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<p>Todos	os	direitos	reservados.	Copyright	©	2017	para	a	língua	portuguesa	da</p><p>Casa	Publicadora	das	Assembleias	de	Deus.	Aprovado	pelo	Conselho	de</p><p>Doutrina.</p><p>Preparação	dos	originais:	Cristiane	Alves</p><p>Capa:	Fábio	Longo</p><p>Projeto	gráfico:	Elisangela	Santos</p><p>Editoração:	Elisangela	Santos</p><p>Projeto	gráfico	e	editoração:	Oséas	F.	Maciel</p><p>Produção	de	ePub:	Cumbuca	Studio</p><p>CDD:	240	–	Moral	cristã	e	teologia	devocional</p><p>ISBN:	978-85-263-1458-0</p><p>ISBN	digital:	978-85-263-1568-6</p><p>As	citações	bíblicas	foram	extraídas	da	versão	Almeida	Revista	e	Corrigida,</p><p>edição	de	1995,	da	Sociedade	Bíblica	do	Brasil,	salvo	indicação	em</p><p>contrário.</p><p>Para	maiores	informações	sobre	livros,	revistas,	periódicos	e	os	últimos</p><p>lançamentos	da	CPAD,	visite	nosso	site:	http://www.cpad.com.br</p><p>SAC	—	Serviço	de	Atendimento	ao	Cliente:	0800-021-7373</p><p>Casa	Publicadora	das	Assembleias	de	Deus</p><p>Av.	Brasil,	34.401,	Bangu,	Rio	de	Janeiro	–	RJ</p><p>CEP	21.852-002</p><p>1ª	edição:	Abril/2017</p><p>Às	cinco	mulheres	da	minha	vida:	minha	mãe	Esmeralda	que,	com	ciência	e</p><p>sabedoria	soube	me	conduzir,	tal	como	Lutero,	“às	portas	do	paraíso”.</p><p>Minha	esposa	Mirian	pela	paciência	e	compreensão	das	muitas	horas	que</p><p>declinei	de	sua	insubstituível	companhia,	em	função	das	leituras	e	preparo	desta</p><p>obra.</p><p>Minhas	filhas	Elaine,	Luciana	e	Claudia	cujo	meu	amor	é	mais	forte	que	minha</p><p>força.</p><p>Com	amor	dedico.</p><p>Existem	homens	e	mulheres	que	brilham</p><p>como	estrelas	no	firmamento	e	que	somente	são	ofuscados	pela	luz	do	sol,</p><p>porém,	sem	serem	vistos,	continuam	brilhando.	Lutero	é	esta	estrela</p><p>ofuscada	pelo	Sol	da	Justiça.</p><p>Existem	homens	e	mulheres	que	brilham	como	estrelas	no	firmamento	e	que</p><p>somente	são	ofuscados	pela	luz	do	sol,	porém,	sem	serem	vistos,	continuam</p><p>brilhando.	Lutero	é	esta	estrela	ofuscada	pelo	Sol	da	Justiça.</p><p>Apresentação</p><p>Aqui,	não	está	um	livro	sobre	a	Reforma	Religiosa	do	século	XVI.	Faço	essa</p><p>observação,	pois	quando	se	fala	em	Lutero,	logo	nos	vem	à	mente	o	tema</p><p>Reforma.	Falar	de	Lutero	e	não	relacioná-lo	ao	tema	é	impossível.	Martinho</p><p>Lutero	transformou	em	sinônimo	da	Reforma.	O	seu	nome	também	está	ligado,</p><p>direta	ou	indiretamente,	as	Reformas	da	Europa	ocorridas	no	referido	século.</p><p>Não	é	caso	deste	livro,	embora	a	Reforma	apareça,	às	vezes,	como	pano	de</p><p>fundo.	Estaremos	apresentando	o	homem	Lutero,	com	suas	crises,	problemas,</p><p>frustrações,	bem	como	suas	vitórias	e	conquistas	ao	longo	de	sua	vida.</p><p>Lutero	não	foi	somente	um	homem	do	século	XVI.	Como	um	verdadeiro	profeta,</p><p>ele	vislumbrou	práticas	para	a	sociedade	moderna	e	contemporânea:	temos	assim</p><p>uma	apresentação	de	outro	aspecto	do	reformador,	isto	é,	a	sua	contribuição	ou</p><p>legado	para	nossos	dias.</p><p>Meu	interesse	por	Lutero	começou	no	fim	da	minha	adolescência	quando	li,</p><p>creio	que	foi	o	primeiro	texto,	Heróis	da	Fé,	do	escritor	Orlando	Boyer,	hoje</p><p>editado	pela	CPAD,	em	que	mencionava	vários	homens	e	mulheres	em	suas</p><p>experiência	impar	com	Deus	e	Lutero	estava	lá.</p><p>Os	anos	passaram	e	esse	interesse	nunca	se	apagou	de	minha	mente,	mas	devido</p><p>meu	envolvimento	profissional	e	pastoral,	tive	que	declinar-me	de	uma	leitura</p><p>mais	sistemática	sobre	o	Reformador.	Somente	no	início	de	2000	reiniciei,	posso</p><p>dizer	compulsivamente,	minhas	leituras	sobre	este	homem	que	marcou	a</p><p>cristandade	dos	tempos	modernos.</p><p>Um	dos	efeitos	dessas	leituras	foram	palestras	que	realizávamos.	Este	livro,	em</p><p>verdade,	é	fruto	das	palestras	e	surge	como	resposta	aos	pedidos	de	publicação.</p><p>Assim	nasceu	a	obra	Lutero,	Época,	Vida,	Legado.</p><p>Algumas	considerações	precisam	ser	alocadas:</p><p>Procuramos	apresentar	o	tema	numa	perspectiva	pastoral.	Esperamos	que	esta</p><p>leitura	possa	trazer,	de	alguma	forma,	crescimento	espiritual	e	enlevo	para	“as</p><p>coisas	de	cima”,	pois	sobre	isso	Lutero	tem	muito	a	nos	dizer	de	sua	própria</p><p>experiência	com	Deus.	Sabemos	que	experiências	é	peculiar	a	cada	um,	no</p><p>entanto,	somos	um	imã	uns	sobre	outros,	quer	influenciando,	quer	recebendo</p><p>influência.	E	Lutero	revelou-se	por	seu	caráter,	um	grande	influenciador.</p><p>A	vida	de	Lutero	apresenta-se	com	muitos	“prós”,	mas	também	com	a	existência</p><p>dos	“contras”.	Em	minha	exposição,	é	notória	a	ênfase	nos	aspectos	positivos	e</p><p>não	negativos.	Sabemos	que	ao	longo	destes	500	anos	ele	nos	foi	apresentado</p><p>desde	um	“javali	selvagem”	pisoteando	a	“seara	do	Senhor”,	até	ao	extremo	de</p><p>um	santo	que	em	seu	nome	se	faziam	orações	ao	“Apóstolo	da	liberdade”.	De</p><p>minha	parte,	procurei	destacar	o	seu	lado	bom	de	Lutero,	mesmo	sabendo	de</p><p>suas	limitações	históricas	tais	como	a	questão	dos	camponeses,	o	seu</p><p>posicionamento	sobre	o	casamento	bígamo	de	Felipe	de	Hesse	e	a	questão	da</p><p>escravidão	em	sua	época,	para	mencionar	alguns	exemplos.	No	entanto,	se</p><p>colocarmos	os	prós	e	contras	do	reformador	numa	balança,	veremos,	em	minha</p><p>opinião,	que	o	pêndulo	iria	se	inclinar-se	em	direção	aos	prós.	Muitos	dos	seus</p><p>contras	estão	inseridos	em	seu	contexto	de	época.	Não	podemos	nos	esquecer	de</p><p>que	as	ideias	de	Lutero	refletem	a	ideologia	daquele	tempo,	mesmo	tendo</p><p>avançado,	em	muitos	aspectos.	Leia,	por	exemplo,	o	conselho	que	ele	dá	aos</p><p>nobres,	conselheiros	das	cidades	e	camponeses	pouco	tempo	antes	de	eclodir	a</p><p>revolta:</p><p>Por	isso	seria	meu	conselho	sincero	que	se	escolhessem	dentre	a	nobreza	alguns</p><p>margraves	e	senhores	e	dentre	as	cidades,	alguns	conselheiros	para	tratar	e</p><p>resolver	as	questões	de	forma	amigável	[...]	por	outro	lado,	que	os	camponeses</p><p>aceitem	conselhos,	no	sentido	de	suprimirem	alguns	artigos	[trata-se	dos	Doze</p><p>Artigos	do	Campesinato	da	Suábia]	que	vão	longe	e	alto	demais.</p><p>Não	estaria	aqui,	o	embrião	de	um	futuro	sindicato?	Uma	questão	para	pensar!</p><p>Procurei	apresentar	um	texto	o	mais	informal	possível,	pois,	objetivava	o	público</p><p>não	especialista.	Por	isso	optei,	mesmo	estando	alicerçado	na	bibliografia,	pela</p><p>ausência	das	fontes	no	livro	texto	e	nos	rodapés.</p><p>Fiz	uma	exposição	predominantemente	na	primeira	pessoa	do	singular,</p><p>procurando	levar	a	leitura	para	uma	espécie	de	conversação.	Numa	linguagem</p><p>simples,	pessoal	e	direta	ao	leitor.	Que	nos	perdoem	os	mais	criteriosos	ou</p><p>especialistas.</p><p>A	obra	se	apresenta	em	três	partes.	É	bom	que	se	diga	que	essas	partes	estão</p><p>divididas	simplesmente	para	tornar	a	exposição	a	mais	didática	possível,	no</p><p>entanto,	elas	estão	intimamente	interligadas.	Não	se	compreende	Lutero	de</p><p>forma	coerente	fora	de	seu	contexto.	O	seu	contexto,	por	sua	vez,	contribuía	para</p><p>que	ele	projetasse	uma	crítica	ferrenha	às	instituições.	Quando	Lutero	faz	a</p><p>crítica	a	que	se	propõem,	apresenta	a	sua	sugestão	ou	saída	da	situação	que</p><p>acabara	de	criticar.	É	nesse	momento	que	flui	o	seu	legado.	Em	seu	momento</p><p>histórico,	por	muitas	vezes	o	reformador	“fala	no	deserto”,	no	entanto,	com	o</p><p>tempo	suas	palavras	ganham	força,	consistência	e	passam	a	ser	praticadas.</p><p>Podemos	citar,	por	exemplo,	a	sua	reivindicação	para	que	as	missas	fossem</p><p>realizadas	no	vernáculo.	Pois	bem,	somente	no	Vaticano	II	foi	estabelecido	que	a</p><p>missa	poderia	ser	realizada	na	língua	nativa.	Com	o	tempo	se	torna	clara	a</p><p>distinção	entre	o	certo	e	o	errado.	Geralmente	um	legado	não	surge	em	curto</p><p>prazo.	Será	que	o	Apóstolo	Paulo	ao	escrever	suas	cartas	aos	romanos,	por</p><p>exemplo,	imaginava	que	elas	constariam	como	partes	do	Cânon	do	Novo</p><p>Testamento?	Com	certeza	a	reposta	seria:	Não!	O	Apóstolo	escrevia	para	as</p><p>igrejas	da	época	com	problemas	específicos.	O	Cânon	é	uma	evolução	no	qual</p><p>ele	contribuiu.	Trata-se	também	de	seu	legado.</p><p>Na	primeira	parte	apresentaremos	o	contexto	de	Lutero,	isto	é,	a	época	e	local</p><p>em	que	viveu	inserido:	Europa	do	século	XVI.	Uma	Europa	caracterizada	por</p><p>mudanças	em	todas	as	áreas	do	conhecimento	humano.	Uma	Europa	que	vivia	o</p><p>processo	de	crise	final	do	Feudalismo	e	a	formação	de	um	novo	modo	de</p><p>produção:	o	Capitalismo.	Disse	formação:	é	o	que	se	convencionou	chamar	de</p><p>época	pré-capitalista.	Nessa	Europa	em	transformação,	a	Alemanha	de	Lutero</p><p>nos	é	apresentada	no	bojo	da	crise	com	a	emergência	das	cidades	buscando	seu</p><p>espaço	político	diante	de	um	imperador	fraco	e	uma	igreja	em	luta	pela</p><p>continuidade	do	status	quo.</p><p>Na	parte	seguinte	da	obra	apresentamos	o	homem	Lutero.	Família,	infância,</p><p>formação,</p><p>crianças	e	adolescentes</p><p>cantarem	nas	casas	das	famílias	abastadas	era	comum,	e	que	foi	praticado	por</p><p>Lutero	para	ajudar	nos	custeios	de	seus	estudos.</p><p>Após	a	experiência	com	os	Irmãos,	seu	pai	o	envia	para	Eisenach	onde	o	velho</p><p>Hans	contava	com	numerosas	relações.	Estava	Lutero	com	15	anos.</p><p>Eisenach</p><p>Neste	momento,	estamos	adentrando	numa	nova	caminhada	ou	fase	na	vida</p><p>conturbada	do	jovem	e	futuro	reformador,	que	se	estende	até	1501.	Em	Eisenach</p><p>Lutero	manteve	contato	com	a	Via	Moderna	—	o	nominalismo	dos	ockhamistas</p><p>—	que	influenciou	sua	posterior	Teologia.	Foram	três	anos	de	intensa	atividade</p><p>estudantil.	Matriculou-se	e	iniciou	no	que	era	conhecido	por	escola	do	Trívio,</p><p>pois	se	estudavam	três	disciplinas	básicas:	gramática,	retórica	e	dialética.</p><p>Contava	o	jovem	com	o	apoio	do	tio-avô,	que	era	sacristão	na	igreja.	Sem	tempo</p><p>para	dar	assistência	ao	jovem	estudante,	Lutero	continuava	a	cantar	para	as</p><p>pessoas	abastarda	da	cidade.	Foi	neste	local	que	conheceu	Úrsula	Cotta.</p><p>Lutero	com	aproximadamente	18	anos,	e	tendo	o	pai	melhorado	suas	finanças,	é</p><p>enviado	para	Erfurt.</p><p>Universidade	de	Erfurt</p><p>Em	meados	de	1501	chega	a	Erfurt,	sob	os	ditames	do	pai	com	o	obcecado</p><p>propósito	de	fazer	do	filho	um	bacharel	em	Direito.	Erfurt	era	detentora	de	um</p><p>importante	território	do	qual	faziam	parte	76	aldeias,	divididas	em	sete	distritos,</p><p>faltando	pouco	para	um	principado.	Com	uma	população	de	40	mil	e	com	uma</p><p>universidade	famosa.	Era	uma	metrópole	que	contrastava	com	a	Wittenberg	de</p><p>Lutero.	Na	Universidade,	predominava	a	corrente	Nominalista	também</p><p>conhecida	como	Via	Moderna.	O	humanismo	era	forte	nesta	faculdade,	inclusive</p><p>destronado	a	Teologia.</p><p>Havia	também	em	Erfurt	uma	cidade	dentro	da	cidade,	que	consistia	numa</p><p>espécie	de	burgo	onde	morava	a	aristocracia	eclesiástica,	comendo	e	bebendo	do</p><p>bom	e	do	melhor.	Nos	dias	da	Reforma	o	povo	invadiu	o	burgo,	caçando	os</p><p>“padrecos”.	A	cidade	tinha	mais	de	90	igrejas	e	capelas	e	36	mosteiros	e</p><p>conventos.	O	desnível	social	era	grande,	pois	os	prelados	não	podiam	ser</p><p>julgados	por	tribunais	não	religiosos.	Somente	a	igreja	poderia	julgar	os</p><p>religiosos,	mesmo	quando	cometiam	roubo,	adultério	ou	até	mesmo	assassinatos.</p><p>Nada	sabemos	de	Lutero	diante	deste	quadro,	certamente	não	participava,	pois	se</p><p>assim	o	fizesse	seus	opositores	durante	a	Reforma,	teriam	feito	uso	dessas</p><p>informações.</p><p>Foi	a	Universidade	de	Erfurt	que	deu	o	maior	apoio	a	Lutero	e	ao	seu</p><p>movimento.</p><p>Era	costume	da	faculdade	o	estudante,	ao	ingressar	na	formação	universitária,</p><p>com	vistas	aos	estudos	de	direito,	teologia	ou	medicina,	cursar	primeiro,	por	dois</p><p>anos,	o	estudo	das	Artes	Liberais,	uma	espécie	de	Faculdade	de	Filosofia.</p><p>Durante	três	anos	Lutero	cursa	a	Faculdade	de	Artes.	É	neste	momento	que</p><p>estuda	a	prática	da	época	conhecida	como	quadrívio	—	geometria,	aritmética,</p><p>música	e	astronomia.	Também	participa	dos	cursos	de	ética	e	metafísica.	Em</p><p>1502	recebe	o	grau	de	Bacharel	em	Artes,	hoje	ao	Bacharel	em	Filosofia.	Foi	o</p><p>30º	entre	os	57	candidatos.	Em	1505,	a	7	de	janeiro,	aos	22	anos,	Lutero	torna-se</p><p>Mestre	em	Artes,	desta	feita	em	2º	lugar.	O	título	de	Doutor	ocorre	em	1512.	Em</p><p>tudo	o	que	Lutero	se	propunha	a	fazer,	fazia-o	com	dedicação.	O	pai,	orgulhoso</p><p>do	filho,	passa	a	chamá-lo	de	“senhor”,	deixando	de	lado	o	“tu”,	e	o	presenteia</p><p>com	uma	valiosa	obra	Corpus	Iuris,	antevendo	o	filho	na	carreira	de	advogado,</p><p>secretário	e	conselheiro	de	príncipes.	Na	visão	do	pai	as	coisas	caminhavam	para</p><p>o	seu	grande	propósito,	porém,	Deus	tinha	outros	planos.	Os	colegas	o	tratam	de</p><p>filósofo,	mostrando	já	a	sua	inclinação	para	as	letras.	Daí	para	frente	tinha	três</p><p>opções:	Medicina,	Teologia	e	Direito.	Lutero	escolhe	o	curso	de	Direito,</p><p>influenciado	pelo	pai.</p><p>Quando	o	reformador	estudava	em	Erfurt,	o	medo	da	morte	era	algo	coletivo,</p><p>por	isso	Felipe	Melanchthon	registrou:	“Empalidecíamos	ao	mero	nome	de</p><p>Cristo,	porque	somente	nos	era	apresentado	como	um	juiz	severo,	irritado	contra</p><p>nós.	Dizia-se	que,	no	Juízo	Final,	nos	pediria	contas	de	nossos	pecados,	de</p><p>nossas	penitências,	de	nossas	obras.	E	posto	que	não	pudéssemos	arrepender-nos</p><p>o	bastante,	nem	fazer	obras	suficientes,	não	nos	restariam	mais	do	que	o	terror	e</p><p>o	pavor	de	suas	cóleras”...	Lutero	viveu	no	contexto	da	Peste	Negra,	em	que	a</p><p>morte	estava	sempre	latente.</p><p>Em	meados	de	1505,	com	22	anos,	Lutero	avisa	à	Universidade	que	vai	visitar	o</p><p>pai.	Será	uma	visita	de	poucos	dias.	No	dia	17	de	julho,	já	em	Erfurt,	convoca	os</p><p>amigos,	na	pequena	moradia	no	internato	universitário,	e	comunica	que	deixaria</p><p>a	faculdade	de	Direito	e	ingressaria	no	convento	agostiniano.	Lutero	foi	um</p><p>estudante	de	Direito	por	cerca	de	três	meses.	No	dia	seguinte,	à	procura	de	uma</p><p>paz	interior,	ele	ingressava	no	Convento	dos	Eremitas	Agostiniano	de	Erfurt.</p><p>Por	que	essa	mudança	repentina?	Seguem	algumas	possibilidades:	1º)	O	medo</p><p>da	morte,	um	dos	seus	amigos	havia	falecido	de	forma	trágica;	2º)	Lutero	quase</p><p>morrera	quando	em	visita	a	seus	pais	em	junho;	3º)	Dois	de	seus	irmãos	haviam</p><p>morrido	da	peste	que	assolara	a	Europa;	4º)	Havia	rumores	que	o	próprio	Lutero</p><p>estava	doente,	certamente	vítima	da	peste	que	ainda	assolava	a	Europa;	e	5º)	Em</p><p>sua	volta	certa	vez	para	a	casa,	relata	que	foi	surpreendido	por	uma	grande</p><p>tempestade	e	prometera	a	Santa	Ana,	padroeira	dos	mineiros,	que	iria	para	o</p><p>convento	caso	se	salvasse	dessa	situação.	A	ida	para	o	convento	foi	para	Lutero	a</p><p>tentativa	de	uma	reconciliação	com	Deus.</p><p>Hans	sem	alternativa,	ante	a	determinação	do	filho,	consente	contra	sua	própria</p><p>vontade	e	o	sonho	de	ter	um	filho	advogado	termina.</p><p>Lutero	optou	pelo	agostiniano	devido	à	seriedade	e	rigidez	de	suas	regras,	as</p><p>quais	seguiam	à	risca	com	total	submissão.	Ele	disse	posteriormente	“fui</p><p>verdadeiramente	um	frade	piedoso	e	segui	as	regras	de	minha	ordem	com	mais</p><p>severidade	do	que	eu	posso	dizer.	Se	jamais	houve	frade	que	entrasse	no	céu	por</p><p>seu	espírito	fradesco,	eu	de	certo	seria	um	dele”</p><p>O	Frade	no	Convento</p><p>Aos	22	anos,	numa	manhã	de	segunda	feira,	em	17	de	julho	de	1505,	o	Convento</p><p>dos	Eremitas	dos	Agostinianos,	recebia	aquele	que	seria	o	divisor	da	história	do</p><p>cristianismo	moderno	ou	na	expressão	de	Melanchton,	o	“apóstolo	Paulo	dos</p><p>tempos	modernos”:	Martinho	Lutero.	Várias	lendas	e	vaticínios	correrão	sobre</p><p>ele.	John	Huss,	ao	ser	queimado	na	fogueira	da	Inquisição,	em	1415,	teria	dito</p><p>em	alta	voz	ao	carrasco:	“Vais	assar	um	ganso	(o	nome	Huss	significa	ganso	na</p><p>língua	Boêmia),	porém	dentre	de	um	século	surgirá	um	cisne	que	não	poderão</p><p>nem	assar	e	nem	ferver”</p><p>Martin	Pollich	de	Melrichstadt,	reitor	a	Universidade	de	Wittenberg,	em	1509,</p><p>afirmou	sobre	Lutero:	“Esse	monge	desconcertará	todos	os	doutores,	formulará</p><p>uma	nova	doutrina	e	reformará	a	Igreja.	Ele	se	apoia	nas	obras	dos	profetas	e	dos</p><p>apóstolos;	cinge-se	à	Palavra	de	Cristo;	e	eis	o	que	nem	a	Filosofia,	nem	a</p><p>Sofística,	nem	os	Albertinistas,	nem	os	Tomistas,	conseguirão	entravar”.	O	frade</p><p>Johannes	Hilten,	havia	caindo	“numa	geladeira”,	isto	é,	sem	nenhuma	atividade,</p><p>pois	havia	dito	que	no	ano	de	1516,	aconteceria	uma	grande	transformação	e	o</p><p>fim	do	mundo.	Posteriormente	essa	previsão	foi	associada	à	Reforma</p><p>empreendida	por	Lutero,	o	que	se	enganara	por	um	ano.</p><p>Vamos	acompanhar	Lutero	em	sua	“nova	vida”	tal	como	ele	assim	pensava.</p><p>Segui-lo	vai	descortinar	para	nós	um	Lutero	religioso,	preso	a	normas	e	regras	na</p><p>tentativa	de	agradar	a	Deus,	com	uma	“consciência	cativa”	aos	ditamos	de	seus</p><p>superiores.	Não	será	uma	vida	inspiradora,	e	sim	de	sofrimento	pelo	sofrimento,</p><p>na	medida	em	que	não	atendia	aos	seus	anseios	espirituais.	Tal	como	o	jovem	do</p><p>Evangelho	de	Lucas	que	procura	Jesus	para	saber	o	que	deveria	fazer	para	entrar</p><p>no	Reino,	Lutero	achava	que	“fazendo”	algo	para	Deus	seria	aceito.	A	prática</p><p>das	“boas	obras”	por	si	só	seria	suficiente,	assim	pensava.	Alguns	anos	terão	que</p><p>passar	para	que	o	reformador	tenha	uma	compreensão	bíblica	e	reveladora	do</p><p>que	seriam	as	boas	obras	em	Deus.	Aproximadamente	20	anos	depois,</p><p>escrevendo	sobre	o	assunto	já	distante	da	vida	monástica	de	Erfurt,	em	1520,</p><p>revelou	que	a	“principal”</p><p>das	boas	obras	é	“crer	em	Cristo”.	Os	judeus</p><p>perguntam	a	Jesus,	“que	faremos	para	executarmos	as	obras	de	Deus?”.	Ele</p><p>relembra	as	palavras	do	Mestre:	“A	obra	de	Deus	é	esta:	que	creias	naquele	que</p><p>por	ele	é	enviou”.	(Jo	6.27,28)	Pois	nesta	obra,	conclui	Lutero,	é	que	todas	as</p><p>obras	precisam	realizar-se.</p><p>Não	temos	muitas	informações	nesta	nova	fase	em	sua	vida.	O	que	sabemos	nos</p><p>vem	de	seus	próprios	colegas,	e	do	próprio	Lutero,	embora	com	certa	cautela,</p><p>porém,	sem	deixar	de	criticar	a	postura	da	Cúria	no	tratamento	as	vezes</p><p>desumanos	como	era	feito.	Temos	também	informações	por	meio	da	obra</p><p>Conversas	à	Mesa,	porém,	sabendo	que	com	reservas	devem	ser	avaliadas,	pois</p><p>havia	distorções	sobre	o	que	Lutero	proferia.	Um	exemplo	claro	nos	foi</p><p>apresentado	por	Martin	Dreher,	em	que	Johannes	Goldschmied	publicou	suas</p><p>anotações	poucos	após	a	morte	de	Lutero	e	apelou	para	a	grosseria.</p><p>Quando	Lutero	ingressou	no	mosteiro	de	Erfurt,	este	não	passava	por	bons</p><p>momentos,	tais	como	todos	os	mosteiros	de	modo	geral.	Havia	um	declínio	de</p><p>importância	tal	como	se	apresentava	em	suas	origens.	Os	tempos	mudaram.	As</p><p>cidades	cresciam.	As	transformações	dos	séculos	XV	e	XVI	refletiam	nessa</p><p>instituição.	A	nova	classe	dos	burgueses	ganha	importância	e	a	ciência	caminha	a</p><p>passos	rápidos.	O	Humanismo	e	o	Renascimento	despontavam.	Em	especial	o</p><p>século	XVI,	emergiu	um	novo	modo	de	produção,	o	Capitalismo.	As	cidades	se</p><p>ampliavam	e	tudo	isso	contribuiu	para	que	novos	valores	ganhassem	força.</p><p>Falava-se	em	reforma	nos	próprios	conventos.	A	vida	nos	conventos,	para</p><p>alguns,	estava	na	contra	mão	da	história.	Lutero	não	pensava	assim	quando</p><p>optou	para	a	vida	religiosa.</p><p>A	vida	no	convento	para	Lutero	foi	de	obediência,	trabalho	e	oração.	Cumpria</p><p>integramente	suas	obrigações	e	até	mesmo	extrapolando.	Aos	poucos	foi</p><p>conquistando	a	confiança	de	todos,	pois	inicialmente	o	viam	como	o	noviço</p><p>intelectual,	formado	e	despreparado	para	o	ofício.	Ele	mostrou	o	contrário.</p><p>Mesmo	diante	dos	desafios,	inclusive	o	pai	passara	a	lhe	tratar	como	tu,	o	que</p><p>não	ocorria	deste	as	formação	como	Bacharel	e	Mestre	em	Artes.	Lutero</p><p>continuava	firme	no	propósito	em	agradar	a	Deus	em	busca	da	salvação.	Sua</p><p>vida	consistia	em	obediência,	pobreza,	castidade,	afastamento	do	mundo	e</p><p>orações.</p><p>As	fases	em	sua	evolução	dentro	do	convento	foram	crescentes	e	ele	passou	e</p><p>venceu	todas	elas.	Ao	entrar,	na	qualidade	de	postulante,	era	mandado	para	as</p><p>aldeias	para	mendigar	em	favor	da	Ordem.	Dentro	dessa	atividade	por	muitas</p><p>vezes	era	escalado	testando	assim	sua	vocação.	Após	dois	meses	foi	declarado</p><p>noviço	e	com	um	ano	passa	a	condição	de	irmão,	prestando	voto	solene	de</p><p>obediência	perpétua.	Depois	de	ser	considerado	irmão,	recebeu	instrução	para</p><p>preparar-se	para	a	ordenação	de	sacerdote.	Foi	ordenado	respectivamente</p><p>subdiácono,	diácono	e	sacerdote	em	7	de	julho	de	1507,	segundo	Lucien	Febvre,</p><p>com	tanta	dedicação	que	seus	superiores	o	chamavam	de	“um	segundo	Paulo”.</p><p>Ao	ser	ordenado	padre	escolhera	21	santos	aos	quais	dedicava	veneração</p><p>particular.	Cada	dia,	desde	a	sua	ordenação,	invocava	três	deles.</p><p>Sua	vida	no	mosteiro	foi	de	total	renúncia	e	reclusão.	O	silencio	norteava	as</p><p>relações	e	conduta	diária.	Devia-se	o	olhar	sempre	para	o	chão.	Segurava-se	o</p><p>copo	com	as	duas	mãos.	Não	se	conversava	nas	refeições	e	só	se	ouvia	a	leitura</p><p>de	vida	de	santos	e	de	textos	piedosos.	Acordava-se	às	duas	horas	de	manhã,</p><p>sendo	a	primeira	refeição	ao	meio	dia.	Na	vida	monástica	não	se	podia	receber</p><p>visitas.</p><p>A	comunicação	era	somente	por	sinais.	Tudo	observado	por	superiores.	Lutero</p><p>também	era	observado	por	Stauptiz,	seu	conselheiro	e	prior.	Levantava-se	à	noite</p><p>para	recitar	sete	ou	oito	vezes	durante	as	24	horas	do	dia.	Cada	vez	repetiam-se</p><p>25	pai-nosso	e	25	ave-marias	sem	contar	outras	rezas	igualmente	numerosas.</p><p>Confessava-se	pelos	menos	uma	vez	por	semana	e	se	ouvia	a	absolvição:	“Eu	te</p><p>absolvo	pelos	méritos	de	nosso	Senhor	Jesus	Cristo,	da	Virgem	Maria,	de	todos</p><p>os	santos	de	nossa	ordem”.	A	confissão	de	Lutero	era	minuciosa	e	repetitiva.</p><p>Como	era	de	se	esperar,	a	vida	do	novo	monge	era	cercada	por	atividades	à</p><p>medida	que	o	tempo	passava	e	suas	responsabilidades	aumentavam.	Albert</p><p>Greiner	informa-nos	sobre	o	trecho	de	uma	carta	escrita	ao	amigo	Lange,	em</p><p>outubro	de	1516:</p><p>Necessitaria	de	dois	secretários	porque,	de	manhã	à	quase	não	faço	nada	mais</p><p>que	escrever	cartas.	Prego	no	convento;	sou	capelão	à	mesa;	chamam-me	cada</p><p>dia	para	pregar	na	paróquia;	sou	diretor	de	estudos,	vigário	da	ordem,	o	que</p><p>equivale	a	ser	onze	vezes	prior;	administro	os	viveiros	de	Leitzkau	e	os	bens	dos</p><p>monges	de	Torgou;	dou	preleções	sobre	São	Paulo	e	sobre	todo	o	Saltério.	E	toda</p><p>esta	correspondência	que	me	rouba	o	mais	claro	de	meu	tempo!...	Aí	vês	que</p><p>preguiçoso	que	sou!</p><p>Seus	próprios	colegas	do	convento	muitas	vezes	o	criticavam	por	seu	zelo</p><p>demasiado.	Suas	leituras	ocorriam	de	forma	impulsiva	e	dentre	os	pensadores	de</p><p>grande	influência	sobre	ele,	destacam-se:	Agostinho	de	Hipona,	Guilherme	de</p><p>Ockham,	Gabriel	Biel,	S.	Bernardo	de	Claraval,	Pedro	D’Ailly	e	Nicolau	de</p><p>Lira.</p><p>Foi	também	no	mosteiro	que	aprendeu	a	tocar	alude	e	órgão	fazendo	da	música</p><p>sua	segunda	atividade	preferida,	sendo	a	primeira	a	Teologia.	Foi	deveras</p><p>importante	a	música	na	vida	de	Lutero.	Gostava	do	ritmo	em	que	hoje	seria</p><p>música	popular.	Seus	hinos	eram	cantados	nas	ruas,	principalmente	após	a</p><p>Reforma.	Era	contada	com	muita	dança	com	bastante	alegria.	Ele	soube	aplicar</p><p>posteriormente	seus	dotes	musicais	para	a	igreja	das	Reformas	e	seus	hinos	eram</p><p>cantados	sistematicamente	pelo	“povão”	nas	ruas.</p><p>O	“Pai”	Staupitz</p><p>Em	sua	vida	monástica	com	seus	dramas,	crises,	avanços,	desafios,	trabalhos,</p><p>submissão,	obediência	e	de	tudo	que	exigia	de	um	monge	em	sua	busca	por</p><p>Deus,	Lutero	deparou-se	e	relacionou-se	com	afinco	àquele	que	contribuiu	para</p><p>o	seu	avanço	espiritual	e	sua	grande	descoberta:	Johann	Von	Staupitz.	Quem	foi</p><p>Staupitz?	A	melhor	pergunta	seria:	quem	foi	Staupitz	para	Lutero?	Haveria	um</p><p>Lutero	sem	Staupitz?	Teria	Lutero	prosseguido	em	sua	reclusa	sem	o	seu</p><p>conselheiro?	Tal	como	Paulo,	ele	teve	também	o	seu	próprio	“Gamaliel”.	Assim</p><p>era	Staupitz	em	relação	a	Lutero,	falava	ao	seu	coração	por	meio	de	uma</p><p>linguagem	de	amor	e	de	uma	devoção	inteiramente	fraterna.	Ao	despedir-se	de</p><p>Lutero	o	deixava	apaziguado,	relaxado	e	consolado	—	mesmo	por	algum	tempo</p><p>—	Lutero	precisava	por	si	só	encontrar	o	Caminho.	Sobre	esse	grande	amigo	o</p><p>reformador	confessará	já	no	final	de	seus	dias:	“Se	eu	não	reverenciasse	Staupitz</p><p>seria	um	asno	condenável,	ingrato,	papista...	porque	ele	me	trouxe	à	luz	em</p><p>Cristo.	Se	Staupitz	não	me	tivesse	ajudado,	eu	teria	sido	tragado	e	largado	no</p><p>inferno”.</p><p>Esse	nobre	saxão	teria	nascido	em	Montterwitz	em	1469,	tendo	atuado	seus</p><p>primeiros	anos	no	Convento	de	Erfurt	para	onde	posteriormente	se	apresentaria	a</p><p>Lutero.	O	convento	agostiniano	de	Erfutt	fora	renovado	por	André	Prolês	com</p><p>uma	disciplina	mais	severa,	aliás	característica	dos	agostinianos.	Ao	menos,	de</p><p>forma	geral,	havia	dois	grupos	entre	os	agostinianos:	os	“observantes”	os	mais</p><p>comprometidos	e	os	“conventuais”	mais	soltos	e	numerosos.	Lutero	fez	parte	do</p><p>primeiro	grupo	e,	ao	chegar,	o	convento	estava	sob	a	direção	do	professor	e</p><p>Vigário	Geral	Staupitz,	substituto	de	Prolês.	Poucos	anos	depois	Lutero	irá	como</p><p>representante	de	sua	Ordem	na	tentativa	de	amenizar	este	conflito.	Segundo</p><p>avaliação	da	época,	o	doutor	Staupitz	era	um	espírito	de	raro	valor,	de	grande</p><p>elevação	de	pensamento	e	de	caráter.	Estudou	em	Colônia	e	Leipzig,	tornando-se</p><p>agostiniano	em	Munique	no	ano	de	1490	e,	com	a	fundação	da	Universidade,</p><p>passou	a	decano	da	faculdade	de	Teologia.	A	partir	de	1500,	já	Doutor	em	Bíblia,</p><p>é	convocado	pelo	príncipe	Frederico	III	para	ser	o	primeiro	decano	da	recém</p><p>criada	Faculdade	de	Wittenberg.	A	partir	daí	a	relação	entre	Staupitz	e	Lutero</p><p>torna-se	mais	estreita,	pois	é	transferido	do	convento	de	Erfurt	para	o	de</p><p>Wittenberg,	por	ordem	de	seu	paternal	amigo	e	Vigário	Geral.</p><p>Não	importa	onde	estivesse	Lutero,	seja	em	Erfurt	ou	Wittenberg.	A	sua	busca</p><p>por	Deus	estava	entrelaçada	a	uma	crise.	Crise	esta	que	a	partir	do	século	XX</p><p>tem	recebido	uma	abordagem	médica,	psicológica	e	psicanalítica.	Marc</p><p>Lienhard,	notável	especialista	em	Lutero,	apresentou	a	abordagem	de	alguns</p><p>estudiosos	nessa	perspectiva,	tais	como	P.	J.	Reiter	que	enumerou	diferentes</p><p>enfermidades	em	Lutero,	principalmente	ao	que	considerou	uma	psicose.	O</p><p>temor	que	experimentara	em	relação	ao	pai,	marcou	profundamente	toda	a	sua</p><p>vida,	reforçando	a	uma	depressão.	Embora	Reiter	não	negasse	o	gênio	criador	de</p><p>Lutero,	tentava	“[...]	explicar	tudo	mediante	causas	psicopatológicas”.	Em</p><p>seguida	Lienhard	aborda	o	trabalho	do	psicanalista	E.	H.	Erikson,	em	que</p><p>detectou	o	drama	de	Lutero	a	uma	crise	de	identidade.	O	conflito	com	o	pai	teria</p><p>criado	um	déficit	na	identidade	do	reformador	que	não	conseguira	preencher</p><p>pela	entrada	no	convento.	Ele	não	conseguira	experimentar	uma	relação	de</p><p>proximidade	nem	com	o	pai,	nem	com	próprio	Deus.	Acrescenta	que	a</p><p>concepção	occamista	de	um	Deus	arbitrário	reforçou	o	temor	de	Lutero.</p><p>Posteriormente	Marc	Lienhard	apresenta	a	análise	do	professor	R.	Dalbiez	que</p><p>procura	explicar	a	“psicogênese	das	doutrinas	que	colocaram	Lutero	em</p><p>oposição	irredutível	ao	dogma	católico”	por	meio	do	qual	o	reformador	teria</p><p>formulado	três	teorias	não	católicas	sobre	si:	a	culpabilidade	necessária,	a</p><p>justificação	extrínseca	e	a	fé	especial.	Explicações	contestadas	por	outros</p><p>estudiosos,	como	Y.	Congar	e	D.	Olivier.</p><p>Sejam	quais	foram	às	explicações	psíquicas	sobre	o	drama	interior	de	Lutero	não</p><p>podemos	dissociá-lo	ao	seu	próprio	tempo.	Já	em	fins	da	Idade	Média,	o</p><p>medievalista	Johan	Huizinga	cita	um	poema	de	Jean	Meschinote	caracterizando</p><p>bem	esse	período:</p><p>Ó	vida	miserável	e	tristíssima!...</p><p>Nós	sofremos	a	guerra,	a	morte	e	a	fome!</p><p>Frio	e	calor,	o	dia	e	a	noite	mina	as	nossas	forças:</p><p>as	pulgas,	a	sarna	e	tantos	outros	vermes.</p><p>Nos	fazem	guerra.	Em	resumo,	tem	piedade,	Senhor.</p><p>Dos	nossos	indignos	corpos,	cuja	vida	é	tão	curta.</p><p>Deve-se	observar	por	meio	desse	pequeno	texto	o	drama	vivido	principalmente</p><p>pelos	pobres,	não	isentando	os	outros	grupos	sociais.	Todo	esse	temor	vai	se</p><p>refletir	na	religiosidade.</p><p>A	Idade	Média,	mesmo	em	seu	final,	continuava	com	um	imaginário	religioso	de</p><p>anjos,	demônios,	santas,	santos,	maravilhoso,	fadas	e	dragões.	Huizinga	nos</p><p>informa	que	estava	refletido	nos	poemas,	crônicas,	sermões	e	até	em	documentos</p><p>legais	uma	“tenebrosa	melancolia”.	Estava	em	moda	ver	o	sofrimento	e	a	miséria</p><p>como	sinais	de	decadência	e	aproximação	do	fim	do	mundo.	Dizia-se	na	época</p><p>que	felizes	são	os	solteiros,	pois	o	casado	quando	tem	uma	mulher	má	passa	a</p><p>vida	infeliz	ou	quando	tem	uma	boa	mulher	sempre	tem	o	receio	de	perdê-la.</p><p>O	pessimismo	norteava	a	sociedade	europeia	na	Alta	Idade	Média.	Erasmo	de</p><p>Roterdã,	o	mais	famoso	dos	humanistas,	sobre	o	seu	pessimismo	medieval</p><p>desejava	rejuvenescer	alguns	anos	pela	única	razão	em	crer	que	no	futuro</p><p>próximo	a	“idade	de	ouro”	chegaria.	O	próprio	Lutero	já	previra	o	final	dos</p><p>tempos	para	1560.	Lutero	está	contextualizado	entre	fins	da	Idade	Medieval	e</p><p>início	dos	Tempos	Modernos.	O	mundo	de	Lutero	era	o	das	transformações	e</p><p>crises	em	todos	os	sentidos.	Foi	um	mundo	clamando	por	salvação	e	a	igreja</p><p>apresentava	uma	saída	por	intermédio	do	faça,	e	“será	salvo”.	Era	a	teologia	das</p><p>boas	obras.	No	entanto	mesmo	nesta	questão	não	havia	um	consenso.	A	questão</p><p>da	justificação	do	ser	humano	diante	de	Deus	não	estava	completamente</p><p>delineada.	Discutia-se,	discutia-se	e	não	se	chegava	a	um	termo.	Lutero	não</p><p>queria	uma	resposta	acadêmica,	queria,	sim,	uma	experiência	de	vida.</p><p>Experiência	não	somente	para	si,	mas,	para	todo	o	indivíduo.	Ele	mesmo	havia</p><p>dito	que	não	aprendemos	nada	exceto	pela	experiência.	Afirmara	também	que</p><p>nenhum	de	seus	grandes	influenciadores	e	pensadores	tinham	respondido	as	suas</p><p>perguntas.	Suas	crises	eram	sistemáticas	e	existenciais.	Ao	ouvir	confissões	dos</p><p>penitentes,	não	ousava	levantar	os	olhos	para	eles	temendo	os	desejos	que	estas</p><p>poderiam	despertar	no	justo	momento	da	confissão.	Posteriormente	confessou:</p><p>“Durante	os	quinze	anos	em	que	fui	frade,	martirizei-me,	torturei-me	com	jejuns,</p><p>pelo	frio,	com	uma	vida	de	austeridade”.</p><p>Lutero	espelhava	em	si	próprio	as	concepções	medievais	e	que	vigora	em	seus</p><p>dias.	Em	relação	à	penitência,	por	exemplo,	refletia	os	ensinamentos	de	Pedro</p><p>Lombardo	e	S.	Tomás	de	Aquino,	em	que	a	dividiam	em	três	partes:	em	três</p><p>partes:	a	contrição,	a	confissão	e	a	satisfação.	Quanto	a	duas	primeiras	as</p><p>indulgências	não	eliminam.	Por	meio	das	indulgências	a	satisfação	era	realizada.</p><p>A	satisfação	por	sua	vez	subdividia-se	em	três	partes:	orar,	jejuar	e	dar	esmolas.</p><p>A	oração	compreende	as	obras	próprias	da	alma,	como	ler,	meditar,	ouvir	a</p><p>Palavra	de	Deus,	pregar,	ensinar	e	similares;	o	jejuar	inclui	todas	as	obras	de</p><p>mortificação	da	carne,	como	vigílias,	trabalhos,	leito	duro,	vestes	grosseiras,	etc.;</p><p>por	sua	vez	dar	esmolas	abrange	todas	as	obras	de	amor	e	misericórdia	para	com</p><p>o	próximo.	Esse	era	um	dos	muitos	dramas	vividos	por	Lutero	em	busca	de	uma</p><p>paz	com	Deus.	Tudo	isso	realizava	sem	satisfazer-se.	Toda	a	aprendizagem</p><p>começa	pela	experiência	própria.	Aprendemos	quando	tiramos	nossas	próprias</p><p>conclusões.	A	crucial	pergunta	de	Lutero	para	si	próprio	era:	“Como	posso	obter</p><p>um	Deus	misericordioso?”.	Durante	grande	parte	de	sua	vida	ele	procurava</p><p>aplicar	a	concepção	medieval	tardia	de	que	“a	quem	faz	o	que	está	dentro	de	si,</p><p>Deus	dá	graça”.	Assim	Lutero	precisava	fazer,	fazer	e	fazer.</p><p>Temos	o	exemplo	de	1519,	por	ocasião	da	doença	de	seu	protetor	e	príncipe</p><p>Frederico	III.	A	pedido	de	Espalatino,	ele	escreve	ao	príncipe	confortando-o.</p><p>Cremos	que	suas	palavras	refletem	também	a	situação	vivida	por	ele</p><p>anteriormente:</p><p>Isto	é	certo	e	verdadeiro,	quer	a	pessoa	creia,	quer	não:	não	pode	haver	na	pessoa</p><p>sofrimento	tão	grande	que	seja	o	pior	dos	males	que	estão	dentro	dela.	Os	males</p><p>que	há	dentro	dela	são	muito	mais	numerosos	e	maiores	do	que	aqueles	que	ela</p><p>sente.	Porque	se	sentisse	[todo]	seu	mal,	sentiria	o	inferno,	pois	ela	tem	o	inferno</p><p>dentro	de	si.</p><p>Precisamos	voltar	àquele	que,	certamente,	percebeu	o	único	caminho	pelo	qual</p><p>Lutero	encontraria	o	Caminho,	a	Verdade	e	a	Vida.	Sim:	Staupitz.	Em	nada</p><p>adiantaria	argumentar,	aconselhar	ou	ponderar.	Havia	concluído	e	dito	para	o</p><p>jovem	Lutero	que	em	nada	poderia	fazer	para	consolá-lo.	Sabia	que	Lutero</p><p>deveria	encontrar	suas	próprias	respostas	em	meio	às	crises.	Para	Lutero	o	seu</p><p>“caminho	de	Damasco”	iniciara	com	Staupitz,	principalmente,	em	Wittenberg.</p><p>Certamente	Staupitz	percebeu	o	vazio	na	alma	do	jovem	monge	e	viu	além	de</p><p>seus	conflitos	um	coração	sincero,	honesto	e	com	sede	de	Deus.	Compreendeu</p><p>que	não	havia	uma	“receita	pronta”	para	esse	monge.	Teria	ele	que	encontrar	o</p><p>seu	próprio	caminho.	Também	compreendeu	as	excepcionais	qualidades	do</p><p>jovem,	que	acabara	de	entrar	para	sua	Ordem,	e	não	cessou	de	dispensar-lhe</p><p>atenção	especial,	do	qual	Lutero	conservará	em	fiel	e	reconhecida	recordação.</p><p>Todo	seu	esforço	deveria	ser	direcionado	a	uma	fé	genuína	em	Cristo,	assim</p><p>pensava	e	agira	Slaupitz	em	relação	ao	religioso	Lutero.</p><p>Sem	sombra	de	dúvidas	temos	aqui	a	providência	divina,	o	jovem	noviço	foi</p><p>confiado	à	vigilância	e	direção	de	um	religioso	da	estirpe	de	Staupitz,	homem	de</p><p>bem,	um	verdadeiro	cristão,	como	o	próprio	Lutero	o	qualificara	depois	de	ter</p><p>voltado	à	vida	secular.	Todo	trabalho	que	o	doutor	Staupitz	teve	com	o	monge</p><p>foi	no	intuito	de	levá-lo	em	direção	ao	essencial,	isto	é,	para	Cristo	e	não	para</p><p>uma	instituição.	Todo	esforço	de	Lutero	deveria	ser	gasto	no	descanso	de	Deus.</p><p>O	Vigário	Geral	desejava	apontar	à	direção	e	deixar	que	o	próprio	Lutero</p><p>trilhasse,	por	si	só,	e	descobrisse	a	verdade	que	tanto	almejava.</p><p>No	princípio,	Staupitz	apontou	o	caminho	no	estudo	das	Escrituras,	inclusive	ad</p><p>fontes,	ou	seja,	a	própria	Escrituras.	Como	seu	superior,	sempre	incentivava	ou</p><p>mesmo	determinava	que	Lutero	a	lesse	a	Palavra	e	prosseguisse	em	seus	estudos</p><p>teológicos.	Por	isso	se	tornou	bacharel	em	Bíblia,	mestre	e	doutor	em	Teologia.</p><p>Sobre	seus	cursos,</p><p>em	especial	o	doutorado,	Lutero	confessou	agradecido:</p><p>Fui	convocado	e	constrangido,	querendo	ou	não,	a	tornar-me	doutor,	por	pura</p><p>obediência.	Aí	tive	de	aceitar	o	ofício	de	doutor	e	prestar	juramento	de	pregar	e</p><p>ensinar	com	fidelidade	e	pureza	minha	queridíssima	Sagrada	Escritura.	Obtive	o</p><p>grau	de	doutor	em	outubro	de	1512	na	Universidade	de	Wittenberg,	um	mês</p><p>antes	de	completar	29	anos.	A	essa	altura,	eu	já	havia	me	mudando</p><p>definitivamente	de	Erfurt	para	Wittenberg	para	me	preparar	para	o	doutorado,</p><p>em	obediência	ao	meu	provincial	Staupitz.	Meu	doutorado	durou	pouco	mais	de</p><p>um	ano.	Mas	entre	meu	bacharelado	em	teologia,	em	março	de	1509,	e	a</p><p>obtenção	do	grau	de	doutor,	passaram-se	três	anos	e	meio.	Embora	conquistado</p><p>não	por	decisão	própria,	hoje	muito	agradeço	o	preparo	e	o	título	de	doutor.</p><p>Graças	a	ele,	meus	opositores	não	podem	me	chamar	de	“João-Ninguém”.</p><p>Foi	uma	conquista,	inclusive	por	indicação	de	Staupitz,	ao	se	tornar	professor	em</p><p>Wittenberg	o	qual	desempenhou	até	ao	fim	de	sua	vida.	Cremos	ser	importante</p><p>um	testemunho	sobre	o	professor	Lutero	deixado	por	um	de	seus	alunos,	além,	é</p><p>claro,	de	conhecer	um	pouco	do	homem	Lutero:</p><p>Ele	era	um	homem	de	estatura	mediana,	com	uma	voz	que	combinava</p><p>perspicácia	e	suavidade;	o	tom	era	suave;	perspicaz	era	a	anunciação	das	sílabas,</p><p>palavras	e	sentenças.	Ele	não	falava	rápido	demais	nem	devagar	demais.	