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<p>MARTA SHUARE A PSICOLOGIA SOVIÉTICA meu olhar Terracota Digitalizado com CamScanner</p><p>MARTA SHUARE A PSICOLOGIA SOVIÉTICA meu olhar Reimpressão Terracota São Paulo 2017 Digitalizado com CamScanner</p><p>copyright 2017 Marta Shuare Os direitos autorais deste livro estão reservados à autora e foram cedidos para uso da Terracota exclusivamente para esta publicação, cujo conteúdo é de inteira responsabilidade da autora. Capa Geraldo Freitas Martins Diagramação Ricardo Silva Tradução Laura Marisa Carnielo Calejon Editor responsável Claudio Brites Editorial Regina da Silva Rocha - Universidade Cruzeiro do Sul São Paulo - Brasil Marilia dos Reis - Universidade Federal do Estado de São Paulo - Brasil Simone Ferreira da Silva Domingues - Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo - Brasil Doracina Aparecida C. de Araujo - Universidade de Mato Grosso do Sul - UEMS - Brasil Gloria Vigotski - Universidade de Havana - Cuba Guillermo Arias Beatón - Cátedra Vigotski - Universidade de Havana - Cuba Lima V. Paccini - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Brasil Laura Marisa Carnielo Calejon - Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo - Brasil Maria Silvia Rosa Santana - Universidade Estadual de Grosso do Sul - UEMS - Brasil Marilene Proença Rebello de Souza - Universidade de São Paulo - USP Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167 A Psicologia soviética: meu olhar / Marta Shuare; tradução de Laura Marisa Carniclo Calejon - São Paulo: Terracota Editora, 2017. 312 ISBN: 1. Psicologia soviética 2. Psicologia comparada 3. Sistemas escolas de Psicologia I. Título CDD 156 CDU 159.92(47+57) Todos os direitos desta edição reservados a Editora. Avenida Lins de Vasconcelos, 1886 - CEP 01538-001 - Sao Paulo - SP - Tel. (11) 2645-0549 Digitalizado com CamScanner</p><p>SUMÁRIO 7 Apresentação 15 Prefácio da Primeira Edição 19 Ao Leitor Parte I 21 Capítulo I - As fontes filosóficas da Psicologia Soviética 31 Capítulo II - A Psicologia Soviética começa com a Revolução 59 Capítulo III - A Concepção Histórico-Cultural de Vigotski 81 Capítulo IV - As discussões do final da década de 1920. Começo da década de 1930. ano de 1936 e a Paidologia 97 Capítulo V - Os anos 1930-1940: teorias e escolas 125 Capítulo VI - A Psicologia nos anos 1940-1950: A guerra e a paz 145 Capítulo VII - A Psicologia nos anos 1950-1970 163 Capítulo VIII - Os anos a Psicologia e as exigências de uma sociedade em reestruturação 257 Considerações Finais Parte II - Novas Entrevistas 259 Entrevista - L. V. Shibáeva 271 Entrevista - B. D. Elkonin 281 Entrevista - V. P. Zinchenko 289 Entrevista - A. 1. Podolski 295 Entrevista - A. F. Kopiov 301 Entrevista - V. K. Shabélnikov 307 Referências Digitalizado com CamScanner</p><p>APRESENTAÇÃO É uma honra e uma grande alegria para mim a publicação de La Psicología soviética tal como yo la veo em português que isto ocorra no Brasil, graças aos esforços de Carlos Augusto Baptista de Andrade e sua equipe editorial. Meu agradecimento especial à Laura M. C. Calejon que assumiu a tarefa, nada fácil, de traduzir texto e a os amigos, professores de Psicologia nas distintas universidades brasileiras que apoiaram este empreendimento. Creio, sem falsa modéstia, que se trata de um acontecimento na vida cultural, especificamente naquilo que se relaciona com a literatura em Psicologia, e as razões desta apreciação não estão nem na minha pessoa, nem na minha obra, mas no interesse enorme que a história desta Ciência e desenvolvimento que teve na União Soviética desperta entre os psicólogos profissionais - pelo menos em uma boa parte deles. Não se trata, tampouco, de uma questão estritamente pessoal: resulta evidente que na América Latina - em particular no Brasil, mas também em outros países da região -, até pouco tempo, as teorias e os aportes que os psi- cólogos soviéticos realizaram eram desconhecidos. Isto se constitui na minha opinião, em mais uma demonstração do colonialismo a que nosso continente esleve submetido - e que segue suportando -, superado parcialmente pelas mudanças e processos de emancipação que tem ocorrido no plano político e pela atividade científica, em particular, de nossos colegas cubanos. Sua pre- sença militante foi precedida pelos trabalhos de alguns psicólogos argentinos importantes, aqueles que nas décadas de 1950-1970 assumiram a difícil tarefa de difundir as conquistas da Psicologia soviética, tarefa na qual celebraram êxitos, cometeram erros e experimentaram fracassos. La Psicología soviética tal como yo la veo foi editada em Moscou, pelo Editorial Progresso em 1990 e, como se costuma dizer, muita água correu por baixo das pontes daquele momento até a atualidade. As mudanças dramáticas que ocorreram na ex-União Soviética desde a Pe- restroika até presente momento incluem, entre os mais importantes, a desinte- gração do bloco dos países comunistas; desaparecimento da União Soviética; as modificações substanciais na economia, na vida política e cultural da Rússia e na ideologia que as sustenta; em uma palavra, na "concepção do mundo" que orienta a condução do país e seu papel na organização internacional. 7 Digitalizado com CamScanner</p><p>Ainda, se todos esses acontecimentos não tivessem ocorrido, seria necessário atualizar o texto, não desde o ponto de vista do exposto na edição original posto que não nego nenhuma das afirmações, nem valorizações que ali figuram -, mas no sentido de atualizar a informação referente à Psicologia naquele país. Esta tarefa é consideravelmente mais difícil complexa do que ter estudado o desenvolvimento de tal Ciência, desde o início do século XX até final dos anos 1980, porém imprescindível para avaliar as inovações e para apresentar o panorama das tendências principais que a caracterizam na atualidade. A Ciência psicológica na Rússia: o que ocorreu nos últimos 25 anos? Na atualidade é praticamente impossível falar de escolas ou concepções au- tóctones, embasadas nas tradições filosóficas metodológicas russas do final do século XIX e começo do XX, que haviam sido assimiladas criativa ou formal- mente - pela Filosofia marxista. Tampouco é possível referir-se "à Psicologia" como antes disso, panorama atual é extremamente heterogêneo, pois se pode constatar que os psicólogos russos aderem a um leque de corren- tes, teorias e práticas, muitas das quais foram tomadas da Psicologia ocidental. Tal situação, devida em grande parte às mudanças acima sinalizadas, está também determinada pelas modificações ocorridas no sistema de ensino da Psicologia, tema que merece um breve resumo. A formação de psicólogos no século XXI é um tema de grande atualidade e importância. As enormes transformações que tiveram lugar desde meados do século XX e em diante, em todos os aspectos da vida e da atividade humana propuseram, indubitavelmente, tal questão com agudeza particular. É por isso que nos parece imprescindível enquadrar problema do Ensino Universitário da Psicologia na Federação da Rússia, no contexto histórico das mudanças e transformações que se produziram no país a partir dos anos 1980 e relatar a situação existente na Rússia antes do início da Em 1966, por disposição do então ministro da educação, criaram-se facul- dades de Psicologia na Universidade de Moscou e na Universidade de Leningrado. Antes só existiam departamentos e Cátedras de Psicologia. A partir desse momento organizaram-se departamentos e cátedras de Psicologia em cidades onde já existiam tradições e escolas de investigação: Járkov, Yaros- 1 Esta breve excursão histórica foi escrita em colaboração com Dr. I. Podolski a Irina Yu Shuránova. 8 Digitalizado com CamScanner</p><p>lav, Tbilisi, Kiev, etc. Tais departamentos e cátedras funcionaram nas Faculdades de de Ciências Biológicas, de Ciências Sociais. Ainda que se ensinasse Psicologia como matéria de estudo, em quase todos os cursos cm todas as universidades, desde 1980, existiam na Rússia só uns 4.000 psicólogos. Esses profissionais trabalhavam, fundamentalmente, na esfera acadêmica, para as agências espaciais, para as Forças Armadas e de Segurança. Quando se iniciaram as enormes transformações na esfera política, econômica e social, começaram também - como em todos os casos de modificações essenciais na vida da sociedade - as mudanças no âmbito educativo, desde Ensino Pré-Escolar até o Universitário. Isto teve influência direta no status e no trabalho dos psicólogos. No final dos anos 1980 e inícios dos 1990, começou-se a pensar como preparar psicólogos, para que fins, para que mercados de trabalho. Nessa di- reção, a Psicologia aplicada à escola desempenhou um papel importante no desenvolvimento da Psicologia prática, pois tornou-se evidente que a esco- la, tal como existia, não estava em condições de educar os novos cidadãos, cujos conhecimentos, aptidões e atitudes deviam corresponder à nova ideo- logia. Porém, resultou também evidente que as tarefas da reforma escolar não podiam ser resolvidas sem psicólogos. A quantidade relativamente escassa de profissionais não permitia resolver problema. De onde tirá-los? Nessa época, criou-se o serviço psicológico escolar que resultou principal "consumidor" de psicólogos. psicólogo escolar cumpre uma tarefa de responsabilidade extraordinária por suas dimensões, já que abarca desde a Psicologia aplicada aos alunos dos pri- meiros graus até a problemática que se relaciona com os jovens que finalizam a Escola Média - desenvolvimento da personalidade nesta idade, problemas de elei- ção de uma profissão etc. quer dizer, trabalhos e temas completamente diversos. Tornou-se evidente que era necessário mudar a preparação dos psicólogos nas instituições de Ensino Superior, que representa uma tarefa muito complexa. A incorporação dos psicólogos nas instituições de Ensino Primário e Se- cundário gerou, junto com a emergência de outras áreas de trabalho - tra- tamentos terapêuticos, assessorias empresariais, seleção de pessoal etc - um enorme mercado laboral que trouxe consigo o surgimento não regulamenta- do, espontâneo, de centros de ensino superior nos quais se preparavam psicó- logos de todas as especialidades. Isto provocou um aumento exponencial da quantidade de profissionais: antes da Perestroika e das transformações sociais 9 Digitalizado com CamScanner</p><p>posteriores havia pouco mais de 4.000 profissionais em toda a Rússia, enquan- to que, atualmente, calculam-se por volta de Outro aspecto a destacar é que se passou do ensino estatal gratuito em todos os níveis desde o jardim da até a universidade que existia na Rússia, a um sistema misto onde coexistiam as instituições estatais as privadas. As pri- meiras, por sua vez, mantêm uma cota de alunos que estudam de forma gratuita e uma cota para aqueles que podem pagar por seus estudos. No que se refere ao Ensino Médio, as escolas tradicionais coexistem com ginásios e liceus privados. Tudo isso estratificou notavelmente a composição social dos alunos, as- sim como diversificou o status e o prestígio dos educativos. Cabe assinalar que sistema anterior preparava psicólogos cuja atividade estava destinada, quase exclusivamente, ao ensino acadêmico. Excetuando as atividades nas agências espaciais, os serviços de segurança e as Forças Armadas, os psicólogos não eram solicitados na vida da sociedade. As reformas econômicas e a instauração de uma ideologia capitalista libe- ral geraram uma enorme demanda de psicólogos que agora podem dedicar-se não só ao aperfeiçoamento do sistema educativo, mas também à Psicoterapia, à seleção de pessoal, aos problemas de comunicação, de formação de imagem etc. Voltando ao tema do estado atual da Ciência psicológica na Rússia, nada melhor que citar parágrafos da Introdução ao Anuário Científico La Psicología en Rusia: estado actual, escrita por seus editores: Yuri P. Zinchenko - deca- no atual da Faculdade de Psicología da Universidade estatal de Moscou; Presidente de tal Sociedade e editor chefe do Boletín de la Univer- sidad de Serie 14: e Víctor F. Petrenko (2009) membro corresponsável da Academia Russa de Ciências, professor da Faculdade de Psicología da Universidade Estatal de Moscou, da revista Historia de la Psicología. Em tal Introdução sinaliza-se, em primeiro lugar, que propósito principal da edição é "[...] introducir la rusa en la comunidad psicológica internacional [...]" (destaque nosso) e se faz uma apreciação da situação atual: Enquanto que a Ciência soviética (como toda a vida na União Soviética) estava construída segundo um princípio hierárquico e era fácil identificar os centros da Ciência psicológica e seus líderes, na Rússia isto é muito mais difícil e, às vezes, resulta duvidoso identificar autoridades Podem-se encontrar investigadores brilhantes e profissionais práticos não só em Moscou São Petersburgo, mas também em Yaroslavl Samara, Tomsk Perm, Novosibirsk Kémerovo, Rostov Smolensk, Vladivostok e 10 Digitalizado com CamScanner</p><p>a geografia dos centros em que se pratica a Psicologia é muito vasta [...] Mui- psicólogos jovens terminaram estudos de Pós-Graduação nos Bretanha, Alemanha e com exito os enfoques e europeu. Uma parte considerável dos cientistas permanece constante em sua devoção (sic) pela Psicologia enfoque da atividade, fundamenta- dos nos trabalhos de Vigotski, S. Rubinstein, A. N. A. R. Luria, P. Ya. Galperin e outros (grifos nossos). Os editores sinalizam também que se torna impossível, nos limites de um Anuário, mostrar todo espectro das investigações psicológicas na Rússia. Consideram que [...] florescimento da Psicologia prática e da psicoterapia - destaque nosso: em contraposição à Psicologia quer dizer ensino dessa Ciência em instituições de Educação Superior e as investigações realizadas em seus marcos -, começou nos anos 1980 em muitos aspectos, iniciou-se com a chegada de Carl Rogers e suas sessões de Psicologia centrada no cliente. desenvolvimen- to rápido da hipnose eriksoniana ocorreu em 1990, com O desaparecimento e ada União Soviética e a ruptura dos tapa-olhos quando a Rússia democrática abriu-se ao mundo. Em as visitas de cientistas proeminentes como H. Eysenck, J. Bruner, V. Frankl, S. Grof, M. Cole, A. S. Marnus- sen, C. Maslach, K. Pribram, R. Sternberg, J. Wertsch, Ph. Zimbardo, deixaram uma marca indelével na história e na metodologia da Psicologia na Rússia. Os editores sinalizam, também, que os jovens psicólogos não só são bem- vindos em postos de trabalho financiados pelo Estado, mas que ainda assim surgiram empresas privadas especializadas em seleção de pessoal, em asses- soramento e em diferentes tipos de treinamentos psicológicos. Aplicam-se os conhecimentos psicológicos em todos os tipos de processos eleitorais e exis- tem muitos psicólogos que trabalham por conta própria, a maioria dos quais estão ocupados em práticas privadas como psicoterapeutas. Por outra parte, indicam que a investigação científica segue sendo reali- zada, principalmente nas universidades de Moscou, São Petersburgo e outras cidades; no Instituto de Psicologia da Academia Russa de Ciências e no Insti- tuto de Psicologia da Academia Russa de Educação etc. Destacam que a Sociedade Russa de Psicología tem 52 oficinas regionais, cerca de 30 associações profissionais e conta com mais de 30.000 membros. Na Introdução ao Anuário publicado no ano 2010, os mesmos Editores (ZÍNCHENO; PETRENKO) insistem em destacar que a Psicologia russa se desenvolve devido ao 11 Digitalizado com CamScanner</p><p>[...] grande interesse que a sociedade russa mostra pela Psicologia em geral e pelas possibilidades de sua aplicação prática. Cresce a quantidade de organizações que empregam psicólogos profissionais incrementa-se a demanda por inovações em áreas como a gestão administrativa, a produção, a educação, etc. [...] e o predomino da investigação aplicada pode-se considerar hoje cm dia como uma das direções mais características. [...] das tendências da Psicologia russa é número significativo de investigações interdisciplinares [...]