O que faz o Brasil, Brasil?

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<p>O que faz o</p><p>brasil, Brasil?</p><p>Roberto DaMatta</p><p>O que faz o</p><p>brasil, Brasil?</p><p>Rocco</p><p>Copyright © 1984 by Roberto DaMatta</p><p>Direitos desta edição reservados à</p><p>EDITORA ROCCO LTDA.</p><p>Avenida Presidente Wilson, 231, 8° andar</p><p>20030-021 - Rio de Janeiro, RJ</p><p>Tel.: (21) 3525-2000 - Fax: (21) 3525-2001</p><p>rocco@rocco.com.br</p><p>www.rocco.com.br</p><p>Printed in Brazil/Impresso no Brasil</p><p>Ilustrações</p><p>JIMMY SCOTT</p><p>CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.</p><p>Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.</p><p>D 162o</p><p>DaMatta, Roberto, 1936-</p><p>O que faz o brasil, Brasil? / Roberto DaMatta.</p><p>- Rio de Janeiro: Rocco: 1986.</p><p>ISBN: 85-325-0201-6</p><p>1. Características nacionais brasileiras. 2. Brasil</p><p>- Usos e costumes. I. Título.</p><p>06-1169 CDD-981</p><p>CDU-316.7(81)</p><p>Em me mó ria d e Fra nc isc a Sc hurig Vie ira Ke lle r; minha sa ud o sa a mig a</p><p>q ue ta nta s ve ze s fe z a p e rg unta d e ste livro ;</p><p>Em me mó ria d e Da nie l Ro d rig ue s, na sua g e ne ro sid a d e p o rtug ue sa e</p><p>b ra sile ira ;</p><p>Pa ra D. Da lila Pe re ira d a C o sta , Ag o stinho d a Silva e D. Ma ria Vio la nte ,</p><p>to d o s p o rtug ue se s, to d o s b ra sile iro s;</p><p>E p a ra Almir Brune ti, na sua no b re ho sp ita lid a d e .</p><p>Índ ic e</p><p>O q ue fa z o b ra sil, Bra sil? A q ue stã o da ide ntida de</p><p>A c a sa , a rua e o tra b a lho</p><p>A ilusã o d a s re la ç õ e s ra c ia is</p><p>So b re c o mid a s e mulhe re s...</p><p>O c a rna va l, o u o mund o c o mo te a tro e p ra ze r</p><p>As fe sta s d a o rd e m</p><p>O mo d o d e na ve g a ç ã o so c ia l: a ma la nd ra g e m e o “ je itinho ”</p><p>Os c a minho s p a ra De us</p><p>Pa la vra s fina is</p><p>Ro b e rto Da Ma tta p o r e le me smo</p><p>O que faz o brasil, Brasil?</p><p>A questão da identidade</p><p>De vo c o me ç a r e xp lic a nd o o me u e nig má tic o título . É q ue se rá</p><p>p re c iso e sta b e le c e r uma d istinç ã o ra d ic a l e ntre um “ b ra sil” e sc rito</p><p>c o m le tra minúsc ula , no me d e um tip o d e ma d e ira d e le i o u d e uma</p><p>fe ito ria inte re ssa d a e m e xp lo ra r uma te rra c o mo o utra q ua lq ue r, e o</p><p>Bra sil q ue d e sig na um p o vo , uma na ç ã o , um c o njunto d e va lo re s,</p><p>e sc o lha s e id e a is d e vid a . O “ b ra sil” c o m o b minúsc ulo é a p e na s um</p><p>o b je to se m vid a , a uto c o nsc iê nc ia o u p ulsa ç ã o inte rio r, p e d a ç o d e</p><p>c o isa q ue mo rre e nã o te m a me no r c o nd iç ã o d e se re p ro d uzir c o mo</p><p>siste ma ; c o mo , a liá s, q ue ria m a lg uns te ó ric o s so c ia is d o sé c ulo XIX,</p><p>q ue via m na te rra — um p e d a ç o p e rd id o d e Po rtug a l e d a Euro p a —</p><p>um c o njunto d o e ntio e c o nd e na d o d e ra ç a s q ue , mistura nd o -se a o</p><p>sa b o r d e uma na ture za e xub e ra nte e d e um c lima tro p ic a l, e sta ria m</p><p>fa d a d a s à d e g e ne ra ç ã o e à mo rte b io ló g ic a , p sic o ló g ic a e so c ia l.</p><p>Ma s o Bra sil c o m B ma iúsc ulo é a lg o muito ma is c o mp le xo . É p a ís,</p><p>c ultura , lo c a l g e o g rá fic o , fro nte ira e te rritó rio re c o nhe c id o s</p><p>inte rna c io na lm e nte , e ta mb é m c a sa , p e d a ç o d e c hã o c a lç a d o c o m</p><p>o c a lo r d e no sso s c o rp o s, la r, me mó ria e c o nsc iê nc ia d e um lug a r c o m</p><p>o q ua l se te m uma lig a ç ã o e sp e c ia l, únic a , to ta lme nte sa g ra d a . É</p><p>ig ua lme nte um te mp o sing ula r c ujo s e ve nto s sã o e xc lusiva me nte</p><p>se us, e ta mb é m te mp o ra lid a d e q ue p o d e se r a c e le ra d a na fe sta d o</p><p>c a rna va l; q ue p o d e se r d e tid a na mo rte e na me mó ria e q ue p o d e se r</p><p>tra zid a d e vo lta na b o a re c o rd a ç ã o d a sa ud a d e . Te mp o e</p><p>te mp o ra lid a d e d e ritmo s lo c a liza d o s e , a ssim, insub stituíve is.</p><p>So c ie d a d e o nd e p e sso a s se g ue m c e rto s va lo re s e julg a m a s a ç õ e s</p><p>huma na s d e ntro d e um p a d rã o so me nte se u. Nã o se tra ta ma is d e</p><p>a lg o ine rte , ma s d e uma e ntid a d e viva , c he ia d e a uto -re fle xã o e</p><p>c o nsc iê nc ia : a lg o q ue se so ma e se a la rg a p a ra o futuro e p a ra o</p><p>p a ssa d o , num mo vime nto p ró p rio q ue se c ha ma Histó ria . Aq ui, o</p><p>Bra sil é um se r p a rte c o nhe c id o e p a rte miste rio so , c o mo um g ra nd e</p><p>e p o d e ro so e sp írito . C o mo um De us q ue e stá e m to d o s o s lug a re s e</p><p>e m ne nhum, ma s q ue ta mb é m p re c isa d o s ho me ns p a ra q ue p o ssa se</p><p>sa b e r sup e rio r e o nip o te nte . O nd e q ue r q ue ha ja um b ra sile iro a d ulto ,</p><p>e xiste c o m e le o Bra sil e , no e nta nto — ta l c o mo a c o nte c e c o m a s</p><p>d ivind a d e s —, se rá pre c iso p ro d uzir e p ro vo c a r a sua ma nife sta ç ã o p a ra</p><p>q ue se p o ssa se ntir sua c o nc re tud e e se u p o d e r. C a so c o ntrá rio , sua</p><p>p re se nç a é tã o ine fá ve l c o mo a d o a r q ue se re sp ira , e d e la nã o se</p><p>te ria c o nsc iê nc ia a nã o se r p e la c o mp a ra ç ã o , p e lo c o ntra ste e p e la</p><p>p e rc e p ç ã o d e a lg uma s d e sua s ma nife sta ç õ e s ma is c o ntund e nte s. O s</p><p>d e use s, c o nfo rme sa b e mo s, e xiste m so me nte p a ra se re m visto s e m</p><p>c e rto s mo me nto s e d e ntro d e c e rta s mo ld ura s. O me smo o c o rre c o m</p><p>a s so c ie d a d e s. G e ra lme nte , e sta mo s ha b itua d o s a to ma r</p><p>c o nhe c ime nto d a s so c ie d a d e s — e , so b re tud o , d a no ssa so c ie d a d e</p><p>— p o r me io d e sua s ma nife sta ç õ e s ma is o fic ia is e ma is no b re s. Ta l</p><p>c o mo o c o rre à s d ivind a d e s, q ue só sã o e nc o ntra d a s na s ig re ja s,</p><p>ta mb é m a s so c ie d a d e s só sã o no rma lme nte p e rc e b id a s q ua nd o</p><p>surg e m na s sua s vo ze s ma is “ c ulta s” . Pa ra o s tra d ic io na lista s, a q ue le s</p><p>q ue tê m o lho s e nã o vê e m, o s d e use s se a c ha m no s sa c rá rio s, na s</p><p>c a p e la s e no s livro s sa g ra d o s d e re za e d e vo ç ã o . Pa ra o s</p><p>o b se rva d o re s me no s ima g ina tivo s e se nsíve is, uma so c ie d a d e e stá na s</p><p>sua s c iê nc ia s, le tra s e a rte s. A visã o o fic ia l c o ntra d iz a vo z, a visã o d o</p><p>p o vo e , a ind a , a e xp e riê nc ia d a c o nd iç ã o huma na q ue ,</p><p>g e ne ro sa me nte , e nxe rg a De us e m to d a p a rte : no rito p o mp o so e</p><p>so le ne d a c a te d ra l e na visã o tre slo uc a d a d o místic o , nu e fa minto e m</p><p>sua c e la d e p re o c up a ç õ e s c o m o d e stino d o s ho me ns e</p><p>so b re c a rre g a d o p e lo p e so fa ntá stic o d o s múltip lo s se ntid o s d e sta</p><p>vid a .</p><p>Ne ste livro , c o m a jud a d e uma Antro p o lo g ia So c ia l p ra tic a d a</p><p>c o m d e ste mo r e q ue p ro p o rc io na uma visã o d a so c ie d a d e a b e rta e</p><p>re la tiviza d a p e la c o mp a ra ç ã o , q ue re mo s e xa mina r a lg uns a sp e c to s</p><p>d a so c ie d a d e b ra sile ira q ue o p o vo e nc a ra e c e rta me nte a ma c o mo</p><p>uma d ivind a d e . Po rq ue a q ui, c o mo tá , o Bra sil e stá e m to d a p a rte .</p><p>Na s le is e na s no b re s a rte s d a p o lític a e d a e c o no mia , d a s q ua is te mo s</p><p>q ue fa la r se mp re num id io m a o fic ia l e d o b ra nd o a líng ua ; ma s</p><p>ta mb é m na c o mid a q ue c o me mo s, na ro up a q ue ve stimo s, na c a sa</p><p>o nd e m o ra mo s e na mulhe r q ue a ma mo s e a d o ra mo s. Pa ra e ssa</p><p>p e rsp e c tiva , o Bra sil d e ve se r p ro c ura d o no s ritua is no b re s d o s</p><p>p a lá c io s d e</p><p>m q ue m p ra tic a va o c rime o u nã o , o mula to , o</p><p>inte rme d iá rio , re p re se nta va a ne g a ç ã o viva d e tud o a q uilo q ue a le i</p><p>e sta b e le c ia p o sitiva me nte . Ele mo stra va o p e c a d o e o p e rig o d a</p><p>intimid a d e e ntre c a ma d a s so c ia is q ue d e ve ria m p e rma ne c e r</p><p>d ife re nc ia d a s, me smo q ue fo sse m te o ric a me nte c o nsid e ra d a s ig ua is.</p><p>Alé m d isso , e le ind ic a va a p re se nç a o b je tiva d e uma re la ç ã o e ntre</p><p>c a m a d a s q ue nã o p o d ia m c o m unic a r-se se xua l o u a fe tiva me nte .</p><p>Do me smo mo d o q ue a s le is d e uma so c ie d a d e ig ua litá ria e lib e ra l</p><p>nã o a d m ite m o “ je itinho ” o u o “ m a is-o u-me no s” , a s re la ç õ e s e ntre</p><p>g rup o s so c ia is nã o p o d e m a d mitir a inte rme d ia ç ã o . E o mula to é</p><p>p re c isa me nte e ssa p o ssib ilid a d e q ue , ne sse s siste ma s, é d e finid a</p><p>c o mo imo ra lid a d e . Lá , e ntã o , d ife re nte me nte d a q ui, o ne g a tivo é</p><p>a q ue le q ue e stá e ntre a s c o isa s e a s p e sso a s. O q ue se b usc a e limina r</p><p>é a re la ç ã o , p o is a ê nfa se d a id e o lo g ia so c ia l e d o s va lo re s é se mp re</p><p>no p a p e l d o ind ivíd uo c o mo o c e ntro e a ra zã o d e se r d a so c ie d a d e .</p><p>A ig ua ld a d e juríd ic a e c o nstituc io na l d o s me mb ro s d a so c ie d a d e</p><p>a me ric a na fo rma uma p o d e ro sa tra d iç ã o q ue c he g o u à q ue le p a ís</p><p>c o m o s Purita no s ing le se s e se c o nso lid o u na s d o utrina s lib e ra is q ue</p><p>ma rc a ra m o na sc ime nto e a e xp a nsã o d a so c ie d a d e a me ric a na</p><p>c o mo na ç ã o . Ne sse siste ma d e ind ivíd uo s te o ric a me nte “ ig ua is” , a</p><p>e xp e riê nc ia d a e sc ra vid ã o e d a s hie ra rq uia s q ue e la c e rta me nte</p><p>d e te rmina p o r sua p ró p ria na ture za e nq ua nto siste ma — p o is há</p><p>e sc ra vo s d a c a sa e d o e ito , e sc ra vo s e d uc a d o s e se m instruç ã o ,</p><p>e sc ra vo s q ue fic a m ma is p e rto o u ma is lo ng e d o s se us se nho re s, e isso</p><p>e ng e nd ra uma g ra d a ç ã o q ue a tua d e mo d o info rma l,</p><p>c o ntra b a la nç a nd o a rig id e z d a s c a te g o ria s juríd ic a s q ue tud o</p><p>se p a ra m e ntre se nho r e e sc ra vo — fo i c e rta me nte muito ma is</p><p>p ro b le má tic a d o q ue no c a so d o Bra sil.</p><p>Po rq uê ?</p><p>Prime iro , c o nfo rme e sto u re ve la nd o , p e la e xistê nc ia d a</p><p>tra d iç ã o ig ua litá ria , q ue no unive rso so c ia l a ng lo -sa xã o e ra muito</p><p>ma is fo rte q ue e m Po rtug a l o u no Bra sil. No to q ue fo i a Ing la te rra q ue</p><p>d e u fo rma mo d e rna à id é ia e c o nô mic a d e me rc a d o e d e</p><p>c a p ita lismo . E c o m isso ve io a p rá tic a d e e q ua c io na r to d o s c o mo</p><p>ig ua is p e ra nte a s le is. Fo i a li ta mb é m q ue va ria nte s ra d ic a is d o</p><p>p ro te sta ntismo — c o mo o p urita nismo e o c a lvinismo — g a nha ra m</p><p>a mp lo te rre no . Isso tud o c o nd uziu a um ind ivid ua lismo ra d ic a l —</p><p>“ p o sse ssivo ” , no d ize r d e um te ó ric o d e ssa s q ue stõ e s, o c ie ntista</p><p>p o lític o C . B. Ma c p he rso n. Ta l id e o lo g ia so c ia l ne g a a s re la ç õ e s</p><p>so c ia is e , c o m isso , a p re se nç a d a s re d e s imp e ra tiva s d e a miza d e e d e</p><p>p a re nte sc o q ue suste nta va m a c ha ma d a mo ra l tra d ic io na l; o u se ja :</p><p>a q ue la mo ra lid a d e q ue a firma a imp o rtâ nc ia d o to d o (o u d a</p><p>so c ie d a d e ) so b re o ind ivíd uo . De ntro d e la , a p e sso a é imp o rta nte</p><p>p o rq ue p e rte nc e a uma fa mília e te m c o mp a d re s e a mig o s. È a</p><p>re la ç ã o q ue a jud a a d e fini-la c o mo se r huma no e c o mo e ntid a d e</p><p>so c ia l sig nific a tiva . Na mo ra lid a d e ind ivid ua lista mo d e rna , p o ré m,</p><p>ina ug ura d a c o m a Re fo rma e c o m a Re vo luç ã o Ind ustria l, a fa mília e a</p><p>so c ie d a d e é q ue e ra m c o nstituíd a s d e ind ivíd uo s, ta l c o mo o s c lub e s,</p><p>a s p a ró q uia s e o s p a rtid o s p o lític o s. Aq ui, o ind ivíd uo nã o é</p><p>p o ssuíd o (o u e ng lo b a d o ) p o r sua fa mília o u p o r se us p a is, c o nfe sso re s</p><p>o u p a trõ e s. Ao c o ntrá rio , é d o no d e si me smo e p o d e , e m</p><p>c o nse q üê nc ia , d isp o r d e sua fo rç a d e tra b a lho ind ivid ua lme nte num</p><p>me rc a d o d e ho me ns livre s, me rc a d o e sse q ue d e svinc ula</p><p>m o ra lm e nte q ue m o fe re c e d e q ue m fa z o tra b a lho .</p><p>Po is b e m, to d o s e sse s fa to re s to rna va m d ifíc il a c o nvivê nc ia d a</p><p>e sc ra vid ã o c o m e ssa id e o lo g ia q ue , no c a so d o s Esta d o s Unid o s, é</p><p>d o mina nte . É c e rta me nte isso q ue e xp lic a a lo c a liza ç ã o g e o g rá fic a</p><p>d a e c o no mia e sc ra vo c ra ta no s Esta d o s d o Sul. De fa to , a té o</p><p>a d ve nto d a G ue rra C ivil (q ue c o me ç a e m 1861 e va i a té 1865,</p><p>fa ze nd o ma is d e 617 mil mo rte s), o s Esta d o s Unid o s sã o c o mo se</p><p>fo sse m d ua s so c ie d a d e s d istinta s e m p o lític a , e c o no mia e ,</p><p>so b re tud o , id e o lo g ia e va lo re s. Há um No rte ig ua litá rio e</p><p>ind ivid ua lista , q ue não p o d e a d mitir a e sc ra vid ã o ; e um Sul</p><p>hie ra rq uiza d o , a risto c rá tic o e re la c io na l, o nd e e xiste uma so c ie d a d e</p><p>c he ia d e nua nc e s, p a re c id o nisso tud o c o m o Bra sil. A d ife re nç a é</p><p>q ue , no s Esta d o s Unid o s, o Sul p e rd e u e o No rte e sta b e le c e u p o r to d o</p><p>o p a ís sua he g e mo nia mo ra l e p o lític a . A c o ntra d iç ã o g e ra d a p e lo</p><p>ne g ro livre numa so c ie d a d e q ue p re g a va uma ig ua ld a d e d e to d o s</p><p>c o m to d o s fo i o p re c o nc e ito ra c ia l ra d ic a l, suste nta d o nã o so me nte</p><p>p o r c o stume s e a titud e s ve la d a s e muita s ve ze s se c re ta s d e b ra nc o s o u</p><p>d e mula to s, ma s p o r uma sé rie d e le is q ue e xp lic ita me nte imp e d ia m a</p><p>c o mp e tiç ã o e c o nô mic a d e ne g ro s e b ra nc o s c o mo ig ua is num</p><p>me rc a d o d e tra b a lha d o re s livre s.</p><p>Tud o isso no s c o nd uz a a lg uma s c o rre la ç õ e s inte re ssa nte s q ue</p><p>p e rmite m e luc id a r o c a so d o “ ra c ismo à b ra sile ira ” e d o no sso</p><p>fa mo so triâ ng ulo ra c ia l. É q ue p rime ira me nte d e ve mo s re ssa lta r c o mo</p><p>a s so c ie d a d e s ig ua litá ria s e ng e nd ra ra m fo rma s d e p re c o nc e ito muito</p><p>c la ra s, p o rq ue sua id e o lo g ia ne g a va o inte rme d iá rio , a g ra d a ç ã o e a</p><p>re la ç ã o e ntre g rup o s q ue d e ve ria m p e rma ne c e r se p a ra d o s, e mb o ra</p><p>p ud e sse m se r c o nsid e ra d o s te o ric a me nte ig ua is. Ta l fa to nã o e xistiu na</p><p>so c ie d a d e b ra sile ira e a té ho je te m d é b il a c e ita ç ã o so c ia l. Re a lme nte ,</p><p>e sto u c o nve nc id o d e q ue a so c ie d a d e b ra sile ira a ind a nã o se viu</p><p>c o mo siste ma a lta me nte hie ra rq uiza d o , o nd e a p o siç ã o d e ne g ro s,</p><p>índ io s e b ra nc o s e stá a ind a tra g ic a me nte d e a c o rd o c o m a</p><p>hie ra rq uia d a s ra ç a s. Numa so c ie d a d e o nd e nã o há ig ua ld a d e e ntre</p><p>a s p e sso a s, o p re c o nc e ito ve la d o é fo rma muito ma is e fic ie nte d e</p><p>d isc rimina r p e sso a s d e c o r, d e sd e q ue e la s fiq ue m no se u lug a r e</p><p>“ sa ib a m” q ua l é e le .</p><p>Fina lme nte , a o la d o d isso , te mo s um “ triâ ng ulo ra c ia l” q ue</p><p>imp e d e uma visã</p><p>o histó ric a e so c ia l d a no ssa fo rma ç ã o c o mo</p><p>so c ie d a d e . É q ue , q ua nd o a c re d ita mo s q ue o Bra sil fo i fe ito d e</p><p>ne g ro s, b ra nc o s e índ io s, e sta mo s a c e ita nd o se m muita c rític a a</p><p>id é ia d e q ue e sse s c o nting e nte s huma no s se e nc o ntra ra m d e mo d o</p><p>e sp o ntâ ne o , numa e sp é c ie d e c a rna va l so c ia l e b io ló g ic o . Ma s na d a</p><p>d isso é ve rd a d e . O fa to c o ntund e nte d e no ssa histó ria é q ue so mo s</p><p>um p a ís fe ito p o r p o rtug ue se s b ra nc o s e a risto c rá tic o s, uma</p><p>so c ie d a d e hie ra rq uiza d a e q ue fo i fo rma d a d e ntro d e um q ua d ro</p><p>ríg id o d e va lo re s d isc rimina tó rio s. O s p o rtug ue se s já tinha m uma</p><p>le g isla ç ã o d isc rimina tó ria c o ntra jud e us, mo uro s e ne g ro s, muito a nte s</p><p>d e te re m c he g a d o a o Bra sil; e q ua nd o a q ui c he g a ra m a p e na s</p><p>a mp lia ra m e ssa s fo rma s d e p re c o nc e ito . A mistura d e ra ç a s fo i um</p><p>mo d o d e e sc o nd e r a p ro fund a injustiç a so c ia l c o ntra ne g ro s, índ io s e</p><p>mula to s, p o is, situa nd o no b io ló g ic o uma q ue stã o p ro fund a me nte</p><p>so c ia l, e c o nô mic a e p o lític a , d e ixa va -se d e la d o a p ro b le má tic a</p><p>ma is b á sic a d a so c ie d a d e . De fa to , é ma is fá c il d ize r q ue o Bra sil fo i</p><p>fo rma d o p o r um triâ ng ulo d e ra ç a s, o q ue no s c o nd uz a o mito d a</p><p>d e mo c ra c ia ra c ia l, d o q ue a ssumir q ue so mo s uma so c ie d a d e</p><p>hie ra rq uiza d a , q ue o p e ra p o r me io d e g ra d a ç õ e s e q ue , p o r isso</p><p>me smo , p o d e a d mitir, e ntre o b ra nc o sup e rio r e o ne g ro p o b re e</p><p>infe rio r, uma sé rie d e c rité rio s d e c la ssific a ç ã o . Assim, p o d e mo s situa r</p><p>a s p e sso a s p e la c o r d a p e le o u p e lo d inhe iro . Pe lo p o d e r q ue d e tê m</p><p>o u p e la fe iúra d e se us ro sto s. Pe lo s se us p a is e no me d e fa mília , o u</p><p>p o r sua c o nta b a nc á ria . As p o ssib ilid a d e s sã o ilimita d a s, e isso a p e na s</p><p>no s d iz d e um siste ma c o m e no rme e a té a g o ra ina b a lá ve l c o nfia nç a</p><p>no c re d o se g und o o q ua l, d e ntro d e le , “ c a d a um sa b e muito b e m o</p><p>se u lug a r” .</p><p>É c la ro q ue p o d e mo s te r uma d e mo c ra c ia ra c ia l no Bra sil. Ma s</p><p>e la , c o nfo rme sa b e mo s, te rá q ue e sta r fund a d a p rime iro numa</p><p>p o sitivid a d e juríd ic a q ue a sse g ure a to d o s o s b ra sile iro s o d ire ito</p><p>b á sic o d e to d a a ig ua ld a d e : o d ire ito d e se r ig ua l p e ra nte a le i!</p><p>Enq ua nto isso nã o fo r d e sc o b e rto , fic a re mo s se mp re usa nd o a no ssa</p><p>mula ta ria e o s no sso s me stiç o s c o mo mo d o d e fa la r d e um p ro c e sso</p><p>so c ia l ma rc a d o p e la d e sig ua ld a d e , c o mo se tud o p ud e sse se r</p><p>tra nsc rito no p la no d o b io ló g ic o e d o ra c ia l. Na no ssa id e o lo g ia</p><p>na c io na l, te mo s um mito d e trê s ra ç a s fo rma d o ra s. Nã o se p o d e</p><p>ne g a r o mito . Ma s o q ue se p o d e ind ic a r é q ue o mito é p re c isa me nte</p><p>isso : uma fo rma sutil d e e sc o nd e r uma so c ie d a d e q ue a ind a nã o se</p><p>sa b e hie ra rq uiza d a e d ivid id a e ntre múltip la s p o ssib ilid a d e s d e</p><p>c la ssific a ç ã o . Assim, o “ ra c ismo à b ra sile ira ” , p a ra d o xa lme nte , to rna</p><p>a injustiç a a lg o to le rá ve l, e a d ife re nç a , uma q ue stã o d e te mp o e</p><p>a mo r. Eis, numa c á p sula , o se g re d o d a fá b ula d a s trê s ra ç a s...</p><p>Sobre comidas</p><p>e mulheres...</p><p>A so c ie d a d e ma nife sta -se p o r me io d e muito s e sp e lho s e vá rio s</p><p>id io ma s. Um d o s m a is im p o rta nte s no c a so d o Bra sil é , se m d úvid a , o</p><p>c ó d ig o d a c o mid a , e m se us d e sd o b ra me nto s mo ra is q ue a c a b a m</p><p>a jud a nd o a situa r ta mb é m a mulhe r e o fe minino no se u se ntid o ta lve z</p><p>ma is tra d ic io na l. C o mid a s e mulhe re s, a ssim, e xp rime m te o ric a me nte</p><p>a so c ie d a d e , ta nto q ua nto a p o lític a , a e c o no mia , a fa mília , o</p><p>e sp a ç o e o te mp o , e m sua s p re o c up a ç õ e s e , c e rta me nte , e m sua s</p><p>c o ntra d iç õ e s.</p><p>C re io q ue fo i o a ntro p ó lo g o fra nc ê s C la ud e Lé vi-Stra uss q ue m</p><p>c ha mo u a a te nç ã o p a ra d o is p ro c e sso s na tura is — o c ru e o c o zido —,</p><p>nã o so me nte c o mo d o is e sta d o s p e lo s q ua is p a ssa m to d o s o s</p><p>a lime nto s, ma s c o mo mo d a lid a d e s p e la s q ua is se p o d e fa la r d e</p><p>tra nsfo rma ç õ e s so c ia is imp o rta ntíssima s. De fa to , o c ru e o c o zid o , o</p><p>a lime nto e a c o mid a , o d o c e e o sa lg a d o a jud a m a c la ssific a r c o isa s,</p><p>p e sso a s e a té me smo a ç õ e s m o ra is im p o rta nte s no no sso m und o</p><p>Assim é q ue e q ua c io na mo s simb o lic a me nte a mulhe r c o m a</p><p>c o mid a e o d o c e c o m o fe minino , d e ixa nd o o sa lg a d o e o ind ig e sto</p><p>p a ra e sta re m a sso c ia d o s a tud o o q ue no s “ c he ira ” a c o isa s d ura s e</p><p>c rué is. Ao m und o d ifíc il d a “ vid a ” , d a “ rua ” e d o tra b a lho e m g e ra l,</p><p>e sse s unive rso s q ue sã o p ro fund a me nte ma sc ulino s e , p o r c o nse g uinte ,</p><p>e stã o lo ng e d a s c o zinha s, d o s te mp e ro s e d a s b o a s me sa s e c a ma s,</p><p>o nd e se p o d e e xe rc e r uma c o me nsa lid a d e e nriq ue c e d o ra . Num</p><p>p la no ma is filo só fic o e unive rsa l, sa b e mo s q ue c ru se lig a a um e sta d o</p><p>d e se lva g e ria (a um e sta d o d e na ture za ), a o p a sso q ue o c o zid o se</p><p>re la c io na a o unive rso so c ia lme nte e la b o ra d o q ue to d a so c ie d a d e</p><p>huma na d e fine c o mo se nd o o d e sua c ultura e id e o lo g ia . Sa b e nd o</p><p>q ue o c ru e o c o zid o e xp rime m ma is q ue d o is p ro c e sso s “ na tura is” ,</p><p>p o d e mo s a g o ra e nte nd e r p o r q ue fa la mo s q ue “ o a p re ssa d o c o me</p><p>c ru...” . É q ue , c o m ta l me tá fo ra (o u a sso c ia ç ã o e ntre o c ru e a</p><p>p re ssa ), e sta mo s no s re fe rind o a e sse e lo e ntre a se lva g e ria o u</p><p>so fre g uid ã o d a p re ssa e o la d o se lva g e m, ruim o u c ru d a s c o isa s e d a</p><p>vid a . O c a lmo , p o d e -se d ize r, c o mp le me nta nd o o p ro vé rb io</p><p>re ve la d o r, c o me se mp re c o zid o , p o is q ue m te m c a lma p o ssui um</p><p>e le me nto d a c iviliza ç ã o e a c iviliza ç ã o fund a -se p re c isa me nte num</p><p>sa b e r e sp e ra r...</p><p>Ma s o q ue é ta mb é m inte re ssa nte na o p o siç ã o e ntre o c ru e o</p><p>c o zid o é d e sc o b rir q ue o unive rso d a c o mid a p e rmite p e nsa r o</p><p>mund o inte g ra nd o o inte le c tua l c o m o se nsíve l. Q ue r d ize r: q ua lq ue r</p><p>re fe iç ã o ma is b e m p re p a ra d a o u ma is “ c a p ric ha d a ” , c o nfo rme</p><p>fa la mo s c o lo q uia lme nte , p o d e (e d e ve ) p ro mo ve r e ssa uniã o o u</p><p>c a sa me nto e ntre o o lha r — q ue re me te a o inte le c to — e ,</p><p>na tura lme nte , o g o sto e o c he iro , q ue ind ic a m o c a minho d o na riz,</p><p>d a b o c a e d o e stô ma g o . Tud o q ue le va a o c o rp o , à se nsua lid a d e e à</p><p>p a nç a o u b a rrig a , c o nfo rme fa la mo s no Bra sil. Assim, “ e nc he r a</p><p>b a rrig a ” o u “ e nc he r a p a nç a ” é um a to c o nc re to d e stina d o à</p><p>sa c ie d a d e d o c o rp o , ma s é ta mb é m um mo d o d e se re fe rir a uma</p><p>a ç ã o simb ó lic a . A tud o q ue fo i c a p a z d e sa tisfa ze r p le na me nte uma</p><p>p e sso a ...</p><p>Ma s é b á sic o c o ntinua r e nfa tiza nd o q ue a c o mid a (c o m sua s</p><p>p o ssib ilid a d e s simb ó lic a s) p e rmite re a liza r uma imp o rta nte me d ia ç ã o</p><p>e ntre c a b e ç a e b a rrig a , e ntre c o rp o e a lma , p e rmitind o o p e ra r</p><p>simulta ne a me nte c o m uma sé rie d e c ó d ig o s c ultura is q ue</p><p>no rma lme nte e stã o se p a ra d o s, c o mo o g usta tivo (q ue d isting ue o</p><p>sa lg a d o d o d o c e e d o a ma rg o ; o g o sto so d o p é ssimo ; o q ue nte d o</p><p>frio ) , o c ó d ig o d e o d o re s (q ue p e rmite se p a ra r d o s o utro s o</p><p>a lime nto q ue te m b o m c he iro e e stá sa d io e b o m), o c ó d ig o visua l</p><p>(q ue no s fa z c o me r o u nã o a lg um a ume nto c o m o s o lho s, o u re c usá -lo</p><p>p o r sua a p a rê nc ia , te nd o o u nã o “ o lho m a io r d o q ue a b a rrig a ” ) e ,</p><p>a ind a , um c ó d ig o d ig e stivo , p o sto q ue no Bra sil ta mb é m</p><p>c la ssific a mo s o s a lime nto s p o r sua c a p a c id a d e d e p e rmitir o u nã o</p><p>uma d ig e stã o fá c il e a g ra d á ve l. O ra , é p re c isa me nte e ssa p o ssib ilid a -</p><p>d e d e sínte se e d e e q uilíb rio e ntre o o lho e a b a rrig a — a p a rte d e</p><p>c ima d o c o rp o e sua p a rte d e b a ixo — q ue a re la ç ã o e ntre o c ru e o</p><p>c o zid o a jud a e c o nse g ue , e ntre nó s, re a liza r.</p><p>Ma s e sse s e sta d o s e sua s c o nc e p ç õ e s va ria m. Pa ra e uro p e us e</p><p>no rte -a me ric a no s, c ru e c o zid o , a lime nto e c o mid a , sã o c a te g o ria s</p><p>c ie ntífic a s, ne m se mp re le va d a s e m c o nta no p ró p rio a to d e c o me r,</p><p>c o nfo rme no s re ve la m a s ime nsa s sa la d a s e a s “ c o mid a s na tura is” q ue</p><p>sã o d ig e rid a s e m p a íse s c o mo Esta d o s Unid o s e Ing la te rra c o mo</p><p>p ra to s p rinc ip a is, a lg o b e m re c e nte no Bra sil.</p><p>Pa ra nó s, o c ru e o c o zid o p o d e m sig nific a r c o m muito ma is</p><p>fa c ilid a d e um unive rso c o mp le xo , uma á re a d o no sso siste m a o nd e</p><p>p o d e m o s no s e nxe rg a r c o m o fo rm id á ve is e no s le va r fina lme nte ,</p><p>muito a sé rio . Aq ui, c o nta mo s uma histó ria p a ra nó s me smo s, e e ssa é</p><p>uma na rra tiva q ue a d mira mo s e q ue no s p e rmite q ue a d mire mo s a nó s</p><p>me smo s, p a ra usa rmo s a fó rmula d e C liffo rd G e e rtz, um so fistic a d o</p><p>a ntro p ó lo g o a me ric a no . Sa b e mo s q ue so mo s tã o b o ns e m c o mid a</p><p>q ua nto e m mulhe r o u fute b o l. Aq ui, a firma mo s e ntre so rriso s, so mo s o s</p><p>me lho re s d o mund o ... E, c o mo nã o p o d e ria d e ixa r d e se r, o mund o</p><p>d a s c o mid a s no s le va p a ra c a sa , p a ra o s no sso s p a re nte s e a mig o s,</p><p>p a ra o s no sso s c o mp a nhe iro s d e te to e d e me sa . Essa s p e sso a s q ue</p><p>c o mp a rtilha m inte nsa me nte d e no ssa vid a e intimid a d e . Intimid a d e</p><p>q ue se fa z na c a sa e na me sa , o nd e so mo s se mp re e</p><p>ne c e ssa ria me nte tra ta d o s c o mo a lg ué m e te mo s d ire ito s p e rp é tuo s</p><p>d e c id a d a nia .</p><p>Ne sse se ntid o , o c ru se ria tud o q ue e stá fo ra d e ssa á re a d a c a sa</p><p>o nd e so mo s visto s e tra ta d o s c o m a mo r, c a rinho e c o nsid e ra ç ã o ,</p><p>p o d e nd o — c o nse q üe nte me nte — e sc o lhe r a c o mid a . O u se ja : o c ru é</p><p>tud o a q uilo q ue e stá fo ra d o c o ntro le d a c a sa . Tud o q ue p o d e a té</p><p>me smo e sta r o p o sto a o mund o d a c a sa , c o mo uma á re a c rue l e d ura</p><p>d o mund o so c ia l. Um e sp a ç o re p le to d e mo vime nto c o ntra d itó rio ,</p><p>o nd e a s p e sso a s nã o se ha rmo niza m e ntre si, ma s d isp uta m na</p><p>c o mp e tiç ã o uma e sp é c ie d e b a ta lha q ue se re ve la so b re tud o no</p><p>tra b a lho .</p><p>Já o c o zido é a lg o so c ia l p o r d e finiç ã o . Nã o é so me nte o no me</p><p>d e um p ro c e sso físic o — o c o zime nto d a s c o isa s p e lo fo g o —, ma s,</p><p>so b re tud o , o no me d e um p ra to sa g ra d o d e ntro d a no ssa c uliná ria .</p><p>Pra to , a liá s, q ue d iz tud o d e ssa s me tá fo ra s q ue a s c o mid a s p e rmite m</p><p>re a liza r e q ue fa ze m d e sta so c ie d a d e o Bra sil. De fa to , no c o zido</p><p>te mo s o a lime nto q ue junta ve g e ta is, le g ume s e c a rne s va ria d a s num</p><p>p ra to q ue te m p e so so c ia l muito imp o rta nte , p o is q ue inve nta a sua</p><p>p ró p ria o c a siã o so c ia l. Q ua nd o se c o me um c o zid o , nã o se c o me um</p><p>p ra to q ua lq ue r. È q ue há , no Bra sil, c e rto s a lime nto s o u p ra to s q ue</p><p>a b re m uma b re c ha d e finitiva no mund o d iá rio , e ng e nd ra nd o</p><p>o c a siõ e s e m q ue a s re la ç õ e s so c ia is d e ve m se r sa b o re a d a s e</p><p>p ra ze ro sa me nte d e sfruta d a s c o mo a s c o mid a s q ue e la s e stã o</p><p>c e le b ra nd o . E d e mo d o tã o inte nso q ue nã o se sa b e , no fim, se fo i a</p><p>c o mid a q ue c e le b ro u a s re la ç õ e s so c ia is, e sta nd o a se rviç o d e la s, o u</p><p>se fo ra m o s e lo s d e p a re nte sc o , c o mp a d rio e a miza d e q ue e stive ra m</p><p>a se rviç o d a b o a me sa .</p><p>Tud o isso re ve la q ue a no ssa c o nc e p ç ã o d o c o zid o , e m</p><p>o p o siç ã o a o c ru, e sta b e le c e uma d istinç ã o e ntre c o isa s q ue sã o</p><p>se p a ra d a s e e sta nq ue s — ind ivid ua liza d a s uma s d a s o utra s — , e tud o</p><p>isso é o c ru o u fa z p a rte d o q ue é c ru. . . E o c o zid o é c o nc e b id o</p><p>c o mo a lg o q ue p e rmite a re la ç ã o e a mistura d e c o isa s d o mund o</p><p>q ue e sta va m e ve ntua lme nte se p a ra d a s. Vo lta re i a e sse p ro b le ma</p><p>ma is a d ia nte . Ag o ra , é imp o rta nte fa la r d e o utra d istinç ã o q ue se g ue</p><p>a me sma e stra d a d o c ru e d o c o zid o .</p><p>Q ue ro me re fe rir à d istinç ã o e ntre c o mid a e a lime nto , q ue é</p><p>tã o imp o rta nte no siste ma so c ia l b ra sile iro . Re a lme nte , p a ra nó s,</p><p>sa b e r c o me r é a lg o muito ma is re fina d o d o q ue o simp le s a to d e</p><p>a lime nta r-se . O s a me ric a no s, sa b e mo s, inve nta ra m a c ha ma d a “ fa st</p><p>fo o d” (a lime nto rá p id o ) e , p o r c a usa d isso me smo , p o d e m c o me r</p><p>e m p é , se nta d o s, c o m e stra nho s o u a mig o s, só s o u a c o mp a nha d o s.</p><p>C o me m ta mb é m mistura nd o o d o c e c o m o sa lg a d o , e uma d e sua s</p><p>p re o c up a ç õ e s b á sic a s é , c o m ra ra s e xc e ç õ e s, c o me r p a ra vive r;</p><p>c o me r, e ntre e le s, é um a to q ue p o d e se r p ro fund a me nte ind ivid ua l.