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<p>-</p><p>Revista Âmbito JurídicoRevista Âmbito Jurídico</p><p>Nº 139 - Ano XVIII - AGOSTO/2015 - ISSN - 1518-0360</p><p>S E P A R A T A</p><p>Judicialização do direito à saúde: Aspectos</p><p>relevantes da Audiência Pública n. 04/2009</p><p>Flávia Wanzeler Carvalho</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Judicialização do direito à saúde: Aspectos relevantes</p><p>da Audiência Pública n. 04/2009</p><p>Flávia Wanzeler Carvalho</p><p>Resumo: Sem que aqui se pretenda aprofundar o debate em toda a sua extensão, o que já</p><p>seria inviável em face das limitações espaciais deste trabalho, e sem falar na evidente</p><p>complexidade da matéria, a presente pesquisa tem por mira traçar alguns delineamentos</p><p>sobre a atuação do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas de saúde, o que a</p><p>doutrina generalizou chamar de judicialização da saúde. O estudo teve como marco inicial a</p><p>Audiência Pública de n. 04/2009, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que teve o</p><p>escopo de discutir as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e econômicas</p><p>envolvidas nas decisões judiciais sobre saúde. Foi feita ainda uma pesquisa no acervo</p><p>jurisprudencial do STF, objetivando compilar o entendimento pretoriano. A jurisprudência do</p><p>STF e a doutrina dominante, embora haja alguma resistência isolada, assentaram o</p><p>entendimento de que a saúde é direito público subjetivo não podendo ser reduzido à</p><p>promessa constitucional inconsequente. Numa outra dimensão, acabaram por consagrar que</p><p>os entes da federação, União, Estados, Distrito Federal e Municípios possuem</p><p>responsabilidade solidária. No mais, defendem ainda que o Poder Judiciário deve fomentar a</p><p>aplicação imediata dos elementos vinculados ao mínimo existencial, não de maneira absoluta,</p><p>mas, sobretudo, criteriosa, acurada na apuração do conjunto probatório, não se aceitando</p><p>incondicionalmente a reserva do possível na forma costumeira articulada pelo Estado para se</p><p>eximir da prestação de saúde.</p><p>Palavras-chave: Judicialização da Saúde. Audiência Pública. Supremo Tribunal Federal.</p><p>Reserva do possível. Mínimo existencial.</p><p>Abstract: Unless here the discussion intends to go deeper into the whole his extension,</p><p>which would be already impracticable in view of the space limitations of this work, and not to</p><p>mention the obvious complexity of the matter, the present inquiry has since sight draws some</p><p>delineations on the acting of the Judiciary in the efetivação of the public policies of health,</p><p>what the doctrine generalized to call of judicialização of the health. The study took the Public</p><p>Audience as an initial landmark of n. 04/2009, carried out by the Federal Supreme Court</p><p>(STF), which had the aim of there talked the technical, scientific, administrative, political and</p><p>economical questions wrapped in the judicial decisions about health. An inquiry was still done</p><p>in the heap jurisprudencial from the STF, aiming to compile the understanding pretoriano. The</p><p>jurisprudence of the STF and the dominant doctrine, though some isolated resistance, they</p><p>established the understanding of which the health is a right subjective public without being</p><p>able to be reduced to the inconsistent constitutional promise. In another dimension, they</p><p>finished by consecrating that the beings of the federation, Union, States, Federal area and</p><p>Local authorities have supportive responsibility. In more, they defend still that the Judiciary</p><p>must promote the immediate application of the elements linked to the existential minimum, not</p><p>in absolute way, but, especially, discerning, treated with care in the counting of the probational</p><p>set, without accepting incondicionalmente the reserve of the possible one in the customary</p><p>form articulated by the State to be exempted from the health installment.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Keywords: Judicialização of the Health. Public audience. Federal Supreme Court. Reserve</p><p>of the possible one. Existential minimum.</p><p>Sumário: 1. Introdução. 2. Direito à Saúde no Brasil. 2.1. Breve Histórico. 2.2. Conceito. 2.3.</p><p>Políticas públicas de saúde. 2.4. Atuação do poder judiciário na efetivação do direito à saúde.</p><p>2.4.1. O orçamento e sua implicação no direito à saúde. 2.4.2. O direito à saúde e sua</p><p>eficácia e efetividade entre a reserva do possível e o mínimo existencial. 3. Aspectos</p><p>debatidos na Audiência Pública do STF sobre judicialização do direito à saúde. 3.1. Sessão</p><p>de audiência pública n. 04/2009. 3.2. Acesso às prestações de saúde no Brasil – desafios ao</p><p>poder judiciário. 3.2.1. Fatores que ensejam a judicialização do direito à saúde. 3.3.</p><p>Responsabilidade dos entes da federação. 3.4. Sistema Único de Saúde – SUS. 3.4.1. O</p><p>direito à vida e as diretrizes constitucionais do SUS. 3.4.2. Registro de medicamentos e</p><p>insumos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e aos protocolos e diretrizes</p><p>terapêuticas do SUS. 3.5. Métodos para desafogar o poder judiciário. 3.6. As contribuições</p><p>advindas com a realização da audiência pública 04/2009. 4. Principais argumentos e pedidos</p><p>feitos ao STF sobre direito à saúde. 4.1. Arguição de Descumprimento de Preceito</p><p>Fundamental n. 45/ 2004. 4.2. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.</p><p>271.286-8/2000. 4.3. Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 175/2009. 4.4. Agravo</p><p>Regimental no Recurso Extraordinário com Agr. n.12.424/2014. 4.5. Recurso</p><p>Extraordinário n. 754945/2013. 4.6. Recurso Extraordinário n. 713241/2012. 4.7. Panorama</p><p>geral das decisões analisadas. 5. Considerações finais.</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>No Brasil, problemas no atendimento em hospitais públicos, reclamações contra planos de</p><p>saúde e falta de acesso a remédios e a procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) têm</p><p>elevado o número de ações judiciais na área da saúde, com demandas que têm por objeto,</p><p>por exemplo, obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamentos e</p><p>disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no setor privado.</p><p>Essas demandas judiciais são de extrema significação, uma vez que, do ponto de vista</p><p>jurídico elas reclamam a concretização de uma norma constitucional que veicula um direito</p><p>fundamental. Do ponto de vista da saúde pública, elas apontam para as compreensões e as</p><p>tensões atinentes aos princípios norteadores das políticas de saúde pública e as</p><p>consequências de sua implementação.</p><p>Considerando a relevância e a controvérsia do processo de judicialização da saúde, o</p><p>presente trabalho objetiva de maneira didática mostrar o posicionamento que impera na</p><p>Suprema Corte acerca da atuação do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos e</p><p>tratamentos que são disponibilizados e os que não são pelo SUS. Para isso, num primeiro</p><p>momento, serão feitas algumas considerações sobre o contexto histórico do direito à saúde e</p><p>a atuação do Poder Judiciário para sua efetivação.</p><p>Em um segundo plano, apresenta-se os aspectos debatidos na Audiência Pública de n.</p><p>04/2009, sendo abordados os seguintes tópicos: os desafios do Poder Judiciário na efetivação</p><p>do direito à saúde; a responsabilidade dos entes da federação; o SUS; o registro na Agência</p><p>Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e os Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS.</p><p>Ao final, buscar-se-á estabelecer métodos para desafogar o Poder Judiciário.</p><p>Na última parte, utilizando-se o recurso de filtro de pesquisa no site do Supremo Tribunal</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Federal, realizou-se um estudo de suas decisões que enfrentaram a problemática da</p><p>judicialização da saúde. Para tanto, foram selecionadas 06 (seis) decisões do acervo</p><p>jurisprudencial do Pretório Excelso, a fim de se fazer uma análise pormenorizada - analisando</p><p>o pedido das ações e quais os elementos que os ministros utilizaram para a construção do</p><p>veredicto -, isto porque muitas delas se repetiam em seus argumentos, chegando, sempre, à</p><p>mesma conclusão; outras não tinham relação com o objetivo traçado por este trabalho.</p><p>do tema saúde. As decisões em questão foram proferidas por Ministros do STF no ano</p><p>de 2000 a 2014.</p><p>4.1 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 45/2004</p><p>Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) promovida pelo</p><p>Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contra veto presidencial do § 2º do art. 55</p><p>(posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei</p><p>n. 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei</p><p>orçamentária anual de 2004.</p><p>O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em</p><p>desrespeito a preceito fundamental decorrente da Emenda Constitucional (EC) n. 29/2000,</p><p>que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e</p><p>serviços públicos de saúde.</p><p>Vale referir que o Presidente da República, logo após o veto parcial ora questionado, veio a</p><p>remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei, que, transformado na Lei nº10.777/2003,</p><p>restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), dele fazendo</p><p>constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo. Razão pela qual foi extinção a</p><p>ADPF n. 45 por perda do objeto.</p><p>Destarte, em que pese não tenha sido apreciado o mérito da ADPF de n. 45, faz-se</p><p>necessário o seu estudo, uma vez que, a mesma, traz em seu corpo uma abordagem acerca</p><p>da intervenção do Poder Judiciário na implementação dos direitos fundamentais, da eficácia</p><p>do art.196 da CRFB/88 – que regulamenta o direito à saúde em âmbito constitucional – e, um</p><p>estudo sistemático do princípio da reserva do possível.</p><p>Antes de mais, cumpre estabelecer o percurso metodológico desenvolvido pelo Ministro</p><p>Celso de Melo quando da análise incidental da ação.</p><p>A decisão proferida na ADPF pelo Ministro Celso de Melo, percorreu o mesmo caminho de</p><p>sua decisão proferida na RTJ de n. 185/794-796 e RTJ 175/1212-1213, isto é, em ambas o</p><p>Ministro aduz que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política não</p><p>pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público,</p><p>fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira</p><p>ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de</p><p>infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado; que a</p><p>omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição</p><p>ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior</p><p>gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de</p><p>medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei</p><p>Fundamental.</p><p>Destacou ainda, que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do</p><p>Poder Judiciário – e nas do STF, em especial – a atribuição de formular e de implementar</p><p>políticas públicas, pois nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes</p><p>Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá</p><p>atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por</p><p>descumprirem os encargos políticos- jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer,</p><p>com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos</p><p>impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de</p><p>conteúdo programático.</p><p>Nesse sentido, resta claro que a intervenção do Poder Judiciário para a implementação do</p><p>direito à saúde não viola o princípio da Separação dos Poderes (art. 2º do Pergaminho</p><p>Constitucional).</p><p>Celso de Melo não deixa de conferir, no entanto, significativo relevo ao tema pertinente à</p><p>reserva do possível, nos seguintes dizeres:</p><p>“Cumpre advertir, que a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo</p><p>motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de</p><p>exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa</p><p>conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de</p><p>direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”[7]</p><p>4.2 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/2000 [8]</p><p>Trata-se de recurso de agravo regimental interposto pelo município de Porto Alegre contra</p><p>decisão que não conheceu recurso extraordinário, mantendo com isso decisão emanada do</p><p>Tribunal de Justiça de Porto Alegre, que, apoiando-se no art. 196 da Constituição da</p><p>República, reconheceu incumbir, ao Município de Porto Alegre, solidariamente com o Estado</p><p>do Rio Grande do Sul o fornecimento gratuito, de medicamentos necessários ao tratamento</p><p>da AIDS, nos casos que envolvessem pacientes destituídos de recursos financeiros e</p><p>portadores do vírus HIV.</p><p>O Município alegou que a decisão ao deixar de observar a repartição de competência para</p><p>operacionalização dos serviços de saúde, como forma de gestão financeira dos recursos,</p><p>afronta o princípio federativo da separação dos poderes, bem como ao art. 198 e seu</p><p>parágrafo único, da CRFB/1988, que responsabiliza as três esferas federativas pelo</p><p>financiamento, ações e serviços de saúde; violação do art. 167, I, da CRFB/1988, que veda o</p><p>início de programas ou projetos não incluídos na LOA.