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<p>ENDODONTIA PASSO A PASSO: EVIDÊNCIAS CLÍNICAS Francisco José de Souza Filho artes médicas ORGANIZADOR</p><p>Aos meus Francisco José de Souza (in memoriam) e Hilda Monteiro Terra de Souza, e aos meus irmãos, Maria Nazaré, Maria Cristina e Pérsio, por estarem sempre presentes na minha vida com muito amor e por me darem todos os exemplos que usei na formação de meu Aos meus filhos, Fernando e Lia, e meus netos, Giovana, Isadora e Fernando, e Maria Amélia e Antonio, a quem dedico o mesmo amor e os mesmos exemplos que recebi de meus À minha esposa Marcelle, por estar presente na minha vida em todos os momentos, com amor, dedicação, admiração e incondicional apoio. E56 Endodontia passo a passo : evidências clínicas [recurso / Organizador, Francisco José de Souza São Paulo : Artes Médicas, 2015. Editado também como livro impresso em 2015. ISBN 978-85-367-0250-6 1. Endodontia. I. Souza Filho, Francisco José de. CDU 616.314.163 Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo - CRB 10/2094</p><p>Francisco José de Souza Filho ORGANIZADOR ENDODONTIA PASSO A PASSO: EVIDÊNCIAS CLÍNICAS Versão impressa desta obra: 2015 artes médicas 2015</p><p>Editora Artes Médicas Ltda., 2015 Gerente editorial: Leticia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Editora: Mirian Raquel Fachinetto Cunha Capa: Paola Manica Ilustrações: Ricardo Soares da Silva e Luiz Gonçalves Preparação de originais: Heloisa Stefan Leitura final: Alda Rejane Barcelos Hansen Editoração: Techbooks NOTA Assim como a medicina, a odontologia é uma ciência em constante evolução. À medida que no- vas pesquisas e a própria experiência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias mo- dificações na terapêutica, em que também se insere o uso de medicamentos. Os autores desta obra consultaram as fontes consideradas confiáveis, num esforço para oferecer informações completas e, geralmente, de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Entretanto, tendo em vista a possibilidade de falha humana ou de alterações nas ciências, os leitores devem confirmar essas infor- mações com outras fontes. Por exemplo, e em particular, os leitores são aconselhados a conferir a bula completa de qualquer medicamento que pretendam administrar, para se certificar de que a informa- ção contida neste livro está correta e de que não houve alteração na dose recomendada nem nas pre- cauções e contraindicações para o seu uso. Essa recomendação é particularmente importante em re- lação a medicamentos introduzidos recentemente no mercado farmacêutico ou raramente utilizados. Reservados todos os direitos de publicação à EDITORA ARTES MÉDICAS LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Editora Artes Médicas Ltda. Rua Dr. Cesário Mota Jr., 63 - Vila Buarque 01221-020 - São Paulo SP Fone: Fax: (11) 3223-6635 E proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Unidade São Paulo Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP Fone: Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 - www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL</p><p>Autores Francisco José de Souza Filho Cirurgião-dentista. Professor titular de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP/Unicamp). Especialista em Endodontia. Mestre em Biologia e Patologia Oral pela Unicamp. Doutor em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP). Adriana de Jesus Soares Professora colabo- Brenda P. F. A. Gomes radora do Serviço de Traumatismos Dentários da Professora titular na área de Endodontia do De- FOP/Unicamp. Pesquisadora colaboradora na área partamento de Odontologia Restauradora da de Endodontia da FOP/Unicamp. Mestre e Douto- FOP/Unicamp. Especialista em Endodontia pela ra em Endodontia pela FOP/Unicamp. Professor Faculdade de Odontologia da Universidade Federal Livre Docente em Endodontia pela FOP/Unicamp. do Rio de Janeiro (FO/UFRJ). Mestre em Endodon- tia pela FO/UFRJ. Doutora em Odontologia Res- Alexandre A. Zaia Cirurgião-dentista es- tauradora: Endodontia pela University Dental Hos- pecialista em Endodontia. Professor associado pital of Manchester, Inglaterra. Pós-Doutorado pelo e responsável pela disciplina de Endodontia da Departamento de Biologia Oral da Universidade FOP/Unicamp. Pesquisador 1B pelo Conselho Na- Estadual de Ohio, EUA. Professora Livre Docente cional de Desenvolvimento e Tecnológi- (CNPq). Mestre e Doutor em Biologia e Pato- em Endodontia pela Unicamp. logia Buco-Dental pela Unicamp. Pós-Doutorado Caio Caldeira Brant Sandy Graduado em pela Universidade de Minnesota, EUA. Odontologia pela Universidade Federal de Mi- Ana Carolina Rocha Lima Caiado Cirur- nas Gerais (UFMG). Membro pesquisador do Especialista em Endodontia pela grupo Evidence-Based Decisions Practice-Based Faculdade de Odontologia da Universidade do Research Network da University of California, Los Estado do Rio de Janeiro Mestre e Angeles (UCLA), EUA. Doutora em Clínica Odontológica: Endodontia Caio Cezar Randi Ferraz Professor associa- pela do de Endodontia da FOP/Unicamp. Mestre em Ana Paula Guerreiro Bentes Biologia e Patologia Buco-Dental pela Unicamp. ta. Especialista em Pacientes com Necessidades Es- Doutor em Clínica Odontológica: Endodontia peciais pela Faculdade São Leopoldo Mandic. Mes- pela Unicamp. Pós-Doutorado pela University tre e Doutoranda em Odontologia: Farmacologia, of Texas Health Science Center at San Antonio, Anestesiologia e Terapêutica da EUA. Antônio Rubens Gonçalves Nunes Professor Eduardo Dias de Andrade Cirurgião-dentis- do Curso de Especialização e Atualização em En- ta. Professor titular da área de Farmacologia, Anes- dodontia na seção Piaui da Associação Brasileira tesiologia e Terapêutica da Mestre e de (ABCD-PI). Especialista Doutor em Odontologia pela Unicamp. em Endodontia pela Mestrando em En- dodontia da Faculdade São Leopoldo Mandic de Francesco Chiappelli PhD., Dr. Endo (h.c.). São Professor of Dentistry, UCLA, EUA.</p><p>vi Autores Francisco Carlos Groppo Nilton Vivacqua Gomes Cirurgião-dentista. tista. Professor titular da área de Farmacologia, Professor coordenador dos Cursos de Aperfeiçoa- Anestesiologia e Terapêutica da FOP/Unicamp. mento, Especialização, Avançado e Imersão em En- Mestre, Doutor e Professor Livre Docente em dodontia das Seções Ceará e da Associação Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica pela Brasileira de Odontologia (ABO-CE e ABO-AP) FOP/Unicamp. e da Professor convidado dos Cursos de Aperfeiçoamento e Especialização do Instituto José Flávio A. Almeida Odontológico das Américas Professor Professor adjunto do Departamento de Odonto- coordenador dos Cursos de Mestrado em Endo- logia Restauradora da Unicamp. Especialista em dontia da Faculdade São Leopoldo Mandic de For- Endodontia pela Universidade Estadual Paulista taleza. Especialista, Mestre e Doutor em Endodon- "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp). Mestre e Doutor tia pela Unicamp. em Clinica Odontológica pela Unicamp. Pós-Dou- torado pela University of Texas Health Science Oslei Paes de Almeida Cirurgião-dentista. Center at San Antonio, EUA. Professor Livre Do- Professor titular da área de Patologia, do Depar- cente pela Unicamp. tamento de Diagnóstico Oral da Mestre e Doutor em Ciências: Biologia Celular e José Ranali Professor titular da Área de Far- Tecidual pela USP. Pós-Doutorado pela University macologia, Anestesiologia e Terapêutica da of London e pelo Brompton Hospital. Professor Li- FOP/Unicamp. Mestre e Doutor em Odontologia: vre Docente pela Unicamp. Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica pela Unicamp. Professor Livre Docente em Farmaco- Patrick Baltieri Cirurgião-dentista. Especialis- logia, Anestesiologia e Terapêutica pela Unicamp. ta em Endodontia pela FOP/Unicamp. Mestre em Endodontia pela Faculdade São Leopoldo Mandic Luiz Valdrighi Professor titular em Endodontia de da FOP/Unicamp (aposentado). Doutor em Pato- logia Oral pela FOP/Unicamp. Professor Livre Do- Paula Sampaio de Mello cente em Endodontia pela FOP/Unicamp. Mestre e Doutoranda em Farmacologia, Anestesio- logia e Terapêutica da FOP/Unicamp. Marcelle Louise Sposito Bourreau Cirur- Endodontista clínica no Instituto Rafael Rocha Pacheco Cirurgião-dentista. Noble Odontologia de Curitiba. Especialista em Mestre em Materiais Dentários pela Unicamp. Endodontia pela FOP/Unicamp. Mestre em Endo- Doutorando em Materiais Dentários da Unicamp. dontia pela Faculdade de Odontologia São Leopol- do Xênia Maria Caldeira Brant tista. Pesquisadora associada do grupo Eviden- Maria Cristina Volpato ce-Based Decisions Practice-Based Research Ne- Professora titular de Farmacologia, Anestesiologia twork da UCLA, EUA. Especialista e Mestre em e Terapêutica da FOP/Unicamp. Mestre e Doutora Endodontia pela UFMG. PhD em Biologia Oral em Ciências: Farmacologia pela pela UCLA.</p><p>Agradecimentos A todos que, direta e indiretamente, contribuiram com suas ideias, pesquisas, mate- riais e estímulo para que este livro se tornasse realidade. Aos meus mestres, Prof. Luiz Valdrighi e Prof. Oslei Paes de Almeida, a quem devo os ensinamentos, conselhos e orientações desde os primeiros mo- mentos na carreira acadêmica, os quais foram, sem sombra de dúvida, os maiores incentivadores de todas as minhas realizações Aos professores da disciplina de Endodontia da FOP/Unicamp, Prof. Luiz Val- drighi e Prof. Oreste Benatti, pioneiros e responsáveis pela linha de pesquisa sobre a ampliação do forame apical em dentes de cães, que me motivaram na continuação das pesquisas e na leitura dos inúmeros trabalhos publicados na literatura que servi- ram de suporte para as técnicas endodônticas propostas neste livro. Aos professores Alexandre Augusto Zaia, Brenda Paula Figueiredo de Almeida Gomes, Caio Cezar Randi Ferraz e José Flávio Affonso de Almeida, que acataram mi- nhas propostas de mudanças e com suas pesquisas para a implantação das técnicas apresentadas neste livro nas clínicas de graduação e pós-graduação da FOP/Unicamp. A todos os meus alunos dos cursos de graduação, pós-graduação (mestrado e doutorado), aperfeiçoamento, especialização e cursos avançados de Endodontia, que diretamente participaram desta evolução e propiciaram a oportunidade de avaliar os resultados dos tratamentos realizados nos pacientes, constatando o alto índice de previsibilidade e sucesso. Ao Prof. Roberto Nascimento Maciel, que, com sua experiência como autor de vários livros didáticos, teve a paciência de ler e dar sugestões na forma e apresentação deste livro. Aos professores Patrick Baltieri e Marcelle Louise Sposito Bourreau, pela precio- sa colaboração e gentileza de contribuir com as ilustrações radiográficas e fotográfi- cas de casos clínicos controlados. Ao Prof. Marcos Frozoni, Doutor em Endodontia pela FOP/Unicamp, por sua criteriosa avaliação e pelas sugestões que enriqueceram este livro. Grande parte de meu trabalho não poderia ter sido feita sem o apoio das Dras. Danielle Louise Sposito Bourreau e Marcelle Louise Sposito Bourreau, res- ponsáveis por comentários construtivos na elaboração deste livro.</p><p>Esta página foi deixada em branco intencionalmente.