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<p>Título Original: The Marvelous Land of Oz</p><p>Copyright da tradução © 2014 Carol Chiovatto</p><p>Autor</p><p>L. Frank Baum</p><p>Editor-chefe</p><p>Tomaz Adour</p><p>Tradução e notas</p><p>Carol Chiovatto</p><p>Preparação de texto</p><p>Bruno Anselmi Matangrano</p><p>Revisão</p><p>Tomaz Adour</p><p>Diagramação</p><p>Marcelo Amado/Página 42</p><p>Ilustrações e capa</p><p>Dandi</p><p>Textos de orelha e quarta capa</p><p>Bruno Anselmi Matangrano</p><p>Posfácio</p><p>Ana Lúcia Merege</p><p>Apresentação da coleção</p><p>Annie Gisele Fernandes e</p><p>Bruno Anselmi Matangrano</p><p>Conselho Editorial</p><p>Álvaro Faleiros (USP), Ana Maria Domingues (UNESP/Assis), Andrea</p><p>Albuquerque da Camara (UFRJ), Ida Alves (UFF), Jane Tutikian (UFRS),</p><p>João Ângelo de Oliva Neto (USP), José Nicolau Gregorin (USP), Lênia</p><p>Márcia Mongelli (USP), Marcelo Jacques de Moraes (UFRJ), Marcio</p><p>Muniz (UFBA), Maria de Jesus Reis Cabral (Univ. de Coimbra), Pedro</p><p>Marcelo Pasche de Campos (UERJ), Rosa Maria Martelo (Univ. do Porto).</p><p>B347m Baum, L. Frank (Lyman Frank), 1856-1919</p><p>A maravilhosa terra de Oz / L. Frank Baum; tradução de</p><p>Carol Chiovatto; posfácio de Ana Lúcia Merege. – Rio de Janeiro:</p><p>Vermelho Marinho, 2014.</p><p>236 p. – (Mundo de Oz, v. 2)</p><p>ISBN: 978-85-8265-020-2</p><p>1. Ficção norte-americana. 2. Literatura infanto-juvenil. I. Chiovatto,</p><p>Carol. II. Merege, Ana Lúcia. III. Título. IV. Série.</p><p>CDD-813</p><p>Índice para catálogo sistemático:</p><p>1. Romance: Literatura Norte-Americana</p><p>EDITORA VERMELHO MARINHO</p><p>Rua Visconde de Silva, 60/casa 102,</p><p>Botafogo, Rio de Janeiro/RJ, 22.271-092.</p><p>Série Mundo de Oz</p><p>A Maravilhosa Terra de Oz</p><p>Nota do autor</p><p>1 - Tip faz uma cabeça de abóbora</p><p>2 - O maravilhoso pó da vida</p><p>3 - A fuga dos prisioneiros</p><p>4 - Tip faz um experimento de magia</p><p>5 - O despertar do Cavalete</p><p>6 - A cavalgada de Jack Cabeça de Abóbora à Cidade das Esmeraldas</p><p>7 - Sua Majestade, o Espantalho</p><p>8 - O exército rebelde de General Jinjur</p><p>9 - O Espantalho planeja uma fuga</p><p>10 - A jornada até o Homem de Lata</p><p>11 - Um imperador folheado a níquel</p><p>12 - O Sr. A.E. Zógol Besouro M.I.</p><p>13 - Uma história altamente engrandecida</p><p>14 - A Velha Mombi entra-se à bruxaria</p><p>15 - Os prisioneiros da Rainha</p><p>16 - O Espantalho toma um tempo para pensar</p><p>17 - O Espantoso voo do Gumpo</p><p>18 - No ninho das gralhas</p><p>19 - As famosas pílulas dos desejos do Dr. Nikidik</p><p>20 - O Espantalho recorre a Glinda, a Boa</p><p>21 - O Homem de Lata colhe uma rosa</p><p>22 - A transformação da Velha Mombi</p><p>23 - Princesa Ozma de Oz</p><p>24 - As riquezas de conteúdo</p><p>Nota da tradutora</p><p>Posfácio</p><p>Bibliografia consultada</p><p>A Maravilhosa Terra de Oz é o segundo livro da série Mundo de Oz,</p><p>composta pelos catorze livros de L. Frank Baum, publicados entre</p><p>1900 e 1920, que contam a célebre história de Dorothy Gale e seus</p><p>amigos na fantástica Terra de Oz.</p><p>A série faz parte da coleção O Melhor de Cada Tempo, dirigida por</p><p>Annie Gisele Fernandes e Bruno Anselmi Matangrano, que tem por objetivo</p><p>trazer para o público brasileiro grandes obras da literatura mundial, não</p><p>apenas títulos já consagrados e largamente traduzidos como o primeiro livro</p><p>da série de Frank Baum, mas também grandes livros que por algum motivo</p><p>foram esquecidos pelo tempo, pela crítica ou pelo público, como o próprio A</p><p>Maravilhosa Terra de Oz.</p><p>Nesse sentido as aventuras de Tip, do Espantalho, e dos outros</p><p>personagens de Oz se destacam, pois a despeito da popularidade do primeiro</p><p>livro, adaptado não poucas vezes para o cinema e para o teatro, os demais</p><p>títulos são ainda muito pouco conhecidos.</p><p>A série Mundo de Oz espera, assim, trazer pela primeira vez para o leitor</p><p>brasileiro os catorze livros origi-nais de L. Frank Baum, cuidadosamente</p><p>traduzidos por Carol Chiovatto, em edições ricamente ilustradas.</p><p>É um relato das aventuras posteriores do Espantalho e do</p><p>Homem de Lata, e também das estranhas experiências do</p><p>Altamente Engrandecido Zógol Besouro, de Jack Cabeça de</p><p>Abóbora, do Cavalete Animado e do Gumpo.</p><p>L. Frank Baum</p><p>D epois da publicação de O Maravilhoso Mágico de Oz, comecei a</p><p>receber cartas de crianças contando de seu prazer em ler a história</p><p>e me pedindo para “escrever algo mais” sobre o Espantalho e sobre</p><p>o Homem de Lata. No começo, considerei essas cartinhas, apesar de francas</p><p>e sérias, como pequenos elogios, mas elas continuaram chegando durante os</p><p>meses, e até anos seguintes.</p><p>Finalmente prometi a uma menininha, que realizou uma longa viagem</p><p>para me ver e fazer seu pedido – e ela é uma “Dorothy”, aliás –, que quando</p><p>mil menininhas tivessem me escrito mil cartinhas pedindo mais do</p><p>Espantalho e do Homem de lata, eu escreveria o livro. Ou a pequena</p><p>Dorothy era uma fada disfarçada, e usou sua varinha, ou o sucesso da</p><p>produção teatral de O Mágico de Oz trouxe novos amigos à história, pois as</p><p>mil cartas chegaram a seu destino logo depois – e muitas mais as seguiram.</p><p>E agora, embora sendo culpado da grande demora, cumpri minha</p><p>promessa neste livro.</p><p>L. Frank Baum</p><p>Chicago, junho de 1904.</p><p>Àqueles excelentes bons camaradas e comediantes David C.</p><p>Montgomery e Frank A. Stone, cujas talentosas personificações do Homem</p><p>de Lata e do Espantalho divertiram milhares de crianças pelo país, este</p><p>livro é gratamente dedicado pelo autor.</p><p>N a província dos Gillikins, que fica ao norte da Terra de Oz, vivia um</p><p>jovem chamado NTip. Seu nome não era apenas isso, pois a velha</p><p>Mombi frequentemente declarava que seu nome inteiro era</p><p>Tippetarius, mas não se esperava que ninguém dissesse uma palavra tão</p><p>grande quando “Tip” já era o suficiente.</p><p>O rapaz não lembrava nada de seus pais, pois fora trazido muito novo</p><p>para ser criado por uma senhora idosa conhecida como Mombi, cuja</p><p>reputação, sinto dizer, não era das melhores. O povo Gillikin tinha motivos</p><p>para suspeitar que ela se utilizasse de artes mágicas, e, portanto, hesitavam</p><p>em andar em sua companhia.</p><p>Mombi não era exatamente uma Bruxa, porque a Bruxa Boa que</p><p>governava aquela parte da Terra de Oz proibira a existência de qualquer</p><p>outra Bruxa em seus domínios. Por isso a guardiã de Tip, ainda que</p><p>quisesse muito trabalhar sua mágica, entendeu que era ilegal ser mais do</p><p>que uma Feiticeira, ou no máximo uma Maga.</p><p>Tip era forçado a carregar madeira da floresta para que a velha pudesse</p><p>ferver seu caldeirão. Também trabalhava nos milharais, carpindo e</p><p>lavrando, alimentava aos porcos e ordenhava a vaca de quatro chifres que</p><p>era o grande orgulho de Mombi.</p><p>Mas não suponha que ele trabalhava o tempo inteiro, pois sentia que isso</p><p>seria ruim para si mesmo. Quando mandado à floresta, Tip frequentemente</p><p>subia em árvores para pegar os ovos dos pássaros, ou se divertia</p><p>perseguindo coelhos brancos que corriam velozmente, ou ainda pescando</p><p>nos riachos com alfinetes curvados. Então, ele pegava apressadamente uma</p><p>braçada de madeira e a levava para casa. E quando devia estar trabalhando</p><p>nos milharais, e as espigas altas o escon-diam da visão de Mombi, Tip</p><p>costumava cavar buracos de toupeira, ou, se desse na telha, deitava de</p><p>costas entre duas fileiras de milho e tirava uma soneca. Dessa forma,</p><p>tomando cuidado para não exaurir suas forças, ele ficou tão forte quanto um</p><p>garoto poderia ser.</p><p>A curiosa magia de Mombi assustava seus vizinhos, e eles a tratavam</p><p>com timidez e com respeito, por causa de seus poderes esquisitos. Tip,</p><p>entretanto, odiava-a sinceramente, e não se preocupava em esconder seus</p><p>sentimentos. Na verdade, às vezes, demons-trava menos respeito à velha do</p><p>que deveria, considerando que ela era sua guardiã.</p><p>Havia abóboras nos milharais de Mombi, de um tom vermelho dourado</p><p>entre fileiras de espigas verdes, tendo sido plantadas e cuidadosamente</p><p>tratadas, para que a vaca de quatro chifres pudesse comê-las no inverno.</p><p>Um dia, contudo, depois que todo o milho fora cortado e estocado, e Tip</p><p>levava as abóboras para o estábulo, pensou em fazer uma Cabeça de</p><p>Abóbora e dar um susto na velha com ela.</p><p>Assim, escolheu uma abóbora boa e grande – com uma cor vermelho-</p><p>alaranjada lustrosa – e começou a entalhá-la. Usando a ponta de sua faca,</p><p>fez dois olhos redondos, um nariz triangular, considerado bem bonito, mas a</p><p>abóbora trazia um sorriso tão largo e tinha uma expressão tão alegre, que</p><p>Tip até riu enquanto olhava admirado para seu trabalho.</p><p>ouvi algo assim em toda a minha vida.</p><p>– Mesmo assim você deve se render! – exclamou a General Jinjur,</p><p>batendo o pé impacientemente. – Nós pretendemos conquistar a Cidade das</p><p>Esmeraldas.</p><p>– Oh, céus! – tornou o Guardião dos Portões, surpreso. – Que ideia mais</p><p>sem sentido! Voltem para casa, para suas mães, minhas boas moças,</p><p>ordenhem as vacas e assem o pão. Vocês não sabem que é perigoso</p><p>conquistar uma cidade?</p><p>– Nós não temos medo! – respondeu a General, e ela parecia tão</p><p>determinada que deixou o Guardião inquieto.</p><p>Ele tocou o sino para chamar o Soldado de Bigodes Verdes, e no minuto</p><p>seguinte arrependeu-se, pois imediatamente foi cercado por uma multidão</p><p>de garotas que sacaram as agulhas de tricô de seus cabelos e começaram a</p><p>espetá-las no Guardião com suas pontas afiadas perigosamente perto de</p><p>suas bochechas gordas e de seus olhos piscantes.</p><p>O pobre homem uivou alto pedindo misericórdia e não impôs resistência</p><p>quando Jinjur pegou o molho de chaves de seu pescoço.</p><p>Seguida por seu Exército, a General apressou-se na direção do portão,</p><p>onde foi confrontada pelo Exército Real de Oz – cujo outro nome era</p><p>Soldado de Bigodes Verdes.</p><p>– Auto! – ele bradou, apontando sua comprida arma para o rosto da líder.</p><p>Algumas garotas gritaram e retrocederam, mas a General Jinjur</p><p>bravamente resistiu e disse, em um tom reprovador:</p><p>– E agora? Você atiraria em uma pobre moça indefesa?</p><p>– Não – respondeu o soldado. – Minha arma não está carregada.</p><p>– Não?</p><p>– Não, por medo de acidentes. E me esqueci onde escondi a pólvora e a</p><p>munição para carregá-la. Mas se você esperar um pouquinho, eu posso</p><p>tentar achá-las.</p><p>– Não se incomode – replicou Jinjur alegremente. Então se virou para</p><p>seu Exército e gritou: – A arma não está carregada!</p><p>– Urra! – guincharam as rebeldes contentes por aquela boa notícia, e</p><p>apressaram-se em investir contra o Soldado de Bigodes Verdes em tal</p><p>aglomeração que era admirável elas não espetarem as agulhas de tricô umas</p><p>nas outras.</p><p>Entretanto, o Exército Real de Oz tinha muito medo de mulheres para</p><p>enfrentar o ataque. Ele simplesmente virou-se e correu com todas as suas</p><p>forças pelo portão, rumo ao palácio real, enquanto a General Jinjur e sua</p><p>turba invadiam a cidade desprotegida.</p><p>Desse modo, a Cidade das Esmeraldas foi tomada sem que sequer uma</p><p>gota de sangue fosse derramada. O Exército Rebelde tornara-se um Exército</p><p>de Conquistadoras!</p><p>T ip escapou das moças e seguiu velozmente o Soldado de Bigodes</p><p>Verdes. O exército invasor adentrava a cidade mais</p><p>vagarosamente, pois parava para arrancar as esmeraldas dos muros</p><p>e pavimentos com as pontas das agulhas de tricô. Assim, o Soldado e o</p><p>garoto alcançaram o palácio antes que a notícia da conquista da Cidade</p><p>houvesse se espalhado.</p><p>O Espantalho e Jack Cabeça de Abóbora ainda jogavam argolas no pátio,</p><p>quando foram interrompidos pela entrada abrupta do Exército Real de Oz,</p><p>que chegou voando sem chapéu ou arma, suas roupas em triste desalinho e</p><p>sua barba comprida flutuando quase um metro atrás de si conforme corria.</p><p>– Ponto para mim! – disse o Espantalho calmamente. – O que há de</p><p>errado, meu soldado?</p><p>– Ah, Majestade! Majestade! A Cidade foi tomada – gaguejou o Exército</p><p>Real, sem fôlego.</p><p>– Isso foi bastante repentino – comentou o Espantalho. – Mas, por favor,</p><p>baixe as trancas em todas as portas e janelas do palácio, enquanto eu mostro</p><p>ao Cabeça de Abóbora como é que se joga argolas.</p><p>O Soldado apressou-se a obedecer, enquanto Tip, que chegara em seus</p><p>calcanhares, permanecia no pátio olhando o Espantalho admiradamente.</p><p>Sua Majestade continuou a jogar argolas friamente como se nenhum</p><p>perigo ameaçasse seu trono, mas o Cabeça de Abóbora, tendo visto Tip,</p><p>voou para o garoto tão rápido quanto suas pernas de madeira permitiam.</p><p>– Boa tarde, nobre pai! – ele exclamou, contente. – Estou feliz de vê-lo</p><p>aqui. Aquele Cavalete terrível fugiu comigo.</p><p>– Eu suspeitei – tornou Tip. – Você se machucou? Quebrou-se em</p><p>alguma parte?</p><p>– Não, cheguei em segurança – respondeu Jack. – E Sua Majestade tem</p><p>sido bastante gentil comigo.</p><p>Naquele momento, o Soldado de Bigodes Verdes voltou, e o Espantalho</p><p>perguntou:</p><p>– Aliás, quem tomou a Cidade?</p><p>– Um regimento de moças, reunidas dos quatro cantos da Terra de Oz –</p><p>respondeu o Soldado, ainda pálido de medo.</p><p>– Mas onde estava meu Exército na hora em que aconteceu? – inquiriu</p><p>Sua Majestade, olhando o Soldado com gravidade.</p><p>– Seu Exército estava correndo – respondeu o homem, honestamente –,</p><p>pois nenhum homem conseguiria enfrentar as terríveis armas das invasoras.</p><p>– Bem – disse o Espantalho, depois de refletir um momento –, eu não me</p><p>importo muito em perder meu trono, pois é um trabalho maçante governar a</p><p>Cidade das Esmeraldas. E esta coroa é tão pesada que faz a minha cabeça</p><p>doer. Mas espero que as conquistadoras não tenham a intenção de me ferir,</p><p>só porque por acaso eu sou o Rei.</p><p>– Eu as ouvi falando que pretendem fazer um pano de chão com a sua</p><p>parte de fora, e encher almofadas com a sua parte de dentro – comentou</p><p>Tip, com alguma hesitação.</p><p>– Então estou realmente em perigo – declarou Sua Majestade, com</p><p>certeza na voz –, e será sábio de minha parte considerar um modo de</p><p>escapar.</p><p>– Para onde você pode ir? – perguntou Jack Cabeça de Abóbora.</p><p>– Bem, ao meu amigo Homem de Lata, que governa os Winkies, e</p><p>chama a si mesmo de seu Imperador – foi a resposta. – Tenho certeza de</p><p>que ele vai me proteger.</p><p>Tip olhava para fora pela janela.</p><p>– O palácio está cercado pelo inimigo – disse ele. – É muito tarde para</p><p>escapar. Elas logo rasgariam você em pedaços.</p><p>O Espantalho suspirou e anunciou:</p><p>– Em uma emergência, é sempre bom parar e pensar. Por favor, deem</p><p>licença enquanto eu paro e penso.</p><p>– Mas nós também estamos em perigo – tornou o Cabeça de Abóbora,</p><p>ansioso. – Se alguma dessas moças souber cozinhar, meu fim não está</p><p>distante!</p><p>– Bobagem! – exclamou o Espantalho. – Elas estão ocupadas demais</p><p>para cozinhar, mesmo que saibam como!</p><p>– Mas se eu permanecer prisioneiro aqui por qualquer período de tempo,</p><p>poderei estragar!</p><p>– Ah, então você não é apropriado para ser meu companheiro – volveu o</p><p>Espantalho. – O caso é mais sério do que suspeitei.</p><p>– Você é propenso a viver muitos anos – disse o Cabeça de Abóbora</p><p>sombriamente. – Minha vida é necessariamente curta, de modo que devo</p><p>aproveitar os poucos dias que me restam.</p><p>– Não se preocupe – disse o Espantalho em tom de consolo. – Se você</p><p>ficar quieto por tempo o bastante para eu pensar, tentarei encontrar um meio</p><p>de todos nós escaparmos.</p><p>Assim, os outros aguardaram pacientemente em silêncio enquanto o</p><p>Espantalho caminhava para um canto e parava com o rosto voltado para a</p><p>parede por bons cinco minutos. Ao fim desse tempo, ele os encarou com</p><p>uma expressão mais alegre em seu rosto pintado.</p><p>– Onde está o Cavalete que você cavalgou até aqui? – perguntou ao</p><p>Cabeça de Abóbora.</p><p>– Bem, eu disse que ele era uma joia, e então seu soldado o trancou na</p><p>sala do tesouro – disse Jack.</p><p>– Foi o único lugar em que consegui pensar, Majestade – acrescentou o</p><p>Soldado, temendo ter feito alguma asneira.</p><p>– Muito me agrada – declarou o Espantalho. – O animal foi alimentado?</p><p>– Ah, sim, eu lhe dei um monte de serragem.</p><p>– Excelente! – exclamou o Espantalho. – Traga o cavalo aqui</p><p>imediatamente.</p><p>O Soldado apressou-se em obedecer, e logo ouviram o tinido das pernas</p><p>de madeira do cavalo no solo, conforme era trazido até o pátio.</p><p>Sua Majestade fitou o corcel criticamente.</p><p>– Ele não parece especialmente gracioso! – observou, contemplativo. –</p><p>Mas suponho que possa correr.</p><p>– Ele pode mesmo – disse Tip, olhando o Cavalete com admiração.</p><p>– Então, levando-nos sobre suas costas, ele deve dar uma arrancada por</p><p>entre as tropas rebeldes e nos levar até meu amigo, o Homem de Lata –</p><p>anunciou o Espantalho.</p><p>– Ele não consegue carregar quatro! – objetou Tip.</p><p>– Não, mas ele pode ser induzido a levar três – disse Sua Majestade. –</p><p>Hei, portanto, de deixar meu Exército Real para trás, pois, considerando a</p><p>facilidade com que foi vencido, tenho pouca confiança em seus poderes.</p><p>– Ainda assim, ele consegue correr – declarou</p><p>Tip, rindo.</p><p>– Eu esperava esse golpe – disse o Soldado, amuado. – Consigo suportar.</p><p>Hei de me disfarçar cortando meus adoráveis bigodes verdes. E, afinal, não</p><p>é mais perigoso enfrentar aquelas garotas imprudentes do que cavalgar este</p><p>impetuoso cavalo de madeira indomado!</p><p>– Talvez você esteja certo – observou Sua Majestade. – Mas, de minha</p><p>parte, não sendo um soldado, gosto do perigo. Agora, meu garoto, você</p><p>deve montar primeiro. Por favor, sente-se o mais perto possível do pescoço</p><p>do cavalo.</p><p>Tip subiu rápido em seu lugar, e o Soldado e o Espantalho conseguiram</p><p>erguer o Cabeça de Abóbora para se sentar atrás do menino. Sobrou tão</p><p>pouco espaço para o Rei, que ele poderia cair assim que o cavalo partisse.</p><p>– Pegue uma corda e nos amarre todos juntos – disse o Rei para seu</p><p>Exército. – Assim, se um de nós cair, todos cairemos.</p><p>Enquanto o Soldado foi buscar a corda, Sua Majestade continuou:</p><p>– É bom para mim ser cuidadoso, pois minha própria existência corre</p><p>perigo.</p><p>– Eu tenho de ser tão cuidadoso quanto você – disse Jack.</p><p>– Não exatamente – replicou o Espantalho –, pois se algo acontecesse a</p><p>mim, seria meu fim. Mas se algo acontecesse a você, poderiam usá-lo para</p><p>plantar.</p><p>O Soldado retornou com uma linha comprida e os amarrou firmemente</p><p>juntos, laçando-os também ao corpo do Cavalete, de modo que parecia</p><p>haver pouco risco de caírem.</p><p>– Agora escancare os portões – ordenou o Espantalho –, e nós daremos</p><p>um salto para a liberdade ou para a morte.</p><p>O pátio em que estavam era localizado no centro do grande palácio, que</p><p>o cercava por todos os lados. Mas em um ponto a passagem levava a um</p><p>portão externo, que o Soldado barrara com trancas após a ordem de seu</p><p>soberano. Era através desse portão que Sua Majestade tinha proposto</p><p>escapar, e o Exército Real guiou o Cavalete pela passagem e desobstruiu o</p><p>portão, que se abriu com um estrondo.</p><p>– Agora – disse Tip ao cavalo – você precisa salvar todos nós. Corra o</p><p>mais rápido que conseguir até o portão da Cidade, e não deixe nada parar</p><p>você.</p><p>– Está bem – disse o Cavalete, e atirou-se a correr tão subitamente que</p><p>Tip teve de arquejar para respirar e segurar-se com firmeza ao suporte que</p><p>colocara no pescoço da criatura.</p><p>Várias das garotas, que guardavam o palácio pelo lado de fora, foram</p><p>derrubadas pela corrida louca do Cavalete. Outras correram para fora do</p><p>caminho aos berros, e apenas uma ou duas investiram freneticamente contra</p><p>os prisioneiros fugitivos com suas agulhas de tricô. Tip ficou com um</p><p>pequeno furo em seu braço esquerdo, que ardeu durante uma hora;</p><p>entretanto, as agulhas não tiveram efeito nenhum sobre o Espantalho e Jack</p><p>Cabeça de Abóbora, que sequer suspeitaram que estavam sendo espetados.</p><p>Já o Cavalete obteve um maravilhoso recorde ao derrubar um carrinho</p><p>de frutas e vários homens de aparência tranquila, que os olhavam, e,</p><p>finalmente, atropelou a nova Guardiã dos Portões – uma mulher pequena,</p><p>gorda e zangada, escolhida pela General Jinjur.</p><p>Nem assim o imperioso corcel parou. Uma vez fora dos Portões da</p><p>Cidade das Esmeraldas, ele voou pela estrada rumo ao oeste com saltos</p><p>rápidos e violentos que arrancavam o ar do garoto e enchiam o Espantalho</p><p>de admiração.</p><p>Jack já cavalgara naquela cadência insana uma vez, de forma que</p><p>dedicou todo esforço a segurar com as duas mãos sua Cabeça de Abóbora</p><p>na vareta de apoio, suportando, enquanto isso, os penosos solavancos com a</p><p>coragem de um filósofo.</p><p>– Faça-o ir mais devagar! Mais devagar! – berrou o Espantalho. – Minha</p><p>palha está escorregando para as minhas pernas.</p><p>Tip, no entanto, não tinha fôlego para falar, de modo que o Cavalete</p><p>continuou sua carreira descontrolada sem refreio e com velocidade</p><p>constante.</p><p>Chegaram à ribanceira de um rio largo e, sem vacilo, o corcel de madeira</p><p>deu um salto final e os atirou no ar.</p><p>Um segundo depois eles rolavam, caíam e boiavam na água, enquanto o</p><p>cavalo debatia-se freneticamente para encontrar um apoio para suas patas, e</p><p>seus cavaleiros a princípio eram afogados na corrente veloz, para em</p><p>seguida flutuarem na superfície como rolhas.</p><p>T ip estava muito encharcado e pingando água de cada ângulo de seu</p><p>corpo, mas conseguiu inclinar-se para frente e gritar na orelha do</p><p>Cavalete:</p><p>– Fique parado, seu tolo! Fique parado!</p><p>O cavalo imediatamente parou de se debater e flutuou calmamente na</p><p>superfície, seu corpo de madeira tão flutuante quanto uma jangada.</p><p>– O que a palavra “tolo” significa? – inquiriu o cavalo.</p><p>– É um termo de repreensão – respondeu Tip, um pouco envergonhado</p><p>da palavra. – Eu só uso quando estou bravo.</p><p>– Então me agradaria chamar você de “tolo” também – disse o cavalo. –</p><p>Eu não fiz o rio, nem o coloquei no nosso caminho, então o termo de</p><p>repreensão só cabe a quem fica bravo comigo por cair na água.</p><p>– Isso é bem evidente – tornou Tip. – Então reconheço estar errado.</p><p>Depois se virou para o Cabeça de Abóbora:</p><p>– Você está bem, Jack?</p><p>Não houve resposta. O garoto chamou o Rei:</p><p>– Você está bem, Majestade?</p><p>O Espantalho gemeu.</p><p>– Estou todo errado, de algum modo – respondeu com uma voz fraca. –</p><p>Como essa água é molhada!</p><p>Tip estava tão bem preso pela corda que não conseguia virar a cabeça</p><p>para olhar para seus companheiros, então disse ao Cavalete:</p><p>– Bata as pernas até a margem.</p><p>O cavalo obedeceu e, embora seu progresso fosse lento, eles finalmente</p><p>alcançaram o outro lado do rio, em um ponto que era baixo o suficiente para</p><p>permitir à criatura subir em terra seca.</p><p>Com alguma dificuldade, o garoto conseguiu pegar sua faca no bolso e</p><p>cortar as cordas que prendiam os cavaleiros uns nos outros e no cavalo de</p><p>madeira. Ele ouviu o Espantalho cair no chão com um som mole e então</p><p>desceu do cavalo para ver seu amigo Jack.</p><p>O corpo de madeira, com suas bonitas vestes, ainda estava sentado ereto</p><p>sobre o cavalo, mas a Cabeça de Abóbora se fora, e só o suporte afiado que</p><p>servia como pescoço estava visível. Quanto ao Espantalho, a palha de seu</p><p>corpo descera com os solavancos e juntara-se em suas pernas e na parte</p><p>debaixo do corpo – que estava bastante gorducha e redonda, enquanto a</p><p>metade de cima parecia um saco vazio. Sobre a cabeça, o Espantalho ainda</p><p>usava a pesada coroa, que fora costurada para evitar que ele a perdesse, mas</p><p>a cabeça encontrava-se tão molhada e escorregadia que o ouro e as joias</p><p>vergavam para frente e amassavam o rosto pintado numa massa de dobras</p><p>que o faziam ficar exatamente igual a um cachorro japonês da raça Pug.</p><p>Tip teria rido se não estivesse tão ansioso a respeito de seu boneco Jack.</p><p>O Espantalho, embora danificado, estava inteiro ali, enquanto a Cabeça de</p><p>Abóbora tão necessária à existência de Jack estava perdida.</p><p>O garoto agarrou um pedaço de pau comprido, que felizmente jazia</p><p>próximo, e ansiosamente virou-se outra vez para o rio.</p><p>Distante em meio às águas, ele avistou o tom dourado da abóbora, que</p><p>subia e descia gentilmente ao sabor do movimento das ondas. Naquele</p><p>instante estava fora do alcance de Tip, mas depois de um tempo boiou cada</p><p>vez mais perto, até o garoto conseguir alcançá-la com a vara e trazê-la para</p><p>a margem. Puxou-a para a terra, cuidadosamente secou a água do rosto de</p><p>abóbora com um lenço, e correu com ela para o corpo de Jack, recolocando-</p><p>a sobre o pescoço do boneco.</p><p>– Pobre de mim! – foram as primeiras palavras de Jack. – Que</p><p>experiência medonha! Eu me pergunto se água estraga abóboras.</p><p>Tip não achou que uma resposta fosse necessária, pois sabia que o</p><p>Espantalho também precisava de sua ajuda. Removeu com cuidado a palha</p><p>do corpo e das pernas do Rei, e espalhou-a ao sol para secar. A roupa</p><p>molhada ele pendurou sobre o corpo do Cavalete.</p><p>– Se água estragar abóboras, então meus dias estão contados – comentou</p><p>Jack com um suspiro profundo.</p><p>– Nunca reparei se água estraga abóboras – tornou Tip –, a menos que</p><p>esteja fervendo. Se sua cabeça não estiver rachada, meu amigo, deve estar</p><p>em boas condições.</p><p>– Ah, minha cabeça não está nada rachada – declarou Jack, mais alegre.</p><p>– Então não se preocupe – disse o garoto. – A preocupação matou o</p><p>gato.2</p><p>– Nesse caso – disse Jack, sério –, estou mesmo muito feliz por não ser</p><p>um</p><p>gato.</p><p>O sol secava suas roupas muito rápido, e Tip remexeu a palha de Sua</p><p>Majestade para que os raios quentes pudessem absorver a umidade e deixá-</p><p>la estaladiça e seca como sempre. Quando tal objetivo tinha sido alcançado,</p><p>o garoto encheu o Espantalho de forma simétrica e suavizou seu rosto de</p><p>modo a deixar sua habitual expressão alegre e cativante.</p><p>– Muito obrigado – disse o monarca, contente ao andar de um lado para</p><p>o outro e descobrir-se bem equilibrado. – Há diversas vantagens em ser um</p><p>Espantalho, pois quando se tem amigos por perto para reparar os danos,</p><p>nada muito sério pode acontecer a você.</p><p>– Eu me pergunto se o calor do sol pode rachar abóboras – disse Jack,</p><p>com um timbre de ansiedade na voz.</p><p>– Nem um pouco! Nem um pouco! – respondeu o Espantalho, feliz. –</p><p>Tudo o que você tem a temer, meu garoto, é a velhice. Quando sua</p><p>juventude dourada houver definhado, temos rapidamente de nos despedir…</p><p>Mas não precisa contar os minutos; nós perceberemos por nós mesmos, e</p><p>notificaremos você. Venha! Vamos retomar nossa jornada. Estou ansioso</p><p>para saudar meu amigo Homem de Lata.</p><p>Montaram o Cavalete outra vez, com Tip segurando o suporte, o Cabeça</p><p>de Abóbora abraçando Tip e o Espantalho com os dois braços ao redor da</p><p>figura de madeira de Jack.</p><p>– Vá devagar, pois agora não há perigo de perseguição – disse Tip ao</p><p>corcel.</p><p>– Está bem – respondeu a criatura, com uma voz bastante rouca.</p><p>– Você não está um pouco rouco? – perguntou o Cabeça de Abóbora</p><p>polidamente.</p><p>O Cavalete empinou-se irritado e virou um olho nodoso para Tip.</p><p>– Olha só – grunhiu –, você não pode me defender dos insultos?</p><p>– Claro! – respondeu Tip, serenamente. – Tenho certeza de que Jack não</p><p>falou por mal. E não vai adiantar nós discutirmos, sabe, devemos todos</p><p>continuar bons amigos.</p><p>– Eu não terei mais nada a ver com o Cabeça de Abóbora – declarou o</p><p>Cavalete maldosamente –, ele perde a cabeça com facilidade demais para o</p><p>meu gosto.</p><p>Não parecia haver resposta adequada para tal provocação, então</p><p>cavalgaram adiante em silêncio.</p><p>Depois de um tempo, o Espantalho comentou:</p><p>– Isso me lembra dos velhos tempos. Foi sobre esta colina relvada que</p><p>uma vez salvei Dorothy das Abelhas que Picavam, da Bruxa Má do Oeste.</p><p>– Abelhas que Picam ferem abóboras? – perguntou Jack, olhando</p><p>temeroso ao redor.</p><p>– Estão todas mortas; não importa – replicou o Espantalho. – E aqui foi</p><p>onde Nick Chopper destruiu os Lobos Cinzentos da Bruxa Má.</p><p>– Quem é Nick Chopper? – perguntou Tip.</p><p>– É esse o nome de meu amigo Homem de Lata – respondeu Sua</p><p>Majestade. – E aqui foi onde os Macacos Alados nos capturaram e</p><p>prenderam, e voaram para longe com a pequena Dorothy – ele continuou,</p><p>depois de terem prosseguido um pouco.</p><p>– Macacos Alados comem abóboras? – perguntou Jack, com um calafrio.</p><p>– Não sei, mas você tem poucos motivos para se preocupar, já que os</p><p>Macacos Alados agora são servos de Glinda, a Boa, que é dona do Chapéu</p><p>Dourado que comanda os serviços deles – disse o Espantalho, pensativo.</p><p>O monarca recheado de palha perdeu-se em pensamentos, recordando os</p><p>dias de aventuras passadas. O Cavalete balançava, seguindo pelos campos</p><p>cobertos de flores, e levava os cavaleiros velozmente em seu caminho.</p><p>O crepúsculo veio, após um tempo, e depois as sombras escuras da noite.</p><p>Tip parou o cavalo e todos desceram.</p><p>– Estou exausto – disse o garoto, bocejando desgastado –, e a relva é</p><p>macia e fresca. Vamos deitar aqui e dormir até de manhã.</p><p>– Não posso dormir – declarou Jack.</p><p>– Eu nunca durmo – disse o Espantalho.</p><p>– Eu nem sei o que é dormir – disse o Cavalete.</p><p>– Ainda assim, devemos ter consideração por este pobre menino, que é</p><p>feito de carne, sangue e osso, e se cansa – sugeriu o Espantalho, de seu</p><p>modo pensativo costumeiro. – Eu me lembro que era a mesma coisa com a</p><p>pequena Dorothy. Tínhamos sempre de parar à noite toda enquanto ela</p><p>dormia.</p><p>– Desculpem-me – murmurou Tip mansamente. – Não consigo evitar. E</p><p>também estou faminto!</p><p>– Aqui vem novo perigo! – comentou Jack sombriamente. – Espero que</p><p>você não goste de comer abóboras.</p><p>– Não, a menos que estejam assadas em tortas – respondeu o garoto,</p><p>rindo. – Então não me tema, amigo Jack.</p><p>– Que covarde o Cabeça de Abóbora é! – disse o Cavalete</p><p>desdenhosamente.</p><p>– Você poderia ser um covarde, se soubesse ser propenso a estragar –</p><p>retrucou Jack, bravo.</p><p>– Ei! Ei! – interrompeu o Espantalho. – Não vamos brigar. Todos temos</p><p>nossas fraquezas, caros amigos, então devemos nos empenhar em sermos</p><p>atenciosos uns com os outros. E já que o pobre menino está com fome e não</p><p>tem nada para comer, vamos ficar quietos e deixá-lo dormir, pois se diz que</p><p>no sono um mortal pode até mesmo esquecer a fome.</p><p>– Obrigado! – exclamou Tip, grato. – Sua Majestade é tão bondoso</p><p>quanto é sábio… e isso quer dizer bastante.</p><p>Ele então se esticou sobre a relva e, usando a figura recheada de palha do</p><p>Espantalho como travesseiro, logo adormeceu profundamente.</p><p>2 Uma corruptela do tradicional ditado “A curiosidade matou o gato”.</p><p>T ip acordou logo depois do amanhecer, mas o Espantalho já havia</p><p>colhido, com seus dedos desengonçados, dois punhados de amoras</p><p>maduras de alguns arbustos próximos. O garoto comeu-as</p><p>gulosamente, julgando-as um grandioso café da manhã, e depois o pequeno</p><p>grupo retomou sua jornada.</p><p>Após uma hora de cavalgada, alcançaram o alto de uma montanha de</p><p>onde espiaram a Cidade dos Winkies, e perceberam os domos altos do</p><p>Palácio do Imperador crescendo sobre os agrupamentos de moradias mais</p><p>modestas.</p><p>O Espantalho ficou bastante animado com aquela visão, e exclamou:</p><p>– Quão alegre ficarei em ver meu velho amigo Homem de Lata outra</p><p>vez! Espero que ele governe seu povo de modo mais bem sucedido do que</p><p>eu!</p><p>– O Homem de Lata é o Imperador dos Winkies? – perguntou o cavalo.</p><p>– Sim. Eles o convidaram para governá-los logo depois que a Bruxa Má</p><p>foi destruída, e como Nick Chopper tem o melhor coração do mundo, estou</p><p>certo de que ele se provou um imperador excelente e capaz.