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<p>AULA 06 - OS DONS DO ESPÍRITO – PARTE 1</p><p>Leandro Lima</p><p>Introdução</p><p>Deus capacitou sua igreja com poderes ex-</p><p>traordinários para que desempenhasse,</p><p>em unidade, sua missão de proclamação e</p><p>testemunho perante o mundo, além de seu</p><p>próprio crescimento espiritual. A essa capa-</p><p>citação a Escritura chama de “dons do Espí-</p><p>rito Santo”. Tristemente, porém, a questão</p><p>dos dons do Espírito tem causado divisões</p><p>dentro da igreja de Cristo. Concepções mui-</p><p>to diferentes em relação à natureza e ao uso</p><p>desses dons causam rupturas, escândalos e</p><p>confusão em muitas igrejas. Desse modo,</p><p>aquilo que Deus deu para servir, e, por con-</p><p>seguinte, para unir as pessoas, acaba sendo</p><p>causa de divisões e escândalos. Essa é uma</p><p>constatação que não pode ser ignorada, po-</p><p>rém isso não deve impedir que estejamos</p><p>interessados e que conheçamos bem o as-</p><p>sunto dos dons espirituais.</p><p>De acordo com a Bíblia, os dons do Espírito</p><p>foram dados a fim de ajudar a igreja na tare-</p><p>fa de evangelização e edificação. Eles são as</p><p>armas mais poderosas e variadas que Deus</p><p>deu à sua igreja a fim de capacitá-la para a</p><p>missão que precisa realizar nesse mundo.</p><p>Um dos melhores lugares de onde podemos</p><p>buscar compreensão dos dons do Espírito</p><p>são os capítulos 12 a 14 de 1Coríntios. Paulo</p><p>trata extensivamente sobre esse assunto por-</p><p>que o mau uso dos dons era um dos grandes</p><p>problemas da igreja de Corinto. Aquela igre-</p><p>ja, apesar de ter recebido todos os dons es-</p><p>pirituais (1Co 1.7), fazia um mau uso deles.</p><p>Paulo listou uma série de distinções e regu-</p><p>lamentações para esses dons, que interpre-</p><p>tadas a partir do contexto histórico, servem</p><p>de base para a igreja em todos os tempos.</p><p>Definições a respeito dos dons</p><p>Paulo está muito interessado em que os</p><p>crentes de Corinto tenham conhecimento</p><p>verdadeiro sobre os dons, por isso ele diz:</p><p>“A respeito dos dons espirituais, não quero,</p><p>irmãos, que sejais ignorantes” (1Co 12.1).</p><p>1 John Stott. Batismo e</p><p>Plenitude do Espírito</p><p>Santo, p. 64.</p><p>2 Devemos considerar</p><p>isso juntamente com</p><p>a ideia de buscarmos</p><p>os melhores dons (1Co</p><p>12.31). É nossa função</p><p>buscarmos os melhores,</p><p>mas devemos entender</p><p>que Deus nos dará o</p><p>que é melhor.</p><p>Essa é uma séria advertência. Ignorância,</p><p>que literalmente significa falta de entendi-</p><p>mento, a respeito dos dons espirituais pode</p><p>complicar seriamente o ministério e a vida</p><p>cristã. Paulo deseja que os crentes sejam</p><p>esclarecidos no que se refere ao assunto</p><p>dos dons, e esse também é o nosso esfor-</p><p>ço nesse momento. O primeiro princípio</p><p>que aprendemos sobre os dons espirituais,</p><p>portanto, é que devemos ser esclarecidos e</p><p>não ignorantes quanto a eles. O melhor lu-</p><p>gar para sermos esclarecidos é a Palavra de</p><p>Deus, devemos, portanto, estudá-la.