</p><p>Apresentação É inegável o extraordinário avanço experimentado pela Odontologia, mas, entre to- das as suas a Endodontia, sem qualquer sombra de dúvida, foi a que passou pelas mudanças mais significativas, sumamente vantajosas em suas consequências. Sem nenhum exagero, na virada do século, a Endodontia mudou drasticamente de feição graças à incorporação de inovações tecnológicas e de mudanças conceituais. o que era uma aspiração sonhada se transformou em realidade. A instrumen- tação manual com limas de aço inoxidável, padrão ISO, deu lugar à instrumentação mecanizada com sistemas rotatórios contínuos e reciprocantes, com limas de NiTi com design e taper (gradiente de conicidade do instrumento) sem o padrão ISO, acio- nadas por motor com controle de velocidade e torque programados. Paralelamente, a odontometria deixou de ser radiográfica e passou a ser realizada eletronicamente, por meio de localizadores apicais, muito mais rápidos e precisos. tão comentado limite apical canal-dentina-cemento (CDC) para preparo e obtura- ção dos canais passou a ser estendido até o forame apical, implicando promover sua patência (passagem livre do instrumento através do forame apical) e sua ampliação. Esse novo conceito prevê que o preparo dos canais seja feito em toda a sua extensão, até o limite foraminal, com uma formatação mais cônica. Durante a instrumentação, outra substância química auxiliar foi introduzida, a clorexidina a 2% na forma de gel, com a vantagem de ser lubrificante, além de possuir forte ação antimicrobiana. A ob- turação é feita com cones, também de conicidade maior (medium ou fine-medium), geralmente únicos, pela técnica da Onda Contínua de Condensação (Schiller, modi- ficada por Buchanan), com uso de termo-compactador System B. microscópio clínico, incorporado à clínica endodôntica no final da década de 90, é outra importante ferramenta auxiliar que trouxe a enorme vantagem de am- pliar a visualização durante a realização dos procedimentos. Não menos importan- te deve ser considerada a substituição da radiografia analógica pela digital, com as vantagens de eliminar o gasto de tempo com o fastidioso processamento radiográ- fico, reduzir a emissão de raios X e permitir o arquivamento da imagem em digitais, facilitando o acesso e o envio das imagens ao profissional indicador. Outro procedimento muito realizado nos retratamentos endodônticos e hoje um meio que diferencia os endodontistas é a remoção de retentores (pinos) intrarradiculares com o emprego de saca-pino ou de vibrações ultrassônicas, emitidas simultaneamente por dois aparelhos de ultrassom. Diante dessas informações, não há muito o que refletir para a compreensão de que a atualização tornou-se imprescindível. A incorporação dos recentes avanços conquistados pela Endodontia oferece condições para enfrentar um mercado de ex- trema competitividade profissional. Num cenário assim desenhado, o competente Prof. Francisco José de Souza Fi- lho, carinhosamente chamado de "professor Chico", graças à ampla experiência ca de endodontista e docente, qualificações únicas acumuladas com ousadia e perse-</p><p>Apresentação verança, pressentiu que algo precisava ser feito e não se omitiu. Pleno desse percebeu a necessidade premente de reciclar os endodontistas qualificados até o iní- cio da última década e a falta de livros didáticos para atender essa nova realidade. Por essas razões, atuou também no Orocentro de Itapetininga, São Paulo, com um Curso Avançado para reciclagem de endodontistas, tendo tomado a iniciativa de organizar o livro Endodontia passo a passo: evidências que me incumbiu do privilégio de apresentar. Os primeiros capítulos trazem o conhecimento dos principais fundamentos bio- lógicos, como os da patologia (o processo inflamatório como mecanismo de defesa e de reparação) e da microbiologia, aplicados à Na segunda parte, encon- tram-se os fundamentos dos procedimentos da farmacologia (terapêutica medicamentosa) e dos materiais dentários aplicados à Endodontia, mas, para melhor testemunhar a preocupação em enfatizar o conteúdo clínico deste livro, nos demais capítulos o leitor encontrará todas as atividades da prática endodôntica, descrita de forma objetiva e passo a passo. Assim, esta obra compõe-se de três capítulos de conhecimentos das áreas cor- relatas, treze capítulos referentes aos fundamentos clínicos e dois capítulos com a abordagem da prática clínica. Basta consultar, no sumário, a relação e a ordem pro- gressiva dos capítulos para ter uma ideia clara da abrangência da abordagem clínica, iniciando pelo diagnóstico e planejamento, depois pela execução de todos os tipos de procedimentos clínicos que fazem parte do novo perfil do endodontista, em sua ordem sequencial, finalizando com o capítulo que trata das avaliações dos resultados dos tratamentos, tanto clínica (as primeiras três semanas) quanto radiográfica, de- corrido, pelo menos, um ano após a sua conclusão. Ao concluir essa apresentação, com o livro passando pelas últimas revisões, um fato inesperado e extremamente triste o falecimento do organizador e au- tor de vários capítulos, o já saudoso e querido professor Chico. Entrementes, temos a certeza, de que lá de cima, sua luz continuará a refletir, para todos nós, a sua bonda- de, serenidade e sabedoria, assim como o seu legado servirá como exemplo de vida e determinação, com a simplicidade que lhe era peculiar, retratada no desenho, de pró- prio punho, reproduzido nesta página. Nosso afetuoso adeus, professor Francisco! Depois dessas considerações, só me resta dizer: este é o livro! Luiz Valdrighi Professor titular de Endodontia da FOP/Unicamp</p><p>Prefácio Atualmente, a ciência evolui a passos largos e novas tecnologias são desenvolvidas em ciclos cada vez menores, forçando constantes revisões de conceitos e fundamentos técnicos. As inúmeras vertentes têm suporte na velocidade da informação e pela aplicabilidade da máxima eficácia. conhecimento envolve paradigmas, e quebrar paradigmas tornou-se uma exi- gência no mundo atual. Estamos na era da mudança. o sistema deve mudar, e as em- presas dependem das mudanças para permanecerem no mercado. Os profissionais precisam rever seus conceitos e criar novas formas de atuação. Uma teoria só é admitida enquanto não surgem evidências capazes de questioná- -la ou alternativas que possam Em geral, uma teoria substitui a outra porque responde a questões a que a outra não responde, pela obtenção de resultados, amplamente previsíveis, ou porque apresenta maiores benefícios e vantagens. Dessa forma, este livro foi elaborado para quebrar paradigmas, desafiar velhos conceitos, romper modelos e introduzir o novo, com novas formas de fazer. o prin- cipal propósito é o de desenvolver um aprendizado simples e objetivo a partir dos conceitos básicos que norteiam a Endodontia e, ao mesmo tempo, orientar, passo a passo, todo o sequenciamento técnico dos procedimentos endodônticos, nas suas diversidades biológicas e anatômicas, com o máximo de eficácia e segurança. Caso contrário, vamos apenas continuar fazendo as mesmas coisas, com resultados muito parecidos e já bem-conhecidos. conteúdo apresentado é baseado na experiência clínica do autor, somada à análise consistente e sintética da literatura. A ideia foi elaborar um livro didático e objetivo que ofereça aos estudantes e aos clínicos maior segurança para a realização de tratamentos endodônticos diante da ampla diversidade da morfologia dental. As técnicas propostas são fundamentadas em princípios biológicos, com no conhecimento da etiopatogenia das lesões e no processo de reparação dos tecidos periapicais. Esse enfoque é essencial, uma vez que o processo de reparo pós-trata- mento faz-se por meio da proliferação e da diferenciação de células do tecido conjuntivo periodontal apical, após a eliminação dos fatores irritantes, seguida pela obturação tridimensional do canal radicular. principal desafio é demonstrar que o sucesso do tratamento endodôntico pode ser previsível, desde que os procedimentos clínicos tradicionais de limpeza, modela- gem e obturação do canal sejam realizados com um elevado padrão de qualidade. É preciso salientar que esses procedimentos não devem ficar restritos ao limite canal- -dentina-cemento (CDC), mas atingir toda a extensão do canal radicular, incluindo o forame apical, a fim de que os substratos orgânicos pulpares remanescentes sejam devidamente eliminados. A ampliação intencional do diâmetro do forame apical du- rante o preparo radicular elimina de maneira mais efetiva restos orgânicos, conta-</p><p>xii Prefácio minados ou não, ali localizados. Só assim o tecido conjuntivo periapical consegue cumprir seu papel biológico reparador. Para finalizar, a integração da Endodontia com a Odontologia restauradora me- rece um adendo: os tratamentos devem ser concluídos com a impermeabilização ou "blindagem" do acesso coronário. Esse procedimento restaurador tem por objetivo impedir a microinfiltração de fluidos bucais contaminados e prevenir possíveis fratu- ras da estrutura coronária devendo ser realizado imediatamente pelo próprio endodontista, com materiais restauradores adesivos definitivos. Os parâmetros de dos resultados são confirmados pelas avaliações prospec- tivas dos tratamentos endodônticos, efetuadas cerca de um ano após a sua conclusão. Boa leitura! Francisco José de Souza Filho Organizador</p><p>Sumário Parte I Fundamentação biológica dos tratamentos endodônticos 1 Etiopatogenia das alterações pulpares e periapicais 21 ALEXANDRE A. ZAIA 2 Microbiologia aplicada 26 BRENDA P. F.A. GOMES 3 Reparação apical e periapical 31 OSLEI PAES DE ALMEIDA Parte II Fundamentação dos procedimentos clínicos 4 Anamnese 39 EDUARDO DIAS DE ANDRADE 5 Diagnóstico em endodontia 43 LUIZ E FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 6 Morfologia dental aplicada ao preparo endodôntico 59 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 7 Classificação e planejamento do tratamento endodôntico 73 LUIZ E FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 8 Abertura coronária 80 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 9 Anestesia em endodontia 85 MARIA CRISTINA VOLPATO, JOSÉ RANALI, FRANCISCO CARLOS GROPPO E EDUARDO DIAS DE ANDRADE 10 Isolamento absoluto em endodontia 92 PATRICK BALTIERI 11 Substâncias químicas auxiliares e irrigação 99 MARCELLE LOUISE SPOSITO BOURREAU, ANTÔNIO RUBENS GONÇALVES NUNES E FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 12 Limite apical, patência e ampliação do forame 112 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 13 Restauração coronária e radicular em endodontia 121 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO, RAFAEL ROCHA PACHECO E ANA CAROLINA ROCHA LIMA CAIADO 14 Protocolos farmacológicos para procedimentos eletivos e urgências endodônticas 141 EDUARDO DIAS DE ANDRADE, PAULA SAMPAIO DE MELLO E ANA PAULA GUERREIRO BENTES</p><p>xiv Sumário 15 Sistemas de instrumentação mecanizada 149 NILTON VIVACQUA GOMES 16 Microscopia operatória em endodontia 159 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO E PATRICK BALTIERI 17 Tratamento de dentes com rizogênese incompleta: revitalização ou apicificação 166 ADRIANA DE JESUS SOARES, ALEXANDRE A. ZAIA, CAIO CEZAR RANDI FERRAZ, JOSÉ FLÁVIO A. ALMEIDA E FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO 18 Avaliação dos resultados dos tratamentos de canais radiculares 175 LUIZ E PATRICK BALTIERI Parte III Procedimentos clínicos para preparo e a obturação de canais radiculares com patência e ampliação do forame apical 19 Preparo de canais radiculares com patência e ampliação do forame 181 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO Parte IV Estudos longitudinais em saúde 20 A importância dos estudos longitudinais na saúde: estrutura, modelos, forças e limitações 201 FRANCESCO CHIAPPELLI, XÊNIA MARIA CALDEIRA BRANT E CAIO CALDEIRA BRANT SANDY Parte V Apresentação de casos clínicos com controles radiográficos 21 Casos clínicos realizados com a técnica da patência e ampliação do forame apical. 