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Teoria Avançada das 
Relações Internacionais
Responsável pelo Conteúdo:
Prof. Dr. Carlos Henrique Canesin
Revisão Textual:
Caique Oliveira dos Santos
A Transição dos Clássicos aos Científi cos: o Segundo Debate
A Transição dos Clássicos aos 
Científicos: o Segundo Debate
 
• Compreender, a partir da discussão ontológica das teorias clássicas, o conceito de ciência 
positivista e o Segundo Debate das relações internacionais, opondo a perspectiva episte-
mológica clássica ao positivismo científico das teorias modernas das relações internacionais 
– especialmente refletido no debate entre o realismo clássico e o neorrealismo.
OBJETIVO DE APRENDIZADO 
• Os Clássicos;
• O Segundo Debate: a Vitória do Positivismo.
UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
Os Clássicos
Realismo Clássico
A célebre obra Guernica, de Pablo Picasso, representa o bombardeio da cidade de 
Guernica durante a guerra civil espanhola.
Figura 1 – Guernica (1937), de Pablo Picasso, óleo sobre tela. 
Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha
Fonte: wikiart.org
O realismo clássico constrói uma ontologia pessimista das relações internacionais, 
projetando uma imagem do mundo de competição contínua entre os Estados sobera-
nos, onde as relações internacionais são caracterizadas por relações de poder, impe­
rando a coerção com o uso ou a ameaça mediante a força na busca dos objetivos ou inte­
resses dos Estados. Assim, considerações éticas, morais ou de justiça, em suas acepções 
comuns, não são parte da política internacional.
• Poder: trata-se de um atributo transitivo caracterizado pela capacidade que um ator A 
possui de fazer com que o ator B se comporte da forma desejada por A, independente-
mente dos interesses de B (BOBBIO et al., 1998, p. 933-943);
• Soberania: indica o poder de mandato de última instância em uma hierarquia política 
dentro da sociedade ou do Estado, onde o poder soberano se sobrepõe a todos os demais 
poderes e não se submete a nenhum outro poder, não existindo soberania ou poder aci-
ma da soberania do Estado (BOBBIO et al., 1998, p. 1.179-1.188);
• Anarquia: ausência de governo ou hierarquia nas relações entre atores dentro de uma 
sociedade ou domínio político (BOBBIO et al., 1998, p. 23-29).
Dessa forma, apenas a força (o poder) pode conter a força. Não há razão ou ética 
contra o fio da espada. E o poder precisa ser exercido ou projetado, como estabelecido 
na célebre frase do chanceler alemão Otto von Bismarck (1815­1898) de que a única 
coisa que não se pode fazer com uma espada é sentar­se sobre ela.
Quanto à causa imediata desse estado de coisas, trata­se do medo. Medo de ser atacado. 
Medo de perder espaço ou ativos importantes para o crescimento, o desenvolvimento ou 
mesmo a sobrevivência do Estado. Esse medo, na visão realista clássica, é justificado 
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pela própria organização social e política humana, motivada pela premissa de que a natu-
reza humana é má.
Essa posição metafísica sobre a causa da competição e da guerra nas relações interna­
cionais pode ter suas bases traçadas, grosso modo, a partir de duas tradições ou visões 
epistemológicas que coabitam o pensamento realista clássico no início do século XX. 
A primeira pode ser caracterizada como uma visão eminentemente racionalista e 
traçada a partir do desenvolvimento e da influência do pensamento greco-romano
desde Tucídides até Maquiavel. A segunda, por sua vez, assenta­se em premissas epis­
temológicas empiristas e terá sua máxima expressão no pensamento contratualista, 
cujo principal expoente dentro da tradição da realpolitik é Hobbes.
A cisão radical entre racionalistas e empiristas – e, dentro dos últimos, entre tradi­
cionalistas e positivistas – viria a ocorrer apenas no pós­Segunda Guerra Mundial, o 
que será nosso tema mais adiante nesta Unidade ao discutirmos o Segundo Debate das 
relações internacionais. Dentro do pensamento clássico, no entanto, as visões raciona­
listas e empiristas coabitam bem o mesmo espaço a partir de uma posição metodológica 
tradicional e de uma filosofia política, em última instância, de base metafísica, conforme 
discutimos em outro momento dos nossos estudos.
Inaugurando a primeira corrente dentro da tradição realista clássica, temos a obra His-
tória da Guerra do Peloponeso (2001 [400 a.C.]), do general ateniense exilado Tucídides 
(460 a 400 a.C.), que produziu o que se considera o primeiro registro escrito da tradição 
 realista das relações internacionais. Mais do que relatar os eventos ocorridos durante o con­
flito, o objetivo de Tucídides era inquirir, por meio da obra, acerca da natureza da guerra 
em si, e não de um conflito em particular, expondo suas razões e recorrências.
Assim, o general ateniense, que também era historiador, procura separar os eventos 
ou motivos apontados pelos líderes políticos da época como razões para o conflito, 
considerados por ele superficiais, e busca compreender quais seriam os fatores mais 
profundos, que operariam ao longo do tempo e da história, os quais seriam os reais 
produtores do fenômeno na guerra. 
A partir de suas observações, Tucídides chega à conclusão de que a guerra teria sido 
causada pelo crescimento do poder ateniense na Península Helênica e pelo medo de 
Esparta de que esse crescimento pudesse trazer consequências negativas para o próprio 
poder e a sobrevivência de Esparta. A incerteza e o medo seriam, portanto, não apenas 
as causas da Guerra do Peloponeso mas também das guerras em geral.
De acordo com Tucídides, tudo se resumiria à distribuição ou ao balanço de poder e 
aos interesses dos Estados, tendo em vista que, nas relações internacionais, os Estados 
não se subordinam uns aos outros e podem buscar seus próprios interesses por meio 
do uso da força. Ademais, aqueles que detêm a força ou o poder não se restringem pela 
honra ou justiça, apenas pela sua própria capacidade de levar adiante seus interesses. 
