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2024 L - Correlação em Língua Portuguesa

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Ivo Rosário

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<p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo — SP)</p><p>R789c Rosário, Ivo da Costa do (org.).</p><p>Correlação em Língua Portuguesa</p><p>Organizador: Ivo da Costa do Rosário.</p><p>1. ed. — Campinas, SP : Pontes Editores, 2024;</p><p>figs.; quadros.</p><p>Inclui bibliografia.</p><p>ISBN: 978-85-217-0391-4.</p><p>1. Ensino de Línguas. 2. Língua Portuguesa. 3. Prática Pedagógica.</p><p>I. Título. II. Assunto. III. Organizador.</p><p>Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846</p><p>Índices para catálogo sistemático:</p><p>1. Métodos de ensino instrução e estudo– Pedagogia. 371.3</p><p>2. Linguagem / Línguas – Estudo e ensino. 418.007</p><p>3. Língua portuguesa. 469</p><p>Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Ltda.</p><p>Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia</p><p>sem a autorização escrita da Editora.</p><p>Os infratores estão sujeitos às penas da lei.</p><p>A Editora não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta publicação.</p><p>Esta publicação foi financiada pela Faperj, via concessão de bolsas de pesquisa ao organiza-</p><p>dor, na modalidade Jovem Cientista do Nosso Estado (Processo nº E-26/202.64/2019), e pelo</p><p>Programa CAPES PROEX (Auxílio nº 1352/2023 / Processo nº 8881.844682/2023-01)</p><p>Copyright © 2024 — Do organizador representante dos autores</p><p>Coordenação Editorial: Pontes Editores</p><p>Revisão: Yumi T. Melo</p><p>Editoração: Vinnie Graciano</p><p>Capa: Acessa Design</p><p>PARECER E REVISÃO POR PARES</p><p>Os capítulos que compõem esta obra foram submetidos</p><p>para avaliação e foram revisados por pares.</p><p>CONSELHO EDITORIAL:</p><p>Angela B. Kleiman</p><p>(Unicamp — Campinas)</p><p>Clarissa Menezes Jordão</p><p>(UFPR — Curitiba)</p><p>Edleise Mendes</p><p>(UFBA — Salvador)</p><p>Eliana Merlin Deganutti de Barros</p><p>(UENP — Universidade Estadual do Norte do Paraná)</p><p>Eni Puccinelli Orlandi</p><p>(Unicamp — Campinas)</p><p>Glaís Sales Cordeiro</p><p>(Université de Genève — Suisse)</p><p>José Carlos Paes de Almeida Filho</p><p>(UNB — Brasília)</p><p>Maria Luisa Ortiz Alvarez</p><p>(UNB — Brasília)</p><p>Rogério Tilio</p><p>(UFRJ — Rio de Janeiro)</p><p>Suzete Silva</p><p>(UEL — Londrina)</p><p>Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva</p><p>(UFMG — Belo Horizonte)</p><p>PONTES EDITORES</p><p>Rua Dr. Miguel Penteado, 1038 — Jd. Chapadão</p><p>Campinas — SP — 13070-118</p><p>Fone 19 3252.6011</p><p>ponteseditores@ponteseditores.com.br</p><p>www.ponteseditores.com.br</p><p>Impresso no Brasil — 2024</p><p>Dedico esta obra às minhas orientadoras de mestrado e de doutorado,</p><p>Profª Mariangela Rios de Oliveira (UFF) e Profª Violeta Virginia</p><p>Rodrigues (UFRJ) e a todos os meus orientandos de Iniciação Científica,</p><p>de Mestrado e de Doutorado.</p><p>7</p><p>SUMÁRIO</p><p>APRESENTAÇÃO 9</p><p>Ivo da Costa do Rosário</p><p>CORRELAÇÃO E CORRELATORES 15</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>CORRELAÇÃO ADITIVA 65</p><p>Tharlles Lopes Gervasio (CPII)</p><p>Brenda da Silva Souza da Costa (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO DISJUNTIVA 97</p><p>Jovana Maurício Acosta de Oliveira (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO CONSECUTIVA 125</p><p>Marianna Correa Siqueira do Nascimento (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO PROPORCIONAL 149</p><p>Thaís Pedretti Lofeudo Marinho Fernandes (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO COMPARATIVA 171</p><p>Letícia Martins Monteiro Barros (CCO-UFF)</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>CORRELAÇÃO COMPARATIVO-APOSITIVA 191</p><p>Letícia Martins Monteiro Barros (CCO-UFF)</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>CORRELAÇÃO DE NEGAÇÃO E CONTRASTE 213</p><p>Daniele Cristina Campos (UFRJ)</p><p>Idrissa Ribeiro Novo (CPII)</p><p>SOBRE OS AUTORES 239</p><p>9</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>O meu interesse pela correlação vem desde 2005 e trans-</p><p>formou-se no tema da tese de doutorado que defendi</p><p>na Universidade Federal Fluminense (UFF) em março</p><p>de 2012: Construções correlatas aditivas em perspectiva funcional.</p><p>Desde o mestrado até muito recentemente, esse foi o tópico central</p><p>de minhas pesquisas.</p><p>A partir de outubro de 2012, já como docente efetivo</p><p>na Universidade Federal Fluminense (UFF), elegi o tema Construções</p><p>correlatas aditivas nos séculos XIX e XX: uma perspectiva funcional</p><p>centrada no uso como meu projeto de trabalho. Essa era uma forma</p><p>de dar continuidade à pesquisa desenvolvida na tese, já que, após</p><p>a defesa, percebi que ainda havia muitos aspectos a serem inves-</p><p>tigados, especialmente os outros tipos de correlação, para além</p><p>da aditiva.</p><p>No ano seguinte, em julho de 2013, ingressei no Programa</p><p>de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da UFF como docente</p><p>permanente e, já em 2014, iniciei a orientação acadêmica dos meus</p><p>primeiros mestrandos. Esse foi um ponto importante da minha tra-</p><p>jetória, pois a docência e a orientação em nível de pós-graduação</p><p>stricto sensu constituíram um importante contexto para que a mi-</p><p>nha pesquisa continuasse em andamento.</p><p>Em 2014, acolhi Jovana Maurício Acosta de Oliveira e Tharlles</p><p>Lopes Gervásio como meus primeiros orientandos de mestrado</p><p>10</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>na UFF. Jovana iniciou uma investigação centrada nas construções</p><p>correlatas alternativas. Tharlles, por sua vez, decidiu investigar</p><p>as correlatas aditivas nos séculos XIX e XX. Esses dois processos</p><p>de orientação acadêmica me ensinaram muito e, ao mesmo tempo,</p><p>passaram a me motivar ainda mais no exercício de refletir sobre</p><p>a correlação. De fato, a cada encontro com meus orientandos, o in-</p><p>teresse pelo tema ia crescendo gradativamente.</p><p>Em 2015 foi a vez de Marianna Correa Siqueira do Nascimento</p><p>e de Thaís Pedretti Lofeudo Marinho Fernandes. A partir das mi-</p><p>nhas aulas de pós-graduação, as mestrandas se sentiram motivadas</p><p>a estudar, respectivamente, a correlação consecutiva e a correla-</p><p>ção proporcional. Para isso, nós nos afastamos da bibliografia mais</p><p>concentrada na coordenação e miramos na subordinação adverbial,</p><p>que é onde tradicionalmente as orações consecutivas e proporcio-</p><p>nais estão apresentadas.</p><p>Considerando o crescente interesse dos estudantes pelo tema</p><p>dos processos de conexão de orações, em 15 de setembro de 2015,</p><p>com a colaboração de outros docentes, fundei um grupo de pes-</p><p>quisa na UFF dedicado exclusivamente a essa temática. Trata-se</p><p>do Grupo de Pesquisa Conectivos e Conexão de Orações (CCO). Esse</p><p>foi (e tem sido) um lócus fundamental para os meus trabalhos</p><p>acadêmicos. Como está descrito no site do grupo, o seu objetivo é</p><p>“investigar o papel dos conectivos na gramática do português e os</p><p>diversos processos de conexão de orações, nas abordagens tanto</p><p>sincrônica quanto diacrônica. Partilhamos uma visão funcionalis-</p><p>ta da linguagem, mas nossas investigações estão sempre abertas</p><p>ao diálogo com outras vertentes teóricas”.1</p><p>A fundação do CCO permitiu que tivéssemos um calendário</p><p>regular de reuniões com foco exclusivo no estudo dos processos</p><p>de ligação de sentenças. A convivência com docentes e discentes</p><p>1 Disponível em: https://cco.sites.uff.br/.</p><p>11</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>permitiu uma “injeção de ânimo” ainda maior, pois a interlocução</p><p>era (e tem sido) sempre muito produtiva, desafiando-nos mutua-</p><p>mente com diversas questões concernentes ao âmbito do período</p><p>composto.</p><p>Em 2017, em nível de doutorado, iniciei um trabalho de orien-</p><p>tação acadêmica com Idrissa Ribeiro Novo, que decidiu estudar</p><p>as microconstruções conectoras em lugar de, em vez de e ao invés</p><p>de. Idrissa realizou uma ampla pesquisa sobre o tema, de muito fô-</p><p>lego. Com isso, ela foi capaz de aprofundar o estudo da substituição</p><p>em língua portuguesa. Paralelamente a esse movimento, a estudan-</p><p>te Daniele Cristina Campos juntou-se ao CCO, com interesse nas es-</p><p>truturas do tipo não só...e sim e congêneres, igualmente veiculado-</p><p>ras da ideia de substituição.</p><p>Cabe destacar que Daniele Campos nunca foi oficialmente mi-</p><p>nha orientanda, mas eu a considero como tal, haja vista nossa inten-</p><p>sa troca de ideias sobre o tema da correlação substitutiva durante</p><p>o período em que atuou no CCO. Posteriormente, Daniele Campos</p><p>ingressou no mestrado na UFRJ, e seu trabalho se desdobrou</p><p>em uma dissertação de mestrado intitulada "A correlação de nega-</p><p>ção e contraste no português brasileiro", sob orientação da Profª</p><p>Violeta Virginia Rodrigues, uma das homenageadas neste livro.</p><p>Já titulada como mestra, em 2017, Jovana Acosta ingressou</p><p>no doutorado. A jovem decidiu dar continuidade ao trabalho ini-</p><p>ciado no mestrado.</p><p>47</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Esquema 3 – Correlação no interior da coordenação</p><p>Vamos</p><p>ver se o Governador</p><p>Sérgio Cabral tem a</p><p>sensibilidade, o carinho</p><p>e o amor pela população</p><p>fluminense</p><p>e</p><p>não somente mas como</p><p>sancione o projeto</p><p>de lei</p><p>o aplique efetivamente,</p><p>para que a nossa</p><p>economia possa pelo</p><p>menos dar um suspiro</p><p>de alívio.</p><p>Prótase oracional Apódose oracional</p><p>Segmento inicial Coordenada</p><p>Fonte: Rosário (2018b, p. 169).</p><p>Nessa ocorrência, a correlação está estabelecida no interior</p><p>de uma porção coordenada pela partícula e. Esse dado de uso cor-</p><p>robora mais uma particularidade da correlação: a sua versatilidade.</p><p>Nesse caso, à diferença de outros que já analisamos, a correlação</p><p>se estabelece dentro de um membro coordenado, e não o contrário.</p><p>Isso ajuda a comprovar como a correlação é multifuncional e poli-</p><p>valente, atendendo a diversas exigências comunicacionais.</p><p>Por outro lado, mais uma vez aqui também se verifica o poder</p><p>hierarquizador da correlação aditiva. A coordenação supraoracio-</p><p>nal instituída pelo conectivo e apresenta diferentes informações</p><p>que, para atender a propósitos comunicativos do orador, deveriam</p><p>ser dosadas em diferentes graus de importância. Assim, mais re-</p><p>levante do que sancionar o projeto (informação na prótase) é apli-</p><p>cá-lo efetivamente (informação na apódose). Para gerar esse efei-</p><p>to de crescendum argumentativo, o orador selecionou a estratégia</p><p>de correlação.</p><p>Em Rosário (2018c), com base em toda literatura consultada,</p><p>passei a analisar o domínio da adição para além dos pares corre-</p><p>48</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>lativos. No esquema a seguir, trato de justaposição, coordenação,</p><p>correlação e hipotaxe. Vejamos:</p><p>Esquema 4 – Continuum de integração</p><p>oracional das construções aditivas</p><p>Fonte: Rosário (2018c, p. 228).</p><p>Assim, a adição não funciona como bloco homogêneo neces-</p><p>sariamente abrigada pela coordenação sindética. Ao contrário, esse</p><p>domínio funcional espraia-se por um continuum com diferentes</p><p>codificações morfossintáticas e distintas particularidades semânti-</p><p>co-pragmáticas, desde uma simples justaposição, cujo valor aditivo</p><p>pode ser inferido, até o campo das hipotáticas adverbiais aditivas,</p><p>em que o além de cumpre o papel de conector (cf. Rosário; Santos,</p><p>2020).</p><p>Em obra lançada em 2020, decidi dar continuidade ao tema</p><p>da variação construcional no domínio da adição. A pesquisa per-</p><p>mitiu a análise de um número ainda mais ampliado de conectivos</p><p>responsáveis pela expressão do conteúdo aditivo em língua portu-</p><p>guesa. Vejamos:</p><p>49</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Esquema 5 – Rede construcional dos conectores</p><p>do domínio da adição</p><p>Fonte: Rosário (2020b, p. 111).</p><p>Na reflexão apresentada nesse estudo, Rosário (2020b)</p><p>propôs que a adição é ampla, vasta e se espraia tanto na língua</p><p>quanto nas atividades gerais da ação humana. Afinal, “nós adiciona-</p><p>mos, somamos ou unimos não só sintagmas e sentenças (no plano</p><p>linguístico), mas também objetos, ideias, argumentos, propostas,</p><p>esforços etc. (no plano extralinguístico)” (Rosário, 2020b, p. 111).</p><p>No nível intermediário do Esquema 5, temos a justaposição,</p><p>os conectores simples, os conectores compostos e os conecto-</p><p>res correlatos. Esses elementos procedurais da gramática associ-</p><p>am-se a domínios mais altos, como o a adição (em maior medida),</p><p>mas também ao da comparação e da disjunção. Assim, por exemplo,</p><p>tanto...como adiciona e compara, ao passo que nem...nem adiciona</p><p>e disjunge. Na base do esquema, estão os conectores aditivos, re-</p><p>crutados a partir de diferentes categorias de origem.</p><p>50</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>O esquema apresenta um legítimo quadro de variação</p><p>construcional. Segundo Cappelle (2006, p. 13), falta plausibilidade</p><p>psicológica a uma perspectiva gramatical que não percebe</p><p>a existência de níveis comuns de representação para duas ou mais</p><p>versões semanticamente idênticas de um mesmo uso. Em outras</p><p>palavras, a organização sistemática desses elementos na memória,</p><p>com suas variações, são imperativos psicolinguísticos.</p><p>Como foi explicado por Rosário (2020b, p. 114-115):</p><p>A variação construcional está amparada na ideia</p><p>de que duas construções distintas em termos formais</p><p>podem, em determinado contexto, fazer referência</p><p>a um mesmo estado de coisas, com o mesmo valor</p><p>de verdade. Isso significa que, a priori e por hipótese,</p><p>duas ou mais construções podem ser variantes de uma</p><p>mesma variável, mas quaisquer usos estão associados</p><p>a particularidades específicas, o que nem sempre é fa-</p><p>cilmente perceptível ao analista. Quando esse fenô-</p><p>meno existe, falamos em aloconstruções.</p><p>Essa é a chave para compreendermos a questão da variação</p><p>construcional no âmbito dos estudos funcionalistas: duas ou mais</p><p>construções variáveis (ou seja, aloconstruções) não são exata e rigo-</p><p>rosamente iguais em termos semântico-pragmáticos. Contudo, es-</p><p>sas mesmas construções, em determinados contextos, podem fazer</p><p>referência a uma mesma realidade ou a um mesmo estado de coisas,</p><p>naturalmente com especificidades que podem ser de diferentes na-</p><p>turezas (cf. Rosário, 2022d). Em outras palavras, é psicologicamen-</p><p>te possível que uma construção aditiva substitua a outra, com sen-</p><p>tidos similares, com base no acesso ao estoque mental de cada</p><p>usuário da língua, que é experienciador desses mesmos usos.</p><p>A seleção de quais conectores serão utilizados no texto falado</p><p>ou escrito depende, entre outros fatores, de escolhas mais ou menos</p><p>51</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>conscientes, do grau de letramento, das condições internas de co-</p><p>esão, do prestígio social das formas, da natureza do discuso, da se-</p><p>quência tipológica, do gênero textual e de outros fatores internos</p><p>e externos à língua. Assim, não só...mas também, além de e e são bas-</p><p>tante distintos, como já demonstrei neste capítulo, contudo esses</p><p>três conectores cumprem o papel de veicular a noção básica de adi-</p><p>ção, em um nível mais alto de abstração. Logo, são aloconstruções.</p><p>Para concluir este capítulo, retomo alguns trabalhos em que</p><p>discuti a aplicação didática desse tema da correlação. Primeiramente</p><p>devo reiterar que uma sintaxe funcional é uma sintaxe do uso. Logo,</p><p>estudar a correlação pelo prisma da sintaxe funcional significa estu-</p><p>dar esse tema exatamente a partir de como as pessoas o empregam</p><p>no dia a dia, em suas diversas interações cotidianas, em distintos</p><p>graus de formalidade. Essa é uma importante contribuição ao ensi-</p><p>no de língua portuguesa, pois é necessário romper definitivamente</p><p>com a ideia de uma gramática enrijecida, invariável e monolítica (cf.</p><p>Rosário, 2021, 2022c; Rosário; Lopes, 2021). Muitas vezes temos</p><p>a impressão de que é impossível haver emergência de novas estru-</p><p>turas gramaticais na língua, o que é falso.</p><p>Em 2021, no livro Texto e Gramática: novos contextos, novas</p><p>práticas, organizado por Marcos Luiz Wiedemer e Mariangela Rios</p><p>de Oliveira, tracei uma reflexão sobre o trabalho com a correla-</p><p>ção aditiva à luz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Vale</p><p>destacar que a BNCC, definida por ela mesma, é um “documento</p><p>de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo</p><p>de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvol-</p><p>ver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (Brasil,</p><p>2018, p. 7).</p><p>Esse documento propõe que o ensino de língua portuguesa</p><p>deve buscar atualizações nas pesquisas recentes da área e nas trans-</p><p>formações de práticas de linguagem ocorridas neste século. Devo</p><p>acrescentar que o documento assume a chamada perspectiva enun-</p><p>52</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ciativo-discursiva da linguagem, cujas bases estão fortemente as-</p><p>sociadas com o que compreendemos pelo rótulo de Funcionalismo</p><p>Linguístico, como destaquei em Rosário (2022a).</p><p>A BNCC é organizada em competências e habilidades. As ha-</p><p>bilidades, por sua vez, distribuídas ao longo dos anos de escolari-</p><p>dade da Educação Básica, são os conhecimentos necessários a se-</p><p>rem mobilizados pelos estudantes, para que as competências sejam</p><p>sistematizadas. Nesse campo das</p><p>habilidades, há diversos pontos</p><p>acerca da chamada sintaxe do período composto. Contudo, reitero</p><p>aqui uma importante observação:</p><p>[na BNCC], a combinação de orações está restrita</p><p>a uma proposta teórica tradicional de considerar so-</p><p>mente a subordinação e a coordenação como os úni-</p><p>cos processos possíveis. Ao contrário dessa perspec-</p><p>tiva, há um conjunto robusto de pesquisas que aponta</p><p>a existência de outros processos, como a correlação,</p><p>a justaposição e outros arranjos sintáticos (Rosário,</p><p>2021, p. 86).</p><p>Diante disso, uma pergunta que se coloca é a seguinte: à luz</p><p>da BNCC, para além da abordagem tradicional, haveria espaço para</p><p>o trabalho com outras perspectivas relacionadas à ligação de ora-</p><p>ções? Afirmamos que sim, já que o próprio documento se compro-</p><p>mete com uma visão enunciativo-discursiva da linguagem, anco-</p><p>rada em “pesquisas recentes na área”. Na área do Ensino Médio,</p><p>a BNCC é ainda mais explícita, visto que a habilidade EM13LP09</p><p>indica que se deve “comparar o tratamento dado pela gramática</p><p>tradicional e pelas gramáticas de uso contemporâneas em relação</p><p>a diferentes tópicos gramaticais [...]” (Brasil, 2018, p. 507). Trata-se</p><p>de uma abordagem muito ampla, mas certamente útil e suficiente</p><p>à defesa que faço neste trabalho.</p><p>53</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A verdade é que todos os tipos de correlação podem (e de-</p><p>vem) ser trabalhados na Educação Básica, como um tópico funda-</p><p>mental na área da Análise Linguística. Conhecer as características</p><p>da correlação e mobilizar esse processo nas práticas de produção</p><p>e interpretação de textos favorece o incremento do conhecimen-</p><p>to da linguagem, municia o estudante com mais estratégias argu-</p><p>mentativas e permite uma apropriação mais plena dos recursos</p><p>disponíveis em nosso idioma. Destaco que, na produção de textos</p><p>argumentativos, a correlação pode ser uma grande aliada, especial-</p><p>mente na busca por persuasão e convencimento, como já foi ampla-</p><p>mente comprovado.</p><p>Seria muito mais apropriado apresentar aos estudantes,</p><p>por exemplo, as tantas estratégias de correlação no português, para</p><p>que eles pudessem analisar e confrontar esses diferentes usos, sen-</p><p>do provocados a refletir sobre em que contextos cada estratégia se-</p><p>ria mais adequada. Assim, diferentes dados calcados no Esquema</p><p>5, coletados na mídia, poderiam ensejar um verdadeiro trabalho</p><p>de reflexão ativa. Não há dúvida de que esse tipo de atividade se-</p><p>ria muito mais proveitoso do que a memorização de listas de con-</p><p>junções coordenativas e subordinativas consagradas pela norma</p><p>gramatical.</p><p>Ilustro essa possibilidade didática com o que apresento</p><p>em Rosário e Wiedemer (2020) e Rosário (2021). Nesses trabalhos,</p><p>listo uma série de dados de construções aditivas coletadas em di-</p><p>ferentes corpora de português em uso. Por meio dessas ocorrên-</p><p>cias reais (e naturalmente de outras), o professor tem condições</p><p>de motivar os estudantes a refletir sobre os recursos oferecidos</p><p>pela língua portuguesa. Em publicação realizada em 2020, propo-</p><p>nho uma espécie de síntese dessas descobertas:</p><p>A despeito dessa visão bastante reducionista, assumi-</p><p>mos que, além da coordenação, classicamente veicu-</p><p>lada pelo “e” (e pelo “nem”), a adição também se rea-</p><p>54</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>liza por meio da hipotaxe (instanciada por “além de”)</p><p>e da correlação (instanciada por “não só...mas tam-</p><p>bém” e correlatores conexos). Desse modo, defende-</p><p>mos que as construções aditivas abrigam, na verdade,</p><p>uma grande diversidade de expressões linguísticas</p><p>para além do canônico “e” e que também não se equa-</p><p>cionam com a ideia simplista de combinação pura</p><p>ou de aproximação/cópula. Ao contrário, essas cons-</p><p>truções adjungem outros matizes semânticos e são</p><p>diversas em termos de codificação morfossintática</p><p>(Rosário, 2020a, p. 63).</p><p>O reaproveitamento de material linguístico é uma prática</p><p>constante e natural em todas as línguas humanas. A análise aten-</p><p>ta de todas as ocorrências da correlação atesta que as fontes para</p><p>novos correlatores são substantivos (ora...ora), advérbios (não só...</p><p>mas também), conjunções (ou...ou), verbos (quer...quer) e prono-</p><p>mes (uns...outros). Esse é outro aspecto que pode ser trabalhado</p><p>didaticamente, sem necessidade de adentrarmos nos rigorismos</p><p>da Linguística Histórica. Enfim, as possibilidades didáticas são mui-</p><p>to numerosas.</p><p>Considerações finais</p><p>O estudo da correlação é, de fato, uma grande “floresta inex-</p><p>plorada” (Oiticica, 1952, p. 2). Ao longo de dez anos de pesquisa,</p><p>pude desbravar um pouco mais essa floresta, com surpresas mui-</p><p>to compensatórias! O laconismo da gramática normativa sempre</p><p>me motivou a ir além, a buscar mais informações sobre as correla-</p><p>ções do português.</p><p>Após essa década de trabalho, com investigações já amadure-</p><p>cidas, chego à conclusão de que a correlação é muito mais do que</p><p>um processo sintático. Trata-se, na verdade, de uma operação cog-</p><p>nitiva que busca dosar duas informações A e B, em prol de uma</p><p>atividade intersubjetiva de convencimento (cf. Traugott; Dasher,</p><p>55</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>2002). Essas informações A e B posicionam-se em uma “balança”,</p><p>que sempre vai pender para o segundo prato, o da apódose.</p><p>Ao consultar meu currículo lattes, percebi que até hoje fo-</p><p>ram mais de 20 publicações sobre o tema. A cada novo texto, havia</p><p>um incremento na reflexão, um novo desenvolvimento, uma nova</p><p>descoberta... A verdade é que a correlação ainda é um mundo a ser</p><p>descoberto, especialmente porque é algo em processo, em constru-</p><p>ção contínua na língua portuguesa.</p><p>Neste capítulo, lancei mão apenas de uma fração desse con-</p><p>junto de estudos. Como todo trabalho é finito, considero que as</p><p>informações e os dados aqui apresentados foram suficientes para</p><p>o cumprimento dos objetivos que inicialmente tracei. Um aprofun-</p><p>damento maior no tema poderá ser feito a partir das minhas outras</p><p>publicações e, claro, a partir dos trabalhos produzidos por outros</p><p>pesquisadores que igualmente se debruçaram sobre o tema.</p><p>Friso a importância desse assunto para o trabalho didático</p><p>nas aulas de língua portuguesa. O trabalho acadêmico não necessa-</p><p>riamente deve passar por transposição didática, mas, quando isso</p><p>ocorre, sem dúvida, é algo muito positivo. Nesse trabalho de trans-</p><p>posição didática, não se deve proceder à eliminação das ativida-</p><p>des de gramática normativa (cf. Rosário; Lopes, 2021). Isso seria</p><p>tão inútil quanto utilizá-la como referencial único. A proposta é que</p><p>essa gramática seja ressignificada e alinhada com propostas mais</p><p>reflexivas.</p><p>Não só estou satisfeito como também muito grato</p><p>à Universidade, ao CNPq e à FAPERJ, por terem propiciado as con-</p><p>dições necessárias para que esse projeto de pesquisa fosse levado</p><p>a cabo. Nesse ponto, essa correlata aditiva veio a calhar, pois a grati-</p><p>dão (na apódose) é, sim, maior que a satisfação (na prótase). Em um</p><p>país marcado por tantos desequilíbrios, mazelas e dificuldades</p><p>de diferentes naturezas, conduzir um projeto de pesquisa com fi-</p><p>56</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>nanciamento público me motiva a uma postura de gratidão, espe-</p><p>cialmente a todos os contribuintes do país, que pagam seus impos-</p><p>tos na esperança de ver bons serviços públicos em funcionamento,</p><p>como é caso da Educação e do progresso da ciência.</p><p>Nos próximos capítulos, você, leitor, terá a oportunidade de co-</p><p>nhecer um pouco mais o processo de correlação, a partir dos es-</p><p>tudos empreendidos pelos meus ex-orientandos de mestrado e de</p><p>doutorado. Tomara que essa viagem pela correlação seja tão útil</p><p>e prazerosa como a que tenho feito até este momento. Boa leitura.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>ACOSTA, Jovana Maurício. Análise pancrônica das construções</p><p>correlatas disjuntivas. 2021. Tese (Doutorado em Estudos da</p><p>Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021.</p><p>BARROS, Letícia Martins Monteiro de. Construção correlata</p><p>comparativa apositiva na perspectiva da Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso. 2022. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem)</p><p>– Programa</p><p>de Pós-graduação em Estudos de Linguagem,</p><p>Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.</p><p>BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.</p><p>Brasília: MEC, 2018.</p><p>CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática.</p><p>Petrópolis: Vozes, 1981.</p><p>CAPPELLE, Bert. Particle placement and the case for “allostructions”.</p><p>Constructions, Leuven, v. 1, p. 1-28, 2006.</p><p>CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos</p><p>e contrastes. São Paulo: Ática, 2003. (Série Princípios).</p><p>CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova Gramática do Português</p><p>Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.</p><p>CHEDIAK, Antônio José (org.). Nomenclatura Gramatical Brasileira</p><p>e sua elaboração. [S. l.]: CADES, 1960.</p><p>57</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>CUNHA, Maria Angélica Furtado da; OLIVEIRA, Mariangela Rios de;</p><p>MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Linguística Funcional: teoria</p><p>e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.</p><p>FERNANDES, Thaís Pedretti Lofeudo Marinho; ROSÁRIO, Ivo da</p><p>Costa. O conceito de proporção em estudos linguísticos. Intersecções,</p><p>Revista de Estudos sobre Práticas Discursivas e Textuais, Jundiaí, v.</p><p>12, p. 247-262, 2019. Disponível em https://revistas.anchieta.br/</p><p>index.php/RevistaInterseccoes/article/view/1396. Acesso em: 22</p><p>nov. 2023.</p><p>GIVÓN, Talmy. From discourse to syntax: grammar as a processing</p><p>strategy. In: GIVON, Talmy. Syntax and semantics. New York:</p><p>Academic Press, 1979. p. 81-112. 12 v.</p><p>GIVÓN, Talmy. Syntax: a functional typological introduction.</p><p>Amsterdam: John Benjamins, 1990. 2 v.</p><p>GOLDBERG, Adele. Constructions: a construction grammar approach</p><p>to argument structure. Chicago: The University of Chicago Press,</p><p>1995.</p><p>HALLIDAY, Michael; HASAN, Ruqaiya. Cohesion in English. [S. l.]:</p><p>Longman, 2002.</p><p>HEINE, Bernd; KUTEVA, Tania. The Genesis of Grammar: a</p><p>reconstruction. Oxford: Oxford University Press, 2007.</p><p>HOPPER, Paul. On some principles of grammaticalization.</p><p>In: TRAUGOTT, Elizabeth; HEINE, Bernd. Approaches to</p><p>grammaticalization. Amsterdam: Benjamins, 1991. p. 17-35. 1 v.</p><p>HOPPER, Paul; TRAUGOTT, Elisabeth. Grammaticalization.</p><p>Cambridge: Cambridge University Press, 1997.</p><p>LANGACKER, Ronald. Complex Sentences. In: LANGACKER, Ronald.</p><p>Cognitive grammar: a basic introduction. Oxford: Oxford University</p><p>Press, 2008. p. 406-453.</p><p>LEHMANN, Christian. Towards a typology of clause linkage. In:</p><p>HAIMAN, John; THOMPSON, Sandra. Clause combining in grammar</p><p>and discourse. Amsterdam: John Benjamins Publishing, 1985. p.</p><p>181-225.</p><p>58</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 14. ed. São Paulo:</p><p>Globo, 2000.</p><p>MARTELOTTA, Mário. Funcionalismo e metodologia quantitativa.</p><p>In: OLIVEIRA, Mariângela Rios de; ROSÁRIO, Ivo da Costa (org.).</p><p>Pesquisa em Linguística Funcional: convergências e divergências.</p><p>Rio de Janeiro: Leo Christiano Editorial, 2009. p. 1-20.</p><p>MELO, Gladstone Chaves de Melo. Gramática Fundamental da</p><p>Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.</p><p>MELO, Gladstone Chaves de Melo. Iniciação à Filologia e à Linguística</p><p>Portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1997.</p><p>MÓDOLO, Marcelo. Correlação: estruturalismo versus funcionalismo.</p><p>(Pré) publications: forskning og undervisning, Aarhus, n. 168, 1999.</p><p>NEY, João Luiz. Guia de análise sintática. Rio de Janeiro: [s. n.], 1955.</p><p>OITICICA, José. Manual de análise léxica e sintática. Rio de Janeiro:</p><p>Livraria Simões Alves, 1942.</p><p>OITICICA, José. Teoria da Correlação. Rio de Janeiro: Organizações</p><p>Simões, 1952.</p><p>QUIRK, Randolph et al. A Comprehensive Grammar of the English</p><p>Language. [S. l.]: Longman, 1985.</p><p>RODRIGUES, Violeta Virginia. Correlação. In: VIEIRA, Silvia</p><p>Rodrigues; BRANDÃO, Sílvia Figueiredo (org.). Ensino de gramática:</p><p>descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. p. 225-236.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Teoria da correlação revisitada. In: SEMANA</p><p>NACIONAL DE ESTUDOS FILOLÓGICOS E LINGUÍSTICOS, 9., 2007,</p><p>São Gonçalo. Anais [...]. São Gonçalo: CiFEFiL, 2007. Disponível em:</p><p>http://www.filologia.org.br/ixsenefil/anais/25.htm. Acesso em:</p><p>22 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções aditivas: uma análise funcional.</p><p>In: OLIVEIRA, Mariângela Rios; ROSÁRIO, Ivo da Costa (org.).</p><p>Pesquisa em Linguística Funcional: convergências e divergências.</p><p>Rio de Janeiro: Leo Christiano Editorial, 2009. p. 52-62.</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>59</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções aditivas coordenadas e</p><p>correlatas. In: FÓRUM DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA UERJ, 10.,</p><p>2011, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2011. p.</p><p>1040-1050. Disponível em https://www.dialogarts.uerj.br/lingua-</p><p>portuguesa-descricao-e-ensino/. Acesso em: 22 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas em perspectiva</p><p>funcional. 2012. Tese (Doutorado em Letras) – Programa de Pós-</p><p>graduação em Letras, Universidade Federal Fluminense, Niterói,</p><p>2012.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas na</p><p>perspectiva da Linguística Funcional Centrada no Uso. In:</p><p>SEMINÁRIO INTERNACIONAL; SEMINÁRIO NACIONAL DO GRUPO</p><p>DE ESTUDOS DISCURSO DE GRAMÁTICA, 4.; 17., 2013, Natal.</p><p>Anais [...]. Natal: Editora da UFRN, 2013. p. 26-41. Disponível</p><p>em https://degnatal.files.wordpress.com/2015/04/teoria-da-</p><p>gramaticalizac3a7c3a3o-e-gramc3a1tica-de-construc3a7c3b5es.</p><p>pdf. Acesso em: 23 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Correlação. In: VIANNA, Edila; ROSÁRIO, Ivo</p><p>da Costa; DIAS, Nilza Barrozo (org.). Português III. Rio de Janeiro:</p><p>Fundação CECIERJ, 2014. p. 109-123. v. 1. Disponível em: https://</p><p>canal.cecierj.edu.br/recurso/15312. Acesso em: 22 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Sintaxe Funcional. In: OTHERO, Gabriel de</p><p>Ávila; KENEDY, Eduardo (org.). Sintaxe, Sintaxes: uma introdução.</p><p>São Paulo: Contexto, 2015. p. 143-162. v. 1.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Reflexões sobre o critério da (in)dependência</p><p>no âmbito da integração de orações. Línguas & Letras, [S. l.], v. 17, p.</p><p>252-272, 2016. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.</p><p>php/linguaseletras/article/view/12744/. Acesso em: 03 dez. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas e disjuntivas.</p><p>Odisséia, [S. l.] v. 2, número especial, p. 103-124, 2017. Disponível em</p><p>https://periodicos.ufrn.br/odisseia/article/view/12903/9020.</p><p>Acesso em: 03 dez. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas oracionais e não</p><p>oracionais no português padrão–uma visão funcional centrada no</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>60</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>uso. In: BISPO, Edvaldo Balduíno; ROSÁRIO, Ivo da Costa (org.).</p><p>Pesquisas contemporâneas em Descrição do Português. Niterói:</p><p>Letras da UFF, 2018a. p. 79-88. 1 v. Disponível em: https://anpoll-</p><p>gtdp.wixsite.com/gtdp/publicacoes. Acesso em: 22 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva funcional. Niterói: EdUFF, 2018b.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas são</p><p>estruturas de coordenação? In: CUNHA, Maria Angélica Furtado</p><p>da; BISPO, Edvaldo Balduíno; SILVA, José Romerito (org.). Variação</p><p>e mudança em perspectiva construcional. Natal: EDUFRN, 2018c.</p><p>p. 210-250. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/</p><p>handle/123456789/25293. Acesso em: 03 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções aditivas na perspectiva da LFCU:</p><p>entre coordenação, hipotaxe e correlação. In: DIAS, Nilza Barrozo;</p><p>ABRAÇADO, Jussara (org.). Estudos sobre o Português em Uso.</p><p>Uberlândia: Pangeia, 2020a. p. 107-120. 1 v. Disponível em: https://</p><p>editorapangeia.com.br/product/estudos-sobre-o-portugues-</p><p>em-uso/#:~:text=Nesta%20obra%2C%20voc%C3%AA%20</p><p>encontra%20pesquisas,pesquisas%20recentes%20sobre%20</p><p>o%20portugu%C3%AAs. Acesso em: 22 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Variação construcional no domínio da</p><p>adição. In: CARVALHO, Cristina dos Santos; LOPES, Norma da Silva;</p><p>RODRIGUES, Angélica. Sociolinguística</p><p>e funcionalismo: vertentes e</p><p>interfaces. Salvador: EDUNEB, 2020b. p. 105-136</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Texto e gramática na Educação Básica:</p><p>como fica o ensino de sintaxe? In: WIEDEMER, Marcos Luiz;</p><p>OLIVEIRA, Mariangela Rios (org.). Texto e gramática: novos</p><p>contextos, novas práticas. Campinas: Pontes Editores, 2021.</p><p>p. 77-114. Disponível em: https://www.ponteseditores.</p><p>com.br/loja/index.php?route=product/product&product_</p><p>id=1782&search=texto+e+gram%C3%A1tica. Acesso em: 03 nov.</p><p>2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Funcionalismo, Sociointeracionismo e Ensino</p><p>de Língua Portuguesa no século XXI. In: ROSÁRIO, Ivo da Costa;</p><p>LOPES, Monclar Guimarães (org.). Ensino de Língua Portuguesa no</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>61</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>século XXI: pesquisa, teoria e prática. Campinas: Pontes Editores,</p><p>2022a. p. 15-42. Disponível em: https://www.ponteseditores.com.</p><p>br/loja/index.php?route=product/product&product_id=1776.</p><p>Acesso em: 23 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa (org.). Introdução à Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso: teoria, método e aplicação. Niterói: EdUFF, 2022b.</p><p>Disponível em: https://www.eduff.com.br/produto/introducao-</p><p>a-linguistica-funcional-centrada-no-uso-680. Acesso em: 05 nov.</p><p>2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Revel na Escola: Sintaxe Funcional.</p><p>REVEL–Revista Virtual de Estudos de Linguagem, [S.l.], v. 20, n.</p><p>39, p. 1-22. 2022c. Disponível em: http://www.revel.inf.br/</p><p>files/8e983392b744c74635cc5a98cbc3aa2a.pdf. Acesso em: 06</p><p>nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Variação e mudança no âmbito da</p><p>Linguística Funcional Centrada no Uso. In: ROSÁRIO, Ivo da Costa.</p><p>(org.). Introdução à Linguística Funcional Centrada no Uso: teoria,</p><p>método e aplicação. Niterói: EdUFF, 2022d. p. 164-199. Disponível</p><p>em: https://www.eduff.com.br/produto/introducao-a-linguistica-</p><p>funcional-centrada-no-uso-680. Acesso em: 05 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; ACOSTA, Jovana Maurício. Inventário dos</p><p>correlatores disjuntivos do Português do Brasil. Confluência,</p><p>Rio de Janeiro, n. 54, p. 67-89, 2018. Disponível em: https://doi.</p><p>org/10.18364/rc.v1i54.245. Acesso em: 23 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; CAMPOS, Daniele Cristina. Construções</p><p>correlatas substitutivas contrastivas – uma análise funcional</p><p>centrada no uso. Odisseia, Natal, v. 4, número especial, p. 154-172,</p><p>jul./dez. 2019. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/odisseia/</p><p>article/view/18502. Acesso em: 3 jun. 2020.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; GERVÁSIO, Tharlles Lopes. Correlação</p><p>aditiva no século XX: considerações centradas no uso. Letras Escreve,</p><p>Macapá, v. 11, n. 1, 2021. Disponível em: https://periodicos.unifap.</p><p>br/index.php/letras/article/view/6641. Acesso em: 03 nov. 2023.</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>62</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; LOPES, Monclar Guimarães. Por uma</p><p>reanálise do lugar da gramática normativa e teórica em uma</p><p>abordagem linguística centrada no eixo uso-reflexão-uso. Sede de</p><p>Ler, Niterói, v. 9, p. 28-39, 2021. Disponível em: https://periodicos.</p><p>uff.br/sededeler/article/view/49693. Acesso em: 03 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; LOPES, Monclar Guimarães. Gramática</p><p>emergente e ensino: algumas contribuições da Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso. In: OLIVEIRA, Mariangela Rios; WILSON, Victória.</p><p>Discurso e Gramática: entrelaces e perspectivas. Curitiba: CRV,</p><p>2022. p. 111-135. Disponível em: https://www.editoracrv.com.br/</p><p>produtos/detalhes/36774-discurso-e-gramaticabr-entrelaces-e-</p><p>perspectivas-brcolecao-pplin-presente-brvolume-1. Acesso em: 05</p><p>nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; OLIVEIRA, Mariangela Rios. Variabilidade</p><p>linguística na perspectiva da construcionalização. In: SIMÕES,</p><p>Darcilia; OSÓRIO, Paulo; MOLLICA, Maria Cecília (org.).</p><p>Contribuição à Linguística no Brasil: um projeto de vida. Miscelânea</p><p>em homenagem a Claudia Roncarati. Rio de Janeiro: Dialogarts,</p><p>2015. p. 165-193. 1 v. Disponível em: http://www.dialogarts.uerj.</p><p>br/arquivos/miscelanea_em_homenagem_a_claudia_roncarati.pdf.</p><p>Acesso em: 23 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo Costa; OLIVEIRA, Mariângela Rios. Funcionalismo e</p><p>abordagem construcional da gramática. Alfa: Revista de Linguística,</p><p>[S. l.] v. 60, p. 233-259, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/</p><p>pdf/alfa/v60n2/1981-5794-alfa-60 -2-0233.pdf. Acesso em: 02</p><p>nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa.; OLIVEIRA, Mariangela Rios. Linguística</p><p>Funcional no século XXI: quo vadis? In: BISPO, Edvaldo Balduíno;</p><p>SILVA, José Romerito; SOUZA, Maria Medianeira (org.) Pesquisas</p><p>funcionalistas: da versão clássica à perspectiva centrada no uso</p><p>– uma homenagem a Maria Angélica Furtado da Cunha. Natal:</p><p>EDUFRN, 2021. p. 384-429.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; OLIVEIRA, Mariangela Rios; LOPES,</p><p>Monclar Guimarães. Pesquisas em Linguística Funcional Centrada</p><p>no Uso. In: ROSÁRIO, Ivo da Costa; SANCHEZ-MENDES, Luciana</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>63</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(org.). Teoria e Análise Linguística. Niterói: EdUFF, 2022. p. 39-69.</p><p>1 v. Disponível em: https://www.eduff.com.br/produto/teoria-e-</p><p>analise-linguistica-e-book-pdf-704. Acesso em: 02 nov. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; RODRIGUES, Violeta Virginia. Correlação</p><p>na perspectiva funcional. In: RODRIGUES, Violeta Virginia (org.)</p><p>Articulação de orações: pesquisa e ensino. Rio de Janeiro: UFRJ,</p><p>2010. p. 31-48.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; SANTOS, Milena Silva. Construções</p><p>hipotáticas oracionais aditivas de extensão. Estudos da Linguagem,</p><p>Vitória da Conquista, v. 18, n. 1, p. 45-64, 2020. Disponível em:</p><p>https://periodicos2.uesb.br/index.php/estudosdalinguagem/</p><p>article/view/6099. Acesso em: 13 nov. 2020.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; SOUZA, Brenda da Silva. Construções</p><p>correlatas aditivas no século XVIII: uma análise sob a perspectiva da</p><p>linguística funcional centrada no uso. Caderno Seminal Digital, Rio</p><p>de Janeiro, n. especial, n. 30, v. 30, jan./dez. 2018. Disponível em:</p><p>https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cadernoseminal/</p><p>article/view/32054. Acesso em: 10 nov. 2020.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; SOUZA, Brenda da Silva. Rede dos conectores</p><p>correlativos aditivos do português–uma abordagem diacrônica. A</p><p>Cor das Letras, Feira de Santana, v. 22, p. 86-110, 2021. Disponível</p><p>em: http://periodicos.uefs.br/index.php/acordasletras/article/</p><p>view/6331. Acesso em: 10 nov. 2020.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa; WIEDEMER, Marcos Luiz. Contribuições</p><p>da Linguística Funcional Centrada no Uso ao estudo da integração</p><p>de orações. In: COELHO, Fabio André; SILVA, Jefferson Evaristo do</p><p>Nascimento (org.). Ensino de Língua Portuguesa: fundamentos e</p><p>aplicações. Rio de Janeiro: Telha, 2020. p. 287-305. 3 v.</p><p>TEIXEIRA, Ana Cláudia Machado; ROSÁRIO, Ivo da Costa. O estatuto</p><p>de microconstrucionalização no quadro da mudança linguística.</p><p>Revista Linguística, v. especial, p. 139-151, 2016. Disponível em</p><p>https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/article/view/5444/4036.</p><p>Acesso em: 13 nov. 2022.</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/article/view/5444/4036</p><p>64</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>TRAUGOTT, Elizabeth. Constructionalization, grammaticalization</p><p>and lexicalization again. Some issues in frequency. Course on Gzn</p><p>and C x G. Dec 18th 2007.</p><p>TRAUGOTT, Elizabeth; DASHER, Richard. Regularity in semantic</p><p>change. Cambridge: University Press, 2002.</p><p>TROUSDALE, Graeme. Words and constructions in</p><p>grammaticalization: The end of the English impersonal construction.</p><p>In: FITZMAURICE, Susan; MINKOVA, Donka (ed.). Studies in the</p><p>History of the English Language IV. Berlin; New York: Mouton de</p><p>Gruyter, 2008. p. 301-326.</p><p>UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão (org.). Dispersos de J. Mattoso</p><p>Camara Jr. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.</p><p>65</p><p>CORRELAÇÃO ADITIVA</p><p>Tharlles Lopes Gervasio (CPII)</p><p>Brenda da Silva Souza da Costa (CCO-UFF)</p><p>Considerações iniciais</p><p>Embora</p><p>constitua um processo que difere da coordenação</p><p>e da subordinação, muitos autores — sobretudo os de base</p><p>mais tradicional —, ainda hoje, consideram a correlação</p><p>um expediente sintático-semântico atrelado aos processos canôni-</p><p>cos de integração oracional. Em contrapartida, ao nos depararmos</p><p>com literatura mais recente sobre o tema, observamos que a corre-</p><p>lação guarda aspectos específicos, os quais justificam um tratamen-</p><p>to diferenciado sobre a temática, como discutido no primeiro capí-</p><p>tulo deste livro. Neste capítulo, nosso foco especial está na adição.</p><p>Alguns trabalhos têm sido desenvolvidos nos últimos anos</p><p>sobre o tema. Souza (2020), por exemplo, em sua dissertação</p><p>de mestrado, selecionou o recorte temporal dos séculos XVI, XVII</p><p>e XVIII, buscando ampliar as sincronias já analisadas por Gervasio</p><p>(2016) — séculos XIX e XX — e Rosário (2012) — século XXI. O in-</p><p>teresse pelo tema surgiu a partir da observação do pequeno nú-</p><p>mero de materiais teóricos que abordavam, de maneira coerente,</p><p>66</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>a correlação aditiva como um fenômeno distinto da coordenação,</p><p>haja vista o fato de os gramáticos brasileiros e muitos estrangeiros</p><p>não considerarem essa distinção e de poucos autores brasileiros te-</p><p>rem se dedicado de forma mais atenta a esse assunto.</p><p>A abordagem da correlação aditiva pelos gramáticos mais tra-</p><p>dicionais geralmente se dá pelo prisma de um arranjo sintático es-</p><p>pecial da coordenação, com o intuito de expressar vigor ou ênfase</p><p>(Bechara, 2009, p. 330; Luft, 2000, p. 47), mas não como um proces-</p><p>so distinto, como defendeu Oiticica (1952), em sua célebre Teoria</p><p>da Correlação. Em nosso ponto de vista, defendemos que a correla-</p><p>ção aditiva do tipo não só...mas também difere formal e funcional-</p><p>mente da coordenação aditiva, uma vez que a construção correlata</p><p>atende a diferentes propósitos comunicativos e apresenta diferente</p><p>configuração morfossintática, como veremos.</p><p>Nossa principal hipótese é a de que a correlação aditiva,</p><p>ao contrário da coordenação aditiva, que tem como função a sim-</p><p>ples adição de elementos sem hierarquizá-los, possui outros pro-</p><p>pósitos comunicativos, que, em geral, atuam na defesa de um pon-</p><p>to de vista. Os resultados das pesquisas sobre o tema, recobrindo</p><p>dados dos séculos XVI ao XXI, permitem demonstrar um quadro</p><p>de mudanças construcionais, nos termos de Traugott e Trousdale</p><p>(2013), baseado em aloconstruções9 (cf. Cappelle, 2006; Perek,</p><p>2015).</p><p>Em face do exposto, o intento geral deste capítulo é eluci-</p><p>dar os traços formais e funcionais da correlação aditiva, tomando</p><p>por base seu emprego na língua escrita, em dados oriundos do de-</p><p>curso de tempo compreendido entre os séculos XVI e XXI. Para isso,</p><p>apontaremos as características morfossintáticas e semântico-prag-</p><p>máticas da correlação aditiva, analisando tanto o que é específico</p><p>9 Perek (2015, p. 153) define as aloconstruções como as “realizações estruturais variantes</p><p>de uma construção que é parcialmente subespecificada”. Posteriormente, essa noção será</p><p>mais bem desenvolvida no trabalho.</p><p>67</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de cada sincronia selecionada, como também realçando o que é de</p><p>caráter mais geral.</p><p>Na sequência destas considerações iniciais, nosso texto está</p><p>organizado em três seções. Na seção 2, expomos um panorama</p><p>da correlação, de acordo com alguns compêndios gramaticais.</p><p>Na seção 3, apresentamos brevemente os procedimentos metodo-</p><p>lógicos que adotamos, bem como os corpora adotados, seguidos</p><p>da análise de dados realizada. Por último, estabelecemos algumas</p><p>considerações finais.</p><p>Após esses comentários introdutórios, vejamos uma breve re-</p><p>visão sobre o que alguns gramáticos dissertam a respeito da cor-</p><p>relação e da coordenação aditivas de maneira geral. Nesta apre-</p><p>sentação, incluímos os postulados de estudiosos que se apoiam</p><p>totalmente na tradição gramatical, bem como de outros que já pos-</p><p>suem uma visão mais abrangente sobre o tema.</p><p>O que dizem as gramáticas?</p><p>Nesta seção, fazemos uma sintética revisão das obras grama-</p><p>ticais que abordam a correlação e a coordenação aditivas. De modo</p><p>geral, a correlação aditiva é vista pela Gramática Tradicional (GT)</p><p>como um fenômeno sintático integrado pelo que se denomina co-</p><p>mumente coordenação, isto é, a maioria dos autores não vê a cor-</p><p>relação em um estatuto de integração diferente, mas como parte</p><p>das construções coordenadas ou, em alguns casos, como parte</p><p>das construções subordinadas.</p><p>Outras gramáticas sequer a mencionam em seus escritos ou,</p><p>quando dissertam sobre o assunto, o fazem de uma maneira mui-</p><p>to superficial. Isso porque, segundo Baldini (1999, p. 7), os gramá-</p><p>ticos tradicionais de nosso país tendem a seguir a Nomenclatura</p><p>Gramatical Brasileira (NGB), de 1959. Esse documento, por sua vez,</p><p>não postula outros modos de conexão de orações além da subor-</p><p>68</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dinação e da coordenação, o que serve de justificativa para muitos</p><p>autores seguirem esse posicionamento (cf. Henriques, 2003).</p><p>A seguir, vejamos o que dizem alguns dos principais gramáti-</p><p>cos brasileiros e estrangeiros sobre o assunto:</p><p>Luft (2000), em Moderna Gramática Brasileira, deixa claro</p><p>que considera apenas dois processos de estruturação sintática:</p><p>a coordenação e a subordinação, em um par opositivo. O autor</p><p>até admite que alguns gramáticos consideram a existência de ou-</p><p>tros dois processos (a correlação e a justaposição), mas assevera</p><p>que essa não é sua opinião, já que não vê razões para classificá-</p><p>-los como processos distintos de composição do período. Para ele,</p><p>são apenas “tipos especiais de conexão que se estabelecem dentro</p><p>da coordenação e da subordinação” (Luft, 2000, p. 47) e, portanto,</p><p>aquilo que outros autores chamam de correlata aditiva é uma coor-</p><p>denada enfática, isto é, uma espécie de subtipo de oração coorde-</p><p>nada aditiva.</p><p>Kury (2003, p. 66) e Cunha e Cintra (2001, p. 593) comparti-</p><p>lham a mesma visão dicotômica de Luft (2000). O primeiro classi-</p><p>fica as orações do tipo não só X, mas também Y como pertencentes</p><p>às chamadas coordenadas aditivas, sendo um subtipo que ele deno-</p><p>mina “aditiva com correlação”, já que cada oração possui um termo</p><p>da locução conjuntiva. Já os dois últimos autores importam-se mais</p><p>com o esclarecimento da bipartição coordenação x subordinação e,</p><p>quando explicam aquela, classificam-na pelo critério da indepen-</p><p>dência semântica, de modo que, para eles, o período composto</p><p>por coordenação é aquele em que as orações são autônomas, cada</p><p>uma tendo sentido próprio, completo. Não há espaço, portanto,</p><p>nos escritos de Cunha e Cintra (2001), para o tema da correlação.</p><p>Na obra Moderna Gramática Portuguesa, Bechara (2009,</p><p>p. 330) se alinha ao pensamento de Luft (2000) e disserta sobre</p><p>as chamadas “conjunções coordenativas enfatizadas”, citando ex-</p><p>69</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>pressões como não só...mas também; não só...mas ainda; não só...se-</p><p>não também etc., explicando que, de acordo com sua análise, esses</p><p>segmentos representam apenas recursos de ênfase que se dão por</p><p>meio do arranjo sintático da coordenação.</p><p>Ainda nessa obra, Bechara (2009, p. 477), ao tratar das con-</p><p>junções aditivas, destaca apenas dois conectores: o e (para adição</p><p>de unidades positivas) e o nem (para adição de unidades negati-</p><p>vas). No entanto, em uma observação, Bechara (2009, p. 321, gri-</p><p>fo nosso) afirma que “a expressão enfática da conjunção aditiva</p><p>e pode ser expressa pela série não só...mas também e equivalentes”.</p><p>Essa afirmação nos leva à conclusão de que, de acordo com a vi-</p><p>são desse autor, as formas e e não só...mas também possuem valores</p><p>equivalentes, havendo apenas um pouco mais de ênfase na segun-</p><p>da, isto é, são fenômenos que pertenceriam a uma mesma seara:</p><p>a coordenação.</p><p>Azeredo (2002, p. 155-156) parece ser um tanto mais “ousa-</p><p>do” ao falar que processos sintáticos poderiam compreender três</p><p>tipos fundamentalmente, incluindo, portanto, além da coordenação</p><p>e subordinação, a justaposição. Sinaliza, ainda, que a subordina-</p><p>ção ocorre, assim</p><p>como a justaposição e a coordenação, no interior</p><p>do período, sendo um processo sintático autônomo. Com respeito</p><p>à correlação, o autor a aborda brevemente como um “processo usu-</p><p>al na linguagem da argumentação utilizado para dar idêntico real-</p><p>ce às unidades conectadas” (Azeredo, 2002, p. 155-156). Azeredo</p><p>(2002) completa seu postulado dizendo que a correlação seria,</p><p>na realidade, um “expediente retórico”, usado com vistas a enfa-</p><p>tizar o discurso, não sendo, contudo, um processo sintático como</p><p>os demais já citados. Autores como Luft (2000), Azeredo (2000)</p><p>e Bechara (2009), na verdade, são unânimes ao defenderem a cor-</p><p>relação apenas como estrutura utilizada para expressão de vigor</p><p>e realce na cena discursiva, podendo ser subtipo, em alguns mo-</p><p>mentos, da coordenação e, em outros, da subordinação.</p><p>70</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Na obra Gramática Normativa da Língua Portuguesa, Rocha</p><p>Lima (1999, p. 261) se aproxima bastante das opiniões já mencio-</p><p>nadas. Quando afirma que utilizamos uma “fórmula correlativa”</p><p>do tipo não só...mas também, não só...mas ainda, não só...senão tam-</p><p>bém etc. com o objetivo de “dar mais vigor à coordenação”, o au-</p><p>tor assume o processo da correlação não como distinto, mas ainda</p><p>como um tipo de coordenação com um fim específico. Como exem-</p><p>plo, apresenta a seguinte sentença: “Não só o roubaram, mas tam-</p><p>bém o feriram” (Rocha Lima, 1999, p. 261, grifo nosso).