Daniel são</p><p>eventualmente lançados aos leões.</p><p>O rei que governa no contexto dos relatos de Bel e o Dragão é simpatizante de Daniel. É possível que um retrato</p><p>tão simpático de um rei pagão tenha sido composto antes do tempo de Antíoco Epífanes IV. Tal história pode ser</p><p>mais ou menos contemporânea dos contos em Daniel 1 a 6, mas deve ter circulado em diferentes círculos.</p><p>Esses contos têm elementos da história dos detetives. Daniel não confia na revelação como faz nos contos aramaicos,</p><p>mas usa sua inteligência para resolver os problemas colocados diante dele.</p><p> Daniel é salvo por Habacuque na cova dos leões. Manuscrito 0089, fólio</p><p>029, Ars Moriendi, Marselha, século XV d.C. (Fonte: Wikimedia</p><p><https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/64/Daniel_dans_la_fosse_aux_lions.jpg></p><p>)</p><p></p><p>Saiba mais</p><p>Conheça outros Apocalipses <galeria/aula10/anexo/a10_doc1.pdf> .</p><p>Atividade</p><p>2. Explique as duas seções do livro de Daniel, indicando, em linhas gerais, o conteúdo de cada uma das partes e</p><p>a natureza de seu material.</p><p>3. Quais são os contextos geográficos da primeira e da segunda seção de Daniel, e quais as relações deles com</p><p>o contexto histórico?</p><p>4. O texto de Daniel em língua grega, utilizado na Septuaginta e nas edições católicas da Bíblia, tem alguns</p><p>acréscimos. Indique a opção que apresenta corretamente quais são esses acréscimos.</p><p>a) A Oração de Azarias e a Canção dos Três Jovens (capítulo 3.24-90), a história de Susana (capítulo 13), de</p><p>Bel e o Dragão (capítulo 14).</p><p>b) A Oração de Jacó e o relato sobre Bel (capítulo 2), a história de Susana (capítulo 13) e do Dragão (capítulo</p><p>14).</p><p>c) Daniel na Cova dos Leões (capítulo 6); a Canção dos Três Jovens (capítulo 3); a história de Susana</p><p>(capítulo 13) e de Bel e o Dragão (capítulo 14).</p><p>d) A translação de Habacuque (capítulo 6), a história de Susana (capítulo 13) e de Bel e o Dragão (capítulo</p><p>14).</p><p>e) A Oração de Azarias e a Canção dos Três Jovens (capítulo 4); a história de Nabucodonosor (capítulo 12) e</p><p>de Bel e o Dragão (capítulo 14).</p><p>Notas</p><p>Enoque</p><p>Personagem que supostamente viveu antes do dilúvio.</p><p>Ester</p><p>Como Ester, as histórias em Daniel estão definidas na diáspora oriental, e provavelmente se originaram lá. Têm a</p><p>preocupação de manter a identidade judaica em terra estrangeira.</p><p>Ao contrário de Ester, Daniel é manifestamente piedoso, e nessas histórias há orações e louvores.</p><p>Referências</p><p>COLLINS, John J. A imaginação apocalíptica: uma introdução à literatura apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 2010.</p><p>GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia hebraica. 2. ed. São Paulo: Paulus Editora, 1997.</p><p>HILL, Andrew E; WALTON, John H. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Acadêmica, 2006.</p><p>SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento. 5. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2013.</p><p>Explore mais</p><p>Saiba mais sobre a literatura apocalíptica <galeria/aula10/anexo/a10_doc2.pdf> .</p><p>1</p><p>2</p>