Mas</p><p>num	ritmo	uniforme,	sem	hesitação	e	muito	claramente,	e	em	uma	ordem	tão</p><p>adequada	que	cada	parte	seguia	naturalmente	a	que	vinha	antes...	suas	preleções</p><p>nunca	continham	nada	que	não	fosse	expressivo	ou	relevante.	E,	para	dizer</p><p>alguma	coisa	sobre	o	espírito	do	homem:	se	até	mesmo	os	mais	terríveis</p><p>inimigos	do	evangelho	estivessem	entre	seus	ouvintes,	teriam	confessado,	pela</p><p>força	do	que	tinham	ouvido,	que	tinham	testemunhado	não	um	homem,	mas	um</p><p>espírito,	pois	ele	não	podia	ensinar	coisas	tão	maravilhosas	de	si	mesmo,	mas</p><p>apenas	pela	influência	de	um	espírito	bom	ou	mau.</p><p>Também	como	pregador	não	lhe	faltavam	dotes.	Vicente	Themudo	Lessa</p><p>apresenta-o	com	uma	eloquência	ímpar.	Imaginação,	palavra	fluente,</p><p>magnetismo	pessoal,	tom	apaixonado	e	emoção	religiosa.	A	isso	se	ajuntava</p><p>simplicidade	na	pregação	e	virtude	que	muito	o	recomendava.	Sua	figura	era</p><p>cheia	de	expressão,	o	ar	nobre,	e	a	voz	pura	e	sonora	completavam	o	quadro.</p><p>Acrescenta	que	a	fama	de	Lutero	se	estendia	a	ponto	do	próprio	Eleitor</p><p>Frederico,	o	Sábio,	“se	abalou	um	dia	para	ouvi-lo”.</p><p>Até	onde	pode	o	“pai”	sempre	intervia.	E	uma	dessas	intervenções	ocorreu	em</p><p>Erfurt,	a	02	de	maio	de	1507,	quando	Lutero	celebrou	sua	primeira	missa.</p><p>Enquanto	consagrava	a	hóstia	e	o	vinho,	a	noção	da	santidade	absoluta	de	Deus	e</p><p>sua	própria	pecaminosidade,	se	impôs	como	uma	força	tão	intensa	em	seu</p><p>espírito	que	estava	disposto	fugir	do	altar.	Foi	neste	momento	que	surge	Staupitz</p><p>e	o	reteve.</p><p>Uma	das	crises	de	Lutero	está	relacionada	à	predestinação.	Segundo</p><p>testemunhos	posteriores	a	Lutero,	foi	principalmente	Staupitz	quem	aplacou	suas</p><p>angustias	acerca	da	predestinação.	Mais	uma	vez	intervindo,	trouxe	à	alma</p><p>inquieta	do	monge	o	bálsamo	necessário	àquela	vida	inquieta	e	conflitante,	ao</p><p>afirmar	que	seria	melhor	nem	pensar	nisso,	mas	apegar-se	às	feridas	de	Cristo	e</p><p>colocar-se	Cristo	diante	dos	olhos.	“Ai,	afirmou	o	Vigário	Geral,	a	predestinação</p><p>já	estará	obrando,	porque	Deus	já	destinou	seu	Filho	a	sofrer	em	favor	dos</p><p>pecadores”.</p><p>Certamente	o	que	marcou	profundamente	o	coração	e	alma	de	Lutero	e,</p><p>consequentemente	o	processo	de	sua	doutrina	libertadora,	foi	à	afirmação	de</p><p>Staupitz	quando	disse	que	“o	verdadeiro	arrependimento	começa	com	o	amor	da</p><p>justiça	e	de	Deus”.	O	próprio	Lutero	discorreu	sobre	essa	experiência	relatando</p><p>em	sua	obra	Explicações	do	Debate	o	valor	das	indulgências,	de	1518,</p><p>endereçada	ao	Papa	Leão	X.	Nesta	obra,	inclusive	já	se	delineava	o	Lutero</p><p>luterano.	Ele	discute	a	indulgência	e	a	penitência	numa	perspectiva	reformatória.</p><p>A	pessoa	humana	e	coerente	de	Lutero	são	visíveis	na	introdução	ao	texto</p><p>quando	ele	escreve	para	o	seu	“pai”	Staupitz.	Faz	questão	de	isentá-lo	de	sua</p><p>postura	teológica	reformadora,	ao	afirmar	que</p><p>não	quero	te	ligar	a	mim	no	perigo;	quero	ter	feito	isso	unicamente	para	meu</p><p>próprio	risco.</p><p>Inicia	então	sua	recordação	face	à	contundente	afirmação	de	Staupitz:</p><p>Lembro-me,	Reverendo	Pai,	que	em	meio	às	tuas	agradabilíssimas	e	salutares</p><p>conversas,	com	as	quais	o	Senhor	Jesus	costuma	me	consolar	maravilhosamente,</p><p>houve	por	vezes	menção	da	palavra	penitência.	Aí	ao	nos	comiserarmos	das</p><p>muitas	consciências	e	daqueles	algozes	que,	com	infinitos	e	insuportáveis</p><p>preceitos,	ensinam	(como	se	diz)	um	modo	de	confessar-se,	te	acolhemos	como</p><p>se	falasses	do	céu,	[dizendo]	que	só	é	penitência	verdadeira	a	que	começa	pelo</p><p>amor	à	justiça	e	a	Deus	e	que	o	que	aqueles	consideram	o	fim	e	a	consumação	da</p><p>penitência	é,	antes,	o	princípio	dela.</p><p>Não	estamos	afirmando	que	esta	simples	e	pequena	referência	tenha	sido	a	causa</p><p>para	a	descoberta	de	Lutero.	Não!	No	entanto	na	medida	em	que	evoluíam	suas</p><p>reflexões	abria-se	para	ele	“as	portas	do	paraíso”,	e	essa	afirmação	cada	vez	mais</p><p>ganhava	corpo	em	sua	Teologia.	A	Teologia	de	Lutero	foi	um	processo	que,</p><p>possivelmente,	teria	começado	entre	1513	a	1518.	Se	houve	um	ano	específico,</p><p>tais	como	1514	ou	1518,	as	opiniões	são	divergentes.	Mas,	por	que	do	período	de</p><p>1513	a	1518?	Possivelmente	através	de	seus	cursos	seguia	sua	libertação.	Entre</p><p>1513	a	1515,	preleções	sobre	os	Salmos;	de	1515	a	1516,	Epístola	aos	Romanos;</p><p>1515	a	1516,	Epístola	aos	Gálatas	e	1517,	Hebreus	e	novamente	de	1518	a	1519,</p><p>Salmos.</p><p>A	amizade	de	Staupitz	e	Lutero	haveria	de	chegar	ao	fim.	Lutero	era</p><p>contestatório	em	sua	busca	pela	verdade.	Rompia	paradigmas.	Sua	personalidade</p><p>era	forte	e	não	se	dobrava	com	facilidade	no	confronto	com	suas	ideias.	Uma</p><p>conciliação	de	opiniões	para	Lutero	não	ocorria	sem	dificuldades...	E	muitas</p><p>vezes	não	ocorria.	A	verdade	para	Lutero	deve	ser	falada	e	aplicada	doa	a	quem</p><p>doer.	Com	certeza,	Staupitz	não	chamaria	o	papa	de	“burro”,	“burro	grosseiro”	e</p><p>“porca	suja”.	Afirmou	que	enquanto	o	turco	era	o	Diabo,	o	Papa	era	o	anticristo.</p><p>Staupitz,	ao	contrário,	era	mais	conservador,	moderado	e	até	mesmo	muito</p><p>cauteloso	quando	necessita	decidir	no	bojo	de	uma	crise.	O	novo	pode	ser</p><p>perigoso	e	não	vale	à	pena	arriscar,	certamente	assim	pensava.	Sua	visão	não	era</p><p>imediatista.	Era	daqueles	que	avançam	até	certo	ponto	e	não	mais.	Ele	quer</p><p>mudanças,	mas	não	nas	estruturas.	As	coisas	hão	de	acontecer	naturalmente.	O</p><p>seu	forte	era	aconselhar	e	interpretar,	mas	transformar	é	outra	coisa.	Na</p><p>encruzilhada	da	vida	há	de	ser	optar.	O	momento	crucial	chegou	por	ocasião	da</p><p>Dieta	de	Augsburgo	em	1518.	Nesta	Assembleia	do	Império	havia	rumores	de</p><p>que	tanto	Lutero	quanto	Staupitz,	por	determinação	de	Roma,	seriam	presos.</p><p>Neste	mesmo	ano,	o	papa	havia	decretado	três	breves:	no	primeiro	ordena	a</p><p>prisão	de	Lutero;	no	segundo	pede	ao	príncipe	Frederico	III	que	entregue	o</p><p>“filho	da	perdição”	ao	cardeal	Caetano,	e	no	terceiro	ordena	que	os	superiores</p><p>dos	agostinianos	acorrentem	os	pés	e	mãos	e	o	aprisione.	Diante	deste	quadro,</p><p>Staupitz,	inclusive	suspeito	de	heresia	e	procurando	defender	Lutero	até	onde	lhe</p><p>era	possível,	o	libera	do	voto	de	obediência	e	sai	apressado	de	Augsburgo.</p><p>Aquele	que	havia	guiado	Lutero	para	a	fé	em	Cristo	não	conseguira	romper	com</p><p>a	estrutura	e	dominação	da	Cúria	Romana	e	permanece	ligado	a	Igreja	Católica.</p><p>Lutero	lamenta	a	grande	perda.	Nada	pode	ser	feito.	Dois	anos	depois,	o	“pai”</p><p>Staupitz	renúncia	ao	cargo	de	Vigário-Geral	da	ordem	agostiniana,	tornando-se</p><p>pregador	da	corte	do	Cardeal-Arcebispo	Mateus	Lange,	em	Salzburgo,	e	abade</p><p>do	Convento	beneditino	de	São	Pedro.	Morre	a	28	de	dezembro	de	1524.</p><p>O	discípulo,	assim	Lutero	se	classificou,	era	mais	ousado	que	o	mestre!</p><p>Com	ou	sem	Staupitz,	não	se	sabe	com	exatidão	o	momento	da	guinada	de</p><p>Lutero	para	o	seu	“paraíso”.	Os	estudiosos	se	atem	ao	seu	próprio	testemunho	já</p><p>no	final	de	sua	vida,	em	1545,	um	ano	antes	de	morrer,	quando	Lutero	falou</p><p>baseando-se	em	sua	memória	já	calejada	pelos</p><p>anos:</p><p>Aí	passei	a	compreender	a	justiça	de	Deus,	como	sendo	uma	justiça	pela	qual	o</p><p>justo	vive	pela	dádiva	de	Deus,	ou	seja,	da	fé.	Comecei	a	entender	que	o	sentido</p><p>é	o	seguinte:	Por	meio	do	Evangelho	é	revelada	a	justiça	de	Deus,	isto	é,	a</p><p>passiva	pelo	qual	o	Deus	misericordioso	nos	justifica	pela	fé,	como	está	escrito:</p><p>“O	justo	viverá	pela	fé”.	Então	me	senti	como	que	renascido,	e	entrei	pelos</p><p>portões	abertos	pelo	próprio	paraíso.	Aí	toda	a	Escritura	se	mostrou	uma	face</p><p>completamente	diferente.	Fui	passando	em	revista	a	Escritura	na	medida	em	que</p><p>a	conhecia	de	memória,	e	também	em	outras	palavras	encontrei	as	coisas	de</p><p>forma	análoga.	“Obra	de	Deus”	significa	a	obra	que	Deus	opera	em	nós,	poder</p><p>de	Deus	—	pelo	qual	Ele	nos	faz	poderosos;	“sabedoria	de	Deus”	—	pela	qual</p><p>Ele	nos	torna	sábios.	A	mesma	coisa	vale	para	“força	de	Deus”,	“salvação	de</p><p>Deus”,	“glória	de	Deus”.</p><p>No	entanto	até	chegar	a	este	ápice,	muitas	águas	vão	rolar	na	vida	de	Lutero,</p><p>inclusive	o	casamento.</p><p>Casamento	e	Família</p><p>Aconteceu	em	1525	o	casamento	de	Lutero	com	a	ex-freira	Katharina	Von	Bora.</p><p>Após	alguns	anos	de	resistência,	inclusive	com	oposição	de	vários	amigos,</p><p>incluindo	o	mestre	Felipe	Melanchthon,	ele	encontrara	finalmente	a	sua</p><p>adjuntora.	O	adágio	“ao	lado	de	um	grande	homem,	existe	uma	grande	mulher”,</p><p>integralmente	foi	cumprido.	Katharina	completou	Lutero.	O	segundo	passo	mais</p><p>importante	na	vida	do	ser	humano	é	a	escolha	da	pessoa	com	quem	se	propõe</p><p>viver	toda	a	sua	vida,	pois	a	primeira	é	o	reconhecimento	do	senhorio	de	Cristo.</p><p>Lutero	com	o	seu	casamento	havia	atingira	esses	dois	passos.</p><p>Em	1520	havia	registrado	em	À	Nobreza	Cristã	da	Nação	Alemã,	acerca	da</p><p>melhoria	do	estamento	cristão,	seu	posicionamento	a	respeito	do	matrimônio	dos</p><p>sacerdotes.	Após	descrever	o	apoio	das	Escrituras	citando,	principalmente,	Paulo</p><p>passa	a	argumentar	que,	devido	às	perseguições	e	contenda	contra	os	hereges,</p><p>muitos	santos	que	eram	pais	renunciaram	voluntariamente	ao	matrimônio	para</p><p>que	pudessem	“melhor	estudar	e	estar	dispostos	a	morrer	e	a	lutar	a	qualquer</p><p>hora”.	Posteriormente	a	Sé	Romana	“interveio”	proibindo	o	casamento	aos</p><p>sacerdotes.	“Que	faremos	neste	caso?”	—	perguntou	e	ele	mesmo	responde:</p><p>“Aconselho	que	se	deixe	de	novo	a	livre	critério	de	cada	um	casar-se	ou	não</p><p>casar-se,	conforme	lhe	aprouver”.</p><p>Sobre	a	questão	do	voto	do	celibato,	na	obra	Da	Vida	Matrimonial,	Lutero</p><p>esclarece	que:</p><p>Não	te	deixes	enganar,	mesmo	que	tivesses	feito	dez	juramentos,	votos,	contratos</p><p>ou	até	mesmo	promessas	de	ferro	ou	diamantes.	Pois	assim	como	não	podes</p><p>fazer	votos	de	não	querer	ser	homem	ou	mulher	—	e	se	fizeres	seres,	seria	uma</p><p>loucura	e	não	teria	valor	nenhum,	pois	não	te	podes	fazer	diferente	—	tampouco</p><p>faz	sentido	prometes	que	não	queres	reproduzir	e	multiplicar-te,	caso	não	te</p><p>encontrares	em	um	daqueles	três	grupos.	[Ele	se	refere	aos	que	nasceram</p><p>castrados,	foram	castrados	ou	castraram-se	por	amor	ao	Reino].</p><p>Era	notória	na	época	a	situação	de	muitos	sacerdotes	que	impossibilitados	de	se</p><p>casar	mantinham	relações	com	prostitutas	e	com	isso	vários	filhos.	Um	religioso</p><p>descreveu	seu	próprio	dilema	com	estas	palavras:</p><p>Não	posso	ficar	sem	esposa.	Se	não	me	é	permitido	ter	uma	esposa,	sou	forçado</p><p>a	levar	publicamente	uma	vida	vergonhosa,	que	prejudica	minha	alma	e	honra	e</p><p>leva	outras	pessoas,	que	ficam	ofendidas	com	minha	atitude,	à	condenação.</p><p>Como	posso	pregar	a	respeito	da	castidade	e	da	falta	de	castidade,	do	adultério	e</p><p>da	depravação,	se	minha	prostituta	vem	abertamente	à	igreja	e	se	meus</p><p>bastardinhos	se	sentam	à	minha	frente?	Com	o	poderei	rezar	a	missa	nesse</p><p>estado?</p><p>Na	obra	À	Nobreza	Cristã	da	Nação	Alemã,	Lutero	comenta	esse	fato	com	a</p><p>declaração:	“Vemos	também	como	decaíram	os	sacerdotes	e	como	mais	de	um</p><p>pobre	padre,	sobrecarregado	com	mulher	e	filhos,	está	de	consciência	pesada	e</p><p>ninguém	faz	alguma	coisa	para	lhe	ajudar,	se	bem	que	seria	perfeitamente</p><p>possível	fazê-lo”.	Temos	também	o	caso	de	três	sacerdotes	que	contraíram</p><p>matrimônio	mesmo	sob	perseguição,	pois	o	celibato	estava	incorporado	à	lei	do</p><p>Império,	o	que	gerou	polêmica	a	ponto	de	serem	julgados.	Sob	pressão,	o	Eleitor</p><p>Frederico	encaminhou	o	caso	a	uma	comissão	de	jurista	para	decisão...	Um	deles</p><p>fora	aluno	de	Lutero.</p><p>De	forma	semelhante	podemos	perguntar:	e	Lutero?	Aprova	o	casamento	de</p><p>sacerdotes,	anulação	do	voto	celibatário,	mas	continua	celibatário.	Prega,	ensina</p><p>e	não	pratica?	Os	comentários	iriam	se	desenvolver	diante	da	incoerência	do</p><p>reformador,	uma	vez	que	ele	tinha	um	discurso	que	não	se	harmonizava	com	a</p><p>sua	própria	vivência.	Vários	reformadores	contraiam	matrimônios.	E	você,</p><p>Lutero?	Não	vai	se	decidir?	O	próprio	Karlsdadt	deu	o	exemplo	casando-se	em</p><p>1522.	Seu	amigo	Jonas	Justos	também.	As	freiras	que	ele	havia	recebido	como</p><p>refugiadas,	uma	após	outra	se	casavam.	O	próprio	Lutero	incentiva	e	arrumava</p><p>casamento	para	elas.	Tal	como	uma	avalanche,	os	casamentos	entre	os</p><p>reformados	aconteciam.	E	Lutero?	Havia	muito	medo	por	parte	dos</p><p>companheiros,	que	seu	casamento	poderia	prejudicar	o	andamento	do</p><p>movimento	reformador.	Outros	achavam	que	além	de	trazer	prejuízo	para	a</p><p>Reforma,	demonstraria	fraqueza	deplorável.	Está	Lutero	com	42	anos.</p><p>Realmente	ele	não	pensara	em	se	casar.</p><p>Em	novembro	de	1524	desenvolvendo	o	tema	família	disse:	“Pelo	que	estive</p><p>inclinado	até	o	momento	e	ainda	estou	não	hei	de	casar-me”.</p><p>Também	escreveu	a	Spalatino:	“Não	que	não	sinta	minha	carne	e	meu	sexo;	não</p><p>sou	feito	de	madeira	nem	de	pedra;	mas	meu	espírito	não	se	orienta	para	o</p><p>casamento	enquanto	espero	diariamente	a	morte	e	o	suplício	devido	aos</p><p>heréticos”.</p><p>No	entanto	na	mesma	carta	afirmou	que:	“Estou	nas	mãos	de	Deus,	como	uma</p><p>criatura	cujo	coração	Ele	pode	mudar	e	tornar	a	mudar,	que	Ele	mata	ou	mantém</p><p>vivo	a	qualquer	hora	e	qualquer	minuto”.</p><p>Seis	meses	depois	desta	carta,	ele	“mudou”.	Casou-se	a	13	de	junho	de	1525</p><p>com	uma	das	nove	freiras	que	pedira	abrigo	em	seu	convento:	Katharina	Von</p><p>Bora.	Quando	se	fala	do	nome	da	nova	esposa	cria-se	logo	o	gracejo	em	que</p><p>Lutero	teria	dito:	“Catarina,	‘vambora’”!</p><p>O	casamento	foi	simples	com	a	presença	dos	pastores	Bugenhagen	e	Justo	Jonas,</p><p>um	jurista	o	professor	Appel,	e	uns	poucos	amigos.	Melanchthon	não</p><p>compareceu,	pois	a	princípio	era	contra.	Sobre	o	casamento	do	reformador,	o</p><p>historiador	luterano	Martin	Dreher	nos	informa	que	Justo	Jonas	escreveu	no	dia</p><p>seguinte:	“Lutero	tomou	Katharina	Von	Bora	por	esposa.	Estive	presente	ontem</p><p>e	vi	o	par	deitado	no	leito	conjugal.	Não	me	pude	conter	e	derramei	lágrimas</p><p>ante	a	cena”.	Esse	episódio	contado	por	Justo	Jonas	nos	parece	estranho,	no</p><p>entanto,	era	costume	da	época	em	que	as	testemunhas	acompanhavam	os	recém-</p><p>casados	até	o	quarto	e	os	dois	deitavam	na	cama.	Duas	semanas	depois,	os	recém</p><p>casados	oferecem	um	almoço	em	que	o	pai	de	Lutero	se	fez	presente	e	foi</p><p>novamente	acolhido	em	graça,	e	tornou-se	a	ser	filho	amado.	Os	amigos</p><p>colaboraram	enviando	alimentos	para	a	festa.</p><p>A	oposição	muito	falou	sobre	o	fato.	Procuravam	o	mínimo	deslize	na	vida	de</p><p>Lutero	para	desmoralizá-lo.	Sua	vida	era	vigiada	24	horas	por	seus	oponentes.</p><p>Por	causa	disso,	podemos	concluir	que	se	Lutero	tivesse	cometido	alguma	falha,</p><p>certamente,	iria	ser	divulgado	aos	quatro	cantos	por	seus	adversários.	O	próprio</p><p>Erasmo	de	Roterdã	havia	declarado	que	o	casamento	fora	feito	às	presas,	devido</p><p>à	gravidez	da	noiva.	Fato	não	comprovado,	pois	seu	primeiro	filho	nasceu	um</p><p>ano	depois.	Havia	uma	crença	medieval	onde	afirmava	que	do	casamento	de	um</p><p>padre	com	uma	freira,	nasceria	o	anticristo.	Quando	associaram	essa	crendice	ao</p><p>seu	casamento,	Lutero	teria	respondido	que,	se	na	relação	íntima	entre	padre	e</p><p>freira	nascesse	o	anticristo,	a	Europa	estaria	cheia	de	anticristos.</p><p>Ficou	comprovado	pelos	anos	sucessivos	que	Katharina	foi	uma	bênção	para</p><p>Lutero	e	vice-versa.	Tiveram	6	filhos:	Hans,	o	primogênito,	nascido	em	1526.</p><p>Estudou	direito	e	se	tornou	jurista	na	cidade	de	Weimar,	tendo	falecido	aos	50</p><p>anos.	Em	dezembro	de	1527	nasce	Elisabete,	que	falece	aos	8	meses,</p><p>provavelmente	de	krupp	(laringite	aguda	ou	de	peste,	que	assolara</p><p>Wittenberg	de</p><p>1527	e	1535).	Em	maio	de	1529	vem	ao	mundo	Madalena,	que	também	falece</p><p>aos	13	anos,	nos	braços	do	pai,	a	20	de	setembro	de	1542,	provavelmente	de</p><p>leucemia.</p><p>O	terceiro	filho	nasce	em	novembro	de	1531,	na	véspera	do	aniversário	de</p><p>Lutero,	que	recebe	o	nome	do	pai,	Martinho.	Estudou	Teologia,	mas	não	se</p><p>tornou	pastor.	Em	1533,	nasce	Paulo	que	estudou	medicina	e	tornou-se	médico</p><p>de	família	de	diversos	príncipes	de	Brandenburg.	Margareth	a	sexta	e	última</p><p>filha	nasce	em	1534.	O	nome	foi	dado	em	homenagem	à	mãe	de	Lutero.	A</p><p>educação	que	recebera	de	seus	pais	não	se	fazia	refletir	tanto	em	Lutero	quanto</p><p>em	Catarina	na	educação	dos	filhos.	O	tipo	de	educação	que	recebera	do	pai,</p><p>Lutero	não	aplicava	aos	filhos.	Tomou	com	seriedade	a	educação	dos	filhos	e</p><p>com	muito	amor.	“Preferiria,	disse	certa	feita,	ter	um	filho	morto	a	um	filho	mal</p><p>educado”.	Teve	tempo	de	escrever	fábulas	e	reunião	de	provérbios	conservados</p><p>até	hoje.	Distraía-se	na	companhia	dos	filhos	passeando	pelos	jardins	e	jogava</p><p>bola	com	eles.	Era	prática	dos	genitores	orarem	com	as	crianças,	quando	elas</p><p>cresciam,	os	10	Mandamentos,	o	Credo,	o	Pai	Nosso	e	um	Salmo.	Ao	se	reunir	à</p><p>mesa	com	esposa	e	filhos,	estudantes,	hóspedes	e	quem	mais	se	encontrassem,</p><p>estudavam-se	a	Palavra.	A	carta	que	escreveu	ao	filho	Hans	com	cinco	anos	é</p><p>inspiradora	e	revelava	o	cuidado,	carinho	e	amor	paterno.</p><p>Carta	ao	Filho	Hans	em	1505</p><p>Graça	e	paz	em	Cristo,	meu	filho.	Estou	feliz	em	saber	que	você	está	estudando</p><p>direitinho	e	fazendo	suas	orações	fielmente.	Continue	assim,	filho	querido.</p><p>Quando	voltar	para	casa,	levarei	para	você	um	belo	presente.	Conheço	um</p><p>jardim,	agradável	e	fascinante,	cheio	de	pequenas	crianças	que	se	vestem	de</p><p>jaquetas	douradas	e	colhem	belas	maçãs	debaixo	das	árvores,	e	peras,	e	cerejas,	e</p><p>ameixas	rubras	e	amarelas.	Elas	brincam	e	pulam,	estão	sempre	felizes	e	têm</p><p>belos	cavalinhos	com	arreios	de	ouro	e	selas	de	prata.	Aí,	perguntei	ao	dono	do</p><p>jardim	quem	era	aquelas	crianças,	e	ele	me	respondeu:	“Estas	são	crianças	que</p><p>gostam	de	orar,	adoram	estudar	e	são	boazinhas”.	Então	eu	disse	ao	homem:</p><p>“Prezado	senhor,	tenho	um	filho	cujo	nome	é	Hans	Lutero.	Será	que	ele	não</p><p>podia	vir	também	a	este	jardim	para	comer	estas	belas	peras	e	maçãs,	cavalgar</p><p>estes	belos	cavalinhos	e	brincar	com	as	crianças?”.	E	o	homem	me	respondeu:</p><p>“Ele	pode,	contanto	que	ele	goste	de	orar,	de	estudar	muito	e	seja	um	bom</p><p>menino.	Phil	e	Justy	também	podem	vir	com	ele,	e	eles	terão	apitos,	tambores	e</p><p>pífaros,	e	podem	dançar	e	atirar	com	pequenos	arcos	e	flechas”.	Depois	o</p><p>homem	me	mostrou	um	bonito	gramado	no	jardim,	todo	preparado	para	nele	se</p><p>dançar	e	onde	havia	apitos,	pífaros	e	tambores	e	arcos	de	prata	pendendo	das</p><p>árvores	em	redor.	Mas	era	ainda	cedo;	as	crianças	tinham	ainda	terminado	de</p><p>comer	e	eu	não	podia	esperar	para	vê-las	dançar.	Aí,	eu	disse	ao	homem:	“Meu</p><p>caro	senhor,	preciso	ir-me	imediatamente	e	escrever	ao	meu	querido	Hans	sobre</p><p>todas	essas	coisas	para	que	ele	ore	diligentemente,	aprenda	bem	suas	lições	e</p><p>seja	bonzinho,	para	que	ele	também	possa	vir	para	este	jardim.	Mas	ele	tem</p><p>também	uma	tia.	Lena,	que	deve	trazer	consigo”.	E	o	homem	respondeu:	“Muito</p><p>bem,	vai	e	conta	ao	teu	filho	sobre	essas	coisas”.</p><p>Portanto,	meu	querido	Hans,	estude	e	ore	direitinho	e	diga	a	Phil	e	Justy	que</p><p>façam	suas	orações	e	estudem	também,	pois	assim	vocês	entrarão	juntos	no</p><p>jardim.	Deus	abençoe	vocês.	E	dê	à	tia	Lena	um	beijo	por	mim	e	diga-lhe	que	eu</p><p>a	amo.</p><p>Teu	pai	que	te	ama.</p><p>—	Martinho	Lutero</p><p>Assim	Lutero,	formando	um	lar	cristão	no	qual	reinava	o	amor	em	família,	a</p><p>simplicidade	e	a	alegria,	mostrava	a	superioridade	moral	do	Evangelho	sobre	os</p><p>costumes	deploráveis	dos	claustros	e	condenava	com	um	exemplo	digno	de</p><p>imitação	o	celibato	clerical.</p><p>Katharina,	mulher	de	espírito	forte,	corajosa,	franca,	determinada	e	consciente	de</p><p>suas	responsabilidades,	coclocou	ordem	na	casa.	Lutero	era	totalmente	incapaz</p><p>de	organizar	qualquer	detalhe	de	uma	economia	doméstica.	Ele	mesmo	confessa</p><p>nas	Conversas	à	Mesa:	antes	de	me	casar,	por	todo	um	ano	ninguém	me	fez	a</p><p>cama,	e	a	palha	dela,	apodreceu	com	meu	suor.	Cansado	e	tendo	trabalhado	todo</p><p>o	dia,	caia	na	cama,	e	nada	mais	sabia.	Segundo	relatos	e	pinturas	da	época</p><p>demonstram	que	Katharina	não	era	uma	“linda	princesa”.	Não	possuía	o	que</p><p>hoje	colocaríamos	como	“padrão	de	beleza”.	Tinha	uma	cabeça	alongada,	testa</p><p>alta,	nariz	comprido,	maçãs	do	rosto	salientes,	queixos	pronunciados	e	era	pobre.</p><p>Porém	de	forte	personalidade	para	“organizar	a	bagunça”.	Não	somente</p><p>organizar,	mas	trabalhar	incansavelmente	no	convento,	aliás,	sua	moradia	após	o</p><p>casamento	cedido	pelo	príncipe	Eleitor	para	família	que	aumentava</p><p>gradativamente.	O	mosteiro	era	a	moradia	de	Lutero	desde	1524,	mas,	em	1532</p><p>tornou-se	sua	propriedade,	como	presente	do	príncipe	João.	O	mosteiro	era	uma</p><p>casa	muito	grande,	mas,	não	adequada	e	se	encontrava	em	estado	deplorável,</p><p>precisando	de	reformas.	Katharina	administrava	estas	reformas:	uma	verdadeira</p><p>dona	de	casa.	Cremos	ser	oportuno	fazer	uma	distinção	aos	dias	de	hoje.	Quando</p><p>se	fala	de	dona	de	casa	nos	vem	à	mente	uma	esposa	ou	mulher	que	cuida	dos</p><p>afazeres	domésticos.	No	século	XVI	não	era	o	caso.	Ser	dona	de	casa	significava</p><p>ser	uma	administradora,	informa-nos	Heloisa	G.	Dalferth:</p><p>[...]	o	termo	Haus	(casa)	não	era	restrito	ao	que	hoje	entendemos	por	lida	da</p><p>casa,	jardim	e	pequenas	hortas.	Entendia-se	que	também	as	terras,	a	agricultura,</p><p>a	criação	de	animais,	a	comercialização	dos	produtos	agrícolas,	a	coordenação</p><p>do	trabalho	dos	empregados	faziam	parte	das	tarefas	do	Hausfrau	[dona	de	casa].</p><p>Por	causa	disso,	é	possível	perceber	que	a	vida	de	Katharina	não	era	de	tédio.</p><p>Aos	seus	filhos,	foram	adicionados	os	filhos	da	irmã	de	Lutero	por	motivo	de</p><p>falecimento.	Passaram	assim	a	11	crianças.	Somados	a	isso	temos	hóspedes,</p><p>estudantes,	empregados,	fugitivos	à	procura	de	abrigo	e	pessoas	a	procura	de</p><p>conselhos	e	orientações.	Até	príncipes	eram	seus	hóspedes.	Para	se	manter	e</p><p>ajudar	nas	despesas	criavam	porcos,	animais,	horta	e	fabricava	cerveja	para	o	seu</p><p>ganha	pão.	Neste	sentido	é	preciso	mencionar	a	ajuda	que	Lutero	recebia,	além</p><p>de	seu	salário	anual,	uma	quantidade	fixa	de	lenha,	cereais	e	malte	para	a</p><p>fabricação	de	cerveja.	Por	parte	do	príncipe-eleitor	vinha	também	carne	de	caça,</p><p>e	vinhos	como	presentes	e	vários	outros.	Eles	certamente	tinham	ciência	da	casa</p><p>hospitaleira	que	Katharina	dirigia	para	família	e	hospedes.</p><p>Como	uma	verdadeira	empreendedora	transformou	o	mosteiro	em	pensão,	e</p><p>hospedaria,	na	qual	alojavam	nobres.	Arrendou	terra	e	posteriormente	adquiriu</p><p>uma	chácara,	abrigando	cerca	de	trinta	pessoas,	entre	hóspedes,	estudantes,</p><p>empregados,	filhos	e	filhos	de	parentes.</p><p>Quando	Katharina	em	suas	crises,	pós-matrimonial,	Lutero	sempre	se</p><p>apresentava.	Sabemos	que	as	mudanças	nas	ideias	e	costumes	são	mais	lentas	a</p><p>serem	assimiladas	ou	dissipadas.	Certamente,	nos	momentos	de	“recolhimento</p><p>quando	fica	somente	a	pessoa	e	seu	travesseiro”	mil	pensamentos	voam	à	sua</p><p>mente	e,	consequentemente,	dúvidas	sobem	ao	coração.	O	que	dizer	de	uma	ex-</p><p>freira,	agora	casada?	Possivelmente,	Lutero	argumentou	em	um	desses</p><p>momentos:</p><p>Tu	és	em	verdade	minha	mulher	legítima,	podes	estar	segura	disso,	e	não	tens</p><p>por	que	duvidá-lo.	Que	o	mundo	ímpio	e	cego	diga	de	ti	o	que	quiser,	deixa-o</p><p>dizer,	toma	por	regra	a	Palavra	de	Deus,	e	mantém-te	firmemente	apegada	a	ela,</p><p>na	qual	encontrarás	uma	fonte	segura	e	constante	de	consolação	contra	o	Diabo	e</p><p>contra	os	caluniadores.</p><p>A	ajuda	de	Lutero	à	sua	companheira	era	constante.	Ainda	na	obra	Da	Vida</p><p>Matrimonial	afirma	de	forma	irônica:</p><p>Se	um	homem	fosse	lavar	as	fraudas	ou	realizasse	qualquer	outro	serviço</p><p>desprezível	na	criança,	e	todos	zombassem	dele,	dizendo	que	é	um	babaca	e</p><p>efeminado;	no	entanto,	se	ele	o	fizesse	no	espírito	acima	descrito	[isto	é,	obras</p><p>de	puro	ouro]	e	na	fé	cristã	—	dize-me,	agora,	quem	zomba	mais	do	outro?	Deus</p><p>se	alegra	com	todos	os	anjos	e	criaturas,	não	porque	[o	pai]	lava	as	fraudas,	mas</p><p>por	fazê-lo	na	fé.</p><p>Por	intermédio	das	cartas	que	Lutero	sempre	endereça</p><p>à	esposa,	percebe-se	o</p><p>carinho	dispensado	a	ela.	Dentre	os	tratamentos	temos:	Käthe,	querida	(mais</p><p>usado),	dona	de	casa,	doutora,	doutora	luterana,	senhora,	fazedora	de	cerveja,</p><p>juíza	no	mercado	de	porcos,	a	mais	sábia	mulher,	minha	graciosa,	graciosa</p><p>senhora	em	mãos	e	pés,	santa	e	mulher	preocupada.</p><p>Ao	assinar	as	cartas	usava	carinhosamente	às	expressões:	Martinus	Luther,	teu</p><p>amorzinho,	teu	querido	amorzinho,	sua	santidade,	seu	solícito	servo.</p><p>Essa	família	também	soube	passar	pelo	vale	da	sombra	e	da	morte.	Sim,	Lutero	e</p><p>Katharina	perdem	duas	de	suas	filhas:	Elisabeth	e	Madalena.	Sobre	Elisabeth</p><p>morta	com	menos	de	um	ano,	Lutero	declarou:	“Meu	coração	está	doente	e</p><p>quase	feminino,	tanto	me	lamento.	Outrora	não	pude	crer	que	o	coração	de	um</p><p>pai	pudesse	vir	a	amolecer	de	tal	maneira	em	relação	aos	seus	filhos”.</p><p>Madalena	falece	aos	13	anos,	marcando	de	tristeza	o	coração	de	Lutero.	Conta</p><p>regularmente	a	dor	pela	perda	de	sua	tão	querida	adolescente.	Morre	em	seus</p><p>braços,	após	ter	respondido	a	pergunta	do	pai:	“Madalena,	minha	filha,	gostarias</p><p>de	permanecer	com	teu	pai!	Vais	com	também	com	alegria	para	aquele	Pai?”	E	a</p><p>menina	respondeu:	“Sim,	querido	pai,	como	Deus	quiser”.	Dias	depois	escreve</p><p>ao	amigo	Justo	Jonas	sobre	a	morte	da	filha:</p><p>Deves	saber	que	minha	querida	filha	Madalena	renasceu	para	o	eterno	Reino	de</p><p>Cristo.	Minha	mulher	e	eu	deveríamos	agradecer	e	alegrar-nos	por	um	fim	tão</p><p>feliz	e	uma	morte	tão	bem-aventurada.	Mas	o	poder	do	amor	natural	é	tão	grande</p><p>que	não	podemos	fazê-lo	sem	soluçar	e	sem	gemer	o	coração,	sim	sem	partir	o</p><p>coração.	Pois	a	piedosa	e	obediente	filha	que	jamais	nos	incomodou,	seu	olhar,</p><p>suas	palavras,	todo	o	seu	ser,	assim	como	foi	na	vida	e	na	morte,	estão	por</p><p>demais	no	fundo	do	coração,	que	mesmo	Cristo	não	consegue	apagar	totalmente</p><p>como	deveria	ser.	Ela	tinha	um	temperamento	doce	e	ensolarado	e	era	amada	por</p><p>todos.	Louvado	seja	nosso	Senhor	Jesus	Cristo	que	a	chamou,	escolheu	e</p><p>glorificou.</p><p>Essa	foi	em	linhas	gerais	a	família	de	Lutero,	tal	como	qualquer	outra,	com</p><p>problemas,	dificuldades,	erros	e	acertos,	no	entanto,	sempre	consciente	de	que</p><p>Deus	não	é	somente	o	Senhor	da	história,	mas	também	de	cada	família.</p><p>Quando	analisamos,	mesmo	em	linhas	gerais,	o	casamento	de	Lutero	parece-nos</p><p>que	as	coisas	estavam	se	processando	normalmente.	Puro	engano.	Tanto	a</p><p>Alemanha	quanto	Lutero	atravessavam	momentos	difíceis.	A	Guerra	Camponesa</p><p>que	iniciara	em	1524	encontrava-se,	no	ano	do	casamento	de	Lutero	em	seu</p><p>final,	porém,	com	vários	focos	de	resistência.	Resultado	da	Guerra:	Cem	mil</p><p>camponeses	mortos.	Depois	em	1525	a	grande	polêmica	entre	Lutero	e	Erasmo,</p><p>o	príncipe	dos	humanistas,	que	publica	a	obra	Diatribe	atacando	veemente</p><p>Lutero.	A	partir	desse	ponto	entramos	em	outro	aspecto	do	homem	Lutero,	isto	é,</p><p>suas	obras.</p><p>As	Obras	de	Lutero</p><p>Quando	nos	referimos	às	obras	de	Lutero,	estamos	enfocando	os	seus	escritos.</p><p>Escritos	estes	que	se	estendem	por	meio	de	cartas,	estudos	bíblicos,	teológicos,</p><p>mensagens,	teses	a	serem	debatidas,	economia,	religião,	história,	exegese,</p><p>hermenêutica,	aconselhamentos,	sermões,	comentários	bíblicos,	apelações,</p><p>liturgia,	manual,	hinologia,	sexualidade,	política,	filosofia,	sociedade,	ética,</p><p>educação,	oração	e	tradução	da	Bíblia.	Sempre	respondia	sobre	as	mais	a</p><p>diversas	questões	que	se	lhe	apresentavam	sejam	por	petições,	pareceres	ou</p><p>defendendo-se	contra	seus	oponentes.	Qualquer	assunto	que	viesse	a	ele,	seja	a</p><p>curto	ou	médio,	no	tempo	determinado	a	resposta,	com	certeza,	seria	dada.</p><p>Lutero	era	daqueles	que	modernamente	diríamos	não	tem	“trava	na	língua”.</p><p>Lutero	foi	teólogo,	professor	e	profundamente	religioso.	Era	um	intérprete	das</p><p>Sagradas	Escritura.	Mesmo	não	sendo	um	especialista	em	todos	os	assuntos	que</p><p>abordava,	os	apresentava	sempre	numa	perspectiva	bíblico-teológica.</p><p>Ao	menos	duas	observações	são	necessárias	na	apresentação	destas	Obras	de</p><p>Lutero.	A	sua	produção	literária	é	vastíssima,	basta	reler	as	linhas	acima,	para</p><p>percebe	que	seus	escritos	vão	desde	simples	cartas	até	apresentação	de	teses	para</p><p>o	doutorado	de	seus	alunos,	bem	como	a	tradução	da	Bíblia	diretamente	dos</p><p>originais	hebraico	e	grego,	perpassando	por	uma	vasta	área	do	conhecimento</p><p>humano.	Segundo	estimativas,	a	edição	completa	de	suas	obras	abrange	cerca	de</p><p>100	volumes,	distribuídas	em	67	obras	em	alemão	e	33	em	latim.	Assim	sendo,</p><p>nos	limitamos	a	apresentar	somente	as	extraídas	das	Obras	Selecionadas	de</p><p>Lutero,	em	12	volumes.</p><p>A	segunda	observação	prende-se	as	datas	dos	prefácios	que	aparecem	em	cada</p><p>livro	da	Bíblia	de	Lutero.	Solicitando	esclarecimento	sobre	essa	questão,	recebi	a</p><p>resposta	de	Ricardo	W.	Rieth,	integrante	da	Comissão	Editorial	Martinho	Lutero</p><p>Obras	Selecionadas,	tal	como	segue:</p><p>Lutero	redigiu	os	prefácios	aos	livros	bíblicos	à	medida	que	as	edições	de	sua</p><p>tradução	para	o	alemão	eram	publicadas.	Esse	processo	de</p><p>tradução/edição	iniciou	em	setembro	de	1522,	com	a	publicação	do	Novo</p><p>Testamento,	e	prosseguiu	pelos	anos	1520	e	começos	dos	1530,	até,	finalmente,</p><p>em	1534,	ser	publicada	a	Bíblia	completa	em	alemão,	inclusive	com	a	tradução</p><p>dos	livros	apócrifos	ou	deuterocanônicos,	apensados	ao	Antigo	Testamento.</p><p>Paralelamente,	transcorreram	os	trabalhos	de	uma	comissão	permanente	de</p><p>revisão	da	Bíblia.	Segundo	Lutero,	por	princípio,	a	dinâmica	de	uma	língua</p><p>como	“organismo”	social	e	cultural	vivo	impediria	chegar-se	a	uma	tradução</p><p>definitiva.	Esta	comissão,	integrada	por	ele	e	alguns	colegas	—	Melanchthon,</p><p>Bugenhagen,	Jonas	—,	promoveu	alterações	mais	ou	menos	significativas	nos</p><p>textos	já	traduzidos	e	editados	anteriormente.	Esse	processo	de	revisão</p><p>aconteceu	até	o	ano	da	morte	de	Lutero.	Em	alguns	casos,	houve	mudanças</p><p>também	nos	textos	dos	prefácios.	O	caso	mais	emblemático	é	o	do	prefácio	à</p><p>Epístola	de	Tiago,	se	compararmos	a	edição	de	setembro	de	1522	e	as	edições	a</p><p>partir	de	1534.	Isso	está	suficientemente	sinalizado	e	descrito	nas	introduções</p><p>históricas	e	notas	de	rodapé	integradas	ao	volume	8	de	Obras	Selecionadas.</p><p>Examinemos,	pois	“alguns”	de	seus	títulos:</p><p>1515 Epístola	do	Bem-Aventurado	Apóstolo	Paulo	aos	Romanos</p><p>1517 Debate	sobre	a	Teologia	Escolástica</p><p>As	95	Teses</p><p>1518 Relato	de	Lutero	sobre	o	Encontro	com	o	legado	apostólico</p><p>Apelação	de	Lutero	ao	Concílio</p><p>Explicações	do	Debate	sobre	o	Valor	das	Indulgências</p><p>Um	Sermão	sobre	a	Indulgência	e	a	Graça</p><p>Debate	de	Heldelberg</p><p>Sermão	sobre	o	Poder	da	Excomunhão</p><p>1519 Breve	Instrução	como	Devemos	confessar-nos</p><p>Sermão	sobre	a	Preparação	para	a	Morte</p><p>Sermões	sobre	os	Sacramentos	(Batismo,	Eucaristia	e	Penitência)</p><p>1520 Debate	e	Defesa	do	Dr.	M.	Lutero	contra	as	Acusações	de	Eck</p><p>Comentário	de	Lutero	sobre	suas	Teses	Debatidas	em	Leipzig</p><p>Comentário	de	Lutero	sobre	a	13ª	Tese	sobre	o	Poder	do	Papa</p><p>Sermão	sobre	as	Duas	Espécies	de	Justiça</p><p>Sermão	sobre	a	Contemplação	do	Santo	Sofrimento	de	Cristo</p><p>Trabalho	nos	Salmos	aos	estudantes	de	Wittenberg</p><p>Modo	de	Confessar-se</p><p>Breve	forma	dos	Credos</p><p>Breve	forma	do	Pai	Nosso</p><p>Breve	forma	dos	Dez	Mandamentos</p><p>Resposta	de	Lutero	à	condenação	das	Universidades	de	Lovaine	e	Colônia</p><p>Das	Boas	Obras</p><p>Um	Sermão	a	respeito	do	Novo	Testamento</p><p>A	Respeito	do	Papado	em	Roma</p><p>À	Nobreza	Cristã	da	Nação	Alemã</p><p>Carta	de	Lutero	a	Leão	X,	Sumo	Pontífice</p><p>Da	Liberdade	Cristã</p><p>Do	Cativeiro	Babilônico	da	Igreja</p><p>Porque	os	livros	do	Papa	e	de	seus	Discípulos	foram	Queimados</p><p>Tradução	do	Novo	Testamento	para	o	alemão,	por	Lutero</p><p>1521 Refutação	do	Parecer	de	Látomo</p><p>O	Magnificat</p><p>Discurso	do	Dr.	Martinho	Lutero	diante	do	Imperador	Carlos	V</p><p>1522 Uma	Sincera	Exortação	de	ML	a	todos	os	Cristãos</p><p>Introdução:	que	se	deve	procurar	e	o	que	esperar	dos	Evangelhos</p><p>1523 Sétimo	Capítulo	de	1	Coríntios</p><p>Da	Autoridade	Secular</p><p>Estatuto	para	uma	Caixa	Comunitária</p><p>Ordem	do	Culto</p><p>Como	Instituir	Ministros	na	Igreja</p><p>Formulação	da	Missa	e	da	Comunidade</p><p>Hinologia.	Até	1545,	compôs	hinos,	mais	de	30</p><p>1524 Resposta	a	Ambrosio	Catarino</p><p>Os	pais	e	o	matrimônio	dos	filhos</p><p>Carta	aos	príncipes	da	Saxônia</p><p>Carta	Aberta	aos	Burgomestres	Conselho	e	toda	a	Comunidade</p><p>1525 Da	Vontade	Cativa</p><p>Carta	a	Respeito	do	Rigoroso	Livrinho</p><p>contra	os	Camponeses</p><p>Como	os	Cristãos	devem	lidar	com	Moisés</p><p>(?) Capítulos	14	e	15	de	João	pregado	e	interpretado</p><p>1526 Acerca	da	Questão	se	também	Militares	Ocupam	função</p><p>Bem-Aventurada</p><p>Missa	Alemã	e	Ordem	do	Culto</p><p>Anotações	sobre	a	Epístola	de	Paulo	a	Tito</p><p>1528 Da	Ceia	de	Cristo</p><p>Apontamentos	à	Primeira	Epístola	a	Timóteo</p><p>1529 Manual	da	bênção	matrimonial	para	os	pastores	pouco	letrados</p><p>Guerra	contra	os	Turcos</p><p>Catecismo	Maior</p><p>Do	Credo</p><p>O	Pai	Nosso</p><p>Do	Batismo</p><p>Catecismo	Menor</p><p>1530 O	Sublime	Louvor</p><p>Assuntos	Matrimoniais</p><p>Exortação	ao	Sacramento	do	Corpo	e	Sangue	de	Nosso	Senhor</p><p>Carta	Aberta	a	respeito	da	Intercessão	dos	Santos</p><p>1530/1532 Prédicas	sobre	Mateus	5	—	7</p><p>1531 Advertência	do	Dr.	Martinho	Lutero	aos	seus	Estimados	Alemães</p><p>Resumo	sobre	os	Salmos	e	Razões	da	Tradução</p><p>1532 Resumo	da	Vida	Cristã</p><p>O	Pai	Nosso</p><p>A	Vida	Matrimonial</p><p>Salmo	101—	Interpretado	por	Martinho	Lutero</p><p>Carta	do	Dr.	M.	Lutero	sobre	os	Intrusos	e	Pregadores	Clandestinos</p><p>Mateus	5	—	7</p><p>1534 Capítulo	15	de	1	Coríntios</p><p>Publicação	da	Bíblia	Traduzida	por	Lutero</p><p>1535 Uma	Singela	Forma	de	Orar</p><p>Comentário	da	Epístola	aos	Gálatas</p><p>1535/1545 Preleções	sobre	Gênesis</p><p>(?) Capítulo	16	e1João	Explicado	e	Interpretado</p><p>1536 Debate	do	Rev.	Martinho	Lutero	a	Respeito	do	Homem</p><p>Debate	Acerca	da	Justificação</p><p>1537	a	1540 Lutero	e	os	Antinomistas</p><p>1539 Debate	sobre	a	Sentença:	O	Verbo	se	Fez	Carne</p><p>Dos	Concílios	e	da	Igreja</p><p>Bordeis	Públicos	não	Devem	ser	Tolerados</p><p>Debate	Sobre	Mateus	19.21</p><p>1540 Debate	do	Rev.	Lutero	Sobre	a	Divindade	e	Humanidade	de	Cristo.</p><p>1541 Exortação	à	Oração	contra	os	Turcos</p><p>1542 Exemplo	de	Ordenação	de	um	Legítimo	Bispo</p><p>1545 Instrução	dos	Visitadores	(redigiu	várias	Instruções)</p><p>Prefácio	aos	livros	do	AT:	(Prática	costumeira	de	Lutero)</p><p>Observação:	os	prefácios	dos	livros	da	Bíblia	foram	redigidos	de	1522	a	1534,</p><p>quando	concluiu	a	tradução	de	toda	a	Bíblia.	No	entanto	o	processo	de	revisão,</p><p>feito	por	Lutero	e	companheiros,	ocorre	até	a	morte	do	reformador.</p><p>Visão	Panorâmica	(Pentateuco);	Jó;	Salmos;	Livros	de	Salomão;	Profetas;	Isaías;</p><p>Jeremias;	Ezequiel;	Oséias;	Joel;	Amós;	Obadias;	Jonas;	Miqueias;	Habacuque;</p><p>Sofonias;	Ageu;	Zacarias;	Malaquias;	Judite.	Sabedoria	de	Salomão;	Tobias;</p><p>Jesus	Siraque;	Baruque;1Macabeus	e	2	Macabeus.</p><p>1546 Prefácio	ao	Novo	Testamento:	Visão	panorâmica	(Evangelhos);	Atos;	Romanos;	1	Coríntios;	2	Coríntios;	Gálatas;	Efésios;	Filipenses;	Colossenses;	1	Tessalonicenses;	2	Tessalonicenses;	1	Timóteo;	2	Timóteo;	Tito;	Filemon;	1	Pedro;	2	Pedro;	Três	Epístolas	de	João;	Hebreus;	Tiago	e	Judas	e	Apocalipse.</p><p>Lutero	e	a	Arte	de	Viver</p><p>Temos	chegado	ao	final	da	abordagem	de	Lutero	como	homem,	isto	é,	uma	vida</p><p>com	os	desafios	inerentes	a	sua	grande	obra	e	que	viveu	intensamente!	