</p><p>Pa ra nó s, b ra sile iro s, ne m tud o q ue a lime nta é se mp re b o m o u</p><p>so c ia lm e nte a c e itá ve l. Do m e sm o mo d o , ne m tud o q ue é a lime nto</p><p>é c o mid a . Alime nto é tud o a q uilo q ue p o d e se r ing e rid o p a ra ma nte r</p><p>uma p e sso a viva ; c o mid a é tud o q ue se c o me c o m p ra ze r, d e a c o rd o</p><p>c o m a s re g ra s ma is sa g ra d a s d e c o munhã o e c o me nsa lid a d e . Em</p><p>o utra s p a la vra s, o a lime nto é c o mo uma g ra nd e mo ld ura ; ma s a</p><p>c o mid a é o q ua d ro , a q uilo q ue fo i va lo riza d o e e sc o lhid o d e ntre o s</p><p>a lime nto s; a q uilo q ue d e ve se r visto e sa b o re a d o c o m o s o lho s e</p><p>d e p o is c o m a b o c a , o na riz, a b o a c o mp a nhia e , fina lme nte , a</p><p>b a rrig a ...</p><p>O a lime nto é a lg o unive rsa l e g e</p><p>ra l. Alg o q ue d iz re sp e ito</p><p>a to d o s o s se re s huma no s: a mig o s o u inimig o s, g e nte d e p e rto o u d e</p><p>lo ng e , d a rua o u d e c a sa , d o c é u o u d a te rra . Ma s a</p><p>c o mid a é a lg o q ue d e fine um d o mínio e p õ e a s c o isa s e m fo c o .</p><p>Assim, a c o mid a é c o rre sp o nd e nte a o fa mo so e a ntig o</p><p>“ d e -c o me r” , e xp re ssã o e q uiva le nte a re fe iç ã o , c o mo d e re sto</p><p>é a p a la vra c o mid a . Po r o utro la d o , c o mid a se re fe re a a lg o</p><p>c o stume iro e sa d io , a lg uma c o isa q ue a jud a a e sta b e le c e r</p><p>uma id e ntid a d e , d e finind o , p o r isso me smo , um g rup o , c la sse</p><p>o u pe sso a .</p><p>É p o r te rmo s e ssa c o nc e p ç ã o q ue nó s, b ra sile iro s, p o d e mo s d ize r</p><p>q ue q ue ijo p a ra nó s é a lime nto , ma s é c o mid a d e ra to s. Lo g o : ra to =</p><p>q ue ijo . Fa la r d e q ue ijo , e ntã o , é imp lic a r a id é ia d e ra to , já q ue e sse</p><p>a lime nto é a lg o irre sistíve l pa ra o s ra to s, ma rc a nd o sua id e ntid a d e e</p><p>p e rso na lid a d e . Pe la me sma ló g ic a , le ite é a lime nto p a ra o s se re s</p><p>huma no s, ma s é c o mid a p a ra ne né ns. E o sso é c o mid a d e c a c ho rro ,</p><p>milho , d e g a linha , e sa nd uíc he , d e a me ric a no . Do me smo mo d o ,</p><p>sa b e mo s q ue c hurra sc o é c o mid a d e g a úc ho , p ra to q ue se c o me</p><p>c o m o s a mig o s e q ue re q ue r c e rta intimid a d e e c e rto e sta r-à -</p><p>vo nta d e .</p><p>Ma s q ua l é a c o mid a b ra sile ira b á sic a ? Ce rta me nte q ue se tra ta</p><p>d o fe ijã o -c o m-a rro z, e ssa c o mid a q ue é a té me smo usa d a c o mo</p><p>me tá fo ra p a ra a ro tina d o mund o d iá rio . Ma s é p re c iso no ta r q ue ,</p><p>ta nto no a rro z q ua nto no fe ijã o , te mo s um a lime nto q ue é c o zinha d o .</p><p>E q ue é c o mid o c o mo se c o me um c o zid o : mistura nd o -se a s d ua s</p><p>p o rç õ e s num só p ra to , e a ssim fo rma nd o uma ma ssa ind ife re nc ia d a</p><p>q ue a ssume a s p ro p rie d a d e s g usta tiva s d o s d o is e le me nto s. De ta l</p><p>mo d o q ue o fe ijã o , q ue é p re to , d e ixa d e se r p re to , e o a rro z, q ue é</p><p>b ra nc o , d e ixa ta mb é m d e se r b ra nc o . A sínte se é uma p a p a o u p irã o</p><p>q ue re úne d e finitiva me nte a rro z e fe ijã o , c o nstruind o a lg o c o mo um</p><p>se r inte rme d iá rio , d e sse s q ue a so c ie d a d e b ra sile ira ta nto a d mira e</p><p>va lo riza p o sitiva me nte . C o m e r a rro z-c o m -fe ijã o , e ntã o , é mistura r o</p><p>p re to e o b ra nc o , a c a ma e a me sa fa ze nd o p a rte d e um me smo</p><p>p ro c e sso ló g ic o e c ultura l...</p><p>Te mo s e ntã o a lime nto e te mo s c o mid a . C o mid a nã o é a p e na s</p><p>uma sub stâ nc ia a lime nta r, ma s é ta mb é m um mo d o , um e stilo e um</p><p>je ito d e a lime nta r-se . E o je ito d e c o me r d e fine nã o só a q uilo q ue é</p><p>ing e rid o c o mo ta mb é m a q ue le q ue ing e re . De fa to , na d a ma is ric o , na</p><p>no ssa líng ua , q ue o s vá rio s sig nific a d o s d o ve rb o c o me r e m sua s</p><p>c o no ta ç õ e s.</p><p>Existe m vá ria s me tá fo ra s o nd e se usa a p a la vra c o me r o u c o mid a</p><p>e o nd e o a to d e a lime nta r-se te m sig nific a d o s p re c iso s. Assim,</p><p>fa la mo s e m pão -duro re fe rind o -no s a q ue m é a va re nto e , p a ra</p><p>e c o no miza r, c o me o p ã o d o rmid o , q ue fic a , o b via me nte , d uro ...</p><p>Usa m o s a im a g e m d o p ã o , p ã o , q ue ijo , q ue ijo p a ra se p a ra r c o isa s,</p><p>a c o nte c ime nto s e p e sso a s, p o is nã o ha ve ria na d a ma is d istinto q ue o</p><p>p ã o (d e o rig e m ve g e ta l e a g ríc o la , q ue va i a o fo rno ) e o q ue ijo (d e</p><p>o rig e m a nima l e q ue se fa b ric a p o r me io d e um p ro c e sso d e</p><p>fe rme nta ç ã o “ na tura l” ). Fa la mo s ta mb é m q ue a lg ué m p o d e c o me r</p><p>g a to p o r le b re q ua nd o há uma c o nfusã o e uma mistura d e p e sso a s,</p><p>c o isa s, e ve nto s. Alé m d isso , p o d e mo s te r ág ua na b o c a q ua nd o</p><p>d e se ja mo s muito a lg uma c o isa ; p o d e mo s se r a p a nha d o s c o m a</p><p>b o c a na b o tija e , q ua nd o so mo s vito rio so s, e sta mo s c o m a fac a e o</p><p>q ue ijo na mão , ima g e m q ue , c o mo a q ue la o utra q ue fa la d e q ue m</p><p>e stá po r c ima da c arne -se c a , ind ic a a p ro p rie d a d e d e re c urso s d e</p><p>p o d e r e fo rç a . Ad e ma is, p o d e mo s se r c o nvid a d o s p a ra c o me s e</p><p>b e b e s e , se mp re q ue fa la mo s a lg uma c o isa q ue nã o d e ve se r le va d a</p><p>a sé rio , fa la mo s da b o c a pra fo ra O p ro c e sso d e ing e stã o ,</p><p>e q uiva le nte ló g ic o a “ fa la r d a b o c a p ra d e ntro ” , é tã o imp o ssíve l,</p><p>re p re se nta nd o uma me tá fo ra d e tud o q ue é ina ting íve l o u a b surd o ...</p><p>O fa to é q ue o c o m e r, a c o mid a e o s a lim e nto s fo rm a m um c ó d ig o</p><p>c o m p le xo — uma ve rd a d e ira bo c a ric a so c ia l — q ue no s p e rmite</p><p>c o mp re e nd e r c o mo é q ue a so c ie d a d e b ra sile ira se fund e e nq ua nto</p><p>ta l.</p><p>Assim, c o me r do b o m e do me lho r d e no ta ma is d o q ue</p><p>a lime nta r-se , ind ic a nd o um p a ssa d io d e ric o , uma vid a b o a , g o sto sa ,</p><p>no b re . Vid a d e p o lític o o u d e milio ná rio q ue vive e m p a lá c io e te m</p><p>g a so lina p a g a p e lo e rá rio p úb lic o o u p e la firm a ... A c o mid a va le</p><p>ta nto p a ra ind ic a r uma o p e ra ç ã o unive rsa l — o a to d e a lime nta r-se —</p><p>q ua nto p a ra d e finir e ma rc a r id e ntid a d e s p e sso a is e g rup a is, e stilo s</p><p>re g io na is e na c io na is d e se r, fa ze r, e sta r e vive r. Em no ssa s c a sa s,</p><p>sa b e mo s p e rfe ita me nte b e m q ue m g o sta d o q uê e c o mo e sse</p><p>a lg ué m g o sta d e c o me r a lg uma c o isa . Ê a to d e a mo r fa milia l e</p><p>c o njug a l se rvir o p a i, o irmã o , a mulhe r e o s filho s, ma s ta mb é m o s</p><p>sub o rd ina d o s e a té me smo visita nte s e sp o rá d ic o s, le va nd o e m c o nta</p><p>o mo d o c o mo g o sta m d e c o me r o s o vo s, o b ife , o a rro z, a sa la d a e</p><p>o fe ijã o . E c he g a nd o me smo a o re q uinte d e sa b e r c o mo a s p e sso a s</p><p>g o sta m d e te r se us p ra to s a rruma d o s, a rte q ue a mã e o u a d o na -d e -</p><p>c a sa c o nd uz c o m p re c isã o , so lic itud e e e no rme p a c iê nc ia . Vo vó</p><p>a d o ra p ime nta , p a p a i g o sta d e c a rne no p o nto , titio só c o me c o m o</p><p>a rro z e m c ima d o fe ijã o , d o na Ma ria d e te sta to ma te na sua sa la d a ...</p><p>O s e xe mp lo s p o d e ria m se r multip lic a d o s p a ra ind ic a r c o mo a c o mid a</p><p>d e fine a s p e sso a s e , ta mb é m, a s re la ç õ e s q ue a s p e sso a s ma ntê m</p><p>e ntre si. . . Nó s, b ra sile iro s, se ntimo s sa ud a d e d e c e rta s c o mid a s e</p><p>p o d e ría mo s p e rfe ita me nte d ize r: d ize -me o q ue c o me s e d ir-te -e i</p><p>q ue m é s!</p><p>Ma s há c o mid a e c o mid a s. Fa la mo s q ue “ mulhe r o fe re c id a nã o</p><p>é c o mid a ” , num tro c a d ilho c hulo ma s re ve la d o r d a a sso c ia ç ã o ,</p><p>intrig a nte p a ra e stra ng e iro s, e ntre o a to se xua l e o a to d e ing e rir</p><p>a lime nto s. Entre a mulhe r d a rua , a p ro stituta , o u a mulhe r q ue</p><p>c o ntro la e é d o na d e sua c a p a c id a d e d e se d uç ã o e se xua lid a d e , e</p><p>c e rto s tip o s d e a lime nto . Assim, a mulhe r q ue p õ e à d isp o siç ã o d o</p><p>g rup o (d a fa mília ) se us se rviç o s d o mé stic o s, se us fa vo re s se xua is e sua</p><p>c a p a c id a d e re p ro d utiva to rna -se a fo nte d e virtud e q ue , na</p><p>so c ie d a d e b ra sile ira , se d e fine d e mo d o p a sto ra l e sa ntific a d o . É a</p><p>virg e m, a e sp o sa e a mã e q ue re sid e na s c a sa s e q ue ja ma is é c o mid a</p><p>o u p o d e rá vira r c o mid a : p re sa fá c il d e ho me ns q ue se d e fine m c o mo</p><p>se xua lme nte vo ra ze s. O u me lho r, ta is mulhe re s p o d e m se r c o mid a s,</p><p>ma s p rime iro sã o tra nsfo rma d a s e m no iva s e e sp o sa s. O b o lo d o</p><p>c a sa me nto e o b a nq ue te q ue se g ue a c e rimô nia p o d e m muito b e m</p><p>se r visto s c o mo um símb o lo d e ssa “ c o mid a ” q ue se rá a no iva , a lg o</p><p>e la b o ra d o e , so b re tud o , so c ia lme nte a p ro va d o p e lo s ho me ns d o se u</p><p>g rup o . O ra , a mulhe r d a rua , e ssa q ue é a c o mid a d e to d o s, é a lg o</p><p>muito d ife re nte , c o nfo rme já a ssina le i a c ima . Em c o ntra ste c o m a</p><p>mã e , a virg e m e a b o a e sp o sa , e la surg e c o mo a q ue la mulhe r q ue</p><p>p o d e lite ra lme nte c a usa r ind ig e stã o no s ho me ns, p ro vo c a nd o a sua</p><p>p e rturb a ç ã o mo ra l. De ssa s mulhe re s d e ve -se fug ir — d iz a mo ra l</p><p>b ra sile ira tra d ic io na l — ma s se m e la s, re za p a ra d o xa lme nte e ssa</p><p>me sma é tic a , o mund o se ria inso sso c o mo uma c o mid a se m sa l. As</p><p>mulhe re s d a vid a , na no b re me tá fo ra b ra sile ira , e stã o p a ra a s</p><p>mulhe re s d a m o rte a ssim c o m o a s c o mid a s fá c e is e p o te nc ia lme nte</p><p>ind ig e sta s, ma s d e lic io sa s na sua ing e stã o e sc o nd id a e a p a ixo na d a ,</p><p>e sta ria m p a ra a s c o mid a s c a se ira s q ue e ve ntua lme nte p o d e m p e rd e r</p><p>a c a p a c id a d e d e d e le ita r, se rvind o tã o -so me nte p a ra a lime nta r...</p><p>O fa to é q ue a s c o mid a s se a sso c ia m à se xua lid a d e , d e ta l mo d o</p><p>q ue o a to se xua l p o d e se r tra d uzid o c o mo um a to d e “ c o me r” ,</p><p>a b a rc a r, e ng lo b a r, ing e rir o u c irc unsc re ve r to ta lme nte a q uilo q ue é</p><p>(o u fo i) c o mid o . A c o mid a , c o mo a mulhe r (o u o ho me m, e m c e rta s</p><p>situa ç õ e s), d e sa p a re c e d e ntro d o c o me d o r — o u d o c o milã o . Essa é a</p><p>b a se d a me tá fo ra p a ra o se xo , ind ic a nd o q ue o c o mid o é to ta lme nte</p><p>a b ra ç a d o p e lo c o m e d o r. A re la ç ã o se xua l e o a to d e c o m e r,</p><p>p o rta nto , a p ro xima m-se num se ntid o ta l q ue ind ic a d e q ue mo d o</p><p>nó s, b ra sile iro s, c o nc e b e mo s a se xua lid a d e e a ve mo s, nã o c o mo um</p><p>e nc o ntro d e o p o sto s e ig ua is (o ho me m e a mulhe r q ue se ria m</p><p>ind ivíd uo s d o no s d e si me smo s), ma s c o mo um mo d o d e re so lve r e ssa</p><p>ig ua ld a d e p e la a b so rç ã o , simb o lic a me nte c o nse ntid a e m te rmo s</p><p>so c ia is, d e um p e lo o utro . Assim, a re la ç ã o se xua l, na c o nc e p ç ã o</p><p>b ra sile ira , c o lo c a a d ife re nç a e a ra d ic a l he te ro g e ne id a d e , p a ra lo g o</p><p>e m se g uid a hie ra rq uizá -la s no e ng lo b a me nto d e um c o me d o r e um</p><p>c o mid o . E nã o se p o d e d e ixa r d e o b se rva r, p a ra q ue m e stive r le nd o</p><p>e sta s linha s um ta nto d e sa visa d o , q ue o e ng lo b a d o r ta nto p o d e se r</p><p>um ho me m (e sse se ria o mo d e lo id e a l, a fo rmula ç ã o tra d ic io na l)</p><p>c o mo ta mb é m uma mulhe r (se fo r e la q ue m a tua b usc a nd o e</p><p>q ue re nd o a re la ç ã o , e xe rc e nd o c o m isso um p a p e l a tivo ). Assim,</p><p>p o d e -se d ize r q ue , na s sua s re la ç õ e s c o m a s virg e ns e e sp o sa s — o u</p><p>mulhe re s q ue a ssim se d e fine m so c ia lme nte —, o s ho me ns é q ue sã o o s</p><p>c o me d o re s; ma s na s sua s re la ç õ e s c o m a s mulhe re s d o mund o e d a</p><p>vid a — o u c o m a q ue la s q ue se d e fine m c o mo ind e p e nd e nte s e</p><p>ind ivid ua liza d a me nte —, e le s sã o c o mid o s. O re sulta d o é a lg o q ue</p><p>re p ro d uz, e m o utro níve l e o utro p la no , a d ia lé tic a d a c a sa e d a rua ,</p><p>d e ste mund o e d o o utro , d a le i e d a p e sso a , d o ma la nd ro e d o</p><p>c a xia s, d a o rd e m ríg id a e d o “ je itinho ” q ue tud o re so lve ...</p><p>Num se ntid o muito g e ra l e c ultura lme nte va lo riza d o , fa la -se</p><p>se mp re q ue q ue m c o me é o ho me m, a mulhe r c o zinha e d á o s</p><p>a lime nto s e a c o mid a . Ma s, c o mo sug e ri linha s a trá s, p o d e ha ve r</p><p>c a so s c o ntrá rio s, o nd e o ho me m c a i na p a ne la d e c o mid a , ta l c o mo</p><p>na histó ria d e Do m Ra tã o q ue c a iu na p a ne la d e fe ijã o , o c o nto d e</p><p>fa d a s se nd o sig nific a tivo p a ra ind ic a r d e q ue mo d o a g ula (o d e se jo</p><p>inc o ntro la d o ) p o d e le va r o c o me d o r a to rna r-se c o mid a ... Ma s p o d e -</p><p>se a firma r, se m c o rre r o risc o d o e xa g e ro , q ue me smo ho je , ne sta e ra</p><p>d e tra nsfo rma ç ã o e m ud a nç a s rá p id a s, o ho me m é o e ng lo b a d o r</p><p>d o mund o d a rua , d o me rc a d o , d o tra b a lho , d a p o lític a e d a s le is, a o</p><p>p a sso q ue a mulhe r e ng lo b a o mund o d a c a sa , d a fa mília , d a s re g ra s</p><p>e c o stume s re la tivo s à me sa e à ho sp ita lid a d e . E isso se fa z no</p><p>simb o lismo d a c o zinha , e sp a ç o d a c a sa te o ric a me nte ve d a d o a o s</p><p>ho me ns e o nd e e le s nã o d e ve m e ntra r p o rq ue , c o mo d iz a músic a</p><p>p o p ula r, “ é lug a r só d e mulhe r...” .</p><p>Nã o é , p o is, p o r a c a so q ue muita s fig ura s d e no sso p a nte ã o</p><p>mito ló g ic o sã o mulhe re s c o zinhe ira s o u q ue sa b ia m usa r a s a rte s d a</p><p>c uliná ria p a ra c o nse g uir uma p o siç ã o so c ia l imp o rta nte . G a b rie la e</p><p>Do na Flo r sã o c o zinhe ira s d e ra ra c a p a c id a d e e e stilo ; ta mb é m Xic a</p><p>d a Silva , na c ria ç ã o c ine ma to g rá fic a d e C a c á Die g ue s, fo i g e nia l</p><p>a rtic ula d o ra d e te mp e ro s (q ue usa va c o mo a rma e re q uinte ) e</p><p>se xua lid a d e p a ra tra nsfo rma r e m d o mina d o o d o mina nte -b ra nc o -</p><p>c o me d o r. G a b rie la , c ra vo e c a ne la . O no me é sufic ie nte p a ra insp ira r</p><p>e ssa s fo rma s d e fa ze r e e sse s e stilo s d e p re p a ra r q ue o s p o d e ro so s</p><p>ig no ra m e só o s “ fra c o s” p o d e m c o nhe c e r. Sã o se g re d o s q ue</p><p>p e rm ite m uma inve rsã o d o mund o , fa ze nd o c o m q ue a c a b e ç a se ja</p><p>tro c a d a p e lo e stô ma g o e p e lo se xo (o nd e to d o s o s ho me ns se</p><p>ig ua la m e se d e le ita m.. . ) .</p><p>Q ue ro sug e rir q ue e ssa e q ua ç ã o d e d o is p ro c e sso s tã o</p><p>va lo riza d o s na so c ie d a d e b ra sile ira c o m a s mulhe re s é a lg o a se r</p><p>p e nsa d o c o m muito c uid a d o . Po rq ue , e ntre nó s, c o mo e m muita s</p><p>o utra s so c ie d a d e s, a se xua lid a d e e a a rte d e c o me r (so b re tud o a</p><p>c o me nsa lid a d e q ue d e ve a c o mp a nha r a a ç ã o d e ing e rir o a lime nto )</p><p>a ind a nã o se tra nsfo rma ra m e m a ssunto s inte ira me nte ind ivid ua is.</p><p>Sã o , ao c o ntrá rio , c o isa s fund a me nta lme nte c o le tiva s — a to s c rític o s</p><p>d e re la c io na me nto e re p ro d uç ã o so c ia l. C o mo ve rd a d e ira s</p><p>c o munhõ e s o nd e o e nc o ntro tra nsfo rma a s p e sso a s ne le e ng a ja d a s</p><p>p o rq ue</p><p>fa z c o m q ue to d o s p a rtic ip e m d e uma me sma sub stâ nc ia</p><p>c o mum, o p ra to c o mid o o u a p e sso a a ma d a q ue , sa b e mo s, vira</p><p>“ c o mid a ” e m no ssa so c ie d a d e . E a s mulhe re s d e se mp e nha m,</p><p>c o nfo rme sa b e mo s, um p a p e l b á sic o ne sse s d o is p ro c e sso s.</p><p>So b re tud o na s no b re s a rte s d e c o me r, na s q ua is a p re nd e mo s a</p><p>e xe rc e r um g o sto q ue no s va i a c o mp a nha r o re sto d a vid a . E c o me r é</p><p>g o sta r, e c o me r é ta mb é m vive r...</p><p>Da í a no ssa fo rma e sp e c ia l d e c o me r. No sso je ito b ra sile iro d e</p><p>a p re c ia r a me sa g ra nd e , fa rta , a le g re e ha rmo nio sa . Me sa q ue</p><p>c o ng re g a lib e rd a d e , re sp e ito e sa tisfa ç ã o . Mo me nto q ue p e rmite</p><p>o rq ue stra r to d a s a s d ife re nç a s e c a nc e la r a s ma is d rá stic a s o p o siç õ e s.</p><p>Na me sa , re a lme nte , e a tra vé s d a c o mid a c o mum, c o mung a mo s uns</p><p>c o m o s o utro s num a to fe stivo e c e rta me nte sa g ra d o . Ato q ue</p><p>c e le b ra a s no ssa s re la ç õ e s ma is q ue no ssa s ind ivid ua lid a d e s. Da í p o r</p><p>q ue lig a mo s inte nsa me nte a c o mid a c o m o s a mig o s. Po is q ue m no s</p><p>a mp a ra q ua nd o “ c o me mo s d a b a nd a p o d re ” e q ue m no s p o d e</p><p>c o nse g uir uma “ b o c a ” o u uma “ c o mila nç a no Esta d o o u no</p><p>G o ve rno ” ? C e rta me nte q ue sã o o s a mig o s, e sse s no sso s e te rno s</p><p>c o mp a nhe iro s d e b ró d io , g o sto e me sa ...</p><p>C o mp a nhe iro s. O no me é ric o p a ra o q ue fa la mo s. Po is há q ue m</p><p>d ig a q ue a p a la vra d e riva d o la tim c o m pão : q ue r d ize r, a q ue le s q ue</p><p>junto s c o me m o p ã o . E p o r isso e stã o re la c io na do s.</p><p>Do me smo mo d o , se rá p re c iso ind ic a r c o mo é q ue nó s,</p><p>b ra sile iro s, se mp re p rivile g ia mo s c o mid a s na c io na is e p re fe rimo s</p><p>se mp re o s a lime nto s c o zid o s. Do c o zid o à p e ixa d a e à fe ijo a d a . Da</p><p>fa ro fa a o p irã o e a o s mo lho s, g uisa d o s e me xid o s, à s d o b ra d inha s e</p><p>p a p a s. Pa re c e q ue te mo s e sp e c ia l p re d ile ç ã o p e lo a lime nto q ue fic a</p><p>e ntre o líq uid o e só lid o , e vita nd o — ne ssa s g ra nd e s re fe iç õ e s o nd e se</p><p>c e le b ra m a s a miza d e s . — o a ssa d o , a lim e nto q ue nã o p e rm ite a</p><p>m istura . Da í, ta mb é m, p o r q ue te mo s se mp re q ue usa r a fa rinha d e</p><p>ma nd io c a e m sua fo rma simp le s o u c o mo fa ro fa e m to d a s a s</p><p>re fe iç õ e s. De fa to , a fa rinha se rve c o mo o c ime nto a lig a r to d o s o s</p><p>p ra to s e to d a s a s c o mid a s. Enq ua nto ing le se s e fra nc e se s usa m mo lho s</p><p>p a ra p ra to s e sp e c ífic o s, nó s te mo s c o mid a s q ue sã o múltip la s c o m</p><p>se us c a ld o s, mo lho s e suc o s. Ma s é imp o rta nte a c e ntua r q ue a c o mid a</p><p>mistura d a é uma e sp é c ie d e ima g e m p e rfe ita d a p ró p ria situa ç ã o</p><p>q ue e la me sma e ng e nd ra e a jud a a sa b o re a r. E isso é d e sse s tra ç o s</p><p>ma is imp o rta nte s a tra nsfo rma r o ato d e c o me r num g e sto b ra sile iro .</p><p>Assim, e ntre o só lid o (q ue c a ra c te riza o p ra to p rinc ip a l d a s</p><p>c o mid a s e uro p é ia s e a me ric a na s) e o líq uid o , p re fe rimo s uma fo rma</p><p>inte rme d iá ria . O c o zid o é só lid o e líq uid o . Entre a c a rne e a ve rd ura —</p><p>q ue e ntra m no s p ra to s e uro p e us c o mo c o mid a s p rinc ip a is e</p><p>se c und á ria s —, so mo s muito ma is d a d o s a uma lig a ç ã o e ntre o s d o is. E</p><p>o c o zid o e a fe ijo a d a c e rta me nte re a liza m isso d e mo d o p e rfe ito ,</p><p>junto c o m a mo q ue c a e a p e ixa d a , o nd e ta mb é m se p o d e re unir d e</p><p>tud o . É c la ro q ue isso no s fo i le g a d o p e lo mund o Ib é ric o , q ue d e fa to</p><p>e nq ua d ra to d a a no ssa c e na c uliná ria . Ma s ta mb é m é c laro q ue e ssa</p><p>p re fe rê nc ia d e no ta uma fo rma e vid e nte d e e sc o lha . Ta l c o mo so mo s</p><p>lig a d o s à id é ia d e se rmo s um p a ís d e trê s ra ç a s, um p a ís me stiç o e</p><p>mula to , o nd e tud o q ue é c o ntrá rio lá fo ra a q ui d e ntro fic a</p><p>c o mb ina d o , no ssa c o mid a re ve la e ssa me sma ló g ic a . Te mo s, e ntã o ,</p><p>uma c ulinária re lac io nal q ue e xp re ssa d e mo d o p rivile g ia d o uma</p><p>so c ie d a d e ig ua lme nte re la c io na l. Isto é , um siste ma o nd e a s re la ç õ e s</p><p>sã o ma is q ue me ro re sulta d o d e a ç õ e s, d e se jo s e e nc o ntro s</p><p>ind ivid ua is; p o is a q ui e ntre nó s e la s se c o nstitue m, e m muita s o c a siõ e s,</p><p>e m ve rd a d e iro s suje ito s d a s situa ç õ e s, tra ze nd o p a ra e la s o se u</p><p>p o nto d e vista . Um p o nto d e vista , c la ro e stá , q ue sinte tiza se mp re</p><p>a s p o siç õ e s d e q ue m e stá e ng a ja d o na p ró p ria re la ç ã o . No no sso</p><p>mund o c uliná rio , o q ue p rivile g ia mo s nã o é o p ra to se p a ra d o (c o mo</p><p>na C hina o u no Ja p ã o ) ne m a c o mb ina ç ã o d e p ra to s se p a ra d o s q ue</p><p>sã o fo rte s e d e sc o ntínuo s (c o mo na Fra nç a e na Ing la te rra ), ma s, isto</p><p>sim, a p o ssib ilid a d e d e e sta b e le c e r, ta mb é m p e la c o mid a , g ra d a ç õ e s</p><p>e hie ra rq uia s, p e rmitind o e sc o lha s e ntre uma c o mid a (o u p ra to ) q ue é</p><p>c e ntra l e d a d a d e uma ve z p o r to d a s — a c o mid a p rinc ip a l — e se us</p><p>c o a d juva nte s o u ing re d ie nte s p e rifé ric o s, q ue se rve m p a ra junta r e</p><p>mistura r. Te mo s, e ntã o , na no ssa c o zinha , na no ssa c o mid a e no no sso</p><p>mo d o d e c o me r, uma o b se ssã o p e lo c ó d ig o c uliná rio re la c io na l e</p><p>inte rme d iá rio . Um c ó d ig o ma rc a d o p e la lig a ç ã o .</p><p>Do me smo mo d o q ue na vid a e na so c ie d a d e , so mo s</p><p>o b c e c a d o s p e lo a mig o únic o , c e rto e se g uro na s ho ra s e m q ue</p><p>p re c isa mo s d e a mp a ro , e q ue ja ma is no s p o d e d e c e p c io na r</p><p>“ c usp ind o no p ra to e m q ue c o me u” . . .</p><p>O carnaval, ou o mundo</p><p>como teatro e prazer</p><p>To d a s a s so c ie d a d e s a lte rna m sua s vid a s e ntre ro tina s e rito s,</p><p>tra b a lho e fe sta , c o rp o e a lma , c o isa s d o s ho me ns e a ssunto d o s</p><p>d e use s, p e río d o s o rd iná rio s — o nd e a vid a tra nsc o rre se m p ro b le ma s</p><p>— e a s fe sta s, o s ritua is, a s c o me mo ra ç õ e s, o s mila g re s e a s o c a siõ e s</p><p>e xtra o rd iná ria s, o nd e tud o p o d e se r ilumina d o e visto p o r no vo p risma ,</p><p>p o siç ã o , p e rsp e c tiva , â ng ulo ...</p><p>Vive mo s se mp re e ntre e sse s mo me nto s, c o mo p a ssa g e iro s q ue</p><p>e stã o sa ind o d e um e ve nto ro tine iro p a ra a o c o rrê nc ia fo ra d o</p><p>c o mum q ue , p o r sua ve z, lo g o p o d e to rna r-se no va me nte ro tine ira e</p><p>fa ze r p a rte d a p a isa g e m d o no sso irre fle xivo c o tid ia no .</p><p>A via g e m d a ro tina p a ra o e xtra o rd iná rio , p o ré m, d e p e nd e d e</p><p>uma sé rie d e fa to re s. Ela p o d e va ria r d e so c ie d a d e p a ra so c ie d a d e e</p><p>p o d e se r re a liza d a ta nto c o le tiva q ua nto ind ivid ua lme nte . No ssa</p><p>b io g ra fia se fa z p re c isa me nte p e la a lte rnâ nc ia d e situa ç õ e s q ue fo ra m</p><p>e sq ue c id a s c o m situa ç õ e s q ue “ g ua rd a mo s” c o mo te so uro s o u</p><p>c ic a trize s e m no ssa c a b e ç a e q ue fo rm a m o q ue d e no m ina m o s</p><p>“ m e m ó ria ” . De fa</p><p>to , ta l id é ia tra d uz, d e m a ne ira m uito p re c isa ,</p><p>e ssa ve rd a d e ira d ia lé tic a e ntre o q ue é le mb ra d o c o m saudade</p><p>c o mo ma ra vilho so , fo rmid á ve l o u p o é tic o , a o la d o d e tud o q ue fo i</p><p>vivid o c o mo d o lo ro so , trá g ic o e ruim (a q uilo q ue na no ssa e xistê nc ia</p><p>e ntra c o mo e xtra o rd iná rio , p o sitiva o u ne g a tiva me nte va lo riza d o ), e</p><p>o s o utro s e ve nto s q ue simp le sme nte nã o sã o le mb ra d o s, p e rd e nd o -se</p><p>na s so mb ra s d o p a ssa d o e d o te mp o vivid o e ja ma is re c up e ra d o . Há ,</p><p>p o is, um te mp o le mb ra d o , q ue vira me mó ria e sa ud a d e ; e um te mp o</p><p>simp le sme nte vivid o , q ue se va i e mo rre na d istâ nc ia d o p a ssa d o .</p><p>As so c ie d a d e s e o s g rup o s fa ze m c o isa s p a re c id a s. E a me m ó ria</p><p>so c ia l (isso q ue vulg a rme nte se c ha ma “ tra d iç ã o ” o u “ c ultura ” ),</p><p>q ue é se mp re fe ita d e uma histó ria c o m H ma iúsc ulo , é ta mb é m</p><p>ma rc a d a p o r me io d e sse s mo me nto s q ue p e rmite m a lte rnâ nc ia s</p><p>c e rta s e ntre o q ue fo i c o nc e b id o e vivid o c o mo ro tine iro e ha b itua l e</p><p>tud o a q uilo q ue fo i vive nc ia d o c o mo c rise , a c id e nte , fe sta o u</p><p>mila g re . Po is o ho me m é o únic o a nima l q ue se c o nstró i p e la</p><p>le mb ra nç a , p e la re c o rd a ç ã o e p e la “ sa ud a d e ” , e se “ d e sc o nstró i”</p><p>p e lo e sq ue c ime nto e p e lo mo d o a tivo c o m q ue c o nse g ue d e ixa r d e</p><p>le mb ra r.</p><p>No Bra sil, c o mo e m muita s o utra s so c ie d a d e s, o ro tine iro é</p><p>se mp re e q ua c io na d o a o tra b a lho o u a tud o a q uilo q ue re me te a</p><p>o b rig a ç õ e s e c a stig o s... a tud o q ue se é o b rig a d o a re a liza r; a o p a sso</p><p>q ue o e xtra -o rdinário , c o mo o p ró p rio no me ind ic a , e vo c a tud o q ue</p><p>é fo ra d o c o mum e , e xa ta me nte p o r isso , p o d e se r inve nta d o e</p><p>c ria d o p o r me io d e a rtifíc io s e me c a nismo s. C a d a um d e sse s la d o s</p><p>p e rmite “ e sq ue c e r” o o utro , c o mo a s d ua s fa c e s d e uma me sma</p><p>mo e d a . E, no e nta nto , o s d o is fa ze m p a rte e c o nstitue m e xp re ssõ e s</p><p>o u re fle xõ e s d e uma me sma to ta lid a d e , uma me sma c o isa . O u</p><p>me lho r: ta nto a fe sta q ua nto a ro tina sã o mo d o s q ue a so c ie d a d e</p><p>te m d e e xp rimir-se , d e a tua liza r-se c o nc re ta me nte , d e ixa nd o ve r a</p><p>sua “ a lm a ” o u o se u c o ra ç ã o . Na no ssa so c ie d a d e , te m o s g ra nd e</p><p>c o nsc iê nc ia d e ssa a lte rnâ nc ia , d e ta l mo d o q ue a vid a , p a ra a</p><p>ma io ria d e nó s, se d e fine se mp re p e la o sc ila ç ã o e ntre ro tina s e fe sta s,</p><p>tra b a lho e fe ria d o , d e sp re o c up a ç õ e s e “ c ha te a ç õ e s” , d ia s fe lize s e</p><p>mo me nto s d o lo ro so s, vid a e mo rte , o s d ia s d e “ d ure za ” e “ tra b a lho</p><p>d uro ” d o mund o “ re a l” e o s d ia s d e a le g ria e fa nta sia d e sse “ o utro</p><p>la d o d a vid a ” c o nstituíd o p e la fe sta , p e lo fe ria d o e p e la a usê nc ia d e</p><p>tra b a lho p a ra o o utro (o p a trã o , o G o ve rno , o c he fe , o d o no d o</p><p>ne g ó c io e tc ). Re a lme nte , na fe sta , c o me mo s, rimo s e vive mo s o mito</p><p>o u uto p ia d a a usê nc ia d e hie ra rq uia , p o d e r, d inhe iro e e sfo rç o físic o .</p><p>Aq ui, to d o s se ha rmo niza m p o r me io d e c o nve rsa s a me na s e , na</p><p>c o nstruç ã o d a fe sta , a músic a q ue c o ng re g a e ig ua la no se u ritmo e</p><p>na sua me lo d ia é a lg o a b so luta me nte fund a me nta l no c a so b ra sile iro .</p><p>No tra b a lho , p o ré m, e sta mo s ma rte la nd o e c o nstruind o , b a te nd o</p><p>ma ssa o u “ b a te nd o p e rna ” p a ra a c o mp a nhia , p a ra a fa mília , p a ra</p><p>a mulhe r e o s filho s, “ p a ra a ho nra d a firma ” o u d e a lg uma c o isa q ue</p><p>e fe tiva me nte e xig e o no sso sa c rifíc io . Pa ra nó s, b ra sile iro s, a fe sta é</p><p>sinô nimo d e a le g ria , o tra b a lho é e ufe mismo d e c a stig o , d ure za , suo r.</p><p>O tra b a lho se mp re ind ic a a id é ia (o u id e a l) d a c o nstruç ã o d o</p><p>ho me m p e lo ho me m. Um c o ntro le d a vid a e d o mund o p e la</p><p>so c ie d a d e . To d a s a s ro tina s p ro d utiva s, so b re tud o na s so c ie d a d e s</p><p>p ro te sta nte s e p le na me nte ind ustria liza d a s, sã o ma rc a d a s p e la</p><p>p re visã o e p e la ra c io na lid a d e . Há um mínimo d e inte rfe rê nc ia d e</p><p>fa to re s inte rno s (a s e mo ç õ e s d e q ue m tra b a lha sã o inte ira me nte</p><p>c o ntro la d a s) e e xte rno s (o te mp o e o e sp a ç o sã o ig ua lme nte</p><p>ma p e a d o s c o m g ra nd e p re c isã o , d e mo d o q ue o lo c a l d e tra b a lho</p><p>fic a lo ng e d a c a sa . É a lg o p ro d uzid o p a ra o p ró p rio tra b a lho , c o mo</p><p>uma fá b ric a o u usina ...).</p><p>Até me smo no c a so d a p ro d uç ã o a g ríc o la , o c o rre e ssa</p><p>d ia g ra ma ç ã o , d e mo d o q ue a te nta tiva é se mp re d e c ria r uma</p><p>se q üê nc ia o nd e o c o ntro le é to ta l. Nã o d e ve ha ve r surp re sa s, nã o</p><p>d e ve ha ve r a c id e nte s, nã o d e ve ha ve r c o isa a lg uma d e</p><p>e xtra o rd iná rio , e xc e to , o b via me nte , o a ume nto d a p ro d uç ã o .</p><p>Q ua nd o o c o rre a lg o q ue nã o d ig a re sp e ito a e sse fa to r, e ntã o fo i</p><p>p o rq ue um a c id e nte o c o rre u. E o s a c id e nte s a q ui sã o me d id o s e</p><p>e stud a d o s d e ntro d a id e o lo g ia d e se g ura nç a e c o ntro le q ue p re sid e</p><p>a to d o triunfo d a e c o no mia no no sso siste ma . De fa to , d e ntro d e ssa</p><p>p e rsp e c tiva , p o d e -se a té me smo d ize r q ue o g ra nd e a c id e nte q ue</p><p>ho je a ting e uma fá b ric a é a g re ve ; o u se ja , o e xtra o rd iná rio c ria d o</p><p>p o r um d o s fa to re s d e p ro d uç ã o , a fo rç a d e tra b a lho ...