Isso denota a capacidade de os seres humanos agirem de forma egoísta e causarem 
o mal, bastando que tenham o poder para fazê­lo e, assim, levar adiante seus próprios 
interesses ou objetivos. Conforme Tucídides nos apresenta na famosa passagem de sua 
obra intitulada de “Diálogo Mélio”:
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
(...)
89. (...) Preferimos pensar que esperais obter o possível diante de nossos 
e vossos sentimentos reais, pois deveis saber tanto quanto nós que o 
justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses 
de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os 
fracos se submetem.
Tucídides – História da Guerra do Peloponeso: Diálogo Mélio. 
Disponível em: https://bit.ly/2XcruK8
Seguindo, inclusive de forma autoproclamada, nessa corrente, o diplomata florentino 
exilado Nicolau Maquiavel (1469­1527), em sua obra O Príncipe (2010), de 1532, 
estabelece um inquérito sobre a sobrevivência e a segurança do Estado, tanto domés­
tica quanto externa. Seu objetivo era constituir um manual prático para o governante, 
o príncipe, sobre como ganhar, manter e expandir seu poder e, assim, garantir a sua 
própria sobrevivência e a do Estado. 
O Estado e o governante são um só, e o último age em nome do primeiro, sendo o 
principal dever do príncipe garantir a segurança do Estado. Em virtude disso, governantes 
e súditos são regidos por sistemas éticos distintos. Enquanto os súditos são regidos por 
códigos éticos baseados na moral – compondo, portanto, uma ética da convicção que 
contempla o moral e o imoral, o certo e o errado, o justo e o injusto –, o príncipe é 
regido por um tipo diferente de ética.
Na ética do príncipe, não há espaço para a moral, pois trata­se de uma ética de 
responsabilidade. A responsabilidade pelo bem­estar e pela sobrevivência do Estado, o 
que contempla uma noção de finalidades, ou seja, para garantir o bem­estar e a sobre­
vivência do Estado, ao governante é lícito agir de maneira que seria considerada imoral 
de acordo comuma ética de convicções. O domínio da política seria, assim, uma área 
amoral. Segundo Maquiavel (2010, p. 73­74):
Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e 
quem nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distân­
cia entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o 
que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinar­se que 
a preservar­se; pois um homem que queira fazer em todas as coisas pro­
fissão de bondade deve arruinar­se entre tantos que não são bons. Daí ser 
necessário a um príncipe, se quiser manter­se, aprender a não ser bom.
Dessa forma, sendo a política um domínio eminentemente amoral e exigindo do 
governante a capacidade e a disposição para fazer o mal para preservar o poder e a 
sobrevivência do Estado, apreende­se de Maquiavel que a natureza da política é deter­
minada pelos interesses e pelas necessidades do Estado. Quanto à satisfação deste, ela 
é auferida por aqueles que são capazes de não serem bons e não se comportarem de 
forma moral – denotando não apenas a capacidade mas também a necessidade do mal 
como fundamento da ação política que está na natureza humana.
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Por sua vez, o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588­1679), embora não rompa com 
a tradição greco­romana precedente, pelo contrário, sendo o próprio o primeiro tradu­
tor da obra de Tucídides para o inglês, é o principal expoente da segunda corrente, 
consolidando, na tradição realista clássica, uma vertente empirista do conhecimento 
acerca dos efeitos da natureza humana sobre a política internacional. Desse modo, che­
ga à mesma conclusão dos teóricos precedentes sobre seus efeitos práticos na constru­
ção de uma ontologia negativa da política internacional.
Em Leviatã, ou matéria, forma ou poder de um Estado eclesiástico e civil (2008 
[1651]), Hobbes dá à construção realista sobre a natureza humana uma interpretação empi­
rista e contratualista. Ele argumenta que os seres humanos, antes de viverem em sociedade, 
representada pelo Estado, viviam em um estado de natureza. Nesse estado de natureza, 
todos os indivíduos são livres para buscar a satisfação de suas próprias vontades e desejos, 
não havendo a imposição de nenhuma autoridade ou hierarquia entre eles. Portanto, no 
estado de natureza, os seres humanos viveriam em uma condição de anarquia.
Além disso, nesse estado, os homens expressariam a sua verdadeira má natureza 
e se utilizariam de suas próprias capacidades, a força, para conquistar a satisfação de 
suas necessidades e desejos. Isso faria com que o estado de natureza fosse uma guerra 
de todos contra todos, tornando a vida humana instável, solitária, bruta, pobre e curta.
Para vencer esse estado de coisas, os seres humanos teriam entrado em uma espécie 
de contrato social que dá origem à sociedade e ao Estado, acabando com a anarquia 
doméstica. Para isso, teriam concordado em renunciar ao uso individual do poder (a 
força) e consentido com a sua concentração em uma autoridade central, o soberano. 
Contratualista: compreende todas aquelas teorias políticas que veem a origem da socie-
dade e o fundamento do poder político a partir de um contrato, isto é, um acordo tácito ou 
expresso entre a maioria dos cidadãos, o qual assinalaria o fim do estado de natureza e o 
início do estado social e político naquela sociedade (BOBBIO et al., 1998, p. 272-283).
O Estado possuirá, assim, mais poder do que qualquer indivíduo ou grupo de indiví­
duos na sociedade doméstica, tendo um poder indisputável como o Leviatã, o monstro 
bíblico. O Leviatã é, portanto, o Estado, o soberano, que será capaz de utilizar esse 
poder para manter a ordem dentro das fronteiras domésticas. E, sem ordem, de acordo 
com o matemático, teórico político e filósofo inglês, o desenvolvimento de nenhuma 
sociedade é possível. Segundo Hobbes (2008, p. 124):
(...) é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar 
igualmente os homens ao cumprimento de seus pactos, mediante o ter­
ror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do 
rompimento do pacto.
