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<p>NÃO PODE FALTAR</p><p>RELIGIÕES PRIMAIS</p><p>Je�erson Eduardo dos Santos Machado</p><p>Imprimir</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Começamos agora a primeira Unidade da disciplina Religiões de Matriz Africana:</p><p>um Panorama. Aqui traçaremos os principais pontos da história e da cultura</p><p>religiosa do continente africano, das religiões que nasceram a partir da visão dos</p><p>diversos povos que lá vivem. Apesar de sermos o país que tem a maior quantidade</p><p>de afrodescendentes fora da África, pouco sabemos sobre a história e cultura</p><p>desse grande continente.</p><p>Um dos aspectos culturais que recebemos dos povos africanos foi a religiosidade.</p><p>Porém, muitos de nós não conhecemos os principais pontos que de�nem essa</p><p>maneira de vivenciar a crença e a transcendência. Para chegarmos até aqui, muitas</p><p>experiências religiosas foram sendo construídas desde o início da existência</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>humana no continente. A essas formas de viver, os estudiosos do �nal da Idade</p><p>Moderna, como Friedrich Hegel e Charles Linné, chamaram de religiões primais ou</p><p>primitivas. Foi a partir delas que as diversas tribos, em suas formas particulares,</p><p>começaram a praticar a fé.</p><p>Estas experiências só foram possíveis a partir de uma das características mais</p><p>importantes dessas religiões: a oralidade. Os testemunhos orais foram</p><p>responsáveis pela criação das narrativas que construíram os mitos, uma das</p><p>grandes heranças que até hoje alimentam as crenças dessas religiões. Elas foram</p><p>assim construídas devido à religiosidade das sociedades que as moldaram</p><p>cotidianamente nas diversas maneiras de cultuar o sagrado que surgiram em</p><p>terras africanas.</p><p>Sabemos que há diversas formas de compreender a história dos povos e dos</p><p>continentes. Nossa intenção é conhecer a história africana a partir da maneira</p><p>como homens e mulheres do continente vivenciaram sua fé. Em nosso país, existe</p><p>uma grande presença do povo que descende dos africanos. Queremos encontrar</p><p>traços da religiosidade africana em nossas religiões atuais apoiados no</p><p>conhecimento sobre o que era praticado nas religiões primais.</p><p>Para isso, buscaremos esmiuçar algumas características delas: mergulhar na</p><p>tradição oral e conhecer os mitos; conhecer as sociedades que praticavam essas</p><p>religiosidades; distinguir as diversas divindades dos povos africanos, e entender a</p><p>importância da morte e da vida no contexto religioso da África para saber quem</p><p>são os intermediadores entre o homem e a transcendência.</p><p>Esta é só uma parte do todo que estudaremos juntos. Esperamos que o curso seja</p><p>um verdadeiro diferencial na sua vida acadêmica.</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>O conhecimento nos leva a não cometer injustiças e erros contra aqueles que</p><p>vivem e pensam de forma diferente da nossa. Nesta seção, teremos a</p><p>oportunidade de ler sobre religiões que, na própria classi�cação, são rodeadas de</p><p>preconceitos: as religiões primais ou primitivas.</p><p>Ao aprendermos sobre elas, começaremos a ter contato com uma forma de</p><p>religiosidade diferente da que a maioria dos brasileiros conhece. Para isso,</p><p>veremos seus conceitos, como ela é transmitida para seus seguidores, como é</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>praticada e se a escrita faz falta para que ela se mantenha como opção de</p><p>encontro com a transcendência.</p><p>Sabemos que as religiões de matriz africana têm sofrido, cada vez mais, com</p><p>ataques de pessoas que não conhecem e não entendem sua maneira de cultuar as</p><p>divindades. Seria importante que os teólogos buscassem conhecimento sobre as</p><p>diversas formas que os povos utilizam para contatar o sobrenatural a �m de gozar</p><p>da proteção e da eternidade prometida por cada uma dessas religiões.}</p><p>Como teólogo, você foi convidado por uma liderança religiosa para ministrar um</p><p>estudo sobre as religiões primais africanas. Mesmo querendo recusar, por ser um</p><p>tema muito espinhoso nos dias de hoje, você não teve coragem, pois o convite</p><p>partiu de uma pessoa que lhe é muito próxima.</p><p>Munido com todo o conhecimento adquirido na disciplina de Religiões de Matriz</p><p>Africana, você preparou sua aula, que conta inclusive com a exibição de vídeos.</p><p>Iniciou tratando das classi�cações das religiões, das diferenças entre elas. Falou</p><p>também sobre a questão da tradição oral e a importância dos rituais e dos</p><p>tradicionalistas na sua transmissão entre os membros das comunidades.</p><p>Porém, toda vez que eram apresentadas imagens dos povos da África e vídeos com</p><p>as expressões religiosas tradicionais africanas, as reações eram adversas. Alguns</p><p>riam e achavam ridículas aquelas manifestações, outros o criticavam por trazer</p><p>imagens que não condiziam com a condição de cristãos – algumas pessoas,</p><p>inclusive, levantaram-se e saíram do ambiente dizendo que o que aquele povo</p><p>precisava era de Jesus, pois estavam nas trevas e iam para o inferno.</p><p>Qual seria sua estratégia para acalmar o público e, através do conhecimento,</p><p>mostrar que o que faziam era perpetuar uma cultura de ódio e preconceito que</p><p>não condiz com o papel que as religiões deveriam ter?</p><p>Este material ganha relevância por buscar, através de seu conteúdo, lançar luzes</p><p>sobre essas religiões que são impregnadas da cultura dos povos que formam o</p><p>continente africano. Sabemos que você vai fazer um excelente uso dele. Torcemos</p><p>para que você consiga ir até o �m e que saia vencedor nesta caminhada. Boa sorte</p><p>e aproveite para tornar-se aquele pro�ssional de gabarito que você sempre</p><p>sonhou.</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>O QUE SÃO RELIGIÕES PRIMAIS</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Desde a Pré-História, mulheres e homens relacionam-se com o sagrado. A</p><p>arqueologia nos possibilita conhecer vestígios desses relacionamentos que</p><p>atravessaram os períodos Paleolítico e Neolítico, de�nidos, respectivamente, pelo</p><p>surgimento dos hominídeos, ou seja, entre 4 e 2 milhões de anos Antes da Era</p><p>Comum (AEC) e 10.000 anos AEC, e entre essa época e o surgimento da escrita.</p><p>Os achados arqueológicos que nos possibilitaram enxergar a religiosidade pré-</p><p>histórica são os túmulos. A forma como eram sepultadas as pessoas é um sinal de</p><p>sua ligação com poderes sobrenaturais. Os esqueletos humanos em suas covas</p><p>evidenciam o preparo dos corpos e a colocação de ornamentos como forma de rito</p><p>de celebrar a morte com o intuito de garantir algo que não é visível para a vida que</p><p>�ndou.</p><p>Nesses períodos, as grutas são entendidas como santuários, segundo alguns</p><p>pesquisadores. Essa ideia está ligada à distância entre a entrada e os locais em que</p><p>foram encontradas as pinturas e estatuetas decifradas pelos estudiosos como</p><p>relacionadas a celebrações xamânicas e a danças rituais (BEZERRA, 2011, p. 2).</p><p>Muito se discutiu na história sobre a de�nição do que seria uma religião. Hoje</p><p>temos muitos teóricos que se debruçam sobre o tema. Segundo Aguiar, Lima e</p><p>Santos (2011)</p><p>Para chegarmos ao objetivo deste tópico, trataremos de algumas classi�cações das</p><p>religiões no mundo. Uma dessas classi�cações as dividem em ocidentais e</p><p>orientais. As primeiras seriam o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, enquanto,</p><p>entre as orientais, estariam o hinduísmo, o budismo e o taoísmo. A maior marca</p><p>que diferencia as duas classi�cações é a distinção entre monoteísmo, presente nas</p><p>religiões ocidentais, e politeísmo, que contempla as orientais. Nelas, o divino pode</p><p>estar presente em tudo e ser impessoal.</p><p>Além desta forma de classi�cação, as ciências sociais dividiram as religiões em três</p><p>categorias que se relacionam com as formas de como as sociedades se dispõem.</p><p>Essas experiências religiosas foram de�nidas como primais, nacionais e mundiais.</p><p>a religião, como um sistema de crenças em seres sobrenaturais, que orienta o comportamento humano e</p><p>articula práticas que visem a tentar a “comunicação” dos indivíduos com a divindade, surge juntamente com o</p><p>desenvolvimento da ação dos seres humanos sobre a natureza. Ao descobrir que muitos dos fenômenos que</p><p>ocorrem na natureza não são causa ou efeito de suas ações, os homens e mulheres atribuem a entidades</p><p>exteriores e superiores</p><p>Norte da África e os somalis do Chifre da África, existem</p><p>relatos de líderes mulheres. Na Argélia, está enterrada a “Tin Hinan” ou “Mãe das</p><p>Tendas”, considerada a ancestral de todos os Tuaregues. Considerada a mãe de</p><p>todos, está relacionada ao mito de criação deste povo. Ela é um sinal da autoridade</p><p>que muitas mulheres adquiriram na África. Elas foram governantes, líderes de</p><p>exércitos e tinham um status igual ao dos homens de suas comunidades.</p><p>Entre os Bantu, que há 5.500 anos iniciaram uma grande migração da África</p><p>Ocidental para a África Oriental, Central e Meridional, a mão de obra era dividida</p><p>por gênero, porém os trabalhos masculinos não eram mais valorizados do que os</p><p>femininos.</p><p>Há 2.000 anos, entre eles, as mulheres eram detentoras do conhecimento da</p><p>agricultura, cerâmica, construção de casas e preparação de alimentos. Já os</p><p>homens pastoreavam, entalhavam madeira, fundiam ferro, teciam rá�a e eram os</p><p>protetores das comunidades.</p><p>A maioria dos Bantu viviam em economias matrilineares de subsistência até 1.</p><p>anos EC. Com uma taxa de mortalidade infantil alta, existia uma grande</p><p>necessidade de procriação e de proteção da infância. A organização social</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>matrilinear centrava-se nas mães e avós, e esta era, aparentemente, a melhor</p><p>situação para a sobrevivência infantil, reforçando, assim, a matrilinearidade.</p><p>No panteão das divindades das religiões africanas, as divindades femininas não</p><p>são subordinadas às masculinas. As águas são habitat de muitas delas, adoradas</p><p>em santuários com sacerdotes e sacerdotisas especialmente designados.</p><p>Divindades como Yemoja, dos rios iorubás, mãe do governante Ogun, recebe</p><p>orações das mães pelos �lhos com inhames e galinhas. A deusa Oya, a deusa do</p><p>rio Níger, esposa de Shango, o deus do trovão. Outra dessas é Oko, a deusa da</p><p>fazenda dos iorubás, que também é adorada pelas mulheres no festival do inhame</p><p>(ANTI, 2010).</p><p>Essas religiões buscam assegurar a fertilidade e vitalidade dos seres humanos e da</p><p>terra, importante para o sustento de todos os seres criados. Desta forma, torna-se</p><p>natural a oração empreendida pelas mulheres a essas divindades que estão no</p><p>controle direto da fertilidade.</p><p>Nas práticas rituais das religiões tradicionais, as mulheres não estão em posição de</p><p>subordinação aos homens. O sacerdócio, por exemplo é aberto a homens e</p><p>mulheres, que são treinados e comissionados. Os candidatos são chamados para o</p><p>sacerdócio antes do treinamento, através da possessão espiritual. A preparação é</p><p>semelhante àquela mencionada quando tratamos dos Babalaôs. Essas</p><p>sacerdotisas, assim como os sacerdotes, tem como deveres fazer sacrifícios,</p><p>oferecer orações e conduzir ritos e cerimônias públicas e privadas. Aconselham e</p><p>desempenham funções judiciais e políticas, além de cuidar de templos e santuários</p><p>a que são vinculados. São intermediarias entre o povo e o além (ANTI, 2010).</p><p>A mulher também desempenha o papel de curandeira. Para isso, é necessário um</p><p>grande treinamento para praticar a medicina tradicional, psicologia e psiquiatria.</p><p>Representa a esperança de boa saúde, da proteção contra o mal, da prosperidade</p><p>e boa sorte, da limpeza ritual contra a impureza contraída. Trata-se de uma �gura</p><p>comum nas aldeias, amiga das comunidades e acessível a todos em todas as horas.</p><p>Preocupa-se com doenças, enfermidades e infortúnios que, de acordo com as</p><p>crenças do povo, são causadas por forças místicas. Trata os males e suas causas</p><p>combinando meios físicos e espirituais, e protegendo os doentes da bruxaria</p><p>através de amuletos e outros medicamentos.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>As mulheres também têm o papel de médiuns e adivinhas. Elas são o meio de</p><p>comunicação entre os seres espirituais e os seres humanos. Além disso, ainda</p><p>revelam os segredos do passado, presente e futuro quando estão possuídas pelas</p><p>divindades. Assim como os médicos tradicionais, são vistas com bons olhos pelas</p><p>comunidades e desempenham o papel de conselheiras, juízas, videntes e</p><p>reveladoras de segredos.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Ao observarmos as religiões hegemônicas em nossa sociedade,</p><p>constatamos que, em muitas delas as mulheres não têm espaço de</p><p>comando ou autonomia. Segundo os estudos sobre as comunidades</p><p>tradicionais da África, notamos que, em todos as esferas, as mulheres</p><p>podem dividir a proeminência com os homens, inclusive na religião. Como</p><p>teólogo, qual seria sua posição sobre o papel das mulheres nas religiões</p><p>cristãs? Você seguiria a tradição de que o sacerdócio é masculino,</p><p>colocando as mulheres como submissas, ou acredita que, assim como a</p><p>tradição oral africana, há necessidade de uma dinamicidade a partir do</p><p>contexto e é preciso mudanças para que os costumes continuem a ser</p><p>respeitados?</p><p>Como vimos, as sociedades tradicionais africanas são, em sua maioria, baseadas</p><p>no princípio das famílias extensas, ideia diretamente ligada à necessidade de maior</p><p>quantidade de braços para trabalhar em prol do grupo. Tal pensamento também</p><p>acaba favorecendo a possibilidade de que as mulheres tenham um maior respeito</p><p>no interior desses grupamentos. Esperamos que este texto possa ajudar a formar</p><p>um entendimento diferenciado sobre estas comunidades, saindo de uma ideia</p><p>preconceituosa que, por séculos, foi-nos colocada com verdade absoluta.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>“Nas sociedades tradicionais africanas, forma de grupamento social baseado na</p><p>descendência de um ancestral comum, por linha materna ou paterna”. (LOPES;</p><p>MACEDO, 2017, p. 182).</p><p>Assinale a alternativa que apresenta corretamente estas características.</p><p>a.  Religião tradicional.</p><p>b.  Linhagem.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>c.  Reino.</p><p>d.  Tradição.</p><p>e.  Sociedades tradicionais.</p><p>Questão 2</p><p>“Colaboração e o desenvolvimento pleno e harmonioso entre os dois sexos,</p><p>apresentando uma certa preponderância da mulher na sociedade, devida às</p><p>condições econômicas de origem, que de todas as maneiras, é aceitada e inclusive</p><p>defendida pelos homens”. (DIOP, 2012, p. 334).</p><p>Considerando a linha matrilinear, avalie as a�rmações a seguir:</p><p>I. Os laços que constroem o parentesco são uterinos.</p><p>II. A base destas sociedades é um ancestral masculino.</p><p>III. Os direitos e deveres são transmitidos de irmão para irmão, e de tio para</p><p>sobrinho.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto o que se a�rma em:</p><p>a.  Apenas as a�rmativas I e II.</p><p>b.  Apenas as a�rmativas II e III.</p><p>c.  Apenas as a�rmativas I e III.</p><p>d.  Apenas a A�rmativa III.</p><p>e. Apenas a A�rmativa I.</p><p>Questão 3</p><p>Texto-base:</p><p>“Nyanga e tinyanga são termos próprios da língua changana falada entre os povos</p><p>que habitam a região sul de Moçambique, os quais podem ser traduzidos como</p><p>médico-sacerdote e seu plural. Da perspectiva do grupo de tinyanga, para estar</p><p>saudável é necessário haver harmonia entre os vivos, o ambiente social e natural e,</p><p>principalmente, na relação com os antepassados, ou seja, a mente, o corpo e o</p><p>espírito precisam ser tratados em comunhão para que haja saúde completa”.</p><p>(RIBEIRO, 2019, [s. p.]).</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANTI, K. K. Women in African Traditional Religion. Presentation prepared for the</p><p>Women's Center, Eastern Washington University, 1996. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3cRE5r1. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>BIBLIA ON LINE. Disponível em: https://bit.ly/3j2AfPZ, Acesso em: 15jun.2021.</p><p>COSTA, W.; LINS, J. Benzedeiras de comunidades negras de AL mantêm tradição da</p><p>cura pela fé. YouTube, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3cOCXVb. Acesso em: 12</p><p>jun. 2021.</p><p>DIOP, C. A. A unidade cultural da África Negra: Esferas do patriarcado e do</p><p>matriarcado na antiguidade clássica. Ramada: Pedago, 2014.</p><p>GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das Religiões. São Paulo:</p><p>Companhia das Letras, 2005.</p><p>Considerando o papel das mulheres nas religiões tradicionais africanas, analise as</p><p>a�rmativas a seguir:</p><p>I. Nas práticas rituais das religiões tradicionais, as mulheres estão em posição de</p><p>subordinação aos homens.</p><p>II. As sacerdotisas, assim como os sacerdotes, têm</p><p>como deveres fazer sacrifícios,</p><p>oferecer orações e conduzir ritos.</p><p>III. Para tornar-se curandeira, só a mulher realiza um grande treinamento para</p><p>praticar a medicina tradicional, psicologia e psiquiatria.</p><p>IV. Trata os males e suas causas por meios físicos e espirituais, protegendo os</p><p>doentes da bruxaria através dos amuletos.</p><p>V. As mulheres podem desempenhar o papel de médiuns e adivinhas, que são o</p><p>meio de comunicação entre os seres espirituais e os humanos.</p><p>Considerando o contexto apresentado, assinale a alternativa correta.</p><p>a.  Apenas as alternativas I e II estão corretas.</p><p>b.  Apenas as alternativas III e IV estão corretas.</p><p>c.  Apenas as alternativas I, II e IV estão corretas.</p><p>d.  Apenas as alternativas II, IV e V estão corretas.</p><p>e.  Apenas as alternativas II, III, IV e V estão corretas.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>http://www.mamiwata.com/women.html</p><p>https://www.bibliaonline.com.br/nvi/ef/5/21-33</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=eImtgWV6KR8</p><p>GENDER and Religion: Gender and African Religious Traditions. In:</p><p>Encyclopedia.com. Disponível em: https://bit.ly/3q6imko. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>IFATOLÀ. A Ancestralidade e o Africano tradicional. A cor da cultura, 2013.</p><p>https://bit.ly/3vCAYtD. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>KI-ZERBO, J. et al. História geral da África I: Metodologia e pré-história da África.</p><p>2016.</p><p>LEITE, F. Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista do</p><p>Centro de Estudos Africanos, São Paulo, n. 18-19, v. 1, p. 103-118, 1996.</p><p>MEUSEL, D. Religion in sub-Saharan Africa. Womafrika: being a woman in Africa, [s.</p><p>d.]. Disponível em: https://bit.ly/3xqoqH9. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>NASCIMENTO, E. L. (Org.). A Matriz africana no mundo. São Paulo: Selo Negro,</p><p>2008.</p><p>LOPES, N.; MACEDO, J. R. Dicionário de História da África: Séculos VII a XVI. Belo</p><p>Horizonte: Autêntica, 2017.</p><p>RIBEIRO, T. As Feiticeiras de Moçambique. Blog Editora da Unicamp, [s. d.].</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3gBgtte. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>SAIDI, C. Women in Precolonial Africa. Oxford Research Encyclopedia of African</p><p>History, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3vA2FmM. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://www.encyclopedia.com/environment/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/gender-and-religion-gender-and-african-religious-traditions</p><p>http://www.acordacultura.org.br/artigos/23102013/a-ancestralidade-e-o-africano-tradicional</p><p>http://www.womafrika.de/religion-engl.html</p><p>https://blogeditoradaunicamp.com/2019/02/28/as-feiticeiras-de-mocambique/</p><p>https://oxfordre.com/africanhistory/view/10.1093/acrefore/9780190277734.001.0001/acrefore-9780190277734-e-259</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>OS DEUSES AFRICANOS</p><p>Je�erson Eduardo dos Santos Machado</p><p>Imprimir</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Esta unidade irá tratar diretamente de uma temática que, no Brasil, por vezes</p><p>ganha ar de polêmica. Aqui teremos a oportunidade de conhecer como funciona a</p><p>cosmologia africana e afastar os preconceitos e a demonização que ela sofre por</p><p>parte da população.</p><p>Será a oportunidade para entender como os africanos interagem com suas</p><p>divindades, a partir de uma moral comunitária ligada à religião. Além disso,</p><p>poderemos entender muitas das expressões religiosas que acontecem no Brasil.</p><p>Trataremos sobre a divindade superior e seus auxiliares, além de entender como é</p><p>a relação entre os africanos e suas divindades e qual o papel dos agentes que</p><p>fazem a ligação entre mundo espiritual e os seres humanos. Procuraremos</p><p>entender como a religião afeta a dinâmica social a partir das regras que orientam a</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>forma como os indivíduos se relacionam e da escolha de lideranças. Além disso,</p><p>buscaremos debater sobre estas religiões e a dinâmica da vida. Como elas</p><p>percorrem temáticas ligadas à morte e à divisão entre a vida da infância e a vida</p><p>adulta? Qual a importância dos sacrifícios e dos espaços sagrados?</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Quantos de nós já vimos diversas festas e enredos de escolas de samba tratarem</p><p>das divindades africanas! Porém, ainda temos a ideia de que não existe, para as</p><p>religiões de matriz africana, um deus supremo, pois conhecemos apenas as</p><p>divindades secundárias, que aqui em nosso país conhecemos por orixás.</p><p>Trata-se de uma temática fundamental para os estudos teológicos. O povo</p><p>brasileiro, em boa parte plasmado pela contribuição étnica africana, guarda, em</p><p>seu cerne cultural, a ancestralidade de nossos afrodescendentes. Temos que</p><p>entender a forma como estes povos adoravam suas divindades e o que elas</p><p>signi�cam para eles.</p><p>Vamos, então, continuar nossa viagem através do conhecimento, a �m de</p><p>conquistarmos nossos objetivos. O conhecimento liberta e nos leva a lugares</p><p>nunca alcançados por nossas mentes e corações. Por isso, mantenhamos o ritmo e</p><p>tenhamos coragem de continuar.</p><p>Como teólogo, você foi convidado para um debate em uma rádio comunitária</p><p>sobre a importância das religiões na vida dos indivíduos e das comunidades. Ao</p><p>chegar no estúdio, o debate seria com uma pessoa representante de uma</p><p>denominação cristã. Ao passarem para você a palavra, referiu-se que qualquer</p><p>religião era importante, pois nelas aprendia-se o respeito, o convívio fraterno e o</p><p>amor.</p><p>O outro debatedor iniciou sua fala dizendo que nem todas as religiões levavam a</p><p>Deus. Que muitas traziam a adoração a imagens, a demônios e espíritos do mal.</p><p>Disse que era necessário retirar das comunidades o atraso imposto por essas</p><p>religiões, que só prejudicavam a vida das pessoas ao fazê-los serem possuídos pelo</p><p>diabo. Por último ele tratou de dizer que uma religião que sacri�cava em nome dos</p><p>deuses precisava ser eliminada, pois as crianças que viam aquele povo de cabeça</p><p>raspada, escutavam as músicas dos cultos – inclusive na televisão – estavam</p><p>querendo empurrar essas coisas demoníacas nas casas das famílias.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Diante disso, qual seria a sua fala a �m de trazer uma nova visão em relação às</p><p>religiões de matriz africana? Como levar uma mensagem de que, assim como as</p><p>outras expressões da fé, elas também são importantes para um bom caminhar da</p><p>sociedade?</p><p>A vida do estudante é repleta de di�culdades que podem levá-lo a desistir, mas a</p><p>educação é uma arma poderosa, e, com ela, você pode transformar o mundo. Por</p><p>isso, desistir não é uma opção.</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>UM DEUS SUPREMO</p><p>Não há como generalizarmos sobre a natureza das religiões tradicionais africanas,</p><p>pois não podemos abranger todas as culturas africanas. Essa constatação está</p><p>ligada à existência de tantas religiões quanto a variedade cultural existente no</p><p>continente. Certamente, entre as diversas expressões religiosas, existem pontos de</p><p>contato que foram construídos a partir das interações que ocorreram entre os</p><p>povos. (GOD, 2005)</p><p>Apesar de possuir particularidades e nomes diferentes em cada povo, o deus</p><p>supremo está presente na maioria das etnias africanas. Na cosmologia africana,</p><p>eles são os criadores do mundo e da humanidade. Mesmo que existam formas</p><p>culturais e diferenças linguísticas, a relação que possuem com a criação nos</p><p>demonstra uma uniformidade e semelhança na natureza, atributos, e poderes</p><p>desses deuses supremos. Esses padrões re�etem a organização social e as</p><p>estruturas hierárquicas locais, incluindo a interação entre jovens e idosos e as</p><p>conexões entre os seres humanos e os fenômenos naturais.</p><p>Esses povos creem em três dimensões elementares: o céu, a terra e o submundo</p><p>(abaixo da terra). Elas são povoadas por seres espirituais e físicos distintos, que</p><p>estão conectados ao ser supremo (GOD, 2005).</p><p>Nos mitos, o deus supremo é o criador do céu, da terra, dos seres humanos e dos</p><p>seres espirituais. Além disso, possuem funções sociais e políticas em cada grupo</p><p>das comunidades africanas. Na maioria das narrativas, as divindades supremas</p><p>delegaram a seres espirituais inferiores a tarefa de construir os universos locais da</p><p>África – elas, também, são as</p><p>responsáveis pela criação e distribuição do que cada</p><p>povo entende como essência dos seres humanos.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Desta forma, a criação toda é dependente do deus supremo, que é a maior �gura</p><p>da estrutura cósmica. Nessas religiões, assim como na vida social e política, existe</p><p>a necessidade de intermediários.</p><p>Os nomes particulares que cada povo dá ao deus supremo revelam descrições de</p><p>suas qualidades e funções. Eles são divididos em dois grupos: os nomes locais</p><p>primários ou antigos e os nomes descritivos ou secundários (BEYERS, 2010). Os</p><p>nomes antigos são os usados pelos membros mais antigos das comunidades</p><p>(como, por exemplo, Olódùmarè, dos Yorubá, e Mulungu, dos povos de língua</p><p>Bantu da África Oriental). Eles expressam a natureza inexplicável, caráter, essência</p><p>e atributos de um ser que é um criador onipotente, onipresente e com uma</p><p>supremacia universal. Também exprimem o entendimento adquirido e as</p><p>experiências de vida das pessoas em suas situações mundanas e divulgam</p><p>signi�cados intrínsecos, funcionais e locais que identi�cam os seres supremos com</p><p>a natureza das localizações em que são cultuados (GOD, 2005).</p><p>A visão que os povos e as religiões tradicionais africanas têm do deus supremo são</p><p>semelhantes às da maioria das religiões ocidentais e orientais no que diz respeito</p><p>às características divinas, que incluem onipotência, onisciência, onipresença,</p><p>transcendência, imanência, benevolência, e assim por diante. Além disso, alguns</p><p>desses seres supremos também exibem certos atributos comportamentais</p><p>humanos negativos, como raiva e fúria, que são manifestados em ocorrências</p><p>naturais como trovão, tempestade, vento, redemoinho, nuvem densa, riachos etc.</p><p>O deus supremo possui diferentes níveis em seu relacionamento com outros seres</p><p>espirituais ou divindades. Essa relação é narrada nas histórias sobre a criação e</p><p>manutenção do universo.</p><p>Em toda cultura, eles são os seres sobre-humanos mais signi�cativos e</p><p>representam a universalidade e a grandeza. Podem ser entendidos como homens</p><p>e mulheres, podendo complementarem-se como marido e mulher ou irmã e irmão,</p><p>como acontece entre os Fon, de Benim, que tem como Deus supremo Mawu-Lisa.</p><p>A relação entre o ser supremo e sua criação revela um paradoxo, pois ele é</p><p>essencialmente bom, mas sua criação pode levar direta ou indiretamente a</p><p>problemas, crises e caos. Esta situação encontra explicação nos conceitos de livre</p><p>arbítrio e determinismo. Por isso, em muitas das mitologias africanas, o ser</p><p>supremo criou seres espirituais e divindades intermediárias para delegar</p><p>responsabilidades.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>ASSIMILE</p><p>A turbulenta história do reino Fon, suas derrotas e vitórias, se re�ete no</p><p>caráter composto do panteão Fon. Deuses foram importados de tribos</p><p>conquistadas a �m de assegurar sua benevolência, e, às vezes, a usurpação</p><p>de uma dinastia estrangeira também levou a mudanças importantes no</p><p>culto. A divindade dupla Mawu-Lisa, por exemplo, veio de Aja, a oeste do</p><p>Daomé.</p><p>Na dupla Mawu-Lisa, Mawu é mulher e Lisa é homem. Eles são xoxo</p><p>(gêmeos), e sua união é considerada a base da ordem universal. É um</p><p>conceito que tem paralelos em outros lugares. Na mitologia chinesa, a</p><p>mulher primordial, T'ai Yuan, às vezes combinava em sua pessoa o Yang</p><p>masculino e o Yin feminino - as duas forças em interação que sustentam o</p><p>cosmos. Da mesma forma, entre os índios Zuni da América do Norte,</p><p>Awonawilona, o criador e sustentador do mundo, é ele-ela. Os Fon</p><p>identi�cam Mawu com a lua, noite, fertilidade, maternidade, gentileza,</p><p>perdão, descanso e alegria; e Lisa com o sol, dia, calor, trabalho, poder,</p><p>guerra, força e resistência (COTTERELL, 1986).</p><p>Este Deus é descrito também por funções biológicas e sociais humanas, como</p><p>paternidade e maternidade, e atividades e cuidados físicos e domésticos humanos.</p><p>Seu papel pode ser visto como masculino e feminino. A maioria dos mitos narra</p><p>que, após criar os seres humanos, que apresentaram um comportamento</p><p>inadequado ou desobediência, este ser supremo voltou para os céus onde mora.</p><p>Porém, mesmo diante desse afastamento, os africanos não consideram o ser</p><p>supremo distante ou inalcançável, pois sempre o reconhecem, tanto direta como</p><p>indiretamente.</p><p>Alguns nomes dados à divindade suprema são mais conhecidos nos estudos</p><p>acadêmicos e nas análises e escritos acadêmicos. A maioria são representantes de</p><p>grandes populações, tais como: Amma, Nyame, Ngewo, Olódùmaré, Osanobwa,</p><p>Chukwu, Kwoth, Mulungu, Nzambi, Nhialic, Ndjambi, Ngai e uNkulunkulu.</p><p>MAIS DE 400 DEUSES DA NATUREZA</p><p>Além do deus supremo, as religiões tradicionais possuem mais de 400 deuses da</p><p>natureza, considerados intermediários entre ele e os seres humanos. Essas</p><p>divindades eram consideradas guardiãs da moralidade e tinham como função a</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>manutenção do equilíbrio em nome do ser supremo. Devido a isso, eles são</p><p>in�uentes e populares, mas possuem poder limitado.</p><p>Todos os seres que estão nos degraus inferiores da hierarquia até a base são</p><p>resultado da criação do Deus supremo. Entre eles, alguns são especialmente</p><p>importantes: associam-se a objetos físicos como árvores, montanhas ou rios e aos</p><p>ancestrais.</p><p>Como em muitas das religiões africanas não existem cultos à divindade suprema,</p><p>as orações de petição ou ofertas de sacrifício são dirigidas aos deuses secundários,</p><p>que são os mensageiros e intermediários entre os humanos e o sagrado.</p><p>Entre os Asante de Gana, na África Ocidental, os anciãos veneram Nyame, o</p><p>Criador, mas são os ancestrais matrilineares os vistos como guardiões da moral.</p><p>Nos Grandes Lagos, na África Ocidental, o Deus supremo é Mulungo, que só é</p><p>procurado como último recurso, pois, na maioria das vezes, são às divindades</p><p>ligadas aos clãs que os �éis dirigem suas preces. Quanto aos Nuer do Sudão do</p><p>Sul, assim como os Dinka, Deus é abordado em orações de petição somente após</p><p>as divindades secundárias terem falhado no atendimento aos pedidos dos �éis.</p><p>Os mitos que descrevem essas divindades narram seus hábitos, funções, poderes,</p><p>atividades, status e in�uência. Em alguns deles, são seres antropomór�cos que</p><p>compartilham muitas características com os humanos. Podem falar, são visíveis,</p><p>são punidos e recebem recompensas. Porém, tem como maior diferença em</p><p>relação aos humanos a imortalidade, pois são sobre-humanos e transcendentes.</p><p>Cada cultura tem um número de deuses e deusas secundárias. Um dos maiores</p><p>panteões está entre os Buganda, que possuem mais de 20 divindades. Muitos</p><p>povos consideram deuses a terra, o sol e a lua. No Congo, por exemplo, a �oresta é</p><p>considerada uma divindade, ou um mundo diferente, onde habitam os espíritos.</p><p>Entre os Iorubás do sudoeste da Nigéria, os Edo do sudeste da Nigéria, os Ajas de</p><p>Gana, Benin e Togo, além dos Fon do Benim (que os chamam de voduns). Esta</p><p>palavra está relacionada a outras que se referem ao vocábulo cabeça. O ori é a</p><p>cabeça física, ou o ori visível, que serve para o ori invisível, que é chamado de ori-</p><p>inu ou cabeça interna. Esta é ao espírito interior e o cerne da personalidade dos</p><p>indivíduos.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>O ori-inu já existia antes do nascimento, surge de Deus e determina o caráter e o</p><p>destino das pessoas. Ele se posiciona, governa, orienta e controla as ações dos</p><p>homens e mulheres.</p><p>Os orixás são divididos em três categorias: divindades primordiais, ancestrais</p><p>dei�cados e forças e fenômenos naturais personi�cados. Essas categorias não são</p><p>rígidas e, em alguns casos, elas se sobrepõem.</p><p>As primordiais são as que existem antes da criação do mundo como é conhecido</p><p>agora. Essa nomenclatura está relacionada também a sua existência antes da</p><p>criação dos seres humanos. São os ara orun, povo do céu, que são emanados do</p><p>Deus supremo e ainda moram no céu. Outra categoria de primordiais são os</p><p>irunmole, que foram os primeiros habitantes da terra que agora são seres</p><p>sagrados que vivem na terra.</p><p>Outros orixás são os ancestrais dei�cados. Eles são pessoas que viveram no</p><p>mundo depois de sua criação e o impactaram de forma tão grande que suas</p><p>memórias continuam a ser cultuadas por seus dependentes. Eram reis, heróis e</p><p>heroínas, guerreiros e fundadores de cidades que eram in�uentes na vida dos</p><p>povos e na sociedade por meio de suas contribuições à cultura e à vida social.</p><p>Outros orixás são fenômenos naturais personi�cados. Para os iorubas, qualquer</p><p>elemento do mundo natural que tenha funções múltiplas e úteis para o ser</p><p>humano tem um espírito habitando nele. Esses espíritos são muitos, mas só alguns</p><p>são mais conhecidos. Entre eles estão, a terra, os rios, as lagoas e lagos, as</p><p>montanhas, algumas árvores e o vento. A divindade não é o objeto ou o fenômeno.</p><p>Na verdade, é o orixá que os habita. Ele recebe a adoração, assim como o local em</p><p>que o fenômeno acontece.</p><p>Os orixás são um dos aspectos dessas forças naturais que fazem parte dele, pois</p><p>só podem ser cultuados a partir delas. A força natural pode ser disciplinada,</p><p>controlada e cultivada por pessoas a partir dos rituais.</p><p>A unidade entre a força natural domesticada e o ancestral dei�cado é</p><p>representada por um objeto testemunha, que atua como suporte material do</p><p>poder de um orixá de comandar e fazer as coisas acontecerem. Os altares dos</p><p>orixás são uma coleção destes objetos que são elementos de adoração e</p><p>oferendas.</p><p>CADA HOMEM E O SEU DEUS</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Os africanos entendem sua espiritualidade e como devem relacionar-se com o</p><p>Deus supremo de modo particular, pois ele está presente em todos os aspectos de</p><p>suas vidas e, ao mesmo tempo, está longe, ou seja, é um ser transcendental, além</p><p>de encontrar-se dentro de cada um. Por isso, o adoram por meio de atos e</p><p>palavras de acordo com as particularidades de cada povo.</p><p>Uns o adoram todo o tempo, uma vez que ele está em todo o lugar, sempre ao</p><p>lado de cada um deles. Outros não sentem esta necessidade, pois creem ser</p><p>desnecessário, uma vez que a aceitação da onipresença, onisciência e onipotência</p><p>já se trata de uma adoração. Trata-se, normalmente, de uma adoração feita por</p><p>declarações, mais que meditativa, que pode ser composta também por sacrifícios,</p><p>ofertas, orações, bênçãos, saudações e intercessões.</p><p>Os sacrifícios e ofertas são comuns, sendo que, no primeiro caso, um animal é</p><p>morto e oferecido em partes ou diretamente a Deus. As ofertas são realizadas com</p><p>coisas que não são sacri�cadas. As duas são presentes que buscam apaziguar, ter</p><p>comunhão ou agradecer ao Ser supremo. São a busca do equilíbrio entre os seres</p><p>humanos e Deus.</p><p>Rezar é a maneira mais utilizada para se adorar a Deus entre os africanos</p><p>tradicionais. As orações, normalmente, são curtas, sem momento de�nido, e</p><p>sucintas, assim como podem ser feitas junto com sacrifícios e ofertas. São feitas</p><p>para pedir graças determinadas ou em ação de graças. Quanto às invocações, são</p><p>realizadas como um pedido para uma intervenção especí�ca da divindade em um</p><p>assunto particular, enquanto as bênçãos são bons votos pedidos a Deus.</p><p>A partir da ideia de que o cotidiano dos africanos é permeado pela</p><p>transcendentalidade, sempre serão ouvidos provérbios e canções que declaram</p><p>reverência e gratidão ao Ser supremo entre eles. O canto, por exemplo está</p><p>sempre presente nas reuniões e cerimônias religiosas.</p><p>A adoração pode também ser feita por intercessores. Comumente, acredita-se que</p><p>a comunicação direta com Deus não deve ser feita por qualquer pessoa, mas por</p><p>pessoas ou espíritos especí�cos. Esta, porém, não é uma prática de todos os</p><p>grupos. Esses agentes são anciões, sacerdotes ordenados, videntes, profetas,</p><p>oráculos, adivinhos, curandeiros, fazedores de chuva e os espíritos dos mortos.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Deus é adorado em qualquer hora e em qualquer lugar. Não há normas para essas</p><p>manifestações, porém cada povo tem suas maneiras e dinâmicas para tal. Isso</p><p>pode ocorrer por motivos especiais, como festivais de colheita, rituais de</p><p>nascimento, iniciação, casamento e morte, época de plantio, tempos de</p><p>necessidade nacional, antes ou durante a caça, a coleta e a pesca, a benção do</p><p>gado, fenômenos incomuns e a coroação de chefes e reis.</p><p>Mesmo que possam acontecer em qualquer lugar, existem santuários especiais,</p><p>templos, altares, bosques e outros locais sagrados que servem para sacrifícios</p><p>públicos e orações.</p><p>REFLITA</p><p>Acompanhamos até aqui um debate sobre a cosmologia e a forma como</p><p>são adoradas e entendidas as divindades das religiões tradicionais</p><p>africanas. Muitos de nós, durante nossas vidas, escutamos narrativas que</p><p>as consideravam diabólicas e que deveriam ser abandonadas. Diante do</p><p>exposto pelo texto, sem levar em conta o que cada um de nós tem como</p><p>verdade, o que podemos constatar? Será que continuamos com a mesma</p><p>visão? Por serem credos praticados e entendidos de forma diferente da</p><p>nossa, devemos manter o discurso de preconceito?</p><p>OS DEUSES REGEM A SOCIEDADE</p><p>Muitas sociedades africanas tradicionais acreditam que sua moral é originada na</p><p>divindade e nos ancestrais, e sua transmissão é realizada pelos humanos que</p><p>fazem parte da criação. Os valores morais fazem parte do conjunto de costumes e</p><p>hábitos fundamentais (ethos), religiosos e na cosmologia.</p><p>Os Igbo da Nigéria, por exemplo, creem que Alà, deusa da Terra, junto com</p><p>Amadióhà, deus do trovão e do relâmpago, supervisionam os aspectos essenciais</p><p>da vida na aldeia. Como deusa da paz e mãe do povo, ela os provê e protege,</p><p>tirando sua grande força da terra. Se ofendida, entretanto, ela pode exibir reações</p><p>violentas. Qualquer crime, tais como incesto, adultério, furto, nascimento de</p><p>crianças com necessidades especiais, hostilidade, sequestro e assassinato, é</p><p>considerado uma ofensa à Alà.</p><p>Na maioria dos povos tradicionais existem duas categorias de moral. Uma que</p><p>governa a conduta individual e a outra que governa as relações sociais e</p><p>comunitárias. A que rege a conduta social e as relações da comunidade é rigorosa,</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>pois depende dela o bem-estar do grupo. Ela governa a unidade familiar, desde</p><p>parentes paternos e maternos até famílias extensas, clãs e linhagens. Cada ente</p><p>familiar tem suas obrigações, privilégios e direitos especí�cos. Esta moral, por</p><p>regular muitos relacionamentos e interações, é complexa. A promoção do bem-</p><p>estar está vinculada à criação de tabus (casamento com parente próximo, incesto e</p><p>desrespeito à propriedade e a vida) e consequências para aqueles ou aquelas que</p><p>os quebrar. Devido à riqueza das suas experiências e sua proximidade com o</p><p>mundo dos ancestrais, os idosos não podem ser desrespeitados pelos jovens.</p><p>Os ancestrais também são responsáveis pelos valores morais de algumas</p><p>sociedades africanas. A quebra das leis é uma ofensa aos ancestrais, que podem</p><p>tomar atitudes sobre o ofensor e a comunidade.</p><p>Algumas divindades inferiores são ordenadas pelo Deus supremo para serem as</p><p>guardiãs da retidão. Entre os iorubás, Ogum é o deus da justiça. Os deuses são</p><p>responsáveis por muitas questões do cotidiano, incluindo fertilidade, produção</p><p>agrícola, governo, saúde e bem-estar. Eles cuidam dos valores, da moral e do senso</p><p>de justiça dos indivíduos.</p><p>Tanto os deuses quanto os ancestrais são guardiões da moralidade. São adeptos</p><p>da verdade, justiça, honestidade, bom caráter e diligência. Recompensam as boas</p><p>ações e castigam as transgressões. Os povos africanos acreditam que a punição</p><p>pode ser comunitária ou passar de uma geração a outra. A quebra de alguns tabus,</p><p>como roubo, bruxaria e feitiçaria, podem ser punidos com a morte.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>A ideia de cuidado com a criação é algo fundamental para todos os</p><p>pensamentos religiosos. Em várias religiões, o mundo e os seres – inclusive</p><p>nós, humanos – foram criados direta ou indiretamente por um ser</p><p>supremo. Isto faz com que façamos parte da mesma paternidade que o</p><p>restante da natureza. Sendo assim, as culturas africanas consideram</p><p>respeitar, cuidar e venerar elementos da natureza atitudes muito</p><p>importantes.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Nesta seção,</p><p>buscamos tratar das divindades principais e secundárias dos povos</p><p>africanos a �m de debater como elas são vistas e veneradas pelas comunidades.</p><p>Vemos, então, que eles acreditam, em sua maioria, em um deus supremo e em um</p><p>panteão de deuses secundários. Eles estão presentes no cotidiano dos �éis, quer</p><p>seja individualmente ou na organização social dos grupos. Desta forma, �ca</p><p>explícito que não há como entendermos esses povos sem ligarmos suas</p><p>existências às suas religiosidades.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>A cosmologia de diversos povos africanos associa as árvores a espíritos de antepassados, que podem</p><p>proteger ou causar malé�cos aos humanos, devendo, por isso, ser invocados, reverenciados e</p><p>receber oferendas apropriadas aos pés ou mesmo, dentro das árvores que os simbolizam. Exemplo</p><p>africanos que sobrevive é, em Luanda, Angola, o sítio histórico denominado Mulenga Waxa N’Gola.</p><p>Marcado por uma frondosa gameleira, é local de culto à memória do Ngola Kiluanji Kia Samba,</p><p>venerado ancestral dos ambundos locais. (...) Plantada em frente das povoações, ela é símbolo da</p><p>autoridade por excelência, mas também o da mediação entre os antepassados e os vivos.</p><p>— (LOPES; MACEDO, 2017, p. 38)</p><p>“</p><p>Questão 1</p><p>“Para os chiluques do Nilo Branco, o deus criador de tudo era Juok e, de forma</p><p>semelhante ao Antigo Testamento católico, ele criou os humanos a partir do barro.</p><p>Um mito especí�co do povo africano, no entanto, vai além do primeiro homem e</p><p>da primeira mulher, e explica as diferentes tonalidades de pele presentes na</p><p>Terra.</p><p>Segundo a tradição, Juok teria usado o barro de diferentes territórios e regiões</p><p>para moldar os humanos. Assim, onde a terra apresentava um tom mais claro ou</p><p>uma areia branca, os homens brancos nasceram. Os chiluques do Nilo Branco, na</p><p>região da África Oriental, por sua vez, foram feitos a partir de uma terra preta.”</p><p>(MALVA, 2020, [s. p.])</p><p>O texto trata de um dos deuses supremos das religiões tradicionais africanas.</p><p>Sobre este tema, assinale a alternativa CORRETA.</p><p>a.  Os povos africanos têm divindades supremas particulares que nada tem a ver com as de outros povos.</p><p>b.  Elas não se apresentam como homens e mulheres, os africanos sempre os entendem como homens.</p><p>c.  Na maioria das narrativas elas assumem solitariamente a tarefa de construir os universos em locais da</p><p>África.</p><p>d.  A visão que os povos e as religiões tradicionais africanas têm deles nada tem a ver com o deus das</p><p>religiões ocidentais e orientais.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>e.  Eles exibem comportamentos humanos negativos, como raiva e fúria, que são manifestados em</p><p>fenômenos naturais.</p><p>Questão 2</p><p>O deus supremo, em algumas cosmologias, após a criação dos seres humanos, se</p><p>afasta e deixa a “administração” ou o cuidado da criação sob responsabilidade de</p><p>divindades inferiores, que acabam �cando mais próximas e tem maior relação com</p><p>os entes das comunidades africanas.</p><p>Sobre as divindades inferiores assinale e julgue as a�rmativas a seguir em (V)</p><p>Verdadeiras ou (F) Falsas.</p><p>(  ) Todos os seres nos degraus inferiores da hierarquia até a base são resultados</p><p>da criação do Deus supremo. Todos têm importância similar, por isso, são</p><p>associados a objetos físicos como árvores, montanhas ou rios e aos ancestrais.</p><p>(  ) Como em muitas das religiões africanas não existem cultos à divindade</p><p>suprema, as orações de petição ou ofertas de sacrifício são dirigidas aos deuses</p><p>secundários, que são os mensageiros e intermediários entre os humanos e o</p><p>sagrado.</p><p>( ) Os mitos que descrevem essas divindades descrevem seus hábitos, funções,</p><p>poderes, atividades, status e in�uência. Podem falar, são visíveis, são punidos e</p><p>recebem recompensas.</p><p>( ) Essas divindades eram consideradas guardiãs da moralidade e tinham como</p><p>função a manutenção do equilíbrio em nome do ser supremo. Devido a isso, eles</p><p>são in�uentes e populares, mas possuem poder limitado.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.</p><p>a.  V – F – F – F.</p><p>b.  F – F – V– V.</p><p>c.  V – F – V – V.</p><p>d.  V – V – V – F.</p><p>e.  F – V – V – F.</p><p>Questão 3</p><p>As sociedades africanas tradicionais têm como uma de suas referências a</p><p>transcendência. Toda a dinâmica das comunidades está diretamente relacionada a</p><p>religiosidade e a tradição.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AFRICAN Traditional Religions. In: Encyclopedia.com. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3xJP7H4. Acesso em: 15 jun. 2021.</p><p>BEYERS, J. What is religion? An African understanding. Theological Studies,</p><p>Milwaukee, v. 66, n. 1. p. 1-8, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3qpytdi. Acesso em:</p><p>15 jun. 2021.</p><p>COTTERELL, A. A Dictionary of World Mythology. Oxford: Oxford University Press,</p><p>1986.</p><p>GOD: African Supreme Beings. In: Encyclopedia.com. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/35IxLOH. Acesso em: 14 jun. 2021.</p><p>LOPES, N.; MACEDO, J. R. Dicionário de História da África: Séculos VII a XVI. Belo</p><p>Horizonte: Autêntica, 2017.</p><p>Sobre a relação entre os deuses e a organização social avalie as a�rmativas a</p><p>seguir:</p><p>I.  Muitas sociedades africanas tradicionais acreditam que sua moral é originada na</p><p>divindade e nos ancestrais, sendo sua transmissão realizada pelos humanos que</p><p>fazem parte da criação.</p><p>II.  Os ancestrais também não têm in�uência nos valores morais de algumas</p><p>sociedades africanas. A quebra das leis é uma ofensa ao deus supremo, que pode</p><p>tomar atitudes sobre o ofensor e a comunidade.</p><p>III.  Os deuses são responsáveis por muitas questões do cotidiano, incluindo</p><p>fertilidade, produção agrícola, governo, saúde e bem-estar. Eles cuidam dos</p><p>valores, da moral e do senso de justiça dos indivíduos.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto o que se</p><p>a�rma em:</p><p>a.  Apenas a a�rmativa I está correta.</p><p>b.  Apenas a a�rmativa II está correta.</p><p>c.  Apenas a a�rmativa I e II está correta.</p><p>d.  