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<p>AKOTIRENE, Carla. Intersccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Polém, 2019.</p><p>CRUZANDO O ATLÂNTICO EM MEMÓRIA DA INTERSCCIONALIDADE</p><p>“O feminismo negro dialoga concomitantemente entre/ com as encruzilhadas, digo, avenidas identitárias do racismo, cisheteropatriarcado e capitalismo. (...) Visto isto, não podemos mais ignorar o padrão global basilar e administrar de todas as opressões contra mulheres, construídas heterogeneamente nesses grupos, vítimas das colisões múltiplas do capacitismo, terrorismo religioso, cisheteropatricarcado e imperialismo.” (p. 23)</p><p>“No pensamento de vanguarda de Sojourner Truth, raça impõe a mulher negra a experiencia de burro de carga da patroa e do marido. Para a mulher negra inexiste o tempo de parar de trabalhar, vide o racismo estrutural, que as mantém fora do mercado formal (...)” (p. 26)</p><p>“Velhice é como a raça é vivida; e classe-raça cruza gerações, envelhecendo mulheres negras antes do tempo.” (p. 27)</p><p>“Por outro lado, a epistemologia feminista negra pensada por Patricia Hill Collins, recrimina argumentos de competição entre os mais excluídos, as hierarquias entre eixos de opressão e violações consideradas menos preponderantes. Juntos, racismo, capitalismo e heteropatriarcado devem ser tratados pela interseccionalidade observando os contornos identitários da luta antirracista diaspórica, a exemplo dos brancos de candomblé, que argumentam pressões religiosas sofridas, ignorando que os ataques impostos ao candomblé são, precisamente, ataques contra a cultura do povo negro.” (p.38-39)</p><p>“Mulheres negras desde então são castigadas mais vezes, segundo bell hooks, por chorarem muito diante dos colonos, somente para incomodá-los em seus sonos injustos, de acordo com Conceição Evaristo”. (p. 42)</p><p>“O pensamento interseccional nos leva reconhecer a possibilidade de sermos oprimidas e de corroborarmos com as violências. Nem toda mulher é branca, nem todo negro é homem, nem todas as mulheres são adultos heterossexuais, nem todo adulto heterossexual tem locomoção política, visto as geografias do colonialismo limitarem as capacidades humanas.” (p. 45)</p><p>“Sendo assim, não apenas o racismo precisa ser encarado como um problema das feministas brancas, mas também o capacitismo como problema das feministas negras cada vez que ignoramos as mulheres negras que vivem a condição de marca física ou gerada pelos trânsitos das opressões modernas coloniais: sofrendo o racismo por serem negras, discriminadas por serem deficientes. Portanto, na heterogeneidade de opressões conectadas pela modernidade, afasta-se a perspectiva de hierarquizar sofrimento, visto como todo sofrimento está interceptado pelas estruturas.” (p. 45-46)</p><p>“A interseccionalidade é sobre a identidade da qual participa o racismo interceptado por outras estruturas. (...) É imprescindível, insisto, utilizar analiticamente todos os sentidos para compreendermos as mulheres negras e ‘mulheres de cor” na diversidade de gênero, sexualidade, classe, geografias corporativas e marcações subjetivas.” (p. 48)</p><p>“Cabe à identidade branca usar interseccionalidade para desconstruir a falsa vulnerabilidade uniformizada, demostrar o contexto das branquitudes, não incorrer de oportunismos fraudulentos no sistema de cotas raciais – chegando a ‘desenterrar a avó negra ou colocarem o pé na senzala’, conforme menciona Joyce Lopes. Interseccionalidade revela o que classe pode dizer de raça, da mesma forma que raça informa sobre classe. ‘Raça é a maneira como a classe é vivida’, conforme ensina Angela Davis’”. (p. 50)</p><p>“O conceito interseccionalidade está em disputa acadêmica, há saqueamento da riqueza conceitual e apropriação do território discursivo feminista negro quando trocamos a semântica feminino negro para feminismo interseccional, retirando o paradigma afrocêntrico. A proposta de conceber a inseparabilidade do cisheteropatriarcado, racismo e capitalismo está localizada no arcabouço teórico feminista negro, e quem o nega comete epistemícidio e racismo epistêmico” (p. 51)</p><p>“Necessitamos compreender cisheteropatriarcado, capitalismo e racismo, coexistindo, como modeladores de experiências e subjetividades da colonização até os dias da colonialidade. Para nós, mantermos o feminismo negro é dizer que a interseccionalidade denota riqueza epistêmica, que desta vez não será tirada da diáspora africana. O feminismo negro