209 FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO Glossário de termos endodônticos 215</p><p>Introdução Já está estabelecido, por claras convenções, que o conhecimento teórico deve decor- rer antes da experiência prática. Esse parâmetro caracteriza a grade curricular da formação dos profissionais nas diversas áreas da saúde. atributo é o principal requisito para a inserção dos profissionais no mercado de trabalho. A práti- ca é a ação que transporta o conhecimento para a execução Neste momento, contudo, cabe considerar uma discussão sobre a estrutura do ensino e a capacitação técnica dos alunos, tanto na graduação como na pós-graduação. Reconhece-se que os recém-formados, em geral, tém muita dificuldade para atuar clinicamente, mesmo em condições que exijam requisitos mínimos de conhe- cimento e domínio É válido considerar, portanto, uma revisão dos concei- tos correntes da educação profissional. Somar bons professores nas disciplinas de formação teórica a professores das práticas aplicadas é uma condição importante a ser discutida. A articulação entre a teoria e a prática é essencial, e apenas verdadeiros professores podem transmitir a dimensão do ensino ao profissionalismo. Essa trans- ferência tem como base uma curva progressiva de aprendizado: leva tempo para for- mar um profissional, mas aquele que atingir esse patamar estará mais seguro e capa- citado à sua prática e às exigências das transformações científicas, sociais e A Endodontia, assim como a maioria das áreas de intervenção clínica, além do sólido conhecimento dos fundamentos da biologia, necessita de uma acurada capaci- tação técnica e muita sensibilidade para suas aplicações. Observações de profissionais experientes sugerem que, no processo de amadu- recimento clínico, as principais falhas iatrogênicas estão frequentemente associadas à incapacidade do profissional em formular planejamentos devido à falta de crité- rios na seleção dos casos clínicos. Aspectos como negligência e desatenção também costumam ser observados. Os treinamentos clínicos devem focar nos fundamentos dessa capacitação, oferecendo programas coerentes com cada estágio em que o pro- fissional se encontra, sempre de acordo com o seu grau de experiência. E razoável aceitar de que a análise das muitas variáveis técnicas e clínicas que en- volvem a Endodontia (dificuldade de isolamento absoluto, pouca abertura bucal, falta de cooperação do paciente, certas condições de saúde alterações ana- tômicas, reabsorções radiculares ou fraturas, entre outras) resulta com frequência em casos excepcionalmente complexos. A execução dos procedimentos exige um progressivo treinamento psicomotor e uma longa curva de aprendizado, que vão desde a manipulação de dentes extraídos até a execução de tratamentos complexos em pacientes. Diante dessas considerações, pode-se ter uma ideia das dificuldades encontradas e da demanda de tempo necessário para alcançar a qualificação de um endodontista com alto padrão de competência. Só há um caminho: participar de um programa de ensino que contemple métodos pedagógicos, participativos, cujo conteúdo progra-</p><p>16 Introdução mático englobe o aprendizado cognitivo (conhecimento) amplo e pertinente, aliado a um treinamento prático laboratorial (em dentes extraídos) e atendimento clínico suficientes para executar, com consciência e tranquilidade, a Critérios para ensino e aprendizado em Endodontia professor deve: estar cientificamente preparado para ensinar a teoria e amplamente embasado na literatura científica; ser capaz de fazer demonstrações ao vivo, em laboratório, de todas as etapas do tratamento em dentes extraídos; ser capaz de fazer demonstrações clínicas em pacientes; selecionar os casos clínicos quanto à sua complexidade de acordo com o grau de experiência de seus alunos e monitorar cada etapa do tratamento. Os alunos devem: assistir às aulas; registrar as informações importantes; inteirar-se das técnicas, ins- trumentos e materiais; ler e discutir a literatura; assistir às demonstrações laboratoriais e clínicas e repetir os exercícios; planejar e executar os tratamentos clínicos monitorados pelo professor; ser gradativamente preparados, no decorrer do curso, para a execução de casos clínicos de maior grau de complexidade. aprendizado passa pelas seguintes etapas de domínio cognitivo e psicomotor: Domínio cognitivo nesta primeira etapa do aprendizado, o aluno ou profissional toma conhecimento dos problemas ou técnicas por meio de: aulas e conferências; demonstrações clínicas ou laboratoriais; acompanhamento da execução de tratamentos. Domínio psicomotor - nesta segunda etapa, o aluno ou profissional é treinado para executar as tarefas clínicas e deve, idealmente, passar por um curso de aper- feiçoamento para depois seguir para um curso de especialização: Nos cursos de aperfeiçoamento, deve seguir a sequência de aprendizado: treinar as técnicas em laboratórios seguindo protocolos sob monitoramento; realizar tratamentos clínicos mais simples sob monitoramento; realizar tratamentos clínicos mais simples sem monitoramento. Nos cursos de especialização, deve seguir esta sequência: - realizar tratamentos de maior grau de complexidade sob monitoramento; realizar tratamentos de maior grau de complexidade sem monitoramento.</p><p>Introdução 17 Etapa da reorganização - é quando o profissional, gradativamente, ganha expe- riência clínica e adquire a capacidade de se reorganizar à medida que surgem pro- blemas inesperados durante a execução dos tratamentos, por exemplo: o que fazer se o paciente sente-se mal durante o tratamento? o que fazer para estancar uma hemorragia durante uma cirurgia? como proceder, durante tratamento endodôntico, diante da fratura de um ins- trumento ou de perfurações acidentais e outras ocorrências? Para um especialista em Endodontia ganhar experiência clínica é preciso praticar, ou seja, executar tratamentos Uma casuística clínica entre 30 e 50 tratamentos endo- dônticos durante o mês é adequada para um bom desenvolvimento Considerando os diversos aspectos apresentados nos parágrafos anteriores, pode ser interessante estimular maiores discussões no que se refere ao ensino da Endodon- tia, bem como desenvolver programas de aprendizado que sejam coerentes e pro- gressivos. Os profissionais precisam estar atentos à sua realidade, às suas limitações e às suas possibilidades. treinamento para a formação de um endodontista deve ser feito mediante uma sequência objetiva de estudos e atividades práticas que inclui curso de aperfeiçoamento, curso de especialização, estágios ou residência clínica com professores ou clínicos com probidade clínica comprovada. o modelo é simples e lógico: "só pode ensinar quem faz, e só aprende quem pratica". REFERÊNCIA 1. Castro, CM. o muro de arrimo do "doutorzeco". Rev Veja.</p><p>Esta página foi deixada em branco intencionalmente.</p><p>PARTE I FUNDAMENTAÇÃO BIOLÓGICA DOS TRATAMENTOS</p><p>Esta página foi deixada em branco intencionalmente.</p><p>1 Etiopatogenia das alterações pulpares e periapicais ALEXANDRE A. ZAIA CONSIDERAÇÕES GERAIS Um dos problemas que o profissional da área odontológica encontra na Endodontia é a dificuldade em fechar um correto diagnóstico das alterações pulpares e peria- picais. Diferentemente de outras especialidades da Odontologia, na Endodontia, o profissional não tem uma visão direta das áreas comprometidas. o fato de não poder visualizar diretamente as alterações que ocorrem nesses tecidos dificulta o entendi- mento dos eventos que acontecem, desde a iniciação de um processo inflamatório, sua evolução e sua correlação com os sintomas clínicos. Apesar dessa dificuldade, é importante entender que o problema mais comum que ocorre na polpa e no periápice é a inflamação, que não deve ser considerada uma doença, mas um mecanismo de defesa do tecido conjuntivo contra microrganismos e seus subprodutos que alcançam o tecido pulpar, em geral, por um processo de cá- rie. Essa relação entre a inflamação pulpar e bactérias está bem definida desde que Kakehashi e mostraram, em ratos germ-free (livres de bactérias), que, mesmo depois de a polpa dental ficar exposta na cavidade bucal, não ocorre necrose pulpar. A polpa dental é um tecido conjuntivo vascularizado; portanto, quando bactérias e/ou sub- produtos atingem esse tecido, inicia-se um processo inflamatório de defesa na área afetada. A inflamação é um processo sistêmico que pode acontecer em qualquer tecido vasculariza- do do organismo como mecanismo de defesa, independentemente da localização. primeiro evento do processo inflamatório é uma resposta vascular, em que capilares da região sofrem vasodilatação e aumento da permeabilidade, permitindo uma saída maior de líquido e células inflamatórias (glóbulos brancos) que circulam</p><p>22 Francisco José de Souza Filho (Organizador) nos vasos sanguineos. volume de e células que saem dos vasos está dire- tamente associado à quantidade e aos tipos de microrganismos envolvidos. Quanto maior a quantidade e a virulência dos agentes irritantes, maior a resposta vascular e a de líquidos e Isso acarreta um aumento de volume da região (edema). Na polpa dental, a resposta inflamatória tem início quando bactérias ou seus subprodutos a atingem a partir da permeabilidade dos túbulos o com- portamento da polpa frente às agressões difere do comportamento de outros tecidos conjuntivos pelo fato de estar localizada no interior de um espaço com paredes duras que impede a distensão do tecido quando ocorre o edema, gerando um aumento da pressão na região. Essa pressão estimula as terminações nervosas e inicia um estímu- lo doloroso. Quando o aumento de volume ocorre de forma rápida, a sensação dolo- rosa pode se tornar intensa e espontânea. Portanto, a dor decorrente da inflamação é a principal queixa que acomete o tecido pulpar e periapical e que leva o paciente ao consultório em busca de tratamento. EVOLUÇÃO DO PROCESSO INFLAMATÓRIO PULPAR A sequência de cortes histológicos a seguir mostra a evolução da necrose a partir da exposição pulpar feita em dentes de Na Figura 1.1, pode-se observar que, na porção mais coronária, o tecido pulpar encontra-se necrosado. Na porção inferior da área de necrose, existe uma intensa concentração de células inflamatórias (neutrófilos) na tentativa de barrar a dissemi- nação das bactérias e toxinas e isolar os agentes agressores. Logo abaixo, pode-se ob- servar o tecido pulpar vital com presença de vasos sanguíneos dilatados, o que pos- sibilita a saída das células de defesa (glóbulos brancos do sangue), que se acumulam na área onde existe a invasão bacteriana. Na região mais apical, é possível observar um tecido pulpar com características praticamente normais, com poucos vasos san- guíneos. Tais achados histológicos podem ser correlacionados com as características clínicas da pulpite irreversível, ainda sem nenhum sintoma na percussão, uma vez que resta uma porção de polpa vital no terço apical do canal. Portanto, o tratamento endodôntico deve ser realizado sob anestesia local. A Figura 1.2 mostra uma intensa resposta inflamatória no ligamento periodontal apical com a presença de vasos dilatados e reabsorção óssea. Esse quadro histológico Área de necrose Área com intenso infiltrado de neutrófilos FIGURA 1.1 o corte histológico mostra intenso infiltrado inflama- tório com predomínio de neutrófilos (seta). Pode-se observar que a inflamação evoluiu no sentido apical; no entanto, um tecido pulpar ainda vital pode ser vis- to no terço apical.