Apenas as a�rmativas I e III estão corretas.</p><p>e.  Apenas as a�rmativas II e III estão corretas.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://www.encyclopedia.com/religion/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/african-traditional-religions</p><p>https://hts.org.za/index.php/hts/article/view/341/758</p><p>https://www.encyclopedia.com/environment/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/god-african-supreme-beings</p><p>MALVA, P. Entre o céu, a lua, o sol e a terra: 5 curiosos mitos africanos. Aventuras</p><p>na História, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3gVXGYi. Acesso em: 15 jun. 2021</p><p>MARCONDES, L. A. F.; CASTRO, G. S., FILHO, I. M. S. A Criação do Mundo na Tradição</p><p>Nagô. YouTube, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3gN65hX. Acesso em:</p><p>26mar.2021.</p><p>NASSIF, Mariana. A cumieira, o ori e o equilíbrio nosso de cada dia. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3wO52E2. Acesso em: 21jun.2021.</p><p>WIREDU, K. African religions. In: MEISTER, C.; COPAN, P. The Routledge</p><p>Companion to Philosophy of Religion. Londres: Routledge, 2012. p. 29-38.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3vX7UNP. Acesso em: 15 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/entre-o-ceu-lua-o-sol-e-terra-5-curiosos-mitos-africanos.phtml</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=lLm6Nrwyoqc</p><p>https://jornalggn.com.br/editoria/cidadania/a-cumieira-o-ori-e-o-equilibrio-nosso-de-cada-dia/</p><p>https://www.routledgehandbooks.com/doi/10.4324/9780203813010.ch3</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>A MORTE E A VIDA</p><p>Je�erson Eduardo dos Santos Machado</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Nesta seção, trataremos de como a religião tradicional agrega-se à vida humana</p><p>nas comunidades africanas. Assim como as religiões ocidentais, os ciclos da vida</p><p>são marcados por rituais. Existem, contudo, diferenças, uma vez que a vida urbana</p><p>das sociedades ocidentais não força uma vida comunitária como a dos povos</p><p>tradicionais africanos. Por isso, é importante fazermos uma análise no sentido de</p><p>que a religião, para eles, tem caraterísticas diferentes das nossas. Com isso, o</p><p>respeito a idosos, crianças e mulheres – que no ocidente ainda precisa de um</p><p>impulso para tornar-se hábito – nas comunidades, principalmente antes da</p><p>chegada dos islâmicos e cristãos europeus, é garantida</p><p>por esta ligação da fé com</p><p>a dinâmica da vida.</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Vamos, então, enveredar na �oresta do desconhecido, assim como os africanos,</p><p>que veem nas matas algo sagrado. Assim poderemos ter contato e adquirir um</p><p>conhecimento que é vital para nossas caminhadas pro�ssionais.</p><p>Como professor de Ensino Religioso, você passou um trabalho para os alunos</p><p>sobre lugar de culto, ou seja, sobre onde os �éis de cada religião costumam</p><p>relacionar-se com suas divindades. Mais uma vez, devido ao preconceito e falta de</p><p>diálogo inter-religioso, quando um dos alunos decidiu tratar do local de culto de</p><p>sua religião, aconteceram alguns dissabores. Tratava-se de um aluno praticante de</p><p>candomblé que começou a falar do templo de sua religião e de outros locais em</p><p>que costumava realizar seus ritos. Alguns alunos, mais uma vez, começaram a</p><p>criticar tal iniciativa, a�rmando que aquele templo era a casa do diabo; que as</p><p>ofertas e ritos dessas religiões não eram para Deus e que era um absurdo estarem</p><p>tratando isso na aula. A situação �cou ainda mais difícil quando pais de alunos, e</p><p>até professores, começaram a reclamar e recriminar a sua forma de trabalhar</p><p>sobre estes temas. Diante disso, a direção da escola o chamou e mostrou</p><p>preocupação quanto ao seu trabalho. Uma vez que não queria expor o aluno que</p><p>havia apresentado o trabalho, o que você faria para modi�car esta forma de</p><p>pensamento, a partir do próprio tema estabelecido para a tarefa dos alunos?</p><p>“A única arma para melhorar o planeta é a Educação com ética. Ninguém nasce</p><p>odiando outra pessoa pela cor da pele, por sua origem, ou ainda por sua religião.</p><p>Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem</p><p>ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>CULTO AOS ANTEPASSADOS</p><p>O culto aos antepassados é uma realidade entre muitos africanos. Estes</p><p>personagens são, geralmente, os anciãos: homens e mulheres que deixaram o</p><p>reino dos vivos para uma condição especial acima dos humanos. Após suas</p><p>mortes, continuam sua relação com suas famílias, com a comunidade, clãs e</p><p>grupos de parentesco (RITES, 2005).</p><p>A forma como os indivíduos creem e praticam a adoração aos ancestrais ocorre</p><p>conforme a cultura de cada povo e suas tradições religiosas. Entre os povos que</p><p>falam a língua Komo, no Congo, os ancestrais são como divindades, sendo</p><p>guardiões vivos e transmissores de rituais. Em outros povos, a noção de</p><p>ancestralidade é mais expansiva e inclui várias categorias de espíritos humanos.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Em alguns casos, consideram até crianças falecidas. Entre os Ba Tonga, do</p><p>Zimbábue, as práticas rituais e as ideias sobre o culto aos mortos são aspectos</p><p>centrais da vida comunitária.</p><p>Entre os povos do Congo, o parentesco, a linhagem, a che�a e a idade avançada</p><p>são fatores que unem os ancestrais aos vivos. Entre os Bakongo, que vivem no</p><p>Congo e em Angola, e os Kaguru, da Tanzânia, os idosos são os que se aproximam</p><p>dos ancestrais e exercem muita in�uência sobre como os consultar e realizar</p><p>sacrifícios e oferendas. Eles sabem o que os desagrada, quem são os responsáveis</p><p>por este desagrado com a comunidade e interpretam as suas vontades. Os</p><p>ancestrais possuem autoridade moral sobre os vivos e os mais velhos são os</p><p>transmissores da mensagem ancestral quando intervêm e resolvem os con�itos</p><p>(AFRICA, 2018).</p><p>A adoração ancestral possui muitas formas entre os Kaguru, o que inclui limpar os</p><p>túmulos dos falecidos, derramar libações de cerveja e fazer oferendas de farinha e</p><p>fumo. Quando estão em contexto de crise, é necessário realizar sacrifícios mais</p><p>quali�cados, como o de galinhas, cabras e ovelhas.</p><p>Não existe um padrão ou característica geral para a aceitação de alguém no rol dos</p><p>ancestrais, mas os critérios para isso são muito semelhantes em África. Uma</p><p>pessoa torna-se ancestral, normalmente, após rituais de sepultamento especí�co.</p><p>Em alguns povos, a questão de gênero é importante, pois creem que os homens</p><p>estão mais próximos da ideia de ancestralidade.</p><p>Os Manyika, do Zimbábue, conferem status de ancestral apenas a homens, e não</p><p>há necessidade de ser pai. Aqueles que morrem adultos sem ter �lhos podem</p><p>tornar-se um ancestral de um sobrinho, se este o incluir em seu culto aos</p><p>ancestrais. Em alguns povos da Zâmbia central, os homens realizam sacrifícios aos</p><p>ancestrais no lado direito de uma porta, enquanto as mulheres oferecem</p><p>sacrifícios à esquerda. Os Sukuma e Nyamwezi, da Tanzânia, acreditam que os</p><p>gêmeos são ancestrais porque nascimentos múltiplos indicam excesso de</p><p>fertilidade. As mulheres detêm direitos exclusivos para dirigir quaisquer rituais</p><p>relacionados aos ancestrais gêmeos, talvez porque sejam responsáveis por seu</p><p>nascimento físico.</p><p>Para a cosmologia africana, a morte não cessa ou aniquila a vida humana. Na</p><p>verdade, ela é o caminho para o próximo estágio da existência. Trata-se do início</p><p>do processo de obtenção da ancestralidade. Como vimos, este caminho pode</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>começar a partir dos ritos e cerimônias funerárias.</p><p>Para os Bambara, a morte é um motivo de grande ansiedade, confusão e</p><p>imprevisibilidade. Eles tem a ideia de volatilidade da sorte do falecido e de seus</p><p>descendentes, colocando, assim, a comunidade em perigo. Eles têm medo de que</p><p>a morte de um chefe de linhagem seja um perigo para toda a linhagem. Os Iorubás</p><p>creem que, quando morre um ancião que era um agente de unidade e força da</p><p>linhagem, deixa um vazio na família e di�culta a coesão.</p><p>Para aqueles que acreditam na importância das cerimônias fúnebres neste</p><p>contexto, o enterro adequado é aquele em que todos os descendentes do falecido</p><p>tomam parte na organização de forma cuidadosa. Outro fator é a exigência de uma</p><p>boa morte, ou seja, mortes prematuras advindas de acidente e de “doenças</p><p>vergonhosas, como varíola, lepra e AIDS, são uma morte terrível. A morte mais</p><p>valorizada é aquela em que o falecido viveu até uma idade avançada, o que</p><p>signi�ca posse de sabedoria e experiência. O falecimento do idoso, por vezes, leva</p><p>os indivíduos a evitarem a palavra morte. Entre os Iorubás, por exemplo, usam</p><p>metáforas como “o elefante caiu” (erin wo) ou “o tigre se foi” (ekun lo). Ao não usar</p><p>a palavra “morte”, evidenciam a crença de que os seres humanos são maiores do</p><p>que a própria morte.</p><p>A imortalidade, para estes povos, está ligada a ser lembrado após a morte. Uma</p><p>grande prole ajuda a preservar a memória que garante a imortalidade. Entre</p><p>alguns povos da África Oriental, existe a ideia de que a morte só acontece se não</p><p>tiver ninguém para se lembrar dos falecidos.</p><p>As religiões tradicionais africanas creem na reencarnação dos ancestrais. Ela está</p><p>ligada à ideia de perpetuação da sua linhagem por meio do renascimento em</p><p>crianças nascidas logo após o falecimento dos avós. Para os Iorubás, se a criança</p><p>tiver o mesmo sexo de quem faleceu, avós ou pais são reencarnados. Se for</p><p>menina nascida após a morte da avó ou mãe, é chamada de Yetunde ou Iyabo (“a</p><p>mãe voltou”), e um menino nascido após a morte de um avô ou pai é chamado</p><p>Babatunde (“o pai voltou”). Para esse povo, essas crianças apresentam alguns</p><p>traços do falecido. Para os Kaguru, os recém-nascidos vem do lugar dos ancestrais,</p><p>não necessariamente no renascimento físico real, mas em termos das qualidades</p><p>particulares do falecido.</p><p>ASSIMILE</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Entre os iorubás, os 3 ancestrais glori�cados mais importantes são Sango,</p><p>Orisa-Oko e Ayekla. Aqui vamos tratar de Sango que é uma �gura histórica</p><p>e considerada um dos líderes de Oyo, um dos estados centrais do norte da</p><p>Nigéria. De acordo com a lenda ioruba, Sango era um caçador muito</p><p>poderoso e, como Rei de Oyo, governava com punho de ferro. No entanto,</p><p>os iorubás logo se cansaram de sua autoridade tirânica e armaram um</p><p>complô para matá-lo. Mas ele conseguiu encontrar o caminho para sair</p><p>dessa trama e fazer com que os conspiradores fossem</p><p>mortos, mas alguns</p><p>escaparam e saíram atrás de Sango. Quando percebeu que estava</p><p>encurralado Sango se enforcou. Bem, os seguidores de Sango</p><p>imediatamente começaram a lhe dar �delidade e realizaram vários</p><p>sacrifícios religiosos a ele. Então, eles alegaram que Sango desenvolveu</p><p>esse status como um ancestral glori�cado, e ele ainda tem o poder de exibir</p><p>um poder tremendo.</p><p>RITOS DE PASSAGEM</p><p>Em geral os povos tradicionais africanos possuem cinco ritos de iniciação, ou de</p><p>passagem, que são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento humano.</p><p>São ritos que de acordo com a tradição oral foram criados pelos ancestrais</p><p>africanos enquanto viviam, para possibilitar a conexão entre os vivos e o mundo</p><p>espiritual (RITES, 2005).</p><p>Esses ritos são partes constituintes das comunidades, extensões necessárias para</p><p>a sua vida. Eles são essenciais para o desenvolvimento individual e comunitário e</p><p>criam a ideia de que o crescimento e transição da infância para a vida adulta não é</p><p>automática.</p><p>A passagem de uma fase a outra da vida tem que ser ligada a um conjunto</p><p>fundamental de ritos, que marcam a chegada da maturidade. A iniciação relaciona-</p><p>se com a transformação, e tem sido um componente central das culturas africanas</p><p>tradicionais desde tempos imemoriais. Cada sociedade tem particularidade nas</p><p>suas práticas rituais. Porém, eles são componentes básicos dessas comunidades,</p><p>pois são responsáveis por orientar seus entes de um estágio a outro da vida, desde</p><p>que nascem até a morte (AMPIM, 2003).</p><p>Os cinco ritos básicos são: nascimento, idade adulta, casamento, velhice e</p><p>ancestralidade. Eles são peças chave das culturas tradicionais africanas. Em</p><p>algumas delas, as cerimônias são mais elaboradas e extensas do que em outras,</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>mas estão sempre presentes e são a ligação das famílias e aldeias, além de</p><p>fornecerem a estrutura necessária para o crescimento e desenvolvimento</p><p>individual.</p><p>Os ritos são um sistema de iniciação integrado que deu às culturas africanas a</p><p>estabilidade e longevidade para fornecer um modelo de consciência e unidade</p><p>intergeracional. Ou seja, mantêm o equilíbrio entre os diversos grupos etários e</p><p>evita os maus tratos sistemáticos a mulheres, crianças e idosos.</p><p>O primeiro rito de iniciação é o nascimento, que é ligado à ideia de iniciar um novo</p><p>ser humano no mundo por meio de uma cerimônia de nomeação. A maioria das</p><p>culturas africanas acreditam que o bebê veio do mundo espiritual com</p><p>informações importantes, e que sua chegada marca a introdução de talentos e</p><p>dons únicos para somar às comunidades. Para elas, o nascituro tem uma missão</p><p>que deve cumprir e uma mensagem importante a transmitir.</p><p>Sendo assim, a família deve decifrar a missão especí�ca do bebê, a partir de</p><p>encontros com adivinhos, realizações de rituais e confecção de um mapa de</p><p>nascimento. Essa dinâmica objetiva determinar a missão do novo ente comunitário</p><p>para que seja direcionado em sua caminhada na vida. Somente depois disso</p><p>de�ne-se o nome da criança, que deve ser um re�exo da sua personalidade ou da</p><p>própria missão de vida.</p><p>A passagem para a vida adulta também é marcada por um conjunto de ritos. Este</p><p>tipo de rito geralmente é realizado na puberdade, entre 12 e 13 anos, e busca</p><p>garantir a formação de adultos conscientes e produtivos, que se integrem aos</p><p>objetivos comunitários. A passagem para a vida adulta não é automática, os jovens</p><p>não se tornam produtivos de uma hora para a outra e a transição não é</p><p>traumática.</p><p>Nas sociedades africanas, meninos e meninas são iniciados. Eles são retirados da</p><p>vida cotidiana, para serem ensinados sobre todos os caminhos da vida adulta: as</p><p>regras e tabus da sociedade; instrução moral e responsabilidade social; e maiores</p><p>esclarecimentos sobre sua missão ou vocação de vida.</p><p>O terceiro grande rito é o de casamento. Ele representa a união das duas missões</p><p>do novo casal, além da união de duas famílias. Além de todas as funções previstas</p><p>em um matrimônio tradicional, esta instituição, entre as comunidades africanas,</p><p>tem como objetivo ajudar o marido e a esposa a realizarem de forma satisfatória a</p><p>missão que cada um recebeu ao nascer. As famílias africanas tradicionais têm</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>como foco básico a construção de famílias e comunidades. Trata-se de uma visão</p><p>coletiva, não individual. Além disso, uma pessoa geralmente só é considerada</p><p>adulta depois de casar-se e ter �lhos.</p><p>O rito da idade ou do ancião é o quarto rito de passagem principal e é um dos</p><p>componentes importantes do sistema de iniciação, porque são os anciãos que</p><p>representam a tradição e a sabedoria do passado. Na cultura africana não são</p><p>todos os idosos que podem ser anciãos. Para isso acontecer, a pessoa deve ter</p><p>sido um exemplo positivo para a comunidade. Um ancião, por outro lado, é alguém</p><p>que é digno do status mais alto na cultura africana porque viveu uma vida com</p><p>propósito. A vida de um ancião é centrada na tradição da comunidade e é alguém</p><p>que passou por todos os três ritos anteriores sendo um modelo vivo para os</p><p>outros grupos da sociedade seguirem. Tanto os anciãos quanto os novos bebês</p><p>são detentores de status elevado, pois são os elos mais próximos entre a</p><p>comunidade e a sabedoria do mundo espiritual.</p><p>O último dos ritos fundamentais é o da ancestralidade. Ele se relaciona à passagem</p><p>para o mundo espiritual. Quase nenhuma comunidade africana acredita que, com</p><p>a morte, aconteça o encerramento da comunicação entre mortos e vivos. O</p><p>espírito do falecido ainda faz parte da comunidade viva, sendo que cada falecido</p><p>tem status diferentes, assim como ocorre com os vivos. A distinção mais</p><p>signi�cativa acontece entre o falecimento de um “simples idoso”, visto como um</p><p>parente que morreu, e o desfecho da vida de um ancião respeitado, que passa a</p><p>ser reverenciado como um “ancestral” honrado. Quem morre sem honra não é</p><p>lembrado como um exemplo a ser seguido. Um ancião respeitado, porém, ao</p><p>falecer torna-se um ancestral respeitado e recebe a mais alta honra.</p><p>SACRIFÍCIOS</p><p>Para as religiões tradicionais africanas, o sacrifício é uma comunhão dos homens</p><p>com Deus, os antepassados e os espíritos, ao mesmo tempo em que é uma</p><p>renovação harmoniosa da vida social. Trata-se de uma relação que envolve troca,</p><p>pois o sucesso depende de uma perda. Por vezes, antes dos sacrifícios são feitas</p><p>outras formas de oferendas com o objetivo atrair as forças sobrenaturais para</p><p>apaziguar a ira dos espíritos ou do ser supremo usando água, leite, mel, cerveja,</p><p>sangue etc., mas, também, para excitá-los, com vinho de palma, cerveja e todas as</p><p>outras bebidas fermentadas. (ASANTE; MAZAMA, 2008, p. 583)</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Os sacrifícios buscam aumentar a vitalidade das pessoas e das comunidades,</p><p>evitando assim, a dor da perdição e da presença dos espíritos malignos. A vítima,</p><p>que no passado, em casos muito graves, compreendia inclusive vidas humanas, é</p><p>expiatória, ou seja, ela assume a culpa e puri�ca a comunidade, que, juntamente</p><p>com os ancestrais – presentes no rito, conforme creem –, sacri�ca, compartilha e</p><p>consome a oferta oferecida a partir das ordens recebidas dos espíritos.</p><p>O sangue é um veículo de força vital. A intensidade de energia propiciada pelo seu</p><p>derramamento está diretamente ligada à potência do animal sacri�cado. Por isso,</p><p>os seres humanos entram no rol dos seres sacri�cados (LOPES; MACEDO, 2017, p.</p><p>257).</p><p>Os sacrifícios humanos eram praticados em várias partes da África no antes e</p><p>depois do século XVI. No antigo reino de Gana, o nascimento do Estado está</p><p>relacionado ao mito de sacrifício de jovens virgens a Bida, a grande Serpente de</p><p>Uagadu. Quando morriam os governantes ganeses, suas sepulturas eram</p><p>guarnecidas com tecidos, tapetes, ornamentos, armas e objetos pessoais, comida e</p><p>bebida, como também seus cozinheiros e fabricantes de bebidas, que eram</p><p>fechados no túmulo dos soberanos para garantir-lhes o sustento. Essas práticas</p><p>também ocorriam entre os povos mandingas e na área cultural iorubá.</p><p>No Benim, os serviçais eram enterrados vivos a �m de prestarem homenagens à</p><p>memória do obá falecido. Nessa sociedade, os escravos também eram sacri�cados,</p><p>e, nas datas de aniversário de morte do pai do obá, uma dúzia deles perdiam a</p><p>vida, juntamente com vacas, cabras, carneiros e galinhas. Eram abatidos também</p><p>nos rituais de consagração das miçangas do obá, no período de chuvas excessivas</p><p>ou de secas, para evitar surtos de doença ou má-sorte que trouxessem problemas</p><p>para o reino.</p><p>Os sacrifícios humanos têm função consagratória da memória dos antepassados</p><p>mortos, concretizada por ocasião dos ritos funerários, tendo, por vezes a �nalidade</p><p>de celebrar e honrar os princípios sagrados que dispensavam aos vivos a</p><p>fertilidade e a fecundidade.</p><p>REFLITA</p><p>Os sacrifícios são ofertas que estão e estiveram presentes em muitas</p><p>expressões religiosas do mundo. Hoje, são vistos como práticas primitivas e</p><p>antiquadas. O que você acha? Trata-se de maldade matar os animais para</p><p>ofertar às divindades? Mas, será que não matamos animais para oferecer a</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>nossos familiares em uma festa de aniversário, ou em outras</p><p>comemorações? Em uma sociedade que consome carne animal em escala</p><p>gigantesca, podemos criticar aquele tipo de prática?</p><p>ESPAÇOS SAGRADOS AFRICANOS</p><p>Os lugares onde os ritos e rituais das religiões africanas tradicionais se realizam</p><p>são considerados sagrados. São locais construídos especi�camente para �ns</p><p>religiosos ou são lugares naturais utilizados para este �m. Também há lugares que,</p><p>normalmente, seriam considerados não sagrados, mas que são palco de atos</p><p>religiosos.</p><p>Existem motivos para que lugares sejam considerados sagrados. Alguns o são pela</p><p>existência de relíquias de seres divinos. Além disso, os deuses podem indicar a</p><p>sacralidade de um local de alguma maneira, através da comunicação entre eles e</p><p>os animais que, ao surgirem em alguma localidade, são vistos como sinais da</p><p>presença da divindade. Desta forma, toda a terra pertencente a um povo</p><p>tradicional pode ser vista como sagrada (LUGIRA, 2009, p. 88).</p><p>A natureza e sua exuberância sempre foram associadas à religião pelos africanos.</p><p>Para eles, tudo que se envolva em uma aura de mistério liga-se ao espiritual. Por</p><p>isso, todo o universo está repleto religiosidade, pois todos seus elementos são</p><p>considerados símbolos do divino. O espaço sagrado do universo é dividido em três</p><p>partes: O céu, a casa do ser supremo; abaixo da Terra, o reino dos espíritos que</p><p>mantêm a comunidade conectada à Terra; e, no meio desta terra, o mundo da</p><p>humanidade, o aqui e agora.</p><p>O céu africano proporciona muitos pensamentos religiosos. Toda a beleza do céu</p><p>leva as pessoas a admirá-lo, mas a noite, por vezes, inspira também o temor. O</p><p>céu, a lua e a Terra são aspectos da divindade. Entre os africanos, o sol simboliza o</p><p>ser supremo, a Lua é reconhecida como um fenômeno natural que carrega</p><p>sacralidade, serenidade e ternura.</p><p>A geogra�a africana é muito variada, seus marcos naturais incluem montanhas,</p><p>oceanos, lagos, rios, cachoeiras, �orestas, rochas, cavernas e árvores, que também</p><p>levam os povos a se aproximarem da divindade. As �orestas e planícies são vivas e</p><p>possuem uma grande variedade de animais que, por estarem dividindo a terra</p><p>como os humanos, também devem ter seu local no universo.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>A re�exão sobre o universo é importante, pois muitos dos ritos são realizados em</p><p>locais abertos, sob o céu e sobre a terra. Entre eles temos santuários, tumbas,</p><p>templos e localidades sagradas. Desde que os africanos passaram a sentir o poder</p><p>do ser supremo, que é uma força vital que envolve toda a natureza, as lideranças</p><p>das comunidades criaram maneiras de o controlarem, construindo lugares e</p><p>objetos que seriam locais de residência, ajudando a senti-lo de forma fracionada.</p><p>Quanto às construções, o templo é o local onde as pessoas se reúnem para adorar,</p><p>orar e pedir favores às forças espirituais. Os templos africanos são construídos a</p><p>partir das tradições de cada povo, seguindo suas arquiteturas peculiares. São</p><p>grandes, pequenos e até em miniatura. Apesar da opressão dos cristãos e</p><p>islâmicos, continuaram a existir de forma adaptada, seguindo os estilos</p><p>arquitetônicos dos colonizadores.</p><p>As tumbas são construídas há milênios na África, incluindo tumbas como as</p><p>pirâmides do antigo Egito e Núbia. A Pirâmide de Gizé é a expressão da divindade</p><p>do faraó como representante de Rá, o deus Sol, e do lugar onde ele ascendeu para</p><p>se juntar a esta divindade na vida após a morte.</p><p>Na África, existem ainda as tumbas de Kasubi, dos kabacas de Buganda, em</p><p>Uganda, que são cuidadas por sacerdotisas jovens responsáveis pela manutenção</p><p>do fogo interno em que realizam ritos que os adoradores podem participar. As</p><p>tumbas são locais em que pessoas comuns podem contatar e se relacionar com os</p><p>poderes superiores.</p><p>Os povos tradicionais e suas religiões possuem locais de culto que não possuem</p><p>estruturas elaboradas. Temos, como exemplo, o santuário de Ogum, uma</p><p>divindade iorubá considera uma das mais poderosas como a ferreiro-chefe no céu,</p><p>uma localidade em Ifé marcada por tocos de madeira e pedras. No local, seus</p><p>seguidores vão buscar conforto espiritual.</p><p>Alguns lugares de culto são de�nidos pela presença de objetos rituais, como</p><p>talismãs ou estátuas usados na observação dos ritos de religiões africanas. Esses</p><p>objetos são confeccionados por mãos humanas, e podem ser considerados</p><p>santuários por serem amuletos que carregam em si um poder espiritual. São</p><p>produzidos de várias formas e podem ser individuais ou comunitários. Além disso,</p><p>obras de arte com temas religiosos, como máscaras ou imagens dos deuses,</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>também estão nesse rol e podem ser destinados a �ns utilitários, como jarras ou</p><p>potes, que, por causa da decoração ou forma religiosa, podem ser</p><p>espontaneamente considerados objetos religiosos.</p><p>Sendo assim, a casa, os templos e santuários, o campo, são locais onde os</p><p>africanos veem a sacralidade. Isso acontece devido ao entendimento que estes</p><p>povos têm de, cotidianamente, andar na presença ou ao lado dos seres espirituais.</p><p>Apesar da ligação profunda com lugares construídos, as religiões e seus adeptos</p><p>têm a visão de que as divindades estão em toda parte (RELIGION, 2021).</p><p>Locais como montes e colinas são normalmente vistos como locais sagrados. Os</p><p>povos vivem próximos a eles, fazem sacrifícios e ofertas, rituais, oferecem orações</p><p>ao deus supremo e outras divindades nestes lugares. Além disso, outros locais</p><p>naturais, como árvores, ilhas, lagos, rios e cachoeiras também podem ser vistos</p><p>como sagrados.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Nas religiões tradicionais africanas, um santuário pode ser qualquer caixa</p><p>ou receptáculo que contenha e transmita o poder das divindades. Trata-se</p><p>de um porto, ou local de descanso, para os poderes espirituais. São</p><p>estruturas e marcos naturais que marcam a geogra�a sagrada da tradição</p><p>religiosa. Por não dominarem a escrita, esses povos carregavam suas</p><p>tradições religiosas em suas mentes transmitindo-as de geração em</p><p>geração. As esculturas são uma linguagem adicional de expressão da vida</p><p>interior e ajudava na comunicação com o mundo espiritual. Isto é feito</p><p>através de uma linguagem emocional, do nascimento até a morte, que em</p><p>cada rito dos ciclos da vida possuem uma imagem apropriada. Essas</p><p>a�rmações nos fazem lembrar das cruzes colocadas nas cidades e das</p><p>imagens que são levadas de casa em casa, principalmente mantidas pela</p><p>religiosidade popular.</p><p>Nesta seção pudemos entender o quanto as religiões tradicionais africanas estão</p><p>arraigadas na vida dos povos que as praticam. Em todas as fases da vida e em</p><p>todos os lugares em que se encontram, as divindades mantêm diálogo e</p><p>intercedem em suas vidas. Trata-se de uma possibilidade de entendermos esta</p><p>forma de buscar as divindades de forma mais aprofundada e livre de preconceitos.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Questão 1</p><p>“Os cultos das divindades são visíveis</p><p>em muitos santuários e altares consagrados</p><p>em sua homenagem. Os santuários e altares geralmente não são estruturas</p><p>imponentes ou mesmo permanentes e podem ser tão insubstanciais quanto um</p><p>pequeno marcador em um pátio privado”. (AFRICAN, [s. d.], [s. p.]).</p><p>Levando em consideração o debate sobre lugares de culto das religiões</p><p>tradicionais africanas, assinale a alternativa CORRETA.</p><p>a.  Tais locais só podem seu construídos pelo homem.</p><p>b.  Só os lugares onde aconteceram milagres são sagrados.</p><p>c.  São lugares construídos ou lugares naturais.</p><p>d.  São unicamente os anciãos com sua sabedoria que indicam tais lugares.</p><p>e.  Somente lugares especí�cos dentro dos territórios dos povos são sagrados.</p><p>Questão 2</p><p>Os ancestrais possuem um status de espíritos que foram divinizados e são uma</p><p>parte importante da crença dos adeptos das religiões tradicionais africanas. São</p><p>eles os responsáveis por ajudar e a poiar as famílias em manter sua missão.</p><p>Sobre os antepassados avalie as a�rmativas a seguir:</p><p>I.  Qualquer idoso pode ser um ancestral.</p><p>II.  Os ancestrais são como divindades que guardam e transmitem os rituais.</p><p>III.  Só os homens podem ser ancestrais.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto APENAS o que se</p><p>a�rma em:</p><p>a.  Apenas a a�rmativa I está correta.</p><p>b.  Apenas a a�rmativa II está correta.</p><p>c.  Apenas a a�rmativa I e II está correta.</p><p>d.  Apenas as a�rmativas I e III estão corretas.</p><p>e.  Apenas as a�rmativas II e III estão corretas.</p><p>Questão 3</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AFRICAN religions. In: Britannica. Disponível em https://bit.ly/3wOza29. Acesso</p><p>em: 15 jun. 2021.</p><p>AMPIM, M. The Five Major African Initiation Rites. Africana Studies, 2003.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3gOK8Pm. Acesso em: 16. jun. 2021.</p><p>ASANTE, M. K.; MAZAMA, A. (Ed.). Encyclopedia of African religion. Thousand</p><p>Oaks: Sage, 2008.</p><p>“Ritos de passagem são ritos relacionados ao ciclo de vida humano. São práticas,</p><p>costumes e cerimônias que as pessoas realizam para mover as pessoas</p><p>suavemente pelos estágios da vida, do começo ao �m. Esses estágios incluem</p><p>nascimento e infância, puberdade e iniciação, casamento, envelhecimento e</p><p>morte”. (LUGIRA, 2009, p. 64).</p><p>Sobre os ritos de passagem, julgue as a�rmativas a seguir em (V) Verdadeiras ou (F)</p><p>Falsas.</p><p>(  ) Estes ritos são partes constituintes das comunidades, sendo extensões</p><p>necessárias para a sua vida.</p><p>( ) A iniciação relaciona-se com a transformação e não tem nenhuma in�uência</p><p>sobre as culturas africanas tradicionais deste de tempos imemoriais.</p><p>(  ) São componentes supér�uos destas comunidades, pois não possuem</p><p>responsabilidade sobre os estágios da vida dos entes comunitários.</p><p>(  ) São ritos que, de acordo com a tradição oral, foram criados pelos ancestrais</p><p>africanos enquanto viviam para possibilitar a conexão entre os vivos e o mundo</p><p>espiritual.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.</p><p>a.  V – F – F – V.</p><p>b.  F – F – V– V.</p><p>c.  V – F – V – V.</p><p>d.  V – V – V – F.</p><p>e.  F – V – V – F.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://www.britannica.com/topic/African-religions</p><p>https://www.manuampim.com/AfricanInitiationRites.htm</p><p>DOTÉ, A. Festival de EGUNGUN - DOTÉ PELO MUNDO - NIGÉRIA EPISÓDIO 1.</p><p>YouTube, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3gNbN3n. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>DOTÉ, A. Oferendas ao Rio Osun - Osun Bibó - DOTÉ PELO MUNDO - NIGÉRIA - EP2.</p><p>YouTube, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3zKETaZ. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>LOPES, N.; MACEDO, J. R. Dicionário de História da África: Séculos VII a XVI. Belo</p><p>Horizonte: Autêntica, 2017.</p><p>LUGIRA, A. M. African traditional religion. New York: Infobase Publishing, 2009.</p><p>RELIGION: Africa Worship Spaces. In: Science Encyclopedia. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3vNiVAY. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>RITES Of Passage. In: THE story of Africa: Traditional Religions. BBC World Service,</p><p>[s. d.], [s. l.]. [s. p.]. Disponível em: https://bbc.in/2SUd53s. Acesso em 16 jun. 2021.</p><p>RITES of Passage: African Rites. In: Encyclopedia.com. Disponível Em:</p><p>https://bit.ly/3qjzvqU. Acesso em: 15 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=tWYbT2kzxac</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=fX-UwT5Lvhc</p><p>https://science.jrank.org/pages/11041/Religion-Africa-Worship-Spaces.html</p><p>https://www.bbc.co.uk/worldservice/africa/features/storyofafrica/6chapter3.shtml</p><p>https://www.encyclopedia.com/environment/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/rites-passage-african-rites</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>OS "MINISTROS" DA RELIGIÃO</p><p>Je�erson Eduardo dos Santos Machado</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Esta seção nos possibilitará conhecer os agentes responsáveis pelas ações das</p><p>religiões tradicionais africanas entre as comunidades. Alguns deles são como</p><p>alguns irmãos e irmãs que vão até a casa das pessoas para rezar, orar, levar a ceia,</p><p>a comunhão, ensinam garrafadas, entre outros. Eles são a ligação do divino com o</p><p>humano, da forma mais profunda, pois buscam trazer a saúde física, psíquica e</p><p>espiritual, individualmente e comunitariamente.</p><p>Trata-se de uma oportunidade ímpar de entendermos e respeitarmos ainda mais</p><p>estas tradições africanas que chegaram até hoje – as rezadeiras, por exemplo.</p><p>Além disso, podemos compreender melhor a dinâmica cultural dos povos</p><p>africanos, principalmente a relação que eles têm com o sagrado.</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Abordar os chefes como lideranças religiosas, os curandeiros e curandeiras, os</p><p>mágicos, adivinhos e adivinhas, nos possibilita ver a preocupação que as</p><p>comunidades tinham com a saúde e com uma vida correta e equilibrada para</p><p>todos os seus entes.</p><p>Então, vamos à luta em busca de mais conhecimento. Isto te transformará em um</p><p>pro�ssional de primeira!</p><p>Em uma escola do interior, você é o professor responsável pela disciplina de</p><p>ensino religioso. Um dos alunos, em sua aula comentou que estava sentindo-se</p><p>mal, no dia anterior, e “graças a Deus sua mãe o levara a uma benzedeira”.</p><p>Comentou, ainda, que, depois de rezá-lo, ela o deu algumas ervas para fazer um</p><p>chá antes de dormir e que havia acordado sem nenhum problema. Alguns alunos</p><p>começaram a zombar dele e dizer que isso era besteira e que não era verdade.</p><p>Alguns mais radicais começaram a falar que estas mulheres eram bruxas e que ele</p><p>tinha feito um pacto com o diabo.</p><p>Sabendo que, para os adolescentes e jovens, as coisas são sempre muito intensas,</p><p>você começou a pensar sobre como fazer para tratar o tema, que se manifestava</p><p>em discursos cheios de preconceito e ódio em relação a uma prática que é muito</p><p>presente no interior brasileiro, mas que é malvista por não se tratar de uma</p><p>prática ortodoxa. Então, você resolveu trazer alguns desses agentes religiosos</p><p>(benzedeiras) para falar com os alunos. Porém, ao levar isso à direção, percebeu</p><p>uma certa resistência, pois, segundo a diretora da escola, muitos pais iriam</p><p>rechaçar a proposta. O que fazer diante dessa situação difícil?</p><p>Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre.</p><p>(Mahatma Gandhi).</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>CHEFES</p><p>Em boa parte das sociedades tradicionais africanas, existe uma íntima conexão</p><p>entre a religião e a política. Isso se dá devido à visão de que a política é um</p><p>conjunto de processos comportamentais que buscam resolver con�itos entre o</p><p>bem comum e os interesses dos grupos, através da disputa de poder; e a religião</p><p>seria a intermediadora que evita o uso indevido do poder em detrimento do bem</p><p>comum.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>O sagrado e divino ofício de rei na sociedade africana clássica e tradicional foi e é a</p><p>instituição cultural, religiosa e política mais integrante que de�ne o coração da</p><p>civilização africana. Os reis são aqueles que conduzem o povo entre o cosmos</p><p>sagrado dos ancestrais e entidades espirituais e os assuntos mundanos de</p><p>atividades humanas cotidianas. Historicamente, em muitas sociedades africanas,</p><p>os reis servem como chefes de "estado" e chefes de "igreja".</p><p>A</p><p>realeza, na cultura africana, cumpre pelo menos quatro propósitos</p><p>fundamentais: líder e árbitro da família, clã e nação; especialista em rituais e</p><p>mediador para o mundo espiritual e comunidade viva; guardiã do legado cultural e</p><p>das tradições; e defensor da propriedade social e da justiça.</p><p>Os reis africanos que possuem as funções sacerdotais podem salvaguardar as</p><p>necessidades básicas da existência, como fazer chover, semear e realizar rituais de</p><p>colheita, rituais de fertilidade dos homens, animais domésticos e selvagens.</p><p>De acordo com Salim Faraji (2008, p. 364), as antigas sociedades e culturas núbia e</p><p>egípcia estavam centradas no sagrado ofício da realeza divina. Seus reis eram</p><p>considerados divinos e descendentes do divino, cujo dever era estabelecer e</p><p>restaurar a unidade, estender a justiça e defender a ordem cósmica e social.</p><p>Os chefes são as lideranças políticas dos povos tradicionais. Cada povo tem um</p><p>tipo de poder central, uma con�guração que não foi a mesma no decorrer da</p><p>história, principalmente depois do processo de colonização pelos Estados</p><p>europeus. O chefe, ou rei, soma outras responsabilidades ao seu papel político. Ele</p><p>é, ao mesmo tempo, juiz em exercício, ou seja, o guardião da justiça e da lei, e</p><p>sacerdote, o responsável pelos sacrifícios. Esta aglutinação de funções ocorre</p><p>devido à falta de um limite explícito entre política, religião, lei e moral (GAARDER;</p><p>HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 98). O rei é aquele que guarda o costume na vida</p><p>cotidiana, isto é, ele é a imagem do contato com os antepassados, ou seja, com a</p><p>tradição. É ele quem representa os deuses na Terra, e dialoga com eles pela</p><p>comunidade.</p><p>Na África Ocidental, os chefes das religiões tradicionais são reis poderosos. Os</p><p>Ooni de Ile-Ife, na Nigéria, são considerados os chefes políticos e espirituais de</p><p>todos os iorubás. Mesmo entre os povos que possuem especialistas da religião,</p><p>estes acabam sendo ligados a ofícios da realeza. Entre os Bemba, da Zâmbia, os</p><p>Bakabilo são responsáveis pelos cultos nos santuários dos objetos sagrados e</p><p>tomam posse do babenye, relíquias sagradas dos chefes ancestrais, quando morre</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>um rei. São também responsáveis pela puri�cação dos chefes em relação às</p><p>atividades sexuais a �m de que possam entrar no seu santuário de relíquias e</p><p>realizar os ritos necessários. Eles são os encarregados das cerimônias de ascensão</p><p>do chefe supremo e dos chefes territoriais maiores.</p><p>Os Bakabilo são um conselho dos que estão imunes aos poderes autocráticos dos</p><p>chefes, pois são superiores a eles e são funcionários hereditários. Eles têm o poder</p><p>de bloquear a realização de atos prejudiciais ao povo Bemba recusando-se a</p><p>realizar as funções rituais necessárias ao exercício de seu cargo. Eles são um</p><p>sacerdócio participante direto da estrutura governamental. Este sistema</p><p>hierárquico também existe entre os Fon e os Igbo. O sumo sacerdote do Vodum</p><p>também é a liderança política dos Fon.</p><p>Entre os Igbo, o Onyishi, que é o membro mais antigo do conselho de anciãos,</p><p>recebe a autoridade religiosa. Ele consulta o conselho e de�ne as datas religiosas</p><p>da comunidade e assegura a realização dos sacrifícios necessários em momentos</p><p>próprios. Trata-se do pai espiritual e religioso de seu povo, e, por isso, é o</p><p>responsável pelo bem-estar político e espiritual e é obrigado a comparecer a todas</p><p>as cerimônias religiosas públicas.</p><p>CURANDEIROS</p><p>São vários os tipos de agentes de cura ou especialistas em medicina tradicional.</p><p>Podem, inclusive, ser homens ou mulheres. Suas funções se sobrepõem, pois, a</p><p>doença e a enfermidade cobrem uma ampla gama de problemas pessoais e</p><p>comunitários da vida. Eles poderiam ser classi�cados numa relação de funções</p><p>principais e primárias. Existem �toterapeutas, adivinhos e curandeiros. Todos são</p><p>considerados médiuns devido aos papéis de interligação entre o humano e o</p><p>espiritual.</p><p>Esses curandeiros recebem seus dons por herança familiar, escolha das divindades</p><p>ou decisão voluntária. A vontade é algo imprescindível para este agente, pois ele</p><p>tem que passar por processos de iniciação ou treinamento formal e informal com</p><p>durações diferentes e variadas. Os candidatos, como forma de iniciação, devem</p><p>ingerir ingredientes rituais a �m de ampliar sua visão e obter capacidade de lidar</p><p>com as forças espirituais e com casos visíveis e invisíveis.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Para estarem prontos a atender de forma plena, as comunidades se preparam de</p><p>sete a nove anos, a �m de aprender as maneiras de enfrentar todos os casos</p><p>relativos a doenças, desde males pessoais a comunitários, de domésticos a</p><p>econômicos, até questões relativas à vida e à morte.</p><p>A cura é a busca do equilíbrio que foi afetado por fatores espirituais, naturais,</p><p>psicológicos e sociais, que se apresentam em problemas físicos e mentais. Nas</p><p>sociedades tradicionais africanas, a religião e a causa da doença estão</p><p>intrinsicamente interligadas. Sendo assim as ideias de cura se conectam às visões</p><p>religiosas (ADOGAME, 2009, p. 309).</p><p>Neste tipo de tratamento, a cura se concentra na pessoa e não na doença, pois</p><p>trata-se de uma terapia holística, que abrange os aspectos físicos, mentais,</p><p>psicológicos, materiais e emocionais que resultam em um total de bem-estar e</p><p>integridade. Trata-se se um diagnóstico total do ser humano, que não leva só em</p><p>consideração os males que o assolam.</p><p>Nas cosmogonias africanas, as doenças e outros infortúnios têm estreita ligação</p><p>com a ira das divindades e espíritos ancestrais negligenciados, espíritos malignos,</p><p>bruxas, bruxos e feiticeiros. Logicamente que alguns males são reconhecidos como</p><p>físicos e não espirituais. Porém, as doenças vistas como espirituais são um sinal de</p><p>que algum ajuste na vida de uma pessoa é necessário. Qualquer doença ou</p><p>infortúnio de outro tipo é sinal da necessidade de uma revisão psicológica.</p><p>Todo tipo de doença que é considerada ocorrência anormal, física ou psíquica,</p><p>acidentes, mortes prematuras, incapacidade de obter promoções no cargo, falha</p><p>em concursos, provas e empreendimentos comerciais, decepção no amor,</p><p>esterilidade nas mulheres, impotência nos homens e perda da safra do plantio são</p><p>atribuídos a agentes espirituais do mal.</p><p>Os curandeiros tradicionais são um grupo heterogêneo. Há uma grande</p><p>diversidade entre os que se ocupam dessas práticas, pois também existem</p><p>diversas formas de treinamentos e especializações.</p><p>Eles são médiuns entre os seres espirituais e humanos, bem como ancestrais. Sua</p><p>assistência é solicitada assim que uma crise ou problema acomete a comunidade.</p><p>Suas presenças oferecem, além do alívio físico, assistência e conforto espiritual.</p><p>São ligados a cultos de divindades, tratam de casos semelhantes com os</p><p>�toterapeutas e adivinhos. Cada divindade é ligada a certas necessidades e</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>doenças e, por isso, tem função especializada. Algumas relacionam-se à gravidez e</p><p>amamentação, algumas em terras agrícolas e para o rendimento das plantações,</p><p>outras em épocas importantes como a chuva.</p><p>Esses sacerdotes e sacerdotisas usam instrumentos de revelação para poder</p><p>prescrever soluções para os pacientes. Oferecem alimentos especiais,</p><p>considerados das divindades às quais estão relacionados. Ensinam sobre a</p><p>obediência aos tabus. A �m de restaurar a saúde</p><p>Há curandeiros tradicionais que são cirurgiões e parteiras. Os cirurgiões</p><p>tradicionais são aqueles que têm quali�cação, são de con�ança e tem o</p><p>reconhecimento dos chefes para realizar a circuncisão em meninos. Ele pode,</p><p>ainda, ser especializado em adivinhação e outros métodos de curandeira.</p><p>Por último, as parteiras tradicionais. Elas geralmente são as mulheres mais velhas</p><p>que se especializaram nas habilidades obstétricas durante muitos anos de</p><p>experiência, adquirida na assistência em muitos partos ao longo de sua vida</p><p>adulta. Trata-se de um conhecimento transferido de geração em geração, por isso</p><p>qualquer idosa pode se tornar parteira.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>O povo Lovedu se tornou famoso por</p><p>a eles, isto é, às divindades, tudo aquilo que não é possível explicar à luz da consciência.</p><p>— (AGUIAR; LIMA; SANTOS, 2011, p. 11)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>(GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 33).</p><p>Como nosso objetivo aqui é falar das religiões primais, veremos rapidamente as</p><p>religiões nacionais e mundiais. As nacionais normalmente adotam o politeísmo. Os</p><p>deuses são organizados de forma hierárquica e são responsáveis por alguma</p><p>função especí�ca. Podemos exempli�car com o Panteão de deuses gregos</p><p>(GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 31): uma divindade superior (Zeus) está</p><p>acima de uma plêiade de deuses e semideuses com funções de�nidas. (Afrodite,</p><p>deusa da beleza e do amor; Deméter, deus da terra fértil; Poseidon, deus dos</p><p>mares, e assim por diante). Essas religiões sempre possuem mitologia e sacrifícios,</p><p>e a escolha dos líderes das nações passa pelo crivo da divindade. Além disso, elas</p><p>exigem a constituição de um grupo de sacerdotes permanentes que são</p><p>encarregados de organizar o culto e cuidar dos templos. Podemos aqui citar, além</p><p>da religião grega, a egípcia, a assírio-babilônica e, atualmente, o xintoísmo japonês,</p><p>como exemplos.</p><p>As religiões mundiais ou universais são aquelas cujo objetivo é a expansão, ou seja,</p><p>tem como uma de suas bases o alcance do maior número de pessoas em todos os</p><p>territórios possíveis. Entre elas estão o cristianismo, o judaísmo, o islamismo, o</p><p>hinduísmo e o budismo, sendo que o judaísmo é, por vezes, colocado fora da lista,</p><p>uma vez que não age de forma proselitista.</p><p>E quanto às religiões primais? Para Gaarder, Hellern e Notaker (2005),</p><p>Como podemos ver, a fonte de conhecimento das religiões primais é a oralidade.</p><p>Ela é a responsável pela transmissão dos mitos que explicam ou transmitem os</p><p>preceitos religiosos das comunidades, mas não �xa rigidamente o conteúdo das</p><p>narrativas contadas, que se alteram naturalmente devido a fatores externos, como</p><p>veremos ao tratar as religiões primais africanas.</p><p>As culturas ágrafas são mais afeitas aos fenômenos e formas naturais. Sendo</p><p>assim, veem e sentem o mundo como algo sagrado, o que os faz entender tudo</p><p>que o compõe como parte da sacralidade. O sagrado torna-se, então, uma</p><p>São aquelas que os estudiosos costumavam chamar de “religiões primitivas” e que encontram, ou se</p><p>encontravam, em culturas ágrafas, entre os povos tribais da África, Ásia, América do Norte e do Sul e Polinésia.</p><p>A marca mais característica dessas religiões é a crença numa miríade de forças, deuses e espíritos que</p><p>controlam a vida cotidiana. O culto aos antepassados e os ritos de passagem desempenham um papel</p><p>importante. A comunidade religiosa não se separa da vida social, e o sacerdócio normalmente é sinônimo de</p><p>liderança política da tribo.</p><p>— (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 31)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>experiência total que não pode ser explicada de forma racional ou psicológica, nem</p><p>pode ser tratada como algo irracional, pois abarca estas três dimensões. Os</p><p>autores de�nem esta forma de revelação como hierofania.</p><p>A integração dessas várias experiências do sagrado, que por vezes são, inclusive,</p><p>opostas, dão origem ao que podemos chamar de símbolo religioso. Por sua vez, a</p><p>junção deles em uma forma narrativa produz o mito. Os mitos possibilitam a</p><p>decifração e a amplitude visual destas religiões sobre o mundo.</p><p>REFLITA</p><p>A escrita ganhou uma grande importância na sociedade atual e possibilita</p><p>que as mensagens humanas possam expandir-se para além do tempo e do</p><p>espaço. Inicialmente, quem tinha acesso à escrita eram apenas as elites,</p><p>que podiam obter informações importantes que excluíam os menos nobres</p><p>do conhecimento. Hoje, a escrita faz parte do cotidiano do ser humano e é</p><p>essencial para sua formação por tratar-se do passaporte para a cultura, o</p><p>saber tecnológico etc.