</p><p>Outro gramático investigado foi Henriques (2003). Em Sintaxe</p><p>Portuguesa para a linguagem culta contemporânea, na seção em que</p><p>discorre especificamente sobre as orações coordenadas aditivas,</p><p>o autor inclui, nas observações, um exemplo com correlação: “Ela</p><p>não só me ignorou, mas também virou-me o rosto” (Henriques,</p><p>2003, p. 95, grifos do autor). O autor ressalta que esse é um caso</p><p>de correlação aditiva, sem detalhar, contudo, o lugar da correla-</p><p>ção em sua proposta. Como esse exemplo figura na própria seção</p><p>sobre coordenação, concluímos que o autor não distingue os dois</p><p>processos.</p><p>De forma diferente da maioria dos gramáticos brasileiros,</p><p>Melo (2001) apresenta uma visão diferenciada da correlação.</p><p>Em Gramática Fundamental da Língua Portuguesa, o autor, diver-</p><p>gindo da NGB, considera a correlação como um terceiro processo</p><p>sintático, além da coordenação e da subordinação. Para ele, “a cor-</p><p>relação é um processo sintático irredutível a qualquer dos outros</p><p>dois, um processo mais complexo, em que há, de certo modo, inter-</p><p>dependência entre as orações” (Melo, 2001, p. 152)</p><p>O autor também destaca que a correlação pode ser de quatro</p><p>tipos (consecutiva, comparativa, equiparativa e alternativa), ressal-</p><p>tando que muitos consideram esses processos como parte da su-</p><p>bordinação adverbial (Melo, 2001, p. 152-154). Para nossa análise,</p><p>71</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>interessa aqui a chamada correlação equiparativa. Vejamos o que</p><p>ele diz sobre esse processo:</p><p>A correlação equiparativa, como o nome diz, estabe-</p><p>lece igualdade ou equivalência para o segundo termo,</p><p>que vem fechar um pensamento deixado em aberto</p><p>ou em suspenso no primeiro termo. Há uma expecta-</p><p>tiva, produzida com o enunciado do primeiro termo,</p><p>expectativa que o segundo satisfaz e aquieta. Variam</p><p>muito as apresentações gramaticais: “Assim... assim</p><p>também”, “não só... mas também, senão também”,</p><p>“assim como... assim” etc. (Melo, 2001, p. 154, grifo</p><p>do autor).</p><p>Como exemplo de uma estrutura com correlação equiparati-</p><p>va, Melo (2001, p. 154, grifo nosso) apresenta a seguinte sentença:</p><p>“Não só de pão vive o homem, mas [vive] de toda a palavra que sai</p><p>da boca de Deus (Mateus IV, 4: tradução clássica)”. O autor destaca</p><p>os termos “não só” e “mas”, que, em nossos estudos, são considera-</p><p>dos correlatores prototípicos de adição, como está delineado no pri-</p><p>meiro capítulo desta obra. Assim, apesar de notarmos alguns ajus-</p><p>tes necessários na definição proposta pelo autor, como o próprio</p><p>rótulo de igualdade, equiparação, por exemplo, reconhecemos que o</p><p>posicionamento desse gramático é um importante avanço em meio</p><p>a opiniões muito conservadoras, como as que já demonstramos.</p><p>Destacamos, ainda, as considerações presentes na Gramática</p><p>da Língua Portuguesa, organizada por Mateus et al. (2003), de base</p><p>formalista. No capítulo denominado Estruturas de coordenação,</p><p>ao abordar as conjunções e as locuções conjuncionais, Matos (2003)</p><p>menciona algumas conjunções correlativas, que, segundo ela, têm a</p><p>forma de uma expressão descontínua, e cita como exemplos as locu-</p><p>ções não só...como, não só...mas também, tanto...como, ou...ou, ora...</p><p>ora, nem...nem, quer...quer. A autora denomina coordenação binária</p><p>uma “estrutura de coordenação que apresenta dois membros co-</p><p>72</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ordenados” (Matos, 2003, p. 563-564) e exemplifica o caso, citan-</p><p>do as locuções conjuncionais correlativas não só...como (também),</p><p>não só...mas também. Percebe-se, portanto, que a correlação é man-</p><p>tida como um subtipo da coordenação, visto que Matos (2003)</p><p>não considera as duas partes da locução como uma estrutura dis-</p><p>tinta, mas apenas como membros coordenados.</p><p>Outra obra portuguesa investigada foi a Gramática</p><p>do Português, organizada por Raposo et al. (2013). Nessa gramáti-</p><p>ca, atentamos especificamente para o trabalho de Matos e Raposo</p><p>(2013) acerca da temática da coordenação. Os autores, quando fa-</p><p>lam dos tipos de conjunções coordenativas e da estrutura interna</p><p>da coordenação, dissertam sobre a chamada “coordenação corre-</p><p>lativa”, em contraste com o que denominam “coordenação simples”</p><p>(Matos; Raposo, 2013, p. 1777). Para eles, a coordenação correla-</p><p>tiva é formada por um grupo coeso semanticamente, ainda que os</p><p>termos estejam separados, funcionando como uma espécie de tipo</p><p>especial de coordenação.</p><p>Ao descreverem a coordenação correlativa copulativa, eles</p><p>a subdividem pelas suas conjunções ou locuções em “conjunção</p><p>coordenativa correlativa por redobro”, como nos casos de ou...ou;</p><p>quer...quer etc., e “locução conjuncional coordenativa correlativa</p><p>adverbial”, pela natureza adverbial de alguns elementos que com-</p><p>põem os conectores complexos, como tanto...como e não só...mas</p><p>também (Matos; Raposo, 2013, p. 1778). Esse comentário, asso-</p><p>ciado à análise da questão da interdependência entre essas cons-</p><p>truções com correlação — também salientada por eles —, torna</p><p>as análises dos autores mais profundas que as da maioria dos auto-</p><p>res resenhados até aqui.</p><p>Analisamos também uma importante gramática de autores es-</p><p>panhóis. Trata-se da Gramática Descriptiva de la Lengua Española,</p><p>organizada por Bosque e Demonte (1999). No capítulo em que ana-</p><p>lisa as conjunções, Camacho (1999) propõe uma classificação tam-</p><p>73</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>bém bastante diferente da tradicional para as chamadas conjunções</p><p>coordenativas. Para ele, essas conjunções podem ser copulativas,</p><p>disjuntivas, adversativas e distributivas. As sequências correlatas</p><p>não se inserem dentre as copulativas, como em Matos e Raposo</p><p>(2013), mas são elencadas dentre as distributivas. Para o autor, por-</p><p>tanto, expressões conjuntivas como tanto...como e no solo...sino (não</p><p>só...mas), comumente denominadas expressões correlativas, são in-</p><p>terpretadas de forma distributiva (Camacho, 1999, p. 2665-2673).</p><p>Por fim, destacamos uma obra da língua inglesa: trata-se</p><p>da gramática organizada por Quirk et al. (1985). Uma das asser-</p><p>ções dos autores está relacionada ao teor argumentativo e persu-</p><p>asivo das construções correlatas. Para eles, a inserção desse tipo</p><p>de construção é mais comum em textos predominantemente argu-</p><p>mentativos e formais. O efeito de sentido decorrente do uso de uma</p><p>construção correlata estaria ligado ao estabelecimento de uma es-</p><p>pécie de paralelismo entre as informações da prótase e da apódo-</p><p>se, procurando reforçar o argumento que se quer defender (Quirk</p><p>et al., 1985, p. 1001).</p><p>Além disso, Quirk et al. (1985, p. 941) também apontam que,</p><p>diferentemente da coordenação, que teria como função primária</p><p>equacionar, a correlação teria como função primordial</p><p>distinguir.</p><p>Outra característica muito importante salientada pelos autores</p><p>está relacionada à informatividade.10 Conforme apontam, a corre-</p><p>lação tende a apresentar na prótase um dado velho, já conhecido,</p><p>ao passo que a apódose tende a trazer um elemento novo, menos</p><p>esperado.</p><p>Em síntese, os gramáticos analisados até este ponto do capí-</p><p>tulo mantiveram, em sua maioria, a tradição dicotômica estrutura-</p><p>lista e consideraram a correlação aditiva como parte das estruturas</p><p>coordenadas, classificando-a, em muitos casos, como um subtipo</p><p>10 “A informatividade [...] diz respeito ao que os interlocutores compartilham, ou supõem que</p><p>compartilham, na interação” (Cunha; Costa; Cezario, 2015, p. 35).</p><p>74</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>enfático de coordenação aditiva. Mesmo os gramáticos estrangei-</p><p>ros, entre os pesquisados, apesar de terem estudado os conectores</p><p>correlativos de forma mais minuciosa, ainda não romperam com a</p><p>classificação clássica do período, considerando, ainda, a correlação</p><p>aditiva no âmbito da coordenação.</p><p>A correlação aditiva</p><p>Nesta seção, apresentamos, em um primeiro momento, o qua-</p><p>dro teórico que fundamenta o nosso estudo: a Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso (LFCU), em estreito diálogo com a Gramática</p><p>de Construções. Em um segundo momento, faremos uma exposi-</p><p>ção do levantamento de dados e do percurso metodológico trilhado</p><p>para análise. No terceiro momento, apresentamos nossa análise,</p><p>com base em dados escritos do século XVI ao século XXI, o que permi-</p><p>tirá verificar o emprego da construção correlata aditiva em diferen-</p><p>tes contextos, a fim de que possamos descrever e elucidar com mais</p><p>clareza as especificidades observadas em cada sincronia.</p><p>Do mesmo modo, quando possível, teceremos observações</p><p>a respeito de generalizações acerca da construção correlata aditiva,</p><p>considerando todos os períodos já estudados. Contudo, tais gene-</p><p>ralizações poderão ser encontradas, com mais detalhes, em nossas</p><p>considerações finais.</p><p>Segundo Bybee (2010, p. 49, tradução nossa), “a premissa bá-</p><p>sica da teoria centrada no uso é que a experiência com a lingua-</p><p>gem cria e impacta as representações cognitivas da linguagem”.11</p><p>Desse modo, compreende-se, nessa teoria, que os usuários moldam</p><p>a estrutura da língua devido às práticas discursivas que constroem</p><p>com seus pares no contexto social. Por isso, na análise de algum</p><p>fato linguístico balizada nos princípios da LFCU, a descrição e a ex-</p><p>plicação de fenômenos emergentes na estrutura da língua estarão,</p><p>11 “The basic premise of Usage Based Theory is that experience with language creates and</p><p>impacts the cognitive representation for language”.</p><p>75</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>essencialmente, vinculadas aos eventos situacionais e contextuais</p><p>de comunicação nos quais tais usos se processam.</p><p>O pilar central da LFCU é que o discurso e a gramática não só</p><p>interagem como também se influenciam mutuamente. Desse modo,</p><p>nessa interface discurso – gramática, compreende-se a gramática</p><p>como algo suscetível a mudanças devido às necessidades emergen-</p><p>tes no uso discursivo. Uma análise que se apoia na teoria em ques-</p><p>tão não despreza as situações de interação dos usuários da língua.</p><p>Trabalhamos, também, com um dos conceitos-chave da teoria</p><p>em pauta, que é a noção de construção, isto é, uma representação</p><p>que combina forma e função, compondo parte do nosso conheci-</p><p>mento a respeito da língua. Consoante Bybee (2010, p. 76, tradução</p><p>nossa), “construções são pareamentos diretos de forma com signi-</p><p>ficado (em que o significado também inclui a pragmática), tendo,</p><p>em geral, posições esquemáticas”. A autora acrescenta, ainda, que</p><p>“construções, normalmente, contêm material lexical explícito”.12</p><p>Mais sinteticamente, uma construção constitui um pareamento en-</p><p>tre forma e significado (Goldberg, 1995).</p><p>Feitas essas considerações teóricas, destacamos, a partir des-</p><p>te ponto, algumas informações de ordem metodológica. Na seleção</p><p>dos corpora, escolhemos textos de modalidade escrita em por-</p><p>tuguês brasileiro (PB) dos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI,</p><p>obtidos nas seguintes plataformas digitais: Biblioteca Brasiliana</p><p>(BB),13Tycho Brahe (TB),14 Varport (VP)15 e Corpus do Português</p><p>(CP).16 Tais plataformas de pesquisa não foram selecionadas alea-</p><p>toriamente, mas porque abarcam o período considerado: do sécu-</p><p>12 “Constructions are direct pairings of form with meaning (where meaning also includes</p><p>pragmatics), often having schematic positions that range over a number of lexical items.</p><p>Constructions often contain explicit lexical material”.</p><p>13 Disponível em: www.digital.bbm.usp.br</p><p>14 Disponível em: www.tycho.iel.unicamp.br/corpus</p><p>15 Disponível em: www.letras.ufrj.br/varport</p><p>16 Disponível em: www.corpusdoportugues.org</p><p>76</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>lo XVI ao XXI. Nesse sentido, a necessidade de mais de um corpus</p><p>se justifica pela escassez de materiais escritos em português bra-</p><p>sileiro nos períodos iniciais estudados, especialmente nos séculos</p><p>XVI e XVII.17</p><p>No que diz respeito aos critérios de seleção de dados, consi-</p><p>deramos a ideia de adição compilada na junção prótase e apódose,</p><p>na formação de pares correlatos aditivos, tanto em usos oracionais</p><p>quanto não oracionais. A coleta se deu por meio de mecanismo</p><p>de buscas eletrônicas nas interfaces das bases de dados já mencio-</p><p>nadas. Do material cotejado, apresentaremos apenas os fragmentos</p><p>que portam exemplos mais elucidativos do nosso objeto de estudo.</p><p>Uma vez que nossa pesquisa é de caráter predominantemen-</p><p>te qualitativo, não controlamos quantidades de palavras presentes</p><p>em cada excerto de análise. Essa não preocupação também se deve</p><p>à circunstância de termos como foco observar e analisar como</p><p>os usos das correlatas aditivas figuram nas sincronias que consti-</p><p>tuem nossa pesquisa. Com o material levantado em mãos, proce-</p><p>demos à leitura minuciosa dos textos dos diferentes séculos a fim</p><p>de flagrar ocorrências de pares correlatos nos mais variados con-</p><p>textos de uso.</p><p>Esse contorno da abordagem teórica e metodológica orienta-</p><p>dora de nosso estudo possibilita a apresentação da etapa seguin-</p><p>te da nossa seção, que trata especificamente da análise de dados</p><p>de acordo com cada sincronia. Vale frisarmos, neste ponto, que,</p><p>até mesmo por uma questão de espaço e organização didática</p><p>do nosso texto, optou-se por um recorte mais qualitativo do que</p><p>quantitativo. Observemos, então, alguns exemplos, seguidos de co-</p><p>mentários analíticos.</p><p>17 Segundo um dos pareceristas, o português brasileiro apresenta-se como uma variedade</p><p>distinta da variedade lusitana somente a partir do século XVIII. Apesar de termos ciência</p><p>desse ponto, decidimos manter o capítulo como está, servindo-nos de um critério históri-</p><p>co e geográfico. Assim, consideramos como português brasileiro toda produção gerada em</p><p>nosso território a partir do processo de colonização, ainda que com pequenas ou grandes</p><p>influências do português europeu.</p><p>77</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Século XVI</p><p>(01) Por estes caminhos padecerão os Irmãos com o</p><p>Padre muyto detrimento alem do cançaço do cami-</p><p>nho que levaram passando por rios a nado despidos,</p><p>que dizem os Irmãos que emtangessião com frio;</p><p>e não tam somenteistomasmuyta fome em extremo,</p><p>que não comião senão palmitos que achavam pollo</p><p>mato com outras fruitas de mais pouca sustancia</p><p>sem terem nem hum grão de farinha que laa chamais</p><p>de pao (PB, XVI, TB).</p><p>(02) Mas que farei que nem paciencia há em my, o que</p><p>já não tendes por martirio, nem as cousas adversas,</p><p>e quero subir tam alto que certo, charíssimos Irmãos,</p><p>muyta necessidade tenho de vosso socorro nãotam</p><p>somente pera a paciencia e humildade, mas pera</p><p>a menor das virtudes que em vós haa; porque sabei,</p><p>meus em Christo, que estou mais falto do que nenhum</p><p>de vós julgará [...] (PB, XVI, TB).</p><p>No dado exposto em (01), há dois sintagmas nominais sen-</p><p>do correlacionados: “isto”, na prótase, e “muyta fome em extre-</p><p>mo”, na apódose. Como exposto, a correlação aditiva atua no ní-</p><p>vel da articulação oracional, mas também</p><p>há casos de sequências</p><p>não oracionais sendo correlacionadas, como nesse exemplo. Em</p><p>(01), é possível verificar um teor altamente descritivo, já que há um</p><p>relato das dificuldades pelas quais os irmãos e o padre passaram</p><p>nos “caminhos” tratados no texto. É interessante observar ainda,</p><p>nesse dado, o aparecimento da conjunção e à esquerda do segmen-</p><p>to não tam somente (não tão somente), que encabeça a prótase.</p><p>Esse fato corrobora nossa defesa de que a correlação e a coordena-</p><p>ção são processos de integração sintática distintos, de modo que o</p><p>emprego da conjunção coordenativa não foi suficiente para o que</p><p>se queria informar, sendo necessário, então, o uso da correlação,</p><p>78</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>a fim de atender aos propósitos comunicativos em jogo e apresentar</p><p>a mensagem com o grau de informatividade necessário e adequado.</p><p>Ainda a respeito desse ponto, alguns estudiosos destacam</p><p>que uma das propriedades da coordenação é a não possibilidade</p><p>de coocorrência de coordenadores (cf. Azeredo, 2002; Mateus et al.,</p><p>2003; Quirk et al., 1985). Sendo assim, o fato de o coordenador e fi-</p><p>gurar ao lado de um correlator reforça a tese de que a correlação</p><p>aditiva, de fato, não é uma estratégia de coordenação, como defen-</p><p>dem alguns gramáticos tradicionais.</p><p>Em (02), fica claro que o autor não está apenas adicionando,</p><p>na apódose, outras virtudes além da paciência e da humildade (ci-</p><p>tadas na prótase). Na verdade, o que se observa é o efeito de sen-</p><p>tido de minimização do que foi dito no primeiro segmento, para</p><p>maximização do segundo: o desejo é ir além até mesmo de virtudes</p><p>tão grandiosas, como a paciência e a humildade. Essa interpreta-</p><p>ção é possível pela organização discursiva utilizada no dado, já que</p><p>os correlatores aditivos selecionados (não tam somente...mas), inse-</p><p>ridos naquele ambiente contextual, constroem esse efeito.</p><p>Portanto, do ponto de vista semântico, podemos postular</p><p>que o significado expresso pela construção correlata aditiva em</p><p>(01) e (02) não é o mesmo que o observado em uma construção co-</p><p>ordenativa simples com e, por exemplo, em que dois sintagmas no-</p><p>minais são postos lado a lado, em uma estrutura básica de adição.</p><p>Século XVII</p><p>(03) Que differão, ferefufcitàrão hoje comnofco& vi-</p><p>rão o que vemos? Sem duvida que arrependidos di-</p><p>fferao, que a terra do Brafil, toda a America, & toda</p><p>a meia Zona, a que chamavaoTorrida, não fónaohe</p><p>terra inútil, feca, requeimada, deferta, inhabitauel</p><p>pera gente humana-, maspellocontrario, que heh~ua</p><p>região temperada, amena, abundante de chuvas, orva-</p><p>79</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>lhos, fontes, rios, paftos, verdura; aruoredos, & frutos</p><p>pera perfeita habitação de viuentes [...] (PB, XVII, BB).</p><p>(04) [...] He muito grande a abundancia defte man-</p><p>timento [mandioca]: não farta fomente o Brafil,</p><p>mas podèra abranger a muitos Eftados, &antiguamen-</p><p>te fartava o Reyno de Angola, antes que laufaffemdefta</p><p>planta. Do fumo deftasraizes quando feefprememm,</p><p>fica no fundo hum como pé ou polme, do qual, tirado,</p><p>&feco ao Sol, fazem farinha alviffma, mui mimofa, cha-</p><p>mada tipyoca: & do mefmo polme obreas pera cartas,</p><p>& goma pera a roupa, &manteos [...] (PB, XVII, BB).</p><p>Em (03) e (04), é possível observar a ideia de um crescendum</p><p>argumentativo (cf. Rosário, 2012). No dado (03), o enunciado en-</p><p>cabeçado por não só apresenta uma informação já conhecida, men-</p><p>cionando o senso comum da época, o qual tinha uma ideia negati-</p><p>va sobre o Brasil. Na prótase, o elemento restritivo só é acrescido</p><p>ao elemento de negação não, preparando o leitor para a informação</p><p>seguinte, a qual será introduzida pelo mas, que, nesse caso, acarreta</p><p>uma ideia de acréscimo e, sobretudo, traz a informação nova, me-</p><p>nos esperada no contexto, o que é reforçado pela expressão “pello</p><p>contrario”: o Brasil é, na verdade, uma região “temperada, amena,</p><p>abundante de chuvas [...]”.</p><p>Em (04), a fim de comprovar quão grande é a abundância</p><p>da mandioca em território brasileiro, o autor utiliza, na próta-</p><p>se, o elemento negativo não e o elemento restritivo somente para</p><p>afirmar primeiro que tal alimento é farto no Brasil, o que já seria</p><p>esperado. No entanto, a informação que é mais relevante e que</p><p>vem confirmar o argumento do autor está na apódose, introduzida</p><p>pelo mas: a mandioca poderia até mesmo abranger muitos outros</p><p>Estados.</p><p>80</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Cabe ressaltar que, ao mencionarmos os elementos que pre-</p><p>enchem o slot18 da construção correlata aditiva, não objetivamos</p><p>promover uma análise centrada nos itens. No entanto, é possível</p><p>notar que a análise dos elementos não, só/somente e mas, inte-</p><p>grados às informações da prótase e da apódose, permite perceber</p><p>a atuação do fenômeno da redução de composicionalidade. De acor-</p><p>do com Traugott e Trousdale (2013, p. 19), a composicionalidade</p><p>diz respeito ao grau de transparência entre o vínculo da forma</p><p>e do significado. Na correlação aditiva, observamos que, do ponto</p><p>de vista construcional, há correspondência (match) entre aspectos</p><p>da forma e do significado, que levam à compreensão da correlação</p><p>aditiva em termos de negação de um foco (não só X), na prótase,</p><p>para maximização de uma ideia (mas Y), na apódose. No entanto,</p><p>essa composicionalidade deve ser postulada como intermediária,</p><p>na medida em que o sentido da construção não é dado exatamente</p><p>pela soma das partes. Na verdade, observamos que há um senti-</p><p>do aditivo emergente, o qual se dá não somente pelos elementos</p><p>que compõem os pares correlativos, mas por todo os aspectos rela-</p><p>cionados ao contexto comunicativo que envolve a construção.</p><p>Século XVIII</p><p>(05) [...] vendo-fehumCeoceruleo, que no brilhante</p><p>das eftrellas , de que fe adornava, narravaõ a gloria</p><p>deftefirmameto , e para que em tudo foffeCeoeftafcien-</p><p>tifica fabrica , não fó flores dellefeefparfiaõ, mas dous</p><p>Anjos em doces trinados faziaõ hum engraçado</p><p>duo, em que felicitavaõ ao fom do toque de Orpheo</p><p>, os coraçoens de feus Arquitetos a fuaExcellencia R</p><p>(PB, XVIII, BB).</p><p>18 Na Linguística Funcional Centrada no Uso, compreende-se como slot cada “lugar” aberto</p><p>de uma construção esquemática. Assim, normalmente os slots podem ser preenchidos por</p><p>diferentes elementos linguísticos.</p><p>81</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(06) Logo, quanto menos poroso for o tecto da Nitreira,</p><p>como, sem controversia, he menos poroso o de palha,</p><p>que o da telha; tanto maior porção de acido se forma-</p><p>rá continuadamente sobre a superficie, que he com-</p><p>posta, não só de matérias, que apodrecem, mas tam-</p><p>bem de terras absorventes (PB, XVIII, BB).</p><p>Para Traugott e Dasher (2002, p. 20), na comunicação, cada</p><p>participante é um sujeito falante que tem conhecimento do outro</p><p>participante igualmente como sujeito falante. Na correlação aditi-</p><p>va, observamos que a maneira de organização das informações leva</p><p>sempre em consideração, de modo bastante acentuado, o partici-</p><p>pante da interação. Como trabalhamos com dados escritos, o pos-</p><p>sível leitor não é ignorado, mas, antes, é considerado como sujeito</p><p>que detém conhecimentos prévios.</p><p>Segundo os autores supracitados, todas as expressões de lin-</p><p>guagem têm marcas de subjetividade, de modo explícito ou implíci-</p><p>to. Trata-se da expressão do “eu” e da representação da perspectiva</p><p>ou do ponto de vista de um falante no discurso. Além disso, ainda</p><p>segundo os autores, as escolhas linguísticas, conscientes ou incons-</p><p>cientes, estão correlacionadas ao registro e ao grau de atenção para</p><p>o ouvinte/leitor. Nesse ponto, entra em questão a intersubjetivida-</p><p>de. As escolhas do produtor são, portanto, altamente correlaciona-</p><p>das à intenção estratégica e à codificação explícita dessa intenção</p><p>(Traugott; Dasher, 2002, p. 20-21).</p><p>Em (05), ao descrever um céu adornado, brilhante de estre-</p><p>las, o autor primeiramente cita a presença das flores, na prótase,</p><p>para imediatamente depois, na apódose, engrandecer a presença</p><p>de “dous anjos em doces trinados”. Percebemos, portanto, que o</p><p>segundo elemento mencionado consegue, de fato, trazer ao leitor</p><p>a ideia de grandiosidade dos</p><p>adornos do referido céu. Em (06), o es-</p><p>82</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>critor, ao discutir sobre as condições adequadas de uma nitreira,19</p><p>possivelmente para um leitor entendido ou interessado no assunto,</p><p>menciona primeiramente a matéria que apodrece na superfície (na</p><p>prótase), para logo depois salientar as terras absorventes que são</p><p>criadas, isto é, a própria finalidade maior da nitreira — absorver</p><p>os líquidos que para lá convergem.</p><p>Observamos, portanto, a atuação da intersubjetividade, que,</p><p>de acordo com os autores, mostra-se como a expressão da atenção</p><p>do falante ao “eu” do ouvinte. Nesse sentido, o ouvinte também</p><p>é um participante a ser considerado no evento de fala (Traugott;</p><p>Dasher, 2002, p. 22). Intersubjetividade e subjetividade estão, pois,</p><p>intimamente relacionadas. Esses dois conceitos se aplicam aos nos-</p><p>sos dados de correlação aditiva, uma vez que, como temos comen-</p><p>tado, essa construção promove um jogo argumentativo, de modo</p><p>a ressaltar a informação mais relevante na apódose.</p><p>Século XIX</p><p>(07) Ela foi uma verdadeira rainha naqueles dias me-</p><p>moráveis; ninguém deixou de ir visitá-la duas e três</p><p>vezes, apesar dos costumes caseiros e recatados</p><p>do século, e não só a cortejavam como a louvavam;</p><p>porquanto,–e este fato é um documento altamente</p><p>honroso para a sociedade do tempo [...] (PB, XIX, CP).</p><p>(08) [...] donde se vê não só a utilidade e conheci-</p><p>do proveito d’aquelas lições, mas tambem a vanta-</p><p>gem dos trabalhos dirigidos por pessoas instruidas</p><p>nos principios respectivos á dos que só seguem huma</p><p>rotina empirica e puro mercantilismo (PB, XIX, VP).</p><p>19 De acordo com o Dicionário Priberam, nitreira é “lugar onde se forma nitro; depósito a que</p><p>convergem os líquidos provenientes de estábulos, montureiras etc”. Disponível: https://</p><p>dicionario.priberam.org/nitreira. Acesso em: 01 jun. 2024.</p><p>83</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>O dado (07) ilustra um fator bastante relevante a ser notado:</p><p>existe, nas construções correlatas aditivas, uma tendência de que</p><p>os verbos presentes tanto na prótase quanto na apódose apareçam</p><p>no mesmo tempo e modos verbais, como se vê em “cortejavam [...]</p><p>louvavam”. Esse uso acaba por reforçar, de algum modo, a noção</p><p>de que há uma espécie de espelhamento entre as estruturas corre-</p><p>lacionadas. Em outras palavras, se uma forma verbal é apresenta-</p><p>da, na prótase, no pretérito imperfeito do modo indicativo, há uma</p><p>expectativa para que ocorra o mesmo com a forma verbal da sua</p><p>apódose, como temos no exemplo mencionado.</p><p>A informação contínua no dado (08) faz-nos rememorar o fe-</p><p>nômeno da “polifonia”, isto é, quando se cria “um efeito do entrecru-</p><p>zamento de vozes em relação de aliança ou de polêmica” (Castilho,</p><p>2010, p. 687). Segundo Pauliukonis (1988, p. 121), na teoria poli-</p><p>fônica, “o sentido da enunciação é descrito pelo próprio enunciado,</p><p>de acordo com os vários enunciadores, cujas afirmações são usadas</p><p>como apoio para os argumentos”. A polifonia reside especialmente</p><p>no cruzamento de duas diferentes informações (ou “vozes”): há uti-</p><p>lidade e conhecido proveito das lições, como também há vantagem</p><p>em trabalhos dirigidos por pessoas instruídas. Nesse caso, há uma</p><p>“relação de aliança”, nos termos de Castilho (2010).</p><p>Com base nisso, podemos afirmar que, nos dados (07) e (08),</p><p>encontramos evidências de que o emprego das correlatas aditivas</p><p>sugere, de fato, uma gradação escalar entre as informações dispos-</p><p>tas nos enunciados. Essa gradação seria, portanto, entre a infor-</p><p>mação velha, já de conhecimento do interlocutor, já esperada ([07]</p><p>“não só a cortejavam” e [08] “não só a utilidade e conhecido provei-</p><p>to d’aquelas lições”) e a informação nova, desconhecida, inesperada</p><p>([07] “como a louvavam” e [08] “mas tambem a vantagem dos tra-</p><p>balhos [...]”).</p><p>Vale comentar que, em alguns usos, para que o locutor al-</p><p>cance a força discursiva sugerida pelo emprego das correlatas</p><p>84</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>aditivas em sua totalidade, existe a necessidade de o interlocutor</p><p>compartilhar uma pressuposição que atua no nível extralinguísti-</p><p>co. Em outros termos, o uso das construções correlativas aditivas</p><p>requer do interlocutor, nesses casos, o apoio no que se assemelha</p><p>à referenciação exofórica, isto é, em referências situacionais, àque-</p><p>las que estão fora do que é portado no texto. Essa afirmação dialo-</p><p>ga com Gervasio (2019), que verificou a existência de uma ancora-</p><p>gem dos enunciados introduzidos pelos pares correlatos aditivos</p><p>em pressuposições.</p><p>Século XX</p><p>(09) As razões prendem-se não só com a concorrência</p><p>dos países de Leste e do Sudoeste asiático, mas tam-</p><p>bém com a valorização do escudo, que torna menos</p><p>competitivos os têxteis portugueses, e a inadaptação</p><p>tecnológica [...] (PB, XX, CP).</p><p>(10) O comportamento moral da mulher é variá-</p><p>vel considerada no julgamento do caráter feminino.</p><p>Porque o comportamento moral da mulher constrói</p><p>não apenas a imagem feminina, mas também do seu</p><p>parceiro, a identidade de homem dentro do grupo so-</p><p>cial (PB, XX, VP).</p><p>A força persuasiva expressa pela correlação nos contextos</p><p>pragmático-discursivos exemplificados não teria sido a mesma,</p><p>caso sua coesão, em (09), por exemplo, fosse formada pelo conecti-</p><p>vo aditivo e, como demonstra a paráfrase a seguir: (09') “As razões</p><p>prendem-se com a concorrência dos países do Leste e do Sudoeste</p><p>asiático e com a valorização do escudo, que torna menos competiti-</p><p>vos os têxteis portugueses, e a inadaptação tecnológica [...]”.</p><p>Essa constatação endossa a ideia proposta por Hopper</p><p>e Traugott (2003, p. 126) quando afirmam que novas construções</p><p>85</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>gramaticais emergem na língua para darem conta de novas</p><p>necessidades funcionais. O contraste do dado (09), com a expressão</p><p>da adição no contexto por meio do par correlativo aditivo não só...</p><p>mas também, com sua paráfrase, com a expressão da adição por meio</p><p>do coordenador aditivo e, aponta para algo relevante. Esse fato</p><p>traz-nos à memória um possível entendimento da opção do usuário</p><p>da língua pelo uso do par correlato em detrimento do outro</p><p>elemento se levarmos em conta a caracterização pragmática desse</p><p>último. Em uma análise a respeito do aditivo e, Sweetser (1991, p.</p><p>91, tradução nossa, grifo da autora) afirma que:</p><p>[...] os fatores que esclarecem as várias interpretações</p><p>da conjunção e são fatores que existem no contexto,</p><p>independente da semântica lexical. Assim, não ape-</p><p>nas os pares de cláusulas integradas pelo e, mas tam-</p><p>bém cláusulas não integradas na sequência narrativa,</p><p>são interpretadas como tendo uma ordem icônica</p><p>para a ordem dos eventos. [...] E, então, não é seman-</p><p>ticamente ambíguo; seu único sentido abstrato será</p><p>aplicado de maneiras diferentes para a interpretação</p><p>das orações, dependendo do contexto.20</p><p>Com base na citação, podemos inferir que, devido às suas</p><p>múltiplas possibilidades de interpretação, o falante pode delegar</p><p>à conjunção e uma “desconfiança” no que tange à expressão ideal</p><p>de seus objetivos discursivos. Desse modo, aventamos a hipótese</p><p>de que o falante, em (09), optou por elaborar a construção dessa</p><p>forma, e não da maneira como expressamos na paráfrase (09') ten-</p><p>do como premissa a ideia de que, ao usar o par correlato na expres-</p><p>são da ideia de adição, seus intentos discursivos seriam, sem dúvi-</p><p>da, contextualmente alcançados da forma esperada.</p><p>20 “[...] the factors which account for the multiple interpretations of and-conjunction are fac-</p><p>tors which exist in the context, independent of lexical semantics. Thus, not only the pairs of</p><p>clauses conjoined with and, but also unconjoined clauses in narrative sequence, are inter-</p><p>preted as having an order iconic for the order of events. […] And, then, is not semantically</p><p>ambiguous; its single abstract sense will apply in different ways to the interpretation of the</p><p>conjuncts, depending on the context”.</p><p>86</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A razão disso pode residir no reconhecimento por parte</p><p>do locutor de que o coordenador e tem adquirido valor polissêmi-</p><p>co ao longo</p><p>de sua trajetória na língua. Outra possibilidade é que</p><p>o locutor admite — mesmo que de modo intuitivo — que o uso do</p><p>par correlato requer do interlocutor maior esforço cognitivo para</p><p>a depreensão dos sentidos transpostos pelos enunciados.</p><p>Também o dado ilustrado em (10) nos remete a uma asser-</p><p>ção presente na obra estrangeira A University Grammar of English,</p><p>de Quirk e Greenbaum (1980). Ao tratar do uso do par correlativo</p><p>aditivo not only (não só)...but also (mas também), os autores afir-</p><p>mam que seu emprego gera um efeito mais dramático na intera-</p><p>ção, sobretudo nos exemplos em que not only (não só/ não apenas/</p><p>não somente) se mostra em posição inicial, “com consequente in-</p><p>versão sujeito-operador” (Quirk; Greenbaum, 1980, p. 261).21</p><p>Pensamento semelhante pode ser encontrado em Pauliukonis</p><p>(2001, p. 123), que, ao ampliar sua visão para além do enfoque for-</p><p>malista da língua, ancora sua afirmação no devido status das cor-</p><p>relatas em uma “concepção discursiva, que vê a linguagem como</p><p>atividade peculiar entre os membros participantes de uma enun-</p><p>ciação interativa, cuja característica principal é o aspecto dramá-</p><p>tico de sua constituição”. Em outras palavras, a autora aponta para</p><p>a questão de que o emprego das construções correlativas pode</p><p>se dar em determinado contexto para atender a intentos discursi-</p><p>vos particulares, designados pelo usuário da língua no momento</p><p>de interação.</p><p>Século XXI</p><p>(11) [...] O seminário foi coordenado por o senador</p><p>Wellington Fagundes, que ressaltou a importância</p><p>de Cuiabá como maior entroncamento rodoviário de o</p><p>21 “A more dramatic effect is achieved by positioning not only initially, with consequent sub-</p><p>ject-operator inversion”.</p><p>87</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Estado, por onde passam todas as cargas transporta-</p><p>das entre o Sul e o Norte de o país. “Essa obra bene-</p><p>ficia não só a capital, mas Várzea Grande, a Baixada</p><p>Cuiabana e todo Mato Grosso”, disse. Ao apresentar</p><p>o anteprojeto de a obra, a Sinfra destacou a economia</p><p>que deve significar a utilização de o pavimento rígido</p><p>(concreto), tanto em a construção, como em a manu-</p><p>tenção (PB, XXI, CP).</p><p>(12) A legislação estadual considera a função de ou-</p><p>vidoria como independente e de dedicação exclusiva</p><p>e proíbe seu acúmulo com outras atividades. Apesar</p><p>disso, o secretário estadual de o Meio Ambiente,</p><p>Ricardo Salles (PP), nomeou Germanos para essa fun-</p><p>ção em agosto de o ano passado, mantendo-o não só</p><p>com atribuições que já tinha, como também o desig-</p><p>nou para outras, inclusive em instâncias deliberativas</p><p>(PB, XXI, CP).</p><p>Em (11), de modo semelhante ao que ocorre em outros tokens22</p><p>já analisados, em que a segunda parte do correlator não apresenta</p><p>o item também como parte constituinte, o uso da construção</p><p>correlata aditiva é completamente compreensível. A não codificação</p><p>de também não interfere nem na coesão, nem na coerência. Isso</p><p>se dá pelo fato de que, embora o elemento também não figure</p><p>na apódose de (11), tal como figura nas apódoses de (09) e (10),</p><p>possivelmente, por meio de sua experiência de mundo e, acima</p><p>de tudo, linguística, o interlocutor faz uma analogia a um type23</p><p>mais esquemático da construção, o qual é de seu conhecimento.</p><p>Bybee (2000 apud Traugott; Trousdale, 2013, p. 47, tradução</p><p>nossa), a respeito do fator empírico, diz que “central para a posi-</p><p>ção baseada no uso é a hipótese de que instâncias de uso impac-</p><p>22 Na Linguística Funcional Centrada no Uso, o termo token indica cada ocorrência de uma</p><p>determinada construção. Trata-se de um constructo ou de um dado efetivamente flagrado</p><p>no uso.</p><p>23 Na Linguística Funcional Centrada no Uso, o termo type designa o tipo de construção ao</p><p>qual se associa um ou vários tokens.</p><p>88</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>tam a representação cognitiva da língua”.24 Assim, para a estudiosa,</p><p>o uso atrelado ao conhecimento favorece a compreensão que se</p><p>tem da língua, seja no âmbito do estudo sincrônico, seja no âmbito</p><p>do estudo diacrônico.</p><p>Em (12), destacamos o elemento como, encabeçando a apódo-</p><p>se correlativa. O como possui, originalmente, teor comparativo, sen-</p><p>do classificado pelos gramáticos como a conjunção subordinativa</p><p>comparativa por excelência (Bechara, 2009, p. 326). Nessa ocorrên-</p><p>cia (não só...como também), o aparecimento do como pode ser ex-</p><p>plicado por um processo de interpretação que vai gradualmente</p><p>sendo feito de forma diferente pelos usuários da língua, configu-</p><p>rando um caso de neoanálise. Segundo Traugott e Trousdale (2013,</p><p>p. 36), esse fenômeno, que envolve negociação de sentidos e outra</p><p>perspectiva sobre os usos linguísticos, configura um micropasso</p><p>na mudança construcional. Nesse caso, como não há propriamen-</p><p>te a criação de uma nova construção, mas apenas uma nova confi-</p><p>guração formal de uma microconstrução já existente, defendemos</p><p>que o “como” foi neoanalisado para que atendesse ao significado</p><p>mais comum na apódose: o teor comparativo passou a estar em se-</p><p>gundo plano, ao passo que o valor aditivo se tornou preponderan-</p><p>te. Sendo assim, no caso de não só...como também, é possível falar</p><p>de neoanálise no campo semântico, pois houve uma reinterpreta-</p><p>ção do significado desse elemento, que, ao atuar de forma conjunta</p><p>aos demais, no preenchimento do slot da microconstrução, passou</p><p>a assumir a semântica aditiva, colaborando para o realce da infor-</p><p>mação na apódose.</p><p>Considerações finais</p><p>Como mencionamos, ao longo deste capítulo, diferentes</p><p>corpora foram selecionados e, por conseguinte, diferentes fatores</p><p>24 “Central to the usage-based position is the hypothesis that instances of use impact the cog-</p><p>nitive representation of language”.</p><p>89</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de análise foram adotados. No entanto, observamos que algumas</p><p>generalizações são possíveis a partir de uma comparação entre</p><p>as diferentes sincronias.</p><p>Nos dados dos seis séculos estudados, constatamos que há</p><p>uma nítida interdependência entre a prótase e a apódose correlati-</p><p>vas, sendo a informação apresentada na apódose sempre a que rece-</p><p>be maior relevo (Gervasio, 2016, p. 89; Rosário, 2012, p. 210; Souza,</p><p>2020, p. 83). Ademais, o surgimento de novos padrões correlativos</p><p>para a expressão da adição se deu, provavelmente, pelo mecanismo</p><p>de analogização, o que sugere uma ampliação da rede dos padrões</p><p>aditivos, dado o crescimento no número de types (Gervasio, 2016,</p><p>p. 89; Rosário, 2012, p. 206). Cabe ressaltar também que a constru-</p><p>ção correlata aditiva, em todos os períodos em que foi estudada,</p><p>foi compreendida como uma construção dotada de especial força</p><p>argumentativa, o que a difere da coordenação aditiva, que tem como</p><p>função principal apenas aproximar elementos, sem hierarquizá-los</p><p>(Gervasio, 2016, p. 87; Rosário, 2012, p. 220; Souza, 2020, p. 14).</p><p>Nesse sentido, compreendemos que a diversidade e o aumen-</p><p>to no número de types ao longo dos séculos revela um caso de mu-</p><p>dança pós-construcional no polo formal. Isso significa que o signifi-</p><p>cado da construção permanece mais ou menos inalterado, ou seja,</p><p>ao longo dos séculos, mantém-se a adição com o teor argumenta-</p><p>tivo. Por outro lado, a diversidade de microconstruções detecta-</p><p>das, como mostraremos no Esquema 1, revela um caso de variação</p><p>construcional, já que todos os pares correlativos identificados po-</p><p>dem ser usados para descrever um mesmo conjunto de situações,</p><p>ou seja, esses usos podem ser considerados como aloconstruções</p><p>(Perek, 2015, p. 150), que são variantes de uma mesma construção,</p><p>sem alteração sensível no sentido.</p><p>Com o intuito de representar essa mudança, esquematizamos</p><p>a seguir a correlação aditiva na rede construcional, considerando</p><p>types atestados dos séculos XVI ao XXI:</p><p>90</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Esquema 1–Rede construcional da correlação aditiva</p><p>Fonte: Rosário e Souza (2021, p. 102).</p><p>Na rede construcional representada no Esquema 1, procura-</p><p>mos demostrar os níveis da construção correlata aditiva em lín-</p><p>gua portuguesa. No nível mais esquemático, de forma mais geral,</p><p>a construção correlata aditiva é caracterizada pela</p><p>A partir de então, ela iniciou uma investigação</p><p>das construções correlatas disjuntivas em perspectiva pancrônica,</p><p>rastreando esses usos desde o século XIII até nossos dias.</p><p>Em 2018, acolhi Brenda da Silva Souza, que aceitou o desafio</p><p>de vasculhar a correlação aditiva em perspectiva diacrônica. A es-</p><p>tudante partiu de dois trabalhos até então concluídos: o que eu já</p><p>havia realizado com base no século XXI e a pesquisa empreendida</p><p>por Tharlles Gervásio no século XX. A partir daí, Brenda coletou da-</p><p>12</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dos históricos e analisou o quadro da correlação aditiva nos sécu-</p><p>los XVI, XVII e XVIII, permitindo-nos um olhar mais amplo sobre</p><p>o fenômeno.</p><p>Nesse mesmo ano de 2018, iniciei um trabalho de orientação</p><p>acadêmica de doutorado com Letícia Martins Monteiro de Barros.</p><p>Nas interações travadas em sala de aula, percebemos que, em lín-</p><p>gua portuguesa, havia um tipo especial de construção para veicular</p><p>comparação contrastiva por meio de estruturas apositivas. Eram</p><p>as construções do tipo uns...outros, por um lado...por outro lado e ou-</p><p>tras. A partir daí, Letícia Barros também aceitou o desafio de estu-</p><p>dar esse fenômeno, praticamente sem investigações prévias sobre</p><p>o tema. Foi um trabalho marcado, portanto, por grande ineditismo.</p><p>Ainda em 2018, decidi concorrer ao edital Jovem Cientista</p><p>do Nosso Estado da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo</p><p>à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Para isso, submeti</p><p>o projeto Construções correlatas oracionais e não oracionais no por-</p><p>tuguês padrão: uma visão funcional centrada no uso à apreciação</p><p>da agência. Em setembro de 2019, recebi a notícia da aprovação</p><p>da proposta e, com isso, fui contemplado com bolsa de pesquisa,</p><p>o que permitiu grande investimento nesse amplo projeto de estudo</p><p>da correlação.</p><p>Também foi em 2018 que Thaís Fernandes iniciou o seu dou-</p><p>torado. Motivada pelo tema das construções proporcionais, a pes-</p><p>quisadora ampliou seu escopo de investigação e trabalhou na des-</p><p>crição de toda a rede da proporcionalidade no português do Brasil.</p><p>Ao longo desse tempo, tive a oportunidade de orientar ou-</p><p>tros estudantes de mestrado e de doutorado, mas decidi citar aqui</p><p>Tharlles, Brenda, Jovana, Marianna, Thaís, Letícia, Daniele e Idrissa,</p><p>porque eles aceitaram minha proposta de trabalhar em um gran-</p><p>de empreendimento: investigar a correlação em língua portuguesa.</p><p>Juntos, formamos uma rede de colaboração, de discussão, de trocas</p><p>13</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>sempre muito frutíferas. A propósito, esses jovens pesquisadores</p><p>sempre demonstraram competência, dedicação, empenho e um óti-</p><p>mo nível de reflexão.</p><p>Em meados de 2022, comecei a pensar em todos os trabalhos</p><p>que eu e esses meus ex-orientandos já tínhamos realizado sobre</p><p>o tema da correlação. Considerei que seria importante agregar</p><p>uma parte dessas reflexões em uma única obra, que buscasse reu-</p><p>nir aspectos fundamentais dos diferentes processos de correlação</p><p>em língua portuguesa. É nesse contexto que surge este livro.</p><p>Não seria justo que tantos trabalhos de qualidade ficassem</p><p>“aprisionados” na forma de dissertações e teses arquivadas em re-</p><p>positórios institucionais, sendo pouco ou quase nunca acessados.</p><p>Afinal, é importante que todo conhecimento construído seja parti-</p><p>lhado ao máximo possível. Foi aí que nasceu o convite para que es-</p><p>ses jovens colaborassem com a produção deste livro, o que foi pron-</p><p>tamente acolhido por todos. Por isso, desde já, expresso minha</p><p>profunda gratidão a todos vocês, que acreditaram neste projeto.</p><p>Quanto à concepção e estruturação interna da obra, Correlação</p><p>em língua portuguesa é um livro aderente à linha de Teoria</p><p>e Análise Linguística do Programa de Pós-graduação em Estudos</p><p>de Linguagem da UFF. Como se perceberá ao longo dos capítulos,</p><p>a obra sistematiza resultados de projetos de pesquisa de jovens</p><p>mestrandos e doutorandos que se organizaram em rede, sob minha</p><p>orientação.</p><p>Todos os capítulos apresentam e discutem propostas teóricas</p><p>inovadoras para o tema da correlação, por meio de pesquisa ba-</p><p>seada em corpus, com fundamento em metodologias qualitativas</p><p>e quantitativas. Nesse sentido, essa é uma obra singular, sem ne-</p><p>nhuma equivalência no mercado editorial.</p><p>A obra foi produzida em linguagem fácil e acessível, uma vez</p><p>que a ideia é que todos os interessados no tema possam compre-</p><p>14</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ender as reflexões aqui apresentadas. Nesse sentido, a obra pode</p><p>ser lida não só por pesquisadores experientes, mas também por es-</p><p>tudantes de graduação e de pós-graduação, bem como por docentes</p><p>da Educação Básica.</p><p>Todos os capítulos apresentam investigações baseadas</p><p>em uma perspectiva funcionalista da linguagem, que é calcada</p><p>nos usos reais do português falado e escrito. O objetivo principal</p><p>não é pedagógico, mas garanto que há total possibilidade de todos</p><p>os capítulos serem aproveitados para o trabalho didático no Ensino</p><p>Fundamental e Médio, após a devida transposição didática.</p><p>Por fim, não posso concluir este breve texto de Apresentação</p><p>sem expressar aqui todo meu respeito e reconhecimento a duas</p><p>grandes professoras: Mariangela Rios de Oliveira (UFF) e Violeta</p><p>Virginia Rodrigues (UFRJ). Ao longo de seis anos ininterruptos, tive</p><p>a oportunidade de conviver com essas pesquisadoras tão compe-</p><p>tentes, que aceitaram me orientar academicamente no mestrado</p><p>e no doutorado. Boa parte das minhas conquistas se deve ao tra-</p><p>balho exemplar dessas duas grandes mulheres cientistas, que sem-</p><p>pre me motivaram e me desafiaram a romper barreiras e ir além.</p><p>Mariangela e Violeta, muito obrigado por tudo! A essas duas gran-</p><p>des pesquisadoras e a todos os meus orientandos de Iniciação</p><p>Científica, de Mestrado e de Doutorado, dedico esta obra.</p><p>Niterói, 7 de janeiro de 2024</p><p>Ivo da Costa do Rosário</p><p>15</p><p>CORRELAÇÃO E CORRELATORES</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>Considerações iniciais</p><p>A correlação é um tema muito caro à minha trajetória</p><p>de professor-pesquisador. No início do meu mestrado,</p><p>na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em disci-</p><p>plina oferecida pela Profª Violeta Virginia Rodrigues, tomei conhe-</p><p>cimento de um fascinante debate acerca dos diferentes processos</p><p>de integração oracional em língua portuguesa, com destaque para</p><p>a correlação e para a justaposição. Até aquele momento, eu desco-</p><p>nhecia esses processos não canônicos, pois havia estudado somen-</p><p>te a subordinação e a coordenação restritas ao âmbito do período</p><p>composto, tal como esses tópicos são tradicionalmente trabalhados</p><p>nas escolas e em cursos de graduação.</p><p>Nos idos de 2005, a correlação, em especial, passou a desper-</p><p>tar forte interesse de minha parte. Foi aí que comecei a ler alguns</p><p>trabalhos mais clássicos sobre o tema, como Oiticica (1952), e al-</p><p>guns mais recentes, com destaque para Rodrigues (2007) e Módolo</p><p>(1999). Devo dizer que, desde o início, o estudo desse tema era como</p><p>16</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>uma “tarefa arqueológica”, já que era muito difícil encontrar peças</p><p>desse intrincado mosaico.</p><p>No doutorado em Letras, na Universidade Federal Fluminense,</p><p>sob orientação da Prof.ª Mariangela Rios de Oliveira, assumi</p><p>o desafio de estudar mais profundamente a correlação aditiva</p><p>em uma perspectiva funcional-construcionista. Naquele momen-</p><p>to, em 2008, ainda se ensaiavam as primeiras aproximações teó-</p><p>ricas entre a Linguística Funcional Norte-Americana e a Gramática</p><p>de Construções, como está relatado em Rosário e Oliveira (2016,</p><p>2021) e Rosário (2022b). Os funcionalistas brasileiros identifica-</p><p>dos com os trabalhos da Costa Oeste dos EUA iniciavam, naquele</p><p>período, um empreendimento de reorientação teórico-metodoló-</p><p>gica, migrando de uma fase de pesquisas em que olhávamos mais</p><p>os itens do léxico e da gramática (cf. Cunha; Oliveira; Martelotta,</p><p>2003) para uma outra etapa, em que nosso interesse começava a se</p><p>voltar mais fortemente para as chamadas construções, ou seja, pa-</p><p>reamentos de forma e significado (cf. Goldberg, 1995), atentando</p><p>para o plano esquemático</p><p>interdependên-</p><p>cia entre as duas partes que a compõem, prótase e apódose, e cada</p><p>uma dessas duas partes conta com uma organização específica.</p><p>91</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Na prótase, há sempre um elemento de negação, representado</p><p>por Neg, que, em nossos dados, foi codificado como o elemento não,</p><p>o qual geralmente é seguido por aquilo que denominamos “ele-</p><p>mento de focalização/restrição”, que pode ser só, somente, apenas</p><p>ou simplesmente, seguido do slot aberto da construção que, por sua</p><p>vez, pode ser preenchido por um sintagma nominal, uma oração</p><p>ou várias orações ou sintagmas combinados.</p><p>Na apódose, há o aparecimento daquilo que denominamos</p><p>“elemento(s) de inclusão”, isto é, um ou mais elementos</p><p>que adquire(m) a semântica prototípica de inclusão da informação</p><p>mais importante, seguido do slot aberto da construção nesse</p><p>segundo segmento, o qual pode ser preenchido por um sintagma</p><p>nominal, uma oração ou ainda por várias orações ou sintagmas</p><p>nominais combinados.</p><p>A partir desse esquema, identificamos três subesquemas.</p><p>No primeiro, verificamos que, na apódose, o elemento que ini-</p><p>cia esse segundo segmento da construção veicula, originalmen-</p><p>te, uma semântica de oposição (mas; porém; senão). No entanto,</p><p>no contexto em que se insere, ele é neoanalisado para assumir</p><p>uma função majoritariamente aditiva. Algo parecido ocorre com o</p><p>segundo subesquema identificado. No segundo padrão, o elemento</p><p>que inicia a apódose possui, originalmente, uma semântica com-</p><p>parativa (como), que também é neoanalisada. Já no terceiro subes-</p><p>quema verificado, aparecem elementos de teor tipicamente aditivo,</p><p>como e e também para iniciar a apódose correlativa. Tais elemen-</p><p>tos foram seguidos, em alguns casos, pelo advérbio sim, que atuou</p><p>como uma espécie de reforço da semântica de adição.</p><p>No que tange ao terceiro nível construcional, o das microcons-</p><p>truções, identificamos 21 padrões relacionados ao primeiro subes-</p><p>quema, sendo seis padrões relacionados ao segundo e sete padrões</p><p>relacionados ao terceiro. Com relação às microconstruções relati-</p><p>vas ao primeiro subesquema, destacamos a ocorrência de um único</p><p>92</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>caso em que não houve o aparecimento do elemento de restrição/</p><p>focalização na prótase: não X, mas também Y. Porém, mesmo nesse</p><p>dado, a semântica de restrição ou limitação está presente no con-</p><p>texto, haja vista a presença da forma verbal “limitam”, que cumpre</p><p>semanticamente o papel de elemento de restrição, semelhante</p><p>à carga de significado de só, somente e apenas:</p><p>(13) “Os problemas não se limitam aos alunos da rede</p><p>estadual, mas também alcançam alguns municípios</p><p>e algumas unidades federais” (03/09/2009).</p><p>Com relação aos correlatores relacionados nos outros dois</p><p>subesquemas, salientamos que todos os itens estavam previstos,</p><p>seguindo a semântica apresentada por outros elementos. Assim,</p><p>podemos notar que os diversos correlatores aditivos observados</p><p>nos trabalhos de Rosário (2012), Gervasio (2016) e Souza (2020)</p><p>revelam um caso de mudança pós-construcional baseada em alo-</p><p>construções, uma vez que não identificamos diferenças funcionais</p><p>significativas entre as instanciações flagradas nos usos reais do por-</p><p>tuguês, mas apenas diferenças formais de modificação do slot.