</p><p>– Eu pensei que “imperador” fosse o título de uma pessoa que governa</p><p>um império – disse Tip –, e a Província dos Winkies é apenas um Reino.</p><p>– Não mencione isso para o Homem de Lata! – advertiu o Espantalho. –</p><p>Você o magoaria terrivelmente. Ele é um homem orgulhoso e tem todos os</p><p>motivos para ser, e agrada-o ser chamado de imperador em vez de rei.</p><p>– Isso não faz diferença para mim – replicou o garoto.</p><p>O Cavalete agora seguia adiante em um passo tão rápido que seus</p><p>cavaleiros tiveram trabalho para se manter sobre seu dorso, de forma que</p><p>houve pouca conversa até terem se aproximado das escadarias do palácio.</p><p>Um Winkie de idade avançada, vestido com um uniforme de tecido</p><p>prateado, adiantou-se para ajudá-los a descer.</p><p>– Leve-nos logo ao seu mestre, o Imperador – disse o Espantalho àquela</p><p>ilustre figura.</p><p>O homem olhou de um para outro do grupo com ar desconcertado e</p><p>finalmente respondeu:</p><p>– Temo ter de pedir para esperarem um tempo. O Imperador não está</p><p>recebendo ninguém nesta manhã.</p><p>– Por quê? – inquiriu o Espantalho, ansiosamente. – Espero que nada</p><p>tenha acontecido a ele.</p><p>– Oh, nada sério – tornou o homem. – Mas hoje é dia de Sua Majestade</p><p>ser polido, e bem agora sua augusta presença está espessamente untado com</p><p>polidor de metal.</p><p>– Ah, entendo! – exclamou o Espantalho, grande-mente tranquilizado. –</p><p>Meu amigo nunca teve inclinações de um dândi, mas suponho que agora</p><p>esteja mais orgulhoso do que nunca em relação à sua aparência.</p><p>– Está, de fato – disse o homem, com uma reverência educada. – Nosso</p><p>poderoso Imperador recentemente revestiu-se de níquel.</p><p>– Céus! – o Espantalho exclamou ao ouvir aquilo. – Se sua perspicácia</p><p>trouxer o mesmo polimento, quão brilhante será! Leve-nos logo para</p><p>dentro. Tenho certeza de que o Imperador irá nos receber, mesmo em seu</p><p>atual estado.</p><p>– O estado do Imperador é sempre magnífico – disse o homem. – Mas</p><p>vou arriscar contar a ele sobre sua chegada, e receberei suas ordens a</p><p>respeito de vocês.</p><p>Assim, o grupo seguiu o servo até uma esplêndida antessala, e o</p><p>Cavalete seguiu desajeitadamente atrás, não sabendo que era esperado que</p><p>um cavalo</p><p>permanecesse do lado de fora.</p><p>Os viajantes, a princípio, ficaram um pouco deslumbrados com o que</p><p>havia em volta, e até o Espantalho parecia impressionado ao examinar as</p><p>ricas cortinas de tecido prateado, amarradas com nós e presas com</p><p>minúsculos machados de prata. Sobre uma bela mesa de centro jazia uma</p><p>grande lata de óleo, de prata, ricamente entalhada com cenas do passado do</p><p>Homem de Lata, Dorothy, o Leão Covarde e o Espantalho, as linhas do</p><p>entalhe traçadas sobre a prata com ouro amarelo. Nas paredes ficavam</p><p>vários retratos, o do Espantalho parecendo o mais proeminente e</p><p>cuidadosamente executado, enquanto uma grande pintura do famoso</p><p>Mágico de Oz, presenteando o Homem de Lata com um coração, cobria m</p><p>lado inteiro da sala.</p><p>Enquanto os visitantes olhavam esses detalhes com admiração</p><p>silenciosa, ouviram de repente uma voz alta na sala ao lado exclamar:</p><p>– Ora, ora, ora, que imensa surpresa!</p><p>E então a porta escancarou-se e Nick Chopper voou para o meio deles, e</p><p>apertou o Espantalho em um abraço afetuoso que o amarrotou em dobras e</p><p>rugas.</p><p>– Meu querido velho amigo! Meu nobre camarada! – gritou o Homem de</p><p>Lata, alegremente. – Como estou feliz em vê-lo de novo!</p><p>Então soltou o Espantalho e segurou-o a um braço de distância enquanto</p><p>fitava o amado rosto pintado.</p><p>Mas, ah! o rosto do Espantalho e muitas partes de seu corpo traziam</p><p>grandes camadas de polidor de metais, pois o Homem de Lata, em sua</p><p>ansiedade para dar boas-vindas a seu amigo, esquecera-se da condição de</p><p>sua higiene, e esfregara uma generosa camada d pasta de seu corpo no de</p><p>seu convidado.</p><p>– Pobre de mim! – disse o Espantalho desconsoladamente. – Que</p><p>emporcalhado estou!</p><p>– Não se preocupe, meu amigo – tornou o Homem de Lata. – Vou</p><p>mandar você para a minha lavanderia imperial, e você sairá de lá novo em</p><p>folha.</p><p>– Não serei despedaçado? – perguntou o Espantalho.</p><p>– Não mesmo! – foi a resposta. – Mas me diga, como Sua Majestade</p><p>veio para cá, e quem são seus companheiros?</p><p>O Espantalho, com grande polidez, apresentou Tip e Jack Cabeça de</p><p>Abóbora, e este último pareceu causar muito interesse ao Homem de Lata.</p><p>– Você não é muito firme, devo admitir – disse o Imperador–, mas é</p><p>incomum, decerto, e, portanto, merece virar um membro de nossa</p><p>associação seleta.</p><p>– Agradeço, Sua Majestade – disse Jack, humildemente.</p><p>– Espero que você esteja em boa saúde – continuou o Homem de Lata.</p><p>– Atualmente sim – respondeu o Cabeça de Abóbora, com um suspiro –,</p><p>mas sofro constante terror do dia em que vou estragar.</p><p>– Bobagem! – disse o Imperador, mas num tom gentil e simpático. – Eu</p><p>imploro, não molhe o sol de hoje com a chuvarada de amanhã, pois antes de</p><p>sua cabeça ter tempo para estragar, podemos enlatá-la, e assim ela poderá</p><p>ser preservada infinitamente.</p><p>Tip, durante esta conversa, olhava o Homem de Lata com admiração</p><p>indisfarçável, e percebeu que o celebrado Imperador dos Winkies era</p><p>inteiramente composto de peças de estanho, habilmente soldadas e cravadas</p><p>juntas na forma de um homem. Ele tinia e ziguezagueava um pouco</p><p>conforme se movia, mas de modo geral parecia engenhosamente construído,</p><p>sua aparência maculada apenas por uma espessa camada de polidor de</p><p>metais que o cobria da cabeça aos pés.</p><p>O olhar atento do rapaz fez o Homem de Lata se lembrar de que não</p><p>estava na mais apresentável das condições, então implorou a seus amigos</p><p>para darem licença enquanto se retirava a seus aposentos pessoais para</p><p>permitir que seus servos o polissem, o que foi terminado rápido, e quando o</p><p>imperador retornou, seu corpo de níquel brilhava tão magnificamente que o</p><p>Espantalho parabenizou-o de todo o coração por sua aparência melhorada.</p><p>– O banho a níquel foi, eu confesso, uma ideia feliz – disse Nick – e foi</p><p>necessário, porque eu havia ficado um pouco arranhado durante minhas</p><p>experiências aventureiras. Você pode observar esta estrela gravada do lado</p><p>esquerdo do meu peito, que apenas indica onde meu coração excelente está,</p><p>mas cobre com bastante cuidado a cicatriz feita pelo Maravilhoso Mágico</p><p>quando ele colocou o valioso órgão em meu peito com suas próprias mãos</p><p>habilidosas.</p><p>– Então o seu coração é uma sanfona3? – perguntou o Cabeça de</p><p>Abóbora, curioso.</p><p>– De modo algum – respondeu o imperador, com dignidade. – É, estou</p><p>convencido, um coração estritamente ortodoxo, embora um pouco maior e</p><p>mais caloroso do que aquele que a maioria das pessoas tem.</p><p>Virou-se, então, para o Espantalho, e perguntou:</p><p>– Seus súditos estão felizes e satisfeitos, meu caro amigo?</p><p>– Não sei dizer – foi a resposta –, pois as moças de Oz uniram-se em</p><p>revolta e me expulsaram da Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Oh, céus! – exclamou o Homem de Lata. – Que calamidade! Elas</p><p>certamente não reclamam de seu governo sábio e bondoso…</p><p>– Não, mas dizem que é um governo ruim que não funciona bem para os</p><p>dois lados – respondeu o Espantalho. – E essas moças também têm a</p><p>opinião de que os homens já governaram a terra por tempo o suficiente,</p><p>assim tomaram minha cidade, roubaram do tesouro todas as joias, e estão</p><p>controlando tudo para satisfazerem a si mesmas.</p><p>– Oh! Que ideia diferente! – exclamou o Imperador, que estava chocado</p><p>e surpreso.</p><p>– E ouvi algumas delas dizerem – informou Tip – que tinham a intenção</p><p>de marchar até aqui e tomar o castelo e a cidade do Homem de Lata.</p><p>– Ah, não devemos lhes dar tempo de fazerem isso – disse o Imperador,</p><p>rápido. – Partiremos de uma vez, retomaremos a Cidade das Esmeraldas e</p><p>colocaremos o Espantalho de volta em seu trono.</p><p>– Eu tinha certeza de que você iria me ajudar – comentou o Espantalho</p><p>em um tom satisfeito. – Qual a dimensão do exército que você consegue</p><p>reunir?</p><p>– Não precisamos de um exército – respondeu o Homem de Lata. –</p><p>Somos quatro, e com a ajuda de meu machado reluzente, o suficiente para</p><p>encher o coração das rebeldes de terror.</p><p>– Somos cinco – corrigiu o Cabeça de Abóbora.</p><p>– Cinco? – repetiu o Homem de Lata.</p><p>– Sim, o Cavalete é corajoso e destemido – respondeu Jack, esquecendo-</p><p>se de sua discussão recente com o quadrúpede.</p><p>O Homem de Lata olhou ao seu redor com ar confuso, pois o Cavalete,</p><p>até então, mantivera-se quieto a um canto, onde o Imperador não o notara.</p><p>Tip imediatamente chamou a criatura de aparência esquisita até eles. Ela</p><p>aproximou-se tão desajeitadamente que quase derrubou a bonita mesa de</p><p>centro e a lata de óleo decorada.</p><p>– Começo a pensar que as maravilhas nunca cessarão! – comentou o</p><p>Homem de Lata, enquanto olhava solenemente para o Cavalete. – Como</p><p>esta criatura foi trazida à vida?</p><p>– Eu usei um pó mágico – o menino respondeu modestamente. – O</p><p>Cavalete tem sido muito útil a nós.</p><p>– Ele tornou possível escaparmos das rebeldes – acrescentou o</p><p>Espantalho.</p><p>– Então devemos aceitá-lo como nosso camarada, com certeza! –</p><p>declarou o imperador. – Um Cavalete vivo é uma novidade distinta, e deve</p><p>provar-se um estudo interessante. Ele sabe alguma coisa?</p><p>– Bem, não posso reclamar nenhuma grande experiência de vida – o</p><p>Cavalete respondeu por si mesmo. – Mas parece que aprendo rápido, e</p><p>frequentemente ocorre que sei mais do que qualquer um daqueles ao meu</p><p>redor.</p><p>– Talvez você saiba – disse o imperador –, pois experiência nem sempre</p><p>significa sabedoria. Entretanto, o tempo é precioso por ora, então vamos</p><p>começar rápido os preparativos para iniciar nossa jornada.</p><p>O imperador chamou seu Alto Senhor Chanceler e o instruiu sobre como</p><p>conduzir o reino em sua ausência. Enquanto isso, o Espantalho foi levado, e</p><p>o saco pintado que lhe fazia as vezes de cabeça foi cuidadosamente lavado e</p><p>reenchido com o cérebro originalmente dado a ele pelo grande Mágico.</p><p>Suas roupas também foram limpas e passadas pelos alfaiates reais, e sua</p><p>coroa polida e novamente costurada sobre sua cabeça, pois o Homem de</p><p>Lata insistiu que ele não deveria renunciar a seu emblema de realeza. O</p><p>Espantalho agora revelava aparência bastante respeitável, e embora não</p><p>sofresse de vaidade, ficou bastante satisfeito consigo mesmo e começou a</p><p>andar mais aprumado. Enquanto isto era feito, Tip remendou os membros</p><p>de madeira de Jack Cabeça de Abóbora e os deixou mais fortes do que</p><p>antes, e o Cavalete</p><p>também foi inspecionado para verificar se estava em</p><p>boas condições de funcionamento.</p><p>Então, logo cedo na manhã seguinte, partiram em jornada para retornar à</p><p>Cidade das Esmeraldas, o Homem de Lata levando em seu ombro um</p><p>machado brilhante e seguindo à frente, enquanto o Cabeça de Abóbora</p><p>cavalgava o Cavalete e Tip e o Espantalho caminhavam um de cada lado</p><p>para se certificarem de que ele não cairia ou se quebraria.</p><p>3 “Hand-organ”, a expressão original, significa “sanfona” e é um trocadilho na frase do Jack Cabeça</p><p>de Abóbora, em resposta à alegação do Homem de Lata, de que o Mágico havia posto com as “mãos”</p><p>(hands) o “valioso órgão” (valued organ).</p><p>A General Jinjur – que, você deve se lembrar, comandava o</p><p>Exército Rebelde – estava bastante inquieta pela fuga do</p><p>Espantalho da Cidade das Esmeraldas. Ela temia, com bons</p><p>motivos, que se Sua Majestade e o Homem de Lata unissem forças, isso</p><p>significasse perigo para ela e todo o seu exército, pois o povo de Oz não se</p><p>esquecera dos feitos daqueles famosos heróis, que haviam sido bem</p><p>sucedidos em tantas aventuras sensacionais.</p><p>Assim, Jinjur mandou um chamado urgente para a velha Mombi, a</p><p>bruxa, e prometeu-lhe grandes recompensas se ela viesse ajudar o exército</p><p>rebelde.</p><p>Mombi estava furiosa pela peça que Tip lhe pregara, assim como por sua</p><p>fuga com o precioso Pó da Vida, de modo que não havia necessidade de</p><p>insistir em fazê-la viajar à Cidade das Esmeraldas com a finalidade de</p><p>ajudar Jinjur a derrotar o Espantalho e o Homem de Lata, que haviam</p><p>tornado Tip um de seus amigos.</p><p>Mombi mal havia chegado ao palácio real quando descobriu, utilizando</p><p>sua magia secreta, que os aventureiros haviam partido em jornada rumo à</p><p>Cidade das Esmeraldas. Por isso, retirou-se para um pequeno cômodo no</p><p>alto de uma torre e ali se trancou enquanto praticava artes mágicas para que</p><p>pudesse impedir o retorno do Espantalho e seus companheiros.</p><p>Foi por isso que o Homem de Lata parou e disse:</p><p>– Algo muito curioso aconteceu. Eu deveria saber de cor cada passo</p><p>desta jornada, mas temo já termos nos perdido do caminho.</p><p>– Isso é impossível! – protestou o Espantalho. – Você acha que estamos</p><p>vagando, meu amigo?</p><p>– Bem, aqui diante de nós está uma grande plantação de girassóis… e eu</p><p>nunca vi esta plantação antes em toda a minha vida.</p><p>Por causa dessas palavras, todos olharam ao redor, apenas para descobrir</p><p>que estavam, de fato, cercados por uma plantação de hastes altas, cada uma</p><p>levando em seu topo um imenso girassol. E não apenas aquelas flores eram</p><p>quase cegantes por suas matizes vivas de vermelho e dourado, como cada</p><p>uma girava sobre seus caules como um moinho em miniatura, ofuscando</p><p>completamente a visão dos observadores e confundindo-os tanto que eles</p><p>não sabiam por qual caminho seguir.</p><p>– É bruxaria! – exclamou Tip.</p><p>Enquanto estavam parados, hesitando e se perguntando, o Homem de</p><p>Lata deu um grito de impaciência e avançou balançando seu machado para</p><p>cortar os caules à sua frente. Os girassóis, entretanto, pararam seu giro</p><p>veloz, e os viajantes viram com clareza o rosto de uma garota aparecer no</p><p>meio de cada flor. Aquelas faces adoráveis olharam para o grupo estupefato</p><p>com sorrisos sarcásticos, de que explodiu um coro de risadas alegres ante o</p><p>espanto que sua aparência causara.</p><p>– Pare! Pare! – exclamou Tip, agarrando o braço do lenhador. – Elas</p><p>estão vivas! São moças!</p><p>Naquele momento, as flores começaram a girar outra vez, e seus rostos</p><p>desvaneceram e perderam-se em meio aos rodopios velozes.</p><p>O Homem de Lata baixou o machado e sentou-se no chão.</p><p>– Seria cruel cortar essas belas criaturas – ele disse, desanimadamente. –</p><p>Mas não sei o que fazer para seguir nosso caminho.</p><p>– Elas olharam para mim de modo tão estranho quanto o Exército</p><p>Rebelde – ponderou o Espantalho. – Mas não consigo conceber como essas</p><p>moças conseguiriam nos seguir tão rápido até aqui.</p><p>– Acredito que seja mágica – disse Tip, resoluto. – E que alguém está</p><p>nos pregando uma peça. Eu sei que a velha Mombi já fez coisas assim</p><p>antes. Provavelmente não é nada mais do que uma ilusão, e não há girassóis</p><p>coisa nenhuma.</p><p>– Então vamos fechar os olhos e andar adiante – sugeriu o Homem de</p><p>Lata.</p><p>– Perdoe-me – replicou o Espantalho. – Meus olhos não foram pintados</p><p>para fechar. Só porque você por acaso tem pálpebras, você não deve</p><p>imaginar que todos fomos construídos do mesmo modo.</p><p>– E os olhos do Cavalete são olhos nodosos – disse Jack, inclinando-se</p><p>para frente para examiná-los.</p><p>– Ainda assim, você deve cavalgar rápido – ordenou Tip – e iremos</p><p>segui-lo e tentar escapar desse jeito. Meus olhos já estão tão ofuscados que</p><p>mal consigo enxergar.</p><p>Desse modo, o Cabeça de Abóbora cavalgou em frente ousadamente, e</p><p>Tip segurou o toco de rabo do Cavalete e seguiu-o de olhos fechados. O</p><p>Espantalho e o Homem de Lata seguraram no traseiro da montaria, e antes</p><p>que houvessem andado muitos metros, um grito exultante de Jack anunciou</p><p>que o caminho estava livre à frente deles.</p><p>Todos, então, pararam para olhar para trás, mas nenhum sinal da</p><p>plantação de girassóis restara.</p><p>Mais alegremente, retomaram sua jornada, mas a velha Mombi mudara</p><p>tanto a paisagem que eles certamente teriam se perdido se o Espantalho não</p><p>houvesse sabiamente concluído que deveriam seguir a direção do sol, pois</p><p>nenhuma bruxaria poderia alterar o curso do sol, o que o tornava, portanto,</p><p>um guia seguro.</p><p>No entanto, outras dificuldades apresentavam-se diante deles. O</p><p>Cavalete pisou em uma toca de coelho e caiu no chão. O Cabeça de</p><p>Abóbora foi lançado alto no ar, e sua história provavelmente teria terminado</p><p>naquele momento se o Homem de Lata não houvesse pegado a abóbora</p><p>com habilidade quando ela caía, salvando-a de se quebrar.</p><p>Tip logo a devolveu ao pescoço e colocou Jack em pé. Já o Cavalete não</p><p>escapou tão fácil, pois, quando sua perna foi puxada da toca de coelho,</p><p>descobriram que estava quebrada, e deveria ser consertada antes, para que</p><p>pudessem prosseguir.</p><p>– Isso é bem sério – disse o Homem de Lata. – Se houvesse árvores por</p><p>perto, eu logo faria uma perna para o animal, mas não vejo um arbusto</p><p>sequer num raio de quilômetros.</p><p>– E não há cercas nem casas nesta parte da terra de Oz – acrescentou o</p><p>Espantalho, desconsolado.</p><p>– Então o que devemos fazer? – inquiriu o menino.</p><p>– Suponho que devo fazer meu cérebro começar a trabalhar – respondeu</p><p>Sua Majestade, o Espantalho. – A experiência me ensinou que posso fazer</p><p>qualquer coisa se tomar algum tempo para refletir.</p><p>– Vamos todos pensar – disse Tip. – E talvez consigamos descobrir um</p><p>modo de consertar o Cavalete.</p><p>Assim, sentaram-se em fila sobre a relva e começaram a pensar,</p><p>enquanto o Cavalete ocupou-se em fitar sua perna quebrada com</p><p>curiosidade.</p><p>– Dói? – perguntou o Homem de Lata num tom suave e simpático.</p><p>– Nem um pouco – tornou o Cavalete. – Mas meu orgulho está ferido</p><p>por descobrir que minha anatomia é tão frágil.</p><p>O grupo permaneceu algum tempo em silêncio contemplativo. O</p><p>Homem de Lata ergueu a cabeça e olhou ao redor para os campos.</p><p>– Que tipo de criatura é aquela que se aproxima >de nós? – perguntou,</p><p>surpreso.</p><p>Os outros seguiram seu olhar, e descobriram, vindo em sua direção, a</p><p>coisa mais extraordinária que qualquer um já contemplara. Avançava rápido</p><p>e sem fazer barulho sobre a relva macia, e em poucos minutos estava diante</p><p>dos aventureiros, observando-os com um espanto igual ao deles.</p><p>O Espantalho era calmo em qualquer circunstância; por isso, disse,</p><p>polidamente:</p><p>– Bom dia!</p><p>O estrangeiro tirou o chapéu com um floreio, fez uma reverência</p><p>profunda, e então respondeu:</p><p>– Bom dia, a você e a todos. Espero que estejam, como um conjunto, em</p><p>muito bom estado de saúde. Permitam-me apresentar meu cartão.</p><p>Com aquele discurso cortês, estendeu um cartão na direção do</p><p>Espantalho, que aceitou, virou para um lado e para o outro, e entregou, com</p><p>um balanço de cabeça, para Tip.</p><p>O garoto leu em voz alta:</p><p>– Sr. A. E. Zógol Besouro M.I.</p><p>– Oh, céus! – exclamou o Cabeça de Abóbora, encarando-o atentamente.</p><p>– Que peculiar! – disse o Homem de Lata.</p><p>Os olhos de Tip iam de um lado para o outro, admirados, e o Cavalete</p><p>deu um suspiro e virou a cabeça.</p><p>– Você é mesmo um Zógol Besouro? – inquiriu o Espantalho.</p><p>– Certamente, meu caro senhor! – respondeu o estrangeiro, vivamente. –</p><p>Não é o meu nome no cartão?</p><p>– É – disse o Espantalho. – Posso perguntar o que significa “A. E.”?</p><p>– “A. E” significa Altamente Engrandecido – respondeu o Zógol</p><p>Besouro, orgulhoso.</p><p>– Ah, entendo. – O Espantalho mirou o estrangeiro com ar crítico. – E</p><p>você é, de fato, altamente engrandecido?</p><p>– Senhor – disse o Zógol Besouro –, eu o tomo por um cavalheiro de</p><p>julgamento e discernimento. Não ocorre a você que sou muitas vezes maior</p><p>do que qualquer outro zógol besouro que já tenha visto? Desta feita, é</p><p>bastante evidente que sou Altamente Engrandecido, e não há nenhuma</p><p>razão para você duvidar do fato.</p><p>– Perdoe-me – volveu o Espantalho. – Meu cérebro está um pouco</p><p>embaralhado desde a última vez em que fui lavado. Seria impróprio de</p><p>minha parte perguntar, também, o que o “M. I.” no final de seu nome quer</p><p>dizer?</p><p>– Essas letras expressam meu grau de estudo – respondeu o Zógol</p><p>Besouro, com um sorriso condescendente. – Para ser mais explícito, as</p><p>iniciais significam que sou Minuciosamente Instruído.</p><p>– Oh! – disse o Espantalho, bastante aliviado.</p><p>Tip ainda não tirara os olhos daquele personagem fantástico. O que via</p><p>era um imenso e redondo corpo de inseto, apoiado sobre duas pernas</p><p>delgadas que terminavam em pés delicados – os dedões voltados para cima.</p><p>O corpo do Zógol Besouro era bastante manchado, e, julgando pelo que</p><p>podia ser visto dele, era de um tom marrom escuro brilhante nas costas,</p><p>enquanto a frente era listrada com tiras alternadas de marrom claro e</p><p>branco, mesclando-se nas extremidades. Seus braços eram completamente</p><p>delgados, como as pernas, e sobre um pescoço bastante comprido ficava sua</p><p>cabeça – não muito diferente da de um homem, exceto pelo fato do nariz</p><p>terminar em uma antena encaracolada, ou “sensor”, e suas orelhas traziam,</p><p>suspensas de pontos superiores, antenas que decoravam os lados de sua</p><p>cabeça como dois rabos de porco enrolados em miniatura. Deve-se admitir</p><p>que os olhos pretos e redondos tinham uma aparência bastante protuberante,</p><p>mas a expressão no rosto do Zógol Besouro não era de modo algum</p><p>desagradável.</p><p>A título de vestimenta, o inseto usava um fraque azul escuro com forro</p><p>de seda amarela e uma flor na casa do botão; um colete branco que se</p><p>esticava aperta-do sobre o corpo largo; calças de pelúcia castanho-claro,</p><p>presas nos joelhos com fivelas douradas, e, empoleirado sobre sua cabeça</p><p>pequena, jazia alegremente um chapéu alto de seda.</p><p>Em pé, ereto diante de nossos pasmos amigos, o Zógol Besouro parecia</p><p>tão alto quanto o Homem de Lata, e certamente nenhum inseto em toda a</p><p>Terra de Oz jamais chegara a tão enorme tamanho.</p><p>– Confesso que sua chegada abrupta me causou surpresa, e sem dúvida</p><p>sobressaltou meus companheiros – disse o Espantalho. – Espero, entretanto,</p><p>que esta circunstância não o aflija. Provavelmente nos acostu-maremos a</p><p>você com o tempo.</p><p>– Não se desculpe, eu imploro! – tornou o Zógol Besouro, francamente.</p><p>– Causa-me imenso prazer surpreender as pessoas, pois certamente não</p><p>posso ser classificado como os insetos comuns e sou apto a causar tanto a</p><p>curiosidade quanto a admiração daqueles que encontro.</p><p>– Você é mesmo diferente – concordou Sua Majestade.</p><p>– Se você permitir que eu me sente ao lado de sua augusta companhia –</p><p>continuou o estrangeiro –, irei relatar minha história alegremente, para que</p><p>você seja capaz de compreender melhor minha incomum… eu poderia dizer</p><p>notável?… aparência.</p><p>– Você pode dizer o que desejar – respondeu o Homem de Lata,</p><p>sucintamente.</p><p>O Zógol Besouro sentou-se sobre a relva, virado para o pequeno grupo</p><p>de viajantes, e contou-lhes a seguinte história:</p><p>É apenas honesto que eu reconheça no começo de meu recital</p><p>que nasci um Zógol Besouro comum, Écomeçou a criatura, em</p><p>um tom franco e amigável. Sem saber muito, usei meus braços e</p><p>pernas para andar, e engatinhei sob as beiradas das rochas e me escondi</p><p>por entre as raízes das relvas, sem nenhuma intenção além de encontrar</p><p>alguns insetos menores do que eu para me alimentar.</p><p>As noites geladas me deixaram rígido e imóvel, pois eu não vestia nada,</p><p>mas a cada manhã os raios quentes do sol me davam uma nova vida e me</p><p>devolviam à ativida-de. É uma existência horrorosa, mas vocês devem se</p><p>lembrar de que é a existência regular e consagrada dos zógol besouros,</p><p>assim como a de muitas outras criaturas pequeninas que habitam a terra.</p><p>Mas o Destino me escolheu, embora humilde eu fosse, para uma sina</p><p>mais grandiosa! Um dia me arrastei para uma escola de campo, e minha</p><p>curiosidade foi atiçada pelo zumbido monótono dos alunos lá dentro.</p><p>Adentrei ousadamente e rastejei em uma rachadura entre duas lousas até</p><p>alcançar a beirada, onde, na frente de uma lareira com carvões em brasa, o</p><p>mestre estava sentado à sua mesa.</p><p>Ninguém notou uma criatura tão pequena quanto um zógol besouro, e</p><p>quando descobri que a lareira era ainda mais quente e confortável do que a</p><p>luz do sol, resolvi estabelecer meu futuro lar ao seu lado. Encontrei um</p><p>ninho adorável entre dois tijolos, e me escondi ali por muitos, muitos</p><p>meses.</p><p>O professor Sabitudo é, sem dúvidas, o mais famoso acadêmico da Terra</p><p>de Oz, e depois de alguns dias comecei a ouvir as palestras e discursos que</p><p>ele dava a seus pupilos. Nenhum deles era mais atento que o humilde e</p><p>despercebido Zógol Besouro, e consegui desta forma uma reserva de</p><p>conhecimento que eu mesmo irei confessar ser simplesmente maravilhosa.</p><p>É por isso que eu coloco “M. I.”, Minuciosamente Instruído, em meus</p><p>cartões de visita, pois o meu maior orgulho está no fato de que o mundo</p><p>não consegue produzir outro Zógol Besouro com um décimo da minha</p><p>cultura e erudição.</p><p>– Eu não culpo você – disse o Espantalho. – Instrução é algo de que se</p><p>orgulhar. Eu mesmo sou instruído. A mistura cerebral que me foi dada pelo</p><p>Grande Mágico é considerada, pelos meus amigos, insuperável.</p><p>– Contudo – interrompeu o Homem de Lata –, um bom coração é,</p><p>acredito, muito mais desejável do que instrução ou cérebro.</p><p>– Para mim uma boa perna é mais desejável do que qualquer um deles –</p><p>disse o Cavalete.</p><p>– Poderiam sementes ser consideradas como um cérebro? – inquiriu o</p><p>Cabeça de Abóbora abruptamente.</p><p>– Fique quieto! – ordenou Tip severamente.</p><p>– Está bem, querido pai – respondeu Jack, obediente.</p><p>O Zógol Besouro ouviu pacientemente – até mesmo respeitosamente – a</p><p>estas observações, e então retomou sua história:</p><p>– Eu devo ter vivido três anos inteiros isolado na lareira da escola,</p><p>bebendo com avidez da fonte incessante de conhecimento límpido que</p><p>chegava a mim.</p><p>– Bastante poético – comentou o Espantalho, assentindo a cabeça em</p><p>aprovação.</p><p>– Mas um dia – continuou o Besouro – uma circunstância maravilhosa</p><p>ocorreu, alterando minha existência e trazendo-me ao meu presente</p><p>pináculo de grandiosidade. O Professor descobriu-me no meio de meu</p><p>percurso rastejante pela lareira, e antes que eu pudesse escapar, pegou-me</p><p>entre seu polegar e seu indicador.</p><p>– Minhas caras crianças – disse ele. – Peguei um zógol besouro, um</p><p>espécime raro e interessante. Algum de vo-cês sabe o que é um zógol</p><p>besouro?</p><p>– Não! – gritaram os alunos, em coro.</p><p>– Então – disse o Professor. – Eu tirarei minha famosa lupa de grande</p><p>aumento e colocarei o inseto sobre a tela altamente ampliado, de modo que</p><p>vocês possam estu-dar cuidadosamente sua constituição peculiar e</p><p>familiari-zar-se com seus hábitos e modo de vida.</p><p>Ele trouxe, de um armário, um instrumento bastante curioso, e antes que</p><p>eu conseguisse perceber o que acontecia, eu me vi lançado em uma tela em</p><p>estado altamente engrandecido – assim como vocês me veem agora.</p><p>Os alunos levantaram-se de suas cadeiras e inclinaram suas cabeças</p><p>para frente, para ter uma visão melhor de mim, e duas menininhas</p><p>empoleiraram-se no parapeito de uma janela aberta, de onde conseguiam</p><p>me ver com mais clareza.</p><p>– Contemplem! – exclamou o Professor, em voz alta. – Este zógol</p><p>besouro altamente engrandecido é um dos mais curiosos insetos existentes!</p><p>Sendo</p><p>Minuciosamente Instruído, e sabendo o que se requer de um</p><p>cavalheiro culto, àquele ponto eu me levantei, e, pondo minha mão sobre o</p><p>peito, fiz uma reverência educada. Minha ação, inesperada, deve tê-los</p><p>assustado, pois uma das garotinhas dependurada no parapeito da janela</p><p>deu um grito e caiu para trás, levando consigo sua colega quando</p><p>desapareceu.</p><p>O professor emitiu um grito de horror e correu pela porta para ver se as</p><p>pobres crianças haviam se machucado com a queda. Os alunos o seguiram,</p><p>e fui deixado sozinho na sala de aula, ainda altamente engrandecido e livre</p><p>para fazer o que quisesse.</p><p>Imediatamente ocorreu-me que era uma boa oportunidade para escapar.</p><p>Estava orgulhoso de meu tamanho, e percebi que agora podia viajar em</p><p>segurança para qualquer lugar do mundo, enquanto minha cultura</p><p>superior me iria equiparar à pessoa mais estudada que eu poderia ter a</p><p>chance de encontrar.</p><p>Então, enquanto o professor ia socorrer as menininhas – mais</p><p>assustadas que machucadas – e os pupilos agrupavam-se ao seu redor, eu</p><p>calmamente caminhei para fora da escola, virei em uma esquina e escapei</p><p>despercebido para um ajuntamento de árvores próximo.</p><p>– Incrível! – exclamou o Cabeça de Abóbora, admirado.</p><p>– Foi mesmo – concordou o Zógol Besouro. – Eu nunca canso de me</p><p>parabenizar por fugir enquanto estava Altamente Engrandecido, pois até</p><p>meu conhecimento excessivo teria me sido pouco útil se eu houvesse</p><p>continuado como um inseto pequeno e insignificante.</p><p>– Eu não sabia antes que insetos usavam roupas – disse Tip, olhando</p><p>para o Zógol Besouro com uma expressão confusa.</p><p>– Não usam, em seu estado natural – tornou o estrangeiro –, mas no</p><p>curso de minhas andanças tive a sorte de salvar a nona vida de um alfaiate.</p><p>Os alfaiates têm, como os gatos, nove vidas, como você provavelmente</p><p>sabe. O amigo ficou excessivamente grato, pois se tivesse perdido aquela</p><p>nona vida teria sido seu fim, então ele pediu permissão para me prover com</p><p>o figu-rino elegante que agora visto. Veste muito bem, não é? – E o Zógol</p><p>Besouro levantou-se e deu uma volta devagar, para que todos pudessem</p><p>avaliar sua imagem.</p><p>– Deve ter sido um bom alfaiate – disse o Espantalho, com um pouco de</p><p>ciúmes.</p><p>– Era um alfaiate de bom coração, de qualquer forma – observou Nick</p><p>Chopper.</p><p>– Mas aonde você ia quando nos encontrou? – Tip perguntou ao Zógol</p><p>Besouro.</p><p>– A lugar nenhum em especial – foi a resposta –, embora seja minha</p><p>intenção em breve visitar a Cidade das Esmeraldas e arranjar uma modo de</p><p>dar um curso com palestras para uma assembleia seleta, sobre as vantagens</p><p>da Ampliação.</p><p>– Estamos a caminho da Cidade das Esmeraldas agora – disse o Homem</p><p>de Lata. – Então, se lhe agradar, será bem-vindo a viajar em nossa</p><p>companhia.</p><p>O Zógol Besouro fez uma reverência com profunda graça.</p><p>– Será um grande prazer aceitar seu convite gentil, pois em nenhum</p><p>lugar da Terra de Oz poderia esperar encontrar companhia tão agradável.</p><p>– É verdade – reconheceu o Cabeça de Abóbora. – Somos tão agradáveis</p><p>quanto moscas e mel.</p><p>– Mas, perdoe-me se pareço muito curioso, vocês não são todos</p><p>bastante… cof… bastante incomuns? – perguntou o Zógol Besouro,</p><p>olhando entre eles com interesse indisfarçado.</p><p>– Não mais do que você próprio – respondeu o Espantalho. – Tudo na</p><p>vida é incomum até você se acostumar.</p><p>– Que filosofia rara! – exclamou o Zógol Besouro, admiradamente.</p><p>– Sim, meu cérebro está funcionando bem hoje – admitiu o Espantalho,</p><p>um tom de orgulho em sua voz.</p><p>– Então, se vocês estiverem suficientemente descansados e revigorados,</p><p>vamos prosseguir para a Cidade das Esmeraldas – sugeriu o engrandecido.</p><p>– Não podemos – disse Tip. – O Cavalete quebrou a perna, de modo que</p><p>não conseguiremos prosseguir. E não há madeira por perto com que fazer</p><p>uma nova para ele. Não podemos deixar o cavalo para trás porque o Cabeça</p><p>de Abóbora é tão rígido nas juntas que precisa cavalgar.</p><p>– Que grande infelicidade! – exclamou o Zógol Besouro. Olhou o grupo</p><p>e disse: – Se o Cabeça de Abóbora precisa cavalgar, por que não usar uma</p><p>de suas pernas para fazer uma para o cavalo que o carrega? Parece-me que</p><p>ambos são feitos de madeira.