</p><p>A questão da escrita apresenta outros problemas, como a necessidade de</p><p>se construir ferramentas cognitivas para interpretar e criar ideias a partir da</p><p>produção de textos. No Brasil, por exemplo, temos muitas pessoas</p><p>consideradas analfabetos funcionais: mesmo que saibam ler e escrever,</p><p>têm di�culdades para acessar as mensagens que estão nos textos.</p><p>Nas sociedades tradicionais africanas, a transmissão do conhecimento é</p><p>feita de forma pessoal e oral. Toda a sociedade tem acesso aos preceitos</p><p>religiosos a partir do contato com os conhecedores. Além disso, todos os</p><p>conhecimentos técnicos e cientí�cos são transmitidos pela tradição oral.</p><p>Vemos, no Ocidente, um olhar preconceituoso em relação às religiões de</p><p>matriz africana que, por estarem ligadas, na sua origem, a sociedades</p><p>ágrafas (sem escrita), são vistas como forma de religião atrasada e</p><p>intelectualmente inferior.</p><p>E você acha que hoje ainda há lugar para esse tipo de religião? Será que os</p><p>�éis das religiões cristãs, por exemplo, são mais “evoluídos” dos que os que</p><p>praticam estas religiões que envolvem sacrifícios, contos mitológicos e não</p><p>utilizam do pensamento racional ocidental para desenvolver sua</p><p>religiosidade?</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>COMO SE DISSEMINAM OS ENSINAMENTOS DAS RELIGIÕES PRIMAIS</p><p>A disseminação dos ensinamentos das religiões primais se dá através da tradição</p><p>oral, um conjunto de narrativas que são transmitidos oralmente entre as gerações.</p><p>Apesar de ser necessário muito mais do que a fala para transmitir o testemunho</p><p>oral, o verbalismo é a grande diferença entre a oralidade e a escrita. A propagação</p><p>da tradição é garantida por uma superfície social. Sua existência está ligada ao</p><p>cumprimento de uma função que, se não existe, a invalida. Nem toda informação</p><p>verbalizada pode ser tratada como tradição. Porém, os testemunhos oculares</p><p>seriam a melhor base para se fundar uma tradição oral, mas, a força de repetição</p><p>das narrativas populares – inclusive os boatos – pode ser a origem de uma</p><p>tradição. Além da testemunha ocular e do boato, outra fonte de criação da tradição</p><p>oral é a adaptação e combinação de dois ou mais textos orais que criam um</p><p>enunciado (VANSINA, 2010, p. 120).</p><p>Quando tratamos sobre as sociedades tradicionais africanas, constatamos que as</p><p>narrativas orais são os fundamentos em que repousam as crenças e valores</p><p>transmitidos por esta tradição. Sendo assim, a tradição oral não possui apenas</p><p>lendas, mitos ou histórias. Segundo Hampâté Bâ (2010),</p><p>O autor relata ainda que, nas tradições africanas, a palavra falada possuía caráter</p><p>sagrado ligado à origem divina e ao sobrenatural que ela continha. Ela era usada</p><p>com prudência por ser impregnada por uma força divina e mágica. Isso se dá</p><p>devido à ideia de que a fala é um dom de Deus. Esta importância conferida à fala</p><p>entre os povos africanos está ligada à ideia de seu poder de manter a paz ou</p><p>destruí-la. Por isso, ela é um elemento criador e destruidor, simultaneamente (BÂ,</p><p>2010, p. 173).</p><p>Porém, quando se trata da disseminação da religião, essas falam vem em forma de</p><p>canção, reza, poesia, narrativas mitológicas, fábulas e lendas. Outrossim, essas</p><p>expressões de fé fazem parte do cotidiano dos povos e, por isso, em cada atividade</p><p>diária elas se disseminam.</p><p>A tradição oral é a grande escola da vida, e dela recupera e relaciona todos os aspectos. Pode parecer caótica</p><p>àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar</p><p>tudo em categorias bem de�nidas. (...) Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação</p><p>à arte, história, divertimento, recreação, uma vez que todo pormenor sempre nos permite remontar à Unidade</p><p>primordial.</p><p>— (BÂ, 2010, 183)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>ASSIMILE</p><p>Os membros das comunidades que são conhecidos como detentores do</p><p>conhecimento são os tradicionalistas. Eles são aqueles que guardam os</p><p>segredos e constroem o conhecimento e iniciam os mestres responsáveis</p><p>pelos ofícios tradicionais das tribos, ou seja, os ferreiros tecelões</p><p>sapateiros, caçadores, pescadores etc. (HERNANDEZ, 2005, p. 29).</p><p>Nestas comunidades, os ofícios estão ligados com o sagrado. São atividades</p><p>herdadas</p><p>sua Rainha da Chuva. Ela é a única</p><p>rainha líder política e fazedora de chuva. Acredita-se que a Rainha da Chuva</p><p>tinha o poder místico de controlar a chuva. Numa comunidade em que a</p><p>agricultura e a pecuária eram fundamentais para a subsistência, como no</p><p>caso dos Lovedu, a chuva era vital. Além disso, a chuva, em geral, está</p><p>ligada, na vida e religião africanas, às noções fundamentais de fertilidade e</p><p>transmissão da vida. Ao controlar a chuva a rainha controlava o bem-estar</p><p>de sua sociedade. Desta forma, ela era muito respeitada e temida. Ela era</p><p>vista como a personi�cação da ordem divina e cósmica sobre a qual</p><p>repousam a harmonia e o equilíbrio. Na verdade, devido à sua habilidade</p><p>de controlar a chuva, ela é considerada a Deusa da Chuva. Ela tinha que ter</p><p>�lhos com alguém de sangue real. Seu falecimento sempre provocava uma</p><p>grande perturbação da ordem natural porque a seca, a fome e a completa</p><p>devastação parecem inevitáveis (LUGIRA, 2009, p. 87).</p><p>MÁGICOS</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Quando algo inexplicável, como um acidente grave ou desparecimento de alguém,</p><p>acontece com mulheres e homens africanos, eles acreditam que a magia</p><p>aconteceu. A magia também é uma forma de entendimento do que está oculto,</p><p>fora da lógica das leis conhecidas. Desde os primórdios da África, o ocultismo é</p><p>usado para convencimento das massas de alguma intervenção divina na vida das</p><p>pessoas.</p><p>O mágico, ou sacerdote-mago, deve estudar as formas de energia no universo,</p><p>entender a natureza, reconhecer as funções e formas de objetos materiais, e</p><p>apreciar a forma como se pode manipular as forças que impactam a mente</p><p>humana. Assemelhando-se a uma divindade ou espírito, o operador se torna um</p><p>sacerdote servindo aos propósitos do espírito.</p><p>Cada povo tradicional tem uma pessoa que tem uma visão espiritual especial, que</p><p>a divide com a comunidade ao criar chuva e transformar condições materiais.</p><p>Porém, o sacerdote ou sacerdotisa, para continuar sendo crível, tem que repetir</p><p>seus feitos cada vez que a comunidade precisar, caso contrário não terá</p><p>credibilidade (ASANTE, 2008, p. 399).</p><p>A boa magia é aceita e estimada, usada principalmente por especialistas como</p><p>curandeiros, adivinhos e fazedores de chuva. Esses pro�ssionais usam seu</p><p>conhecimento ou esse poder para o benefício de sua comunidade. Exemplos de</p><p>utilização bené�ca de poder mágico incluem o tratamento de doenças,</p><p>neutralizando infortúnios, neutralizando ou destruindo o poder maligno ou</p><p>bruxaria.</p><p>O poder místico pode ser transmitido por meio de amuletos, porções médicas,</p><p>trapos, penas, estatuetas, encantamentos especiais ou cortes no corpo. Ele serve</p><p>para proteger propriedades, famílias, campos, gado e outras propriedades. São</p><p>muitos os sinais visíveis que demonstram a ideia de afastar as in�uências malignas.</p><p>Entre eles se incluem um poste bifurcado no meio de um complexo, um fragmento</p><p>de cerâmica no telhado de uma casa, linhas de cinzas espalhadas pelo portão ou</p><p>propriedade, um chifre saindo do chão, uma cabaça velha em uma árvore,</p><p>enrolada no pescoço, cintura ou pulso, cabelo raspado exceto por algumas</p><p>mechas, enquanto algumas podem ter nós (GECHIKONYABWARI;</p><p>NKONGEKAGEMA, 2014).</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Isto é uma demonstração incontestável de que as pessoas creem no poder místico.</p><p>Alguns desses poderes são protetores; outros têm como objetivo trazer boa saúde,</p><p>fortuna e prosperidade. Acredita-se que o poder do bem é fornecido diretamente</p><p>por Deus ou pode ser dado por meio dos espíritos, dos ancestrais ou fazer parte</p><p>da força invisível da natureza.</p><p>Entre os mágicos estão os fazedores de chuva. Eles são fundamentais nas</p><p>comunidades agrárias, tanto para garantir as chuvas periódicas, como para</p><p>interromper as chuvas que podem causar catástrofes, utilizando seus</p><p>conhecimentos mágicos e sobre ervas. São considerados garantidores do tempo</p><p>para a realização de eventos agendados ao ar livre por um patrono, tais como</p><p>coroação, um funeral ou cerimônia de casamento. Eles tentam manipular o meio</p><p>ambiente de maneiras meteorologicamente coerentes (como queimar lenha) ou</p><p>por meio de técnicas mais ocultas que envolvem sacrifícios a um deus ou espírito</p><p>que possa trazer chuva. Esse tipo de ritual pode acontecer em santuários, mas</p><p>normalmente ocorrem em lugares ameaçados por secas ou inundações.</p><p>As palavras na África possuem um grande poder, seja para desejar sorte, maldição,</p><p>sucesso, paz ou tristezas. As pessoas caminham distâncias para receberem</p><p>bênçãos formais e tomam muito cuidado para não serem amaldiçoadas.</p><p>A magia permite que seus agentes pisem no fogo, deitem-se sobre espinhos ou</p><p>pregos, enviem maldições ou danos, incluindo a morte à distância. Existem relatos</p><p>de transformarem-se em animais, cuspindo cobras, abrindo-as e matando ou</p><p>entorpecendo criminosos, fazendo que sejam pegos em �agrante.</p><p>ASSIMILE</p><p>A Magia é o conjunto de ritos usados a �m de obter controle e in�uência</p><p>sobre os processos naturais do Universo. Ela era parte do cotidiano das</p><p>sociedades estudadas, utilizada pelas cortes e pelo povo, tanto para �ns</p><p>terapêuticos quanto nos assuntos de Estado. Os povos tradicionais</p><p>distinguiram magia, que é uma prática social, da feitiçaria, que é antissocial,</p><p>fragmentadora.</p><p>Entre os ambundos, mago/maga eram chamados de nganga, enquanto o</p><p>feiticeiro/feiticeira eram ndoki. Alguns reis como, Sundiata Keita (Imperador</p><p>do Mali entre 1235-1255), Sumaoro Kantê (Rei dos sossos, conquistador de</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Cumbi, capital do Gana-Uagadu) e Soni Ali (Soberano do Império Songai de</p><p>Gao (1464-1492 ec) eram estadistas e magos (LOPES; MACEDO, 2017, p.</p><p>188).</p><p>ADIVINHOS E DOUTORES</p><p>Pessoas que se dedicam à adivinhação ocupam posições importantes e</p><p>proeminentes na vida pública dos africanos. A maioria deles são sacerdotes e</p><p>sacerdotisas que estão ligados a certas divindades, revelam assuntos ocultos,</p><p>predizem o futuro e interpretam mistérios relativos a seres humanos individuais e</p><p>sua comunidade. Os sistemas de adivinhação entre os africanos incluem o oráculo</p><p>Ifa, com suas formas principais (o uso de nozes de palmeira, corrente de divinação</p><p>e as 16 conchas de cauri) sendo kolanut, contemplação da água, contemplação do</p><p>espelho, visualização das estrelas, leitura da palma, corte de areia, necromancia,</p><p>possessão espiritual, visão e assim por diante. Dependendo da comunidade, há</p><p>sacerdotisas e sacerdotes.</p><p>Cada povo tradicional africano tem sua forma própria e especí�ca de adivinhação.</p><p>Porém, a mais comum como meio con�ável de revelação entre o povo da África</p><p>Ocidental e a diáspora africana é a adivinhação de 16 búzios. As sacerdotisas e</p><p>sacerdotes aprendem memorizando histórias primordiais passadas de geração em</p><p>geração. Sua formação é realizada em etapas. O pré-treinamento é quando o</p><p>candidato é ritualmente con�rmado mental e emocionalmente apto para entrar no</p><p>treinamento. Ele ou ela recebe ingredientes rituais para engolir que irão estimular</p><p>e melhorar a memorização das histórias que são contadas oralmente pelo</p><p>treinador. Essas histórias, conectadas a certas divindades, são estruturadas</p><p>sobretudo em prosa, recontando o incidente primordial da doença ou</p><p>enfermidade que o cliente traz. O adivinho canta e explica a história, revelando a</p><p>origem da doença, o que (na maioria dos casos, ritual) foi prescrito para o cliente</p><p>original, a reação do cliente à prescrição e o (s) efeito (s). Acredita-se que toda</p><p>doença ou enfermidade tem sua ocorrência primordial à qual foi oferecida uma</p><p>solução curativa.</p><p>Ao contrário dos �toterapeutas, os adivinhos lidam principalmente com assuntos</p><p>ocultos de alto signi�cado espiritual, como interpretar sonhos, revelar o desejo</p><p>divino em questões de ritos de passagem, revelar o mistério por trás de uma</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>doença prolongada (mesmo aquelas que não são tratáveis pelos �toterapeutas) e</p><p>oferecendo soluções para situações e questões explicáveis e de crise, todas</p><p>consideradas como problemas de saúde para os indivíduos e a</p><p>comunidade.</p><p>O sonho é, talvez, a experiência mais temida e terrível para a qual as pessoas</p><p>consultam os adivinhos. A razão é que as experiências de sonho afetam o estado</p><p>mental da maioria africanos, o que, na maioria dos casos, causa transtorno</p><p>psicológico, levando a mau comportamento e desajustes. Pessoas com doenças</p><p>costumam alegar que tiveram um sonho antes de adoecer; uma grávida que sonha</p><p>se enche de pavor com a experiência, seja qual for seu teor; um pretendente tem</p><p>medo de se relacionar, em sonho, com alguém que não é seu noivo ou noiva</p><p>destinada (OGUNGBILE, 2008, p. 416).</p><p>No nível político, uma comunidade deseja desfrutar da bênção e da cura contínua</p><p>dos seres espirituais que estão associados às pessoas; portanto, a escolha do</p><p>governante, o chefe que envolve a mente do povo, é dever dos adivinhos de</p><p>algumas comunidades da África. Além disso, sempre que há uma crise comunal</p><p>que surge da ira de algumas divindades ofendidas, os adivinhos são chamados a</p><p>descobrir a causa da doença ou enfermidade e a indagar sobre a solução para o</p><p>problema. Quando o adivinho é consultado, ele indaga, por meio de seus</p><p>instrumentos de adivinhação, a espiritualidade. Ele entra em um período de</p><p>recitação dos versos até que o assunto seja revelado, então con�rma com o cliente</p><p>se a adivinhação está correta. Ele prescreve os rituais necessários, que geralmente</p><p>incluem sangue e alimentos para serem compartilhados por entidades humanas,</p><p>espirituais e naturais. Certos locais designados são prescritos onde os rituais</p><p>devem ser realizados. Alguns itens podem ser instruídos para serem</p><p>compartilhados por um grupo de pessoas designadas por seres espirituais, de</p><p>acordo com o oráculo. Esses casos que são trazidos aos adivinhos incluem</p><p>esterilidade, busca da vontade divina no casamento, a causa da morte prematura,</p><p>causas e curas para doenças prolongadas, vontade divina para a cidade, trazer</p><p>ordem ao caos e crise comunais, e assim por diante.</p><p>Quanto aos �toterapeutas, que são principalmente mulheres, são aquelas que</p><p>possuem a ciência e a arte de fazer uso de várias substâncias de animais e plantas,</p><p>como também de aplicar forças sobrenaturais em atividades terapêuticas. Seus</p><p>conhecimentos vêm de seus mestres, e sua competência depende da</p><p>profundidade do conhecimento e habilidade de seu tutor, dos ingredientes</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>disponíveis no ambiente do treinamento, do tempo de treinamento, do tipo de</p><p>doenças que são tratadas durante o aprendizado, e da capacidade cognitiva e</p><p>atitude perante o professor (OGUNGBILE, 2008, p. 416).</p><p>Uma boa �toterapeuta conhece e tem habilidade no uso de medicamentos,</p><p>animais, insetos, ovos e conchas; a natureza dos objetos físicos; a natureza dos</p><p>espíritos e dos ancestrais. Esses conhecimentos vêm de origens primordiais. E tais</p><p>agentes tratam de problemas individuais, sendo atenciosos com os pacientes para</p><p>diagnosticarem se o caso é espiritual, psicológico ou físico. A partir daí, eles curam</p><p>e previnem doenças e intervêm entre o acometido e as bruxas, a partir da ajuda</p><p>das forças espirituais que são as responsáveis pelo equilíbrio do universo.</p><p>Após tornarem-se conhecidos, passam a ter seus próprios clientes, que atendiam</p><p>junto com seu mestre, e que já se familiarizaram com suas práticas. Como esses</p><p>povos vivem em comunidade, quando alguém tem sucesso em um tratamento</p><p>com algum �toterapeuta o acaba indicando para os seus parentes. A consulta é</p><p>uma combinação de observação do paciente e consulta do mundo espiritual, a �m</p><p>de que, a partir dos nomes dos enfermos declamados para as divindades e</p><p>ancestrais, os ingredientes usados como remédio façam efeito.</p><p>REFLITA</p><p>Algumas das re�exões que foram feitas no texto nos levam a olhar as</p><p>igrejas neopentecostais. A ideia da cura, da profecia, da adivinhação, da</p><p>quebra de feitiçaria não estão presentes nelas? Como podemos ver com</p><p>preconceito entre as religiões de matriz africana e aceitar entre outros</p><p>grupos?</p><p>Podemos ver que são muitos os agentes das religiões tradicionais africanas. Outro</p><p>ponto importante é que, ao mesmo tempo em que existem diferenças entre eles, a</p><p>classi�cação do espaço de cada um é muito complicada, uma vez que suas funções</p><p>por vezes se confundem. Contudo, uma coisa é fundamental: todos possuem uma</p><p>grande importância nas comunidades nas quais operam. Além disso, podemos</p><p>re�etir sobre como essas práticas, mesmo não sendo nas religiões africanas, estão</p><p>presentes nas visões religiosas brasileiras. Trata-se de mais um argumento para</p><p>combater o preconceito e o racismo em relação à forma de tratar o sagrado da</p><p>população afrodescendente.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Questão 1</p><p>Entre os povos tradicionais africanos, não existe uma divisão claramente</p><p>estabelecida entre os poderes religioso, político, judiciário e moral. Isto faz com</p><p>que, por vezes, eles se misturem em um único personagem.</p><p>A partir do contexto apresentado, especí�co de um dos “ministros da fé”, assinale a</p><p>alternativa CORRETA.</p><p>a.  Curandeiros.</p><p>b.  Mágico.</p><p>c.  Fitoterapeuta.</p><p>d.  Chefe.</p><p>e.  Adivinho.</p><p>Questão 2</p><p>“Os serviços dos curandeiros tradicionais vão muito além do uso de ervas para</p><p>doenças físicas. Um exemplo particular do papel da cura tradicional estende-se ao</p><p>seu uso em Moçambique. Os curandeiros tradicionais foram considerados</p><p>inestimáveis na reconstrução social pós-guerra civil e na reconstrução da</p><p>comunidade em Moçambique, particularmente nas áreas rurais”. (MOKGOBI, 2014,</p><p>[s. p.])</p><p>Sobre o ofício dos curandeiros avalie as a�rmativas a seguir:</p><p>I.  Eles recebem seus dons somente por herança familiar ligada à questão da</p><p>ancestralidade.</p><p>II.  Por ser hereditário os candidatos são obrigados a aceitarem tal missão, uma vez</p><p>que está ligada a linhagem.</p><p>III.  Os candidatos, como forma de iniciação, devem ingerir ingredientes rituais a</p><p>�m de ampliar sua visão.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto APENAS o que se a�rma em:</p><p>a.  I.</p><p>b.  II.</p><p>c.  III.</p><p>d.  I e III.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>e.  II e III.</p><p>Questão 3</p><p>“Os textos médicos do antigo Egito contêm feitiços, bem como o que hoje</p><p>consideramos 'medidas práticas' no tratamento de doenças e ferimentos. A</p><p>doença foi considerada de origem sobrenatural ao longo da história do Egito,</p><p>embora o arquiteto Imhotep (c. 2667-2600 aC) tenha escrito tratados médicos</p><p>explicando que a doença poderia ocorrer naturalmente e não era necessariamente</p><p>uma punição enviada pelos deuses.” (MARK, 2017, [s. p.])</p><p>Sobre as práticas de magia e os mágicos na África, julgue as a�rmativas a seguir</p><p>em (V) Verdadeiras ou (F) Falsas.</p><p>(  ) Quando algo inexplicável ocorre com as mulheres e homens africanos, eles</p><p>acreditam que a magia aconteceu. Ou seja, quando uma pessoa sofre um acidente</p><p>grave ou desaparece, eles a�rmam que foi magia.</p><p>(  ) Cada povo tradicional tem uma pessoa que tem uma visão espiritual especial,</p><p>que a divide com a comunidade ao criar chuva e transformar condições materiais.</p><p>Porém, não há necessidade de acertar sempre, pois sempre terão credibilidade.</p><p>(  ) Eles tentam manipular o meio ambiente de maneiras meteorologicamente</p><p>coerentes (como queimar lenha) ou por meio de técnicas mais ocultas que</p><p>envolvem sacrifícios a um deus ou espírito que possa trazer chuva.</p><p>(  ) O mágico, ou sacerdote-mago, deve estudar as formas de energia no universo,</p><p>entender a natureza, reconhecer as funções e formas de objetos materiais, e</p><p>apreciar a forma como se pode manipular as forças que impactam a mente</p><p>humana.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.</p><p>a.  V – F – V – V.</p><p>b.  F – F – V– V.</p><p>c.  V – F – F – V.</p><p>d.  V – V – V – F.</p><p>e.  F – V – V – F.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>ADOGAME, A. Healing. In: ASANTE, M. K.; MAZAMA, A. (Ed.). Encyclopedia of</p><p>African religion. Thousand Oaks: Sage, 2008.</p><p>AFRICAN Traditional Religions: Functionaries. In: Encyclopedia.com. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3j2LQ1h. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>ASANTE, Mole� Kete; MAZAMA, Ama (Ed.).</p><p>Encyclopedia of African religion.</p><p>Thousand Oaks: Sage, 2008.</p><p>FARAJI, S. Kings. In: ASANTE, M. K.; MAZAMA, A. (Ed.). Encyclopedia of African</p><p>religion. Thousand Oaks: Sage, 2008.</p><p>GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo:</p><p>Companhia das Letras, 2005.</p><p>GECHIKONYABWARI, B; NKONGEKAGEMA, D. The impact of magic and witchcraft in</p><p>the social, economic, political and spiritual life of African communities.</p><p>International Journal of Humanities Social Sciences and Education, Mandsaur,</p><p>v. 1, issue 5, p. 9-18, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3zPQghM. Acesso em: 16</p><p>jun. 2021.</p><p>Iphangovbr. Curandeiros do Jarê. YouTube, 2015. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3zKQDKB. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>LOPES, N.; MACEDO, J. R. Dicionário de História da África: Séculos VII a XVI. Belo</p><p>Horizonte: Autêntica, 2017.</p><p>LUGIRA, A. African traditional religion. 3. ed. New York: Infobase Publishing,</p><p>2009.</p><p>MARK, J. J. Magic in Ancient Egypt. World History Encyclopedia, 2017. Disponível</p><p>em: https://bit.ly/3xGch0F. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>MOKGOBI, M. G. Understanding traditional African healing. African Journal for</p><p>Physical</p><p>Health Education, Recreation, and Dance (AJPHERD), [S. l.], v. 20 n. 2, p. 24-34,</p><p>2014.</p><p>OGUNGBILE, D. O. Medicine. In: ASANTE, M. K.; MAZAMA, A. (Ed.). Encyclopedia of</p><p>African religion. Thousand Oaks: Sage, 2008.</p><p>RELIGIOUS specialists. In: Encyclopedia.com. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/2SMChch. Acesso em: 16 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://www.encyclopedia.com/history/news-wires-white-papers-and-books/african-traditional-religions-functionaries</p><p>https://ir-library.ku.ac.ke/bitstream/handle/123456789/13223/The%20Impact%20of%20Magic%20and%20Witchcraft....pdf;sequence=1</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=IVQ-XD84qnU&t=1s</p><p>https://www.worldhistory.org/article/1019/magic-in-ancient-egypt/</p><p>https://www.encyclopedia.com/social-sciences/applied-and-social-sciences-magazines/religious-specialists</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>RELIGIÕES E REGIÕES DE PREDOMINÂNCIA</p><p>Rogério Gonçalves de Carvalho</p><p>Imprimir</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Caro aluno,</p><p>Mesmo sabendo que as religiões de tradição africana – e suas in�uências nas</p><p>religiões de matriz africana inseridas no Brasil – são relevantes no cenário religioso,</p><p>nosso conhecimento ainda é muito insatisfatório sobre essas tradições. Além</p><p>disso, não se trata apenas de uma curiosidade a ser satisfeita, como se</p><p>estivéssemos a falar sobre práticas muito distantes da nossa realidade. Muito pelo</p><p>contrário: o conhecimento dessas religiões primais vai lhe ajudar a compreender</p><p>também a formação cultural do Brasil. Portanto, saber o mínimo sobre essas</p><p>tradições africanas é quase que uma obrigação enquanto cidadão, ainda mais para</p><p>quem está se instruindo em uma formação teológica importante.</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Desse modo, convido você a seguir esta trajetória introdutória para conhecer as</p><p>principais características das religiões africanas, sua intrínseca relação social,</p><p>estabelecendo uma postura de valorização e respeito, assim como entender seu</p><p>desenvolvimento e consolidação na organização da sociedade.</p><p>Também é nosso objetivo levar você a compreender a relação entre as religiões</p><p>africanas primais e algumas práticas religiosas atuais. Faremos isso tendo em vista</p><p>o sincretismo que as religiões primais africanas estabeleceram com o islamismo, o</p><p>hinduísmo e o cristianismo – lembremo-nos de que essas religiões, por terem</p><p>adeptos entre a maioria da população mundial, em algum momento tiveram</p><p>contato com as tradições das religiões africanas e produziram algum tipo de</p><p>convergência de ideias, costumes e rituais.</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Em geral, os estudos teológicos têm sido marcados por uma concentração em</p><p>conceitos e saberes quase que exclusivamente da tradição cristã, quase ignorando</p><p>totalmente as tradições anteriores e posteriores ao cristianismo. Porém, não</p><p>podemos esquecer que a Teologia contemporânea exige que nos debrucemos</p><p>sobre outras tradições religiosas, inclusive para que aprendamos a respeitar e a</p><p>dialogar com essas tradições.</p><p>Além disso, não se trata de apenas conhecer, respeitar e dialogar com essas</p><p>tradições religiosas africanas, como se elas fossem algo distante e sem nenhum</p><p>contato com a nossa cultura. Olhe ao seu redor, os membros de sua família, seus</p><p>amigos e até você mesmo. Muito do que está presente nas religiões primais</p><p>africanas se percebe na nossa cultura e na forma como percebemos o mundo e a</p><p>realidade. É simples entender por que isso acontece: essas tradições religiosas</p><p>estão intrinsicamente ligadas a muitas características que também estão em nossa</p><p>cultura brasileira, marcada pela convergência de elementos indígenas, africanos e</p><p>europeus. Muito de nossa brasilidade é produto das contribuições dessas religiões,</p><p>que jamais podem ser divorciadas dos contextos sociais e culturais aos quais elas</p><p>pertencem.</p><p>Também é importante compreender que as religiões primais africanas têm muito a</p><p>nos ensinar, como o respeito à diversidade de crenças, sabendo que muitas delas</p><p>são exclusivas de determinados territórios; a valorização da natureza; o lugar</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>destacado nos rituais para as emoções, cores, danças e festas; os saberes</p><p>populares e suas contribuições em espaços de ausência do poder público que</p><p>poderia trazer os recursos que muitas dessas populações necessitam.</p><p>Por �m, mas não menos importante, essas tradições religiosas nos ensinam a</p><p>respeitar e a valorizar nossos ancestrais, mantendo, de algum modo, suas</p><p>memórias por longo tempo. Aliás, para você entender a importância da memória</p><p>dessa ancestralidade, já se perguntou quanto tempo se lembrarão de você? O</p><p>exercício mental para saber dessa importância é simples. Você se lembra do nome</p><p>da sua mãe ou cuidadora? Fácil. Lembra agora do nome de sua avó? Ainda fácil.</p><p>Lembra do nome de sua bisavó? Está �cando difícil. E o nome de sua tataravó?</p><p>Quase ninguém lembra. O que isso signi�ca? Que você, assim como sua tataravó,</p><p>será esquecido no prazo de mais ou menos três gerações. É assustador, não é?</p><p>Pois são essas memórias que vão sendo apagadas por uma sociedade racionalista</p><p>e urbanizada como a nossa. Elas poderiam ser mais bem cultivadas caso</p><p>aprendêssemos mais com essas tradições religiosas e culturais.</p><p>Nenhuma religião se desenvolve fora de um contexto social e territorial. Nesse</p><p>sentido, podemos elencar algumas perguntas orientadoras que problematizem a</p><p>falta de conhecimento sobre as tradições religiosas que estão próximas de nós e</p><p>que, inclusive, nos remetem às religiões de matriz africana. Você saberia dizer</p><p>quais são as religiões as quais os seus colegas de curso pertencem? Quantos são</p><p>cristãos e a que tradição cristã pertencem? Quantos são islâmicos? Quantos são</p><p>hinduístas? Mais importante, existe algum colega que pertence a uma tradição</p><p>religiosa de matriz africana ou que tenha sido in�uenciada, como o candomblé ou</p><p>a umbanda? Agora, estenda essas mesmas perguntas pensando em seus</p><p>familiares, vizinhos e, inclusive, se em seu bairro ou cidade é possível encontrar</p><p>algum templo ou espaço sagrado destinados a essas tradições religiosas.</p><p>Um exercício interessante para direcionar essas perguntas que �zemos é fazer</p><p>uma lista das religiões representadas entre seus colegas. Além disso, perguntar a</p><p>cada colega qual a relação da religião a qual é adepto com as religiões de matriz</p><p>africana presentes no Brasil, como o candomblé e a umbanda. Veja que, ao fazer</p><p>essa pergunta, existe uma grande possibilidade de que alguém sinalize que a</p><p>religião a qual pertence não tenha uma postura amistosa com as religiões de</p><p>matriz africana. Se esse for o caso, o que fazer?</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Veja que �zemos um apanhado geral sobre essas tradições religiosas africanas e já</p><p>podemos vislumbrar quantas coisas interessantes esses saberes possuem para</p><p>nos ensinar. Ora, se com pouco pudemos aprender tanto,</p><p>que tal continuar e</p><p>agregar ainda mais informação e conhecimento?</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>Quando reparamos em nossa realidade sociocultural, não é difícil compreender</p><p>como as pessoas se alinham a alguma tradição religiosa. Inclusive, é muito possível</p><p>que você tenha amigos e conhecidos que pertençam a alguma religião mais</p><p>conhecida no ocidente, como o cristianismo, o islamismo, o judaísmo ou o</p><p>budismo. Talvez você consiga reconhecer as especi�cidades dessas religiões, como</p><p>a católica-romana, a protestante, a pentecostal, a xiita, a sunita, o judaísmo</p><p>ortodoxo, a do judaísmo reformista, a do budismo theravada, a do budismo</p><p>mahayana, a do budismo vajrayana.</p><p>Quase todo mundo já ouviu falar sobre as três religiões monoteístas (que</p><p>acreditam em um só Deus): o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Apenas o</p><p>cristianismo e o islamismo, juntos, congregam praticamente metade da população</p><p>mundial. Soma-se a isso o fato de que são religiões que mantêm suas tradições de</p><p>crença e interpretação doutrinária em livros (o cristianismo pela Bíblia, o islamismo</p><p>pelo Corão e o judaísmo pela Torá), o que facilita alguma unidade doutrinária e</p><p>ritualística ao longo do tempo.</p><p>Porém, não é assim com as religiões africanas. E por que não? Em primeiro lugar,</p><p>não existe uma religião africana que domine todo ou a maior parte do território</p><p>africano, muito menos uma grande religião que tenha colonizado o mundo como o</p><p>cristianismo ou o islamismo �zeram. Aliás, no mapa da religião no mundo, a África</p><p>ainda é dominada por essas duas maiores religiões – estima-se que apenas 6% das</p><p>religiões na África sejam étnicas. Em segundo lugar, as religiões africanas têm uma</p><p>ligação muito forte com suas tradições étnicas e orais. Isso signi�ca que elas não</p><p>possuem uniformidade de crença, doutrinas ou rituais, o que as confere</p><p>características de religiões autóctones, isto é, locais.</p><p>MAIORES RELIGIÕES PRIMAIS ATIVAS NA ÁFRICA</p><p>Por causa da diversidade ligada às tradições étnicas e tribais, é difícil de�nir quais</p><p>seriam as maiores religiões primais ativas na África. Por outro lado, para facilitar</p><p>nossa compreensão, talvez possamos dividir essas religiões em mitologias, isto é, a</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>forma como essas tradições contam suas próprias histórias em seus próprios</p><p>territórios. Usaremos uma divisão comum: separar as mitologias em territórios</p><p>maiores (Norte, Ocidental, Central, Oriental e Sul).</p><p>No norte da África, vemos as mitologias Berbere e Egípcia. Na África ocidental</p><p>temos as mitologias nigerianas (Odinani, Igbos – a pronúncia é “Ibos”, E�k, Isoco,</p><p>Iorubá), mas também há a mitologia Akan, Ashanti (Gana) e Fon. Na África oriental,</p><p>observamos as mitologias Dinka e Lotuko, ambas no Sudão. A mitologia Akamba</p><p>pode ser encontrada no Quênia, e a mitologia Masai, tanto no Quênia quanto na</p><p>Tanzânia. Na África central, as mitologias Bambuti, Bushongo e Lugbara são todas</p><p>ligadas ao Congo. No sul da África existem as mitologias Khoikhoi, Lozi (Zâmbia),</p><p>Tumbuka (Malawi) e Zulu (África do Sul).</p><p>Mas, a�nal, se elas são mitologias – e, portanto, têm como base suas crenças</p><p>relacionadas aos territórios de onde surgiram –, quais são as características que</p><p>poderíamos elencar sobre elas?</p><p>No norte da África, a mitologia Berbere forma um conjunto de crenças tanto locais</p><p>quanto importadas de outros lugares, como da região ibérica e da Grécia. Também</p><p>têm in�uência dos deuses romanos, de tradições cristãs e, recentemente, de</p><p>elementos de tradição islâmica. Porém, uma das características mais importantes</p><p>da mitologia berbere é o culto aos mortos. Por isso, é comum a divinização de seus</p><p>ancestrais, a tal ponto que um berbere pode dormir sobre o túmulo do</p><p>antepassado depois de fazer uma consulta, para que possa sonhar com a resposta.</p><p>E a mitologia Egípcia? Quem já ouviu falar dela? Com certeza, é a mais conhecida</p><p>por nós, seja por suas grandes obras arquitetônicas, como as pirâmides, seja por</p><p>suas múmias ou pelas joias usadas pelos faraós, pela forma como é explorada na</p><p>cultura popular (cinema, literatura etc.), pelos muitos elementos de crença que</p><p>in�uenciaram o cristianismo. Apesar de a religião egípcia dos faraós ser dominada</p><p>pela elite e, portanto, destinada a desaparecer, possivelmente a crença de vida</p><p>após a morte seja uma das principais in�uências da mitologia Egípcia sobre outras</p><p>religiões como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.</p><p>REFLITA</p><p>Uma pergunta que você, aluno, pode ter em mente agora é: se a mitologia</p><p>egípcia é tão conhecida no mundo todo, por que não está viva nos dias de</p><p>hoje na forma de uma grande religião atuante? O que levou essa religião a</p><p>desaparecer com seus ancestrais?</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Na região ocidental abordaremos duas mitologias: a nigeriana iorubá e a fon. A</p><p>mitologia iorubá, que tem grande importância por sua in�uência na criação da</p><p>Santería cubana e do conhecido candomblé no Brasil. Aliás, a santería tem grande</p><p>semelhança com o candomblé, inclusive na forma de culto e no conjunto de orixás</p><p>com nomes e características semelhantes. Isso mostra a capacidade que essa</p><p>mitologia Iorubá teve em preservar muitas de suas tradições de forma oral,</p><p>mesmo em espaços geográ�cos diferentes.</p><p>Assim como em outras mitologias, a Iorubá tem muito apreço pelos seus</p><p>ancestrais, que em algum momento deve reencarnar como membro da própria</p><p>família, um �lho ou neto da pessoa que morreu. Existe até um festival de</p><p>veneração aos ancestrais chamado de Egungun. Os egunguns, que seriam os</p><p>próprios ancestrais, são cultuados no mês de fevereiro, com rezas e aspersão de</p><p>sangue sobre os túmulos. O festival dura sete dias.</p><p>A mitologia Fon possui uma curiosidade interessante: ela é fonte das religiões com</p><p>rituais conhecidos como “voodoo” ou “vodum”, que podem ser encontrados no</p><p>candomblé, no Tambor de Minas maranhense, no vodu haitiano e na santería</p><p>cubana. Mas, calma, não se trata de jeito nenhum daqueles estereótipos que a</p><p>gente vê nos cinemas de pessoas espetando al�netes em bonecos de pano. O</p><p>vodum tem sua base, assim como as muitas mitologias que abordamos aqui, nos</p><p>espíritos ancestrais. Por isso, os voduns são alinhados em grupos de família</p><p>comandados por um vodum “chefe”. Cada grupo é representado por um fenômeno</p><p>ou elemento da natureza, como os voduns do “céu”, os voduns da terra etc. O que</p><p>demostra o quanto essa mitologia tem uma íntima relação com a natureza ligada a</p><p>seus ancestrais e localidades de culto.</p><p>Na África Central, existe uma mitologia elaborada pelos pigmeus. Sim, esses</p><p>mesmos que aparecem muitas vezes de forma jocosa em documentários e �lmes</p><p>como os “homens mais baixos do mundo”. Na verdade, além de serem exímios</p><p>caçadores, sua mitologia, a Bambuti ou Mbuti, tem uma forte ligação com o</p><p>ambiente da �oresta. Nos eventos de caça, os caçadores não têm contato sexual</p><p>um dia antes, pois consideram um modo de puri�cação e respeito com a natureza.</p><p>Nos rituais, eles cantam e dançam para que tenham prosperidade, queimando</p><p>alguns ramos em uma fogueira. Com as cinzas da fogueira, fazem pinturas nos</p><p>corpos e partem para a caça.</p><p>REFLITA</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Será que somos capazes de viver como os pigmeus, dependendo</p><p>exclusivamente da �oresta? Será que o preconceito com a estatura desse</p><p>povo não esconde que só sabemos viver no meio urbanizado e, por isso</p><p>mesmo, não entendemos as razões pelas quais os pigmeus têm uma</p><p>mitologia muito conectada à natureza?</p><p>A mitologia Masai talvez seja uma das mais interessantes para a nossa abordagem</p><p>na região oriental da África. Isso se dá porque, diferente de outros povos menores</p><p>em população, os Masai possuem cerca de 834 mil membros espalhados entre o</p><p>Quênia e a Tanzânia. Além disso, são muito explorados em �lmes documentais</p><p>com suas danças dos saltos e outras curiosidades turísticas. A dança dos saltos é,</p><p>na verdade, uma dança de rito de passagem dos jovens para a vida adulta, assim</p><p>como a prática da circuncisão. Como ocorre em vários povos que dependem da</p><p>natureza, do plantio e</p><p>da colheita, a divindade mais importante entre os Masai é</p><p>um deus de fertilidade, portanto, senhor das chuvas e do sol.</p><p>Ainda no oriente da África, mas especi�camente no Sudão, encontramos a</p><p>mitologia Dinka. Por serem populações com características acentuadamente</p><p>tribais, cada aldeia tem seus próprios deuses. Ainda assim, algumas divindades</p><p>parecem se destacar, especialmente aquelas que estão ligadas à fertilidade da</p><p>terra. Por isso, são divindades controladoras dos céus, das chuvas e das estações</p><p>do ano. Outras divindades estão ligadas aos espíritos e ao mundo dos mortos.</p><p>Por �m, no sul da África, duas mitologias são exemplares: a mitologia Zulu e a</p><p>mitologia Lozi. Assim como os Massai, os Zulus se destacam pelo seu grande</p><p>número populacional (estimado atualmente em mais de 50 milhões de pessoas) e</p><p>pela resistência de seus guerreiros diante da colonização britânica, portuguesa e</p><p>dos países baixos. A mitologia Zulu tem forte ligação com a teriomor�as</p><p>(divindades com forma de animais) e divindades controladoras de fenômenos</p><p>naturais, evidentemente associadas às necessidades de fertilidade nas plantações</p><p>e boas colheitas. Parece que Unkulunkulu seria uma divindade criadora ou um tipo</p><p>de “pai celestial”.</p><p>A mitologia Lozi possui uma teogonia (origem dos deuses) tipicamente familiar, ou</p><p>seja, os membros divinos formam uma família original. Há um deus criador,</p><p>chamado Nyambe, uma esposa desse deus, chamada Nasilele e sua “sogra”,</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>denominada Ngula, uma espécie de mãe das mães. Esta última aparece como se</p><p>estivesse grávida, que é uma das �guras antigas utilizadas por vários povos para</p><p>representar a fertilidade.</p><p>ASSIMILE</p><p>Caro aluno, você observou que nos referimos às religiões primais africanas</p><p>com o nome de “mitologias”? Fizemos assim por dois motivos. Primeiro</p><p>porque muitas vezes as religiões primais não se nomeiam ou se</p><p>compreendem como “religiões”, no sentido que estamos acostumados a</p><p>ouvir. Não existe para a maioria dessas expressões culturais uma</p><p>diferenciação entre religião a vida cotidiana, a religião está entrelaçada na</p><p>existência como qualquer outro ato humano. Segundo porque a palavra</p><p>“mitologia” se adequa melhor ao se referir a essas religiões, uma vez que</p><p>elas são estruturadas sobre tradições orais, portanto, sobre histórias e</p><p>narrativas passadas de geração em geração desde seus ancestrais. Aliás,</p><p>esse é o sentido de uma mitologia: a reunião mais ou menos sistematizada</p><p>das narrativas de uma tradição cultural, ainda que muitas delas sejam</p><p>difíceis de serem acessadas e registradas. Inclusive, di�cilmente se pode</p><p>registrar de forma �nal como essas mitologias se “comportam”, uma vez</p><p>que passam por processos de mudanças narrativas a partir de línguas e</p><p>linguagens que a maioria desconhece. Pense, por exemplo, nos indígenas</p><p>no Brasil. É comum que a geração de jovens indígenas de uma tribo conte</p><p>suas tradições míticas com algumas diferenças com o jeito que a geração</p><p>mais antiga contava. Essa é a di�culdade de preservar mitos e mitologias na</p><p>forma oral, razão pela qual você está tendo apenas uma visão panorâmica</p><p>de algumas mitologias e características básicas.</p><p>SINCRETISMO ENTRE RELIGIÕES PRIMAIS E ISLAMISMO</p><p>O Islamismo chegou primeiro pelo norte da África no início da Idade Média, em</p><p>meados do século VII. De lá, se espalhou por toda a África, e hoje é a maior religião</p><p>em território africano. Isso signi�ca que o sincretismo, assim como observamos em</p><p>outras religiões, foi uma estratégia de sobrevivência, um modo de coexistir ao lado</p><p>da religião dominante, nesse caso o Islamismo, e, de outro lado, há muitos</p><p>elementos das religiões autóctones.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Um bom exemplo desse sincretismo pode ser observado na in�uência da</p><p>geomancia árabe. Mas o que é a geomancia? É uma forma de adivinhação</p><p>utilizando elementos da terra como pedras, pó, areia etc. Podem ser leituras das</p><p>marcas deixadas nesses elementos ou os desenhos formados quando são jogados</p><p>na terra.</p><p>Esse é o caso da mitologia Iorubá, que absorveu a geomancia e lhe deu</p><p>características próprias, deixando-a mais complexa em um sistema de crença</p><p>denominado “Sistema Ifá”. Nele, a geomancia serve como os oráculos dos orixás,</p><p>ou seja, uma forma de conexão entre o mundo das divindades e o mundo real.</p><p>Para a consulta ou adivinhação, 16 castanhas são misturadas nas mãos e lançadas</p><p>em uma bandeja cheia de farinha. Cabe ao vidente interpretar as marcas deixadas</p><p>na farinha.</p><p>Você dever ter percebido que a maioria das mitologias abordadas nesta seção</p><p>possui uma carga considerável de rituais com características místicas, como</p><p>danças, pintura do corpo, rituais associados ao plantio e colheita etc. Nelas, pois,</p><p>podemos encontrar uma das entradas mais importantes do sincretismo das</p><p>religiões primais com o islamismo, uma vez que ele também tem uma tendência</p><p>mística na compreensão da realidade. Não por acaso, a prática de milagres, culto</p><p>aos santos e rituais para pedir chuva são temas comuns encontrados sobre a</p><p>forma como o islamismo se sincretizou com as religiões de matriz africana. Na</p><p>verdade, a leitura do Corão e a preservação das doutrinas não excluem, de forma</p><p>nenhuma, os saberes tribais e esotéricos.</p><p>SINCRETISMO ENTRE RELIGIÕES PRIMAIS E CRISTIANISMO</p><p>Neste caso também vale a regra que observamos com o sincretismo das religiões</p><p>primais com o islamismo. O espaço místico é propício para que elementos místicos</p><p>entre duas tradições religiosas se sincretizem, razão pela qual muitas dessas</p><p>tradições religiosas de matriz africana, sincretizadas com o cristianismo católico</p><p>romano, dão muita importância às experiências de intuição, danças, jogos de</p><p>adivinhação, glossolalias (línguas estranhas), comparação, assimilação e adaptação</p><p>de santos e divindades.</p><p>Talvez um bom modelo seja o candomblé da Bahia, que foi fortemente</p><p>in�uenciado pela mitologia iorubá. É dessa mitologia a inspiração para os</p><p>principais mitos de origem dos deuses e de origem do mundo, haja vista os orixás.</p><p>A propósito, a criatividade do sincretismo com o cristianismo se deu justamente</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>com a comparação, assimilação e adaptação dos orixás aos santos católicos</p><p>romanos e, inclusive, com a convergências de certos rituais cristãos</p><p>implementados dentro dos terreiros.</p><p>Você se lembra de quando nos referimos à mitologia vodum? É dessa mitologia</p><p>que muitas religiões de matriz africana da diáspora se inspiraram. Como exemplos,</p><p>temos o vodu haitiano, o vodu da República Dominicana, o candomblé no Brasil, a</p><p>santería em Cuba etc. Todas essas tradições religiosas são frutos do sincretismo</p><p>entre elementos do vodum e do cristianismo.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Quando falamos de mitologias, é importante salientar que toda religião tem</p><p>mitologia, ou seja, um apanhado de mitos que contam histórias de como</p><p>alguma coisa teve origem. Pode ser a origem do mundo (cosmogonia), do</p><p>ser humano (antropogonia), dos deuses (teogonia), ou de um lugar (mitos</p><p>etiológicos). Nesse caso, tanto as religiões primais africanas quanto as</p><p>religiões com as quais elas se sincretizam possuem mitos que se assimilam,</p><p>se adaptam e criam histórias.</p><p>ASSIMILE</p><p>É necessário que você tenha em mente que o cenário religioso, em</p><p>qualquer território do planeta, é complexo. Por isso, não existe uma</p><p>“religião pura”, sem misturas e in�uências, principalmente sabendo que</p><p>toda religião é inculturada, isto é, está inevitavelmente atrelada a processos</p><p>culturais, costumes e cosmovisões. Todas as religiões, em algum momento,</p><p>se sincretizam e se assimilam. Não é só um aspecto de manutenção de</p><p>crenças, mas, também, de interesses políticos e de sobrevivência cotidiana.</p><p>SINCRETISMO ENTRE RELIGIÕES PRIMAIS E HINDUÍSMO</p><p>O hinduísmo não encontrou muito espaço de sincretismo com as religiões primais</p><p>ou autóctones africanas, porque era praticado quase que exclusivamente pelos</p><p>imigrantes indianos na África. Grupos de indianos foram lá por causa da</p><p>colonização britânica na Índia e na África. Com a proibição</p><p>da mão de obra</p><p>escravizada de negros da África, os britânicos precisaram encontrar força de</p><p>trabalho em outros continentes. Com isso, a imigração naturalmente seguiu o seu</p><p>rumo entre países de domínio britânico. Muitos indianos foram para a África a</p><p>trabalho e levaram consigo suas crenças hinduístas.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Porém, existem muitos pontos de convergência para ocorrer o sincretismo entre o</p><p>hinduísmo e as religiões primais africanas. O principal ponto é a noção de</p><p>imanência encontrada na maior parte das religiões consideradas panteístas, como</p><p>no próprio Hinduísmo e em muitas religiões africanas. A imanência parte do</p><p>pressuposto de que a divindade ou divindades estão intrinsicamente ligadas ao</p><p>mundo e à natureza, sem separação. Essa ideia é geralmente resumida em uma</p><p>máxima que diz: Deus é tudo e tudo é deus. Isso signi�ca que, tanto no Hinduísmo</p><p>quanto nas religiões primais da África, existem muitos pontos de contato, levando</p><p>em conta que essa cosmovisão panteísta está presente em ambas as tradições</p><p>religiosas.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Veja que, diferente do hinduísmo e muitas religiões africanas, que podem</p><p>ser classi�cadas como panteístas, o cristianismo é considerado teísta. Mas</p><p>qual a diferença? Enquanto uma religião panteísta percebe a divindade</p><p>ligada à natureza, se confundindo com ela, de tal forma que a própria</p><p>natureza é a divindade, uma religião teísta percebe a divindade separada da</p><p>natureza, não se confundindo com ela. É por isso que a teologia cristã</p><p>geralmente de�ne Deus como o criador da Natureza, portanto, fora dela.</p><p>Mas, não se empolgue com essa diferença, pois, com o desenvolvimento do</p><p>cristianismo, seus sincretismos e consequentes re�exões teológicas</p><p>originaram formas de cristianismo denominados panenteístas, ou seja, uma</p><p>espécie de “junção” entre um teísmo monista (um deus criador) e o</p><p>panteísmo. Bons exemplos de desenvolvimento teológico sobre esse tema</p><p>podemos encontrar em teólogos como Mestre Eckhart, Nicolau de Cusa,</p><p>Spinoza, F. Schleiermacher e Karl C. F. Krause.