substituído por feminismo interseccional equivale explorar a riqueza intelectual da África e chamar isso de modernidade.” (p. 51)</p><p>“Contrariamente, a interseccionalidade aplica a criação de mais conflitos às leis binarias do Direito e defesa das lutas antirracistas, tendo em vista imporem cisgeneridades heteropatriarcado, que ignoram lésbicas e trans negros como vítimas do racismo, mulheres negras como duplamente discriminadas,” (p. 52)</p><p>“A ausência de articulação entre raça, classe e gênero, tanto na teoria feminista quanto na produção afrocêntrica, por certo criou inobservâncias interseccionais produtoras do alarmante cenário de violência contra as mulheres negras, pois, ainda na década de 1980, logo após surgirem as primeiras delegacias da mulher, as publicações feministas trabalhavam a mulher universal. O Estado, por sua vez, se alimentava destas concepções para formulação e avaliação de políticas públicas.” (p. 55)</p><p>VAMOS PENSAR DIREITO: INTERSECCIONALIDADE E MULHERES NEGRAS</p><p>“Conforme dissemos, é o padrão colonial moderno o responsável pela promoção dos racismos e sexismo institucionais contra identidades produzidas durante a interação das estruturas, que seguem atravessando os expedientes do Direito moderno, discriminadas à dignidade humana e às leis antidiscriminação.” (p. 59)</p><p>“A interseccionalidade nos mostra como e quando as mulheres negras são discriminadas e estão mais vezes posicionadas em avenidas identitárias, que farão delas vulneráveis à colisão das estruturas e fluxos modernos.” (p. 63)</p><p>“A interseccionalidade baseada no feminismo negro conta os porquês de mulheres brancas podem representar judicialmente as mulheres de cor, bem como os homens negros poderem representar toda a comunidade negra na Corte, enquanto as mulheres negras, segundo Kimberlé Crenshaw, não estarem elegíveis para demarcar a própria experiencia particular da discriminação sem que suas causas fosse indeferidas.” (p. 64)</p><p>“Se, de um lado, nem todas as mulheres foram excluídas das industrias e nem todos os negros foram excluídos do mercado de trabalho, somente a analise interseccional destacou a forma como que as mulheres negras sofrem a discriminação de gênero, dando múltiplas chances de interseccionar esta experiência.” (p. 65)</p><p>“Todavia, as leis antirracistas, assim como as pautas do movimento negro, também ignoram o marcador de genro informante da opressão, o mesmo se dá nos movimentos feministas com a insistência do marcador de gênero que não enxerga raça, acentuando as experiencias de opressões feminizadas.” (p. 66)</p><p>“(...) porque a polícia que mata os homens no espaço público é a mesma que deia mulheres morrerem dentro de suas casas.” (p. 69)</p><p>“O epistemicído da teoria feminista produziu altos índices de violência contra a mulher negra. Houve falta de metodologias adequadas às realidades das mulheres negras e a preocupação central com a categoria gênero, adiando a racionalizada do fenômeno, discutida por Heliete Saffioti sobre simbiose do racismo, capitalismo e patriarcado.” (p.71)</p><p>ATLÂNTICO E DIFERENÇAS ENTRE IRMÃS: CRÍTICAS AO CONCEITO DE INTERSECCIONALIDADE</p><p>“Em nome da irmã universal, parcela significativa de nós negam a existência do racismo estrutural nas plataformas feministas, que desconhecem privilégios acadêmicos que nos separam e os impasses por estarmos decididas a lutar ao lado dos homens negros, mesmo sabendo o teor hegemônico de suas masculinidades.” (p. 77)</p><p>“A teoria feminista, quase na íntegra, foi produzida pela Europa Ocidental e Estados Unidos – parece óbvio, preciso dizer, que ela não pode fotografar a África com suas lentes, visto que a imagem trazida à luz traz efeitos de subinclusão epistêmica, revela epistemicídios causados pela</p><p>centralidade da categoria gênero u categoria da interseccionalidade que seja, prestigiada e financiada pelo Norte Global. O discurso político de sonoridade às mulheres terceiro-mundistas preenche a carreira de quem desenvolve pesquisas feministas instrumentalizadas pela visão ocidental, incabíveis até se forem feminismos negros.” (p. 79-80)</p><p>“O desafio imposto às epistemologias africanas é desaprovar, publicamente, teorias diásporas negras, onde os conceitos feministas e os estudos de gênero esteja pautados em categorias ocidentais, confeccionadas de forma simplistas, binária e de família nuclear, em que o macho é sempre superior, como pontua os trabalhos de Oyèrónké Oyewùmí.” (p. 80)</p>