. Esta tendência corresponde-se com a compreensão generalizada de que os problemas práticos teóricos são quase sempre muito complexos e requerem esforço conjunto dos profissionais de vários ramos da Psicologia. No Anuário editado no ano de 2011, os editores reiteram suas apreciações sobre o desenvolvimento da Psicologia na Rússia. Porém, fazem notar que "[...] a Ciên- cia psicológica, ao converter-se de disciplina acadêmica exótica se não marginal em uma ocupação quase massiva [...]", gerou um problema importante: "[...] a necessidade de toda classe de serviços psicológicos (ajuda psicológica, consultas, investigações aplicadas) as capacidades da comunidade profissional". Este desequilíbrio fez que os psicólogos profissionais "[...] debilitaram a qualidade de pa- drões, a seguir, no trabalho cotidiano e substituíram teorias psicológicas científicas por explicações inventadas ad-hoc e hipóteses questionáveis. Se esses anuários podem dar uma ideia relativamente completa do estado atual da Psicologia na Rússia, creio que é muito importante prestar atenção especial à intenção, aos propósitos e as considerações que os editores fazem nas instituições correspondentes. Na minha opinião, os processos de integração global não puderam deixar de afetar a Ciência psicológica, considerando a situação criada na Rússia depois da Perestroika. Porém, importante aqui é a direcionalidade dessa integração: pelo visto tratou-se, fundamentalmente, uma via de mão única a integração consistiu na aceitação quase sempre indiscriminada de teorias e concepções reinantes no Ocidente, enquanto que as conquistas da Psicologia soviética fo- ram consideradas obsoletas e carregadas de uma ideologia não vigente. Muitos daqueles que aderiram entusiasticamente às teorias ocidentais esqueceram-se intencionalmente ou não de que tais teorias também têm uma ideologia que as sustentam. Recordemos que, no início da Perestroika, falou-se de desideologizar a vida política, econômica, cultural etc., da sociedade russa, que, na realidade, significou desisovietizá-la: resultado foi triunfo do neoliberalismo, com to- das as consequências inerentes a esta concepção. Por suposto, seguem trabalhando psicólogos que não renunciaram desenvolver 12 Digitalizado com CamScanner</p><p>as teorias de L.S. Vigotski, A. N. Leóntiev, P. Ya. Galperin, D. B. Elkonin e outros grandes da Psicologia soviética. Nas entrevistas que fiz durante a preparação desta edição, o leitor poderá julgar curso que estas concepções tomam atualmente. Para finalizar, desejo destacar que considerei essencial oferecer ao leitor um panorama valorativo menos oficial ou "oficioso" das mudanças ocorridas. Ou seja, dar não só um panorama das características principais que a Ciência psicológica apresenta hoje na Rússia, mas o que considero mais importante uma avaliação, pelos próprios profissionais, de seu estado e desenvolvimen- to. Para isto elaborei um breve questionário, que orientaram as entrevistas que serão introduzidas na segunda parte deste livro, com as seguintes perguntas: Entrevista: Há mais de 30 anos escrevi La Psicología soviética tal como yo la veo. Por algu- ma razão, este livro é muito solicitado na América Latina e me propuseram sua reedição. Porém, na medida em que passaram muitos anos e muito mudou em todas as esferas da vida, da sociedade, gostaria de atualizar parte do seu conteú- do. Neste sentido, permita-me formular algumas perguntas: 1. que, na sua opinião, a Ciência psicológica na Rússia adquiriu nos últi- mos trinta anos? 2. E o que perdeu? 3. Como o(a) senhor(a) caracterizaria o estado atual da Ciência psicológica no mundo e, em particular, na Rússia? 4. Quais são, na sua opinião, as direções da Psicologia que tem maior per- spectiva de desenvolvimento no País? Ou dito de outra maneira: quais são, na sua opinião, as direções em que a Ciência psicológica se desenvolve em seu país, que tem maiores perspectivas? 5. Como senhor(a) sabe, a teoria de L.S. Vigotski é muito popular em todo o mundo; em particular na América Latina, cujo interesse que desperta é muito grande. O senhor poderia definir ou caracterizar desenvolvi- mento desta teoria nos últimos anos e qual é seu estado atual? 6. Na sua opinião, que futuro a Ciência psicológica Converter-se-á em um conjunto simples de procedimentos técnicos de aplicação prática ou podem-se esperar novos descobrimentos teóricos que permitiriam devolv- er-lhe seu status de Ciência formadora de sentido? 7. senhor(a) gostaria de acrescentar algumas considerações sobre tema, em especial para os psicólogos latino-americanos? Muito obrigada por sua colaboração! Como se pode apreciar, as respostas dos entrevistados em verdade pou- cos, porém representativos na medida de sua qualificação científica indubitá- vel -, apresentadas na segunda parte desta publicação, constituem, na minha 13 Digitalizado com CamScanner</p><p>opinião, um diagnóstico bastante desanimador da saúde de nossa ciência. Realizadas vinte e cinco anos depois das primeiras que foram publicadas na primeira edição do livro trazem alguns indícios do impacto que as transfor- mações produziram na Psicologia russa. Deixo a critério dos leitores julgar se "o doente está mais vivo que morto" ou, ao inverso, se existem esperanças de recuperação e se trata apenas de um so- frimento temporário, típico das "idades críticas" e dos períodos de crescimento. Quero, finalmente, reafirmar que qualquer que seja a opinião que leitor forme do estado atual da Psicologia na Rússia, não deve esquecer nem por um instante que as Ciências Humanas e, em particular, a nossa, são extremamente permeáveis ao contexto social, econômico político onde se desenvolvem. As ideologias que sustentam os governos e que determinam a eleição de uma ou ou- tra via de condução do país que nem sempre, nem muito menos, é fonte de pro- gresso e bem-estar de seus habitantes - exercem uma influência decisiva no curso que as distintas especializações tomam, a direção das investigações, a orientação dos processos de ensino etc.; em uma palavra, na esfera mais sensível da cultura. Marta Shuare 14 Digitalizado com CamScanner</p><p>PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO Como epígrafe deste livro, a autora escolheu palavras de uma canção argentina: No vengas a trasarme el campo com ojos de forasteiro. Quero assinalar de diato que meus colegas e eu nunca consideramos Marta Shuare como uma forasteira. Ela não só incorporou-se a nossa Ciência psicológica, mas também se cm uma parte integrante da mesma e conquistou direito de escrever este livro. Durante muitos anos de residência em Moscou, seus pon- tos de vista mudaram radicalmente. A cuforia inicial da jovem investigadora argentina que havia chegado ao país do socialismo triunfante deixou lugar a uma visão mais sóbria sobre a Ciência psicológica de alguns dos seus repre- sentantes e também da nossa história situação social atual. A visão da nossa psicologia que a autora oferece coincide sempre com a mi- nha ou a de outros psicólogos soviéticos. Nós mesmos, porém não temos uma concepção unificada, comum, geral da Psicologia soviética como Ciência e de sua história: avaliamos de formas diferentes papel de umas ou outras persona- lidades, correntes e escolas vemos as diversas perspectivas de desen- volvimento da psicologia, suas tarefas fundamentais, de modo diverso. Ainda que fosse apenas por esta razão, não podemos negar à autora o direito, inerente a todo científico autêntico, de ter sua própria visão, sua visão comprometida. Destaco, porém, uma vez mais, não é uma concepção forasteira, mas os pontos de vista de uma colega nossa, a quem conhecemos há muito tempo e respeita- mos profundamente, que realizou uma investigação muito séria das fontes e das direções principais do desenvolvimento da Psicologia soviética. Quero destacar que este livro é relevante pelo estilo da exposição, o enca- deamento dos acontecimentos, a análise das circunstâncias sociopolíticas e a seleção de nomes que a autora faz para a descrição e análise. Esta estruturação da obra, o acento peculiar de figuras sobre um fundo, está condicionada pelo conhecimento que Marta Shuare tem do desenvolvimento da Psicologia nos países de fala hispânica, em especial na América Latina. Dessa maneira, desejo de ressaltar que pode ser de significação maior para os especialistas de tais países. Isto torna o livro valioso não só para seus destinatários diretos, mas também para nós, dado que nos vemos aqui com outros olhos. 15 Digitalizado com CamScanner</p><p>Nestas páginas não analisarei o conteúdo da obra. Dou como que foi escrita por uma testemunha direta de muitos acontecimentos ocorridos na Psicologia soviética nos últimos anos. Gostaria, porém de deter-me em um aspecto que Marta Shuare analisou, em especial. A Psicologia, como muitas ciências - entre as humanísticas - expe- rimentou perdas graves nos anos das repressões estalinistas. Ainda que L. S. Vigotski morreu em seu leito, suas obras estiveram proibidas. Entretanto e apesar de tudo, sua escola conservou-se praticamente incluindo os participantes na guerra pátria: D. B. Elkonin, G. D. Lukov, P. I. Em comparação com a Filosofia, a Biologia, a Genética etc., sofreram também menos outras orientações e escolas, por exemplo, a de S. L. Rubinstein, B. M. D. N. Uznadze. Por mais surpreendente que pareça, a Psicologia suportou um dano relativamente maior no período de estancamento, quan- do floresceu nela o enfoque administrativo de mando que se autodenominou sistêmico. É verdade que Marta Shuare, com a delicadeza que lhe é própria abstém-se de descrever a tentativa recente - espero que seja último na nossa Ciência - de impor poder unipessoal e a unificação das ideias. Ela prestou mais atenção à descrição do ocaso magnífico e brilhante da Ciência psicológi- ca soviética e a busca dos indícios que asseguram seu renascimento. A autora conheceu psicólogos extraordinários da escola de L. S. Vigotski e foi discípula de muitos deles. Conheceu pessoalmente a A. R. Luria, P. Ya. Galperin e outros, as fontes e as raízes desta escola, as discussões, a evolução das concepções, sua diferenciação. Graças a isso, caráter científico da exposição complementa-se perfeitamente com o aroma das impressões vivas e os contatos pessoais. É substancial que a autora tenha dedicado um grande lugar aos problemas metodológicos da Psicologia, ao pluralismo teórico que nossa Ciência sempre conseguiu conservar nos marcos da metodologia do materialismo dialético real e não do vulgarizado nos anos 1930. Marta Shuare prestou também atenção especial à Escola de L. S. Vigotski que estudou a condicionalidade histórico-cultural do desenvolvimento do psiquismo e da consciência. O tratamento deste tema não é uma oferenda à moda, nem a imitação da tendência, observável na Europa e EUA, a valorizar agora as formulações teóricas e as investigações desta Escola. Aqui, a autora encontrou seu ajuste próprio, um enfoque que não encontrei em outros investigadores, desde qual expõe e - é preciso assinalar com toda claridade - desenvolve a 16 Digitalizado com CamScanner</p><p>concepção do próprio Vigotski. Refiro-me à explicação, análise e entrecruza- mento dos principais pontos de vista de L. S. Vigotski sobre O problema do tempo c, em primeiro lugar, do tempo Vigotski examinava a cultura a história não como passado distante, mas como presente imortal, quer dizer, que se realiza permanentemente. É imortal porque a cultura a história reproduzem-se de modo constante no presente, porém não O fazem de modo automático, mas por meio da tensão da ação, por meio dos esforços da mente, da paixão do Vigotski não foi, por acaso, um grande admirador de Spinoza e repetiu com este que ninguém sabe ainda do que corpo humano é capaz. De mesmo modo, ninguém sabe ainda do que espírito humano é capaz quando se desenvolve livremente. Falo disto para destacar o caráter otimista da teoria de L. S. Vigotski. En- contramos potencialmente nela, como também na teoria de J. Piaget, as bases para orientar a psicologia do desenvolvimento e a prática do ensino até pri- meiro quarto do século XXI. Não se vê no horizonte destas áreas da Ciência e da prática, pelo menos por enquanto, figuras de calibre similar. Devo dizer que a Psicologia soviética tem uma grande dívida com L. S. Vigotski e com os representantes de sua Escola, especialmente com