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>Muitas vezes, os cristãos, os judeus e os islâmicos são chamados de “povo de um</p><p>só livro”, porque possuem cada um o seu livro sagrado pelo qual identi�cam as</p><p>bases de sua fé. O cristianismo, por exemplo, teve uma origem baseada tanto em</p><p>tradições escritas, como o Antigo Testamento dos judeus, quanto em histórias</p><p>orais, como as contadas a respeito de Jesus. Com o tempo, surgiu o “Cânon”, isto é,</p><p>uma coleção de livros que juntou o Antigo Testamento com o Novo Testamento</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>(Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Epístolas Paulinas, Epístolas Gerais e Apocalipse)</p><p>que passou a ser chamada de Bíblia, que se tornou a base para interpretações</p><p>doutrinárias que se seguiram nos séculos seguintes.</p><p>Nas religiões primais africanas, a base de sua fé é mantida na maior parte das</p><p>vezes por:</p><p>a.  Um livro que cada povo guarda.</p><p>b.  Um antropólogo que fez observações etnológicas.</p><p>c.  Mulheres das aldeias, pois é delas o papel de che�ar as tradições religiosas.</p><p>d.  Tradições orais.</p><p>e.  Textos doutrinários, geralmente escritos em cavernas e na areia.</p><p>Questão 2</p><p>De acordo com o contexto apresentado, assinale a alternativa correta.</p><p>(...) entendemos que toda a mentalidade brasileira acerca do negro e da cultura africana teve, e ainda</p><p>infelizmente tem, raízes nessa construção parcial da personalidade cultural. Ainda se olha para a cultura</p><p>africana como uma manifestação inferior diante das demais expressões sociais. Foi somente a partir da</p><p>segunda metade do século XX, que o Estado brasileiro começa a se interessar pela diversidade e pela proteção</p><p>a todas as ocorrências de artes, práticas, culturas e valores que o Brasil acumulava em seu âmago social.</p><p>— (PEREIRA, 2017, p. 19)</p><p>“</p><p>a.  Para o Estado brasileiro a cultura africana e suas manifestações não são nada interessantes ainda em</p><p>pleno século XX.</p><p>b.  A mentalidade brasileira tem plena consciência da importância de uma construção completa da</p><p>personalidade cultural africana que ajuda a formar a nossa identidade brasileira.</p><p>c.  A nossa sociedade ainda percebe a cultura africana como sendo inferior diante de outras expressões</p><p>culturais.</p><p>d.  O Estado brasileiro percebeu que não existem muitas ocorrências de artes, práticas, culturas e valores de</p><p>origem africana para proteger.</p><p>e.  Foi somente a partir do �m da escravidão dos negros que o Estado brasileiro começa a se interessar pela</p><p>diversidade de manifestações culturais e expressões da negritude.</p><p>Questão 3</p><p>Nos textos apresentados por toda a seção sobre as religiões primais africanas e</p><p>seus sincretismos, pudemos perceber que as religiões de tradição africana e suas</p><p>mitologias ora se comportam de forma semelhante às outras religiões, como a</p><p>necessidade de divindades, espaços sagrados, tempos sagrados (cultos) e símbolos</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>sagrados, ora se comportam de forma bem diferente, como a manutenção da</p><p>tradição oral quase que exclusiva para a preservação da fé, a pertença a um</p><p>território especí�co e a continuidade de uma identidade tribal.</p><p>Considerando o contexto apresentado, analise as a�rmações a seguir:</p><p>I. Não existe uma religião africana que domine todo ou a maior parte do</p><p>território africano, muito menos uma grande religião que tenha colonizado o</p><p>mundo, como o cristianismo ou o islamismo.</p><p>II. A mitologia egípcia, ou religião dos egípcios é, sem dúvida, a mais conhecida</p><p>religião da África, por conta de suas grandes obras arquitetônicas, como as</p><p>pirâmides; por suas múmias ou pelas joias usadas pelos faraós; pela forma</p><p>como é explorada na cultura popular (cinema, literatura etc.); ou pelos muitos</p><p>elementos de crença que in�uenciaram o cristianismo. Por isso, ela domina e é</p><p>praticada em várias partes do mundo.</p><p>III. Os pigmeus são muito conhecidos no mundo por sua baixa estatura e, por isso,</p><p>recebem sempre visitas turísticas. Com a proximidade dos povos brancos, os</p><p>pigmeus adotaram os costumes e a cultura tipicamente branca e europeia,</p><p>abandonando o contato com a natureza, inclusive a subsistência vinda da caça</p><p>e da pesca.</p><p>IV. Existem muitos pontos de convergência para ocorrer o sincretismo entre o</p><p>hinduísmo e as religiões primais africanas. O principal ponto é a noção de</p><p>imanência, encontrada na maior parte das religiões panteístas, como o próprio</p><p>hinduísmo e muitas religiões africanas. A imanência parte do pressuposto de</p><p>que a divindade ou divindades estão intrinsicamente ligadas ao mundo e à</p><p>natureza, sem separação. Essa ideia é geralmente resumida em uma máxima</p><p>que diz: Deus é tudo e tudo é deus.</p><p>Diante do contexto apresentado, é correto APENAS o que se a�rma em:</p><p>a.  I e IV.</p><p>b.  II e III.</p><p>c.  I, II e III.</p><p>d.  II, III e IV.</p><p>e.  I, II, III e IV.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>ANDRADE, J. Índia, lar dos deuses e terra das multidões: uma aproximação às</p><p>religiões indianas. Curitiba: InterSaberes, 2020.</p><p>FLUCK, M. R. Diálogo inter-religioso sob a ótica cristã. Curitiba: InterSaberes,</p><p>2020.</p><p>MACHADO, J. L. et al. (Orgs.). Antropologia �losó�ca e sociológica. 36. ed.</p><p>Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2015.</p><p>MARTINS, G. Mitologia dos orixás africanos: história, cultura e religiosidade afro-</p><p>brasileira. São Paulo: Ícone, 2018.</p><p>MEIRELLES, M. Dos terreiros para a sala de aula: As religiões de matriz africana no</p><p>RS, limites e possibilidades. In: Congresso Internacional das Faculdades EST (Escola</p><p>Superior de Teologia), v. 1, 2012, São Leopoldo, RS. Anais do Congresso</p><p>Internacional das Faculdades EST. São Paulo: CIFEST, 2012, p. 146-156. Disponível</p><p>em: https://bit.ly/3xM1F0I. Acesso em: 17 jun. 2021.</p><p>PEREIRA, M. História da África. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A.,</p><p>2017.</p><p>SANTIAGO, M. C.; AKKARI, A.; MARQUES, L. P. Educação intercultural: Desa�os e</p><p>possibilidades. Petrópolis: Vozes, 2013.</p><p>SARDE NETO, E. Islamismo, história, cultura e geopolítica. Curitiba: InterSaberes,</p><p>2020.</p><p>SILVA, V. S. Candomblé e umbanda:</p><p>caminhos da devoção brasileira. 5. ed. São</p><p>Paulo: Selo Negro, 2005.</p><p>VISENTINI, P. A.; RIBEIRO, L. D. T.; PEREIRA, A. D. História da África e dos</p><p>africanos. Petrópolis: Vozes, 2014.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>http://anais.est.edu.br/index.php/congresso/article/viewFile/92/13</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>MARCAS QUE A RELIGIOSIDADE AFRICANA IMPRIME NO MUNDO</p><p>Rogério Gonçalves de Carvalho</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno,</p><p>Você deve se lembrar sobre alguns tópicos abordados na seção anterior (Regiões e</p><p>religiões de predominância), em que apontamos a riqueza das contribuições da</p><p>religiosidade e das tradições culturais africanas. Pudemos, de forma panorâmica,</p><p>explorar algumas religiões primais africanas e suas características principais,</p><p>inclusive os pontos de contato e convergência dessas religiões primais com outras</p><p>religiões, dando margem para diversos sincretismos.</p><p>Também pudemos observar, de forma bem resumida, várias contribuições que as</p><p>religiões primais africanas, sempre dentro de seus contextos culturais, deram à</p><p>cultura brasileira. Contribuições que deixaram e deixam marcas em muitas</p><p>manifestações culturais.</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Além disso, essas religiões primais africanas também são importantes pelo modelo</p><p>de religiosidade que permite uma enorme diversidade de crenças, a maioria</p><p>exclusiva de determinados territórios, a valorização da natureza e um espaço</p><p>destacado para as emoções, cores, danças e festas. Não por acaso, até citamos,</p><p>como exemplo, a adaptação que certas tradições protestantes precisaram fazer</p><p>em solo africano em seus cultos e rituais, por causa da farta valorização das</p><p>emoções, cores, danças e festas. Lembrando que, invariavelmente, as tradições</p><p>protestantes valorizam muito a racionalidade e um comportamento ritualístico</p><p>bem contido e reservado.</p><p>Portanto, pode ser muito proveitoso destacar, agora de forma mais detalhada, as</p><p>características das religiões de tradição africana a partir de sua criatividade</p><p>popular, do uso de suas cores, danças e pinturas corporais. Muita coisa que parece</p><p>distante da nossa realidade, costumes e crenças que, à primeira vista, são</p><p>estranhas, se demonstrarão semelhantes com certas ideias, crenças e</p><p>mentalidades que desenvolvemos no nosso próprio contexto social e cultural. No</p><p>�m, você verá que as religiões e suas manifestações não são tão diferentes assim.</p><p>Uma vez que você foi introduzido, na seção anterior, ao universo das religiões de</p><p>matriz africana, a atual seção traz novos conteúdos de forma aprofundada. Traz</p><p>também muitos exemplos para cada conteúdo abordado e, principalmente,</p><p>procura conduzir sua leitura e seu estudo de forma que você possa compreender</p><p>que muitos elementos presentes nas religiões de matriz africana estão presentes</p><p>em nossa realidade.</p><p>Veja que vários exemplos do nosso cotidiano foram dados sobre criatividade,</p><p>danças, pinturas corporais e cores. Não são elementos que aparecem apenas nos</p><p>contextos das religiões, mas também possuem validade nas expressões de nossas</p><p>culturas, independendo do território onde nos localizamos. Podemos até dizer que</p><p>todas essas expressões têm a mesma origem antropológica, que é a necessidade</p><p>de o ser humano se identi�car culturalmente e socialmente com grupos</p><p>especí�cos, não importando se é uma expressão cotidiana ou religiosa.</p><p>Tendo esse contexto em mente, vamos tentar responder uma questão</p><p>su�cientemente abrangente e que aprofunda o que você aprendeu nesta seção:</p><p>mesmo sabendo que as manifestações e práticas rituais nas religiões de matriz</p><p>africana são bastante diversas, o que as une e o que as aproxima com a nossa</p><p>realidade cultural? Em outras palavras, o que é comum na criação de cores, danças</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>e pinturas corporais em todas as religiões de matriz africana, e como essas cores,</p><p>danças e pinturas são semelhantes a certos costumes e experiências na nossa</p><p>realidade cultural moderna e urbana?</p><p>Se prepare e invista tempo e disciplina, pois você irá ver que as ricas manifestações</p><p>culturais dessas religiões são muito mais impressionantes e complexas do que</p><p>parecem.</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>CRIATIVIDADE POPULAR</p><p>Em geral, se �zermos uma aproximação antropológica da noção de criatividade</p><p>relacionada ao ser humano, inevitavelmente precisaremos retomar a ideia de que</p><p>uma das ferramentas mais poderosas para a criatividade é a imaginação. A</p><p>imaginação é uma das dimensões que distingue a nossa espécie das outras e</p><p>permite que nossas obras deixem marcas culturais no mundo.</p><p>Consequentemente, a criatividade é a capacidade que o ser humano tem de criar</p><p>algo usando a sua imaginação, o que nos leva a deduzir que a criatividade é quase</p><p>in�nita, pois a imaginação admite tanto criar a partir de coisas já criadas como</p><p>criar coisas novas.</p><p>Nesse sentido, os povos originários da África e suas tradições religiosas são fonte</p><p>riquíssima de criatividade cultural. Não só porque antecederam todos os outros</p><p>povos, sendo o berço da humanidade, mas porque até hoje possuem uma</p><p>criatividade original que procura resistir ao invés de sempre copiar expressões</p><p>culturais de outros povos, como as dos europeus. Apesar da forte colonização</p><p>europeia no século XIX, os povos e as religiões africanas se mantêm �éis, o quanto</p><p>podem, às suas identidades culturais e, por isso mesmo, também �éis à sua</p><p>própria criatividade, in�uenciando outras culturas ao redor do mundo.</p><p>Uma pergunta que podemos fazer é: como os povos originários africanos</p><p>conseguem manter essa criatividade tão expressiva? Uma boa resposta seria: a</p><p>criatividade popular está intimamente ligada à cultura popular.</p><p>Sem obra não há homem. Sem o humilde tesouro das vasilhas, das ferramentas, dos gra�ti nas paredes das</p><p>cavernas, das incisões nos ossos de rena, não há Homo sapiens. Sem obra, só teríamos uma distante vazio</p><p>primitivo, uma pré-história. O pensamento, a sabedoria que caracteriza a espécie só existe através deste</p><p>esboço da obra, esta “primeira leitura” que é o sentido que dá às coisas, ao mundo.</p><p>— (DURAND, 2013, p. 169)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Na verdade, precisamos fazer uma distinção entre a cultura popular e outras</p><p>formas de expressão cultural. Para isso, tentaremos responder outras perguntas.</p><p>Quando você presta atenção aos tipos de expressão cultural observáveis em seu</p><p>contexto individual, quais �cam mais evidentes? Quais expressões culturais você</p><p>encontra mais vezes em mídias como a televisão e a internet ou nas festas e nos</p><p>ambientes em geral?</p><p>Provavelmente, na maior parte das vezes, as expressões culturais que você mais</p><p>encontra e vivência são aquelas produzidas e distribuídas pelo chamado</p><p>mainstream, ou seja, pelas mídias convencionais e frequentemente �nanciadas por</p><p>grandes corporações ou produtoras de conteúdo. Essa é a razão pela qual muita</p><p>coisa que experimentamos em termos de cultura parece uma eterna repetição</p><p>sem muita diversidade. Músicas, shows, comidas, programas de televisão, cinema,</p><p>danças: tudo transformado em cultura de consumo. Sobre esse comportamento</p><p>de consumo é que surgiu o termo “indústria cultural".</p><p>A denúncia feita pela Escola de Frankfurt nos põe diante de uma evidente</p><p>diferenciação: cultura de consumo não necessariamente signi�ca cultura original</p><p>de um povo. É por isso que, muitas vezes, certas expressões legitimamente</p><p>populares que foram criadas para proveito local se tornaram “universais” para o</p><p>consumo geral. Veja, por exemplo, o que aconteceu com a música sertaneja.</p><p>Embora tenha uma diversidade enorme, por causa de suas origens territoriais no</p><p>Brasil todo, acabou sendo resumida a melodias e temas de letras muito</p><p>semelhantes umas às outras. Se por um lado isso foi positivo, pois levou esse</p><p>gênero música para lugares em que não teria condições de chegar, por outro foi</p><p>negativo, porque, ao mesmo tempo, “escondeu” sua diversidade local em produtos</p><p>“universais” de fácil consumo.</p><p>Portanto, a criatividade</p><p>da cultura popular depende muito de sua autonomia, livre</p><p>da submissão ao mercado ou a noções elitistas de estética, que procuram de�nir o</p><p>modelo do que é ou não é bonito. É essa autonomia que garante que a diversidade</p><p>O conceito de indústria cultural foi usado pela primeira vez em 1947 pelos teóricos Theodor Adorno e Marx</p><p>Horkheimer, no conjunto de textos publicados sob o título Dialética do esclarecimento, passando a ser</p><p>amplamente utilizado pelos pensadores da escola de Frankfurt e pelo pensamento social em geral. Um dos</p><p>objetivos dos autores era o de elaborar um conceito para contrapor o de cultura de massa. Para esses</p><p>pensadores, indústria cultural seria uma terminologia mais adequada por estar diretamente ligada ao contexto</p><p>de produção capitalista, enquanto o termo cultura de massa poderia ser entendido como as práticas originárias</p><p>das camadas populares.</p><p>— (SOUZA, 2017, p. 84)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>continue existindo, podendo criar aquilo que considera expressão identitária de</p><p>seu próprio território.</p><p>Neste ponto, entra a criatividade popular presente no contexto cultural das</p><p>religiões de matriz africana. Você se lembra que dissemos que uma das</p><p>características das religiões primais africanas é pontualmente sua relação com o</p><p>território e com o povo que se identi�ca com aquele território? Sendo assim,</p><p>parece evidente que não podemos falar de criatividade popular das religiões de</p><p>tradição africana sem colocá-las no âmbito da autonomia, diversidade e</p><p>territorialização.</p><p>USO DE CORES</p><p>Se a gente seguir os passos indicados por uma antropologia do imaginário,</p><p>veremos que o uso de cores, de forma simbólica, possui algumas indicações quase</p><p>universais, que são chamadas de símbolos arquetípicos. Por exemplo, a luz do Sol</p><p>nos remete aos símbolos luminosos, muitas vezes ligados ao mundo celestial, onde</p><p>habitariam seres de luz ou com poderes solares, razão pela qual muitas divindades</p><p>detêm o poder sobre o Sol e habitam ora lugares celestiais, ora o cume das</p><p>montanhas. A cor, em geral, para identi�car essas divindades ou seres celestiais é</p><p>o branco. Seja dito de passagem, justamente porque se acredita que a cor</p><p>emblemática de alguns seres divinos é a branca, que essa cor também serviria</p><p>para identi�car a sabedoria ligada aos homens mais velhos de uma tribo, por</p><p>causa dos cabelos ou das barbas brancas.</p><p>ASSIMILE</p><p>Mas, a�nal de contas, o que é um “arquétipo”? Grosso modo, a palavra</p><p>serve para de�nir um modelo ou um gabarito de pensamento ou ideia. Vem</p><p>da palavra grega arché, que signi�ca “princípio” ou “posição mais</p><p>importante”. Aparece em palavras como arquiteto ou arqui-inimigo. A outra</p><p>palavra grega é tipos, que signi�ca “tipo” ou “marca”. Aparece em palavras</p><p>como tipogra�a e tipologia. Se unirmos as duas palavras, pode �car mais ou</p><p>menos assim: “tipo principal” ou “categoria mais importante”. Na Filoso�a, o</p><p>primeiro uso da palavra foi feito pelos neoplatônicos como forma de</p><p>compreensão sobre serem, as ideias, os modelos originários (arquétipos)</p><p>de todas as coisas. Por exemplo, a origem do objeto cadeira vem da “ideia</p><p>cadeira”. Segundo esse conceito, uma cadeira objeto pode ser corrompida</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>(envelhecer, se estragar, se quebrar), mas, a ideia cadeira não pode ser</p><p>corrompida. Antes, é única e universal, portanto, origem de todas as</p><p>cadeiras no mundo real.</p><p>Carlos Augusto Serbena (2010), em seu artigo Considerações sobre o</p><p>inconsciente: mito, símbolo e arquétipo na psicologia analítica, amplia e</p><p>aprofunda um pouco mais a concepção de inconsciente coletivo.</p><p>Você já percebeu que os signi�cados atribuídos ao azul tanto podem ter origem na</p><p>cor do céu como na cor do oceano, representação que pode ser encontrada nas</p><p>bandeiras de diversos países? Veja, por exemplo, que os uniformes da aeronáutica</p><p>e da marinha de muitos países carregam alguma peça na cor azul ou branca. Outro</p><p>exemplo é ainda mais interessante e passa despercebido de muita gente: a cor</p><p>azul, ou as cores frias escalonadas na matriz azul, trazem geralmente, uma</p><p>sensação de repouso.</p><p>Outra cor que se tornou símbolo de riqueza e nobreza é o dourado. Essa cor é uma</p><p>das preferidas para representar divindades, reis e rainhas. Isso ocorre por causa</p><p>do ouro. É o que vemos, por exemplo, na representação dos reis entre os povos</p><p>originários na América Latina como os Incas.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Já reparou que as bandeiras trazem símbolos e cores que signi�cam algo?</p><p>Aliás, existe até uma ciência que estuda os brasões, símbolos e cores nas</p><p>bandeiras: a Heráldica. Até os nossos sobrenomes podem ter um brasão de</p><p>família com seus símbolos e cores, pois era muito comum que as famílias</p><p>nobres europeias tivessem suas próprias cores, assim como as famílias e</p><p>clãs em outros cantos do planeta. É muito comum que, por exemplo, você</p><p>tenha um sobrenome de origem judaico-cristã ligado a alguma planta ou</p><p>animal como Carvalho, Coelho, Pinheiro, Palmeira, Oliveira, Pereira, que</p><p>são, tipicamente, de tradição portuguesa. Junto com as cores, esses animais</p><p>e plantas são representados nos escudos das bandeiras.</p><p>Sobre a bandeira do Brasil, você já notou o verde e o amarelo como</p><p>símbolos das matas e das riquezas do país? Bonito, não? Mas, a verdade é</p><p>que a nossa bandeira segue a mesma lógica de cada família nobre</p><p>portuguesa deter as suas próprias cores simbólicas. Nesse caso, o verde da</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>bandeira representa o verde do escudo da família real de Bragança, e o</p><p>amarelo da bandeira representa o amarelo da casa de Habsburgo, da</p><p>imperatriz Leopoldina, que veio da Áustria e foi esposa de D. Pedro I.</p><p>Veja sobre o tema no artigo Heráldica e geogra�a, de Hervé Théry (2013).</p><p>O preto, muitas vezes, é estigmatizado como símbolo do que existe de pior, como</p><p>as trevas, a negatividade e a obscuridade. Expressões preconceituosas como “a</p><p>coisa está �cando preta”, “denegrir”, “o lado negro” como um lado negativo, ou</p><p>ideias como “o diabo é preto” e que seres das trevas obrigatoriamente vestem</p><p>preto, devem ser evitadas por dois motivos. Primeiro porque as trevas, a</p><p>negatividade e a obscuridade também já foram e são representadas por outras</p><p>cores. Veja, por exemplo, os cavaleiros do apocalipse, símbolos de desgraças e</p><p>tragédias prenunciadas no livro do Apocalipse, representados por cores como a</p><p>vermelha, a branca e a amarela. Os reis de países europeus que exploraram</p><p>violentamente outros países da América Latina e da África, dizimando populações</p><p>e escravizando, se vestiam em cores vermelhas, como a púrpura, e cores</p><p>douradas. Carregavam símbolos diversos com uma variedade imensa de cores e</p><p>não eram de etnias pretas, mas sim brancas.</p><p>O segundo motivo é porque a cor preta está presente em muitos símbolos e</p><p>expressões culturais belíssimas. Você já notou, por exemplo, que dizem que o</p><p>diamante negro e a pérola negra são joias raríssimas e muito desejadas? Mais</p><p>ainda, digamos que você não teve um dia bom, está com dor de cabeça e precisa</p><p>urgentemente de um local de repouso. Que local você escolhe para descansar? Um</p><p>local bem iluminado e claro ou um local sem iluminação e escuro? Com certeza, a</p><p>maioria de nós escolheria a segunda opção, porque é a opção que indica um</p><p>espaço de repouso e aconchego. Não por acaso muitos povos entendem que a</p><p>“primeira casa” após a morte é um lugar escuro, de descanso, como se estivesse</p><p>dormindo, aguardando pela alma passar pela ressurreição ou pela reencarnação.</p><p>O que se contrapõe à nossa ideia de que o escuro ou lugares pretos sempre</p><p>devem provocar o medo. Inclusive, muitas divindades estão ligadas ao mundo da</p><p>escuridão da noite, simbolizadas pelos animais noturnos, como os chacais, que</p><p>caçam e uivam no período noturno, ou insetos como os besouros e as mariposas.</p><p>Mas, agora devemos nos posicionar! E a de�nição simbólica das cores nas vestes</p><p>ou elementos rituais presentes nas religiões de matriz africana? Será que seguem</p><p>os mesmos conceitos arquetípicos? Nossa resposta é sim e não. Sim, porque os</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>símbolos sempre estão carregados de semelhanças que se reportam à sua matriz</p><p>arquetípica. Não, porque, apesar das semelhanças, os símbolos tendem a ser</p><p>representados em seus contextos culturais locais. No caso das cores, elas não têm</p><p>signi�cados necessariamente universais, ou seja, não representam sempre a</p><p>mesma coisa. Uma vez que toda cultura só é compreendida em seu conjunto e</p><p>lógica próprias, o conhecimento do uso das cores também contribui para a</p><p>compreensão das manifestações sagradas dessas religiões.</p><p>Além disso, a maior parte das expressões culturais locais relacionadas às religiões</p><p>de matriz africana são devedoras do contato com a natureza e da força simbólica</p><p>que ele traz. Haja vista o que você já aprendeu, isto é, que as religiões de matriz</p><p>africana e seus contextos culturais têm um grande respeito pela natureza, e muitas</p><p>de suas divindades são representações de fenômenos naturais. Esse fato já nos</p><p>evidencia a origem do valor cultural atribuído a muitas cores.</p><p>Sendo assim, um caminho que podemos seguir aqui é descobrir quais são as cores</p><p>designadas para certas divindades das religiões de matriz africana, pois elas estão</p><p>próximas de nós no Brasil pela mediação do candomblé e da umbanda, assim</p><p>como os elementos que estão nesse contexto.</p><p>No caso do candomblé e da umbanda, as divindades, ou seja, os orixás, podem ser</p><p>representados em objetos com as cores que os representam: velas, panos, �tas,</p><p>�os, miçangas, pembas, vestes e até mesmo as comidas de oferenda. Mas, uma</p><p>coisa precisa �car clara para nós: as cores não são as mesmas em todos os</p><p>terreiros, pois cada tradição ensina os seus costumes e crenças nos orixás de</p><p>forma oral e local. Portanto, o que faremos é um “ensaio”, isto é, daremos alguns</p><p>exemplos para entender, de forma parcial, a lógica das cores nessas religiões.</p><p>Os �lhos do orixá Oxalá, por exemplo, se vestem com roupas brancas, sua cor</p><p>principal. Considerado um dos orixás mais altos do panteão de orixás, Oxalá é uma</p><p>divindade criadora do mundo e dos homens. Talvez o branco seja predominante</p><p>porque simboliza a paz e a luz. Ogum é um orixá venerado como senhor da</p><p>metalurgia, da guerra e da tecnologia. Sua cor de representação predominante é o</p><p>azul. Oxum é a senhora do amor, fertilidade e riqueza, deusa das águas doces. Por</p><p>estar ligada às águas e riquezas, talvez explique porque suas cores de</p><p>predominância sejam o azul-claro, o branco e o amarelo-ouro.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Exu é senhor da comunicação e responsável pelo contato entre o mundo humano</p><p>e o mundo espiritual. Suas cores predominantes são o preto e o vermelho.</p><p>Sincretizado no Brasil, passou a ser associado ao Diabo de forma preconceituosa,</p><p>razão pela qual, muitas vezes, o Diabo é retratado com vestes pretas e vermelhas.</p><p>Oxóssi é um orixá caçador, por isso, senhor das �orestas, símbolo da fartura e</p><p>protetor da natureza. Por ser uma divindade representando as �orestas, não por</p><p>acaso as cores de predominância são o verde e o azul.</p><p>Outro orixá que exprime as forças da natureza é Iansã, mais conhecida como Oyá.</p><p>É senhora dos relâmpagos, trovões e tempestades. Iansã é o nome que Xangô deu</p><p>à Oyá, pois se diz que ela é bela ao entardecer. Inclusive, passou ser conhecida</p><p>como “mãe do céu rosado”, por causa das cores do crepúsculo. Talvez isso decifre</p><p>porque as cores de predominância de Iansã sejam o vermelho e o rosa.</p><p>Xangô também é um orixá detentor dos poderes dos raios, trovões e tempestades,</p><p>além do fogo. Não é por acaso que uma de suas esposas tenha sido Oyá. Suas</p><p>cores de predominância são o branco e o vermelho.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Dos muitos objetos que carregam a cor do orixá, citamos velas, panos, �tas,</p><p>�os, miçangas e as pembas. Mas, o que é “pemba”? É um giz que pode ter</p><p>diferentes cores, usados nos rituais nas religiões afro-brasileiras. Sua</p><p>função é riscar um ponto do terreiro com traços sagrados que representam</p><p>determinados espíritos ou guias, como os orixás. Na forma de pó, pode ser</p><p>assoprado para cobrir a cabeça dos médiuns e dos participantes para</p><p>proteção e limpeza das energias.</p><p>A DANÇA COMO EXPRESSÃO DE LOUVOR</p><p>Antes de abordarmos a importância das danças nas religiões de matriz africana,</p><p>devemos tratar da importância da dança nas manifestações culturais africanas.</p><p>Isso �ca evidente porque as religiões de matriz africana estão dentro desse</p><p>contexto geral em que a dança tem papel importante no cotidiano em vários</p><p>territórios. Marcam episódios essenciais e centrais da vida, como ritos de</p><p>passagem, casamento, nascimento, morte, colheita, guerra etc.</p><p>Devemos ter em mente que a dança sempre tem um aspecto social de construção</p><p>e manutenção de identidades. Mesmo as danças “seculares”, ou seja, que não tem</p><p>como objetivo a invocação de divindades ou do espaço sagrado, trazem algum</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>grau de pertencimento e identidade cultural, fortalecendo vínculos e criando noção</p><p>de grupo. Por exemplo, você já percebeu que o samba é uma marca identitária do</p><p>brasileiro, ou que o tango é uma marca dos argentinos?</p><p>Porém, existe uma diferença acentuada entre a percepção que nós temos sobre o</p><p>papel da dança na contemporaneidade e o papel da dança nas origens das</p><p>religiões de matriz africana. Para nós, é possível pensar em dançar sem nenhuma</p><p>ligação com o aspecto religioso ou sagrado, só por diversão e criação de vínculos.</p><p>Já no contexto cultural da África, as danças e as religiões nasceram juntas, não</p><p>podendo ser separadas em vários territórios africanos, mesmo atualmente. Ou</p><p>seja, religião não pode ser encarada como uma coisa e o cotidiano e suas</p><p>exigências outra coisa. Vida e religião estão sob a mesma dimensão da existência,</p><p>razão pela qual a dança sempre foi uma expressão do sagrado.</p><p>Diante dessa realidade, é possível entender porque as danças nos espaços</p><p>sagrados das religiões são reproduções do que já se praticava no cotidiano, que</p><p>também é percebido como sagrado. Agora, aluno, você consegue compreender</p><p>por que essas religiões são parte fundamental de todas as ações da vida, como</p><p>caça, pesca, respeito pela natureza, nascimento, vida, morte etc?</p><p>Nenhuma dança é solta, sem regras e protocolos ritualísticos. Elas seguem normas</p><p>e preceitos especí�cos, seja no cotidiano, no terreiro, ou em qualquer outro</p><p>espaço. Inclusive, cada orixá e cada momento de um ritual de culto em um terreiro</p><p>possui a própria dança. Cada momento exige que os movimentos sejam realizados</p><p>de forma apropriada.</p><p>A propósito, essas normas e preceitos são necessários não só na forma de dançar,</p><p>mas também no tipo de música e melodia que devem ser executadas. Alguém já</p><p>dançou samba quando estava ouvindo tango, ou tango quando estava ouvindo</p><p>samba? Possivelmente não! Se na dança secular isso não é permitido, na dança</p><p>com �nalidades sagradas muito menos. Essa é a razão que nos leva a entender por</p><p>que, em um terreiro, por exemplo, cada orixá exige uma forma especí�ca de tocar</p><p>os atabaques e tambores, tendo até seus instrumentos musicais de invocação</p><p>prediletos.</p><p>REFLITA</p><p>Você já parou para pensar na utilidade da música para o ritual de uma</p><p>religião? Para muitos de nossos ancestrais, poesia, música e dança eram</p><p>interligadas, o que se tornou algo natural nas expressões de suas religiões.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Mas, o que levou a música e a dança a serem apreciadas fora do contexto</p><p>das religiões?</p><p>A dança como forma de invocação da divindade em um ritual de louvor segue a</p><p>mesma lógica presente em qualquer rito religioso, ou seja, a imitação ou a</p><p>recriação dos gestos divinos, como se fosse uma representação dramática ou</p><p>“teatral”. Um exemplo de algo equivalente em nossa sociedade é o ritual de</p><p>batizado. No cristianismo, o batismo nada mais é do que um ritual de iniciação à</p><p>religião, marcada pela imitação dos gestos divinos, nesse caso, dos gestos de Jesus,</p><p>que também foi batizado. O rito é, então, a repetição do gesto divino na forma de</p><p>um drama que serve para invocar algum poder, força ou energia psíquica,</p><p>preparando</p><p>o sujeito para um novo momento da vida. As danças, no contexto</p><p>religioso, possuem também essa �nalidade de invocar os poderes divinos, seja pela</p><p>imitação de seus gestos, seja pela criação de novos gestos que demonstrem</p><p>e�cácia na invocação. Portanto, a repetição de rituais, como as danças, serve tanto</p><p>para a manifestação de uma identidade religiosa e cultural quanto como modelo</p><p>com regras próprias para que continue a “funcionar”.</p><p>Sendo assim, as danças serão sempre expressões de louvor no contexto sagrado e</p><p>no cotidiano das religiões de matriz africana, uma vez que são realidades</p><p>entrelaçadas.</p><p>EXPRESSÃO E PINTURAS CORPORAIS</p><p>Muito do que dissemos sobre as danças pode ser aplicado na expressão do corpo.</p><p>As expressões corporais estão, portanto, igualmente relacionadas aos atos</p><p>cotidianos e sagrados. A�nal, o corpo é veículo desses atos e muitas vezes</p><p>habitação de divindades. É o que ocorre, por exemplo, nos terreiros, com o</p><p>recebimento do “axé” (energia da natureza) ou com a incorporação de um orixá,</p><p>isto é, quando um médium permite que seu corpo se torne um veículo de</p><p>expressão do sagrado.</p><p>Enquanto a espiritualidade ocidental está envolta por uma conotação repressiva de</p><p>quase anulação do corpo, na das religiões de matriz africana o corpo é central e</p><p>incentivado a ser expressivo. Devemos lembrar que a espiritualidade ocidental</p><p>passou por diversas in�uências para que essa quase ausência do corpo</p><p>acontecesse. Primeiro, porque o cristianismo, religião que dominou e domina boa</p><p>parte da história da espiritualidade no Ocidente, mantem uma noção de que o</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>corpo é sede dos pecados. Além disso, houve uma forte in�uência da �loso�a de</p><p>Platão na Teologia que forneceu a ideia de que corpo e alma não são conciliáveis –</p><p>a alma seria a fonte nobre a ser exaltada, conduzindo o cristianismo a se tornar</p><p>uma religião ascética, isto é, que acredita que a evolução ou elevação (ascese)</p><p>espiritual só ocorre executando exercícios para a alma e negando as paixões do</p><p>corpo.</p><p>Por exemplo, você já teve a oportunidade de participar de um culto protestante ou</p><p>de uma missa em uma igreja tradicionalmente católica romana? A não ser pelos</p><p>evangélicos pentecostais, di�cilmente você verá danças nesses templos. É claro</p><p>que existem, mas não são rituais centrais para a invocação do sagrado, como</p><p>acontece nas religiões de matriz africana. Para você ter uma ideia, no cristianismo,</p><p>geralmente, a música e a pregação do sermão são as fontes dos cultos para a</p><p>invocação da divindade, enquanto nos terreiros as fontes principais são os toques</p><p>dos atabaques e as danças. Não sem razão, o catolicismo só se tornou mais</p><p>aderente às expressões do corpo, como a dança, quando teve algum contato com</p><p>os pentecostais, no caso das igrejas de viés carismático e pelo sincretismo com as</p><p>religiões de matriz africana. Muitas vezes esse catolicismo tem características</p><p>populares, mas sem um reconhecimento o�cial por parte das instâncias de</p><p>controle do Vaticano.</p><p>Diante da importância do corpo para o culto sagrado nas religiões de matriz</p><p>africana, observamos a valorização da pintura corporal. Além de ser uma prática</p><p>muito antiga, ainda se faz presente em nosso meio. Existem pessoas que andam</p><p>de corpos pintados aí ao seu lado? Não se espante, talvez você tenha o corpo</p><p>pintado. Isso mesmo: as tatuagens são os exemplos mais comuns que conhecemos</p><p>de pintura corporal e, assim como em diversas outras culturas, a tatuagem não é</p><p>só um adereço estético, mas possui algum sentido ou signi�cado para quem a</p><p>carrega no corpo. Pensando assim, não é difícil entender porque muitos povos</p><p>usam a pintura corporal para expressar seus sentimentos, intenções e identidades</p><p>culturais, assim como vimos com a dança.</p><p>Porém, assim como a tatuagem é basicamente um jeito de marcar a pele com uma</p><p>cicatriz pintada, nos contextos culturais da África era muito comum que membros</p><p>das tribos mostrassem suas cicatrizes como forma de status social, vindas de uma</p><p>luta com um animal, de uma batalha de guerra, de um ato de coragem etc. Com o</p><p>tempo, até para registrar os símbolos de identidade tribal, os membros eram</p><p>marcados com incisões na pele. Nos rituais religiosos, essas incisões não apenas</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>identi�cavam o membro da comunidade, mas também permitiam que ele tivesse</p><p>uma ligação espiritual com o universo de sua religião e lembravam ao sujeito, por</p><p>toda a sua vida, o compromisso de fé iniciada.</p><p>Nas religiões de matriz africana, a pintura corporal substituiu as incisões e tem um</p><p>caráter de iniciação na religião. Representa união ou elo entre o adorador e o</p><p>orixá. As pinturas variam de nação para nação e de terreiro para terreiro.</p><p>Geralmente são pintados a cabeça, o tronco e os braços, agregados de outros</p><p>adornos. As cores predominantes são o branco, o vermelho e o amarelo.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Outros povos também utilizavam, como forma de ritual, incisões sobre a</p><p>pele ou em órgãos. Haja vista os rituais de iniciação, como a circuncisão</p><p>entre os meninos judeus, que têm o prepúcio retirado cirurgicamente; ou a</p><p>malfadada circuncisão feminina, que mutila todo ou parte dos órgãos</p><p>sexuais externos. Essa mutilação é realizada entre o nascimento e a</p><p>puberdade, principalmente em países como o Egito, a Indonésia e a Etiópia.</p><p>Existe um movimento global para que se extermine esse tipo de prática.</p><p>Ainda com cunho ritualístico, estético e até terapêutico, uma das mais</p><p>antigas formas de maquiagem é a egípcia. Os cosméticos eram feitos à base</p><p>de gorduras animais e vegetais, carvão e até chumbo e mercúrio.</p><p>Para entender melhor sobre a mutilação genital feminina, acesse o link</p><p>disponível na bibliogra�a da seção relativo a esta referência:</p><p>VERMELHO, A. Mutilação genital feminina e a violação dos direitos das</p><p>mulheres: entenda!. Politize!, 2020.</p><p>Diante de tudo o que foi exposto, uma lição muito importante é: entender que as</p><p>expressões das religiões de matriz africana não são muito diferentes das</p><p>expressões presentes em outras religiões. O que as une é, principalmente, a</p><p>necessidade de identidade cultural e social a partir de expressões populares</p><p>dentro de seus próprios contextos de criatividade.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>A maior parte das expressões culturais locais relacionadas às religiões de matriz</p><p>africana são devedoras do contato com a natureza e da força simbólica que ele</p><p>traz, haja vista que as religiões de matriz africana e seus contextos culturais têm</p><p>um grande respeito pela natureza e muitas de suas divindades são representações</p><p>de fenômenos naturais. Isso nos mostra que muitas cores estão ligadas à essas</p><p>forças da natureza. No caso do candomblé e da umbanda, as divindades, ou seja,</p><p>os orixás, podem ser representados por uma cor em velas, panos, �tas, �os,</p><p>miçangas, pembas, vestes ou mesmo nas comidas de oferenda.</p><p>Qual é a cor que representa um orixá?</p><p>a.  O branco, pois todos os orixás, de algum modo, representam a paz.</p><p>b.  O verde, pois todos os orixás representam alguma força da �oresta.</p><p>c.  Todas as cores, sabendo que o orixá não tem preferência por uma cor especí�ca.</p><p>d.  Cada orixá de�ne a sua cor e é a mesma em todos os terreiros.</p><p>e.  Cada orixá tem a sua cor de�nida no terreiro em que se manifesta.</p><p>Questão 2</p><p>No cristianismo, o centro de invocação da divindade nos rituais dos cultos</p><p>ordinários (normais ou regulares), é a música e o sermão. Nas igrejas protestantes,</p><p>por exemplo, a ligação com a divindade se dá por rituais como a música cantada,</p><p>chamado de louvores, e o sermão. Tanto que o lugar privilegiado do templo é o</p><p>púlpito, onde o texto bíblico é explanado. No Budismo, existe uma variação entre</p><p>cantos, orações e contemplação. Independente do espaço sagrado, toda religião</p><p>estabelece o seu “eixo sagrado”, ou seja, um lugar privilegiado de invocação da</p><p>divindade.</p><p>As religiões de matriz africana também têm o seu espaço sagrado de invocação</p><p>dos orixás, e, assim como em outras religiões, também possuem ritos de</p><p>dos antepassados e tem como início uma revelação. Portanto,</p><p>teremos famílias de ferreiros e famílias de tecelões, por exemplo. A</p><p>transmissão desses saberes está ligada aos rituais do sagrado. Ela é feita</p><p>por intermédio de canções, gestos e palavras sacramentais. (HERNANDEZ,</p><p>2005, p. 29)</p><p>Um papel social profundamente ligado à questão da oralidade é exercido</p><p>pelos griots. Eles não são tradicionalistas, mas podem vir a ser, desde que</p><p>se preparem para isso. São uma espécie de trovadores que contam</p><p>histórias e animam as plateias. Apesar do compromisso com a verdade,</p><p>gozam de uma maior liberdade criativa em comparação aos tradicionalistas.</p><p>São indiscretos, cínicos, imprudentes, debocham, inclusive, de coisas</p><p>consideradas sagradas (BÂ, 2010, p. 195).</p><p>A PERPETRAÇÃO DA RELIGIOSIDADE</p><p>As religiões primais têm suas práticas intimamente ligadas aos rituais e à</p><p>ritualização do cotidiano. Em cada uma das culturas, os rituais guardam suas</p><p>particularidades. São, em suas formas e funções, realizados de maneira variada</p><p>intraculturalmente. Eles podem ser realizados a �m de garantir um favor das</p><p>divindades, a fertilidade, uma boa colheita, a cura de enfermidades etc.</p><p>A maior parte desses rituais são realizados para marcar os momentos de transição</p><p>e as novas fases da vida. Para isso, há rituais de nascimento, puberdade,</p><p>casamento e morte. Em cada povo ou cultura existem graus de importância maior</p><p>ou menor para cada um desses ritos, de acordo com suas realidades (ELIADE,1992,</p><p>p. 58).</p><p>A religião, através de seus ritos, também está presente em momentos como o</p><p>início de um novo ano, no momento de caçadas, nas guerras, nos períodos de</p><p>seca, e, quando ocorrem, eventos catastró�cos. Esses rituais em momentos difíceis</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>são uma tentativa de estabelecer diálogo com as forças sobrenaturais ou</p><p>divindades que poderiam ser as causadoras das tragédias, a �m de demovê-las, ou</p><p>descobrir o motivo dos acontecimentos.</p><p>Além dos rituais, essas práticas religiosas são marcadas por uma eterna repetição</p><p>dos gestos divinos. Segundo Mircea Eliade (1992),</p><p>Vemos então que estas religiões têm como principal característica sua</p><p>cotidianidade. Estes povos vivem suas experiências espirituais no dia a dia. Não</p><p>são apenas nos momentos de culto que se ligam ao sobrenatural. Em todas as</p><p>suas atividades sempre são constatadas a impregnação de suas culturas religiosas.</p><p>A ESCRITA É UMA FORMA NECESSÁRIA À MANUTENÇÃO DA RELIGIÃO?</p><p>Este questionamento é muito importante. Hoje, os cristãos baseiam toda sua</p><p>experiência religiosa na escrita. Isso faz com que a visão judaico-cristã ocidental</p><p>tenha como um dos seus parâmetros a ideia de que religião e escrita estão e</p><p>estiveram sempre juntas. Não podemos esquecer que a relação entre Jesus e seus</p><p>discípulos era oral (VASCONCELOS, 2003, p. 181).</p><p>Além de Cristo, seus seguidores também não possuíam uma cultura letrada</p><p>re�nada. Desta forma, o início do cristianismo aconteceu a partir dos relatos orais</p><p>de Jesus. Um exemplo dessa oralidade são as parábolas, que se constituíram como</p><p>instrumento de transmissão dos conteúdos propostos pelo pregador de Nazaré</p><p>(FACCIN, 2019, p. 81).</p><p>Segundo Lair Amaro de Faria (2009), os seguidores de Jesus e aqueles que</p><p>pregavam sua experiência religiosa o faziam de forma oral, pois eram iletrados.</p><p>Para que suas narrativas fossem conservadas, foram padronizadas e, quando</p><p>O calendário sagrado repete anualmente as mesmas festas, quer dizer, a comemoração dos mesmos</p><p>acontecimentos míticos. Propriamente falando, o calendário sagrado apresenta-se como o “eterno retorno” de</p><p>um número limitado de gestos divinos, e isto é verdadeiro não somente para as religiões primitivas, mas</p><p>também para todas as outras religiões. Em toda parte, o calendário festivo constitui um retorno periódico das</p><p>mesmas situações primordiais e, consequentemente, a reatualização do mesmo Tempo sagrado. Para o</p><p>homem religioso, a reatualização dos mesmos acontecimentos míticos constitui sua maior esperança, pois, a</p><p>cada reatualização, ele reencontra a possibilidade de trans�gurar sua existência, tornando a semelhante ao</p><p>modelo divino. Em suma, para o homem religioso das sociedades primitivas e arcaicas, a eterna repetição dos</p><p>gestos exemplares e o eterno encontro com o mesmo Tempo mítico da origem, santi�cado pelos deuses, não</p><p>implicam de modo nenhum uma visão pessimista da vida; ao contrário, é graças a este “eterno retorno” às</p><p>fontes do sagrado e do real que a existência humana lhe parece salvar-se do nada e da morte.</p><p>— (ELIADE,1992,55)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>foram escritas, já eram textos completos transmitidos de forma oral (FARIA, 2009,</p><p>p. 26).</p><p>A tradição oral é aquela passada sem ajuda da escrita ou de uma fórmula pronta</p><p>feita para a repetição. Ela é fruto da memória que a reproduz de forma criativa e</p><p>estruturada pela oralidade. Nessa estrutura, existem muitas possibilidades de</p><p>transmissão do conteúdo (CROSSAN, 2004, p. 94). Há produção, emissão, recepção,</p><p>manutenção e repetição. A palavra emitida não é só palavra: o que é dito tem</p><p>versatilidade e riqueza, não é estático, e é proferido por alguma liderança</p><p>considerada santa em locais especiais ou públicos (FACCIN, 2019, p. 84). A</p><p>oralidade tem um importante caráter sociocultural, pois as comunidades orais são</p><p>mais comunitárias do que as escolarizadas, isto é, conseguem agrupar as pessoas</p><p>de forma mais e�caz.</p><p>Nas culturas ágrafas, a memorização com o uso da oralidade é um instrumento de</p><p>in�uência psíquica, de coerção e irradiação de conhecimentos privilegiados.</p><p>In�uenciam a sociedade pela disseminação de ensinamentos, constituição da</p><p>religiosidade e da identidade e reprodução da memória dos ancestrais.</p><p>Desta forma, vemos que a escrita não é necessária para a manutenção da religião.</p><p>Ela pode ser um dos elementos constitutivos, mas não é essencial. Ao tratarmos do</p><p>cristianismo, observamos que a escrita entra somente em um período bem</p><p>posterior à criação e propagação de sua mensagem.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Segundo Eduardo Galeano (2010),</p><p>Veja que Thot coloca as seguintes vantagens para a escrita: “remédio para</p><p>curar a memória ruim e a pouca sabedoria”. Isso afeta diretamente a</p><p>classi�cação que os teóricos dos séculos anteriores ao século XX criaram</p><p>para as religiões. Toda religião precisa da memória para relembrar os</p><p>caminhos feitos até hoje. Mas, para os teóricos, memória e sabedoria</p><p>Uns cinco mil anos antes de Champollion, o deus Thot viajou a Tebas ofereceu a Thamus, rei do</p><p>Egito, a arte de escrever. Explicou aqueles Hieróglifos, e disse que a escrita era o melhor remédio</p><p>para curar a memória ruim e a pouca sabedoria. O rei recusou o presente: _ Memória? Sabedoria?</p><p>Esse invento produzirá o esquecimento. A sabedoria está na verdade, e não em sua aparência. Não</p><p>se pode recordar com memória alheia. Os homens registrarão, mas não recordarão. Repetirão, mas</p><p>não viverão. Serão informados, mas não saberão.</p><p>— (GALEANO, 2010, p. 15)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>con�ável só se constroem a partir da escrita. Excluem então os povos que</p><p>não têm escrita e suas religiões, que são praticadas por pessoas de “pouca</p><p>iluminação”, “sem saber”, “sem conhecimento”, ou seja, seres humanos “de</p><p>segunda categoria”.</p><p>Porém, a resposta de Thamus foi muito interessante. Para ele, a sabedoria</p><p>está na verdade. Lembremos que a verdade é sagrada e a mentira é</p><p>considerada uma doença incurável. A recordação é algo que deve ser vivido.</p><p>Segundo o rei egípcio, ela é só uma forma de repetir mentalmente, mas não</p><p>praticando o que se recorda. A tradição oral é feita na ação no dia a dia, na</p><p>vivência dos rituais dos ciclos do calendário e em muitos outros aspectos</p><p>que a leitura não comporta. Talvez seja o equilíbrio que os teólogos querem</p><p>entre o saber e o fazer.</p><p>Entendemos que a teologia de hoje deve beber na fonte do encontro e do</p><p>diálogo? Ela deverá e precisa primar pela verdade que traz sabedoria e não</p><p>pela mentira que se esconde atrás da aparência de templos e escritórios</p><p>invocação. Sabendo disso, assinale a alternativa correta.