</p><p>Assim, tendo em vista a análise promovida a partir dos dados</p><p>de cada século estudado, bem como as generalizações sintetizadas</p><p>nestas considerações finais, concluímos que a correlação, de modo</p><p>geral, já deixou de ser uma “floresta inexplorada”, tal qual denomi-</p><p>nou Oiticica (1952, p. 2). De fato, atualmente já há numerosos tra-</p><p>balhos sobre o tema, tal como procuramos demonstrar por meio</p><p>do estudo detalhado de Rosário (2012), Gervasio (2016, 2019)</p><p>e Souza (2020).</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de Gramática do Português.</p><p>Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.</p><p>93</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>BALDINI, Lauro José Siqueira. A nomenclatura gramatical brasileira</p><p>interpretada, definida, comentada e exemplificada. 1999. 112 f.</p><p>Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Estudos da</p><p>Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro:</p><p>Nova Fronteira, 2009.</p><p>BOSQUE, Ignacio; DEMONTE, Violeta (org.). Gramática Descriptiva</p><p>de la Lengua Española. Madrid: Espasa, 1999.</p><p>BYBEE, Joan. Language Usage and Cognition. 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Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2013. 1 e 2 v.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática Normativa da Língua</p><p>Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio,</p><p>1999.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva funcional. 2012. Tese (Doutorado em Estudos da</p><p>Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos da</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do; SOUZA, Brenda da Silva. Rede dos</p><p>conectores correlativos aditivos do português – uma abordagem</p><p>diacrônica. A Cor das Letras, Feira de Santana, v. 22, p. 86-110, 2021.</p><p>Disponível em: https://doi.org/10.13102/cl.v22i1.6331. Acesso</p><p>em: 01 jun. 2024.</p><p>SOUZA, Brenda da Silva. A correlação aditiva nos séculos XVI, XVII</p><p>e XVIII sob a ótica da Linguística Funcional Centrada no Uso. 2020.</p><p>Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Programa de</p><p>Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal</p><p>Fluminense, Niterói, 2020.</p><p>SWEETSER, Eve. From etymology to pragmatics: metaphorical and</p><p>cultural aspects of semantic structure. Cambridge: Cambridge</p><p>University Press, 1991.</p><p>TRAUGOTT, Elizabeth Closs; DASHER, Richard. Regularity in</p><p>semantic change. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.</p><p>TRAUGOTT, Elizabeth Closs; TROUSDALE, Graeme.</p><p>Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford</p><p>University Press, 2013.</p><p>97</p><p>CORRELAÇÃO DISJUNTIVA</p><p>Jovana Maurício Acosta de Oliveira (CCO-UFF)</p><p>Considerações iniciais</p><p>Ao longo das últimas décadas, o estudo da correlação</p><p>vem ganhando destaque no âmbito das pesquisas referen-</p><p>tes ao período composto (Pauliokonis, 1995; Rodrigues,</p><p>2007; Rosário, 2012). A percepção de que as construções corre-</p><p>latas diferem de outras mais canônicas tem despertado a atenção</p><p>dos estudiosos da língua, fazendo surgir diferentes considerações</p><p>a respeito do tema.</p><p>As gramáticas normativas, em geral, apresentam a alternân-</p><p>cia/disjunção25 como pertencentes a um mesmo grupo, qual seja,</p><p>o da coordenação. Este capítulo demonstra, no entanto, que as</p><p>construções correlatas disjuntivas apresentam particularidades</p><p>que as diferenciam das típicas construções coordenadas alternati-</p><p>vas. Nesse ponto, as diferenças existentes entre coordenadas e cor-</p><p>relatas são atestadas não só no nível sintático, mas também no nível</p><p>semântico-pragmático, como veremos a seguir.</p><p>25 Comumente os termos “alternância” e “disjunção” são tomados como sinônimos. Contudo,</p><p>há uma tendência a reservar o rótulo “disjunção” aos casos de correlação.</p><p>98</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Posto isto, definimos construção correlata disjuntiva como</p><p>orações (ou sintagmas) interdependentes que estabelecem a disjun-</p><p>ção, a partir de dois correlatores descontínuos, ou seja, que se apre-</p><p>sentam em pares. Neste estudo, abarcamos tanto segmentos oracio-</p><p>nais quanto não oracionais, e não fazemos uma distinção de análise</p><p>entre ambos. Assim, reiteramos que a análise contempla estruturas</p><p>dotadas de verbo ou não.</p><p>Este trabalho é derivado de nossa pesquisa sincrônica, desen-</p><p>volvida no mestrado, sob orientação do organizador desta obra,</p><p>Prof. Dr. Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj). Com o intuito</p><p>de enriquecermos as conclusões obtidas no estudo sincrônico, tam-</p><p>bém evocaremos algumas contribuições diacrônicas sobre o tema,</p><p>com base na tese de doutoramento da autora (Acosta, 2021).</p><p>Pretendemos, com este capítulo, contribuir para que o estudo</p><p>da correlação, no campo da alternância/disjunção, ganhe maior no-</p><p>toriedade, atraindo mais pesquisas sobre o tema. De fato, as cons-</p><p>truções correlatas disjuntivas merecem ser investigadas, espe-</p><p>cialmente devido à carência de estudos que as abordem de forma</p><p>mais sistemática e com base em seus usos efetivos no português</p><p>do Brasil.</p><p>Correlação disjuntiva nas gramáticas</p><p>As gramáticas, de um modo geral, apresentam enorme diver-</p><p>gência em relação à classificação das construções alternativas/</p><p>disjuntivas. Como essas construções são tradicionalmente abor-</p><p>dadas dentro do quadro da coordenação, apresentamos, a seguir,</p><p>um breve levantamento com relação ao tratamento dado às orações</p><p>coordenadas alternativas em algumas gramáticas, demonstrando</p><p>que, muitas vezes, as definições são pautadas a partir de suas con-</p><p>junções. Vejamos:</p><p>99</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Quadro 1 – Orações alternativas nas gramáticas</p><p>Orações coordenadas alternativas</p><p>Melo</p><p>(1978, p. 147)</p><p>As orações sindéticas tomam o nome da conjunção</p><p>que as encabeça. Teremos, assim, coordenadas</p><p>sindéticas, aditivas, alternativas, adversativas</p><p>conclusivas e explicativas.</p><p>Rocha Lima</p><p>(1999, p. 260)</p><p>As orações coordenadas sindéticas recebem o nome</p><p>das conjunções que as iniciam, classificando-se,</p><p>portanto, em: aditivas, adversativas, alternativas,</p><p>conclusivas e explicativas.</p><p>Luft</p><p>(2000, p. 51)</p><p>A coordenação entre as orações se faz por meio</p><p>de umas das conjunções coordenativas, caso em que</p><p>são sindéticas e recebem o nome da respectiva</p><p>conjunção. Alternativas: Lê ou escreves.</p><p>Cunha</p><p>(2001, p. 597)</p><p>Coordenada sindética alternativa, se a conjunção</p><p>é alternativa.</p><p>Bechara</p><p>(2003, p. 350)</p><p>São três as relações semânticas marcadas pelas</p><p>conjunções coordenativas ou conectores: aditiva,</p><p>adversativa e alternativa: Estudas ou brincas</p><p>Henriques</p><p>(2003, p. 97)</p><p>Alternativas–conjunção-base: ou</p><p>Exs: Nossa vista está embaraçada ou isso é neblina?</p><p>Ora os políticos dizem uma coisa, ora dizem outra.</p><p>Kury</p><p>(2003, p. 68)</p><p>Alternativas: As várias orações exprimem</p><p>pensamentos que se alternam, ou se excluem.</p><p>Mateus et al.</p><p>(2003, p. 591)</p><p>Os períodos coordenados podem estruturar-se</p><p>por conjunções ou conectores:</p><p>Por conjunções: a) copulativa ou aditiva; b)</p><p>disjuntivas ou alternativas (ou... ou; nem... nem; ora...</p><p>ora; quer... quer): Esta noite, ou vamos ao teatro,</p><p>ou ao cinema; c) adversativas ou contrajuntivas.</p><p>Castilho</p><p>(2010, p. 133)</p><p>Coordenação disjuntiva ou alternativa: essa</p><p>coordenação é marcada pela conjunção ou.</p><p>O que é dito para o primeiro termo não vale para</p><p>o segundo.</p><p>Fonte: Acosta (2016, p. 27, grifos nossos).</p><p>100</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Como observamos a partir do Quadro 1, as definições calca-</p><p>das apenas nas conjunções não são didáticas, pois o leitor preci-</p><p>sa ter um conhecimento prévio das conjunções alternativas para</p><p>compreender o significado do que seria uma coordenação alterna-</p><p>tiva. São definições circulares, como se verifica em Cunha e Cintra</p><p>(2001, p. 597): “coordenada sindética alternativa, se a conjunção</p><p>é alternativa”.</p><p>Essa opção de definir orações coordenadas a partir de suas con-</p><p>junções é adotada pela maioria das gramáticas. Notamos que pou-</p><p>cos autores discutem o viés semântico dessa estrutura, como pro-</p><p>puseram Castilho (2010) e Kury (2003).</p><p>Visto que há essa forte associação (conjunções e orações),</p><p>vejamos as definições de conjunções alternativas apresentadas</p><p>por algumas obras, observando como tais gramáticas abordam essa</p><p>questão:</p><p>Quadro 2 – Conjunções alternativas</p><p>Bechara</p><p>(1999, p. 321)</p><p>Enlaçam as unidades coordenadas matizando-</p><p>as de um valor alternativo, quer para exprimir</p><p>a incompatibilidade dos conceitos envolvidos, quer</p><p>para exprimir a equivalência deles. Ou...ou, quer...</p><p>quer, seja...seja, ora...ora</p><p>Rocha Lima</p><p>(1999, p. 185)</p><p>As conjunções alternativas relacionam pensamentos</p><p>que se excluem. O tipo é ou, que pode repetir-se,</p><p>ou não, antes de todos os elementos coordenados.</p><p>ou...ou, ora...ora, seja...seja, quer...quer, já...já.</p><p>Cunha</p><p>e Cintra</p><p>(2001, p. 580)</p><p>As conjunções alternativas ligam dois termos</p><p>ou orações de sentido distinto, indicando que,</p><p>ao cumprir-se um fato, o outro não se cumpre.</p><p>São as conjunções ou (repetida ou não) e, quando</p><p>repetidas: ora...ora, quer...quer, etc.</p><p>101</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Carvalho</p><p>(2011, p. 365)</p><p>As conjunções alternativas justapõem pensamentos</p><p>que se excluem: ou...ou, já...já, quer...quer, ora...ora,</p><p>seja...seja.</p><p>Neves</p><p>(2011, p. 593)</p><p>A conjunção coordenativa com ou marca disjunção</p><p>ou alternância entre o elemento coordenado no qual</p><p>ocorre e o elemento anterior.</p><p>Fonte: Acosta (2016, p. 28, grifos nossos).</p><p>Verificamos, com base na análise do Quadro 2, que algumas</p><p>gramáticas se referem</p><p>às aqui chamadas correlatas disjuntivas</p><p>como estruturas instanciadas por conjunções em repetição (ou con-</p><p>junções duplicadas). Além disso, não fazem nenhuma referência es-</p><p>pecífica à correlação em si, com exceção de Neves (2011), que cita</p><p>a correlação com ou ao tratar da disjunção exclusiva. Observamos</p><p>igualmente que alguns correlatores disjuntivos em uso no portu-</p><p>guês sequer são abordados, como é o caso de seja...ou. Essa omissão</p><p>provavelmente se explica por não serem usos canônicos. Tudo isso</p><p>ilustra, com clareza, o grande vácuo no tratamento do tema da cor-</p><p>relação disjuntiva.</p><p>Sob o rótulo geral de conjunções coordenativas alternativas,</p><p>observamos que os autores se restringem a citar os conectivos cor-</p><p>relativos mais canônicos, ou seja, os que integram o padrão norma-</p><p>tivo da língua, como ou...ou, quer...quer, seja...seja, ora...ora.</p><p>Curiosamente, Bechara (1999), à diferença dos outros autores</p><p>aqui apresentados, não considera seja...seja, quer...quer e ora...ora</p><p>como conectores. Vejamos a afirmação do autor:</p><p>A numeração distributiva que matiza a ideia de alter-</p><p>nância leva a que se empreguem neste significado ad-</p><p>vérbios como já, bem, ora (repetidos ou não) ou formas</p><p>verbais imobilizadas como quer...quer, seja...seja. Tais</p><p>unidades não são conectores e, por isso, as orações</p><p>102</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>enlaçadas se devem considerar justapostas. (Bechara,</p><p>1999, p. 321, grifos do autor).</p><p>Bechara (1999) menciona as categorias que funcionam como</p><p>fontes para esses elementos, mas não chega a considerar o proces-</p><p>so de gramaticalização pelo qual esses itens passam. A razão para</p><p>não incluir esses elementos no rol das conjunções é que alguns</p><p>correlatores, como seja...seja, ainda possuem características forte-</p><p>mente verbais, como a possibilidade de flexão (sejam...sejam). Essa</p><p>certamente é uma das razões para o autor considerar justapostas</p><p>as estruturas ligadas pelos elementos citados.</p><p>Rocha Lima (1999) e Cunha e Cintra (2001) apresentam</p><p>uma noção equivocada de alternância, pois desconsideram o fato</p><p>de que a alternância nem sempre indica exclusão, já que também</p><p>pode indicar inclusão, como veremos ao longo deste trabalho.</p><p>Mateus et al. (2003, p. 563), por sua vez, englobam a correlação</p><p>dentro da coordenação e afirmam que a coordenação pode ser es-</p><p>tabelecida por meio de conjunções simples ou correlativas:</p><p>As conjunções podem ocorrer isoladamente, como</p><p>e, nem, ou, mas. Podem, contudo exigir a presença</p><p>de um correlato no primeiro membro de coordena-</p><p>ção. No primeiro caso, as estruturas de coordenação</p><p>mobilizam uma conjunção simples; no último caso,</p><p>locuções conjuncionais assumem a forma de uma</p><p>expressão descontínua, as chamadas conjunções</p><p>correlativas.</p><p>Pezatti e Longhin-Thomazi (2008), ao fazer referência à re-</p><p>lação de disjunção, afirmam que esta pode ser efetuada por meio</p><p>da conjunção ou, simples e dupla. Essa obra, por ter como objetivo</p><p>uma análise do português em uso, é uma das poucas que fazem re-</p><p>ferência à correlação instanciada por seja...ou. As autoras afirmam</p><p>que esses correlatores, diferentemente do que “preveem as conven-</p><p>103</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ções normativas”, apresentam duas conjunções distintas para esta-</p><p>belecer a ligação de prótase e apódose:</p><p>A ocorrência de seja…seja manifesta, na realidade,</p><p>uma forma de repetição do predicado verbal, que pa-</p><p>rece estar se gramaticalizando como conjunção e cuja</p><p>associação com ou é frequentemente licenciada,</p><p>com valor concessivo, como é possível verificar numa</p><p>sentença como “Sejam os réus ricos ou pobres, a jus-</p><p>tiça tem que aplicar-se” (Pezatti; Longhin-Thomazi,</p><p>2008, p. 898, grifos das autoras).</p><p>Raposo et al. (2013, p. 1777) admitem existir dois tipos de co-</p><p>ordenação: a coordenação simples e a correlativa, que pode ser fei-</p><p>ta “por duas conjunções ou locuções, cada uma delas introduzindo</p><p>um dos termos (e a segunda articulando o primeiro com o segun-</p><p>do)”. Os autores ressaltam que os dois elementos que formam a co-</p><p>ordenação correlativa são, na verdade, um só e devem ser consi-</p><p>derados como uma única “conjunção de natureza complexa”, o que</p><p>é um ponto bastante importante para este trabalho.</p><p>É importante ressaltarmos, no entanto, que a gramáti-</p><p>ca portuguesa citada prestigia o padrão culto da língua, por isso</p><p>não menciona alguns correlatores encontrados em nossa pesquisa.</p><p>Ressaltamos também que, embora os autores tenham mencionado</p><p>a correlação, eles não a consideram como um fenômeno indepen-</p><p>dente dos outros processos de estruturação do período.</p><p>A construção correlata disjuntiva</p><p>Para a análise sincrônica das construções correlatas disjunti-</p><p>vas, analisamos textos de 61 edições da Revista Veja online, no pe-</p><p>ríodo de janeiro de 2013 a fevereiro de 2014. Foram encontradas</p><p>205 ocorrências de construções alternativas: 181 ocorrências</p><p>de construções correlatas e 24 ocorrências das construções coor-</p><p>104</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>denadas, que apenas serviram como referência para que pudésse-</p><p>mos buscar características particulares da construção correlata.</p><p>A seguir, a título de ilustração, apresentamos um dos dados</p><p>encontrados da construção alternativa coordenada. Vejamos:</p><p>(01) Os produtos brasileiros perderão mercado,</p><p>pois serão preteridos no direito a cotas para expor-</p><p>tação ou pagarão tarifas mais altas em detrimento</p><p>de quem estiver nos blocos. (Revista Veja online, ed.</p><p>18/12/2013, p. 106).</p><p>No token supracitado, temos apenas o uso de ou simples. Essa</p><p>é a principal marca da coordenação alternativa. Vejamos, na tabela</p><p>a seguir, os types encontrados da construção correlata disjuntiva:</p><p>Tabela 1 – Ocorrências de construções correlatas disjuntivas</p><p>Types Tokens %</p><p>ou...ou 63 34,8%</p><p>seja...seja 42 23,2%</p><p>seja...ou 32 17,7%</p><p>ora...ora 21 11,6%</p><p>nem...nem 16 8,8%</p><p>quer...quer 4 2,2%</p><p>quer...ou 2 1,2%</p><p>nem...ou 1 0,5</p><p>TOTAL 181 100%</p><p>Fonte: Acosta (2016, p. 58).</p><p>Ao observamos a Tabela 1, verificamos que o type ou...ou</p><p>se apresenta como o mais frequente entre as construções correla-</p><p>tas, como era esperado, já que as gramáticas, de um modo geral,</p><p>105</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>apresentam a conjunção ou como a mais utilizada pelos usuários</p><p>da língua entre as construções disjuntivas.</p><p>De acordo com Traugott e Trousdale (2013), construções</p><p>são objetos linguísticos convencionais cuja frequência de ocorrên-</p><p>cia pode influenciar a categorização. Assim, calcados na perspecti-</p><p>va construcional, concluímos que o type ou...ou é o membro central</p><p>prototípico da categoria das construções correlatas disjuntivas,</p><p>pois se apresenta como um exemplar de alta frequência dentro</p><p>de sua categoria e, consequentemente, está altamente convencio-</p><p>nalizado pelos usuários da língua.</p><p>A partir da análise dos dados, observamos que a correlação</p><p>disjuntiva, assim como outros tipos de correlações, se estabelece</p><p>na língua em uso por meio de correlatores espelhados, ou seja,</p><p>repetidos, como ou...ou, seja...seja, ora...ora, nem...nem, quer...quer,</p><p>ou por meio de correlatores não espelhados, ou seja, diferentes,</p><p>como seja...ou, quer...ou e nem...ou. A seguir, veremos mais detalha-</p><p>damente os correlatores espelhados e não espelhadas encontrados</p><p>em nosso corpus.</p><p>Correlatores espelhados</p><p>A análise dos dados, como vimos na Tabela 1, revelou-nos cin-</p><p>co types de construções formadas por correlatores espelhados: ou...</p><p>ou, seja...seja, ora...ora, nem...nem, quer...quer. Esses correlatores fo-</p><p>ram distribuídos, em nossa análise, em três grupos: os que apresen-</p><p>tam uma base conjuncional, os que apresentam uma base verbal</p><p>e os que apresentam uma base substantiva. Vejamos cada um deles</p><p>a seguir.</p><p>Correlatores espelhados de base conjuncional</p><p>Os correlatores disjuntivos espelhados ou...ou e nem...nem,</p><p>encontrados no corpus de análise, originaram-se, respectivamente,</p><p>por via histórica, das conjunções ou e nem. Ressaltamos que ou...</p><p>106</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ou e nem...nem são correlatores tradicionalmente apresentados</p><p>nas gramáticas, como já dissemos, como conjunções</p><p>coordenativas.</p><p>Conforme era previsto, já que as gramáticas de um modo geral</p><p>apresentam a conjunção ou como a mais utilizada pelos usuários</p><p>da língua no plano semântico da alternância, as construções alter-</p><p>nativas espelhadas com ou...ou confirmaram-se como as correlatas</p><p>disjuntivas prototípicas em nosso corpus.</p><p>Vejamos um dos dados de pesquisa:</p><p>(02) As forças assadistas parecem estar nos tomando</p><p>a dianteira, deixando a Síria com duas opções ou con-</p><p>tinua, na maior parte, sob o domínio do tirano ou cai</p><p>nas mãos dos fundamentalistas mulçumanos que hoje</p><p>controlam praticamente todas as forças da rebelião.</p><p>(Revista Veja online, ed. 22/05/2013, p. 29).</p><p>Observamos, no token anterior, os correlatores disjuntivos</p><p>ou...ou estabelecendo a chamada correlação disjuntiva exclusiva.</p><p>Esse é o tipo mais prototípico das construções correlativas disjun-</p><p>tivas, já que uma informação exclui a outra. Tomando o dado (02)</p><p>como ponto de partida, verifica-se que a Síria deve escolher entre</p><p>uma opção ou outra: ou continua sendo dominada ou cai nas mãos</p><p>dos fundamentalistas. Notamos, ainda, um forte vínculo presente</p><p>entre as cláusulas, estabelecido a partir da interdependência típica</p><p>da correlação.</p><p>A manifestação de uma interpretação exclusiva nas constru-</p><p>ções com ou...ou foi observada em todas as construções instancia-</p><p>das por esse par de correlatores, ou seja, os 63 tokens apresenta-</p><p>ram a leitura de exclusão. Com isso, a análise confirma a afirmação</p><p>de Pezatti e Loghin-Thomazi (2008, p. 899) e de outros autores</p><p>de que a repetição da conjunção ou não indica uma “mera variação</p><p>estilística ou enfática”, mas uma oposição dos sentidos expressos</p><p>por esses conectores. Em outras palavras, o par ou...ou é utilizado</p><p>107</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>no português atual apenas para indicar a exclusão, com uma função</p><p>claramente diferente do ou coordenativo, que tanto pode ser inclu-</p><p>sivo quanto exclusivo.</p><p>Em relação à frequência de ou e ou...ou, Pezatti e Loghin-</p><p>Thomazi (2008, p. 900) ressaltam que a forma ambígua (A ou B) é a</p><p>não marcada no português falado no Brasil, ao passo que a forma</p><p>exclusiva (ou A ou B) é a forma marcada. Assim, as autoras concluem</p><p>que ou...ou é menos produtivo, justamente pelo fato de significar</p><p>apenas exclusão. A comprovação de que as construções correlatas</p><p>disjuntivas com ou...ou veiculam apenas a semântica de exclusão</p><p>reforça seu estatuto particular, demonstrando que essa construção</p><p>atende a necessidades diferentes de ou simples.</p><p>Em estudo diacrônico, Acosta (2021) atesta que a correlação</p><p>disjuntiva com ou...ou está presente na língua desde o século XIII.</p><p>O viés histórico confirma que esta é, de fato, a forma prototípica</p><p>da correlação disjuntiva, pois é a forma mais produtiva e mais anti-</p><p>ga de estabelecer a disjunção no português.</p><p>É importante mencionarmos, no entanto, que, apesar de os cor-</p><p>relatores ou...ou serem os prototípicos, eles não aparecem, na análi-</p><p>se diacrônica, como os mais utilizados no século XIII. Por outro lado,</p><p>constatamos que, ao longo dos séculos, seus usos aumentam, e os</p><p>correlatores vão se apresentando, gradativamente, como os mais</p><p>produtivos, como constatado em Acosta (2021).</p><p>A partícula nem, segundo Barreto (1992, p. 85-86), pode fun-</p><p>cionar como um advérbio ou conjunção aditiva negativa correspon-</p><p>dendo a e não, e “vem sempre precedida de sentença negativa”. Já o</p><p>par nem...nem, ainda segundo a autora citada, teria valor correlativo</p><p>coordenativo alternativo, no sentido de expressar uma alternância</p><p>negada. Vejamos um dado do corpus:</p><p>(03) A paz é um dueto, não um solo. E não tivemos</p><p>ainda uma só declaração, nem da OLP, nem do Hamas,</p><p>108</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>muito menos do Hezbollah, que aceite o direito</p><p>de Israel existir. (Revista Veja online, ed. 15/01/2014,</p><p>p. 19).</p><p>Notamos no token (03) que os correlatores nem...nem cum-</p><p>prem o papel de estabelecer uma correlação alternativa negativa,</p><p>tal como citado por Barreto (1992). Entretanto, reconhecemos que,</p><p>nesses casos, os limites entre alternância e adição são altamente</p><p>difusos, a ponto de ser possível a postulação de uma construção</p><p>híbrida, do tipo alternativa-aditiva de cunho negativo. Na visão</p><p>de Santos (1990, p. 72, grifos do autor), “o uso de nem em lugar</p><p>de ou tem como efeito não somente a apresentação de alternativas,</p><p>mas, mais do que isso, a negação, simultânea à apresentação dessas</p><p>mesmas alternativas”. Ou seja, duas alternativas são apresentadas</p><p>para mostrar que elas não se realizam.</p><p>Verificamos, ainda, em relação ao valor semântico de nem...</p><p>nem, que todas as construções, diferentemente de ou...ou, apre-</p><p>sentaram a leitura semântica de inclusão, com uma especificidade</p><p>já levantada: uma inclusão de cunho negativo, o que reforça o cará-</p><p>ter especial dessa construção, visto que compartilha traços com a</p><p>noção de adição.</p><p>A investigação diacrônica de Acosta (2021) revelou duas for-</p><p>mas para estabelecer a correlação disjuntiva negativa nos séculos</p><p>XIII e XIV: ne~...ne~ e nem...nem. A forma ne~...ne~ aparece como</p><p>a mais produtiva no século XIII, demonstrando também ser a forma</p><p>mais antiga, fornecendo pistas importantes para compreendermos</p><p>o processo de mudança das construções com nem...nem.</p><p>O estudo demonstra, ainda, que o uso da correlação com nem...</p><p>nem se mantém produtivo do século XIII ao XXI. Sendo assim, à dife-</p><p>rença de Barreto (1999), concluímos que a produtividade dos seus</p><p>usos não se deve somente ao fato de ser uma característica dos textos</p><p>109</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>antigos ou a um comportamento usual da língua em períodos arcai-</p><p>cos. Afinal, atestamos a sua produtividade também na atualidade.</p><p>Correlatores espelhados de base verbal</p><p>Alguns correlatores espelhados (seja...seja e quer...quer) são de</p><p>base verbal, pois tiveram como origem, respectivamente, os verbos</p><p>ser e querer. Esses correlatores, assim como os já citados, também</p><p>apresentaram um traço persistente de sua origem, ou seja, preser-</p><p>varam características verbais que atuam no comportamento sintá-</p><p>tico e semântico dessas construções, como indicaremos a seguir.</p><p>O type seja...seja aparece, em nossa pesquisa, em segundo</p><p>lugar na preferência de uso entre os usuários da língua. Dos 146</p><p>types espelhados apresentados na análise de dados, 42 types foram</p><p>de seja...seja, o que é uma frequência bastante expressiva.</p><p>Os correlatores seja...seja, de acordo com Pezzatti e Longhin-</p><p>Thomazi (2008, p. 898), “manifestam, na realidade, uma forma</p><p>de repetição do predicado verbal, que parece estar se gramaticali-</p><p>zando como conjunção”. Sendo assim, as autoras afirmam que esse</p><p>conector ainda se encontra em processo de mudança na língua.</p><p>Vejamos um dos tokens encontrados na análise de dados:</p><p>(04) O direito de ir e vir é sagrado, seja para pobre,</p><p>seja para rico, inclusive nos shoppings. Mas precisa</p><p>ir em bando de 500, 1000, 2000? (Revista Veja online,</p><p>ed. 29/01/2014, p. 27).</p><p>Nesse token, observamos que o type seja...seja estabelece</p><p>a correlação disjuntiva entre dois termos, ou seja, correlaciona es-</p><p>truturas não oracionais e apresenta a alternância típica da constru-</p><p>ção disjuntiva. Observamos, ainda, o fato de seja...seja correlacionar,</p><p>com muito maior frequência, termos não oracionais, o que se confi-</p><p>gura como uma característica particular desses correlatores.</p><p>110</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A preferência de seja...seja pelas construções não oracionais</p><p>é uma constatação de que esse conector, por si só, ainda preserva</p><p>características de seu estatuto verbal. De fato, dos 42 tokens instan-</p><p>ciados, 32 correlacionavam termos não oracionais.</p><p>Alguns autores tecem comentários sobre os resquícios verbais</p><p>preservados por seja...seja. Por exemplo, Camacho (1999, p. 2687),</p><p>ao analisar a língua espanhola, ressalta a distribuição sintática di-</p><p>ferenciada apresentada por esse conector em relação aos outros</p><p>types disjuntivos e arrola comentários semelhantes aos apresenta-</p><p>dos neste capítulo.</p><p>O autor afirma que seja...seja coordena orações e sintagmas</p><p>preposicionados, mas sua distribuição é bem mais limitada com ar-</p><p>gumentos do verbo. É o que constatamos também em nossos dados,</p><p>visto que, das 32 construções de seja...seja não oracionais coletadas</p><p>e analisadas, 19 eram compostas por sintagmas preposicionados.</p><p>O autor salienta, ainda, que, por preservar o seu caráter verbal,</p><p>os correlatores seja...seja bloqueiam a proximidade de outros ver-</p><p>bos, e daí a sua preferência por correlacionar termos não oracio-</p><p>nais. Um fator ainda mais saliente desse resquício verbal é o apa-</p><p>recimento, em alguns dados, do seja flexionado. Vejamos o token</p><p>a seguir:</p><p>(05) Prada tem um quarto só seu, decorado com bor-</p><p>boletas na parede, e adora enfeites — sejam as bijute-</p><p>rias da dona, seja sua própria gargantilha de pérolas</p><p>verdadeiras. (Revista Veja online. ed. 1345. p. 35).</p><p>Em (05), o primeiro elemento do par correlativo aparece fle-</p><p>xionado (sejam...seja), apresentando mais um indício de que o cor-</p><p>relator, de fato, ainda preserva traços verbais, já que as conjunções</p><p>tradicionalmente, por definição, não admitem o traço da flexão.</p><p>111</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>O estudo diacrônico revela uma importante contribuição para</p><p>os estudos de seja...seja e de sua origem no português. A análise</p><p>revelou como ocorreu o seu percurso de mudança de verbo a co-</p><p>nector, até a sua chegada ao século XIX, que é quando atestamos</p><p>sua primeira ocorrência. Vejamos:</p><p>Esquema 1 – Rota construcional de seja...seja</p><p>Séc. XIII XVII XVIII XIX XX</p><p>Quer seia...quer ou seja...ou ou seja...ou seja seja...seja seja...ou</p><p>Quer seja...quer</p><p>Quer seja...quer</p><p>Fonte: Acosta (2021, p. 159).</p><p>Constatamos que o uso de seja já ocorria no século XIII, como</p><p>uma espécie de reforço aos correlatores quer...quer. Em seguida,</p><p>no século XVII, a subparte seja acompanha a partícula ou, sendo pre-</p><p>enchida, no entanto, apenas no slot da prótase. Em seguida, no sécu-</p><p>lo XVIII, seja aparece repetido, preenchendo, portanto, os dois slots</p><p>do esquema sancionado pela conjunção ou. Por fim, no século XIX,</p><p>seja aparece sozinho no esquema, preenchendo o lugar do conec-</p><p>tor na correlação disjuntiva. Assim, seja...seja estabelece-se como</p><p>um novo nó, um novo type da correlação disjuntiva.</p><p>Após sua convencionalização, seja...seja passa a servir como</p><p>base, via analogização, para o surgimento de uma nova microcons-</p><p>trução: o type não espelhado seja...ou, a que faremos referência</p><p>adiante.</p><p>O segundo correlator de base verbal encontrado nos dados</p><p>foi quer...quer. De acordo com Barreto (1999, p. 450, grifo da autora),</p><p>a conjunção quer é derivada do verbo querer de 3ª pessoa do pre-</p><p>sente do indicativo que, por sua vez, é “oriundo do latim quaerere,</p><p>‘buscar’, ‘aspirar’, ‘desejar’”. Ainda segundo a autora, a conjunção</p><p>correlativa quer...quer originou-se a partir de um processo de re-</p><p>112</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>categorização (verbo > conjunção) e foi acompanhada, em alguns</p><p>casos, por uma mudança de conteúdo semântico, pois pode indicar,</p><p>em alguns contextos, um valor concessivo-condicional, como ob-</p><p>servado no exemplo seguinte, fornecido por Barreto (1999, p. 451,</p><p>grifos da autora): “Quer eu faça isto, quer eu faça aquilo, ela sempre</p><p>reclama comigo”.</p><p>No exemplo citado, a autora demonstra que poderíamos facil-</p><p>mente substituir a conjunção duplicada quer pela conjunção condi-</p><p>cional se. Outros autores como Garcia (1975) também ressaltaram</p><p>o caráter concessivo-condicional de quer...quer, no entanto, a auto-</p><p>ra ressalta que, em outros casos, a conjunção apresenta seu valor</p><p>primitivo, o alternativo, e segue o valor semântico de ou...ou, como</p><p>no exemplo a seguir: Quer chova quer faça sol, irei à praia.</p><p>Em nossos dados sincrônicos, foram encontrados apenas qua-</p><p>tro tokens de quer...quer, demonstrando que esse é o correlator me-</p><p>nos frequente entre os que veiculam a noção de disjunção. Vejamos</p><p>a seguir um desses tokens encontrados:</p><p>(06) Não importa o destino do projeto de lei, é evi-</p><p>dente que prostitutas, por necessidade, gosto ou as</p><p>duas coisas, continuarão a vender seus serviços, quer</p><p>você queira, quer não. (Revista Veja online, ed.</p><p>19/02/2014, p. 23).</p><p>Nesse dado, os correlatores quer...quer permitem a depreen-</p><p>são de (parte de) sua base semântica original. Em uma possível pa-</p><p>ráfrase, o trecho “Quer você queira, quer não” poderia ser reescri-</p><p>to como “Se você quiser ou se você não quiser”. Tanto em um caso</p><p>como no outro, o valor semântico de vontade, intenção ou desejo</p><p>(que é típico do verbo querer) estaria, de alguma forma, preservado.</p><p>Verificamos também que, apesar de os correlatores quer...quer</p><p>apresentarem uma base verbal como seja...seja, em nenhum caso</p><p>admite a flexão. De acordo com Kury (2003), isso ocorre porque, di-</p><p>113</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ferentemente do que acontece com seja...seja, o conector quer...quer</p><p>já está totalmente gramaticalizado, permanecendo, assim, sempre</p><p>invariável. Outro ponto observado é que, em todos os tokens ins-</p><p>tanciados pelo type quer...quer, a disjunção apresentada foi também</p><p>inclusiva, assim como aconteceu com o type seja...seja.</p><p>No estudo diacrônico, diferentemente do que ocorre no estudo</p><p>sincrônico, a correlação com quer...quer apresenta grande produti-</p><p>vidade no século XIII. Esse achado foi surpreendente, já que espe-</p><p>rávamos seu aparecimento em um estado mais avançado da língua.</p><p>A análise, aliás, demonstra que quer...quer se apresenta como a for-</p><p>ma mais utilizada para estabelecer a disjunção no século XIII.</p><p>Barreto (1999) assevera que o uso repetido dos correlatores</p><p>quer...quer pode ser atribuído a um comportamento usual desse</p><p>período, assim como foi afirmado acerca do nem...nem. Atestamos,</p><p>ao longo da análise que, embora quer...quer não desapareça, real-</p><p>mente apresenta uma queda em seus usos a partir do século XVI,</p><p>o que corrobora a afirmação da pesquisadora.</p><p>A análise revela, ainda, que todas as construções em uso</p><p>nos séculos XIII e XIV, de fato, apresentam valor concessivo-con-</p><p>dicional, reafirmando a hipótese levantada por Barreto (1999)</p><p>de que este seria seu valor primitivo. A partir do XV, no entanto, ob-</p><p>servamos que as construções com quer...quer começam a aparecer</p><p>com um valor essencialmente disjuntivo. A verdade é que, em dife-</p><p>rentes graus de produtividade, os dois valores semânticos apresen-</p><p>tados por esse conector convivem na língua portuguesa até os dias</p><p>de hoje.</p><p>Correlatores espelhados de base substantiva</p><p>Um dos correlatores encontrados em nossa análise apresenta</p><p>como base uma palavra substantiva, o que o distingue dos demais.</p><p>É o caso do correlator ora...ora.</p><p>114</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Barreto (1999) afirma que o substantivo latino hora, precedi-</p><p>do do demonstrativo hac (hac hora) deu origem ao advérbio portu-</p><p>guês agora “nesta hora”, “neste momento”. Já a preposição ad mais</p><p>o substantivo hora (ad hora) deu origem ao advérbio português</p><p>ora, semanticamente equivalente.</p><p>O type ora...ora, assim como os demais já citados, apareceu</p><p>nos dados como um dos correlatores que instanciam construções</p><p>correlatas disjuntivas, totalizando 21 tokens. Observemos um dado:</p><p>(07) O cantor carioca, nascido João Luiz Wordenberg</p><p>Filho, passou boa parte da vida trombando ora com</p><p>a lei (nos anos 80, usuário contumaz de drogas diver-</p><p>sas, era chamado tantas vezes à delegacia que passou</p><p>a andar com algemas no bolso), ora com seus colegas</p><p>músicos. (Revista Veja online, ed. 28/08/2013, p. 15).</p><p>Em (07), percebemos que os correlatores ora...ora, além</p><p>da disjunção, também veiculam um valor temporal secundário</p><p>que pode ser percebido com clareza. Observamos que prótase</p><p>e apódose poderiam ser parafraseadas por: “O músico, em alguns</p><p>momentos, tinha problemas com a polícia e, em outros momentos,</p><p>com seus colegas”. A semântica temporal apresentada por esse cor-</p><p>relator pode ser depreendida por conta da persistência de sua pala-</p><p>vra de origem, como foi explicado por Barreto (1999), em uma visão</p><p>essencialmente diacrônica. Em todos os tokens encontrados, o cor-</p><p>relator ora...ora, de fato, preserva</p><p>o conteúdo semântico de tempo.</p><p>No estudo diacrônico, observamos o primeiro aparecimento</p><p>de ora...ora no século XV, com valor adverbial conjuntivo. A infor-</p><p>mação de seu estatuto pode ser confirmada a partir das gramáticas</p><p>consultadas deste período. Em seguida, no século XIX, observamos,</p><p>em nossa análise, que o advérbio ora já apresentava característi-</p><p>cas mais marcantes de conector, mas ainda aparecia nas gramáticas</p><p>desse período como advérbio conjuntivo. No século XX, finalmente,</p><p>115</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>o correlator já passa a ser apresentado nas principais gramáticas</p><p>dentro do quadro das conjunções.</p><p>Correlatores não espelhados</p><p>A análise dos dados revelou três types da construção corre-</p><p>lata disjuntiva não espelhada, ou seja, são aqueles casos formados</p><p>por correlatores com itens diferentes: seja...ou, quer...ou e nem...</p><p>ou. Foram encontradas 32 ocorrências do type seja...ou na análise</p><p>dos dados, o que é uma frequência alta para um correlator disjun-</p><p>tivo considerado não canônico, tendo em vista que as gramáticas,</p><p>de um modo geral, não mencionam a existência desses elementos</p><p>gramaticais. Ademais, ressaltamos que essas ocorrências foram fla-</p><p>gradas em um corpus constituído de textos altamente padronizados</p><p>e normatizados, como é a Revista Veja.</p><p>Pezzati e Loghin-Thomazi (2008) enquadram o correlator</p><p>seja...ou dentro do que consideram disjuntores, e afirmam que a</p><p>associação de seja com ou é frequentemente licenciada na língua</p><p>em uso. Vejamos, para fins ilustrativos, um dado de cada token</p><p>não espelhado encontrado no corpus:</p><p>(08) Além disso, o aumento na capacidade portuária</p><p>depende de avanços no acesso aos terminais, seja</p><p>por rodovias, ou ferrovias. (Revista Veja online, ed.</p><p>22/05/2013, p. 120).</p><p>(09) “Niels por que a ferradura? Você não pode acre-</p><p>ditar nisso”. Ele respondeu: É claro que não acredito.</p><p>Mas isso funciona quer você acredite ou não. (Revista</p><p>Veja online, ed. 15/01/2014, p. 19).</p><p>(10) Ninguém faz nada quanto a isso; por alguma ra-</p><p>zão misteriosa, insondável, nada se corrige. Homens,</p><p>mulheres, jogados aos magotes em celas que não ad-</p><p>mitiriam razoavelmente nem seis, ou dez. (Revista</p><p>Veja online, ed. 18/12/2013, p. 32).</p><p>116</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Observamos que todos os tokens instanciados pelos types</p><p>quer...ou, seja...ou e nem...ou apresentam a leitura semântica de in-</p><p>clusão. Outro traço geral observado é que todos são formados a par-</p><p>tir da mescla de correlatores espelhados já existentes.</p><p>Para explicarmos o surgimento dessas formas, valemo-nos</p><p>da obra de Traugott e Trousdale (2013). Segundo os autores, um dos</p><p>mecanismos de mudança existentes para explicar o surgimento</p><p>de uma nova construção é o fenômeno da analogização. Na analo-</p><p>gização, o falante reconfigura e alinha traços de uma construção</p><p>já existente para a formação de uma construção nova (cf. Rosário,</p><p>2017). O exemplar da categoria de uma construção é tomado como</p><p>um modelo para a criação de novos types. Sendo assim, observa-</p><p>mos que o mecanismo da analogização é útil para a interpretação</p><p>dos mecanismos de mudança operados na criação dos types seja...</p><p>ou, quer...ou e nem...ou.</p><p>Esses types foram formados, de fato, por meio da atração</p><p>de membros e de construtos já existentes, que são os seguintes:</p><p>seja...seja, quer...quer, nem...nem e ou...ou. Os correlatores não espe-</p><p>lhados alinham traços das velhas e das novas construções, possibi-</p><p>litando a emergência de novas formas. Vejamos a figura a seguir:</p><p>Figura 1 – Analogização das construções não espelhadas</p><p>Fonte: Acosta (2016, p. 86).</p><p>117</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Observamos, a partir da Figura 1, que o type ou...ou está par-</p><p>cialmente presente em todos os novos types criados, demonstrando</p><p>sua grande produtividade. Isso ocorre por ser ele o exemplar da ca-</p><p>tegoria das construções correlatas disjuntivas, e isso pode ser com-</p><p>provado pela sua antiguidade e também pela sua alta frequência</p><p>token até os dias de hoje. De fato, o conectivo ou é o elemento al-</p><p>ternativo/disjuntivo por excelência. Daí a presença dele nos novos</p><p>types formados, garantindo a persistência desse matiz semântico</p><p>fundamental.</p><p>De acordo com a abordagem construcional proposta</p><p>por Traugott e Trousdale (2013), esse fenômeno acontece porque,</p><p>ao utilizamos a língua, acessamos informações estocadas, e aque-</p><p>las que são mais frequentes são acessadas com maior facilidade.</p><p>Assim, como o type ou...ou é o mais frequente, ele é mais facilmente</p><p>recrutado pelo usuário da língua.</p><p>Bybee (2015) acrescenta que formas com alta frequência</p><p>são resistentes à mudança e mais suscetíveis a servirem como</p><p>base para inovações linguísticas. Isso também pode ser verificado</p><p>com ou...ou. De fato, por serem mais fortemente enraizadas na me-</p><p>mória, são mais facilmente acessadas e utilizadas como base para</p><p>a criação dos novos usos.</p><p>A pesquisa diacrônica empreendida por Acosta (2021) con-</p><p>firma a hipótese da analogização para o surgimento desses types</p><p>não espelhados. A análise, que contempla dados dos séculos XIII</p><p>ao XXI, demonstra que os correlatores não espelhados represen-</p><p>tam usos recentes na língua, tendo aparecido somente no século</p><p>XX. Além disso, o estudo diacrônico confirma, também, a extensi-</p><p>bilidade no quadro da correlação disjuntiva, já que houve amplia-</p><p>ção desse grupo de correlatores, tanto na frequência token quanto</p><p>na frequência type (cf. Bybee, 2010).</p><p>118</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Considerações finais</p><p>Neste momento, faz-se necessária uma síntese das descober-</p><p>tas e constatações obtidas ao longo da pesquisa. Antes, no entanto,</p><p>permitimo-nos abrir um adendo para tecermos algumas considera-</p><p>ções sobre todo o processo que envolveu esta pesquisa e que culmi-</p><p>nou na realização deste capítulo.</p><p>Como já citamos, este trabalho é resultado da pesquisa de-</p><p>senvolvida no mestrado da autora e, em alguma medida, também</p><p>no doutorado. Foram seis anos de dedicação, de trabalho intenso</p><p>de coleta e análise dos dados, bem como de reflexões acerca des-</p><p>se tema. Todo esse trabalho foi sempre acompanhado e enriqueci-</p><p>do pela orientação acessível e cuidadosa do Prof. Dr. Ivo da Costa</p><p>do Rosário, que tanto contribuiu para essas pesquisas.</p><p>Feitas essas merecidas considerações, voltamos aos resulta-</p><p>dos de pesquisa. Verificamos que a construção correlata disjunti-</p><p>va pode se apresentar na língua em uso a partir de diversos types.</p><p>Embora tivéssemos inicialmente como referência o type ou...ou,</p><p>que de fato se comprovou como o type mais prototípico, e alguns</p><p>outros mais recorrentes como ora...ora e seja...seja, verificamos</p><p>o uso de outros conectores disjuntivos menos recorrentes, mas que</p><p>também estabelecem a correlação disjuntiva de forma inovadora.</p><p>A partir dessa primeira observação em relação aos types, sur-</p><p>giu nosso primeiro questionamento: com que finalidade o falante</p><p>recrutaria tantos types diferentes para estabelecer a correlação</p><p>disjuntiva? Concluímos que o falante recruta novas formas, pois</p><p>seu objetivo é sempre a necessidade de conferir maior expressivi-</p><p>dade ao discurso, daí a renovação no rol desses conectivos.</p><p>Em seguida, a partir da análise minuciosa de cada type, ve-</p><p>rificamos que, apesar de todos estabelecerem a disjunção, cada</p><p>correlator apresenta um matiz semântico particular que se cumpre</p><p>melhor em um determinado contexto de uso. Observamos que esse</p><p>119</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>matiz semântico particular apresentado por cada type é decorrente</p><p>da origem de cada correlator. Desse modo, é possível apontar algu-</p><p>mas especificidades de cada correlator. Vejamos:</p><p>Quadro 3 – Contexto de uso das construções</p><p>correlatas disjuntivas espelhadas</p><p>Fonte: Rosário e Acosta (2018, p. 86).</p><p>Assim, o type ou...ou é recrutado pelo falante para explici-</p><p>tar a disjunção prototípica, em que o falante apresenta alterna-</p><p>tivas com o valor preciso de exclusão. Já o type seja...seja é recru-</p><p>tado nos casos em que o falante quer explicitar duas alternativas</p><p>que não se excluem, representando, na verdade, um acréscimo,</p><p>uma inclusão</p><p>de alternativas, essencialmente por meio de padrões</p><p>não oracionais.</p><p>O type ora...ora também é indicado para expressar exclusão,</p><p>no entanto, a sua noção semântica temporal faz com que ele seja re-</p><p>crutado para as estruturas em que o falante deseja veicular, mesmo</p><p>que subsidiariamente, uma noção de tempo.</p><p>Já o type quer...quer indica inclusão, assim como seja...seja,</p><p>no entanto, aquele é mais utilizado para os casos de estruturas</p><p>oracionais, pelo fato de já estar totalmente gramaticalizado e por</p><p>não bloquear a presença dos verbos, à diferença do que ocorre</p><p>com seja...seja.</p><p>O type nem...nem é recrutado pelo usuário da língua quando</p><p>o falante quer apresentar uma negação das alternativas apresen-</p><p>120</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>tadas, sendo bastante próximo da noção de adição, o que poderia</p><p>até mesmo possibilitar uma classificação do tipo alternativo-aditivo.</p><p>Já com relação aos types não espelhados, embora tenhamos</p><p>percebido que eles conservam alguns traços de seus correlatores</p><p>de origem, não foi possível depreender nessa pesquisa os contex-</p><p>tos exatos de seus usos. Essa é uma questão aparentemente nova,</p><p>que demandará novos estudos em vista de um maior aprofunda-</p><p>mento futuro.</p><p>Ao final da pesquisa, confirmamos a hipótese que impulsio-</p><p>nou este trabalho: a construção correlata disjuntiva é uma constru-</p><p>ção diferente da construção coordenada alternativa, pois apresenta</p><p>aspectos morfossintáticos, semânticos e funcionais distintos, além</p><p>de servir a necessidades comunicativas também diferentes.</p><p>A seguir, apresentamos um quadro com uma síntese das dife-</p><p>renças observadas, neste trabalho, entre coordenadas alternativas</p><p>e correlatas alternativas. Vejamos:</p><p>Quadro 4–Diferenças entre correlata</p><p>disjuntiva e coordenada alternativa</p><p>CORRELATAS</p><p>Disjuntivas</p><p>COORDENADAS</p><p>Alternativas</p><p>Maior possibilidade de inversão Menor possibilidade de inversão</p><p>O par ou...ou somente veicula</p><p>noção de exclusão</p><p>ou pode veicular a ideia</p><p>de inclusão ou exclusão</p><p>Interdependência Maior independência</p><p>Estabelecida por vários types Estabelecida apenas por um</p><p>único type: ou</p><p>Conectivos descontínuos</p><p>(correlatores)</p><p>Apenas um conectivo</p><p>Fonte: Adaptado de Acosta (2016, p. 92).</p><p>Como observado a partir do Quadro 4, as diferenças entre</p><p>coordenadas alternativas e correlatas disjuntivas são atestadas</p><p>121</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>não só no nível sintático, mas também no nível semântico-pragmá-</p><p>tico. Afinal, as correlatas disjuntivas associam-se mais fortemen-</p><p>te à ideia de exclusão (no caso de ou...ou) e são mais integradas</p><p>por meio da interdependência.</p><p>Concluímos que a presente pesquisa contribuiu para os estudos</p><p>da correlação (de um modo mais geral) e apresentou novos olhares</p><p>ao estudo da disjunção (de um modo mais específico). Assumimos</p><p>que há ainda longos caminhos a serem percorridos dentro do estu-</p><p>do da correlação disjuntiva. Os diferentes graus de gramaticalidade</p><p>apresentados pelos types disjuntivos, por exemplo, seguem como</p><p>um desafio a ser enfrentado em pesquisas posteriores. Contudo,</p><p>ao final deste capítulo, cumprimos a tarefa de adentrar esse grande</p><p>campo de investigação e apresentar, a partir da sua investigação,</p><p>importantes pontos para a reflexão e para a descrição da gramática</p><p>do português.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>ACOSTA, Jovana Maurício. Análise funcional das construções</p><p>correlatas alternativas. 2016. Dissertação (Mestrado em Estudos</p><p>de Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.</p><p>ACOSTA, Jovana Maurício. Análise pancrônica das construções</p><p>correlatas disjuntivas. 2021. Tese (Doutorado em Estudos da</p><p>Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021.</p><p>BARRETO, Therezinha Maria Mello. Conjunções: aspectos da sua</p><p>constituição e funcionamento na história do português. Dissertação</p><p>(Mestrado em Letras) – Programa de Pós-graduação em Letras,</p><p>Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1992.</p><p>BARRETO, Therezinha Maria Mello. Gramaticalização das</p><p>conjunções na história do português. 1999. Tese (Doutorado em</p><p>Letras) – Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística,</p><p>Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1999.</p><p>122</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro:</p><p>Lucerna, 1999.</p><p>BYBEE, Joan. Language Usage and Cognition. New York: Cambridge</p><p>University Press, 2010.</p><p>BYBEE, Joan. The study of language change. In: BYBEE, Joan.</p><p>Language change. United Kingdom: Cambridge University Press,</p><p>2015. p. 1-14.</p><p>CAMACHO, José. La coordinación. In: BOSQUE, Ignacio; DEMONTE,</p><p>Violeta (org.). Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid:</p><p>Espasa, 1999.</p><p>CARVALHO, José Augusto. Gramática Superior da Língua Portuguesa.</p><p>Brasília: Thessaurus, 2011.</p><p>CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova Gramática do Português</p><p>Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.</p><p>CEZARIO, Maria Maura; CUNHA, Maria Angélica Furtado da (org.).</p><p>Linguística Centrada no Uso: uma homenagem a Mário Martelotta.</p><p>Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2013.</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português</p><p>Contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.</p><p>GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna. 3. ed. Rio</p><p>de Janeiro: FGV, 1975.</p><p>KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. São Paulo:</p><p>Ática, 2003.</p><p>MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramática da língua portuguesa.</p><p>5. ed. Lisboa: Caminho, 2003.</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do Português.</p><p>São Paulo: UNESP, 2011.</p><p>PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. Função argumentativa da</p><p>correlação. In: PEREIRA, Cilene da Cunha; PEREIRA, Paulo Roberto</p><p>Dias (org.). Miscelânea de estudos linguísticos, filológicos e literários</p><p>in Memoriam Celso Cunha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p.</p><p>337-347.</p><p>123</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>PEZATTI, Erotilde Goreti; LONGUIN-THOMAZI, Sanderléia Roberta.</p><p>As construções coordenadas. In: ILARI, Rodolfo; NEVES, Maria</p><p>Helena de Moura (org.). Gramática do Português Culto Falado no</p><p>Brasil: classes de palavras e processos de construção. Campinas:</p><p>Editora da UNICAMP, 2008. p. 865-932. 2 v.</p><p>RAPOSO, Eduardo Buzaglo Paiva et al. (org.). Gramática do</p><p>Português. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2013. 1 e 2 v.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua</p><p>Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.</p><p>RODRIGUES, Violeta Virginia. Correlação. In: VIEIRA, Silvia</p><p>Rodrigues; BRANDÃO, Sílvia Figueiredo (org.). Ensino de gramática:</p><p>descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. p. 225-236.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva funcional. 2012. Tese (Doutorado em Estudos da</p><p>Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Construções correlatas aditivas e disjuntivas.</p><p>Odisséia, [S. l.] v. 2, número especial, p. 103-124, 2017. Disponível em:</p><p>https://periodicos.ufrn.br/odisseia/article/view/12903/9020.</p><p>Acesso em: 03 dez. 2023.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do; ACOSTA, Jovana Maurício. Inventário</p><p>dos correlatores disjuntivos do português do Brasil. Confluência,</p><p>Rio de Janeiro, n. 54, p. 67-89, 2018. Disponível em: https://</p><p>revistaconfluencia.org.br/rc/article/view/245. Acesso em: 01 jun.</p><p>2023.</p><p>SANTOS, L.M. NEM: negação/adição/argumentação. 1990.</p><p>Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Estudos da</p><p>Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1990.</p><p>TRAUGOTT, Elizabeth Closs; TROUSDALE, Graeme.</p><p>Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford</p><p>University Press, 2013.</p><p>http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>125</p><p>CORRELAÇÃO CONSECUTIVA</p><p>Marianna Correa Siqueira do Nascimento (CCO-UFF)</p><p>Considerações iniciais</p><p>Neste capítulo, há uma breve discussão sobre o fenômeno</p><p>da correlação consecutiva. Nosso objetivo é apresentar</p><p>os principais resultados da pesquisa que realizamos em ní-</p><p>vel de mestrado na Universidade Federal Fluminense,</p><p>sob orienta-</p><p>ção acadêmica do Prof. Dr. Ivo da Costa do Rosário. Para isso, ini-</p><p>cialmente é preciso fazermos algumas considerações mais gerais</p><p>sobre o tema.</p><p>A Gramática Tradicional (doravante GT) não dá tratamen-</p><p>to adequado ao fenômeno da correlação, tratando-o ora como</p><p>uma especificidade da subordinação, ora da coordenação. Como</p><p>já demonstrado nos capítulos anteriores deste livro, a maioria</p><p>dos gramáticos tradicionais consultados não considera a correla-</p><p>ção como uma forma autônoma de organização do período, deixan-</p><p>do esse arranjo sintático à margem e empobrecendo as discussões</p><p>sobre a linguagem. A nós, particularmente, interessa o que dizem</p><p>a respeito da subordinação, haja vista que, para a abordagem tradi-</p><p>cional, a construção consecutiva se insere no âmbito das chamadas</p><p>126</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>orações subordinadas adverbiais consecutivas, em que o conec-</p><p>tor que se liga a um termo intensificador (tão, tal, tanto, tamanho)</p><p>na oração tida como principal.