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<p>DIREITOS HUMANOS</p><p>Professor Dr. Jefferson Aparecido Dias</p><p>Reitor</p><p>Márcio Mesquita Serva</p><p>Vice-reitora</p><p>Profª. Regina Lúcia Ottaiano Losasso Serva</p><p>Pró-Reitor Acadêmico</p><p>Prof. José Roberto Marques de Castro</p><p>Pró-reitora de Pesquisa, Pós-graduação e Ação</p><p>Comunitária</p><p>Profª. Drª. Fernanda Mesquita Serva</p><p>Pró-reitor Administrativo</p><p>Marco Antonio Teixeira</p><p>Direção do Núcleo de Educação a Distância</p><p>Paulo Pardo</p><p>Coordenação Pedagógica do Curso</p><p>Ana Lívia Cazane</p><p>Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico</p><p>B42 Design</p><p>*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos</p><p>que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos.</p><p>Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A</p><p>violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código</p><p>Penal.</p><p>Universidade de Marília</p><p>Avenida Hygino Muzzy Filho, 1001</p><p>CEP 17.525–902- Marília-SP</p><p>Imagens, ícones e capa: ©freepik, ©envato, ©pexels, ©pixabay, ©Twenty20 e ©wikimedia</p><p>D541d Dias, Jefferson Aparecido</p><p>ISBN</p><p>Direitos humanos [livro eletrônico] / Jefferson Aparecido</p><p>Dias. Fabiana Aparecida Arf (coord.) - Marília: Unimar,</p><p>2019.</p><p>PDF (111 p.) : il. color.</p><p>1.. Cidadania 2. Co tituição de 1988 3. Direitos</p><p>Humanos 4. Direitos Fundamentais 5. Ética I.</p><p>Título.</p><p>CDD – 341.12191</p><p>BOAS-VINDAS</p><p>Ao iniciar a leitura deste material, que é parte do apoio pedagógico dos</p><p>nossos queridos discentes, convido o leitor a conhecer a UNIMAR –</p><p>Universidade de Marília.</p><p>Na UNIMAR, a educação sempre foi sinônimo de transformação, e não</p><p>conseguimos enxergar um melhor caminho senão por meio de um ensino</p><p>superior bem feito.</p><p>A história da UNIMAR, iniciada há mais de 60 anos, foi construída com base</p><p>na excelência do ensino superior para transformar vidas, com a missão</p><p>de formar profissionais éticos e competentes, inseridos na comunidade,</p><p>capazes de constituir o conhecimento e promover a cultura e o intercâmbio,</p><p>a fim de desenvolver a consciência coletiva na busca contínua da valorização</p><p>e da solidariedade humanas.</p><p>A história da UNIMAR é bela e de sucesso, e já projeta para o futuro novos</p><p>sonhos, conquistas e desafios.</p><p>A beleza e o sucesso, porém, não vêm somente do seu campus de mais de</p><p>350 alqueires e de suas construções funcionais e conectadas; vêm também</p><p>do seu corpo docente altamente qualificado e dos seus egressos: mais</p><p>de 100 mil pessoas, espalhados por todo o Brasil e o mundo, que tiveram</p><p>suas vidas impactadas e transformadas pelo ensino superior da UNIMAR.</p><p>Assim, é com orgulho que apresentamos a Educação a Distância da UNIMAR</p><p>com o mesmo propósito: promover transformação de forma democrática</p><p>e acessível em todos os cantos do nosso país. Se há alguma expectativa</p><p>de progresso e mudança de realidade do nosso povo, essa expectativa</p><p>está ligada de forma indissociável à educação.</p><p>Nós nos comprometemos com essa educação transformadora,</p><p>investimos nela, trabalhamos noite e dia para que ela seja</p><p>ofertada e esteja acessível a todos.</p><p>Muito obrigado por confiar uma parte importante do seu</p><p>futuro a nós, à UNIMAR e, tenha a certeza de que seremos</p><p>parceiros neste momento e não mediremos esforços para</p><p>o seu sucesso!</p><p>Não vamos parar, vamos continuar com investimentos</p><p>importantes na educação superior, sonhando sempre. Afinal,</p><p>não é possível nunca parar de sonhar!</p><p>Bons estudos!</p><p>Dr. Márcio Mesquita Serva</p><p>Reitor da UNIMAR</p><p>Que alegria poder fazer parte deste momento tão especial da sua vida!</p><p>Sempre trabalhei com jovens e sei o quanto estar matriculado</p><p>em um curso de ensino superior em uma Universidade de</p><p>excelência deve ser valorizado. Por isso, aproveite cada</p><p>minuto do seu tempo aqui na UNIMAR, vivenciando o ensino,</p><p>a pesquisa e a extensão universitária.</p><p>Fique atento aos comunicados institucionais, aproveite as</p><p>oportunidades, faça amizades e viva as experiências que</p><p>somente um ensino superior consegue proporcionar.</p><p>Acompanhe a UNIMAR pelas redes sociais, visite a sede</p><p>do campus universitário localizado na cidade de Marília,</p><p>navegue pelo nosso site unimar.br, comente no nosso blog</p><p>e compartilhe suas experiências. Viva a UNIMAR!</p><p>Muito obrigada por escolher esta Universidade para a</p><p>realização do seu sonho profissional. Seguiremos,</p><p>juntos, com nossa missão e com nossos valores,</p><p>sempre com muita dedicação.</p><p>Bem-vindo(a) à Família UNIMAR.</p><p>Educar para transformar: esse é o foco da Universidade de Marília no seu</p><p>projeto de Educação a Distância. Como dizia um grande educador, são as</p><p>pessoas que transformam o mundo, e elas só o transformam</p><p>se estiverem capacitadas para isso.</p><p>Esse é o nosso propósito: contribuir para sua transformação</p><p>pessoal, oferecendo um ensino de qualidade, interativo,</p><p>inovador, e buscando nos superar a cada dia para que você</p><p>tenha a melhor experiência educacional. E, mais do que isso,</p><p>que você possa desenvolver as competências e habilidades</p><p>necessárias não somente para o seu futuro, mas para o seu</p><p>presente, neste momento mágico em que vivemos.</p><p>A UNIMAR será sua parceira em todos os momentos de</p><p>sua educação superior. Conte conosco! Estamos aqui para</p><p>apoiá-lo! Sabemos que você é o principal responsável pelo</p><p>seu crescimento pessoal e profissional, mas agora você</p><p>tem a gente para seguir junto com você.</p><p>Sucesso sempre!</p><p>Profa. Fernanda</p><p>Mesquita Serva</p><p>Pró-reitora de Pesquisa,</p><p>Pós-graduação e Ação</p><p>Comunitária da UNIMAR</p><p>Prof. Me. Paulo Pardo</p><p>Coordenador do Núcleo</p><p>EAD da UNIMAR</p><p>007 Aula 01:</p><p>016 Aula 02:</p><p>022 Aula 03:</p><p>029 Aula 04:</p><p>035 Aula 05:</p><p>043 Aula 06:</p><p>049 Aula 07:</p><p>057 Aula 08:</p><p>063 Aula 09:</p><p>071 Aula 10:</p><p>078 Aula 11:</p><p>083 Aula 12:</p><p>087 Aula 13:</p><p>093 Aula 14:</p><p>098 Aula 15:</p><p>102 Aula 16:</p><p>Conceito de Direitos Humanos</p><p>Ética</p><p>Cidadania</p><p>Desenvolvimento Histórico da Construção dos Direitos</p><p>Humanos (1ª Parte)</p><p>Desenvolvimento Histórico da Construção dos Direitos</p><p>Humanos (2ª Parte)</p><p>Direitos Humanos e Direitos Fundamentais</p><p>Eficácia Vertical e Horizontal dos Direitos Humanos e</p><p>Fundamentais</p><p>O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos</p><p>Humanos</p><p>Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos</p><p>Diversidade Cultural e Direitos Humanos</p><p>Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988</p><p>Solução para a Colisão de Princípios</p><p>Igualdade na Ordem Constitucional</p><p>Liberdade na Ordem Constitucional</p><p>Fraternidade na Ordem Constitucional</p><p>Temos Direitos Humanos! E os Nossos Deveres?</p><p>Introdução</p><p>O que são os direitos humanos?</p><p>Eu, como ser humano, tenho direitos pelo simples fato de ter nascido ou os</p><p>meus ancestrais, com suas lutas, são os grandes responsáveis para que, no</p><p>presente, meus direitos sejam garantidos e respeitados?</p><p>Os meus direitos podem ser exigidos apenas em relação ao Estado ou eu posso</p><p>pleitear direitos humanos em minhas relações interpessoais?</p><p>Além de direitos, eu também tenho deveres?</p><p>Essas são algumas das perguntas que pretendo responder com o texto a</p><p>seguir, em 16 (dezesseis) aulas, nas quais é apresentado amplo conteúdo a ser</p><p>investigado, a �m de que todos nós possamos, juntos, evoluir no</p><p>reconhecimento e garantia dos direitos humanos.</p><p>Importante frisar que, como orientando do saudoso Joaquín Herrera Flores</p><p>(vale a pena consulta a obra do maestro), defenderei uma posição mais crítica</p><p>em relação aos direitos humanos, em especial em relação à teoria tradicional</p><p>que os contempla como produtos naturais, decorrentes da essência dos seres</p><p>humanos. Mas, a par disso, serão apresentados conceitos clássicos em</p><p>homenagem justamente a essa teoria tradicional.</p><p>Ao �nal, espero que a leitura do presente texto e dos demais materiais</p><p>disponibilizados pela Unimar EaD permita que todos nós possamos</p><p>desenvolver e manter vivos os processos de luta em defesa dos direitos</p><p>humanos, a �m de que alcancemos uma situação de empoderamento cidadão</p><p>e possamos lutar por uma vida digna de ser vivida.</p><p>6</p><p>01</p><p>Conceito de</p><p>Direitos Humanos</p><p>O que são os direitos humanos? Essa, provavelmente, é uma das perguntas</p><p>e�cácia</p><p>horizontal, regulando as relações entre particulares.</p><p>Essas posições, contudo, não são unânimes, pois também existem teorias no</p><p>sentido da ine�cácia horizontal (ou doutrina da State Action), segundo a qual os</p><p>direitos humanos não podem ser aplicados às relações entre particulares e a</p><p>teoria da e�cácia horizontal indireta, a qual prevê que os direitos “só se aplicam</p><p>indiretamente aos particulares, sob o argumento de que, do contrário [...]</p><p>acabaria aniquilando por completo a autonomia da vontade.” (OLIVEIRA;</p><p>LAZARI, 2018, p. 119).</p><p>55</p><p>CONECTE-SE</p><p>O STF (Supremo Tribunal Federal) expressamente reconheceu a</p><p>possibilidade de aplicação dos direitos humanos nas relações entre</p><p>particulares, ou seja, com e�cácia horizontal, ao julgar o Recurso</p><p>Extraordinário nº 201.819/RJ, no qual decidiu que sociedade civil sem</p><p>�ns lucrativos não poderia expulsar associado sem a observância do</p><p>devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. BRASIL,</p><p>Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819/RJ: União</p><p>Brasileira de Compositores UBC x Arthur Rodrigues Vilarinho.</p><p>Relatora: Ministra Ellen Gracie. Relator para acórdão: Ministro Gilmar</p><p>Mendes. Julgamento: 11/10/2005. Publicação: DJ 27/10/2006.</p><p>56</p><p>https://go.eadstock.com.br/eP</p><p>08</p><p>O Sistema Internacional</p><p>de Proteção dos Direitos</p><p>Humanos</p><p>De certa forma, a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos</p><p>pode ser considerada a certidão de nascimento do Direito Internacional dos</p><p>Direitos Humanos, pois, a partir de então, o mundo passou a ter um</p><p>documento que se propôs a garantir e impor a adoção de mecanismos de</p><p>respeito aos direitos humanos de forma universal, ou seja, a todos os países,</p><p>permitindo a criação, na sequência de um Sistema Internacional de Proteção</p><p>aos Direitos Humanos.</p><p>Antes da Declaração, porém, alguns fatos podem ser considerados os</p><p>precedentes históricos desse novo Sistema, pois, conforme observa Piovesan, “o</p><p>Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do</p><p>Trabalho situam-se como os primeiros marcos do processo de</p><p>internacionalização dos direitos humanos” (PIOVESAN, 2018b, p. 203).</p><p>O Direito Humanitário é o direito relacionado às guerras, ou seja, aos con�itos</p><p>armados e, ainda segundo a autora (PIOVESAN, 2018b, p. 203), sua origem</p><p>remonta “à Convenção de 1864, tem como fontes principais as quatro</p><p>Convenções de Genebra de 1949 e os seus princípios devem aplicar-se hoje</p><p>quer às guerras internacionais, quer às guerras civis e a outros con�itos</p><p>armados”.</p><p>Já a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho foram criadas</p><p>após a Primeira Guerra Mundial, também contribuíram para o processo de</p><p>internacionalização dos direitos humanos e serviram de fundamento para a</p><p>criação do Sistema Internacional (ou Global) de Direitos Humanos que tem,</p><p>dentre os seus principais órgãos, a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança,</p><p>o Conselho de Tutela, o Conselho Econômico e Social, a Corte Internacional de</p><p>Justiça e o Secretariado (art. 7, da Carta da ONU, 1945).</p><p>58</p><p>CONECTE-SE</p><p>A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de</p><p>junho de 1945 e está disponível no seguinte endereço eletrônico.</p><p>Assembleia Geral</p><p>A Assembleia é formada por todos os membros das Nações Unidas, sendo que</p><p>cada um deles pode indicar até cinco representantes, o que “não signi�ca que</p><p>cada membro possa votar cinco vezes, pois a Carta é expressa no sentido de</p><p>que cada qual possui um voto.” (OLIVEIRA; LAZARI, 2018, p. 844).</p><p>As questões importantes precisarão contar com a aprovação de um quórum</p><p>quali�cado de dois terços dos membros presentes e votantes. Tais situações,</p><p>segundo o art. 18 da Carta da ONU, são:</p><p>[...] recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança</p><p>internacionais; à eleição dos membros não permanentes do</p><p>Conselho de Segurança; à eleição dos membros do Conselho</p><p>Econômico e Social; à eleição dos membros do Conselho de Tutela,</p><p>de acordo como parágrafo 1 (c) do artigo 86; à admissão de novos</p><p>membros das Nações Unidas; à suspensão dos direitos e privilégios</p><p>de membros; à expulsão dos membros; questões referentes ao</p><p>funcionamento do sistema de tutela e questões orçamentárias.</p><p>59</p><p>https://go.eadstock.com.br/d9i</p><p>Nos demais casos, as deliberações poderão ser tomadas, segundo o mesmo</p><p>preceito, pela maioria simples dos membros presentes e votantes.</p><p>Interessante destacar, contudo, que, em todos os casos, tal qual ocorre em um</p><p>condomínio, onde o condômino em débito não tem direito a voto, o mesmo se</p><p>dá na ONU, segundo o preceito contido no art. 19 da Carta da ONU:</p><p>O membro das Nações Unidas que estiver em atraso no pagamento</p><p>de sua contribuição �nanceira à Organização não terá voto na</p><p>Assembleia Geral, se o total de suas contribuições atrasadas</p><p>igualarem ou excederem a soma das contribuições</p><p>correspondentes aos dois anos anteriores completos. A Assembleia</p><p>Geral poderá, entretanto, permitir que o referido membro vote, se</p><p>�car provado que a falta de pagamento é devida a condições</p><p>independentes de sua vontade.</p><p>Assim, a falta de pagamento da contribuição �nanceira devida por cada um dos</p><p>países da ONU impede-o de participar das suas deliberações, salvo caso da</p><p>permissão especial prevista no �nal do preceito acima mencionado.</p><p>Conselho de Segurança</p><p>O Conselho de Segurança da ONU é composto por quinze membros, sendo</p><p>cinco permanentes (França, China, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos) e dez</p><p>não permanentes (temporários), eleitos pela Assembleia Geral para um</p><p>mandato de 2 anos. O Brasil já foi um membro não permanente no Conselho</p><p>de Segurança por dez vezes (BRASIL, s.d.):</p><p>[...] nos biênios 1946-47, 1951-52, 1954-55, 1963-64, 1967-68, 1988-89,</p><p>1993-94, 1998-99, 2004-05 e 2010-11. Para o último, foi eleito com 182</p><p>votos (dentre 183 países votantes), o que demonstra o amplo</p><p>reconhecimento das contribuições do Brasil à atuação do Conselho.</p><p>O papel do Conselho de Segurança é extremamente importante, pois, segundo</p><p>o art. 14 da Carta da ONU:</p><p>60</p><p>A �m de assegurar pronta e e�caz ação por parte das Nações</p><p>Unidas, seus membros conferem ao Conselho de Segurança a</p><p>principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança</p><p>internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres</p><p>impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja</p><p>em nome deles.</p><p>Assim, a manutenção da paz e da segurança internacionais são as principais</p><p>responsabilidades do Conselho de Segurança da ONU.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>No Conselho de Segurança existe a possibilidade de os membros</p><p>permanentes, quais sejam, França, China, Reino Unido, Rússia e</p><p>Estados Unidos, exercerem o poder de veto, o que impede que a</p><p>medida votada seja implementada. Assim, mesmo que 14 dos 15</p><p>membros votem a favor de alguma medida, se um dos membros</p><p>permanentes vota contra a medida não será aprovada. Sobre o tema:</p><p>GUIMARÃES, Fernanda. CARVALHO, Patrícia Nasser de. A atuação do</p><p>conselho de segurança das nações unidas na guerra civil síria:</p><p>con�itos de interesse e impasses entre os P5 e a consequente falta de</p><p>resolução para a questão. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e</p><p>Relações Internacionais, v.6, n.12, Jul. /Dez. 2017, p.66-83.</p><p>61</p><p>https://go.eadstock.com.br/eR</p><p>A Corte Internacional de Justiça</p><p>A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judicial da ONU e tem seu</p><p>funcionamento regulado por seu Estatuto, que foi anexado à Carta da ONU. É</p><p>composta por quinze juízes e possui competência contenciosa e consultiva.</p><p>Somente os Estados-partes podem �gurar nos seus processos (PIOVESAN, 2018,</p><p>p. 219).</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Para a defesa dos Direitos Humanos, Bruna Pinotti Garcia Oliveira e</p><p>Rafael de Lazari destacam que o Sistema Internacional contempla o</p><p>Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto Internacional dos</p><p>Direitos Civis e Políticos de 1966, e o Conselho de Direitos Humanos,</p><p>órgão intragovernamental criado pela Resolução nº 60/251, de</p><p>15/03/2006, com o “objetivo de proteger todos os direitos humanos e</p><p>liberdades fundamentais em relação a todas as pessoas.” (OLIVEIRA,</p><p>LAZARI,</p><p>2018, p. 906).</p><p>62</p><p>09</p><p>Sistemas Regionais de</p><p>Proteção dos Direitos</p><p>Humanos</p><p>Ao lado do Sistema Internacional (ou Global) de Direitos Humanos, estudado</p><p>em nossa última aula, também temos os sistemas regionais, os quais</p><p>congregam o Sistema Europeu, o Sistema Interamericano e o Sistema Africano,</p><p>os quais analisaremos nos próximos tópicos.</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Além dos Sistemas acima mencionados e que estudaremos a seguir,</p><p>importante destacar que Bruna Pinotti Garcia Oliveira e Rafael de</p><p>Lazari também abordam o Sistema Islamo-Árabe de Direitos</p><p>Humanos, cujos principais documentos são a Declaração Islâmica</p><p>Universal dos Direitos Humanos (19/09/1981), a Declaração do Cairo de</p><p>Direitos Humanos no Islã (05/08/1990) e a Carta Árabe de Direitos</p><p>Humanos (15/09/1994) (OLIVEIRA; LAZARI, 2018, p. 900).</p><p>64</p><p>Sistema Europeu de Direitos</p><p>Humanos</p><p>O Conselho da Europa foi criado em 5 de maio de 1949, após a Segunda Guerra</p><p>Mundial, “com o objetivo de uni�car a Europa.” (PIOVESAN, 2018a, p. 123).</p><p>Posteriormente, em 4 de novembro de 1950, os países membros do Conselho</p><p>elaboraram a Convenção Europeia de Direitos Humanos, criando o Sistema</p><p>Europeu de Direitos Humanos.</p><p>Para compreender esse Sistema, imprescindível conhecer o contexto no qual</p><p>ele surgiu:</p><p>[...] um contexto de ruptura e de reconstrução dos direitos humanos,</p><p>caracterizado pela busca de integração e cooperação dos países da</p><p>Europa ocidental, bem como de consolidação, fortalecimento e</p><p>expansão de seus valores, dentre eles a proteção dos direitos</p><p>humanos (PIOVESAN, 2018a, p. 123).</p><p>Assim, os países da Europa ocidental vencedores da Segunda Guerra Mundial</p><p>adotaram a Convenção como um mecanismo para impedir que os horrores da</p><p>mencionada Guerra voltassem a ocorrer e, também, para buscar a uni�cação</p><p>da Europa, fragmentada em razão de anos de con�itos, bem como rea�rmar a</p><p>importância dos direitos humanos.