</p><p>Na so c ie d a d e ind ustria l, a a usê nc ia d e mo vime nto é sinto ma d e</p><p>ma l-e sta r so c ia l. O a c id e nte — a q uilo q ue nã o fo i p la ne ja d o o u</p><p>p re visto — é ta mb é m sina l d e q ue a lg o e stá ind o ma l. Ap e sa r d e</p><p>to d a s a s me d id a s c o ntra o e xtra -o rd iná rio , c o ntra o a c id e nte e</p><p>c o ntra a c o inc id ê nc ia ne g a tiva , p o ré m sa b e mo s q ue e la a c o nte c e . A</p><p>p a la vra c atástro fe , q ue ta nto usa mo s p a ra d e finir ta is situa ç õ e s,</p><p>sig nific a p re c isa me nte “ re vira vo lta ” , d e mo d o q ue é p e rfe ita p a ra</p><p>e sse s c a so s. Aq ui, c o nfo rm e e sta m o s p e rc e b e nd o , e sta m o s d ia nte</p><p>d e e xtra o rdinário s nã o -p la ne ja d o s e nã o -p re visto s p e la so c ie d a d e .</p><p>Esc a p a nd o d o se u c o ntro le c o nsc ie nte , e sse s e ve nto s surg e m c o mo</p><p>tra g é d ia s q ue no s a ting e m, c o mo c a tá stro fe s q ue c o lo c a m e m c a usa</p><p>no ssa c a p a c id a d e d e o rg a niza ç ã o e no ssa p o ssib ilid a d e d e</p><p>so b re vivê nc ia c o mo c o le tivid a d e . Fura c õ e s, te mp e sta d e s, e nc he nte s,</p><p>te rre mo to s, p e ste s, inund a ç õ e s e c o isa s d o g ê ne ro sã o situa ç õ e s fo ra</p><p>d a ro tina , ma s sã o situa ç õ e s nã o -p la ne ja d a s. Q ua nd o o mund o é</p><p>vivid o d e sse mo d o , e le d e ixa d e fa ze r o se ntid o c o mum, d a nd o a</p><p>imp re ssã o d e q ue e stá no fim. É a re vira vo lta d o Dia d o Juízo ,</p><p>p o d e mo s p e nsa r. Ma s é p re c iso</p><p>a c e ntua r q ue ta is situa ç õ e s ta mb é m</p><p>p ro mo ve m o e nc o ntro e a so lid a rie d a d e e ntre o s ho me ns. De fa to ,</p><p>d ia nte d a re vo lta ime nsa d a na ture za , to d o s p o d e m unir-se fo ra d e</p><p>sua s p o siç õ e s so c ia is e p o lític a s ro tine ira s e , a ssim fa ze nd o , p o d e m</p><p>e nc o ntra r-se c o mo irmã o s d e info rtúnio , o u se re s huma no s fa ze nd o</p><p>fa c e à tre me nd a ind ife re nç a d a na ture za e m re la ç ã o à so c ie d a d e , e</p><p>nã o ma is c o mo p a trõ e s e e mp re g a d o s, ric o s e p o b re s, ho me ns e</p><p>mulhe re s, o p rimid o s e o p re sso re s...</p><p>Ao la d o , p o ré m, d e sse s e xtra -o rdinário s q ue sã o a c id e nta is, q ue</p><p>ning ué m d e se jo u e q ue nã o fo ra m p la ne ja d o s p e la so c ie d a d e ,</p><p>e xiste m mo me nto s e sp e c ia is q ue o p ró p rio g rup o p la ne ja , c o nstró i,</p><p>inve nta e e sp e ra . Amb o s, é c la ro , c o nstro e m a me mó ria d a</p><p>so c ie d a d e , ma s sã o o s se g und o s q ue se rve m c o mo a s ve rd a d e ira s</p><p>ro up a g e ns p e la s q ua is a so c ie d a d e c ria e re c ria sua id e ntid a d e so c ia l</p><p>e sua s tra d iç õ e s. O mo me nto fo ra d o c o mum q ue é p la ne ja d o e te m</p><p>te mp o ma rc a d o p a ra a c o nte c e r, p o rta nto , é um e sp e lho m uito</p><p>im p o rta nte p e lo q ua l a so c ie d a d e se vê a si me sma e p o d e se r vista</p><p>p o r q ue m q ue r q ue d e se je c o nhe c ê -la .</p><p>To d o s o s siste ma s c o nstro e m sua s fe sta s d e muito s mo d o s. No</p><p>c a so d o Bra sil, a ma io r e ma is imp o rta nte , ma is livre e ma is c ria tiva ,</p><p>ma is irre ve re nte e ma is p o p ula r d e to d a s é , se m d úvid a , o c a rna va l.</p><p>Aliá s, ne ssa fe sta , a p ró p ria d e finiç ã o já p e rturb a , p o is e xc lui d e mo d o</p><p>siste má tic o to d o s o s e le me nto s q ue ne nhuma fe sta p o d e d isp e nsa r e</p><p>q ue sã o imp o rta nte s p a ra o se u p ró p rio d e se nro la r. Q ue ro re fe rir-me a</p><p>to d o s o s e le me nto s d e o rd e m, d e e c o no mia e p o lític a q ue o c a rna va l</p><p>c e rta me nte imp lic a — c o mo to d o e ve nto e sp e c ia l —, ma s q ue fic a m</p><p>ne c e ssa ria me nte e xc luíd o s d e sua d e finiç ã o . De fa to , c o nfo rme</p><p>sa b e mo s c o mo b ra sile iro s, o c a rna va l nã o p o d e se r sé rio . Se nã o nã o</p><p>se ria um c a rna va l...</p><p>Ma s c o m o d e finir o c a rna va l? Nã o se ria e xa g e ro d ize r, é um a</p><p>o c a siã o e m q ue a vid a d iá ria d e ixa d e se r o p e ra tiva e , p o r c a usa</p><p>d isso , um mo me nto e xtra o rd iná rio é inve nta d o . O u se ja : c o mo to d a</p><p>fe sta , o c a rna va l c ria uma situa ç ã o e m q ue c e rta s c o isa s sã o</p><p>p o ssíve is e o utra s d e ve m se r e vita d a s. Nã o p o sso re a liza r um c a rna va l</p><p>c o m triste za , d o me smo mo d o q ue nã o p o sso te r um fune ra l c o m</p><p>a le g ria . C e rta s o c a siõ e s so c ia is re q ue re m d e te rmina d o s se ntime nto s</p><p>p a ra q ue p o ssa m o c o rre r c o mo ta is. Tra g é d ia s sã o d e finid a s c o mo</p><p>e ve nto s triste s e tud o q ue ne la s o c o rre d e c ô mic o d e ve se r inib id o o u</p><p>simp le sme nte ig no ra d o . C a rna va is e c o mé d ia s, a o c o ntrá rio , sã o</p><p>e p isó d io s e m q ue o triste e o trá g ic o é q ue d e ve m se r b a nid o s d o</p><p>e ve nto , c o mo a s ro up a s d o re i q ue e sta va nu e nã o p o d ia se r visto</p><p>c o mo ta l...</p><p>Ma s c o mo é q ue o p o vo d e fine e vê o Bra sil no c a rna va l? Q ua l a</p><p>re c e ita p a ra o c a rna va l b ra sile iro ?</p><p>Sa b e mo s q ue o c a rna va l é d e finid o c o mo “ lib e rd a d e ” e c o mo</p><p>p o ssib ilid a d e d e vive r uma a usê nc ia fa nta sio sa e utó p ic a d e misé ria ,</p><p>tra b a lho , o b rig a ç õ e s, p e c a d o e d e ve re s. Numa p a la vra , tra ta -se d e</p><p>um mo me nto o nd e se p o d e d e ixa r d e vive r a vid a c o mo fa rd o e</p><p>c a stig o . É, no fund o , a o p o rtunid a d e d e fa ze r tud o a o c o ntrá rio :</p><p>vive r e te r uma e xp e riê nc ia d o mund o c o mo e xc e sso — ma s a g o ra</p><p>c o mo e xc e sso d e p ra ze r, d e riq ue za (o u d e “ luxo ” , c o mo se fa la no</p><p>Rio d e Ja ne iro ), d e a le g ria e d e riso ; d e p ra ze r se nsua l q ue fic a —</p><p>fina lme nte — a o a lc a nc e d e to d o s. A “ c a tá stro fe ” q ue o c a rna va l</p><p>b ra sile iro p o ssib ilita é a d a d istrib uiç ã o te ó ric a d o p ra ze r se nsua l p a ra</p><p>to d o s. Ta l c o mo o d e sa stre d istrib ui o ma le fíc io o u a infe lic id a d e p a ra</p><p>a so c ie d a d e , se m e sc o lhe r e ntre ric o s e p o b re s, c o mo a c o nte c e</p><p>no rma lme nte , o c a rna va l fa z o me smo , só q ue a o c o ntrá rio . O Re i</p><p>Mo mo , Dio nísio , o Re i d a Inve rsã o , d a Antie strutura e d o</p><p>De sre g ra me nto , c o lo c a a g o ra uma p o ssib ilid a d e c urio sa e , p o r isso</p><p>me smo , c a rna va le sc a e imp o ssíve l no mund o re a l d a s c o isa s sé ria s e</p><p>p la nific a d a s p e lo tra b a lho . E q ue e le sug e re um unive rso so c ia l o nd e a</p><p>re g ra é p ra tic a r siste ma tic a me nte to d o s o s e xc e sso s!</p><p>Entre nó s, b ra sile iro s, re a liza r isso é p o d e r d e sc o b rir q ue o</p><p>c a rna va l é p e rc e b id o c o m o a lg o q ue ve m d e fo ra , c o m o uma</p><p>o nd a irre sistíve l q ue no s d o mina , c o ntro la e , me lho r a ind a , se d uz</p><p>ina p e la ve lme nte . Alg o q ue c he g a a té nó s p e rio d ic a me nte se m q ue</p><p>ha ja p o ssib ilid a d e d e re sistir. É ta mb é m d e sc o b rir q ue , p o r c a usa d isso</p><p>me smo , to d o s sã o ig ua is — o u p o d e m se r ig ua is — p e ra nte o c a rna va l.</p><p>De sse mo d o , o c a rna va l, c o m sua s re g ra s d e inve rsã o , fic a c o mo q ue</p><p>d e slo c a d o d a re a lid a d e c o tid ia na , p o d e nd o se r vivid o c o mo a lg o d e</p><p>fo ra e , d a í, c o mo a lg o q ue surg e c o mo uma re g ra o u le i na tura l q ue</p><p>te ria va lid a d e p a ra to d o s, ind e p e nd e nte me nte d e sua p o siç ã o na</p><p>e strutura so c ia l. O u a p e sa r d e la ... O u p o r c a usa d e la ...</p><p>Ma s q ue é isso q ue o c a rna va l c o nse g ue fa ze r c o m o Bra sil? Q ue</p><p>e xtra o rd iná rio é e sse q ue c ha ma mo s c o le tiva me nte d e c a rna va l?</p><p>Pe nso q ue o c a rna va l é b a sic a me nte uma inve rsã o d o mund o .</p><p>Uma c a tá stro fe . Só q ue é uma re vira vo lta p o sitiva , e sp e ra d a ,</p><p>p la nific a d a e , p o r tud o isso , vista c o mo d e se ja d a e ne c e ssá ria e m</p><p>no sso mund o so c ia l. Ne le , c o nfo rme sa b e mo s, tro c a mo s a no ite p e lo</p><p>d ia ; o u, o q ue é a ind a ma is inve ro ssímil: fa ze mo s uma no ite e m p le no</p><p>d ia , sub stituind o o s mo vime nto s d a ro tina d iá ria p e la d a nç a e p e la s</p><p>ha rmo nia s d o s mo vime nto s c o le tivo s q ue d e sfila m num c o njunto</p><p>ritma d o , c o mo uma c o le tivid a d e ind e strutíve l e c o rp o rific a d a na</p><p>músic a e no c a nto . No c a rna va l, tro c a mo s o tra b a lho q ue c a stig a o</p><p>c o rp o (o ve lho tripa lium o u c a ng a ro ma na q ue sub jug a va e sc ra vo s)</p><p>p e lo uso d o c o rp o c o mo instrume nto d e b e le za e d e p ra ze r. No</p><p>tra b a lho , e stra g a mo s, sub me te mo s e g a sta mo s o c o rp o . No c a rna va l,</p><p>isso ta m b é m o c o rre , m a s d e m o d o inve rso . Aq ui, o c o rp o é g a sto</p><p>p e lo p ra ze r. Da í p o r q ue fa la mo s q ue “ no s e sb a ld a mo</p><p>s” o u</p><p>“ liq uid a mo s” no c a rna va l. Aq ui, usa mo s o c o rp o p a ra no s d a r o</p><p>má ximo d e p ra ze r e a le g ria ...</p><p>Pe la me sma ló g ic a , o c a rna va l p e rmite a tro c a e a sub stituiç ã o</p><p>d o s unifo rme s p e la s fa nta sia s. Sa b e mo s q ue o unifo rme (c o mo to d a s</p><p>a s ve ste s fo rma is d o mund o d iá rio ) c ria a o rd e m . O unifo rme é um a</p><p>ro up a q ue “ unifo rmiza ” , isto é , fa z c o m q ue to d o s fiq ue m ig ua is,</p><p>suje ito s a uma me sma o rd e na ç ã o o u p rinc íp io d e g o ve rno . Ma s a</p><p>fa nta sia p e rmite a inve nç ã o e a tro c a d e p o siç õ e s. No te -se q ue , no</p><p>Bra sil, nã o fa la mo s e m má sc a ra s, ma s e m fa nta sia s. O no sso te rmo é</p><p>ma is a b ra ng e nte e m p e lo me no s d o is se ntid o s muito p re c iso s. Prime iro ,</p><p>e le d iz ma is d o q ue a lg o q ue se rviria a p e na s p a ra ta p a r o u d isfa rç a r o</p><p>ro sto o u o na riz. De p o is, p o rq ue a p a la vra “ fa nta sia ” te m d up lo</p><p>se ntid o . É a lg o e m q ue se p o d e p e nsa r a c o rd a d o , o so nho q ue se</p><p>te m q ua nd o a ro tina ma is no s e sc ra viza e re vo lta ; e ta mb é m a ro up a</p><p>q ue só se usa no c a rna va l o u p a ra uma situa ç ã o c a rna va liza d o ra .</p><p>Assim, e la p e rmite q ue p o ssa mo s se r tud o o q ue q ue ría mo s, ma s q ue a</p><p>“ vid a ” nã o p e rmitiu. C o m e la — e ja ma is c o m o unifo rme —,</p><p>c o nse g uimo s uma e sp é c ie d e c o mp ro misso e ntre o q ue re a lme nte</p><p>so mo s e o q ue g o sta ría mo s d e se r. O unifo rme a c ha ta , o rd e na e</p><p>hie ra rq uiza . A fa nta sia lib e rta , de s-c o nstró i, a b re c a minho e p ro mo ve</p><p>a p a ssa g e m p a ra o utro s lug a re s e e sp a ç o s so c ia is. Ela p e rmite e</p><p>a jud a o livre trâ nsito d a s p e sso a s p o r d e ntro d e um e sp a ç o so c ia l q ue</p><p>o mund o c o tid ia no to rna p ro ib itivo c o m a s re p re ssõ e s d a hie ra rq uia e</p><p>d o s p re c o nc e ito s e sta b e le c id o s. Ê a fa nta sia q ue p e rmite p a ssa r d e</p><p>ning ué m a alg ué m; d e ma rg ina l d o m e rc a d o d e tra b a lho a fig ura</p><p>mito ló g ic a d e uma histó ria a b so luta me nte e sse nc ia l p a ra a c ria ç ã o</p><p>d o mo me nto má g ic o d o c a rna va l. Se no mund o d iá rio e sta mo s to d o s</p><p>limita d o s p e lo d inhe iro q ue se g a nha (o u nã o se g a nha ...) , p e la s le is</p><p>d a so c ie d a d e , d o me rc a d o , d a c a sa e d a fa mília , no c a rna va l e na</p><p>fa nta sia te mo s a p o ssib ilid a d e d o d isfa rc e e d a lib e ra ç ã o . Há a</p><p>p o ssib ilid a d e d e vira r o nip o te nte e se r tud o o q ue se te m vo nta d e .</p><p>O ra , é p re c isa me nte p o r e sta r vive nd o num mund o a ssim c o nstituíd o ,</p><p>o nd e a s re g ra s d o mund o d iá rio e stã o te mp o ra ria me nte d e c a b e ç a</p><p>p a ra b a ixo , q ue p o sso g a nha r e re a lme nte se ntir uma inc ríve l</p><p>se nsa ç ã o d e lib e rd a d e . Se nsa ç ã o d e lib e rd a d e q ue me p a re c e</p><p>fund a me nta l numa so c ie d a d e c uja ro tina é d o mina d a p e la s</p><p>hie ra rq uia s q ue suje ita m a to d o s a uma e sc a la c o mp le xa d e d ire ito s e</p><p>d e ve re s vind o s d e c ima p a ra b a ixo , d o s sup e rio re s p a ra o s infe rio re s,</p><p>d o s “ e le me nto s” q ue e ntra m na fila e d a s “ p e sso a s” q ue ja ma is sã o</p><p>vista s e m p úb lic o c o mo c o muns.</p><p>Re a lme nte , se no mund o d iá rio so mo s g o ve rna d o s p e lo d ita d o</p><p>e p e la ló g ic a so c ia l q ue d iz “ c a d a ma c a c o no se u g a lho ” e ta mb é m</p><p>“ um lug a r p ra c a d a c o isa , c a d a c o isa e m se u lug a r” , no c a rna va l</p><p>c ria mo s um c e ná rio e uma a tmo sfe ra so c ia l o nd e tud o isso p o d e se r</p><p>tro c a d o d e lug a r, inve rtid o e sub ve rtid o p e la s le is q ue c o ma nd a m o</p><p>re ina d o d e Mo mo . Nã o é p o r simp le s a c a so q ue c ha ma mo s o</p><p>c a rna va l e a c e na c a rna va le sc a d e “ lo uc ura ” ! O te rmo lo uc ura a q ui</p><p>surg e p o rq ue , no c a rna va l, tud o e sta ria fo ra d e lug a r —</p><p>c a rna va liza do , c o m o d iz Ba khtin, q ue intro d uziu e sse c o nc e ito no</p><p>e stud o d a s ma nife sta ç õ e s d o c a rna va l e uro p e u p a ra e xp rimir</p><p>inte le c tua lme nte sua s múltip la s vo ze s e te xto s. De fa to , no c a so d o</p><p>Bra sil, a nd a mo s p e la s rua s d o c e ntro c o me rc ia l d e no ssa s c id a d e s</p><p>c o m a ro up a q ue q ue re mo s e e m p le no d ia , se m a me no r</p><p>p re o c up a ç ã o d e se rmo s a tro p e la d o s o u visto s p o r no sso s p a trõ e s,</p><p>p a is o u a mig o s a risto c rá tic o s. Muito p e lo c o ntrá rio , a o se rmo s visto s,</p><p>e le s é q ue c o rre m o risc o d e se re m se d uzid o s p e la no ssa inve stid a</p><p>c a rna va le sc a . C o me mo s e b e b e mo s na s rua s, tro c a nd o a c a sa p e lo</p><p>mund o p úb lic o e a li re a liza nd o a ç õ e s q ue sã o b a nid a s d o mund o</p><p>so c ia l a b e rto . Do rmimo s no a sfa lto , e m p le na rua : lo c a l p e rig o so e</p><p>ma ld ito , c o m se u c o tid ia no c rue l e mo vime nta d o , ma s</p><p>e stra nha me nte p a c ífic o e se g uro no c a rna va l. Po d e mo s a té me smo</p><p>fa ze r a mo r c o m p ro te ç ã o o fic ia l e p o lic ia l, p o is G o ve rno e p o líc ia ,</p><p>q ue d ura nte to d o o a no no s c o b re m d e imp o sto s e c o mp o stura ,</p><p>a g o ra no s d e fe nd e m e c o mp re e nd e m c o m simp a tia o no sso d e se jo e</p><p>a no ssa huma nid a d e c a rna va le sc a , o u me lho r, p ro te g id a p e lo</p><p>c a rna va l. No c a rna va l nó s c a nta mo s e no s ha rmo niza mo s,</p><p>mo vime nta nd o no sso s c o rp o s e m ritmo s a c a sa la d o s, e m ve z d e</p><p>re c la ma r, d isc ursa r o u e sc re ve r. Aq ui, a me nsa g e m d e ixa d e se r</p><p>im p o rta nte e o q ue va le é ta m b é m o c a nto p e lo c a nto , a músic a</p><p>p e la músic a , a a le g ria p e la a le g ria . C o mo o s fo g o s d e a rtifíc io q ue</p><p>e xp lo d e m p a ra o d e le ite d o s o lho s, o d isc urso c a rna va le sc o e stá</p><p>ta mb é m a uto -re fe re nc ia d o . To d o s p o d e mo s, a ssim, vira r p o e ta s. Alé m</p><p>d isso , o c a rna va l o b rig a a uma g ra ve sinc e rid a d e . Nã o se p o d e</p><p>fre q üe nta r o c a rna va l se m vo nta d e . De fa to , p o sso ir a uma c e rimô nia</p><p>o fic ia l, c o mo uma fo rma tura , p o sse o u c a sa me nto , se m se ntir na d a ,</p><p>a té me smo a c ha nd o tud o a q uilo a b o rre c id o e ma ç a nte . Ma s nã o</p><p>p o sso fa ze r o me smo se vo u a um b a ile d e c a rna va l, o nd e c o rp o e</p><p>a lma d e ve m e sta r junto s e se re i p unid o se me mo stra r “ b e m-</p><p>c o mp o rta d o ” . No c a rna va l, nó s, b ra sile iro s, c a nta mo s e , g e ra lme nte ,</p><p>p o d e mo s fa ze r o q ue c a nta mo s, o q ue p e rmite q ue a s p e sso a s se</p><p>o lhe m e , sub ita me nte , se ve ja m e m sua unid a d e c o m o “ p e sso a s” e</p><p>e m sua d ive rsid a d e c o m o m e m b ro s d e uma c o munid a d e so c ia l e</p><p>p o litic a me nte d ife re nc ia d a . O d ive rso , o d ife re nte — o unive rso d a</p><p>ind ivid ua lid a d e —, q ue é tã o te mid o na vid a d iá ria , é mo e d a c o rre nte</p><p>no c a rna va l, o nd e to d o s p o d e m surg ir c o mo ind ivíd uo s e c o mo</p><p>sing ula rid a d e , e xe rc e nd o o d ire ito d e inte rp re ta r o mund o d o se u</p><p>“ je ito ” e a se u mo d o . Ig ua lme nte , a c rític a so c ia l, q ue p o d e d a r e m</p><p>p risã o e c e nsura</p><p>, é re a liza d a a b e rta me nte , ta nto q ua nto a</p><p>c o mp e tiç ã o , q ue to d o s te me m c o mo a lg o mo nstruo so , ma s é</p><p>ta mb é m a c e ita e m to d o s o s c a rna va is b ra sile iro s, fe ito s d e inúme ro s</p><p>c o nc urso s. De fa to , e ssa c o mp e tiç ã o é tã o a b e rta q ue há</p><p>c o mp e tiç ã o p a ra tud o : músic a s, fa nta sia s, ma io r c a p a c id a d e d e</p><p>e xib ir-se e , na tura lme nte , a d isp uta d o s b lo c o s e e sc o la s d e sa m b a ,</p><p>so b re tud o no c a so d o Rio d e Ja ne iro . Aq ui, o mund o fic a me smo d e</p><p>c a b e ç a p a ra b a ixo . Nã o so me nte p o rq ue a s “ e sc o la s” sã o d e g e nte</p><p>p o b re e q ue vive no s mo rro s e sub úrb io s d o Rio , zo na s q ue</p><p>c o ng re g a m a ma ssa d o s sub e mp re g a d o s lo c a is, ma s ta lve z p o r</p><p>e sta rmo s a q ui p a ra a ssistira um mo nume nta l c o nc urso p úb lic o , a uma</p><p>fa ntá stic a c o m p e tiç ã o o nd e ta nto o s jura d o s o fic ia is q ua nto o</p><p>p úb lic o e m g e ra l c o nhe c e m to d a s a s re g ra s e to d o s o s me io s d e</p><p>p e rd e r e ve nc e r. C o isa d o o utro mund o ? Alg o e xtra o rd iná rio ? C la ro</p><p>q ue sim. Numa so c ie d a d e q ue ja ma is vive a si me sma c o mo um jo g o</p><p>o u c o nc urso e m q ue a s p e sso a s p o d e m mud a r d e lug a r p e lo p ró p rio</p><p>d e se mp e nho , tud o isso é fo ra d o c o mum. Ba sta o b se rva r q ue nó s,</p><p>b ra sile iro s, so mo s um p o vo ma rc a d o e d ivid id o p e la s o rd e ns</p><p>tra d ic io na is: o no m e d e fa mília , o título d e d o uto r, a c o r d a p e le , o</p><p>b a irro o nd e mo ra mo s, o no me d o p a d rinho , a s re la ç õ e s p e sso a is, o</p><p>se r a mig o d o Re i, C he fe Po lític o o u Pre sid e nte . Tud o isso no s c la ssific a</p><p>so c ia lme nte d e mo d o irre me d iá ve l. Ja ma is utiliza mo s o c o nc urso</p><p>p úb lic o e a c o mp e tiç ã o c o mo a lg o no rma l e ntre nó s, d a í o tra b a lho</p><p>q ue é fa ze r uma e le iç ã o ho ne sta e d isp uta d a . Ela imp lic a , inc lusive ,</p><p>a lg o q ue e vita mo s: d a r o p iniõ e s e d isp uta r vo nta d e s, re ve la nd o</p><p>a b e rta me nte a s no ssa s ma is le g ítima s (e o c ulta s) d ife re nc ia ç õ e s</p><p>so c ia is. Ma s q ue c o isa mila g ro sa ! Ag o ra , e m p le na fe sta</p><p>c a rna va le sc a , p o d e mo s fina lme nte no s a b rir p a ra a s no ssa s a sp ira ç õ e s</p><p>e a sso c ia ç õ e s, re ve la nd o le g itima me nte o s no sso s d e se jo s e vo nta d e s.</p><p>É o q ue fa z e sse c o nc urso d e e sc o la s d e sa mb a q ue , sa b e mo s, só</p><p>p o d e se r g a nho no p é . Na b a se d o d e se mp e nho , d o é lan e d a</p><p>vo nta d e d e ve nc e r. Aq ui, o s a p a d rinha m e nto s sã o p o lic ia d o s e o</p><p>p o vo a g e c o mo ja ma is p o d e re a lme nte o p e ra r: c o mo juiz sup re mo</p><p>q ue c o nhe c e a s re g ra s d o jo g o e a s a p lic a c o m g a na e justiç a .</p><p>C a rna va l, p o is, é inve rsã o p o rq ue é c o mp e tiç ã o numa so c ie d a d e</p><p>ma rc a d a p e la hie ra rq uia . É mo vime nto numa so c ie d a d e q ue te m</p><p>ho rro r à mo b ilid a d e , so b re tud o à mo b ilid a d e q ue p e rmite tro c a r</p><p>e fe tiva me nte d e p o siç ã o so c ia l. É e xib iç ã o numa o rd e m so c ia l</p><p>ma rc a d a p e lo fa lso re c a to d e “ q ue m c o nhe c e o se u lug a r” — a lg o</p><p>se mp re usa d o p a ra o ma is fo rte c o ntro la r o ma is fra c o e m to d a s a s</p><p>situa ç õ e s. É fe minino num unive rso so c ia l e c o smo ló g ic o ma rc a d o</p><p>p e lo s ho me ns, q ue c o ntro la m tud o o q ue é e xte rno e juríd ic o , c o mo</p><p>o s ne g ó c io s, a re lig iã o o fic ia l e a p o lític a . Po r tud o isso , o c a rna va l é a</p><p>p o ssib ilid a d e utó p ic a d e mud a r d e lug a r, d e tro c a r d e p o siç ã o na</p><p>e strutura so c ia l. De re a lme nte inve rte r o mund o e m d ire ç ã o à a le g ria ,</p><p>à a b und â nc ia , à lib e rd a d e e , so b re tud o , à ig ua ld a d e d e to d o s</p><p>p e ra nte a so c ie d a d e . Pe na q ue tud o isso só sirva p a ra re ve la r o se u</p><p>justo e e xa to o p o sto ...</p><p>As festas da ordem</p><p>As fe sta s p e rmite m d e sc o b rir o sc ila ç õ e s e ntre uma visã o a le g re e</p><p>uma le itura so turna d a vid a . Pe rmite m ig ua lme nte inve nta r</p><p>te mp o ra lid a d e s d ife re nc ia d a s, p o is p ro mo ve m uma d ura ç ã o muito</p><p>rá p id a — c o m tud o p o d e nd o a c o nte c e r no mo me nto d a fe sta ,</p><p>c o mo é o c a so d o c a rna va l — o u muito le nta e p e sa d a , c o mo</p><p>a c o nte c e c o m q ua se to d o s o s ritua is d a o rd e m, o u fo rma lid a d e s.</p><p>To d a s a s fe sta s — o u o c a siõ e s e xtra o rd iná ria s — re c ria m e re sg a ta m o</p><p>te mp o , o e sp a ç o e a s re la ç õ e s so c ia is. Ne la s, a q uilo q ue p a ssa</p><p>d e sp e rc e b id o , o u ne m me smo é visto c o mo a lg o ma ra vilho so o u</p><p>d ig no d e re fle xã o , e stud o o u d e sp re zo no q uo tid ia no , é re ssa lta d o e</p><p>re a lç a d o , a lc a nç a nd o um p la no d istinto . Assim, é na fe sta q ue</p><p>to ma mo s c o nsc iê nc ia d e c o isa s g ra tific a nte s e d o lo ro sa s. Q ue nã o</p><p>p o d e mo s c o mp a re c e r p o rq ue nã o so mo s d a me sma c la sse so c ia l;</p><p>q ue nã o p o d e mo s d e se mp e nha r p a p e l imp o rta nte p o rq ue nã o so mo s</p><p>d a q ue la c o rp o ra ç ã o ; q ue so mo s b o ns d a nç a rino s e q ue va lsa mo s</p><p>c o m g ra ç a e le ve za , p o is na fe sta a lg ué m a ssim no s d isse ; q ue a q ue la</p><p>mo ç a é re a lme nte lind a p o rq ue a ssim se a p re se nto u no b a ile d e</p><p>fo rma tura ; q ue no sso a mig o é e xc e le nte o ra d o r p o rq ue fo i a fe sta</p><p>q ue o d e sta c o u c o mo ta l. C o mo se o b se rva , sã o inúme ra s a s</p><p>situa ç õ e s e m q ue a fe sta p ro mo ve a d e sc o b e rta d o ta le nto , d a</p><p>b e le za , d a c la sse so c ia l, d o p re c o nc e ito e d a a le g ria . Nã o se ria</p><p>p o ssíve l e sg o tá -la s. Ma s p o sso d isting uir, e a ssim d e vo p ro c e d e r, a s</p><p>fe sta s d a o rd e m d a q ue la s q ue p ro mo ve m a “ d e so rd e m” o u a o rg ia ,</p><p>q ue fic a no limite d o c rime e d a re vo lta .</p><p>Suste nto q ue , no c a so b ra sile iro , to d a s a s so le nid a d e s p e rmite m</p><p>lig a r a c a sa , a rua e o utro mund o . Só q ue c a d a uma d e la s fa z e ssa</p><p>lig a ç ã o d e mo d o e sp e c ífic o e a p a rtir d e p o siç õ e s d ife re nte s. O</p><p>c a rna va l lig a c a sa , rua e o utro mund o q ue re nd o e p ro p o nd o a</p><p>a b e rtura d e to d a s a s p o rta s e d e to d a s a s mura lha s e p a re d e s. O s rito s</p><p>c ívic o s e re lig io so s — a s fe sta s d a o rd e m p o r e xc e lê nc ia — fa ze m o</p><p>me smo , ma s sua s p ro p o sta s sã o d ife re nte s. De fa to , no s c a rna va is e</p><p>o rg ia s, o p ro p ó sito b á sic o p a re c e se r o d e ig ua la r e junta r. Se u</p><p>o b je tivo é a b o lir to d a s a s d ife re nç a s, o u p e lo me no s fo i a ssim q ue viu</p><p>Ba khtin na s so c ie d a d e s hie ra rq uiza d a s. Ma s no c a so d a s fe sta s d a</p><p>o rd e m, o u se ja , d a s fo rma lid a d e s so c ia is e m q ue se c e le b ra m a s</p><p>re la ç õ e s so c ia is ta l c o mo e la s o p e ra m no mund o d iá rio , a s d ife re nç a s</p><p>sã o ma ntid a s. Aq ui, a o c o ntrá rio d o c a rna va l, o q ue se e stá</p><p>c e le b ra nd o é a p ró p ria o rd e m so c ia l, c o m sua s d ife re nç a s e</p><p>g ra d a ç õ e s, se us p o d e re s e hie ra rq uia s. Nã o se d e se ja vira r o</p><p>justiç a , d o s fó runs, d a s c â ma ra s e d a s p re to ria s — o nd e a</p><p>le tra c la ra d a le i d e fine sua s instituiç õ e s ma is imp o rta nte s; ma s</p><p>ta mb é m no je itinho ma la nd ro q ue so ma a le i c o m a p e sso a na sua</p><p>vo nta d e e sc usa d e g a nha r, e mb o ra a re g ra fria e d ura c o m o o</p><p>m á rm o re d a Justiç a nã o a te nha to m a d o e m c o nsid e ra ç ã o . Aq ui,</p><p>p o rta nto , o Bra sil e stá e m to d a p a rte : o u m e lho r, p o d e se r</p><p>e nc o ntra d o e m to d a p a rte . O e rro fo i p ro c urá -lo o nd e e le nã o</p><p>g o sta va d e e sta r, o u simp le sme nte nã o p o d ia ne m d e via e sta r.</p><p>C o mo se uma so c ie d a d e p ud e sse se r d e finid a c o mo uma má q uina : a</p><p>p a rtir d e uma p la nta d e e ng e nha ria d a d a d e fo ra .</p><p>Na c e rte za d e q ue a s visõ e s d o Bra sil a p a rtir d e sua s c o isa s</p><p>o fic ia is, sa g ra d a s, sé ria s e le g a is sã o a s ma is c o rre nte s e fa milia re s,</p><p>q ue ro a q ui re ve lá -lo p o r me io d e o utro s â ng ulo s e d e o utra s q ue stõ e s.</p><p>Nã o se tra ta ma is d a visã o e xc lusiva me nte o fic ia l e b e m -c o m p o rta d a</p><p>d o s m a nua is d e histó ria so c ia l q ue se ve nd e m e m to d a s a s livra ria s, e</p><p>o s p ro fe sso re s d isc ute m na s e sc o la s. Ma s d e uma le itura d o Bra sil q ue</p><p>d e se ja se r ma iúsc ulo p o r inte iro : o BRASIL d o p o vo e d a s sua s c o isa s.</p><p>Da c o mid a , d a mulhe r, d a re lig iã o q ue nã o p re c isa d e te o lo g ia</p><p>c o mp lic a d a ne m d e p a d re s e stud a d o s. Da s le is d a a miza d e e d o</p><p>p a re nte sc o , q ue a tua m p e la s lá g rima s, p e la s e mo ç õ e s d o d a r e d o</p><p>re c e b e r, e d e ntro d a s so mb ra s a c o lhe d o ra s d a s c a sa s e q ua rto s o nd e</p><p>vive mo s o no sso q uo tid ia no . Do s jo g o s e sp e rto s e vivo s d a</p><p>ma la nd ra g e m e d o c a rna va l, o nd e p o d e mo s va d ia r se m se rmo s</p><p>c rimino so s e , a ssim fa ze nd o , e xp e rime nta mo s a sub lime</p><p>ma rg ina lid a d e q ue te m ho ra p a ra c o me ç a r e te rmina r. De ste Bra sil</p><p>q ue d e a lg um mo d o se re c usa a vive r d e fo rma to ta lme nte</p><p>p la nific a d a e he g e mo nic a me nte p a d ro niza d a p e lo d inhe iro d a s</p><p>c o nta s b a nc á ria s o u p e lo s p la no s q üinq üe na is d o s ministé rio s</p><p>e nc a nta d o s p e lo s vá rio s te c no c ra ta s e id e ó lo g o s q ue a í e stã o à</p><p>e sp e ra d e um c ha ma d o . BRASIL c o m ma iúsc ula s, q ue sa b e tã o b e m</p><p>c o njug a r le i c o m g re i, ind ivíd uo c o m p e sso a , e ve nto c o m e strutura ,</p><p>c o mid a fa rta c o m p o b re za e strutura l, hino sa g ra d o c o m sa mb a</p><p>a p ó c rifo e re la tiviza d o r d e to d o s o s va lo re s, c a rna va l c o m c o míc io</p><p>p o lític o , ho me m c o m mulhe r e a té me smo De us c o m o Dia b o . Po r</p><p>tud o isso é q ue e sta mo s inte re ssa d o s e m re sp o nd e r, na s p á g ina s q ue</p><p>se g ue m, e sta p e rg unta q ue e mb a rg a e q ue e mo c io na : a fina l d e</p><p>c o nta s, o q ue fa z o b ra sil, BRASIL?</p><p>No te -se q ue se tra ta d e uma p e rg unta re la c io na l q ue , ta l c o mo</p><p>fa z a p ró p ria so c ie d a d e b ra sile ira , q ue r junta r e nã o d ivid ir. Nã o</p><p>q ue re mo s ve r um Bra sil p e q ue no e o utro g ra nd e , já fe ito . Nã o !</p><p>Q ue re mo s, isto sim, d e sc o b rir c o mo é q ue e le s se lig a m e ntre si; c o mo</p><p>é q ue c a d a um d e p e nd e d o o utro , e c o mo o s d o is fo rma m uma</p><p>re a lid a d e únic a q ue e xiste c o nc re ta me nte na q uilo q ue c ha ma mo s</p><p>d e “ p á tria ” . Numa ling ua g e m ma is p re c isa e , ma is so c io ló g ic a , d ir-se -</p><p>ia q ue o p rime iro “ b ra sil” é d a d o na s p o ssib ilid a d e s huma na s, ma s</p><p>q ue o se g und o Bra sil é fe ito d e uma c o mb ina ç ã o e sp e c ia l d e ssa s</p><p>p o ssib ilid a d e s unive rsa is. O misté rio d e ssa e sc o lha é ime nso , ma s a</p><p>re la ç ã o é imp o rta nte . Po rq ue e la d e fine um e stilo , um mo d o d e se r,</p><p>um “ je ito ” d e e xistir q ue , nã o o b sta nte e sta r fund a d o e m c o isa s</p><p>unive rsa is, é e xc lusiva me nte b ra sile iro . Assim, o p o nto d e p a rtid a d e ste</p><p>e nsa io é o se g uinte : ta nto o s ho me ns c o mo a s so c ie d a d e s se d e fine m</p><p>p o r se us e stilo s, se us mo d o s d e fa ze r a s c o isa s. Se a c o nd iç ã o huma na</p><p>d e te rmina q ue to d o s o s ho me ns d e ve m c o me r, d o rmir, tra b a lha r,</p><p>re p ro d uzir-se e re za r, e ssa d e te rmina ç ã o nã o c he g a a o p o nto d e</p><p>e sp e c ific a r ta mb é m q ue c o mid a ing e rir, d e q ue mo d o p ro d uzir, c o m</p><p>q ue mulhe r (o u ho me m) a c a sa la r-se e p a ra q ua nto s d e use s o u</p><p>e sp írito s re za r. É p re c isa me nte a q ui, ne ssa e sp é c ie d e zo na</p><p>ind e te rmina d a , ma s ne c e ssá ria , q ue na sc e m a s d ife re nç a s e , ne la s, o s</p><p>e stilo s, o s mo d o s d e se r e e sta r, o s “ je ito s” d e c a d a q ua l. Po rq ue c a d a</p><p>g rup o huma no , c a d a c o le tivid a d e c o nc re ta , só p o d e p ô r e m p rá tic a</p><p>a lg uma s d e ssa s p o ssib ilid a d e s d e a tua liza r o q ue a c o nd iç ã o huma na</p><p>a p re se nta c o mo unive rsa l. As re sta nte s fic a m c o mo uma e sp é c ie d e</p><p>fa nta sma a no s re c rimina r p e lo fa to d e a s te rmo s d e ixa d o no s</p><p>b a stid o re s, c o mo fig ura s b a nid a s d e no sso p a lc o , e mb o ra e ste ja m</p><p>d e a lg um mo d o p re se nte s na p e ç a e no te a tro .