</p><p>Endodontia passo a passo 23 é compatível com pericementite. Nesse estágio, clinicamente, o dente já apresenta dor à percussão. o tempo para que a inflamação periapical inicial (pericementite) se transforme em abscesso não é possível de ser determinado devido a inúmeras variá- veis que envolvem o processo. Área periapical com intensa proliferação vascular FIGURA 1.2 Corte histológico mostrando a inflamação no liga- mento periodontal apical com intensa proliferação vascular e aumento do espaço periodontal. A Figura 1.3 mostra um grande número de células inflamatórias (neutrófilos) concentradas na embocadura do forame para evitar a disseminação de microrganis- mos. o aumento de pressão na área periapical deve ser o principal fator de estímulo para essas células iniciarem a reabsorção óssea, criando um espaço para a formação de um tecido de defesa compatível com uma lesão periapical crônica (granuloma), cuja função é impedir a disseminação de bactérias oriundas do canal radicular. granuloma é a área onde bactérias são destruídas pelo sistema de defesa. Se o canal radicular não for tratado de forma eficiente, esse tecido de granulação persistirá na área periapical. Área com intensa concentração de células inflamatórias Aumento do espaço e inflamação periapical FIGURA 1.3 Corte histológico mostrando necrose total da polpa dental e região periapical com reação inflamatória característica de granuloma. estado inflamatório periapical pode variar, a qualquer momento, de crônico para agudo ou vice-versa, dependendo do tipo e da quantidade de bactérias que al- cançam esse Na Figura 1.4, pode-se observar, na região periapical, um intenso infiltrado de neutrófilos e a presença de área de destruição tecidual sugestiva de for- mação de abscesso.</p><p>24 Francisco José de Souza Filho (Organizador) Área com intensa proliferação de neutrófilos e espaços característicos de abscesso FIGURA 1.4 Corte histológico mostrando área periapical de dente com polpa necrosada com a presença de inflamação periapical e áreas de microabscesso. A Figura 1.5 mostra, radiograficamente, a área periapical sugestiva de granuloma. É interessante notar a inflamação do ligamento periodontal associada ao forame apical, canal de comunicação entre o sistema de canais radiculares e o ligamento periodontal. Nas outras áreas do ligamento periodontal não há inflamação, como se observa na radiografia (existe a lâmina dura). Diante desse fato, é possível concluir que, para o sucesso do tratamento endodôntico, são fundamentais a limpeza e o selamento do forame apical, impedindo que bactérias e seus subprodutos possam alcançar o ligamento periodontal. A completa remissão da inflamação e a formação de novo trabeculado ósseo caracterizam o sucesso do tratamento endodôntico. FIGURA 1.5 Radiografia do dente 12 com área peria- pical.</p><p>Endodontia passo a passo 25 REFERÊNCIAS 1. Kakehashi S, Stanley Fitzgerald The effects of sur- 2. FB. Analise comparativa do desenvolvimento de gical exposure of dental pulps in germ-free and conven- lesões periapicais em ratos normais, e tional laboratory Oral Surg Oral Med Oral Faculdade de Odon- tologia, Universidade Estadual de 1997. LEITURAS RECOMENDADAS Kumar Abbas Fausto N. Robbins & Cotran: patologia: bases Nair Pathogenesis of periodontitis and the cause of en- das 7. ed. Rio de Elsevier: 1999. dodontic Crit Rev Oral Biol Med. JOE Editorial Periradicular lesions not of endodontic ori- Ricucci D, Siqueira Biofims and apical study of an online study guide. I prevalence and association with clinical and histopathologic JOE Editorial Board Immunologic reactions and endodontics an I online study guide. I Endod. Suppl): Trowbridge HO, Stevens Microbiologic and pathologic aspects Morse DR. Immunologic aspects of pulpal-periapical a of pulpal and periapical disease. Curr Opin Dent. Oral Surg Oral Med Oral 92.</p><p>2 Microbiologia aplicada BRENDA P. F. A. GOMES CONSIDERAÇÕES GERAIS Em condições normais, o esmalte dental é a principal barreira natural que impede que os microrganismos presentes na cavidade oral afetem a dentina e ingressem na cavidade pulpar. A cárie dental é o principal fator de contaminação do canal radi- cular, e os túbulos dentinários são as vias de acesso de toxinas e bactérias para a cavidade pulpar. Em princípio, após a necrose pulpar, nas infecções primárias, todas as espécies de microrganismos existentes na cavidade oral podem colonizar o espaço pulpar, mas alguns fatores interferem na seleção das espécies no interior dos canais ra- diculares. A grande maioria dessa microbiota é composta por bactérias, embora vírus, fungos, leveduras e archaea também possam ser encontrados nos canais ra- diculares. Os microrganismos no canal radicular com polpa necrosada encontram um ambiente apro- priado para sua proliferação. Alguns fatores favorecem essa ausência de célu- las de defesa, temperatura ideal, teor de oxigênio e Com o decorrer do tempo e com a mudança ambiental, ocorre um uma seleção natural e simbiose das espécies bacterianas que se adaptam ao meio com baixo potencial de pH ácido e interações positivas e negativas entre bactérias, entre outros fatores. Nesse microssistema, comunidades bacterianas vão sendo formadas, favorecendo o estabelecimento de microrganismos facultativos no terço coronário e médio do canal e de microrganismos anaeróbios estritos no terço apical.</p><p>Endodontia passo a passo 27 LOCAL DA INFECÇÃO Com a necrose pulpar, a população microbiana, no início, fica suspensa no do canal radicular (forma planctônica), com uma grande variedade de cocos, bacilos e formas filamentosas. Nessa fase inicial, o forame apical é a via de acesso para que bactérias e suas toxinas atinjam o periápice e estimulem uma resposta inflamatória aguda no tecido conjuntivo periapical (pericementite). Com o decorrer do tempo, as bactérias com capacidade de aderir nas paredes do canal formam colônias (forma séssil), em biofilmes organizados, favorecendo o estabelecimento de microrganismos facultativos no terço coronário e médio do canal e de anaeróbios estritos no terço apical. fator tempo de contaminação é fundamental para que ocorram tais mudanças. A multiplicação bacteriana na da dentina (biofilme), por meio da divisão celular, provoca o deslocamento dos microrganismos para o interior dos túbulos den- tinários (Figuras 2.1 e 2.2), que ocupam esse espaço, numa profundidade que varia de acordo com sua amplitude. Nos terços cervical e médio do canal radicular, podem ser encontradas em até 300 um da luz do e, no terço apical, cerca de 40 000 0010 CONTROLE 3 FIGURA 2.1 FIGURA 2.2 Corte histológico mostrando a presença de bactérias Fotomicrografia de varredura mostrando bactérias no interior dos túbulos dentinários (coloração Brown no interior dos túbulos & Brenn). As bacterianas organizadas em biofilme ocupam todas as paredes do ca- nal até o forame apical. Nos dentes com lesão periapical, é evidente a ocupação dessa região pelo biofilme bacteriano, responsável pela manutenção da inflamação crônica na região (granulomas ou cistos). Clinicamente, não importa se a necrose é recente ou se já houve tempo para a formação de lesão periapical. tratamento consiste na limpeza do substrato orgânico e do biofilme das paredes do canal, istmos e reentrâncias, na modelagem cônica do canal, sobretudo no terço apical, e no selamento tridimensional desse espaço.</p><p>28 Francisco José de Souza Filho (Organizador) INFECÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA Embora didaticamente as infecções endodônticas sejam divididas em primárias ou se- cundárias, a composição da microbiota do canal radicular nessas condições depende, basicamente, das alterações ambientais e do tempo decorrido desde o início da infecção. A infecção primária ocorre concomitantemente à necrose do tecido pulpar e consiste em infecções polimicrobianas dominadas por bactérias anaeróbias gram- -negativas e gram-positivas. A maioria dos autores concorda que a carga bacteriana e sua diversidade são maiores no grupo da infecção primária, porém são facilmente eliminadas pela adequada instrumentação dos canais radiculares, sobremaneira nos períodos mais curtos desde a ocorrência da necrose pulpar. A presença de lesão pe- riapical (Figura 2.3) indica que maior período de tempo decorreu desde a necrose pulpar e, seguramente, nessa fase, o biofilme bacteriano apresenta-se mais organiza- do e maduro e envolve as paredes do canal incluindo o forame apical. A infecção secundária apresenta uma microbiota característica, que difere da- quela encontrada normalmente nas infecções primárias, tanto quantitativa como qualitativamente. As espécies predominantes de microrganismos são gram-positivos (estritos ou facultativos), espécies que conseguem sobreviver à insuficiência de nu- trientes e se adaptam a condições ambientais inóspitas, características de dentes que já passaram por um tratamento endodôntico prévio malsucedido. FIGURA 2.3 Radiografia periapical do dente 15 com tratamento endodôntico incompleto e lesão periapical. INFECÇÕES EXTRARRADICULARES AGUDAS As infecções extrarradiculares podem ser agudas ou crônicas e são originadas a partir de uma infecção primária ou secundária do canal radicular. A forma mais comum das infecções extrarradiculares agudas são os abscessos apicais. As comunidades micro- bianas presentes nesses abscessos são complexas, com predomínio de microrganismos anaeróbios (cerca de 90% dos isolados), principalmente de bacilos gram-negativos e cocos gram-positivos. A presença concomitante de anaeróbios facultativos favorece o desenvolvimento de quadros clínicos mais graves, pois esses microrganismos utilizam o oxigênio, preparando o ecossistema para a instalação dos anaeróbios Admite-se que microrganismos com elevada capacidade de invasão e agressão tecidual, tais como as espiroquetas do grupo Treponema, estejam frequentemente as- sociados a abscessos apicais agudos. Desde que o tratamento endodôntico tenha sido executado de maneira adequa- da, a infecção extrarradicular aguda passa a ser mediada pelos mecanismos naturais de defesa do hospedeiro, normalmente facilitada pela drenagem do abscesso.