</p><p>a.  Os ritos nos terreiros servem apenas para entreter os participantes, pois os orixás não precisam de</p><p>nenhum tipo de ritual especí�co para se manifestar.</p><p>b.  O orixá só poderá ser invocado exclusivamente se for feita uma oferenda de pipocas.</p><p>c.  O orixá se manifesta principalmente com o toque dos atabaques e a dança dentro do terreiro.</p><p>d.  O terreiro não é um espaço sagrado, pois é um lugar aberto, não podendo ser considerado um templo.</p><p>e.  O orixá se manifesta só com o toque dos atabaques, porque lembra os sons da �oresta, uma vez que</p><p>cada orixá representa um poder ou fenômeno da natureza.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>DURAND, G. De la mitocrítica al mitoanálisis: Figuras míticas y aspectos de la</p><p>obra. Barcelona: Anthropos; México: Universidad Nacional Autónoma de México,</p><p>2013.</p><p>FARINA, M.; PEREZ, C.; BASTOS, D. Psicodinâmica das cores em comunicação. 6.</p><p>ed. São Paulo: Edgar Blücher, 2019.</p><p>FAUSTINO, O. Nei Lopes. São Paulo: Selo Negro, 2009.</p><p>Questão 3</p><p>O catolicismo foi a primeira vertente do cristianismo a se desenvolver e dominar o</p><p>território e a cultura brasileira. Inclusive, pelo menos até meados do século XX,</p><p>seus representantes foram responsáveis por criar documentos o�ciais nas</p><p>decorrências de nascimentos, casamentos e mortes. Por outro lado, outro grupo</p><p>caminhou em paralelo com seus costumes e crenças: os negros escravizados.</p><p>Deles vieram as principais tradições culturais e religiosas que também</p><p>colaboraram para in�uenciar a cultura brasileira. Dentre essas tradições, talvez as</p><p>mais importantes sejam as religiões de matriz africana, como as elaboradas no</p><p>candomblé e umbanda.</p><p>Compreendendo a diversidade de contribuições que a cultura africana deixou à</p><p>cultura brasileira, inclusive muitas delas fazendo parte de suas tradições religiosas,</p><p>assinale a alternativa correta:</p><p>a.  Os orixás são entidades poderosas e equiparadas aos deuses de outras religiões. Por isso, estão</p><p>constantemente impondo ordem no mundo. Dentre suas características, podemos dizer que são entidades</p><p>moralistas, pagando o bem com o bem e o mal com o mal.</p><p>b.  Mesmo com a escravização, os grupos étnicos escravizados no Brasil não se misturaram e acabaram</p><p>perdendo suas identidades religiosas. A imposição do cristianismo foi muito forte e não permitiu que as</p><p>religiões de matriz africana se desenvolvessem de forma alguma.</p><p>c.  Dentre os tipos de cultos estabelecidos pelas religiões de matriz africana em todo o território brasileiro,</p><p>podemos citar: o candomblé, a macumba e o curandeirismo mestiço. Inclusive, a macumba é muito</p><p>conhecida como “trabalhos de encruzilhada” e servem como forma de autoproteção.</p><p>d.  No Estado da Bahia, onde encontramos uma enorme diversidade de tradições de religiões de matriz</p><p>africana, os trabalhos de encruzilhada fazem oferendas aos orixás, conhecidas como macumba, e servem</p><p>exclusivamente para atrapalhar, fazer um mal ou trazer medo para a pessoa que é alvo de um despacho.</p><p>e.  Os negros escravizados no Brasil tinham uma forte identi�cação territorial com sua terra de origem, com</p><p>identidades culturais e religiosas diferentes umas das outras. No entanto, conseguiram preservar uma parte</p><p>importante de suas tradições por causa das semelhanças, formando uma identidade religiosa mais ou</p><p>menos comum.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir: Corporeidade e educação. Campinas:</p><p>Papirus, 1994.</p><p>PRANDI, R. Mitologia dos orixás. São Paulo: Cia das Letras, 2000.</p><p>SERBENA, C. A. Considerações sobre o inconsciente: mito, símbolo e arquétipo na</p><p>psicologia analítica. Revista Abordagem Gestalt, Goiânia, v. 16, n. 1, p. 76-82,</p><p>2010. Disponível em: https://bit.ly/2TgiUsc. Acesso em: 18 jun. 2021.</p><p>SILVA, V. G. Artes do corpo: Memória afro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2004.</p><p>SOUZA, M. C. Sociologia do consumo e indústria cultural. Curitiba: InterSaberes,</p><p>2017.</p><p>TADRA, D. S. A. et al. Linguagem da dança. Curitiba: InterSaberes, 2012.</p><p>THÉRY, H. Heráldica e geogra�a. Revista Mercator, Fortaleza, v. 12, n. 29, p. 7-22,</p><p>2013. Disponível em: https://bit.ly/3knPhjG. Acesso em: 18 jun. 2021.</p><p>VERMELHO, A. Mutilação genital feminina e a violação dos direitos das mulheres:</p><p>entenda!. Politize!, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3xHSu1m. Acesso em: 18 jun.</p><p>2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672010000100010&lng=pt&nrm=iso</p><p>https://www.redalyc.org/pdf/2736/273629350002.pdf</p><p>https://www.politize.com.br/mutilacao-genital-feminina/</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>A RELIGIOSIDADE AFRICANA E O RECONHECIMENTO</p><p>INTERNACIONAL</p><p>Rogério Gonçalves de Carvalho</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Caro aluno,</p><p>Chegamos em um momento de discussões importantes e muito atuais em nosso</p><p>material de referência. É hora de re�etirmos sobre os problemas de preconceito e</p><p>intolerância religiosa que as religiões de matriz africana sofrem – preconceito e</p><p>intolerância que têm data histórica de início e que, infelizmente, a partir de</p><p>mecanismos sociais perversos, tendem a se manter em nosso cotidiano.</p><p>Veja que os conteúdos esclarecem bastante esse problema do preconceito,</p><p>partindo da época da colonização e exploração dos países africanos, seguindo para</p><p>um comportamento social de longo prazo até chegar às marcas étnicas das</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>religiosidades africanas que resistem à intolerância, mesmo estando em um</p><p>contexto de Estado laico.</p><p>Aliás, é importante que você aproveite bem cada leitura, questionamentos,</p><p>provocações dos textos, exercícios e interações com o professor. Em hipótese</p><p>nenhuma as religiosidades africanas devem ser encaradas apenas como</p><p>curiosidade cientí�ca ou expressões extravagantes. Pelo contrário, reveja seu</p><p>comportamento sobre o que você pensa sobre essas questões religiosas; tente se</p><p>despir dos elementos que in�uenciam um juízo de valor negativo ou</p><p>preconceituoso. Em outras palavras, a jornada de conhecimento que você estava</p><p>fazendo até esse ponto do material e a jornada daqui em diante só terão sentido</p><p>se forem além de um simples conhecimento acumulado.</p><p>O campo do conhecimento teológico jamais pode �car parado no tempo, mas deve</p><p>dialogar com as implicações que as religiosidades trazem para os nossos dias e</p><p>permitir fazer perguntas e questionamentos sobre a nossa postura diante da fé o</p><p>do tempo. Todo conteúdo, principalmente esse que você estudará agora, serve</p><p>como um ponta pé inicial para entrar em assuntos que, muitas vezes, não damos a</p><p>devida importância e atenção. Muitos deles, como o problema do preconceito,</p><p>consideramos já resolvidos, simplesmente porque pensar melhor sobre eles nos</p><p>incomoda, nos impõe tempo e dedicação dos quais, invariavelmente, queremos</p><p>evitar.</p><p>Por �m, todo aluno de Teologia precisa estar atento às implicações de seus</p><p>conhecimentos no mundo atual, ainda mais quando eles podem contribuir para</p><p>amenizar ou acabar com o preconceito. Lembre-se: em algum momento, a religião</p><p>a qual você pertence passou ou passa por perseguições e injúrias. Por isso, é papel</p><p>dos teólogos estudar e desenvolver temas como esses que você verá e que vai</p><p>conduzir aos fóruns de discussão e tomadas de decisões.</p><p>Neste momento, precisamos retomar com você, aluno, as orientações que</p><p>anteciparam o desenvolvimento dos conteúdos da seção. Primeiro dissemos que</p><p>os conteúdos seguem uma ordem lógica, apresentando a origem do preconceito</p><p>na época da colonização; em seguida, como isso �cou impresso na sociedade e</p><p>como as religiosidades conseguiram resistir a partir de suas marcas étnicas; e, por</p><p>último, como o preconceito e a intolerância não podem mais ter espaço na</p><p>modernidade. Além disso, convocamos você a aproveitar cada leitura,</p><p>questionamentos, provocações dos textos, exercícios e interações com o</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>professor, pois, em hipótese nenhuma, as religiosidades africanas devem</p><p>ser</p><p>encaradas apenas como curiosidade cientí�ca ou expressões extravagantes. Pelo</p><p>contrário, essas religiosidades demandam mudanças de postura.</p><p>Pensemos juntos: se a Teologia pode ser vista ainda como uma disciplina do</p><p>conhecimento atual e atualizada, concorda que ela nunca pode se acomodar?</p><p>Como dissemos, ela deve dialogar com as implicações que as religiosidades trazem</p><p>para os nossos dias e permitir fazer perguntas e questionamentos sobre a nossa</p><p>postura diante da fé o do tempo.</p><p>Por �m, todo aluno de Teologia precisa estar antenado com as consequências de</p><p>seus conhecimentos no mundo atual, ainda mais quando podem contribuir para</p><p>amenizar ou acabar com o preconceito.</p><p>Porém, como mudar a nossa postura diante das religiosidades africanas a partir do</p><p>conhecimento mais detalhado de suas origens e desenvolvimento e de suas</p><p>implicações no mundo moderno? Qual seria um ponto inicial e exercício de</p><p>re�exão para pensarmos, como estudantes de Teologia, o lugar dessas</p><p>religiosidades e a necessidade de mudarmos nosso comportamento?</p><p>Não se dê por satisfeito: a Teologia pode ser mais relevante do que você imagina.</p><p>Unindo vozes, você contribuirá para que as religiosidades sejam respeitadas e</p><p>colocadas em seus devidos lugares de destaque no campo social e político, ou seja,</p><p>dentro dos contextos aos quais elas pertencem. Dessa forma, o trabalho teológico</p><p>também passa a ter maior relevância.</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>O PROBLEMA DA COLONIZAÇÃO RELIGIOSA SOBRE AS RELIGIÕES</p><p>AFRICANAS</p><p>As religiosidades africanas só conheceram paz enquanto estavam circunscritas nos</p><p>espaços de seu surgimento e desenvolvimento sem a interferência de colonizações</p><p>e explorações. Isso signi�ca dizer que podemos dividir a história dessas</p><p>religiosidades em dois momentos. Um primeiro período de independência, gerindo</p><p>seus próprios con�itos étnicos, sendo mais antigas do que qualquer outra</p><p>expressão religiosa, e, posteriormente, um tempo histórico ainda não �nalizado de</p><p>exploração, proibições e apagamento de identidades.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>O problema da colonização religiosa sobre as religiões africanas se confunde com</p><p>o problema da colonização e exploração europeia dos países africanos. O processo</p><p>de ocupação e exploração da África por vários países europeus se deu no período</p><p>da expansão marítima, por volta do século XV, e se estendeu até pelo menos a</p><p>metade do século XX. Mas, o momento de intensidade de exploração e aumento</p><p>da escravização de negros da África ocorreu entre o começo e o �m do século XIX.</p><p>A situação era tão trágica que, mesmo com as lutas, tratados e documentos que já</p><p>instituíam em muitos países a proibição da escravização de negros no �m do</p><p>século XIX, em 1884 ocorreu a “Conferência de Berlim”, que regulamentava a</p><p>“partilha da África” por países como Portugal, Espanha, Bélgica, França, Alemanha,</p><p>Grã-Bretanha e Itália. Sem nenhum escrúpulo, a África foi dividida para ser</p><p>explorada. Ainda mais trágico é saber que a maioria dos países africanos só</p><p>conseguiram independência dos colonizadores europeus na segunda metade do</p><p>século XX.</p><p>Ora, não precisamos fazer muito esforço para saber que a religião predominante</p><p>nesses países europeus é o cristianismo. Em alguns, predominava o cristianismo</p><p>católico romano, como em Portugal e na Espanha; em outros, como o Reino Unido</p><p>e a Alemanha, o protestantismo dividia espaço com o catolicismo entre os cristãos.</p><p>Muitos desses países, nos quais, na época, vigorava a monarquia, colonizaram e</p><p>exploraram em nome da coroa e de Deus.</p><p>A colonização e exploração da África causou dois prejuízos importantes sobre as</p><p>religiosidades africanas. O primeiro foi interromper o desenvolvimento natural</p><p>dessas religiosidades, que dependiam muito de seus territórios. O segundo</p><p>prejuízo foi a diáspora, isto é, o rapto de povos inteiros, tirados de seus territórios</p><p>e transferidos a terras estranhas para serem escravizados e realizarem trabalhos</p><p>forçados. Podemos dizer, então, que a ruptura para a continuidade identitária das</p><p>religiosidades africanas ocorreu dos dois lados do oceano: na África explorada e na</p><p>Europa branca e cristã. Ruptura que, se contada apenas cronologicamente,</p><p>perdurou por mais de 500 anos entre 1444, na descoberta do Cabo Verde, por</p><p>onde se fez a rota pelo continente africano, até meados do século XX.</p><p>O resultado foi o aniquilamento das religiões africanas, praticadas, hoje, por</p><p>menos de 13% da população. Com a diáspora, nasceram, nos países para onde</p><p>forçadamente os escravizados foram levados, as religiões de matriz africana, como</p><p>o candomblé, a umbanda, a santería cubana, o vodum no Haiti etc.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>O capítulo seguinte dessa história você já viu na Seção U3S1: o sincretismo entre</p><p>essas religiosidades e as grandes religiões expansionistas e universalistas como,</p><p>por exemplo, o cristianismo e o islamismo.</p><p>REFLITA</p><p>Tendo um contato mais detido com o que você leu até aqui, você consegue</p><p>imaginar quais razões levaram o cristianismo a demonizar as religiosidades</p><p>africanas? O que teria promovido o cristianismo a inventar, por exemplo,</p><p>que os orixás são demônios? Quais interesses colonialistas e exploratórios</p><p>se escondem por trás desse preconceito?</p><p>PRECONCEITO ESTRUTURAL</p><p>Antes de desenvolvermos a ideia de preconceito estrutural, devemos fazer um</p><p>apanhado geral e cronológico que emoldura e contextualiza esse tipo de</p><p>discriminação no Brasil, que atinge tanto as expressões culturais africanas,</p><p>afrodescendentes e negras em geral quanto suas expressões religiosas, como o</p><p>candomblé e a umbanda, por exemplo. Faremos dessa forma, porque cada país,</p><p>cada região ou território, possui suas próprias condições históricas, sociais e</p><p>culturais nos desdobramentos da construção do preconceito racial. Isso é</p><p>importante, pois, embora muitas dimensões na questão racial tenham</p><p>semelhanças e paralelos, cada contexto deve ser examinado de forma particular.</p><p>Quer saber um exemplo que mostra como o preconceito precisa ser examinado de</p><p>modo a respeitar seus contextos? Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos</p><p>houve a escravização de negros para trabalhos forçados. Mas, a forma como esse</p><p>problema se desenvolveu e como afeta atualmente a sociedade de cada país é</p><p>diferente. Alguns elementos são parecidos, mas muitos outros são diferentes e</p><p>precisam ser tratados de forma própria. Nos Estados Unidos, por exemplo, os</p><p>negros representam cerca de 14% da população. Já no Brasil, a população</p><p>compreende 56% do total. A força de luta e exigências por políticas públicas nos</p><p>Estados Unidos muitas vezes é maior do que no Brasil, apesar de ter uma minoria</p><p>de população negra. Ainda que no Brasil a população negra seja maior, muitas</p><p>vezes as lutas e as exigências por políticas públicas enfrentam mais obstáculos,</p><p>muitas vezes entre os próprios negros, justamente por causa do preconceito</p><p>estrutural.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Para entender essa moldura que contextualiza o preconceito no Brasil, lembremos</p><p>que a escravização de negros no Brasil foi densa, recorrente e longa. Densa porque</p><p>envolveu um número enorme de indivíduos escravizados; recorrente porque</p><p>praticamente não houve trégua ou parada; e longa porque durou muito tempo, a</p><p>ponto de colocar o Brasil como um dos últimos países a abolir a escravização de</p><p>negros. Além disso, mesmo após a Lei Áurea, no Brasil de 1888, a escravidão</p><p>permaneceu em muitos lugares e, onde não permaneceu, deixou um enorme</p><p>contingente de negros sem emprego, sem oportunidades, sem documentos nem</p><p>direitos. Ou seja, o �m do escravismo atirou o contingente de africanos e afro-</p><p>brasileiros para a margem do sistema social. Muitos deles tiveram que voltar a</p><p>trabalhar em subempregos para se manterem de algum modo, mas ainda sendo</p><p>explorados e maltratados. Muitos permaneceram sendo explorados nas casas</p><p>grandes porque sabiam que não teriam como sobreviver em outro lugar.</p><p>Com a declaração o�cial do �m da escravização, veio a proibição de mão de obra</p><p>escravizada, fazendo com que fazendeiros e grandes</p><p>produtores de café e cana de</p><p>açúcar tivessem que recorrer à mão de obra de imigrantes europeus. Vindos de</p><p>navios de vários países da Europa, se instalaram principalmente em São Paulo e</p><p>Rio de Janeiro para, em seguida, se espalharem por todo o Brasil.</p><p>Essa nova situação econômica aumentou ainda mais o abismo social entre brancos</p><p>e negros no Brasil, pois os ex-proprietários de escravos consideravam que os</p><p>negros libertos não eram merecedores de um salário pelo seu trabalho.</p><p>Evidentemente isso não se relaciona á ideia de que a mão de obra de brancos</p><p>europeus era melhor do que a de negros, mas sim com o preconceito que foi se</p><p>aprofundando com uma ideologia eugenista, em vogo na época. Mas o que é</p><p>eugenismo?</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Dentre os muitos imigrantes que chegaram ao Brasil nos �ns do século XIX</p><p>e começo do século XX, vários foram nossos tataravós e bisavós. Muitos de</p><p>nós carrega um sobrenome de origem estrangeira (portuguesa, espanhola,</p><p>italiana, alemã, árabe, japonesa etc.). O fato de muitos de nossos</p><p>sobrenomes trazerem características da ancestralidade europeia</p><p>demonstra o quanto houve preconceito e marginalização dos “sobrenomes”</p><p>que poderiam trazer a ancestralidade indígena ou negra. Evidentemente,</p><p>muitos de nós preferimos carregar uma falsa nobreza europeia no</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>sobrenome do que valorizar que somos todos resultados de uma mistura</p><p>das três matrizes étnicas: indígena, negra e europeia, com suas outras</p><p>mestiçagens.</p><p>Veja o artigo Por um branqueamento mais rápido: identidade e racismo nas</p><p>narrativas do álbum do cinquentenário da imigração italiana no sul do</p><p>Brasil, de Luís Fernando Beneduzi (2011).</p><p>A chegada de imigrantes europeus brancos veio ao encontro de uma ideologia</p><p>racial já presente em vários países e no Brasil: o eugenismo ou darwinismo social.</p><p>O eugenismo, que signi�ca “bem-nascido”, teve sua base pretensamente teórica no</p><p>evolucionismo darwinista, por isso chamado de darwinismo social. Essa ideologia</p><p>defende que a raça branca é pura e superior às outras raças e, portanto, mais</p><p>evoluída. Com isso, a elite branca e rica do Brasil teve a ideia de defender o</p><p>branqueamento da população como fator de desenvolvimento do país, em</p><p>detrimento de outras raças, principalmente a negra, por considerá-la preguiçosa e</p><p>degenerada. Essa tentativa de branqueamento ou clareamento da população</p><p>ganhou o nome de “ideologia do branqueamento racial”.</p><p>Você se lembra que dissemos que a escravização no Brasil apresentava três</p><p>características importantes para entendermos o preconceito estrutural? Que a</p><p>escravização foi densa, recorrente e longa? Pois então, essas três características</p><p>juntas duraram tanto tempo, que contribuíram para criar um cenário social que</p><p>incentivava um comportamento de preconceito contra o negro. Essa paisagem</p><p>social foi tão comum durante mais de 400 anos no país, que, aos poucos,</p><p>condicionou a mentalidade do povo. Por isso se tornou estrutural, isto é, passou a</p><p>fazer parte da estrutura social e cultural do brasileiro. Ao se tornar mentalidade, se</p><p>tornou regra, ou seja, algo normatizado (virou regra) e naturalizado (nasceu assim),</p><p>como se as coisas desde sempre fossem desse jeito, como algo dado, sem</p><p>invenção humana. E, ao se aprofundar no ambiente social, passou a ser também</p><p>um elemento de construção da subjetividade, a ponto de imprimir marcas no</p><p>inconsciente coletivo da cultura brasileira e, por sua vez, no inconsciente individual.</p><p>Ao se tornar parte do inconsciente, naturalizado e normalizado, as pessoas se</p><p>tornaram racistas, muitas vezes sem perceber. É o que chamamos de viés</p><p>ideológico, pois o viés tem justamente essa conotação de parecer normal, uma vez</p><p>que habita o inconsciente das pessoas.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Toda essa sequência de processos sociais resultou no que podemos chamar de</p><p>racismo estrutural, isto é, um racismo tão entranhado nas relações sociais que faz</p><p>parte da estrutura cultural. E qual é uma das mais importantes características de</p><p>uma estrutura cultural? Que seus constituintes se organizam numa lógica</p><p>apriorística e, por isso, não reclamam ser pensados ou re�etidos. São tratados</p><p>como normais, como dados desde sempre. Quanto mais um elemento cultural for</p><p>compreendido como normal, mais ele será inconsciente. É por isso que muita</p><p>gente diz que não tem preconceito, mas são surpreendidas usando expressões e</p><p>ideias preconceituosas sem perceberem. Na psicanálise, esse tipo de fala que</p><p>causa surpresa é chamada de ato falho ou chiste, algo dito “sem querer” que revela</p><p>dinâmicas inconscientes. Por exemplo, é comum ouvir “eu não sou preconceituoso,</p><p>eu até tenho amigos negros que são gente boa” ou “ah, ele é negro, mas é</p><p>trabalhador”. Mesmo sem dizer palavra, demonstramos preconceito com gestos,</p><p>por exemplo quando vemos um homem negro na rua e decidimos atravessar ao</p><p>outro lado e passar longe, com medo de que seja um assaltante ou estuprador.</p><p>ASSIMILE</p><p>No Brasil, existe uma concepção aparentemente positiva nas relações entre</p><p>brancos, negros e pardos denominada democracia racial. Vamos dar dois</p><p>exemplos: o futebol e o carnaval. É muito comum dizer, por aqui, que o</p><p>futebol, apesar de ter sua origem ligada à elite branca britânica, foi</p><p>assimilado no Brasil e passou a ser um exemplo de que em nosso país não</p><p>existe racismo, pois todos, sem discriminação de raça e religião, têm</p><p>oportunidade de torcer e jogar. O outro espaço onde a democracia racial</p><p>ocorreria é no carnaval que, apesar de ter origem negra, admite todas as</p><p>raças e permite a participação de todas as pessoas. No carnaval, pessoas de</p><p>todas as etnias e classes sociais têm o mesmo direito de se divertir.</p><p>Portanto, a democracia racial seria uma demonstração de que, no Brasil,</p><p>não existe racismo.</p><p>Porém, sabemos que isso não é verdade. A noção de que futebol e carnaval</p><p>são exemplos de “democracia racial” é desmentida pela realidade. No</p><p>futebol, tanto em sua chegada ao Brasil, quando só brancos podiam jogar</p><p>(o Vasco da Gama foi o primeiro clube a quebrar essa regra), quanto</p><p>atualmente, o racismo ainda é comum. No carnaval, a elite branca ainda</p><p>domina os lugares privilegiados de diversão (salas VIP, camarotes etc.) e</p><p>procura esconder, pelas mídias e espaços de comunicação, as origens afro-</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>brasileiras da festa. No momento, um outro jeito de usar a falácia da</p><p>democracia racial é encontrado nas redes sociais. No decorrer da “black</p><p>lives matter” (vidas negras importam), muitas pessoas justi�caram que,</p><p>acima da vida negra, a vida humana é que deveria ser defendida, porque</p><p>“todos somos humanos” – um jeito de desquali�car o movimento negro,</p><p>como se todos pudessem ser tratados da mesma forma. Novamente a</p><p>realidade desmente essas possibilidades enquanto o preconceito e o</p><p>racismo estruturais não forem combatidos.</p><p>Outros comportamentos revelam o preconceito estrutural, como rotular ou</p><p>estereotipar o lugar do negro na sociedade. Esse tipo de comportamento promove</p><p>uma falsa expectativa do lugar que o negro deve ocupar e quais papéis deve</p><p>desempenhar. Por exemplo, pensar que o lugar do negro é ser empregado e nunca</p><p>patrão; que é normal esperar que uma mulher negra desempenhe o papel de</p><p>empregada doméstica; que negros que estão em um carro de luxo devem ser</p><p>suspeitos etc. Infelizmente, esse preconceito é reforçado pelas mídias como o</p><p>cinema, a literatura, a televisão e outras expressões culturais.</p><p>AS RELIGIOSIDADES AFRICANAS COMO MARCA ÉTNICA</p><p>Percebamos que algumas linhas de pensamento e alguns conceitos básicos</p><p>perpassaram quase todos os temas que desenvolvemos sobre as religiosidades</p><p>africanas. Um desses conceitos é que essas religiosidades estão inseridas em uma</p><p>cosmovisão muito bem amparada em três vertentes: a natureza, a ancestralidade e</p><p>a territorialidade. Você lembra que citamos e desenvolvemos cada uma dessas</p><p>vertentes ao longo da disciplina? Retomemos então.</p><p>Quase todas as religiosidades africanas e suas mitologias têm uma ligação muito</p><p>forte com a natureza, basta</p><p>ver suas entidades e divindades, como os orixás, que</p><p>são representações das forças e fenômenos da natureza. A ancestralidade é outro</p><p>ponto em comum, no respeito e preservação da memória dos ancestrais, inclusive</p><p>com rituais que convidam os espíritos dos mortos a ajudarem a decidir situações</p><p>importantes para uma tribo ou comunidade. Por �m, a terceira vertente, que diz</p><p>respeito à territorialidade onde essas religiosidades foram sendo desenvolvidas e</p><p>ganhando suas próprias características.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Agora vamos pensar juntos. Se você se atentar às três vertentes, consegue deduzir</p><p>como elas se convergem para a concepção de etnia? Não é difícil entender. Mas,</p><p>para isso, que tal fazermos uma comparação? Veja, por exemplo, as chamadas</p><p>“grandes religiões” como o cristianismo ou o islamismo que, como dissemos, são</p><p>detentoras da maior parte dos crentes do mundo. Nessas duas religiões, existe</p><p>uma certa universalidade de crenças e rituais, pois o controle sobre como crer e</p><p>cultuar é maior, mesmo sendo religiões muito espalhadas pelo planeta. Existem</p><p>diversidades? Sim, mas, todas elas estão mais ou menos submetidas a padrões de</p><p>crenças e rituais reguladas por um sacerdote, ou Papa, ou tradições históricas, ou</p><p>ainda por um livro sagrado. Isso signi�ca que é possível perceber um padrão</p><p>“globalizado” de crenças e rituais. Desse modo, ainda que existam adaptações</p><p>étnicas, isto é, ainda que essas crenças e rituais passem por enculturação, elas</p><p>permanecem unas.</p><p>Já no caso das religiosidades africanas, esse controle de crenças e rituais é muito</p><p>local, tendo como características os costumes e visão de mundo (cosmovisão)</p><p>tipicamente da comunidade. A regra antropológica para etnia é mais ou menos a</p><p>seguinte: quanto mais local e territorial, mais a identidade étnica será marcada por</p><p>características linguísticas, de costumes e crenças igualmente locais e territoriais, e</p><p>quanto mais global a identidade étnica, mais características uniformes terão as</p><p>identidades de língua, costumes e crenças.</p><p>A relação com a natureza, a ancestralidade e o território estão na origem étnica</p><p>das religiosidades africanas. Tal relação é muito particular em cada tribo ou</p><p>comunidade, compartilhada dentro de limites muito próprios e pouco adaptável</p><p>para a globalização. Logo, as marcas étnicas são indissociáveis das expressões</p><p>religiosas, do mesmo modo que as expressões religiosas carregam as suas marcas</p><p>étnicas.</p><p>Contudo, como as religiões de matriz africana conseguiram preservar suas marcas</p><p>étnicas no decorrer da escravização? Uma vez que os escravizados não estavam</p><p>mais em seu território, eram proibidos de realizar publicamente seus cultos e</p><p>manifestar suas crenças, como mantiveram suas identidades étnicas? A solução foi</p><p>muito criativa. Entre os próprios crentes representantes de religiosidades</p><p>diferentes, houve um acordo em que cada religião contribuía com algumas de suas</p><p>características, principalmente aquelas que eram em comum. E adivinhe quais</p><p>características eram em comum e que colaboraram para manter a identidade</p><p>étnica? A relação com a natureza, com a ancestralidade e com a territorialidade.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Embora não estivessem mais em seu próprio território, conseguiram manter as</p><p>identidades implementando espaços sagrados adaptados, como o terreiro, que é</p><p>um lugar privilegiado de manutenção da relação com a ancestralidade e com as</p><p>forças da natureza, o que nos leva a pensar que o terreiro não é só um espaço</p><p>físico para preservar a identidade étnica, mas um espaço social que permite o</p><p>ressurgimento e a revalorização de símbolos, crenças e rituais de um povo.</p><p>Na mentalidade moderna, marcada pela racionalização, pelo comportamento</p><p>cético e pela secularização, não existe espaço para a crença em ancestrais, nas</p><p>forças da natureza nem em rituais religiosos. Apesar disso, ainda que as religiões</p><p>de matriz africana também tenham passado por adaptações pela necessidade de</p><p>sobreviverem ao meio urbano – o que exige renúncias e assimilações –, em geral</p><p>são bastante resistentes à mentalidade moderna. Isso torna mais autêntico o</p><p>modo como essas religiosidades devem ser valorizadas não só como crenças</p><p>religiosas, mas como marca étnica do território africano.</p><p>A (IN)TOLERÂNCIA E O RESPEITO RELIGIOSO AO REDOR DO MUNDO</p><p>Para abordarmos esse tema sobre a tolerância ou intolerância religiosa,</p><p>marcadamente a que envolve as religiões de matriz africana, devemos resgatar a</p><p>ideia de modernidade que você, aluno, acabou de ler. Note que dissemos que é</p><p>característico da modernidade “não se importar” com crenças religiosas porque faz</p><p>parte de seus fundamentos a exaltação da racionalidade e da ciência. Tanto é</p><p>assim que, na discussão sobre o papel do Estado, foi quase um ponto comum</p><p>a�rmar que as crenças religiosas não tinham muito a contribuir. Ou seja, na</p><p>política moderna foi uma tendência colocar as crenças religiosas de lado. No</p><p>máximo, cabia ao Estado respeitar e dar espaço de crença e culto a todas as</p><p>religiões, uma vez que essa passou a ser uma questão de fórum íntimo, isto é, algo</p><p>que deveria ser escolha de cada sujeito e não obrigação, por força de lei do Estado.</p><p>Isso signi�ca que todas as religiões deveriam ser toleradas e, dentro dos acordos</p><p>sociais de cada Constituição, leis máximas de um país, terem o direito de</p><p>manifestação e liberdade de culto sem perseguição. Cabe então ao Estado a</p><p>função de preservar, no território em que atua, o direito de liberdade religiosa. É o</p><p>que chamamos de “Estado laico”, ou de “Estado leigo”, que não adota uma religião</p><p>única de crença, ao contrário, se exime de adotar uma religião de preferência. É o</p><p>mesmo que dizer que o Estado deve escolher não ter religião, mas manter a ordem</p><p>social para que todas as religiões tenham liberdade.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Porém, na prática será que é assim? Neste ponto encontramos um paradoxo:</p><p>Como um Estado pode se estabelecer laico, mas, ao mesmo tempo, dar</p><p>preferência à uma religião e permitir que outras religiões sejam estereotipadas e</p><p>perseguidas? Infelizmente, é isso o que acontece com vários países ditos modernos</p><p>ao redor do mundo. Embora um país tenha uma Constituição moderna que</p><p>garante que o Estado deve ser laico e o cidadão tenha o direito inalienável à</p><p>liberdade religiosa, na prática, invariavelmente, o Estado dá preferência pela</p><p>religião majoritária, que abrange a maior parte da população. Veja, no Brasil, que</p><p>boa parte dos feriados nacionais, símbolos e sistemas de poder estão atrelados a</p><p>uma só religião: o cristianismo. Na verdade, a depender da religião, as leis serão</p><p>mais �rmes ou mais relaxadas. Garantirão mais proteção e liberdade de culto e</p><p>expressão, dependendo da in�uência social que exerce.</p><p>Em geral, as religiões de matriz africana são minoritárias, muitas vezes</p><p>perseguidas, estereotipadas e avaliadas pejorativamente. Di�cilmente encontram</p><p>espaços para exercer algum poder político e são, muitas vezes, vistas como</p><p>religiões extravagantes. Inclusive, a intolerância é fruto do desconhecimento e da</p><p>ignorância a respeito das origens e contribuições dessas religiosidades africanas</p><p>para a cultura em várias partes do mundo.</p><p>ASSIMILE</p><p>A França e a Bélgica foram países que exploraram vários territórios</p><p>africanos e, de lá para cá, modernizaram bastante a sua concepção de</p><p>papel do Estado. Tanto que é muito comum vários �lhos e netos de</p><p>imigrantes negros terem nascido na França, assim como atuais imigrantes</p><p>serem naturalizados franceses e belgas. Basta ver como nas últimas Copas</p><p>do Mundo de futebol as seleções da França e da Bélgica tinham jogadores</p><p>naturalizados (exemplos: Mbappé, Pogba, Lukaku e Fellaini). Porém, a</p><p>realidade para esses jogadores é bem dura e geralmente são alvos de</p><p>preconceito, inclusive religioso.</p><p>No caso do Brasil, é inadmissível que tenhamos tantas in�uências africanas em</p><p>nossa cultura e suas manifestações religiosas sejam tão desrespeitadas, e a</p><p>intolerância seja uma marca negativa em nossas relações sociais. Não</p><p>é incomum,</p><p>como já citamos, que as religiosidades africanas sejam demonizadas, percebidas</p><p>como expressões religiosas relacionadas com o mal. O que promove a intolerância</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>sustentada por um imaginário perverso, criado por ideias equivocadas de</p><p>superioridade e por uma realidade que continua encarando toda expressão negra</p><p>como pior, menor e bizarra.</p><p>Talvez as melhores saídas para superarmos a intolerância contra as religiões de</p><p>matriz africana sejam aquelas que são promovidas por ações que transformem o</p><p>nosso comportamento. Duas dessas saídas podem ser a observância ao Estado</p><p>laico e a educação para a liberdade e não só para a tolerância. Enquanto o Estado</p><p>escolher “lados”, as religiões de matriz africana sempre estarão desprotegidas e</p><p>marginalizadas. Enquanto a educação não se conscientizar de que ela mesma</p><p>deveria ser fruto dos saberes das culturas africanas, continuará privilegiando o</p><p>conhecimento racionalista e incentivando a considerar outros saberes como</p><p>bizarros e inúteis.</p><p>O conhecimento das religiosidades africanas, seu desenvolvimento e mudanças</p><p>forçadas pelas quais tiveram que sofrer com a diáspora e escravização, nos</p><p>levaram a compreender que precisamos urgentemente de mudanças de postura</p><p>em relação à essas religiosidades, principalmente quando o resultado é o</p><p>preconceito e a intolerância.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>Ao ler o texto de Pacheco e Silva podemos concluir que seria correto dizer:</p><p>A�rmar que o racismo no Brasil é sutil, signi�ca fechar os olhos para a crueldade a que foi historicamente</p><p>submetida a população negra. Veri�cam-se, então, dois mecanismos que se conjugam, traduzindo algumas</p><p>facetas do racismo brasileiro. Por um lado, temos a ‘quase invisibilidade’ da questão racial. Embora os inúmeros</p><p>dados demonstrativos da situação injusta e crítica vivenciada pelos negros no Brasil estivessem em desníveis há</p><p>décadas, somente nos últimos anos eles foram trazidos a público, no bojo dos debates sobre a implementação</p><p>de políticas a�rmativas, em decorrência das iniciativas do movimento negro. Por outro lado, coloca-se a crença</p><p>no mito da democracia racial e na ideia de que o Brasil teria superado a escravidão e o racismo por meio do</p><p>processo de miscigenação que, por sua vez, nos teria livrado de problemas existentes apenas em outras</p><p>paragens, tais como Estados Unidos ou a África do Sul.</p><p>— (PACHECO; SILVA, 2007, p. 6)</p><p>“</p><p>a.  A estatística sobre o racismo no Brasil demonstra que esse é um problema que não foi superado e só nos</p><p>últimos anos vieram à público.</p><p>b.  Não existe racismo no Brasil por causa de sua invisibilidade.</p><p>c.  Não podemos falar que existe racismo porque a miscigenação nega essa possibilidade.</p><p>d.  Políticas a�rmativas, como as cotas raciais, são desnecessárias no Brasil.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>e.  Na África do Sul e nos Estados Unidos o problema do racismo é menor do que no Brasil.</p><p>Questão 2</p><p>Odiar alguém por sua cor, religião ou orientação sexual não é “natural”, ou seja,</p><p>não nascemos com esse sentimento. Os sujeitos aprendem a fazê-lo, o que revela</p><p>o papel importante da educação em todos os níveis da sociedade. Desse modo,</p><p>assim como foram instruídos a odiar, podem aprender a amar.</p><p>Tanto o texto quanto a música estão falando sobre discriminação racial.</p><p>Considerando o racismo no Brasil, assinale a alternativa correta.</p><p>[...] E de pai pra �lho o racismo passa.</p><p>Em forma de piadas que teriam bem mais graça.</p><p>Se não fossem o retrato da nossa ignorância.</p><p>Transmitindo a discriminação desde a infância.</p><p>E o que as crianças aprendem brincando.</p><p>É nada mais nada menos do que a estupidez se propagando.</p><p>Qualquer tipo de racismo não se justi�ca.</p><p>Ninguém explica.</p><p>Precisamos da lavagem cerebral pra acabar com esse lixo que é uma herança cultural [...].</p><p>— (GABRIEL, O PENSADOR. Lavagem Cerebral. Rio de Janeiro: Sony Music: 1993)</p><p>“</p><p>a.  O texto diz que o racismo é irreversível e a música a�rma que o racismo é uma herança cultura.</p><p>b.  Historicamente o Brasil nunca teve problemas com o racismo, tanto que isso sempre foi tratado com</p><p>piadas e brincadeiras, como sugere a música.</p><p>c.  A música indica que o racismo é uma herança que é aprendida de pai para �lho e o texto a�rma que</p><p>assim como as pessoas aprenderam a ser racistas, podem aprender a não ser mais.</p><p>d.  Com o �m da escravização no �m do século XIX, o racismo não teve chance de ser aprendido, como</p><p>a�rmam tanto a música quanto o texto.</p><p>e.  O texto a�rma que a tolerância pode ser aprendida, enquanto a música indica que a lavagem cerebral é</p><p>uma solução para acabar com o racismo.</p><p>Questão 3</p><p>A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, de�ne que o currículo de estabelecimentos</p><p>de ensino fundamental e médio obrigatoriamente deve incluir o ensino sobre</p><p>História e Cultura Afro-Brasileira. Também determina que o conteúdo</p><p>programático deve incluir a História da África e dos africanos, a luta dos negros no</p><p>Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Essa</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALMEIDA, S. Racismos estruturais (feminismos plurais). São Paulo: Jandaíra, 2019.</p><p>AMSELLE, J. L.; M’BOKOLO, E. (Orgs.). No centro da etnia: etnias, tribalismo e</p><p>Estado na África. Petrópolis: Vozes, 2017.</p><p>BENEDUZI, L. F. Por um branqueamento mais rápido: identidade e racismo nas</p><p>narrativas do álbum do cinquentenário da imigração italiana no sul do Brasil.</p><p>Revista Antíteses, Londrina, v. 4, n. 7, p. 13-30, 2011. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3idMAib. Acesso em: 19 jun. 2021.</p><p>ESTREPO, E.; PINTO, S. R. Racismo estrutural: experiências da relação do estado</p><p>com afrodescendentes na América Latina. Curitiba: Editora CRV, 2020.</p><p>foi uma maneira de resgatar a contribuição do povo negro para a história e cultura</p><p>brasileiras, além de incentivar o calendário escolar a instituir o dia 20 de novembro</p><p>como data comemorativa do Dia da Consciência Negra.</p><p>A Lei 10.639 se tornou um precedente para as políticas públicas no Brasil,</p><p>principalmente as políticas públicas no campo da educação. Nesse sentido, e a</p><p>partir dos impactos práticos descritos acima, essa lei representa uma mudança</p><p>importante na educação e na sociedade porque:</p><p>a.  na continuação do texto da Lei 10.639, ao de�nir que no currículo de estabelecimentos de ensino</p><p>fundamental e médio obrigatoriamente deve estar incluso o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira,</p><p>também a�rma que o problema do racismo acaba imediatamente, uma vez que está estabelecido no Código</p><p>Penal que racismo é passível de prisão.</p><p>b.  se coaduna com as políticas a�rmativas que contribuem para resgatar o que foi negado para a cultura</p><p>negra durante muito tempo, assim como abre possibilidades para que os alunos superem a ignorância</p><p>sobre a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na</p><p>formação da sociedade nacional.</p><p>c.  na continuação do texto da Lei 10.639, ao de�nir que no currículo de estabelecimentos de ensino</p><p>fundamental e médio obrigatoriamente deve estar incluso o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira,</p><p>também a�rma que o conteúdo programático de História deve incluir não só história da África e dos</p><p>africanos, mas também a História dos avanços que os países europeus trouxeram para a África em sua</p><p>exploração e colonização.</p><p>d.  se coaduna com as políticas a�rmativas que contribuem para resgatar o que foi negado para a cultura</p><p>negra durante muito tempo, assim como abre possibilidades para que as escolas decidam se querem ou</p><p>não ter em seus currículos a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra</p><p>brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.</p><p>e.  o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, assim como a História da África e dos africanos, a luta</p><p>dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, através de</p><p>uma lei, foi uma forma de obrigar as escolas a ensinar exclusivamente aos estudantes brancos como todos</p><p>eles são racistas e estão</p><p>o tempo todo sob pena da lei do Código Penal.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/viewFile/10120/8828</p><p>GOMES, et. al. Wakanda, Afrofuturismos e Raça: o que diz a narrativa de Pantera</p><p>Negra sobre estar negro no mundo?. In: Congresso de Ciências da Comunicação na</p><p>Região Sudeste, 14, 2019, Vitória, ES. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos</p><p>Interdisciplinares da Comunicação. São Paulo: Intercom, 2019, p. 1-15.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3z3J8NE. Acesso em: 19 jun. 2021.</p><p>HALL, G. M. Escravidão e etnias africanas nas Américas: restaurando os elos.</p><p>Petrópolis: Vozes, 2017.</p><p>LOPES, N. Enciclopédia brasileira da diáspora africana. 4. ed. São Paulo: Selo</p><p>Negro, 2011.</p><p>MARMELSTEIN, G. Discriminação e preconceito implícito. Salvador: Jus Podium,</p><p>2021.</p><p>MARTIN, W. O império das seitas: v. 1, 2, 3 e 4. Curitiba: Betânia, 2019.</p><p>NASCIMENTO, E. L. (Org.). A matriz africana no mundo. São Paulo: Selo Negro,</p><p>2008.</p><p>OLIVEIRA, R. Seitas e heresias: Um sinal do �m dos tempos. Rio de Janeiro: CPAD,</p><p>2014.</p><p>PACHECO, J. Q.; SILVA, M. N. O negro na universidade: o direito à inclusão.</p><p>Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2007.</p><p>SOUZA, C. Racismo estrutural, dissimulação do preconceito e pentecostalismo</p><p>brasileiro. Re�exus, Vitória, Ano 9, n. 14, p. 275-293, 2015. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/36SLMdn. Acesso em: 19 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>https://portalintercom.org.br/anais/sudeste2019/resumos/R68-1064-1.pdf</p><p>http://revista.faculdadeunida.com.br/index.php/reflexus/article/view/312</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>RITOS DE CURA E REMÉDIOS: QUANDO A MEDICINA NÃO É</p><p>ACESSÍVEL</p><p>Rogério Gonçalves de Carvalho</p><p>Imprimir</p><p>CONVITE AO ESTUDO</p><p>Caro aluno,</p><p>Muitas vezes a gente encara a vida e os nossos conhecimentos sobre ela como se</p><p>fosse sempre desse jeito. Não pensamos muito sobre as origens de nossas ideias</p><p>sobre comer, beber, trabalhar, estudar, acreditar. Mantemos um sistema de ideias,</p><p>valores e juízos relativamente uniforme, sem muita diversidade.</p><p>A vida moderna nos faz pensar que não existem saberes que em parte se parecem</p><p>com os nossos e em parte são muito diferentes. O preconceito e a presunção</p><p>fazem com que olhemos para outras formas de saber com desdém, como se</p><p>fossem formas ultrapassadas ou bizarras. É esse tipo de preconceito que recai</p><p>sobre os saberes das culturas africanas e sobre as religiões de matriz africana. Por</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>exemplo: acreditamos deter o suprassumo do conhecimento sobre a saúde, a</p><p>medicina e suas formas terapêuticas. Porém, veremos, nesta unidade, que não é</p><p>bem assim. Os saberes sobre saúde e cura presentes nas culturas africanas e nas</p><p>religiões de matriz africana têm muito a nos ensinar sobre o que é saúde coletiva,</p><p>acolhimento comunitário, saúde integral etc.</p><p>Enquanto estamos discutindo meios de resolver nossos con�itos ecológicos para</p><p>preservar a natureza em meio às formas predatórias dos recursos naturais, as</p><p>tradições e saberes africanos intrinsicamente já possuem uma relação amistosa e</p><p>sustentável com a natureza. São cosmovisões diferentes. Enquanto o paradigma</p><p>moderno ocidental enxerga a total separação entre o ser humano e a natureza –</p><p>aquele se sobrepondo a esta –, a cosmovisão africana entende que o ser humano é</p><p>parte integrante da natureza e não pode ser separado dela.</p><p>Os saberes das culturas africanas e das religiões de matriz africana são tão</p><p>dinâmicos e resistentes que, mesmo diante da negação, expropriação e tentativa</p><p>de silenciamento, continuam presentes e in�uenciando outras culturas ao redor do</p><p>mundo. Veremos que o fato de muitas vezes não nos darmos conta dessa</p><p>in�uência, não signi�ca que ela não está ocorrendo, ainda que na forma de uma</p><p>“revolução silenciosa” que, aos poucos, se torna barulhenta, reclamando seus</p><p>direitos de voz e vez.</p><p>Não por acaso, a diversidade cultural africana e os saberes das religiões de matriz</p><p>africana in�uenciam e se tornam modelo de vida em várias regiões do planeta,</p><p>como Europa, América do Norte e América do Sul, principalmente o Brasil. Nesses</p><p>locais, há um claro reavivamento dessas religiões com o aumento de adeptos e</p><p>simpatizantes.</p><p>Por �m, toda a trajetória das religiões de matriz africana é marcada pela in�uência</p><p>e mitologia dos orixás. Observaremos que, diante da ausência cada vez maior da</p><p>mitologia dos antigos deuses europeus e do desgaste do cristianismo, os orixás se</p><p>tornaram uma alternativa pouco conhecida que traz aspectos ainda não bem</p><p>conhecidos por nós para repensar a vida moderna e as nossas pobres noções de</p><p>pertença e comunidade.</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Depois que você estudou parcialmente as culturas e as identidades sociais das</p><p>religiões tradicionais africanas e das religiões de matriz africana, que tal</p><p>compreender como essas culturas se estabeleceram de forma prática, isto é, no</p><p>cotidiano? Para isso, abordaremos os saberes dessas religiões, que muitas vezes</p><p>são diferentes e outras tantas são semelhantes aos nossos saberes. Por exemplo,</p><p>como será que essas religiões pensam e lidam com a questão da saúde, como a</p><p>medicina, os remédios, as doenças, os estilos de vida e até o tempo?</p><p>Perceba que existe uma linha discursiva que vai orientando e unindo cada texto</p><p>em direção à questão da saúde, pois a seção tem como premissa justamente os</p><p>ritos e remédios para a cura. Pensando nisso, você também irá se deparar com</p><p>informações e conhecimentos que permitirão re�etir e fazer questionamentos</p><p>sobre a nossa própria forma de encarar a saúde. Por exemplo, será que a noção de</p><p>saúde é igual em todos os lugares e culturas? A solução baseada na racionalidade</p><p>cientí�ca como a medicalização (saúde centrada em médicos) e a medicação é</p><p>sempre o melhor caminho? O que as religiões de matriz africana podem nos</p><p>ensinar sobre saúde coletiva e integral?</p><p>Em outros momentos do texto e de seu estudo, você vai se deparar com crenças</p><p>que não são muito diferentes das nossas quando estamos doentes. Remédios</p><p>caseiros funcionam? Como as religiões africanas usam remédios desse tipo,</p><p>geralmente acompanhados por algum ritual? Aliás, que tipos de plantas foram</p><p>utilizadas pelos negros na diáspora e que atualmente são fontes de vários tipos de</p><p>remédios e terapias? Com certeza você �cará surpreso.