</p><p>– Bem, isto é o que eu chamo de esperteza de verdade – disse o</p><p>Espantalho de modo aprovador. – Eu me surpreendo por meu cérebro não</p><p>ter pensado nisso antes! Ponha-se a trabalhar, caro Nick, e faça caber a</p><p>perna do Cabeça de Abóbora no Cavalete.</p><p>Jack não ficou nada contente com a ideia, mas concordou em ter sua</p><p>perna esquerda amputada pelo Homem de Lata e esculpida para caber no</p><p>lugar da pata esquerda do Cavalete, que também não estava</p><p>excepcionalmente feliz com a operação, pois resmungou bastante sobre</p><p>estar sendo “trucidado”, como chamou, e depois declarou que sua nova</p><p>perna era uma desgraça para um Cavalete respeitável.</p><p>– Imploro que seja mais cuidadoso com seu discurso – disse o Cabeça de</p><p>Abóbora, afiado. – Lembre-se, por favor, de que é a minha perna que você</p><p>está insultando.</p><p>– Não consigo me esquecer – tornou o Cavalete –, pois é tão frágil</p><p>quanto o resto de sua pessoa.</p><p>– Frágil! Eu, frágil! – gritou Jack, furioso. – Como você ousa me chamar</p><p>de “frágil”?</p><p>– Porque você foi construído de modo tão absur-do quanto uma</p><p>marionete – escarneceu o cavalo, revi-rando os olhos nodosos de maneira</p><p>perversa. – Nem mesmo sua cabeça fica direito, e você nunca sabe dizer se</p><p>está olhando para frente ou para trás!</p><p>– Amigos, suplico que não discutam! – pediu o Homem de Lata,</p><p>ansiosamente. – Para falar a verdade, nenhum de nós é impassível de</p><p>críticas, então vamos suportar os defeitos uns dos outros.</p><p>– Uma sugestão excelente – disse o Zógol Besouro com um tom</p><p>aprovador. – Você deve ter um coração maravilhoso, meu amigo metálico.</p><p>– Eu tenho – tornou Nick, bastante satisfeito. – Meu coração é a melhor</p><p>parte de mim. Mas agora vamos retomar nossa viagem.</p><p>Eles empoleiraram o Cabeça de Abóbora de uma perna só sobre o dorso</p><p>do Cavalete, e amarraram-no às cordas que o manteriam sentado, para que</p><p>não caísse.</p><p>E, seguindo o Espantalho, avançaram na direção da Cidade das</p><p>Esmeradas.</p><p>L ogo descobriram que o Cavalete mancava, pois sua nova perna era</p><p>um pouquinho maior que as demais, de modo que foram obrigados</p><p>a parar enquanto o Homem de Lata a cortava com seu machado;</p><p>depois disso, o corcel de madeira começou a caminhar com mais conforto.</p><p>Entretanto, mesmo assim o Cavalete não estava inteiramente satisfeito.</p><p>– Que pena que eu quebrei minha outra perna! – resmungou.</p><p>– Pelo contrário – observou o Zógol Besouro displicentemente, enquanto</p><p>prosseguia ladeando-o –, você deveria considerar o acidente bastante feliz,</p><p>pois um cavalo nunca é considerado muito útil até ter partido.</p><p>– Com licença – disse Tip, bastante incomodado, pois sentia uma</p><p>calorosa afeição tanto pelo Cavalete quanto por seu boneco Jack. – Permita-</p><p>me dizer que sua piada é ruim, e tão velha quanto ruim.</p><p>– Ainda assim, é uma piada – declarou o Zógol Besouro –, e uma piada</p><p>derivada de um jogo de palavras é considerada, entre pessoas instruídas,</p><p>eminentemente apropriada.</p><p>– O que isso quer dizer? – inquiriu o Cabeça de Abóbora, estupidamente.</p><p>– Significa, meu caro amigo – explicou o Zógol Besouro –, que nossa</p><p>língua contém muitas palavras que têm duplo significado, de modo que</p><p>emitir uma piada que permita os dois significados de certa palavra, prova</p><p>que o piadista é uma pessoa de cultura e refina-mento, que tem, além disso,</p><p>um completo domínio da língua.</p><p>– Eu não acredito nisso – disse Tip, direto. – Qualquer um pode fazer um</p><p>trocadilho.</p><p>– Não é verdade – respondeu o Zógol Besouro, rigidamente. – Requer</p><p>instrução de alta ordem. Você é instruído, jovem senhor?</p><p>– Não especialmente – admitiu Tip.</p><p>– Então não pode julgar o assunto. Eu mesmo sou Minuciosamente</p><p>Instruído, e digo que trocadilho demonstra genialidade. Por exemplo, se o</p><p>Cavalete pudesse crescer, ele seria um cavalo maior.4</p><p>Ao ouvir isso o Espantalho engasgou e o Homem de Lata parou de</p><p>chofre e olharam de modo repreensivo para o Zógol Besouro. Ao mesmo</p><p>tempo, o Cavalete bufou alto pela chacota, e até o Cabeça de Abóbora</p><p>ergueu a mão para esconder o sorriso</p><p>que, por ter sido entalhado em seu</p><p>rosto, não podia transmutar numa carranca.</p><p>Mas o Zógol Besouro continuou andando empi-nado como se houvesse</p><p>feito alguma observação brilhante, e o Espantalho foi obrigado a dizer:</p><p>– Ouvi dizer, meu caro amigo, que uma pessoa pode ficar instruída em</p><p>excesso, e embora eu tenha um alto respeito pelo cérebro, não importa</p><p>como seja organizado ou classificado, começo a suspeitar que o seu é um</p><p>pouco enrolado. Em todo caso, devo pedir que contenha sua instrução</p><p>superior enquanto estiver em nossa companhia.</p><p>– Não somos muito exigentes – acrescentou o Homem de Lata – e temos</p><p>um coração excessivamente bom. Mas se sua cultura superior vazar outra</p><p>vez… – ele não terminou a frase, mas girou o machado brilhante tão</p><p>descuidadamente que o Zógol Besouro pareceu assustado, e afastou-se para</p><p>uma distância segura.</p><p>Os outros prosseguiram em silêncio, e o Altamente Engrandecido,</p><p>depois de um período de reflexão profunda, disse em um tom humilde:</p><p>– Eu irei me esforçar para me conter.</p><p>– É tudo o que podemos esperar – respondeu o Espantalho de modo</p><p>afável. E, tendo o bom humor sido tão alegremente restaurado dentro do</p><p>grupo, continuaram a jornada.</p><p>Quando pararam outra vez para permitir que Tip descansasse, sendo o</p><p>garoto o único que parecia se cansar, o Homem de Lata notou vários</p><p>buracos pequenos e redondos no prado relvado.</p><p>– Esta deve ser a aldeia dos Ratos do Campo – ele disse ao Espantalho. –</p><p>Eu me pergunto se minha velha amiga, a Rainha dos Ratos, está na</p><p>vizinhança.</p><p>– Se estiver, poderia ser de grande utilidade para nós – respondeu o</p><p>Espantalho, que ficou impressionado com um pensamento repentino. – Veja</p><p>se consegue chamá-la, meu querido Nick.</p><p>Assim, o Homem de Lata soprou uma nota aguda em um apito de prata</p><p>que pendia de seu pescoço, e no mesmo instante um minúsculo rato cinza</p><p>surgiu de um buraco próximo e avançou sem medo na direção do grupo.</p><p>Como o Homem de Lata salvara sua vida uma vez, a Rainha dos Ratos do</p><p>Campo sabia que ele era confiável.</p><p>– Bom dia, Majestade! – disse Nick, dirigindo-se polidamente à rata. –</p><p>Espero que esteja gozando de boa saúde.</p><p>– Obrigada, estou bem – respondeu a Rainha, recatadamente, sentando-</p><p>se e mostrando a pequena coroa dourada sobre sua cabeça. – Posso fazer</p><p>alguma coisa para ajudar meus velhos amigos?</p><p>– Pode, sim – respondeu o Espantalho, com avidez. – Permita-me, eu</p><p>imploro, levar uma dúzia de seus súditos comigo para a Cidade das</p><p>Esmeraldas.</p><p>– Eles serão feridos de algum modo? – perguntou a Rainha, em tom de</p><p>dúvida.</p><p>– Acho que não – replicou o Espantalho. – Eu vou carregá-los</p><p>escondidos na palha que preenche o meu corpo, e quando lhes der o sinal,</p><p>desabotoando meu casaco, eles precisam apenas aparecer e correr de volta</p><p>para casa o mais rápido que puderem. Fazendo isso, irão me ajudar a</p><p>recobrar meu trono, que o Exército Rebelde tirou de mim.</p><p>– Nesse caso – disse a Rainha –, eu não recusarei seu pedido. Quando</p><p>você estiver pronto, convocarei doze de meus súditos mais inteligentes.</p><p>– Estou pronto agora – tornou o Espantalho, que então se deitou reto no</p><p>chão e desabotoou o casaco, pondo à mostra a massa de palha de que era</p><p>preenchido.</p><p>A Rainha emitiu um chamado estridente, e em um instante uma dúzia de</p><p>bonitos ratinhos do campo emergiram de seus buracos e pararam diante de</p><p>sua governante, aguardando ordens.</p><p>O que a Rainha lhes disse, nenhum dos viajantes conseguiu entender,</p><p>pois ela falara na língua dos ratos, mas os ratos do campo obedeceram sem</p><p>hesitar, correndo um atrás do outro para o Espantalho e escondendo-se na</p><p>palha de seu peito.</p><p>Quando todos os doze ratos haviam se escondido ali, o Espantalho</p><p>abotoou seu casaco seguramente, levantou-se e agradeceu à Rainha por sua</p><p>bondade.</p><p>– Há mais uma coisa que você pode fazer para nos servir – sugeriu o</p><p>Homem de Lata –, e esta é correr na frente para nos mostrar o caminho para</p><p>a Cidade das Esmeraldas, pois evidentemente temos um inimigo tentando</p><p>nos impedir de chegar até lá.</p><p>– Eu o farei alegremente – tornou a Rainha. – Vocês estão prontos?</p><p>O Homem de Lata olhou para Tip.</p><p>– Estou descansado – disse o garoto. – Vamos partir.</p><p>Retomaram, então, sua jornada, a pequenina e cinzenta Rainha dos Ratos</p><p>do Campo correndo velozmente à frente, parando em intervalos até os</p><p>viajantes a alcançarem, quando ela dispararia outra vez.</p><p>Sem aquela guia infalível, o Espantalho e seus companheiros poderiam</p><p>nunca ter ganhado a Cidade das Esmeraldas, pois muitos foram os</p><p>obstáculos lançados em seu caminho pelas artes da velha Mombi. Ainda</p><p>assim, nenhum daqueles empecilhos existia na verdade – todos eram ilusões</p><p>engenhosamente criadas. Por exemplo, quando chegaram às margens de</p><p>uma corredeira que ameaçava barrar seu caminho, a pequena Rainha</p><p>avançou sem parar por sobre a aparente enchente em segurança, e nossos</p><p>viajantes seguiram-na sem encontrar uma única gota de água.</p><p>Outra vez, um muro alto de granito erguia-se sobre suas cabeças,</p><p>opondo-se a seu progresso. Mas a Rata do Campo cinzenta avançou</p><p>diretamente sobre ele, e os outros fizeram o mesmo, o muro dissolvendo-se</p><p>em névoa conforme passavam.</p><p>Depois, quando haviam parado um momento para deixar Tip descansar,</p><p>viram quarenta estradas ramificando-se em quarenta diferentes direções, e</p><p>logo aquelas quarenta estradas começaram a rodopiar como uma roda</p><p>poderosa, primeiro em uma direção, e então em outra, atordoando</p><p>completamente sua visão.</p><p>Mas a Rainha os mandou seguirem-na e disparou em linha reta, e quando</p><p>eles haviam avançado alguns passos, as trilhas rodopiantes desapareceram e</p><p>não foram mais vistas.</p><p>O último truque de Mombi foi o mais assustador de todos: ela mandou</p><p>uma onda de chamas crepitantes varrendo o prado para consumi-los, e pela</p><p>primeira vez o Espantalho sentiu medo e virou-se para fugir.</p><p>– Se aquele fogo me atingir, será o meu fim! – disse ele, tremendo até</p><p>sua palha estalar. – É a coisa mais perigosa que já encontrei.</p><p>– Também vou embora! – gritou o Cavalete, virando-se e correndo em</p><p>grande agitação –, pois minha madeira é tão seca que queimaria como</p><p>gravetos.</p><p>– Fogo é perigoso para abóboras? – perguntou Jack, amedrontado.</p><p>– Você será cozido como pastel… e eu também! – respondeu o Zógol</p><p>Besouro, abaixando-se sobre as quatro patas para conseguir correr mais</p><p>rápido.</p><p>O Homem de Lata, entretanto, não temendo o fogo, evitou a debandada</p><p>com algumas palavras sensatas:</p><p>– Olhem para a Rata do Campo! – ele gritou. – O fogo não a queima</p><p>nem um pouco. Na verdade, não é fogo nenhum, mas uma ilusão.</p><p>De fato, assistir a pequena Rainha marchar calmamente contra as chamas</p><p>ameaçadoras devolveu coragem a cada membro do grupo, e eles seguiram-</p><p>na sem sequer serem chamuscados.</p><p>– Esta é com certeza uma aventura das mais extraordinárias – disse o</p><p>Zógol Besouro, que estava imensamente impressionado –, pois contraria</p><p>todas as Leis Na-turais que ouvi o Professor Sabitudo ensinar na escola.</p><p>– Claro que sim – disse o Espantalho sabiamente. – Toda mágica é</p><p>artificial, e por essa razão deve ser temida e evitada. Mas vejo diante de nós</p><p>os portões da Cidade das Esmeraldas, então imagino que tenhamos</p><p>ultrapassa-do todos os obstáculos que pareciam se opor a nós.</p><p>De fato, os muros da Cidade estavam incontestavelmente visíveis, e a</p><p>Rainha dos Ratos do Campo, que os guiara com tanta fidelidade,</p><p>aproximou-se para dar adeus.</p><p>– Somos muito gratos à Sua Majestade pela gentil ajuda – disse o</p><p>Homem de Lata, curvando-se diante da bonita criatura.</p><p>– Fico sempre feliz em poder ajudar meus amigos – respondeu a Rainha,</p><p>e disparou como um raio em seu caminho para casa.</p><p>4 A piada original é intraduzível, por isso optamos por fazer uma que condissesse com a nossa</p><p>língua, brincando com a acepção de cavalete como sinônimo de cavalinho. Já no trocadilho original,</p><p>o nome do Zógol Besouro é “Woggle Bug”, personagem que diz que, se montasse no Cavalete, o</p><p>animal viraria uma carruagem, pois seria um tílburi – “horse-and-buggy” (que, se fosse traduzido ao</p><p>pé da letra seria “cavalo e besouro/inseto”).</p><p>A proximando-se dos portões da Cidade das Esmeraldas, os viajantes</p><p>descobriram-nos</p><p>guardados por duas moças do Exército Rebelde que</p><p>obstruíram sua entrada tirando suas agulhas de tricô dos cabelos e pondo-as</p><p>em riste, ameaçando espetar o primeiro deles caso se aproximassem.</p><p>O Homem de Lata, entretanto, não tinha medo.</p><p>– O pior que podem fazer é arranhar minha cobertura de níquel – ele</p><p>disse. – Mas não acontecerá o pior, pois acho que conseguirei assustar essas</p><p>mulheres soldados ridículas com muita facilidade. Sigam-me de perto,</p><p>todos vocês!</p><p>Então, balançando seu machado em um grande círculo para a direita e</p><p>para a esquerda à sua frente, avançou para o portão, e os outros o seguiram</p><p>sem hesitar.</p><p>As moças, que não haviam previsto resistência alguma, apavoraram-se</p><p>com o giro do machado brilhante, e fugiram gritando para dentro da cidade,</p><p>de modo que nossos viajantes atravessaram os portões em segurança e</p><p>marcharam para o pavimento de mármore verde da rua larga que dava para</p><p>o palácio real.</p><p>– Neste passo, logo iremos restituir Sua Majestade ao trono – disse o</p><p>Homem de Lata, rindo pela facilidade com que derrotara as guardas.</p><p>– Obrigado, amigo Nick – respondeu o Espantalho com gratidão. – Nada</p><p>pode resistir a seu coração gentil e seu machado afiado.</p><p>Conforme passaram pelas fileiras de casas, viram através das portas</p><p>abertas que os homens estavam varrendo, espanando e lavando a louça,</p><p>enquanto as mulheres se encontravam sentadas em grupos, fofocando e</p><p>rindo.</p><p>– O que aconteceu? – o Espantalho perguntou a um homem com</p><p>aparência triste e uma barba espessa, que vestia um avental e levava um</p><p>carrinho de bebê pela calçada.</p><p>– Ora, passamos por uma revolução, Sua Majestade, como você deve</p><p>saber muito bem – respondeu o homem. – E desde que você se foi, as</p><p>mulheres têm levado as coisas do modo que mais lhes agrada. Estou feliz</p><p>que você tenha decidido voltar e restabelecer a ordem, porque fazer as</p><p>tarefas de casa e cuidar das crianças está exaurindo as forças de cada</p><p>homem da Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Hum! – disse o Espantalho, pensativamente. – Se é um trabalho tão</p><p>pesado, como você diz, como as mulheres conseguiam cumpri-lo com tanta</p><p>facilidade?</p><p>– Eu realmente não sei – replicou o homem, com um suspiro profundo. –</p><p>Talvez as mulheres sejam feitas de ferro fundido.</p><p>Nenhum movimento foi feito, enquanto passavam pela rua, para obstruir</p><p>seu progresso. Várias das mulheres paravam suas fofocas por tempo o</p><p>suficiente para lançar olhares curiosos sobre nossos amigos, mas</p><p>imediatamente viravam-se com uma risada, ou um sorriso irônico, e</p><p>retomavam a conversa. E quando encontraram várias moças do Exército</p><p>Rebelde, em vez de ficarem alarmadas ou parecerem surpresas, meramente</p><p>saíram do caminho e permitiram que avançassem sem protestar.</p><p>Essa reação deixou o Espantalho desconfiado.</p><p>– Temo estarmos entrando em uma armadilha.</p><p>– Bobagem! – volveu Nick Chopper, confiante. – Essas criaturas bobas</p><p>já foram vencidas!</p><p>O Espantalho, contudo, balançou a cabeça de modo a expressar dúvida, e</p><p>Tip disse:</p><p>– Está fácil demais. Esperem por problemas adiante.</p><p>– Eu vou – tornou Sua Majestade. Sem nenhuma resistência, alcançaram</p><p>o palácio real e galgaram os degraus de mármore, que no passado haviam</p><p>sido espessamente incrustados com esmeraldas, mas agora estavam cheios</p><p>de buraquinhos, de onde as joias haviam sido impiedosamente arrancadas</p><p>pelo Exército Rebelde. Ainda assim, nenhuma moça barrou-lhes o caminho.</p><p>O Homem de Lata e seus amigos seguiram pelos corredores em arco até</p><p>a magnífica sala do trono, e ali, quando as cortinas verdes de seda caíram às</p><p>suas costas, depararam-se com uma visão curiosa.</p><p>Sentada sobre o trono reluzente estava a General Jinjur, com a segunda</p><p>melhor coroa do Espantalho sobre sua cabeça e o cetro real em sua mão</p><p>direita. Uma caixa de caramelos, da qual ela comia, jazia em seu colo, e a</p><p>moça parecia totalmente à vontade em seu ambiente de realeza.</p><p>O Espantalho deu um passo à frente e confrontou-a, enquanto o Homem</p><p>de Lata inclinou-se sobre seu machado e os outros formaram um meio-</p><p>círculo atrás de sua verdadeira Majestade.</p><p>– Como você ousa sentar-se em meu trono? – questionou o Espantalho,</p><p>olhando severamente para a intrusa. – Você não sabe que é culpada de</p><p>traição, e que existe uma lei contra traição?</p><p>– O trono pertence a quem quer que seja capaz de tomá-lo – respondeu</p><p>Jinjur, enquanto comia outro caramelo devagar. – Eu o tomei, como vocês</p><p>podem ver, e agora sou a Rainha, e todos aqueles que se opuserem a mim</p><p>serão culpados de traição, e deverão ser punidos pela lei que você acabou</p><p>de mencionar.</p><p>Essa visão da situação confundiu o Espantalho.</p><p>– Como é isso, amigo Nick? – ele perguntou, virando-se para o Homem</p><p>de Lata.</p><p>– Ora, quando o assunto é lei, não tenho nada a dizer – respondeu o</p><p>lenhador –, pois leis nunca foram feitas para serem entendidas, e é tolice</p><p>tentar.</p><p>– O que devemos fazer, então? – perguntou o Espantalho, consternado.</p><p>– Por que você não se casa com a Rainha? Assim vocês dois podem</p><p>governar – sugeriu o Zógol Besouro.</p><p>Jinjur lançou ao inseto um olhar feroz.</p><p>– Por que você não a manda de volta para a mãe dela, onde ela deveria</p><p>estar? – perguntou Jack Cabeça de Abóbora.</p><p>Jinjur fechou a cara numa carranca.</p><p>– Por que você não a tranca em um armário até ela se comportar e</p><p>prometer ser uma boa garota? – inquiriu Tip. Os lábios de Jinjur curvaram-</p><p>se desdenhosamente.</p><p>– Ou dê-lhe um bom puxão de orelhas! – acrescentou o Cavalete.</p><p>– Não – disse o Homem de Lata. – Devemos tratar a pobre garota com</p><p>grandeza. Vamos dar a ela todas as joias que puder levar, e mandá-la</p><p>embora feliz e satisfeita.</p><p>Nesse ponto, Jinjur riu alto, e no minuto seguinte bateu suas belas mãos</p><p>três vezes, como se fosse um sinal.</p><p>– Vocês são umas criaturas muito absurdas – disse ela –, mas estou</p><p>cansada de suas bobagens e não tenho mais tempo para me aborrecer com</p><p>vocês.</p><p>Enquanto o monarca e seus amigos ouviram com surpresa aquele</p><p>discurso insolente, algo espantoso aconteceu. O machado do Homem de</p><p>Lata foi arrancado de suas mãos por alguém atrás dele, e o lenhador viu-se</p><p>desarmado e desamparado. No mesmo instante, um coro de gargalhadas</p><p>soou nos ouvidos do grupo leal, e, virando-se para ver de onde viera o som,</p><p>eles viram-se cercados pelo Exército Rebelde, as garotas tendo em cada</p><p>mão agulhas de tricô reluzentes. A sala do trono inteira parecia preenchida</p><p>com elas, e o Espantalho e seus companheiros perceberam que eram</p><p>prisioneiros.</p><p>– Veja como é estúpido opor-se à inteligência de uma mulher – disse</p><p>Jinjur, alegremente –, e este acontecimento apenas prova que sou mais</p><p>adequada para governar a Cidade das Esmeraldas do que um espantalho.</p><p>Não tenho nenhuma intenção maldosa, eu lhes asseguro, mas se vocês se</p><p>provarem um incômodo para mim no futuro, ordenarei que sejam</p><p>destruídos. Isto é, todos exceto o garoto, que pertence à velha Mombi e</p><p>deve ser devolvido à sua custódia. Os outros não são humanos, portanto não</p><p>será cruel aniquilá-los. Os corpos do Cavalete e do Cabeça de Abóbora</p><p>serão cortados para produzir lenha, e a abóbora deverá ser transformada em</p><p>tortas. O Espantalho servirá bem para acender uma fogueira, e o homem</p><p>feito de estanho será cortado em pedacinhos e dado de comer às cabras.</p><p>Quanto a este imenso Zógol Besouro…</p><p>– Altamente Engrandecido, por gentileza! – interrompeu o inseto.</p><p>– Acho que vou pedir ao cozinheiro para fazer sopa de tartaruga verde</p><p>com você – continuou a Rainha, pensativamente.</p><p>O Zógol Besouro encolheu os ombros.</p><p>– Ou, se não der certo, podemos usar você para fazer um gulache5</p><p>húngaro, guisado e altamente apimentado – acrescentou ela, cruelmente.</p><p>Aquele projeto de extermínio era tão terrível, que os prisioneiros</p><p>olharam uns para os outros em pânico. O Espantalho foi o único que não</p><p>cedeu ao desespero. Ele ficou parado quieto diante da Rainha, e sua testa</p><p>estava enrugada ante a profundidade de suas reflexões, conforme se</p><p>empenhava em encontrar algum meio de escapar.</p><p>Enquanto ocupava-se desse modo, ele sentiu a palha de seu peito mover-</p><p>se gentilmente. Logo sua expressão mudou de tristeza para exultação, e,</p><p>erguendo sua mão, rapidamente desabotoou a parte da</p><p>frente de seu casaco.</p><p>A ação não passou despercebida pela multidão de garotas ao seu redor,</p><p>mas nenhuma delas suspeitou o que ele estava fazendo até um minúsculo</p><p>ratinho cinza pular de seu peito para o chão e correr entre os pés do</p><p>Exército Rebelde. Outro rato logo seguiu, então outro e mais outro, em</p><p>sucessão veloz. E de repente tal brado de terror ecoou do Exército que</p><p>poderia facilmente ter preenchido o coração mais forte de pavor. A fuga que</p><p>sucedeu transformou-se em debandada, e de debandada em um pânico</p><p>generalizado.</p><p>Por um tempo, os ratos assustados correram impetuosamente pela sala. O</p><p>Espantalho teve tempo apenas de notar um rodopio de saias e um bruxuleio</p><p>de pés quando as garotas desapareceram do palácio – empurrando umas as</p><p>outras e apinhando-se em seus furiosos esforços de escapar.</p><p>A Rainha, ao primeiro sinal, pôs-se em pé sobre as almofadas do trono e</p><p>começou a dançar freneticamente nas pontas dos pés. Então um rato subiu</p><p>correndo nas almofadas, e com um pulo aterrorizado, a pobre Jinjur saltou</p><p>sobre a cabeça do Espantalho e escapou por uma arcada – sem parar em sua</p><p>carreira desabalada até alcançar os portões da cidade.</p><p>Assim sendo, em menos tempo do que consigo explicar, a sala do trono</p><p>foi abandonada por todos, exceto o Espantalho e seus amigos, e o Zógol</p><p>Besouro arquejou um profundo suspiro de alívio quando exclamou:</p><p>– Graças aos céus, estamos salvos!</p><p>– Por algum tempo, sim – respondeu o Homem de Lata. – Mas temo que</p><p>o inimigo logo retorne.</p><p>– Vamos trancar as entradas do palácio! – disse o Espantalho. – Então</p><p>teremos tempo para pensar no melhor a ser feito.</p><p>Dessa forma, todos, exceto Jack Cabeça de Abóbora, que ainda estava</p><p>fortemente amarrado ao Cavalete, correram para as várias entradas do</p><p>palácio real e fecharam as pesadas portas, aferrolhando e trancando-as</p><p>seguramente. Então, sabendo que o Exército Rebelde não conseguiria</p><p>derrubar as barreiras por vários dias, os aventureiros reuniram-se outra vez</p><p>na sala do trono para um conselho de guerra.</p><p>5 Prato típico húngaro que consiste em um ensopado de carne de boi com cebolas, batata inglesa e</p><p>páprica.</p><p>P arece-me – começou o Espantalho, quando todos estavam reunidos</p><p>novamente na sala do trono – que a garota Jinjur está certa em</p><p>clamar a si mesma como Rainha. E se estiver certa, então estou</p><p>errado, e não temos o direito de ocupar o palácio dela.</p><p>– Mas você era o Rei quando ela veio – disse o Zógol Besouro, andando</p><p>para um lado e para o outro com as mãos nos bolsos –, de modo que parece</p><p>ser ela a intrusa, em vez de você.</p><p>– Especialmente considerando que acabamos de vencê-la e fazê-la fugir</p><p>– acrescentou o Cabeça de Abóbora, erguendo as mãos para virar seu rosto</p><p>na direção do Espantalho.</p><p>– Nós realmente a vencemos? – perguntou o Espantalho quietamente. –</p><p>Olhe para fora pela janela, e diga-me o que você vê.</p><p>– O palácio está cercado por uma dupla fileira de mulheres soldados –</p><p>ele anunciou.</p><p>– Imaginei que estaria – replicou o Espantalho. – Somos de fatos</p><p>prisioneiros delas tanto quanto éramos antes de os ratos as assustarem para</p><p>fora do palácio.</p><p>– Meu amigo está certo – disse Nick Chopper, que estivera polindo seu</p><p>peito com um pedaço de pano. – Jinjur ainda é a Rainha, e somos seus</p><p>prisioneiros.</p><p>– Mas espero que ela não consiga nos alcançar – exclamou o Cabeça de</p><p>Abóbora, com um calafrio de medo. – Ela ameaçou fazer tortas comigo,</p><p>sabem.</p><p>– Não se preocupe – disse o Homem de Lata. – Não importa muito. Se</p><p>você ficar trancado aqui, vai estragar com o tempo, de qualquer modo. Uma</p><p>boa torta é imensamente mais admirável do que um intelecto podre.</p><p>– Verdade – concordou o Espantalho.</p><p>– Oh, céus! – resmungou Jack. – Que infeliz destino é o meu! Por que,</p><p>querido pai, você não me fez de estanho… ou mesmo de palha… para que</p><p>eu pudesse viver infinitamente?</p><p>– Porcaria! – tornou Tip, indignado. – Você deveria estar feliz só por eu</p><p>ter feito você. – Então acrescentou, pensativamente: – Tudo tem de</p><p>terminar, alguma hora.</p><p>– Mas eu devo fazê-lo recordar – interrompeu o Zógol Besouro, com um</p><p>olhar angustiado em seus olhos redondos e saltados – que essa Rainha</p><p>Jinjur sugeriu fazer um gulache comigo… comigo! O único Zógol Besouro</p><p>Altamente Engrandecido e Minuciosamente Instruído do mundo inteiro!</p><p>– Achei uma ideia brilhante – observou o Espantalho em tom de</p><p>aprovação.</p><p>– Você não acha que ele daria uma sopa melhor? – perguntou o Homem</p><p>de Lata, virando-se para seu amigo.</p><p>– Bem, talvez – reconheceu o Espantalho.</p><p>O Zógol Besouro resmungou:</p><p>– Eu consigo ver, com os olhos da minha mente – ele disse,</p><p>pesarosamente – as cabras comendo pedaços de meu caro colega, o Homem</p><p>de Lata, enquanto minha sopa está sendo cozida em uma fogueira feita dos</p><p>corpos do Cavalete e do Jack Cabeça de Abóbora, e a Rainha Jinjur me</p><p>assiste fervendo enquanto alimenta as chamas com meu amigo Espantalho!</p><p>Aquela imagem mórbida lançou uma melancolia sobre todo o grupo,</p><p>deixando-os inquietos e ansiosos.</p><p>– Isso não tem como acontecer durante um tempo – disse o Homem de</p><p>Lata, tentando falar alegremente –, pois seremos capazes de manter Jinjur</p><p>fora do palácio até ela conseguir arrombar as portas.</p><p>– E enquanto isso, estou sujeito a morrer de fome, e também o Zógol</p><p>Besouro – anunciou Tip.</p><p>– Quanto a mim – disse o Zógol Besouro –, acredito que conseguiria</p><p>viver por algum tempo me alimentando do Jack Cabeça de Abóbora. Não</p><p>que minha comida preferida seja abóbora, mas acredito que são nutritivas, e</p><p>a cabeça de Jack é grande e rechonchuda.</p><p>– Que impiedoso! – exclamou o Homem de Lata, imensamente chocado.</p><p>– Somos canibais, posso perguntar? Ou somos amigos fiéis?</p><p>– Vejo claramente que não podemos permanecer trancados neste lugar –</p><p>disse o Espantalho, decidido. – Então vamos terminar esta conversa</p><p>deprimente e tentar descobrir um modo de escapar.</p><p>Ao ouvirem aquela sugestão, todos se reuniram avidamente ao redor do</p><p>trono, onde estava sentado o Espantalho, e quando Tip sentou-se em um</p><p>banquinho, caiu de seu bolso um moedor de pimenta, que rolou pelo chão.</p><p>– O que é isso? – perguntou Nick Chopper, pegando o moedor.</p><p>– Tenha cuidado! – exclamou o rapaz. – É o meu Pó da Vida. Não</p><p>derrube, pois está quase acabando.</p><p>– E o que é o Pó da Vida? – inquiriu o Espantalho, enquanto Tip</p><p>guardava o moedor de volta cuidadosamente em seu bolso.</p><p>– É alguma coisa mágica que a velha Mombi comprou de um feiticeiro</p><p>corcunda – explicou o garoto. – Ela trouxe Jack à vida com ele, e depois eu</p><p>o usei para dar vida ao Cavalete. Acho que qualquer coisa que se borrife</p><p>com isso ganha vida, mas tem mais ou menos o suficiente para apenas mais</p><p>uma dose.</p><p>– Então é muito precioso – disse o Homem de >Lata.</p><p>– É, de fato – concordou o Espantalho. – Pode se provar o melhor meio</p><p>de escapar de nossas dificuldades. Acredito que irei pensar por alguns</p><p>minutos, então agradecerei, amigo Tip, se pegar sua faca e arrancar esta</p><p>coroa pesada da minha testa.</p><p>Tip logo cortou os pontos que prendiam a coroa à cabeça do Espantalho,</p><p>e o antigo monarca da Cidade das Esmeraldas removeu-a com um suspiro</p><p>de alívio e a pendurou em um gancho ao lado do trono.</p><p>– Essa é minha última recordação da realeza – ele disse –, e estou feliz</p><p>em me livrar dela. O antigo Rei desta Cidade, cujo nome era Pastoria,</p><p>perdeu a coroa para o Maravilhoso Mágico, que a passou a mim. Agora a</p><p>garota Jinjur a clama, e eu sinceramente espero que não lhe dê dor de</p><p>cabeça.</p><p>– Um pensamento gentil, que eu admiro imensamente – disse o Homem</p><p>de Lata, assentindo com ar de aprovação.</p><p>– E agora eu vou me dar ao luxo de refletir quietamente – continuou o</p><p>Espantalho, recostando-se no trono.</p><p>Os outros permaneceram tão silenciosos e imóveis quanto possível, para</p><p>não perturbá-lo, pois todos tinham grande confiança no cérebro</p><p>extraordinário do Espantalho.</p><p>E, depois do que pareceu, de fato, muito tempo aos que assistiam, o</p><p>pensador sentou-se reto, olhou para seus amigos com sua expressão mais</p><p>excêntrica e disse:</p><p>– Meu cérebro está trabalhando maravilhosamente hoje. Estou bastante</p><p>orgulhoso dele. Agora, ouçam! Se tentarmos escapar pelas portas do</p><p>palácio,</p><p>A criança não tinha amigos, portanto não sabia que garotos costumavam</p><p>cavar a parte de dentro de uma Cabeça de Abóbora e, no espaço assim</p><p>criado, colocavam uma vela para tornar o rosto mais assustador. No entanto,</p><p>ele teve uma ideia própria que prometia ser tão efetiva quanto. Decidiu</p><p>fazer o corpo de um homem para usar a Cabeça de Abóbora, e colocá-lo em</p><p>pé em um lugar onde Mombi pudesse encontrá-lo cara a cara.</p><p>– E então – disse Tip a si mesmo com uma risada – ela vai guinchar mais</p><p>alto que a porca marrom quando lhe puxo o rabo, e tremer de medo; será</p><p>pior do que eu no ano passado, quando tive malária.</p><p>Ele teve bastante tempo para cumprir sua tarefa, pois Mombi fora a um</p><p>vilarejo – para ir ao mercadinho, ela dissera – e era uma viagem de no</p><p>mínimo dois dias.</p><p>Tip, então, levou seu machado à floresta e escolheu árvores jovens, retas</p><p>e robustas, cortou-as e limpou-as de todos os seus galhos e folhas. Com</p><p>eles, faria os braços, as pernas e os pés de seu homem. Para o corpo, ele</p><p>arrancou uma grossa folha de casca de uma árvore grande, e com muito</p><p>esforço fez um cilindro mais ou menos do tamanho certo, prendendo as</p><p>extremidades com ganchos de madeira. Assobiou alegremente enquanto</p><p>trabalhava, articulando, com cuidado, os membros do boneco e prendendo-</p><p>os ao corpo com ganchos talhados com sua faca.</p><p>Quando tal façanha foi concluída, começara a escurecer, e Tip lembrou</p><p>que deveria ordenhar a vaca de quatro chifres e alimentar os porcos. Pegou</p><p>seu homem de madeira e o carregou consigo de volta para casa.</p><p>Durante a noite, à luz da fogueira da cozinha, Tip arredondou</p><p>cuidadosamente todas as pontas das articulações, e suavizou os pontos</p><p>ásperos de maneira limpa e profissional. Então apoiou a figura em pé contra</p><p>a parede e admirou-a. Parecia notadamente alta, até mesmo para um homem</p><p>completamente crescido, mas isso era uma vantagem aos olhos do menino,</p><p>que não tinha problemas com o tamanho de sua criação.</p><p>Na manhã seguinte, quando olhou para sua obra outra vez, Tip viu que se</p><p>esquecera de dar ao boneco um pescoço, para que pudesse prender a Cabeça</p><p>de Abóbora ao corpo. Retornou à floresta, que não era muito longe, e cortou</p><p>de uma árvore vários pedaços de madeira para terminar seu trabalho.