</p><p>Dentre os seus órgãos, o mais importante é a Corte Europeia de Direitos</p><p>Humanos, criada em 1⁰ de novembro de 1988, por meio do Protocolo n⁰ 11, que</p><p>teve como grande inovação a previsão do direito de petição para indivíduos,</p><p>grupos de indivíduos e organizações não governamentais, os quais passaram a</p><p>ter a possibilidade de demandar diretamente perante a Corte no caso de</p><p>violações de direitos humanos (PIOVESAN, 2018a).</p><p>65</p><p>CONECTE-SE</p><p>As decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos são</p><p>disponibilizadas na internet, mas apenas em inglês ou francês.</p><p>(EUROPA. European Courts of Human Rights).¹</p><p>Em língua portuguesa, alguns documentos e decisões podem ser</p><p>encontrados na página disponibilizada pelo Ministério Público de</p><p>Portugal (PORTUGAL. Ministério Público. Gabinete Documentação e</p><p>Direito Comparado: direitos humanos).²</p><p>Sistema Interamericano de</p><p>Direitos Humanos</p><p>No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, três temas precisam ser</p><p>estudados: a Convenção Americana, a Comissão e a Corte Interamericana de</p><p>Direitos Humanos.</p><p>66</p><p>https://go.eadstock.com.br/eS</p><p>https://go.eadstock.com.br/ea3</p><p>A Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de</p><p>San José da Costa Rica, é o “documento de maior importância” no mencionado</p><p>Sistema, segundo Piovesan (2018a, p. 149), assegurando, dentre outros:</p><p>[...] o direito à personalidade jurídica; o direito à vida; o direito a não</p><p>ser submetido à escravidão; o direito à liberdade; o direito a um</p><p>julgamento justo; o direito à compensação em caso de erro</p><p>judiciário; o direito à privacidade; o direito à liberdade de</p><p>consciência e religião; o direito à liberdade de pensamento e</p><p>expressão; o direito à resposta; o direito à liberdade de associação; o</p><p>direito ao nome; o direito à nacionalidade; o direito à liberdade de</p><p>movimento e residência; o direito de participar do governo; o direito</p><p>à igualdade perante a lei; e o direito à proteção judicial (PIOVESAN,</p><p>2018a, p. 150).</p><p>Visando garantir o cumprimento de tais preceitos e a observância dos direitos</p><p>humanos nos países do continente americano, o Sistema conta com a</p><p>Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem como atribuições:</p><p>[...] fazer recomendações aos governos dos Estados-partes, prevendo</p><p>a adoção de medidas adequadas à proteção desses direitos;</p><p>preparar estudos e relatórios que se mostrem necessários; solicitar</p><p>aos governos informações relativas às medidas por eles adotadas</p><p>concernentes à efetiva aplicação da Convenção; e submeter um</p><p>relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados</p><p>Americanos (PIOVESAN, 2018a, p. 153).</p><p>Note-se que a Comissão não é um órgão jurisdicional, papel reservado para a</p><p>Corte, e tem como principal objetivo atuar como uma instância que visa</p><p>garantir a observância dos direitos humanos por parte dos estados parte da</p><p>OEA (Organização dos Estados Americanos).</p><p>Além disso, tal qual ocorre com a Corte Europeia de Direitos Humanos, o</p><p>cidadão, grupos de cidadãos ou organizações não governamentais também</p><p>podem apresentar petições perante a Comissão para questionar atos</p><p>praticados pelos países que possam resultar na violação de direitos humanos.</p><p>Recebida a petição, a Comissão veri�cará se ela preenche os requisitos de</p><p>admissibilidade previstos no art. 46 da Convenção Americana de Direitos</p><p>Humanos (OEA, 1969), dentre elas, o esgotamento dos recursos na jurisdição</p><p>interna do país. Admitida a petição, passa-se à fase do contraditório, com a</p><p>solicitação de informações ao país demandado. Obtidas as informações e</p><p>superado o prazo para a sua prestação, a Comissão tomará uma decisão,</p><p>67</p><p>arquivando a petição se inexistir violação, ou, caso tal violação resulte provada,</p><p>adotará medidas visando buscar uma solução amigável negociada para o</p><p>problema. Obtida a solução negociada, o caso é arquivado e, caso ela não seja</p><p>possível, a petição será enviada para a Corte Interamericana de Direitos</p><p>Humanos (PIOVESAN, 2018a).</p><p>A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do Sistema,</p><p>composto por “sete juízes, nacionais dos Estados membros da Organização,</p><p>eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de</p><p>reconhecida competência em matéria de direitos humanos” (art. 52, OEA, 1969).</p><p>A Corte possui atribuições consultivas, quando emite uma Opinião Consultiva</p><p>sobre algum tema suscitado por um Estado-parte, e contenciosa, quando</p><p>decide sobre alguma denúncia de violação de direitos humanos praticada por</p><p>um Estado-parte (PIOVESAN, 2018a).</p><p>CONECTE-SE</p><p>A apresentação de petição para a Comissão Interamericana de</p><p>Direitos Humanos pode ser feita pela internet: OEA. Comissão</p><p>Interamericana de Direitos Humanos. Portal do Sistema Individual de</p><p>Petições.</p><p>68</p><p>https://go.eadstock.com.br/eU</p><p>CONECTE-SE</p><p>As decisões da Corte estão disponíveis na internet e, inclusive, em</p><p>português, no seguinte endereço: OEA. Casos da Corte.</p><p>Sistema Africano de Direitos</p><p>Humanos</p><p>O Sistema Africano de Direitos Humanos é o mais recente dos Sistemas</p><p>Regionais, uma vez que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos</p><p>somente foi aprovada em 1981, entrando em vigor em 1986.</p><p>Tal Carta, segundo Piovesan, traz quatro particularidades, aferíveis desde o seu</p><p>preâmbulo: é conferida grande atenção às tradições históricas e aos valores da</p><p>civilização africana; prevê uma gramática dos “direitos dos povos”; traz, além de</p><p>direitos civis e políticos, um rol de direitos econômicos, sociais e culturais; e, por</p><p>�m, apresenta uma concepção de deveres ao lado dos direitos: “o gozo dos</p><p>direitos e liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada um.”</p><p>(PIOVESAN, 2018a, p. 247-248).</p><p>Visando dar garantia aos direitos e a observância dos deveres nela previstos, a</p><p>Carta prevê uma Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, com as</p><p>seguintes competências (PIOVESAN, 2018a, p. 251):</p><p>69</p><p>https://go.eadstock.com.br/eV</p><p>[...] elaborar estudos e pesquisas; formular princípios e regras;</p><p>assegurar a proteção dos direitos humanos e dos povos; recorrer a</p><p>métodos de investigação; criar relatorias temáticas especí�cas;</p><p>adotar resoluções no campo dos direitos humanos; e interpretar os</p><p>dispositivos da Carta.</p><p>Compete-lhe ainda apreciar comunicações</p><p>interestatais (nos termos dos artigos 47 a 49 da Carta), bem como</p><p>petições encaminhadas por indivíduos ou ONGs que denunciem</p><p>violação aos direitos humanos e dos povos enunciados na Carta (nos</p><p>termos dos artigos 55 a 59 da Carta).</p><p>Por �m, o Sistema Africano também conta com uma Corte, que, tal qual as</p><p>demais Cortes dos Sistemas regionais, possui competências consultiva e</p><p>contenciosa. Contudo, ao contrário das demais Cortes, a Africana somente</p><p>poderá conhecer uma petição formulada por indivíduos ou ONG se houver</p><p>declaração formulada por Estado-parte para este �m (PIOVESAN, 2018, p. 257).</p><p>CONECTE-SE</p><p>A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos está disponível na</p><p>internet e em português: Comissão Africana dos Direitos Humanos e</p><p>dos Povos. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.</p><p>70</p><p>https://go.eadstock.com.br/e4</p><p>10</p><p>Diversidade Cultural e</p><p>Direitos Humanos</p><p>A globalização cultural que gera intenso debate sobre a homogeneização</p><p>cultural, localismo e transculturação também se estende para os direitos</p><p>humanos, os quais, a�nal, são concebidos por alguns como produtos culturais</p><p>(HERRERA FLORES, 2009).</p><p>Por outro lado, porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,</p><p>proclamada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, durante a Assembleia Geral</p><p>da Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu em seu art. I que:</p><p>“Artigo I - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e</p><p>direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos</p><p>outros com espírito de fraternidade.” (ONU, 2019). Assim, segundo a</p><p>mencionada Declaração, os direitos humanos são universais e devem ser</p><p>garantidos a todos os seres humanos, desde o nascimento.</p><p>Segundo Mazzuoli, trata-se de um instrumento com foco na “[...] positivação</p><p>internacional dos direitos mínimos dos seres humanos, em complemento aos</p><p>propósitos das Nações Unidas de proteção dos direitos humanos e liberdades</p><p>fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião.”</p><p>(MAZZUOLI, 2018, p. 83).</p><p>Apesar disso, há que se ressaltar que, de acordo com Comparato (2018), os</p><p>Direitos Humanos, estabelecidos pela Declaração Universal de 1948, não têm</p><p>efeito vinculante, ou seja, trata-se de uma “recomendação” das Nações Unidas,</p><p>adotada sob a forma de resolução da Assembleia Geral, mas não propriamente</p><p>consagrada como regra constitucional escrita, daí a necessidade da adoção de</p><p>tratados ou acordos posteriores. Obviamente que o referido contexto não</p><p>interfere na absoluta concordância da necessidade de assegurar, pelos atores</p><p>internacionais, os direitos que garantam a plena dignidade dos indivíduos.</p><p>Assim que:</p><p>Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos</p><p>humanos independe de sua declaração em constituições, leis e</p><p>tratados internacionais, exatamente porque se está diante de</p><p>exigências de respeito à dignidade humana, exercida contra todos</p><p>os poderes estabelecidos, o�ciais ou não. (COMPARATO, 2018, p. 232).</p><p>Essa garantia dos direitos humanos de forma inata e universal, segundo a</p><p>Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, promulgada pela UNESCO,</p><p>no ano de 2001, deve respeitar a diversidade cultural e o direito dos povos:</p><p>72</p><p>DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS</p><p>Artigo 4º – Os direitos humanos, garantes da diversidade cultural</p><p>A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável</p><p>do respeito pela dignidade da pessoa humana. Implica o</p><p>compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades</p><p>fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem</p><p>a minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a</p><p>diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo</p><p>direito internacional, nem para limitar seu alcance.</p><p>Neste quadro, a diversidade cultural não pode ser invocada para impedir a</p><p>aplicação dos direitos humanos, inatos e universais, consagrados em nível</p><p>internacional. A pergunta que resta, contudo, é saber como agir nas situações</p><p>em que os supostos direitos humanos internacionalmente consagrados não</p><p>condizem com a realidade existente no contexto social no qual se pretende que</p><p>ele seja aplicado, tema que será tratado no próximo item.</p><p>³ Uma versão ampliada deste texto pode ser encontrada em: DIAS, Jefferson</p><p>Aparecido. FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. Cultura e direitos humanos:</p><p>entre o absolutismo e o relativismo (no prelo).</p><p>O Absolutismo e o Relati�smo</p><p>Cultural</p><p>Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os textos que dele</p><p>decorreram, os direitos humanos devem ser concebidos como produtos</p><p>naturais, vigentes desde o nascimento dos seres humanos, e que buscam</p><p>validade universal. Se está diante do que se pode chamar de um olhar</p><p>absolutista (ou universalista), que teria as três seguintes condições (HERRERA</p><p>FLORES, 2007, p. 58):</p><p>73</p><p>1. A crença em universalismos abstratos [...]</p><p>2. A crença na existência de uma realidade ‘absolutamente’ objetiva</p><p>[...]</p><p>3. A crença na existência de um fundamento último (originário ou</p><p>�nalista) de toda prática social garantida por alguma instância,</p><p>procedimento ou racionalidade de corte transcendental.</p><p>Por essas premissas, independentemente do seu local de nascimento, bem</p><p>como do contexto no qual estão inseridos, os seres humanos são titulares dos</p><p>mesmos direitos, que teriam validade universal e absoluta, além de serem</p><p>inatos, decorrentes da própria natureza humana. Seriam, portanto, algo</p><p>homogêneo, aplicável e exigível em todo o planeta. Nesse sentido, “o</p><p>pensamento absolutista nega, pois, toda concepção interativa do real e, com</p><p>isso, rechaça toda crítica e todo questionamento, dado que, “por natureza”, está</p><p>acima das práticas sociais que possam afetá-lo.” (HERRERA FLORES, 2007, p. 61).</p><p>Nesse cenário, como conciliar a construção de uma identidade cultural e</p><p>assegurar os direitos humanos, de forma supostamente universal? Nesta</p><p>discussão, ressalta-se o histórico embate entre as correntes universalistas e</p><p>relativistas, pelas quais se discutem os níveis de in�uência da cultura local na</p><p>de�nição dos direitos humanos universais.</p><p>Para a posição relativista, que parte da premissa de que os direitos humanos</p><p>são produtos culturais e, portanto, não inatos, três também deveriam ser as</p><p>condições a serem observadas. A primeira delas é que (HERRERA FLORES,</p><p>2007, p. 60):</p><p>1) O universalismo do fortalecimento. O único que se pode e se deve</p><p>universalizar e generalizar é que todas e todos tenham acesso a</p><p>condições materiais e imateriais que lhes permitam ter o poder</p><p>su�ciente para “fazer valer” suas propostas de um marco de</p><p>igualdade e de reconhecimento [...].</p><p>Por essa concepção, nem todos os direitos humanos internacionalmente</p><p>garantidos são aptos a serem aplicados em todos os contextos sociais da</p><p>mesma forma, sendo necessário que se leve em consideração o contexto social</p><p>local e o anseio de seus integrantes. As outras duas condições que estariam</p><p>vinculadas ao relativismo são (HERRERA FLORES, 2007, p. 60):</p><p>74</p><p>2) A distinção entre “estados de fato” e “realidade”. Como veremos,</p><p>um “estado de fato” está aí, mais ou menos à margem de nossas</p><p>ações. Mas, a realidade nós a construímos ao nos relacionarmos –</p><p>plural e diferenciadamente – com tais estados de fato e ao</p><p>reagirmos culturalmente [...]</p><p>3) Uma �loso�a da imanência que a�rme que o único horizonte da</p><p>política, da ética e da ciência é nossa interação criativa com o</p><p>mundo.</p><p>Nesse sentido, utilizando-se dos conceitos desenvolvidos na primeira parte do</p><p>presente trabalho, não se deve (ou se pode) exigir sempre a homogeneidade</p><p>cultural (e, portanto, dos direitos humanos, como produtos culturais), sendo</p><p>possíveis situações nas quais devam prevalecer o localismo e a transculturação,</p><p>que devem decorrer de “nossa interação criativa com o mundo”.</p><p>Importante salientar, contudo, que pela posição aqui adotada, não se pode</p><p>admitir um localismo “puro”, no qual as culturas locais sempre prevaleçam</p><p>sobre todas as outras concepções culturais, pois se estaria diante de outro</p><p>universalismo,</p><p>um “universalismo de retas paralelas que somente se</p><p>encontrarão no in�nito do magma das diferenças culturais.” (HERRERA</p><p>FLORES, 2007, p. 162).</p><p>Segundo Joaquín Herrera Flores, tanto o universalismo a priori, quanto o</p><p>universalismo de retas paralelas devem ser desprezados, sendo necessário</p><p>construir, por meio da interação humana e cultural, um universalismo de</p><p>chegada (HERRERA FLORES, 2007, p. 162):</p><p>Ao universal, há que se chegar – universalismo de chegada ou de</p><p>con�uência – depois (não antes) de um processo de luta discursivo,</p><p>de diálogo ou de confrontação em que se rompam os preconceitos</p><p>e as linhas paralelas. Falamos do entrecruzamento de propostas, e</p><p>não de uma mera superposição.</p><p>Assim, não se pode ter concepções pré-concebidas, sejam elas globais</p><p>(universais) ou locais (particulares), pois tais posturas acabam por ignorar o</p><p>contexto social no qual estão inseridos os seres humanos e tendem a excluir do</p><p>debate os próprios seres humanos, que acabam sendo concebidos como meio</p><p>e não �m do processo de garantia de seus direitos.</p><p>Dessa forma, os debates sobre a prática de algumas tribos indígenas em</p><p>enterrar vivas crianças com alguma de�ciência física ou psíquica ou, ainda, a</p><p>prática do infanticídio do quarto �lho pelos Tapirapé, para garantir a</p><p>sobrevivência pelo controle populacional, pois, “segundo eles, a população se</p><p>75</p><p>manteria em número reduzido (aproximadamente 1000 habitantes) e poderia</p><p>garantir que o ecossistema local supriria as necessidades de sobrevivência do</p><p>grupo” (PINEZI, 2010) devem ser realizados dentro de seus contextos sociais e</p><p>sem preconceitos, pois, a�nal, tais práticas não são muito diferentes da adotada</p><p>por uma médica que decide abreviar a vida de pacientes terminais para liberar</p><p>leitos em UTI, para que eles possam receber pacientes com melhor prognóstico</p><p>de vida e é absolvida (NUNES, 2017) ou da decisão de um tribunal inglês que</p><p>impediu a transferência para os Estados Unidos de criança portadora de uma</p><p>doença rara, que acabou morrendo (G1, 2017).</p><p>Se o direito humano à vida é inato, absoluto e universal, como justi�car tais</p><p>condutas? Elas, na verdade, apenas demonstram que, efetivamente, o direito à</p><p>vida não possui a validade universal que a priori lhe é atribuída, ou seja, para ser</p><p>efetivado, ele depende do contexto no qual os seres humanos estão inseridos.</p><p>Assim, essa pergunta, para ser respondida, depende de um amplo debate, no</p><p>qual os envolvidos, desprovidos de qualquer preconceito, possam buscar</p><p>caminhos para que os direitos humanos sejam analisados e postos à prova, a</p><p>�m de que, ao �nal, se for o caso, sejam universalizados. Nesse cenário,</p><p>portanto:</p><p>O único universalismo válido consiste, então, no respeito e na</p><p>criação de condições sociais, econômicas e culturais que permitam</p><p>e potencializem a luta pela dignidade ou, em outras palavras, na</p><p>generalização do valor da liberdade, entendida esta como a</p><p>“propriedade” dos que nunca contaram na construção das</p><p>hegemonias. A partir dessa caracterização, é necessário abandonar</p><p>toda abstração – seja esta universalista ou localista – e assumir o</p><p>dever que nos impõe o valor da liberdade: a construção de uma</p><p>ordem social justa (artigo 28 da Declaração de 1948) que permita e</p><p>garanta a todas e a todos lutar por suas reivindicações. (HERRERA</p><p>FLORES, 2007, p. 162).</p><p>Dessa forma, no que diz respeito aos direitos humanos, não é possível admitir a</p><p>homogeneização cultural pretendida pela globalização no aspecto econômico</p><p>(que se baseia e tenta justi�car um universalismo a priori), tampouco a</p><p>prevalência do localismo (que acaba por gerar um universalismo de retas</p><p>paralelas). Deve-se buscar, incansavelmente, um universalismo de chegada.</p><p>Assim, ao analisar os exemplos apresentados, é bem provável que se chegue à</p><p>conclusão de que a atuação humana não foi capaz de criar as “condições</p><p>sociais, econômicas e culturais” para que o direito à vida fosse efetivamente</p><p>respeitado, apesar de garantido não apenas em nível internacional, mas</p><p>também nos ordenamentos jurídicos locais.