Cremos</p><p>que	a	todos	quanto	examinam	esse	homem	sentem-se	inspirados.	Sua	vida,	seus</p><p>problemas,	seus	desafios	e	aspirações	em	muito	coincidem	no	dia	a	dia	de	cada</p><p>um.	Mesmo	com	altos	e	baixos,	a	vida	de	Lutero	serviu	de	inspiração	para	outras</p><p>milhares	e	milhares	de	vidas.</p><p>Neste	momento	pode-se	refletir	e	retirar	lições	para	nossa	própria	vida.</p><p>Viver,	todos	vivem,	basta	ter	nascido.	A	questão	é	saber	viver,	ou	melhor,	viver	a</p><p>vida	com	intensidade.	Não	se	deve	esperar	envelhecer,	pois	segundo	Stº</p><p>Agostinho:	“ao	nascermos,	já	começamos	a	envelhecer”.	Certamente	você	já</p><p>ouviu	falar	que	“viver	é	uma	arte”.	E,	em	relação	à	arte,	o	teólogo	Anselm	Grün</p><p>informa	que,	em	alemão,	o	idioma	de	Lutero,	arte	(Kunst)	tem	a	ver	com	poder</p><p>(könnem).	Poder	está	relacionado	a	compreender,	saber	e	sabedoria.	Então:	“[a]</p><p>arte	está	também	ligada	ao	“conhecido’”.	Assim	quem	aprende	a	arte	de	viver	ou</p><p>envelhecer	torna-se	“conhecido	aos	demais”.	Não	se	vive	bem	para	si	mesmo,</p><p>mas	também	para	os	outros.</p><p>Assim	foi	a	vida	de	Lutero.	Viveu	somente	62	anos,	3	meses	e	8	dias.	Em	sua</p><p>época,	a	perspectiva	de	vida	ou	longevidade	era	de	25	anos	na	Alemanha,</p><p>segundo	M.	Dreher.	Isso	quer	dizer	que,	aos	62	anos,	Lutero	encontrava-se	tal</p><p>como	ele	mesmo	dizia,	“velho,	cansado	e	desgastado.	Enxergo	somente	de	um</p><p>olho.	Todavia,	para	um	ancião,	ainda	estou	passando	regularmente.”</p><p>Se	tomarmos	como	referência	o	31	de	outubro	de	1517,	quando	redigiu	as	95</p><p>teses	dando	início	à	Reforma,	até	sua	morte	em	18	de	fevereiro	de	1546,	Lutero</p><p>viveu	28	anos,	três	meses	e	dezoito	dias	para	a	realização	de	uma	obra	em	que</p><p>somente	a	eternidade	revelará	em	toda	a	plenitude	a	sua	importância.</p><p>Lutero	soube	não	somente	viver,	mas	“a	arte	de	viver”.</p><p>Segundo	Funck-Brentano	calcula-se	em	10	anos	o	tempo	necessário	para	que</p><p>alguém	comece	a	copiar	toda	a	obra	de	Lutero	entre	cartas,	mensagens,</p><p>comentários,	etc.	Sua	atividade	foi	não	somente	intensa,	mas	diversificada	indo</p><p>desde	“lavar	as	fraldas	dos	filhos”	até	conselheiro	de	príncipes,	magistrados,</p><p>nobres	e	líderes	religiosos.	Escreveu	sobre	economia,	política,	pedagogia,</p><p>administração,	filosofia,	teologia,	bíblia,	hinologia	que,	segundo	a	crença,	teria</p><p>composto	137	hinos,	o	que	não	passa	de	especulação,	bem	como	uma	gama	de</p><p>assuntos,	desde	enlevo	espiritual	à	radicalização	aos	recalcitrantes.	Musicista,</p><p>tocava	flauta,	órgão	e	alaúde	(instrumento	de	corda	parecido	com	o	nosso	violão</p><p>ou	guitara).	Falava,	além	da	língua	materna,	latim,	grego	e	hebraico.	Somente</p><p>em	três	meses	traduziu	o	Novo	Testamento	do	grego	para	o	alemão.	Aos	25	anos</p><p>já	era	professor	universitário.	Soube	utilizar-se	da	grande	arma	recém	criada,	isto</p><p>é,	a	imprensa	de	Gutemberg.	Basta	mencionar	que	havia	11	firmas	tipográficas</p><p>ávidas	em	publicar	o	que	Lutero	escrevia.	Ele	escreveu	muito!	Escreveu	tanto</p><p>que	“nem	Lênin,	nem	Mao	Tsé-Tung,	nem	Thomas	Jefferson,	nem	John	Adams,</p><p>nem	Patrick	Henry	chegaram	a	tanto”,	segundo	Carter	Lindberg.</p><p>Porém,	o	que	tem	haver	a	entrega	e	a	vida	de	Lutero	com	a	minha	e	sua	vida?</p><p>Muito!</p><p>O	filósofo	Romano	Guardini	diz	que	Deus	teria	pronunciado	sobre	cada	ser</p><p>humano	uma	senha	que	serve	apenas	para	essa	determinada	pessoa.	É</p><p>insubstituível.	Somente	a	própria	pessoa	deve	manuseá-la.	Cada	vida	é	um</p><p>milagre	único	e	insubstituível.	Vive-se	a	sua	própria	vida.	E	essa	vida,	mesmo</p><p>depois	da	morte,	não	poderá	ser	destruída.	Temos	esta	única	vida	e	não	podemos</p><p>perder	esta	oportunidade.	Somente	eu	e	você	sabemos	usar	a	“senha”	recebida.</p><p>Não	importa	a	idade	que	tenhamos.	A	vida	é	como	as	quatro	estações:</p><p>primavera,	verão,	outono	e	inverno,	ou	seja,	adolescência,	adulta,	velhice	e</p><p>descanso.	Em	cada	dessas	estações,	podemos	“produzir’:	Primavera	é	o</p><p>desabrochar	da	vida,	à	jovialidade	e	vivacidade.	Verão	nos	fala	da	plenitude	da</p><p>vida.	O	Outono,	nos	fala	da	colheita.	O	Inverno	nos	fala	da	quietude	e	descanso,</p><p>a	fim	de	que	nova	vida	possa	surgir.	Para	cada	fase,	existe	um	significado</p><p>correspondente.	Não	posso	fazer	planos	se	estou	na	fase	do	“inverno”,	como	se</p><p>vivesse	na	“primavera”,	porém	posso	fazer	planos	mesmo	no	outono	ou	inverno.</p><p>Meus	planos	no	“inverno”	não	podem	ser	os	mesmos	do	“verão”...	e	assim	por</p><p>diante.	Cada	etapa	da	minha	vida	deverá	ser	vivida	e	vivida	em	seu	contexto.</p><p>Tal	como	Lutero	podemos	discernir	e	viver	as	várias	etapas	da	vida!	Ao	morrer,</p><p>a	18	de	fevereiro	de	1546,	dois	dias	antes,	estivera	viajando	na	tentativa	de</p><p>reconciliar	dois	príncipes	em	litígios.	Tal	como	Joabe	“caiu	como	um	guerreiro”.</p><p>Devido	à	brevidade	da	vida	europeia	no	século	XVI,	os	principais	reformadores</p><p>não	viveram	muitos	anos,	não	obstante	terem	realizado	uma	grande	obra:</p><p>Calvino,	viveu	54	anos;	Mützer,	35;	John	Hus,	44;	Melanchthon,	63;	Zuínglio,</p><p>47;	Karlstadt,	55	e	Bucer,	60.	Bem	como	o	apóstolo	Paulo,	que	segundo	alguns,</p><p>seu	ministério	não	passou	de	15	anos.	E	o	que	dizer	de	Jesus	Cristo,	33	anos,</p><p>com	um	ministério	de	no	máximo	4	anos?</p><p>Fica	registrado	um	pensamento	oriental:</p><p>Quando	nascestes,	ao	teu	redor	todos	riam,</p><p>só	tu	choravas.</p><p>Faze	por	viver	de	tal	modo	que,</p><p>à	hora	da	tua	morte,</p><p>todos	chorem,</p><p>só	tu	rias.</p><p>Lutero	soube	viver	intensamente	o	século	XVI	e,	assim,	continua	vivo	com	seu</p><p>legado.</p><p>Lutero	16/21</p><p>Até	aqui,	temos	visto	o	Lutero/16,	isto	é,	o	Lutero	inserido	no	século	XVI.	É	o</p><p>homem	Lutero	filho	do	seu	tempo:	com	sua	visão	europocentrista;</p><p>também	uma</p><p>Europa	em	um	processo	de	transição	do	Feudalismo	para	o	Capitalismo,	em	que</p><p>um	novo	mundo	coexiste	com	velhas	estruturas;	e	um	Lutero	medieval,	com</p><p>crendices	inerentes	a	este	momento	histórico.	Foge	à	natureza	deste	livro</p><p>discorrermos	sobre	este	momento	de	passagem	de	um	sistema	de	produção	para</p><p>outro,	mesmo	porque	a	discussão	tem	sido	grande,	bastando	citar	as	diferentes</p><p>abordagens	entre	historiadores	e	economistas,	tais	como	Paul	M.	Sweezy	e</p><p>Maurice	Dobb,	entre	outros.	O	certo	é	que	a	hermenêutica	bíblica	de	Lutero	vai</p><p>refletir,	mesmo	tendo	avançando	consideravelmente,	os	ditames	da	época.	Lutero</p><p>desconhece	em	suas	reflexões	bíblicas	o	método	de	abordagem	histórico-crítico</p><p>dos	séculos	posteriores.	Não	podemos	exigir	dele	as	interpretações	que	somente</p><p>viriam	em	séculos	subsequentes.	Sua	preocupação	era	presentar	aos	seus	leitores</p><p>e	leitoras	uma	hermenêutica	e	exegese	visando	puramente	à	edificação	espiritual.</p><p>Não	obstante,	Lutero	não	deixa	de	aplicar	o	que	hoje	é	um	método	histórico-</p><p>crítico	quando	analisa	a	autoria	da	Epístola	de	Tiago,	por	exemplo:	1º	Confronta</p><p>o	uso	tanto	de	Paulo	quanto	de	Pedro	no	uso	de	Gêneses	15,	concluindo	que	o</p><p>autor	não	poderia	ser	um	apóstolo;	2º	O	autor	de	Tiago	não	faz	referência	ao</p><p>sofrimento,	morte	e	ao	Espírito	de	Cristo;	3º	Menciona	Cristo	várias	vezes,</p><p>porém,	nada	ensina	a	seu	respeito.	De	forma	semelhante	analisa	a	Epístola	de</p><p>Judas.	Mas	Lutero	não	retirou	essas	epístolas	do	rol	de	livros	inspirados.	Até</p><p>neste	ponto	devemos	inseri-lo	em	seu	contexto	de	vida.	Lutero,	mais	uma	vez,</p><p>reflete	o	seu	tempo.</p><p>Chega	agora	o	momento	de	refletir	sobre	o	Lutero/21,	ou	seja,	o	Lutero	do</p><p>século	XXI,	e	quiçá	dos	seguintes.	É	aquele	que	não	somente	vive	o	seu	próprio</p><p>tempo,	mas	vislumbra	época	vindoura.	O	profeta	é	aquele	que	consegue</p><p>discernir	o	momento	histórico	em	que	está	inserido	e,	de	posse	desta	percepção,</p><p>projeta	mudanças	que	ocorrerão	somente	além	de	sua	própria	geração.	Assim	foi</p><p>Lutero,	tal	como	os	antigos	profetas	sem	discernir	para	si	mesmos	“os	tempos	e</p><p>estações”	anunciaram	“para	nós”	os	valores	de	um	novo	mundo	(1	Pe	1.12).	É	a</p><p>esse	Lutero	que	somos	devedores.	Sua	contribuição	para	o	mundo</p><p>contemporâneo	é	inconteste.</p><p>Discorrer	sobre	o	legado	de	Lutero	é	um	grande	desafio,	mas	vale	a	pena	tentar,</p><p>pois	cada	vez	que	se	lê	e	pesquisa	Lutero	mais	se	descobre	Lutero.	Ele	marcou</p><p>profundamente	o	curso	da	história	ao	ponto	do	teólogo	Paul	Tillich	afirmar:	O</p><p>único	que	realizou	uma	verdadeira	transformação	que	mudou	a	face	da	terra	foi</p><p>Martinho</p><p>Lutero.	Abalou	os	fundamentos	medievais	e	abriu	novos	horizontes	para	o</p><p>mundo	moderno	que	se	descortinava.	Embora	tendo	realizado	uma	obra</p><p>monumental,	humanamente	não	teve	o	tempo	necessário	para	vê-la	completada,</p><p>porém	tal	como	o	preceito	bíblico,	“remiu	o	tempo”	e,	com	isso,	completou	a	sua</p><p>carreira	e	guardou	a	fé.</p><p>Nestes	534	anos	do	nascimento	de	Lutero	ele	continua	vivo	e	cada	vez	mais</p><p>moderno.	Ele	é	um	dos	que,	na	expressão	de	Luis	Vaz	de	Camões	em	Os</p><p>Lusíadas,	canto	I,	“se	vão	da	lei	da	morte	libertando”	ou	conforme	Apocalipse</p><p>14.13,	“bem-aventurados	os	que	morrem	no	Senhor	de	agora	em</p><p>diante...descansarão	das	suas	fadigas	...	pois	as	suas	obras	os	seguirão”...	e	com</p><p>isso	o	seu	legado!</p><p>O	Legado	de	Lutero</p><p>O	legado	de	Lutero	é	imenso.	Vai	desde	a	popularização	da	Bíblia	para	o	povo</p><p>até	a	liberdade	de	consciência,	tão	inerente	à	pessoa	como	cidadã	e	hoje	inserida</p><p>nas	Constituições	das	nações	democráticas.	O	seu	legado	passa	também	pela</p><p>moderna	língua	alemã;	pelo	sacerdócio	universal	dos	crentes;	de	uma	igreja</p><p>desvinculada	ao	Estado;	da	liturgia	dos	nossos	cultos;	da	hinologia	e	de	muitas</p><p>outras	contribuições.	Lutero	escreveu,	como	já	dito,	desde	política	a	vida</p><p>matrimonial.	O	luterano	Walter	Altmann,	na	obra	Lutero	e	Libertação,	associa</p><p>Lutero	à	Teologia	da	Libertação,	desenvolvida	em	meados	do	século	XX.</p><p>Discorrer	sobre	a	herança	de	Lutero	é	mencionar	temas	que	não	só	atingem	a</p><p>pessoa,	individualmente,	mas	sua	aplicação	também	é	normativa	e	afeta	toda</p><p>sociedade.	Podemos	enumerar	muitas	contribuições,	no	entanto,	existe	uma,	que</p><p>é	a	sua	própria	experiência	com	Deus	e	que	nos	faz	pensar	em	nós	mesmos.</p><p>Lutero,	tal	como	Paulo,	descobriu	o	caráter	gracioso	de	Deus.	De	nossa	parte	é</p><p>uma	experiência	“passiva”	em	que	o	Deus	é	o	autor	desta	relação.	Lutero</p><p>descobriu	que	o	cristão	ao	orar,	louvar	e	exaltar,	faz	porque	o	próprio	Deus	o</p><p>impulsiona	a	fazer.	Deus	é	o	“ativo”.	É	Ele	que	realiza	“tanto	o	querer	quanto	o</p><p>efetuar”.	Quando	descobrimos	essa	verdade,	tal	qual	Lutero,	“as	portas	do</p><p>paraíso”	se	abrem	para	nós	e	tudo	passa	a	ter	sentido,	mesmo	as	adversidades	e</p><p>desafios.	“Não	me	escolhestes	vós,	disse	Jesus,	mas	eu	vós	escolhi	e	vos	nomeei</p><p>para	que	vades	e	dei	fruto	e	o	vosso	fruto	permaneça”	(	Jo	15.16),	assim	ensinou</p><p>o	Mestre	dos	mestres.</p><p>O	legado	de	Lutero	não	ocorre	somente	nas	áreas	da	teológicas,	bíblicas	ou</p><p>espirituais.	Lutero	é	como	um	“rio	que	deságua	no	mar”.	Podemos	acompanhar</p><p>Lutero	“enquanto	rio”,	no	entanto,	suas	ideias	se	ampliam	transformando-se	num</p><p>“verdadeiro	mar”.	Teremos	que	avaliar	o	reformador	“como	um	rio”	para	não</p><p>nos	afogar	em	seu	“oceano”.</p><p>Claro	que	podemos	ver	também	em	Lutero	não	somente	os	prós,	mas	também	os</p><p>contras.	Todavia	os	prós	são	bem	superiores	que	aos	contras.	Muitos	de	seus</p><p>“contras”	estão	no	contexto	do	“Lutero/16”.	Voltamos	a	afirmar	que:	Lutero	foi</p><p>um	filho	do	seu	tempo	e	refletiu	por	intermédio	de	seus	escritos,	palestras,</p><p>conselhos	e	cartas	o	seu	ambiente,	religioso	e	sócio-cultural.</p><p>Em	meados	dos	anos	80	as	obras	do	reformador	começaram	a	vir	a	lume.	A</p><p>Comissão	Interluterana	de	Literatura	(CIL)	constituída	e	mantida	pela	Igreja</p><p>Evangélica	Luterana	do	Brasil	(IELB)	e	pela	Igreja	Evangélica	de	Confissão</p><p>Luterana	(IECLB)	iniciaram	a	publicação	das	Obras	Selecionadas	de	Lutero,</p><p>com	a	publicação	de	14	volumes.	A	partir	daí	temos	a	grande	oportunidade	de</p><p>avaliar	Lutero	pelo	que	ele	mesmo	diz,	e	não	somente	o	que	se	diz	dele.</p><p>Apresentaremos	um	pouco	do	legado	do	reformador,	e	é	vidente	que	não</p><p>esgotaremos	o	assunto.	Procuraremos	estar	sempre	as	margens	deste	rio.	Quando</p><p>mais	se	ler	Lutero,	mais	e	descobrem	contribuições.	Somente	aquele	que	ler</p><p>concordará.	Comecemos	pela:</p><p>Nova	Compreensão	das	Escrituras</p><p>Sem	sombras	de	dúvidas	podemos	afirmar	que	Lutero	trouxe	uma	nova</p><p>compreensão	das	Sagradas	Escrituras.	Vamos	relacionar	essa	verdade	com	um</p><p>fato	que	a	pesquisa	moderna	tem	contestado	historicamente,	mas	que	serve	como</p><p>ilustração.	O	importante	é	a	grande	lição	que	ele	nos	traz,	independente	da</p><p>veracidade.	Trata-se	da	Bíblia	acorrentada,	que	Lutero	teria	visto	pela	primeira</p><p>vez.	Provavelmente,	a	primeira	vez	que	o	reformador	deparou-se	com	uma</p><p>Bíblia,	ela	estaria	acorrentada.	Essa	prática	se	prende	ao	fato	de	que,	uma	Bíblia</p><p>de	Gutenberg,	em	fins	do	século	XV	e	início	do	XVI,	era	de	grande	valor.</p><p>Segundo	Martin	Dreher,	“equivalia	a	uma	junta	de	bois.	Caso	fosse	roubada,	o</p><p>prejuízo	seria	grande.	O	jeito	era	acorrentá-la”.</p><p>Assim	Lutero	teria	contribuído	para	a	libertação	das	Escrituras	seus	“grilhões”.</p><p>As	Escrituras	passaram	a	falar	por	si	mesmas.</p><p>Embora	esse	episódio	careça	de	veracidade,	a	prática	de	acorrentar	Bíblia	era</p><p>comum	na	época	evitando-se	assim	o	furto.	Por	analogia	podermos	dizer	que</p><p>Lutero	libertou	as	mentes	cativas	de	uma	interpretação	“vinda	de	cima”,	porque</p><p>as	pessoas	passaram	a	ler	a	Palavra	de	Deus	com	os	seus	próprios	olhos.</p><p>Afirmava-se	na	época	de	Lutero,	que	só	a	Igreja	e	o	papa	podiam	interpretar	as</p><p>Escrituras	e	que	não	deviam	ser	toleradas	opiniões	e	liberdades	quanto	à</p><p>consciência	e	ao	culto.	Lutero	não	pensava	e	nem	agia	assim.	Ele	popularizou	a</p><p>Bíblia,	fazendo-a	chegar	ao	povo.	O	medievalista	Jacques	Le	Goff	assinala	que</p><p>na	Idade	Média,	a	igreja	utilizava-se	de	três	meios	para	fazer	com	que	alguém	se</p><p>tornasse	cristão:	primeiro,	fazer	com	que	a	pessoa	fizesse	citações	bíblicas;</p><p>segundo,	a	utilização	do	raciocínio,	terceiro,	o	uso	das	autoridades.	Com	esse</p><p>método	as	Escrituras	se	encontravam	acorrentadas,	pois	as	citações	bíblicas	não</p><p>podiam</p><p>ser	lidas	pelos	leigos	e	sim	pelos	padres	da	igreja.	Não	eram	os	leigos,</p><p>mas	os	clérigos	que	se	utilizavam	da	Bíblia;	quanto	ao	uso	do	raciocínio	à</p><p>Escolástica	é	que	dava	a	palavra	final	e	esta	estava	associada	aos	grandes</p><p>pensadores,	Tomás	de	Aquino,	o	principal	teólogo	medieval	tinha	em</p><p>Aristóteles,	por	exemplo,	um	referencial.	Lutero,	na	obra	Dos	Concílios	e	da</p><p>Igreja,	declara	como	lia	as	Escrituras:	“Quando	estudei	epístola	aos	Hebreus	com</p><p>as	glosas	[notas	explicativas]	de	São	Crisóstomo,	Tito	e	Gálatas	com	a	ajuda	de</p><p>São	Jerônimo,	Gênesis	com	a	ajuda	de	Santo	Ambrósio	e	Agostinho,	o	Saltério</p><p>com	todos	os	escritores	que	se	tem	acesso”.	Liam-se	as	Escrituras	com	olhos</p><p>filosóficos	ou	dos	pais	da	igreja;	e	por	último	somente	às	autoridades</p><p>eclesiásticas.	Declarava-se	no	século	XVI,	que	as	Escrituras	eram	obscuras	e	que</p><p>a	Igreja	reservava	a	si	o	direito	de	interpretá-las,	à	sua	maneira.	Não	se	está</p><p>afirmando	que	a	Bíblia	não	era	examinada,	estamos	destacando	os	limites	desta</p><p>leitura	e	interpretação.	O	próprio	Staupitz,	Vigário	Geral	do	Mosteiro	em	Erfurt,</p><p>onde	Lutero	iniciou	seus	estudos	como	monge,	distribuía	Bíblia	para	serem	lida</p><p>pelos	internos	e	o	texto	era	a	versão	da	Vulgata	de	S.	Jerônimo,	inclusive	com</p><p>várias	porções	traduzidas	de	forma	tendenciosas.	Dizia-se,	principalmente,	nos</p><p>mosteiros,	que	a	leitura	da	Bíblia	era	perigosa	e	que	provocava	rebeliões.	Não</p><p>podemos	afirmar	que	era	proibida,	mas	sim	uma	leitura	limitada	e	interpretada.</p><p>Assim,	os	monges	e	padres	conheciam	somente	a	versão	latina	e	a	Bíblia</p><p>completa	estava	disponível	somente	aos	professores	e	pesquisadores.</p><p>Lutero	rompe	com	este	modelo	e	um	dos	princípios	da	Reforma	do	século	XVI</p><p>foi	Sola	Scriptura	(somente	as	Escrituras).	A	Bíblia	passa	a	ser	patrimônio	de</p><p>todos:	clero,	leigos,	poderosos,	camponeses,	homem,	mulher,	adultos	e	jovens.	A</p><p>Bíblia	tornou-se	tão	popular	que,	em	1535,	um	em	cada	setenta	alemães,	possuía</p><p>um	Novo	Testamento.</p><p>Pelo	princípio	Scriptura	Sola	dos	reformadores,	nada	poderia	ser	dito	fora	das</p><p>Escrituras.	Sobre	a	penitência	como	tesouro	da	igreja,	Lutero	foi	categórico:</p><p>Porque	(como	já	disse	muitas	vezes)	isso,	não	pode	ser	provada	por	nenhuma</p><p>passagem	da	Escritura	nem	ser	demonstrado	por	argumentos	racionais.	Além</p><p>disso,	os	que	sustentam	isso	não	o	provam,	mas	simplesmente	contam,	como</p><p>todos	sabem.	Ora,	eu	disse	anteriormente	que	afirmar	na	igreja	alguma	coisa,</p><p>para	a	qual	não	se	pode	apresentar	qualquer	argumento	da	razão	ou	passagem	da</p><p>Escritura	é	expor	a	igreja	a	prisão	dos	inimigos	e	hereges,	já	que,	segundo	o</p><p>apóstolo	Pedro,	devemos	prestar	contas	da	fé	e	esperança	que	há	em	nós.</p><p>Para	Lutero	Jesus	Cristo	é	a	Palavra	de	Deus	e	ele	conseguia	relacionar	as	faixas</p><p>que	envolviam	o	menino	Jesus	na	manjedoura,	apontando	simbolicamente	às</p><p>Escrituras.</p><p>A	leitura	e	interpretação	das	Escrituras	teriam	que	“vir	de	cima”,	por	meio	da</p><p>Escolástica,	Filosofia	(principalmente	de	Aristóteles)	e	da	Cúria.	Lutero	dirige-</p><p>se	ao	povo	e	faz	com	que	a	Bíblia	seja	compreendida.	Ele	dizia:</p><p>Muitas	vezes	nos	sucedeu	ficarmos,	quatorze	dias,	quatro	semanas,	buscando	e</p><p>perguntando	por	uma	única	palavra	e,	mesmo	assim,	algumas	vezes	não	a</p><p>encontramos.	Em	nosso	trabalho	em	Jó.	O	Mestre	Filipe,	Aurogado	e	eu,	em</p><p>quatro	dias,	às	vezes,	não	conseguimos	concluir	três	linhas.	Meu	caro,	agora	que</p><p>está	traduzido	e	pronto,	qualquer	um	consegue	lê-lo	e	entendê-lo,	percorre	três,</p><p>quatro	folhas	com	os	olhos	e	não	tropeça,	mas	não	se	dá	conta	das	pedras	e	toras</p><p>que	havia	ali,	onde,	ele,	agora,	passa	como	sobre	uma	tábua	aplainada,	ali,</p><p>tivemos	que	suar	e	nos	angustiar	até	tirar	do	caminho	essas	pedras	e	toras	para	se</p><p>conseguir	passar	com	tanta	facilidade.”	(O	Sel.	V.8	p.	108,	110-111)	Não	se	deve</p><p>perguntar	às	letras	na	língua	latina	como	se	deve	falar	em	alemão,	como	fazem</p><p>esses	burros,	e	sim,	é	preciso	perguntar	a	mãe	em	casa,	às	crianças	na	rua,	ao</p><p>popular	na	feira,	ouvindo	como	falam,	e	traduzir	do	mesmo	jeito,	então	vão</p><p>entender	e	notarão	que	se	está	falando	alemão	com	eles.</p><p>Ele	incessantemente	escreve	sobre	a	Filosofia,	principalmente	de	Aristóteles,</p><p>como	prejudicial	à	Teologia.	Veja	algumas	teses	de	Lutero	para	seus	alunos	na</p><p>conclusão	do	Bacharel	em	estudos	Bíblicos:	Tese	41.	Quase	toda	ética	de</p><p>Aristóteles	é	a	pior	inimiga	da	graça.	Tese	43.	É	um	erro	dizer	que,	sem</p><p>Aristóteles,	ninguém	se	torna	Teólogo.	Tese	44.	Muito	pelo	contrário,	ninguém</p><p>se	torna	teólogo	a	não	ser	sem	Aristóteles.	Tese	50.	Em	suma,	todo	o	Aristóteles</p><p>está	para	a	teologia	como	as	trevas	estão	para	a	luz.</p><p>Com	essas	teses	para	serem	analisadas,	Lutero	rompe	com	a	espinha	dorsal	da</p><p>teologia	romana	baseada	em	Tomás	de	Aquino.	Ele	chama	a	todos	para	o	Debate</p><p>sobre	a	Teologia	Escolástica,	predominante	na	Idade	Média.	Neste	Debate,	por</p><p>meio	de	97	Teses,	propõe	um	verdadeiro	rompimento	com	Duns	Escoto,</p><p>Aristóteles,	diversos	cardeais,	bem	como	uma	crítica	a	todo	o	sistema	da	teologia</p><p>Escolástica.	Afirma	que	a	Teologia	precisava	ser	libertada,	sobretudo	da</p><p>“ditadura”	de	Aristóteles,	a	quem,	certa	vez,	Lutero	caracterizou	como	“esse</p><p>palhaço	que,	com	sua	máscara	grega,	tanto	enganou	a	Igreja”.	Não	que	Lutero</p><p>condenasse	a	razão	em	si,	mas	sim	quando	a	razão	sobrepusesse	à	Teologia.</p><p>Cada	um	em	sua	esfera	de	ação,	assim	preconizava	o	reformador.</p><p>Tomemos	somente	um	exemplo	para	demonstrar	a	aplicação	da	Bíblia	aos</p><p>princípios	filosóficos.	Platão	ensinara	que	todo	o	universo	está	baseado	na	ordem</p><p>e	que	esta	fora	estabelecida	pelo	próprio	Deus.	Por	intermédio	da	ordem,	o</p><p>universo	é	o	que	é,	ou	seja,	um	cosmo.	Esta	ordem	é	aplicada	à	estrutura	social</p><p>da	humanidade.	Assim	imperadores	e	reis,	fidalgos	e	camponeses,	bispos	e</p><p>sacerdotes,	todos	foram	chamados	por	Deus	e	estão	colocados	num	lugar	para	o</p><p>bem	dessa	ordem.	Cada	um	cumprindo	a	sua	obrigação,	o	todo	prosperará	e	a</p><p>ordem	seguirá	o	seu	curso.	Essa	interpretação	tornou	o	período	medieval</p><p>caracterizado	pela	imutabilidade.	Por	que	mudar	o	curso	da	sociedade,	se	tudo</p><p>está	estabelecido	por	Deus?	Cremos	que	esse	discurso	vai	atender	aos	interesses</p><p>de	determinados	grupos	para	se	manter	em	seu	status	quo.	A	essa	ideia	de	ordem</p><p>podemos	adicionar	o	pensamento	de	Aristóteles,	quando	nos	fala	de	seu	caráter</p><p>final.	Para	Aristóteles	a	ordem	tende	para	um	final,	portanto,	determinado	por</p><p>uma	finalidade.	Tomás	de	Aquino	uniu	essas	duas	preposições	—	ordem	e</p><p>finalidade	—	com	a	instalação	do	Reino	de	Deus.	Ou	seja,	a	grande	tarefa	é</p><p>transformar	o	mundo	no	Reino	de	Deus.	Nessa	transformação	o	ser	humano	deve</p><p>alcançar	a	vida	em	Deus	em	sua	glória:	aqui,	o	Reino	de	Deus,	ali,	a	bem-</p><p>aventurança	do	indivíduo.	Ir	contra	essa	ordem	e	finalidade	é	ir	contra	a	própria</p><p>vontade	de	Deus	estabelecida.	Essa	é	uma	das	explicações	de	muitos	“hereges”</p><p>terem	seu	fim	em	uma	fogueira:	eles	foram	“os	contras”.</p><p>Como	professor	em	Wittenberg,	Lutero	vai	renovar	o	currículo	sentenciando:</p><p>Nossa	Teologia	e	Santo	Agostinho	progridem	felizmente	e	reinam	em	nossa</p><p>Universidade	pela	vontade	de	Deus.	Aristóteles	desaba,	está	perto	de	naufragar,</p><p>talvez	para	sempre.	Estamos	extremamente	enojados	das	conferências	sobre	suas</p><p>sentenças.	Ninguém	pode	mais	esperar	reunir	um	auditório	se	não	se	fala	da</p><p>Bíblia,	de	Santo	Agostinho	ou	de	outro	mestre	de	real	autoridade	eclesiástica.</p><p>Lutero	desenvolveu	o	que	poderíamos	chamar	de	“deixe	o	texto	falar.	Não	fale</p><p>por	ele”.	Compete-nos	examinar	as	Escrituras	e	não	interpretá-las.	Na	verdade,</p><p>elas	já	estão	interpretadas.	Vejamos	o	que	diz	em	relação	à	compreensão	do	texto</p><p>de	Isaías:</p><p>Quem	quiser	ler	o	santo	profeta	Isaías	com	proveito	e	compreendê-lo	ainda</p><p>melhor	não	deveria	desprezar	o	meu	conselho...	É	necessário	que	se	saiba	qual	a</p><p>situação	na	terra	na	época	em	que	tiveram	lugar	as	coisas	inseridas	no	livro;	se</p><p>saiba	o	que	passava	na	cabeça	das	pessoas	ou	que	tipo	de	planos	tinham</p><p>juntamente	com	ou	contra	seus	vizinhos,	amigos	e	inimigos.	E	principalmente</p><p>como,	em	seu	país,	se	postaram	diante	de	Deus	e	diante	dos	profetas	com	suas</p><p>palavras	e	culto	ou	idolatria.</p><p>Outra	questão	fundamental	aos	nossos	dias	e	que	somos	devedores</p><p>entrada	para	o	convento,	casamento	e	principais	obras.	É	o	Lutero</p><p>com	suas	crises	existências	até	ao	seu	“caminho	de	Damasco”.</p><p>Concluímos	com	o	legado.	Que	o	leitor	não	pense	que	o	legado	de	Lutero</p><p>esgotou-se	nestas	poucas	linhas.	Para	falar	sobre	a	influência	do	reformador	às</p><p>gerações	seguintes,	teríamos	que	invadir	terrenos	nas	áreas	educacionais,</p><p>políticas,	filosofia,	ética,	moral,	economia,	etc.	e	etc.	Mesmo	não	sendo	um</p><p>expert	em	todos	os	assuntos	que	discorria,	no	entanto,	ele	os	respaldava	ou</p><p>inseria	no	que	mais	entendia:	as	Sagradas	Escrituras.	Lutero	via	na	prática	das</p><p>Escrituras	a	solução	para	todas	as	questões	que	se	envolvia.</p><p>Consta	esta	obra	de	um	apêndice,	com	três	vertentes	que	não	estão	inseridas	no</p><p>texto,	mas	que	se	relacionam	diretamente	a	Martinho	Lutero.	Trata-se	da</p><p>cronologia,	onde	se	destacam	algumas	das	suas	múltiplas	atividades	e</p><p>informações	sobre	a	sua	vida.	Segue-se	a	contemporaneidade	do	reformador	com</p><p>seus	amigos,	apoiadores	e	mesmo	oponentes.</p><p>Sobre	a	conclusão	da	obra,	prefiro	deixar	que	o	leitor,	por	si	só	faça	a	sua</p><p>conclusão.</p><p>Parafraseando	Pilatos,	digo:	“Eis	aí	o	...	livro”.</p><p>Sumário</p><p>Apresentação</p><p>Contextualizando</p><p>Experiência	de	Vida</p><p>Leitura	Condicionada</p><p>Nas	Entrelinhas</p><p>Primeira	Parte:	Época</p><p>Lutero	e	seu	Tempo</p><p>Sacro	Império	Romano-Germânico</p><p>Alemanha	do	Século	XVI</p><p>Wittenberg</p><p>Segunda	Parte:	Vida</p><p>O	Homem	Lutero</p><p>Uma	Vida	Moldada</p><p>Do	Nascimento	até	a	Entrada	para	o	Convento</p><p>Mansfeld</p><p>Eisenach</p><p>Universidade	de	Erfurt</p><p>O	Frade	no	Convento</p><p>O	“Pai”	Staupitz</p><p>Casamento	e	Família</p><p>Carta	ao	Filho	Hans	em	1505</p><p>As	Obras	de	Lutero</p><p>Lutero	e	a	Arte	de	Viver</p><p>Terceira	Parte:	Legado</p><p>Lutero	16/21</p><p>O	Legado	de	Lutero</p><p>Nova	Compreensão	das	Escrituras</p><p>O	Atual	Cânon	e	Lutero</p><p>Liberdade	de	Consciência</p><p>Os	Dois	Reinos</p><p>O	Alemão	Moderno	e	a	Tradução	da	Bíblia</p><p>Desenvolvimento	do	Estado	Moderno</p><p>Sobre	a	liturgia</p><p>Lutero	e	a	Psicanálise</p><p>Reformulação	e	formação	da	identidade	católica</p><p>Vozes	Dissidentes</p><p>O	Concílio	de	Trento</p><p>Vaticano	I	e	Trento</p><p>Vaticano	II</p><p>Situação	do	Homem	Diante	de	Deus</p><p>Conclusão</p><p>Bibliografia</p><p>Apêndice	I:	O	Legado	dos	Reformadores</p><p>Apêndice	II:	Cronologia	da	Vida	de	Lutero...</p><p>Apêndice	III:	Lutero	e	seus	Principais	Contemporâneos	Reformadores	Ligados</p><p>às	Reformas</p><p>Contextualizando</p><p>Começaremos	o	nosso	tema	invocando	uma	cantiga	mineira,	bastante	popular,	a</p><p>qual	reproduzimos	parte	da	letra,	na	esperança	de	cantarmos	juntos:</p><p>Como	pode	um	peixe	vivo</p><p>viver	fora	da	água	fria</p><p>como	pode	um	peixe	vivo</p><p>viver	fora	da	água	fria.</p><p>Como	poderei	viver</p><p>como	poderei	viver</p><p>sem	a	tua,	sem	a	tua</p><p>sem	a	tua	companhia.</p><p>Mesmo	sabendo	que	essa	cantiga	é	uma	declaração	de	amor	entre	pessoas,</p><p>podemos,	no	entanto,	de	forma	semelhante,	aplicá-la	a	uma	íntima	relação	entre</p><p>a	pessoa	e	seu	meio	ambiente.	Não	existem	pessoas	alienadas	do	mundo	em	que</p><p>vivem.	Viver	é	manter-se	em	relação.	O	ser	humano	sempre	reproduzirá	a</p><p>realidade	em	que	vive,	por	meio	de	sua	atitude,	mesmo	que	seja</p><p>inconscientemente.	Tal	como	um	peixe	não	vive	“fora	da	água	fria”,	de	modo</p><p>semelhante	não	podemos	viver	sem	a	“companhia”	de	tudo	que	nos	rodeia,	seja</p><p>por	intermédio	de	ideologia,	crença,	costumes,	valores	e,	em	termos	gerais,	a</p><p>cultura	a	qual	somos	inseridos.	Estamos	presos	ou	condicionados	à	realidade	que</p><p>herdamos.	Mesmo	sabendo	dessa	verdadeira	prisão;	tendo	consciência	dos</p><p>nossos	limites	frente	a	essa	realidade	e	até	mesmo	vislumbrando	uma	mudança</p><p>deste	mundo	que	nos	pressiona,	estamos	condicionados	à	esta	situação.	Jamais</p><p>nos	livraremos	desta	“água	fria”	ou	“companhia”.	Caso	nos	revoltemos	e</p><p>rompemos	com	nossa	realidade	cairemos	em	outra	que	foram	construídas.</p><p>Foi	assim	no	passado	e	assim	será	para	sempre.	Tomemos	o	exemplo	do	apóstolo</p><p>Paulo.	Jamais	ele	poderia	escrever	suas	cartas	às	igrejas	por	ele	fundadas,	por</p><p>intermédio	de	e-mail,	rede	social	ou	mensagem	de	texto,	pois	simplesmente	não</p><p>existiam	em	seu	momento	histórico.	Nunca	poderemos	pensar	num	“Paulo</p><p>internauta”.	Paulo	reproduziu	suas	cartas	ou	epístolas	o	seu	próprio	mundo</p><p>vivencial,	isto	é,	uma	sociedade	greco-romana	do	primeiro	século	da	era	cristã,</p><p>bem	como	o	judaísmo	da	dispersão.	Na	“cabeça”	do	apóstolo	não	havia	um</p><p>judeu	da	Judeia	e	sim	um	judeu	da	diáspora.	Tal	como	todo	ser	humano,	também</p><p>é	um	“peixe”	que	não	poderia	viver	“fora	da	água	fria”.	Podemos	detectar	frases,</p><p>expressões,	pensamentos	e	vários	aspectos	culturais	nas	palavras	do	apóstolo	que</p><p>faziam	parte	da	cultura	de	sua	época.	Somos	nós,	na	verdade,	que	precisamos</p><p>contextualizar	os	escritos	de	Paulo	à	nossa	realidade.</p><p>E	assim	caminha	a	humanidade!</p><p>De	forma	semelhante,	ninguém	é	isento	de	imparcialidade	quando	escreve,	lê,</p><p>fala	ou	até	mesmo	quando	pensa.	Sempre	refletiremos	a	realidade	que	vivemos.</p><p>Não	somos	alienígenas	e	nem	uma	ilha,	pois,	não	vivemos	isolados.	Já	dizia	o</p><p>sábio	Aristóteles	que	o	“homem	é	um	ser	político”,	isto	é,	vive	na	Polis;</p><p>precisando	se	relacionar	com	o	seu	mundo.	A	prova	de	nossa	humanidade	é	viver</p><p>e	conviver	em	seu	meio.</p><p>Experiência	de	Vida</p><p>Em	minha	experiência	de	professor,	ao	iniciar	a	aula,	escrevia	no	canto	do</p><p>quadro	uma	pequena	frase	para	reflexão.	Além	de	escrever,	reservava	uns</p><p>poucos	minutos	para	a	explicação	e	desafiava	as	turmas	a	refletir.	Lembro-me	de</p><p>que	um	dos	pensamentos	preferidos	era	a	afirmação	que:	“Somos	totalmente</p><p>livres	quando	pensamos”.	Esse	pensamento	transformara-se	numa	verdade</p><p>insofismável,	até	mesmo	um	axioma,	isto	é,	o	que	não	carece	de	prova,	porque</p><p>se	prova	a	si	mesmo.	Axioma	é	uma	sentença	tão	abrangente	e	vigorosa	a	ponto</p><p>de	se	constituir	a	última	premissa.	Assim,	não	havia	quem	contestasse	este</p><p>pensamento:	somos	livres	somente	no	pensar.	Puro	engano	e	sofisma:	estávamos</p><p>equivocados,	tanto	o	professor	quanto	o	aluno.	Até	certos	gracejos	surgiam	desta</p><p>“máxima”,	pois	poderíamos	pensar	o	que	quiséssemos	e	não	haveria	nenhum</p><p>perigo	em	ser	descoberto.	Somos	livres	para	pensar	e	ninguém	é	capaz	de</p><p>descobrir	o	que	pensamos.</p><p>Assim	prosseguia	com	a	aula	após	ter	refletido	sobre	essa	“verdade”.	No	entanto,</p><p>lendo	o	psiquiatra	Augusto	Cury,	descobri	que	não	somos	livres	nem	no</p><p>pensamento.	Sempre	pensamos	o	que	o	cérebro	projetou,	por	meio	dos	nossos</p><p>sentidos.	O	que	vemos,	sentimos,	experimentamos,	em	outras	palavras,	tudo	que</p><p>vivenciamos	são	como	“arquivos”	que	o	nosso	cérebro	armazena	e	são</p><p>transformados	em	pensamentos.	Estaremos	sempre	reproduzindo	e	projetando</p><p>todo	um	acervo	que	o	nosso	cérebro	produziu.	Ao	pensarmos	estamos	revelando</p><p>a	nós	mesmos	o	que	o	cérebro	arquivou.	Isso	nos	revela	que,	até	no	pensamento,</p><p>estamos	condicionados	ao	mundo	que	nos	rodeia.	Vivemos	num	ambiente</p><p>cultural	e	ideológico	que	nos	molda.</p><p>Leitura	Condicionada</p><p>Verdade	semelhante	se	aplica	à	leitura	de	uma	obra.	Toda	leitura	que	fazemos,</p><p>projetamos	na	leitura	o	nosso	mundo,	ou	seja,	“cada	um	lê	com	os	olhos	que</p><p>tem”	e	interpreta	a	partir	de	onde	os	pés	pisam.	“Cada	ponto	de	vista	é	a	vista	de</p><p>um	ponto”,	afirmou	L.	Boff.	Na	prática,	quando	lemos,	a	nossa	leitura	está	sendo</p><p>interpretada	por	nós	mesmos.	Ninguém	conta	uma	história,	na	verdade,</p><p>recontamos.	Assim,	sempre	estaremos	projetando	sobre	o	que	lemos	o	nosso</p><p>próprio	acervo	adquirido	ao	longo	do	tempo	e,	nessa	leitura,	sempre</p><p>adicionaremos	algo	de	nós	mesmos	ou	que	nos	foi	transmitido.	O	psiquiatra	J.</p><p>Jung	sentenciou	que:	“Nascemos	originais	e	nos	tornamos	cópias”.	Nenhuma</p><p>leitura	será	imparcial.	Haverá	sempre	o	nosso	“achômetro”.	Nesta	linha	de</p><p>raciocínio,	Frei	Betto	afirmou	que	“a	cabeça	pensa	onde	os	pés	pisam”.	É	de</p><p>Inajá	Martins	de	Almeida	a	edificante	trova:</p><p>Dê-me	uma	metade	de	lã	e	eu	teço	um	agasalho.</p><p>Dê-me	uma	palavra	e	eu	formulo	uma	frase.</p><p>Dê-me	uma	frase	e	eu	escrevo	um	texto.</p><p>Dê-me	um	texto	e	eu	componho	um	livro.</p><p>Podemos	detectar	também	a	dimensão	da	leitura,	na	medida	em	que	sempre</p><p>estaremos	“viajando”	por	meio	dela.	Vamos	além	do	que	lemos.	Certamente,</p><p>você	já	leu	uma	determinada	obra	e	posteriormente	a	assistiu	transformada	em</p><p>uma	novela,	filme	ou	peça	teatral.	Geralmente,	apreciamos	mais	a	sua	leitura	do</p><p>que	a	sua	visualização,	pois	na	leitura,</p><p>a	Lutero	é</p><p>quanto	ao	Cânon	das	Escrituras.</p><p>O	Atual	Cânon	e	Lutero</p><p>É	consenso	entre	os	estudiosos	que	o	fechamento	do	Cânon	ocorre	em	fins	do</p><p>século	IV,	na	época	do	Imperador	Teodósio.	O	historiador	eclesiástico	Eusébio</p><p>de	Cesareia	apresentou,	de	forma	sucinta,	os	livros	das	Escrituras	que</p><p>posteriormente	seriam	reconhecidos	canônicos,	ou	melhor,	inspirados	por	Deus	e</p><p>assim	podendo	servir	de	regra	para	a	Igreja.</p><p>Eusébio	de	Cesareia	nasceu	aproximadamente	no	ano	260,	na	Palestina,	e</p><p>morreu	em	339.	Foi	um	dos	primeiros	historiadores	do	Cristianismo	e	é</p><p>considerado	o	“pai	da	história	da	igreja”.	Sua	principal	obra	História</p><p>Eclesiástica,	teve	como	fontes	a	Biblioteca	que	Orígenes	(ca.	185	—	ca.	254)</p><p>deixara	em	Cesareia	e	que	Panfílio	(morto	ca.	309)	aumentara.	Utilizou-se</p><p>também	do	trabalho	de	outro	historiador	de	nome	Hegesipo	(ca.	105-180)	que,</p><p>do	pouco	que	se	sabe,	conhecemos	principalmente	de	citações	do	próprio</p><p>Eusébio.</p><p>Após	a	perseguição	da	igreja	em	313,	foi	eleito	Bispo	em	Cesareia,	tendo	sido</p><p>discípulo	de	Panfílio,	e	vivido	nos	dias	do	imperador	Romano	Constantino	e</p><p>comprometido	com	o	mesmo,	o	qual	o	chama	de	“instrumento	de	Deus	para	a</p><p>igreja”.	Chega	mesmo	a	compará-lo	com	Moisés	(Livro	IX,	8).</p><p>Eusébio	viveu	no	contexto	da	controvérsia	ariana,	tendo	participado	do	Concílio</p><p>de	Niceia	(325)	que	condenou	Ário	bem	como	o	arianismo,	doutrina	na	qual	não</p><p>aceitava	a	divindade	de	Jesus.	As	obras	de	Eusébio	sempre	possuíam	um	cunho</p><p>apologético,	tais	como	Praeparatio	Evangelica,	dedicada	à	crítica	ao	paganismo	e</p><p>Demonstratio	Evangelica	em	que	refuta	os	argumentos	dos	judeus	contra	os</p><p>cristãos.	Escreveu	vários	comentários	bíblicos,	obras	teológicas	e	epístolas.</p><p>Na	História	Eclesiástica,	escrita	em	meados	da	primeira	década	do	século	IV</p><p>(315),	Eusébio	faz	apologia	ao	cristianismo	afirmando	que	a	fé	cristã	era	a</p><p>consumação	de	toda	a	história	humana.</p><p>Também	nesta	época	discutia-se	calorosamente	a	questão	do	fechamento	do</p><p>Cânon	das	Escrituras	do	Novo	Testamento,	tendo	o	nosso	historiador</p><p>apresentado	a	relação	dos	livros	envolvidos	nesta	discussão.	Lendo	a	relação</p><p>apresentada	por	Eusébio	percebe-se	o	direcionamento	pelo	qual	encaminhava	o</p><p>fechamento	oficial	do	Cânon	em	fins	do	século	IV,	época,	inclusive,	em	que	o</p><p>historiador	já	estava	morto.	O	fechamento	ocorreu	em,	aproximadamente,	395	e</p><p>Eusébio	morrera	em	339.</p><p>O	autor	da	História	Eclesiástica	dividiu	os	livros	em	julgamento	em	quatro</p><p>categorias,	extraídas	do	Livro	III,	25.	Eusébio	de	Cesareia	nos	informa	sobre	as</p><p>Escrituras	reconhecidas	e	das	que	não	o	são:</p><p>1.	Os	admitidos	[reconhecidos]:	Quatro	Evangelhos,	Atos	dos	Apóstolos,</p><p>Cartas	de	Paulo	[em	um	total	de	14	—	ele	incluía	Hebreus],	1	João,	1	Pedro</p><p>e	Apocalipse	de	João.</p><p>2.	Os	discutidos	[disputados]:	Tiago,	Judas,	2	Pedro,	2	e	3	de	João.	[temos</p><p>aqui	—	somando	os	admitidos	e	discutidos	—	27	livros	que	mais	tarde</p><p>foram	considerados	canônicos,	ou	seja,	inspirados	e	reconhecidos].</p><p>3.	Os	espúrios	[não	autênticos]:	Atos	de	Paulo,	pastor	de	Hermas,</p><p>Apocalipse	de	Pedro,	Carta	de	Barnabé	e	Didaquê.	[Nesta	terceira</p><p>categoria,	Eusébio	inclui	também	Apocalipse	que	em	sua	época	alguns	o</p><p>consideravam	espúrio].</p><p>4.	Os	heréticos:	Os	Evangelhos	de	Pedro,	de	Tomé,	de	Matias,	Atos	de</p><p>Andre	e	de	João.</p><p>Nota:	Lendo	as	Escrituras	do	Novo	Testamento	observamos,	“nas	entrelinhas”,</p><p>uma	filtragem	dos	temas	que	seriam	considerados	ortodoxos	(de	uma	fé	reta,</p><p>correta)	e	consequentemente,	canonizados.	Examinando	com	diligência	o	Novo</p><p>Testamento,	em	especial	o	Evangelho	de	João,	percebemos	a	rejeição	que	esse</p><p>Evangelho	faz	de	determinadas	interpretações	sobre	a	pessoa	de	Cristo.	De</p><p>forma	veemente	ele	reprova	as	distorções	que	se	faziam	em	relação	à	filiação</p><p>com	o	Pai,	sua	encarnação,	sua	unidade	com	o	Pai	e	divindade,	dentre	outros.	O</p><p>próprio	texto	de	Pedro	já	destacava	os	escritos	de	Paulo	em	pé	de	igualdade	com</p><p>“as	outras	Escrituras”,	melhor	dizendo,	as	Escrituras	inspiradas	pelo	Espírito</p><p>Santo.</p><p>Desde	o	fim	do	século	IV	até	meados	do	século	XVI	o	processo	de	canonização</p><p>das	Escrituras	passou	por	discussões	com	avanços	e	retrocessos	para	o	seu</p><p>fechamento	definitivo.	