</p><p>No fund o , e ssa q ue stã o d o re la c io na me nto d o s unive rsa is d e</p><p>q ua lq ue r siste ma c o m um siste ma e sp e c ífic o é d a s ma is</p><p>a p a ixo na nte s d e q ua nta s e xiste m no p a no ra ma d a s C iê nc ia s</p><p>Huma na s. Tra ta -se , se mp re , d a q ue stã o d a id e ntid a d e . De sa b e r q ue m</p><p>so mo s e c o mo so mo s; d e sa b e r p o r q ue so mo s. So b re tud o q ua nd o</p><p>no s d a mo s c o nta d e q ue o ho me m se d isting ue d o s a nima is p o r te r a</p><p>c a p a c id a d e d e se id e ntific a r, justific a r e sing ula riza r: d e sa b e r q ue m</p><p>e le é . De fa to , a id e ntid a d e so c ia l é a lg o tã o imp o rta nte q ue o</p><p>c o nhe c e r-se a si me smo a tra vé s d o s o utro s d e ixo u o s livro s d e filo so fia</p><p>p a ra se c o nstituir numa b usc a a ntro p o lo g ic a me nte o rie nta d a . Ma s o</p><p>misté rio , c o mo se p o d e a d ivinha r, nã o fic a na q ue stã o d o sa b e r</p><p>q ue m so mo s. Po is se rá ne c e ssá rio d e sc o b rir c o mo c o nstruímo s no ssa s</p><p>id e ntid a d e s. Se i q ue so u Jo sé d a Silva , b ra sile iro , c a sa d o , func io ná rio</p><p>p úb lic o , to rc e d o r d o Fla m e ng o , c a rna va le sc o d a Ma ng ue ira ,</p><p>a p re c ia d o r inc o nd ic io na l d a s mula ta s, c a tó lic o e umb a nd ista ;</p><p>jo g a d o r e sp e ra nç o so e inve te ra d o d a lo to , p o rq ue a c re d ito e m</p><p>d e stino — e nã o o utra p e sso a q ua lq ue r. Em se nd o Jo sé , nã o so u</p><p>Na p o le ã o o u Willia m Smith, c id a d ã o a me ric a no d e No va Yo rk; o u</p><p>Iva n Iva no vic h, p a trio ta so vié tic o . Po sso d isting uir-me a ssim p o rq ue me</p><p>a sso c io inte nsa me nte a uma sé rie d e a trib uto s e sp e c ia is e p o rq ue</p><p>c o m e le s e a tra vé s d e le s fo rmo uma histó ria : a minha histó ria . Ma s</p><p>c o mo é q ue se i o q ue so u? C o mo p o sso d isc utir a p a ssa g e m d o se r</p><p>huma no q ue na sc i p a ra o b ra sile iro q ue so u?</p><p>C o mo se</p><p>mund o</p><p>d e p e rna s p a ra o a r, c o lo c a nd o -o d e c a b e ç a p a ra b a ixo , ma s o q ue</p><p>se p re te nd e é p re c isa me nte c e le b ra r o mund o ta l c o mo e le é no</p><p>q uo tid ia no . Da í p o r q ue , e m o utro lug a r (no me u livro Carnavais,</p><p>malandro s e he ró is), c ha me i o s c a rna va is d e “ rito s d e inve rsã o ” e o s</p><p>fe stiva is d a o rd e m d e “ rito s d e re fo rç o ” . Minha id é ia e ra sa lie nta r e ssa s</p><p>p ro p rie d a d e s e strutura is d e um e o utro mo me nto so le ne : o c a rna va l</p><p>p ro mo ve nd o a ig ua ld a d e e a sup re ssã o d e fro nte ira s, e a s fe sta s</p><p>c ívic a s e re lig io sa s p ro mo ve nd o a sua g lo rific a ç ã o e ma nute nç ã o .</p><p>De sse mo d o , o s ritua is re lig io so s p a rte m d e ig re ja s e lo c a is</p><p>sa g ra d o s, p re te nd e nd o o rd e na r o mund o d e a c o rd o c o m o s va lo re s</p><p>q ue sã o a li a rtic ula d o s c o mo o s ma is b á sic o s. O mund o d e De us —</p><p>re p re se nta d o p e la Ig re ja C a tó lic a e p e la s fo rma s d e re lig io sid a d e q ue</p><p>a e la se re fe re m — é um unive rso o nd e a s c o isa s se o rd e na m d e mo d o</p><p>p le na me nte ve rtic a l. De c ima p a ra b a ixo e d e b a ixo p a ra c ima . C o m</p><p>De us, a Virg e m Ma ria , o s sa nto s, o s a njo s, o s má rtire s, o s b e a to s, o s</p><p>sa c e rd o te s e o s fié is fo rma nd o uma c a d e ia : d o a lta r-mo r, o nd e e ssa</p><p>ve rtic a lid a d e e stá instituíd a , a té o a d ro d a ig re ja , o nd e a s p e sso a s se</p><p>e sp a lha m , m istura nd o o p ro fa no c o m o sa g ra d o . Aq ui, a o rd e m é</p><p>p a ra d o xa lme nte sa lie nta d a e a o me smo te mp o ne g a d a , p o is —</p><p>c o nfo rme sa b e mo s — a Ig re ja d e c la ra e xp lic ita me nte q ue se u re ino</p><p>nã o é d e ste mund o , ma s d o o utro . E De us, o s sa nto s e a Virg e m</p><p>p o d e m inte rc e d e r e a g ra c ia r c o m sua a jud a q ua lq ue r p e sso a . Ele s</p><p>sã o p a tro c ina d o s p e la s ig re ja s, ma s a Ig re ja (o u ig re ja s) nã o o s p o ssui</p><p>ne m p o d e c o ntro la r sua s a ç õ e s. Ela p o d e inte rp re tá -lo s, ma s sua s</p><p>vo ze s tê m c ó d ig o s p ró p rio s q ue a p ró p ria Ig re ja p o d e d e sc o nhe c e r,</p><p>e mb o ra d e va sa b e r re c o nhe c e r. De sse mo d o , o e sp a ç o re lig io so</p><p>d e ma rc a uma á re a o nd e é p o ssíve l e nc o ntra r o ric o e o p o b re , o</p><p>p o d e ro so e o fra c o , o sa d io e o a le ija d o , o ho me m e a mulhe r, o</p><p>a d ulto e a c ria nç a , o sa nto e o p e c a d o r, o c re nte fe rvo ro so e o</p><p>fre q üe nta d o r e sp o rá d ic o e d ista nte .</p><p>O p a tro c ínio o u p a tro na g e m d o s sa nto s e d e use s c ria e ssa s</p><p>re g iõ e s ne utra s, ma s hie ra rq uic a me nte o rd e na d a s, o nd e e xiste uma</p><p>e sp é c ie d e c a rna va l d e vo to o u te rra d e ning ué m, já q ue to d o s</p><p>p o d e m e nc o ntra r-se c o m to d o s d e ntro d e sse e sp a ç o . Ma s é p re c iso</p><p>a c e ntua r q ue e ssa c a rna va liza ç ã o (o u tro c a d e lug a r) na d a te m a ve r</p><p>c o m e xc e sso s o u c o m a p o ssib ilid a d e d e vira r o mund o d e c a b e ç a</p><p>p a ra b a ixo . Ao c o ntrá rio , no s rito s d a o rd e m e m g e ra l, e no s ritua is</p><p>re lig io so s e m p a rtic ula r, o c o mp o rta me nto é ma rc a d o p e la c o ntriç ã o</p><p>e p e la so le nid a d e q ue se c o nc re tiza m na s c o nte nç õ e s c o rp o ra is e</p><p>ve rb a is. O c o rp o , e ntã o , na Ig re ja e na s so le nid a d e s d a o rd e m é</p><p>ma rc a d o p e la rig id e z d o s g e sto s e p o r fo rma s o b rig a tó ria s d e</p><p>g e stic ula ç ã o . Sã o ma ne ira s d e ma rc a r a c o nte nç ã o e d e p ro mo ve r a</p><p>unifo rmid a d e e a tra nq üila o b e d iê nc ia d o s fié is o u se rvid o re s, já q ue</p><p>tud o isso c o nd uz a uma visã o o rd e na d a d a p ró p ria o c a siã o fo rma l.</p><p>Ta mb é m é p o ssíve l q ue ta is fo rma s d e ritua liza ç ã o p re te nd a m</p><p>a sse g ura r o re sp e ito a q ua lq ue r p re ç o , p o is a c o nte nç ã o d o c o rp o</p><p>sig nific a , d e c e rto mo d o , a lib e rd a d e d o e sp írito , q ue p o d e o u nã o</p><p>e sta r p re se nte c o m a m e sm a c o nvic ç ã o na so le nid a d e . Assim, e u</p><p>p o sso e sta r a jo e lha d o numa ig re ja , ma s te r me u e sp írito , muito lo ng e</p><p>d a li, o q ue no c a so d e um ritua l o rg iá stic o é imp o ssíve l, d a d a a</p><p>so lic ita ç ã o e m q ue o c o rp o e o e sp írito e stã o imp lic a d o s. De fa to ,</p><p>num a lmo ç o c o m o s a mig o s o u num b a ile d e c a rna va l, nã o p o sso</p><p>d e ixa r d e me e nvo lve r. A fe sta c a rna va le sc a re q ue r tud o d e mim:</p><p>me u c o rp o e minha a lma , minha vo nta d e e minha e ne rg ia . Ma s a s</p><p>fe sta s d a o rd e m p a re c e m d isp e nsa r e ssa mo tiva ç ã o to ta liza d a . Da í,</p><p>ta lve z, e ssa s re g ra s ríg id a s d e c o nte nç ã o c o rp o ra l, ve rb a l e g e stua l</p><p>no s rito s d a o rd e m.</p><p>O p o d e r d o sag rado , c o nfo rme d izia o so c ió lo g o fra nc ê s Émile</p><p>Durkhe im, é um p o d e r q ue p e rmite d isting uir o mund o d iá rio , c o m</p><p>sua s ro tina s a uto má tic a s e q ue te nd e m a uma iné rc ia e uma</p><p>ind ife re nc ia ç ã o c a d a ve z ma io re s, e sse siste ma d e c o isa s q ue e ra m</p><p>c ha ma d a s d e “ p ro fa na s” , d a s c o isa s e d o unive rso d e De us e d o Alto .</p><p>Pa ra se p a ra r um d o s o utro s, na d a me lho r q ue o s sina is d e re sp e ito e</p><p>d e c o nte nç ã o físic a e so c ia l: a nd a r na p o nta d o s p é s, fa la r b a ixinho ,</p><p>usa r uma ling ua g e m d ife re nte — e xó tic a o u mo rta , c o mo o la tim o u o</p><p>he b ra ic o —, ve stir ro up a s e sp e c ia is ta mb é m a ntig a s o u to ta lme nte</p><p>d ife re nte s d o s c o stume s d o mund o d iá rio — ro up a s q ue tra nsfo rma m</p><p>o ma sc ulino e m a lg o a mb íg uo o u o fe minino e m a lg uma c o isa ne utra .</p><p>A le itura d a so c ie d a d e fa c ulta d a p e lo s rito s d a o rd e m, e ntã o , é</p><p>uma le itura o nd e o c o rp o d e ve se r c o ntid o o u a té me smo</p><p>ne utra liza d o . A c o ntinê nc ia milita r é e xc e le nte e xe mp lo d isso , p o is o s</p><p>rito s d a o rd e m inc lue m ta mb é m a s g ra nd e s c o me mo ra ç õ e s milita re s,</p><p>c o mo a s p a ra d a s — q ue sã o fo rma s típ ic a s d e c o me mo ra ç ã o so c ia l</p><p>e m q ue o unive rso d a so c ie d a d e é lid o o u a p re se nta d o a p a rtir d o</p><p>c ó d ig o d o Esta d o na sua ve rte nte ma is fo rte , ma is o rd e na d a e , ta lve z</p><p>p o r isso me smo , ma is p a trió tic a : a d e sua s Fo rç a s Arma d a s, q ue</p><p>d e sfila m e m sa ud a ç ã o fo rma l à s a uto rid a d e s c o nstituíd a s. De a c o rd o</p><p>c o m isso , le mb ro q ue a p a la vra “ c o ntinê nc ia ” sig nific a um a to c ujo</p><p>se ntid o p ro fund o é p re c isa me nte o d e c o nte r-se , c o ntro la r-se ,</p><p>d o mina r-se ...</p><p>Tud o isso é sa lie nta d o c o m p re c isã o e m to d o s o s rito s d a o rd e m</p><p>— se ja m c ívic o s o u re lig io so s — o nd e a id é ia d e sa c rific a r o c o rpo (um</p><p>c e ntro d e praze r d a d o ime d ia ta me nte p e la e xp e riê nc ia huma na )</p><p>p e la p á tria , p o r De us o u p o r um p a rtid o p o lític o a c a b a se e xp rimind o</p><p>p e la no ç ã o d e de ve r, d e de vo ç ão e d e o rde m. O q ue c o ntra sta</p><p>tre me nd a me nte c o m o s ritua is c a rna va le sc o s, o nd e o c o rre</p><p>e xa ta me nte o o p o sto , já q ue no c a rna va l o s va lo re s sa lie nta</p><p>d o s sã o</p><p>o p ra ze r p e lo c o rp o (d a í sua c a p a c id a d e ig ua litá ria e g ro te sc a ) e ,</p><p>c o m isso , a d e so rd e m o b tid a a tra vé s d e le , q ue c o nd uz a uma ra d ic a l</p><p>tra nsfo rma ç ã o , te mp o rá ria ma s inte nsa , d a e strutura so c ia l.</p><p>Na s fe sta s d a o rd e m, a ê nfa se é se mp re c o lo c a d a na o rd e m,</p><p>na , re g ula rid a d e , na re p e tiç ã o , na ma rc ha o rd e ira , no c â ntic o</p><p>c a d e nc ia d o , no c o ntro le d o c o rp o q ue , re p ito , re me te à id é ia d e</p><p>sa c rifíc io e d isc ip lina , e sse s d o is ing re d ie nte s b á sic o s d a p ro me ssa .</p><p>Aq ui, o mund o é e ng lo b a d o e a p re se nta d o p e la s p o siç õ e s so c ia is</p><p>q ue a so c ie d a d e c o nsid e ra imp o rta nte s. Se u fo c o é na s a uto rid a d e s:</p><p>d e De us, Pá tria , Sa úd e , Ed uc a ç ã o e Instruç ã o . Nisso , e le s re ve la m,</p><p>a mp lia nd o ,a s d ife re nc ia ç õ e s so c ia is já e xiste nte s no mund o d iá rio ,</p><p>o nd e a s p e sso a s e fe tiva me nte se d isting ue m p o r me io d e c a d e ia s</p><p>hie rá rq uic a s q ue ind ic a m e re ve la m sua imp o rtâ nc ia na re p ro d uç ã o</p><p>d a o rd e m so c ia l c o nhe c id a . De sse mo d o , se uma p e sso a é</p><p>p re sid e nte , g o ve rna d o r, se na d o r, d e p uta d o , se c re tá rio , juiz o u</p><p>p ro fe sso r, é e xa ta me nte a ssim q ue d e ve a p a re c e r no s rito s d a o rd e m.</p><p>Pe la me sma ló g ic a e se g uind o o me smo p rinc íp io d o re fo rç o e d a</p><p>a mp lia ç ã o , se a p e sso a nã o te m q ua lq ue r a uto rid a d e o u p o siç ã o</p><p>so c ia l e fa z p a rte d a q uilo a q ue c ha ma m o s g e ne ric a m e nte “ p o vo ” ,</p><p>é d e ste la d o q ue d e ve fic a r. Entre a uto rid a d e s e p o vo , ne ssa s</p><p>o c a siõ e s so le ne s e fo rma is, há uma c la ra d ivisã o . Se ja uma c e rc a , se ja</p><p>um e sp a ç o va zio , se ja um p a la nq uim o u o utra c o nstruç ã o q ua lq ue r</p><p>q ue p e rmita ime d ia ta me nte sa b e r q ue m é q ue m, p o is o s rito s d a</p><p>o rd e m nã o a d mite m a c o nfusã o d e p a p é is o u p o siç õ e s. Ta is</p><p>d istinç õ e s o c o rre m a té me smo na s g ra nd e s p ro c issõ e s, o nd e uma</p><p>g ro ssa c o rd a se p a ra o sa nto (o u sa nta ) e a s a uto rid a d e s e c le siá stic a s,</p><p>c ivis e milita re s q ue e stã o e m sua vo lta , g e ra lme nte c a rre g a nd o junta s</p><p>o a nd o r, d o p o vo e m g e ra l, q ue e stá a o re d o r e q ue fo rma um</p><p>o c e a no g e ne ra liza d o d e d e vo to s q ue se mistura m. Fo i p o r p e rc e b e r</p><p>e sse c e ntro tã o o rd e na d o e e sse “ re sto ” tã o c a rna va le sc a me nte</p><p>d e so rd e na d o , q ue e u já a firme i a nte rio rme nte q ue a q ui tínha mo s</p><p>uma e strutura d e “ tip o c o me ta ” . Alg o q ue p o ssuía um c e ntro</p><p>vo lta d o p a ra a lig a ç ã o fo rma l e ntre o c é u e a te rra , ma s p o r me io</p><p>d a s a uto rid a d e s c o nstituíd a s, q ue , p o r sua ve z, se lig a va m a o p o vo</p><p>e m g e ra l na fo rma d e uma b e la , se nã o c o ntund e nte , d ra ma tiza ç ã o</p><p>d a hie ra rq uia e d a a uto rid a d e . Da í p o r q ue , na s p ro c issõ e s, o p o vo</p><p>fo rç a a c o rd a p a ra p a ssa r p a ra o la d o d a s a uto rid a d e s e p a ra p e rto</p><p>d o sa nto . De fa to , “ p ula r a c o rd a ” o u p a ssa r p o r e la sig nific a , ne sse</p><p>c o nte xto simb ó lic o , uma mud a nç a sig nific a tiva d e p o siç ã o so c ia l.</p><p>Se o s rito s d a d e so rd e m p ro m o ve m te m p o rá ria s</p><p>d e sc o nstruç õ e s o u re -a rruma ç õ e s so c ia is, o s rito s d a o rd e m ma rc a m</p><p>d e fo rma ta xa tiva q ue m é a to r e q ue m é e sp e c ta d o r. Aq ui nã o há a</p><p>me no r p o ssib ilid a d e d e tro c a r d e lug a r, e xc e to — é c la ro — p e la</p><p>q ue b ra d o p ro to c o lo . E re a lme nte a p a la vra p ro to c o lo re ve la e sse</p><p>c ó d ig o ríg id o q ue to d o s d e ve m se g uir p a ra q ue o c e rimo nia l p o ssa</p><p>“ d a r c e rto ” . O u se ja : p a ra q ue o ritua l p o ssa se r um mo me nto</p><p>c o e re nte d e o rd e m p e rfe ita e se m a q ue la s d isso nâ nc ia s q ue o</p><p>mund o d iá rio é me stre e m no s a p re se nta r. É, justa me nte , e sse re sg a te</p><p>d a o rd e m q ue ta is ritua is p re te nd e m re a liza r p o r me io d e ssa s</p><p>d ra ma tiza ç õ e s.</p><p>Da í, c e rta me nte , a a sso c ia ç ã o e ntre c e rimo nia l e p o d e r. É q ue</p><p>o ritua l re ve ste o p o d e r, d a nd o -lhe uma fo rma e xte rio r so le ne e</p><p>le g ítima . De mo d o q ue to d o s o s ritua is se mp re a ssume m a fo rma</p><p>b á sic a d e um d e sfile , p ro c issã o o u p a ra d a milita r — fo rma s d e</p><p>a p re se nta ç ã o so c ia l d e sinib id a e e xub e ra nte , o nd e a s c o rp o ra ç õ e s</p><p>q ue p a ssa m e se a p re se nta m re ve la m-se e m to d o o se u e sp le nd o r o u</p><p>misé ria . No Bra sil, sig nific a tiva me nte , usa mo s a p a la vra d e sfile p a ra o</p><p>c a so d o c a rna va l, p a ra d a p a ra a s c o me mo ra ç õ e s c ívic a s lig a d a s à</p><p>no ssa Ind e p e nd ê nc ia e p ro c issã o p a ra a s fe stivid a d e s re lig io sa s. To d a s</p><p>e la s tê m se mp re um p o nto d e p a rtid a fo rma liza d o e p re e sta b e le c id o</p><p>e um p o nto d e c he g a d a ig ua lme nte fixa d o . Na s p ro c issõ e s, c o mo</p><p>na s p a ra d a s milita re s, a p a rtid a é um c e ntro físic o e so c ia l d e</p><p>a uto rid a d e e p o d e r re lig io so o u milita r: uma ig re ja o u q ua rte l. Se u</p><p>ro te iro , p o r o utro la d o , ma rc a uma á re a o nd e se sa c ra liza um d a d o</p><p>e sp a ç o d a c id a d e q ue , p o r isso me smo , a c a b a se to rna nd o no b re o u</p><p>sa g ra d o . É um e sp a ç o q ue d e ve fic a r a b e rto a o ritua l e , e m</p><p>c o nse q üê nc ia , fe c ha d o à s a tivid a d e s d e ro tina d o mund o d iá rio . No</p><p>c a so d o Rio d e Ja ne iro , c id a d e q ue vo u to ma r c o mo e xe mp lo , a s</p><p>p a ra d a s milita re s q ua se se mp re se re a liza m e m fre nte a o Pa nte ã o d o</p><p>Exé rc ito Na c io na l, lo c a l situa d o e m fre nte a o Ministé rio d a G ue rra ,</p><p>o nd e e stã o se p ulta d o s o s re sto s mo rta is d o Duq ue d e C a xia s, p a tro no</p><p>d o Exé rc ito Bra sile iro e d a s Fo rç a s Arma d a s e m g e ra l. Nã o p o d e ria</p><p>e xistir lo c a l ma is sa g ra d o q ue e sse , e m te rmo s d a no ssa Histó ria . Alé m</p><p>d isso , o d e sfile milita r a p re se nta uma d ra ma tiza ç ã o d a g ue rra — d o</p><p>me smo mo d o q ue a p ro c issã o d ra ma tiza a s hie ra rq uia s c e le ste s. De</p><p>fa to , no d e sfile , o s so ld a d o s se a p re se nta m c o m sua s a rma s,</p><p>c o ma nd a d o s p o r se us sup e rio re s, ma s d e mo d o rig o ro sa me nte</p><p>o rd e iro . Dã o uma d e mo nstra ç ã o d e o b e d iê nc ia , d isc ip lina e o rd e m,</p><p>c o mo a re ve la r a sua d isp o siç ã o d e c ump rir se u d e ve r d e d e fe nd e r</p><p>a Pá tria a q ua lq ue r c usto , se isso fo r re a lme nte ne c e ssá rio . To d o s o s</p><p>Esta d o s na c io na is mo d e rno s tê m e ssa s fo rma s d e d e sfile , e m b o ra</p><p>a p re se nte m imp o rta nte s va ria ç õ e s q ue d e nunc ia m d ive rsid a d e s</p><p>p o lític a s e so c ia is sig nific a tiva s. Po r e xe mp lo , o d ia d a p á tria no s Esta d o s</p><p>Unid o s é uma fe sta p úb lic a , se m d úvid a , ma s q ue ra ra me nte é</p><p>c o me mo ra d a c o m um d e sfile o u p a ra d a milita r. Lá , sua fo rma ma is</p><p>c o mum d e c e le b ra ç ã o sã o o s p iq ue niq ue s re a liza d o s p o r fa mília s q</p><p>ue ,</p><p>junta s, vã o p a ra o s p a rq ue s e ja rd ins d a s c id a d e s a c e na r b a nd e ira s,</p><p>d isp a ra r fo g ue te s o u simp le sme nte c o me r e c a lma me nte c o nve rsa r.</p><p>No c a so b ra sile iro , a s p a ra d a s milita re s sã o po nto imp o rta nte</p><p>d a q uilo q ue d e no mine i "triâ ng ulo ritua l". De fa to , na no ssa so c ie d a d e</p><p>te mo s o d e sfile milita r p a ra a s a uto rid a d e s, o u me lho r, c o mo rito</p><p>d e stina d o a c e le b ra r a re la ç ã o d o Esta d o c o m o p o vo . Te mo s a s</p><p>p ro c issõ e s q ue fo c a liza m a s re la ç õ e s d o s ho me ns c o m De us a tra vé s d a</p><p>Ig re ja . E te mo s, fina lme nte , o d e sfile d o c a rna va l, q ue fa z o p o vo se r a o</p><p>me smo te mp o e sp e c ta d o r e a to r. Em to d o s o s c a so s, a so c ie d a d e</p><p>c e le b ra a q uilo q ue c e rta me nte c o nsid e ra fund a me nta l p a ra a sua</p><p>e strutura so c ia l e — o q ue é inte re ssa nte a p o nta r no c a so b ra sile iro —,</p><p>p a ra c a d a instituiç ã o imp o rta nte , há um lug a r e uma fo rma d ra má tic a</p><p>d e a p re se nta ç ã o ritua l. Te mo s, e ntã o , numa fó rmula muito simp lific a d a :</p><p>o Esta d o c o m se u p o d e r visita nd o o p o vo ; De us e o s se us sa nto s sa ind o</p><p>d a e sfe ra sa g ra d a p a ra ta mb é m visita re m o mund o p ro fa no d a s</p><p>c id a d e s; e , fina lme nte , o p o vo a p re se nta nd o -se a si me smo c o mo</p><p>a le g re , fo rte , g a la nte , e le g a nte e luxuo so no s d e sfile s c a rna va le sc o s.</p><p>Na d a me p a re c e ma is func io na l q ue e ssa fo rma d e vive nc ia r o s va lo re s.</p><p>Ma s o s ritua is d a o rd e m nã o se e sg o ta m ne ssa s fe sta s g ra nd io sa s</p><p>e m q ue o mund o so c ia l é re a firma d o e e ng lo b a d o p e lo Esta d o e p e la</p><p>Ig re ja . Ele s ta mb é m e stã o p re se nte s e m situa ç õ e s muito ma is fa milia re s</p><p>a to d o s nó s, c o mo a s fe sta s d e fo rma tura e o s rito s d e p o sse e m c a rg o s</p><p>p úb lic o s, e m q ue uma me sa g e ra lme nte se p a ra a s p e sso a s q ue sã o o</p><p>fo c o d o c e rimo nia l e o s se us c o nvid a d o s; e e m to d a s a s c rise s d e vid a e</p><p>rito s d e pa ssa g e m e m g e ra l, c o mo na sc ime nto s, b a tiza d o s, c risma s,</p><p>c a sa me nto s e fune ra is. Ne ssa s o c a siõ e s, q ue ta mb é m sã o so le ne s, a</p><p>tro c a d e d isc urso s, o uso d e ro up a s e sp e c ia is, a e xistê nc ia d e</p><p>re p re se nta nte s d up lo s (c o mo o c o rre na s fe sta s d e fo rma tura ) p e rmite m</p><p>d e sc o b rir e sse s me smo s e le me nto s q ue e xa g e ra m a o rd e m so c ia l</p><p>c o nstituíd a e a p a re nte e , ta mb é m, a c o nte nç ã o d o s g e sto s e d o</p><p>c o mp o rta me nto e m g e ra l. Ta mb é m a q ui há um id io ma e sp e c ia l,</p><p>fa c ilme nte a p re nd id o no s lug a re s-c o muns d e uma re tó ric a q ue to d o</p><p>a d ulto p o d e re p e tir se m e sfo rç o . E há ta mb é m o s g e sto s típ ic o s e o s</p><p>o b je to s ind isp e nsá ve is, c o mo o a ne l d e g ra u no c a so d a s fo rma tura s, a s</p><p>a lia nç a s no c a so d o s c a sa me nto s e o b o lo d e a nive rsá rio no c a so d a</p><p>p a ssa g e m d e id a d e .</p><p>Em g e ra l, to d a s e ssa s fe sta s c o me mo ra m o u c e le b ra m a lg uma</p><p>c o isa q ue , sup o mo s, re a lme nte a c o nte c e u. A vid a d e um sa nto é uma</p><p>histó ria e xe mp la r a se r imita d a p e lo s ho me ns, e a p ro c issã o q ue a o</p><p>sa nto se d e d ic a d iz um p o uc o d e ssa c a minha d a te rre na p a ra o Cé u,</p><p>re p ro d uzind o -a numa e sp é c ie d e te a tro c ristã o q ue é o ritua l re lig io so .</p><p>Do me smo mo d o , e m fo rma tura s e a nive rsá rio s, c a sa me nto s e fune ra is,</p><p>re sg a ta -se se mp re a lg um tipo d e e xe mp lo , a lg uma fo rma d e mo d e lo ,</p><p>se ja p a ra o a nive rsa ria nte o u fo rma nd o se g uir, se ja p a ra q ue se us</p><p>p a re nte s e a mig o s p o ssa m se r c o nso la d o s. O ho me m é um a nima l q ue</p><p>b usc a o se ntid o e m tud o — e sta é sua sina . E ta is o c a siõ e s sã o situa ç õ e s</p><p>p rivile g ia d a s e m q ue o s g rupo s se c o mp ra ze m na b usc a d e um se ntid o</p><p>p ro fund o p a ra sua s vid a s. Se ntid o q ue a sse g ura , d e c e rto mo d o , a</p><p>c o ntinuid a d e d a vid a c o le tiva , me smo q ua nd o a me a ç a d a p e la</p><p>e xtinç ã o , c o mo é o c a so d o s ritua is fune rá rio s.</p><p>As fe sta s p a tro c ina d a s p e lo Esta d o , c o mo a s c o me mo ra ç õ e s d a</p><p>Ind e p e nd ê nc ia , ta mb é m c e le b ra m uma o c o rrê nc ia re a l, o na sc ime nto</p><p>d e uma na ç ã o , e p o r isso sã o e ve nto s p a ra d ig má tic o s q ue justific a m a</p><p>imp o rtâ nc ia d a d a ta . Aq ui e sta mo s d ia nte d e um rito d e c a le nd á rio</p><p>c o le tivo , um a nive rsá rio (e uma fo rma tura ) na c io na l. Eve nto q ue</p><p>c o ng re g a simulta ne a me nte , numa e sp é c ie d e sínte se , uma sé rie d e rito s</p><p>d e p a ssa g e m. É mo rte de uma re la ç ã o (o e lo c o lo nia l), é na sc ime nto de</p><p>o utra vida (o pa ís q ue se to rna inde pe nde nte ). È ta mb é m c a rna va l</p><p>lib e rta do r, c e rimo nia l insta ura do r e ina ug ura do r. É so le nida de pro fa na</p><p>lig a da a o po de r e à vo nta de do s ho me ns, e ig ua lme nte rito sa g ra do o nde</p><p>se a g ra de c e a a juda de De us pe lo de sfe c ho favo ráve l de um mo vime nto</p><p>de ruptura que g e ra lme nte é ma rc a do pe la vio lê nc ia .</p><p>Tud o isso pe rmite no ta r q ue o s rito s d a o rd e m tê m um c e ntro . Se ja</p><p>um e ve nto , se ja um pe rso nag e m, se ja um o b je to ; ne le s e xiste , c o mo c e ntro ,</p><p>uma c e na básic a que de ve e struturar o rito c o mo um to do , a lé m de a ç õ e s</p><p>e c e ná rio s pe rifé ric o s. Isso fic a muito c la ro e m a nive rsá rio s, fo rma tura s e</p><p>fune ra is, o nd e há um c e ntro e um mo me nto c ulmina nte , se m o q ua l não</p><p>se te m ne m me smo a ne c e ssidade de pro c e de r ao drama. O c a so da fe sta</p><p>de a nive rsá rio é um b o m e xe mplo d isso , po is a me sa e o b o lo sã o a q ui</p><p>pe rso na g e ns c e ntra is, se ndo pa rte de se u po nto c ulmina nte q ue te m a ve r</p><p>c o m a fo rma ritua liza d a c o mo se ing e re um p ro d uto p ro fund a me nte</p><p>id e ntific a d o c o m o a nive rsa ria nte , se ndo se u re pre se nta nte simb ó lic o .</p><p>De sse mo do , o b o lo do a nive rsa ria nte e o núme ro de ve la s q ue o</p><p>e nfe ita m e q ue q ue ima m c o rre spo nde m a o núme ro de a no s q ue fo ra m</p><p>“q ue ima do s” na pró pria vida de q ue m e stá se ndo ho me nage ado . Bo lo e</p><p>pe sso a , assim, são uma só pe sso a mo ra l. E e ssa pe sso a é “c o mida ”</p><p>simbo lic ame nte po r to do s, num a to p le no de c o munhão e de d ivisão físic a</p><p>que ve m c ime nta r ritua lme nte o s e lo s so c ia is e ntre a nive rsa ria nte e</p><p>c o nvida do s.</p><p>De inte re sse a q ui é indic a r q ue a s pe sso a s e stã o to da s d istribuída s a o</p><p>lo ng o de sse c e ntro q ue , a o c o ntrá rio do c a rna va l (o nde o mundo é</p><p>fra g me nta do e de sc e ntra liza do , e muita c o isa o c o rre ao me smo te mpo ),</p><p>po ssui um sinc ro nismo , uma c o o rde na ç ã o c o m o e ve nto c e ntra l. Isto é ,</p><p>tudo a c o nte c e de mo do o rq ue stra do e e m e q uilíb rio c o m o e ve nto</p><p>c e ntra liza do r de to da s a s a te nç õ e s. Assim, e nq ua nto nã o se po de ja ma is</p><p>c he g a r a tra sa do a uma fe sta c a rna va le sc a , po is o e ve nto c o me ç a</p><p>q ua nd o se c he g a ,</p><p>no s rito s d a o rd e m se c o rre se mp re o risc o d e ssa</p><p>p e rd a . Isso p ro va q ue ta is so le nid a d e s ta lve z se ja m ma is le g itima d o ra s</p><p>d o q ue simp le sme nte c o me mo ra tiva s, d o nd e a imp o rtâ nc ia d a</p><p>p re se nç a e d a a te nç ã o d e to d o s a se us e ve nto s c e ntra is.</p><p>Tud o isso no s fa la d e um ritm o so c ia l, um m o vim e nto q ue</p><p>ind ic a a lg o c o mo um o sc ila r e ntre fo rma e c o nte úd o , c e ntro e</p><p>p e rife ria , c o ntinê nc ia físic a e e xc e sso . C o mo o tiq ue -ta q ue d e um</p><p>re ló g io , o u a b a tid a d e um c o ra ç ã o , o u o b umb o d e c a rna va l, o u a s</p><p>má sc a ra s q ue sã o p o sta s e tira d a s na re ve la ç ã o d e q ue o s ho me ns</p><p>vive m e ntre a s c o isa s. Ete rno s ritua liza d o s, se mp re p a ssa g e iro s...</p><p>O modo de navegação</p><p>social: a malandragem</p><p>e o “jeitinho”</p><p>Entre a d e so rd e m c a rna va le sc a , q ue p e rmite e e stimula o</p><p>e xc e sso , e a o rd e m, q ue re q ue r a c o ntinê nc ia e a d isc ip lina p e la</p><p>o b e d iê nc ia e strita à s le is, c o mo é q ue nó s, b ra sile iro s, fic a mo s? Q ua l a</p><p>no ssa re la ç ã o e a no ssa a titud e p a ra c o m e d ia nte d e uma le i</p><p>unive rsa l q ue te o ric a me nte d e ve va le r p a ra to d o s? C o mo</p><p>p ro c e d e mo s d ia nte d a no rma g e ra l, se fo mo s c ria d o s numa c a sa</p><p>o nd e , d e sd e a ma is te nra id a d e , a p re nd e mo s q ue há se mp re um</p><p>mo d o d e sa tisfa ze r no ssa s vo nta d e s e d e se jo s, me smo q ue isso vá d e</p><p>e nc o ntro à s no rma s d o b o m se nso e d a c o le tivid a d e e m g e ra l?</p><p>Num livro q ue e sc re vi — Ca rna va is, ma la ndro s e he ró is —,</p><p>la nc e i a te se d e q ue o d ile ma b ra sile iro re sid ia numa trá g ic a o sc ila ç ã o</p><p>e ntre um e sq ue le to na c io na l fe ito d e le is unive rsa is c ujo suje ito e ra o</p><p>ind ivíd uo e situa ç õ e s o nd e c a d a q ua l se sa lva va e se d e sp a c ha va</p><p>c o mo p o d ia , utiliza nd o p a ra isso o se u siste ma d e re la ç õ e s p e sso a is.</p><p>Ha ve ria a ssim, ne ssa c o lo c a ç ã o , um ve rd a d e iro c o mb a te e ntre le is</p><p>q ue d e ve m va le r p a ra to d o s e re la ç õ e s q ue e vid e nte me nte só</p><p>p o d e m func io na r p a ra q ue m a s te m. O re sulta d o é um siste ma so c ia l</p><p>d ivid id o e a té me smo e q uilib ra d o e ntre d ua s unid a d e s so c ia is b á sic a s:</p><p>o ind ivíd uo (o suje ito d a s le is unive rsa is q ue mo d e rniza m a so c ie d a d e )</p><p>e a p e sso a (o suje ito d a s re la ç õ e s so c ia is, q ue c o nd uz a o p ó lo</p><p>tra d ic io na l d o siste ma ) Entre o s d o is, o c o ra ç ã o d o s b ra sile iro s</p><p>b a la nç a . E no me io d o s d o is, a ma la nd ra g e m, o “ je itinho ” e o fa mo so</p><p>e a ntip á tic o “ sa b e c o m q ue m e stá fa la nd o ? ” se ria m mo d o s d e</p><p>e nfre nta r e ssa s c o ntra d iç õ e s e p a ra d o xo s d e m o d o tip ic a m e nte</p><p>b ra sile iro . O u se ja : fa ze nd o uma me d ia ç ã o ta mb é m p e sso a l e ntre a</p><p>le i, a situa ç ã o o nd e e la d e ve ria a p lic a r-se e a s p e sso a s ne la</p><p>imp lic a d a s, d e ta l so rte q ue na d a se mo d ifiq ue , a p e na s fic a nd o a le i</p><p>um p o uc o d e smo ra liza d a — ma s, c o mo e la é inse nsíve l e nã o é g e nte</p><p>c o mo nó s, to d o mund o fic a , c o mo se d iz, numa b o a , e a vid a re to rna</p><p>a o se u no rma l...</p><p>De fa to , c o mo é q ue re a g imo s d ia nte d e um “ p ro ib id o e s-</p><p>ta c io na r” , “ p ro ib id o fum a r” , o u d ia nte d e um a fila q uilo mé tric a ?</p><p>C o mo é q ue se fa z d ia nte d e um re q ue rime nto q ue e stá se mp re</p><p>e rra d o ? O u d ia nte d e um p ra zo q ue já se e sg o to u e c o nd uz a uma</p><p>multa a uto má tic a q ue nã o fo i d ivulg a d a d e mo d o a p ro p ria d o p e la</p><p>a uto rid a d e p úb lic a ? O u d e uma ta xa ç ã o injusta e a b usiva q ue o</p><p>G o ve rno no va me nte d e c id iu instituir d e mo d o d rá stic o e se m</p><p>c o nsulta ?</p><p>No s Esta d o s Unid o s, na Fra nç a e na Ing la te rra , so me nte p a ra</p><p>c ita r trê s b o ns e xe mp lo s, a s re g ra s o u sã o o b e d e c id a s o u nã o e xiste m.