</p><p>76</p><p>No mesmo sentido, a propriedade privada, que aportou em solo latino-</p><p>americano vindo da Europa, pode e deve dialogar com o conceito de</p><p>propriedade comunitária ou coletiva, do art. 393 e seguintes da Constituição</p><p>boliviana (BOLÍVIA, 2019), da mesma forma que o meio ambiente sustentável,</p><p>garantido como direito humano por documentos internacionais pode ser</p><p>mesclado com o conceito de “pacha mama” trazido pela Constituição do</p><p>Equador (ECUADOR, 2008).</p><p>Nesse caminho, contudo, como concluiu Joaquín Herrera Flores, “não temos</p><p>feito mais que começar.” (HERRERA FLORES, 2007, p. 162).</p><p>77</p><p>11</p><p>Os Direitos</p><p>Fundamentais na</p><p>Constituição de 1988</p><p>A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi generosa na</p><p>consagração de direitos fundamentais, tendo destinado o Título II, aos “Direitos</p><p>e Garantias Fundamentais” e, nele, tratado no Capítulo I, “Dos direitos e deveres</p><p>individuais e coletivos” (art. 5º); no Capítulo II, “Dos direitos sociais” (arts. 6º a 11);</p><p>no Capítulo III, “Da nacionalidade” (arts. 12 e 13); no Capítulo IV, “Dos direitos</p><p>políticos” (arts. 14 a 16); e no Capítulo V, “Dos partidos políticos” (art. 17).</p><p>A colocação dos direitos fundamentais já no início do texto constitucional, por si</p><p>só, demonstra a importância que lhe foi atribuída pelo constituinte de 1988,</p><p>pois, a título de comparação, na Constituição de 1967, os direitos e garantias</p><p>individuais foram previstos nos arts. 150 e 151 e, na Constituição de 1946, nos</p><p>arts. 141 e 144 (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 2000, p. 407-410 e 487-490).</p><p>Além dessa antecipação no texto constitucional, os direitos e garantias</p><p>fundamentais ganharam uma importante proteção diante de futuras</p><p>alterações da Constituição, pois o art. 60, §4º, prevê que</p><p>§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente</p><p>a abolir:</p><p>I - a forma federativa de Estado;</p><p>II - o voto direto, secreto, universal e periódico;</p><p>III - a separação dos Poderes;</p><p>IV - os direitos e garantias individuais.</p><p>Assim, os direitos e garantias individuais, ao lado da forma federativa de Estado,</p><p>o voto (direto, secreto, universal e periódico) e a separação dos Poderes</p><p>compõem o núcleo intangível e imodi�cável do texto constitucional, chamados,</p><p>por alguns autores, de cláusulas pétreas. São imutáveis e considerados a</p><p>essência do regime democrático adotado pela Constituição.</p><p>Interessante destacar que não apenas os direitos e garantias fundamentais</p><p>expressamente previstos no art. 5º da Constituição estão protegidos, pois o</p><p>texto constitucional foi expresso em a�rmar que (BRASIL, 1988):</p><p>§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não</p><p>excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela</p><p>adotados, ou dos tratados internacionais em que a República</p><p>Federativa do Brasil seja parte.</p><p>§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos</p><p>que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em</p><p>dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,</p><p>serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela</p><p>Emenda Constitucional nº 45, de 2004).</p><p>79</p><p>Ao rol previsto no art. 5º precisam ser incorporados, assim, os direitos e</p><p>garantias fundamentais que “decorrem do regime e dos princípios por ela</p><p>adotados” e, ainda, os direitos e garantias trazidos por tratados e convenções</p><p>sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em</p><p>dois turnos, por três quintos dos votos.</p><p>Obtiveram esse quórum especial de votação e, portanto, devem ser</p><p>considerados como inseridos no texto constitucional e impossíveis de serem</p><p>modi�cados os direitos e garantias fundamentais constantes dos seguintes</p><p>tratados e convenções:</p><p>Note-se que, para que um tratado ou convenção internacional passe a ter</p><p>validade no Brasil, ele precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, por meio</p><p>de um Decreto Legislativo, e, posteriormente, promulgado por meio de um</p><p>Decreto do Presidente da República, trâmite que efetivamente ocorreu nos dois</p><p>casos acima indicados. Piovesan (2018b,</p><p>p. 128), contudo, apresenta alguns</p><p>problemas com a sistemática adotada pela constituição:</p><p>11</p><p>Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De�ciência</p><p>e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque,</p><p>em 30 de março de 2007 (aprovada pelo Decreto</p><p>Legislativo nº 186 de 2008 e promulgada pelo Decreto nº</p><p>6.949, de 25/08/2009).</p><p>22</p><p>Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras</p><p>Publicadas às Pessoas Cegas, com De�ciência Visual ou</p><p>com outras Di�culdades para Ter Acesso ao Texto</p><p>Impresso, concluído no âmbito da Organização Mundial</p><p>da Propriedade Intelectual (OMPI), celebrado em</p><p>Marraqueche, em 27 de junho de 2013 (aprovado pelo</p><p>Decreto Legislativo nº 261 de 2015 promulgado pelo</p><p>Decreto nº 9.522, de 08/10/2018).</p><p>80</p><p>[...] a Constituição brasileira de 1988, ao estabelecer apenas esses</p><p>dois dispositivos supracitados (os arts. 49, I, e 84, VIII), traz uma</p><p>sistemática lacunosa, falha e imperfeita: não prevê, por exemplo,</p><p>prazo para que o Presidente da República encaminhe ao Congresso</p><p>Nacional o tratado por ele assinado. Não há ainda previsão de prazo</p><p>para que o Congresso Nacional aprecie o tratado assinado,</p><p>tampouco previsão de prazo para que o Presidente da República</p><p>rati�que o tratado, se aprovado pelo Congresso. Essa sistemática</p><p>constitucional, ao manter ampla discricionariedade aos Poderes</p><p>Executivo e Legislativo no processo de formação dos tratados, acaba</p><p>por contribuir para a afronta ao princípio da boa-fé vigente no</p><p>Direito Internacional.</p><p>Diante desses problemas, alguns tratados e convenções internacionais</p><p>demandam um grande lapso temporal antes de entrar em vigor em solo</p><p>brasileiro, apesar de ter sido assinado pelo Presidente da República.</p><p>Outra polêmica diz respeito aos tratados e convenções internacionais sobre</p><p>direitos humanos aprovados antes da Emenda Constitucional nº 45 (BRASIL,</p><p>2004), que passou a exigir o quórum quali�cado (3/5) e aprovação de dois</p><p>turnos de votação para que os preceitos por eles trazidos passassem a ter status</p><p>constitucional.</p><p>Piovesan (2018b, p. 151) é enfática em defender que os direitos humanos</p><p>contemplados nesses tratados e convenções foram incorporados no</p><p>ordenamento jurídico brasileiro com hierarquia constitucional, diante de quatro</p><p>argumentos:</p><p>[...] ou seja, anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/2004, têm</p><p>hierarquia constitucional, situando-se como normas material e</p><p>formalmente constitucionais. Esse entendimento decorre de quatro</p><p>argumentos: a) a interpretação sistemática da Constituição, de</p><p>forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º, já que o último não revogou</p><p>o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema</p><p>constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem</p><p>orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de</p><p>evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da</p><p>ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do Direito brasileiro.</p><p>Assim, além dos direitos e garantias fundamentais expressa e implicitamente</p><p>previstos no texto constitucional, também possuem o mesmo status aqueles</p><p>decorrentes de tratados e convenções internacionais aprovados antes ou</p><p>81</p><p>depois da Emenda Constitucional nº 45 (BRASIL, 2004), exigindo-se o quórum</p><p>quali�cado e a dupla aprovação apenas para aqueles aprovados depois da</p><p>vigência da Emenda.</p><p>CONECTE-SE</p><p>Na página da Presidência da República é possível veri�car quais os</p><p>tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos trazem</p><p>preceitos que possuem hierarquia constitucional.</p><p>82</p><p>https://go.eadstock.com.br/eX</p><p>12</p><p>Solução para a Colisão</p><p>de Princípios</p><p>Na vida em sociedade, seja nas relações entre particulares ou entre estes e o</p><p>Poder Público, as normas desempenham papel fundamental para estabelecer</p><p>as condutas que devem ser adotadas ou, ainda, as consequências que deverão</p><p>ocorrer diante de condutas indesejadas.</p><p>As normas, assim, são razões para se agir desta ou daquela forma, dependendo</p><p>dos objetivos que se pretende atingir ou as consequências que se pretende</p><p>evitar. Também nos con�itos de interesses, as normas são importantes para</p><p>estabelecer qual interesse deverá prevalecer e qual sucumbirá.</p><p>Na maioria dos casos, esses con�itos são facilmente solucionáveis pela</p><p>aplicação das regras estabelecidas pelo legislador no ordenamento jurídico,</p><p>regras que, de forma simples, estabelecem algumas situações nas quais serão</p><p>aplicadas, existindo outros casos mais complexos, que demandarão a aplicação</p><p>de princípios para a solução da colisão (DWORKIN, 2002, p. 46).</p><p>Esses choques serão solucionados de forma diversa, de acordo com a natureza</p><p>das normas que se entrechocam, ou seja, dependendo se neles ocorre um</p><p>con�ito de regras ou uma colisão de princípios.</p><p>Em alguns casos, deparamo-nos com um con�ito de regras em que a aplicação</p><p>de uma exclui a possibilidade de aplicação da outra, cabendo ao intérprete (ou</p><p>mesmo ao Poder Judiciário) a solução deste con�ito.</p><p>Nestes casos, o con�ito entre as regras poderá ser solucionado:</p><p>�. pela inclusão de uma cláusula de exceção em uma das regras;</p><p>�. pelo reconhecimento de invalidade de uma das regras, eliminando-a do</p><p>ordenamento jurídico; ou</p><p>�. pela conclusão de inaplicabilidade de uma das regras ao caso.</p><p>Se uma regra impõe uma conduta e outra a proíbe, é impossível a coexistência</p><p>de ambas, sendo necessário que uma delas seja reconhecida inválida e</p><p>eliminada do ordenamento jurídico, ou que seja incluída uma cláusula de</p><p>exceção em uma delas ou, ainda, que seja reconhecida a inaplicabilidade de</p><p>uma delas no caso concreto.</p><p>Outras situações, porém, não admitem a solução do con�ito pela inclusão de</p><p>cláusula de exceção em uma das regras, ocasião em que teremos de usar</p><p>outros métodos para reconhecermos qual regra deverá prevalecer e solucionar</p><p>o con�ito.</p><p>Dentre esses métodos, poderemos prestigiar a regra mais nova em face da</p><p>anterior, a regra especial em face da geral e, ainda, veri�car as competências e</p><p>atribuições para o estabelecimento das regras, adotando aquela exarada pela</p><p>84</p><p>autoridade competente ou hierarquicamente superior. Em todos estes casos, os</p><p>con�itos serão solucionados pelo reconhecimento de invalidade de uma regra</p><p>em relação à outra ou de inaplicabilidade de uma das regras no caso concreto.</p><p>Os con�itos entre regras, portanto, devem ser solucionados numa perspectiva</p><p>de “tudo ou nada” (DWORKIN, 2002, p. 39), em que uma regra é ou não</p><p>aplicada, não se admitindo a aplicação gradual delas.</p><p>Além do con�ito entre regras, algumas vezes nos deparamos com situações nas</p><p>quais um princípio impõe uma solução que, por sua vez, acaba por afrontar</p><p>outro princípio. As colisões entre princípios, concebidos como mandamentos</p><p>de otimização, não admitem uma solução de tudo ou nada e impõem uma</p><p>ponderação para a sua resolução.</p><p>Partindo da premissa de que em algumas colisões de princípios todos podem,</p><p>num primeiro momento, ser aplicados ao caso concreto, não sendo o caso de</p><p>aplicarmos uma relação de precedência previamente estabelecida,</p><p>precisaremos veri�car em quais condições um dos princípios terá precedência</p><p>sobre os demais.</p><p>Deveremos analisar quais os princípios colidentes são aplicáveis ao caso</p><p>concreto e veri�car qual deles deve prevalecer por meio de uma ponderação,</p><p>utilizando uma relação de precedência condicionada (ALEXY, 1993, p. 92), na</p><p>qual deverá ser avaliado qual o peso que cada princípio possui no caso</p><p>especí�co.</p><p>Imaginemos um princípio P1 e outro princípio P2, ambos aplicáveis a um caso</p><p>concreto, mas que levariam a resultados diferentes.</p><p>Diante dessa colisão, precisaremos veri�car qual princípio deve prevalecer</p><p>sobre o outro, e para tanto, deveremos veri�car quais as condições especí�cas</p><p>daquele caso concreto.</p><p>As soluções possíveis para esta colisão de princípios podem ser representadas</p><p>pelas seguintes fórmulas, nas quais “p” signi�ca a prevalência de um princípio</p><p>em face do outro, e “C”, as condições nas quais isto ocorrerá:</p><p>�. P p P</p><p>�. P p P</p><p>�. P p P2 C</p><p>�. P p P C</p><p>As duas primeiras fórmulas de solução são as adotadas quando</p><p>aplicamos</p><p>relações de precedência previamente estabelecidas, ou se admitíssemos a</p><p>existência de um princípio absoluto, uma vez que são incondicionadas, ou seja,</p><p>independem das condições do caso concreto.</p><p>1 2</p><p>2 1</p><p>1 1</p><p>2 1 2</p><p>85</p><p>Já as duas últimas representam uma relação de precedência condicionada,</p><p>pela qual devemos analisar as condições do caso concreto e veri�car qual dos</p><p>princípios (P1 ou P2), nestas circunstâncias, tem um peso maior em relação ao</p><p>outro, como se utilizássemos a balança de Themis e, dependendo do lado para</p><p>o qual pender a balança, um dos princípios deverá prevalecer sobre o outro no</p><p>caso apresentado, sem que isto resulte na sua invalidação ou inaplicabilidade</p><p>do princípio preterido.</p><p>Ambos os princípios colidentes deverão ser respeitados, porém, em graus</p><p>diferentes, pois, ao prestigiarmos um princípio em relação ao outro, não</p><p>podemos eliminar ou mesmo não aplicar de forma completa o princípio</p><p>preterido, uma vez que todos os princípios válidos possuem um núcleo</p><p>intangível que sempre coexistirá com os outros princípios aplicados ao caso</p><p>concreto.</p><p>Os princípios concebidos como mandatos de otimização podem ser</p><p>representados por meio de um grá�co de círculos concêntricos de diferentes</p><p>tamanhos, no qual o círculo central representa o núcleo intangível que sempre</p><p>sobreviverá a todas as colisões com outros princípios, somente desaparecendo</p><p>nos excepcionais casos em que reconhecermos a invalidade de um deles.</p><p>Numa outra colisão entre os mesmos princípios, sob condições diferentes, o</p><p>princípio ora preterido poderá prevalecer sobre o outro, sempre de acordo com</p><p>o caso concreto. Assim, tal qual o encontro das águas de dois rios de colorações</p><p>diversas, em que ora prevalece a coloração de um e ora prevalece a coloração</p><p>do outro de acordo com as condições climáticas, como a precipitação</p><p>pluviométrica enfrentada por eles no seu curso, também os princípios cedem</p><p>mutuamente e são aplicados gradualmente, ora prevalecendo um, ora o outro</p><p>de acordo com as condições do caso concreto, mas sempre sobrevivendo e</p><p>sendo aplicados os princípios colidentes.</p><p>Importante destacar, ainda, que em todos os casos a constrição de um dos</p><p>princípios deverá corresponder à maior aplicação do outro, ou seja, ao</p><p>limitarmos a aplicação de um princípio, restringido o seu conteúdo, deveremos,</p><p>pelo menos na mesma proporção, ampliar o conteúdo do princípio que</p><p>concluirmos preponderante naquele caso.</p><p>No caso brasileiro, o desenvolvimento de uma cultura de ponderação na</p><p>aplicação da Constituição é imprescindível, pois o constituinte optou por</p><p>organizar todo o sistema jurídico a partir de princípios expressos no texto</p><p>constitucional, inovando a ponto de estabelecer expressamente quais os</p><p>princípios que devem nortear a atuação da Administração Pública.</p><p>86</p><p>13</p><p>Igualdade na Ordem</p><p>Constitucional</p><p>A Constituição de 1988, no caput do seu art. 5º, prevê expressamente que:</p><p>“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,</p><p>garantindo-se [...] a inviolabilidade do direito à [...] igualdade” e complementa</p><p>em seu inciso I que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,</p><p>nos termos desta Constituição”.</p><p>A partir de tal preceito e dos demais conceitos que são atribuídos ao princípio</p><p>da igualdade, ele frequentemente é analisado em dois aspectos: a igualdade</p><p>material e a igualdade formal.</p><p>Como igualdade material, teríamos o tratamento equivalente que deve ser</p><p>dispensado para todos os seres humanos, de acordo com as suas características</p><p>pessoais e com o objetivo de superar eventuais di�culdades geradas pela</p><p>desigualdade natural entre as pessoas.</p><p>Nas precisas palavras de Boaventura de Souza Santos (2003, p. 56), “[...] temos o</p><p>direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a</p><p>ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade</p><p>de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não</p><p>produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. Assim, tratamento</p><p>igualitário não é aquele que possui as mesmas características, mas sim aquele</p><p>que busca os mesmos resultados, apesar das diferenças entre as pessoas.</p><p>Além dessa igualdade material, também existe a igualdade formal, conhecida</p><p>como isonomia, que é a igualdade perante a lei. Segundo essa igualdade</p><p>formal, todos são iguais perante a lei, sendo vedadas práticas discriminadoras.</p><p>Tal preceito está consagrado no art. 5º de nossa Constituição, o qual sentencia</p><p>que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,</p><p>garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a</p><p>inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à</p><p>propriedade”.</p><p>Uma análise mais detida da igualdade formal deixa claro que ela não é</p><p>su�ciente para garantir direitos e promover justiça, já que tratar igualmente os</p><p>desiguais acaba sendo tão injusto quanto tratar desigualmente os iguais, razão</p><p>pela qual ganha importância a igualdade material.</p><p>Nesse sentido, é bastante interessante a lição de Amartya Sen (2001), que</p><p>defende que, por serem as pessoas naturalmente desiguais, é necessário</p><p>estabelecer quais aspectos da vida são importantes a ponto de merecerem</p><p>tratamento materialmente igualitário e, a partir de então, adotar medidas</p><p>práticas visando garanti-lo. Tal tratamento igualitário tem um aspecto</p><p>importante da vida, porém, representará um reconhecimento, expresso ou</p><p>tácito, de que outros aspectos da vida serão colocados em segundo plano.</p><p>Nas palavras da autora (2001, p. 51):</p><p>88</p><p>Fossem todas as pessoas exatamente similares, a igualdade em um</p><p>espaço (p. ex., rendas) tenderia a ser congruente com as igualdades</p><p>em outros (p. ex., saúde, bem-estar, felicidade). Uma das</p><p>consequências da “diversidade humana” é que a igualdade num</p><p>espaço tende a andar, de fato, junto com a desigualdade noutro.</p><p>Assim, ao de�nir as cotas sociais nos vestibulares, os seus organizadores</p><p>expressamente abrem mão de tratamento igualitário no quesito nota, já que</p><p>poderá ocorrer a aprovação de alunos com notas divergentes, justamente para</p><p>ampliar o acesso ao ensino superior para determinadas pessoas.