</p><p>Na decisão o Ministro Celso de Melo entendeu que o caráter programático da regra inscrita</p><p>no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que</p><p>compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode</p><p>converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público,</p><p>fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira</p><p>ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn7</p><p>#_ftn8</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>infidelidade governamental ao que determina a própria Lei fundamental do Estado.</p><p>Para o Ministro relator do recurso de agravo não basta, portanto, que o Estado meramente</p><p>proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da</p><p>simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e</p><p>plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à</p><p>saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir,</p><p>do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento</p><p>constitucional.</p><p>Por fim, a Ministra Ellen Gracie reconheceu a competência solidária dos entes federados no</p><p>tocante à saúde ao afirmar que[9]:</p><p>“Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei</p><p>Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde,</p><p>representa fator que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe ao Poder</p><p>Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa</p><p>organização federativa.”</p><p>Diante dos argumentos expostos, o Ministro Relator Celso de Melo seguido pelos demais</p><p>ministros da 2ª Turma do STF negaram provimento ao agravo regimental, reforçando a ideia</p><p>de uma solidariedade dos entes públicos e a necessidade de elaboração de políticas públicas.</p><p>4.3 Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 175/2009</p><p>Trata-se do pedido de Suspensão de Tutela Antecipada (STA) nº 175, formulado pela</p><p>União, em que o ente federado objetiva a STA proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª</p><p>região - em sede de recurso de Apelação da Ação Civil Pública proposta</p><p>pelo Ministério</p><p>Público Federal - que determinou à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o</p><p>fornecimento do medicamento ZAVESCA (miglustat) em favor de C.A.D.C.N, portadora de</p><p>doença neurodegenerativa grave (NIEMANN-PICK TIPOC).</p><p>A União ajuizou pedido de suspensão, alegando, em síntese, a ilegitimidade ativa do</p><p>Parquet Federal e a ilegitimidade passiva da União. Sustentou a ocorrência de grave lesão à</p><p>ordem pública, uma vez que o medicamento requerido não foi aprovado pela ANVISA e não</p><p>consta da Portaria n. 1.318 do Ministério da Saúde; e de grave lesão à economia pública, em</p><p>razão do alto custo do medicamento (R$ 52.000,00 por mês). Inferiu, ainda, a possibilidade de</p><p>ocorrência do denominado “efeito multiplicador”.</p><p>O Ministro Gilmar Mendes decidiu a questão da seguinte forma: que a análise da</p><p>ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e da ilegitimidade passiva da União e do</p><p>Município refoge ao alcance da STA, matéria a ser debatida no exame do recurso cabível</p><p>contra o provimento jurisdicional que ensejou a presente medida; que o alto custo do</p><p>medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de</p><p>Dispensação de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da</p><p>população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis; que os</p><p>documentos juntados pelo autor atestam que o medicamento foi prescrito por médico</p><p>habilitado, sendo recomendado pela Agência Européia de Medicamentos; e, por fim, destacou</p><p>que apesar de a União e de o Município de Fortaleza alegarem a ineficácia do uso de</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn9</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Zavesca para o tratamento da doença de Niemann-Pick Tipo C, não comprovaram a</p><p>impropriedade do fármaco, limitando-se a inferir a inexistência de Protocolo Clínico do SUS.</p><p>Com base nestes argumentos, o Ministro Gilmar Mendes indeferiu o pedido de tutela</p><p>antecipada.</p><p>4.4 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 812.424/2014</p><p>O Estado do Piauí interpôs o presente recurso de agravo, deduzindo, em síntese, que o</p><p>Tribunal do Estado do Piauí teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da</p><p>República.</p><p>Inicialmente, o Ministro Gilmar Mendes esclareceu que eventual acolhimento da pretensão</p><p>recursal do Estado de Piauí certamente conduziria a resultado inaceitável sob a perspectiva</p><p>constitucional do direito à vida e à saúde. É que essa postulação – considerada a</p><p>irreversibilidade, no momento presente, dos efeitos gerados pela gravidade da patologia que</p><p>afeta o paciente (que é portador de hepatopatia crônica, child c, diabetes mellitus tipo 2 e</p><p>insuficiência renal crônica não dialítica) – impediria, se aceita, que ela, pessoa destituída de</p><p>qualquer capacidade financeira, merecesse o tratamento inadiável a que tem direito e que se</p><p>revela essencial à preservação de sua própria vida.</p><p>A decisão proferida neste agravo percorreu o mesmo caminho das decisões do Ministro</p><p>Celso de Melo analisada anteriormente, isto é, inicia seu voto com a análise, de forma</p><p>meticulosa, do artigo 196 da Constituição da República, fazendo menção ao tema dos direitos</p><p>sociais e a problemática quanto à sua prestação; agrega ao seu voto fundamentos de ordem</p><p>jurisprudencial e doutrinária, decidindo, por fim, pela improcedência do pedido formulado</p><p>pelos entes públicos.</p><p>O que importa mencionar nesta decisão é o assentamento feito pelo Ministro Relator,</p><p>acerca da responsabilidade dos entes estatais frente à problemática do direito á saúde, senão</p><p>vejamos:</p><p>“Impende ressaltar, quanto à discussão sobre a responsabilidade solidária das pessoas</p><p>políticas que integram o Estado Federal brasileiro, que o Supremo Tribunal Federal firmou</p><p>entendimento que torna inacolhível a pretensão deduzida pela parte ora agravante. (...)</p><p>tratando-se de situação configuradora de responsabilidade solidária das pessoas políticas que</p><p>compõem a estrutura institucional do Estado Federal brasileiro, que, em matéria de</p><p>implementação de ações e serviços de saúde, existe verdadeiro dever constitucional “in</p><p>solidum”, que confere ao credor (a pessoa física, no caso) o direito de exigir e de receber, a</p><p>seu critério, de um, de alguns ou de todos os devedores (os entes estatais, na espécie) a</p><p>obrigação comum.”</p><p>Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, foi negado provimento ao</p><p>presente recurso de agravo.</p><p>4.5 Recurso Extraordinário n. 754945/2013</p><p>Cuida-se de Recurso Extraordinário interposto pelo Estado do Pará, União e Municípios,</p><p>contra julgado da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Pará, na qual</p><p>reconheceu ao autor, acometido de doença renal crônica-que necessita de 3 (três) sessões</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>semanais [de] hemodiálise -, tratamento de saúde fora do domicílio, com as despesas a</p><p>serem suportadas pelos entes públicos.</p><p>A União e o Estado do Pará alegam, em preliminar, ilegitimidade passiva, sob o argumento</p><p>de que caberia ao município de origem, com exclusividade, custear as diárias reclamadas</p><p>pelo autor.</p><p>No mérito, a União reprisa os argumentos da preliminar, enquanto que o Estado do Pará</p><p>sustenta que o autor encontra-se em Belém desde 2002, quadro que não se identifica com o</p><p>tratamento fora do domicílio, que exige esporadicidade, consoante o disposto no artigo 1º, §</p><p>4º, da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da Saúde.</p><p>O Município de Itupiranga, de seu turno, diz que as diárias estão sendo pagas ao autor, a</p><p>despeito de ser vedado o custeio de tratamento de longa duração.</p><p>Segundo os recorrentes não há controvérsia acerca da enfermidade e tampouco da</p><p>necessidade do tratamento fora do domicílio. Dizem Estado e Município, porém, que o artigo</p><p>1º, § 4º, da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da Saúde prevê o custeio de transporte e</p><p>diárias para o paciente e, se for o caso, para seu acompanhante, apenas se o deslocamento</p><p>for eventual e temporário.</p><p>A Ministra Carmen Lúcia, valendo-se dos argumentos proferidos pelo Ministro do STJ, José</p><p>Delgado, em caso similar aos dos autos, repeliu a preliminar de ilegitimidade passiva arguida,</p><p>da seguinte forma:</p><p>“A Carta Magna de 1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art.</p><p>196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados,</p><p>Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o</p><p>acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves.”</p><p>No mérito, sustenta a Ministra relatora, em síntese, que o tratamento fora de domicílio é um</p><p>instrumento legal que busca garantir, mediante o custeio público de transporte e diárias para</p><p>alimentação e pernoite, inclusive de acompanhante, a prestação de serviços</p><p>médico-hospitalares a portadores de enfermidades que por carência de meios técnicos no</p><p>município em que residem possam receber tratamento adequado em localidade diversa.</p><p>Na espécie, a Ministra consignou que o autor sofre de doença renal crônica e que necessita</p><p>de 3 (três) sessões semanais [de] hemodiálise, havendo indicação, ainda, de transplante de</p><p>rins, não havendo, portanto, controvérsia acerca da enfermidade e tampouco da necessidade</p><p>do tratamento fora do domicílio.</p><p>Quanto a interpretação dada ao art. 1º, § 4º, da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da</p><p>Saúde. A Ministra decidiu da seguinte forma:</p><p>“A interpretação a ser dada ao § 4º do artigo 1º da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da</p><p>Saúde é a de que, no caso de hospitalização continuada, as diárias não devem ser pagas.</p><p>Isto porque, estando hospitalizado, é bem óbvio que o paciente e seu acompanhante não</p><p>custearão alimentação e pernoite. Daí, aliás, o dispositivo não excluir o custeio de transporte.</p><p>No caso concreto, não há registro de que o paciente esteja hospitalizado; ao reverso, os</p><p>documentos que instruem</p><p>a inicial dizem apenas da ocorrência das sessões semanais de</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>hemodiálise. Quanto a permanecer em Belém, não se pode presumir que o autor haja</p><p>mudado de domicílio, tampouco que seja esse o seu ânimo. Com efeito, o quadro sugere que</p><p>o autor, premido pela imperiosa necessidade de manter o tratamento, mora de favor em casa</p><p>de terceiro. Ademais, não se pode pretender dar efetividade à norma constitucional limitando</p><p>no tempo o custeio de diárias, uma vez que o paciente não escolhe ou controla a enfermidade</p><p>de que é portador. Observo, por fim, que o Município apresentou recibos de pagamento de</p><p>diárias, inclusive do período em que o autor diz não haver recebido. Contudo, o mesmo</p><p>Município diz indevido o pagamento, pelo que presumo que sua continuidade se dá apenas</p><p>por força da decisão que antecipou os efeitos da tutela. Concluo, assim, que o interesse</p><p>processual persiste.”</p><p>Por fim, a Ministra Carmen Lúcia, julgou parcialmente procedente o pedido para,</p><p>confirmando a antecipação dos efeitos da tutela, determinar aos réus, especialmente ao</p><p>Município de Itupiranga, que mantenham o pagamento de diárias em favor do autor e de seu</p><p>acompanhante.</p><p>4.6 Recurso Extraordinário n. 713241/2012</p><p>Neste recurso o Estado do Rio Grande do Norte busca desconstituir sentença que julgou</p><p>procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, e</p><p>condenou o Estado a fornecer, mensalmente, à criança J. L.D.S., 24 (vinte e quatro) latas por</p><p>mês de leite ALFARÉ e 06 (seis) latas por mês do suplemento NIDEX, no prazo de 05 (cinco)</p><p>dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (um mil reais).</p><p>O Recorrente alega que o Tribunal de origem teria contrariado os arts. 2º, 196 e 198, §§ 1º,</p><p>2º e 3º, da Constituição da República; que não cabe ao Judiciário, sob pena de violação ao</p><p>art. 2º da Lex Mater, imiscuir-se na escolha legitimamente feita pelo Executivo para direcionar</p><p>as verbas orçamentárias – que são finitas – para a compra deste ou daquele medicamento;</p><p>que as normas constitucionais citadas pela decisão vergastada, art. 196 e 198, II, da</p><p>Constituição Federal, são normas programáticas e, ademais, em nenhum momento sinalizam</p><p>no sentido de fornecimento de medicamento, mas de implementação de ‘políticas sociais e</p><p>econômicas’, ‘acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção,</p><p>proteção e recuperação’, e ‘atendimento integral, com prioridade para as atividades</p><p>preventivas, sem prejuízo dos serviços da comunidade.</p><p>Segundo salientado pela Ministra Carmen Lúcia, é dever do Estado prestar toda assistência</p><p>necessária aos que precisam de medicamentos, suplementos ou tratamentos imprescindíveis</p><p>à sua saúde, ainda que gratuito, se estes não podem provê-los, não devendo dito direito ser</p><p>negado, sob o pálio de que tal proceder macular o princípio da autonomia dos</p><p>Estados-membros, encartado nos arts. 18 e 25 da CF, por competir a cada Estado dispor</p><p>sobre as suas próprias políticas públicas.</p><p>Pontuou ainda a relatora que não há de se falar em violação ao princípio da legalidade</p><p>orçamentária ou das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a situação dos</p><p>autos é emergencial, sendo certo que, em se tratando de saúde – direito social que é erigido</p><p>entre os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Carta Magna – deve ser</p><p>cumprido, independentemente de previsão orçamentária específica ou abertura de</p><p>procedimento licitatório. É o que se extrai da norma preconizada no art. 24, IV, da Lei nº</p><p>8.666/93, mormente existindo no orçamento verbas destinadas para a execução da saúde</p><p>pública, sem destinação específica.