A ordem é possível dentro das fronteiras domésticas, pois a anarquia foi suprimida 
pelo Estado, o Leviatã. No entanto, é fora das fronteiras, na política internacional, que 
esse monstro se encontrará com outros monstros formados também pela concentração 
de poder – a essência da política. A relação entre esses monstros, Estados, será, assim, 
uma relação anárquica mediada por suas próprias capacidades e poder.
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
Dessa forma, a natureza da política internacional é definida pela transferência da con­
dição de anarquia do âmbito doméstico para o internacional com a formação do Estado 
após o contrato social, característica que pode ser empiricamente observada nas rela­
ções entre os Estados. E, nas condições de anarquia, os seres humanos estão livres para 
expressar a sua própria má natureza na busca de seus interesses e objetivos egoístas.
Liberalismo Clássico
Por sua vez, a escola liberal clássica constrói uma ontologia positiva da política 
internacional, vendo o mundo como um lugar de cooperação entre os seres humanos 
e enfatizando os ganhos e os aspectos positivos da construção social coletiva humana, 
que ampliaria nossa capacidade de buscar, conjuntamente, maiores níveis de desenvol­
vimento e bem­estar.
Figura 2 – Congreso de los Pueblos por la Paz (1952), de Frida Kahlo, 
óleo sobre tela. Ramis Barquet, Nova York, EUA
Fonte: wikiart.org
Para os liberais clássicos, os seres humanos são eminentemente racionais, e é a ra­
zão humana o farol de nossa construção social, associada ou não à experiência empírica 
no mundo. Exatamente por sua racionalidade, o ser humano é naturalmente um animal 
social. A racionalidade humana tornaria os seres humanos capazes de compartilhar 
determinado conjunto de valores humanos básicos necessários a sua sobrevivência, o 
que os agruparia. 
Essa tendência natural dos homens pró­sociedade manifesta­se tanto nas nossas 
fronteiras, em nossas sociedades domésticas dentro do Estado, quanto nas relações 
internacionais. Estas seriam caracterizadas como relações entre Estados que, da mesma 
forma que os indivíduos, partilham determinado conjunto de valores na sua interação, 
formando, mais do que um mero sistema internacional, uma sociedade internacional.
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Você Sabia? 
O conceito de sociedade internacional foi mais intensamente desenvolvido no âmbito da es-
cola inglesa das relações internacionais a partir da década de 1960, sendo popularizado pela 
famosa obra de Hedley Bull “A sociedade anárquica” (2002 [1977]) (MENDONÇA, 2012).
As relações internacionais não seriam, portanto, caracterizadas por uma condição de 
anarquia crua e inescapável, muito embora só possamos efetivamente falar na existência das 
relações internacionais na presença da anarquia, pois, sem esta, não há o outro. Em outras 
palavras, não haveria soberanias múltiplas – estando tudo submetido à mesma soberania. 
Para a existência do internacional, é necessária a presença de ao menos dois atores sobe­
ranos no sistema e, por conseguinte, a criação da condição de anarquia entre eles.
Assim, conquanto a anarquia exista como fator necessário ao sistema internacional, 
ela poderia ser mitigada por determinado conjunto de valores comuns que os Estados 
possuem e por meio do qual intermedeiam suas relações recíprocas. Da mesma forma 
que em uma sociedade doméstica, os indivíduos possuem um conjunto de valores com­
partilhados que são responsáveis por amalgamar e dar identidade a essa própria socie­
dade, muito mais do que as leis e a coerção estatal.
Ademais, enquanto a racionalidade e a tendência social dos homens sejam impor­
tantes nessa construção, elas não são suas causas primeiras. A capacidade humana de 
mitigar a anarquia nas relações internacionais deriva, na visão liberal clássica, das con­
sequências da própria organização social e política humana, motivada pela premissade 
que a natureza humana é boa.
Ao contrário da escola realista clássica, cujas bases podem ser traçadas de forma 
mais ou menos linear a partir de uma bifurcação entre visões mais racionalistas e visões 
mais alinhadas ao empirismo, a tradição liberal é bem ampla e difusa. O pensamento 
liberal tem raízes gerais na tradição greco­romana, passando por corolários escolásticos, 
agostinianos, racionalistas, utilitaristas, entre outros, dentro do desenvolvimento e da 
expansão de diferentes expressões do iluminismo e do liberalismo europeu.
Por razões didáticas, no entanto, agruparemos as distintas perspectivas liberais 
clássicas no bojo do desenvolvimento de duas tradições, seguindo a mesma aborda­
gem adotada com a escola realista clássica. Assim, traçaremos o desenvolvimento das 
premissas metafísicas sobre a natureza humana, que embasam o liberalismo clássico do 
século XX, a partir de um mesmo recorte epistemológico.
No primeiro recorte ou visão, abordaremos a influência do racionalismo dos estoi­
cos no pensamento greco­romano até Kant, construindo uma tradição racionalista, a 
qual denominaremos cosmopolitismo. Quanto à segunda visão, trataremos da natu­
reza empirista, buscando seus elementos na obra de Locke dentro de uma perspectiva 
contratualista da política.
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
Cosmopolita: conceito formado pela união dos radicais gregos cosmos (universo) e polis (ci-
dade, Estado, sociedade), referindo-se à crença de que todos os seres humanos são regidos 
por leis naturais do universo e que, portanto, formam uma única grande comunidade humana 
(PETERS, 1983; JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008).