</p><p>Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (1999, p. 18):</p><p>Com efeito, por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica</p><p>pretende �rmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou</p><p>injusti�cadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo</p><p>Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, o</p><p>quanto possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade,</p><p>assegura que os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos</p><p>colham a todos sem especi�cações arbitrárias, assim proveitosas</p><p>que detrimentosas para os atingidos.</p><p>Assim, eventuais tratamentos desiguais se justi�cam justamente na</p><p>desigualdade das pessoas, razão pela qual devemos �car atentos, pois vivemos</p><p>numa época em que muito se fala sobre a igualdade e suas consequências</p><p>para o dia a dia.</p><p>89</p><p>Muitos defendem uma igualdade plena, mas não se dão conta que, ao tratar</p><p>igualmente os desiguais, provavelmente acabaremos por gerar graves violações</p><p>a direitos humanos. Por outro lado, estabelecer tratamento desigual para</p><p>pessoas iguais também pode resultar em privilégios indevidos.</p><p>CONECTE-SE</p><p>Um instrumento muito utilizado para tentar promover igualdade</p><p>material tem sido o estabelecimento de cotas, tanto no ensino</p><p>superior, quanto em concursos públicos para cargos do Governo</p><p>Federal. Para saber mais sobre o tema, que tal consultar algumas leis?</p><p>Veja: BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o</p><p>ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de</p><p>ensino técnico de nível médio e dá outras providências.</p><p>BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20%</p><p>(vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para</p><p>provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da</p><p>administração pública federal, das autarquias, das fundações</p><p>públicas, das empresas</p><p>públicas e das sociedades de economia mista</p><p>controladas pela União.</p><p>90</p><p>https://go.eadstock.com.br/eY</p><p>https://go.eadstock.com.br/eZ</p><p>Realmente, o fato de sermos desiguais impõe a necessidade de elegermos os</p><p>aspectos nos quais queremos ser tratados com “igualdade”, bem como em</p><p>admitir que em outros aspectos sejamos tratados de forma “desigual”.</p><p>Na atualidade, a título de exemplo, uma das dúvidas é se homens e mulheres</p><p>devem se aposentar na mesma idade e mediante as mesmas regras, ou se deve</p><p>ser mantida uma idade inferior (cinco anos a menos) para as mulheres.</p><p>Alguns defendem que a diferença de idade ainda se justi�ca porque as</p><p>mulheres continuam a suportar de forma mais intensa as atividades</p><p>domésticas e, portanto, ostentam uma dupla jornada. Outros, por outro lado,</p><p>defendem que a igualdade buscada pelas mulheres em relação aos homens</p><p>impõe a �xação de uma mesma idade, com as mesmas regras.</p><p>Não pretendo apresentar a minha opinião especí�ca sobre esse tema, mas</p><p>acho que precisamos eliminar de�nitivamente de nossos vocabulários, no que</p><p>diz respeito às atividades domésticas, as “coisas de homem” e as “coisas de</p><p>mulher”.</p><p>Assim, inadmissível que sejam consideradas como atividades exclusivamente</p><p>femininas a conduta de lavar e passar roupas, cozinhar, lavar pratos, etc. Não é</p><p>possível que ainda considere uma conduta digna de elogios a prática do</p><p>marido que “ajuda” a mulher nas atividades domésticas.</p><p>A�nal, se todos estamos concordes que se deve buscar a igualdade em alguns</p><p>aspectos, é imprescindível que homens e mulheres “dividam” as</p><p>responsabilidades domésticas da forma mais adequada para que ambos</p><p>possam realizar as suas atividades usuais sem se sentirem sobrecarregados.</p><p>91</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Situação peculiar no Brasil é a dos casais homoafetivos que, apesar de</p><p>não terem os seus direitos reconhecidos expressa e formalmente por</p><p>leis (aqui concebidas em sentido formal), tiveram seus direitos</p><p>reconhecidos e garantidos a partir de decisões judiciais, por meio da</p><p>aplicação do princípio da igualdade. A�nal, os direitos garantidos aos</p><p>casais heteroafetivos realmente precisam ser garantidos aos casais</p><p>homoafetivos. Um rol dessas decisões pode ser consultado em:</p><p>DIREITO HOMOAFETIVO. Consolidando conquistas. Jurisprudência.</p><p>92</p><p>https://go.eadstock.com.br/e0</p><p>14</p><p>Liberdade na Ordem</p><p>Constitucional</p><p>No dia 6 de janeiro de 1941, durante o seu discurso do Estado da União, perante</p><p>o Congresso norte-americano, o então Presidente Franklin D. Roosevelt</p><p>defendeu que aos seres humanos é necessário que sejam garantidas quatro</p><p>liberdades essenciais: a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a</p><p>liberdade de viver sem penúria e a liberdade de viver sem medo (COMPARATO,</p><p>2018).</p><p>Esse discurso e as quatro liberdades defendidas por Roosevelt foram</p><p>expressamente citados como fontes de inspiração para a Declaração Universal</p><p>dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU (Organização das Nações Unidas)</p><p>em 10 de dezembro de 1948. A partir de então, tais liberdades ganharam</p><p>formalmente o status de direitos humanos (COMPARATO, 2018).</p><p>No caso da Constituição brasileira, foram contempladas expressamente a</p><p>liberdade de expressão e, também, a liberdade religiosa, mas, paralelo a estas,</p><p>também foi prevista a liberdade em sentido geral, que contemplaria as outras</p><p>duas liberdades defendidas por Roosevelt.</p><p>Liberdade de Expressão</p><p>A liberdade de expressão, no caso do Brasil, é expressamente prevista na</p><p>Constituição de 1988 que, em seu art. 5, inciso IV, estabelece que “é livre a</p><p>manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988) e,</p><p>em seu inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística,</p><p>cientí�ca e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”</p><p>(BRASIL, 1988).</p><p>O texto constitucional brasileiro não é tão amplo quanto o consagrado pela</p><p>Constituição Espanhola de 1978, que prevê em seu art. 20 (ESPANHA, 1978, p.</p><p>12): “Se reconhecem e protegem os direitos: a) a expressar e difundir livremente</p><p>os pensamentos, ideias e opiniões mediante a palavra, o escrito ou qualquer</p><p>outro meio de reprodução; b) à produção e criação literária, artística, cientí�ca e</p><p>técnica; c) à liberdade de cátedra; e d) a comunicar ou receber livremente</p><p>informação verdadeira por qualquer meio de difusão. A lei regulará o direito à</p><p>cláusula de consciência e ao segredo pro�ssional no exercício dessas</p><p>liberdades”.</p><p>Apesar disso, é possível extrair do texto da Constituição de 1988 que a liberdade</p><p>de cátedra, bem como as demais liberdades previstas no texto espanhol,</p><p>também estão amparadas pela liberdade de expressão.</p><p>94</p><p>Diante desse cenário, vê-se que, de um lado, o direito de expressar-se</p><p>livremente é fundamental para os seres humanos, mas, por outro, que tal</p><p>liberdade não é absoluta e, de nenhuma forma, inconsequente. Isso ocorre</p><p>porque ao meu direito de expressar-me livremente soma-se o direito do outro</p><p>também expressar-se livremente, o que impõe, no caso de discordância de</p><p>discursos, que ambos tenhamos a capacidade de respeitar-nos mutuamente.</p><p>Esse respeito mútuo em caso de discursos dissonantes, infelizmente, tem sido</p><p>raro há alguns anos, num contexto em que “esquerda” e “direita” elegem-se</p><p>mutuamente como inimigos, alimentando um discurso de ódio que se</p><p>alimenta de si mesmo (MACHADO; DIAS; FERRER, 2018).</p><p>Claro que os excessos devem ser prevenidos e, caso ocorram, punidos, mas é</p><p>necessário que a liberdade de expressão reencontre o campo do diálogo, no</p><p>qual juntos possamos construir as melhores soluções para todos. Precisamos,</p><p>de�nitivamente, substituir o “eu” e o “outro” pelo “nós”!!</p><p>Liberdade Religiosa</p><p>A liberdade religiosa, em certa medida, foi substituída pelo conceito do</p><p>princípio da liberdade de crença e não crença. Claro que não se trata de um</p><p>conceito novo, mas me pareceu bastante interessante a utilização dessa</p><p>expressão e não a expressão que é mais usual, que é a do princípio da liberdade</p><p>religiosa.</p><p>O atual fundamento jurídico para ambos os princípios é encontrado no art. 5º,</p><p>inciso VI, da Constituição, que prevê que “é inviolável a liberdade de consciência</p><p>e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,</p><p>na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.</p><p>Realmente, quando optamos por utilizar a expressão “liberdade religiosa”,</p><p>parece que estamos excluindo a possibilidade de um cidadão optar pela “não</p><p>religião”, ou seja, a liberdade que cada um tem de ser ateu. Neste ponto, a</p><p>adoção do princípio de crença e não crença traz explícita esta possibilidade.</p><p>Este suposto detalhe é bastante importante, pois é crescente o número de</p><p>pessoas que declaram ser ateias. No caso do Brasil, não existem dados o�ciais,</p><p>mas existem países em que os ateus são a maioria. A título de exemplo, na</p><p>Suécia, 85% da população é ateia ou não tem religião (SANT’ANA, 2018).</p><p>Impossível imaginar que estas pessoas ateias não possuam o direito de não</p><p>professar qualquer crença.</p><p>95</p><p>Além disso, ao usarmos o princípio da liberdade religiosa, pode-se argumentar</p><p>que acabamos por restringir a liberdade das pessoas, pois estas, em tese,</p><p>estariam na posição de poder escolher sua religião dentre um rol pré-</p><p>estabelecido de religiões existentes e reconhecidas.</p><p>Assim, estariam excluídas aquelas pessoas que, a despeito de não serem ateias,</p><p>não se identi�cam com qualquer religião especí�ca e, assim, consideram-se</p><p>“sem religião”. Este grupo é dos que mais cresce no Brasil (junto com os que se</p><p>declaram evangélicos) e já representam 8% da população segundo dados do</p><p>Censo de 2010 do IBGE (G1, 2012).</p><p>É certo que alguns autores defendem que a liberdade religiosa é mais ampla e</p><p>inclui a opção de escolher qualquer prática religiosa mesmo que ela não seja</p><p>reconhecida o�cialmente, ou seja, o cidadão poderia optar por uma religião só</p><p>dele, uma religião própria e individual.</p><p>Contudo, a adoção do princípio da liberdade de crença e não crença elimina</p><p>qualquer possibilidade de dúvida, deixando claro que tal aspecto da liberdade</p><p>inclui</p><p>a possibilidade de o cidadão professar ou não qualquer fé.</p><p>O fortalecimento de tal princípio, por outro lado, também permite o</p><p>consequente fortalecimento da laicidade do Estado, uma vez que traz expressa</p><p>a necessidade do Estado prestigiar os dois polos da liberdade, pois, ao deixar</p><p>claro que tanto a crença como a não crença devem ser respeitadas, resta ao</p><p>Estado apenas adotar a imparcialidade, a neutralidade e a equidistância que</p><p>dele se exige.</p><p>Assim, nas palavras do Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADPF 54/DF</p><p>(BRASIL, 2013):</p><p>Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de diferentes</p><p>credos pací�cos e com aqueles que não professam fé alguma. Não</p><p>se cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse</p><p>ou aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles. A liberdade</p><p>religiosa e o Estado laico representam mais do que isso. Signi�cam</p><p>que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a</p><p>outros direitos fundamentais, tais como o direito à</p><p>autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à</p><p>privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade</p><p>de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da</p><p>reprodução.</p><p>96</p><p>NA PRÁTICA</p><p>O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) possui duas</p><p>publicações nas quais defende a adoção do estado laico e a liberdade</p><p>de crença e não-crença. Para saber mais: BRASIL. Conselho Nacional</p><p>do Ministério Público. Em defesa do estado laico: coletânea de</p><p>artigos. Vol. 1. Brasília: CNMP, 2014.</p><p>BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Em defesa do</p><p>estado laico: prática processual. Vol. 2. Brasília: CNMP, 2014.</p><p>97</p><p>https://go.eadstock.com.br/ebp</p><p>https://go.eadstock.com.br/ebq</p><p>15</p><p>Fraternidade na Ordem</p><p>Constitucional</p><p>A Constituição brasileira de 1988 não possui, em seu texto, a palavra</p><p>“fraternidade” como era de se esperar, já que ela, ao lado da igualdade e da</p><p>liberdade, compõe os ideais que inspiraram o movimento iluminista que</p><p>resultou na Revolução Francesa, marco na consagração dos direitos humanos.</p><p>Apesar dessa omissão, outras palavras e expressões contidas no texto</p><p>constitucional trazem na sua essência a mesma proposta da fraternidade.</p><p>Nesse sentido, o preâmbulo da Constituição prevê que dentre os seus objetivos</p><p>está a garantia de uma “sociedade fraterna” e, em seu art. 3º, que:</p><p>Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:</p><p>I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;</p><p>II - garantir o desenvolvimento nacional;</p><p>III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as</p><p>desigualdades sociais e regionais;</p><p>IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,</p><p>sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.</p><p>Assim, construir uma sociedade fraterna e solidária é um dos objetivos</p><p>fundamentais da República Federativa do Brasil. Mas, a�nal, qual o conceito</p><p>que deve ser atribuído à palavra solidariedade?</p><p>Segundo Silva (2013, p. 1):</p><p>A solidariedade passa pela empatia, mas nela não se encerra. Ao</p><p>contrário, vai além dela. Enquanto a empatia é a capacidade de se</p><p>colocar no lugar do outro, a solidariedade consiste na preocupação</p><p>com a situação alheia e na tomada de ações para minimizar o</p><p>sofrimento do próximo.</p><p>Assim, o agir solidário pressupõe uma preocupação com o outro e com o seu</p><p>bem-estar, pois o objetivo é que o viver bem seja uma realidade compartilhada</p><p>por todos dentro da sociedade. Nas palavras de Eros Grau (2006, p. 215):</p><p>Solidária a sociedade que não inimiza os homens entre si, que se</p><p>realiza no retorno, tanto quanto historicamente viável, à Gesellschaft</p><p>– a energia que vem da densidade populacional fraternizando e não</p><p>afastando os homens uns dos outros.</p><p>99</p><p>Assim, a solidariedade pressupõe uma inter-relação entre os seres humanos e,</p><p>apesar de ter aplicação plena em todos os âmbitos da relação do Estado com o</p><p>cidadão e na própria relação entre cidadãos, sua repercussão ocorre de forma</p><p>especial em algumas temáticas, nas quais a sua in�uência é ainda maior.</p><p>Em primeiro lugar, a solidariedade é imprescindível para a manutenção de uma</p><p>República, na qual os direitos de todos precisam ser respeitados e exercidos</p><p>harmonicamente, além de existir, ao lado dos bens de cada um, os bens que</p><p>são de todos, a res publica, os quais precisam ser utilizados visando atender o</p><p>interesse da coletividade.</p><p>Além de ser um fundamento da República, a solidariedade também merece</p><p>especial atenção no campo do Meio Ambiente, pois cabe à geração atual agir</p><p>de forma a garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as</p><p>futuras gerações, conforme preceitua o art. 225 da Constituição (BRASIL, 1988):</p><p>Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente</p><p>equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia</p><p>qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o</p><p>dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras</p><p>gerações.</p><p>Trata-se da chamada solidariedade intergeracional, que impõe a uma geração</p><p>obrigações em relação a outras gerações, a partir da qual “[...] há um vínculo</p><p>jurídico que, pela atual Constituição, se desenvolve como “contrato de justiça</p><p>social”, com a obrigação solidária de distribuir as vantagens e as onerosidades</p><p>da sociedade política, da sociedade do risco.” (KÖLLING; MASSAÚ; DAROS, 2016,</p><p>p. 262).</p><p>Assim, a distribuição das vantagens e onerosidades não deve se dar apenas</p><p>entre a presente geração, mas também envolver as futuras gerações de forma a</p><p>permitir que eles possam ter garantido um meio ambiente equilibrado. Em</p><p>razão disso, ao adotar medidas no presente, há que se pensar no futuro,</p><p>também.</p><p>Esse é um grande desa�o, pois, conforme nos alerta Oscar Vilhena Vieira,</p><p>muitas vezes os seres humanos não são aptos a identi�car e proteger as suas</p><p>metas de longo prazo, que “constantemente são subavaliadas por maiorias</p><p>ávidas por maximizar seus interesses imediatos” (VIEIRA, 1997, p. 54). Em razão</p><p>dessa tendência para a não solidariedade, as Constituições modernas acabam</p><p>adotando mecanismos de autolimitação ou pré-comprometimento, que</p><p>atuariam como reserva de justiça (VIEIRA, 1997) e muitos deles baseados na</p><p>solidariedade, inclusive intergeracional.</p><p>100</p><p>A solidariedade também ocupa posição de destaque no sistema de Previdência</p><p>Social e de Saúde Suplementar. No caso da Previdência Social, os segurados</p><p>contribuem não apenas para os seus próprios benefícios, mas também para os</p><p>benefícios a serem recebidos por outros segurados. O próprio Governo e os</p><p>empregadores também contribuem para o Sistema. Assim, o fato de um</p><p>segurado contribuir por dezenas de anos e, depois, não se aposentar, não o</p><p>autoriza a receber de volta o valor das contribuições que recolheu, uma vez que</p><p>elas são utilizadas para garantir o pagamento de outros segurados.</p><p>O mesmo ocorre no âmbito da Saúde Suplementar, pois os Planos de Saúde</p><p>promovem o rateio dos custos dos procedimentos para todos os titulares dos</p><p>planos, não existindo uma relação direta entre as mensalidades pagas e os</p><p>valores utilizados nos procedimentos.</p><p>Nos dois casos, todos contribuem para todos, numa lógica de solidariedade que</p><p>é da essência dos referidos sistemas.</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Uma opção para o sistema baseado na solidariedade é o chamado de</p><p>sistema de capitalização. No caso da Previdência Social, com o</p><p>sistema de capitalização, o trabalhador recolheria contribuições para</p><p>a própria aposentadoria. O mesmo ocorreria no caso dos Planos de</p><p>Saúde, no qual o consumidor recolheria mensalidades para uma</p><p>conta individual e, posteriormente, ao realizar procedimentos,</p><p>descontaria os respectivos valores da mencionada conta. O tema é</p><p>bastante polêmico e ainda causa bastante insegurança (BRASIL.</p><p>Senado Federal. Capitalização prevista na reforma da previdência</p><p>provoca incertezas).</p><p>101</p><p>https://go.eadstock.com.br/e3</p><p>16</p><p>Temos Direitos Humanos!</p><p>E os Nossos Deveres?</p><p>Um dos livros mais famosos do jus�lósofo Norberto Bobbio se chama “A Era dos</p><p>Direitos”. Nele, o autor italiano defende que já não precisamos</p><p>discutir a origem</p><p>dos direitos ou mesmo os seus fundamentos, uma vez que eles já foram</p><p>estabelecidos, cabendo, a partir de agora, começar a discutir como efetivar tais</p><p>direitos.</p><p>Tenho algumas reservas com relação a esta a�rmação, pois a maioria dos ditos</p><p>“direitos humanos” atualmente vigentes foram estabelecidos no mundo</p><p>ocidental, por homens, religiosos, brancos, heterossexuais, magros e</p><p>proprietários.