</p><p>O segundo princípio que está claro no tex-</p><p>to é a questão da diversidade dos dons e</p><p>da unidade do Espírito. Paulo diz: “Ora, os</p><p>dons são diversos, mas o Espírito é o mes-</p><p>mo” (1Co 12.4). Nesse texto encontramos a</p><p>base para a unidade e diversidade da igreja,</p><p>pois: “A igreja é uma, porque o Espírito ha-</p><p>bita em todos os crentes. A igreja é multifa-</p><p>ceada, porque o Espírito distribui diferentes</p><p>dons aos crentes. De forma que o dom do</p><p>Espírito (que Deus nos dá) cria a unidade da</p><p>igreja, e os dons do Espírito (que o Espírito</p><p>dá) diversifica o ministério da igreja”1. Essa</p><p>é uma afirmação muito importante. De fato,</p><p>todos os crentes são batizados com o Espí-</p><p>rito Santo, e isso faz deles um corpo (1Co</p><p>12.13), ou seja, uma igreja única e unida. Por</p><p>outro lado, o Espírito que habita em todos</p><p>os crentes distribui dons variados, criando a</p><p>diversidade de membros que, não obstante,</p><p>pertencem ao mesmo corpo. Nos versos 4-6</p><p>(1Co 12) Paulo usa três palavras diferentes</p><p>para os dons, e também lista cada uma das</p><p>três pessoas da Trindade. A primeira pala-</p><p>vra é charismata (v. 4), que significa “dom da</p><p>graça de Deus”. A segunda palavra é diako-</p><p>niai (v. 5) que representa serviço, ou manei-</p><p>ras de servir. A terceira palavra é energemata</p><p>(v. 6) que significa “energias” ou poderes</p><p>do Espírito. Isso nos aponta para a origem</p><p>sobrenatural dos dons e impede que pense-</p><p>mos neles como talentos naturais.</p><p>O terceiro princípio que o texto nos ensina</p><p>é a atividade soberana do Espírito na dis-</p><p>tribuição desses dons. Paulo diz: “A mani-</p><p>festação do Espírito é concedida a cada um</p><p>visando a um fim proveitoso” (1Co 12.7).</p><p>O dom espiritual não é algo que conquis-</p><p>tamos, mas algo que nos é dado por causa</p><p>de um objetivo. Logo adiante Paulo conclui:</p><p>“Mas um só e o mesmo Espírito realiza to-</p><p>das estas coisas, distribuindo-as, como lhe</p><p>apraz, a cada um, individualmente” (1Co</p><p>12.11). Dom não é questão de escolha pesso-</p><p>al, pois o Espírito distribui a cada um como</p><p>é do seu desejo. Isso certamente tem a ver</p><p>com a necessidade da igreja. Se os dons são</p><p>dados visando a um fim proveitoso, então</p><p>o Espírito concede soberanamente os dons</p><p>mais úteis a um determinado lugar, e a um</p><p>determinado tempo2.</p><p>O próximo princípio que aprendemos do</p><p>texto é que os dons são distribuídos sobe-</p><p>ranamente pelo Espírito a cada um. Signi-</p><p>fica que todos os crentes necessariamente</p><p>possuem, pelos menos, um dom do Espíri-</p><p>to. Isso fica ainda mais óbvio porque Paulo</p><p>usa o corpo humano como uma analogia da</p><p>igreja. Ele fala da diversidade de membros</p><p>que um corpo possui. Um membro tem que</p><p>ter uma função, então ter um dom e ser um</p><p>crente são coisas sinônimas. É impossível</p><p>fazer parte do corpo de Cristo sem ser mem-</p><p>bro e, portanto, é impossível ser crente sem</p><p>ter pelo menos um dom.</p><p>A próxima asseveração importante é que</p><p>cada pessoa tem um dom diferente. Isso</p><p>também parece óbvio a partir da analogia</p><p>do corpo. O corpo é composto de vários</p><p>membros, e Paulo sugeriu que um corpo</p><p>com apenas um membro seria algo mons-</p><p>truoso (1Co 12.17). Ele faz questão de listar</p><p>os dons distinguindo entre pessoa e pessoa:</p><p>“Porque a um é dada, mediante o Espírito,</p><p>a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o</p><p>mesmo Espírito, a palavra do conhecimento;</p><p>a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro,</p><p>no mesmo Espírito, dons de curar; a outro,</p><p>operações de milagres; a outro, profecia; a</p><p>outro, discernimento de espíritos; a um,</p><p>variedade de línguas; e a outro, capacidade</p><p>para interpretá-las” (1Co 12.8-10). Nos dias</p><p>atuais certas pessoas afirmam que, a não ser</p><p>que possuamos um dom particular, no caso</p><p>específico, o dom de línguas, não fomos</p><p>batizados com o Espírito Santo. Como diz</p><p>Lloyd-Jones, “qualquer leitura destes três</p><p>capítulos (1Co 12-14) diretamente condena</p><p>como mentira qualquer ensino deste tipo”3.