</p><p>É fundamental evocar o que diz Rosário (2012, p. 3) sobre</p><p>o conceito de correlação. Segundo o pesquisador, trata-se de “uma</p><p>construção sintática prototipicamente composta por duas partes</p><p>interdependentes e relacionadas entre si, encabeçadas por corre-</p><p>latores, de tal sorte que a enunciação de uma (prótase) prepara</p><p>a enunciação de outra (apódose)”. Assim, a correlação é entendida</p><p>como um arranjo sintático com características próprias, tal como</p><p>ocorre com a coordenação e com a subordinação.</p><p>A partir dessa definição geral, foi possível definir a correlação</p><p>consecutiva, como se vê em Nascimento (2017, p. 36):</p><p>é uma construção formada por duas partes interde-</p><p>pendentes e indissociáveis, encabeçadas por correla-</p><p>tores, em que a primeira parte é a causa e a segunda</p><p>é a consequência. Dessa maneira, o valor de conse-</p><p>quência só ocorre se a construção for compreendida</p><p>como um “todo”.</p><p>Essa definição permite a abordagem do tema em duas di-</p><p>mensões. No campo da forma, a correlação consecutiva é compos-</p><p>ta de duas partes, ambas encabeçadas por elementos gramaticais</p><p>descontínuos. No campo do significado, destaca-se que uma parte</p><p>é dependente da outra e, se uma não existe, a ideia de consequência</p><p>torna-se inviabilizada.</p><p>Nas seções seguintes, procedemos à revisão da literatura,</p><p>com foco na correlação consecutiva propriamente dita, contempla-</p><p>mos a análise de dados, tecemos as considerações finais e apresen-</p><p>tamos as referências bibliográficas consultadas para a elaboração</p><p>deste capítulo.</p><p>127</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Revisão da literatura</p><p>Nesta seção, procedemos à revisão da literatura acerca</p><p>do tema. Revisitamos o tratamento dado à correlação em auto-</p><p>res tradicionais. No que diz respeito à abordagem da correlação</p><p>por parte de autores inovadores, centramo-nos na correlação con-</p><p>secutiva, alvo de nosso trabalho.</p><p>Muitos pesquisadores têm se debruçado sobre o tema da cor-</p><p>relação e não é unanimidade que esse fenômeno seja uma forma</p><p>de organização sintática, tal como a coordenação e a subordina-</p><p>ção, já previstas pela tradição gramatical. Segundo Rosário (2012,</p><p>p. 10), “essa heterogeneidade evidencia a carência de uma posição</p><p>precisa por parte dos gramáticos de orientação tradicional e difi-</p><p>culta uma análise gramatical criteriosa”.</p><p>A correlação conta com características muito particula-</p><p>res, como já foi destacado com relação aos seus aspectos formais</p><p>e funcionais. Na tradição, a correlação recebe diferentes tratamen-</p><p>tos por parte dos autores. Vejamos a sistematização organizada</p><p>por Rodrigues (2007, p. 230):</p><p>Quadro 1 – Correlação em obras tradicionais</p><p>GRAMÁTICO</p><p>Explicitação da</p><p>nomenclatura</p><p>ORAÇÕES CORRELATAS</p><p>Menção indireta à CORRELAÇÃO</p><p>Bechara</p><p>(1987, p. 216-34)</p><p>- -</p><p>Cunha</p><p>(1990, p. 539)</p><p>Cunha & Cintra</p><p>(1985, p. 578-601)</p><p>-</p><p>Orações comparativas, consecutivas</p><p>e, às vezes, proporcionais podem</p><p>estar em correlação com um membro</p><p>da oração principal.</p><p>128</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Rocha Lima (2011,</p><p>p. 259-84)</p><p>-</p><p>Menciona “fórmulas correlativas”</p><p>e “expressões correlativas” (cf.</p><p>orações subordinadas comparativas,</p><p>proporcionais e coordenadas</p><p>aditivas).</p><p>Luft</p><p>(2002, p. 45-84)</p><p>Orações correlatas</p><p>aditivas</p><p>(cf. p. 46).</p><p>Orações correlatas</p><p>comparativas (cf. p. 46).</p><p>Orações correlatas</p><p>consecutivas (cf. p. 46).</p><p>Afirma que outros gramáticos</p><p>consideram orações proporcionais</p><p>correlativas (cf. p. 62).</p><p>Kury</p><p>(2002, p. 62-109)</p><p>Orações consecutivas</p><p>correlatas (cf. p. 98).</p><p>Orações proporcionais</p><p>correlatas (cf. p. 104).</p><p>Menciona:</p><p>aditivas com correlação (cf. p. 66);</p><p>palavra ou locução correlativa (cf. p.</p><p>91–orações comparativas);</p><p>comparativas quantitativas se acham</p><p>em correlação com uma palavra</p><p>intensiva da oração principal (cf. p.</p><p>92).</p><p>Fonte: Rodrigues (2007, p. 230).</p><p>Uma breve análise do Quadro 1 corrobora a ideia de que</p><p>não há um tratamento adequado para o fenômeno em estudo.</p><p>Bechara (1987) não explicita o termo orações correlatas e nem</p><p>faz qualquer menção indireta à correlação. Cunha (1990) e Cunha</p><p>e Cintra (1985) não explicitam a nomenclatura orações correlatas,</p><p>mas afirmam indiretamente que as orações comparativas, conse-</p><p>cutivas e, às vezes, as proporcionais podem estar em correlação</p><p>com um membro da oração principal. Rocha Lima (2011) não ex-</p><p>plicita a nomenclatura orações correlatas, mas menciona o termo</p><p>“fórmulas correlativas” e “expressões correlativas” para se referir</p><p>129</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>às subordinadas comparativas, proporcionais e coordenadas aditi-</p><p>vas, quando formadas por prótase e apódose.</p><p>Luft (2004) não só faz menção indireta à correlação, ao afir-</p><p>mar que alguns gramáticos consideram orações proporcionais cor-</p><p>relativas, como explicita a nomenclatura orações correlatas ao se</p><p>referir às correlatas aditivas, às correlatas comparativas e às cor-</p><p>relatas consecutivas. Finalmente, Kury (2002) explicita a nomen-</p><p>clatura orações correlatas para se referir às orações consecutivas</p><p>e proporcionais, e menciona indiretamente as aditivas com correla-</p><p>ção e as comparativas quantitativas.</p><p>Para abordar, de modo específico, as construções correlatas</p><p>consecutivas, consultamos tanto autores tradicionais quanto pes-</p><p>quisadores alinhados a outras perspectivas de trabalho. Cunha</p><p>e Cintra (2008, p. 618, grifo dos autores) analisam essas estruturas</p><p>dentro do quadro da subordinação e citam que sua forma prototí-</p><p>pica é aquela iniciada pela conjunção subordinativa que: “Há segre-</p><p>dos, de natureza tal, que é imperdoável imprudência descobri-los”.</p><p>Rocha Lima (2011, p. 350) define a oração consecutiva como</p><p>resultado da declaração feita na oração principal. A respeito de sua</p><p>configuração, o autor diz que sua forma mais característica é a for-</p><p>ma desenvolvida, iniciada pela conjunção que e posposta à oração</p><p>subordinante, onde se encontram as partículas de intensidade</p><p>como tão, tal, tamanha e tanto, como se vê em exemplos oferecidos</p><p>pelo próprio gramático: “Ele foi tão generoso, que me deixou pas-</p><p>mado”; “A rã inchou tanto que estourou”.</p><p>O autor também observa que, para dar mais ênfase à cons-</p><p>trução, recorre-se, frequentemente, às locuções de (tal) modo que,</p><p>de (tal) sorte que, de (tal) forma que e outras do mesmo gênero,</p><p>como em “Esconderam de tal modo o dinheiro que não sabem onde</p><p>ele está”.</p><p>130</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Rocha Lima (2011) também observa que o termo intensifica-</p><p>dor pode vir omitido, o que faz com que a locução conjuntiva pas-</p><p>se a integrar o segundo membro da oração, com valor consecutivo,</p><p>quando a predicação da principal está completa, e adverte que de-</p><p>vem ser distinguidas locuções com valor consecutivo de adjuntos</p><p>adverbiais: as locuções com valor consecutivo introduzem oração</p><p>de valor consecutivo, ao passo que os adjuntos adverbiais se ligam</p><p>a verbos (ou advérbios). Essa diferenciação fica mais clara nos res-</p><p>pectivos exemplos, a seguir: “Dei-lhe todas as explicações, de sorte</p><p>que já não há motivo para ressentimentos” (locução de valor conse-</p><p>cutivo) e “Procedeste de maneira que não merece</p><p>perdão” (adjunto</p><p>adverbial).</p><p>Por fim, o autor argumenta que o pensamento consecutivo</p><p>pode ser enunciado por oração reduzida de infinitivo, com o verbo</p><p>regido das preposições de e sem, ou da locução a ponto de, como</p><p>constatamos em “O poleá dissecou a mosca azul a ponto de fazê-la</p><p>sucumbir.”</p><p>Em sua avaliação sobre as orações adverbiais, Bechara (1987)</p><p>propõe separar as consecutivas e comparativas em um grupo</p><p>à parte das demais orações adverbiais propriamente ditas, haja</p><p>vista que essas se ligam à oração principal, atuando como mem-</p><p>bros da oração, exercendo, portanto, função sintática como um dos</p><p>termos da oração. Já as consecutivas e comparativas, encabeçadas</p><p>por um transpositor que, se ligam a um termo intensivo da oração</p><p>principal.</p><p>Bechara (1987) não admite que a correlação venha a ser</p><p>uma maneira autônoma de organização do período, mas diverge</p><p>da visão comum dos autores tradicionais ao defender um estatuto</p><p>próprio para as orações de comparação e de consequência. Ele ar-</p><p>gumenta que a ideia de consequência não está na “oração consecu-</p><p>tiva” em si, mas na relação que se estabelece entre o transpositor</p><p>que e o termo intensivo a que se liga.</p><p>131</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A verdade é que, ao analisar as proposições dos autores já ci-</p><p>tados, observamos que não há um critério propriamente estabe-</p><p>lecido para caracterizar as construções correlativas consecutivas.</p><p>Há, ao contrário, uma mistura de critérios semânticos e sintáticos</p><p>normalmente abrigados no rótulo da subordinação. Assim, em ge-</p><p>ral, não se considera a hipótese de interdependência entre as par-</p><p>tes. À diferença de Bechara (1987), para os gramáticos em geral,</p><p>a noção de consequência está concentrada na oração subordina-</p><p>da adverbial introduzida pela partícula que, desconsiderando-se,</p><p>com isso, todo jogo sintático-semântico entre prótase e apódose.</p><p>Passemos, agora, ao que dizem autores que estão fora da abor-</p><p>dagem tradicional. Vejamos o que dizem a respeito da correlação</p><p>consecutiva. Em sua apreciação, Castilho (2014) baseia-se em um</p><p>enfoque funcional da língua. A correlação é considerada como</p><p>uma forma de organização do período ao lado das demais e,</p><p>em específico, as correlatas consecutivas são definidas como as que</p><p>“apresentam uma causa na primeira sentença, de que a segunda</p><p>apresenta a consequência” (Castilho, 2014, p. 390).</p><p>Em sua avaliação, Mateus et al. (2003) classificam as corre-</p><p>latas consecutivas como construções de graduação e comparação,</p><p>porque envolvem a noção de grau em algum nível (cf. Nascimento,</p><p>2017, p. 26). Citam, ainda, que sua forma prototípica é o termo</p><p>que em correlação a um termo intensivo tanto, tal, tamanho, tão pre-</p><p>sente no primeiro membro da construção. Além disso, as autoras</p><p>salientam que há outras formas de se expressar o valor consecutivo</p><p>por meio do uso de suficiente ou bastante + para, ou, ainda, pela</p><p>via de certas coordenadas conclusivas iniciadas por conectores</p><p>como logo, portanto, por isso.</p><p>Raposo et al. (2013) aproximam-se um pouco da visão</p><p>de Mateus et al. (2003) quando classificam as comparativas e con-</p><p>secutivas como construções de grau. Mais especificamente, sobre</p><p>as consecutivas, classificam-nas como uma consequência da noção</p><p>132</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de grau e apresentam o seguinte exemplo: “O embrulho é tão grande</p><p>que não cabe no carro”. Nesse exemplo, a consequência do fato de o</p><p>embrulho ser tão grande é que ele não cabe no carro, ou seja, o em-</p><p>brulho é grande em um grau X que, como, consequência, não cabe</p><p>no carro.</p><p>Finalmente, Bosque e Demonte (1999, p. 3741), analisam</p><p>as construções consecutivas em dois grandes grupos: (i) as que</p><p>se apresentam dentro das orações compostas por subordinação e</p><p>(ii) as que se apresentam dentro das orações compostas por coor-</p><p>denação e justaposição.</p><p>Interessa-nos, aqui, o estudo do primeiro grupo, haja vista</p><p>que nele há a típica relação de interdependência entre correlatores.</p><p>Esse primeiro grupo é distribuído em quatro diferentes tipos:</p><p>a) As consecutivas de intensidade, estabelecidas entre uma oração</p><p>subordinada por que e um antecedente de valor intensivo tão,</p><p>tanto, tal, cada, um, assim, < de + adjetivo, < de um + adjetivo, <</p><p>uma de + substantivo;</p><p>b) As consecutivas de modo, estabelecidas entre alguma das frases</p><p>adverbiais de modo, de maneira, de forma ou de sorte e uma ora-</p><p>ção subordinada por que relativo;</p><p>c) As consecutivo-comparativas, estabelecidas entre quantificado-</p><p>res como tanto, bastante ou suficiente e uma frase introduzida</p><p>por como para;</p><p>d) As causais-intensivas, que constituem uma paráfrase das conse-</p><p>cutivas de intensidade e se caracterizam por uma frase introdu-</p><p>zida pela preposição de, em cujo interior se registra uma estru-</p><p>tura de ênfase com como ou que relativo.</p><p>Os autores assinalam, ainda, que as consecutivas de inten-</p><p>sidade não podem registrar-se sem o segundo membro, pois isso</p><p>acarretaria perda de seu valor consecutivo. No entanto, afirmam</p><p>133</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>que, se fosse em uma oração exclamativa ou de ênfase, tão, tanto</p><p>ou tal só teriam sentido preciso se remetessem a conteúdos tácitos</p><p>no contexto.</p><p>Diferentemente das relativas e das comparativas, os dois</p><p>termos das orações consecutivas (quantificadores e que) se exi-</p><p>gem mutuamente, como termos interdependentes. Essa relação</p><p>assegura não somente sua viabilidade gramatical como também</p><p>a sua viabilidade semântica: a característica de uma oração con-</p><p>secutiva não depende somente do conteúdo léxico de seu antece-</p><p>dente, mas da construção considerada em seu conjunto (Bosque;</p><p>Demonte, 1999, p. 3749). Essa afirmação é muito importante, pois</p><p>nosso trabalho se alinha justamente a essa perspectiva.</p><p>Na seção a seguir, procedemos à análise dos principais resul-</p><p>tados do estudo desenvolvido sobre as construções correlativas</p><p>consecutivas.</p><p>Principais resultados</p><p>Nesta seção, apreciamos os principais resultados obtidos</p><p>em nossa pesquisa de mestrado. No entanto, antes de efetivamente</p><p>os apresentarmos, é necessário fazer breves menções à fundamen-</p><p>tação teórica que subsidiou essa investigação e elucidar, de forma</p><p>sucinta, os procedimentos metodológicos que guiaram a pesquisa.</p><p>A Linguística Funcional Centrada no Uso (doravante LFCU),</p><p>associada à Gramática de Construções, balizou este trabalho,</p><p>por defendermos que a língua e os fenômenos da linguagem emer-</p><p>gem do uso, da situação comunicativa, isto é, da interação onli-</p><p>ne entre os interlocutores. Diferentemente de outras vertentes</p><p>da Linguística, a LFCU não pretende estudar as “partes” da lingua-</p><p>gem de forma isolada, mas sim, estudar a relação entre essas “par-</p><p>tes” com o todo, com o entorno linguístico, de forma holística.</p><p>134</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Além disso, acreditamos que a língua se organiza a partir</p><p>de construções altamente hierarquizadas, nos termos de Rosário</p><p>e Oliveira (2016, p. 239), estando umas relacionadas às outras,</p><p>em uma rede de esquemas que procura refletir o conhecimento lin-</p><p>guístico dos falantes:</p><p>A língua, por consequência, define-se como conjun-</p><p>to de construções específicas e hierarquizadas que,</p><p>interconectadas, compõem uma ampla rede, na qual</p><p>propriedades fonológicas, morfossintáticas, semânti-</p><p>cas e pragmáticas se encontram integradas.</p><p>O corpus utilizado para a pesquisa foi constituído da seção</p><p>“Cartas ao leitor” da Revista Veja online.26 Mais precisamente, foram</p><p>analisadas 826 edições da revista, publicadas entre janeiro de 2001</p><p>a dezembro de 2016, conforme detalha o quadro a seguir:</p><p>Quadro 2 – Informações sobre o corpus da pesquisa</p><p>Corpus</p><p>Gênero</p><p>textual</p><p>Número</p><p>de edições</p><p>Período de publicação</p><p>Revista Veja</p><p>Online</p><p>Carta</p><p>ao Leitor</p><p>826</p><p>janeiro de 2001</p><p>a dezembro de 2016</p><p>Fonte: Nascimento (2017, p. 52).</p><p>A escolha por esse corpus se deu por acreditarmos que,</p><p>em textos como cartas ao leitor, há forte presença de sequências ti-</p><p>pológicas argumentativas, em que há a tentativa de convencimento</p><p>por ideias. Acreditamos que textos argumentativos são ambientes</p><p>que proporcionam</p><p>fenômenos como a correlação, e encontramos</p><p>em Rosário (2012, p. 120) respaldo para essa escolha:</p><p>[a correlação] apresenta-se mormente no discurso</p><p>formal, como uma importante estratégia retórica di-</p><p>26 Disponível em: www.veja.abril.com.br.</p><p>135</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>recionada à arte do convencimento. Os contextos lin-</p><p>guísticos em que a correlação se apresenta com mais</p><p>intensidade referem-se justamente a sequências ar-</p><p>gumentativas e expositivas.</p><p>Em nosso trabalho de coleta e análise de dados, encontramos</p><p>63 ocorrências da construção em estudo. Esses dados, por sua vez,</p><p>foram organizados em 12 diferentes padrões, conforme demonstra</p><p>a tabela a seguir:</p><p>Tabela 1 – Percentual por type</p><p>Types Tokens Percentual</p><p>1 tão X que Y 33 52,38%</p><p>2 de tal forma X que Y 7 11,11%</p><p>3 X tal que Y 7 11,11%</p><p>4 tanto X que Y 6 9,52%</p><p>5 X tanto que Y 2 3,17%</p><p>6 X tamanha que Y 2 3,17%</p><p>7 tal X que Y 1 1,58%</p><p>8 tamanha X que Y 1 1,58%</p><p>9 com um grau tal X que Y 1 1,58%</p><p>10 de tal maneira X que Y 1 1,58%</p><p>11 de tal modo X que Y 1 1,58%</p><p>12 tão X a ponto de Y 1 1,58%</p><p>Total 63 100%</p><p>Fonte: Nascimento (2017, p. 53).</p><p>A Tabela 1 está organizada da seguinte maneira: a primeira</p><p>coluna apresenta uma numeração que servirá de guia para nos re-</p><p>ferirmos, a partir deste ponto do trabalho, a cada padrão de uso.</p><p>A segunda coluna representa os types encontrados para a constru-</p><p>ção correlativa consecutiva, em sua configuração formal. A tercei-</p><p>ra coluna representa a frequência token de cada padrão, ou seja,</p><p>a quantidade de vezes que cada type ocorreu em nosso corpus;</p><p>136</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>por fim, a última coluna representa o percentual de frequência</p><p>token de cada type.</p><p>Observamos que o type 1 – tão X que Y representa um pou-</p><p>co mais da metade de todas as ocorrências, já que soma 52,38%</p><p>dos dados. Esse é, portanto, o mais prototípico para representar</p><p>a correlação consecutiva. Apresentamos, a seguir, um exemplo des-</p><p>se caso:</p><p>(01) Nenhum dos movimentos de Jobim viola direta-</p><p>mente as leis ou foi feito sem amparo de interpretações</p><p>jurídicas. Mas sua atuação no pleno STF, na concessão</p><p>de liminares e nos bastidores foi despudoradamente</p><p>conduzida de forma a prejudicar a apuração de des-</p><p>mandos do governo Lula determinada pelas CPI´s ins-</p><p>taladas no Congresso. A coisa ficou tão feia que um</p><p>grupo de juristas chegou a protocolar uma interpela-</p><p>ção judicial no STF cobrando do ministro Jobim a ex-</p><p>plicitação de suas intenções partidárias. (Revista Veja</p><p>online, Carta ao Leitor, p. 9, Ed. 1942, 2006).</p><p>A análise do dado (01) nos permite verificar o uso do padrão</p><p>tão X que Y. O primeiro correlator intensificador tão intensifica</p><p>e enfatiza o adjetivo “feia”, criando, com ele, uma expectativa para</p><p>a enunciação seguinte, introduzida pelo segundo correlator que,</p><p>com o qual também se relaciona. O clima de desconfiança gerou</p><p>uma instabilidade tão séria (causa) que levou juristas a protocola-</p><p>rem uma interpelação judicial no STF (consequência).</p><p>O padrão de tal forma X que Y corresponde a um percentual</p><p>de 11,11%. É a segunda estratégia mais prototípica para represen-</p><p>tar a construção correlata consecutiva. Nesse padrão, seu primeiro</p><p>membro é formado por preposição + primeiro correlator intensifi-</p><p>cador + nome. O primeiro membro somado a X (elemento de base</p><p>nominal) constitui o que chamamos de prótase. O segundo membro</p><p>é constituído pelo segundo correlator que + Y, constituindo a apó-</p><p>137</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dose da construção consecutiva. O dado a seguir, que tem como</p><p>contexto uma crítica ao tratamento dispensado aos criminosos ri-</p><p>cos em comparação aos pobres, permite-nos uma melhor visualiza-</p><p>ção desse uso:</p><p>(02) Regulamentada por decreto em 1955, a cana</p><p>confortável é um daqueles privilégios típicos que be-</p><p>neficiam apenas uma minoria da sociedade, os magis-</p><p>trados, oficiais de alta patente e as pessoas com curso</p><p>superior. Em resumo, os não-pobres. Como ela, outros</p><p>privilégios estão de tal forma incrustados na tradição</p><p>brasileira que já são encarados como direito natural</p><p>dos bem nascidos. (Revista Veja online, Carta ao Leitor,</p><p>p. 9, Ed. 1638, 2001).</p><p>O padrão X tal que Y organiza-se de uma maneira diferente</p><p>do padrão anterior (de tal forma X que Y). Para ilustrar seu uso, des-</p><p>tacamos o próximo dado, que teve como contexto os atentados de 11</p><p>de setembro de 2001 aos Estados Unidos e a declaração de guerra</p><p>ao terrorismo feita por aquela nação após esses acontecimentos:</p><p>(03) Muitos de seus efeitos serão sentidos pelas pró-</p><p>ximas décadas. Os ataques aos Estados Unidos e a de-</p><p>claração total de guerra ao terrorismo feita pela nação</p><p>mais poderosa do planeta alcançaram uma dimensão</p><p>tal que, provavelmente, serão lembrados pelos his-</p><p>toriadores como o evento inaugural do século que se</p><p>inicia. (Revista Veja online, Carta ao Leitor, p. 11, Ed.</p><p>1732, 2001).</p><p>O type 4 (tanto X que Y) possui características do type 1 (tão</p><p>X que Y): organiza-se de uma forma simples, por meio da correlação</p><p>entre o primeiro correlator intensificador tanto e o segundo corre-</p><p>lator que. Pouco conteúdo morfossintático, pouca massa fônica e</p><p>“leveza” estrutural são algumas características desses correlatores.</p><p>Observemos o exemplo a seguir:</p><p>138</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(04) O Brasil vive um raro momento de bonança</p><p>na economia. O desemprego está em queda, o PIB</p><p>em crescimento, a safra de grãos esperada para este</p><p>ano deverá ser 10% maior que a do ano passado. A in-</p><p>flação está sob controle há tanto tempo que, mesmo</p><p>não existindo vitória definitiva contra ela, parece</p><p>um problema do século passado. (Revista Veja online,</p><p>Carta ao Leitor, p. 9, Ed. 1694, 2001).</p><p>Dando continuidade à nossa apresentação de resultados, ob-</p><p>servemos o type 5 – X tanto que Y, representada no exemplo a seguir:</p><p>(05) Com esses dispositivos, as TV´s, por exemplo, pas-</p><p>sam a gravar trechos da programação, sem a necessi-</p><p>dade de outro aparelho. Tornam-se quase híbridos</p><p>de DVD´s. A capacidade de armazenamento de dados</p><p>avançou tanto que criou uma nova categoria de pro-</p><p>dutos. É o caso dos Media Players. (Revista Veja online,</p><p>Carta ao Leitor, p. 9 Ed. 1984ª, 2006).</p><p>O uso do type 5 organiza-se de uma maneira simples: o pri-</p><p>meiro correlator intensificador tanto é antecedido por elemento X e</p><p>relaciona-se ao segundo correlator que de forma imediata, sem a</p><p>existência de material interveniente que possa estender essa corre-</p><p>lação, daí a formalização X tanto que Y.</p><p>Passemos, agora, à análise do type 6 – X tamanha que Y.</p><p>Diferentemente do type 8 (tamanha X que Y), que veremos adiante,</p><p>que possui material interveniente entre seus correlatores, o type</p><p>6 em estudo não o possui, permitindo-nos enquadrá-lo em um pa-</p><p>drão distinto para a construção consecutiva. Tomemos como exem-</p><p>plo o dado a seguir, que ocorreu em contexto político e de eleições:</p><p>(06) Houve um tempo em que a vontade popular valia</p><p>muito pouco, quase nada. Durante a República Velha,</p><p>a manipulação dos políticos era tamanha que apenas</p><p>139</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>3% dos que poderiam votar eram chamados a colocar</p><p>o voto na urna. (Revista Veja online, Carta ao Leitor, p.</p><p>9, Ed. 1755, 2002).</p><p>A partir deste ponto, apresentamos os types menos frequen-</p><p>tes, já que foram atestados uma única vez no corpus. Os correlatores</p><p>tal X que Y indicam o type 7. Para discutir suas características, des-</p><p>tacamos o próximo dado em que o autor faz uma crítica à postura</p><p>fraca em ética e civilidade de dirigentes de instituições brasileiras,</p><p>em uma sequência tipológica altamente argumentativa:</p><p>(07) As de mais triste memória resultaram em lon-</p><p>gos períodos de autoritarismo – a ditadura getulista,</p><p>que durou de 1930 a 1945, e a militar, que vigorou</p><p>de 1964 a 1985. Com o fim desta última, o país entrou</p><p>nos trilhos da normalidade e as instituições demo-</p><p>cráticas conseguiram fincar bases em terreno sólido.</p><p>Não existem mais ameaças de monta nesse campo,</p><p>é verdade, mas de outra crise assombra o país: a da</p><p>moralidade. Ela atingiu tal proporção que é possível</p><p>dizer que</p><p>da linguagem.2</p><p>Ao longo do doutorado, fui enfrentando dois desafios conco-</p><p>mitantes. De um lado, era preciso acompanhar e (colaborar com)</p><p>o arcabouço teórico da recém-denominada Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso. Os postulados da Gramática de Construções</p><p>Baseada no Uso passaram a ser adotados por muitos pesquisado-</p><p>res funcionalistas, o que demandava refinamentos (como até hoje</p><p>vem sendo feito). De outro lado, havia o intento de apresentar</p><p>uma pesquisa aprofundada sobre a correlação, tentando contribuir</p><p>um pouco mais com o tema, em um contexto de inegável escassez</p><p>2 Em Rosário e Oliveira (2021, p. 424), apresento uma proposição que julgo muito importan-</p><p>te para o atual panorama da Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU): “que o dado</p><p>real, extraído de corpus, bem como seus contextos efetivos de ocorrência, em análise qua-</p><p>litativa, mantenham a devida centralidade em nossa pesquisa”. Logo, o interesse da LFCU</p><p>recentemente voltou-se para os padrões esquemáticos da língua, mas não podemos perder</p><p>de vista, em hipótese alguma, a importância dos dados de uso, ou seja, as ocorrências ou</p><p>tokens atestados em diversos corpora. Esse é o ponto central da pesquisa funcionalista.</p><p>17</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de bibliografia. Esses desafios perduraram ao longo de quatro anos,</p><p>de 2008 a 2012, quando pude finalmente concluir e defender o tra-</p><p>balho Construções correlatas aditivas em perspectiva funcional.</p><p>A tese de doutorado foi capaz de apresentar uma ampla rede</p><p>esquemática da correlação aditiva, além de ter demonstrado como</p><p>os arcabouços funcionalista e construcionista, de fato, eram úteis</p><p>e muito satisfatórios para a explicação do fenômeno da correlação</p><p>em português. Oiticica (1952, p. 2) usou uma metáfora muito enge-</p><p>nhosa para descrever a correlação que, segundo o autor, era uma</p><p>“floresta inexplorada”. Ao final da tese, eu digo que tive a sensação</p><p>de ter desbravado um pouco mais essa floresta. Eu só não sabia,</p><p>naquele momento, que ainda havia tantos territórios para serem</p><p>explorados e que, em função disso, a correlação seria o tema central</p><p>de minhas pesquisas ao longo dos dez anos seguintes.</p><p>Este capítulo tem alguns objetivos centrais. Em primeiro lugar,</p><p>procurarei demonstrar o que é a correlação e o que são os correla-</p><p>tores. Trata-se de uma abordagem teórica panorâmica sobre o fe-</p><p>nômeno, considerando que os diferentes tipos de correlação serão</p><p>discutidos nos capítulos seguintes. Devido à minha forte imersão</p><p>no campo da correlação aditiva, haverá um tratamento mais apro-</p><p>fundado desse tipo de construção. Para alcançar esse primeiro ob-</p><p>jetivo, resgatarei algumas das principais publicações que fui rea-</p><p>lizando ao longo dos anos sobre o tema. Esse resgate servirá para</p><p>mostrar como o assunto é profícuo e, ao mesmo tempo, procurará</p><p>traduzir um pouco a evolução da minha reflexão sobre esse aspecto</p><p>da sintaxe do português. Por fim, farei uma breve incursão no cam-</p><p>po do ensino de língua portuguesa na Educação Básica, com foco,</p><p>é claro, na correlação. Esses objetivos estarão integrados ao longo</p><p>deste capítulo.</p><p>Antes de iniciar a próxima seção, quero dizer que este capítulo</p><p>não é apenas uma síntese de trabalhos já publicados, mas uma re-</p><p>tomada crítica de uma parte do que foi divulgado ao longo do tem-</p><p>18</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>po, sempre acompanhada de uma reflexão mais atualizada sobre</p><p>o tema da correlação, com proposições inéditas. À diferença do que</p><p>costumo fazer em meus textos, assumo aqui um tom mais pessoal,</p><p>em primeira pessoa, visto que a maior parte das reflexões é de mi-</p><p>nha autoria e responsabilidade. Prossigamos.</p><p>O que é a correlação?</p><p>Como ficará demonstrado neste livro, não são muitos os auto-</p><p>res que se debruçaram sobre o tema da correlação. Muito menor é o</p><p>número daqueles que alçaram esse processo a um estatuto seme-</p><p>lhante ao da coordenação e da subordinação. De fato, a grande maio-</p><p>ria dos gramáticos decidiu seguir os postulados da Nomenclatura</p><p>Gramatical Brasileira (NGB), consagrada pela Portaria Ministerial</p><p>nº 36, de 28/01/1959. Segundo Chediak (1960), a NGB, após in-</p><p>tensos debates, decidiu restringir a ligação de orações em língua</p><p>portuguesa a dois grandes processos, bem conhecidos: coordena-</p><p>ção e subordinação.</p><p>Em Dispersos de J. Mattoso Camara Jr., obra organizada</p><p>por Uchôa (2004), é possível verificar como essa questão era per-</p><p>cebida. Vejamos, portanto, a visão de Camara Jr. sobre o fenômeno</p><p>da correlação:</p><p>A eliminação dos conceitos de ‘justaposição’ e</p><p>‘correlação’ na nova Nomenclatura oficial, foi</p><p>[...] a meu ver uma medida das mais salutares.</p><p>O retorno à dicotomia coordenação-subordina-</p><p>ção (ou parataxe-hipotaxe) reata uma tradição</p><p>gramatical, que se apoia na verdadeira natu-</p><p>reza da expressão linguística, e faz cessar toda</p><p>uma série de considerações e elucubrações in-</p><p>consistentes, que em última análise decorrem</p><p>de dois princípios falsos — o de que só há su-</p><p>bordinação com o conectivo subordinativo e o</p><p>19</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de que a oração não subordinada tem de apre-</p><p>sentar ‘sentido completo’ (Uchôa, 2004, p. 112).</p><p>Em sentido contrário ao pensamento dos responsáveis pela</p><p>elaboração da NGB, na obra Teoria da Correlação, Oiticica (1952)</p><p>defende a existência de quatro processos de ligação de orações: co-</p><p>ordenação, subordinação, justaposição e correlação. O livro debru-</p><p>ça-se especialmente sobre esse quarto processo. Como já referen-</p><p>ciado nas considerações iniciais deste capítulo, tornou-se célebre</p><p>uma importante afirmação de Oiticica (1952, p. 2) na metade do sé-</p><p>culo passado, extraída justamente dessa obra: “[Quanto ao estudo</p><p>da correlação], faço-o agora o mais completo que posso. Outros,</p><p>futuramente, com mais lazer, alargarão as pesquisas, pois, neste as-</p><p>sunto, deparam-nos os autores, floresta inexplorada”.</p><p>O autor define a coordenação como um caso de “composição</p><p>do período com orações autônomas (de declaratividade total), se-</p><p>paráveis, ligadas por conjunção explícita ou não” (Oiticica, 1952, p.</p><p>16-17, grifo do autor). A subordinação, por outro lado, é definida</p><p>como “composição do período por orações em que a declarativida-</p><p>de parcial de umas depende da declaração total ou parcial de outra</p><p>e a ela presas por um só conectivo (conjunção subordinativa, pre-</p><p>posição, adjetivo ou pronome relativo) ou reduzidas sem conecti-</p><p>vo” (Oiticica, 1952, p. 19, grifo do autor). Em maior ou menor grau,</p><p>as definições dos gramáticos normativistas brasileiros apresentam</p><p>essas mesmas propriedades.</p><p>As definições para coordenação e subordinação são funda-</p><p>mentais para os objetivos que traço neste capítulo, pois lançam</p><p>as bases para o que seria a correlação em si. No campo da coor-</p><p>denação, Oiticica (1952) realça o traço da autonomia das orações;</p><p>no caso da subordinação, o autor destaca a declaratividade par-</p><p>cial e a existência de um único conectivo responsável por ensejar</p><p>a ligação das duas partes. Fica bastante evidente a base fortemente</p><p>20</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>estrutural dessas definições. Quanto à correlação em si, ao anali-</p><p>sar um caso de ligação aditiva, Oiticica (1952, p. 21, grifos do au-</p><p>tor) afirma:</p><p>Quando inicio a primeira oração por não somente (de-</p><p>notativo de restrição), sou forçado a iniciar a segun-</p><p>da pela expressão mas também (ou outra equivalen-</p><p>te: mas ainda, como ainda, como também, senão que,</p><p>mas etc.), denotativa de inclusão. Os pensamentos es-</p><p>tão conexos, neste caso, por dois termos que sempre,</p><p>além disso, devem estar claros, embora possa apare-</p><p>cer o segundo encurtado (braquilogia) num simples</p><p>mas, como.</p><p>Apesar de essa exposição do autor estar centrada especifi-</p><p>camente na correlação aditiva, é possível depreender daí o que se</p><p>entende por “raciocínio correlativo”. Na visão de Oiticica (1952),</p><p>a correlação é um arranjo sintático formado por duas partes ligadas</p><p>por conectores descontínuos, ou seja, um recurso gramatical que se</p><p>apresenta na forma de um par de palavras, com uma “lacuna” en-</p><p>tre ambas.</p><p>A proposta de Oiticica (1952) serviu</p><p>o Brasil conta, hoje, com instituições fortes</p><p>e mandatários fracos. Fracos em ética e civilidade,</p><p>como demonstra o episódio da quebra ilegal do si-</p><p>gilo bancário do caseiro que incriminou o ministro</p><p>Antonio Palocci, mais um momento deplorável que se</p><p>soma a tantos outros protagonizados pelos atuais go-</p><p>vernantes. (Revista Veja online, Carta ao Leitor, p. 9,</p><p>Ed. 1949, 2006).</p><p>Passemos, agora, à análise do type 8 – tamanha X que Y, tam-</p><p>bém encontrado em nosso corpus. Para melhor compreensão desse</p><p>padrão, apresentamos o exemplo a seguir:</p><p>(08) André Petry, correspondente de VEJA em Nova</p><p>York, foi a Guantánamo, a base e prisão americana en-</p><p>cravada na ilha de Cuba, onde estão começando a ser</p><p>140</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>julgados os terroristas islâmicos graúdos responsá-</p><p>veis pelos ataques a Nova York e Washington, a em-</p><p>baixada e navios americanos no exterior. É tamanha</p><p>a riqueza das fontes remotas de informação que teo-</p><p>ricamente Monica e Petry poderiam escrever suas re-</p><p>portagens sem ir a Mountain View ou a Guantánamo.</p><p>(Revista Veja online, Carta ao Leitor, p. 10, Ed. 2254,</p><p>2010).</p><p>É interessante observar como se organiza a construção ante-</p><p>rior. Na prótase, atestamos o primeiro correlator tamanha intensi-</p><p>ficando o conteúdo de base nominal “a riqueza das fontes remotas</p><p>de informação”, estabelecendo, com ele, o clima de “suspense” ca-</p><p>racterístico da prótase. Ao mesmo tempo, esse elemento prepara</p><p>o interlocutor para a enunciação seguinte, a apódose, introduzida</p><p>pelo segundo correlator que + Y.</p><p>Ainda sobre o type 8, destacamos (i) a topicalização à esquer-</p><p>da do primeiro correlator intensificador, como forma de o autor</p><p>dar mais ênfase à informação que ele quer passar e (ii) a relação</p><p>de concordância em gênero e número entre o primeiro correlator</p><p>intensificador tamanha e o sintagma nominal “a riqueza das fontes</p><p>remotas de informação” na prótase. Essa relação de concordância</p><p>permite a mobilidade dos membros da prótase neste caso, e indica</p><p>que o primeiro correlator ainda não chegou ao ponto final do pro-</p><p>cesso de mudança que poderá enquadrá-lo futuramente no grupo</p><p>das conjunções canônicas.</p><p>Passemos, agora, à análise do type 9 – com um grau tal X que Y,</p><p>também encontrada em nosso corpus como forma de veicular a cor-</p><p>relação consecutiva:</p><p>(09) Em todos esses casos, a motivação permanen-</p><p>te da revista foi a busca da verdade. VEJA não tem</p><p>uma agenda escondida, não escolhe suas reportagens</p><p>investigativas com base em preferências pessoais, ide-</p><p>ológicas ou partidárias. Tampouco tem o poder, ou o</p><p>141</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>desejo, de escolher o momento mais adequado de pu-</p><p>blicá-las. Elas são impressas sempre que se materiali-</p><p>zam nas mãos dos repórteres e editores com um grau</p><p>tal de irrefutabilidade que seria inexplicável mantê-</p><p>-las na gaveta. (Revista Veja online, Carta ao Leitor, p.</p><p>9, Ed. 1751, 2002).</p><p>Esse type apresenta especificidades em sua configuração:</p><p>seu primeiro membro é formado por preposição + artigo + nome</p><p>+ primeiro correlator intensificador, ao passo que o seu segun-</p><p>do membro é iniciado pelo segundo correlator que + Y. É uma</p><p>construção “pesada” e admite material interveniente entre seus</p><p>correlatores.</p><p>Tecemos, agora, considerações a respeito do type 10 – de tal</p><p>maneira X que Y, também identificada em nosso corpus. Seu pri-</p><p>meiro membro é formado por preposição de + primeiro correlator</p><p>intensificador + nome maneira. Nesse caso, o elemento X não é pre-</p><p>enchido.27 O segundo membro, por sua vez, é formado por segundo</p><p>correlator que + Y. Observemos o dado a seguir:</p><p>(10) Planos militares para uma guerra atômica total</p><p>contra um potencial inimigo, são, obviamente, sigilo-</p><p>sos, mas se salvam da clandestinidade por ser com-</p><p>partilhados com comissões do Congresso Americano.</p><p>No Brasil, o palco onde tais questões são discutidas</p><p>está cercado de espelhos e coberto de fumaça e gelo</p><p>seco, de tal maneira que o sigiloso e o clandestino</p><p>se confundem. Um exemplo é a defesa oficial de que,</p><p>para impedir a cartelização por parte das construto-</p><p>ras, sejam mantidas em segredo os preços de obras</p><p>públicas em conexão com a Copa e a Olimpíada.</p><p>(Revista Veja online, Carta ao Leitor, p. 12, Ed. 2223,</p><p>2011).</p><p>27 Um dos pareceristas sugeriu a interpretação de que o slot X é preenchido pelo segmento</p><p>que está à esquerda do primeiro correlator: “o palco onde tais questões são discutidas está</p><p>cercado de espelhos e coberto de fumaça e gelo seco”. Consideramos que essa interpretação</p><p>também é plausível.</p><p>142</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>O type 11 – de tal modo X que Y é uma espécie de variante</p><p>do type 10, visto que a única diferença entre ambos é o preenchi-</p><p>mento do elemento nominal: maneira e modo. Essa microconstrução</p><p>admite material interveniente entre seus correlatores. Observemos</p><p>o exemplo a seguir:</p><p>(11) Renan e seus 40... – somado aos seis outros</p><p>que hipocritamente se abstiveram na votação que ab-</p><p>solveu o ‘capo’ do Senado – não representam os bra-</p><p>sileiros que o elegeram. Representam seus interesses</p><p>pessoais e patrimoniais de tal modo entranhados</p><p>que, se permitissem a degola do chefe, acabaria eles</p><p>próprios expostos às leis que punem cidadãos comuns</p><p>quando as transgridem. Mas para Renan e seus 40...</p><p>não existem leis. (Revista Veja online, Carta ao Leitor,</p><p>p. 9, Ed. 2026, 2007).</p><p>Finalmente, abordamos o type 12 – tão X a ponto de Y. Dentre</p><p>os padrões encontrados e analisados para esse estudo, esse é o</p><p>que se organiza de maneira mais marginal, dada a sua configuração</p><p>morfossintática. A apreciação do dado seguinte nos permite identi-</p><p>ficar peculiaridades dessa construção. Observemos:</p><p>(12) Será uma luta voto a voto. Eles têm sete semanas,</p><p>com três programas semanais, exibidos duas vezes</p><p>por dia, para atingir suas metas. Essa circunstância,</p><p>sozinha, garante que haverá ênfase, empenho e ma-</p><p>labarismo digitais e retórica de sobra. Para o eleitor,</p><p>há o risco grande de que os marqueteiros apliquem</p><p>doses industriais tão fortes de seus truques a ponto</p><p>de programas e as inserções durante a programação</p><p>normal das emissoras se tornarem meras disputas</p><p>artificiais em que o rótulo vale mais que o conteúdo.</p><p>(Revista Veja online, Carta ao Leitor, p. 14, Ed. 2178,</p><p>2010).</p><p>143</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em nossa avaliação, observamos que o intensificador tão não</p><p>se relaciona especificamente a um correlator que no outro membro</p><p>da construção, mas sim ao conteúdo de ordem nominal fortes de seus</p><p>truques, intensificando-o e preparando o interlocutor para o conte-</p><p>údo seguinte, que carrega a ideia de consequência. Há de se obser-</p><p>var que o segundo membro da construção, iniciado por preposição</p><p>a, seguido de nome ponto e finalizado por preposição de, forman-</p><p>do o correlator a ponto de, dá-nos uma ideia de gradação, ou seja,</p><p>algo que está sendo construído ou atingido paulatinamente, o que</p><p>culmina na expressão de uma consequência. Essa análise do type</p><p>12 espelha um dos subprincípios de iconicidade, já que a forma</p><p>mais completa espelha igualmente um conteúdo mais complexo.</p><p>A análise atenta desses 12 types apresentados evidencia a pos-</p><p>sibilidade de reuni-los em quatro padrões esquemáticos. O quadro</p><p>a seguir apresenta essa proposta, com a configuração da prótase</p><p>e apódose de cada padrão. Vejamos:</p><p>Quadro 3 – Reunião de padrões e configuração de prótase e apódose</p><p>Padrões</p><p>construcionais</p><p>Prótase [P] Apódose [Q]</p><p>Total</p><p>por padrão</p><p>Padrão 1</p><p>Primeiro correlator</p><p>intensificador + X</p><p>Segundo correlator</p><p>‘que’ + Y</p><p>41 – 65,07%</p><p>Padrão 2</p><p>X + Primeiro correlator</p><p>intensificador</p><p>Segundo correlator</p><p>‘que’ + Y</p><p>11 – 17,46%</p><p>Padrão 3</p><p>Preposição + Primeiro</p><p>correlator intensificador</p><p>+ [Nome/Ø] + X</p><p>Segundo correlator</p><p>‘que’ + Y</p><p>10 – 15,87%</p><p>Padrão 4</p><p>Primeiro correlator</p><p>intensificador + X</p><p>Segundo correlator</p><p>não prototípico ‘a</p><p>ponto de’ + Y</p><p>1 – 1,58%</p><p>Total 63 – 100%</p><p>Fonte: Nascimento (2017, p. 90).</p><p>144</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>No padrão 1, estão os types 1 (tão X que Y), 4 (tanto X que Y), 7</p><p>(tal X que Y) e 8 (tamanha</p><p>X que Y). Todos têm sua prótese formada</p><p>por um primeiro correlator (tão, tanto, tal ou tamanha) + X. São os</p><p>usos mais canônicos e mais produtivos da correlação consecutiva.</p><p>No padrão 2, estão os types 3 (X tal que Y), 5 (X tanto que Y) e 6</p><p>(X tamanha que Y). O traço em comum desse padrão é que não há</p><p>material interveniente entre o intensificador (tal, tanto, tamanha)</p><p>e a partícula que, mas há uma fronteira entre eles, marcando o limi-</p><p>te da prótase e o início da apódose.</p><p>No padrão 3, estão os types 2 (de tal forma X que Y), 9 (com</p><p>um grau tal X que Y),28 10 (de tal maneira X que Y) e 11 (de tal modo</p><p>X que Y). Esses correlatores têm o traço comum de serem introdu-</p><p>zidos por preposição e de serem constituídos por um nome (forma,</p><p>grau, maneira, modo).</p><p>Por fim, temos o padrão 4 que é formado por um único type</p><p>(tão X a ponto de Y). Trata-se de um uso bastante idiossincrático,</p><p>pois é pouco produtivo e, além disso, apresenta uma estrutura for-</p><p>mal diferenciada da apódose. Nos três outros padrões, a apódose</p><p>é sempre realizada por meio de que + Y, o que não ocorre com esse</p><p>último padrão.</p><p>Essa sistematização comprova o modo como a correlação con-</p><p>secutiva segue padrões construcionais definidos na língua portu-</p><p>guesa. Todos esses types, por sua vez, cumprem o papel de corre-</p><p>lacionar causa e consequência, cada qual com suas especificidades.</p><p>28 Destacamos que, no type 9, o nome (“grau”) apresenta-se à esquerda do primeiro corre-</p><p>lator, à diferença do que está na generalização do padrão (que prevê o nome à direita do</p><p>primeiro correlator — com um grau tal de X). Entretanto, ainda assim consideramos o type</p><p>9 como uma manifestação do padrão 3. Trata-se de um uso menos prototípico. Ademais,</p><p>em pesquisa livre na internet, localizamos ocorrências de “com um tal grau de”, cujo uso se</p><p>compatibiliza mais perfeitamente com a formalização do padrão 3. Esse é um ponto que</p><p>merece maior atenção em outras pesquisas. Eis o dado: “Mas uma coisa há que deve estar</p><p>profundamente gravada na consciência do povo e de todos os juristas: pode haver leis tais,</p><p>com um tal grau de injustiça e de nocividade para o bem comum, que toda a validade e até</p><p>o caráter de jurídicas não poderão jamais deixar de lhes ser negados” (Radbruch, 1979, p.</p><p>415, grifo do autor).</p><p>145</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Na seção seguinte, procedemos às considerações finais, apresen-</p><p>tando as principais conclusões do trabalho.</p><p>Considerações finais</p><p>A análise dos dados, a partir da interação entre Linguística</p><p>Funcional Centrada no Uso e Gramática de Construções, permitiu-</p><p>-nos chegar às conclusões que serão contempladas nessa seção.</p><p>A primeira observação que podemos pontuar diz respeito</p><p>ao alto grau de esquematicidade das construções correlatas conse-</p><p>cutivas, visto que os diferentes types atestados seguem padrões mais</p><p>ou menos regulares de formação. Tanto na prótase quanto na apó-</p><p>dose, há o recrutamento de itens complexos para sua composição.</p><p>Outro ponto a se comentar é o relativo grau de composiciona-</p><p>lidade das construções correlatas consecutivas, haja vista que ain-</p><p>da é possível rastrear suas partes componentes. Esse grau de com-</p><p>posicionalidade pode ser explicado da seguinte forma: na prótase,</p><p>cria-se uma expectativa ou um realce para a enunciação seguinte</p><p>e, nessa relação, é possível identificar o primeiro correlator inten-</p><p>sificador e o elemento que ele intensifica (ou que enfatiza). Nesse</p><p>sentido, não há total opacidade dos componentes dessa construção.</p><p>A avaliação qualitativa permitiu-nos uma maior aproximação</p><p>de nosso objeto de análise. Nesse sentido, notamos um caráter al-</p><p>tamente intersubjetivo dessas construções. Essa característica está</p><p>intimamente relacionada ao próprio fenômeno mais geral da corre-</p><p>lação, que envolve especificamente um discurso persuasivo e argu-</p><p>mentativo, com a intenção de convencer o interlocutor.</p><p>A análise de dados também nos permitiu identificar o caráter</p><p>icônico das construções correlatas consecutivas, haja vista a sua</p><p>posição fixa no discurso expositivo/argumentativo e a ideia de con-</p><p>sequência que carrega em si. Pelo fato de a consequência ser algo</p><p>que se dá prototipicamente posterior à causa, entendemos que não</p><p>há alternância de posições, ou seja, a causa costuma preceder a con-</p><p>146</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>sequência, que é efetivamente introduzida pelo segundo correlator.</p><p>Inclusive, a própria interdependência típica dos pares correlatos</p><p>não permite essa alternância.</p><p>Finalmente, concluímos a breve exposição dos resultados</p><p>obtidos com um agradecimento especial ao Prof. Dr. Ivo da Costa</p><p>do Rosário. É bem verdade que o referido pesquisador é um ex-</p><p>poente no que diz respeito aos estudos linguísticos no Brasil,</p><p>com ênfase no tema da correlação, ao qual se dedicou durante mui-</p><p>tos anos. Tanta dedicação rendeu excelentes frutos, como disserta-</p><p>ções de mestrado e teses de doutorado, que, decerto, foram e são</p><p>responsáveis por lançar luzes sobre os processos de integração</p><p>de orações.</p><p>Sem dúvida, ainda há muito para ser aprofundando no cam-</p><p>po da correlação consecutiva. Contudo, entendemos que este capí-</p><p>tulo é capaz de traçar um panorama sobre como a consequência</p><p>vem sendo expressa no âmbito da correlação no português. Devido</p><p>ao espaço disponível para este capítulo, não foi possível aprofundar</p><p>os traços e as características dos padrões construcionais da cor-</p><p>relação consecutiva. Os interessados no tema poderão consultar</p><p>a dissertação de mestrado da autora, na íntegra, cuja indicação está</p><p>nas referências bibliográficas deste capítulo ou outras obras sobre</p><p>o assunto.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro:</p><p>Lucerna, 1987.</p><p>BOSQUE, Ignacio; DEMONTE, Violeta (org.). Gramática Descritiva</p><p>da Língua Espanhola. Madrid: Espasa, 1999.</p><p>CASTILHO, Ataliba de. Nova gramática do português brasileiro. São</p><p>Paulo: Contexto, 2014.</p><p>CUNHA, Celso. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:</p><p>FAE, 1990.</p><p>147</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do português</p><p>contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do português</p><p>contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.</p><p>KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. São Paulo:</p><p>Ática, 2002.</p><p>LUFT, Celso Pedro. Gramática Resumida. Rio de Janeiro: Globo, 2004.</p><p>MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramática da língua portuguesa.</p><p>5. ed. Lisboa: Caminho, 2003.</p><p>NASCIMENTO, Marianna Correa Siqueira do. Construções</p><p>correlativas consecutivas sob a perspectiva funcional. 2017.</p><p>Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Programa de</p><p>Pós-graduação em Estudos de Linguagem, Universidade Federal</p><p>Fluminense, Niterói, 2017.</p><p>RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Tradução de Luis Cabral de</p><p>Moncada. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1979.</p><p>RAPOSO, Eduardo Buzaglo Paiva et al. (org.). Gramática do</p><p>Português. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2013. 1 e 2 v.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática Normativa da Língua</p><p>Portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.</p><p>RODRIGUES, Violeta Virginia. Correlação. In: VIEIRA, Silvia</p><p>Rodrigues; BRANDÃO, Sílvia Figueiredo (org.). Ensino de gramática:</p><p>descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. p. 225-236.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva funcional. 2012. Tese (Doutorado em Estudos da</p><p>Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do; OLIVEIRA, Mariangela Rios de.</p><p>Funcionalismo e Abordagem Construcional da Gramática. Alfa,</p><p>Revista de Linguística, São José Rio Preto, v. 60, n. 2, p. 233-259, ago.</p><p>2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5794-1608-</p><p>1. Acesso em: 01 jun. 2024.</p><p>149</p><p>CORRELAÇÃO PROPORCIONAL</p><p>Thaís Pedretti Lofeudo Marinho Fernandes (CCO-UFF)</p><p>Considerações iniciais</p><p>A presente investigação tem como objeto de análise</p><p>a construção proporcional, necessariamente</p><p>instanciada</p><p>por conectores, com base nos estudos de Fernandes (2017).</p><p>Em termos formais, esses conectores podem ser de duas naturezas:</p><p>expressões conectoras não correlatas, como é o caso de à medida</p><p>que; e expressões conectoras correlatas, como quanto mais…mais</p><p>e variações.</p><p>Partimos da concepção de que a proporção instaura um senti-</p><p>do de correspondência entre duas ações ou eventos. Entre as duas</p><p>partes da correlação proporcional não há propriamente “princi-</p><p>pal” e “subordinada”, mas interdependência, visto que a construção</p><p>é um todo de conteúdo, formada por prótase e apódose, à diferença</p><p>do que propõe a tradição gramatical. Para ilustrar esse ponto, exi-</p><p>bimos duas ocorrências a seguir:</p><p>(01) Mesmo sem corresponder a esse diagnóstico</p><p>mais sério, muitas vezes temos a sensação de que es-</p><p>tamos viciados — coisa que o publicitário e professor</p><p>150</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de cultura digital Felipe Teobaldo, 33, percebeu muito</p><p>antes de a maioria dos brasileiros ter um smartpho-</p><p>ne. Em 2012, ele criou um experimento, batizado</p><p>de “100face”: 100 pessoas tentariam ficar 100 dias</p><p>sem usar o Facebook e relatariam suas experiências</p><p>em um blog. [“À medida que os textos iam entrando,</p><p>fazíamos uma qualificação das palavras]. Há quase</p><p>dez anos, já estava claro que aquelas que definiam</p><p>a experiência eram ‘recaída’, ‘vício’, ‘ausência’, ‘de-</p><p>pressão’”, conta. A pior parte, diz ele, é que a maio-</p><p>ria dos participantes eram pessoas que não queriam</p><p>mais usar a rede social, mas não conseguiam sair —</p><p>Teobaldo foi o único que aguentou até o centésimo</p><p>dia. (Disponível em: https://gamarevista.com.br/se-</p><p>mana/vicio- em-telas/como-vencer-o-vicio-no-celu-</p><p>lar-nas-redes-sociais-no-mundo-digital/. Acesso em:</p><p>15 jan. 2021).</p><p>(02) Exatamente, em apenas sete anos você já atingi-</p><p>ria a meta final. Muitas pessoas podem estar a um pas-</p><p>so de atingirem sua meta, mas não se dão conta, pois</p><p>não possuem um plano. [Quanto mais alto um prédio,</p><p>mais tempo se leva na construção de sua fundação].</p><p>A estruturação adequada deste alicerce é fundamen-</p><p>tal para que o prédio não desabe. O mesmo deve ocor-</p><p>rer com seus investimentos. (Disponível em: https://</p><p>degraoemgrao.blogfolha.uol.com.br/2021/01/03/</p><p>por-que-algumas-pessoas-conseguem-construir-um-</p><p>-patrimonio-financeiro-e-outras-nao/. Acesso em:</p><p>03 jan. 2021).