Cronologicamente	temos:</p><p>V-VIII	=	Processo	de	consolidação.</p><p>VIII	=	Forma	definitiva	do	Cânon.</p><p>IX/XV	=	Contestação	esporádica.</p><p>XVI	=	Fechamento	no	Concílio	de	Trento,	no	contexto	de	Lutero.</p><p>Percebe-se	que	o	“fechamento	não	foi	tão	fechado”	assim.	Mesmo	decidindo-se</p><p>pelos	66	livros,	ao	longo	dos	séculos	foram	adicionando	outros	livros	e</p><p>contestando	os	considerados	canônicos.	Basta	tomarmos	como	exemplo	o</p><p>Catolicismo	Ortodoxo.</p><p>Não	fugindo	ao	nosso	objetivo	que	é	o	Cânon	luterano,	sabemos	que	existe	uma</p><p>diferença	em	quantidade	de	livros	das	Escrituras	entre	católicos	e	protestantes.	A</p><p>Bíblia	protestante	é	composta	de	66	livros.	A	Bíblia	católica,	além	dos	66	livros,</p><p>comporta	ainda	mais	7	livros.	Os	livros	de	Tobias,	Judite,	I	Macabeus	II</p><p>Macabeus,	Baruc,	Sabedoria,	e	Eclesiástico.	Também	os	acréscimos	de	Ester</p><p>10,4	-16,	24	e	Daniel	3.24-90	e	capítulo	13	e	14.</p><p>Lutero	vai	promover	e	desenvolver	um	“Cânon	dentro	do	Cânon”.</p><p>Vejamos:</p><p>1.	A	Bíblia	possui	uma	“correlação	perfeita	entre	a	Palavra	e	a	fé”.	A	respeito	de</p><p>Maria	o	Magnificat	diz:	“[...]	após	a	experiência	pessoal	em	que	foi	iluminada	e</p><p>instruída	pelo	Espírito	Santo.	Ninguém	compreenderá	a	Deus	ou	a	sua	Palavra	se</p><p>não	for	diretamente	esclarecido	pelo	Espírito	Santo”.</p><p>2.	Cada	livro	das	Escrituras	tem	um	objetivo	próprio,	e	por	isso	são	classificados</p><p>de	acordo	com	a	natureza	e	o	valor	de	edificação.	Assim,	Lutero	estabelece</p><p>regras	na	medida	em	que	os	livros	expressam	a	realidade	de	Cristo.	Cristo	tem</p><p>que	estar	nas	Escrituras.</p><p>3.	O	Antigo	Testamento	é	o	livro	da	Lei.	O	Novo	Testamento	“é	a	mensagem	das</p><p>dádivas	de	Cristo,	das	quais	nos	beneficiaremos	se	tivermos	fé”.	Por	esse</p><p>motivo,	a	importância	que	Lutero	dá	ao	Segundo	Testamento.	Porém	nunca</p><p>abandona	o	estudo	do	Antigo	Testamento,	principalmente	os	Salmos	que	declara</p><p>ser:	“a	síntese	e	resumo	da	Bíblia”.</p><p>4.	Quanto	ao	Novo	Testamento	Lutero	terá	preferência	por	certos	livros.</p><p>4.1	O	Evangelho	de	João,	as	Epístolas	de	Paulo	(em	especial	Romanos)	e	1</p><p>Pedro	“são	o	cerne	e	a	medula	de	todos	os	outros	livros,	inclusive	superiores	aos</p><p>três	Evangelhos”.	Cada	cristão	deveria	lê-los	primeiro	e	com	maior	frequência	e</p><p>familiarizando-se	com	eles	pela	leitura	diária	como	pão	de	cada	dia.</p><p>Não	encontrará	neles	muitas	obras	e	milagres	de	Cristo,	porém,	encontrará	como</p><p>a	fé	em	Cristo,	supera:	1)	pecado,	morte	e	inferno;	2)	concede	vida,	justiça	e</p><p>salvação,	e	isso	caracteriza	o	Evangelho.</p><p>As	Epístolas	de	Paulo	superam	em	muito	os	três	Evangelhos.</p><p>4.2	O	Evangelho	de	João	e	sua	1	Epístola,	as	Epístolas	de	Paulo	(principalmente</p><p>Romanos),	Gálatas,	Efésio	e	2	Pedro	são	os	que	apresentam	Cristo	e	ensinam</p><p>tudo	que	é	necessário	e	bom	saber.</p><p>4.3	“Em	comparação,	a	epístola	de	Tiago	é	uma	epístola	de	palha,	pois	não	tem</p><p>caráter	evangélico”.	(Deve-se	observar	que	Lutero	fala	em	comparação).</p><p>4.4	O	menos	estimado	era	o	Apocalipse.</p><p>4.5	Lutero	rejeitou	todos	os	apócrifos	ou	deuterocanônicos,	aceitos	pelo	Concílio</p><p>de	Trento	e	promoveu	a	consolidação	da	Bíblia	aceita	pelo	protestantismo</p><p>moderno.	Por	que	Lutero	rejeitou	esses	livros?	Os	teólogos	medievais	definiam	o</p><p>Antigo	Testamento	como	“aquelas	obras	do	Antigo	Testamento	contidas	nas</p><p>Bíblias	gregas	e	latinas”,	isso	é	a	Septuaginta	que	constava	os	apócrifos,</p><p>diferentemente	do	Antigo	Testamento	judaico.	Lutero	e	os	reformadores	viam</p><p>contradições	entre	os	apócrifos	ou	deuterocanônicos	e	o	Antigo	Testamento</p><p>judaico,	assim	os	rejeitam.	Tomemos	por	exemplo	2	Macabeus	12.	40-46,	onde</p><p>consta	oração	pelos	mortos.	Assim	o	princípio	Sola	Scriptura	dos	reformadores</p><p>deve	prevalecer.</p><p>A	sua	nova	compreensão	das	Escrituras	fez	com	que	Lutero	ficasse	com	a	sua</p><p>consciência	liberta,	todavia,	cativa	à	Palavra	de	Deus.	Ficando	escravo	da</p><p>Palavra	não	poderia	aceitar	o	que	era	contra	à	Palavra.</p><p>Liberdade	de	Consciência</p><p>Falar	ou	discorrer	sobre	liberdade	de	consciência	em	Lutero	é	falar	dos	pontos</p><p>centrais	de	sua	postura	teológica.</p><p>Ele	estava	tão	consciente	deste	fato	que,	em</p><p>hipótese	nenhuma	abria	mão.	Jamais	poderia	“se	retratar”.	Estava	em	sua</p><p>natureza	não	ir	contra	a	sua	própria	liberdade	de	consciência,	uma	liberdade</p><p>presa	à	Palavra.	Essa	questão	foi	tão	marcante	em	Lutero	que,	em	1793,	cerca	de</p><p>250	anos	após	sua	morte,	já	se	faziam	orações	ao	reformador	invocando	sua</p><p>tônica	de	liberdade:	“Ó	Jesus	e	Lutero,	santos	padroeiros	da	liberdade,	que	em</p><p>vossos	tempos	de	humilhação	tomastes	as	cadeias	de	humanidade	e	as</p><p>esmagastes	com	titânico	poder,	[...]	olhai	agora	de	vossas	alturas	cá	para	baixo;</p><p>olhai	para	vossos	descendentes	e	exultai	com	os	grãos	que	agora	germinam	e	se</p><p>agitam	ao	vento”.</p><p>De	acordo	com	professor	Peter	C.	Hodgson,	podemos	colocar	Lutero	como</p><p>apóstolo	da	liberdade,	tal	como	Martin	Luther	King,	pelos	direitos	civis	negros,</p><p>nos	Estados	Unidos,	do	profeta	Amós	por	seu	clamor	por	justiça	ou	Paulo,	em</p><p>sua	ênfase	pelo	evangelho	cristão.	Parafraseando	Paul	Sartre,	Lutero	estava</p><p>“condenado	à	liberdade”.</p><p>A	sua	famosa	tese	aparentemente	paradoxal	expressa	bem	sua	liberdade:	“O</p><p>cristão	é	um	senhor	libérrimo	sobre	tudo,	a	ninguém	sujeito.	O	cristão	é	um</p><p>servo	oficiosíssimo	de	tudo,	a	todos	sujeito”.</p><p>Lutero	faz	a	distinção	da	natureza	humana	entre	espiritual	e	corpórea.	Enquanto</p><p>pela	natureza	espiritual	ela	é	chamada	de	espiritual,	interior	e	nova,	a	pessoa,</p><p>cuja	fé	está	em	Cristo,	é	livre.	No	entanto,	pela	natureza	corpórea,	ela	é	chamada</p><p>pessoa	carnal,	exterior,	velha	e	com	suas	necessidades.	A	fé	em	Cristo	produzirá</p><p>o	amor,	o	qual	nos	fará	devedor.	Assim	enquanto	na	fé	em	Cristo	somos	livres,</p><p>no	amor	a	Cristo	somos	devedores.	Na	primeira	premissa,	pela	fé	em	Cristo,	a</p><p>alma	do	cristão	se	une	ao	seu	Noivo	e	se	tornam	uma	só	carne,	num	verdadeiro</p><p>casamento	de	Deus	e	da	humanidade	em	que	a	liberdade	de	Deus	se	torna	a</p><p>liberdade	dos	seres	humanos.	Pela	premissa	seguinte,	os	cristãos	estão</p><p>vinculados	uns	aos	outros	pelo	serviço,	pela	fé	que	faz	boas	obras,	pela	vida	que</p><p>vive	não	para	si	mesmo,	mas	para	outros	e,	consequentemente,	estão	sujeitos	às</p><p>autoridades	quando	estas	não	exigem	algo	contrário	a	Deus.</p><p>Querer	trazer	Lutero	como	pioneiro	da	liberdade	de	consciência	não	condiz	com</p><p>a	verdade	histórica.	Antes	dele	vozes	se	pronunciaram	neste	sentido,	em	especial</p><p>Boécio	(480-524)	e	Cassiodoro	(480-575)	mencionaram	“consciência	liberta”.</p><p>Fazer	de	Lutero	o	primeiro	pensador	a	ter	formulado	a	expressão	“liberdade	de</p><p>consciência”	é	enganosa.	No	entanto,	durante	a	Idade	Média	(476-1453)</p><p>raramente	foi	mencionado	esse	termo	tão	comum	aos	nossos	dias.	Lutero	não</p><p>inventou	a	expressão,	mas	contribuiu	para	sua	proeminência.	Fazer	o	que	Lutero</p><p>fez	e	posicionar-se	dessa	forma	foi	um	dos	grandes	avanços	em	sua	época.</p><p>Um	dos	efeitos	da	descoberta	por	Lutero	da	justificação	pela	fé	foi	a	de	“minar</p><p>todo	o	sofisticado	sistema	eclesiástico	que	impunha	múltiplas	cargas	de</p><p>consciência	e	tributos	financeiros	ao	povo”.	Lutero	ao	apontar	a	livre	graça	de</p><p>Deus,	abriu	espaço	para	a	libertação	da	consciência	e	dos	corpos.	Ele	abre	as</p><p>portas	da	graça	libertadora.	Com	a	consciência	livre,	a	pessoa	está	livre	para</p><p>pensar	e	agir.	Com	a	consciência	livre,	pode-se	reivindicar	toda	mudança	sem</p><p>temor,	pois	a	mudança	começa	na	consciência.</p><p>O	filósofo	prussiano	Fichte,	afirma,	segundo	Carter	Lindberg,	“que	a</p><p>contribuição	de	Lutero	à	liberdade	humana	é	percebida	como	uma	contribuição</p><p>universal,	e	não	simplesmente	nacional”.</p><p>Existem	várias	citações	ao	longo	da	vida	e	escritos	de	Lutero	quando	invoca	a</p><p>sua	consciência.	Porém	uma	se	destaca	quando,	diante	do	imperador	do	Sacro</p><p>Império	Romano-Germânico,	foi-lhe	imposto	retratar-se.	Ele	respondeu:</p><p>Visto	que	S.	Majestade	e	Vossas	Senhorias	exigem	uma	resposta	simples,	quero</p><p>dá-las	sem	cornos	e	sem	dentes	do	seguinte	modo.	A	não	ser	que	seja</p><p>convencido	por	testemunho	das	Escrituras	ou	por	argumento	evidente	(pois	não</p><p>acredito,	nem	nos	papas,	nem	nos	concílios	exclusivamente,	visto	que	é	certo</p><p>que	os	mesmo	erraram	muitas	vezes	e	se	contradisseram	a	si	mesmos)	—	estou</p><p>vencido	pelas	Escrituras	por	mim	aduzidas	e	minha	consciência	está	presa	nas</p><p>palavras	de	Deus	—	não	posso	e	não	quero	retratar-me	de	nada,	porque	agir</p><p>contra	a	consciência	não	é	prudente	nem	íntegro.	Que	Deus	me	ajude.	“Amem.</p><p>(Essa	última	frase	está	escrito	em	alemão,	dentro	do	texto	latino)</p><p>A	questão	da	consciência	é	tão	marcante	em	Lutero	que	ele	sempre	faz	referência</p><p>ao	termo	em	suas	obras.	Citando	uns	poucos	exemplos	temos	nas	Considerações</p><p>sobre	o	Sigilo	de	seu	Conselho	Confessional,	menciona	6	vezes;	Da	Vida</p><p>Matrimonial,	3	vezes;	Comentário	de	Lutero	sobre	suas	Teses	Debatidas	em</p><p>Leipzig,	9	vezes;	Exortação	à	Paz:	resposta	aos	doze	artigos	do	campesinato	da</p><p>suábia,	11	vezes;	Contra	as	Hordas	Salteadoras	e	Assassinas	dos	Camponeses,	6</p><p>vezes;	em	sua	Carta,	de	duas	páginas,	em	resposta	a	publicação	Contra	os</p><p>Camponeses	Assaltantes	e	Assassinos,	1	vez;	Magnificat,	2	vezes	e	Comércio	e</p><p>Usura,	8	vezes.	Raros	foram	os	momentos	em	que	Lutero	não	usa	a	palavra</p><p>consciência	em	seus	escritos.</p><p>Deve-se	observar	que	os	argumentos	de	Lutero	eram	que:	1)	sua	consciência</p><p>estava	cativa	à	Palavra	de	Deus;	2)	se	lhe	fosse	mostrado	o	seu	erro	por</p><p>argumentos	tirados	das	Escrituras,	ele	se	retrataria.	Se	não,	“não	é	certo	nem</p><p>recomendável	proceder	contrariamente	a	sua	consciência”.	O	porta-voz	da	igreja</p><p>disse:	“abra	mão	da	consciência.	Nada	há	mais	seguro	do	que	submeter-se	à</p><p>Igreja”.	Tradição	acima	das	Escrituras	—	isso	Lutero	não	tolerava!</p><p>Um	exemplo	prático	da	liberdade	de	Cristo	na	vida	de	Lutero	está	na	própria</p><p>grafia	de	seu	sobrenome	Lutero.	Martin	Dreher	informa	que	o	reformador	passou</p><p>a	utilizar-se	deste	sobrenome	a	partir	dos	seus	escritos	de	1518.	Originalmente</p><p>era	Luder	ou	Lüder.	No	alemão	moderno,	Luder	é	traduzido	por	“vagabundo”.</p><p>Temos	então	Martin	Luder.	Após	anos	de	reflexões	principalmente	em	Paulo,	o</p><p>reformador	descobriu	a	liberdade	em	Jesus.	Assim,	liberto	pela	graça	e	fé	em</p><p>Cristo,	passou	a	grafar	o	sobrenome	utilizando-se	da	palavra	grega	eleutheria,</p><p>que	significa	“liberdade”.	Surge	Eleutherius	que	deriva	a	grafia</p><p>Luther/Luthero/Lutero:	Martinus	Eleutherius	(Martinho	Lutero),	aquele	que</p><p>havia	descoberto	a	eleutheria,	ou	seja,	a	liberdade	em	Cristo.</p><p>Os	Dois	Reinos</p><p>Este	é	um	dos	tópicos	dos	mais	melindrosos	com	diversas	interpretações.	Por</p><p>isso	nos	servimos	da	reflexão	sobre	Lutero	de	Walter	Altmann.	Este	mestre	com</p><p>equilíbrio	nos	apresenta	a	relação	igreja	e	Estado	em	Lutero.	Em	outros	termos</p><p>“poder	temporal”	e	“poder	espiritual”.</p><p>Ele	inicia	afirmando	esta	dicotomia	“não	podemos	reportar	a	Lutero”.	Jamais</p><p>Lutero	separou	igreja	e	Estado.	Jamais	os	apresentou	“como	instâncias</p><p>autônomas”.	Essa	moderna	separação	tem	suas	origens	no	Iluminismo	do	século</p><p>XVIII.	O	que	Lutero	fez	foi	“voltar-se	contra	o	desvirtuamento	da	igreja	em</p><p>poder	temporal	e	político.	Procurou	mostrar	uma	desvinculação	de	funções.</p><p>Cabe	as	autoridades	realizarem	‘reformas	políticas,	econômicas	e	sociais	que</p><p>afetassem	a	igreja;	e	competia	também	a	esta	confrontar	as	autoridades	políticas</p><p>com	a	vontade	de	Deus’”.</p><p>Altmann	faz	um	paralelo	entre	o	Estado	e	igreja,	exemplificando-os	conforme	a</p><p>seguir:</p><p>Estado Igreja</p><p>Secular Espiritual</p><p>Ordem	Social Ordem	eclesiástica</p><p>Ordem	política Ordem	privada</p><p>Corpo Alma</p><p>Poder	de	espada Poder	da	Palavra</p><p>Lei Evangelho</p><p>Coerção Amor</p><p>Punição Perdão</p><p>Outro	fato	que	devemos	levar	em	consideração	sobre	este	tema	é	que,	ao	tratar</p><p>Lutero	do	assunto,	está	sendo	proibida	a	“compra	e	venda”	de	sua	tradução	do</p><p>Novo	Testamento	pelas	autoridades	seculares,	com	aquiescência	da	igreja.</p><p>Queres	saber	por	que	Deus	leva	os	príncipes	temporais	a	errar	tão</p><p>horrivelmente?	Pois	eu	to	direi:	Deus	lhes	perverteu	os	sentidos	e	quer</p><p>exterminá-los	como	exterminou	os	aristocráticos	eclesiásticos.	Pois	meus</p><p>inclementes	senhores,	o	papa	e	os	bispos,	deveriam	ser	bispos	e	pregar	a	Palavra</p><p>de	Deus.	Neste	ponto,	porém,	são	omissos	e	converteram-se	em	senhores</p><p>seculares	e	governam	com	leis	que	concernem	somente	ao	corpo	e	aos	bens.</p><p>Inverteram	as	coisas	maravilhosamente.	Deveriam</p><p>governar	interiormente	o	país</p><p>e	o	povo.	Isso,	porém,	não	fazem.	Nada	mais	sabem	fazer	do	que	esfolar	e</p><p>raspar,	cobrando	imposto	sobre	impostos,	taxa	sobre	taxa,	soltando	aqui	um	urso,</p><p>ali	um	lobo.	Além	disso,	não	conhecem	nem	fidelidade,	nem	verdade,	e	portam-</p><p>se	de	maneira	que	até	os	ladrões	e	bandidos	considerariam	excessiva.	Seu	regime</p><p>secular	é	tão	decadente	como	o	dos	tiranos	eclesiásticos.	Por	isso	Deus	também</p><p>lhes	perverte	a	mente,	de	modo	que	também	procedem	de	forma	absurda,</p><p>arvorando-se	domínio	especial	sobre	as	almas,	enquanto	os	outros	querem</p><p>governar	secularmente.</p><p>Percebe-se	que	Lutero	faz	uma	crítica	veemente	quanto	à	mistura	das	esferas	de</p><p>atuação	tanto	do	temporal	quanto	do	espiritual.	Mais	uma	vez	citando	sua</p><p>clássica	obra	À	Nobreza	Cristã	da	Nação	Alemã,	o	reformador,	apresenta	28</p><p>propostas	para	o	melhoramento	da	igreja	e	da	própria	nação.	Ao	citarmos</p><p>algumas	dessas	proposições,	podemos	perceber	a	vinculação	do	“espiritual”	com</p><p>o	“temporal”	e	a	preocupação	de	Lutero	em	separar	uma	da	outra	para	que	cada</p><p>um	atue	em	sua	própria	esfera.</p><p>Algumas	propostas	enumeradas	por	Lutero:</p><p>1.	Todo	príncipe,	toda	nobreza	e	toda	cidade	devem	proibir,	sem	pestanejar,	que</p><p>se	entregue	as	anatas	[Imposto	paga	à	Sé	Apostólica,	correspondente	à	renda	de</p><p>um	ano,	pelos	que	recebiam	benefícios	ou	cargos	eclesiásticos.]	a	Roma,</p><p>abolindo-as	por	completo.</p><p>2.	Com	suas	maquinações	romanas,	comendas,	adjutórios,	reservas,	gratiis</p><p>expectativis	[promessas	de	cargos	eclesiásticos	ainda	ocupados],	meses	papais,</p><p>incorporações,	uniões,	pensões,	pálios,	regras	de	chancelaria	e	outras	patifarias</p><p>dessa	espécie	o	papa	se	apodera	de	todas	as	fundações	alemãs	sem	autorização	e</p><p>direito	para	isso.</p><p>3.	Que	seja	emitida	uma	lei	imperial	para	que,	de	hoje	em	diante,	não	se	busque</p><p>mais	em	Roma	nenhuma	capa	episcopal	e	nenhuma	confirmação	de	qualquer</p><p>dignidade.</p><p>4.	Que	nenhuma	questão	secular	seja	levada	a	Roma.</p><p>5.	Nenhuma	reserva	[direito	sobre	um	feudo]	deve	valer.</p><p>6.	Devem	ser	abolidos	também	os	casus	reservati	[casos	em	que	a	absolvição	do</p><p>pecador	está	reservada	ao	papa	ou	a	uma	pessoa	autorizada	por	ele]</p><p>9	O	papa	não	deve	ter	qualquer	poder	sobre	o	imperador.</p><p>10.	O	papa	deve	abster-se	e	tirar	sua	colher	da	sopa,	não	se	arrogando	título</p><p>algum	sobre	o	reino	de	Nápoles	e	da	Sicília.</p><p>16.	Abolir	ou	reduzir	os	aniversários	de	falecimentos,	ofícios	pelos	mortos	e	das</p><p>missas	de	réquiem.</p><p>17.	Abolir	algumas	penas	ou	castigo	do	direito	canônico,	particularmente	o</p><p>interdito</p><p>25.	As	universidades	também	precisam	de	uma	boa	e	profunda	reforma.</p><p>Esses	exemplos	por	si	só	revelam	o	objetivo	de	Lutero	diante	dos	nobres	alemãs,</p><p>ou	seja,	chamá-los	para	si.	Discurso	este	que	certamente	agradara	a	classe</p><p>dominante.	Em	verdade,	o	que	Lutero	quer	é	uma	separação	de	funções.	Chega</p><p>mesmo	a	afirmar:</p><p>Deixai	o	imperador	alemão	ser	imperador	genuína	e	livremente,	não	permitindo</p><p>que	seu	poder	e	sua	espada	sejam	suprimidos	por	essas	cegas	alegações	de</p><p>hipócritas	papais,	como	se	estivessem	eximidos	da	espada	e	devessem	governar</p><p>sobre	todas	as	coisas.</p><p>Somente	a	partir	do	século	XVIII	o	processo	de	separação	entre	Estado	e	religião</p><p>ganha	consistência...	Lutero	foi	um	dos	que	lançou	a	semente!</p><p>O	Alemão	Moderno	e	a	Tradução	da	Bíblia</p><p>A	questão	do	moderno	alemão	e	a	tradução	da	Bíblia	feita	por	Lutero	estão</p><p>intimamente	relacionadas.	Ao	traduzir	as	Escrituras	dos	originais	para	o	alemão,</p><p>Lutero	vai	modelar	o	idioma	germânico.	Sua	tradução	contribuiu	para	o</p><p>nascimento	do	moderno	alemão.	Não	estamos	afirmando	que	ele	criou	o	alemão</p><p>dos	nossos	dias	(embora	haja	quem	defenda),	mas	contribuiu	para	tal.	Para	que</p><p>sua	tradução	chegasse	ao	entendimento	do	povo	ele	criava	novos	vocábulos	para</p><p>melhor	se	comunicar,	objetivando	um	“alemão	comum”.	Esses	vocábulos	e</p><p>criações	foram	assimilados	na	sociedade	alemã	ao	longo	dos	anos.	Vocábulos</p><p>essencialmente	alemães	e	muitos	deles	passaram	para	a	linguagem	corrente.	A</p><p>Bíblia	de	Lutero	propagou-se	por	toda	a	Alemanha	e	ainda	reina;	Lutero	fez	com</p><p>que	“esse	velho	livro”	se	tornasse	uma	fonte	de	rejuvenescimento	eterno	do</p><p>idioma	alemão.	Todas	as	expressões,	todos	os	movimentos	que	se	encontram	na</p><p>Bíblia	de	Lutero	são	alemães,	os	escritores	podem	empregá-los	e	como	esse	livro</p><p>está	nas	mãos	dos	mais	pobres	das	classes	eles	não	têm	necessidades	de	lições</p><p>sábias	para	se	exprimir	de	forma	literária.	No	afã	de	fazer	chegar	ao	povo	um</p><p>texto	de	fácil	assimilação,	ele	procurava	jovens	e	até	mesmo	crianças	para	pode</p><p>se	expressar	de	acordo.	Visitava	açougue	para	descobrir	a	disposição	dos</p><p>intestinos	dos	animais	e	aplicá-los	ao	texto.	Também	procurava	informações	de</p><p>profissionais	para	saber	o	funcionamento	de	determinadas	ferramentas.	Para</p><p>traduzir	partes	do	Apocalipse	que	apresentam	pedras	preciosas,	procurou	junto	à</p><p>corte	do	príncipe	examiná-las.	Cremos	que	podemos	fazer	uma	analogia	da</p><p>Bíblia	de	Lutero	com	a	Bíblia	na	Linguagem	de	Hoje.	Funck-Brentano	“justifica</p><p>os	alemães	de	terem	feito	de	Lutero	herói	nacional”.	O	mesmo	autor	cita	Henri</p><p>Heine,	quando	diz:	“Não	sei	de	que	modo	nasceu	a	língua	de	Lutero,	mas	sei</p><p>que,	por	sua	Bíblia,	a	língua	luterana	propagou-se	em	toda	a	Alemanha”.</p><p>Também	Nestor	I.	J.	Beck	afirma	que	“a	língua	alemã	sequer	era	cultivada,	pois</p><p>a	língua	acadêmica	nas	escolas	e	universidades,	nas	igrejas	e	na	esfera</p><p>administrativa	e	oficial	era	o	latim”.	Esse	latim	por	sua	vez	era	taxado	de	“latim</p><p>de	monge”	que	significava	depreciação	e	de	má	fama.	Lutero	observara	que	o</p><p>latim	“nas	universidades	e	conventos	nos	quais	não	só	se	desaprende	o</p><p>Evangelho,	mas	também	se	corrompe	a	língua	latina	e	a	alemã”.</p><p>Martin	Dreher	testemunha	que	a	“sua	Bíblia	[a	de	Lutero]	serviu	para	a	tradução</p><p>em	muitos	idiomas”.	E	mais:	“sua	Bíblia	modelou	a	língua	alemã	por	séculos	e</p><p>influenciou	o	linguajar	de	todas	as	camadas	sociais”.	Lutero	diz:</p><p>Percebe-se,	porém,	muito	bem,	que,	com	base	na	minha	tradução	e	no	meu</p><p>alemão,	eles	estão	aprendendo	a	falar	e	a	escrever	o	vernáculo,	roubando-me,</p><p>portanto,	a	minha	língua,	a	qual	antes	pouco	conheciam;	mas	não	me	agradecem</p><p>por	tanto,	e	sim	preferem	utilizá-las	contra	mim.	Mas	não	lhes	leve	a	mal,	uma</p><p>vez	que	me	faz	muito	bem	[constatar]	que,	mesmo	aos	meus	discípulos	ingratos</p><p>e	até	aos	meus	inimigos,	eu	ensinei	a	falar.</p><p>Em	fins	da	Idade	Média,	a	língua	alemã	não	se	compunha	ainda	senão	de</p><p>dialetos.	Durante	o	século	XV,	uma	língua	nacional,	chamada	alemão	comum	ou</p><p>vulgar	formou-se.	O	imperador	Maximiliano	favoreceu	uma	difusão;	mas	esse</p><p>alemão	comum	não	se	tornou	língua	literária	senão	depois	que	Lutero	o</p><p>divulgou.	Se	existe	um	povo	que	é	devedor	a	Lutero	e	continuará	devendo,	é	o</p><p>povo	alemão.</p><p>O	professor	Marc	Lienhard	apresenta	algumas	considerações	da	relação	Lutero	e</p><p>a	língua	alemã.	Ele	destaca	que	o	alemão	que	Lutero	forjou	era	praticado,</p><p>principalmente,	na	“Alemanha	luterana”,	isto	é,	a	parte	central.	O	atual	alemão,</p><p>mesmo	tendo	Lutero	contribuído,	é	fruto	de	um	processo	que	durou	séculos,</p><p>culminando	com	a	unificação	alemã	do	século	XIX.	Havia	um	interesse	não</p><p>somente	dos	editores	de	Lutero	em	publicar	seus	escritos	em	alemão,	como</p><p>também	as	lideranças	políticas.	Em	1520,	por	exemplo,	90%	dos	seus	escritos</p><p>eram	produzidos	em	latim,	tendo	decaído	para	70,	em	cerca	de	1570.	Assim,	o</p><p>alemão	avança	paulatinamente.	Um	idioma	não	nasce	de	um	dia	para	outro.	A</p><p>contribuição	de	Lutero	para	o	alemão	se	deu,	sobretudo,	na	Alemanha	central	e,</p><p>a	partir	daí,	se	expandiu	para	todo	o	país.</p><p>Já	em	áreas,	de	forte	influência	do	catolicismo,	o	latim	era	a	língua	utilizada.	A</p><p>partir	dos	séculos	XVII	e	XVIII	o	alemão	vai	se	impondo	como	língua	nacional.</p><p>Quanto	à	tradução	da	Bíblia	podemos	destacá-la	como	um	dos	principais	legados</p><p>de	Lutero	para	o	mundo	contemporâneo.	Lutero	não	foi	o	pioneiro	na	versão</p><p>para	o	alemão,	antes	dele	houve	várias	outras,	no	entanto,	eram	caras	e</p><p>destinavam-se	às	pessoas	ricas.	Os	valdenses	e	albigenses	também	haviam	feitos</p><p>suas	versões.	Na	verdade,	não	havia	nenhuma	versão	oficial.	Basta	dizer	que	a</p><p>própria	Vulgata	só	foi	tornada	oficial	no	Concílio	de	Trento.</p><p>A	tradução</p><p>de	Lutero	foi	feita	para	o	povo.	Ele	mesmo	visitava	o	homem</p><p>simples,	conversava	com	os	mesmos	para	produzir	um	texto,	não	somente</p><p>procurando	ser	fiel	aos	originais,	mas	também	acessível	ao	povo.	Em	1530,	o</p><p>reformador	disse	que:</p><p>Não	se	deve	perguntar	às	letras	na	língua	latina	como	se	deve	falar	em	alemão,</p><p>como	fazem	esses	burros,	e	sim	é	preciso	perguntar	à	mãe	em	casa,	às	crianças</p><p>na	rua,	ao	popular	na	feira,	ouvindo	como	falam,	e	traduzir	do	mesmo	jeito,</p><p>então	vão	entender	e	notarão	que	se	está	falando	alemão	com	eles.</p><p>Observe	o	argumento	de	Lutero	ao	traduzir	Lucas	1.28.</p><p>[...]	quando	o	anjo	saúda	Maria	dizendo:	Salve,	Maria,	cheia	de	graça,	assim	é</p><p>que	se	traduziu	até	agora,	simplesmente	seguindo	a	letra	latina.	Mas	diga-me:</p><p>isso	é	bom	alemão?	Quando	é	que	o	alemão	fala	assim:	“Estás	cheia	de	graça?”</p><p>Qual	o	patrício	que	vai	entender	o	que	significa	cheia	de	graça?	Ele	vai	pensar</p><p>num	barril	cheio	de	cerveja,	ou	um	saco	cheio	de	dinheiro;	por	isso	eu	traduzi:</p><p>graciosa,	de	modo	que	um	alemão	conseguirá	associar	melhor	com	o	sentido</p><p>pretendido	pelo	anjo	em	sua	saudação.	E	se	eu	tivesse	tomado	a	melhor</p><p>formulação	vernácula,	traduzindo	da	seguinte	maneira	a	saudação:	Deus	te</p><p>abençoe,	querida	Maria.</p><p>Como	era	de	se	esperar,	Lutero	recebeu	ferrenha	crítica	dos	seus	oponentes	em</p><p>relação	à	sua	tradução.	Uma	das	críticas	foi	a	de	incluir	o	“somente”	em	sua</p><p>tradução	de	Romanos	3.28,	quando,	de	fato,	não	consta	essa	partícula	no	original</p><p>grego.	Lutero	defende-se	confirmando	que	não	existe	sola	(somente	pela	fé),	no</p><p>entanto,	ele	está	traduzindo	para	o	povo	alemão	e	não	precisando	expressar-se</p><p>em	latim	ou	grego.</p><p>Lembro-me,	quando	criança,	de	uma	música	que	fez	muito	sucesso	na	época,</p><p>cujo	nome	era	Coração	de	Luto.	Tratava-se	de	um	adolescente	que	ao	chegar	a</p><p>casa	deparou-se	com	um	grave	acidente:	sua	própria	mãe	havia	sido	morta</p><p>causada	por	um	incêndio	da	casa	onde	moravam.	Foi	composta	uma	música,	em</p><p>que	parte	da	letra	dizia	“morreu	queimada	no	fogo”.	A	crítica	caiu	em	cima,	pois</p><p>se	morreu	queimada,	só	podia	ser	pelo	fogo.	Havia	redundância	nesta	frase,</p><p>bastava	afirmar:	morreu	queimada.	No	entanto	a	crítica	parece-me	que	esqueceu</p><p>que	o	matuto	do	interior	usava	este	linguajar	simples.	Era	uma	forma	de</p><p>enfatizar	e	trazer	maior	drama	a	sua	situação.	Assim	foi	a	preocupação	do</p><p>Reformador,	pois	para	o	povo	alemão	exigia-se	o	“somente”	no	texto.	Ele</p><p>continua	firme	em	seu	propósito.	É	oportuno	apontar	que	a	tradução	do	Novo</p><p>Testamento	foi	feita	em	cerca	de	três	meses,	durante	o	período	em	Wartburgo.</p><p>Lutero	afirmou	que	conhecia	muito	bem	a	arte	de	traduzir	e	sentencia	que:</p><p>Eu	conheço	muito	bem,	eles	[porém]	(referindo-se	aos	seus	oponentes)</p><p>conhecem	menos	do	que	o	animal	do	moleiro	(proprietário	de	moinho)	a	arte,	a</p><p>dedicação,	a	razão	e	o	entendimento	que	fazem	o	bom	tradutor,	pois	eles	nem</p><p>sequer	o	tentaram.</p><p>Em	sua	tradução	Lutero	tinha	o	seu	“sinédrio”,	como	costumava	chamar	seu</p><p>grupo	de	auxiliares:</p><p>Muitas	vezes	nos	sucedeu	ficarmos,	quatorze	dias,	quatro	semanas,	buscando	e</p><p>perguntando	por	uma	única	palavra	e,	mesmo	assim,	algumas	vezes	não	a</p><p>encontramos.	Em	nosso	trabalho	em	Jó.	O	Mestre	Filipe,	Aurogado	e	eu,	em</p><p>quatro	dias,	às	vezes,	não	conseguimos	concluir	três	linhas.	Meu	caro,	agora	que</p><p>está	traduzido	e	pronto,	qualquer	um	consegue	lê-lo	e	entendê-lo,	percorre	três,</p><p>quatro	folhas	com	os	olhos	e	não	tropeça,	mas	não	se	dá	conta	das	pedras	e	toras</p><p>que	havia	ali,	onde,	ele,	agora,	passa	como	sobre	uma	tábua	aplainada,	ali,</p><p>tivemos	que	suar	e	nos	angustiar	até	tirar	do	caminho	essas	pedras	e	toras	para	se</p><p>conseguir	passar	com	tanta	facilidade.</p><p>Ainda	sobre	a	tradução	de	sua	Bíblia,	afirma	o	reformador:</p><p>Ah,	a	tradução	não	é	arte	para	qualquer	um,	como	julgam	esses	santos	malucos,</p><p>para	tal	é	preciso	ter	um	coração	forte,	probo,	fiel,	dedicado,	temente,	cristão,</p><p>estudado,	experiente	e	treinado.	Por	isso	sou	da	opinião	que	nenhum	falso	cristão</p><p>nem	espírito	sectário	consegue	traduzir	com	fidelidade.</p><p>Qual	teria	sido	a	tiragem	da	Bíblia	de	Lutero?	Segundo	M.	Dreher	vai	de	“cem</p><p>mil	exemplares”,	a	“um	milhão	de	exemplares”,	somando-se	as	impressões	fora</p><p>de	Wittenberg.	Hans	Lufft,	impressor,	ficou	rico	com	essa	Bíblia.	Lutero	nada</p><p>ganhou	na	tradução	da	sua	Bíblia;	procurava,	sim,	conforme	suas	palavras:</p><p>“servir”.</p><p>Assim	“somos	devedores”,	parafraseando	Paulo,	a	Lutero.	Hoje	são	poucos</p><p>aqueles	que	não	têm	condições	de	possuir	uma	Bíblia.</p><p>Desenvolvimento	do	Estado	Moderno</p><p>Não	devemos	traçar	semelhanças	entre	o	pensamento	de	Lutero	e	Maquiavel</p><p>sobre	essa	questão.	Ambos,	preconizando	um	controle	central,	porém,	seus</p><p>argumentos	são	diferentes.	Maquiavel	redige	O	Príncipe,	em	1513,	de	publicação</p><p>póstuma	em	1532,	onde	inclusive	criou-se	a	máxima	atribuída	a	ele:	“Os	meios</p><p>justificam	os	fins”.	Mesmo	não	afirmando	isso,	lendo	sua	obra	percebe-se	nas</p><p>entrelinhas	esse	adágio.</p><p>Lutero	viveu	em	uma	Alemanha	que	não	conhecia	um	Estado	forte	e</p><p>centralizado,	assim	querer	fazer	do	reformador	um	“teórico	do	Absolutismo”	é</p><p>extrapolar	e	ir	além	da	verdade.	Deixemos	esse	título	a	Nicolau	Maquiavel.</p><p>Porém	podemos	detectar	várias	colocações	de	Lutero	que,	certamente,</p><p>contribuíram	para	o	que	se	conhece	hoje	como	Estado	Moderno,	seja	ele</p><p>democrático	ou	autoritário.</p><p>A	questão	está,	especialmente,	realçada	no	seu	clássico	escrito	sobre	a	A</p><p>Autoridade	Secular,	até	o	Ponto	a	que	se	lhe	Deve	Obediência,	publicado	em</p><p>1523.</p><p>Não	podemos	exigir	de	Lutero	uma	abordagem	sobre	o	regime	absolutista	tal</p><p>como	em	desenvolvimento	em	vários	países	europeus.	Lutero	não	possui	esse</p><p>posicionamento	político,	todavia,	ao	escrever	defende	um	tipo	de	governo	que,	a</p><p>seu	modo,	vai	descambar	num	poder	central	ou	centralizador.	Sua	abordagem	é</p><p>numa	perspectiva	cristã	ou	“cristãmente”,	sempre,	invocando	as	Escrituras.</p><p>Ele	divide	a	obra	em	três	partes.	Na	primeira,	vai	justificar	a	existência	de</p><p>autoridade	secular	na	terra	e	como	ela	dever	ser	usada	de	maneira	cristã,	não</p><p>ultrapassando	seus	limites.	Na	segunda	parte,	aborda	até	onde	se	estende	a</p><p>autoridade	secular.	Na	última	parte,	apresenta	o	argumento	do	uso	do	“direito”</p><p>dos	príncipes.</p><p>O	trabalho	por	nós	proposto	é	analisar	a	primeira	parte,	pois	além	de	atingir	ao</p><p>objetivo	proposto	de	nosso	tema,	também	se	evita	a	extensão	demasiada	desta</p><p>obra.</p><p>Lutero	redige	a	obra	oferecendo	ao	duque	João,	duque	da	Saxônia,	e	futuro</p><p>Príncipe	da	Saxônia,	substituindo	o	irmão	Frederico,	o	Sábio.	Foi	um	grande</p><p>amigo	de	Lutero	e	de	profunda	convicção	evangélica.	Embora	escrevesse</p><p>especificamente	ao	duque,	sua	obra	foi	difundida,	servindo	de	orientação	aos</p><p>demais	príncipes	em	suas	jurisdições.	Deve-se	observar	também	que	esta	obra</p><p>deve	ser	inserida	no	contexto	da	igreja	oficial	estar	se	imiscuindo	na</p><p>administração	secular	e	esta,	por	sua	vez	na	esfera	espiritual.	Lutero	procura</p><p>separa	as	esferas	de	poder.</p><p>Lutero	começa	seu	argumento	fundamentando	que	o	príncipe	tem	por	vontade	e</p><p>ordenação	de	Deus	o	direito	e	a	espada	secular.	Esse	direito	existe	desde	o</p><p>começo	do	mundo,	cite	o	caso	de	Caim	que	ao	matar	o	irmão	Abel	teve	medo	de</p><p>ser	morto,	subtendendo-se	que	sabia	que	o	assassino	deveria	morrer.	A	partir</p><p>deste	exemplo,	começa	a	citar	exemplos	e	mais	exemplos	do	Antigo	Testamento</p><p>e	também	do	Novo,	principalmente	citando	os	apóstolos	Paulo	e	Pedro.</p><p>Recrimina	os	“sofistas”	(referindo-se	aos	teólogos	escolásticos,	ligados	à	igreja</p><p>que	haviam	interpretado	o	uso	da	espada	como	“conselho”).	Lutero	vai	defender</p><p>como	mandamento.	Os	príncipes	agem	como	“servidores	de	Deus”,	significando</p><p>que	a	autoridade	é	de	tal	natureza	que	se	pode	servir	a	Deus	por	meio	dela.	Ele</p><p>apresenta	vários	exemplos	de	homens	de	Deus	e	autoridades	as	quais	nunca	lhes</p><p>foram	impostos	que	deixassem	as	armas,	tais	como	Cornélio,	o	Eunuco	em	Atos,</p><p>Paulo	Sérgio	em	Atos	13.	Isso	para	citar	alguns	exemplos.	Argumenta	que	o</p><p>poder	secular	foi	instituído	por	Deus	para	manter	a	ordem	entre	cristãos	e	não</p><p>cristãos.	Lutero	declara:	“É	certo	e	suficientemente	esclarecido	que	é	da	vontade</p><p>de	Deus	que	a	espada	e	o	direito	secular	sejam	usados	para	castigar	os	maus	e</p><p>proteger	os	piedosos”.</p><p>Também	se	faz	necessário	uma	observação	ou	justificação	sobre	a	postura	tão</p><p>radical	de	Lutero	ao	tratamento	que	faz	em	relação	aos	rebeldes	em	sua</p><p>sociedade.	Hoje	diríamos	que	Lutero	está	“do	lado	dos	poderosos”	em</p><p>detrimento	dos	“fracos	e	oprimidos”.	A	verdade	não	é	essa,	pois	ele	critica	tanto</p><p>um	como	outro.	Francamente,	Lutero	desconhece	o	que	temos	hoje	como</p><p>democracia.	Esse	conceito	só	terá	uma	aplicação	e	reivindicação	a	partir	do</p><p>século	XVIII.	Sua	abordagem	é	bastante	“evangélica”.</p><p>Lutero	divide	os	filhos	de	Adão	e	todas	as	pessoas	em	dois	grupos:	“uns</p><p>pertencem	ao	Reino	de	Deus	os	outros,	ao	reino	do	mundo”.	Para	que	esses</p><p>grupos	continuem	coexistindo	é	necessário	leis,	e	pressão	para	que	não	se</p><p>destruam.	Haveria	assim	a	instituição	divina	de	dois	domínios:	o	espiritual	“que</p><p>cria	cristãos	e	pessoas	justas	por	meio	do	Espírito	Santo”	e	o	temporal	que</p><p>“combate	os	cristãos	e	maus,	para	que	mantenham	paz	externa	e	tenham	que	ser</p><p>cordatos	contra	sua	vontade”.</p><p>A	aplicação	oposta	aos	ensinamentos	de	Lutero	ocorreu	durante	o	governo</p><p>Nacional	Socialista	da	Alemanha	do	século	XX	que	tentava	justificar	sua	prática</p><p>política	por	intermédio	dos	escritos	de	Lutero.	De	certa	forma	essa	distorção</p><p>evidencia	a	necessidade	de	um	poder	coercitivo	e	forte	na	sociedade.</p><p>Sobre	a	liturgia</p><p>Lutero	tratou	desse	assunto	na	medida	em	que	a	Reforma	ia	evoluindo.	A</p><p>princípio	envolveu-se	mais	com	questões	diretamente	ligadas	ao	movimento</p><p>reformatório.	Questões	que	eram	imprescindíveis	para	o	momento.	No	entanto	a</p><p>Reforma	avançava	e	novos	movimentos	surgiam,	inclusive	destoando	do</p><p>Reformador.	Diversas	cidades	e	regiões	alemãs	celebravam	seus	cultos	sem	uma</p><p>uniformidade.</p><p>Mas	desde	1523	os	pedidos	iam	chegando	a	Lutero	para	uma	uniformização	dos</p><p>cultos	ou	missas	realizadas,	nos	moldes	de	uma	liturgia	alemã.	Tanto	teólogos,</p><p>comunidades,	nobres	e	até	o	príncipe	eleitor	da	Saxônia	se	manifestavam	neste</p><p>sentido.	Lutero	relutava,	pois	não	se	achava	preparado,	em	relação	à	música</p><p>nesta	liturgia.	Mesmo	porque	estava	em	pleno	calor	a	disputa	com	Erasmo	de</p><p>Roterdã,	sobre	o	Livre	Arbítrio.</p><p>Não	houve	como	continuar	postergando.	Em	1525	mesmo	com	a	eclosão	da</p><p>Revolta	Camponesa	e	sua	disputa	com	Erasmo	ele	se	lança	a	mais	este	desafio.</p><p>Será	impossível	em	poucas	linhas	apresentar	toda	a	reformulação	de	Lutero,	por</p><p>isso	estaremos	tecendo	alguns	aspectos	normativos	lançados	por	Lutero.	Em</p><p>primeiro	lugar,	Lutero	foi	“democrático”,	ao	lançar	esta	“ordem	de	culto”	em</p><p>fins	de	1525.	Disse:</p><p>A	todos	aqueles	que	chegarem	a	ver	esta	ordem	de	culto	ou	desejam	segui-la</p><p>que,	de	modo	algum,	façam	dela	uma	lei	compulsória,	nem	comprometam	ou</p><p>prendam	a	consciência	de	ninguém,	mas	façam	usa	da	liberdade	cristã.</p><p>Afirmou	que	esta	liturgia	seria	aplicada	em	especial	à	cidade	de	Wittenberg:	“as</p><p>outras	regiões	não	precisariam	abandonar	para	sujeitar-se	a	nós”.	Recomendava,</p><p>sim,	que,	“em	cada	região	o	culto	fosse	celebrado	de	modo	uniforme,	e	que	os</p><p>lugarejos	e	aldeias	circunvizinhas	procedessem	da	mesma	forma	como	as</p><p>cidades	mais	próximas”.</p><p>Lutero	preconizou	três	tipos	de	culto	ou	missa:	Formulário	de	Missa;	Missa	ou</p><p>Culto	em	alemão	e	Autêntica	Ordem	Evangélica.	No	Formulário	de	Missa	era</p><p>uma	espécie	de	ecumenismo	de	Lutero.	Neste	culto	os	católicos	deveriam	assistir</p><p>na	língua	latina.	Visava	também	à	juventude	estudiosa,	para	fazê-la	exercitar	o</p><p>idioma.	A	Missa	ou	Culto	alemão	destinava-se	ao	“povo	simples”.	Muitos	que</p><p>assistiam	não	eram	crentes,	mas	meros	assistentes.	“Oficiada	em	língua	alemã,</p><p>promover	a	fé	e	conquistar	para	a	fé”.	Havia	também	ao	que	ele	chamou	de</p><p>Autêntica	Ordem	Evangélica	para	“aqueles	que	querem	ser	cristãos	sinceramente</p><p>e	confessam	o	Evangelho	em	palavras	e	ação”.	Neste	culto	poderiam	se	reunir</p><p>“para	orar,	ler	as	Escrituras,	batizar	e	celebrar	a	Ceia”.	Não	estariam	aqui	os</p><p>germes	do	que	se	convencionou	chamar	hoje	de	cultos	administrativos,	de</p><p>ensino,	de	doutrina,	de	oração	e	outros	termos	a	critérios	das	denominações?</p><p>Em	toda	a	liturgia	preconizada	por	Lutero	a	exposição	das	Escrituras	ou</p><p>pregação	eram	prioridades.	Steven	J.	Lawson	fornece	dados	sobre	a	ênfase	de</p><p>Lutero	em	relação	à	exposição	bíblica:</p><p>•	Pregava	duas	ou	três	vezes	por	semana.</p><p>•	Aos	domingos	pregava	duas	a	três	vezes.</p><p>•	Escreveu	sete	mil	sermões	entre	1510	–	1546.</p><p>•	Trinta	sermões	sobre	Romanos.</p><p>•	Duas	mil	e	trezentas	exposições	por	escrito.</p><p>•	Mais	de	mil	sobre	os	Sinóticos.</p><p>•	Durante	sua	vida,	pregou	em	média	dois	sermões	a	cada	dois	dias.</p><p>•	Pregou	seu	último	sermão	no	dia	14	de	fevereiro	de	1546,	quatro	dias	antes	de</p><p>sua	morte,	no	dia	18,	em	Mateus	11.25-30.</p><p>A	semana	de	Lutero	era	totalmente	envolvida	com	a	pregação.	Afirma-se	que	ele</p><p>não	fazia	o	trabalho	de	um	homem,	mas	de	dez.	O	púlpito	era	o	trono	da	Palavra</p><p>de	Deus,	assim	se	expressava.	O	fio	condutor	do	início	ao	fim	da	Reforma	foi	o</p><p>estudo	das	Escrituras.	Em	seus	escritos	e	sermões,	apresentava-se	sempre	como</p><p>Doutor	da	Bíblia	que	para	a	época	significava	que	ele	seria	um	“aluno	vitalício</p><p>dela”.</p><p>Pregações	de	Lutero	semanalmente:</p><p>Domingo:	Duas	ou	três	vezes</p><p>Culto	às	5	horas:	Sermão	de	uma	epístola</p><p>Culto	das	9	horas:	Sermão	extraído	dos	evangelhos</p><p>Culto	vespertino:	Sermão	baseado	no	Antigo	Testamento</p><p>Segunda:	Pregação	sobre	o	Catecismo	Maior	e	Menor</p><p>Terça:	Pregação	sobre	o	Catecismo	Maior	e	Menor</p><p>Quarta:	Pregação	em	Mateus</p><p>Quinta:	Pregação	em	Epístolas</p><p>Sexta:	Pregação	em	Epístolas</p><p>Sábado:	Pregação	o	principalmente	no	Evangelho	de	João</p><p>Existem	documentados	apenas	30	sermões	sobre	Romanos,	mas	sobre	os</p><p>evangelhos	sinóticos,	mais	de	mil.	