</p><p>Além disso, o fato de existir a falta de recursos e acesso à médicos em muitos</p><p>territórios, não signi�ca que não exista saberes sobre saúde e doença que devem</p><p>ser respeitados e, inclusive, copiados. Um desses saberes tem a ver com o estilo de</p><p>vida. Muitas de nossas discussões sobre a necessidade de ter um estilo de vida</p><p>saudável já está presente de forma concreta nas religiões de matriz africana, seja</p><p>no reequilíbrio da saúde espiritual ligada à saúde física, seja na integração das</p><p>medicinas tradicionais modernas com as medicinas tradicionais africanas. A</p><p>ampliação é mais preferida do que a exclusão, fato que tira aquela pecha que recai</p><p>sobre as religiões de matriz africana de que só acreditam em soluções mágicas.</p><p>Outro tema que você possivelmente achará interessante é a forma como as</p><p>religiões de matriz africana lidam com a questão do tempo relacionado à saúde.</p><p>Muito diferente da maioria de nós, que invariavelmente se prende ao presente e a</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>um futuro sempre incerto que gera angústias e doenças, as religiões de matriz</p><p>africana valorizam o passado e a inclusão dos antepassados ou ancestrais na</p><p>participação dos eventos e decisões. O passado não é só memória, é vivo e</p><p>presente.</p><p>Muitas ideias, comportamentos e conhecimentos que temos sobre a vida são</p><p>avaliados através das lentes da vida moderna. Por exemplo, como seria a vida sem</p><p>a luz elétrica? Faz menos de 150 anos que dominados a energia elétrica para</p><p>acender lâmpadas, ligar aparelhos eletrodomésticos e outras tecnologias que</p><p>dependem dessa energia. Simplesmente entramos em pânico quando falta.</p><p>Estamos tão</p><p>habituados, que quando nos esquecemos, tentamos acionar o</p><p>interruptor da lâmpada.</p><p>A vida moderna é marcada não só pela energia elétrica, mas também nos</p><p>in�uencia a ter novas formas de pensar o trabalho, o lazer, o transporte, a</p><p>comunicação, a saúde etc. E são cada vez mais rápidas as mudanças drásticas na</p><p>forma como encaramos a vida de acordo com o conhecimento atualizado. Não faz</p><p>muito tempo, no mundo do trabalho existiam sapateiros; no mundo dos</p><p>transportes os bondes; no da comunicação, o “orelhão com �cha”; no mundo da</p><p>saúde, a “sangria”.</p><p>Se por um lado esse conhecimento que vai se atualizando é positivo, por outro</p><p>lado é negativo. Primeiro, porque cria uma falsa ideia de que conhecimentos e</p><p>tecnologias mais atuais são superiores aos conhecimentos e tecnologias</p><p>anteriores; Segundo, ele nos dá a falsa sensação de que o conhecimento e a</p><p>tecnologia atuais podem preterir e abandonar conhecimentos e tecnologias de</p><p>outras épocas e culturas. Apesar de o conhecimento e da tecnologia modernas</p><p>procurarem se impor como universais, não podemos cair na armadilha de</p><p>acreditar que não existem conhecimentos, saberes e tecnologias locais, dentro de</p><p>contextos próprios de cultura e trocas simbólicas sociais. Em outras palavras, as</p><p>sociedades são mais dinâmicas e diversas do que a modernidade pressupõe.</p><p>Vamos para um exemplo concreto na forma de obter conhecimento e, através</p><p>desse conhecimento, como se dá a prática. Digamos que o conhecimento que você</p><p>está obtendo em Teologia, a partir de métodos comprovadamente racionais e</p><p>modernos, servirá para a aplicação pro�ssional, seja dentro de um ambiente</p><p>religioso, acadêmico ou institucional. Foram alguns anos de estudo e, no �nal,</p><p>diplomado, a sociedade lhe dá garantias de que o seu saber está formalizado. Foi</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>difícil, não? Demandou tempo, sacrifícios, e sua sensação de que você “subiu de</p><p>nível” é indisfarçável. Agora imagine um pescador, daqueles que precisam pegar</p><p>um barco, ir para o alto mar e passar uma semana, um mês pescando, pois disso</p><p>depende a sua pro�ssão e sobrevivência. O pescador não frequentou nenhuma</p><p>escola ou curso formal para isso. Não ganhou nenhum diploma. Está fora do</p><p>padrão de obtenção de conhecimento conforme exige a formação moderna. Isso</p><p>faz com que as pessoas digam que o trabalho de pescador depende apenas de</p><p>esforço “braçal” e, por isso, não pode ter o mesmo valor que outra pro�ssão que</p><p>exigiu anos de estudo.</p><p>Vamos inverter as práticas pro�ssionais? A partir de hoje, você, com seu diploma</p><p>de Teologia, terá que pegar o barco do pescador e ir para alto mar e �car lá por um</p><p>mês. Você usará técnicas e saberes para os quais nunca foi preparado,</p><p>dependendo de conhecimentos adquiridos com bem mais do que alguns anos. Da</p><p>mesma forma, o pescador, com seus conhecimentos de pesca, terá que �car um</p><p>mês diante de �éis, alunos ou pessoas cheias de questionamentos teológicos, para</p><p>os quais o pescador não tem a mínima ideia de que possam existir possíveis</p><p>respostas em livros e re�exões que nunca teve a oportunidade de fazer.</p><p>A pergunta que podemos fazer é: qual desses saberes é melhor?</p><p>Então se prepare. Temos muito a aprender com as religiões de matriz africana</p><p>quando o assunto é saúde. Além disso, toda formação teológica que se preze traz</p><p>como tema essa questão, principalmente quando está relacionada à</p><p>espiritualidade.</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>OS RITUAIS RELIGIOSOS NAS CURAS DAS DOENÇAS</p><p>Para os nossos ancestrais, numa época de pouco desenvolvimento no</p><p>conhecimento da biologia e da medicina, os rituais religiosos eram formas</p><p>utilizadas habitualmente para a cura de doenças. Mas, não pense que esse jeito de</p><p>lidar com elas eram formas primitivas, ultrapassadas ou descartáveis. Muito pelo</p><p>contrário, a maioria das religiões preservam rituais e tradições de cura ainda</p><p>atualmente. Não é uma questão de ter ou não uma medicina moderna para atuar</p><p>na cura de doenças, é uma questão de sentido e recurso.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Embora a medicina tenha avançado para um estágio muito e�caz no tratamento e</p><p>cura de doenças, devemos ter em mente que ela é baseada quase que</p><p>exclusivamente em conceitos racionais e cientí�cos e nada em crenças religiosas.</p><p>Por outro lado, muitas vezes as pessoas não querem apenas um tratamento</p><p>“cientí�co”, ainda que possam aderir de bom grado a esse tipo de tratamento.</p><p>Querem também se sentir seguras, protegidas, crentes de que tudo está destinado</p><p>a “dar certo”.</p><p>Você se lembra de quando dissemos que uma das funções do ritual é a repetição</p><p>de gestos, porque acredita-se que, com essa repetição, o �el terá garantida a</p><p>invocação e ação das divindades ou da entrada no âmbito sagrado? É por isso que,</p><p>por exemplo, mesmo quem está em um tratamento para o câncer, também</p><p>procura suporte na fé e em crenças ritualizadas. É uma questão de sentido</p><p>existencial, de agregar uma linguagem que funciona desde tempos imemoriais; de</p><p>trazer, para perto do indivíduo, “forças” que ele não controla; de trazer simpatia e</p><p>empatia. Simpatia, pois o ser humano sempre aliou forças da natureza ao sentido</p><p>da vida, dando algum signi�cado que vai para além do concreto, do literal. É por</p><p>isso que se acredita em objetos, animais, fenômenos naturais, corpos celestes com</p><p>propriedades de intervir na vida cotidiana. E empatia, porque o indivíduo nunca</p><p>está sozinho em suas crenças, tendo, para dentro de sua forma de perceber o</p><p>mundo, outras pessoas que seguirão com ele uma jornada de busca pela cura.</p><p>Portanto, os rituais religiosos relacionados à busca de cura para doenças têm</p><p>principalmente uma função social, com suas próprias lógicas simbólicas e culturais,</p><p>que são instransponíveis ao discurso meramente cientí�co da modernidade.</p><p>Outro lado da questão é o recurso, ou seja, o que fazer quando se está, por</p><p>exemplo, com uma doença grave, mas não se tem recurso �nanceiro ou médico</p><p>para um tratamento? Não apenas porque o indivíduo não pode pagar, mas</p><p>também porque, em seu território, simplesmente não existe determinada</p><p>especialidade médica, tratamento ou medicamento. Isso denuncia a falácia que</p><p>a�rma que a medicina, os tratamentos e as medicações modernas existem para o</p><p>bem da humanidade. Como podem ter esse propósito, uma vez que há</p><p>desigualdade no acesso à cura de doenças pelo método moderno? O que pode ser</p><p>feito para suprir essa lacuna? Descartar os saberes das religiões e das culturas</p><p>locais?</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>A medicina moderna tem como base histórica esses conhecimentos, que devem</p><p>ser respeitados. Os rituais religiosos para a cura são próprios das religiões</p><p>africanas e das religiões de matriz africana. Eles possuem duas características: as</p><p>forças da natureza e a cosmovisão integrativa. Todo ritual de cura implica na noção</p><p>de que a vida está intimamente ligada às forças da natureza, espaço de potência</p><p>das divindades e entidades. Igualmente, a vida está ligada à religião e não se</p><p>diferem, são integradas sem distinção, é um todo.</p><p>De forma especí�ca, em uma religião de matriz africana, a saúde está baseada no</p><p>conceito de “axé”, a energia da vida, que pode estar equilibrada ou desequilibrada.</p><p>O desequilíbrio pode estar relacionado a uma ruptura com o mundo sobrenatural.</p><p>Para resgatar o reequilíbrio, alguns procedimentos rituais são aconselhados como</p><p>o jogo de búzios, o ebó, os banhos, as folhas e raízes medicinais, as benzeduras</p><p>etc. O desequilíbrio físico pode ter vindo de um desequilíbrio espiritual e o</p><p>desequilíbrio espiritual pode ter vindo de um desequilíbrio físico. Por isso, na</p><p>maioria das vezes, o �el não descarta o tratamento médico moderno e agrega o</p><p>tratamento ritualístico.</p><p>Entretanto, existe uma tradição nessas religiões que só recentemente está sendo</p><p>discutida como procedimento na saúde coletiva ao redor do mundo: as estratégias</p><p>de cuidado e prevenção. Elas evidenciam que a cura não pode �car limitada à</p><p>medicalização e medicação, isto é, ao trabalho exclusivo de médicos e tratamentos</p><p>a base de remédios produzidos</p><p>pela indústria farmacêutica. A saúde coletiva</p><p>prescreve o cuidado e a prevenção, práticas muito comuns em várias religiões que</p><p>ampliam o acolhimento do paciente como um indivíduo perpassado por muitos</p><p>sentidos e signi�cados existenciais, justamente no contexto das interações sociais</p><p>implicadas nas vivências religiosas e na promoção tanto do tratamento ritualístico</p><p>quanto do cuidado precoce.</p><p>É pela atenção básica à saúde que os terreiros acolhem, dão suporte, respeitam a</p><p>diversidade, a sabedoria dos mais velhos e fazem a inclusão daqueles que muitas</p><p>vezes não possuem, como recurso, a medicina moderna.</p><p>REMÉDIOS PRESENTES NA FLORA AFRICANA</p><p>Embora a medicina tradicional africana tenha sido difamada desde o</p><p>neocolonialismo, tachada de supersticiosa e pagã, na modernidade se descobriu</p><p>que certos tratamentos e remédios à base de plantas e raízes são e�cazes. A</p><p>própria biologia e química modernas con�rmaram as propriedades de várias</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>dessas plantas, que foram usadas pelos africanos a partir do conhecimento</p><p>empírico passado de geração em geração. Evidentemente, existe um interesse</p><p>econômico nessas “descobertas”, mas, mesmo assim, é um sinal de comprovação</p><p>de que muitas terapias utilizadas pela sabedoria africana não são supersticiosas.</p><p>Devemos ainda considerar o fato de que a farmacologia moderna não surgiu de</p><p>repente, inventando drogas como se tivessem saído diretamente de laboratórios.</p><p>Na realidade, a maior parte dos remédios industrializados possuem propriedades</p><p>e princípios ativos retirados de plantas e animais. Não por acaso, a palavra</p><p>“farmácia”, do grego “pharmacos”, signi�cava um princípio de equilíbrio dos</p><p>elementos presentes na natureza. Por esse princípio, um elemento em exagero ou</p><p>em falta pode signi�car a morte do paciente, ideia que se aproxima do conceito de</p><p>equilíbrio físico e espiritual presente nas religiões de matriz africana. Um mesmo</p><p>elemento pode produzir um remédio ou um veneno, dependendo da dose.</p><p>Os remédios da �ora africana não agem sozinhos, pois dependem dos rituais e</p><p>saberes atrelados; são parte de um todo na cosmovisão africana. Não é como se</p><p>pensa no mundo moderno, no qual se acredita que um remédio sozinho teria</p><p>propriedades curativas. Na verdade, também depende da adesão do indivíduo ao</p><p>tratamento, de sua crença em melhora, de ser acolhido por uma comunidade. Em</p><p>nosso cotidiano, preservamos certos saberes africanos e indígenas de plantas</p><p>terapêuticas. Veja, por exemplo a babosa como produto para o cabelo ou um</p><p>cicatrizante; a camomila como erva calmante; o gengibre para tosse, rouquidão; o</p><p>boldo como digestivo.</p><p>A medicina moderna prefere a terapia alopática, baseada em fármacos produzidos</p><p>industrialmente, à �toterápica, baseada em plantas. Além disso, o tratamento</p><p>alopático é feito de cima para baixo, ou seja, do médico para o paciente. O médico</p><p>detém o conhecimento cientí�co e apenas prescreve o remédio. Já na �toterapia</p><p>são envolvidos saberes compartilhados oralmente, saberes que se tornaram, com</p><p>o tempo, tradições coletivas. Quem prescreve não é o detentor único do</p><p>conhecimento nem representa um grupo fechado de sábios, mas o faz porque se</p><p>trata de um conhecimento comunitário, da coletividade. Quem dá autoridade a um</p><p>curandeiro, xamã, sacerdote, terapeuta é a tradição cultural e, no universo</p><p>religioso, as divindades e entidades. Não existe, no contexto, a legitimação do</p><p>conhecimento via diploma ou curso formal.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Uma curiosidade muito interessante e que deve ser ressaltada na abordagem da</p><p>história das in�uências africanas no mundo, principalmente gastronômicas e</p><p>medicinais, remete à época da diáspora de negros africanos. Apesar da omissão</p><p>historiográ�ca e apropriação de saberes africanos em territórios da Europa e as</p><p>Américas, os escravizados trouxeram muitas práticas medicinais com remédios de</p><p>plantas ou extraídos delas. É o caso do melão de São Caetano, que pode ser</p><p>empregado no tratamento de diabetes; um hibisco denominado popularmente</p><p>como caruru-azedo, azedinha ou vinagreira, para fazer um chá expectorante e</p><p>diurético; a polêmica Cannabis Sativa ou maconha, atualmente muito pesquisada</p><p>para terapias relacionadas a doenças e distúrbios no cérebro, com comprovada</p><p>e�cácia; a noz-de-cola, utilizada como estimulante, componente dos refrigerante</p><p>cola, como a Coca-Cola ou Pepsi-Cola; uma suculenta denominada no Brasil de</p><p>coreana, erva-da-costa, folha-da-fortuna, com a qual se pode produzir um veneno</p><p>cardiotóxico.</p><p>ASSIMILE</p><p>A Canabis Sativa, popularmente conhecida como maconha, se tornou um</p><p>tabu nas discussões sobre a sua aplicação no campo da saúde. Vários</p><p>países já liberaram seu uso para �ns terapêuticos, ou seja, o princípio ativo</p><p>na industrialização de medicamentos. É importante esclarecer que isso não</p><p>signi�ca usar o cigarro de maconha, mas sim os princípios farmacológicos</p><p>da Canabis, como os canabinóides.</p><p>Mais informações sobre os canabinóides você pode encontrar no artigo</p><p>Aspectos terapêuticos de compostos da planta Cannabis sativa, de Honório,</p><p>Arroio e Silva (2006).</p><p>ESTILO DE VIDA TRIBAL E MEDITAÇÃO</p><p>Em 1996 a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a</p><p>Cultura) e a OMS (Organização Mundial da Saúde), ambas agências especializadas</p><p>ligadas à ONU (Organização das Nações Unidas), declararam o�cialmente que a</p><p>cultura é um elemento fundamental a ser considerado quando o assunto é saúde.</p><p>A pandemia de Covid 19 muitas vezes é tratada como sindemia, isto é, quando se</p><p>leva em consideração os contextos sociais, econômicos e culturais na transmissão</p><p>e tratamento de uma doença. No Brasil, é possível observar como certas doenças</p><p>são mais prevalentes em pessoas em situação econômica desfavorável. Aliás, no</p><p>diagnóstico para a implantação de políticas públicas, um fator sempre considerado</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>é o IDH (índice de Desenvolvimento Humano). Ele marca a qualidade de vida de</p><p>uma população em um território especí�co, e um de seus critérios é a saúde das</p><p>pessoas.</p><p>Sendo assim, a cultura também pode ser considerada uma dimensão positiva ou</p><p>negativa para a saúde, uma vez que um grupo analisado possui hábitos e</p><p>costumes que promovem estilos de vida saudáveis ou insalubres. Porém, veja que</p><p>não estamos dizendo que estilo de vida saudável deve se pautar necessariamente</p><p>pela noção moderna do que seja saudável. As culturas têm noções bem diferentes</p><p>de saúde ou saudável. Quer um exemplo? Em nosso país, tomar banho todos os</p><p>dias é considerado um estilo saudável, o que não é verdade para muitos outros</p><p>países. Não é que as pessoas desses países não tomem banho, mas não o fazem</p><p>todos os dias. Se levantarmos a questão da qualidade de vida, a situação se</p><p>complica ainda mais. Como tomar banho ou lavar as mãos sem água? Abundância</p><p>e acesso à água são essenciais. Isso signi�ca que a cultura e questões econômicas</p><p>se entrecruzam e formam uma dimensão complexa quando falamos de estilo de</p><p>vida saudável.</p><p>Outro exemplo curioso é a Índia. Você sabia que quase 70% dos lares indianos não</p><p>têm banheiro? É um problema grave de saúde pública. E não é só uma questão</p><p>econômica, mas principalmente por pressão de grupos religiosos e certas castas.</p><p>Ou, ainda, o exemplo das meninas em alguns países da África, que são submetidas</p><p>à mutilação ou remoção do clitóris por questões religiosas e culturais. Muitas vezes</p><p>chegam ao óbito por infecção. Lembra que tratamos disso em outra unidade?</p><p>Mas, e quanto ao estilo de vida tribal ou sociedade étnica? Podemos dizer que as</p><p>regras culturais são as mesmas. Igualmente, poderemos encontrar, nos diversos</p><p>estilos tribais, pontos positivos e negativos para a saúde. Em comum, elas</p><p>oferecem aos indivíduos um ambiente de pertença, de acolhimento e motivação</p><p>para alcançar a cura de alguma doença. Porém, como em qualquer outra cultura, a</p><p>diversidade tribal e étnica não nos permite generalizar que todas possuem os</p><p>mesmos costumes. O que sabemos é que as comunidades promovem um</p><p>estilo de</p><p>vida inclusivo, utilizam os recursos disponíveis na natureza, invariavelmente</p><p>cultivam e criam o que comem e usam códigos sociais territoriais. As etnias são</p><p>diferentes, mas compartilham códigos sociais e culturais semelhantes para</p><p>estabelecer, por exemplo, o acesso à água, ao alimento cultivado, ou a outros</p><p>recursos – códigos que são comandados pela ordem social, que podem vir de uma</p><p>autoridade religiosa, da ação divina ou liderança tribal.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Outro elemento importante para entender o estilo de vida tribal é a in�uência de</p><p>outras religiões. Lembremos que o islamismo e o cristianismo dominam a maior</p><p>parte do território africano, o que signi�ca que não poderíamos abordar um estilo</p><p>de vida tribal sem entender que essas religiões trouxeram crenças e costumes</p><p>aderidos por várias tribos ou sociedades étnicas. Nesse caso, o sincretismo</p><p>também deve ser levado em consideração na forma dinâmica como as tribos se</p><p>acomodam em um território e como lidam com a questão da saúde.</p><p>É comum que as religiões africanas, assim como muitas outras, testemunhem um</p><p>fenômeno religioso denominado meditação transcendental. Esse tipo de</p><p>meditação não precisa estar conectado a alguma religião na atualidade, mas, com</p><p>certeza, se originou das religiões primais, ou melhor, quando não havia dicotomia</p><p>entre religião e vida. A meditação transcendental nada mais é do que uma</p><p>habilidade que todo ser humano pode adquirir de se focar em uma situação que o</p><p>conduza a transcender a realidade. No caso da religião, permite que o sujeito ou</p><p>uma comunidade mergulhe no campo transcendental, em uma dimensão de</p><p>manifestação do sagrado. Talvez seja um dos primeiros passos para tornar o</p><p>ambiente religioso propício para a saúde espiritual e à busca de cura de alguma</p><p>doença. Portanto, temos novamente aqui a importância da cultura no processo de</p><p>cuidado e saúde.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Etnia, tribo ou clã? De forma simples, etnia é um grupo que possui</p><p>características sociais e culturais especí�cas como língua, religião,</p><p>comportamentos, valores etc.; tribo é um conjunto de famílias que estão</p><p>sob a tutela de uma autoridade, como um chefe, em um território</p><p>especí�co; clã é formado por um grupo que têm um ancestral em comum,</p><p>sendo que todos descendem desse ancestral.</p><p>Podemos até dizer que etnia é um campo mais abrangente da antropologia</p><p>que inclui a noção de tribo e clã. Etnias possuem tribos e tribos possuem</p><p>clãs. Alguns pesquisadores preferem o termo sociedade étnica ou etnia</p><p>para se referir às tribos africanas, porque, muitas vezes, as tribos até</p><p>podem ocupar territórios diferentes e especí�cos, mas, no acesso aos</p><p>recursos presentes nos territórios, existem negociações, códigos de</p><p>conduta, hierarquia, domínio e outras dinâmicas entre as tribos que não</p><p>permite caracterizar uma tribo sem as características de outra, como se</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>fossem apenas uma. Por outro lado, uma vez que estão em discussão as</p><p>melhores formas de se referir a um povo especí�co, não há problema de</p><p>usar o termo “tribo”, desde que não venha com a conotação de “primitivo”</p><p>ou “atrasado”, como muitas vezes antropólogos colonialistas estabeleceram</p><p>no início dos estudos etnológicos.</p><p>Sobre a divisão dos povos que chegaram ao Brasil e se tornaram nações,</p><p>Reginaldo Prandi (2000) escreveu o artigo De africano a afro-brasileiro:</p><p>etnia, identidade, religião.</p><p>A RELAÇÃO DA RELIGIÃO COM O TEMPO</p><p>Toda religião adota o tempo como um componente fundamental para estabelecer,</p><p>no seu espaço, a invocação do transcendente. O tempo cotidiano, para todos nós,</p><p>é baseado em rotina, em uma repetição de afazeres como escovar os dentes,</p><p>tomar banho, estudar, trabalhar etc. Contudo, existem duas formas principais de</p><p>quebrar essa rotina que engloba algum ritual: a festa e o culto. A festa é uma</p><p>forma de dar um signi�cado diferente para o tempo e exige um preparo, um ritual</p><p>que antecede o encontro, que vem antes das ações festivas. O culto também dá</p><p>um signi�cado diferente para o tempo, pois o torna sagrado, faz do tempo um</p><p>momento especial de relação do �el com o objeto de sua invocação. É por isso que,</p><p>no culto, o tempo e o espaço são sagrados; em um espaço sagrado, que pode ser</p><p>um templo, ocorre um tempo sagrado, que são aqueles momentos preenchidos</p><p>pelo culto.</p><p>Já tivemos a oportunidade de abordar a noção de espaço sagrado nas religiões de</p><p>matriz africana, geralmente circunscrito no terreiro. Igualmente, o tempo sagrado,</p><p>aquele do culto, também acontece no terreiro. Entretanto, existe uma diferença</p><p>qualitativa relacionada ao tempo nas religiões de matriz africana, e isso tem a ver</p><p>com aquela regra de ouro sobre essas religiões não separarem a vida cotidiana da</p><p>vida religiosa, de não diferenciarem a religião da cultura. Se tudo faz parte do</p><p>mesmo mundo, da mesma dimensão, o sagrado não se con�gura em um</p><p>momento, mas em todos os momentos. Veja que interessante: existe sim um</p><p>tempo sagrado especí�co no terreiro onde ocorre o culto, mas esse tempo se</p><p>estende para os outros momentos da vida, inclusive nas rotinas. Por isso, todos os</p><p>momentos são sagrados e relacionados ao mundo espiritual; nada escapa da</p><p>in�uência das entidades e divindades.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Isso nos leva a compreender porque essas religiões consideram a natureza e a vida</p><p>como parte integrante do sagrado, o que também reitera o fato de que a saúde</p><p>está condicionada ao cuidado básico com a saúde sob responsabilidade da</p><p>comunidade e dos deuses. Um desequilíbrio pode signi�car doença. Logo, toda a</p><p>dimensão que envolve o estar doente, envolve a busca pelo reequilíbrio com o</p><p>sagrado.</p><p>Outra noção importante sobre o tempo nas religiões africanas, e que não podemos</p><p>jamais esquecer, é a relação com o passado. Você se lembra do que dissemos</p><p>sobre a importância dos ancestrais para a composição da identidade social e</p><p>cultural? Essas religiões unem ao cotidiano não apenas uma noção de sagrado,</p><p>mas também os antepassados e seus atos, como se estivessem constantemente</p><p>sendo presenti�cados. Os antepassados fazem parte integrante da atualidade, nos</p><p>conselhos ou decisões da comunidade e do indivíduo. Não se trata tão somente de</p><p>uma memória, ainda que ela seja importante, mas é a reapropriação da memória</p><p>como se fosse símbolo e roteiro para as ações presentes. É tornar o passado</p><p>revivi�cado, dentro de um princípio muito comum em várias culturas: o princípio</p><p>do eterno retorno, ou seja, o que ocorreu no passado deve acontecer novamente</p><p>de forma renovada e dar início a uma nova era ou momento novo.</p><p>REFLITA</p><p>Se parece bom, proveitoso e interessante perceber o cotidiano como coisa</p><p>sagrada, como fazem as religiões de matriz africana, qual a razão de não</p><p>fazermos o mesmo? Onde está a fonte de nossas ideias de que vida</p><p>cotidiana não se mistura com vida religiosa, e que esta é uma questão de</p><p>fórum íntimo? Será que a nossa noção de saúde seria melhor ou pior?</p><p>Note que, em nenhum momento, as perspectivas sobre saúde das religiões de</p><p>matriz africana são colocadas como opostas às perspectivas modernas sobre</p><p>saúde. São diferentes, mas não opostas. Na verdade, para os integrantes dessas</p><p>religiões, são complementares. Porém, não podemos dizer que essa postura é</p><p>verdadeira para nós, que em geral con�amos exclusivamente na medicina</p><p>moderna. Nesse sentido, estudar e �car de ouvidos atentos sobre as noções de</p><p>saúde originadas nas religiões de matriz africana parece ser uma boa ideia.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>A medicina moderna está claramente pautada pela ciência moderna. Com o</p><p>advento de novas descobertas, na segunda metade do século XIX, na biologia e na</p><p>química, a medicina deu um salto técnico e permitiu que a expectativa de vida</p><p>aumentasse cada vez mais. Junto com o desenvolvimento de outras ciências, o</p><p>espaço das religiões para intervir na saúde foi diminuindo até a categoria de</p><p>mágicas e falsas. Na via oposta, a doença passou a ser tratada de forma</p><p>medicamentosa</p><p>e medicalizada, trazendo, por um lado, benefícios, e por outro,</p><p>malefícios.</p><p>Diante do contexto apresentado, assinale a alternativa correta.</p><p>a.  A medicina moderna foi perdendo espaço conforme as religiões trouxeram modos alternativos de cura</p><p>para as doenças de qualquer tipo.</p><p>b.  As terapias para a cura de doenças baseadas na medicalização e tratamentos medicamentosos trouxe</p><p>somente benefícios.</p><p>c.  Os avanços no campo da biologia e da química ajudou a medicina a dar um salto técnico que colaborou</p><p>para diminuir o espaço das religiões na área da saúde.</p><p>d.  A medicina baseada em intervenções mágicas e falsas começou a ocorrer na segunda metade do século</p><p>XIX, junto com a evolução da biologia.</p><p>e.  A expectativa de vida das pessoas começou a diminuir quando a medicina chegou ao seu auge no século</p><p>XIX com a invenção de remédios.</p><p>Questão 2</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>A medicina africana fazia uso de muitas plantas para a criação de remédios.</p><p>Algumas serviam para levar o sujeito a ter um estado de consciência alterado para</p><p>a participação de rituais religiosos. Muitas dessas plantas foram trazidas pelos</p><p>escravizados na diáspora e serviram como base para a produção de remédios que</p><p>conhecemos hoje, produzidos pela indústria farmacêutica.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Uma dessas plantas com amplo conhecimento mundial tem propriedades que</p><p>podem servir tanto para a drogadição quanto para terapias medicinais.</p><p>Tendo como base a imagem e o texto, assinale a alternativa que indica</p><p>corretamente o nome da planta que pode servir tanto para a drogadição quanto</p><p>para terapias medicinais.</p><p>a.  Cannabis Sativa.</p><p>b.  Kalanchoe.</p><p>c.  Coreana.</p><p>d.  Hibiscus sabdari�a.</p><p>e.  Melão de São José.</p><p>Questão 3</p><p>Alguns pesquisadores preferem o termo sociedade étnica ou etnia para se referir</p><p>às tribos africanas, porque muitas vezes as tribos até podem ocupar territórios</p><p>diferentes e especí�cos, mas, no acesso aos recursos presentes nos territórios,</p><p>existem negociações, códigos de conduta, hierarquia, domínio e outras dinâmicas</p><p>entre as tribos que não permitem caracterizar uma tribo sem as características de</p><p>outra, como se fossem apenas uma.</p><p>De acordo com as informações apresentadas na tabela a seguir, faça a associação</p><p>da nomenclatura contida na tabela A com seu respectivo conceito, apresentado na</p><p>coluna B.</p><p>Coluna</p><p>A</p><p>Coluna B</p><p>I. Etnia. 1. Conjunto de famílias que estão sob a tutela de uma autoridade,</p><p>como um chefe, em um território especí�co.</p><p>II. Tribo. 2. Grupo que tem um ancestral em comum, sendo que todos</p><p>descendem desse ancestral.</p><p>III. Clã. 3. Grupo que possui características sociais e culturais especí�cas</p><p>como língua, religião, comportamentos, valores etc.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta a associação correta entre as colunas:</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>CARNEY, J. Navegando contra a corrente: o papel dos escravos e da �ora africana</p><p>na botânica do período colonial. África: Revista do Centro de Estudos Africanos,</p><p>São Paulo, v. 22-23, n. 22-23, p. 25-47, 1999, 2000, 2001.</p><p>CHUEIRE, L. Religiosidades africanas e ameríndias. Curitiba: Intersaberes, 2021.</p><p>CRUZ, I. C. F. As religiões afro-brasileiras: subsídios para o estudo da angústia</p><p>espiritual. Revista Escola de Enfermagem, v. 28, n. 2, p. 125-136, 1994.</p><p>DE MARCO, M. A. (Org.). A face humana da medicina: Do modelo biomédico ao</p><p>modelo biopsicossocial. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.</p><p>DOMINGUES, J. E. Rotas transaarianas: o intenso comércio através do deserto do</p><p>Saara. Ensinar História, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3xukfKE. Acesso em: 21</p><p>jun. 2021.</p><p>GARCIA, C. P. Saúde e doenças na religião de matrizes africanas. Fragmentos de</p><p>Cultura, Goiânia, v. 26, n. 2, p. 249-259, 2016.</p><p>HONORIO, K. M.; ARROIO, A.; SILVA, A. B. F. Aspectos terapêuticos de compostos da</p><p>planta Cannabis sativa. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 318-325, 2006.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/2UBq3Uo. Acesso em: 21 jun. 2021.</p><p>MACEDO, J. R. História da África. São Paulo: Contexto, 2013.</p><p>PRANDI, R. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião. Revista USP,</p><p>São Paulo, n. 46, p. 52-65, 2000.</p><p>SARDE NETO, E. História e historiogra�a da África. Curitiba: Intersaberes, 2019.</p><p>a.  I – 2; II – 3; III – 1.</p><p>b.  I – 3; II – 1; III – 2.</p><p>c.  I – 1; II – 2; III – 3.</p><p>d.  I – 3; II – 2; III – 1.</p><p>e.  I – 2; II – 1; III – 3.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>https://bit.ly/3xukfKE</p><p>https://bit.ly/2UBq3Uo</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>COSMOVISÃO E ECOLOGIA</p><p>Rogério Gonçalves de Carvalho</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Ecologia é um assunto importante e atual? Com certeza, caro aluno, sua resposta</p><p>deve ter sido “sim”. E ecologia no âmbito das religiões de matriz africana também</p><p>seria importante e atual? Poderíamos ensaiar uma nova resposta “sim”. Porém, se</p><p>por um lado até temos uma noção razoável sobre esse assunto, porque ele faz</p><p>parte de nosso cotidiano, por outro lado talvez não tenhamos uma ideia mais clara</p><p>de como esse tema é abordado ou funciona nas religiões de matriz africana.</p><p>Somos constantemente bombardeados por informações a respeito das</p><p>preocupações ecológicas, principalmente aquelas relacionadas à preservação do</p><p>meio ambiente que adotam discursos como respeito à natureza, preservação e</p><p>conservação dos espaços naturais; valorizar a água; e os impactos ambientais</p><p>resultantes do consumismo etc. Para nós, portanto, não chega a ser uma novidade</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>questões ecológicas o tempo todo vindo à tona, seja quando são abordadas junto</p><p>com problemas econômicos, atualização curricular na educação, política,</p><p>cidadania, ou simplesmente porque nos deparamos com um problema ambiental</p><p>em nosso município ou bairro, que pode ser desde uma enchente, uma praça</p><p>abandonada ou falta de coleta de lixo, até as ruas sujas e bueiros entupidos etc.</p><p>Entretanto, pensar essas mesmas questões nas dimensões da cultura e do</p><p>comportamento presentes nas religiões de matriz africana, muito provavelmente,</p><p>é novidade para você.</p><p>Embora os adeptos das religiões de matriz africana vivam e experimentem as</p><p>mesmas questões e problemas ecológicos e ambientais que você, eles são</p><p>diferentes na forma como percebem a natureza, razão pela qual, nesta seção, você</p><p>terá condições de aprender um pouco, tanto sobre a forma como as religiões de</p><p>matriz africana percebem a natureza a partir de sua cosmovisão e herança cultural</p><p>quanto o que essas religiões têm a nos ensinar sobre a necessidade de retomar</p><p>uma noção simbólica de respeito à natureza, uma vez que nosso discurso sobre</p><p>ecologia é muito técnico e baseado em uma racionalização dos comportamentos.</p><p>Desse modo, possivelmente você verá que algumas ideias que você tem sobre o</p><p>respeito à natureza, a preservação e conservação de espaços naturais, o valor da</p><p>água e o consumismo, estão representados nos textos dos conteúdos. Aproveite as</p><p>suas ideias para comparar com as noções das religiões de matriz africana sobre</p><p>esses mesmos itens. Isso lhe ajudará a entender que o nosso discurso ecológico é</p><p>bem pensado e estudado, mas pouco e�caz como prevenção. Já para as religiões</p><p>de tradição africana, ainda que precisem de atualizações e melhores elaborações,</p><p>têm a vantagem de contarem com uma visão de mundo que se desmontaria sem o</p><p>respeito à natureza. Sem a natureza e seus recursos, essas religiões ruiriam, pois</p><p>seus rituais e relações com as entidades dependem da água, das matas, dos</p><p>animais, dos espaços preservados, porque os entendem como sagrados.</p><p>Toda vez que o assunto é ecologia ou preservação do meio ambiente, a gente logo</p><p>pensa naqueles discursos de proibição do tipo não faça isso, não faça aquilo.</p><p>Invariavelmente, esses discursos aparecem quando alguma coisa não está bem e o</p><p>problema está crescendo. Já percebeu que, em épocas de seca, dependendo da</p><p>estação do ano, os jornais repetem sempre os mesmos problemas relacionados à</p><p>falta de água ou ao encarecimento de alimentos</p><p>em que os livros dão o tom do próximo artigo acadêmico que será escrito?</p><p>Esperamos que você tenha gostado do que viu até aqui. Ainda temos muito para</p><p>conhecer e trilhar. O contato com novas experiências e culturas enriquece muito</p><p>nosso repertório intelectual e nos faz observar que as verdades são realmente</p><p>relativas e dependem de quem as está contando. Vamos em frente, pois ainda há</p><p>muito mais.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>“Uns cinco mil anos antes de Champollion, o deus Thot viajou a Tebas ofereceu a</p><p>Thamus, rei do Egito, a arte de escrever. Explicou aqueles Hieróglifos, e disse que a</p><p>escrita era o melhor remédio para curar a memória ruim e a pouca sabedoria. O</p><p>rei recusou o presente: _ Memória? Sabedoria? Esse invento produzirá o</p><p>esquecimento. A sabedoria está na verdade, e não em sua aparência. Não se pode</p><p>recordar com memória alheia. Os homens registrarão, mas não recordarão.</p><p>Repetirão, mas não viverão. Serão informados, mas não saberão.” (GALEANO,</p><p>2015, p. 15).</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>O texto trata sobre um diálogo no qual se debate sobre os benefícios da escrita e</p><p>da oralidade. Quanto às religiões que utilizam a tradição oral como base da</p><p>transmissão de seus conhecimentos, assinale a alternativa correta.</p><p>a.  Religiões Nacionais.</p><p>b.  Religiões Ocidentais.</p><p>c.  Religiões Primais.</p><p>d.  Religiões Mundiais</p><p>e.  Religiões Orientais.</p><p>Questão 2</p><p>“Entre as nações modernas, onde a escrita tem precedência sobre a oralidade,</p><p>onde o livro constitui o principal veículo da herança cultural, durante muito tempo</p><p>julgou-se que os povos sem escrita eram povos sem cultura. Felizmente esse</p><p>conceito infundado começou a desmoronar. [...] Os primeiros arquivos ou</p><p>bibliotecas do mundo foram o cérebro do homem”. (BÁ, 2010, p.181)</p><p>Sobre os tradicionalistas, analise as asserções a seguir:</p><p>I. São os responsáveis pela transmissão dos conhecimentos através da tradição</p><p>escrita.</p><p>II. São os guardiões dos segredos e fazedores do conhecimento.</p><p>III. São os responsáveis pela iniciação e formação dos mestres de ofícios.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto o que se a�rma em:</p><p>a.  I, apenas.</p><p>b.  II, apenas.</p><p>c.  I e II, apenas.</p><p>d.  II e III, apenas.</p><p>e.  I, II e III.</p><p>Questão 3</p><p>“Estudos demonstram que a relação de Jesus com seus seguidores era</p><p>essencialmente oral. Como lembra Pedro Lima Vasconcellos (2003), a �gura de</p><p>Jesus está associada diretamente com a palavra falada, não a escrita. Mesmo seus</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AGUIAR, I. P.; LIMA, B. H. A.; SANTOS, G. R. M. Religião e sociedade: as relações</p><p>entre o estado e as concepções religiosas na formação do ordenamento social e</p><p>jurídico. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas, UFSC, Florianópolis, n. 12, p. 9-</p><p>31, 2011.</p><p>seguidores possuíam hábitos orais e o contato com a cultura letrada era muito</p><p>tênue. Na Galileia da Antiguidade as relações eram predominantemente orais</p><p>mesmo por pessoas letradas e, quando havia escrita, ela estava</p><p>a serviço da comunicação oral ou então restrita à elite. As primeiras comunidades</p><p>cristãs foram estruturadas e organizadas segundo os ditos orais de Jesus.” (FACCIN,</p><p>2019, p. 11).</p><p>Diante do contexto apresentado, analise as a�rmativas a seguir:</p><p>I. O cristianismo, como as religiões primais, foi ágrafo e transmitido através da</p><p>oralidade.</p><p>II. Cristo era letrado e transmitia seus ensinamentos oralmente para atingir a</p><p>população que era iletrada.</p><p>III. A escrita é fundamental para a perpetuação da religião, pois a oralidade é uma</p><p>forma de transmissão muito rudimentar.</p><p>IV. Não podemos hierarquizar a relação entre escrita e oralidade, pois não existe</p><p>escrita sem oralidade.</p><p>V. Na oralidade religiosa, a palavra não é estática, tem versatilidade e riqueza. E é</p><p>proferida por alguém considerado sagrado.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto o que se a�rma em:</p><p>a.  I e II, apenas.</p><p>b.  III e IV, apenas.</p><p>c.  II e V, apenas.</p><p>d.  I, II e III, apenas.</p><p>e.  I, IV e V, apenas.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>ANDRADE, M. L. C. V. O. Linguística e História: Oralidade e Escrita no Discurso</p><p>Religiosos Medieval. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade</p><p>de Filoso�a, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2005. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/35udQ5M. Acesso em: 11 jun. 2021.</p><p>BÂ, A. H. A tradição viva. In: ZERBO, J. K. (Org.). História Geral da África I:</p><p>Metodologia e pré-história da África. Brasília: UNESCO, 2010.</p><p>BARRY, B. Senegâmbia: o desa�o da história regional. Rio de Janeiro: Centro de</p><p>Estudos Afro-Asiáticos, 2000.</p><p>BEZERRA, K. História geral das religiões. Observatório Transdisciplinar das</p><p>Religiões do Recife, UNICAP, Recife, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3q3XM4d.</p><p>Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>DUARTE, Z. A tradição Oral na África. Estudos de Sociologia, Recife, v. 15, n. 2, p.</p><p>181-189, 2009. Disponível em: https://bit.ly/35txOOj. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>ELIADE, M. Sagrado e Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</p><p>FACCIN, D. D. A importância da oralidade na difusão do cristianismo primitivo: uma</p><p>análise segundo o livro Ato dos Apóstolos e as Epístolas paulinas. Alétheia -</p><p>Estudos sobre Antiguidade e Medievo, Jaguarão, v. 1, n. 1, p. 78-90, 2017.</p><p>FARIA, L. A. S. Tradições orais e performances comparadas nos Evangelhos de</p><p>Marcos e Q. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.</p><p>GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo:</p><p>Companhia das Letras, 2005.</p><p>GALEANO, E. Espelhos. Porto Alegre: L&PM editores, 2015.</p><p>HERNANDEZ, L. L.; HERNANDEZ, L. M. G. A África na sala de aula: visita à história</p><p>contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.</p><p>JOAQUIM, N. Igualdade e discriminação. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. IX, n. 31,</p><p>[s. p.], 2006. Disponível em: https://bit.ly/3q6qAta. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>PINHEIRO, L. B. M. Tradição oral e memória dos povos de religiões afro-brasileiras:</p><p>possibilidades de pesquisa em história. Cadernos do Tempo Presente, São</p><p>Cristóvão, v. 8, n. 4, p. 79-92, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3iPrE2Y. Acesso em:</p><p>12 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/maluv009.pdf</p><p>https://www1.unicap.br/observatorio2/wp-content/uploads/2011/10/HISTORIA-GERAL-DAS-RELIGIOES-karina-Bezerra.pdf</p><p>https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235328</p><p>https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/igualdade-e-discriminacao/</p><p>https://seer.ufs.br/index.php/tempo/article/download/9892/7601/0</p><p>VASCONCELLOS, P. L. Quem tiver ouvidos ouça: vozes e escritas no contexto do</p><p>cristianismo primitivo. Projeto História, São Paulo, n. 26, p. 183-196, 2003.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3q2F2ST. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>VANSINA, J, A. Tradição Oral e sua Metodologia. A cor da cultura, [s. l.], 2013.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3cLO4Or. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10543</p><p>http://www.acordacultura.org.br/artigos/25092013/a-tradicao-oral-e-sua-metodologia</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>CARACTERÍSTICA ORAL E MITOS COMO FONTE DE</p><p>CONHECIMENTO</p><p>Je�erson Eduardo dos Santos Machado</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Esta seção pode trazer recordações a muitos de nós que conhecemos a obra Sítio</p><p>do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Deixando de lado as divergências sobre</p><p>algumas escolhas feitas por ele, lembramos dos papeis de dois personagens na</p><p>história: Tio Barnabé e Tia Anastácia. Eles são os representantes de muitas das</p><p>coisas que vamos estudar aqui. Enquanto a Dona Benta representa a cultura</p><p>escrita contando histórias para os netos a partir da leitura, eles são os</p><p>representantes da tradição oral.</p><p>Através desses personagens percebemos o surgir de seres mitológicos que vão</p><p>interagindo com os personagens. Eles falam das plantas e remédios que podem</p><p>curar ou espantar os maus espíritos. São, por assim dizer, os guardiões das</p><p>sabedorias que têm um papel proeminente em suas sociedades, coisa que não</p><p>acontece em nossas terras. O entendimento dessas culturas ancestrais pode</p><p>e combustíveis? Evidentemente</p><p>falta prevenção.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Assim, quando falamos sobre a preservação da natureza, também estamos</p><p>falando de prevenção. A prevenção exige pensar e adotar ações antes de o</p><p>problema surgir, evitando ter que recorrer a soluções mais drásticas. Em geral, é</p><p>isso o que acontece quando precisamos nos submeter ao racionamento de água,</p><p>falta de energia elétrica ou até aquela lixeira que a gente não esvazia faz tempo.</p><p>Mas, como explicar que com tantas propagandas, ações governamentais, eventos</p><p>de promoção de cuidado com o meio ambiente por parte de empresas e sociedade</p><p>civil, ainda caímos nos mesmos erros? Os estudos, as pesquisas, os experimentos,</p><p>as con�rmações cientí�cas sempre apontam para o mesmo lado: ou deixamos de</p><p>ser consumistas ou teremos que conviver cada vez mais com a falta de recursos</p><p>naturais como água, alimento su�ciente, energia, ar respirável etc.</p><p>A prevenção tem uma regra básica: aprenda a se prevenir nas pequenas coisas,</p><p>tornando isso um hábito, e aprenderá a se prevenir nas grandes coisas. Mas, como</p><p>adquirir um hábito sem repetição? É a repetição de certas atitudes que nos faz</p><p>adotar essas atitudes como algo natural. Não é assim quando queremos mudar</p><p>nosso comportamento? Se você, por exemplo, quer ganhar músculos numa</p><p>academia, será a repetição constante, por anos, que fará com que esse</p><p>compromisso seja “natural” e faça parte de seu cotidiano. Ou, se você quer ler</p><p>mais, será a repetição que fará a leitura parecer algo natural, de um jeito que você</p><p>sentirá falta se não �zer.</p><p>Existe ainda um outro modo de ter um comportamento preventivo: pela</p><p>hereditariedade. Se os seus pais já praticam certos comportamentos preventivos,</p><p>provavelmente você os incorporará. E se a gente resgatasse um comportamento</p><p>aprendido lá no passado, com os nossos ancestrais? Não seria ainda mais natural?</p><p>Se você sabe viver e se virar no espaço urbano, possivelmente é porque está há</p><p>muito tempo vivendo nesse espaço e sabe onde comprar, se divertir, estudar,</p><p>trabalhar etc. A sua visão de mundo está baseada nesse modo de vida. Como seria,</p><p>no entanto, se você vivesse desde pequeno em um espaço rural, ou dependesse</p><p>exclusivamente da natureza?</p><p>Bem, diante de todo esse cenário de como se adquire prevenção, podemos propor</p><p>duas questões para você responder. O que as religiões de matriz africana têm a</p><p>nos ensinar sobre prevenção e, portanto, preservação da natureza? O que falta</p><p>para nós, que não estamos na dimensão cultural das religiões de matriz africana,</p><p>respeitarmos melhor a natureza?</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Que tal a gente matar a curiosidade sobre o modo como as religiões de matriz</p><p>africana elaboram o comportamento ecológico e como isso nos afeta? Mãos à</p><p>obra!</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>O RESPEITO À NATUREZA</p><p>Relembremos um tema que abordamos recentemente: a cosmovisão panteísta.</p><p>Todas as religiões panteístas acreditam que a divindade e a natureza se</p><p>confundem. A divindade é a natureza e a natureza é a divindade. Portanto, não</p><p>existe uma divindade separada da natureza, como ocorre na concepção do</p><p>cristianismo. No caso das religiões tradicionais africanas, essa regra é fundamental</p><p>para compreender por que viver em meio à natureza, com suas forças e entidades,</p><p>gera um comportamento de respeito e reverência. Uma coisa é adotar hábitos de</p><p>respeito à natureza, outra coisa é cultivá-los por séculos – talvez milênios –</p><p>seguidos. A visão de mundo, a mitologia, a mentalidade, a ética, os hábitos e todas</p><p>as ações cotidianas são impensáveis sem um vínculo de respeito e dependência da</p><p>natureza.</p><p>Mas, veja, não é uma invenção racionalizada, não é fruto de uma conscientização e</p><p>mudança de comportamento. Para nós, consumistas, fazem sentido os avisos,</p><p>campanhas de conscientização e leis para diminuir a exploração da natureza. Para</p><p>as culturas e religiosidades africanas, a natureza já está integrada na visão de</p><p>mundo – portanto, não há necessidade de modelos persuasivos de comunicação</p><p>social. Isso nos leva a pensar que não faz muito sentido as religiões de matriz</p><p>africana “adotarem uma postura ecológica”, pois isso já ocorre por princípio</p><p>cultural.