</p><p>Em (01) e (02), verificamos que os conteúdos expressos</p><p>nas prótases — à medida que os textos iam entrando e quanto mais</p><p>alto um prédio — incidem diretamente nos conteúdos expressos</p><p>nas apódoses — fazíamos uma qualificação das palavras e mais</p><p>tempo se leva na construção de sua fundação. Desse modo, assumi-</p><p>https://link.estadao.com.br/noticias/geral%2Crede-antissocial%2C10000034752</p><p>https://link.estadao.com.br/noticias/geral%2Crede-antissocial%2C10000034752</p><p>151</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>mos que a proporção pressupõe dois fatos ou eventos implicados,</p><p>em que a manifestação da primeira parte impacta a segunda.</p><p>O fenômeno da correlação não é algo restrito ao plano formal</p><p>ou sintático, mas também se associa ao nível da ligação semântico-</p><p>-pragmática. Assim, adotamos a definição de correlação implemen-</p><p>tada por Rosário (2012), em que se destaca a interdependência,</p><p>tanto no âmbito do sentido quanto no âmbito da forma.</p><p>É preciso destacar que as construções correlatas podem pro-</p><p>totipicamente ser compostas de duas partes interdependentes en-</p><p>cabeçadas por correlatores, como é o caso de (02), mas há também</p><p>casos não prototípicos, ou seja, casos mais marginais, mas que, ainda</p><p>assim, mantêm uma certa relação (mais frouxa) com a correlação.</p><p>Inicialmente vejamos o que as gramáticas nos dizem.</p><p>O que dizem as gramáticas?</p><p>Nesta seção, são revisitadas as referências à construção pro-</p><p>porcional na tradição gramatical. Nesse contexto, a proporção é in-</p><p>tegrada ao rol das orações subordinadas adverbiais proporcionais,</p><p>já que a tradição normativa reserva um tratamento do tema exclusi-</p><p>vamente vinculado à subordinação adverbial. Essa postura diverge</p><p>da adotada neste estudo, pois consideramos que a construção pro-</p><p>porcional se vincula mais diretamente à correlação do que à subor-</p><p>dinação propriamente dita.</p><p>Destacamos que a nomenclatura oração subordinada adver-</p><p>bial proporcional será mantida quando forem feitas referências</p><p>aos estudos da Tradição; no entanto, nos comentários de autoria</p><p>própria, utilizaremos a nomenclatura construção proporcional.</p><p>Há um visível consenso em alocar a construção proporcional</p><p>no bojo das chamadas orações subordinadas adverbiais, constituin-</p><p>do uma postura que se repete em todas as obras consultadas. A se-</p><p>guir, vejamos essa questão em ordem cronológica.</p><p>152</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Said Ali (1964, p. 202, grifos do autor) dá uma contribuição</p><p>importante ao estudo da construção proporcional:</p><p>A oração proporcional denota augmento ou dimi-</p><p>nuição que se faz parallelamente no mesmo sentido</p><p>ou em sentido contrario a outro aumento ou dimi-</p><p>nuição. Usam-se para este fim as expressões: quanto</p><p>mais...,tanto mais...;quanto menos..., tanto menos...;-</p><p>quanto mais..., tanto menos...; quanto menos..., tanto</p><p>mais... ou, tratanto-se de comparativos syntheticos,</p><p>quanto maior... tanto maior; quanto melhor...tanto</p><p>peior; quanto menor...tanto maior...etc.</p><p>Exemplos: Quanto mais leio esta obra, tanto mais</p><p>a aprecio.</p><p>Quanto mais grosso é o vidro, tanto menos se enxerga</p><p>atravez delle.</p><p>Quanto menor é a vaidade de cada um, tanto maior é o</p><p>esforço e applicação.</p><p>[...] Tambem se pode indicar a proporcionalidade re-</p><p>correndo a outras expressões como: á medida que,</p><p>á proporção que: Augmentam as difficuldades domes-</p><p>ticas á medida que a vida encarece.</p><p>O autor aponta diferentes configurações das proporcio-</p><p>nais, baseando-se nas distintas naturezas dos conectores. Ainda</p><p>que centre a sua definição no elemento conector, Said Ali (1964)</p><p>é um dos poucos autores tradicionais a elencar dois tipos distintos</p><p>de veiculação da proporção: de aumento e de diminuição.</p><p>Autores cronologicamente posteriores à Said Ali (1964) re-</p><p>tomam sua definição, como é o caso de Kury (1973) e de Rocha</p><p>Lima (2011). Kury (1973) recorre à definição proposta por Said Ali</p><p>(1964) para conceituar a noção de proporção, demonstrando a for-</p><p>te repercussão da obra, que, apesar de ser datada de 1964, ainda</p><p>é referenciada em textos mais recentes.</p><p>153</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Ainda que de forma cautelosa, com informações entre parên-</p><p>teses, Kury (1973) oferece uma informação inédita sobre o tema</p><p>dentre as gramáticas consultadas. O autor afirma que essas orações</p><p>exprimem “passagem gradual ou proporcional no tempo, ou con-</p><p>cordância (motivo por que poderiam figurar entre as subordina-</p><p>das temporais)” (Kury, 1973, p. 103). Assim, o gramático expõe</p><p>uma aproximação entre as orações temporais e as proporcionais.</p><p>Tal associação deve ser evidenciada, pois, entre autores que não se-</p><p>guem perspectivas tradicionais, como Decat (2001), Castilho (2012)</p><p>e Azeredo (2013), essa proximidade é amplamente mencionada.</p><p>Kury (1973, p. 95, grifos do autor) ainda tece uma breve dis-</p><p>tinção entre as orações proporcionais, baseando-se na natureza</p><p>do elemento conector:</p><p>1. Simples, introduzidas pelas locuções à proporção</p><p>que, à medida que, ao passo que. Exs: “As criaturas</p><p>são mais perfeitas, [à proporção que são mais capazes</p><p>de amor].” (M. Aires, RVH, 169);</p><p>“E, [à proporção que se avizinhava o momento supre-</p><p>mo], mais e mais imprudente lhe parecia a sua teme-</p><p>ridade” (Al. Azevedo, CP, 281).</p><p>2. Correlatas, em que o termo intensivo que introduz</p><p>a oração subordinada (quanto mais, quanto menos,</p><p>quanto melhor, quanto pior) se acha em correlação</p><p>com outro que introduz a chamada oração principal</p><p>(mais, menos, tanto mais, tanto menos, etc.):</p><p>“[Quanto mais se agitava], mais preso na rede ficava”</p><p>(M. Lobato, Fábulas, 172).</p><p>O autor apresenta uma breve taxonomia para esse tipo de ora-</p><p>ção. Destacamos a nomenclatura empregada, uma vez que deno-</p><p>mina as orações como correlatas quando introduzidas por termos</p><p>intensivos.</p><p>Em geral, o emprego dessa nomenclatura é uma atitu-</p><p>de evitada por autores da tradição gramatical, pois remete ao pro-</p><p>154</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>cesso de correlação, que não é reconhecido pela Nomenclatura</p><p>Gramatical Brasileira (NGB).</p><p>A NGB, consagrada pela Portaria Ministerial nº 36,</p><p>de 28/01/1959, admite apenas a coordenação e a subordinação</p><p>como processos sintáticos independentes, excluindo a correlação</p><p>e também a justaposição. Assim como afirmado por Rosário (2007)</p><p>e reiterado no primeiro capítulo deste livro, apesar de a correlação</p><p>apresentar especificidades bem particulares em relação à subor-</p><p>dinação e à coordenação, gramáticas tradicionais, orientadas pela</p><p>NGB, não incluem a correlação no rol de arranjos sintáticos. Por esse</p><p>motivo, quando abordada, é diluída ora no âmbito da coordenação</p><p>ora no da subordinação. A construção proporcional particularmen-</p><p>te é incluída na subordinação adverbial, como se tem observado.</p><p>Retomando Kury (1973), verificamos que o autor trata da cor-</p><p>relação exclusivamente no nível dos conectores, uma vez que con-</p><p>sidera a oração proporcional correlata como aquela introduzida</p><p>por quanto mais, quanto menos, quanto melhor, quanto pior e mais,</p><p>menos, tanto mais, tanto menos etc. O autor tece considerações im-</p><p>portantes sobre a correlação proporcional, mas não diverge do que</p><p>foi estabelecido pela NGB, já que não postula um lugar próprio para</p><p>a correlação, como processo sintático autônomo. Nosso entendi-</p><p>mento é diferente, pois defendemos que a correlação é uma forma</p><p>de organização sintática em que, além dos conectores correlatos,</p><p>há interdependência entre as partes que compõem a construção e,</p><p>por conta disso, não é um caso de subordinação.</p><p>Cunha e Cintra (2008), por sua vez, apresentam uma obser-</p><p>vação curiosa acerca das proporcionais, expondo um breve texto</p><p>introdutório e alguns exemplos. Os autores agrupam as orações</p><p>conformativas e as proporcionais em um bloco, ainda que, em se-</p><p>guida, tratem particularmente de cada uma. Contudo, chama aten-</p><p>ção a seguinte ponderação:</p><p>155</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Como, na classificação das conjunções subordinativas,</p><p>a Nomenclatura Gramatical Brasileira inclui as con-</p><p>formativas e as proporcionais, consequentemente</p><p>admite ela a existência de ORAÇÕES SUBORDINADAS</p><p>ADVERBIAIS (Cunha; Cintra, 2008, p. 622).</p><p>Nesse ponto, identificamos uma possível discordância ou re-</p><p>serva dos autores em relação à NGB, que inclui as conformativas e as</p><p>proporcionais entre as orações adverbiais. A leitura dessa observa-</p><p>ção de Cunha e Cintra (2008), de fato, permite a inferência de que</p><p>a ideia de “orações subordinadas conformativas e proporcionais”</p><p>seria algo “estranho”, devido às especificidades dessas construções</p><p>na língua portuguesa.</p><p>Já Bechara (2009) apresenta definição semelhante à de Said</p><p>Ali (1964) e, em seguida, exibe exemplos de conectores e de ora-</p><p>ções proporcionais. Dentre esses exemplos, expõe um que traz</p><p>o conector ao passo que, que tradicionalmente é tratado no âmbito</p><p>do contraste. Esse é um diferencial dentre os autores levantados,</p><p>visto que Bechara (2009), ainda que de modo não explícito, não res-</p><p>tringe as orações proporcionais aos conectores já reconhecidos.</p><p>No entanto, assim como todos os autores tradicionais consul-</p><p>tados, a classificação está vinculada aos conectores, como se a pro-</p><p>porção se desse exclusivamente por meio de à medida que e à pro-</p><p>porção que, e não pela implicação de aumento/diminuição entre</p><p>informações disponíveis nas partes da construção.</p><p>Por fim, Rocha Lima (2011) também recorre à definição de Said</p><p>Ali (1964) para tratar das proporcionais. Um fator que merece des-</p><p>taque é que Rocha Lima (2011) dá uma ênfase maior aos conecto-</p><p>res descontínuos com adjetivos comparativos, como maior, menor,</p><p>melhor etc.</p><p>Em síntese, apesar de algumas nuances e de pequenas dife-</p><p>renças, todos os autores da tradição gramatical convergem ao tra-</p><p>156</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>tar das construções proporcionais no contexto das subordinadas</p><p>adverbiais proporcionais, seguindo a NGB, que desconsidera a cor-</p><p>relação como processo autônomo de estruturação sintática.</p><p>Outro ponto de convergência é a referência às expressões</p><p>conectoras não correlatas à medida que e à proporção que como</p><p>veiculadoras do conteúdo proporcional. Aliás, de uma forma geral,</p><p>os autores centram a exposição teórica sobre a conexão de orações</p><p>nos conectores. Há quase uma associação automática entre orações</p><p>proporcionais e à medida que e à proporção que. Em determinados</p><p>casos, há menção a conectores descontínuos e a outros conectores,</p><p>como ao passo que. Contudo, isso se dá exclusivamente com base</p><p>em exemplos ou classificações, o que não colabora para desassociar</p><p>a proporção de conectores específicos ou de um fenômeno sintático</p><p>exclusivo.</p><p>Até este ponto do capítulo, é possível sistematizar dois pontos:</p><p>a) a classificação das orações é realizada com base exclusivamen-</p><p>te nos conectores, que têm grande centralidade na abordagem</p><p>tradicional. Essa perspectiva leva à equivocada dedução de que</p><p>não é possível veicular proporção por outros meios que não se-</p><p>jam os conectores mencionados;</p><p>b) a exclusão da correlação como um processo de conexão leva a in-</p><p>coerências na classificação das orações que apresentam conecto-</p><p>res correlatos, pois esses elementos não são abrigados no rótulo</p><p>da subordinação. Por vezes, a solução encontrada é distinguir</p><p>os simples dos correlatos, mas essa estratégia não é capaz de re-</p><p>solver a situação.</p><p>Há um consenso em assumir as construções proporcionais</p><p>como estruturas oracionais subordinadas adverbiais. Em contra-</p><p>partida, percebem-se, de certa forma, algumas características des-</p><p>toantes entre os autores, haja vista a aproximação da semântica</p><p>de proporção à de tempo (Kury, 1973); a inclusão de ao passo que</p><p>157</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(Bechara, 2009) no rol dos conectores proporcionais; e a menção</p><p>aos conectores descontínuos com adjetivos comparativos (Rocha</p><p>Lima, 2011). Como definição em si, a de Said Ali (1964) merece es-</p><p>pecial destaque por fazer alusão à possibilidade de haver relações</p><p>de proporção direta ou indireta.</p><p>Correlação proporcional</p><p>Nesta seção, apresentamos alguns dados de ocorrências</p><p>da construção proporcional, bem como expomos alguns procedi-</p><p>mentos metodológicos para coleta de dados. Os corpora que com-</p><p>põem a base de dados deste estudo são textos da modalidade es-</p><p>crita da atual sincronia do PB. As ocorrências a serem analisadas</p><p>constituem dados reais do uso linguístico, e a coleta tomou como</p><p>base três corpora distintos: Nexo Jornal, Gama Revista e Folha de São</p><p>Paulo.</p><p>A opção pela base de dados formada por textos da modalidade</p><p>escrita se deu pela natureza da construção proporcional. Considera-</p><p>se que a ocorrência de construções correlatas é mais compatível</p><p>com textos mais monitorados, tendo em vista a própria nature-</p><p>za do fenômeno em análise. Conforme evidenciado por Rosário</p><p>(2012), a correlação exibe-se sobretudo no discurso formal, tendo</p><p>em vista que funciona como uma importante estratégia retórica</p><p>na elaboração do discurso.</p><p>No total, foram consultados 1.000 textos provenientes</p><p>dos três corpora referidos. O conjunto de textos totalizou 866.982</p><p>palavras. Essa configuração permitiu o levantamento final de 536</p><p>dados da construção proporcional. Destaca-se que a busca de da-</p><p>dos se deu por meio da leitura integral dos textos, o que possibilita</p><p>uma perspectiva onomasiológica, em que se flagram os usos lin-</p><p>guísticos a partir da ideia mais abstrata de proporção.</p><p>158</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Isto posto, a seguir expomos as análises de algumas ocorrên-</p><p>cias, agrupadas de acordo com a natureza das expressões conecto-</p><p>ras. Optamos por organizar essa parte do capítulo em “expressões</p><p>conectoras não correlatas” e “expressões conectoras correlatas”.</p><p>Frisamos que, em ambos os casos, há o fenômeno da correlação.</p><p>No primeiro bloco, a correlação é perfilada mais claramente no pla-</p><p>no funcional, visto que não há</p><p>a presença de correlatores duplos</p><p>e descontínuos, como é típico da correlação canônica. Contudo, ain-</p><p>da assim defendemos o estatuto da correlação nesses casos, pois</p><p>há um traço marcante nessas estruturas, que é a interdependência</p><p>funcional entre prótase e apódose, além de outros traços que se-</p><p>rão discutidos adiante. No segundo grupo, temos a correlação mais</p><p>prototípica, com interdependência formal e funcional mais claras.</p><p>Expressões conectoras não correlatas</p><p>Nesta seção são expostos exemplares da construção propor-</p><p>cional em que estão presentes expressões conectoras não correla-</p><p>tas, como é o caso de à medida que, enquanto e conforme.</p><p>(03) Em 2012, ele criou um experimento, batizado</p><p>de “100face”: 100 pessoas tentariam ficar 100 dias</p><p>sem usar o Facebook e relatariam suas experiências</p><p>em um blog. [“À medida que os textos iam entrando,</p><p>fazíamos uma qualificação das palavras]. Há quase</p><p>dez anos, já estava claro que aquelas que definiam</p><p>a experiência eram ‘recaída’, ‘vício’, ‘ausência’, ‘de-</p><p>pressão’”, conta. A pior parte, diz ele, é que a maio-</p><p>ria dos participantes eram pessoas que não queriam</p><p>mais usar a rede social, mas não conseguiam sair —</p><p>Teobaldo foi o único que aguentou até o centésimo</p><p>dia. (Disponível em: https://gamarevista.com.br/se-</p><p>mana/vicio-em-telas/como-vencer-o-vicio-no-celu-</p><p>lar-nas-redes-sociais-no-mundo-digital/. Acesso em:</p><p>15 jan. 2021).</p><p>https://link.estadao.com.br/noticias/geral%2Crede-antissocial%2C10000034752</p><p>https://link.estadao.com.br/noticias/geral%2Crede-antissocial%2C10000034752</p><p>159</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em (03), o texto trata do uso excessivo de redes sociais. Nesse</p><p>dado, expõe-se a implicação entre “os textos iam entrando” e “fazí-</p><p>amos uma qualificação das palavras”, de modo que as duas ações</p><p>marcam uma relação direta de causa e efeito: na primeira parte,</p><p>introduzida pela expressão conectora não correlata (à medida que),</p><p>evidencia-se a causa, ao passo que, na segunda, o efeito da ação</p><p>exposta.</p><p>No dado, verificamos um acentuado valor temporal, tendo</p><p>em vista que são ações que se dão no tempo, de modo que uma</p><p>necessariamente enseja a outra: os textos iam entrando e, depois,</p><p>em função disso, se fazia uma qualificação das palavras. Por esse</p><p>motivo, a ordenação linear das ações expostas assume especial re-</p><p>levância entre tais exemplares.</p><p>Outro aspecto que deve ser ressaltado é o tempo verbal e a</p><p>forma nominal empregados. A vinculação entre tempo e proporção</p><p>se efetiva dentro de um quadro de especificidade temporal em que</p><p>as ações ou eventos se dão gradativamente. Dessa forma, o uso</p><p>do pretérito imperfeito combinado ao gerúndio enfatiza essa pro-</p><p>gressão das ações, que não se dão pontualmente, mas de modo con-</p><p>tínuo. Assim, enfatiza-se a interdependência no plano do sentido,</p><p>pois uma parte demanda a ocorrência da segunda.</p><p>Em seguida, identifica-se mais uma ocorrência em que se apre-</p><p>senta a mesma expressão conectora:</p><p>(04) As vacinas contra a covid-19 devem ser eficazes</p><p>contra a nova variante brasileira, segundo pesquisa-</p><p>dores. Embora o vírus tenha passado por mutações,</p><p>elas não seriam suficientes para impedir a resposta</p><p>das vacinas. Especialistas alertam, porém, que, quanto</p><p>mais mutações houver, mais chances de surgirem cepas</p><p>resistentes aos imunizantes. [A probabilidade de novas</p><p>variantes surgirem aumenta na medida em que o ví-</p><p>rus circula]. “Quanto mais a covid-19 se espalha, mais</p><p>160</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>possibilidades há de que continue evoluindo. A trans-</p><p>missibilidade de algumas variantes do vírus pare-</p><p>ce estar aumentando”, disse o diretor-geral da OMS</p><p>(Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom,</p><p>na segunda-feira (11). (Disponível em: https://www.</p><p>nexojornal.com.br/expresso/2021/01/16/Os-riscos-</p><p>da-nova-variante.-E-seu-papel-no-colapso-em-</p><p>Manaus. Acesso em: 10 maio 2020).</p><p>Em (04), há três ocorrências de construções proporcionais.</p><p>Contudo, selecionamos a que apresenta a expressão conectora</p><p>não correlata para a presente análise. Diferentemente do que se ve-</p><p>rificou em (03), em (04) expõe-se uma relação em que o efeito an-</p><p>tecede a causa, invertendo-se a ordem linear. Isso ocorre porque</p><p>A probabilidade de novas variantes surgirem aumenta é efeito de o</p><p>vírus circula, que constitui a causa. No entanto, apesar dessa inver-</p><p>são, que torna tal ocorrência mais marcada, pois é mais complexa</p><p>cognitivamente, verificamos que ainda há uma clara interdepen-</p><p>dência fomentada pela relação de causa e efeito, em que uma parte</p><p>demanda a outra. Aliás, essa é uma oração que seria tradicionamen-</p><p>te classificada como causal, haja vista o uso do conector na medida</p><p>em que. Nesse caso, o que verificamos é um destaque maior ao efei-</p><p>to, que encabeça a construção.</p><p>No entanto, ainda que se confira esse maior destaque, pon-</p><p>tuamos novamente a marca de uma relação de interdependência,</p><p>uma vez que é o conteúdo exposto na segunda parte que proporcio-</p><p>na a ocorrência do exposto na primeira.</p><p>Vejamos agora um dado pouco prototípico, no campo das cons-</p><p>truções proporcionais:</p><p>(05) A pré-história, apesar de não ter moldado a con-</p><p>temporaneidade tal qual os eventos do século 20,</p><p>é importantíssima para entender a evolução da huma-</p><p>nidade numa escala mais ampla. A humanidade sur-</p><p>161</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>giu na África há 5 ou 7 milhões de anos. [Conforme</p><p>o tempo foi passando, os animais do gênero Homo fo-</p><p>ram se desenvolvendo e se tornando mais inteligentes</p><p>e hábeis]. Em um título dado por historiadores do sé-</p><p>culo 19, a humanidade atingiu, há cerca de 3 milhões</p><p>de anos, a Idade da Pedra, caracterizada pela criação</p><p>de ferramentas de pedra por parte dos seres huma-</p><p>nos. (Disponível em: https://www.nexojornal.</p><p>com.br/expresso/2021/01/13/O-estudo-que-p%-</p><p>C3%B5e-em-xeque-a-periodiza%C3%A7%C3%A3o-</p><p>-da- Idade-da-Pedra. Acesso em: 13 jan. 2021).</p><p>Em (05), detectamos uma relação híbrida que conjuga confor-</p><p>midade e tempo, que, por sua vez, aproxima-se da proporção, por se</p><p>tratar de uma ação em progresso. No dado, concatenam-se as ações</p><p>de o tempo passando e o desenvolvimento e transformação dos ani-</p><p>mais do gênero Homo em seres mais inteligentes e hábeis. A noção</p><p>temporal é notória pela própria menção a tempo na primeira par-</p><p>te, porém é uma noção temporal contínua e progressiva, enfatizada</p><p>pelas formas verbais empregadas (verbos auxiliares no pretérito</p><p>perfeito e verbos principais em suas formas nominais de gerúndio).</p><p>Além disso, ainda se expõe uma relação de implicação: a pas-</p><p>sagem do tempo contribui para o desenvolvimento dos animais</p><p>do gênero Homo. Configura-se uma relação de causa e efeito, ain-</p><p>da que indireta, reforçada pelo elemento mais, que antecede inte-</p><p>ligentes e hábeis. Tal aspecto é característico da proporção: ações</p><p>ou eventos em progressão e implicados, de modo que um impacta</p><p>a ocorrência do outro. Nesse contexto, o que se verifica é uma re-</p><p>lação de conformidade que se aproxima da proporção via tempo</p><p>concomitante.</p><p>Por fim, verifica-se uma ocorrência que apresenta outro co-</p><p>nector igualmente não prototípico no campo da proporção:</p><p>162</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(06) O benefício – que foi de R$ 600 entre abril</p><p>e agosto e será reduzido para R$ 300 entre setem-</p><p>bro e dezembro –, na prática, ajudou a diminuir</p><p>a pobreza no Brasil a níveis historicamente baixos.</p><p>Há, portanto, um movimento divergente: [enquanto</p><p>a desigualdade de renda do trabalho aumenta, a desi-</p><p>gualdade de todas as rendas, que considera o auxílio,</p><p>cai]. Segundo o estudo, isso aponta para uma pio-</p><p>ra da desigualdade no Brasil no momento em que</p><p>o auxílio emergencial e seu “efeito anestesia” forem</p><p>retirados. A situação social pode piorar ainda mais.</p><p>(Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/</p><p>expresso/2020/09/13/O-aumento-na-desigualda-</p><p>de-de-renda-do-trabalho-na-pandemia. Acesso em:</p><p>12 jun. 2020).</p><p>Em (06), exibimos um dado em que se identifica a implicação</p><p>entre o aumento da desigualdade de renda do trabalho e a queda</p><p>de desigualdade de todas as rendas. Nele, verificam-se, pelo</p><p>menos,</p><p>três sentidos sobrepostos, a saber: causa-efeito, tempo e propor-</p><p>ção. Um aspecto relevante que deve ser levado em consideração é a</p><p>ocorrência dos verbos aumentar e cair, um em cada parte da cons-</p><p>trução. Essa ocorrência enfatiza a relação de implicação, já que</p><p>o aumento de uma ação promove a queda da outra, e isso corrobora</p><p>também a leitura proporcional.</p><p>Nesses dados, constatamos a presença do elemento temporal</p><p>porque os eventos se desenvolvem no tempo, fazendo referência</p><p>à variação de renda entre os meses em destaque. Já a proporção</p><p>é identificada justamente na sua interseção com tempo, uma vez</p><p>que constitui uma especificidade temporal. No entanto, podemos</p><p>estabelecer uma distinção entre enquanto temporal e enquanto</p><p>proporcional, que é baseada na duração e na implicação ou não</p><p>das ações expostas. Isso se torna possível porque os contextos mais</p><p>proporcionais são caracteristicamente marcados por ações pro-</p><p>163</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>gressivas e implicadas, ao passo que os contextos mais temporais,</p><p>por ações pontuais e concomitantes.</p><p>Segundo Neves (2018), na língua não há categorias estanques,</p><p>com conectores sempre associados a uma única noção semânti-</p><p>ca. Nas construções proporcionais, tais sobreposições de sentido</p><p>são particularmente comuns. Ocorrências com à medida que se re-</p><p>lacionam a tempo, o que as aproxima das ocorrências de constru-</p><p>ções proporcionais que apresentam enquanto e conforme com no-</p><p>ção de progressão, ao passo que as construções com expressões</p><p>conectoras correlatas se avizinham da comparação.</p><p>Como exposto nas primeiras ocorrências aqui apresentadas,</p><p>as expressões conectoras não correlatas, apesar de veicularem sen-</p><p>tido proporcional, que instaura por si a interdependência, não têm</p><p>a marcação dupla de correlatores no nível da forma. Entretanto,</p><p>ainda assim, considera-se que a definição de correlação recobre</p><p>essas construções, uma vez que concebemos a correlação como</p><p>construção sintática prototipicamente composta por duas partes</p><p>interdependentes e relacionadas entre si. Grifa-se o termo proto-</p><p>tipicamente, pois assumimos que as construções proporcionais</p><p>até aqui apresentadas mantêm uma relação mais frouxa com a cor-</p><p>relação em comparação às construções com correlatores, expostas</p><p>a seguir.</p><p>Expressões conectoras correlatas</p><p>Nesta seção são expostos exemplares da construção propor-</p><p>cional em que estão presentes expressões conectoras correlatas,</p><p>como é o caso de quanto mais…mais, quanto mais…maior e quanto</p><p>mais…menos.</p><p>(07) As vacinas contra a covid-19 devem ser eficazes</p><p>contra a nova variante brasileira, segundo pesquisa-</p><p>dores. Embora o vírus tenha passado por mutações,</p><p>164</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>elas não seriam suficientes para impedir a respos-</p><p>ta das vacinas. Especialistas alertam, porém, que,</p><p>[quanto mais mutações houver, mais chances de sur-</p><p>girem cepas resistentes aos imunizantes]. A probabili-</p><p>dade de novas variantes surgirem aumenta na medi-</p><p>da em que o vírus circula. “[Quanto mais a covid-19</p><p>se espalha, mais possibilidades há de que continue</p><p>evoluindo]. A transmissibilidade de algumas varian-</p><p>tes do vírus parece estar aumentando”, disse o dire-</p><p>tor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde),</p><p>Tedros Adhanom, na segunda-feira (11). (Disponível</p><p>em: https://www.nexojornal.com.br/expres-</p><p>so/2021/01/16/Os-riscos-da-nova-variante.-E-seu-</p><p>papel-no-colapso-em-Manaus. Acesso em: 01 mar.</p><p>2020).</p><p>Em (07), atestamos dois exemplares em uma sequência</p><p>que disserta sobre o alerta de especialistas sobre a Covid-19, in-</p><p>clusive com um trecho de discurso direto do diretor-geral da OMS.</p><p>Na primeira ocorrência, expõe-se uma relação de implicação entre</p><p>novas mutações e o efeito de surgimento de novas cepas; já a segun-</p><p>da correlaciona o espalhamento do vírus com o aumento das possi-</p><p>bilidades de evolução. Em ambas, identifica-se uma relação direta</p><p>em que as causas — ocorrência de novas mutações e alastramen-</p><p>to do vírus — antecedem os efeitos — surgimento de novas cepas</p><p>e aumento de possibilidade de evolução do vírus.</p><p>Azeredo (2013), que adota uma postura menos tradicional</p><p>e mais atenta a estudos contemporâneos da língua portuguesa,</p><p>apresenta uma interpretação importante para essas proporcionais.</p><p>O autor as associa ao grupo de relações comparativas, identifican-</p><p>do que as proporcionais com conectores correlatos são uma for-</p><p>ma enfática de expressar a proporção, de modo que as duas partes</p><p>são causa e efeito uma da outra. Com isso, Azeredo (2013) propõe</p><p>uma leitura não reduzida dos matizes semânticos, visto que se re-</p><p>165</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>vela a combinação das noções de causa-efeito e comparação, pro-</p><p>movendo a proporção enfática. Tal ponto de vista, que integra dis-</p><p>tintos valores semânticos, converge com a postura adotada neste</p><p>estudo, tendo em vista que não se defende a adoção de categorias</p><p>estanques, mas a possibilidade empírica de sobreposição de senti-</p><p>dos em uma mesma construção.</p><p>A seguir, verifica-se um dado com a expressão conectora quan-</p><p>to mais…maior:</p><p>(08) Há um porém. Via de regra, as empresas que ope-</p><p>ram o transporte público no país são pagas de acordo</p><p>com o número de passageiros que carregam. Ou seja,</p><p>[quanto mais passageiros, maior a rentabilidade</p><p>da empresa de ônibus] – o que estimula a lotação. A re-</p><p>dução na demanda coloca toda a operação em risco.</p><p>Na média nacional, o equilíbrio financeiro das em-</p><p>presas de ônibus hoje depende de que haja 6 passa-</p><p>geiros por metro quadrado, segundo dados da NTU</p><p>(Associação Nacional de Empresas de Transporte</p><p>Urbano). (Disponível em: https://www1.folha.uol.</p><p>com.br/cotidiano/2020/07/para-evitar-fuga-de-</p><p>-passageiro-transporte-publico-pos-pandemia-tera-</p><p>-de-rever-modelo-e-lotacao.shtml. Acesso em: 10 jul.</p><p>2020).</p><p>O dado em análise introduz um conteúdo que visa a sintetizar</p><p>o desenvolvimento de uma ideia já apresentada. Essa síntese é in-</p><p>dicada pelo uso do operador ou seja, seguido da correlação propor-</p><p>cional instanciada por quanto mais...maior. Esse recurso argumen-</p><p>tativo é utilizado com o fim de sinalizar a ideia de que as empresas</p><p>são pagas de forma proporcional à quantidade de passageiros</p><p>que utilizam seus serviços. Assim, a quantidade maior de passagei-</p><p>ros suscita ou acarreta o aumento de rentabilidade.</p><p>https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2020/06/onibus-contrariam-determinacao-e-viajam-lotados-na-capital-paulista.shtml</p><p>166</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em conformidade com Azeredo (2013), constatamos um tipo</p><p>de comparação em que os elementos comparados constituem cau-</p><p>sa e efeito, promovendo uma forma enfática de proporção. De fato,</p><p>é o que se verifica em (08), que, com ênfase nos elementos de base</p><p>nominal, correlaciona a causa mais passageiros ao efeito maior ren-</p><p>tabilidade das empresas de ônibus.</p><p>Por fim, exibimos o último dado deste capítulo, que apresenta</p><p>a expressão conectora correlata quanto mais…menos:</p><p>(09) E isso tem fundamento: segundo a pesquisa,</p><p>70% dos solteiros americanos têm verdadeiro pânico</p><p>de se divorciar. Então se é para casar, que seja uma es-</p><p>colha certeira. “O que acontece hoje é um alongamen-</p><p>to do estágio de pré-comprometimento. O casamento</p><p>antes era o começo da vida a dois. Hoje, é como o fim</p><p>de uma série de TV”, diz Fisher. Segundo ela, [quanto</p><p>mais tarde as pessoas se casam, menos chance têm de</p><p>se divorciar]. Mas não é só o medo do fim que desa-</p><p>celerou o romance, os motivos combinam mudanças</p><p>culturais na sociedade: a mulher mais ativa no mer-</p><p>cado de trabalho e reafirmando seus direitos e sua se-</p><p>xualidade. (Disponível em: https://gamarevista.com.</p><p>br/semana/como-vai- o-seu-amor/como-sao-as-re-</p><p>lacoes-amorosas-hoje/. Acesso em: 13 jun. 2020).</p><p>Em (09), aborda-se a temática voltada ao adiamento do casa-</p><p>mento na atualidade. No dado em destaque, relacionam-se, de modo</p><p>inversamente proporcional, a progressão do referido adiamento</p><p>e a diminuição das chances de divórcio. Assim, demarcadas pelos</p><p>intensificadores descontínuos, mais e menos, implicam-se ações</p><p>de forma opostas.</p><p>A relação de descontinuidade é reforçada pelos elementos</p><p>intensificadores, de modo que, com arcabouço comparativo, dis-</p><p>põem-se lado a lado duas ações, em que o aumento da primeira</p><p>167</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>induz a diminuição da segunda. Destacamos que a relação inver-</p><p>samente proporcional requer um esforço cognitivo maior do usu-</p><p>ário da língua, se comparado aos usos diretamente proporcionais,</p><p>em razão da combinação de elementos de polaridades opostas.</p><p>Consideramos que as construções expostas nesta seção</p><p>se acomodam de modo mais confortável ao conceito de correlação.</p><p>No nível da forma, os correlatores introduzem prótase e apódose</p><p>em uma relação de interdependência e, no nível do sentido, instau-</p><p>ra-se a própria definição de proporção, que se baseia na pressupo-</p><p>sição de uma contraparte, relacionada de forma direta ou indireta-</p><p>mente proporcional ao conteúdo expresso na primeira parte.</p><p>Assim, em comparação com as construções conectoras</p><p>não correlatas, apresentadas na seção anterior, concluímos que a</p><p>correlação proporcional ocorre na língua portuguesa de diferentes</p><p>maneiras, em níveis diferenciados de interdependência sintático-</p><p>-semântica. Nesse sentido, ocorrências com expressões conecto-</p><p>ras correlatas e não correlatas têm em comum a interdependência</p><p>de sentido; já no que concerne à forma, as primeiras têm a presença</p><p>de correlatores introduzindo ambas as suas partes, o que não ocor-</p><p>re nas últimas. Com isso, assume-se que a correlação proporcional</p><p>é mais prototipicamente evidenciada em (02), (07), (08) e (09),</p><p>e de modo mais marginal em (03), (04), (05) e (06). Esses quatro</p><p>últimos dados, aliás, apresentam conectores não tradicionalmente</p><p>associados à proporção, como é o caso de enquanto e conforme.</p><p>Considerações finais</p><p>Neste capítulo, procuramos evidenciar os distintos ca-</p><p>sos de correlação proporcional instaurados no uso linguístico.</p><p>Ressaltamos, na análise, as aproximações de sentido entre tem-</p><p>po, causa-efeito, conformidade e proporção na correlação com ex-</p><p>pressões conectoras não correlatas, ao passo que, nas construções</p><p>168</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>com expressões correlatas, identificamos a associação entre causa-</p><p>-efeito, comparação e proporção.</p><p>A presente investigação buscou contribuir para os estudos vol-</p><p>tados para o campo da proporção, normalmente tratada de forma</p><p>tão lacônica e lacunar nas gramáticas do português. Evidenciamos,</p><p>com base neste trabalho, que há uma ampla gama de possibilidades</p><p>para realização de pesquisas futuras, com destaque para a aplica-</p><p>ção didática deste estudo, levando contribuições à Educação Básica.</p><p>Por fim, de modo muito particular, destaco a importância</p><p>do papel desempenhado pelo Prof. Dr. Ivo da Costa do Rosário,</p><p>como meu orientador durante o período de mestrado e doutorado.</p><p>Sob a sua orientação, pude descobrir um pouco mais sobre as tão</p><p>instigantes proporcionais. Agradeço imensamente por ter confiado</p><p>a mim esse objeto de estudos tão instigante.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AZEREDO, José Carlos de. Iniciação a sintaxe do português. Rio de</p><p>Janeiro: Jorge Zahar, 2013.</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de</p><p>Janeiro: Lucerna, 2009.</p><p>BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.</p><p>Brasília: MEC, 2018.</p><p>CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português</p><p>brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2012.</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português</p><p>contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.</p><p>DECAT, Maria Beatriz Nascimento et al. (org.). Aspectos da gramática</p><p>do português: uma abordagem funcionalista. Campinas: Mercado</p><p>das Letras, 2001.</p><p>FERNANDES, Thais Pedretti Lofeudo Marinho. Construções</p><p>correlatas proporcionais sob a perspectiva da Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso. 2017. Dissertação (Mestrado em Estudos</p><p>169</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>de Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.</p><p>KURY, Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática. São Paulo:</p><p>Ática, 1973.</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática do português revelada</p><p>em textos. São Paulo: Editora da UNESP, 2018.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua</p><p>portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva funcional. 2012. Tese (Doutorado em Estudos da</p><p>Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos da</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa. Teoria da correlação revisitada. In: SEMANA</p><p>NACIONAL DE ESTUDOS FILOLÓGICOS E LINGUÍSTICOS, 9., 2007,</p><p>São Gonçalo. Anais [...]. São Gonçalo: CiFEFiL, 2007. Disponível em:</p><p>http://www.filologia.org.br/ixsenefil/anais/25.htm. Acesso em:</p><p>22 nov. 2023.</p><p>SAID ALI, Manuel. Gramática Secundária da Língua Portuguesa. São</p><p>Paulo: Melhoramentos, 1964.</p><p>171</p><p>CORRELAÇÃO COMPARATIVA</p><p>Letícia Martins Monteiro Barros (CCO-UFF)</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>Considerações iniciais</p><p>A comparação é uma estratégia comunicativa que pro-</p><p>põe analisar paralelamente, ao menos, dois elementos,</p><p>com a finalidade de que, a partir dessa relação de cotejo,</p><p>obtenham-se traços semelhantes e/ou diferentes. Frequentemente,</p><p>os usuários de uma língua se valem desse recurso para se expressa-</p><p>rem melhor ou para argumentarem com maior eficiência, a depen-</p><p>der da motivação discursiva.</p><p>Por se tratar de uma estratégia bastante utilizada no cotidia-</p><p>no, a comparação é realizada com diferentes formas e funções den-</p><p>tro do discurso, configurando, portanto, um mecanismo complexo</p><p>cujas particularidades estruturais e funcionais devem ser explora-</p><p>das de modo integrado. Tendo isso em vista, este capítulo pretende</p><p>inicialmente mostrar de que modo as construções comparativas</p><p>são geralmente descritas e classificadas nos manuais de gramática</p><p>e, paralelamente a isso, apresentar a correlação, com base em da-</p><p>dos reais de uso linguístico, como um fenômeno que permite ex-</p><p>172</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>plicar de maneira mais adequada o vínculo encontrado em muitos</p><p>dos casos em que se elabora a comparação.</p><p>Vale ressaltar que existem muitos tipos de construções com-</p><p>parativas, tanto correlatas como não correlatas. Nesse grande uni-</p><p>verso, há também usos que apresentam um tipo de comparação</p><p>menos prototípico. Um desses casos será tratado no capítulo se-</p><p>guinte desta obra, com base nos estudos de Barros (2022).</p><p>Este estudo, contudo, tem como foco as correlações compa-</p><p>rativas mais próximas das canônicas, ou seja, as mais padroniza-</p><p>das no português, ainda que possam ser mencionados brevemente</p><p>casos mais marginais e não correlatos. Pretende-se, neste capítu-</p><p>lo, portanto, evidenciar tais construções comparativas do portu-</p><p>guês e tentar explicar, com base nos critérios propostos por Neves</p><p>(2011), como ocorre a sua elaboração, no que diz respeito tanto</p><p>à forma quanto ao significado.</p><p>Para que esse objetivo seja alcançado, este capítulo está orga-</p><p>nizado do seguinte modo: a primeira seção traz um resumo de como</p><p>a comparação é abordada dentro das gramáticas; a segunda defen-</p><p>de a correlação como um fenômeno de organização sentencial a ser</p><p>considerado, tendo como base construções comparativas; por fim,</p><p>na terceira, apresentam-se os critérios estabelecidos por Neves</p><p>(2011) para detalhar como esse tipo de construção é elaborado.</p><p>A dicotomia coordenação x subordinação e a</p><p>visão tradicional sobre as comparativas</p><p>No que tange à classificação de orações, apenas dois proces-</p><p>sos de articulação (a coordenação e a subordinação) são geralmen-</p><p>te considerados pelas gramáticas da língua portuguesa. Esses pro-</p><p>cessos, por sua vez, normalmente se distinguem de acordo com os</p><p>critérios de (in)dependência semântica e/ou sintática. Tal divisão</p><p>simplificada tem como consequência uma demasiada generaliza-</p><p>ção, já que muitos fenômenos da língua têm particularidades im-</p><p>173</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>portantes</p><p>que acabam sendo desconsideradas devido às dissonân-</p><p>cias em relação a essas categorias.</p><p>As comparativas, foco deste estudo, são prova de que as classi-</p><p>ficações propostas e as explicações fornecidas nos manuais de gra-</p><p>máticas não consideram aspectos importantes de sua forma e de</p><p>sua função no discurso, conforme será mostrado a seguir. Como</p><p>exemplo de tratamentos propostos por gramáticos, pode-se ci-</p><p>tar a definição dada por Rocha Lima (2017, 348), segundo a qual</p><p>“a comparação se realiza, no plano do período composto por su-</p><p>bordinação, mediante uma construção de dois membros em que</p><p>um é posto em cotejo do outro”. Para Cunha e Cintra (2016, p. 619-</p><p>621), “segundo a conjunção ou locução conjuntiva que as enca-</p><p>bece, [as orações subordinadas adverbiais] classificam-se em [...]</p><p>COMPARATIVAS, se a conjunção é subordinativa comparativa”.</p><p>As citações anteriores são uma amostra do tratamento dado</p><p>às construções comparativas na ótica das gramáticas tradicionais.</p><p>No que tange à correlação observada em algumas estruturas com-</p><p>parativas, Rocha Lima (2017) e Bechara (2009) reconhecem a sua</p><p>particularidade estrutural em relação às demais orações subordi-</p><p>nadas adverbiais, sem, no entanto, classificá-la como um fenômeno</p><p>à parte. De acordo com esses autores, há dois tipos fundamentais</p><p>de oração subordinada adverbial comparativa: as assimilativas,</p><p>apresentadas pela conjunção como, equivalentes à oração mo-</p><p>dal do mesmo modo que; e as quantitativas, por meio das quais</p><p>se estabelece um confronto entre “fatos semelhantes (comparação</p><p>de igualdade), ou fatos dissemelhantes (comparação de superiori-</p><p>dade ou de inferioridade)” (Rocha Lima, 2017, p. 349). Esse segun-</p><p>do tipo apresenta o que Rocha Lima (2011) chama de “fórmulas</p><p>correlativas”, ou seja, dois elementos que aparecem paralelamente</p><p>em cada uma das orações.</p><p>Nota-se, a partir das menções aos trabalhos dos gramáticos</p><p>anteriores, que é comum abrigar a comparação dentro do esco-</p><p>174</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>po das subordinadas adverbiais, um grupo bastante heterogêneo</p><p>que abrange diversos tipos de construções. Isso tende a ocorrer</p><p>até mesmo quando o grau de similaridade entre essas construções</p><p>é bastante distinto. Cunha e Cintra (2016, p. 618), por exemplo, afir-</p><p>mam que tais orações “funcionam como adjunto adverbial de outras</p><p>orações e vêm, normalmente, introduzidas por uma das conjun-</p><p>ções subordinativas”. Para Rocha Lima (2017, p. 341), elas “assim</p><p>se denominam porque, equivalentes a um advérbio, figuram como</p><p>adjunto adverbial da oração a que se subordinam”. Na perspecti-</p><p>va dos gramáticos citados, identificar uma oração como adverbial</p><p>significa afirmar que ela tem equivalência, no enunciado, com um</p><p>advérbio ou locução adverbial. Além desse ponto, isso implica tam-</p><p>bém reconhecer que ela se encontra subordinada a uma matriz.</p><p>Por outro lado, as orações comparativas não guardam estrita equi-</p><p>valência com advérbios nem se comportam como subordinadas</p><p>a uma principal ou matriz.</p><p>A propósito, os advérbios por si só formam um grupo bastan-</p><p>te heterogêneo, cujos critérios de classificação são difíceis de se-</p><p>rem definidos. Das quatro grandes classes de palavras, segundo</p><p>Givón (2001, p. 87-88), a categoria adverbial é a menos homogê-</p><p>nea em termos semânticos, sintáticos e morfológicos, já que pode</p><p>assumir no discurso diversas funções, tais como tempo, modo,</p><p>condição, finalidade etc. A classificação oracional das subordina-</p><p>das adverbiais parece espelhar tal heterogeneidade, e tentar defi-</p><p>ni-la com precisão acaba se tornando um desafio complexo de ser</p><p>alcançado.</p><p>Ainda que seja evidente a falta de homogeneidade no que con-</p><p>cerne à classe dos advérbios e, por conseguinte, à categoria de or-</p><p>ganização sentencial das chamadas “orações adverbiais”, os gramá-</p><p>ticos tradicionais, de modo geral, tendem a abrigar a comparação</p><p>dentro da subordinação adverbial.</p><p>175</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Bechara (2009, p. 473), ao classificar as orações complexas</p><p>de transposição adverbial, divide-as em dois tipos: em um grupo es-</p><p>tariam as subordinadas adverbiais propriamente ditas e, em outro,</p><p>as comparativas e consecutivas.</p><p>O primeiro grupo englobaria orações que exercem função</p><p>de advérbio ou locução adverbial, as quais podem ser substituídas</p><p>sem grandes prejuízos para o sentido geral do enunciado. Nesse</p><p>grupo, as orações podem expressar uma variedade de noções, como</p><p>modo, tempo, lugar, causa, finalidade, condição e concessão. Tais</p><p>orações representam “um adjunto ou determinante circunstancial</p><p>não argumental do núcleo verbal” (Bechara, 2009, p. 471).</p><p>O segundo grupo, por sua vez, abrangeria as orações compara-</p><p>tivas e consecutivas, que poderiam ser classificadas conjuntamente</p><p>devido à dependência comum de um antecedente de natureza adje-</p><p>tival ou adverbial para que se estabeleça uma relação direta com o</p><p>núcleo do verbo. Em relação especificamente a esse segundo grupo,</p><p>que é interessante para este estudo, Bechara (2009, p. 471) ilustra,</p><p>por meio dos seguintes exemplos, a classificação proposta:</p><p>(01) Janete estuda mais que trabalha.</p><p>(02) Janete é tão aplicada aos estudos que não lhe so-</p><p>bra tempo para o trabalho.</p><p>No exemplo (01), a oração “que trabalha” estaria diretamen-</p><p>te ligada ao advérbio “mais” e formaria uma comparação entre</p><p>as ações de estudar e trabalhar. Similarmente, no exemplo (02),</p><p>a oração “que não lhe sobra tempo para o trabalho” se vincularia</p><p>ao quantificador “tão”, para que a ideia de consequência fosse cons-</p><p>truída. Essa relação, entendida por Bechara (2009) e por outros</p><p>gramáticos tradicionais como dependência, é tratada como um caso</p><p>de subordinação. No entanto, esse tipo de elaboração se apresenta</p><p>de modo diferente dos demais casos dessa categoria, já que, enquan-</p><p>to se verificam geralmente orações subordinadas ligadas por ape-</p><p>176</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>nas um elemento conectivo, nos exemplos anteriores cada uma das</p><p>partes da sentença apresenta um elemento responsável por esta-</p><p>belecer a conexão entre elas — “mais que” e “tão...que”, respecti-</p><p>vamente. Esse modo de entrelaçamento, conforme será discutido</p><p>neste capítulo, é tratado como interdependência, por autores como</p><p>Oiticica (1952), Módolo (1999, 2008), Castilho (2012) e Rosário</p><p>(2018), os quais criticam a classificação do período composto entre</p><p>apenas dois grupos, quais sejam, coordenação e subordinação.</p><p>Pode-se defender, portanto, que a generalização promovida</p><p>pelo tratamento dicotômico utilizado para a classificação de ora-</p><p>ções faz com que aspectos estruturais e funcionais importantes</p><p>sejam negligenciados. O agrupamento de uma série de aspectos,</p><p>por vezes contrastantes, dentro da mesma categoria impossibilita</p><p>o aprofundamento das análises linguísticas e faz com que várias ins-</p><p>tâncias da língua careçam de um tratamento adequado e consisten-</p><p>te envolvendo, ao mesmo tempo, aspectos de forma e significado.</p><p>Conforme mencionado, Oiticica (1952), Módolo (1999, 2008),</p><p>Castilho (2012) e Rosário (2018) são autores que, em suas obras,</p><p>problematizam a rígida separação entre coordenação e subordina-</p><p>ção. Além disso, propõem, diferindo das gramáticas tradicionais,</p><p>a existência de outros processos, como a justaposição e a correlação,</p><p>mais adequados para explicar certas instâncias da língua que pare-</p><p>cem não ter abrigo dentro dos rótulos de coordenação ou subor-</p><p>dinação. Seria o caso, por exemplo, das construções comparativas</p><p>instanciadas por conectivos descontínuos, cuja noção de compara-</p><p>ção é construída por meio da relação de interdependência estru-</p><p>turada por elementos de conexão dispostos paralelamente, um em</p><p>cada parte da sentença.</p><p>Essa proposta leva em consideração aspectos tanto formais</p><p>quanto funcionais, já que se defende a ideia de que o conectivo</p><p>expresso na primeira oração automaticamente “forçaria” o início</p><p>da oração seguinte, a partir de seu correlato, de modo a conectar</p><p>177</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>os sentidos expressos em cada uma delas. É o que se pode observar</p><p>nos dados a seguir:</p><p>(03)</p><p>Faz uso de uma serie de “truques” de forma a que</p><p>o seu browser pareca mais rapido do que real-</p><p>mente é (a custa do consumo de dados desne-</p><p>cessarios e do uso abusivo de recursos do com-</p><p>putador). (Corpus do Português).</p><p>(04) O britânico largou na pole position no circuito</p><p>Paul Ricard e em momento algum deixou a pri-</p><p>meira posição. Mesmo assim, garantiu que a cor-</p><p>rida não foi tão fácil quanto pareceu. (Corpus</p><p>do Português).</p><p>(05) Como é que se gere uma institutição que quase</p><p>‘foi ao charco’ e a que ficou associada uma cono-</p><p>tação negativa? É bem menos difícil do que pa-</p><p>rece, por uma razão muito simples: é que a ins-</p><p>tituição sobreviveu porque estava assente numa</p><p>base de clientes notável e num conjunto de cola-</p><p>boradores empenhados. (Corpus do Português).</p><p>Os três casos anteriores são exemplos do que seriam, na pers-</p><p>pectiva de Oiticica (1952), orações organizadas por correlação.</p><p>Conforme se nota em (03), o advérbio mais na primeira parte</p><p>da sentença pressupõe a presença do conectivo do que, para que seja</p><p>possível construir uma comparação com a segunda parte. Trata-se</p><p>de uma comparativa de superioridade. Em (04), verifica-se uma re-</p><p>lação de igualdade por meio da disposição correlata dos conectivos</p><p>tão e quanto, os quais, utilizados paralelamente, ligam os elementos</p><p>comparados em cada uma das partes da sentença. Enfim, em (05),</p><p>uma comparação de inferioridade é evidenciada pelo emparelha-</p><p>mento dos itens (bem) menos e do que, que realizam a conexão e es-</p><p>tabelecem a interrelação de forma e função.</p><p>Conforme se pode atestar em todos esses dados, portanto,</p><p>a presença do primeiro termo conectivo da correlação demanda</p><p>178</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>a existência do segundo, para que se estabeleça o sentido comple-</p><p>to, ou, nas palavras de Oiticica (1952, p. 16-17), a “declaratividade</p><p>total” da sentença. Essa interdependência é o critério utilizado pelo</p><p>autor para defender a correlação como um fenômeno distinto da co-</p><p>ordenação e da subordinação. Em suma, diferentemente dos demais</p><p>processos, a correlação apresenta uma estrutura formada não por</p><p>um, mas por dois termos conectivos, tratados, no capítulo 1 deste li-</p><p>vro, como correlatores (cf. Rosário, 2018). A presença de um na pri-</p><p>meira parte da sentença (prótase), em termos prototípicos, exige</p><p>que o outro encabece a segunda (apódose), completando não só</p><p>sua estrutura como também seu significado. Pode-se considerar,</p><p>assim, ambas as partes como, de fato, interdependentes.</p><p>Levando em consideração também a proposta de Oiticica</p><p>(1952) em relação à correlação, Rodrigues (2002) analisa as cons-</p><p>truções comparativas do português brasileiro e revela que, além</p><p>de haver entre elas casos oracionais ligados por apenas um conecti-</p><p>vo, existem ainda aqueles não oracionais, mas igualmente constru-</p><p>ídos pelo emparelhamento de conectores descontínuos. A autora</p><p>amplia, assim, o tratamento destinado às comparativas do portu-</p><p>guês, levando em consideração a presença ou a ausência do ele-</p><p>mento verbal e a existência de um ou dois conectivos.</p><p>A partir de uma análise linguística, Rodrigues (2002, p. 2)</p><p>propõe que as estruturas comparativas sejam divididas em quatro</p><p>grupos: (i) construção comparativa não oracional correlata; (ii)</p><p>construção comparativa não oracional não correlata; (iii) constru-</p><p>ção comparativa oracional correlata; e (iv) construção comparativa</p><p>oracional não correlata, brevemente exemplificadas a seguir.</p><p>(06) [...] um tem que falar mais alto [do que o outro.]</p><p>(07) [...] Você corre [como um coelho acuado]...</p><p>(08) [...] Olha... está melhor [do que estava.]</p><p>(09) [...] Agora, tudo vai ser [como era antes.]</p><p>179</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Além desses conectores canônicos, também têm sido flagra-</p><p>dos outros elementos gramaticais para veicular a comparação ora-</p><p>cional não correlata, como se verifica no dado a seguir:</p><p>(10) Também chorei feito um bebê com o final, e já</p><p>sinto falta da série. (Corpus do Português).</p><p>O caso (10) não representa um uso canônico do português</p><p>padrão, uma vez que o termo feito, que se comporta como uma co-</p><p>nector comparativo, não é considerado um conectivo consagrado</p><p>pela variedade padrão da língua. Constitui, portanto, um exem-</p><p>plo de construção comparativa não canônica. Conforme afirma</p><p>Rodrigues (2014, p. 130, grifos da autora), “a constatação da pos-</p><p>sibilidade de tipo, igual, feito e que nem ligar duas orações e vei-</p><p>cular o conteúdo de comparação reforça a necessidade de revisão</p><p>no quadro das conjunções comparativas da língua portuguesa”.