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Por fim, finalizou a julgadora que negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos,</p><p>omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde viola o dever constitucional erigido nos</p><p>dispositivos constitucionais e infraconstitucional citados e atenta contra à dignidade da pessoa</p><p>humana e à vida, já que o direito à saúde não pode ser relativizado, haja vista a primazia do</p><p>bem da vida nele garantido, principalmente aos declaradamente necessitados e sem</p><p>condições de provê-lo, hipótese na qual o princípio da reserva do possível é mitigado, por ser</p><p>ele inaplicável em matéria de preservação dos direitos fundamentais, notadamente em se</p><p>tratando de criança.</p><p>Nesta senda, foi negado seguimento ao Recurso Extraordinário, sob o argumento de que a</p><p>sentença recorrida não merece reparos, sendo inconteste o direito do infante J.L.D.S. de</p><p>receber a alimentação especial postulada.</p><p>4.7 Panorama geral das decisões analisadas</p><p>As decisões analisadas apontam que a demanda judicial brasileira mais recorrente no</p><p>âmbito da saúde é constituída por pedidos de medicamentos e na suposta urgência de obter</p><p>um exame diagnóstico ou procedimento, considerados capazes de solucionar determinada</p><p>“necessidade” ou “problema de saúde”.</p><p>Os autores das ações judiciais alegam em juízo não possuírem condições financeiras para</p><p>adquirir o medicamento e que a assistência farmacêutica integral é direito fundamental</p><p>garantido pela Constituição. Argumentam ainda que as leis que subsidiam o direito à saúde e</p><p>a assistência farmacêutica compreendem o fornecimento do medicamento por eles</p><p>necessitados, que estes direitos não dependem de regulamentação infraconstitucional para</p><p>serem exercidos e não podem ser condicionados por políticas públicas de saúde ou por</p><p>questões orçamentárias.</p><p>Nesse passo, e em abono dessa afirmativa, a jurisprudência pretoriana defende o</p><p>entendimento de que apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da</p><p>Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios</p><p>necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos.</p><p>De outra banda, nos pedidos feitos ao STF, é comum a tentativa dos entes da federação de</p><p>fugir a sua responsabilidade, mediante invocação de que ela recai sobre uma só e</p><p>determinada esfera de governo, ou seja, tentar atribuir integral obrigação àquele ente que não</p><p>foi acionado judicialmente.</p><p>Todavia, o STF (embora alguma resistência isolada) considera a responsabilidade solidária</p><p>dos entes federados em relação ao direito à saúde, podendo o jurisdicionado opinar</p><p>livremente por quem deseja acionar judicialmente, se União, Estados, Distrito Federal ou</p><p>Municípios.</p><p>Não temos dúvida de que o Estado brasileiro é responsável pela prestação dos serviços de</p><p>saúde. Todavia, essa responsabilidade solidária, deve ser construída em cima de um modelo</p><p>de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos.</p><p>Vale destacar ainda, ser pacífico no STF o entendimento de que o Poder Judiciário pode,</p><p>sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a</p><p>implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>No que diz respeito à aplicação da Teoria da Reserva do Possível, é imperioso que se</p><p>ressalte que em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde,</p><p>não se aplica tal entendimento por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de</p><p>terem sua proteção postergada.</p><p>Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a</p><p>ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a</p><p>finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, mormente</p><p>quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo,</p><p>aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial</p><p>fundamentalidade.</p><p>5 CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Hodiernamente, não se discute mais se o direito à saúde deve ou não</p><p>deve ser cobrado</p><p>judicialmente, pois isso já foi consolidado que sim. Hoje, o que gera dificuldades é determinar</p><p>em quais casos concretos essa exigibilidade é essencial à manutenção das condições</p><p>elementares à existência humana.</p><p>Para isso, o Supremo Tribunal Federal convocou no ano de 2009 uma audiência pública.</p><p>Neste evento, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da</p><p>judicialização do direito à saúde no Brasil, isso porque, na maioria dos casos, a intervenção</p><p>judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas</p><p>voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação</p><p>judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.</p><p>A Audiência Pública revelou, ainda, a necessidade de maior difusão de conhecimentos entre</p><p>os magistrados a respeito das questões técnicas que se originam ou são refletidas nas</p><p>demandas por prestações de saúde; a falta de informações clínicas prestadas aos juízes a</p><p>respeito dos problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas; a</p><p>generalizada concessão de provimentos judiciais de urgência, sem audiência dos gestores</p><p>dos sistemas responsáveis por aquelas políticas, mesmo quando essa audiência não oferece</p><p>qualquer risco de afetar o direito em causa.</p><p>Desta forma, infere-se das posições defendidas, seja na audiência pública do STF, seja na</p><p>jurisprudência pretoriana, que o Poder Judiciário, no momento, não se encontra preparado</p><p>para dar as respostas que a comunidade almeja, notadamente no que se refere aos membros</p><p>que integram o 1ª grau de jurisdição, que necessitam se debruçar em outras fontes que não</p><p>somente a jurídica, para decidir sobre o direito à saúde.</p><p>Logo, há que se considerar que o tema judicialização do direito à saúde – atuação do Poder</p><p>Judiciário em questões relevantes nas searas política e social, decididas finalisticamente pelo</p><p>controle centralizado do Poder Judiciário – ainda tem um longo caminho a ser percorrido para</p><p>sua pacificação, ao menos em pontos estruturantes. Todavia, enquanto isso não ocorre o</p><p>Estado-juiz deve sempre ter cautela e prudência nas demandas relacionadas ao direito à</p><p>saúde que lhes são apresentadas, não sendo suficientes para seu deferimento provas</p><p>precárias.</p><p>Por certo, deve ser analisado cada caso concreto de maneira minuciosa, em seus mais</p><p>diversos aspectos, inclusive na urgência da necessidade dos que buscam o Poder Judiciário</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>para obter do Estado uma prestação capaz de permitir o acesso a determinado serviço,</p><p>garantindo o seu direito à saúde, que, por vezes, precisam de imediato atendimento, sob pena</p><p>de perecimento da vida.</p><p>De outro lado, é preciso considerar que os tribunais brasileiros no que pertine ao direito à</p><p>saúde, seja quanto a cuidados médicos preventivos, curativos e de reabilitação, seja quanto a</p><p>tratamento ambulatorial, hospitalar intensivo, seja, enfim, quanto ao fornecimento de</p><p>medicamentos - embora aqui e acolá se possa deparar com julgados que desbordem da</p><p>razoabilidade -, tem o Judiciário brasileiro contribuído decisivamente para a efetivação,</p><p>promoção e desenvolvimento desse direito social.</p><p>Nunca é demais lembrar que o direito à saúde é direito fundamental inerente ao ser humano</p><p>e, assim, é dever do Estado assegurar à sociedade um tratamento digno, seja na rede pública</p><p>ou particular.</p><p>Referências</p><p>AMARAL, Gustavo. Saúde Direito de Todos, Saúde Direito de Cada Um: Reflexões para a</p><p>transição da Práxis Judiciária. In: Milton Augusto de Brito Nobre; Ricardo Augusto Dias da</p><p>Silva. (Org.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. 1 ed. Belo Horizonte:</p><p>Fórum, 2011, v. 1, p. 81-115.</p><p>BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível</p><p>em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:</p><p>12/04/2014.</p><p>BRASIL. Lei federal n° 8080 de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde.</p><p>Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf. Acesso em:</p><p>25/04/2014.</p><p>BRASIL. Lei nº 9.313/1996, de 13 de novembro de 1996. Dispõe sobre a distribuição</p><p>gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. Disponível em:</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9313.htm. Acesso em: 26/04/2014.</p><p>BRASIL. Lei Federal n.º 6.360/76. Dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam</p><p>sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos,</p><p>Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, e dá outras Providências. Disponível em:</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6360.htm. Acesso em: 26/04/2014.</p><p>BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência Pública n. 04. Presidida pelo Ministro</p><p>Gilmar Mendes, período de 27- 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.</p><p>Disponível:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSa</p><p>ude. Acesso em: 05/10/2014.</p><p>BRASIL. STF. Suspensão de Tutela Antecipada n. 175. Relator Ministro Gilmar Mendes.</p><p>Julgado em 18 de setembro de 2009. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: 10/09/2014.</p><p>BRASIL. STF. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45/DF. Relator</p><p>Ministro Celso de Melo. Julgado em 29 de abril de 2004. Disponível em www.stf.jus.br.</p><p>Acesso em: 10/09/2014.</p><p>BRASIL. STF. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/RS. Relator</p><p>Ministro Celso de Melo. Julgado em 12 de setembro de 2000. Disponível em www.stf.jus.br.</p><p>Acesso em: 10/09/2014.</p><p>BRASIL. STF. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n.</p><p>812.424/PIAUÍ. Relator Ministro Celso de Melo. Julgado em 05 de agosto de 2014. Disponível</p><p>em www.stf.jus.br. Acesso em: 10/09/2014.</p><p>BRASIL. STF. Recurso Extraordinário n. 754945/PA. Relatora Ministra Cármen Lúcia.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Julgado em 08 de agosto de 2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 10 de setembro</p><p>de 2014.</p><p>BRASIL. STF. Recurso Extraordinário n. 713241/RN. Relatora Ministra Cármen Lúcia.</p><p>Julgado em 08 de dezembro de 2012. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 10 de</p><p>setembro de 2014.</p><p>BRASIL. STF - Pet: 1246/SC. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Data de Julgamento:</p><p>31/01/1997. Data de Publicação: DJ 13/02/1997. Disponível em</p><p>http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21028211/medida-cautelar-na-peticao-pet-1246-sc-stf.</p><p>Acesso em: 10 de setembro de 2014.</p><p>BRASIL. STJ. EDcl-AgRg-REsp n. 863.853/SC. Primeira Turma. Relator Ministro Luiz Fux.</p><p>Julgado em 13 de maio de 2008. DJE: 16 de junho de 2008. Acesso em: 09 de novembro de</p><p>2014.</p><p>BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – O</p><p>princípio da dignidade da pessoa humana. 1ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.</p><p>BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de</p><p>direitos fundamentais: o controle político – social e o controle jurídico no espaço democrático.</p><p>In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.). Direitos fundamentais:</p><p>orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livr. Advogado, 2010,</p><p>p. 101-132.</p><p>BRITO NOBRE, Milton Augusto de. Da denominada “Judicialização da Saúde”: Pontos e</p><p>Contrapontos. In: Milton Augusto de Brito Nobre; Ricardo Augusto Dias da Silva. (Org.). O</p><p>CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. 1 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, v.</p><p>1, p. 353-366.</p><p>OHLWEILER, Leonel Pires. Políticas públicas e controle jurisdicional: uma análise</p><p>hermenêutica à luz do Estado Democrático de Direito. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM,</p><p>Luciano Benetti (Orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed.</p><p>rev. e ampl. Porto Alegre: Livr. Advogado, 2010, p. 289-309.</p><p>Organização Mundial da Saúde (OMS). Constituição da Organização Mundial da Saúde</p><p>(OMS/WHO). 1946. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br. Acesso</p><p>em</p><p>18/06/2014.</p><p>SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito Fundamental à Saúde: o dilema entre o Mínimo</p><p>Existencial e a reserva do possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010.</p><p>SARLET, Ingo Wolfgang. A Titularidade Simultaneamente Individual e Transindividual dos</p><p>Direitos Sociais Analisada à Luz do Exemplo do Direito à Proteção e Promoção da Saúde. In:</p><p>Milton Augusto de Brito Nobre; Ricardo Augusto Dias da Silva. (Org.). O CNJ e os desafios</p><p>da efetivação do direito à saúde. 1 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, v. 1, p. 118-147.</p><p>SARLET. Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo</p><p>existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM,</p><p>Luciano Benetti (Orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed.</p><p>rev. e ampl. Porto Alegre: Livr. Advogado, 2010, p.13-50.</p><p>TORRES, RICARDO LOBO. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de</p><p>natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.). Direitos</p><p>fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livr.