E	centenas	sobre	o	evangelho	de	João.</p><p>Claro	que	os	hinos	não	foram	deixados	de	lado.	Inclusive	eram	muitos.	Os	hinos</p><p>de	Lutero	passaram	a	ser	cantados	nas	ruas.	Sobre	Hinário	em	nossas	igrejas</p><p>hoje,	temos	também	em	Lutero	o	pioneiro.	Sabe-se	que,	em	1524,	segundo	o</p><p>historiador	Martin	Dreher,	Lutero	editou	com	Johann	Walter,	“um	hinário	‘coral’</p><p>e	não	um	hinário	comunitário”.	Não	estaria	aqui	a	origem	da	prática	de	hinários</p><p>em	nossas	atuais	igrejas?	O	mesmo	autor	afirma	que	em	fins	do	século	XVI,</p><p>“Lutero	teria	composto	137	hinos”,	o	que	considera	como	“não	histórico”.</p><p>Atribui-se	a	Lutero	a	composição	entre	30	a	35	hinos.	Quem	não	conhece	o	belo</p><p>hino	Castelo	Forte,	inseridos	em	muitos	hinários	evangélicos?	Segundo	alguns</p><p>biógrafos,	teria	sido	composto	por	ocasião	da	Dieta	de	Worms	quando	se</p><p>apresenta	diante	do	imperador,	príncipes	alemães	e	a	Cúria	Romana.</p><p>Para	alguns,	a	hinologia	de	Lutero	foi	mais	influente	que	a	tradução	das</p><p>Escrituras.	Mencionaremos	alguns	exemplos:	Cantor	Cristão,	nº	323	(Batista);</p><p>Harpa	Cristã,	nº	581	(Assembleia	de	Deus);	Hinário	Adventista,	nº	33</p><p>(Adventista);	Hinário	para	o	Culto	Cristão,	nº	406;	Novo	Cântico	nº	155</p><p>(Presbiteriana);	Salmos	e	Hinos,	nº	640	(Congregacional);	Hinos	do	Povo	de</p><p>Deus,	nº197	(Igreja	Evangélica	Luterana	do	Brasil)	e	nº	97	(Igreja	Evangélica	de</p><p>Confissão	Luterana	no	Brasil).</p><p>Para	as	crianças,	uma	deferência	especial.	Chegava	mesmo	a	dizer	que	não</p><p>priorizar	as	crianças	na	liturgia	é	“cometer	pecado”.	Um	parêntese	sobre	as</p><p>crianças	é	necessário	abrir.	Trata-se	do	trabalho	fundamental	da	esposa,	Catarina</p><p>Von	Bora,	mas	isso	seria	um	novo	capítulo	nesta	obras.</p><p>Discorrer	sobre	Lutero	é	observá-lo	também	como	médico	da	alma.	Esta	será</p><p>mais	uma	contribuição	do	reformador.</p><p>Lutero	e	a	Psicanálise</p><p>Por	meio	de	uma	leitura	intensa	sobre	Lutero	descobre-se	cada	vez	mais	novos</p><p>afluente	para	este	grande	rio.</p><p>Existe	um	legado	em	Lutero	que	necessita	ser	pesquisado	e	ampliado.	Trata-se</p><p>de	Lutero	como	psicanalista.	É	indiscutível	a	pessoa	de	Freud	como	“pai”	da</p><p>moderna	psicanálise.	No	entanto	recentemente	lendo	Rubem	Alves,	na	obra</p><p>História	da	Teologia	da	América	Latina,	o	autor	relaciona	Lutero	à	psicanálise.</p><p>Após	revelar	alguns	erros	cometidos	no	passado,	Rubem	Alves,	afirma	que</p><p>poderíamos	“compreender	alguns	dos	desenvolvimentos	históricos,	nossos</p><p>contemporâneos,	que	se	geraram	naquela	época:	“de	Lutero	à	Psicanálise,	do</p><p>Calvinismo	ao	Capitalismo,	de	Münzer	a	Marx	e	Engels”.</p><p>Não	havia	imaginado</p><p>o	reformador	contribuindo	também	na	área	da	psicanálise.	A	partir	daí	fiz	uma</p><p>retrospectiva	das	minhas	leituras	sobre	Lutero.	Comecei	a	relacionar	afirmações</p><p>aqui,	posicionamento	acolá,	diversos	conselhos	que	este	apresentava	para	os</p><p>angustiados	e	uma	gama	de	procedimentos	que	me	mostravam	um	médico	da</p><p>alma	que	foi	este	grande	homem	do	século	XVI.	Abordar	Lutero	como	psicólogo</p><p>é	um	desafio	que	precisa	ser	feito	para	descortiná-lo	como	um	doutor	da	alma</p><p>humana.</p><p>Assim	passei	a	investigar	Lutero	e	a	Psicanálise,	consciente	de	todas	as	minhas</p><p>limitações	nesta	área.	É	oportuno	realçar	a	diferença	entre	Lutero	e	Freud,	que</p><p>viveu	mais	de	300	anos	após	a	morte	do	reformador,	na	análise	psicológica	do</p><p>ser	humano.	Freud	se	utilizava	de	meios,	tais	como	hipnose,	análise	e</p><p>interpretação	de	sonhos,	associação	livre,	Complexo	de	Édipo,	Ato	Falho,</p><p>sentido	dos	sintomas,	dentre	outros.	Lutero	por	sua	vez,	utiliza-se	e	conceitos</p><p>bíblico-teológicos	para	tratar	as	pessoas	com	seus	conflitos	internos.</p><p>Analisemos	a	questão	do	pecado	e	seus	efeitos	no	ser	humano	na	visão	de</p><p>Lutero.	Ele	descreve	uma	pessoa	afetada	pelo	pecado	como	“curvada	sobre	si</p><p>mesma”.	O	pecador	está	tão	encurvado	que	não	reconhece	a	sua	própria</p><p>enfermidade	espiritual.	Ele	faz	do	eu	o	objeto	supremo	desta	curvatura.	No</p><p>comentário	que	faz	sobre	Romanos	1.20,	Lutero,	diz	que	a	raiz	de	toda	idolatria</p><p>é	a	inclinação	do	ser	humano	em	“adorar	a	Deus	não	como	Ele	é,	mas	como</p><p>imaginam	a	pessoa	que	Ele	é”.	Parece-me	que	Lutero	antevê	o	deus	capitalista</p><p>dos	nossos	dias,	quando	fazemos	de	Deus	tal	como	uma	mercadoria	nas</p><p>prateleiras	de	um	supermercado,	em	que	escolhemos	e	levamos	o	que	nos</p><p>interessa	ou	precisamos	de	imediato.	Deus	é	“esta	mercadoria”	que	está	a	nossa</p><p>disposição	e	segundo	nossas	necessidades.	É	só	determinar	o	que	queremos	—	e</p><p>pronto	—	nos	será	entregue.	Chegamos	mesmo	a	determinar	o	que	queremos	e</p><p>Deus	vai	“cumprir	o	desejo	de	nosso	coração”.	É	o	Deus	dos	nossos	desejos,	em</p><p>vez	de	deixar	Deus	ser	Deus.	Tal	como	a	oração	de	Casaldáliga:	“meu	deus,</p><p>ajuda-me	a	ver	Deus”.	Lutero	compreendendo	a	natureza	humana	parte	para</p><p>desmoronar	esta	postura	carnal	que	temos	com	Deus,	como	consequência	do</p><p>pecado	em	nós.	Para	Lutero,	Deus	não	nos	é	revelado,	no	que	classificou	de</p><p>Teologia	da	Glória,	ou	melhor,	uma	Teologia	das	Obras	de	Deus.	Ele	se	revela</p><p>no	sofrimento,	no	ocultamento.	É	o	Deus	Absconditus,	aquEle	que	se	revela	no</p><p>oculto	de	nossa	alma	e	de	nossa	existência	pó	intemédio	da	fé.</p><p>Deixemos	que	o	próprio	reformador	nos	fale	deste	tema	tão	sublime:</p><p>Para	que	haja	lugar	para	fé,	é	necessário	que	todas	as	coisas	que	se	creem	sejam</p><p>abscônditas.	Ora,	não	podem	estar	mais	remotamente	abscônditas	do	que	se</p><p>estão	sob	o	contrário	do	que	se	tem	à	visão,	se	percebe	e	experimenta.	Assim,</p><p>quando	vivifica,	Deus	o	faz	matando;	quando	justifica,	o	faz	incriminando;</p><p>quando	leva	ao	céu,	o	faz,	conduzindo	ao	inferno,	como	diz	a	Escritura:	‘O</p><p>Senhor	mata	e	vivifica,	leva	o	inferno	e	retira’	(1	Sm	2.6)</p><p>Quando	essa	verdade	não	é	percebida,	o	ser	humano	fica	“num	beco	sem	saída”</p><p>e,	consequentemente,	a	frustração,	depressão,	inquietação,	nervosismo	e	outros</p><p>males	começam	a	fazer	parte	de	nossa	psique	e	criamos	imagens	deste	próprio</p><p>mal	que	está	em	nós.	Sobre	o	mal	dentro	de	nós,	Lutero	afirmou	que,</p><p>isto	é	certo	e	verdadeiro,	quer	a	pessoa	creia,	quer	não:	não	pode	haver	na	pessoa</p><p>sofrimento	tão	grande	que	seja	o	pior	dos	males	que	estão	dentro	dela.	Os	males</p><p>que	há	dentro	dela	são	muito	mais	numerosos	e	maiores	do	que	aqueles	que	ela</p><p>sente.	Porque	se	sentisse	seu	mal,	sentiria	o	inferno,	pois	ela	tem	o	inferno</p><p>dentro	de	si.</p><p>Essas	palavras	foram	direcionadas	para	um	de	seus	pacientes	e	revelam,</p><p>certamente,	uma	situação	vivenciada	por	ele	mesmo.</p><p>A	justiça	de	Deus	para	Lutero	é	Deus	vindo	ao	ser	humano	em	Cristo	e,	por</p><p>Cristo,	assumindo	nossas	dores.	É	o	“médico	ferido”	tal	como	Cristo.</p><p>Para	a	abordagem	deste	aspecto	em	Lutero	vamos	enumerar	somente	dois</p><p>exemplos	que	revelam	o	reformador	como	médico	da	alma,	que	procurava	na</p><p>Palavra	de	Deus	a	respostas	para	os	anseios	do	ser	humano	seja	qual	for	a</p><p>necessidade.	Aliás,	era	sempre	o	seu	método	em	tratar	as	questões	vindas	a	ele.</p><p>O	primeiro	caso	a	citar	nos	vem	de	uma	mulher	chamada	Bárbara	Lisskirchen</p><p>que	temia	não	estar	entre	os	eleitos.	Lutero	responde	afirmando	que	a	solução</p><p>está	numa	fé	genuína	em	Cristo	alicerçada	nas	Sagradas	Escrituras,	tais	como:</p><p>Perguntar	que	mandamento	está	escrito	em	que	ela	deveria	pensar	nisto.	Quando</p><p>perceber	que	não	existe	nenhum	mandamento,	expulsa	esse	“Diabo”	que	quer</p><p>deixá-la	preocupada	consigo	mesmo,	sabendo	que	Deus	quer	cuidar	de	nós.</p><p>Manter	diante	de	seus	olhos	a	imagem	do	seu	filho.	Diariamente,	Cristo	deve	ser</p><p>seu	excelente	espelho,	para	observarmos	de	quanto	Deus	nos	ama.	Lutero</p><p>declara	à	mulher,	que	não	permita	que	este	espelho	seja	tirado	diante	de	seus</p><p>olhos</p><p>Contemplar	Cristo	que	foi	entregue	por	nós.	“Então	a	senhora	se	sentira	melhor”.</p><p>O	segundo	exemplo	é	mais	complexo.	Trata-se	de	escrever	ao	príncipe</p><p>Frederico,	o	Sábio,	e	seu	protetor	durante	os	difíceis	anos	do	início	da	Reforma.</p><p>Em	meados	de	1519,	o	príncipe	adoecera	gravemente,	tendo	febre,	podagra</p><p>(inflamação	nas	articulações	nos	dedos	dos	pés)	e	cólicas	renais.	Muitos</p><p>pensavam	em	sua	morte	o	que	não	seria	nada	bom	para	Lutero	e	a	causa	da</p><p>Reforma.	O	capelão	da	corte	e	secretário	do	príncipe	pediu	que	Lutero	redigisse</p><p>um	escrito	de	consolo	para	o	príncipe-eleitor	(era	um	dos	sete	príncipes	que</p><p>escolhiam	o	sucessor	do	imperador	do	Sacro	Império	Romano-Germânico).	Foi</p><p>um	momento	muito	delicado	para	Lutero	com	a	sua	índole	crítica,	franca	e</p><p>sincera,	pois	o	Príncipe	era	um	ávido	colecionador	de	relíquias,	o	que	Lutero</p><p>tanto	condenara.	Possuía	milhares	de	objetos	sacros	e	todos	guardados	com</p><p>veneração.	Na	relação	de	1518,	mencionam-se	17.443	relíquias,	cujas</p><p>indulgências	por	eles	obtidas	chegavam	a	um	total	de	127.799	anos	e	116	dias</p><p>livres	do	purgatório.	Também	possuía	14	santos	considerados	auxiliares	das</p><p>necessidades	humanas,	tais	como	dores	de	dentes,	garganta	e	cabeça,	peste,</p><p>dores	físicas	de	toda	espécie,	ataques	de	maus	espíritos	e	luta	contra	o	bem	e	o</p><p>mal.	Os	14	santos	estavam	todos	num	altar	na	igreja	de	Maria,	frequentada	pelo</p><p>príncipe.</p><p>Como	agir	Lutero	diante	deste	quadro	sem	ferir	a	sua	própria	consciência?	Como</p><p>falar	a	verdade	sem	ferir	a	mente	doentia,	tanto	física	quanto	espiritual	do</p><p>príncipe?	Quando	lemos	os	conselhos	de	Lutero	percebe-se	o	equilíbrio,</p><p>discernimento	e	espiritualidade	deste	reformador.	É	neste	momento	que</p><p>percebemos	Lutero	como	um	curador	da	alma.</p><p>Sabendo	que	o	príncipe	tinha	diante	de	si	14	santos	que	poderiam	auxiliar	em</p><p>sua	doença,	Lutero	não	se	atém	à	imagem	e	ao	que	ela	apresenta,	mas	apresenta</p><p>uma	reinterpretação.	De	forma	coerente	e	bíblica,	ele	vai	“levando”	a	piedade	do</p><p>príncipe	às	Escrituras	e,	paulatinamente,	leva	o	príncipe	do	culto	às	relíquias	ao</p><p>próprio	Cristo,	sem	deixar	de	esconder	que	os	sofrimentos	e	bens	que	passamos</p><p>são	realidades	da	vida.</p><p>Lutero	se	utiliza	de	14	consolações,	tais	como	o	número	dos	santos	de	devoção</p><p>do	príncipe	sem	atacá-los,	mas	transferindo	para	uma	realidade	de	fé	em	Cristo	e</p><p>nas	Escrituras.</p><p>O	reformador	apresenta	sete	males	e	sete	bens	como	partes	da	vida	do	ser</p><p>humano.	Os	males	são	apresentados	em	imagens,	tais	como:	o	mal	dentro	de</p><p>nós;	o	mal	a	nossa	frente;	o	mal	atrás	de	nós;	o	mal	abaixo	de	nós;	o	mal	à</p><p>esquerda;	o	mal	à	direita	e	o	mal	acima	de	nós.	Num	segundo	momento,	o</p><p>“psiquiatra”	Lutero	apresenta	os	sete	bens,	também	em	imagens,	tais	como:	o</p><p>bem	interno;	o	bem	futuro;	o	bem	passado;	o	bem	abaixo	de	nós;	o	bem	à</p><p>esquerda;	o	bem	à	direita	e	o	bem	acima	de	nós.	Ao	discorrer	sobre	o	sétimo</p><p>bem,	Lutero	argumenta,	como	uma	espécie	de	conclusão,	palavras	consoladoras</p><p>revelando	que	os	males	e	os	bens	atingem	a	todos,	mas	tal	como	Cristo	recebeu</p><p>do	Pai,	assim	recebemos	dEle	força,	confiança	e	benefícios,	mesmos	nós,</p><p>“indignos”:	Cristo	é	o	carro	mais	agradável	“que	nos	foi	feito	por	Deus	justiça,</p><p>santificação,</p><p>redenção,	sabedoria”;	mesmo	pecador	que	sou	“ando	em	sua	justiça</p><p>que	me	foi	dada”;	mesmo	em	minha	imundícia,	minha	santificação	“é	sua</p><p>santidade	na	qual	ando	de	modo	agradável”;	mesmo	sendo	estulto,	“mas	sua</p><p>sabedoria	me	conduz”;	sou	condenado,	mas	“sua	liberdade	é	minha	redenção,</p><p>um	carro	seguríssimo”.</p><p>Palavras	como	essas,	somente	um	“psicólogo”,	com	uma	experiência	profunda</p><p>de	Deus,	poderá	transmitir	à	alma	aflita	o	bálsamo	confortador	e	restaurador.	E</p><p>Lutero	foi	esse	psicólogo!</p><p>Devido	à	impossibilidade	em	discorrer	sobre	os	males	e	bens	invocados	por</p><p>Lutero	e	não	tornar	esta	exposição	por	demais	extensa	limitamo-nos	a	citá-los.	É</p><p>edificante	as	palavras	de	Lutero	em	relação	ao	sétimo	bem	e	que	vale	para	todos</p><p>os	demais:</p><p>Esta	única	imagem,	[a	sétima]	se	outras	não	houvesse,	nos	pode	imbuir	de	tanta</p><p>consolação,	se	considerada	bem	e	de	coração	atento,	que	não	só	não	padecemos</p><p>com	nossos	males,	mas	inclusive	nos	gloriamos	nas	tribulações,	por	causa	da</p><p>alegria	que	temos	em	Cristo,	quase	que	não	as	sentindo.</p><p>O	registro	de	Martin	Dreher	resume	bem	a	finalidade	do	reformador:</p><p>A	partir	dos	sete	males	é	apresentada	uma	descrição	da	situação	do	ser	humano:</p><p>pecado,	medo,	perigo,	morte,	inferno,	injustiça	e	cruz.	Essa	situação	é	limitada</p><p>pela	solidariedade	de	Cristo	com	os	sofrimentos,	pois	Ele	também	santifica	o</p><p>sofrimento.	Com	isso	não	só	é	possível	suportar	o	sofrimento,	mas	também	amá-</p><p>lo.	Os	sete	bens	são	aplicados	à	situação	do	ser	humano,	pois	a	ele	são	dadas	a</p><p>Palavra	e	a	fé.	A	ele	são	anunciadas	a	paz	e	a	companhia	de	Deus.	Mesmo	no</p><p>inferno.</p><p>Encerraremos	este	legado	com	as	palavras	finais	de	Lutero	ao	Príncipe-Eleitor</p><p>Frederico	III	que,	inclusive	ao	morrer	em	1525	(essas	Consolações	foram</p><p>escritas	em	1520),	confessou	abertamente	a	fé	evangélica,	recebendo	a	Ceia	do</p><p>Senhor	com	as	duas	espécies,	pão	e	vinho.	Conclui	Lutero:</p><p>Com	estas	minhas	nugas,	(ninharia,	bagatela)	Ilustríssimo	Príncipe,	que	atestam</p><p>a	espécie	do	ofício	de	minha	pobreza,	recomendo-me	a	Vossa	Alteza,	muitíssimo</p><p>disposto	a	oferecer	coisas	melhores	se	a	faculdade	de	meu	espírito	algum	dia</p><p>corresponder	ao	que	me	proponho.	Pois	jamais	deixarei	de	ser	devedor	de</p><p>qualquer	próximo	meu,	principalmente	de	Vosso	Alteza,	a	qual	nosso	Senhor</p><p>Jesus	Cristo,	por	sua	clemente	bondade,	nos	preserve	incólume	por	muito	tempo</p><p>e	por	fim	reconduza	a	si	através	de	um	fim	abençoado.	Amém.</p><p>De	Vossa	Ilustríssima	Alteza	intercessor</p><p>—	Frei	Martinho	Lutero,	Agostiniano	de	Wittenberg</p><p>Reformulação	e	formação	da	identidade	católica</p><p>Trata-se	de	um	verdadeiro	desafio	a	apresentação	deste	novo	legado	de	Lutero,</p><p>pois	não	atinge	os	protestantes	e	sim	o	catolicismo.	Cremos	não	será	exagero</p><p>afirmar	que,	ao	menos	indiretamente,	Lutero	também	trouxe	um	legado	para	o</p><p>catolicismo.	De	certa	forma	ele	contribuiu	para	uma	reformulação	e,	mesmo	por</p><p>meio	de	um	processo,	a	formação	da	identidade	católica.	Lutero	“provocou”,</p><p>após	1517	a	igreja	católica	por	ter	fixado	dogmaticamente	as	doutrinas	da</p><p>tradição,	do	pecado	original,	da	justificação	e	muitas	outras.	De	acordo	com	Kurt</p><p>D.	Schmidt	“foi	apenas	uma	reflexão	parcial”,	porém,	não	deixou	de	ser	o</p><p>começo	de	uma	“renovação”.	Claro	que	a	igreja,	como	instituição,	não</p><p>reconhecerá	sem	restrições	essa	postura.	Será	um	choque	muito	grande</p><p>reconhecer	que	o	próprio	Lutero	contribuiu	para	o	catolicismo	de	hoje,	contudo,</p><p>é	o	que	estaremos	discorrendo,	uma	vez	que	a	intenção	original	de	Lutero	era</p><p>trazer	um	“melhoramento”	para	a	igreja	do	seu	tempo.	Lutero	não	preconizou</p><p>uma	nova	igreja,	inclusive	sabe-se	que	ele	deixou	o	hábito	de	sacerdote	católico</p><p>somente	em	1524.	O	rompimento	definitivo	foi	uma	evolução	em	que	houve</p><p>precipitação	por	parte	de	alguns	clérigos,	e	com	isso	o	rompimento	definitivo.</p><p>Esta,	porém,	foge	ao	escopo	desta	obra.</p><p>Para	esta	apresentação	servimo-nos,	principalmente,	do	artigo	de	Walter	G.</p><p>Kunstmann,	O	Concílio	de	Trento	e	o	I	Concílio	Vaticano,	in	O	catolicismo</p><p>Romano	–	um	simpósio	protestante,	1962.	Também	oportuna	foi	a	obra	de</p><p>Alister	E.	McGrath,	O	Pensamento	da	Reforma.</p><p>É	por	demais	conhecido	pelos	estudiosos	que	a	Igreja	oficial,	desde	a	Idade</p><p>Média,	se	apresentava	como	uma	colcha	de	retalhos	em	vários	de	seus	aspectos.</p><p>Faltava	unidade	em	várias	questões	doutrinárias.	Basta	citar	que	em	plena	época</p><p>da	Reforma	não	havia	um	posicionamento	oficial	sobre	a	questão	fundamental</p><p>da	fé	cristã	que	é	a	justificação	do	pecador	diante	de	Deus.	Para	o	conceito	de</p><p>igreja	não	havia	unanimidade.	Até	mesmo	sobre	a	imortalidade	da	alma,	houve</p><p>um	Concílio	para	ratificar	esse	ensino.	Sem	entrar	de	detalhes	podemos</p><p>enumerar	diversas	crises	que	a	igreja	enfrentava	às	vésperas	de	Reforma,	tais</p><p>como:	de	autoridade,	de	unidade,	espiritual,	moral,	intelectual	e	com	resultado	a</p><p>existência	de	uma	confusão	teológica.	Vozes	discordantes	se	ouviam	aqui,	ali	e</p><p>acolá.	Diante	dessa	situação,	vozes	da	própria	igreja	se	levantavam	clamando</p><p>por	mudanças	e	a	igreja,	com	todo	o	seu	aparato,	agia	imediatamente	para</p><p>silenciar,	seja	por	meio	da	Inquisição,	Concílios	e	demais	mecanismos.</p><p>Queremos	destacar	três	momentos	cruciais	e	determinantes	para	o	catolicismo</p><p>moderno	que	se	completam,	mesmo	distantes	por	séculos.	Trata-se	do	Concílio</p><p>de	Trento,	século	XVI,	o	Vaticano	I,	século	XIX	e	Vaticano	II,	século	XX.	Esses</p><p>três	Concílios	vão	ajustando	o	catolicismo	frente	aos	novos	desafios	que	se</p><p>apresentavam.	Interessante	que	esses	ajustamentos	sempre	foram	feitos	em</p><p>épocas	de	crises.	Nestes	pouco	mais	de	400	anos	se	foi	processando	a</p><p>construção,	formação	e	identidade	do	catolicismo	contemporâneo.	Inclusive	em</p><p>meados	do	século	XVI,	durante	o	Concílio	de	Trento	nasce	a	nomenclatura</p><p>Igreja	Católica	Apostólica	Romana.	Nesse	Concílio	os	desafios	eram	grandes	em</p><p>função	das	reformas	que	se	alastravam	pela	Europa.	No	Vaticano	I,	as	novas</p><p>correntes	ideológicas	e	o	liberalismo	emergiam	de	forma	contestatória	no	que	se</p><p>convencionou	chamar	de	Antigo	Regime,	no	qual	a	igreja	estava	identificada.</p><p>No	século	XIX,	o	posicionamento,	de	forma	geral,	identificava	o	catolicismo</p><p>como	retrógrado	e	o	protestantismo	progressista.	No	Vaticano	II,	diante	de	todo</p><p>um	processo	de	mudanças	e	transformações	do	mundo	pós	guerra,	a	igreja</p><p>necessitava	de	uma	modernização	diante	das	novas	circunstâncias,	tais	como	a</p><p>crescente	urbanização,	a	secularização	e	emergência	de	novos	fatores	sociais.</p><p>Esses	ajustamentos	não	ocorriam	de	forma	moderada,	ao	contrário,	devido	às</p><p>circunstâncias,	havia	uma	radicalização,	porém,	esta	não	poderia	ocorrer	no</p><p>Vaticano	II,	pois	os	tempos	eram	outros.	Assim	há	uma	“abertura”	neste	referido</p><p>Concílio.	Cremos	que	o	saldo	foi	positivo	para	o	catolicismo	no	mundo,	pois</p><p>esses	desafios	levaram	a	mudanças	e	ajustes	aos	novos	tempos,	garantindo	sua</p><p>sobrevivência.</p><p>Temos	observado	que	toda	e	qualquer	instituição	quando	passa	por	crises	ou</p><p>dificuldades,	geralmente,	assume	uma	postura	radical	em	suas	medidas	ou</p><p>soluções..	É	um	“cumpra-se”	doa	a	quem	doer.	Em	época	de	crise,	deve-se</p><p>mostrar	força,	determinação	e	resolução	—	muitas	vezes	arbitrárias.	Isso</p><p>também	se	aplica	no	dia	a	dia	das	pessoas.	Basta	somente	pensar	em	situações</p><p>difíceis	que	alguém	já	passou	e	procurar	ver	qual	a	atitude	tomada	para	sair	da</p><p>dificuldade.	Não	foi	diferente	com	o	catolicismo	do	século	XVI.	Havia	muitas</p><p>vozes	...	E	vozes	dissidentes.</p><p>Vozes	Dissidentes</p><p>Ao	se	falar	ou	discorrer	sobre	essas	vozes,	imediatamente,	surge	em	nossa	mente</p><p>os	considerados	“heréticos”,	tais	como	Wycliffe,	Savonarola,	Huss	e	tantos</p><p>outros.	No	entanto	estaremos	ouvindo	as	vozes	dos	não	heréticos,	que	também</p><p>ansiavam	por	melhorias	na	igreja	e,	até	mesmo,	uma	“reforma	em	cabeça	e</p><p>membros”.	O	clamor	era	grande	para	que	a	igreja	voltasse	à	pureza	do	tempo</p><p>apostólico.	O	bramido	crescia	à	medida	em	que	a	igreja	não	apresentava</p><p>resposta.	Quando	muito	reconhecia	a	necessidade	de	realizá-la.	São	várias</p><p>situações	ao	longo	dos	séculos	que	vão	preparando	o	terreno	para	uma	Reforma</p><p>na	própria	igreja.	O	episódio	de	Avignon,	quando	se	chegou	a	ter	três	papas</p><p>simultâneos,	inclusive	um	excomungando	o	outro,	fez	do	“Bispo</p><p>Universal”	um</p><p>simples	bispo	da	corte	francesa.	O	cisma	Oriental	com	o	surgimento	da	igreja</p><p>Ortodoxa	foi	outro	fator	desagregador	da	igreja.</p><p>Francisco	de	Assim	havia	traçado	normas	para	a	Reforma,	mas	ele	próprio	não</p><p>era	bem	visto	pela	Cúria	Romana.	A	própria	aceitação	de	sua	ordem	foi	uma</p><p>estratégia	para	ganhá-lo	para	si,	isto	é,	para	igreja.	Trata-se	daquele	velho</p><p>chavão:	“Não	posso	derrotar	meu	inimigo,	me	uno	a	ele”.</p><p>Desde	a	Idade	Média	tardia,	a	linhagem	dos	Papas	era	de	cultura	renascença,	o</p><p>dinheiro,	volúpia	e	poder	norteavam	a	prática	na	igreja,	mas	orações,	cura</p><p>d’alma	e	vida	sacerdotal,	bem	pouco.</p><p>Nas	primeiras	décadas	do	século	XIV,	quando	Wycliffe	chama	o	papa	de</p><p>anticristo,	é	intensificada	a	crise.	Em	fins	do	século	XV,	havia	um	clamor	contra</p><p>a	ditadura	do	Roma.	As	incertezas	teológicas,	a	falta	de	pronunciamento</p><p>determinativo	e	da	clareza	dogmática	(e	isso	sem	falar	dos	movimentos</p><p>considerados	heréticos),	a	incerteza	da	infabilidade	papal,	a	indefinição	entre	o</p><p>conciliarismo,	isto	é,	o	Concílio	acima	do	papa	ou	supremacia	papal,	bem	como</p><p>os	próprios	religiosos	católicos	questionando	determinadas	doutrinas,	aumentava</p><p>consideravelmente	a	necessidade	de	reformas.	Aliado	a	tudo	isso,	ocorriam	à</p><p>inquietação	geral	e	o	medo	do	inferno	pelos	fieis,	refletidos	nas	artes,	esculturas</p><p>e	gravuras.	As	epidemias	e	guerras	eram	causadas,	assim	concluíam,	não	só</p><p>pelas	heresias,	mas	pela	situação	da	igreja.	A	corrupção	do	clero	e	as	negociatas</p><p>por	meio	da	venda	de	indulgência	deixavam	todos	revoltados.	Em	plena	época</p><p>de	Lutero	se	dizia	que	a	desgraça	sobreveio	à	igreja	por	causa	dos	pecados	dos</p><p>sacerdotes	e	especialmente	da	Cúria	Romana.</p><p>Diante	de	todo	este	quadro,	apresentado	de	forma	sucinta,	o	movimento	de</p><p>Lutero	eclodiu.	Em	pleno	processo	da	Reforma,	dizia-se	no	meio	católico	que</p><p>metade	da	Alemanha	gritava	o	nome	Lutero	e	a	outra	metade,	que	não	o	apoiava,</p><p>clamava	contra	Roma.</p><p>O	Concílio	de	Trento</p><p>Diante	desta	situação,	somando-se	com	o	agravamento	da	divisão	da	cristandade</p><p>ocidental	entre	católicos	e	protestantes,	não	existia	alternativa	senão	a	realização</p><p>de	um	Concílio	que	vinha	sendo	reivindicado	e	protelado	pela	Cúria	romana,</p><p>pois	foi	cancelado	e	remarcado	cerca	de	cinco	vezes.	Certamente,	em	função</p><p>disso,	Lutero	escreveu:	“este	[refere-se	ao	papa]	se	desespera	e	não	sabe	o	que</p><p>fazer.	Ele	não	pode	e	nem	quer	tolerar	o	concílio	[certamente	o	de	Trento],	não</p><p>quer	que	ninguém	proceda	ou	fale	às	claras	a	respeito,	só	pensa	abafar	à	força	o</p><p>clamor”.	Finalmente	o	Concilio	de	Trento	—	cidade	italiana	—	foi	instalado.</p><p>Iniciado	em	dezembro	de	1545	e	se	prolongou	até	1563,	sendo	interrompido</p><p>diversas	vezes	por	questões	políticas.	Foi	dividido	em	três	fases:	1545-1547,</p><p>1551-1552	e	1562-1563.	Esse	Concílio	foi	uma	espécie	de	pedra	angular	para	o</p><p>catolicismo	moderno.	Basta	dizer	que	reunidos	os	18	Concílios	anteriores	a	este,</p><p>não	chegaria	ao	montante	de	definições	e	legislação	de	Trento.	Pouco	mais	de</p><p>dois	meses	após	sua	instalação,	morria	Lutero.	Fazendo	uma	analogia	com</p><p>Moisés,	que	morreu	“sem	ver	a	Terra	Prometida”,	de	forma	semelhante	o</p><p>reformador	não	pode	presenciar	esse	grande	conclave	e,	infelizmente,	deixamos</p><p>de	conhecer	sua	avaliação	que,	certamente,	seria	não	só	contundente,	mas,</p><p>sobretudo,	com	uma	visão	histórica	que	pouco	fariam	de	forma	tão	convincente</p><p>e	bíblica.</p><p>Instalado	o	Concílio,	ficou	notória	a	preocupação	em	“arrumar	a	casa”	e	fazer</p><p>frente	ao	protestantismo	que	se	expandia.	De	nada	valeu	a	presença	dos</p><p>protestantes,	inclusive	Melanchthon,	em	suas	primeiras	sessões.	As	cartas	já</p><p>estavam	marcadas,	antes	da	presença	dos	novos	protestantes.	Mesmo	porque</p><p>havia	uma	conotação	política	muito	latente	na	realização	ou	não	do	Concílio:	por</p><p>parte	da	igreja,	entre	seus	temores	estava	a	questão	do	conciliarismo;	em	relação</p><p>ao	Sacro	Império	o	desejo	político	de	uma	Alemanha	sob	a	bandeira	de	uma	só</p><p>religião,	bem	como	a	diminuição	do	poder	papal	e	por	parte	da	França	o</p><p>esforçava	para	a	não	a	realização	do	Concílio	preocupada	com	o	fortalecimento</p><p>dos	Habsburgo	alemão.	A	tentativa	do	Concílio	em	Mântua	por	parte	da	igreja</p><p>foi	frustrada	pelo	imperador.	A	escolha	do	Trento,	por	sua	vez,	atendia	aos</p><p>interesses	alemães,	pois	embora	esta	cidade	estivesse	na	Itália,	estava	sob	a</p><p>jurisdição	do	império.</p><p>Já	em	1546,	cerca	de	quatro	meses	de	instalação	do	Concílio,	decisões	foram</p><p>aprovadas	oficializando,	na	prática,	o	rompimento	definitivo	entre	católicos	e</p><p>protestantes.	Segue	algumas	das	determinações	com	os	seus	cânones:</p><p>1.	Sobre	as	Escrituras.	Não	somente	os	livros	canônicos	foram	reconhecidos,</p><p>mas	também	a	tradição.	Assim	as	Escrituras	Sagradas	foram	equiparadas	à</p><p>Tradição	como	fonte	e	base	de	fé.</p><p>[...]	vendo	claramente	que	esta	verdade	e	disciplina	se	acham	contidas	nos	livros</p><p>escritos	e	nas	tradições	não	escritas,	recebidas	pelos	apóstolos,	ditando	o	Espírito</p><p>Santo,	chegaram	até	nós,	transmitidas	como	se	fosse	de	mão	em	mão...</p><p>2.	Sobre	os	apócrifos.	O	Concílio	julgou	que	os	livros	canônicos	são	deficientes</p><p>e	publicou	uma	lista	completa	de	obras	que	aceitavam	como	autorizadas.	Assim,</p><p>os	livros	deuterocanônicos	ou	apócrifos	foram	equiparados	à	tradição	e,	por</p><p>vez,	às	Escrituras	Sagradas:</p><p>Se	alguém	não	receber	integralmente	estes	livros	com	todas	as	suas	partes,	como</p><p>era	de	costume	os	ler	na	Igreja,	e	como	se	encontram	na	antiga	edição	da	Vulgata</p><p>Latina,	e	não	os	tenha	por	sacros	e	canônicos,	seja	anátema.</p><p>3.	Sobre	a	Vulgata</p><p>[...]	a	Vulgata,	antiga	edição	em	latim	que	tem	sido	usada	por	muitos	séculos,	foi</p><p>aprovada	pela	igreja	e	deve	ser	defendida	como	autêntica	nas	palestras,	debates,</p><p>sermões	e	exposições	públicas.	Que	ninguém	presuma	ou	ouse,	sob	qualquer</p><p>circunstância,	rejeitá-la.</p><p>4.	Sobre	a	autoridade	da	igreja.	Foi	ratificado	o	que	na	prática	era	costume,	isto</p><p>é,	só	a	igreja	e	o	papa	podem	interpretar	as	Sagradas	Escrituras.	Ainda	no</p><p>mesmo	Cânone:	não	se	deve	tolerar	opiniões	e	liberdades	quanto	à	consciência</p><p>e	ao	culto.</p><p>[...]	ninguém	ouse	interpretar,	confiado	em	sua	prudência,	nas	coisas	de	fé	e	de</p><p>costumes	pertencentes	à	edificação	da	doutrina	cristã,	a	Sagrada	Escritura,</p><p>segundo	seu	próprio	modo	de	crer,	contra	a	orientação	que	seguiu	e	segue	a</p><p>Santa	Madre	Igreja	a	quem	pertence	julgar	do	verdadeiro	sentido	e	interpretação</p><p>das	Escrituras	ou	contra	o	assentimento	unânime	dos	santos	padres.</p><p>Se	alguém	disser	que	a	intolerância,	pela	qual	a	Igreja	Católica	proíbe	e	condena</p><p>todas	as	seitas	separadas	de	sua	comunhão,	não	é	de	direito	divino	ou	que	da</p><p>verdade	religiosa	pode	haver	opiniões	apenas	e	não	certeza	e	que,	portanto,	todas</p><p>as	seitas	religiosas	devem	ser	toleradas	pela	Igreja,	seja	anátema.</p><p>5.	Sobre	publicações.	Nenhum	católico	poderia	publicar,	escrever,	ler,	circular</p><p>ou	possuir	livros	anônimos:</p><p>É	ilegal	que	qualquer	pessoa	imprima,	ou	publique,	qualquer	livro	que	trate	de</p><p>questões	de	doutrina	sagrada	sem	o	nome	do	autor,	ou	no	futuro	vendê-lo	ou	até</p><p>mesmo	possuí-los,	a	não	ser	que	primeiro	eles	tenham	sido	examinados	e</p><p>aprovados...	A	aprovação	de	tais	livros	será	dada	por	escrito	e	deverá	aparecer	na</p><p>página	inicial.</p><p>6.	Sobre	a	justificação.	A	justificação	pela	fé	foi	um	dos	temas	fundamentais	do</p><p>pensamento	da	Reforma,	em	especial	em	Martinho	Lutero.	O	Concílio,	na</p><p>verdade,	rejeitou	a	tese	luterana:	“Se	alguém	disser	que	Deus	sempre	perdoa</p><p>toda	a	pena	justamente	com	a	culpa,	e	que	a	satisfação	dos	penitentes	não	é</p><p>senão	a	fé	pela	qual	creem	em	que	Cristo	deu	satisfação	por	eles,	seja	anátema!.</p><p>Se	alguém	disser	que	o	ímpio	é	justificado	pela	fé	somente,	de	maneira	que</p><p>entenda	nada	mais	exigir-se	para	alcançar	a	graça	justificante	e	de	modo	algum</p><p>ser	necessário	preparar-se	(o	ímpio)	e	dispor-se	com	algum	movimento	próprio,</p><p>seja	anátema!</p><p>Esses	poucos	decretos	revelam	a	situação	da	Igreja	antes	e	depois	de	Trento.	Em</p><p>outras	palavras,	como	ela	se	encontrava	e	como	passou	a	estar:	da	indefinição</p><p>para	a	definição.	Surge	uma	Igreja	que	diz	como	é.	A	igreja	a	partir	de	agora</p><p>“mostra	a	sua	cara”.	É	o	momento	que	se	inicia	a	sua	própria	e	futura	identidade.</p><p>A	radicalização</p><p>se	fazia	necessária	neste	momento	crítico.	Esse	Concílio,	de	fato,</p><p>lançou	as	bases	em	sua	caminhada	na	procura	de	sua	identidade	concluída	no</p><p>Vaticano	I	de	1870.</p><p>Vaticano	I	e	Trento</p><p>Embora	separados	por	séculos	eles	se	completam.	O	tempo	passa	e	com	ele	as</p><p>condições	e	contradições.	São	necessários	novos	ajustes.	No	século	XIX,	o</p><p>Liberalismo,	o	Nacionalismo,	a	Maçonaria	e	o	Marxismo	são	fatos	e	presenças</p><p>reais.	O	Capitalismo	como	modo	de	produção	se	instala	na	Europa.	A	igreja	no</p><p>século	XIX	está	sendo	vista	como	conservadora	e	aliada	ao	Antigo	Regime	em</p><p>decadência.	No	Brasil,	ocorre	o	que	se	convencionou	chamar	de	Questão</p><p>Religiosa	do	Império,	quando	dois	bispos	(Olinda	e	Pará)	são	presos	em</p><p>decorrência	do	não	cumprimento	da	determinação	de	D.	Pedro	II	sobre	a</p><p>Maçonaria	em	suas	dioceses.	Essa	questão	com	roupagem	religiosa,	na	verdade,</p><p>era	mais	questão	política,	inclusive	visando	a	separação	entre	estado	e	igreja,	o</p><p>que	ocorreria	em	fins	do	século.</p><p>Assim	o	Concílio	Vaticano	I	deve	ser	inserido	nas	transformações	capitalistas	do</p><p>século	XIX.	Transformações	estas	que	a	igreja	enfrenta.	Ela	é	afetada	em	sua</p><p>espinha	dorsal,	isto	é,	a	superioridade	do	espiritual	sobre	o	temporal.	Os	novos</p><p>ventos	atingem	em	cheio	a	Igreja	Católica.	O	Estado	laico	é	uma	realidade.	A</p><p>igreja	necessita	tomar	uma	posição	e	a	realização	de	um	novo	Concílio	se	faz</p><p>necessário.	Nesse	Concílio	o	objetivo	é	a	continuidade	e	consolidação	da</p><p>herança	espiritual,	pois	perdera	a	pujança	política	de	outrora.	Era	necessário</p><p>resgatar	o	poder	espiritual,	abalado	desde	a	Reforma,	pois	o	poder	temporal</p><p>havia	perdido	ou	secundado.	A	identidade	da	igreja	necessitava	ser	resgatada.</p><p>Desde	Trento,	além	de	constituir-se	“apostólica”,	foi	também	crescente	o	poder</p><p>que	a	igreja	conferiu	às	mãos	do	papa,	subordinando	a	este	até	os	próprios</p><p>Concílios	e	as	deliberações.	Foi	um	longo	processo	e	o	Vaticano	I	vai	coroar</p><p>com	êxito	este	objetivo.</p><p>Nesse	Concílio,	o	radicalismo	e	a	centralização	se	aprofundam.	Assim,	em	18	de</p><p>julho	de	1870,	com	533	votos	a	favor	e	2	contra	a	infabilidade	papal	é	aprovada.</p><p>Quando	fala	[o	Papa]	ex-cathedra,	isto	é,	quando	desempenhando	sua	função	de</p><p>pastor	e	mestre	de	todos	os	cristãos,	define,	em	virtude	de	toda	sua	suprema</p><p>autoridade	apostólica,	que	uma	doutrina	em	matéria	de	fé	ou	de	costumes	deve</p><p>ser	admitida	por	toda	a	igreja,	pela	assistência	divina	a	ele	prometida	na	pessoa</p><p>de	são	Pedro,	goza	daquela	infabilidade	da	qual	o	divino	Redentor	quis	que	sua</p><p>Igreja	fosse	provida...	Se	alguém,	Deus	não	queira,	tiver	a	presunção	de</p><p>contradizer	nossa	definição:	seja	anátema.	(	Capítulo	IV,	sessão	IV,	de	18	de</p><p>julho	de	1870)</p><p>A	partir	daí	novos	dogmas	serão	apresentados	e	aprovados,	o	abismo	entre</p><p>católicos	e	protestantes	se	aprofunda.	Os	protestantes	são	chamados	e	lhes</p><p>proporcionando	a	oportunidade	de	regressarem	ao	“único	aprisco	de	Cristo”.</p><p>Assim,	pouco	mais	de	300	anos	entre	Lutero	e	Vaticano	I,	a	reformulação	e</p><p>identidade	católica	são	consolidadas.	A	igreja	Católica	Apostólica	Romana,</p><p>oriunda	de	Trento	é	uma	realidade.	Conforme	afirmamos	acima,	Lutero,	ao</p><p>menos	indiretamente,	contribuiu	para	essa	reformulação	e	formação	da</p><p>Identidade	do	Catolicismo,	ao	longo	destes	três	séculos.	Esse	tempo	“serviu	para</p><p>unir	a	igreja	papal	pela	primeira	vez	por	uma	confissão	de	fé,	consolidando	o</p><p>poder	absoluto	do	Sumo	Pontífice	numa	igreja	que	nada	mais	é	do	que	uma</p><p>instituição	hierárquica	para	“ministrar	sacramentos”.	Pode	assim,	fixar	de</p><p>maneira	irrevogavel	e	indiscutivelmente	suas	doutrinas.	E	por	mais	paradoxal</p><p>que	possa	parecer,	Lutero	deu	o	“ponta	pé	inicial”	que	terá	a	continuidade,	nos</p><p>dois	Concílios	seguintes.	Vaticano	II,	por	exemplo,	vai	promover	uma</p><p>“verdadeira	revolução”	interna	sem	ser	revolucionário.	Ali,	ao	menos,	ficou</p><p>constatada	a	necessidade	de	mudanças	e	aberturas	para	o	mundo.	Temas	que	não</p><p>puderam	avançar	muito	foram	discutidos,	tais	como	o	ecumenismo,	a	relação</p><p>com	os	católicos	orientais,	a	questão	da	igreja,	do	estudo	das	Escrituras	sob	a</p><p>perspectiva	da	revelação	divina,	dentre	outros.	Foi	nesse	Concílio	que	se</p><p>priorizou	a	utilização	da	língua	vernácula	nas	missas,	aliás	o	que	tanto	Lutero</p><p>priorizou.</p><p>Vaticano	II</p><p>O	Vaticano	II	fez,	ao	menos,	emergir	uma	igreja	católica	“diferente”.	Quando	se</p><p>pensaria	ou	discutiria	no	tempo	de	Lutero	expressões,	tais	como	“irmãos	na	fé”</p><p>ou	“irmãos	separados”	em	relação	aos	Ortodoxos	e	Protestantes?	Quando	se</p><p>pensaria	a	igreja	pedindo	perdão	“por	culpa	de	ambas	as	partes?”	Leiamos	com</p><p>atenção	as	palavras	do	papa	Paulo	VI:</p><p>Se	dissermos	que	não	temos	pecado	[citando	o	Apóstolo	João]	fazemo-lo	de</p><p>mentiroso	e	sua	palavra	não	estão	em	nós	(1	Jo	1.10).	Por	isso	pedimos</p><p>humildemente	perdão	a	Deus	e	aos	irmãos	separados,	assim	como	também	nós</p><p>perdoamos	aos	que	nos	tem	ofendido.</p><p>É	evidente	que	não	devemos	ingenuamente	acreditar	numa	unidade	de	fé	entre</p><p>estes	“irmãos	separados”,	porém	podemos	constatar	um	verdadeiro	divisor	de</p><p>águas	em	que	somente	o	tempo,	como	um	verdadeiro	“profeta”,	irá	revelar	o</p><p>alcance	das	mudanças	do	Vaticano	II.</p><p>A	partir	do	último	Concílio	uma	nova	imagem	começa	a	ser	delineada	no	meio</p><p>católico.	Ironicamente,	um	novo	retrato	emerge	daquele	que	há	500	anos	não	se</p><p>retratou.	Em	alguns	setores	católicos	até	como	“ecumênico”	Lutero	está	sendo</p><p>considerado.	Outros	até	estão	descobrindo	um	“Lutero	católico”.	Não	estamos</p><p>em	falando	em	unidade	católico	sob	católica	em	relação	a	Lutero.	Sabemos	que</p><p>as	opiniões	se	divergem,	no	entanto,	só	em	detectarmos	aspectos	positivos	sobre</p><p>o	reformador	já	se	trata	de	um	grande	avanço.	Está	bem	distante	o</p><p>posicionamento	em	que	o	chamavam	de	“filho	do	Diabo”	como	fruto	de	um</p><p>incesto	com	a	própria	mãe;	as	alusões	indecentes	e	imorais,	as	lendas	fantásticas</p><p>a	respeitos	de	sua	morte,	a	gravidez	da	esposa	Katarina	e,	por	isso,	o	seu</p><p>casamento	feito	com	rapidez	e	“as	escondidas”,	etc.	Hoje	temos	obras	escritas,</p><p>em	conjunto,	entre	católicos	e	protestantes	cujo	tema	não	é	outro	senão	Lutero.</p><p>Essa	nova	imagem	surge	paulatinamente.	Trata-se	um	processo	com	tendência	a</p><p>se	consolidar.	O	escritor	luterano	Harding	Meyer,	apresenta	cinco	subdivisões</p><p>em	sua	exposição	para	esse	novo	retrato	de	Lutero:</p><p>1.	A	fase	de	mera	calúnia.</p><p>2.	Tentativas	passageiras	de	compreensão	mais	justa.</p><p>3.	Recaída	da	fase	da	calúnia.</p><p>4.	Interrogatório	historicizante	e	psicologizante.</p><p>5.	Abertura	definitiva	para	atitude	de	respeito	crítico	diante	do	reformador.</p><p>Essas	subdivisões	se	estendem	do	século	XVI	e	culminando	com	o	Vaticano	II</p><p>em	início	da	década	de	1960,	e	uma	prova	contundente	que	os	avanços	estão</p><p>sendo	feitos	foi	o	ocorrido	em	31	de	outubro	de	2016.	Por	ocasião	das</p><p>comemorações	dos	500	anos	da	Reforma,	luteranos	e	católicos	do	mundo	todo</p><p>marcaram	presença	na	Catedral	de	Lund,	na	Suécia,	celebrando	um	culto</p><p>ecumênico,	com	um	grande	desafio:	pedir	perdão	pelos	erros	do	passado.</p><p>Estiveram	presentes	representantes	de	diversas	igrejas	do	mundo.	Devido	à</p><p>importância	histórica	do	fato	estaremos	reproduzindo	o	texto	lançado	pela	igreja</p><p>luterana.