</p><p>Ne ssa s so c ie d a d e s, sa b e -se q ue nã o há praze r a lg um e m e sc re ve r</p><p>no rma s q ue c o ntra ria m e , e m a lg uns c a so s, a vilta m o b o m se nso e a s</p><p>re g ra s d a p ró p ria so c ie d a d e , a b rind o c a minho p a ra a c o rrup ç ã o</p><p>b uro c rá tic a e a mp lia nd o a d e sc o nfia nç a no p o d e r p úb lic o . Assim,</p><p>d ia nte d e ssa e no rme c o e rê nc ia e ntre a re g ra juríd ic a e a s p rá tic a s</p><p>d a vid a d iá ria , o ing lê s, o fra nc ê s e o no rte -a me ric a no p a ra m d ia nte</p><p>d e uma p la c a d e trâ nsito q ue o rd e na p a ra r, o q ue — p a ra nó s —</p><p>p a re c e um a b surd o ló g ic o e so c ia l, p e la s ra zõ e s já ind ic a d a s. Fic a mo s,</p><p>p o is, se mp re c o nfund id o s e , a o me smo te mp o , fa sc ina d o s c o m a</p><p>c ha ma d a d isc ip lina e xiste nte ne sse s p a íse s. Aliá s, é c urio so q ue a</p><p>no ssa p e rc e p ç ã o d e ssa o b e d iê nc ia à s le is unive rsa is se ja tra d uzid a e m</p><p>te rmo s d e c iviliza ç ã o e d isc ip lina , e d uc a ç ã o e o rd e m, q ua nd o na</p><p>re a lid a d e e la é d e c o rre nte d e uma simp le s e d ire ta a d e q ua ç ã o</p><p>e ntre a p rá tic a so c ia l e o mund o c o nstituc io na l e juríd ic o . É isso q ue</p><p>fa z a o b e d iê nc ia q ue ta nto a d mira mo s e , ta mb é m, e ng e nd ra a q ue la</p><p>c o nfia nç a d e q ue ta nto se ntimo s fa lta . Po rq ue , ne ssa s so c ie d a d e s, a</p><p>le i nã o é fe ita p a ra e xp lo ra r o u sub me te r o c id a d ã o , o u c o mo</p><p>instrume nto p a ra c o rrig ir e re inve nta r a so c ie d a d e . Lá , a le i é um</p><p>instrume nto q ue fa z a so c ie d a d e func io na r b e m e isso — c o me ç a mo s</p><p>a e nxe rg a r — já é um b o c a d o ! C la ro e stá q ue um d o s re sulta d o s</p><p>d e ssa c o nfia nç a é uma a p lic a ç ã o se g ura d a le i q ue , p o r se r no rma</p><p>unive rsa l, nã o p o d e p a c tua r c o m o privilé g io o u c o m a le i p riva d a ,</p><p>a q ue la no rma q ue se a p lic a d ife re nc ia lme nte se o c rime o u a fa lta fo i</p><p>c o me tid a p o r p e sso a s d ife re nc ia lme nte situa d a s na e sc a la so c ia l. Isso</p><p>q ue o c o rre d ia ria me nte no Bra sil, q ua nd o , d ig a mo s, um b a c ha re l</p><p>c o me te um a ssa ssina to e te m d ire ito a p risã o e sp e c ia l e um</p><p>o p e rá rio , d ia nte d a me sma le i, nã o te m ta l d ire ito p o rq ue nã o é ,</p><p>o b via me nte , b a c ha re l... A d e struiç ã o d o p rivilé g io e ng e nd ro u uma</p><p>justiç a á g il e o p e ra tiva na b a se d o c e rto o u e rra d o . Uma justiç a q ue</p><p>nã o a c e ita o ma is-o u-me no s e a s ind e fe c tíve is g ra d a ç õ e s e</p><p>hie ra rq uia s q ue no rma lme nte a c o mp a nha m a ritua liza ç ã o le g a l</p><p>b ra sile ira , q ue p a ra to d o s o s d e lito s e sta b e le c e virtua lme nte um p e so</p><p>e uma e sc a la . Assim, a q ui, to d o s p o d e m se r p rimá rio s o u nã o ; e o s</p><p>c rime s a d mite m g ra us d e e xe c uç ã o , e sta nd o d e a c o rd o c o m o</p><p>p rinc íp io hie rá rq uic o q ue g o ve rna a so c ie d a d e . Suste nto q ue é</p><p>p re c isa me nte e ssa p o ssib ilid a d e d e g ra d a ç ã o q ue p e rmite a</p><p>inte rfe rê nc ia d a s re la ç õ e s p e sso a is c o m a le i unive rsa l, d</p><p>a nd o -lhe —</p><p>e m c a d a c a so — uma e sp é c ie d e c urva tura e sp e c ífic a q ue imp e d e</p><p>sua a p lic a b ilid a d e unive rsa l q ue ta nto c la ma mo s e re c la ma mo s.</p><p>Po r tud o isso , so mo s um p a ís o nd e a le i se mp re sig nific a o “ nã o</p><p>p o d e !” fo rma l, c a p a z d e tira r to d o s o s p ra ze re s e d e sma nc ha r to d o s</p><p>o s p ro je to s e inic ia tiva s. De fa to , é a la rma nte c o nsta ta r q ue a</p><p>le g isla ç ã o d iá ria d o Bra sil é uma re g ula me nta ç ã o d o “ nã o p o d e ” , a</p><p>p a la vra “ nã o ” q ue sub me te o c id a d ã o a o Esta d o se nd o usa d a d e</p><p>fo rma g e ra l e c o nsta nte . O ra , é p re c isa me nte p o r tud o isso q ue</p><p>c o nse g uimo s d e sc o b rir e a p e rfe iç o a r um mo d o , um je ito , um e stilo d e</p><p>na ve g a ç ã o so c ia l q ue p a ssa se mp re na s e ntre linha s d e sse s</p><p>p e re mp tó rio s e a uto ritá rio s “ nã o p o d e !” . Assim , e ntre o “ p o d e ” e o</p><p>“ nã o p o d e ” , e sc o lhe mo s, d e mo d o c ho c a nte me nte a ntiló g ic o , ma s</p><p>sing ula rme nte b ra sile iro , a junç ã o d o “ p o d e ” c o m o “ nã o p o d e ” . Po is</p><p>b e m, é e ssa junç ã o q ue p ro d uz to d o s o s tip o s d e “ je itinho s” e</p><p>a rra njo s q ue fa ze m c o m q ue p o ssa mo s o p e ra r um siste ma le g a l q ue</p><p>q ua se se mp re na d a te m a ve r c o m a re a lid a d e so c ia l.</p><p>O “ je ito ” é um mo d o e um e stilo d e re a liza r. Ma s q ue mo d o é</p><p>e sse ? É ló g ic o q ue e le ind ic a a lg o imp o rta nte . É, so b re tud o , um mo d o</p><p>simp á tic o , d e se sp e ra d o o u huma no d e re la c io na r o impe sso a l c o m o</p><p>p e sso a l; no s c a so s — o u no c a so — d e p e rmitir junta r um p ro b le ma</p><p>p e sso a l (a tra so , fa lta d e d inhe iro , ig no râ nc ia d a s le is p o r fa lta d e</p><p>d ivulg a ç ã o , c o nfusã o le g a l, a mb ig üid a d e d o te xto d a le i, má vo nta d e</p><p>d o a g e nte d a no rma o u d o usuá rio , injustiç a d a p ró p ria le i, fe ita p a ra</p><p>uma d a d a situa ç ã o , ma s a p lic a d a unive rsa lme nte e tc .) c o m um</p><p>p ro b le ma imp e sso a l. Em g e ra l, o je ito é um mo d o p a c ífic o e a té</p><p>me smo le g ítimo d e re so lve r ta is p ro b le ma s, p ro vo c a nd o e ssa junç ã o</p><p>inte ira me nte c a suístic a d a le i c o m a p e sso a q ue a e stá utiliza nd o O</p><p>p ro c e sso é simp le s e a té me smo to c a nte . C o nsta d e um d ra ma e m</p><p>trê s a to s q ue to d o s c o nhe c e m:</p><p>1o Ato : Uma p e sso a q ue nã o é vista p o r ning ué m, ig no ra d a e m</p><p>ra zã o d e sua a p a rê nc ia e mo d o d e a p re se nta ç ã o , c he g a a um lo c a l</p><p>p a ra se r a te nd id a p o r um se rvid o r p úb lic o q ue é uma a uto rid a d e e</p><p>d e la e stá imb uíd o . A a uto rid a d e nã o sa b e q ue m é a p e sso a q ue</p><p>c he g o u e ne m q ue r sa b e r. Essa d istinç ã o e ntre a humild a d e d e q ue m</p><p>c he g a e a sup e rio rid a d e d e q ue m e stá p ro te g id o p e lo b a lc ã o d a</p><p>instituiç ã o é , a liá s, um e le me nto fo rte na hie ra rq uiza ç ã o d a s p o siç õ e s</p><p>so c ia is. Po is b e m, o humild e c id a d ã o c he g a e p e d e o q ue d e se ja ...</p><p>2o Ato : O func io ná rio c usta a a te nd e r a so lic ita ç ã o . Diz q ue</p><p>nã o p o d e se r a ssim e a ind a c o mp lic a ma is a s c o isa s, ind ic a nd o a s</p><p>c o nfusõ e s d o so lic ita nte e a s p e na lid a d e s le g a is a q ue p o d e rá e sta r</p><p>suje ito . C ria -se , e ntã o , um imp a sse . Dia nte d e um usuá rio ho ne sto , há</p><p>a o p iniã o d o func io ná rio q ue re p re se nta a le i e , p o r isso me smo , nã o</p><p>e nxe rg a q ua lq ue r ra zã o p e sso a l o u hum a na p a ra tra ta r o</p><p>so lic ita nte d e m o d o a g ra d á ve l. De fa to , a le i, e o fa to d e e le se r o</p><p>se u re p re se nta nte , c e g a -o c o mp le ta me nte p a ra e ssa s ra zõ e s</p><p>huma nitá ria s q ue d e c e rto e sta b e le c e ria m e se ria m p a rte e p a rc e la</p><p>d e uma c o nc e p ç ã o d e c id a d a nia p o sitiva , isto é , uma c id a d a nia</p><p>na q ua l o s ind ivíd uo s tê m o s se us d ire ito s a sse g ura d o s e re sp e ita d o s</p><p>e m to d a s a s situa ç õ e s. Ne ssa situa ç ã o , o so lic ita nte nã o é na d a . Ê</p><p>a p e na s um indivíduo q ua lq ue r q ue , c o mo um núme ro , um c a so</p><p>c o mp lic a d o , um e sto rvo o u um re q ue rime nto , so lic ita a lg o . Te mo s</p><p>a q ui um alg ué m q ue é ning ué m. Ele , o b via me nte , re p re se nta o</p><p>huma no e o p e sso a l numa situa ç ã o imp e sso a l e g e ra l...</p><p>3o Ato : Dia nte d o imp a sse — p o is o func io ná rio d iz q ue nã o</p><p>p o d e e o c id a d ã o d e se ja re so lve r o se u c a so —, há a so luç ã o q ue</p><p>d e nunc ia e a jud a a ve r o ma p a d e na ve g a ç ã o so c ia l. No s p a íse s</p><p>ig ua litá rio s, nã o há muita d isc ussã o : o u se p o d e fa ze r o u nã o se p o d e .</p><p>No Bra sil, p o ré m, e ntre o “ p o d e ” e o “ nã o p o d e ” , e nc o ntra mo s um</p><p>“ je ito ” . Na fo rma c lá ssic a d o “ je itinho ” , so lic ita -se p re c isa me nte isso :</p><p>um je itinho q ue p o ssa c o nc ilia r to d o s o s inte re sse s, c ria nd o uma</p><p>re la ç ã o a c e itá ve l e ntre o so lic ita nte , o func io ná rio -a uto rid a d e e a le i</p><p>unive rsa l. G e ra lme nte , isso se d á q ua nd o a s mo tiva ç õ e s p ro fund a s</p><p>d e a mb a s a s p a rte s sã o c o nhe c id a s; o u ime d ia ta me nte , q ua nd o</p><p>a mb o s d e sc o b re m um e lo e m c o mum. Ta l e lo p o d e se r b a na l (to rc e r</p><p>p e lo me smo time ) o u e sp e c ia l (um a mig o c o mum, o u uma</p><p>instituiç ã o p e la q ua l a mb o s p a ssa ra m o u, a ind a , o fa to de se te r</p><p>na sc ido na me sma c id a d e ...) . A ve rd a d e é q ue a invo c a ç ã o d a</p><p>re la ç ã o p e sso a l, d a re g io na lid a d e , d o g o sto , d a re lig iã o e d e o utro s</p><p>fa to re s e xte rno s à q ue la situa ç ã o p o d e rá p ro vo c a r uma re so luç ã o</p><p>sa tisfa tó ria o u me no s injusta . Essa é a fo rma típ ic a d o “ je itinho ” , e há</p><p>p e sso a s e sp e c ia lista s ne la . Uma d e sua s p rime ira s re g ra s é nã o usa r o</p><p>a rg ume nto ig ua lme nte a uto ritá rio , o q ue ta mb é m p o d e o c o rre r, ma s</p><p>q ue le va a um re fo rç o d a má vo nta d e d o func io ná rio . De fa to ,</p><p>q ua nd o se d e se ja utiliza r o a rg ume nto (o u me lho r, c o ntra -a rg ume nto )</p><p>d a a uto rid a d e c o ntra o func io ná rio , o je itinho é um a to d e fo rç a q ue</p><p>no Bra sil é c o nhe c id o c o mo o fa mo so e e sc o nd id o “ sa b e c o m</p><p>q ue m e stá fa la nd o ? ” Aq ui, a o c o ntrá rio d o je itinho e q ua se c o mo o</p><p>se u simé tric o e inve rso , nã o se b usc a um a ig ua ld a d e sim p á tic a o u</p><p>uma re la ç ã o c o ntínua c o m o a g e nte d a le i q ue e stá p o r trá s d o</p><p>b a lc ã o . Ma s, isso sim, b usc a -se uma hie ra rq uiza ç ã o ina p e lá ve l e ntre</p><p>o usuá rio e o a te nd e nte . De ta l mo d o q ue , d ia nte d o “ nã o p o d e ” d o</p><p>func io ná rio , e nc o ntra -se um “ nã o p o d e d o nã o p o d e ” fe ito p e la</p><p>invo c a ç ã o d o “ sa b e c o m q ue m e stá fa la nd o ? So u filho d o Ministro !” ,</p><p>e p ro nto !, g e ra -se lo g o um tre me nd o imp a sse a uto ritá rio q ue</p><p>d e p e nd e rá , p a ra a sua so luç ã o , d o s d e vid o s trunfo s d e q ue m e stá</p><p>imp lic a d o no d ra ma .</p><p>De q ua lq ue r mo d o , um “ je ito ” fo i d a d o . Uma fo rma d e</p><p>re</p><p>so luç ã o fo i o b tid a . E a lig a ç ã o e ntre a le i e o c a so c o nc re to fic a</p><p>re a liza d a sa tisfa to ria me nte p a ra a mb a s a s p a rte s. “ Je itinho .” e “ vo c ê</p><p>sa b e c o m q ue m e stá fa la nd o ? ” sã o , p o is, o s d o is p ó lo s d e uma</p><p>me sma situa ç ã o . Um é um mo d o ha rmo nio so d e re so lve r a d isp uta ; o</p><p>o utro é um mo d o c o nflituo so e um ta nto d ire to d e re a liza r a me sma</p><p>c o isa . O “ je ito ” te m muito d e c a nta d a , d e ha rmo niza ç ã o d e inte re sse s</p><p>a p a re nte me nte o p o sto s, ta l c o mo o c o rre q ua nd o uma mulhe r</p><p>e nc o ntra um ho me m e a mb o s, inte re ssa d o s num e nc o ntro</p><p>ro mâ ntic o , d e ve m d isc utir a fo rma q ue e sse e nc o ntro d e ve rá</p><p>a ssumir. O “ sa b e c o m q ue m e stá fa la nd o ? ” , p o r se u la d o , a firma um</p><p>e stilo d ife re nte , o nd e a a uto rid a d e é re a firma d a , ma s c o m a</p><p>ind ic a ç ã o d e q ue o siste ma é e sc a lo na d o e nã o te m uma fina lid a d e</p><p>muito c e rta o u p re c isa . Há se mp re o utra a uto rid a d e , a ind a ma is a lta ,</p><p>a q ue m se p o d e rá re c o rre r. E a ssim a s c a rta s sã o la nç a d a s...</p><p>A ma la ndra g e m , c o mo o utro no me p a ra a fo rma d e</p><p>na ve g a ç ã o so c ia l na c io na l, fa z p re c isa me nte o me smo . O ma la nd ro ,</p><p>p o rta nto , se ria um p ro fissio na l d o “ je itinho ” e d a a rte d e so b re vive r</p><p>na s situa ç õ e s ma is d ifíc e is. Aq ui, ta mb é m, te mo s e sse re la c io na me nto</p><p>c o mp le xo e c ria tivo e ntre o ta le nto p e sso a l e a s le is q ue e ng e nd ra m</p><p>— no c a so d a ma la nd ra g e m — o uso d e “ e xp e d ie nte s” , d e</p><p>“ histó ria s” e d e “ c o nto s-d o -vig á rio ” , a rtifíc io s p e sso a is q ue na d a ma is</p><p>sã o q ue mo d o s e ng e nho so s d e tira r p a rtid o d e c e rta s situa ç õ e s,</p><p>ig ua lme nte usa nd o o a rg ume nto d a le i o u d a no rma q ue va le p a ra</p><p>to d o s, c o mo o c o rre no c o nto d a ve nd a d o b ilhe te d e lo te ria</p><p>p re mia d o . Aq ui, o ma la nd ro d e se ja ve nd e r um b ilhe te p re mia d o p e la</p><p>q ua rta p a rte d o se u p re ç o justo e a rma uma situa ç ã o o nd e se rá</p><p>fa ta lme nte a vítima . Ma s o fa to é q ue o c o mp ra d o r é q ue se rá</p><p>ro ub a d o . A situa ç ã o se a rma p re c isa me nte p e lo uso a b usivo e</p><p>d e so ne sto d a s lista s o fic ia is d a lo te ria (q ue le g itima m o p rê mio ) e</p><p>p e lo s d e ve re s d e p a re nte sc o , q ue o b rig a m, na histó ria d o ma la nd ro ,</p><p>a uma via g e m ine sp e ra d a d o nd e a ne c e ssid a d e d e ve nd e r um</p><p>b ilhe te p re mia d o . Ne ssa e strutura típ ic a d e um c o nto -d o -vig á rio ,</p><p>no ta -se a me sma c o ntra d iç ã o e ntre a imp e sso a lid a d e d a lo te ria e d a</p><p>so rte e a p e sso a lid a d e d a s re la ç õ e s p e sso a is q ue se d ã o e m vá rio s</p><p>níve is. O d ra ma re sid e p re c isa me nte no mo d o e sp e c ia l d e c o njug a r o</p><p>p e sso a c o m o imp e sso a l.</p><p>Do la d o d o ma la nd ro , e c o mo o se u o p o sto so c ia l, te mo s a</p><p>fig ura d o de spac hante , e sse e sp e c ia lista e m e ntra r e m c o nta to c o m</p><p>a s re p a rtiç õ e s o fic ia is p a ra a o b te nç ã o d e d o c ume nto s q ue</p><p>no rma lme nte imp lic a m a s c o nfusõ e s q ue me nc io ne i linha s a nte s, a o</p><p>d e sc re ve r d e ta lha d a me nte o “ je itinho ” . O d e sp a c ha nte , c o mo fig ura</p><p>so c io ló g ic a , só p o d e se r visto e m sua e no rme imp o rtâ nc ia q ua nd o</p><p>no va me nte no s d a mo s c o nta d e ssa e no rme d ific uld a d e b ra sile ira d e</p><p>junta r a le i c o m a re a lid a d e so c ia l d iá ria . Assim, o d e sp a c ha nte p a re c e</p><p>ma is um p a d rinho . Ta l c o mo o p a d rinho , e le é um me d ia d o r e ntre a le i</p><p>e uma p e sso a . Do me smo mo d o q ue um p a trã o d e ve d a r e mp re g o e</p><p>b o a s c o nd iç õ e s d e tra b a lho a se us e mp re g a d o s, o d e sp a c ha nte</p><p>d e ve g uia r se us c lie nte s p e lo s e stre ito s e p e rig o so s me a nd ro s d a s</p><p>re p a rtiç õ e s o fic ia is, fa ze nd o c o m q ue sig a m o c a minho c e rto . Só q ue</p><p>o d e sp a c ha nte é um p a d rinho p a ra b a ixo . Dig o p a ra b a ixo p o rq ue a s</p><p>c la sse s mé d ia e a lta d o Bra sil tê m ve rd a d e ira a ve rsã o a tud o q ue a</p><p>fa ç a se ntir-se c o mo p e sso a c o mum, ind ivíd uo suje ito a re je iç õ e s e</p><p>d e sa g ra d á ve is e nc o ntro s c o m a uto rid a d e s se m o me no r tra ç o d e</p><p>b o a vo nta d e . Assim, se nã o se te m um a mig o o u uma re la ç ã o q ue</p><p>p o ssa im e d ia ta m e nte fa c ulta r o “ je itinho ” , c o ntra ta -se um</p><p>d e sp a c ha nte , q ue re a liza p re c isa me nte e ssa ta re fa .</p><p>Po r tud o isso , nã o há no Bra sil q ue m nã o c o nhe ç a a</p><p>ma la nd ra g e m, q ue nã o é só um tip o d e aç ão c o nc re ta situa d a e ntre</p><p>a le i e a p le na d e so ne stid a d e , ma s ta mb é m, e so b re tud o , é uma</p><p>p o ssib ilid a d e d e p ro c e d e r so c ia lme nte , um mo d o tip ic a me nte</p><p>b ra sile iro d e c ump rir o rd e ns a b surd a s, uma fo rma o u e stilo d e</p><p>c o nc ilia r o rd e ns im p o ssíve is d e se re m c ump rid a s c o m situa ç õ e s</p><p>e sp e c ífic a s, e — ta mb é m — um mo d o a mb íg uo d e b urla r a s le is e a s</p><p>no rma s so c ia is ma is g e ra is.</p><p>A p o ssib ilid a d e d e a g ir c o mo ma la nd ro se d á e m to d o s o s</p><p>lug a re s. Ma s há uma á re a o nd e c e rta me nte e la é p rivile g ia d a . Q ue ro</p><p>re fe rir-me à re g iã o d o p ra ze r e d a se nsua lid a d e , zo na o nd e o</p><p>ma la nd ro é o c o nc re tiza d o r d a b o ê mia e o suje ito e sp e c ia l d a b o a</p><p>vid a . Aq ue la e xistê nc ia q ue p e rmite d e se ja r o má ximo d e p ra ze r e</p><p>b e m-e sta r, c o m um mínimo d e tra b a lho e e sfo rç o . O ma la nd ro ,</p><p>e ntã o , c o nfo rme te nho a c e ntua d o e m me us e stud o s, é uma</p><p>p e rso na g e m na c io na l. É um p a p e l so c ia l q ue e stá à no ssa d isp o siç ã o</p><p>p a ra se r vivid o no mo me nto e m q ue a c ha rmo s q ue a le i p o d e se r</p><p>e sq ue c id a o u a té me smo b urla d a c o m c e rta c la sse o u je ito . No Bra sil,</p><p>e ntã o , p o d e mo s se r c a xia s o u a uto ritá rio s, c o mo p e rso na g e ns típ ic o s</p><p>d o mund o d a s le is e d a o rd e m; p o d e mo s se r re nunc ia d o re s e b e a to s</p><p>q ue q ue re m e sta r fo ra d e ste mund o , q ua nd o so mo s re lig io so s e</p><p>p re te nd e mo s fund a r um mo d o d e e xistê nc ia p a ra le lo ; e p o d e mo s</p><p>ta mb é m se r ma la nd ro s e je ito so s, p o lític o s há b e is e sa g a ze s, q ua nd o</p><p>nã o e nfre nta mo s a le i c o m a sua mo d ific a ç ã o o u re je iç ã o fro nta l,</p><p>ma s a p e na s a d o b ra mo s o u simp le sme nte p a ssa mo s p o r c ima d e la .</p><p>Q ue r d ize r, ta l c o mo a c o nte c e c o m o se u mo d o d e a nd a r, o</p><p>ma la nd ro é a q ue le q ue — c o mo to d o s nó s — se mp re e sc o lhe fic a r</p><p>no me io d o c a minho , junta nd o , d e mo d o q ua se se mp re huma no , a</p><p>le i, imp e sso a l e imp o ssíve l, c o m a a miza d e e a re la ç ã o p e sso a l, q ue</p><p>d ize m q ue c a d a ho me m é um c a so e c a d a c a so d e ve se r tra ta d o d e</p><p>mo d o e sp e c ia l.</p><p>Ma s nã o fic a mo s so me nte nisso . Te mo s g ra nd e s a rq ué tip o s d a</p><p>ma la nd ra g e m, fig ura s q ue d e se nha ra m c o mo ning ué m o p a p e l e o</p><p>tip o</p><p>. G e nte c o mo Pe d ro Ma la sa rte s, q ue fo i c a p a z d e re a liza r uma</p><p>sé rie d e tra nsfo rma ç õ e s imp o ssíve is a o ho me m c o mum. Assim, e le</p><p>sup e ro u a e xp lo ra ç ã o e c o nô mic a e p o lític a d o se u tra b a lho ,</p><p>c o nd e na nd o o fa ze nd e iro q ue o e sp o lia va . C o nse g uiu ta mb é m</p><p>tra nsfo rma r a imo b ilid a d e d a misé ria numa ve nturo sa vid a d e</p><p>via ja nte se m p o uso o u c a sa , situa ç ã o d e o nd e p o d e se mp re e nxe rg a r</p><p>tud o e g a nha r no va s e xp e riê nc ia s. Pe d ro Ma la sa rte s fo i ta mb é m</p><p>c a p a z d e p ro e za s inc ríve is, c o mo e xp lo ra r o s ric o s, ve nd e r me rd a</p><p>c o mo se fo sse riq ue za e le va r a ho ne stid a d e a o me io d e p e sso a s</p><p>d e so ne sta s. Sua s a ve ntura s no s ind ic a m q ue a vid a c o nté m se mp re o</p><p>b o m e o ma u, o la d o huma no e o d e suma no e sta nd o mistura d o s d e</p><p>mo d o irre me d iá ve l e m to d o s e tud o . Assim, Pe d ro Ma la sa rte s, c o mo</p><p>to d o s o s ma la nd ro s, ta lve z no s d ig a q ue é p re c iso to ma r c o nsc iê nc ia</p><p>d e sse s d o is la d o s p a ra p o d e r e sc o lhe r uma vid a huma na me nte d ig na .</p><p>A ma la nd ra g e m, a ssim, nã o é simp le sme nte uma sing ula rid a d e</p><p>inc o nse q üe nte d e to d o s nó s, b ra sile iro s. O u uma re ve la ç ã o d e c inismo</p><p>e g o sto p e lo g ro sse iro e p e lo d e so ne sto . É muito ma is q ue isso . De fa to ,</p><p>tra ta -se me smo d e um mo d o — je ito o u e stilo — p ro fund a me nte</p><p>o rig ina l e b ra sile iro d e vive r, e à s ve ze s so b re vive r, num siste ma e m</p><p>q ue a c a sa ne m se mp re fa la c o m a rua e a s le is fo rma is d a vid a</p><p>p úb lic a na d a tê m a ve r c o m a s b o a s re g ra s d a mo ra lid a d e c o stume ira</p><p>q ue g o ve rna m a no ssa ho nra , o re sp e ito e , so b re tud o , a le a ld a d e</p><p>q ue d e ve m o s a o s a m ig o s, a o s p a re nte s e a o s c o mp a d re s. Num</p><p>mund o tã o p ro fund a me nte d ivid id o , a ma la nd ra g e m e o “ je itinho ”</p><p>p ro mo ve m uma e sp e ra nç a d e tud o junta r numa to ta lid a d e</p><p>ha rmo nio sa e c o nc re ta . Essa é a sua imp o rtâ nc ia , e sse é o se u a c e no .</p><p>Aí e stá a sua ra zã o d e e xistir c o mo va lo r so c ia l.</p><p>Ante s d e se r um a c id e nte o u me ro a sp e c to d a vid a so c ia l</p><p>b ra sile ira , c o isa se m c o nse q üê nc ia , a ma la nd ra g e m é um mo d o</p><p>p o ssíve l d e se r. Alg o muito sé rio , c o nte nd o sua s re g ra s, e sp a ç o s e</p><p>p a ra d o xo s...</p><p>Isso e stá b e m d e a c o rd o c o m o q ue no s d isse Pe ro Va z d e</p><p>C a minha , no fina lzinho d e sua c a rta histó ric a , fund a d o ra d o no sso</p><p>mo d o d e se r, d e p o is d e d a r a o re i a s ma ra vilho sa s no tíc ia s d a te rra</p><p>b ra sile ira . Ali, na q ue le p e d a ç o te rmina l e na q ue la ho ra d e a rre ma te ,</p><p>C a minha a rrisc a , ma la nd ra me nte , o se g uinte : “ E ne sta ma ne ira ,</p><p>Se nho r, d o u a q ui a Vo ssa Alte za c o nta d o q ue ne sta te rra vi. E, se</p><p>a lg um p o uc o me a lo ng ue i, Ela me p e rd o e , p o is o d e se jo q ue tinha d e</p><p>tud o vo s d ize r, mo fe z p o r a ssim p e lo miúd o . E p o is q ue , Se nho r, é c e rto</p><p>q ue , a ssim ne ste c a rg o q ue le vo , c o mo e m o utra q ua lq ue r c o isa q ue</p><p>d e Vo sso se rviç o fo r, Vo ssa Alte za há d e se r d e mim muito b e m</p><p>se rvid a , a Ela p e ç o q ue , p o r me fa ze r g ra ç a e sp e c ia l, ma nd e vir d a</p><p>Ilha d e Sã o To mé a Jo rg e d e O só rio , me u g e nro — o q ue d e la</p><p>re c e b e re i e m muita me rc ê .”</p><p>E c o nc lui C a minha , c o mo a té ho je ma nd a o no sso fig urino d e</p><p>ma la nd ra g e m: “ Be ijo a s mã o s d e Vo ssa Alte za . De ste Po rto Se g uro d e</p><p>Vo ssa Ilha d e Ve ra C ruz, ho je , se xta -fe ira , p rime iro d ia d e ma io d e 1500.</p><p>Pe ro Va z d e C a minha .”</p><p>Se rá q ue é p re c iso d ize r ma is a lg uma c o isa ?</p><p>Os caminhos para Deus</p><p>Nó s, b ra sile iro s, ma rc a mo s c e rto s e sp a ç o s c o mo re fe rê nc ia s</p><p>e sp e c ia is d a no ssa so c ie d a d e . A c asa, o nd e mo ra mo s, c o me mo s e</p><p>d o rmimo s — vive mo s, e nfim ... A rua , o nd e tra b a lha mo s e g a nha mo s a</p><p>luta p e la vid a . A c a d a um d e sse s e sp a ç o s, o nd e c o nvive mo s c o m</p><p>p a re nte s, a mig o s e c o le g a s d e tra b a lho , d e ve mo s so ma r um o utro ,</p><p>nã o me no s re fe re nc ia l e c rític o . Q ue ro re fe rir-m e a o e sp a ç o d o</p><p>o utro mundo , e ssa á re a d e ma rc a d a p o r ig re ja s, c a p e la s, e rmid a s,</p><p>te rre iro s, c e ntro s e sp írita s, sina g o g a s, te mp lo s, c e mité rio s e tud o</p><p>a q uilo q ue fa z p a rte e sina liza a s fro nte ira s e ntre o mund o e m q ue</p><p>vive mo s e e sse “ o utro mund o ” o nd e , um d ia , ta mb é m ire mo s</p><p>ha b ita r. Esse mund o ha b ita d o p o r mo rto s, fa nta sma s, a lma s, sa nto s,</p><p>a njo s, o rixá s, d e use s, De us, a Virg e m Ma ria e Je sus C risto , p a ra o nd e</p><p>to d o s vã o e d e o nd e ning ué m re to rna ... o u p e lo me no s re to rna c o m</p><p>fa c ilid a d e .</p><p>Se na c asa e na rua utiliza mo s o id io ma d o d inhe iro e a</p><p>ling ua g e m d a s c ifra s, d o s núme ro s, d o s sa lá rio s, d o s c á lc ulo s e d a s</p><p>c o isa s p rá tic a s d e ste m und o , no unive rso d a re lig iã o e sta mo s muito</p><p>ma is inte re ssa d o s e m c o nve rsa r c o m De us, c o m o s sa nto s, c o m a</p><p>Virg e m Ma ria e Je sus C risto , e c o m to d a a le g iã o d e e ntid a d e s q ue a li</p><p>ha b ita m. No sso mo d o d e re la c io na me nto a q ui é d ife re nte . Em ve z d e</p><p>d isc ursa r, re za mo s; e m ve z d e o rd e na r, p e d imo s; e m ve z d e</p><p>simp le sme nte fa la r, c o mo fa ze mo s ha b itua lme nte , c o njug a mo s a</p><p>fo rma d a me nsa g e m c o m se u c o nte úd o , sup lic a mo s. O mo d o d e</p><p>c o munic a ç ã o c o m o a lé m e se us ha b ita nte s, a ssim, é fo rma liza d o e</p><p>sup lic a nte . Fe ito d e p re c e s, re za s e d isc urso s o nd e se a c e ntua m a</p><p>c â nd id a sinc e rid a d e , a ho ne sta súp lic a , a no b re humild a d e e ,</p><p>na tura lme nte , a fo rmid á ve l p ro me ssa d e re nunc ia r a o mund o , c o m</p><p>sua s p o mp a s e ho nra s.</p><p>Existe m fo rma s d e fa la r c o m o mund o d e De us q ue sã o so litá ria s</p><p>e o utra s q ue sã o c o le tiva s. C o le tiva me nte , o mo d o ma is c o mum é</p><p>a tra vé s d a c a nto ria , o nd e a p re c e fa z c o m q ue se junte m to d o s o s</p><p>p e d id o s num só , q ue d e ve “ sub ir” a o s c é us le va d o p e la s ha rmo nia s</p><p>d a s vo ze s q ue o e nto a m. De fa to , no no sso mo d o d e c o nc e b e r o</p><p>e sp a ç o re lig io so , a linha ve rtic a l e hie ra rq uiza d a , q ue re la c io na o c é u</p><p>c o m a te rra e o a lto c o m o b a ixo , é a lg o d o mina nte e c rític o . O</p><p>“ a lto ” , c o nfo rme sa b e mo s muito b e m, é tud o q ue é sup e rio r, tud o q ue</p><p>d e ve se r ma is no b re e ma is fo rte , tud o q ue te m ma is p o d e r. É lá ne ssa</p><p>e sfe ra situa d a e m c ima q ue mo ra m o s a njo s, o s sa nto s e to d a s a s</p><p>e ntid a d e s q ue no s p o d e m p ro te g e r e g uia r o s d e stino s. O “ b a ixo ” é a</p><p>te rra e m q ue vive mo s: va le d e lá g rima s o nd e so fre mo s, tra b a lha mo s e</p><p>fina lme nte mo rre mo s. A re za , a fe stivid a d e re lig io sa e o c a nto</p><p>p ro p ic ia tó rio c o le tivo sã o me io s d e se c he g a r a té e ssa</p><p>s re g iõ e s</p><p>sup e rio re s, lig a nd o o a q ui e a g o ra c o m o a lé m e o infinito .</p><p>Se ria a té me smo p o ssíve l, ne sta linha d e a b o rd a g e m, d ize r q ue</p><p>c e rta s re za s — o u fo rma s d e c o munic a ç ã o c o m o so b re na tura l —</p><p>se ria m ma is fo rte s o u ma is fra c a s q ue o utra s, tud o d e ntro d a no ssa</p><p>ló g ic a d e g ra d a ç ã o d o mina nte . Assim, a s fo rma s q ue imp lic a m o</p><p>e nvo lvime nto d a ma io ria d o s se ntid o s se ria m p ro va ve lme nte ma is</p><p>fo rte s e irre sistíve is a o s sa nto s, d e use s e e sp írito s d o q ue a s</p><p>mo d a lid a d e s e m q ue a p e na s um se ntid o e stá e nvo lvid o . As fo rm a s</p><p>ind ivid ua is, p o r sua ve z, se ria m no rma lme nte a s ma is fra c a s, e mb o ra a</p><p>fé , a e sp e ra nç a e a c a rid a d e d e c a d a um se ja m ta mb é m e le me nto s</p><p>imp o rta nte s no a te nd ime nto d e sua s súp lic a s o u p re c e s. Do me smo</p><p>mo d o , a s súp lic a s a c o mp a nha d a s d e o b je to s, na fo rma d e</p><p>p ro me ssa s, o fe re nd a s e sa c rifíc io s, sã o na tura lme nte ma is fo rte s q ue</p><p>um simp le s p e d id o ve rb a l, p o is q ue e la s imp lic a m um a to d e</p><p>c o me time nto muito ma is d e nso e d ra má tic o , à s ve ze s e xig ind o o</p><p>g a sto d e p a rc e la s d e d inhe iro q ue sã o c rític a s e m te rmo s d a</p><p>e c o no mia d o mé stic a e p e sso a l d o o fe rta nte . Alé m d isso , a p ro me ssa é</p><p>um p a c to q ue o b rig a o s d o is la d o s a a lg uma a ç ã o p o sitiva no se ntid o</p><p>d e re so lve r o p ro b le ma a p re se nta d o . Se e u, a ssim, p e ç o uma g ra ç a e</p><p>lo g o e m se g uid a me sa c rific o c o m a o fe rta d e a lg o p re c io so p a ra o</p><p>sa nto (o u sa nta ) d e minha d e vo ç ã o , a ló g ic a so c ia l fa z c o m q ue e le</p><p>(o u e la ) ta mb é m se o b rig ue a re so lve r me u p ro b le ma , a te nd e nd o</p><p>c o rte sme nte a minha súp lic a .</p><p>Tud o ind ic a q ue o sa nto a te nd e me lho r e re c o nhe c e ma is</p><p>c la ra me nte o e sfo rç o d o s mo rta is q ua nd o o p e d id o se fa z d e mo d o</p><p>so le ne e re sp e ito so , c o m a lg um fo rma lismo . As re za s e o s p e d id o s,</p><p>a ssim , “ so b e m ” m e lho r q ua nd o há um sina l visíve l d e c o munic a ç ã o</p><p>c o m o a lto ; a lg o q ue c rista lize e ssa lig a ç ã o , c o mo a fuma ç a d o</p><p>inc e nso o u a s luze s d a s ve la s q ue im a nd o ...</p><p>Ma s po r q ue se fa la c o m De us? As re spo sta s sã o muito va ria d a s.</p><p>Um fa to r so c io ló g ic o b á sic o , p o ré m, é q ue e xiste a ne c e ssid a d e d e</p><p>c o nstruir e sse g ra nd e e sp e lho a q ue c ha ma mo s re lig iã o p a ra d a r a</p><p>to d o s e a c a d a um d e nó s um se ntime nto d e c o munhã o c o m o</p><p>unive rso c o mo um to d o . A re lig iã o , a ssim, se ria um mo d o d e p e rmitir</p><p>uma re la ç ã o g lo b a liza d a nã o só c o m o s d e use s, ma s ta mb é m c o m</p><p>to d o s o s ho me ns e c o m o s se re s vivo s q ue fo rma m o no sso mund o .