aqueles que já falece- ram. Ocorre que nós, de modo muito lento e nem sempre! -, restabelecemos a civilização perdida ou, como disse o escritor V. Shklovski, a civilização que temos contribuído para enterrar com as próprias mãos. Somos muito gratos ainda que experimentemos certa dose de amargura que nossos amigos e colegas do estrangeiro nos ajudem a reconstruir esses mundos culturais. Finalmente, quero saudar o fato de que Progreso, um editorial soviético, publique esta obra interessante e necessária que reflete de maneira adequada e viva desenvolvimento e estado atual da Psicologia na URSS. Professor V. P. Zinchenko Dezembro de 1988 Moscou 17 Digitalizado com CamScanner</p><p>AO LEITOR Não me venha analisar campo com olhos de forasteiro... Estc livro não é uma história completa do desenvolvimento da Psicologia so- viética, com todas as suas escolas, tendências correntes, quer dizer, uma descrição pretensamente objetiva cronológica de todos os fatos. Minha intenção foi escrever um esboço histórico em que princípio da exposição cronológica estivesse subordi- nado ao princípio da exposição conceitual, de modo que a perspectiva histórica nos conduza não só ao passado, mas, ao futuro da Ciência. Creio que único procedimento para conseguir objetividade é explicitar as premissas das quais partimos ao empreendermos um histórico: trata-se então de uma estória a seleção é uma forma de avaliação e de valoração. O fio condutor é a exposição dos princípios fundamentais da Psicologia soviética, do modo como pude reconstruindo a história de seu desenvolvi- mento seguindo, particularmente, uma concepção: a teoria histórico-cultural de Vigotski, com seus continuadores e aqueles que desenvolveram a mesma. Outras direções, tendências escolas, cujas particularidades ressaltam quando compara- das entre si com a teoria deste esboço, são também mencionadas. O livro foi dividido capítulos que refletem os períodos mais importantes e neles inserem- e a problemática psicológica da época, personificando-a em aqueles autores e investigadores que se mostraram mais representativos. Por outro lado, foi a maior insistência possível nos problemas que seguem sendo atuais para a Psicologia soviética, tanto do ponto de vista das elaborações teóricas e da temática quanto das tarefas que o momento presente coloca para tal Ciência. Alguns dos fatores que me impulsionaram a escrever este livro são: uma permanência demorada na URSS; a imersão na vida cotidiana da investigação psicológica; contato permanente com muitos daqueles que tem sido e são os protagonistas do desenvolvimento desta ciência na União Soviética; o conheci- mento mais ou menos detalhado da situação e os problemas da Psicologia na América Latina; a falta de difusão séria dos autores soviéticos em nossos países; o conhecimento que existem, entre nossos profissionais, muitos preconceitos sobre a Psicologia na URSS; a carência de informação ou a desinformação das quais padecem - e pela qual não são responsáveis, em grande medida. 19 Digitalizado com CamScanner</p><p>Tenho a honra de contar-me entre os discípulos de grandes pensadores da Psicologia, como A. R. Luria, sob cuja direção realizei minha tese de PhD; P. Ya. Galperin em cuja a fiz cursos de Psicologia evolutiva; A. N. Leóntiev, B. V. Zeigarnik, D. B. Elkonin, A. V. Zaporózhets, V. V. Davídov, V. P. cujas conferências e ciclos de classes teóricas escutei reiteradamente. Por isso "não venho avaliar campo com olhos de forasteiro". Considero, ao contrário, um dever frente aqueles que foram e são meus mestres, difundir, no melhor sentido da palavra, as conquistas da Psicologia soviética: um modo de expressar minha gratidão e de pagar uma "dívida de saber" sempre maior que minhas possibili- dades. A todos eles, meu reconhecimento mais profundo e sincero. Marta Shuare PhD em Psicologia 20 Digitalizado com CamScanner</p><p>PARTE I CAPÍTULO 1 AS FONTES FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA SOVIÉTICA A Psicologia soviética, desde suas primeiras tentativas para formular uma nova concepção sobre a natureza do psiquismo e e até o presente, mostra uma característica que a diferencia significativamente de ou- tros sistemas científicos e que representa seu ponto de partida metodológico. Trata-se das relações entre a Ciência psicológica e a Filosofia. A Filosofia é necessária para a Ciência psicológica? Esta pergunta, como sabemos, foi e é respondida de diferentes modos. A interpretação das relações entre a Filosofia e as Ciências tem uma história tão longa como aquelas. Inclusive as concepções que não reconhecem um lugar e um papel da Filosofia no conhecimento afirmam, ainda que pareça paradoxal, esta relação, na medida em que sua negação constitui uma deter- minada postura filosófico-metodológica da qual, assim como de qualquer ou- tra, decorrem uma série de consequências. Uma das características mais notáveis da Psicologia soviética é que, desde seus inícios, definiu-se, neste aspecto, como Ciência que procura em uma concepção_filosófica determinada - o materialismo dialético e histórico - os marcos metodológicos, dentro dos quais desenvolver a investigação científica. Portanto, torna-se indispensável a análise deste aspecto. As ideias sobre as funções que a Filosofia cumpre em relação com o co- nhecimento científico indicam etapas no desenvolvimento das Ciências, em geral, e das Ciências Humanas em particular. Como assinala o conhecido filósofo soviético E. G. Yudin (1978, 92), a Filosofia cumpre três funções principais em relação ao conhecimento científico: 21 Digitalizado com CamScanner</p><p>[...] em primeiro lugar, a função de investigar as premissas e condições que embasam um determinado tipo de conhecimento em segundo lugar, a função de determinar os limites historicamente concretos do conhecimento científico conse- guido com um dado procedimento para a organização deste conhecimento; quer dizer, a função de revelar os marcos socioculturais e gnosiológicos nos quais se movimenta uma dada forma de organização da ciência; em terceiro lugar, a função de revelar o tipo de orientação social prática determinado pelo lugar que a ciência ocupa no sistema da cultura. A realização da primeira função consiste na representação sobre a norma conceitual da Ciência e seus principais esquemas explicativos; produto da segunda função está na caracterização do conjunto de problemas acessíveis ao conhecimento dado nível de desenvolvimento alcançado pelo mesmo, em um momento determinado; a função consiste na rização da ciência como instituição sociocultural, a explicitação do seu papel na formação da concepção de mundo (YUDIN, 1978, p. 93). Isto é especial- mente aplicável à teoria histórico-cultural de Ainda que existam relações estreitas entre a Filosofia e a concepção de mundo, elas não são idênticas. V. P. e Smirnov (1983, p. 15) assinalam que a primeira constitui a forma teórica da concepção de mundo, seu núcleo metodológico geral. Conforme os autores: A concepção de mundo inclui não só postulados filosóficos gerais, mas tam- bém os particulares, estando entre eles os formulados pela A filosofia constitui nível superior da concepção de mundo do indivíduo, das camadas e classes sociais refletidos conscientemente e formulados teoricamente. Mais adiante afirmam que: "A concepção de mundo e seu núcleo teórico a filosofia cumprindo uma função metodológica geral na investigação psico- lógica fazem uma contribuição significativa para a garantia da objetividade e do caráter científico dos resultados obtidos em tal investigação" KO; SMIRNOV, 1983, 16). Qualquer teoria científica, em especial nas chamadas Ciências Humanas, responde a uma concepção geral sobre a essência do homem, sua origem, a natureza do conhecimento etc. Por isto, os resultados concretos e os princí- pios básicos de qualquer teoria científica não podem deixar de expressar uma determinada concepção de mundo e certo enfoque filosófico. O problema não consiste em como evitar esta situação, como remover da Ciência esse conteúdo inevitável. Ao contrário trata-se de explicitar, ao máximo, esta dependência e esclarecer as funções da filosofia e da concepção de mundo no conhecimento 22 Digitalizado com CamScanner</p><p>este é o melhor meio para prevenir conteúdos ideológicos "inespe- rados" que "subitamente" aparecem no conhecimento científico. Tal explici- tação não constitui uma perda de objetividade, mas a garantia indispensável ainda que não suficiente da mesma. Torna-se conveniente a análise do problema dos níveis metodológicos nas Ciências em geral e nas Ciências Humanas em particular. Segundo E. G. Yudin (1978), o nível superior está constituído pela meto- dologia filosófica, cujos conteúdos são os princípios gerais do conhecimento e o sistema categorial da Ciência, como sistema de premissas e princípios orien- tadores da atividade cognoscitiva. Para autor: nível filosófico da metodologia não funciona como um sistema rígido de nor- mas "receitas" ou de procedimentos técnicos esta interpretação levaria inevi- tavelmente a dogmatização do conhecimento mas como um sistema de premissas orientação da atividade do conhecimento (YUDIN, 1978, p. 41). A Filosofia desempenha, aqui, um duplo papel: realiza a crítica construti- va do conhecimento científico desde ponto de vista das condições e limites de aplicação, da adequação de seu fundamento metodológico e das tendências gerais do seu desenvolvimento; em segundo lugar, a Filosofia oferece a inter- pretação global dos resultados científicos desde uma ou outra visão do mundo. segundo nível metodológico está constituído pelos princípios e formas gerais de investigação científica. Trata-se das concepções que in- fluem sobre um grande conjunto de disciplinas fundamentais, as- sim como as elaborações e teorias formais relacionadas com a solução de um amplo espectro de tarefas metodológicas. terceiro nível metodológico está constituído pela metodologia científi- ca concreta, isto é, todos os métodos, princípios e procedimentos de investi- gação de uma determinada disciplina O quarto nível é a metodologia científica concreta aplicada a uma classe limita- da de objetos e situações específicas para uma área determinada de conhecimento. é o nível que mais se aproxima da prática da investigação e se relaciona com a descrição dos meios e os procedimentos concretos destinados a obter informação e as exigências relacionadas com o processo de coleta do material empírico, com a realização do trabalho experimental e os métodos específicos para elaborar os dados obtidos. Em outras palavras, este é o nível metodológico mais especializado, o que está mais próximo da ciência concreta, sendo sua função garantir a homo- geneidade e o caráter fidedigno da informação (YUDIN, 1978, p. 41-46). 23 Digitalizado com CamScanner</p><p>A reflexão metodológica não ocorre de modo constante. Existem momen- tos em que ela é indispensável, tendo uma importância decisiva para desen- volvimento ulterior das Ciências. Segundo E. G. Yudin (1978) indicador principal da necessidade de uma análise metodológica do sistema de conhe- cimento é o surgimento de diferentes paradoxos, sendo a contradição entre as previsões teóricas e os dados empíricos obtidos, paradoxo central. Isto se refere logicamente à reflexão metodológica dos níveis superiores. Situações mais circunscritas e limitadas (YUDIN, 1978, p. 57) também po- dem requerer uma análise metodológica específica. Como vemos as relações entre a Filosofia e as Ciências Concretas, a problemática dos referenciais me- todológicos destas é extremamente complexa. Não se trata de aceitar ou negar que a Filosofia cumpra alguma função no conhecimento científico - que é indubitável -, mas de compreender as relações mútuas entre os dois tipos de reflexo da realidade. Queiramos ou não, a Filosofia é necessária para todo conhecimento científico e, sobretudo, mais explicitamente, para as Ciências Hu- manistas. Porém, também é evidente que não é suficiente declarar a função me- todológica geral da Filosofia e, ainda menos, esperar que a simples repetição de certos postulados filosóficos funcionam como palavras mágicas que assegurem, de fato, a obtenção de um conhecimento fidedigno sobre objeto da investiga- ção. conhecimento filosófico não se aplica automaticamente na investigação científica concreta, mas funciona em relação íntima com os outros níveis do sa- ber metodológico. Os postulados e princípios filosóficos devem concretizar-se, pelo menos duas vezes, na Ciência no plano dos princípios e concepções gerais e no plano da metodologia da Ciência particular. A aplicação direta dos postulados filosóficos, como meras etiquetas, usados para analisar os fenómenos estudados leva, por uma parte, à desvalorização do saber filosófico e, por outra, a uma interpretação escolástica dos fatos. No que se refere às relações entre a reflexão filosófico-metodológica e a Psi- cologia, parece evidente que os momentos mais produtivos em tal Ciência são aqueles subsequentes a uma profunda reflexão sobre objeto, os procedimentos de investigação e as funções do conhecimento psicológico. Y. P. Zinchenko e S. D. Smirnov que a primeira razão pela qual a Psicologia está interessa- da nos problemas metodológicos é a complexidade e o caráter multifacetário do objeto de investigação. A-segunda razão é a grande quantidade de dados empíricos que 24 Digitalizado com CamScanner</p><p>ser captados como um todo novos (ZÍNCHENKO, V. P.; SMIRNOV, 1983, p. 29). Como assinala A. N. Leóntiev (1975, 8): [...] psicólogo investigador que se dedicou a estudar temas concretos continua tropeçando, inevitavelmente, com os problemas metodológicos fundamentais da Ciência psicológica. Estes somente se colocam de um modo velado, posto que a solução das questões concretas parece não depender delas e exigir apenas a multiplicação e precisão dos dados empíricos. Surge então uma desmetodolo- gização ilusória na esfera das investigações concretas [...]