</p><p>No	altar	estavam	lado	a	lado,	o	Papa	Francisco;	o	presidente	da	Federação</p><p>Luterana	Mundial	(FLM),	Dr.	Munib	Younan;	o	secretário-geral	da	FLM,	Rev.</p><p>Martin	Juenge;	o	presidente	do	Pontifício	Conselho	para	a	Promoção	da	Unidade</p><p>dos	Cristãos,	cardeal	Kurt	Koch;	e	a	primaz	da	Igreja	Luterana	da	Suécia,</p><p>arcebispa	Antje	Jackelen.</p><p>Em	sua	homilia,	Junge	salientou	que	as	pedras	que	venhamos	a	ter	em	nossas</p><p>mãos	no	futuro	não	sejam	para	ser	arremessadas	uns	contra	outros	nem	para</p><p>construir	muralhas	que	nos	separem,	mas	para	construir	casas	compartilhadas	e	a</p><p>mesa	na	qual	venhamos	a	celebrar	em	comum	a	Eucaristia.	Estamos	aqui</p><p>reunidos	para	redescobrir	quem	somos	em	Cristo.</p><p>O	Papa,	ao	tomar	a	palavra,	clamou	pelo	dom	da	unidade,	insistindo	na</p><p>necessidade	de	um	testemunho	comum	crível	para	que	o	mundo	creia.	Francisco</p><p>expressou	gratidão	à	Reforma	por	ter	trazido	a	Bíblia	para	o	centro	da	vida	da</p><p>Igreja	e	exaltou	a	espiritualidade	de	Lutero,	ao	colocar	sua	fé	num	Deus</p><p>misericordioso	que	nos	justifica	por	graça.</p><p>Com	a	comemoração</p><p>comum	da	Reforma	de	1517	temos	uma	nova	oportunidade</p><p>para	acolher	um	percurso	comum,	que	se	foi	configurando	ao	longo	dos	últimos</p><p>cinquenta	anos	no	diálogo	ecumênico	entre	a	Federação	Luterana	Mundial	e	a</p><p>Igreja	Católica.	Peçamos	ao	Senhor	que	a	sua	Palavra	nos	mantenha	unidos,</p><p>porque	ela	é	fonte	de	alimento	e	vida;	sem	a	sua	inspiração,	nada	podemos	fazer.</p><p>Somente	o	tempo	faz	a	distinção	entre	o	certo	e	o	errado!	Esperamos	em	Deus</p><p>que	essa	reaproximação	não	venha	com	o	comprometimento	das	cinco	solas	dos</p><p>reformadores:	Sola	Scripura,	Sola	Gracia,	Sola	fide,	Solus	Christus	e	Soli	Deo</p><p>Gloria.</p><p>Estamos	chegando	ao	final	do	legado	de	Lutero.	Ao	final	do	que	foi	proposto	e</p><p>não	das	riquezas	que	esse	grande	reformador	nos	deu	como	herança,	pois	a</p><p>pesquisa	deve	continuar	e	novas	contribuições	de	Lutero	hão	de	surgir...	basta</p><p>começar.</p><p>Situação	do	Homem	Diante	de	Deus</p><p>Certamente,	o	legado	de	Lutero,	que	estaremos	analisando	como	último,	é	um</p><p>dos	mais	significativos	para	o	fiel	em	particular.	Ele	atinge	a	pessoa	como	um</p><p>todo,	corpo	e	alma	e	espírito,	segundo	os	tricotômicos.	A	pessoa	como	ser	é</p><p>atingida	incondicionalmente.	E	é	isso	que	nos	propomos.</p><p>Lutero	descobre	que	o	ser	humano	é	nulo	diante	de	Deus.	É	Deus	que	vem	a	ele.</p><p>Nada	no	ser	humano	pode	ser	feito	para	agradar-lhe.	Somente	em	Cristo,	aliás,</p><p>uma	das	palavras	prediletas	do	reformador:	somente.	Ao	traduzir	Isaias	46.5,</p><p>Lutero	sentencia	que	a	nossa	justiça	é	como	absorvente	já	usado.	Parece	forte</p><p>essa	tradução,	mas	é	exatamente	o	que	Lutero	descobre	sobre	o	que	podemos</p><p>fazer	para	agradar	a	Deus	para	a	nossa	justificação.	Para	Lutero	todo	o	agrado</p><p>que	possamos	fazer	para	Deus,	resume-se	em	Cristo.	Ainda	está	para	nascer	a</p><p>pessoa	que	por	si	só	consegue	seguir	a	Deus	de	coração	livre	e	alegre.	O	texto</p><p>em	Mateus	5.48	afirma:	“Sede	vós,	pois,	perfeitos,	como	é	perfeito	o	vosso	Pai,</p><p>que	está	nos	céus”.	Pergunta	Lutero:	“Quem	é	perfeito	como	Deus?”.	Paulo</p><p>responde	a	essa	indagação	em	Romanos	3.23:	“Porque	todos	pecaram	e</p><p>destituídos	estão	da	glória	de	Deus”.	Diante	dessa	situação	—	como	ser	perfeito</p><p>e	ao	mesmo	tempo	pecador	—	abre-se	um	abismo	entre	Deus	santo	e	o	homem</p><p>pecador.	Existe	somente	uma	saída:	Deus	se	inclina	ao	pecador.	E	isso	Deus	faz</p><p>em	Cristo.	“Nenhum	mérito	ou	dignidade	de	sua	parte”,	diz	Lutero.	O	homem	é</p><p>impotente.	Nenhuma	pessoa	pode	se	salvar.	Ninguém	pode	meritoriamente</p><p>alcançar	a	bem-aventurança.	Creio	não	será	exagero	colocarmos	algumas</p><p>palavras	na	boca	de	Lutero	como	se	fosse	ele	que	tivesse	escrevendo	ou	falando.</p><p>Vamos	fazer	uma	pergunta:	Lutero,	que	posso	fazer	para	agradar	a	Deus?	A</p><p>resposta	seria:	Nada,	absolutamente	nada!	Não	tem	nenhum	valor	para	a</p><p>salvação	tudo	o	que	fazemos	para	Deus.	Em	outras	palavras,	diria	Lutero:	Não</p><p>adianta	dar	esmolas,	contribuir	para	igrejas	ou	instituições	de	caridade.	Não</p><p>adianta	orar,	jejuar,	visitar	órfãos,	doentes	e	ajudar	todo	aquele	que	necessita.	De</p><p>nada	vai	adiantar	você	e	eu	vendermos	tudo	o	que	temos	e	distribuir	aos	pobres.</p><p>Isso	e	tudo	mais	que	fizermos	de	nada	adiantará.	Então,	Doutor	—	faço	uma</p><p>observação	—	se	nada	que	faço	vale	para	Deus,	vou	viver	minha	vida	e	“não</p><p>estou	nem	aí	para	os	outros”.	Lutero	então	explicaria:	Veja	bem,	confirmo	tudo	o</p><p>que	digo,	porém,	se	eu	e	você	fizermos	tudo	aquilo	que	disse	que	era	inútil,	se</p><p>fizermos,	repito,	se	fizermos	“em	Cristo”:	Tudo	muda.	Deus	olha	toda	nossa</p><p>justiça	por	intermédio	de	Cristo.	O	que	faço	em	Cristo,	Deus	aceita	como	cheiro</p><p>suave	em	sua	presença.	O	que	conta	são	os	méritos	e	obras	de	Jesus	em	nós.	É	a</p><p>“fé	ativa	no	amor”.	As	obras,	diria	Lutero,	não	revelam	uma	vida	em	Deus,	e</p><p>sim,	uma	vida	com	Deus,	revelam	as	boas	obras,	em	outras	palavras,	a	fé	em</p><p>Cristo.	Nessa	fé	as	obras	“se	tornam	iguais”.	Não	importa	a	dimensão	da	obras,</p><p>sejam	elas	grandes,	pequenas,	breves,	longas,	muitas	ou	poucas.	O	que	conta	não</p><p>são	as	obras	em	si,	e	sim	a	fé	que	as	produziu.	É	nessa	perspectiva	que</p><p>desenrolará	a	situação	do	homem	diante	de	Deus.	Ele	é	nada	ou	é	simplesmente</p><p>um	pecador,	alienado	de	Deus.	É	o	Senhor	que	vai	em	direção	ao	homem.</p><p>Analisaremos	Lutero	em	relação	a	este	legado	utilizando-se	de	suas	próprias</p><p>palavras.	Agimos	assim,	no	intuito	não	só	em	sermos	mais	originais,	mas</p><p>também	permitir	que	outras	conclusões	sejam	retiradas	do	seu	próprio	texto	que</p><p>é	muito	rico.</p><p>Temos	na	obra	Magnificat,	escrita	em	1521,	uma	das	mais	belas	páginas	de</p><p>Martinho	Lutero.	Sua	intimidade	com	Deus,	coerência	bíblica	e,	sobretudo,	seu</p><p>amor	a	verdade,	vão	marcar	indelevelmente	essa	obra,	que	atravessa	o	tempo</p><p>sem	perder	sua	originalidade	e	atualidade.	É	um	marco	da	espiritualidade	cristã.</p><p>Nela,	utilizando-se	da	serva	do	Senhor,	revela	o	caráter	de	Maria	em	sua</p><p>aplicação	com	a	vida	de	cada	cristão.</p><p>Alguns	aspectos	desta	obra	são	relevantes	para	mostrar	a	condição	do	homem</p><p>diante	de	Deus.	Vejamos:	um	aspecto	que	Lutero	começa	a	examinar	é	o</p><p>direcionamento	do	olhar	de	Deus.	Ele,	o	soberano	Senhor,	não	olha	para	cima	e</p><p>nem	para	o	lado.	Deus	olha	para	baixo.</p><p>Visto	que,</p><p>[...]	Ele	é	o	mais	elevado,	e	que	nada	existe	acima	dEle,	Ele	não	pode	olhar	para</p><p>além	de	si;	também	não	pode	olhar	para	os	lados,	porque	ninguém	é	semelhante</p><p>a	Ele.	Por	isso	há	que	dirigir	seu	olhar	necessariamente	para	si	mesmo	e	para</p><p>baixo;	quanto	mais	baixo	alguém	está,	tanto	melhor	Ele	o	enxerga.</p><p>Assim	esse	olhar	de	Deus	vai	atingir	e	socorrer	“os	pobres,	desprezados,</p><p>miseráveis,	desgraçados,	abandonados,	e	os	que	são	absolutamente	nada”.	Será</p><p>nessa	perspectiva	que	Deus	vai	olhar	para	baixo	e	contemplar	sua	serva	Maria.</p><p>Ela	se	considerava	“intrinsecamente”	sem	nenhum	valor,	porém,</p><p>“extrinsecamente”,	isto	é,	aos	olhos	de	Deus,	uma	serva	fiel.	A	força	da</p><p>argumentação	de	Lutero	para	mostrar	a	situação	que	Maria	se	considerava	diante</p><p>de	Deus	é	a	tradução	que	ele	faz	de	“não	contemplou	a	humildade	de	sua	serva”.</p><p>Lutero	traduz	a	palavra	humilitas	não	como	humildade,	mas	sim	como</p><p>“nulidade”	ou	“ser	insignificante”.	É	como	Maria	tivesse	dizendo	que	Deus	não</p><p>lançou	seu	olhar	a	uma	filha	de	Anás	ou	Caifás,	que	seriam	as	principais	do	país,</p><p>mas	lançou	seu	olhar	sobre	mim	por	“pura	bondade”.	Assim	para	Lutero	não	há</p><p>nenhum	mérito	de	nossa	parte	em	Deus	agir	por	nós.	Trata-se	de	pura</p><p>misericórdia.</p><p>Outro	argumento	de	Lutero	sobre	a	situação	espiritual	do	homem	e	da	mulher</p><p>diante	de	Deus	é	o	comentário	que	faz	em	Tratado	Sobre	a	Liberdade	Cristã,</p><p>quando	o	homem	é	unido	a	Cristo,	tal	como	ocorre,	por	analogia,	no	casamento.</p><p>Em	relação	ao	casamento	ambos,	marido	e	mulher,	“se	tornam	uma	só	carne”.</p><p>Assim	será	a	minha	relação	com	Cristo,	pois	por	um	lado	sou	pecador,	morto	e</p><p>condenado.	Por	outro,	Cristo	é	graça,	vida	e	salvação.	São	os	opostos	se</p><p>atraindo.	Quando	me	uno	a	Cristo	o	que	é	meu	para	ser	de	Deus,	e	o	que	é	de</p><p>Cristo	passa	a	ser	meu.	Deixemos	que	o	próprio	Lutero	nos	fale	com	a	sua</p><p>eloquência	peculiar:</p><p>A	alma	é	copulada	com	Cristo	como	a	noiva	com	o	noivo,	sacramento	pelo	qual</p><p>(como	ensina	o	apóstolo)	Cristo	e	alma	são	feitos	uma	só	carne.	Sendo	eles	uma</p><p>carne,	é	consumado	entre	eles	o	verdadeiro	matrimônio,	sim,	o	mais	perfeito	de</p><p>todos,	enquanto	os	matrimônios	humanos	são	figuras	tênues	desse	matrimônio</p><p>único.	Daí	se	segue	que	tudo	se	lhes	torna	comum,	tanto	de	coisas	boas	quanto</p><p>as	más,	de	modo	que	a	alma	fiel	pode	apropriar	e	gloriar-se	de	tudo	que	Cristo</p><p>possui	como	sendo	seu,	e	de	tudo	que	tem	a	alma	Cristo	se	apropria	como	se</p><p>fosse	seu.	Confirmamos	isso,	e	veremos	coisas	inestimáveis.	Cristo	é	cheio	de</p><p>graça,	vida	e	salvação;	a	alma	está	cheia	de	pecados,	morte	e	condenação.</p><p>Intervenha	agora	a	fé,	e	acontecerá	que	os	pecados,	a	morte	e	o	inferno	se</p><p>tornam	de	Cristo,	e	a	graça,	vida	e	salvação	são	da	alma.	Pois	Ele	é	o	noivo,	tem</p><p>que,	simultaneamente,	aceitar	o	que	é	da	noiva	e	compartilhar	com	a	noiva	o	que</p><p>é	seu.	Porque,	quem	lhe	dá	o	corpo	e	a	si	próprio,	como	não	lhe	daria	tudo	que	é</p><p>seu?	E	quem	aceita	o	corpo	da	noiva,	como	não	aceitaria	tudo	o	que	é	da	noiva?</p><p>Assim	por	intermédio	dessa	analogia,	Lutero	revela	que	somos	pecadores,</p><p>mortos	e	sentenciados	ao	inferno,	mas	que</p><p>viajamos.	Os	olhos	vêem	a	imaginação</p><p>transvê.</p><p>Assim	sendo	o	pensamento,	a	leitura	e	o	que	escrevemos	sempre	estarão	ligados,</p><p>e	até	mesmos	relacionados,	à	nossa	experiência	de	vida.	Conscientes	ou	não,</p><p>sempre	estaremos	retirando	do	nosso	acervo	psíquico	o	acumulado	em	nossa</p><p>existência	e	tudo	estará	refletido	no	que	realizamos.</p><p>Nas	Entrelinhas</p><p>O	que	é	verdade	na	ética,	política,	moral	e	sociedade,	é	na	teologia.	O	teólogo	H.</p><p>Richard	Niebuhr,	afirmou	que	“as	opiniões	teológicas	têm	suas	raízes	na	relação</p><p>entre	a	vida	religiosa	e	as	condições	culturais	e	políticas	prevalecentes	em</p><p>qualquer	grupo	de	cristãos”.	Ao	escrever,	seja	em	qualquer	nível	ou	situação,</p><p>sempre	vamos	deixar	refletir	nossa	própria	experiência.	Tomemos	o	exemplo	de</p><p>K.	Barth	em	sua	palestra	proferida	a	10	de	março	de	1933,	em	plena	ascensão	do</p><p>Nazismo,	que	deixa	transparecer	nas	entrelinhas,	o	governo	tirano	de	Hitler:</p><p>“Toda	teologia	tem	‘outros	deuses’,	e	sem	dúvida	alguma	eles	estão	ali	onde	a</p><p>gente	e	onde	ela	mesma	menos	o	percebe”.	Sempre	deixaremos,	de	forma	clara	e</p><p>evidente	ou,	então,	“às	escondidas”	a	realidade	vivida	tanto	de	quem	escreve	ou</p><p>para	quem	se	escreve.	Por	isso,	para	se	compreender	um	texto	de	uma</p><p>determinada	época,	seja	de	passado	remoto	ou	mesmo	recente,	se	faz	necessário</p><p>o	prévio	conhecimento	do	contexto	sócio-cultural	em	que	foi	redigido,	para</p><p>melhor	conhecer	e	assimilar	o	pensamento	do	autor	e	seu	posicionamento	frente</p><p>ao	seu	momento	histórico.	Todo	texto	encontra-se	inserido	num	contexto.	Este</p><p>poderá	estar	nas	linhas	próximas	ao	texto	ou	distante	tais	como	nas	instituições</p><p>culturais	da	época	e	mesmo	numa	ideologia	dominante.	Nunca	um	texto	será</p><p>neutro	e	imparcial.</p><p>Pode-se	ocorrer	também	o	inverso.	Muitas	vezes	nos	ajustamos	a	uma	nova</p><p>realidade	que	experimentamos	e	temos	que	nos	“enquadrar”.	Tenho	minha</p><p>própria	experiência	ministerial	em	relação	à	contextualização	ou	ambiente</p><p>social.	Na	década	de	1980,	iniciei	o	pastoreio	de	uma	igreja	em	uma	comunidade</p><p>carente.	Havia,	inclusive,	nesta	comunidade	um	local	em	que	os	próprios</p><p>moradores	classificavam-no	de	“Beco	da	Miséria”.	Era	a	área	mais	pobre	dentre</p><p>a	pobreza	da	comunidade.	Certa	feita,	no	início	do	meu	trabalho,	subindo	o</p><p>morro	em	direção	ao	templo,	trajando	terno	e	gravata,	um	morador,	ao	passar	por</p><p>mim	e	em	resposta	ao	meu	cumprimento,	respondeu-me	de	forma,	que	para	mim</p><p>foi	contundente	e	reveladora:	“Bom-dia,	Doutor!”.	Minha	interpretação	à</p><p>resposta	daquele	morador	foi	um	pedido	do	mesmo	para	que	eu	me</p><p>contextualizasse.	Descobri	que	estava	“deslocado”	da	realidade	ao	iniciar	meu</p><p>trabalho	pastoral.	Sempre	estaremos	ligados	a	um	contexto	e	muitas	vezes</p><p>precisamos	nos	“ajustar”.</p><p>De	forma	semelhante	correu	com	Martinho	Lutero.</p><p>Lutero	e	seu	Tempo</p><p>Toda	a	exposição	anterior	foi	para	demonstrar	a	relação	existente	entre	Lutero	e</p><p>seu	ambiente	europeu	ou,	utilizando	a	expressão	de	Lucien	Lefbvre,	“Lutero	e</p><p>seu	destino”.	Ele	era	filho	de	seu	tempo,	inserido	num	ambiente	social,	político,</p><p>religioso	e	cultural	do	fim	da	Idade	Média,	período	que	se	estende	de	476–1453,</p><p>e	início	dos	chamados	Tempos	Modernos.	Podemos	ver	um	Lutero	“medieval”	e</p><p>“moderno”,	não	somente	agia,	mas	também	refletia	o	momento	histórico	em	que</p><p>atuava.	Sempre	ao	fazer	história	ou	escrever	faz-se	a	história	do	historiador.	Ao</p><p>se	escrever	sobre	história,	percebe-se	a	história	do	próprio	historiador,	pois	ele	se</p><p>encontra	inserido.	Lutero	não	foge	à	exceção.	Vemos,	projetado	em	todo	o</p><p>desenrolar	da	Reforma,	cujo	ator	principal	era	ele,	acontecimentos	simultâneos	e</p><p>interligados,	próprios	de	sua	sociedade,	dos	quais	o	reformador	fazia	parte.</p><p>Lutero	era	um	dos	elos	dessa	corrente.	Aconteceram	fatos	no	século	XVI	que,</p><p>direta	ou	indiretamente,	contribuíram	positivamente	para	o	sucesso	da	Reforma.</p><p>Alguns	posicionamentos	de	Lutero	fazem	parte	da	ideologia	daquela	época	e</p><p>devem	ser	analisados	com	nessa	perspectiva.	Se	quisermos	avaliá-los	devemos</p><p>fazê-lo	como	filho	do	seu	próprio	tempo	e	não	sob	a	ótica	de	nossa	atual</p><p>sociedade.</p><p>Qual	o	contexto	de	seu	tempo?	Em	linhas	gerais	podemos	sublinhar	os	aspectos</p><p>econômicos	e	tecnológicos.	Na	época	de	Lutero	a	expansão	marítima	estava	a</p><p>todo	vapor	com	as	viagens	às	Índias,	facilitada	pelas	novas	caravelas,	na	busca</p><p>frenética	das	especiarias;	a	invenção	da	imprensa	com	tipos	móveis,	em	muito</p><p>facilitou	a	divulgação	das	obras	e	ideias	de	Lutero;	e	a	conquista	das	colônias</p><p>americanas	o	que	contribuiu	para	o	incremento	comercial.	No	âmbito	político</p><p>inicia-se	o	processo	de	centralização	política,	concomitante	com	a	crise	do</p><p>feudalismo	como	modo	de	produção	e	a	emergência	de	um	grupo	social	que	se</p><p>fortalece	ao	longo	dos	séculos	e	em	apoio	aos	reis:	a	burguesia.	Os	camponeses,</p><p>bem	como	a	própria	burguesia	procuram	um	“lugar	ao	sol”	nesse	momento	em</p><p>que	se	convencionou	chamar	de	transição	do	Feudalismo	ao	Capitalismo.	O</p><p>Capitalismo	ensaiava	seus	primeiros	passos	como	futuro	modo	de	produção.</p><p>Será	o	momento	dos	grandes	negócios	patrocinados	pelas	Casas	bancárias</p><p>europeias,	da	intensificação	de	vendas	a	crédito,	dos	juros,	lucros,	mas	valia	e</p><p>demais	práticas	do	moderno	capitalismo.	No	contexto	cultural	temos</p><p>paralelamente	o	Humanismo	e	o	Renascimento	que,	dentre	suas	características</p><p>está	a	volta	às	fontes	originais	(Ad	fontes),	cujo	máximo	representante	foi	o</p><p>humanista	Erasmo	de	Roterdã,	que	em	1516	traduziu	o	Novo	Testamento</p><p>diretamente	do	grego,	obra	que	será	a	base	para	as	traduções	da	Bíblia	pelos</p><p>reformadores	e	durante	300	anos	serviu	de	texto	padrão	dos	protestantes.	Por</p><p>último,	para	citar	somente	esses	poucos	fatos,	temos	o	aspecto	religioso.	Diante</p><p>de	todas	essas	transformações	a	igreja	oficial	resistia,	não	somente	as	mudanças</p><p>necessárias	inerentes	a	esse	novo	mundo	ou	a	essa	nova	Europa	que	desponta,</p><p>mas	também	se	mostrava	incapaz	de	atender	as	necessidades	de	sua	população</p><p>que	cada	vez	mais	se	secularizava,	porém	sem	perder	seus	anseios	espirituais,</p><p>em	especial	a	preocupação	com	a	salvação.	Havia,	por	parte	da	igreja,	muitas</p><p>incertezas	teológicas	e	conflitos	entre	as	Ordens	Religiosas.	Quando	Leão	X</p><p>assumiu	o	pontificado,	foi	feita	uma	procissão	em	que	se	podia	ler	uma	grande</p><p>faixa	com	os	dizeres:	“Outrora	governou	Vênus	[Alexandre	VI],	depois	Marte</p><p>[Júlio	III];	agora	Palas	Atenas	[Leão	X]	detém	o	cetro”.</p><p>Estes	poucos	exemplos	revelam	a	situação	da	igreja.</p><p>Outros	fatores	que	iremos	abordar	prepararam	um	terreno	fértil	para	a	obra</p><p>realizada	pelo	reformador.	Há	séculos	fora	tentada	por	vários	“precursores”	sem</p><p>sucesso	imediato,	pois	não	havia	condições	estruturais	para	a	realização	plena.</p><p>No	mundo	de	Lutero	as	condições	eram	outras.</p><p>E	é	isso	que	estaremos	demonstrando!</p><p>Devido	à	natureza	do	tema	proposto	e	com	precaução	para	não	estender	em</p><p>demasia	e,	assim,	fugir	ao	objetivo	proposto,	estaremos	discorrendo</p><p>principalmente	sobre	duas	situações	diretamente	ligadas	a	Lutero	e	que	irá</p><p>refletir	na	vida	do	reformador	e,	por	extensão,	à	própria	Reforma.</p><p>Em	primeiro	lugar,	temos	um	elemento	mais	amplo	no	contexto	de	Lutero:	o</p><p>Sacro	Império	Romano-Germânico.	Sabemos	que	o	Sacro	Império	era	a</p><p>Alemanha	e	a	Alemanha	era	o	Sacro	Império,	no	entanto,	havia	desdobramento</p><p>de	interesses	quando	se	refere	ao	Império.	No	momento	histórico	da	atuação	de</p><p>Lutero,	o	seu	país,	a	Alemanha,	era	o	que	se	chamou	posteriormente	de	1º	Reich,</p><p>diferenciando	assim	do	2º	(1871-1918)	e	3º	Reich	(Alemanha	Nazista).	Em</p><p>segundo	lugar,	mais	próxima	ao	reformador	será	o	seu	próprio	país,	a	Alemanha</p><p>do	século	XVI.	Para	o	desenrolar	da	ação	de	Lutero,	essas	duas	situações</p><p>formavam	“uma	mesma	moeda	com	seus	lados”.	A	política	externa	do	Império</p><p>contribuía	para	a	atuação	de	Lutero.</p><p>Sacro	Império	Romano-Germânico</p><p>Antes	da	análise	tanto	do	Sacro	Império	quanto	a	situação	da	Alemanha	do</p><p>século	XVI	cremos	ser	válida	a	analogia	com	as	palavras	de	Paulo	em	Gálatas</p><p>4.4:	“Vindo	a	plenitude	do	tempo,	Deus	enviou	o	seu	filho”.	Tem	causado</p><p>estranheza	para	alguns,	Paulo	utilizar	cronos	para	se	referir	ao	tempo.	Cronos	é	o</p><p>espaço	de	tempo	longo	ou	breve.	Também	significa	duração,	tempos,	séculos.</p><p>por	intermédio	do	nosso	casamento</p><p>com	Cristo	passamos	a	ser	um	em	Cristo.</p><p>Outro	grande	benefício	que	Lutero	trouxe	à	luz	foi	que	muitas	vezes	o	viver	na</p><p>fé	cristã	é	viver	no	paradoxo.	É	viver	na	contramão	da	lógica.</p><p>A	fé	orienta-se	às	coisas	invisíveis;	para	dar	oportunidade	à	fé,	é	necessário	que</p><p>tudo	que	se	há	de	crer	esteja	oculto,	e	esse	ocultamento	é	tanto	mais	profundo</p><p>quando	o	objeto	da	fé	fica	em	franca	oposição	ao	sentido	da	vista,	da	sensação</p><p>dos	sentidos,	do	senso	e	da	experiência.</p><p>Devemos	notar	que	Lutero	nos	presenteia	ao	afirmar	que	a	fé	atua	ou	se	orienta</p><p>para	as	“coisas	invisíveis”	Tudo	que	se	vê	não	é	fé.	Quando	se	recebe,	deixou	de</p><p>existir	fé.	A	fé	se	revela	quando	não	recebemos	o	que	almejamos.	Somente	no</p><p>oculto	a	fé	é	revelada.</p><p>Outro	ponto	que	ele	destaca	é	a	contradição	(oposição)	que	a	fé	leva	a	todo</p><p>aquele	que	crê.	A	fé	será	revelada	em	seu	dia	a	dia,	com	todas	as	vicissitudes,</p><p>derrotas	ou	vitórias.	Para	Lutero	será	nas	adversidades	que	revelamos	quem</p><p>somos	e	o	tipo	de	fé	que	possuímos.	Pela	fé	tudo	poderá	se	mostrar	contrário	ao</p><p>plano	de	Deus	na	vida	do	fiel.	Sobrevirão	fatos	em	sua	vida	que	nunca	serão</p><p>explicados,	mesmo	depois	de	sua	oração.	Muito	do	que	ocorre	em	sua	vida	não</p><p>terá	sentido,	para	você,	mas	saiba	que	tudo	que	acontece	em	nossa	vida	é	da</p><p>vontade	de	Deus.	Para	Lutero,	passar	por	provações,	decepções,	injustiças,</p><p>problemas	sem	solução	a	médio	ou	longo	prazo,	perguntas	que	não	terão</p><p>respostas	e	respostas	para	perguntas	que	não	foram	feitas,	com	certeza,	estarão</p><p>na	vida	daqueles	que	tem	a	fé	genuína.	É	o	não	de	Deus	que	se	torna	um	sim	e	o</p><p>sim	de	Deus	sendo	um	não	em	nós.	Quem	assim	compreende,	e	consegue</p><p>conviver	com	esse	“ocultamento”	ou	aparentes	contradições	da	fé,	tem	a	fé	pura</p><p>e	genuína	das	Sagradas	Escrituras.</p><p>Leia	de	maneira	pausada	e	reflita	como	Lutero	explica	o	ocultamento</p><p>(absconditus)	da	atuação	de	Deus	em	nós	por	meio	da	fé.</p><p>Ora,	não	podem	estar	mais	remotamente	abscônditas	do	que	se	estão	sobre	o</p><p>contrário	do	que	se	tem	à	vista,	se	percebe	e	experimenta.	Assim	quando</p><p>vivifica,	Deus	o	faz	matando;	quando	o	justifica,	o	faz	incriminando;	quando</p><p>leva	ao	céu,	o	faz	conduzindo	ao	inferno,	como	diz	a	Escritura:	“O	Senhor	mata</p><p>e	vivifica,	leva	ao	inferno	e	retira”.	(1	Sm	2.6)</p><p>Esse	profundo	texto	se	faz	refletir	nesta	oração	proferida	do	fundo	de	sua	alma:</p><p>Tu	és	um	Deus	maravilhoso,	cheio	de	amor.</p><p>Tu	nos	governas	maravilhosa	e	amigavelmente.</p><p>Tu	nos	levantas	quando	nos	rebaixas.</p><p>Tu	nos	tornas	justos	quando	de	nós	fazes	pecadores.</p><p>Tu	nos	levas	ao	céu	quando	nos	atira	no	inferno.</p><p>Tu	nós	dás	a	vitória	quando	permites	que	sejamos	vencidos.</p><p>Tu	nos	consolas	quando	nos	deixas	enlutados.</p><p>Tu	nos	fazes	alegres	quando	nos	deixas	gritar.</p><p>Tu	nos	fazes	cantar	quando	nos	deixas	chorar.</p><p>Tu	nos	fortaleces	quando	sofremos.</p><p>Tu	nos	tornas	sábios	quando	de	nos	fazes	tolos.</p><p>Tu	nos	tronas	ricos	quando	nos	envias	pobreza.</p><p>Tu	de	nós	fazes	senhores	quando	nos	deixa	servir.</p><p>Amém.</p><p>Essa	é	a	fé	evangélica	que	se	apresenta	por	meio	de	seus	escritos!	Uma	fé	que</p><p>convive	com	os	paradoxos	da	vida.</p><p>Não	obstante	essa	profundidade	de	fé	revelada	aos	fiéis,	ela	se	apresenta	em</p><p>vasos	de	barro.	É	pura	graça	e	misericórdia	de	Deus	agindo	em	nós.	Jamais</p><p>devemos	nos	esquecer	de	que	somos	pecadores,	tal	como	Paulo,	“o	principal”.</p><p>Deus	ao	olhar	para	“baixo”,	olha	com	o	intuito	salvífico.	A	expressão	também</p><p>está	registrada	em	Êxodo	3.8	em	relação	ao	povo	da	antiga	aliança:	“desci	para</p><p>livrá-los”.	De	forma	semelhante	nada	havia	de	positivo	dentre	o	povo	para	que</p><p>Deus	“descesse”	e,	assim,	os	libertasse.	Foi	somente	o	amor	que	o	fez	descer.</p><p>Sobre	esse	povo,	Moisés	havia	dito:	“Vocês	tem	sido	rebeldes	contra	o	Senhor</p><p>desde	que	os	conheço”	(Dt	9.2,	NVI).</p><p>De	forma	semelhante	ocorre	ocorria	nos	dias	de	Lutero	e	em	nossos	dias:	somos</p><p>pecadores	necessitando	da	graça	e	favor	de	Deus.	O	que	recebemos	dEle	revela	a</p><p>sua	própria	empatia	sobre	nós.	É	Deus	que	vem	a	nós.	Que	“desce”	e	“distribui</p><p>dons”	por	sua	misericórdia.	Lutero	falava	de	si	da	seguinte	forma,	quando</p><p>atribuíam	o	termo	luterano	ao	novo	movimento	que	surgia:	“Que	pretensão	seria</p><p>essa	de	um	miserável	e	fedorento	saco	de	vermes	como	eu	se	quisesse	que	os</p><p>filhos	de	Cristo	fossem	chamados	por	seu	desastrado	nome?”.</p><p>De	forma	contundente	o	reformador	caracteriza	o	ser	humano	diante	de	Deus,	ou</p><p>melhor,	um	pecador	que	merece	sofrer	as	consequências	de	seus	pecados.</p><p>É	preciso	que	graves	profundamente	em	teu	coração	e	que	não	duvides	de	forma</p><p>alguma	de	quem	tortura	Cristo	desta	forma	és	tu	mesmo,	pois	teus	pecados	são,</p><p>com	certeza,	responsáveis	por	seu	sofrimento.	Assim	São	Pedro,	qual	trovão,</p><p>atingiu	e	assustou	os	judeus	ao	dizer	a	todos	eles:	“Vocês	o	crucificaram”.	(At</p><p>2.37)	Por	isso,	ao	verem	os	pregos	atravessarem	as	mãos	de	Cristo,	podes	ter	a</p><p>certeza	de	que	são	obra	tua,	ao	vires	a	sua	coroa	de	espinhos,	podes	crer	que	são</p><p>os	teus	maus	pensamentos;	e	assim	por	diante.	Vê,	pois,	que,	quando	um	espinho</p><p>aguilhoa	a	Cristo,	seria	justo	que	te	aguilhoassem	mais	de	cem	mil	espinhos;</p><p>mais	ainda:	eles	deveriam	espetar-te	desse	jeito	e	até	pior	por	toda	a	eternidade.</p><p>Quando	um	prego,	atravessa	torturamente	as	mãos	ou	os	pés	de	Cristo,	tu	és	que</p><p>deveria	sofrer	eternamente	com	os	pregos	e	até	piores.	É	o	que	também	sucederá</p><p>àqueles	que	fazem	com	que	os	sofrimentos	de	Cristo	tenha	sido	em	vão	para</p><p>eles.</p><p>O	que	o	reformador	preconiza	que	a	pessoa	reconheça	a	si	mesmo	como</p><p>pecadora	e	a	libertação	que	há	em	Cristo.</p><p>Lutero	era	muito	prático	na	apresentação	de	sua	Teologia.	Mesmo	por	meio	de</p><p>grandes	argumentos,	ele	direcionava	a	pessoa	para	encontrar	suas	próprias</p><p>respostas	às	questões	da	vida.	Como	saber	de	minha	situação	diante	de	Deus,	já</p><p>que	sou	um	pecador?	Como	acalmar-me	frente	às	acusações	que	faço	de	e	para</p><p>mim	mesmo?	Fazer	como	Paulo:	“Miserável	homem	que	eu	sou!	Quem	me</p><p>libertará	do	corpo	sujeito	a	esta	morte?”.	Essas	e	outras	perguntas	que	nos</p><p>chegam	“na	calada	da	noite”,	Lutero	apresenta	o	que	ao	menos	será	um	caminho</p><p>nesta	busca	para	uma	boa	consciência:	considerar-se	sempre	um	pecador.</p><p>Constatar	que	todo	o	bem	que	temos,	caso	os	tenha,	vem	do	Pai	das	luzes.</p><p>Considerar	que	Deus	é	que	vai	operar	em	nós,	tanto	o	querer	quanto	o	efetuar.	É</p><p>fazer	uma	introspecção.	É	voltar-se	para	si	mesmo.	Ficar	completamente	despido</p><p>aos	olhos	de	Deus	e	deixar-se	examinar-se	a	si	mesmo.</p><p>Assim	se	expressou	o	reformador:</p><p>Os	santos	são	intrinsecamente,	sempre	pecadores,	por	isso,	são	sempre</p><p>justificados	extrinsecamente.</p><p>Mas	os	hipócritas	são,	intrinsecamente,	sempre	justos,	e	por	isso	são	sempre</p><p>pecadores	extrinsecamente.	Eu	uso	o	termo	“intrinsecamente”	para	indicar	como</p><p>somos	em	nós	mesmo,	aos	nossos	próprios	olhos,	e	nossa	própria	estimativa;</p><p>mas	uso	o	termo	‘extrinsecamente’	para	indicar	como	somos	diante	de	Deus	e</p><p>em	seu	modo	de	considerar.	Por	conseguinte,	somos	justos	extrinsecamente,</p><p>quando	não	somos	justos	a	partir	de	nós	mesmos	e	de	nossas	próprias	obras,	mas</p><p>somente,	a	partir	da	consideração	de	Deus.</p><p>Podemos	associar	essas	palavras	de	Lutero	com	a	prática	do	apóstolo	Paulo	ao</p><p>afirmar	em	2	Coríntios	12.10	“[...]	porque,	estou	fraco,	então,	sou	forte”.</p><p>Também	em	1	Coríntios	4.4	(NVI)	“[...]	embora	em	nada	minha	consciência	me</p><p>acuse,	nem	por	isso	justifico	a	mim	mesmo;	o	Senhor	é	quem	me	julga”.</p><p>Creio	que	uma	das	melhores	formas	de	encerrar	o	tema	proposto	é	reviver	e</p><p>colocar	em	prática	os	ensinamentos	de	Lutero,	alicerçados	nas	páginas	das</p><p>Escrituras.	Particularmente,	creio	que	pelas	comemorações	dos	500	anos	da</p><p>Reforma	Protestante,	podemos,	tal	como	Lutero	praticar,	uma	ad	fontes,	ou	seja,</p><p>voltar	às	fontes	e	beber	dos	originais...	e	Lutero	é	uma	das.	Ecclesia	Reformata</p><p>Semprer	Reformanda	(a	Igreja	Reformada	deve	ser	sempre	reformada).	E	aí	está</p><p>a	oportunidade	para	permanecermos	sempre	reformados:	uma	volta	aos</p><p>reformadores,	em	especial	Martinho	Lutero.	Aliás,	era	essa	a	opinião	de	seu</p><p>discípulo	e	substituto	Felipe	Melanchthon	ao	afirmar:</p><p>Se	bem	que	a	virtude	deste	homem	em	si	seja</p><p>digna	de	louvor,	ele	que,	com	espírito	reverente,</p><p>usou	os	dons	que	Deus	lhe	concedeu,	devemos,</p><p>antes	agradecer	a	Deus	pelo	fato	de	nos	ter</p><p>restituído,	por	intermédio	dele,	a	resplendente</p><p>luz	do	Evangelho,	devendo	a	sua	doutrina	não</p><p>somente	ser	conservada	na	lembrança.</p><p>Conclusão</p><p>Precisamos	encerrar.	E	encerrar	em	Lutero	é	outro	grande	desafio,	pois	quanto</p><p>mais	vasculhamos	ou	nos	aprofundamos	no	pensamento	desse	homem	mais</p><p>somos	surpreendidos	com	novas	descobertas.	Ele	é	como	o	garimpeiro	que,	ao</p><p>trabalhar	a	sua	bateia,	entre	as	pequenas	pedrinhas	sem	valor	comercial,	encontra</p><p>a	pedra	valiosa.	Assim	tem	sido	Lutero.	Quanto	mais	o	examinamos,	mais</p><p>descobrimos	novos	horizontes.</p><p>Em	que	podemos	comparar	Lutero?	Cremos	que	podemos	relacioná-lo	a	um</p><p>grande	rio	que	deságua	no	oceano.	Ele	é	ao	mesmo	tempo	rio	e	oceano.	Tanto</p><p>quanto	rio	ou	oceano,	a	vida	de	Lutero	é	também	a	vida	de	todos	quantos</p><p>abraçam	a	fé	com	as	suas	crises	existenciais	e	conquistas.	O	rio	que	foi	sua	vida</p><p>teve	momentos	onde	perpassam	águas	tranquilas	e	profundas,	mas	também</p><p>cascatas,	pedras	no	percurso	com	momentos	rasos	e	de	grandes	ruídos.	As	águas</p><p>tranquilas	de	sua	vida	foram	momentos	vividos	pela	liberdade	alcançada	pela</p><p>justificação	por	meio	da	fé,	tal	como	ele	registrou:	“as	portas	do	paraíso	se</p><p>abriram”;	pela	descoberta	da	graça	gratuita	de	Deus	por	essa	justificação</p><p>somente	pela	fé;	bem	como	pela	liberdade	alcançada	em	Cristo	a	ponto	de</p><p>assinar	“Lutero,	o	liberto”.	Também	o	encontro	com	Katharina	que	se	tornará</p><p>sua	eterna	“querida	Käthe”;	pelas	tardes	a	passear	nos	jardins	com	seus	filhos,</p><p>ensinando-lhes	sobre	o	amor	de	Deus	com	sua	esposa.	O	rio	que	foi	a	vida	de</p><p>Lutero	passou	por	muitos	percalços.	A	vida	de	Lutero,	quanto	a	minha	e	de	todo</p><p>ser	humano,	é	tal	como	o	rio,	tem	o	seu	curso	nos	lugares	rasos	e	pedregosos	e</p><p>nos	terrenos	difíceis,	porém	não	se	nega	a	atravessá-los.	Esses	locais	fazem	parte</p><p>do	percurso	e	ouvem-se	à	distância	o	ruído	de	suas	águas.	Assim,	o	reformador</p><p>teve	que	passar	por	esses	“vales	da	sombra	e	da	morte”:	a	perda	de	filhos	que</p><p>tanto	o	abateu;	a	incompreensão	de	sua	própria	teologia	por	seus	colegas</p><p>reformadores;	sua	excomunhão;	e	uma	vida	durante	anos	proscrito	aguardando	a</p><p>morte	a	qualquer	momento.</p><p>Lutero	nos	ensinou,	entre	tantas	outras	lições,	a	conviver	com	as	contradições	e</p><p>paradoxos	no	exercício	de	uma	fé	genuína,	não	obstante	as	dúvidas	inerentes	da</p><p>própria	fé	quando	esta	aponta	para	os	riscos	sem,	no	entanto,	perder	a	confiança</p><p>no	Deus	Todo-Poderoso.	Creio	que	esse	foi	um	dos	grandes	legados	de	Lutero</p><p>quando	nos	ensina	a	ouvir	o	não	de	Deus	através	do	sim,	e	o	sim	de	Deus,</p><p>através	do	não.</p><p>O	rio	também	pode	desaguar	no	mar,	que	por	sua	vez	é	parte	do	oceano.	Lutero</p><p>como	um	rio	desaguou	e	foi-se	misturar	num	grande	oceano.	Podemos</p><p>compreender	Lutero	como	rio,	como	nos	foi	apresentado	nesta	obra.</p><p>Conhecemos	um	pouco	mais	de	Lutero	sem	sair	do	rio.	Seu	tempo,	sua	vida	e</p><p>obra.	Percorremos	esse	rio	em	nossa	análise,	no	entanto,	sabendo	que</p><p>desembocaria	no	oceano.	Não	chegamos	ao	oceano	da	vida	e	teologia	de	Lutero.</p><p>Há	muito	mais	a	se	aprofundar	nesse	oceano.	É	um	longo	percurso	e	este	livro</p><p>mostrou,	em	linhas	gerais,	que	existe	o	Lutero	oceano	a	ser	mergulhado	ou</p><p>investigado.	Cremos	que	ao	menos	chegamos	“à	beira	da	praia”	e	olhando	o</p><p>horizonte,	a	“mar	aberto”,	despertamo-nos	para	o	fato	de	que	podemos	avançar.</p><p>Que	esta	tarefa	seja	de	todos.</p><p>Há	poucas	décadas,	Lutero	começou	a	ser	traduzido	de	forma	mais	sistemática.</p><p>Eis	a	aí	a	sua	e	minha	oportunidade.	Comece	a	ler,	examinar	e	descubra	por	si</p><p>mesmo	o	rico	manancial	deste	que,	segundo	Paul	Tillich,	foi	o	“único	que</p><p>realizou	uma	verdadeira	transformação,	que	mudou	a	face	da	terra”.</p><p>Continuamos	devendo	a	Lutero,	e	nossa	dívida	é	alta	por	demais.	Mesmo	sem</p><p>esperança	de	uma	nova	Reforma,	podemos	e	devemos,	pelo	menos,	suas	grandes</p><p>e	profundas	ideias.	Que	esta	singela	leitura	possa	ser	um	reencontro	com	o	Cristo</p><p>sofrido	com	as	necessidades	do	ser	humano,	pois	não	o	encontramos,	segundo</p><p>Lutero,	nas	grandes	catedrais,	nos	suntuosos	palácios	ou	em	grandes	desfiles.</p><p>Esse	Cristo	é	encontrado	no	meu	semelhante	caído,	ferido	à	espera	de	socorro	tal</p><p>como	o	nosso	Samaritano	que	não	somente	arriscou	a	vida,	mas	entregou-se	por</p><p>empatia	ao	necessitado.</p><p>Soli	Deo	Gloria!</p><p>Bibliografia</p><p>ALTMANN,	Walter.	Lutero	e	Libertação.	São	Leopoldo	e	São	Paulo:	Sinodal/</p><p>Ática,1994.</p><p>BARTH,	K.	Dádiva	e	louvor.	São	Leopoldo:	Sinodal,	1986.</p><p>BAYER,	Osvaldo.	A	Teologia	de	Lutero.	São	Leopoldo:	Sinodal,	2007.</p><p>BETTENSON,	Henry.	Documentos	da	Igreja	Cristã.	São	Paulo:	Aste,	1967.</p><p>BOYER,	Orlando.	Heróis	da	Fé.	Rio	de	Janeiro:	CPAD,	1985.</p><p>CATOLICISMO,	Romano	—	Um	Simpósio	Protestante.	São	Paulo:	Aste,	1963.</p><p>CÉSAR,	Elben	M.	Lenz.	Lutero	—	História	e	Pensamento.	Viçosa:	Ultimato,</p><p>2006.</p><p>CESAREIA,	Eusébio	de.	História	eclesiástica.	São	Paulo:	Novo	Século,	1999.</p><p>CHAUNU.	O	Tempo	das	Reformas.	Lisboa:	Edições	70,	1975.</p><p>COLÓQUIOS,	Série,	v.	1,	Lutero	e	a	Reforma.	São	Paulo:	Ed.	Mackenzie,	2000.</p><p>CURY,	Augusto.	Inteligência	Multifocal.	São	Paulo:	Sextante,	2010.</p><p>DALFERTH,	Heloisa,	G.	Katharina	Von	Bora.	São	Leopoldo:	Sinodal,	2000.</p><p>DREHER,	Martin	N.	(Org.).	Reflexões	em	torno	de	Lutero.	v.	2.	São	Leopoldo:</p><p>Sinodal,	1984.</p><p>____________.	De	Luder	a	Lutero.	São	Leopoldo:	Sinodal,	2014.</p><p>____________.	Coleção	História	da	Igreja.	4	volumes.	São	Leopoldo:	Sinodal,</p><p>1993-1999.</p><p>____________	(Org.).	Reflexões	em	torno	de	Lutero.	v.	3.	São	Leopoldo:</p><p>Sinodal,	1988.</p><p>ERASMO,	de	Roterdã.	Elogia	à	Loucura.	Edições	de	Ouro.</p><p>FEBVRE,	Lucien.	Martinho	Lutero,	um	Destino.	São	Paulo:	Três	Estrelas,	2012.</p><p>FILHO,	Ciro	Marcondes.	Título???.	São	Paulo:	Global,	1985.</p><p>FISCHER,	Joachim.	Reforma.	São	Leopoldo:	Sinodal/Est,	2006.</p><p>FITZER,	Gottfried.	O	que	Lutero	realmente	disse.	Rio	de	Janeiro:	Civilização</p><p>Brasileira,	1971.</p><p>FORELL,	George.	Fé	Ativa	no	Amor.	São	Leopoldo:	Concórdia/Sinodal,1985.</p><p>FUNCK	–BRETANO,	Frantz.	Martinho	Lutero.	Rio	de	Janeiro:	Ed.	Vecchi,	s/d.</p><p>GALVIN.	James	(Editor).	Somente	a	Fé,	Devocionário.	Viçosa:	Ultimato,	2014.</p><p>GEORGE	,	T.	Lendo	as	Escrituras	com	os	Reformadores.	São	Paulo:	Cultura</p><p>Cristã,	2015.</p><p>GEORGE,	Timothy.	Teologia	dos	Reformadores.	São	Paulo:	Vida	Nova,	1993.</p><p>GIORDANI,	Mario	C.	História	dos	Séculos	XVI	e	XVII.	Petrópolis:	Vozes,</p><p>2003.</p><p>GISEL,	Pierre	(Org.).	Enciclopédia	do	Protestantismo.	São	Paulo:	Hagnos,	2016.</p><p>GOFF,	Jacques.	Uma	longa	Idade	Média.	Rio	de	Janeiro:	Civilização	Brasileira,</p><p>2010.</p><p>GREINER,	Albert.	Lutero.	São	Leopoldo:	Sinodal,	1983.</p><p>HElMER,	Christine.	Lutero	um	Teólogo	para	Tempos	Modernos.	São	Leopoldo:</p><p>Sinodal,	2013.</p><p>ISERLOH,	E.	,	MEYER	H.	Lutero	e	o	Luteranismo	Hoje.	Petrópolis:	Vozes,</p><p>1969.</p><p>JUNGHANS,	Hermar.	Temas	da	Teologia	de	Lutero.	São	Leopoldo:	Sinodal,</p><p>2001.</p><p>KENNETH,	Curtis	A.	Os	100	Acontecimentos	mais	Importantes	da	História	do</p><p>Cristianismo.	São	Paulo:	Editora	Vida,	2003.</p><p>LAWSON,	Steven	J.	Martinho	Lutero.	São	Paulo:	Fiel,	2013.</p><p>LIENHARD,	Marc.	Martin	Lutero,	Tempo,	Vida	e	Mensagem.	São	Leopoldo:</p><p>Sinodal,	1998.</p><p>LINDBERG,	Carter.	As	Reformas	na	Europa.	São	Leopoldo:	Sinodal,	2001.</p><p>LUTERO,	Martinho.	Obras	Selecionadas	de	Lutero.	v.	1-12.	São	Leopoldo:</p><p>Concórdia/Sinodal,	1987/2014.</p><p>McGRATH,	Alister	E.	Lutero	e	a	Teologia	da	Cruz.	São	Paulo:	Cultura	Cristã,</p><p>2014.</p><p>________________.	O	Pensamento	da	Reforma.	São	Paulo:	Cultura	Cristã,</p><p>2014.</p><p>________________.	Origens	Intelectuais	da	Reforma.	São	Paulo:	Cultura	Cristã,</p><p>2007.</p><p>MELANCHTHON,	Felipe.	LuteroVisto	por	um	Amigo.	Porto	Alegre:</p><p>Concórdia,	1983.</p><p>MOUSNIER,	R.	Os	séculos	XVI	e	XVII.	HGDC,	T.	IV,	v.	1.	São	Paulo:	D.	E.	do</p><p>Livro,	1967.</p><p>MUIRHEAD,	H.	H.	O	Cristianismo	Através	dos	Séculos.	v.	II.	Rio	de	Janeiro:</p><p>Casa	Publicadora	Batista,	1963.</p><p>NIEBUHR,	H.	Richard.	As	Origens	Sociais	das	Denominações	cristãs.	São</p><p>Paulo:	Aste,	1992.</p><p>RIETH,	Ricardo	W.	Martim	Lutero,	Discípulo,	Testemunha,	reformador.	São</p><p>Leopoldo:	Sinodal,	2007.</p><p>ROPS,	Daniel.	A	Reforma	Protestante.	v.	IV.	Porto:	Livraria	Tavares	Martins,</p><p>1962.</p><p>SAUSSURE,	A.	de.	Lutero.	São	Paulo:	Editora	Vida,	2004.</p><p>SCHUMAM,	Breno;	JERKOVIC,	Jerônimo.	Lutero</p><p>450	anos	Depois.</p><p>Petrópolis:	Vozes,	1967.</p><p>SCHMIDT,	Kurt	Dietrich.	A	Presença	de	Deus	na	História.	São	Leopoldo:</p><p>Sinodal,	1982.</p><p>STROHL,	Henri.	O	Pensamento	da	Reforma.	São	Paulo:	Aste,	1963.</p><p>SYPECK,	Jeff.	Formando	Carlos	Magno.	Rio	de	Janeiro:	Record,	2012.</p><p>SWEEZY,	Paul	e	outros.	Do	Feudalismo	ao	Capitalismo.	2.ed.	Lisboa:</p><p>Publicações	Dom	Quixote,	1972.