</p><p>A consequência disso é que muitos dos direitos vigentes não se aplicam às</p><p>pessoas que não preenchem os pré-requisitos dos seus criadores, ou seja,</p><p>muitas vezes as mulheres, os não religiosos, os negros, os de�cientes, os</p><p>homossexuais, os gordos e os trabalhadores não proprietários são</p><p>simplesmente excluídos do rol de pessoas reconhecidas como titulares de</p><p>direitos. Na aula de hoje, porém, não pretendo analisar os direitos das minorias,</p><p>mas sim os deveres da maioria.</p><p>Neste aspecto, é interessante observar que falamos muito de direitos e, por</p><p>outro lado, quase não discutimos os nossos deveres. Infelizmente, em nosso dia</p><p>a dia, é comum pessoas que acham que elas apenas têm direitos, sendo</p><p>impensável imaginar que tais direitos possam trazer, como acompanhamento,</p><p>um rol de deveres. O outro, nessa lógica, não é concebido como alguém</p><p>também titular de direitos. O outro é, simplesmente, o inimigo.</p><p>Essa postura é lamentável, uma vez que faz com que a vida em sociedade</p><p>perca muito de seus atrativos e, às vezes, se torne um fardo quase que</p><p>insuportável de ser carregado. É imprescindível uma mudança de paradigma,</p><p>com a adoção de uma nova lógica que reconheça que, além dos direitos, que</p><p>devem ser respeitados por todos e pelo Poder Público, também temos deveres</p><p>que precisamos observar, não apenas em relação ao outro e à natureza, mas,</p><p>também, em face do Poder Público.</p><p>Canotilho (1998) defende a existência de duas espécies de deveres: os conexos,</p><p>com direitos fundamentais (ou deveres fundamentais correlativos a direitos) e</p><p>os deveres autônomos. No caso dos deveres conexos com direitos</p><p>fundamentais, a sua observância é obrigatória para que possam ser garantidos</p><p>os direitos fundamentais de todos, razão pela qual a todos são impostos</p><p>deveres fundamentais. É o caso do meio ambiente que, conforme já</p><p>mencionado, exige que todos atuem com o dever de garantir um meio</p><p>ambiente ecologicamente equilibrado.</p><p>Ao lado de tais deveres, existem autônomos, como o dever de pagar impostos,</p><p>o dever de fazer com que a propriedade cumpra a sua função social, dever de</p><p>defesa da pátria, etc. São deveres que não estão diretamente relacionados a</p><p>103</p><p>direitos fundamentais (CANOTILHO, 1998).</p><p>Interessante destacar que nos Sistemas de Direitos Humanos, tanto Global</p><p>quanto Regionais, apenas a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos</p><p>apresenta uma concepção de deveres ao lado dos direitos, partindo da</p><p>premissa de que “o gozo dos direitos e liberdades implica o cumprimento dos</p><p>deveres de cada um.” (PIOVESAN, 2018a, p. 248).</p><p>Além disso, segundo Canotilho, apesar de não existir uma divisão clara, é</p><p>possível “detectar deveres primordialmente cívico-políticos (dever de defesa da</p><p>pátria, dever de voto), e deveres de caráter econômico, social e cultural (dever</p><p>de defender a saúde, dever de defesa do patrimônio)” (CANOTILHO, 1998, p.</p><p>480).</p><p>Da leitura de nosso texto constitucional, é possível extrair, dentre outros, os</p><p>seguintes deveres (BRASIL, 2013):</p><p>Votar para escolher nossos governantes.</p><p>Cumprir as leis.</p><p>Respeitar os direitos sociais de outras pessoas.</p><p>Educar e proteger nossos semelhantes.</p><p>Proteger a natureza.</p><p>Proteger o patrimônio público e social do País.</p><p>CONECTE-SE</p><p>A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos está disponível na</p><p>internet e em português: Comissão Africana dos Direitos Humanos e</p><p>dos Povos. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.</p><p>104</p><p>https://go.eadstock.com.br/e4</p><p>Colaborar com as autoridades.</p><p>Ao lado de tais deveres, é importante reconhecer que a Administração Pública</p><p>(uma das facetas do Estado) também passou por um processo de evolução,</p><p>pois, se inicialmente à Administração Pública bastava prestar serviços, com o</p><p>passar do tempo, ela também passou a ter como uma de suas obrigações atuar</p><p>da forma mais transparente possível e dando ouvidos ao cidadão, cuja opinião e</p><p>manifestação ganharam relevância na tomada de decisões pela Administração</p><p>Pública.</p><p>Surge o que se convencionou chamar de “Administração Pública dialógica”, na</p><p>qual a atuação da Administração Pública deveria ser construída a partir do</p><p>diálogo constante com os cidadãos, única forma de construirmos uma nova</p><p>sociedade, a partir de um movimento “de baixo para cima”, na qual o cidadão</p><p>seja elevado ao posto de protagonista de sua história, exigindo os seus direitos,</p><p>mas cumprindo �elmente os seus deveres, inclusive o de participar da vida em</p><p>sociedade.</p><p>Assim, como se vê, precisamos reconhecer que vivemos numa era de direitos e</p><p>deveres, cabendo a cada um de nós a busca por uma vida digna de ser vivida, a</p><p>partir de um pacto de respeito recíproco.</p><p>NA PRÁTICA</p><p>Um tema que tem ganhado importância é a defesa dos direitos dos</p><p>animais e demais formas de vida, ou seja, dos direitos não humanos.</p><p>O respeito a tais direitos, por consequência, exigirá que os seres</p><p>humanos assumam um novo rol de deveres em relação aos demais</p><p>seres vivos. Para um estudo mais aprofundado, leia ROCKENBACH,</p><p>Ramiro. Para além dos direitos humanos: uma defesa da vida e a paz</p><p>como caminho comum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.</p><p>105</p><p>Conclusão</p><p>Para o signi�cado da palavra contexto, podemos conceber um determinado</p><p>momento na história de uma cidade, estado ou país, como também uma situação</p><p>especí�ca na qual uma pessoa ou instituição se encontra. Assim, o estudo do</p><p>contexto é de extrema importância quando se pretende analisar um fato, uma vez</p><p>que as circunstâncias que permeiam a sua ocorrência podem ser decisivas para a</p><p>sua compreensão.</p><p>Em sua obra “A reinvenção dos direitos humanos”, o Prof. Joaquín Herrera Flores</p><p>propõe a utilização do “diamante ético”, uma metáfora que contempla doze</p><p>elementos que devem ser levados em consideração na avaliação de um</p><p>determinado contexto.</p><p>Tais elementos estariam divididos em dois eixos: um conceitual, no qual estão as</p><p>teorias, a posição, o espaço, os valores, a narração e as instituições, e outro, material,</p><p>no qual estão as forças produtivas, a disposição, o desenvolvimento, as práticas</p><p>sociais, a historicidade e as relações sociais.</p><p>O saudoso professor espanhol argumentava que a garantia dos direitos humanos e</p><p>o desenvolvimento de uma comunidade somente é possível se o seu contexto</p><p>social for considerado e não apenas com a simples aplicação da lei, de forma</p><p>descontextualizada. Se aplicarmos os elementos do “diamante ético” na atualidade</p><p>brasileira, veremos que ele não é dos mais positivos.</p><p>Vivemos uma crise econômica que motiva propostas absurdas de mudanças</p><p>constitucionais e legislativas que podem resultar na eliminação de direitos</p><p>duramente conquistados. Apesar dessa situação aparentemente negativa, é</p><p>extremamente interessante como muitos brasileiros insistem em sonhar e</p><p>concretizar os seus sonhos, seja casando, tendo �lhos, investindo em novos</p><p>empreendimentos, enfrentando com bom humor as adversidades e, ainda,</p><p>conseguindo rir de si próprio, deixando claro que o melhor do Brasil realmente é o</p><p>brasileiro.</p><p>Tais pessoas dão concretude ao ensinamento de Gilles Deleuze, que sustenta que</p><p>“a vida não pode �xar-se em uma descrição que imobilize o seu poder de mudança</p><p>e devenir. Ou, em outras palavras, a vida não se de�ne pelo que é, mas sim pelo</p><p>que pode ser, pelo poder de um corpo de afetar e ser afetado, de multiplicar</p><p>conexões, de criar novas relações, de aumentar sua capacidade de atuar”.</p><p>Na verdade, essas pessoas, ao acreditarem num devenir promissor, apesar do</p><p>aparente contexto negativo do presente, são imprescindíveis para que a realidade</p><p>seja alterada, ou seja, que um novo amanhã possa �orescer.</p><p>106</p><p>Assim, convido a todos os alunos a viverem seus sonhos</p><p>e projetos para que</p><p>possam construir futuro melhor; construir um novo contexto no qual a vida seja</p><p>cada dia mais digna de ser vivida.</p><p>Livro</p><p>Livro</p><p>107</p><p>Web</p><p>108</p><p>https://go.eadstock.com.br/e5</p><p>109</p><p>110</p><p>111</p><p>112</p><p>113</p><p>114</p><p>Conceito de Direitos Humanos</p><p>Ética</p><p>Cidadania</p><p>Desenvolvimento Histórico da Construção dos Direitos Humanos (1ª Parte)</p><p>Desenvolvimento Histórico da Construção dos Direitos Humanos (2ª Parte)</p><p>Direitos Humanos e Direitos Fundamentais</p><p>Eficácia Vertical e Horizontal dos Direitos Humanos e Fundamentais</p><p>O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos</p><p>Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos</p><p>Diversidade Cultural e Direitos Humanos</p><p>Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988</p><p>Solução para a Colisão de Princípios</p><p>Igualdade na Ordem Constitucional</p><p>Liberdade na Ordem Constitucional</p><p>Fraternidade na Ordem Constitucional</p><p>Temos Direitos Humanos! E os Nossos Deveres?</p><p>que</p><p>mais intrigam os estudiosos, tamanhas as polêmicas que envolvem a</p><p>conceituação de direitos humanos, muitas delas vinculadas à sua origem e</p><p>amplitude. A presente aula pretende trazer algumas respostas possíveis e</p><p>convidar a todos para uma re�exão sobre o que são os direitos humanos.</p><p>Direitos Humanos – Produtos</p><p>Naturais?</p><p>Para uma teoria tradicional dos direitos humanos, os direitos humanos são</p><p>produtos naturais, ou seja, decorrem da própria natureza dos seres humanos.</p><p>Nesse sentido, querido(a) aluno(a), pelo simples fato de nascer,</p><p>independentemente do local em que isso ocorra, todos nós, seres humanos, já</p><p>teríamos garantidos os nossos direitos humanos.</p><p>Essa, em certa medida, é a concepção adotada pela Declaração dos Direitos do</p><p>Homem e do Cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, com a Revolução</p><p>Francesa, que em seu artigo 1º previa que: “Os homens nascem e são livres e</p><p>iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade</p><p>comum”.</p><p>No mesmo sentido restou estabelecido na Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos que, em seu artigo 1, estabelece que: “Todos os seres humanos</p><p>nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e</p><p>consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de</p><p>fraternidade” (NAÇÕES UNIDAS, 2018). Essas premissas levaram Comparato</p><p>(2019, p. 15) a a�rmar em sua obra “A a�rmação histórica dos direitos humanos”</p><p>que:</p><p>O que se conta, nestas páginas, é a parte mais bela e importante de</p><p>toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar</p><p>das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem</p><p>entre si, merecem igual respeito, como únicos entes do mundo</p><p>capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza.</p><p>8</p><p>Em razão desses conceitos, defende-se que os direitos humanos são dotados</p><p>de essencialidade, pois seriam inerentes a todos os seres humanos e vinculados</p><p>diretamente à sua essência. Outra decorrência lógica dessa concepção de</p><p>direitos humanos é que eles seriam universais, ou seja, titularizados por todos</p><p>os seres humanos, independentemente do seu local de nascimento e mesmo</p><p>do contexto social no qual vivem. Assim, pouco importaria, para �ns de garantia</p><p>dos direitos humanos, se uma pessoa nasceu em um país da África ou em</p><p>algum país europeu, pois os direitos humanos, sendo naturais e universais,</p><p>deveriam ser garantidos para todos, independentemente de seu contexto</p><p>social.</p><p>Essa concepção universalista dos direitos humanos foi estabelecida</p><p>inicialmente com a Revolução Francesa e, posteriormente, foi rea�rmada pela</p><p>ONU ao ser aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.</p><p>Apesar de universais, contudo, os direitos humanos teriam sido consagrados</p><p>gradativamente, num processo que segundo alguns autores se deu por meio</p><p>de gerações ou dimensões de direitos humanos, as quais estariam vinculadas</p><p>aos valores defendidos pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade e</p><p>fraternidade.</p><p>A primeira geração ou dimensão estaria relacionada aos direitos civis e políticos,</p><p>os quais imputariam obrigações negativas ao Estado, a quem caberia garantir a</p><p>liberdade individual do cidadão. Já a segunda geração contemplaria os direitos</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Regra básica quando se fala em direitos humanos é rechaçar toda e</p><p>qualquer forma de discriminação que possa defender a sua violação,</p><p>em especial de minorias que, frequentemente, são ignoradas pelos</p><p>textos normativos. Assim, cuidado com qualquer manifestação que</p><p>possa transparecer preconceituosa, seja nas mídias sociais ou em</p><p>provas, pois alguns concursos tendem a eliminar os candidatos que</p><p>defendam uma eventual violação de direitos humanos.</p><p>9</p><p>sociais, econômicos e culturais, os quais exigiriam uma atuação positiva do</p><p>Estado, que seria obrigado a garantir a igualdade de direitos para todos os</p><p>cidadãos.</p><p>Por �m, os direitos de terceira geração, relacionados ao ideal de fraternidade,</p><p>diriam respeito aos direitos difusos e coletivos, que envolveriam a atuação do</p><p>Estado e dos próprios cidadãos na garantia dos direitos titularizados por todos,</p><p>como é o caso do meio ambiente saudável.</p><p>Particularmente não me agrada essa divisão dos direitos humanos em</p><p>gerações ou dimensões, pois ela pode trazer a ideia equivocada de que a</p><p>conquista de direitos humanos deve ocorrer de forma escalonada, ou seja, a</p><p>luta pelos direitos de segunda geração somente deve ocorrer após todos terem</p><p>conquistado os de primeira geração. Na verdade, parece-me que o ideal é que</p><p>os direitos humanos sejam concebidos de forma integrada, e que a luta por sua</p><p>concretização ocorra independentemente de qual geração lhe seja atribuída.</p><p>Apesar dessa minha posição crítica, tenho que reconhecer que, na atualidade,</p><p>ao contrário do que ocorria no passado, tem crescido a preocupação com os</p><p>supostos direitos de terceira geração, ou seja, os relacionados com a</p><p>fraternidade ou com a solidariedade. Essa preocupação tem motivado posições</p><p>altruístas, a partir das quais os cidadãos têm colaborado cada vez mais com as</p><p>pessoas que, por uma razão ou outra, buscam auxílio junto a seus pares.</p><p>A partir dessa concepção, conforme leciona Norberto Bobbio, o problema da</p><p>atualidade já não seria justi�car ou estabelecer os direitos humanos, mas sim</p><p>adotar meios para torná-los efetivos.</p><p>10</p><p>CONECTE-SE</p><p>Em homenagem aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos, a ONU publicou textos explicativos sobre cada um dos</p><p>seus artigos, cuja leitura é imprescindível.</p><p>Direitos Humanos – Produtos</p><p>Culturais?</p><p>Se para a teoria tradicional de direitos humanos eles devem ser concebidos</p><p>como produtos naturais e vinculados à essência dos seres humanos, para uma</p><p>teoria crítica, os direitos humanos, na verdade, são produtos culturais</p><p>construídos e conquistados historicamente pelos seres humanos dentro de</p><p>seus contextos sociais.</p><p>11</p><p>https://go.eadstock.com.br/eD</p><p>Se para a teoria tradicional de direitos humanos eles devem ser concebidos</p><p>como produtos naturais e vinculados à essência dos seres humanos, para uma</p><p>teoria crítica, os direitos humanos, na verdade, são produtos culturais</p><p>construídos e conquistados historicamente pelos seres humanos dentro de</p><p>seus contextos sociais.</p><p>Nesse sentido, para Joaquín Herrera Flores, os direitos humanos são “resultados</p><p>provisórios de lutas sociais por dignidade.” (HERRERA FLORES, 2009, p. 120).</p><p>Uma vez que o autor conceitua a dignidade humana como o acesso igualitário,</p><p>não previamente hierarquizado, aos bens necessários para uma vida digna de</p><p>ser vivida, é possível conceituar direitos humanos como os resultados</p><p>provisórios de processos de luta pelo acesso igualitário, não previamente</p><p>hierarquizado, aos bens necessários para uma vida digna de ser vivida</p><p>(HERRERA FLORES, 2009).</p><p>Por essa concepção, os direitos humanos não são, portanto, garantidos a todos</p><p>os seres humanos pelo simples fato de nascerem, sendo necessário que lutas</p><p>sejam travadas para que os direitos sejam conquistados e, posteriormente, tais</p><p>El tres de mayo de 1808 en Madrid, de Goya (1814)</p><p>Fonte: acesse o link disponível aqui</p><p>12</p><p>http://www.xtec.cat/~fchorda/goya/dosincc.htm</p><p>lutas continuam a ser necessárias para que os direitos humanos sejam</p><p>mantidos.</p><p>Outra consequência da adoção dos direitos humanos como produto cultural é</p><p>que eles deixam de ser considerados universais e ganham conotação regional</p><p>ou local. Assim, já não se pode falar que os direitos humanos são</p><p>necessariamente os mesmos independentemente do local de nascimento e o</p><p>contexto social no qual vive cada ser humano.</p><p>É possível encontrar, portanto, seres humanos em situações diferentes em</p><p>relação à conquista e efetivação de direitos humanos, pois dependem em</p><p>grande parte do contexto no qual se pretende garanti-los.</p><p>A obra “El tres de mayo de 1808 en Madrid'', de Goya, é usada por Joaquín</p><p>Herrera Flores para explicar como o suposto universalismo dos Direitos do</p><p>Homem e do Cidadão consagrados pela Revolução Francesa não foram</p><p>garantidos aos espanhóis em 1808:</p><p>[...] do que se defendiam os homens e mulheres que estavam</p><p>a</p><p>ponto de ser fuzilados pelos soldados franceses pintados por Goya?</p><p>Atacando ideais universalistas da Ilustração francesa, os “rebeldes”</p><p>se deixavam matar por ideais, do mesmo modo, universalistas da</p><p>tradição anti-ilustrada espanhola. Ao mesmo tempo, os soldados do</p><p>exército da liberdade os assassinavam em nome dos ideais mais</p><p>universais surgidos da Revolução ilustrada. De dois particularismos</p><p>chegava-se à violência, pois eles se apresentavam como ideais</p><p>universais que todos deveriam aceitar. (HERRERA FLORES, 2009, p.</p><p>173).</p><p>Por outro lado, porém, como o autor adverte, não se pode admitir um</p><p>regionalismo absoluto, pois se estaria diante de um novo universalismo ou,</p><p>conforme defende, um universalismo de retas paralelas.</p><p>Da mesma forma que um universalismo de partida não é desejável, pois ele</p><p>desconsidera o contexto social no qual os seres humanos nascem e vivem, um</p><p>universalismo de retas paralelas também não deve ser buscado, pois ele acaba</p><p>por desconsiderar as características particulares dos demais, sendo válido</p><p>apenas o local.</p><p>A solução, assim, seria um universalismo de chegada, a ser buscado a partir do</p><p>diálogo intercultural, no qual os seres humanos possam conhecer novas</p><p>realidades diferentes daquelas existentes em seu contexto, e buscar, no contato</p><p>com os outros seres humanos, estabelecer quais direitos deverão ser</p><p>universalizados:</p><p>13</p><p>Ao universal, há que se chegar – universalismo de chegada ou de</p><p>con�uência – depois (não antes) de um processo de luta discursivo,</p><p>de diálogo ou de confrontação em que se rompam os preconceitos</p><p>e as linhas paralelas. Falamos do entrecruzamento de propostas, e</p><p>não de uma mera superposição (HERRERA FLORES, 2009, p. 162).