</p><p>Endodontia passo a passo 29 INFECÇÕES EXTRARRADICULARES (BIOFILME) A formação de biofilme na superfície radicular externa ocorre em condições muito especiais, em que existe sempre uma comunicação do ápice radicular com o meio da cavidade oral através de lesão endopério ou comunicação por dentes abertos para drenagem por longo de tempo, trinca ou fratura ao longo da o biofilme periapical é composto por diferentes tipos morfológicos de micror- ganismos, que estão aderidos ao cemento/dentina que circunda o ápice. Os micror- ganismos estão envoltos por uma camada de que funciona como um escudo e podem atingir 50 a 100 um em espessura (Figura 2.4). São resistentes à ação de antibióticos (cerca de 1.500 a 8.000 vezes) e grandes o suficiente para frustrar o sistema imunológico. Dentre as espécies associadas à formação de biofilme extrarra- dicular estão incluídas Actinomyces spp. e Propionibacterium spp. FIGURA 2.4 Corte histológico mostrando bactérias (biofil- me bacteriano) na superfície da parede do ca- nal radicular (coloração Brown & Brenn). Os sinais e sintomas que indicam a presença de biofilme extrarradicular são fa- cilmente detectados, uma vez que sempre existe a associação de uma lesão periapical (radiográfica) com uma fistula que persiste, mesmo após um tratamento co bem-realizado. É interessante lembrar que, imediatamente após a instrumentação e obturação do canal radicular, a costuma desaparecer, porém surge novamen- te decorrido algum período de tempo. Apenas um pequeno número de casos de insucesso do tratamento ou retrata- mento endodôntico se deve à presença do biofilme instalado na superfície externa, com necessidade de intervenção cirúrgica. ENDOTOXINAS Algumas bactérias, principalmente as anaeróbias gram-negativas (i.e., Prevotella spp., Porphyromomas spp., Fusobacterium predominantes em infecções primárias, es- tão envolvidas na manifestação dos sinais e sintomas de origem As bactérias gram-negativas possuem, em sua membrana externa, os lipopolissacari- deos (LPSs), ou endotoxinas, que são liberados durante a divisão celular ou lise celular. As endotoxinas estão envolvidas na destruição tecidual de forma indireta, estimulando a liberação de mediadores químicos por parte das células de defesa do hospedeiro, podendo causar dor pela liberação de bradicinina. Na presença de sintomas clínicos como dor, há maior concentração de bactérias anaeróbias gram-negativas.</p><p>30 Francisco José de Souza Filho (Organizador) As bactérias gram-positivas (i.e., Enterococcus spp., Streptococcus spp., Acti- nomyces spp.) possuem uma exotoxina, composta pelo ácido lipoteicoico, que tem como característica principal a aderência. Apresentam uma camada mais espessa de peptideoglicanos, o que confere maior resistência a esses microrganismos. Nos canais assintomáticos, predominam bactérias gram-positivas. Quando as gram-negativas estão em sinergismo com as gram-positivas, sua virulência é aumen- tada e, consequentemente, a manifestação dolorosa é mais intensa. É correto concluir que não há tratamento específico para combater as diferentes espécies de microrganismos no interior do canal radicular. o tratamento, unicamen- te, consiste em desorganizar a estrutura do biofilme por meio da instrumentação das paredes do canal radicular, combater os microrganismos com substâncias químicas auxiliares, remover do interior dos canais o substrato orgânico desorganizado pela instrumentação mediante uma irrigação ativa e, por fim, obturar tridimensional- mente o espaço do canal radicular com cimento REFERÊNCIA 1. Love HE Invasion of dentinal tubules by oral bacterias Crit Rev Oral Biol Med. LEITURAS RECOMENDADAS Gomes BPFA. Microrganismos, quais onde que danos Ricucci Siqueira Biofilms and apical study of causam? In: Cardoso Gonçalves EAN. prevalence and association with clinical and histopathologic do Congresso Internacional de Odontologia de I Endod São Paulo, e Técnica Endodontia e Siqueira IF IN. Exploiting molecular methods to explore São Artes 2002a p. 2. endodontic part 1: current molecular technologies Gomes Montagner Martinho Aspectos microbiológicos for microbiological das infecções conceitos e aplicações. Kriger Siqueira IF IN. Exploiting molecular methods to explore Moysés organizadores. Microbiologia e imu- endodontic infections part 2: redefining the endodontic mi- nologia geral e São Paulo: Artes 2013. (Série ABENO: Odontologia Sousa Análise de canais radiculares asso- Gomes Pinheiro ET. Sousa Ferraz CC, ciados a abscessos periapicais e a suscetibilidade de bacté- Zaia AA. et al. Microbiological examination of infected dental rias anaeróbias prevalentes frente a diversos antibióticos root Oral Immunol Faculdade de Odentologia de Marinho ACS, Martinho Zaia AA, Ferraz Gomes BP. Influence of the apical enlargement size on the endoto- Vianna ME. Microbiologia tratamento das infecções xin level reduction of dental root Appl Oral ticas Faculdade de Odontologia de Piraci- caba: 2006. Pinheiro ET. Gomes Ferraz Sousa Teixeira Souza Filho FJ. Microrganisms from canals of root-filled teeth with periapical Int</p><p>3 Reparação apical e periapical OSLEI PAES DE ALMEIDA CONSIDERAÇÕES GERAIS A reparação é o restabelecimento da normalidade de uma área tecidual destruída, podendo ser semelhante à arquitetura original (regeneração) ou o simples preenchi- mento por tecido fibroso (cicatrização). No seu sentido mais estrito, a regeneração ocorre no ser humano apenas nas primeiras seis semanas de vida fetal, mas é aceito que a regeneração também ocorra no período pós-natal e que dependa de fatores locais como extensão da lesão e tecido envolvido. Talvez seja mais simples conside- rar que, na maioria das vezes, a reparação envolva, simultaneamente, fenômenos de regeneração e de cicatrização em proporções variáveis, e um dos dois termos é usado quando há evidente predomínio de um desses processos. termo reparação parece ser mais adequado para tecido ósseo, polpa, periodon- to e periápice. Para compreender melhor tal nomenclatura, deve-se recordar que os principais conceitos de inflamação e reparação foram estabelecidos a partir de feridas da pele e, posteriormente, extrapolados para outros órgãos portanto, nem sempre se aplicam perfeitamente. Em tecidos formados por células com alta capacidade proliferativa (células lá- beis), como epitélio de pele e mucosas, ou com boa capacidade de renovação celular (células como o fígado, a substituição das células lesadas ocorre sobretudo por regeneração. Entretanto, mesmo nesses tecidos, se a destruição é contínua e ex- tensa, a reorganização tecidual torna-se mais havendo preenchimento da área por material fibroso, essencialmente colágeno, caracterizando a cicatrização. No do, essa substituição por tecido fibroso é chamada de cirrose, comum em alcoólatras ou portadores de hepatites B ou C Por outro lado, nos tecidos sem capaci- dade de substituição das células originais por novas (células permanentes), como as fibras cardíacas ou os neurônios, a reparação é sempre feita por cicatrização.</p><p>32 Francisco José de Souza Filho (Organizador) A cicatrização implica perda de função da área, como ocorre no coração, no cé- rebro ou mesmo na pele, com a destruição de pilosos, terminações nervosas e glândulas sebáceas e sudoríparas. A cicatrização pode ser considerada um processo mais simples que a regeneração, levando, às vezes, a sequelas indesejáveis. Há evidên- cias de que essa formação rápida de tecido fibroso pode dificultar ou impedir a rege- neração, que, biologicamente, é a maneira mais adequada de restaurar a arquitetura e a função de uma área destruída. De modo geral, quanto menos intensa a inflamação e a destruição tecidual, maiores as possibilidades de ocorrer regeneração, e vice-versa. Como a inflamação, a reparação é um processo complexo, envolvendo células que sofrem modificações genéticas e fenotípicas, com ativação de mecanismos in- tra e intercelulares, que precisam funcionar de forma organizada para restabelecer a função da área alterada. Quanto maior o conhecimento das interações célula-célula, célula-matriz extracelular, da apoptose e da participação de moléculas como citoci- nas e fatores de crescimento, maiores as possibilidades de INFLAMAÇÃO E REPARAÇÃO Para exemplificar, resumidamente, a sequência de eventos da inflamação e reparação, considere-se uma lesão causada por bactérias que penetraram no tecido conjunti- vo da pele. Por meio da inflamação, o organismo procura primeiramente eliminar o agente agressor. No começo, há aumento de permeabilidade vascular de peque- nos vasos, mediada por substâncias vasoativas, sobretudo histamina, liberada por o edema da área é resultado da saída de plasma e, posteriormente, de leucócitos, predominando no início os neutrófilos, que vão fagocitar as bactérias. A interação entre os elementos agressores e de defesa do organismo causa destruição tecidual. Com a eliminação das bactérias, o tecido necrosado que restou precisa ser também removido, e isso é feito principalmente pelos macrófagos. Dependendo da extensão da lesão, pode ocorrer regeneração da área ou, mais provavelmente, predo- da cicatrização. Na cicatrização, dependendo da extensão da área lesada, há maior ou menor pro- liferação de novos vasos e também de fibroblastos, que, paulatinamente, vão substi- tuindo as células inflamatórias e o tecido necrótico. Os fibroblastos começam a for- mar matriz amorfa e fibrilas de colágeno que, de maneira gradativa, substituem os vasos e fibroblastos, eliminados por apoptose. o tecido de transição entre a resposta inflamatória e a cicatrização é chamado de tecido de granulação. Esse termo vem de visto que os vasos neoformados na pele ficam dispostos perpendicu- larmente à e, macroscopicamente, as alças formadas dos pequenos vasos na região mais superficial assemelham-se a pequenos grãos avermelhados devido à presença das hemácias do sangue. termo "tecido de granulação" não deve ser con- fundido com tecido ou reação granulomatosa, que se caracteriza pela presença de granuloma nas inflamações A reparação na forma de cicatrização ou regeneração vai ocorrer quando o agente agres- sor bactérias ou tecido necrosado é eliminado e a inflamação não é mais Se o agente agressor não for eliminado, a inflamação, como mecanismo de defesa, persiste e passa a ser chamada de crônica.