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<p>Kerbert</p><p>simon</p><p>u>'</p><p>r & y& i</p><p>0 v a V > ô ^</p><p>cr ^ ̂ # l</p><p>EDITORA DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS</p><p>ADMINISTRAÇÃO PARA O</p><p>DESENVOLVIMENTO</p><p>A FUNDAÇÃO GETULIO</p><p>VARGAS está reeditando vários</p><p>livros sobre o tema Administração</p><p>para o Desenvolvimento, os quais,</p><p>pela aceitação que alcançaram e</p><p>pela continuada procura de que</p><p>são objeto, bem demonstram o</p><p>crescente interesse dos leitores</p><p>brasileiros por assunto tão rele</p><p>vante.</p><p>Entre estes relançamentos encon</p><p>tra-se este Comportamento</p><p>Administrativo, de HERBERT</p><p>A. SIMON, considerado um dos</p><p>clássicos da administração. O</p><p>autor oferece uma teoria do pro</p><p>cesso de escolha humana ou da</p><p>tomada de decisões, na qual pro</p><p>cura congregar os diversos aspec</p><p>tos racionais da escolha que têm</p><p>constituído a principal preocupa</p><p>ção dos economistas bem como as</p><p>diferentes propriedades e limita</p><p>ções dos mecanismos humanos</p><p>presentes no processo decisório,</p><p>objeto da atenção de psicólogos e</p><p>administradores experimentados.</p><p>“Não obstante seu principal inte</p><p>resse ser a administração pública,</p><p>a fim de melhor realizar seus obje</p><p>tivos tomou ele em consideração</p><p>outros tipos de organizações for</p><p>mais: militares, comerciais, in</p><p>dustriais e organizações privadas</p><p>sem fins lucrativos. Essa orienta</p><p>ção eclética faz com que suas con</p><p>clusões tenham um caráter geral e</p><p>seu trabalho seja de grande utili</p><p>dade para a descrição do compor</p><p>tamento administrativo em todos</p><p>os tipos de organização” .</p><p>A D M IN IST R A Ç Ã O PARA O D E SE N V O L V IM E N T O — 9</p><p>HERBERT A. SIMON</p><p>Professor de Administração e Chefe do Departamento de</p><p>Gerência Industrial da Escola Superior de Administração Industrial</p><p>do Instituto Carnegie de Tecnologia</p><p>COMPORTAMENTO</p><p>ADMINISTRATIVO</p><p>ESTUDO DOS PROCESSOS DECISÓRIOS</p><p>NAS ORGANIZAÇÕES ADMINISTRATIVAS</p><p>3? edição</p><p>Tradução de</p><p>Aluízio Loureiro Pinto</p><p>FGV — Instituto de Documentação</p><p>Editora da Fundação Getulio Vargas</p><p>Rio de Janeiro, RJ — 1979</p><p>Nota do Editor</p><p>Desde que este livro foi lançado nos Estados Unidos, há cerca de</p><p>25 anos, só tem aumentado no mundo inteiro o interesse pelos estu</p><p>dos da administração. Muito certo estava o autor ao afirmar, dez</p><p>anos depois, “que a análise do comportamento humano exposta</p><p>neste trabalho continuará a ser útil, ainda por muito tempo, tanto</p><p>ao cientista do comportamento quanto ao administrador” .</p><p>No Brasil, em particular, o interesse com que foi recebida a</p><p>primeira edição em português evidenciou a que ponto este trabalho</p><p>permanece atual e quanto suas premissas e suas recomendações, por</p><p>bem fundamentadas e universais, se aplicam e são de utilidade em</p><p>nosso país.</p><p>Os mais diversos grupos encontrarão em Comportamento Admi</p><p>nistrativo material de estudo ou de reflexão, apresentado de forma</p><p>rigorosamente científica, concisa, exemplarmente clara. A cada pas</p><p>so, exemplos tomados da realidade reforçam os argumentos ou es</p><p>clarecem as indicações oferecidas pelo autor.</p><p>Tantos e tão relevantes motivos justificam esta segunda edição</p><p>que o Serviço de Publicações da FGV oferece aos leitores de língua</p><p>portuguesa.</p><p>vi HERBERT SIMON</p><p>Introdução à segunda edição norte-americana</p><p>Uma década não constitui, geralmente, período muito longo na his</p><p>tória do desenvolvimento das idéias. Para um livro que possui, no</p><p>entanto, como subtítulo a expressão Estudo dos Processos Decisórios</p><p>nas Organizações Administrativas os últimos dez anos foram excep-</p><p>cionais e marcantes. Neste particular, creio que poderia gabar-me</p><p>de possuir certo dom profético por ter incluído no título e subtítulo</p><p>deste livro os três vocábulos mais em voga nas ciências sociais, ou</p><p>seja, comportamento, tomada de decisões e organização. Na reali</p><p>dade, porém, não era preciso ser profeta para realizar tal façanha</p><p>pois os progressos no campo dos conhecimentos humanos, mais do</p><p>que quaisquer outros acontecimentos, revelam, com muita antece</p><p>dência, os rumos que tendem a tomar. Quanto a isso, aliás, havia</p><p>inúmeras razões para prever, já em 1942, quando o arcabouço deste</p><p>livro foi iniciado, algumas das tendências gerais que esses progressos</p><p>seguiriam. Na verdade, o fato de que previsões similares tenham</p><p>sido aventadas por inúmeros cientistas, dedicados ao estudo dos</p><p>mesmos assuntos, embora sob diferentes prismas, constituiu-se no</p><p>principal motivo dos extraordinários progressos que ora presencia</p><p>mos neste campo de conhecimento.</p><p>Meu prognóstico atual, marcadamente otimista, aliás, é de que</p><p>este trabalho estará um tanto desatualizado dentro de mais dez anos.</p><p>Distante, porém, ainda está o dia em que os resultados dos rápidos</p><p>progressos que atualmente ocorrem nas ciências do comportamento</p><p>( behavioral Sciences) poderão ser sistematizados de maneira simples</p><p>e coerente, ou quando suas implicações para a organização e a ad</p><p>ministração venham a ser plenamente compreendidas e avaliadas.</p><p>Creio, por esta razão, que a análise do comportamento humano ex</p><p>posta neste trabalho continuará a ser útil, ainda por muito tempo,</p><p>tanto ao cientista do comportamento quanto ao administrador.</p><p>Introdução à 2.a edição norte-americana VII</p><p>O principal objetivo desta Introdução à edição revista do pre</p><p>sente volume é tornar claro e explicar, à luz do que os estudiosos</p><p>da teoria da organização aprenderam nos últimos dez anos, alguns</p><p>dos temas centrais aqui tratados. Considerando, porém, que há, ao</p><p>que tudo indica, muito poucas modificações a fazer no esquema</p><p>conceituai básico do livro, aproveito o ensejo para ressaltar dois</p><p>pontos que julgo imprescindíveis. Desejo, em primeiro lugar, reiterar</p><p>a ênfase dada a algumas proposições do trabalho original que, agora,</p><p>com maior conhecimento de causa, se me afiguram mais importantes,</p><p>tanto para o desenvolvimento da ciência da organização como para</p><p>sua aplicação prática. Em segundo lugar, quero analisar a posição</p><p>do livro com referência aos mais recentes progressos ocorridos no</p><p>campo da teoria administrativa desde sua publicação original.</p><p>O objeto de estudo da teoria da organização reveste-se de con</p><p>siderável importância para diversos e numerosos grupos de pessoas</p><p>na sociedade contemporânea. Interessa, de um lado, aos adminis</p><p>tradores públicos e privados, e de outro, aos economistas, cientistas,</p><p>políticos, psicólogos sociais e sociólogos. Ao compulsar este livro, o</p><p>administrador e o cientista estarão buscando coisas inteiramente di</p><p>ferentes; mesmo entre os cientistas sociais a diversidade de interesse</p><p>e de linguagem é suficiente para fazer com que algumas de suas</p><p>partes não despertem a mesma atenção. Com o intuito de melhor</p><p>orientar o leitor, qualquer que seja seu objetivo, uma explicação</p><p>sumária da estrutura e organização do livro será apresentada na</p><p>primeira parte desta Introdução.</p><p>A segunda parte da Introdução é dedicada especialmente aos</p><p>que lidam com a administração na prática. Nela procurarei demons</p><p>trar de que maneira a teoria da tomada de decisões, formulada neste</p><p>livro, poderá ser aplicada aos problemas práticos da organização. A</p><p>terceira parte visa a proporcionar orientação semelhante aos cien</p><p>tistas do comportamento, discutindo as relações da teoria da orga</p><p>nização, em geral, e da teoria aqui exposta, em particular, com outras</p><p>orientações no campo das ciências sociais. A quarta e última parte</p><p>é devotada a breve comentário acerca de temas específicos tratados</p><p>nos vários capítulos do livro.</p><p>Plano do livro</p><p>Quem se dispõe a escrever uma obra, prontamente descobre incom</p><p>patibilidade fundamental entre a simplicidade do arranjo lógico dos</p><p>VIII IIKHHF.RT SIMOS.</p><p>vocábulos na frase que deseja construir e o complexo emaranhado</p><p>das idéias a exprimir. A fim de resolver o problema, o indivíduo</p><p>procura selecionar essas idéias e dispô-las da maneira mais organi</p><p>zada possível, preservando aquelas consideradas mais importantes,</p><p>deixando as outras de lado.</p><p>O plano básico deste livro pode ser delineado da seguinte ma</p><p>neira:</p><p>O primeiro capítulo é, ao mesmo tempo, introdução geral e</p><p>resumo.</p><p>O segundo e terceiro capítulos, juntamente com o Apêndice,</p><p>visam a eliminar alguns</p><p>público, e assim por diante,</p><p>não são operacionais nem proporcionam o denominador comum dis</p><p>cutido no capítulo relativo ao papel da eficiência como elemento</p><p>essencial para a seleção de alternativas.</p><p>2. As decisões tendem a ser tomadas, por conseguinte, em termos</p><p>daqueles objetivos de nível mais elevado e que sejam operacionais,</p><p>isto é, dos objetivos mais gerais aos quais se pode relacionar a ação</p><p>de maneira claramente definida, e que fornece alguma base para a</p><p>avaliação do que foi obtido. Os objetivos operacionais são o núcleo</p><p>em tomo do qual se cristaliza o modelo simplificado do mundo con</p><p>cebido pelo administrador. Ele considera aqueles assuntos que são</p><p>relacionados com esses objetivos e elimina ou ignora os demais.</p><p>IDENTIFICAÇÃO (Capítulo 10)</p><p>In tro d u çã o à 2 .a ed ição norte-am ericana XXXV</p><p>(Páginas 263-265)</p><p>O desenvolvimento da teoria dos jogos contribuiu de maneira deci</p><p>siva para elucidar muitos dos tópicos discutidos nestas páginas.</p><p>É possível mostrar agora que, sob as mais diferentes circunstâncias,</p><p>o fato de que as pessoas reagem a previsões anunciadas publicamen-</p><p>te não impede que tais previsões sejam feitas de maneira que na</p><p>realidade se confirmem. O argumento é um pouco técnico-matemá</p><p>tico, por isso recomendo ao leitor meu estudo sobre Bandwagon and</p><p>Underdog Effects and the Possibility of Election Predietions, publi</p><p>cado em Public Opinion Quarterly (outono de 1954).</p><p>EXPECTATIVAS COMO FATORES NO COMPORTAMENTO SOCIAL</p><p>Referências complementares</p><p>À guisa de conclusão, apresento, a seguir uma lista de parte de meus</p><p>livros, artigos e monografias, publicados após a primeira edição des</p><p>te livro e que dizem respeito aos tópicos aqui discutidos. Algumas</p><p>dessas publicações representam trabalhos empíricos, outros repre</p><p>sentam tentativas de expandir a teoria aqui elaborada e, em muitos</p><p>casos, formulá-la matematicamente. O algarismo romano, após cada</p><p>título, indica o capítulo para o qual essa referência é relevante. Um</p><p>asterisco indica que o artigo em causa foi reeditado por John Wiley</p><p>& Sons, em 1956.</p><p>A Comment on the Science of Public Administration, Public Administra-</p><p>tion Review, 7:200-203, verão de 1947. ( II )</p><p>(Com S m it h b u r g , D . W. e T h o m p s o n , V. A.) Public Administration</p><p>Nova Iorque, Alfred A. Knopf, Inc., 1950.</p><p>M odem Organization Theories, Advanced Management, 15:2-4, outubro</p><p>de 1950.</p><p>The Analysis of Promotional Opportunities, Personnel, 27:282-285, janeiro</p><p>de 1951.</p><p>A Formal Theory of the Employment Relationship, Econométrica, 19:293-</p><p>305, julho, 1951. (VI I) *</p><p>On the Application of Servomechanism Theory in the Study of Production</p><p>Control, Econométrica, 20:247-268, abril de 1952. ( V ) *</p><p>A Formal Theory o f Interaction in Social Groups, American Sociological</p><p>Review, 17:202-211, abril de 1952- ( VI )*</p><p>Developm ent of Theory of Democratic Administration: Reply, American</p><p>Political Science Review, 46:494-496, junho de 1952. (III)</p><p>XXXVI HERBERT SIMON</p><p>Comments on the Theory of Organizations. American Political Science</p><p>Review, 46:1130-1139, dezembro de 1952. (I I )</p><p>Comments on the Theory of Organizations. American Political Science</p><p>Review, 46:1130-1139, dezembro de 1952. (II )</p><p>A Comparison of Organization Theories, The Review of Economic Studies,</p><p>20:40-48, 1952-1953, n.° 1. (V I)*</p><p>Birth of an Organization: The Econom ic Cooperation Adrmnistration,</p><p>Public Administration Review, 13:227-236, outono de 1953. (V , X I)</p><p>Notes on the Observation and Measurement of Political Power, Journal of</p><p>Politics, 15:500-516, novembro de 1953. (V I I )“</p><p>(Com K o z m e t s x y , G., G u e t z k o w , H. e T y n d a l l , G .), Centralization t>.</p><p>Descentralization in Organizing the ControlleEs Department, Nova Iorque, The</p><p>Controllership Foundation, 1954. (V III, XI)</p><p>Staff and Management Controls, Annahs of the American Academy of</p><p>Political and Social Sciences, 292:95-103, março de 1954. (X I)</p><p>Bandwagon and Underdog Effects and the Possibility of Election Predic-</p><p>tions, Public Quarierly, 18:245-253, outono de 1954. (A pêndice) *</p><p>(Com K o z m e t s x y , G u e t z k o w e T y n d a l l ) Organizing for Controllership:</p><p>Centralization and Decentralization, The Controller, 33:11-13, janeiro de 1955.</p><p>(VIII, IX )</p><p>(Com G u e t z k o w , H .) A model of Short- and Long-Run Mechanisms</p><p>Involved in Pressures Toward Uniformity in Groups, Psychological Review,</p><p>62:56-68, janeiro de 1955. (V III, X ) *</p><p>Framework of a Theory of the Firm: Comments, Capítulo 2, Apêndice B,</p><p>em B o w e n , Howard; The Business Enterprise as a Subject for Research, Social</p><p>Science Research Council, Pamphlet n.° II, p. 43-46. (II )</p><p>(Com G u e t z k o w , H .) The Impact of Certain Communications Nets Upon</p><p>Organization Performance in Task-Oriented Groups, Management Science, 1:233-</p><p>250, abril-julho de 1955. (V III, XI)</p><p>Recent Advances in Organization Theory, Capitulo 2 em Research Fror.tiers</p><p>in Politics and Government: Brookmgs Lectures, 1955, W ashington, The Brook-</p><p>ings Institution, 1955. (II, V )</p><p>Organization Structure — End or Means? Seminars on Administration for</p><p>Public Health Service Executives, Washington, Public Health Service, 1955,</p><p>p. 1-6. (X I)</p><p>Comportement Organisationnel et Comportement Rationnel, Connaissance</p><p>de LTIomme, n.° 12-13, p. 87-98, agosto-setembro de 1955. (IV , V )</p><p>Rationa! Behavior and Organization Theory, em Trcnds in Economics,</p><p>University Park, Pa., Pennsylvania State University, Bureau of Business</p><p>Research, 1955. (IV , V )</p><p>(com G u e t z k o w , H .), Mechanisms Involved in Group Pressures on Deviate</p><p>Members, British Journal of Statistical Psychology, 8:93-102, novembro de 1955.</p><p>(V II, X ) *</p><p>Rational Choice and the Structure of the Environment, Psychological</p><p>Review, 63:129-138, março de 1956. (IV , V ) *</p><p>Introdução à 2.° edição norte-americaiui XXXVII</p><p>Apresentação da Edição Origina!</p><p>O Professor S i m o n traz, com este livro, importante contribuição à</p><p>ciência social da organização formal e da administração. Seu objeti</p><p>vo, conforme declara no Prefácio, é construir um instrumental de</p><p>trabalho, composto de conceitos e nomenclatura, que permita des</p><p>crever, concomitantemfente, a estrutura e o funcionamento das orga</p><p>nizações administrativas. Não obstante seu principal interesse ser a</p><p>administração pública, a fim de melhor realizar seus objetivos tomou</p><p>ele em consideração outros tipos de organizações formais: militares,</p><p>comerciais, industriais e organizações privadas sem fins lucrativos.</p><p>Essa orientação eclética faz com que suas conclusões tenham um</p><p>caráter geral e seu trabalho seja de grande utilidade para a descrição</p><p>do comportamento administrativo em todos os tipos de organização.</p><p>Independentemente da utilidade para fins científicos, do instru</p><p>mental acima referido, o valor da exposição do Professor S i m o n</p><p>para o leitor comum e para o homem de negócios reside na clareza,</p><p>amplitude e generalidade com que descreve a organização, o pro</p><p>cesso administrativo, a natureza da decisão e os julgamentos de fato</p><p>e de valor que entram no processo decisório. Seu sucesso nessa área</p><p>é notável. Possuo longa experiência como administrador de organi</p><p>zações comerciais, governamentais e privadas sem fins lucrativos. O</p><p>livro expõe, de maneira percuciente, o que experimentei em todas</p><p>elas e que é, até certo ponto, o aspecto essencial de toda organização</p><p>e administração. Captou, por assim dizer, o seu sentido exato, o que</p><p>faz com que a maneira pela qual o Professor Si m o n concebe a estru</p><p>tura da ação organizada coincida com minha experiência. Por esse</p><p>motivo, considero-a adequada, embora não possa ser considerada</p><p>final ou exaustiva, e acredito que todos aqueles que compreendem</p><p>essa estrutura concordarão quanto à utilidade e fidedignidade de</p><p>seu ponto de vista. Para aqueles que possuem pouca experiência e</p><p>A p resen tação da ed ição original XXXIX</p><p>conhecimento de organizações, o tratamento que o Professor Simon</p><p>dispensa ao assunto é esclarecedor e protegê-los-á de noções falsas</p><p>sobre</p><p>certos conceitos, como poder, autoridade e incentivos. Isto já</p><p>constitui, por si só, um serviço inestimável.</p><p>Não obstante, as generalizações apresentadas dão a impressão</p><p>que as conclusões são excessivamente abstratas. Apesar do estilo</p><p>simples do Professor S i m o n e da utilização que faz de exemplos de</p><p>casos concretos, o caráter necessariamente abstrato da obra leva-me</p><p>a fazer alguns comentários a respeito do impacto desse tipo de</p><p>estudo sobre os homens de negócio que lidam diariamente com si</p><p>tuações objetivas.</p><p>Para mim, tem sido extremamente útil identificar três níveis</p><p>bem diferenciados de experiência e conhecimento nas organizações.</p><p>O primeiro é o nível do comportamento concreto em situações espe</p><p>cíficas. Aqui, a maior parte do comportamento provém do hábito</p><p>e as respostas e adaptações são inconscientes. Na realidade, a maior</p><p>parte desse comportamento mudaria e tornar-se-ia ineficiente não</p><p>fora seu caráter inconsciente. Neste nível a experiência é mestra, e</p><p>o que se adquire é know how (saber como fazer) e não conheci</p><p>mento. Ademais, é tão difícil controlar tal comportamento com base</p><p>em conhecimentos livrescos quanto seria difícil tentar controlar nos</p><p>sas funções corpóreas por meio de leitura de livros de fisiologia.</p><p>O que ocorre nesse nível de experiência é, sem dúvida, um campo</p><p>adequado de estudo e útil para fins científicos, de diagnóstico, tera</p><p>pia e prevenção. O Professor S i m o n trata disso, aliás, em sua dis</p><p>cussão da organização informal, que constitui um exemplo desse</p><p>nível da experiência organizativa.</p><p>O segundo nível de experiência diz respeito a práticas organiza</p><p>cionais específicas, isto é, às linhas de autoridade, às políticas gerais,</p><p>normas e regulamentos, padrões de comportamento e assim por dian</p><p>te, de uma dada organização. Embora uma grande parte disto seja</p><p>declarado por escrito em qualquer organização e como tal pode ser</p><p>estudado, uma parcela substancial c lei não escrita que pode ser</p><p>aprendida principalmente pela observação cuidadosa e pela expe</p><p>riência. Não há dúvida que em determinadas ocasiões, a experiência</p><p>e os conhecimentos gerais permitem aos indivíduos comportar-se de</p><p>maneira eficaz nessas organizações específicas, especialmente se dis</p><p>puserem do apoio de indivíduos tarimbados em determinado setor da</p><p>organização. De um modo geral, porém, o conhecimento efetivo de</p><p>XL HERBERT SIMON</p><p>uma organização específica só pode ser adquirido quando se traba</p><p>lha nela. Ninguém espera que um indivíduo tenha uma compreensão</p><p>adequada do comportamento das referidas organizações exceto quan</p><p>do passam a maior parte de suas carreiras nelas.</p><p>Cabe fazer aqui duas observações de natureza geral. Primeiro,</p><p>toda organização possui um vocabulário ou um jargão que lhe é</p><p>peculiar, cujo uso e significado precisam ser aprendidos. Segundo,</p><p>o comportamento observado não corresponde, no mais das vezes, à</p><p>linguagem usada para descrevê-lo. Creio, por exernplo, que na maio</p><p>ria das boas organizações o comportamento administrativo coaduna-</p><p>se com a teoria de autoridade enunciada pelo Professor Si m o n .</p><p>Mas os princípios da autoridade na forma em que são enunciados</p><p>em tais organizações são normalmente legalísticos e não têm a menor</p><p>relação com o comportamento. Os danos causados por esse estado</p><p>de coisas resulta muito menos de incompreensão decorrente de erros</p><p>de expressão do que das repetidas tentativas de controlar o compor</p><p>tamento humano com base numa falsa filosofia.</p><p>O oonheeimento de uma ciência da organização e administração</p><p>jamais poderá ocupar o lugar da experiência prática numa dada or</p><p>ganização. A utilidade de conhecimentos mais gerais para os admi</p><p>nistradores provém da compreensão racional do comportamento que</p><p>isso propicia, o qual é, por seu turno, proveniente em grande parte</p><p>de erros e tentativas de acerto ou da experiência repetitiva. Seu uso</p><p>prático imediato é limitado. Seu valor prático a longo prazo é imenso,</p><p>pois promove acuidade nas observações, impede a negligência de</p><p>fatores importantes, apresenta a vantagem de propiciar uma lingua</p><p>gem mais geral e reduz as incongruências entre o comportamento</p><p>observado e sua descrição.</p><p>O terceiro nível de conhecimento é, obviamente, aquele exem</p><p>plificado neste livro, do qual não é preciso dizer mais nada. Cumpre,</p><p>todavia, perguntar: que justifica a crença de ser possível o conheci</p><p>mento geral do comportamento administrativo ou da organização?</p><p>O Professor S im o n da mesma maneira que os outros que labutam</p><p>nesse campo não respondeu a esta pergunta. A este respeito, resig-</p><p>namo-nos, apenas, a presumir ou afirmar isto. Explicarei brevemente</p><p>as bases em que sustento meu ponto de vista. As abstrações do Pro</p><p>fessor Sim o n parecem-me sólidas porque expressam aspectos de mi</p><p>nha experiência sob as mais variadas circunstâncias. O reitor de uma</p><p>universidade disse-me, certa vez, que uma das principais dificuldades</p><p>A p resen ta çã o da ed ição original XLI</p><p>de sua organização era “a seguinte, certamente, peculiar a todas as</p><p>universidades”, e descreveu um problema que eu havia encontrado</p><p>centena de vezes, em outras organizações, mas nunca numa univer</p><p>sidade. Ouvi, de outra feita, o comandante geral do Corpo de Trans</p><p>portes Aéreos dos Estados Unidos pronunciar uma conferência sobre</p><p>problemas de organização daquele órgão. Sem jamais ter tido qual</p><p>quer experiência militar, e em verdade li muito pouco a respeito</p><p>de organizações militares, penso, não obstante, que o compreendi</p><p>quase que perfeitamente. Pronunciei uma conferência enganadora</p><p>mente intitulada Os Princípios de Organização na Escola da</p><p>Guerra Aérea, e as perguntas e a discussão que se seguiram indica</p><p>ram que eu me havia feito entender muito bem. Tal experiência dá</p><p>margem para a crença de que é possível distinguir princípios estru</p><p>turais abstratos numa grande variedade de organizações, e que é</p><p>possível, em última análise, enunciar princípios gerais de organização.</p><p>C h e s t e r I . B a r n a r d</p><p>XLII HERBERT SIMON</p><p>Prefácio</p><p>Representa este livro uma tentativa de desenvolver instrumentos de</p><p>trabalho que auxiliem minha própria pesquisa no campo da admi</p><p>nistração pública. Nasceu, aliás, da convicção de que ainda não</p><p>dispomos, neste particular, de instrumentalidade vocabular e con</p><p>ceituai para descrever de maneira realística e percuciente mesmo</p><p>as organizações administrativas mais simples, de modo que se possa</p><p>analisar cientifieamente a sua eficácia estrutural e funcional. Entre</p><p>os estudos de organizações administrativas que tive oportunidade de</p><p>ler, poucos exprimiram de maneira compreensível a vida real de</p><p>uma organização. Por outro lado, pouquíssimos convenceram-me de</p><p>que suas conclusões a respeito da eficácia da organização, ou as</p><p>recomendações feitas para o seu aperfeiçoamento, poderiam ser</p><p>apropriadamente deduzidas da evidência apresentada.</p><p>A acolhida dispensada à primeira edição do Comportamento</p><p>Administrativo, e os vários artigos publicados sobre ele, mostram que</p><p>essas dúvidas não são exclusivamente minhas, mas compartilhadas</p><p>por inúmeros praticantes e pesquisadores no campo da administra</p><p>ção. Esse estado de coisas constitui, sem dúvida, séria acusação à</p><p>nossa ciência e a nós como cientistas. Uma experiência química</p><p>demonstra sua validade — sua autoridade científica — pela possibi</p><p>lidade de ser repetida, e a menos que seja descrita com todos os</p><p>detalhes, de modo a permitir tal repetição, será inútil. No que diz</p><p>respeito ao presente estágio dos estudos de administração, as possi</p><p>bilidades de explicar o que ocorreu em determinadas experiências</p><p>administrativas são bastante reduzidas, não havendo, praticamente,</p><p>nenhuma possibilidade de assegurar sua repetição.</p><p>Antes de formularmos princípios de administração imutáveis te</p><p>mos que desenvolver a habilidade de descrever, com termos exatos,</p><p>a morfologia e o funcionamento de uma organização administrativa.</p><p>Prefácio XLUI</p><p>A fim de dispor de meios que facilitem meus próprios estudos de</p><p>administração, tentei criar um vocabulário</p><p>que permita tal descrição,</p><p>cujos resultados estão registrados no presente trabalho. Essas con</p><p>clusões não constituem, contudo, uma teoria de administração, pois</p><p>com exceção de algumas afirmações apresentadas a título de hipó</p><p>tese, nenhum princípio de administração é proposto. Se houve, por</p><p>ventura, a formulação de alguma teoria, esta consistiu simplesmente</p><p>em considerar a tomada de decisões como o cerne da administração,</p><p>e na indicação de que o vocabulário da teoria administrativa deve</p><p>emanar da lógica e da psicologia pertinentes do processo de escolha</p><p>dos seres humanos.</p><p>Espero que este livro seja de alguma utilidade para três grupos</p><p>especiais de pessoas: primeiro, para os indivíduos interessados na</p><p>ciência da administração, que podem descobrir nele algum método</p><p>de descrição e análise aplicável às organizações; segundo aos prati</p><p>cantes da administração que podem encontrar utilidade em pensar</p><p>algumas vezes sobre a administração naquele terceiro plano de gene</p><p>ralidade de que fala B a r n a rd na sua Apresentação; terceiro, aos es</p><p>tudantes graduados e não graduados que desejem suplementar seus</p><p>compêndios básicos com um estudo mais íntimo dos processos de</p><p>comportamento que constituem o substrato da administração.</p><p>H e r b e r t A. Si m o n</p><p>xt.iv HERBERT SIMON</p><p>Agradecimentos</p><p>“E sem dúvida havia m uitos outros . . . de quem eu havia</p><p>assimilado um a palavra, um gesto, um olhar, m as d e quem</p><p>nada recordava como seres individuais; um livro assem e</p><p>lha-se a um vasto cem itério, onde a m aioria dos nomes</p><p>foram apagados dos jazigos. ”</p><p>M a r c e i , P r o u s t , Em Busca do Tempo Perdido</p><p>Nos oito anos transcorridos na preparação deste livro, como um</p><p>todo, ou de algumas de suas partes, a relação das pessoas de quem</p><p>recebi ajuda, críticas e estímulo assumiu proporções incalculáveis.</p><p>Peço perdão, porém, por destacar apenas aqueles a quem recorri</p><p>mais amiúde e por omitir muitos outros que me auxiliaram.</p><p>Desejo agradecer, em primeiro lugar, ao corpo docente da Uni</p><p>versidade de Chicago que tomou essa instituição, quando eu lá es</p><p>tudava, um ambiente intelectual altamente estimulante. Entre esses,</p><p>quero ressaltar, todavia, os nomes de C l a r e n c e E. R id l e y , do fale</p><p>cido Professor I I e n r y S c h u l t z , e do Professor L e o n a r d D. W h i t e .</p><p>Quanto aos colegas e amigos que leram e criticaram os originais ou</p><p>as primeiras provas do livro, quero ressaltar L y n d o n E. A b b o t t ,</p><p>H e r b e r t B o h n e r t , M il t o n C h e r n in , W i l l i a m R . D iv in e , H e r b e r t</p><p>E m m e r i c h , V ic t o r J o n e s , A l b e r t L e p a w s k y , L y m a n S. M o o r f .,</p><p>R ic h a r d O. N i e h o f f , C h a r n e r M a r q u is P e r r y , C. H e r m a n P r it -</p><p>c h e t t , K e n n e t h J . S e ig w o r t h , E d w in O . St e n e , J o h n A. V ie g ,</p><p>W il l ia m L . C. W h e a t o n , e os membros do Grupo de Debates da</p><p>Administração Pública. H a r o l d o G u e t z k o w provou, uma vez mais,</p><p>ser um crítico excepcional, sempre rigoroso e útil.</p><p>A C h e s t e r I. B a r n a r d eu devo um tributo especial: primeiro,</p><p>por causa de seu livro, The Functions of the Executive, que exerceu</p><p>profunda influencia na minha maneira de conceber administração.</p><p>A a ra tlcc imen tos XI. V</p><p>Segundo, pela cuidadosa revisão crítica que fez à versão preliminar</p><p>do livro e, finalmente, pela Apresentação que escreveu para a pre</p><p>sente edição.</p><p>Vários capítulos deste livro já foram publicados, no todo ou</p><p>em parte, como artigos avulsos. Os capítulos .1 e 2, por exemplo, ba</p><p>seiam-se, principalmente, em artigos publicados na Public Adminis-</p><p>tration Review, enquanto alguns trechos do capítulo apareceram pela</p><p>primeira vez na revista Public Management.</p><p>Para concluir, conforme manda a tradição, considero isentas de</p><p>qualquer culpa, pelo que escrevi, todas as pessoas mencionadas ante-</p><p>riormente, embora não as possa eximir, contudo, da responsabilidade</p><p>de servirem de inspiração para a feitura do livro.</p><p>H. A. S.</p><p>IXLVl HERBERT SIMON</p><p>Segundo, pela cuidadosa revisão crítica que fez à versão preliminar</p><p>do livro e, finalmente, pela Apresentação que escreveu para a pre</p><p>sente edição.</p><p>Vários capítulos deste livro já foram publicados, no todo ou</p><p>em parte, como artigos avulsos. Os capítulos 1 e 2, por exemplo, ba</p><p>seiam-se, principalmente, em artigos publicados na Public Adminis-</p><p>tration Review, enquanto alguns trechos do capítulo apareceram pela</p><p>primeira vez na revista Public Management.</p><p>Para concluir, conforme manda a tradição, considero isentas de</p><p>qualquer culpa, pelo que escrevi, todas as pessoas mencionadas ante-</p><p>riormente, embora não as possa eximir, contudo, da responsabilidade</p><p>de servirem de inspiração para a feitura do livro.</p><p>H. A. S.</p><p>XLVI HERBERT SIMON</p><p>COMPORTAMENTO ADMINISTRATIVO</p><p>1. A tomada de decisões</p><p>nas organizações administrativas</p><p>0 que é administração? Na prática, administração é ordinariamente</p><p>definida como a arte de “conseguir realizar as coisas”. Por esta ra</p><p>zão, dá-se ênfase especial aos métodos e processos que visam a asse</p><p>gurar uma ação positiva, ao mesmo tempo que se formulam princí</p><p>pios com o objetivo de promover uma ação concatenada por parte</p><p>de um grupo de indivíduos. Esta maneira de conceber administração</p><p>faz com que se dê maior destaque ao que é realmente ação, isto é,</p><p>à determinação do que se deve fazer. E precisamente do problema</p><p>relativo ao processo de escolha que conduz à ação que este livro</p><p>trata. No presente capítulo, de natureza introdutória, o problema</p><p>será definido, passando-se, a seguir, à apreciação geral dos tópicos</p><p>a serem tratados nos capítulos subsequentes.</p><p>Embora qualquer atividade prática envolva tanto decidir como</p><p>fazer não se costuma reconhecer, em geral, que uma teoria de admi</p><p>nistração deva ocupar-se, simultaneamente, dos processos de decisão</p><p>e dos processos de ação.1 Essa negligência decorre, provavelmente,</p><p>da idéia de que a tomada de decisões se limita à formulação da</p><p>política geral da organização. Tanto a tarefa decisória como a tarefa</p><p>executória permeiam integralmente a organizção, estando a primeira,</p><p>na realidade, íntimamente ligada à última. Em suma, uma teoria</p><p>geral de administração deve incluir tanto princípios de organização</p><p>que asseguram decisões corretas, como princípios que asseguram</p><p>uma ação efetiva.</p><p>1 Há duas notáveis exceções a esta regra, contudo: B a h n a r d , C. I . T h e F u n c tio n s o f th e</p><p>E x e c u tive (Cambridge, Harvard University Press, 1938), e St e n e , Edwin O. An Approach</p><p>to a Science of Administration, A m e r ica n P o litíca l S c ience R e v ie w , 3 4 :1 1 2 4 -1 1 3 7 , (de</p><p>zembro de 1940).</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações adm in is tra tiva s 1</p><p>1.1. A tomada de decisões e sua execução</p><p>É claro que a tarefa física, real, de realizar os objetivos da organi</p><p>zação recai sobre as pessoas situadas na base da hierarquia adminis</p><p>trativa. O automóvel, como objeto material, é construído, por exem</p><p>plo, pelo mecânico na linha de montagem e não pelo engenheiro</p><p>ou pelo administrador. O incêndio é apagado não pelo chefe ou</p><p>pelo comandante do corpo de bombeiros mas pela equipe de solda</p><p>dos que empunham as mangueiras no combate às chamas.</p><p>É claro, por outro lado, que as pessoas que se situam acima</p><p>desse nível mais baixo (nível de operações) da hierarquia adminis</p><p>trativa não constituem um peso morto, pois desempenham papel</p><p>igualmente importante na consecução dos objetivos da organização.</p><p>Embora do ponto de vista físico das relações de causa e efeito seja</p><p>o metralhador quem luta no campo de batalha e não seu coman</p><p>dante, este provavelmente exercerá mais influência no resultado da</p><p>luta do que qualquer metralhador.</p><p>Nesse ponto, é oportuno perguntar: de que maneira, então, o</p><p>pessoal administrativo e os supervisores influenciam o trabalho de</p><p>uma organização? O pessoal não operativo de uma organização ad</p><p>ministrativa participa na execução dos objetivos desta na medida em</p><p>que influem</p><p>nas decisões do pessoal operativo ou de linha, ° isto é,</p><p>daqueles que se situam na base da hierarquia administrativa. A pro</p><p>babilidade que tem o comandante de influenciar o resultado da ba</p><p>talha depende diretamente do grau de direção que puder imprimir,</p><p>intelectualmente, à mão do metralhador. Pela disposição estratégica</p><p>de suas tropas no campo de batalha e através da prescrição de tare</p><p>fas específicas às unidades que lhe são subordinadas, ele determina</p><p>o objetivo e a posição do metralhador. Nas organizações muito pe</p><p>quenas a influência do pessoal de supervisão sobre o pessoal de</p><p>linha pode exercer-se diretamente, ao passo que nas organizações</p><p>de maior tamanho existe sempre, entre os primeiro e os segundos,</p><p>diversos níveis de supervisores intermediários, que estão, por seu</p><p>• N. do T.: As expressões pessoal opera tivo e pessoa l d e linha serão usadas intermuta-</p><p>velmente para referir-se àquele grupo de indivíduos que numa organização cooperam d ire ta </p><p>m e n te para a execução de seus objetivos. Numa fábrica de calçados, por exemplo, o pessoal</p><p>operativo seria aquele envolvido na manufatura do produto final: sapatos; numa escola,</p><p>esse pessoal seria formado dos professores, assistentes, etc. que ministram aulas e assim</p><p>por diante. A esse pessoal ligado às atividades finais da organização contrapõe-se o pessoal</p><p>auxiliar, que contribui in d ire ta m en te para as referidas atividades.</p><p>2 HERBERT SIMON</p><p>tumo, sujeitos às influências de níveis mais altos, e que transmitem,</p><p>elaboram e modificam essas influências antes de que elas atinjam</p><p>o pessoal de linha.</p><p>Se esta é uma descrição correta do processo administrativo, en</p><p>tão a construção de uma organização administrativa eficiente se re</p><p>sume a um problema de psicologia social. Neste caso, reduz-se pura</p><p>e simplesmente à tarefa de estabelecer o pessoal operativo e super</p><p>por a este um pessoal supervisor capaz de influenciar o primeiro</p><p>com o fim de obter um comportamento coordenado e efetivo. Usa</p><p>mos aqui o termo influenciar, ao invés de dirigir, porque a direção</p><p>— no sentido do uso da autoridade administrativa — é apenas uma</p><p>das diversas maneiras pelas quais o pessoal administrativo afeta a</p><p>decisão do pessoal de linha; por conseguinte, a construção de uma</p><p>organização administrativa envolve mais do que a simples distribui</p><p>ção de funções e de autoridade.</p><p>Ao estudar-se qualquer organização, deve-se concentrar a aten</p><p>ção no empregado de linha, pois o sucesso da estrutura será julgado</p><p>pelo seu desempenho nela. A melhor maneira de compreender a</p><p>estrutura e o funcionamento de uma organização consiste na verifi</p><p>cação da maneira pela qual as decisões e o comportamento desses</p><p>empregados são influenciados pela organização.</p><p>1 . 2 . Escolha e comportamento</p><p>Todo comportamento envolve seleção consciente ou inconsciente de</p><p>determinadas ações entre aquelas que são fisicamente possíveis para</p><p>o agente e para aquelas pessoas sobre as quais ele exerce influência</p><p>e autoridade. Usamos aqui o termo seleção sem qualquer conotação</p><p>com um processo consciente ou deliberado. Refere-se pura e sim</p><p>plesmente ao fato de que ao seguir determinado curso de ação, o</p><p>indivíduo automaticamente abandona outros. Em muitos casos, o</p><p>processo de seleção consiste simplesmente numa ação reflexa condi</p><p>cionada, como pode ser o caso de uma datilógrafa, que aciona deter</p><p>minada tecla porque se criou um reflexo entre a letra impressa no</p><p>texto e essa tecla. Aqui a ação é, pelo menos até certo ponto, racio</p><p>nal, isto é, orientada no sentido de uma finalidade, não obstante o</p><p>fato de que nenhum elemento consciente ou deliberativo foi envol</p><p>vido.</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações adm in is tra tiva s 3</p><p>Em outros casos a seleção é, em si, o produto de uma cadeia</p><p>complexa de atividades chamada planejamento ou projetação. Um en</p><p>genheiro, por exemplo, pode decidir com base numa cuidadosa e</p><p>demorada análise que determinada ponte deve ser do tipo cantilever.</p><p>Seu desenho, que será posteriormente complementado pelos planos</p><p>detalhados da estrutura, gerará uma cadeia completa de comporta</p><p>mentos por parte dos indivíduos encarregados da sua construção.</p><p>Neste livro utilizaremos muitos exemplos das inúmeras variações</p><p>desse processo seletivo. Todos eles possuem as seguintes característi-</p><p>cas comuns: existe, a qualquer momento, grande número de ações</p><p>alternativas (fisicamente) possíveis, qualquer das quais pode ser</p><p>selecionada pelo indivíduo; por meio de um processo especial essas</p><p>numerosas alternativas são reduzidas, então, àquela que é de fato</p><p>levada a cabo. As palavras escolha e decisão serão usadas intermuta-</p><p>velmente neste estudo para referir-se a esse processo. Considerando,</p><p>porém, que esses vocábulos, da maneira como são empregados, ge</p><p>ralmente, apresentam-se eivados de conotações que indicam uma se</p><p>leção consciente, deliberada e racional, deve-se ressaltar que no sen</p><p>tido aqui utilizado eles incluem qualquer processo de seleção, este</p><p>jam ou não presentes em qualquer grau os elementos referidos há</p><p>pouco.</p><p>1 .3 . Juízos de valor e juízos de fato na decisão</p><p>Grande parte do comportamento, e particularmente o comportamen</p><p>to dos indivíduos nas organizações administrativas, é planejado, isto</p><p>é, orientado no sentido de metas e objetivos. Esta intencionalidade</p><p>produz a integração do sistema de comportamento, cuja ausência</p><p>tornaria a administração sem sentido. Se a administração consiste</p><p>em realizar coisas por parte de grupos de pessoas, a existência de</p><p>um objetivo se toma, portanto, o principal critério para determinar</p><p>que coisas serão feitas.</p><p>As decisões minuciosas que governam ações específicas são, ine</p><p>vitavelmente, exemplos da aplicação de decisões mais amplas rela</p><p>tivas a finalidades e a métodos. O indivíduo contrai os músculos da</p><p>perna para dar um passo, a fim de dirigir-se a determinado ponto,</p><p>uma caixa de correio, por exemplo, com o objetivo de depositar uma</p><p>carta, contendo informações que ele está enviando a alguém, e por</p><p>aí vai. Cada decisão envolve a seleção de uma meta, e de um com-</p><p>4 HERBERT SIMON</p><p>portamento com ela relacionado. A meta pode, por seu turno, ser</p><p>apenas estágio intermediário para um fim, ainda mais distante e</p><p>assim por diante, até que o objetivo final é alcançado.2 Toda vez</p><p>que as decisões levam à seleção de finalidades últimas elas serão</p><p>chamadas juízos de valor e sempre que impliquem na implementação</p><p>de tais finalidades serão chamadas juízos de fato.3</p><p>Infelizmente, os problemas não chegam ao administrador com</p><p>os elementos valorativos e os elementos factuais que os compõem,</p><p>cuidadosamente classificados e separados. De um modo geral, as</p><p>metas ou objetivos finais da organização e das atividades governa</p><p>mentais são formuladas em termos gerais e ambíguos, tais como</p><p>justiça, bem-estar social ou liberdade. Por outro lado é possível que</p><p>os objetivos quando definidos dessa maneira venham a ser apenas</p><p>um elemento intermediário na consecução de objetivos mais avan</p><p>çados. Em certas esferas de ação, por exemplo, o comportamento dos</p><p>indivíduos é geralmente orientado pelo motivo económico. Não obs</p><p>tante, para muitas pessoas, o ganho económico não constitui um fim</p><p>em si mesmo, mas apenas um meio de obter algo mais transcenden</p><p>tal como: segurança, conforto e prestígio.</p><p>Por fim, é possível combinar, em alguns casos, os elementos va</p><p>lorativos e factuais, num único objetivo. A captura de criminosos</p><p>constitui, geralmente, o objetivo de um órgão policial. Até certo</p><p>ponto, esse objetivo é encarado como um fim em si mesmo, isto é,</p><p>voltado para a captura e a punição de transgressores da lei. Visto</p><p>por outro prisma, porém, a captura é encarada, ao mesmo tempo,</p><p>como meio de proteger os cidadãos, de reabilitar os transgressores e</p><p>desencorajar infratores potenciais.</p><p>A Hierarquia das Decisões. O conceito de planejamento en</p><p>volve a noção de hierarquia de decisões em que cada passo no</p><p>sentido descendente consiste na implementação dos objetivos esta</p><p>belecidos no plano imediatamente anterior. Diz-se</p><p>que o comporta-</p><p>2 Esta distinção entre objetivos imediatos e objetivos finais será explicada com maiores</p><p>detalhes e sua necessidade ressaltada, no capítulo 4.</p><p>3 A expressão de fato, ainda que possivelmente enganadora, é usada em virtude da</p><p>inexistência de algo melhor. Está claro que os fatos em que se baseiam as decisões</p><p>práticas são habitualmente estimativas ou juízos, e não casos positivos e seguros. Para</p><p>aumentar a confusão, o têrmo ava liação é frequentemente empregado para designar esse</p><p>processo de julgar ou estimar os fatos. O leitor evitará a cpnfusão se gravar que va lor</p><p>neste estudo se refere a d e ve r ser, sempre que real, fa to se refere a é , sempre que</p><p>conjetural.</p><p>A tom ada d e decisões nas organ izações ad m in is tra tiva s 5</p><p>mento é planejado sempre que é guiado por objetivos ou metas; e</p><p>é racional quando escolhe as alternativas que levam à consecução</p><p>das metas previamente selecionadas.4</p><p>Não se deve deduzir, contudo, que esta hierarquia ou pirâmide</p><p>de metas se encontra perfeitamente organizada ou integrada em</p><p>qualquer comportamento real. Uma entidade pública, pode, por</p><p>exemplo, procurar alcançar, simultaneamente, diversos objetivos dis</p><p>tintos. Um departamento de recreação pode visar à melhoria da</p><p>saúde das crianças, oferecer-lhes meios de utilizar racionalmente o</p><p>seu tempo de lazer e prevenir a delinquência juvenil, assim como</p><p>alcançar objetivos semelhantes com relação à população adulta da</p><p>comunidade.</p><p>Mesmo quando nenhuma integração consciente ou deliberada</p><p>dessas metas ocorre numa decisão, é bom que se tenha sempre pre</p><p>sente que alguma integração de fato ocorre. Ainda que ao tomar</p><p>decisões para a repartição, o diretor do departamento de recreação</p><p>falhe na consideração da importância relativa dos vários objetivos,</p><p>que muitas vezes se contradizem, mesmo assim sua decisão real, e</p><p>a direção que ele imprime à política de sua repartição redundará,</p><p>na prática, no estabelecimento de um conjunto particular de pesos</p><p>para cada um desses objetivos. Se o programa ressalta o atletismo</p><p>para rapazes adolescentes, então esse objetivo recebe, na prática,</p><p>um pêso que pode, ou não, ter recebido a mesma importância na</p><p>consciência do administrador quando planejou o programa. Por con</p><p>seguinte, embora o administrador possa recusar a tarefa, ou ser in</p><p>capaz de desempenhá-la, de integrar de maneira consciente e deli</p><p>berada seu sistema de objetivos, ele não pode evitar as implicações</p><p>de sua decisão e que acabam dando lugar a esta síntese na vida</p><p>real.</p><p>A Relatividade da Decisão. Geralmente falando, pode-se dizer</p><p>que toda decisão é, até certo ponto, matéria de acomodação. A alter</p><p>nativa finalmente escolhida jamais permite a realização completa ou</p><p>perfeita dos objetivos visados, representando apenas a melhor solução</p><p>encontrada naquelas circunstâncias. A situação do meio ambiente</p><p>inevitavelmente limita as alternativas disponíveis, estabelecendo, por</p><p>conseguinte, o nível máximo que se pode atingir na consecução de</p><p>um objetivo.</p><p>4 Esta definição de racional não é exata, e será complementada posteriormente no</p><p>capítulo 4.</p><p>6 HERBERT SIMON</p><p>O elemento relativo na realização — esse elemento de acomoda</p><p>ção — toma ainda mais aguda a necessidade de encontrar um deno</p><p>minador cornum sempre que o comportamento é orientado simulta</p><p>neamente no sentido de vários objetivos. Por exemplo: se a experiên</p><p>cia tivesse demonstrado que uma organização como a Administração</p><p>de Obras Públicas do Governo dos Estados Unidos da América</p><p>(AOP) poderia, simultaneamente, prestar assistência e realizar obras</p><p>públicas sem prejudicar um destes objetivos, então este organismo</p><p>poderia tentar alcançar ambos os objetivos ao mesmo tempo. Se, por</p><p>outro lado, a experiência houvesse demonstrado que a realização de</p><p>qualquer um desses objetivos pela organização redundaria na neu</p><p>tralização do outro, um teria que ser escolhido como o objetivo da</p><p>organização e o outro abandonado. A fim de harmonizar uma finali</p><p>dade com a outra e tentar encontrar um denominador comum, ne</p><p>cessário seria deixar de pensar nos dois objetivos como fins em si</p><p>mesmos, concebendo-os, ao invés, como meios para atingir alguma</p><p>finalidade mais geral.5</p><p>Ilustração do Processo Decisório. Para ilustrar de maneira mais</p><p>clara a relação íntima que existe, em qualquer problema administra</p><p>tivo prático, entre juízos de valor e juízos de fato, creio que será</p><p>interessante analisar um exemplo relativo à administração municipal.</p><p>Que problemas Ge valor e de fato ocorrem na abertura e pavi</p><p>mentação de uma nova rua? Em geral, é necessário determinar:</p><p>a) o traçado da rua; b) o seu enquadramento no plano diretor da</p><p>Cidade; c) os meios para financiar o projeto; d) se o projeto vai ser</p><p>construído sob empreitada ou por administração; e) a relação desse</p><p>projeto com obras que poderão ser necessárias depois dos trabalhos</p><p>de urbanização, tais como a instalação das redes de água, esgo</p><p>tos etc.; e f) numerosas outras questões de natureza similar. É pre</p><p>ciso responder a essas perguntas, combinando em cada uma delas os</p><p>elementos de valor e elementos de fato. A distinção entre as finali</p><p>dades do projeto e os meios de sua implementação pode permitir uma</p><p>distinção parcial entre aqueles dois elementos.</p><p>Por um lado, as decisões relativas a essas questões devem ba-</p><p>sear-se nas finalidades a que se destina a rua e nos valores sociais</p><p>c De acordo com a descrição da AOP, no seu estágio de planejamento, feito por M a c -</p><p>M a h o n , M e l l e t e O g d e n , tem-se a impressão de que a preocupação com esta integração</p><p>era um tanto incipiente, no momento em que as decisões básicas foram tomadas. Ver</p><p>M a c M a h o n , Arthur W.; M il l e t t , John D. e O g d e n , Gladys. T h e A d m in is tra tio n o f</p><p>F edera l W o r k R e lie f, Chicago, Public Administration Service, 1941, p. 17-42.</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações adm in is tra tiva s 7</p><p>afetados por sua construção, entre os quais se encontram: a) a rapi</p><p>dez e a conveniência de transporte; b) a segurança do tráfego; c)</p><p>os seus efeitos sobre os valores imobiliários da área em que está</p><p>localizada; d) os custos de construção; e e) rateio destes entre os</p><p>contribuintes.</p><p>Por outro lado, as decisões devem ser tomadas à luz dos conhe</p><p>cimentos práticos e científicos do efeito que determinadas medidas</p><p>terão sobre a realização desses valores. Neste caso, incluem-se: a) a</p><p>maciez, duração e custo relativo de cada tipo de pavimentação; b)</p><p>as vantagens relativas das vias alternativas, do ponto de vista da</p><p>conveniência do custo e do tráfego; e c ) o custo total e a distribui</p><p>ção deste segundo os diferentes métodos de financiamento.</p><p>A decisão final dependerá, por conseguinte, da importância re</p><p>lativa que se dê aos diferentes objetivos e do julgamento das possi</p><p>bilidades que um dado plano terá de alcançar cada um deles.</p><p>Esta breve narrativa servirá para ressaltar algumas das carac-</p><p>terísticas básicas de processo decisório, que serão oportunamente</p><p>analisadas de maneira mais detalhada.</p><p>1 . 4 . Tomada de decisões no processo administrativo</p><p>A atividade administrativa é atividade grupai. Situações simples em</p><p>que um homem planeja e executa seu próprio trabalho são familiares.</p><p>Tão pronto, porém, essa tarefa se expande até o ponto em que se</p><p>faz necessário o esforço de numerosas pessoas para levá-la a cabo,</p><p>a simlicidade desaparece, tornando-se necessário desenvolver pro</p><p>cessos especiais para a aplicação do esforço organizado em proveito</p><p>da tarefa do grupo. As técnicas que facilitam esta aplicação do es</p><p>forço organizado constituem os processos administrativos.</p><p>Deve-se notar que os processos administrativos são processos</p><p>decisórios, pois consistem no isolamento de certos elementos nas de</p><p>cisões dos membros da organização, no estabelecimento de métodos</p><p>de rotina para selecionar e determinar esses elementos, e na sua</p><p>comunicação àqueles por eles afetados. Se a tarefa do grupo consiste</p><p>em construir um barco, começa-se pela preparação do desenho do</p><p>mesmo, o</p><p>qual, uma vez aprovado pela organização, passa a limitar</p><p>e guiar as atividades das pessoas que efetivamente constroem o barco.</p><p>A organização retira de seus membros, por conseguinte, a fa</p><p>culdade de decidir independentemente e a substitui por um processo</p><p>8 HERBERT SIMON</p><p>decisório próprio. As decisões que a organização toma pelo indiví</p><p>duo consistem, ordinariamente: a) na especificação de suas funções,</p><p>fixando o âmbito e a natureza de seus deveres; b) na distribuição</p><p>da autoridade, isto é, na determinação de quem terá poder para</p><p>tomar novas decisões que afetam o indivíduo; e c) no estabeleci</p><p>mento de tantos limites à sua faculdade de agir quantos sejam</p><p>necessários para coordenar as atividades de numerosos indivíduos na</p><p>organização.</p><p>A organização administrativa caracteriza-se pela especialização,</p><p>isto é, pela delegação de determinadas tarefas a determindas partes</p><p>da organização. Conforme já foi mencionado em outra ocasião, esta</p><p>especialização pode tomar a forma de uma divisão vertical de tra</p><p>balho, a partir da qual se pode obter uma pirâmide ou hierarquia</p><p>de autoridade, com maior ou menor formalismo, assim como uma</p><p>especialização das funções decisórias entre membros dessa hierarquia.</p><p>A maior parte dos estudos de organização destacam a especiali</p><p>zação horizontal — a divisão do trabalho — como a característica</p><p>básica de atividade organizada. L u t h e r G u l ic k , por exemplo, diz</p><p>no seu ensaio Notes on the Theory of Organization, que: “A divisão</p><p>do trabalho constitui o fundamento da organização; na realidade,</p><p>é a razão de sua existência” .6 Neste livro nos ocuparemos, primeira</p><p>mente, com a especialização vertical, isto é, com a divisão das fun</p><p>ções entre o pessoal de linha e o pessoal de supervisão. Trataremos,</p><p>em seguida, das razões por que os empregados de linha são despo</p><p>jados de parte de sua autonomia decisória e sujeitos à autoridade e</p><p>influência dos supervisores.