</p><p>Advogado, 2010, p.63-78.</p><p>Notas:</p><p>[1] Por certo, no século XX, a saúde pública era vista como “estado de ausência de</p><p>doença”. Em outras palavras, a saúde pública era estática, individualizada e inatingível, sem</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftnref1</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>os aspectos do compromisso social, resultado das ações realizadas pelo Estado e pela</p><p>sociedade civil.</p><p>[2] O art. 5º, inciso XXXV da CRFB/1988, afirma que “a lei não excluirá da apreciação do</p><p>poder judiciário lesão ou ameaça a direito”, pode-se dizer que aí reside a legitimidade</p><p>constitucional do Poder Judiciário para atuar na defesa do direito à saúde, ante a omissão dos</p><p>demais poderes.</p><p>[3] Na jurisprudência, essa tese já se reflete de forma majoritária.</p><p>[4] Pode-se dizer que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas consistem num</p><p>conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento</p><p>correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.</p><p>[5] Os argumentos relativos ao uso inadequado de medicamentos sem comprovação da</p><p>sua eficácia e a ausência de registro dos fármacos junto a ANVISA não podem ser utilizados</p><p>para justificar gestões ineficientes, pois as políticas públicas que não concretizam os direitos</p><p>fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana desatendem mínimo existencial,</p><p>assegurado pela Carta Magna.</p><p>[6] A Resolução ainda prevê a possibilidade de os Tribunais realizarem termos de</p><p>cooperação técnica com órgãos ou entidade públicas ou privadas para o cumprimento de</p><p>suas atribuições.</p><p>[7] Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (2002, p. 245-246) de que a</p><p>limitação de recursos existe é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá</p><p>levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o</p><p>magistrado, ao determinar seu fornecimento do Estado. Por outro lado, não se pode esquecer</p><p>que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de</p><p>obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os</p><p>objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da</p><p>Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar</p><p>do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade,</p><p>que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de</p><p>existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial),</p><p>estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas</p><p>depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em</p><p>que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao</p><p>estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a</p><p>reserva do possível.</p><p>[8]O STF decidiu questões idênticas nos seguintes julgados: RE n. 280.642, DJ 17.11.2000;</p><p>AG.RG. no RE n. 255.627-1.</p><p>[9]O mesmo entendimento foi o esboçado pelo Ministro Gilmar Mendes quando do</p><p>julgamento do AG. REG. na Suspensão de Liminar n. 47/Pernambuco.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftnref2</p><p>#_ftnref3</p><p>#_ftnref4</p><p>#_ftnref5</p><p>#_ftnref6</p><p>#_ftnref7</p><p>#_ftnref8</p><p>#_ftnref9</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>C E R T I D Ã O</p><p>Certificamos para os devidos fins de direito e a quem interessar possa que</p><p>Flávia Wanzeler Carvalho teve o trabalho intitulado: Judicialização do direito à saúde:</p><p>Aspectos relevantes da Audiência Pública n. 04/2009, publicado na Revista Âmbito</p><p>Jurídico, Revista Jurídica Eletrônica Nº 139 - Ano XVIII - AGOSTO/2015 - ISSN -</p><p>1518-0360, de 01/08/2015, editada por Âmbito Jurídico - O seu portal na Internet, em:</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16</p><p>261.</p><p>Rio Grande, RS, 18 de Maio de 2019</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Ao</p><p>fim, procurou-se traçar um panorama geral das decisões analisadas, para então, chegar ao</p><p>entendimento sedimentado da Suprema Corte.</p><p>Ao que se vê, a presente pesquisa, não busca criticar a corrente que é contra a</p><p>judicialização da saúde, muito menos exaltar os seus defensores, e sim, desvendar o</p><p>entendimento firmado pelo STF acerca desse fenômeno que se alastra na justiça brasileira,</p><p>levando em conta, para tanto, os dados colhidos nos julgados pretoriano e na Audiência</p><p>Pública, realizada nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.</p><p>2 DIREITO À SAÚDE NO BRASIL</p><p>2.1 Breve histórico</p><p>A preocupação com a saúde pública no Brasil inicia-se somente no século XIX, quando</p><p>inúmeras pestes e doenças como: varíola, febre amarela, meningite, poliomielite, gripe</p><p>espanhola, dentre outras, acometeram a sociedade brasileira.[1] Nesta época, apenas os</p><p>ricos tinham acesso aos médicos, enquanto os pobres só dispunham de atendimento</p><p>filantrópico nos hospitais de caridade e das benzedeiras.</p><p>É nesse contexto, que surge o decreto legislativo n. 4.682/1923, de autoria do deputado</p><p>Eloy Chaves, regulamentando as caixas de aposentaria e pensões - financiadas pelas</p><p>empresas, trabalhadores e pela UNIÃO -, contemplando seus beneficiários com benefício</p><p>previdenciário e a assistência à saúde.</p><p>Posteriormente, no governo Getúlio Vargas, as estruturas de saúde foram centralizadas e</p><p>uniformizadas nos Institutos de Assistência e Previdência Social (IAPS) – oferecendo serviços</p><p>de saúde de caráter curativo - que mais tarde se transformou no atual Instituto Nacional de</p><p>Seguridade Social (INSS).</p><p>Em meio as intensas reivindicações de uma pluralidade de grupos sociais, eis que surge no</p><p>Brasil com a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, o Sistema</p><p>Único de Saúde (SUS) assentado nos princípios da participação popular, equidade,</p><p>descentralização, universalidade – saúde para todos, ricos e pobres, com ou sem carteira</p><p>assinada - e integralidade das ações de saúde, desde a vacina até o transplante.</p><p>Acresça-se que com o advento da CRFB, o direito à saúde foi elevado à categoria de Direito</p><p>Fundamental, de direito subjetivo público, desta forma, o indivíduo passou a ser detentor do</p><p>direito e o Estado o seu devedor (art. 196 da CRFB), a partir de então, a saúde deixou de ser</p><p>vista como favor, privilégio ou caridade.</p><p>2.2. Conceito</p><p>A Organização Mundial de Saúde (OMS), no preâmbulo de sua Constituição (1946), define</p><p>a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn1</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>ausência de afecções e enfermidades".</p><p>Palmilhando essa mesma trilha, Sérvulo Correia (apud SILVA, 2010, p. 77) expressa de</p><p>maneira ampla o conceito de saúde, a saber:</p><p>“Um sistema de normas jurídicas que disciplinam as situações que tem a saúde por objeto</p><p>imediato ou mediato e regulam a organização e o funcionamento das instituições destinadas à</p><p>promoção e defesa da saúde.”</p><p>De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o direito à saúde</p><p>é um direito social (art. 6º da CRFB), um dever do Estado (art. 196, CRFB), competindo a</p><p>todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a sua proteção e</p><p>defesa (art. 23, II, CRFB).</p><p>Percebe-se nesse passo que o conceito de saúde delineado pela Constituição Federal de</p><p>1988 afastou a concepção de saúde como dever do Estado apenas no sentido de coibir ou</p><p>evitar a propagação de doenças que colocam em risco a saúde da coletividade, passando-se</p><p>para o estabelecimento e exigência do Estado de garantir a saúde através da formulação e</p><p>execução de políticas públicas, além da prestação de serviços públicos e fornecimento de</p><p>bens para promover, prevenir e recuperar a saúde.</p><p>Logo, resta ultrapassada a dimensão arcaica sobre saúde como sendo apenas ausência de</p><p>doença, bem como a visão estática de saúde apresentada de maneira individualizada e</p><p>inatingível, passando a ser vista a partir da afirmação da cidadania em sua plenitude e,</p><p>reitere-se, pela aplicabilidade imediata dos dispositivos garantidores dos direitos sociais</p><p>estabelecidos na CRFB.</p><p>Nesse sentido, aliás, a lição do art. 2º da Lei n. 8.080/1990 – Lei Orgânica da Saúde (LOS)</p><p>–, in verbis:</p><p>“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as</p><p>condições indispensáveis ao seu pleno exercício.</p><p>§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas</p><p>econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no</p><p>estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos</p><p>serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.</p><p>§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da</p><p>sociedade.”</p><p>Destaque-se, por oportuno, que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes,</p><p>dentre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a</p><p>renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços</p><p>essenciais, de acordo com o estabelecido no art. 3º da Lei Orgânica da Saúde.</p><p>Por certo, na atual conjectura brasileira, não se pode mais considerar a saúde de forma</p><p>desconexa do contexto socioambiental em que estão inseridos os indivíduos e a coletividade,</p><p>podendo-se firmar como razoável o entendimento de Silva (2010, p. 79) - em sua obra</p><p>intitulada Direito Fundamental à Saúde -, de que no Brasil “o atual estágio em que se encontra</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>a saúde é o espelho das desigualdades sociais, da pobreza, do nível de vida da maioria da</p><p>população, da ausência de políticas públicas eficazes para o setor.”.</p><p>Conclui-se, portanto, que sem a perspectiva de alteração desse quadro socioeconômico, a</p><p>garantia ao direito à saúde fica comprometida de efetivação na amplitude preconizada na</p><p>Constituição da República Federativa do Brasil.</p><p>2.3. Políticas públicas de saúde</p><p>De maneira generalizada, pode-se dizer que políticas públicas são ações do Estado com o</p><p>objetivo de alcançar determinada finalidade em nome do interesse público.</p><p>Na doutrina de Barcellos (2010, p. 102) a expressão política pública “designa-se a</p><p>coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais e</p><p>privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente</p><p>determinados.”.</p><p>Nessa linha, Silva (2010, p. 164) em suas reflexões sobre direito fundamental à saúde,</p><p>assevera que:</p><p>“As políticas públicas de saúde correspondem ao conjunto de ações de governo que</p><p>regulam e organizam as funções públicas do Estado para o ordenamento do setor,</p><p>englobando as atividades governamentais executadas diretamente pelo aparato estatal e as</p><p>relacionadas à regulação de atividades realizadas pela iniciativa privada no sistema</p><p>complementar.”</p><p>Como se vê, as políticas públicas estão diretamente relacionadas com o pressuposto de</p><p>uma atividade de intervenção do Estado para a promoção do desenvolvimento econômico,</p><p>social, cultural e político.</p><p>Daí porque Gilberto Bercovici (apud SILVA, 2010), ao discorrer sobre o instituto das</p><p>políticas públicas, enfatizar que:</p><p>“O fundamento das políticas públicas está na necessidade de concretização dos direitos dos</p><p>cidadãos através das prestações positivas do Estado, de tal forma que a principal política</p><p>pública será o desenvolvimento nacional o qual deverá ser harmonizado com as demais.</p><p>Assim, do desenvolvimento econômico e social aliado à eliminação das desigualdades sociais</p><p>far-se-á a síntese dos objetivos históricos nacionais.”</p><p>Nesta senda, é fácil perceber que o Estado por meio das políticas públicas pode, de forma</p><p>sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes</p><p>detalhado</p><p>pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais cuja fruição direta</p><p>dependa de ações governamentais.</p><p>Não é despiciendo lembrar que no direito nacional a Constituição Federal funciona como</p><p>grande pano de fundo na fixação de políticas públicas, nas áreas econômica, educacional,</p><p>habitacional, ambiental, saúde e previdenciária.</p><p>Entrementes, embora haja previsão constitucional e infraconstitucional (Lei n. 8.080/1990 e</p><p>a Lei n. 8.142/1990) de políticas públicas, sua implantação pelo Estado é incipiente e nem de</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>longe tem sido efetuada de maneira integrada e articulada com a sociedade civil, já que é</p><p>perceptível a ausência de planejamento, outrossim, a pouca e quase inexistente atuação e</p><p>prevenção de doenças através de ações em áreas como o saneamento básico. O que se vê</p><p>quando muito no Brasil, é campanha nacional de vacinação, o que se mostra insuficiente</p><p>frente aos problemas da saúde pública no país.</p><p>Uma questão é certa: para que as políticas públicas saiam do papel e integre o mundo fático</p><p>é necessário que o Estado trabalhe em parceria com a sociedade para que desenvolva</p><p>amplamente sua capacidade de cumprir seus papeis mais relevantes visando garantir direitos</p><p>mediante a implementação de políticas públicas.</p><p>De qualquer sorte, a política pública deve estar vocacionada para fazer acontecer os</p><p>objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil indicados no artigo 3º da CRFB, a</p><p>saber: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;</p><p>erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;</p><p>promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer</p><p>outras formas de discriminação.