</p><p>Endodontia passo a passo 33 Como sabido, a inflamação aguda caracteriza-se, clinicamente, por edema e dor e, histologicamente, por permeabilidade vascular e presença de A nica, como o próprio nome diz, é de duração mais longa, menor sintoma clínico e acúmulo de células como plasmócitos e além de apresentar fenômenos proliferativos por meio dos fibroblastos. A maioria das inflamações crônicas tem a participação dos fenômenos imunológicos, visto que os agentes agressores, em geral, têm propriedades antigênicas. Na dependência do agente agressor e de corpos estranhos, como de sílica e fio de algodão, a inflamação crônica se caracterizará pela formação de granulomas, cuja célula central predominante é o macrófago e seus derivados, como as células gigantes multinuclea- Portanto, a reação granulomatosa é bem distinta do tecido de granulação. Por outro lado, o termo granuloma usado para as lesões periapicais não tem o mesmo significado descrito antes para as inflamações granulomatosas. É uma in- flamação crônica causada por bactérias presentes no canal radicular, com partici- pação de fenômenos imunológicos, mas que, histologicamente, não tem formação de granulomas. É mais uma vez uma extrapolação do significado original, visto que também é uma inflamação crônica e, macroscopicamente ou mesmo radiografica- mente, a lesão assemelha-se a um grânulo em torno do periápice, mas do ponto de vista histopatológico corresponde a uma inflamação crônica inespecífica e não gra- nulomatosa que, às vezes, é também chamada de específica, quando há possibilidade de determinar o agente causal. Como ocorre no processo inflamatório de modo geral, numa inflamação crônica a normalidade também será restabelecida apenas após a eliminação do agente agressor e a reparação da área. REPARAÇÃO DO PERIÁPICE Considere-se agora alguns pontos da reparação do periápice, que basicamente se- guem os princípios antes descritos. Os termos "regeneração" ou "cicatrização" não são usados para o periápice por não representarem claramente um ou outro processo, embora a função da área costume ser restabelecida. Além disso, há participação de neoformação do tecido ósseo adjacente e, para osso, o termo mais aceito é simples- mente reparação. tecido ósseo tem boa capacidade de reparação, visto que também é um tipo de tecido conjuntivo, porém calcificado. Na doença periodontal, por exemplo, a perda óssea pode ser irreversível, mas isso ocorre quando a destruição do osso alveolar é mais extensa, e talvez mais im- portante quando envolve extremidade, semelhante à perda da ponta de um dedo. No periápice, com a eliminação do agente agressor, no caso bactérias do canal radicular, a inflamação diminui de modo gradativo, sendo por de reor- ganização com formação de tecido de granulação, neoformação óssea e do ligamento periodontal do periápice. A persistência da inflamação indica, muito provavelmente, que bactérias ativas ainda estão presentes, mesmo quando o canal aparentemente está bem obturado. ponto fundamental é a eliminação das bactérias e o preenchimento do espaço do canal radicular por material que não seja lesivo aos tecidos vivos do periápice. É razoável considerar que, mesmo após o tratamento adequado do canal, não se con- siga a completa eliminação de bactérias, mas isso não costuma impedir a reparação apical porque provavelmente a quantidade e a virulência das bactérias remanescentes</p><p>34 Francisco José de Souza Filho (Organizador) são insuficientes para manter evidente resposta inflamatória e destruição tecidual. De fato, se a inflamação for mínima, os aspectos são compatíveis com normalidade. Antigamente, considerava-se que apenas os granulomas apicais regrediam após a eliminação das bactérias, mas sabe-se que isso ocorre também com os Nos ca- sos em que a lesão periapical persiste, a principal causa, como já citado, é a presença de bactérias. Eventualmente, há a possibilidade de cistos grandes, bem-organizados, com extensa área de destruição óssea não regredirem mesmo eliminando-se as bac- térias e após cessada a inflamação. interessante que cistos de modo geral, no organismo humano, incluindo os da boca, como os queratocistos e os cistos odontogênicos glandulares, cuja formação não foi estimulada por fenômenos inflamatórios, não regridem pelo contrário, tendem a continuar crescendo, e o tratamento é cirúrgico. Também há os cistos residuais, que podem persistir mesmo após a extração do dente e a con- sequente eliminação das bactérias, com tendência a crescerem, precisando ser remo- vidos cirurgicamente. Também, em raros casos, uma imagem persistente na região periapical após o tratamento de canal pode ser compatível com uma ver- dadeira área de cicatrização. Nesses casos, a neoformação óssea pode não ter sido completa e parte da área é preenchida por tecido fibroso cicatricial, mantendo-se uma área radiolúcida próxima ao periápice. Tal processo pode ser comparado ao de- feito osteoporótico da quando, em vez de um trabeculado ósseo normal compacto, há presença de grande quantidade de medula óssea pela não formação adequada das trabéculas durante a reparação do alvéolo após extração dentária ou outras intervenções cirúrgicas. Ainda com relação às áreas periapicais, devem ser consideradas ou- tras patologias de origem não endodôntica, como displasia óssea focal e periapical, lesão central de célula gigante e, mais raramente, Em resumo, os princípios da reparação periapical e dos rios envolvidos não diferem de outros tecidos do organismo, tendo obviamente suas particularidades Fatores locais são importantes para determinar a ar- quitetura final da reparação apical, como nos casos de apicectomia ou apicificação em raízes incompletamente formadas. Na Odontologia, uma comparação didática interessante pode ser feita entre os processos inflamatórios e de reparo do periápice e do periodonto. As duas doenças são crônicas, causadas sobretudo por bactérias não granulomatosas e com envolvimento ósseo, com uma diferença básica: a anatomia das duas regiões. REAÇÃO A CORPO ESTRANHO termo "reação a corpo estranho", no sentido mais amplo, inclui o fundamento da inflamação, aceitar o que é próprio (self) do organismo e reconhecer e rejeitar/elimi- nar o que não faz parte dele, sejam elementos macroscópicos, microscópicos ou mo- leculares. Quase todas as inflamações, exceto na sua fase de são exemplos de reações contra As características da resposta inflamatória, como células envolvidas e intensidade, vão depender da quan- tidade e da qualidade do agente agressor, do seu reconhecimento como non-self e da necessidade de sua eliminação.</p><p>Endodontia passo a passo 35 elemento estranho pode ser de baixa agressividade, praticamente inerte, a ponto de não ocasionar lesões teciduais e como consequência, não estimular uma reação inflamatória de importância clínica. Não é raro optar por não retirar um pro- jétil de arma de fogo alojado no crânio por estar em lugar de dificil acesso cirúrgico e não ocasionar problemas Como o material é praticamente inerte em termos de agressividade tecidual e da capacidade de estimular uma reação inflamatória, o or- ganismo simplesmente o isola por meio de uma cápsula fibrosa de espessura variável e, assim, pode lá permanecer por toda a vida do Bons exemplos dessa interação com o organismo são os materiais usados na me- dicina estética, principalmente em mama, face e A eventual reação inflama- tória a esses corpos estranhos vai depender da sua qualidade e da boa aceitação pelo organismo, ou seja, que eles não sejam agressivos e/ou não sejam reconhecidos como estranhos. Os implantes dentários utilizados na Odontologia também são um bom exemplo de corpo estranho em contato com o organismo. A osteointegração, basica- mente, significa que o material do implante (titânio) não é agressivo ao organismo, não é reconhecido como estranho, não estimula uma reação inflamatória e tem boa capacidade de interação com os tecidos da região onde foi colocado. o tratamento endodôntico tem como objetivo limpar e modelar o canal radicu- lar, procedimentos esses que eliminam as bactérias e facilitam a sua obturação, em geral realizada com guta-percha e cimentos. Como o objetivo maior é a eliminação das bactérias e a manutenção do canal livre de contaminação, deve-se também con- siderar que os materiais obturadores sejam biocompatíveis e não irritem o periápice, evitando-se, assim, uma resposta inflamatória a substâncias liberadas ou em contato direto com o conjuntivo periapical. Está bem estabelecido que os materiais obturadores têm propriedades variáveis quanto à sua agressividade ao tecido conjuntivo, e muitos são os estudos de biocom- Estudos comparativos entre cimentos endodônticos mostraram que a reação inflamatória foi mais evidente quando houve extravasamento do material para o periápice. Entretanto, como os materiais usados atualmente têm boa compatibili- dade tecidual e em grande parte são o ponto fundamental para o su- cesso do tratamento continua sendo a eliminação das bactérias. Com o uso de técnica adequada e uma obturação bem-feita, os materiais obturadores não interferirão de forma significativa no restabelecimento da normalidade morfológica e funcional do periápice. Sempre é desejável a ausência de substâncias estranhas no organismo e aqui se inclui o periápice, mas isso não significa que de material obturador no periápice devam necessariamente ser Pode-se optar por uma obturação que mantenha o material obturador intracanal ou que envolva extravasamento para o periápice. Outra vez, o mais importante é que o canal radicular esteja bem obturado e que as bactérias tenham sido o amálgama é utilizado para ilustrar alguns pontos, embora ele seja usado ape- nas em algumas intervenções relativamente comum a mucosa bu- cal estar impregnada por particulas de amálgama o que se chama de "tatuagem por Se o diagnóstico clínico for correto e o paciente preferir, não há ne- cessidade de remoção cirúrgica, pois não lhe causará nenhuma situação clínica im- portante. paciente apenas continuará a ter uma pequena mancha escura na boca,</p><p>36 Francisco José de Souza Filho (Organizador) que mesmo esteticamente, na maioria das vezes, não é relevante. Se a tatuagem por amálgama for removida e examinada microscopicamente, os aspectos serão variados, dependendo da quantidade, do tamanho e da qualidade das particulas de Na maioria das vezes, são vistas apenas pequenas impregnando fibrilas de colágeno, associadas a mínimas quantidades de células No outro extremo, em poucos casos, quando as de são grandes e irregulares, pode-se observar uma reação inflamatória a corpo estranho, com presença de alguns macrófagos multinucleados. Mesmo nesses casos, se o mate- rial não for removido cirurgicamente, não haverá consequências clínicas importan- tes. Situação similar ocorre com a eventual presença de partículas de amálgama no periápice, ou seja, materiais obturadores com melhor compatibilidade que o amálga- ma e que são pelo organismo não causam interferências importantes no restabelecimento da morfologia e fisiologia periapical. REFERÊNCIAS Gomes Filho IE. BP. Ferraz Souza Filho 2. Bernath M. Tissue reaction initiated by different sea- Evaluation of the biocompatibility of root canal sealers using Int J. subcutaneous implants. Appl Oral Sci. LEITURAS RECOMENDADAS Consolaro A. Inflamação e reparação. Maringá: Maringá Dental Nair Apical periodontitis: a dynamic encounter between Press: 2009. root canal infection and host response. Periodontol 2000. Grzesilk Narayanan Cementum and periodontal wound healing and regeneration. Crit Rev Oral Biol Med. Nair PNR. Pathogenesis of apical periodontitis and the causes of endodontic Crit Rev Oral Biol Med. 2004;15:348-81. Lin Ricucci D. Lin Rosenberg Nonsurgical root canal Ricucci D. Lin Spanberg L. Wound healing of apical tissues of therapy of large cyst-like inflammatory periapical lesions and ter root canal therapy: a long-term clinical, radiographic, and inflammatory apical Endond histopathologic observation study. Oral Surg Oral Med Oral Majno G. Joris tissues and disease: principles of general Pathol Oral Radiol Hoboken Blackwell Science:</p><p>PARTE II FUNDAMENTAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS CLÍNICOS</p><p>Esta página foi deixada em branco intencionalmente.