</p><p>Por outro lado, a ecologia pressupõe um conjunto de ciências modernas que se</p><p>preocupam em estudar como cuidar do planeta (eco, do grego “oikos” signi�ca</p><p>casa; e logia, do grego “logos”, estudo), principalmente em espaços que exigem</p><p>uma concepção clara do que seja meio ambiente. Nesse sentido, precisamos fazer</p><p>uma ressalva: os saberes das religiões de matriz africana, principalmente quando</p><p>inseridas nos espaços urbanos, não detêm todos os conhecimentos sobre a</p><p>ecologia e todas as precauções necessárias. Porém, o mais importante, que é o</p><p>fundamento de cuidado e prevenção, já está estabelecido.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Mas, de onde vem esse princípio cultural de respeito à natureza? Com certeza de</p><p>uma visão mística que estabelece relação entre a natureza e os orixás. Essas</p><p>entidades são oriundas dos espaços de preservação da natureza, como matas,</p><p>�orestas, rios, cachoeiras etc. Inclusive, para as religiões de matriz africana, é</p><p>importante a utilização de um antigo sistema de ordenação da natureza em quatro</p><p>elementos fundamentais: ar, fogo, terra e água.</p><p>ASSIMILE</p><p>Um assunto sempre polêmico é a importância e a prática do sacrifício de</p><p>animais como oferenda nas religiões de matriz africana. Tão polêmico que</p><p>já tivemos a oportunidade de acompanhar vários casos nos noticiários</p><p>envolvendo confusões e consequentes judicializações. Porém, em geral, a</p><p>pauta vem acompanhada de ignorância a respeito de como os rituais de</p><p>sacrifício são realizados. Inicialmente, devemos saber que não são muitos</p><p>os rituais que exigem sacrifícios de animais e, quando exigem, são animais</p><p>comestíveis, pois esse alimento é depois distribuído para a comunidade</p><p>religiosa ou pessoas carentes. Também não se deve confundir os sacrifícios</p><p>feitos nos terreiros, com outros sacrifícios, muitas vezes cruéis, feitos por</p><p>pessoas que não tem nada a ver com a comunidade religiosa. E, por �m,</p><p>não existem apenas sacrifícios de animais para o derramamento do sangue</p><p>animal como símbolo religioso, há também oferendas de verter “sangue</p><p>vegetal” e “sangue mineral”, em que são usadas plantas, folhas ou a água.</p><p>Em termos judiciais, desde março de 2019 o STF (Superior Tribunal de</p><p>Justiça) decidiu, por unanimidade, que é constitucional o sacrifício de</p><p>animais em cultos religiosos.</p><p>Tereza Rodrigues Vieira e Camilo Henrique Silva (2016), no artigo intitulado</p><p>O sacrifício animal em rituais religiosos ou crenças, concluem defendendo a</p><p>reeducação das religiões para evitar o sacrifício de animais, traz os vários</p><p>pontos de vista sobre o tema.</p><p>PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE ESPAÇOS NATURAIS</p><p>Embora as religiões de matriz africana tenham como fundamento cultural o</p><p>respeito à natureza, não signi�ca que a preservação e conservação dos espaços</p><p>naturais sejam perfeitos. A�nal, essas religiões estão muitas vezes inseridas em um</p><p>ambiente urbano que implica muitas outras variáveis. Preservação e conservação</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>não dependem só do terreiro e seus membros, mas, também, do poder público, da</p><p>conscientização da comunidade em redor, da qualidade de vida e recursos do</p><p>território etc.</p><p>Contudo, de onde se origina a essência cultural de respeito à natureza e espaços</p><p>naturais nas religiões de matriz africana? A resposta pode vir da antropologia.</p><p>Nesse campo, é sabido que muitas religiões se estruturaram sobre um modelo</p><p>simbólico denominado ciclo vegetal – semente, crescimento e morte. Se a gente</p><p>morasse em um território por séculos seguidos em que a sobrevivência</p><p>dependesse dos recursos da natureza, mesmo que eles fossem plantados, você</p><p>concorda que esse seria o nosso principal gabarito para avaliar e simbolizar a vida?</p><p>Para nós, as coisas mais importantes estariam inevitavelmente relacionadas às</p><p>sementes, plantio, colheita, chuva, proteção contra pragas etc.</p><p>As religiões de matriz africana</p><p>herdaram essa consciência simbólica e mitológica</p><p>para explicar certos usos ritualísticos de plantas e vegetais, além do seu cultivo. É</p><p>no terreiro que esse ciclo vegetal tem lugar inicialmente, se estendendo na vida de</p><p>seus membros e preservando ações simbólicas que tem como padrão esse mesmo</p><p>ciclo. E é no terreiro o lugar privilegiado para preservação e conservação, pois, de</p><p>outro modo, os orixás não poderiam se apresentar. Até as folhas são importantes</p><p>no trato com os orixás.</p><p>Portanto, a preservação e conservação dos espaços naturais, principalmente o</p><p>terreiro e seu entorno, são essenciais para a sobrevivência do culto aos orixás e</p><p>suas correspondências aos quatro elementos fundamentais da natureza, assim</p><p>como aos vegetais.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Veja que interessante o que o antropólogo francês, Gilbert Durand (2002),</p><p>disse à respeito do ciclo vegetal em outras culturas e religiões:</p><p>É sabido também que as folhas fazem parte, juntamente com os orixás, de um sistema classi�catório do</p><p>mundo. A cada orixá corresponde um domínio deste (primeiramente natural, seguido pelo mundo</p><p>sócio/cultural), os orixás são agrupados em classes: feminino/masculino; quente/frio; das águas; da terra; do ar;</p><p>do fogo; caçador; pescador; da metalurgia; da guerra; da justiça etc. Mutatis mutandi, cada orixá tornou-se</p><p>dono de um conjunto de folhas especí�cas que se ligam a eles por homologias quanto as suas características</p><p>classi�catórias. (SANTOS; GONÇALVES, 2011, p. 5).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Até no cristianismo encontramos a valoração do ciclo vegetal ao celebrar</p><p>uma festa muito antiga, que depois os hebreus deram o nome de Pessash</p><p>ou Páscoa, que, apesar de ser originalmente uma festa de pastores com</p><p>rituais de sacrifício, se fazia junto com a “festa dos ázimos” (pães sem</p><p>fermento), realizada por agricultores. Outra celebração cristã, que inclusive</p><p>faz parte do calendário litúrgico em várias tradições é o Pentecostes, que é</p><p>eminentemente uma festa de colheita. E nas celebrações de casamento, já</p><p>percebeu que o costume de jogar sementes (como o arroz) ou �ores sobre</p><p>os noivos está voltando? Pois é um costume pagão, isto é, que se encontra</p><p>em todas as religiões que de algum modo acreditam que esses elementos</p><p>da terra simbolizam fertilidade e riqueza, uma vez que plantio e colheita</p><p>representam fartura.</p><p>A respeito do uso de folhas, animais e outros elementos da natureza pelas</p><p>religiões de matriz africana, recomendamos a leitura do artigo A natureza e</p><p>seus signi�cados entre adeptos das religiões afro-brasileiras, de Rosalita</p><p>Oliveira dos Santos e Antonio Giovanni Boaes Gonçalves (2011).</p><p>VALOR DA ÁGUA</p><p>Embora seja uma seção que trata da questão ecológica, o valor da água para as</p><p>religiões de matriz africana não tem a ver em princípio com a questão do meio</p><p>ambiente a partir de uma visão dos ecologistas. Antes, existe um fundamento</p><p>simbólico compartilhado com outras religiões e culturas em várias partes do</p><p>mundo e em vários momentos da história.</p><p>Talvez a história mais recente do uso dos quatro elementos fundamentais que</p><p>formam a natureza, sem �nalidades religiosas, seja a dos �lósofos denominados</p><p>pré-socráticos – �lósofos gregos que antecederam a outro �lósofo grego, Sócrates.</p><p>Para eles, algum elemento deveria ser o elemento primordial para a formação de</p><p>todas as coisas que existem na natureza, um princípio para tudo. Entre os</p><p>Os hebreus e romanos não chamavam aos �lhos “naturais”, “�lhos das ervas” ou “�lhos das �ores”?</p><p>Ártemis e Apolo nascem quando a mãe toca numa palmeira sagrada e a rainha Mahâ-Mâyâ engendra</p><p>Buda ao abraçar uma árvore. Para numerosos povos, do mesmo modo, o antepassado totêmico é</p><p>vegetal. O símbolo vegetal é, por �m, frequentes vezes explicitamente escolhido como modelo de</p><p>metamorfose. No folclore ou na mitologia nasce muitas vezes do morto sacri�cado uma erva ou uma</p><p>árvore: tal esse bambu que, num conto santali, sai de uma jovem sacri�cada e com o qual se</p><p>confecciona um instrumento de música que contém e perpetua a voz da vítima, e esta última, levada</p><p>pela energia ressurrecional da planta, reencarna um dia para casar com o músico. (DURAND, 2002, p.</p><p>298).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>monistas, ou seja, que a�rmavam ser apenas um elemento primordial,</p><p>Anaxímenes de Mileto, por exemplo, acreditava que poderia ser o “ar”. Para</p><p>Heráclito, o fogo deveria ser o elemento primordial, depois se tornando uma ideia</p><p>aprimorada que a�rmava que o essencial da natureza é a sua constante mudança.</p><p>Foi de Tales de Mileto a ideia que propunha a água como elemento primordial.</p><p>Anaxágoras e Empédocles, pluralistas, entendiam ser os quatro elementos juntos</p><p>como princípio da natureza.</p><p>Diante da moderna ciência, essas ideias antigas reutilizadas pelos Pré-socráticos</p><p>parecem tolas. Porém, foram um dos pontos de partida para a criação justamente</p><p>da moderna ciência. Junto com as concepções relacionadas aos quatro elementos,</p><p>Pitágoras, por exemplo, a�rmou serem os números (por causa da matemática) os</p><p>elementos primordiais da natureza. Já Demócrito – veja que interessante –</p><p>acreditava ser o “átomo” o elemento primordial da natureza. É claro que era uma</p><p>noção primitiva de átomo, mas que contribuiu com a ciência que veio depois.</p><p>Portanto, conceitos aparentemente ultrapassados foram, na verdade, bases para o</p><p>aprimoramento da �loso�a e da ciência, e não podem ser descartados nem pela</p><p>história da epistemologia (estudo sobre as verdades cientí�cas) e nem pela história</p><p>do pensamento humano. Atualmente, eles não possuem validade cientí�ca como</p><p>explicação para a origem da natureza, mas possuem ainda papel importante para</p><p>o imaginário cultural e religioso.</p><p>Já dissemos sobre a importância dos quatro elementos fundamentais da natureza</p><p>– ar, fogo, terra e água – para as religiões de matriz africana. Portanto, a água é um</p><p>deles e faz parte do quadro simbólico e ritualístico dessas religiões, inclusive para a</p><p>invocação e�caz dos orixás. Ela é um bem simbólico tão importante para as</p><p>religiões de matriz africana que as atuais discussões ecológicas e ambientais sobre</p><p>a água �zeram com que essas religiões pautassem ainda mais suas mitologias e</p><p>rituais nesse elemento. Em parte, é uma questão de adaptação a um tempo de</p><p>escassez desse recurso, além da necessidade de se atualizar diante de novos</p><p>tempos.</p><p>REFLITA</p><p>Até que ponto o nosso discurso ecológico encobriu a necessidade que</p><p>temos, como fazem as religiões de matriz africana, de ter a natureza como</p><p>bem simbólico? Será que se existiria uma forma de agregar à</p><p>conscientização ambiental uma conscientização simbólica?</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>SIMPLICIDADE TRIBAL VERSUS CONSUMISMO</p><p>O consumismo exige uma exploração exagerada dos bens naturais, de tal forma</p><p>que a riqueza econômica baseada na ideia de “ter dinheiro” não produz mais</p><p>riqueza e desenvolvimento, em geral produz pobreza e incentiva a destruição da</p><p>natureza. Esse quadro a respeito do consumismo é tão assustador, que você</p><p>precisaria de pelo menos duas vidas de 90 anos de idade e ainda assim não</p><p>conseguiria consumir tudo o que a indústria do consumo produz. Em outras</p><p>palavras, ainda que você pudesse chegar com plena saúde e dinheiro su�ciente</p><p>aos 180 anos de idade, não compraria tudo o que se vende em um mercado de</p><p>economia global, tamanha vastidão de opções que existem.</p><p>Mesmo sem muito dinheiro somos consumistas sem nenhuma sustentabilidade,</p><p>ou seja, não planejamos o que realmente precisamos. Quer alguns exemplos? Você</p><p>já abriu uma daquelas gavetas de “tralhas” com objetos que você nunca usou ou</p><p>usou apenas uma vez? E aquele aparelho de televisão que não serve mais, ou o</p><p>aparelho de celular que �cou ultrapassado e sem funcionar, mas continua</p><p>guardado? São realmente necessárias todas as peças de roupas e pares de sapatos</p><p>que compramos? É uma questão de necessidade, ou desejo?</p><p>Em outra unidade desta disciplina, nós falamos sobre a indústria cultural” que</p><p>transformou patrimônios culturais em produtos industrializados para o consumo.</p><p>Ao fazer</p><p>isso, criou produtos de fetiche, um desejo atrelado a um produto, uma</p><p>vontade que ultrapassa a necessidade.</p><p>Não por acaso, a indústria de bens duráveis criou um paradoxo: um bem durável</p><p>não deve durar muito. É a chamada obsolescência programada, isto é, um produto</p><p>deve �car obsoleto, ultrapassado ou perder sua função, levando o consumidor a</p><p>substituí-lo em menos tempo do que o natural. Um automóvel pode durar</p><p>bastante, mas a indústria cria modelos que se deterioram mais rápido e exigem a</p><p>substituição; um aparelho de celular poderia durar mais, não fosse pela</p><p>incompatibilidade entre as novas atualizações dos softwares e o hardware longevo:</p><p>falta memória e capacidade de processamento para suportar as novas versões dos</p><p>aplicativos.</p><p>Fora do espectro da modernidade está a simplicidade tribal, que nada tem a ver</p><p>com pobreza ou atraso no desenvolvimento. Quando falamos das tribos africanas,</p><p>temos que fazer uma comparação qualitativa com o cenário do consumismo. Elas</p><p>valorizam e dependem mais dos recursos naturais de seus territórios do que dos</p><p>produtos industrializados. Além disso, possuem uma relação de respeito à</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>natureza que está entranhada nos hábitos culturais. Isso não signi�ca que as tribos</p><p>africanas não deveriam ter acesso a algumas conveniências da modernidade, o</p><p>que acontece porque estão impossibilitadas de consumir menos por falta de</p><p>acesso do que por escolha cultural.</p><p>Na verdade, a riqueza pode vir justamente por causa da simplicidade. A riqueza</p><p>econômica não sustentável produz mais lixo. Já a riqueza sustentável, que exige</p><p>menos consumo, produz menos lixo. Não por acaso, ricos costumam poluir mais</p><p>do que pobres. Não é só uma questão de ter ou não mais informação e acesso à</p><p>educação, é um problema de hábito e acesso ao consumo. Hábito porque quanto</p><p>mais se consome, mais se quer consumir. Acesso porque nem todos tem acesso ao</p><p>consumo desenfreado, o que força os pobres a adaptarem-se a uma vida de</p><p>menos consumo. Já percebeu que quanto menos dinheiro temos, menos</p><p>compramos e, por isso, um dos resultados é produzir menos lixo? Mas, quanto</p><p>mais dinheiro temos, invariavelmente produzimos mais lixo?</p><p>Portanto, a simplicidade ligada a um contexto de preservação e desenvolvimento</p><p>sustentável são lições importantes que podemos aprender com as tribos africanas.</p><p>Acima de todas as nossas conscientizações ecológicas e ambientais, as religiões de</p><p>matriz africana demonstram como a preservação da natureza já está presente em</p><p>sua cosmovisão. Seja pelo respeito à natureza, pela preservação e conservação dos</p><p>espaços naturais, pela valorização da água ou pela simplicidade contra o</p><p>consumismo, essas religiões nos dão lições importantes, independente de nossa</p><p>cultura ou religião.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>No panteísmo, a divindade é a natureza e a natureza é a divindade. Portanto, não</p><p>existe uma divindade separada da natureza. Essa é uma regra fundamental para</p><p>compreender por que a natureza, com suas forças e entidades, gera em um</p><p>comportamento de respeito e reverência. Uma coisa é adotar hábitos de respeito à</p><p>natureza, outra coisa cultivá-los por séculos seguidos. A visão de mundo, a</p><p>mitologia, a mentalidade, a ética, os hábitos e todas as ações cotidianas são</p><p>impensáveis sem um vínculo de respeito e dependência da natureza.</p><p>Mas, veja, não é uma invenção racionalizada; não é fruto de uma conscientização e</p><p>mudança de comportamento, pois a natureza já está integrada na visão de mundo,</p><p>não precisando de modelos arti�ciais de linguagem para a persuasão de respeito</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>ao meio ambiente. O que nos leva a pensar que não faz muito sentido “adotarem</p><p>uma postura ecológica”, pois isso já ocorre por princípio cultural.</p><p>Assinale a alternativa que indica a religião que está sendo descrita no texto</p><p>apresentado.</p><p>a.  As religiões africanas.</p><p>b.  O Cristianismo.</p><p>c.  O Islamismo.</p><p>d.  As tradições protestantes.</p><p>e.  As religiões espiritualistas como o Espiritismo Kerdecista.</p><p>Questão 2</p><p>Originalmente, o termo “pagão” identi�cava um aldeão ou camponês, ou seja,</p><p>alguém que estava acostumado a sobreviver basicamente do trabalho nas terras</p><p>em que habitava. Foi o cristianismo que adotou esse termo para se referir a todos</p><p>que não eram cristãos. Também foi um termo para de�nir sujeitos que pertenciam</p><p>a religiões que tiveram como base comunidades que dependiam do plantio,</p><p>colheita ou criação de animais. Por causa disso, acreditavam que deuses ou</p><p>entidades deveriam conceder fertilidade para o plantio e para a fartura de</p><p>alimentos. Contavam o tempo de forma cíclica, o que os levou a criarem seus</p><p>calendários fundamentados nos ciclos das estações do ano ou de acordo com</p><p>algum fenômeno da natureza que sempre se repete. Preferencialmente pelo ciclo</p><p>lunar, muitas vezes pelo ciclo solar, como o calendário juliano do Império Romano</p><p>em meados do século I, adotado no Ocidente. Embora o cristianismo seja uma</p><p>religião majoritariamente adaptada ao espaço urbano, em outros tempos agregou</p><p>às suas crenças características pagãs, seja pelo entrecruzamento de elementos</p><p>culturais, seja pela assimilação de elementos de outras religiões.</p><p>Diante do contexto apresentado, assinale a alternativa correta.</p><p>a.  O cristianismo é uma religião pagã porque se originou entre camponeses que plantavam e colhiam na</p><p>época do Império Romano.</p><p>b.  O termo pagão foi usado pelo cristianismo para de�nir os camponeses que viviam do trabalho nas terras</p><p>em que habitavam.</p><p>c.  O cristianismo é pagão porque adotou um calendário baseado no ciclo solar emprestado do calendário</p><p>do Império Romano.</p><p>d.  Apesar do cristianismo ter agregado elementos pagãos, adotou o termo pagão para se referir a todos que</p><p>não são cristãos.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>DURAND, G. As estruturas antropológicas do imaginário: Introdução à</p><p>arquetipologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 2002.</p><p>GIL FILHO, S. F. Espaço sagrado: estudos em geogra�a da religião. Curitiba:</p><p>Intersaberes, 2012.</p><p>e.  As religiões pagãs descartaram suas crenças em deuses e entidades do ciclo e colheita depois que se</p><p>tornaram religiões urbanas.</p><p>Questão 3</p><p>O consumismo se estabelece dentro de um sistema que cria hábitos no</p><p>consumidor através de estratégias diversas. Não por acaso, a indústria de bens</p><p>“duráveis” impôs um paradoxo: um bem durável não deve durar muito. É a</p><p>chamada “obsolescência programada”, isto é, um produto deve �car obsoleto,</p><p>ultrapassado ou perder sua função, levando o consumidor a substituí-lo em menos</p><p>tempo do que o necessário. Um automóvel pode durar bastante, mas a indústria</p><p>cria um modelo para incitar a substituição. Um aparelho de celular poderia durar</p><p>mais, entretanto, a indústria não só produz aparelhos, mas força a substituição</p><p>porque a parte do “software” não dá mais conta: falta de memória porque os</p><p>aplicativos estão tomando mais espaço de memória, falta de atualização etc.</p><p>Embora o território africano seja rico em recursos, é empobrecido</p><p>economicamente e adota os mesmos modelos de consumo que outros territórios</p><p>em outros continentes. Podemos dizer que o consumismo é uma prática global e</p><p>globalizante.</p><p>Assinale a alternativa que indica o modelo de consumo adotado pelas tribos</p><p>africanas.</p><p>a.  Um modelo de consumo de exploração e degradação da natureza, como o adotado por todos os outros</p><p>povos africanos.</p><p>b.  Adotaram o consumismo, pois não conseguiram escapar das estratégias de consumo globalizante.</p><p>c.  Em geral adotaram a simplicidade, utilizando os recursos da natureza conforme sua cosmovisão</p><p>ecológica.</p><p>d.  Seguiram o modelo consumista europeu, já que foram por séculos explorados e colonizados por países</p><p>europeus.</p><p>e.  O modelo de consumo adotado pelas tribos africanas não pode ser conhecido porque nenhum</p><p>antropólogo tem acesso.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>MANSOLDO, A. Educação ambiental na perspectiva da ecologia integral. Como</p><p>educar neste mundo em desequilíbrio? Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.</p><p>POLITO, A. M. M.; SILVA</p><p>FILHO, O. L. A �loso�a da natureza dos Pré-socráticos.</p><p>Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n. 2, p. 323-361, 2013.</p><p>SALES, A. A importância das religiões de matriz africana para a preservação do</p><p>meio ambiente urbano. Revista Inovação e Tecnologia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 9-15,</p><p>2010.</p><p>SANCHIS, P. Religião, cultura e identidades: Matrizes e matizes. Petrópolis: Vozes,</p><p>2018.</p><p>SANTOS, R. O.; GONÇALVES, A. G. B. A natureza e seus signi�cados entre adeptos</p><p>das religiões afro-brasileiras. Revista Brasileira de História das Religiões,</p><p>Maringá, v. 3, n. 9, p. 1-16, 2011. Anais do III Encontro Nacional do GT História das</p><p>Religiões e das Religiosidades, ANPUH – Questões teórico-metodológicas no estudo</p><p>das religiões e religiosidades. Florianópolis, 2010. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3yGm1ZD. Acesso em: 21 jun. 2021.</p><p>VIEIRA, T. R.; SILVA, C. H. O sacrifício animal em rituais religiosos ou crenças.</p><p>Revista de Biodireito e Direito dos Animais, Curitiba, v. 2, n. 2, p. 97-117, 2016.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>https://bit.ly/3yGm1ZD</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>PARA ONDE OS ORIXÁS VIAJARAM: INFLUÊNCIA EM OUTROS</p><p>POVOS</p><p>Rogério Gonçalves de Carvalho</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Este momento, caro aluno, é uma boa oportunidade para rever alguns temas</p><p>tratados nas seções anteriores. Ao tratarmos, nesta seção, sobre as religiosidades</p><p>africanas em vários lugares do mundo, principalmente como ponto original para a</p><p>formação das religiões de matriz africana, acabamos retomando alguns pontos</p><p>que você já estudou. Por isso, aqui vão algumas dicas de releitura das seções</p><p>anteriores que lhe ajudarão a encarar a atual seção como ampliação e</p><p>aprofundamento. Portanto, releia sobre o sincretismo na Seção 1 da Unidade 3;</p><p>sobre a criatividade popular e as danças, Seção 2 da Unidade 3; sobre o problema</p><p>da colonização religiosa das religiões africanas, as religiosidades africanas como</p><p>marca étnica e a intolerância religiosa ao redor do mundo na Seção 3 da Unidade</p><p>3.</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Não tenha medo de interagir com o seu professor e com os seus colegas,</p><p>relembrando muitos itens que você leu nessas seções, pois eles ajudarão a manter</p><p>o foco nos temas da atual seção e farão uma boa conclusão de tudo o que você</p><p>viu.</p><p>Perceba, conforme você �zer as leituras de cada conteúdo, que a forma de</p><p>sobrevivência e adaptação das religiosidades africanas em todos esses locais foi</p><p>por causa do sincretismo, sendo que o Brasil, por ter a maior população negra fora</p><p>da África, obteve êxito ao preservar muitas tradições das religiosidades africanas</p><p>nas religiões de matriz africana como o candomblé e a umbanda.</p><p>Fique atento, porque, apesar de as estratégias de sobrevivência dessas</p><p>religiosidades parecerem as mesmas, o resultado e as formas adotadas pelas</p><p>identidades culturais e religiosas africanas foram diferentes e diversi�cadas.</p><p>Compare, por exemplo, as religiosidades africanas da América do Norte,</p><p>especialmente dos Estados Unidos, com as religiosidades africanas da América do</p><p>Sul ou do Brasil. Além do número de descendentes de negros ser diferente, as</p><p>in�uências também foram diferentes. Existem algumas semelhanças, mas o</p><p>impacto social e cultural foi muito localizado, razão pela qual não podemos fazer</p><p>uma comparação literal e igual entre os produtos culturais e religiosos dos negros</p><p>norte-americanos com os latino-americanos.</p><p>Por �m, re�ita sobre tudo o que você leu e aprendeu até aqui, terminando essa</p><p>seção para rever alguns pontos de vista. Seja na Teologia, na Antropologia, na</p><p>Sociologia, na Psicologia Social, na História ou nas Ciências das Religiões:</p><p>aprendemos que nenhuma religião é superior à outra, que nenhuma religião pode</p><p>ser percebida fora de um contexto de identidade cultural e social e,</p><p>principalmente, que qualquer religião tem uma dinâmica própria que muitas vezes</p><p>não se compara com outras.</p><p>Leia o trecho do poema Senhor, eu não sou digno, de Vinicius de Morais, que está</p><p>em um dos primeiros livros que ele escreveu, chamado O caminho para a</p><p>distância.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Depois de ler o poema, imagine o seguinte cenário: você acabou de ser</p><p>sequestrado de sua família, de seu território, de seus amigos, dos lugares que você</p><p>amava �car. Tiraram de você a possibilidade de cultuar, de cantar, de simbolizar,</p><p>porque essas coisas só faziam sentido no lugar onde elas foram criadas. Você foi</p><p>levado à força, empurrado violentamente para dentro de um navio, ração como</p><p>comida, sem água potável, com risco de morrer por alguma doença, sem sol por</p><p>meses. Vendido como objeto, torturado para trabalhar sem nada em troca,</p><p>reprimido em sua fala, em sua crença, em sua cultura.</p><p>Agora leia o poema novamente tendo esse cenário como pano de fundo. Em</p><p>seguida, faça uma relação entre o que o poema diz e o sentimento de um negro</p><p>escravizado em terras estrangeiras, proibido de todas as coisas. Para facilitar,</p><p>divida o poema em pequenos trechos para analisar.</p><p>Por �m, indique uma das soluções que o negro escravizado encontrou para sair</p><p>dessa condição de total proibição e repressão, e ressigni�car sua religião e cultura.</p><p>Para que cantarei nas montanhas sem eco</p><p>As minhas louvações?</p><p>A tristeza de não poder atingir o in�nito</p><p>Embargará de lágrimas a minha voz.</p><p>Para que entoarei o salmo harmonioso</p><p>Se tenho na alma um de-profundis?</p><p>Minha voz jamais será clara como a voz das crianças</p><p>Minha voz tem as in�exões dos brados de martírio</p><p>Minha voz enrouqueceu no desespero ...</p><p>Para que cantarei Se em vez de belos cânticos serenos</p><p>A solidão escutará gemidos?</p><p>Antes ir. Ir pelas montanhas sem eco</p><p>Pelas montanhas sem caminho</p><p>Onde a voz fraca não irá.</p><p>Antes ir - e abafar as louvações no peito</p><p>Ir vazio de cantos pela vida</p><p>Ir pelas montanhas sem eco e sem caminho, pelo silêncio</p><p>Como o silêncio que caminha ...</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Está quase no �m da primeira jornada. É um passo inicial para os muitos outros</p><p>que você dará para seguir a viagem fascinante pelo conhecimento das religiões de</p><p>matriz africana e suas in�uências em nossa cultura. Avante!</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>AS RELIGIOSIDADES AFRICANAS NA EUROPA</p><p>Como falar das religiosidades africanas na Europa no passado e no presente? No</p><p>passado, a Europa explorou os territórios africanos, não deixando muito espaço</p><p>para que as religiosidades africanas se desenvolvessem como estavam antes da</p><p>escravização. No presente, a religião predominante na Europa é o cristianismo,</p><p>com um forte crescimento do ateísmo e do secularismo nas últimas décadas.</p><p>Porém, como já sabemos, a resposta para compreender a presença ou a in�uência</p><p>das religiosidades africanas na Europa está no sincretismo. Foi a mistura de</p><p>tradições e crenças que permitiu que muitas dessas religiosidades se adaptassem</p><p>e sobrevivessem, sendo in�uenciadas por outras religiões e culturas e/ou</p><p>in�uenciando-as.</p><p>Se, por um lado, o islamismo teve melhor penetração na África e tenha</p><p>conquistado maior sucesso nos sincretismos em território africano, por outro o</p><p>cristianismo católico romano, principalmente o da região ibérica, permitiu a</p><p>entrada de elementos das religiosidades africanas.</p><p>Para entender como se deu esse processo de sincretismo das religiosidades</p><p>africanas com o catolicismo ibérico, inclusive porque nos remete aos sincretismos</p><p>dessas religiosidades no Brasil, vamos seguir de perto, por todo conteúdo da</p><p>seção, um texto esclarecedor de Fonseca (2012) denominado As raízes do</p><p>sincretismo religioso afro-brasileiro. Ele a�rma o seguinte:</p><p>Essas crenças religiosas que vieram de Portugal, já mescladas com o catolicismo, tiveram sua mistura com as</p><p>demais crenças facilitadas pela estrutura do catolicismo ibérico. O regime do padroado, que doava aos reis</p><p>católicos a administração temporal da igreja em seus domínios, impediu as reformas efetuadas pelo Concílio de</p><p>Trento, afetando o culto dos santos e a adoração das relíquias. O resultado foi a permanência</p><p>de um</p><p>catolicismo de caráter nitidamente medieval, cujos elementos podem ser identi�cados, não igualados, às</p><p>crenças “animistas e fetichistas”, detectadas por Nina Rodrigues. Além disso, a liderança na expansão marítima</p><p>e comercial transformou Portugal em um centro cosmopolita, desde o século XV convivendo com as culturas</p><p>africanas e asiáticas e, dentro das limitações do catolicismo cruzadístico, não o�cialmente abertas às novas</p><p>contribuições. (FONSECA, 2012, p. 113-114).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Assim, a partir do que Fonseca nos informa, identi�camos pelo menos três</p><p>facilitadores para que as religiosidades africanas se sincretizassem com o</p><p>catolicismo. O primeiro facilitador foi misturar o poder temporal com o</p><p>eclesiástico, o poder dos reis sobre os padroados, limitando as in�uências dos</p><p>regulamentos criados pelo Concílio de Trento nos cultos e crenças católicas</p><p>espalhadas por Portugal. Isso signi�cava um distanciamento da patrulha do</p><p>“catolicismo o�cial” sobre o crescimento de um catolicismo popular. Aliás, o</p><p>segundo facilitador foi justamente esse catolicismo popular, sempre aberto ao</p><p>sincretismo. Já tendo assimilado crenças pagãs, inclusive crenças “animistas e</p><p>fetichistas”, não foi difícil assimilar as crenças vindas das religiosidades africanas. O</p><p>terceiro facilitador foi a “vocação” marítima, comercial e exploratória de Portugal,</p><p>tornando o país em um centro de entrecruzamentos de culturas e religiões.</p><p>ASSIMILE</p><p>O padroado, no seu sentido mais literal, nada mais é do que um “padrinho”,</p><p>um tipo de �gura paternal que banca com dinheiro ou poder alguém que é</p><p>seu protegido. Criou-se, então, o regime de padroado, que estabelecia um</p><p>poder político como protetor ou fundador de um espaço eclesiástico. Foi</p><p>muito comum na Espanha, em Portugal e, por consequência, no Brasil. Os</p><p>reis recebiam privilégios do papado para que, no período de exploração e</p><p>conquista de outros territórios, pudessem administrar e organizar a igreja.</p><p>Ao arrecadar dinheiro para a implantação das igrejas, tinham a autorização</p><p>para nomear párocos, indicar bispos e sustentar o domínio religioso.</p><p>No Brasil, o padroado foi um expediente comum até a proclamação da</p><p>república. Ainda podemos ver o resultado do padroado quando visitamos</p><p>alguns municípios onde a Igreja Católica Romana possui e administra bens</p><p>doados pelos reis, nobrezas ou oligarquias. Não são poucas as vezes que</p><p>você terá a oportunidade de observar uma igreja dona de terrenos e</p><p>espaços da cidade. Inclusive, se você se atentar bem, perceberá que muitos</p><p>municípios do Brasil foram fundados ao redor da sede de uma igreja</p><p>católica.</p><p>Para entender melhor sobre o padroado, leia os artigos O padroado e a</p><p>sustentação do clero no Brasil colonial, de Lana Lage Gama Lima (2014), e</p><p>Padroado régio no auge do império brasileiro, de Patricia de Melo Martins</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>(2011). Ambos artigos podem ser acessados pelo link disponível nas</p><p>respectivas referências bibliográ�cas no �m da seção.</p><p>Não obstante, cada etnia africana possuir sua religiosidade especí�ca, como já</p><p>vimos anteriormente. Quando ocorre o contato com os povos europeus, assim</p><p>como aconteceu no Brasil, alguns aspectos foram ressaltados que facilitaram sua</p><p>entrada no catolicismo. Dois deles foram muito importantes e assimilados pelos</p><p>europeus: a crença em espíritos animando as coisas materiais (animismo) e a</p><p>crença em espíritos que entram em contato quando certas pessoas estão em</p><p>transe (possessão). Não é por acaso que essas crenças reforçaram o costume no</p><p>catolicismo popular no uso de amuletos, no medo ou aproximação de espíritos, na</p><p>possessão por demônios ou pessoas consideradas “sagradas” ou “consagradas”</p><p>sendo possuídas por espíritos iluminados, como ocorre no espiritismo kardecista,</p><p>que sofreu forte in�uência desse tipo de crença.</p><p>Desse modo, a diversidade de crenças e tradições presentes nas religiosidades</p><p>africanas começam a</p><p>Podemos, dessa forma, considerar que o sincretismo se deu em “mão dupla”, a</p><p>vinda de tradições de religiosidades africanas para Portugal e Brasil por conta da</p><p>mercantilização escravista e ida de sincretismos de Portugal para áreas africanas.</p><p>AS RELIGIOSIDADES AFRICANAS NA AMÉRICA DO NORTE</p><p>Inicialmente podemos abordar as religiosidades africanas nos Estados Unidos da</p><p>América, pois não foi muito diferente do que ocorreu no Brasil com o trá�co de</p><p>escravizados vindos do continente africano. Apesar de a população negra nos</p><p>Estados Unidos ser em menor número do que no Brasil, os negros africanos</p><p>igualmente vieram da tradição iorubá e foram usados como mão de obra</p><p>(...) se desfazer com a expansão árabe a partir do século VII e intensi�ca com a expansão europeia a partir do</p><p>século XVI. Progressivamente são desenvolvidas na África complexas instituições religiosas fundamentais para a</p><p>organização social, política e econômica dessas sociedades particularmente nas sociedades litorâneas onde o</p><p>intercâmbio com o europeu é mais intenso e promove transformações políticas e sociais. Em razão das guerras</p><p>intestinas podemos observar já nessas sociedades africanas a possibilidade da convivência entre um culto</p><p>dominante e cultos periféricos, ou seja, uma multiplicidade de instituições religiosas que convivem em um</p><p>mesmo espaço político e social.</p><p>Houve então maior complexi�cação, institucionalização e intercâmbio entre as religiões africanas a partir do</p><p>século XVI, que resultou das profundas transformações trazidas à África pelo escravismo moderno. (FONSECA,</p><p>2012, p. 117).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>escravizada nas grandes plantações. Isso signi�ca que, assim como no Brasil, as</p><p>tradições orais da etnia iorubá foram predominantes na formação religiosa e na</p><p>in�uência sobre a cultura estadunidense. Essa in�uência se estende na música, na</p><p>dança, na moda, na culinária etc. Inclusive, já vimos que essa in�uência fez nascer</p><p>o gênero musical blues e, consequentemente, o rock and roll.</p><p>Uma porcentagem bem pequena ainda professa e pratica as religiões tradicionais</p><p>africanas, como o vodum e a santería. Inclusive, é bem comum a exploração</p><p>estereotipada do vodum pelo cinema hollywoodiano, mostrando esse tipo de</p><p>religião como uma espécie de “bruxaria” do mal. Alguns praticam o rastafári,</p><p>religião que mistura elementos judaicos, cristãos e africanos, que, dizem, veio da</p><p>Etiópia, mas foi criada na Jamaica.</p><p>Uma vez que a maioria dos estadunidenses são cristãos, é nessa religião, o</p><p>cristianismo, que ocorrerá o sincretismo com as religiões africanas. Os afro-</p><p>americanos, como são chamados, misturaram alguns elementos vindos das</p><p>religiosidades africanas, que prezam pela cantoria, dança e preferência pelo</p><p>contato místico com a divindade mais do que pelo contato racionalizado. Não sem</p><p>razão, as tradições protestantes assimilaram melhor esses elementos criando</p><p>cultos avivados e a música gospel, que possui contornos dos estilos musicais que</p><p>surgiram entre os escravizados. Assim, também não é ao acaso que o movimento</p><p>pentecostal apareceu nos Estados Unidos no início do século XX desenvolvendo</p><p>uma forma de culto com dança, cantos altos e “línguas estranhas”, que na teologia</p><p>chamamos de glossolalia (glóssa – língua e laló – falar). É um tipo de religiosidade</p><p>que dá bastante ênfase nas relações místicas com o sagrado e que, historicamente,</p><p>se aproximou na busca de cura de doenças por meio de milagres.</p><p>No México, é bem pequeno o número de afro-mexicanos, principalmente porque o</p><p>país sofreu maior in�uência do cristianismo católico da Espanha e das</p><p>religiosidades indígenas como a dos Astecas. Uma afro-mexicana muito famosa,</p><p>vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante no �lme 12 anos de escravidão,</p><p>foi Lupita Nyong’o, de ascendência queniana.</p><p>No Canadá, alguns afro-canadenses se originaram dos escravizados que fugiram</p><p>após a guerra de independência americana. A maior parte é de origem caribenha e</p><p>exerce pouca in�uência na religiosidade que ainda prevalece católica romana ou</p><p>protestante. O pouco que existe de tradição</p><p>religiosa africana pode ser encontrado</p><p>na cultura “francófona” (parte do Canadá que fala francês, como o Quebec),</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>especi�camente em um tipo de literatura interamericana que tem características</p><p>híbridas, isto é, misturam elementos culturais e religiosos de uma época</p><p>colonialista.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>A despeito do pentecostalismo ter se originado por volta de 1901 nos</p><p>Estados Unidos da América, o movimento pentecostal surgiu antes, por</p><p>volta do século XIX, junto com a exploração dos “pioneiros” que vinham do</p><p>Leste dos Estados Unidos rumo ao Oeste. Saiam de espaços urbanos para</p><p>se aventurarem em espaços selvagens, mas que proporcionava muita terra</p><p>a ser cultivada e explorada. Esse movimento migratório expansionista</p><p>depois foi romantizado na literatura e nos �lmes que mostravam o “Oeste</p><p>selvagem” (wild west) a ser dominado pelas “diligências” para a fundação</p><p>das pequenas cidades. É daí que apareceu, muito depois, a cultura do</p><p>“bang-bang” ou “velho oeste”, ou, ainda, do oeste distante (farwest –</p><p>“faroeste”), do enfrentamento entre caubóis e guerra contra os indígenas.</p><p>Muitas famílias que viajaram para explorar o Oeste, pertenciam às</p><p>tradições protestantes tipicamente norte-americanas, como o metodismo,</p><p>o presbiterianismo, os batistas e os quakers. Conforme se instalavam em</p><p>locais cada vez mais distantes das igrejas “o�ciais”, mais adotavam um tipo</p><p>de religiosidade pentecostal, motivadas pelos chamados “avivamentos”,</p><p>tendo como base os rituais místicos e emotivos.</p><p>Mais detalhes sobre a origem social das denominações cristãs norte-</p><p>americanas, consulte o livro de Helmut Richard Niebuhr (1992), As origens</p><p>sociais das denominações cristãs. Outra leitura interessante é o artigo A</p><p>espiritualidade protestante norte-americana na perspectiva de Paul Tillich,</p><p>de Carlos Jeremias Klein (2004).</p><p>AS RELIGIOSIDADES AFRICANAS NA AMÉRICA DO SUL</p><p>Apesar do número considerável de negros africanos que desembarcaram em</p><p>terras sul-americanas, a distribuição foi desigual. Muitos países possuem poucos</p><p>afrodescendentes, além de terem sido mais “e�cazes” na política de</p><p>branqueamento da população. Veja a Argentina, por exemplo, que colocou os</p><p>negros nas frentes de batalha para morrerem, minguando o pouco de sua</p><p>população africana.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>O que vemos na maior parte da América do Sul é predominantemente uma</p><p>mestiçagem do branco com o indígena, mais do que com o negro, o que signi�ca</p><p>que a população negra africana não conseguiu, em muitos lugares, manter as suas</p><p>tradições religiosas. Por vezes, elas se misturaram com as tradições religiosas</p><p>indígenas.</p><p>São poucas as exceções da presença religiosa africana em território sul-americano</p><p>– certamente, o Brasil é a principal. Mas há, também, três destaques: Colômbia,</p><p>Suriname e Trinidad e Tobago. Os três países têm tradições religiosas africanas</p><p>que remontam à escravização na época das colonizações espanholas, holandesas e</p><p>britânicas.</p><p>Geogra�camente, existe uma discussão se Trinidad e Tobago pertencente à região</p><p>sul-americana ou caribenha, porque o país é formado por duas ilhas muito</p><p>próximas à Venezuela. De qualquer forma, as tradições religiosas nesse território</p><p>possuem a mesma origem africana que países como Brasil, Colômbia, Cuba,</p><p>Jamaica etc.</p><p>Na Colômbia, os negros escravizados tinham basicamente a mesma �nalidade que</p><p>os indígenas escravizados, isto é, o trabalho forçado nas grandes plantações e na</p><p>extração de ouro. Com a abolição da escravatura, em 1851, os negros foram</p><p>“empurrados” para as regiões de �oresta e aprenderam a conviver com as</p><p>comunidades indígenas, favorecendo a mestiçagem cafuza.</p><p>Atualmente, a Colômbia, junto com a Venezuela, são os países com maior número</p><p>de afrodescendentes depois do Brasil. No entanto, uma minoria conseguiu manter</p><p>algumas tradições religiosas africanas, sendo suplantadas pelas tradições</p><p>indígenas e cristãs.</p><p>Assim como a Colômbia, o Suriname foi colônia espanhola, até se tornar domínio</p><p>holandês por volta do século XVII. Os escravocratas holandeses compraram muitos</p><p>negros africanos para trabalharem forçadamente nas grandes plantações. A</p><p>principal tradição religiosa africana mantida no Suriname é ligada aos deuses winti,</p><p>que se organizam em um panteão (conjunto de deuses): deuses da terra, deuses</p><p>da água, deuses da �oresta e deuses do céu. Assim como outras tradições</p><p>africanas, preservam a reverência a respeito dos ancestrais.</p><p>Trinidad e Tobago, também inicialmente colônia espanhola, foi dominada pelos</p><p>britânicos posteriormente. Curiosamente, o trá�co de escravos negros não obteve</p><p>êxito com a colonização espanhola, mas sim com a britânica. Na exploração</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>espanhola, a escravização foi principalmente de indígenas. Mais curioso ainda é</p><p>que os escravizados negros não vieram diretamente da África, mas das fazendas</p><p>dos franceses mercadores de escravos no Haiti. Trinidad e Tobago cultivou uma</p><p>tradição religiosa africana surgida no Congo e disseminada por todo o Caribe: a</p><p>adoração à Moko. Anualmente, em uma espécie de carnaval, os moradores de</p><p>Trinidad e Tobago usam máscaras em homenagem à Moko. Também existem os</p><p>douen, que seriam fantasmas de crianças que teriam morrido ao serem batizadas</p><p>e que agora aterrorizam os vivos. Possivelmente, foi um jeito de demonstrar como</p><p>a religião cristã pode representar um risco para a tradição religiosa africana</p><p>preservada no país.</p><p>Existe ainda uma outra tradição religiosa em Trinidad e Tobago, muitas vezes</p><p>omitida, que é o xangô.</p><p>Warner-Lewis ainda nos informa que, depois da década de 70, essa tradição</p><p>religiosa foi adotada por intelectuais negros como forma de resistência, e se</p><p>assemelha muito à santería e ao candomblé, com entidades que podem ser</p><p>identi�cadas como orixás.</p><p>AS RELIGIOSIDADES AFRICANAS NO BRASIL COLÔNIA</p><p>Devemos lembrar que as religiosidades africanas no Brasil, especialmente aquelas</p><p>que se tornaram religiões, como o candomblé e a umbanda, foram sendo</p><p>abordadas em vários momentos nos textos que você leu até agora em outras</p><p>seções. Por isso, precisamos destacar duas características importantes para</p><p>entender as religiosidades africanas na época do Brasil colonial. A primeira é que</p><p>as religiosidades africanas vieram para o Brasil pelo trá�co de negros escravizados.</p><p>A diáspora foi o evento trágico que interrompeu o desenvolvimento dessas</p><p>religiosidades em seus próprios territórios, muitas vezes rivais entre si, e arrastou</p><p>essa diversidade para os espaços homogeneizados do trabalho forçado. A segunda</p><p>característica é a forma como essas religiosidades se difundiram a partir de uma</p><p>fusão de tradições de religiões africanas, indígenas e o cristianismo, que</p><p>abordamos no fenômeno do sincretismo.</p><p>Mas o elemento mais signi�cativo da herança africana em Trinidad e Tobago foi a religião: os ritos religiosos</p><p>chamados “xangô” sempre foram conhecidos como um “trabalho africano” e derivado do povo iorubá da África</p><p>Ocidental. O “xangô” era praticado em todas as ilhas nos santuários privados construídos atrás das casas. Seus</p><p>membros eram compostos, em grande maioria, da classe trabalhadora e de camponeses, a religião não foi</p><p>reconhecida no censo. (WARNER-LEWIS, 2011, p. 306).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Essas duas características nos dão uma boa noção da dimensão originária e</p><p>cultural das religiões de matriz africana. Elas carregam tanto sua origem africana</p><p>quanto sua identidade sincrética. Mesmo diante da Igreja Católica, que seria a</p><p>representante o�cial do território colonial, existia tanto uma repressão das</p><p>manifestações religiosas dos africanos quanto o consentimento de muitos rituais.</p><p>Essa dubiedade ocorria porque, apesar de a Igreja Católica exigir que o modelo</p><p>cristão de crença se impusesse, do ponto de vista dos escravagistas e da elite</p><p>colonial, a permissão de manifestação das crenças e rituais religiosos podia nutrir</p><p>as antigas rivalidades tribais e, com isso, evitar ou diminuir fugas e levantes. Além</p><p>disso, a Igreja Católica</p><p>não tinha o total controle e patrulhamento do que acontecia</p><p>nas senzalas, dando espaço para que, lentamente, as fusões entre tradições</p><p>religiosas diversas fossem surgindo.</p><p>Também devemos considerar que, se por um lado o sincretismo se tornou</p><p>característica das religiões de matriz africana, por outro as religiões africanas e</p><p>indígenas contribuíram muito para elementos sincréticos dentro do catolicismo</p><p>popular. Na verdade, o cristianismo na América Latina e seu desenvolvimento não</p><p>podem ser compreendidos sem o fenômeno sincrético, de religiões que o tempo</p><p>todo se entrecruzaram e se in�uenciaram, em que pese o cristianismo tentar ter</p><p>absoluto controle, fazendo uso de estratégias autoritárias e muitas vezes</p><p>criminosas.</p><p>Podemos dizer, dessa forma, que as religiões de matriz africana são as</p><p>representantes da sobrevivência das religiosidades africanas que quase foram</p><p>apagadas em solo brasileiro na época colonial. O que nos conduz a re�etir sobre a</p><p>importância não só dos rituais, que preservam a resistência de identidades</p><p>culturais, mas também das entidades, os orixás que carregam em suas mitologias</p><p>o sofrimento e a vitória de uma espiritualidade muito bem adaptada aos anseios</p><p>de um povo ainda oprimido.</p><p>REFLITA</p><p>A este ajustamento, se traduzem manifestações sincréticas, que evidenciam a fusão de comportamentos e</p><p>crenças, dos vários grupos de negros emigrados, aqui se insere a primeira forma do candomblé. A religião dos</p><p>negros, sob a denominação de candomblé no Rio de Janeiro e em São Paulo, de tambor de mina no Maranhão,</p><p>de Xangô em Pernambuco, incluindo a singularidade sincrética dos catimbós, das juremas e calundus,</p><p>permitindo que se delineasse a etnicidade afro através da inscrição na tradição cultural e de um processo de</p><p>produção e adaptação da linguagem e do conjunto de crenças. Os negros fetichistas se integraram na cultura</p><p>luso-brasileira, assimilando e aceitando de forma inconsciente os princípios e conceitos cristãos. (MELO, 2010,</p><p>p. 74).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Quando estudamos as religiões e seus fenômenos, inevitavelmente</p><p>precisamos considerar seus contextos culturais e sociais para entender as</p><p>origens e desenvolvimentos pelas quais passaram. Então, por que muitas</p><p>vezes avaliamos as religiões como se fossem escolhas pessoais? Será que</p><p>adotar uma religião é realmente uma questão de escolha, sem levar em</p><p>conta as identidades culturais e sociais? O que leva uma pessoa a acreditar</p><p>que a sua religião é universal, como se fosse atemporal?