Prévia do material em texto
<p>Atividad� d� Língu� Po�tugues�</p><p>ALUNO: _______________________________________________________________ TURMA: _________</p><p>Bentinho: enganado desde a infância?</p><p>Há mais de 110 anos, o romance Dom Casmurro intriga os leitores de Machado de Assis com sua</p><p>enigmática personagem, Capitu. Nessa obra, verifica-se o emprego do mesmo recurso de Memórias</p><p>póstumas de Brás Cubas: a criação de um protagonista-autor, ou seja, Bento de Albuquerque Santiago, que,</p><p>no final da vida, escreve a respeito de sua vida, confeccionando assim a narrativa de Dom Casmurro.</p><p>Bento Santiago, Dom Casmurro, escreve com a intenção de "atar as duas pontas da vida e restaurar na</p><p>velhice a adolescência", o que equivale à tentativa de compreender sua existência e especialmente pôr fim a</p><p>uma dúvida martirizante: Capitu, sua esposa, teria mantido um caso amoroso com Escobar, o mais íntimo</p><p>amigo que Bento jamais tivera?</p><p>Casmurro é um adjetivo que significa "carrancudo, teimoso, obstinado; fechado em si mesmo". Retrata</p><p>claramente a personalidade de Bento Santiago, um homem amargurado, que não encontra respostas para</p><p>suas dúvidas.</p><p>Capitu é um ser misterioso, que não se revela inteiramente. Quando Bento pensa ter captado o que ocorre</p><p>na alma da amada, esta mostra uma face desconhecida, desmontando o quebra-cabeça quase completo.</p><p>José Dias, homem perspicaz, percebe o caráter ambíguo e sedutor de Capitu já nos primeiros anos de</p><p>convívio. Certa vez, adverte Bentinho: "Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e</p><p>dissimulada."</p><p>Bentinho era filho de D. Glória, viúva beata, que o cercava de muitos mimos. Viviam sob a proteção de D.</p><p>Glória Justina, o tio Cosme e José Dias, um agregado. Desde criança, Bentinho amara Capitolina, menina</p><p>que morava numa casa modesta, ao lado da sua rica residência. Aos 14 anos, Bentinho já estava</p><p>completamente apaixonado e era governado por Capitu.</p><p>1</p><p>Leia os trechos a seguir e observe o comportamento da jovem Capitu.</p><p>Trecho I</p><p>Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a</p><p>alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito:</p><p>não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe</p><p>que se sentasse.</p><p>— Senta aqui, é melhor.</p><p>Sentou-se. "Vamos ver o grande cabeleireiro", disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito</p><p>cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças.</p><p>Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar,</p><p>devagarinho, saboreando pelo tacto aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado,</p><p>às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da</p><p>pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam</p><p>acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os</p><p>da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas,</p><p>desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito</p><p>por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca</p><p>penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... [...] Enfim,</p><p>acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste pedaço de</p><p>fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra, alargando aqui,</p><p>achatando ali, até que exclamei:</p><p>— Pronto!</p><p>— Estará bom?</p><p>— Veja no espelho.</p><p>Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para</p><p>mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar</p><p>da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da</p><p>boca do outro. Pedi- lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a</p><p>dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.</p><p>2</p><p>— Levanta, Capitu!</p><p>Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios,</p><p>eu desci os meus, e...</p><p>Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de</p><p>vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha os seus no chão. Não</p><p>me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem</p><p>ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... [...]</p><p>Machado de Assis. Dom Casmurro. In Obra completa, vol. I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.</p><p>** Observe que o narrador dirigi-se nesse trecho ao leitor, recurso conhecido como "técnica do leitor</p><p>incluso". Esse procedimento, frequente na literatura de Machado de Assis, ora é empregado para elogiar o</p><p>leitor, conquistando-lhe a simpatia, ora é um meio de ridicularizá-lo, de modo que o narrador assume uma</p><p>postura arrogante de superioridade.</p><p>Trecho II</p><p>Ouvimos passos no corredor; era D. Fortunata. Capitu compôs-se depressa, tão depressa que, quando a</p><p>mãe apontou à porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de</p><p>acanhamento, um riso espontâneo e claro, que ela explicou por estas palavras alegres:</p><p>— Mamãe, olhe como este senhor cabeleireiro me penteou; pediu-me para acabar o penteado, e fez isto.</p><p>Veja que tranças!</p><p>— Que tem? acudiu a mãe, transbordando de benevolência. Está muito bem, ninguém dirá que é de pessoa</p><p>que não sabe pentear.</p><p>— O que, mamãe? Isto? redarguiu Capitu, desfazendo as tranças. Ora, mamãe!</p><p>E com um enfadamento gracioso e voluntário que às vezes tinha, pegou do pente e alisou os cabelos para</p><p>renovar o penteado. D. Fortunata chamou-lhe tonta, e disse-me que não fizesse caso, não era nada,</p><p>maluquices da filha. Olhava com ternura para mim e para ela. [...]</p><p>Machado de Assis. Dom Casmurro. In Obra completa, vol. I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.</p><p>3</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>desazo: inaptidão</p><p>deleite: prazer, satisfação</p><p>Aurora: deusa romana do amanhecer, tinha como irmão o Sol e como irmã a Lua</p><p>laivo: indício</p><p>1. Por que Bentinho diz, no trecho I, que o trabalho de pentear Capitu era atrapalhado "de propósito"?</p><p>2. Por que Bentinho chama o leitor de "desgraçado"?</p><p>3. Que aspectos da personalidade de Bentinho podem ser identificados no trecho I?</p><p>4. Transcreva do trecho II o fragmento que melhor indica o provável caráter dissimulado de Capitu.</p><p>5. Das afirmações abaixo, escolha a única que não pode ser associada aos trechos.</p><p>a) No episódio, Bentinho descobre prazeres sensuais por Capitu.</p><p>b) O comportamento da mãe de Capitu é uma prova de que ela desejava estimular o namoro de sua filha e</p><p>Bentinho.</p><p>c) O constrangimento de Capitu, após beijar Bentinho, é uma atitude contraditória, pois é inegável que o</p><p>beijo ocorreu por sua vontade deliberada.</p><p>d) As ações inesperadas de Capitu têm o poder de aturdir Bentinho.</p><p>4</p>