</p><p>Quando voltou, amarrou um pedaço em forma de cruz na extremidade</p><p>superior do corpo, fazendo um buraco no centro para colocar o pescoço e</p><p>mantê-lo devidamente preso. O aglomerado de madeira que formava o</p><p>pescoço foi também afiado na parte de cima e, quando tudo estava pronto,</p><p>Tip colocou a Cabeça de Abóbora, pressionando-a bem contra a ponta de</p><p>madeira, e descobriu que servia perfeitamente. A cabeça podia ser virada</p><p>para um lado e para o outro, conforme o menino desejasse, e as articulações</p><p>dos braços e pernas permitiam-lhe pôr o boneco em qualquer posição que</p><p>quisesse.</p><p>– Agora sim – declarou Tip orgulhosamente –, este é um bom boneco, e</p><p>deve arrancar vários berros estridentes da velha Mombi. Mas seria mais real</p><p>se estivesse adequadamente vestido.</p><p>Encontrar roupas não parecia uma tarefa fácil, mas Tip ousadamente</p><p>esquadrinhou o grande baú em que Mombi guardava todas as suas</p><p>lembranças e tesouros, e no fundo descobriu umas calças roxas, uma camisa</p><p>vermelha e um colete rosa com bolinhas brancas. Levou esse conjunto para</p><p>seu boneco e começou, embora as roupas não coubessem muito bem, a</p><p>vestir a criatura de forma alegre. Meias tricotadas de Mombi e um par bem</p><p>gasto de seus próprios sapatos completaram os aparatos do boneco, e Tip</p><p>ficou tão contente que dançou para cima e para baixo e riu alto em um</p><p>êxtase infantil.</p><p>– Devo dar um nome a ele! – o menino gritou. – Um boneco tão bom</p><p>certamente deve ter um nome – E acrescentou, após refletir um momento: –</p><p>Acho que vou chamar o camarada de Jack Cabeça de Abóbora.</p><p>epois de considerar o assunto com cuidado, decidiu que o</p><p>melhor lugar para pôr Jack seria na curva da estrada, um pouco</p><p>distante da casa. Assim, começou a levar seu homem para lá,</p><p>mas descobriu que era pesado e bastante desajeitado de manejar. Depois de</p><p>arrastar a criatura por uma pequena distância, Tip a colocou em pé, e,</p><p>primeiro curvando as articulações de uma perna, depois da outra, e, ao</p><p>mesmo tempo empurrando pelas costas, o menino conseguiu fazer Jack</p><p>andar até a curva da estrada. Não foi um percurso livre de alguns tropeções,</p><p>e Tip realmente trabalhou mais duro do que nunca antes nas plantações ou</p><p>na floresta, mas o amor por travessuras o levou adiante, e agradava-o testar</p><p>a habilidade de seu artesanato.</p><p>– Jack está bem, e funciona direito! – ele disse para si mesmo, arfando</p><p>pelo esforço não habitual. Mas logo descobriu que o braço esquerdo do</p><p>boneco caíra no trajeto, então voltou para encontrá-lo, e depois, tendo feito</p><p>um prego novo e mais robusto para a articulação dos ombros, reparou a</p><p>afronta com tanto sucesso que o braço ficou mais forte do que antes. Tip</p><p>também percebeu que a Cabeça de Abóbora de Jack estava virada para trás,</p><p>mas isso era fácil de remediar. Quando finalmente o boneco tinha a face</p><p>encarando a direção de onde a velha Mombi viria, pareceu normal o</p><p>bastante para ser uma imitação fiel de um fazendeiro Gillikin – e anormal o</p><p>suficiente para assustar qualquer um que passasse por ele distraído.</p><p>Como ainda era muito cedo para esperar a senhora voltar para casa, Tip</p><p>desceu para o vale abaixo da casa e começou a colher nozes das árvores que</p><p>cresciam ali.</p><p>Entretanto, a velha Mombi voltou antes do que de costume. Encontrara</p><p>um mago corcunda que morava numa caverna nas montanhas, e negociara</p><p>com ele vários segredos importantes de magia. Tendo conseguido dessa</p><p>forma três receitas novas, quatro pós mágicos e uma seleção de ervas de</p><p>maravilhoso poder e potência, ela mancara de volta para casa o mais rápido</p><p>que conseguira, para testar seus novos feitiços.</p><p>Tão imersa estava Mombi nos tesouros que ganhara, que quando dobrou</p><p>a curva da estrada e vislumbrou o boneco, meramente assentiu e disse:</p><p>– Boa noite, senhor.</p><p>Um momento depois, notando que a pessoa não se movera nem</p><p>respondera, lançou um olhar astuto a seu rosto e descobriu a Cabeça de</p><p>Abóbora, entalhada de forma elaborada pela faca de Tip.</p><p>– Eh! – exclamou Mombi, dando um tipo de grunhido. – Aquele</p><p>moleque maroto está pregando peças outra vez! Muito bem! Muito bem!</p><p>Vou espancá-lo por tentar me assustar dessa maneira!</p><p>Furiosamente, ela ergueu seu cajado para esmagar a cabeça sorridente de</p><p>abóbora do boneco, mas um pensamento repentino a interrompeu; o cajado</p><p>erguido ficou imóvel no ar.</p><p>– Bem, aqui está uma boa oportunidade de testar meu novo pó! – disse</p><p>ela avidamente. – E então poderei saber se aquele mago corcunda negociou</p><p>seus segredos de maneira justa, ou se me fez de tola tão cruelmente quanto</p><p>eu o fiz.</p><p>Desse modo, ela baixou sua cesta e começou a remexer seu conteúdo em</p><p>busca de um dos preciosos pós que obtivera.</p><p>Enquanto Mombi estava assim ocupada, Tip caminhava de volta, com</p><p>seus bolsos cheios de nozes, e percebeu a velha em pé ao lado de seu</p><p>boneco e aparentemente nem um pouco assustada.</p><p>A princípio ele ficou bem desapontado, mas no instante seguinte viu-se</p><p>curioso para saber o que Mombi iria fazer. Então se escondeu atrás de uma</p><p>sebe, de onde podia vê-la sem ser visto, e preparou-se para assistir.</p><p>Depois de certa procura, a mulher tirou da cesta um velho moedor de</p><p>pimenta, em cujo rótulo meio apagado o mago escrevera com um lápis-</p><p>grafite: “Pó da Vida”.</p><p>– Ah, aqui está! – ela gritou alegremente. – Vamos ver se isso é potente.</p><p>O mago mesquinho não me deu muito, mas acho que tem o bastante para</p><p>duas ou três doses.</p><p>Tip ficou muito surpreso ao ouvir aquilo. Viu, então, a velha Mombi</p><p>erguer o braço e aspergir o pó do moedor sobre a Cabeça de Abóbora de seu</p><p>boneco Jack. Ela o fez do mesmo modo que alguém colocaria pimenta em</p><p>uma batata cozida, e o pó espalhou-se da cabeça de Jack, sobre a camisa</p><p>vermelha, o colete rosa e as calças roxas com que Tip o vestira, e uma</p><p>porção caiu até mesmo sobre os sapatos gastos e manchados.</p><p>Então, depois de pôr o moedor de pimenta de volta na cesta, Mombi</p><p>ergueu sua mão esquerda</p><p>certamente seremos capturados. E, como não podemos escapar</p><p>através do chão, só há uma coisa a ser feita. Devemos escapar pelo ar!</p><p>Ele pausou para perceber o efeito daquelas palavras, mas todos os</p><p>ouvintes pareciam confusos e não convencidos.</p><p>– O Maravilho Mágico escapou em um balão – ele continuou. – Não</p><p>sabemos fazer um balão, claro, mas qualquer tipo de coisa que possa voar</p><p>no ar pode nos carregar com facilidade. Então sugiro que meu amigo</p><p>Homem de Lata, que é um mecânico habilidoso, construa algum tipo de</p><p>máquina, com asas boas e fortes, para nos levar, e nosso amigo Tip pode</p><p>trazê-la à vida com seu pó mágico.</p><p>– Bravo! – exclamou Nick Chopper.</p><p>– Que cérebro esplêndido! – murmurou Jack.</p><p>– Realmente muito esperto – disse o Zógol Besouro Instruído.</p><p>– Acredito que possa ser feito – declarou Tip. – Isto é, se o Homem de</p><p>Lata executar bem a construção da Coisa.</p><p>– Farei o meu melhor – disse Nick, alegremente. – E, aliás, eu não</p><p>costumo falhar naquilo que tento fazer. Mas a Coisa terá de ser construída</p><p>no telhado do palácio, para poder ascender ao ar confortavelmente.</p><p>– Claro – disse o Espantalho.</p><p>– Então vamos procurar pelo palácio e carregar todo o material que</p><p>pudermos encontrar para o telhado, onde começarei meu trabalho –</p><p>continuou o Homem de Lata.</p><p>– Primeiro, entretanto – disse o Cabeça de Abóbora –, eu imploro que</p><p>me libertem deste cavalo e me façam uma perna nova com que andar, já que</p><p>em minha presente condição eu não tenho utilidade nem para mim mesmo,</p><p>nem para mais ninguém.</p><p>Com isso, o Homem de Lata quebrou uma mesa de mármore em pedaços</p><p>com seu machado e colocou uma das pernas, lindamente entalhada, no</p><p>corpo de Jack Cabeça de Abóbora, que ficou bastante orgulhoso da</p><p>aquisição.</p><p>– Soa estranho minha perna esquerda ser a parte mais elegante e sólida</p><p>de mim – ele disse, enquanto assistia o Homem de Lata trabalhar.</p><p>– Isso prova que você é incomum – tornou o Espantalho. – E estou</p><p>convencido de que as únicas pessoas dignas de atenção neste mundo são as</p><p>incomuns. Pois as comuns são como as folhas de uma árvore, que vivem e</p><p>morrem sem serem notadas.</p><p>– Falou como um filósofo! – exclamou o Zógol Besouro, enquanto</p><p>ajudava o Homem de Lata a pôr Jack de pé.</p><p>– Como você se sente agora? – perguntou Tip, observando o Cabeça de</p><p>Abóbora andando com pisadas duras de um lado para o outro para testar sua</p><p>nova perna.</p><p>– Boa como nova – respondeu Jack, exultante. – E bem pronta para</p><p>ajudar todos vocês a escaparem.</p><p>– Então vamos trabalhar – disse o Espantalho, em um tom profissional.</p><p>Assim, felizes de estarem fazendo algo que levaria ao fim de seu</p><p>cativeiro, os amigos separaram-se para vagar pelo palácio à procura de</p><p>material para usar na construção de sua máquina aérea.</p><p>Q uando os aventureiros se reagruparam no telhado, descobriram que</p><p>uma notável variedade de artigos havia sido selecionada pelos</p><p>vários membros do grupo. Ninguém parecia ter uma ideia clara do</p><p>que era necessário, mas todos haviam trazido algo.</p><p>O Zógol Besouro tirara, de seu lugar sobre uma lareira no corredor</p><p>principal, a cabeça de um Gumpo, adornada por seus chifres extensos, e a</p><p>carregara com grande cuidado e com dificuldade maior ainda pelas escadas</p><p>acima até o telhado. O Gumpo assemelhava-se à cabeça de um alce, mas</p><p>com o nariz curvado para cima de maneira impertinente e barba no queixo,</p><p>como a de um bode. O Zógol Besouro não conseguiria explicar por que</p><p>selecionara aquele artigo, exceto pelo fato de que atiçara sua curiosidade.</p><p>Tip, com a ajuda do Cavalete, trouxera para o telhado um sofá grande e</p><p>estofado. Era uma mobília antiquada, com encosto e braços altos, e tão</p><p>pesada que mesmo apoiando a maior parte do peso nas costas do Cavalete,</p><p>o rapaz viu-se sem ar quando o sofá desajeitado foi finalmente largado no</p><p>telhado.</p><p>O Cabeça de Abóbora trouxera uma vassoura, que foi a primeira coisa</p><p>que viu. O Espantalho chegou com um rolo de varal e cordas, que tirara do</p><p>pátio, e em sua excursão escada acima, ficara tão enrolado nas pontas soltas</p><p>das cordas que tanto ele quanto sua carga despencaram em forma de uma</p><p>pilha sobre o telhado, e poderiam ter rolado de cima dele se Tip não o</p><p>tivesse resgatado.</p><p>O Homem de Lata apareceu por último. Ele também havia ido ao pátio,</p><p>onde cortara quatro grandes folhas de uma imensa palmeira, que era o</p><p>orgulho de todos os habitantes da Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Meu caro Nick! – exclamou o Espantalho, vendo o que seu amigo</p><p>fizera. – Você é culpado do pior crime que qualquer pessoa já tenha</p><p>cometido na Cidade das Esmeraldas. Se bem me lembro, a pena para quem</p><p>corta folhas da palmeira real é ser morto sete vezes, e depois a prisão</p><p>perpétua.</p><p>– Não dá mais para voltar atrás – respondeu o Homem de Lata, jogando</p><p>as folhas enormes no telhado. – Mas esta pode ser uma razão a mais por que</p><p>é necessário fugir. E agora vejamos o que vocês encontraram para que eu</p><p>possa começar o trabalho.</p><p>Muitos foram os olhares de dúvida lançados sobre a miscelânea de</p><p>material que agora se acumulava no telhado, e finalmente o Espantalho</p><p>balançou a cabeça e observou:</p><p>– Bem, se o amigo Nick conseguir fabricar, a partir desta confusão de</p><p>tralhas, uma Coisa capaz de voar pelo ar e nos carregar para a segurança,</p><p>então irei reconhecê-lo como um mecânico melhor do que eu suspeitava.</p><p>Mas o Homem de Lata parecia, a princípio, sem dúvida nenhuma, certo</p><p>de seus poderes, e apenas depois de esfregar sua testa vigorosamente com o</p><p>paninho, ele resolveu aceitar a tarefa.</p><p>– A primeira coisa necessária à máquina – disse ele – é um corpo grande</p><p>o suficiente para carregar o grupo inteiro. Este sofá é o maior item que</p><p>temos, e pode ser usado como corpo. Mas, se a máquina algum dia inclinar-</p><p>se para o lado, todos nós escorregaremos e cairemos no chão.</p><p>– Por que não usar dois sofás? – perguntou Tip. – Há outro igualzinho a</p><p>este lá embaixo.</p><p>– É uma sugestão bastante sensata! – exclamou o Homem de Lata. –</p><p>Vocês devem ir buscar o outro sofá imediatamente.</p><p>Tip e o Cavalete, então, conseguiram, com muito esforço, trazer o</p><p>segundo sofá para o telhado, e quando os dois foram postos juntos,</p><p>extremidade com extremidade, os encostos e braços formaram um parapeito</p><p>protetor ao redor dos assentos.</p><p>– Excelente! – gritou o Espantalho. – Podemos andar nesse abrigo</p><p>confortável com bastante tranquilidade.</p><p>Os dois sofás foram amarrados firmemente com cordas e varais, e então</p><p>Nick Chopper prendeu a cabeça do Gumpo em um dos lados.</p><p>– Aquilo vai mostrar a parte da frente e a de trás da Coisa – disse ele,</p><p>contente com a ideia. – E, realmente, se você analisar criticamente, o</p><p>Gumpo fica muito bem como uma carranca. Estas folhas de palmeiras</p><p>enormes, pelas quais coloquei minha vida em risco sete vezes, devem nos</p><p>servir como asas.</p><p>– Elas são fortes o bastante? – perguntou o menino.</p><p>– São tão fortes quanto qualquer coisa que possamos arranjar –</p><p>respondeu o lenhador – e, embora não sejam proporcionais ao corpo da</p><p>Coisa, não estamos em posição de ser muito exigentes.</p><p>Assim, ele amarrou as folhas de palmeira aos sofás, duas de cada lado.</p><p>O Zógol Besouro disse, em considerável tom de admiração:</p><p>– Agora a Coisa está completa, e precisa apenas ser trazida à vida.</p><p>– Espere um momento! – exclamou Jack. – Você não vai usar minha</p><p>vassoura?</p><p>– Para quê? – perguntou o Espantalho.</p><p>– Bem, pode ser amarrada à parte de trás como um rabo – respondeu o</p><p>Cabeça de Abóbora. – Certamente não se pode dizer que a Coisa está</p><p>completa sem um rabo.</p><p>– Hum! – disse o Homem de Lata. – Não vejo utilidade para um rabo.</p><p>Não estamos tentando imitar alguma fera, ou peixe, ou pássaro. Tudo o que</p><p>queremos da Coisa é que nos leve pelo ar.</p><p>– Talvez, depois que a Coisa for trazida à vida, ela possa usar o rabo para</p><p>se guiar – sugeriu o Espantalho. – Pois se voar pelo ar, não será diferente de</p><p>um pássaro, e notei que todos os pássaros tem rabos, que usam como leme</p><p>quando voam.</p><p>– Muito bem – respondeu Nick –, a vassoura será usada como rabo. – E</p><p>amarrou-a com firmeza na parte de trás do corpo de sofá.</p><p>Tip pegou o moedor de pimenta de seu bolso.</p><p>– A Coisa é muito grande – disse ele, ansioso.</p><p>– Não tenho certeza se</p><p>sobrou pó o suficiente para trazer ela inteira à vida. Mas tentarei tanto</p><p>quanto possível.</p><p>– Ponha a maior parte nas asas – disse Nick Chopper. – Pois elas devem</p><p>ser o mais fortes possível.</p><p>– E não se esqueça da cabeça! – disse o Zógol Besouro.</p><p>– Nem do rabo! – acrescentou Jack Cabeça de Abóbora.</p><p>– Fiquem quietos! – disse Tip, nervosamente. – Vocês devem me deixar</p><p>executar o feitiço da maneira correta.</p><p>Com muito cuidado, ele começou a aspergir o pó precioso na Coisa.</p><p>Cada uma das quatro asas foi primeiramente coberta com uma fina camada,</p><p>então os sofás e a vassoura receberam um leve revestimento.</p><p>– A cabeça! A cabeça! Não se esqueça da cabeça, eu imploro! – gritou o</p><p>Zógol Besouro animado.</p><p>– Só sobrou um pouquinho de pó – anunciou Tip, olhando para dentro do</p><p>moedor. – E me parece mais importante dar vida às pernas do sofá do que à</p><p>cabeça.</p><p>– Não é – decidiu o Espantalho. – Tudo deve ter uma cabeça que o</p><p>governe, e já que essa criatura foi feita para voar, e não andar, não é</p><p>realmente importante se as pernas estão vivas ou não.</p><p>Tip, então, respeitou aquela decisão e aspergiu o resto do pó na cabeça</p><p>do Gumpo.</p><p>– Agora – disse ele –, fiquem em silêncio enquanto eu faço o feitiço.</p><p>Tendo ouvido a velha Mombi pronunciar as palavras mágicas, e tendo</p><p>também sucedido em trazer o Cavalete à vida, Tip não hesitou um instante</p><p>em falar as três palavras cabalísticas, cada uma acompanhada de seu gesto</p><p>característico.</p><p>Era uma cerimônia solene e impressionante.</p><p>Assim que Tip terminou o encantamento, a Coisa estremeceu toda a sua</p><p>imensa massa, o Gumpo deu o guinchado agudo típico desses animais, e</p><p>então as quatro asas começaram a bater furiosamente.</p><p>Tip conseguiu agarrar-se a uma chaminé, ou teria sido arrastado do</p><p>telhado pelo terrível vento iniciado pelas asas. O Espantalho, sendo muito</p><p>leve, foi erguido e levado pelo ar até que Tip, com sorte, apanhou-o pela</p><p>perna e segurou-o com firmeza. O Zógol Besouro deitou-se reto no chão do</p><p>telhado e conseguiu manter-se ileso, e o Homem de Lata, cujo peso do</p><p>estanho ancorava-o firmemente, envolveu Jack Cabeça de Abóbora com os</p><p>dois braços e conseguiu salvá-lo. O Cavalete tombou com as quatro patas</p><p>para cima, balançando-as desamparado.</p><p>E naquele momento, com todos lutando para se recuperarem, a Coisa</p><p>ergueu-se devagar do telhado e elevou-se no ar.</p><p>– Aqui! Volte! – gritou Tip, em um tom assustado, segurando-se à</p><p>chaminé com uma mão e o Espantalho com a outra. – Volte imediatamente,</p><p>eu ordeno!</p><p>Foi naquele instante que a sabedoria do Espantalho em trazer a cabeça da</p><p>Coisa à vida, e não as pernas, foi provada além de qualquer dúvida, pois o</p><p>Gumpo, já alto no ar, virou sua cabeça ante a ordem de Tip e gradualmente</p><p>deu a volta até conseguir ver o telhado do palácio.</p><p>– Volte! – gritou o garoto outra vez.</p><p>E o Gumpo obedeceu, vagarosa e graciosamente, batendo suas asas no ar</p><p>até a Coisa ter se assentado sobre o telhado de novo e ficado parada.</p><p>-E sta – disse o Gumpo com uma voz esganiçada nada proporcional ao</p><p>tamanho do imenso corpo – é a experiência mais singular de que já</p><p>ouvi falar. A última coisa de que me lembro bem é estar andando em meio à</p><p>floresta e ouvir um barulho alto. Alguém provavelmente me matou, e</p><p>certamente deveria ter sido o meu fim. Ainda assim, aqui estou eu, vivo</p><p>outra vez, com quatro asas monstruosas e um corpo que, me arrisco a dizer,</p><p>faria qualquer animal respeitável ou franguinho chorar com vergonha. O</p><p>que isso tudo significa? Sou um Gumpo ou uma jamanta? – conforme a</p><p>criatura falava, mexia a barba do queixo de maneira engraçada.</p><p>– Você é só uma Coisa – respondeu Tip. – Com a cabeça de um Gumpo.</p><p>E nós fizemos você e lhe demos vida para que nos levasse pelo ar a</p><p>qualquer lugar aonde desejarmos ir.</p><p>– Muito bom! – disse a Coisa. – Como não sou um Gumpo, não posso</p><p>ter o orgulho de um Gumpo, nem seu espírito independente. Eu posso muito</p><p>bem virar seu servo ou qualquer outra coisa. Minha única satisfação é que</p><p>não pareço ter uma constituição muito forte, e não é provável que eu viva</p><p>muito nesse estado de escravidão.</p><p>– Não diga isso, eu imploro! – exclamou o Homem de Lata, cujo coração</p><p>excelente fora fortemente afetado por aquela fala triste. – Você não está se</p><p>sentindo bem hoje?</p><p>– Ah, quanto a isso – tornou o Gumpo –, é meu primeiro dia de</p><p>existência, de forma que não posso julgar se estou me sentindo bem ou mal.</p><p>– Com isso, sacudiu seu rabo de vassoura para frente e para trás de maneira</p><p>meditativa.</p><p>– Acalme-se! – disse o Espantalho, gentil. – Tente ficar mais alegre e</p><p>levar a vida conforme a encontra. Seremos senhores bondosos, e iremos nos</p><p>esforçar para tornar a sua vida o mais agradável possível. Você quer nos</p><p>carregar pelo ar, para onde desejamos ir?</p><p>– Certamente – respondeu o Gumpo. – Eu prefiro imensamente viajar</p><p>pelo ar, pois se fosse por terra e encontrasse os outros de minha espécie,</p><p>meu embaraço seria algo horrível.</p><p>– Consigo compreender isso – disse o Homem de Lata, em tom de</p><p>simpatia.</p><p>– Mesmo assim – continuou a Coisa –, quando olho com mais atenção</p><p>para vocês, meus senhores, nenhum parece ter sido feito mais artisticamente</p><p>do que eu fui.</p><p>– As aparências enganam – disse o Zógol Besouro, franco. – Eu sou</p><p>tanto Altamente Engrandecido quanto Minuciosamente Instruído.</p><p>– É mesmo? – murmurou o Gumpo, indiferente.</p><p>– E meu cérebro é considerado uma amostra notavelmente rara –</p><p>acrescentou o Espantalho orgulhosamente.</p><p>– Que estranho! – observou o Gumpo.</p><p>– Embora eu seja feito de estanho – disse o lenhador –, eu tenho um</p><p>coração que é o mais caloroso e admirável de todo o mundo.</p><p>– Estou encantado em saber – respondeu o Gumpo, com uma tosse leve.</p><p>– Meu sorriso – disse Jack Cabeça de Abóbora – merece sua atenção. É</p><p>sempre o mesmo.</p><p>– Semper idem 6 – explicou o Zógol Besouro, pomposamente, e o</p><p>Gumpo virou-se para encará-lo.</p><p>– E eu – declarou o Cavalete, preenchendo a pausa desconfortável – só</p><p>sou notável porque não consigo ser nada diferente do que sou.</p><p>– Estou orgulhoso, de fato, de conhecer senhores tão especiais – disse o</p><p>Gumpo, em um tom desinteressado. – Se eu conseguisse ao menos</p><p>assegurar ter uma apresentação tão segura de mim mesmo, estaria mais do</p><p>que satisfeito.</p><p>– Isso vem com o tempo – observou o Espantalho. – “Conhecer a Si</p><p>Mesmo” é considerada uma façanha, que nos tomou meses para aperfeiçoar,</p><p>nós que somos mais velhos do que você. Mas agora – ele acrescentou,</p><p>virando-se para os outros – vamos embarcar e começar nossa jornada.</p><p>– Aonde iremos? – perguntou Tip, enquanto subia em um assento nos</p><p>sofás e ajudava o Cabeça de Abóbora a subir também.</p><p>– Na Província do Sul governa uma Rainha muito agradável chamada</p><p>Glinda, a Boa, que, estou certo, ficará muito feliz em nos receber – disse o</p><p>Espantalho, subindo na Coisa de maneira desengonçada. – Vamos até ela</p><p>pedir-lhe um conselho.</p><p>– Essa foi uma ideia muito bem pensada – declarou Nick Chopper,</p><p>dando um empurrão no Zógol Besouro e depois tombando o Cavalete na</p><p>parte de trás dos assentos estofados. – Eu conheço Glinda, a Boa, e acredito</p><p>que ela se mostrará uma amiga de verdade.</p><p>– Estamos todos prontos? – perguntou o garoto.</p><p>– Sim – anunciou o Homem de Lata, sentando-se ao lado do Espantalho.</p><p>– Então faça a gentileza de nos levar para o sul – disse Tip ao Gumpo. –</p><p>E não vá mais alto do que o suficiente para escapar das casas e das árvores,</p><p>porque me deixa tonto ficar muito tempo lá em cima.</p><p>– Tudo bem – respondeu o Gumpo.</p><p>Ele bateu suas asas gigantescas e ergueu-se vagarosamente no ar, e,</p><p>enquanto nosso pequeno grupo de aventureiros agarrava-se aos encostos e</p><p>braços dos sofás em busca de apoio, o Gumpo virou-se para o sul e voou</p><p>veloz e magnificamente para lá.</p><p>– O efeito cênico, desta altitude, é maravilhoso – comentou o Zógol</p><p>Besouro Instruído, enquanto voavam.</p><p>– Não se importem com o cenário – disse o Espantalho. – Segurem-se</p><p>firme, ou vocês podem cair. A Coisa parece balançar muito.</p><p>– Logo estará escuro – disse Tip, observando o quão baixo o sol estava</p><p>no horizonte. – Talvez devêssemos ter esperado até de manhã. Eu me</p><p>pergunto</p><p>se o Gumpo consegue voar à noite.</p><p>– Eu também estou me perguntando isso – tornou o Gumpo, em voz</p><p>baixa. – Sabe, esta é uma experiência nova para mim. Eu costumava ter</p><p>pernas que me levavam velozmente pelo chão. Mas agora sinto como se</p><p>minhas pernas estivessem dormindo.</p><p>– Estão – disse Tip. – Nós não as trouxemos à vida.</p><p>– Esperamos que você voe, não ande – explicou o Espantalho.</p><p>– Podemos andar por nós mesmos – disse o Zógol Besouro.</p><p>– Começo a entender o que é exigido de mim – observou o Gumpo. –</p><p>Então farei o meu melhor para agradar vocês. – E prosseguiu o voo por</p><p>algum tempo em silêncio.</p><p>Jack Cabeça de Abóbora começou a ficar desconfortável.</p><p>– Eu me pergunto se voar pelo ar pode estragar abóboras – ele disse.</p><p>– Não, a menos que você derrube sua cabeça acidentalmente – respondeu</p><p>o Zógol Besouro. – Nesse caso, sua cabeça não seria mais uma abóbora,</p><p>pois se transformaria em purê7.</p><p>– Eu não pedi para conter essas piadas insensíveis? – perguntou Tip,</p><p>olhando para o Zógol Besouro com uma expressão severa.</p><p>– Pediu, e eu contive muitas delas – respondeu o inseto. – Mas há tantas</p><p>oportunidades para bons trocadilhos em nossa língua que, para uma pessoa</p><p>instruída como eu, a tentação de expressá-los é quase irresistível.</p><p>– Pessoas com mais ou menos instrução descobriram esses trocadilhos</p><p>séculos atrás – disse Tip.</p><p>– Você tem certeza? – perguntou o Zógol Besouro com um olhar pasmo.</p><p>– Claro que sim – respondeu o garoto. – Um Zógol Besouro instruído</p><p>pode ser algo novo, mas a instrução do Zógol Besouro é velha como as</p><p>montanhas, a julgar pela demonstração que você faz dela.</p><p>O inseto pareceu muito impressionado com aquela observação, e por</p><p>algum tempo manteve um silêncio dócil.</p><p>O Espantalho, mexendo-se em seu assento, acabou vendo entre as</p><p>almofadas o moedor de pimenta que Tip deixara de lado, e começou a</p><p>examiná-lo.</p><p>– Jogue daqui de cima – disse o garoto. – Está vazio agora, e não faz</p><p>sentido guardá-lo.</p><p>– Está realmente vazio? – perguntou o Espantalho, olhando curioso para</p><p>dentro do moedor.</p><p>– Claro que está – respondeu Tip. – Eu sacudi e tirei cada grão de pó daí.</p><p>– Então o moedor tem dois fundos – anunciou o Espantalho –, pois o</p><p>fundo da parte de dentro tem dois centímetros e meio de diferença em</p><p>relação ao fundo aparente do lado de fora.</p><p>– Deixe-me ver – disse o Homem de Lata, pegando o moedor das mãos</p><p>do amigo. E, depois de analisá-lo, declarou: – Sim, a coisa certamente tem</p><p>um fundo falso. Agora me pergunto para que serve…</p><p>– Você consegue arrancá-lo e descobrir? – perguntou Tip, agora bastante</p><p>interessado no mistério.</p><p>– Sim, a parte de baixo desatarraxa – disse o Homem de Lata. – Meus</p><p>dedos são bastante rígidos. Por favor, veja se consegue abrir.</p><p>Ele entregou o moedor para Tip, que não teve a menor dificuldade em</p><p>desatarraxar o fundo. Na cavidade deixada, havia três pílulas prateadas,</p><p>com um papel cuidadosamente dobrado abaixo delas.</p><p>O garoto pegou o dito papel e o desdobrou, tomando cuidado para não</p><p>derrubar as pílulas, e descobriu várias linhas escritas de modo claro em tinta</p><p>vermelha.</p><p>– Leia em voz alta – disse o Espantalho.</p><p>Tip então leu o seguinte:</p><p>– CÉLEBRES PÍLULAS DOS DESEJOS DO DR. NIKIDIK. Modo de</p><p>usar: engula uma pílula; conte até dezessete de dois em dois, então faça um</p><p>pedido. O pedido imediatamente será atendido. CUIDADO: manter em</p><p>local seco e escuro.</p><p>– Bem, esta é uma descoberta muito valiosa! – exclamou o Espantalho.</p><p>– É mesmo – replicou Tip, com ar de gravidade.</p><p>– Essas pílulas podem ser muito úteis para nós. Eu me pergunto se a</p><p>velha Mombi sabia que elas estavam no fundo do moedor de pimenta. Eu</p><p>me lembro de tê-la ouvido dizer que conseguiu o Pó da Vida com esse</p><p>mesmo Nikidik.</p><p>– Ele deve ser um feiticeiro poderoso! – exclamou o Homem de Lata. –</p><p>E já que o pó se provou um sucesso, podemos confiar nessas pílulas.</p><p>– Mas como alguém consegue contar até dezessete de dois em dois? –</p><p>perguntou o Espantalho. – Dezessete é um número ímpar.</p><p>– É verdade – disse Tip desapontado. – Ninguém jamais conseguiria</p><p>contar até dezessete de dois em dois.</p><p>– Então as pílulas não têm utilidade para nós – choramingou o Cabeça de</p><p>Abóbora. – E esse fato me mata de tristeza, porque eu pretendia usar uma</p><p>das pílulas para pedir que minha cabeça nunca estragasse.</p><p>– Bobagem! – disse o Espantalho. – Se pudéssemos usar as pílulas,</p><p>faríamos desejos muito melhores do que esse.</p><p>– Eu não consigo ver como algum pedido poderia ser melhor do que esse</p><p>– protestou o pobre Jack. – Se você estivesse sujeito a estragar a qualquer</p><p>momento, poderia entender minha ansiedade.</p><p>– De minha parte – disse o Homem de Lata –, eu simpatizo com você em</p><p>todos os aspectos. Mas já que não podemos contar até dezessete de dois em</p><p>dois, simpatia é tudo o que você vai conseguir.</p><p>A essa altura, já havia escurecido, e os viajantes viram acima de suas</p><p>cabeças um céu nublado, através do qual os raios da lua não conseguiam</p><p>penetrar.</p><p>O Gumpo prosseguia sem parar, e por alguma razão o imenso corpo-sofá</p><p>balançava mais, causando mais vertigem a cada hora.</p><p>O Zógol Besouro declarou estar enjoado, e Tip também estava pálido e</p><p>angustiado. Os outros, entretanto, agarraram-se às costas dos sofás e não</p><p>pareceram se incomodar com o balanço, contanto que não caíssem.</p><p>A noite ficou cada vez mais escura e o Gumpo prosseguiu através da</p><p>escuridão do céu. Os viajantes não conseguiam enxergar uns aos outros, e</p><p>um silêncio opressor dominou-os.</p><p>Depois de um longo tempo, Tip, que estivera pensando, falou.</p><p>– Como saberemos que chegamos ao palácio de Glinda, a Boa? – ele</p><p>perguntou.</p><p>– É um longo caminho até o palácio de Glinda – respondeu o Homem de</p><p>Lata. – Eu viajei por ele.</p><p>– Mas como saberemos a velocidade do Gumpo? – insistiu o rapaz. –</p><p>Não conseguimos enxergar nada lá embaixo, e antes de amanhecer,</p><p>podemos estar muito além do palácio aonde queremos chegar.</p><p>– Isso é mesmo verdade – o Espantalho declarou, um pouco inquieto. –</p><p>Mas não vejo como podemos parar justo agora, pois podemos descer em um</p><p>rio, ou no topo de um campanário, e isso seria um grande desastre.</p><p>Assim, permitiram que o Gumpo prosseguisse, com batidas regulares de</p><p>suas imensas asas, e aguardaram pacientemente o amanhecer, quando os</p><p>temores de Tip provaram-se bem fundamentados, pois sob os primeiros</p><p>raios do alvorecer, olharam por sobre os lados dos sofás e avistaram</p><p>planícies acidentadas cheias de vilas esquisitas, onde as casas, em vez de</p><p>terem o telhado abobadado – como eram todos na Terra de Oz – tinham</p><p>telhados retos que formavam uma ponta alta no centro. Animais de</p><p>aparência estranha corriam pelas campinas abertas, e o campo era</p><p>desconhecido tanto para o Homem de Lata quanto para o Espantalho, que já</p><p>haviam visitado os domínios de Glinda, a Boa, e os conheciam bem.</p><p>– Estamos perdidos! – disse o Espantalho desconsoladamente. – O</p><p>Gumpo deve ter nos levado para fora da Terra de Oz, sobre os desertos</p><p>arenosos, para aquele terrível mundo lá fora de que Dorothy nos falou.</p><p>– Devemos voltar! – exclamou o Homem de Lata. – Devemos voltar o</p><p>quanto antes!</p><p>– Dê a volta! – gritou Tip para o Gumpo. – Dê a volta o mais rápido que</p><p>você conseguir!</p><p>– Se eu me virar, irei tombar – respondeu o Gumpo. – Não estou</p><p>acostumado a voar, e o melhor plano seria eu aterrissar em algum lugar, e</p><p>então posso me virar e começar do zero.</p><p>Naquele exato instante, entretanto, não parecia haver um bom local para</p><p>parar, que atendesse a seus propósitos. Sobrevoaram um vilarejo tão grande</p><p>que o Zógol Besouro declarou tratar-se de uma cidade, depois de onde</p><p>avistaram uma cadeia de montanhas altas com muitos desfiladeiros</p><p>profundos e penhascos íngremes bastante visíveis.</p><p>– Agora é a nossa chance de parar – disse o garoto, percebendo que</p><p>estavam muito próximos do topo das montanhas. Ele virou-se para o</p><p>Gumpo e ordenou: – Pare no primeiro lugar nivelado que vir.</p><p>– Muito bem – respondeu o Gumpo, e acomodou-se sobre uma mesa de</p><p>rochas que ficava entre dois penhascos.</p><p>Mas, não sendo experiente em tais assuntos, o Gumpo não calculou sua</p><p>velocidade corretamente, e em vez de parar sobre a rocha lisa,</p><p>acabou</p><p>pousando com metade de seu corpo suspensa, partindo suas duas asas</p><p>direitas contra as pontas afiadas da rocha, e então tombando e caindo</p><p>penhasco abaixo.</p><p>Nossos amigos seguraram-se nos sofás tanto quanto podiam, mas quando</p><p>o Gumpo ficou preso na proeminência de uma rocha e a Coisa parou de</p><p>repente – com a parte de baixo virada para cima –, todos imediatamente</p><p>foram atirados para fora.