</p><p>Existem, ao que tudo indica, pelo menos três justificativas para</p><p>a especialização vertical nas organizações. Primeiro, a existência de</p><p>especialização horizontal toma a especialização vertical absolutamen</p><p>te necessária à obtenção da coordenação entre o pessoal operativo.</p><p>Segundo, do mesmo modo que a especialização horizontal permite</p><p>que esse pessoal desenvolva maior habilidade e destreza no desem</p><p>penho de suas tarefas, a especialização vertical permite, por seu tur</p><p>no, maior destreza na tomada de decisões. Terceiro, a especialização</p><p>vertical permite que se responsabilize o pessoal de linha pelas suas</p><p>decisões: perante o conselho diretor, no caso de empresas comer</p><p>ciais, e perante o poder legislativo, no caso da administração pública.</p><p>6 Papers o n th e S c ien ce o f A d m in is tra tio n , L u t h e r G u l ic k e L . U r w ic k , eds., Nova</p><p>Iorque, Institute of Public Administration, 1937, p. 3.</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações adm in is tra tiva s 9</p><p>Coordenação. O comportamento do grupo requer não apenas</p><p>a adoção de decisões corretas, mas também a aceitação da mesma</p><p>decisão por todos os membros do grupo. Suponhamos que dez pes</p><p>soas decidam cooperar na construção de um barco. Se cada um pos</p><p>suir um plano próprio, e dele não der conhecimento aos demais,</p><p>tudo faz prever que tal embarcação dificilmente poderá navegar de</p><p>maneira satisfatória. Eles talvez fossem mais bem sucedidos, mesmo</p><p>que adotassem um projeto mais medíocre, se seguissem todos esse</p><p>mesmo projeto.</p><p>Através do exercício da autoridade ou de outras formas de in-</p><p>fluenciação, é possível centralizar a função decisória, de modo a</p><p>estabelecer um plano geral de operações para orientar as atividades</p><p>de todos os membros da organização. Esta coordenação pode ser</p><p>processual ou substantiva. Por coordenação processual entende-se o</p><p>estabelecimento da organização propriamente dita, isto é, a descrição</p><p>generalizada dos comportamentos e das relações entre os membros</p><p>da organização. A coordenação processual estabelece as linhas de au</p><p>toridade e define a esfera de atividade de cada membro da organi</p><p>zação, ao passo que a coordenação substantiva especifica o conteúdo</p><p>de seu trabalho. Numa fábrica de automóveis, por exemplo, um</p><p>organograma ilustra um aspecto da coordenação processual, enquan</p><p>to que os desenhos para o bloco do motor do carro que se está fabri</p><p>cando constituem um aspecto da coordenação substantiva.</p><p>Perícia. A fim de usufruir das vantagens das habilidades espe</p><p>cializadas no nível de operações, o trabalho de uma organização deve</p><p>ser subdividido de tal maneira que todos os processos que requerem</p><p>uma habilidade específica possam ser realizados por pessoas que a</p><p>possuam. Da mesma maneira, a fim de tirar vantagens da destreza</p><p>na tomada de decisões, deve-se distribuir a responsabilidade por elas</p><p>de maneira que todas as decisões que requerem um tipo particular</p><p>de habilidade possam ser tomadas pelas pessoas que a possuem.</p><p>Subdividir as decisões é, contudo, muito mais complicado do</p><p>que subdividir a execução de tarefas, pois, embora não seja possível</p><p>combinar, geralmente, a acuidade visual de um trabalhador com a</p><p>mão firme de outro, para obter-se maior precisão numa dada opera</p><p>ção, é normalmente possível adicionar o conhecimento de um advo</p><p>gado ao de um engenheiro, a fim de melhorar a qualidade de deter</p><p>minada decisão.</p><p>10 HERBERT SIMON</p><p>Responsabilidade. Os autores que têm tratado dos aspectos po</p><p>líticos e legais da autoridade ressaltam que a função primordial da</p><p>organização consiste em assegurar a obediência do indivíduo às</p><p>normas estabelecidas pelo grupo, ou por aqueles membros investidos</p><p>de autoridade. A liberdade do pessoal subordinado é limitada pelas</p><p>políticas determinadas próximo ao ápice da hierarquia administra</p><p>tiva. Sempre que a manutenção da responsabilidade constitui a preo</p><p>cupação central, o propósito da especialização vertical é facilitar o</p><p>controle do legislador sobre o administrador, deixando-se ao pessoal</p><p>administrativo a necessária liberdade para lidar com os assuntos téc</p><p>nicos que um órgão legislativo formado de leigos não estaria capa</p><p>citado a decidir.</p><p>1. 5. Monos de influenciação organizativa</p><p>As decisões tomadas nos escalões mais altos da hierarquia adminis</p><p>trativa não terão qualquer efeito sobre as atividades dos empregados</p><p>de linha exceto se lhes forem comunicadas. A análise desse processo</p><p>requer um estudo dos meios pelos quais se pode influenciar o com</p><p>portamento do pessoal de linha. Essas influências podem ser clas</p><p>sificadas de um modo geral, em duas categorias: a formação no</p><p>próprio empregado de linha de atitudes, hábitos, e de um estado</p><p>de espírito que o levem a tomar as decisões consideradas vantajosas</p><p>para a organização; e b) a imposição a esse pessoal de decisões to</p><p>madas alhures na organização. O primeiro tipo de influências se</p><p>exerce pelo desenvolvimento no empregado de lealdades órganizati-</p><p>vas e de uma preocupação com eficiência e, freqúentemente, pelo</p><p>seu treinamento. O segundo tipo de influência depende, primordial</p><p>mente, da autoridade e dos serviços consultivos e informativos. Evi</p><p>dentemente, não pretendemos afirmar que estas categorias sejam</p><p>exaustivas ou mutuamente exclusivas, embora sirvam para os objeti</p><p>vos desta discussão introdutória.</p><p>Na realidade, porém, essa discussão é um pouco mais geral</p><p>do que o parágrafo anterior sugere, pois se preocupa com a influên</p><p>cia que a organização exerce não apenas sobre o pessoal de linha</p><p>mas sobre todos aqueles que decidem numa organização.</p><p>Autoridade. O conceito de autoridade tem sido amplamente</p><p>examinado pelos estudiosos de administração. Utilizaremos aqui uma</p><p>definição equivalente, em essência, àquela enunciada por C. I. Bab-</p><p>A to m a d a d e decisões nas organizações ad m in is tra tiva s 11</p><p>n a r d . 7 Diz-se que o subordinado acata a autoridade sempre que</p><p>consente que seu comportamento seja guiado pela decisão do supe</p><p>rior, sem examinar os méritos dessa decisão. Ao exercer autoridade,</p><p>o superior não procura convencer o subordinado, mas visa apenas,</p><p>obter sua</p><p>aquiescência. Na realidade, pode-se dizer que, na prática,</p><p>a autoridade mistura-se com a sugestão e a persuasão.</p><p>O fato de uma das funções da autoridade consistir em fazer</p><p>com que a decisão seja tomada e cumprida, mesmo quando não haja</p><p>concordância, talvez tenha exagerado um pouco esse aspecto arbi</p><p>trário da autoridade. Sempre, porém, que se tenta levar a autoridade</p><p>além de certo limite, que pode ser descrito como a zona de aceitação,</p><p>o subordinado será levado à desobediência.8 O perímetro abrangido</p><p>por essa zona de aceitação depende das sanções de que a autoridade</p><p>dispõe para fazer cumprir suas ordens. O vocábulo sanções deve ser</p><p>entendido aqui no seu sentido mais lato, pois estímulos positivos e</p><p>neutros, tais como identidade de objetivos, hábitos e liderança, são</p><p>pelo menos tão importantes para o acatamento à autoridade quanto</p><p>a ameaça de punição física ou económica.</p><p>Presume-se, portanto, que a autoridade numa organização, no</p><p>sentido aqui definido, pode ser exercida tanto para cima e para os</p><p>lados, como para baixo. Se um executivo delega a sua secretária a</p><p>tarefa de escolher os móveis para o seu arquivo e aceita sua reco</p><p>mendação sem analisar os méritos, está aceitando a autoridade dela.</p><p>As linhas de autoridade representadas nos organogramas têm, sem</p><p>dúvida, sentido especial, já que se recorre comumente a elas para</p><p>resolver pendências, sempre que se torna impossível obter um acordo</p><p>a respeito de determinada decisão. Considerando, porém, que este</p><p>apelo ou recurso à autoridade requer, para ser efetivo, a existência</p><p>de sanções, é comum relacionar-se a estrutura da autoridade formal</p><p>numa organização com a admissão, punição e demissão do pessoal.</p><p>Essas linhas formais de autoridade são complementadas, comumente,</p><p>pelas relações informais de autoridade no trabalho diário da organi</p><p>zação, reservando-se o uso da hierarquia formal na maioria dos casos</p><p>apenas para a solução de conflitos.</p><p>7 Ba r n a r d , Chester I. T h e F u n c tio n s o f th e E x e c u tive , Cambridge, Harvard University</p><p>Press, 1938, p. 163 e seg.</p><p>8 Ba r n a r d ( o p . c it., p. 169) chama-a de zo n a d e ind iferença ; eu prefiro, todavia, usar</p><p>o termo aceitação.</p><p>12 HERBERT SIMON</p><p>Lealdades Organizaiivas. O fato de que os membros de um</p><p>grupo organizado tendem a identificar-se com ele, constitui uma</p><p>característica predominante do comportamento humano. Ao tomar</p><p>decisões, as lealdades que devotam à organização levam-nos a ava</p><p>liar os alternativos cursos de ação em função das consequências que</p><p>seus atos trarão para o grupo. Quando uma pessoa prefere determi</p><p>nado curso de ação porque é “bom para a América”, identifica-se</p><p>com os norte-americanos; quando o prefere porque “incentivará os</p><p>negócios em Berkeley” identifica-se com os berkelianos. As lealdades</p><p>nacionais e classistas constituem exemplos de identificações de im</p><p>portância fundamental na estrutura da sociedade moderna.</p><p>As lealdades que apresentam especial interesse para o estudo da</p><p>administração são aquelas que se ligam às organizações administra</p><p>tivas ou a segmentos destas. A bandeira de combate de um regi</p><p>mento constitui o símbolo tradicional da identificação no campo da</p><p>administração militar; na administração civil, a queixa de que o</p><p>“nosso Serviço necessita de maiores recursos” constitui um exemplo</p><p>de lealdade que se encontra com frequência.</p><p>O fenômeno da identificação, ou da lealdade à organização, de</p><p>sempenha uma função muito importante na administração. Se um</p><p>administrador, sempre que se defrontasse com uma decisão, tivesse</p><p>que avaliá-la de acordo com toda a gama de valores humanos, a</p><p>racionalidade na administração tornar-se-ia impossível. Por outro</p><p>lado, porém, se ele necessita considerar a decisão apenas à luz dos</p><p>objetivos restritos de sua organização, sua tarefa torna-se mais com</p><p>patível com os seus poderes humanos. Graças a isto, o bombeiro pode</p><p>concentrar-se no problema de apagar incêndios, o administrador sa</p><p>nitário nos problemas das enfermidades, sem se preocupar com outros</p><p>problemas que não lhe dizem respeito.</p><p>Ademais, se se quiser tornar o administrador responsável por</p><p>suas decisões, esta concentração numa gama limitada de valores</p><p>torna-se quase indispensável. Quando os objetivos da organização</p><p>são especificados por uma autoridade superior, a premissa de maior</p><p>valor nas decisões do administrador já vem determinada, cabendo-</p><p>lhe tão somente a implementação desses objetivos. Se se permitisse</p><p>ao comandante dos bombeiros enveredar por todo o campo dos va</p><p>lores humanos, para decidir, por exemplo, se parques eram mais</p><p>importantes do que carros contra incêndio, transformando, por con-</p><p>A to m a d a d e decisões nas organizações adm in is tra tiva s 13</p><p>seguinte, sua corporação em departamento de recreação, o caos</p><p>substituiria a organização e a responsabilidade desapareceria.</p><p>Não obstante, as lealdades à organização conduzem, também,</p><p>a certas dificuldades que não devem ser subestimadas. O principal</p><p>efeito negativo da identificação decorre do fato de que impede o</p><p>indivíduo institucionalizado de tomar decisões corretas, nos casos</p><p>em que a área restrita de valores com a qual ele se identifica tenha</p><p>que ser comparada com os valores que se encontram fora da mesma.</p><p>Esta é aliás a principal causa das rivalidades e rixas, earacterísticas</p><p>de qualquer grande organização administrativa, entre os diversos</p><p>departamentos que a compõem. Os membros da organização, ao se</p><p>identificarem com um dado serviço, e não com a organização como</p><p>um todo, creem, no caso de conflito, que o bem-estar de sua unidade</p><p>é mais importante do que o bem-estar geral. O problema ocorre,</p><p>amiúde, com os órgãos auxiliares, nos quais a natureza facilitadora,</p><p>subsidiária, perde-se de vista no esforço de obrigar os órgãos exe</p><p>cutivos a seguir métodos padronizados.</p><p>As lealdades organizativas produzem, ademais, em quase todos</p><p>os chefes de departamento, uma incapacidade de comparar as ne</p><p>cessidades financeiras de seu órgão com as dos outros departamentos,</p><p>o que torna necessária a criação de um órgão central de orçamento,</p><p>isento de preferências psicológicas. Quanto mais se ascende na hie</p><p>rarquia administrativa, e quanto mais ampla se apresenta a gama</p><p>dos valores sociais que devem ser levados em conta pelo adminis</p><p>trador, mais prejudicial torna-se o efeito das preferências valorativas,</p><p>o que por sua vez torna ainda mais premente a necessidade de libe</p><p>rar o administrador de suas identificações mais particularistas.</p><p>O Critério da Eficiência. Já vimos que o exercício da autori</p><p>dade e o desenvolvimento das lealdades organizativas constituem</p><p>dois dos principais meios utilizados pela organização para influenciar</p><p>as premissas valorativas do indivíduo. O que se deve dizer, então,</p><p>a respeito das questões de fato que embasam suas decisões? Estas</p><p>são determinadas, na sua maioria, pelo princípio inerente a todo</p><p>comportamento racional: o critério da eficiência. No sentido mais</p><p>amplo, ser eficiente significa simplesmente tomar o caminho mais</p><p>curto e os meios mais económicos para alcançar determinados obje</p><p>tivos. O critério da eficiência é completamente neutro quanto às</p><p>metas a serem alcançadas. A ordem, “Seja eficiente!”, constitui uma</p><p>14 HERBERT SIMON</p><p>influência organizativa importantíssima sobre as decisões dos mem</p><p>bros de qualquer organização administrativa; e a avaliação quanto</p><p>à obediência ou não dessa ordem constitui função precípua do pro</p><p>cesso de revisão.9</p><p>Aconselhamento e Informação. Muitas das influências que a</p><p>organização exerce sobre seus membros são muito menos formais do</p><p>que as que vêm sendo aqui discutidas. Talvez seja mais adequado</p><p>considerar essas influências como uma forma de relações públicas</p><p>internas, pois nada garante que o conselho dado num determinado</p><p>ponto da organização venha a surtir qualquer efeito em outro, a</p><p>menos que as linhas de comunicação sejam adequadas e que seja</p><p>transmitido de maneira persuasiva. Os órgãos centrais costumam in</p><p>cidir num erro bastante comum, que consiste</p><p>em considerar a função</p><p>aconselhadora interna como simples preparação e divulgação de</p><p>boletins cuidadosamente escritos, contentando-se que um número</p><p>adequado deles seja preparado e colocado para distribuição no ponto</p><p>adequado da rota do mensageiro. Nenhuma praga já produziu maior</p><p>taxa de mortalidade do que a verificada nas comunicações do órgão</p><p>central, desde o momento em que são expedidas por esse órgão</p><p>até que cheguem a exercer influência nas atividades do pessoal de</p><p>linha.</p><p>A informação e o aconselhamento fluem através da organização</p><p>em todos os sentidos, e não apenas do topo para a base. Muitos dos</p><p>fatos relevantes para a decisão são por natureza extremamente mu</p><p>táveis, identificáveis, somente no momento da decisão, e freqúen-</p><p>temente reconhecidos apenas pelo pessoal de linha. No setor de ope</p><p>rações bélicas, por exemplo, o conhecimento da disposição das forças</p><p>inimigas é de importância capital, e as organizações militares desen</p><p>volveram um sistema minucioso para comunicar ao indivíduo que</p><p>vai tomar a decisão todos os fatos importantes que ele não pode</p><p>obter pessoalmente.</p><p>Treinamento. Da mesma maneira que as lealdades organizati-</p><p>vas e o critério da eficiência, e ao contrário do que ocorre com outros</p><p>modos de influenciação que vimos discutindo, o treinamento influen</p><p>cia as decisões do indivíduo de dentro para fora. Em outras palavras,</p><p>9 Para discussões complementares a respeito do conceito de eficiência, ver R id l e y ,</p><p>Clarence E. e Sim o n , Herbert A. M ea3uring M u n ic ip a l A c tim tie s (Chicago, International</p><p>City Manager’s Association, 1943).</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações ad m in is tra tiva s 15</p><p>o treinamento permite ao membro da organização decidir satisfato</p><p>riamente por conta própria, sem necessidade do exercício constante</p><p>da autoridade e do aconselhamento. Neste sentido, o treinamento</p><p>constitui uma alternativa para o uso dos dois últimos elementos como</p><p>meios de controle das decisões dos subordinados.</p><p>O treinamento pode ser, segundo a natureza, prévio ou em</p><p>serviço. Toda vez que se recrutam pessoas possuidoras de certas</p><p>qualificações para realizar determinada atividade, a organização de</p><p>pende desse pré-treinamento para obter decisões corretas em seu</p><p>trabalho. Essa relação estreita entre o treinamento e a margem de</p><p>arbítrio deixada ao empregado constitui um fator importante, que</p><p>deve ser levado em consideração no planejamento de uma organiza</p><p>ção administrativa. Graças a isto, é possível, freqúentementé, mini</p><p>mizar ou mesmo eliminar certos processos de revisão, dando aos</p><p>subordinados um treinamento que lhes permita realizar o trabalho</p><p>corn menos supervisão. Da mesma maneira, ao estabelecer-se os re</p><p>quisitos a serem preenchidos pelos candidatos àquela posição, dever-</p><p>se-ia ter presente a possibilidade de diminuir os custos decorrentes</p><p>do recrutamento de pessoal semi-especializado que teria de ser trei</p><p>nado para desempenhar tarefas especiais.</p><p>Aplica-se o treinamento ao processo decisório sempre que os</p><p>mesmos elementos são envolvidos em grande número de decisões.</p><p>Neste caso, o treinamento pode proporcionar ao treinando os fatos</p><p>necessários para tomar essas decisões; pode fornecer-lhe um sistema</p><p>de referências que oriente seu próprio pensamento; pode ensinar-</p><p>lhe soluções aprovadas; ou pode doutriná-lo com os valores que</p><p>deverão guiar as decisões a serem tomadas.</p><p>1 .6 . O equilíb rio da organização</p><p>A próxima questão a ser suscitada relaciona-se com o estudo das</p><p>razões por que o indivíduo aceita essas influências organizativas,</p><p>ajustando o seu comportamento às exigências que a organização lhe</p><p>faz. A fim de compreender de que maneira o comportamento do</p><p>indivíduo torna-se parte do sistema global de comportamento da</p><p>organização, é necessário estudar a relação entre sua motivação</p><p>pessoal e os objetivos que orientam a atividade da organização.</p><p>Se considerarmos, por um momento, como típica uma organi</p><p>zação comercial, podemos distinguir nela três tipos de participantes:</p><p>18 HERBERT SIMON</p><p>empresários, empregados e clientes.10 Os empresários distinguem-se</p><p>pelo fato de que suas decisões controlam em última análise as ati</p><p>vidades dos empregados; os empregados, pelo fato de que contri</p><p>buem com seu tempo e esforços, indiferenciados, para a organiza</p><p>ção, em troca de salários; os clientes, pelo fato de contribuírem</p><p>com dinheiro para a organização, em troca de seus produtos. Desse</p><p>modo, pode-se deduzir, desde logo, que qualquer pessoa pode</p><p>ocupar mais de uma dessas categorias numa organização: um volun</p><p>tário da Cruz Vermelha é, ao mesmo tempo, um cliente e um em</p><p>pregado.</p><p>Cada um desses participantes tem motivos pessoais próprios</p><p>para dedicar-se a essas atividades organizativas. Para simplificar a</p><p>explanação sobre as motivações de cada um deles e adotar o ponto</p><p>de vista da teoria económica, podemos afirmar que o empresário</p><p>busca o lucro ( i . e um excesso das receitas sobre as despesas), os</p><p>empregados buscam os salários, e os clientes acham muito interes</p><p>sante (de acordo com determinados preços) a troca do dinheiro por</p><p>produtos. O empresário adquire, pela assinatura de um contrato de</p><p>trabalho, o direito de dispor do tempo dos empregados e obtém</p><p>meios de pagar os salários daqueles através da realiazção de contra</p><p>tos de venda com a clientela. Se esses dois tipos de contratos forem</p><p>vantajosos, o empresário lucra e, o que é talvez mais importante</p><p>para os nossos objetivos, a organização continua a existir. Se os con</p><p>tratos não forem adequados, o empresário torna-se incapaz de con</p><p>servar os alicientes que manterão consigo os demais em atividade or</p><p>ganizada, e pode perder até o próprio estímulo de preservar sua</p><p>organização. Em qualquer dos dois casos, a organização desaparece</p><p>a menos que se possa conseguir um equilíbrio num nível compen</p><p>sador. Em qualquer organização concreta o empresário dependerá,</p><p>sem dúvida, de muitos outros alicientes, além daqueles de natureza</p><p>puramente económica adiante mencionados, tais como, prestígio, boa</p><p>vontade, lealdade e assim por diante.</p><p>Numa organização como a que acabamos de descrever, surge,</p><p>além dos objetivos pessoais dos seus participantes, um ou vários ob</p><p>jetivos da organização. Se a organização é, por exemplo, uma fábrica</p><p>10 Seguimos aqui a orientação de B a h n a r d (op. c i t .) que insiste que os clientes são parte</p><p>integrante do sistema de comportamento da organização. Se são m em b ro s ou não, contudo,</p><p>ó uma questão terminológica sem particular importância. Poderíamos ter acrescido os for</p><p>necedores como uma quarta classe de participantes, o que não acrescentaria nenhum ele</p><p>mento essencial ao quadro.</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações ad m in is tra tiva s 17</p><p>de sapatos tem por fim fazer sapatos. A quem pertence esse objetivo:</p><p>ao empresário, aos clientes ou aos empregados? Negar que pertence</p><p>a qualquer um deles equivaleria a admitir a existência de alguma</p><p>mente de grupo, uma espécie de entidade orgânica que paira acima</p><p>dos seres humanos que a compõem. A explanação verdadeira, con</p><p>tudo, é bem mais simples: o objetivo da organização é, indiretamen</p><p>te, um objetivo pessoal de todos os seus participantes. Constitui o</p><p>meio pelo qual suas atividades organizativas se fundem com a satis</p><p>fação de seus diversos motivos pessoais. É através da utilização de</p><p>empregados para fabricar e vender sapatos que o empresário alcança</p><p>seu lucro; por aceitar a direção do empresário na fabricação dos</p><p>sapatos é que o empregado ganha o seu salário; e é pela compra do</p><p>sapato produzido que o cliente obtém da organização sua satisfação</p><p>Considerando que o empresário deseja lucrar e considerando que ele</p><p>dispõe de meios para controlar o comportamento dos empregados</p><p>(no âmbito de suas respectivas áreas de aceitação) compete-lhe</p><p>orientar o comportamento destes de acordo com o critério de “fazer</p><p>sapatos com a eficiência possível”. Desse modo, em virtude de con</p><p>trolar o comportamento na organização, o empresário estabelece esse</p><p>critério como o objetivo do</p><p>comportamento.</p><p>Cumpre notar, todavia, que os objetivos do cliente estão estrei</p><p>ta, e quase diretamente, ligados aos objetivos da organização; os ob</p><p>jetivos do empresário acham-se estreitamente relacionados com a</p><p>sobrevivência da organização; e que os objetivos do empregado não</p><p>se acham diretamente ligados a nenhum deles, embora estejam in</p><p>corporados ao esquema da organização em virtude da existência de</p><p>sua área de aceitação. Admitindo-se que não existem tipos puros</p><p>de empresários, clientes e empregados; admitindo-se, ademais, que</p><p>esse esquema necessita ser modificado a fim de poder englobar as</p><p>organizações voluntárias, religiosas e governamentais, é a existência</p><p>destes três papéis-típicos que dão ao comportamento nas organiza</p><p>ções administrativas o caráter especial que vemos nelas.</p><p>1 .7 . O rganização deste volume</p><p>Agora que o plano de estudo a ser seguido neste livro acaba de ser</p><p>exposto, podemos concluir o presente capítulo delineando a ordem</p><p>em que trataremos os vários temas.</p><p>18 HERBERT SIMON</p><p>O capítulo 2 é também, de certa maneira, introdutório. O pre</p><p>sente trabalho originou-se, em parte, da insatisfação do autor com</p><p>os chamados princípios de administração encontrados na atual litera</p><p>tura sobre teoria administrativa. Neste capítulo, esses princípios são</p><p>submetidos a uma análise crítica com o fim de expor suas inadequa</p><p>ções e a necessidade de desenvolvê-los de acordo com a orientação</p><p>sugerida aqui.</p><p>A exposição, propriamente dita, começa no capítulo 3 com uma</p><p>análise do papel desempenhado pelas questões de fato nas decisões</p><p>administrativas. Em complementação, far-se-á, no capítulo 4, uma</p><p>descrição do aparato conceituai que será usado no livro para a des</p><p>crição e análise dos sistemas de comportamento social, inclusive o</p><p>comportamento nas organizações administrativas.</p><p>O capítulo 5 trata da psicologia do indivíduo na organização e</p><p>dos meios pelos quais a organização modifica-lhe o comportamento.</p><p>No capítulo 6 a organização será considerada como um sistema de</p><p>indivíduos cujo comportamento mantém certa espécie de equilíbrio,</p><p>nos moldes sugeridos anteriormente. O captulo 7 analisa com deta</p><p>lhes o papel da autoridade e da especialização vertical na organiza</p><p>ção, assim como os processos organizativos através dos quais tal</p><p>especialização se efetua. O capítulo 8 é dedicado ao estudo dos</p><p>processos de comunicação em que se transmitem as influências orga-</p><p>nizativas. O conceito de eficiência será examinado detalhadamente,</p><p>no capítulo 9, seguindo-se, no capítulo 10, um exame da questão das</p><p>lealdades ou identificações organizativas.</p><p>O capítulo 11 constitui o fecho do volume, passando em revista</p><p>a estrutura das organizações administrativas e examinando os pro</p><p>blemas encontrados pela pesquisa no campo da teoria administrativa.</p><p>A tom ada d e decisões nas organizações ad m in is tra tiva s 19</p><p>2. A problematicklade da</p><p>teoria administrativa</p><p>Tendo em vista que o presente trabalho se afasta bastante da forma</p><p>tradicional de apresentação dos princípios de administração,1 talvez</p><p>seja apropriado dar alguma explicação quanto às razões dessa diver</p><p>gência, descrevendo-se as deficiências encontradas na teoria contem</p><p>porânea que a tornaram necessária. Este capítulo procurará fazer,</p><p>em primeiro lugar, um exame crítico dos princípios, para tratar, a</p><p>seguir, da maneira pela qual se pode elaborar uma teoria do com</p><p>portamento administrativo bem fundamentada. Constrói, por assim</p><p>dizer, as fundações metodológicas para os capítulos subsequentes.</p><p>Infelizmente, um defeito fatal dos atuais princípios de admi</p><p>nistração é que, assim como os provérbios, surgem em pares. Para</p><p>quase todo princípio pode-se encontrar outro princípio contraditório,</p><p>igualmente plausível e aceitável. Embora os princpios de cada par</p><p>levem a recomendações organizativas exatamente opostas, não existe</p><p>nada na teoria que aponte qual deles se deve aplicar. A fim de</p><p>fundamentar essa crítica, torna-se necessário, é óbvio, examinar ra</p><p>pidamente alguns dos princípios mais famosos.</p><p>2 .1 . Alguns princípios adm inistrativos aceitos</p><p>Entre os princípios encontrados mais amiúde na literatura adminis</p><p>trativa destacam-se os seguintes:</p><p>1. A eficiência administrativa aumenta com a especialização do</p><p>trabalho entre os elementos do grupo.</p><p>1 Fara uma exposição sistemática dos princíp io s correntemente aceitos, ver G u l ic k , o v . c it.,</p><p>ou U r w ic k , L. T h e E lem e n ts o f A d m in is tra tio n , Nova Iorque, Harper and Brothers, 1945.</p><p>20 HERBERT S1MON</p><p>2. A eficiência administrativa aumenta com a distribuição dos mem</p><p>bros do grupo numa determinada hierarquia de autoridade.</p><p>3. A eficiência administrativa aumenta com a redução do alcance</p><p>do controle (número de subordinados de que dispõe um chefe),</p><p>em qualquer ponto da hierarquia administrativa, a um pequeno</p><p>número.</p><p>4. A eficiência administrativa aumenta com o agrupamento do pes</p><p>soal, para fins de controle, de acordo com os seguintes critérios:</p><p>a) propósito; b ) processo; c) clientela, ou d) área geográfica. (Isto</p><p>constitui, na realidade, um desdobramento do primeiro princípio.</p><p>Não obstante, merece uma discussão separada).</p><p>Considerando que esses princípios aparentam ser relativamente</p><p>simples e claros, pode-se imaginar, imediatamente, que a sua aplica</p><p>ção a problemas concretos das organizações administrativas seria</p><p>inequívoca, e que a validade dos mesmos seria fácil de ser testada</p><p>empiricamente. Este, porém, não parece ser o caso.</p><p>ESPECIALIZAÇÃO</p><p>Conforme foi dito anteriormente, acredita-se, geralmente, que a efi</p><p>ciência administrativa tende a crescer quando aumenta a especializa</p><p>ção. Mas será que se quer dizer com isto que qualquer aumento na</p><p>especialização redundará num aumento de eficiências? Se a resposta</p><p>for positiva, pergunta-se: qual das alternativas apresentadas a seguir</p><p>constitui a aplicação coneta desse princípio?</p><p>A) É necessário implementar um plano sanitário através do</p><p>qual enfermeiras serão designadas para diversos distritos, onde se</p><p>incumbirão de tcdo o trabalho de enfermagem naquela área, inclu</p><p>sive de exames de saúde escolar, visitas às residências das crianças</p><p>matriculadas e assistência aos tuberculosos.</p><p>B) É necessário executar um plano funcional sanitário pelo</p><p>qual se designarão enfermeiras para realizar exames de saúde esco</p><p>lar, visitas às residências das crianças matriculadas e assistência aos</p><p>tuberculosos. O método atual de assistência geral por distritos im</p><p>pede o desenvolvimento da especialização nos três programas, que</p><p>são bem diversos.</p><p>A p ro b lem a tic id a d e d a teoria ad m in is tra tiva 21</p><p>Os dois planos administrativos satisfazem os requisitos da espe</p><p>cialização: o primeiro estabelece a especialização por área geográ</p><p>fica, e o segundo, a especialização por funções. Neste particular o</p><p>princípio da especialização é inteiramente inútil na orientação da</p><p>escolha entre as duas alternativas.</p><p>Ao que tudo indica, a simplicidade do princípio da especializa</p><p>ção é ilusória. Uma simplicidade que oculta ambiguidades funda</p><p>mentais, pois a especialização não é uma condição de eficiência ad</p><p>ministrativa, mas sim uma característica inevitável de todo esforço</p><p>grupai, e que não depende nem da eficiência nem da ineficiência</p><p>desse esforço. A especialização significa, simplesmente, que pessoas</p><p>diferentes estão realizando coisas diferentes, e, considerando que é</p><p>fisicamente impossível para duas pessoas realizarem a mesma coisa,</p><p>no mesmo lugar e ao mesmo tempo, duas pessoas estão sempre fa</p><p>zendo coisas diferentes.</p><p>O problema real da administração, por conseguinte, não é espe</p><p>cializar-se pura e simplesmente, mas de especializar-se de maneira</p><p>determinada de acordo com normas que levarão à eficiência admi</p><p>nistrativa. Ao ser expresso, porém, da maneira como se segue esse</p><p>princípio de administração, revela de maneira clara sua ambiguida</p><p>de fundamental: “A eficiência administrativa é aumentada por meio</p><p>de uma especialização de tarefas entre os membros do grupo, reali</p><p>zada de modo a produzir</p><p>maior eficiência”.</p><p>Considerando que a discussão mais detalhada do problema da</p><p>escolha entre critérios concorrentes de especialização será efetuada</p><p>mais tarde, pausaremos, aqui, momentaneamente, para que dois ou</p><p>tros princípios de administração sejam examinados.</p><p>UNIDADES DE COMANDO</p><p>Acredita-se, geralmente, que a eficiência administrativa aumenta com</p><p>a estruturação dos membros da organização numa determinada hie</p><p>rarquia de autoridade com o fim de preservar a unidade de comando.</p><p>A análise desse princípio requer uma compreensão clara do sig</p><p>nificado do termo autoridade. Diz-se que um subordinado acata a</p><p>autoridade sempre que permite que o seu comportamento seja guia</p><p>do pela decisão tomada por um superior, sem entrar no mérito da</p><p>decisão.</p><p>22 HERBERT S1MON</p><p>Em certo sentido, o princípio da unidade de comando, assim</p><p>como o princípio da especialização, não pode ser violado, porque</p><p>é humanamente impossível a uma pessoa obedecer a duas ordens</p><p>contraditórias ao mesmo tempo. Se a unidade de comando é um</p><p>princípio de administração, presume-se que deve expressar algo mais</p><p>do que esta óbvia impossibilidade física. Talvez o que afirma seja</p><p>que não é desejável colocar o indivíduo numa organização de ma</p><p>neira que venha a receber ordens de mais de um superior. Este é,</p><p>evidentemente, o sentido atribuído por G u l i c k a este princípio quan</p><p>do diz:</p><p>“O significado desse princípio no processo de coordenação e</p><p>organização não deve ser perdido de vista. Ao estabelecer-se um</p><p>sistema de coordenação, é quase sempre tentador criar mais de um</p><p>chefe para um indivíduo que está realizando uma tarefa com múl</p><p>tiplas relações. Até mesmo um grande filósofo da administração in</p><p>dustrial, como T a y l o r , incidiu nesse erro ao estabelecer supervisores</p><p>independentes para lidar com a maquinaria, o material, a velocidade</p><p>de produção, etc., cada um investido do poder de dar ordens direta</p><p>mente a cada operário dentro de seu campo especializado. A obser</p><p>vância rígida do princípio da unidade de comando pode apresentar,</p><p>indubitavelmente, incongruências que são, porém, insignificantes</p><p>quando comparadas com a inevitável confusão, a ineficiência e a</p><p>irresponsabilidade decorrentes da violação do princípio.2</p><p>Ninguém nega que o princípio da unidade de comando, assim</p><p>interpretado, é impossível de ser criticado por falta de clareza ou</p><p>por ambiguidade. A definição de autoridade dada anteriormente de</p><p>veria propiciar meios indiscutíveis de provar se, numa dada situação</p><p>concreta, o princípio é observado. A principal deficiência desse prin</p><p>cípio reside na sua incompatibilidade com o princípio de especiali</p><p>zação. Função das mais importantes da autoridade na organização</p><p>consiste em especializar-se na tarefa de tomar decisões, de modo a</p><p>permitir que cada decisão ocorra naquele ponto da organização em</p><p>que pode ser tomada de maneira mais eficiente. Em consequência,</p><p>o emprego da autoridade permite que se alcance um grau muito</p><p>maior de eficiência na tomada de decisões do que seria possível</p><p>obter se cada empregado no nível de operações tivesse que tomar</p><p>todas as decisões relacionadas com sua missão. O bombeiro não de-</p><p>2 G u l ic k , L. N o tes o n th e T heory o f O rgan iza tion , in G u l ic k e U r w ic k , op . c it., p . 9 .</p><p>A prob lem a tic id a d e d a teoria a dm in is tra tiva 23</p><p>cide, sponte sua, se usa uma mangueira de duas polegadas de diâ</p><p>metro ou um extintor de incêndio. Isso é decidido por seus superio</p><p>res, que lhe comunicam a decisão sob a forma de ordem.</p><p>Não obstante, se a unidade de comando, segundo o conceito</p><p>de G u l ic k , é observada, as decisões de uma pessoa, em qualquer</p><p>Íionto da hierarquia administrativa, acham-se sempre sujeitas à ín-</p><p>luência de um único canal de autoridade; por outro lado, se suas</p><p>decisões pela própria natureza requerem perícia em mais de um</p><p>campo de conhecimentos, então precisa lançar mão de serviços de</p><p>assessoramento e informações que forneçam premissas oriundas de</p><p>um campo não abrangido pelo sistema de especialização da organi</p><p>zação. Se o contador de uma escola é subordinado a um educador,</p><p>por exemplo, e se a unidade de comando é observada, então o De</p><p>partamento Financeiro não pode dar ao primeiro ordens diretas no</p><p>que tange aos aspectos técnicos de seu trabalho. O mesmo ocorrerá,</p><p>por exemplo, com o Diretor dos Transportes num Departamento de</p><p>Obras Públicas que não poderá expedir ordens diretas, relativas ao</p><p>cuidado com o equipamento motorizado, ao chofer de um carro do</p><p>corpo de bombeiros.3</p><p>G u l ic k , no trecho citado anteriormente, aponta claramente as</p><p>dificuldades que surgirão se a unidade de comando não for obede</p><p>cida, advertindo ser quase certo que ocorrerá alguma irresponsabi</p><p>lidade e confusão. Talvez não seja esse um preço muito elevado,</p><p>considerando-se o maior grau de destreza na tomada de decisões</p><p>que disso redundaria. O que se necessita para resolver a controvérsia</p><p>é um princípio de administração que permita ao indivíduo comparar</p><p>as vantagens relativas aos dois cursos de ação. Não obstante, nem o</p><p>princípio da unidade de comando nem o da especialização ajudam</p><p>a resolver o impasse. Simplésmente se contradizem mutuamente sem</p><p>indicar qualquer meio de dirimir o conflito.</p><p>Se isto fosse uma discussão meramente acadêmica, se houvesse</p><p>concordância geral e se houvesse sido demonstrado que a unidade</p><p>de comando deve ser preservada em todos os casos, mesmo com o</p><p>sacrifício da perícia, o indivíduo poderia estar seguro de que no</p><p>caso de conflito entre os dois princípios, a unidade de comando deve</p><p>prevalecer. A questão, porém, está longe de ser clara, e nesse parti</p><p>cular é possível recrutar a opinião de especialistas em ambos os lados</p><p>3 E s te ponto é discutido por H e r b e r t S im o v no artigo Decision-Making and Adminis-</p><p>trative Organization, P ub lic A d m in is tra tio n R e v ie w 4.20-21, Inverno d e 1944.</p><p>24 HERBERT SIMON</p><p>d a con tro vé rs ia . A fa v o r d a u n id a d e d e co m a n d o pode-se c ita r, p o r</p><p>exem p lo , a o p in iã o d e G u l i c k e d e o u t r o s .4 D o la d o d a e sp e c ia liz a </p><p>ção, en co n tram o s a te o r ia d a su p e rv isã o fu n c io n a l d e T a y l o r , a</p><p>id é ia d a su p e rv isã o d u a l, d e M a c M a h o n e M i l l e t e a p rá t ic a da</p><p>su p e rv isã o té cn ic a nas o rg an iz a çõ e s m il it a r e s .5</p><p>Pode ser, como afirma G u l i c k , que a idéia de T a y l o r e dos</p><p>outros constitua um erro. Neste caso, além dos argumentos heurísti</p><p>cos, inconsistentes, como os que foram citados anteriormente, ne</p><p>nhuma evidência desse equívoco jamais foi compilada ou publicada.</p><p>Infelizmente ao indivíduo resta somente a escolha entre teóricos da</p><p>administração, igualmente ilustres, embora não disponha de qual</p><p>quer base sólida para efetuar essa escolha.</p><p>A prática administrativa real parece indicar que a necessidade</p><p>de especialização tende a receber, em relação à unidade de co</p><p>mando, um grau de prioridade muito maior. Na realidade, não seria</p><p>exagerado dizer-se que a unidade de comando, no sentido enunciado</p><p>por G u l i c k , jamais existiu em qualquer organização administrativa.</p><p>Se um empregado de linha aceita os regulamentos do Departamento</p><p>de Contabilidade relativamente às normas de expedição e de requi</p><p>sição, pode-se dizer que nesta esfera, não está ele sujeito à autori</p><p>dade desse Departamento? Nas situações administrativas concretas</p><p>a autoridade encontra-se zoneada, e para evitar que o zoneamento</p><p>entre em choque com o princípio da unidade de comando necessi</p><p>tamos de uma definição de autoridade muito diferente da que foi</p><p>utilizada aqui. A sujeição do empregado de linha ao departamento</p><p>de contabilidade não difere, em princípio, das recomendações de</p><p>T a y l o r no sentido de que o operário se subordine quanto à progra</p><p>mação de suas tarefas a um capataz, e quanto à operação das má</p><p>quinas a outro.</p><p>O princípio da unidade de comando talvez seja mais defensável</p><p>se for reduzido aos seguintes termos:</p><p>óbices metodológicos, a fim de que se possa</p><p>iniciar a elaboração da teoria aqui veiculada.</p><p>Os capítulos 4 e 5 constituem o âmago do livro, pois dizem</p><p>respeito à apresentação de uma teoria do processo de escolha hu</p><p>mana ou da tomada de decisões. Esta teoria procura ser tão geral</p><p>e objetiva quanto possível, de modo a congregar os diversos aspectos</p><p>racionais da escolha que têm constituído a principal preocupação</p><p>dos economistas, bem como as diferentes propriedades e limitações</p><p>dos mecanismos humanos presentes no processo decisório, objeto da</p><p>atenção de psicólogos e administradores experimentados. Tendo em</p><p>vista que estes capítulos merecem maior destaque, embora na prá</p><p>tica tenham recebido menor atenção que outras partes do livro,</p><p>menos importantes e expressivas, dedicar-lhes-ei maior consideração</p><p>na presente introdução, procurando deste modo eliminar parte da</p><p>obscuridade que os tem cercado.</p><p>O capítulo 6 toma a forma de digressão que se me afigura ne</p><p>cessária, contudo. Enquanto o resto do livro trata abundantemente</p><p>do que se passa dentro das organizações administrativas, esse capí</p><p>tulo examina o que se passa nas suas fronteiras, investigando a na</p><p>tureza das decisões que os indivíduos tomam no sentido de ingressar</p><p>nessas organizações ou de abandoná-las. A teoria aqui desenvolvida</p><p>constitui, na sua essência, reafirmação das idéias de C h e s t e r B a r -</p><p>n a r d , o primeiro a formular de maneira sistemática as bases para a</p><p>discussão dos motivos pelos quais os seres humanos “decidem per</p><p>tencer a uma organização”</p><p>Do capítulo 7 ao 10 volta-se a tratar do tema central deste tra</p><p>balho, isto é, do estudo dos processos decisórios nas organizações,</p><p>descrevendo os mecanismos que influenciam as decisões dos seus</p><p>Introdução à 2.a edição norte-americana IX</p><p>membros, de modo a dar consistência a essas decisões e fazer com</p><p>que elas se harmonizem com os objetivos gerais da organização.</p><p>O material desses últimos capítulos repousa inteiramente no</p><p>arcabouço teórico formulado nos capítulos 4 e 5, e uma inovação</p><p>técnica neles introduzida tornou-se de suma importância para sua</p><p>análise. Ao invés de considerar as decisões como unidades básicas</p><p>indecomponíveis, passamos a conceber o processo de escolha dos</p><p>seres humanos como o resultado de “conclusões derivadas de</p><p>premissas”. Desse modo, a premissa substitui a decisão (que é for</p><p>mada por grande número de premissas) como a menor unidade de</p><p>análise.</p><p>A importância do desdobramento das decisões em seus elemen</p><p>tos componentes — premissas — pode ser demonstrada de inúmeras</p><p>maneiras. Vejamos, a guisa de ilustração, apenas uma delas. É muito</p><p>comum as discussões sobre centralização e descentralização admi</p><p>nistrativa esbarrarem na seguinte questão: “quem decide realmente?”</p><p>A pergunta, todavia, não faz sentido na prática, pois uma decisão</p><p>complexa se assemelha a um rio caudaloso que recebe de seus nu</p><p>merosos tributários as premissas que passam a integrar a torrente.</p><p>Inúmeros indivíduos e unidades administrativas contribuem para</p><p>qualquer decisão importante, o que reduz o problema da centrali</p><p>zação e descentralização, em última análise, ao arranjo, dentro de</p><p>um esquema eficaz, desse sistema complexo.</p><p>Quatro capítulos, do sétimo ao décimo, são consagrados ao es</p><p>tudo das fontes das premissas decisórias e dos meios pelos quais elas</p><p>vêm a influenciar as decisões dos participantes da organização (Cf.</p><p>também as páginas 11-16). O capítulo sétimo é dedicado ao estudo</p><p>do mecanismo da autoridade, e o capítulo oitavo aos outros proces</p><p>sos de comunicação usados pelas organizações para influenciar e</p><p>amalgamar os diversos processos de escolha de seus membros.</p><p>Os capítulos 9 e 10 cuidam do que constitui, talvez, as duas</p><p>classes especiais mais importantes das premissas decisórias incluídas</p><p>nas referidas decisões. O critério da eficiência, de que trata o capí</p><p>tulo 9, é fundamental para a utilização racional dos escassos re</p><p>cursos de que dispõe a organização para levar a cabo suas tarefas.</p><p>A lealdade aos objetivos e aos grupos organizacionais (identifica</p><p>ções, descrita no captíulo 10, leva à interpenetração dos subobjetivos</p><p>das várias unidades componentes com os objetivos da organização</p><p>total a que as referidas unidades pertencem.</p><p>x HERBERT SIMON</p><p>No capítulo 11, esses diversos elementos que integram o pro</p><p>cesso decisório são reagrupados uma vez mais, a fim de permitir a</p><p>descrição do processo como um todo. Nesse caso, o método de aná</p><p>lise desenvolvido nos capítulos precedentes é aplicado e ilustrado</p><p>no estudo dos processos de planejamento e controle na organização,</p><p>bem como relativamente ao problema da centralização e cia descen</p><p>tralização.</p><p>Após essas explicações podemos expor, de maneira simples, a</p><p>estrutura básica do livro: compõe-se de quatro estratos superpostos</p><p>de problemas, que devem ser resolvidos um a um, sem o que não</p><p>não se poderá passar de um estrato para o outro.</p><p>1. Nos capítulos 2 e 3 tratamos de certos aspectos metodológicos,</p><p>para podermos analisar a estrutura da escolha racional humana.</p><p>2. Nos capítulos 4 e 5 formulamos uma teoria da escolha racional,</p><p>com o intuito de facilitar a compreensão dos elementos que influen</p><p>ciam a tomada de decisões no âmbito da organização.</p><p>3. A análise mais detida dessas influências é feita nos capítulos</p><p>7 a 10, de modo a propiciar o estabelecimento de uma base para</p><p>a discussão dos efeitos da própria organização sobre o processo</p><p>decisório.</p><p>4. O capítulo 11 é dedicado à ilustração da maneira pela qual essa</p><p>análise pode ser aplicada ao estudo dos problemas estruturais da</p><p>organização.</p><p>O capítulo 6 foi introduzido com o fito de tratar do problema</p><p>da vinculação motivacional entre o’ indivíduo e a organização, ex</p><p>plicando por que as influências organizativas, particularmente aque</p><p>las exercidas pela autoridade, constituem forças tão poderosas no</p><p>processo de moldação do comportamento humano.</p><p>Ao ser concebido, este livro foi desenvolvido de maneira inversa,</p><p>isto é, de cima para baixo. Quando tentei, cerca de vinte anos atrás,</p><p>encontrar soluções para algumas questões de organização municipal,</p><p>visando a responder, por exemplo, se um departamento de recrea</p><p>ção deveria ser administrado por um órgão autónomo de educação</p><p>ou pelo governo municipal propriamente dito, ou de que maneira</p><p>a função de planejamento urbano deveria ser organizada (ver pági</p><p>nas 221-222 e 2.56), descobri qúe não havia nenhuma teoria capaz</p><p>de fornecer tais respostas. Por força dessas circunstâncias, fui levado,</p><p>Introdução à 2." edição norte-americana XI</p><p>então, a analisar de que maneira as organizaçõs afetam o processo</p><p>de escolha dos seres humanos. Novamente sem respostas adequadas</p><p>para esses novos problemas, pensei ser necessário, talvez, reexaminar a</p><p>teoria da tomada de decisões racionais. Este último aspecto requereu,</p><p>por sua vez, que dirimisse no meu espírito alguns problemas básicos</p><p>de lógica. Ao chegar a este ponto, o retrospecto findou; em parte, es</p><p>pero, por estarem as bases mais firmes. Este livro reúne as respostas</p><p>que encontrei para os vários tipos de perguntas sobre as organizações</p><p>administrativas e a natureza do processo de escolha racional hu</p><p>mana.</p><p>Lições de organização</p><p>Gostaria de abrandar agora a crítica veemente que fiz na primeira</p><p>edição deste livro, quando disse:</p><p>“Os estudos administrativos sofrem ... de superficialidade, ex</p><p>cesso de simplificação, falta de objetividade. . . Têm-se, de um modo</p><p>geral, esquivado de levar a cabo a penosa tarefa de estudar a loca</p><p>lização real das funções decisórias, contentando-se em falar de ter</p><p>mos como autoridade, centralização, alcance de controle, e função,</p><p>sem procurar, contudo, defini-los operacionalmente.”</p><p>Infelizmente, porém, a crítica permanece. Ainda não faz muito,</p><p>ouvi o presidente do conselho diretor de grande empresa americana</p><p>analisar os métodos usados por sua companhia para decidir a respeito</p><p>de problemas de suma importância no referido conselho. Por falta</p><p>de terminologia ou de um esquema de análise apropriado</p><p>sempre que duas ordens entra</p><p>rem em conflito, deve haver determinada pessoa a quem cabe ao</p><p>1 G u l ic k , Notes on the Theory of Organization, p . 9; W h it e , In tro d u c tio n to th e S tu d y</p><p>o f P u b lic A d m in is tra tio n , Nova Iorque, Macmillan Company, 1939, p. 45.</p><p>5 T a y lo r , Frederick W. S h o p M a n a g em en t, N ova Io rq u e , H a rp e r & Bross., 19 1 1 ,</p><p>p. 99; M a c M a h o n , M il l e t e O g d e n . T h e A d m in is tra tio n o f F edera l W o r k R e lie f, C hicago ,</p><p>Public Administration Service, 1941, p. 265-268, e U r w ic k , L., que descreve as práticas</p><p>do exército britânico em O rgan iza tion as a T ech n ica l P rob lem , G u l ic k e U r w ic k , eds.,</p><p>op. c it., p. 67-69.</p><p>A prob lem a tic íd a d e da teoria adm in is tra tiva 25</p><p>subordinado obedecer, devendo as sanções da autoridade serem</p><p>aplicadas a ele apenas para assegurar a obediência a essa única</p><p>pessoa.</p><p>Se, por um lado, o princípio da unidade de comando tem a</p><p>vantagem de ser mais aceitável, quando expresso dessa forma limi</p><p>tada, por outro, também resolve menos problemas. Em primeiro</p><p>lugar, já não requer, exceto para dirimir conflitos de autoridade,</p><p>uma única hierarquia de autoridade. Em consequência, deixa sem</p><p>solução o problema fundamental de como a autoridade deve ser zo-</p><p>neada numa dada organização (isto é, os sistemas de especialização),</p><p>e através de que canais deve ser exercida. Por fim, mesmo este con</p><p>ceito mais restrito de unidade de comando colide com o princípio</p><p>da especialização, pois sempre que surge discordância e os membros</p><p>da organização recorrem às linhas formais de autoridade, deduz-se</p><p>que somente os representantes daqueles tipos de especialização que</p><p>fazem parte da hierarquia de autoridade podem influir na decisão.</p><p>Se o chefe de treinamento de pessoal de uma municipalidade exerce</p><p>apenas uma supervisão funcional sobre o funcionário encarregado</p><p>do treinamento de policiais, no caso de discordância com o chefe</p><p>de polícia o conhecimento especializado de problemas policiais pelo</p><p>último determinará o resultado do problema, enquanto o conheci</p><p>mento especializado sobre treinamento será menosprezado ou igno</p><p>rado. A evidência de que isso ocorre amiúde encontra-se na frus</p><p>tração comumente externada pelos supervisores funcionais quanto à</p><p>falta de autoridade para aplicar sanções.</p><p>ALCANCE DO CONTROLE</p><p>Aceita-se, geralmente, a proposição de que a eficiência administra</p><p>tiva aumenta com a limitação ao menor número possível, digamos</p><p>a seis, dos subordinados que servem diretamente a um administrador.</p><p>O conceito de que o alcance do controle deveria ser reduzido é</p><p>resolutamente apontado como o terceiro princípio inabalável de ad</p><p>ministração. Os argumentos de bom senso, comumente usados para</p><p>restringir o alcance do controle, são por demais conhecidos para</p><p>serem repetidos aqui. O que não é tão conhecido, porém, é a possi</p><p>bilidade de enunciar-se um provérbio de administração contraditório,</p><p>embora não tão conhecido como o princípio do alcance do controle,</p><p>26 H E R B E R T SIM O N</p><p>e de prová-lo com argumentos igualmente plausíveis. Eis o provérbio</p><p>a que me refiro:</p><p>“A eficiência administrativa é aumentada pela redução, ao mí</p><p>nimo, do número de níveis organizacionais através dos quais um</p><p>assunto deve transitar até sua decisão final”.