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<p>DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO A palavra desfecho é curiosa pelos significados que pode ter. primeiro significado é o de final, mas não como qualquer um. E uma espécie de final marcante, acompa- nhado de uma certa força. Ele pode ser o final de um texto literário, de um con- to policial ou de mistério, no qual acompanhamos o autor na apresentação de questões até que elas fiquem escla- recidas. Esse momento é hora de esclarecimento e de compreensão do significado dos episódios relatados. É como se encontrássemos um certo alivio para a tensão que crescia ao longo da história. Quanto mais estivermos envolvidos e curiosos para saber quem é o assassino ou de onde vem aquela "potência misteriosa" que percor- reu o enredo, mais intensamente curtiremos o desfecho. Desfecho é final, mas está profundamente ligado à totalidade da história.</p><p>52 NA PRESENÇA DO SENTIDO DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 53 mesmo acontece com nossos problemas. Quanto Quando ele ocorre tudo começa ou de novo, ou ou- mais eles são obscuros e quanto maior é nosso envolvi- tra vez. mento, mais curtimos o desfecho. Temos de ser capazes Começar de novo não é o mesmo que começar ou- de penetrar nas questões que o problema apresenta para tra vez. Começar outra vez é repetição. Começar de novo que o desfecho venha e complete. E como se o desfecho tem o caráter de novidade; uma nova coisa vem se colo- tivesse de preencher alguma coisa que antes precisasse car quando o desfecho preenche a primeira situação. ser cavoucada. Quanto maior for o buraco, mais amplo pode ser o desfecho em seu sentido; a surpresa será maior Todo desfecho efetiva uma passagem. Essa concep- e a compreensão dos detalhes mais prazerosa. Quanto ção de desfecho nos remete ao papel dos ritos de passa- mais mergulharmos em nossos problemas, no momento gem na história da humanidade. em que encontrarmos o desfecho, de fato, ali termin ara Os povos primitivos, ligados à experiência do sa- um ciclo. grado, levavam muito a sério os momentos de transição. Um outro sentido para a palavra desfecho e aquele As "passagens" eram marcadas por rituais, que assina- que encontramos quando ouvimos ou dizemos, por exem- lavam o que estava sendo deixado para trás e a vida nova plo:... e então "ele desfechou Nesse caso, des- que começava. Acontecimentos como nascimento, morte, fecho é ação, é momento em que alguma coisa se realiza. casamento, eram considerados situações de mudanças ra- Não se trata de contemplação. Algo que estava prepara- dicais e, por isso, precisavam ser ritualizados. do para acontecer toma-se real, desdobra-se numa ação Segundo Mircea Eliade, hoje em dia, concreta. Falamos até agora de desfecho como final, encerra- (...) numa perspectiva a-religiosa da existência, todas as mento, realização de algo que vinha sendo preparado, "passagens" perderam seu caráter ritual, quer dizer, nada ou seja, trata-se de um fechamento. mais significam além do que mostra o ato concreto de um Há, porém, um terceiro sentido para essa palavra, nascimento, de um óbito, ou de uma união sexual ofi- e aqui o curioso está na pergunta: por que chamar aqui- cialmente reconhecida." lo que fecha de desfecho- des-fecho? que desfecho, ao mesmo tempo que encerra, fecha, também é abertura. 1. ELTADE M. (2001). 0 sagrado e profano. São Paulo, Martins Fontes.</p><p>DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 55 54 NA PRESENÇA DO SENTIDO i Para aqueles povos, o rito de passagem por excelên- ocasiões, o mito cosmológico é recitado com fins terapêu- cia é aquele que marca o início da puberdade, a passa- ticos: "Para curar ó doente, é preciso fazê-lo nascer mais gem de uma faixa de idade para outra. E o momento em urna vez, e o modelo arquetípico do nascimento é a cos- que a pessoa passa a saber certas coisas que até então ela não sabia. Segundo Eliade, o deixar morrer para que surja algo novo aparece também nos rituais judaico-cristãos, como no batismo: A iniciação comporta sempre uma tripla revelação: a do sagrado, a da morte e a da sexualidade. A criança ignora Para nós, aqui, algumas coisas se destacam nessas todas essas experiências; o iniciado as conhece, assume e considerações sobre rituais: integra em sua nova personalidade. iniciado é um a