</p><p>Por sorte, caíram apenas poucos metros, pois debaixo deles havia um</p><p>ninho monstruoso, construído por uma colônia de gralhas numa saliência</p><p>oca de rocha, e Tip caiu em uma massa de folhas e papéis, que o pouparam</p><p>de ferir-se. O Zógol Besouro batera sua cabeça redonda no Cavalete, mas</p><p>sem causar a ele mais do que um momento de inconveniência.</p><p>O Homem de Lata, a princípio, ficou bastante alarmado, mas ao perceber</p><p>que escapara sem um arranhão sequer em seu bonito revestimento de</p><p>níquel, recobrou sua alegria costumeira e virou-se para se dirigir a seus</p><p>companheiros:</p><p>– Nossa jornada acabou de forma bem repentina – disse ele – e não</p><p>seremos justos se culparmos nosso amigo Gumpo pelo acidente, porque ele</p><p>fez o melhor que podia, nas atuais circunstâncias. Mas como escaparemos</p><p>deste ninho, deixarei para alguém com um cérebro melhor do que o meu</p><p>descobrir.</p><p>Ao dizer a última frase, olhou para o Espantalho, que se arrastou para a</p><p>beirada do ninho e olhou por cima. Abaixo deles havia um precipício</p><p>íngreme com vários metros de profundidade. Acima deles havia um</p><p>penhasco liso, ininterrupto exceto pelo trecho da rocha onde o corpo</p><p>destruído do Gumpo ainda estava suspenso pelo braço de um dos sofás. Não</p><p>parecia mesmo haver meios de escapar, e conforme percebiam o apuro</p><p>desamparado em que se encontravam, o pequeno grupo de aventureiros</p><p>cedeu à sua perplexidade.</p><p>– Aqui é uma prisão pior que o palácio – o Zógol Besouro observou</p><p>tristemente.</p><p>– Eu gostaria que tivéssemos ficado lá – resmungou Jack. – Temo que o</p><p>ar das montanhas não faça bem a abóboras.</p><p>– Não fará quando as gralhas voltarem – rosnou o Cavalete, que jazia</p><p>balançando suas pernas numa tentativa vã de ficar em pé outra vez. –</p><p>Gralhas gostam especialmente de abóboras.</p><p>– Você acha que os pássaros vão vir aqui? – perguntou Jack, bastante</p><p>angustiado.</p><p>– É claro que vão – disse Tip –, porque esse é o ninho deles. E deve</p><p>haver centenas deles, pois vejam a quantidade de coisas que trouxeram para</p><p>cá!</p><p>De fato, o ninho estava cheio da mais curiosa coleção de pequenos</p><p>objetos para os quais os pássaros não poderiam dar utilidade alguma, mas</p><p>que as gralhas de mão leve haviam roubado das casas de homens por muitos</p><p>anos. E, como o ninho estava seguramente escondido onde nenhum ser</p><p>humano poderia alcançá-lo, aquelas propriedades perdidas nunca seriam</p><p>recuperadas.</p><p>O Zógol Besouro, procurando em meio ao lixo – pois gralhas roubam</p><p>tanto coisas inúteis quanto valiosas – apareceu com um bonito colar de</p><p>diamantes no pé. O Homem de Lata ficou tão admirado com o objeto que o</p><p>Zógol Besouro deu-o a ele de presente com um discurso de gratidão, depois</p><p>do que o lenhador colocou a joia no pescoço com muito orgulho, exultando</p><p>excessivamente quando os diamantes imensos brilhavam aos raios de sol.</p><p>Mas então ouviram uma algazarra e batidas de asas, e, enquanto o som</p><p>se aproximava deles, Tip exclamou:</p><p>– As gralhas estão vindo! E se nos encontrarem aqui, vão nos matar de</p><p>tanta raiva.</p><p>– Era o que eu temia – gemeu o Cabeça de Abóbora. – Minha hora</p><p>chegou!</p><p>– E a minha, também, já que gralhas são as maiores inimigas da minha</p><p>espécie! – disse o Zógol Besouro.</p><p>Os outros não estavam com medo algum, mas o Espantalho logo decidiu</p><p>salvar aqueles do grupo que estavam propensos a serem machucados pelos</p><p>pássaros furiosos, então mandou Tip tirar a cabeça de Jack e colocá-la no</p><p>fundo do ninho, e quando foi obedecido, mandou o Zógol Besouro deitar-se</p><p>ao lado de Tip. Nick Chopper sabia de experiências passadas exatamente o</p><p>que fazer, e despedaçou o Espantalho (tudo exceto a cabeça), estendendo a</p><p>palha sobre Tip e sobre o Zógol Besouro, cobrindo completamente seus</p><p>corpos.</p><p>Mal havia terminado quando o bando de gralhas os alcançou. Notando os</p><p>intrusos em seu ninho, as aves voaram sobre eles em revoadas de fúria.</p><p>6 “Sempre o mesmo”, em latim.</p><p>7 No original, “smash” é uma palavra possível para abóbora, além do tradicional “pumpkim”, e</p><p>também quer dizer “triturar” ou “amassar”, ou ainda “batida” e “pancada”.</p><p>O Homem de Lata costumava ser uma pessoa pacífica, mas</p><p>quando era necessário, podia lutar com a mesma ferocidade de</p><p>um gladiador romano. Assim sendo, quando as gralhas quase o</p><p>derrubaram em sua confusão de asas, e seus bicos e garras ameaçavam</p><p>danificar seu revestimento brilhante, o lenhador empunhou seu machado e</p><p>girou-o velozmente acima de sua cabeça.</p><p>Mas, embora muitas tenham sido derrotadas desse modo, as aves eram</p><p>tantas e tão corajosas que continuaram a atacá-los com a mesma fúria de</p><p>antes. Algumas delas bicavam os olhos do Gumpo, que jazia pendurado em</p><p>falso no ninho, desamparado, mas estes eram de vidro, e não podiam ser</p><p>feridos. Outras gralhas atacaram o Cavalete, mas o animal, deitado de</p><p>barriga para cima, chutava-as brutalmente com suas pernas de madeira, que</p><p>derrubaram tantos agressores quanto o machado do Homem de Lata.</p><p>Notando, desse modo, a resistência que lhes era imposta, as aves</p><p>avançaram sobre a palha do Espantalho, que estava no centro do ninho,</p><p>cobrindo Tip, o Zógol Besouro e a Cabeça de Abóbora de Jack, e</p><p>começaram a despedaçá-la e voar com ela, apenas para deixá-la cair,</p><p>punhado por punhado, no abismo abaixo.</p><p>A cabeça do Espantalho, notando com desalento aquela destruição</p><p>injustificada de seu interior, gritou para o Homem de Lata salvá-lo, e o bom</p><p>amigo respondeu com energia renovada. Seu machado rodou em meio às</p><p>gralhas, e felizmente o Gumpo começara a bater ferozmente as duas asas</p><p>que haviam sobrado do lado esquerdo de seu corpo. O distúrbio provocado</p><p>por aquelas imensas asas encheu as gralhas de terror, e quando o Gumpo,</p><p>graças a todo o esforço empregado, conseguiu libertar-se do gancho de</p><p>pedra que o suspendia, e afundou com um baque no ninho, o medo das aves</p><p>ultrapassou tanto os limites do comum, que todas voaram berrando pelas</p><p>montanhas.</p><p>Quando o último inimigo havia desaparecido, Tip arrastou-se debaixo</p><p>dos sofás e ajudou o Zógol Besouro a sair também.</p><p>– Estamos salvos! – gritou o garoto, alegre.</p><p>– Estamos, de fato! – respondeu o Inseto Instruído, abraçando a cabeça</p><p>rígida do Gumpo em seu contentamento. – E devemos tudo isso ao bater de</p><p>asas da Coisa, e ao bom machado do Homem de Lata!</p><p>– Se estou salvo, tirem-me daqui! – gritou Jack, cuja cabeça ainda estava</p><p>embaixo dos sofás, e Tip conseguiu rolar a abóbora dali e colocá-la de volta</p><p>sobre o pescoço. Além disso, o menino também pôs o Cavalete em pé.</p><p>– Devemos muitos agradecimentos à corajosa luta que você travou –</p><p>disse Tip ao cavalo.</p><p>– Realmente acho que escapamos muito bem – observou o Homem de</p><p>Lata, em tom de orgulho.</p><p>– Não mesmo! – exclamou uma voz oca.</p><p>Ao ouvirem-na, viraram-se para ver a cabeça do Espantalho, no fundo do</p><p>ninho.</p><p>– Estou completamente arruinado! – ele declarou, ao notar a surpresa dos</p><p>companheiros. – Onde está a palha que preenche meu corpo?</p><p>Todos se sobressaltaram ante a terrível pergunta. Olharam o ninho ao</p><p>redor, aterrorizados, pois não havia o menor vestígio de palha. As gralhas</p><p>haviam roubado até o último fio e atirado ao precipício que se escancarava</p><p>por centenas de metros abaixo do ninho.</p><p>– Meu pobre amigo! – disse o Homem de Lata, pegando a cabeça do</p><p>Espantalho e acariciando-a afetuosamente. – Quem imaginaria que você</p><p>chegaria a um fim prematuro?</p><p>– Eu o fiz par salvar meus amigos – tornou a cabeça. – E estou feliz por</p><p>ter perecido de maneira nobre e altruísta.</p><p>– Mas por que vocês estão todos tão desanimados? – perguntou o Zógol</p><p>Besouro. – As roupas do Espantalho ainda estão intactas.</p><p>– Sim – disse o Homem de Lata. – Mas as roupas de nosso amigo são</p><p>inúteis sem o preenchimento.</p><p>– Por que não preenchê-lo com dinheiro? – perguntou Tip.</p><p>– Dinheiro! – exclamaram todos, em</p><p>um coro surpreso.</p><p>– Claro – disse o garoto. – No fundo do ninho há milhares de notas de</p><p>dólares, e notas de dois dólares, e de cinco dólares, e de dez, de vinte, de</p><p>cinquenta. Há notas suficientes para encher uma dúzia de espantalhos. Por</p><p>que não usamos o dinheiro?</p><p>O Homem de Lata começou a remexer o lixo com o cabo de seu</p><p>machado, e o que primeiramente haviam pensado serem papéis sem valor</p><p>eram, na verdade, notas de vários valores, que as gralhas endia-bradas</p><p>haviam roubado por anos de vilas e cidades que haviam visitado.</p><p>Havia uma imensa fortuna naquele ninho inacessível, e a sugestão de</p><p>Tip, com o consentimento do Espantalho, foi rapidamente posta em prática.</p><p>Selecionaram todas as notas mais novas e mais limpas e separaram-nas</p><p>em várias pilhas. A perna e a bota esquerdas do Espantalho foram enchidas</p><p>com notas de cinco dólares, sua perna direita, com as de dez dólares, e seu</p><p>corpo foi todo enchido com notas de cinquenta, cem e mil, de tal modo que</p><p>ele mal pôde abotoar seu casaco confortavelmente.</p><p>– Agora você é o membro mais valioso de nosso grupo – disse o Zógol</p><p>Besouro – e, como está entre amigos, há pouco perigo de você ser gasto.</p><p>– Obrigado – tornou o Espantalho, grato. – Eu me sinto um novo</p><p>homem, e embora à primeira vista eu possa ser confundido com um Caixa-</p><p>Forte, imploro que se lembrem de que meu Cérebro ainda é composto do</p><p>mesmo material antigo, e foi ele que me tornou uma pessoa de que se pode</p><p>depender em emergências.</p><p>– Bem, estamos numa emergência – observou Tip. – E a menos que o</p><p>seu cérebro nos ajude a escapar, seremos obrigados a passar o resto de</p><p>nossas vidas neste ninho.</p><p>– E quanto a essas pílulas dos desejos? – inquiriu o Espantalho, tirando o</p><p>moedor de pimentas do bolso de seu casaco. – Não podemos usá-las para</p><p>escapar?</p><p>– Não, a menos que possamos contar até dezessete de dois em dois –</p><p>respondeu o Homem de Lata. – Mas já que nosso amigo Zógol Besouro</p><p>atesta ser altamente instruído, ele pode facilmente descobrir como isso pode</p><p>ser feito.</p><p>– Não é uma questão de instrução – tornou o inseto. – É meramente uma</p><p>questão de matemática. Eu vi o professor demonstrar várias somas na lousa,</p><p>e ele afirmava que qualquer coisa poderia ser feita com ‘x’, ‘y’ e ‘a’, e essas</p><p>coisas, misturando-as com vários mais, menos e iguais, e assim por diante.</p><p>Mas ele nunca disse nada, até onde consigo me lembrar, sobre contar até o</p><p>número ímpar dezessete com números pares de dois em dois.</p><p>– Pare! Pare! Você está fazendo a minha cabeça doer! – gritou o Cabeça</p><p>de Abóbora.</p><p>– E a minha – acrescentou o Espantalho. – A sua matemática me parece</p><p>muito com uma garrafa de picles, onde quanto mais você tentar pescar,</p><p>menor a chance de conseguir um. Estou certo de que, se for possível fazer,</p><p>será de maneira muito simples.</p><p>– Sim – disse Tip. – A velha Mombi não sabia muito bem usar ‘x’ e</p><p>menos, pois nunca foi à escola.</p><p>– Por que não começar a contar a partir de meio? – perguntou o</p><p>Cavalete, abruptamente. – Assim, qualquer um pode contar até dezessete de</p><p>dois em dois muito facilmente.</p><p>Eles se entreolharam, surpresos, pois o Cavalete era considerado o mais</p><p>estúpido de todo o grupo.</p><p>– Você me deixa com muita vergonha de mim mesmo – disse o</p><p>Espantalho, fazendo uma profunda reverência em direção ao Cavalete.</p><p>– Ainda assim, a criatura está certa – declarou o Zógol Besouro –, pois</p><p>duas vezes meio é um, e se você chegar ao um, é muito fácil contar até</p><p>dezessete de dois em dois.</p><p>– Eu me pergunto por que não pensei nisso – disse o Cabeça de</p><p>Abóbora.</p><p>– Eu não – tornou o Espantalho. – Você não é mais sábio que o resto de</p><p>nós, é? Mas vamos fazer logo um desejo. Quem vai engolir a primeira</p><p>pílula?</p><p>– Acho que você – sugeriu Tip.</p><p>– Não posso – disse o Espantalho.</p><p>– Por que não? Você tem boca, não tem? – perguntou o garoto.</p><p>– Sim, mas a minha boca é pintada, e não há garganta ligada a ela –</p><p>respondeu o Espantalho. E continuou, olhando cada um criticamente: – Na</p><p>verdade, acredito que o garoto e o Zógol Besouro são os únicos do nosso</p><p>grupo que são capazes de engolir.</p><p>Atentando à verdade daquela observação, Tip disse:</p><p>– Então eu vou me encarregar do primeiro desejo.</p><p>Dê-me a primeira Pílula Prateada.</p><p>O Espantalho tentou, mas suas luvas almofadadas eram desengonçadas</p><p>demais para segurar um objeto tão pequeno, e segurou o moedor na direção</p><p>de Tip, enquanto o garoto pegava uma das pílulas e a engolia.</p><p>– Conte!</p><p>– Meio, um, três, cinco, sete, nove, onze, treze, quinze, dezessete! –</p><p>contou Tip.</p><p>– Agora faça o desejo! – disse o Homem de Lata, ansiosamente.</p><p>Mas naquele exato instante, o garoto começou a sentir dores tão terríveis</p><p>que ficou assustado.</p><p>– A pílula me envenenou! – ele gaguejou. – Ohh! Ohh! Ai! Assassinato!</p><p>Fogo! Ohh! – Neste ponto, ele revirou-se no fundo do ninho em tamanhas</p><p>contorções que assustou a todos.</p><p>– O que podemos fazer por você? Fale, por favor! – suplicou o Homem</p><p>de Lata, lágrimas de pena escorrendo por suas bochechas de níquel.</p><p>– Eu… eu não sei! – respondeu Tip. – Oh! Eu queria nunca ter engolido</p><p>aquela pílula!</p><p>Então, no mesmo instante, a dor passou, e o garoto ficou em pé e</p><p>encontrou o Espantalho olhando espantado para o fundo do moedor de</p><p>pimenta.</p><p>– O que aconteceu? – perguntou o garoto, um pouco envergonhado de</p><p>sua recente exposição.</p><p>– O que, há três pílulas no moedor de novo! – disse o Espantalho.</p><p>– Claro que há – o Zógol Besouro declarou. – Por acaso o Tip não</p><p>desejou nunca ter engolido uma delas? Bem, o desejo virou realidade, e ele</p><p>não engoliu uma delas. Então é claro que há três no moedor.</p><p>– Pode ser, mas a pílula me causou uma dor horrível, mesmo assim –</p><p>disse o garoto.</p><p>– Impossível! – objetou o Zógol Besouro. – Se você nunca a engoliu, a</p><p>pílula não pode ter causado dor a você. E como o seu desejo foi concedido,</p><p>isso prova que você nunca engoliu a pílula, também é óbvio que você não</p><p>sofreu dor alguma.</p><p>– Então aquilo foi uma esplêndida imitação de dor – replicou Tip,</p><p>furioso. – Que tal experimentar a próxima pílula você mesmo? Já</p><p>desperdiçamos um desejo.</p><p>– Oh, não, não desperdiçamos! – protestou o Espantalho. – Aqui temos</p><p>três pílulas no moedor, e cada pílula concede um desejo.</p><p>– Agora você está fazendo a minha cabeça doer – disse Tip. – Não</p><p>consigo entender nada disso. Mas não tomarei outra pílula, eu juro! – E,</p><p>com esta afirmação, ele voltou, magoado, para o fundo do ninho.</p><p>– Bem – disse o Zógol Besouro –, cabe a mim nos salvar com meu mais</p><p>Altamente Engrandecido e Minuciosamente Instruído modo, pois pareço ser</p><p>o único capaz e disposto a fazer um pedido. Deixe-me pegar uma das</p><p>pílulas.</p><p>Ele engoliu-a sem hesitação, e todos permaneceram admirando sua</p><p>coragem, enquanto o inseto contava até dezessete de dois em dois da</p><p>mesma maneira que Tip fizera. E, por alguma razão – talvez porque os</p><p>zógol besouros tenham estômagos mais fortes que os garotos – a bolinha</p><p>prateada não lhe causou dor alguma.</p><p>– Eu desejo que as asas quebradas do Gumpo sejam remendadas como se</p><p>fossem novas! – disse o Zógol Besouro devagar, em um tom imponente.</p><p>Todos se viraram para olhar para a Coisa, e o desejo foi concedido tão</p><p>rapidamente que o Gumpo jazia em frente a eles perfeitamente reparado, e</p><p>também capaz de voar pelo ar como fizera ao ser trazido à vida no telhado</p><p>do palácio.</p><p>-U rra! – gritou o Espantalho alegremente.</p><p>– Agora podemos sair desse ninho de gralhas miserável assim que</p><p>quisermos.</p><p>– Mas está quase escuro – disse o Homem de Lata.</p><p>– E a menos que esperemos até de manhã para voar, podemos arrumar</p><p>problemas. Não gosto dessas viagens noturnas, pois ninguém nunca sabe o</p><p>que vai acontecer.</p><p>Desse modo, foi decidido esperar até a luz do dia, e os aventureiros se</p><p>entretiveram até o crepúsculo procurando tesouros no ninho das gralhas.</p><p>O Zógol Besouro encontrou dois braceletes bonitos de ouro trabalhado,</p><p>que cabiam direitinho em seus braços delgados. O Espantalho pegou mania</p><p>de anéis, que havia em abundância no ninho. Logo ele colocara um anel em</p><p>cada um de seus dedos almofadados, e, não estando contente com o</p><p>resultado, acrescentou um a cada polegar. Como escolhera cuidadosamente</p><p>os anéis com pedras cintilantes, como rubis, ametistas e safiras, as mãos do</p><p>Espantalho agora tinham uma aparência brilhante.</p><p>– Este ninho seria um piquenique para a Rainha Jinjur – disse ele,</p><p>meditativamente –, pois me parece que ela e suas meninas me venceram</p><p>meramente para roubar as esmeraldas de minha cidade.</p><p>O Homem de Lata estava satisfeito com seu colar de diamantes e</p><p>recusou-se a aceitar qualquer adorno adicional, mas Tip garantiu um bom</p><p>relógio de ouro, que estava preso a uma pesada corrente, e colocou-o em</p><p>seu bolso com muito orgulho. Ele também pregou vários broches no casaco</p><p>de Jack Cabeça de Abóbora, e prendeu um binóculo de teatro, usando uma</p><p>corrente fina, ao pescoço do Cavalete.</p><p>– É muito bonito – disse a criatura, fitando o pequeno binóculo com ar</p><p>de aprovação. – Mas para que serve?</p><p>Nenhum deles conseguiu responder àquela pergunta, entretanto, de modo</p><p>que o Cavalete decidiu tratar-se de algum adorno raro e afeiçoou-se muito</p><p>ao objeto.</p><p>Para que ninguém do grupo fosse negligenciado, acabaram colocando</p><p>vários grossos sinetes nas pontas dos chifres do Gumpo, embora o estranho</p><p>animal não parecesse nada agradecido pela atenção.</p><p>A escuridão logo se abateu sobre eles, e Tip e o Zógol Besouro foram</p><p>dormir enquanto os outros se sentaram para aguardar pacientemente o raiar</p><p>do dia.</p><p>Na manhã seguinte, puderam alegrar-se pelo fato do Gumpo estar em</p><p>condições de fazer-se útil, pois com a luz do dia o grande bando de gralhas</p><p>aproximou-se para travar nova batalha pela posse do ninho.</p><p>Mas nossos aventureiros não esperaram pela investida. Saltaram para os</p><p>assentos almofadados o mais rápido possível, e Tip deu a ordem para o</p><p>Gumpo partir.</p><p>Imediatamente a Coisa ergueu-se no ar, as grandes asas batendo com</p><p>força em movimentos regulares, e em alguns instantes estavam tão longe do</p><p>ninho que as gralhas barulhentas retomaram-lhe a posse sem a menor</p><p>tentativa de perseguição.</p><p>A Coisa voou rumo ao norte, indo na mesma direção de que haviam</p><p>vindo. Ao menos, era essa a opinião do Espantalho, e os outros</p><p>concordaram que ele era o melhor juiz em questão de direção. Depois de</p><p>sobrevoarem várias cidades e vilas, o Gumpo carregou-os bem acima de</p><p>uma planície onde as casas começaram a aparecer cada vez mais espalhadas</p><p>até terem desaparecido completamente. A seguir, veio o deserto que</p><p>separava o resto do mundo da Terra de Oz, e antes do meio-dia avistaram as</p><p>casas arredondadas que provavam que estavam mais uma vez dentro dos</p><p>limites de sua terra natal.</p><p>– Mas as casas e cercas são azuis – disse o Homem de Lata – e isso</p><p>indica que estamos na terra dos Munchkins, e, portanto, a uma grande</p><p>distância de Glinda, a Boa.</p><p>– O que faremos? – perguntou o rapaz, virando-se para o guia do grupo.</p><p>– Eu não sei – respondeu o Espantalho, com franqueza. – Se</p><p>estivéssemos na Cidade das Esmeraldas, poderíamos ir direto para o sul, e</p><p>chegar ao nosso destino. Mas não ousaremos ir à Cidade das Esmeraldas, e</p><p>o Gumpo provavelmente está nos levando para a direção errada com cada</p><p>batida de suas asas.</p><p>– Então o Zógol Besouro deve engolir outra pílula – disse Tip,</p><p>decididamente – e desejar que sejamos levados na direção certa.</p><p>– Muito bem – respondeu o Altamente Engrandecido. – Estou disposto.</p><p>Mas quando o Espantalho procurou em seu bolso pelo moedor de</p><p>pimenta contendo as duas Pílulas dos Desejos restantes, não o encontrou.</p><p>Cheios de ansiedade, os viajantes buscaram cada canto da Coisa pelo</p><p>precioso moedor, mas este havia desaparecido completamente.</p><p>O Gumpo prosseguia, levando-os não sabiam para onde.</p><p>– Devo ter deixado o moedor de pimentas no ninho das gralhas – disse o</p><p>Espantalho, finalmente.</p><p>– Que grande azar! – declarou o Homem de Lata.</p><p>– Mas não estamos piores do que antes de encontrarmos as Pílulas dos</p><p>Desejos.</p><p>– Estamos muito melhores – replicou Tip –, pois a pílula que usamos nos</p><p>possibilitou escapar daquele ninho horroroso.</p><p>– Ainda assim, a perda das outras duas é séria, e mereço uma boa</p><p>reprimenda por minha falta de cuidado – o Espantalho retrucou,</p><p>penitentemente –, pois em um grupo tão incomum quanto este, acidentes</p><p>estão propensos a acontecer a qualquer momento, e mesmo agora podemos</p><p>estar nos aproximando de um novo perigo.</p><p>Ninguém ousou contradizer aquilo, e um silêncio desconfortável seguiu-</p><p>se.</p><p>O Gumpo seguia adiante com firmeza.</p><p>De repente, Tip soltou uma exclamação de surpresa:</p><p>– Devemos ter chegando à Província do Sol! – ele gritou. – Abaixo de</p><p>nós tudo é vermelho!</p><p>Imediatamente, todos se inclinaram sobre os encostos dos sofás para ver</p><p>– todos, exceto Jack, que era cuidadoso demais com sua Cabeça de</p><p>Abóbora para arriscar deixá-la escorregar de seu pescoço. Certo como a</p><p>gravidade: as casas vermelhas, cercas e árvores indicavam estarem nos</p><p>domínios de Glinda, a Boa, e, conforme deslizavam rapidamente no ar, o</p><p>Homem de Lata reconheceu as estradas e construções que perpassavam, e</p><p>alteraram um pouco o voo do Gumpo para que pudessem chegar ao palácio</p><p>da famosa Feiticeira.</p><p>– Ótimo! – exclamou o Espantalho, satisfeito. – Não precisamos mais</p><p>das Pílulas dos Desejos perdidas, pois chegamos ao nosso destino.</p><p>Gradualmente a Coisa desceu para cada vez mais próximo do chão, até</p><p>pousar nos bonitos jardins de Glinda, acomodando-se sobre uma relva verde</p><p>aveludada perto de uma fonte que borrifava, alto no ar, pedras preciosas em</p><p>vez de água, que caíam com um retinir suave na base de mármore</p><p>entalhado, colocada para recebê-las.</p><p>Tudo era muito bonito nos jardins de Glinda, e enquanto nossos viajantes</p><p>olhavam ao redor com ar admirado, um grupo de soldados apareceu</p><p>silenciosamente e os cercou. Mas esses soldados da grande Feiticeira eram</p><p>inteiramente diferentes daquelas que Jinjur reunira no Exército Rebelde,</p><p>embora, semelhantemente, fossem garotas. Pois as soldados de Glinda</p><p>usavam uniformes impecáveis e levavam espadas e lanças, e marchavam</p><p>com habilidade e precisão que as provava muito bem treinadas nas artes da</p><p>guerra.</p><p>A Capitã no comando da tropa – que era a Guarda privada de Glinda –</p><p>logo reconheceu o Espantalho e o Homem de Lata, e saudou-os com</p><p>continências respeitosas.</p><p>– Bom dia! – disse o Espantalho, galantemente tirando o chapéu,</p><p>enquanto o lenhador bateu continência à moda militar. – Viemos para</p><p>solicitar uma audiência com sua bela Governante.</p><p>– Glinda está no palácio agora, esperando vocês – respondeu a Capitã –,</p><p>pois ela os viu muito antes de vocês chegarem.</p><p>– Que estranho! – disse Tip, surpreso.</p><p>– Não é não – retorquiu o Espantalho –, pois Glinda, a Boa, é uma</p><p>Feiticeira poderosa, e nada do que acontece na Terra de Oz passa</p><p>despercebido por ela. Suponho que ela saiba por que viemos tão bem</p><p>quanto nós mesmos.</p><p>– Então por que viemos? – perguntou Jack estupidamente.</p><p>– Para provar que você é um Cabeça de Abóbora! – respondeu o</p><p>Espantalho. – Mas, se a Feiticeira nos aguarda, não devemos deixá-la</p><p>esperando.</p><p>Assim, todos desceram dos sofás e seguiram a Capitã para o palácio –</p><p>até mesmo o Cavalete tomou seu lugar na estranha comitiva.</p><p>No trono de ouro ricamente trabalhado estava Glinda, que mal pôde</p><p>reprimir um sorriso quando seus peculiares visitantes entraram e curvaram-</p><p>se diante dela. Tanto o Espantalho quanto o Homem de Lata, ela já conhecia</p><p>e gostava; o esquisito Cabeça de Abóbora e o Altamente Engrandecido</p><p>Zógol Besouro eram criaturas que nunca vira antes, e pareciam ainda mais</p><p>curiosos do que os outros. Quanto ao Cavalete, não se parecia com nada</p><p>além de um tronco vivo de madeira, e ele curvou-se tão rigidamente que sua</p><p>cabeça bateu contra o chão, causando uma onda de gargalhadas entre as</p><p>soldados, a que Glinda uniu-se sem rodeios.</p><p>– Gostaria de anunciar a sua gloriosa alteza – começou o Espantalho,</p><p>com um tom solene – que a minha Cidade das Esmeraldas foi infestada por</p><p>uma multidão de moças insolentes com agulhas de tricô, que escravizaram</p><p>todos os homens, roubaram as esmeraldas de todas as ruas e prédios</p><p>públicos, e usurparam meu trono.</p><p>– Eu sei – disse Glinda.</p><p>– Elas também ameaçaram me destruir, assim como a todos os meus</p><p>bons amigos e aliados que você vê à sua frente – continuou</p><p>o Espantalho. –</p><p>E se não tivéssemos conseguido escapar de suas garras, nossos dias teriam</p><p>terminado há muito tempo.</p><p>– Eu sei – repetiu Glinda.</p><p>– Portanto eu vim implorar a sua ajuda – resumiu o Espantalho –, pois</p><p>acredito que você sempre se alegra em socorrer os infelizes e oprimidos.</p><p>– Isso é verdade – concordou a Feiticeira, devagar. – Mas a Cidade das</p><p>Esmeraldas agora é governada pela General Jinjur, que conseguiu ser</p><p>proclamada a Rainha. Que direito eu tenho de me opor a ela?</p><p>– Bem, ela roubou o trono de mim – disse o Espantalho.</p><p>– E como você chegou ao trono? – perguntou Glinda.</p><p>– Eu o ganhei do Mágico de Oz, e pela escolha do povo – respondeu o</p><p>Espantalho, desconfortável com o questionamento.</p><p>– E onde o Mágico o conseguiu? – ela continuou, gravemente.</p><p>– Disseram-me que ele o tomou de Pastoria, o Rei anterior – disse o</p><p>Espantalho, ficando confuso diante do olhar intenso da Feiticeira.</p><p>– Então o trono da Cidade das Esmeraldas não pertence nem a você nem</p><p>a Jinjur, mas a este Pastoria de quem o Mágico o usurpou – declarou</p><p>Glinda.</p><p>– Isso é verdade – reconheceu o Espantalho humildemente. – Mas</p><p>Pastoria está morto, e alguém deve governá-lo em seu lugar.</p><p>– Pastoria tinha uma filha, que é a herdeira legítima do trono da Cidade</p><p>das Esmeraldas. Você sabia disso? – perguntou a Feiticeira.</p><p>– Não – respondeu o Espantalho. – Mas se a garota ainda estiver viva,</p><p>não ficarei no caminho dela. Ficarei tão satisfeito em ver Jinjur deposta,</p><p>como uma impostora, quanto se fosse reaver o trono eu mesmo. Na</p><p>verdade, não é muito divertido ser Rei, especialmente quando se tem um</p><p>bom cérebro. Eu sei há algum tempo que sou apto a ocupar algum cargo</p><p>mais importante. Mas onde está essa garota que retém o trono, e qual é o</p><p>nome dela?</p><p>– Ela se chama Ozma – respondeu Glinda. – Mas onde está eu tentei em</p><p>vão descobrir, pois o Mágico de Oz, quando roubou o trono do pai de</p><p>Ozma, escondeu a menina em algum lugar secreto, e com algum truque</p><p>mágico com que não estou familiarizada, impossibilitou-a de ser</p><p>descoberta, mesmo para uma Feiticeira tão experiente quanto eu.</p><p>– Isso é estranho – interrompeu o Zógol Besouro, pomposamente. – Eu</p><p>fui informado de que o Maravilhoso Mágico de Oz não era nada além de</p><p>um farsante!</p><p>– Bobagem! – exclamou o Espantalho, muito irritado com o discurso. –</p><p>Ele por acaso não me deu um cérebro maravilhoso?</p><p>– Não há farsa alguma quanto ao meu coração – anunciou o Homem de</p><p>Lata, fulminando, indignado, o Zógol Besouro.</p><p>– Talvez eu não tenha sido bem informado – gaguejou o inseto,</p><p>encolhendo-se. – Não conheci o Mágico pessoalmente.</p><p>– Bem, nós conhecemos – retrucou o Espantalho. – E ele era um ótimo</p><p>mago, eu garanto. É verdade que ele era culpado de algumas mentirinhas</p><p>insignificantes, mas a menos que fosse um grande Mago, como, deixe-me</p><p>perguntar, ele conseguiria ter escondido essa menina Ozma tão bem a ponto</p><p>de ninguém conseguir encontrá-la?</p><p>– Eu desisto! – respondeu o Zógol Besouro, mansamente.</p><p>– Esta foi a coisa mais sensata que você já disse – falou o Homem de</p><p>Lata.</p><p>– Eu realmente devo fazer nova tentativa de descobrir onde a garota está</p><p>escondida – retomou a Feiticeira, pensativamente. – Eu tenho em minha</p><p>biblioteca um livro em que está escrita cada ação do Mágico enquanto ele</p><p>esteve em nossa terra de Oz, ou, pelo menos, qualquer ação que pudesse ser</p><p>observada por meus espiões. Eu lerei esse livro com atenção hoje à noite, e</p><p>tentarei destacar os atos que podem nos levar a descobrir a Ozma perdida.</p><p>Nesse ínterim, por favor, sintam-se à vontade em meu palácio e falem a</p><p>meus servos como se fossem seus. Eu lhes concederei outra audiência</p><p>amanhã.</p><p>Com aquelas graciosas palavras, Glinda dispensou os aventureiros, e eles</p><p>se afastaram pelos belos jardins, onde passaram várias horas aproveitando</p><p>as coisas agradáveis com que Glinda cercara seu palácio real.</p><p>Na manhã seguinte, eles foram levados à presença de Glinda novamente,</p><p>e ela lhes disse:</p><p>– Eu procurei cuidadosamente pelos registros das ações do Mágico, e</p><p>entre eles encontrei apenas três que parecem suspeitas. Ele comia feijões</p><p>com uma faca, fez três visitas secretas à velha Mombi, e mancava um pouco</p><p>da perna esquerda.</p><p>– Aha! Essa última com certeza é suspeita! – exclamou o Cabeça de</p><p>Abóbora.</p><p>– Não necessariamente – disse o Espantalho. – Ele poderia ter calos.</p><p>Agora, parece-me que comer feijões com faca é mais suspeito.</p><p>– Talvez um costume educado de Omaha, o grande campo de onde o</p><p>Mágico veio – sugeriu o Homem de Lata.</p><p>– Pode ser – admitiu o Espantalho.</p><p>– Mas por que ele faria três visitas secretas à velha Mombi? – perguntou</p><p>Glinda.</p><p>– Ah, por quê, de fato? – ecoou o Zógol Besouro impressionado.</p><p>– Sabemos que o Mágico ensinou à velha muitos de seus truques de</p><p>mágica – continuou Glinda. – E ele não teria feito isso se ela não o tivesse</p><p>ajudado de algum modo. Então temos bons motivos para suspeitar que</p><p>Mombi o ajudou a esconder a menina Ozma, que era a herdeira real do</p><p>trono da Cidade das Esmeraldas, e um perigo constante para o usurpador,</p><p>pois, se o povo descobrisse que ela estava viva, eles logo a tornariam</p><p>Rainha e a devolveriam à sua posição de direito.</p><p>– Um argumento muito lúcido! – exclamou o Espantalho. – Não tenho</p><p>dúvidas de que Mombi esteja envolvida nesse negócio repugnante. Mas</p><p>como esse conhecimento nos ajuda?</p><p>– Precisamos encontrar Mombi – respondeu Glinda. – E forçá-la a contar</p><p>onde a garota está escondida.</p><p>– Mombi está com a Rainha Jinjur, na Cidade das Esmeraldas – disse</p><p>Tip. – Foi ela quem colocou tantos obstáculos em nosso caminho, e fez</p><p>Jinjur ameaçar destruir meus amigos e me devolver à custódia da bruxa.</p><p>– Então eu marcharei com meu exército para a Cidade das Esmeradas, e</p><p>tomarei Mombi como prisioneira – decidiu Glinda. – Depois disso nós</p><p>poderemos, talvez, forçá-la a dizer a verdade sobre Ozma.</p><p>– Ela é uma velha horrível! – observou Tip, com um calafrio, ao pensar</p><p>no caldeirão preto de Mombi. – E obstinada, também.</p><p>– Eu mesma sou bastante obstinada – tornou a Feiticeira, com um sorriso</p><p>–, de forma que não temo Mombi nem um pouco. Hoje farei todos os</p><p>arranjos necessários, e marcharemos contra a Cidade das Esmeraldas</p><p>amanhã ao raiar do dia.</p><p>O Exército de Glinda, a Boa, parecia muito grande e imponente</p><p>quando se reuniu ao amanhecer diante dos portões do palácio.</p><p>Os uniformes das moças soldados eram de cores bonitas e</p><p>alegres, e as lanças com pontas de prata brilhavam, sendo os cabos</p><p>compridos incrustados com madrepérola. Todas as oficiais usavam espadas</p><p>afiadas e reluzentes, e escudos com penas de pavão nas bordas, e realmente</p><p>parecia que nenhum inimigo tinha possibilidade alguma de derrotar um</p><p>exército tão brilhante.