</p><p>Este último provérbio constitui um dos critérios fundamentais</p><p>de que se valem os analistas administrativos para orientar os pro</p><p>gramas de simplificação de trabalho. Não obstante, freqúentemente</p><p>os resultados que decorrem desse princípio chocam-se frontalmente</p><p>com as exigências dos princípios do alcance de controle, da unidade</p><p>de comando e da especialização. A presente discussão trata do pri</p><p>meiro destes conflitos. A fim de ilustrar esta dificuldade apresenta</p><p>remos duas propostas diferentes para a organização de um pequeno</p><p>departamento de saúde: uma baseada na restrição do alcance do</p><p>controle e a outra na limitação do número de níveis organizacionais:</p><p>A) A organização atual do departamento sobrecarrega admi</p><p>nistrativamente o diretor do Departamento de Saúde, em virtude do</p><p>fato de que todos os onze empregados do departamento lhe são di</p><p>retamente subordinados, e pelo fato de que alguns dos funcionários</p><p>carecem de treinamento técnico adequado. Consequentemente, os</p><p>tratamentos clínicos de doenças venéreas e outros detalhes absorvem</p><p>uma parte excessiva da atenção pessoal do Diretor.</p><p>Já foi recomendado anteriormente que o médico proposto fosse</p><p>encarregado das clinicas de doenças venéreas e torácicas e de todo</p><p>o trabalho de higiene infantil. Recomenda-se, ademais, que um dos</p><p>inspetores seja designado inspetor-chefe e encarregado de todas as</p><p>atividades de inspeção do departamento; e que uma das enfermeiras</p><p>seja designada enfermeira-chefe. Isto aliviará o responsável pela</p><p>Saúde Pública de considerável massa de detalhes, deixando-lhe muito</p><p>mais liberdade para planejar e supervisionar o programa de saúde</p><p>como um todo, promover a educação sanitária e coordenar o traba</p><p>lho do departamento com o de outras instituições da comunidade.</p><p>Se o departamento fosse organizado desta maneira poder-se-ia au</p><p>mentar, consideravelmente, a eficiência de todos os empregados.</p><p>B) A organização atual do departamento conduz à ineficiência</p><p>e ao papelório excessivo, porque existe um nível de supervisão des</p><p>necessário entre o diretor do departamento de Saúde Pública e o</p><p>pessoal de linha, e porque quatro dos doze empregados, melhor</p><p>A pro b lem a tic id a d e d a teoria ad m in is tra tiva 27</p><p>treinados do ponto de vista técnico, ocupam-se em grande parte de</p><p>atividades administrativas gerais. Em consequência, ocorrem demo</p><p>ras desnecessárias na obtenção da aprovação do diretor a respeito</p><p>de problemas que requerem sua atenção, havendo, ainda, muitos</p><p>assuntos sujeitos a revisões consecutivas.</p><p>Ao médico-chefe deveria ser atribuída a responsabilidade pelo</p><p>tratamento das doenças venéreas, clínica torácica e higiene infantil.</p><p>Recomenda-se, porém, que os cargos de inspetor-chefe e de enfer</p><p>meira-chefe sejam abolidos, e que os atuais ocupantes passem a</p><p>realizar tarefas regulares de inspeção e enfermagem. Os detalhes do</p><p>planejamento do trabalho ora realizado pelos dois funcionários po</p><p>dem ser cuidados de rnaneira mais económica pelo secretário do</p><p>diretor de Saúde, e, considerando que as questões mais amplas de</p><p>política têm exigido sempre a atenção pessoal do referido diretor,</p><p>a abolição dos dois cargos eliminará um passo totalmente desneces</p><p>sário no processo de revisão, permitirá a expansão dos serviços</p><p>de inspeção e enfermagem, e permitirá, pelo menos, o início do</p><p>programa de educação sanitária já recomendado. O número de pes</p><p>soas subordinadas diretamente ao Diretor aumentará para nove, mas</p><p>considerando que poucos serão os assuntos que requerem a coorde</p><p>nação desses empregados, exceto no que respeita aos planos de tra</p><p>balho e às questões de política mencionados acirna, a mudança não</p><p>aumentará materialmente o peso de seu trabalho.</p><p>O dilema consiste nisto: um alcance do controle reduzido numa</p><p>organização com muitas inter-relações entre os seus membros pro</p><p>duz, inevitavelmente, demoras excessivas, pois cada contato entre</p><p>os membros da organização deve ser levado até um superior cornum.</p><p>Isto fará, em consequência, com que os assuntos tenham de ascender</p><p>através de vários níveis de autoridade para serem decididos, e, em</p><p>seguida, no sentido descendente em forma de ordens e instruções;</p><p>um processo longo e complicado.</p><p>A alternativa consiste em aumentar o número de pessoas que</p><p>se encontram subordinadas a cada chefe, de maneira a permitir que</p><p>a pirâmide hierárquica se achate um pouco, com o menor número</p><p>possível de níveis intermediários. Essa solução, contudo, apresenta</p><p>também uma dificuldade, pois o controle de um chefe que supervi</p><p>siona número demasiado grande de empregados tende a debilitar-se.6</p><p>« Uma justificação típica em favor da limitação do alcance do controle é dada por</p><p>U r w ic k , L.,</p><p>op. c it., p. 52-54=</p><p>28 H E R B E R T SIM O N</p><p>Qual é, por conseguinte, o ponto ótimo, se tanto o aumento</p><p>como a diminuição do alcance do controle geram algumas conse</p><p>quências desagradáveis? Os que defendem o ponto de vista de que</p><p>0 alcance do controle deve ser reduzido, sugerem como números</p><p>convenientes de subordinados a serem supervisionados três, cinco,</p><p>e até mesmo onze, embora jamais tenham explicado o raciocínio</p><p>que os levou a escolher um determinado número. O princípio em</p><p>causa, da maneira como está formulado, não esclarece nada quanto</p><p>a esta questão fundamental.</p><p>ORGANIZAÇÃO POR PROPÓSITO, PROCESSO, CLIENTELA E ÁREA</p><p>GEOGRÁFICA 7</p><p>A eficiência administrativa, acredita-se, deve aumentar pelo agru</p><p>pamento do pessoal de acordo com os seguintes critérios: a) propó</p><p>sito, b) processo, c) clientela, ou d) área geográfica. Mas conforme</p><p>foi visto quando do estudo da especialização, este princípio padece</p><p>de inconsistências internas, pois propósito, processo, clientela, e área</p><p>geográfica são critérios organizativos concorrentes de maneira que</p><p>em algum ponto de divisão as vantagens dos três têm que ser sacri</p><p>ficadas, a fim de preservar-se as vantagens do quarto. Se as secreta</p><p>rias que compõem o governo e a administração de uma cidade, por</p><p>exemplo, são organizadas com base num propósito principal, deduz-</p><p>se, então, que todos os médicos, advogados, engenheiros, ou esta</p><p>tísticos não serão concentrados num único órgão composto exclusi</p><p>vamente de membros de suas profissões, mas que serão distribuídos</p><p>entre as várias secretarias que necessitam de seus serviços. Por esse</p><p>motivo, as vantagens da organização por processo serão parcialmen</p><p>te sacrificadas.</p><p>Não obstante, algumas dessas vantagens podem ser recuperadas</p><p>por meio da organização com base em processo, dentro das secreta</p><p>rias mais importantes. Assim sendo, poderá haver um serviço de</p><p>engenharia dentro da secretaria de obras públicas, e a comissão di</p><p>retora da educação pode possuir um serviço de saúde escolar como</p><p>a sua principal divisão. Similarmente, pode haver, dentro de uni</p><p>dades menores, divisão por área geográfica ou por clientela; o corpo</p><p>de bombeiros possui, por exemplo, espalhadas por toda a cidade</p><p>1 Cf. W ajllace , Schuyler. F edera l D e p a rta m en ta liza tio n , Nova Iorque, Coiumbia</p><p>University, 1941, p. 91-146.</p><p>A prob lem a tic id a d e da teoria adm in is tra tiva 29</p><p>diversas companhias, e um serviço de assistência social disporá de</p><p>agências especializadas para a inscrição de interessados e o estudo</p><p>de casos em vários locais. Cumpre repetir, todavia, que esses tipos</p><p>principais de especialização não podem ser alcançados simultanea</p><p>mente, pois se deverá decidir em determinado ponto da organização</p><p>se a especialização no nível seguinte obedecerá ao critério do pro</p><p>pósito, do processo principal, da clientela ou área geográfica.</p><p>Incompatibilidade entre os critérios da organização por Propó</p><p>sito e por Clientela — Esse conflito pode ser ilustrado pela demons</p><p>tração de como o princípio da especialização por propósito condu</p><p>ziria a um resultado diferente daquele que adviria com a especia</p><p>lização por clientela na organização de um departamento de saúde.</p><p>1. A Administração sanitária compreende as seguintes ativida</p><p>des relativas à prevenção de enfermidades e manutenção de condi</p><p>ções de higidez: a) estatísticas vitais; b) higiene infantil — cuidados</p><p>pré-natal, maternidade, pós-natal, da infância, pré-escolar, e progra</p><p>mas de saúde escolar; c) controle de doenças transmissíveis; d)</p><p>inspeção de leite, alimentos e drogas; e) inspeção sanitária; f) ser</p><p>viço de laboratório; g) educação sanitária.</p><p>Um dos obstáculos que o departamento de saúde tem que en</p><p>frentar diz respeito ao fato de não possuir jurisdição sobre o con</p><p>trole de saúde escolar, atividades que cabe a comissão de educação</p><p>do condado, e que há muito pouca ou nenhuma coordenação entre</p><p>esta parte sumamente importante do programa de desenvolvimento</p><p>da criança e o resto do programa, que é dirigido pela comissão</p><p>diretora da educação. Recomenda-se que a cidade e o condado ini</p><p>ciem negociações com o fim de transferir todo o trabalho de prote</p><p>ção sanitária à população infantil em idade escolar para a comissão</p><p>de educação.</p><p>2. Compete ao órgão escolar moderno cuidar das crianças du</p><p>rante quase todo o período em que essas estejam fora de casa. Nesse</p><p>particular, compete-lhe: a) fornecer-lhes educação quanto a habili</p><p>dades, conhecimentos e formação do caráter; b ) fornecer-lhes di</p><p>versão sadia fora das horas de aula; c) cuidar-lhes da saúde e asse</p><p>gurar-lhes padrões mínimos de nutrição.</p><p>Um dos problemas com que se defronta a comissão de educação</p><p>é o fato de que, com exceção da merenda escolar, aquela não dispõe</p><p>de nenhum controle sobre a saúde e a nutrição das crianças, existin-</p><p>30 H E R B E R T S IM O N</p><p>do pouca ou nenhum coordenação entre esta parte sumamente im</p><p>portante relativa ao desenvolvimento da criança e o resto do pro</p><p>grama dirigido pela referida comissão. Recomenda-se que a cidade</p><p>e o condado iniciem negociações com o fim de transferir todo o</p><p>trabalho de saúde para crianças em idade escolar para a comissão</p><p>de educação.</p><p>Aqui, surge outra vez o dilema da opção entre princípios admi-</p><p>nistartivos plausíveis. Mas esta não é a única dificuldade no pre</p><p>sente caso, pois uma análise mais cuidadosa da situação demonstra</p><p>que há ambiguidades fundamentais nos significados dos termos-cha</p><p>ve: propósito, processo, clientela e área geográfica.</p><p>Ambiguidade dos Termos-Chaves. Pode-se definir o propósito,</p><p>em linhas gerais, como objetivo ou a finalidade com que se realiza</p><p>uma atividade. O processo constitui, por seu turno, um meio de</p><p>atingir determinado objetivo. Os processos são, por conseguinte, uti</p><p>lizados para alcançar as finalidades. É possível, geralmente, distri</p><p>buir essas finalidades, em uma espécie de hierarquia. Uma datiló</p><p>grafa move seus dedos a fim de datilografar; datilografa, a fim de</p><p>copiar uma carta; copia uma carta, a fim de responder a uma con</p><p>sulta. Escrever a carta é, por conseguinte, a finalidade a que se destina</p><p>a datilografia e representa também o processo pelo qual se realiza</p><p>o propósito de responder à consulta. Desse modo, pode-se concluir</p><p>que a mesma finalidade pode ser descrita como propósito ou como</p><p>processo.</p><p>É fácil ilustrar essa ambiguidade no caso de uma organização</p><p>administrativa. O departamento de saúde, concebido como uma uni</p><p>dade cuja função é cuidar da saúde da comunidade, constitui uma</p><p>organização por propósito; o mesmo departamento, encarado como</p><p>unidade que utiliza a arte de medicina para executar sua atividade,</p><p>constitui uma organização por processo. Da mesma maneira, um</p><p>órgão de educação pode ser considerado uma organização por pro</p><p>pósito (educar), ou por clientela (crianças); o Serviço Florestal</p><p>pode ser considerado uma organização por propósito (conservação</p><p>das florestas), processo (administração florestal), clientela (madei</p><p>reiros e pecuaristas que utilizam florestas públicas), ou área geo</p><p>gráfica (reservas florestais de propriedades do governo). Sempre que</p><p>se utilizam ilustrações concretas desta natureza, as linhas divisórias</p><p>entre essas categorias tornam-se muito confusas e obscuras.</p><p>A prob lem a tic id a d e da teoria a d m in is tra tiva 31</p><p>A “Organização por propósito central”, diz G u l ic k , 8 “serve para</p><p>englobar num único grande órgão todos aqueles que trabalham</p><p>com o objetivo de prestar determinado serviço”. Mas o que significa</p><p>determinado serviço? A proteção contra incêndios é um propósito</p><p>único ou é meramente uma parte do propósito mais amplo de pro</p><p>porcionar segurança pública? ou será que é uma combinação de</p><p>propósitos, inclusive de prevenção e combate de incêndios? Do ex</p><p>posto deve-se concluir que não existe um propósito, ou uma orga</p><p>nização unifuncional (com um propósito único). O que se deve</p><p>considerar como uma única função depende completamente da lin</p><p>guagem e das técnicas.9 Se a língua inglesa possui um termo abran</p><p>gente</p><p>que englobe dois subpropósitos, é natural que se pense nos</p><p>dois com um unico propósito. Se tal termo não existe, porém, os dois</p><p>subpropósitos tomam-se, automaticamente, propósitos em si. Por ou</p><p>tro lado, uma única atividade pode contribuir para vários objetivos;</p><p>mas considerando que eles são tecnicamente (processualmente) in</p><p>separáveis considera-se a atividade como uma única função ou pro</p><p>pósito.</p><p>O fato, mencionado anteriormente, de que os propósitos formam</p><p>uma hierarquia, e de que cada subpropósito contribui para um ob</p><p>jetivo mais amplo e mais final, ajuda a tornar mais clara a relação</p><p>entre propósitos e processo. A organização por processo” diz Gu-</p><p>lick, 10: " . . . tende a reunir num único órgão todos aqueles que</p><p>utilizam determinada habilidade ou tecnologia, ou são membros de</p><p>determinada profissão”. Consideremos uma habilidade simples: a</p><p>datilografia, que acarreta coordenação de movimentos musculares</p><p>num encadeamento de meio e fins, mas num nível muito baixo dessa</p><p>cadeia. O conteúdo da carta datilografada independente da destreza</p><p>de quem a copiou. A habilidade consiste meramente na capacidade</p><p>de bater, com rapidez, a letra t ou a letra a sempre que o texto</p><p>exigir.</p><p>Não há, por conseguinte, diferença substancial entre propósito</p><p>e processo; o que existe é apenas uma distinção de grau. Por processo</p><p>8 Op. c it., p . 2 1 .</p><p>• Se isso for correto, então, qualquer tentativa de provar que determinadas atividades</p><p>pertencem a um único departamento, porque elas se relacionam com um único processo,</p><p>es tá condenada ao fracasso. Ver, por exemplo, G a u s, John M. e W o l c o t t , Leon, P ublic</p><p>A d m in is tra tio n a n d th e U. S. D e p a r tm e n t o f A g r icu ltu re , Chicago, Public Administration</p><p>Service, 1 9 4 1 .</p><p>18 Op. cit., p . 2 3 .</p><p>32 HERBERT SIMON</p><p>entende-se uma atividade cujo propósito imediato se encontra num</p><p>nível mais baixo da hierarquia de meios e fins, enquanto que um</p><p>propósito constitui um conjunto de atividades cujo valor ou objetivo</p><p>orientador está localizado num ponto mais elevado da referida hie</p><p>rarquia ou cadeia.</p><p>Consideremos agora, em continuação, os critério organizativos</p><p>por clientela e por área geográfica. Na realidade, estas categorias</p><p>não se encontram separadas do propósito, mas são parte dele. A</p><p>descrição completa das finalidades de um corpo de bombeiros teria</p><p>que incluir a área a ser servida por ele: “para reduzir os prejuízos</p><p>causados por incêndios em propriedades localizadas na cidade X”.</p><p>Os objetivos de uma organização são expressos em função dos servi-</p><p>vos a serem prestados e da área em que serão realizados. Com o</p><p>termo propósito quer-se designar, habitualmente, apenas o primeiro</p><p>elemento, embora o segundo seja um aspecto do propósito tão legí</p><p>timo como aquele. Claro está que o âmbito do serviço pode ser tanto</p><p>uma clientela específica quanto uma área geográfica. O tempo será</p><p>uma terceira dimensão do propósito, o caso de uma repartição que</p><p>trabalha no regime de turnos, para prover um serviço determinado</p><p>(ou para dada clientela), durante certo período de tempo.</p><p>De posse dessa terminologia, a próxima tarefa consiste em voltar</p><p>a considerar o problema da especialização do trabalho numa orga</p><p>nização. Assim deixou de ser apropriado falar de organização por</p><p>propósito, por processo, por clientela, ou por área geográfica. A</p><p>mesma unidade poderia situar-se dentro de qualquer uma dessas</p><p>quatro categorias, dependendo da natureza da unidade organizativa</p><p>mais geral da qual faça parte. Uma unidade que presta serviços mé</p><p>dicos e de saúde pública às crianças em idade escolar no condado</p><p>de Multnomah poderia ser considerada: a) uma organização por</p><p>área geográfica, desde que fosse parte de uma unidade que pres</p><p>tasse o mesmo serviço para o Estado de Oregon; b) uma organiza</p><p>ção por clientela se fosse parte de uma unidade que prestasse ser</p><p>viço similar para crianças de todas as idades; c) uma organização</p><p>por propósito ou por processo (seria impossível, aliás, distinguir com</p><p>precisão aquela modalidade) se fosse parte integrante de um depar</p><p>tamento de educação.</p><p>É um erro dizer-se que o Serviço A é um serviço organizado</p><p>com base em processo; a forma correta seria dizer-se que o Serviço</p><p>A é um serviço organizado segundo o processo utilizado dentro do</p><p>s.iA problematicidade da teoria administrativa</p><p>Departamento X .11 De acordo com esta última forma entenderíamos</p><p>que o Serviço A incorporaria todos os processos de uma certa natu</p><p>reza no Departamento X, sem fazer referência a quaisquer subpro-</p><p>pósitos, subáreas, ou subclientelas especiais do Departamento X. Isto</p><p>posto vejamos: é possível admitir- que determinada unidade inclua</p><p>todos os processos de certa natureza, mas que esses processos só</p><p>podem refacionar-se com certos subpropósitos do propósito principal</p><p>do departamento. Neste particular, que corresponde ao caso de uma</p><p>unidade de saúde no departamento de educação mencionado ante-</p><p>riormente, a unidade especializar-se-ia ao mesmo tempo por propó</p><p>sito e processo. A unidade sanitária seria o único órgão do departa</p><p>mento de educação a usar a arte da medicina (processo) e encar</p><p>regar-se da saúde ( subpropósito).</p><p>Ausência de Critérios de Especialização. Mesmo quando se</p><p>soluciona o problema do uso apropriado dos termos propósito, pro</p><p>cesso, clientela e área geográfica, os princípios de administração não</p><p>indicam, em absoluto, qual dessas quatro formas concorrentes de</p><p>especialização é aplicável a uma situação específica. A Comissão</p><p>sôbre as Operações do Govêrno Britânico (The British Machinery</p><p>of Government Committee) não abriga dúvida, a êsse respeito, pois</p><p>considerou propósito e clientela como as duas possíveis bases de</p><p>organização, preferindo, contudo, a primeira. Outros tiveram, igual</p><p>mente, a mesma segurança ao escolher entre organizar por propó</p><p>sito e processo. O raciocínio que leva a essas conclusões inequívocas</p><p>deixa muito a desejar, porém. A comissão justifica sua escolha da</p><p>seguinte maneira:</p><p>A consequência inevitável dêsse método de organização (por</p><p>clientela) é representada pela tendência para a administração lilipu</p><p>tiana. É impossível que o serviço especializado que cada Departa</p><p>mento tem que prestar à comunidade possa ser de alto nível, quando</p><p>seu funcionamento se limita a uma classe particular de pessoas e</p><p>abarca uma grande variedade de providências para atendê-los como</p><p>ocorre quando o Departamento se concentra unicamente na prestação</p><p>11 Deve-se notar que essa distinção está implícita na maior parte d a an á lise d e G u l ic k</p><p>sôbre a especialização ( op . c it., p. 15-30). Considerando, po rém , que ês te c i ta com o</p><p>exemplos departamentos únicos no govêrno municipal, e considerando q u e fa la h a b itu a l</p><p>mente de agrupamento de atividades ao invés de divisão d o tra b a lh o , o c a rá te r relativo</p><p>dessas categorias não é sempre evidente na sua exposição.</p><p>34 H E R B E R T SIM O N</p><p>de determinado serviço a quem quer que o necessite, e atende muito</p><p>mais que os simples interesses de classes comparativamente me</p><p>nores .12</p><p>As deficiências dessa análise são claramente evidentes. Primeiro,</p><p>porque não existe nenhuma tentativa de determinar como se vai</p><p>identificar um serviço. Segundo, porque há uma suposição ousada,</p><p>absolutamente destituída de prova, que uma unidade encarregada</p><p>da saúde infantil, por exemplo, localizada num departamento de</p><p>assistência à infância, não poderia oferecer um serviço de “um nível</p><p>tão elevado” quanto uma unidade que fosse localizada num órgão</p><p>de saúde. Não se explica, todavia, de que maneira a transferência</p><p>da unidade de um departamento para o outro melhoraria ou preju</p><p>dicaria a qualidade de seu trabalho. Em terceiro lugar, não se esta</p><p>belece nenhuma base para resolver o conflito entre propósito e pro</p><p>cesso, pois os dois se encontram fundidos no termo ambíguo serviço.</p><p>Não cabe aqui decidir se a comissão está certa ou errada quanto à</p><p>recomendação feita. O importante, porém, é que a recomendação</p><p>representa uma escolha, sem</p><p>qualquer base lógica ou empírica, entre</p><p>princípios de administração contraditórios.</p><p>Ilustrações ainda mais notáveis desta falta de lógica podem ser</p><p>encontrados na maioria das discussões a respeito do assunto propó</p><p>sito vs. processo. Na realidade, não fossem elas íreqiientemente usa</p><p>das em debates políticos e administrativos de natureza séria, seriam</p><p>demasiado ridículas para serem citadas.</p><p>“Onde se deveria localizar, por exemplo, o ensino'agrícola: no</p><p>Ministério de Educação ou no Ministério da Agricultura? Isto de</p><p>pende do desejo do indivíduo de ver as melhores técnicas agrícolas</p><p>ensinadas, talvez por métodos tradicionais, ou de ver um estilo agrí</p><p>cola possivelmente antiquado, ensinado de forma mais moderna e</p><p>obrigatória. A pergunta responde a si própria.” 13</p><p>Mas será que a pergunta responde, realmente, a si própria?</p><p>Suponhamos que se criasse um serviço de educação agrícola e se</p><p>entregasse sua chefia, por exemplo^ a indivíduo com larga experiên</p><p>cia em pesquisas agrícolas ou como administrador de uma escola</p><p>agrícola e o dotasse de pessoal com experiência similar e apropriada.</p><p>la R ep o r t o f th e M a ch in ery o f G o v ern m en t C o m m itte e , Londres, His Majesty’s Statíonery</p><p>Office, 1918, p. 7</p><p>13 H a r r is , Sir Charies. Decentralization, Journa l o f P ub lic A d m in is tra tio n 3117-133.</p><p>A p+ oblcm aticidade da teoria a d m in is tra tiva 35</p><p>Que razões teríamos para acreditar que, se eles fossem subordinados</p><p>ao Ministério da Educação, ensinariam técnicas obsoletas de cultivo</p><p>por meio de métodos de ensino moderno, ao passo que, se fossem</p><p>subordinados ao Ministério da Agricultura, ensinariam modernas téc</p><p>nicas agrícolas por meio de métodos antiquados? O problema ad</p><p>ministrativo de tal órgão consistiria primordialmente em ensinar</p><p>técnicas de cultivo modernas através de métodos modernos, sendo</p><p>um pouco difícil imaginar de que maneira a localização departa</p><p>mental afetaria esse resultado. A “pergunta responde a si própria"</p><p>somente se o indivíduo possuir uma fé mística no poder de reorga</p><p>nização departamental como um meio de reorientar as atividades</p><p>de um órgão.</p><p>Essas contradições e conflitos vêm recebendo atenção cada ves</p><p>maior por parte dos estudiosos de administração nos últimos anos.</p><p>G u l ic k , W a l l a c e e B e n s o n , por exemplo, apresentaram as vanta</p><p>gens e desvantagens dos diversos tipos de especialização, e estuda</p><p>ram as condições sob as quais cada um deles pode ser adotado corn</p><p>o maior proveito.14 Toda esta análise tem sido conduzida, todavia,</p><p>no plano teórico, sem o emprego de dados para demontsrar a su</p><p>perioridade, em termos de eficiência, dos diferentes tipos de critérios</p><p>organizativos. Não obstante sua natureza teórica, a análise tem care</p><p>cido, contudo, de uma teoria. Considerando que não se elaborou</p><p>nenhum esquema compreensivo que pudesse orientar a realização de</p><p>tal estudo, a análise tem tendido ou para a lógica unilateral, que</p><p>caracteriza os exemplos citados acima, ou para a indefinição.</p><p>BECO SEM SAÍDA DA TEORIA ADMINISTRATIVA</p><p>Os quatro princípios de administração que expusemos no início deste</p><p>trabalho já foram submetidos a uma análise crítica. Nenhum dos</p><p>quatro escapou incólume, pois em cada caso foi encontrado, ao invés</p><p>de um princípio unívoco, um conjunto de dois ou mais princípios</p><p>mutuamente incompatíveis e, ao que tudo indica, igualmente apli</p><p>cáveis a uma situação administrativa.</p><p>O leitor verá, ademais, que as mesmas objeções podem ser feitas</p><p>contra as clássicas discussões sobre centralização vs. descentraliza-</p><p>u G u l ic k . Notes on tbe Theory of Organization, em G u l ic k e U r w ic k , c p . c it. p. 21-30;</p><p>W a l l a c e , Schuyler, op . cit.; Be n s o n , George C. S. Internai Administrativa Organization,</p><p>P ublic A d m in istra tio n R c v ie tv , 1:473-486, Outono de 1941.</p><p>36 HERBERT SIMON</p><p>ção, que geralmente concluem que “de um lado a centralização das</p><p>funções decisórias é desejável, porém, de outro a descentralização</p><p>oferece inúmeras vantagens”.</p><p>Será que desses escombros se pode salvar algo de útil para a</p><p>construção de uma teoria administrativa? Na realidade, é possível</p><p>aproveitar-se quase tudo. Aliás, a dificuldade surgiu do fato de que-</p><p>rer-se tratar como princípios de administração coisas que são na</p><p>realidade critérios para descrever e diagnosticar situações adminis</p><p>trativas. O espaço destinado a banheiros constitui sem dúvida um</p><p>item importantíssimo a ser considerado no projeto de construção de</p><p>uma residência funcional; não obstante, uma casa projetada intei</p><p>ramente com o intuito de assegurar o máximo de espaço para ba</p><p>nheiros, deixando de lado tudo o mais, seria considerada, no mínimo,</p><p>como desproporcionada. Da mesma maneira, a unidade de comando,</p><p>a especialização por propósito, e a descentralização são fatores a</p><p>considerar no planejamento de uma organização administrativa efi</p><p>ciente, embora nenhum deles tenha suficiente importância para ser</p><p>vir de princípio guiador único para o analista administrativo. No</p><p>planejamento das organizações administrativas, bem como no seu</p><p>funcionamento, o critério guiador supremo deve ser a eficiência glo</p><p>bal. É necessário comparar as vantagens mutuamente incompatíveis</p><p>nos mesmos moldes do arquiteto que compara as vantagens de espaço</p><p>adicional para banheiros com as vantagens de uma sala de estar mais</p><p>ampla.</p><p>Esse ponto de vista, se for válido, constitui uma séria acusação</p><p>à maior parte da literatura atual sobre assuntos administrativos.</p><p>Como demonstram amplamente os exemplos citados neste capítulo,</p><p>grande parte da análise administrativa orienta-se, quando da formu</p><p>lação de recomendações pela seleção e aplicação de um critério</p><p>único a um problema administrativo. Entrementes, o fato de que</p><p>existem critérios igualmente válidos, embora contraditórios, que po</p><p>deriam ser aplicados com o mesmo fim, embora com resultados dife</p><p>rentes, é convenientemente ignorado. Para que se considere válida</p><p>determinada orientação no estudo da administração é necessário que</p><p>todos os critérios diagnosticadores importantes sejam identificados;</p><p>que cada situação administrativa seja analisada em função de todo</p><p>o conjunto de critérios; que se efetue uma avaliação para determinar</p><p>a importância relativa dos diversos critérios quando forem, como</p><p>ocorre com frequência, mutuamente incompatíveis.</p><p>A p ro b lem a tic id a d e d a teoria a d m in is tra tiva 37</p><p>Precisamos considerar esse programa parceladamente. Em primeiro</p><p>lugar, qual o conteúdo da descrição das situações administrativas</p><p>para os fins buscados com tal análise? Segundo, de que maneira se</p><p>pode determinar a importância relativa dos vários critérios, a fim</p><p>de situá-los de maneira adequada no conjunto do quadro?</p><p>A DESCRIÇÃO DAS SITUAÇÕES ADMINISTRATIVAS</p><p>Antes que uma ciência possa desenvolver princípios, precisa dispor</p><p>de conceitos. A fim de que se pudesse formular a lei de gravitação</p><p>foi preciso que já houvesse anteriormente as noções de aceleração</p><p>e peso. A primeira tarefa de uma teoria administrativa consiste, por</p><p>tanto, em desenvolver um conjunto de conceitos que permitam a</p><p>descrição das situações administrativas em termos aplicáveis à teoria.</p><p>Para que os conceitos sejam cientificamente úteis, precisam ser ope</p><p>racionais, isto é, o seu conteúdo deve corresponder a fatos ou situa</p><p>ções empiricamente observáveis. Bom exemplo de definição opera</p><p>cional é aquela dada anteriormente neste capítulo, ao vocábulo au</p><p>toridade.</p><p>Em que consiste uma descrição cientificamente apropriada de</p><p>uma organização? Consiste numa descrição que determine, até onde</p><p>seja possível, que decisões cada pessoa tomará na organização, e</p><p>que influências as afetarão ao tomar cada uma delas. As descrições</p><p>atuais das organizações administrativas não atingem esse nível. Na</p><p>sua maioria, limitam-se a estudar o problema da distribuição de</p><p>funções, e da estrutura formal da autoridade, prestando muito pouca</p><p>atenção aos outros tipos de influenciação organizacional ou ao sis</p><p>tema de comunicações.15</p><p>O</p><p>que significa, por exemplo, dizer que: “O Departamento com-</p><p>põe-se de três Serviços. O primeiro desempenha a função d e ---------</p><p>o segundo a função de ——— - , e o terceiro a função d e -----------?”</p><p>O que tal descrição permite deduzir acerca da capacidade de fun</p><p>cionamento da organização? Muito pouco, na realidade, pois a partir</p><p>15 A monografia de M a c M a h o n , M il l e t e O g d e n (o p . c i t . ) talvez seja a que mais</p><p>se aproxima, entre os vários estudos administrativos publicados, do refinamento requerido</p><p>para a descrição das situações administrativas. Ver, por exemplo, a discussão nas p. 233-236</p><p>das relações entre os órgãos centrais e as sucursais.</p><p>2.2. Orientação ao estudo da teoria administrativa</p><p>38 HERBERT SJMON</p><p>dela não se pode ter nenhuma idéia do grau de centralização das</p><p>decisões no nível do serviço ou do departamento. Não dá nenhuma</p><p>indicação quanto à extensão em que a autoridade (presumivelmente</p><p>ilimitada) do departamento se exerce sobre o serviço, nem os me</p><p>canismos pelos quais é ela exercida. Não há qualquer indicação</p><p>de como os sistemas de comunicação ajudam na coordenação dos</p><p>três serviços, nem até que ponto a natureza de suas atividades requer</p><p>coordenação. Não se descrevem os tipos de treinamento recebidos</p><p>pelos membros do serviço, nem até que ponto tal treinamento favo</p><p>rece a descentralização nesse nível. Em suma, a descrição das orga</p><p>nizações administrativas em termos quase exclusivos de funções e</p><p>linhas de autoridade toma-se completamente inadequada para os</p><p>fins de análise administrativa.</p><p>Vejamos o que ocorre, por exemplo, com o termo descentrali</p><p>zação. Como é que se identifica se as operações de uma dada orga</p><p>nização são centralizadas ou descentralizadas? Será que a existência</p><p>de sucursais prova alguma coisa a respeito da existência da descentra</p><p>lização? Será que a descentralização não poderá ocorrer nos serviços</p><p>de um órgão central? A análise realista da centralização deve incluir</p><p>o estudo da distribuição das decisões na organização, e dos métodos</p><p>de influenciação empregados pelos escalões superiores para orientar</p><p>as decisões dos escalões inferiores. Tal análise proporcionaria visão</p><p>muito mais complexa do processo decisório do que a simples enu</p><p>meração da distribuição geográfica das unidades organizativas pelos</p><p>vários níveis.</p><p>A descrição administrativa sofre, presentemente, de superficia-</p><p>lismo, supersimplificação e falta de realismo. De um modo geral,</p><p>tem-se confinado em demasia no estudo dos mecanismos da autori</p><p>dade, falhando, por outro lado, na inclusão no seu âmbito de outros</p><p>modos de influenciação do comportamento organizativo, também</p><p>importantes. Como se não bastasse, tem-se recusado a empreender</p><p>a tarefa exaustiva de estudar a distribuição real das funções decisó</p><p>rias, e contentando-se em falar de autoridade, centralização, alcance</p><p>do controle, e função, sem procurar definir operacionalmente esses</p><p>termos. Até que a descrição administrativa atinja um nível mais</p><p>elevado de precisão, existem muito poucas razões para esperar-se</p><p>progrida rapidamente a identificação e comprovação dos princípios</p><p>administrativos válidos.</p><p>A p ro b lem a tic idade da teoria adm in is tra tiva 39</p><p>Antes que se possa fazer qualquer sugestão positiva, toma-se</p><p>necessário uma pequena digressão, para considerar mais de perto</p><p>a natureza exata das proposições da teoria administrativa. A teoria</p><p>administrativa preocupa-se com os problemas de como se deve pla</p><p>near e administrar uma organização, de modo a realizar sua tarefa</p><p>de maneira mais eficiente. Um dos princícios fundamentais de ad</p><p>ministração, quase que inerentes ao caráter racional da boa admi</p><p>nistração, consiste na recomendação de que, entre as diversas alter</p><p>nativas que produzem a mesma despesa, deve ser selecionada sem</p><p>pre aquela que leva à melhor consecução dos objetivos da adminis</p><p>tração; entre as várias alternativas que levam ao mesmo fim, deve</p><p>ser selecionada sempre a que custa menos. Considerando que este</p><p>princípio da eficiência constitui uma característica de qualquer ati</p><p>vidade que trata de maximizar de maneira racional a consecução de</p><p>determinados fins, servindo-se de recursos escassos, conclui-se que</p><p>ele é uma característica tanto da teoria económica quanto da teoria</p><p>administrativa. Desse modo, o homem administrativo situa-se ao lado</p><p>do homem económico clássico” .16</p><p>Na realidade, o princípio da eficiência deveria ser considerado</p><p>mais como uma definição do que como um princípio; isto é, uma</p><p>definição do que se entende por comportamento administrativo bom</p><p>ou correto. Não nos diz como os resultados deverão ser maximizados,</p><p>limitando-se simplesmente a afirmar que esta maximização constitui</p><p>a finalidade da atividade administrativa, e que a teoria administra</p><p>tiva deve exprimir as condições em que essa maximização ocorre.</p><p>Agora pergunta-se: quais são os fatores que determinam o nível</p><p>de eficiência de uma organização administrativa? Embora não seja</p><p>possível fazer uma lista exaustiva, pode-se enumerar, contudo, as</p><p>categorias principais. Talvez o método mais simples de abordar o</p><p>problema seja tomar um participante da organização e indagar dele</p><p>quais são os fatores que limitam a quantidade e a qualidade de sua</p><p>produção. Nesses limites estão incluídos: a) aqueles decorrentes de</p><p>sua capacidade para executar, e b ) os lírnites de sua capacidade de</p><p>16 Para um estudo do princípio da eficiência e seu lugar 11a teoria administrativa ver</p><p>R id l e y , Clarence E. e Sim o n , Herbert Á, M easuring M u n ic ip a l ^ic tiv itie s , Chicago,</p><p>International City Manager's Ass., 2.a ed., 1943, partícularmente o capítulo I e o pre</p><p>fácio da segunda edição.</p><p>O DIAGNÓSTICO DAS SITUAÇÕES ADMINISTRATIVAS</p><p>40 HERBERT SIMON</p><p>tomar decisões corretas. À medida que estas limitações são removi</p><p>das, a organização administrativa aproxima-se do seu objetivo de</p><p>elevada eficiência. Dois indivíduos com as mesmas qualidades, os</p><p>mesmos objetos e valores, o mesmo conhecimento e as mesmas in</p><p>formações só podem decidir, logicamente, sobre o mesmo curso de</p><p>ação. A teoria administrativa tem que se interessar, por conseguinte,</p><p>pelos fatores que determinarão com que capacidade, valores e co</p><p>nhecimento o membro da organização realiza seu trabalho. Estes</p><p>são os limites da racionalidade com os quais os princípios de admi</p><p>nistração devem preocupar-se.</p><p>Por um lado, o indivíduo é limitado por essa capacidade, hábi</p><p>tos e reflexos que não pertencem ao domínio da sua consciência.</p><p>O seu desempenho pode ser limitado, por exemplo, pela destreza</p><p>manual, o tempo de reação ou a força física. Os processos decisórios</p><p>podem ser limitados pela rapidez de seus processos mentais, por</p><p>seus conhecimentos de aritmética elementar, e assim por diante.</p><p>Nesta área, os princípios de administração devem relacionar-se com</p><p>a fisiologia do corpo humano e com as leis do treinamento e do</p><p>hábito. E o campo que tem sido cultivado com maior sucesso pelos</p><p>discípulos de T ayj ’ se desenvolveram o estudo de tem-</p><p>Por outro lado, o indivíduo é limitado pelos seus valores e pelos</p><p>conceitos de finalidade que o influenciam na tomada de decisões.</p><p>Se sua lealdade à organização é intensa, suas decisões porão em</p><p>evidência a aceitação sincera dos objetivos da organização; se essa</p><p>lealdade inexiste, porém, os motivos pessoais podem interferir na</p><p>eficiência administrativa. Se suas lealdades são devotadas ao serviço</p><p>em que trabalha, ele pode, de quando em quando, tomar decisões</p><p>contrárias aos interesses da unidade mais ampla do qual o seu ser</p><p>viço é apenas uma parte. Nessa área os princípios de administração</p><p>devem ocupar-se dos fatores determinantes da lealdade e da moral,</p><p>da liderança e da iniciativa, e das influências que determinam em</p><p>que ponto da organização se fixarão as lealdades organizativas do</p><p>indivíduo.</p><p>O indivíduo é limitado, ainda, pela extensão do conhecimento</p><p>das coisas relacionadas com o trabalho. Isto se aplica tanto ao conhe</p><p>cimento básico, requerido para a tomada de decisões (o projetista</p><p>de pontes deve conhecer os fundamentos da mecânica), quanto às</p><p>informações requeridas para tornar suas decisões apropriadas àquela</p><p>A /iroblcmaticidade da teoria a d m in is tra tiva 41</p><p>pos-e-movimentos</p><p>situação. Nessa área a teoria administrativa deve ocupar-se de ques</p><p>tões tão fundamentais como: que limites existem quanto à quanti</p><p>dade de conhecimentos que a mente humana pode acumular e apli</p><p>car; qual a maneira mais rápida e eficaz de assimilar conhecimentos;</p><p>de que maneira se pode relacionar a especialização de conhecimento</p><p>predominante na estrutura ocupacional da comunidade; de que ma</p><p>neira o sistema de comunicação deve canalizar os conhecimentos e</p><p>informações para os pontos decisórios apropriados; que tipos de co</p><p>nhecimentos podem, e que tipos não podem, ser transmitidos com</p><p>maior facilidade; de que maneira os sistemas de especialização afetam</p><p>a necessidade do intercâmbio de informações na organização? Isto</p><p>constitui, talvez, a terra incógnita da teoria administrativa, e sua</p><p>exploração cuidadosa elucidará, sem dúvida, muitos pontos obscuros</p><p>relativos à aplicação adequada dos provérbios administrativos.</p><p>Talvez o triângulo formado por esses limites não abranja inte</p><p>gralmente a área da racionalidade, devendo-se acrescentar outros</p><p>lados a essa figura. Não obstante, a enumeração servirá para indicar</p><p>os tipos de problemas que devem ser considerados na formulação</p><p>de princípios de administração válidos e incontroversos.</p><p>Fato importante que se deve ter sempre presente é que os limites</p><p>da racionalidade são móveis, e o que é mais importante, a própria</p><p>consciência de sua existência pode alterar esses limites. Suponhamos</p><p>que se descobrisse em determinada organização, por exemplo, que</p><p>as lealdades organizativas dedicadas às suas subdivisões gerassem</p><p>uma competição intraorganizacional nociva. Nesse caso, o programa</p><p>de treinamento que despertasse nos membros da organização a</p><p>consciência de suas lealdades, e procurasse subordinar as lealdades</p><p>dos grupos menores àquelas dos grupos maiores, poderia alterar de</p><p>maneira substancial esses limites nessa organização.17</p><p>É cabível, neste ponto, explicar com relação a isso que a expres</p><p>são comportamento racional, conforme é usada aqui, refere-se a ra</p><p>cionalidade sempre que esse comportamento é avaliado em termos</p><p>dos objetivos mais amplos da organização, pois, conforme já foi</p><p>mencionado, a diferença entre as finalidades do indivíduo e da orga</p><p>nização global é apenas um desses elementos não racionais com os</p><p>quais a teoria tem que lidar.</p><p>17 Para um exemplo do emprêgo desse tipo de treinamento, ver Sim o n , Herbert A. e</p><p>D iv in e , Williara. Controlling "Human Factors in an Administrative Experiment, P ublic</p><p>A d m in istra tio n R e v ie w , 1:487-492, outono de 1941</p><p>42 HERBERT SIMON</p><p>O primeiro passo, pois, na revisão dos provérbios da administração</p><p>consiste em desenvolver um vocabulário para a descrição da orga</p><p>nização nos termos sugeridos há pouco. O segundo passo, também</p><p>já esboçado, aliás, consiste em estudar os limites da racionalidade, a</p><p>fim de preparar uma lista abrangente e completa dos critérios que</p><p>devem ser considerados na avaliação de uma organização adminis</p><p>trativa. Os provérbios atuais representam apenas uma parte esparsa</p><p>e assistemática desses critérios.</p><p>Concluídas essas duas tarefas, restará fixar a importância rela</p><p>tiva dos diversos critérios. Considerando que os referidos critérios</p><p>ou provérbios são no mais das vezes mutuamente concorrentes e</p><p>contraditórios, não basta simplesmente identificá-los. Saber, por</p><p>exemplo, que determinada mudança na organização reduzirá o al</p><p>cance de controle não é o bastante para justificar tal mudança. O</p><p>que se vai ganhar deve ser comparado com a possível perda de</p><p>contato entre os escalões superiores e inferiores da hierarquia que</p><p>provavelmente ocorreria.</p><p>Por essa razão, a teoria administrativa deve levar em considera</p><p>ção também a questão da ponderação a ser atribuída a esses crité</p><p>rios, assim como com os problemas de sua importância relativa em</p><p>qualquer situação concreta. É uma questão empírica, cuja solução</p><p>não pode ser tentada num trabalho como este. O que se precisa,</p><p>sem dúvida, é a realização de pesquisa empírica e experimentação</p><p>para estudar a conveniência relativa de sistemas administrativos</p><p>alternativos. O arcabouço metodológico para esta pesquisa já está</p><p>ao alcance de todos no princípio da eficiência. Se se estuda uma</p><p>organização administrativa cujas atividades são suscetíveis de ava</p><p>liação objetiva, conelui-se que as mudanças reais que resultam da</p><p>modificação administrativa dessas organizações podem ser observadas</p><p>e analisadas.</p><p>De acordo com essa orientação, existem duas condições indis</p><p>pensáveis para uma pesquisa bem sucedida. Primeiro, é necessário</p><p>que os objetivos da organização administrativa a ser estudada sejam</p><p>definidos em termos concretos, a fim de que os resultados, expressos</p><p>em função daqueles objetivos, possam ser acuradamente medidos.</p><p>Segundo, é necessário que se exerça um controle experimental ade-</p><p>DETERMINAÇÃO DA IMPORTÂNCIA RELATIVA DOS DIVERSOS CRITÉRIOS</p><p>A problematicidade da teoria administrativa 43</p><p>quado, a fim de tornar possível o isolamento do efeito concreto</p><p>que se quer estudar, de outros fatores perturbadores que possam</p><p>estar operando concomitantemente na organização.</p><p>Em muito poucas ocasiões, essas duas condições foram preen</p><p>chidas, mesmo parcialmente, nos chamados experimentos adminis</p><p>trativos. O simples fato do poder legislativo aprovar uma lei, criando</p><p>um órgão administrativo, que funciona durante cinco anos e é final</p><p>mente abolido, e do qual se faz, posteriormente, um estudo histórico</p><p>das operações, não basta para converter tal estudo em uma experiên</p><p>cia administrativa. A moderna legislação americana está eivada de</p><p>tais experimentos que propiciam argumentos aos oradores dos esta</p><p>dos vizinhos quando casos semelhantes ocorrem em seus distritos,</p><p>mas que fornecem ao pesquisador científico pouco ou nada em ter</p><p>mos de evidência objetiva.</p><p>No que diz respeito à literatura administrativa, apenas um</p><p>número muito reduzido de projetos de pesquisa satisfazem essas</p><p>condições metodológicas fundamentais, estando, contudo, na maio</p><p>ria dos casos, na periferia do problema da organização. Deve-se</p><p>mencionar, em primeiro lugar, os estudos do grupo de T à y l o r , que</p><p>procurou determinar as condições tecnológicas da eficiência, e ne</p><p>nhum desses é mais representativo da aplicação cuidadosa dos mé</p><p>todos científicos do que o trabalho do próprio T a y l o r sobre a arte</p><p>de cortar metais.18</p><p>Estudos que tratam dos aspectos humanos e sociais da adminis</p><p>tração são ainda mais raros de que os estudos tecnológicos. Entre</p><p>os mais importantes nesse campo encontra-se toda a série de estudos</p><p>sôbre fadiga, iniciados na Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra</p><p>Mundial, e que culminaram com as experiências levadas a cabo na</p><p>Western Electric.19</p><p>No campo da administração pública, o único exemplo de tal</p><p>experimentação é, praticamente, representado pela série de estudos</p><p>18 T a y lo r , F. W. O n th e A r t o f C u ttin g M eta ls , Nova Iorque, American Society of</p><p>Mechanical Engineers, 1907.</p><p>10 Grã-Bretanha, Ministério das Munições, Comissão de Estudos da Saúde dos Trabalha</p><p>dores em Munições, F in a l R ep o rt, Londres, II. M. Stationery Office, 1918; R o e t h l is b e r g e r ,</p><p>F. J., e D ic k s o n , William J. M a n a g e m e n t a n d th e W o rk er , Cambridge, Harvard</p><p>University Press, 1939.</p><p>44 H E R B E R T SIM O N</p><p>realizados na área da assistência social para determinar a carga de</p><p>trabalho adequada para os assistentes sociais no estudo de casos.20</p><p>Tendo em vista que, independentemente desses exemplos espar</p><p>sos, os estudos de órgãos administrativos têm sido efetuados sem</p><p>os benefícios de um controle ou mensuração objetiva dos resultados,</p><p>eles têm dependido nas suas recomendações e conclusões, de racio</p><p>cínios apriorísticos oriundos dos princípios de administração. As</p><p>razões pelas quais</p><p>os princípios derivados dessa maneira não passam</p><p>de provérbios já foram expostas neste capítulo.</p><p>Talvez o programa aqui esboçado pareça um tanto ambicioso</p><p>e quixotesco. Não devemos iludir-nos, contudo, ao empreendê-lo,</p><p>quanto à distância e aos obstáculos no caminho a percorrer. Difícil,</p><p>porém, é ver que alternativa teríamos. Está claro que nem o teórico</p><p>nem o praticante da administração podem satisfazer-se com as fer</p><p>ramentas analíticas deficientes que os provérbios lhes fornecem. Nada</p><p>nos leva a crer, igualmente, que uma reconversão menos drástica do</p><p>que aquela aqui indicada será capaz de dar maior utilidade a essas</p><p>ferramentas.</p><p>Pode-se dizer, para argumentar, que a administração não aspira</p><p>a ser uma ciência e que pela natureza de seu objeto não passará</p><p>de arte. Certa ou errada, essa objeção não vem ao caso na presente</p><p>discussão. Somente a experiência pode responder até que ponto os</p><p>princípios de administração podem ser exatos. No que diz respeito,</p><p>porém, à investigação para apurar se eles são lógicos ou ilógicos</p><p>nem se precisa discutir. Nem mesmo a arte pode basear-se em pro</p><p>vérbios.</p><p>Conforme já foi mencionado, o presente trabalho tentará dar</p><p>apenas o passo inicial no processo de reconstrução da teoria admi</p><p>nistrativa, ou seja, na construção de um vocabulário adequado e de</p><p>um esquema analítico. Ao dizer-se que outros passos serão dados,</p><p>20 R e e d , Ellery F. A n E x p e r im e n t in R e d u c in g th e C ost o f R e lie f, Chicago, American</p><p>Public Welfare Assn., 1937; St a m a n , Rebecca, W hat is the Most Economicai Case Load</p><p>in Public Relief Administration? Socia l W o r k T e c h n iq u e , 4:117-121, maio-junho de 1938;</p><p>Chicago Relief Administration, A d e q u a te S ta ff B rings E c o n o m y , Chicago American Public</p><p>Welfare Assn., 1939; H a s t in g s , Constance e Sc h w a r t z , Saya S. S iz e o f V is ito r 's C ase-</p><p>load as a F ac to r in E f f ic ie n t A d m in is tra tio n o f P u b lic A ss istance , Philadelphia County</p><p>Board of Assistance, 1939; S im o n , H. A. D e term in in g W o r k L o a d s fo r Professional</p><p>S ta f f in a P ub lic W e lfa r e A g e n c y , Berkeley, University of Califórnia, Bureau of Public</p><p>Administration, 1941.</p><p>A prob lem a tic id a d e da teoria adm in is tra tiva 45</p><p>o indivíduo deve precaver-se para não subestimar a importância ou</p><p>a necessidade desse primeiro. Para ser franco, o que tem faltado à</p><p>literatura administrativa não é nem teoria, nem estudos empíricos e</p><p>descritivos. O que tem faltado, realmente, é uma conexão entre esses</p><p>dois aspectos, de modo que a teoria possa servir de guia para o</p><p>planejamento de estudos e experiências críticas, enquanto os estudos</p><p>experimentais proporcionariam os testes rigorosos e corretivas da teo</p><p>ria. Se este livro conseguir tal propósito, contribuirá, sern dúvida,</p><p>paa o estabelecimento da referida conexão.</p><p><6 HERBERT SIMON</p><p>3. Fatos e valores</p><p>no processo decisório</p><p>Conforme já mencionamos no capítulo 1 toda decisão compõe-se de</p><p>dois tipos de elementos, denominados elementos de fato e elementos</p><p>de valor, respectivamente. Essa distinção torna-se fundamental para</p><p>a administração. Leva em primeiro lugar a compreensão do que se</p><p>entende por decisão administrativa correta. Em segundo lugar, torna</p><p>mais clara a distinção, freqiientemente feita na literatura adminis</p><p>trativa, entre questões de política e questões de administração. Esses</p><p>pontos importantes constituirão o tema do presente capítulo.</p><p>Fundamentar uma respostas a essas questões com base em prin</p><p>cípios fundamentais exigiria que este livro fosse antecedido por um</p><p>tratado filosófico ainda mais longo. As idéias necessárias encontram-</p><p>se, de um modo geral, acessíveis na literatura filosófica. Por esse</p><p>motivo tomaremos como ponto de partida as conclusões apresenta</p><p>das por uma escola moderna de filosofia — o positivismo lógico —</p><p>examinando, a seguir, suas implicações para a teoria das decisões.</p><p>0 leitor que estiver interessado em conhecer os fundamentos teóricos</p><p>dessas doutrinas encontrará, nas notas de rodapé deste capítulo, as</p><p>referências bibliográficas pertinentes.</p><p>3 .1 . D istinção en tre o factual e o ético</p><p>Proposições factuais são afirmações acerca do mundo que se pode</p><p>ver e da maneira como funciona.1 Em princípio, as proposições de</p><p>fato podem ser testadas, a fim de determinar-se se são verdadeiras</p><p>1 O ponto de vista da teoria positivista quanto à natureza das proporções científicas é</p><p>discutido exaustivamente por C h a r l e s W. M o r r is em seu livro, F oundatioixs o f T heory</p><p>o f S igns, e R u d o l f C a r n a p , F o u n d a tio n s o f L o g ic a n d M a th em a tic s , na International</p><p>Fatos e calores no processo decisória 47</p><p>ou falsas, isto é, se o que elas afirmam a respeito do mundo ocorre</p><p>ou não, na realidade.</p><p>As decisões são algo mais que simples proposições factuais. Para</p><p>ser mais preciso, elas são descrições de um futuro estado de coisas,</p><p>podendo essa descrição ser verdadeira ou falsa, num sentido estrita</p><p>mente empírico. Por outro lado, elas possuem, também, uma quali</p><p>dade imperativa, pois selecionam um estado de coisas futuro em</p><p>detrimento de outro e orientam o comportamento rumo à alternativa</p><p>escolhida. Em suma, elas possuem ao mesmo tempo um conteúdo</p><p>ético e um conteúdo factual.