importância dada aos momentos de passagem; homem que sabe 2 a passagem como a hora em que é necessário dei- xar algo para trás e abrir-se para outra coisa; Nos rituais de iniciação, há sempre alguma coisa a importância de que seja concedido um tempo que recomeça. vezes, o simbolismo de um segundo nas- para que se dê a transição; cimento exprime-se por gestos concretos. Assim, entre a condição alova de alguém que passou pela ini- povos bantos, há uma cerimônia conhecida como "nascer ciação, ou seja, a partir de então ele é alguém que "sabe", de novo". O pai sacrifica um carneiro e, após três dias, porque passou pelas provas que foram exigidas, algumas envolve a criança na membrana do estômago e na pele muito sofridas. do animal. Mas, antes disso, a criança vai para a cama e Tudo isso está presente nos ritos de passagem. Mas chora como um recém-nascido. Depois que permanece isso está presente também em nossas vidas nas situações por três dias envolta nessa pele, ela a deixa e sai para a de desfecho, quando essas são vividas plenamente. nova vida. O deixar para trás alguma coisa e abrir-se para ou- Os rituais indicavam para o iniciante as tra nova aparece também nos rituais ligados à cura. Nessas des; mostravam que havia algo de morte e também algo 3. Idem, ibidem. 2. Idem, ibidem.</p><p>56 NA PRESENÇA DO SENTIDO DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 57 1 de nascimento na passagem, e, por isso, era preciso pas- A ligação entre pressa e eficiência é um viés que, na sar devagar. Se houvesse pressa, provavelmente haveria situação especifica da psicoterapia que é o horizonte a confusão, e o necessário para a nova vida não estaria dis- partir do qual estamos é extremamente sedu- ponível. tor e perigoso. A primeira tentação e o primeiro perigo Nossa cultura distanciou-se dos rituais, que, de al- estão na pressa. guma forma, mostravam como as coisas são complexas Na profissão de psicólogo, provavelmerite,-todos nós e precisam de tempo para que se realizem plenamente. vivemos a experiência da pressa em nossos primeiros A pressa não, permite que, na passagem de uma si- atendimentos. paciente chega, começa a falar, a formu- tuação para outra, quando alguma coisa termina, a pes- lar um problema, e o terapeuta, afobado, procura o que soa possa sentir toda a tristeza que pode haver num vai dizer a ele. Um de seus ouvidos escuta o paciente e o desfecho. Nesse momento, algo pertence ao passado, foi embora, distanciou-se, e nós, impedidos de parar, temos outro escuta o diálogo interno de sua procura: "Mas onde de deixar coisas para trás, pois quando não consegui- encaixar isto que ele diz, ou será que este é mesmo mos isso, nós nos sentimos "pesados". preciso tempo o problema? Levanta hipóteses apressadas e, no final para aceitar que algo acabou e para aceitar que algo, de do relato, pode ter a surpresa de ouvir do paciente: "Mas novo, começa a se abrir. o meu problema não é este, não é por isso que procuro a A passagem não é para ser feita na pressa. Entre o terapia". E tudo recomeça. novo que se abre e o que fica para trás há uma ligação. É como quando passamos por uma ponte: esta marca o Quando alguém começa a nos contar seu sofrimen- término de uma margem do rio e dá acesso ao outro to, nosso primeiro impulso e querer acabar com o pro- lado; ou como quando passamos por uma porta: esta se- blema, obter uma resposta, e agimos sem imaginar que para e liga dois espaços. A passagem faz a ligação. A pres- isso possa ser ruim, que possa faltar algo na pressa de sa distorce a passagem. alcançar um desfecho. Em nosso tempo, a pressa está presente em quase Em contato com o- sofrimento de alguém, é comum tudo. Achamos que eficiente é o apressado. A idéia de efi- pessoas bem-intencionadas dizerem: "Calma, isso >pas- ciência está diretamente relacionada a tempo: mais eficien- sa!". Outros dizem: "Calma! Não há bem que sempre te é a maior produção na menor unidade de tempo. dure nem mal quê nunca se acabe!". E claro que o fri-</p><p>58 ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 59 NA PRESENÇA DO SENTIDO mento vai passar. Tudo passa. Mas passar também pode Com o tempo,, a menina se cansa dessa história. Ela ser uma coisa assustadora, que aponta para a precarie- só vê o seu estar perdido, não vê o estar apaixonado, e dade, que diz que nada veio para ficar. A dimensão