</p><p>O próximo princípio que deve ser aprendi-</p><p>do é que os dons possuem valores variados.</p><p>Nesse ponto é importante que fique claro</p><p>que a diferença de valor é entre os dons, e</p><p>não entre as pessoas. Paulo claramente es-</p><p>tabelece uma relação de valor entre os dons</p><p>ao dizer: “A uns estabeleceu Deus na igreja,</p><p>primeiramente, apóstolos; em segundo lu-</p><p>gar, profetas; em terceiro lugar, mestres; de-</p><p>pois, operadores de milagres; depois, dons</p><p>de curar, socorros, governos, variedades de</p><p>línguas” (1Co 12.28). Interessantemente, o</p><p>dom que é o mais valorizado e buscado por</p><p>tantas pessoas figura na lista em último lu-</p><p>gar. Aliás, o problema da igreja de Corinto</p><p>era justamente que estava dando um valor</p><p>excessivo ao dom de línguas. Por essa razão,</p><p>Paulo precisou ensinar que esse dom não</p><p>era o mais importante. No capítulo 14 ele</p><p>diz explicitamente que o dom de profecia</p><p>é superior ao dom de línguas (1Co 14.5). O</p><p>que fica claro é que os dons sempre funcio-</p><p>nam para o bem dos outros. Como diz Cal-</p><p>vino, “Todas as bênçãos de que gozamos são</p><p>depósitos divinos que temos recebido com a</p><p>condição de distribuí-los aos demais.”4 Seja</p><p>qual for o dom, todos têm valor dentro do</p><p>corpo de Cristo (Ver 1Co 12.21-25).</p><p>O último princípio, que é também o mais</p><p>importante, é que o</p><p>uso dos dons deve ser re-</p><p>gido pelo amor. Por essa razão, após listar os</p><p>dons e dar explicações sobre eles, Paulo diz:</p><p>“Entretanto, procurai, com zelo, os melho-</p><p>res dons. E eu passo a mostrar-vos ainda um</p><p>caminho sobremodo excelente” (1Co 12.31).</p><p>Ele introduz a realidade do amor no uso dos</p><p>dons espirituais, pretendendo dizer que sem</p><p>o amor, por mais espetaculares que sejam os</p><p>dons, eles de nada servirão (1Co 13.1-3).</p><p>O dom supremo</p><p>Em muitas congregações existe uma ver-</p><p>dadeira guerra entre os crentes para um</p><p>ser mais “espiritual” do que o outro. Todos</p><p>querem demonstrar sua espiritualidade,</p><p>contando experiências pessoais e buscan-</p><p>do sempre alguma “novidade espiritual”.</p><p>Quando o Apóstolo Paulo listou os dons</p><p>mais comuns na igreja de Corinto, ele de-</p><p>monstrou que nem todos tinham o mesmo</p><p>dom (1Co 12.29-30). No entanto, ele enfa-</p><p>tizou que todos têm a responsabilidade de</p><p>buscar os melhores dons. No entendimento</p><p>de Paulo, o melhor dom não era o de lín-</p><p>guas. Paulo preferia profecia a línguas, mas</p><p>entendia que havia algo ainda mais impor-</p><p>tante. Ele diz que o caminho do amor seria a</p><p>experiência mais espiritual que os corintios</p><p>poderiam ter. Seu entendimento é que, se</p><p>devemos buscar os melhores dons, há um</p><p>que sobrepassa a todos: o amor – o dom</p><p>supremo. O capítulo 13 de 1Coríntios geral-</p><p>mente não é bem entendido pelos crentes.</p><p>É comum vermos ele sendo usado em ca-</p><p>samentos ou noivados. Mas a intenção de</p><p>Paulo, ao colocá-lo entre os dois capítulos</p><p>que tratam sobre os dons espirituais, é jus-</p><p>tamente demonstrar que todos os dons de-</p><p>vem ser regidos e mediados pelo amor, e que</p><p>sem o amor, os dons se tornam coisas nulas</p><p>e perigosas. Portanto, mais do que buscar</p><p>dons, Paulo deseja que os crentes busquem</p><p>o amor, pois dessa forma, não correrão o ris-</p><p>co de usarem os dons indevidamente.