</p><p>A Feiticeira estava em um belo palanquim, que era como o corpo de uma</p><p>carruagem, com portas e janelas com cortinas de seda, mas em vez das</p><p>rodas, que a carruagem tem, o palanquim apoiava-se sobre duas compridas</p><p>barras horizontais, que eram trazidas nos ombros de doze servos.</p><p>O Espantalho e seus companheiros decidiram ir no Gumpo, para</p><p>acompanhar a marcha veloz do exército; assim, tão logo Glinda partira e</p><p>suas soldados marcharam sob inspiradoras canções tocadas pela banda real,</p><p>nossos amigos subiram nos sofás e seguiram. O Gumpo voou</p><p>acompanhando a comitiva, devagar, em um ponto diretamente acima do</p><p>palanquim em que ia a Feiticeira.</p><p>– Cuidado – disse o Homem de Lata ao Espantalho, que se inclinava</p><p>sobre uma lateral para olhar o exército abaixo. – Você pode cair.</p><p>– Não importaria – observou o Zógol Besouro instruído. – Ele não pode</p><p>quebrar, já que é recheado de dinheiro.</p><p>– Eu não pedi a você…? – começou Tip, em um tom reprovador.</p><p>– Pediu! – disse o Zógol Besouro prontamente. – E eu peço desculpas.</p><p>Eu realmente tentarei me conter.</p><p>– É bom mesmo – declarou o garoto. – Isto é, se você quiser viajar</p><p>conosco.</p><p>– Ah! Eu não suportaria me separar de vocês agora! – murmurou o</p><p>inseto, sentimental, e Tip deixou o assunto de lado.</p><p>O exército prosseguia sem parar, mas a noite caiu antes de alcançarem os</p><p>muros da Cidade das Esmeraldas. À luz pálida da lua, entretanto, as forças</p><p>de Glinda silenciosamente</p><p>cercaram a cidade e montaram suas tendas de</p><p>seda escarlate sobre a relva. A tenda da Feiticeira era maior do que as</p><p>outras, e composta de seda puramente branca, com bandeiras vermelhas</p><p>flamulando sobre si. Uma tenda também foi montada para o grupo do</p><p>Espantalho, e quando os preparativos haviam sido feitos, com precisão e</p><p>rapidez militares, o exército deitou-se para descansar.</p><p>Grande foi o espanto da Rainha Jinjur na manhã seguinte, quando suas</p><p>garotas soldados vieram correndo informá-la do vasto exército que as</p><p>cercava. Ela imediatamente subiu até a torre mais alta do palácio real e viu</p><p>as bandeiras balançando em todas as direções e a grande tenda branca de</p><p>Glinda bem diante dos portões.</p><p>– Estamos perdidas, com certeza! – gritou Jinjur, em desespero. – Pois</p><p>que vantagem nossas agulhas de tricô têm contra as longas lanças e terríveis</p><p>espadas de nossos inimigos?</p><p>– O melhor que podemos fazer – disse uma das moças – é nos render o</p><p>mais rápido possível, antes de nos machucarmos.</p><p>– Não – tornou Jinjur, com mais coragem. – O inimigo ainda está do</p><p>lado de fora dos muros, então devemos ganhar tempo prometendo</p><p>negociação. Vá com uma bandeira de trégua a Glinda e pergunte a ela por</p><p>que ousou invadir os meus domínios, e quais são suas exigências.</p><p>A moça passou pelos portões, levando uma bandeira branca para mostrar</p><p>que estava em missão de paz, e foi até a tenda de Glinda.</p><p>– Diga a sua Rainha – disse a Feiticeira à moça – que ela deve me</p><p>entregar a velha Mombi como minha prisioneira. Se isso for feito, não farei</p><p>nada contra o pai dela.</p><p>Com aquela mensagem entregue, a Rainha encheu-se de desalento, pois</p><p>Mombi era sua conselheira-mor, e Jinjur tinha muito medo da bruxa velha.</p><p>Mas mandou chamar Mombi, e disselhe o que Glinda exigira.</p><p>– Vejo problemas em nosso futuro – murmurou a bruxa velha entre</p><p>dentes, depois de espiar o espelho mágico que levava em seu bolso. – Mas</p><p>talvez possamos escapar tentando enganar essa feiticeira, por mais que ela</p><p>se ache esperta.</p><p>– Você não acha que é mais seguro, para mim, entregar você a ela? –</p><p>perguntou Jinjur, nervosamente.</p><p>– Se você o fizer, isso lhe custará o trono da Cidade das Esmeraldas –</p><p>respondeu a bruxa, em tom de certeza absoluta. – Mas se você me deixar</p><p>tentar do meu modo, posso salvar a nós duas com muita facilidade.</p><p>– Então faça como quiser – respondeu Jinjur –, pois é tão aristocrático</p><p>ser uma Rainha que eu não desejo ser obrigada a voltar para casa, para</p><p>arrumar camas e lavar louças para a minha mãe.</p><p>Com isso, Mombi chamou Jellia Jamb, e realizou certo ritual mágico</p><p>com o qual estava familiarizada. Como resultado do encantamento, Jellia</p><p>assumiu a forma e características de Mombi, enquanto a bruxa velha tomou</p><p>forma tão semelhante à da moça que parecia impossível alguém descobrir o</p><p>disfarce.</p><p>– Agora – disse a velha Mombi à Rainha – deixe suas soldados levarem</p><p>a menina a Glinda. Ela vai pensar que tem a verdadeira Mombi em seu</p><p>poder, e voltar imediatamente à sua província no sul.</p><p>Assim sendo, Jellia, coxeando como uma senhora de idade, foi</p><p>conduzida aos portões da cidade e levada para Glinda.</p><p>– Aqui está a pessoa que você exigiu – disse uma das guardas. – E nossa</p><p>Rainha implora que você vá embora, como prometeu, e nos deixe em paz.</p><p>– Eu certamente o farei – respondeu Glinda, bastante satisfeita –, se esta</p><p>for a pessoa que parece ser.</p><p>– Certamente é a velha Mombi – disse a guarda, que acreditava estar</p><p>falando a verdade, e então as soldados de Jinjur voltaram para dentro dos</p><p>portões da cidade.</p><p>A Feiticeira rapidamente mandou chamar o Espantalho e seus amigos</p><p>para sua tenda, e começou a questionar a suposta Mombi sobre a menina</p><p>perdida, Ozma. Mas Jellia não sabia nada sobre esse assunto, e ficou tão</p><p>nervosa sob o interrogatório que desmoronou e começou a chorar, para a</p><p>grande surpresa de Glinda.</p><p>– Há algum truque tolo aqui – disse a Feiticeira, seus olhos brilhando de</p><p>fúria. – Esta não é Mombi de jeito nenhum, mas alguma outra pessoa que</p><p>foi transformada para se parecer com ela! Diga-me – ela exigiu, virando-se</p><p>para a garota trêmula – qual é o seu nome?</p><p>Jellia não ousou responder a isso, tendo sido ameaçava de morte pela</p><p>bruxa, se confessasse a fraude. Glinda, porém, embora doce e justa,</p><p>entendia magia melhor do que qualquer outra pessoa na Terra de Oz. Desse</p><p>modo, emitindo algumas palavras potentes e fazendo um gesto peculiar,</p><p>rapidamente transformou a garota de volta em sua forma original, enquanto,</p><p>ao mesmo tempo, a velha Mombi, distante no palácio de Jinjur,</p><p>repentinamente voltou à sua forma torta e de traços cruéis.</p><p>– Mas esta é Jellia Jamb! – exclamou o Espantalho, reconhecendo na</p><p>garota uma de suas velhas amigas.</p><p>– É a nossa intérprete! – disse o Cabeça de Abóbora, sorrindo contente.</p><p>Assim, Jellia foi forçada a contar o truque que Mombi fizera e também</p><p>implorou a proteção de Glinda, que a Feiticeira prontamente concedeu. Mas</p><p>agora Glinda estava realmente furiosa, e mandou dizer a Jinjur que a fraude</p><p>fora descoberta e que ela deveria entregar a verdadeira Mombi ou sofreria</p><p>terríveis consequências. Jinjur estava preparada para aquela mensagem,</p><p>pois a bruxa entendera que, quando sua forma natural foi-lhe forçada de</p><p>volta, Glinda descobrira a trapaça. Contudo, a velha criatura má já havia</p><p>pensado em um novo disfarce, e obrigou Jinjur a prometer que iria ajudá-la.</p><p>Assim, a Rainha disse à mensageira de Glinda:</p><p>– Diga a sua senhora que não consigo encontrar Mombi em lugar algum,</p><p>mas que ela é bem-vinda a entrar na cidade e procurá-la. Ela também pode</p><p>trazer seus amigos com ela, se quiser, mas se não achar Mombi até o</p><p>anoitecer, a Feiticeira deve prometer ir embora em paz e não nos incomodar</p><p>mais.</p><p>Glinda concordou com aqueles termos, sabendo bem que Mombi estava</p><p>em algum lugar dentro dos muros da cidade. Jinjur mandou que os portões</p><p>fossem abertos, e Glinda marchou à frente da companhia de suas garotas</p><p>soldados, seguida pelo Espantalho e pelo Homem de Lata, enquanto Jack</p><p>Cabeça de Abóbora ia ao lado do Cavalete, e o Altamente Engrandecido</p><p>Zógol Besouro Instruído vagueava atrás de modo digno. Tip caminhava</p><p>lado a lado com a Feiticeira, pois Glinda começara a gostar muito do</p><p>garoto.</p><p>Claro que Mombi não tinha a menor intenção de ser encontrada por</p><p>Glinda, de forma que, enquanto seus inimigos marchavam pela rua,</p><p>transformou-se em uma rosa vermelha crescendo em um arbusto no jardim</p><p>do palácio. Era uma ideia inteligente, e um truque de que Glinda não</p><p>suspeitou, de forma que várias horas preciosas foram gastas em vão à</p><p>procura de Mombi.</p><p>Conforme o anoitecer se aproximava, a Feiticeira percebeu que fora</p><p>derrotada pela astúcia superior da bruxa velha, e teve de ordenar a seu povo</p><p>que marchasse para fora da cidade e de volta para suas tendas.</p><p>No entanto, o Espantalho e seus companheiros estavam procurando pelo</p><p>jardim do palácio naquele momento, e viraram-se desapontados para</p><p>obedecer às ordens de Glinda. Mas, antes de deixarem o jardim, o Homem</p><p>de Lata, que adorava flores, entreviu uma imensa rosa vermelha crescendo</p><p>de um arbusto, colheu a flor e prendeu-a em segurança à botoeira de</p><p>estanho de seu peito.</p><p>Quando fez isso, julgou ter ouvido um gemido baixo vindo da rosa, mas</p><p>não prestou atenção ao som, e Mombi foi dessa maneira levada para fora da</p><p>cidade e para o acampamento de Glinda sem levantar a menor suspeita de</p><p>que eles haviam sido bem sucedidos em sua missão.</p><p>A Bruxa, a princípio, ficou assustada ao perceber que tinha sido</p><p>capturada pelo inimigo, mas logo concluiu estar tão segura na</p><p>botoeira do Homem de Lata quanto se estivesse crescendo no</p><p>arbusto, pois ninguém sabia que a rosa era Mombi, e agora que ela estava</p><p>fora dos portões da Cidade, suas chances de escapar completamente de</p><p>Glinda haviam crescido muito.</p><p>– Mas não tenho pressa – pensou Mombi. – Vou esperar um pouco e</p><p>desfrutar da humilhação dessa Feiticeira quando ela descobrir que eu a</p><p>despistei.</p><p>Assim, ao longo da noite, a rosa ficou quietamente no peito do lenhador,</p><p>e de manhã, quando Glinda convocou nossos amigos para uma conversa,</p><p>Nick Chopper levou sua bonita flor consigo</p><p>para dentro da tenda branca.</p><p>– Por alguma razão – disse Glinda –, falhamos em encontrar aquela</p><p>astuciosa velha Mombi, então temo que nossa expedição vá se provar um</p><p>fracasso. E por isso eu sinto muito, pois sem nossa ajuda, a pequena Ozma</p><p>nunca será resgatada e devolvida a seu lugar de direito como Rainha da</p><p>Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Não vamos desistir tão fácil – disse o Cabeça de Abóbora. – Vamos</p><p>fazer alguma outra coisa.</p><p>– Alguma outra coisa deve ser feita – respondeu Glinda com um sorriso.</p><p>– Ainda assim, não consigo entender como fomos derrotados com tanta</p><p>facilidade pela Bruxa velha, que sabe muito menos magia do que eu.</p><p>– Enquanto estamos acampados, acredito que seria sábio de nossa parte</p><p>conquistar a Cidade das Esmeraldas para a Princesa Ozma, e encontrar a</p><p>garota depois – disse o Espantalho. – E enquanto a menina ainda estiver</p><p>escondida, eu alegremente governarei em seu lugar, pois entendo mais</p><p>sobre governo do que a Jinjur.</p><p>– Mas eu prometi não atacar Jinjur – objetou Glinda.</p><p>– Vocês podem voltar comigo para o meu reino, ou Império, como eu</p><p>prefiro chamá-lo – disse o Homem de Lata, incluindo polidamente o grupo</p><p>inteiro com um gesto de seu braço, digno de realeza. – Terei grande prazer</p><p>em entretê-los em meu castelo, onde há espaço suficiente. E se algum de</p><p>vocês quiser ser revestido de níquel, meu criado o fará sem cobrar nada.</p><p>Enquanto o lenhador falava, os olhos de Glinda haviam notado a rosa</p><p>presa à sua botoeira, e ela achava que tinha visto as grandes folhas</p><p>vermelhas da flor tremerem um pouco. Isso rapidamente levantou suas</p><p>suspeitas, e levou mais um instante para a Feiticeira concluir que a aparente</p><p>rosa não era nada mais do que uma transformação da velha Mombi. No</p><p>mesmo momento, Mombi percebeu ter sido descoberta e que deveria pensar</p><p>rapidamente em um plano de fuga, e, como para ela transformações eram</p><p>fáceis, imediatamente tomou a forma de uma Sombra e deslizou pela parede</p><p>da tenda na direção da entrada, pensando que assim desapareceria.</p><p>Glinda, contudo, não só era igualmente astuta, como muito mais</p><p>experiente que a Bruxa. Assim, a Feiticeira alcançou a abertura da tenda</p><p>antes da Sombra, e com um floreio de sua mão, fechou-a tão bem que</p><p>Mombi não conseguiu encontrar uma brecha grande o bastante através da</p><p>qual se esgueirar. O Espantalho e seus amigos ficaram imensamente</p><p>surpresos com as ações de Glinda, pois nenhum deles notara a Sombra. A</p><p>Feiticeira, entretanto, disselhes:</p><p>– Fiquem quietos, todos vocês! A velha Bruxa está conosco agora na</p><p>tenda, e eu espero capturá-la.</p><p>Aquelas palavras alarmaram tanto Mombi que ela rapidamente</p><p>transformou-se de Sombra para uma Formiga Preta, em cuja forma rastejou</p><p>pelo chão, procurando uma fissura ou fresta em que pudesse esconder seu</p><p>corpo minúsculo.</p><p>Felizmente, o chão do local onde a tenda fora montada, estando bem</p><p>diante dos portões da cidade, era rígido e liso, e enquanto a Formiga ainda</p><p>rastejava de um lado para o outro, Glinda descobriu-a e correu depressa</p><p>para capturá-la. Mas, no exato momento em que sua mão se abaixava, a</p><p>Bruxa, agora frenética de medo, fez sua última transformação, e tomou a</p><p>forma de um imenso grifo8, ultrapassando os limites da tenda – rasgando a</p><p>seda com a pressa – e em um instante havia disparado com a velocidade de</p><p>um redemoinho.</p><p>Glinda não hesitou em segui-la. Saltou sobre o dorso do Cavalete e</p><p>gritou:</p><p>– Agora você deve provar que tem o direito de estar vivo! Corra! Corra!</p><p>Corra!</p><p>O Cavalete correu. Como um relâmpago, seguiu o grifo, suas pernas de</p><p>madeira movendo-se tão rápido que brilhavam como os raios de uma</p><p>estrela. Antes de nossos amigos conseguirem se recuperar da surpresa, tanto</p><p>o grifo quanto o Cavalete haviam desaparecido de vista.</p><p>– Venham! Vamos segui-los! – gritou o Espantalho.</p><p>Correram para o local onde o Gumpo se encontrava e subiram nele sem</p><p>perder tempo.</p><p>– Voe! – ordenou Tip com avidez.</p><p>– Para onde? – perguntou o Gumpo, com sua voz calma.</p><p>– Eu não sei – tornou Tip, bastante ansioso pelo atraso –, mas se você</p><p>subir para o ar, eu acho que conseguiremos descobrir para onde Glinda foi.</p><p>– Muito bem – respondeu o Gumpo, com tranquilidade, e abriu suas asas</p><p>enormes e alçou voo alto.</p><p>Longe dali, pelos prados, conseguiram enxergar duas minúsculas</p><p>manchas correndo uma atrás da outra, e souberam que aquelas manchinhas</p><p>eram o grifo e o Cavalete. Tip, então, chamou a atenção do Gumpo e</p><p>comandou a criatura a tentar sobrevoar a Bruxa e a Feiticeira. Mas, embora</p><p>o voo do Gumpo fosse veloz, a fugitiva e sua perseguidora moviam-se</p><p>ainda mais rápido, e em alguns instantes apagaram-se contra o horizonte</p><p>obscuro.</p><p>– Mas continuaremos a segui-las, apesar disso – disse o Espantalho –,</p><p>pois a Terra de Oz tem uma pequena extensão, e cedo ou tarde ambas terão</p><p>que parar.</p><p>A velha Mombi havia pensado ter sido muito sábia ao escolher a forma</p><p>de um grifo, pois suas pernas eram excessivamente velozes, e sua força</p><p>mais duradoura do que a de outros animais. Não antecipara, entretanto, a</p><p>energia incansável do Cavalete, cujos membros de madeira poderiam correr</p><p>por dias sem diminuir sua velocidade. Portanto, depois de uma hora de</p><p>corrida desabalada, a respiração do grifo começou a falhar, ele arfava e</p><p>ofegava dolorosamente, e movia-se mais devagar do que antes. Alcançou a</p><p>borda do deserto e começou a correr pelas areias profundas, mas seus pés</p><p>cansados afundavam muito, e em alguns minutos o grifo caiu,</p><p>completamente exausto, e ficou deitado no deserto.</p><p>Glinda alcançou-a um momento depois, cavalgando o ainda vigoroso</p><p>Cavalete, e, tendo desenrolado um fio de ouro flexível de seu cinto, a</p><p>Feiticeira jogou-a por sobre a cabeça do grifo ofegante e desamparado, e</p><p>assim destruiu o poder mágico da transformação de Mombi, pois o animal,</p><p>com um tremor feroz, desapareceu de vista, enquanto em seu lugar</p><p>descobriu-se a forma da Bruxa velha, fulminando cruelmente com o olhar o</p><p>belo rosto da Feiticeira.</p><p>8 Grifo é uma criatura mitológica com cabeça, asas e garras de águia, em um corpo de leão (N. E.).</p><p>- V ocê é minha prisioneira, e é inútil continuar resistindo – disse</p><p>Glinda, com sua voz doce e suave. – Fique um momento deitada, e</p><p>descanse, e então eu a levarei de volta para minha tenda.</p><p>– Por que você me procura? – perguntou Mombi, ainda com dificuldade</p><p>de falar, por causa da falta de ar. – O que eu fiz para você, para que me</p><p>perseguisse assim?</p><p>– Você não fez nada contra mim – respondeu a gentil Feiticeira –, mas</p><p>suspeito que você seja culpada de várias ações cruéis, e se eu descobrir que</p><p>você in-sultou seu conhecimento de magia, tenho intenção de puni-la</p><p>severamente.</p><p>– Eu desafio você! – grasnou a bruxa velha. – Não ouse me ferir!</p><p>Naquele momento, o Gumpo voou para eles e pousou nas areias do</p><p>deserto ao lado de Glinda. Nossos amigos ficaram contentes ao descobrir</p><p>que Mombi finalmente fora capturada, e depois de uma conversa apressada,</p><p>foi decidido que deveriam voltar ao acampamento no Gumpo. Assim sendo,</p><p>o Cavalete foi colocado a bordo, e Glinda, ainda segurando a extremidade</p><p>do fio de ouro que estava ao redor do pescoço de Mombi, forçou sua</p><p>prisioneira a subir nos sofás. Os outros logo os seguiram, e Tip deu a ordem</p><p>para o Gumpo retornar.</p><p>A jornada foi feita em segurança, Mombi sentada em seu lugar com um</p><p>ar macabro e rabugento, pois a bruxa velha estava absolutamente indefesa</p><p>enquanto o fio mágico continuasse em torno de seu pescoço. O exército</p><p>saudou a volta de Glinda com ovação estrondosa, e o grupo de amigos logo</p><p>se reuniu na tenda real, que fora habilmente consertada durante sua</p><p>ausência.</p><p>– Agora – disse a Feiticeira para Mombi – eu quero que nos diga por que</p><p>o Maravilhoso Mágico de Oz visitou você três vezes, e o que foi feito da</p><p>criança, Ozma, que curiosamente desapareceu.</p><p>A Bruxa olhou desafiadoramente para Glinda, mas não disse uma</p><p>palavra.</p><p>– Responda! – exclamou a Feiticeira.</p><p>Mas Mombi continuou em silêncio.</p><p>– Talvez ela não saiba – comentou Jack.</p><p>– Fique quieto – disse Tip. – Você pode estragar tudo com a sua tolice.</p><p>– Tudo bem, querido pai! – volveu o Cabeça de Abóbora, mansamente.</p><p>– Como</p><p>sou feliz por ser um zógol besouro! – murmurou o inseto</p><p>Altamente Engrandecido, suavemente. – Ninguém pode esperar sabedoria</p><p>fluir de uma abóbora.</p><p>– Bem – disse o Espantalho –, o que havemos de fazer para Mombi</p><p>falar? A menos que ela nos diga o que queremos saber, capturá-la não</p><p>adianta nada.</p><p>– Podemos tentar ser gentis – sugeriu o Homem de Lata. – Ouvi dizer</p><p>que qualquer um pode ser vencido com gentileza, não importa o quão feios</p><p>sejam.</p><p>Ao ouvir aquilo, a Bruxa virou-se para dardejá-lo tão horrivelmente com</p><p>o olhar que o Homem de Lata encolheu-se acanhado.</p><p>Glinda estivera considerando com cuidado o que fazer, e virou-se para</p><p>Mombi e disse:</p><p>– Você não ganhará nada, eu garanto, nos desafiando desse modo, pois</p><p>estou determinada a descobrir a verdade sobre a menina Ozma, e a menos</p><p>que você me diga tudo o que sabe, eu certamente vou providenciar a sua</p><p>morte.</p><p>– Ah, não, não faça isso! – exclamou o Homem de Lata. – Seria uma</p><p>coisa ruim matar qualquer um… até mesmo a velha Mombi!</p><p>– Mas isso é meramente uma ameaça – tornou Glinda. – Eu não hei de</p><p>providenciar a morte de Mombi, porque ela irá preferir me dizer a verdade.</p><p>– Ah, entendi! – disse o homem feito de estanho, bastante aliviado.</p><p>– Supondo que eu lhe diga tudo o que você quer saber – disse Mombi,</p><p>falando tão de repente que sobressaltou a todos –, o que você vai fazer</p><p>comigo depois?</p><p>– Nesse caso – respondeu Glinda – eu irei apenas pedir que você beba</p><p>uma poderosa poção que fará você esquecer toda a magia que aprendeu.</p><p>– Então eu viraria uma velha indefesa!</p><p>– Mas você continuaria viva – disse o Cabeça de Abóbora, em tom de</p><p>consolo.</p><p>– Tente ficar quieto – disse Tip, nervosamente.</p><p>– Eu vou tentar – respondeu Jack –, mas você tem que admitir que é uma</p><p>coisa boa estar vivo.</p><p>– Especialmente se você é Minuciosamente Instruído – acrescentou o</p><p>Zógol Besouro, assentindo com aprovação.</p><p>– Você pode fazer a sua escolha – Glinda disse à velha Mombi – entre a</p><p>morte, se você preferir o silêncio, ou a perda de seus poderes mágicos, se</p><p>me disser a verdade. Mas eu acho que você vai preferir viver.</p><p>Mombi lançou um olhar desconfortável à Feiticeira, e viu que ela não</p><p>estava brincando, e sem disposição para gracejos. Assim, respondeu,</p><p>devagar: – Eu responderei às suas perguntas.</p><p>– É o que eu esperava – disse Glinda, em um tom agradável. – Você</p><p>soube escolher sabiamente, eu garanto.</p><p>Fez, então, um gesto para uma de suas Capitãs, que lhe trouxe uma</p><p>bonita caixa de ouro. De dentro da caixa, a Feiticeira pegou uma imensa</p><p>pérola branca, presa a uma corrente fina, que colocou ao redor de seu</p><p>pescoço de forma que a pérola repousasse sobre seu peito, bem acima de</p><p>seu coração.</p><p>– Agora – disse ela – eu vou fazer a minha primeira pergunta. Por que o</p><p>Mágico lhe fez três visitas?</p><p>– Porque eu não aceitei ir até ele – respondeu Mombi.</p><p>– Isso não é resposta – disse Glinda severamente. – Diga-me a verdade.</p><p>– Bem – tornou Mombi, com olhos baixos –, ele me visitou para</p><p>aprender como eu faço biscoitos de chá.</p><p>– Olhe para cima! – ordenou a Feiticeira.</p><p>Mombi obedeceu.</p><p>– Qual é a cor da minha pérola? – questionou Glinda.</p><p>– Bem… é preta! – respondeu a Bruxa velha, em tom de surpresa.</p><p>– Então você mentiu! – gritou Glinda furiosa. – Somente quando a</p><p>verdade é dita, minha pérola mágica continua de uma cor puramente branca.</p><p>Mombi via, agora, como era inútil tentar enganar a Feiticeira; então</p><p>disse, fazendo uma careta ante sua derrota:</p><p>– O Mágico me trouxe a menina Ozma, que era apenas um bebê, e me</p><p>implorou para esconder a criança.</p><p>– Foi o que pensei – declarou Glinda, calmamente. – O que ele lhe deu</p><p>para servi-lo assim?</p><p>– Ele me ensinou os truques de mágica que conhecia. Alguns eram bons,</p><p>outros eram apenas fraudes, mas eu tenho me mantido fiel à minha</p><p>promessa.</p><p>– O que você fez com a menina? – perguntou Glinda, e todos se</p><p>inclinaram para frente avidamente a fim de ouvir a resposta.</p><p>– Eu a encantei – respondeu Mombi.</p><p>– De que modo?</p><p>– Eu a transformei em… em…</p><p>– Em que? – exigiu saber Glinda, ante a hesitação da Bruxa.</p><p>– Em um menino! – disse Mombi, baixo.</p><p>– Um menino! – ecoaram todas as vozes, e então, como a velha criara</p><p>Tip desde a infância, todos os olhos se voltaram para onde o garoto se</p><p>encontrava.</p><p>– Sim – disse a Bruxa velha, assentindo – essa é a Princesa Ozma… a</p><p>criança que me foi trazida pelo Mágico que roubou o trono de seu pai. Aí</p><p>está a governante legítima da Cidade das Esmeraldas! – e apontou seu dedo</p><p>comprido e ossudo direto para o rapaz.</p><p>– Eu!? – gritou Tip, chocado. – Mas eu não sou a Princesa Ozma… eu</p><p>não sou uma menina!</p><p>Glinda sorriu, e, aproximando-se de Tip, pegou-lhe a mãozinha</p><p>bronzeada em suas mãos brancas e delicadas.</p><p>– Você não é uma menina agora – disse ela, gentilmente –, porque</p><p>Mombi transformou você em um menino. Mas você nasceu menina, e</p><p>também Princesa, então deve retomar sua forma verdadeira, para se tornar a</p><p>Rainha da Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Ah, que Jinjur seja a Rainha! – exclamou Tip, prestes a chorar. – Eu</p><p>quero continuar sendo um menino, e viajar com o Espantalho, o Homem de</p><p>Lata, o Zógol Besouro, e Jack… sim! E meu amigo Cavalete… e o Gumpo!</p><p>Eu não quero ser uma menina!</p><p>– Não se preocupe, moleque – disse o Homem de Lata, em um tom</p><p>reconfortante –, não dói ser uma menina, segundo me disseram. E nós</p><p>continuaremos sendo seus fiéis amigos mesmo assim. E, para ser sincero</p><p>com você, eu sempre achei meninas mais legais do que meninos.</p><p>– São tão legais quanto, de qualquer modo – acrescentou o Espantalho,</p><p>dando tapinhas tranquilizadores na cabeça de Tip.</p><p>– E são igualmente bons alunos – proclamou o Zógol Besouro. – Eu</p><p>adoraria virar o seu tutor, quando você voltar a ser uma menina.</p><p>– Mas… veja só – disse Jack Cabeça de Abóbora, com um arquejo –, se</p><p>você for uma garota, não pode mais ser meu querido pai!</p><p>– Não – respondeu Tip, rindo apesar de sua ansiedade –, e eu não me</p><p>arrependerei de me desfazer dessa relação. – Então, acrescentou hesitante,</p><p>virando-se para Glinda: – Eu posso tentar um pouco, só para ver como é,</p><p>sabe? Mas se eu não gostar de ser uma menina, você tem de prometer me</p><p>transformar de novo em menino.</p><p>– Isso está realmente além da minha mágica – disse a Feiticeira. – Eu</p><p>nunca lido com transformações, pois não são honestas, e nenhuma feiticeira</p><p>respeitável gosta de fazer coisas parecerem ser o que não são. Apenas</p><p>bruxas inescrupulosas usam essa arte, então devo pedir a Mombi que liberte</p><p>o feitiço, e devolva você à sua forma original. Será a última oportunidade</p><p>que ela terá de usar magia.</p><p>Agora que a verdade sobre a Princesa Ozma fora descoberta, Mombi não</p><p>se importava com o que acontecesse a Tip, mas temia a fúria de Glinda, e o</p><p>garoto oferecera-se, generosamente, para prover sua velhice caso se</p><p>tornasse o governante da Cidade das Esmeraldas. Assim sendo, a Bruxa</p><p>concordou em realizar a transformação, e os arranjos foram feitos</p><p>imediatamente.</p><p>Glinda ordenou que seu sofá real fosse colocado no centro da tenda.</p><p>Tinha montes de almofadas cobertas de seda cor-de-rosa, e de um cercado</p><p>dourado acima pendiam muitas pregas de fibra rosa, escondendo</p><p>completamente o interior do sofá.</p><p>O primeiro ato da Bruxa foi fazer o rapaz beber uma poção que,</p><p>rapidamente, o fez adormecer em um sono profundo e sem sonhos. O</p><p>Homem de Lata e o Zógol Besouro, então, colocaram-no gentilmente no</p><p>sofá, sobre almofadas suaves, e fecharam as cortinas para ocultá-lo da vista.</p><p>A Bruxa agachou-se no chão e acendeu uma pequena fogueira de ervas</p><p>secas, que tirara do peito. Quando a chama ardeu e queimou claramente, a</p><p>velha Mombi espalhou um punhado de pó mágico sobre o fogo, que</p><p>imediatamente soltou uma fumaça de um violeta vívido, preenchendo a</p><p>tenda e provocando um espirro do Cavalete – embora ele houvesse sido</p><p>avisado para ficar quieto.</p><p>Enquanto os outros a assistiam com curiosidade, a bruxa cantou um</p><p>verso rítmico com palavras que ninguém entendeu, e curvou seu corpo</p><p>magro sete vezes para trás e para frente sobre o fogo. O encantamento</p><p>parecia completo, pois a Bruxa ergueu-se ereta e gritou a palavra “Yeowa!”.</p><p>O vapor dispersou-se,</p><p>com seu dedinho apontado para cima, e disse:</p><p>– Weaugh!</p><p>Então ergueu sua mão direita, com o dedão apontado para cima, e disse:</p><p>– Teaugh!</p><p>Depois ergueu as duas mãos, com todos os dedos afastados, e gritou:</p><p>– Peaugh!</p><p>Ante isso, Jack Cabeça de Abóbora deu um passo para trás, e disse em</p><p>um tom reprovador:</p><p>– Não grite assim! Você pensa que sou surdo?</p><p>A velha Mombi dançou ao seu redor, frenética de satisfação.</p><p>– Ele vive! – ela berrou. – Ele vive! Ele vive!</p><p>Jogou seu cajado no ar e o pegou quando caía, abraçou a si mesma com</p><p>os dois braços, e tentou fazer um passo de giga1, e todo o tempo repetia</p><p>arrebatadamente:</p><p>– Ele vive…! Ele vive…! Ele vive…!</p><p>Agora você pode supor que Tip observava tudo isto estupefato. A</p><p>princípio ficou tão assustado e horrorizado que quis fugir, mas suas pernas</p><p>tremeram e sacudiram-se tanto que não conseguiu. Depois, veio-lhe a ideia</p><p>de que era muito engraçado Jack estar vivo, especialmente pela expressão</p><p>de seu rosto de abóbora, tão divertida e cômica que provocava riso</p><p>instantaneamente. Assim, recuperan-do-se de seu temor inicial, Tip</p><p>começou a rir, e as alegres gargalhadas alcançaram os ouvidos da velha</p><p>Mombi e a fizeram mancar rapidamente até a sebe, onde agarrou o</p><p>colarinho de sua camiseta e o arrastou para onde deixara sua cesta e o</p><p>homem de Cabeça de Abóbora.</p><p>– Seu moleque malvado, sem-vergonha e sorrateiro! – ela exclamou</p><p>furiosamente. – Eu vou ensinar você a não espiar os meus segredos e se</p><p>divertir às minhas custas!</p><p>– Eu não estava me divertindo às suas custas! – protestou Tip. – Eu</p><p>estava rindo do velho Cabeça de Abóbora! Olhe para ele! Não é uma</p><p>figura?</p><p>– Espero que você não esteja criticando minha aparência pessoal – disse</p><p>Jack, e era tão engraçado ouvir sua voz grave, enquanto seu rosto</p><p>continuava com seu sorriso divertido, que Tip novamente explodiu em</p><p>gargalhadas.</p><p>Nem Mombi ocultava um interesse curioso no homem que sua magia</p><p>trouxera à vida, pois, depois de encará-lo com afinco, ela perguntou:</p><p>– O que você sabe?</p><p>– Bem, isso é difícil dizer – respondeu Jack. – Pois embora eu sinta que</p><p>sei tremendamente muito, não estou ainda ciente do quanto há no mundo</p><p>para descobrir. Vai levar algum tempo para eu saber se sou muito sábio ou</p><p>muito tolo.</p><p>– Com certeza – disse Mombi, pensativamente.</p><p>– Mas o que você vai fazer com ele, agora que está vivo? – perguntou</p><p>Tip, admirado.</p><p>– Tenho de pensar – respondeu Mombi. – Mas devemos ir logo para</p><p>casa, pois está escurecendo. Ajude o Cabeça de Abóbora a andar.</p><p>– Não se preocupe comigo – disse Jack. – Posso andar tão bem quanto</p><p>vocês. Acaso não tenho pernas e pés, e não têm eles articulações?</p><p>– Têm? – perguntou a mulher, virando-se para Tip.</p><p>– Claro que sim; eu mesmo as fiz – respondeu o menino, orgulhoso.</p><p>Seguiram para casa, mas quando chegaram ao quintal da fazenda, a</p><p>velha Mombi guiou o homem abóbora para o estábulo de vacas e trancou-o</p><p>em uma baia vazia, amarrando a porta seguramente pelo lado de fora.</p><p>– Tenho de lidar com você primeiro – ela disse, balançando a cabeça</p><p>para Tip.</p><p>Ao ouvir isso, o garoto ficou inquieto, pois sabia que Mombi tinha um</p><p>coração mau e vingativo, e não hesitaria em fazer qualquer coisa cruel.</p><p>Entraram na casa. Ela tinha uma estrutura redonda, abobadada, como</p><p>eram quase todas as casas de fazenda da Terra de Oz.</p><p>Mombi mandou o garoto acender uma vela, enquanto punha seu cesto</p><p>em um armário e pendurava sua capa num cabide.</p><p>Depois que a vela foi acesa, Mombi mandou Tip acender a lareira, e</p><p>enquanto ele estava ocupado com isso, a velha comeu seu jantar. Quando as</p><p>chamas começaram a crepitar, o menino foi até ela e pediu um pouco de pão</p><p>e queijo, mas Mombi recusou.</p><p>– Estou com fome! – disse Tip, num tom amuado.</p><p>– Você não sentirá fome por muito tempo – respondeu Mombi, com um</p><p>olhar severo.</p><p>O garoto não gostou daquilo, pois soara como uma ameaça, mas se</p><p>lembrou de ter nozes nos bolsos, então descascou algumas delas e as comeu</p><p>enquanto a mulher se levantava, sacudia as migalhas de seu avental e</p><p>pendurava um pequeno caldeirão preto sobre o fogo.</p><p>Ela pegou duas medidas iguais de leite e vinagre e os colocou no</p><p>caldeirão. Depois, pegou vários pacotes de ervas e pós e começou a</p><p>acrescentar uma porção de cada um de seus conteúdos no caldeirão.</p><p>Ocasionalmente, aproximava-se da vela e lia em um papel a receita da</p><p>meleca que estava misturando.</p><p>Conforme Tip a assistia, sua inquietação aumentava.</p><p>– Para que é isso? – ele perguntou.</p><p>– Para você – tornou Mombi, resumidamente.</p><p>Tip virou-se em seu assento e encarou um tempo o caldeirão, que</p><p>começava a borbulhar. Então deu um olhar de relance para a face austera e</p><p>enrugada da bruxa, e desejou estar em qualquer outro lugar além daquela</p><p>cozinha escura e fumacenta, onde até as sombras pro-duzidas pela vela na</p><p>parede eram suficientes para causar horrores a alguém. Uma hora se passou,</p><p>na qual o silêncio só era quebrado pelo borbulhar do caldeirão e pelo silvo</p><p>das chamas.