</p><p>Exemplos pertencentes ao terceiro grupo, o das comparativas</p><p>oracionais correlatas, incluem tanto os conectivos emparelhados</p><p>quanto verbos em cada uma das partes da construção, como verifi-</p><p>cado em (11) e (12).</p><p>(11) Em outras palavras, a China moderna, como</p><p>uma potência mundial, é incomparavelmente</p><p>mais forte do que era no século 18 mais cedo.</p><p>(Corpus do Português).</p><p>(12) Eu, porém, não peguei maravilhosas promoções</p><p>e acabei gastando mais do que queria. (Corpus</p><p>do Português).</p><p>Por fim, no último grupo, encontram-se as construções</p><p>comparativas oracionais não correlatas, cujos exemplos são sentenças</p><p>dos tipos a seguir:</p><p>180</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(13) PORÉM, nem todos os defeitos são admissí-</p><p>veis, é que nem disse no texto, se não for ‘fal-</p><p>ta de caráter’ tudo bem, só acho que tem muita</p><p>gente que erra por falta de noção [...]. (Corpus</p><p>do Português).</p><p>(14) Você promete a si mesma, até consegue por um</p><p>dia ou dois, mas depois tudo volta como era an-</p><p>tes. (Corpus do Português).</p><p>Já a partir dos dados anteriores e da proposta de Rodrigues</p><p>(2002), é possível ter uma noção de quão variadas são as constru-</p><p>ções comparativas no português. Vale ressaltar que tal variedade</p><p>não se esgota nos exemplos apresentados e que há diversos casos</p><p>verificados no uso da língua que se encontram ainda mais afasta-</p><p>dos da comparação prototípica. Contudo, essa proposta da autora</p><p>é bastante didática e já ilustra bem a diversidade dessa construção</p><p>em nossa língua.</p><p>Critérios para descrição das construções</p><p>comparativas segundo Neves (2011)</p><p>Apesar do reconhecimento da variedade de estruturas com-</p><p>parativas no português, este estudo é dedicado à comparação cor-</p><p>relata mais prototípica, isto é, às construções mais padronizadas,</p><p>mais próximas àquelas que são contempladas nos manuais de gra-</p><p>mática da língua. Com a finalidade de explicar como esse recurso</p><p>é organizado e quais são os componentes de sua elaboração, serão</p><p>utilizados os critérios estabelecidos por Neves (2011) para analisar</p><p>dados reais de uso linguístico.</p><p>A autora define tais estruturas da seguinte maneira:</p><p>um traço essencial da construção comparativa</p><p>é a existência de um elemento comum aos dois mem-</p><p>bros comparados. Na verdade, em uma formulação</p><p>bem simples, pode-se dizer que, nas construções com-</p><p>181</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>parativas, dois membros são comparados a respeito</p><p>de algo que têm em comum. (Neves, 2011, p. 894).</p><p>Ainda segundo a autora, que leva em consideração tanto os as-</p><p>pectos estruturais quanto os semânticos, “são características cen-</p><p>trais das construções comparativas, do ponto de vista sintático,</p><p>a interdependência de dois elementos e, do ponto de vista semânti-</p><p>co, o estabelecimento de um cotejo entre esses elementos” (Neves,</p><p>2011, p. 893, grifo da autora). A partir dessa conceituação, Neves</p><p>(2011) propõe uma classificação que leva em consideração o papel</p><p>do contraste nas comparativas, chegando aos seguintes traços:</p><p>a) elemento comum;</p><p>b) elementos em contraste;</p><p>c) marcador do contraste;</p><p>d) expediente sintático do contraste;</p><p>e) juntura.</p><p>Por “elemento comum”, entende-se o fator semelhante que per-</p><p>mite dar início à relação de cotejo. Os “elementos em contraste” são,</p><p>como o nome sugere, os itens a partir dos quais estão sendo anali-</p><p>sadas as semelhanças e/ou diferenças. O “marcador de contraste”</p><p>diz respeito ao primeiro elemento conectivo da correlação, encon-</p><p>trado na prótase. O “expediente sintático do contraste”, por sua vez,</p><p>completa</p><p>a interrelação entre cada uma das porções da sentença,</p><p>isto é, o correlator da apódose. Por fim, a “juntura” exibe o todo in-</p><p>formacional construído a partir da elaboração da comparação.</p><p>Para exemplificar tal organização da construção comparativa,</p><p>analisa-se um exemplo dado pela própria autora: “O tom, no en-</p><p>tanto, era BEM MAIS brando DO QUE o anterior”. Segundo Neves</p><p>(2011, p. 894-895), os elementos que se podem apontar são:</p><p>182</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>• Elemento comum (padrão): ser brando (em determinado grau)</p><p>• Elementos em contraste: o tom do momento / o tom anterior</p><p>• Marcador do contraste: MAIS (desigualdade, com superioridade)</p><p>• Expediente sintático do contraste: DO QUE</p><p>• Juntura: o tom anterior MAIS brando DO QUE o tom do momento</p><p>Esses mesmos elementos também são esquematizados pela</p><p>autora em um quadro resumitivo, representado na sequência:</p><p>Quadro 1 – Esquematização 1 da construção comparativa</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>ELEMENTO</p><p>COMUM</p><p>MARCADOR</p><p>DO CONTRASTE</p><p>CONJUNÇÃO</p><p>COMPARATIVA</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>um ser brando mais do que o outro</p><p>Fonte: Adaptado de Neves (2011).</p><p>Observa-se que o exemplo dado pela autora indica uma com-</p><p>paração de desigualdade, em que um elemento tem status supe-</p><p>rior ao outro. Esse recurso, conforme já afirmado anteriormente,</p><p>tem como base um elemento semelhante: em cotejo, entram dois</p><p>tons que têm o traço “ser brando”, ou seja, a brandura é comum</p><p>aos dois. No entanto, esse traço não se apresenta no mesmo grau</p><p>entre os elementos comparados, o que torna possível extrair de-</p><p>les uma semântica contrastiva. Arranjo similar pode ser verificado</p><p>no dado (15):</p><p>(15) Após as alterações no segundo tempo, o América</p><p>finalmente concretizou em gol a superioridade</p><p>dentro de campo. Ademir, que entrou no lugar</p><p>de Felipe Azevedo, foi mais feliz que o titular,</p><p>e não desperdiçou a oportunidade que teve.</p><p>O gol americano saiu após um belo chute cru-</p><p>zado do atacante. À frente do placar, o América</p><p>183</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>adotou uma postura defensiva, apostando</p><p>nos contra-ataques. Porém, aos 43 min, come-</p><p>çou o castigo. (Corpus do Português).</p><p>Esse dado pode ser esquematizado da seguinte maneira:</p><p>• Elemento comum (padrão): ser feliz (em determinado grau)</p><p>• Elementos em contraste: Ademir / o titular</p><p>• Marcador do contraste: MAIS (desigualdade, com superioridade)</p><p>• Expediente sintático do contraste: QUE</p><p>• Juntura: Ademir foi MAIS feliz QUE o titular</p><p>Quadro 2 – Esquematização 2 da construção comparativa</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>ELEMENTO</p><p>COMUM</p><p>MARCADOR</p><p>DO CONTRASTE</p><p>CONJUNÇÃO</p><p>COMPARATIVA</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>um (Ademir) ser feliz mais que o outro (o titular)</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>No dado (15), também é possível observar uma relação</p><p>de superioridade entre dois elementos em cotejo, no caso, jogado-</p><p>res de futebol — um reserva e outro titular. O desempenho em cam-</p><p>po, descrito como “ser feliz”, funciona como base da comparação,</p><p>um modo de dizer que o atleta teve boa atuação.</p><p>Em estrutura similar, porém em uma relação de inferioridade,</p><p>sustentada pelo uso do termo menos, apresenta-se o dado (16), ci-</p><p>tado e representado a seguir:</p><p>(16) A psicanálise ajuda você a se entender melhor.</p><p>A fama é uma consequência do trabalho. Há pes-</p><p>soas que gostam de se expor mais, eu respeito</p><p>meu limite. Eu, como Marco, sou muito me-</p><p>nos interessante que meus personagens. Acho</p><p>184</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>que daqui a pouco a privacidade vai voltar a es-</p><p>tar na moda. (Corpus do Português).</p><p>• Elemento comum (padrão): ser interessante (em determina-</p><p>do grau)</p><p>• Elementos em contraste: Eu / meus personagens</p><p>• Marcador do contraste: (muito) MENOS (desigualdade,</p><p>com inferioridade)</p><p>• Expediente sintático do contraste: QUE</p><p>• Juntura: Eu sou MENOS interessante QUE meus personagens</p><p>Quadro 3 – Esquematização da construção</p><p>comparativa de inferioridade</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>ELEMENTO</p><p>COMUM</p><p>MARCADOR</p><p>DO CONTRASTE</p><p>CONJUNÇÃO</p><p>COMPARATIVA</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>Um (eu) ser</p><p>interessante</p><p>menos que os outros (meus</p><p>personagens)</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Em (16), a diferença que se nota no que diz respeito ao dado</p><p>anterior é o uso do marcador de contraste (muito) menos, que,</p><p>ao contrário de mais em (15), indica uma relação de inferioridade</p><p>do primeiro elemento em relação ao segundo. As outras posições</p><p>são ocupadas de forma similar. Há uma base comum, “ser interes-</p><p>sante”, que é utilizada para dar início à comparação, cujo contraste</p><p>se dá em termos de desigualdade.</p><p>Nota-se um ponto interessante: o uso do intensificador muito.</p><p>Esse elemento gramatical serve para graduar a relação de compa-</p><p>ração estabelecida na situação codificada pelo dado. Não se trata</p><p>de alguém ser menos interessante que o outro, mas muito menos.</p><p>Esse uso indica mais uma peculiaridade dos conectivos utilizados</p><p>na correlação comparativa, que não são dotados de estatuto con-</p><p>185</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>juncional pleno. Afinal, as conjunções plenamente gramaticalizadas</p><p>não admitem intensificação.</p><p>Neves (2011, p. 895) ressalta que o contraste pode implicar</p><p>não só uma relação de desigualdade, como a verificada nos casos</p><p>de superioridade e inferioridade, mas também uma de igualdade,</p><p>conforme se verifica no exemplo “Isso me atinge TANTO QUANTO</p><p>ao Senhor”, descrito e esquematizado por meio dos critérios e do</p><p>quadro a seguir:</p><p>• Elemento comum (padrão): atingir</p><p>• Elementos em contraste: Eu / o Senhor</p><p>• Marcador do contraste: TANTO (igualdade)</p><p>• Expediente sintático do contraste: QUANTO</p><p>• Juntura: atinge a mim TANTO QUANTO ao Senhor</p><p>Quadro 4 – Esquematização 1 da construção</p><p>comparativa de igualdade</p><p>ELEMENTO</p><p>COMUM</p><p>MARCADOR</p><p>DO CONTRASTE</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>CONJUNÇÃO</p><p>COMPARATIVA</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>atingir tanto a mim quanto ao Senhor</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Nesse caso, a base comum que permite dar início à compara-</p><p>ção é a ação de atingir, a qual afeta ambos os elementos contrasta-</p><p>dos. Diferentemente do que ocorre no exemplo precedente, nesse</p><p>caso, o grau do traço analisado não varia, é o mesmo para os dois e,</p><p>por isso, obtém-se um status de igualdade. Caso semelhante pode</p><p>ser observado no dado seguinte:</p><p>(17) Ser fã pra mim é um alicerce de reconhecimento,</p><p>não de alienação. É usar o discernimento para</p><p>poder reconhecer no outro algo que te motivou</p><p>ou inspirou, te fez uma pessoa melhor. Ser fã</p><p>186</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>é estar junto, é ser testemunha de algo que fez</p><p>eles crescerem tanto quanto nós, fãs. Não me</p><p>lembro de nenhuma fase da minha vida que não</p><p>ter escutado eles. (Corpus do Português).</p><p>Em (17), a ação de crescer mencionada é realizada igualmente</p><p>por ambos os elementos em contraste — eles (artistas) e nós (fãs).</p><p>O arranjo verificado nessa composição pode ser descrito e repre-</p><p>sentado da seguinte maneira:</p><p>• Elemento comum (padrão): crescer</p><p>• Elemento em contraste: Eles (artistas) / nós (fãs)</p><p>• Marcador do contraste: TANTO (igualdade)</p><p>• Expediente sintático do contraste: QUANTO</p><p>• Juntura: eles crescerem TANTO QUANTO eu</p><p>Quadro 5 – Esquematização 2 da construção</p><p>comparativa de igualdade</p><p>ELEMENTO</p><p>COMUM</p><p>MARCADOR</p><p>DO CONTRASTE</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>CONJUNÇÃO</p><p>COMPARATIVA</p><p>ELEMENTO</p><p>EM CONTRASTE</p><p>crescer tanto Eles (artistas) quanto nós (fãs)</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Tanto nos exemplos fornecidos por Neves (2011) quanto</p><p>nos dados do Corpus do Português, é possível verificar que as duas</p><p>porções informacionais conectadas são interdependentes. Tal co-</p><p>nexão é auxiliada pelo emparelhamento dos elementos conecti-</p><p>vos mais...(do) que, menos...que e tanto quanto, constituindo casos</p><p>de correlação, já que a presença do primeiro correlator exige a do</p><p>outro, na segunda parte do enunciado.</p><p>187</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Além disso, nota-se também, em todos os casos, a ausência</p><p>do segundo verbo, na apódose, o que completaria estruturalmente</p><p>a composição comparativa. Esse fato é explicado pela própria auto-</p><p>ra, segundo quem “a relação de interdependência entre os</p><p>como ponto de partida</p><p>para os estudos que empreendi ao longo dos anos. A partir da lei-</p><p>tura da obra Teoria da Correlação, que muito me intrigou e insti-</p><p>gou, iniciei um levantamento de toda bibliografia possível que tra-</p><p>tasse do tema. A sensação era sempre de incompletude, haja vista</p><p>as observações muito esparsas sobre o assunto. Nesse exercício</p><p>de revisão da literatura, encontrei algumas contribuições que es-</p><p>tão registradas em minha primeira publicação sobre o tema: Teoria</p><p>da Correlação Revisitada (Rosário, 2007). Esse texto é um trabalho</p><p>completo publicado em Anais, produzido em 2007, no final do meu</p><p>mestrado. Esse pequeno texto, muito despretensioso, tinha como</p><p>objetivo somar algumas poucas contribuições mais modernas</p><p>ao trabalho de Oiticica (1952).</p><p>21</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em 2009, já no início do doutorado, tive a oportunidade</p><p>de avançar na reflexão. Em um segundo trabalho sobre o tema, par-</p><p>ti do pensamento de alguns autores que se dedicaram, de modo di-</p><p>reto ou indireto, ao estudo da correlação:</p><p>Quadro 1 – Referências ao processo de correlação</p><p>Obra Referências ao processo</p><p>Chediak</p><p>(1960, p. 74)</p><p>“É lamentável que o Anteprojeto tenha excluído</p><p>a correlação e a justaposição como processos</p><p>de composição de período”.</p><p>Melo</p><p>(1978, p. 152)</p><p>“[a correlação] é um processo sintático irredutível</p><p>a qualquer dos outros dois [subordinação</p><p>ou coordenação], um processo mais complexo,</p><p>em que há, de certo modo, interdependência. Nele,</p><p>dá-se a intensificação de um dos membros da frase,</p><p>ou de toda a frase, intensificação que pede um termo”.</p><p>Camara Jr.</p><p>(1981, p. 87)</p><p>“É uma construção sintática de duas partes</p><p>relacionadas entre si, de tal sorte que a enunciação</p><p>de uma, dita prótase, prepara a enunciação de outra,</p><p>dita apódose”.</p><p>Módolo</p><p>(1999, p. 3)</p><p>“tipo de conexão sintática de uso relativamente</p><p>frequente, particularmente útil para emprestar</p><p>vigor a um raciocínio, aparecendo principalmente</p><p>nos textos apologéticos e enfáticos”.</p><p>Carone</p><p>(2003, p. 62)</p><p>“As relações estabelecidas entre orações podem</p><p>apresentar, por vezes, características de realização</p><p>que as distinguem do usual, o que tem levado alguns</p><p>gramáticos a ver nisso outros tantos procedimentos</p><p>sintáticos. Trata-se da correlação e da justaposição,</p><p>variantes formais dos [...] processos (de subordinação</p><p>e de coordenação)”.</p><p>Rodrigues</p><p>(2007, p. 231)</p><p>“[processo em que] duas orações são formalmente</p><p>interdependentes, relação materializada por meio</p><p>de expressões correlatas”.</p><p>Fonte: Adaptado de Rosário (2009, p. 52-54).</p><p>22</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A análise do Quadro 1 permite a depreensão de um ponto</p><p>muito importante: todos os autores indicados tratam da correla-</p><p>ção, mas de modos distintos. Chediak (1960), Melo (1978), Módolo</p><p>(1999) e Rodrigues (2007) alinham-se aos partidários da correla-</p><p>ção como processo autônomo de integração oracional, em status</p><p>semelhante ao da coordenação e da subordinação. A propósito,</p><p>Rodrigues (2007, p. 232-233) arrola algumas importantes caracte-</p><p>rísticas desse processo:</p><p>a) a correlação apresenta conjunções que vêm aos pares, cada ele-</p><p>mento do par em uma oração;</p><p>b) no período composto por correlação, as orações não podem</p><p>ter sua ordem invertida, isto é, não apresentam a mobilidade po-</p><p>sicional típica das subordinadas adverbiais;</p><p>c) as correlatas não podem ser consideradas parte constituinte</p><p>de outra, como ocorre com as substantivas, as adverbiais e as</p><p>adjetivas.</p><p>Já Camara Jr. (1981) e Carone (2003) citam a correlação,</p><p>mas preferem considerá-la como um efeito estilístico ou uma es-</p><p>pécie de variação formal dos processos canônicos. Com o avanço</p><p>da pesquisa, percebi que a maioria dos gramáticos opta por essa</p><p>segunda via: citam a correlação, mas sempre como algo secundário,</p><p>de menor status.</p><p>Desde o início tendi a pensar de modo diferente, pois sem-</p><p>pre vi a correlação como um processo diferenciado, assim como</p><p>Rosário e Souza (2018) e Rosário e Gervásio (2021). Em meu tra-</p><p>balho de 2009, foi possível realizar uma primeira e muito breve</p><p>discussão teórica sobre esse tema no âmbito do continuum funcio-</p><p>nalista de integração oracional. Vale destacar que a proposta mais</p><p>conhecida sobre o tema, produzida por Hopper e Traugott (1997),</p><p>elegeu a parataxe, a hipotaxe e o encaixamento como “pontos</p><p>de aglomeração” desse continuum, sem qualquer referência explí-</p><p>23</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>cita à correlação. De modo distinto, Lehmann (1985, p. 183-184),</p><p>ao tratar do mesmo assunto, citou explicitamente o chamado “díp-</p><p>tico correlativo”, situando-o entre a parataxe e a hipotaxe. Esse tex-</p><p>to do pesquisador alemão foi uma verdadeira luz a iluminar os ca-</p><p>minhos que eu percorreria dali em diante.</p><p>Ainda no trabalho de 2009, a análise de dados empreendida</p><p>demonstrou que a correlação aditiva é muito menos empregada</p><p>do que a coordenação aditiva, pelo menos em anúncios e editoriais</p><p>(corpus eleito para análise naquele trabalho). Devido à maior com-</p><p>plexidade estrutural e cognitiva, além da menor distribuição de fre-</p><p>quência, foi possível atestar que correlatas aditivas são estruturas</p><p>marcadas (cf. Givón, 1990) em relação às coordenadas. Apesar</p><p>de ambas se assemelharem quanto ao valor comum de adição</p><p>em um mesmo domínio funcional,3 a correlação aditiva é utilizada</p><p>com fins mais argumentativos, realçando-se um certo “desnível”,</p><p>no sentido de que prótase (primeira parte da construção correlata)</p><p>e apódose (segunda parte da construção correlata) não se compor-</p><p>tam como partes simétricas; ao contrário, a assimetria entre próta-</p><p>se e apódose faz com que a informação presente na segunda parte</p><p>do arranjo correlativo seja mais enfática, inesperada ou mais “pesa-</p><p>da” em termos argumentativos. Volto a esse ponto adiante.</p><p>Em 2010, em parceria com Violeta Virginia Rodrigues, publi-</p><p>quei o terceiro trabalho sobre o tema. Naquela pesquisa, apresen-</p><p>tamos uma revisão mais ampla do assunto, abrigando um traba-</p><p>lho ainda mais antigo de Oiticica, publicado em 1942, denominado</p><p>Manual de análise léxica e sintática. Além dessa obra, também fo-</p><p>ram analisadas outras fontes, com destaque para o Guia de Análise</p><p>Sintática, lançado por João Luiz Ney, em 1955.</p><p>3 De acordo com Teixeira e Rosário (2016, p. 146), “o conceito de domínio funcional está na</p><p>base do Funcionalismo Clássico, tendo sido usado, por exemplo, por Givón (1984, p. 20) e</p><p>por Hopper (1991, p. 22) [...]. Domínios funcionais são grandes áreas como referência, caso,</p><p>impessoalização, irrealis, tempo, modo, aspecto etc. Segundo Givón (1984, p. 25), as línguas</p><p>podem codificar um mesmo domínio funcional por meio de diversas estruturas”.</p><p>24</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A contribuição deste último autor é bastante importante, pois</p><p>ele assevera que a correlação nem sempre conta com dois conec-</p><p>tores explícitos. Na verdade, “na correlação há interdependência</p><p>das declarações, e sempre dois conectivos claros ou subentendi-</p><p>dos, ou somente um claro e outro subentendido através dos quais</p><p>se faz a correlação” (Ney, 1955, p. 61). Com isso, postula-se que nem</p><p>sempre a correlação apresenta os dois conectivos descontínuos co-</p><p>dificados. Esse ponto também foi relevante para minha trajetória</p><p>de pesquisa, como apresentei em Rosário (2011). A partir daí, per-</p><p>cebi que uma visão discursiva deveria ser mais relevante que uma</p><p>visão estritamente morfossintática. Afinal, é possível haver correla-</p><p>ção ainda que o segundo conector não esteja codificado.</p><p>A verdade é que, à medida que a investigação avançava, ia fi-</p><p>cando cada vez mais claro que o processo de correlação, de fato,</p><p>era diferenciado em relação aos processos canônicos de coorde-</p><p>nação e subordinação. A “floresta inexplorada” citada por Oiticica</p><p>(1952) ia, aos poucos, sendo cada vez mais conhecida (ou cada</p><p>vez menos desconhecida). O levantamento bibliográfico, alia-</p><p>do à coleta e análise sistemáticas dos dados, foi me permitindo</p><p>uma progressiva reflexão sobre o tema, o que se tornou essencial</p><p>para a construção do meu trabalho de maior fôlego, que foi minha</p><p>termos</p><p>postos em confronto responde por uma característica altamente</p><p>ocorrente: a redução de volume do segundo termo da comparação</p><p>[...]” (Neves, 2011, p. 894). Apesar de o verbo não estar exposto</p><p>na apódose, ele pode ser facilmente recuperado no contexto, con-</p><p>forme se pode verificar também nos próprios exemplos dados pela</p><p>autora: “Nando apenas sorria, MAIS discreto que os outros ø” e “Não</p><p>pense que eu não sofro tanto quanto você ø”.</p><p>Nesses casos, entende-se, a partir das próprias composi-</p><p>ções, que os espaços vazios poderiam ser preenchidos, respecti-</p><p>vamente, por sorriam e sofre. Como se trata do elemento comum,</p><p>ele não precisa ser repetido na apódose, conforme explica a pró-</p><p>pria Neves (2011, p. 896): “a existência de um elemento comum</p><p>na base da construção propicia a omissão desse elemento na segun-</p><p>da parte da comparação, já que o próprio mecanismo da construção</p><p>comparativa responde por ele [...]”. Esse ponto já está estabeleci-</p><p>do também na tradição, como aponta Rocha Lima (2017, p. 253):</p><p>“frequentemente, dá-se, na oração comparativa, a elipse de termos</p><p>da oração principal”.</p><p>Considerações finais</p><p>A comparação, conforme demonstrado, é um fenômeno</p><p>que se inicia a partir de uma base comum, que permite analisar,</p><p>lado a lado, traços semelhantes e diferentes dos elementos contras-</p><p>tados. No português, existem diversas formas de expressar essa</p><p>relação, incluindo tanto combinações mais prototípicas, previstas</p><p>nos manuais de gramática, quanto mais marginais. Nessas obras,</p><p>contudo, o tratamento destinado às construções comparativas aca-</p><p>ba se tornando demasiadamente generalizado, na busca de enqua-</p><p>drar, dentro das categorias, diferentes tipos de arranjos linguísticos.</p><p>188</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>O resultado disso são definições não muito profundas e critérios</p><p>que não dão conta de abranger aspectos importantes das instâncias</p><p>da língua.</p><p>Um exemplo disso é o modo como as gramáticas abordam</p><p>as estruturas comparativas, abrigando-as frequentemente dentro</p><p>do campo da subordinação, sem levar em consideração fatores fun-</p><p>damentais, como a interdependência elaborada por meio do empa-</p><p>relhamento de elementos conectivos. Essa relação, segundo autores</p><p>como Oiticica (1952), por exemplo, deve ser levada em considera-</p><p>ção e, consequentemente, deve haver uma categorização em um</p><p>grupo próprio, separado dos demais fenômenos de organização</p><p>sentencial (subordinação e coordenação), devido às suas particula-</p><p>ridades formais e funcionais.</p><p>Este capítulo, focado em construções comparativas mais pro-</p><p>totípicas do português, buscou eleger a correlação como um fenô-</p><p>meno mais adequado para explicar o processo de conexão entre</p><p>porções informacionais que se encontram em cotejo. Além disso,</p><p>pretendeu detalhar os componentes das instâncias comparativas</p><p>com base nos critérios sugeridos por Neves (2011). A partir do es-</p><p>tudo desenvolvido pela autora, é possível entender quais são os</p><p>elementos necessários para que se construa a comparação, a qual</p><p>pode apresentar relações de desigualdade (superioridade e inferio-</p><p>ridade) ou de semelhança — todas dentro do campo contrastivo.</p><p>Por fim, acredita-se que esta abordagem, no quadro da corre-</p><p>lação, é coerente e enseja também subsídios didáticos importantes</p><p>para o trabalho com o tema.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>BARROS, Letícia Martins Monteiro de. Construção correlata</p><p>comparativa apositiva na perspectiva da Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso. 2022. Tese (Doutorado em Estudos de Linguagem)</p><p>189</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>– Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem,</p><p>Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de</p><p>Janeiro: Nova Fronteira, 2009.</p><p>CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português</p><p>brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2012.</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português</p><p>contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2016.</p><p>GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam, Philadelphia:</p><p>John Benjamins, 2001. 1 v.</p><p>LUFT, Celso. Moderna Gramática Brasileira. 14. ed. São Paulo: Globo,</p><p>2002.</p><p>MÓDOLO, Marcelo. Correlação: Estruturalismo versus</p><p>Funcionalismo. (Pré) publications: forskning og undervisning,</p><p>Aarhus, n. 168, 1999.</p><p>MÓDOLO, Marcelo. As construções correlatas. In: ILARI, Rodolfo;</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática do Português Culto</p><p>Falado no Brasil. São Paulo: Unicamp, 2008. p. 191-203.</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. 2.</p><p>ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.</p><p>OITICICA, José. Teoria da correlação. Rio de Janeiro: Organizações</p><p>Simões, 1952.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua</p><p>portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua</p><p>portuguesa. 53. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2017.</p><p>RODRIGUES, Violeta Virginia. As construções comparativas</p><p>em língua portuguesa. Revista GELNE, Lagoa Nova, v. 4, n. 1,</p><p>2002. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/gelne/article/</p><p>view/9146. Acesso em: 15 ago. 2019.</p><p>RODRIGUES, Violeta Virginia. Comparativas de igualdade</p><p>canônicas e não canônicas em português. Revista (Con)Textos</p><p>190</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Linguísticos, Vitória, v. 8, n. 10.1, p. 129-140, 2014. Disponível</p><p>em: http://periodicos.ufes.br/contextoslinguisticos/article/</p><p>view/8355/5928. Acesso em 15 fev. 2020.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva functional. Niterói: EdUFF, 2018.</p><p>191</p><p>CORRELAÇÃO</p><p>COMPARATIVO-APOSITIVA</p><p>Letícia Martins Monteiro Barros (CCO-UFF)</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>Considerações iniciais</p><p>Conforme discutido no capítulo anterior, a comparação é um</p><p>recurso a que se recorre constantemente durante interações</p><p>cotidianas, uma vez que, por meio dela, é possível expressar</p><p>melhor um ponto de vista a partir do cotejo entre dois elementos</p><p>que assumem papel de desigualdade (superioridade ou inferiori-</p><p>dade) ou semelhança. Foi também mostrado que uma das maneiras</p><p>de utilizar essa estratégia argumentativa é pelo estabelecimento</p><p>de uma interrelação entre duas porções informacionais, ligadas</p><p>por correlatores (Rosário, 2018), isto é, conectivos prototipicamen-</p><p>te utilizados em pares, um em cada parte do enunciado. Neste capí-</p><p>tulo, diferentemente do anterior, pretendemos discutir uma cons-</p><p>trução correlata não canônica que também estabelece comparação</p><p>sem, no entanto, apresentar conectivos convencionais.</p><p>Durante uma pesquisa preliminar sobre comparativas mais</p><p>usuais, buscando especificamente no banco de dados do Corpus</p><p>192</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>do Português pelos termos mais e menos, comuns na relação de de-</p><p>sigualdade, descobrimos uma construção diferente das convencio-</p><p>nais. Ao contrário das canônicas, que apresentam ao menos um co-</p><p>nectivo, encontramos uma elaboração comparativa sem nenhuma</p><p>conjunção padronizada, podendo ser, portanto, facilmente conside-</p><p>rada, à primeira vista, como uma assindética:</p><p>(01) Todos somos criados com diferentes habilidades.</p><p>Somos feitos para desempenhar usos diferentes em o</p><p>reino eterno de o Senhor. Algumas criaturas são me-</p><p>nos robustas; outras são fortes e sadias. Algumas</p><p>são retraídas e menos comunicativas; outras são ale-</p><p>gres e animadas. (Corpus do Português).</p><p>Como se pode verificar, em (01), são encontradas relações</p><p>comparativas construídas sem a utilização de conectivos canôni-</p><p>cos. De todo modo, são contrastados, em pares, tipos de criaturas:</p><p>de um lado, encontram-se as menos robustas e, do outro, as for-</p><p>tes e sadias; há também aquelas que são retraídas e menos comu-</p><p>nicativas, comparadas às que são alegres e animadas. É possível</p><p>constatar, assim, que, ainda que não sejam utilizados elementos</p><p>conectores mais convencionais, há, de fato, uma comparação que se</p><p>realiza por meio de uma interrelação entre duas porções informa-</p><p>cionais. Essas porções, por sua vez, têm caráter apositivo, uma vez</p><p>que exemplificam ou detalham elementos anteriormente</p><p>citados</p><p>no discurso. Tal conexão é feita pelo emparelhamento de indefini-</p><p>dos, que encabeçam prótase e apódose. Nesse dado (01), o indefi-</p><p>nido da prótase é ALGUMAS, ao passo que o da apódose é OUTRAS.</p><p>Como se verá por meio da análise de outros dados, o indefinido</p><p>da prótase é variável; já o da apódose é sempre OUTRO em diferen-</p><p>tes variações de gênero e número.</p><p>Casos como esse são considerados como instâncias da constru-</p><p>ção correlata comparativo-apositiva, ou CCCA, a qual será explicada</p><p>193</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>com mais detalhes neste capítulo. Pretendemos, com este estudo,</p><p>apresentar um aspecto mais distinto do grande campo da compa-</p><p>ração. Com base em nossas investigações, esse tipo de construção</p><p>ainda não foi descrito pelos manuais de gramática. Propomo-nos,</p><p>portanto, a conferir um tratamento a esse tema, levando em consi-</p><p>deração tanto aspectos formais quanto funcionais. Para isso, inicie-</p><p>mos a discussão pelos temas da justaposição e da correlação.</p><p>O que dizem as gramáticas sobre a justaposição e a correlação</p><p>Conforme mostrado no capítulo anterior, as gramáticas tradi-</p><p>cionais normalmente alocam a comparação dentro da subordinação</p><p>adverbial. Além disso, são abrigadas dentro da classe das compara-</p><p>tivas apenas as sentenças que apresentam, no mínimo, um verbo,</p><p>com a resalva de que, no segundo elemento da comparação, pode-</p><p>-se considerar o verbo como elidido, recuperável pelo contexto (ex.:</p><p>“Você vai chorar tanto quanto Joe Biden [chorou] quando Obama</p><p>o surpreendeu com essa enorme honra”). Neste estudo, contudo,</p><p>serão consideradas para análise tanto construções verbais quanto</p><p>construções comparativas sem verbo.</p><p>Essa perspectiva foi adotada pois verificamos que casos</p><p>não oracionais como (02), com uso dos indefinidos uns e outros,</p><p>também expressam um determinado tipo de relação correlativa.</p><p>Ao mesmo tempo, como se pode observar, esse arranjo sintático</p><p>configura uma comparação, reforçada pelo paralelismo desenca-</p><p>deado pelo uso dos advérbios mais e menos. Nesse caso, portanto,</p><p>não há nem conectivos canônicos nem verbos explícitos nas senten-</p><p>ças em que a comparação é construída. Vejamos:</p><p>(02) A Loja Mestre Affonso Domingues tem prossegui-</p><p>do vários projetos ao longo da sua existência, uns com</p><p>mais êxito, outros menos bem conseguidos, uns mais</p><p>visíveis, outros mais modestos. (Corpus do Português).</p><p>194</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Instâncias como as da CCCA dificilmente são encontradas</p><p>nos manuais de gramática, justamente por se tratar de uma cons-</p><p>trução marginal. Quando o são, contudo, o tratamento destinado</p><p>a elas parece não se aprofundar de maneira adequada, negligen-</p><p>ciando aspectos importantes, seja da forma, seja da função discur-</p><p>siva. Em Bechara (2009, p. 479-480, grifos do autor), que apresenta</p><p>casos oracionais, o exemplo “Uns estavam sempre satisfeitos, outros</p><p>só viviam reclamando da vida” é considerado uma coordenação dis-</p><p>tributiva. Segundo o autor,</p><p>Podem-se incluir nas orações justapostas aquelas</p><p>que a gramática tradicional arrola sob o rótulo de co-</p><p>ordenadas distributivas, caracterizadas por virem en-</p><p>laçadas pelas unidades que manifestam uma reitera-</p><p>ção anafórica do tipo de ora... ora, já... já, quer... quer,</p><p>um... outro, este... aquele, parte... parte, seja... seja, e que</p><p>assumem valores distributivos alternativos, e sub-</p><p>sidiariamente concessivos, temporais, condicionais</p><p>(Bechara, 2009, p. 479-480, grifos do autor).</p><p>Primeiramente, verificamos que o autor sugere que essas ins-</p><p>tâncias sejam abrigadas dentro do campo da coordenação e, mais</p><p>especificamente, da justaposição, considerando esses dois fenô-</p><p>menos como parte um do outro, e não como processos diferentes</p><p>de organização sentencial. A partir disso, podemos constatar que,</p><p>ao tratá-las como justapostas, o papel dos elementos que estabele-</p><p>cem a conexão entre os enunciados é desconsiderado, não ganha</p><p>destaque nessa interrelação. Por fim, ainda que se constate o valor</p><p>distributivo no dado, entende-se neste trabalho que há, para esse</p><p>tipo de construção, outras maneiras de compreender seus aspectos</p><p>formais e funcionais.</p><p>Como será mostrado ao longo deste capítulo, além de reco-</p><p>nhecerem os processos de coordenação e subordinação, há auto-</p><p>res que defendem a ideia de a justaposição e a correlação serem</p><p>195</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>também consideradas como fenômenos de organização sentencial,</p><p>separados dos demais, devido às suas particularidades estruturais</p><p>e funcionais específicas. Igualmente defendemos que correlação</p><p>e justaposição constituem processos bastante diferentes em relação</p><p>aos dois únicos definidos pela Nomenclatura Gramatical Brasileira</p><p>(NGB). No entanto, as gramáticas normativas tendem, quando</p><p>os reconhecem, a colocá-los dentro do escopo da coordenação e da</p><p>subordinação, como visto em Bechara (2009).</p><p>Luft (2002, p. 70-71, grifos do autor) é um dos gramáticos</p><p>que discute esse ponto da sintaxe interoracional:</p><p>Alguns autores apresentam dois outros processos</p><p>[além dos de coordenação e subordinação]: cor-</p><p>relação e justaposição, somando quatro processos</p><p>de estruturação sintática. Assim, orações correlatas:</p><p>(a) aditivas (não só... mas também); (b) comparativas</p><p>(tal... tal/mais/menos... (do) que); (c) consecutivas</p><p>(tanto/tão/tal... que); – orações justapostas: (a) inter-</p><p>caladas (...– disse ele –); (b) apositivas; (c) objetivas</p><p>diretas; (d) adverbiais.</p><p>Em muitas gramáticas normativas, encontramos sentenças</p><p>como “Vim, vi, venci” (“Veni, vidi, vici”, no latim clássico), atribuída</p><p>ao cônsul romano Júlio César, classificadas como orações coorde-</p><p>nadas assindéticas, cujas partes estariam relacionadas por justapo-</p><p>sição, isto é, sem o auxílio de conjunções. Nesse tipo de estrutura,</p><p>segundo Rocha Lima (2017, p. 322, grifos do autor), “as orações</p><p>se sucedem naturalmente, apenas realçadas na pronúncia, que se</p><p>marcou pelo sinal gráfico vírgula. Poderia, porém, haver entre elas,</p><p>principalmente entre as duas últimas, uma conjunção coordenativa”.</p><p>No entanto, a justaposição não é propriedade exclusiva do âm-</p><p>bito da coordenação. Na subordinação, de acordo com o mesmo</p><p>autor (Rocha Lima, 2017, p. 331), orações podem ser justapostas,</p><p>196</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>como é o caso das subjetivas objetivas diretas (no discurso direto),</p><p>conforme observado no seguinte exemplo:</p><p>(03) Ele disse: “Quase é talvez uma boa palavra [...].”</p><p>(Corpus do Português).</p><p>O mesmo poderia acontecer no tipo de estrutura que o autor</p><p>classifica como subordinada substantiva apositiva, como verificado</p><p>em (04), extraído da sua gramática (Rocha Lima, 2017, p. 268):</p><p>(04) Dei-lhe tudo: ofereci-lhe o meu nome; tornei-a</p><p>dona de todo o meu dinheiro; elevei-a à minha posi-</p><p>ção social.</p><p>Em (04), a parte “ofereci-lhe o meu nome; tornei-a dona de todo</p><p>o meu dinheiro; elevei-a à minha posição social” equivaleria funcio-</p><p>nalmente a um aposto de tudo, e, desse modo, haveria o que o autor</p><p>chama de orações subordinadas substantivas apositivas. No exem-</p><p>plo anterior, ainda segundo Rocha Lima (2017), cabe observar</p><p>que essas orações se encontram justapostas umas às outras.</p><p>Reconhecer apenas a coordenação e a subordinação não pa-</p><p>rece ser uma característica exclusiva dos autores normativistas.</p><p>Mário Perini (2016, p. 248, grifo nosso), em Gramática Descritiva</p><p>do Português Brasileiro, afirma que esses “são os dois processos</p><p>básicos de que dispõe a língua para juntar unidades de uma mes-</p><p>ma classe em uma unidade maior”. No entanto, seu ponto de vista</p><p>se torna diferenciado dos demais no que tange aos tipos de estrutu-</p><p>ras afetados por esses processos. Segundo ele, “essa junção não afe-</p><p>ta apenas as orações, mas vale para a maioria das classes de for-</p><p>mas” (Perini, 2016, p. 248). À justaposição que pode ocorrer entre</p><p>os elementos de uma sentença, Perini (2016) dá o nome de “junção</p><p>sem marca” e diz que esses casos ocorrem frequentemente dentro</p><p>das coordenadas e podem até ser encontrados no caso das subor-</p><p>197</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dinadas, embora</p><p>nestas haja normalmente o uso de alguma conjun-</p><p>ção que auxilie a compor o sentido.</p><p>Com respeito à correlação, tal qual a justaposição, esse é um</p><p>processo que aparece em muitas gramáticas de forma integrada</p><p>aos processos de coordenação, como as aditivas formadas por não</p><p>só...mas também, e de subordinação, haja vista as construções com-</p><p>parativas ligadas por mais...do que, por exemplo. Contudo, para</p><p>Oiticica (1952), Módolo (1999), Castilho (2012) e Rosário (2018),</p><p>esse tratamento teórico é insatisfatório, pois não é capaz de abran-</p><p>ger adequadamente a variedade de usos linguísticos constatada</p><p>no uso. Em suas obras, esses autores criticam a separação rígida</p><p>entre coordenação e subordinação, bem como a seleção desses dois</p><p>únicos processos para classificar uma série de estruturas linguís-</p><p>ticas que parecem não poder ser agrupadas dentro de um mesmo</p><p>conjunto, devido à sua diversidade.</p><p>Oiticica (1952), em Teoria da Correlação, reconhece a existên-</p><p>cia de pelo menos quatro processos de conexão de orações: a coor-</p><p>denação, a subordinação, a correlação e a justaposição. Por coorde-</p><p>nação, o autor entende a relação entre orações que são autônomas,</p><p>isto é, têm “declaratividade total” e podem ser separadas, estando</p><p>ligadas por conjunções “meramente aspectuais” (Oiticica, 1952,</p><p>p. 16-17). Por subordinação, entende a organização do período</p><p>em que uma oração depende da outra para atingir seu status de de-</p><p>claratividade, e ambas se encontram “presas” por um só conectivo</p><p>(Oiticica, 1952, p. 20). No que tange à correlação, Oiticica (1952)</p><p>explica que, nesse tipo de estrutura, as orações são ligadas não por</p><p>um, mas por dois termos conectivos. Dessa forma, o conectivo ex-</p><p>presso na primeira oração automaticamente “força” o início da ora-</p><p>ção seguinte por seu correlato, de modo a conectar os sentidos ex-</p><p>pressos em cada uma delas.</p><p>Tendo isso em vista, evidencia-se a relevância do termo cor-</p><p>relator (Rosário, 2018) para a compreensão de instâncias como</p><p>198</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>as da CCCA, já que o que se entende por conectivo, na correlação,</p><p>é um conceito expandido, abrangendo não apenas as conjunções</p><p>mais prototípicas, mas também recursos mais marginais respon-</p><p>sáveis pelo enlace das diferentes porções do enunciado. Esse con-</p><p>ceito abrange, portanto, todo e qualquer item cuja função seja a de</p><p>conectar as duas partes de um todo correlativo por meio de uma</p><p>relação de interdependência. No caso da construção correlata com-</p><p>parativo-apositiva, para essa função, são recrutados indefinidos.</p><p>A correlação de indefinidos na CCCA favorece a relação</p><p>de contraste, especialmente pelo fato de o termo OUTRO sempre</p><p>vir encabeçando a apódose na organização dessa construção. Isso</p><p>acontece provavelmente pela própria acepção e pelo uso de tal ter-</p><p>mo, que geralmente remete àquilo que é distinto, diferente. A par-</p><p>tir dessa definição, começamos a entender por que ele é recruta-</p><p>do para a construção em questão, já que, além de interrelacionar</p><p>dois elementos — ou seja, apresentar essa concepção do “mais um”</p><p>no que tange à segunda parte da estruturação —, também introduz</p><p>algo diferente, é “outra” coisa, que pode ser contrastada com o pri-</p><p>meiro item do emparelhamento.</p><p>Os pronomes indefinidos, de maneira geral, são identificados</p><p>como itens utilizados para exprimir vagueza ou indeterminação</p><p>de quantidade. De acordo com Castilho (2012, p. 509), tais quan-</p><p>tificadores “concorrem para que um texto tenha um caráter de in-</p><p>definitude, imprecisão”. Há um certo consenso entre os gramáticos,</p><p>conforme se pode perceber a partir do quadro a seguir, que apre-</p><p>senta a definição encontrada nesses manuais:</p><p>Quadro 1 – Os pronomes (ou quantificadores)</p><p>indefinidos nas gramáticas</p><p>Bechara</p><p>(2009, p. 168)</p><p>“São os que se aplicam à 3.ª pessoa quando têm sentido</p><p>vago ou exprimem quantidade indeterminada.”</p><p>199</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Neves (2011,</p><p>p. 533-</p><p>534, grifo</p><p>da autora)</p><p>“A classe dos tradicionais pronomes indefinidos</p><p>é composta por elementos de natureza heterogênea.</p><p>Uns são indefinidos quanto à referência, enquanto</p><p>outros são indefinidos quanto à quantidade. Há,</p><p>entretanto, um traço comum que os une: a indefinição</p><p>semântica.”</p><p>Castilho</p><p>(2012, p.</p><p>505, grifos</p><p>do autor)</p><p>“A informação sobre a quantidade pode ser [...]</p><p>indefinida, no caso dos quantificadores indefinidos,</p><p>denominados pronomes indefinidos na Gramática</p><p>Tradicional [...]. Por [quantificador] ‘indefinido’</p><p>entenda-se mais amplamente desde um número</p><p>indeterminado de objetos (muitos dias) até uma</p><p>quantidade indeterminada deles (bastante água)</p><p>[...].”</p><p>Cunha</p><p>e Cintra</p><p>(2016, p.</p><p>370, grifos</p><p>do autor)</p><p>“Chamam-se INDEFINIDOS os pronomes que se</p><p>aplicam à 3ª pessoa gramatical, quando considerada</p><p>de um modo vago e indeterminado.”</p><p>Rocha Lima</p><p>(2017, p. 161)</p><p>“São os que se aplicam à terceira pessoa gramatical</p><p>quando esta tem sentido vago, ou exprimem</p><p>quantidade indeterminada.”</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Conforme se pode constatar a partir do quadro anterior, ao ex-</p><p>plicarem os indefinidos, os autores, de modo geral, reforçam a se-</p><p>mântica de vagueza que esses termos exprimem. Assim, o uso des-</p><p>ses termos tende a levar para o discurso uma ideia de imprecisão</p><p>— ou, como o próprio nome sugere, indefinição — no que tange</p><p>à referenciação ou à quantidade.</p><p>Bechara (2009, p. 169), em consonância com o que apresenta</p><p>sobre as coordenadas distributivas, menciona, na seção sobre es-</p><p>ses pronomes, a ocorrência de duplas de indefinidos, tais como em</p><p>“um se abisma... outro discorre”, evidenciando o sentido distributi-</p><p>200</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>vo configurado por tal emparelhamento. Ainda que, nesta pesquisa,</p><p>não se negue a natureza de distribuição desse tipo de construção,</p><p>entende-se que sua análise não deve se limitar a apontar apenas</p><p>esse aspecto, uma vez que, de modo descontextualizado, não é</p><p>possível compreender funções mais complexas que esse arranjo</p><p>pode estabelecer no discurso, como a comparação e o contraste,</p><p>por exemplo.</p><p>Em relação aos indefinidos recrutados especificamente para</p><p>a estruturação da CCCA, após ampla pesquisa baseada no uso,</p><p>são encontrados na prótase:</p><p>a) um, e suas variações (número e gênero);</p><p>b) alguns e algumas (sempre no plural);</p><p>c) muito, e suas variações (número e gênero — esse indefinido en-</p><p>contra-se geralmente no plural, a não ser quando se liga ao ter-</p><p>mo gente).</p><p>Na apódose, por sua vez, o único indefinido encontrado</p><p>na construção é outro e suas variações de gênero e número, confor-</p><p>me já mencionado. Em suma, a estruturação da CCCA pelos indefi-</p><p>nidos pode ser ilustrada da seguinte maneira:</p><p>Esquema 1 – Estruturação por indefinidos na CCCA</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>201</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Na análise da CCCA e do uso que se faz dessa construção,</p><p>notamos que há um crescendum na noção de quantidade</p><p>expressa pelo significado gramatical veiculado pelos indefinidos</p><p>selecionados. Em outras palavras, pode-se atestar a existência</p><p>de um continuum que vai do indefinido um, passa por alguns,</p><p>sempre no plural, até chegar a muitos. Cada um desses é recrutado</p><p>para servir a propósitos comunicativos do falante/escrevente</p><p>no momento da produção discursiva, indicando uma determinada</p><p>quantidade propositalmente indefinida. No caso de OUTRO, por sua</p><p>vez, a quantidade é variável, isto é, depende daquela estabelecida</p><p>pelo indefinido da prótase. Assim, se houver, por exemplo,</p><p>alguns na primeira porção da construção, o seu par na segunda</p><p>será (alguns) outros; se muitos, no primeiro segmento, (muitos)</p><p>outros, no segundo. Esse traço evidencia ainda mais o caráter</p><p>de interdependência da correlação.</p><p>A comparação e o contraste na CCCA</p><p>Entendemos, nesta pesquisa, que a comparação é feita</p><p>com base em elementos comuns entre os itens que estão sendo</p><p>observados lado a lado, ou seja, o fator que permite o início desse</p><p>processo é a semelhança. Segundo Neves (2011, p. 894, grifo da au-</p><p>tora), nas construções comparativas,</p><p>Um traço essencial [...] é a existência</p><p>de um elemen-</p><p>to comum aos dois membros comparados. Na ver-</p><p>dade, numa formulação bem simples, pode-se dizer</p><p>que, nas construções comparativas, dois membros</p><p>são comparados a respeito de algo que têm em comum.</p><p>Assim, pensando-se em termos categoriais, os elementos</p><p>comparados apresentam traços de natureza comum que permi-</p><p>tem que eles sejam colocados lado a lado em uma relação de cote-</p><p>jo. Não é possível a comparação de itens completamente distintos,</p><p>202</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>que não têm nenhuma propriedade em comum. A base da compa-</p><p>ração é, portanto, a semelhança. A partir dela, podem-se depreen-</p><p>der outras relações, incluindo não só as similaridades, mas também</p><p>as diferenças. Para Biraud (1984, p. 167), “um enunciado compara-</p><p>tivo se forma ao se colocar em relação duas proposições que têm</p><p>ao menos um elemento em comum (aquele sobre o qual a compa-</p><p>ração é feita) a respeito do qual afirma-se uma similaridade ou uma</p><p>dessemelhança”.</p><p>O contraste, por sua vez, tem como base a diferença. A par-</p><p>tir do momento em que dois elementos são comparados, é possível</p><p>que se depreendam propriedades diversas que se distinguem ou se</p><p>contrapõem. Desse modo, o ato de contrastar está diretamente re-</p><p>lacionado ao de comparar. Para Hoop e Swart (2004), o contraste</p><p>é uma relação que, estabelecida dentro de um discurso, envolve</p><p>uma comparação entre duas situações que são de alguma forma</p><p>similares, mas ao mesmo tempo diferentes. Daí a relação intrínseca</p><p>entre comparação e contraste.</p><p>Para analisar a construção comparativa, é possível utilizar</p><p>os fatores elencados por Neves (2011), a saber:</p><p>- elemento comum;</p><p>- elementos em contraste;</p><p>- marcador do contraste;</p><p>- expediente sintático do contraste;</p><p>- juntura.</p><p>O primeiro critério, o elemento comum, é referente à proprie-</p><p>dade-base compartilhada que possibilita a comparação, já que o fa-</p><p>tor que permite o início desse processo é a semelhança entre dois</p><p>estados de coisas. Os elementos em contraste, conforme o próprio</p><p>nome sugere, são os itens a partir dos quais são extraídas as seme-</p><p>203</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>lhanças e diferenças. No caso da CCCA, esse espaço é preenchido</p><p>pelos indefinidos correlacionados. O marcador de contraste, por sua</p><p>vez, diz respeito aos elementos extras que evidenciam o cotejo</p><p>entre as partes comparadas. Já o expediente sintático é o elemen-</p><p>to conjuntivo que auxilia na estruturação de contraste. Conforme</p><p>já mencionado, os próprios indefinidos na CCCA exercem muitas</p><p>vezes essa função e, portanto, frequentemente não há o preenchi-</p><p>mento desse critério no que tange à CCCA. Por fim, a juntura trata</p><p>da totalidade do enunciado comparativo correlacionado.</p><p>Ao aplicar a proposta de Neves (2011) aos dados selecionados,</p><p>coletados do Corpus do Português, verificamos três níveis compara-</p><p>tivos distintos, classificados com base na marcação do contraste.</p><p>No primeiro nível, o mais básico, estão as ocorrências em que</p><p>não há reforço lexical além dos próprios correlatores indefinidos,</p><p>uns e outros, que, por si mesmos, auxiliam no estabelecimento</p><p>da ideia de contraste. Essa nuance comparativa é tratada como “pa-</p><p>drão (I)” e pode ser encontrada no exemplo a seguir:</p><p>(05) Provocado pela própria jogada de marketing</p><p>da Volkswagen (que escolheu a segunda compara-</p><p>ção, claro) boa parte do público fez o revés e prefe-</p><p>riu tratar o hatch de um Gol com maquiagem. Para</p><p>o bem ou para o mal, muito se falou do carro: [uns</p><p>acharam feio, outros acharam avançado [...]]. (Corpus</p><p>do Português).</p><p>No dado (05), o elemento em comum é o fato de todos terem</p><p>opiniões sobre um carro. Para relacioná-los, foram utilizados ape-</p><p>nas os correlatores indefinidos (uns e outros), estabelecendo com-</p><p>paração entre as partes, uma vez que o próprio léxico não permite</p><p>oposições muito claras no nível semântico. No trecho “uns acharam</p><p>feio, outros acharam avançado”, os termos feio e avançado não são</p><p>características necessariamente contrastantes. O contraste não é,</p><p>204</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>portanto, explícito lexicalmente. Ele ocorre estritamente pelo sig-</p><p>nificado que se pode inferir a partir do enunciado, uma vez que,</p><p>no par correlacionado, há uma parte positiva e uma negativa. Essas</p><p>ideias, sim, opõem-se mutuamente.</p><p>O caráter apositivo da construção é verificado por meio da re-</p><p>lação que se estabelece entre o referente carro e as características</p><p>feio e avançado. Ambas as características, emparelhadas por indefi-</p><p>nidos, especificam duas diferentes percepções sobre o carro citado.</p><p>Logo, feio e avançado têm caráter apositivo.</p><p>Vale ressaltar, no entanto, que há casos também do primei-</p><p>ro nível em que nem mesmo as ideias que se extraem das partes</p><p>correlacionadas são opostas. Ainda assim, o contraste vai conti-</p><p>nuar existindo devido à presença do indefinido na prótase que vai</p><p>sempre estar em uma relação de cotejo com o indefinido OUTRO,</p><p>na apódose, o qual fornece a noção de diferença, desigualdade. Isso</p><p>pode ser observado, por exemplo em: “[Alguns perderam a família,</p><p>outros a dignidade. Uns se afundam na bebida, outros nas drogas.]”</p><p>(Corpus do Português), em que os pares correlacionados não apre-</p><p>sentam oposição nem lexical nem semântica, mas apenas acrescen-</p><p>tam informações à descrição da situação, em uma espécie de alter-</p><p>nância inclusiva.</p><p>Aplicando a proposta de Neves (2011), o padrão (I) pode</p><p>ser analisado da seguinte forma:</p><p>Padrão I: [uns acharam feio, outros acharam avançado]</p><p>- elemento comum (padrão): opinião sobre o carro;</p><p>- elementos em contraste: uns/outros (referentes a “público”);</p><p>- marcador do contraste: não há; há contraste de ideias (positivo</p><p>x negativo);</p><p>- juntura: uns acharam o carro feio, outros acharam o carro</p><p>avançado.