. É preciso que as tare- fas parciais não ofusquem as mais gerais, que os procedimentos de investigação não ignorem sua metodologia. É evidente que as reflexões metodológicas não constituem um fim em si mesmo para as Ciências concretas. Em períodos de crise, sem dúvida, sua necessidade torna-se evidente e nesses momentos interesse por tal temática aumenta. A situação atual pela qual atravessa, não só a Psicologia soviética, mas a Psicologia em todo O mundo é um exemplo disto. Por último, como fator não menos importante da necessidade relacionada às exigências metodológicas para qualquer investigação em Psicologia, devemos mencionar a responsabilidade especial do psicólogo pelos resultados e conclu- que formula sobre os fenômenos estudados e os fatores que os determinam. que a Filosofia Materialista-Dialética ofereceu à Psicologia soviética? As concepções filosóficas, seus postulados fundamentais tem um valor metodológico maior ou menor, para as diferentes Ciências, dependendo, por uma parte, do conteúdo de tais concepções filosóficas e, por outra parte, do objeto das Ciências particulares, do seu próprio nível de desenvolvimento e da demanda social de uma determinada época etc. Na medida em que a Psicologia soviética declarou, desde seus inícios, que pretendia constituir-se como Ciência, tendo como base a Filosofia Materialis- ta-Dialética, devemos analisar quais são os postulados desta que, segundo os próprios psicólogos soviéticos, mostraram-se com maior significação meto- dológica e heurística para a Psicologia. Em uma primeira análise, a Filosofia pode dar respostas concretas para uma série de problemas que a Psicologia estuda: todo sistema filosófico faz referência à consciência, ao pensamento, ao processo de conhecimento etc., temas tratados também pela Psicologia. Porém, tanto as tarefas, como o siste- 25 Digitalizado com CamScanner</p><p>ma categorial e o caráter do conhecimento na Filosofia e na Psicologia como em outras Ciências Humanas são, sem dúvida, diferentes e relativamente Se estas diferenças são ignoradas podemos acreditar que a "su- perposição" dos postulados aos dados experimentais da Psicologia é assim um verdadeiro conhecimento Como veremos nos capítulos seguintes, as primeiras tentativas para fun- damentar a psicologia nas concepções da Filosofia Materialista-Dialética esti- veram caracterizadas, muitas vezes, por essa compreensão das relações entre ambas as formas de reflexo do mundo, o que conduziu a ecletismos de diver- sas indoles, a posições reducionistas e a uma repetição dogmática de certos básicos que, desta forma, perderam seu valor. Muitos psicólogos e filósofos soviéticos contemporâneos reconhecem a importância dos seguintes momentos para a Psicologia: a concepção materia- lista da dialética, a teoria do reflexo, a categoria atividade e a natureza social do Faremos uma referência breve a cada um destes conceitos na se- do texto. A dialética Em primeiro lugar é necessário destacar a natureza dupla, ontológica e gno- siológica da dialética e significado que o método dialético tem para todas as Ciências, dado que trata das leis mais gerais do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento humano. A Psicologia, em particular, requer, em função da complexidade do seu objeto de estudo, a aplicação criadora do méto- do dialético para a investigação e explicação dos fenômenos que estuda. O primeiro princípio da dialética que deve ser destacado é da vincula- ção e dos Ele implica: i) a necessidade de deter- minar as essenciais que mantêm objeto; ii) a necessidade de superar permanentemente os limites inerentes a qualquer determinação, na medida em que processo de conhecimento é infinito; e iii) a necessidade de reconhecer caráter dialético do conhecimento. O segundo postulado afirma que a fonte de desenvolvimento do objeto não simplesmente quantitativo, mas qualitativo - é a unidade luta dos con- trários. O desenvolvimento, na forma de saltos, a interrupção da continuida- de, a passagem da quantidade à qualidade revela-se por meio do conceito de 2 Ver Zinchenko e Smirnov (1983), Davidov (1980), Kedrov (1982), Zhdán (1985), Yaroshevski (1980) e outros. 26 Digitalizado com CamScanner</p><p>movimento interno, conversão, formação; a fonte do desenvolvimento deve ser procurada dentro do próprio objeto. Disto se depreendem várias conse- entre as quais podemos destacar: i) a ilegitimidade do reducionis- ou seja, da redução do complexo ao simples; e ii) a determinação causal mecânica do objeto é apenas uma forma particular da determinação e isto tem uma importância transcendental para a Psicologia. Neste sentido, E. G. Yudin (1978, 25) afirma: [...] um dos fundamentos da concepção mecanicista do mundo é principio do determinismo a convicção de que [...] todos os processos podem ser explicados por meio de relações causais nas quais cada causa produz, com férrea necessidade, uma consequência única [...]. O modelo de realização deste enfoque foi a mecânica clássica. Em relação às disciplinas biológicas, psi- cológicas sociais, seus fatos não se submetiam. apesar da pressão das tendên- cias mecanicistas, à explicação Desta forma, a fonte de desenvolvimento deve ser encontrada dentro do próprio objeto, tornando-se metodologicamente imprescindível encontrar e des- crever conceitualmente sistema em que objeto adquire suas características peculiares e essenciais. Deste postulado deduz-se a necessidade de reproduzir o concreto por meio de abstrações de um tipo especial, chamadas abstração inicial, célula de partida ou abstração substancial. Por sua vez, estas abstrações iniciais podem expressar-se como unidades de análise do objeto, ou seja, a "[...] formação mínima na qual estão representadas de maneira direta as relações essenciais e os parâmetros substanciais do objeto [...]" SMIRNOV, 1983, p. 81). A teoria do reflexo Esta teoria provavelmente seja um dos aspectos da Filosofia Ma- menos compreendido. É muito comum encontrar inter- pretações de reflexo como cópia elementar passiva da realidade na imagem Esta interpretação é própria de todas as concepções que consideram psíquico como um uma duplicação irreal do mundo. Por outra parte, é diferenciar a teoria do reflexo como pos- tulado básico da teoria do conhecimento do materialismo dialético e a teoria dos reflexos condicionados, formulada por assim como a reflexologia de Provavelmente, por um problema terminológico, porque em es- panhol não se pode diferenciar o primeiro e o segundo significados da palavra reflexo, muitas confusões foram produzidas sobre este assunto. 27 Digitalizado com CamScanner</p><p>A teoria gnosiológica do reflexo parte da compreensão de que os resultados do conhecimento devem ser relativamente adequados ao objeto existente, inde- pendentemente do sujeito cognoscente, quer dizer, refleti-lo de alguma maneira, Como tal, a teoria gnosiológica do reflexo pretende, entre outras coisas, investigar a emergência e o desenvolvimento das formas de reflexo, incluindo as próprias da consciência e as peculiaridades da atividade cognoscitiva do homem; assumindo a esse respeito, a natureza refletora de tal atividade. Como assinala A. N. Leóntiev (1975, p. 48): "[...] no conceito de reflexo está contida a ideia do desenvolvimento, a ideia de que existem níveis e formas diferentes do Em relação à teoria dos reflexos condicionados de L. P. Pávlov, podemos afir- mar que ela se constitui em uma concepção sobre modo de funcionamento do sistema nervoso central, quer dizer, uma teoria sobre os mecanismos fisiológicos que sustentam esta atividade refletora. Não seria exagero acrescentar que tal teoria não é a única, nem a definitiva em relação a tais mecanismos. Como veremos, os reflexos condicionados podem ser considerados como os elementos essenciais ou como um nível primitivo, elementar do funcionamento do sistema nervoso. Em poucas palavras, aceitar caráter refletor da atividade não significa necessariamente afirmar que os reflexos condicionados são único mecanismo pelo qual a atividade se realiza. Por outra parte, devemos indicar a importância que a teoria do reflexo, como teoria do conhecimento, tem para a Psicologia soviética. fato de que reflexo da realidade seja a imagem subjetiva da mesma, implica em: i) reconhe- cimento da especificidade de tal imagem; a pertinência desta imagem para um sujeito concreto e real; iii) a definição da essência ativa do processo do reflexo; e iv) a inclusão da atividade do homem, em particular sua atividade prática, essencial- mente social por sua origem e natureza, na teoria do conhecimento. A teoria materialista da atividade Não examinaremos a longa história do conceito de atividade nas dife- rentes escolas filosóficas, nem faremos referência concreta, neste capítulo, à teoria psicológica da atividade, elaborada na Psicologia soviética a partir das concepções de L. S. Vigotski, S. L. Rubinstein e A. N. - estes autores serão apresentados mais adiante, nos capítulos correspondentes. Porém, como assinala Yudin (1978, p. 267): "[...] de fato, a análise da atividade como realida- de peculiar pressupõe a construção de alguma projeção especial do conceito 28 Digitalizado com CamScanner</p><p>mais geral de atividade". Por isso iremos analisar com cuidado a caracteriza- ção de tal conceito na filosofia caracterização da qual a Psicologia soviética parte e que desempenhou um papel na formação de muitas outras Ciências Sociais - Linguística, Etnografia, Antro- pologia Cultural etc. Partindo do conceito de atividade como unidade orgânica de suas formas e teórica, marxismo supera a ruptura entre a teoria e a prática. afirmando que a sua expressão na atividade. O caráter integral da atividade sintetiza-se no conceito de prática que inclui as múltiplas formas da atividade humana, colocando, em sua base, o trabalho de manifestação (DICIONÁRIO ENCICLO- PÉDICO DE FILOSOFIA, 1983, p. 151). A atividade não só sência dos homens, mas sendo a mundo humano, cria próprio homem. Como consequência para a filosofia materialista dialética dois momen- tos são importantes: o primeiro consiste em que o sujeito da atividade é exa- minado sócio-historicamente; segundo é que a atividade é conceitualizada materialisticamente, isto é, objetal - ou objetivada. Isto, por sua vez, significa que tem uma dupla determinação: segundo a lógica do seu objeto (o que está em correspondência com princípio da prioridade do material) e segundo a lógica da própria atividade (o que se corresponde com o caráter criador desta). Os clássicos do marxismo-leninismo assinalaram reiteradamente a im- portância de estudar os produtos da atividade humana: na medida em que esta é procedimento de objetivação do subjetivo, sua análise permite pe- netrar no mundo interior do homem, abre caminho para aplicar um método verdadeiramente objetivo na Psicologia. Neste sentido é suficiente recordar a frase conhecida de Marx ([19--], p. 87): Vemos como a história da indústria e a existência objetiva da indústria, trans- formada em realidade, é o livro aberto das forças essenciais humanas, a psicolo- gia humana colocada diante de nossos sentidos, que até agora não se concebia como com a essência do homem [...]. 29 Digitalizado com CamScanner</p><p>A natureza social do homem O materialismo dialético e histórico examina-a-sociedade não como uma for- ça externa, estranha à qual homem leveadaptar-se pela força das circunstâncias, mas aquela que criou próprio homem. Desta forma, diferencia-se substancial- mente de outras concepções filosóficas que, reconhecendo papel da sociedade, consideram que ela é um fator que se superpõe - ou se opõe - ao biológico. reconhecimento da determinação do formação de produção do homem e suas propriedades essenciais por parte da sociedade não significa que O homem seja apenas o objeto passivo da influência que forças estranhas exercem sobre ele. homem nunca é é, ao mesmo tempo, o sujeito das relações so- ciais, sendo produto da sociedade é também aquele que a Este postulado tem consequências transcendentais no plano da investigação psicológica. Como assinala A. N. Leóntiev (1972a, p. 404): [...] as mudanças biológicas transmitidas hereditariamente não condicionam desenvolvimento histórico-social do homem e da humanidade [...] processo é movimentado por outras forças e não pelas leis de mudança e herança biológicas. Afirma também: Cada homem aprende a sê-lo. Para viver na sociedade não lhe basta que a na- tureza lhe dá ao nascer. Ele deve dominar, além disso, aquilo que foi conseguido no desenvolvimento histórico da sociedade humana. (LEONTIEV, 1972a, 408). Como veremos, esta concepção da natureza social do homem determinou a recolocação e a solução original de muitas questões que a Psicologia estuda desde sua constituição como Ciência: problema das capacidades, da organi- zação cerebral dos processos psíquicos, caráter e a natureza dos fenômenos cognoscitivos, as funções do psiquismo, processo de interiorização etc. Em sintese, pode-se assinalar que os postulados metodológicos e filosóficos do materialismo dialético e histórico constituíram desde os inícios e permanecem sendo as referências dentro das quais a Psicologia soviética enquadra conscientemente suas buscas teóricas e experimentais. Esta relação estreita de uma Filosofia com uma Ciên- cia concreta originou e continua produzindo na Ciência psicológica que se desenvolve na URSS um matiz único que a diferencia claramente de outros sistemas científicos Tal relação envolveu tanto os aspectos positivos de uma meditação metodo- lógica intracientífica e do domínio de um poderoso instrumento de pensamento, como os negativos derivados de uma infértil dogmatização, de uma ideologi- zação ilegítima da Ciência que, infelizmente, registraram-se em determinados momentos da história, aos quais nos referiremos nos capítulos seguintes. 