</p><p>4 Anamnese EDUARDO DIAS DE ANDRADE CONSIDERAÇÕES GERAIS A anamnese (do grego = trazer de novo e mnesis = memória) é um pré-requisito básico da consulta inicial por parte do É quando são obtidas informa- ções úteis que servirão não somente para o diagnóstico, mas também para se estabe- lecer o perfil geral de saúde do paciente. Quando houver relato de alguma intercorrência desagradável, ocorrida em trata- mentos odontológicos anteriores, o problema deve ser cuidadosamente investigado. Da mesma forma, indivíduos portadores de doenças sistêmicas devem ser questiona- dos sobre o controle atual da doença e complicações recentes, como abordado mais adiante neste mesmo capítulo. Na maioria das vezes, tais sujeitos utilizam medica- mentos de uso contínuo, alguns deles com potencial de interagir com outros cos comumente empregados na odontológica, o que pode provocar reações indesejáveis. Na anamnese também se identificam pacientes com história de alergia a mate- riais ou substâncias com potencial alergênico, empregadas rotineiramente em Endo- dontia (p. ex., amido de milho modificado, hipoclorito de sódio, etc.), evitan- do-se a exposição a esses processo de anamnese, aliado ao exame físico extrabucal e à avaliação dos sinais (pulso, pressão arterial sanguínea, frequência respiratória e temperatura), pode ser con- com a classificação do paciente de acordo com seu estado físico ou categorias de risco médico. Para isso, a American Society of Anesthesiologists emprega, já há algum tempo, um sistema de classificação de pacientes com base no estado físico, no qual são distri- buídos em seis categorias, denominadas de ASA a ASA</p><p>40 Francisco José de Souza Filho (Organizador) Em 2008 foi proposta uma adaptação desse sistema ASA para a prática perio- dontal, não com o objetivo de refletir a natureza de um procedimento cirúrgico ou mesmo de avaliar o risco operatório. No entanto, os proponentes acreditam que esse sistema pode mostrar se existe maior ou menor risco médico de um paciente em função da anestesia local e da extensão do trauma Tal classificação tal- vez possa ser extrapolada para a Endodontia e outras especialidades da Odontologia, principalmente nos casos em que o paciente apresenta um problema ou doença de forma isolada (Quadro 4.1). Na presença de múltiplas alterações o cirurgião-dentista deve avaliar o significado e o peso de cada uma para então enquadrar o paciente na categoria ASA Quando for incapaz de determinar o risco clínico de uma ou mais doenças ou complicações, é recomendável entrar em contato com o médico que tra- ta do paciente para uma simples troca de informações e discussão sobre possíveis recomendações adicionais para o atendimento odontológico. Entretanto, a decisão final de iniciar o tratamento odontológico ou postergá-lo é de responsabilidade do pois é quem irá realizar o procedimento. Quadro 4.1 Classificação dos pacientes em função do estado físico, com as devidas adaptações para a clínica odontológica Categoria Descrição do perfil ASA Pacientes saudáveis que, de acordo com a história médica, não apresentam nenhuma Mostram pouca ou nenhuma ansiedade, sendo capazes de tolerar muito bem o estresse ao tratamento dental, com risco mínimo de complicações (desta categoria são pacientes muitos jovens ou muito idosos). ASA Pacientes portadores de doença sistêmica moderada ou que apresentam menor tolerância que os pa- cientes ASA São enquadrados nesta categoria: Pacientes extremamente ansiosos, com história de episódios de mal-estar ou desmaio (sincope) na clini- ca Portadores de hipertensão arterial controlada com medicação. Diabéticos tipo controlados com dieta ou Portadores de distúrbios convulsivos, Asmáticos, que ocasionalmente usam broncodilatador em Pacientes com angina assintomática, exceto em extremas condições de estresse. Pacientes com história de infarto do miocárdio, ocorrido há mais de seis meses, sem apresentar sinto- Tais pacientes podem exigir certas modificações no plano de tratamento, de acordo com cada caso particu- lar (p. ex., troca de informações com o médico, menor duração das sessões de atendimento, to na cadeira protocolo de sedação, etc.). Apesar da necessidade de certas precauções, os pacientes ASA apresentam risco mínimo para complicações durante o atendimento. ASA III Pacientes portadores de doença sistêmica grave, com limitação de suas atividades. Antes de iniciar o tratamento, é a troca de informações com o médico que trata desses pacientes. Os procedi- mentos eletivos não estão contraindicados, embora tais pacientes representem um maior risco durante o São exemplos de ASA Diabéticos tipo com a doença Portadores de hipertensão arterial na faixa de 160 a 194 e 95 a 99 Pacientes com história de episódios frequentes de angina de peito, com sintomas após exercícios leves. Portadores de insuficiência congestiva, com edema de Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (p. enfisema). Pacientes com episódios frequentes de convulsão ou crise Pacientes sob</p><p>Endodontia passo a passo 41 Quadro 4.1 Classificação dos pacientes em função do estado físico, com as devidas adaptações para a clínica odontológica (Continuação) Categoria Descrição do perfil Pacientes com história de infarto do miocárdio, ocorrido há mais de seis meses, mas ainda com sintomas ex., angina ou falta de ar). ASA Pacientes acometidos de doença sistêmica grave, que estão sob constante risco de morte, ou seja, apre- sentam problemas médicos de grande importância para o planejamento do tratamento odontológico. Quando os procedimentos dentais eletivos devem ser postergados até que a condição médica dos pacientes permita enquadrá-los na categoria ASA III. As urgências como dor e infecção, devem ser tratadas da maneira mais conservadora que a situação permita. Quando houver indicação quivoca de uma exodontia ou pulpectomia, a intervenção deve ser efetuada em ambiente hospitalar, que dispõe de unidade de emergência e supervisão médica adequada *São enquadrados na categoria ASA pacientes com dor no peito ou falta de ar, quando estão sentados, sem atividade; incapa- zes de andar ou subir escadas ou que acordam durante a noite com dor no peito ou falta de história de infarto do miocárdio ou acidente vascular no período dos últimos seis meses, com pressão arterial maior que 200/100 pacientes que necessitam da administração suplementar de oxigênio de forma Apenas a título de curiosidade, na categoria ASA são classificados os pacientes em fase terminal, cuja expectativa de vida não é maior do que 24 horas. Procedimentos odontológicos eletivos estão contraindicados e as urgências podem receber tratamento paliativo, como no caso de dor Por fim, segundo a American Society of Anesthesiologists, na categoria ASA VI são enquadrados os pacientes com morte cerebral declarada, cujos órgãos serão removidos com propósito de doação. Modificado de Maloney & ANAMNESE DIRIGIDA Na consulta inicial, quando o paciente relata alguma doença de ordem sistêmica, a anamnese deve ser dirigida ao problema, por meio de ao menos quatro perguntas 1. Como está o controle atual da sua doença? Por meio dessa pergunta se obtêm informações sobre a adesão do paciente ao trata- mento, mostrando se tem obedecido às recomendações médicas e comparecido regu- larmente às consultas de retorno. 2. Você faz uso diário de algum medicamento? objetivo dessa questão é saber se o paciente faz uso de medicação de forma con- e especificar quais são esses medicamentos, para se evitar interações adversas com fármacos empregados na clínica Como exemplo, o propranolol (empregado no controle da pressão arterial san- guínea) pode interagir com a epinefrina (contida nas soluções anestésicas), podendo causar um aumento brusco da pressão arterial em caso de superdosagem da solução anestésica. Da mesma forma, deve-se evitar a prescrição de paracetamol e de alguns anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) para pacientes fazendo uso contínuo de varfarina, anticoagulante empregado na prevenção de fenômenos pelo risco de aumentar a atividade da varfarina e predispor à hemorragia.</p><p>42 Francisco José de Souza Filho (Organizador) 3. Você passou por alguma complicação recente? Talvez essa seja a mais importante das quatro perguntas. Na anamnese de um pa- ciente que relata história de distúrbios convulsivos, é preciso saber quando ocorreu a última crise, pois um episódio recente de convulsão pode indicar falta de controle da doença. Num outro exemplo, pacientes acometidos de infarto do miocárdio devem ser investigados quanto à ocorrência recente ou repetitiva de dores no peito, que po- dem caracterizar uma nova obstrução das artérias 4. Você tomou sua medicação hoje? Não é raro um paciente hipertenso ou diabético deixar de tomar sua medicação res- pectiva para o controle da pressão arterial ou da glicemia por ocasião das consultas Portanto, tal pergunta deve ser considerada em toda sessão de atendi- mento e não somente por ocasião da consulta inicial. REFERÊNCIAS 1. Jolly DE Evaluation of the medical Anesth Prog. 5. Maloney WJ. Weinberg MA Implementation of the rican Society of Anesthesiologists Physical status clas- 2. Andrade ED. Ranali 1. Volpato MC, Oliveira MM. Allergic reac- sification system in periodontal practice. 1 tion after rubber dam 2000; 3. Hamann Rodgers Sullivan K. Management of den- 6. Andrade ED, Ranali Emergências médicas em tal patients with allergies to natural rubber Gen 3. ed São Paulo: Artes 2011. p. 29-30. 2002;50(6):526-36. 7. Andrade ED. medicamentosa em 3. 4. Mc Carthyy FM. Vital the six-minute warnings Am São Paulo: Artes p. Dent Assoc. 1980;100(5):682-91.</p><p>5 Diagnóstico em endodontia LUIZ VALDRIGHI E FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA FILHO CONSIDERAÇÕES GERAIS assunto diagnóstico é vasto, por vezes um verdadeiro desafio, pois o domínio de suas variáveis requer do profissional enorme dedicação. Qualquer procedimento cli- nico, por mais simples que seja, deve ser fundamentado por critérios amplamente amparados pelo conhecimento Este capítulo descreve, de forma breve, um protocolo de diagnóstico, direcionado especificamente à Endodontia e suas reper- cussões clínicas. Os procedimentos semiológicos e o exame clínico são concentrados objetivamente no dente, basicamente pela avaliação do histórico e pela aplicação dos testes de estimulação e respostas. Embora excluídas deste capítulo, vale destacar a im- portância da avaliação integral do sistema mastigatório, bem como a investigação de condições sistêmicas primárias. A identificação de alguma dessas condições implica a tomada dos cuidados pertinentes. Se necessário, o paciente deve obter a devida autorização médica previamente aos procedimentos odontológicos. DIAGNÓSTICO DENTAL Para o diagnóstico dental de interesse aos tratamentos endodônticos, é imprescindi- vel adotar uma abordagem sistemática e empregar métodos semiológicos direciona- dos à avaliação das condições periodontais, pulpares, periapicais e do próprio dente. idealmente sustentado por uma visão integrada da restauração dentária posterior ao tratamento do canal radicular, deve projetar o valor estratégico do den- te, considerar riscos e benefícios em sua manutenção e decidir pela alternativa mais apropriada para cada Esse processo é realizado pelos seguintes meios: História da dor (anamnese) Exame clínico Exames</p><p>44 Francisco José de Souza Filho (Organizador) HISTÓRIA DA DOR A história da dor caracteriza um dos aspectos mais importantes da formatação do diagnóstico. A empatia do profissional, a condução de uma entrevista bem-elaborada e a atenção em ouvir as respostas do paciente são passos fundamentais do processo inicial da anamnese. direcionamento da entrevista parte sempre da mais objetiva das perguntas: o relato da queixa principal ou a principal motivação da procura da atenção profissional. Na Endodontia, os pacientes, em geral, apresentam a dor como a