</p><p>O amor dá valor aos dons</p><p>O primeiro argumento de Paulo para de-</p><p>monstrar que o amor é o dom supremo é</p><p>que sem ele, os demais dons são totalmente</p><p>sem valor. Paulo diz: “Ainda que eu fale as</p><p>línguas dos homens e dos anjos, se não tiver</p><p>amor, serei como o bronze que soa ou como</p><p>o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o</p><p>dom de profetizar e conheça todos os mis-</p><p>térios e toda a ciência; ainda que eu tenha</p><p>tamanha fé, a ponto de transportar montes,</p><p>se não tiver amor, nada serei. E ainda que</p><p>3 D. M. Lloyd-Jones.</p><p>Deus o Espírito Santo.</p><p>p. 345.</p><p>4 João Calvino. A</p><p>Verdadeira Vida Cristã,</p><p>p. 36.</p><p>5 Augustus N. Lopes. O</p><p>Culto Espiritual, p. 139.</p><p>6 João Calvino.</p><p>Primeira Coríntios, p.</p><p>396 (1Co 13.4).</p><p>eu distribua todos os meus bens entre os</p><p>pobres e ainda que entregue o meu próprio</p><p>corpo para ser queimado, se não tiver amor,</p><p>nada disso me aproveitará” (1Co 13.1-3). Ele</p><p>diz que, sem o amor, alguém pode falar to-</p><p>das as línguas existentes, ter todo o conhe-</p><p>cimento, ter uma fé inigualável, ser o mais</p><p>abnegado dos homens, mas será tudo em</p><p>vão. Percebemos que ele usa intencional-</p><p>mente o exagero a fim de demonstrar que</p><p>o amor é mais importante, até, do que um</p><p>dom elevado à categoria máxima. Ao todo</p><p>ele lista cinco dons: línguas, profecia, co-</p><p>nhecimento, fé e serviço. Mas, ele exagera</p><p>esses dons ao máximo. Por isso ele com-</p><p>para: “línguas dos homens com línguas dos</p><p>anjos”; profecia/conhecimento com todos os</p><p>mistérios e toda ciência; Fé com transportar</p><p>montes; Serviço com distribuir todos os bens</p><p>e morrer pelo próximo. As expressões em itá-</p><p>lico representam o exagero que Paulo faz</p><p>de cada dom. Ele quer dizer que ainda que</p><p>um dom normal fosse elevado à categoria</p><p>máxima, sem amor, ele seria inútil. Porém,</p><p>isso não significa que essa categoria máxi-</p><p>ma dos dons exista realmente. Até porque,</p><p>ninguém conhece todos os mistérios e toda</p><p>a ciência, ninguém realmente move mon-</p><p>tes, e, portanto, ninguém fala em línguas</p><p>dos anjos.</p><p>O entendimento errôneo desse texto tem</p><p>levado muitos a dizer que as línguas que</p><p>são faladas hoje nas igrejas são “línguas dos</p><p>anjos”. Como vimos, Paulo usou a expres-</p><p>são “línguas dos anjos” como um exagero</p><p>do dom de línguas normal que é “dos ho-</p><p>mens”. Ainda deve ser observado que as lín-</p><p>guas descritas em Atos 2.5-11 são de povos</p><p>ou nações desse mundo. Se fosse nos nos-</p><p>sos dias seria alemão, italiano, inglês, russo,</p><p>japonês, etc. A Bíblia não diz que alguém</p><p>falou língua de anjos no dia de Pentecos-</p><p>tes, e do mesmo modo, a Bíblia não diz que</p><p>o dom de línguas do Pentecostes (nações)</p><p>mudou para um dom angelical. Por fim,</p><p>ainda teríamos que fazer a seguinte pergun-</p><p>ta: mesmo que houvesse a possibilidade de</p><p>falar línguas dos anjos, o texto também fala</p><p>em línguas dos homens, então, por que nin-</p><p>guém fala nas línguas dos homens (outras</p><p>nações) nos dias de hoje? Por que só se fala</p><p>na suposta língua dos “anjos”?