</p><p>Ta mb é m p e nsa mo s na re lig iã o c o mo um me io d e e xp lic a ç ã o p a ra</p><p>o s info rtúnio s — a s c o inc id ê nc ia s ne g a tiva s (c o m o a c id e nte s e</p><p>d o e nç a s) —, p o is a re lig iã o p o d e e xp lic a r p o r q ue uma p e sso a lig a d a</p><p>a nó s fic o u d o e nte , so fre u um a c id e nte fa ta l o u é vítima ind e fe sa e</p><p>g ra tuita d e d e se sp e ra d o ra a fliç ã o . A re lig iã o , ne sse se ntid o ,</p><p>a p re se nta ria a p o ssib ilid a d e d e re sg a ta r a ind ife re nç a d o mund o , e</p><p>d a s c o isa s d o mund o , re la tiva me nte à no ssa c o nsc iê nc ia e à sua</p><p>ne c e ssid a d e d e d a r um se ntid o p re c iso a tud o , o rd e na nd o a vid a e a s</p><p>re la ç õ e s e ntre a s c o isa s d a vid a . Fa la mo s ta mb é m d e re lig iã o q ua nd o</p><p>e sta mo s p e nsa nd o no mo d o p e lo q ua l a so c ie d a d e p re c isa le g itima r</p><p>o u justific a r a sua o rg a niza ç ã o , a sua ma ne ira d e se r e o s se us e stilo s</p><p>d e fa ze r. Assim, a re lig iã o p o d e e xp lic a r ta mb é m p o r q ue e xiste m</p><p>ric o s e p o b re s, fo rte s e fra c o s, d o e nte s e sã o s, d a nd o se ntid o p le no à s</p><p>d ife re nc ia ç õ e s d e p o d e r q ue p e rc e b e mo s c o mo p a rte d o no sso</p><p>mund o so c ia l. Assim c o mo há uma d ife re nc ia ç ã o no C é u, ha ve ria</p><p>ta mb é m uma d ife re nc ia ç ã o na te rra , muito e mb o ra , a o s o lho s d o</p><p>C ria d o r, to d o s se ja m sing ula re s e a ma d o s ig ua lme nte . Ne sse se ntid o ,</p><p>o u me lho r, e m to d o s e sse s se ntid o s, a re lig iã o se rve p a ra e xp lic a r — e</p><p>c e rta me nte o fa z d e mo d o ma is sa tisfa tó rio q ue a filo so fia o u a</p><p>c iê nc ia , p o is há so frime nto , d o e nç a , c a la mid a d e , injustiç a e a fliç ã o</p><p>ne ste mund o . E ma is: e la p o d e a té me smo d ize r p o r q ue c e rta</p><p>p e sso a e stá so fre nd o o q ue so fre , o q ue nã o d e ixa d e se r e no rme</p><p>c o nso lo p a ra q ue m vive e a c o mp a nha a a fliç ã o . Num c e rto se ntid o ,</p><p>p o rta nto , a re lig iã o o fe re c e re sp o sta s a p e rg unta s q ue ,</p><p>rig o ro sa me nte , nã o p o d e m se r re sp o nd id a s p e la c iê nc ia o u p e la</p><p>te c no lo g ia .</p><p>Ma s, a lé m d isso , a re lig iã o ma rc a e a jud a a fixa r mo me nto s</p><p>imp o rta nte s na vid a d e to d o s nó s. De sse mo d o , na sc ime nto s,</p><p>b a tiza d o s, c risma s, c o munhõ e s, c a sa me nto s e fune ra is — to d o s o s</p><p>mo me nto s q ue a ssina la m d ra ma tic a me nte uma c rise d e vid a e uma</p><p>p a ssa g e m na e sc a la d a e xistê nc ia so c ia l — sã o ma rc a d o s p e la</p><p>p re se nç a d a re lig iã o , q ue le g itima c o m o a va l d ivino o u so b re na tura l</p><p>uma p a ssa g e m q ue se d e se ja ne c e ssá ria ; a lg o q ue e ste ja insc rito , nã o</p><p>a p e na s numa c o nve nç ã o inve nta d a p e lo s ho me ns, m a s no p ró p rio</p><p>p ro je to .</p><p>Essa s fo rma s d e ma rc a r e ntra d a s e sa íd a s d o unive rso re lig io so sã o</p><p>e m g e ra l d ra má tic a s, e xig ind o rito s e sp e c ia is e tra b a lha d o s q ue</p><p>o p e ra m c o mo me d ia d o re s. Ta l c o mo a c o nte c e no no sso c o nhe c id o</p><p>ritua l d o b a tismo , e m q ue a c ria nç a e ntra na Ig re ja C a tó lic a e , a o</p><p>me smo te mp o , na so c ie d a d e , g a nha nd o simulta ne a me nte “ p a is</p><p>a d o tivo s” q ue re fo rç a m, c o mo p a d rinho s, sua s o b rig a ç õ e s c o mo se r</p><p>so c ia l. Assim, e mb o ra a p e sso a se ja c o nc e b id a p o r g e nito re s (o s se us</p><p>p a is b io ló g ic o s), há uma e xig ê nc ia d e p a d rinho s (o u p a is so c ia is) p a ra</p><p>q ue e la p o ssa p e ne tra r no c e rne d a vid a so c ia l, o q ue , no mund o</p><p>c a tó lic o , se re a liza a tra vé s d a Ig re ja e d o ritua l a p ro p ria d o d o</p><p>b a tismo . O me smo o c o rre num c a sa me nto , o nd e ta mb é m e xiste m</p><p>p a d rinho s — me d ia d o re s — ma rc a nd o e ind ic a nd o q ue a c e rimô nia</p><p>é a lg o p úb lic o , a lg o d e finitiva me nte so c ia l.</p><p>To d o s e sse s a sp e c to s fo rma m a q uilo a q ue c ha ma mo s re lig iã o</p><p>num se ntid o a mp lo . A p a la vra , c o mo se sa b e , ve m d o la tim e te m, no</p><p>se ntid o o rig ina l, a id é ia d e la ç o , a lia nç a , p a c to , c o ntra to e re la ç ã o</p><p>q ue d e ve no rte a r o s e lo s e ntre d e use s e ho me ns e , p o r isso me smo , d o s</p><p>ho me ns e ntre si. Ma s, a lé m d e sse s a sp e c to s, a re lig iã o é um mo d o d</p><p>e</p><p>o rd e na r o mund o , fa c ulta nd o no ssa c o mp re e nsã o p a ra c o isa s muito</p><p>c o mp le xa s, c o mo a id é ia d e te mp o , a id é ia d e e te rno e a id é ia d e</p><p>p e rd a e d e sa p a re c ime nto , e sse s misté rio s p e re ne s d a e xistê nc ia hu-</p><p>ma na . Po d e -se d ize r, ne ssa p e rsp e c tiva , q ue o ho me m é o únic o se r</p><p>q ue te m c o nsc iê nc ia d e sua p ró p ria mo rte e , p o r isso me smo , te m</p><p>e no rme e d e finitiva ne c e ssid a d e d e d o me stic a r o te mp o e d e</p><p>p ro b le ma tiza r a e te rnid a d e .</p><p>Ma s c o mo se c he g a a De us no Bra sil?</p><p>Aq ui, c o mo e m o utro s lug a re s, te mo s uma re lig iã o d o mina nte e</p><p>q ue a té b e m p o uc o te mp o (a té 1890, p a ra se r p re c iso ) fo i o fic ia l.</p><p>Tra ta -se , c o nfo rme sa b e mo s, d o C a to lic ismo Ro ma no , d e no mina ç ã o</p><p>re lig io sa fo rma d o ra d a p ró p ria so c ie d a d e b ra sile ira e , na tura lme nte , d e</p><p>um c o njunto d e va lo re s q ue sã o e sse nc ia is no Bra sil. Na tura lme nte</p><p>q ue ta l fo rma d e d e no mina ç ã o re lig io sa é a c o mp a nha d a d e o utra s</p><p>q ue a e la e stã o re fe rid a s, ma s q ue d e la se d ife re nc ia m p o r me io d o</p><p>c ulto , d a te o lo g ia , d o tip o d e sa c e rd ó c io e d e a titud e s g e ra is. A</p><p>va rie d a d e d e e xp e riê nc ia s re lig io sa s b ra sile ira s é , a ssim, a o me smo</p><p>te mp o , a mp la e limita d a . É a mp la p o rq ue , a o C a to lic ismo Ro ma no e</p><p>à s vá ria s d e no mina ç õ e s Pro te sta nte s, so ma m-se o utra s va rie d a d e s d e</p><p>re lig iõ e s O c id e nta is e O rie nta is, a lé m d a s va rie d a d e s b ra sile ira s d e</p><p>c ulto s d e p o sse ssã o c uja tra d iç ã o é uma c o nste la ç ã o va ria d a d e</p><p>va lo re s e c o nc e p ç õ e s. De um la d o , e xiste inc o nte sta ve lme nte a</p><p>Áfric a d o s e sc ra vo s, c o m se us te rre iro s, ta m b o re s, id io m a s se c re to s,</p><p>o rixá s e rito s d e sa c rifíc io , o nd e a s c o isa s p e rte nc e m a o mund o d o</p><p>se nsíve l. Do o utro , há o Esp iritismo ka rd e c ista , e m q ue o c ulto d o s</p><p>mo rto s é uma fo rma d o mina nte e o ritua l se fa z se m c a nto s ne m</p><p>ta mb o re s. Se na s c ha ma d a s re lig iõ e s Afro -Bra sile ira s e no Esp iritismo ,</p><p>a re la ç ã o e o c ulto d o s mo rto s, o c o nta to c o m o s d e use s (o rixá s) é</p><p>a lg o ro tine iro , se e ntre a Umb a nd a e o Ka rd e c ismo e xiste m ta mb é m</p><p>c re nç a s e m e nc a rna ç ã o e na te o ria d o Ka rma (q ue ve m d a Índ ia ),</p><p>há ig ua lme nte d ife re nç a s e ntre to d a s e ssa s fo rma s, já q ue na</p><p>Umb a nd a o c o nta to é muito ma is c o m o s d e use s d o q ue c o m o s</p><p>e sp írito s d e se nc a rna d o s d o s mo rto s. Po r o utro la d o , o Esp iritismo</p><p>c o nsid e ra -se c o d ific a d o , a o p a sso q ue a Umb a nd a é uma re lig iã o se m</p><p>c o d ific a ç ã o e c o m uma te o lo g ia a b e rta a muita s va ria ç õ e s.</p><p>Ma s, a p e sa r d e to d a s e ssa s d ife re nç a s, a va rie d a d e é limita d a ,</p><p>p o rq ue e ssa s fo rma s ma is d ive rsa s c o e xiste m te nd o c o mo p o nto fo c a l</p><p>a id é ia d e re laç ão e a p o ssib ilid a d e d e c o munic a ç ã o e ntre ho me ns</p><p>e d e use s, ho me ns e e sp írito s, ho me ns e a nc e stra is. O u se ja : e m to d a s</p><p>a s fo rma s d e re lig io sid a d e b ra sile ira s, há uma e no rme e d e nsa ê nfa se</p><p>na re la ç ã o e ntre e ste mund o e o o utro , d e mo d o q ue a</p><p>d o me stic a ç ã o d a mo rte e d o te mp o é e le me nto fund a me nta l e m</p><p>to d a s e ssa s va rie d a d e s o u je ito s d e se c he g a r a De us.</p><p>Po r o utro la d o , a fo rma p e la q ua l e ssa c o munic a ç ã o se re a liza</p><p>é se mp re a tra vé s d e um e lo p e sso a l. Nó s, b ra sile iro s, te mo s intimid a d e</p><p>c o m c e rto s sa nto s q ue sã o no sso s p ro te to re s e p a d ro e iro s, no sso s</p><p>sa nto s p a trõ e s; d o me smo mo d o q ue te mo s c o mo g uia s c e rto s o rixá s</p><p>o u e sp írito s d o a lé m, q ue sã o no sso s p ro te to re s. A re la ç ã o p o d e te r</p><p>fo rm a d ife re nc ia d a , ma s a sua ló g ic a e strutura l é a me sma . Em to d o s</p><p>o s c a so s, a re la ç ã o e xiste e é p e sso a l, isto é , fund a d a na simp a tia e na</p><p>le a ld a d e d o s re p re se nta nte s d e ste mund o e d o o utro . So mo s fié is</p><p>d e vo to s d e sa nto s e ta mb é m c a va lo s d e sa nto d e o rixá s, e c o m c a d a</p><p>um d e le s no s e nte nd e mo s muito b e m p e la ling ua g e m d ire ta d a</p><p>p a tro na g e m o u d o p a tro c ínio místic o — p o r me io d e p re c e s,</p><p>p ro me ssa s, o fe re nd a s, d e sp a c ho s, súp lic a s e o b rig a ç õ e s q ue , a</p><p>d e sp e ito d e d ife re nç a s a p a re nte s, c o nstitue m uma ling ua g e m o u</p><p>c ó d ig o d e c o munic a ç ã o c o m o a lé m q ue é o b via me nte c o mum e</p><p>b ra sile ira .</p><p>Do me smo mo d o q ue te mo s p a is, p a d rinho s e p a trõ e s, te mo s</p><p>ta mb é m e ntid a d e s so b re na tura is q ue no s p ro te g e m. E e la s p o d e m se r</p><p>d e d ua s tra d iç õ e s re lig io sa s a p a re nte me nte d ive rg e nte s. Isso</p><p>re a lme nte nã o imp o rta . O q ue p a ra um no rte -a m e ric a no c a lvinista ,</p><p>um ing lê s p urita no o u um fra nc ê s c a tó lic o se ria sina l d e sup e rstiç ã o</p><p>e a té me smo d e c inismo o u ig no râ nc ia , p a ra nó s é mo d o d e a mp lia r</p><p>a s no ssa s p o ssib ilid a d e s d e p ro te ç ã o . É ta mb é m, p e nso , um mo d o d e</p><p>e nfa tiza r e ssa e no rme e c o mo ve nte fé q ue to d o s nó s te mo s no</p><p>se ntid o e na e te rnid a d e d a vid a . Assim, e ssa s e xp e riê nc ia s re lig io sa s</p><p>sã o to d a s c o mp le me nta re s e ntre si, nunc a mutua me nte e xc lud e nte s.</p><p>O q ue uma d e la s fo rne c e e m e xc e sso , a o utra ne g a . E o q ue uma</p><p>p e rmite , a o utra p o d e p ro ib ir. O q ue uma inte le c tua liza , a o utra</p><p>tra d uz num c ó d ig o d e se nsua l d e vo ç ã o . Aq ui ta mb é m nó s, b ra sile iro s,</p><p>b usc a mo s o a mb íg uo e a re la ç ã o e ntre e sse mund o e o o utro .</p><p>O q ue p o d e p a re c e r sing ula r no c a so b ra sile iro , e ntã o , é q ue</p><p>c a d a uma d e ssa s fo rma s d e re lig io sid a d e se ja sup le me nta r à s o utra s,</p><p>ma nte nd o c o m e la s uma re la ç ã o d e p le na c o mp le me nta rid a d e .</p><p>Assim, a Ig re ja Ro ma na c o stura e d á se ntid o a o mund o e à s</p><p>e xp e riê nc ia s huma na s p e lo se u â ng ulo e xte rno e fo rma l, se nd o</p><p>a c io na d a p a ra le g itima r imp o rta nte s c rise s d e vid a , c o mo o</p><p>c a sa me nto , o b a tiza d o , o na sc ime nto e a mo rte . A Ig re ja , a ssim, é</p><p>uma fo rma b á sic a d e re lig iã o , ma rc a nd o ta lve z o la d o imp e sso a l d e</p><p>no ssa s re la ç õ e s c o m De us. Um la d o , d e fa to , o nd e a intimid a d e</p><p>e ve ntua lme nte p o d e c e d e r lug a r à s re g ra s fixa s q ue c o nd uze m a uma</p><p>imp e sso a lid a d e , so b re tud o no s c ulto s q ue le g itima m d e q ua lq ue r</p><p>mo d o a s c rise s d e vid a .</p><p>Ma s, a o la d o d e ssa s fo rma s imp e sso a is e ma is p o litiza d a s e</p><p>so c ia lme nte a c e ita s d e c o mp o rta me nto re lig io so , e xiste m fo rma s</p><p>p e sso a is d e lig a ç ã o c o m o o utro mund o . Fo rma s e e stilo s, va le</p><p>d e sta c a r, q ue sã o tã o p o p ula re s c o mo o mila g re .</p><p>Re a lme nte , q ue é o mila g re se nã o uma re sp o sta d o s d e use s a</p><p>uma súp lic a d e se</p><p>sp e ra d a d o s ho me ns, na fo rma d e um a te nd ime nto</p><p>p e sso a l e intra nsfe ríve l? O mila g re é p ro va d e um c ic lo d e tro c a q ue</p><p>e nvo lve p e sso a s e e ntid a d e s so b re na tura is na fo rma d e d e se jo s,</p><p>mo tiva ç õ e s, se ntime nto s e vá rio s o b je to s, a lg uns inc lusive c o m a</p><p>fo rma d a p a rte q ue fo i c ura d a — p ro va c a b a l d a re a liza ç ã o d o</p><p>mila g re o u d a g ra ç a , fina lme nte , o b tid a . Essa p e sso a lid a d e e xiste nte</p><p>no c a to lic ismo p o p ula r, c o mo ve mo s, é sing ula r. Ela p a re c e p ro d uzir,</p><p>no p la no re lig io so , e ssa e no rme ê nfa se na s re la ç õ e s p e sso a is q ue d ã o</p><p>um se ntid o p ro fund o a o no sso mund o so c ia l.</p><p>Tud o isso re ve la q ue é c la ra e ssa fo rma d e c o munic a ç ã o</p><p>fa milia r e íntima , d ire ta e p e sso a l e ntre ho me ns e d e use s no c a so</p><p>b ra sile iro . Assim, e m ve z d e o p o r a re lig iã o p o p ula r à re lig iã o o fic ia l, o u</p><p>e rud ita , se rá me lho r e nte nd e r q ue sua s re la ç õ e s sã o</p><p>c o mp le me nta re s. C o mo a s ve rte nte s d e um me smo rio o u a s d ua s</p><p>fa c e s d e uma me sma mo e d a . De sse mo d o , o o fic ia i c o nté m tud o o</p><p>q ue p o d e le g a liza r, a tua nd o a p a rtir d e fo ra . Ma s o p o p ula r c o nté m</p><p>to d a s a s fo rma s q ue lid a m c o m a s e mo ç õ e s e m e sta d o vivo ,</p><p>a tua nd o p o r d e ntro . Ne ssa mo d a lid a d e , se ntime nto s e id é ia s lig a m-se</p><p>e m d ra ma s visíve is e c o nc re to s, muito d ife re nte s d a s fo rma s e rud ita s</p><p>d e re lig io sid a d e , o nd e o c ulto sa lie nta uma c o munic a ç ã o</p><p>d isc ip lina d a e o fic ia l c o m a d ivind a d e . Num c a so , a re la ç ã o c o m</p><p>De us é , p o r a ssim d ize r, “ limp a ” : tra ta -se d e uma c o munic a ç ã o</p><p>e d uc a d a . No o utro , a c o munic a ç ã o é se nsíve l, c o nc re ta e</p><p>d ra má tic a . O mila g re , p a ra nó s, b ra sile iro s, é a nã o -e xc lusã o d e</p><p>q ua lq ue r d e ssa s fo rma s c o mo ne c e ssá ria s à vid a re lig io sa . Ma s a</p><p>a d o ç ã o d e a m b a s c o m o m o d o s le g ítim o s d e se c he g a r a De us.</p><p>Assim, se no Na ta l va mo s se mp re à Missa d o G a lo , no d ia 31</p><p>d e d e ze mb ro va mo s to d o s à p ra ia ve stid o s d e b ra nc o , fe ste ja r o</p><p>no sso o rixá o u re c e b e r o s b o ns fluid o s d a a tmo sfe ra d e e sp e ra nç a q ue</p><p>lá se fo rma . So mo s to d o s me ntiro so s? C la ro q ue nã o ! So mo s, isso sim,</p><p>p ro fund a me nte re lig io so s.</p><p>Re a lme nte , se o mund o re a l e xig e um c o mp o rta me nto</p><p>c o e re nte e uma c o nd uta ma rc a d a p e la e xc lusivid a d e (nã o p o sso</p><p>te r d o is se xo s, ne m d ua s mulhe re s, ne m d ua s c id a d a nia s, ne m d o is</p><p>p a rtid o s p o lític o s a o me smo te mp o ...), no c a minho p a ra De us, e na</p><p>re la ç ã o c o m o o utro mundo , p o sso junta r muita c o isa . Ne le , p o sso se r</p><p>c a tó lic o e umb a nd ista , d e vo to d e O g um e d e Sã o Jo rg e . Po sso</p><p>junta r, so ma r, re la c io na r c o isa s q ue tra d ic io na l e o fic ia lme nte a s</p><p>a uto rid a d e s a p re se nta m c o mo d ife re nc ia d a s ao e xtre mo . Tud o a q ui</p><p>se junta e se to rna sinc ré tic o , re ve la nd o ta lve z q ue , no so b re na tura l,</p><p>na d a é imp o ssíve l. A ling ua g e m re lig io sa d o no sso p a ís é , p o is, uma</p><p>ling ua g e m d a re la ç ã o e d a lig a ç ã o . Um id io ma q ue b usc a o me io -</p><p>te rmo , o me io c a minho , a p o ssib ilid a d e d e sa lva r to d o o mund o e d e</p><p>e m to d o s o s lo c a is e nc o ntra r a lg uma c o isa b o a e d ig na . Uma</p><p>ling ua g e m, d e fa to , q ue p e rmite a um p o vo d e stituíd o d e tud o , q ue</p><p>nã o c o nse g ue c o munic a r-se c o m se us re p re se nta nte s le g a is, fa la r, se r</p><p>o uvid o e re c e b e r o s d e use s e m se u p ró p rio c o rp o .</p><p>So mo s um p o vo q ue a c re d ita p ro fund a me nte num o utro</p><p>mund o . E o o utro mund o b ra sile iro é um p la no o nd e tud o p o d e ,</p><p>fina lme nte , fa ze r se ntid o . Lá , nã o ha ve ria ma is so frime nto , misé ria ,</p><p>p o d e r e imp e sso a lid a d e s d e suma na s. To d o s se ria m re c o nhe c id o s</p><p>c o mo p e sso a s e , a o me smo te mp o , le is unive rsa is — c o mo a le i d a</p><p>g e ne ro sid a d e e a d o e te rno re to rno : q ue m d á re c e b e e q ue m fa z</p><p>a lg um ma l re c e b e d e vo lta e sse ma l — se ria m vá lid a s p a ra to d o s.</p><p>To d o s te ria m va lo r, p o rq ue o va lo r nã o se ria d a d o na fo rma lid a d e o u</p><p>no se xo , ma s na fé e na sinc e rid a d e d e c a d a um e d e to d o s. O o utro</p><p>mund o te m muita s fo rma s e sã o vá rio s o s c a minho s d e se c he g a r a té</p><p>e le no Bra sil. Ma s, p o r d e trá s d e to d a s a s d ife re nç a s, sa b e mo s q ue lá ,</p><p>ne sse c é u à b ra sile ira , é p o ssíve l uma re la ç ã o p e rfe ita d e to d o s o s</p><p>e sp a ç o s. Essa , p e lo me no s, é a e sp e ra nç a q ue se imp rime na s fo rma s</p><p>ma is p o p ula re s d e re lig io sid a d e ...</p><p>Palavras finais</p><p>Se ria p o ssíve l c o nc luir um livro c uja mo tiva ç ã o ma io r fo i sug e rir</p><p>uma c e rta le itura d o Bra sil? C la ro q ue nã o . Se ria p o ssíve l, p o r o utro</p><p>la d o , a linha va r c e rta s liç õ e s q ue o c a so b ra sile iro e nsina ? Alg o c o mo</p><p>a b usc a d e uma é tic a p a ra e ssa histó ria q ue c o nta mo s b re ve me nte</p><p>na s p á g ina s a nte rio re s? C la ro q ue sim.</p><p>Ao lo ng o d e ste p e q ue no e nsa io , d e mo nstra mo s q ue a</p><p>so c ie d a d e b ra sile ira nã o p o d e ria se r e nte nd id a d e mo d o unitá rio ,</p><p>na b a se d e uma só c a usa o u d e um só p rinc íp io so c ia l. Ao c o ntrá rio ,</p><p>d o s d o mínio s q ue to ma mo s p a ra e stud o e inve stig a ç ã o , to d o s se</p><p>re ve la ra m c o mo q ue p o ssuíd o s p o r uma ló g ic a c o mum. Uma ló g ic a</p><p>q ue c ha me i d e re la c io na l e q ue na p o lític a a p a re c e c o m o no me</p><p>d e ne g o c ia ç ã o e c o nc ilia ç ã o . Q ue no mund o e c o nô mic o surg e na</p><p>c urio sa c o mb ina ç ã o d e uma e c o no mia a lta me nte e sta tiza d a c o m</p><p>uma inic ia tiva p riva d a vig o ro sa e a ind a imp o rta nte . Q ue na re lig iã o</p><p>a p a re c e c o m a intrig a nte mistura d e c a to lic ismo c o m re lig iõ e s a fro -</p><p>p o p ula re s. E q ue na c o smo lo g ia e m g e ra l — e a q ui e sto u p e nsa nd o na</p><p>lite ra tura p o p ula r e e rud ita d o Bra sil — a p a re c e so b uma c e rta â nsia</p><p>d e c ria r p e rso na g e ns inte rme d iá rio s, g e nte q ue p o d e p e rmitir a</p><p>c o nc ilia ç ã o d e tud o o q ue a so c ie d a d e ma nté m irre me d ia ve lme nte</p><p>d ivid id o p o r um mo vime nto inc o nsc ie nte .</p><p>Po r q ue isso é a ssim? Minha re sp o sta ind ic a q ue o Bra sil é uma</p><p>so c ie d a d e inte re ssa nte . Ela é mo d e rna e tra d ic io na l. C o mb ino u, no</p><p>se u c urso histó ric o e so c ia l, o ind ivíd uo e a p e sso a , a fa mília e a c la sse</p><p>so c ia l, a re lig iã o e a s fo rma s e c o nô mic a s ma is mo d e rna s. Tud o isso fa z</p><p>surg ir um siste ma c o m e sp a ç o s inte rno s muito b e m d ivid id o s e q ue , p o r</p><p>isso me smo , nã o p e rmite m q ua lq ue r c ó d ig o he g e mô nic o o u</p><p>d o mina nte . Assim, c o nfo rme tive q ue re p e tir inúme ra s ve ze s, so mo s</p><p>uma p e sso a e m c a sa , o utra na rua e a ind a o utra no o utro mund o .</p><p>c o nstró i uma id e ntid a d e so c ia l? C o mo um p o vo se</p><p>tra nsfo rma e m Bra sil? A p e rg unta , na sua d isc re ta sing e le za , p e rm ite</p><p>d e sc o b rir a lg o m uito im p o rta nte . É q ue no me io d e uma multid ã o</p><p>d e e xp e riê nc ia s d a d a s a to d o s o s ho me ns e so c ie d a d e s, a lg uma s</p><p>ne c e ssá ria s à p ró p ria so b re vivê nc ia , c o mo c o me r, d o rmir, mo rre r,</p><p>re p ro d uzir-se e tc , o utra s a c id e nta is o u sup e rfic ia is: histó ric a s, p a ra se r</p><p>ma is p re c iso — o Bra sil fo i d e sc o b e rto p o r p o rtug ue se s e nã o p o r c hine -</p><p>se s, a g e o g ra fia d o Bra sil te m c e rta s c a ra c te rístic a s c o mo a s</p><p>mo nta nha s na c o sta d o C e ntro -Sul, so fre mo s p re ssã o d e c e rta s</p><p>p o tê nc ia s e uro p é ia s e nã o d e o utra s, fa la mo s p o rtug uê s e nã o</p><p>fra nc ê s, a fa mília re a l tra nsfe riu-se p a ra o Bra sil no iníc io d o sé c ulo XIX</p><p>e tc . C a d a so c ie d a d e (e c a d a se r huma no ) a p e na s se utiliza d e um</p><p>núme ro limita d o d e “ c o isa s” (e d e e xp e riê nc ia s) p a ra c o nstruir-se</p><p>c o mo a lg o únic o , ma ra vilho so , d ivino e “ le g a l” ...</p><p>Se i, e ntã o , q ue so u b ra sile iro e nã o no rte -a me ric a no , p o rq ue</p><p>g o sto d e c o me r fe ijo a d a e nã o ha mb úrg ue r; p o rq ue so u me no s</p><p>re c e p tivo a c o isa s d e o utro s p a íse s, so b re tud o c o stume s e id é ia s;</p><p>p o rq ue te nho um a g ud o se ntid o d e rid íc ulo p a ra ro up a s, g e sto s e</p><p>re la ç õ e s so c ia is; p o rq ue vivo no Rio d e Ja ne iro e nã o e m No va Yo rk;</p><p>p o rq ue fa lo p o rtug uê s e nã o ing lê s; p o rq ue , o uvind o músic a p o p ula r,</p><p>se i d isting uir ime d ia ta me nte um fre vo d e um sa mb a ; p o rq ue fute b o l</p><p>p a ra mim é um jo g o q ue se p ra tic a c o m o s p é s e nã o c o m a s mã o s;</p><p>p o rq ue vo u à p ra ia p a ra ve r e c o nve rsa r c o m o s a mig o s, ve r a s</p><p>mulhe re s e to ma r so l, ja ma is p a ra p ra tic a r um e sp o rte ; p o rq ue se i q ue</p><p>no c a rna va l tra g o à to na minha s fa nta sia s so c ia is e se xua is; p o rq ue se i</p><p>q ue nã o e xiste ja ma is um “ nã o ” d ia nte d e situa ç õ e s fo rma is e q ue</p><p>to d a s a d mite m um “ je itinho ” p e la re la ç ã o p e sso a l e p e la a miza d e ;</p><p>p o rq ue e nte nd o q ue fic a r ma la nd ra me nte “ e m c ima d o muro ” é a lg o</p><p>ho ne sto , ne c e ssá rio e p rá tic o no c a so d o me u siste ma ; p o rq ue</p><p>a c re d ito e m sa nto s c a tó lic o s e ta mb é m no s o rixá s a fric a no s; p o rq ue</p><p>se i q ue e xiste d e stino e , no e nta nto , te nho fé no e stud o , na instruç ã o</p><p>e no futuro d o Bra sil; p o rq ue so u le a l a me us a mig o s e na d a p o sso</p><p>ne g a r a minha fa mília ; p o rq ue , fina lme nte , se i q ue te nho re la ç õ e s</p><p>p e sso a is q ue nã o me d e ixa m c a minha r so zinho ne ste mund o , c o mo</p><p>fa ze m o s me us a mig o s a me ric a no s, q ue se mp re se vê e m e e xiste m</p><p>c o mo ind ivíd uo s!</p><p>Po is b e m: so ma nd o e sse s tra ç o s, fo rma -se uma se q üê nc ia q ue</p><p>p e rmite d ize r q ue m so u, e m c o ntra ste c o m o q ue se ria um a me ric a no ,</p><p>a q ui d e finid o p e la s a usê nc ia s o u ne g a tiva s q ue a me sma lista</p><p>e fe tiva me nte c o mp o rta . A c o nstruç ã o d e uma id e ntid a d e so c ia l,</p><p>e ntã o , c o mo a c o nstruç ã o d e uma so c ie d a d e , é fe ita d e a firma tiva s e</p><p>d e ne g a tiva s d ia nte d e c e rta s q ue stõ e s. To me uma lista d e tud o o</p><p>q ue vo c ê c o nsid e ra imp o rta nte — le is, id é ia s re la tiva s a fa mília ,</p><p>c a sa me nto e se xua lid a d e ; d inhe iro ; p o d e r p o lític o ; re lig iã o e</p><p>mo ra lid a d e ; a rte s; c o mid a e p ra ze r e m g e ra l — e c o m e la vo c ê</p><p>p o d e rá sa b e r q ue m é q ue m. Nã o é d e o utro mo d o q ue se re a liza m</p><p>a s p e sq uisa s a ntro p o ló g ic a s e so c io ló g ic a s. De sc o b rind o c o mo a s</p><p>p e sso a s se p o sic io na m e a tua liza m a s “ c o isa s” d e sta lista , vo c ê fa rá</p><p>um “ inve ntá rio ” d e id e ntid a d e s so c ia is e d e so c ie d a d e s. Isso lhe</p><p>p e rmitirá d e sc o b rir o e stilo e o “ je ito ” d e c a d a siste ma . O u, c o mo se</p><p>d iz e m ling ua g e m a ntro p o ló g ic a , a c ultura o u id e o lo g ia d e c a d a</p><p>so c ie d a d e . Po rq ue , p a ra mim, a p a la vra c ultura e xp rime</p><p>p re c isa me nte um e stilo , um mo d o e um je ito , re p ito , d e fa ze r c o isa s.</p><p>Ma s é p re c iso nã o e sq ue c e r q ue e ssa s e sc o lha s se g ue m uma</p><p>o rd e m. É c e rto q ue e u inve nte i um “ b ra sile iro ” e um “ a me ric a no ” q ue</p><p>o a c o mp a nha va p o r c o ntra ste linha s a trá s, ma s q ue m me g a ra nte</p><p>q ue a q uilo q ue d isse é c o nvinc e nte p a ra d e finir um b ra sile iro fo i a</p><p>p ró p ria so c ie d a d e b ra sile ira . O u se ja : q ua nd o e u d e fini o “ b ra sile iro ”</p><p>c o mo se nd o a ma nte d o fute b o l, d a músic a p o p ula r, d o c a rna va l, d a</p><p>c o mid a mistura d a , d o s a mig o s e p a re nte s, d o s sa nto s e o rixá s e tc ,</p><p>use i uma fó rmula q ue me fo i fo rne c id a p e lo Bra sil. O q ue fa z um se r</p><p>huma no re a liza r-se c o nc re ta me nte c o mo b ra sile iro é a sua</p><p>d isp o nib ilid a d e d e se r a ssim. C a so e u fa la sse e m e le g â nc ia no ve stir e</p><p>no fa la r, no g o sto p e la s a rte s p lá stic a s, na visita siste m á tic a a m use us,</p><p>no a m o r p e la músic a c lá ssic a , na fa lta d e riso na s a ne d o ta s, no</p><p>ho rro r a o c a rna va l e a o fute b o l e tc , c e rta me nte e sta ria d e finind o</p><p>o utro p o vo e o utro ho me m. Isso ind ic a c la ra me nte q ue é a so c ie d a d e</p><p>q ue no s d á a fó rmula p e la q ua l tra ç a mo s e sse s p e rfis e c o m e la</p><p>fa ze mo s d e se nho s ma is o u me no s e xa to s.</p><p>Tud o isso no s le va a d e sc o b rir q ue e xiste m d o is mo d o s b á sic o s</p><p>d e c o nstruir a id e ntid a d e b ra sile ira : o d e fa ze r o b ra sil, Bra sil...</p><p>Num d e le s, utiliza mo s d a d o s p re c iso s: a s e sta tístic a s</p><p>d e mo g rá fic a s e e c o nô mic a s, o s d a d o s d o PIB, PNB e o s núme ro s d a</p><p>re nd a p e r c a p ita e d a infla ç ã o , q ue se mp re no s a ssusta e a p a vo ra .</p><p>Fa la mo s ta mb é m d o s d a d o s re la tivo s a o siste ma p o lític o e</p><p>e d uc a c io na l d o p a ís, a p e na s p a ra c o nsta ta r q ue o Bra sil nã o é a q ue le</p><p>p a ís q ue g o sta ría mo s q ue fo sse . Essa c la ssific a ç ã o p e rmite c o nstruir</p><p>uma id e ntid a d e so c ia l mo d e rna , d e a c o rd o c o m o s c rité rio s</p><p>e sta b e le c id o s p e lo O c id e nte e uro p e u a p a rtir d a Re vo luç ã o Fra nc e sa</p><p>e d a Re vo luç ã o Ind ustria l. Aq ui, so mo s d e finid o s p o r me io d e c rité rio s</p><p>“ o b je tivo s” , q ua ntita tivo s e c la ro s. Ê a ssim, sa b e mo s e d e sc o b rimo s</p><p>c o m surp re sa , q ue a lg uma s so c ie d a d e s se d e fine m. Re a lme nte , a</p><p>Ing la te rra , a Fra nç a , a Ale ma nha e , so b re tud o , o s Esta d o s Unid o s sã o</p><p>q ua se e xc lusiva me nte d e finid o s p o r me io d e ste e ixo c la ssific a tó rio</p><p>q ue é , e le me smo , inve nç ã o sua . Ma s, no c a so d o Bra sil e d e o utra s</p><p>so c ie d a d e s, o p ro b le ma é q ue e xiste o utro mo d o d e c la ssific a ç ã o . A</p><p>id e ntid a d e se c o nstró i d up la me nte . Po r me io d o s d a d o s</p><p>q ua ntita tivo s, o nd e so mo s se mp re</p><p>Mud a mo s ne sse s e sp a ç o s d e mo d o o b rig a tó rio p o rq ue e m c a d a um</p><p>d e le s so mo s sub me tid o s a va lo re s e visõ e s d e mund o d ife re nc ia d o s</p><p>q ue p e rmite m uma le itura e sp e c ia l d o Bra sil c o mo um to d o . A e sfe ra</p><p>d e c a sa inve nta uma le itura p e sso a l; a d a rua , uma le itura unive rsa l.</p><p>Já a visã o p e lo o utro mund o é um d isc urso c o nc ilia d o r e</p><p>fund a me nta lme nte mo ra lista e e sp e ra nç o so . Entre e ssa s trê s e sfe ra s,</p><p>c o lo c a mo s um mund o d e re la ç õ e s e situa ç õ e s fo rma is. Sã o a s no ssa s</p><p>fe sta s e a no ssa mo ra lid a d e , q ue , c o mo d isse , se fund a m na</p><p>ve rd a d e ira o b se ssã o p e la lig a ç ã o . E nã o p o d e ria d e ixa r d e se r a ssim</p><p>numa so c ie d a d e tã o te ma tiza d a p e la d ivisã o inte rna .</p><p>Ma s q ua l é , a fina l, a mo ra l d e sta histó ria ? Nã o se rá p re c iso ir</p><p>muito lo ng e p a ra a p re c iá -la . A Histó ria d o Bra sil te m m o stra d o c o m o</p><p>se m p re insistim o s e m “ le r” e inte rp re ta r o p a ís p e la via e xc lusiva d a</p><p>ling ua g e m o fic ia l q ue se fo rma no e sp a ç o g e ne ra liza d o d a rua ,</p><p>e sp a ç o d a s no ssa s instituiç õ e s p úb lic a s e q ue se mp re a p re se nta um</p><p>d isc urso p o litic a me nte se d uto r, p o is q ue siste ma tic a me nte</p><p>no rma tivo . O u se ja : d e sse p o nto d e vista , a fa la se mp re d iz o q ue fa ze r</p><p>p a ra re so lve r a q ue stã o . Ma s nã o é p re c isa me nte isso q ue te mo s fe ito</p><p>e m to d a a no ssa Histó ria mo d e rna , a p a rtir d a Ind e p e nd ê nc ia e d a</p><p>Re p úb lic a ? E p o r q ue a s c o isa s nã o d ã o c e rto ?</p><p>Só De us p o d e sa b e r isso p re c isa me nte . Ma s a visã o a n-</p><p>tro p o ló g ic a , d a q ua l e ste e nsa io é um p e q ue no e xe mp lo , p e rmite</p><p>q ue se d isc uta m a lg uma s c o isa s imp o rta nte s p a ra uma re sp o sta</p><p>sug e stiva a e ssa p e rg unta . É p o ssíve l, p o r e xe mp lo , a rg um e nta r q ue</p><p>na d a p o d e d a r c e rto se a c rític a so c ia l e p o lític a é se mp re</p><p>inc o mp le ta , p o is só le va e m c o nsid e ra ç ã o um d a d o d a q ue stã o . De</p><p>fa to , c o mo se p o d e c o rrig ir o mund o p úb lic o b ra sile iro p o r me io d e le is</p><p>imp e sso a is, se nã o se fa z simulta ne a me nte uma sé rie c rític a d a s re d e s</p><p>d e a miza d e e c o mp a d rio q ue e mb e b e m to d a a no ssa vid a p o lític a ,</p><p>instituc io na l e juríd ic a ? No sso re sulta d o , e ntã o , é q ue , à c rític a</p><p>p rá tic a q ue fa la c o m o id io ma d a e c o no mia e d a p o lític a p e lo</p><p>mund o d a rua , se ria p re c iso so ma r a ling ua g e m d a c a sa e d a fa mília</p><p>e , c o m e la , o id io ma d o s va lo re s re lig io so s q ue ta mb é m o p e ra m e ,</p><p>p o r isso , d e te rmina m g ra nd e p a rte d o c o mp o rta me nto p ro fund o d o</p><p>no sso p o vo . Tud o isso , d iria e u, no se ntid o d e so ma r um p o uc o ma is a</p><p>c a sa , a rua e o o utro mund o , a p ro xima nd o um p o uc o ma is e ssa s</p><p>e sfe ra s.