</p><p>205</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Como os dados analisados da CCCA não apresentam expe-</p><p>diente sintático de contraste, uma vez que esse tipo de construção</p><p>não apresenta conjunções comparativas, o quadro foi adaptado</p><p>para contemplar apenas quatro das cinco categorias propostas,</p><p>conforme pode ser observado a seguir:</p><p>Quadro 2 – Esquematização da CCCA</p><p>sem codificação da marcação de contraste</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Elemento</p><p>comum</p><p>Marcador</p><p>do contraste</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Uns opinião sobre</p><p>o carro</p><p>Ø</p><p>Há contraste de ideias</p><p>(positivo x negativo)</p><p>Outros</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>No nível intermediário, ou padrão (II), o contraste é eviden-</p><p>ciado não só pelo uso dos correlatores indefinidos, mas também</p><p>por um indicador que vai além do campo das ideias, como ocorre</p><p>no nível anterior. Além dos recursos já mencionados, o segundo ní-</p><p>vel apresenta oposição lexical, ou seja, termos que, quando correla-</p><p>cionados, apresentam ideias contrárias entre si, conforme se pode</p><p>observar no exemplo seguinte:</p><p>Padrão II: “A gente é que nem os metais, tá ligado?</p><p>[Uns são suave, outros pesa], [uns são comuns, outros raros]</p><p>Mas… tem um que é zika: TUNGS-TÊ-NIO</p><p>Duro e pesado, como a realidade.” (Corpus do Português)</p><p>No segundo nível, a comparação é mais evidente do que no pa-</p><p>drão (I), uma vez que os itens correlacionados apresentam oposi-</p><p>ção lexical. Em “uns são suave, outros pesa”, a noção de peso é posta</p><p>em contraste, já que ser suave é o contrário de pesar. Da mesma</p><p>206</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>forma, em “uns são comuns, outros raros”, os predicativos comuns</p><p>e raros também se opõem diretamente. A seguir, há uma esquema-</p><p>tização desse dado. Inicialmente vejamos a correlação comparati-</p><p>vo-apositiva instanciada por “uns são suave, outros pesa”</p><p>- elemento comum (padrão): semelhança com os metais;</p><p>- elementos em contraste: uns/outros;</p><p>- marcador do contraste: oposição lexical (ser “suave” x “pesar”);</p><p>- juntura: uns acharam o carro feio, outros acharam o carro</p><p>avançado.</p><p>Quadro 3 – Esquematização da CCCA com marcação</p><p>de contraste por oposição lexical</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Elemento</p><p>comum</p><p>Marcador</p><p>do contraste</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Uns Semelhança</p><p>com os metais</p><p>oposição lexical</p><p>(ser “suave” x “pesar”)</p><p>Outros</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Agora,</p><p>vejamos a CCCA instaurada por “uns são comuns, outros</p><p>raros”:</p><p>- elemento comum (padrão): semelhança com os metais;</p><p>- elementos em contraste: uns/outros;</p><p>- marcador do contraste: oposição lexical (“comuns” x “raros”);</p><p>- juntura: uns são comuns, outros são raros.</p><p>207</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Quadro 4 – Esquematização da CCCA com marcação</p><p>de contraste por oposição lexical</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Elemento</p><p>comum</p><p>Marcador</p><p>do contraste</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Uns Semelhança</p><p>com os metais</p><p>oposição lexical</p><p>(“comuns” x “raros”)</p><p>Outros</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Por fim, no terceiro e último nível “padrão (III)”, encontram-se</p><p>os enunciados em que a construção, além dos correlatores indefi-</p><p>nidos e da oposição lexical, apresentam intensificadores, conforme</p><p>pode ser observado no caso a seguir.</p><p>Padrão III: Há duas semanas outro grupo de brasileiros honestos</p><p>e sinceros pedia da mesma forma saídas para a crise. A diferença</p><p>entre os dois times é marginal. Uns são mais humanistas, outros</p><p>mais egoístas. (Corpus do Português)</p><p>Além da oposição entre humanistas e egoístas, o contraste</p><p>é reforçado pela presença do advérbio mais, que intensifica as ca-</p><p>racterísticas mencionadas. Nesse terceiro padrão, há dois marcado-</p><p>res de contraste. Eis a representação desse dado:</p><p>- elemento comum (padrão): times;</p><p>- elementos em contraste: uns/outros;</p><p>- marcador do contraste: oposição lexical (“humanistas” x “egoís-</p><p>tas”) e presença do intensificador mais;</p><p>- juntura: uns times são mais humanistas, outros times são mais</p><p>egoístas.</p><p>208</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Quadro 5 – Esquematização da CCCA com intensificação</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Elemento</p><p>comum</p><p>Marcador do contraste</p><p>Elemento</p><p>em contraste</p><p>Uns</p><p>Serem</p><p>times</p><p>oposição lexical</p><p>(“humanistas” x “egoístas”)</p><p>+ intensificador mais</p><p>Outros</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>Em suma, podemos dizer que a comparação dentro da cons-</p><p>trução correlata comparativo-apositiva pode ocorrer de três for-</p><p>mas, ou em três diferentes níveis ou padrões, baseados na presença</p><p>de um ou mais marcadores de contraste ou na ausência total deles:</p><p>• Padrão (I): Não há marcador explícito de contraste. O contraste</p><p>pode ocorrer por inferência, mas não é uma regra.</p><p>• Padrão (II): Há, pelo menos, um marcador de contraste, geral-</p><p>mente uma oposição lexical.</p><p>• Padrão (III): Há, ao menos, dois marcadores de contraste, sendo</p><p>um deles intensificador e o outro indicando oposição lexical.</p><p>Essa marcação encontra-se diretamente relacionada à eviden-</p><p>cialidade da comparação: quanto mais marcadores de contraste,</p><p>mais claramente uma construção é percebida como comparativa.</p><p>O continuum que se estabelece da comparação menos à mais mar-</p><p>cada e que corresponde ao quão evidente esse fenômeno é pode</p><p>ser ilustrado por meio da seguinte representação:</p><p>Figura 1 – Evidencialidade da comparação</p><p>Fonte: Elaboração própria.</p><p>209</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Afirmamos, assim, que comparação e contraste são recursos</p><p>que se encontram diretamente relacionados: um depende da pre-</p><p>sença do outro para existir, e ambos se afetam mutuamente. A com-</p><p>paração é o que permite o início do cotejo, a partir do qual serão</p><p>extraídas semelhanças e diferenças. Os diferentes tipos de contras-</p><p>te e os graus de marcação, por sua vez, vão afetar quão evidente é a</p><p>relação comparativa dentro do discurso.</p><p>Considerações finais</p><p>O estudo apresentado neste capítulo consiste em uma parte</p><p>introdutória da análise da construção correlata comparativo-apo-</p><p>sitiva desenvolvida em tese de doutoramento de Barros (2022).</p><p>A partir da descoberta desse tipo de comparação, demonstra-</p><p>mos que esse recurso ocorre na língua de modos muito diversos</p><p>em relação ao que os manuais de gramática costumam abordar.</p><p>Por ser uma elaboração mais marginal, a CCCA não é explorada,</p><p>ou, ao menos, não de forma satisfatória, na literatura disponível.</p><p>Devido ao fato de combinar aspectos formais e funcionais diversos,</p><p>notamos que as classificações existentes não são suficientes para</p><p>explicar e abrigar apropriadamente esse tipo de construção.</p><p>Portanto, ao analisar instâncias de CCCA em dados de corpora</p><p>diversos, verificamos que, apesar de não apresentar conectivos ca-</p><p>nônicos, os indefinidos emparelhados, sempre com outro e suas va-</p><p>riações de gênero e número na apódose, cumprem a função não só</p><p>de interrelacionar duas porções informacionais de caráter apositi-</p><p>vo, como também de auxiliar a formulação do contraste.</p><p>Constatamos, a partir dos dados analisados, que as estruturas</p><p>mais marcadas, seja por apresentarem itens lexicais de oposição,</p><p>seja pela presença de intensificadores usuais da comparação, tais</p><p>como mais e menos, aproximam-se mais da comparação prototí-</p><p>pica, sendo mais facilmente reconhecidos como tal. Os casos me-</p><p>210</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>nos marcados, por sua vez, não apresentam um traço comparativo</p><p>tão claro e podem gerar ambiguidade em sua classificação.</p><p>A análise da CCCA é um exemplo de quão necessário é o es-</p><p>tudo integrado de forma e função, muitas vezes negligenciado</p><p>nos manuais de gramática, os quais podem favorecer um aspecto</p><p>em detrimento do outro ou até mesmo não abordar a variedade</p><p>de formulações linguísticas encontradas no uso. A abordagem des-</p><p>se tema, por outro lado, gera um melhor entendimento da natureza</p><p>da correlação em língua portuguesa e, além disso, tem o potencial</p><p>de oferecer importantes subsídios para o ensino da argumentação.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>BARROS, Letícia Martins Monteiro de. Construção correlata</p><p>comparativa apositiva na perspectiva da Linguística Funcional</p><p>Centrada no Uso. Tese. 2022 (Doutorado em Estudos de Linguagem)</p><p>– Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem,</p><p>Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de</p><p>Janeiro: Nova Fronteira, 2009.</p><p>BIRAUD, Michèle. Les expressions de l’idée comparative en</p><p>grec classique: coréférence et disjonction. Glotta, Göttingen, v.</p><p>61, p. 167-182, 1984. Disponível em: https://www.jstor.org/</p><p>stable/40266632. Acesso em: 24 jun. 2021.</p><p>CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português</p><p>brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2012.</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português</p><p>contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2016.</p><p>HOOP, Helen; SWART, Peter. Contrast in Discourse: Guest Editors’</p><p>Introduction, Journal of Semantics, Oxford, v. 21, n. 2, p. 87-93, may</p><p>2004.</p><p>LUFT, Celso. Moderna Gramática Brasileira. 14. ed. São Paulo: Globo,</p><p>2002.</p><p>211</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>MÓDOLO, Marcelo. Correlação: Estruturalismo versus</p><p>Funcionalismo. (Pré) publications: forskning og undervisning,</p><p>Aarhus, n. 168, 1999.</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. 2.</p><p>ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.</p><p>OITICICA, José. Teoria da correlação. Rio de Janeiro: Organizações</p><p>Simões, 1952.</p><p>PERINI, Mário. Gramática Descritiva do Português Brasileiro.</p><p>Petrópolis: Vozes, 2016.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua</p><p>portuguesa. 53. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2017.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do. Construções correlatas aditivas em</p><p>perspectiva functional. Niterói: EdUFF, 2018.</p><p>213</p><p>CORRELAÇÃO DE NEGAÇÃO</p><p>E CONTRASTE</p><p>Daniele Cristina Campos (UFRJ)</p><p>Idrissa Ribeiro Novo (CPII)</p><p>Considerações iniciais</p><p>O presente capítulo tem por finalidade apresentar um panora-</p><p>ma da pesquisa desenvolvida por Campos (2021), que tratou</p><p>da chamada “construção correlata de negação e contraste”.</p><p>Partindo da obra seminal de Oiticica (1952), o estudo empreendido</p><p>pela autora teve como objetivo geral estudar o processo da corre-</p><p>lação que denota negação e contraste no português brasileiro, ins-</p><p>tanciado pelos seguintes pares correlativos: não…mas sim…, não…</p><p>mas…, não…e sim…, nunca…mas sim…, nem…nem…mas sim…, den-</p><p>tre outros.</p><p>A hipótese norteadora da pesquisa é a de que a relação de in-</p><p>terdependência desse processo correlativo é gerada em um am-</p><p>biente polarizado, em que orações se movem gradualmente</p><p>dentro</p><p>de um campo de tensão cuja conexão se estabelece entre dois polos:</p><p>negativo e afirmativo. O valor contrastivo, presente nesse processo,</p><p>214</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>advém do cotejo de entidades que são, sob a perspectiva do falante,</p><p>de algum modo, incompatíveis.</p><p>Com base nos pressupostos teórico-metodológicos</p><p>da Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU), constatou-se</p><p>que esse processo correlativo pareia forma e conteúdo (Oliveira;</p><p>Arena, 2019). Portanto, temos uma construção correlata de nega-</p><p>ção e contraste (CCNC) rotinizada no português brasileiro e que</p><p>pode ser representada pelo seguinte esquema: [[NEG. X] ([NEG. Z])</p><p>+ [Conectorvalor contrastivo Y]].</p><p>A investigação desenvolvida, em viés sincrônico, partiu da in-</p><p>quietação acerca da escassez de estudos sistemáticos sobre a CCNC</p><p>em contextos reais de produção como o que ilustramos a seguir,</p><p>em destaque:</p><p>Figura 1 – Correlação 1 codificada por não...mas sim</p><p>Fonte: Rafa Vanazzi (2020).</p><p>215</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(01) Professor R. V. – bem-vindo a mais esse vídeo...</p><p>nele vou explicar uma coisa muito interessante...</p><p>que é não pense em nome de notas... pense em ges-</p><p>to... movimento... tá... eu vou explicar isso... – eh/...</p><p>se você não se inscreveu no canal... se inscreva aqui</p><p>embaixo... clique no se inscrever...é aqui no sininho...</p><p>se você clicar nele... você vai receber notificações para</p><p>quando eu postar vídeos novos aqui no canal... (...) –</p><p>vamos lá... porque não pensar em/...gest/...eh/...em...</p><p>notas... mas sim em gestos? (Disponível em: https://</p><p>www.youtube.com/watch?v=opBzYg7RRJI. Acesso</p><p>em: 30 maio 2020).</p><p>O conjunto de dados que constitui o corpus adotado por essa</p><p>pesquisa foi reunido por meio do buscador virtual Google, o qual,</p><p>de acordo com Barton e Lee (2015, p. 43), “se tornou o maior cor-</p><p>pus linguístico no mundo”. Para a realização deste trabalho, devido</p><p>à natureza robusta dos dados encontrados, optamos por coletar</p><p>os 100 primeiros resultados exibidos pela plataforma.</p><p>Em termos metodológicos, o exame do corpus mostrou que o</p><p>uso da CCNC, em parte, ocorreu em contextos de retextualização</p><p>(Marcuschi, 2001), como pode ser observado no dado (01). Deste</p><p>modo, constatamos que essa construção é utilizada como um recur-</p><p>so de condensação discursiva que arrola substituição de uma pro-</p><p>posição A pela proposição B. Para além da referida função semânti-</p><p>co-pragmática, devido ao fato de essa construção ainda ser muito</p><p>composicional, atestamos as funções de preferência e retificação.</p><p>Para fins de organização, o capítulo está dividido em cinco</p><p>partes. Após estas considerações iniciais, passamos a uma breve re-</p><p>visão da literatura, no intuito de abordar de que modo gramáticos</p><p>e linguistas tratam do objeto de estudo aqui analisado. Em seguida,</p><p>situamos a CCNC no macrodomínio funcional do contraste, da gra-</p><p>duação e da comparação (Lehmann, 2011; Novo, 2020). A partir</p><p>daí, delineamos, de forma mais detida, a metodologia adotada</p><p>216</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>em Campos (2021) e procedemos à análise de algumas ocorrências</p><p>do fenômeno empiricamente atestado. Ao cabo, traçamos as con-</p><p>siderações finais e listamos as referências utilizadas neste estudo.</p><p>O que dizem os estudos acerca da CCNC?</p><p>Nesta seção, revisitamos Cunha e Cintra (1985), Bechara</p><p>(2009), Rocha Lima (2011) e Azeredo (2013), a fim de verificar</p><p>o tratamento dado aos conectores mas e e, os quais, ao estabelece-</p><p>rem conexão com uma expressão de valor negativo, formam o con-</p><p>junto de pares correlativos da CCNC.</p><p>Cunha e Cintra (1985) expõem que a conjunção adversativa</p><p>mas e a aditiva e podem veicular diferentes valores semânticos.</p><p>A conjunção mas, em contextos como “Tenho, filho, não de hoje,</p><p>mas de há muito tempo” (Cunha; Cintra, 1985, p. 570, grifo nosso),</p><p>apresenta função de retificação. Por sua vez, a depender do discur-</p><p>so, a conjunção e pode assumir função de adversidade, como em</p><p>“Tanto tenho aprendido e não sei nada” (Cunha; Cintra, 1985, p.</p><p>568, grifo nosso).</p><p>Ampliando a discussão, Bechara (2009) observa que a conjun-</p><p>ção e, além da semântica de adição, pode apresentar sentido su-</p><p>plementar de causa, consequência, oposição, dentre outros. O au-</p><p>tor acrescenta que isso também ocorre em contextos polarizados,</p><p>em que há uma unidade afirmativa e outra negativa, como em “rico</p><p>e não honesto” (Bechara, 2009, p. 320, grifo nosso). Segundo o filó-</p><p>logo, esses valores são contextuais e, apesar de acrescentarem sen-</p><p>tido ao conteúdo global da mensagem, não alteram a relação de adi-</p><p>ção estabelecida entre as unidades envolvidas.</p><p>Rocha Lima (2011, p. 235) assinala que mas é “a conjunção</p><p>adversativa por excelência”. De acordo com o gramático, as conjun-</p><p>ções adversativas relacionam pensamentos contrastantes, e as con-</p><p>junções aditivas ligam pensamentos similares. No grupo das adi-</p><p>217</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>tivas, o autor elenca as conjunções e e nem: a primeira une duas</p><p>afirmações, e a segunda liga duas negações.</p><p>De outra perspectiva, Azeredo (2013, p. 126) atesta que não…</p><p>mas corresponde a um par correlativo de focalização contrastiva,</p><p>podendo denotar preferência ou compensação. O estudioso acres-</p><p>centa que os vocábulos responsáveis por ligar as informações</p><p>que se correlacionam são, em sua maioria, emprestados de outras</p><p>classes gramaticais, como advérbios, a exemplo de “tanto e quanto,</p><p>mais e também” (Azeredo, 2013, p. 351, grifos do autor).</p><p>Como podemos observar, apesar de Cunha e Cintra (1985),</p><p>Bechara (2009) e Rocha Lima (2011) não atestarem o par correla-</p><p>tivo não…mas, como fez Azeredo (2013), algumas funções semân-</p><p>tico-pragmáticas dos conectores apresentados pelos gramáticos</p><p>se relacionam às do conjunto de pares correlativos que constitui</p><p>o inventário da CCNC, dentre as quais enquadram-se retificação</p><p>e contraste.</p><p>Não obstante, cabe ressaltar que, embora Azeredo (2013) seja</p><p>o único autor dentre os listados anteriormente que atesta a exis-</p><p>tência do par correlativo não…mas, na perspectiva dele (Azeredo,</p><p>2013, p. 351), o processo da correlação é um “expediente retórico”,</p><p>corriqueiro no discurso argumentativo, em que se busca “dar idên-</p><p>tico realce às unidades conectadas”. Nesse viés, em paralelo à visão</p><p>dos gramáticos supramencionados, o estudioso mantém a aborda-</p><p>gem dicotômica, para a qual apenas coordenação e subordinação</p><p>são reconhecidas como processos de integração oracional.</p><p>Para além das gramáticas, buscamos também, em trabalhos</p><p>de linha cognitivista, verificar o tratamento dado aos pares correla-</p><p>tivos da CCNC. Desse modo, apresentamos, em seguida, os aponta-</p><p>mentos de Lima-Hernandes (2014) e de Ribeiro (2014).</p><p>Lima-Hernandes (2014) evidencia que os pares correlativos</p><p>não…mas e não…mas sim ligam orações cujo objetivo é focalizar</p><p>218</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>a informação que o falante julga ser a mais relevante, atribuindo-</p><p>-lhes relevo informacional. Desse modo, segundo a autora, por con-</p><p>figurar uma estratégia discursiva relacionada aos propósitos comu-</p><p>nicativos do falante, o processo da correlação é de base pragmática</p><p>e cognitiva.</p><p>Ao analisar redações do vestibular da Fuvest, Ribeiro (2014,</p><p>p. 172-191) amplia o rol do conjunto de pares correlativos — não...</p><p>mas, não...mas sim, não...e sim, nunca...mas sim — e atesta seu em-</p><p>prego como um recurso argumentativo, em que se busca contrapor</p><p>ideias que se contrastam. Segundo o linguista, o processo da corre-</p><p>lação é de natureza sociocognitiva, uma vez que todo ser humano</p><p>pensa e organiza informações por meio de um processo cognitivo</p><p>básico, a analogia. Nessa perspectiva, o falante arrola mentalmente</p><p>informações que já se encontram relacionadas com base na experi-</p><p>ência humana.</p><p>Como podemos averiguar, Lima-Hernandes (2014) e Ribeiro</p><p>(2014) não só atestam alguns dos pares correlativos que integram</p><p>o inventário da CCNC, como também destacam o papel discursivo</p><p>e a natureza cognitiva que envolve o uso desses pares. Entretanto,</p><p>ao revisitarmos a literatura especializada acerca do tema da cor-</p><p>relação, notamos que não há estudos sistemáticos sobre o objeto</p><p>ora investigado. Dada a escassez de pesquisas acerca da CCNC e de</p><p>seus pares correlativos, a investigação proposta torna-se relevante</p><p>para os estudos linguísticos.</p><p>Considerações sobre o macrodomínio do contraste, da graduação</p><p>e da comparação</p><p>Givón (2001) define domínio funcional como o escopo de atu-</p><p>ação de uma dada função desempenhada por dada(s) forma(s).</p><p>Em outras palavras, os domínios reúnem as funções que as línguas</p><p>codificam por intermédio do(s) meio(s) formal(is) disponível(is).</p><p>219</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Desse modo, o conceito de domínio funcional é de extremo va-</p><p>lor para as pesquisas funcionalistas, já que permite a observação</p><p>de que diversas funções estão presentes nas línguas, não necessa-</p><p>riamente em formas especificadas.</p><p>Ainda de acordo com Hopper (1991, p. 22), “dentro de um</p><p>domínio funcional, novas camadas podem continuar emergindo”.</p><p>Assim, a complexidade dos domínios funcionais decorre do fato</p><p>de as fronteiras entre cada um deles nem sempre serem claras</p><p>e precisas, impossibilitando a dissociação, na prática, de um domí-</p><p>nio do outro. Isso pode ser mais claramente observado no quadro</p><p>de Lehmann (2001, p. 13), em que se lista uma série de domínios</p><p>funcionais amplos e alguns subdomínios a eles vinculados:</p><p>Quadro 1 – Domínios funcionais da linguagem:</p><p>postulado de Lehmann (2011)</p><p>Domínio funcional Subdomínios importantes</p><p>apreensão e nominação</p><p>sistemas de categorização, tipos</p><p>de conceitos, individuação de objetos</p><p>modificação</p><p>de conceito</p><p>atribuição, aposição</p><p>referência determinação (inclusive dêixis), foricidade</p><p>possessão</p><p>possessão na referência, predicação</p><p>possessiva, possessão e participação</p><p>construção do espaço</p><p>pontos de referência, relações locais,</p><p>regiões espaciais, propriedades espaciais</p><p>e figurais de objetos</p><p>quantificação quantificação na referência / na predicação</p><p>predicação</p><p>apresentação, existência/estado,</p><p>caracterização</p><p>participação</p><p>controle e afeto, papéis de participante</p><p>centrais e periféricos</p><p>orientação temporal</p><p>tipos de situação, aspectualidade,</p><p>caracteres verbais e modos de ação; tempo</p><p>absoluto, relação temporal</p><p>220</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>contraste,</p><p>comparação,</p><p>graduação</p><p>negação, comparação, graduação,</p><p>intensificação</p><p>nexo</p><p>reprodução de fala, orações de conteúdo,</p><p>relações interproposicionais</p><p>estrutura</p><p>informacional</p><p>dinamismo comunicativo, estrutura</p><p>do discurso</p><p>ilocução e modalidade</p><p>afirmação, pergunta, exclamação,</p><p>pedido e comando, exortação, obrigação,</p><p>volição, possibilidade, evidencialidade,</p><p>modalização</p><p>Fonte: Lehmann (2011, p. 13, grifos nossos).</p><p>É no macrodomínio do contraste, comparação, graduação</p><p>que Novo (2020, p. 22) situa a função de substituição, a qual,</p><p>embora não esteja originalmente contemplada pelo Quadro 1, é</p><p>“construída pela oposição de duas ideias”, o que é característico</p><p>desse macrodomínio funcional. Conforme se evidencia no Quadro</p><p>1, é também nesse macrodomínio que estão previstas as funções</p><p>de negação e contraste.</p><p>Para Novo (2020, p. 37, grifo da autora), “substituição [...]</p><p>pressupõe troca e, por esse motivo, pode ser encaixada nas funções</p><p>atreladas ao contraste. O ato de substituir implica algo ser retirado</p><p>para dar lugar ou vez a outro”. Consoante os postulados de Novo</p><p>(2020), acrescentamos o fato de a CCNC cotejar entidades que são</p><p>linguisticamente incompatíveis do ponto de vista subjetivo do fa-</p><p>lante, dadas as relações que emergem no contexto.</p><p>Vejamos mais um dado:</p><p>221</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Figura 2 – Correlação 2 codificada por não...mas sim</p><p>Fonte: Record (2020).</p><p>(02) Renato Cardoso – Quando você age com mui-</p><p>to ciúme do parceiro... duas coisas ruins acontecem...</p><p>você se torna uma pessoa chata... indesejável... e colo-</p><p>ca todo poder da relação nas mãos do parceiro... [...]</p><p>experimente não demonstrar ciúmes... especial-</p><p>mente em situações onde não há razões concre-</p><p>tas pra isso... controle suas emoções... em vez</p><p>de enciumar-se... mostre segurança em si mesmo...</p><p>(Disponível em: http://entretenimento.r7.com/love-</p><p>-school-escola-amor/videos/minuto-do-casamento-</p><p>-experimente-nao-demonstrar-ciume-mas-sim-segu-</p><p>ranca-16032018. Acesso em: 30 maio 2020).</p><p>O par correlativo não...mas sim, além do contraste, apresenta</p><p>uma função semântico-pragmática de substituição. No dado (02),</p><p>em relação ao contraste, o par correlativo não...mas sim coteja en-</p><p>tidades conceptuais que são incompatíveis, conforme a interpreta-</p><p>ção subjetiva do falante sobre relacionamentos. No que diz respeito</p><p>222</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>à função de substituição, tendo em vista o grau de composicionali-</p><p>dade da CCNC, bem como o contexto intersubjetivo em que se en-</p><p>contra esse par correlativo, o uso do verbo “experimentar” no modo</p><p>imperativo, em “Experimente não demonstrar ciúme, mas sim se-</p><p>gurança”, objetiva influenciar o interlocutor a substituir a atitude</p><p>ciumenta por uma atitude mais madura, que demonstre segurança.</p><p>Com base no exemplo supramencionado, o uso do par corre-</p><p>lativo não...mas sim, ao conectar orações de polaridades diferentes,</p><p>“faz esperar uma afirmação substituidora que possa vir tomar o lu-</p><p>gar do que foi descartado (com a negação), ficando praticamen-</p><p>te acertado entre as partes a validade do polo positivo” (Neves,</p><p>2017, p. 35). Portanto, como vimos expondo, isso demonstra que,</p><p>na CCNC, a substituição é uma função semântico-pragmática e o</p><p>contraste, uma função linguístico-cognitiva.</p><p>No mais, como visto, tanto a substituição como o contraste</p><p>pressupõem negação. Uma vez que, em ambas as relações, pelo</p><p>menos, duas proposições estão em direções opostas, é necessário</p><p>que uma das ideias ocupe lugar de destaque em relação a outra.</p><p>Em outras palavras, uma proposição recebe proeminência em de-</p><p>trimento da outra, sendo esta última “negada” pelo enunciador.</p><p>A seguir, expomos a metodologia empregada na pesquisa</p><p>de Campos (2021).</p><p>Procedimentos metodológicos</p><p>O conjunto de dados que constitui o corpus adotado por esta</p><p>pesquisa foi reunido por meio do buscador virtual Google, a partir</p><p>dos seguintes parâmetros: “*...MAS SIM…” e “*...E SIM…”. Com base</p><p>nessa delimitação metodológica, foram encontrados por volta</p><p>de 101.000.000 resultados para o primeiro parâmetro e, aproxi-</p><p>madamente, 106.000.000 de registros para o segundo parâmetro</p><p>de busca. Devido à robustez dos resultados e visando a um melhor</p><p>223</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>recorte qualitativo e quantitativo, recolhemos para exame os 100</p><p>primeiros resultados exibidos pelo Google.</p><p>Os textos que formam o corpus são de natureza híbrida e mul-</p><p>timodal e encontram-se veiculados em diferentes plataformas di-</p><p>gitais, a saber: 39 postagens do Facebook, 25 vídeos do YouTube,</p><p>04 publicações do X (antigo Twitter) e 32 textos de sites variados.</p><p>Após a análise do corpus, foram identificadas 129 ocorrências de uso</p><p>da CCNC, conforme ilustramos com o dado destacado a seguir:</p><p>Figura 3 – Correlação 3 codificada por não...mas sim</p><p>Fonte: Jogo Aberto (2022).</p><p>(03) Carille – [...] até mesmo nós achávamos que era</p><p>a quarta força por tudo... [...] errei algumas vezes...</p><p>errei na questão de montagem... mas muitas das ve-</p><p>zes é o jogo que te mostra algumas coisas... [...] e não</p><p>imaginava... [...] o que tá me fazendo...eh/... fortalecer</p><p>é o (dia a dia)... que/ eu não fico pensando em título</p><p>domingo... não fico pensando em campeonato bra-</p><p>sileiro... não fico pensando em sul-americano... fico</p><p>224</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>pensando no amanhã... o que/...que...eu posso ser me-</p><p>lhor... o que/...que...eu posso melhorar na minha equi-</p><p>pe que tá funcionando [...]</p><p>(Disponível em: https://www.youtube.com/watch?-</p><p>v=5gCPLgqAuvg. Acesso em: 19 ago. 2022).</p><p>Como podemos observar em (03), o conteúdo da manchete</p><p>“Não penso em títulos, mas sim nos pontos fracos” faz referência</p><p>à fala do técnico Carille, proferida durante uma entrevista coletiva.</p><p>Dessa forma, o discurso reportado de Carille demonstra que houve</p><p>uma</p><p>reinterpretação dos elementos contextuais presentes na fala</p><p>do técnico. Segundo Marcuschi (2001) e Decat (2002), na passa-</p><p>gem do texto da modalidade oral para a modalidade escrita, essa</p><p>dinâmica de reinterpretação discursiva (do conteúdo do discurso)</p><p>é comum e envolve o processo denominado retextualização.</p><p>De acordo com Marcuschi (2001), a retextualização é um pro-</p><p>cesso que envolve aspectos de natureza linguística, textual, discur-</p><p>siva e cognitiva. Nesse processo, as estruturas sintáticas são reor-</p><p>ganizadas e acomodadas em um novo arranjo sintático, com base</p><p>naquilo que se compreendeu do discurso do falante. Ainda segundo</p><p>o autor, a retextualização consiste na passagem de um texto em uma</p><p>modalidade para outro texto em outra modalidade, e não na passa-</p><p>gem do “caos” da fala para a “ordem” da escrita, visto que fala e es-</p><p>crita são modalidades discursivas de uso de uma mesma gramática.</p><p>Decat (2002) destaca que a retextualização é um proces-</p><p>so complexo e envolve variação de registros, de gêneros textuais,</p><p>de estilo e de níveis linguísticos, seja na retextualização do texto</p><p>oral para o texto escrito, seja na retextualização de um texto escrito</p><p>para outro texto escrito. Nessa dinâmica de transformação, de acor-</p><p>do com a estudiosa, acomodar um conteúdo informacional em um</p><p>novo arranjo sintático implica não só recuperar as relações semân-</p><p>ticas, como também as relações pragmáticas presentes no contexto.</p><p>225</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Nessa perspectiva, em (03), é possível notar que o conteúdo</p><p>informacional abrigado na manchete advém da retextualização</p><p>do discurso de Carille, com base nas inferências e nas implicatu-</p><p>ras (Bybee, 2016) contidas nesse discurso. Isso mostra que o ar-</p><p>ranjo sintático da manchete não só recupera, mas também acomo-</p><p>da as funções semântico-pragmáticas de contraste e substituição,</p><p>na medida em que a declaração de Carille nega que se pensa em títu-</p><p>los, campeonato brasileiro ou sul-americano, pois seus pensamen-</p><p>tos, na verdade, estão direcionados para a melhoria dos “pontos</p><p>fracos” de sua equipe.</p><p>Dessa forma, a retextualização contribui para uma análise</p><p>holística acerca das propriedades semântico-pragmáticas que en-</p><p>volvem o objeto sob investigação. Sendo assim, para fins de recor-</p><p>te metodológico, optamos por examinar os dados que ocorreram</p><p>em contextos de retextualização.</p><p>Como função última desta seção, tratamos brevemente</p><p>dos dois parâmetros de análise recortados de Campos (2021)</p><p>que aqui tomamos como base para proceder à análise dos dados.</p><p>Tendo em vista que o contraste decorre de “uma relação de natu-</p><p>reza linguístico-cognitiva que, baseada em representações men-</p><p>tais, resulta da percepção de uma diferença, incompatibilidade</p><p>ou conflito entre entidades de algum modo cotejáveis” (Longhin;</p><p>Ferrari, 2020, p. 2), investigamos a (inter)subjetividade existente</p><p>no contexto de uso da CCNC. Além disso, com base no subprincí-</p><p>pio da quantidade e no subprincípio da integração, verificamos se o</p><p>uso da elipse verbal funcionaria como um recurso de condensação</p><p>discursiva.</p><p>Em seguida, apresentamos a análise de dados.</p><p>Análise de dados</p><p>A fim de verificar qual par correlativo pode ser descrito como</p><p>membro central da categoria da CCNC, levantamos as frequências</p><p>226</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>type e token com base na análise do conjunto de textos que formam</p><p>o corpus. A análise empreendida revelou um total de 129 ocor-</p><p>rências de uso (tokens) dessa construção, cujo inventário conta</p><p>com oito types,29 conforme se demonstra na tabela a seguir:</p><p>Tabela 1 – Frequência dos pares correlativos</p><p>de negação e contraste no corpus</p><p>TYPES TOKENS %</p><p>1 não X mas sim Y 62 48,1</p><p>2 não X e sim Y 55 42,6</p><p>3 não X mas Y 6 4,7</p><p>4 nunca X e sim Y 2 1,6</p><p>5 nunca X mas sim Y 1 0,8</p><p>6 nem X nem Z mas sim Y 1 0,8</p><p>7 não X nem Z e sim Y 1 0,8</p><p>8 X não mas sim Y 1 0,8</p><p>Total 129 100%</p><p>Fonte: Campos (2021, p. 96).</p><p>A Tabela 1 demonstra que o type não X mas sim Y ocorreu,</p><p>no corpus, com uma frequência token maior (48,1%) se comparada</p><p>à do type não X e sim Y (42,6%). Os types não X mas Y (4,7%) e nun-</p><p>ca X e sim Y (1,6%) ocorreram em uma escala menor de frequência</p><p>token se comparados aos dois primeiros types da tabela. Por fim,</p><p>os types nunca X mas sim Y, nem X nem Z mas sim Y, não X nem Z</p><p>e sim Y e X não mas sim Y foram os menos frequentes no corpus,</p><p>com uma taxa de 0,8% de frequência token cada. Para os fins des-</p><p>te capítulo, procedemos ao exame dos dois types mais frequentes</p><p>no corpus.</p><p>Vejamos o dado a seguir:</p><p>29 Vale frisar que os usos de “mas” e de “e”, no par correlato, estava no padrão de busca.</p><p>227</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Figura 4 – Correlação 4 codificada por não...mas sim</p><p>Fonte: Radio Capital FM (2022).</p><p>(04) Paulo Rogério – todos gostam de saber que são</p><p>amados... que são valorizados... mas apenas palavras</p><p>não sustentam nenhum vínculo... seja ele familiar...</p><p>seja ele romântico ou de amizade... que seja... não é</p><p>só com palavras que vamos demonstrar o nosso amor</p><p>por aquela pessoa que a gente tem tanto afeto... que a</p><p>gente ama... mas sim com atitudes... [...] as palavras</p><p>são SIM muito bonitas... mas com o tempo podem</p><p>perder a sua força... [...] ao invés de apenas falar-</p><p>mos para as pessoas que as amamos.... devemos</p><p>fazer com que elas percebam a força do nosso</p><p>sentimento... através das nossas atitudes... pre-</p><p>cisamos dedicar um tempo para estar junto a essas</p><p>pessoas maravilhosas que a gente ama... junto a pes-</p><p>soa que você ama... demonstrar que nos importamos</p><p>com seus sentimentos. (Disponível em: https://www.</p><p>youtube.com/watch?v=3Yqh0_qDC3E. Acesso em:</p><p>19 ago. 2022).</p><p>228</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>O dado (04) ocorre em um contexto extremamente polarizado,</p><p>já que o objetivo do enunciador é ressaltar que uma relação amo-</p><p>rosa vai para além das palavras ditas, evidenciando-se, por outro</p><p>lado, o modo de agir perante o ser amado. Observa-se, então, que o</p><p>discurso é construído por uma parte negativa “não é só com pala-</p><p>vras que vamos demonstrar o nosso amor por aquela pessoa que a</p><p>gente tem tanto afeto... que a gente ama...” e, logo em seguida, é con-</p><p>testado por outra parte de âmbito positivo “mas sim com atitudes...”,</p><p>sob a qual recai o reforço argumentativo. Assim, o par correlativo</p><p>não...mas sim, nesse caso, apresenta uma função semântico-prag-</p><p>mática de substituição, uma vez que a ideia expressa na primeira</p><p>parte é negada para dar lugar a outra, que vem em seguida.</p><p>Convém também observar a presença do conector ao invés</p><p>de como importante elemento que evidencia a polarização presen-</p><p>te no contexto discursivo ora analisado. Em “ao invés de apenas fa-</p><p>larmos para as pessoas que as amamos.... devemos fazer com que</p><p>elas percebam a força do nosso sentimento... através das nossas ati-</p><p>tudes...”, o enunciador faz uma recomendação para o interlocutor,</p><p>de modo a provocar-lhe mudança de atitude: em outras palavras,</p><p>aconselha-se falar menos e agir mais. Evidencia-se, pois, alto grau</p><p>de (inter)subjetividade, tendo em vista o objetivo de o enunciador</p><p>convencer o interlocutor de que sua recomendação deve ser segui-</p><p>da (Novo, 2020, p. 185).</p><p>Analisemos, em seguida, mais um dado retirado do corpus</p><p>que, devido à composicionalidade da CCNC e ao contexto (inter)</p><p>subjetivo em que essa construção se encontra, apresenta um matiz</p><p>semântico-pragmático de substituição de uma proposição A por ou-</p><p>tra proposição B.</p><p>229</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Figura 5 – Correlação 5 codificada por não...mas sim</p><p>Fonte: Ethel Peternelli (2022).</p><p>(05) Ethel Peternelli – toma cuidado... será que o</p><p>seu ídolo... será que cê não tá confundindo? em vez</p><p>de se inspirar nessa pessoa... cê tá querendo ser ela?</p><p>você tem que ser você! [...] eu acho que eu andei con-</p><p>fundindo algumas coisas... e eu não sei se você pode</p><p>tá confundindo... então... sabe quando você tem clare-</p><p>za... você sabe o que você quer... você tem o conheci-</p><p>mento de como fazer um negócio seu... cê tá queren-</p><p>do faze ele e aí você tem um ídolo... alguém que você</p><p>tá seguindo...</p><p>você tá fazendo a receitinha lá... e não</p><p>tá dando resultado... [...] será que porque a gente</p><p>tá confundindo a felicidade como a minha fonte de ter</p><p>energia pra fazer as coisas... sendo que qual o conceito</p><p>de felicidade? [...] (Disponível em: https://www.you-</p><p>tube.com/watch?v=dc7gsD2n3dY&t=4s. Acesso em:</p><p>19 ago. 2022).</p><p>230</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em primeiro lugar, chama atenção, no dado (05), a presen-</p><p>ça do conector em vez de, destacado em negrito. Observa-se que a</p><p>oração instanciada pelo conector — “em vez de se inspirar nessa</p><p>pessoa” — veicula uma polaridade negativa, demonstrando o que</p><p>não deve ser feito, já que a coach, imediatamente, recomenda: “você</p><p>tem que ser você!”. Como reforço argumentativo, constata-se, ainda,</p><p>uma sequência de aconselhamentos afirmativos, evidenciados pelo</p><p>uso do verbo “ter” em tom asseverativo. Desse modo, uma vez mais,</p><p>a leitura que se oferece é de necessidade deôntica (Neves, 2011),</p><p>em que a ação é cingida no que deve ser feito.</p><p>Não podendo perder de vista que o objeto de estudo desta</p><p>análise é, na verdade, a CCNC, analisemos o par correlativo des-</p><p>tacado na manchete “Talvez não seja falta de felicidade, mas sim</p><p>de energia”. De início, elucidamos que esse dado veicula a função</p><p>semântico-pragmática de substituição, tendo em vista que a “falta</p><p>de felicidade” é substituída pela “falta de energia”.</p><p>Ainda com relação a essa ocorrência, nota-se que o verbo</p><p>“seja”, presente na primeira parte da construção correlata, está</p><p>em elipse na segunda parte. De maneira geral, o estudo de Campos</p><p>(2021) observou que a elipse é um fenômeno recorrente na CCNC</p><p>na contraparte afirmativa. De acordo com Campos (2021, p. 72, gri-</p><p>fos da autora),</p><p>Isso ocorre porque, na atividade de retextualização,</p><p>uma operação muito comum é a estratégia de elimi-</p><p>nação (3ª operação textual-discursiva). Essa opera-</p><p>ção visa a uma condensação linguística, suprimindo</p><p>vocábulos que o retextualizador julga repetitivos,</p><p>eliminando segmentos reduplicados, redundâncias,</p><p>paráfrases etc., conforme Marcuschi (2001).</p><p>Desse modo, o fenômeno da elipse verbal revela um arranjo</p><p>icônico na estrutura da contraparte afirmativa, o que é decorrente</p><p>do subprincípio da quantidade. Segundo esse subprincípio, “quan-</p><p>231</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>to mais imprevisível (nova) for a informação para o interlocutor,</p><p>maior será a quantidade de forma a ser utilizada”, ao passo que</p><p>“aquilo que é mais simples e esperado se expressa através de me-</p><p>canismos morfossintáticos menos complexos” (Cunha; Bispo; Silva,</p><p>2013, p. 23).</p><p>Além disso, observamos que há uma relação icônica na codifi-</p><p>cação da CCNC, tendo em vista que os termos que preenchem os slots</p><p>dessa construção, por se mostrarem integrados na estrutura, ten-</p><p>dem a ser codificados juntos. Isso está relacionado ao subprincípio</p><p>da integração, o qual prevê que “os conceitos mais cognitivamente</p><p>próximos também estarão mais integrados no nível da codificação</p><p>– o que está mentalmente junto coloca-se sintaticamente junto”</p><p>(Cunha; Oliveira; Martelotta, 2015, p. 24).</p><p>Portanto, com base nesses subprincípios, podemos concluir</p><p>que a predominância do fenômeno da elipse verbal na contraparte</p><p>afirmativa advém de uma motivação icônica, corroborando a hipó-</p><p>tese de que a CCNC se apresenta como um recurso de condensação</p><p>discursiva.</p><p>Analisemos mais um dado recolhido do corpus.</p><p>Figura 6 – Correlação 6 codificada por não...e sim</p><p>Fonte: TV Sintese (2022).</p><p>232</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(06) Márcio Iorio Aranha – [...] o que a população quer</p><p>efetivamente não é mais multas...porque essas mul-</p><p>tas não vão/... não retornam ao setor...não retornam</p><p>ao consumidor — pelo contrário... elas oneram o se-</p><p>tor — e o que a população efetivamente quer é um</p><p>melhor serviço... eh/... esse deveria ser o objetivo per-</p><p>seguido pelo regulador que sob o ponto de vista da re-</p><p>gulação por incentivos seria mais aferível e mais fácil</p><p>de ser implementado [...] (Disponível em: https://</p><p>www.youtube.com/watch?v=phuz4UuSkog. Acesso</p><p>em: 20 ago. 2022).</p><p>Na legenda da imagem em (06), o par correlativo não…e sim é</p><p>empregado para indicar a preferência da população por melhores</p><p>serviços à aplicação de mais multas. O emprego do verbo “querer”,</p><p>na primeira parte da correlação, indica aquilo que a população</p><p>não deseja. A contraparte da correlação revela que, sob o ponto</p><p>de vista do falante, “melhores serviços” é incompatível com “mais</p><p>multas”, uma vez que elas “[...] ...não retornam ao consumidor — pelo</p><p>contrário... elas oneram o setor —”. Desse modo, o conteúdo negado</p><p>é substituído por um conteúdo afirmativo, na medida em que pre-</p><p>ferência pressupõe escolha entre duas ou mais opções. Além disso,</p><p>a conceptualização de “mais multas” como incompatível com “me-</p><p>lhores serviços” é revelada no arranjo sintático do par correlativo,</p><p>tendo em vista que cada entidade linguística se encontra distribuí-</p><p>da em polos diferentes.</p><p>Apesar de a CCNC apresentar diferentes configurações mor-</p><p>fossintáticas e, devido ao fato de sua composicionalidade (Rosário;</p><p>Campos, 2019) acomodar funções diversas, como a de preferência,</p><p>substituição e contraste, a polarização é um traço determinante para</p><p>a formação dessa construção. No processo correlativo da CCNC, “a</p><p>interdependência se configura do ‘não’ para o ‘sim’ numa relação</p><p>bilateral em que não há reciprocidade entre informações cotejá-</p><p>veis” (Campos, 2021, p. 71). Nesse viés, vejamos, em mais um dado,</p><p>como esse processo se materializa.</p><p>233</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Figura 7 – Correlação 7 codificada por não...e sim</p><p>Fonte: Google (2019).</p><p>(07) Anna Carolina Hoff (Médica) – nos últimos dias</p><p>médicos italianos... espanhóis e americanos publica-</p><p>ram casos sobre a maneira como o coronavírus aco-</p><p>mete diferentes partes do corpo... coração... causando</p><p>infarto... cérebro... causando AVCS... e mesmo sobre</p><p>os padrões de lesão encontrados nos pulmões dos do-</p><p>entes... e na verdade... meus amigos... a gente chega</p><p>à conclusão que o coronavírus... ele não é uma doença</p><p>respiratória...e sim uma doença sistêmica com uma</p><p>característica mais hematológica...eu sou doutora</p><p>Anna Carolina Hoff... cirurgiãendoscópica...e esse</p><p>doutor Euvaldo Jaqueto Junior... cirurgião vascular...</p><p>a gente vai procurar ser o mais didático possível para</p><p>que vocês entendam como uma única doença pode</p><p>de fato causar estragos em tantos locais diferentes [...]</p><p>(Disponível em: https://www.youtube.com/watch?-</p><p>v=qrObGhXEiik. Acesso em 20 ago. 2022).</p><p>234</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em (07), o par correlativo não…e sim liga duas proposições,</p><p>em que uma é objeto de refutação e a outra, de retificação. Na pri-</p><p>meira parte da correlação, encontra-se a negação daquilo que a</p><p>medicina até então compreendia acerca do coronavírus. Na contra-</p><p>parte da correlação, é apresentado o que se passou a depreender</p><p>sobre a doença com base nos últimos estudos publicados por mé-</p><p>dicos italianos, espanhóis e americanos. Portanto, a função de con-</p><p>traste, a depender da natureza do conflito, pode indicar retificação</p><p>(Longhin; Ferrari, 2020). Dessa forma, o par correlativo não…e sim,</p><p>ao realocar o discurso da médica, mantém a função de retificação</p><p>presente no par não…mas sim, pois ambos compartilham as fun-</p><p>ções de contraste, substituição e retificação.</p><p>Feitas as análises, passamos às considerações finais na próxi-</p><p>ma seção.</p><p>Considerações finais</p><p>Neste trabalho, procuramos traçar, à luz da LFCU, um panorama</p><p>da CCNC e de seus pares correlativos, analisando algumas ocorrên-</p><p>cias coletadas de corpus constituído por Campos (2021). A escassa</p><p>literatura disponível acerca dessa construção revela a necessidade</p><p>de uma descrição do fenômeno linguístico, marcada por considerá-</p><p>vel produtividade no português brasileiro contemporâneo.</p><p>Com base na análise de dados em estratégias de retextualiza-</p><p>ção, defendemos que, na CCNC, a interdependência é de natureza</p><p>sintática e semântico-pragmática, tendo em vista que a tensão ge-</p><p>rada pela polaridade negativa e pela polaridade</p><p>afirmativa (Lima-</p><p>Hernandes; Barroso, 2007) estabelece uma relação de interdepen-</p><p>dência entre unidades de informações que se encontram em polos</p><p>diferentes. Ademais, de forma mais particular, avaliamos que o</p><p>contraste seja de natureza linguístico-cognitiva (Longhin; Ferrari,</p><p>2020), porquanto essa função emerja do cotejo de entidades que,</p><p>sob o prisma subjetivo do enunciador, são incompatíveis.</p><p>235</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Ao observarmos o contexto (inter)subjetivo em que essa cor-</p><p>relação se encontra inserida, ou seja, em estratégias de retextuali-</p><p>zação, postulamos que o falante coteja duas entidades que, segun-</p><p>do sua percepção, são contextualmente incompatíveis. Por conta</p><p>disso, essas entidades são distribuídas em orações de polaridades</p><p>distintas. Isso fortalece o valor contrastivo codificado no processo</p><p>da CCNC e permite-nos a inclusão das funções semântico-pragmá-</p><p>ticas acionadas por essa construção no macrodomínio do contraste,</p><p>da graduação e da comparação (Lehmann, 2011; Novo, 2020).</p><p>Tendo em vista que “a compreensão é um processo cognitivo</p><p>de apropriação de conteúdos e sentidos mediante inferência dire-</p><p>ta sobre o apreendido” (Marcuschi, 2001, p. 70), podemos concluir</p><p>que o uso do par correlativo não...mas sim e não...e sim, em estraté-</p><p>gias de retextualização, evoca um significado inferido contextual-</p><p>mente. Dessa forma, ao acomodar as proposições contidas em um</p><p>novo arranjo sintático, o retextualizador prima por uma unidade</p><p>de informação mais concisa, suprimindo assim o verbo da proposi-</p><p>ção afirmativa, já que é o mesmo verbo da oração contida na propo-</p><p>sição negada.</p><p>Com base nesse conjunto de propriedades, podemos, então,</p><p>definir a CCNC como um processo sintático-semântico em que</p><p>há interdependência. Nesse processo, não há oração principal, ape-</p><p>nas conexão estabelecida entre duas partes que se ligam por meio</p><p>de pares correlativos. A relação de interdependência se materializa</p><p>segundo uma tensão que advém de dois polos (negação vs. afirma-</p><p>ção). Por sua vez, os pares correlativos são estruturalmente com-</p><p>plexos, uma vez que eles não só ligam as orações interdependentes,</p><p>como também marcam morfossintaticamente a estrutura das ora-</p><p>ções correlatas.</p><p>Por fim, cabe ponderar que o estudo aqui empreendido não se</p><p>pretende findo, uma vez que foi construído com base no conjun-</p><p>to de ocorrências encontrado no corpus considerado em Campos</p><p>236</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(2021). Deste modo, em futuras pesquisas, ambicionamos realizar</p><p>análise ampliada das funções semântico-pragmáticas que decorrem</p><p>da CCNC, bem como da formação dos pares correlativos que consti-</p><p>tuem o inventário da mencionada construção correlativa.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AZEREDO, José Carlos. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 3.</p><p>ed. São Paulo: Publifolha, 2013.</p><p>BARTON, David; LEE, Carmen. Linguagem online: textos e práticas</p><p>digitais. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Parábola</p><p>Editorial, 2015.</p><p>BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de</p><p>Janeiro: Nova Fronteira, 2009.</p><p>BYBEE, Joan. Língua, uso e cognição. Tradução de Maria Angélica</p><p>Furtado da Cunha. São Paulo: Cortez, 2016.</p><p>CAMPOS, Daniele Cristina. A correlação de negação e contraste</p><p>no português brasileiro. 2021. Dissertação (Mestrado em Letras</p><p>Vernáculas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de</p><p>Janeiro, 2021.</p><p>CUNHA, Maria Angelica Furtado da; BISPO, Edivaldo Balduino;</p><p>SILVA, José Romerito. Linguística Funcional Centrada no Uso:</p><p>conceitos básicos e categorias analíticas. In: CEZARIO, Maria Maura;</p><p>CUNHA, Maria Angelica Furtado da (org.). Linguística centrada no</p><p>uso: uma homenagem a Mário Martelotta. Rio de Janeiro: Mauad X;</p><p>Faperj, 2013. p. 13-39.</p><p>CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português</p><p>contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.</p><p>CUNHA, Maria Angelica Furtado da, OLIVEIRA, Mariangela Rio de;</p><p>MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Linguística Funcional: teoria</p><p>e prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.</p><p>DECAT, Maria Beatriz Nascimento. Oralidade e escrita: a articulação</p><p>de cláusulas no processo de retextualização em português. Veredas,</p><p>Juiz de Fora, v. 6, n. 2, p. 161-179, jul./dez. 2002.</p><p>237</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>GIVÓN, Talmy. Syntax: A introduction. Amsterdam: John Benjamins,</p><p>2001. 1 v.</p><p>HOPPER, Paul. On somes principles of grammaticalization.</p><p>In: TRAUGOTT, Elizabeth Closs; HEINE, Bernd. Approaches to</p><p>grammaticalization. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins</p><p>Company, 1991. p. 17-35. 1 v.</p><p>LEHMANN, Christian. Gramática Funcional. Guavira Letras, Três</p><p>Lagoas, v. 13, n. 1, p. 7-22, 2011. Disponível em: http://marcacini.</p><p>com.br/seer/index.php/guavira/article/view/179. Acesso em: 16</p><p>ago. 2022.</p><p>LIMA-HERNANDES, Maria Célia. Não que eu não saiba o que</p><p>é normativo, mas as pessoas estão usando assim. Correlações</p><p>inovadoras no português brasileiro. Revista de LetrasNorte@</p><p>mentos, Sinop, v. 7, p. 18-34, 2014. Disponível em: https://doi.</p><p>org/10.30681/rln.v7i14.6949. Acesso em: 16 ago. 2022.</p><p>LIMA-HERNANDES; Maria Célia; BARROSO, P. Tensão negativa</p><p>em cartas paulistas: o Português culto de São Paulo. Domínios de</p><p>Lingu@gem, Uberlândia, ano 1, n. 2, p. 1-13, 2007. Disponível em:</p><p>https://doi.org/10.14393/DL2-v1n2a2007-3. Acesso em: 12 ago.</p><p>2022.</p><p>LONGHIN, Sanderléia Roberta; FERRARI, Luísa. Mudança no sistema</p><p>de contraste do português: entre codificação e inferenciação. Revista</p><p>da Abralin, São Cristóvão, v. 19, n. 1, p. 1-24, 2020. Disponível em:</p><p>https://doi.org/10.25189/rabralin.v19i1.1399. Acesso em: 15 ago.</p><p>2022.</p><p>MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de</p><p>retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. 2.</p><p>ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.</p><p>NEVES, Maria Helena de Moura. Interface sintaxe, semântica e</p><p>pragmática no funcionalismo. DELTA, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 25-43, mar.</p><p>2017. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_</p><p>arttext&pid=S010244502017000100025&lng=pt&nrm=iso.</p><p>Acesso em: 24 fev. 2021.</p><p>238</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>NOVO, Idrissa Ribeiro. Análise funcional das microconstruções</p><p>conectoras substitutivas em lugar de, em vez de e ao invés de:</p><p>um estudo pancrônico. 2020. Tese (Doutorado em Estudos</p><p>de Linguagem) – Programa de Pós-graduação em Estudos de</p><p>Linguagem, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.</p><p>OITICICA, José. Teoria da Correlação. Rio de Janeiro: Organizações</p><p>Simões, 1952.</p><p>OLIVEIRA, Mariangela Rios de; ARENA, Ana Beatriz. O viés</p><p>funcional do pareamento simbólico função < > forma na abordagem</p><p>construcional da gramática. Soletras, Rio de Janeiro, n. 37, p. 30-</p><p>58, jan-jun. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.12957/</p><p>soletras.2019.37628. Acesso em: 22 ago. 2022.