O estoicismo é uma tradição filosófica iniciada por Zenão de Cítio (333­263 a.C.) 
em torno do século III a.C. Os escritos de Zenão não sobreviveram, a não ser por ex­
certos e pela compilação de suas ideias por comentadores posteriores ainda durante a 
antiguidade clássica (LAÉRCIO, 2020). Sua principal obra é a República [300 a.C.], 
em contraposição à obra de mesmo nome de Platão. Da mesma forma, as ideias de 
 Epiteto (55­135 d.C.), um dos principais cosmopolitas estoicos, sobreviveram em partes 
da obra Discursos [108 d.C.], compilada por um de seus discípulos (ARRIANO, 2020).
O estoicismo grego se tornaria extremante influente como base do pensamento ociden­
tal, influenciando o desenvolvimento de toda a filosofia greco­romana posterior, inclusive 
o surgimento do cristianismo. De maior relevância para nossa presente discussão são as 
posições éticas naturalistas e a epistemologia lógica e formal racionalista propaga­
das pelo estoicismo. 
Ética: termo derivado do grego ethos (costumes, hábitos), refere-se, na filosofia, ao estudo 
da moral, isto é, o conjunto de valores de uma sociedade, grupo ou indivíduo do ponto 
de vista normativo enquanto fundamentos da ação humana e do melhor modo de vida 
(PETERS, 1983; BLACKBURN, 1997).
Dessa forma, a visão estoica sedimenta a premissa de que o mundo é governado por 
leis naturais. Por sua vez, essas leis se aplicariam tanto ao mundo físico quanto ao mundo 
social. A ação humana no mundo, assim, deve estar em sintonia com as leis da natureza 
tanto quanto os objetos observados pela física ou outros campos do conhecimento.
A ética, portanto, que deve reger a ação humana no mundo, deriva, então, das leis 
naturais que regem todas as relações no mundo, sendo, por consequência, universal. Ou 
seja, como as leis naturais são imutáveis e universais, o comando para a ação humana, 
em qualquer tempo e em qualquer espaço, é também o mesmo e universal.
Como consequência, a partir de seus preceitos éticos naturalistas, o estoicismo é a 
primeira corrente filosófica a conceber os seres humanos como parte de uma grande 
comunidade humana, maior do que qualquer cidade­Estado, república, reino ou impé­
rio. Por sua posição ética, os estoicos abraçam o ideal republicano, mas não qualquer 
república delimitada geograficamente. 
A república estoica é o território de toda a humanidade, conceito denominado de 
cosmopolitismo (STOCK, 2020). Essa ideia seria mais tarde apropriada e desenvolvida 
por outros expoentes da tradição liberal, entre os quais o de maior interesse para nossos 
propósitos aqui é Kant.
Do ponto de vista epistemológico, a única forma de obter conhecimento, ou de chegar 
à verdade, sobre o mundo e as pretensas leis naturais que regem este, seria por meio da 
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razão. Os estoicos advogam, portanto, por um inquérito da natureza baseado na lógica 
formal a partir da razão humana. 
Os seres humanos, assim como todas as coisas no mundo, são seres naturais gover­
nados por leis naturais universais. E o papel da razão é iluminar os fundamentos éticos 
que colocam em harmonia a ação humana com as leis naturais. A boa natureza humana 
se revela, assim, como premissa ética naturalista da harmonia e do lugar do homem na 
própria ordem natural do mundo.
O filósofo moderno Immanuel Kant (1724­1804), séculos mais tarde, daria à tradi­
ção do cosmopolitismo, inaugurada pelos estoicos no pensamento greco­romano, a 
roupagem que conhecemos contemporaneamente. Sua obra mais influente para o cam­
po das relações internacionais, A paz perpétua: um projeto filosófico (2020 [1795]), 
compõe as bases teóricas contemporâneas, como a da paz democrática.
Kant, ao refletir sobre o histórico e o estado recorrente das guerras no continente 
europeu, conclui que a instituição do Estado soberano é a responsável pela situação. No 
entanto, a abolição dos Estados territoriais soberanos em prol da unificação de toda a 
humanidade seria um projeto político utópico inexequível.
Então, os Estados deveriam poder escolher agir de forma cooperativa, respeitando 
princípios morais, valores compartilhados, em sua interação, da mesma forma que os indi­
víduos nas sociedades domésticas compartilham valores e devem escolher agir moralmen­
te uns em relação aos outros para a construção de uma sociedade saudável e desenvolvida.
Os Estados soberanos autocráticos que buscam apenas os interesses de uma classe 
aristocrática dominante seriam, assim, os grandes antagonistas da paz no sistema inter­
nacional. Eles não poderiam escapar às condições da anarquia do sistema internacional 
e estão destinados a competirem continuamente.
Para promover a paz e a harmonia entre os seres humanos, seria necessária a consti­
tuição de uma federação internacional de repúblicas representativas (liberais). As repú­
blicas seriam instituições políticas que poderiam responder aos verdadeiros interesses de 
seus cidadãos e, da mesma maneira que os indivíduos nas sociedades domésticas, não 
apenas poderiam mas também deveriam escolher agir moralmente e afastar a guerra a 
partir da cooperação umas com as outras.
As repúblicas tenderiam, desse modo, a respeitar o direito internacional e a buscar 
soluções pacíficas para seus conflitos. O aumento no número de repúblicas represen­
tativas levaria a uma redução dos conflitos. Assim, conforme maior a prevalência de 
repúblicas, mais próximas as relações internacionais de uma paz perpétua.
Na base desse processo de transformação da política internacional, estão a natureza 
e a racionalidade humanas. Os seres humanos possuiriam como imperativo categórico 
de suas ações um comando moral que os move no mundo. A boa natureza humana é, 
portanto, a base da capacidade de os homens agirem moralmente e buscarem a har­
monia entre si, sendo apreensível a partir da razão humana, a qual pode não apenas 
buscar explicar a realidade mas também alterá­la em prol de um arranjo moralmente 
mais elevado, conforme o programa kantiano.