</p><p>2.4 Atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde</p><p>Na sociedade brasileira, uma parcela significativa da população não tem condições de arcar</p><p>com os custos de remédios e tratamento cirúrgico, restando, então, a essas pessoas,</p><p>recorrerem aos entes públicos para o fornecimento de medicamentos e tratamento, a título</p><p>gratuito, mas muitas vezes tal pretensão resta frustrada, fazendo com que os usuários do</p><p>sistema de saúde recorram ao Poder Judiciário em busca de prestações de serviço de saúde.</p><p>Essa presença do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas de saúde é</p><p>conhecida no mundo forense pelo nome de judicialização da saúde.</p><p>O significado amplo da expressão judicialização é delineado pelo Ministro do Pretório</p><p>Excelso, Luís Roberto Barroso (apud BRITO NOBRE, p. 356) da seguinte forma:</p><p>“Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral</p><p>estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de</p><p>uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias</p><p>políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do</p><p>discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de pensar e de praticar o direito no</p><p>mundo romano-germânico. Fruto da conjugação de circunstâncias diversas, o fenômeno é</p><p>mundial, alcançando até mesmo países que tradicionalmente seguiram o modelo inglês — a</p><p>chamada democracia ao estilo de Westminster —, com soberania parlamentar e ausência de</p><p>controle de constitucionalidade. Exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram</p><p>a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que</p><p>nem sempre é nítida a linha que divide a criação e a interpretação do direito.”</p><p>Pode-se dizer que o processo de judicialização da saúde é bastante emblemático no</p><p>ordenamento jurídico brasileiro, possuindo defensores e opositores das mais diversas</p><p>categorias.</p><p>Os que repudiam o processo de judicialização da saúde propalam diariamente uma visão</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>negativa da atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde, uma vez que</p><p>carrega forte insinuação de que o poder judicante ao deferir liminares em processos judiciais</p><p>movidos para esse fim, estaria usurpando a competência do Poder Executivo, bem como,</p><p>interferindo no mérito do ato administrativo. Outros, por sua vez, apontam que a concessão</p><p>individualizada de prestações por conta de processos individuais ou mesmo para</p><p>determinados grupos de litigantes, acarreta um impacto sobre o sistema público de saúde</p><p>como tal, gerando, instabilidade e insegurança jurídica, além de provocar o que, Sarlet,</p><p>cognominou de “desorganização da Administração Pública”.</p><p>Outra corrente entende que a concessão, pela via judicial, de prestações em caráter</p><p>individual ou para determinados grupos, constitui via ilegítima de efetivação do direito à</p><p>saúde, esta linha argumentativa assevera que os direitos sociais são direitos de titularidade</p><p>coletiva (transindividual) e não permitem, por sua natureza, uma subjetivação individual,</p><p>sobretudo para o efeito de serem deduzidos judicialmente. De igual modo, existem ainda os</p><p>que vislumbram na tutela judicial individual uma violação do princípio da isonomia, já que tal</p><p>sistemática acaba privilegiando apenas parcela da população, notadamente, aquela que</p><p>dispõe da informação e dos recursos suficientes para buscar o acesso ao sistema judiciário.</p><p>Todavia, tais argumentos são de somenos importância, e, de resto, não esgotam o rol de</p><p>objeções que podem ser encontradas na doutrina e jurisprudência pretoriana.</p><p>Com feito, há que ter em conta que o princípio da igualdade não pode servir de argumento</p><p>para eventual violação da dignidade concreta de cada indivíduo, ainda mais quando o impacto</p><p>negativo em relação a terceiros (não beneficiados pela tutela individual ou não integrante do</p><p>grupo beneficiado), não é comprovado pelo Poder Executivo. Importa sublinhar que compete</p><p>ao Poder Público o ônus de provar que a Administração Pública não tem ou não pode dispor</p><p>de recursos necessários para atender a decisão judicial sem prejudicar a tutela de outros</p><p>direitos para outras pessoas.</p><p>De resto, a doutrina majoritária, já assentou o entendimento – tese esta, que já encontra</p><p>respaldo na jurisprudência do STF - de que a titularidade dos direitos sociais e do direito à</p><p>saúde, em particular, é tanto individual quanto coletiva, não se podendo, pelo menos não de</p><p>forma generalizada, afastar uma litigância individual com base nesta linha argumentativa.</p><p>De outra parte, quando o Judiciário atua na efetivação do direito à saúde, não se quer dizer</p><p>que o poder judicante está a fazer as vezes do Executivo - administrando o orçamento -, mas</p><p>sobretudo, aferindo se o Poder Executivo anda respeitando as balizas constitucionalmente</p><p>previstas em relação à saúde, isso porque, não raro, se presencia no país a execução de</p><p>políticas públicas em absoluta desconformidade com as prioridades estabelecidas na Carta</p><p>Política, no que se refere à garantia dos direitos fundamentais, bem como ao estabelecido nas</p><p>leis orçamentárias, em flagrante desvio de finalidade.</p><p>Prossegue nessa linha Andrea Kreall (apud SILVA, 2010, p. 415) aduzindo que “até hoje,</p><p>existem muitos Municípios onde se gasta – legalmente – mais dinheiro em divertimentos</p><p>populares (contratação de trios elétricos) ou na manutenção da Câmara do que com toda a</p><p>área da saúde.”.</p><p>Por certo, bem mais coerente é o posicionamento ditado pelo magistrado Sarlet (2010, p.</p><p>141), quando se posiciona a respeito da atuação do poder judiciário na efetivação do direito à</p><p>saúde, da seguinte forma:</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>“Por força da aplicabilidade imediata das normas de direito fundamentais e da necessária</p><p>preservação da supremacia da normativa constitucional, ao legislador e administrador (tal</p><p>como ao Juiz) não se pode,</p><p>especialmente em matéria de direitos fundamentais, assegurar ao</p><p>legislador e ainda mais ao administrador uma margem de ação plena, absolutamente imune</p><p>ao controle com base na constituição, permitindo, por exemplo, por omissão (deliberada, ou</p><p>não) a exclusão de medicamentos ou outras prestações indispensáveis à própria vida da</p><p>pessoa, além da necessária salvaguarda em relação a bens e serviços que possam dar conta</p><p>das peculiaridades de casos individuais, já que as necessidades de cada pessoa (e mesmo</p><p>alternativas de tratamento) podem variar fortemente de caso a caso, e a padronização pode</p><p>resultar em inevitável exclusão de tratamento da doença em algumas situações.”</p><p>Assim, na esteira do até agora exposto, resta evidente a legitimidade do Judiciário para</p><p>determinar entrega das prestações de serviço de saúde pelo Estado, eis que o direito à saúde</p><p>como direito fundamental não se encontra sob a discricionariedade da Administração Pública,</p><p>muito menos do Poder Legislativo, mas se compreende nas garantias institucionais da</p><p>liberdade, na estrutura dos serviços públicos essenciais e na organização de</p><p>estabelecimentos públicos (hospitais, clínicas, etc.).</p><p>2.4.1 O orçamento e sua implicação no direito à saúde</p><p>A Carta Política de 1988 prevê em seu art. 165 que as despesas públicas deverão ser</p><p>determinadas previamente, conforme os recursos arrecadados, por meio do orçamento</p><p>público e deverá respeitar as metas, traçadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO, art.</p><p>165, II, da CRFB/1988), os objetivos almejados na Lei do Plano Plurianual (PPA, art. 165, I,</p><p>da CRFB/1988); bem como a gestão administrativa e financeira declinados na Lei</p><p>Orçamentária Anual (LOA, art. 165, III, da CRFB/1988).</p><p>Essas normas (PPA, LDO e LOA), são verdadeiros instrumentos preventivos e aplicadores</p><p>de políticas públicas, pois agem definindo e quantificando ações administrativas, e prioridades</p><p>a serem realizadas pelo Poder Executivo e, também, por servirem de parâmetro no controle</p><p>da gestão pública.</p><p>Ocorre que, na atualidade, em face do processo conhecido como judicialização da saúde,</p><p>há quem afirme que o excesso de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas - na</p><p>tentativa de se efetivarem as garantias constitucionais do direito à saúde -, acaba muitas</p><p>vezes impedindo a realização prática das diretrizes traçadas pelo Estado Democrático de</p><p>Direito. Outros sustentam que a partir do momento em que a população passou a reivindicar,</p><p>via sistema judiciário, a aquisição de remédio inexistente nas relações de medicamentos</p><p>essenciais e excepcionais, houve um comprometimento do orçamento.</p><p>De outra banda, existem aqueles defendendo a tese de que na falta de recursos para</p><p>atender a todos – a escassez de recursos exige que o Estado faça escolhas, o que pressupõe</p><p>preferências e que, por sua vez, pressupõe preteridos - deve-se retirar recursos de outras</p><p>áreas (transporte, fomento, serviço de dívida) onde sua aplicação não está intimamente ligada</p><p>aos direitos mais essenciais do Homem: sua vida, integridade física e saúde.</p><p>Acerca do assunto, o decano do STF, Ministro Celso de Melo (BRASIL, STF, 1997) já teve</p><p>oportunidade de se manifestar, na medida liminar intentada pelo Estado de Santa Catarina, a</p><p>saber:</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo</p><p>inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art 5°, 'caput'), ou fazer</p><p>prevalecer, secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema - que razões</p><p>de ordem ético jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção o respeito indeclinável à</p><p>vida”. (STF - Pet: 1246 SC, Relator: Min. Celso de Mello, data de julgamento: 31/01/1997,</p><p>data de publicação: DJ 13/02/1997).</p><p>Percebe-se nessa trilha que há no Pretório Excelso, firme orientação segundo a qual o</p><p>direito à vida é um direito superior, que não pode ser contrastado com questões menores</p><p>como as finanças públicas. Em outras palavras, na ponderação entre o direito à saúde, ligado</p><p>ao direito à vida, e questões de ordem financeira, estas sempre deverão ser preteridas em</p><p>relação àquela.</p><p>Portanto, por mais que se possa admitir a limitação de recurso não se pode esquecer a</p><p>finalidade da arrecadação de recursos públicos, que outra não é senão a de realizar os</p><p>objetivos fundamentais traçados na Constituição: promoção do bem-estar do homem, cujo</p><p>ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além</p><p>da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência.</p><p>De toda sorte, é razoável defender-se o entendimento de Amaral (2011, p. 112), para quem:</p><p>“O Judiciário, ao invés de substituir a decisão do agente público pela sua, exigir deste que</p><p>num prazo curto justifique suas escolhas e procedimentos e, ao final desse prazo, apreciar as</p><p>razões trazidas, ainda que para não acatá-las talvez se esteja dando um grande passo para</p><p>uma maior racionalização.”</p><p>Assim sendo, a atuação do Poder Judiciário não deve estar adstrita à decisão de conceder</p><p>ou não o medicamento, ao contrário, essa deve ser subsidiária; cabe a ele também fiscalizar a</p><p>destinação dos recursos públicos pelos demais poderes, bem como em que dimensão está</p><p>sendo trabalhada a efetivação dos direitos fundamentais.</p><p>2.4.2 O direito à saúde e sua eficácia e efetividade entre a reserva do possível e o mínimo</p><p>existencial</p><p>O Poder Público para justificar as limitações de políticas públicas e a impossibilidade de</p><p>atendimento das reivindicações formuladas pela sociedade, perante o Poder Judiciário no que</p><p>se relaciona ao direito à saúde, tem adotado a doutrina da reserva do possível.</p><p>A cláusula da reserva do possível impõe limites à realização de direitos fundamentais pela</p><p>via judicial, a razão para esses limites está na escassez de recursos do Estado, daí, não</p><p>havendo recursos para atender a todos os pedidos baseados em direitos fundamentais –</p><p>saúde - previstos na Constituição, é imperioso que sejam rejeitados quando apresentados em</p><p>juízo.</p><p>Sobre esse aspecto, Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo (2010, p. 30), defendem que:</p><p>“A reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade),</p><p>espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em</p><p>determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os</p><p>critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os</p><p>direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o</p><p>núcleo essencial de outro direito fundamental.”</p><p>Nesse particular, o Defensor Público da União (DPU) Leonardo Lorea Mattar (BRASIL, STF,</p><p>2009), estabelece 4 (quatro) parâmetros para identificar se o instituto da reserva do possível</p><p>deve ser acolhido pelo Poder Judiciário ou não – para ele, juntando esses elementos,</p><p>provavelmente o juiz tenha condições de decidir se há, ou não, a possibilidade de aplicação</p><p>do instituto da reserva do possível -, quais sejam; “a) orçamento geral da União e dos</p><p>Estados; b) orçamento destinado à área da saúde; c) gastos com decisões judiciais na área</p><p>da saúde; e, d) o superávit primário.”.</p><p>Mesmo diante destes critérios, o defensor público entende não ser possível a aplicação</p><p>desse princípio para restringir o direito à saúde da população do País.