</p><p>A garantia e efetividade dos direitos humanos exigem, portanto, uma grande</p><p>vigilância, pois é necessário lutar para que eles sejam reconhecidos pelos textos</p><p>normativos, mas isso não basta, pois é necessário que se continue a lutar para</p><p>que os textos normativos sejam efetivamente colocados em prática.</p><p>Não basta que o direito à saúde seja reconhecido pelo texto constitucional e</p><p>por inúmeras leis, mas é necessário que os governantes efetivamente</p><p>disponibilizem médicos, remédios, hospitais, etc. para que tal direito seja</p><p>usufruído pelo cidadão, que tem no voto e na participação popular a sua maior</p><p>arma.</p><p>14</p><p>NA PRÁTICA</p><p>No Brasil, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC),</p><p>vinculada ao Ministério Público Federal, atua de forma intensa na</p><p>defesa dos direitos humanos, seja por meio da emissão de notas</p><p>técnicas referentes a atos normativos, seja por meio de outras formas</p><p>de atuação extrajudicial. Em sua página da internet, a PFDC divulga</p><p>todas as suas atuações em defesa dos direitos humanos.</p><p>Além disso, o cidadão que se sentir prejudicado por alguma medida</p><p>adotada pelo Governo Federal pode oferecer uma representação por</p><p>meio da “Sala de Atendimento ao Cidadão”:</p><p>15</p><p>https://go.eadstock.com.br/eE</p><p>https://go.eadstock.com.br/d5g</p><p>02</p><p>Ética</p><p>“Ética” é uma expressão que faz parte do nosso dia a dia como algo que deve</p><p>ser respeitado por todos. Repetimos de forma quase que automática que</p><p>somos éticos e, com a mesma facilidade, julgamos as atitudes dos outros e as</p><p>classi�camos como antiéticas. Mas, a�nal, o que é ética?</p><p>Conceito de Ética</p><p>A expressão ethos, que se originou da palavra ética, era utilizada pelos gregos</p><p>para representar “aquela dimensão da vida humana sobre que incidem normas</p><p>[...] destinadas a fornecer parâmetros para decidir entre opções de conduta</p><p>futura igualmente possíveis e mutuamente contraditórias.” (ADEODATO, 2012,</p><p>p. 71).</p><p>Assim, a ética estava relacionada ao estabelecimento de regras de conduta que</p><p>tivessem como perspectiva a escolha do certo ao invés do errado, do justo ao</p><p>contrário do injusto.</p><p>Em razão disso, a ética é conceituada como “a ciência ou �loso�a que fará a</p><p>eleição das melhores ações tendo como horizonte o interesse coletivo,</p><p>universal.” (ALMEIDA; CHRISTMANN, 2009, p. 4).</p><p>Essa busca pelo coletivo e pelo universal, inclusive, seria a diferença</p><p>apresentada entre ética e moral, pois esta segunda não teria “pretensões de</p><p>universalização, porque ela tem como base o próprio comportamento social,</p><p>não uma re�exão sobre ele [e] não se baseia numa re�exão, mas nos costumes</p><p>de determinada sociedade em determinado lugar, em um preciso tempo</p><p>histórico. Ele é, portanto, costumeiro, tradicional, e não �losó�co” (ALMEIDA;</p><p>CHRISTMANN, 2009, p. 4).</p><p>Apesar dessa suposta distinção de moral e ética, não raras vezes as duas</p><p>palavras são utilizadas como sinônimos, pois ambas estariam relacionadas ao</p><p>agir humano e teriam como objetivo delimitar se esse agir é correto, justo.</p><p>Aristóteles (2001), em sua obra “Ética a Nicômacos”, defende que o justo (e,</p><p>portanto, o que seria moral e ético) é agir com proporcionalidade, no meio</p><p>termo, evitando os excessos que se caracterizariam como injustos.</p><p>Assim, para Aristóteles, a atuação correta e justa é aquela que pode ser</p><p>considerada proporcional e que se afasta dos extremos, sendo que as condutas</p><p>extremas e, portanto, desproporcionais, seriam violadoras da moral e da ética.</p><p>17</p><p>Emmanuel Kant, ao de�nir moral, sustenta que: “O princípio supremo da moral</p><p>é, portanto: age segundo uma máxima que possa ter valor como lei geral. Toda</p><p>máxima que não seja suscetível dessa extensão é contrária à moral.” (KANT,</p><p>1993, p. 40). Para ele, o agir moral é desejado por todos, pois bene�cia a todos,</p><p>ao contrário da ação imoral, que prejudicaria não apenas o seu autor, mas toda</p><p>a comunidade na qual ele está inserido.</p><p>Trazendo essas situações para os nossos dias, é possível veri�car que a atuação</p><p>ética e moral de um político tende a bene�ciar toda a comunidade na qual ele</p><p>está inserido, ao contrário do agir imoral e antiético, que além de prejudicar a</p><p>comunidade, também acaba por prejudicar até mesmo o país como um todo.</p><p>FICA A DICA</p><p>Livro</p><p>Nos tempos atuais, muitos são os dilemas morais</p><p>que se apresentam, em especial em razão do</p><p>desenvolvimento de novas tecnologias. É certo que</p><p>tais tecnologias, por si só, não podem ser</p><p>classi�cadas como boas ou más, mas, infelizmente,</p><p>o uso que delas se faz pode ser considerado bom</p><p>ou mal. Sobre o tema, é muito interessante o livro</p><p>“Justiça: o que é fazer a coisa certa”, de Michael J.</p><p>Sandel, no qual o autor discute vários temas</p><p>instigantes dos nossos tempos tais como suicídio</p><p>assistido, aborto, imigração, impostos, os limites</p><p>morais do mercado, etc. Trata-se de uma excelente</p><p>leitura.</p><p>18</p><p>Ética na Prática</p><p>Como se vê, os conceitos de ética, moral e justiça, apesar de não serem</p><p>idênticos, acabam por se entrelaçar, pois todos dizem respeito às regras de</p><p>condutas impostas aos seres humanos e que tenham como resultado algo que</p><p>pode ser tido como certo, apesar da imensa di�culdade que tais conceitos</p><p>impõem.</p><p>Interessante que essa di�culdade em de�nir o correto, o certo, en�m, o justo, é</p><p>tão difícil que o legislador brasileiro optou, no caso da Lei de Improbidade</p><p>Administrativa, em indicar o que é errado ou injusto.</p><p>Neste sentido, para a mencionada Lei, são considerados como atos de</p><p>improbidade administrativa e, portanto, atos imorais e injustos, aqueles que (1)</p><p>tenham como objetivo o enriquecimento ilícito do agente público, (2) resultem</p><p>em prejuízo ao Patrimônio Público e (3) violem os princípios que devem nortear</p><p>a atuação da Administração Pública (BRASIL, 1992).</p><p>Assim, em resumo, ética pode ser considerada a ciência que se dedica a</p><p>estudar o que deve ser considerado como sendo um agir moral e justo ou, em</p><p>outras palavras, o estudo que permite diferenciar o certo do errado.</p><p>A partir desse conceito, praticamente todas as pro�ssões elaboram o seu</p><p>Código de Ética, que traz regras de conduta e vedações que servem de</p><p>orientação para que os pro�ssionais ajam de forma correta e não adotem</p><p>posturas que possam ser consideradas inadequadas.</p><p>Assim, a título de exemplo, no caso dos médicos, o Conselho Federal de</p><p>Medicina editou o Código de Ética Médica, o qual estabelece que, em respeito</p><p>aos direitos humanos</p><p>(Capítulo IV), é vedado ao médico: “Deixar de obter</p><p>consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo</p><p>sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de</p><p>morte.” (BRASIL, 2010, p. 37).</p><p>19</p><p>Como vimos na aula anterior, os direitos humanos podem ser concebidos como</p><p>produtos naturais, vinculados à própria essência dos seres humanos e de</p><p>observância obrigatória por todos, ou como produtos culturais, resultados</p><p>provisórios de processos de luta pela dignidade humana.</p><p>Em qualquer um dos dois sentidos, porém, os direitos humanos demandam</p><p>uma atuação tendo em vista a si próprio e o outro, ou seja, impõem uma</p><p>conduta que, a despeito de permitir o exercício do meu direito, também</p><p>respeite o direito garantido ao outro.</p><p>Existe um dito popular no sentido de que “o meu direito vai até onde começa o</p><p>direito do outro”. Apesar de tê-la ouvido com enorme frequência, não consigo</p><p>concordar com tal frase, pois ela transmite a ideia de que a única forma que</p><p>possuo para aumentar os meus direitos é reduzindo os direitos dos outros.</p><p>Assim, parece-me que uma melhor formulação da frase seria que “o meu</p><p>direito vai até onde VAI o direito do outro”, pois, se para mim é garantido o</p><p>direito à saúde, é porque esse é um direito que é garantido para todos, ou seja,</p><p>um direito humano.</p><p>Assim, a garantia dos direitos humanos depende de um compromisso ético de</p><p>todos “com nós mesmos, com os outros e com a natureza [...] compromisso</p><p>com os direitos humanos”, que consiste em “criar as condições e as</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Da mesma forma que o Conselho Federal de Medicina, praticamente</p><p>todas os conselhos de classe possuem um Código de Ética, o qual é</p><p>de observância obrigatória pelos pro�ssionais. Além disso, os</p><p>preceitos dos Códigos de Ética com frequência são exigidos em</p><p>concursos públicos. No caso da OAB (Ordem dos Advogados do</p><p>Brasil), o Código de Ética (Resolução nº 02/2015) é um dos temas</p><p>exigidos no Exame de Ordem, cuja aprovação é imprescindível para o</p><p>Bacharel de Direito que pretenda advogar.</p><p>20</p><p>possibilidades sociais, econômicas, culturais, políticas e jurídicas de ter, exigir e</p><p>garantir as responsabilidades que assumimos nesse processo de humanização</p><p>do humano.” (HERRERA FLORES, 2009, p. 214).</p><p>A�nal, não se podem garantir direitos humanos se os humanos não agirem</p><p>com ética em relação a si mesmos e à natureza.</p><p>CONECTE-SE</p><p>Infelizmente, nem sempre os agentes públicos respeitam a ética em</p><p>suas condutas e, nesses casos, acabam sendo processados pela</p><p>prática de atos de improbidade administrativa. O Ministério Público</p><p>Federal disponibiliza um “Mapa da Improbidade” no qual é possível</p><p>veri�car o número de ações de improbidade administrativa em curso</p><p>e, inclusive, ter acesso a documentos relacionados a cada uma destas</p><p>ações.</p><p>21</p><p>https://go.eadstock.com.br/eG</p><p>03</p><p>Cidadania</p><p>Imagine-se morando na Europa antes da Revolução Francesa, durante os</p><p>Estados Absolutistas. Imaginou? Bom, �que sabendo que naquele momento</p><p>histórico inexistia a �gura do cidadão, e os seres humanos eram tidos como</p><p>objeto (e não titular) de direito dos que detinham o poder.</p><p>Assim, o Estado tinha o poder soberano de “deixar viver e fazer morrer”,</p><p>conforme leciona Foucault (1999), pois os seres humanos eram tidos como</p><p>vinculados à terra que ocupavam e junto com ela integravam a propriedade de</p><p>seu dono.</p><p>Com a revolução francesa, surge a �gura do cidadão e, como vimos na primeira</p><p>aula, é criada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Quando você lê a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,</p><p>imagina que nela também estão contemplados os direitos das</p><p>“Mulheres e Cidadãs”? Saiba que não, pois, na época, apesar dos</p><p>ideais de liberdade, igualdade e fraternidade defendidos pelos</p><p>franceses revolucionários, os direitos foram conquistados apenas para</p><p>os homens, pois as mulheres permaneceram sendo consideradas</p><p>objeto de direito. Olympe de Gouges defendeu a aprovação, também,</p><p>de uma “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, nos exatos</p><p>termos da versão masculina, mas foi decapitada pelos</p><p>revolucionários.</p><p>23</p><p>Assim, a �gura do cidadão surge apenas com a Revolução Francesa, a partir da</p><p>qual passam a ser estabelecidos direitos deste em relação ao Estado. E hoje,</p><p>como podemos conceituar a cidadania?</p><p>FICA A DICA</p><p>Livro</p><p>Uma leitura interessante é a história em</p><p>quadrinhos de Olympe de Gouges:</p><p>Olympe de Gouges</p><p>Autores: José-Louis Bocquet e Catel Muller</p><p>Editora: Record</p><p>Conceito de Cidadania</p><p>Atualmente, já não estamos num estado absolutista, e o poder soberano foi</p><p>substituído, no caso das democracias, pelo poder do povo. No caso do Brasil, a</p><p>Constituição Federal de 1988 é expressa em a�rmar que: “Todo o poder emana</p><p>do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos</p><p>termos desta Constituição.” (parágrafo único, do art. 1º. BRASIL, 1988).</p><p>Votar em candidatos que possam representá-lo e participar diretamente, nos</p><p>termos da Constituição, da gestão do país são direitos do cidadão, que também</p><p>pode se candidatar para ocupar cargos públicos eletivos, como Presidente da</p><p>República e demais cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo.</p><p>24</p><p>Assim, cidadania pode ser conceituada como a "capacidade para o exercício</p><p>dos direitos políticos, como processo de transformação do poder soberano em</p><p>órgão representativo." (FRANCO, 2019, p. 106).</p><p>Como no Brasil os direitos de votar (cidadania ativa) e ser votado (cidadania</p><p>passiva) são exclusivos dos brasileiros, o conceito de cidadão, em certa medida,</p><p>acaba se confundindo com o de nacional ou naturalizado.</p><p>E como �cam os estrangeiros?</p><p>E os Estrangeiros?</p><p>No Brasil, os direitos e deveres dos estrangeiros estão previstos na Lei nº 13.445,</p><p>de 24 de maio de 2017, a qual instituiu a Lei da Migração. Para referida lei, são</p><p>adotados os seguintes conceitos:</p><p>II - imigrante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que</p><p>trabalha ou reside e se estabelece temporária ou de�nitivamente no</p><p>Brasil;</p><p>III - emigrante: brasileiro que se estabelece temporária ou</p><p>de�nitivamente no exterior;</p><p>IV - residente fronteiriço: pessoa nacional de país limítrofe ou</p><p>apátrida que conserva a sua residência habitual em município</p><p>fronteiriço de país vizinho;</p><p>V - visitante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que vem ao</p><p>Brasil para estadas de curta duração, sem pretensão de se</p><p>estabelecer temporária ou de�nitivamente no território nacional;</p><p>VI - apátrida: pessoa que não seja considerada como nacional por</p><p>nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da</p><p>Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada</p><p>pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002 , ou assim reconhecida</p><p>pelo Estado brasileiro.</p><p>Para tais pessoas, ao contrário do que ocorre com o nacional, não é garantido o</p><p>direito ao voto, razão pela qual é possível concluir que eles não são titulares de</p><p>cidadania ativa ou passiva. Apesar disso, a mencionada Lei de Migração é</p><p>expressa em a�rmar que para todos os acima mencionados é adotado como</p><p>princípio a “universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos</p><p>humanos.” (art. 3º, inciso I).</p><p>25</p><p>Assim, apesar de não serem cidadãos brasileiros, os estrangeiros, qualquer que</p><p>seja a sua classi�cação de acordo com a lei, são titulares de direitos e de</p><p>deveres. Nesse sentido:</p><p>Os estrangeiros praticamente se igualam aos nacionais quanto ao</p><p>exercício de direitos e deveres. Evidentemente, contudo, que se lhes</p><p>atribuem algumas limitações próprias. (...)</p><p>Os direitos políticos não são reconhecidos aos estrangeiros,</p><p>ressalvado os portugueses, consoante se constata do § 2º do art. 14</p><p>da CF. Assim, não podem votar, nem podem ser eleitos para o</p><p>exercício de cargos políticos. Também estão impedidos de</p><p>apresentar ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF). Igualmente, não</p><p>podem exercer cargos, empregos ou funções públicas (art. 37, I, da</p><p>CF), salvo na forma da lei (art. 37, I, in �ne, e art. 207, § 1º). Nem</p><p>podem subscrever projeto de lei de iniciativa popular (art. 61, § 2º, da</p><p>CF).(TAVARES, 2018, p. 681).</p><p>Apesar de o Brasil não admitir o direito de voto para os estrangeiros, o que</p><p>também ocorre na Argentina, alguns países da América do Sul o admitem.</p><p>Vejamos um breve resumo sobre o tema (BAHTEN, 2013):</p><p>Paraguai: os estrangeiros residentes no país podem votar nas eleições</p><p>municipais;</p><p>Uruguai: os estrangeiros com família constituída e vivendo há mais de 15</p><p>anos no país, com boa conduta e que possuam capital ou propriedade, ou</p><p>que desempenhem alguma atividade pro�ssional no país, podem votar</p><p>nas mesmas condições que os nacionais;</p><p>Chile: os estrangeiros residentes há mais de 5 anos no país podem votar</p><p>nas mesmas condições que os nacionais.</p><p>Assim, no Uruguai e no Chile, preenchidas algumas condições especiais, os</p><p>estrangeiros também podem votar, tal qual os nacionais. Essa equiparação do</p><p>nacional e o estrangeiro, no que diz respeito ao voto são “tentativas</p><p>explanatórias que procuram ultrapassar a �gura da cidadania clássica de�nida</p><p>pelo pertencimento a um território (país) para dar conta da crescente</p><p>mobilidade dos cidadãos do mundo e, diante disso, da falta de ferramentas</p><p>jurídico-políticas para garantir seus direitos.” (CHELIUS, 2011, p. 233).</p><p>Dentre os estrangeiros, porém, existem alguns que têm sofrido ainda mais em</p><p>relação à violação de seus direitos e esses são os refugiados, que estudaremos</p><p>no próximo tópico.</p><p>26</p><p>Cidadania e Direitos Humanos: o</p><p>Desa�o dos Refugiados</p><p>Como vimos no item anterior, apátridas são pessoas que nenhum Estado</p><p>reconhece como nacional. Isso pode ocorrer por alguns motivos (PEREIRA,</p><p>2014, p. 12):</p><p>O fato de o apátrida não ser reconhecido como nacional e, portanto, cidadão de</p><p>qualquer país, acaba por exigir um tratamento especial por parte do país no</p><p>qual ele reside.</p><p>No caso dos refugiados, Segundo Pereira:</p><p>11</p><p>A discriminação das minorias nas legislações nacionais,</p><p>pela retirada da nacionalidade de alguns grupos em</p><p>virtude de posições políticas, étnicas ou religiosas.</p><p>22 A não inclusão de todos os residentes do país no patamar</p><p>de “cidadãos” quando o Estado se torna independente.</p><p>33</p><p>Pelos critérios soberanos de distribuição da nacionalidade</p><p>que podem entrar em con�ito em determinadas</p><p>situações.</p><p>27</p><p>[...] a discussão não está diretamente atrelada à questão da</p><p>cidadania como decorrência da nacionalidade, mas sim na</p><p>impossibilidade de um ser humano manter uma vida em segurança</p><p>no seu país de nascimento, em virtude de bem fundado temor de</p><p>perseguição por questões políticas, raciais, religiosas, sociais e</p><p>étnicas, dentre outras que envolvam grave afronta aos direitos</p><p>humanos. (PEREIRA, 2014, p. 12).</p><p>Os refugiados, assim, são forçados a deixarem os seus países e ingressarem em</p><p>outros Estados a �m de tentar garantir a própria vida. Para se ter uma ideia do</p><p>crescente desa�o que é garantir os direitos dos refugiados, dados do ACNUR,</p><p>Agência da ONU para Refugiados, indicam que, em 2017, o número de</p><p>refugiados chegou a 68,5 milhões de pessoas (ACNUR, 2018).</p><p>Assim, da mesma forma que para os estrangeiros devem ser garantidos todos</p><p>os direitos humanos garantidos aos cidadãos, também os refugiados precisam</p><p>ser tratados com igual respeito e consideração, levando-se em consideração a</p><p>sua condição especial de perseguido, obrigado a deixar para trás o próprio país.</p><p>CONECTE-SE</p><p>A situação dos refugiados é dramática e, infelizmente, parece longe</p><p>de ter um �nal feliz. Para manter-se atualizado sobre o tema, a</p><p>consulta à página da ACNUR, Agência da ONU para os Refugiados é</p><p>imprescindível: ACNUR. Refugiados. Disponível em:</p><p>28</p><p>https://go.eadstock.com.br/eI</p><p>04</p><p>Desenvolvimento</p><p>Histórico da Construção</p><p>dos Direitos Humanos</p><p>(1ª Parte)</p><p>A compreensão da evolução histórica dos direitos humanos depende de qual a</p><p>concepção que deles se adota, pois, se entendermos que os direitos humanos</p><p>são produtos naturais, que decorrem da própria essência dos seres humanos,</p><p>eles teriam surgido no exato instante em que o homem foi criado</p><p>(criacionismo) ou nasceu (evolução natural).