Por sua vez, a escola liberal clássica pode ser vista, inclusive, a partir de uma vertente 
empirista e contratualista. Nesse sentido, essa segunda linha interpretativa é iniciada 
pelo filósofo inglês John Locke (1632­1704), amplamente considerado como o pai do 
liberalismo moderno (VÁRNAGY, 2006).
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
As duasobras de Locke de maior interesse para nossa discussão aqui são o Ensaio 
sobre o entendimento humano (2010 [1689]) e Dois tratados sobre o governo (1998 
[1689]). No primeiro, Locke estabelece as bases do pensamento empírico liberal, afir­
mando que os seres humanos são uma tábula rasa e que, portanto, a estrutura cognitiva 
e o conhecimento humano são formados a partir de sua experiência prática no mundo. 
Ao contrário da visão racionalista, o conhecimento não seria puramente racional e 
dissociado do mundo empírico, mas dependeria da aplicação da razão às observações 
sobre o mundo. No entanto, poderia iluminar ou revelar atributos ou relações subjacen­
tes que estão acima da contingência e da realidade física imediata, o que, a despeito do 
empirismo, permitirá à tradição liberal clássica sua harmonização com uma ontologia de 
natureza metafísica sobre a política internacional e suas causas primeiras ou universais.
Já, na segunda obra, em especial na sua segunda parte, denominada de “Segundo 
Tratado sobre o Governo Civil”, Locke estabelece as bases da filosofia política liberal 
moderna a partir de sua visão sobre o contrato social. De acordo com o filósofo inglês, 
os indivíduos viveriam em um estado de natureza bastante distinto do concebido por 
Hobbes. Para o primeiro, o estado de natureza seria caracterizado por relações pací-
ficas e harmoniosas entre os indivíduos. Isso decorreria do fato de que, no estado de 
natureza, os indivíduos seriam governados por um conjunto de leis naturais, que resul­
tam da razão humana.
A própria razão humana ensinaria aos indivíduos que estes são todos independentes e 
iguais entre si. Por esse motivo, não lhes seria lícito prejudicar a vida, a saúde, a liberdade 
ou a propriedade dos demais indivíduos, seus iguais. Afinal, qualquer indivíduo quer vê­
­las elas próprias respeitadas em seu proveito.
Nesse sentido, os seres humanos são detentores de um conjunto de direitos naturais 
inalienáveis que podem ser indicados pela razão e, portanto, reciprocamente reconheci­
dos uns aos outros em qualquer comunidade humana, sem a necessidade de uma auto­
ridade ou poder central. Portanto, a ordem social resultante é eminentemente natural e 
derivada unicamente da razão humana.
Os indivíduos, assim, não são mecânica e inatamente bons ou maus, mas são com­
pelidos a serem bons pelas próprias leis da natureza iluminadas pela razão. No estado 
de natureza, portanto, os seres humanos são geralmente bons. Entretanto, isso significa 
que os indivíduos podem, em situações específicas, não ser bons. Igualmente, podem 
existir aqueles alheios à razão ou à vida em sociedade.
Ademais, embora os indivíduos sejam regidos por leis naturais no estado de natureza, 
as relações humanas se tornam cada vez mais complexas com o desenvolvimento das 
sociedades, e a coordenação dessas relações escapa aos comandos objetivos das leis 
naturais e depende de interpretações e convenções entre os indivíduos.
Como se poderia punir comportamentos desviantes? O que seria uma punição justa? 
Como estabelecer mecanismos de proteção e garantia dos direitos fundamentais dos 
indivíduos – a igualdade, a propriedade e, acima de tudo, a liberdade? Para isso, seria 
necessário o estabelecimento de um conjunto de códigos ou leis que dependeriam da 
vontade e do consentimento dos indivíduos a se sujeitarem coletivamente a eles.
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Essa seria então a gênese do Estado, a partir de um contrato social no qual os cida­
dãos, titulares dos direitos naturais, em vez de cederem seus direitos ao Estado, como na 
visão hobbesiana, consentem em se submeterem a um poder civil coletivo, o Estado, com 
a premissa de que cabe a este garantir exatamente a proteção desses direitos naturais. 
A liberdade é um direito natural do homem e o Estado deve ser limitado de forma que 
não possa subjugá­la. A liberdade é a base da busca dos desígnios humanos no mundo. 
À vista disso, o Estado não age pelos indivíduos ou em seu lugar, mas age, sim, como 
representante, em nome dos indivíduos, na busca da garantia dos direitos naturais e do 
desenvolvimento da sociedade humana. 
Consequentemente, não é difícil compreender que as relações entre Estados nas rela­
ções internacionais são, na verdade, relações entre sociedades humanas, que devem 
basear­se, portanto, nas mesmas premissas das relações dos cidadãos entre si. Dentro 
do Estado, os homens estabeleceram governos civis para regerem suas relações.
Já as relações entre os Estados devem pautar­se pela busca por seus interesses co­
muns e pela cooperação, sempre almejando a resolução pacífica dos conflitos e privile­
giando a edificação de normas e regras que disciplinem essa interação, comandada pela 
razão humana, que, por seu turno, comanda todos os seres humanos a serem bons por 
natureza e a buscar coletivamente esse conjunto de valores ou de direitos naturais.
O Segundo Debate: a Vitória do Positivismo
O fracasso da Liga das Nações no período entreguerras, a aceleração da competição 
internacional e a eclosão da Segunda Guerra Mundial levaram à vitória da escola realista 
clássica sobre os liberais no objetivo de influenciar os formuladores de política externa. 