</p><p>RIBEIRO, Marcello. “Tudo o que existe, desde maravilhas a catástrofes,</p><p>é resultado de algum trabalho, uma vez que ele não se limita apenas</p><p>ao homem, mas, sim, a todo o universo”: o papel da correlação</p><p>inovadora, um exercício cognitivo? 2014. Tese (Doutorado em</p><p>Letras) – Programa de Pós-graduação em Filologia e Língua</p><p>Portuguesa, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.</p><p>ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua</p><p>portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.</p><p>ROSÁRIO, Ivo da Costa do; CAMPOS, Daniele Cristina. Construções</p><p>correlatas substitutivas contrastivas? uma análise funcional</p><p>centrada no uso. Odisséia, Lagoa Nova, v. 4, p. 154-172, 2019.</p><p>Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/odisseia/article/</p><p>view/18502. Acesso em: 04 jun. 2024.</p><p>239</p><p>SOBRE OS AUTORES</p><p>IVO DA COSTA DO ROSÁRIO</p><p>Organizador e autor</p><p>Graduado em Letras (Português, Inglês e respectivas literaturas)</p><p>pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e</p><p>graduado em Pedagogia pela UNIRIO. É mestre e doutor em</p><p>Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro</p><p>(UFRJ) e é mestre e doutor em Letras pela Universidade</p><p>Federal Fluminense (UFF). Tem pós-doutorado em Estudos de</p><p>Linguagem pela Universidade</p><p>tese de doutorado.</p><p>A minha tese de doutorado, defendida na UFF em março</p><p>de 2012, foi construída com base na análise de 1275 discursos po-</p><p>líticos de diferentes extensões, coletados entre 2 de fevereiro e 29</p><p>de outubro de 2009, no site da Assembleia Legislativa do Estado</p><p>do Rio de Janeiro (ALERJ).4 Escolhi esse corpus, pois percebi</p><p>que a correlação era um expediente altamente argumentativo. Essa</p><p>foi minha motivação para analisar discursos políticos de deputa-</p><p>dos. Nesse corpus, encontrei 382 ocorrências de pares correlativos</p><p>aditivos de diferentes tipos e dimensões.</p><p>4 Disponível em: https://www.alerj.rj.gov.br/.</p><p>25</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Meu objetivo inicial era analisar o processo de correlação,</p><p>com todos os seus tipos e subtipos. Por volta do final do segundo</p><p>ano de doutorado, percebi que esse objetivo era muito amplo, pois</p><p>a correlação foi se revelando como um expediente sintático muito</p><p>diversificado, altamente complexo. Diante disso, optei por investi-</p><p>gar a correlação aditiva, como uma espécie de “ponto de partida”</p><p>para um projeto maior a ser desenvolvido após o doutoramento</p><p>(como de fato ocorreu).</p><p>Na tese, foi possível avançar consideravelmente no tema</p><p>da correlação e, em especial, no campo da correlação aditiva.</p><p>Em primeiro lugar, ficou mais claro que esse processo não deveria</p><p>estar restrito à ligação de orações no âmbito do chamado período</p><p>composto. Vejamos os dados a seguir:</p><p>(01) Por isso, espero que o Presidente da República,</p><p>que afirma nos jornais de hoje que até agora a epide-</p><p>mia, graças a Deus, não chegou ao Brasil, siga também</p><p>os mandamentos de Deus e cumpra todas as ações</p><p>preventivas, não só a União, mas também todos</p><p>os Estados da federação. (28/04/2009).5</p><p>(02) Nós, do PDT, estamos possuídos de uma alegria</p><p>muito maior, porque V.Exa. não só representa nossa</p><p>bancada na Mesa Diretora como também, e segura-</p><p>mente, representa o pensamento melhor do Poder</p><p>Legislativo. Parabéns! (05/02/2009).</p><p>(03) O Brasil paga muito caro, nesses anos que se pas-</p><p>saram, sobre a questão de tarifas aéreas. Será que a</p><p>Anac, que gosta de tomar decisões desse tipo — so-</p><p>fremos tanto com a Anac nesses anos que passaram</p><p>— não poderia pensar, não só em revitalizar os aero-</p><p>portos, em colocar os aeroportos em funcionamento,</p><p>5 As datas registradas após os dados coletados indicam o dia, o mês e o ano em que o discur-</p><p>so político foi proferido.</p><p>26</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>porque seria bom para a Economia do Estado e dos es-</p><p>tados, que seria bom para a população, como também</p><p>para combater a questão da tarifa? (05/03/2009).</p><p>Como expliquei em 2012, no exemplo (01), a correlação está</p><p>reunindo os núcleos vocabulares União e Estados, logo é um caso</p><p>de correlação no nível suboracional, ou seja, no nível do vocábulo,</p><p>“abaixo” da oração. No exemplo (02), dá-se a correlação de duas ora-</p><p>ções aditivas que compartilham o mesmo sujeito. Por fim, no exem-</p><p>plo (03), destacamos o primeiro conector não só... que tem como es-</p><p>copo um conjunto de orações, configurando um caso de correlação</p><p>no nível supraoracional, para além da oração.</p><p>Esse ponto é bastante importante porque, como eu já dis-</p><p>se, além de a correlação ser muito pouco explorada na literatura,</p><p>quando isso é feito, normalmente só se aborda o processo no âm-</p><p>bito da ligação de orações. Com isso, a correlação suboracional e a</p><p>supraoracional acabam sendo totalmente preteridas, o que é preju-</p><p>dicial para a descrição linguística.</p><p>Feitas essas considerações iniciais sobre a investigação</p><p>do tema, antes de eu apresentar o conceito de correlação com que</p><p>venho trabalhando ao longo do tempo, convido o leitor a analisar</p><p>cuidadosamente o dado seguinte:</p><p>(04) Sr. Presidente, nobre Deputado Gilberto Palmares,</p><p>Sras. e Srs. Deputados presentes a esta Sessão, eu que-</p><p>ria fazer uso da tribuna no Expediente Final para fa-</p><p>zer o relato da reunião que tivemos hoje em Nova</p><p>Friburgo, com hoteleiros de Friburgo, Teresópolis</p><p>e municípios vizinhos, por convite da ABIH, para tra-</p><p>tar um pouquinho do turismo naquela região; tratar</p><p>um pouquinho das verbas do Prodetur, recurso de em-</p><p>préstimo autorizado por esta Assembleia Legislativa,</p><p>e os seus desdobramentos naquela região; tratar</p><p>um pouquinho dos grandes eventos que se avizinham,</p><p>27</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>não só os Jogos Olímpicos, não só a Copa do Mundo,</p><p>mas os Jogos Militares — também jogos olímpicos —,</p><p>enfim, que tipo de repercussão pode ter para o Estado</p><p>do Rio de Janeiro, para o nosso interior, para aquela</p><p>região turística, para esses jogos. (06/10/2009).</p><p>Nesse dado (04), é possível verificar que a prótase não é com-</p><p>posta de apenas uma parte ou de apenas um conectivo, como é in-</p><p>dicado pelos autores que estudaram a correlação. Essa ocorrência</p><p>espelha um uso não prototípico, ou seja, um uso incomum da cor-</p><p>relação aditiva, pois não se apresenta em uma estrutura de díade.</p><p>Em (04), a correlação revela um uso ainda mais marcado, com dois</p><p>segmentos na prótase (não só os Jogos Olímpicos, não só a Copa</p><p>do Mundo). Com isso, não seria acertado afirmar que a correlação</p><p>categoricamente sempre se apresenta organizada em duas partes.</p><p>Vale destacar que essa ocorrência não é um “problema” para</p><p>a descrição linguística. Em uma visão funcionalista da linguagem,</p><p>concebemos os usos naturais das línguas humanas como variáveis,</p><p>já que as idiossincrasias estão sempre presentes (cf. Rosário, 2015,</p><p>2020b, 2022a, 2022b; Rosário; Oliveira; Lopes, 2022). Nos proces-</p><p>sos de interação humana, os falantes continuamente moldam o dis-</p><p>curso, para que sejam alcançados seus propósitos comunicativos.</p><p>Assim, é possível que estruturas muito bem consolidadas sofram</p><p>alterações e se apresentem no discurso de maneira diferenciada,</p><p>como é o caso de (04).</p><p>Feitas essas considerações, posso finalmente reapresentar</p><p>o conceito de correlação, cunhado em Rosário (2012, p. 40):</p><p>28</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>“construção sintática prototipicamente composta</p><p>por duas partes interdependentes e relacionadas entre</p><p>si, encabeçadas por correlatores, de tal sorte que a</p><p>enunciação de uma (prótase) prepara a enunciação</p><p>de outra (apódose)”</p><p>Essa definição está fortemente inspirada em Camara Jr. (1981,</p><p>p. 87), aqui já citado no Quadro 1. Contudo, há três pontos funda-</p><p>mentais de diferença:</p><p>a) a correlação deve ser considerada como prototipicamente com-</p><p>posta de duas partes. O dado (04) anteriormente apresenta-</p><p>do demonstrou que nem sempre a correlação é uma estrutura</p><p>de díade. Aliás, os capítulos seguintes desta obra demonstrarão</p><p>como essa configuração é, de fato, variável.</p><p>b) a correlação exibe uma relação de interdependência. Já é clássica</p><p>a associação, por um lado, do rótulo “dependência” à subordina-</p><p>ção e, por outro lado, do rótulo “independência” à coordenação</p><p>(cf. Rosário, 2016). Apesar de algumas ressalvas, esses rótulos</p><p>são funcionais. Na correlação, ocorre algo diferente: a ligação</p><p>estabelecida entre prótase e apódose revela uma interrelação,</p><p>de modo que uma parte “pede” ou “convoca” a outra, sem haver</p><p>qualquer simetria (como na coordenação) nem arranjo hierár-</p><p>quico (como na subordinação). O arranjo correlativo caracteri-</p><p>za-se justamente pela interdependência.</p><p>c) a correlação se estabelece por meio de conectivos muito varia-</p><p>dos, pouco gramaticalizados, geralmente advindos de outras ca-</p><p>tegorias, ainda muito marcados por efeitos de persistência6 (cf.</p><p>Hopper, 1991). São sempre descontínuos, normalmente empre-</p><p>6 O efeito de persistência, tal como apresentado por Hopper (1991), indica que, quando um</p><p>significado gramatical B se desenvolve, não há necessariamente a perda do significado A;</p><p>ao contrário, B pode refletir o significado de A. É uma tendência à manutenção de traços</p><p>lexicais antigos em formas gramaticalizadas, o que conduz à polissemia (cf. Rosário, 2018b,</p><p>p. 80).</p><p>29</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>gados em pares e ainda muito abertos à variação formal. Logo,</p><p>não são conjunções stricto sensu. Por esse motivo, decidimos ro-</p><p>tulá-los como “correlatores”.</p><p>Federal do Rio Grande do Norte</p><p>(UFRN). Atualmente é professor associado de Língua Portuguesa</p><p>do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do Instituto</p><p>de Letras da UFF. Na mesma instituição, é docente permanente</p><p>e atual coordenador do Programa de Pós-graduação em Estudos</p><p>de Linguagem. É líder do CCO (Grupo de Pesquisa Conectivos e</p><p>Conexão de Orações–cco.sites.uff.br) e membro do grupo D&G</p><p>(Grupo de Estudos Discurso e Gramática–deg.uff.br), ambos</p><p>sediados na UFF. É membro do GT Descrição do Português da</p><p>ANPOLL. É Jovem Cientista do Nosso Estado, pela FAPERJ. É</p><p>membro da comissão científica da área de Sintaxe da ABRALIN.</p><p>É bolsista de produtividade em pesquisa pelo CNPq. É perito</p><p>judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do</p><p>Estado de São Paulo. Atua principalmente nas seguintes áreas:</p><p>funcionalismo, construcionalização, mudanças construcionais,</p><p>morfossintaxe, conexão de orações e conectivos.</p><p>240</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>E-mail: rosario.ivo3@gmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/3573087642345531</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1315-6787</p><p>BRENDA DA SILVA SOUZA DA COSTA</p><p>Doutoranda em Estudos de Linguagem pelo Instituto de Letras</p><p>da Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui mestrado</p><p>em Estudos de Linguagem e graduação em Letras–Português/</p><p>Literaturas pela mesma Universidade. Atualmente é professora</p><p>de Língua Portuguesa na rede pública de ensino e integra o</p><p>grupo de pesquisa Conectivos e Conexão de Orações (CCO-UFF),</p><p>que tem como foco o estudo do papel, do uso e da trajetória dos</p><p>conectivos e dos processos de conexão de orações.</p><p>E-mail: brendassc@id.uff.br</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/7158990028791392</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5344-9045</p><p>DANIELE CRISTINA CAMPOS</p><p>Mestra em Letras Vernáculas–Língua Portuguesa pela</p><p>Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É pós-graduada</p><p>em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal do Rio</p><p>de Janeiro (IFRJ). É graduada em Letras–Português e Literaturas</p><p>pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente atua</p><p>como professora de língua portuguesa na rede pública de ensino</p><p>e integra grupo de estudos, sob a coordenação da Profa. Dra.</p><p>Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ), acerca do seguinte tema:</p><p>Conexão de cláusulas na perspectiva funcionalista: implicações</p><p>para o ensino de Português.</p><p>E-mail: prof.danielecampos@gmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/7508340753815640</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6371-7944</p><p>241</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>IDRISSA RIBEIRO NOVO</p><p>Doutora e mestra em Estudos de Linguagem e especialista em</p><p>Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF).</p><p>Possui licenciatura em Letras – Português/ Literaturas de Língua</p><p>Portuguesa – pelo Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI).</p><p>Durante o Doutorado, foi membro do D&G (Grupo de Estudos</p><p>Discurso & Gramática) e do CCO (Grupo de Pesquisa Conectivos</p><p>e Conexão de Orações), ambos sediados na UFF. É professora do</p><p>Departamento de Português e Literaturas de Língua Portuguesa</p><p>do CPII (Colégio Pedro II). É a atual líder do LEPELL (Laboratório de</p><p>Estudo de Práticas Educativas em Língua Portuguesa e Literatura)</p><p>no CPII. Nessa mesma instituição, desenvolve o Projeto de</p><p>Iniciação Científica Jr. “Jovens Linguistas”, orientando discentes</p><p>da Educação Básica. Tem interesse em estudos relacionados a</p><p>conectivos e conexão de orações, mudança e variação linguística,</p><p>racismo linguístico e ensino de língua portuguesa.</p><p>E-mail: idrissa_novo@hotmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/2755139571904145</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5120-2436</p><p>JOVANA MAURÍCIO ACOSTA</p><p>Graduada em Letras (Português/literaturas) pela Universidade</p><p>Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui Especialização em língua</p><p>portuguesa, mestrado e doutorado pela Universidade Federal</p><p>Fluminense (UFF). Foi membro do grupo CCO (Conectivos e</p><p>Conexão de Orações) e do grupo D&G (Discurso e Gramática).</p><p>Atuou como professora substituta no Departamento de Letras da</p><p>Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual</p><p>do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente é professora de Língua</p><p>Portuguesa na rede pública de ensino. Atua principalmente</p><p>nas áreas de conexão de orações, conectivos, Funcionalismo e</p><p>sintaxe.</p><p>E-mail: jovanamauricio@hotmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/1193561364390849</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5186-3493</p><p>242</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>LETÍCIA MARTINS MONTEIRO DE BARROS</p><p>Graduada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo</p><p>pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) e graduada em</p><p>Letras–Português/Inglês/Literaturas pela Universidade Federal</p><p>Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). É mestre e doutora em Estudos</p><p>de Linguagem pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua</p><p>como professora de língua inglesa na rede pública de ensino.</p><p>E-mail: professora.leticiamartins@gmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/4265368896035395</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0723-5430</p><p>MARIANNA CORREA SIQUEIRA DO NASCIMENTO</p><p>Graduada em Letras, habilitação português-literatura, pela</p><p>Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2012.</p><p>Possui pós-graduação lato sensu pela Universidade Federal</p><p>Fluminense (UFF), 2015, com o tema Cláusulas Consecutivas no</p><p>Português Brasileiro. Possui mestrado em Estudos da Linguagem,</p><p>concluído, também, na Universidade Federal Fluminense, em</p><p>2017, com o título: Construções correlativas consecutivas sob</p><p>perspectiva funcional . Atualmente, se interessa por temas como</p><p>administração pública e políticas públicas.</p><p>E-mail: mariannacsn@hotmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/7358450329398952</p><p>ORCID: https://orcid.org/0009-0005-5829-0287</p><p>THAÍS PEDRETTI LOFEUDO MARINHO FERNANDES</p><p>Licenciada em Letras com habilitação em Literaturas pela</p><p>Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora e mestre</p><p>em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal Fluminense</p><p>(UFF). Tem especial interesse no estudo da construção</p><p>proporcional. Atua principalmente nas áreas de conexão de</p><p>orações, conectivos, funcionalismo e sintaxe.</p><p>E-mail: thaisplmf@gmail.com</p><p>243</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/0162289406964072</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6642-7347</p><p>THARLLES LOPES GERVASIO</p><p>Doutor em Estudos de Língua pela Universidade do Estado do</p><p>Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Linguística pela Universidade</p><p>do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestre em Estudos de</p><p>Linguagem pela Universidade Federal Fluminense (UFF).</p><p>Graduado em Letras–Português/ Inglês e respectivas literaturas,</p><p>pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade</p><p>do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FFP). Graduado em Letras–</p><p>Português/ Grego, pelo Instituto de Letras da Universidade</p><p>Federal Fluminense (UFF). É professor integrante do</p><p>Departamento de Português e Literaturas de Língua Portuguesa</p><p>do Colégio Pedro II (CPII), onde desenvolve, atualmente, Projeto</p><p>de Iniciação Científica Júnior. É membro dos grupos de pesquisa</p><p>Neluc (Núcleo de Estudos Língua(gem) em Uso e Cognição)–</p><p>UERJ e Lepell (Laboratório de Estudo de Práticas Educativas em</p><p>Língua Portuguesa e Literatura)–CPII. Tem interesse em estudos</p><p>de cognição e de língua com centralidade no uso.</p><p>E-mail: tharllesloge@gmail.com</p><p>Lattes: http://lattes.cnpq.br/9572821069477849</p><p>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4355-1139</p><p>_Hlk155477881</p><p>_Hlk155477890</p><p>_Hlk168512448</p><p>_Hlk168310209</p><p>_Hlk170158043</p><p>_Hlk168511590</p><p>_Hlk168599214</p><p>_Hlk168519435</p><p>_Hlk170218096</p><p>_Hlk155458397</p><p>_Hlk168559907</p><p>_Hlk168562835</p><p>_Hlk168568988</p><p>_Hlk155458794</p><p>_Hlk168575183</p><p>_Hlk170333389</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>CORRELAÇÃO E CORRELATORES</p><p>Ivo da Costa do Rosário (UFF/CNPq/Faperj)</p><p>CORRELAÇÃO ADITIVA</p><p>Tharlles Lopes Gervasio (CPII)</p><p>Brenda da Silva Souza da Costa (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO DISJUNTIVA</p><p>Jovana Maurício Acosta de Oliveira (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO CONSECUTIVA</p><p>Marianna Correa Siqueira do Nascimento (CCO-UFF)</p><p>CORRELAÇÃO PROPORCIONAL</p><p>Thaís Pedretti Lofeudo Marinho Fernandes (CCOUFF)</p><p>CORRELAÇÃO COMPARATIVA</p><p>Letícia Martins Monteiro Barros (CCO-UFF)</p><p>Ivo</p><p>Correlatores é um termo cunhado por Rosário (2012) em ana-</p><p>logia com subordinadores e coordenadores. Definem-se como os ele-</p><p>mentos descontínuos responsáveis por introduzir as partes da cor-</p><p>relação: prótase e apódose. Tradicionalmente são conhecidos como</p><p>conjunções correlativas. O termo correlatores é preferível a conjun-</p><p>ções correlativas porque nem todos os conectivos responsáveis pela</p><p>correlação são, de fato, conjunções. Ao contrário, os correlatores</p><p>abrigam um conjunto de elementos muito diversos, como já referi-</p><p>do neste capítulo.</p><p>Esses traços aferidos por Rosário (2012, 2018a) sublinham ca-</p><p>racterísticas próprias da correlação e a afastam ainda mais do que</p><p>se compreende tradicionalmente como subordinação e coordena-</p><p>ção. Por meio da tese de doutoramento supracitada, foi possível</p><p>aprofundar bastante o tema, rastreando-se as particularidades</p><p>da correlação. Contudo, uma observação deve ser feita com muita</p><p>ênfase: “para sermos mais precisos, em vez de a correlação ser vista</p><p>como um processo autônomo e categórico, consideramo-la como</p><p>um processo difuso e escalar, sem limites claros” (Rosário, 2012, p.</p><p>40).</p><p>Essa observação é muito importante e fundamenta-se na pró-</p><p>pria concepção funcionalista da linguagem. Apesar da postulação</p><p>de um conceito, que buscou ser o mais preciso possível, de ante-</p><p>mão reconhecemos que as categorias não são rígidas; ao contrário,</p><p>os limites são fluidos (cf. Rosário, 2022b; Rosário; Oliveira; Lopes,</p><p>2022). Essa concepção permite uma análise mais real dos usos lin-</p><p>guísticos, sempre marcados por suas instabilidades.</p><p>A propósito, esse caráter fluido e difuso da correlação levou-</p><p>-me, mais recentemente, à adoção do termo correlações (no plural).</p><p>30</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A análise sistemática dos diversos tipos de correlação permitiu-me</p><p>verificar que todas as particularidades desse processo são graduá-</p><p>veis. Assim, por exemplo, a correlação aditiva codificada por não</p><p>só...mas também apresenta um “desnível” mais claro entre prótase</p><p>e apódose, o que a afasta da coordenação com maior clareza. Já a</p><p>correlação disjuntiva com ou...ou apresenta uma assimetria um pou-</p><p>co menor, o que faz com que esse tipo de correlação se aproxime</p><p>um pouco mais da coordenação (ou da parataxe). Em uma con-</p><p>cepção de gramática emergente (cf. Hopper, 1991; Rosário; Lopes,</p><p>2022), a correlação é um fenômeno sempre gradiente, já que suas</p><p>diferentes realizações linguísticas espelham arranjos e graus de in-</p><p>tegração igualmente diferenciados.</p><p>Por falar em diferentes correlações, a seguir ilustro alguns ti-</p><p>pos de correlação, com base em Rosário (2018b, p. 95-97):</p><p>a) correlação alternativa</p><p>(05) Coloquei pessoalmente aqui que o mercado</p><p>Guanabara ajuda destruir todo aquele pequeno co-</p><p>merciante em volta, uma vez que ele não paga como</p><p>deveria os seus impostos seja superfaturando os hor-</p><p>tifrutigranjeiros — que são isentos —; seja em caixas</p><p>frias. (16/09/2009).</p><p>(06) Mas se compararmos o projeto de hoje</p><p>com o Substitutivo que chegou aqui nesta Casa, o avan-</p><p>ço se deu pela mobilização das categorias e pela</p><p>atuação dos setenta parlamentares, sem exceção,</p><p>sejam de oposição, sejam da base do Governo.</p><p>(08/09/2009).</p><p>(07) É composto de elementos de vários segmentos</p><p>que lidam com o problema do diabético no Estado</p><p>do Rio de Janeiro, seja o segmento que trata da doen-</p><p>ça em si, sejam outros segmentos, por exemplo, o do</p><p>próprio financiamento das ações, dos insumos volta-</p><p>31</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dos a minimizar e a tratar os problemas da diabetes</p><p>no nosso Estado. (13/08/2009).</p><p>(08) É uma região de importância socioeconômica</p><p>muito grande, com participação percentualmente</p><p>muito alta no ICMS do Estado, no ISS e no IPTU, ambos</p><p>da Prefeitura, mas que carece ainda de muita assistên-</p><p>cia dos poderes públicos, seja da Prefeitura, do gover-</p><p>no do Estado ou do Governo Federal. (08/09/2009).</p><p>b) correlação substitutiva</p><p>(09) Se um sujeito, numa determinada comunidade</p><p>carente, é estimulado e ajudado pelo Poder Público</p><p>e consegue erguer a sua loja; se hoje tem dois empre-</p><p>gados e amanhã passar a ter quatro, cinco; se daqui</p><p>a algum tempo abrir uma nova filial, com competência</p><p>administrativa, começará a gerar, a produzir riquezas</p><p>não para ele, mas de alguma forma para reinvestir</p><p>na própria sociedade. (16/09/2009).</p><p>(10) Nosso elogio aqui sincero, não é um elogio</p><p>da boca para fora, não é por conta de um elogio nosso</p><p>que vai fortalecer mais ou menos o trabalho do jorna-</p><p>lista Sidney Rezende, mas nós queremos aqui de púl-</p><p>pito, da tribuna, elogiar esse papel que a gente não tem</p><p>visto em outros órgãos de imprensa. (15/09/2009).</p><p>(11) É por isso que o cidadão tem que</p><p>ser tratado não como consumidor, e sim como cida-</p><p>dão. (09/09/2009).</p><p>(12) Acho que a vitória alcançada aqui hoje não é</p><p>a vitória de um, nem de dois, nem de três deputados,</p><p>mas a inequívoca demonstração de que o Parlamento</p><p>busca sempre o caminho da conciliação e da conquis-</p><p>ta de direitos. (08/09/2009).</p><p>32</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>c) correlação comparativa</p><p>(13) Mas vamos falar da festa, da comemoração que é</p><p>tão bonita e grande quanto a importância dessa re-</p><p>gião. (09/09/2009).</p><p>(14) O Presidente Lula, recentemente, virou</p><p>um Presidente mais preocupado com marketing elei-</p><p>toral do que em governar o País. (26/08/2009).</p><p>d) correlação proporcional</p><p>(15) Na verdade, quanto menos o professor ganha,</p><p>parece que é muito melhor para um grupo que se</p><p>beneficia com a falência da escola pública. Quanto</p><p>mais a escola pública se afundar melhor para aque-</p><p>les que lucram com o ensino, com o ensino particular.</p><p>(08/09/2009).</p><p>(16) Então, você não é responsável nem pelos atos</p><p>de alguém da sua família pratica, quanto mais pelos</p><p>atos de pessoas que você não conhece. (12/08/2009).</p><p>Os dados (05) a (08) apresentam dados de correlação alter-</p><p>nativa, chamadas posteriormente por Acosta (2021) de correlatas</p><p>disjuntivas. Esse tipo de correlação será discutido com mais deta-</p><p>lhes no capítulo 3 deste livro. Por ora, chamo a atenção do leitor</p><p>desta obra para os pares sejam...sejam e seja...sejam. São correla-</p><p>tores normalmente ausentes da descrição gramatical (cf. Rosário;</p><p>Acosta, 2018). Esses pares revelam uma característica marcan-</p><p>te: não são totalmente gramaticalizados, o que pode ser aferido</p><p>por meio da própria flexão de número da forma originalmente</p><p>subjuntiva do verbo ser. Ainda mais idiossincrático é o par seja...ou,</p><p>que é uma espécie de cruzamento sintático de seja...seja com ou...ou</p><p>(cf. Rosário, 2017).</p><p>33</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Os dados (09) a (12) ilustram a chamada correlação substi-</p><p>tutiva. Halliday e Hasan (2002, p. 248) denominam essas constru-</p><p>ções de comparativas negativas, caracterizando-as como estruturas</p><p>“próximas” às adversativas. Prefiro denominá-las correlatas subs-</p><p>titutivas, pois “substituem” uma informação ou estado de coisas</p><p>A por outra informação ou outro estado de coisas B. Assim, em</p><p>(11), por exemplo, não se defende que o cidadão seja tratado como</p><p>consumidor, mas como cidadão. Rosário e Campos (2019) a rotu-</p><p>laram como correlatas substitutivas contrastivas. Nesta obra, esse</p><p>tipo de estrutura é denominado correlação de negação e contraste,</p><p>como indica o capítulo 8. Vale destacar que os diferentes rótulos</p><p>dados ao mesmo fenômeno atestam a complexidade dessa constru-</p><p>ção, marcada por muitos matizes: comparação, contraste, substitui-</p><p>ção e negação.</p><p>Os dados (13) e (14) ilustram, respectivamente, uma correla-</p><p>ção comparativa de igualdade e uma correlação comparativa de de-</p><p>sigualdade (no caso, de superioridade). Esse é o tipo de correlação</p><p>mais bem estabelecido na gramática normativa (cf. Barros, 2022),</p><p>apesar de ser arrolado quase sempre no campo das subordinadas</p><p>adverbiais comparativas.</p><p>Por fim, os dados (15) e (16) atestam a correlação propor-</p><p>cional, que sempre atua na expressão de escalas crescentes ou de-</p><p>crescentes (cf. Fernandes; Rosário, 2019). Esse tipo de correlação</p><p>tangencia relações de causa-efeito, conformidade e, especialmente,</p><p>tempo. Trata-se</p><p>de um tipo de correlação que será abordado no ca-</p><p>pítulo 5, em mais detalhes.</p><p>Ainda na minha tese de doutoramento, também apresento</p><p>alguns exemplos de pares correlativos bem menos gramaticaliza-</p><p>dos. Essas são estruturas especiais, que estão muito mais no plano</p><p>do discurso do que no da sintaxe propriamente dito. Vejamos al-</p><p>guns exemplos:</p><p>34</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(17) Se, de um lado, justo era incorporar, por outro</p><p>lado, justo também seria contemplar aqueles que já</p><p>tinham incorporado o Nova Escola, de modo que o be-</p><p>nefício fosse diferenciado porque incorporava os ex-</p><p>cluídos, mas não seria razoável dar uma migalha àque-</p><p>les que já tinha o Nova Escola. (16/09/2009).</p><p>(18) De um lado, vemos um presidenciável que reti-</p><p>rou os seus direitos através de uma emenda maldita</p><p>à Constituição de 88. De outro lado, vemos uma Sra.</p><p>Ministra que tem apoiado e se manifestado a favor</p><p>dessa covardia para com o Estado do Rio de Janeiro.</p><p>(26/08/2009).</p><p>(19) Por algumas vezes ocupei esta tribuna para</p><p>reclamar em relação a esse tema, reclamar do ex-de-</p><p>putado José Serra, autor daquela terrível emenda, ou-</p><p>tras vezes para reclamar da direção que o poder cen-</p><p>tral vem dando a este tema, mas acho que vale a pena</p><p>algumas reflexões. (26/08/2009).</p><p>(20) É comum, Deputado Coronel Jairo, se ver as ma-</p><p>nobras, as faladas manobras: em alguns dias abaste-</p><p>cem uns bairros e em outros dias abastecem outros</p><p>bairros. (18/08/2009).</p><p>(21) Dividimos basicamente em dois grandes grupos,</p><p>primeiro, o das características pessoais dele e, de-</p><p>pois, o dos feitos dele pelo Estado do Rio de Janeiro.</p><p>(13/08/2009).</p><p>(22) No entanto, muda-se o Governo, mudam-se</p><p>os projetos educacionais. (08/09/2009).</p><p>Os dados indicados de (17) a (22) são legítimas codificações</p><p>da correlação em língua portuguesa. Perspectivas mais rígidas</p><p>e visões mais “engessadas” poderiam excluir esses usos do estudo</p><p>da correlação. Penso de modo diferente. Em todos esses dados, ainda</p><p>que de modo variável, há a típica interdependência entre duas por-</p><p>ções textuais (no plano suboracional, oracional ou supraoracional).</p><p>35</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A maior diferença entre esses dados e os anteriores está</p><p>na natureza dos correlatores. Os casos típicos de correlação tendem</p><p>a apresentar uma lista mais estável de conectores responsáveis pela</p><p>ligação da prótase à apódose. Já nos pares correlatos de (17) a (21),</p><p>esses conectores tendem a uma maior variação, pois atendem mais</p><p>plenamente às necessidades online do usuário, em especial nas ati-</p><p>vidades de argumentação. Em outras palavras, o falante é capaz de</p><p>“manejá-los” com maior liberdade e criatividade, pois há mais mar-</p><p>gem para inovação; daí seu caráter altamente variável.</p><p>A exposição desses diferentes tipos de correlação e de corre-</p><p>latores reforça a proposta de que a língua portuguesa (quiçá as de-</p><p>mais línguas do mundo) não tem, de fato, um processo uniforme</p><p>de correlação, mas correlações (no plural), em um rol variado, mul-</p><p>tifacetado e fortemente sujeito a pressões discursivas. É verdade</p><p>que a coordenação e a subordinação também não são blocos mo-</p><p>nolíticos e rígidos, mas, sem dúvida, a correlação leva esse traço</p><p>da variação a níveis ainda mais elevados.</p><p>Boa parte do correlatores apresentados de (17) a (21),</p><p>bem mais variáveis que os demais, foi analisada por Barros (2022).</p><p>No capítulo 7 deste livro, há uma discussão um pouco mais apro-</p><p>fundada sobre essas estruturas, que foram denominadas correlatas</p><p>comparativo-apositivas. À primeira vista, esses correlatores aparen-</p><p>temente são assistemáticos, mas isso não é verídico. Como se com-</p><p>provará adiante, a maioria desses usos serve para indicar compa-</p><p>ração contrastiva, por meio da apresentação de prótase e apódose</p><p>apositivas em um arranjo formal bastante sistemático.</p><p>Por fim, o dado (22) situa-se nos limites da correlação. Nesse</p><p>uso, não se pode nem mesmo admitir que haja correlatores stric-</p><p>to sensu, pois a correlação é codificada por meio do arranjo de fle-</p><p>xões do verbo “mudar”. Contudo, uma observação atenta do dado</p><p>36</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>nos permite algum tipo de analogia estrutural ou formal7 com os</p><p>pares correlativos quer...quer e seja...seja, visto que, tanto em um</p><p>caso como nos outros, temos elementos de base verbal a serviço</p><p>de um arranjo de interdependência. Com isso, o dado (22) ilumi-</p><p>na as rotas de gramaticalização entre verbo e conectivo, pois flagra</p><p>um uso bastante incipiente desse processo, baseado em uma forma</p><p>verbal ainda fortemente marcada por suas características de ori-</p><p>gem. É como se muda-se...mudam-se espelhasse um estágio anterior</p><p>já percorrido por quer...quer e seja...seja, haja vista sua configuração</p><p>formal análoga.</p><p>A lista de correlações até aqui apresentadas não é exaustiva.</p><p>Nesse ponto também não há consenso. Em levantamento realizado</p><p>com base em cinco obras diferentes, atestei a seguinte listagem:</p><p>Quadro 2 – Tipos de orações correlatas</p><p>Luft</p><p>(2000)</p><p>Castilho</p><p>(2010)</p><p>Melo</p><p>(1978)</p><p>Melo</p><p>(1997)</p><p>Uchôa</p><p>(2004)</p><p>Aditivas Aditivas - - Aditivas</p><p>Comparativas Comparativas Comparativas Comparativas Comparativas</p><p>Consecutivas Consecutivas Consecutivas Consecutivas Consecutivas</p><p>Alternativas Alternativas Alternativas Alternativas -</p><p>- - Equiparativas - -</p><p>Proporcionais - - - -</p><p>- - - Paralelísticas -</p><p>Fonte: Rosário (2018b, p. 39).</p><p>7 Agradeço muito a um dos pareceristas deste capítulo, que contribuiu com uma importan-</p><p>te análise semântica desse dado. Segundo o parecerista, o par muda-se... mudam-se pode</p><p>expressar, no mínimo, quatro diferentes (mas relacionadas) noções semânticas: (i) tem-</p><p>po–quando se muda o governo, mudam-se os projetos…; (ii) proporção–à medida que se</p><p>muda o governo, mudam-se os projetos…; (iii) condição–Se se muda o governo, mudam-se</p><p>os projetos…; (iv) causa e consequência–como se muda o governo, mudam-se os projetos…</p><p>De alguma forma, a noção do próprio lexema verbal persiste na relação semântica que mu-</p><p>da-se... mudam-se estabelece. A polissemia desse elemento, portanto, é um espelho de sua</p><p>instabilidade categorial.</p><p>37</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em obras estrangeiras, há ainda outros tipos, como os propos-</p><p>tos por Quirk et al. (1985, p. 1000-1001):</p><p>(a) Apesar de os trabalhadores estarem insatisfeitos, mesmo assim</p><p>eles votaram em favor dele. → Concessiva</p><p>(b) Se a colheita deste ano for boa, então eles não precisarão impor-</p><p>tar trigo. → Condicional</p><p>(c) Como você não respondeu à minha carta, eu então retirei minha</p><p>proposta. → Motivo</p><p>Essas reflexões estão mais detalhadas em minha tese de dou-</p><p>toramento que, aliás, foi publicada posteriormente na forma de livro</p><p>pela Editora da Universidade Federal Fluminense, em 2018. Desde</p><p>então, essa obra tem sido bastante acessada quando o assunto</p><p>é o conjunto das múltiplas manifestações da correlação em língua</p><p>portuguesa.</p><p>Voltando um pouco no tempo, em 2013, apresentei uma sínte-</p><p>se da tese, com seus principais achados, na forma de trabalho com-</p><p>pleto em anais de evento (cf. Rosário, 2013). O objetivo era con-</p><p>densar as minhas reflexões em um texto mais curto, para permitir</p><p>um acesso mais facilitado ao tema por parte dos interessados.</p><p>Em 2014, fui convidado a organizar um material didático para</p><p>o curso de graduação em Letras, modalidade EAD. Além da organi-</p><p>zação da obra, voltada para a sintaxe do período composto, contri-</p><p>buí com a produção de um capítulo dedicado ao estudo da correla-</p><p>ção. Nesse capítulo, em linguagem didática e acessível ao estudante</p><p>de graduação, apresento alguns resultados da minha pesquisa</p><p>até aquele momento. Também há exercícios com respostas comen-</p><p>tadas, à disposição de todos os interessados. Uma das conclusões</p><p>desse material de 2014 é que</p><p>na correlação, a posição dos correlatores é menos</p><p>fixa, a estratégia de organização sintática é menos</p><p>38</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>frequente que as outras, há mais formalidade, pode</p><p>estar tanto no nível oracional quanto não oracional,</p><p>há maior poder de argumentatividade, vem prototi-</p><p>picamente aos pares, entrelaça-se de forma</p><p>interde-</p><p>pendente etc. Trata-se, portanto, de um processo mais</p><p>discursivo do que sintático (Rosário, 2014, p. 121).</p><p>No ano seguinte, em 2015, foi lançado o livro Sintaxe, Sintaxes:</p><p>uma introdução, organizado por Gabriel de Ávila Othero e Eduardo</p><p>Kenedy. O objetivo do livro era apresentar as diferentes perspec-</p><p>tivas teóricas sobre o estudo da sintaxe. Nessa obra, contribuí</p><p>com um capítulo denominado Sintaxe Funcional.</p><p>Esse meu capítulo toma como ponto de partida um grande</p><p>marco nos estudos funcionalistas: o texto From Discourse to Syntax:</p><p>Grammar as a processing strategy. Esse estudo foi produzido</p><p>por Talmy Givón, em 1979. A defesa do pesquisador é a de que</p><p>a sintaxe estaria a serviço do discurso e da pragmática, o que é bem</p><p>diferente da visão gerativista da linguagem, que concebe a sintaxe</p><p>como entidade autônoma e central da gramática.</p><p>Givón (1979) considerava, portanto, que a gramática é uma</p><p>entidade em constante mutação. Essa visão é detalhada por Cunha,</p><p>Oliveira e Martelotta (2003, p. 23-24), segundo os quais, “para</p><p>compreender o fenômeno sintático, seria preciso estudar a lín-</p><p>gua em uso, em seus contextos discursivos específicos, pois é nes-</p><p>se espaço que a gramática é construída”. Assim, estudar a sintaxe</p><p>funcionalista implica sempre considerar a força dos fatores exter-</p><p>nos à língua que, por sua vez, juntamente com fatores cognitivos,</p><p>são responsáveis por motivar a variação e a mudança linguísticas.</p><p>A sintaxe funcionalista defende que os falantes estão continu-</p><p>amente em busca de formas mais expressivas para efetivar a comu-</p><p>nicação (Rosário, 2015). Na negociação de sentidos, novas formas</p><p>emergem e novos sentidos vão sendo forjados, o que inclui a codi-</p><p>39</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>ficação de conteúdos cognitivos ainda não plenamente expressos</p><p>pelas construções até então já existentes. A partir dessa concep-</p><p>ção, Martelotta (2009) indica que o estudo dos usos linguísticos</p><p>deve sempre considerar fatores sociais, pragmático-discursivos</p><p>e formais.</p><p>Toda essa discussão teórica serve para demonstrar a instabi-</p><p>lidade da gramática das línguas naturais. Para ilustrar como essas</p><p>forças internas e externas agem no interior do sistema linguístico,</p><p>na produção daquele capítulo de 2015, selecionei justamente a va-</p><p>riabilidade no campo da correlação aditiva como ponto de investi-</p><p>gação. Afinal, uma questão sempre me intrigou: haveria diferença</p><p>de significado entre pares correlativos tão parecidos, como não só...</p><p>mas também e não só...mas?</p><p>Segundo um dos corolários do princípio da não sinonímia</p><p>da forma gramatical (Goldberg, 1995, p. 67), “se duas construções</p><p>são sintaticamente distintas e semanticamente sinônimas, então</p><p>elas não devem ser pragmaticamente sinônimas”. A partir dessa</p><p>questão apresentada por Goldberg (1995), pus-me a refletir acerca</p><p>das relações entre sinonímia e variação no âmbito da correlação</p><p>aditiva.</p><p>No plano da correlação disjuntiva, essas distinções são mais</p><p>claras, como Jovana Acosta apresentará no capítulo 3 deste livro.</p><p>As diferenças entre seja...seja, quer...quer, ora...ora, ou...ou e outros</p><p>pares correlativos disjuntivos são bastante transparentes. Isso tam-</p><p>bém se verifica na correlação comparativo-apositiva. Já na correla-</p><p>ção aditiva, tais distinções não são tão claras. Definitivamente a cor-</p><p>relação não é um processo singular.</p><p>Se admitimos que os pares correlativos aditivos são sinônimos</p><p>(em termos semânticos), onde estaria a diferença pragmática entre</p><p>eles? Até hoje essa não é uma questão muito fácil de ser resolvida.</p><p>Se buscarmos as diferenças entre os correlatores aditivos no pla-</p><p>40</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>no microconstrucional,8 ou seja, nos diferentes types que codificam</p><p>a correlação (como, por exemplo, não só...mas também e não só...</p><p>mas), a resposta será muito difícil.</p><p>É bastante óbvio que sempre haverá alguma diferença entre</p><p>dois usos distintos em uma mesma língua. Essa diferença é bastan-</p><p>te evidente, por exemplo, nos níveis de produtividade desses usos,</p><p>já que há alguns muito frequentes ao passo que há outros muito</p><p>raros. Na pesquisa de doutoramento que realizei, o par correlati-</p><p>vo aditivo mais usual foi não apenas...mas, com quase 20% do to-</p><p>tal de ocorrências. Por outro lado, outros usos, como não somente...</p><p>mas como, não apenas...também, não só...e também e não somente...e</p><p>sim foram utilizados uma única vez em todo o corpus (cf. Rosário,</p><p>2018b, p. 111). Essa é, sem dúvida, uma diferença marcante entre</p><p>os pares correlativos aditivos. Também há diferenças nos níveis</p><p>de formalidade, na consolidação histórica de alguns usos (sendo</p><p>uns mais antigos e outros mais recentes) e até questões coesivas</p><p>em jogo. Esses fatores permitem chancelar o corolário da não si-</p><p>nonímia, proposto por Goldberg (1995). Entretanto, o ponto mais</p><p>importante com relação aos pares correlativos aditivos não está</p><p>tanto nas distinções entre eles, mas justamente nas semelhanças,</p><p>que podem ser explicadas pelo fenômeno da variabilidade (cf.</p><p>Rosário; Oliveira, 2015; Rosário; Souza, 2021).</p><p>No escopo dos estudos linguísticos baseados no uso, Traugott</p><p>(2007, p. 6) defende que a variabilidade é muito comum no cam-</p><p>po das relações morfossintáticas. Trousdale (2008), por sua vez,</p><p>acrescenta que, quanto mais as construções são utilizadas, mais</p><p>tendem à variação e à extensão. Por fim, Heine e Kuteva (2007, p.</p><p>17) atestam que a criatividade é o principal motor da mudança lin-</p><p>guística. É por meio da criatividade que todo sistema linguístico</p><p>8 Microconstruções são construções individuais, ou seja, representam as instâncias esquemá-</p><p>ticas mais próximas do uso linguístico.</p><p>41</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>é sistematicamente organizado e reorganizado, como justamente</p><p>ocorre no plano da correlação.</p><p>No final da década passada, mais uma vez o tema da variação</p><p>e mudança atraiu grande atenção dos funcionalistas. Com o impac-</p><p>to cada vez mais intenso da abordagem construcional da gramática,</p><p>foi necessário repensar as bases do Funcionalismo. Nesse contex-</p><p>to, em 2018, fui desafiado a investigar as particularidades da cor-</p><p>relação aditiva em cotejo com a coordenação aditiva (cf. Rosário,</p><p>2018c). Para isso, resgatei um importante trabalho de Givón (1990,</p><p>p. 317), em que o autor apresenta uma série de sentenças a partir</p><p>de diferentes graus de conectividade temática. Vejamos:</p><p>Esquema 1 – Diferentes níveis de integração</p><p>das construções aditivas</p><p>a. She sang and played the guitar. [Ela cantou e tocou violão.]</p><p>b. She sang and also played the guitar. [Ela cantou e também</p><p>tocou violão.]</p><p>c. She sang, and she also played the guitar. [Ela cantou, e ela</p><p>também tocou violão.]</p><p>d. She sang, and then she played the guitar. [Ela cantou, e en-</p><p>tão ela tocou violão.]</p><p>e. She sang. Then she played the guitar. [Ela cantou. em segui-</p><p>da, ela tocou violão.]</p><p>f. She sang. Later on she played the guitar. [Ela cantou. Mais</p><p>tarde, ela tocou violão.]</p><p>Fonte: Givón (1990, p. 317).</p><p>Esse esquema permite a depreensão de como a adição é um</p><p>domínio fortemente sujeito à variação. De fato, há diferentes for-</p><p>mas de expressão desse conteúdo de semântica tão básica. O par</p><p>42</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>correlativo and...also [e...também], destacado no item c, ocupa grau</p><p>intermediário no continuum de integração morfossintática. Essa</p><p>observação corrobora a proposta de Lehmann (1985) acerca do</p><p>“lugar” do díptico correlativo no plano da integração intersenten-</p><p>cial, como já apresentei anteriormente.</p><p>Outra contribuição de Givón (1990, p. 343, grifos nossos) está</p><p>na questão do princípio da iconicidade. Para o autor, a gramática</p><p>da combinação de orações no discurso conectado, “marcando di-</p><p>ferentes graus de dependência sintática interoracional, não é senão</p><p>a reflexão sistemática do grau em que dois eventos (ou estados)</p><p>são enquadrados em conjunto [framed jointly] a partir da perspecti-</p><p>va da cognição ou comunicação”.</p><p>Assim, o grau intermediário de combinação das construções</p><p>correlatas reflete justamente, no plano cognitivo, o equivalente</p><p>grau de enquadramento conjunto dos eventos expressos por pró-</p><p>tase e apódose. Isso significa que a correlação aditiva não é total-</p><p>mente equivalente à coordenação aditiva. Hopper e Traugott (1997,</p><p>p. 186) confirmam essa asseveração ao defender que as estruturas</p><p>correlativas “marcam o início de ambas as cláusulas e sua interde-</p><p>pendência é típica da hipotaxe do inglês antigo (e de muitos textos</p><p>mais antigos no indo-europeu)”.</p><p>Com relação às específicas diferenças entre coordenação adi-</p><p>tiva e correlação aditiva, apresentei um quadro resumitivo:</p><p>Quadro 3 – Correlatas aditivas x coordenadas aditivas</p><p>Construções correlatas Construções coordenadas</p><p>Função básica: distinguir Função básica: equacionar</p><p>Relação de figura x fundo Relação de figura x figura</p><p>+ Interdependência sintática + Independência sintática</p><p>Posição menos fixa</p><p>dos correlatores</p><p>Posição fixa das conjunções</p><p>coordenativas</p><p>Conectores mais pesados Conectores mais leves</p><p>43</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Menor frequência de uso Grande frequência de uso</p><p>Maior formalidade Maior informalidade</p><p>Grande diversidade type Pequeno inventário</p><p>Menor paralelismo Maior paralelismo</p><p>Maior efeito</p><p>de argumentatividade</p><p>Menor efeito</p><p>de argumentatividade</p><p>Intensidade, vigor, ênfase Maior neutralidade</p><p>Estrutura de díade (prótase</p><p>a apódose)</p><p>Possibilidade de ligação</p><p>de vários itens</p><p>Verifuncionalidade fraca</p><p>ou ausente</p><p>Verifuncionalidade forte</p><p>Alto poder hierarquizador Baixo poder hierarquizador</p><p>Fonte: Adaptado de Rosário (2018c, p. 231).</p><p>De acordo com as propriedades atestadas por Rosário</p><p>(2018c), a correlação cumpre o papel de distinguir dois elementos,</p><p>orações ou segmentos, por meio de uma relação de figura e fundo.</p><p>De fato, há um crescendum argumentativo, derivado do arranjo sin-</p><p>tático correlativo. Na prótase, costuma haver um elemento já co-</p><p>nhecido, ou seja, uma informação dada. Na apódose, apresenta-se</p><p>o elemento mais “surpreendente”, ou seja, a informação nova. Nesse</p><p>sentido, isso cria um efeito de menor paralelismo, já que as infor-</p><p>mações não têm a característica relação de coigualdade atestada</p><p>na coordenação (cf. Langacker, 2008, p. 406-407) que, por sua vez,</p><p>torna possível ligar vários itens para além da típica díade correla-</p><p>tiva. Ademais, os usos correlativos estão intimamente relacionados</p><p>com os valores de intensidade, vigor e ênfase, o que é destacado</p><p>normalmente por praticamente todos os gramáticos.</p><p>Na correlação, há interdependência, já que a prótase “prepa-</p><p>ra o caminho” da apódose, o que gera um certo “desnível” incom-</p><p>patível com a ideia de coordenação. Outra característica marcante</p><p>da correlação é a posição menos fixa dos correlatores, especial-</p><p>mente do elemento procedural da prótase. Assim, sintaticamente,</p><p>44</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>em língua portuguesa, tanto é possível “Ele canta não só nos ba-</p><p>res” como “Ele não só canta nos bares”, com não só em diferentes</p><p>posições. Na coordenação, por outro lado, a posição da conjunção</p><p>é sempre fixa. Vale destacar que as distintas posições dos correla-</p><p>tores refletem igualmente diferentes informações escopadas e nu-</p><p>ances no campo semântico-pragmático. Logo, essas diferentes po-</p><p>sições são analisadas, neste ponto, estritamente do ponto de vista</p><p>sintático.</p><p>Na correlação, os conectores são muito mais “pesados”, haja</p><p>vista sua própria constituição em pares. No âmbito da adição,</p><p>por exemplo, temos não só...mas também na correlação e e na coor-</p><p>denação. Na disjunção temos ou...ou na correlação e ou na coorde-</p><p>nação. Como são mais pesados (mais extensos, com mais sílabas)</p><p>e servem a propósitos mais específicos, em especial em contextos</p><p>de maior formalidade, consequentemente os correlatores tendem</p><p>a uma menor frequência de uso, pois são marcados. Seu baixo nível</p><p>de gramaticalização também colabora para uma maior diversidade</p><p>type, haja vista sua “ebulição” na gramática, o que os torna mui-</p><p>to diferentes das conjunções canônicas. Vale destacar que há di-</p><p>ferentes graus de gramaticalidade envolvidos nesses correlatores.</p><p>Por exemplo, no campo da disjunção, por um lado temos ou...ou,</p><p>já bastante fixo na língua portuguesa; ao contrário, seja...seja ainda</p><p>admite flexão e outras configurações, como sejam...sejam, seja...se-</p><p>jam, sejam...seja, seja...ou, sejam...ou etc.</p><p>Ainda considerando as propriedades do Quadro 3, a correla-</p><p>ção é marcada por uma verifuncionalidade fraca ou ausente. Isso</p><p>significa que os pares correlativos tendem a expressar um signifi-</p><p>cado mais unitário. Assim, não só...mas também tem valor precipu-</p><p>amente aditivo, ao contrário do e coordenativo, que pode ganhar</p><p>contornos adversativos, concessivos, consecutivos etc. Essa é mais</p><p>uma propriedade que precisa ser analisada com certa parcimônia,</p><p>pois a correlação proporcional, por exemplo, se afasta dessa ideia,</p><p>45</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>considerando que é uma estratégia bem menos verifuncional, haja</p><p>vista a forte ligação da ideia de proporção com tempo, causa-efeito</p><p>e conformidade.</p><p>Por fim, devo destacar a questão do poder hierarquizador</p><p>da correlação. Para efeitos ilustrativos, vejamos dois esquemas, dis-</p><p>poníveis em minha tese de doutoramento:</p><p>Esquema 2 – Coordenação na prótase correlativa aditiva</p><p>São essas</p><p>as notícias</p><p>que eu fiz questão</p><p>de trazer nesta</p><p>tarde, com muita</p><p>alegria,</p><p>não só [porque] é uma região</p><p>mas também</p><p>[porque]</p><p>são programas</p><p>que vão atender,</p><p>em especial,</p><p>às camadas</p><p>mais pobres.</p><p>onde</p><p>eu resido,</p><p>onde constituí</p><p>minha vida</p><p>política</p><p>e onde minha</p><p>família vive</p><p>até hoje</p><p>Segmento inicial Prótase Apódose</p><p>Fonte: Rosário (2018b, p. 133).</p><p>Nesse Esquema 2, há tanto o uso da correlação quanto da coor-</p><p>denação aditivas. Contudo, é visível que esses processos cumprem</p><p>diferentes funções no discurso. Após o segmento inicial, temos</p><p>a prótase correlativa, que é composta de quatro orações, sendo três</p><p>delas coordenadas entre si (onde eu resido, / onde constituí minha</p><p>vida política / e onde minha família vive até hoje), em um grau hie-</p><p>rárquico menor que a oração superordenada não só porque é uma</p><p>região. Trata-se de uma correlação supraoracional no contexto</p><p>de um verdadeiro mosaico de diversas relações hierárquicas entre</p><p>sentenças da língua portuguesa. A apódose, por sua vez, é formada</p><p>por “mas também [porque] são programas que vão atender, em espe-</p><p>cial, às camadas mais pobres”. A análise desse dado deixa bastante</p><p>46</p><p>CORRELAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>claro o papel mais argumentativo e discursivo da correlação aditi-</p><p>va, se comparada à coordenação aditiva.</p><p>Ainda com base no dado esquematizado anteriormente,</p><p>de acordo com Rosário (2018b, p. 133), tanto a prótase quanto</p><p>a apódose expressam a noção de explicação/motivo, que é o matiz</p><p>semântico veiculado com a ajuda da partícula conjuncional porque</p><p>(indicada entre colchetes). Contudo, a correlação refina essa relação</p><p>no interior do texto ao associar à prótase uma lista de três orações</p><p>coordenadas entre si, em nível inferior, como já dissemos. Aliás,</p><p>a presença do e entre as duas últimas orações coordenadas con-</p><p>firma nossa análise, uma vez que estaria em um nível hierárquico</p><p>inferior a não só, responsável por introduzir a prótase correlativa.</p><p>No dado de uso em análise, a correlação pareia as orações em um</p><p>arranjo sintático com maior poder de coesão e ênfase, com mar-</p><p>gem de ambiguidade bem menor, já que marca com maior precisão</p><p>os níveis entre os elementos ligados.</p><p>Caso os correlatores fossem substituídos pelo prototípico co-</p><p>ordenador e, a relação hierárquica antes estabelecida entre as ora-</p><p>ções não ficaria tão clara. Além disso, a própria força de gradação</p><p>enfática crescente expressa pela correlação aditiva ficaria bastante</p><p>comprometida. Teríamos algo semelhante a: São essas as notícias</p><p>que eu fiz questão de trazer nesta tarde, com muita alegria, porque</p><p>é uma região onde eu resido, onde constituí minha vida política,</p><p>e onde minha família vive até hoje e porque são programas que vão</p><p>atender, em especial, às camadas mais pobres.</p><p>No dado a seguir, há algo distinto:</p>

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