</p><p>TOUCHARD,	Jean	(Direção).	História	das	Ideias	Políticas.	v.	4.	Publicações</p><p>Europa-América,	s/d.</p><p>WARCHHOLZ,	Wilhelm.	O	Pensamento	da	Reforma.	São	Leopoldo:	Sinodal,</p><p>2015.</p><p>Apêndice	1</p><p>O	Legado	dos	Reformadores</p><p>Ao	longo	deste	trabalho,	apresentei	a	vida	e	o	legado	de	Lutero	de	forma	sucinta.</p><p>Na	verdade,	o	que	foi	apresentado	era,	em	sua	grande	maioria,	comungado	pelos</p><p>outros	reformadores,	porém	a	figura	central	foi	Lutero.	As	linhas	que	se	seguem</p><p>procuram	mostrar	algumas	das	heranças,	não	só	de	Lutero,	mas	de	alguns	dos</p><p>reformadores.	É	como	abrir	um	parêntese	para	fazer	um	tributo	honroso	aos</p><p>mesmos.</p><p>Alguns	veem	os	reformadores	como	pessoas	que	viveram	e	influenciaram	sua</p><p>própria	época,	isto,	é	o	século	XVI.	Realmente	os	principais	reformadores</p><p>morreram	no	referido	século,	tais	como	Lutero	em	1546,	Calvino	em	1564,</p><p>Zuínglio	em	1531,	Heinrich	Bullinger	em	1575,	Melanchthon	em	1560,	Bucer</p><p>em	1551,	Cranmer	em	1556,	George	Baurock	em	1529,	Farel	em	1556,	Felix</p><p>Manz	em	1527,	Tyndale	em	1536,	Menno	Simons	em	1561,	John	Knox	em</p><p>1573,	Karlsdadt	em	1541,	Thomas	Müntzer	em	1525,	Capito	em	1541	e	Ulrich</p><p>Von	Hutten,	em	1523.	O	próprio	Erasmo	de	Roterdã,	mesmo	não	sendo</p><p>reformador,	mas	em	sua	própria	perspectiva	almejava	uma	Reforma,	morreu	em</p><p>1536.	Em	verdade,	todos	souberam	discernir	sua	própria	época	e	puderam</p><p>projetar,	como	verdadeiros	profetas,	uma	prática	contemporânea.</p><p>Somos	devedores	também	a	verdadeiros	gênios	que,	mesmo	vivendo	no	século</p><p>em	referência,	lançaram	as	bases	para	o	mundo	contemporâneo,	bastando	citar</p><p>alguns	nomes:	Michelangelo,	Rafael,	Botticelli,	Ticiano,	Maquiavel,	Copérnico,</p><p>dentre	muitos	outros.	Todos	esses	“viveram	em	pleno	século	XXI”,	e	acredito</p><p>que	viverão	por	vários	outros.</p><p>Cremos	não	ser	exagero	afirmar	que	durante	o	século	XVI,	ocorreu	o</p><p>“nascimento”	do	mundo	contemporâneo	e,	à	medida	que	os	séculos	vão	se</p><p>desenrolando,	essa	“criança”	vai	amadurecendo	e	tornando-se	“pleno	adulto”.</p><p>Foi	durante	a	Idade	Média,	em	especial	a	partir	dos	séculos	X/XII,	que	ocorre</p><p>essa	“gestação”	do	mundo	contemporâneo	tão	delineado	pelos	reformadores.</p><p>Infelizmente,	essa	vida	adulta	do	nosso	mundo	fez	todos	nós	vivermos	sob	a</p><p>Espada	de	Dâmocles,	suspensa	por	um	fio,	capaz	de	ser	arrebentada	a	qualquer</p><p>momento	por	ganância,	erro	de	cálculo	ou	mesmo	por	loucura.</p><p>Assim	sendo,	todos	esses	nomes	citados	que	“viveram	em	pleno	século	XXI”	e,</p><p>acredito,	por	vários	outros	séculos,	continuarão	a	viver,	tal	como	afirmou</p><p>Camões	em	Os	Lusíadas,	“e	a	todos	quantos	da	lei	da	morte	se	libertando”,	ou</p><p>utilizando-se	da	expressão	bíblica:	“Bem-aventurados	os	mortos	[...]	para	que</p><p>descansem	das	suas	fadigas,	pois	as	suas	obras	os	acompanham”	(Ap	14.13,</p><p>ARA).</p><p>Este	artigo	procura	mostrar	o	legado	de	alguns	reformadores.	Optamos	por</p><p>“alguns”	para	não	o	tornar	extenso.	Mesmo	destacando	Lutero,	Calvino,</p><p>Melanchton	e	Zuínglio,	todos	os	reformadores,	com	muito	ou	pouco,	de	forma</p><p>direta	ou	indireta,	indistintamente,	cada	um	a	seu	modo,	deixaram	seu	legado.</p><p>Apresentaremos	os	legados	sem	identificar	este	ou	aquele	reformador,	pois</p><p>conforme	registrado,	todos	comungam,	em	linhas	gerais,	as	mesmas	ideias.</p><p>Convém	destacar	que	esta	reflexão	está	baseada,	principalmente,	na	obra	de</p><p>Alister	McGrath,	O	Pensamento	da	Reforma,	editada	pela	Cultura	Cristã,</p><p>capítulo	14,	“O	Impacto	da	Reforma	na	História”,	p.	286-302.	Faremos	a</p><p>exposição	em	duas	fases.	A	primeira	consiste	em	apresentar,	em	quadro</p><p>comparativo,	um	confronto	entre	a	ideologia	religiosa	medieval,	representada</p><p>pela	Igreja	Católica,	e	o	posicionamento	contrário	dos	reformadores,	conforme</p><p>exposto	a	seguir.	Na	segunda	fase,	faremos	um	comentário	das	implicações</p><p>dessas	diferenças.	Oportuno	destacar	que	estamos	nos	referindo	ao	que	podemos</p><p>classificar	como	cristianismo	monástico	que,	em	verdade,	não	é	o	componente</p><p>mais	significativo	do	próprio	catolicismo,	mas	não	podemos	nos	esquecer	de	que</p><p>essa	forma	de	cristianismo	era	uma	espécie	de	porta-voz	para	a	cristandade</p><p>católica.	Era	uma	minoria	“representativa”	que,	direta	ou	indiretamente,	formava</p><p>opinião	para	a	maioria	de	cristãos	católicos.</p><p>Ideologia	Medieval</p><p>Isolados	da	dura	realidade	do	cotidiano	pelos	muros	dos	monastérios	e	conventos.</p><p>Deve-se	renunciar	ao	mundo.</p><p>Os	cristãos	devem	se	afastar	do	mundo	e	entrar	na	segurança	espiritual	do	monastério.</p><p>A	verdadeira	vida	espiritual	está	nas	celas.</p><p>Crítica	aos	cristãos	que	não	seguiam	a	vida	independentemente	da	vida	no	monastério.</p><p>O	cristão	vivendo	no	mundo	é	uma	segunda	categoria	devido	ao	risco	da	degeneração	espiritual.</p><p>Para	Thomas	Kempis,	a	resposta	negativa	para	o	mundo	é	uma	resposta	positiva	para	Deus.</p><p>Isolados,	os	monastérios	não	se	relacionavam	com	o	leigo	e	os	avanços	tecnológicos,	da	imprensa,	por	exemplo.</p><p>É	impossível	avaliar	toda	implicação	que	essas	diferenciações	traziam	em	curto,</p><p>médio	ou	longo	prazo.	Alister	McGrath	apresenta	duas	considerações	teológicas</p><p>dos	reformadores	no	contexto	do	esboço	acima.</p><p>A	primeira	consiste	em	uma	nova	ênfase	nas	doutrinas	da	criação	e	da	redenção.</p><p>Uma	nova	postura	é	assumida	diante	do	mundo.	Ele	(o	mundo)	é	o	local	de</p><p>trabalho	em	que	o	homem	necessita	desenvolver-se.	O	mundo	não	é	mau	em	si.</p><p>“Na	verdade,	deixar	de	se	comprometer	com	o	mundo	é	declarar	que	ele	não</p><p>pode	ser	redimido.	Ao	se	respeitar	a	natureza	como	criação	divina,	se	está</p><p>adorando	a	Deus,	não	à	natureza”,	afirma	McGrath.</p><p>A	segunda	consideração	do	referido	autor	é	que	há	uma	recuperação	da	ideia	da</p><p>vocação	do	cristão.	Esse	posicionamento	dos	reformadores	será	uma	verdadeira</p><p>revira	volta	no	mundo	de	então.	Para	eles	somos	chamados	por	Deus	para	atuar,</p><p>transformar	e	servir	a	Deus	“no	mundo”.	O	termo	vocação	passou	a	ser	uma</p><p>“atividade	ou	carreira	secular”.	Calvino	afirmara	que	o	poder	cível	“é	vocação,</p><p>santa,	legítima,	sacrossanta	e	honrosa”.	(Que	os	nossos	políticos	não	somente</p><p>saibam	disso,	mas	vivam.)	Para	Lutero,	cada	cristão	é	chamado	para	servir	a</p><p>Deus	em	sua	profissão,	e	essa	profissão	é	exercida	no	mundo	através	do	seu</p><p>trabalho.	Na	Idade	Média,	os	monges	e	freiras	é	que	teriam	uma	“profissão”	no</p><p>sentido	de	vocação	por	parte	de	Deus.	Para	ele,	a	profissão	é	uma	tarefa	com	a</p><p>qual	somos	incumbidos	por	Deus.	Daí	não	fazer	diferenças	entre	“lavar	as</p><p>fraudas	sujas	dos	filhos	ou	realizar	a	obra	redentora	de	Cristo”.	Os	reformadores</p><p>não	viam	diferenças	vitais	e	genuínas	entre	sagrado	e	profano	e	entre	temporal	e</p><p>espiritual.	Lutero	afirmou,	segundo	Alister	McGrath,	“o	que	parece	ser	obras</p><p>seculares	na	verdade	são	louvores	a	Deus	e	representam	uma	obediência	que</p><p>muito	o	agrada”.	Temos	com	isso	uma	valorização	do	trabalho.</p><p>Precisamos	passar	para	a	segunda	fase	dessa	argumentação	em	que	mostra	o</p><p>legado	dos	principais	reformadores	conforme	declarado	acima.	Essa	segunda</p><p>fase	consiste	em	discorrer	sobre	as	implicações	implícitas	e	até	mesmo	explícitas</p><p>no	quadro	apresentado	acima.</p><p>Uma	verdadeira	guinada	de	360º	graus	empreendida	pelos	reformadores	foi	a</p><p>nova	visão	do	trabalho.	Claro	que	essa	visão	não	foi	unicamente	dos</p><p>reformadores.	Escritores	dos	séculos	XVI	e	seguintes	também	destacaram	a</p><p>importância	do	trabalho	em	outra	perspectiva.	No	entanto,	o	que	nos	interessa</p><p>neste	artigo	é	a	postura	dos	reformadores.</p><p>A	grande	tônica	dos	reformadores	é	que	eles	não	diferenciavam	o	mundo	em</p><p>duas	instâncias,	tais	como	uma	“espiritual”	e	outra	“material”.	Eles	valorizavam</p><p>o	trabalho	como	uma	“vocação”	divina.	É	oportuno	destacar	que	o	trabalho,	em</p><p>linhas	gerais	na	Idade	Média,	estava	condicionado	à	ideologia	da	Igreja,	era</p><p>considerado	uma	“segunda	categoria”.	O	termo	vocação	no	período	referenciado</p><p>era	compreendido	como	indicando	um	chamado	à	vida	monástica,	a	qual</p><p>envolvia	deixar	o	mundo	para	trás.	O	trabalho	era	uma</p><p>espécie	de	“maldição”</p><p>herdada	desde	o	jardim	do	Éden	imposta	por	Deus	a	Adão.	Os	reformadores,	tais</p><p>como	Calvino,	Lutero	e	Tyndale,	não	faziam	diferenciação	entre	“lavar	pratos	e</p><p>pregar	a	palavra	de	Deus”.	Para	eles	não	haveria	diferenciação	essencial	“quanto</p><p>agradar	a	Deus”.</p><p>Devemos	considerar	o	impacto	econômico	e	ideológico	que	o	pensamento	dos</p><p>reformadores	vai	trazer	para	o	mundo	de	então	e	dos	séculos	posteriores,</p><p>culminando	com	a	tese	de	Max	Weber	em	sua	Ética	Protestante	e	o	Espírito	do</p><p>Capitalismo,	em	que	relaciona	o	desenvolvimento	das	principais	nações</p><p>capitalistas	europeias	às	nações	protestantes.	Weber	afirmava	que	o	calvinismo</p><p>gerou	as	precondições	psicológicas	essenciais	para	o	desenvolvimento	do</p><p>capitalismo	moderno.	No	Brasil,	por	exemplo,	durante	o	governo	de	D.	Pedro	II,</p><p>em	pleno	século	XIX,	existia	o	claro	relacionamento	do	catolicismo	com	o</p><p>atraso	econômico	de	uma	nação	e	o	protestantismo	relacionado	ao	progresso</p><p>capitalista.</p><p>Outro	aspecto	essencial	preconizado	por	alguns	reformadores	foi	a	questão	de</p><p>juros,	mola	mestre	para	o	surgimento	do	capitalismo	moderno.	Na	Idade	Média,</p><p>acerca	da	questão	dos	juros,	era	tão	forte	a	rejeição	que	aos	usurários	era-lhes</p><p>negado	um	enterro	cristão.	Claro	que	não	foi	fácil	a	aceitação	da	usura	ou</p><p>cobrança	de	juros,	mas	sabemos	que	cerca	de	100	anos	após	Calvino	a	usura</p><p>passou	a	ser	aceitável.</p><p>Neste	momento	quero	abrir	um	parêntese	nesta	análise.	Quando	trabalhava	num</p><p>colégio	católico,	particularmente	gostava	de	pedir	dinheiro	emprestado	às	irmãs</p><p>da	Irmandade	Santa	Clara,	pois	não	cobravam	juros	—	isso	em	plena	década	dos</p><p>anos	80.</p><p>A	última	abordagem	baseada	no	quadro	acima	mencionado	está	relacionada	às</p><p>mudanças	políticas.	Há	uma	unanimidade	de	que	os	reformadores	mudaram	a</p><p>face	política	da	Europa,	na	medida	em	que	a	mutabilidade	ganhou	forma	e	força</p><p>em	detrimento	da	irrefutabilidade.	Para	a	Idade	Média,	a	ordem	europeia	estava</p><p>assentada	sobre	a	conservação	de	uma	ordem	já	estabelecida	havia	séculos,</p><p>fundada	sobre	uma	“ordem	imaginada	como	natural	e	eterna”.	No	entanto,	a</p><p>ordem	moderna	estava	fundada	sobre	mudanças.	Enquanto	a	cosmovisão</p><p>medieval	era	estática,	ordeira	e	estabelecida,	os	reformadores,	principalmente	os</p><p>calvinistas,	apresentavam	uma	ideologia	de	transição	“na	qual	a	posição	das</p><p>pessoas	no	mundo	é	declarada	estar	baseada,	pelo	menos	em	parte,	nos	seus</p><p>esforços”.</p><p>Nessa	época	de	transição,	as	cidades	ganham	importância	não	somente</p><p>ideológica,	mas	política.	As	cidades	passaram	a	ser	vistas	como	sinônimo	de</p><p>liberdade,	de	conquistas	e	realizações.	Deve-se	observar	que	as	cidades	foram</p><p>palcos	das	Reformas,	tais	como	Wittenberg	e	Genebra.</p><p>É	nesse	contexto	que	classes	sociais,	tais	como	a	burguesia	e	o	campesinato,	se</p><p>sentem	atraídas	pelos	novos	tempos.	A	liberdade	de	consciência	tão	assumida</p><p>pelos	reformadores	ganha	espaço	entre	as	massas	sofridas	ou	as	que	procuravam</p><p>novos	espaços	sociais.	O	desdobramento	que	essa	liberdade	há	de	trazer	será	o</p><p>dever	de	resistir	aos	tiranos.	O	conceito	de	Direito	Divino	de	governar	entra	em</p><p>cheque.</p><p>Cremos	não	ser	exagero	afirmar	que	a	Revolução	Francesa	é	o	reflexo	da</p><p>florescência	da	ideologia	que	os	reformadores	plantaram,	bem	como	a	ideologia</p><p>burguesa	implantada	pelo	Iluminismo	do	século	XVIII,	com	a	culminância	da</p><p>Declaração	Universal	dos	Direitos	Humanos,	em	1948.</p><p>Apêndice	2</p><p>Cronologia	da	Vida	de	Lutero</p><p>1483 Nascimento	de	Lutero,	em	Eisleben.	Seus	pais:	Hans	e	Margareth.	Batizado	com	o	nome	do	santo	do	dia.</p><p>1484 Mudou-se	para	Mansfeld,	onde	tem	seus	primeiros	estudos.</p><p>1488/1497 Frequentou	a	escola	municipal	de	Mansfeld.</p><p>1497 Matriculado	em	Magdeburg,	vivenciando	os	Irmãos	da	Vida	Comum.</p><p>1498 Transferido	para	estudar	em	Eisenach.</p><p>1501 nicia	seus	estudos	na	Universidade	de	Erfurt.	Canta	em	coral	diante	das	casas,	ajudando	assim	nas	despesas.	Senhora	Ursula	Cotta	o	ajuda.</p><p>1502 Bacharel	em	Artes</p><p>1505 Mestre	em	Artes.	Influência	de	Ockham.	Início	da	Faculdade	de	Direito	(duração	de	dois	meses).	Após	ser	envolvido	num	temporal,	que	somente	ele	relata,	entra	para	o	convento	de	Santo	Agostinho.</p><p>1507 Ordenado	padre.	Celebra	1ª	missa.	Início	dos	estudos	de	teologia.</p><p>1508 Professor	de	filosofia	na	Universidade	de	Wittenberg.</p><p>1509 Volta	para	Erfurt	para	lecionar.	Bacharel	em	Bíblia.</p><p>1510 Viagem	a	Roma.</p><p>1511 Staupitz	o	reconvoca	para	Wittenberg.</p><p>1512 Doutor	em	Teologia.	Até	o	final	da	vida	será	professor	na	Universidade	de	Wittenberg.</p><p>1513/1518 Reconhece	a	verdade	do	Evangelho	ou	uma	nova	teologia.</p><p>1515 Lutero	é	escolhido	como	vigário	do	distrito	de	Gotha	da	ordem	dos	Agostinhos,	passando	a	ter	sob	a	sua	autoridade	entre	10	a	12	conventos.</p><p>1517 Publicação	das	95	Teses.	Envio	das	95	Teses	ao	arcebispo	Alberto	de	Mogúncia	e	Jerônimo	de	Brandenburgo.</p><p>1518 Debate	em	Heidelberg.	Lutero	é	convocado	a	Roma.	Apela	a	um	Concílio.	Interrogado	pelo	cardeal	Caetano	em	Augsburgo.	Sai	de	Augsburgo.	Atacado	por	Priérias.	Apela	ao	príncipe-eleitor	Frederico,	o	Sábio.</p><p>1520 Ameaçado	de	excomunhão	(Bula	Exsurge	Domine).	Queima	a	Bula	da	excomunhão.	Três	grandes	escritos:	1)	Das	Boas	Obras,	2)	Discurso	à	Nobreza	Alemã,	3)	Do	Cativeiro	Babilônico	da	Igreja.</p><p>1521 O	Papa	excomunga	Lutero.	É	banido	para	Wartburg	(vive	pouco	mais	de	1	ano,	como	Cavaleiro	Jorge).	Convocado	a	Worms.	Dieta	de	Worms	(16,17/04),	não	se	retrata.</p><p>1522 Traduz	o	Novo	Testamento.	Sai	de	Wartburg.</p><p>1524 Abandona	o	hábito	(vestes	próprias	de	monge).</p><p>1525 Casa-se	com	Katharina	Von	Bora.	Polêmica	com	Erasmo.</p><p>1526 Nasce	o	filho	Hans.	Dieta	de	Espira,	suspende	a	apelação	de	Worms.</p><p>1527 Nasce	Elizabeth.	Controversa	com	Zuínglio.</p><p>1529 Nasce	Madalena.	Protestação	de	Espira.	Surge	o	termo	protestante.</p><p>1530 Confissão	de	Augsburgo.	Morre	Hans	Luder.</p><p>1531 Nasce	Martinho.</p><p>Nasce	Paulo.</p><p>1534 Nasce	Margareth.	Tradução	da	Bíblia	para	o	alemão.</p><p>1546 Lutero	viaja	para	Eisleben,	para	mediar	conflito	entre	dois	condes.	Morre	a	18	de	fevereiro	(62	anos,	três	meses	e	oito	dias)	é	sepultado	em	Wittenberg,	dia	22).</p><p>Suas	últimas	palavras:	“Ó	meu	amado	Pai	Celeste,	Deus	e	Pai	de	nosso	Senhor</p><p>Jesus	Cristo	[...]	agradeço	por	teres	me	revelado	teu	amado	Filho	Jesus	Cristo,</p><p>em	quem	creio,	a	quem	preguei	e	confessei,	a	quem	amei	e	louvei,	a	quem	o</p><p>repugnante	papa	e	todos	os	ímpios	ridicularizam	[...]	Peço-te	meu	Senhor	Jesus</p><p>Cristo,	coloca	minha	alminha	sob	tuas	ordens.	Pai	celeste,	se	já	agora	eu	tiver</p><p>que	abandonar	esse	corpo	[...]	sei	com	certeza	que	posso	permanecer</p><p>eternamente	contigo	e	ninguém	me	arranca	de	tuas	mãos”.</p><p>Apêndice	3</p><p>Lutero	e	seus	principais	contemporâneos	Reformadores	Ligados</p><p>às	reformas</p><p>1483	........................................1546</p><p>Reformadores	e	Nomes	de	Apoio	a	Lutero Opositores	a	Lutero</p><p>Katharina Caetano</p><p>Melanchthon Priérias</p><p>Karlstadt João	Tetzel</p><p>Staupitz Eck</p><p>Espalatino Erasmo	de	Roterdã</p><p>Justo	Jonas Frederico	III</p><p>Lucas	Cranach Maximiliano	I</p><p>Ecolampadio Carlos	V</p><p>Ulrich	Von	Hutten Alexandre	VI</p><p>Zuínglio Júlio	III</p><p>Frederico,	o	Sábio Leão	X</p><p>João,	o	Constante Adriano	VI</p><p>João,	o	Magnífico Clemente	VI</p><p>Calvino Paulo	III</p><p>Guilherme	Farel</p><p>Teodoro	Beza</p><p>Menno	Simons</p><p>1.	Katharina	Von	Bora	(1499-1552).	Esposa	de	Lutero.</p><p>2.	Melanchthon	(1497-1560).	Professor	na	Universidade	de	Wittenberg.</p><p>Reformador,	humanista,	amigo	de	Lutero	e	seu	sucessor.	Sepultado	ao	lado	de</p><p>Lutero.</p><p>3.	Karlstadt	(1480-1541).	Professor	e	colega	de	Lutero	na	Universidade	de</p><p>Wittenberg.	Divergiu	de	Lutero	no	processo	da	Reforma	optando	por	uma	ala</p><p>mais	radical.</p><p>4.	Staupitz	(1469(?)-1524).	O	“pai”	espiritual	de	Lutero	que	muito	o	influenciou.</p><p>Vigário	Geral	da	Ordem	Agostiniana	alemã	e	da	qual	Lutero	fora	membro.</p><p>5.	Espalatino	(1484-1545).	Secretário,	conselheiro	e	pregador	de	Frederico,	o</p><p>Sábio.	Por	sua	função,	assegurou	a	proteção	para	Lutero.	Tradutor	das	obras	de</p><p>Lutero	e	Melanchthon.</p><p>6.	Justo	Jonas	(1493-1555).	Jurista,	teólogo	humanista	e	grande	amigo	de</p><p>Lutero.	Tradutor	de	muitas	obras	de	Lutero.	Esteve	junto	ao	leito	de	morte	de</p><p>Lutero.</p><p>7.	Lucas	Cranach	(1470-1554).	Famoso	pintor	da	Reforma	e	amigo	de	Lutero.</p><p>8.	Ecolampadio	(1483-1531).	Reformador	da	Basileia,</p><p>Suíça.	Divergiu	de	Lutero</p><p>posteriormente.</p><p>9.	Ulrich	Von	Hutten	(1480-1523).	Apoiou	Lutero	em	sua	luta	contra	Roma.</p><p>10.	Caetano	(1468-1534).	Dominicano	e	professor	de	Teologia	na	Itália.	Foi</p><p>procurador	geral,	mestre-geral,	bispo	de	Gaeta,	cardeal,	legado	papal	na</p><p>Alemanha,	Hungria,	Boêmia	e	Polônia.	Um	dos	primeiros	a	ter	com	Lutero	a	fim</p><p>de	fazê-lo	retratar.</p><p>11.	Priérias	(1456-1523)	(Silvestre	Mazzoline).	Dominicano,	inquisidor,	mestre</p><p>do	sacro	palácio,	conselheiro	e	teólogo	do	papa	Leão	X.	Integrante	oficial	do</p><p>processo	eclesiástico	contra	Lutero.</p><p>12.	João	Tetzel	(1465-1519).	Pregador	dominicano,	subcomissionário,	vendedor</p><p>de	Indulgências	na	Alemanha	e	inquisidor.	Contra	essa	praticada	venda	de</p><p>Indulgências	Lutero	publicou	as	95	Teses.</p><p>13.	Eck	(1468-1543).	Professor	universitário	e	ferrenho	adversário.	Debateu</p><p>contra	Lutero	várias	vezes,	obtendo	a	Bula	Excurge	Domini,	contra	o</p><p>Reformador.</p><p>14.	Zuínglio	(1485-1530).	Reformador	da	igreja	da	Suíça.	Em	sua	Reforma,</p><p>eliminou	quadros,	estatuas	e	a	música	nas	igrejas.</p><p>15.	Erasmo	(1460-1535).	Considerado	o	príncipe	dos	Humanistas.	Natural	da</p><p>Holanda.	Editou	em	1516	o	Novo	Testamento	grego	impresso,	do	qual	Lutero</p><p>utilizou-se	em	sua	tradução.	Simpatizou-se	inicialmente	com	Lutero,	dele</p><p>divergindo	na	questão	de	livre-arbítrio.	Foi	um	dos	homens	mais	cultos	de	sua</p><p>época.</p><p>16.	Frederico	III,	Maximiliano	I	e	Carlos	V.	Imperadores	do	Sacro	Império</p><p>Romano-Germânico,	entre	1452	a	1556.</p><p>17.	Frederico,	o	Sábio,	João	Constante	e	João,	o	Magnífico.	Príncipes-eleitores</p><p>da	Saxônia,	entre	1486	a	1546.</p><p>18.	Alexandre	VI,	Júlio	III,	Leão	X,	Adriano	VI,	Clemente	VI	e	Paulo	III.	Papas</p><p>do	período	das	Reformas,	Papas	de	1492	a	1549.</p><p>19.	Calvino	(1509-1554).	Reformador	de	Genebra,	Suíça.</p><p>20.	Guilherme	Farel	(1489-1565).	Reformador	e	companheiro	de	Calvino.</p><p>21.	Teodoro	Beza	(1519-1605).	Substituto	de	Calvino.</p><p>22.	Menno	Simons	(1496-1560).	Líder	anabatista,	uma	das	alas	mais	radicais	das</p><p>Reformas.</p><p>Cover Page</p><p>Capa</p><p>Folha de Rosto</p><p>Créditos</p><p>Apresentação</p><p>Sumário</p><p>Contextualizando</p><p>Experiência de Vida</p><p>Leitura Condicionada</p><p>Nas Entrelinhas</p><p>Primeira Parte: Época</p><p>Lutero e seu Tempo</p><p>Sacro Império Romano-Germânico</p><p>Alemanha do Século XVI</p><p>Wittenberg</p><p>Segunda Parte: Vida</p><p>O Homem Lutero</p><p>Uma Vida Moldada</p><p>Do Nascimento até a Entrada para o Convento</p><p>Mansfeld</p><p>Eisenach</p><p>Universidade de Erfurt</p><p>O Frade no Convento</p><p>O “Pai” Staupitz</p><p>Casamento e Família</p><p>Carta ao Filho Hans em 1505</p><p>As Obras de Lutero</p><p>Lutero e a Arte de Viver</p><p>Terceira Parte: Legado</p><p>Lutero 16/21</p><p>O Legado de Lutero</p><p>Nova Compreensão das Escrituras</p><p>O Atual Cânon e Lutero</p><p>Liberdade de Consciência</p><p>Os Dois Reinos</p><p>O Alemão Moderno e a Tradução da Bíblia</p><p>Desenvolvimento do Estado Moderno</p><p>Sobre a liturgia</p><p>Lutero e a Psicanálise</p><p>Reformulação e formação da identidade católica</p><p>Vozes Dissidentes</p><p>O Concílio de Trento</p><p>Vaticano I e Trento</p><p>Vaticano II</p><p>Situação do Homem Diante de Deus</p><p>Conclusão</p><p>Bibliografia</p><p>Apêndice I: O Legado dos Reformadores</p><p>Apêndice II: Cronologia da Vida de Lutero...</p><p>Apêndice III: Lutero e seus Principais Contemporâneos Reformadores Ligados às Reformas</p><p>Vamos	ilustrar	a	ideia	de	cronos.	Quando	se	compra	algo	por	meio	do	crediário,</p><p>leva-se	a	mercadoria	e	é	estipulado	o	tempo	máximo	para	que	haja	pagamento.</p><p>Ao	levar	a	mercadoria,	sabe-se	que	existe	um	tempo	preestabelecido	para	a</p><p>realização	do	pagamento.	Ao	término	do	pagamento,	a	mercadoria	é	do</p><p>comprador.	Somente	após	ter	cumprido	o	tempo	para	o	pagamento,	o	comprador</p><p>é	dono	legal	do	produto	adquirido.</p><p>Foi	exatamente	o	que	Paulo	afirma	que	Deus	fez.	Quando	“se	cumpriu	o	prazo,</p><p>Deus	enviou	o	seu	Filho”	para	nos	livrar	tanto	da	Lei	quanto	nos	receber	como</p><p>filhos.	Podemos	parafrasear	o	apóstolo	afirmando	que	“vindo	a	plenitude	do</p><p>tempo”...	Deus	enviou	Lutero!	Ele	viveu	num	momento	histórico	sem</p><p>precedentes	na	realização	da	Reforma.	O	século	XVI	possuía	todas	as	condições</p><p>históricas,	culturais,	religiosas,	políticas,	espirituais,	morais,	entre	outras,	para	a</p><p>eclosão	do	movimento	reformador.	Estaremos	apresentando	como	“pano	de</p><p>fundo”,	o	Sacro	Império	Romano-Germânico	e	as	cidades	alemães	no	momento</p><p>da	Reforma.	Não	pretendemos	ser	exaustivos	na	apresentação	de	ambos,	mas</p><p>procuraremos	mostrar	a	inserção	de	Lutero	em	seu	mundo,	o	século	XVI.	Não</p><p>podemos	retirar	Lutero	de	sua	“água	fria”,	pois	era	a	sua	“companhia”.</p><p>Também	é	oportuna	uma	observação.	Trata-se	da	distinção	entre	o	Império</p><p>Romano-Germânico	e	a	Alemanha.	Podemos	compará-lo	a	uma	moeda	que	tem</p><p>dois	lados,	ou	seja,	são	duas	realidades	que	se	completam,	mas	com	diferenças</p><p>muito	tênues.	A	Alemanha	do	século	XVI	compunha	o	Sacro	Império	Romano-</p><p>Germânico,	(a	partir	de	agora,	o	Sacro	Império),	no	entanto,	muitos	grupos</p><p>sociais	divergiam	da	política	do	Império,	principalmente	entre	as	cidades	alemãs.</p><p>O	próprio	imperador	na	época	de	Lutero,	Carlos	V	não	era	alemão	e	nem	ao</p><p>menos	falava	o	alemão.	Alem	de	imperador	do	Sacro	Império	era	também	Rei	da</p><p>Espanha	e	Arquiduque	da	Áustria,	como	Carlos	I.</p><p>Não	podemos	separar	a	Reforma	na	Alemanha	do	século	XVI	do	Sacro	Império.</p><p>Várias	questões	eram	prorrogadas	por	interesses	políticos	de	grupos	dominantes</p><p>e,	também,	devido	à	situação	conflitante	na	Europa.	Muitas	vezes	sendo</p><p>deixadas	para	tratamento	posterior.	Na	verdade,	política	e	religião	mesclavam-se</p><p>em	interesse	e	com	isso	“o	caso	Lutero”	ia	sendo	postergado,	favorecendo	de</p><p>certa	forma	o	reformador.</p><p>O	Sacro	Império	foi	um	aglomerado	de	povos	da	Europa	Central	fundado	sob	a</p><p>aquiescência	da	igreja	visando	interesse	de	sobrevivência	na	luta	pelo	poder.</p><p>Com	o	esfacelamento	do	Império	Romano,	no	século	V,	em	toda	a	Europa</p><p>Ocidental,	o	poder	ficou	descentralizado	pelos	chamados	reinos	bárbaros,	tais</p><p>como	os	godos,	visigodos,	germânicos,	estrogodos,	vândalos	e	francos,	citando</p><p>os	mais	proeminentes.	A	igreja	via	uma	necessidade	urgente	não	somente	em</p><p>ocupar	espaços	vazios,	mas	também	impor-se	em	seu	mundo	hostil.	Esse	mundo</p><p>hostil	estava	potencialmente	latente,	no	Oriente,	porque	o	patriarca	de</p><p>Constantinopla	rivaliza	em	autoridade	com	o	papa	Romano;	por	causa	da</p><p>existência	de	vários	reinos	bárbaros	que	optaram	pelo	arianismo	em	seus</p><p>domínios,	tais	como	visigodos	e	ostrogodos;	também	pela	corrente	donatista	que</p><p>simultaneamente	competia	com	a	Cúria	Romana,	em	especial	no	norte	da	África;</p><p>em	razão	da	perseguição	de	fiéis	católicos	romanos	e	o	confisco	de	bens	e</p><p>templos.	A	igreja	enfrentava	uma	situação	delicada,	pois	havia	ficado	“sem</p><p>chão”,	com	uma	atuação	centrada	principalmente	no	sul	da	Itália.	Desde	as</p><p>conquistas	bárbaras	precisava	de	uma	restauração	ao	status	quo	e	de	um	respaldo</p><p>político	de	grande	monta.	E	esse	respaldo	será	o	reino	mais	consistente,	forte	e</p><p>de	conotação	católica	romana:	o	reino	franco.</p><p>Sob	a	bênção	da	igreja,	ao	longo	dos	séculos,	em	especial	com	os	Imperadores</p><p>Carlos	Magno,	no	século	IX,	e	Otão	I,	em	fins	do	século	X,	a	igreja	a	“trancos	e</p><p>barrancos”,	com	avanços	e	recuos,	às	vezes,	como	senhora	e	outras	vezes</p><p>vassala,	abençoando	e	sendo	abençoada,	aliando-se	com	amigos	e	inimigos,	vai</p><p>se	consolidando	e	ditando	muitas	vezes	as	regras	para	a	sociedade	do	seu	tempo.</p><p>Um	verdadeiro	jogo	de	equilíbrio	e	interesses	vai	se	processando,	com	diversas</p><p>alianças,	geralmente	escusas.</p><p>De	forma	didática	podemos	distinguir	cinco	períodos	na	formação	do	Sacro</p><p>Império:	um	primeiro,	no	qual	se	assiste	a	uma	redistribuição	das	forças	dos</p><p>reinos	bárbaros	no	antigo	Império	Romano	do	Ocidente,	abrangendo	os	século	V</p><p>e	o	VI;	o	segundo,	que	se	inicia	pela	separação	entre	o	Ocidente	e	o	Oriente,</p><p>ficando	o	papa	do	lado	do	Ocidente;	o	terceiro,	decorre	sob	o	domínio	de	Carlos</p><p>Magno,	que	instala	a	ordem	cristã	no	Ocidente;	no	decurso	do	quarto,	a	igreja,</p><p>chamando	a	si	a	herança	de	Carlos	Magno,	vinga-se	do	poder	temporal;	durante</p><p>o	quinto,	finalmente,	a	dinastia	dos	Otões	tenta	reconstruir	o	Império	do</p><p>Ocidente.	Deve-se	observar	o	jogo	de	interesses	entre	o	Império	e	a	igreja,	pois</p><p>em	nome	de	Deus	não	somente	se	busca	a	supremacia	política,	mas	as	vantagens</p><p>oriundas	do	próprio	poder.	O	Império	por	sua	vez	por	meio	de	“conversões”</p><p>procura	o	controle	da	grande	massa	católica.	Uma	mão,	lava	a	outra.</p><p>Deveras,	esse	Império	sempre	foi	uma	farsa	desde	a	sua	origem.	Os	cronistas	da</p><p>época	do	imperador	Otão	I	(962	-	973),	afirmavam	da	preferência	do	termo</p><p>“Augusto”	(divino)	ao	invés	de	Romano.	Para	o	imperador	só	é	romano	de	um</p><p>ponto	de	vista	muito	formal,	sobretudo,	em	matéria	de	sucessão	e	inclusive	para</p><p>não	entrarem	confronto	com	o	Império	Romano	do	Oriente.	O	termo	Império</p><p>Romano,	será	aplicado	no	momento	em	que	o	Imperador	de	Constantinopla	não</p><p>mais	o	reconhece	como	tal.	A	partir	daí	os	partidários	de	Otão	I	se	empenharão</p><p>para	que	o	imperador	se	torne	o	“Imperador	dos	Romanos”,	porém,	visando</p><p>mostrar	que	os	romanos	estavam	sob	o	seu	poder.	O	embaixador	de	Otão	I,</p><p>Liutprand,	segundo	Touchard,	afirmara	que	“pelo	que	nos	diz	respeito,	nós,</p><p>Lombardos,	Saxões,	Francos,	Lotaríngios,	Bávaros,	Suevos	e	Borguinhões,</p><p>desprezamo-los	tanto	[aos	romanos]	que	a	maior	injúria	que	podemos	fazer	aos</p><p>nossos	inimigos	é	chamar-lhes	‘romanos’,	estando	implícito	neste	termo	tudo	o</p><p>que	é	baixeza,	covardia,	avareza,	luxúria,	deslealdade	e	todos	os	vícios	em</p><p>geral”.	Otão	III	fará	o	possível	para	restaurar	o	antigo	império	cristão,	segundo	o</p><p>qual	a	ele	caberia	por	direito	a	direção	da	cristandade,	enquanto	os	papas	se</p><p>reduziam	ao	papel	de	grandes	padres	encarregados	do	ministério	da	oração.</p><p>Assim,	o	nome	Sacro	Império	Romano	Germânico	é	resultado	de	um	processo.	E</p><p>neste	processo,	ao	longo	dos	séculos,	os	imperadores	alemães	perderam	a</p><p>batalha	para	o	papado	na	Idade	Média.</p><p>O	historiador	luterano	Martin	Dreher	afirma	que	este	Império	foi	mais	“ficção”</p><p>do	que	uma	realidade	política	dominadora	e	centralizadora.	O	próprio	nome</p><p>Germânico	já	revela	que	não	seria	mais	possível	restabelecer	o	Império	Romano</p><p>que	sonhara	seus	fundadores.	Voltaire	mesmo,	afirmara	no	século	XVIII,	que	o</p><p>Império	“não	era	santo,	nem	romano	e	nem	germânico”.</p><p>Neste	contexto	nasceu	Lutero.	Ele	foi	contemporâneo	a	dois	Imperadores:</p><p>Maximiliano	I,	governou	de	1493	a	1519	e	Carlos	V,	de	1519	a	1556.</p><p>Maximiliano	I	nascido	em	1459	e	morto	em	1519,	da	Dinastia	de	Habsburgo,	foi</p><p>rei	de	Roma	em	1486	e	imperador	do	Sacro	Império	de	1493	até	o	ano	de	sua</p><p>morte.	Ligou	a	sua	dinastia	às	da	Espanha	e	da	Polônia.	Foi	avô	do	seu	substituto</p><p>Carlos	V,	imperador	de	1519	a	1556.	Herdeiro	dos	territórios	dos	Habsburgo</p><p>(Áustria,	Burgúndia,	Boêmia	e	Hungria),	dos	reinos	espanhóis,	com	Nápoles,</p><p>Sicília	e	da	América	espanhola.	Em	1519,	os	príncipes-eleitores,	corrompidos</p><p>pelo	dinheiro	dos	Fugger,	o	elegeram	imperador	alemão.	Essa	dinastia	perdurou</p><p>até	1806,	quando	foi	derrotada	pelos	exércitos	de	Napoleão.	Uma	das	formas	de</p><p>expansão	desta	Casa	era	a	política	casamenteira.	Casando	seus	parentes	com</p><p>outras	Dinastias	reinantes,	a	expansão	era	uma	garantia.	Aliás,	uma	prática</p><p>comum	entre	os	soberanos	europeus.	Veja	por	exemplo	D.	Pedro	I,	Imperador	da</p><p>Dinastia	Bragança,	casado	com	D.	Leopoldina	de	Habsburgo.	A	única	força</p><p>paralela	em	oposição	aos	Habsburgo,	e	que	não	conseguia	superá-la	era	a	Casa</p><p>dos	Hohenzollenr,	que	por	sua	vez	pleiteava</p><p>o	poder	imperial</p><p>Quando	se	fala	em	sucessão	neste	Império	imediatamente	se	relaciona	a	uma</p><p>crise.	Havia	uma	verdadeira	luta	e	competição	para	se	conseguir	a	coroa</p><p>imperial.	Quem	pagasse	mais,	geralmente,	levava	a	coroa.	Milhares	de	florins</p><p>eram	investidos	para	a	compra	de	apoio	político,	e	sempre	havia	candidatos	se</p><p>apresentando.	Com	a	morte	do	Imperador	Maximiliano,	por	exemplo,	pleiteavam</p><p>ao	cargo	Carlos	V	(Rei	da	Espanha)	e	Henrique	VIII	rei	da	Inglaterra	e	o	próprio</p><p>rei	Francisco	I	com	suas	pretensões.	Todos	por	sua	vez	procuravam	ganhar	apoio</p><p>para	suas	ambições	imperiais,	e	com	isso	muitos	gastos.	Para	a	eleição	de	Carlos</p><p>V,	este	imperador	eleito,	investiu	hum	milhão	de	florins,	dinheiro	pego	da	Casa</p><p>bancária	dos	Fugger.	O	próprio	Jacob	Fugger	lembrou	ao	imperador	que	“é</p><p>sabido	e	não	é	preciso	enfatizar,	que	Vossa	Majestade,	não	poderia	ter	obtido	a</p><p>coroa	romana	sem	meu	auxílio”.	Esse	exemplo	por	si	só	revela	o</p><p>comprometimento	dos	imperadores	com	os	banqueiros	da	época.	Também	para	a</p><p>eleição	de	Carlos	V	algumas	decisões	foram	tomadas,	revelando	o	tipo	e</p><p>limitação	política	da	pessoa	do	imperador:	as	principais	decisões	não	deveriam</p><p>ser	tomadas	sem	a	consulta	dos	estados	alemães;	alemão	e	latim	deveriam	ser	as</p><p>línguas	oficiais;	estrangeiros	deveriam	ser	excluídos	de	cargos	imperiais</p><p>alemães;	tropas	estrangeiras	não	seriam	permitidas	na	Alemanha	e	os	recursos</p><p>imperiais	não	deveriam	ser	usados	em	favor	de	interesses	dinásticos.	Na</p><p>perspectiva	de	Lutero,	outro	poder	controlava	o	Sacro	Império:	a	cúria	Romana.</p><p>Em	uma	de	suas	principais	obras,	À	Nobreza	Cristã	da	Nação	Alemã,	ele</p><p>declara:	“Deixai	o	imperador	alemão	ser	imperador	genuína	e	livremente,	não</p><p>permitindo	que	seu	poder	e	sua	espada	sejam	suprimidos	por	essas	cegas</p><p>alegações	de	hipócritas	papais	como	se	estivessem	eximidos	da	espada	e</p><p>devessem	governar	sobre	todas	as	coisas”.</p><p>O	rei	francês	Francisco	I,	por	suas	pretensões	ao	Império,	pagava	mercenários</p><p>“protestantes”	em	suas	guerras	contra	Carlos	V,	guerras	que	perduraram	durante</p><p>todo	o	governo	dos	Habsburgo.	Ao	mesmo	tempo	em	se	utilizava	de</p><p>“protestantes”	no	conflito	com	Carlos	V,	perseguia-os	na	França.	A	igreja,	por</p><p>sua	vez,	inclinava-se	para	o	príncipe	eleitor	da	Saxônia	e	protetor	de	Lutero,</p><p>Frederico	III,	o	Sábio.	O	papa	Leão	X	se	esforçava	para	que	o	referido	príncipe</p><p>fosse	candidato	ao	Império,	para	fazer	frente	à	Casa	dos	Habsburgo	e,	com	isso,</p><p>hesitava	em	agir	com	toda	a	força	contra	Lutero.	Por	cerca	de	um	ano,	Roma</p><p>preferiu	alcançar	as	boas	graças	do	príncipe-eleitor	para	impedir	a	eleição	de</p><p>Carlos	V	e	assim	Lutero	foi	ganhando	em	extensão	e	ressonância.</p><p>A	história	não	poder	ser	feita	pelo	“se”,	ou	melhor,	“se	tivesse	acontecido	assim</p><p>seria	melhor”.	Vamos	citar	um	exemplo.	É	comum	ouvir	alguém	dizer	que	“se”	o</p><p>Brasil	não	fosse	colonizado	pelos	portugueses,	estaria	melhor.	Seria	outra</p><p>realidade.	Inclusive	citam	os	Estados	Unidos	que	foram	colonizados	pelos</p><p>ingleses.	Trata-se	de	um	grande	equívoco.	E	países	africanos	que	foram</p><p>colonizados	por	grandes	potências	europeias?	Como	estão	hoje?	E	alguns	países</p><p>da	América	central	e	sul	que	também	foram	colonizados	por	essas	grandes</p><p>nações.	Seja	qual	for	o	país	que	nos	colonizasse,	estaríamos,	possivelmente	na</p><p>mesma	situação,	pois	fomos	descobertos	para	sermos	uma	colônia	de</p><p>exploração,	diferentemente	da	colônia	de	povoamento,	ocorrida	na	outra</p><p>América.</p><p>Assim	não	podemos	refletir	em	história	com	o	“se”.	Pergunta-se:	seria	melhor</p><p>para	Lutero	a	eleição	de	Francisco	I	da	França?	De	Henrique	VIII	da	Inglaterra?</p><p>Ou	Frederico	III	da	Saxônia	Ernestina?	Sabemos	que	tanto	a	França	como	a</p><p>Inglaterra	não	toleravam	outra	religião	em	suas	terras,	pois	estavam	num</p><p>processo	de	centralização	política	e	a	religião	se	tornara	oficial	e	atrelada	ao</p><p>Estado	Absolutista.	Não	havia	tolerância	para	toda	a	oposição	religiosa	nesses</p><p>Estados.	Tanto	na	França	quanto	na	Inglaterra	milhares	de	protestantes	foram</p><p>perseguidos	e	mortos.	Basta	citar	somente	um	exemplo,	quando	milhares	de</p><p>huguenotes,	assim	chamados	os	protestantes	franceses,	foram	mortos	na</p><p>chamada	“Noite	de	São	Bartolomeu”.	O	lema	do	Estado	Absolutista	Francês	era</p><p>“um	rei,	uma	lei,	uma	fé”.	E	quanto	ao	príncipe	Frederico,	até	mesmo	declinou</p><p>em	favor	de	Carlos	V?	Teria	tanta	autonomia	para	cuidar	do	“caso	Lutero”</p><p>quanto	teve	como	príncipe	da	Saxônia?	Tal	como	Carlos	V,	teria	que	se	envolver,</p><p>caso	fosse	eleito,	com	guerras	infindáveis	com	a	França	de	um	lado	e	a	ameaça</p><p>turca	constante	de	outro.	A	história	não	responde	aos	“se”,	todavia,	repetiremos</p><p>o	que	foi	dito	anteriormente:	“vindo	a	plenitude	dos	tempos”	...	Deus	enviou</p><p>Lutero.</p><p>Nessa	disputa	pelo	poder,	os	principais	banqueiros	europeus,	os	Fugger	e	os</p><p>Welser,	investiam	nas	suas	aspirações	e	o	povo	é	quem	pagava	pelos</p><p>empréstimos.	As	grandes	forças	políticas	no	Império	eram	as	Casas	bancárias,</p><p>principalmente	do	Fugger	que	tinham	escritórios	em	Roma,	Cracóvia,	Antuerpia</p><p>e	Madri.	Eles	eram	proprietários	das	minas	de	cobre	na	Hungria	e	de	sal	na</p><p>Transilvânia.</p><p>Os	banqueiros	Welser,	não	deixavam	por	menos,	estavam	estabelecidos	em</p><p>Augsburgo	e	tendo	recebido	o	direito	em	explorar	o	território	da	Venezuela	por</p><p>conta	das	dívidas	dos	Habsburgo.	Tinham	escritórios	em	Lisboa	e	Índia.</p><p>Conforme	visto	acima,	a	declaração	de	Jacob	Fugger,	reivindicando	para	si	a</p><p>eleição	de	Carlos	V	como	Imperador	do	Sacro	Império,	revela	o</p><p>comprometimento	do	governante	com	determinados	grupos	econômicos,</p><p>revelando	também	o	que	norteava	a	disputa	pelo	poder	imperial.	Sabe-se	que	o</p><p>imperador	era	eleito	pelo	voto	de	7	príncipes	eleitores	desde	o	século	XIII.</p><p>Príncipes	que	poderiam	ser	eclesiásticos	ou	seculares	alemães.	Eram	eles	os</p><p>arcebispos	de	Mogúncia,	Colônia,	Tréveris,	o	duque	da	Saxônia,	o	margrave	de</p><p>Brandenburgo,	o	rei	da	Boêmia	e	o	duque	do	Palatinado	junto	ao	Reno.	Nas</p><p>Assembleias	do	Império	as	Dietas	formavam	um	colegiado	independente	e</p><p>defendiam	os	interesses	particulares	dos	territórios	alemães	contra	a</p><p>administração	imperial.</p><p>Para	as	eleições,	tanto	do	imperador	quanto	dos	príncipes	e	cargos	eclesiásticos</p><p>um	grande	investimento	seria	necessário.	Alberto	de	Mogúncia,	arcebispo	de</p><p>Magdeburgo,	quando	se	candidatou	ao	arcebispo	de	Mogúncia,	precisou	de	uma</p><p>vasta	importância	que	os	Fugges	adiantaram	e	esses	os	recursos	seriam	pagos	em</p><p>Roma.	Os	Fugger	conseguiram	a	publicação	de	uma	indulgência,	que	consistia</p><p>na	venda	de	remissão	da	pena	temporal	devida	a	Deus	por	causa	do	pecado.	Na</p><p>referida	venda	era	“formalmente”,	usada	a	expressão	do	historiador	Martin</p><p>Dreher,	destinada	à	construção	da	Basílica	de	São	Pedro.	