</p><p>Finalmente, Tip falou outra vez.</p><p>– Eu vou ter que beber essa coisa? – ele perguntou, indicando o caldeirão</p><p>com a cabeça.</p><p>– Sim – disse Mombi.</p><p>– O que isso vai fazer comigo?</p><p>– Se estiver bem feita – respondeu Mombi –, vai transformar você em</p><p>uma estátua de mármore.</p><p>Tip gemeu e secou o suor de sua testa com a manga.</p><p>– Eu não quero ser uma estátua de mármore! – ele protestou.</p><p>– Isso não importa – disse a velha, olhando-o severamente. – Eu quero</p><p>que você seja uma.</p><p>– Que utilidade eu terei? – perguntou Tip. – Não vai haver ninguém para</p><p>trabalhar para você.</p><p>– Eu vou fazer o Cabeça de Abóbora trabalhar para mim – disse Mombi.</p><p>Tip gemeu outra vez.</p><p>– Por que você não me transforma num bode ou num frango? – ele</p><p>perguntou ansiosamente. – Você não pode fazer nada com uma estátua de</p><p>mármore.</p><p>– Ah, sim, eu posso – tornou Mombi. – Eu vou plantar um jardim de</p><p>flores na próxima primavera, e vou pôr você no meio dele, como enfeite. Eu</p><p>me pergunto por que não pensei nisso antes; você tem sido um incômodo</p><p>para mim por anos.</p><p>Depois desse terrível discurso, Tip sentiu gotas de suor surgindo em todo</p><p>o seu corpo, mas manteve-se sentado imóvel e tremeu, olhando</p><p>ansiosamente para o caldeirão.</p><p>– Talvez não funcione – ele murmurou, numa voz que soou fraca e</p><p>desencorajada.</p><p>– Ah, eu acho que vai – respondeu Mombi alegremente. – Eu raramente</p><p>cometo um engano.</p><p>Novamente houve um período de silêncio tão longo e tenebroso que</p><p>quando Mombi finalmente ergueu o caldeirão do fogo era perto de meia-</p><p>noite.</p><p>– Você não pode beber até ter esfriado – anunciou a velha bruxa, pois</p><p>apesar da lei, ela aprendera a pra-ticar bruxaria. – Nós dois devemos ir</p><p>dormir agora, e ao amanhecer eu vou chamar você e completar de uma vez</p><p>sua transformação em uma estátua de mármore.</p><p>Com isso, ela mancou para o quarto, levando o caldeirão fervente</p><p>consigo, e Tip ouviu-a fechar e trancar a porta.</p><p>O garoto não foi para a cama, como fora ordenado a fazer, mas</p><p>permaneceu imóvel encarando as brasas do fogo morrendo.</p><p>1 Dança típica inglesa do século XVI.</p><p>ip refl etiu.</p><p>– É difícil ser uma estátua de mármore – ele pensou,</p><p>rebelando-se. – E não vou suportar. Por anos fui um incômodo</p><p>para a velha, ela diz, então vai se livrar de mim. Bem, há um modo mais</p><p>fácil do que virando uma estátua. Nenhum garoto se divertiria ficando para</p><p>sempre no meio de um jardim! Eu vou fugir, é isso que vou fazer… E posso</p><p>muito bem ir, antes dela me obrigar a beber aquela coisa sórdida do</p><p>caldeirão!</p><p>Ele esperou até os roncos da bruxa velha anunciarem que estava</p><p>dormindo profundamente, e então levantou-se suavemente e foi até o</p><p>armário encontrar o que comer.</p><p>– Não adianta começar uma jornada sem comida – ele racionalizou,</p><p>procurando entre as prateleiras estreitas.</p><p>Achou algumas cascas de pão, mas teve de olhar a cesta de Mombi para</p><p>encontrar o queijo que ela trouxera da vila. Enquanto revirava o conteúdo</p><p>da cesta, encontrou o moedor de pimenta que continha o “Pó da Vida”.</p><p>“Eu posso muito bem levar isto comigo”, pensou, “ou Mombi vai usar</p><p>para causar mais mal”.</p><p>Ele colocou o moedor em seu bolso, junto com o pão e com o queijo.</p><p>Cautelosamente, deixou a casa</p><p>a atmosfera ficou limpa de novo, uma rajada de</p><p>vento fresco encheu a tenda, e as cortinas rosa do sofá tremeram levemente,</p><p>como se se espreguiçassem de dentro.</p><p>Glinda andou até o dossel e abriu as cortinas de seda. Curvou-se sobre as</p><p>almofadas, estendeu a mão, e do sofá ergueu-se uma menina, doce e bonita</p><p>como uma manhã de maio. Seus olhos brilhavam como dois diamantes, e</p><p>seus lábios tinham a cor de uma turmalina. Desciam por suas costas tranças</p><p>de ouro escarlate, com um fino círculo de joias unindo-as na fronte. Suas</p><p>vestes de seda flutuavam a seu redor como uma nuvem, e delicados</p><p>chinelos de cetim cobriam seus pés.</p><p>Os antigos companheiros de Tip encararam maravilhados aquela visão</p><p>belíssima durante um minuto inteiro, e então todas as cabeças curvaram-se</p><p>em honesta admiração à adorável Princesa Ozma. A menina lançou um</p><p>olhar para o rosto alegre de Glinda, que cintilava de prazer e satisfação, e</p><p>então virou para os outros. Pronunciando palavras de doce insegurança, ela</p><p>disse:</p><p>– Espero que vocês não gostem menos de mim do que antes. Eu sou o</p><p>mesmo Tip que vocês conhecem, só que… só que…</p><p>– Você está diferente! – disse o Cabeça de Abóbora, e todos pensaram</p><p>que havia sido a sua fala mais sábia.</p><p>Q uando as maravilhosas notícias alcançaram os ouvidos da Rainha</p><p>Jinjur – como Mombi, a Bruxa, havia sido capturada, como</p><p>confessara seu crime a Glinda, e como a Princesa há muito</p><p>perdida, Ozma, fora descoberta como nada menos do que o garoto Tip – ela</p><p>chorou verdadeiras lágrimas de mágoa e desespero.</p><p>– E pensar – ela gemeu – que depois de ter governado como Rainha, e</p><p>vivido em um palácio, eu vou ter de voltar a esfregar chãos e bater manteiga</p><p>outra vez! É tão horrível pensar nisso! Eu nunca vou aceitar!</p><p>Assim, quando suas moças soldados, que haviam usado a maior parte de</p><p>seu tempo fazendo doce de chocolate na cozinha do palácio, aconselharam</p><p>Jinjur a resistir, ela ouviu suas súplicas infantis e mandou uma provocação</p><p>afiada a Glinda, a Boa, e à Princesa Ozma. O resultado foi uma declaração</p><p>de guerra, e no dia seguinte, Glinda marchou para a Cidade das Esmeraldas</p><p>com bandeiras ao vento e bandas tocando, e uma floresta de lanças</p><p>brilhantes, reluzindo muito sob os raios do sol.</p><p>Mas quando chegaram aos muros, o corajoso comício parou de súbito,</p><p>pois Jinjur havia fechado e trancado todos os portões, e os muros da Cidade</p><p>das Esmeraldas eram altos e grossos com muitos blocos de mármore verde.</p><p>Percebendo seu avanço interrompido de tal maneira, Glinda franziu as</p><p>sobrancelhas em profunda reflexão, enquanto o Zógol Besouro dizia, em</p><p>seu tom mais otimista:</p><p>– Devemos sitiar a cidade, e deixarem-nas passar fome até se</p><p>submeterem. É a única coisa que podemos fazer.</p><p>– Não – respondeu o Espantalho. – Ainda temos o Gumpo, e o Gumpo</p><p>ainda pode voar.</p><p>A Feiticeira virou-se rapidamente ao ouvir aquilo, e sua face toda vestiu</p><p>um belo sorriso.</p><p>– Você está certo – ela declarou – e com certeza tem motivos para estar</p><p>orgulhoso de seu cérebro. Vamos para o Gumpo de uma vez!</p><p>Passaram pelos agrupamentos do exército até alcançarem o lugar, perto</p><p>da tenda do Espantalho, onde o Gumpo se encontrava. Glinda e a Princesa</p><p>Ozma subiram primeiro, e sentaram-se nos sofás. O Espantalho e seus</p><p>amigos subiram a bordo, e ainda havia espaço para uma Capitã e três</p><p>soldados, que Glinda considerou suficientes para sua guarda.</p><p>A uma palavra da Princesa, a esquisita Coisa que chamavam de “o</p><p>Gumpo” bateu suas asas de folhas de palmeira e ascendeu no ar, levando o</p><p>grupo de aventureiros muito acima dos muros. Pairaram sobre o palácio, e</p><p>logo observaram Jinjur deitada em uma rede no pátio, onde</p><p>confortavelmente lia um romance com capa verde, comendo chocolates</p><p>verdes, confiante de que os muros a protegeriam de seus inimigos.</p><p>Obedecendo a um comando rápido, o Gumpo pousou em segurança naquele</p><p>mesmo pátio, e antes que Jinjur tivesse tempo de fazer algo além de gritar, a</p><p>Capitã e as três soldados pularam dos sofás e tomaram a antiga Rainha</p><p>como prisioneira, prendendo correntes fortes ao redor de seus pulsos.</p><p>Aquele ato encerrou a guerra, e o Exército Rebelde rendeu-se tão logo</p><p>soube que Jinjur fora feita cativa, e a Capitã marchou em segurança pelas</p><p>ruas até os portões da cidade, que abriu. As bandas tocaram músicas das</p><p>mais alegres, enquanto o exército de Glinda marchava cidade adentro, e os</p><p>arautos proclamavam a conquista da audaciosa Jinjur e a ascensão da bela</p><p>Princesa Ozma ao trono de seus ancestrais da realeza.</p><p>Imediatamente, os homens da Cidade das Esmeraldas tiraram seus</p><p>aventais. E diz-se que as mulheres estavam tão cansadas de comer da</p><p>comida que seus maridos preparavam que todas comemoraram a derrota de</p><p>Jinjur com alegria. É certo que, correndo de volta para as cozinhas de suas</p><p>casas, as boas esposas prepararam tão delicioso banquete para os homens</p><p>desgastados que a harmonia foi restabelecida nas famílias.</p><p>O primeiro ato de Ozma foi obrigar o Exército Rebelde a devolver cada</p><p>esmeralda ou outra pedra roubada das ruas e prédios públicos, e tão grande</p><p>era o número de pedras preciosas subtraídas por aquelas garotas vaidosas,</p><p>que todos os joalheiros reais trabalharam sem parar por mais de um mês</p><p>para devolvê-las a seus lugares.</p><p>Enquanto isso, o Exército Rebelde foi desfeito e as meninas mandadas</p><p>de volta para casa e para suas mães. Sob a promessa de comportar-se bem,</p><p>Jinjur também foi libertada.</p><p>Ozma tornou-se a Rainha mais adorável que a Cidade das Esmeraldas já</p><p>conhecera e, embora fosse jovem e inexperiente, governou seu povo com</p><p>sabedoria e justiça, pois Glinda deu-lhe bons conselhos em todas as</p><p>ocasiões, e o Zógol Besouro, indicado ao importante posto de Educador</p><p>Público, foi bastante útil a Ozma quando seus deveres reais tornaram-se</p><p>desnorteantes.</p><p>A garota, por gratidão ao Gumpo por seus serviços, ofereceu à criatura</p><p>qualquer recompensa que ele quisesse.</p><p>– Então – respondeu o Gumpo –, por favor, faça-me em pedaços. Eu não</p><p>desejei ser trazido à vida, e tenho muita vergonha de minha personalidade</p><p>conglomerada. Já fui monarca da floresta, como meus chifres podem</p><p>provar, mas agora, em minha presente condição estofada de servidão, sou</p><p>impelido a voar pelo ar, pois minhas pernas não têm utilidade alguma.</p><p>Portanto imploro para ser desmontado.</p><p>Ozma, então, ordenou que o Gumpo fosse desfeito. A cabeça com</p><p>chifres voltou para a cornija em cima da lareira no saguão, e os sofás foram</p><p>desamarrados e colocados no salão de espera. A vassoura-rabo voltou para</p><p>seus deveres habituais na cozinha, e o Espantalho recolocou todos os varais</p><p>e cordas nos ganchos de onde os tirara no dia agitado em que a Coisa havia</p><p>sido construída.</p><p>Você poderia pensar que aquele foi o fim do Gumpo, e até foi, como</p><p>máquina de voar. Mas a cabeça sobre a lareira continuou a falar sempre que</p><p>desse na veneta, e frequentemente assustava, com suas perguntas abruptas,</p><p>as pessoas que ali esperavam uma audiência com a Rainha.</p><p>O Cavalete, sendo propriedade pessoal de Ozma, foi carinhosamente</p><p>cuidado, e frequentemente ela cavalgava a estranha criatura pelas ruas da</p><p>Cidade das Esmeraldas. Ele fez com que suas pernas fossem banhadas a</p><p>ouro, para preveni-las de se desgastarem, e o brilho dessas ferraduras</p><p>douradas no pavimento sempre enchia os súditos da Rainha de admiração,</p><p>pensando que aquilo era uma evidência de seus poderes mágicos.</p><p>– O Maravilhoso Mágico nunca foi tão maravilhoso quanto a Rainha</p><p>Ozma – as pessoas diziam umas às outras, aos sussurros – pois ele</p><p>declarava fazer muitas coisas que não podia fazer, enquanto nossa nova</p><p>Rainha faz muitas coisas que ninguém nunca esperaria que ela pudesse</p><p>fazer.</p><p>Jack Cabeça de Abóbora continuou com Ozma até o fim de seus dias, e</p><p>não estragou como temia, embora houvesse continuado estúpido como</p><p>sempre. O Zógol Besouro tentou ensinar a ele diversas artes e ciências, mas</p><p>Jack era um aluno tão ruim que qualquer tentativa de instruí-lo foi logo</p><p>abandonada.</p><p>Depois que o exército de Glinda marchou de volta para casa, e a paz foi</p><p>restabelecida na Cidade das Esmeraldas, o Homem de Lata anunciou sua</p><p>intenção de voltar a seu próprio</p><p>Reino dos Winkies.</p><p>– Não é um Reino muito grande – disse ele a Ozma –, mas por isso</p><p>mesmo é mais fácil de governá-lo, e eu tenho chamado a mim mesmo de</p><p>Imperador, porque sou um Monarca Absoluto, e ninguém interfere de forma</p><p>alguma em minha conduta de assuntos públicos e particulares. Quando eu</p><p>chegar à minha casa, hei de ganhar outro banho de níquel, pois fiquei um</p><p>pouco desfigurado e arranhado ultimamente, e então ficarei feliz se você</p><p>puder me visitar.</p><p>– Obrigada – respondeu Ozma. – Algum dia aceitarei o convite. E o que</p><p>acontecerá com o Espantalho?</p><p>– Eu irei com meu amigo Homem de Lata – disse ele, sério. – Decidimos</p><p>nunca mais nos separarmos no futuro.</p><p>– E eu tornei o Espantalho o Tesoureiro Real – explicou o Homem de</p><p>Lata. – Pois me ocorreu ser uma coisa boa ter um Tesoureiro Real que é</p><p>feito de dinheiro. O que você acha?</p><p>– Eu acho – disse a pequena Rainha, sorrindo – que o seu amigo deve ser</p><p>o homem mais rico do mundo.</p><p>– Eu sou – tornou o Espantalho. – Mas não por causa do dinheiro. Pois</p><p>eu considero ter cérebro muito superior do que ter dinheiro, de qualquer</p><p>modo. Você deve ter notado que, se você tem dinheiro, mas não tem</p><p>cérebro, não pode usá-lo de maneira vantajosa, mas se você tem cérebro e</p><p>não tem dinheiro, ele vai possibilitar que você viva confortável até o fim de</p><p>seus dias.</p><p>– Ao mesmo tempo – declarou o Homem de Lata –, você deve</p><p>reconhecer que um bom coração é algo que um cérebro não pode criar, e</p><p>que o dinheiro não pode comprar. Talvez, no fim das contas, seja eu o</p><p>homem mais rico do mundo.</p><p>– Vocês dois são ricos, meus amigos – disse Ozma, gentilmente – e suas</p><p>riquezas são as únicas que valem a pena ter. As riquezas de conteúdo.</p><p>A Maravilhosa Terra de Oz trouxe consigo, além de novas</p><p>descobertas sobre o mundo mágico de Baum, muitas escolhas</p><p>desafiadoras para a tradução – a começar pelo título. Eu me vi</p><p>obrigada a repetir o adjetivo “maravilhoso”, pelo simples fato de ser esta a</p><p>melhor tradução para marvelous. Eu teria trocado, se conviesse, o título do</p><p>primeiro livro para “admirável” ou “magnífico”, duas traduções boas para</p><p>wonderful, mas não senti que seria interessante a nossos leitores mudar uma</p><p>tradução já consagrada. Assim, temos a mesma palavra para descrever em</p><p>português, o Mágico de Oz, do primeiro livro, e a Terra de Oz, neste</p><p>segundo.</p><p>Continuo acreditando firmemente na tradução que passa despercebida,</p><p>trazendo um texto que pareça ter sido pensado em nossa língua, e essa é a</p><p>base e principal justificativa para todas as opções que fiz.</p><p>A próxima escolha digna de nota foi minha opção em traduzir Royal</p><p>Army como “Exército Real”, em vez de “Guarda Real” como pareceria mais</p><p>apropriado à primeira vista, considerando o contexto. Contudo, a melhor</p><p>tradução para Army é “exército”, e esta palavra possibilitou manter a</p><p>brincadeira que o autor fez originalmente, pois, em um primeiro momento,</p><p>parece tratar-se de um exército de fato, na história, e só depois sabemos que</p><p>a expressão designa somente o Soldado de Bigodes Verdes. Essa pequena</p><p>descoberta proporciona um daqueles momentos de diversão inocente tão</p><p>caros a Baum. Se eu tivesse optado por “Guarda Real”, o gênero do artigo</p><p>que antecede a expressão ou entregaria a piada sem criar ambiguidade</p><p>alguma (“o Guarda Real” = apenas um guarda) ou criaria uma confusão</p><p>quanto ao sexo ou identidade de gênero do personagem (“a Guarda Real”);</p><p>no instante em que o leitor percebesse tratar-se de apenas uma pessoa,</p><p>ficaria confuso imaginando ser uma mulher, ou ainda poderia pensar que o</p><p>narrador fala de outro personagem, até a explicação posterior.</p><p>Um nome que escolhi não traduzir foi Nick Chopper. O sobrenome</p><p>Chopper poderia ser traduzido como “cutelo” ou “cortador”. “Cutelo” não</p><p>diz respeito à personagem. “Cortador” não parece sobrenome e ficaria</p><p>redundante diante da designação “lenhador”. Optei, assim, por manter o</p><p>nome original.</p><p>O maior desafio de tradução foi, sem dúvida, o do Zógol Besouro,</p><p>Woggle Bug, no original; é uma espécie de besouro que o autor inventou.</p><p>Tudo o que consegui pesquisar levou-me a crer que o nome do personagem</p><p>não foi traduzido em outras línguas. Não achei nada que pudesse dar uma</p><p>pista do caminho por que seguir Após muita pesquisa, encontrei entrevistas</p><p>e informações curiosas sobre o autor, e em todas elas a mesma informação:</p><p>Woggle Bug foi um nome que Baum inventou em certa ocasião, algo que</p><p>lhe “saltou à mente”, palavra de que gostou pela sonoridade “engraçada”.</p><p>Ora, “bug” é uma palavra para designar qualquer inseto ou outros pequenos</p><p>animais, um termo generalizador, cujo equivalente mais próximo é “bicho”</p><p>(ruim, no entanto, pois pode designar um urso ou um peixe, não servindo</p><p>apenas para insetos) ou “bichinho” (depreciativo ou excessivamente</p><p>coloquial, por isso, não serviria para nomear um personagem). Se woggle</p><p>foi uma escolha arbitrária e primariamente sonora – e engraçada – então,</p><p>apesar de continuar tendo um desafio, eu já tinha um caminho a seguir.</p><p>Levei em conta a ilustração original da personagem para traduzir bug por</p><p>“besouro”, o que não tomou tanto tempo quanto decidir o que fazer com</p><p>woggle. Por ser um livro para o público infantil – de todo modo, o público a</p><p>que foi dirigido –, via-me obrigada a traduzir, pois não é uma palavra fácil</p><p>vista sobre o papel, e não tem pronúncia simples para a grande maioria de</p><p>nossas crianças que não leem inglês. Assim sendo, optei por uma palavra</p><p>que imitasse o som original, procurando também a aliteração que tornava o</p><p>nome do personagem tão sonoro. Foi assim que veio a ideia de “Zógol”.</p><p>Como havia escolhido “besouro” para “bug”, a aliteração saiu do g e foi</p><p>para o z: Woggle Bug. Zógol Besouro.</p><p>Mas não foi apenas este desafio que a personagem singular do Zógol</p><p>Besouro trouxe a mim. Junto a ele vieram seus trocadilhos infames, que</p><p>renderam algumas notinhas de rodapé – as mesmas que acusam este livro</p><p>de ser, de fato, uma tradução, e não me deixam passar incógnita. Duas</p><p>passaram sem notas, e, curiosamente, mbas traziam “break”. A primeira</p><p>ocorrência foi quando o Cavalete quebrou a perna: “For a horse is never of</p><p>much use until he has been broken.” – “(…) pois um cavalo nunca é</p><p>considerado muito útil até ter partido”. “Partido” foi uma tradução literal e</p><p>tão ambígua quanto no original: o cavalo não tem utilidade sem estar em</p><p>movimento – “sem ter partido” –, mas, o que aconteceu de fato, é que o</p><p>Cavalete havia partido a pata. A segunda ocorrência foi a do Espantalho:</p><p>“he can’t get broke so long as he is stuffed with money.” – “Ele não pode</p><p>quebrar, já que é recheado de dinheiro”. “Quebrar” mantém a mesma</p><p>ambiguidade em português: perder todo o dinheiro que se tem ou partir-se</p><p>de verdade.</p><p>Outros trocadilhos não foram tão simples, como smash, para abóbora,</p><p>que tive de transformar em “purê” para manter parte da piada, embora a</p><p>graça do trocadilho tenha se perdido, de onde veio a necessidade da nota. E,</p><p>é claro, horse-and-buggy, que não tinha tradução possível. Optei por forjar</p><p>um trocadilho, não tão rico, mas que soasse tão ofensivo quanto o original,</p><p>para que a discussão vinda a seguir tivesse coerência no texto. Optei por</p><p>isso, pois se trata de livro infantil, mas coloquei a nota para ser fiel ao autor</p><p>e aos curiosos.</p><p>O Professor Sabitudo, citado de passagem duas vezes pelo Zógol</p><p>Besouro, era, no original, Nowitall, um trocadilho com a soma das palavras</p><p>“know”, “it” e “all”, que significam “sabe tudo”. Achei graça em traduzir o</p><p>nome para que as crianças brasileiras tivessem a mesma oportunidade de rir</p><p>que as nativas de língua inglesa, e mexi na grafia, trocando o “e” pelo “i”,</p><p>apenas para haver uma alteração mínima, para as crianças terem a</p><p>oportunidade da pequena descoberta, assim como faz a supressão do “k” no</p><p>inglês.</p><p>Os títulos do Zógol Besouro pediam para manter a brincadeira. Highly</p><p>Magnified define, a um só tempo, ampliação por uma lente, e nível de</p><p>importância. “Magnificado” não cabia, pois trazia a pompa sem mostrar</p><p>claramente o aumento pela lupa. “Ampliado” ou “Aumentado” perderia o</p><p>sentido de autoridade. “Engrandecido” foi uma opção mais</p><p>interessante. Já</p><p>thoroughly educated soa bem mais fácil, mas traz um problema:</p><p>“completamente educado” não significa, para nós, o mesmo que a</p><p>expressão original significa para os nativos de língua inglesa, uma vez que a</p><p>palavra “educado” é ambígua, e na maior parte das ocasiões, é utilizada</p><p>como sinônimo de “polido”. Assim, optei por “minuciosamente instruído”,</p><p>que preserva o sentido e tem significado claro em português, além da</p><p>pompa característica da personagem.</p><p>Por fim, o nome do Gumpo foi escolhido para ser parecido com o</p><p>original, mas trazendo a semelhança de um nome inventado em português.</p><p>“Gump” pode significar “tolo”, mas não reflete a personalidade nostálgica e</p><p>melancólica do personagem. Segundo o autor, o Gump é uma espécie de</p><p>alce com algumas características de bode, inventada especialmente para Oz,</p><p>assim como o Zógol Besouro, e traduzir o nome como “Gumpo” pareceu a</p><p>única opção possível para conservar o efeito desejado.</p><p>Consciente da responsabilidade de traduzir uma obra pouco conhecida</p><p>em português e, infelizmente, também pouco traduzida para outras línguas,</p><p>na atualidade, busquei manter tanto quanto possível toda a originalidade e</p><p>mágica desta que é, de fato, A Maravilhosa Terra de Oz.</p><p>L</p><p>A Maravilhosa Terra de Oz:</p><p>Um passo adiante no universo fantástico</p><p>de L. Frank Baum</p><p>Ana Lúcia Merege</p><p>yman Frank Baum, criador do universo ficcional de Oz, nasceu em</p><p>Chittenango, Nova York, no dia 15 de maio de 1856. Teve uma</p><p>infância feliz e prolongada na casa do pai, um rico homem de</p><p>negócios que financiou seus hobbies, especialmente o teatro. Em 1882,</p><p>casou-se com Maud Gage, filha da famosa sufragista Matilda Joslyn Gage,</p><p>com quem viria a ter quatro filhos.</p><p>Depois de ter enfrentado alguns problemas financeiros e tentado sem</p><p>sucesso se estabelecer no Kansas, a família se mudou para Chicago, onde</p><p>Baum passou a trabalhar como jornalista e escreveu seus dois primeiros</p><p>livros para crianças, baseados nas rimas infantis da “Mamãe Gansa”. As</p><p>obras tiveram boa recepção, mas nada que se comparasse ao que viria a</p><p>seguir, com o surgimento do livro que seria considerado a obra-prima de</p><p>Baum e um marco na literatura universal: O Maravilhoso Mágico de Oz.</p><p>Ilustrado por William Wallace Denslow (1856 – 1915), o livro publicado</p><p>em 1900 alcançou um sucesso imediato. A primeira edição teve seus 10.000</p><p>exemplares esgotados em poucos meses, e a obra esteve durante dois anos</p><p>no topo da lista dos livros infantis mais vendidos nos Estados Unidos da</p><p>América. Em 1902, a adaptação para o teatro – o musical The Wizard of Oz</p><p>[O Mágico de Oz], produzido por Fred R. Hamlin – foi um grande sucesso</p><p>na Broadway, conquistando ainda mais leitores para a história da menina</p><p>Dorothy e do mundo mágico que ela encontrou após sua casa ter sido</p><p>arrebatada por um ciclone.</p><p>Encorajado por essa recepção, Baum decidiu escrever mais livros</p><p>ambientados no universo de Oz. Foram 14 no total, sem contar alguns spin-</p><p>offs, adaptações teatrais e, ainda, os títulos baseados na série e escritos por</p><p>outros autores após a morte de L. Frank Baum, em 6 de maio de 1919. Mas</p><p>nenhum desses livros é tão famoso quanto O Maravilhoso Mágico de Oz,</p><p>para o que muito contribuiu o filme de 1939 estrelado por Judy Garland. No</p><p>entanto, a complexidade do universo criado por Baum vai muito além do</p><p>que se descreve no primeiro livro, e só pode ser plenamente apreciada</p><p>quando o leitor tem acesso às obras seguintes.</p><p>A primeira dessas sequências, hoje quase desconhecidas, foi publicada</p><p>em 1904, com o título de A Maravilhosa Terra de Oz. Ao contrário do</p><p>primeiro livro, que tem seu início no estado americano do Kansas, o</p><p>segundo já começa em Oz, na província dos Gillikins, onde um menino</p><p>chamado Tip vive sob os cuidados da velha feiticeira Mombi. Tal como</p><p>Dorothy, Tip é dotado de bons sentimentos, mas não hesita em tomar as</p><p>atitudes necessárias à sua sobrevivência e bem-estar, fugindo ao estereótipo</p><p>da criança maltrata-da por sua guardiã perversa. Ele não gosta de Mombi,</p><p>para quem é obrigado a trabalhar, mas encontra tempo para se divertir,</p><p>descansar e até pregar peças na feiticeira. E quando esta demonstra a</p><p>intenção de lhe fazer um mal irreparável, transformando-o numa estátua, a</p><p>reação de Tip é partir de lá o quanto antes em companhia de Jack Cabeça de</p><p>Abóbora – criado a partir de um boneco, à semelhança do Espantalho do</p><p>primeiro livro – e levando consigo o “pó da vida” que serviu para animar</p><p>Jack. Pouco depois, o mesmo pó é usado num cavalete de madeira, que se</p><p>transforma em mais um companheiro de viagem e transporta Tip e o Cabeça</p><p>de Abóbora à Cidade das Esmeraldas.</p><p>Já nesses primeiros capítulos pode-se perceber a manutenção de algumas</p><p>características do livro anterior: a atitude decidida do protagonista ao</p><p>embarcar em sua jornada; a naturalidade com que se apresentam animais</p><p>falantes e objetos animados; o uso de poções, pós e objetos mágicos; o</p><p>humor nonsense de certas passagens e diálogos, como a cena em que o</p><p>Espantalho solicita um intérprete para conversar com o Cabeça de Abóbora</p><p>(quando está claro desde o início que ambos falam a mesma língua); a</p><p>definição de alguns personagens, especialmente os secundários, por meio de</p><p>um ou dois traços marcantes que serão recorrentes ao longo de todo o livro.</p><p>Em alguns casos surge mesmo o que se pode chamar de “bordão”: sempre</p><p>que é exposto a alguma intempérie, como o frio ou o calor, Jack expressa a</p><p>preocupação de que isso possa causar dano às abóboras.</p><p>A repetição de palavras e frases, muito utilizada em contos de fadas e</p><p>contos populares, passou à literatura infantil com a dupla função de</p><p>proporcionar momentos de humor e de fixar o conteúdo na mente dos</p><p>leitores (ou dos ouvintes, no caso do conto narrado). É interessante observar</p><p>como Baum se valeu desse e de outros recursos para criar uma obra que não</p><p>apenas se destinava ao público infantil como também reproduzia a estrutura</p><p>e a atmosfera dos contos de fadas, ainda que dentro de uma perspectiva</p><p>moderna, na qual – segundo ele próprio – a narrativa era isenta do excesso</p><p>de mora-lismo, dos sacrifícios cruentos e dos castigos terríveis que se</p><p>encontram em versões como as dos Irmãos Grimm.</p><p>A chegada à Cidade das Esmeraldas é o ponto de partida para que se</p><p>conheça um pouco mais sobre a história e a geografia de Oz, um país em</p><p>forma de retângulo, dividido em quatro quadrantes e tendo ao centro a</p><p>capital. No passado, o território foi governado por reis, mas uma série de</p><p>eventos complexos fez com que o poder passasse às mãos das bruxas – duas</p><p>boas e duas más – e, mais tarde, às do Mágico que Dorothy encontrou no</p><p>primeiro livro. Com sua partida, a Cidade das Esmeraldas passou a ser</p><p>governada pelo Espantalho, e se caracteriza como um estado de utopia, em</p><p>que não há pobreza, os cidadãos são felizes e todo o efetivo do exército é</p><p>representado por um único homem, o Soldado de Bigodes Verdes.</p><p>O universo criado por Baum, incluindo os países vizinhos à Terra de Oz,</p><p>foi-se tornando mais complexo a cada livro, dando margem a diversas</p><p>interpretações por parte dos estudiosos. Desde o início, houve quem</p><p>afirmasse que os livros continham alegorias políticas, o que o autor jamais</p><p>admitiu, alegando que sua obra se destinava apenas a entreter as crianças.</p><p>No entanto, sabe-se que Baum não era de forma alguma alheio às questões</p><p>políticas e sociais de seu tempo, já que escreveu a esse respeito em jornais e</p><p>panfletos e chegou mesmo a ser secretário de um clube de sufragistas.</p><p>A questão do gênero é um dos pontos mais interessantes a analisar em A</p><p>Maravilhosa Terra de Oz. A despeito de suas boas intenções e qualidades, o</p><p>Espantalho é deposto pela General Jinjur, comandante de um exército</p><p>rebelde composto inteiramente por garotas e cujas justificativas para tomar</p><p>o poder são ao mesmo tempo simplistas (“a Cidade das Esmeraldas foi</p><p>governada por homens durante tempo demais”) e revoltantes, de um ponto</p><p>de vista feminista (“a Cidade brilha com belas pedras preciosas, que</p><p>poderiam ser muito melhor utilizadas para fazer anéis, braceletes e colares;</p><p>e há dinheiro o suficiente na sala</p><p>do tesouro para comprar uma dúzia de</p><p>novos vestidos para cada garota do Exército”). Jinjur aposta que não haverá</p><p>resistência porque “ninguém atiraria contra uma garota”, mas a verdade é</p><p>que o Exército Real – ou seja, o Soldado de Bigodes Verdes – tem “muito</p><p>medo de mulheres para enfrentar o ataque” e permite que a Cidade das</p><p>Esmeraldas seja tomada sem esforço.</p><p>Temendo por sua vida, o Espantalho parte com Tip e seus companheiros</p><p>e vai buscar ajuda junto a seu velho amigo, o Homem de Lata. Quando o</p><p>grupo retorna à Cidade das Esmeraldas, encontra um cidadão que se diz</p><p>ansioso para que o Espantalho volte ao poder, pois as mulheres estão agindo</p><p>como bem entendem e os homens estão exaustos por ter de cuidar da casa e</p><p>das crianças. É nesse ponto que Baum demonstra sua posição feminista pela</p><p>primeira vez, embora por meio do humor: quando o Espantalho indaga</p><p>como é possível que as mulheres se encarreguem de trabalhos tão pesados,</p><p>o homem responde sem hesitar que talvez elas sejam “feitas de ferro</p><p>fundido”.</p><p>O jogo de alternância entre passagens como essa e outras que reforçam o</p><p>estereótipo da mulher vaidosa e assustadiça (o grupo consegue se livrar por</p><p>algum tempo do Exército Rebelde soltando ratos sob os pés das moças, que</p><p>correm apavoradas) continua ao longo de todo o livro. Ao fim, Glinda, a</p><p>Boa Feiticeira, revela que o trono da Cidade das Esmeraldas pertence a</p><p>Ozma, filha do último rei a governar Oz antes do Mágico, e após uma série</p><p>de eventos a verdade vem à tona: Ozma, ainda bebê, foi transformada por</p><p>Mombi no menino Tip. O feitiço é desfeito depois que o Espantalho e o</p><p>Homem de Lata asseguram ao amigo que as garotas são “tão ou mais</p><p>legais” que os garotos, e Ozma se torna uma princesa que governa seu povo</p><p>com sabedoria e justiça. Ao mesmo tempo, os joalheiros de Oz trabalham</p><p>duro para devolver aos prédios públicos as pedras retiradas pelas “garotas</p><p>vaidosas” e as mulheres comemoram a derrota de Jinjur por estarem</p><p>“cansadas de comer as refeições preparadas por seus maridos”.</p><p>A forma como Baum retrata o sexo feminino nesse livro pode parecer</p><p>contraditória, mas reflete as circunstâncias de sua época, em que as</p><p>mulheres luta-vam pela emancipação ao mesmo tempo em que ainda se</p><p>viam (e eram vistas) como responsáveis pelo funcionamento do lar e pelos</p><p>cuidados com a família. É provável que Baum tenha usado o humor e os</p><p>estereótipos como um recurso para conquistar o público, uma vez que suas</p><p>atitudes provam ter sido ele um defensor dos direitos femininos. Quanto a</p><p>outras posições políticas, não se pode afirmar que o escritor as tenha</p><p>defendido ou criticado abertamente nos livros de Oz. Assim, deixamos a</p><p>tarefa de encontrar referências políticas mais claras aos estudiosos dos</p><p>demais trabalhos de Baum, cuja produção compreende mais de cinquenta</p><p>romances e cerca de 85 contos, além de poemas, peças de dramaturgia e</p><p>incontáveis miscelâneas.