</p><p>Voltando ao aspecto do amor, isso basta</p><p>para nos demonstrar o quanto o amor é fun-</p><p>damental nessa questão dos dons. É muito</p><p>fácil alguém se ensoberbecer quando tem</p><p>algum dom, e usá-lo para benefício de si</p><p>mesmo, e por essa razão, ainda que tives-</p><p>se “super-dons”, seriam totalmente inúteis,</p><p>pois estariam sendo usados sem amor. A ex-</p><p>pressão que Paulo usa para amor no texto é</p><p>ágape. Todos sabem que isso representa um</p><p>amor altruísta e totalmente desinteressado</p><p>consigo mesmo em termos de retornos ou</p><p>vantagens pessoais. Porém, algo que ge-</p><p>ralmente as pessoas não sabem é que esse</p><p>amor não diz respeito apenas a um tipo de</p><p>sentimento abstrato. Como diz o Dr. Augus-</p><p>tus N. Lopes, “o apóstolo não está falando</p><p>aqui de emoções, embora elas, sem dúvida,</p><p>possam estar presentes quando esse amor</p><p>entra em ação; ele não está falando aqui de</p><p>sentimentos, mas de um estilo de vida, de</p><p>uma atitude que as pessoas decidem tomar</p><p>para com a vida e para com as outras pes-</p><p>soas e para com Deus”5. Essa atitude deve</p><p>ser de respeito e não de superioridade ou</p><p>menosprezo.</p><p>O amor une os dons</p><p>Em seguida Paulo fala das características</p><p>desse amor enquanto atitudes. Ele faz uma</p><p>espécie de personificação do amor, como se</p><p>estivesse falando de uma pessoa. Ele diz: “O</p><p>amor é paciente, é benigno” (1Co 13.4). Pa-</p><p>ciência e benignidade são as duas primeiras</p><p>características do amor verdadeiro. Calvino</p><p>diz que “o objetivo primordial (de Paulo) é</p><p>mostrar quão necessário ele é (o amor) na</p><p>preservação da unidade da igreja”6. E de</p><p>fato, nenhuma qualidade é mais necessá-</p><p>ria na igreja a fim de manter a unidade do</p><p>que paciência e benignidade. Quando existe</p><p>amor, as pessoas são pacientes em relação</p><p>às outras, isso significa que não irão retru-</p><p>car ou retribuir na mesma moeda. Também</p><p>não esperarão que os outros sejam perfei-</p><p>tos, mas pacientemente esperarão que Deus</p><p>transforme suas vidas. No uso dos dons</p><p>espirituais essa característica é necessária,</p><p>porque quem trabalha esperará que o resul-</p><p>tado venha no tempo certo. Da mesma for-</p><p>ma a benignidade levará a pessoa a usar seu</p><p>dom para benefício dos outros, desejando</p><p>carinhosamente ajudar aos que precisam.</p><p>Em seguida Paulo dá uma longa lista sobre</p><p>coisas que o amor não faz. Ele diz: “Amor</p><p>não arde em ciúmes, não se ufana, não se</p><p>ensoberbece, não se conduz inconveniente-</p><p>mente, não procura os seus interesses, não</p><p>se exaspera, não se ressente do mal; não se</p><p>alegra com a injustiça, mas regozija-se com</p><p>a verdade” (1Co 13.4-6). A solução para todos</p><p>os problemas que existiam na igreja dos co-</p><p>rintios, e para as nossas, é o amor. Ciúmes</p><p>(1Co 1.12; 3.3), ufanismo (1Co 3.18), soberba</p><p>(1Co 3.21; 4.6-8), comportamento inconve-</p><p>niente (1Co 5.1-13), egoísmo (1Co 11.17-22),</p><p>exaltação (1Co 6.7), ressentimento (1Co 3.3)</p><p>e alegria diante da injustiça (1Co 5.1-3) eram</p><p>coisas extremamente comuns naquela co-</p><p>munidade. O amor era o remédio para a si-</p><p>tuação trágica em que eles se encontravam.</p><p>O fato</p><p>mais dramático é que eles estavam</p><p>naquele estado devido ao uso indevido dos</p><p>dons espirituais. Todo tipo de competição,</p><p>exaltação ou benefício próprio desaparecem</p><p>quando existe o amor.