30 Digitalizado com CamScanner</p><p>CAPÍTULO II A PSICOLOGIA SOVIÉTICA COMEÇA COM A REVOLUÇÃO Se entendermos título proposto como constatação de uma coincidência espaço-temporal a Revolução de Outubro deu início a uma nova organiza- ção social e política, em um país que logo levaria nome de União Soviética e, portanto, a Psicologia ali realizada seria soviética "por nacionalidade" e seu calendário coincidiria com os aniversários daquela teríamos uma compreen- são pequena do significado do princípio de uma nova reflexão sobre a natureza do e perderiamos, assim, a perspectiva histórica que, lon- ge de reduzir-se a procurar coincidência entre datas e acontecimentos trata de estabelecer nexos de determinação não mecânica entre as ocorrências. É necessário reconhecer, qualquer seja a posição política adotada em relação ao fato, que processo iniciado em 1917 na Rússia implicou necessariamente em profundas comoções no plano da consciência social; basta citar, para convencer- se disto, os movimentos transformadores na poesia, no teatro, no cinema, na pin- tura, na linguística, entre outros que, ainda que estivessem sendo esboçados desde anos anteriores, encontravam nestes momentos a atmosfera propicia para seu de- senvolvimento. Seria estranho, neste contexto, que o reflexo da realida- de, principalmente das Ciências ficasse à margem desta situação. Então, neste sentido, a Psicologia soviética, seu desenvolvimento nos primeiros anos apresenta-se, para a análise histórica, como um modelo para estudar as inter -relações entre os acontecimentos na esfera das relações sociais e os paradigmas científicos elaborados em vinculação com elas. Não se apenas do apoio material que a Ciência Psicologia recebeu desde os primeiros anos da Revolução de Outubro. Neste sentido é suficiente citar a resolução sobre a criação do Instituto do Cérebro sob a direção de V.M. Béjterev, em 1918 e o decreto do Conselho de Comissários do Povo de 21 de janeiro de 1921, a respeito da ajuda ao laboratório de 1. P. Pávlov; a criação de uma série de novas instituições a oficina de investigações psicológicas que se reportava ao Comissariado do Povo para a Instrução Pública, laboratório psicológico do Instituto Pedagógico em Moscou etc. 31 Digitalizado com CamScanner</p><p>Como acontecimento econômico, social e político a Revolução de bro determinou, além de outras coisas, uma mudança objetiva na situação da Psicologia como A. A. Smirnoy (1975, 135) afirma: A Ciência da jovem Rüssia Soviética deu seus primeiros passos na investigação de questões praticas propostas pela construção de uma vida As possibilidades que se abriram para a já neste período, no plano da utilização de suas conquistas com a finalidade de resolver tarefas práticas testemunham a necessidade de seu desenvolvimento ulterior. Dois momentos importantes se encerram neste pensamento: i) impe- rativo apresentado pelas tarefas práticas; e ii) a adequação indispensável do desenvolvimento da Ciência para essas tarefas. A necessidade de resolver tarefas práticas na dimensão de toda a sociedade tira a Psicologia dos marcos acadêmicos tradicionais e assim esta deixa de ser uma Ciência relativamente "neutra", no sentido de suas investigações de labora- tório, e obriga não só a verificar seus esquemas explicativos em situações reais, mas também dar resposta para problemas de significação vital para a sociedade. Sem dúvida, o aspecto distintivo da Psicologia soviética desde seu início é a tendência clara de desenvolver teórica e metodologicamente, de modo novo, tal Ciência para, sobre esta base, atender as necessidades práticas. As tentativas de construir a nova Psicologia requerida pelas circunstân- cias históricas, tentativas realizadas a partir de diferentes científicas e sistemas filosóficos, originam uma polêmica aguda que, sendo iniciada antes da Revolução de Outubro, toma impulso nela e continua com diferentes con- teúdos e possibilidades de desenvolvimento durante longo tempo. A reflexão teórica sobre a natureza do a investigação da essência do psiquismo humano, problema do objeto da Psicologia e de seus méto- dos foi terreno em que se desenvolveu uma luta tenaz de ideias e no qual a Psicologia soviética fez sua revolução. Não é necessário, entretanto, supor que esta revolução fosse o produto puro de uma "iluminação" coletiva nea. Foi, na realidade, fruto de um enfrentamento áspero às vezes impla- cável e injusto e prolongado de concepções, interpretações, esquemas cujos extremos mecanicismo - dialética; idealismo - materialismo -, atuando como polos magnéticos, atraíram os científicos da época, fazendo com que, por mo- mentos, perdessem sua bussola orientadora, mas que no final das contas os levou a encontrar a base a partir da qual pudessem formular as proposições fundamentais para a criação de uma nova Psicologia. 32 Digitalizado com CamScanner</p><p>Essa base foi a Filosofia materialista dialética; sem dúvida, muito rapi- damente os psicólogos experimentaram na própria carne que a Filosofia não substitui as Ciências concretas, nem oferece receitas que asseguram conhe- cimento científico dos diversos aspetos da realidade. A história dos primeiros anos da Psicologia soviética é a história das tentativas para dar à Psicologia O estatuto de uma Ciência verdadeira, cujos princípios metodológicos deviam derivar-se naturalmente dos postulados do materialismo dialético e histórico Os primeiros anos depois de Outubro A crise vivida pela Psicologia em todo o mundo, surgimento de diversas teorias no Ocidente, a necessidade de que esta Ciência respondesse ás tarefas grandiosas de construção de uma nova sociedade produziram efeitos com- plicados no panorama de correntes e tendências na Rússia. Em linhas gerais, e com todos os perigos implicados na esquematização, podemos afirmar que nos primeiros anos depois da Revolução de Outubro se manifestaram em: i) a defesa da Psicologia tradicional subjetivista, empirista em especial em sua linha experimental que tinha um desenvolvimento considerável no País: ii) a prolongação da tradição da Fisiologia que havia conseguido êxitos consideráveis no estudo do cérebro e do sistema nervoso em geral e que pretendia converter-se em modelo para a Psicologia inclusive substitui-la; iii) as tentativas de criar novas concepções embasadas no marxismo. De modo geral e com todos os perigos implicados na esquematização, podemos dizer que nos primeiros anos posteriores à Revolução de Outubro, manifetam-se: algumas das principais consequências que caracterizam esta primeira etapa: i) a emergência de um "novo" objeto de estudo da Psicologia, comportamento, porém entendido de modo diferente daquele assumido pelo comportamentalismo ii) a pretensão de reduzir o psiquis- mo à manifestação subjetiva dos processos nervosos e, em geral, diferentes interpretações materialistas reducionistas; iii) diferentes propostas nas quais pretende-se incorporar postulados do marxismo à Psicologia. Estes diversos enfoques honestos, mas limitados, permitem avaliar, de modo ainda mais adequado, a envergadura das transformações qualitativas, verdadeiro salto revolucionário que produzem personalidades como L.S. Vigotski em Psicolo- gia, A. A. Ujtmoski e N. A. Bernshtein em Fisiologia. 33 Digitalizado com CamScanner</p><p>Escolhemos alguns autores para fazer um comentário breve de sua obra sem maior pretensão que não seja a de oferecer um panorama sumario da situação criada na Psicologia nesses anos. M. Ya. Básov M. Ya. Básov (1892-1931) foi um dos psicólogos mais interessantes me- nos conhecido da primeira época de desenvolvimento da Psicologia Começou a trabalhar no Instituto de Psiconeurologia sob a direção de A. F. Lazurski que junto com V. A. Vagner, V. N. Miasischev outros formavam um grupo relativamente ligado à atividade de tal instituto - denominado, em 1918, Instituto do Cérebro dirigido por V. M. Béjterev. Seu primeiro trabalho denominado Sobre o ritmo psicológico dedicava-se a definir os diferentes tipos de atividade motora voluntária. Sua obra pode ser ca- racterizada como uma tentativa de superar as concepções empiristas e subjetivis- tas em Psicologia, em particular, enfoque associacionista, típico da época. Em seu trabalho intitulado Problemas da Psicologia funcional segundo Lazurski, publi- cado em 1921, já propunha problema das relações entre os fatores endógenos e aqueles provenientes do meio por um lado e, por outro lado, os aspectos funcionais e dos processos psíquicos. Formulou como princípio, estudo integral da pessoa, tratando de estabelecer a estrutura dos processos psíquicos e tomando de Lazurski a ideia da adaptação ativa do homem ao meio. No segundo Congresso Nacional Russo de Psiconeurologia, realizado em 1924, fez uma intervenção criticando a Chelpánov e sua concepção idealista- subjetiva, assim como a Béjterev por sua posição materialista mecanicista. problema do objeto da Psicologia, a questão dos métodos de investi- gação e problema do desenvolvimento do psiquismo na ontogênese cons- tituíram tema central de suas reflexões. Básov assinalou que dois aspectos podem ser diferenciados quando objeto de estudo é um ser vivo: i) a estru- tura do organismo em si, as partes que constituem, suas inter-relações mú- tuas etc.; ii) de que maneira esse organismo vive seu meio, a atividade que desenvolve para sobreviver e as mudanças que esta sofre como consequência das modificações em seu meio. Ainda que esta afirmação seja aplicável a todos os seres vivos, no caso do homem ganha contornos particulares, na medida em que [...] homem diferentemente do que ocorre com os animais não só de adapta ao 34 Digitalizado com CamScanner</p><p>meio, mas adapta meio a si, atuando sobre ele e transformando mesmo no pro- cesso de trabalho com ajuda dos instrumentos de trabalho. 1931, p. 249) Básov destacou que o meio em que homem atua é um meio peculiar, o de uma sociedade humana, um meio social. A consequência lógica de tal proposição seria considerar que objeto da Psicologia é a atividade humana em suas diferentes formas e homem como um ser ativo no meio que cerca. Segundo alguns autores, como por exemplo, N. A. Menchiskaia (1984, p. 149), em Básov "[...] expressa-se com toda a evi- dência enfoque, desde ponto de vista da atividade, característico da etapa atual do desenvolvimento da ciência psicológica na URSS". Entretanto M. G, Yaroshevski (1971, p. 272) indica que [...] ainda que Básov tenha sido primeiro a afirmar que objeto da Psicologia e só dela, diferentemente de outras Ciências, não é a reação, nem o comporta- mento, mas a atividade, ainda que compreendesse a atividade como um sistema histórico-social que une o homem com a realidade não de modo direto, mas por meio de formas objetivas independentes do (sendo trabalho seu não conseguiu evidenciar a peculiaridade da consciência huma- na que está fundamentada nestes fatores. Ainda que problema da natureza ativa do homem já tivesse sido proposto com relativa clareza, deve-se destacar que Básov (1975, 253) tomou "a inte- ração do organismo com meio" como o ponto de partida que gera o processo de comportamento. Esta ideia devia conduzir ao problema porém, Básov insistiu em que a única solução possível é aquela que se depreende de uma concepção materialista monista. Em Princípios generales de Paidologia, Básov afirna que, do ponto de vista do materialismo dialético, "[...] e o material, a consciência e o ser, o sujeito e o objeto [...] encontram-se em uma relação de unidade, mas não de identidade" 1931, p. 253). Sem dúvida, sua solução não é dialética, mas dualista que se expressou em uma divisão entre a estrutura os mecanismos da atividade e o meio social que determina o desenvolvimento desta Para Básov o elemento fun- damental da estrutura da atividade são os reflexos condicionados, ainda que tenha considerado o estímulo e a reação de modo diferente daquele compreen- dido pela Psicologia comportamentalista. Segundo ele, o estímulo é o objeto que provoca uma ou outra modificação no comportamento, ou, em geral, na inter -relação da pessoa com o meio. O comportamento nunca está determinado pela ação de um único estímulo imediato, aquele que é apenas um impulso externo 35 Digitalizado com CamScanner</p><p>para dar vazão à energia acumulada e pronta para ser empregada. Diferenciou, neste sentido, o "estímulo em si" e "estímulo para o homem" e, analisando conceito de estímulos gerados pelo meio circundante, Básov tratou da tarefa como estímulo. Para que o estímulo para o homem evidencie o que é em si, tor- na-se necessário realizar uma determinada ação com o objeto. Quer dizer que a atividade do homem com os objetos, destinada a resolver determinadas tarefas, permite, em grande medida, o conhecimento da realidade tal como ela é. Básov assinalou dois aspectos importantes no que se refere à reação: i) o estímulo pode estar constituído pelas próprias ações do homem; ii) a reação não deve ser compreendida como uma ação simples e breve, na medida em que, em realidade pode constituir um processo complexo e prolongado que não se corresponde necessariamente com estímulo que deu origem. estudo estrutural dos processos de comportamento permite caracterizar processo da atividade a partir da análise daqueles estímulos dinâmicos como resultado dos quais surge esta atividade integral. Neste sentido cabe destacar que Básov empregou tal análise na investigação dos diferentes tipos de atividade. Outro problema com o qual Básov se preocupou foi dos métodos em Psicologia. Destacamos, desde suas reflexões, a importância que concedeu ao método genético no estudo dos fenômenos psíquicos e a vinculação do método com a ideia do desenvolvimento Em relação a este, Básov partia da aceitação da concepção dos dois fatores do desenvolvimento, biológico e social, cujas relações, no homem, são extremamente complicadas. Segundo Básov, torna-se necessário diferenciar duas direções no desenvolvimento do homem: o biológico, do organismo e psicológico, do indivíduo como ser social. Para desenvolvimento biológico a herança é fator decisivo, mas esta não deve ser considerada como um fator simples, mas a fonte do desenvolvi- mento. Aqui o meio desempenha apenas um papel complementar. Quando se trata do desenvolvimento do homem como ser ativo a herança e meio trocam papéis e o meio, realidade objetiva, é a fonte do desenvolvimento. Para poder analisá-lo é necessário encontrar a atividade que seja a fonte das rela- ções peculiares entre homem e a realidade. Tal atividade, segundo Básov, é o trabalho que produz mudanças não só nas formas de organização social, mas no homem, em sua Psicologia e, em certa medida, em seu organismo. Básov procurou conceber meio social não como algo agregado ao fator biológico, mas como um momento decisivo que, muitas vezes, deixa suas marcas inclu- 36 Digitalizado