</p><p>Percebe-se, pois, que a ideia de que a situação orçamentária seja aceita legalmente como</p><p>óbice à satisfação de direitos fundamentais não é bem recebida pela doutrina nacional.</p><p>O entendimento mais balizado de Débora Diniz (BRASIL, STF, 2009), assinala que “a tese</p><p>da reserva do possível parte do falso pressuposto de que o orçamento</p><p>é absolutamente</p><p>inflexível e de que finitude orçamentária se confunde com escassez.”.</p><p>Não é diferente o entendimento de Andreas Joachim Krell (apud SILVA, 2010, p. 192), para</p><p>quem “a reserva do possível em um país pobre como o Brasil poria em sério risco a</p><p>efetividade dos direitos fundamentais, além de levar à relativização de direitos invioláveis.”.</p><p>É bem verdade que a reserva do possível determina a observância dos fatores</p><p>orçamentários para garantia de políticas públicas e que a retirada de determinado valor para</p><p>pagamento de despesas de uma única pessoa compromete o orçamento já limitado,</p><p>deixando, assim, de atender à coletividade. Entrementes, razões vinculadas à reserva do</p><p>possível não podem servir de argumento para eventual violação da dignidade concreta de</p><p>cada indivíduo, ainda mais quando o impacto negativo em relação a terceiros (não</p><p>beneficiados pela tutela individual ou não integrante do grupo beneficiado), consistente na</p><p>possível inexistência de recursos para atendimento de outras demandas, em sua grande</p><p>maioria, não é objeto de demonstração plausível.</p><p>Vale frisar que nem mesmo o princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária</p><p>nem o da separação dos poderes assumem feições absolutas que dirá o princípio da reserva</p><p>do possível, na qual deve obediência aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.</p><p>Não se deve, contudo, perder de mira que sendo o direito à saúde um direito fundamental</p><p>consagrado no Constituição da República de 1988, é de se aludir também seu vínculo com a</p><p>dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, seu alcance ao patamar das necessidades</p><p>existenciais de todo e qualquer indivíduo, para que se estabeleça o que se denominou de</p><p>mínimo existencial.</p><p>O mínimo existencial, integrante do núcleo da dignidade da pessoa humana, atribui ao</p><p>indivíduo um direito subjetivo contra o Poder público, exigível nas hipóteses de redução ou</p><p>inadimplemento dos direitos fundamentais, da prestação dos serviços sociais básicos,</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>realizada através de políticas públicas.</p><p>Segundo Torres (2010, p. 74), pode-se dizer que:</p><p>“A proteção positiva do mínimo existencial não se encontra sob a reserva do possível, pois a</p><p>sua fruição não depende do orçamento nem de políticas públicas, ao contrário do que</p><p>acontece com os direitos sociais (...) o Judiciário pode determinar a entrega das prestações</p><p>positivas, eis que tais direitos fundamentais não se encontram sob a discricionariedade da</p><p>Administração ou do Legislativo, mas se compreendem nas garantias institucionais da</p><p>liberdade, na estrutura dos serviços públicos essenciais e na organização de</p><p>estabelecimentos públicos (hospitais, clínicas, escolas primárias, etc.).”</p><p>Sobre esse particular, a tendência atual do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de</p><p>Justiça é o de prestigiar o mínimo existencial, notadamente nas demandas de caráter</p><p>individual, a partir de elementos consistentes, de provas inequívocas em cada caso concreto,</p><p>do dever do Estado em prover através de prestações o direito à saúde pugnado na via</p><p>judicial.</p><p>Nesse passo, infere-se que o Poder Judiciário considera a dimensão do direito à saúde</p><p>como um direito fundamental de aplicabilidade imediata (§1º do art. 5º da CRFB).</p><p>3 ASPECTOS DEBATIDOS NA AUDIÊNCIA PÚBLICA DO STF SOBRE</p><p>JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE</p><p>3.1. Sessão de audiência pública n. 04/2009</p><p>A Sessão de Audiência Pública nº 04, convocada em março de 2009 intitulada</p><p>Judicialização do Direito à Saúde, foi um evento de elevada importância para a racionalização</p><p>do direito à saúde, no qual reuniu diversos especialistas e juristas, com o objetivo de</p><p>esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e econômicas</p><p>envolvidas nas decisões judiciais sobre saúde.</p><p>No evento foram debatidos os seguintes tópicos: acesso às prestações de saúde no Brasil –</p><p>desafios ao Poder Judiciário; responsabilidade dos entes da federação e financiamento do</p><p>Sistema Único de Saúde (SUS); gestão do SUS – legislação do SUS e universidade do</p><p>sistema; registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e protocolos e</p><p>diretrizes terapêuticas do SUS; políticas públicas de saúde – integralidade do sistema e</p><p>assistência farmacêutica do SUS.</p><p>A Audiência foi presidida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes,</p><p>que não deixou de esboçar seu posicionamento acerca do tema, com os seguintes termos:</p><p>“Posições radicais que neguem completamente a ação do Poder Judiciário ou que preguem</p><p>a existência de um direito subjetivo a toda e qualquer prestação de saúde não são aceitáveis.</p><p>Devemos buscar uma posição equilibrada, capaz de analisar todas as implicações das</p><p>decisões judiciais, sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos e, em especial, o</p><p>direito à saúde”. (BRASIL. STF. 2009).</p><p>Não há como discordar do entendimento do ministro, já que é necessário o Poder Judiciário</p><p>se posicionar nas demandas em que lhes são afetas de maneira flexível - sem radicalismo-,</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>com prudência, analisando caso a caso.</p><p>A par dessas considerações, será feito a seguir uma explanação sobre os pontos relevantes</p><p>levantados pelos especialistas na Sessão Pública de n. 04/2009.</p><p>3.2 Acesso às prestações de saúde no Brasil – desafios ao Poder Judiciário</p><p>No Brasil, quando o paciente se depara com a falta de medicamento e tratamento, uma das</p><p>primeiras medidas a ser tomar é a propositura de ação judicial para a sua obtenção.</p><p>Frente a isso, o órgão julgador - que não pode deixar sem resposta os casos submetidos à</p><p>sua apreciação -, vem se deparando com o desafio de resolver um complexo “quebra-cabeça”</p><p>de conciliar a eficácia imediata dos direitos sociais, a universalidade do sistema único de</p><p>saúde e a desigualdade social, o direito subjetivo e o direito coletivo à saúde, a escassez de</p><p>recursos e o uso indevido do orçamento, a justiça comutativa e a justiça distributiva, dar</p><p>prioridade às políticas de prevenção ou à recuperação; a efetiva participação da comunidade</p><p>no sistema, a distribuição de tarefas entre os entes da federação e as desigualdades</p><p>regionais.</p><p>Uma questão é certa: apesar dos desafios é direito de cada indivíduo buscar no âmbito do</p><p>Poder Judiciário a correção de uma injustiça e garantia de um direito fundamental.</p><p>Como bem diz, Ingo Sarlet (2011, p. 140):</p><p>“A negativa de quem não foi atendido não poderá obter a tutela jurisdicional, implica não</p><p>apenas negar a possibilidade de efetivação do direito à saúde (com as consequências daí</p><p>advindas em termos de violação – no plano jurídico e fático – de tal direito) quanto acaba por</p><p>criar um segundo nível de ‘discriminação’, impedindo que tal indivíduo busque, por meio do</p><p>Poder Judiciário, a correção da desigualdade. Com outras palavras, o cidadão é duplamente</p><p>‘punido’: a) por não ter recursos e necessitar do sistema de saúde pública que não o atende</p><p>mesmo no que diz com prestações já previstas em lei; b) por não poder litigar para corrigir tal</p><p>estado de coisas.”</p><p>Assim, é imperioso o Poder Judiciário tutelar o direito à saúde na omissão dos entes</p><p>federados em fornecer os medicamentos e procedimentos necessários para o tratamento de</p><p>toda e qualquer enfermidade.</p><p>Ressalte-se que se eventualmente o Poder Judiciário limitasse o dever Constitucional do</p><p>Estado ao fornecimento de medicamentos listados em portarias do governo, correr-se-ia o</p><p>risco dos responsáveis pela área de saúde nos Estados, sob a alegação de falta de recursos,</p><p>suspenderem o fornecimento, decretando, com isso, segundo a ABRAF – Associação</p><p>Brasileira de Amigos e Portadores de Hipertensão Arterial Pulmonar -, morte de centenas de</p><p>pessoas e de milhares de pessoas no futuro.</p><p>De outra parte, não podemos olvidar que a excessiva judicialização objetivando</p><p>fornecimento de medicamentos e tratamentos não contemplados nas políticas de saúde</p><p>enseja, segundo Dias Toffoli (BRASIL. STF, 2009) em ingerência indevida do Poder Judiciário</p><p>na esfera precípua dos demais Poderes do Estado (Estado-Administração), cria nova</p><p>modalidade de beneficiários - aqueles que possuem uma liminar e com isso terá tratamento</p><p>preferencial -, altera a distribuição de recursos, outrossim, desvia o orçamento destinado a</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>cobrir os tratamentos básicos para as hipóteses não amparadas.</p><p>Todavia, é bem verdade que diante da omissão do legislativo ou do executivo em garantir</p><p>um patamar mínimo em termos de direitos sociais, o Poder Judiciário não só tem o ‘poder’ de</p><p>intervir, mas também o ‘dever’ constitucional de garantir uma vida digna aos seus</p><p>jurisdicionados.</p><p>Ademais, vale dizer, que essa atuação do Poder Judiciário é fundamental para assegurar a</p><p>vida do paciente, outrossim, tem efeito pedagógico, posto que o governante, depois de alguns</p><p>anos,verificando que esse direito é efetivamente um direito garantido, ele vai saber que é</p><p>necessário alocar mais recursos da rubrica da saúde, sob pena de haver a intervenção do</p><p>Poder Judiciário.</p><p>Neste sentido, mister se faz transcrever o dito pela ABRAF, na Sessão Pública nº 04/2009,</p><p>in verbis:</p><p>“A vida dos portadores de hipertensão arterial pulmonar no nosso País tem sido assegurada</p><p>graças à proteção do Poder Judiciário, que compele o Estado a fornecer o medicamento</p><p>recomendado – pois, em que pese a medicação ser adotada, hoje, em países altamente</p><p>desenvolvidos, os órgãos do Governo, no Brasil, tentando fugir ao fornecimento, usam de</p><p>todos os subterfúgios para não adotá-los.” (BRASIL. STF, 2009).</p><p>O caso relatado acima pela entidade ABRAF, transparece o entrave existente na seara</p><p>administrativa, para se fornecer - de forma gratuita - medicamento ao cidadão brasileiro.</p><p>Por tais razões, é importantíssimo que se preserve a via do Poder Judiciário para que se</p><p>compila o Estado a fornecer medicamentos e tratamentos aos jurisdicionados, quando</p><p>necessário e quando deficiente a prestação do serviço pela Administração Pública.[2]</p><p>Contudo, o órgão julgador não pode esquecer que em determinados casos, satisfazer as</p><p>necessidades das pessoas que estão à sua frente, que têm nome, sobrenome, CPF, que têm</p><p>suas histórias, que têm uma doença grave, que necessitam de um tratamento específico,</p><p>pode, por outro lado, sacrificar o direito de muitos outros cidadãos anônimos e que dependem</p><p>igualmente do sistema público de saúde.</p><p>3.2.1 Fatores que ensejam a judicialização do direito à saúde</p><p>A Audiência Pública n. 04/2009, trouxe à tona para a sociedade civil, que a questão da</p><p>judicialização do direito à saúde, na maioria dos casos, não decorre de uma decisão</p><p>administrativa de não fornecer medicamentos ou tratamentos, tão pouco, de uma vedação</p><p>legal a sua dispensação, mas sim, de uma necessária determinação judicial para o</p><p>cumprimento de políticas públicas já estabelecidas.</p><p>Nessa linha de análise, Claudia Fernanda de Oliveira Pereira (BRASIL. STF, 2009), destaca</p><p>que a maioria das ações judiciais propostas no Distrito Federal visão fornecimento de</p><p>medicamentos que constavam nos protocolos da SES/DF ou na REME/DF (Relação de</p><p>Medicamentos do Distrito Federal) e que não foram dispensados por uma deficiente gestão no</p><p>sistema de compras, sem agilidade e devida programação, gerando, portanto, pleitos judiciais</p><p>ou aquisições emergenciais questionáveis. Citou como exemplo ações impetradas para</p><p>compra de medicamentos banais, como aspirinas, a um custo inferior a 20 (vinte) reais.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn2</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Adib Jatene (BRASIL. STF, 2009), por sua vez, pontua que em torno de 60% (sessenta por</p><p>cento) dos pleitos no Estado de São Paulo não necessitariam da demanda do Judiciário,</p><p>posto que são pleitos atendidos nos programas de políticas públicas, fazendo parte da</p><p>distribuição regular.</p><p>Ao que se vê, para os especialistas em matéria de saúde pública, no Brasil, o problema</p><p>talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder</p><p>Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que</p><p>ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas inexecução das políticas públicas de saúde</p><p>já existentes por parte dos entes da federação.</p><p>Cleusa R. da Silveira (BRASIL. STF, 2009) segue linha semelhante de conclusão, ao</p><p>constatar a necessidade de o Poder Judiciário traçar critérios para concessão de Tratamento</p><p>Fora do Domicílio (TFD), da seguinte forma:</p><p>“a) Para pacientes atendidos na rede pública, com a garantia de que o atendimento será</p><p>realizado na rede pública contratada ou conveniada ao SUS, porque o TFD é um tratamento</p><p>normalmente de urgência, em que o paciente tem de ser deslocado do seu domicílio para ser</p><p>atendido num outro centro de referência; b) quando esgotadas as possibilidades de</p><p>tratamento no município de residência; c) para uma distância superior a 50 quilômetros entre</p><p>o município de residência e a referência.”