de passa a se interessar por outro. A partir daí, ele começa morte contida na perspectiva de que tudo passa é o que a curtir sua situação de apaixonado abandonado. Inte- mais assusta. Olhar para esse aspecto da passagem, de ressante é que, em seguida, ele vai do estado de perdido para o de achado. Ele se acha no abandono. Ele sabe que nada dura o tempo todo, significa lidar com uma muito bem onde está e quem é o abandonado. ameaça concreta. menino vai conversar com alguém mais velho, Nesse "tudo passa" há ainda outro aspecto da pas- mais experiente, em quem confia. E o que ele ouve é o sagem que, às vezes, fica esquecido. Quando dizemos que seguinte: "Não esquente! Você só tem doze anos, tem a tudo passa, estamos dizendo, de certa maneira, que tudo vida inteira pela frente e ainda vai se apaixonar muitas se toma nada mais, tudo se nadifica. Assim, tudo que hoje vezes. Issb não é nada". está sendo objeto de sofrimento, daqui a algum tempo, será Assim, pela primeira vez, o menino ouve que tudo nada. Mas isso não é necessariamente verdade, felizmente. passa, tudo que ele sente é nada. Ele cai das nuvens onde estava; todo apaixonado. E quando se cai das! Quando, na pressa de acabar com o problema, ape- nuvens, o tombo é grande. lamos para o "isto passa", "isto não é nada", não avalia- A sensação, em seguida, é de que a paixão não é mos o quanto de transtornos tal afirmação pode trazer confiável, pois ela passa, desmancha-se, e daqui a dois para quem ouve. ou três anos ele vai olhar para a menina e se perguntar: Exemplifiquemos com a história de um menino que "Mas o que eu vi nela para me apa ixonar tanto?". Surge vive um primeiro grande amor. Ele tem doze anos. Apai- o caráter do engano. O "tudo passa" mostra a precarie- xona-se tão perdidamente que, de fato, fica perdido. dade e o enganoso. Apaixonado e perdido, não consegue fazer nada. Pensa: Podemos imaginar o menino já adulto em urna te- "Hoje falo com ela!". Mas, ao chegar perto da menina, rapia. Ele volta, por vezes, a esse episódio e lamenta o mal pode respirar e abrir a boca. Prepara coisas para di- fato de aquela pessoa com quem conversou não conhe- zer, mas tudo some. cer melhor sobre ritos de passagem.</p><p>60 NA PRESENÇA DO SENTIDO DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO Voltemos ao amigo do menino. Ele bem-inten- Comumente encontramos urna certa inquietação do cionado: "Não fique somente olhando para trás, olhe para terapeuta por fazer seu paciente "cair na real". Importante frente, porque a vida continua e tudo passa". Ele se es- é que, "na real" só se cai; ninguém "sobe para a real". quece de dizer que tudo passa, mas tudo não volta para o Esse movimento de descida, especialmente se há pressa mesmo lugar, e não voltar para o mesmo lugar e uma opor- para descer, significa tombo. Quando nos precipitamos tunidade de começar de novo e não meramente outra vez. "na real", estamos nos "esfolando na real". E é assim que aquilo que o amigo propõe como con- Não é que a ilusão seja um território para permane- solo provoca raiva no menino: raiva da paixão, raiva- do cermos. Mas ela não pode passar meramente. E como diz amigo, raiva da menina, raiva do envolvimento com urn da Fonseca, não podemos eliminar a ilusão em A dor daquele momento é muito grande, ao pen- todos os niveis.4 sar que o mais importante naquela vida toda de doze anOS Na -experiência concreta, sem ilusões não encontra- e nada, é um engano, uma gr ande mentira. mos finalidade. E a finalidade é condição para o desfecho, conselho do amigo parece dizer: "Esqueça". Ora, porque este corresponde ou ao alc ance da finalidade ou se esquecemos o que vivemos com tanta paixão, se es- à presença de um impedimento radical que finaliza um quecemos coisas tão significativas num dado momento, processo e torna evidente que a finalidade não pode ser não podemos começar "de novo". Se há esquecimento, alcançada. Ilusão', finalidade e desfecho estão profunda- conseguimos até repetir, fazer outra vez algo que mente ligados, e a eliminação de um altera o outro. mos antes, mas não podemos fazer algo "de novo", vis- Uma ilusão precisa de um desfecho. Qu ando a ilusão to que, no esquecimento, não sabemos diferenciar o "de se desfecha, ela nos abre para a realidade e nos faz reen- novo" do "outra vez". contrar o significado daquilo que nela vivemos, de modo que nos tornamos um pouco mais sábios. Nessa condi- Deparar-se repentinamente com a possibilidade do de sabedoria (que na etimologia latina tem o sentido engano, já que "tudo passa", faz sentir que tudo e ilusão. A questão da ilusão em oposição ao principio de 4. FONSECA, E. G. (1977). Auto-engano. São Paulo, Companhia das realidade tem sido foco de reflexão para a psicologia. Letras.