</p><p>Assim, a questão de as decisões poderem ser corretas ou incor</p><p>retas transforma-se, então, em saber se termos éticos tais como deve,</p><p>bom e preferível têm um sentido puramente empírico. A concepção</p><p>de que os termos éticos não são completamente redutíveis a termos</p><p>factuais constitui, aliás, uma das premissas fundamentais deste es</p><p>tudo. Nenhuma tentativa será feita no sentido de provar a ninguém,</p><p>todavia, a exatidão desse ponto de vista quanto às proposições éticas;</p><p>a justificativa já foi apresentada de maneira exaustiva pelos positivis</p><p>tas lógicos e outros.2</p><p>O argumento apresenta-se, em resumo, da seguinte maneira:</p><p>para que se possa determinar se uma proposição é correta, deve-se</p><p>compará-la diretamente com a experiência, com os fatos, ou veri</p><p>ficar se leva, através do raciocínio lógico, a outras proposições que</p><p>possam ser cotejadas com a experiência. Ocorre, porém, que as pro</p><p>posições factuais não podem ser derivadas das proposições éticas por</p><p>nenhum processo de raciocínio, assim como as proposições éticas</p><p>não podem ser comparadas diretamente com os fatos. Por conseguin</p><p>te, não existe nenhuma maneira de demonstrar, empírica ou racio</p><p>nalmente, a correção das proposições éticas.</p><p>Desse modo, se uma frase declara que determinado estado de</p><p>coisas deve ser, ou que é preferível, ou desejável, ela passa a desem-</p><p>Encyclopedia of Unified Science, vol. I., n.°8 2 e 3, Chicago, University of Chicago Press,</p><p>1937 e 1938; Br id g m a n , P. W. T h e L o g ic o f M o d ern P hysics, Nova Iorque, Macmillan</p><p>Co., 1937; C a r n a p , Rudolf. Testability and Meaning, P hilo sophy o f Sc ience , 3:420-471,</p><p>outubro de 1936, e 4:2-40, janeiro de 1937; C a r n a p , Rudolf, T h e L og ica l S y n ta x o f</p><p>L an g u a g e , Nova Iorque, Harcourt, Brace & Co., 1937; A y e r , Alfred J. L an g u a g e , T ru th ,</p><p>and L og ic , Londres, Victor Gollancz, 1936.</p><p>a Dois estudos recentes do assunto são A y e r , op. c it., e Sm it h , T. V. B e y o n d C onscience,</p><p>Nova Iorque, McGraw-Hill Book Co.t 1934.</p><p>48 HERBERT SIMON</p><p>penhar uma função imperativa, e não é nem verdadeira nem falsa,</p><p>nem correta nem incorreta. Considerando que as decisões envolvem</p><p>avaliações desse tipo, elas não podem ser objetivamente descritas</p><p>como corretas ou incorretas.</p><p>A busca da pedra filosofal e o problema da quadratura do cír</p><p>culo têm preocupado muito menos os filósofos do que a tentativa</p><p>de obter expressões de natureza ética, a partir de expressões pura</p><p>mente factuais. Para citar um exemplo relativamente moderno, men</p><p>cionarei B e n t h a m , que definiu o termo bom como sendo equivalente</p><p>a conducente à felicidade, definindo felicidade em termos psicológi</p><p>cos.3</p><p>A partir disto, então, ele verificava se determinados estados de</p><p>coisas eram ou não conducentes à felicidade, e por conseguinte, bons.</p><p>É evidente que nenhuma objeção lógica pode ser feita a esse método;</p><p>não obstante o rejeitamos aqui porque a palavra bom, conforme a</p><p>definiu B e n t h a m , não pode desempenhar a função da palavra bom</p><p>na ética, isto é, no sentido de preferência moral por uma alternativa</p><p>ao invés de outra. Talvez seja possível por este processo chegar-se</p><p>à conclusão de que as pessoas serão mais felizes em determinadas</p><p>circunstâncias do que em outras. Isso não prova, todavia, que eles</p><p>devam ser mais felizes. A concepção aristotélica de que o que leva</p><p>um indivíduo a adaptar-se mais mtimamente a sua natureza essencial</p><p>de animal racional é bom para ele, 4 sofre da mesma limitação.</p><p>Assim, pois, graças às definições apropriadas da palavra bom,</p><p>é possível construir orações como esta; “Tal estado de coisas é bom”.</p><p>Mas a partir desta definição de bom é impossível deduzir a expres</p><p>são: “Tal estado de coisas deve ser bom”. A função da ética consiste</p><p>em selecionar termos imperativos, isto é, sentenças-deve ser; e essa</p><p>função não pode ser desempenhada eficazmente se o têrmo bom</p><p>é definido de forma a designar meramente as coisas existentes. Neste</p><p>trabalho, por conseguinte, as palavras como bom e deve só serão</p><p>usadas nos seus sentidos éticos e não se aplicarão a nenhum estado</p><p>de coisas num sentido estritamente factual. Desse modo, podemos</p><p>concluir que as decisões podem ser boas, mas não podem, de maneira</p><p>vaga, ser consideradas corretas, ou verdadeiras.</p><p>8 Be n t h a m , Jeremy. A n In tro d u c tio n to th e P rinc ip ies o f M ora is a n d L eg is la tion , Oxford,</p><p>Clarendon Press, 1907, p. 1.</p><p>4 A r l st ó t e l e s , Nichomachean Ethics, livro I, cap. VII, 12-18, em T h e B asic W o r k s o f</p><p>A ris to tle , ed.. por Richard McKeon, Nova Iorque, Rãndom House, 1941.</p><p>Fatos e valores no processo decisório 49</p><p>Vimos que, num sentido restrito, as decisões do administrador não</p><p>podem ser cientificamente avaliadas. Pode-se concluir, entretanto,</p><p>que os problemas administrativos não possuem conteúdo científico?</p><p>São eles puramente questões de ética? Pelo contrário. Afirmar que</p><p>existe um elemento ético envolvido em toda decisão não implica</p><p>afirmar que as decisões englobam apenas elementos éticos.</p><p>Vejamos, por exemplo, o seguinte trecho do Manual de Campa</p><p>nha de Infantaria do Exército Americano:</p><p>“A surpresa constitui a essência de um ataque bem sucedido.</p><p>Seus efeitos devem ser procurados tanto em operações em pequena</p><p>como em grande escala. A infantaria alcança a surpresa, mantendo</p><p>sigilo sobre a hora e o local do ataque, camuflando suas posições,</p><p>pela rapidez nas manobras de envolvimento, dissimulações, e precau</p><p>ções contra processos estereotipados.” 5</p><p>É difícil precisar até que ponto essas três frases pretendem</p><p>ser proposições factuais, e até que ponto elas pretendem ser impera</p><p>tivas, isto é, como se fossem decisões. A primeira pode ser entendida</p><p>pura e simplesmente como uma expressão das condições ideais para</p><p>um ataque bem sucedido, enquanto que a terceira pode ser inter</p><p>pretada como uma lista das condições em que se consegue a sur</p><p>presa. Mas ligando essas frases factuais — fornecendo-lhes o tecido</p><p>conjuntivo, por assim dizer, encontramos de maneira explícita ou</p><p>implícita um conjunto de exortações imperativas que podem ser</p><p>parafraseadas da seguinte maneira: “Ataque com sucesso!” “Use a</p><p>surpresa!” e “Oculte a hora e o lugar de ataque, use camuflagem,</p><p>mova-se com rapidez, engane o inimigo, e evite processos estereoti</p><p>pados!”</p><p>Na realidade, o parágrafo pode ser reescrito de maneira dife</p><p>rente, separando-o em três frases, a primeira ética, e as outras pura</p><p>mente factuais:</p><p>1. Ataque com sucesso!</p><p>2. Um ataque só pode ser bem sucedido quando efetuado de</p><p>surpresa.</p><p>3. As condições que determinam a surpresa são o sigilo quanto à</p><p>hora e ao lugar do ataque, etc.</p><p>* Complete Tactics, Infantry Rifle Battalion, Washington, In fa n try Journa l, 1940, p. 20.</p><p>A AVALIAÇÃO DAS DECISÕES</p><p>50 HERBERT STMON</p><p>Daí se depreende que as decisões que um comandante militar</p><p>toma com o intuito de dissimular a disposição de suas tropas con</p><p>têm tanto elementos factuais como éticos, pois ele assim procede</p><p>a fim de alcançar surpresa e, conseqiientemente, para atacar com</p><p>sucesso. Por este motivo existe um meio pelo qual a correção de</p><p>suas decisões pode ser julgada: constitui uma questão puramente</p><p>factual saber se as medidas que ele toma a fim de alcançar seus</p><p>objetivos são medidas apropriadas. Saber se o fim em si mesmo é</p><p>correto ou incorreto não constitui uma questão de fato exceto até</p><p>o ponto em que o fim em causa acha-se jungido, por um a fim de,</p><p>a outros fins.</p><p>É sempre possível avaliar as decisões nesse sentido relativo, po</p><p>dendo-se determinar, por exemplo, se elas são corretas à luz dos</p><p>objetivos a que visam; uma modificação nos objetivos traz como con</p><p>sequência, porém, uma mudança na sua avaliação. Falando num</p><p>sentido estrito, não é a decisão em si que é avaliada, mas a relação</p><p>puramente factual que é estabelecida entre a decisão e seus fins.®</p><p>O que se avalia, por exemplo, não é a decisão do comandante de</p><p>tomar certas providências, a fim de alcançar surpresa; o que se avalia</p><p>é o julgamento de fato para saber se as medidas que ele toma per</p><p>mitirão, realmente, alcançá-la.</p><p>Esse raciocínio pode ser apresentado de maneira um pouco di</p><p>ferente. Consideremos as duas expressões: “Surpreenda” e “As condi</p><p>ções para a surpresa são o sigilo quanto a hora e o lugar do ata</p><p>que, etc.”. Enquanto a primeira expressão contém um elemento im</p><p>perativo, ou ético, e por conseguinte não é nem falsa nem verdadei</p><p>ra, a segunda expressão é puramente factual. Se ampliarmos a noção</p><p>de inferência lógica de maneira que se aplique tanto aos elementos</p><p>éticos como aos elementos factuais da expressão, poderemos deduzir</p><p>a partir das duas primeiras, uma terceira expressão “Mantenha sigilo</p><p>em torno da hora e do lugar do ataque, etc.!” Assim, com a inclusão</p><p>de uma premissa factual (a segunda expressão), pode-se deduzir</p><p>um imperativo de outro.7</p><p>* Êste ponto de vista é desenvolvido por J o r g e n Jo r g e n se n em Imperatives and Logic,</p><p>E rk en n tn is , 7:288-296, 1938,</p><p>7 Na realidade, as leis habituais de inferência não parecem ser muito válidas na dedução</p><p>de um imperativo a partir de outro. Para alguns estudos acerca das possibilidades de</p><p>efetuarem-se cálculos lógicos para imperativos e tentativas de construir cálculos rigo</p><p>rosos com essa finalidade, ver: M e n g e r , Karl, A Logic of the Doubtful: Ou Optative</p><p>F atos e valores no processo decisório 51</p><p>Parece bem claro, pelo que se depreende das ilustrações apresenta</p><p>das, que a maior parte das proposições éticas vêm misturadas com</p><p>elementos factuais. Considerando que a maior parte dos imperativos</p><p>não constituem fins em si mesmos, mas fins intermediários, a ques</p><p>tão de sua adequação aos fins últimos que procuram alcançar con</p><p>tinua a ser uma questão de fato. A possibilidade ou impossibilidade</p><p>de avançar bastante na cadeia de consequências a fim de isolar um</p><p>valor puro — um fim que é desejado puramente por si mesmo — é</p><p>uma questão que não cabe resolver aqui. O importante para a pre</p><p>sente discussão é assinalar que qualquer expressão que contenha um</p><p>elemento ético, intermediário ou final, não pode ser descrita como</p><p>correta ou incorreta, e que o processo decisório deve partir de algu</p><p>ma premissa ética considerada preexistente. Essa premissa ética des</p><p>creve o objetivo da organização em pauta.</p><p>Em administração, o caráter misto das premissas éticas pré-exis</p><p>tentes é de um modo geral razoavelmente óbvio. Uma repartição</p><p>municipal pode considerar como seu objetivo proporcionar recreação</p><p>para os habitantes da cidade. Essa meta pode ser analisada como um</p><p>meio para “tornar a população mais hígida”, “usar os momentos de</p><p>lazer de forma construtiva”, “evitar a delinquência juvenil”, e uma</p><p>série de outros,</p><p>até que a cadeia de meios e fins atinge uma área</p><p>imprecisa chamada “a vida sã”. Neste ponto as conexões entre meios</p><p>e fins se tornam tão imprecisas (e.g. a relação entre recreação e</p><p>caráter), e o conteúdo dos valores tão mal definidos (e.g. felicida</p><p>de), que a análise se torna sem valor para fins administrativos.8</p><p>O último aspecto pode ser apresentado de maneira mais posi</p><p>tiva. Para que uma proposição ética possa ser útil nas decisões ra</p><p>cionais, a) os valores que se tomam como objetivos da organização</p><p>and Imperative Logic, R ep o rts o f a M a th em a tica l C o lo q u k im , Notre Dame, Indiana, 1939,</p><p>série 2, n.° 1, p. 53-64; G r u e -S õ r e n s e n , K. Imperativsatze und Logik: Begegnung einer</p><p>Kritik, Theoria , 5:195-202, 1939; H o f s t a d t e r , Albert e M c Kin s e y , J. C. C. On the</p><p>Logic of Imperatives, P h ilo scp ky o f Sc ience , 6:446-457, 1939; G r e l l in g , Kurt. Zur</p><p>Logik der Sollsátze, U n ity o f S c ience F ó ru m , Jan., 1939, p . 44-47; R e a c h , K. Some</p><p>Comments on Grelling’s Paper, Ib id . , abril, 1939, p. 72; So r a in e n , K alle. Der Modus</p><p>und die Logik, Theoria , 5:202-204, 1939; R a n d , Rose. Logik der Forderungssátze,</p><p>R e v u e In te rn a tio n a le d e la T h éo rie d u D ro it, Zurique, New Series, 5:308-322, 1938.</p><p>H Ver a excelente discussão deste ponto por W a y n e A. R. L eys em Ethics and Adminis-</p><p>trative Discretion, P ub lic A d m in is tra tio n R e v ie w , 3:19, inverno de 1943.</p><p>O CARÁTER MISTO DAS AFIRMAÇÕES ÉTICAS</p><p>52 HERBERT SIMON</p><p>devem ser definidos de maneira que se possa determinar o grau de</p><p>sua consecução em qualquer situação, e b) deve permitir que se</p><p>formem juízos quanto à probabilidade de que determinadas ações</p><p>cumprirão esses objetivos.</p><p>O P A P E L D O J U L G A M E N T O N A D E C IS Ã O</p><p>A divisão das premissas decisórias em factuais e éticas pode dar</p><p>impressão de que se elimina o julgamento na tomada de decisões.</p><p>Essa dificuldade é evitada, contudo, pelo próprio sentido amplo</p><p>dado à palavra factual: uma explicação acerca do mundo observável</p><p>é factual se, em princípio, sua veracidade ou falsidade podem ser</p><p>comprovadas. Em outras palavras, se determinados acontecimentos</p><p>se verificam dizemos que a afirmação era verdadeira; caso contrário</p><p>dizemos que era falsa.</p><p>Isso não significa, absolutamente, que se pode determinar a priori</p><p>se tal acontecimento é falso ou verdadeiro. Aqui é que o julgamento</p><p>entra em cena. Ao tomar decisões administrativas é preciso escolher</p><p>continuamente premissas factuais cuja veracidade ou falsidade não</p><p>se conhece claramente e nem se pode determinar com segurança à</p><p>luz das informações e do tempo disponíveis para chegar-se a uma</p><p>decisão.</p><p>A avaliação do fracasso ou sucesso de determinado ataque de</p><p>infantaria para capturar o objetivo constitui questão puramente fac</p><p>tual. Não obstante, envolve um julgamento, tendo em vista que o</p><p>sucesso ou fracasso da ação intentada dependerá da disposição das</p><p>forças inimigas, da exatidão e poderio de fogo da artilharia, da topo</p><p>grafia, do moral das tropas atacantes e das tropas defensoras, e de</p><p>um sem-número de outros fatores que o comandante das forças que</p><p>atacam não pode conhecer nem calcular de maneira completa.</p><p>Na linguagem corrente existe confusão frequente entre o ele</p><p>mento de julgamento na decisão e o elemento ético. Essa confusão</p><p>é aumentada pelo fato de que, quanto mais se avança no encadea</p><p>mento de meios-fins, i .e ., quanto maior for o elemento ético, mais</p><p>duvidosos são os passos nesse encadeamento e maior é o elemento</p><p>de julgamento envolvido na determinação de que meios contribuirão</p><p>para que fins.9</p><p>9 Leys, op. cit., p. 18, ressalta que essa confusão ocorre na m aior parte da literatura</p><p>sôbre arbítrio administrativo.</p><p>Fatos e valores no processo decisório 53</p><p>O processo pelo qual os juízos são elaborados tem sido estudado</p><p>de maneira imperfeita. Pode-se temer que na administração prática</p><p>a confiança na correção desses juízos tome o lugar de uma tentativa</p><p>séria de avaliá-los sistematicamente em função dos resultados sub</p><p>sequentes. Infelizmente, contudo, teremos que deixar para outro ca</p><p>pítulo quaisquer considerações adicionais.10</p><p>JUÍZOS DE VALOR NA ADMINISTRAÇÃO PRIVADA</p><p>Os exemplos usados até o momento-têm sido retirados, na sua maio</p><p>ria, do campo da administração pública. A preferência explica-se</p><p>pelo fato de que o problema de juízos de valor tem sido estudado</p><p>mais amiúde, particularmente no que diz respeito ao arbítrio e re</p><p>gulamentação administrativos, no campo da administração pública</p><p>do que no campo da administração privada. Não há, na realidade,</p><p>nenhuma diferença fundamental entre ambas nesse ponto. As deci</p><p>sões na administração privada, assim como ocorre com as decisões</p><p>na administração pública, devem adotar como premissas éticas os</p><p>objetivos que foram estabelecidos para a organização.</p><p>Existem, contudo, importantes diferenças entre a administração</p><p>pública e a administração privada no que respeita aos tipos de ob</p><p>jetivos que procuram alcançar, assim como nos processos e meca</p><p>nismos utilizados na determinação deles. Na administração pública,</p><p>a responsabilidade final quanto à fixação de objetivos cabe ao legis</p><p>lativo, ao passo que na administração privada cabe ao conselho di</p><p>retor, e, em última análise, aos acionistas.11 Nesses dois campos,</p><p>aliás, sérios problemas têm surgido quanto aos meios a serem utili</p><p>zados para assegurar a responsabilidade desses órgãos controlado</p><p>res .12 Em breve, voltaremos a tratar deste assunto, concentrando</p><p>mais uma vez nossa atenção no campo da administração pública.</p><p>J" B a h n a rd , op. c it. apresenta um ponto de vista interessante, talvez demasiado otimista,</p><p>quanto ao elemento in tu itivo na decisáo administrativa, num Apêndice denominado Mind</p><p>in Evervday Affairs, p. 299-322.</p><p>n No capítulo 6 apresentaremos as razões a respeito do ponto de vista de que a ver</p><p>dadeira contrapartida do poder legislativo é muito mais a clientela do que os acionistas.</p><p>u A literatura sobre esse tópico na administração privada, embora seja de um modo</p><p>geral relativamente recente, está aumentando rapidamente. Ver, por exemplo, R u m l ,</p><p>Bcardsley. Tom orrow *s Business, Nova Iorque, Farrar & Rinehart, 1945; Br a d y , Robert</p><p>A. B usiness as a S y s te m o f Pow er, Nova Iorque, Columbia University Press, 1943; e</p><p>G o r d o n , Robert Aaron. B usiness L ea d ersh ip in th e L arge C orpora tion , Washington,</p><p>Brockings Tnstitution, 1945.</p><p>54 HERBERT SIMON</p><p>3.2. Política c administração</p><p>Na prática, a separação dos elementos éticos e factuais de um juízo</p><p>só pode ser efetuada até certo ponto. Raramente os valores envol</p><p>vidos nas decisões administrativas são valores últimos, num sentido</p><p>psicológico ou filosófico. O valor da maioria dos objetivos e ativida</p><p>des decorre das relações entre meios e fins que os conectam com</p><p>objetivos ou atividades que valem por si mesmas. Por um processo</p><p>de antecipação, o valor inerente ao fim desejado é transferido para</p><p>os meios. Um produto manufaturado é avaliado pelos seus fabrican</p><p>tes em função de sua convertibilidade em dinheiro (que por seu</p><p>turno possui somente valor como instrumento de troca), e pelos seus</p><p>compradores de acordo com os prazeres que gozarão com o seu</p><p>consumo. Da mesma maneira, as atividades de um corpo de bom</p><p>beiros, ou de um sistema escolar são avaliadas, em última análise,</p><p>em função do que contribuírem para a vida humana e social, e con</p><p>servam esses valores somente enquanto servirem a essas finalidades</p><p>últimas.</p><p>A avaliação inclui tanto elementos factuais como elementos éti</p><p>cos de suma importância, na medida em que esses valores interme</p><p>diários estiverem envolvidos. Tendo em vista que os resultados da</p><p>atividade administrativa só podem ser considerados como fins num</p><p>sentido intermediário, os valores a serem atribuídos a esses resul</p><p>tados dependem das relações empíricas que se crê que existam entre</p><p>eles e as finalidades últimas. Para ponderar devidamente esses va</p><p>lores intermediários</p><p>torna-se necessário conhecer suas consequências</p><p>objetivas.</p><p>Na melhor das hipóteses, poder-se-ia desejar que o processo</p><p>decisório pudesse ser subdividido em duas partes principais. A pri</p><p>meira compreenderia o desenvolvimento de um sistema de valores</p><p>intermediários e uma avaliação da importância relativa de cada um</p><p>deles. A segunda consistiria na comparação das possíveis linhas de</p><p>ação, de acordo com esse sistema de valores. A primeira parte in</p><p>cluiria, decerto, considerações éticas e considerações factuais; a se</p><p>gunda parte poderia muito bem restringir-se aos problemas factuais.</p><p>Conforme já foi mencionado, a razão para esse tipo de divisão</p><p>reside nos diferentes critérios de correção que devem ser aplicados</p><p>Fatos e valores no processo decisório 55</p><p>aos elementos factuais e éticos de uma decisão. A correção, quando</p><p>aplicada aos imperativos, só faz sentido em termos de valores huma</p><p>nos subjetivos. A correção, quando aplicada a proposições factuais,</p><p>significa verdade objetiva, empírica. Se duas pessoas dão respostas</p><p>diferentes a um problema factual, ambas não podem estar certas. O</p><p>mesmo não ocorre, porém, com questões de natureza ética.</p><p>a im p r e c is ã o d a d ic o t o m ia Política e Administração</p><p>O reconhecimento dessa distinção nos termos de correção traria cla</p><p>reza à distinção que é comumente encontrada na literatura da ciên</p><p>cia política entre questões de política e questões administrativas.</p><p>Essas duas expressões foram cunhadas e difundidas por G o o d n o w</p><p>no seu clássico tratado, Politics and Administration,13 publicado em</p><p>1900. Não obstante, nem nesse estudo nem em qualquer das inúme</p><p>ras discussões que se lhe seguiram foi sugerido um critério preciso</p><p>ou sinais identificadores que permitam reconhecer imediatamente</p><p>uma questão de política, ou distingui-la de uma questão administra</p><p>tiva. Ao que tudo indica, tem-se partido do princípio de que a dis</p><p>tinção é evidente por si mesma — tão evidente que dificilmente ne</p><p>cessita discussão.</p><p>No livro, The New Democracy and the New Despotism, C h a r l e s</p><p>E. M e r r ia m estabelece como uma das cinco premissas básicas da</p><p>democracia “a conveniência da decisão popular, em última análise,</p><p>quanto às questões básicas da direção social e política, e de proces</p><p>sos aceitos para a expressão dessas decisões e sua validação sob a</p><p>forma de uma diretriz política”. 14 Quanto ao escopo e a natureza</p><p>exata dessas questões básicas êle é, porém, muito menos explícito:</p><p>“Pode-se perguntar: quem decidirá quais são as questões básicas,</p><p>e quem resolverá se os meios e processos de expressão da vontade</p><p>das massas são apropriados e eficazes? Não se pode retroceder além</p><p>13 Go o d n o w , F ra n k J . Politics and Administration, N ova Io rq u e , M acm illan C om pany ,</p><p>1 9 0 0 .</p><p>>* M e r r ia m , C h a r l e s E . The neto Democracy and the N ew Despotism, N ova Io rq u e ,</p><p>M cG raw -H ill Book C o ., 19 3 9 , p . 11 .</p><p>56 H E R B E R T SIM O N</p><p>da compreensão geral da comunidade, o juiz constante da forma e</p><p>do funcionamento da ordem legal em que o sistema repousa. ” 15</p><p>G o o d n o w também não estabelece uma clara linha de demarca</p><p>ção entre ambas na sua exposição original sôbre o papel da polí</p><p>tica e da administração no governo. De fato, ele se sente perigosa</p><p>mente tentado a identificar política com decisão, e administração</p><p>com execução. Vejamos:</p><p>" . . . as funções políticas agrupam-se, naturalmente, sob dois</p><p>títulos que são igualmente aplicáveis às operações mentais e às ações</p><p>conscientes dos indivíduos. Isto é, a ação do estado como entidade</p><p>política consiste ou nas operações necessárias à expressão de sua</p><p>vontade, ou nas operações necessárias para a execução dessa von</p><p>tade .” 18</p><p>E prosseguindo:</p><p>“Essas duas funções do governo podem ser designadas, por con</p><p>veniência, Política e Administração, respectivamente. A primeira tem</p><p>a ver com diretrizes gerais ou expressões da vontade ao estado. A</p><p>segunda, por seu turno, significa a execução dessas políticas. ” 17</p><p>Mais adiante na sua exposição, G o o d n o w abandona essa opinião</p><p>extremada e reconhece que certos elementos decisórios fazem parte</p><p>da função administrativa:</p><p>"O fato é que existe uma vasta área da adminisbação que não</p><p>tem relações com a política, e que deveria ser, por conseguinte,</p><p>retirada na sua maior parte, senão inteiramente, do controle de ór</p><p>gãos políticos. Está desvinculada da política porque abrange cam</p><p>pos de atividades semicientíficas, quase-judiciárias e quose-privadas</p><p>ou comerciais — funções que têm muito pouca ou nenhuma influên</p><p>cia sobre a expressão da verdadeira vontade do estado. ” 18</p><p>Sem endossar as opiniões de G o o d n o w quanto à conveniência</p><p>de remover-se do controle político algumas áreas da administração,</p><p>é fácil verificar, no último trecho citado, uma tentativa de sua parte</p><p>no sentido de separar uma classe de decisões que não requerem</p><p>controle externo por possuírem um critério interno de correção. A</p><p>>« Ib id . , p . 39 .</p><p>“ G o o d n o w , o p . c it., p . 9.</p><p>» Ib id . , p. 18.</p><p>« Ib id - , p. 85.</p><p>Falo» e calores no processo decisório 57</p><p>posição epistemológica do presente volume leva-nos a identificar</p><p>esse critério interno com o critério de correção factual, e o grupo</p><p>de decisões que possuem esses critérios com aquelas que são factuais</p><p>por natureza.</p><p>Tem havido, às vezes, nas discussões a respeito do arbítrio da</p><p>administração no campo do Direito Administrativo, uma tendência</p><p>a negar a existência de quaiquer classe de questões factuais que</p><p>possuam condição epistemológica peculiar. Nem F r e u n d nem D i c k i n </p><p>s o n foram capazes de encontrar justificação para o arbítrio adminis</p><p>trativo exceto como aplicação de decisões a casos concretos, ou como</p><p>fenômeno transitório confinado a uma esfera de incerteza dentro da</p><p>qual a regra da lei ainda não penetrou.19</p><p>Na realidade, os dois oferecem sugestões diferentes para a eh-</p><p>minação progressiva dessa área de incerteza. F r e u n d confia no poder</p><p>legislativo para restringir o arbítrio do administrador através de sua</p><p>função de determinar a política.20 D i c k i n s o n acha que o arbítrio</p><p>administrativo pode ser substituído paulatinamente por regras gerais,</p><p>formuladas pelos tribunais como princípios que vão surgindo gradual</p><p>mente de um grupo de problemas.21 Nenhum dos dois deseja admitir</p><p>qualquer diferença fundamental entre os elementos normativos e</p><p>factuais envolvidos na descoberta de leis, nem ver nessa diferença</p><p>uma justificação para a ação discricionária.</p><p>Os tribunais, contudo, têm tendido muito mais a reconhecer essa</p><p>distinção, embora as separações que estabelecem entre as questões</p><p>de fato e as questões de direito situam nesta última categoria grande</p><p>quantidade de questões factuais, especialmente quando fatos jurisdi-</p><p>cionais e fatos constitucionais se tornam questões de direito.22 Não</p><p>é este o lugar adequado, todavia, para discutir de maneira completa</p><p>o problema da revisão judiciária. Êsses breves comentários servem</p><p>apenas para ilustrar a inexistência de um consenso geral quanto às</p><p>diferenças fundamentais entre questões de fato e questões de valor</p><p>no campo do direito administrativo.</p><p>19 Freund, Emst. A d m in is tra tiv e P ow ers o ver P er sons a n d P roperty , C h icag o , U niversity</p><p>o f C h ic ag o Press, 1 9 2 8 , p. 9 7 -1 0 3 ; D ickinson, Jo h n . A d m in is tra tiv e Ju stice a n d thê</p><p>S u p rem a cy o f Laxo in th e U n ited S ta te s , C a ra b iid g e , H a rv a rd U n iv ers ity P ress, 1927 ,</p><p>passim .</p><p>*° F r e u n d , op . c it., p , 8 9 -9 9 .</p><p>21 D ic k in s o n , op. c it., p . 1 0 5 -1 5 6 .</p><p>28 Freund, op. c it., p. 2 8 9 -2 9 9 ; D icxànson, op . c it., p. 3 0 7 -3 1 3 .</p><p>58 H E R B E R T SIM O N</p><p>Em contraposição ao ponto de vista de que todo arbítrio é in</p><p>trinsecamente indesejável, situa-se a opinião igualmente extremada</p><p>de que todas as decisões administrativas podem ser orientadas com</p><p>segurança pelos critérios internos de correção, e que o controle le</p><p>gislativo pode ser</p><p>ao seu</p><p>objetivo, ele teve que lançar mão de uma imagem doméstica e inade</p><p>quada para descrever os processos decisórios que observara quando</p><p>saíra para fazer compras com a esposa. E foi por aí afora.</p><p>De um modo geral, falamos sobre organização em termos que</p><p>não diferem muito da linguagem utilizada por um curandeiro ubangi</p><p>para explicar certas enfermidades. Na melhor das hipóteses, vivemos</p><p>à base de adágios como o que ouvi de um executivo, outro dia:</p><p>“O mais importante em organização é ter a pessoa certa no lugar</p><p>certo”. No lado negativo, vivemos à base de redundâncias pompo</p><p>sas, como esta: “a relação entre o delegante e seu assistente origina-</p><p>se da delegação e é invariável em caráter”</p><p>xti HERBERT SIMON</p><p>Será essa controvérsia realmente importante? O argumento de de</p><p>fesa foi-me exposto, recentemente, por outro executivo (na realida</p><p>de, poderia ter sido transcrito de qualquer dos milhares de conver</p><p>sas dessa natureza, porque a atitude que expressa é muito trivial)</p><p>que declarou: “eu costumava pensar que a organização era funda</p><p>mental, mas agora estou convencido de que a personalidade é mais</p><p>importante. O importante é o homem. Se ele possui determinação,</p><p>capacidade e imaginação, poderá trabalhar praticamente em qual</p><p>quer organização”.</p><p>Personalidade! Sem dúvida uma palavra mágica, capaz de es</p><p>conjurar os problemas que nossas limitações intelectuais não permi</p><p>tiriam resolver. Termo valioso, por outro lado, para evitar que fi</p><p>quemos devendo aos outros pelo sucesso pessoal. Mas, a personalida</p><p>de forma-se no vácuo? A linguagem falada por um indivíduo nada</p><p>tem a ver com a língua de seus pais, e suas atitudes são divorciadas</p><p>das de seus mestres e companheiros? Será que alguém pode ocupar</p><p>durante meses ou anos determinado lugar numa organização, expos</p><p>to a inúmeros fluxos de comunicação, e ao abrigo de outros, sem</p><p>sofrer profundos efeitos nos seus conhecimentos, crenças, hábitos,</p><p>esperanças, desejos, preferências, temores e intenções?</p><p>Agora, pergunto: se a organização é desnecessária, pois o ho</p><p>mem é o requisito indispensável, por que insistimos em criar um</p><p>cargo para ele? Por que não se lhe deixa ao arbítrio criar o próprio</p><p>cargo, em consonância com suas qualidades e capacidades? Por que</p><p>o chefe tem de ser denominado chefe, antes de suas energias cria</p><p>doras serem multiplicadas pela organização? E, para concluir, se nós</p><p>tivermos que dar ao indivíduo certo grau de autoridade antes de</p><p>suas qualidades pessoais exercerem influência efetiva, de que ma</p><p>neira sua eficácia dependerá da forma em que os outros estão orga</p><p>nizados ao seu redor?</p><p>A resposta é simples. A organização c importante, primeiro,</p><p>porque em nossa sociedade, em virtude de os indivíduos passarem</p><p>a maior parte da vida adulta trabalhando em organizações, o am</p><p>biente organizativo que os envolve gera a maioria das forças mode-</p><p>ladoras e orientadoras do desenvolvimento de suas qualidades e há</p><p>bitos pessoais (ver especialmente os capítulos 5 e 10). A organiza</p><p>ção é importante, em segundo lugar, porque proporciona àqueles</p><p>ORGANIZAÇÃO X PERSONALIDADE</p><p>Introdução n 2." edição norte-americana XIII</p><p>que ocupam posições de responsabilidade os meios para exercer</p><p>autoridade e influenciar os demais (ver, a propósito, os capítulos 7</p><p>e 8). Não se pode compreender o input e o output de um adminis</p><p>trador, sem conhecer também a organização onde trabalha. Seu com</p><p>portamento e a influência sobre os demais indivíduos decorrem da</p><p>situação em que ele se encontra na organização.</p><p>O CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO</p><p>Parte da dificuldade e da resistência à análise dos fatores organiza-</p><p>tivos que influenciam o comportamento do administrador, decorrem</p><p>de interpretação errónea do termo organização. Para muitos, orga</p><p>nização é sinónimo de organogramas ou de manuais mirmdentes de</p><p>classificação de cargos, que devem ser religiosamente observados e</p><p>anotados. Mesmo quando discutida por alguns dos seus mais argutos</p><p>estudiosos, como é o caso do coronel L y n d a l l U r w ic k , por exemplo,</p><p>assume muito mais a forma de uma série de quadrinhos dispostos</p><p>de acordo com lógica arquitetônica abstrata, do que a de uma casa</p><p>a ser habitada por seres humanos. Para culminar, os Departamentos</p><p>de Organização existentes nas grandes empresas e na administração</p><p>pública reforçam, ao invés de eliminar, através de suas atividades,</p><p>o estereótipo do que se entende por organização.</p><p>O termo organização refere-se, neste livro, ao complexo sistema</p><p>de comunicações e inter-relações existentes num grupamento hu</p><p>mano. Esse sistema proporciona a cada membro do grupo parte</p><p>substancial das informações, pressupostos, objetivos e atitudes que</p><p>entram nas suas decisões, propiciando-lhes, igualmente, um conjunto</p><p>de expectações estáveis e abrangentes quanto ao que os outros mem</p><p>bros do grupo estão fazendo e de que maneira reagirão ao que ele</p><p>diz e faz. Ao sistema que acaba de ser descrito, os sociólogos cha</p><p>mam de sistema de papéis, embora muitas pessoas o chamem, na</p><p>intimidade, de organização.</p><p>Grande parte do que faz o administrador numa organização</p><p>produz seus principais efeitos a curto prazo, sobre as atividades</p><p>diárias da mesma. Se ele decide sobre a fixaçãc de preços, a feitura</p><p>de contrato para compra de material, a localização de uma fábrica-,</p><p>e as queixas de um empregado, o efeito imediato de cada um</p><p>desses assuntos fornece-lhe os dados da questão com que se defronta.</p><p>Não obstante, o efeito cumulativo mais importante dessa cadeia de</p><p>XIV HERBERT SIMON</p><p>decisões e omissões, tal qual a erosão produzida por pequeno porém</p><p>contínuo filete d agua, ocorre nos sistemas de ação da organização</p><p>que o cerca. Como se fará o próximo contrato? Virá às suas mãos,</p><p>ou será decidido por seus subordinados? Que trabalho preparatório</p><p>terá que ser feito antes de chegar até ele, e que diretrizes servirão</p><p>de guia para aqueles que cuidam do contrato? E após este, que</p><p>ocorrerá com a próxima dezena ou centena de contratos?</p><p>Todo administrador toma decisões e as executa com os olhos</p><p>fixados, concomitantemente, no assunto imediato e no efeito dessas</p><p>decisões sobre situações futuras, isto é, sobre as repercussões para</p><p>a organização (ver página 150). Sempre que o administrador leva</p><p>em consideração essas consequências indiretas, está preocupando-se</p><p>eom a organização.</p><p>COM O COM PREENDER A ORGANIZAÇÃO; A BUSCA DE IDENTIFICAÇÕES</p><p>alguém começar a com-</p><p>seja o próprio emprego.</p><p>Para isso, o indivíduo deve perguntar a si mesmo: que identifica</p><p>ções possuo com a organização em que trabalho (capítulo 10)?</p><p>quais são minhas vinculações aos seus objetivos e às diversas uni</p><p>dades que a compõem? quais as ocasiões importantes, no decurso</p><p>de minhas atividades, em que tenho de escolher entre objetivos e</p><p>lealdades antagónicas? o que mostram, a respeito do meu sistema</p><p>de valores e dos valores que outros atribuem a mim na organização,</p><p>as decisões que tomei nessas circunstâncias?</p><p>A próxima etapa consiste em descobrir como esses objetivos e</p><p>lealdades originaram-se e o que os preserva. Sempre que falo para</p><p>grupos de executivos utilizo um diálogo imaginário, que forjei, entre</p><p>um gerente de vendas, um planejador de produção, um chefe de</p><p>departamento de fabricação e um engenheiro desenhador de pro</p><p>dutos. Os quatro estão discutindo problemas peculiares que surgem</p><p>no decurso das atividades de planejar, fabricar e vender o produto</p><p>manufaturado pela empresa. Cada um deles, obviamente, tenta levar</p><p>o outro a introduzir certas mudanças nos seus métodos de trabalho,</p><p>de modo a tornar a própria atividade mais fácil. Preparei essa con</p><p>versa hipotética para demonstrar o valor de previsão da teoria da</p><p>organização, imaginando, simplesmente, que cada interlocutor seria</p><p>sensível a um problema específico, proporcional ao volume e inten-</p><p>Talvez um dos lugares mais adequados para</p><p>preender o que significa uma organização</p><p>Introdução à 2 ." edição norte-americana XV</p><p>sidade das comunicações que recebe. Partindo dessa premissa óbvia,</p><p>não foi necessário efetuar nenhuma análise</p><p>substituído pelo controle exercido pela comuni</p><p>dade de cientistas.23 Nossa própria análise expõe, ao mesmo tempo,</p><p>de maneira clara a falácia de que todas as decisões são factuais e</p><p>refuta o argumento que afirma serem todas elas de natureza ética.</p><p>A posição a que nos conduzem os pressupostos metodológicos</p><p>do presente estudo é a seguinte: o processo de validação de uma</p><p>proposição factual é completamente distinta do processo de valida</p><p>ção de um juízo de valor. O primeiro é testado pela sua concordân</p><p>cia com os fatos; o segundo pelo princípio da autoridade.</p><p>O LEGISLADOR E O ADMINISTRADOR</p><p>As instituições democráticas encontram sua razão suprema no fato</p><p>de se constituírem num processo para a validação de juízos de valor.</p><p>Não há, porém, nenhum meio científico ou técnico de fazer tais jul</p><p>gamentos, dado que nenhum tipo de especialização constitui atributo</p><p>para o desempenho dessa função. Se fosse possível, na prática, separar</p><p>adequadamente os elementos éticos das decisões, os papéis apropria</p><p>dos do representante e do especialista no processo decisório demo</p><p>crático seriam simples. Isto não é possível, porém, por dois motivos.</p><p>Primeiro, conforme já foi assinalado, a maior parte dos juízos de</p><p>valor são efetuados em termos de valores intermediários, que en</p><p>volvem, por sua vez, questões factuais. Segundo, se as decisões fac</p><p>tuais são confiadas aos técnicos, deve haver sanções para garantir</p><p>que esses aceitarão, de boa fé, os juízos de valor que forem demo</p><p>craticamente formulados.</p><p>As críticas aos processos existentes para assegurar a responsabilidade</p><p>revelam o alto grau de ineficiência desses processos na prática.2'*</p><p>23 C. J. Friedrich ressalta o valor da “comunidade de cientistas’* no exercício da</p><p>responsabilidade. Ele nào propõe, todavia, que se prescinda do controle legislativo. Ver</p><p>Public Policy and the Nature of Administrative Responsibility, em P ublic P o licy , 1 9 4 0 ,</p><p>Cambridge, Harvard University Press, 1940, p. 3-24. Cf. Gaus, John M. The Responsibility</p><p>of Public Administration, em T h e Fron tiers o f P ub lic A d m in is tra tio n , ed. Gaus, W hite e</p><p>Dimock, Chicago, University of Chicago Press, 1936, p. 26-44.</p><p>M Cf. Friedrich, op. c it., p. 3-8. Deve-se frisar uma vez mais que Friedrich não</p><p>propõe a eliminação do controle democrático, mas sua complementação com outras sanções.</p><p>F a to - e valores no processo decisório 59</p><p>Isto não permite concluir, contudo, que os processos são intrinseca</p><p>mente inúteis. Em primeiro lugar, pelas razões já apresentadas, o</p><p>autocontrole do administrador não resolve o problema. Em segundo</p><p>lugar, o fato de que as pressões do trabalho legislativo só permitem</p><p>a revisão de um reduzido número de decisões administrativas não</p><p>inutiliza o valor das sanções que permite ao poder legislativo man</p><p>ter o administrador responsável por qualquer uma de suas decisões.</p><p>A antecipação de possível inquérito e revisão legislativos terá im</p><p>portantíssimo efeito de controle sobre o administrador, mesmo quan</p><p>do essa possível revisão se realize apenas em um ou outro caso.</p><p>A função de decidir pode ser distribuída de maneira completamente</p><p>diferente da maneira que a autoridade final é distribuída para resol</p><p>ver decisões controversas.</p><p>Não seria possível estabelecer princípios definitivos com relação</p><p>a um assunto tão controvertido e explorado de maneira tão imper</p><p>feita.25 Não obstante, se a distinção entre as questões de fato e as</p><p>questões éticas for válida, as seguintes conclusões poderiam ser apre</p><p>sentadas como segue:</p><p>1. A responsabilidade das instituições democráticas na determina</p><p>ção de valores pode ser reforçada pela criação de processos enge</p><p>nhosos que permitam uma separação mais efetiva entre os elementos</p><p>factuais e os elementos éticos das decisões. Algumas sugestões, aliás,</p><p>dessa natureza serão feitas mais tarde em outros capítulos.</p><p>2. O destino de uma questão ao legislativo ou ao executivo para</p><p>que decidam deveria depender da importância relativa das contro</p><p>vérsias factuais ou éticas envolvidas, e do grau em que as primeiras</p><p>sejam discutíveis. A possibilidade de distribuição adequada, sem so</p><p>brecarregar o legislativo, dependerá do sucesso que se obtiver com</p><p>a execução do item 1.</p><p>3. Considerando que o poder legislativo tem a necessidade de efe</p><p>tuar muitos juízos de fato, ele deve ter fácil acesso a informações e</p><p>aconselhamento. Isto não deve assumir a forma, todavia, de meras</p><p>recomendações para ação, mas de informação factual a respeito das</p><p>consequências ODjetivas das alternativas com que se defronta o po</p><p>der legislativo.</p><p>* I. G. G ibbon t r a ta essa q u es tã o no a rtig o T h e O ffíc ia l a n d H is A u th o rity , Public</p><p>Administration, 4 :8 1 -9 4 , a b ril d e 192 6 , co n c lu in d o su b stan c ia lm en te d e m a n e ira p a re c id a</p><p>com o q u e foi d ito a q u i .</p><p>60 H E R B E R T SIM O N</p><p>4. Considerando que uma unidade administrativa tem necessaria</p><p>mente que efetuar juízos de valor, sua sensibilidade aos valores da</p><p>comunidade deve ir mais além dos limites explicitamente referidos</p><p>na lei. Da mesma maneira, embora a função de efetuar juízos de</p><p>valor possa ser freqiientemente delegada ao administrador, especial</p><p>mente quando não há controvérsias envolvidas, sua completa respon</p><p>sabilidade deve ser mantida em caso de discordância.</p><p>Se se deseja conservar os termos política e administração, é pre</p><p>ferível aplicá-los a uma divisão das funções decisórias que seguem</p><p>essas linhas sugeridas. Tal divisão, ainda que não seja idêntica à</p><p>separação entre valor e fato, dependeria claramente dessa distinção</p><p>fundamental.</p><p>Seria ingénuo sugerir que na vida real essa divisão do trabalho</p><p>entre o legislador e o administrador na administração pública seguirá</p><p>de perto a orientação que acaba de ser sugerida. Em primeiro lugar,</p><p>o poder legislativo desejará, freqiientemente, por razões de ordem</p><p>política, evitar tomar decisões normativas explícitas, preferindo in</p><p>cumbir o executivo de implementá-la através de uma de suas repar</p><p>tições .26 Em segundo lugar, o administrador pode diferir radicalmen</p><p>te do indivíduo neutro e obediente, aqui descrito. Ele pode ter (e</p><p>habitualmente tem) sua própria escala de valores pessoais que gos</p><p>taria de ver realizados pela sua organização, o que pode levá-lo a</p><p>resistir às tentativas do legislador de monopolizar as funções de for</p><p>mulação de políticas, ou sabotar na maneira de executá-las as deci</p><p>sões que lhe são impostas.</p><p>Não obstante, provavelmente o mais exato seria dizer que a</p><p>consecução da responsabilidade democrática, no governo moderno,</p><p>exigirá uma adequação a essas linhas demarcatórias, entre o poder</p><p>legislativo e o administrador, que foram traçadas acima.</p><p>A P R O P Ó S IT O D A T E R M IN O L O G IA</p><p>Antes de encerrarmos o capítulo, necessário se torna salientar que o</p><p>termo política é geralmente utilizado de maneira muito mais ampla</p><p>e imprecisa do que o fazemos aqui. Especialmente na literatura so</p><p>bre a administração privada, o vocábulo política significa frequente-</p><p>mente: a) qualquer regra geral estabelecida pela organização com</p><p>30 E ste p o n to é , a p ro p ó s ito , m u ito b em d iscu tid o p o r L e y s , op. c it., p . 2 0 -2 2 .</p><p>Fatos e valores no processo decisório 61</p><p>o fito de limitar o arbítrio dos subordinados (constitui, por exemplo,</p><p>uma política do departamento B arquivar segundo o assunto uma</p><p>cópia a carbono de todas as cartas), ou b) a mais importante dessas</p><p>normas, baixadas pela administração superior (um empregado, por</p><p>exemplo, tem direito a duas semanas de férias por ano para trata</p><p>mento de saúde). Nenhuma dessas concepções dá à política qualquer</p><p>sentido ético. Muitas ambiguidades seriam evitadas se fossem utiliza</p><p>dos diferentes termos para exprimir esses três conceitos: aquele dis</p><p>cutido no parágrafo antecedente, e os dois que acabamos de mencio</p><p>nar. Talvez se pudessem chamar as premissas éticas da administração</p><p>de política legislativa; as regras gerais, de caráter não ético, baixadas</p><p>pela administração superior</p><p>numa organização política administrati</p><p>va; e às demais, política de trabalho.</p><p>Em quase tôda organização, além dêsses diversos tipos de polí</p><p>ticas, ou regras baixadas pela autoridade competente, haverá inú</p><p>meras outras práticas que não foram formalizadas como ordens ou</p><p>regulamentos, e que não são sujeitas a sanções, mas que são, não</p><p>obstante, acatadas na organização por fôrça do costume ou por qual</p><p>quer outra razão. Freqúentemente, a linha entre a política e a prá</p><p>tica não é precisa, a menos que a organização siga a prática (ou</p><p>política) de exprimir por escrito tôdas as suas normas.</p><p>3 .3 . Conclusão</p><p>Êste capítulo foi devotado à explanação da distinção entre os ele</p><p>mentos factuais e elementos de valor que entram na tomada de</p><p>decisões. Mostramos, ademais, que esta distinção é a base para a</p><p>linha que é comumente traçada entre questões de política e questões</p><p>de administração.</p><p>No capítulo seguinte, analisaremos com maiores detalhes a ana</p><p>tomia da decisão, especialmente no que tange ao conceito da racio</p><p>nalidade na tomada de decisão. Continuaremos a dar mais ênfase</p><p>aos aspectos lógicos da decisão do que aos seus aspectos psicológicos.</p><p>62 HERBERT SIMON</p><p>4. 0 papel da racionalidade</p><p>no comportamento administrativo</p><p>Conforme explicamos no capítulo anterior, a perfeição de uma</p><p>decisão administrativa é relativa; em outras palavras, só pode ser</p><p>considerada correta se escolher os meios adequados para atingir fi</p><p>nalidades preestabelecidas. Ao administrador racional compete a se</p><p>leção desses meios eficazes. Para que se formule uma teoria adminis</p><p>trativa é necessário examinar um pouco mais a noção de racionali</p><p>dade e tornar claro o significado da expressão “seleção de meios efi</p><p>cazes.” A elucidação desse ponto ajudará consideravelmente, por seu</p><p>turno, a esclarecer os conceitos de eficiência e coordenação, ambos</p><p>de importância capital para o desenvolvimento da teoria adminis</p><p>trativa.</p><p>Muito pouca referência será feita neste capítulo ao que ocorre</p><p>na mente do indivíduo que decide, pois a discussão desse assunto,</p><p>do ponto de vista psicológico, será reservada para o capítulo quinto.</p><p>O presente capítulo tratará do ambiente concreto que cerca a deci</p><p>são, ou seja, das consequências reais que sucedem determinada es</p><p>colha, a qual, dependendo do seu grau de. racionalidade e objetivi</p><p>dade, envolve a seleção de uma alternativa entre várias. As alterna</p><p>tivas diferem, por seu turno, quanto às suas consequências e a aná</p><p>lise da tomada de decisões referir-se-á, nos seus aspectos objetivos,</p><p>primeiro que tudo, a essas variações das consequências da escolha.</p><p>Embora essa ênfase nas consequências dê a este capítulo uma</p><p>tendência nitidamente racionalística, a concentração nos aspectos ra</p><p>cionais do comportamento humano não deverá ser interpretada, con</p><p>tudo, como afirmação de que os seres humanos são sempre ou geral</p><p>mente racionais. Essa concepção errónea que impregnou a teoria</p><p>política de caráter utilitarista e grande parte da teoria económica</p><p>O papel da raciona lidade no c o m p o rta m en to a d m in is tra tivo 63</p><p>clássica, foi refutada de maneira decisiva pelos progressos atuais em</p><p>psicologia e sociologia.1</p><p>Tendo em vista que por boa administração se entende aquele</p><p>comportamento que é objetivamente adequado aos seus fins, da</p><p>mesma maneira que um bom negócio significa o comportan^nto eco</p><p>nómico cuidadosamente calculado com finalidades lucrativas, uma</p><p>teoria das decisões administrativas terá, forçosamente, que se preo</p><p>cupar de certa maneira com os aspectos racionais da escolha. Os</p><p>capítulos posteriores darão maior ênfase à realidade do comporta</p><p>mento administrativo. O presente capítulo apresenta a mesma rela</p><p>ção com essas análises objetivas que a discussão de princípios e</p><p>teorias dos negócios possuem com a descrição de instituições eco</p><p>nómicas e do comportamento real do mercado. Em outras palavras,</p><p>é muito menos uma descrição de como os administradores decidem</p><p>do que uma descrição de como os bons administradores decidem.2</p><p>4 .1 . M eios e fins</p><p>Os fatos e os valores, conforme já foi dito no capítulo terceiro, estão</p><p>relacionados com meios e fins, respectivamente. No processo deci</p><p>sório escolhem-se as alternativas consideradas como meios adequa</p><p>dos para atingir os fins desejados. Os fins em si mesmos, porém, são,</p><p>as mais das vezes, apenas instrumentos para conseguir objetivos mais</p><p>distantes. Em consequência, somos levados a conceber uma série,</p><p>ou hierarquia, de fins. A racionalidade tem a ver com o estabeleci</p><p>mento da cadeia de meios e fins que acabamos de mencionar.3</p><p>1 A in g é n u a con cep ção u tilita r is ta jam ais fo i exposta d e m a n e ira tã o inc is iva com o em</p><p>Bentham , Jerem y . O p. c it., p . 1 -7 , passim . P o r o u tro la d o , o rac iona lism o e s tá m ais</p><p>im p líc ito d o q u e exp líc ito em Adam Sm ith . V er A n In q u ir y in to th e N a tu re a n d C auses</p><p>o f th e W e a lth o f N a tions , N ova Io rq u e , E . P . D u tto n & C o ., 1 9 1 4 , p . 1 2 -1 5 . T a lv ez</p><p>te n h a m sido os d isc ípu los d e F reud aq u e le s q u e c ritic a ra m com m a io r v ee m ên c ia o rac io </p><p>nalism o, em b o ra se tra te d e u m te m a d e ac e ita ção g e ra l e n tre to d a s as m o d e rn as escolas</p><p>socio lógicas e psico lóg icas. V er, p o r exem plo , Lasswell, H aro ld D . P sychopa tho iogy</p><p>a n d Politics, C hicago , U n ivers ity o f C h ic ag o P ress, 1 9 3 0 , p . 2 8 -3 7 ; Freud, S igm und . T h e</p><p>U nconscious, C ollec ted Papers, T.^ndres, L . a n d V . W oolf, 1 9 2 5 , 4 :9 8 -1 3 6 ; Pareto,</p><p>V ilfredo . T h e M in d a n d Soc ie ty , N ova Io rq u e , H a rc o u rt, B race & C o ., 1 9 3 5 , passim .</p><p>a O A p ên d ic e se ocu p a ex tensam en te d a d is tin ção e n tre u m a c iê n c ia d a adm in is tração</p><p>p rá t ic a ( o e s tu d o d o q u e os ad m in is trad o res d e v e m fa z e r ) e u m a socio log ia d a ad m i</p><p>n is tra ção ( o e s tu d o d o q u e os ad m in is tra d o res fa z e m ) .</p><p>8 Talcott Parsons an a lisa o s is tem a d e ação socia l com o o aux ilio d a m esm a te rm i</p><p>n o log ia no seu liv ro T h e S tructu re c f Social A c tio n , N ova Io rq u e , M cG raw -H ili B ook C o .,</p><p>1 9 3 7 , p . 4 4 , 4 9 , 2 2 8 -2 4 1 .</p><p>64 H E R B E B T S IM O N</p><p>As relações entre os meios e os fins servem para integrar o compor</p><p>tamento mesmo no seu aspecto fisiológico. As contrações musculares</p><p>são coordenadas nesse nível (como meios) para facilitar a execução</p><p>de atos fisiológicos simples, tais como andar, apanhar e segurar um</p><p>objeto, mover os olhos em direção a um ponto, que são na sua</p><p>maioria inconscientes e automáticos no adulto; a criança, no entanto,</p><p>tem que aprendê-los com grande dificuldade e essa aprendizagem,</p><p>ainda que não seja consciente, não difere muito do processo de</p><p>aprendizagem dos adultos relativamente a situações que envolvem</p><p>meios e fins.</p><p>Dar um passo, segurar um objeto, e assim por diante, constituem,</p><p>porém, de um modo geral, meios de atingir finalidades mais amplas.</p><p>A maneira mais clara de determinar que fins são buscados unica</p><p>mente como fins em si mesmos, e quais aqueles que são procurados</p><p>por sua utilidade como meios para atingir fins mais distantes, con</p><p>siste em colocar o indivíduo em situações em que é forçado a decidir</p><p>entre fins conflitantes.</p><p>O fato de que a intensidade dos objetivos buscados pode de</p><p>pender de outros objetivos mais distantes conduz ao estabelecimento</p><p>de uma hierarquia desses objetivos, em que cada nível é considerado</p><p>como um fim em relação ao nível mais abaixo e como um meio em</p><p>relação aos níveis superiores. É através da hierarquização de fins</p><p>que o comportamento logra integração e consistência, pois cada</p><p>parte de um conjunto de comportamentos alternativos é comparada</p><p>com uma escala abrangente ae valores: a escala dos fins últimos.