</p><p>Ressalte-se, não obstante, que existem casos em que ações para TFD o paciente é</p><p>encaminhado para onde ele quer, como ele quer, ou como o seu médico assim entender. Às</p><p>vezes ele fura a fila num setor, num Estado ou num Município que já está sobrecarregado,</p><p>deixando outras referências que poderiam atender muito melhor que naquela localidade.</p><p>É por isso, que se deve privilegiar o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção</p><p>diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a</p><p>impropriedade da política de saúde existente.</p><p>Todavia, se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é</p><p>imprescindível distinguir se a não prestação da saúde pelo Estado, decorre de uma omissão</p><p>legislativa e/ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma</p><p>vedação legal a sua dispensação.</p><p>De qualquer forma, e como enfatizado pelo Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, na</p><p>Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 175 (BRASIL. STF, 2009):</p><p>“Independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas</p><p>analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não</p><p>ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que,</p><p>muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo</p><p>que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva</p><p>do direito à saúde. Esse é mais um dado incontestável, colhido na Audiência Pública –</p><p>Saúde”.</p><p>3.3 Responsabilidade dos entes da federação</p><p>A Carta Política de 1988 preconiza no art. 196, caput, que a saúde é “direito de todos e</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>dever do Estado”. Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado brasileiro, no sentido</p><p>genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar ao cidadão desprovido de</p><p>recursos financeiros o acesso à medicação e aos tratamentos necessários para ter</p><p>preservada a sua saúde.</p><p>Acerca do assunto, o STF já teve a oportunidade de se manifestar, repetidas vezes, no</p><p>sentido de que a União, Estados e Municípios respondem solidariamente pelas demandas de</p><p>saúde.</p><p>Para Luís Roberto Barroso (BRASIL. STF, 2009) esta jurisprudência que consagra uma</p><p>solidariedade entre todos os entes federativos. Embora possa parecer uma decisão</p><p>libertadora, na medida em que assegura ao administrado receber a prestação de qualquer</p><p>dos três entes, do ponto de vista prático, isto cria grande dificuldade administrativa e grande</p><p>dispêndio desnecessário de recursos, porque há três estruturas que passam a funcionar para,</p><p>em juízo, atuarem para a defesa</p><p>da Fazenda Pública.</p><p>Assim, Barroso (BRASIL. STF, 2009) conclui sua tese da seguinte forma:</p><p>“Quando na distribuição do sistema, seja clara a responsabilidade de um ente, seja por ser</p><p>um medicamento relacionado a atendimento básico, estratégico ou excepcional, quando o</p><p>sistema for claro, a jurisprudência precisaria, em nome da racionalidade, da eficiência e da</p><p>economia de recursos escassos estabelecer que o réu da ação vai ser a entidade estatal</p><p>responsável por aquela prestação e ponto. Com isso se evitam as multiplicações de atuações</p><p>administrativas. As Procuradorias dos Estados vivem assoberbadas em muitas situações que</p><p>não precisariam atuar. Penso que, quando haja dúvida razoável sobre quem é responsável,</p><p>aí, sim, parece natural que a jurisprudência se incline pela solidariedade.”</p><p>Com efeito, a esfera municipal é a instância mais próxima do cidadão, além de ser o centro</p><p>de grande parte da proteção da saúde, pelo que denota a importância do município como</p><p>poder público na garantia desse direito. Ocorre que a maioria dos mais de 5.500 (cinco mil e</p><p>quinhentos) municípios não possuem condições financeiras para arcar com o contingente de</p><p>demandas que lhes são afetas.</p><p>De todo modo, a fim de acabar com essa celeuma, a Defensoria Pública de São Paulo (SP)</p><p>na Audiência Pública de n. 04/2009, propôs a criação de um sistema de compensação</p><p>financeira entre os entes federados. Nesse sistema de compensação financeira, o município</p><p>ou o Estado que vierem a arcar, dentro da repartição administrativa, das divisões</p><p>administrativas do SUS, com medicamento que não seria de sua autoria, terá direito a uma</p><p>compensação.</p><p>Desta forma, parece certo que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de</p><p>responsabilidade solidária, deve ser construído um modelo de cooperação e de coordenação</p><p>de ações conjuntas por parte dos entes federativos.</p><p>3.4 Sistema Único de Saúde – SUS</p><p>Na esteira do art. 4º da Lei n. 8.080/1990, o SUS é o conjunto de ações e serviços de</p><p>saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da</p><p>Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>Ao que se vê, o SUS é um sistema que pertence à rede pública de saúde e tem como</p><p>finalidade prestar o acesso à saúde de forma gratuita a todos, independente de crença, cor,</p><p>classe social, já que, todos têm o mesmo direito. Esse sistema tem como atribuição garantir</p><p>ao cidadão o acesso às ações e serviços públicos de saúde, nos moldes traçados pela</p><p>CRFB/88 e as demais leis correlatas.</p><p>A Lei n. 8.080/1990, nos arts. 5º e 6º, traça os objetivos do SUS, a saber: identificar e</p><p>divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; formular política de saúde</p><p>destinada a promover, nos campos econômico e social, a redução de riscos de doenças e de</p><p>outros agravos, bem como, estabelecer condições que assegurem acesso universal e</p><p>igualitário às ações e aos serviços por intermédio das ações assistenciais e das atividades</p><p>preventivas.</p><p>É nesse contexto que Luis Fux (BRASIL. STJ, 2008), lembra que:</p><p>“O SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo</p><p>atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando</p><p>comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia,</p><p>necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo</p><p>a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna”. (STJ; EDcl-AgRg-REsp 863.853;</p><p>Proc. 2006/0144063-5; SC; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; Julgado em 13 de maio de</p><p>2008. DJE: 16 de junho de 2008).</p><p>Não restam dúvidas de que a criação do SUS foi um importante passo para uma mudança</p><p>significativa no modelo assistencial e na tradução das necessidades de saúde da população</p><p>brasileira. Ao suprimir, ainda que inicialmente, a existência de um modelo centrado na</p><p>doença, deu margem para a construção de um modelo de atenção integral à saúde, pautada</p><p>em princípios doutrinários asseguradores de práticas de saúde.</p><p>Todavia, analisando a atual conjectura da saúde pública no país, evidencia-se que o SUS</p><p>aparece desacreditado, seja pelo contraste entre a qualidade do sistema público e o privado,</p><p>seja pela ineficiência no atendimento.</p><p>Como dito pelo professor SILVA (2010, p. 91) o SUS, no contexto atual, em muitas</p><p>oportunidades encontra-se diante da situação de garantir o fundamental para grande parte da</p><p>população e o de garantir o direito individual à saúde de alguns poucos indivíduos que</p><p>conseguem por meio de uma decisão judicial medicamentos cujo custo efetividade não é</p><p>plenamente conhecido e validado.</p><p>Na visão de Jairo Bisol (BRASIL. STF, 2009), os problemas cruciais do SUS, inclusive os</p><p>que impactam sobre a universalidade do sistema, não são de ordem gerencial, não são</p><p>redutíveis aos temas da assistência farmacêutica e da alta complexidade. Mas sim, em</p><p>decorrência da construção do SUS em cima de um modelo de ofertas oriundas do complexo</p><p>industrial de grupos corporativos e dos planos privados de saúde, e não das demandas da</p><p>população. De modo que, antes de referenciar-se num pacto do Estado com a sociedade,</p><p>evidencia uma subordinação das decisões políticas fundamentais aos interesses de setores</p><p>produtivos privados e corporativos na área da saúde.</p><p>A especialista Maria Inez Pordeus Gadelha (BRASIL. STF, 2009) é mais objetiva. Desde</p><p>logo, esclarece que o grande desafio no SUS para a questão da integralidade, da assistência</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>ou também da atenção à saúde, de uma maneira geral, é a sua composição. Segundo ela</p><p>temos um sistema, na realidade, de financiamento público, mas em sua composição a maioria</p><p>é de prestadores privados. Então, torna-se quase impossível a autoridade pública - que é a</p><p>gestora do SUS -, ter condições de articular interesses tão diversos, públicos e privados,</p><p>dentro de um sistema em que a maioria é de natureza privada.</p><p>Assevera ainda, que quando falamos da integralidade, não se pensa apenas em</p><p>integralidade da assistência. Há de se pensar na integralidade do sistema, em si, que conjuga</p><p>ações, atividades e políticas de promoção à saúde, de prevenção à doença, de terapêutica de</p><p>doenças e de cuidados paliativos. Isso ganha uma importância fundamental porque temos de</p><p>buscar a integração de inúmeras especialidades e de inúmeras profissões para o atendimento</p><p>a um tipo específico de doença ou condição.</p><p>Nota-se que a integralidade assistencial traduz muitas interfaces em que as duas principais,</p><p>que são importantes para todas as áreas envolvidas, seriam a do diagnóstico e a dos</p><p>cuidados paliativos.</p><p>De outra banda, do ponto de vista de sua base jurídico legal, o SUS está bem desenhado,</p><p>carecendo, no entanto, de algumas ações legislativas urgentes, especialmente a</p><p>regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, para minimizar o impacto do</p><p>subfinanciamento e a elaboração de uma lei de responsabilidade sanitária para garantir a</p><p>melhor aplicação e mais transparência de aplicação dos recursos públicos.</p><p>3.4.1 O direito à vida e as diretrizes constitucionais do SUS</p><p>Na prática, no dia a dia das ações de medicamento o grande argumento é de que o direito à</p><p>vida não pode ceder perante regras internas do SUS, outrossim, perante procedimentos</p><p>burocráticos.[3]</p><p>Para isso, o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Tostes de Alencar</p><p>Mascarenhas (BRASIL. STF, 2009), ensina que o direito à vida deve prevalecer apenas em</p><p>questões emergenciais.</p><p>Assim, ao explanar na Audiência Pública acerca da dicotomia entre direito à vida e as</p><p>normas do SUS, Mascarenhas (BRASIL. STF, 2009) adota a tese de que o afastamento de</p><p>normas do SUS seja ao menos usado quando efetivamente o direito à vida está sendo</p><p>ameaçado, que são, efetivamente, as ações</p><p>que ocorrem nos plantões judiciários quando</p><p>uma pessoa, senão receber um determinado tratamento, pode vir a falecer, ou pode vir a</p><p>perder uma função vital, ou ter uma grave lesão em questão de horas. Aliás, em geral, essa</p><p>pessoa, se procurar as emergências dos hospitais públicos, sabidamente as melhores - o que</p><p>é uma exceção, já que se apregoa que o sistema privado é sempre melhor -, mas, se essa</p><p>pessoa se dirigir diretamente à emergência de um hospital público, provavelmente será</p><p>atendida mais rápido.</p><p>Arrematou ainda, ser cada vez mais comum pedidos feitos ao Poder Judiciário “em abertos</p><p>de medicamentos”, lavrados na seguinte forma: que seja determinada a entrega do</p><p>medicamento “x”, e quaisquer outros que forem considerados necessários ao longo do</p><p>tratamento. Com isso, são criados títulos executivo-judiciais absolutamente em aberto que</p><p>geram execuções que não terminam com um inchaço em progressão aritmética, quiçá</p><p>geométrica do Judiciário, já que esse cidadão terá mais direito do que todos os seus outros</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn3</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>concidadãos, pois, ao contrário de um cidadão qualquer que pode pedir um medicamento na</p><p>rede pública, esse poderá pedir todo e qualquer medicamento que um médico diga que é</p><p>necessário para aquele tratamento, ainda que não mencionado expressamente no pedido e</p><p>na sentença.</p><p>3.4.2 Registro de medicamentos e insumos da Agência Nacional de Vigilância</p><p>Sanitária - ANVISA e aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT do SUS.</p><p>Não raro, busca-se, no Poder Judiciário, a condenação do Estado ao fornecimento de</p><p>prestação de saúde não registrada na ANVISA, bem como, medicamento e tratamento em</p><p>desconformidade com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas[4].</p><p>Acerca do registro de remédios, destaca-se na legislação nacional a Lei Federal n.º</p><p>6.360/76, ao dispor em seu art. 12, que nenhum dos produtos de que trata esta Lei (os</p><p>medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos), inclusive os importados,</p><p>poderão ser industrializados, expostos à venda ou entregue ao consumo antes de registrado</p><p>no Ministério da Saúde (MS). Conquanto, o art. 18 da referida lei ainda determina que, em se</p><p>tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de</p><p>registro válido no país de origem.