</p><p>O amor “tudo sofre, tudo crê, tudo espera,</p><p>tudo suporta” (1Co 13.7). Aqui certamente</p><p>está o aspecto mais altruísta do amor. Ele</p><p>está disposto a “sofrer tudo”, cuja conotação</p><p>é aguentar as ofensas e os ataques. Ele está</p><p>disposto a “crer em tudo”, referindo-se pro-</p><p>vavelmente ao ato de acreditar nas pessoas,</p><p>naquilo que elas dizem, em suas promessas</p><p>de mudança ou de inocência. Ele “espera</p><p>tudo”, ou seja, “confia no próximo, espera</p><p>dele o melhor”7. E por fim, “tudo suporta”,</p><p>no sentido de que aguenta todas as cargas,</p><p>e enfrenta todas as dificuldades. O resumo</p><p>disso é que o amor sempre está disposto a</p><p>sofrer primeiro do que fazer os outros so-</p><p>frerem. Por isso ele é a grande característica</p><p>do próprio Deus (1Jo 4.8). Para salvar os ho-</p><p>mens, Deus preferiu ele próprio sofrer, as-</p><p>sim a Segunda Pessoa encarnou-se e foi sa-</p><p>crificada na maior prova de amor que esse</p><p>mundo já viu (Rm 5.8).</p><p>O amor permanece para sempre</p><p>Paulo ainda tem algo a dizer a fim de de-</p><p>monstrar que o amor é o “caminho sobre-</p><p>modo excelente”. Seu argumento é que o</p><p>amor jamais desaparecerá. Ele diz: “O amor</p><p>jamais acaba; mas, havendo profecias, de-</p><p>saparecerão; havendo línguas, cessarão;</p><p>havendo ciência, passará” (1Co 13.8). Os</p><p>dons espirituais, por mais importantes que</p><p>sejam, são temporários, ou seja, eles cum-</p><p>prem uma função determinada por Deus.</p><p>Quando essa função estiver cumprida, os</p><p>dons desaparecerão. Mas isso não aconte-</p><p>cerá com o amor, pois mesmo depois da</p><p>consumação de todas as coisas e do estabe-</p><p>lecimento pleno do Reino de Deus, o amor</p><p>continuará existindo e sendo o grande elo</p><p>entre Deus e os homens, entre os homens e</p><p>Deus, e entre os próprios homens. Paulo cita</p><p>três dons nesse contexto. Ele fala do dom de</p><p>línguas, do dom de profecia, e do dom de</p><p>conhecimento. Esses três dons, como todos</p><p>os demais, um dia deixariam de existir, mas</p><p>o amor jamais deixará de existir, por isso, o</p><p>amor é mais importante do que todos eles8.</p><p>Os dons são como os andaimes na constru-</p><p>ção de um prédio, enquanto o prédio está</p><p>em construção eles são necessários, mas</p><p>quando o prédio estiver concluído, podem</p><p>ser removidos, assim, quando a igreja esti-</p><p>ver pronta, os dons serão retirados9, mas o</p><p>amor permanecerá para sempre, pois ele é a</p><p>própria razão da existência da igreja.</p><p>Diante das evidências bíblicas e históricas,</p><p>podemos dizer que o Dom de Línguas teve</p><p>um propósito na história da igreja, e Deus</p><p>o fez desaparecer quando esse propósito se</p><p>cumpriu. Ele foi usado na implantação da</p><p>igreja e cessou com a era apostólica. Primei-</p><p>7 Charles Hodge.</p><p>Comentario de I Corintios,</p><p>p. 250 (1Co 13.7).</p><p>8 Há um detalhe que</p><p>geralmente passa</p><p>despercebido nesse</p><p>texto, mas que merece</p><p>consideração da nossa</p><p>parte. É a maneira como os</p><p>três dons listados segundo</p><p>Paulo chegarão ao fim.</p><p>Paulo diz que todos os</p><p>dons somente irão durar</p><p>até a vinda do “que é</p><p>perfeito” (1Co 13.10). A</p><p>interpretação mais plausível</p><p>dessa expressão deve ser em</p><p>relação à Segunda Vinda</p><p>de Jesus. É a perfeição da</p><p>era vindoura quando os</p><p>dons espirituais não serão</p><p>mais necessários, porém</p><p>o amor continuará sendo.</p><p>O que chama a atenção é</p><p>o tratamento diferenciado</p><p>que Paulo concede aos três</p><p>dons listados acima. Ele diz:</p><p>“Profecias, desaparecerão</p><p>(grego: katargetesontai)”;</p><p>“línguas, cessarão</p><p>(grego: pausontai)”;</p><p>“ciência, passará (grego:</p><p>katergetesetai)” (1Co</p><p>13.8). Percebe-se que a</p><p>palavra para o modo como</p><p>as línguas acabariam é</p><p>diferente da palavra como</p><p>profecia e conhecimento</p><p>desapareceriam. Na</p><p>verdade, a expressão</p><p>gramatical é um verbo</p><p>na voz média, que em</p><p>relacão a objetos implica</p><p>numa ação reflexiva, cuja</p><p>tradução poderia ser:</p><p>“Cessarão por si mesmas”.