</p><p>Dificilmente se obtém um grau elevado de integração consciente</p><p>no caso do comportamento real. A</p><p>disposição dos motivos conscien</p><p>tes, ao invés de constituir uma hierarquia uniforme, é, geralmente,</p><p>desordenada ou, para sermos mais precisos, uma coleção heterogénea</p><p>de elementos ligados entre si de maneira frágil e incompleta; por</p><p>outro lado, a integração desses elementos se enfraquece gradativa</p><p>mente à medida que se atingem os níveis mais altos da hierarquia,</p><p>isto é, os fins últimos.</p><p>A hierarquia de meios e fins é uma característica comum ao</p><p>comportamento da organização e dos indivíduos. Na realidade, o</p><p>sistema de especialização denominado organização por propósito no</p><p>capítulo segundo nada mais é do que a distribuição da estrutura</p><p>\ h ie r a b q u ia d e f in s</p><p>O papel da raciona lidade no co m portam en to ad m in is tra tivo 65</p><p>da organização de modo a que acompanhe o sistema de meios e fins</p><p>envolvidos na consecução de seus propósitos. Assim, a finalidade de</p><p>um corpo de bombeiros consiste na redução dos prejuízos causados</p><p>por incêndios; no entanto, os meios para alcançar esse fim são as</p><p>medidas preventivas e a extinção de incêndios que estão geralmente</p><p>representados na estrutura da organização por um serviço de pre</p><p>venção de incêndios e pelas companhias de bombeiros, respectiva-</p><p>mente. Considerando, porém, que tais companhias devem estar es</p><p>palhadas pela cidade, a fim de alcançarem seus objetivos, encontra</p><p>mos no próximo nível unidades administrativas especializadas por</p><p>área geográfica.</p><p>É verdade, outrossim, que tanto no comportamento individual</p><p>como no comportamento organizativo a hierarquia de meios e fins</p><p>raramente constitui um encadeamento completamente integrado e</p><p>conexo. Freqiientemente, as ligações entre as atividades da organi</p><p>zação e seus objetivos últimos são obscuras, esses objetivos são for</p><p>mulados de maneira incompleta ou existem conflitos e contradições</p><p>internas entre os objetivos últimos ou entre os meios selecionados</p><p>para alcançá-los. Por essa razão, a tomada de decisões no Work</p><p>Projects Administration, do governo federal americano, foi pertur</p><p>bada pelas exigências antagónicas de “fomento da atividade econó</p><p>mica”, de um lado, e de assistência imediata aos desempregados,</p><p>de outro, que representavam os objetivos dessa organização. No caso</p><p>das decisões do War Production Board (Conselho da Produção Bé</p><p>lica) foi necessário comparar as necessidades civis com as necessi</p><p>dades militares.</p><p>Algumas vezes a ausência de integração na hierarquia de meios</p><p>e fins de uma organização decorre da recusa por parte do órgão for-</p><p>mulador de políticas de resolver assuntos delicados, como por exem</p><p>plo, a recusa do Congresso americano em determinar, para o Serviço</p><p>Seletivo, os pesos a serem atribuídos ao status familiar e a ocupação</p><p>para fins de adiamento da prestação do serviço militar. Outras vezes</p><p>as próprias conexões entre meios e fins são obscuras por si mesmas.</p><p>Dizer, por exemplo, que o objetivo de um exército é derrotar o ini</p><p>migo deixa muita margem para controvérsias e incoerências quanto</p><p>à estratégia adequada para alcançar-se tal finalidade. Recordamos,</p><p>a esse respeito, a controvérsia havida nos Estados Unidos entre as</p><p>duas facções que queriam a derrota “primeiro da Alemanha” e</p><p>“primeiro do Japão.”</p><p>66 HERBERT SIMON</p><p>Por essas razões, nem os indivíduos nem as organizações con</p><p>seguem integração complexa de seu comportamento através da con</p><p>sideração dessas relações de meios e fins. Não obstante, o único</p><p>traço de racionalidade do comportamento em ambos é precisamente</p><p>essa hierarquia incompleta, e algumas vezes incoerente, que acaba</p><p>mos de descrever.</p><p>LIM ITAÇÕES DO ESQUEM A DE M EIOS E FINS</p><p>Essa análise do comportamento racional em termos da hierarquia</p><p>de meios e fins pode levar a conclusões erróneas, a menos que certas</p><p>precauções sejam tomadas.</p><p>Em primeiro lugar, os fins a serem colimados por meio da es</p><p>colha de determinada alternativa de comportamento são freqúen-</p><p>temente expostos de maneira incorreta ou incompleta, devido ao</p><p>erro de não se levar em consideração os fins alternativos que po</p><p>deriam ser alcançados pela seleção de um outro comportamento.</p><p>Ao selecionar-se o projeto de uma ponte em cantiíever para cruzar</p><p>um rio, não basta saber se esse tipo de ponte servirá para o propó</p><p>sito de cruzar o rio. O acerto da escolha só poderá ser determinado</p><p>após saber-se se a referida ponte permitirá o cruzamento mais</p><p>eficiente e económico do que uma ponte pênsil ou um viaduto, ou</p><p>qualquer outro projeto. O processo decisório racional envolve a</p><p>comparação permanente dos meios alternativos em função dos fins</p><p>respectivos que procurarão alcançar. Como será visto no capítulo</p><p>oitavo, isto significa que a eficiência, no sentido de obtenção de</p><p>resultados máximos com meios limitados, deve constituir um critério</p><p>guiador das decisões administrativas.</p><p>Em segundo lugar, é geralmente impossível conseguir nas situa</p><p>ções reais uma separação completa entre meios e fins, pois os meios</p><p>alternativos são habitualmente neutros com referências a valores. É</p><p>dessa dificuldade que nascem tantos argumentos fúteis sobre se</p><p>“os fins justificam os meios”. No caso da Lei Seca americana, por</p><p>exemplo, os meios utilizados envolviam tantas questões de valor —</p><p>liberdade pessoal, métodos de repressão policial adequados, etc. —</p><p>que estas acabaram por relegar a segundo plano o objetivo último</p><p>de conseguir a abstinência do álcool. Disto se depreende que era</p><p>falso pensar na proibição simplesmente como um meio de atingir</p><p>O papel da raciona lidade no co m p o rta m en to a d m in is tra tivo 67</p><p>o fim último, altamente desejável, de conseguir tal abstinência. Os</p><p>meios especiais usados para conseguir esse fim possuíam muitas con</p><p>sequências diversas daquelas que se procurava alcançar, o que levou</p><p>a considerar esses fins não desejados na determinação dos meios</p><p>mais adequados.</p><p>Em terceiro lugar, a terminologia relativa aos meios e fins tende</p><p>a obscurecer o papel do elemento temporal no processo decisório.</p><p>Se um fim constitui uma condição ou uma situação a ser atingida,</p><p>esta só pode ser realizada num determinado momento, embora mui</p><p>tas outras situações possam ser conseguidas num determinado pe</p><p>ríodo de tempo; desse modo, a escolha deixa-se influenciar não ape</p><p>nas por fins particulares mas também pelas expectativas dos fins</p><p>que podem ser alcançados em diferentes momentos. A escolha im</p><p>plica dois problemas importantes: a) se determinada finalidade deve</p><p>ser alcançada num dado momento, a que fins alternativos deve-se</p><p>renunciar nessa ocasião? b) se determinada finalidade deve ser al</p><p>cançada num dado momento, de que maneira esse fato limita as</p><p>finalidades que poderiam ser alcançadas em outras ocasiões? Ao</p><p>dizer, “Après moi le déluge”, Luiz XV estava exprimindo um juízo</p><p>factual que visava a explicar que a consecução de seus objetivos,</p><p>a curto prazo, acarretaria, a longo prazo, consequências funestas;</p><p>por outro lado, ele estava expressando, igualmente, um juízo de</p><p>valor: indiferença pelas consequências a longo prazo. Os economis</p><p>tas diriam, por seu turno, que ele subestimou gravemente o fator</p><p>tempo.</p><p>O elemento temporal entra, porém, de outra maneira no pro</p><p>cesso decisório. Algumas decisões são irreversíveis no sentido de</p><p>que criam uma nova situação que, por seu turno, influencia as de</p><p>cisões subsequentes. Isto se demonstra, no campo económico, pela</p><p>existência de custos fixos. Se um industrial procura decidir se cons</p><p>truirá uma fábrica de sapatos, seu problema consistirá em saber se</p><p>as receitas que obterá com a venda dos sapatos compensarão suas</p><p>despesas. Não obstante, se ele já possui uma fábrica de sapatos, o</p><p>custo dessa fábrica constitui um custo já incorrido que não pode ser</p><p>recuperado; nesse caso, ele continuará a produzir sapatos, mesmo</p><p>com prejuízo, desde que suas receitas cubram quaisquer custos novos</p><p>ou adicionais em que tenha de incorrer para fabricar o artigo. A</p><p>decisão de construir a fábrica, por conseguinte, influi nas suas deci</p><p>sões posteriores. O que conta, acima de tudo, para a consistência</p><p>68 H E R B E R T</p><p>S IM O N</p><p>relativa do comportamento pessoal e do comportamento organizativo,</p><p>no decurso do tempo, é a existência dessas decisões irreversíveis a</p><p>longo prazo. Isto contribui, por outro lado, para uma certa inércia</p><p>no ajustamento a situações novas.</p><p>Essas objeções não significam que a linguagem relativa a meios</p><p>e fins não possa ser empregada; aquelas se referem pura e simples</p><p>mente ao fato de que tal nomenclatura deve ser empregada com</p><p>muito cuidado e de maneira precisa. É possível que sob determina</p><p>das circunstâncias outra terminologia seja mais clara. Esse é, aliás,</p><p>o propósito da discussão que se segue, quando procuraremos sugerir</p><p>tal terminologia.</p><p>4 .2 . Alternativas e consequências</p><p>As objeções que têm sido feitas ao esquema de meios e fins são as</p><p>seguintes: a) obscurece o elemento comparativo da tomada de deci</p><p>sões, b) não consegue separar de maneira eficaz os elementos fac</p><p>tuais dos elementos de valor que entram numa decisão, e c) que</p><p>relega a segundo plano a variável temporal no comportamento pla</p><p>nejado. Uma teoria das decisões, formulada em termos de possibi</p><p>lidades de comportamento alternativo e de suas consequências, des</p><p>trói, contudo, todas essas objeções.</p><p>A L T E R N A T IV A S D E C O M P O R T A M E N T O 4</p><p>O indivíduo, ou a organização que se compõe de inúmeros indiví</p><p>duos, se defronta, a cada momento, com um grande número de al</p><p>ternativas de comportamento, algumas das quais são conscientes. A</p><p>decisão, ou a escolha, tal como empregamos esse vocábulo aqui,</p><p>constitui o processo pelo qual uma dessas alternativas de comporta</p><p>mento adequada a cada momento é selecionada e realizada. O con</p><p>junto dessas decisões que determinam o comportamento a ser exi</p><p>gido num dado período de tempo chama-se estratégia.</p><p>4 A teoria aqui apresentada foi elaborada pelo autor em 1941. Sua presente reformulação</p><p>foi grandemente influenciada pelo notável trabalho de John von Neumann e Oskar</p><p>Morgenster, no livro T h e T h eo ry o f G am es a n d E co n o m ic B ehavior, Prfnceton, Princeton</p><p>University Press, 1944, capítulo 2. É justo mencionar que von Neumann publicou esta</p><p>parte de sua teoria relacionada com o presente estudo pela primeira vez em 1928, em</p><p>Zur Theorie der Gesellschaftsspiele, M ath . A n n a len 100:295-320, 1928.</p><p>O pa p e l da raciona lidade no com p o rta m en to ad m in is tra tivo 69</p><p>Sempre que se seleciona e executa uma dessas possíveis estra</p><p>tégias, determinadas consequências ocorrerão. O objetivo da decisão</p><p>racional consiste em selecionar dentre várias aquela estratégia com</p><p>posta de um conjunto preferido de consequências. É preciso destacar,</p><p>contudo, que todas as consequências que decorrem da estratégia es</p><p>colhida são relevantes para a avaliação de sua eficácia e não apenas</p><p>aquelas consequências que foram antecipadas.</p><p>A tarefa de decidir compreende três etapas, a saber: a) o rela</p><p>cionamento de todas as possíveis estratégias, b) a determinação de</p><p>todas as consequências que acompanham cada uma dessas estraté</p><p>gias, e c) a avaliação comparativa desses grupos de consequências.</p><p>Aqui, a palavra todas é usada deliberadamente. É impossível, evi</p><p>dentemente, que o indivíduo conheça todas as alternativas de que</p><p>dispõe ou todas as suas consequências. Essa impossibilidade repre</p><p>senta uma discrepância fundamental do comportamento real em re</p><p>lação ao modelo da racionalidade objetiva, e como tal será objeto</p><p>de demorado estudo no capítulo quinto.</p><p>TEM PO E COM PORTAM ENTO</p><p>Nada impede que um indivíduo, ou uma organização, rejeite uma</p><p>estratégia escolhida na segunda-feira, e adote outra completamente</p><p>diferente na terça. Não obstante, se a decisão da segunda-feira já</p><p>tiver sido parcialmente iniciada antes de sua reconsideração, terá</p><p>contribuído para reduzir o número de estratégias disponíveis para</p><p>escolha na terça. Isso já foi ressaltado, aliás, no exemplo da fábrica</p><p>de sapatos, o que nos leva a concluir que o indivíduo ou a organiza</p><p>ção podem ser forçados a seguir determinado curso de ação em</p><p>virtude do fato de que, tendo dado início a ela, parece preferível</p><p>continuá-la a ter que abandonar por completo a parte já realizada.</p><p>Esse elemento temporal condicionador das estratégias merece</p><p>ser destacado porque torna possível pelo menos um mínimo de ra</p><p>cionalidade no comportamento, que. $em isso, tornar-se-ia inconce</p><p>bível. Um indivíduo que passou, poí exemplo, sete anos se prepa</p><p>rando para formar-se em medicina e mais dez anos a praticá-la, ge</p><p>ralmente não precisa perder tempo para decidir se será ou não será</p><p>médico. Para eles as alternativas profissionais são praticamente ine</p><p>xistentes em virtude do investimento que fez na estratégia seguida</p><p>até o momento.</p><p>70 HERBERT S1MON</p><p>Da mesma maneira, uma organização que fabrica sapatos não</p><p>precisa reconsiderar diariamente (embora possa fazê-lo periodica</p><p>mente) se em lugar dessa atividade deveria dedicar-se à indústria</p><p>automobilística. Isso restringe, consideravelmente, o número de al</p><p>ternativas que devem ser examinadas pelo indivíduo a cada momen</p><p>to, e é, certamente, uma condição necessária, ernbora não suficiente,</p><p>da racionalidade.</p><p>CON HECIM ENTO E COM PORTAM ENTO</p><p>A função do conhecimento no processo decisório tem por fim deter</p><p>minar antecipadamente as consequências de cada uma das estraté</p><p>gias alternativas. Cabe-lhe selecionar, a partir de toda a classe de</p><p>possíveis resultados, uma subclasse mais limitada, ou (o que seria</p><p>ideal) um único grupo de efeitos vinculados a cada estratégia. O</p><p>indivíduo ao agir não pode, obviamente, conhecer diretamente as</p><p>consequências que advirão de seu comportamento. Se dispusesse</p><p>dessa faculdade, um tipo de causalidade inversa ocorreria, isto é, as</p><p>consequências futuras constituiriam as determinantes do comporta</p><p>mento presente. O que o indivíduo faz, na realidade, é formar uma</p><p>série de expectativas das consequências futuras, e que se baseiam</p><p>em relações empíricas já conhecidas e sobre informações acerca da</p><p>situação existente.</p><p>Isso pode ser ilustrado, por exemplo, com o caso de um processo</p><p>decisório administrativo típico: a seleção de pessoal. Os dados sobre</p><p>cada um dos candidatos a determinado cargo são coligidos através</p><p>de exames, boletins de serviço, e outras fontes, sendo utilizados como</p><p>base para previsões comparativas, a fim de determinar qual dos can</p><p>didatos desempenhará suas funções de maneira mais satisfatória. Só</p><p>será possível tomar uma decisão correta se as previsões forem</p><p>acuradas.</p><p>Conforme foi mencionado, o indivíduo, para comportar-se de</p><p>maneira perfeitamente racional, nesse esquema, teria de dispor de</p><p>uma descrição completa das consequências decorrentes de cada es</p><p>tratégia alternativa e de efetuar uma comparação entre elas. Teria</p><p>de conhecer nos mínimos detalhes a maneira em que ocorreriam</p><p>mudanças ao seu redor em decorrência do fato de ter-se comportado</p><p>de uma maneira ao invés de outra, bem como de acompanhar as</p><p>O papel da raciona lidade no com p o rta m en to ad m in is tra tivo 71</p><p>possíveis consequências de comportamento através de períodos de</p><p>tempo, distâncias e escalas de valores ilimitados. Seria inconcebível,</p><p>em tais condições, que o comportamento real exibisse qualquer traço</p><p>de racionalidade. Felizmente, o problema da escolha é geralmente</p><p>simplificado pela tendência demonstrada pelas leis empíricas, que</p><p>regem as regularidades da natureza, de se aglutinarem em subgru</p><p>pos relativamente isolados. Ao se compararem duas alternativas de</p><p>comportamento vê-se, amiúde, que suas consequências diferem ape</p><p>nas em alguns aspectos, sendo idênticas no resto. Em outras pala</p><p>vras, as consequências que diferenciam um comportamento de outro</p><p>comportamento alternativo podem surgir apenas por breve período</p><p>de tempo e dentro de área limitada de discrição. Se fosse verdadeira,</p><p>na maioria das vezes, a expressão “um reino foi perdido por falta</p><p>de um prego”, o encadeamento de consequências encontrado na</p><p>vida prática seria tão complexo que se tornaria virtualmente impos</p><p>sível o comportamento racional.</p><p>O problema</p><p>decisório nas organizações particulares é muito mais</p><p>simples do que nas organizações públicas pelo menos em um as</p><p>pecto. Espera-se que as organizações privadas levem em considera</p><p>ção apenas aquelas consequências decorrentes da decisão que as</p><p>afetam, ao passo que as organizações públicas devem avaliar a de</p><p>cisão em função de um amplo sistema de valores públicos ou comu</p><p>nitários. Quando o presidente de uma empresa privada decide, por</p><p>exemplo, dar ao seu filho um cargo na sua firma tem que levar em</p><p>consideração apenas o. efeito que a indicação terá sobre a eficiência</p><p>da organização; entretanto, o indivíduo que ocupa posição equiva</p><p>lente na administração pública terá que se preocupar, ademais, com</p><p>o efeito dessa medida sôbre a “igualdade de oportunidade para</p><p>todos no serviço público.” A distinção entre administração pública</p><p>e administração privada não é rígida, pois número cada vez maior</p><p>de empresas privadas vem-se “preocupando com o interesse público”,</p><p>e quantidade sempre crescente de administradores nessas empresas</p><p>se preocupam com as responsabilidades de seus cargos perante a</p><p>comunidade, preocupação que vai muito além dos limites normais</p><p>que a lei lhes impõe.</p><p>O fato de que as consequências formam geralmente sistemas</p><p>isolados proporciona ao cientista e ao profissional poderoso auxílio</p><p>à racionalidade. O cientista pode isolar esses sistemas fechados em</p><p>seu laboratório de experiências e estudar seu comportamento, en-</p><p>72 HERBERT SIMON</p><p>quanto os praticantes podem valer-se das leis descobertas pelo cien</p><p>tista para mudar certas condições ambienciais sem perturbar apre</p><p>ciavelmente o restante da situação.</p><p>Restam, todavia, duas importantes distinções a serem feitas en</p><p>tre o problema da descoberta científica,e o problema da tomada</p><p>de decisões. Em primeiro lugar, a dedução de leis empíricas que</p><p>ocorreriam sob certas condições hipotéticas simples constitui um</p><p>problema científico válido, mesmo que tais condições não ocorram</p><p>na prática; o cientista pode falar em termos teóricos de corpos rígi</p><p>dos, vácuo perfeito, fluidos sem fricção, e assim por diante. O pro</p><p>fissional, porém, tem que levar em consideração os efeitos da elas</p><p>ticidade, da pressão do ar, ou da fricção, sempre que estiverem</p><p>presentes e forem importantes, ainda que compliquem seu problema</p><p>de selecionar a alternativa correta. Em segundo lugar, o cientista</p><p>pode escolher para estudo apenas aquelas consequências do sistema</p><p>que deseja considerar, ignorando as demais. É perfeitamente válido</p><p>como problema científico indagar, por exemplo: “que efeitos terão</p><p>determinadas mudanças no projeto sobre o peso total deste avião?”</p><p>O problema da decisão prática, porém, consiste em comparar uma</p><p>possível diminuição do peso com um aumento de custo, com a perda</p><p>da maneabilidade, ou de outras qualidades. O profissional jamais</p><p>pode ignorar deliberadamente os fatos ou consequências condicio</p><p>nantes simplesmente porque elas escapam ao alcance de sua teoria.</p><p>C O M P O R T A M E N T O G R U P A L</p><p>A situação aumenta de complexidade sempre que existe mais de um</p><p>indivíduo envolvido, porque, neste caso, as decisões dos outros terão</p><p>que ser incluídas entre as diversas condições que cada um deles</p><p>deve considerar ao tomar suas decisões. Em outras palavras, cada</p><p>indivíduo deve saber quais serão as ações dos demais, a fim de de</p><p>terminar de maneira adequada as consequências de suas próprias</p><p>ações. Esse é, aliás, um fator de fundamental importância para o</p><p>processo decisório na administração.</p><p>Existe, na realidade, um círculo vicioso importantíssimo no que</p><p>acabamos de examinar. Antes que A possa escolher racionalmente</p><p>sua estratégia, precisa saber a estratégia escolhida por B; e antes que</p><p>este possa escolher sua estratégia precisa conhecer a de A. Isto pode</p><p>ser bem ilustrado com o jogo de cara ou coroa, em que são envol-</p><p>O papel da raciona lidade no co m p o rta m en to a d m in is tra tivo 73</p><p>vidos dois participantes. O primeiro coloca sobre a mesa, sem que</p><p>o adversário veja, uma moeda com a cara ou a coroa voltada para</p><p>cima, cobrindo-a com a mão; o adversário tenta, então, adivinhar</p><p>se é cara ou coroa a face da moeda que está voltada para o alto.</p><p>O primeiro deve decidir que escolha ele acha que o adversário fará,</p><p>pousando a moeda de maneira oposta; o segundo participante, por</p><p>seu turno, tem que decidir qual a análise da situação feita pelo</p><p>outro. Claro está que ambos não podem acertar, pois se o primeiro</p><p>adivinha de maneira correta a escolha do segundo, este terá, conse-</p><p>qiientemente, avaliado de maneira incorreta a escolha do primeiro</p><p>e vice-versa. O sistema de comportamento daí resultante será muito</p><p>impreciso, porque a instabilidade de cada uma das escolhas leva</p><p>à instabilidade da outra,</p><p>Embora isto possa parecer banal, um pouco de reflexão con</p><p>vencerá o leitor de que esse jogo pode servir como modelo para</p><p>qualquer atividade de natureza puramente competitiva em que es</p><p>tejam envolvidas duas pessoas, sendo a estratégia militar, talvez,</p><p>o exemplo mais importante dessa situação.5</p><p>No extremo oposto à situação puramente competitiva encontra</p><p>mos aquela em que dois ou mais participantes compartilham de</p><p>objetivo comum, onde cada um deles dispõe de informações sufi</p><p>cientes a respeito do que os outros irão fazer, permitindo-se-lhes,</p><p>desse modo, tomar decisões corretas. Isso é exatamente o que se</p><p>entende por trabalho de equipe. O objetivo dos gestos numa partida</p><p>de futebol ou o leilão num jogo de bridge visa a permitir que cada</p><p>jogador de uma equipe forme expectativas exatas acerca do que vão</p><p>fazer seus companheiros, a fim de que possa decidir sobre os meios</p><p>próprios para ajudá-los na busca do objetivo comum. O propósito</p><p>principal do planejamento e da organização que antecede qualquer</p><p>atividade administrativa não é apenas colocar cada participante no</p><p>cargo em que possa atuar melhor, mas permitir que cada um tenha</p><p>certeza em relação ao que os outros irão fazer. Talvez ficasse mais</p><p>clara a discussão da teoria administrativa se usássemos o termo coo</p><p>peração para designar todas as atividades em que os participantes</p><p>compartilham de um objetivo comum e coordenação para referirmo-</p><p>nos ao processo de informar a cada um deles a respeito do compor</p><p>tamento planejado dos outros. Desse modo, a cooperação será ge-</p><p>B Cf. F uller, Col. J. F. C., T h e F im nda lions o f th e S c ience o f W a r , Londres, Hutchinson</p><p>& Co., 1925, p. 183</p><p>74 HERBERT S1MON</p><p>ralmente ineficaz — por não alcançar seus objetivos quaisquer que</p><p>sejam as intenções dos participantes — se não houver coordenação.</p><p>Se as atividades exercidas são por natureza competitivas, pode</p><p>surgir certa instabilidade, porque cada indivíduo tratará de reajustar</p><p>automaticamente o comportamento ao descobrir as intenções do ad</p><p>versário, fazendo-o muitas vezes como tática defensiva para evitar</p><p>que aquele descubra suas próprias intenções. A mesma instabilidade</p><p>pode ocorrer, porém, ainda quando a atividade é por natureza coo</p><p>perativa, se os participantes não forem suficientemente informados.</p><p>Em toda organização em que as responsabilidades não forem deter</p><p>minadas de maneira clara, por exemplo, dois diretores podem escre</p><p>ver cartas contraditórias para a mesma pessoa, a respeito do mesmo</p><p>assunto, enquanto que em outros casos a carta pode deixar de ser</p><p>enviada porque ambos ficam à espera de que o outro o faça.</p><p>Para explicar de maneira formal o assunto, podemos dizer que</p><p>num sistema cooperativo ambos os participantes preferem o mesmo</p><p>conjunto de consequências; desse modo, se cada um prevê de ma</p><p>neira correta o que o outro fará, ambos agirão no sentido de asse</p><p>gurar essas consequências. Num sistema competitivo o resultado con</p><p>siderado ótimo para o primeiro participante não é ótimo para o se</p><p>gundo. Donde, a obtenção pelo primeiro participante da consequên</p><p>cia preferida por ele frustrará o oponente; a regra básica que rege</p><p>o funcionamento do mercado, por exemplo, consiste em comprar ba</p><p>rato e vender caro, mas se o comprador compra barato,</p><p>o vendedor</p><p>não terá vendido caro. Até mesmo um sistema cooperativo pode</p><p>tornar-se instável se cada participante for incapaz de prever o que</p><p>os outros vão fazer. Nesses casos, é necessária a coordenação do</p><p>comportamento dos dois participantes para que possam atingir a</p><p>situação que ambos preferem. Aqui não se trata de verificar se existe</p><p>um conflito de objetivos mac sim a existência de um conhecimento</p><p>imperfeito.</p><p>As organizações administrativas são sistemas de comportamento</p><p>cooperativo,6 onde se espera que os seus membros orientem seu</p><p>comportamento de acordo com certos fins que são considerados</p><p>como objetivos da organização. Isso gera o problema de coordenação</p><p>de seus comportamentos, isto é, de dar conhecimento a cada um</p><p>do comportamento dos outros de modo a que sirvam de base para</p><p>6 No capítulo 6 estudaremos por que e até que ponto os participantes dessas organizações</p><p>compartilham de um objetivo comum.</p><p>O papel da racionalidade no com p o rta m en to a d m in is tra tivo 75</p><p>suas próprias decisões. Nos sistemas cooperativos, mesmo quando</p><p>todos os participantes estão de acordo com os objetivos a alcançar</p><p>não se pode deixar, geralmente, sob inteira responsabilidade deles</p><p>a seleção das estratégias que levarão a esses objetivos, porque a</p><p>seleção de uma estratégia correta pressupõe o conhecimento de</p><p>cada uma das estratégias selecionadas pelos outros.7</p><p>4 . 3 . Valor e possibilidade</p><p>Só resta agora examinar o terceiro elemento na tomada de decisões,</p><p>isto é, o processo de determinar a preferência entre as consequên</p><p>cias. Esse processo se denomina avaliação. A cada estratégia corres</p><p>ponde um grupo especial de consequências. O comportamento racio</p><p>nal envolve a enumeração dessas consequências em ordem de pre</p><p>ferência e a escolha da estratégia que corresponde à alternativa co</p><p>locada em primeiro lugar na lista.</p><p>O S IS T E M A D E V A L O B E S : O C R IT É R IO D A U T IL ID A D E</p><p>Considerando que os valores presentes nas várias alternativas são</p><p>ao mesmo tempo numerosos e distintos, o indivíduo, ao estabelecer</p><p>suas preferências deve avaliá-los e escolher entre eles. Os economis</p><p>tas desenvolveram um esquema conceituai para descrever esse pro</p><p>cesso que se assemelha muito ao esquema aqui empregado.</p><p>As escolhas que o indivíduo realiza dentre valores concorrentes</p><p>podem ser descritas por meio de uma série de curvas de indiferença.</p><p>Tais curvas indicam que grupos de possíveis consequências se equi</p><p>valem ou que são mutuamente indiferentes para a escolha. Para</p><p>usar como ilustração os artigos favoritos dos economistas — maçãs</p><p>e castanhas — as curvas de indiferença nos dizem, por exemplo, se</p><p>o indivíduo prefere combinar dez castanhas e cinco maçãs em lugar</p><p>de cinco castanhas e sete maçãs, se a primeira combinação é menos</p><p>desejável ou se o indivíduo é indiferente a ambas.</p><p>As limitações empíricas da escolha são introduzidas no esquema</p><p>do economista pela quantidade de artigos de que o indivíduo dispõe</p><p>7 E s ta é a p r in c ip a l c rític a q u e a te o ria a n a rq u is ta n ã o te m p o d id o re fu ta r. E s ta teo ria</p><p>pa rece a d m itir q u e , es tabelec idos os ob je tivos com uns, os p a r tic ip an te s d e u m esquem a</p><p>social selecionarfto au to m a ticam en te , sponte sua, seus p ap é is m ais eficazes.</p><p>76 H E R B E R T SIM O N</p><p>e pela estrutura dos preços. Presume-se que o indivíduo começa</p><p>com certo número de castanhas e maçãs, que pode trocar um artigo</p><p>por outro, de acordo com o valor de troca específico, e que ele</p><p>tenta, por conseguinte, selecionar aquela combinação de valores que</p><p>prefere mais.8</p><p>RELAÇÕES ENTRE VALOR, EXPERIÊNCIA E COM PORTAM ENTO</p><p>O significado da relação entre meios e fins torna-se, agora, mais</p><p>clara. É evidente que a distinção entre meios e fins não corresponde</p><p>à distinção entre fato e valor. Qual é, então, a ligação entre os dois</p><p>conjuntos de termos? Simplesmente esta: uma cadeia de meios e</p><p>fins constitui uma série de antecipações que estabelecem a conexão</p><p>de um valor com as situações que o realizam, e essas situações, por</p><p>seu turno, com os comportamentos que as provocam. Qualquer ele</p><p>mento desse encadeamento pode ser meio ou fim , dependendo de</p><p>sua conexão com a extremidade da cadeia correspondente a valores</p><p>ou com a extremidade correspondente ao comportamento.</p><p>Haverá uma predominância do caráter intermediário de um</p><p>elemento na cadeia de meios e fins sempre que o referido elemento</p><p>situar-se na extremidade correspondente ao comportamento; predomi</p><p>nará o caráter finalista sempre que se tratar de um elemento que</p><p>descreve as consequências de comportamento. Se isto for verdadeiro,</p><p>os termos que descrevem as consequências do comportamento po</p><p>dem ser tomados como índices dos valores inerentes a esse compor</p><p>tamento. Embora o economista fale dos bens económicos como va</p><p>lores que constituem a finalidade da atividade económica, na vida</p><p>real tais bens são simplesmente indicações da existência de um estado</p><p>de coisas gerador de valores: a possibilidade de consumir os bens.9</p><p>O ato psicológico de avaliar as alternativas consiste, geralmente,</p><p>em comparar essas alternativas de acordo com certos índices de</p><p>8 Schultz, Henry. The Theory and Measurement of Demand, Chicago, University of</p><p>Chicago Press, 1938, p. 12-35.</p><p>• Frank Knight considera uma das principais deficiências da economia clássica o náo</p><p>reconhecimento do ganho económico como um elo puramente intermediário no encadea</p><p>mento de meios e fins e que leva ao prestígio e ao conforto, falhando, outrossim, em</p><p>reconhecer como um objetivo aceito como um fim em si mesmo a própria atividade eco</p><p>nómica que leva ao ganho. Ver, a propósito, o seu livro Uncertainty, Risk and Profit,</p><p>Boston, Houghton Mifflin Company, 1921, p XII-XX.</p><p>O papel da racionalidade no comportamento administrativo 77</p><p>valor que estão normalmente associados com a realização dos pró</p><p>prios valores — a moeda pode tornar-se, por exemplo, um índice</p><p>dos valores que se podem obter com o dinheiro. Esses índices de va</p><p>lores envolvem um elemento factual importante, porque pressupõem</p><p>que uma alternativa caracterizada por um índice de valor elevado</p><p>fjossuirá um valor igualmente elevado. Por exemplo: se um estabe-</p><p>ecimento federal de crédito gasta apenas pequena percentagem de</p><p>seus fundos na administração de empréstimos, isto pode constituir</p><p>um índice de eficiência, pois, sendo iguais as demais coisas, é de</p><p>desejar-se que as despesas administrativas sejam baixas. Mas nesse</p><p>caso, cumpre advertir, desde logo, que a proporção das despesas</p><p>administrativas em relação às despesas totais não seria um bom índice</p><p>de valor, porque quando não existe prova definitiva de que a qua</p><p>lidade do serviço permaneceu inalterada é muito arriscado presumir</p><p>que todos os demais fatores continuam os mesmos quando os custos</p><p>administrativos são reduzidos.</p><p>Definida dessa maneira, a relação entre meios e fins não per</p><p>mite uma separação precisa entre valor e fato, pois o mesmo com</p><p>portamento pode exibir como consequências mais de um valor: pode</p><p>constituir o elo de mais de uma cadeia de meios e fins. Uma política</p><p>de assistência social, por exemplo, que tenha por objetivo reduzir</p><p>os orçamentos domésticos a um nível bem baixo, de modo a com</p><p>pelir os beneficiários a aceitarem empregos nas organizações priva</p><p>das, pode gerar em consequência elevado índice de subnutrição e</p><p>enfermidades nas famílias dos recipiendários da assistência. É impos</p><p>sível formular uma política aceitável, considerando simplesmente</p><p>uma dessas cadeias de meios e fins e ignorando a outra.</p><p>4 .4 . D efinições de racionalidade</p><p>O principal objetivo deste capítulo é preparar os fundamentos que</p><p>vão permitir explicar de maneira clara o conceito de racionalidade.</p><p>Clareza não significa necessariamente simplicidade. Falando ern ter</p><p>mos gerais, a racionalidade ocupa-se da seleção de alternativas de</p><p>comportamento preferidas de acordo com algum sistema de valores</p><p>que permite avaliar as consequências desse comportamento. Será que</p><p>isso quer</p><p>dizer que o processo de adaptação deve ser consciente,</p><p>ou será que existem também processos inconscientes envolvidos?</p><p>Já se demonstrou que grande parte dos estágios no processo de cria-</p><p>78 HERBERT SIMON</p><p>ção matemática — supondo-se que não haja nada mais representa</p><p>tivo da racionalidade — são subconscientes, o que pode ser imedia</p><p>tamente verificado no caso dos processos mais elementares de resol</p><p>ver equações.10 Ademais, se não se considera a consciência como</p><p>elemento de racionalidade, devem-se considerar somente processos</p><p>deliberados de adaptação, ou se devem admitir também os não deli</p><p>berados? A datilógrafa treina para acionar determinada tecla em res</p><p>posta ao estímulo de dada letra. Uma vez aprendido esse mecanismo,</p><p>o ato torna-se inconsciente embora volitivo. Por outro lado, qual</p><p>quer pessoa retira do fogo, instintivamente, o dedo que se queimou.</p><p>Essa ação é racional no sentido de que serve a uma finalidade útil,</p><p>mas não é, certamente, uma adaptação nem consciente nem deli</p><p>berada.</p><p>Devemos, então, chamar de racional um comportamento errado</p><p>somente porque a informação em que se baseia é deficiente? Quando</p><p>se procura fazer avaliação subjetiva, considera-se perfeitamente ra</p><p>cional para o indivíduo tratar-se de uma enfermidade desde que</p><p>acredite que os remédios receitados o curarão. Quando se faz ava</p><p>liação objetiva, porém, o comportamento será considerado racional</p><p>somente quando o remédio for realmente eficaz.</p><p>Finalmente, de acordo com que objetivos e valores devemos</p><p>julgar a racionalidade? O comportamento do indivíduo numa orga</p><p>nização é racional quando serve aos seus objetivos pessoais, ou quan</p><p>do serve aos objetivos da organização? Dois soldados estão escondi</p><p>dos numa trincheira defronte a um ninho de metralhadoras. Um de</p><p>les permanece oculto, o outro, com o sacrifício de sua vida, destrói</p><p>o ninho de metralhadoras com uma granada. Qual deles se conduz</p><p>de maneira racional?</p><p>Talvez a única maneira de evitar essas complexidades, ou torná-</p><p>las mais claras, seja empregar o vocábulo racional juntamente com os</p><p>advérbios apropriados. Dessa maneira, uma decisão pode ser cha</p><p>mada objetivamente racionai se representa de fato o comportamento</p><p>correto para maximizar certos valores numa dada situação. É subje</p><p>tivamente racional se maximiza a realização com referência ao co</p><p>nhecimento real do assunto. É conscientemente racional na medida</p><p>em que o ajustamento dos meios aos fins visados constitui um pro</p><p>cesso consciente. É deliberadamente racional na medida em que a</p><p>10 Ver Hada.mard, Jacques. E ssay on th e P sycho logy o f In v e n tio n in th e M a th em a tica l</p><p>F ie ld , Princeton, Princeton University Press, 1945.</p><p>O pa p e l d a raciona lidade no com portam en to ad m in is tra tivo 79</p><p>adequação dos meios aos fins tenha sido deliberadamente provocada</p><p>(pelo indivíduo ou pela organização). Uma decisão é organizativa-</p><p>mente racional se for orientada no sentido dos objetivos da organi</p><p>zação; é pessoalmente racional se visar aos objetivos do indivíduo.</p><p>A partir desse ponto, o vocábulo racional será sempre qualificado</p><p>por esses advérbios, a menos que o sentido seja facilmente deduzido</p><p>do contexto.</p><p>4 .5 . Conclusão</p><p>Este capítulo tem por finalidade explorar a anatomia das decisões</p><p>com vistas ao estabelecimento de uma terminologia e de um esquema</p><p>de análise que permita uma investigação objetiva da decisão admi</p><p>nistrativa. Com esse propósito, examinamos o ambiente objetivo que</p><p>cerca a escolha e o descrevemos como uma série de comportamentos</p><p>alternativos, cada um dos quais leva a consequências distintas que</p><p>podem ser previstas.</p><p>O conhecimento constitui o meio de descobrir qual entre todas</p><p>as possíveis consequências de um comportamento realmente ocorrerá.</p><p>O fim último do conhecimento, na medida em que fizer parte do</p><p>processo de seleção, é descobrir uma possibilidade única e original</p><p>que corresponda a cada alternativa de comportamento, ainda que</p><p>na prática esse objetivo seja alcançado apenas de maneira imperfeita.</p><p>Desse modo, consideramos o conhecimento das consequências</p><p>do comportamento como fator de influenciação de primeira ordem</p><p>no processo de escolha. A segunda influência refere-se às ou reside</p><p>nas preferências do indivíduo por um determinado grupo de conse</p><p>quências, em detrimento de outro. O problema da seleção consiste,</p><p>portanto, em descrever consequências, avaliá-las, e vinculá-las a</p><p>comportamentos alternativos.</p><p>Já vimos que meios e fins não correspondem exatamente a fatos</p><p>e valores, respectivamente, embora exista uma certa relação entre</p><p>os dois grupos de termos. Definimos a cadeia de meios e fins como</p><p>uma série de elementos relacionados de maneira causal, que vão</p><p>desde os comportamentos dos valores que os influenciam. Os fins</p><p>intermediários de tal encadeamento servem como índices de valor,</p><p>e baseados nesses podemos avaliar as alternativas sem investigação</p><p>completa dos fins últimos, ou dos valores, a êles inerentes.</p><p>80 HERBERT SIMON</p><p>A idéia das alternativas contribui consideravelmente para a</p><p>compreensão dos padrões de comportamento interpessoal. A relação</p><p>entre os valores dos indivíduos que interagem com as consequências</p><p>de seu comportamento conjunto determina se o sistema de comporta</p><p>mento resultante será competitivo ou cooperativo. Conforme já foi</p><p>explicado, a instabilidade no sistema de comportamento pode ocorrer</p><p>sempre que o sistema é competitivo ou quando cada um dos parti</p><p>cipantes do sistema se equivoca na previsão do comportamento dos</p><p>demais.</p><p>Finalmente, demos algumas definições para distinguir os vários</p><p>conceitos de racionalidade: o objetivo, o subjetivo, o consciente, o</p><p>deliberado, o organizativo e o pessoal.</p><p>Este capítulo tocou apenas de leve nos aspectos psicológicos da</p><p>escolha. No próximo capítulo faremos uma tentativa de comparar</p><p>os elementos lógicos e os elementos psicológicos no processo de es</p><p>colha. Em capítulos subsequentes aplicaremos as ferramentas analí</p><p>ticas desenvolvidas neste e no capítulo imediato para estudar alguns</p><p>conceitos que são fundamentais para a decisão administrativa: a au</p><p>toridade, a eficiência, a identificação, a influenciação e a comuni</p><p>cação.</p><p>O papel da raciona lidade no com portam en to a d m in is tra tivo 81</p><p>5. A psicologia das decisões</p><p>administrativas</p><p>O assunto do presente capítulo pode ser exposto de maneira simples.</p><p>O comportamento de um único indivíduo, em condições de isola</p><p>mento, jamais pode apresentar um grau elevado de racionalidade.</p><p>O número de alternativas que esse indivíduo deve tomar em consi</p><p>deração e a informação de que necessitaria para avaliá-las é tão</p><p>vasta que é difícil admitir qualquer aproximação da racionalidade</p><p>objetiva. A escolha individual ocorre num ambiente de pressupostos</p><p>— premissas que são aceitas pelo indivíduo como bases para sua</p><p>escolha — e o comportamento é flexível apenas dentro dos limites</p><p>fixados por esses pressupostos.</p><p>Se o ambiente psicológico da escolha — os pressupostos — fosse</p><p>determinado de maneira acidental, o comportamento do adulto mos</p><p>traria um pouco mais de continuidade ou integração do que o com</p><p>portamento das crianças. Não obstante, pode-se alcançar um grau</p><p>mais elevado de integração e racionalidade, porque o próprio meio</p><p>ambiente da escolha pode ser deliberadamente escolhido e modifi</p><p>cado. Isso é, em parte, um problema individual: o indivíduo coloca-</p><p>se numa situação onde certos estímulos e certas classes de informa</p><p>ções terão influência sobre ele. Por outro lado, porém, isso constitui</p><p>um assunto da maior importância para a organização. Uma das fun</p><p>ções da organização consiste em situar seus membros num ambiente</p><p>psicológico que condicione suas decisões aos objetivos da organiza</p><p>ção, e lhes proporcione as informações necessárias para tomar corre</p><p>tamente essas decisões.</p><p>s</p><p>O material deste capítulo será apresentado em três partes. Na</p><p>primeira, serão apresentadas, com detalhes, as razões pelas quais o</p><p>comportamento do indivíduo jamais atinge a racionalidade ideal.</p><p>82 HERBERT SIMON</p><p>A segunda parte examinará de que maneira se forma, na reali</p><p>dade, o meio ambiente psicológico da escolha. Mostraremos, a esse</p><p>respeito, como esse ambiente se constitui no elemento unificador que</p><p>converte uma sequência completa de escolhas momentâneas num</p><p>sistema coerente.</p><p>Na parte final, estudaremos o papel da organização no estabe</p><p>lecimento da ambiência psicológica da escolha. Veremos como a</p><p>organização seleciona os objetivos do indivíduo, de que maneira o</p><p>treina para dotá-lo de certas habilidades, e de que maneira lhe for</p><p>nece informações. No decurso dessa análise começaremos a ver que</p><p>a organização permite ao indivíduo aproximar-se de maneira razoá</p><p>vel da racionalidade objetiva.1</p><p>5 .1 . Os limites da racionalidade</p><p>A racionalidade objetiva, conforme foi definida no capítulo anterior,</p><p>sugere que o indivíduo atuante ajusta seu comportamento a um sis</p><p>tema integrado por meio: a) da visão panorâmica das alternativas</p><p>de comportamento, antes da tomada de decisão; b) da consideração</p><p>de todo o complexo de consequências que advirão de cada escolha,</p><p>e c) da escolha, tomando o sistema de valores como critério, de</p><p>uma alternativa entre todas aquelas disponíveis.</p><p>O comportamento real, mesmo quando seja ordinariamente encarado</p><p>como racional, possui muitos elementos de incongruência que jamais</p><p>ocorrem na forma ideal acima descrita. Se estudamos o comporta-</p><p>O capítulo inteiro se apóia, substancialmente, na busca de suas premissas, na Psicologia.</p><p>Dificuldade fundamental que tem de ser enfrentada por qualquer cientista social que</p><p>deseje usar os resultados da pesquisa psicológica, ao tratar desse tema, decorre do fato</p><p>de que os próprios psicólogos estão divididos em escolas .opostas. Felizmente, a maior</p><p>parte dos tópicos psicológicos, relevantes para o presente trabalho, não é objeto de con</p><p>trovérsias entre essas escolas. A análise de Tolman, sobre P urposive B ehav io r in A n im a is</p><p>a n d M en , Nova Iorque, D. Appleton-Century Co., 1932, contribuiu, talvez, mais do que</p><p>qualquer outro trabalho, para a terminologia e opiniões deste capítulo, porque é uma</p><p>das poucas teorias psicológicas orientadas pelos conceitos de escolha e finalidade. Para</p><p>uma revisão de tópicos psicológicos tradicionais, como háb ito , a tenção , e outros, uma</p><p>análise suficiente para os propósitos deste estudo pode ser encontrada em inúmeros livros</p><p>didáticos. Na realidade, a maior parte das referências usadas aqui foram extraídas do</p><p>livro de James, William. T h e P rincip ies o f P sycho logy, Nova Iorque, Henry Holt & Co.,</p><p>1925, e de Dewey, John. H u m a n N a tu re a n d C o n d u c t, Nova Iorque, Modem Library,</p><p>1930.</p><p>A psicologia das decisões ad m in is tra tiva s 8.3</p><p>mento ao longo de um período de tempo, aquele toma a forma de</p><p>um mosaico. Cada peça do modelo se integra nas demais, graças à</p><p>orientação proporcionada por um objetivo comum; esses propósitos,</p><p>todavia, mudam periodicamente com as variações do conhecimento</p><p>e da atenção, e se mantêm unidos, até certo ponto, por um critério</p><p>global de escolha. Pode-se dizer, aliás, que o comportamento revela</p><p>segmentos de racionalidade; que o comportamento exibe uma orga</p><p>nização racional dentro de cada segmento; mas que tais segmentos</p><p>não possuem conexões muito fortes entre si.</p><p>O comportamento real não alcança racionalidade objetiva, con</p><p>forme foi definida no capítulo anterior, pelo menos em três aspectos</p><p>diferentes:</p><p>a) A racionalidade requer um conhecimento completo e antecipado</p><p>das consequências resultantes de cada opção. Na prática, porém, o</p><p>conhecimento dessas consequências é sempre fragmentário.</p><p>b) Considerando que essas consequências pertencem ao futuro, a</p><p>imaginação deve suprir a falta de experiência em atribuir-lhes va</p><p>lores, embora estes só possam ser antecipados de maneira imperfeita.</p><p>c) A racionalidade pressupõe uma opção entre todos os possíveis</p><p>comportamentos alternativos. No comportamento real, porém, ape</p><p>nas uma fração de todas estas possíveis alternativas é levada em</p><p>consideração.</p><p>A I M P E R F E IÇ Ã O D O C O N H E C IM E N T O</p><p>A primeira limitação da racionalidade no comportamento real foi</p><p>mencionada no capítulo 4 .- A racionalidade requer um conhecimen</p><p>to completo, e inalcançável, das consequências exatas de cada esco</p><p>lha. Na realidade, o ser humano possui apenas um conhecimento</p><p>fragmentado das condições que cercam sua ação, e ligeira percepção</p><p>das regularidades dos fenômenos e das leis que lhe permitiriam gerar</p><p>futuras consequências com base no conhecimento das circunstâncias</p><p>atuais.</p><p>A fim de aplicar, por exemplo, com pleno êxito os recursos</p><p>existentes para resolver o problema de proteção contra incêndios de</p><p>certa cidade, os membros do corpo de bombeiros necessitariam saber</p><p>a Veja-se: p. 71-73, supra .</p><p>84 HERBERT SIMON</p><p>com detalhes as probabilidades de ocorrência de incêndios em cada</p><p>parte da cidade — em cada edifício, para sermos mais precisos —</p><p>e o efeito exato que teriam sobre os prejuízos causados pelo fogo</p><p>determinadas mudanças no processo administrativo, ou na redistri-</p><p>buição das equipes de combate a incêndios.</p><p>O simples fato de apresentar o problema dessa maneira reforça</p><p>o argumento de que a racionalidade completa é limitada pela au</p><p>sência de conhecimento. Se cada incêndio fosse comunicado ao ór</p><p>gão encarregado de combatê-lo no momento que irrompesse, os pre</p><p>juízos diminuiriam quase que por milagre. Sem dispor de tal onis-</p><p>ciência, contudo, o corpo de bombeiros tem que devotar esforços</p><p>consideráveis no sentido de obter, tão depressa quanto possível, por</p><p>meio de sistemas especiais de alarme contra incêndios e de outros</p><p>meios, informações relativas às situações em que se requer sua ação.3</p><p>Tratamos desse ponto com um pouco mais de detalhe, a fim</p><p>de ressaltar que representa um problema extremamente prático de</p><p>administração: o de organizar o processo decisório de maneira a que</p><p>forneça os conhecimentos adequados nos pontos em que se toma</p><p>a decisão. O mesmo problema poderia ter sido ilustrado com refe</p><p>rência a organizações comerciais, vendo, por exemplo, de que ma</p><p>neira as suas decisões dependem da predição correta dos preços de</p><p>mercado.</p><p>Sequiosos por alcançar a racionalidade e restringidos pelo limite</p><p>de seus conhecimentos, os seres humanos desenvolveram alguns pro</p><p>cessos de trabalho que superam, parcialmente, essa dificuldade. Esses</p><p>processos baseiam-se no pressuposto de que é possível isolar da</p><p>realidade um problema, que contenha apenas número limitado de</p><p>variáveis e uma série limitada de consequências.</p><p>Existe a anedota do estatístico que encontrou uma alta corre</p><p>lação entre o número de solteironas e o volume da colheita de cravo,</p><p>em vários condados ingleses. Depois de muito meditar sobre tal re</p><p>lação, descobriu uma pista para o que parecia ser, no seu entender,</p><p>um encadeamento causal. As solteironas, ao que tudo indicava, cria</p><p>vam gatos, que por sua vez comiam ratos. Os ratos do campo eram</p><p>inimigos dos besouros, que, por seu turno, eram os principais agen-</p><p>3 Com respeito a considerações semelhantes, na área das táticas militares, ver U n ited</p><p>S ta te s A r m y F ie ld Serv ice R e g u la tio n s , 1 9 2 3 , Washington, Government Printing Office,</p><p>1924, p. 4 .</p><p>A psicologia d a s decisões a d m in is tra tiva s 85</p><p>tes de polinização das flores do cravo. Sua conclusão foi, é fácil de</p><p>duzir, que o Parlamento Britânico jamais deveria legislar a respeito</p><p>de incentivos económicos para incrementar matrimónios, sem pri</p><p>meiro levar em consideração os possíveis efeitos da diminuição da</p><p>população de solteironas, sobre a colheita de cravos.</p><p>Na prática, porém, esses raciocínios tortuosos devem ser neces</p><p>sariamente ignorados na tomada de decisões.4 Somente aqueles fa</p><p>tores que estão estreitamente ligados, causal e temporalmente, com</p><p>a decisão, podem ser levados em consideração. O problema de des</p><p>cobrir que fatores são importantes, e que fatores não o são, numa</p><p>dada situação, é tão essencial para a escolha acertada como o co</p><p>nhecimento das leis</p><p>empíricas que governam os fatores que são</p><p>finalmente designados como fundamentais.</p><p>A exeqiiibilidade da escolha racional dependerá da medida em</p><p>que o grupo limitado de fatores, em que se baseia a decisão, corres</p><p>ponda, por sua natureza, a um sistema fechado de variáveis, isto é,</p><p>na medida em que não houver efeitos indiretos importantes. Somente</p><p>nos casos de decisões de extrema importância, é possível utilizar</p><p>recursos suficientes para tornar mais clara uma sequência de efeitos</p><p>muito complicados. A utilização, por exemplo, de uma grande quan</p><p>tidade de recursos para uma pesquisa destinada a estudar os efeitos</p><p>indiretos da política fiscal do governo sobre o nível da oferta de</p><p>empregos na economia, seria, se atingisse esse fim, bem feita. Por</p><p>outro lado, um médico, ao tratar de um indivíduo, jamais cogita da</p><p>diferença que a morte ou o restabelecimento de seu paciente fará</p><p>para a comunidade.</p><p>DIFICULDADES DA ANTECIPAÇÃO</p><p>Constitui lugar comum na experiência de todos o fato de que um</p><p>prazer esperado pode diferir grandemente do prazer alcançado. A</p><p>experiência efetiva pode ser consideravelmente mais, ou considera</p><p>velmente menos, desejável do que o que foi antecipado.</p><p>Isso não decorre, simplesmente, da impossibilidade de deter</p><p>minar as consequências antecipadamente. Mesmo no caso em que as</p><p>consequências de uma escolha forem descritas de forma completa,</p><p>Veja-se também: Dewey, T h e P ub lic a n d I ts Problem e, Nova Iorque, Henry Holt &</p><p>Co„ 1927, p. 106-107.</p><p>86 HERI3ERT SIMON</p><p>a sua antecipação dificilmente pode produzir o mesmo impacto sobre</p><p>as emoções que a sua experiência. Uma das razões disto provém</p><p>do fato de que a mente humana não pode em nenhum momento</p><p>compreender as consequências na sua totalidade. Ao invés disso, a</p><p>atenção muda de um valor para outro, mudando, conseqúentemente,</p><p>as preferências.