</p><p>Por outro lado, se a teoria adotada for a que atribui aos direitos humanos a</p><p>qualidade de produtos culturais (resultados de processos de luta), tais direitos</p><p>nasceram justamente após uma luta realizada para a sua consagração.</p><p>Em resumo, se forem concebidos como produtos naturais, os direitos seriam</p><p>apenas revelados (pois já existiriam, desde sempre, junto com o homem), ou</p><p>criados (a partir das lutas) se tidos como produtos culturais.</p><p>Antecedentes Históricos</p><p>No próximo item, estudaremos a Magna Carta de João Sem-Terra, de 1215, tida</p><p>como um dos primeiros documentos a reconhecer direitos humanos. Antes</p><p>dela, porém, Castilho apresenta os seguintes documentos que, em tese,</p><p>representariam as primeiras manifestações em defesa dos direitos humanos:</p><p>No Egito do ano 1250 antes de Cristo, consta que Moisés recebeu no</p><p>monte Horeb os dez mandamentos que lhe foram entregues por Deus.</p><p>Supõe-se ter sido o primeiro documento escrito, relacionado com direitos</p><p>humanos.</p><p>Na China do século IV antes de Cristo, os �lósofos Mêncio e Mo-Tseu</p><p>reformaram a teoria do altruísmo, de Confúcio, e passaram a chamá-la de</p><p>teoria do amor universal. Segundo esses �lósofos, todas as pessoas, de</p><p>todas as classes sociais, são iguais. E os indivíduos, governantes ou</p><p>governados, devem ter sua dignidade respeitada por meio da tolerância,</p><p>da generosidade e da conduta reta.</p><p>Na Roma do ano 450 antes de Cristo, os plebeus obtiveram a votação da</p><p>Lei das XII Tábuas, que diminuiu o poder arbitrário dos cônsules.</p><p>Na Roma do ano 413, Santo Agostinho publicou “Cidade de Deus”,</p><p>re�etindo sobre as diferenças entre governos tirânicos e governos que</p><p>agem conforme a lei. (CASTILHO, 2018, p. 31).</p><p>30</p><p>Esses documentos não são citados como sendo os portadores de regras e</p><p>princípios de direitos humanos, mas é certo que eles, de alguma forma, podem</p><p>ter sido utilizados para a elaboração de documentos futuros, que possuem em</p><p>seu conteúdo normas relacionadas a direitos humanos.</p><p>CONECTE-SE</p><p>A temática dos direitos humanos tem ganhado grande destaque nos</p><p>últimos anos, a ponto de serem criadas várias bibliotecas (virtuais e</p><p>físicas) a ela dedicadas. Que tal visitá-las e conhecer mais sobre a</p><p>história dos direitos humanos? Indicamos algumas delas:</p><p>Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo</p><p>Biblioteca Temática de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo.</p><p>Biblioteca Virtual do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos.</p><p>31</p><p>https://go.eadstock.com.br/eJ</p><p>https://go.eadstock.com.br/eK</p><p>https://go.eadstock.com.br/eL</p><p>A Magna Carta de João Sem-</p><p>Terra</p><p>Um dos primeiros documentos históricos a mencionar os direitos humanos é a</p><p>Magna Carta, assinada pelo Rei João Sem-Terra, no dia 15 de julho de 1215, a �m</p><p>de fazer cessar as hostilidades que recebia por parte dos barões do reino</p><p>(COMPARATO, 2019, p. 83-86).</p><p>Vários são os preceitos da Magna Carta que inspiraram regras e princípios</p><p>atuais, dentre as quais merece destaque a sua cláusula 39, que prevê o</p><p>princípio do devido processo legal, atualmente previsto no art. 5º, inciso LIV, da</p><p>Constituição Federal (COMPARATO, 2019, p. 94).</p><p>Além disso, em sua cláusula 61, a Magna Carta traz o “primeiro esboço de um</p><p>mecanismo de responsabilidade do rei perante os seus súditos, vale dizer, o</p><p>início do processo de abolição do próprio regime monárquico.” (COMPARATO,</p><p>2019, p. 94).</p><p>Importante destacar, contudo, que a Magna Carta não teve como objetivo</p><p>garantir os direitos do cidadão, mas sim os direitos dos barões do reino, ou seja,</p><p>da burguesia que buscava se proteger do arbítrio existente em um Estado</p><p>absolutista que, por sua vez, nem sempre respeitou os preceitos nela contidos.</p><p>Nesse sentido,</p><p>[...] o documento nunca pretendeu ser uma declaração duradoura</p><p>de princípios legais. Foi apenas uma solução prática para uma crise</p><p>política e serviu exclusivamente aos nobres e religiosos que queriam</p><p>limitar o comportamento despótico do rei. E�caz ou não, a Magna</p><p>Carta de 1215 foi um marco na história,tornando-se o início</p><p>da</p><p>monarquia constitucional inglesa e um primeiro passo para o</p><p>constitucionalismo no mundo ocidental. (CASTILHO, 2018, p. 52-53).</p><p>Realmente, apesar de hoje ser questionável a e�cácia que a Magna Carta</p><p>possuiu na época, é evidente que muitos de seus preceitos serviram de fonte</p><p>de inspiração para a construção do constitucionalismo moderno e, também,</p><p>para a sua posterior conversão em direitos que devem ser garantidos para</p><p>todos os seres humanos.</p><p>32</p><p>A Declaração de Virgínia</p><p>A Declaração de Virgínia, de 1776, que marca a independência dos Estados</p><p>Unidos, é considerada um dos mais importantes documentos de</p><p>reconhecimento dos direitos humanos, pois pela primeira vez é reconhecido o</p><p>“direito à vida, que só voltaria a aparecer no século XX” (CASTILHO, 2018, p. 84).</p><p>Além disso, a mencionada Declaração pela primeira vez reconhece a soberania</p><p>popular e a existência de direitos inerentes a todos os seres humanos (e,</p><p>portanto, naturais). Nesse sentido, é a lição de Comparato (2019, p. 117):</p><p>A importância histórica da Declaração de Independência está</p><p>justamente aí: é o primeiro documento político que reconhece, a</p><p>par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos</p><p>inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças</p><p>de sexo, raça, religião, cultura ou posição social.</p><p>Neste sentido, merecem ser transcritos os dois primeiros artigos da Declaração</p><p>de Virgínia, que trazem os preceitos acima mencionados (CASTILHO, 2018, p.</p><p>85):</p><p>Declaração dos Direitos da Virgínia (Williamsburg, 12 de junho de</p><p>1776)</p><p>(Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom</p><p>povo de Virgínia, reunidos em assembleia geral e livre; cujos direitos</p><p>que pertencem a eles e à sua posteridade, como base e</p><p>fundamento do governo)</p><p>Artigo 1º: Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres</p><p>e independentes e têm certos direitos inatos, dos quais, quando</p><p>entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo</p><p>privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da</p><p>liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de</p><p>buscar e obter felicidade e segurança.</p><p>Artigo 2º: Que todo poder é inerente e, consequentemente, deriva</p><p>do povo; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores</p><p>e, em qualquer momento, perante ele responsáveis.</p><p>33</p><p>Importante mencionar ainda que os preceitos representam “historicamente a</p><p>transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais</p><p>constitucionais.” (CASTILHO, 2018, p. 84), distinção que será mais bem explicada</p><p>em nossa aula 6.</p><p>Apesar de discordar dessa concepção jusnaturalista, ou seja, de que os direitos</p><p>humanos são produtos naturais, entendo que é perfeitamente possível</p><p>conceber, a partir da Declaração de Virgínia, os direitos humanos como sendo</p><p>produtos culturais, pois ela e os direitos por ela consagrados (criados) surgiram</p><p>justamente como resultado de processos de luta pela independência dos</p><p>Estados Unidos. A discussão que restaria, portanto, é saber se tais direitos são</p><p>realmente “universais e absolutos” ou se comportam certos “ajustes” que</p><p>permitam que eles sejam concebidos a partir de determinados contextos como</p><p>regionais e relativos, tema que abordaremos em aula futura.</p><p>34</p><p>05</p><p>Desenvolvimento</p><p>Histórico da Construção</p><p>dos Direitos Humanos</p><p>(2ª Parte)</p><p>Em nossa aula anterior, dedicada ao estudo da história dos direitos humanos,</p><p>vimos alguns antecedentes históricos que precederam a elaboração de</p><p>documentos especí�cos para tratar dos direitos humanos, bem como a</p><p>Declaração de Virgínia, elaborada no contexto da Independência dos Estados</p><p>Unidos e na qual foram contemplados, pela primeira vez, alguns direitos</p><p>humanos garantidos até hoje.</p><p>Agora estudaremos a Revolução Francesa e os documentos de direitos</p><p>humanos que dela decorreram, direta ou indiretamente.</p><p>Revolução Francesa e</p><p>Declaração dos Direitos do</p><p>Homem e do Cidadão</p><p>A Declaração de Virgínia de 1776, mencionada na aula anterior e que marcou a</p><p>independência dos Estados Unidos, é tida como a primeira declaração</p><p>moderna sobre direitos humanos, e teria servido de inspiração para a</p><p>Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1789 pela</p><p>Revolução Francesa e considerada “um dos mais importantes documentos</p><p>sobre o tema dos direitos humanos de todos os tempos.” (CASTILHO, 2018, p. 31).</p><p>É importante que reconheçamos o contexto social no qual eclodiu a Revolução</p><p>Francesa, num momento de governos absolutistas que desconheciam a �gura</p><p>do cidadão, pois ainda prevalecia a concepção dos seres humanos como</p><p>súditos. Assim, retirando o Clero e a Realeza, que por serem os detentores do</p><p>poder tinham, por consequência, “direitos”, os demais seres humanos eram</p><p>tidos como “objeto” de direito e não “titulares” de direito.</p><p>Os súditos não tinham praticamente qualquer direito em relação ao seu</p><p>soberano, sendo impensável imaginar que eles pudessem pleitear o</p><p>reconhecimento de direitos em face do Estado, cuja personalidade se</p><p>confundia com a do próprio governante, como se pode concluir pela célebre</p><p>frase de Rei Luiz XIV de que o “Estado sou eu” (no original, “L’État c’est moi"). A</p><p>frase completa seria (FUKS, s.d.) “Je suis la Loi, Je suis l'Etat; l'Etat c'est moi" (Eu</p><p>sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!) e bem demonstra o tamanho do</p><p>poder do rei na época, o qual concentrava em suas mãos o poder sobre tudo e</p><p>sobre todos.</p><p>36</p><p>Nesse cenário, eclode a Revolução Francesa quando, impulsionados pelos</p><p>ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, os revolucionários</p><p>derrubaram o regime absolutista e instauraram uma Assembleia Constituinte</p><p>que marcou o início do regime republicano (COMPARATO, 2018, p. 140).</p><p>A Assembleia Constituinte, no dia 26 de agosto de 1789, aprovou a Declaração</p><p>dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual trazia em seu preâmbulo que</p><p>(COMPARATO, 2018, p. 165-166):</p><p>Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia</p><p>nacional, considerando que a ignorância, o descuido ou o desprezo</p><p>dos direitos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e</p><p>da corrupção dos governos, resolveram expor, numa declaração</p><p>solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a</p><p>�m de que essa declaração, constantemente presente a todos os</p><p>membros do corpo social, possa lembrar-lhes sem cessar seus</p><p>direitos e seus deveres; a �m de que os atos do poder legislativo e os</p><p>do poder executivo, podendo ser a todo instante comparados com a</p><p>�nalidade de toda instituição política, sejam por isso mais</p><p>respeitados; a �m de que as reclamações dos cidadãos, fundadas</p><p>doravante em princípios simples e incontestáveis, redundem</p><p>sempre na manutenção da Constituição e na felicidade de todos.</p><p>Em consequência, a Assembleia nacional reconhece e declara, na</p><p>presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos</p><p>do Homem e do Cidadão.</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Os revolucionários franceses estavam tão convencidos de que</p><p>inauguravam uma nova era com a Revolução Francesa que adotaram</p><p>um novo calendário, em substituição ao calendário gregoriano. O</p><p>novo calendário francês tinha os seguintes meses: Pluvioso, Ventoso,</p><p>Germinal, Floreal, Prairial, Messidor, Termidor, Frutidor, Vendemiário,</p><p>Brumário, Frimário e Nivoso (CALENDÁRIO, 1989, p. 51-53).</p><p>37</p><p>Seguindo, em seu artigo primeiro, consagra o princípio da igualdade, ao a�rmar</p><p>que: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As</p><p>distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum.” (COMPARATO,</p><p>2018, p. 166).</p><p>A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como os ideais de</p><p>liberdade, igualdade e fraternidade inspiraram praticamente todos os demais</p><p>documentos que consagram direitos humanos no mundo ocidental. Contudo,</p><p>é sempre bom alertar que, no contexto história da Revolução Francesa, apenas</p><p>os direitos dos homens eram contemplados, pois as mulheres continuavam a</p><p>ser consideradas como “objeto” e “não titulares” de direitos.</p><p>CONECTE-SE</p><p>O texto integral da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão</p><p>está disponível</p><p>na Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP.</p><p>38</p><p>https://go.eadstock.com.br/eM</p><p>A Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos</p><p>Em 10 de dezembro de 1948, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, foi</p><p>aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, reiterando os</p><p>ideias defendidos durante a Revolução Francesa, proclama, em seu artigo I, os</p><p>“três princípios axiológicos em matéria de direitos humanos: a liberdade, a</p><p>igualdade e a fraternidade.” (COMPARATO, 2019, p. 233).</p><p>A referida Declaração (e a própria internacionalização dos direitos humanos),</p><p>nas palavras de Piovesan (2018, p. 210), “constitui, assim, um movimento</p><p>extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como</p><p>resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo.” A autora</p><p>também a�rma que “apresentando o Estado como o grande violador de</p><p>direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da</p><p>descartabilidade da pessoa humana, o que resultou no extermínio de onze</p><p>milhões de pessoas.” (PIOVESAN, 2018, p. 210).</p><p>A referida Declaração tem como principais características a amplitude, por</p><p>de�nir um extenso rol de direitos, a indivisibilidade dos direitos humanos, e a</p><p>universalidade, ao prever que tais direitos devem ser garantidos para todos os</p><p>seres humanos, independentemente de sua nacionalidade ou condição</p><p>especial, como aconteceu com o regime nazista, “que condicionava a</p><p>titularidade de direitos à pertinência à determinada raça (a raça pura</p><p>ariana).” (PIOVESAN, 2018, p. 231).</p><p>A Declaração não é um tratado, tampouco tem força de lei, mas é considerada a</p><p>“interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’, constante da Carta</p><p>das Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante.”</p><p>(PIOVESAN, 2018, p. 238).</p><p>Além disso, a Declaração é um importante marco na implantação de um</p><p>Sistema Internacional de Direitos Humanos, como se verá em aula futura.</p><p>39</p><p>Outros Momentos e Documentos</p><p>Históricos</p><p>Além dos importantes documentos analisados nestas duas aulas dedicadas à</p><p>história dos direitos, outros momentos da história, tanto do Brasil, como de</p><p>outros países, têm importância na consagração (ou construção) dos direitos</p><p>humanos. Dentre esses momentos, Castilho destaca os seguintes:</p><p>40</p><p>- No Brasil de 1850 foi promulgada a Lei de Extinção do Trá�co</p><p>Negreiro no Brasil (Lei nº 581), chamada “Lei Eusébio de Queiroz”.</p><p>- Nos Estados Unidos de 1854, o chefe indígena Seattle enviou uma</p><p>carta ao então presidente Franklin Pierce, que havia proposto</p><p>comprar uma parte das terras da tribo, oferecendo em troca outra</p><p>reserva. A carta tem sido divulgada pela ONU como o maior libelo</p><p>em favor do meio ambiente na história.</p><p>- Nos Estados Unidos de 1863, o presidente Abraham Lincoln</p><p>proclamou a emancipação dos escravos, num documento que</p><p>resultou na aprovação da 13ª emenda da Constituição norte-</p><p>americana, que proíbe escravidão ou trabalhos forçados.</p><p>- Na Suíça de 1864, foi aprovada a Convenção da Cruz Vermelha</p><p>sobre o socorro aos feridos nos campos de batalha.</p><p>- No Brasil de 1871, o país dá mais um passo na direção da abolição</p><p>da escravatura, votando a Lei do Ventre Livre.</p><p>- No Brasil de 1888, a�nal é abolida a escravidão por meio da Lei</p><p>Áurea (Lei nº 3.353). Foi o último país a tomar tal atitude.</p><p>- Na Bélgica de 1890, o Ato Geral da Conferência de Bruxelas</p><p>dispunha sobre a repressão ao trá�co de escravos africanos.</p><p>- Na Roma de 1891, o papa Leão XIII promulgou a encíclica Rerum</p><p>Nova-rum, sobre a situação dos trabalhadores.</p><p>- Na França de 1898, Émile Zola divulga o seu famoso “Eu Acuso!”,</p><p>um libelo contra o processo do capitão Dreyfus.</p><p>- No Brasil de 1908, é fundada a Cruz Vermelha brasileira, tendo sido</p><p>seu primeiro presidente o médico Oswaldo Cruz.</p><p>- Na Rússia de 1918, Lênin proclamou a Declaração dos Direitos do</p><p>Povo Trabalhador e Explorado, um ano após a revolução socialista. O</p><p>fundamento principal era eliminar a exploração da força de trabalho.</p><p>- Na Inglaterra de 1942, Mahatma Gandhi (“Mahatma”, do sânscrito</p><p>“A Grande Alma”) a partir do seu discurso “Um Apelo à Nação”,</p><p>propõe e funda o moderno estado indiano. Sua revolução tinha</p><p>como princípio o chamado Satyagraha, uma forma não violenta de</p><p>protesto.</p><p>- No Brasil de 1951, é aprovada a Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390), que</p><p>inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de</p><p>preconceitos de raça ou de cor.</p><p>- Nos Estados Unidos de 1963, Martin Luther King Jr. profere o</p><p>discurso “Eu tenho um Sonho”, na Marcha para Washington.</p><p>(CASTILHO, 2018).</p><p>Como se vê, muitas foram as lutas para que os direitos humanos fossem</p><p>consagrados (ou criados), mas é importante destacar que o fato de um direito</p><p>ser reconhecido não garante que ele será respeitado e mantido, pois é</p><p>necessário que as lutas continuem a �m de que os preceitos contidos na</p><p>Constituição e na lei sejam efetivamente concretizados.</p><p>41</p><p>Figura - Martin Luther King.</p><p>42</p><p>06</p><p>Direitos Humanos e</p><p>Direitos Fundamentais</p><p>Vimos nas aulas anteriores como se deu a consagração histórica dos direitos</p><p>humanos: por meio de instrumentos internacionais que os reconheceram</p><p>como sendo direitos universais, a serem garantidos a todos os seres humanos,</p><p>independentemente de qualquer condição especial.</p><p>Alguns direitos humanos, porém, já estão reconhecidos pelos ordenamentos</p><p>jurídicos dos países e, com isso, ao serem positivados, são classi�cados como</p><p>direitos fundamentais e passam a ter um caráter nacional, apesar de</p><p>continuarem a ter uma aspiração universal.