O cenário pós­conflito, a Guerra Fria, parecia impor uma lógica da sobrevivência ao 
sistema internacional e corroborar a validade dos pressupostos ontológicos negativos 
dos realistas sobre a política internacional, colocando fim ao primeiro debate. Nesse 
período, o principal expoente realista foi o teórico alemão radicado nos EUA Hans 
Morgenthau (1904­1980) com sua obra A política entre as nações (2003 [1948]).
Figura 3 – Medindo o mundo
Fonte: Getty Images
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
A vitória do realismo clássico não significou, contudo, o fim das controvérsias na 
teoria das relações internacionais. Dentro do próprio campo realista, emergiriam as 
bases do próximo grande debate das relações internacionais. O Segundo Debate foi 
travado, de um lado, por realistas clássicos, adeptos de uma visão mais tradicional 
do conhecimento e dos métodos de pesquisa, e, de outro, neorrealistas, advogados de 
uma visão positivista das ciências humanas e sociais e do método científico denomina­
do behaviorismo.
Os realistas clássicos, conforme discutimos anteriormente, vinculavam­se a uma visão 
do conhecimento que, mesmo dentro de uma perspectiva empírica, enfatiza modelos 
tradicionais de estudo e uma forte influência da filosofia política. O objetivo dos realistas 
clássicos é entender ou compreender a política internacional em seus aspectos multidi­
mensionais, considerando os ensinamentos da história, do direito e da filosofia, aliados 
ao inquérito racional, para estabelecer suas bases.
Os realistas clássicos não querem prever os acontecimentos ou qualquer fenômeno 
em particular. A pretensão clássica é universalista. Do mesmo modo, os clássicos não 
podem e não se propõem a separar fatos ou informações (pretensamente puros ou 
neutros) de valores ou posições axiológicas sobre a realidade. Para a tradição clássica, a 
própria forma como vemos a realidade é orientada a partir de valores.
Por sua vez, a conjuntura do sistema internacional do mundo bipolar e da Guerra Fria 
exigia dos formuladores de política externa e dos tomadores de decisão a capacidade de 
prever ou antecipar ações e suas consequências imediatas para a segurança dos Estados 
e para o sistema internacional. 
A política internacional da Guerra Fria passava a requerer, portanto, instrumentos 
para a tomada de decisão que pudessem explicar de forma simples a relação entre vari­
áveis e os fenômenos no curto prazo, em detrimento da compreensão de processos de 
longo prazo e do entendimento das relações internacionais de forma macro.
Dessa maneira, para atender a essas necessidades, estudiosos neorrealistas da po­
lítica internacional do pós­guerra passam a desenvolver suas análises em bases con­
sistentemente diferentes da tradição realista precedente. O objetivo dos neorrealistasé oferecer uma explicação imediata causal dos fenômenos, a partir de uma pretensa 
neutralidade científica que distinguiria os fatos da opinião ou dos valores do observador.
Os neorrealistas se propõem, portanto, a identificar causas e efeitos, por meio do 
desenvolvimento de modelos analíticos formais e do uso do método científico, partin­
do de uma aproximação da investigação nas ciências humanas e sociais aos modelos e 
métodos das chamadas ciências duras, como a matemática e a física. Essa posição epis­
temológica empirista radical associada a uma metodologia científica formalista compõe, 
nas ciências humanas, a corrente denominada de positivismo.
O positivismo foi inicialmente formulado pelo filosófico francês Auguste Comte (1798-
1857), cuja principal obra é Curso de Filosofia Positiva (2005 [1848]), como um sistema 
filosófico para explicar a evolução humana, segundo o qual o espírito humano (a socie-
dade) se desenvolveria historicamente em três etapas: teológica, metafísica e positiva. 
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Na primeira etapa, o homem procuraria explicações mágicas para os fenômenos do mundo, 
orientando sua organização social a partir dessas narrativas de natureza teológica. Já, na 
segunda etapa, os seres humanos evoluiriam no sentido de buscar uma explicação racio-
nal do mundo a partir do uso da razão humana, porém dissociada dos fatos e do mundo 
empírico e refém da metafísica. Por fim, na terceira etapa, a humanidade, ao atingir sua 
maturidade, abandonaria os paradigmas precedentes em prol de uma organização baseada 
nas ciências positivas. Entendem-se positivas como sinônimo de empíricas, aquelas que se 
atêm à observação da realidade positiva, aos fatos que existem, observáveis no mundo real.
Positivismo: a utilização desse termo aqui tem sentido bem mais amplo do que o proposto na 
obra original de Comte. Por positivismo nos referimos ao sentido que o termo adquiriu como 
sinônimo de ciência moderna ou ciência normativa ao longo, especialmente, dos séculos XIX e 
XX. De forma ampla, portanto, entendemos aqui o positivismo tanto como uma posição episte-
mológica quanto metodológica, que se caracteriza pelo empirismo e pelos métodos formais, so-
bretudo quantitativos, aplicados às ciências humanas e sociais (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008).
O positivismo parte, assim, da premissa de que o mundo natural, estudado pela 
matemática e pela física, por exemplo, e o das ciências humanas e sociais é o mesmo, 
sendo possível estudar o último da mesma forma que estudamos o primeiro. Ademais, 
advoga a separação entre fatos e valores, a partir de um paradigma de neutralidade 
científica no qual os fatos existem por si só no mundo de modo independente e que seria 
possível observar esses fatos de forma neutra, sem a interferência das opiniões ou dos 
valores do observador.
Assim, da mesma maneira que as ciências naturais buscam identificar os padrões e 
as regularidades existentes no mundo natural, as ciências humanas e sociais deveriam 
identificar, na sociedade e no comportamento humano, tais padrões e regularidades.