com CamScanner</p><p>sive nas manifestações mais elementares, puramente biológicas do organismo. Entretanto a herança tem um papel poderoso: ela determina, segundo Básov, o nível final do desenvolvimento ou os limites de suas possibilidades, enquanto meio sociocultural define a forma em que esse desenvolvimento se realiza. Em sua obra Métodos de observación psicológica de niños (1931a), escrita em 1923 e reeditada nos anos posteriores, procurou estudar processo mico do desenvolvimento infantil, e ao mesmo tempo, dar aos pe- dagogos um meio para estudar as crianças objetivamente. Por outra parte, teve uma posição clara a respeito da Paidologia, definindo-a como a síntese científica de "[...] tudo aquilo que constitui os resultados fundamentais das disciplinas que estudam homem em seu desenvolvimento, cada uma em seu aspecto específico [...]" (1931a, 18). Estas ciências são, segundo Básov, a Anatomia, a Fisiologia e a Psicologia infantis. Como assinalaram A. A. Smir- nov e A. V. Petrovski, Básov não conseguiu realizar essa síntese. Sua caracterização dos diferentes tipos de atividade de jogo, de estudo e laboral no desenvolvimento psíquico da criança mostra-se muito interes- sante, ainda que não os tenha utilizado como base para a periodização do desenvolvimento infantil. Em relação a esse problema, Básov assinalou que na periodização, na medida em que as leis do desenvolvimento biológico são diferentes, não é possível aplicar uma mesma categoria temporal a um e a outro, como se fossem um processo único. As bases biológicas podem servir para uma periodização, mas será externa em relação com o desenvolvimento psíquico. Básov destacou que a periodização merece uma investigação especial, na qual os fatos psicológicos que caracterizam o desenvolvimento da criança sejam centrais, ainda que não tenha formulado ou sistematizado esta ideia. Para finalizar esta breve exposição das ideias de Básov, gostaríamos de ressaltar os seguintes momentos: i) a ideia do caráter ativo do homem, assim como a ideia da importância de sua atividade, do caráter transformador da mesma, do papel do meio sociocultural na determinação das características que os fenômenos adquirem. Estas ideias serão desenvolvidas e for- muladas em um nível superior, muito tempo depois, por A. N. Leóntiev; ii) a caracterização dos tipos principais de atividade: de jogo, de estudo e laboral que serão usadas posteriormente na concepção referente à atividade reitora e sua mudança como base para a periodização do desenvolvimento; iii) o reco- nhecimento da papel da herança e dos fatores biológicos que, ainda que su- 37 Digitalizado com CamScanner</p><p>bordinados, marcam os limites possíveis do desenvolvimento; e iv) a definição da Paidologia como síntese das Ciências que estudam a criança. As duas últimas características de sua concepção foram duramente criti- cadas, em especial a partir dos primeiros anos da década de 1930 sua obra ficou esquecida por muito tempo. P.P. Blonski P. P. Blonski (1884-1941) é um dos investigadores em cuja obra podemos observar com maior clareza a luta ideológica que e as modificações produzidas pelo processo iniciado pela Revolução de Outubro nas concepções científicas e que, a partir dos anos 1920, ganha destaque especial na Psicolo- gia. De modo amplo essa luta expressou-se no enfrentamento entre as posi- ções idealistas e materialistas na compreensão do psiquismo, enfrentamento que aconteceu também nos últimos anos do século XIX nas déca- das do século XX, mas que, a partir dos anos 1920 adquire novas formas: as referências ao marxismo, ao materialismo dialético cm menor medida, ao materialismo histórico são ponto de apoio para liberar "o combate defini- tivo" contra idealismo na Psicologia. tema do objeto de estudo da Psico- logia e dos métodos para estudá-lo soma-se à discussão filosófica, tendo em ampla consonância com os processos que ocorrem na ciência psicológica em outros países. P. Blonski terminou, em 1907, a Faculdade de História e Filologia na Universidade de Kiev. Desde 1913 foi docente de Pedagogia e Psicologia na Universidade de Moscou e também ministrou tais matérias nos cursos peda- gógicos femininos da Universidade Shavianski. Escreveu, entre 1907 e 1914, uma série de trabalhos sobre história da Filosofia a partir de posições idealis- tas. Entre 1915 e 1919 dedicou-se a investigar os problemas do ensino, análise que levou à conclusão de que existe uma relação muito profunda entre a teoria e a prática educativa e estado geral da Ciência e seu desenvolvimento Em 1919 publicou La escuela laboral, em que formulou os princípios que de- vem guiar processo educativo e fundamentou a teoria da escola pública laboral. Na sua tentativa de embasar a educação em concepções científicas sóli- das, Blonski teve necessidade de analisar o que era a Ciência Contemporânea sendo qu resultado desta investigação foi La reforma de la Ciência, livro polêmico e original, publicado em 1920, no qual Blonski propôs uma séric 38 Digitalizado com CamScanner</p><p>de ideias importantes sobre as relações entre a Filosofia e a Ciência, criticou a Psicologia definiu seu objeto e seus métodos. Nessa obra estão estreitamente relacionados os aspectos metodológicos ge- rais, a análise da Psicologia como Ciência e os problemas do ensino e da educa- ção. Faremos referência a eles separadamente, para maior clareza na exposição. Blonski sustenta que a Filosofia é a base metodológica da Ciência, anali- sando criticamente as posições idealistas. Dedica atenção especial ao proble- ma da história da Filosofia e modo como era ensinada e destaca que apenas a investigação objetiva faz da história da Filosofia uma Ciência verdadeira, cuja tarefa é "superar atavismo do pensamento", ou seja, o idealismo. Com a su- peração deste devem ocorrer transformações substanciais tanto nas Ciências Naturais quanto nas Ciências Humanistas. O denominador comum destas modificações que conduzem ao desenvolvi- mento exitoso da Ciência é a adoção do método correto de investigação. Blons- ki considera o método analítico como o método correto e comum a todas as Ciências, método que coloca em evidência as relações entre a Ciência Natural, a Filosofia, a lógica e as matemáticas, na medida em que a tarefa de qualquer investigação científica é analisar um determinado problema. No processo contí- nuo de produção do conhecimento, a análise está estreitamente vinculada com a experimentação que, em essência, constitui-se em um trabalho ativo do pensa- mento para produzir mudanças no objeto O conhecimento científico tem, segundo Blonski, um caráter ativo e esta dirigido para a prática, razão pela qual a divisão das Ciências entre teóricas e aplicadas, assim como os limites en- tre a Ciência e a técnica são convencionais nas sociedades que alcançaram um alto grau de desenvolvimento de suas forças produtivas. Blonski faz uma análise do desenvolvimento das Ciências Humanísticas e, em particular, da Psicologia, defendendo a mesma como Ciência Biológica, cujo obje- to deve ser o comportamento do homem, em dependência de uma ou outras con- dições, entendendo-se o homem não como "alma", mas como um ser biológico. Destacando que a Psicologia científica deve orientar-se pelo marxismo - é o primeiro psicólogo que formaliza esta ideia, declarada posteriormente de modo mais claro por fundamentada e aceita, defendida com maior ou menor empenho pela maioria absoluta dos psicólogos da época - afirma que a Psicologia tradicional é uma "Ciência mitológica" enquanto ocupa-se da alma e dos fenômenos espirituais, usando exclusivamente a introspecção 39 Digitalizado com CamScanner</p><p>como método. Critica, além disso, o caráter intelectualista da Psicologia introspec- tiva e destaca a necessidade de investigar os problemas dos sentimentos e a vontade, A Psicologia como Ciência Biológica deve, segundo Blonski, estudar seu objeto com os métodos do conhecimento natural, a saber: a obser- vação e a experimentação. Por outro lado, a Psicologia deve estar relação estreita com as Ciências Sociais e Econômicas, na medida em que o comportamento humano depende, afinal, das peculiaridades da produção so- sendo uma função do meio social em que o homem vive. Neste sentido, a psicologia é uma Ciência social e Blonski afirma que todos os tipos de ativi- dade do homem são sociais por natureza. Sustenta que não existe uma divisão entre a Psicologia social e a Psicologia individual, na medida em que a con- duta do homem não é outra que não seja social, considerando indispensável introduzir na Psicologia conceito de "interesse de classe" como categoria suplantando, assim, os conceitos de psiquismo e de consciência. Para afirmar isto se baseia em que a conduta do indivíduo deriva-se do comporta- mento da classe à qual sujeito pertence, sendo necessário relacioná-la com a situação de classe em um determinado momento. Segundo Blonski, este é principal procedimento metodológico do psicólogo. Blonski compreendia, deste modo, a fundamentação da Psicologia na filosofia marxista. Como veremos, tal compreensão rudimentar da essência social do homem, este sociologismo vul- gar - próprio não só de Blonski -, custou um preço alto para a Psicologia e, em geral, à cultura da sociedade soviética. Blonski tratou de evitar a conversão do homem em produto passivo das influências externas, indicando que a atividade humana se caracteriza pelo uso de instrumentos. Define homem como Homo Technicus e Homo Socialis. A necessidade de estudar o comportamento das pessoas em seu desenvolvi- mento histórico e, mais amplamente, em um plano dinâmico e genético é outra ideia importante formulada por Blonski. Destaca que a história do comportamen- to humano é apenas uma parte da história do comportamento dos seres vivos, sendo necessário estudar psiquismo em uma perspectiva genética comparativa. Compreende, sem dúvida, esta relação de modo particular afirma que é impos- sível compreender o comportamento humano sem conhecer comportamento nos níveis inferiores vida vegetal, vida animal inferior ou subcortical. Em relação aos problemas do ensino e da educação, assinalemos que Blonski criou, em 1919, a Academia de Educação Social Moscou, sendo seu primeiro 40 Digitalizado com CamScanner</p><p>presidente; onde ensinou até 1931. Desenvolveu também uma grande atividade na sessão pedagógica do Conselho Científico Estadual, criado em 1921. Formulou sua teoria da escola pública laboral em sua obra La escuela laboral (1919) que propunha princípio do caráter classista do ensino. Blonski considera que a escola tradicional devia ser substituída por escola la- boral politécnica, dedicando atenção, durante vários anos, aos princípios de organização e elaboração dos conteúdos das disciplinas nas diferentes etapas do ensino nesta proposta de escola. Para Blonski o processo de aprendizagem não era simplesmente a assimi- lação de conhecimento e procedimentos de atividade oferecidos externamente à criança, mas o desenvolvimento de novas qualidades embasadas nas capaci- dades inatas do escolar. Neste sentido vemos que as tendências biologizantes, na concepção de tal autor, combinam-se com afirmações que conservam seu valor até os dias atuais. A ideia de colocar a tarefa de formar a personalidade do escolar na base de todo sistema de ensino e aprendizagem e a afirmação de que isto só é possível estudando e conhecendo as peculiaridades evoluti- vas das crianças serve como exemplo. Outra formulação importantíssima de Blonski para ensino é que a personalidade não é algo dado, mas que se forma no processo de desenvolvimento, sendo o resultado da organização interna do sujeito. Blonski indicou que os processos de formação da personalidade e educativo são duplamente ativos: por parte do educador e do educando. Destacou, em especial, a importância da educação laboral e da instrução politéc- nica para o desenvolvimento infantil. O caráter politécnico do ensino deve refletir o nível da cultura e da Ciência e constitui a síntese do ensino tico e A escola deve converte-se, por seu lado, em uma coletividade laboral infantil que desenvolva na criança suas capacidades organizativas e criadoras. A concepção de Blonski foi duramente criticada a partir de 1931 e, em particular, em 1936, à luz da disposição sobre as "deformações paidológicas". Para finalizar este resumo breve de sua obra, devemos destacar os se- guintes aspectos, importantes, na nossa percepção: Blonski trata de fundamentar a Psicologia no marxismo, tirando-a do círculo do estudo dos estados da alma; porém a compreen- são superficial da dialética e do materialismo histórico - característica de muitos investigadores e não só dessa época o conduz a praticar um reducionismo duplo e, como consequência deste, os fenômenos 41 Digitalizado com CamScanner</p><p>como tal não tem existência própria, sendo explicados pelas leis biológicas e pelos fatores sociais. As tendências biologizantes () conduzem a posições mecanicistas, objetivistas, no estilo de e ao energetismo. As tendências sociologizantes, além de impedi-lo de ver o objeto real da Psicologia e levá-lo a negar os conceitos de psi- quismo e de consciência, o conduzem a uma compreensão simplifica- da da influência exercida pelos fatores sociais e, em última instância, a reduzi-los aos fatores de classe. A suposta fundamentação no mate- rialismo dialético e histórico reduz à conjunção "e": a Psicologia é uma Ciência Biológica Social, comportamento do indivíduo é resul- tado dos fatores biológicos tentou relacionar diretamente os com- plexos com os dados da Biologia, da Fisiologia e da Morfologia e uma função de classe à qual indivíduo pertencia; A ideia do desenvolvimento e a necessidade de estudar comporta- mento desde o ponto de vista histórico e, mais amplamente, em um plano genético comparativo é uma proposição muito en- tretanto em Blonski manifesta-se em sua expressão reducionista, na medida em que ele entende que as manifestações superiores do desen- volvimento são incompreensíveis quando não se conhecem as inferio- res e não se relacionam a estas. É evidente a influência que esta ideia de Blonski exerceu sobre Vigotski; sendo possível segui-la em muitas passagens da obra