Na	verdade,	esse</p><p>empréstimo	seria	pago	com	o	dinheiro	arrecadado	da	venda	de	indulgências.	A</p><p>Casa	Bancária	controlando	o	dominicano	João	Tetzel,	pregador,	vendedor	de</p><p>indulgências	na	Alemanha	e	inquisitor,	fazia	os	acertos	com	Alberto	e	Roma.	É</p><p>neste	contexto	que	constatamos	o	Sacro	Império	constantemente	endividado	com</p><p>os	banqueiros	da	época,	pois	estes	financiavam	as	invasões	e	conquistas	do</p><p>Novo	Mundo	e	usufruíam	dos	enormes	lucros	advindos	daí.	O	próprio	ouro</p><p>vindo	da	América	espanhola	não	conseguia	sanar	suas	grandes	dívidas.	É	nesse</p><p>contexto	que	Lutero	fará	a	seguinte	pergunta	irônica:	“Como	é	possível,	num</p><p>procedimento	legítimo	e	conforme	a	Deus,	que	um	homem	[Jacob	Fugger?]</p><p>fique	rico	em	tão	pouco	tempo,	a	ponto	de	conseguir	comprar	reis	e</p><p>imperadores?”.	Sabe-se	que	o	sobrinho	de	Jacob	Fugger,	Anton	Fugger,</p><p>financiou	expedições	de	invasão,	conquista	e	colonização	por	europeus	na</p><p>América	do	Sul,	México	e	Índia,	usufruindo	lucros	de	até	mil	por	cento.	Foi</p><p>nesse	contexto	de	dívidas,	compromissos	e	acordos	financeiros	com	as	Casas</p><p>Bancárias,	que	a	questão	das	indulgências	vai	estourar	como	uma	bomba	na</p><p>Alemanha	de	Lutero.	E	é	nesse	momento	que	passaremos	a	discorrer	a	segunda</p><p>realidade	vivida	por	Lutero	em	seu	meio	ambiente:	Alemanha.</p><p>Alemanha	do	Século	XVI</p><p>Não	podemos	fazer	uma	analogia	com	a	Alemanha	de	Lutero	com	há	dos	nossos</p><p>dias.	Na	realidade,	não	existia	Alemanha,	e	sim	“Alemanhas”.	Enquanto	se</p><p>despontavam	grandes	nações	num	processo	de</p><p>centralização	monárquica,	em	que</p><p>a	figura	do	rei	é	fortalecida	em	detrimento	aos	senhores	feudais,	tais	como	a</p><p>França	e	Inglaterra,	objetivando	uma	independência	em	relação	a	Roma,	na</p><p>Alemanha	a	situação	era	outra,	aliás	tal	como	a	Europa	Central,	o	poder	estava</p><p>descentralizado	com	predominância	política	das	cidades.	Eram	cidades	livres</p><p>independentes	uma	das	outras.	Podemos	constatar	essa	verdade	nas	palavras	de</p><p>Lutero	quando	ele	pergunta:	“Haveria	algum	sentido	se	as	pessoas	de	Leipzig</p><p>devessem	estabelecer	as	leis	para	nós	aqui	em	Wittenberg	ou	vice-versa?”	(Da</p><p>Autoridade	Secular).	Essas	cidades,	incrivelmente	emanharadas,	eram	diversas</p><p>em	vários	aspectos,	tanto	pela	extensão,	tanto	pela	importância	e	forma	de</p><p>governo:	ducados,	landegraviados,	margraviados,	(senhor	ou	governador	de	uma</p><p>província	fronteiriça	do	Sacro	Império	Romano-Germânico	correspondente	ao</p><p>de	marquês),	condados,	arcebispados,	bispados,	abadias,	cidades	livres	e</p><p>domínios	minúsculos	de	cavaleiros	do	Império.	O	imperador	Frederico	III</p><p>permitira	que	os	senhores	territoriais,	fossem	eles	seculares	ou	eclesiásticos,	tais</p><p>como	príncipes	eleitores	ou	soberanos	de	menor	importância	convivessem	com</p><p>relativa	independência	em	relação	ao	Império.	O	próprio	imperador	era</p><p>impotente	diante	dos	nobres	alemães.	As	cidades,	cada	vez	mais	poderosas</p><p>faziam	oposição	ao	poder	do	Império.	Não	devemos	nos	esquecer	de	que	as</p><p>grandes	e	principais	cidades	alemãs,	representadas	por	seus	príncipes-eleitores</p><p>eram	quem	elegiam	o	Imperador.	Mas	esses	próprios	príncipes	eleitores	não</p><p>tinham	poder	sobre	as	cidades	alemãs.	Elas	formavam	ligas	para	suas	próprias</p><p>guerras.	Assim,	as	cidades	eram	centro	de	grandes	tensões.	Grupos	diversos</p><p>buscavam	o	seu	espaço	político	nesta	colcha	de	retalhos	que	era	a	Alemanha.	Na</p><p>verdade,	o	Sacro	Império	é	que	era	a	colcha,	enquanto	a	Alemanha	era	os</p><p>pequenos	pedaços	que	compunham	o	pano	desta	colcha.	Os	príncipes	e	nobres</p><p>contestavam	o	imperador	eleito	por	eles.	O	próprio	Imperador	Carlos	V,	tal	como</p><p>Herodes,	era	um	intruso,	um	não	alemão,	com	língua	materna	francesa	e	mais</p><p>voltado	a	Espanha,	o	qual	havia	sido	rei	antes	de	assumir	o	trono	do	Sacro</p><p>Império.	Nessa	situação,	o	Imperador	não	mais	representava	a	unidade,	os</p><p>príncipes	se	achavam	os	verdadeiros	representantes	do	Império	e	imperador.	A</p><p>dependência	econômica	do	Império	aos	príncipes,	sejam	eles	católicos	ou</p><p>reformados,	era	visível,	pois	precisavam	de	recursos	para	seus	enfrentamentos,</p><p>seja	a	ameaça	contínua	de	uma	invasão	turca	ou	o	contínuo	conflito	com	a</p><p>Dinastia	francesa	que,	inclusive	tem	pretensões	ao	trono.</p><p>Por	parte	das	cidades	havia	rebeliões	contra	os	príncipes	e	bispos.	Para	citar</p><p>somente	um	exemplo,	em	1510	houve	uma	insurreição	popular	em	Erfurt,</p><p>devido	o	aumento	dos	impostos	pelas	autoridades	tutelares	de	Mogúncia	e	da</p><p>Saxônia.	O	Magistrado	(administrador	municipal)	foi	derrubado.	O	eleitor	da</p><p>Saxônia	Ducal	fez	marchar	seus	soldados	e,	no	dia	4	de	agosto,	o	edifício	onde</p><p>funcionavam	os	cursos	da	Universidade	foi	destruído	num	combate	envolvendo</p><p>estudantes.	Os	plebeus,	por	sua	vez,	contra	os	patrícios	e	os	camponeses	já	não</p><p>suportavam	tantos	impostos	e	exploração	pelos	monopólios,	dos	próprios</p><p>governantes	e	da	igreja.</p><p>Nem	mesmo	um	mapa	político	da	Alemanha	poderia	ser	feito	com	suas</p><p>fronteiras	indefinidas	no	século	XVI.	Capital	da	Alemanha?	Não	havia.	Como</p><p>também	não	havia	um	imposto	válido	para	todo	o	império,	um	exército	alemão</p><p>permanente	e	nem	constituição.	O	imperador	“romano”	não	passava	de	um</p><p>soberano	nominal,	preocupado	em	conservar	a	sua	dinastia	no	poder.	Para	isso,</p><p>promovia	a	“política	da	boa	vizinhança”.	Em	Sobre	a	Autoridade	Secular,	Lutero</p><p>afirma:	“Se	o	imperador	fosse	retirar	deles	[referência	aos	príncipes]	um	de	seus</p><p>castelos	ou	cidades,	ou	ordenar	qualquer	outra	coisa	e	não	lhe	parecesse	justa,</p><p>logo	os	veríamos	procurar	razões	pelas	quais	teriam	o	direito	de	resistir	e</p><p>desobedecer	a	ele...	São	esses	os	príncipes	que	governam	os	territórios	alemães</p><p>do	Império”.	Essa	foi	uma	das	condições	históricas	de	Lutero	não	ter	sucumbido</p><p>tal	como	seus	antecessores	Jerônimo	Savonarola,	1452-1498,	Influente	e</p><p>impetuoso	pregador	dominicano	em	Florença.	Jan	Huss	1370-1414,	queimado</p><p>vivo	após	ter	sido	condenado	como	herege.	John	Wycliff	1320-1384,	professor</p><p>da	universidade	de	Oxford,	teólogo	e	reformador	inglês	e	tantos	outros.</p><p>Wittenberg</p><p>Quando	se	refere	às	cidades	alemãs,	não	podemos	deixar	de	discorrer	sobre</p><p>aquela	que	foi	o	berço,	centro	e	quartel	general	da	reforma	e	das	lutas	teológicas,</p><p>a	“Roma”	protestante,	a	cidade	universitária	onde	viveu,	estudou,	trabalhou,</p><p>morreu	e	foi	sepultado	Lutero	—	a	cidade	de	Wittenberg.	Sabemos	que	não</p><p>existe	na	tradição	protestante	a	peregrinação	em	cidades,	que	se	tornaram</p><p>referências	originais	em	suas	histórias.	Não	é	o	caso	para	o	catolicismo	quando</p><p>temos	a	Aparecida	do	Norte,	em	São	Paulo,	Juazeiro	do	Norte,	no	Ceará,</p><p>Vaticano,	Santiago	de	Compostela,	a	Terra	Santa,	o	Santo	Sepulcro,	para	citar</p><p>uns	poucos	exemplos.	Bem	como	Meca	para	o	Islamismo.	E	a	cidade	do</p><p>Reformador,	Wittenberg?	Ao	entrar	na	cidade,	respira-se	Lutero	e	reformadores</p><p>por	meio	de	estátuas,	museus,	templos,	mausoléus,	etc.	Cerca	de	500	anos	depois</p><p>da	Reforma	Protestante	e	do	início	de	uma	nova	era,	é	possível	sentir	a</p><p>atmosfera	dessa	época	nas	cidades	de	Eisleben,	onde	nasceu	e	Wittenberg,	onde</p><p>viveu.	Há	monumentos	especiais	que	mantém	viva	a	memória	de	Lutero	nestas</p><p>cidades	como	a	casa	de	seu	nascimento,	o	mosteiro	onde	viveu	e	a	igreja	na	qual</p><p>ele	teria	fixado	suas	95	Teses	e	onde	repousa	o	corpo.</p><p>A	cidade	atual	está	localizada	na	Saxônia-Anhalt,	tendo	uma	população	pouco</p><p>superior	a	50	mil	habitantes,	no	início	da	década	de	2010.	Para	chegar	à	cidade	o</p><p>viajante	percorre	uma	estrada	em	meio	a	uma	linda	floresta,	ao	lado	existe	uma</p><p>trilha	para	se	locomover	de	bicicleta,	aliás	um	costume	salutar	dos	moradores,	o</p><p>que	torna	a	viagem	um	encanto.	Não	é	sem	motivo	que	atrai	mais	de	400	turistas</p><p>por	ano.	Na	igreja	principal	da	cidade,	encontra-se	a	sepultura	do	reformador.</p><p>A	Wittenberg	de	Lutero	era	bem	diferente.	Localizava-se	na	Saxônia,	região	que</p><p>dividida	em	1485,	entre	os	dois	filhos	do	príncipe-eleitor	Frederico	II,	Ernesto</p><p>(1441-1486,	príncipe-eleitor	desde	1464)	e	Albérico	ou	Alberto	(1443-1500),</p><p>governante	desde	1464.	Enquanto	o	primeiro	governava	a	Saxônia	Eleitora,	o</p><p>segundo	a	Saxônia	Ducal.	Lutero,	habitante	da	Saxônia	Eleitora,	teve	como</p><p>contemporâneo	os	governos	de	Frederico	III,	o	Sábio,	(1486-1525);	João,	o</p><p>Constante,	(1525-1532)	e	João	Frederico	I	(1532-1547).</p><p>Em	1509	Lutero	recebe	a	ordem	de	seu	superior	Stauptiz	para	ir	a	Wittenberg	e</p><p>assumir	a	docência	de	Filosofia	e	Moral.	Constata	uma	cidade	pobre,	pequena	e</p><p>insignificante,	na	verdade,	uma	aldeia	com	uma	população	com	pouco	mais	de</p><p>3500	habitantes.	O	povo	é	classificado	por	Lutero	como	grosseiro,	sem	cultura	e</p><p>sem	desejo	de	adquirir.	O	reformador	afirmará	que:	“A	preguiça	é	grande	na</p><p>cidade	e	não	se	pode	convencer	um	pobre	que	deve	trabalhar:	preferem</p><p>mendigar”.	A	cidade	estava	localizada	as	margens	do	rio	Elba,	“pequena,	feia,</p><p>baixa	e	composta	de	casinhas	de	madeira”.	O	nome	Wittenberg,	montanha</p><p>branca,	relacionava-se	ao	seu	tipo	de	terreno,	arenoso	e	pedregoso	de	onde	se</p><p>erguia	a	cidade.	Lutero	residirá	no	mosteiro	de	Wittenberg	e	ali	permaneceria	até</p><p>o	fim	de	seus	dias,	sendo	um	dos	22	professores.</p><p>O	príncipe	Frederico	III	resolveu	investir	na	cidade	em	função	de	seus	rivais,	a</p><p>Saxônia	Ducal	e	Brandenburgo,	construindo	um	castelo,	a	igreja	de	Todos	os</p><p>Santos	e	uma	Universidade	em	1502,	sendo	seus	professores	tirados	do	convento</p><p>dos	Agostinianos,	da	própria	Wittenberg.	Ele	transformara	a	cidade	num	centro</p><p>de	relíquias	religiosas,	tendo	entre	outras:	ossos	dos	santos,	pedaços	da	sarça</p><p>ardente,	leite	da	Virgem	Maria,	pedaços	da	manjedoura	e	da	Cruz	de	Jesus.</p><p>Somente	o	príncipe	possuía	mais	de	17	mil	relíquias.	O	objetivo	de	guardar</p><p>tantas	relíquias	era	promover	a	cidade,	incentivar	as	peregrinações	e,</p><p>consequentemente,	angariar	recursos.</p><p>Com	a	chegada	de	Lutero	e	outros</p><p>professores	de	renome	para	a	Universidade,</p><p>tudo	começou	a	mudar.	Lutero	aos	poucos	se	tornou	um	grande	orador,	cujas</p><p>palavras	possuíam	grandes	persuasões.	Voz	delicada,	não	alta,	clara,	firme,</p><p>límpida,	doce	e	harmoniosamente	timbrada,	conquitou	corações.	Tanto	para	o</p><p>canto	quanto	para	a	palavra.	Segundo	Melanchthon,	amigo	e	substituto	de</p><p>Lutero,	suas	palavras	nasciam,	não	de	seus	lábios,	mas	de	sua	alma.	Um	é</p><p>intérprete,	outro	é	logicista,	outro	orador,	mas	Lutero	é	tudo	em	todos.	Também</p><p>afirmara	Pedro	Moselano,	que	dirigiu	as	sessões	na	disputa	de	Leipzig:	“Sua	voz</p><p>é	clara	e	melodiosa.	Na	conversação,	ele	possuiu	rico	armazenamento	de</p><p>assuntos	que	dominava,	uma	vasta	flores	de	pensamentos	e	palavras	a	seu	dispor.</p><p>Não	havia	nada	estóico	ou	arrogante	nele,	e	ele	entende	bem	como	se	adaptar	a</p><p>diferentes	pessoas	e	horas.	Em	sociedade	ele	é	vivaz	e	agradável.	Sempre	está</p><p>renovado,	animado	e	à	vontade,	de	semblante	agradável,	por	mais	duras	que</p><p>sejam	as	ameaças	feitas	por	seus	inimigos,	de	modo	que	não	se	pode	deixar	de</p><p>crer	que	o	céu	está	com	ele	em	sua	grande	empreitada”.</p><p>Lutero	promoveu	uma	reforma	na	Universidade	quebrando	o	predomínio	da</p><p>filosofia	de	Aristóteles,	da	teologia	escolástica	e	do	Direito	Canônico.	Colocou	a</p><p>Bíblia	como	centro	do	estudo	teológico,	inserindo	o	estudo	das	línguas	bíblicas</p><p>(hebraico,	grego)	e	do	latim.	A	Universidade	atingiu	o	auge	na	época	de	Lutero,</p><p>tendo-o	como	um	dos	seus	melhores	professores.	A	Universidade	possuía	mais</p><p>de	2000	estudantes,	entre	eles	15%	de	estrangeiros.	Lembre-nos	de	que	a	cidade</p><p>de	Wittenberg	possuía	apenas	3500	pessoas.</p><p>Este	homem	do	qual	o	teólogo	Paul	Tillich	afirmou:	“O	único	que	realizou	uma</p><p>verdadeira	transformação	e	que	mudou	a	face	da	terra	foi	Martinho	Lutero”.</p><p>Sim,	é	sobre	esta	vida	que	passaremos	a	refletir,	vivida	com	os	seus	62	anos,	3</p><p>meses	e	18	dias,	mas	que	extrapolou	este	efêmero	tempo	e,	tal	como	Luis	Vaz	de</p><p>Camões,	seu	contemporâneo,	afirmou	em	Os	Lusíadas,	canto	I,	“E	aqueles,	que</p><p>por	obras	valerosas	[valorosas]	se	vão	da	lei	da	morte	libertando”.</p><p>O	Homem	Lutero</p><p>Neste	primeiro	momento	estaremos	apresentando	alguns	aspectos	da	vida	de</p><p>Lutero,	isto	é,	Lutero	como	ser	humano.	Vamos	discorrer	sobre	seu	nome,</p><p>nascimento,	família,	casamento,	obras	e	curiosidades	envolvendo	esse	religioso</p><p>que	viveu	intensamente	o	século	XVI.</p><p>Segundo	alguns	analistas	da	teologia	bíblica,	Deus	se	revela	através	da	história.</p><p>Somente	o	tempo	nos	fará	ver	o	que	Deus	estava	realizando.	Muitas	vezes	o</p><p>momento	presente	ofusca	para	o	ser	humano	a	ação	de	Deus,	e	se	Ele	age	através</p><p>da	história,	não	podemos	nos	esquecer	de	que	a	história	é	um	processo	contínuo.</p><p>O	próprio	Lutero,	comentando	suas	teses	debatidas	em	Leipzig,	afirmou	que	“o</p><p>tempo	presente	julga	mal,	melhor	será	o	juízo	da	posteridade”.	Apresentar	a	vida</p><p>de	Lutero	como	o	agir	de	Deus	poderá	nos	apresentar	contradições	em	cima	de</p><p>contradições.	Somente	o	tempo	pode	revelar	a	importância	do	que	ocorrera</p><p>durante	os	anos	vividos	por	Lutero.	Ele	mesmo	dissera:	“O	que	Deus	faz,</p><p>somente	o	compreendemos	depois	que	Ele	realizar	a	sua	obra”.	Bem	como	Jesus</p><p>afirmara	aos	seus	discípulos	“o	que	eu	faço	não	o	sabes	tu	agora,	mas	tu	o</p><p>saberás	depois”	(Jo	13.7).</p><p>Uma	Vida	Moldada</p><p>Lembro-me	de	quando	criança	ficava	admirado	ao	contemplar	o	bolo	que	minha</p><p>mãe	fazia.	Ficava	imaginando	como	ela	teria	feito	aquele	“buraco”	no	meio...	E</p><p>as	curvas?	Tudo	certinho	e	lisinho.	Lembro-me	de	que	ela	passava	a	mão</p><p>contornando	o	bolo	já	feito	e	me	perguntava	sobre	tamanha	perfeição.	Hoje</p><p>compreendo	que	a	massa	mole	pré-cozida	era	colocada	numa	forma	de	bolo	que</p><p>serviria	de	molde.	Pronto.	é	só	colocar	no	forno	e	o	milagre	do	“tudo	certinho”</p><p>vai	aparecer.	O	segredo	era	a	forma!	Fico	pensando	sobre	a	personalidade,	o</p><p>temperamento	e	o	caráter	de	Lutero,	como	era	o	reformador	como	pessoa.	Por</p><p>que	ele	foi	assim?	Por	que	tanta	exigência	consigo	mesmo?	Por	que	queria</p><p>“certinho”	em	tudo	que	fazia?	Acredito	que	Lutero	era	o	que	hoje	conhecemos</p><p>como	perfeccionista.	Creio	que	ele	foi	o	resultado,	tal	como	nós,	de	toda	uma</p><p>vida	moldada	ao	longo	dos	anos.	Já	dissemos	que	“nascemos	originais	e	nos</p><p>tornamos	cópias”.	Ao	longo	dos	anos,	a	educação,	o	companheirismo,	as</p><p>observações	do	dia	a	dia,	a	leitura,	as	informações	ou	conselho	que	recebemos</p><p>marcam	a	nossa	vida	e	acumulam	um	verdadeiro	acervo	psíquico:	o	resultado	é	o</p><p>que	somos	hoje.	Somos	um	ímã	e	atraímos	outros.	O	apóstolo	Paulo	nos	fala	do</p><p>“cheiro	do	seu	conhecimento”	[de	Cristo]	em	nós.	Essas	palavras	nos	falam	da</p><p>boa	influência	que	recebemos	dEle.	Existe	um	adágio	popular	que	diz:	“Diga-me</p><p>com	quem	andas	e	mostrarei	os	seus	defeitos”.</p><p>Assim	foi	Lutero!	Toda	a	sua	vida	foi	marcada	por	fatos,	acontecimentos	e</p><p>situações	inusitadas	que	contribuíram	para	fazer	dele	um	grande	homem.	Claro</p><p>que	não	estaremos	dando	a	palavra	final	como	explicação	definitiva,	mas,</p><p>certamente	“escreviam”	na	“página	em	branco”	da	psique	de	Lutero.	O	que	se</p><p>passou	na	cabeça	do	reformador	quando	soube	que	Cardano,	influente	médico,</p><p>matemático	e	filósofo	italiano	que	estimou	o	10	de	novembro	de	1483,	data	de</p><p>seu	nascimento,	sob	uma	má	constelação	astrológica?	Inclusive	disse	que</p><p>haveria	de	acabar	como	herege.	Sabe-se	que	o	próprio	Lutero	preferiria	ter</p><p>nascido	um	ano	após.	Alias	profecias	a	respeito	da	vida	de	Lutero,	não	faltavam!</p><p>E	sua	família?	Filho	de	pais	pobres,	não	se	envergonhava	de	sua	origem	social:</p><p>“Sou	filho	de	camponês,	meu	pai,	meu	avô,	meus	antepassados	eram	verdadeiros</p><p>camponeses”.	Lutero	declarou	que	seus	pais	foram	no	começo	muito	pobres	e</p><p>sua	mãe,	para	criá-los,	teve	que	carregar	lenha	frequentemente	sobre	os	ombros.</p><p>Levavam	uma	vida	de	extrema	dureza.	Lutero	teve	em	seus	primeiros	anos	de</p><p>vida	uma	situação	econômica	difícil.	Em	Eisenach,	onde	morou	por	um	bom</p><p>tempo,	cantava	e	mendigava	pelas	ruas	para	receber	uns	trocados	e	era,	de	certa</p><p>forma,	bem-sucedido.	Além	disso,	teve	uma	educação	à	moda	antiga,	bem</p><p>severa.	Relata-se	que	certa	vez	o	pai	de	Lutero	o	castigou	fisicamente	de	maneira</p><p>tão	rude	que	o	menino	fugiu	dele	e	guardou	ressentimento.	Certa	vez,	por	ter</p><p>comido	uma	noz,	sem	autorização	da	mãe,	esta	o	bateu	“até	sangrar”.	“Meus	pais</p><p>foram	muito	severos	comigo	e	me	tornei	tímido”,	disse	ele.	Com	o	tempo	Lutero</p><p>soube	compreende	a	postura	do	pai	e	o	perdoou.	Disse	certa	feita,	que	seus	pais</p><p>só	queriam	seu	bem,	mas,	não	sabiam	discernir	os	espíritos	e	eram	desmedidos</p><p>nos	castigos.	O	seu	pai	Hans	ao	comentar	a	decisão	do	filho	de	ingressar	no</p><p>mosteiro,	inclusive	contra	sua	vontade,	disse	aos	frades:	“Não	ouviste	nunca	que</p><p>os	filhos	devem	obedecer	aos	pais?	E	vós,	homens	doutros,	não	haveis	nunca</p><p>lido	na	Santa	Escritura	que	está	ordenado	os	filhos	que	honrem	seu	pai	e	sua</p><p>mãe?	Praza	a	Deus	que	a	tranquilidade	e	a	paz	de	que	falais	não	venha	a	ser</p><p>enganosas	mentiras	do	Príncipe	do	Mal”.	As	boas	relações	entre	pai	e	filho</p><p>surgem	somente	em	1526	quando	do	nascimento	de	seu	primeiro	neto,	sendo</p><p>honrado	com	o	nome	Hans.	Mesmo	havendo	a	reconciliação,	o	pai	nunca	aceitou</p><p>a	entrada	de	Lutero	no	convento.</p><p>Certamente,	que	a	imagem	do	pai	exigente,	severo	e	autoritário	poderá	ter</p><p>contribuído	para	o	nascimento	deste	tipo	de	deus	na	psique	de	Lutero.	Segundo</p><p>Freud	a	ideia	de	Deus	se	baseia	nas	relações	que	a	criança	estabelece	em	fase</p><p>muito	inicial	da	evolução	do	self	[eu],	a	partir	de	seus	vínculos	com	as	figuras	da</p><p>mãe	e	do	pai.	Teria	ocorrido	com	Lutero?	Possivelmente!	Também	neste</p><p>contexto	é	oportuna	a	análise	que	o	psicoterapeuta	Tilmman	Moser	faz	sobre	o</p><p>“envenenamento	de	Deus”	em	nós.	Esse	envenenamento	é	um	processo	longo	e,</p><p>por	isso,	muito	difícil	de	nos	libertarmos.	Muitas	vezes	projetam	em	nós,</p><p>conscientes	ou	não,	um	Deus	vingativo,	exigente,	distante	e	outras	formas</p><p>distorcidas	do	Deus	revelado	nas	Escrituras	e	que	Jesus	chamava	de	Pai.</p><p>Sua	formação	educacional	também	está	inserida	na	cultura	da	época.	As</p><p>correções	por	meio	da	vara	eram	constantes.	Certa	vez,	em	apenas	uma	manhã,</p><p>recebeu	quinze	varadas	do	professor	devido	não	dominar	as	tabelas	da	gramática</p><p>latina.	Alunos	despreparados</p><p>eram	obrigados	a	exibir	a	imagem	de	um	jumento	e</p><p>eram	assim	tratados,	o	que	hoje	chamamos	de	bullying.	Naquela	época,	o</p><p>currículo	escolar	não	era	amplo,	pois	se	ensinava	principalmente	a	ler,	escrever	e</p><p>conhecer	o	latim,	a	língua	da	igreja,	dos	negócios	e	da	vida	pública.	Ao	reviver	a</p><p>sua	própria	vida	de	estudante,	Lutero,	sugere	aos	conselhos	das	cidades	que</p><p>incluíssem	História,	Geografia	e	Matemática.</p><p>Também	houve	uma	ocorrência	que,	certamente,	marcou	de	forma	indelével	a</p><p>vida	Lutero.	Trata-se	da	insurreição	que	a	população	revoltada	promoveu	em</p><p>Erfurt	no	ano	de	1510.	Os	documentos	da	época	informam	Funck-Bretano,</p><p>chamam-no	de	“ano	maluco”.	A	população	revoltada	com	a	administração</p><p>municipal	promove	uma	destruição	no	edifício	da	Universidade...	E	Lutero</p><p>encontrava-se	na	cidade.	Não	estaria	aqui,	a	origem	da	postura	de	Lutero	na</p><p>terrível	revolta	camponesa	ocorrida	15	anos	mais	tarde?</p><p>A	igreja	por	sua	vez	não	deixava	por	menos.	Além	de	não	corresponder	aos</p><p>anseios	espirituais	dos	fiéis,	contribuía	para	o	aprofundamento	das	crises</p><p>existenciais	dos	cristãos.	Ao	invés	de	uma	mensagem	libertadora,	possuía	uma</p><p>mensagem	opressora.	A	salvação,	o	grande	tema	e	preocupação	da	época,	estava</p><p>condicionada	em	“fazer	algo”.	Cristo	era	apresentado	sob	os	traços	de	um	juiz</p><p>longínquo	e	exigente.	O	culto	aos	santos,	a	adoração	de	relíquias,	indulgências	e</p><p>peregrinações,	eram	situações	sem	as	quais	não	aplacariam	a	justiça	ou	a	ira	de</p><p>Deus	sobre	o	pecador.	A	virgem	Maria	e	os	santos	eram	os	intermediários</p><p>insubstituíveis	para	se	chegar	a	Deus.	Uma	das	formas	para	o	perdão	dos</p><p>pecados,	não	somente	nesta	vida,	mas	também	na	vindoura,	era	a	venda	de</p><p>indulgências	(o	perdão	dos	pecados),	autorizados	pela	Cúria,	que	variavam	de	1</p><p>a	25	florins	para	pessoas	com	melhores	rendas.	Um	florim	equivalia	à</p><p>sobrevivência	de	uma	semana	para	uma	pessoa.	O	que	irritava	Lutero	era	o</p><p>comércio	desvairado	das	indulgências,	havendo	até	tabelas	de	preço,	tais	como:</p><p>príncipes,	25	florins;	prelados	e	barões,	10	florins;	burgueses	bem	situados,	6</p><p>florins;	menos	bem	situados,	1	florim;	pobres,	meio	ou	um	quarto	de	florim	por</p><p>indulgência.	Chegava-se	a	dizer	que	as	mulheres	poderiam	adquirir	indulgências</p><p>contra	a	vontade	do	marido.	A	confissão	era	uma	prática	corriqueira	para</p><p>amenizar	uma	mente	cativa.	Lutero,	que	se	confessava	rotineiramente	ao	seu</p><p>conselheiro	Staupitz,	teve	que	ouvir	dele	a	seguinte	declaração:</p><p>Queres	ser	sem	pecado	e	não	tens	pecado	verdadeiro!	Cristo	é	o	perdão	para	o</p><p>perdão	dos	verdadeiros	pecados,	como	assassinar	os	pais,	blasfemar</p><p>publicamente,	desprezar	a	Deus,	cometer	adultério,	etc.,	estes	são	os	verdadeiros</p><p>pecados.	Tens	que	ter	registro,	no	qual	se	encontrem	verdadeiros	pecados,	caso</p><p>Cristo	te	deva	auxiliar;	não	deves	andar	por	aí	te	preocupando	com	obras	mal</p><p>feitas	e	pecados	de	boneca,	e	fazendo	de	cada	peido	um	pecado.</p><p>Em	outras	palavras:	Vá	mate	sua	mãe,	pai	ou	cometa	adultério	e	depois	volte</p><p>para	se	confessar.</p><p>A	igreja	estabelecera	que	a	criança	a	partir	dos	7	anos,	deveria	se	confessar,	pois</p><p>já	se	encontrava	na	“idade	da	responsabilidade”.	Leia	com	atenção	o	que	se</p><p>perguntava	a	uma	criança	no	momento	da	confissão	e,	em	seguida,	tire	sua</p><p>conclusão	sobre	seus	efeitos.</p><p>Você	acredita	em	magia?	Ama	mais	a	seus	pais	do	que	a	Deus?	Você	alguma	vez</p><p>não	ajoelhou	com	os	dois	joelhos	ou	não	tirou	seu	chapéu	durante	a	comunhão?</p><p>Esses	são	pecados	contra	o	primeiro	Mandamento.</p><p>Você	cortou	madeira,	fez	alçapões	para	passarinhos,	fugiu	da	missa,	ou	dos</p><p>sermões,	ou	dançou	num	domingo,	ou	em	dias	santos?	—	Esses	são	pecados</p><p>contra	o	terceiro	Mandamento.	Você	jogou	bolas	de	neve	ou	pedras	nas	pessoas?</p><p>Foi	cruel	com	galinhas	ou	patos?	Você	matou	o	imperador	com	um	machado</p><p>duplo?	[Uma	pergunta	capciosa	para	ver	se	a	criança	estava	prestando	atenção]</p><p>—	Esses	são	pecados	contra	o	quinto	Mandamento.</p><p>Esses	exemplos	nos	falam	que	certamente	a	personalidade	do	reformador	foi</p><p>marcada	de	forma	indelével.	Possivelmente,	encontramos	nesses	poucos</p><p>exemplos	a	origem	e	formação	de	uma	crise	existencial;	as	negociatas	para	a</p><p>aquisição	de	cargos;	a	imoralidade	desde	o	papa	ao	pároco;	o	comércio</p><p>descabido	das	indulgências	e	assim	por	diante.	Preferimos	que	o	grande	filósofo</p><p>humanista	Erasmo	de	Roterdã	(1466-1536),	contemporâneo	e	crítico	de	Lutero,</p><p>nos	fale	um	pouco	por	intermédio	de	sua	obra	Elogio	da	Loucura,	de	1511.	Neste</p><p>livro	ele	questiona,	por	meio	de	um	estilo	profundamente	irônico,	toda	a</p><p>sociedade	europeia.	Em	sua	crítica	à	indulgência,	afirma:</p><p>Tantos	falsos	juramentos,	tantas	impurezas,	tantas	bebedeiras,	tantas	brigas,</p><p>tantos	assassínio,	tantas	imposturas,	tantas	perfídias,	tantas	traições,	numa</p><p>palavra,	todos	os	delitos	se	redimem	com	um	pouco	de	dinheiro,	e	de	tal	maneira</p><p>se	redimem	que	se	julga	poder	voltar	a	cometer	de	novo	toda	sorte	de	más	ações.</p><p>Sobre	os	sermões	do	clero,	assinala:</p><p>Ide	assistir	a	um	sermão,	e	vereis	que,	quando	o	cacarejador	(Oh!	Que	injúria!</p><p>Enganei-me,	desculpai-me),	queria	dizer,	quando	pregar	aborda	o	assunto	com</p><p>seriedade	e	apoiado	em	argumentos,	o	auditório	dorme,	boceja,	tosse,	assoa	o</p><p>nariz,	relaxa	o	corpo,	inteiramente	enjoado.</p><p>Em	relação	aos	papas,	Lutero	sentenciou:</p><p>Eu	desejaria	saber,	porém,	se	haverá	para	a	Igreja	inimigos	mais	perniciosos	do</p><p>que	esses	ímpios	pontífices,	os	quais,	em	lugar	de	pregar	Jesus	Cristo,	deixam	no</p><p>esquecimento	o	seu	nome	e	o	põem	de	lado	com	leis	lucrativas,	alteram	a	sua</p><p>doutrina	com	interpretações	forçadas	e,	finalmente,	o	destroem	com	exemplos</p><p>pestilentos.</p><p>Lutero,	ao	escrever	para	Erasmo	em	sua	famosa	polêmica	sobre	a	questão	do</p><p>livre-arbítrio,	afirmou	em	Da	Liberdade	Cativa	que:	“Os	papista	te	perdoam</p><p>essas	monstruosidades	e	as	toleram,	porque	escreves	contra	Lutero.	Do</p><p>contrário,	se	Lutero	estivesse	ausente	e	tu	escrevesses	tais	coisas,	eles	te</p><p>lacerariam	com	os	dentes”.</p><p>Assim,	Erasmo	só	não	foi	considerado	um	herege	ou	mesmo	perseguido	pela</p><p>Igreja,	em	razão	de	sua	oposição	ao	reformador.</p><p>Mas	convém	assinalar	alguns	fatos	positivos	na	vida	de	Lutero	que,	certamente,</p><p>marcaram	positivamente	o	coração	do	jovem	reformador.	O	primeiro	exemplo</p><p>foi	a	convivência,	na	cidade	de	Magdburgo,	onde	viveu	e	estudou	em	uma	escola</p><p>dos	Irmãos	da	Vida	Comum.	Os	Irmãos	era	uma	comunidade	fundada	por</p><p>Gerhard	de	Groot,	nascido	em	1340,	na	Holanda.	Podemos	afirmar	que	esse</p><p>movimento	foi	tal	como	alguns	outros,	de	cunho	um	tanto	quanto	independente</p><p>da	religião	oficial,	mas	sem	romper	com	esta,	devido	principalmente	ao	conceito</p><p>de	igreja	prevalecente	em	meados	e	fim	da	Idade	Média.	Surgiu	no	século	XIV	e</p><p>se	entregavam	à	obra	de	pregação	do	arrependimento,	à	educação	e	à	produção</p><p>literária.	Pregavam	com	ardor	a	justificação	pela	fé	e	a	necessidade	de	uma	vida</p><p>pura	e	consagrada	a	Deus.	Seguramente,	viram	com	bons	olhos	o	movimento	da</p><p>Reforma,	no	entanto,	não	se	comprometeram.	Dedicavam-se	principalmente	ao</p><p>ensino	e	ao	serviço	da	coletividade.	Em	vez	de	abrirem	escolas,	preferiam	servir</p><p>como	mestre	em	escolas	já	existentes,	visando	proporcionar	uma	educação</p><p>cristã.	Do	seu	meio	saíram	grandes	vultos	tais	como	Tomás	de	Kempis,	João</p><p>Wessel,	Agrícola,	Erasmo	e	outros.	Por	cerca	de	um	ano,	foi	um	refrigério	para	a</p><p>alma	e	coração	de	Lutero	que	encontrou	nessa	escola	os	fundamentos	de	sua</p><p>futura	Teologia,	pois	enalteciam	a	imitação	de	Jesus	Cristo,	a	humildade,	o</p><p>exame	de	consciência,	a	censura	fraterna,	a	leitura	da	Bíblia,	a	oração,	bem</p><p>como	a	piedade	e	a	compaixão	com	o	Cristo	sofredor.	Além	disso,	a	escola	dos</p><p>Irmãos	preconizava	a	renovação	da	Pedagogia,	fato	defendido	posteriormente</p><p>por	Lutero,	inclusive	nas	universidades.	Segundo	alguns	autores	(H.	Ströel),	o</p><p>primeiro	contato	de	Lutero	com	a	Bíblia	teria	sido	nesta	época,	pois	os	Irmãos	da</p><p>Vida	Comum	espalhavam	o	livro,	que	podia	ser	consultado	nas	salas	dos</p><p>copistas,	todavia,	muitas	lendas	ocorreram	na	vida	de	Lutero	e	essa	pode	ser	uma</p><p>delas.</p><p>Outra	experiência	bastante	positiva	para	a	formação	psicológica	e	espiritual	de</p><p>Lutero	foi	a	sua	relação	com	as	famílias	de	Úrsula	Cotta	e	seu	irmão	Schalbe,</p><p>marcadas	por	uma	espiritualidade</p><p>franciscana	e	apaixonados	pela	cultura.</p><p>Sabemos	que	Lutero,	adolescente,	cantava,	juntamente	com	outros	amigos,	em</p><p>frente	às	casas	ou	mesmo	nas	janelas	de	pessoas	mais	abastardas	a	troco	de</p><p>dinheiro,	a	fim	de	ajudar	nas	despesas	de	casa.	Isso	era	comum	na	Alemanha	do</p><p>século	XVI.	Em	uma	destas	casas,	o	jovem	Lutero	conheceu	Cotta	que	por	sua</p><p>vez	se	encantou	com	a	sua	voz.	Com	o	tempo,	a	confiança	nasceu	no	coração	da</p><p>senhora	da	casa	que	o	convidou	para	entrar	e	fazer	refeições	com	ela	e	o	marido,</p><p>Conrado	Cotta,	homem	ilustre	da	cidade.	E	deu-lhes	presentes.	Lutero</p><p>apresentava	seus	lindos	acordes	emanados	de	seu	belo	tenor.	Nasce	assim	uma</p><p>amizade	sincera	entre	ambos.	Anos	mais	tarde,	após	a	morte	de	Cotta,	ocorrida</p><p>em	1511,	ele	acolheu	em	sua	casa	e	em	sua	mesa	um	filho	de	Cotta,	na	qualidade</p><p>de	estudante	em	Wittenberg.	Segundo	alguns,	Lutero	teria	escrito	em	sua	Bíblia,</p><p>no	livro	de	provérbios,	uma	afirmação	que	aprendera	com	Úrsula	Cotta,	“Nada</p><p>há	mais	doce	sobre	a	terra	do	que	o	coração	de	uma	mulher	quando	alguém	é</p><p>bastante	feliz	para	o	obter”.</p><p>No	entanto,	o	mais	importante	foi	a	vida	deste	homem,	independente	de	suas</p><p>crises	existenciais.	Mesmo	diante	de	todos	os	problemas	vivenciados,	soube</p><p>aproveitar,	superar	e	viver	intensamente.	E	tirar	de	sua	própria	vida	lições	não</p><p>somente	para	si,	mas	também	para	o	semelhante.	Aprendera	também	que	a	sua</p><p>própria	dor	não	poderia	ser	transportada	para	a	dor	alheia.	Uma	das	provas	que</p><p>soube	discernir	foi	que,	aquilo	que	vivenciou	como	filho,	não	poderia	aplicar	em</p><p>sua	prole.	Aprendeu	a	amar	e	cuidar	com	longanimidade	de	seus	filhos	a	ponto</p><p>de	ser	admoestado	pela	esposa	Catarina	a	ser	mais	enérgico	com	as	crianças.	Foi</p><p>esse	homem,	com	todas	as	vicissitudes	que	passou	ao	longo	da	vida,	contribuiu</p><p>para	mudar	o	próprio	curso	da	civilização	ocidental.</p><p>Passemos	agora	a	examinar	alguns	aspectos	de	sua	vida.</p><p>Do	Nascimento	até	a	Entrada	para	o	Convento</p><p>Nasceu	em	Eisleben,	Alemanha,	no	dia	10	de	novembro	de	1483,	filho</p><p>primogênito	de	Hans	Luder	e	Margareth	Luder.	Podemos	saber	com	mais</p><p>detalhes	sobre	a	vida	de	Lutero	a	partir	de	1517,	quando	o	seu	nome	começa	a</p><p>ser	conhecido	por	toda	a	Alemanha	e	Europa,	do	que	nos	anos	de	infância	e</p><p>adolescência.	As	informações	são	parcas	e	não	somente	para	seus	primeiros	anos</p><p>de	existência,	mas,	durante	os	primeiros	tempos	do	convento.	Alias	seus</p><p>biógrafos	divergem	em	várias	informações	sobre	a	sua	vida	e	fatos	que	hoje	se</p><p>tornaram	históricos,	porém,	sem	documentação	comprobatória.	Começando</p><p>pelas	datas	do	nascimento	e	separação	para	o	sacerdócio.	Em	relação	do</p><p>nascimento	a	maioria	dos	biógrafos	optou	pelo	ano	de	1483,	segundo	informação</p><p>de	Melanchton,	que	por	sua	vez	baseou-se	no	testemunho	de	Tiago	(Jacó),	irmão</p><p>mais	novo	do	reformador.	Assim	registrou:	“O	seu	irmão	Jacó,	homem	honrado</p><p>e	digno	de	confiança,	assegurou-me	que,	na	opinião	unânime	da	família,</p><p>Martinho	nascera	mesmo	no	ano	de	1483”.	Também	sobre	o	incidente	do	raio</p><p>em	que	teria	feito	dele	um	monge	é	hoje	posto	em	dúvida.	Há	divergências	sobre</p><p>a	época	em	que	o	reformador	tocou	pela	primeira	vez	em	uma	Bíblia.	Várias</p><p>informações	que	temos	nos	vem	do	próprio	Lutero,	em	data	bem	posterior	ao</p><p>ocorrido	e,	em	alguns	casos,	em	Conversa	sobre	a	Mesa,	que	consistia	em</p><p>compilação	de	anotações	feitas	por	alunos	e	colaboradores	de	Lutero	durante</p><p>encontros	informais.</p><p>Também	os	primeiros	escritos	sobre	ele	foram	apresentados	de	forma</p><p>tendenciosa,	parcial	e	até	mesmo	distorcidos.	Já	no	fim	de	sua	vida,	em	1545,	ele</p><p>apresentou	um	resumo	ou	uma	espécie	de	retrospectiva	destacando	suas</p><p>experiências,	em	algumas	introduções	de	suas	obras.	Cremos	ser	convincente	a</p><p>declaração	de	Lucien	Febvre,	em	1927,	ao	afirmar	que	devemos	deixar	“de	lado</p><p>tantas	conjecturas,	que	não	passam	de	conjeturas	e	tantas	opções	e	escolhas	que</p><p>não	passam	de	opções	e	escolhas	por	preferências,	direcionemos	nossos	esforços</p><p>para	o	essencial”.</p><p>Sabe-se	que	foi	batizado	no	dia	11	de	novembro	e	recebeu	o	nome	Martinho	em</p><p>honra	ao	santo	do	dia:	Martinho	de	Tours,	grande	impulsionador	da</p><p>cristianização	da	Europa.	Neste	ponto	os	“Martinhos”	se	coincidem.	Novamente,</p><p>Melanchthon	nos	diz	que	Margareth	Luder	“costumava	dizer	que	se	lembrava</p><p>bem	do	dia	e	da	hora	em	que	o	fato	ocorrera,	mas	que	não	tinha	certeza	quanto</p><p>ao	ano”.</p><p>Procurando	ser	o	mais	didático	possível	vamos	apresentar,	em	linhas	gerais,</p><p>algumas	fases	da	vida	de	Lutero,	ou	seja,	desde	o	nascimento	até	a	entrada	para</p><p>o	convento	agostiniano.</p><p>Mansfeld</p><p>Será	sempre	uma	fonte	de	inspiração	discorrer	sobre	a	vida	deste	homem	que</p><p>trilhava	um	caminho,	mesmo	sem	ter	consciência	no	início,	em	direção	ao	plano</p><p>que	o	próprio	Deus	traçara	para	ele.	Muitas	vezes	somos	alvos	de	Deus	e</p><p>somente	o	tempo	revelará,	em	plenitude,	os	seus	desígnios.	Bajezid	Bostani,</p><p>místico	muçulmano,	afirmou	que	durante	25	anos	procurou	Deus	e,	ao	final</p><p>desses	anos,	abriu	os	olhos	e	descobriu	que	era	Ele	quem	o	procurava.	É	o	que</p><p>ocorria	com	Lutero	mesmo	em	seus	conflitos.	Sua	vida	foi	um	mar	de	agitação</p><p>interna	numa	desenfreada	procura	em	agradar	a	Deus,	chegando	mesmo	a</p><p>exaustão	quando,	em	certa	vez,	acometido	de	grande	terror	retirou-se	para	uma</p><p>cela	contígua,	onde	se	jogou	em	uma	cama	repetindo	reiteradamente	versos	das</p><p>Escrituras.	Melanchthon	afirma	que	ao	ingressar	na	vida	monástica,	ele	se</p><p>esforçava	na	busca	de	uma	verdadeira	piedade.	Staupitz	havia	dito	que	não	era</p><p>Deus	que	se	encontrava	em	conflito	com	ele,	mas	sim	o	próprio	Lutero	com</p><p>Deus.	E,	nesta	caminhada	para	uma	paz	com	Deus,	Lutero	terá	um	longo</p><p>caminho	a	percorrer.	A	procura	de	Lutero	foi	à	procura	do	próprio	Deus.	E	ao</p><p>encontrá-lo	ou	ser	encontrado	por	Ele,	foram	abertas	as	portas	do	paraíso	em	sua</p><p>vida.</p><p>Neste	“caminho	de	Damasco”	na	vida	de	Lutero,	ainda	criança,	seus	pais	se</p><p>transferem	para	Mansfeld.	Hans	não	era	o	filho	caçula	e	como	tal	não	tinha</p><p>direito	a	herança	na	propriedade	do	pai.	Tal	como	Abrão,	foi	“cavar	o	poço”	para</p><p>dar	“água	à	família”.	Emigra	para	o	Condado	de	Mansfeld	a	procura	de	melhores</p><p>condições	de	vida	para	o	sustento	de	sua	prole,	permanecendo	ali	até	1496/7,	dos</p><p>5	aos	13	anos,	quando	é	matriculado	na	Escola	Municipal.	O	Condado	de</p><p>Mansfeld	era	o	maior	e	o	mais	importante	de	todos	e,	por	isso	mesmo	chamado</p><p>de	Alemanha.	Região	rica	em	minérios,	tais	como	cobre	e	prata,	não	foi	difícil</p><p>para	o	pai	de	Lutero	formar	pequenos	grupos	de	trabalhadores	para	extrair	e</p><p>fundir	minério	em	pequenos	fornos,	com	isso	a	vida	família	começa	a	melhorar</p><p>em	Mansfeld.	A	matrícula	na	Universidade	de	Erfurt,	objetivo	do	pai	Hans,	era</p><p>uma	questão	de	tempo.	Com	a	ascensão	dos	Luder,	Hans	chega	à	qualidade	de</p><p>vereador	do	Condado	que	era	governado	por	dois	irmãos	condes	jurados	de</p><p>morte.	Foi	nesse	conflito,	que	durou	anos,	que	Lutero,	posteriormente,	em</p><p>meados	da	década	de	1540,	se	dirige	à	região	na	tentativa	de	apaziguar	a	briga	de</p><p>ambos.	Ali	estuda	os	rudimentos	do	latim,	canto	e	as	expressões	principais	da	fé:</p><p>os	Dez	Mandamentos,	o	Pai	Nosso,	Ave	Maria	e	o	Credo.	Lutero	iria	registrar	a</p><p>rigidez	na	educação	que,	na	verdade,	fazia	parte	do	método	de	estudo	da	época.</p><p>É	nesse	contexto	de	Mansfeld	que	ocorre	um	bálsamo	em	sua	educação	de</p><p>adolescente.	Após	conclusão	dos	estudos	na	referida	Escola	Municipal,	seu	pai</p><p>Hans	o	envia	para	Magdeburgo.	Foi	um	curto	período,	não	excedendo	a	um	ano,</p><p>em	que	conviveu	com	a	Escola	dos	Irmãos	da	Vida	Comum.	Ali,	certamente	teve</p><p>uma	experiência	espiritual	mais	profunda	em	sua	religiosidade.	A	Pedagogia	da</p><p>“varologia”,	ou	seja,	uma	educação	aliada	ao	castigo	com	varas	chegara	ao	fim</p><p>na	Escola	Municipal.	Na	Escola	dos	Irmãos	a	situação	é	outra	e	Lutero	fica</p><p>impressionado	pelo	exemplo	de	renúncia,	caridade	e	piedade	de	seus	mestres.</p><p>Era	um	adolescente	com	14	anos	e	passava	por	uma	experiência	que	marcou	a</p><p>sua	vida.	Foi	entre	os	Irmãos	que,	segundo	alguns	biógrafos,	Lutero	teve	contato</p><p>pela	primeira	vez	com	a	Bíblia.	Também	a	permanência	entre	os	Irmãos	trouxe</p><p>novas	experiências	espirituais	que	seguramente	marcaram	a	personalidade	do</p><p>jovem	Lutero.	Foi	também	nesta	época	que	a	prática	de</p>

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