Para isso, elas devem adotar métodos empíricos com o objetivo de observar, medir e 
avaliar empiricamente a realidade, produzindo, a partir do teste de hipóteses e de mode­
los formais, explicações sobre as causas e os efeitos dos fenômenos da vida social. Essa 
agenda de pesquisa positivista nas ciências humanas e sociais consolidou­se e tornou­se 
hegemônica na segunda metade de século XX, ficando conhecida por sua associação 
ao behaviorismo.
Behaviorismo (ou psicologia comportamental): o termo é um neologismo a partir da 
palavra inglesa equivalente behaviourism, derivada de behaviour (comportamento), que 
significa, em sentido literal, o estudo do comportamento ou, mais estritamente, o campo 
da psicologia comportamental. Trata-se de um campo de estudo fundado no começo do 
século XX nos EUA a partir dos trabalhos do psicólogo John Watson (1878-1958), especial-
mente na obra “Behaviourism” (2017 [1925]). Do ponto de vista metodológico, consiste na 
proposição da aplicação de técnicas de observação e estudo empírico da relação entre os 
estímulos e as respostas (comportamento) do indivíduo. Parte-se da premissa de que se 
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
deve estudar apenas os comportamentos concretos, objetivos e observáveis dos indivíduos, 
desconsiderando especulações filosóficas, introspectivas ou motivacionais não científicas 
(empíricas) (SCHULTZ, 2005).
O behaviorismo escaparia, assim, rapidamente dos domínios da psicologia, e seus 
corolários seriam estendidos ao estudo dos mais diversos campos das ciências humana 
e sociais. O que nas relações internacionais significou abandonar tanto quaisquer for­
mulações teóricas de base metafísica quanto programas de pesquisa considerados não 
científicos, ou seja, não alinhados a uma concepção behaviorista de observação e men­
suração de variáveis objetivas e concretas do mundo da política internacional.
Neorrealismo
O neorrealismo buscará reconstruir a ontologia realista negativa da política interna­
cional inteiramente em novas bases, procurando se distanciar dos métodos tradicionais 
em um momento em que a ciência política e as relações internacionais buscam firmar­se 
como ciências, aderindo ao corolário da ciência moderna positivista. 
A consolidação e vitória do positivismo, não apenas no campo acadêmico das relações 
internacionais mas também como paradigma universal da pesquisa científica moderna, 
é talvez o principal marco científico do século XX. Sua hegemonia e seu normativismo 
levariam ainda um longo tempo para começar a serem erodidos, conforme veremos 
mais adiante. 
Dessa forma, o neorrealismo se consolidará a partir da obra Teoria das relações 
internacionais [Theory of international politics] (2002 [1979]) do cientista político norte­
­americano Kenneth Waltz (1924­2013), ficando também conhecido como realismo 
estrutural. O objetivo de Waltz era reescrever as bases de uma teoria sobre a política 
internacional que abandonasse a noção clássica de natureza humana e de quaisquer ele­
mentos associados à personalidade, à cognição, à capacidade ou a outros atributos indivi­
duais dos líderes ou tomadores de decisão, e que seriam, portanto, de natureza subjetiva.
O realismo estrutural se propunha, assim, a ser uma teoria estritamente científica, na 
acepção positivista moderna do termo, da política internacional. Isso significa que o com­
portamento dos atores na política internacional não poderia ser explicado por sua própria 
natureza, mas, sim, pelas condições estruturais da política internacional – a estrutura do 
sistema internacional. 
Em aderência ao corolário positivista behaviorista, as condições empíricas observá­
veis da política internacional (a estrutura do sistema internacional) definiriam como os 
atores se comportam nas relações internacionais. A estrutura do sistema internacional 
é definida pela distribuição de capacidades ou de poder no sistema. Ela depende dos 
atributos (capacidades) de cada uma das unidades desse sistema (os Estados soberanos) 
e do princípio ordenador das relações entre essas unidades (a anarquia).
Desse modo, as relações entre Estados soberanos são anárquicas, e, embora todas 
as unidades sejam igualmente soberanas, suas capacidades ou seu poder são diferentes. 
Essas diferenças de capacidades levam a um ordenamento do sistema internacional com 
base na distribuição de poder relativo entre as unidades soberanas.
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A teoria estabelece, ainda, que os Estados ajam como atores racionais monolíticos 
capazes de hierarquizar seus interesses e suas preferências de forma transitiva em uma 
escala, sendo seu objetivo ou interesse primário garantir sua própria sobrevivência como 
ator independente, soberano, no sistema. Sem esse requisito, a busca de nenhum outro 
interesse ou objetivo do Estado é possível. Os Estados racionais buscariam, então, maxi­
mizar seu poder relativo na busca da consecução de seus próprios interesses.Esse seria um fato observável concreto e objetivo das relações internacionais, não 
importando o sistema ou o regime político doméstico do Estado, se se trata de um go­
verno autocrático ou democrático, das características de seus líderes ou de sua população 
– permitindo­me a brincadeira, não importa se a sociedade doméstica está repleta de 
discípulos de Hitler ou de Madre Teresa –, o Estado, qualquer que seja ele, sempre se 
comportará da mesma forma na política internacional, pois as condições estruturais de 
seu comportamento são as mesmas para todos.
E a causa desse fenômeno é a anarquia. Dentro do Estado, das fronteiras nacionais, 
há hierarquia – todos estão submetidos ao poder soberano do Estado. Contudo, fora das 
fronteiras do Estado, as relações entre os Estados são anárquicas, não hierárquicas, não 
existindo qualquer relação de subordinação formal de um Estado a outro.