</p><p>A avaliação é, por conseguinte, limitada na sua exatidão e con</p><p>sistência pelo poder do indivíduo de acompanhar os vários elementos</p><p>de valor, na consequência imaginada, e dar-lhes antecipadamente a</p><p>mesma importância que terão, para ele, na prática.</p><p>Essa constitui, provavelmente, importante influência no compor</p><p>tamento arriscado. Quanto mais visíveis forem as consequências que</p><p>advirão de um fracasso num lance arriscado, quer por experiências</p><p>passadas, ou por quaisquer outras razões, a hipótese de risco parece</p><p>que se torna menos desejável. Isto decorre muito menos do fato de</p><p>que a experiência do fracasso nos leve a considerar a mais provável</p><p>ocorrência dessa perda, do que do fato de que o desejo de evitar</p><p>as consequências da perda foi intensificado.</p><p>A ÁREA DAS POSSIBILIDADES DE COM PORTAM ENTO</p><p>A imaginação não é tampouco suficiente para indicar todos os tipos</p><p>possíveis de comportamento que o indivíduo pode utilizar. O núme</p><p>ro de coisas que uma pessoa, restringida apenas por suas limitações</p><p>físicas e biológicas, poderia fazer num período de tempo tão breve</p><p>como um minuto, é inimaginável. Possui duas pernas, dois braços,</p><p>uma cabeça, dois olhos, um pescoço, um tronco, dez dedos nas mãos,</p><p>dez dedos nos pés e diversos grupos de músculos voluntários que</p><p>os governam. Cada uma dessas partes é capaz de movimentos com</p><p>plexos, isoladamente, ou em conjunto.</p><p>Dentre todos esses movimentos, apenas alguns nos vêm a mente</p><p>em algum momento, como alternativas de comportamento. Conside</p><p>rando que cada alternativa apresenta consequências distintas, deduz-</p><p>se que inúmeros grupos de possíveis consequências jamais atingem</p><p>o estágio da avaliação, já que não são reconhecidos como possíveis</p><p>consequências das alternativas disponíveis de comportamento.</p><p>Relativamente falando, os seres humanos exploram muito mais</p><p>através da ação planejada, sua capacidade fisiológica de movimento,</p><p>A psicologia d a s decisões ad m in is tra tiva s 87</p><p>do que outros animais. O comportamento intrumental relativamente</p><p>simples de que são capazes alguns macacos 3 de grande porte é muito</p><p>elementar, se julgado pelos padrões humanos.</p><p>Em algumas áreas, encontramos meios muito engenhosos de</p><p>explorar as possibilidades de comportamento. Em fonética, por</p><p>exemplo, foram criados sistemas complexos destinados a observar e</p><p>corrigir os movimento dos lábios e da língua. Estudos de tempos e</p><p>movimentos foram feitos com o intuito de observar, nos mínimos</p><p>detalhes, os movimentos das mãos do operário no processo industrial,</p><p>com o fito de melhorá-los, tomá-los mais fáceis por meio de uma</p><p>revisão desse processo. Nessa mesma categoria poderia ser incluído,</p><p>aliás, tudo que se relaciona com a invenção de instrumentos e o trei</p><p>namento de aptidões. Ambos envolvem observação detalhada dos</p><p>processos de comportamento, e, conseqiientemente, aplicação das</p><p>alternativas disponíveis para a escolha.</p><p>5 .2 . O comportamento planejado do indivíduo</p><p>Essas observações pertinentes às discrepâncias entre o comporta</p><p>mento e a regra de racionalidade servem para indicar, desde logo,</p><p>algumas das características do processo psicológico da escolha. Tor</p><p>na-se oportuno, portanto, examinar de maneira mais sistemática essas</p><p>características.</p><p>DOCILIDADE</p><p>Conforme foi mencionado no capítulo 4, o mais simples dos movi</p><p>mentos, tal como dar um passo, fixar os olhos em algum objeto, é,</p><p>por natureza, planejado e se desenvolve de maneira gradual na</p><p>criança, a partir dos seus movimentos desconexos esporádicos. Para</p><p>alcançar a integração de movimento, o ser humano vale-se da doci</p><p>lidade, isto é, observa as consequências desses movimentos e os ajusta</p><p>de modo a alcançar o propósito desejado.8</p><p>5 Ver Tolman, op. c it., p. 219-226, e as obras aí mencionadas.</p><p>8 A palavra d o c ilid a d e é utilizada aqui no sentido que o dicionário consigna, isto é,</p><p>"aptidão para aprender” . Uma vez que a palavra não dispõe de um bom sinónimo, é</p><p>uma pena que na linguagem comum ela tenha tomado o sentido de afabilidade, submissão</p><p>ou brandura. Tolman, cuja orientação é seguida de perto nesta discussão, define a doci</p><p>lidade como "aquela característica do comportamento . . . que consiste no fato de que,</p><p>88 HERBERT SIMON</p><p>A docilidade se caracteriza, portanto, por uma fase de explo</p><p>ração e de pesquisa seguida de uma fase de adaptação. Esse fato</p><p>pode ser observado, aliás, tanto no comportamento dos indivíduos,</p><p>como das organizações. Um homem que está aprendendo a operar</p><p>um guindaste, começa por informar-se com quem sabe manejá-lo</p><p>eficientemente, de que maneira se pode controlá-lo, bem como as</p><p>funções dos seus vários instrumentos e alavancas. A seguir, completa</p><p>suas informações experimentando o guindaste, aprendendo gradual</p><p>mente, na prática, que reações pode esperar do equipamento quando</p><p>acionado de determinada maneira. Ao alcançar essa etapa, já está</p><p>apto a usar o guindaste para realizar seus propósitos, adaptando o</p><p>manejo aos fins visados.</p><p>De maneira parecida, uma nova editora tem que aprender,</p><p>por experiência própria ou valendo-se da experiência de outras fir</p><p>mas, quantas cópias de determinada obra possivelmente serão ven</p><p>didas, e que tipo de anúncio dá melhores resultados para sua venda.</p><p>Uma vez conhecidos os resultados que determinada técnica publici</p><p>tária produz, a organização pode então ajustar de maneira inteligente</p><p>suas técnicas aos objetivos específicos que está procurando atingir.</p><p>Esse último exemplo ilustra, também, o papel primordial que o juízo</p><p>e o cálculo desempenham, na maioria das situações práticas, no pro</p><p>cesso de adaptação.</p><p>CARACTERÍSTICAS DA DOCILIDADE HUM A N A</p><p>A docilidade constitui, sem dúvida, característica comum tanto ao</p><p>comportamento de animais superiores, como ao comportamento hu</p><p>mano. Existe, não obstante, grande número de importantes diferen</p><p>ças entre a docilidade dos animais e a dos homens. A aprendizagem</p><p>do animal caracteriza-se por tentativas de erro e acerto. Isto é, aque</p><p>le não aprende até que tenha tido a oportunidade de observar, atra</p><p>vés da experimentação real, as consequências de seu comportamento.</p><p>O poder dos seres humanos para observar regularidades nos fenô-</p><p>se um determinado comportamento,</p><p>num dado ambiente, se torna relativamente mal suce</p><p>dido, isto é, não alcança o tipo de objeto-meta procurado, ou chega a ele por um oaminho</p><p>relativamente longo, tenderá, nas ocasiões subsequentes, a dar lugar a um ato ou vários</p><p>atos que adaptem o organismo a esse tipo de objeto-meta e o levem a ele por um</p><p>caminho relativamente mais curto” (o p . c it., p. 442-443).</p><p>A psicologia das decisões adm in is tra tiva s 89</p><p>menos naturais de ordem geral, e para comunicar-se com outros in</p><p>divíduos, ajuda-o a reduzir materialmente este processo de apren</p><p>dizagem.</p><p>Em primeiro lugar, uma experiência prévia com outras escolhas</p><p>(da mesma natureza) pode permitir-lhes a inferência de algo sobre</p><p>o caráter de dada escolha com que se defronta. Do mesmo modo,</p><p>podem realizar experiências abstratas, ao invés de comportar-se de</p><p>maneira concreta: podem estabelecer mentalmente as consequências</p><p>de cada alternativa de comportamento e selecionar uma delas, sem</p><p>terem que experimentá-las na prática. Um engenheiro, por exemplo,</p><p>pode imaginar mentalmente, ou no papel, vários projetos para uma</p><p>rede de esgotos e é capaz de avaliar corretamente o funcionamento</p><p>de cada um deles, sem testá-los na prática.7</p><p>Em segundo lugar, a faculdade da comunicação dá aos seres</p><p>humanos uma vantagem substancial sobre os animais, no que tange</p><p>à aprendizagem. O engenheiro que projeta uma calçada não apóia</p><p>sua proposta inteiramente na experimentação, ideativa ou real, mas</p><p>se utiliza de fontes de referência e relatórios das conclusões alcan</p><p>çadas por outras pessoas, com base em pesquisas e experiências de</p><p>moradas nesse campo, embora possa selecionar e modificar essa ex</p><p>periência acumulada, de acordo com seu próprio sucesso ou fracasso.</p><p>Ademais, em certas circunstâncias, a aprendizagem depende intei</p><p>ramente da comunicação, e nem mesmo o teste subsequente de sucesso</p><p>ou fracasso pode ser feito pelo indivíduo. Isso ocorre certamente</p><p>com muitas profissões. No campo da medicina, por exemplo, o mé</p><p>dico, raras vezes, é capaz de determinar, com base no que acontece</p><p>ao seu reduzido grupo de pacientes, a eficácia de determinados tipos</p><p>de tratamento, sobretudo no caso de doenças por ele raramente tra</p><p>tadas. Nesse caso, deve prescrever o tratamento valendo-se de dou</p><p>trinas desenvolvidas por médicos pesquisadores, que dispõem de</p><p>instalações especiais para a realização de pesquisas, sob condições</p><p>rigorosamente controladas. A função da pesquisa, particularmente</p><p>a de natureza experimental, consiste em adaptar o comportamento</p><p>ao propósito em vista, sempre que as consequências de comporta-</p><p>7 Na realidade, a diferença entre os homens e animais nesse particular é, provavelmente,</p><p>de grau e não de natureza. Tolman, por exemplo, demonstra que o rato possui uma</p><p>capacidade considerável para a generalização. ( ib id ., p. 187-190).</p><p>90 HERBERT SIMO^T</p><p>mento não forem fáceis de avaliar fora das condições controladas do</p><p>laboratório.</p><p>A possibilidade do comportamento planejado emana, por conse</p><p>guinte, da identificação das consequências que se sucedem a deter</p><p>minados comportamentos. A vantagem desfrutada pelo ser humano</p><p>consiste no fato de que não tem que determinar, separadamente,</p><p>essas consequências em cada uma das decisões com que se defronta.</p><p>Por meio do método experimental, pela transmissão de conhecimen</p><p>tos, pela previsão teórica das consequências, pode-se fazer com que</p><p>uma experiência relativamente pequena sirva de base para uma am</p><p>pla variedade de decisões. Com isso se obtém economia considerável</p><p>de esforço mental e de observação.</p><p>A M EM Ó RIA</p><p>O papel da memória no comportamento racional dispensa maiores</p><p>explicações. Toda vez que problema semelhante se repete, cabe à</p><p>memória reter a informação obtida, e até mesmo as conclusões a</p><p>que se chegou na solução do primeiro problema, pondo-as à dispo</p><p>sição do indivíduo, sem nova investigação, assim que o próximo pro</p><p>blema da mesma natureza ocorrer.</p><p>Conforme tem sido muitas vezes mencionado, a memória pode</p><p>ser natural, ou artificial; isto é, a informação pode ser guardada</p><p>tanto na memória, propriamente dita, como pode ser registrada por</p><p>escrito, de maneira a tornar-se facilmente acessível. A memória arti</p><p>ficial, que abrange bibliotecas, arquivos e registros, constitui o tipo</p><p>de memória mais importante nas organizações.</p><p>A fim de que qualquer tipo de memória, natural ou artificial,</p><p>possa ser usada, é preciso que haja mecanismos que permitam sua</p><p>utilização quando for necessária. Uma carta fora do lugar nos ar</p><p>quivos e a cifra esquecida na memória são inúteis, a menos que</p><p>possam ser localizadas. Por esse motivo a racionalidade humana de</p><p>pende consideravelmente de métodos psicológicos e associativos, bem</p><p>como de índices artificiais, capazes de tornar o material memorizado</p><p>acessível sempre que for necessário para a tomada de decisões.</p><p>A psicologia das decisões a d m in is tra tiva s 91</p><p>O HÁBITO</p><p>Outro mecanismo importante, que ajuda a conservar os comporta</p><p>mentos úteis, é o hábito ,8 pois permite a conservação do esforço</p><p>mental, pela eliminação da área do pensamento consciente daqueles</p><p>aspectos da situação que são, por sua natureza, repetitivos.</p><p>Ao aprender datilografia, o indivíduo procura prestar muita</p><p>atenção aos mínimos movimentos dos dedos, e à relação entre a</p><p>impressão no papel e a tecla na máquina. Somente através de tenta</p><p>tivas e do ajustamento gradual de seus movimentos, ele alcança a</p><p>coordenação indispensável entre a visão e a mão. No momento em</p><p>que houver alcançado, por meio da prática, certo nível de destreza,</p><p>já não será necessário prestar atenção às integrações do comporta</p><p>mento em nível tão elementar. O simples desejo de ver a ação con</p><p>cretizar-se por meio da impressão da letra provoca o ato indepen</p><p>dentemente da vontade. Ao atingir-se esse estágio, o hábito ou a</p><p>habilidade se encarregam da integração que foi alcançada primeira</p><p>mente pela atenção e pelo desejo de aprender.</p><p>O hábito desempenha uma função imprescindível no compor</p><p>tamento planejado, pois permite que se faça frente a estímulos ou</p><p>situações similares, com respostas ou reações similares, sem que se</p><p>necessite voltar a pensar de maneira consciente na decisão capaz</p><p>de produzir a ação adequada. O hábito permite que a atenção seja</p><p>dedicada aos aspectos inéditos de uma situação que requer uma</p><p>decisão. Grande parte do treinamento dedicado à preparação de</p><p>uma equipe para um campeonato de futebol, uma tripulação, um</p><p>batalhão militar, ou uma companhia de bombeiros é dedicada ao</p><p>desenvolvimento de reações repetitivas que permitirão respostas ins</p><p>tantâneas a situações que mudam com rapidez.9</p><p>O hábito, assim como a memória, possui um equivalente artifi</p><p>cial na organização, e que foi denominado de rotina organizativa</p><p>por S t e n e . 10 Na medida em que os métodos de tratar os problemas</p><p>8 Dewey ( H u m a n N a tu re a n d C o n d u c t, p. 14-131, 172-181) foi um dos primeiros a</p><p>ressaltar o papel importante do hábito no comportamento social. James, no seu livro</p><p>P sycho logy, contribuiu com um capítulo clássico para a literatura psicológica sobre o</p><p>hábito (cap. IV ).</p><p>9 Dewey, John. T h e P ub lic a n d I ts P rob lem s, p. 159-161</p><p>10 Stene, Edwin. An Approach to a Science of Administration, A m e r ica n Politica l Sc ience</p><p>R e v ie w , 34:1129 (Dez. de 1940)</p><p>92 H E R B E R T SIM O N</p><p>que se repetem passam a constituir assunto de rotina da organização,</p><p>incorporando-se, talvez, a manuais de serviço, eles deixam de ser</p><p>objetos de reconsideração quando esses assuntos surgem. É evidente,</p><p>nesse caso, a relação estreita entre o hábito e a memória, semelhante</p><p>à que ocorre no caso dos hábitos dos indivíduos. Se se necessitasse</p><p>de um critério formal, poder-se-ia dizer que determinado assunto</p><p>torna-se parte da rotina organizativa sempre que é solucionado com</p><p>base nas práticas aceitas e aprovadas e não pela consideração dos</p><p>méritos das suas alternativas.</p><p>O hábito não deve ser encarado como um elemento puramente</p><p>passivo do comportamento (tanto do indivíduo,</p><p>profunda para prever</p><p>que o gerente de vendas estaria mais preocupado com o desejo da</p><p>clientela de obter preços baixos, entregas rápidas e boa qualidade</p><p>do produto; que o planejador da produção desejaria dispor de dados</p><p>mais precisos a respeito das previsões de venda; o encarregado da</p><p>fabricação desejaria prazos mais longos e o engenheiro desenhista</p><p>de produtos reclamaria da inflexibilidade do pessoal de fabricação</p><p>em introduzir no desenho dos artigos os melhoramentos por ele pro</p><p>postos, e assim por diante.</p><p>Em virtude de não dar nomes nem feições aos meus atores,</p><p>a previsão a respeito dos comportamentos está muito mais relacio</p><p>nada com assuntos de organização do que de personalidade. Não</p><p>obstante, toda vez que repito esse drama, vários ouvintes do audi</p><p>tório perguntam-me se a conversa não foi baseada no conhecimento</p><p>íntimo da situação em suas respectivas companhias. Foi-me difícil</p><p>convencê-los de que eu não estava fazendo referências ao José, seu</p><p>gerente de vendas, e ao João, seu engenheiro.</p><p>COM O COMPREENDER A ORGANIZAÇÃO: O PA PEL DA AUTORIDADE</p><p>Se um administrador é capaz de imaginar que tais conversas pode</p><p>riam ter-se passado entre ele e seus colaboradores, estará no cami</p><p>nho certo da compreensão de como a posição do indivíduo na orga</p><p>nização condiciona suas crenças e atitudes. Assim procedendo, deu</p><p>o primeiro passo, também, no sentido de analisar de que maneira</p><p>as referidas crenças e atitudes poderiam ser modificadas pela altera</p><p>ção do fluxo de comunicações na organização. Isto feito, pode voltar</p><p>sua atenção para a autoridade que exerce e a dos que estão à sua</p><p>volta (capítulo 7)</p><p>Até onde posso confiar na autoridade que emprego para realizar</p><p>meu trabalho, e sob que circunstâncias especiais devo preocupar-me</p><p>com isso? Será que as pessoas fazem o que eu quero que façam</p><p>(ou melhor, o que necessita ser feito) somente porque tenho o</p><p>poder de promovê-las ou despedi-las? Até que ponto a atitude dos</p><p>meus subordinados reforça ou solapa a aceitação imediata da minha</p><p>autoridade? É a autoridade um instrumento de opressão, ou um</p><p>procedimento mais ou menos aceito por todos para a execução sis</p><p>temática de atividades?</p><p>XVI HERBERT SIMON</p><p>Se alguém considerar seriamente essas questões, e com o espírito</p><p>prevenido para evitar graves desenganos, terá fatalmente que levar</p><p>em consideração os demais motivos que conduzem o indivíduo a</p><p>aceitar ou rejeitar a autoridade, ou permanecer ou sair de uma</p><p>organização (capítulo 6). Isso, por seu turno, gera nova série de</p><p>interrogações tais como: que condições devemos criar e manter</p><p>nessa organização, a fim de que a autoridade se torne um dos ins</p><p>trumentos eficazes para a consecução de nossas atividades? Como</p><p>poderemos suplementar essas sanções óbvias que todo empregador</p><p>dispõe, com as sanções ainda mais poderosas da legitimidade e da</p><p>confiança?</p><p>ESTRUTURA ORCANIZATIVA: AS GRANDES DUVIDAS</p><p>Evitamos deliberadamente, até o momento tratar das grandes e mo</p><p>mentosas questões relativas à reorganização departamental. Devemos</p><p>centralizar ou descentralizar? Reforçar o pessoal de linha ou o pes</p><p>soal assessor? Organizar por produto ou por processo? Assim procedi,</p><p>porque esses problemas da mais alta importância são, no mais das</p><p>vezes, tratados de maneira inteiramente formal e impessoal, como</p><p>se nada tivessem que ver com o comportamento humano e com os</p><p>problemas diários do administrador.</p><p>O ponto de vista esposado neste livro é o de que o processo de</p><p>reorganização — recomposição de departamentos, ou outras medidas</p><p>— se é que possui qualquer utilidade, adquire importância pelo fato</p><p>de produzir um impacto que afeta o comportamento dos administra</p><p>dores, quer como indivíduos quer como membros de um grupo. Em</p><p>outras palavras, funciona através dos mecanismos que viemos conside</p><p>rando, ou seja, identificações e lealdades, autoridades e comunicações</p><p>(ver a propósito, a descrição introdutória dessas influências nas</p><p>páginas 11-16, e o sumário retrospectivo nas páginas 231-239). O</p><p>chefe que deseje compreender os pontos fundamentais de uma or</p><p>ganização vasta e complexa, lucrará muito se começar pela análise</p><p>da organização que o cerca. Após essa providência, disporá de algu</p><p>ma base para visualizar e prever os possíveis efeitos e consequên</p><p>cias de uma organização em larga escala sobre o comportamento</p><p>humano real. Só assim ele ficará, até certo ponto, imunizado contra</p><p>os tipos mais virulentos da graficomania e do dirigismo.</p><p>Introdução à 2." edição norte-americana XVIT</p><p>Exemplo n,° 1: Organização Contábil Para usar um exemplo</p><p>concreto, vejamos o caso da organização de contadorias nas grandes</p><p>empresas privadas. Neste particular, gostaria de descrever sucinta</p><p>mente de que maneira os métodos propostos neste livro foram apli</p><p>cados ao estudo do assunto em causa. 1</p><p>O problema, de primordial importância para os modernos con</p><p>tadores, pode ser assim enunciado: de que maneira deve-se organi</p><p>zar a contadoria de uma empresa, a fim de que as informações dela</p><p>provenientes possam ser de máxima utilidade para os administrado</p><p>res, quando tomam decisões e resolvem problemas?</p><p>A fim de responder a essa pergunta de maneira adequada foi</p><p>necessário determinar, em primeiro lugar, que tipos principais de</p><p>decisões são tomadas pelos administradores acima referidos, de que</p><p>maneira e em que ponto as informações da contabilidade poderiam</p><p>ser rnais úteis no processo decisório. Através da observação do pro</p><p>cesso decisório em situações concretas, vários tipos de dados neces</p><p>sários foram identificados em diferentes níveis da organização, ou</p><p>seja, na vice-presidência e no nível do gerente da fábrica. Por exem</p><p>plo, cada um envolvendo problema de comunicação distinto para a</p><p>contadoria.</p><p>Em decorrência da análise das necessidades de informações, e</p><p>dos pontos específicos onde se deveriam satisfazê-las, elaborou-se</p><p>um modelo de organização de contadoria, capaz de fornecer todos</p><p>os dados de que necessitassem os administradores. Propôs-se, por</p><p>exemplo, a inclusão, no departamento de fabricação, de um ou mais</p><p>analistas contábeis, altamente familiarizados com as operações cor</p><p>respondentes, para colaborar com os chefes dos vários departamen</p><p>tos na interpretação e identificação de custos, através do estudo dos</p><p>boletins mensais ou de outra duração. Lembrou-se, por outro lado,</p><p>a possível necessidade de ter-se nos escalões mais altos da organi</p><p>zação um reduzido número de grupos de analistas localizados estra</p><p>tegicamente e com a função precípua de realizar estudos especiais</p><p>ao invés de relatórios periódicos, analisando prováveis custos e pou</p><p>panças que poderiam advir de certas modificações nos métodos de</p><p>operações e no equipamento.</p><p>1 Esta discussão é baseada no relatório de um estudo realizado em cooperação com</p><p>G u e t z k o w , Harold; Ko z m e t s k y , George e T y n d a l l , Gordon: Centralization v. Decen-</p><p>trálization in Organizing the Controller's Department, Nova Iorque, Contrcllership</p><p>Foundation, Inc., 1954.</p><p>XVIII HERBERT SIMON</p><p>Essas explanações sucintas constituem apenas urna indicação da</p><p>análise mais completa dos problemas relativos à organização da con</p><p>tadoria que foi objeto desse estudo específico. Nosso interesse, neste</p><p>momento, fixa-se na compreensão das implicações do refeiido estudo</p><p>para a técnica de análise e reorganização administrativa. Nas suas</p><p>linhas gerais o trabalho pode ser assim resumido: o âmago do estudo</p><p>constituiu a análise da maneira pela qual as decisões eram realmen</p><p>te tomadas e a localização das funções decisórias mais importantes</p><p>da organização; b) o modelo de organização sugerido para a refe</p><p>rida contadoria foi preparado com base na sua função de informar</p><p>e influenciar as decisões do pessoal de linha, e c) recomendou-se</p><p>que as alterações a serem feitas na organização deveriam ser imple</p><p>mentadas por meio de modificações no sistema de comunicações</p><p>existentes, isto é, nas relações “quem fala com quem, com que fre</p><p>quência, sobre o que”, ao invés de mudanças formais no organo</p><p>grama.</p><p>Exemplo n.° 2: O</p><p>como da organiza</p><p>ção), pois uma vez formado, a simples presença do estimulo tende</p><p>a ativar o comportamento habitual, sem outro pensamento conscien</p><p>te. Nessas circunstâncias, pode ser necessária a atenção consciente</p><p>a fim de impedir que a reação ocorra, mesmo quando a mudança</p><p>nas condições tornaram-na inadequada. O motorista de um carro que</p><p>está habituado a usar os freios, quando em perigo, tem grande difi</p><p>culdade de abster-se dessa reação quando derrapa num pavimento</p><p>gelado. Esse é um ponto que tem grandes implicações para a orga</p><p>nização e deve, por conseguinte, ser amplamente considerado.</p><p>O PA PEL DOS ESTÍMULOS POSITIVOS</p><p>Se se quiser alcançar a racionalidade, toda escolha deve ser prece</p><p>dida de um período de hesitação, durante o qual devem ser objeto</p><p>da atenção as alternativas de comportamento, o conhecimento das</p><p>condições de ambiência e das consequências, assim como os valores</p><p>antecipados. Psicologicamente falando, tal hesitação assinala um</p><p>nível relativamente complicado de comportamento. Os sistemas de</p><p>comportamento de natureza mais simples podem ser descritos como</p><p>aquelas respostas aos estímulos que ocorrem, com pouca ou nenhu</p><p>ma hesitação, quando se apresenta o estímulo.</p><p>A distinção entre o sistema de comportamento do tipo estímulo-</p><p>resposta e o sistema de comportamento do tipo hesitação-escolha</p><p>fornece uma indicação quanto ao papel dos fatores racionais e não</p><p>racionais, no sistema de comportamento como um todo. Consideran</p><p>do as limitações da capacidade humana para atender aos requisitos</p><p>da racionalidade, que acabamos de indicar, a hesitação que precede</p><p>a opção pode em muitos casos ampliar-se, transformando-se em ina-</p><p>A psicologia, das decisões ad m in is tra tiva s 9 3</p><p>ção. O indivíduo, consciente de sua incapacidade para levar em</p><p>consideração todos os fatores relevantes à sua escolha, e desesperado</p><p>com a impossibilidade de alcançar a racionalidade, pode vacilar de</p><p>masiado entre as alternativas disponíveis a ponto de deixar escapar</p><p>o momento adequado para a ação. De fato, a escolha e a ação ge</p><p>ralmente ocorrem muito antes que se tenha prestado atenção até</p><p>mesmo àqueles elementos da situação que estão ao alcance do in</p><p>divíduo. Um estímulo, externo ou interno, focaliza a atenção sobre</p><p>determinados aspectos da situação, excluindo aqueles de natureza</p><p>concorrente e que podem desviar a escolha para outra direção. No</p><p>sistema nervoso central existem nervos condutores que permitem</p><p>que os impulsos sejam convertidos em ação, deixando inalterada</p><p>uma grande parte do referido sistema.</p><p>A atenção consciente não constitui elemento imprescindível</p><p>nesse processo. O grau de consciência envolvido nesse sistema de</p><p>alarma do comportamento, não é a causa da resposta; simplesmente</p><p>a. acompanha ou, como sói ocorrer em alguns casos, segue-se a ela.</p><p>Não obstante, considerando que estamos preocupados primeiramente</p><p>com os centros de decisão, e com as respostas a situações novas, po</p><p>demos considerar em primeiro lugar o papel da atenção no processo</p><p>seletivo, isto é, na canalização dos estímulos.</p><p>W i l l i a m J a m e s , c o m p le tam en te isen to d e p ru r id o s b eh av io r is -</p><p>tas, d e sc re veu a a te n ção da seg u in te m ane ira :</p><p>Todos sabem o que é atenção. Consiste na posse pela mente,</p><p>de maneira clara e vívida, de um dos diversos objetos ou série de</p><p>pensamentos que parecem simultaneamente possíveis. A focalização</p><p>e a concentração da consciência formam sua essência. Consiste na</p><p>eliminação de algumas coisas a fim de concentrar-se eficazmente em</p><p>outras, e é uma condição que se contrapõe ao estado de confusão,</p><p>indefinição, dispersão, chamado distraction, em francês, e Zerstreu-</p><p>theit, em alemão.11</p><p>T o l m a n p re fe r iu , com m u ita cau te la , e v ita r o v o c á b u lo e fa lo u ,</p><p>em co n tra p a rt id a , em “re sposta se le t iv a a e s t ím u lo s .” 12</p><p>A atenção refere-se, por conseguinte, ao conjunto de elementos</p><p>que entram no consciente a qualquer momento. É claro que a cons</p><p>ciência não constitui uma precondição necessária à docilidade e que</p><p>11 T h e Princip ies o f P sycho logy, 1:403-404.</p><p>O p. c it., p. 35-46.</p><p>9 4 H E R B E R T S I M O N</p><p>mesmo aqueles comportamentos que não são objeto da atenção são</p><p>capazes de ajustamento deliberado. Sem dúvida, nem o conhecimen</p><p>to nem a atenção se acham presentes nas respostas condicionadas,</p><p>de tipos mais simples, como no caso, por exemplo, do desenvolvimen</p><p>to de habilidades motoras. Na maioria dos casos, porém, parece</p><p>haver uma correlação entre as esferas da atenção e da racionalidade.</p><p>Em outras palavras, a docilidade é limitada em grande parte pelo:</p><p>a) alcance da atenção e b) pela área dentro da qual as habilidades</p><p>e outros comportamentos apropriados se tenham transformado em</p><p>hábito. É por essa razão que os limites impostos à racionalidade que</p><p>foram descritos anteriormente decorrem dos limites da área de</p><p>atenção.</p><p>Conforme já ressaltamos, no momento em que uma parte do</p><p>comportamento passa a ser governada pelo hábito, sai da área da</p><p>atenção consciente. Na consideração das alternativas de comporta</p><p>mento, por exemplo, a atenção não é normalmente dirigida para os</p><p>possíveis movimentos dos músculos considerados individualmente.</p><p>Ao invés disso, as alternativas de comportamento que são realmente</p><p>objeto da atenção constituem uma integração proveniente do hábito</p><p>de movimentos unitários, tais como: caminhar, escrever, falar, etc.,</p><p>e apenas em circunstâncias excepcionais existe uma tentativa cons</p><p>ciente de analisar tais integrações. Uma vez recebido o estímulo de-</p><p>sencadeador de tais movimentos, são eles executados sem necessi</p><p>dade de maiores considerações.</p><p>A mesma resposta, a certos estímulos, decorrente do hábito,</p><p>ocorre em níveis mais elevados de integração. A datilógrafa que re</p><p>cebe um texto para copiar a. máquina, o faz quase sem necessidade</p><p>de qualquer decisão consciente ou anterior. Para um operário na</p><p>linha de montagem, a presença, na esteira rolante que se encontra</p><p>à sua frente, de um produto parcialmente terminado representa o</p><p>único estímulo de que necessita para dar início a toda uma série</p><p>de movimentos precisos que representam sua contribuição à fabrica</p><p>ção do produto. O indivíduo sentado à mesa de refeições considera</p><p>a comida à sua frente o estímulo necessário para dar início ao com</p><p>plexo processo de comer, podendo continuá-lo sem atenção cons</p><p>ciente, ao mesmo tempo em que se dedica à conversa.</p><p>Disso se pode deduzir, ao que tudo indica, que no comporta</p><p>mento real, que se distingue do comportamento objetivamente ra</p><p>cional, a decisão é desencadeada pelos estímulos que canalizam a</p><p>A psico log ia das decisões ad m in is tra tiva s 95</p><p>atenção em direções definidas, e que a resposta aos estímulos é em</p><p>parte deliberada, embora provenha, na sua grande parte, do hábito.</p><p>A parte que provém do hábito não é, decerto, necessária ou geral</p><p>mente irracional, já que pode representar um ajustamento, ou adap</p><p>tação previamente condicionada do comportamento a seus fins.</p><p>Em posições de chefia, que se caracterizam pela grande ativi</p><p>dade que seus ocupantes têm de desempenhar, muitos estímulos para</p><p>a decisão são de procedência externa. Um caso difícil é enviado à</p><p>instância superior para revisão; um visitante ou um membro de</p><p>outra organização insiste em discutir o problema com o chefão. Inú</p><p>meras outras pessoas, problemas e coisas são levadas constantemente</p><p>ao seu conhecimento. Em qualquer posição dessa natureza, as ques</p><p>tões concretas que têm de ser decididas dependerão em grande parte</p><p>de que estímulo for por acaso apresentado.</p><p>Os estímulos determinam não só que decisões o administrador</p><p>tem mais probabilidades de tomar, como também exercem conside</p><p>rável influência sobre a conclusão a que chega. Explicação impor</p><p>tante para isso pode ser encontrada no fato de que o estímulo que</p><p>inicia a decisão dirige a atenção também para determinados aspectos</p><p>da situação, excluindo os demais. O comandante do corpo de bom</p><p>beiros imagina, por exemplo,</p><p>uma cidade onde os prejuízos causa</p><p>dos por incêndio são extremamente baixos, o que lhe parece ser</p><p>muito bom. Seus conhecimentos técnicos levam-no a considerar que</p><p>a obtenção desse estado de coisas desejável pode ser alcançado pela</p><p>compra de novo equipamento. De acordo com os requisitos da racio</p><p>nalidade, ele terá que considerar as outras finalidades em que se</p><p>poderiam gastar o dinheiro antes de decidir sobre a compra do equi</p><p>pamento, tais como: consertos das ruas, ampliação do hospital local,</p><p>e assim por diante.</p><p>Demonstraremos em capítulos subsequentes que essa descrição</p><p>não se distancia muito da realidade do comportamento administra</p><p>tivo.13</p><p>1S O leitor que estiver interessado em outros exemplos desse tipo de estímulo-resposta</p><p>encontrará coisas fascinantes em diferentes campos. Em primeiro lugar, pode consultar as</p><p>autobiografias e procurar ver como cada indivíduo escolhe sua profissão. As autobiografias</p><p>do Visconde H aldane e de W illiam Alanson W hite constituem bom exemplo disso:</p><p>Haldane, Richard Burdon. An A u to b io g ra p h y , Londres, Hodder Stoughton, 1931; e T h e</p><p>A u to h io g ra p h y o f a P tirpose, Garden City, Doubleday, Doran & Co., 1938. Prosseguindo,</p><p>90 HERBERT SIMON</p><p>Quase todos os seres humanos têm a impressão, de quando em</p><p>quando, de que existem muito mais coisas que eles gostariam de</p><p>fazer, do que tempo para fazê-las. Em outras palavras, o número de</p><p>estímulos que requerem, como resposta, comportamentos, é muito</p><p>maior do que o número de respostas que poderiam ser postas em</p><p>prática se todos esses estímulos fossem submetidos simultaneamente</p><p>à atenção. A racionalidade exige que se faça uma escolha consciente</p><p>entre valores competitivos, sem se deixar levar pelo capricho dos es</p><p>tímulos que dirigem a atenção.</p><p>DETERM INANTES DO AM BIEN TE PSICOLÓGICO</p><p>Considerando, pois, que o processo de escolha se inicia pela inci</p><p>dência sobre o indivíduo de estímulos acidentais e arbitrários, poder-</p><p>se-ia dizer que a atividade integrada do adulto é simplesmente uma</p><p>atividade mais sistematizada do que os movimentos ocasionais e as</p><p>mudanças de atenção da criança. Os conjuntos organizados que o</p><p>compõem são maiores e mais complexos, embora como conjuntos</p><p>não estejam mais estreitamente relacionados com um sistema geral</p><p>de valores do que os da criança. O estudo do comportamento ad</p><p>ministrativo como atividade racional dificilmente seria útil se não</p><p>se pudesse remover essa dificuldade, pela demonstração de que os</p><p>estímulos que iniciaram o processo seletivo não são, ou pelo menos</p><p>não precisam ser, arbitrários, só porque são vistos do ângulo da</p><p>organização como um todo, e não do ponto de vista de um de seus</p><p>membros. 14</p><p>pode estudar a literatura atual sobre a técnica da propaganda, particularmente o uso de</p><p>dispositivos para dirigir a atenção por parte dos propangandistas. Os anexos justificativos</p><p>das propostas orçamentárias e as discussões orçamentarias estão cheias de exemplos de</p><p>como se canaliza a atenção para determinados valores.</p><p>14 Os pragmatistas parecem esposar a idéia de que os seres humanos se preocupam com</p><p>a racionalidade apenas no primeiro sentido, isto é, em termos de respostas que se adaptam</p><p>a estímulos arbitrários. J o h n Dewey, no seu livro H u m a n N a tu re a n d C o n d u c t (p. 2 6 1 -2 6 2 ) ,</p><p>diz: “O ato de deliberação consiste, como vimos, em selecionar uma consequência previ</p><p>sível para servir de estímulo para a ação presente. A consequência selecionada, porém, está</p><p>situada num contexto indefinido de outras consequências tão reais quanto e la . . . Os fin s</p><p>que são previstos e utilizados representam uma pequena ilha num mar vastíssimo. Esta</p><p>limitação seria fatal se a função própria dos fins consistisse unicamente em liberar e</p><p>eliminar das ações presentes, suas complexidades e confusões. Mas esta função constitui</p><p>o único sentido dos objetivos e propósitos. Daí o fato de que o seu alcance, em compa-</p><p>A psicologia das decisões adm in is tra tiva s 9 7</p><p>A próxima questão a ser considerada, por conseguinte, tem que</p><p>ver com a maneira pela qual se originam os estímulos que dão início</p><p>ao processo decisório.</p><p>Um indivíduo diante de uma estante de livros pode examinar</p><p>os vários títulos das obras e escolher urna para ler por uma hora.</p><p>Uma vez aberto o livro, desde que não seja esse muito monótono</p><p>e que ninguém o interrompa, os símbolos que desfilam diante de seus</p><p>olhos serão os estímulos rnais importantes, talvez os únicos, a atraí</p><p>rem sua atenção durante esse período. Por essa razão, a escolha do</p><p>livro determina os estímulos subsequentes.</p><p>, Consideremos agora outro exemplo, algo um pouco mais prático.</p><p>Um indivíduo cria o hábito de olhar sua agenda todas as manhãs</p><p>ao chegar ao escritório. Na quinta-feira recebe uma carta que deve</p><p>ser respondida na terça-feira seguinte. Anota na agenda, sabendo</p><p>que ela lhe proporcionará o estímulo para agir quando chegar a</p><p>terça-feira.</p><p>O terceiro exemplo diz respeito ao desenvolvimento deliberado</p><p>de uma habilidade. Trata-se do indivíduo que usa a máquina de</p><p>escrever esporadicamente, não vai além do método de catar milho</p><p>porque esse é o caminho mais rápido que conhece para soletrar as</p><p>palavras. Se calcula, porém, que precisará de utilizar frequentemente</p><p>a máquina de escrever, empenhar-se-á ao máximo por desenvolver</p><p>hábitos associados com um sistema mais técnico de datilografia. Só</p><p>assim, os estímulos para escrever à máquina receberão resposta mais</p><p>eficaz do que se ele não tivesse desenvolvido previamente essa ha</p><p>bilidade.</p><p>Exemplo final é encontrado nas linhas de comunicação numa</p><p>organização administrativa. Cada membro da organização requer</p><p>certo montante de informações, a fím de poder tomar corretamente</p><p>as decisões por que é responsável. De modo a permitir que a infor</p><p>mação necessária chegue a cada membro, cria-se um sistema regular</p><p>de arquivos e relatórios, que conduz automaticamente esses estímu</p><p>los para os canais apropriados.</p><p>ração com as consequências ignoradas ou imprevistas, prescinde de maior importância</p><p>em si mesmo.” Ver também T h e P ub lic a n d I ts P rob lem s, p. 200. As opiniões mais</p><p>recentes de D e w f y , conforme expostas em L o g ic : T h e T h eo ry o f Ir .qu iry , cap. IX, p. 159-180</p><p>(Nova Iorque, Henry Holt & Co., 1938) estão consentâneas com o ponto de vista do</p><p>presente estudo: que o comportamento do indivíduo amplia a sua racionalidade através</p><p>do ambiente de escolha que a organização social lhe proporciona.</p><p>98 HERBERT SIMON</p><p>Esses exemplos dão uma ideia dos mecanismos que promovem</p><p>a integração do comportamento num sistema mais amplo. Dois gru</p><p>pos principais de mecanismos podem ser identificados: a) os que</p><p>fazem com que o comportamento persista numa determinada direção,</p><p>uma vez que tenha sido colocado naquele rumo, e b) os que dão</p><p>início ao comportamento numa determinada direção. Os primeiros</p><p>são na maioria, embora não totalmente, internos. Estão localizados</p><p>na mente humana, e tendo em vista que sua descrição e o funciona</p><p>mento constituem problema de psicologia, faremos dele apenas breve</p><p>rçferência no presente trabalho.</p><p>Os mecanismos iniciadores de comportamento, por outro lado,</p><p>são na maioria de procedência externa, embora requeiram geral</p><p>mente a sensibilidade, por parte do indivíduo, a estímulos específi</p><p>cos. Por serem externos, podem ser interpessoais, isto é, podem ser</p><p>utilizados por uma outra pessoa para influenciar determinado indi</p><p>víduo, desempenhando, por consequência, um papel central na orga</p><p>nização administrativa.</p><p>Tendo em vista os propósitos que tínhamos em mente, cremos</p><p>já ter apresentado bastantes exemplos dos mecanismos iniciadores.</p><p>Nas próximas páginas trataremos brevemente dos mecanismos de</p><p>persistência do comportamento. Isto posto, será possível, então, re</p><p>construir um esquema do comportamento racional, em que os meca</p><p>nismos de integração ocupem posição central.</p><p>OS M ECANISM OS DE PERSISTÊNCIA DO COM PORTAM ENTO</p><p>A atenção e o comportamento, uma vez iniciados em determinada</p><p>direção,</p><p>tendem a persistir nessa direção por um período considerá</p><p>vel de tempo. Isso é exato mesmo quando houver indiferença na</p><p>escolha original da atividade.</p><p>Já expusemos, aliás, no capítulo 4, uma razão importante para</p><p>a persistência do comportamento. A atividade redunda, freqúente-</p><p>mente, em custos já incorridos de um tipo ou de outro que acabam</p><p>por tornar vantajosa a persistência na mesma direção. Um adminis</p><p>trador pode ter grandes dúvidas, se determinada atividade deve ser</p><p>empreendida: uma vez assumida a responsabilidade, porém, pode</p><p>ser mais vantajoso empreendê-la, do que perder o tempo e o esforço</p><p>já empregados. Outra maneira de expressar o que acabamos de</p><p>A psicologia das decisões ad m in is tra tiva s 9 9</p><p>expor consiste em dizer que o normal é continuar as atividades até</p><p>que alcancem um ponto de consumo, o ponto em que os valores pro</p><p>duzidos pelos custos já incorridos são usufruídos.</p><p>Outra razão para a persistência é que a própria atividade cria</p><p>estímulos que conduzem a atenção para a continuação e conclusão</p><p>da referida atividade. Um livro, como já foi dito, se for bem escrito</p><p>tende a prender a atenção do começo ao fim. O mesmo fenômeno</p><p>pode ocorrer, aliás, com qualquer situação administrativa. Um en</p><p>genheiro, ao chegar ao seu escritório, encontra sobre sua escriva</p><p>ninha uma série de planos para a construção de uma rua em que</p><p>estivera trabalhando no dia anterior. Sua atenção se volta imediata</p><p>mente para esses planos e para os problemas envolvidos na sua</p><p>conclusão, e talvez não precise de nenhum estímulo externo para</p><p>manter-se ocupado com os mesmos o resto do dia.</p><p>Pode ver-se que grande parte desses estímulos é interna, e que</p><p>segue os caminhos associativos construídos na mente do indivíduo.</p><p>Se o modelo de associações é rico, a mente age como se fosse um</p><p>circuito fechado, levando repetidas vezes o pensamento para o assunto</p><p>que o preocupa, sempre que se desviar dele. É bem sabido que a</p><p>concentração em grau elevado (isto é, a estimulação interna) dimi</p><p>nuirá, na prática, a sensibilidade do indivíduo aos estímulos exter</p><p>nos.15</p><p>Um terceiro fator que favorece a persistência e que está rela</p><p>cionado estreitamente com os custos já incorridas, é o que pode ser</p><p>denominado custos de preparação. No caso de muitas tarefas repeti</p><p>tivas, o tempo de preparação para ação, e o tempo requerido para</p><p>mudar de uma tarefa para a outra, torna vantajosa a persistência no</p><p>desempenho de uma única tarefa em lugar de grande número delas.</p><p>5 .3 . A in tegração do com portam ento</p><p>É tempo, agora, de voltar a atenção dos mecanismos que possibilitam</p><p>a integração para os tipos de comportamento que resultam do fun</p><p>cionamento desses mecanismos. O processo envolve três etapas fun</p><p>damentais:</p><p>15 O assunto não pode ser estudado além deste ponto. Existe, porém, abundância de</p><p>material ilustrativo a esse respeito na literatura da Psicologia. Ver, por exemplo, no</p><p>livro de James, T h e P rincip ies o f P sychologtf, os capítulos sobre The Stream of Thought,</p><p>Association, e Will (cap. IX, XIV e XVI).</p><p>100 HERBERT SIMON</p><p>a) O indivíduo (ou a organização) toma decisões amplas, relativas</p><p>aos valores que orientarão suas atividades, aos métodos gerais que</p><p>vai usar para alcançar esses valores, e aos conhecimentos, habilida</p><p>des e informações de que necessitará para tomar determinadas deci</p><p>sões dentro dos limites da política estabelecida e para levar a efeito</p><p>essas decisões. Essa atividade decisória que acabamos de descrever</p><p>pode ser chamada planejamento substantivo.</p><p>b) Projeta e estabelece os mecanismos que dirigirão sua atenção,</p><p>canalizarão a informação e os conhecimentos, etc., de modo a permitir</p><p>que as decisões específicas diárias se conformem ao plano substan</p><p>tivo. Esse tipo de atividade decisória pode ser chamado de planeja</p><p>mento processual, e corresponde ao que já foi descrito como “prepa</p><p>ração do ambiente psicológico da decisão”.</p><p>c) Executa o plano através de decisões e de atividades diárias que</p><p>se enquadram no arcabouço propiciado pelas etapas a) e b).</p><p>Na realidade, o processo envolve mais do que três etapas; en</p><p>volve uma hierarquia completa delas. As decisões mais gerais pro</p><p>porcionam o ambiente para as decisões mais detalhadas no nível</p><p>inferior. A integração de comportamento no seu nível mais elevado</p><p>é conseguida pelas decisões que determinam em termos muito am</p><p>plos os valores, conhecimentos e possibilidades que se deverão levar</p><p>em conta. O nível inferior de integração que se segue e que especi</p><p>fica ainda mais essas determinantes gerais, decorre das decisões que</p><p>resolvem que atividades serão realizadas. Outros níveis se seguem,</p><p>cada um dos quais determina em maior detalhe uma subárea que</p><p>se encontra no interior da área do nível imediatamente superior.</p><p>Nos níveis mais altos de integração, somente se podem tomar em</p><p>consideração os aspectos bem gerais da situação. A especificação só</p><p>pode ocorrer quando a atenção for dirigida para as possibilidades</p><p>e consequências mais detalhadas. Desse modo, um dos problemas</p><p>mais importantes da teoria administrativa consiste em determinar de</p><p>que maneira essa rede de decisões deve ser construída, qual a di</p><p>visão de trabalho adequada entre as amplas decisões planejadoras</p><p>e as decisões executoras mais restritas. O segundo problema funda</p><p>mental diz respeito ao planejamento processual: à criação de meca</p><p>nismos que tornem efetivo o controle das decisões executivas a partir</p><p>das decisões planejadoras.</p><p>A psicologia d a s decisões ad m in is tra tiva s 101</p><p>Devemos deixar bem claro que os acontecimentos reais são determi</p><p>nados pela escolha entre as alternativas disponíveis para comporta</p><p>mento imediato. Num sentido restrito, uma decisão pode influir no</p><p>futuro, apenas de duas maneiras: a) o comportamento presente, de</p><p>terminado por esta decisão, pode limitar possibilidades futuras16 e</p><p>b) as decisões futuras podem ser guiadas, em grau maior ou menor,</p><p>pela decisão presente. É dessa possibilidade de influenciar a escolha</p><p>futura por meio de decisões presentes, que a idéia de um plexo de</p><p>decisões decorre. O primeiro tipo de influência já foi discutido, mas</p><p>o segundo requer maiores considerações.</p><p>Sempre que um problema de determinada natureza se repete,</p><p>e exige uma decisão, pode levar à seguinte reflexão geral: “Que</p><p>critérios poderia empregar como base para a escolha, sempre que</p><p>surgir um problema dessa natureza? Um bombeiro experimentado</p><p>pergunta, por exemplo: “Existem princípios fundamentais de com</p><p>bate ao fogo que podem ser aplicados aos numerosos incêndios que</p><p>tenho de enfrentar?”</p><p>Depois que se apresenta o problema, se encontramos uma so</p><p>lução para ele, tomamos uma decisão que servirá de guia para todas</p><p>as outras decisões sobre o assunto. Isso pode ser feito através da</p><p>seleção de a) determinados valores que servirão como critérios para</p><p>decisões posteriores, b) de determinadas classes de conhecimentos</p><p>empíricos, considerados relevantes para as decisões posteriores, e</p><p>c) determinadas alternativas de comportamento que sejam as únicas</p><p>que necessitam ser estudadas para escolhas posteriores.</p><p>a) A especialização das funções administrativas, cada uma das</p><p>quais possui um objetivo próprio, guia cada parte da organização</p><p>rumo à realização de uma série restrita de valores. A aceitação da</p><p>“redução dos prejuízos causados por incêndios”, como objetivo do</p><p>corpo de bombeiros, significa o estabelecimento de um critério de</p><p>valor que guiará todas as decisões do comandante da corporação.</p><p>b) Em muitas esferas tomam-se decisões gerais, relativas a fatos</p><p>que deveriam ser tomados em consideração na tomada de qualquer</p><p>decisão subsidiária. O engenheiro, por exemplo, dispõe de uma rotina</p><p>16 Ver cap. 4, p. 69-71 supra .</p><p>TIPOS DE DECISÕES GERAIS</p><p>102 H E R B E R T S IM O N</p><p>para calcular se o desenho de determinada ponte permite a inclusão</p><p>do fator de segurança requerido para suportar as tensões que sofrerá.</p><p>c) Há muitos campos, igualmente, em que as decisões gerais de</p><p>terminam as alternativas de comportamento que devem ser conside</p><p>radas quando se tem que efetuar uma escolha específica. Um time</p><p>de futebol entra em campo com um repertório definido de jogadas</p><p>que poderão ser utilizadas no momento apropriado. Um policial é</p><p>treinado para responder, quando a lei é infringida, com a prisão, a</p><p>advertência, ou a denúncia.</p><p>Os mecanismos psicológicos pelos quais esses critérios gerais,</p><p>previamente estabelecidos, podem ser aplicados a um problema ime</p><p>diato de escolha, já foram explicados.17 Pela criação de estímulos</p><p>internos e externos, essas decisões prévias determinam a forma com</p><p>que a mente deve responder à situação específica da escolha. Essa</p><p>redução da área da atenção contrasta flagrantemente com a área</p><p>mais ampla de referência relativa à tomada da decisão prévia, con</p><p>troladora. Em outras palavras, o conjunto de fatores que se tomam</p><p>em consideração quando se resolve que “se criará um corpo de</p><p>bombeiros, com a finalidade precípua de diminuir os prejuízos cau</p><p>sados por incêndios”, difere do conjunto de fatores que levam um</p><p>bombeiro a decidir que “seria melhor ligar uma mangueira de 23í</p><p>polegadas de diâmetro a este hidrante”. A estratificação de decisões</p><p>permite que cada escolha seja guiada, direta ou indiretamente, por</p><p>considerações muito mais amplas de fatores racionais do que seria</p><p>possível se tivesse que ser tomada na hora sem o benefício das con</p><p>siderações prévias. Isso nos leva ao conceito de comportamento pla</p><p>nejado como o meio mais adequado de manter um alto grau de</p><p>racionalidade.</p><p>O PROCESSO DE PLA N EJA M EN TO</p><p>Os processos psicológicos envolvidos no planejamento consistem na</p><p>seleção dos critérios gerais de escolha, e, subseqúentemente, seu de-</p><p>talhamento para aplicá-los a situações específicas.18 Um engenheiro</p><p>projetista seleciona como seu objetivo a construção de uma estrada</p><p>de ferro, ligando as cidades A e B através de uma região monta-</p><p>17 Supra.</p><p>M Cf. M a c M a h o n , M il l e t e O g d e n , op. c it., p. 1 7 .</p><p>A psicologia d a s decisões a d m in is tra tiva s 103</p><p>nhosa. Depois de um exame preliminar da topografia do terreno,</p><p>ele seleciona duas ou três rotas que lhe parecem mais viáveis. A</p><p>seguir, toma cada uma dessas rotas como o seu novo objetivo, um</p><p>objetivo intermediário, aliás, e o discrimina ainda mais, usando ma</p><p>pas topográficos mais detalhados.</p><p>Seu processo mental pode ser descrito como uma série de im</p><p>plicações hipotéticas do seguinte teor. “Para ir de A para B, as rotas</p><p>1, 2 e 3 parecem mais exequíveis do que as outras; se eu seguir a</p><p>rota 1, o plano la parece ser preferível; se seguir a rota 2, o plano 2a;</p><p>se seguir a rota 3 o plano 3a”, e assim por diante, até que os mínimos</p><p>detalhes do desenho de dois ou três projetos alternativos sejam traça</p><p>dos. Sua escolha final será entre essas alternativas detalhadas.</p><p>Esse processo de raciocínio pode ser contrastado com uma única</p><p>escolha entre todas as rotas possíveis. Esse último método é ditado</p><p>pela lógica, e é o único capaz de garantir que a decisão final é a</p><p>melhor. Por outro lado, esse método requer que todos os planos pos</p><p>síveis sejam elaborados com todos os detalhes, antes de se tomar</p><p>qualquer decisão. A impossibilidade prática de tal processo é evi</p><p>dente. O processo de planejamento é sem dúvida, um processo de</p><p>conciliação, no qual somente as alternativas mais plausíveis são mi</p><p>nuciosamente descritas.</p><p>Vejamos outro exemplo. Imaginemos o problema envolvido na</p><p>seleção do local para a construção da barragem de um reservatório.</p><p>A fim de simplificar o raciocínio, suponhamos que o objetivo visado</p><p>seja estocar a um custo reduzido certo volume dágua e que a água</p><p>guardada acima do montante especificado não terá nenhum valor.</p><p>Normalmente o problema real não é tão simples. Pode-se calcular o</p><p>custo de construção da barragem com a capacidade requerida para</p><p>cada ponto ao longo do rio. Para se fazer uma estimativa mais</p><p>acurada, porém, seriam necessários estudos detalhados das condições</p><p>do subsolo em cada ponto. Somente após essas providências é que</p><p>se poderia compilar essa enorme coleção de estimativas de custos</p><p>e selecionar o local mais barato para a construção da barragem.