do último; nas quais encontramos formulações me- todológicas essenciais sobre enfoque histórico, método genético e sua aplicação, porém "colocadas sobre seus pés", quer dizer invertendo muitas vezes as afirmações de Blonski por exemplo, Vigotski que co- profundamente a obra dos clássicos do marxismo, sustenta que apenas conhecimento das formas evolutivas superiores dá a chave para estudar as inferiores, seguindo assim a Marx; As afirmações de Blonski relacionadas a que todos os fenômenos quicos humanos são sociais e, neste sentido, sua rejeição à divisão da Psicologia em individual e social tem analogia com pensamento de Vigotski, ainda que este diferenciou a Psicologia individual e que hoje entendemos por Psicologia social; Torna-se interessante a concepção de Blonski sobre método analítico e o experimento científico e as reflexões feitas por Vigotski, principal- 42 Digitalizado com CamScanner</p><p>mente no El significado de la crisis cn la psicologia, sobre o problema do método nesta - método experimental e Aqui pode-se observar desenvolvimento superior das considerações de Blonski realizado por Vigotski; As reflexões de Blonski sobre tema da não divisão entre Ciências Teó- ricas e Aplicadas; sua afirmação da semelhança essencial entre o experi- mento científico a técnica e aquelas relacionadas a que a Ciência nasce na ação voltando a ela, sendo uma ação dirigida para transformar a rea- lidade também chamam atenção. Em Vigotski, em especial na obra que acabamos de mencionar, podemos encontrar uma continuidade criati- va destas ideias, em particular na concepção das construções "as máquinas", os sistemas semânticos e, em geral, tudo o que foi criado pelo homem como meios de ação e reconstrução do psiquismo; Por último, nos trabalhos relacionados aos problemas da educação, Blonski expressou ideias, vigentes até nossos dias, sobre o processo educativo seu caráter ativo, a participação da criança como sujeito deste processo, o ensino politécnico etc. - porém caiu também em formulações mecanicistas e reducionistas as mudanças do compor- tamento da criança dependem das influências do meio e da herança; o desenvolvimento do intelecto deve repetir o desenvolvimento do gênero humano. Em relação aos problemas dos estágios do desenvol- vimento infantil, Blonski assinalou que a distintiva da época da infância de outras épocas do desenvolvimento é a dentição e para determinar as características de cada idade devem ser obser- vados quatro aspectos: o aumento da massa corporal, a constituição física, o meio em que a criança vive e o comportamento do mesmo. La memoria y el pensamiento (1935); Paidologia evolutiva (1930); El desar- rollo del pensamiento en el escolar (1935); Analisis psicológica de la recordación (1940) são suas obras principais, além das já citadas. Nelas Blonski libera-se dos vulgarismos sociológicos e tenta fazer ciência sem "luta de classes". K. N. completa a tríade de psicólogos escolhidos para mostrar as primeiras tentativas de reconstrução da Psicologia e, em cujas obras anun- ciam-se as mudanças radicais em concepções e ideias que os ventos revolu- 43 Digitalizado com CamScanner</p><p>cionários de Outubro insuflaram nas Ciências Humanísticas. Como no caso de Básov e Blonski, faremos um breve resumo de sua vida e de seus principais trabalhos, com propósito de completar a vissão panorâmica dos cinco ou seis anos posteriores a 1917 e que se constituíram no prelúdio do mento seguido posteriormente pela Psicologia soviética. K.N. (1879-1957) trabalhou como professor na Sibéria. Em 1910 terminou a Universidade de Moscou. De 1923 até 1930 e de 1938 até 1941 foi diretor do Instituto de Psicologia que G. I. Chelpánov havia fundado e dirigi- do até 1923. Desde 1943 foi membro da Academia de Ciências Pedagógicas da Rússia, atuando como vice-presidente até 1950. Recebeu duas condecorações de e várias medalhas. Em 1921 ocorreu uma "ruptura interna" da Escola de Chelpánov, sendo que dois dos seus Blonski e escreveram livros contra a Psicologia de orientação idealista que o primeiro defendia. Blonski escreveu Ensayo de Psicología e o livro escrito por Kornílov chama-se de las reacciones del hombre, no qual resume 10 anos de trabalho e mais de oito mil experimentos realizados no Instituto de Psicologia onde autor era o primeiro assistente e ajudante de Chelpánov. No Prefácio deste livro Kornílov defende a total separação entre a Filoso- fia e a Psicologia, já que, segundo sua opinião, a primeira somente havia de- tido o desenvolvimento da Psicologia como Ciência, convertendo-a em uma disciplina puramente especulativa. Como ocorre sempre, a rejeição da Filoso- fia não significa que na obra do autor a mesma não esteja presente, ainda que nem ele mesmo suspeite. Assim, aconteceu com trabalho de Kornílov, cuja Teoría de las reacciones del hombre é um expoente do materialismo mecanicis- ta na compreensão do psiquismo. Porém, muito rapidamente, dois anos depois, em 1923, no I Congresso Nacional Russo de Psiconeurologia, Kornílov propõe um programa de re- construção da Psicologia cujo postulado principal é a necessidade de que esta Ciência fundamente-se no marxismo, quer dizer, em um sistema filosófico. A partir deste momento, Kornílov que estudou atentamente as obras de Marx, Engels e Lenin percebe no marxismo o sistema filosófico que supera dualismo do espírito e da matéria, na medida em que definem o psiquismo como uma pro- priedade da matéria altamente organizada. Com isto supera-se, em princípio, a redução mecanicista vulgar e reconhece-se um lugar real para os fenômenos psi- 44 Digitalizado com CamScanner</p><p>quicos, lugar do mesmo modo que se reconhece um lugar específico para outra propriedade da matéria. Ao mesmo tempo, Kornílov procura aplicar também na Psicologia os princí- pios do materialismo histórico e, como Blonski, reduz o problema muito comple- XO da essência social do homem à questão da Psicologia de classes, determinada, por sua vez, por fatores econômicos e políticos. Como teremos oportunidade de ver mais adiante, esta dupla determinação do psíquico, como propriedade da ma- téria altamente organizada e sua essência social produzirá mais do que um confli- to dramático e dará lugar a muitos erros e desentendimentos. Kornílov considerou que a primeira tarefa da Psicologia marxista era lutar contra a Psicologia e Filosofia idealistas e afirmar princípio do monismo na Ciência; por outro lado, enfrentar e erradicar o mecanicismo e materialismo vulgar na compreensão dos fenômenos psíquicos. A vigência do materialismo vulgar é notória durante toda a década de 1920 e Kornílov o combate, colocan- do, assim, contra si, a maioria dos velhos psicólogos e os partidários da Psi- cologia reflexológica de Béjterev c outras tendências reducionistas, agrupando, porém, em torno de si, vários investigadores jovens, entre eles Vigotski, Luria e Leóntiev que começam a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou. A tese relacionada ao psiquismo como função da matéria altamente orga- nizada que foi o primeiro a propor como base para a compreensão dos fenômenos psíquicos, convertendo-se posteriormente em um axioma para os psicólogos de orientação marxista foi rejeitada por Béjterev que além de de- fender a "neutralidade filosófica" da Psicologia, defendeu princípio energético na explicação científica. Um discípulo famoso de Pávlov, A. G. Ivanov-Smolenski também rejeitou a tese mencionada como expressão idêntica aos pontos de vista dos materialistas do século XVIII, pontos de vista que, na sua percepção, tinham envelhecido, afirmando, inclusive, em 1929 e, mais tarde ainda, que pensamento e o processo nervoso correspondente são dois nomes para uma mesma coisa. Kornílov rejeitou as tentativas de negar a existência do subjetivo, da cons- ciência, do psiquismo ou de reduzi-los a processos fisiológicos, assinalando que a unidade entre eles não significa a identidade. Ao expor a compreensão que o marxismo tem do psiquismo, Kornílov in- sistiu em uma segunda tese importante, a saber, que psiquismo é um reflexo da realidade objetiva que existe de forma independente da consciência. Esclareceu, porém que este reflexo não é passivo, pois não se trata de um reflexo especular. 45 Digitalizado com CamScanner</p><p>Estas considerações teóricas essenciais e inovadoras para a época em que foram propostas por não foram encarnadas por em um sistema psicológico adequado. Afirmou que a Psicologia dialética devia ser a síntese da Psicologia idealista e subjetiva e a Psicologia objetiva re- flexologica e comportamentalista sem perceber que a soma de duas posi- ções errôneas não um resultado correto e que a solução não se encontrava na como agregado, senão na superação dialética de ambas posições. Como posteriormente o assinalaram Vigotski e outros autores, as citações dos clássicos do marxismo e a compreensão superficial e esquemática dos pos- tulados básicos do materialismo histórico e dialético conduziram a soluções equivocadas e proposições profundamente deformadas. Segundo Kornilov, que trata de realizar esta síntese que comentamos, nem o reflexo - conceito fisiológico - nem a vivência psicológica subjetiva podem ser objeto da Psicologia; este é estudo das reações que constituem a síntese do objetivo e do subjetivo. As tentativas de de aplicar as leis da dialética diretamente ao estudo dos psiquicos como exemplo da Lei da unidade e luta de contrários - também resultaram ingênuas e esquemáticas. Kornílov mencionou como exemplo da lei da unidade e luta de contrários: a na pessoa, do inato e do adquirido, do consciente e do inconsciente, da adaptação ao meio e da adaptação deste às necessidades do indivíduo, dos processos de excitação e inibição, de irradia- ção e concentração no sistema nervoso etc. Como exemplo da Lei da negação da ne- gação, mencionou os seguintes fatos reunidos em tríades: a recordação é substituída pelo esquecimento, a este, posteriormente, é superado pela reprodução mais criativa e mais rica do conteúdo; as reações instintivas, depois de assumir formas conscien- tes de comportamento, transformam-se em automáticas graças ao treinamento etc. não deixou de assinalar a especificidade do psiquismo humano que torna irredutível às leis fisiológicas, físicas e químicas. Essa especificida- de depende do fato de que ao homem aplicam-se outras leis derivadas de sua essência social. O homem converte-se em tal homem graças ao trabalho que provoca mudanças essenciais na estrutura do organismo e produz vínculos sociais. Entretanto, caiu na armadilha, criada pelo problema da dupla minação do psiquismo, na qual caíram quase todos os psicólogos da época - e não só daquela época - e apela para a teoria dos dois fatores. Esta teoria seguira viva por muito tempo e teremos oportunidade de fazer referência a 46 Digitalizado com CamScanner</p><p>cla mais adiante. Em relação às críticas feitas à concepção de estas intensificaram-se no final dos anos 1920 e são conhecidas como a "discussão reatológica" para a qual dedicamos um lugar especial. Além da obra citada, escreveu Ensayo de Psicologia del niño en la primera infância (1921). Foi redator responsável e autor de muitos artigos apresentados diversas recopilações, entre elas y marxismo (1925). pensamento fisiológico e a Psicologia No panorama complexo da luta ideológica desenvolvida em torno da Psicologia, nos primeiros anos do seu desenvolvimento na União Soviética é necessário mencionar, além das diversas concepções formuladas pelos psicó- logos à luz das novas tarefas e exigências propostas à sua ciência, aquilo que habitualmente denominou-se pensamento científico-natural. Na Rússia as investigações anatômicas e fisiológicas do sistema nervoso al- grande desenvolvimento no final do século XIX e início do século XX. Os historiadores soviéticos coincidem ao considerar I. M. Séchenov (1829- 1905) como fundador da Escola fisiológica e da orientação cientifico-natural em Psicologia, na Rússia. Sua teoria sobre a atividade cujos mecanis- mos de realização são os reflexos - entendidos como a coordenação do movi- mento com a sensação significou estudar os fenômenos por meio de conceitos métodos científico-naturais e exerceu uma influência enorme na luta contra teorias irracionalistas e idealistas não só em sua época, mas também posteriormente graças aos trabalhos de I. P. Pávlov e V. M. paradigma da Fisiologia, estendido à compreensão e estudo dos fenômenos psíquicos, foi considerado por muitos investigadores e por muito tempo, como a base necessária e suficiente para construir uma Psi- cologia materialista. No esclarecimento das relações complexas e multivocas entre o sistema nervoso e o psiquismo, estas concepções cientifico-naturais por um lado para depurar o objeto de estudo da Psicologia de misticismo e irracionalidade e, por outro lado, os critérios de cientificidade próprios de tal pensamento produziram reducionismos mecanicistas deriva- dos de uma compreensão a-dialética e, sobretudo, a-histórica do materialis- mo, no que se relaciona com a essência do psiquismo humano. Já, em 1914, V. A. Vagner advertia que a vinculação direta da Psicologia com a Fisiologia - evitando a Biologia era perigosa. 