</p><p>Junto c o m isso , q ue c e rta me nte imp o rta ria c o rrig ir, se ria</p><p>ne c e ssá rio re sg a ta r c o mo c o isa a lta me nte p o sitiva , c o mo p a trimô nio</p><p>re a lme nte inve já ve l, to d a e ssa no ssa c a p a c id a d e d e sinte tiza r,</p><p>re la c io na r e c o nc ilia r, c ria nd o c o m isso zo na s e va lo re s lig a d o s à</p><p>a le g ria , a o futuro e à e sp e ra nç a . Num mund o q ue c a d a ve z ma is se</p><p>d e se nc a nta c o nsig o me smo e institui um ind ivid ua lismo se m limite s,</p><p>q ue re d uz o s va lo re s c o le tivo s a me ro a p ê nd ic e d a fe lic id a d e p e sso a l,</p><p>a c a p a c id a d e d e a ind a d e slumb ra r-se c o m a so c ie d a d e é a lg o muito</p><p>imp o rta nte , a lg o p o sitivo . E a q ui, se m d úvid a , p o d e mo s no va me nte</p><p>sinte tiza r, d e mo d o c ria tivo e re la c io na l, o ind ivíd uo c o m a s sua s</p><p>e xig ê nc ia s e d ire ito s fund a me nta is, c o m a so c ie d a d e , c o m a sua o r-</p><p>d e m, se us va lo re s e ne c e ssid a d e s. Ta lve z a so c ie d a d e b ra sile ira se ja</p><p>missio ná ria d e ssa p o ssib ilid a d e q ue já se e stá e sg o ta nd o no mund o</p><p>o c id e nta l. E p o r q uê ? Simp le sme nte p o rq ue c o nse g uimo s, a té</p><p>a g o ra , m a nte r no ssa fé no ind ivíd uo , c o m o s se us e sp a ç o s inte rno s e</p><p>ta mb é m na so c ie d a d e , c o m a s sua s le is d e c o mp le me nta rid a d e e</p><p>re c ip ro c id a d e . De sc o b rimo s ta m b é m q ue o ind ivíd uo , re la ç õ e s,</p><p>fa m ília e p a rtid o p o lític o , instituiç õ e s e c o nô mic a s e e sfe ra s d e</p><p>p ro d uç ã o e c o nsumo , tud o p o d e te r o se u e sp a ç o . Se ho je e le s e stã o</p><p>muito se p a ra d o s e ntre si, isso nã o sig nific a a imp o ssib ilid a d e d e se</p><p>junta re m ma is no futuro , na sínte se p o sitiva q ue a tua lme nte só</p><p>re a liza mo s no mund o d a s fe sta s, so b re tud o no c a rna va l.</p><p>Se ria p re c iso c a rna va liza r um p o uc o ma is a so c ie d a d e c o mo</p><p>um to d o , intro d uzind o o s va lo re s d e ssa fe sta re la c io na l e m o utra s</p><p>e sfe ra s d e no ssa vid a so c ia l. C o m isso , p o d e ría mo s fina lme nte</p><p>a p ro fund a r a s p o ssib ilid a d e s d e me d ia ç ã o d e q ue , e sto u se g uro , o</p><p>mund o c o nte mp o râ ne o ta nto p re c isa . Ne m ta nto o d e se nc a nto</p><p>c rític o q ue c o nd uz a um p rima d o c e g o d o ind ivid ua lismo c o mo va lo r</p><p>a b so luto ; e ne m ta nto o p rima d o ig ua lme nte c e g o d a so c ie d a d e e</p><p>d o c o le tivo , q ue e sma g a a c ria tivid a d e huma na e sufo c a o c o nflito e</p><p>a c ha ma d a s c o ntrib uiç õ e s p e sso a is. Ta lve z a lg o no me io . Alg o q ue</p><p>p e rmita te r um p o uc o ma is d a c a sa na rua e d a rua na c a sa . Alg o q ue</p><p>p e rmita te r a q ui, ne ste mund o , a s e sp e ra nç a s q ue te mo s no o utro .</p><p>Alg o q ue p e rmita fa ze r d o mund o d iá rio , c o m se u tra b a lho d uro e</p><p>sua fa lta d e re c urso s, uma e sp é c ie d e c a rna va l q ue inve nta a</p><p>e sp e ra nç a d e d ia s me lho re s.</p><p>Ac ho q ue é um p o uc o d e sse tip o d e re fle xã o q ue no s fa lta . E,</p><p>p a ra q ue e la p o ssa se r a mp lia d a , d isc utid a , c o rrig id a e fina lme nte</p><p>imp le me nta d a c o mo me c a nismo so c ia l, p re c isa mo s re a liza r a c rític a</p><p>d e ste mid a d e nó s me smo s, p o r me io d e instrume nto s sufic ie nte me nte</p><p>a g ud o s e c a p a ze s. Pa ra ta nto , se rá p re c iso c o me ç a r se mp re c o m a</p><p>p e rg unta : o q ue fa z o b ra sil, Bra sil? E, e m se g uid a , p ro mo ve r sua</p><p>re sp o sta , a ind a q ue tímid a , imp re c isa e c e rta me nte d isc utíve l. Po is</p><p>nã o fo i o utra c o isa q ue q uise mo s re a liza r a q ui.</p><p>Ja rd im Ub á , junho d e 1984</p><p>Roberto DaMatta por ele mesmo</p><p>Me u no me c o mp le to é Ro b e rto Aug usto d a Ma tta e tive muito</p><p>e nc a b ula me nto c o m e ssa ma rc a d e fa mília p o rq ue na e sc o la e u</p><p>se mp re vira va o “ ro b e rto ma ta ” e to d o mund o q ue ria sa b e r q ue m</p><p>e ra m a s vítima s. Tímid o e c a la d o , re p rimid o p o r a uto p ro je to d e</p><p>p e rfe iç ã o e sa ntid a d e , c he g ue i a té me smo a p e nsa r e m se r p a d re .</p><p>Esse p la no d uro u a té no ssa sa íd a d e Juiz d e Fo ra p a ra Sã o Jo ã o</p><p>Ne p o muc e no , o nd e c o nhe c i o e sp o rte , o s b</p><p>a ile s d a p rima ve ra , o s</p><p>a mig o s d o p e ito e a s p rime ira s na mo ra d a s. Na sc i, p o ré m, e m Nite ró i,</p><p>e m 1936, o nd e mo ro a té ho je , p e nsa nd o q ue Nite ró i é uma c id a d e</p><p>e sp e c ia l q ue c o nfe re a a lg uns d o s se us m o ra d o re s e sse misté rio d e</p><p>uma a sso c ia ç ã o p e rifé ric a c o m o Rio d e Ja ne iro d o s g ra nd e s</p><p>a c o nte c ime nto s, ma s q ue situa a to d o s numa e sp é c ie d e me ia -</p><p>d istâ nc ia c rític a d e tud o . Essa é uma p o siç ã o a ntro p o ló g ic a p o r</p><p>e xc e lê nc ia q ue , sup o nho , se ja ta mb é m a ma rc a d e o utro s</p><p>nite ro ie nse s se nsíve is, g e nte c o mo Se rg io Me nd e s e Wa lte r Lima Jr...</p><p>Em Nite ró i e nte rre i me u c o ra ç ã o e o re no ve i q ua nd o c o nhe c i minha</p><p>mulhe r, C e le ste , numa ta rd e b o nita d e ve stib ula r num p á tio</p><p>so mb re a d o d a , e ntã o , Fa c uld a d e Flumine nse d e Filo so fia , o nd e</p><p>a mb o s c ursa mo s um b a c ha re la to d e Histó ria . Em Nite ró i ta mb é m fiz</p><p>minha c a sa , na sc e ra m me us filho s e fo i o nd e me d e sc o b ri p ro fe sso r-</p><p>p e sq uisa d o r. É d e sta b a se q ue sa io to d o s o s a no s p a ra le c io na r e m</p><p>o utro s c e ntro s d o Bra sil e d o e xte rio r.</p><p>Minha s p rime ira s a sp ira ç õ e s inte le c tua is fo ra m na á re a d a s a rte s.</p><p>Q ue ria se r p into r e d e se nhista ; d e p o is, e sc rito r. Ap re nd e nd o</p><p>se ria me nte a s C iê nc ia s So c ia is, d e sc o b ri q ue se ria p o ssíve l c o nc ilia r o</p><p>d e se jo d e inve nta r c o m o c o me ntá rio re a lístic o e inte lig e nte d a s</p><p>mo tiva ç õ e s e re la ç õ e s huma na s. Fiq ue i inte re ssa d o e m Antro p o lo g ia</p><p>C ultura l o u So c ia l p o rq ue e sta va se mp re fa sc ina d o c o m a</p><p>se me lha nç a e a d ife re nç a s e ntre o s ho me ns e a s so c ie d a d e s. Lo g o</p><p>e m 1959, q ua nd o tinha 23 a no s, inic ie i um e stá g io p ro fissio na l no</p><p>De p a rta me nto d e Antro p o lo g ia d o Muse u Na c io na l, na Q uinta d a</p><p>Bo a Vista , d e o nd e ja ma is sa í. De e sta g iá rio p a sse i a b o lsista e , d e p o is,</p><p>a p e sq uisa d o r e p ro fe sso r, te nd o c o ntrib uíd o na q ue la instituiç ã o c o m</p><p>um b o c a d o d o me u sa ng ue , suo r e lá g rima s p a ra a fixa ç ã o</p><p>d e finitiva d o se u ho je c o nhe c id o Pro g ra m a d e Pó s-G ra d ua ç ã o e m</p><p>Antro p o lo g ia So c ia l d o q ua l fui C o o rd e na d o r d ura nte a lg uns a no s,</p><p>aque le s ano s duro s da re pre ssão do s no ve c e nto s e se te nta . Fui ta mb é m,</p><p>ne sta me sma é po c a , Che fe do De pa rta me nto , pa pe l q ue me de ixo u</p><p>muita s ve ze s a ma tuta r no me u pe ndo r inusita do a um c e rto ma so q uismo .</p><p>Ma s me smo e nvo lvido na ma is de nsa e c rue l se lva a dministra tiva , nã o</p><p>de ixe i de lado minhas fo nte s de se re nidade e inspira ç ã o e c o ntinue i</p><p>re a lizando pe squisas e pub lic a ndo livro s. Ne ste Muse u Na c io na l te nho</p><p>o rie nta do inúme ra s te se s de me stra do e do uto rado e dado aulas, c urso s e</p><p>se miná rio s.</p><p>Se mpre li e ntre fa sc ina do e re spe ito so o s c lá ssic o s do pe nsa me nto</p><p>so c io ló g ic o fra nc ê s, a le mã o e ing lê s. No iníc io do s a no s 60, já inic ia ndo o s</p><p>me us prime iro s pa sso s c o mo pro fissio na l de a ntro po lo g ia , tive do is</p><p>e nc o ntro s impo rta nte s. Um de le s c o m a Amé ric a d o No rte , via</p><p>Unive rsida de de Ha rva rd . O o utro , c o m a Antro po lo g ia So c ia l na sua</p><p>prá tic a de c a mpo , po r me io do s índ io s Ga viõ e s e Apina yé do Bra sil</p><p>Ce ntra l. Po r me io de sta a sso c ia ç ã o , re a lize i pe sq uisa s a c a dê mic a s e</p><p>te ó ric a s, ima g ina ndo po r um mo me nto um futuro tra nc a d o na “ c iê nc ia ” e</p><p>no “ sa b e r” . Ma s a d istâ nc ia d o Bra sil a q ue a e xp e riê nc ia no rte -</p><p>a me ric a na me c o nd uziu fe z-me um o b se rva do r c ritic o da so c ie da de</p><p>b ra sile ira e se us c o stume s, inic ia ndo me c o mo pe sq uisa do r e c o me nta do r</p><p>de minha pró pria so c ie da de Assim é q ue me u prime iro livro ind ividua l,</p><p>Ensaio s de Antro po lo g ia So c ial (Vo ze s), é ma rc a do pe la d ive rsida de de</p><p>inte re sse s de q ue m e sta va c o mo q ue b usc a nd o um o b je to d e finitivo d e</p><p>tra b a lho . Ali, na q ue le pe q ue no vo lume de e nsa io s, e u fa lo de mito lo g ia</p><p>indíg e na , e nc a ro uma c rític a lite rá ria a na da me no s q ue Edg a r Ala n Po e ,</p><p>d isc uto o pro b le ma da má-so rte na Amazô nia e pe la prime ira ve z abo rdo o</p><p>c a rna va l de ntro de uma pe rspe c tiva a ntro po ló g ic a . Isso é muito d ive rso</p><p>do me u prime iro livro , Índio s e c astanhe iro s (Pa z e Te rra ), e sc rito a q ua tro</p><p>mã o s c o m Ro q ue La ra ia , q ue é re la to de sc ritivo d e uma situa ç ã o d e</p><p>c o nta to inte rc ultura l o nd e o s índ io s, c o nfo rme se sa b e , tê m le va do</p><p>siste ma tic a me nte a p io r. Se a li e u tinha um o b je to a pa ixo na d o d e</p><p>d isc urso , no o utro livro e u e sta va b usc a ndo o Bra sil. Me u te rc e iro livro é o</p><p>re sulta d o d o tra b a lho a c a d ê mic o de se nvo lvido dura nte de z a no s no</p><p>Muse u e e m Ha rva rd . É o livro Um mundo dividido : a e strutura so c ial do s</p><p>índio s Apinayé (Vo ze s),q ue ta mb é m fo i tra duzido e pub lic a do e m ing lê s</p><p>pe la Ha rva rd Univ. Pre ss. Me u q ua rto livro é o e nsa io Carnavais, malandro s</p><p>e he ró is: para uma so c io lo g ia do dile ma brasile iro (Za ha r) — tra d uzid o</p><p>p a ra o fra nc ê s —, o nd e d e c id i re to ma r o e nsa io c o mo instrume nto de</p><p>inte rpre ta ç ã o do Bra sil. Em se g uida a e le , pub liq ue i Unive rso do c arnaval:</p><p>imag e ns e re fle xõ e s (Pina kho te ke ); o rg a nize i Unive rso do fute bo l</p><p>(Pina kho te ke ) e E.R. Le ac h (Átic a ); e e sc re vi uma intro duç ã o à</p><p>Antro po lo g ia So c ia l c ha ma da Re lativizando (Vo ze s), q ue te m tido uma</p><p>a c o lhida g e ne ro sa e ntre e stud io so s e e stud a nte s d e Antro p o lo g ia no</p><p>Bra sil e no e xte rio r. Ao la d o d e ste s livro s, te nho fe ito muito s a rtig o s e</p><p>e nsa io s q ue vã o d a vio lê nc ia à se xua lid a d e no Bra sil. Ho je fic o c a d a</p><p>d ia ma is c e rto d e q ue a Antro p o lo g ia So c ia l é ta mb é m um c ó d ig o</p><p>lite rá rio e q ue só no s fa lta m a o usa d ia te má tic a e a q ue la</p><p>c a p a c id a d e d e o b se rva ç ã o e a rtic ula ç ã o q ue , d e re sto , o s g ra nd e s</p><p>me stre s d a Etno lo g ia d o p a ssa d o tinha m. Afina l, o p rê mio nã o é</p><p>so me nte p e la p rá tic a d a “ c iê nc ia ” , ma s p e la p e rse ve ra nç a e m</p><p>p ra tic á -la , se mp re , me smo vive nd o num mund o q ue no s le va p a ra</p><p>to d o s o s lug a re s...</p><p>Re c e nte me nte inic ie i uma e xp e riê nc ia na te le visã o e sc re ve nd o</p><p>e apre se ntando a sé rie Os brasile iros.</p><p>R. Da Ma tta</p><p>Nite ró i, Ja rd im Ub á , Ag o sto d e 1984.</p><p>A propósito do ilustrador</p><p>Jimmy Sc o tt na sc e u e m 5 d e ja ne iro d e 1936, e m Sa ntia g o d o</p><p>C hile . Pre p a ra -se p a ra se r té c nic o ind ustria l. Mud a rumo s e ing re ssa</p><p>na Fa c uld a d e d e Be la s-Arte s d a Unive rsid a d e d o C hile , o nd e e stud a</p><p>Arte s Plá stic a s. Se u c o me ç o p ro fissio na l na ilustra ç ã o fo i e m 1958, a o</p><p>p ub lic a r se us p rime iro s tra b a lho s na re vista infa ntil El Pe ne c a e , lo g o</p><p>d e p o is, na re vista</p><p>d e humo r p o lític o To paze , d ua s p ub lic a ç õ e s</p><p>tra d ic io na is d o C hile , ho je d e sa p a re c id a s, q ue d ivulg a ra m</p><p>la rg a me nte se u tra ç o . O s c o nvite s suc e d e ra m-se e e m p o uc o te mp o</p><p>sua s c ha rg e s e c a ric a tura s a p a re c ia m e m d ive rso s jo rna is e re vista s d e</p><p>Sa ntia g o e C o nc e p c ió n. Ilustro u te xto s d id á tic o s p a ra a Lib ra irie</p><p>Fra nç a ise e Ed ito ria l Unive rsita ria d e Sa ntia g o . C he g a a o Bra sil e m</p><p>1970. Até 1979 é c o ntra ta d o p e la AG G S Ind ústria s G rá fic a s. Ho je</p><p>d ivid e se u te mp o e ntre a lg uma s e d ito ra s, o jo rna l O Glo b o , e a</p><p>p ub lic id a d e .</p><p>Este livro fo i impre sso na Ed ito ra JPA Ltd a .,</p><p>Av. Bra sil, 10.600 — Rio d e Ja ne iro — RJ,</p><p>p a ra a Ed ito ra Ro c c o Ltd a .</p><p>http://groups-beta.google.com/group/digitalsource</p><p>http://groups-beta.google.com/group/Viciados_em_Livros</p><p>uma c o le tivid a d e q ue d e ixa a</p><p>d e se ja r; e p o r me io d e d a d o s se nsíve is e q ua lita tivo s, o nd e no s</p><p>p o d e mo s ve r a nó s me smo s c o mo a lg o q ue va le a p e na . Aq ui, o q ue</p><p>fa z o b ra sil, Bra sil nã o é ma is a ve rg o nha d o re g ime o u a infla ç ã o</p><p>g a lo p a nte e “ se m ve rg o nha ” , ma s a c o mid a d e lic io sa , a músic a</p><p>e nvo lve nte , a sa ud a d e q ue huma niza o te mp o e a mo rte , e o s a mig o s</p><p>q ue p e rmite m re sistir a tud o ...</p><p>É uma d e sc o b e rta imp o rta nte , c re io , d ize r q ue nó s te mo s d a d o</p><p>muito ma is a te nç ã o a um só d e sse s e ixo s c la ssific a tó rio s, q ue re nd o</p><p>d isc utir o Bra sil a p e na s c o mo uma q ue stã o d e m o d e rnid a d e e d e</p><p>e c o no m ia e p o lític a ; o u, a o c o ntrá rio , re d uzind o sua re a lid a d e a</p><p>um p ro b le ma d e fa mília , d e re la ç õ e s p e sso a is e d e c o rd ia lid a d e . Pa ra</p><p>mim, nã o se tra ta ne m d e uma c o isa ne m d e o utra , ma s d a s d ua s q ue</p><p>sã o d a d a s d e mo d o simultâ ne o e c o mp le xo . Ne ssa p e rsp e c tiva , q ue</p><p>é a d e ste p e q ue no livro , a c ha ve p a ra e nte nd e r a so c ie d a d e b ra sile ira</p><p>é uma c ha ve d up la . De um la d o , e la é mo d e rna e e le trô nic a , ma s d e</p><p>o utro é uma c ha ve a ntig a e tra b a lha d a p e lo s a no s. É típ ic a d e no sso</p><p>siste ma e ssa c a p a c id a d e d e mistura r e a c a sa la r a s c o isa s q ue te nho</p><p>d isc utid o no me u tra b a lho c o m o uma a tivid a d e re la c io na l, d e lig a r</p><p>e d e sc o b rir um p o nto c e ntra l. C o nhe c e mo s e c o nvive mo s c o m sua s</p><p>ma nife sta ç õ e s p o lític a s (a ne g o c ia ç ã o e a c o nc ilia ç ã o ) e</p><p>e c o nô mic a s (uma e c o no mia q ue é e sta tiza nte e a o me smo te mp o</p><p>se g ue a s linha s me stra s d o c a p ita lismo c lá ssic o ), ma s d e c e rto mo d o</p><p>nã o d isc utimo s a s sua s imp lic a ç õ e s so c io ló g ic a s ma is p ro fund a s. E,</p><p>p a ra mim, e ssa s imp lic a ç õ e s se e sc o nd e m ne sta lig a ç ã o — o u</p><p>c a p a c id a d e re la c io na l — d o a ntig o c o m o mo d e rno , q ue tip ific a e</p><p>sing ula riza a so c ie d a d e b ra sile ira . Assim, c o nfo rme te nta re i mo stra r</p><p>na s p á g ina s q ue se g ue m — e c o m a a jud a d o ta le nto g rá fic o d e</p><p>Jimmy Sc o tt —, o q ue fa z o b ra sil, Bra sil é uma ime nsa , uma ine sg o tá ve l</p><p>c ria tivid a d e a c a sa la d o ra . Suste nto q ue , e nq ua nto nã o fo rmo s</p><p>c a p a ze s d e d isc e rnir e ssa s d ua s fa c e s d e uma me sma na ç ã o e</p><p>so c ie d a d e , e sta re mo s fa d a d o s a um jo g o c ujo re sulta d o já se sa b e d e</p><p>a nte mã o . Po is, c o mo o c o rre c o m a s mo e d a s, o u te re mo s c o mo</p><p>jo g a d a um “ b ra sil” , p e q ue no e d e fa sa d o d a s p o tê nc ia s mund ia is,</p><p>Bra sil q ue no s le va a uma a uto fla g e la ç ã o d e sa nima d o ra ; o u te re mo s</p><p>c o mo , jo g a d a o Bra sil d o s mila g re s e d o s a uto rita rismo s p o lític o s e</p><p>e c o nô mic o s, q ue p e rio d ic a me nte e ntra numa c rise .</p><p>Se rá p re c iso , p o rta nto , d isc utir o Bra sil c o mo uma mo e d a . C o mo</p><p>a lg o q ue te m d o is la d o s. E ma is: c o mo uma re a lid a d e q ue no s te m</p><p>ilud id o , p re c isa me nte p o rq ue nunc a lhe p ro p use mo s e sta q ue stã o</p><p>re la c io na l e re ve la d o ra : a fina l d e c o nta s, c o mo se lig a m a s d ua s</p><p>fa c e s d e uma me sma mo e d a ? O q ue fa z o b ra sil, Bra sil?</p><p>É o q ue ve re mo s a se g uir...</p><p>A casa, a rua e o trabalho</p><p>O b se rve -se uma c id a d e b ra sile ira . Ne la , há um nítid o mo vime nto</p><p>ro tine iro . Do tra b a lho p a ra c a sa , d e c a sa p a ra o tra b a lho . A c a sa e a</p><p>rua inte ra g e m e se c o mp le me nta m num c ic lo q ue é c ump rid o</p><p>d ia ria me nte p o r ho me ns e mulhe re s, ve lho s e c ria nç a s. Pe lo s q ue</p><p>g a nha m ra zo a ve lme nte e a té me smo p e lo s q ue g a nha m muito b e m.</p><p>Uns fa ze m o p e rc urso c a sa -rua -c a sa a p é ; o utro s se g ue m d e</p><p>b ic ic le ta . Muito s a nd a m d e tre ns, ô nib us e a uto mó ve is, ma s to d o s</p><p>fa ze m e re fa ze m e ssa via g e m q ue c o nstitui, d e c e rto mo d o , o</p><p>e sq ue le to d a no ssa ro tina d iá ria . Há uma d ivisã o c la ra e ntre d o is</p><p>e sp a ç o s so c ia is fund a me nta is q ue d ivid e m a vid a so c ia l b ra sile ira : o</p><p>mund o d a c a sa e o mund o d a rua — o nd e e stã o , te o ric a me nte , o</p><p>tra b a lho , o mo vime nto , a surp re sa e a te nta ç ã o .</p><p>É c la ro q ue a rua se rve ta mb é m c o mo o e sp a ç o típ ic o d o la ze r.</p><p>Ma s e la , c o mo um c o nc e ito inc lusivo e b á sic o d a vid a so c ia l —</p><p>c o m o “ rua ” —, é o lug a r d o m o vim e nto , e m c o ntra ste c o m a c a lma</p><p>e a tra nq üilid a d e d a c a sa , o la r e a mo ra d a .</p><p>De fa to , na c a sa o u e m c a sa , so mo s me mb ro s d e uma fa mília e</p><p>d e um g rup o fe c ha d o c o m fro nte ira s e limite s b e m-d e finid o s. Se u</p><p>núc le o é c o nstituíd o d e p e sso a s q ue p o ssue m a me sma sub stâ nc ia —</p><p>a me sma c a rne , o me smo sa ng ue e , c o nse q üe nte me nte , a s me sma s</p><p>te nd ê nc ia s. Ta l sub stâ nc ia físic a se p ro je ta e m p ro p rie d a d e s e muita s</p><p>o utra s c o isa s c o muns. A id é ia d e um d e stino e m c o njunto e d e</p><p>o b je to s, re la ç õ e s, va lo re s (a s c ha ma d a s “ tra d iç õ e s d e fa mília ” ) q ue</p><p>to d o s d o g rup o sa b e m q ue imp o rta re sg ua rd a r e p re se rva r. Disse q ue</p><p>isso se c ha ma va “ tra d iç ã o ” , e é a ssim q ue no rma lme nte fa la mo s</p><p>d e sse s símb o lo s c o le tivo s q ue d isting ue m uma re sid ê nc ia , d a nd o -lhe</p><p>c e rto e stilo e c e rta ma ne ira d e se r e e sta r. Ma s ta is va lo re s p o d e m</p><p>ta mb é m se r c ha ma d o s d e “ ho nra ” e “ ve rg o nha ” , p o is a s fa mília s</p><p>b e m-d e finid a s e c o m a lto se ntid o d e c a sa e g rup o sã o c o le tivid a d e s</p><p>q ue a tua m c o m uma p e rso na lid a d e c o le tiva b e m-d e finid a . De ta l</p><p>o rd e m q ue e la s sã o uma “ p e sso a mo ra l” , a lg o q ue a g e unitá ria e</p><p>c o rp o ra tiva me nte , c o mo um ind ivíd uo e ntre o utro s. Da í a id é ia tã o</p><p>c o rre nte , me smo no no sso Bra sil urb a no e mo d e rno , d a p ro te ç ã o d a s</p><p>fro nte ira s d a c a sa , se ja d e sua s so le ira s ma te ria is (q ue m nã o e stá</p><p>p re o c up a d o c o m o fe c ha me nto d e sua s p o rta s e ja ne la s to d a s a s</p><p>no ite s? ), se ja — p rinc ip a lme nte — d e sua s e ntra d a s e sa íd a s mo ra is. Po r</p><p>tud o isso , o g rup o q ue o c up a uma c a sa te m a lto se ntid o d e d e fe sa</p><p>d e se us b e ns m ó ve is e imó ve is, e , junto c o m isso , d a p ro te ç ã o d e</p><p>se us m e m b ro s ma is frá g e is, c o mo a s c ria nç a s, a s mulhe re s e se us</p><p>se rvid o re s. Po is, d ife re nte me nte d e o utro s p a íse s mo d e rno s, a q ui no</p><p>Bra sil a s c a sa s p o ssue m se rviç a is q ue , e m c e rto se ntid o , lhe s</p><p>p e rte nc e m. E c uid a -se d e se u b e m-e sta r p o rq ue a id é ia d e re sid ê nc ia</p><p>é um fa to so c ia l to ta liza nte , c o nfo rme d iria Má rc e l Ma uss. O u se ja :</p><p>q ua nd o fa la mo s d a “ c a sa ” , nã o e sta mo s no s re fe rind o simp le sme nte</p><p>a um lo c a l o nd e d o rmimo s, c o me mo s o u q ue usa mo s p a ra e sta r</p><p>a b rig a d o s d o ve nto , d o frio o</p><p>u d a c huva . Ma s — isto sim — e sta mo s no s</p><p>re fe rind o a um e sp a ç o p ro fund a me nte to ta liza d o numa fo rte mo ra l.</p><p>Uma d ime nsã o d a vid a so c ia l p e rme a d a d e va lo re s e d e re a lid a d e s</p><p>múltip la s. C o isa s q ue vê m d o p a ssa d o e o b je to s q ue e stã o no p re se nte ,</p><p>p e sso a s q ue e stã o sa ind o d e ste mund o e p e sso a s q ue a e le e stã o</p><p>c he g a nd o , g e nte q ue e stá re la c io na d a a o la r d e sd e muito te mp o e</p><p>g e nte q ue se c o nhe c e d e a g o ra . Nã o se tra ta d e um lug a r físic o , ma s</p><p>d e um lug a r mo ra l: e sfe ra o nd e no s re a liza mo s b a sic a me nte c o mo</p><p>se re s huma no s q ue tê m um c o rp o físic o , e ta mb é m uma d ime nsã o</p><p>mo ra l e so c ia l. Assim, na c a sa , so mo s únic o s e insub stituíve is. Te mo s</p><p>um lug a r sing ula r numa te ia d e re la ç õ e s ma rc a d a s p o r muita s</p><p>d ime nsõ e s so c ia is imp o rta nte s, c o mo a d ivisã o d e se xo e d e id a d e .</p><p>Ma s se e m c a sa so mo s c la ssific a d o s p e la id a d e e p e lo se xo</p><p>c o mo , re sp e c tiva me nte , ma is ve lho s o u ma is mo ç o s e c o mo ho me ns</p><p>e mulhe re s — e a q ui te mo s d ime nsõ e s so c ia is q ue sã o</p><p>p ro va ve lme nte a s p rime ira s q ue a p re nd e mo s na so c ie d a d e b ra sile ira</p><p>—, ne la so mo s ta mb é m d e te rmina d o s p o r tud o o q ue a “ ho nra ” , a</p><p>“ ve rg o nha ” e o “ re sp e ito ” , e sse s va lo re s g rup a is, a c a b a m</p><p>d e te rmina nd o . Q ue ro re fe rir-m e a o a mo r filia l e fa milia l q ue se d e ve</p><p>e ste nd e r p e lo s c o mp a d re s e p e lo s a mig o s, p a ra q ue m a s p o rta s d e</p><p>no ssa s c a sa s e stã o se mp re a b e rta s e no ssa me sa e stá se mp re p o sta e</p><p>fa rta .</p><p>A c o njunç ã o d e tud o isso fa z c o m q ue nó s, b ra sile iro s, te nha mo s</p><p>uma p e rc e p ç ã o d e no ssa s mo ra d a s c o mo lug a re s sing ula re s, e sp a ç o s</p><p>e xc lusivo s. Po is c a d a c a sa , e mb o ra te nha o s me smo s e sp a ç o s e</p><p>b a sic a me nte o s me smo s o b je to s d e to d a s a s o utra s, é d ife re nte d e la s.</p><p>To d a s sã o únic a s, se nã o c o mo e sp a ç o físic o d e mo ra d a , p e lo me no s</p><p>c o mo d o mínio o nd e se re a liza uma c o nvivia lid a d e so c ia l p ro fund a .</p><p>Da í a p o ssib ilid a d e d e d ife re nc ia r p ro fund a me nte a c a sa o u a mo ra d a</p><p>— o p ré d io — d o la r. Me smo q ua nd o sã o re sid ê nc ia s b a ra ta s o u c a sa s</p><p>d e vila , c o nstruíd a s d e mo d o id ê ntic o , a lg o ma rc a e re ve la sua</p><p>id e ntid a d e e , c o m isso , a id e ntid a d e d o g rup o q ue a o c up a : um</p><p>p e d a ç o d e a zule jo e stra te g ic a me nte c o lo c a d o p ró ximo d e uma</p><p>ja ne la ; um no me sing e lo na p a rte d e c ima d a so le ira d a p o rta ; flo re s e</p><p>ja rd ins; a c o r d e sua s ja ne la s e p o rta s.</p><p>Po r se r um e sp a ç o a ssim inc lusivo e , simulta ne a me nte , e xc lusivo ,</p><p>a c a sa p o d e te r ta mb é m se us a g re g a d o s. Pe sso a s q ue vive m no</p><p>d o mic ílio , ma s q ue nã o sã o p a rte d a fa mília . Um p a re nte q ue ve io d o</p><p>No rte e m b usc a d e mé d ic o o u se g ura nç a p sic o ló g ic a ; um a mig o e m</p><p>d ific uld a d e fina nc e ira o u c rise ma trimo nia l; um ve lho e mp re g a d o q ue</p><p>nã o te m p a ra o nd e ir ne m lug a r p a ra fic a r; um c o mp a d re q ue p re c isa</p><p>d e e mp re g o e ne c e ssita fa la r c o m uma a uto rid a d e d a g ra nd e c id a d e ;</p><p>um a mig o q ue p re c isa d e um sa ntuá rio p a ra e vita r a p risã o mo tiva d a</p><p>p o r id é ia s e c o nvic ç õ e s p o lític a s; uma mulhe r q ue te mp o ra ria me nte</p><p>fo g e d o p a i o u irmã o p a ra a c e rta r d e finitiva me nte sua no va filia ç ã o</p><p>so c ia l. Até me smo o s a nima is d o mé stic o s p o d e m inc luir-se ne ssa</p><p>d e finiç ã o , p o is d e fa to p a rtic ip a m d o e sp a ç o p o sitivo d a re sid ê nc ia ,</p><p>a jud a nd o a c o nc e ituá -la d e mo d o so c ia lm e nte p o sitivo o u ne g a tivo .</p><p>Nã o é à to a q ue fa la mo s q ue no sso c a c ho rro é ma is ma nso e ma is</p><p>e sp e rto ; q ue no sso g a to te m o p ê lo ma is luzid io e a p re g uiç a ma is</p><p>b o nita e g o sto sa , e q ue no sso p a ssa rinho c a nta ma is b o nito e ma is</p><p>a lto ...</p><p>Tud o , a fina l d e c o nta s, q ue e stá no e sp a ç o d a no ssa c a sa é</p><p>b o m, é b e lo e é , so b re tud o , d e c e nte . Até me smo a s no ssa s p la nta s</p><p>sã o ma is viç o sa s q ue a s d o s vizinho s e a mig o s. E c o mo nã o p o d e mo s,</p><p>p o r c a usa d e uma p ro ib iç ã o e xtre ma me nte mo ra l (a q uilo q ue nó s,</p><p>a ntro p ó lo g o s, c ha ma mo s d e tab u), c o me r no sso s a nima is d o mé stic o s</p><p>(no to q ue e ntre o s a ste c a s o s c ã e s e ra m c o mid o s e ve nd id o s no</p><p>me rc a d o ), ne m no ssa s p la nta s c a se ira s, e le s c ump re m uma funç ã o</p><p>e strita me nte simb ó lic a . De fa to , sã o c ria d o s p a ra d ife re nc ia r e nã o</p><p>p a ra c ump rir q ua lq ue r funç ã o p rá tic a . Assim, sã o c o mo nó s e no s</p><p>a jud a m a e sta b e le c e r no ssa ma is p ro fund a id e ntid a d e so c ia l, c o mo</p><p>me mb ro s ind ife re nc ia d o s d e um mund o a nô nimo e a sfa lta d o o nd e</p><p>ning ué m c o nhe c e ning ué m — e sse mund o te ne b ro so d a se lva d e</p><p>p e d ra ; e c o mo me mb ro s d ife re nc ia d o s q ue re sid e m numa d a d a p a rte</p><p>d a c id a d e e q ue p o d e m tra nsfo rma r e sse lo c a l o nd e mo ra m e m a lg o</p><p>únic o , e sp e c ia l, sing ula r e “ le g a l” . Tud o isso , re p ito , q ue nó s</p><p>d ife re nc ia m o s c o m o o e sp a ç o d o la r. Alg o q ue c o ntra sta</p><p>te rrive lme nte c o m a mo ra d a c o le tiva d a s p risõ e s, d o rmitó rio s,</p><p>a lo ja m e nto s e ho té is e mo té is, o nd e nã o se p o d e e fe tiva me nte</p><p>p ro je ta r na s p a re d e s,, na s p o rta s, no c hã o e na s ja ne la s a no ssa</p><p>id e ntid a d e so c ia l.</p><p>C o mo e sp a ç o mo ra l imp o rta nte e d ife re nc ia d o , a c a sa se</p><p>e xp rime numa re d e c o mp le xa e fa sc ina nte d e símb o lo s q ue sã o</p><p>p a rte d a c o smo lo g ia b ra sile ira , isto é , d e sua o rd e m ma is p ro fund a e</p><p>p e re ne . Assim, a c a sa d e ma rc a um e sp a ç o d e finitiva me nte a mo ro so</p><p>o nd e a ha rmo nia d e ve re ina r so b re a c o nfusã o , a c o mp e tiç ã o e a</p><p>d e so rd e m. Em c a sa , sa b e mo s to d o s — c o mo b o ns b ra sile iro s q ue</p><p>so mo s —, nã o d e ve mo s c o mp ra r, ve nd e r o u tro c a r. O c o mé rc io e stá</p><p>e xc luíd o d a c a sa c o rno o Dia b o se e xc lui d o b o m De us. Do me smo</p><p>mo d o , a s d isc ussõ e s p o lític a s, q ue re ve la m e ind ic a m p o siç õ e s</p><p>ind ivid ua liza d a s e q ua se se mp re d isc o rd a nte s d o s me mb ro s d e uma</p><p>fa mília , e stã o b a nid a s d a me sa e d a s sa la s íntima s, so b re tud o d o s</p><p>q ua rto s. Se e la s sã o ine vitá ve is, tra nsc o rre m c e rta me nte na s va ra nd a s</p><p>e q uinta is, lo c a is ma rg ina is d a c a sa , p o sto q ue situa d o s e ntre o se u</p><p>inte rio r (c ujo c a lo r re ve la a ig ua ld a d e d e sub stâ nc ia e d e o p iniõ e s d a s</p><p>p e sso a s q ue a li re sid e m) e a rua : o mund o e xte rio r q ue se me d e p e la</p><p>“ luta ” , p e la c o mp e tiç ã o e p e lo a no nima to c rue l d e ind ivid ua lid a d e s</p><p>e ind ivid ua lismo s. Da i p o r q ue , e m c a sa e no c ó d ig o d a fa mília</p><p>b ra sile</p><p>ira , e xiste uma te nd ê nc ia d e p ro d uzir se mp re um d isc urso</p><p>c o nse rva d o r, o nd e o s va lo re s mo ra is tra d ic io na is sã o d e fe nd id o s p e lo s</p><p>ma is ve lho s e p e lo s ho me ns. Da í ta mb é m p o r q ue na c a sa p o d e mo s</p><p>te r d e tud o , c o mo se a li o e sp a ç o fo sse ma rc a d o p o r um sup re mo</p><p>re c o nhe c ime nto p e sso a l: uma e sp é c ie d e sup e rc id a d a nia q ue</p><p>c o ntra sta te rrive lme nte c o m a a usê nc ia to ta l d e re c o nhe c ime nto q ue</p><p>e xiste na rua . Em c a sa , p o rta nto , te nho tud o e so u re c o nhe c id o no s</p><p>me us ma is ínfimo s d e se jo s e vo nta d e s. So u me mb ro p e rp é tuo d e uma</p><p>c o rp o ra ç ã o (a fa mília b ra sile ira ) q ue nã o mo rre e q ue , c o m sua re d e</p><p>d e c o mp a d re s, e mp re g a d o s, se rvid o re s e a mig o s, te m muito ma is</p><p>vita lid a d e e p e rma nê nc ia d o q ue o g o ve rno e a a d ministra ç ã o</p><p>p úb lic a , q ue se mp re c o mp e te m c o m e la p e lo re sp e ito d o c id a d ã o .