</p><p>62 NA PRESENÇA DO SENTIDO DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 63 1 de paladar), por termos sentido o sabor da ilusão e da tudo que acabamos de viver. Para aquele menino desi- desilusão, podemos nos iludir de novo, podemos sonhar ludido com sua paixão, esse "tudo" foi o máximo dele de novo. mesmo, do que ele pôde perceber de si e da menina. Isso Se após uma desilusão simplesmente esvaziamos faz parte de sua história. tudo o que passou, mais que desiludidos, caímos na de- A insistência em que "tudo passa", presente no apres- solação, no vazio. sado consolo que simplesmente recomenda o esqueci- Poder resgatar a experiência do que foi vivido, sem mento para afastar o que incomoda, amplia-se, para esvaziar o passado, nos torna mais capazes de ouvir quais as outras coisas. Se esquecemos aquilo que nos afligiu, es- cb o outro nos fala de seus sofrimentos, de sentir o res- quecemos também o que vivemos, e quando nos esque- soar da vida e não o da morte, mesmo quando se tratà cemos de nossas experiências não chegamos a ser huma- da morte de uma paixão. nos, já que é peculiaridade humana ser e fazer história. Quando conseguimos olhar para a desilusão e mer- Aquilo que no desfecho se dá, ainda que seja o aban- gulhar no que foi vivido, uma compreensão começa a se dono, e a oportunidade da compreensão de alguma coisa abrir. Ela surge da obscuridade e sua peculiaridade está que, de fato, se deu. Se não foi do jeito como esperáva- em aproximar o dificil, o trágico da vida, da possibilidade mos, mesmo assim, o acontecido não significa um nada. de renovação da vida. Esse tipo de compreensão difere daquela descrita, No começo a compreensão está permeada de obscurida- desde Aristóteles, por toda a tradição do racionalismo, de. Mas quando nos acostumamos a esta, outras coisas em que se privilegia a luz da razão, do óbvio, da evidência. aparecem, inclusive o próprio viver na condição de obs- Sabemos que há mais de um modo de compreender, curidade, o desejo de encontrar a luz e a vontade de tor- de conhecer as coisas. Concretamente, se estamos no cla- nar a mergulhar em algo significativo e cheio de vigor. ro, é com os olhos que conhecemos. Mas, no escuro, orien- É possível, mesmo dentro do sofrimento e da obs- tamo-nos ouvindo, cheirando, tateando e mesmo sentin- curidade do momento e aqui nos lembramos do ritual do o gosto das coisas. de iniciação, quando é preciso "chorar como um recém- Num outro plano, lembremo-nos da tragédia de nascido" e permanecer envolto na pele do carneiro para, Essa história aproxima o que queremos dizer em relação só então, tornar-se "alguém que sabe" olhar para aquilo à compreensão que nasce na obscuridade.</p><p>64 NA PRESENÇA DO SENTIDO DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 65 Édipo, desvenda o enigma da Esfinge com seu olhar Ultrapassar pode significar, deixar para trás, mas penetrante e guiado pela luz da razão. Aquilo era para pode também ter o sentido de compreender. ser entendido na dareza da razão. Quando ultrapassamos compreendendo, damo-nos Num outro momento, ao se dar conta do que acon- conta de que, mesmo no centro da desilusão, somos, de teceu, sente que já não tem o que fazer com seus olhos alguma maneira, maiores do que a desilusão que com olhos tão importantes quando ele vinha errante pela es- preendemos. Nós contemos a ilusão e trada, encontrou a Esfinge e resolveu o enigma. No de- Poder não ter pressa de afastar o sofrimento e per- sespero, ele fura seus olhos, já não quer mais ver nem a manecer com ele o tempo necessário para abarcá-lo, eis luz do sol. o que possibilita aquilo que os psicólogos comumente cha- Seu olhar e a luz da razão já não servem para a com- mam de "trabalhar a perda". Nessas horas, como dissemos preensão de sua vida, quando se encontra na desilusão antes, a pressa é extremamente sedutora e perigosa. radical, ao perceber que fez tudo errado. A resolução da vida de Edpo não