</p><p>De outro lado, o artigo 16 da Lei retromencionada estabelece os requisitos para a obtenção</p><p>do registro, entre eles o de que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a</p><p>que se propõe.</p><p>Nesta direção, percebe-se, pois, que os medicamentos e vacinas não registrados na</p><p>ANVISA, do ponto de vista da lei brasileira, não têm sua eficácia e segurança estabelecidas,</p><p>assim como, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser</p><p>visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Daí porque, a</p><p>Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde -</p><p>SCTIE/MS (BRASIL. STF, 2009) sinalizar que “os medicamentos não registrados na ANVISA</p><p>não podem ser adquiridos pelo SUS mediante uma ordem judicial, pois ao invés de garantir o</p><p>direito à saúde podem representar, inclusive, um risco à saúde”.</p><p>Contudo, essa conclusão não afasta a possibilidade do Poder Judiciário ou da própria</p><p>Administração Pública, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida</p><p>a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o</p><p>tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.[5] Inclusive, como ressaltado pelo próprio</p><p>Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos</p><p>existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os</p><p>Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua</p><p>contestação judicial.</p><p>Sobre o assunto o Excelso STF em decisão paradigmática na STA n. 175/2009, lavrada</p><p>pelo Ministro Gilmar Mendes, assim se manifestou:</p><p>“A elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor</p><p>distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de</p><p>novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de</p><p>pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.”</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn4</p><p>#_ftn5</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>De toda forma, parece sensato concluir que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não</p><p>pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença</p><p>entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da</p><p>rede privada.</p><p>3.5 Métodos para desafogar o Poder Judiciário</p><p>O Defensor André da Silva Ordacgy (BRASIL.STF, 2009) traz as seguintes contribuições, a</p><p>fim de solucionar a problemática que assola o Poder Judiciário – o aglomerado de ações</p><p>objetivando fornecimento de medicamento e tratamento de forma gratuita -, quais sejam:</p><p>“a) é necessário um controle informatizado dos medicamentos. É muito comum se ouvir a</p><p>reclamação de que o beneficiado daquela prestação de saúde poderia estar recebendo em</p><p>duplicidade medicamentos, ou seja, ele pode receber pela União, pelo Estado, pelo Município,</p><p>e aí ele estar fazendo uma estocagem ilegal de medicamentos. Isso é uma exceção; pode</p><p>acontecer. Não é a regra geral, mas, em acontecendo, a melhor forma de sanar isso não é</p><p>evitar-se, criar um óbice para o direito à saúde, e, sim, criar mecanismos de controle; e o</p><p>sistema informatizado surge aí como a melhor alternativa; b) a valorização da tutela coletiva</p><p>na medida em que visa resolver o problema de forma coletiva, e não restrita a casos</p><p>individuais; c) a transferência de determinados tratamentos de saúde pública à iniciativa</p><p>privada; d) a expansão da sistemática adotada no Estado do Rio de Janeiro, na qual referido</p><p>Estado e a Defensoria Pública fizeram um termo de cooperação onde o jurisdicionado,</p><p>quando ele comparece à Defensoria, ao invés de se ingressar com uma ação judicial, se</p><p>verifica o termo de cooperação, verifica se a relação de medicamentos disponibilizados na</p><p>Secretaria Estadual de Saúde, onde houve o compromisso de fornecimento, ao invés de se</p><p>ajuizar ação, aguarda-se, é enviado um ofício à Secretaria Estadual de Saúde dentro desse</p><p>termo de cooperação, onde se aguarda sessenta dias para que o Estado do Rio de Janeiro,</p><p>voluntariamente, entregue esse medicamento. Em não o entregando, ajuíza-se então ação</p><p>judicial; e) a formação de Câmaras Prévias de Conciliação para que seja levado os casos</p><p>concretos de maior dificuldade para encontrar uma solução, em não havendo uma solução, é</p><p>ajuizada então a ação judicial; e, por fim; e) que haja uma exigência por parte do Poder</p><p>Judiciário de que o jurisdicionado ao ajuizar uma ação de medicamentos junte laudo médico,</p><p>e nesse laudo médico, além da descrição da doença e do remédio que o médico está</p><p>indicando, é necessário que indique também o princípio ativo daquele medicamento, para que</p><p>haja possibilidade de fornecimento de um medicamento genérico ou um mais em conta. É</p><p>preciso que o próprio jurisdicionado, através da Defensoria Pública, apresente três</p><p>orçamentos de remédios.”</p><p>E, como ressaltou o constitucionalista Luís Roberto Barroso (BRASIL. STF, 2009) na</p><p>mesma ocasião, essa transformação da ação individual em uma ação coletiva permite que se</p><p>realize a ideia de universalização e a ideia de igualdade. Vai-se realizar e se atender aquele</p><p>direito para todo mundo, ou não, mas não se vai criar um modelo em que o atendimento</p><p>passa a ser lotérico - depende de ter informação, depende de cair em um determinado juízo.</p><p>Conquanto, o jurista Ingor Sarlet quando de sua fala na Audiência Pública, propôs a criação</p><p>pelo STF de súmulas vinculantes e decisões vinculantes na seara da saúde.</p><p>O Ministério da Saúde –</p><p>representado por Alberto Beltrami e Antônio Carlos Figueiredo</p><p>Nardi - defendeu a criação de protocolos, atualizados periodicamente, que possibilitem o uso</p><p>racional de medicamentos, exames e procedimentos e, principalmente, a qualidade do acesso</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>ao cuidado na saúde. Para tanto, propôs:</p><p>“a) o fortalecimento dos mecanismos de regulação para o uso de novos procedimentos</p><p>terapêuticos de eficácia comprovada; b) atualizar os protocolos clínicos e diretrizes</p><p>terapêuticas já existentes e elaborar novos protocolos, atualizando-os periodicamente,</p><p>sempre com base na melhor evidência científica disponível; c) o aperfeiçoamento da</p><p>Comissão de Incorporação de Tecnologias (CITEC), do Ministério da Saúde, ampliando sua</p><p>composição, agilizando suas decisões e tornando o seu funcionamento mais transparente; d)</p><p>aperfeiçoar a organização da pesquisa em redes de centros de referência para estabelecer</p><p>nacionalmente resultados; e) incrementar a criação de Centros de Referência - em conjunto</p><p>com Estados e Municípios - para a assistência de pacientes; e, por fim, f) quanto às ações</p><p>judiciais, criar os mecanismos necessários para oferecer ao Judiciário - como há em alguns</p><p>Estados - assessoria técnica em centros de referência, por profissionais ad hoc, sem conflito</p><p>de interesses e sem relação com a assistência e prescrição aos pacientes.”</p><p>Contribuindo com sua larga experiência o procurador Mascarenhas (BRASIL. STF, 2009),</p><p>fez um destaque enriquecedor a ser implementado/copiado nas demais unidades da</p><p>federação, senão vejamos:</p><p>“No Estado do Rio de Janeiro, temos tomado iniciativas em colaboração com outros entes</p><p>federativos, em colaboração com o município do Rio de Janeiro, em colaboração com a</p><p>Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, muito combativa sempre na questão de</p><p>medicamentos, mas que se mostrou muito colaborativa, dentro dos seus limites, acordos que</p><p>geraram a criação de uma central única para recebimentos e mandados judiciais, exatamente</p><p>para evitar o cumprimento em duplicidade de medidas judiciais; acordos com a Defensoria</p><p>Pública para que ações, pelo menos em relação aos remédios expressamente constantes de</p><p>listas, não sejam mais propostas, e para que o medicamento seja entregue mediante simples</p><p>entrega de ofício. Hoje mais de trezentos remédios e alguns exames já são feitos dessa forma</p><p>há mais de um ano. Esses acordos já foram estendidos a algumas cidades do interior.</p><p>Também colocamos, farmacêuticos à disposição de duas Varas de Fazenda Pública na</p><p>Capital para auxiliar o juiz, para dar um auxílio técnico ao juiz, na avaliação da pertinência de</p><p>determinado medicamento, da existência ou não de um medicamento equivalente nas listas</p><p>do SUS. Também foi criado pela Secretaria de Saúde um software disponibilizado para os</p><p>juízes de Fazenda Pública para que tenham acesso a esses medicamentos.”</p><p>A partir dessas sugestões, Adib Jatene (BRASIL. STF, 2009), animou-se a propor que todo</p><p>pleito em que se solicitar liminar para fornecimento de medicamento, produto, insumo e</p><p>procedimento, que venha acompanhado da recusa da autoridade em atender ao pleito. Isso</p><p>significa que a reivindicação foi apresentada e não atendida. Assim, a decisão do juiz seria</p><p>sobre uma recusa do gestor do SUS.</p><p>3.6 As contribuições advindas com a realização da audiência pública n. 4/2009</p><p>Em boa hora o STF propôs a realização da Audiência Pública de n. 04/2009, com a</p><p>finalidade de se discutir o processo de judicialização de saúde no Brasil.</p><p>Após a realização da audiência, foi grande a expectativa acerca de qual passaria a ser o</p><p>entendimento do STF sobre o direito à saúde e as questões a ele relacionadas que haviam</p><p>sido abordadas na ocasião. Em setembro de 2009 o então presidente do STF, Ministro Gilmar</p><p>Mendes, proferiu decisão na STA de nº 175/2009, na qual definiu uma sequência de hipóteses</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>que deveriam ser avaliadas antes da decisão nos processos envolvendo o direito à saúde.</p><p>Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou no ano de 2010 a</p><p>Recomendação nº 31, visando melhor subsidiar os magistrados na solução das demandas</p><p>judiciais envolvendo a saúde. Dentre outras orientações, o CNJ recomendou que os juízes</p><p>evitassem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA e</p><p>que ouvissem os gestores, sempre que possível, antes da apreciação de medidas de</p><p>urgência.</p><p>O Poder Legislativo também se moveu e elaborou a Lei n. 12.401/2011 que define que a</p><p>assistência terapêutica integral no SUS, inclusive a farmacêutica, consiste em: 1) dispensação</p><p>de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em</p><p>conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou</p><p>o agravo à saúde a ser tratado; 2) oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar,</p><p>ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do SUS,</p><p>realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado.</p><p>O CNJ, em meritória atuação proativa, instituiu o Fórum Nacional do Judiciário (FNJ) para</p><p>monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, formalizado no ano de</p><p>2010 através da Resolução n. 107[6]. Entre as atribuições do FNJ, destaca-se a elaboração</p><p>de estudos e medidas concretas para o aperfeiçoamento, reforço e efetividade dos processos</p><p>judiciais, além de refletir sobre a prevenção de novos conflitos em matéria de saúde.</p><p>Em 2011, o CNJ ainda publicou a Recomendação de n. 36 que trouxe regramentos</p><p>específicos para o julgamento de demandas envolvendo a saúde suplementar.</p><p>Por outra face, exsurge neste cenário a portaria de n. 650, de 20 de novembro de 2009, do</p><p>CNJ, que criou o grupo de trabalho para estudos e propostas de medidas concretas e</p><p>normativas para as demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, que coordenado</p><p>pela Comissão de Relacionamento Institucional e Comunicação adotou recomendação</p><p>direcionada a todos os tribunais visando a inclusão da matéria Direito à Saúde nos concursos</p><p>de ingresso a magistratura, outrossim, orientar o oferecimento de cursos de aperfeiçoamento</p><p>nessa área pelas escolas da magistratura, contribuindo assim para a melhor formação dos</p><p>juízes nas questões relacionadas ao Direito à Saúde.</p><p>Neste cenário, no ano de 2014, o Poder Judiciário aprovou 45 enunciados sobre direito à</p><p>saúde, no evento intitulado de I Jornada de Direito à Saúde, a fim de uniformizar e orientar a</p><p>jurisprudência pátria acerca do assunto.</p><p>Não obstante todas essas ações por parte do Poder Judiciário, tem-se observado que as</p><p>demandas judiciais na seara da saúde continuam a crescer e a envolver pedidos de</p><p>medicamentos, procedimentos ou produtos que não estão em nenhum protocolo clínico ou</p><p>lista elaborada pelos gestores do SUS, bem como pedidos de itens não autorizados ou</p><p>registrados pela ANVISA.</p><p>De todo modo, cumpre advertir que algumas demandas muito frequentes e que consomem</p><p>um elevado volume de recursos, referem-se a alguns vazios assistenciais existentes no SUS</p><p>e essa é uma discussão que o SUS tem que fazer internamente, com a participação das três</p><p>esferas de gestão – judiciário, legislativo e executivo.</p><p>http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16261</p><p>#_ftn6</p><p>Revista Âmbito Jurídico</p><p>4 PRINCIPAIS ARGUMENTOS E PEDIDOS FEITOS AO STF SOBRE O DIREITO À</p><p>SAÚDE</p><p>A pesquisa, neste ponto, terá estudo voltado para a análise das decisões do Supremo</p><p>Tribunal Federal no tocante à saúde. Para que este estudo pudesse ser concretizado foi feita</p><p>pesquisa no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal.</p><p>Algumas decisões anteriores à Audiência Pública, embora com fundamentos semelhantes,</p><p>foram reproduzidas para que se possa demonstrar como o STF já vinha se posicionando</p><p>acerca</p>

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