</p><p>Dig o q ue a c a sa , p o r tud o isso , p ro vê uma le itura e sp e c ia l d o mund o</p><p>b ra sile iro . É c e rto q ue to d a so c ie d a d e mo d e rna te m c a sa e rua . Ma s</p><p>o me u a rg ume nto a q ui é no se ntid o d e sa lie nta r q ue a c a sa , e ntre nó s,</p><p>o rd e na um mund o à p a rte . Unive rso o nd e o te mp o nã o é histó ric o ,</p><p>ma s c íc lic o , te mp o q ue vive d e d ura ç õ e s q ue nã o se me d e m p o r</p><p>re ló g io s, ma s p o r re tra to s a ma re la d o s e c o rro íd o s p e la s tra ç a s, c o mo</p><p>na q ue la p o e sia d e Drummo nd . Um te mp o q ue é me d id o p e la mo rte</p><p>d o s ma is ve lho s e p e lo b a tiza d o d o s ma is no vo s. Um te mp o c uja</p><p>d ura ç ã o e e xp e riê nc ia p o d e m se r re ve rtid a s p e la d o c e sa ud a d e d o s</p><p>d ia s e m q ue a fa mília e sta va to d a re unid a e m to rno d e a lg uma fig ura</p><p>imp o rta nte p a ra a sua unid a d e e so b re vivê nc ia , e nq ua nto g rup o</p><p>uno e inte g ra d o . Q ue r d ize r, q ua nd o o b se rva mo s q ue a c a sa</p><p>c o nté m to d a s e ssa s d ime nsõ e s, te mo s q ue no s d a r c o nta d e q ue</p><p>vive mo s numa so c ie d a d e o nd e c a sa e rua sã o ma is q ue me ro s</p><p>e sp a ç o s g e o g rá fic o s. Sã o mo d o s d e le r, e xp lic a r e fa la r d o mund o .</p><p>Ma s c o mo é o e sp a ç o d a rua ? Be m, já sa b e mo s q ue e la é lo c a l</p><p>d e “ mo vime nto ” . C o mo um rio , a rua se mo ve se mp re num fluxo d e</p><p>p e sso a s ind ife re nc ia d a s e d e sc o nhe c id a s q ue nó s c ha ma mo s d e</p><p>“ p o vo ” e d e “ ma ssa ” . As p a la vra s sã o re ve la d o ra s. Em c a sa , te mo s a s</p><p>“ p e sso a s” , e to d o s lá sã o “ g e nte ” : “ no ssa g e nte ” . Ma s na rua te mo s</p><p>a p e na s g rup o s d e sa rtic ula d o s d e ind ivíd uo s — a “ ma ssa ” huma na</p><p>q ue p o vo a a s no ssa s c id a d e s e q ue re me te se mp re à e xp lo ra ç ã o e a</p><p>uma c o nc e p ç ã o d e c id a d a nia e d e tra b a lho q ue é nitid a me nte</p><p>ne g a tiva . De fa to , fa la m o s d a “ rua ” c o m o um lug a r d e “ luta ” , d e</p><p>“ b a ta lha ” , e sp a ç o c uja c rue ld a d e se d á no fa to d e c o ntra ria r</p><p>fro nta lme nte to d a s a s no ssa s vo nta d e s. Da í p o r q ue d ize mo s q ue a rua</p><p>é e q uiva le nte à “ d ura re a lid a d e d a vid a ” . O fluxo d a vid a , c o m sua s</p><p>c o ntra d iç õ e s, d ure za s e surp re sa s, e stá c e rta me nte na rua , o nd e o</p><p>te mp o é me d id o p e lo re ló g io e a histó ria se fa z a c re sc e nta nd o</p><p>e ve nto a e ve nto numa c a d e ia c o mp le xa e infinita . Na rua , e ntã o , o</p><p>te mp o c o rre , vo a e p a ssa . Muito ma is q ue no la r, o nd e e le e stá</p><p>susp e nso e ntre a s re la ç õ e s p ra ze ro sa s e a mo ro sa s d e to d o s c o m to d o s.</p><p>Ma s a q ui, no ne g ro d o a sfa lto , no c a lo r d a c a minha d a p a ra se c he g a r</p><p>a a lg um lug a r, no ne rvo sismo d o c o nfro nto c o m o p o lic ia l imb uíd o</p><p>d e sua a uto rid a d e le g a l, q ue no s tra ta c o mo c o isa s e c o mo</p><p>ind ivíd uo s se m no me ne m fa c e , o re ino é sinô nimo d e luta e sa ng ue .</p><p>Na rua nã o há , te o ric a me nte , ne m a mo r, ne m c o nsid e ra ç ã o , ne m</p><p>re sp e ito , ne m a miza d e . È lo c a l p e rig o so , c o nfo rme a te sta o ritua l</p><p>a flitivo e c o mp le xo q ue re a liza mo s q ua nd o um filho no sso sa i so zinho ,</p><p>p e la p rime ira ve z, p a ra ir a o c ine ma , a o b a ile o u à e sc o la . Q ue</p><p>inse g ura nç a no s p o ssui q ua nd o um p e d a ç o d e no sso sa ng ue e d e</p><p>no ssa c a sa va i a o e nc o ntro d e sse o c e a no d e ma ld a d e e inse g ura nç a</p><p>q ue é a rua b ra sile ira . Nã o é , p o is, a o lé u q ue d a mo s c o nse lho s</p><p>q ua nd o a lg ué m se a ve ntura ne sta se lva . Lá , fa la mo s se mp re , e no sso</p><p>p ró p rio c o mp o rta me nto na rua a c a b a c o nfirma nd o no ssa s p io re s e</p><p>ma is so mb ria s p ro fe c ia s, e sta mo s no re ino d o e ng a no , d a c o nfusã o e</p><p>d o lo g ro . Lo c a l o nd e ning ué m no s re sp e ita c o mo “ g e nte ” o u</p><p>“ p e sso a ” , c o mo e ntid a d e mo ra l d o ta d a d e ro sto e vo nta d e . A rua</p><p>c o mp e nsa a c a sa e a c a sa e q uilib ra a rua . No Bra sil, c a sa e rua sã o</p><p>c o mo o s d o is la d o s d e uma me sma mo e d a . O q ue se p e rd e d e um</p><p>la d o , g a nha -se d o o utro O q ue é ne g a d o e m c a sa — c o mo o se xo e o</p><p>tra b a lho —, te m-se na rua . Nã o c re io se r ne c e ssá rio c ha ma r a a te nç ã o</p><p>p a ra o fa to sig nific a tivo d e q ue , e m no ssa c la ssific a ç ã o d e e ve nto s,</p><p>re la ç õ e s e p e sso a s, a c a sa e a rua e ntra m c o mo um e ixo d o s ma is</p><p>fund a me nta is. Assim, se a mulhe r é d a rua , e la d e ve se r vista e tra ta d a</p><p>d e um mo d o . Tra ta -se , p a ra se r ma is p re c iso , d a s c ha ma d a s mulhe re s</p><p>d a “ vid a ” , p o is rua e vid a fo rma m uma e q ua ç ã o imp o rta nte no no sso</p><p>siste ma d e va lo re s. Do me smo mo d o , se a d isc ussã o fo i na rua , e ntã o</p><p>é q ua se c e rto q ue p o d e d e g e ne ra r e m c o nflito . Em c a sa , p o d e</p><p>p ro mo ve r um a lto e nte nd ime nto . Ta m b é m fa la m o s q ue c o mid a d e</p><p>rua é ruim o u ve ne no sa , e nq ua nto a c o mid a c a se ira é b o a (o u d e ve</p><p>se r a ssim) p o r d e finiç ã o . Até me smo o b je to s e p e sso a s, c o mo c ria nç a s,</p><p>p o d e m se r d ife re nte me nte inte rp re ta d o s c a so se ja m d a rua o u d e</p><p>c a sa .</p><p>Po r tud o isso , o unive rso d a rua — ta l c o mo o c o rre c o m o</p><p>mund o d a c a sa — é ma is q ue um e sp a ç o físic o d e ma rc a d o e</p><p>unive rsa lme nte re c o nhe c id o . Po is p a ra nó s, b ra sile iro s, a rua fo rma</p><p>uma e sp é c ie d e p e rsp e c tiva p e la q ua l o mund o p o d e se r lid o e</p><p>inte rp re ta d o . Um a p e rsp e c tiva , re p ito , o p o sta — ma s c o mp le me nta r</p><p>— à d a c a sa , e o nd e p re d o mina m a d e sc o nfia nç a e a inse g ura nç a .</p><p>Aq ui, q ue m g o ve rna nã o é ma is o p a i, o irmã o , o ma rid o , a mulhe r e</p><p>a s re d e s d e p a re nte sc o e a miza d e q ue no s tê m c o mo uma p e sso a e</p><p>um a mig o . Ao c o ntrá rio , o c o ma nd o é d a d o à a uto rid a d e q ue</p><p>g o ve rna c o m a le i, a q ua l to rna to d o mund o ig ua l no p ro p ó sito d e</p><p>d e sa uto riza r e a té me smo e xp lo ra r d e fo</p><p>rma imp ie d o sa . To d o s</p><p>sa b e mo s, p o r e xp e riê nc ia re sp e itá ve l e p ro fund a , q ue na rua nã o se</p><p>d e ve b rinc a r c o m q ue m re p re se nta a o rd e m, p o is na q ue le e sp a ç o se</p><p>c o rre o g ra ve risc o d e se r c o nfund id o c o m q ue m é “ ning ué m” . E</p><p>e ntre se r a lg ué m e se r ning ué m há um mund o no c a so b ra sile iro . Um</p><p>unive rso o u a b ismo q ue p a ssa p e la c o nstruç ã o d o e sp a ç o d a c a sa ,</p><p>c o m se u a c o nc he g o e sua re d e imp e ra tiva d e re la ç õ e s c a lo ro sa s, e o</p><p>e sp a ç o d a rua , c o m se u a no nima to e sua inse g ura nç a , sua s le is e sua</p><p>p o líc ia . Da í p o r q ue , na rua , te nd e mo s a se r to d o s re vo luc io ná rio s e</p><p>re vo lta d o s, me mb ro s d e stituíd o s d e uma ma ssa d e a nô nimo s</p><p>tra b a lha d o re s.</p><p>Ma s, a lé m d isso tud o , a rua é e sp a ç o q ue p e rmite a me d ia ç ã o</p><p>p e lo tra b a lho — o fa mo so “ b a te nte ” , no me já ind ic a tivo d e um</p><p>o b stá c ulo q ue te mo s q ue c ruza r, ultra p a ssa r o u tro p e ç a r. Tra b a lho</p><p>q ue no no sso siste ma é c o nc e b id o c o mo c a stig o . E o no me d iz tud o ,</p><p>p o is a p a la vra d e riva d o la tim tripa liare , q ue sig nific a c a stig a r c o m o</p><p>tripa liu, instrume nto q ue , na Ro ma Antig a , e ra um o b je to d e to rtura ,</p><p>c o nsistind o numa e sp é c ie d e c a ng a usa d a p a ra sup lic ia r e sc ra vo s.</p><p>Entre a c a sa (o nd e nã o d e ve ha ve r tra b a lho e , c urio sa e</p><p>e rro ne a me nte , nã o to m a m o s o tra b a lho d o m é stic o c o m o ta l, m a s</p><p>c o m o “ se rviç o ” o u a té me smo p ra ze r o u fa vo r...) e a rua , o tra b a lho</p><p>d uro é visto no Bra sil c o mo a lg o b íb lic o . Muito d ife re nte d a</p><p>c o nc e p ç ã o a ng lo -sa xã q ue e q ua c io na tra b a lho (wo rk) c o m a g ir e</p><p>fa ze r, d e a c o rdo c o m sua c o nc e p ç ã o o rig ina l. Entre nó s, p o ré m,</p><p>p e rd ura a tra d iç ã o c a tó lic a ro ma na e nã o a tra d iç ã o re fo rma d o ra</p><p>d e C a lvino , q ue tra nsfo rmo u o tra b a lho c o mo c a stig o numa aç ão</p><p>d e stina d a à sa lva ç ã o . Ma s nó s, b ra sile iro s, q ue nã o no s fo rma mo s</p><p>ne ssa tra d iç ã o c a lvinista , a c ha mo s q ue o tra b a lho é um ho rro r. Nã o</p><p>é à to a q ue o no sso p a nte ã o d e he ró is o sc ila e ntre uma ima g e m</p><p>d e ific a d a d o ma la nd ro (a q ue le q ue vive na rua se m tra b a lha r e</p><p>g a nha o má ximo c o m um mínimo d e e sfo rç o ), o re nunc ia d o r o u o</p><p>sa nto (a q ue le q ue a b a nd o na o tra b a lho ne ste e d e ste mund o e va i</p><p>tra b a lha r p a ra o o utro , c o mo fa ze m o s sa nto s e líd e re s re lig io so s) e o</p><p>c a xia s, q ue ta lve z nã o se ja o tra b a lha d o r, ma s o c ump rid o r d e le is q ue</p><p>d e ve m o b rig a r o s o utro s a tra b a lha r... O fa to é q ue nã o te mo s a</p><p>g lo rific a ç ã o d o tra b a lha d o r, ne m a id é ia d e q ue a rua e o tra b a lho</p><p>sã o lo c a is o nd e se p o d e ho ne sta me nte e nriq ue c e r e g a nha r</p><p>d ig nid a d e . Pa ra nó s, e sse s e sp a ç o s e e ssa me d ia ç ã o e ntre c a sa e rua</p><p>p e lo tra b a lho sã o a lg o muito c o mp le xo .</p><p>Ma s p o d e ria se r d e o utro je ito numa so c ie d a d e e m q ue a té</p><p>o utro d ia ha via e sc ra vo s e o nd e a s p e sso a s d e c e nte s nã o sa ía m à rua</p><p>ne m p o d ia m tra b a lha r c o m a s mã o s? É c la ro q ue nã o ... No no sso</p><p>siste ma , tã o fo rte me nte ma rc a d o p e lo tra b a lho e sc ra vo , a s re la ç õ e s</p><p>e ntre p a trõ e s e e mp re g a d o s fic a ra m d e finitiva me nte c o nfund id a s.</p><p>Nã o e ra a lg o a p e na s e c o nô mic o , ma s ta mb é m uma re la ç ã o mo ra l</p><p>o nd e nã o só um tira va o tra b a lho d o o utro , ma s e ra se u</p><p>re p re se nta nte e d o no p e ra nte a so c ie d a d e c o mo um to d o . O</p><p>p a trã o , num siste ma e sc ra vo c ra ta , é ma is q ue um e xp lo ra d o r d e</p><p>tra b a lho , se nd o d o no e a té me smo re sp o nsá ve l mo ra l p e lo e sc ra vo .</p><p>Essa s re la ç õ e s sã o c o mp lic a d a s e , d ize m o s e sp e c ia lista s, muito</p><p>d ifíc e is d e se re m ma ntid a s e m níve l p ro d utivo . Po is a q ui a re la ç ã o va i</p><p>d o e c o nô mic o a o mo ra l, to ta liza nd o -se e m muita s d ime nsõ e s e</p><p>a ting ind o d ive rsa s c a ma d a s so c ia is. C re io q ue isso e mb e b e u d e ta l</p><p>mo d o a s no ssa s c o nc e p ç õ e s d e tra b a lho e sua s re la ç õ e s q ue a té ho je</p><p>mistura mo s uma re la ç ã o p ura me nte e c o nô mic a c o m la ç o s p e sso a is</p><p>d e simp a tia e a miza d e , o q ue c o nfund e o e mp re g a d o e p e rmite a o</p><p>p a trã o e xe rc e r d up lo c o ntro le d a situa ç ã o . Ele a ssim p o d e g o ve rna r o</p><p>tra b a lho , p o is é q ue m o fe re c e o e mp re g o , e p o d e c o ntro la r a s</p><p>re ivind ic a ç õ e s d o s e mp re g a d o s, p o is a p e la p a ra a mo ra lid a d e d a s</p><p>re la ç õ e s p e sso a is q ue , e m muito s c a so s, e so b re tud o na s p e q ue na s</p><p>e mp re sa s e no c o mé rc io , te nd e a o fusc a r a re la ç ã o p a trã o -</p><p>e mp re g a d o . O c a so ma is típ ic o e ma is c la ro d e ssa p ro b le má tic a —</p><p>muito c o mp le xa e a me u ve r a ind a p o uc o e stud a d a — é o d a s</p><p>c ha ma d a s “ e mp re g a d a s d o mé stic a s” , a s q ua is sã o p e sso a s q ue ,</p><p>vive nd o na s c a sa s d o s se us p a trõ e s, re a liza m a q uilo q ue , e m c a sa ,</p><p>e stá b a nid o p o r d e finiç ã o : o tra b a lho . Ne ssa situa ç ã o , e la s re p e te m a</p><p>me sma situa ç ã o d o s e sc ra vo s d a c a sa d e a ntig a me nte , p e rmitind o</p><p>c o nfund ir re la ç õ e s mo ra is d e intimid a d e e simp a tia c o m uma re la ç ã o</p><p>p ura me nte e c o nô mic a , q ua se se mp re c ria nd o um c o njunto d e</p><p>d ra ma s q ue e stã o a sso c ia d o s a e sse tip o d e re la ç ã o d e tra b a lho o nd e</p><p>o e c o nô mic o e stá sub o rd ina d o a o p o lític o e a o mo ra l, o u ne le s</p><p>e mb e b id o . Ta l c o mo d e ve o c o rre r q ua nd o a c a sa se mistura c o m a</p><p>rua ...</p><p>O fa to , p o ré m, é q ue a c o nc e p ç ã o d e tra b a lho fic a</p><p>c o nfund id a num siste ma o nd e a s me d ia ç õ e s e ntre c a sa e rua sã o tã o</p><p>c o mp le xa s. E o nd e , c o mo vimo s, c a sa e rua sã o ma is q ue lo c a is físic o s.</p><p>Sã o ta mb é m e sp a ç o s d e o nd e se p o d e julg a r, c la ssific a r, me d ir, a va lia r</p><p>e d e c id ir so b re a ç õ e s, p e sso a s, re la ç õ e s e imo ra lid a d e s.</p><p>C o mp e nsa nd o -se mutua me nte e se nd o a mb a s c o mp le me nta d a s</p><p>p e lo e sp a ç o d o “ o utro mund o ” , o nd e re sid e m d e use s e e sp írito s,</p><p>c a sa e rua fo rma m o s e sp a ç o s b á sic o s a tra vé s d o s q ua is c irc ula mo s</p><p>na no ssa so c ia b ilid a d e . So b re tud o p o rq ue o q ue fa lta na rua e xiste e m</p><p>a b und â nc ia na c a sa . E a ind a p o rq ue e le s nã o p o d e m se r c o nfund id o s</p><p>so b p e na d e g ra nd e s c o nfusõ e s e d e so rd e ns.</p><p>A ilusão das</p><p>relações raciais</p><p>No sé c ulo XVIII, Anto nil p e rc e b e u a lg o inte re ssa nte numa</p><p>so c ie d a d e d ivid id a e ntre se nho re s e e sc ra vo s, e e sc re ve u: “ O Bra sil é</p><p>um infe rno p a ra o s ne g ro s, um p urg a tó rio p a ra o s b ra nc o s e um</p><p>p a ra íso p a ra o s mula to s” . A fra se fo i, c o mo se mp re a c o nte c e c o m a s</p><p>c o isa s p ro fund a s q ue sã o</p><p>fa la d a s c o m simp lic id a d e , ma l e nte nd id a . É</p><p>q ue q ua se to d o s o s se us inté rp re te s vira m ne la uma a firma tiva a o p é</p><p>d a le tra , a lg o q ue se re fe ria e xc lusiva me nte a um fe nô me no b io ló g ic o</p><p>e ra c ia l, q ua nd o d e fa to e la d iz muito ma is d e fa to s so c io ló g ic o s</p><p>b á sic o s. Na ve rd a d e , p e nso q ue , c a so se q ue ira te r uma</p><p>c o mp re e nsã o ma is p ro fund a e o rig ina l d a s re la ç õ e s ra c ia is q ue</p><p>e xiste m no Bra sil, se rá ne c e ssá rio to ma r e ssa e xp re ssã o no s se us</p><p>se ntid o s ve la d o s, c o nsid e ra nd o to d a s a s sua s imp lic a ç õ e s mo ra is e</p><p>p o lític a s. E e la s, c o nfo rme ve re mo s a se g uir, no s le va m muito lo ng e d e</p><p>uma me ra q ue stã o fisio ló g ic a d e ra ç a s.</p><p>Dig o q ue a fra se d e Anto nil te m um se ntid o so c io ló g ic o e</p><p>simb ó lic o p ro fund o p o rq ue , no c o nte xto d a s te o ria s ra c ia is d o</p><p>m o m e nto , e la é no m ínim o c o ntra d itó ria . Re a lm e nte , nã o c usta</p><p>re le m b ra r q ue a s te o ria s ra c ista s e uro p é ia s e no rte -a m e ric a na s</p><p>nã o e ra m ta nto c o ntra o ne g ro o u o a ma re lo (o índ io ,</p><p>g e ne ric a me nte fa la nd o , ta mb é m d isc rimina d o c o mo infe rio r), q ue</p><p>e ra m nítid a e injusta me nte infe rio riza d o s re la tiva me nte a o b ra nc o ,</p><p>ma s q ue ta mb é m e ra m visto s c o mo d o no s d e p o uc a s q ua lid a d e s</p><p>p o sitiva s e nq ua nto “ ra ç a ” . O p ro b le ma ma io r d e ssa s d o utrina s, o</p><p>ho rro r q ue d e c la ra va m, e ra , isso sim, c o ntra a mistura o u</p><p>misc ig e na ç ã o d a s “ ra ç a s” . É c e rto , d izia m e la s, q ue ha via uma</p><p>nítid a o rd e m na tura l q ue g ra d ua va , e sc a lo na va e hie ra rq uiza va a s</p><p>“ ra ç a s huma na s” , c o nfo rme o c o rria c o m a s e sp é c ie s d e a nima is e a s</p><p>p la nta s; é c e rto ta mb é m, a firma va m ta is te o ria s, q ue o b ra nc o se</p><p>situa va no a lto d a e sc a la , c o m o b ra nc o d a Euro p a O c id e nta l</p><p>a ssumind o ind isc utíve l p o siç ã o d e lid e ra nç a na c ria ç ã o a nima l e</p><p>huma na d o p la ne ta . Ma s e ra ta mb é m se g uro q ue a ma re lo s e ne g ro s</p><p>tinha m q ua lid a d e s q ue a m istura d e ne g ria e le va va a o e xte rmínio .</p><p>Sa b e r p o r q ue ta is te o ria s tinha m e sse ho rro r à misc ig e na ç ã o é</p><p>c o nd uzir a c urio sid a d e inte le c tua l p a ra um d o s p o nto s-c ha ve s q ue</p><p>d isting ue m e e sc la re c e m o “ ra c ismo à e uro p é ia ” o u “ à a me ric a na ” e</p><p>o no sso c o nhe c id o , d issimula d o e d isse mina d o “ ra c ismo à b ra sile ira ” .</p><p>To me -se o e xe mp lo ma is fa mo so d e ssa s id é ia s, o C o nd e d e</p><p>G o b ine a u, q ue , inc lusive , re sid iu no Rio d e Ja ne iro c o mo c ô nsul d a</p><p>Fra nç a e se to rno u a mig o e inte rlo c uto r inte le c tua l d e no sso</p><p>Imp e ra d o r, D. Pe d ro II. Ele d iz c la ra me nte , num livro c é le b re p e la s</p><p>id é ia s ra c ista s e p e lo s e rro s no q ue d iz re sp e ito à Antro p o lo g ia d a s</p><p>d ife re nc ia ç õ e s huma na s, q ue é p o ssíve l d ivid ir a s “ ra ç a s” d e a c o rd o</p><p>c o m trê s c rité rio s fund a me nta is: o inte le c to , a s p ro p e nsõ e s a nima is e</p><p>a s ma nife sta ç õ e s mo ra is. No c urso d e ssa o b ra , sig nific a tiva me nte</p><p>intitula d a A dive rsidade mo ra l e inte le c tua l das raç as (p ub lic a d a e m</p><p>1856), G o b ine a u, e ntre ta nto , nã o re a liza um e xe rc íc io simp lista , no</p><p>se ntid o d e d ize r q ue a “ ra ç a ” b ra nc a e ra sup e rio r e m tud o . Há</p><p>m uita inte lig ê nc ia no s p re c o nc e ito s e no s a uto rita rism o s. Muito a o</p><p>c o ntrá rio , a o c o mp a ra r, p o r e xe mp lo , b ra nc o s e a ma re lo s no q ue d iz</p><p>re sp e ito à s sua s “ p ro p e nsõ e s a nima is” , e le situa o s p rime iro s a b a ixo</p><p>d o s se g und o s. Q ue m nã o se sa lva , p o ré m, c o mo infe lizme nte</p><p>a c o nte c e a té ho je na no ssa so c ie d a d e , sã o o s ne g ro s, se mp re e e m</p><p>tud o situa d o s a b a ixo d e b ra nc o s e a ma re lo s.</p><p>Ma s o nd e G o b ine a u re a lme nte e xc e d e u a si me smo e o uso u</p><p>c o m c o nfia nç a inusita d a , me smo p a ra q ue m e sta va imb uíd o d e uma</p><p>id e o lo g ia a uto ritá ria d e sua p ró p ria sup e rio rid a d e , fo i na p re visã o d e</p><p>q ue o Bra sil le va ria me no s d e 200 a no s p a ra se a c a b a r c o mo p o vo ! Po r</p><p>q uê ? O ra , simp le sme nte p o rq ue e le via c o m se us p ró p rio s o lho s, e</p><p>e sc re via re vo lta d o a se us a mig o s fra nc e se s, o q ua nto a no ssa</p><p>so c ie d a d e p e rmitia a mistura insa na d e ra ç a s. Essa misc ig e na ç ã o e</p><p>e sse a c a sa la me nto é q ue o c e rtific a va m d o no sso fim c o mo p o vo e</p><p>c o mo p ro c e sso b io ló g ic o . Se u p ro b le ma , c o nfo rme e sto u re ve la nd o ,</p><p>nã o e ra a e xistê nc ia d e ra ç a s d ife re nte s, d e sd e q ue e ssa s “ ra ç a s”</p><p>o b via m e nte fic a sse m no se u lug a r e na tura lm e nte nã o se</p><p>mistura sse m. G o b ine a u, c o mo se vê , fo i o p a i, o u me lho r, o</p><p>ve rd a d e iro g e nito r d e um d o s va lo re s ma is c a ro s a o p re c o nc e ito</p><p>ra c ia l d e q ua lq ue r so c ie d a d e hie ra rq uiza d a . Re firo -me a o fa to d e</p><p>q ue e le nã o se c o lo c o u c o ntra a hie ra rq uia q ue g o ve rna va ,</p><p>c o nfo rme sup unha , a d ive rsid a d e huma na no q ue d iz re sp e ito a o s</p><p>se us tra ç o s b io ló g ic o s, ma s fo i te rmina nte me nte c o ntrá rio a o c o nta to</p><p>so c ia l íntimo e ntre e la s. E é p re c isa me nte isso , c o nfo rme sa b e (ma s</p><p>nã o e xp re ssa ) to d o ra c ista , q ue imp lic a a id é ia d e misc ig e na ç ã o , já</p><p>q ue e la imp o rta c o nta to (e c o nta to íntimo , p o sto q ue se xua l) e ntre</p><p>p e sso a s q ue , na te o ria ra c ista , sã o vista s e c la ssific a d a s c o mo</p><p>p e rte nc e nd o a e sp é c ie s d ife re nte s. Da í a p a la vra “ mula to ” , q ue ve m</p><p>d e mulo , o a nima l a mb íg uo e híb rid o p o r e xc e lê nc ia ; a q ue le q ue é</p><p>inc a p a z d e re p ro d uzir-se e nq ua nto ta l, p o is é o re sulta d o d e um</p><p>c ruza me nto e ntre tip o s g e né tic o s a lta me nte d ife re nc ia d o s.</p><p>Ma s, no se u ho rro r a o mula tismo e a o c o nta to íntimo e</p><p>a mo ro so e ntre o s tip o s huma no s, G o b ine a u nã o e sta va só . O utro s</p><p>te ó ric o s imp o rta nte s, c o mo Buc kle , C o uty e Ag a ssiz — p a ra fic a rmo s</p><p>c o m a q ue le s q ue fo ra m influe nte s e ntre o s te ó ric o s d o ra c ismo no</p><p>Bra sil —, ta mb é m e xp rimira m e sse me d o d a mistura e tra ta ra m a</p><p>no ssa p o p ula ç ã o c o mo um to d o p o te nc ia lme nte d e g e ne ra d o d e</p><p>híb rid o s inc a p a ze s d e c ria re m a lg uma c o isa fo rte o u p o sitiva . Ne sse</p><p>c o nte xto , va le a p e na c ita r um tre c ho e sc rito p o r Ag a ssiz, o p ina nd o</p><p>p re c isa me nte so b re a no ssa so c ie d a d e : “ Q ue q ua lq ue r um q ue</p><p>d uvid a d o s ma le s d e ssa mistura d e ra ç a s, e se inc lina , p o r ma l-</p><p>e nte nd id a fila ntro p ia , a b o ta r a b a ixo to d a s a s b a rre ira s q ue a s</p><p>se p a ra m, ve nha a o Bra sil. Nã o p o d e rá ne g a r a d e te rio ra ç ã o</p><p>d e c o rre nte d o a má lg a ma d e ra ç a s, ma is g e ra l a q ui d o q ue e m</p><p>q ua lq ue r o utro p a ís d o mund o , e q ue va i a p a g a nd o ra p id a me nte a s</p><p>me lho re s q ua lid a</p><p>d e s d o b ra nc o , d o ne g ro e d o índ io , d e ixa nd o um</p><p>tip o ind e finid o , híb rid o , d e fic ie nte e m e ne rg ia físic a e me nta l.” O</p><p>c é le b re zo ó lo g o d e Ha rva rd fe c ha c o m G o b ine a u, p o stula nd o um</p><p>futuro te rríve l p a ra o Bra sil. Ê q ue c e rta me nte nã o ha via d e sc o b e rto o</p><p>va lo r p o sitivo d o mulatismo e , so b re tud o , a c a p a c id a d e b ra sile ira d e</p><p>re c up e ra r e tra b a lha r o a mb íg uo c o mo d a d o p o sitivo , na</p><p>g lo rific a ç ã o d a mulata e d o me stiç o c o mo se nd o , no fund o , uma</p><p>sínte se p e rfe ita d o me lho r q ue p o d e e xistir no ne g ro , no b ra nc o e no</p><p>índ io . E a g o ra , sup o nho , e sta m o s e m p o siç ã o p a ra re to rna rm o s à</p><p>fra se no tá ve l d e Anto nil a fim d e e nte nd ê -la e m to d a a sua</p><p>p ro fund id a d e .</p><p>No to , p rime ira me nte , q ue Anto nil nã o fa la d e b ra nc o , ne g ro e</p><p>mula to numa e q ua ç ã o b io ló g ic a . Ao c o ntrá rio , c o m e le s c o nstró i</p><p>uma a sso c ia ç ã o so c ia l o u no rma l, p o is q ue re la c io na o b ra nc o c o m o</p><p>p urg a tó rio , o ne g ro c o m o infe rno e o mula to c o m o p a ra íso . C re io se r</p><p>a p rime ira ve z q ue se e sta b e le c e um triâ ng ulo p a ra o e nte nd ime nto</p><p>d a so c ie d a d e b ra sile ira e isso , suste nto , é sig nific a tivo e imp o rta nte .</p><p>Sig nific a tivo p o rq ue e u me smo te nho re p e tid o se g uid a me nte q ue o</p><p>Bra sil nã o é um p a ís d ua l o nd e se o p e ra so me nte c o m uma ló g ic a d o</p><p>d e ntro o u fo ra ; d o c e rto o u e rra d o ; d o ho me m o u mulhe r; d o</p><p>c a sa d o o u se p a ra d o ; d e De us o u Dia b o ; d o p re to o u b ra nc o . Ao</p><p>c o ntrá rio , no c a so d e no ssa so c ie d a d e , a d ific uld a d e p a re c e se r</p><p>justa me nte a d e a p lic a r e sse d ua lismo d e c a rá te r e xc lusivo ; o u se ja ,</p><p>uma o p o siç ã o q ue d e te rmina a inc lusã o d e um te rmo e a a uto má tic a</p><p>e xc lusã o d o o utro , c o mo é c o mum no ra c ismo a me ric a no o u sul-</p><p>a fric a no , q ue nó s b ra sile iro s c o nsid e ra mo s b ruta l p o rq ue no no sso</p><p>c a so tud o se p a ssa c o nfo rme Anto nil ma ra vilho sa me nte intuiu. Isto é ,</p><p>e ntre o p re to e o b ra nc o (q ue no s siste ma s a ng lo -sa xã o e sul-a fric a no</p><p>sã o te rmo s e xc lusivo s), nó s te mo s um c o njunto infinito e va ria d o d e</p><p>c a te g o ria s inte rme d iá ria s e m q ue o mulato re p re se nta uma</p><p>c rista liza ç ã o p e rfe ita .</p><p>De mo d o p le na me nte c o e re nte c o m e ssa o rd e na ç ã o</p><p>hie ra rq uiza d a d a s c a te g o ria s d ife re nc ia is d o g ê ne ro huma no , Anto nil</p><p>a s e q ua c io na simulta ne a me nte a trê s e sp a ç o s sa g ra d o s, c rític o s na</p><p>c o smo lo g ia c a tó lic a ro ma na : o p a ra íso , o infe rno e o p urg a tó rio .</p><p>Nã o se rá p re c iso no ta r q ue a c o rre la ç ã o a q ui é ig ua lme nte</p><p>p e rfe ita . Se o mula to é um se r inte rme d iá rio e a mb íg uo , uma e sp é c ie</p><p>d e Do na Flo r d a s re la ç õ e s ra c ia is b ra sile ira s, c a te g o ria q ue e xiste d e</p><p>fa to e d e d ire ito na id e o lo g ia so c ia l d a so c ie d a d e e se le g itima</p><p>p re c isa me nte p o r instituir o inte rme d iá rio e a sínte se d o s o p o sto s c o mo</p><p>a lg o p o sitivo , sua a sso c ia ç ã o c o m o Pa ra íso no s a jud a a e nte nd e r a</p><p>g e nia l se nsib ilid a d e d e Anto nil p a ra o s va lo re s ma is p ro fund o s d a</p><p>no ssa so c ie d a d e . Po rq ue nã o há d úvid a a lg uma d e q ue e le p e rc e b e u</p><p>o va lo r p o sitivo q ue a sso c ia mo s a o inte rme d iá rio , a c a te g o ria q ue</p><p>fic a no me io , a o se r situa d o e ntre o s e xtre mo s e q ue , p o r isso me smo ,</p><p>p e rmite a sua a sso c ia ç ã o e a ne g a ç ã o d e sua s te nd ê nc ia s e</p><p>c a ra c te rístic a s a nta g ô nic a s. Q ue m inve nto u, o u me lho r, p e rc e b e u a</p><p>p o sitivid a d e d a mula ta , d a mula ta ria e d a s c a te g o ria s inte rme d iá ria s</p><p>e m g e ra l fo i um je suíta q ue , muito a c e rta d a me nte , e q ua c io no u e sse</p><p>va lo r a lta me nte p o sitivo , a trib uíd o a ta l c a te g o ria na no ssa</p><p>so c ie d a d e , a o p ró p rio Pa ra íso .</p><p>Ta l a sso c ia ç ã o p e rmite d ize r q ue , no Bra sil, a o c o ntrá rio d o q ue</p><p>a c o nte c e u e m o utro s p a íse s — e e u p e nso a q ui, so b re tud o , no s</p><p>Esta d o s Unid o s —, nã o fic a mo s c o m uma c la ssific a ç ã o ra c ia l</p><p>fo rma liza d a e m p re to e b ra nc o (o u ta lve z, ma is p re c isa me nte , e m</p><p>p re to o u b ra nc o ), c o m a q ue le s c o nhe c id o s re fina me nto s id e o ló g ic o s</p><p>q ue , na le g isla ç ã o no rte -a me ric a na , e ra m p ró d ig o s e m d e sc o b rir</p><p>p o rç õ e s ínfima s d a q uilo q ue a le i c ha ma va d e “ sa ng ue ne g ro ” na s</p><p>ve ia s d e p e sso a s d e c o r b ra nc a , q ue a ssim p a ssa va m a se r</p><p>c o nsid e ra d a s p re ta s, me smo q ue sua fe no tip ia (o u a p a rê nc ia e xte rna )</p><p>fo sse inc o nfund ive lme nte “ b ra nc a ” . Tra ta -se , c o nfo rme já a p o nto u</p><p>um so c ió lo g o b ra sile iro , O ra c y No g ue ira , d e um tip o d e p re c o nc e ito</p><p>ra c ia l q ue c o nsid e ra b á sic a s a s “ o rig e ns” d a s p e sso a s, e nã o</p><p>so me nte a “ ma rc a ” d o tip o ra c ia l, c o mo o c o rre no c a so b ra sile iro .</p><p>De sse mo d o , o no sso p re c o nc e ito se ria muito ma is c o nte xtua liza d o e</p><p>so fistic a d o d o q ue o no rte -a me ric a no , q ue é d ire to e fo rma l. A</p><p>c o nse q üê nc ia d isso , sa b e mo s b e m, é a d ific uld a d e d e c o mb a te r o</p><p>no sso p re c o nc e ito , q ue e m c e rto se ntid o te m, p e lo fa to d e se r</p><p>va riá ve l, e no rme e va nta jo sa invisib ilid a d e . Na re a lid a d e , a c a b a mo s</p><p>p o r d e se nvo lve r o p re c o nc e ito d e te r p re c o nc e ito , c o nfo rme d isse</p><p>Flo re sta n Fe rna nd e s numa fra se la p id a r.</p><p>O fa to d e e xistir uma le g isla ç ã o ríg id a , ra c ista e d ua lístic a no s</p><p>Esta d o s Unid o s — um c o njunto d e le is q ue a té b e m p o uc o te mp o</p><p>imp e d ia m o mo vime nto d e q ue m e ra c o nsid e ra d o ne g ro e m c e rta s</p><p>á re a s urb a na s, e sc o la s, re sta ura nte s, ho té is, b a re s e muita s o utra s</p><p>instituiç õ e s so c ia is — re ve la e sse d ua lismo c la ro q ue ind ic a se m</p><p>ma io re s e mb a ra ç o s q ue m e stá d e ntro o u fo ra ; q ue m te m d ire ito s e</p><p>q ue m nã o te m; q ue m é b ra nc o o u é p re to ! Ma s a q ui, c o nfo rme</p><p>sa b e mo s, há uma ra d ic a i e xc lusã o d e to d a s a s c a te g o ria s</p><p>inte rme d iá ria s, q ue sã o a b so rvid a s, c o m to d o s o s risc o s e p e na lid a d e s,</p><p>à s d ua s c a te g o ria s p rinc ip a is, e m fra nc a o p o siç ã o e e m a b e rta</p><p>d istinç ã o Aq ui, o mula to nã o e stá no p a ra íso d e Anto nil, ma s no</p><p>infe rno . E o s mo tivo s d e ssa e q ua ç ã o sã o e xa ta me nte o p o sto s. É q ue</p><p>numa so c ie d a d e ig ua litá ria e p ro te sta nte , c o mo sã o o s Esta d o s</p><p>Unid o s, o inte rme d iá rio re p re se nta tud o o q ue d e ve se r e xc luíd o d a</p><p>re a lid a d e so c ia l. De ntro d e uma so c ie d a d e q ue te nto u e limina r a</p><p>tra d iç ã o ime mo ria l d a s le is imp líc ita s, a q ue la s q ue p o d ia m se r</p><p>a p lic a d a s o u nã o , q ue p o d ia m se r le mb ra d a s o u nã o , q ue p o d ia m</p><p>va ria r d e a c o rd o c o</p>