principal razão para a consulta. Dessa forma, uma abordagem clínica utiliza perguntas básicas e tem por obje- tivo incluir ou excluir as dores de origem dental. Pode-se confundir principalmente as pulpites com outras dores faciais, como neuralgias e algumas cefaleias primárias. As odontalgias seguem um curso inflamatório, podendo ser latejantes, em pon- tadas ou em choque, provocadas ou têm um quadro progressivo e em sua maioria absoluta são de natureza aguda. A dor da neuralgia do meo é em choque, paroxística, de duração e normalmente provocada por toque em uma zona-gatilho que pode ser na pele, na mucosa e até no próprio dente. Como a dor é, principalmente, subjetiva, o diagnóstico depende da capacidade do cirurgião-dentista de interpretar a descrição feita pelo paciente e suas reações me- diante a aplicação de testes. As questões básicas mais importantes são: Está com dor no momento? A resposta positiva caracteriza a necessidade de atendimento de urgência. Consegue descrever o tipo de dor? Dor provocada Quando provocada por estímulo térmico (gelo, jato de ar, doce), indica que a origem é pulpar. Quando provocada por percussão com a ponta dos dedos ou cabo do espe- lho, indica que a origem é periapical ou periodontal. Quando provocada pela palpação no fundo de sulco, indica a presença de abscesso. Dor A dor espontânea, continua ou ocasional, não associada à dor pela percussão, indica alteração pulpar irreversível (pulpite irreversível). A dor espontânea moderada associada à dor intensa pela percussão indica pericementite (em geral associada à necrose pulpar). A dor espontânea e severa associada à dor intensa pela percussão indica presença de abscesso (necrose pulpar). Consegue identificar o local da dor?</p><p>Endodontia passo a passo 45 Dor localizada: o paciente consegue indicar o local da dor no dente ou na mucosa (fundo de sulco). Dor difusa ou irradiada: se a dor é difusa ou irradiada, é necessário investigar sua origem: - A dor espontânea difusa com sensação de peso nos seios da face e dores de cabeça na região frontal sugerem sinusite. A dor espontânea irradiada com sensação de choques ou queimação na face sugere problemas associados com neuralgia ou herpes-zóster. A dor pode ser de origem dental (pulpite irreversível), ainda não localizada, exigindo sua confirmação por meio de testes e exames radiográficos. A anestesia local é extremamente útil para o alívio da dor e serve como teste terapêutico para identificar a fonte. Está tomando algum medicamento para o problema atual? Analgésico Quem prescreveu? Há quanto tempo está tomando? analgésico consegue controlar a dor? Avaliar a necessidade de suspender, alterar ou continuar a medicação. Antibiótico Quem prescreveu? Há quanto tempo está tomando? Avaliar a necessidade de suspender, alterar ou continuar a medicação. Outros medicamentos Já passou por algum tipo de atendimento? Verificar qual foi o procedimento realizado e se o problema foi resolvido par- cialmente. Verificar se houve, no procedimento realizado, algum tipo de iatrogenia (p. ex., perfurações, fratura de instrumento, entre outros). Tem algum problema de saúde? Fazer a anamnese para saber do estado geral de saúde do paciente e a de ou não de interagir com seu médico. Está tomando algum medicamento para problemas sistêmicos? Verificar se os medicamentos utilizados pelo paciente podem interagir com ou- tros a serem usados para o problema atual. Os antibióticos não devem ser utilizados Os antibióticos no trata- mento de abscessos de origem dental só devem ser usados para dar suporte e proteção mica em conjunto com o tratamento cirúrgico, que é a drenagem do abscesso. antibiótico não substitui a drenagem cirúrgica.</p><p>46 Francisco José de Souza Filho (Organizador) EXAME CLÍNICO exame clínico, considerado um dos momentos mais determinantes de todo o pro- cesso diagnóstico, exige dos profissionais uma significativa atenção no sentido de realizar um cuidadoso sequenciamento dos procedimentos e uma interpretação se- gura dos sinais e A experiência se adquire com o número de casos atendi- dos no decorrer do tempo. Diagnóstico pulpar Historicamente, uma série de testes foi preconizada para identificar a vitalidade ou não dos dentes, entre os quais podem ser citados os testes elétricos, de cavidade e até da anestesia. Contudo, com o passar do tempo, os testes que sobreviveram foram os térmicos (calor e frio) aplicados na superfície vestibular dos dentes, sem o contato com a gengiva, ressaltando que, entre eles, o teste pelo frio (Figuras 5.1 e 5.2) tem merecido a preferência, por conta de sua praticidade (gelo ou spray congelante). FIGURA 5.1 FIGURA 5.2 Aplicação do teste de vitalidade pulpar com a bolinha Aplicação do teste térmico na face vestibular do den- de algodão embebida com spray de (gelo) na su- te 11. perfície vestibular do dente. Dor ou sensibilidade? Para evitar dúvidas na interpretação, é necessário observar a reação do paciente à aplicação dos testes de vitalidade pulpar e de percussão, e não suas respostas Teste de vitalidade com spray congelante (gelo seco) A aplicação do spray congelante em uma bolinha de algodão na superficie vestibular do dente estimula respostas: Polpa normal - provoca dor (resposta positiva) que desaparece imediatamente com a remoção do estímulo. Pulpite reversível - provoca dor exacerbada (resposta positiva) que desaparece imediatamente com a remoção do Pulpite irreversível - provoca dor (exacerbada ou não) que persiste por alguns se- gundos após a remoção do estímulo.</p><p>Endodontia passo a passo 47 Necrose pulpar não provoca dor (resposta negativa), mas pode haver uma ma sensibilidade à percussão. Com vistas a uma melhor interpretação, os testes devem ser feitos nos dentes análogos para efeito A intensidade da resposta é que define o grau de inflamação. A ausência de resposta ao teste térmico indica necrose pulpar; no entanto, os procedimentos clínicos devem ser feitos com anestesia local, pois no terço apical ainda podem existir terminações nervosas viáveis, uma vez que são as últimas estruturas a serem degeneradas no processo de necrose. Diagnóstico periapical A avaliação da dor e de sua intensidade tem um caráter subjetivo. Esperar uma res- posta verbal do paciente para definir a intensidade da dor pode gerar erros de inter- pretação, pois envolve diversos fatores, entre eles o diferente limiar de dor de cada indivíduo. Teste de percussão o teste de percussão pode ser feito, inicialmente, com a ponta do dedo indicador ou com o cabo do espelho clínico e serve para definir as alterações inflamatórias, agudas ou crônicas, presentes no ligamento periodontal. Nos processos inflamatórios agudos (abscesso apical ou pericementite), o paciente reage ao teste de percussão vertical ou horizontal afastando a cabeça devido à in- tensidade da dor. Nos processos inflamatórios crônicos (granulomas, cistos ou inflamação periodon- tal), o paciente não reage ao teste de percussão horizontal ou vertical; apenas res- ponde que apresenta maior sensibilidade no dente. Teste de palpação no fundo de sulco A Figura 5.3 ilustra o teste de palpação no fundo de sulco, em que se pode diagnosti- car abscesso subperiosteal. FIGURA 5.3 Teste de palpação no fundo de sulco para diagnóstico de abscesso</p><p>48 Francisco José de Souza Filho (Organizador) Diagnóstico diferencial entre abscesso periapical e pericementite diagnóstico diferencial dos processos agudos periapicais (pericementite e absces- so) em sua fase inicial muitas vezes confunde o clínico, uma vez que os sintomas são quase os mesmos -dor pelo teste de percussão, aumento da mobilidade do dente, dor ao mastigar - e principalmente porque, na fase inicial do abscesso, em geral não existem sinais clássicos de tumefações, edema ou celulite. Portanto, para definir o diagnóstico entre pericementite e abscesso, é preciso ava- liar, sobretudo, a intensidade da dor, como descrito a seguir: Na pericementite: a dor é suportável e diminui com o ajuste oclusal e com o uso de analgésicos; a dor só é severa com a oclusão ou mastigação; não há dor à palpação nas proximidades do ápice dental. No abscesso: a dor é espontânea, severa, contínua, pulsátil e ainda aumenta com a oclusão ou mastigação; a dor não cessa com analgésicos; existe dor à palpação no fundo de sulco quando a localização da coleção puru- lenta estiver na região subperiosteal ou submucosa; no abscesso intraósseo não há dor à palpação no fundo de sulco, uma vez que a coleção purulenta está localizada no interior do osso alveolar. Prevalece nesses casos a dor espontânea e severa. EXAME CLÍNICO INTRAORAL Abscesso submucoso (Figura 5.4) FIGURA 5.4 o aumento de volume no fundo de sulco vesti- bular caracteriza a presença de pus sob a mu- cosa dessa área.</p><p>Endodontia passo a passo 49 Abscesso periodontal (Figura 5.5) FIGURA 5.5 A sondagem confirma a presença de bolsa pe- riodontal e abscesso periodontal na região. (Figuras 5.6 e 5.7) A FIGURA 5.6 A FIGURA 5.7 Fistula associada a infecção do segundo pré- Rastreamento da com cone de guta- -molar superior. -percha. EXAME CLÍNICO EXTRAORAL Abscesso extraoral submandibular (Figura 5.8) FIGURA 5.8 o aumento de volume na região submandibu- lar indica a localização extraoral do abscesso de origem dental. Note a área avermelhada indicando que a coleção purulenta encontra-se localizada na região</p><p>50 Francisco José de Souza Filho (Organizador) Abscesso subperiosteal e celulite (Figura 5.9) FIGURA 5.9 A celulite no lábio superior decorrente de ne- crose pulpar e abscesso no dente 21 indica a necessidade de intervenção imediata para drenagem da coleção purulenta. o edema (ce- lulite) é o sinal indicativo da patogenicidade dos microrganismos envolvidos e da reação do organismo na tentativa de impedir a dissemi- nação do processo infeccioso. EXAME RADIOGRÁFICO Em Endodontia, as imagens radiográficas dos dentes e tecidos de suporte são funda- mentais para as decisões e avaliações nas fases pré, trans e pós-tratamento, incluindo o acompanhamento, as avaliações de resultados e a proservação a longo prazo. As radiografias periapicais iniciais são utilizadas para complementar informações associa- das à anatomia dentoalveolar do dente a ser tratado. As imagens informam o comprimento aparente do dente (CAD), a localização e posição do dente no arco, a adapta- ção e o contorno de restaurações, a presença e localização de cáries e sua relativa profundi- dade com a câmara pulpar, o grau de curvatura da raiz, a presença e localização de corpos estranhos no canal radicular, as reabsorções radiculares, o grau de calcificação dos canais, as variações anatômicas, a presença e o tamanho das lesões periapicais e as condições pe- Roteiro para interpretação das imagens radiográficas 1. Observar se a coroa dental está destruída ou restaurada. 2. Verificar se a câmara pulpar é ampla ou atrésica ou se contém ou não nódulos pulpares. 3. Examinar as entradas dos canais radiculares para verificar se estão ou obstruídas por calcificações. 4. Observar o local da curvatura radicular (terço cervical, médio ou apical). 5. Observar a primeira curvatura do canal, no terço cervical, para verificar se é acentuada ou suave. 6. Considerar o grau de curvatura radicular (moderado ou severo). 7. Analisar o grau de amplitude dos canais radiculares (amplos, atrésicos ou calci- ficados).</p>