</p><p>Portanto, devemos considerar que as religiosidades africanas sobreviveram tanto</p><p>pela capacidade de se adaptar, passando pelo sincretismo com o cristianismo e as</p><p>religiosidades indígenas, quanto pela incapacidade do cristianismo em controlar</p><p>todas as crenças e cultos desenvolvidos entre os escravizados.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>Mesmo diante da Igreja Católica, que seria a representante o�cial do território</p><p>colonial, existia tanto uma repressão das manifestações religiosas dos africanos</p><p>quanto o consentimento de muitos rituais. Essa dubiedade ocorria porque, apesar</p><p>de a Igreja Católica exigir que o modelo cristão de crença se impusesse, do ponto</p><p>de vista dos escravagistas e da elite colonial, a permissão de manifestação das</p><p>crenças e rituais religiosos podia nutrir as antigas rivalidades tribais e, com isso,</p><p>evitar ou diminuir fugas e levantes. Além disso, a Igreja Católica não tinha o total</p><p>controle e patrulhamento do que acontecia nas senzalas, dando espaço para que</p><p>lentamente as fusões entre tradições religiosas diversas fossem surgindo.</p><p>De acordo com o texto apresentado, assinale a alternativa correta.</p><p>a.  As tradições religiosas dos africanos eram totalmente respeitadas e incentivadas nas senzalas, pois isso</p><p>ajudava na motivação para a fuga.</p><p>b.  A Igreja Católica exigia dos escravocratas a permissão dos cultos das religiosidades africanas porque</p><p>permitiria o sincretismo com o cristianismo.</p><p>c.  A elite colonial deixava nas mãos da Igreja Católica o total controle sobre a liberdade dos cultos das</p><p>religiosidades africanas nas senzalas.</p><p>d.  Todas as vezes que a Igreja Católica perdia o controle sobre os cultos das religiões africanas, havia um</p><p>con�ito entre os próprios negros escravizados.</p><p>e.  Ora deixar, ora não deixar acontecer o culto afro-religioso, obedecia ao interesse da elite colonial, assim</p><p>como a falta de controle da Igreja Católica em todos os territórios.</p><p>Questão 2</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>“E, sendo uma economia de exploração do homem, o capitalismo tanto</p><p>comercializou escravos para o Brasil, o Caribe e o sul dos Estados Unidos, nas</p><p>décadas de 30, 40, 50 e 60 do século XIX, como estabeleceu o comércio de</p><p>trabalhadores chineses para Cuba e o �uxo de emigrantes europeus para os</p><p>Estados Unidos e o Canadá. O trá�co negreiro se manteve para o Brasil depois de</p><p>sua proibição, pela lei de 1831, porque ainda ofereceu respostas ao capitalismo”.</p><p>(TAVARES, 1988,).</p><p>O texto indica uma relação do capitalismo com a escravidão no século XIX. Que</p><p>relação é essa?</p><p>a.  O desaparecimento da escravidão por causa do capitalismo.</p><p>b.  A contribuição da escravidão para a manutenção do capitalismo.</p><p>c.  A escravidão levou à superação do capitalismo.</p><p>d.  O decreto de �m da escravidão por causa de trabalhadores chineses e europeus.</p><p>e.  A união do capitalismo com o escravagismo criando um sistema econômico.</p><p>Questão 3</p><p>“Torna-se claro que quem descobriu a África no Brasil, muito antes dos europeus,</p><p>foram os próprios africanos trazidos como escravos. E esta descoberta não se</p><p>restringia apenas ao reino linguístico, estendia-se também a outras áreas culturais,</p><p>inclusive à da religião. Há razões para pensar que os africanos, quando misturados</p><p>e transportados ao Brasil, não demoraram em perceber a existência entre si de</p><p>elos culturais mais profundos”. (SLENES, 1992, p.  ).</p><p>Tendo o texto como base, ao contribuir com o encontro de negros de diferentes</p><p>territórios da África, a experiência da escravidão no Brasil tornou possível a:</p><p>a.  Formação de uma identidade cultural afro-brasileira.</p><p>b.  Superação de aspectos culturais africanos por antigas tradições europeias.</p><p>c.  Continuidade dos con�itos entre grupos étnicos africanos.</p><p>d.  Manutenção das características culturais especí�cas de cada tribo.</p><p>e.  Resistência à incorporação de elementos culturais indígenas.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>FERREIRA, R.; SEIJAS, T. Trá�co de escravos para a América Latina: Um balanço</p><p>historiográ�co In: ANDREWS, G. R.; FUENTE, A. (Orgs.). Estudos afro-latino-</p><p>americanos: Uma introdução. Buenos Aires: CLACSO, 2018.</p><p>FONSECA, D. R. As raízes do sincretismo religioso afro-brasileiro. Revista Língua</p><p>Viva, Guajará-Mirim, v. 2, n. 1, p. 96-136, 2012.</p><p>KLEIN, C. J. A espiritualidade protestante norte-americana na perspectiva de Paul</p><p>Tillich. Revista Eletrônica Correlatio, n. 6, p. 85-103, 2004.</p><p>LIMA, L. L. G. O padroado e a sustentação do clero no Brasil colonial. Saeculum –</p><p>Revista de História, João Pessoa, n. 30, p. 47-62, 2014. Disponível</p><p>em: https://bit.ly/2Uy41S8. Acesso em: 22 jun. 2021.</p><p>MARQUESE, R. B. História, antropologia e a cultura afro-americana: o legado da</p><p>escravidão. São Paulo, Estudos Avançados, 18 (50), 2004, p. 303-308.</p><p>MARTINS, P. C. M. Padroado régio no auge do império brasileiro. Revista</p><p>Brasileira de História das Religiões, Maringá, Ano 3, n. 9, p. 75-91, 2011.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3dRAwSj. Acesso em: 22 jun. 2021.</p><p>MELO, S. L. A religiosidade no Brasil colonial: O caso da Bahia (séculos XVI-XVII).</p><p>2010. 117 f. Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões) – Universidade</p><p>Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.</p><p>NIEBUHR, H. R. As origens sociais das denominações cristãs. São Paulo:</p><p>IEPG/ASTE, 1992.</p><p>SLENES, R. “Malungu, ngoma vem!”: África coberta e descoberta do Brasil. Revista</p><p>USP, São Paulo, n. 12, p. 48-67, 1992. Disponível em: https://bit.ly/3yPcP5h. Acesso</p><p>em: 22 jun. 2021.</p><p>TAVARES, L. H. D. Comércio proibido de escravos. São Paulo: Ática, 1988</p><p>WARNER-WILLIS, M. Trinidad e Tobago: In�uência da Herança Africana na</p><p>Identidade Nacional in: CARDIM, C. H.; DIAS FILHO, R. G. (Orgs.). A herança</p><p>africana no brasil e no caribe. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2011.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>https://bit.ly/2Uy41S8</p><p>https://bit.ly/3dRAwSj</p><p>https://bit.ly/3yPcP5h</p><p>nos</p><p>levar a valorizar nossos “velhos”, inclusive em nossas práticas religiosas.</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Vamos continuar com garra nossa leitura, a �m de concluirmos nossos estudos. A</p><p>Teologia é uma ciência que não estuda a religião, mas sim Deus, ou o</p><p>entendimento que devemos ter do ser supremo. Por isso, é importante</p><p>conhecermos e compreendermos a forma como outros povos e culturas interagem</p><p>com a divindade.</p><p>Você é professor de Ensino Religioso em uma escola da periferia. Entre seus alunos</p><p>há os “cristãos radicais” que não aceitam outras visões sobre as divindades. Eles</p><p>veem todas as escolhas diferentes como coisas do “diabo”. Você, porém, como</p><p>teólogo, formado em um curso que propõe o conhecimento acima de qualquer</p><p>visão baseada em estereótipos, coloca em seu planejamento de aulas o estudo das</p><p>mitologias africanas. Porém, com o passar das suas aulas, observa que muitos</p><p>alunos e alunas te desa�am e que, por vezes, aconteceram reclamações nas aulas,</p><p>na coordenação pedagógica, na direção e nas reuniões de pais e alunos. Apesar</p><p>disso, você é um professor que quer manter seu planejamento, porque acha</p><p>importante este debate e inicia a busca de uma maneira de trabalhar o tema.</p><p>Como você faria para manter seu planejamento e tratar do assunto de forma</p><p>equilibrada e didática?</p><p>Você nunca sai perdendo quando adquire conhecimento! Então, dedique-se aos</p><p>estudos mesmo que isso signi�que alguns sacrifícios. Deste momento, depende o</p><p>seu futuro! Vamos em Frente!</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>A ORALIDADE COMO PERPETRADORA DOS MITOS</p><p>Como vimos anteriormente, a oralidade é fundamental para a transmissão de todo</p><p>o tipo de conhecimento entre os povos tradicionais da África e para a prática das</p><p>religiões primais. A palavra é a base da constituição social, mesmo nas sociedades</p><p>que possuem escrita. Sendo assim, a fala não é só uma forma de comunicação</p><p>diária, mas uma ferramenta de guarda da sabedoria ancestral que é venerada na</p><p>tradição oral (VANSINA, 2010, p. 139-140).</p><p>Na oralidade, estão depositados os saberes herdados e são reconstituídos os</p><p>legados civilizatórios milenares, remetendo a uma anterioridade histórica que a</p><p>coloca em um lugar de anunciação. A ligação com a ancestralidade remete-se a</p><p>maneira como se entende o papel dos antepassados e ancestrais na educação das</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>comunidades orais. É fundamental entender que, entre elas, a palavra tem a</p><p>função de estruturar e elaborar o conhecimento no tempo sagrado na interação</p><p>vocal entre o mestre e o aprendiz.</p><p>Como já vimos, a tradição oral é um testemunho passado de uma geração a outra</p><p>que é vista como uma maneira de garantir a ligação e o diálogo entre os planos</p><p>espiritual e material. Ela relaciona tudo e todos em uma existência sem separar</p><p>estes planos, pois nela o espiritual e o material não se desligam, já que são</p><p>complementares e interdependentes. A memória ancestral é realizada no cotidiano</p><p>da vida das comunidades. Nesta memória, estão os mitos e as crenças que fazem</p><p>parte do acervo religioso, histórico e, por vezes, imaginário.</p><p>O mito é a narrativa de uma história sagrada, um acontecimento de um passado</p><p>distante, ou o ponto de partida de tudo, ou seja, a gênese da criação do mundo e</p><p>da humanidade. Ele apresenta a solução de problemas para auxiliar em momentos</p><p>contemporâneos. Desta forma, neles está contemplada a narrativa do sagrado, da</p><p>origem e da vida humana (ELIADE, 1992, p. 11)</p><p>Contudo, o contato do mito com o sagrado não se dá somente na memória e da</p><p>ancestralidade. O cotidiano compõe sua cosmogonia. Muitas atividades diárias</p><p>domésticas e pro�ssionais fazem parte, ou tem suas origens ligadas à mitologia.</p><p>Podemos citar o caso do ferreiro, que é visto como uma das atividades míticas</p><p>ligadas diretamente com o sagrado. Segundo Lopes e Macedo (2017), o ferreiro</p><p>tinha posição</p><p>A narrativa mítica nos remete à comunicação com o espaço sagrado. Ela é cósmica</p><p>e ilumina o entendimento sobre a essência dos seres e de tudo que está presente</p><p>no universo. Por isso, os narradores têm um papel primordial nessas culturas. Eles</p><p>tornam-se pessoas con�áveis. Segundo Hampâté Bâ (2010), “Nenhum narrador</p><p>(...) nas antigas sociedades africanas (...) como até hoje nas comunidades tradicionais, a de um personagem de</p><p>alta estirpe, um indivíduo de ocupação polivalente, técnico e artista. Em várias regiões, notadamente na África</p><p>Ocidental, os ferreiros, ainda nos tempos atuais, constituem uma categoria à parte, uma casta mesmo. E isto</p><p>porque, em geral, não só detém o monopólio da tecnologia como desempenham papel preponderante em</p><p>cerimônias e rituais, como o�ciantes da liturgia e curadores de doenças. Por força de sua importância</p><p>econômica, de sua pro�ssão e da sacralidade que envolve seu mister, o ferreiro sempre foi, nas sociedades</p><p>africanas, desde tempos imemoriais, alguém envolto em aura de grande credibilidade e respeito.</p><p>— (LOPES; MACEDO, 2017, p. 124)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>poderia mudar os fatos, pois à sua volta haveria sempre companheiros ou anciãos</p><p>que imediatamente apontariam o erro, fazendo-lhe a séria acusação de mentiroso”</p><p>(BÂ, 2010, p.207).</p><p>Esses agentes, através das narrativas mitológicas, imprimem sentido à vida</p><p>coletiva, aos desejos, aos projetos e aos medos que afetam as sociedades. Sua</p><p>força vem de uma inspiração divina, que o alimenta e traz clarividência para a</p><p>construção de suas histórias.</p><p>QUEM ENSINA NAS RELIGIÕES PRIMAIS</p><p>Em um texto escrito para a enciclopédia História Geral da África, publicada pela</p><p>Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),</p><p>Amadou Hampâté Bâ (2010) trata dos transmissores orais africanos que abarcam</p><p>todas as áreas do saber. Eles são chamados de tradicionalistas. Já tratamos de</p><p>forma não muito especí�ca sobre eles. Seguiremos as trilhas de Bâ, que utiliza sua</p><p>experiência entre os Bambaras para tratar destes que ele chama de “depósitos da</p><p>herança oral”.</p><p>Entre os Bambara, esses mestres são chamados de Doma ou Soma, que são os</p><p>“conhecedores”. Entre os que falam a língua Fulani, são chamados de Donikeba,</p><p>“fazedores de conhecimento”. Por �m, os povos de outras regiões como os</p><p>Silatigui, os Gando e os Tchiorinke usam palavras que signi�cam algo como</p><p>“conhecedor”.</p><p>Trata-se de mestres que foram iniciados ou são iniciadores de uma atividade</p><p>especí�ca ou, ainda, possuem conhecimento amplo da tradição em todas as</p><p>esferas. São então os domas que ensinam os ofícios do cotidiano, como ferreiros,</p><p>pastores, tecelões, assim como nas tradicionais escolas de iniciação do Mali, Komo,</p><p>Kore, Nama, Do, Diarrawara, Nya, Nyaworole etc.</p><p>São raros os “conhecedores” que se especializam em determinado tema. Na</p><p>verdade, são generalistas em sua maioria. Um mesmo ancião normalmente é</p><p>conhecedor da ciência das plantas, da ciência das terras, da ciência das águas,</p><p>astronomia, cosmogonia, psicologia etc. Podemos a�rmar que são conhecedores</p><p>da ciência da vida, ou seja, da sabedoria para enfrentar o cotidiano de maneira</p><p>e�ciente e prática. Mas, podemos fazer o seguinte questionamento: qual o sentido</p><p>do uso da palavra “prática”, já que tratamos da religião, ou seja, do sobrenatural?</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>No caso das comunidades africanas tradicionais, mesmo os temas ligados ao</p><p>inatingível são vistos como ciência prática que ajuda na relação apropriada com os</p><p>poderes que fortalecem o mundo visível e são postos à serviço da comunidade.</p><p>Esses “Conhecedores”, que guardam os segredos da Gênese cósmica e das ciências</p><p>da vida, normalmente são detentores de uma excelente memória e são o</p><p>receptáculo dos acontecimentos relatados pela tradição e até mesmo dos fatos</p><p>contemporâneos.</p><p>Os tradicionalistas prezam pela manutenção de sua honra e pela verdade, uma vez</p><p>que o não cumprimento desse princípio os impede de continuar a ser os</p><p>transmissores das tradições. Por isso, são muito respeitados. Ao iniciarem os seus</p><p>testemunhos,</p><p>cumprem um ritual de chamamento dos antepassados espirituais,</p><p>ou seja, aqueles que foram os Domas, antes deles, a �m de conferirem</p><p>legitimidade para não ocorrerem equívocos em sua narração. Esta prática</p><p>possibilita referenciar a narrativa quando confrontada, uma vez que foi sempre um</p><p>antepassado que o contou (BÂ, 2010, p. 181).</p><p>Esses pro�ssionais da tradição, normalmente, eram homens viajados que tinham</p><p>curiosidade em buscar informações e saciar suas curiosidades. Em suas viagens,</p><p>sempre buscavam a troca de informações e faziam circular o conhecimento.</p><p>Segundo o autor, qualquer um podia ser um “conhecedor”, porque tal</p><p>conhecimento não leva em consideração hereditariedade e etnia. Seu</p><p>conhecimento poderia ser adquirido durante a trajetória de vida, sendo sempre</p><p>atualizado.</p><p>A formação dos Doma começava por uma iniciação aos sete anos de idade,</p><p>quando frequentavam, com seus pais, as casas noturnas onde reuniam-se com</p><p>outras crianças. Esta sociedade de iniciação era o local onde os mais velhos</p><p>ensinavam sobre o povo e a vida. Para Hampâté Bâ (2010, p. 201), “Quando um</p><p>velho conta uma história iniciatória, desenvolve-se o simbolismo de acordo com a</p><p>natureza e a capacidade de compreensão de seu auditório”.</p><p>Nos povos africanos, o ancião é aquele que cumpre a sagrada função de unir o</p><p>começo ao �m, de acalmar as águas turbas do agora alargando suas margens</p><p>(BOSSI, 2002, p. 82). Através dos velhos, uma variedade de conhecimentos alcança</p><p>os mais jovens, a�rmando a sua importância como guardião do tesouro espiritual e</p><p>das tradições das comunidades.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Os mais velhos concretizam a união entre a narrativa e a vida, simboliza a</p><p>interligação das diferentes gerações e revela a separação entre espaços e tempos.</p><p>Desta forma, estabelece oportunidade de comunicação e intercâmbios de</p><p>experiências que transmitem conhecimentos.</p><p>Essa troca possibilita a manutenção dos saberes, uma vez aprendidos pelos mais</p><p>novos. Sendo assim, os anciãos acabam por rea�rmar sua importância a partir do</p><p>papel de transmissores da tradição oral, para que estas não sejam perdidas diante</p><p>dos conhecimentos da modernidade.</p><p>ASSIMILE</p><p>Entre os povos de língua banto, no Sul da África, Nganga é a palavra</p><p>empregada para tratar aqueles que são os ritualistas tradicionais. Sua</p><p>atividade está ligada a um método de conhecimento do meio natural, como</p><p>se fosse uma observação cientí�ca. São vistos como “médicos” ou</p><p>“doutores”. Entre os povos de língua quicongo, esse termo designa, em um</p><p>sentido mais amplo, “sábio”, “sacerdote”, “mestre” etc. (LOPES; MACEDO,</p><p>2017, p. 222).</p><p>MITOS FUNDAMENTAIS</p><p>Os mitos fundamentais são uma forma de os povos se situarem no mundo, ou</p><p>seja, de tratar de seus lugares entre os demais seres criados. Além disso, eles</p><p>objetivam o estabelecimento de algumas verdades que explicam parte dos</p><p>fenômenos naturais e culturais, e dão formas à ação humana. A verdade proposta</p><p>pelo mito não é objetiva nem cientí�ca, é intuída.</p><p>Entretanto, ele não é um discurso enganador e falso, mas é a fala sobre a qual se</p><p>baseiam todas as justi�cações da ordem e da contraordem sociais. Ele possui um</p><p>estatuto especí�co que nos explica as cisões e percepções tradicionais que dizem</p><p>respeito à concepção de mundo dos africanos (AGUESSY, 1980, p. 128).</p><p>A fragilidade humana diante da pujança da natureza e da di�culdade de dominá-la</p><p>fez com que o homem passasse a lhes atribuir qualidades emocionais, ou seja,</p><p>tudo era visto como animado, com características boas ou más, amigas ou</p><p>inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaçadoras e</p><p>repelentes. Era um mundo em que o homem precisava agradar algumas forças</p><p>para que houvesse caça abundante, para que a terra fosse fértil e a tribo</p><p>protegida, para o nascimento sadio das crianças e a paz dos mortos.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>O mito fundamental é uma primeira narrativa sobre o mundo, uma primeira</p><p>maneira de dar sentido ao mundo a partir da imaginação e da afetividade. Sua</p><p>função principal é propiciar uma melhor adequação dos seres humanos no</p><p>mundo.</p><p>Nos povos da região do Daomé, o termo que designa mito é huenùxó, que são</p><p>histórias submetidas a dois níveis de restrição. O primeiro é o nível de restrição</p><p>daqueles que são os receptores da mensagem comunicada. Depois, o nível dos</p><p>que são habilitados a recitar ou ritualizar a mensagem.</p><p>No primeiro nível, não há necessidade de especialistas em práticas religiosas que a</p><p>narrem. Porém, no nível dos que recitam, esse é um pré-requisito, o que</p><p>demonstra a relação entre o domínio do mito com o religioso. Essa ligação �ca</p><p>clara a partir da análise dos mitos dos Iorubás e do povo Fon, em que, apesar da</p><p>participação de um Deus superior na Criação, existem aqueles que são</p><p>responsáveis pelo cuidado dos seres humanos, os orixás e voduns,</p><p>respectivamente.</p><p>ASSIMILE</p><p>Entre os Iorubás temos os Babalâos, que são o mais alto grau dos</p><p>sacerdotes. São considerados os “pais dos segredos”, os intérpretes do</p><p>oráculo de Ifá, que tem como divindade principal Orumilá. A iniciação de</p><p>um babalaô não comporta a perda momentânea de consciência que</p><p>acompanha as dos orixás. Sua iniciação é intelectual, caracterizada por um</p><p>extenso período de estudo de conhecimentos precisos e que privilegiam a</p><p>memória.</p><p>Esse aprendizado, que ocorre entre os 3 e os 15 anos de idade, tem como</p><p>conteúdo muitas histórias e lendas do passado presentes nos 256 odus,</p><p>signos de Ifá que regem a vida das pessoas, que são uma enciclopédia da</p><p>tradição oral iorubá.</p><p>Sua tradição remonta ao século V e.c. (usamos Era Comum), e eram</p><p>servidores em Oyó e Ifé em todos os momentos da vida, inclusive nas</p><p>escolhas dos governantes.</p><p>O RESPEITO À TRADIÇÃO</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Nas tradições da África, existe um grupo que, apesar das di�culdades de</p><p>relacionamento devido a visões sistemáticas da vida, é valorizado pela sua</p><p>representação no conjunto de saberes que se constitui no decorrer da trajetória de</p><p>cada povo, além de sua capacitação para transmitir as práticas e interpretação</p><p>desses conhecimentos. Esses personagens são os idosos, chamados lá de velhos</p><p>como um sinal de carinho, porque possibilitam uma maneira coerente de utilização</p><p>do que é ensinado e aprendido.</p><p>A tradição se atualiza e, por isso, mantém seu respeito, no contato entre os mais</p><p>jovens e os mais velhos, pois �cam nítidos os problemas de cada grupo, criando o</p><p>debate sobre a validade ou não de algumas práticas na contemporaneidade de</p><p>cada geração.</p><p>Desta forma, vemos que alguns povos, que eram nômades e se tornaram</p><p>sedentários, modi�caram alguns aspectos e abandonaram tradições anteriores</p><p>diante de contextos diferentes. Podemos citar a formação de sociedades islâmicas</p><p>e a chegada dos cristãos europeus como contextos de mudança das tradições</p><p>dessas sociedades.</p><p>A tradição, ao contrário do que muitos pensam, é dinâmica. Ela não é inerte, não é</p><p>atraso, não está presa ao passado como um objeto antigo que é admirado em um</p><p>museu. Nela estão presentes vários elementos das sociedades e é formada por</p><p>ambientes variados, onde os clãs e a comunidade ocupam lugar de destaque, pois</p><p>era o local de sua formação. Segundo Hampâté Bâ (2010),</p><p>Muitas vezes eu �cava na casa de meu pai Tidjani após o jantar para assistira os serões. Para as crianças, estes</p><p>serões eram verdadeiras escolas vivas, porque um mestre contador de histórias africano não se limitava a</p><p>narrálas, mas podia também ensinar sobre numerosos outros assuntos, em especial quando se tratava de</p><p>tradicionalistas consagrados como Koullel, seu mestre Modibo Koumba ou Danfo Siné de Buguni. Tais homens</p><p>eram capazes de abordar quase todos os campos do conhecimento da época, porque um “conhecedor” nunca</p><p>era um especialista no sentido moderno da palavra, mas, mais precisamente, uma espécie de generalista. O</p><p>conhecimento não era compartimentado. O mesmo ancião (no sentido africano da palavra, isto é, aquele que</p><p>conhece, mesmo se nem todos os seus cabelos são brancos) podia ter conhecimentos</p><p>profundos sobre religião</p><p>ou história, como também ciências naturais ou humanas de todo tipo. Era um conhecimento mais ou menos</p><p>global segundo a competência de cada um, uma espécie de “ciência da vida”; vida, considerada aqui como uma</p><p>unidade em que tudo é interligado, interdependente e interativo; em que o material e o espiritual nunca são</p><p>dissociados. E o ensinamento nunca era sistemático, mas deixado ao sabor das circunstâncias, segundo os</p><p>momentos favoráveis ou a atenção do auditório.</p><p>— (BÂ, 2003, p. 174-175)</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>Apesar de, por vezes, parecerem confusos e controversos, os saberes suscitados</p><p>pela tradição e a forma como são feitas suas transmissões os preservam no</p><p>cotidiano a partir dos valores éticos importantes que ajudam na formação dos</p><p>entes das comunidades. Ou seja, trata-se de uma prática diária em que as crianças</p><p>são obrigadas a determinadas situações, apesar de parecerem inapropriadas aos</p><p>olhares externos à comunidade, podem trazer uma série de conhecimentos e</p><p>saberes tradicionais.</p><p>Nas sociedades africanas tradicionais, todos ambientes são possibilidades para o</p><p>aprendizado, e, nesse caso, a casa é a sua maior escola. Nela são transmitidos os</p><p>valores nos momentos de severidade, mas também na descontração e nas</p><p>brincadeiras.</p><p>EXEMPLIFICANDO</p><p>Vemos que os narradores ou conhecedores das tradições entre os povos</p><p>tradicionais da África são respeitados como lideranças religiosas e</p><p>comunitárias. Sem eles, por vezes os povos não conseguiriam acessar os</p><p>seus conhecimentos ancestrais. Existe então uma forte preocupação em</p><p>prepara-los, a �m de que continuem a exercer suas atividades. Fazendo um</p><p>paralelo, no Brasil, padres, pastores, rabinos, monges e imãs, gozam de</p><p>uma certa respeitabilidade. Porque entre nós, de certa forma estas</p><p>lideranças ligadas a cultos Afro-Brasileiros não gozam da mesma</p><p>honorabilidade? Qual seria o papel da teologia nesta visão?</p><p>Quando vemos a quantidade de templos e adeptos destas religiões que são</p><p>atacados, vemos a falta de respeito a estas tradições e culturas, que com</p><p>seus ensinamentos e forma de ver o mundo poderiam ajudar de maneira</p><p>acentuada na formação cultural de nosso país, já que estão ligados à</p><p>maioria étnica nacional.</p><p>Nesta seção vimos a importância da oralidade na formação das sociedades</p><p>tradicionais africanas e de suas vivências religiosas, uma vez que os mitos e as</p><p>tradições passam por ela para existirem. A estrutura da sociedade depende da</p><p>formação de cada ente que nela convive. Os responsáveis por esta tarefa são os</p><p>“velhos” e os conhecedores, que são respeitados e preparados para executarem</p><p>suas tarefas a partir do aprendizado das tradições ancestrais. Sendo assim,</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>podemos constatar que as religiões fazem parte do cotidiano de vivências e</p><p>atividades ensinadas e praticadas a partir dos conhecimentos transmitidos pela</p><p>tradição oral.</p><p>FAÇA VALER A PENA</p><p>Questão 1</p><p>“Barnabé Semicúpio da Silva descrito como um homem negro, idoso, com mais de</p><p>80 anos, morador do rancho coberto de sapé, no �nal do sítio. Ele ajuda nas</p><p>tarefas do sítio de modo geral, mas sua obrigação �xa é cuidar da vaca Mocha e</p><p>das galinhas. Suas vestimentas nas ilustrações são compostas por um chapéu de</p><p>palha, calça, camisa de algodão, sandália e adereços. É calvo, possui rugas na pele,</p><p>está sempre acompanhado de seu cachimbo e possui grande sabedoria sobre a</p><p>mata, as lendas e todas as feitiçarias.” (SANTOS, 2019, p. 47).</p><p>O texto acima trata da obra literária O Sítio do Pica-pau Amarelo de Monteiro</p><p>Lobato e analisa as características do personagem Tio Barnabé. A partir delas,</p><p>indique, marcando a alternativa correta: qual seria o papel que o personagem</p><p>ocuparia nas comunidades tradicionais africanas.</p><p>a.  Oradores.</p><p>b.  Locutores.</p><p>c.  Falantes.</p><p>d.  Comentadores.</p><p>e.  Tradicionalistas.</p><p>Questão 2</p><p>“Segundo Sacconi (1996, p. 462), mito signi�ca ‘qualquer fato imaginário; �cção’. O</p><p>mito não pode ser caraterizado e visto apenas como verdadeiro ou �ctício, pois faz</p><p>parte da construção cultural de um povo – assim, pode ser considerado como um</p><p>aspecto social que in�uencia na cultura, nas crenças, nos costumes e nas religiões.</p><p>En�m, podemos a�rmar que, de certo modo, as sociedades se desenvolveram a</p><p>partir de mitos, o que faz dessa narrativa elemento fundamental na construção</p><p>social.” (BERGOL; CUNHA, 2019, p. 29).</p><p>Sobre a função dos mitos nas sociedades tradicionais africanas, analise as</p><p>asserções abaixo:</p><p>I. Os mitos não possuem in�uência sobre a vida contemporânea das comunidades.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>II. O contato do mito com o sagrado não se dá somente na memória e</p><p>ancestralidade.</p><p>III. Os mitos imprimem sentido à vida coletiva, aos desejos, aos projetos e aos</p><p>medos que afetam as sociedades.</p><p>Considerando o contexto apresentado, é correto o que se a�rma APENAS em:</p><p>a.  I.</p><p>b.  II.</p><p>c.  I e II.</p><p>d.  II e III.</p><p>e.  I, II e III.</p><p>Questão 3</p><p>“Não sem razão, o lugar do velho na sociedade africana é corroborado como um</p><p>espaço de privilégio, uma vez que ele concretiza a junção entre narrativa e vida,</p><p>metaforizando um elo a interligar as diferentes gerações e desmiti�car a separação</p><p>entre espaços e tempos” (NASCIMENTO; RAMOS, 2011, p. 460).</p><p>Diante do contexto apresentado, analise as a�rmativas a seguir:</p><p>I. O ancião é aquele que cumpre a sagrada função de unir o começo ao �m, de</p><p>acalmar as águas turbas do agora alargando suas margens.</p><p>II. Através dos velhos, uma variedade de conhecimentos alcança os mais jovens,</p><p>mantendo as comunidades da mesma forma em que está sendo narrada nos</p><p>mitos.</p><p>III. Os mais velhos são os guardiões do tesouro espiritual e das tradições das</p><p>comunidades, que, devido a seu trabalho, mantêm-se estáticas.</p><p>IV. Os mais velhos concretizam a união entre a narrativa e a vida, simboliza a</p><p>interligação das diferentes gerações.</p><p>V. Os anciãos acabam por rea�rmar sua importância a partir do papel de</p><p>transmissores da tradição oral.</p><p>É correto o que se a�rma APENAS em:</p><p>a.  I e II.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AGUESSY, H. Visões e percepções tradicionais. In: SOW, A. I. et al. Introdução à</p><p>Cultura Africana. Lisboa: Edições 70, 1980, p. 95-136.</p><p>BÂ, A. H. A tradição viva. In: ZERBO, J. K. (Org.). História Geral da África I:</p><p>Metodologia e pré-história da África. Brasília: UNESCO, 2010.</p><p>BÂ, A. H. Amkoullel, o menino fula. São Paulo: Pallas Athena Casa das Áfricas,</p><p>2003.</p><p>BERGOL, L. G.; JÚNIOR, L. N. C. Mitos Africanos no ensino de Filoso�a.</p><p>PINDORAMA, v. 10, n. 10, p. 22-41, 2019.</p><p>BOSSI, Alfredo. Literatura e resistência. Companhia das letras: São Paulo, 2002.</p><p>ELIADE, M. Sagrado e Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</p><p>NASCIMENTO, L. A.; RAMOS, M. M. A memória dos velhos e a valorização da</p><p>tradição na literatura africana: algumas leituras. Crítica Cultural, v. 6, n. 2, p. 453-</p><p>467, 2011.</p><p>LOPES, N. B.; MACEDO, J. R. Dicionário de História da África: séculos VII a XVI.</p><p>Belo Horizonte: Autêntica, 2017.</p><p>SANTOS, K. S. As Representações e Construção de Estereótipos de Vidas</p><p>Negras na Obra “O Sítio do Pica-pau Amarelo”, de Monteiro Lobato. Santa</p><p>Maria, 2019. 81 p. Monogra�a (Bacharel em Comunicação Social – Produção</p><p>Editorial) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. 2019. Disponível</p><p>em: https://bit.ly/2Ug5oVC. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>VANSINA, J, A. Tradição Oral e sua Metodologia. A cor da cultura, [s.l.], 2013.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/2UfjvKT. Acesso em: 12 jun. 2021.</p><p>b.  III e IV.</p><p>c.  I, IV e V.</p><p>d.  II, III e IV.</p><p>e.  II, III, IV e V.</p><p>0</p><p>V</p><p>er</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>es</p><p>https://bit.ly/2Ug5oVC</p><p>http://www.acordacultura.org.br/artigos/25092013/a-tradicao-oral-e-sua-metodologia</p><p>NÃO PODE FALTAR</p><p>ASPECTOS DAS SOCIEDADES AFRICANAS RELIGIOSAS</p><p>Je�erson Eduardo dos Santos Machado</p><p>Imprimir</p><p>PRATICAR PARA APRENDER</p><p>Vivemos em tempos em que a sociedade debate muito sobre o papel da família e a</p><p>situação das mulheres. Esta seção tem, em seu conteúdo, uma ferramenta</p><p>importante para tratarmos de muitas in�uências</p><p>e tradições que ainda hoje estão</p><p>presentes em nosso país. Porém, será um grande momento para debater o papel</p><p>das mulheres na sociedade e nas religiões, e a maneira como são tratadas pelo</p><p>coletivo, usando como contraponto a visão que as sociedades tradicionais</p><p>africanas têm sobre elas.</p><p>Você foi convidado a realizar uma palestra em uma comunidade de um dos morros</p><p>do Rio de Janeiro. O local onde será o evento é uma Igreja, em que a maioria dos</p><p>�éis são mulheres – menos a liderança religiosa. Conforme o que você pesquisou</p><p>Fonte: Shutterstock.</p><p>Deseja ouvir este material?</p><p>Áudio disponível no material digital.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>para entender o público com quem iria falar, muitas mulheres sofrem violência</p><p>doméstica.</p><p>A liderança lhe deu, como ponto de partida, a passagem bíblica que está no Livro</p><p>de Efésios, em que está escrito o seguinte:</p><p>A partir da leitura, feita nesta seção, como você pode fazer uma discussão que leve</p><p>a comunidade a entender que a submissão da mulher pode ser um problema para</p><p>a própria comunidade, uma vez que há possibilidade de ocorrer a morte e retira</p><p>toda a dignidade das mulheres? Como utilizar elementos da história das</p><p>sociedades africanas que, por vezes, são vistas com negatividade, para ilustrar a</p><p>necessidade de dar maior voz e vez àquelas que podem ser protagonistas em suas</p><p>realidades?</p><p>“Aprenda com o ontem. Viva o hoje. Tenha esperança para o amanhã.”  Albert</p><p>Einstein.</p><p>CONCEITO-CHAVE</p><p>A ESTRUTURA EM CLÃS</p><p>No passado, as sociedades africanas utilizavam formas próprias de organização,</p><p>com base nas dinâmicas internas familiares, em que cada indivíduo desempenhava</p><p>um papel de�nido a �m de colaborar com a coletividade familiar. Cada qual</p><p>executava tarefas que eram classi�cadas em função de suas idades, capacidades</p><p>físicas, comportamentos morais e sexo (SALUM, 2005, [s. p.]).</p><p>Isso também se re�etia na organização além do âmbito familiar, em que também</p><p>encontramos a distribuição de papéis entre seus membros. A diferença é que, ao</p><p>extrapolar a família, o papel de um dos seus entes poder ser outro, diferente do</p><p>que é desempenhado no seio familiar. Isto se dá pela diferença de posição na</p><p>hierarquia que este indivíduo possui nas duas esferas, ou seja, nem sempre um</p><p>membro mais velho de um clã é o mais velho da tribo, e cada uma dessas</p><p>entidades têm um chefe que organiza e coordena a execução dos trabalhos</p><p>atribuídos aos membros.</p><p>"Mulheres, sujeitem-se a seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também</p><p>Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a Igreja está sujeita a</p><p>Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos. Maridos, amem suas mulheres,</p><p>assim como Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela".</p><p>—  (Efésios 5:22-25, grifo do autor).</p><p>“</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Este modo de organização de�niu as interações entre os entes das famílias e das</p><p>tribos, e favoreceu o desenvolvimento da economia agrícola na Antiguidade</p><p>Africana. Nessa época, os campos eram comunitários e a organização do trabalho</p><p>era fundamental para ter como resultado uma boa colheita (LEITE, 1996, p. 112).</p><p>Em cada ciclo de nova safra, os indivíduos tinham suas funções pré-de�nidas, ou</p><p>seja, uns eram responsáveis pela capina, outros por lavrar e outros pela</p><p>semeadura. Em todo o processo de preparação, colheita e transporte da safra</p><p>existia uma sinergia entre os membros da tribo.</p><p>Porém, essa divisão social do trabalho não é resultado do início da agricultura, é</p><p>anterior. Ela tem origem no período dos caçadores e coletores (extrativismo).</p><p>Neste momento da história africana, o uso das ferramentas de caça seguia a</p><p>capacidade física, isto é, os arqueiros e os lanceiros eram escolhidos entre aqueles</p><p>que eram resistentes a corridas e que tinham habilidade em lançar. O restante dos</p><p>membros �cava responsável pelo transporte de carga, preparação do fogo,</p><p>cozimento, entre outros.</p><p>Com o surgimento das primeiras estruturas estatais, as sociedades melhoraram e</p><p>consolidaram a mesma forma de organização. A necessidade de organizar-se</p><p>nasceu da procura da harmonia social em sociedades que eram comunitárias. Os</p><p>membros desses povos almejaram a criação de uma instância máxima para</p><p>manutenção da ordem social, que seria representada por uma pessoa que iria</p><p>garantir a prosperidade e a defesa da comunidade. Desta forma, elegeram entre</p><p>eles o que podemos chamar de reis, que passaram a ser os responsáveis pelo</p><p>conjunto de toda comunidade, que recebem então a nomenclatura de reino.</p><p>Os grandes reinos e impérios da África pré-colonial tinham como base uma</p><p>organização política e socioeconômica assentada em estruturas especí�cas, que</p><p>tinha como fundamento a família estendida ou clã, que são grupos sociais</p><p>formados por muitas pessoas ligadas pelo grau de parentesco. As sociedades eram</p><p>divididas em castas ou categorias sociais que tinham exclusividade em</p><p>determinadas funções ou atividades socioeconômicas.</p><p>Essas famílias são de�nidas como unidades nas quais desenvolvem-se três tipos de</p><p>relações: a aliança (casal), �liação e consanguinidade (irmãos). A família extensa ou</p><p>clã, unidade fundamental, é um elemento mítico, espiritual, social e solidário. É</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>estruturada de forma comunitária, com cada ente trabalhando em prol da</p><p>coletividade de forma subordinada ao todo. Essa �loso�a comunitária está ligada à</p><p>religiosidade, à economia e à existência de algumas sociedades especiais.</p><p>A base em famílias, que podiam ser patrimoniais ou matrimoniais, não está</p><p>diretamente ligada à hereditariedade, apesar de a transmissão do poder ocorrer</p><p>dentro de uma mesma família. Isso implica em uma situação em que nem sempre</p><p>o herdeiro natural será aquele que assume o posto. A maior parte do continente</p><p>possuía como grande motor socioeconômico a grande família patriarcal, ainda que</p><p>muitos grupos fossem matriarcais (KI-ZERBO, 2010, p. 784). As etnias eram</p><p>formadas pela ligação de vários clãs que, geralmente, consolidavam uma</p><p>comunidade de língua, ou seja, havia uma aproximação a partir de um tronco</p><p>linguístico semelhante. Desta forma, a família extensa é a referência para a</p><p>existência diária dos africanos e africanas. O respeito a ela é fundamental e</p><p>ultrapassa em grau de importância a reverência aos indivíduos.</p><p>Nas sociedades de organização matrilinear, os laços que constroem o parentesco</p><p>são uterinos. Nelas, a mulher é quem é a base da legitimação das descendências,</p><p>sendo assim são o núcleo fundador de de�nição da família, tendo como base</p><p>ancestrais mulheres que são o ponto inicial. Desta maneira, os direitos e deveres</p><p>são institucionalmente transmitidos de mãe para a �lha, de irmã a irmã, de tia a</p><p>sobrinha, e entre os homens, de irmão para irmão, e de tio para sobrinho (LEITE,</p><p>1996, p. 11).</p><p>Esses pressupostos são válidos inclusive para a sucessão nas che�as e nos reis de</p><p>sociedades com organizações mais complexas, nas quais os herdeiros dos postos</p><p>são indivíduos que têm sua descendência marcada pela origem materna. A ideia é</p><p>de preservação de patrimônio genético estabelecido pela mulher, pois a</p><p>formulação básica da matrilinearidade é a ideia de que nenhum homem pode</p><p>provar que é pai de seus �lhos.</p><p>ASSIMILE</p><p>Entre os bacongos, o grupo formado por parentes que, em conjunto,</p><p>possuíam um território comum, era chamado de Kanda. A Kanda era</p><p>proprietária das �orestas, dos rios, das fontes de água, das pastagens e das</p><p>plantações. Ela não era dona dos instrumentos usados para o trabalho, pois</p><p>estes eram propriedades individuais. Seus membros eram de�nidos pela</p><p>linha matrilinear. (LOPES; MACEDO, 2017, p. 168)</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>A família extensa pode constituir-se, também, de entes de ancestralidade</p><p>diferenciada, de cativos agregados e de indivíduos que pertençam a outros grupos</p><p>étnicos que se agregam a uma aldeia em busca de receber um pedaço de terra</p><p>para plantar. Mas, a família que os recebe detém os direitos</p><p>e deveres ligados à</p><p>administração.</p><p>COMPOSIÇÃO SOCIAL: VIVOS + MORTOS + AINDA NÃO NASCIDOS</p><p>As famílias nestas sociedades possuíam características especiais, pois, além dos</p><p>vivos, eram marcadas pela proximidade dos mortos. Esse fato está ligado à ideia</p><p>da permanência dos ancestrais próximos aos clãs, mas em um mundo à parte,</p><p>como se fosse outra dimensão que mantinha contato constante sobre os lares dos</p><p>vivos a �m de garantir o cumprimento dos costumes por parte de seus</p><p>descendentes.</p><p>Aquilo que é chamado de costume é a organização da sociedade africana. Ele tem</p><p>sua origem no surgimento do clã. Ambos são relativos ao tempo mítico, ou a época</p><p>conhecida como “o princípio dos tempos”. É papel dos vivos garantir a preservação</p><p>do costume, através do cumprimento das normas e da realização de sacrifícios</p><p>dedicados aos espíritos ancestrais.</p><p>Os antepassados proporcionam grandes benefícios para seus descendentes vivos,</p><p>tais como a saúde, a vida longa, prosperidade, sorte e bons �lhos. Os</p><p>antepassados só o são por consanguinidade. Por isso, só o ritual feito por</p><p>descendentes é considerado um culto ancestral.</p><p>Ninguém se torna ancestral sem ter vivido de forma coerente com a moral imposta</p><p>pela sua sociedade. O ancestral foi uma pessoa exemplar que era bem-vista pela</p><p>comunidade, e que seguia as tradições tribais (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,</p><p>2005, p. 33).</p><p>Além dos vivos e mortos, as famílias também contam em sua composição com os</p><p>que ainda não nasceram, ou os descendentes. A continuidade da família é um</p><p>dever dos indivíduos. Um dos piores infortúnios pessoais é morrer sem</p><p>descendência. Isto signi�ca o �m da conexão entre espíritos ancestrais e a terra,</p><p>pois ninguém mais iria contatá-los.</p><p>Segundo Ifatolà, existe uma crença de que, ao se colocar o nome de um ancestral</p><p>em um de seus descendentes, o antepassado continuará a viver nele e não será</p><p>esquecido, mantendo a comunicação com os vivos que oferecem rituais.</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>HIERARQUIA SOCIAL - FLEXIBILIDADE DE PAPÉIS</p><p>Conforme tratado anteriormente, uma das formas de hereditariedade existente</p><p>nas sociedades tradicionais africanas era a matrilinearidade, o que demonstra que,</p><p>apesar de muitos papéis serem de�nidos – e por vezes imutáveis –, não existia um</p><p>só padrão de hierarquização social para todo o continente. Nas sociedades em que</p><p>a linha matrilinear era a dominante, a mulher possuía papel de comando e decisão.</p><p>Nesse caso, elas não se limitavam à parceria do poder com os homens, tinham</p><p>poder de decisão em questões políticas, administrativas e econômicas. Desta</p><p>forma, tornavam-se as responsáveis pelo futuro e continuação das comunidades</p><p>tradicionais.</p><p>Apesar de ser um dos modelos importantes de organização social na África pré-</p><p>colonial, a matrilinearidade era considerada uma fase primitiva no processo de</p><p>organização social e política, principalmente por estar baseada na família</p><p>comandada pelas mulheres. Por isso, muitos autores ocidentais depreciaram as</p><p>sociedades matrilineares, entre eles Friedrich Engels (NASCIMENTO, 2008, p. 74).</p><p>Essa construção intelectual que coloca o matriarcado em posição de primitivismo e</p><p>inferioridade, como uma simples etapa do caminho ao patriarcado, nega a</p><p>historicidade feminina e retira das mulheres a capacidade de produção de</p><p>processos políticos e administrativos nas comunidades africanas antigas.</p><p>Em contrapartida, estudiosos africanos combatem essa visão. Não a�rmam</p><p>nenhuma superioridade de um sistema sobre o outro, uma vez que, no</p><p>matriarcado, o que vigorava era uma partilha de poderes e responsabilidades</p><p>entre mulher e homem – representava um equilíbrio de energias na condução</p><p>política e administrativa do Estado.</p><p>REFLITA</p><p>A matrilinearidade é de�nida como uma forma de linhagem muito presente</p><p>entre os povos tradicionais africanos, porém muitos pensadores europeus</p><p>combateram essa visão. Qual é a di�culdade que os pensadores enfrentam</p><p>em aceitar este tipo de linhagem? Será que em nossa sociedade cristã</p><p>ocidental conseguiríamos viver organizados dessa maneira?</p><p>O PAPEL DAS MULHERES NAS TRIBOS E NA RELIGIÃO</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>Nas sociedades tradicionais africanas, homens e mulheres desempenhavam</p><p>atividades diferentes, mas possuíam status semelhante dentro das comunidades.</p><p>A de�nição de gênero no continente africano não atribuía superioridade aos</p><p>homens e inferioridade às mulheres. Desta forma, a mulher era respeitada,</p><p>possuía posição e autoridade, além de receber um status particular, especialmente</p><p>as avós, as mães, as irmãs, as ceramistas, as fazendeiras, as curandeiras e as</p><p>líderes religiosas. Na verdade, o que determinava a posição social e a autoridade</p><p>na África antes de 1900 era a antiguidade, idade, família e capacidade.</p><p>Em povos que precisavam de mais trabalhadores fortes e com capacidade</p><p>produtiva, e que por isso não valorizavam a propriedade privada de terras e de</p><p>recursos, o mais importante era criar condições sociais para a maternidade, o</p><p>bem-estar da criança e a parentalidade social. Estas condições ecológicas,</p><p>demográ�cas, econômicas e políticas que ocorriam no continente explica o</p><p>elevado conceito das mulheres nesses grupos humanos (SAID, 2020).</p><p>Nos estudos feitos sobre a África, por vezes houve a preocupação em de�nir as</p><p>pessoas anatomicamente como homem e mulher. Porém, entre os povos Bantu, a</p><p>mulher é de�nida a partir das fases que atravessa na vida, ou seja, para que</p><p>alguém a categorize e de�na seu status, deve saber se já passou pelas cerimônias</p><p>de educação e iniciação, se teve seu primeiro �lho, se chegou à menopausa, se é</p><p>uma anciã e, por conseguinte, tornou-se avó ou se já é uma ancestral.</p><p>São quatro maneiras principais como as sociedades africanas conceituam o gênero</p><p>ao longo da história africana antes da colonização. Primeiro, as categorias sociais</p><p>africanas – mãe, avó, sogra, irmã e �lha eram mais importantes que a esposa; a</p><p>segunda maneira é a percepção de que a família nuclear africana é extensa e inclui</p><p>os vivos de hoje, os que são ancestrais e os que ainda vão nascer; em terceiro</p><p>lugar, a linhagem materna ou paterna de�nia em muitas sociedades a identidade e</p><p>a herança; e, por último, a maioria das sociedades pré-coloniais buscavam o</p><p>equilíbrio de gênero como um ideal e incentivavam uma divisão igualitária de</p><p>recursos e status (SAID, 2020).</p><p>Para entendermos a busca do equilíbrio, é necessário retornar ao período</p><p>Holoceno. Trata-se de uma época em que as tarefas de subsistência eram divididas</p><p>entre os homens, como responsáveis pela pecuária, e as mulheres, que</p><p>controlavam as tecnologias da agricultura. Outro ponto importante foi a invenção</p><p>da tecnologia de cerâmica, por volta de 9.000 a. AEC. – a maior evidência de esta</p><p>0</p><p>V</p><p>e</p><p>r</p><p>a</p><p>n</p><p>o</p><p>ta</p><p>çõ</p><p>e</p><p>s</p><p>ter sido uma proeza feminina é o fato de que, no �nal do século XX, 90% da</p><p>população oleiras ser composta de mulheres, além de que, na África Central, a</p><p>criação dos seres humanos por Deus é comparada a uma mulher fazendo uma</p><p>panela de barro. Em grande parte do continente, as mulheres controlavam a</p><p>tecnologia da agricultura, mas eram os homens que normalmente</p><p>desempenhavam os papeis essenciais. Além disso, com o advento da metalurgia,</p><p>as enxadas, essenciais para a agricultura africana, passaram a ser feitas de ferro, o</p><p>que fez com que as mulheres agricultoras passassem a depender dos homens</p><p>para ter uma ferramenta importante.</p><p>Na Antiguidade, foram muitas as rainhas núbias que lideravam tropas contras seus</p><p>inimigos e o acesso a cargos políticos, herança e identidade era feito tendo como</p><p>referência a família das mães. A sociedade do Egito Antigo era matrilinear e o</p><p>direito a ser Faraó estava ligado à linha materna. A terra também era herdada</p><p>através desta linha sucessória, e as mulheres tinham o controle da terra em seu</p><p>próprio nome. A mulheres egípcias disputavam seus litígios civis, inclusive o</p><p>divórcio. Documentos da época demostram que elas tinham controle sobre suas</p><p>�nanças, mesmo sendo casadas.</p><p>Entre os berberes do</p>

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