</p><p>E quando no verso seguinte</p><p>ele diz “porque em parte,</p><p>conhecemos e, em parte,</p><p>profetizamos” (13.9),</p><p>ele não inclui o dom de</p><p>línguas. No verso 10, ele</p><p>diz que “Quando, porém,</p><p>vier o que é perfeito,</p><p>então, o que é em parte</p><p>(profecia e conhecimento)</p><p>será aniquilado (grego:</p><p>katergetesetai, o mesmo</p><p>verbo usado para profecia e</p><p>conhecimento em 13.8, mas</p><p>não para línguas)”. O que</p><p>isso pode sugerir?</p><p>Pode sugerir que o dom</p><p>de línguas não precisaria</p><p>permanecer até a</p><p>Segunda Vinda de Jesus.</p><p>Portanto, Paulo pode</p><p>estar dizendo que os dons</p><p>são menos importantes</p><p>do que o amor porque</p><p>chegará um dia quando</p><p>todos acabarão, e</p><p>que o dom de línguas</p><p>poderia ser o primeiro a</p><p>cessar, até porque, ele</p><p>era o objeto principal</p><p>das discussões naquele</p><p>momento. Embora</p><p>esse texto não seja uma</p><p>palavra final para o</p><p>assunto, não deixa de</p><p>ser interessante que seja</p><p>possível ver no texto uma</p><p>indicação da cessação</p><p>das línguas antes mesmo</p><p>da vinda de Jesus (Ver</p><p>John MacArthur Jr. First</p><p>Corinthians, (1Co 13.8); e</p><p>Os Carismáticos, p. 157-</p><p>160). O Dr. Nicodemos</p><p>discorda inteiramente</p><p>dessa interpretação,</p><p>entendendo que Paulo</p><p>está fazendo apenas um</p><p>jogo de palavras nesse</p><p>texto, que a voz média</p><p>não significa reflexivo</p><p>nesse caso, e que se Paulo</p><p>quisesse dizer que o dom</p><p>de línguas cessaria antes,</p><p>poderia ter simplesmente</p><p>declarado isso. (Ver</p><p>Augustus N. Lopes. O</p><p>Culto Espiritual, p.</p><p>166-167).</p><p>9 Ver Augustus N. Lopes.</p><p>O Culto Espiritual, p. 164.</p><p>10 Entender esse</p><p>“perfeito” de 1Coríntios</p><p>13.10 como sendo o</p><p>Cânon das Escrituras</p><p>ou a Maturidade da</p><p>Igreja são interpretações</p><p>forçadas da passagem.</p><p>Paulo não poderia estar</p><p>falando do fechamento</p><p>do Cânon, pois isso não</p><p>faria qualquer sentido</p><p>para os coríntios.</p><p>O sentido óbvio da</p><p>passagem é que esse</p><p>“perfeito” é a vinda de</p><p>Jesus.</p><p>ra Coríntios é uma das primeiras cartas do</p><p>Novo Testamento, e é a única que traz refe-</p><p>rência ao dom de línguas. Nenhuma outra</p><p>carta fala qualquer coisa sobre línguas, e</p><p>isso nos leva a pensar que, quando foram</p><p>escritas, provavelmente o dom já tivesse</p><p>cessado. Muitos escritos pós-apostólicos</p><p>dizem que o dom cessou na era apostólica.</p><p>Se acrescentarmos o fato de que não vemos</p><p>nos dias de hoje as pessoas falando línguas</p><p>de outros povos, sem que as tenham apren-</p><p>dido, podemos chegar à conclusão de que o</p><p>dom de Línguas realmente cessou. De qual-</p><p>quer modo, se o dom for visto nos dias de</p><p>hoje, no caso de alguém falar numa língua</p><p>estrangeira sem nunca a ter estudado, e sob</p><p>a direção do Espírito, teríamos que dizer</p><p>que o dom ainda existe, porém, no momen-</p><p>to não temos comprovação disso.