</p><p>Assim, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais seria o fato</p><p>de o primeiro, universal, nem sempre estar positivado; ao passo que o segundo,</p><p>nacional, sempre está positivado na Constituição ou nas leis do Estado. Nesse</p><p>sentido, Sarlet esclarece:</p><p>[...] “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser</p><p>humano reconhecidos e positivados na esfera do direito</p><p>constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a</p><p>expressão “direitos humanos” guardaria relação com os</p><p>documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições</p><p>jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,</p><p>independentemente de sua vinculação com determinada ordem</p><p>constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para</p><p>todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco</p><p>caráter supranacional (internacional). (SARLET, 2010, p. 29)</p><p>Uma versão ampliada deste texto pode ser encontrada em: SERVA, Fernanda</p><p>Mesquita. DIAS, Jefferson Aparecido. A repercussão dos direitos fundamentais</p><p>nas relações particulares a partir de uma teoria crítica de direitos humanos. In</p><p>FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. AMARAL, Ana Cláudia Corrêa Zuin</p><p>Mattos do. Empresa, negócio jurídico e responsabilidade civil. Florianópolis:</p><p>Qualis Editora, 201, p. 247-275.</p><p>1</p><p>44</p><p>Corroborando tal posição, Rodrigo Maia Santos (2014, p. 36-37) ressalta a</p><p>importância da diferenciação no que tange ao aspecto geográ�co para a</p><p>distinção de direitos fundamentais e direitos humanos:</p><p>Se não considerarmos o critério do plano de positivação, seremos</p><p>obrigados a concordar que não há diferenças entre direitos</p><p>humanos e direitos fundamentais.</p><p>[...]</p><p>Há pesquisadores que utilizam a terminologia "direitos humanos</p><p>fundamentais", porém só é possível concordar se se referir aos</p><p>direitos humanos inseridos na ordem constitucional, por exemplo.</p><p>Neste caso, será possível, pois haverá identidade de conteúdo</p><p>(material) e hierarquia constitucional (formal).</p><p>CONECTE-SE</p><p>Além dos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”,</p><p>também são usados outros termos, como “direitos humanos</p><p>fundamentais”, mas, basicamente, a diferença entre estes termos</p><p>consiste no fato de eles estarem ou não previstos na Constituição ou</p><p>nas leis do país. Utilizando a expressão “direitos humanos</p><p>fundamentais”, o Ministério Público Federal lançou uma coletânea de</p><p>artigos, em homenagem aos 70 anos da Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos e 20 anos do reconhecimento da jurisdição da</p><p>Corte Interamericana</p><p>de Direitos Humanos e as mudanças na</p><p>aplicação do direito no Brasil.</p><p>45</p><p>https://go.eadstock.com.br/eN</p><p>No mesmo sentido, destacando a característica relacionada aos direitos</p><p>fundamentais, de estarem estes consagrados em preceitos de ordem jurídica,</p><p>Gilmar Ferreira Mendes (2014, p.147) a�rma que esse é “o divisor entre as</p><p>expressões direitos fundamentais e direitos humanos”.</p><p>A partir de tais premissas, a expressão direitos humanos:</p><p>[...] ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações</p><p>de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São</p><p>direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam com índole</p><p>�losó�ca e não possuem como característica básica a positivação</p><p>numa ordem jurídica particular. A expressão direitos humanos,</p><p>ainda, e até por conta da sua vocação universalista, supranacional, é</p><p>empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana,</p><p>inseridas em documentos de direito internacional. (MENDES, 2014,</p><p>p. 147).</p><p>Já a expressão direitos fundamentais:</p><p>[...] é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das</p><p>pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São</p><p>direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso,</p><p>garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados</p><p>na medida em que cada Estado os consagra. Essa distinção</p><p>conceitual não signi�ca que os direitos humanos e os direitos</p><p>fundamentais estejam em esferas estanques, incomunicáveis entre</p><p>si. Há uma interação recíproca entre eles. Os direitos humanos</p><p>internacionais encontram, muitas vezes, matriz nos direitos</p><p>fundamentais consagrados pelos Estados e estes, de seu turno, não</p><p>raro acolhem no seu catálogo de direitos fundamentais os direitos</p><p>humanos proclamados em diplomas e em declarações</p><p>internacionais. É de ressaltar a importância da Declaração Universal</p><p>de 1948 na inspiração de tantas constituições do pós-guerra.</p><p>(MENDES, 2014, p. 147).</p><p>No caso do Brasil, faz-se oportuno salientar que a tutela dos direitos humanos</p><p>pelo ordenamento jurídico concretizou-se por meio das incorporações dos</p><p>Tratados Internacionais e, também, pela sua expressa adoção em nível</p><p>constitucional como direitos fundamentais.</p><p>Nesse sentido, Piovesan (2018c, p. 70-71) sustenta que:</p><p>46</p><p>Preliminarmente, é necessário frisar que a Constituição Brasileira de</p><p>1988 constitui o marco jurídico da transição democrática e da</p><p>institucionalização dos direitos humanos no Brasil. O texto de 1988,</p><p>ao simbolizar a ruptura com o regime autoritário, empresta aos</p><p>direitos e garantias ênfase extraordinária, situando-se como o</p><p>documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a</p><p>matéria, na história constitucional do País.</p><p>[…]</p><p>Ao �m da extensa Declaração de Direitos enunciada pelo art. 5º, a</p><p>Carta de 1988 estabelece que os direitos e garantias expressos na</p><p>Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos</p><p>princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a</p><p>República Federativa do Brasil seja parte. À luz desse dispositivo</p><p>constitucional, os direitos fundamentais podem ser organizados em</p><p>três distintos grupos: a) o dos direitos expressos na Constituição; b) o</p><p>dos direitos implícitos, decorrentes do regime e dos princípios</p><p>adotados pela Carta constitucional; e c) o dos direitos expressos nos</p><p>tratados internacionais subscritos pelo Brasil. A Constituição de 1988</p><p>inova, assim, ao incluir dentre os direitos constitucionalmente</p><p>protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de</p><p>que o Brasil seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está</p><p>a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e</p><p>diferenciada, qual seja, a de norma constitucional.</p><p>Concluindo, veri�ca-se que a distinção precípua entre direitos humanos e</p><p>direitos fundamentais é no plano de consagração. O primeiro, universal,</p><p>reconhecido a todos os seres humanos, embora nem sempre positivado; o</p><p>segundo, nacional, reconhecido pela Constituição ou leis de cada país.</p><p>47</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Agora que você já sabe a diferença entre direitos humanos e direitos</p><p>fundamentais, que tal ler o artigo 5º da Constituição da República</p><p>Federativa do Brasil, que traz um extenso rol de direitos fundamentais</p><p>expressamente garantidos em nosso país? A Constituição está</p><p>disponível no seguinte endereço eletrônico: BRASIL, Constituição da</p><p>República Federativa do Brasil de 1988.</p><p>48</p><p>https://go.eadstock.com.br/eO</p><p>07</p><p>Eficácia Vertical</p><p>e Horizontal dos</p><p>Direitos Humanos e</p><p>Fundamentais</p><p>Como vimos nas aulas anteriores, os direitos humanos têm como uma de suas</p><p>principais funções proteger o cidadão em relação ao Estado. Essa característica</p><p>está presente tanto nos documentos atuais que consagram direitos humanos,</p><p>como as Constituições modernas, quanto nos documentos mais antigos, como</p><p>a Magna Carta, a Declaração de Virgínia, a Declaração dos Direitos do Homem e</p><p>do Cidadão e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse caso,</p><p>estamos diante da “e�cácia vertical” dos direitos humanos.</p><p>Ao lado dessa e�cácia, também se questiona se os direitos humanos também</p><p>condicionam e devem ser observados nas relações entre particulares, ou seja,</p><p>se possuem, ao lado de uma “e�cácia vertical”, também uma “e�cácia</p><p>horizontal”. Esse é o tema da aula de hoje¹.</p><p>Ao se trazer à baila a discussão dos direitos fundamentais nas relações</p><p>particulares, observa-se que a doutrina denomina de “e�cácia horizontal” a</p><p>aplicação destes direitos previstos na Constituição da República nas relações</p><p>entre os indivíduos. Saleme (2011, p. 15), utilizando essa terminologia, apresenta</p><p>a classi�cação das funções dos direitos fundamentais:</p><p>Prestação perante terceiros - Aqui se fala em e�cácia horizontal dos</p><p>direitos fundamentais, ou seja, o reconhecimento dos direitos</p><p>individuais para a solução de con�itos entre indivíduos. O Estado</p><p>deve intervir para garantir a proteção interindividual. Pode-se</p><p>exempli�car a ação do juiz que, antes de qualquer análise, deve</p><p>veri�car os direitos individuais e suas projeções no campo</p><p>interpessoal.</p><p>No mesmo sentido, leciona Barroso (2013, p. 397/399):</p><p>O segundo desenvolvimento doutrinário que comporta uma nota</p><p>especial é a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações</p><p>privadas. O debate remonta à decisão do caso Lüth (v. supra), que</p><p>superou a rigidez da dualidade público/privado ao admitir a</p><p>aplicação da Constituição às relações particulares, inicialmente</p><p>regidas pelo Código Civil.</p><p>Diante da importância para o tema, faz-se oportuno trazer algumas</p><p>considerações sobre o caso de Lüth, acima mencionado.</p><p>50</p><p>Trata-se de decisão proferida pelo Tribunal Constitucional Alemão</p><p>em que se tratou a respeito da vinculação ou não, e de que forma os</p><p>particulares estariam vinculados ou não a direitos fundamentais.</p><p>Em 1950, o Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich</p><p>Lüth sustentou boicote a um �lme (Amada Imortal), dirigido por um</p><p>cineasta, Veit Harlan, que havia produzido um �lme anti-semita</p><p>produzido durante o 3º Reich. Este cineasta conseguiu no Tribunal</p><p>de Justiça de Hamburgo que Lüth abstivesse-se de boicotar o �lme,</p><p>com base no art. 826 do BGB que reza: “quem causar danos</p><p>intencionais a outrem, e de maneira ofensiva aos bons costumes,</p><p>�ca obrigado a compensar o dano”. Lüth, insatisfeito com a</p><p>represália sofrida em seu direito de livre manifestação de</p><p>pensamento/expressão, recorreu ao Tribunal Constitucional</p><p>alegando ofensa aos seus direitos fundamentais. A Corte deu</p><p>provimento ao recurso de Lüth entendendo que o Tribunal de</p><p>Justiça desconsiderou o signi�cado do direito de expressão e</p><p>informação de Lüth também no âmbito das relações entre</p><p>particulares, como se o mesmo fosse aplicável somente nas relações</p><p>estabelecidas com o Estado. Reconheceu, assim, a e�cácia irradiante</p><p>dos direitos fundamentais. Nesta decisão apontou-se que o Poder</p><p>Judiciário, como órgão do Estado, não poderia deixar de intervir na</p><p>questão, eis que, em relação a ele há uma e�cácia direta e imediata</p><p>dos direitos fundamentais. Assim, o Estado, através de seu órgão de</p><p>Poder Judiciário, ao omitir-se de</p><p>adentrar na questão dos direitos</p><p>fundamentais que lhe fora trazida à tona, estaria atuando como</p><p>agressor a estes direitos fundamentais. Trata-se, neste caso, da</p><p>teoria dos deveres de proteção (MATEUS, 2007, p. 79).</p><p>No que tange aos sujeitos passivos dos direitos fundamentais, tem-se</p><p>entendido que pode �gurar tanto o Estado como o particular. Assim, os direitos</p><p>fundamentais incidem não apenas nas relações entre o Estado e o cidadão,</p><p>mas também naquelas entre particulares (cidadãos).</p><p>¹ Uma versão ampliada deste texto pode ser encontrada em: SERVA, Fernanda</p><p>Mesquita. DIAS, Jefferson Aparecido. A repercussão dos direitos fundamentais</p><p>nas relações particulares a partir de uma teoria crítica de direitos humanos. In:</p><p>FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. AMARAL, Ana Cláudia Corrêa Zuin</p><p>Mattos do. Empresa, negócio jurídico e responsabilidade civil. Florianópolis:</p><p>Qualis Editora, 2015, p. 247-275.</p><p>51</p><p>Aduz Gilmar Ferreira Mendes (2014, p. 175-176), mediante breves apontamentos</p><p>históricos, que:</p><p>A História aponta o Poder Público como o destinatário precípuo das</p><p>obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. A �nalidade para</p><p>a qual os direitos fundamentais foram inicialmente concebidos</p><p>consistia, exatamente, em estabelecer um espaço de imunidade do</p><p>indivíduo em face dos poderes estatais. Os desdobramentos</p><p>originados pelas crises sociais e econômicas do século XX, contudo,</p><p>tornaram evidente que não se poderia mais relegar o Estado ao</p><p>simples papel de vilão dos direitos individuais. Percebeu-se que aos</p><p>Poderes Públicos se destinava a tarefa de preservar a sociedade civil</p><p>dos perigos de deterioração que ela própria fermentava. Deu-se</p><p>conta de que o Estado deveria atuar no seio da sociedade civil para</p><p>nela predispor as condições de efetiva liberdade para todos. A�nal,</p><p>tornou-se claro também que outras forças sociais, como grupos</p><p>econômicos ou políticos de peso, poderiam, da mesma forma, trazer</p><p>para o indivíduo vários dos constrangimentos que se buscavam</p><p>prevenir contra o Estado. As razões que conduziram, no passado, à</p><p>proclamação dos direitos fundamentais podem, agora, justi�car que</p><p>eles sejam também invocados contra particulares.</p><p>PARA GABARITAR</p><p>Além das e�cácias vertical e horizontal, Bruna Pinotti Garcia Oliveira e</p><p>Rafael de Lazari (2018, p. 118). também destacam a chamada “e�cácia</p><p>diagonal dos direitos humanos/fundamentais, aplicada às relações</p><p>entre particulares em que há subordinação entre eles, notadamente</p><p>nas relações de trabalho (empregador/empresa e empregado).”</p><p>Segundo os autores, essa subordinação exigiria que os direitos</p><p>humanos/fundamentais fossem aplicados de forma proporcional �m</p><p>de promover o equilíbrio entre os agentes. Apesar de reconhecer a</p><p>sua importância, os autores adotam postura restritiva e crítica à sua</p><p>aplicação.</p><p>52</p><p>Nota-se que a problemática do tema envolve, em muitos casos, o aparente</p><p>con�ito entre dois princípios constitucionais: o da autonomia da vontade</p><p>(implícito) e o da aplicação imediata dos direitos fundamentais (explícito – art.</p><p>5º, § 1º da Constituição da República de 1988). Nesse sentido, Mendes (2014, p.</p><p>177) assevera que:</p><p>[…] há direitos — em especial direitos de defesa -—em que se põe a</p><p>questão de saber se, e em que medida, alcançam as relações</p><p>privadas.</p><p>A resistência a que esses direitos se sobreponham à manifestação</p><p>de vontade nas relações entre os cidadãos preza o fato de que,</p><p>historicamente, tais direitos foram concebidos como proteção</p><p>contra o Estado, e que este seria fortalecido no seu poder sobre os</p><p>indivíduos se as relações entre os particulares fossem passíveis de</p><p>conformação necessária pelos direitos fundamentais. Haveria, então,</p><p>detrimento de outro princípio básico das sociedades democráticas</p><p>— o da autonomia individual, em especial no que tange à liberdade</p><p>de contratar.</p><p>A discussão sobe de ponto quando consideramos que o princípio da</p><p>autonomia da vontade, mesmo que não conste literalmente na</p><p>Constituição, acha no Texto Magno proteção para os seus aspectos</p><p>essenciais. A Carta de 1988 assegura uma liberdade geral no caput</p><p>do seu art. 59 e reconhece o valor da dignidade humana como</p><p>fundamento do Estado brasileiro (art. 3º, III, da CF) — dignidade que</p><p>não se concebe sem referência ao poder de autodeterminação.</p><p>Tudo isso con�rma o status constitucional do princípio da</p><p>autonomia do indivíduo.</p><p>Essa limitação da autonomia da vontade também é reconhecida por Jussara</p><p>Ferreira e Maria de Fátima Ribeiro (2007, p. 91), as quais apontam que:</p><p>A limitação da autonomia privada vem de�nida pela ordem pública,</p><p>pelo princípio da função social, pelos bons costumes e pelo princípio</p><p>da boa-fé. Não se questiona a necessidade da liberdade para</p><p>negociar desde que considerada a questão da igualdade de</p><p>contratar. A mudança de paradigma contribui na pós-modernidade</p><p>para o assentamento da de�nição dos limites indispensáveis ao</p><p>novo modelo negocial.</p><p>Adotou-se, portanto, a teoria da ponderação de interesses para veri�car quando</p><p>e em que medida os direitos fundamentais obrigam os particulares nas suas</p><p>relações privadas. Sobre isso, Mendes (2014, p. 178-179) pontua:</p><p>53</p><p>De�nir quando um direito fundamental incide numa relação entre</p><p>particulares demanda exercício de ponderação entre o peso do</p><p>mesmo direito fundamental e o princípio da autonomia da vontade.</p><p>Há de se efetuar essa ponderação à vista de casos concretos, reais</p><p>ou ideados. Cabe ao legislador, em primeiro lugar, estabelecer em</p><p>que hipóteses a autonomia da vontade haverá de ceder. Assim, o</p><p>próprio legislador já pune, e com pena criminal, as decisões</p><p>tomadas por particulares que importem discriminação racial, não</p><p>valendo, em casos assim, dizer que, por alguém ser o proprietário de</p><p>um prédio, possa vir a restringir, odiosamente, a entrada nele a</p><p>pessoas de certa etnia. Ao Judiciário incumbirá o exame da</p><p>conformidade da deliberação legislativa com as exigências da</p><p>proporcionalidade e estabelecer outras ponderações, nos casos não</p><p>antevistos pela lei.</p><p>Essa possibilidade dos direitos fundamentais serem aplicados nas relações</p><p>entre particulares, com e�cácia horizontal, é facilmente percebida pela simples</p><p>leitura de vários preceitos elencados na Constituição da República de 1988. Por</p><p>outro lado, alguns direitos consagrados na constituição, evidentemente, são</p><p>aplicáveis apenas nas relações entre os cidadãos e o Estado, possuindo,</p><p>portanto, apenas uma e�cácia vertical. A exemplo, destaca-se que teriam</p><p>e�cácia somente vertical os seguintes preceitos constitucionais:</p><p>1) 5º, inciso XXXVII: proibição de juízo ou tribunais de exceção;</p><p>2) 5º, inciso LI: direito do brasileiro nato de não ser extraditado;</p><p>3) 59, inciso LXXIV: assistência jurídica integral e gratuita aos</p><p>hipossu�cientes;</p><p>4) 59, inciso LXXV: indenização pelo Estado ao condenado por erro</p><p>judiciário ou ao que �car preso por tempo excedente;</p><p>5) 59, inciso XXXIV: direito à indenização quando ocorrer a</p><p>desapropriação.</p><p>Em sentido diverso, teriam e�cácia tanto vertical quanto horizontal os</p><p>seguintes direitos consagrados constitucionalmente:</p><p>54</p><p>1) 1º, inciso III: princípio da dignidade da pessoa humana;</p><p>2) 3º, inciso IV: princípio da vedação à discriminação odiosa;</p><p>3) 5º, caput: princípio da igualdade;</p><p>4) 5º, inciso V: direito de resposta, proporcional ao agravo (o sujeito</p><p>passivo pode ser o órgão de imprensa particular);</p><p>5) 5º, caput e inciso X: princípio da liberdade e da privacidade;</p><p>6) 5º, incisos LIV e LV: princípio do contraditório e da ampla defesa;</p><p>7) 6º e 7º: direitos sociais, especialmente o direito ao trabalho</p><p>(e�cácia direta contra empregadores privados);</p><p>8) 79, inciso XVII: gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de ⅓</p><p>constitucional;</p><p>9) 79, inciso XXX: proibição aos empregadores de estabelecer</p><p>diferenças salariais e de critérios de admissão, por motivo de sexo,</p><p>idade, cor ou estado civil.</p><p>Nesse aspecto, veri�ca-se que alguns direitos fundamentais admitiriam uma</p><p>e�cácia vertical, ou seja, seriam aplicáveis apenas nas relações do cidadão com</p><p>o Estado e outros, além dessa e�cácia vertical, também teriam uma</p>