</p><p>Na vida real, porém, o engenheiro age de maneira diferente. Por</p><p>meio do estudo de um mapa topográfico, seleciona, de saída, meia</p><p>dúzia de locais plausíveis para a construção da barragem, excluindo</p><p>os demais. Possuindo suficiente familiaridade com o problema dos</p><p>custos de construção, sabe, com certo grau de segurança, que qual</p><p>quer outro local que viesse a escolher teria o custo de construção</p><p>104 H E R B E R T S IM O N</p><p>muito mais alto. Ato contínuo, faz uma estimativa aproximada dos</p><p>custos do reservatório para cada um dos possíveis locais, imaginando</p><p>condições normais do subsolo. Finalmente, seleciona os locais mais</p><p>promissores e realiza estudos cuidadosos do subsolo como base para</p><p>os cálculos finais.</p><p>Em cada passo desse processo há sempre uma chance de que</p><p>o local mais desejável para a barragem seja eliminado sem uma aná</p><p>lise completa. O engenheiro deve ter muita habilidade para deter</p><p>minar o grau de aproximação tolerável em cada uma de suas etapas.</p><p>A FUNÇÃO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL</p><p>Conforme já mencionamos diversas vezes neste capítulo, os meca</p><p>nismos integradores do comportamento podem ser interpessoais. Se</p><p>concebermos as organizações e as instituições sociais como sistemas</p><p>de comportamento grupais, num sentido genérico, não é difícil com</p><p>preender que a participação do indivíduo em tais organizações e</p><p>instituições pode constituir a fonte de algumas de suas integrações</p><p>mais fundamentais e de maior repercussão. As influências exercidas</p><p>pela organização sobre o indivíduo podem ser de dois tipos:</p><p>a) As organizações e instituições permitem que cada indivíduo do</p><p>grupo forme sólidas expectativas quanto ao comportamento dos de</p><p>mais membros em determinadas condições. Tais expectativas cons</p><p>tituem um pré-requisito indispensável para uma consideração racio</p><p>nal das consequências da ação num grupo social.19</p><p>b) As organizações e as instituições proporcionam os estímulos e as</p><p>diretrizes da atenção que condicionam os comportamentos dos mem</p><p>bros do grupo, e que proporcionam a esses membros os objetivos</p><p>intermediários que estimulam a ação.20</p><p>Claro está que nenhum sistema de comportamento social poderia</p><p>sobreviver, se não previsse e satisfizesse, de alguma maneira, os estí</p><p>mulos de fome, os desejos sexuais, e a fadiga de seus membros.</p><p>Além desse ponto, os dispositivos institucionais estão sujeitos a uma</p><p>variedade infinita e dificilmente poder-se-á dizer que derivam de</p><p>qualquer característica inata do homem. Considerando que tais ins-</p><p>3® Cf. com a discussão de Stene sobre a re tina o rg a n iza tiva , op . c it., p. 1129,</p><p>86 Cf. com o livro de Dewey, T h e P ub lic a n d l i s P rob lem s, p. 54.</p><p>A psicologia d a s decisões a d m in is tra tiva s 105</p><p>tituições determinam em grande parte os parâmetros mentais dos</p><p>participantes, acabam poi estabelecer as condições para o exercício</p><p>da docilidade e, por conseguinte, da racionalidade na sociedade hu</p><p>mana.</p><p>O nível mais alto de integração a que chega o homem consiste</p><p>em tomar um grupo de instituições existentes como uma alternativa</p><p>e em compará-Ja com outros grupas. Isto é, quando um homem</p><p>volta sua atenção para o ambiente institucional que, por seu lado,</p><p>proporciona a estrutura dentro da qual se desenrola o próprio pro</p><p>cesso mental, está considerando verdadeiramente as consequências</p><p>das alternativas de comportamento no nível mais alto de integração.</p><p>Não tem sido comum o pensamento nesse nível compreensivo, em</p><p>todas as culturas. Em nossa civilização ocidental, tem-se confinado</p><p>ao que tudo indica: a) aos escritos dos teóricos políticos utópicos e</p><p>b ) ao pensamento e obras relacionadas com os processos legislativos</p><p>modernos.21</p><p>A racionalidade humana recebe, por conseguinte, seus objetivos</p><p>e integrações do ambiente institucional em que opera e pelo qual</p><p>é moldada. A legislação constitui, na nossa cultura democrática, a</p><p>principal projetadora</p><p>e julgadora dessas instituições. As organizações</p><p>administrativas talvez não possam reivindicar a mesma importância,</p><p>como depositárias dos valores humanos fundamentais, que as insti</p><p>tuições mais tradicionais como a família. Não obstante, com a cres</p><p>cente interdependência económica do homem, e com sua dependên</p><p>cia cada vez maior sobre a comunidade para a obtenção de serviços</p><p>públicos essenciais, a organização formal está assumindo rapidamen</p><p>te importância que nunca antes possuíra. Isto não deixa de ter suas</p><p>vantagens, pois as organizações administrativas são, geralmente, pla</p><p>nejadas e modificadas com certa independência e liberdade em face</p><p>à tradição que, apesar de estar longe de ser completa, dá-lhes grande</p><p>flexibilidade para enfrentar necessidades novas com novos recursos.</p><p>21 Tem-se demonstrado freqiientemente que a utilização do conceito de elaboração d e leis</p><p>como sendo diferente de in terpre tação d a le i é relativamente recente. Ver, por exemplo, o</p><p>livro de Friedrich, C. J. C o n stitu tio n a l G o v ern m en t a n d P olitics, Nova Iorque, Harper</p><p>& Bros., 1937; e Haines, Charles G. T h e A m er ica n D o c tr in e o f Jud ic ia l S u p rem a cy ,</p><p>Nova Iorque, Macmillan Co., 1914, p. 12-13, 18-24. Por esta razão é que só muito</p><p>recentemente tem a legislação envolvido uma consideração consciente das possibilidades de</p><p>sistemas institucionais alternativos. Karl Maxxheim ressaltou a importância da moldagem</p><p>deliberada do ambiente institucional em seu estudo recente, M a n a n d S o c ie ty in a n A g e o f</p><p>R eco n stru c tio n , Kegan Paul, 1940, p 149-155.</p><p>106 HERBERT SIMON</p><p>Os sistemas de comportamento a que chamamos de organização</p><p>são imprescindíveis, portanto, à consecução da racionalidade humana</p><p>num sentido amplo. O indivíduo racional é, e deve ser, uma pessoa</p><p>organizada e institucionalizada. Se os limites severos que a psicolo</p><p>gia humana impõe à deliberação tiverem que ser abolidos, o indiví</p><p>duo deve continuar sujeito nas suas decisões à influência do grupo</p><p>organizado do qual é membro. Suas decisões não devem ser apenas</p><p>o produto de seus próprios processos mentais, mas refletir também</p><p>considerações mais amplas às quais compete ao grupo organizado</p><p>dar força.</p><p>M ECA N ISM O DE INFLUENCIAÇÃO ORGANIZATIVA</p><p>Os meios de que se utiliza a organização para influenciar as decisões</p><p>de seus membros já foram esbqçados no capítulo introdutório. Tendo</p><p>em vista que serão objeto de uma análise extensa, em capítulos pos</p><p>teriores, requerem, neste ponto, portanto, apenas breve discussão.</p><p>a) A organização divide o trabalho entre seus membros e, ao atri</p><p>buir a cada um o cumprimento de determinada função, dirige e limita</p><p>a atenção do indivíduo exclusivamente àquela tarefa. O administra</p><p>dor de pessoal limita-se, por exemplo, ao recrutamento, treinamento,</p><p>classificação de cargos e outras funções afins. Não precisa preocupar-</p><p>se com a contabilidade, com a compra de material, com o planeja</p><p>mento, ou com as atividades produtivas, embora estas sejam igual</p><p>mente indispensáveis ao sucesso da organização, porque sabe que já</p><p>estão sendo cuidadas em outra parte da mesma.</p><p>b) A organização estabelece padrões de desempenho. Ao decidir</p><p>de maneira definitiva (pelo menos para um certo período de tempo)</p><p>que determinada tarefa deverá ser executada de determinada manei</p><p>ra, a organização poupa o indivíduo que a realiza efetivamente da</p><p>necessidade de determinar, a cada momento, como aquela deverá</p><p>ser feita.</p><p>c) A organização comunica as decisões de cima para baixo (assim</p><p>como lateralmente e para o alto) através de seus vários escalões,</p><p>estabelecendo sistemas de autoridade e influenciação. A forma mais</p><p>familiar desse processo é a hierarquia da autoridade formal, embora</p><p>seja de igual importância a atribuição a determinados indivíduos da</p><p>A psicologia d a s decisões a d m in is tra tiva s 107</p><p>função formal de assessoramento, assim como o desenvolvimento, em</p><p>qualquer organização real, de um sistema informal de influenciação,</p><p>baseado em parte no status formal, e em parte nas relações sociais.</p><p>d) A organização proporciona canais de comunicação que se esten</p><p>dem em todas as direções e através dos quais fluem as informações</p><p>para a tomada de decisões. Esses canais podem ser formais e infor</p><p>mais. Os primeiros se baseiam, em parte, sobre as linhas da autori</p><p>dade formal e em parte diferem delas, enquanto que os segundos</p><p>se acham estreitamente relacionados com a organização social in</p><p>formal.</p><p>e) A organização treina e endoutrina seus membros. Este processo</p><p>pode ser denominado internalização das influências, porque injeta</p><p>no sistema nervoso dos membros da organização os critérios de deci</p><p>são que a organização deseja empregar. O membro da organização</p><p>adquire conhecimentos, habilidades, identificações ou lealdades que</p><p>lhe permitem tomar decisões, tal como a organização desejaria que</p><p>ele decidisse.</p><p>O P R O C E S S O D E C O O R D E N A Ç Ã O</p><p>Uma das principais funções dessas influências organizativas, já men</p><p>cionada, aliás, neste capítulo e em outro anterior, consiste em asse</p><p>gurar a coordenação das atividades dos membros da organização.</p><p>Conforme foi explicado, a eficácia de um indivíduo na realização</p><p>de suas finalidades, em qualquer situação social, dependerá não ape</p><p>nas de sua própria atividade, mas também de como essa atividade</p><p>se relaciona com o que os outros indivíduos estão fazendo. Em toda</p><p>grande organização — o governo federal americano é um exemplo</p><p>excelente — a tarefa de harmonizar as atividades de um indivíduo</p><p>ou unidade com as tarefas de outros torna-se uma das mais impor</p><p>tantes, complexas e difíceis. As atividades bélicas têm fornecido ex</p><p>pressivas ilustrações em inúmeras oportunidades. O responsável pela</p><p>produção de gasolina de avião pode emitir ordens — completamente</p><p>lógicas do ponto de vista da execução de sua tarefa — que interfiram</p><p>com a tarefa do responsável pela produção de borracha. A obtenção</p><p>de aço para a marinha mercante pode competir com a obtenção de</p><p>aço para navios de guerra ou para tanques. A execução de uma</p><p>108 H E R B E R T S IM O N</p><p>operação militar em larga escala pode exigir a coordenação, num</p><p>determinado tempo, de uma grande lista de atividades preparató</p><p>rias. Essas ilustrações, como vemos, poderiam ser multiplicadas inde</p><p>finidamente.</p><p>Vista do ângulo do indivíduo que pertence à organização, a</p><p>coordenação envolve diversos elementos: a relação dos objetivos e</p><p>de suas finalidades intermediárias com os de outras partes da orga</p><p>nização; a avaliação, por ele, das alternativas que estão ao seu alcan</p><p>ce e ao alcance dos outros membros do grupo; e suas expectativas</p><p>quanto aos cursos de ação que os outros seguirão.</p><p>Autocoordenação — Nas situações simples, o indivíduo pode</p><p>coordenar suas atividades com as atividades dos demais através da</p><p>mera observação do que estão fazendo. Num grupo de três ou quatro</p><p>pintores que trabalham em conjunto, cada um deles pode realizar</p><p>parte do trabalho e o grupo inteiro pode trabalhar como uma equipe,</p><p>colocando-se cada um onde acredita que seus esforços serão mais</p><p>eficazes e interferirão menos com os esforços dos demais. Ocasional</p><p>mente, uma ordem pode ser dada, mas a maior parte dos ajustes</p><p>ocorrem silenciosamente e sem discussão.</p><p>Quem quer que tenha observado como age um grupo desorga</p><p>nizado de pessoas numa situação de emergência, já viu o comporta</p><p>mento organizado desse tipo. Certamente, se o grupo foi organizado</p><p>previamente para o caso de emergência, ou se um ou mais membros</p><p>do grupo são aceitos como líderes, o mecanismo de coordenação po</p><p>deria ser muito mais complicado e envolveria ordens verbais.</p><p>Na maioria das situações, a realização acertada de uma tarefa</p><p>por um grupo de pessoas requer um grau mais elevado de coordena</p><p>ção. Pode ser necessário, por exemplo, que todos apliquem, simulta</p><p>neamente, seus esforços na realização da tarefa. Mesmo sob tais cir</p><p>cunstâncias, a coordenação pode não ser deliberada nem envolver</p><p>ordens explícitas. Os vários membros</p><p>do grupo podem meramente</p><p>aceitar um deles como o líder, ajustando os seus movimentos ao dele:</p><p>isso ocorre, por exemplo, com um grupo de pessoas que transportam</p><p>uma pesada carga.</p><p>Todas essas situações, em que é possível a autocoordenação, re</p><p>querem que o indivíduo seja capaz de observar os comportamentos</p><p>dos membros da organização, a fim de ajustar-se a eles. Onde quer</p><p>que essa observação direta não seja possível, como sói ocorrer na</p><p>A psicologia das decisões ad m in is tra tiva s 109</p><p>maioria das situações relativamente complexas, a própria organização</p><p>deve proporcionar a coordenação.</p><p>Alternativas Grupais versus Alternativas Individuais. O indivíduo</p><p>considera que a realização dos seus objetivos depende da linha de</p><p>comportamento especial que ele segue. Para cada um dos cursos de</p><p>ação que se lhe oferecem existe um grupo distinto de consequências</p><p>ou resultados. A escolha racional, conforme foi explicado, consiste</p><p>na seleção e obtenção do resultado escolhido entre aqueles conside</p><p>rados viáveis.</p><p>Quando a escolha tem lugar num grupo, as consequências de</p><p>um curso de ação passam a depender não somente da seleção de</p><p>uma alternativa específica feita pelo indivíduo, mas também das</p><p>seleções efetuadas pelos outros membros do grupo. Somente quando</p><p>se tomam os comportamentos dos outros como constantes, isto é, de</p><p>pois que surgem expectativas com respeito aos seus comportamentos,</p><p>é que o problema da escolha assume uma forma precisa. Quando se</p><p>formam tais expectativas, a única variável independente que perdura</p><p>é a própria escolha do indivíduo, e o problema da decisão se reduz</p><p>ao primeiro caso.</p><p>Desse modo, a série de alternativas ao dispor do grupo deve</p><p>ser cuidadosamente distinguida da série de alternativas oferecidas</p><p>ao indivíduo. Esta última constitui apenas uma subsérie da primeira,</p><p>correspondendo, cada subsérie, a uma série distinta de comportamen</p><p>tos dos outros membros do grupo. A alternativa que o indivíduo se</p><p>leciona realmente e adota como seu próprio comportamento, pode</p><p>ser bastante diferente da alternativa que poderia selecionar se pu</p><p>desse determinar antecipadamente o comportamento dos demais</p><p>membros do grupo.</p><p>Se as expectativas do indivíduo quanto ao comportamento dos</p><p>seus companheiros forem exatas, serão certamente bem diferentes da</p><p>maneira que ele gostaria que seus colegas se comportassem. Já que</p><p>a sua própria decisão, para ser racional, deve relacionar-se com suas</p><p>expectativas e não com os seus desejos, ele deve visar não àquela</p><p>alternativa que ele prefere entre todas as possíveis para o grupo,</p><p>mas à alternativa que ele prefere entre todas as possíveis para ele.</p><p>A distinção entre um plano de campanha que dependa de que</p><p>o adversário faça aquilo que desejamos, e um plano que depende</p><p>de que o adversário realize o que é correto, constitui um princípio</p><p>no HERBERT SIMON</p><p>fundamental das táticas militares, e, na realidade, de qualquer ativi</p><p>dade competitiva. Um plano do primeiro tipo nunca dá resultados,</p><p>pois o seu sucesso depende da falsa pressuposição de que o adver</p><p>sário irá fazer aquilo que se quer que ele faça. Na vida real, os</p><p>planos cujo sucesso dependem do comportamento que se deseja que</p><p>vários indivíduos adotem é chamado utópico, pois não explicam de</p><p>que maneira esse comportamento desejado será, ou poderá ser, rea</p><p>lizado.</p><p>Agora vejamos: quando todos os membros do grupo demonstram</p><p>preferência pelos mesmos valores ou pelas mesmas consequências</p><p>dentre todos aqueles passíveis de realização pelo grupo, surge uma</p><p>situação muito especial. Todos os bombeiros que combatem um in</p><p>cêndio estão de acordo quanto à finalidade de seu comportamento</p><p>em comum: apagar o incêndio tão depressa quanto possível. Existe,</p><p>nesse caso, um conjunto de comportamentos para os membros do</p><p>grupo que, do ponto de vista empiricamente objetivo, é o mais eficaz</p><p>para a realização daquele fim. Os membros do grupo podem discor</p><p>dar quanto à melhor solução, mas qualquer discordância nesse sen</p><p>tido é puramente factual: é uma questão de julgamento, não de</p><p>valores.</p><p>A obtenção de melhor resultado pressupõe que cada membro do</p><p>grupo conhece seu lugar dentro do esquema e está preparado para</p><p>realizar suas tarefas, juntamente com os demais. Mas, a menos que</p><p>as intenções de cada membro do grupo possa ser comunicada aos</p><p>outros, tal coordenação dificilmente é possível. Cada um deles ba</p><p>seará seu comportamento na sua expectativa de comportamento dos</p><p>outros, sem ter certeza, porém, de que esses se ajustarão a qualquer</p><p>plano preconcebido. Por falta de coordenação formal, o resultado</p><p>será fortuito.</p><p>A autocoordenação, sob condições mais práticas, é infinitamente</p><p>menos eficaz do que um esquema preestabelecido de ação que livra</p><p>cada membro do grupo da tarefa de prever o comportamento dos</p><p>outros de modo a que sirva de base para o seu próprio comporta</p><p>mento.</p><p>A comunicação é essencial, portanto, nas formas mais complexas</p><p>de comportamento cooperativo. O processo de coordenação nesses</p><p>casos consiste em pelo menos três etapas: a) o desenvolvimento de</p><p>um plano de comportamento para todos os membros do grupo (e</p><p>A psico log ia d a s decisões ad m in is tra tiva s 111</p><p>não de um grupo de planos individuais para cada membro); b) a</p><p>comunicação a cada membro das partes mais importantes desse pla</p><p>no; e c) o desejo de todos os participantes de permitir que seu com</p><p>portamento seja guiado pelo plano.</p><p>Esse processo não é diferente daquele pelo qual o indivíduo</p><p>integra seu próprio comportamento num sistema coordenado. Na in</p><p>tegração do grupo, a comunicação preenche os claros — proporcio</p><p>nando o tecido nervoso por assim dizer — decorrentes da ausência</p><p>de uma conexão orgânica entre os indivíduos.</p><p>O Plano do Grupo. A idéia de um plano para o comportamento</p><p>de um grupo não envolve nenhuma noção metafísica sobre a exis</p><p>tência de uma mente grupai. É muito mais uma especificação de como</p><p>se conduzirá certo número de pessoas, do que de como uma pessoa</p><p>deve comportar-se. O plano existe no papel, ou na mente dos indi</p><p>víduos que o criam. Esses indivíduos podem ser numerosos, ou redu</p><p>zidos; podem pertencer ao grupo, ou não. Tudo o que se exige é</p><p>que, antes da sua execução, o plano seja comunicado aos membros</p><p>do grupo que vão realizá-lo.</p><p>Até o momento, temos presumido que um plano será realizado</p><p>somente quando os membros do grupo estejam perfeitamente de</p><p>acordo sobre qual dentre todas as possibilidades disponíveis gosta</p><p>riam de ver concretizada. Na realidade, isto não é imprescindível.</p><p>A coordenação grupai é possível em muitos casos onde existe grande</p><p>variedade de opiniões entre os indivíduos acerca do que é ótimo.</p><p>Tudo que se necessita é que eles estejam de acordo em aceitar um</p><p>plano ao invés de uma alternativa que estaria ao seu dispor como</p><p>indivíduos se não cooperassem.22</p><p>Considerando que o interessante para o presente estudo são muito</p><p>menos as razões por que os indivíduos cooperam do que o mecanis</p><p>mo que torna possível a cooperação, podemos interromper aqui o</p><p>assunto do plano do grupo porque será analisado de maneira mais</p><p>extensa no capítulo seguinte.</p><p>23 Hobbes serviu-se de uma forma extrema desta proposição para demonstrar que uma</p><p>organização social pode emergir mesmo de um estado de b e llu m o m n iu m con tra om nes.</p><p>Outros teóricos adeptos da teoria contratual, notavelmente Locke, sentiram-se compelidos</p><p>a postular uma identidade natural de interesses. Para um exame penetrante das bases</p><p>motivacionais da cooperação ver MacIver, R. M. C o m m u n i ty : A Socio logical S tu d y ,</p><p>Londres, Macmillan & Co., 3.* ed., 1924, particularmente Livro II, caps. II e III.</p><p>112 KERBERT SIMON</p><p>Comunicação. Decisões organizativas de natureza geral podem</p><p>controlar o comportamento do indivíduo unicamente por meio dos</p><p>mecanismos psicológicos que aplicam os valores e os conhecimentos</p><p>a cada decisão individual no tempo e no momento em que esta é</p><p>tomada. Existe no comportamento grupai uma necessidade semelhan</p><p>te de comunicar o plano do grupo para aqueles que vão</p><p>realizá-lo.</p><p>Isso não significa que todo o plano deve ser comunicado, mas que</p><p>cada indivíduo deve saber o que tem de fazer.</p><p>Nenhuma fase do processo administrativo é geralmente mais ig</p><p>norada, ou precariamente realizada do que a tarefa de comunicar</p><p>decisões. Freqiientemente, ordena-se que planos sejam postos em</p><p>ação sem levar em conta a maneira como influem no comportamento</p><p>de cada membro do grupo. Os manuais de serviço são divulgados</p><p>sem qualquer preocupação posterior, de verificar se o seu conteúdo</p><p>guia os indivíduos nas suas decisões. Os planos da organização são</p><p>traçados no papel, embora os membros dessa ignorem o plano que</p><p>pretende demonstrar ou descrever suas relações.</p><p>Ocorrem falhas de comunicação sempre que se esquece que o</p><p>comportamente dos indivíduos é o instrumento de que se vale</p><p>a organização para alcançar os seus propósitos. O que se deve inda</p><p>gar com relação a todo processo administrativo é o seguinte: de que</p><p>maneira a comunicação influencia as decisões dos indivíduos? Se não</p><p>existe comunicação, a resposta deve ser sempre a mesma: não as</p><p>influencia de maneira alguma.</p><p>A Aceitação do Plano. A etapa final da coordenação consiste</p><p>na aceitação por parte de cada membro da organização de sua parte</p><p>no plano do grupo. O problema de assegurar essa aceitação será 0</p><p>tema principal dos dois próximos capítulos.</p><p>5 . 4 . Sumário</p><p>No decorrer deste capítulo examinamos os limites e as possibilidades</p><p>da racionalidade humana. Vimos que os limites da racionalidade de</p><p>correm da incapacidade da mente humana de aplicar a uma decisão</p><p>todos os aspectos de valor, conhecimento e comportamento que po</p><p>deriam ter importância para uma decisão. O modelo de escolha dos</p><p>seres humanos é muitas vezes mais parecido com o sistema de estí</p><p>mulo-resposta do que com uma escolha entre alternativas. A racio-</p><p>A psicologia das decisões ad m in is tra tiva s 113</p><p>nalidade humana opera, pois, dentro dos limites de um ambiente</p><p>psicológico. Esse ambiente impõe ao indivíduo, à guisa de pressu</p><p>postos, uma seleção de fatores sobre os quais deve basear suas deci</p><p>sões. Não obstante, os próprios estimulantes da decisão podem ser</p><p>controlados, de modo que sirvam a finalidades mais amplas, podendo</p><p>uma sequência de decisões individuais ser integrada num plano bem</p><p>concebido.</p><p>O controle deliberado do ambiente da decisão permite não so</p><p>mente a integração da escolha, mas também sua socialização. As</p><p>instituições sociais podem ser consideradas como a sistematização do</p><p>comportamento dos indivíduos através da sujeição de seus compor</p><p>tamentos aos sistemas de estímulos que lhes foram socialmente im</p><p>postos. É nesses modelos ou sistemas que se deve encontrar uma</p><p>compreensão do sentido e da função da organização.</p><p>114 HERBERT SIMON</p><p>6. 0 equilíbrio da organização</p><p>Na capítulo anterior descrevemos alguns mecanismos que permitem</p><p>a integração do comportamento do indivíduo com o resto da orga</p><p>nização da qual faz parte. Não obstante, esses mecanismos não</p><p>explicam, de maneira alguma, por que motivo o indivíduo aquiesce</p><p>em participar do grupo organizado e submete seus objetivos pessoais</p><p>aos objetivos estabelecidos pela organização. Uma organização é,</p><p>afinal de contas, um conjunto de pessoas, e o que ela faz é realizado</p><p>por essas pessoas. As atividades de um grupo de pessoas tornam-se</p><p>organizadas unicamente na medida em que essas permitem que suas</p><p>decisões e seu comportamento sejam influenciados pela participação</p><p>na organização.</p><p>6 .1 . Os alicientes</p><p>O aspecto principal da participação dos indivíduos na organização</p><p>reside nos comentários que fizemos no capítulo 1 com referência</p><p>ao grupo organizado como um sistema em equilíbrio. Os indivíduos</p><p>estão dispostos a participar de uma organização sempre que suas</p><p>atividades dentro dela contribuam, direta ou indiretamente, para seus</p><p>próprios objetivos pessoais. A contribuição é dita direta sempre que</p><p>os objetivos da organização possuem um valor pessoal diseto para o</p><p>indivíduo; exemplo típico disso é a qualidade de membro de uma</p><p>igreja. A contribuição é dita indireta sempre que a organização ofe</p><p>rece vantagens pessoais — de natureza financeira ou de outro tipo —</p><p>para o indivíduo como pagamento pela sua disposição de contribuir</p><p>com seu esforço em prol da organização. O emprego numa empresa</p><p>privada, por exemplo, ilustra bem esse fato. Algumas vezes essas re</p><p>compensas pessoais relacionam-se diretamente com a importância e</p><p>O e q u ilíb r io da organização 115</p><p>o desenvolvimento da organização, corno no caso dos acionistas de</p><p>uma empresa; outras vezes, não se relacionam de maneira muito</p><p>direta como no caso dos assalariados. As características dessas três</p><p>bases de participação são suficientemente distintas para serem estu</p><p>dadas separadamente: recompensas pessoais que se derivam direta</p><p>mente da realização dos objetivos da organização; os alicientes pes</p><p>soais oferecidos pela organização e estreitamente relacionados com</p><p>sua importância e desenvolvimento; e as recompensas pessoais deri</p><p>vadas do alicientes oferecidos pela organização mas sem relação</p><p>com sua importância e desenvolvimento. As organizações compõem-</p><p>se, geralmente, de três grupos de pessoas, em cada um dos quais</p><p>predomina um desses tipos de motivação, e é a presença desses três</p><p>grupos que dá à administração o seu caráter específico.</p><p>A expressão objetivos pessoais que empregamos aqui deve ser</p><p>entendida no seu sentido mais amplo, não se restringindo, em nenhu</p><p>ma hipótese, a objetivos egoístas e muito menos a finalidades eco</p><p>nómicas. Os apelos à “Paz Mundial” ou de “ajuda aos chineses fa</p><p>mintos” podem ser um objetivo tão pessoal para um indivíduo com</p><p>um dólar a mais no seu salário no fim do mês. O fato dos alicientes</p><p>económicos predominarem com frequência nas organizações privadas</p><p>e governamentais não deve obscurecer a importância dos outros tipos</p><p>de incentivos. Nem se deve, tampouco, esquecer os valores egoístas</p><p>intangíveis, como o status, o prestígio ou o prazer de manter relações</p><p>com os associados da organização.</p><p>Explicamos no primeiro capítulo que os clientes constituem, nas</p><p>organizações com fins lucrativos, um grupo que possui, na sua grande</p><p>maioria, o primeiro tipo de motivação, isto é, o interesse direto dos</p><p>objetivos da organização; os empregados, o terceiro tipo e o empre</p><p>sário o segundo tipo. Isso é exato, está claro, num sentido bem geral</p><p>e mais adiante explicaremos, neste mesmo capítulo, o significado</p><p>dessa afirmativa.</p><p>Os membros de uma organização contribuem, por conseguinte,</p><p>para a organização em troca de um aliciente que lhes é oferecido</p><p>por esta e as contribuições de um grupo constituem a fonte dos</p><p>alicientes que a organização oferece aos demais. Se a soma das con</p><p>tribuições for suficiente, quantitativa e qualitativamente, para pro</p><p>porcionar a necessária quantidade e qualidade dos alicientes, a orga-</p><p>116 H E R B E R T S IM O N</p><p>nização sobrevive e cresce; caso contrário, decai e terminará desapa</p><p>recendo a menos que se consiga um equilíbrio entre esses dois ele</p><p>mentos .1</p><p>6 .2 . Tipologia dos participantes da organização</p><p>Os membros de uma organização podem ser classificados não apenas</p><p>em termos dos alicientes que recebem por sua participação, mas</p><p>também em função dos tipos de contribuições que dão às organiza</p><p>ções, ou seja: serviços específicos (um fornecedor de material); di</p><p>nheiro ou outros serviços neutros que podem ser empregados como</p><p>incentivos (clientes); e tempo e esforço (empregados).</p><p>Um terceiro método de classificação poderia ser utilizado para</p><p>distinguir aqueles que controlam a organização — isto é, que possuem</p><p>0 direito de estabelecer as condições que regerão a participação dos</p><p>demais nela — do resto dos participantes. As várias combinações pos</p><p>síveis de alicientes, contribuições e sistemas de controle contribuem</p><p>para o surgimento de abundante variedade de formas organizativas,</p><p>e essa variedade deve ser levada em consideração no estudo que se</p><p>segue.</p><p>6 .3 . Os objetivos da organização como alicientes</p><p>A maioria</p><p>das organizações são orientadas por determinada finalidade</p><p>ou objetivo que constitui o propósito em função do qual as decisões</p><p>e as atividades da organização são dirigidas. Se a finalidade é tan</p><p>gível — a fabricação de sapatos, por exemplo — não é muito difícil,</p><p>geralmente, avaliar de que maneira as atividades específicas contri</p><p>buem para ela e, por conseguinte, avaliar sua utilidade. Se o objetivo</p><p>não é tão concreto, como no caso de uma organização religiosa,</p><p>torna-se mais discutível determinar se dada atividade contribui para</p><p>tal fim. Por essa razão, pode haver considerável controvérsia, entre</p><p>os que desejam contribuir para aquele objetivo, quanto à melhor</p><p>maneira de alcançá-lo. Mesmo quando o objetivo é tangível existem</p><p>algumas atividades cuja relação com ele é tão indireta, embora não</p><p>menos essenciais por causa disso, que torna difícil o problema da</p><p>1 A idéia de equilíbrio organizativo deve-se a C. I. Babnard, e foi formulada em seu</p><p>livro T h e F u n c tio n s o f th e E x e c u tiv e , Cambridge, Harvard University Press, 1938, p. 56-59</p><p>e caps. XI e XVI.</p><p>O e q u ilíb r io d a organização 1 17</p><p>avaliação. E muito mais fácil, por exemplo, elaborar um orçamento</p><p>para o departamento de produção do que para o departamento de</p><p>publicidade ou para as atividades de supervisão.</p><p>Tem estado em grande voga na literatura sobre administração</p><p>de empresas discutir se o objetivo de uma empresa é a prestação de</p><p>serviços ou a obtenção de lucros. Não há, na realidade, nenhum pro</p><p>blema a discutir. Certos indivíduos, especialmente os clientes, con</p><p>tribuem para a organização por causa do serviço que esta lhes pro</p><p>porciona; outros, os empresários, devido aos lucros que podem aufe</p><p>rir. Quando se examina o próprio sistema do comportamento orga-</p><p>nizativo, vê-se que tanto os objetivos referentes à prestação de serviço</p><p>como os relacionados com a obtenção do lucro, influem nas decisões.</p><p>Ê apenas por conveniência terminológica que aplicamos aqui a ex</p><p>pressão objetivo da organização no sentido da finalidade de prestar</p><p>serviços.</p><p>APLICAÇÃO AOS TIPOS ESPECÍFICOS DE ORGANIZAÇÕES</p><p>A finalidade de uma organização — a produção de bens — constitui,</p><p>no caso de uma empresa industrial, um objetivo pessoal para os</p><p>indivíduos que não são normalmente considerados membros aa orga</p><p>nização, isto é, os clientes.2 Em troca desse artigo os fregueses estão</p><p>propensos a oferecer dinheiro, que proporciona o principal aliciente</p><p>para que os empregados e os empresários participem do grupo. As</p><p>relações dos clientes com a organização se distinguem não apenas</p><p>pelo tipo de alicientes que recebem, mas também pelo fato de que</p><p>se baseiam num contrato ou convénio em relação com um produto</p><p>específico sem pressuporem, geralmente, a permanência ou a conti-</p><p>tuidade dessas relações.</p><p>No caso de uma repartição pública, o objetivo da organização</p><p>é o objetivo pessoal do colegiado que em última análise a controla</p><p>— do legislativo — e do cidadão. A relação aqui é, em parte, a mesma</p><p>que existe numa organização industrial: os legisladores, vistos como</p><p>* Barnard, em seu livro T h e F u n c tio n s o f th e E x e c u tive , foi, talvez, o primeiro a</p><p>insistir que os clientes devem ser considerados como parte do sistema de atividades da</p><p>organização em qualquer teoria de administração. Sua opinião, neste particular, parece</p><p>não ter tido muita aceitação entre os que escrevem sobre administração. Conforme foi</p><p>mencionado, o problema principal aqui não é definir-se os m em b ro s da organ ização mas</p><p>se o comportamento dos clientes deve ser incluído ou não na análise desta.</p><p>118 HERBERT SIMON</p><p>c lien tes, fornecem dotações necessárias ao funcionamento da repar</p><p>tição. Difere todavia, em diversos aspectos fundamentais. Em pri</p><p>meiro lugar, eles conservam o controle legal final sobre a organiza</p><p>ção, e em segundo lugar, porque a motivação pessoal de cada um</p><p>deles se baseia no seu sta tu s característico de representante eleito.</p><p>O exame da maneira pela qual os legisladores incorrem em juízos</p><p>de valor ao determinar a política governamental das várias reparti</p><p>ções levar-nos-ia a uma digressão que envolveria, necessariamente,</p><p>uma análise completa de todo o processo legislativo.</p><p>O objetivo das organizações voluntárias é, geralmente, o incen</p><p>tivo direto que assegura os serviços dos membros da organização.</p><p>Os problemas administrativos dessas organizações decorrem do fato</p><p>de que as contribuições dos seus membros são dadas, freqiientemen-</p><p>te, em tempo parcial, de que podem interpretar de maneira diver</p><p>gente os objetivos da organização, e de que estes podem desempe</p><p>nhar, no sistema de valores do participante, um papel tão sem im</p><p>portância que oferece apenas um fraco aliciente para a cooperação.</p><p>Nesse particular, o voluntário rtilha de muitas características</p><p>para a organização com serviços e não com dinheiro.</p><p>ADAPTAÇÃO DO OBJETIVO DA ORGANIZAÇÃO</p><p>O objetivo da organização não é estático. Para sobreviver, a organi</p><p>zação deve possuir um objetivo que atraia seus clientes 3, a fim de</p><p>que estes proporcionem a contribuição necessária a sua preservação.</p><p>Por essa razão, os objetivos da organização tendem a adaptar-se</p><p>constantemente aos valores mutáveis da clientela, ou para atrair no</p><p>vos grupos de clientes destinados a substituir aqueles que o deixaram</p><p>de ser. A organização pode empreender, igualmente, atividades es</p><p>peciais para induzir a clientela a aceitar seus objetivos, tais como</p><p>a publicidade, a catequese e a propaganda de qualquer natureza.</p><p>Por conseguinte, ainda que seja correto dizer que o comporta</p><p>mento organizativo orienta-se pelo objetivo da organização, isto não</p><p>explica tudo, porque o próprio objetivo muda em resposta à influên-</p><p>* A palavra c lie n te é usada aqui no sentido genérico para referir-se a qualquer indivíduo</p><p>— cliente, legislador, ou voluntário — para quem o objetivo da organização possui valor</p><p>pessoal.</p><p>do cliente de uma empresa embora o primeiro contribua</p><p>O eq u ilíb r io da organização 1 19</p><p>cia daqueles para quem a sua realização satisfaz determinados va</p><p>lores pessoais.</p><p>A modificação do objetivo da organização representa, geralmen</p><p>te, uma conciliação dos interesses de diversos grupos de possíveis par</p><p>ticipantes, a fim de assegurar sua cooperação conjunta sempre que</p><p>cada grupo é incapaz de conseguir individualmente e sem ajuda os</p><p>seus próprios objetivos. Por essa razão o objetivo da organização rara</p><p>mente coincide de maneira exata com os objetivos pessoais inclusive</p><p>daqueles participantes cujo interesse na organização reside na realiza</p><p>ção de sua finalidade. A questão crucial, portanto, para cada um</p><p>desses indivíduos consiste em saber se o objetivo da organização se</p><p>aproxima de seu objetivo pessoal, a ponto de fazê-lo escolher esse</p><p>determinado grupo ao invés de tentar alcançar seu objetivo isolada</p><p>mente, ou como membro de outro grupo qualquer. Como se verá,</p><p>esse processo de conciliação ocorre, quer o grupo que controla a</p><p>organização esteja diretamente interessado no objetivo da organiza</p><p>ção, quer o aliciente oferecido pela organização seja de outro tipo.</p><p>LEALDADE DOS EMPREGADOS AO OBJETIVO DA ORGANIZAÇÃO</p><p>Embora o objetivo da organização seja da maior importância para</p><p>o comportamento daqueles participantes que denominamos clientes,</p><p>quase todos os membros de uma organização acabam imbuídos, em</p><p>maior ou menor grau, dos objetivos desta, e são por estes influencia</p><p>dos no seu comportamento. Isso já foi ressaltado, aliás, no caso das</p><p>organizações voluntárias e se verifica também, embora em grau me</p><p>nor, no caso de organizações governamentais e nas organizações pri</p><p>vadas. Representa um componente, deveras importante, da lealdade</p><p>organizativa. Se o objetivo aparentar alguma utilidade, os membros</p><p>da organização, cuja atenção está continuamente voltada para ele</p><p>em virtude de seu trabalho diário, desenvolverão uma apreciação</p><p>de sua importância e valor ( freqiientemente exagerada), e a conse</p><p>cução do valor adquirirá, por esta razão, importância pessoal para</p><p>eles. Veremos mais adiante que pode desenvolver-se nos empregados,</p><p>além da lealdade aos objetivos da organização, outro tipo de lealdade</p><p>bem diferente: a lealdade à própria organização e o interesse na sua</p><p>sobrevivência e desenvolvimento.</p><p>120 HERBERT SIMON</p><p>Para o empregado de uma organização não-voluntária o salário ou</p><p>remuneração constituem o incentivo pessoal mais destacado que ela</p><p>tem a oferecer-lhe. O fato de que ele oferece à organização não um</p><p>serviço específico mas seu tempo e esforços indiferenciados, em troca</p><p>desse incentivo, constitui uma característica peculiar e importante</p><p>da sua relação com a organização. Ele põe o seu tempo e seus esfor</p><p>ços à disposição dos que dirigem a organização, para que o usem</p><p>como acharem conveniente. Assim, tanto a relação de cliente (na</p><p>organização comercial) como a relação de empregado são oriundas</p><p>de um contrato, embora de natureza diferente. O contrato de em</p><p>prego resulta na criação de uma relação de autoridade contínua</p><p>entre a organização e o empregado.</p><p>Como pode ser isso? Por que é que o empregado assina um</p><p>cheque em branco, por assim dizer, ao aceitar o emprego? Em pri</p><p>meiro lugar, do ponto de vista da organização, nada se teria a lucrar</p><p>com o oferecimento de um aliciente ao empregado a menos que o</p><p>seu comportamento pudesse ser incorporado ao sistema de compor</p><p>tamento organizativo através de sua aceitação da autoridade da or</p><p>ganização. Em segundo lugar, do ponto de vista do empregado, as</p><p>atividades específicas com que ocupa seu tempo podem, dentro de</p><p>certos limites, ser relativamente indiferentes para ele. Se as ordens</p><p>que lhe são transmitidas pela organização caem dentro desses limites</p><p>de aceitação, ele permitirá que o seu comportamento seja guiado</p><p>por elas.</p><p>O que determina a amplitude da área de aceitação dentro da</p><p>qual o empregado aceitará a autoridade da organização? Isso depen</p><p>de da natureza e da magnitude dos alicientes oferecidos pela orga</p><p>nização. Além do salário, ele pode dar valor ao sta tu s e ao prestígio</p><p>que sua posição na organização lhe propicia, e pode dar grande valor</p><p>às relações com o grupo ao qual pertence. A organização deve levar</p><p>em consideração, ao estabelecer as tarefas do empregado, o efeito</p><p>que suas ordens podem ter sobre a realização desses valores por</p><p>parte dele. Se o empregado dá valor ao sta tu s de funcionário buro</p><p>crático, por exemplo, é possível que ele se mostre recalcitrante em</p><p>aceitar incumbências que o privem desse sta tus, mesmo quando o</p><p>trabalho que lhe é solicitado não é em si desagradável ou difícil.</p><p>6 .4 . Incentivos à participação dos empregados</p><p>O e q u ilíb r io d a organização 121</p><p>Existe entre os indivíduos grande variação quanto à importância</p><p>atribuída às oportunidades para promoção como alicientes para sua</p><p>participação. A promoção é, desde logo, ao mesmo tempo um in</p><p>centivo económico e um elemento de prestígio. B u r l e i g h G a r d n e r</p><p>já assinalou a importância para a teoria administrativa da presença</p><p>nas organizações de certos números de indivíduos altamente móveis,</p><p>isto é, indivíduos que possuem um desejo incontido de progredir.</p><p>Seria um erro, portanto (que esse autor cuidadosamente evita) pre</p><p>sumir que esses desejos causam o mesmo impacto em todos os indi</p><p>víduos.4</p><p>Vemos, portanto, que àqueles participantes de uma organização</p><p>denominados empregados se oferece, em troca de sua boa disposição</p><p>de aceitar as decisões da organização como base para o comportamen</p><p>to durante o período em que for seu empregado, grande variedade</p><p>de incentivos materiais e não-materiais, que não estão, geralmente,</p><p>diretamente relacionados nem com a realização do objetivo da orga</p><p>nização, nem com seu tamanho e desenvolvimento. A área dentro</p><p>da qual a autoridade da organização será aceita não é ilimitada, e</p><p>suas fronteiras dependerão dos alicientes que a organização for capaz</p><p>de proporcionar. Na medida em que esses alicientes não dependem</p><p>diretamente do objetivo da organização, a modificação dêste não</p><p>afetará o desejo de participação dos empregados, e por esta razão</p><p>exercerão muito pouca influência na determinação dos objetivos.</p><p>6 .5 . Valores oriundos das dimensões e do desenvolvimento da organização</p><p>O terceiro tipo de aliciente que induz o indivíduo a participar de</p><p>uma organização decorre das dimensões e do desenvolvimento dessa.</p><p>Poderíamos denominá-los, aliás, valores de preservação. O empresá</p><p>rio é o indivíduo mais destacado do grupo para o qual esses valôres</p><p>são importantes. Não há dúvida que o empresário, na medida em</p><p>que constitui o homem económico, interessa-se pelo lucro e não pelo</p><p>tamanho e crescimento da organização. Na prática, esta objeção não</p><p>é séria: em primeiro lugar porque os lucros estão, ou se pensa que</p><p>estão, estreitamente relacionados com tamanho e o crescimento da</p><p>organização; e, em segundo lugar, porque a maioria de empresários</p><p>4 A respeito deste e de outros aspectos do problema dos incentivos ver G a a d n e r ,</p><p>Burleigh B. H u m a n R e la tio n s in ln d u s try , Chicago, Richard D . Irwin, 1945, especialmente</p><p>os capítulos I e VIII.</p><p>122 HERBERT SIMON</p><p>interessa-se por valores não materiais, tais como o prestígio e o poder,</p><p>além do lucro. O apego aos objetivos de preservação é mais típico</p><p>do grupo de administradores profissionais que exerce controle ativo</p><p>da maioria das grandes emprêsas.</p><p>Os objetivos de preservação podem gerar importantes valores,</p><p>também, para os demais empregados da organização, particularmente</p><p>para aqueles que possuem grande mobilidade. Uma organização que</p><p>cresce e prospera oferece maiores oportunidades de prestígio e pro</p><p>gresso do que outra que permanece estática ou em declínio. Os</p><p>valores de preservação não são, por conseguinte, completamente in</p><p>dependentes, na prática, dos valores do segundo tipo, embora seja</p><p>melhor considerá-los separadamente para fins de análise.</p><p>O interesse na preservação da organização propicia a base para</p><p>um tipo de lealdade diferente da previamente mencionada. O indi</p><p>víduo que é leal aos objetivos da organização se oporá à modificação</p><p>desses objetivos, e pode mesmo deixar de participar dela, se eles</p><p>forem mudados de maneira radical. O indivíduo leal à organização</p><p>apoiará as mudanças nos seus objetivos desde que sejam oportunas</p><p>e se destinem a promover sua sobrevivência e expansão.</p><p>A lealdade à organização em si constitui, talvez, o tipo de leal</p><p>dade mais característico das organizações comerciais, embora ambas</p><p>as espécies predominem amplamente tanto na administração privada</p><p>como pública, na comercial e na não comercial. Algumas das mani</p><p>festações mais surpreendentes do conflito entre esses dois tipos de</p><p>lealdade são encontradas nas organizações reformistas e religiosas,</p><p>onde surgem com frequência controvérsias a respeito das modifica</p><p>ções que devem ser feitas nos objetivos da organização, a fim de</p><p>assegurar-lhe a sobrevivência. Foi esse, sem dúvida, o pomo da dis</p><p>córdia entre T r o t s k y e St a l i n . Conforme indicamos anteriormente,</p><p>os motivos dos oportunistas em tais controvérsias podem, é bom res</p><p>saltar, ser muito mais táticos do que egoístas. O oportunista, consi</p><p>derando desfavoravelmente as chances de sobrevivência sem adap</p><p>tação, pode preferir metade de um pão em lugar de nenhum, en</p><p>quanto o idealista pode calcular as chances de sobrevivência de ma</p><p>neira mais otimista ou pode considerar que a modificação dos objeti</p><p>vos excede de muito o aumento das probabilidades de sobrevivência.</p><p>Ambos os tipos de lealdade serão discutidos mais detalhadamente</p><p>em outro capítulo.</p><p>O eq u ilíb r io da organização 1 23</p><p>Os critérios básicos de valor que se empregarão na tomada de deci</p><p>sões e escolha de alternativas dentro de uma organização serão sele</p><p>cionados para essa primeiramente pelo grupo que a controla, isto é,</p><p>o grupo que tem poder para estabelecer as condições de admissão</p><p>para todos os participantes. Se o grupo que detém o controle legal</p><p>falha no exercício desse poder, ocorrerá, então, sua distribuição entre</p><p>os indivíduos</p><p>situados abaixo na hierarquia administrativa.</p><p>Qualquer que seja o grupo que exerce o poder de determinar</p><p>os critérios básicos de valor tentará assegurar através da organização</p><p>seus próprios valpres pessoais — sejam esses coincidentes com o obje</p><p>tivo da organização, com os objetivos de preservação, com lucros ou</p><p>com outra coisa qualquer. Mas o poder de controlar não significa,</p><p>em nenhum sentido, que o grupo dispõe de liberdade ilimitada para</p><p>conduzir a organização para qualquer direção que deseje, pois o</p><p>poder continuará a existir apenas enquanto o grupo controlador for</p><p>capaz de oferecer incentivos suficientes para manter as contribuições</p><p>dos demais participantes da organização. Quaisquer que sejam os</p><p>objetivos pessoais do grupo controlador, suas decisões serão grande-</p><p>inente influenciadas pelo fato de que somente podem alcançar seus</p><p>objetivos através da organização se forem capazes de manter um</p><p>saldo positivo das contribuições sobre os alicientes, ou pelo menos</p><p>um equilíbrio entre ambos.</p><p>Por essa razão, o grupo controlador, independentemente de seus</p><p>valores pessoais, será oportunista, estando motivado, em grande par</p><p>te, pelo menos, pelos objetivos de preservação. Talvez valha a pena</p><p>ilustrar isso de maneira mais completa no caso de tipos de organi</p><p>zação extremamente diferentes.</p><p>O EQUILÍBRIO NAS ORGANIZAÇÕES COMERCIAIS</p><p>Nas organizações particulares espera-se, geralmente, que os grupos</p><p>controladores se orientem primeiramente no sentido do lucro e da</p><p>continuação das atividades da empresa.5 Eles tentarão manter um</p><p>6 Is to p ode se r m enos com um nos ú ltim os anos d o q u e a n tig am en te , e m enos v e rd ad e iro</p><p>em negóc ios “ a fe tad o s pelo in te re sse p ú b lic o ” d o q u e em ou tro s . E m alg u m as áreas d e</p><p>em p reen d im en to s , p a rtic u la rm e n te n a á re a d a s u tilid a d e s p ú b lica s , te m -se desenvo lv ido um</p><p>co nceito d e fideicomisso q u e le v a o g ru p o c o n tro la d o r a tu a n te a id e n tif ic a r-se com o</p><p>ob je tivo d a o rgan ização n u m a p ro p o rção q u e o a u to r n ão p ô d e in fe liz m en te ca lcu la r.</p><p>6.6. O equilíbrio e a eficiência da organização</p><p>124 H E R B E R T SIM O N</p><p>saldo favorável das contribuições recebidas sobre os alicientes ofere</p><p>cidos, de duas maneiras: primeiro, modificando o objetivo da orga</p><p>nização em resposta às exigências do cliente; e segundo, empregando</p><p>os recursos, as contribuições monetárias, o tempo e o esforço dos em</p><p>pregados, de maneira a alcançar o máximo de aliciente para esses</p><p>recursos. Uma análise detalhada de como se realiza isso conduz au</p><p>tomaticamente à teoria denominada pelos economistas de economia</p><p>da firma, teoria que, infelizmente, não pode ser examinada aqui.</p><p>Não obstante, há um ponto que requer explicação: o segundo tipo</p><p>de ajustamento — ou seja, o emprego dos recursos disponíveis de</p><p>forma tão eficiente quanto possível para atender aos objetivos da</p><p>organização — torna a eficiência um critério básico de valor na deci</p><p>são administrativa em tais organizações.</p><p>Pode-se perguntar, então, por que razão a maioria das organi</p><p>zações comerciais, admitindo-se que o seu ajustamento básico é opor</p><p>tunista, tendem, geralmente, a manter objetivos razoavelmente es</p><p>táveis. A resposta envolve três aspectos fundamentais. Em primeiro</p><p>lugar existem os custos incorridos que fazem com que ajustamentos</p><p>imediatos e rápidos não sejam vantajosos, nem mesmo do ponto de</p><p>vista da sobrevivência. Em segundo lugar, a organização adquire</p><p>experiência num determinado campo de atividades, que constitui,</p><p>na realidade, um custo incorrido intangível, ou melhor um ativo in</p><p>tangível. Em terceiro lugar a organização conquista a boa vontade de</p><p>todos, que é também um ativo intangível que não pode ser facilmen</p><p>te transferido de uma área de atividades para outra. Em outras pala</p><p>vras, qualquer mudança nos objetivos da organização redunda, ge</p><p>ralmente, num decréscimo de eficiência no uso de recursos (custos</p><p>incorridos e técnica adquirida ( kncnv-how) e uma perda de incen</p><p>tivos que ficariam, caso contrário, prontos para serem utilizados de</p><p>modo a criar um saldo positivo (de boa vontade).</p><p>O EQUILÍBRIO NAS ORGANIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS</p><p>Na administração pública o cliente, i .e . , o poder legislativo, é o</p><p>poder controlador supremo. Considerando que esse grupo pode dar</p><p>à organização as dotações necessárias à consecução dos seus objeti</p><p>vos, torna-se menos evidente, numa análise perfunctória, que tal or</p><p>ganização seja um sistema em equilíbrio. Pode-se esperar, também,</p><p>que a modificação oportunística do objetivo da organização se torne</p><p>O e q u ilíb r io da organização 125</p><p>menos evidente nos órgãos governamentais do que nas organizações</p><p>comerciais.</p><p>O exame mais detido tende a reduzir a importância dessas dife</p><p>renças. Em primeiro lugar, o poder legislativo e o eleitorado, perante</p><p>o qual aquele é responsável, são instáveis em termos de vontades e</p><p>objetivos. Em segundo lugar, o controle do poder legislativo sobre</p><p>a entidade pública é usualmente de natureza relativamente passiva</p><p>e geral, e freqúentemente — talvez quase sempre — a iniciativa real</p><p>para a formulação de objetivos reside no grupo administrativo de</p><p>cúpula. O grupo pode, aliás, estar fortemente imbuído dos objetivos</p><p>da organização, com as finalidades de preservá-la, ou ambos, e, den</p><p>tro dos limites de seu arbítrio, desempenhar quase que o mesmo</p><p>papel que o grupo de gerência desempenha nas organizações co</p><p>merciais.</p><p>De qualquer modo, a eficiência volta a aparecer como o critério</p><p>básico das decisões, na organização pública, uma vez que o grupo</p><p>controlador tratará de alcançar o maior número possível de objetivos</p><p>da organização, qualquer que seja a sua natureza, com os recursos</p><p>ao seu dispor.