</p><p>Por fim, em defesa da superioridade do</p><p>amor, Paulo faz uma comparação entre a fé,</p><p>a esperança e o amor. Ele diz: “Agora, pois,</p><p>permanecem a fé, a esperança e o amor,</p><p>estes três; porém o maior destes é o amor”</p><p>(1Co 13.13). Basta ver quantas vezes a Bíblia</p><p>fala dessas três virtudes juntas (Rm 5.1-5; Gl</p><p>5.5-6; Ef 1.15-18; Cl 1.4-5; 1Ts 1.13; 5.8; 1Pe</p><p>1.21-22), para perceber o quanto são impor-</p><p>tantes. Fé é o instrumento pelo qual somos</p><p>salvos (Ef 2.8), e sem ela, Deus não pode ser</p><p>agradado (Hb 11.6). A esperança fala da vida</p><p>de expectativa que o crente deve ter em rela-</p><p>ção à Segunda Vinda de Jesus, estando sem-</p><p>pre preparado para ela. Mas Paulo entende</p><p>que o amor é ainda maior, então, é porque</p><p>sua importância excede o próprio entendi-</p><p>mento.</p><p>Portanto, ser espiritual ao nível máximo é</p><p>viver e demonstrar o amor de Deus para</p><p>com os outros através dos nossos dons. De</p><p>nada adianta sermos agraciados com dons,</p><p>se o amor não temperá-los. Ao final eles se-</p><p>rão coisas bastante indigestas. O amor é o</p><p>tempero da vida, é o dom supremo, é aqui-</p><p>lo que mais devemos desejar e buscar. Ele</p><p>garantirá que usaremos os outros dons da</p><p>forma devida.</p><p>Cessaram ou não cessaram?</p><p>Paulo disse que os dons cessariam, mas ago-</p><p>ra precisamos pensar em quando isso deve</p><p>acontecer. Para muitos, todos os dons ces-</p><p>saram, e hoje a igreja age pela pregação do</p><p>Evangelho sem sinais extraordinários. Essa</p><p>posição diz que os dons não existem mais,</p><p>mas não diz necessariamente que Deus não</p><p>realiza milagres. Essa posição pode ser cha-</p><p>mada de cessacionista.</p><p>Outros defendem que todos os dons estão</p><p>em plena atividade no mundo, e os mesmos</p><p>dons dos Apóstolos, inclusive o de ser um</p><p>“apóstolo”, podem ser obtidos pelos cren-</p><p>tes. Essa posição é sustentada pelos caris-</p><p>máticos pentecostais e neo-pentecostais.</p><p>Primeiramente precisamos entender que</p><p>Paulo disse que, pelo menos alguns dons,</p><p>somente seriam removidos com a vinda de</p><p>Cristo (1Co 13.10)10. Além disso, de acordo</p><p>com a Bíblia, a distribuição dos dons é uma</p><p>atividade soberana do Espírito, pois “um só</p><p>e o mesmo Espírito realiza todas estas coi-</p><p>sas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada</p><p>um, individualmente” (1Co 12.11). Portanto,</p><p>não devemos limitá-lo, nem dizendo que o</p><p>Espírito não pode mais conceder dons aos</p><p>homens, nem dizendo que ele tem que con-</p><p>ceder todos os dons aos homens.</p><p>Na linha de nossa argumentação neste</p><p>trabalho, Deus se serviu dos dons para de-</p><p>sempenhar funções específicas em épocas</p><p>específicas. E só ele sabe quais são as capa-</p><p>citações mais necessárias para sua igreja ao</p><p>longo da história. Como os dons foram da-</p><p>dos para a edificação da igreja, não faz senti-</p><p>do que Deus os removesse antes de a igreja</p><p>estar completamente edificada. Por outro</p><p>lado, Deus não é obrigado a agir sempre</p><p>da mesma forma. Assim, entendemos que</p><p>alguns dons cessaram e outros não, mas é</p><p>difícil dizer com certeza quais são eles, ex-</p><p>ceto alguns que parecem bem evidentes.</p><p>Também é preciso fazer alguma distinção</p><p>entre dom e ofício. Alguns dons foram oficia-</p><p>lizados na igreja primitiva, como apóstolos,</p><p>presbíteros e diáconos. O oficial necessaria-</p><p>mente tinha o dom, e nalguns casos, eram</p><p>escolhidos diretamente por Deus (apótolos),</p><p>enquanto que noutros, eram escolhidos pe-</p><p>los homens (presbíteros). Entendemos que</p><p>os ofícios que permanecem são aqueles que</p><p>a igreja escolhe, como é o caso de Presbíte-</p><p>ros e Diáconos, e é natural pensar que, para</p><p>que desempenhem esses ofícios, precisam</p><p>ter os dons correspondentes.</p>