A ausência de hierarquia ou subordinação, a anarquia, leva à incerteza nas relações 
entre os Estados. Cada Estado está sempre incerto sobre os interesses e objetivos dos 
outros Estados, bem como de suas capacidades ou poder e de sua disposição para o uso 
da força na busca desses interesses. Tudo o que podemos conhecer eventualmente são 
as intenções comunicadas por esses demais Estados e o que podemos observar.
Em face da incerteza e da necessidade de garantir a sobrevivência do Estado, os 
Estados se comportarão de forma realista no sistema internacional, não em razão de 
nenhum outro atributo, mas exatamente pelo fato de serem atores racionais. Esse é o 
único comportamento racional diante da condição de incerteza.
Dessa maneira, os Estados buscarão aumentar seu estoque de capacidades ou po­
der, para garantir sua sobrevivência e realizar seus demais interesses. A anarquia é, 
portanto, o princípio ordenador do sistema internacional. Por sua vez, sua estrutura é 
caracterizada pela distribuição de poder relativo dentro deste sistema. É essa estrutura 
que constrange o comportamento de todos os atores nesse sistema, independentemente 
de suas características particulares.
A escola realista, mais tarde, passaria por uma clivagem entre o que se designou 
como realismo defensivo e realismo ofensivo, a partir da obra A tragédia da polí-
tica das grandes potências [The tragedy of great power politics]” (2007 [2001]) do 
cientista político norte­americano John Mearsheimer (nascido em 1947). A partir das 
formulações de Mearsheimer, os pressupostos iniciais do realismo estrutural de Waltz 
são mantidos, mas as duas vertentes neorrealistas divergem sobre qual é o objetivo últi­
mo dos Estados.
Para a vertente waltziniana, rebatizada de realismo defensivo, a premissa é de que os 
Estados buscam maximizar sua segurança. Os Estados não buscariam, assim, acumu­
lar capacidades ou poder indiscriminadamente, mas, sim, de forma estratégica, de acor­
do com a necessidade para garantir a sua própria sobrevivência no sistema internacional 
– possuindo, portanto, um comportamento de natureza defensiva. O comportamento 
dos Estados privilegiaria, desse modo, estratégias de equilíbrio ou balanço de poder.
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
Já, para a nova vertente estruturalista inaugurada por Mearsheimer, o realismo 
ofensivo, os Estados buscariam maximizar seu poder ou sua capacidade. Isso quer 
dizer que os Estados buscam todas as oportunidades possíveis de aumentar seu estoque 
de capacidades de forma ativa e contínua – possuindo, assim, um comportamento ofen­
sivo ou agressivo. 
O comportamento desses Estados privilegiaria, dessa maneira, estratégias evasivas, 
de comportamento carona (free rider), traição, deserção e outras ligadas à autopromo­
ção. O objetivo dessas estratégias é elevar seu próprio poder relativo no sistema a fim 
de atingir a hegemonia regional e, em última instância, do sistema internacional – única 
posição em que o Estado se encontrará livre das restrições da estrutura do sistema inter­
nacional para almejar seus próprios interesses.
Na próxima Unidade, exploraremos o diálogo entre o neorrealismo e a escola neo­
liberal, no chamado Terceiro Debate ou debate interparadigmático. Por fim, explorare­
mos outras perspectivas teóricas relevantes alinhadas ao paradigma positivista introdu­
zido na presente Unidade.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
 Filmes
Limite de segurança
Nesse filme, podemos observar variáveis no nível dos indivíduos relacionadas à liderança, à 
percepção, à informação e à natureza humana, sob a concepção realista clássica do medo. Em 
virtude de uma falha técnica nos computadores de uma instalação militar norte­americana , os 
EUA ordenam a seis bombardeiros que ataquem alvos na União Soviética, expondo o mundo 
ao risco de uma guerra nuclear durante a Guerra Fria.
 https://youtu.be/filmUN4W59I
Independence Day
Nesse filme, identificamos como a humanidade se une contra um inimigo comum, os inva­
sores alienígenas, mesmo na ausência de uma coordenação ou autoridade central. Em um 
mundo anárquico, onde muitos Estados soberanos sucumbiram, os seres humanos deixam 
de lado suas diferenças para unirem­se em prol de um bem maior, superando eles próprios 
a anarquia internacional, movidos por princípios éticos ou morais (WEBER, 2005). Desse 
modo, coloca­se a presente representação do mundo dentro da tradição liberal clássica.
 https://youtu.be/B1E7h3SeMDk
O senhor das moscas 
Esse filme retrata os efeitos da anarquia quando um grupo de jovens tenta sobreviver após 
um acidente, passando de um tipo de organização social, caracterizado por uma ordem ba­
seada na hierarquia, para outro tipo, caracterizado pela anarquia. Isso, portanto, reverbera a 
teoria realista estruturalista de Waltz (WEBER, 2005). Se possível, prefira a versão britânica 
de 1963 dessa obra à sua versão norte­americana de 1990. Em qualquer caso, não deixe de 
se divertir e aprender, na prática, sobre os efeitos da anarquia na perspectiva neorrealista.
https://youtu.be/AnIXPoTY2LQ
 Leitura
The New Great Debate: Traditionalism vs. Science in International Relations 
https://bit.ly/37uBNuW
Teoria das relações internacionais
https://bit.ly/3xBUIhU
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UNIDADE A Transição dos Clássicos aos Científicos: o Segundo Debate
Referências
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Montecristo Editora, 2020. (e-book)
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STOCK, G. Estoicismo: guia definitivo. São Paulo: Montecristo Editora, 2020.(e-book)
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Editora UnB, 2001.
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WALTZ, K. N. Teoria das relações internacionais. Lisboa: Gradiva, 2002.
WATSON, J. B. Behaviorism. Londres: Routledge, 2017. (e-book)
WEBER, C. international relations theory: a critical introduction. 2. ed. Londres: 
Routledge, 2005. (e-book)
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