</p><p>O E Q U IL ÍB R IO N A S O R G A N IZ A Ç Õ E S P R IV A D A S S E M F IN A L ID A D E S L U C R A T IV A S</p><p>A organização sem objetivo de lucro (uma associação profissional,</p><p>ou uma escola particular, por exemplo) provavelmente diferirá da</p><p>organização comercial comum em vários respeitos. Em primeiro lu</p><p>gar, não existe nela o conflito — sempre possível nas organizações</p><p>comerciais — entre o objetivo do lucro, e os outros tipos de objetivos</p><p>já discutidos. Ademais, é provável que o grupo controlador se iden</p><p>tifique estreitamente com o objetivo da organização, daí o seu opor</p><p>tunismo, embora seja provável que um elemento importante no equi</p><p>líbrio de tais organizações pertença ao tipo previamente descrito</p><p>como tá tico . Por outro lado, o critério da eficiência desempenhará</p><p>nessas organizações o mesmo papel que desempenha nas outras que</p><p>descrevemos.</p><p>E L E M E N T O S C O M U N S</p><p>Talvez sirvam tais ilustrações para dar uma idéia da grande varie</p><p>dade de possíveis formas de organização. O leitor poderá sem dúvida</p><p>126 HERBERT SIMON</p><p>sugerir com base na própria experiência outras formas e conhecer as</p><p>numerosas modificações que essas podem sofrer, particularmente no</p><p>que diz respeito à motivação do grupo controlador.</p><p>Pode-se aplicar a mesma análise aos segmentos ou partes das</p><p>organizações: departamentos, divisões e seções que as compõem. Os</p><p>administradores dessas subdivisões, dentro dos limites da liberdade</p><p>para decidir que lhes é facultada, comportam-se de maneira muito</p><p>parecida com os grupos que controlam as organizações autónomas.</p><p>Indicam os exemplos que existem pelo menos dois elementos co</p><p>muns a todas as formas organizativas: a presença de um mecanismo</p><p>ou mecanismos equilibradores e a utilização da eficiência como o</p><p>critério básico de orientação da escolha administrativa.</p><p>O C R IT É R IO D A E F IC IÊ N C IA</p><p>O critério da eficiência constitui um elemento tão importante na to</p><p>mada de decisões na organização que um capítulo inteiro será devo</p><p>tado ao assunto. Antes de encerrar esta discussão, porém, talvez seja</p><p>melhor dar-lhe uma definição mais precisa. O critério de eficiência</p><p>exige que, dentre duas alternativas que possuem o mesmo custo,</p><p>escolha-se</p><p>Crescimento de uma Nova Organização. A</p><p>Administração para a Cooperação Económica (ACE) dos Estados</p><p>Unidos foi criada, em 1948, com o fim de dirigir o Plano Marshall,</p><p>àquela altura um tipo inteiramente novo de programa de ajuda ao</p><p>estrangeiro. De acordo com nossa teoria seríamos levados a prever,</p><p>no caso em foco, que o problema mais urgente dessa organização</p><p>nos seus primeiros meses de existência consistia na tentativa de uma</p><p>compreensão clara e simples de sua missão. Somente depois dessa</p><p>medida, poderiam, conseqúentemente, ser sobrepujados os limites da</p><p>racionalidade, descritos no quinto capítulo, permitindo, destarte, aos</p><p>administradores do órgão dispor de um ambiente estável e congruen</p><p>te para tomar decisões.</p><p>Na realidade, isso ocorreu de acordo com o previsto. No decor</p><p>rer das primeiras semanas de funcionamento, os responsáveis pela</p><p>ACE puderam formular um conjunto de princípios orientadores que</p><p>passaram a fornecer as premissas básicas para as decisões relativas</p><p>às suas atividades. Após isso, e somente após, a estrutura da orga</p><p>nização tomou forma. Das unidades já existentes da novel organiza</p><p>ção, as que estavam em harmonia com esses princípios continuaram</p><p>a crescer e a desenvolver-se, enquanto que as demais atrofiaram-se.</p><p>Por meio de uma análise acurada das premissas-chaves das decisões,</p><p>podiam-se prever as linhas básicas do processo decisório do órgão.</p><p>Introdução à 2.a edição norte-americana XIX</p><p>e a partir desse processo identificar as características mais impor</p><p>tantes de sua estrutura organizativa.2</p><p>Exemplo n.° 3: Desenvolvimento de Produtos. Indústrias que</p><p>em sua origem baseiam-se em processos tecnológicos radicalmente</p><p>novos, atravessam, em geral, várias etapas típicas no desenvolvimen</p><p>to e aperfeiçoamento de seus produtos. Na primeira etapa, a fonte</p><p>central de idéias aperfeiçoadoras é a própria tecnologia e as ciências</p><p>correlatas. No caso da indústria automobilística durante essa fase,</p><p>por exemplo, a liderança técnica dependia em grande parte do aper</p><p>feiçoamento do motor de explosão, dos mecanismos de transmissão,</p><p>e assim por diante. Com o correr do tempo, porém, o aperfeiçoa</p><p>mento do produto tornou-se pouco a pouco um problema de adapta</p><p>ção aos fins que se tinham em vista.</p><p>A análise das fontes geradoras de idéias novas nessas duas fases</p><p>poria em relevo, certamente, o fato de que se necessitava de inúme</p><p>ras e variadas pesquisas e capacidade inovadora, bem como diferen</p><p>tes sistemas de comunicações entre os departamentos de engenharia</p><p>e os demais departamentos ao seu redor. No decurso de muitos anos,</p><p>os acontecimentos geraram mudanças organizativas apropriadas na</p><p>maior parte das empresas, ernbora a análise sistemática do problema</p><p>pudesse ter originado essas modificações em prazo muito mais curto</p><p>e de maneira mais lucrativa, em muitos casos. Com base nessas ob</p><p>servações, podemos prever, desde logo, que problema idêntico será</p><p>enfrentado pela indústria de computadores eletrónicos nas próximas</p><p>décadas.</p><p>Os três exemplos utilizados servem para ilustrar de que ma</p><p>neira os métodos de análise propostos neste livro podem ser aplica</p><p>dos aos problemas específicos das organizações. Para entender-se</p><p>bem o processo decisório, é indispensável o desenvolvimento de uma</p><p>visão cuidadosa e objetiva das decisões requeridas pelas atividades</p><p>da organização, bem como do fluxo das premissas que contribuem</p><p>para essas decisões. A fim de conseguir-se esse desiderato, torna-se</p><p>imperativa a existência de um vocabulário e de conceitos que per</p><p>mitam destacar o que é essencial e desprezar o que é acessório.</p><p>Somente ao leitor cabe, no entanto, decidir se o vocabulário e os</p><p>conceitos aqui desenvolvidos lhe permitem ou não examinar os pro-</p><p>3 Ver Birth of An Organization: The Ecnnomic Coopera tion Administration, P ublic</p><p>A d m in istra tio n R c v ie w , 13, p. 227-236, outono de 1953.</p><p>X X HERBERT SIMON</p><p>bíemas de organização de maneira mais percuciente do que lhe era</p><p>permitido pela sabedoria caseira que se passou por análise organi-</p><p>zativa no passado.</p><p>O comportamento administrativo e a moderna ciência do comportamento</p><p>Até aqui nos preocupamos, fundamentalmente, com os assuntos dos</p><p>capítulos 7 a 11, que foram considerados por mim, anteriormente,</p><p>como o primeiro e segundo extratos que compõem o livro. Gostaria</p><p>agora de aprofundar-me um pouco mais, até o terceiro extrato, re</p><p>presentado pelos capítulos 4 e 5, que tratam da racionalidade do</p><p>processo decisório dos seres humanos. Talvez a maneira mais simples</p><p>de explicar a organização dos referidos capítulos seja formular algu</p><p>mas perguntas:</p><p>1. Por que razão esses capítulos tratam do comportamento racional?</p><p>2. Porque dão ênfase aos limites da racionalidade?</p><p>Tentarei responder a essas questões nos dois próximos tópicos,</p><p>passando, nos seguintes, a examinar as relações desta teoria do com</p><p>portamento com outras atualmente existentes no campo das ciências</p><p>do comportamento.</p><p>O COM PORTAM ENTO RACIONAL E A ADMINISTRAÇÃO</p><p>As ciências sociais sofrem de esquizofrenia aguda no que tange ao</p><p>tratamento dispensado à racionalidade. Num extremo situam-se os</p><p>economistas que atribuem ao homem económico uma onisciêneia ra</p><p>cional absurda, tornando-o senhor de um sistema de preferências</p><p>completo e congruente que lhe permite: a) escolher sempre entre</p><p>as várias alternativas com que se defronta, b) saber em que consis</p><p>tem elas, c) realizar avaliações cuja complexidade é ilimitada, a fim</p><p>de determinar que alternativas são mais desejáveis, e d) executar</p><p>complicadíssimos cálculos de probabilidade que não o amedrontam</p><p>nem apresentam qualquer mistério. Nos últimos dez anos, em vir</p><p>tude de sua derivação para o campo dos estudos das situações ine</p><p>rentes aos jogos competitivos e da tomada de decisões em condições</p><p>de incerteza, esta teoria atingiu um estágio de refinamento tomista,</p><p>de considerável interesse normativo, que possui, contudo, muito pou-</p><p>In tro d u çã o à 2 .u ed ição norte-am ericana XXI</p><p>ca relação com o comportamento real ou potencial de indivíduos de</p><p>carne e osso.</p><p>No outro extremo, encontramos as tendências de psicologia so</p><p>cial, remanescentes da influência de F r e u d , que tratam de reduzir</p><p>todo conhecimento à afetividade. Assim, descobriu-se, por exemplo,</p><p>que as moedas parecem maiores para as crianças pobres do que</p><p>para as ricas ( B r u n e r e P o s t m a n ); que as pressões de um grupo</p><p>social podem convencer um indivíduo a ver manchas onde não</p><p>existe nenhuma (A sai); que o processo de resolver problemas de</p><p>um grupo envolve a acumulação e liberação de tensões ( B a l e s ),</p><p>e assim por diante. A velha geração dos cientistas do comportamento</p><p>despendeu grande parte dos seus esforços, de conformidade com</p><p>os preceitos ditados por F r e u d , demonstrando que as pessoas não</p><p>são tão racionais como pensam. A próxima geração talvez seja for</p><p>çada, quem sabe, a demonstrar que é muito mais racional do que a</p><p>descrevemos no momento, ainda que não chegue a atingir a gran</p><p>diosidade racional apregoada pela economia.</p><p>A esquizofrenia aqui referida é tratada nos capítulos 4 e 5. A</p><p>quem tenha observado as organizações administrativas ou se preo</p><p>cupado com sua teoria, parece óbvio que o comportamento humano</p><p>nas organizações é, se não totalmente, pelo menos em boa parte,</p><p>intencionalmente racional. O comportamento nas organizações é, ou</p><p>parece ser, orientado em grande parte no sentido da realização de</p><p>tarefas, sendo, ocasionalmente, eficaz na consecução desses propó</p><p>sitos. Se quisermos, por conseguinte, dar urna explicação psicológica</p><p>ao comportamento humano nas organizações, a teoria psicológica a</p><p>ser aplicada deverá incluir, forçosamente, algo sobre o comporta</p><p>mento racional.</p><p>Parece igualmente evidente, por outro lado, a quem observa o</p><p>comportamento dos indivíduos numa organização, que a racionali</p><p>dade aí manifestada não possui nem de longe resquícios da onisciên-</p><p>cia global que é atribuda ao homem económico. O problema, por</p><p>conseguinte, não é resolvido simplesmente pela substituição</p><p>aquela que levará a maior realização dos objetivos da</p><p>organização, e que, das duas alternativas que levam a grau de rea</p><p>lização equivalente, escolha-se aquela que acarretará menor custo.</p><p>Quando os recursos, os objetivos e os custos são variáveis, as</p><p>decisões organizativas não podem ser tomadas somente por motivos</p><p>de eficiência. Quando o montante de recursos e de objetivos da or</p><p>ganização forem estabelecidos, fora do controle do administrador, a</p><p>eficiência converte-se no fator determinante que controla a escolha</p><p>administrativa.</p><p>6 . 7 . Conclusões</p><p>Descrevemos a organização neste capítulo como um sistema equili</p><p>brado, que recebe contribuições sob a forma de dinheiro ou trabalho,</p><p>e em troca, oferece alicientes. Os alicientes incluem o objetivo da</p><p>organização, a preservação e o desenvolvimento da mesma, e os in</p><p>centivos que não guardam nenhuma relação com ambas.</p><p>O eq u ilíb r io da organização 127</p><p>O equilíbrio da organização é mantido pelo grupo controlador,</p><p>cujos valores pessoais podem ser de natureza vária, mas que assume</p><p>a responsabilidade de manter viva a organização, para poder alcan</p><p>çar esses valores.</p><p>Os capítulos restantes conterão um desdobramento dos tópicos</p><p>tratados até aqui. Examinaremos mais detidamente a relação de au</p><p>toridades, o conceito de eficiência, estudaremos as lealdades organi-</p><p>zativas, e trataremos com certa minúcia dos mecanismos de influen-</p><p>ciação que a organização aplica ao indivíduo. De posse desse ma</p><p>terial, será possível, então, compor um panorama geral da anatomia</p><p>da organização e dos processos decisórios administrativos.</p><p>128 HERBERT SIMON</p><p>7. 0 papel da autoridade</p><p>Após o exame dos processos através dos quais o indivíduo se torna</p><p>membro de uma organização, chegamos ao problema seguinte, rela</p><p>tivo à maneira pela qual a organização adapta o comportamento do</p><p>indivíduo num sistema integrado, ou seja, de que maneira influencia</p><p>suas decisões. Podemos distinguir dois aspectos da influenciação: os</p><p>estímulos com os quais a organização busca influenciar o indivíduo</p><p>e a pred isposição psicológica do indivíduo, que determina sua res</p><p>posta a esses estímulos. Esses fatores podem ser denominados aspec</p><p>tos externos e in ternos da influência, respectivamente.</p><p>Para fins de análise, não é conveniente separar por completo</p><p>os aspectos internos e externos da influência. Cada um desses desem</p><p>penha papel de maior ou menor importância nos principais modos</p><p>de influenciação: autoridade, comunicação, treinamento, eficiência</p><p>e identificação (lealdade organizativa). Cada um desses tópicos será</p><p>considerado, por seu turno, nos capítulos seguintes.</p><p>É preciso não perder de vista, neste capítulo e nos que se se</p><p>guem, a idéia de que uma decisão representa uma conclusão tirada</p><p>de um conjunto de premissas de fato e de valor. A influência exercida</p><p>pela organização sobre o indivíduo pode ser interpretada, por con</p><p>seguinte, não como determinação por parte dela das decisões do in</p><p>divíduo, mas sim de algum as das premissas em que este deverá ba</p><p>sear suas decisões. Por essa razão diz-se que os diferentes modos de</p><p>influenciação não são mutuamente exclusivos. Quando o indivíduo</p><p>se decide por determinado curso de ação, é possível que algumas das</p><p>premissas em que baseia essa decisão lhe tenham sido impostas pela</p><p>autoridade que a organização exerce sobre ele. Outras podem resultar</p><p>do seu treinamento, do desejo de ser eficiente, de sua lealdade orga</p><p>nizativa, e assim por diante.</p><p>O p a p e l da a u to ridade 129</p><p>De todas as formas de influenciação, a autoridade é a que dis</p><p>tingue de maneira eficaz o comportamento dos indivíduos como par</p><p>ticipantes da organização, de seu comportamento fora dela. É ainda</p><p>a autoridade que proporciona à organização sua estrutura formal,</p><p>podendo-se tratar melhor dos modos de influenciação após a especi</p><p>ficação dessa estrutura.</p><p>Encontramos, freqiientemente, no comportamento dos grupos</p><p>humanos organizados uma unidade e uma coordenação de comporta</p><p>mento tão surpreendente que tem levado muitos pensadores sociais</p><p>a estabelecer uma analogia entre o grupo e o indivíduo, e até mesmo</p><p>a admitir a existência de uma mente grupai.1 O mecanismo que</p><p>torna possível essa coordenação não é, contudo, facilmente identifi</p><p>cado. No caso do indivíduo, existe uma estrutura tangível de fibras</p><p>nervosas, capaz de transmitir impulsos de uma parte do corpo a</p><p>outra, e capaz de armazenar e transformar num ponto central esses</p><p>impulsos. No caso do grupo social não encontramos nenhuma estru</p><p>tura fisiológica cuja anatomia possa ser estudada com o intuito de</p><p>descobrir indícios sobre o mecanismo que lhe serve de base para</p><p>a ação.</p><p>O modo pelo qual se obtém tal coordenação já foi, aliás, parcial</p><p>mente descrito na última parte do capítulo 5. Traça-se um plano de</p><p>ação para o grupo o qual é posteriormente comunicado a todos os</p><p>membros desse grupo. A aceitação desse plano pelos membros do</p><p>grupo constitui a etapa final desse processo, cabendo à autoridade</p><p>desempenhar um papel central nessa aceitação.</p><p>Desse modo, obtém-se a coordenação sempre que o comporta</p><p>mento do indivíduo é guiado por suas expectativas do comporta</p><p>mento dos outros membros do grupo. Nos casos mais simples essa</p><p>adaptação pode ser, como vimos, auto-sugerida. Não obstante, para</p><p>que a coordenação alcance certo grau de complexidade, é necessário</p><p>que o indivíduo faça com que sua decisão específica se conforme a</p><p>um certo plano grupai. Psicologicamente falando, sua verificação de</p><p>que segundo o plano um determinado comportamento faz parte de</p><p>seu papel deve constituir um estímulo suficiente para provocar o</p><p>comportamento em causa.</p><p>1 Para duas refutações incisivas das teorias da m e n te grupa i ver Allport, Lloyd H .</p><p>In s titu tio n a l B ehav io r , Chapei Hill, University of North Carolina Press, 1933, caps. I-III,</p><p>e MacIver, R. M. C o m m u n ity , livro II, cap. II e ap. A.</p><p>130 HERBERT SIMON</p><p>Os processos mentais realizados raramente são completamente</p><p>deliberados ou conscientes. A maior parte dos comportamentos que</p><p>produzem coordenação provém em grande parte do hábito ou de</p><p>reflexos condicionados. Ao obedecer a uma ordem o soldado não</p><p>medita na filosofia da obediência, mas estabelece para si mesmo</p><p>uma regra de comportamento que faz com que suas escolhas obede</p><p>çam ao comando. Ao invés de guiar-se, a cada momento, pela de</p><p>cisão, “atacarei agora”, o soldado subordina todas essas decisões a</p><p>uma regra geral, “atacarei quando for mandado”.</p><p>A análise de todas as classes de comportamento organizado de</p><p>monstra que esse tem êxito quando cada um dos indivíduos coor</p><p>denados estabelece para si próprio um critério de escolha que toma</p><p>o próprio comportamento dependente do comportamento dos outros.</p><p>Nos casos mais simples o indivíduo decide autonomamente sobre</p><p>quais deveriam ser esses ajustamentos em cada ponto. Nas formas</p><p>um pouco mais complexas de organização, ele estabelece para si</p><p>próprio uma regra geral que permite que a decisão comunicada por</p><p>um outro guie sua própria escolha (isto é, sirva de premissa para</p><p>essas escolhas) sem deliberação de sua parte sobre a oportunidade</p><p>dessas premissas.</p><p>7 .1 . A autoridade</p><p>Mesmo as ilustrações mais simples que apresentamos do comporta</p><p>mento organizado mostra, pelo menos embrionariamente, o fenô</p><p>meno da autoridade.</p><p>Pode-se definir a autoridade como o poder de tomar decisões</p><p>que guiam as ações de outrem. É uma relação entre dois indivíduos,</p><p>um superior, o outro subordinado. O primeiro delimita e transmite</p><p>decisões na espectativa de que elas serão aceitas pelo subordinado.</p><p>Este, por seu turno, espera tais decisões e sua conduta é por elas</p><p>determinada. 2</p><p>A relação de autoridade pode ser definida, portanto, em termos</p><p>puramente objetivos e behavioristas, envolvendo o comportamento</p><p>tanto do superior como do subordinado. Somente quando esses com-</p><p>3 Para outras descrições do que se entende por autoridade ver W h ite , L. D. In tro d u c tio n</p><p>to th e S tu d y o f P u b lic A d m in is tra iio n , Nova Iorque,</p><p>da psi</p><p>cologia pela economia, com base para a formulação de uma teoria</p><p>da organização. Na realidade, conforme discutirei mais detalhada-</p><p>mente no próximo tópico, é precisamente na área em que o compor</p><p>tamento humano é intencional, embora lirnitadamcnte racional, que</p><p>se concentram as maiores possibilidades para o desenvolvimento de</p><p>uma autêntica teoria de organização e administração.</p><p>XX [I HERRERT SIMON</p><p>OS LIMITES DA RACIONALIDADE</p><p>A tese central dos capítulos 4 e 5 pode ser resumida numa frase:</p><p>A principal preocupação da teoria administrativa reside nos limites</p><p>entre os aspectos racionais e irracionais do comportamento social</p><p>dos seres humanos. A teoria administrativa é, na sua essência, a teo</p><p>ria da racionalidade intencional e limitada do comportamento dos</p><p>seres humanos que contemporizam porque não possuem meios para</p><p>maximizar.</p><p>Esta tese é discutida exphcitamente em três pontos do livro, a</p><p>saber: a título introdutório nas páginas 40-42, em relação à psico</p><p>logia da tomada de decisões na página 83, e em suas implicações</p><p>para a administração nas páginas 252-256. O leitor verificará que</p><p>a leitura atenta dessas passagens ser-lhe-á muito útil na compreensão</p><p>dos capítulos 4 e 5.</p><p>O capítulo 4 constitui o ponto de partida para a descrição da</p><p>racionalidade humana nas organizações, mostrando a racionalidade</p><p>mais inclusiva do homem económico e que condições teriam que ser</p><p>preenchidas para que o indivíduo pudesse efetuar suas escolhas</p><p>segundo os ditames da teoria económica. O capítulo 5 procura defi</p><p>nir, então, as maneiras pelas quais o comportamento real se desvia</p><p>do modelo económico, e o papel que o meio ambiente da organiza</p><p>ção desempenha nesse comportamento.</p><p>Na época em que esses capítulos foram escritos, o modelo do</p><p>homem económico estava desenvolvido de maneira muito mais com</p><p>pleta e formal do que o modelo do homem administrativo (em parte</p><p>devido à preocupação dos psicólogos com o não-racional). Por esse</p><p>motivo, os limites da racionalidade foram definidos no livro, em</p><p>grande parte, como categorias residuais, o que fez com que a carac</p><p>terização positiva do processo de escolha deixe muito a desejar.</p><p>No decurso dos últimos anos, contudo, tive a oportunidade de</p><p>voltar a tratar dos problemas examinados no capítulo 5 e de cons</p><p>truir um modelo de escolha racional que poderia incorporar, a</p><p>um só tempo, as características reais dos seres humanos e a clareza</p><p>formal do modelo económico, conforme já tive oportunidade de ex-</p><p>In tro d u çã o à 2 .a ed ição norte-am ericana X X III</p><p>plicar detalhadamente em outras ocasiões.3 Por conseguinte, para</p><p>que se transforme o homem económico examinado no capítulo quar</p><p>to, no homem de racionalidade limitada, conceituado no capítulo</p><p>que se transforme o homem económico examinado no capítulo 4,</p><p>no homem de racionalidade limitada, conceituado no capítulo 5, e</p><p>que encontramos tão amiúde na vida diária, duas correções funda</p><p>mentais precisam ser feitas:</p><p>1. Enquanto o homem económico maximiza seus esforços, selecio</p><p>nando a melhor alternativa entre as que se lhe apresentam, seu pri</p><p>mo. a quem chamaremos de homem administrativo, contemporiza</p><p>isto é, busca um curso de ação satisfatório ou razoavelmente born.</p><p>A participação no mercado, lucro adequado, e preço justo, consti</p><p>tuem alguns exemplos corriqueiros para os homens de negócio, ainda</p><p>que desconhecidos para a maioria dos economistas, desses critérios</p><p>satisfatórios.4</p><p>2. O homem económico lida com o mundo real em toda sua com</p><p>plexidade. O homem administrativo reconhece, contudo, que o mun</p><p>do por ele percebido é apenas um modelo drasticamente simplificado</p><p>do agitado e confuso mundo real. Ele se conforma com essa simpli</p><p>ficação grosseira porque acredita que o mundo real é, na sua grande</p><p>parte, vazio, isto é, a maioria dos fatos que o integram não possui</p><p>muita relevância para qualquer situação específica com que se de</p><p>fronta e que as relações de causa e efeito mais importantes são</p><p>simples e breves (ver páginas 71-73). Desse modo, ele se resigna</p><p>a eliminar de suas cogitações todos os aspectos da realidade, o que</p><p>praticamente significa dizer a maior parte deles, que não são funda</p><p>mentais para situação com que se defronta. Assim procedendo, rea</p><p>liza suas opções baseado numa imagem simplificada da situação,</p><p>tomando em consideração apenas aqueles fatores que julga mais re</p><p>levantes e fundamentais.</p><p>Qual a importância, indagamos agora, dessas duas características</p><p>do homem administrativo? Primeiro, porque contemporiza ao invés</p><p>de maximizar, o homem administrativo pode realizar suas escolhas</p><p>8 Ver, a respeito, os artigos A Behavioral Modcl of Rational Choice no Ç u a rte r ly Journal</p><p>o f E conom ics, fevereiro, 1955, e Rational Croice and the Structure of the Environment, na</p><p>P sycho log ica l R e v ie tv , abril, 1956, que foram reeditados e incorporados no livro M odels</p><p>o f M a n , Nova Iorque, John Wiley & Sons, Inc., 1956. Ponto de vista parecido foi desen</p><p>volvido por A sh b y , W. Rossi em seu livro D esig n fo r a B ra in , Nova Iorque, John Wiley</p><p>& Sons, Inc., 1952.</p><p>4 Ver, por exemplo, C y e r t , R. M. e M a r c h , James G. Organizational Faciors in the</p><p>Tbeory of Oligopoly, Q uarter ly Journal o f E conom ics 70: 44-64, fevereiro, 1956.</p><p>XXIV HERBERT SIMON</p><p>sem precisar de examinar previamente todas as possíveis alternativas</p><p>de comportamento, e sem ter de certificar-se de que essas são d'j</p><p>fato todas as alternativas que se lhe oferecem. Segundo, porque con</p><p>sidera o mundo como sendo realtivamente vazio e ignora a inter-</p><p>relação de todas as coisas (cuja observância é tão paralisadora para</p><p>o pensamento e para a ação), o homem administrativo é capaz de</p><p>tomar decisões guiado por regras empíricas relativamente simples,</p><p>que não sobrecarregam sua capacidade de pensar.</p><p>Esta descrição do homem administrativo é, em essência, uma</p><p>ampliação e formalização da descrição constante nas páginas 83-86</p><p>do livro. Agora perguntamos: como é que podemos certificar-nos de</p><p>que essa constitui uma descrição correta, isto é, mais acurada, por</p><p>exemplo, do que a fornecida pelo modelo do homem económico?</p><p>A fim de responder a esta pergunta, o primeiro teste, e certamente</p><p>o não menos importante, é o teste do bom senso. Neste particular,</p><p>não é difícil imaginar os mecanismos decisórios que o homem admi</p><p>nistrativo utilizaria. A idéia que temos deste se adapta muito bem</p><p>ao conhecimento introspectivo de nossos próprio processos feitas</p><p>pelos poucos psicólogos que os estudaram 5</p><p>A formalização da teoria nos últimos anos, conforme pode ser ilus</p><p>trado pelos trabalhos citados na nota de rodapé n.° 4 e outros poste</p><p>riores, tornou possível um teste mais acurado dessas ideias. Recen</p><p>temente, A l l e n N e w e l e eu conseguimos descrever, por exemplo,</p><p>com detalhes, um mecanismo decisório capaz de revelar certa simi</p><p>laridade com o complexo comportamento humano exibido na reso</p><p>lução de problemas, no caso, relacionado com a descoberta de pro</p><p>vas de teoremas, no campo da lógica.6 Na realidade, é possível,</p><p>agora, simular as formas mais complexas do comportamento humano,</p><p>usando-se esse programa de tomada de decisões, com a ajuda de</p><p>um computador eletrónico simples. Embora uma descrição mais de</p><p>talhada dos resultados obtidos não caiba no presente trabalho, eles</p><p>são mencionados de passagem, todavia, neste trecho, apenas para</p><p>ressaltar que não considero a descrição da racionalidade humana</p><p>feita nos capítulos 4 e 5 como hipotética, mas real, por já ter sido</p><p>comprovada nos aspectos principais.</p><p>6 Consultar, a respeito, W e r t h e im e r , Max. P ro d u c tive T h in k in g , Nova Iorque, Haiper</p><p>& Bros., 1945 e G r o o t , A. D. d e . H e t D e n k e n v a n d e n Schaker , Amsterdã, Noord-</p><p>Hollandsche Uitgevers Maatschappij, 1946.</p><p>8 Para uma explanação da orientação gera l seguida nesse trabalho, ver N e w e l l , Allen</p><p>e S im o n , A. The Logic Theory Machine, T ransactions o n In fo rm a tio n T heory , Institute of</p><p>Radio Engineers, vol. IT.-2 n.° 3, setembro,</p><p>1956, p. 61-79.</p><p>Introdução à 2." edição norte-americana XXV</p><p>É interessante, e ao mesmo tempo um pouco irónico, que precisa</p><p>mente no momento em que estamos aprendendo a elaborar, de</p><p>maneira razoavelmente precisa e empiricamente verificável, teorias</p><p>a respeito da tomada de decisões racionais dos seres humanos, ocorra</p><p>um vigoroso ressurgimento da teorização sobre o homem económico.</p><p>Essa renascença é fruto de notáveis progressos ocorridos no campo</p><p>da teoria dos jogos, graças às contribuições de v o n N e u m a n n e</p><p>M o r g e n s t e r n , por um lado, e por outro lado, aos progressos igual</p><p>mente notáveis e estreitamente relacionados com os avanços na teo</p><p>ria estatística da decisão, devidos a N e y m a n , P e a r s o n e W a l d .</p><p>O leitor que desejar conhecer mais de perto esses progressos encon</p><p>trará uma bibliografia extensa no trabalho de W a r d E d w a r d s inti</p><p>tulado The Theory of Decísion-Making, publicado no Psychological</p><p>Bulletin, de julho de 1954.</p><p>Esses progressos ocorreram tão repentinamente no campo das</p><p>ciências sociais, há mais ou menos uma década, que houve a ten</p><p>dência de recebê-los mais ou menos como um conjunto indiscrimi</p><p>nado e sem maiores preocupações de análise. Isso impediu fossem</p><p>adequadamente analisados em separado. Não obstante, há pelo me</p><p>nos cinco conceitos distintos, todos fundamentais e constantes, na</p><p>teoria dos jogos de v o n N e u m a n n e M o r g e n s t e r n , a saber:</p><p>1. A ideia de simbolizar possíveis formas de comportamentos futu</p><p>ros como uma árvore de onde se irradiam, a partir de cada ponto</p><p>de escolha, inúmeros ramos, a fim de que o indivíduo selecione em</p><p>cada um desses pontos a ramificação apropriada que deve seguir</p><p>(ver páginas 69-70). Esse conceito é muito mais antigo que a mo</p><p>derna teoria dos jogos, aparecendo já em publicações que datam</p><p>de 1893. É, por outro lado, intuitivamente familiar à maioria dos</p><p>jogadores de xadrez e aos psicólogos que já realizaram experiências</p><p>de laboratório com ratos que devem aprender o caminho mais con</p><p>veniente através de um labirinto.</p><p>2. A idéia de selecionar o minimax (aquela ramificação que pro</p><p>piciará o melhor resultado no confronto com um adversário malicio</p><p>so) para definir a escolha racional numa situação competitiva (ver</p><p>páginas 73-76). Tal conceito, também conhecido intuitivamente pe-</p><p>RELAÇÕES OOM O PRESENTE ESTAGIO DA TEORIA DECISÓlUA FORMAL</p><p>XXVI HERBERT s im o n</p><p>ios xadrezistas, foi formalmente descrito pela primeira vez, em 1912,</p><p>pelo lógico E r n s t Z e r m e l o . 7</p><p>3. A u t i l iz a ç ã o d e u m a es tra té g ia d e sp is ta d o ra ( o b le fe , p o r e xem </p><p>p lo ) n u m a s itu a çã o c o m p e t it iv a , a f im d e im p e d ir q u e o a d v e rsá r io</p><p>d e s cu b ra sua jogada , A d em o n s tra çã o d e q u e ex is te sem p re um a</p><p>m e lh o r e s tra té g ia neste p a r t ic u la r c o n s t itu i a in o v a çã o fu n d a m e n ta l</p><p>a p re sen ta d a p o r v o n N e u m a n n em seu tra b a lh o d e 1928.</p><p>4. A definição da escolha racional em situações competitivas com</p><p>mais de dois jogadores, onde exista a possibilidade de formação de</p><p>alianças. Essa foi, sem dúvida, uma contribuição importantíssima e</p><p>inédita surgida em 1945 com a publicação do livro The Theory of</p><p>Games and Economia Behavior, embora ainda hoje tal idéia tenha</p><p>sido muito pouco desenvolvida e aplicada.</p><p>5. A demonstração de que, diante de escolhas duvidosas, onde ape</p><p>nas a probabilidade de distribuição de resultados é conhecida, a</p><p>suposição de uma escolha consistente é sinónimo da utilidade funda</p><p>mental dos problemas e decide com o propósito de maximizar o seu</p><p>valor esperado. Esta idéia deve-se, originalmente, ao filósofo inglês</p><p>F k a n k R a m s e y (1026), mas foi redescoberta e popularizada pela</p><p>teoria dos jogos.</p><p>A teoria da escolha racional contida neste livro engloba o item 1</p><p>dessa lista, excluindo os demais itens que dizem mais respeito às</p><p>características do homem económico do que do homem administra</p><p>tivo. Esta distinção vital tem sido descurada mesmo por críticos pers</p><p>picazes e benevolentes como A n d r e a s P a p a n d r e o u que comentou,</p><p>falando do Comportainento Administrativo, que este “reuniu sob um</p><p>teto conceituai único a concepção de organização de B a r n a r d e o</p><p>conceito de jogos estratégicos formulado por v o n N e u m a n n e M o r -</p><p>g e n s t e r n ” . 8</p><p>7 Constitui, certamente, um truísmo, afirmar que tu d o é intuitivamente óbvio depois que</p><p>se tom a conhecido. Mas uo que respeita os itens 1 e 2, tais situações são realmente óbvias</p><p>para os jogadores inveterados. Quando estava no ginásio compus integraimeníe a árvore</p><p>de comportamento do jogo da velha {tarefa exequível se forem levadas em consideração</p><p>as simetrias apresentadas), com o intuito de convencer-me de que o jogo terminará</p><p>sempre empatado se ambos os jogadores obedecerem integralmente a suas regras. A propósito</p><p>da teoria dos jogos, ver Kõnig, Danes. T fw a r ie d e r E n d lic h e n u n d U n en d lich en G raphen ,</p><p>Leipzig, Akademische Verlõgsgesellschaft, 1936, cap. 8.</p><p>a Some Basic Problems in the Theory of the Firm, em H al-e y , Barnard F. (ed.)</p><p>A S u r v e y o f C o n tem p o ra ry E co n o m ia s , vol. II, Chicago, Richard D. írwin, 1952, p. 184.</p><p>Creio que teria, de qualquer maneira, que renunciar ao mérito deste feito, uma vez que</p><p>In tro d u çã o à 2 .a ed ição norte-am ericana XXVII</p><p>É difícil para um estudioso do assunto deixar de ficar, impressio</p><p>nado com o grau de virtuosismo intelectual demonstrado nessa área</p><p>nos últimos dez anos, não só pela excelência de alguns resultados</p><p>obtidos como pela sua possível aplicação sob a forma de normas ori</p><p>entadoras para as decisões em certas circunstâncias relativamente</p><p>restritas.9</p><p>Apesar de tudo, um ponto deve ser tornado bem claro: as teorias</p><p>da escolha humana e da organização, desenvolvidas neste volume,</p><p>repousam sobre uma descrição do homem racional diferente daque</p><p>las apresentadas pela teoria dos jogos e a teoria da decisão estatística,</p><p>descrição que já foi, aliás, bosquejada no tópico precedente.</p><p>Se é possível encontrar um teto conceituai comum sob o qual</p><p>possam abrigar-se tanto o homem económico como o homem admi</p><p>nistrativo, esse teto pode incluir somente o item 1 da lista preceden</p><p>te, isto é, o esquema da árvore de possíveis comportamentos futuros.</p><p>Aliás este esquema, uma idéia notável, diga-se de passagem, pro</p><p>porcionou igualmente o conceito central relativo a outro desenvol</p><p>vimento teórico ocorrido nos últimos dez anos, e que tem despertado</p><p>grande atenção, ou seja, a teoria da informação seletiva, desenvol</p><p>vida por Sh a n n o n , W i e n e r e outros. As teorias de aprendizagem</p><p>de B u s h - M o s t e l l e r , por seu lado, baseiam-se nessa mesma noção,</p><p>provavelmente derivada da teoria de Sh a n n o n . O fato de que este</p><p>conceito tem sido utilizado de maneira independente em campos</p><p>tão diversificados, com o fim de fornecer uma estrutura adequada</p><p>ao desenvolvimento de uma teoria de comportamento humano, dá</p><p>a impressão de que representa, sem dúvida, o substrato do novo</p><p>Zeitgeist behaviorista.10</p><p>a versão preliminar do C o m p o rta m en to A d m in is tra tiv o ficou pronta muito antes do livro</p><p>T h eo ry o f G am es. Eu simplesmente mostrei, na edição de 1947, as implicações do último</p><p>para o meu livro. A minha objeção principal, porém, à observação de P a p a n d r e o u</p><p>refere-se ao seu desconhecimento da diferença fundamental entre a concepção do homem</p><p>racional segundo Ba r n a r d e eu próprio, de um lado, e a concepção expressa na teoria</p><p>dos jogos, na economia e na teoria das decisões estatísticas, de outro lado.</p><p>9 A maior parte de nossa pesquisa no Instituto Camegie de Tecnologia a respeito de</p><p>regras normativas para a produção e c controle de inventários situa-se dentro dessa</p><p>orientação, o mesmo ocorrendo com os importantes desenvolvimentos ocorridos no campo</p><p>da programação linear. Esse assunto, contudo, é discutido</p><p>com maiores detalhes no meu</p><p>livro M odels o f M an , op . c it.</p><p>10 Citei apenas alguns dos exemplos mais expressivos das teorias em que essa idéia de</p><p>representar o comportamento por meio de uma árvore tem sido utilizada ultimamente.</p><p>Sua origem pode ser atribuída aos avanços da álgebra booleana, lógica simbólica e teoria</p><p>dos conjuntos.</p><p>XXVIII H E R B E R T SIM O N</p><p>KELAÇÕES COM ALGUNS ASPECTOS DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA</p><p>O crescente interesse pelo processo de escolha humana nos estudos</p><p>de economia tem encontrado um desenvolvimento paralelo no campo</p><p>da psicologia social e da sociologia. Nesse particular, talvez seja</p><p>conveniente concentrar a discussão do presente tópico em dois con</p><p>ceitos: papel e ação.</p><p>Teoria do Papel. O conceito do papel expressa a tradicional</p><p>explicação sociológica do comportamento humano: o comandante</p><p>vai a pique com seu navio porque aceitou o papel de comandante,</p><p>e isso é o que em nossa cultura se espera de todos os comandantes.</p><p>O vocábulo não é muito utilizado neste livro, embora pudesse ter</p><p>sido usado com liberdade, tivesse eu desenvolvido meus hábitos de</p><p>linguagem em sociologia e não em ciência política (ver, por exem</p><p>plo. as páginas 105-107). Por outro lado, a utilidade do termo é limi</p><p>tada, pois jamais foi definido de maneira precisa.</p><p>No sentido original de parte dramática de teatro, o vocábulo</p><p>papel significa um tipo específico de comportamento. A mãe de fa</p><p>mília não possui, por exemplo, uma série de frases preestabelecidas</p><p>para recitar no desempenho de seu papel. Além do mais há lugar</p><p>para todos os tipos de variações idiossincrásicas no desempenho do</p><p>papel social. De modo geral, os sociólogos que usarn o conceito de</p><p>papel costumam apontar essas qualidades, mas não dizem como in</p><p>corporá-las na sua definição, falhando, por conseguinte, na explica</p><p>ção da maneira pela qual essa teoria deveria ser usada para predizer</p><p>o comportamento.</p><p>Neste ponto reside a importância de meu comentário inicial de</p><p>que, na teoria da escolha humana, a decisão constitui uma unidade</p><p>de análise demasiado ampla e deve ser decomposta, portanto, em</p><p>suas premissas componentes. As dificuldades relativas à teoria do</p><p>papel desaparecem se adotarmos o ponto de vista de que a influên</p><p>cia social se exerce sobre as premissas da decisão. O papel constitui</p><p>apenas a especificação de algumas, mas não de todas as premissas</p><p>que entram nas decisões de um indivíduo ( cf. páginas 231-239).</p><p>Inúmeras premissas de outra natureza compõem as mesmas decisões,</p><p>tais como as premissas informativas e premissas temperamentais que</p><p>representam a expressão da personalidade. Pode-se dizer, por con</p><p>seguinte, que é possível prever o comportamento, sempre que as</p><p>premissas decisórias forem conhecidas (ou puderem ser previstas)</p><p>Introdução à 2." edição norte-americana XXIX</p><p>de maneira sufícientemente detalhada. Em alguns casos, basta co</p><p>nhecer apenas as premissas do pape! (para prever, por exemplo, o</p><p>comportamento de um policial que vè algum motorista avançar um</p><p>sinal de parada obrigatória); em outros casos, a premissa informativa</p><p>ou quaisquer outras podem ser as fundamentais.11</p><p>A menos que se tome a premissa como a unidade, a teoria do</p><p>papel corre o risco de cometer o erro, exatamente inverso ao come</p><p>tido pela teoria económica, isto é, de excluir a racionalidade do com</p><p>portamento humano. Se o papel expressa um sistema de comporta</p><p>mento, pode ser funcional, do ponto de vista social, mas o indivíduo</p><p>que o desempenha não pode ser um ator racional: simplesmente</p><p>representa sua parte. Por outro lado, se um papel consiste na especi</p><p>ficação de certas premissas de fato e de valor, nesse caso o ator</p><p>que desempenha o papel terá de ser, em regra, racional, a fim</p><p>de alcançar esses valores. Um papel definido em termos de premis</p><p>sas deixa sempre margem para a inclusão do cálculo racional no</p><p>comportamento.</p><p>Teoria da Ação. Quando nos defrontamos com essa teoria, tal</p><p>qual foi formulada por T a l c o t t P a r s o n s e seus discípulos, encon</p><p>tramos a mesma dificuldade, se bem que de forma menos aguda.</p><p>A ação, nesse caso, constitui uma unidade elementar comparável à</p><p>decisão, embora menos ampla que o papel.12</p><p>O próprio P a r s o n s reconheceu, mesmo em seu livro Structure</p><p>of Social Action, a impropriedade da seleção do ato como a unidade</p><p>elementar de análise e utilizou a dicotomia meios-fins, para decom</p><p>por os atos em seus elementos formadores. Evidentemente, êle veri</p><p>ficou mais tarde (da mesma maneira que eu) que é extremamente</p><p>difícil reconciliar a terminologia oriunda dessa dicotomia com a no</p><p>menclatura da economia (alternativas e consequências) para ana</p><p>lisar a ação racional. Desse modo, encontramos no livro Social Sys-</p><p>11 Sentir-me-ia confiante de que a descrição acima constitui uma descrição razoável das</p><p>relações da teoria da tomada de decisões com o conceito sociológico do papel, não fosse</p><p>o comentário enigmático de E d w a rd s Shdls ao dizer no livro T h e P resen t S ta te o f A m er ica n</p><p>Socio logy . Giencoe, The Free Press, 1948, p. 23, que o C o m p o rta m en to A d m in is tra tivo</p><p>“em bora não seja u m estu d o socio lóg ico , é uma análise das categorias envolvidas na tomada</p><p>de decisões” .</p><p>13 Embora as definições parsonianas, particularmente no livro T o w a rd a G enera l T heory</p><p>o f A c tio n , sejam gcralmente expressas em termos de ações individuais, os conceitos são,</p><p>em regra, aplicados globalmente a papéis e organizações inteiras.</p><p>XXX HERBERT SIMON</p><p>tem. uma tentativa de harmonizar essas duas dicotomias.13 O seu</p><p>elemento de cometimento substitui os fins da antiga dicotomia meios-</p><p>fins, enquanto o elemento a vali ativo passa a representar a função</p><p>utilitária do economista. Embora a tentativa seja louvável, receio que</p><p>a terminologia parsoniana (semelhante à utilizada por mim nos ca</p><p>pítulos 4 e 5) ainda esteja eivada de imperfeições, partícularmente</p><p>no que diz respeito à tentativa de amalgamar as concepções da racio</p><p>nalidade económica e psicológica.</p><p>Tirante essa dificuldade, que decorre de equívoco entre o ho</p><p>mem económico e o homem administrativo (ou social) as categorias</p><p>da teoria da ação de P a r s o n s não me parecem suficientemente sutis</p><p>e flexíveis para descrever o comportamento 'humano. Poi não dispor</p><p>de um esquema do tipo da árvore do comportamento o tratamento</p><p>da dimensão temporal é grandemente prejudicado e os dilemas da</p><p>escolha são tão reduzidos em número que se admitem apenas poucos</p><p>tipos de comportamento. A orientação do ator com relação ao mundo,</p><p>sua predisposição, em linguagem psicológica, provavelmente admite</p><p>uma variedade muito mais ampla do que é contida nos cinco siste</p><p>mas de variáveis binários de P a r s o n s (que totalizam trinta e dois</p><p>possíveis arranjos distintos).</p><p>Em consequência, as conclusões gerais que tiramos a respeito</p><p>da teoria do papel, em geral, e da teoria da ação, em particular, são</p><p>as mesmas: é impossível construir uma teoria adequada do compor</p><p>tamento humano sem que se tenha uma unidade apropriada de aná</p><p>lise. O papel é uma unidade demasiado ampla, o mesmo ocorrendo</p><p>com o ato. A premissa decisória é muito menor do que qualquer</p><p>uma dessas duas, pois muitas premissas compõem qualquer decisão</p><p>específica ou ação, e muitas premissas entram na composição de um</p><p>único papel. É uma unidade, por conseguinte, inteiramente compa</p><p>tível com a descrição do comportamento ern termos do esquema da</p><p>árvore da decisão. A premissa decisória se me afigura a esta altura,</p><p>como ocorreu quando escrevi a primeira edição deste livro, como a</p><p>unidade mais apropriada, por todos os aspectos, para o estudo do</p><p>comportamento humano.</p><p>lâ T h e So cú á S ystem , Glencoe, The Free Press, 1951, p. 6-8. As relações desses vocábulos</p><p>com os esquemas dos psicólogos e dos economistas são até certo ponto mais manifestas</p><p>do seu livro T o w a rd a G enera l T h eo ry o f A c tio n , Cambridge, Harvard University Press,</p><p>1951, p. 4-6, 58-60-71.</p><p>In tro d u çã o u 2 ° ed ição norte-am ericana XXXI</p><p>É possível que se afirme ser minha crítica à teoria sociológica</p><p>apenas quanto à terminologia. Concordo, com certas ressalvas,</p><p>porém. Primeiro, conforme assinalei no prefácio, meu objetivo prin</p><p>cipal consiste em desenvolver um vocabulário. Segundo, o desenvol</p><p>vimento de um vocabulário satisfatório para a descrição do compor</p><p>tamento humano é, provavelmente, a tarefa mais importante com</p><p>que se defronta a sociologia. A esse propósito, aliás, citarei L a v o is i e r</p><p>que escreveu, em 1789, quando a química estava imprecisa, como</p><p>ciência, como a sociologia de nossos dias, o seguinte:</p><p>“E, tendo em vista que as ideias são preservada e transmitidas</p><p>através das palavras, depreende-se que não podemos melhorar a lin</p><p>guagem de nenhuma ciência sem um aperfeiçoamento concomitante</p><p>dessa ciência. Não se pode, por outro lado, aperfeiçoar essa ciência</p><p>sem aperfeiçoar sua linguagem ou nomenclatura. Por mais certos que</p><p>sejam os fatos de uma ciência e por mais precisas que sejam as</p><p>idéias que tenhamos formado a respeito desses fatos, só podemos</p><p>comunicar aos demais falsas impressões embora ansiemos por pala</p><p>vras que os possam expressar adequadamente.”</p><p>Não existe nenhuma proposição aritmética que não possa ser</p><p>expressa tão bem com algarismos romanos como com algarismos ará</p><p>bicos. Não obstante, não creio que qualquer um de nós trocaria a</p><p>última forma pela primeira. A sociologia contemporânea encontra-se,</p><p>em grande parte, no estágio dos algarismos romanos. O conceito de</p><p>premissa decisória, que permite a introdução da idéia do esquema</p><p>da árvore do comportamento, e que proporciona a ligação com vários</p><p>outros desenvolvimentos modernos na teoria dos jogos, na teoria da</p><p>informação, na teoria da aprendizagem e assim por diante, repre</p><p>senta a esperança de que surgirá a numeração arábica de que ur</p><p>gentemente necessitamos.</p><p>Comentários adicionais</p><p>Incluí, nesta parte final, alguns comentários adicionais sobre deter</p><p>minados capítulos ou passagens do livro. Para cada caso, forneço</p><p>uma referência, quanto ao trecho sob exame.</p><p>os p r o v é r b io s d a a d m i n i s t r a ç ã o (Capítulo 2, Páginas 20-37)</p><p>A aceitação dispensada a este tema já se tornou proverbial. “Não</p><p>se pode bater em algo com nada”. Praticamente ninguém tentou</p><p>XXXII HERBERT SIMON</p><p>contradizer o que se disse nessas páginas e, na realidade, elas têm</p><p>sido citadas de maneira favorável. Por outro lado, os provérbios con</p><p>tinuam a ocupar o lugar de destaque que sempre desfrutaram nas</p><p>páginas dos compêndios elementares sobre administração pública e</p><p>administração industrial. Para ser franco, os substitutos que eu pro</p><p>poria para os provérbios (ver páginas xxi e xxii desta Introdução)</p><p>não são tão simples nem tão adequados para a racionalização como</p><p>aqueles. Parece-me, no entanto, que os problemas organizacionais não</p><p>são susceptíveis de serem solucionados por meio de slogans, mas uni</p><p>camente através da análise acurada, daí porque não vejo razão para</p><p>desviar-me de minha opinião original a respeito da inutilidade des</p><p>ses princípios.</p><p>DETERMINAÇÃO DA IM PORTÂNCIA RELATIVA DOS DIVERSOS CRITÉRIOS</p><p>(Capítulo 2, Páginas 43-46)</p><p>Ja não creio que este ponto constitua uma descrição adequada do</p><p>tipo de pesquisa empírica que se necessita em administração. As or</p><p>ganizações são estruturas complexas, e a importância de um dado</p><p>fato na constituição dessa estrutura dependerá de inúmeras circuns</p><p>tâncias. Por conseguinte, dificilmente poderemos conseguir um con</p><p>junto de pesos invariáveis para aplicar na solução desse problema.</p><p>Na minha maneira de ver, creio que a pesquisa em administração</p><p>continuará ainda por muito tempo mais preocupada com a identifi</p><p>cação e compreensão dos mecanismos básicos, presentes nos siste</p><p>mas de comportamento organizativo, do que com o estabelecimento</p><p>de números para designar-lhes a importância.</p><p>JUÍZOS DE FATO E JUÍZOS DE VALOR (Capítulo 3)</p><p>Èste capítulo tem ensejado comentários, especialmente por parte de</p><p>teóricos da ciência política, que me parecem desproporcionais à sua</p><p>importância no conjunto do livro e eu gostaria de não contribuir</p><p>ainda mais para esta ênfase errónea. Meus pontos de vista sobre o</p><p>assunto foram exphcitamente expostos, se bem que de maneira um</p><p>tanto áspera, no artigo Development of Theory of Democratic</p><p>Administration: Reply, publicado na American Political Science</p><p>Review, de junho de 1952.</p><p>Introdução à 2." edição norte-americana XXXIII</p><p>Não existe, hoje em dia, consenso na literatura administrativa quanto</p><p>ao uso do termo autoridade. Isto deixa-me um tanto pesaroso, pois</p><p>esperava que a definição aqui utilizada, e calcada no conceito de</p><p>B a r n a r d , adquirisse popularidade em virtude de sua utilidade e con</p><p>veniência manifestas.</p><p>A autoridade, dizemos, se exerce sempre que as premissas de</p><p>ainda não distinguem entre: a) a especificação do conjunto de com</p><p>portamentos aos quais eles desejam aplicar o termo autoridade e</p><p>b) a especificação das circunstâncias em que tais comportamentos</p><p>ocorrerão. Nossa conceituação limita-se ao primeiro aspecto, de modo</p><p>a permitir que se estabeleçam proposições empíricas, cheias de sen</p><p>tido, não tautológicas, acerca das circunstâncias sob as quais a auto</p><p>ridade será aceita, e os motivos que levam a essa aceitação.</p><p>A autoridade, dizemos, se exerce sempre que as premissas de</p><p>comportamento de outrem são aceitas como base para a decisão do</p><p>indivíduo. Desse modo, podemos perguntar de maneira apropriada:</p><p>Por quê? Se se fosse chamar autoridade essa aceitação somente</p><p>quando for motivada por sua (percebida) legitimidade, o porquê</p><p>tornar-se-ia tautológico. Evidentemente, nós poderíamos ter usado</p><p>outra palavra, influência, por exemplo, mas nenhum outro termo</p><p>pareceu ou parece tão apropriado como autoridade.</p><p>e f i c i ê n c i a (Capítulo 9 )</p><p>A esta altura, tenho a sensação de que dei demasiada importância</p><p>à racionalidade exagerada do homem económico. A ausência de um</p><p>denominador comum, discutido nas páginas 184-187, torna o critério</p><p>da eficiência, na forma que tomou neste capítulo, aplicável em gran</p><p>de parte a decisões nos escalões mais baixos. Minhas opiniões atuais</p><p>a esse respeito foram expressas de maneira mais completa no capítulo</p><p>sôbre eficiência (capítulo 23) constante do livro Public Administra-</p><p>tion,14 e em meu estudo A Behavioral Model of Rational Choice,</p><p>já mencionado por mim.</p><p>14 Sxmon, H. A., Sm it h b u r g , D. W. e T h o m p s o n , P ublic A d m in is tra tio n , Nova Iorque,</p><p>Alfred A. Knopf, Inc., 1950.</p><p>AUTORIDADE (Capítulo 7 )</p><p>XXXIV HERBERT SIMON</p><p>O problema de terminologia deste tópico é tão difícil como no caso</p><p>da autoridade. O conceito de identificação tem tendido a conservar,</p><p>de um modo geral, sua restrita conotação freudiana, tendo-se usado</p><p>com mais frequência o termo lealdade em relação com os fenômenos</p><p>discutidos neste capítulo.</p><p>Mais importante do que questões terminológicas, porém, é o</p><p>problema de apresentar uma boa explicação psicológica para o me</p><p>canismo de identificação. Minha inclinação atual seria no sentido</p><p>de ressaltar fatores cognitivos (ver a discussão sobre foco de atenção,</p><p>nas páginas 219-220) de maneira ainda mais peremptória do que</p><p>está no capítulo. Esse foi, aliás, meu impulso original, mas fui domi</p><p>nado pelo atual costume, em psicologia social, de preferir sempre</p><p>mecanismos explicativos de tipo afetivo ao invés de cognitivo. Daí</p><p>a pouca ênfase que dei, no capítulo 10, sobre os limites da ra</p><p>cionalidade como uma explanação para a formação de subobjetivos</p><p>e suas lealdades e, como consequência, a estreita dependência desse</p><p>capítulo ao capítulo 5 foi de certo modo obscurecida.</p><p>O chamado mecanismo de identificação, pelo menos no seu as</p><p>pecto cognitivo, pode ser assim descrito:</p><p>1. As finalidades demasiado gerais proporcionam escassa orienta</p><p>ção para a ação, seja pela dificuldade de medir-se o grau de sua</p><p>consecução, seja porque é difícil medir os efeitos de ações concretas</p><p>sobre elas. É por esse motivo que os objetivos de caráter geral, tais</p><p>como lucro a longo prazo, o bem-estar</p>