pode, agora, ser feita pelo entendi- "Trabalhar a perda" signi fica compreender a perda. mento racional. Ela virá por um outro modo de compre- E quando compreendemos a perda somos projetados na ensão, na obscuridade. tarefa de compreender também o ganho, e isso é muitas A compreensão que parte da obscuridade tem o sig- vezes esquecido. A primeira coisa que ganhamos na com- nificado especial de abarcar ou conter. Nela, somos soli- preensão da perda de uma ilusão é a descoberta de que, citados a conter toda a experiência que então se oferece na desilusão, não morremos. ao entendimento. Mas, para algumas pessoas, parece que é vergonho- E conter significa permanecer na proximidade do sobreviver à morte de uma paixão, à perda do objeto que é contido, mas significa também poder estar além desejado; surge um desejo de sofrimento, como se este dele; é abarcar a situação de modo a ficar além dela. fosse a autenticação do significado do vivido. Nesse caso, Jung diz que os maiores e mais proble- é como se a pessoa precisasse manter um sofrimento mas não são resolvidos ou eliminados. Se isso aconteces- enorme para poder ter certeza da importância daquilo se, eliminaríamos junto a própria vida; os grandes pro- que ela perdeu, certeza de que não viveu um engano. Nis- blemas podem apenas ser ultrapassados. so, sua vida se fecha.</p><p>66 NA PRESENÇA DO SENTIDO DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESSO 67 Quando conseguimos compreender, abarcando tudo Esse penetrar ná obscuridade da terra pode ser com- o que aconteceu, o vivido, a ilusão, a perda, a desilusão, preendido como o concreto. Expressões do nosso cotidia- e contendo tudo isso podemos além, novas dimen- no como o pé no chão" e "estar com os pés na ter- do viver se abrem. que perdemos e o que ganha- ra" significam o se enraizar de alguma forma. "No chão", mos permitem que renovemos esse processo que é a à primeira vista, estão todas as sujeiras, os detritos e as vida, em que sempre nos encontramos, de alguma for- coisas em decomposição. Mas, para as raízes, tudo isso ma, perdendo e ganhando. significa a origem da vida. Enfim, aceitar, abarcar e ir além, ou seja, fazer de um Em nossa vida, há ocasiões em que nos é pedido desfecho uma situação que ao mesmo tempo fecha que mergulhemos no solo, como as raízes na obscurida- e abre de novo, isso é coisa que não se faz na pressa. de, na presença do silêncio, na proximidade daquilo que Pode ser preciso suportar tristeza, até mesmo mergulhar pode se oferecer como o passado, o detrito, o que já morreu. em terrenos obscuros, estreitos e inóspitos. O movimento de enterrar profundamente as raízes possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio. Heidegger, em seu texto caminho do campo, tem Ah! equih'brio coisa tão procurada por nós, pes- uma imagem bonita que nos ajuda a compreender isso: soal e profissionalmente. É o equilíbrio que vai permi tir o grande carvalho, que se encontra lá no caminho, pre- que a grande copa, da árvore não desèstabilize o estreito cisa mergulhar profundamente suas raízes na terra escura. tronco sobre o qual ela se apóia. Não fossem as raízes, É na obscuridade da terra que ele vai buscar a força que nenhuma grande árvore permaneceria em pé. São as o manterá vivo, que lhe dará condição de expandir sua raízes que dão o equilíbrio. copa em direção do céu.5 Mas a árvore não se limita a se aprofundar no solo. As raizes penetram na terra de modo profundo, si- É próprio dela também ganhar altura, crescer em direção lencioso e ao céu, buscar outros elementos de que ela necessita. Para nós também é assim. Há as ocasiões em que nos é pedido que permaneçamos "na copa", olhando para 5. M. (1977). 0 caminho do campo. Revista de Cultura o céu brilhante, "fazendo crescendo em Vozes, n. 4, Ano 71, Rio de Janeiro, Vozes. direção ao aberto.</p><p>68 NA PRESENÇA DO SENTIDO A dinâmica do desfecho é a mesma, ou num proces- de terapia, ou numa paixão de adolescente, ou na vida de uma pessoa. Como experiência humana, desfecho é sempre fecho e des-fecho, encerra e propõe, tira alguma coisa e outra no lugar. Essa nova coisa pode ser um jeito novo de Perceber esse movimento que faz com que todas as coisas passem, mas não se nadifiquem ou : desapareçam, possibilita que, ao reuni-las, possamos compor algo com sentido a que chamamos de nossa historia.</p>