47 Digitalizado com CamScanner</p><p>Torna-se necessário, portanto, fazer referência, ainda que breve, às obras de V. M. Béjterev e de 1. P. Pávlov, na medida em que eles exerceram uma influência poderosa no desenvolvimento da Psicologia soviética. Acrescentaremos, a isto, um comentário sucinto das ideias de A. A. Ujtomski que abriu novas perspecti- vas para o problema da base material dos fenômenos psíquicos com conceito de dominante e a formulação do conceito de órgãos funcionais. M. Béjterev (1857-1927) é o autor de trabalhos de Anatomia e Fisiologia do sistema nervoso. Entre outras coisas, mencionare- mos que descobriu as vias de condução do cérebro e da medula, estabeleceu as bases do equilíbrio e da orientação no espaço, as fun- ções do tálamo ótico, do centro de movimento etc. Identificou uma séric de reflexos, sintomas e síndromes importantes para diagnóstico das doenças nervosas, descreveu diversas doenças e métodos para sua cura. Em 1878, terminou a Academia de Cirurgia Médica e, desde 1885, foi chefe da Cátedra de Psiquiatria da Universidade de Kazan, onde fundou o primeiro laboratório psicofisiológico que funcionou na Rússia. Em 1893 criou a Sociedade de Neuropatólogos e Psiquiatras de Kazan. Transladou-se para Petersburgo onde ensinou como professor da Academia Militar de Medici- na. Desde 1908 foi diretor do Instituto de Psiconeurologia que ele organizou. Desde 1918 dirigiu Instituto de Estudo do Cérebro e a Atividade Psíquica mais tarde chamado Instituto do Cérebro criado por sua iniciativa. Na obra de é necessário distinguir, por um lado suas contribuições à Fisiologia, sua tentativa de fundamentar a Psicologia em dados objetivos rela- cionados ao trabalho do sistema nervoso; por outro lado suas concepções estri- tamente psicológicas que deram lugar à formulação da psicorreflexologia, teoria que seu criador ampliou posteriormente para a explicação dos fenômenos sociais. Em 1904 Béjterev publicou seu artigo La Psicología objetiva y su objeto; em 1907, Fundamentación de la Psicologia objetiva; em 1908, Acerca de los mé- todos de la Psicología objetiva. Podemos mencionar Princípios fundamentales de la llamada Psicología objetiva o psicorreflexologia (1910), Psicología objetiva (1917) e Reflexologia colectiva (1921) entre outros dos seus trabalhos. Béjterev considerou como indubitável a existência de um mundo subje- tivo e que este é inseparável dos processos materiais que ocorrem no cérebro. 48 Digitalizado com CamScanner</p><p>Segundo trata-sc de dois aspectos do mesmo processo - não de dois pro- cessos que ocorrem paralelamente. Para evitar a antiga contraposição entre o espiritual o material propôs denominá-lo processo Sustentou, ao mesmo tempo, que é impossível conhecer aspecto subje- tivo de tal processo cm outras pessoas. Somente podem ser estudadas as ma- nifestações externas neste sentido, Béjterev rejeitou a Psicologia subjetiva fundamentada na introspecção, aquela que devia ser substituída pela Psicolo- gia objetiva. Esta investiga as manifestações externas do psiquismo, a saber, os reflexos, usando métodos objetivos que permitem não só registrar as reações, mas também correlacioná-las com os estímulos externos que são suas origens A Psicologia objetiva deve negar-se a utilizar termos "metafísicos" como "sentimentos", "atenção", substituindo-os por termos objetivos como: "marcas", "tônus geral", "concentração" etc. Ainda que de início a luta de Béjterev por uma Psicologia liberada das especu- lações típicas da Psicologia introspeccionista pudesse ser considerada progressis- ta, desenvolvimento posterior de suas ideias, até chegar à Reflexologia colectiva, mostrando que sua concepção não supera dualismo, não propõe uma solução positiva do problema nem uma Psicologia cientí- fica verdadeira. A passagem de Béjterev para as concepções do energetismo - a matéria é derivada da emergia e esta encontra-se na base dos processos materiais e psíquicos -, a não só aos termos mas aos fenômenos estritamente psi- cológicos e, por último, as tentativa de reduzir todas as leis do desen- volvimento da natureza e da sociedade a certos "princípios gerais" de um místico processo universal, a extensão das leis da mecânica Lei da atração universal, Lei da conservação da energia etc. ao funcionamento da sociedade são expoentes claros de suas posições equivocadas. Devemos assinalar que, muitas vezes, em nossos países, denominou-se "reflexologia" à teoria dos reflexos condicionados de I. P. Pávlov. Este equivoco pode ter várias causas. A primeira relaciona-se com a terminologia da qual se deriva a identificação de ambas as concepções. Por sua vez, esta situação esteve condicionada ao desconhecimento da obra de e a esquematização da obra de Pávlov. Além disso, existem pontos de contato entre ambas as teorias e por exemplo, empregou em suas investigações método do reflexo condicionado; sob sua direção foram realizadas as primeiras tentativas de apli- car a leoria da atividade nervosa superior à Neuropatologia e à Psiquiatria. 49 Digitalizado com CamScanner</p><p>Sem dúvida, de nenhum modo podemos igualar as duas concepções, particular- mente se considerarmos desenvolvimento mais tardio dos pontos de vista de rev em relação à aplicação de suas ideias para a explicação dos fenômenos Esta confusão, independente da causa que a originou, acrescentou muitos equivocos ao panorama, já empobrecido, que os especialistas de língua caste- lhana têm sobre as principais tendências da Psicologia soviética. I. P. Pávlov P. Pávlov (1849-1936) terminou, em 1864, a Escola Religiosa de Riazán e entrou no Seminário Conciliar da mesma cidade. Por esses anos, familiarizou- se com as ideias dos revolucionários democratas russos - Herzen, ki, Dobroliúbov -, as obras de e de Séchenov, sendo que a obra Reflejos del cérebro, foi publicado em 1863. Em 1870 ingressou na Faculdade de Direito, imediatamente, passou à Seção de Ciências Naturais da Faculdade de Física e Matemática da Universidade de Petersburgo, especializando-se em Fisiologia animal. Em 1875 ingressou no terceiro ano da Academia de Cirurgia Médica que finalizou em 1879. Nesse ano ocupou cargo de chefe do laboratório de Fisiologia da clínica de Botkin. Em 1883, defendeu sua tese de Doutorado sobre os nervos do coração. Entre 1884-1886 ele viajou para Breslau e Leipzig para aperfeiçoa- mento. Desde 1890 até 1925 foi professor e chefe da Cátedra de Farmacologia da Academia militar de Medicina e, desde 1896 até 1924, chefe da Cátedra de Fisiologia. Desde 1891 até sua morte dirigiu a secção de Fisiologia do Instituto de Medicina Experimental que contribuiu para organizar. Desde 1891até a sua morte dirigiu a Seção de Fisiologia do Instituto de Medicina Experimen- tal que contribuiu para organizar. Desde 1925 até a sua morte foi diretor do Instituto de Fisiologia da Academia de Ciências da URSS. Em 1904 recebeu o Prêmio Nobel por seus trabalhos em Fisiologia das glândulas digestivas. Pávlov apoiou-se, em suas investigações, nas concepções de Séchenov e Bo- tkin, sobre nervismo que afirmava a função reguladora do sistema nervoso na realização das funções do organismo, tanto em condições normais quanto na patologia e o caráter refletor da atividade psíquica. considerou que o reflexo condicionado é a forma evolutiva mais recente no processo de adaptação do organismo ao meio, o resultado do acúmulo da experiência individual. Apresentou suas investigações experimentais sobre a atividade nervosa 50 Digitalizado com CamScanner</p><p>superior cm Veinte años de experiencia en la investigación objetiva de la activi- dad nerviosa superior (comportamiento) de los animales; Los reflejos condicio- nados (1923); Lecciones sobre el trabajo de los hemisférios cerebrales (1927) etc. Em sua explicação do reflexo como fator da interação do organismo com o meio, no princípio da sinalização, Pávlov partiu de três teses: o de- terminismo, a relação entre a dinâmica e a construção hoje diríamos entre a função e a estrutura a unidade de análise e síntese. As investigações mais importantes de Pávlov estiveram dedicadas aos me- canismos nervosos dos enlaces temporais; as leis de desenvolvimento e extinção da atividade reflexa condicionada; a inibição cortical; os diferentes tipos de ini- bição; as leis de irradiação e concentração da excitação e inibição; o sonho, suas patologias; as neuroses experimentais; os analisadores corticais e a localização das funções no córtex cerebral; os dois sistemas de sinais; a classificação dos temperamentos em relação com o tipo de atividade nervosa superior. Não consideraremos tema espinhoso relacionado a consideração de Pá- vlov sobre a Psicologia e valor dado por ele ao psiquismo, porque nos parece uma discussão na medida em que até agora ela se manteve nos limites de uma compreensão específica da determinação e da causalidade que ocorreu ao assumir o paradigma que se chama cientifico-natural- explicativo. Como de- monstrou Vigotski em El sentido histórico de la en la psicologá nem Béjterev, nem Pávlov saíram dos limites da compreensão tradicional, empirista e subjetivista do psiquismo. Nessa mesma medida, Pávlov rejeitou toda "explicação" psicológica, ainda que reconhecesse a existência do "mundo subjetivo". Não ultrapassou o en- tendimento do psiquismo como um conjunto de estados subjetivos internos do sujeito rejeitou toda interpretação idealista como Pávlov percebia as dificuldades produzidas por uma explicação puramente mecanicista, "somatória" da conduta, dessa maneira, tais dificuldades foram evidenciadas pelo necessidade da inclsuão para os animais de experimentação de conceitos tão pouco científicos como são os de finalidade e de liberdade... porém o fez incorporando ao conjunto de reflexos já estudados o reflexo de finaldade e de liberdade. O dilema aqui proposto e que caracteriza não só a concepção Pávlo- viana é duro: ou o psiquismo é explicável pelo fisiológico e assim não fica nada "psíquico" além das fantasmagorias dos estados internos do sujeito, ou o psiquismo não é explicável. dilema não possível de resolver somente no marco de uma determinada concepção científica: é suficiente mudar o foco e 51 Digitalizado com CamScanner</p><p>ele desaparece. Esta mudança de foco exige a construção de um novo ma cognoscitivo e de uma nova interpretação da natureza do psíquico. Isto não é uma reprovação dirigida a porque não é adequado exigir de um fisiologista a criação de uma nova teoria do psiquismo que pudesse resol- ver, desde a Psicologia, os problemas nos quais a concepção subjetivista e empirista havia estagnado. Na nossa percepção esta tarefa foi resolvida e a resol- vem os próprios psicólogos começando por Vigotski, Rubinstein, Luria, e a de investigadores brilhantes que foram seus companheiros e alunos, Desde a Fisiologia à importantissima contribuição de Bernshtein mostra como podem constituir-se relações não reducionistas entre a Psicologia e a Fisiologia. Sem dúvida, em um determinado período considerou-se que a teoria dos reflexos condicionados e do funcionamento do sistema nervosos central, em particular do córtex, dava conta da essência do psíquico. A teoria de Pávlov é nada menos e - nada mais - que uma no conheci- mento do fundamento fisiológico material dos fenômenos psíquicos. não foi o responsável pela tentativa de convertê-la na única teoria possível do funcionamento do sistema nervoso, na "culminação insuperável" do pensamen- to cientifico sobre as relações entre cérebro e psiquismo e, que é ainda mais grave, de considerá-la como expressão da essência dos fenômenos psíquicos. Entretanto, sua concepção cartesiana, sua convicção de que único paradigma cientifico é aquele derivado do determinismo causal mecânico, sua compreensão de sistema no sentido da mecânica - tendo como exemplo os conceitos de mosaico, irradiação e concentração da excitação etc. -, encarnação de um desenvolvimento determinado da Filosofia e da teoria do conhecimento de sua sendo canoni- zadas e dogmatizadas exerceram uma influência nefasta sobre a Psicologia, sobre a própria Fisiologia do sistema nervoso e a Psiquiatria etc. Tal leoria foi canonizada e elevada à categoria de "dogma explicativo" - ainda que, como sabemos, os dogmas não explicam nada porque esta concepção continha, em si mesma, os elementos e enfoques que, na época dada, correspondiam-se plenamente a uma visão peculiar de homem, de sua atividade, de seu papel e lugar na sociedade. A. A. Ujtomski Na ampla corrente cientifico-natural que, no final do século XIX e início do século XX, tentou fundamentar estudo do psiquismo em bases materia- listas, tirando, assim, a Psicologia da esfera de influência da Filosofia idealis- 52 Digitalizado com CamScanner</p><p>da reflexão especulativa, torna-se necessário mencionar A. A. Ujtomski (1875-1942), fisiologista, membro da Academia de Ciências da URSS desde 1935. Foi aluno de N. E. Vvedenski. Em egresso da Universidade de Petersburgo, trabalhou, cm seguida, na Cátedra de Fisiologia Humana e Ani- mal que passou a dirigir desde 1922 até a sua morte. Desde 1937 foi chefe do laboratório de eletrofisiologia da Academia de Ciências da URSS. Sua obra El dominante como principio de trabajo de los centros nerviosos apareceu em 1923, sendo apresentada no II Congresso Nacional Russo de Psi- concurologia, realizado cm 1924. O domínio de um centro nervoso sobre outro foi descrito pela primeira por Vvedenski 1881. Ujtomski, apoiando-se nas ideias deste, de Sé- chenov de Sherrington, formulou a tese, baseada em anos de trabalho expe- rimental, de que um dos princípios gerais do trabalho do sistema nervoso é dominante que se expressa na disposição de um determinado órgão para o trabalho a manutenção de seu estado de trabalho. Define mesmo como foco de excitação no sistema nervoso central que determina temporariamente o caráter da reação de resposta do organismo às estimulações externas e inter- nas. centro nervoso - ou grupo de centros dominante acumula a excita- ção pertencente a outros centros. Este princípio destaca caráter integral da atividade do organismo que enfrenta a solução de uma tarefa. Ujtomski considerou que princípio do dominante pode ser amplamente utilizado como base fisiológica de uma série de fenômenos - a aten- ção, as disposições estáveis da personalidade, as alucinações etc. O aspecto mais importante da teoria do dominante de Ujtomski é o con- ceito, a cla relacionado, de órgão dinâmico ou funcional. Segundo Ujtomski, é necessário compreender dominante como um órgão extraordinariamente importante da atividade do sistema nervoso central. Esta concepção de ór- gão como destacou o estudioso é incomum. Com frequência entende-se por órgão alguma estrutura morfologicamente permanente com características estáticas. Ujtomski sustentou que se pode considerar como órgão qualquer combinação de forças que sempre produzem resultados iguais, se as demais condições não mudam. Esta contribuição para o problema do funcionamento do sistema nervoso a concepção originalissima do órgão funcional adiantaram-se a seu tempo e somente anos depois podemos encontrá-la ampliada e desenvolvida 53 Digitalizado com CamScanner</p>

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