</p><p>A paixão do autor pelos contos de fadas não se limitou aos livros que</p><p>citamos aqui. Em 1902, ele publicou The Life and Adventures of Santa</p><p>Claus [A Vida e as Aventuras do Papai Noel], em que o Papai Noel seria</p><p>um menino humano criado pelas fadas da floresta. Queen Zixi of Ix [A</p><p>Rainha Zixi de Ix] (1905), considerado um de seus melhores trabalhos,</p><p>segue a estrutura dos contos de fadas tradicionais, enquanto os contos de</p><p>American Fairy Tales [Contos de Fadas Americanos] (1908) se propõem a</p><p>trazer a magia para histórias ambientadas no cotidiano. Contudo, são ainda</p><p>os livros de Oz que fazem com que L. Frank Baum seja considerado um</p><p>pioneiro na história da literatura americana de fantasia, o primeiro a criar e</p><p>desenvolver um universo ficcional com raízes, características e personagens</p><p>tipicamente americanos.</p><p>Ana Lúcia Merege é carioca, pesquisadora de mitologia e contos de</p><p>fadas. Trabalha com manuscritos e exposições na Biblioteca Nacional.</p><p>Possui artigos e contos publicados em sites e livros e é autora dos romances</p><p>juvenis O Caçador, Pão e Arte e O Castelo das Águias, e do estudo Os</p><p>Contos de Fadas. Além disso, organizou a coletânea Excalibur, e, com Ana</p><p>Cristina Rodrigues, as coletâneas Bestiário e Bestiário: outras criaturas.</p><p>BAUM, L. Frank. Oz: the complete collection. Edição Kindle. [New</p><p>Jersey]: Maplewood Books, 2013.</p><p>COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas – Símbolos – Mitos –</p><p>Arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.</p><p>GUADALUPE, Gianni, MANGUEL, Alberto. Dicionário de lugares</p><p>imaginários. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Cia. Das Letras,</p><p>2003.</p><p>MEREGE, Ana Lúcia. Os contos de fadas. São Paulo: Claridade, 2010.</p><p>THE WIZARD of Oz encyclopedia : the ultimate guide to the characters,</p><p>lands, politics, and history of Oz. Edição Kindle. [Estados Unidos]:</p><p>BookCaps, 2012.</p><p>TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de</p><p>Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 2008.</p><p>TOLKIEN, J. R. R. Sobre histórias de fadas. Tradução de Ronald</p><p>Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2006.</p><p>ZIPES, Jack (ed). Th e Oxford companion to fairy tales. New York:</p><p>Oxford University Press, 2000.</p><p>TÍTULOS JÁ LANÇADOS DA SÉRIE</p><p>MUNDO DE OZ, DE L. FRANK BAUM</p><p>O Maravilhoso Mágico de Oz, vol. 1</p><p>A Maravilhosa Terra de Oz, vol. 2</p><p>Ozma de Oz, vol. 3</p><p>PRÓXIMOS TÍTULOS DA SÉRIE</p><p>Dorothy e o Mágico em Oz, vol. 4</p><p>A Estrada para Oz, vol. 5</p><p>Série Mundo de Oz</p><p>A Maravilhosa Terra de Oz</p><p>Nota do autor</p><p>1 - Tip faz uma cabeça de abóbora</p><p>2 - O maravilhoso pó da vida</p><p>3 - A fuga dos prisioneiros</p><p>4 - Tip faz um experimento de magia</p><p>5 - O despertar do Cavalete</p><p>6 - A cavalgada de Jack Cabeça de Abóbora à Cidade das Esmeraldas</p><p>7 - Sua Majestade, o Espantalho</p><p>8 - O exército rebelde de General Jinjur</p><p>9 - O Espantalho planeja uma fuga</p><p>10 - A jornada até o Homem de Lata</p><p>11 - Um imperador folheado a níquel</p><p>12 - O Sr. A.E. Zógol Besouro M.I.</p><p>13 - Uma história altamente engrandecida</p><p>14 - A Velha Mombi entra-se à bruxaria</p><p>15 - Os prisioneiros da Rainha</p><p>16 - O Espantalho toma um tempo para pensar</p><p>17 - O Espantoso voo do Gumpo</p><p>18 - No ninho das gralhas</p><p>19 - As famosas pílulas dos desejos do Dr. Nikidik</p><p>20 - O Espantalho recorre a Glinda, a Boa</p><p>21 - O Homem de Lata colhe uma rosa</p><p>22 - A transformação da Velha Mombi</p><p>23 - Princesa Ozma de Oz</p><p>24 - As riquezas de conteúdo</p><p>Nota da tradutora</p><p>Posfácio</p><p>Bibliografia consultada</p><p>e aferrolhou a porta atrás de si. Do lado</p><p>de fora, lua e estrelas brilhavam vivamente, e a noite parecia serena e</p><p>convidativa, comparando com a cozinha fechada e malcheirosa.</p><p>– Ficarei feliz em escapar – sussurrou Tip para si mesmo. – Nunca gostei</p><p>daquela velha. Eu me pergunto como vim parar aqui para viver com ela.</p><p>Tip caminhava vagarosamente rumo à estrada, quando um pensamento o</p><p>fez parar.</p><p>– Eu não gosto da ideia de deixar o Jack Cabeça de Abóbora sob os</p><p>carinhosos cuidados da velha Mombi – ele resmungou. – E Jack me</p><p>pertence, pois eu o fiz, ainda que tenha sido a bruxa velha que o trouxe à</p><p>vida.</p><p>Jack estava parado no meio da baia e, à luz da lua, Tip pôde ver que ele</p><p>sorria jovialmente como sempre.</p><p>– Venha! – disse o garoto, gesticulando.</p><p>– Para onde? – perguntou Jack.</p><p>– Você saberá assim que eu souber – respondeu Tip, sorrindo</p><p>simpaticamente para o rosto de abóbora. – Tudo o que temos de fazer agora</p><p>é andar muito.</p><p>– Muito bem – disse Jack, e caminhou desajeitadamente para fora do</p><p>estábulo, para a luz da lua.</p><p>Tip dirigiu-se à estrada e o boneco seguiu-o. Jack andava meio hesitante,</p><p>sem firmeza, e ocasionalmente uma das articulações de suas pernas virava-</p><p>se ao contrário, em vez de continuar dobrando do modo correto, quase o</p><p>fazendo tropeçar. Mas o Cabeça de Abóbora notou isso rápido, e começou a</p><p>preocupar-se em dar passos cuidadosos, de forma que passou por poucos</p><p>incidentes.</p><p>Tip guiou-o pelo caminho, sem parar nem um instante. Não conseguiam</p><p>ir muito rápido, mas andavam regularmente, e na hora em que a lua</p><p>desapareceu e o sol espiava sobre as montanhas, os dois já haviam viajado</p><p>uma distância tão grande que o menino não tinha motivos para temer que a</p><p>bruxa velha o perseguisse. Além do mais, ele tomara primeiro um caminho,</p><p>e depois outro, para que, se alguém o seguisse, fosse muito difícil adivi-</p><p>nhar por qual caminho haviam ido, ou onde procurá-los.</p><p>Razoavelmente satisfeito por ter escapado de se tornar uma estátua de</p><p>mármore, o rapaz parou seu companheiro e sentou-se numa pedra à beira da</p><p>estrada.</p><p>– Vamos tomar café da manhã – ele disse.</p><p>Jack Cabeça de Abóbora fitou Tip curiosamente, mas se recusou a se</p><p>juntar a ele na refeição.</p><p>– Não pareço ter sido feito do mesmo modo que você – ele disse.</p><p>– Eu sei que não foi – tornou Tip. – Pois eu fiz você.</p><p>– Oh, você me fez? – perguntou Jack.</p><p>– Certamente. Montei você e entalhei seus olhos, nariz, ouvidos e boca –</p><p>disse Tip orgulhoso. – E também o vesti.</p><p>Jack olhou para seu corpo e membros criticamente.</p><p>– Parece-me que você fez um trabalho muito bom – observou.</p><p>– Apenas mais ou menos – respondeu Tip, modestamente, pois começara</p><p>a ver certos defeitos na montagem de seu boneco-homem. – Se soubesse</p><p>que iríamos viajar juntos, eu poderia ter sido mais detalhista.</p><p>– Bem, então – disse o Cabeça de Abóbora, num tom que expressava</p><p>surpresa – você deve ser meu criador, meu genitor, meu pai!</p><p>– Ou o seu inventor – disse o garoto, com uma risada. – Sim, meu filho,</p><p>eu realmente acredito que sou!</p><p>– Então eu lhe devo obediência – continuou o boneco – e você me</p><p>deve… apoio.</p><p>– É exatamente isso – declarou Tip, levantando-se de um salto. – Vamos.</p><p>– Aonde estamos indo? – perguntou Jack, quando prosseguiram a</p><p>viagem.</p><p>– Não tenho muita certeza – disse o garoto –, mas acho que seguimos</p><p>para o sul, e que isso nos levará, cedo ou tarde, à Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Que cidade é essa? – inquiriu o Cabeça de Abóbora.</p><p>– É o centro da Terra de Oz, a maior cidade de todas. Nunca estive lá,</p><p>mas já ouvi tudo sobre sua história. Foi construída por um Mago muito</p><p>poderoso chamado Oz, e tudo lá é verde, assim como tudo na província dos</p><p>Gillikins é roxo.</p><p>– Tudo aqui é roxo? – perguntou Jack.</p><p>– Claro que sim – respondeu o rapaz. – Você não está vendo?</p><p>– Acho que sou daltônico – disse o Cabeça de Abóbora, depois de mirar</p><p>ao seu redor.</p><p>– Bem, a relva é roxa, as árvores são roxas, os cavalos e as cercas são</p><p>roxos – explicou Tip. – Até a lama das estradas é roxa. Mas na Cidade das</p><p>Esmeraldas tudo o que seria roxo, aqui, é verde. E na província dos</p><p>Munchkins, no leste, tudo é azul. E no sul, província dos Quadlings, tudo é</p><p>vermelho. E no oeste, província dos Winkies, onde o Homem de Lata</p><p>governa, é tudo amarelo.</p><p>– Oh! – disse Jack. Depois de uma pausa, perguntou:</p><p>– Você disse que um homem de lata governa os Winkies?</p><p>– Sim, ele foi um dos que ajudou Dorothy a destruir a Bruxa Má do</p><p>Oeste, e os Winkies ficaram tão agradecidos que o convidaram para ser seu</p><p>governante… assim como as pessoas da Cidade das Esmeraldas convidaram</p><p>o Espantalho para governá-las.</p><p>– Oh, céus! – disse Jack. – Estou ficando confuso com toda essa história.</p><p>Quem é o Espantalho?</p><p>– Outro amigo de Dorothy – respondeu Tip.</p><p>– E quem é Dorothy?</p><p>– Era uma garota do Kansas que veio para cá. Kansas é um lugar no</p><p>grande Mundo de fora. Ela foi trazida à Terra de Oz por um ciclone, e</p><p>enquanto esteve aqui, o Espantalho e o Homem de Lata a acompanharam</p><p>em suas viagens.</p><p>– E onde ela está agora? – inquiriu o Cabeça de Abóbora.</p><p>– Glinda, a Boa, que governa os Quadlings, mandou-a de volta para casa</p><p>– disse o menino.</p><p>– Oh! E o que foi feito do Espantalho?</p><p>– Eu já disse. Ele governa a Cidade das Esmeraldas – disse Tip.</p><p>– Eu pensei que você tinha dito que era governada por um Mago</p><p>maravilhoso – questionou Jack, parecendo cada vez mais confuso.</p><p>– Bom, eu disse. Agora, preste atenção, que vou explicar – disse o</p><p>menino, falando devagar e olhando bem nos olhos do sorridente Cabeça de</p><p>Abóbora. – Dorothy foi à Cidade das Esmeraldas pedir ao Mago que a</p><p>mandasse de volta ao Kansas; o Espantalho e o Homem de Lata foram com</p><p>ela. Mas o Mago não conseguiu mandá-la de volta, porque ele não era</p><p>grande coisa como Mago. E todos ficaram bravos com ele, e ameaçaram</p><p>expor sua farsa, então ele fez um grande balão e fugiu, e ninguém nunca</p><p>mais o viu desde então.</p><p>– Essa história é muito interessante – disse Jack, satisfeito – e eu a</p><p>entendo perfeitamente.</p><p>– Estou feliz com isso – disse Tip. – Depois que o Mago se foi, o povo</p><p>da Cidade das Esmeraldas fez de Sua Majestade, o Espantalho, seu Rei, e</p><p>ouvi dizer que ele se tornou um governante muito popular.</p><p>– Iremos ver esse Rei esquisito? – perguntou Jack, interessado.</p><p>– Acho que podemos – respondeu o menino –, a menos que você tenha</p><p>algo melhor para fazer.</p><p>– Oh, não, querido pai – disse o Cabeça de Abóbora. – Estou bem</p><p>disposto a ir aonde quer que você queira.</p><p>menino, pequeno e de aparência bastante delicada, parecia</p><p>algo desconcertado em ser chamado de “pai” pelo homem de</p><p>Cabeça de Abóbora – alto e desajeitado –, mas negar a relação</p><p>entre eles envolveria uma explicação longa e tediosa, então mudou de</p><p>assunto, perguntando abruptamente:</p><p>– Você está cansado?</p><p>– É claro que não! – respondeu o outro. E, depois de uma pausa,</p><p>continuou: – Mas é bastante certo que desgastarei minhas articulações de</p><p>madeira se continuar andando.</p><p>Enquanto prosseguia, Tip refl etiu que era verdade. Começou a se</p><p>arrepender de não ter construído os membros de madeira de forma mais</p><p>cuidadosa e maciça. Ainda que soubesse que não poderia ter imaginado que</p><p>o boneco que ele fizera meramente para assustar a velha Mombi poderia ser</p><p>trazido à vida por um pó mágico contido em um moedor de pimenta.</p><p>Dessa forma, parou de se repreender, e começou a pensar em como</p><p>poderia remediar as deficiências das articulações fracas de Jack.</p><p>Enquanto se ocupava com isso, chegaram à beira de uma floresta, e o</p><p>menino sentou para descansar sobre um velho cavalete que algum lenhador</p><p>deixara ali.</p><p>– Por que você não se senta? – perguntou ao Cabeça de Abóbora.</p><p>– Isso não vai desgastar minhas articulações? – inquiriu o outro.</p><p>– Claro que não. Vai descansá-las – declarou o garoto.</p><p>Jack tentou se sentar, mas assim que dobrou suas juntas mais do que o</p><p>habitual, elas cederam totalmente, e ele foi ao chão estalando com tamanha</p><p>pancada que Tip temeu que ele estivesse inteiramente arruinado.</p><p>Adiantou-se para o boneco-homem, colocou-o em pé, ajeitou seus braços</p><p>e pernas, e passou as mãos em sua cabeça para sentir se por acaso havia</p><p>rachado. Mas Jack parecia estar em boa forma, no fim das contas.</p><p>– Acho que é melhor você continuar em pé, daqui em diante – disse Tip.</p><p>– Parece mais seguro.</p><p>– Muito bem, querido pai. Como você disser – respondeu Jack</p><p>sorridente, nada perplexo com sua queda.</p><p>Tip sentou-se outra vez. O Cabeça de Abóbora perguntou:</p><p>– O que é essa coisa em que você está sentado?</p><p>– Ah, é um cavalete – respondeu o garoto, distraído.</p><p>– O que é um cavalete? – insistiu Jack.</p><p>– Um cavalete? Bem, há dois tipos – respondeu Tip, algo desorientado</p><p>quanto à forma de explicar. – Um tipo de cavalete é um cavalinho vivo, e</p><p>tem quatro patas, uma cabeça e um rabo. E as pessoas cavalgam em suas</p><p>costas.</p><p>– Entendi – disse Jack contente. – É o tipo de cavalo em que você está</p><p>sentado.</p><p>– Não, não é – retorquiu Tip imediatamente.</p><p>– Por que não? Esse tem quatro patas, uma cabeça e um rabo. – Tip</p><p>olhou mais atentamente para o cavalete, e percebeu que o Cabeça de</p><p>Abóbora estava certo. O corpo era feito de um tronco de árvore, e um galho</p><p>fora deixado saindo de uma extremidade, assemelhando-se bastante a um</p><p>rabo. Na outra extremidade havia dois grandes nós que lembravam olhos, e</p><p>uma parte fora cortada fora, e poderia facilmente confundir-se com a boca</p><p>de um cavalo. Quanto às pernas, eram quatro membros retos cortados de</p><p>árvores e presos no corpo, sendo postas bem separadas para que o cavalete</p><p>ficasse firmemente em pé quando uma tora fosse posta ali para ser serrada.</p><p>– Essa coisa lembra mais um cavalo de verdade do que eu tinha</p><p>imaginado – disse Tip, tentando explicar. – Mas um cavalo de verdade é</p><p>vivo, e trota, cavalga e come aveia, enquanto este não é mais que um cavalo</p><p>morto, feito de madeira, e usado para serrar.</p><p>– Se estivesse vivo, não trotaria, nem cavalgaria, nem comeria aveia? –</p><p>inquiriu o Cabeça de Abóbora.</p><p>– Iria trotar e cavalgar, talvez, mas não comeria aveia – respondeu o</p><p>garoto, rindo da ideia. – E claro que nunca poderia estar vivo, porque é feito</p><p>de madeira.</p><p>– Eu também sou – tornou o boneco-homem.</p><p>Tip fitou-o, surpreso.</p><p>– Sim, você também! – exclamou. – E o pó mágico que o trouxe à vida</p><p>está aqui no meu bolso.</p><p>Ele pegou o moedor de pimenta e encarou-o com curiosidade.</p><p>– Será que isto traria o cavalete à vida? – murmurou, contemplativo.</p><p>– Se trouxer – tornou Jack calmo, pois nada parecia surpreendê-lo –, eu</p><p>poderia cavalgar nas costas dele, e isso salvaria minhas articulações de se</p><p>desgastarem.</p><p>– Eu vou tentar! – gritou o garoto, levantando de um salto. – Mas não sei</p><p>se me lembrarei das palavras que a velha Mombi disse, e o modo como ela</p><p>colocou as mãos para cima.</p><p>Ele pensou a respeito por um minuto, e como assistira da sebe</p><p>atentamente cada movimento da bruxa velha, e ouvira suas palavras,</p><p>acreditou que poderia imitar exatamente o que ela fizera.</p><p>Assim, começou por aspergir um pouco do mágico Pó da Vida contido</p><p>no moedor de pimenta no corpo do cavalete. Ergueu a mão esquerda, com o</p><p>dedo mínimo apontado para cima, e disse:</p><p>– Weaugh!</p><p>– O que isso significa, querido pai? – perguntou Jack, curioso.</p><p>– Não sei – respondeu Tip. Levantou a mão direita com o polegar virado</p><p>para cima, e disse: – Teaugh!</p><p>– O que é isso, querido pai? – inquiriu Jack.</p><p>– Significa que você deve ficar quieto! – respondeu o garoto, irritado por</p><p>ter sido interrompido num momento tão importante.</p><p>– Como estou aprendendo rápido! – observou o Cabeça de Abóbora,</p><p>com seu sorriso perpétuo.</p><p>Tip ergueu as duas mãos acima da cabeça, com</p><p>– perguntou o Cavalete, surpreso, e revirou</p><p>os olhos para cima para olhar para o garoto.</p><p>– Claro que sim – respondeu Tip.</p><p>– E um buraco no chão também quer dizer “parar”, não é? – continuou o</p><p>cavalo.</p><p>– Com certeza, a menos que passe por cima dele – disse Tip.</p><p>– Que lugar estranho – a criatura declarou, como se admirada. – Bom, o</p><p>que estou fazendo aqui?</p><p>– Bem, eu trouxe você à vida – respondeu o menino. – Mas isso não vai</p><p>doer nada, se você me ouvir e fizer o que eu digo.</p><p>– Então eu farei o que você disser – respondeu o Cavalete</p><p>humildemente. – Mas o que aconteceu comigo, um momento atrás? As</p><p>coisas de algum modo não parecem certas.</p><p>– Você está de cabeça para baixo – explicou Tip. – Mantenha essas suas</p><p>patas paradas um minuto, e vou colocar você virado para o lado certo outra</p><p>vez.</p><p>– Quantos lados eu tenho? – perguntou a criatura, admirada.</p><p>– Muitos – disse Tip, resumidamente. – Mas mantenha as patas paradas.</p><p>O Cavalete ficou quieto, deixando as patas rígidas, de modo que Tip,</p><p>depois de várias tentativas, conseguiu virá-lo e colocá-lo em pé.</p><p>– Ah, parece que está certo agora – disse o animal esquisito, com um</p><p>suspiro.</p><p>– Uma de suas orelhas está quebrada – anunciou Tip, depois de um</p><p>exame atento. – Vou ter que fazer uma nova.</p><p>Guiou o Cavalete de volta para onde Jack vaidosamente lutava para pôr-</p><p>se em pé, e, depois de ajudar o Cabeça de Abóbora, Tip talhou uma orelha</p><p>nova e a prendeu na cabeça do cavalo.</p><p>– Agora – disse ele, dirigindo-se a seu corcel –, preste atenção no que</p><p>vou lhe dizer. “Eia” significa pare; “avante” quer dizer que é para andar</p><p>adiante, e “trote” significa ir o mais rápido que puder. Entendido?</p><p>– Acredito que sim – respondeu o cavalo.</p><p>– Muito bom. Estamos viajando para a Cidade das Esmeraldas para ver</p><p>Sua Majestade, o Espantalho, e Jack Cabeça de Abóbora vai cavalgar em</p><p>suas costas para não exaurir as articulações dele.</p><p>– Não me importo – disse o Cavalete. – O que está bom para você está</p><p>bom para mim.</p><p>Tip ajudou Jack a montar o cavalo.</p><p>– Segure firme – avisou ele –, ou você pode cair e quebrar sua Cabeça de</p><p>Abóbora.</p><p>– Isso seria horrível! – disse Jack com um calafrio. – No que devo</p><p>segurar?</p><p>– Segure-se nas orelhas dele – respondeu Tip, depois de breve hesitação.</p><p>– Não faça isso – repreendeu o Cavalete –, do contrário não conseguirei</p><p>ouvir.</p><p>Aquilo parecia razoável, de modo que Tip tentou pensar em uma</p><p>alternativa.</p><p>– Vou resolver isso! – ele disse, um pouco depois. Entrou na floresta e</p><p>cortou um pequeno pedaço de uma árvore jovem e robusta. Afiou uma de</p><p>suas extremidades, e então fez um buraco nas costas do Cavalete, bem atrás</p><p>de sua cabeça. Depois, trouxe uma rocha da estrada e com ela martelou a</p><p>madeira afiada nas costas do animal.</p><p>– Pare! Pare! – gritou o cavalo. – Você está arra-nhando terrivelmente.</p><p>– Dói? – perguntou o garoto.</p><p>– Não exatamente – respondeu o animal. – Mas me deixa muito nervoso</p><p>ser arranhado.</p><p>– Bem, acabou – disse Tip de modo encorajador. – Agora, Jack, segure</p><p>firme esse suporte e então você não vai cair e se amassar.</p><p>Jack o fez, e Tip disse ao cavalo:</p><p>– Avante.</p><p>A criatura obediente começou a andar de uma vez, balançando de um</p><p>lado para o outro conforme levantava os pés do chão.</p><p>Tip caminhava ao lado do Cavalete, bastante contente com aquele</p><p>acréscimo ao grupo. Começou a assobiar.</p><p>– O que isso significa? – perguntou o Cavalete.</p><p>– Não preste atenção; estou só assobiando – disse Tip. – Isso só significa</p><p>que estou muito satisfeito.</p><p>– Eu mesmo assobiaria, se conseguisse unir os lábios – observou Jack. –</p><p>Eu temo, querido pai, que sob certos aspectos, eu sou tristemente</p><p>insuficiente.</p><p>Depois de prosseguirem certa distância, o caminho estreito que seguiam</p><p>transformou-se em uma larga estrada, pavimentada com tijolos amarelos. À</p><p>beira da estrada Tip notou uma placa que dizia: “Menos de quinze</p><p>quilômetros para a Cidade das Esmeraldas”.</p><p>Só que já escurecia, e ele decidiu acampar durante a noite à beira da</p><p>estrada, e retomar a jornada ao amanhecer. Guiou o Cavalete a um monte</p><p>relvado sobre o qual cresciam muitos arbustos, e cuidadosamente ajudou o</p><p>Cabeça de Abóbora a descer.</p><p>– Acho que vou deitar você no chão durante a noite – disse o garoto. –</p><p>Você estará mais seguro assim.</p><p>– E quanto a mim? – perguntou o Cavalete.</p><p>– Não vai doer você ficar em pé – respondeu Tip. – E, como você não</p><p>dorme, pode muito bem vigiar e ver se ninguém se aproxima para nos</p><p>incomodar.</p><p>O garoto esticou-se na relva ao lado do Cabeça de Abóbora, e, estando</p><p>exausto pela viagem, logo adormeceu profundamente.</p><p>A o amanhecer, Tip foi acordado pelo Cabeça de Abóbora.</p><p>Esfregou o sono dos olhos, banhou-se num riacho e comeu um</p><p>pedaço de pão e de queijo. Tendo assim se preparado para o</p><p>novo dia, o garoto disse:</p><p>– Vamos começar de uma vez. Quinze quilômetros é uma boa distância,</p><p>mas chegaremos à Cidade das Esmeraldas lá pelo meio-dia, se nada der</p><p>errado.</p><p>O Cabeça de Abóbora empoleirou-se no dorso do Cavalete e retomaram</p><p>a jornada.</p><p>Tip notou que a cor roxa da relva e das árvores desbotara-se para um</p><p>lilás baço, e logo este lilás desapareceu para assumir uma tonalidade</p><p>esverdeada que gradualmente avivou-se conforme se aproximavam da</p><p>grande Cidade onde o Espantalho governava.</p><p>O pequeno grupo viajara apenas cerca de quatro quilômetros de seu</p><p>caminho, quando a estrada de tijolos amarelos foi divida por um rio largo e</p><p>veloz. Tip ficou desorientado em relação a como cruzar o rio, mas depois</p><p>descobriu um homem numa balsa aproximando-se, vindo da outra margem.</p><p>Quando o homem alcançou aquela margem, Tip perguntou:</p><p>– Você nos leva até o outro lado?</p><p>– Sim, se você tiver dinheiro – respondeu o barqueiro, cuja expressão era</p><p>mal humorada e desagradável.</p><p>– Mas eu não tenho dinheiro – disse Tip.</p><p>– Nadinha? – inquiriu o homem.</p><p>– Nadinha – respondeu o garoto.</p><p>– Então não vou ter o trabalho de atravessar vocês – disse o barqueiro,</p><p>decididamente.</p><p>– Que bom homem! – observou o Cabeça de Abóbora, sorrindo.</p><p>O barqueiro encarou-o, mas não retrucou. Tip tentava pensar, pois era</p><p>um grande desapontamento para ele ver sua jornada trazida ao fim tão</p><p>repentinamente.</p><p>– Eu preciso chegar à Cidade das Esmeraldas – ele disse ao barqueiro –,</p><p>mas como posso cruzar o rio se você não me levar?</p><p>O homem riu, e não era uma risada simpática.</p><p>– Aquele cavalo de madeira vai flutuar – ele disse –, e você pode</p><p>atravessar montado nele. Quanto ao cabeça-oca-de-abóbora que o</p><p>acompanha, deixe-o afundar ou nadar, não vai importar muito.</p><p>– Não se preocupe comigo – disse Jack, sorrindo agradavelmente para o</p><p>barqueiro respondão. – Tenho certeza de que vou boiar lindamente.</p><p>Tip pensou que valia a pena tentar, e o Cavalete, que não sabia o que</p><p>significava o perigo, não ofereceu objeções. Com isso, o menino guiou-o</p><p>para dentro da água e montou em suas costas. Jack também andou até ficar</p><p>com a água na altura dos joelhos e agarrou o rabo do cavalo, de forma a</p><p>conseguir manter sua Cabeça de Abóbora para fora da água.</p><p>– Agora – disse Tip, instruindo o Cavalete –, se você balançar as pernas</p><p>para frente e para trás, provavelmente vai nadar e, se nadar, provavelmente</p><p>chegará do outro lado.</p><p>O Cavalete começou logo a bater as patas, que funcionaram como remos</p><p>e moveram os aventureiros vagarosamente através do rio, para o outro lado.</p><p>Tão bem sucedida foi a empreitada que logo se arrastavam para fora da</p><p>água, molhados e pingando, para a margem relvada.</p><p>Parte das calças e sapatos de Tip ficaram encharcados, mas o Cavalete</p><p>boiara tão perfeitamente, que do joelho para cima o garoto estava seco.</p><p>Quanto ao Cabeça de Abóbora, cada pedaço de suas belas roupas pingava</p><p>água.</p><p>– O sol logo vai nos secar – disse Tip –, e, de qualquer maneira,</p><p>cruzamos o rio em segurança, apesar do barqueiro, e podemos seguir</p><p>viagem.</p><p>– Eu não me importei nem um pouco em nadar – observou o cavalo.</p><p>– Nem eu – acrescentou Jack.</p><p>Logo voltaram à estrada de tijolos amarelos, que provou ser uma</p><p>continuação da estrada deixada do outro lado do rio. Tip mais uma vez</p><p>montou o Cabeça de Abóbora nas costas do Cavalete.</p><p>– Se você cavalgar rápido – disse</p><p>ele –, o vento vai ajudar a secar suas</p><p>roupas. Eu vou segurar no rabo do cavalo e correr atrás de vocês. Assim,</p><p>todos nós secaremos rápido.</p><p>– Então o cavalo deve andar ligeiro – disse Jack.</p><p>– Vou fazer o meu melhor – tornou o Cavalete, alegre.</p><p>Tip segurou a extremidade do galho que servia de rabo ao Cavalete, e</p><p>disse alto:</p><p>– Avante.</p><p>O cavalo iniciou um passo bom, e Tip seguiu atrás. Decidiu logo que</p><p>poderiam ir mais rápido, então gritou:</p><p>– Trote!</p><p>O Cavalo lembrou que esse era o comando para ir o mais rápido que</p><p>pudesse, de forma que começou a sacudir-se na estrada num tremendo</p><p>ritmo, e Tip teve trabalho – correndo mais do que nunca em sua vida – para</p><p>acompanhá-lo.</p><p>Ficou logo sem ar, e embora quisesse gritar “Eia!” para o cavalo,</p><p>descobriu que não conseguia arrancar uma palavra da garganta. A</p><p>extremidade do rabo, não sendo nada mais que um galho morto, de repente</p><p>partiu-se, e no minuto seguinte o garoto estava rolando na poeira da estrada,</p><p>enquanto o cavalo e seu cavaleiro de Cabeça de Abóbora continuaram</p><p>avançando e rapidamente desapareceram no horizonte.</p><p>Quando tinha conseguido se levantar e limpar a poeira de sua garganta</p><p>para ser capaz de dizer “Eia!”, não havia mais necessidade, pois o cavalo já</p><p>estava há tempos fora de vista.</p><p>Fez, então, a única coisa sensata a se fazer. Sentou-se e descansou bem, e</p><p>depois começou a andar ao longo da estrada.</p><p>– Em algum momento vou alcançá-los, com certeza, pois a estrada</p><p>termina nos portões da Cidade das Esmeraldas, e eles não podem passar de</p><p>lá.</p><p>Enquanto isso, Jack segurava firme o suporte, e o Cavalete cortava a</p><p>estrada como um corredor. Nenhum deles sabia que Tip fora deixado para</p><p>trás, já que o Cabeça de Abóbora não olhou naquela direção, e o Cavalete</p><p>não conseguia fazê-lo.</p><p>Conforme cavalgava, Jack notou que a relva e as árvores adquiriram um</p><p>vivo tom verde-esmeralda, então supôs que se aproximavam da Cidade das</p><p>Esmeraldas mesmo antes que as altas torres e abóbadas pudessem ser vistas.</p><p>Depois de um tempo, surgiu diante deles um muro alto de rocha verde,</p><p>densamente cravejado de esmeraldas. Temendo que o Cavalete não</p><p>soubesse que era preciso parar, podendo esmagar a ambos contra a parede,</p><p>Jack arriscou-se a gritar “Eia!” o mais alto que podia.</p><p>O cavalo obedeceu tão subitamente que, se não fosse pelo suporte, Jack</p><p>teria sido arremessado de cara no chão, e seu bonito rosto seria arruinado.</p><p>– Foi uma cavalgada rápida, querido pai! – ele exclamou, e então, não</p><p>tendo ouvido resposta, virou-se e descobriu que Tip não estava ali.</p><p>Esta aparente deserção desorientou o Cabeça de Abóbora, e deixou-o</p><p>inquieto. Enquanto se perguntava o que acontecera com o garoto, e o que</p><p>deveria fazer a seguir sob tão penosas circunstâncias, o portão foi aberto e</p><p>um homem saiu.</p><p>Era um homem baixo e redondo, com um rosto gordo que parecia</p><p>notadamente amável. Estava todo vestido de verde e usava um chapéu alto e</p><p>pontudo e óculos escuros verdes. Curvando-se diante do Cabeça de</p><p>Abóbora, disse:</p><p>– Eu sou o Guardião dos Portões da Cidade das Esmeraldas. Posso</p><p>perguntar quem são vocês, e o motivo de estarem aqui?</p><p>– Meu nome é Jack Cabeça de Abóbora – respondeu o outro sorrindo. –</p><p>Mas eu não faço a menor ideia de qual é o motivo de estarmos aqui.</p><p>O Guardião dos Portões pareceu surpreso, e sacudiu a cabeça como que</p><p>insatisfeito com a resposta.</p><p>– O que você é, um homem ou uma abóbora? – ele perguntou</p><p>polidamente.</p><p>– Os dois – respondeu Jack.</p><p>– E esse cavalo de madeira… está vivo? – questionou o Guardião.</p><p>O Cavalo virou um olho nodoso para cima e piscou para Jack, após o</p><p>que deu um pisão no pé do Guardião.</p><p>– Ai! – gritou o homem. – Desculpe ter perguntado. A resposta foi bem</p><p>convincente. Você tem alguma missão na Cidade das Esmeraldas, senhor?</p><p>– Parece-me que sim – respondeu o Cabeça de Abóbora –, mas não sei o</p><p>que é. Meu pai sabe tudo a respeito, mas ele não está aqui.</p><p>– Isso é um caso estranho, muito estranho! – declarou o Guardião. – Mas</p><p>vocês parecem inofensivos. Pessoas não sorriem tão agradavelmente</p><p>quando querem fazer maldade.</p><p>– Quanto a isso, não posso evitar ter esse sorriso, uma vez que foi</p><p>entalhado em meu rosto com uma faca.</p><p>– Bem, entrem comigo em minha sala e verei o que pode ser feito por</p><p>vocês – continuou o Guardião.</p><p>Jack dirigiu o Cavalete pelo portão, indo parar dentro de uma salinha</p><p>construída dentro do muro. O Guardião puxou um cordão de um sininho, e</p><p>um soldado bem alto – vestido num uniforme verde – entrou pela porta</p><p>oposta. O soldado levava uma imensa arma verde no ombro, e tinha</p><p>adoráveis bigodes verdes que iam até os joelhos. O Guardião disselhe:</p><p>– Aqui se encontra um estranho cavalheiro que não sabe por que veio à</p><p>Cidade das Esmeraldas, nem sabe o que quer. Diga-me, o que faremos com</p><p>ele?</p><p>O Soldado de Bigodes Verdes olhou para Jack com muito cuidado e</p><p>curiosidade. Finalmente, sacudiu a cabeça tão positivamente que pequenas</p><p>ondas balançaram pelo seu bigode abaixo, e disse:</p><p>– Devo levá-lo a Sua Majestade, o Espantalho.</p><p>– Mas o que Sua Majestade, o Espantalho, fará com ele? – perguntou o</p><p>Guardião.</p><p>– Isso é assunto de Sua Majestade – tornou o soldado. – Eu já tenho</p><p>problemas suficientes. Todos os problemas externos devem ser entregues a</p><p>Sua Majestade, então ponha os óculos escuros nesse camarada, e eu o</p><p>levarei ao palácio real.</p><p>O Guardião abriu a caixa grande de óculos e tentou um que coubesse nos</p><p>imensos olhos redondos de Jack.</p><p>– Não tenho em estoque um par que realmente cubra esses olhos.</p><p>– Mas por que preciso usar óculos? – perguntou Jack.</p><p>– É a moda aqui – disse o Soldado – e eles vão evitar que você fique</p><p>cego pelo brilho da Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Oh! – exclamou Jack. – Amarre-os, por favor. Eu não desejo ficar</p><p>cego.</p><p>– Nem eu! – interrompeu o Cavalete, e um par de óculos verdes foi</p><p>prontamente preso aos nós protuberantes que lhe serviam de olhos.</p><p>O Soldado de Bigodes Verdes guiou-os através do portão interno e logo</p><p>se encontraram na rua principal da magnífica Cidade das Esmeraldas.</p><p>Reluzentes gemas verdes ornavam a frente das belas casas, e torres e</p><p>torreões eram todos cravejados de esmeraldas. Até o pavimento verde de</p><p>mármore brilhava com pedras preciosas, e era de fato uma grandiosa e</p><p>maravilhosa visão para se contemplar pela primeira vez.</p><p>Entretanto, o Cabeça de Abóbora e o Cavalete, não sabendo nada de</p><p>riqueza e beleza, prestaram pouca atenção na maravilhosa vista que tinham</p><p>através de seus óculos verdes. Eles calmamente seguiram o soldado verde e</p><p>mal notaram a multidão de pessoas que os fitavam surpresas. Quando um</p><p>cachorro verde correu e latiu para eles, o Cavalete prontamente chutou-o</p><p>com sua perna de madeira, mandando o animalzinho ganindo para dentro de</p><p>uma das casas, mas nada mais sério do que isso aconteceu para impedir seu</p><p>progresso até o palácio real.</p><p>O Cabeça de Abóbora queria galgar os degraus verdes de mármore a</p><p>cavalo, direto para a presença do Espantalho, mas o soldado não permitiu</p><p>isso. Jack desmontou, com muita dificuldade, e um servo guiou o Cavalete</p><p>para os fundos, enquanto o Soldado de Bigodes Verdes acompanhou o</p><p>Cabeça de Abóbora até o palácio, pela entrada principal.</p><p>O estrangeiro foi deixado em uma sala de espera graciosamente</p><p>decorada, enquanto o soldado foi anunciá-lo. Por sorte, àquela hora, Sua</p><p>Majestade estava com o tempo livre e imensamente entediado, querendo</p><p>alguma coisa para fazer, então mandou que seu visitante fosse levado</p><p>imediatamente para a sala do trono.</p><p>Jack não sentiu nem medo nem embaraço em encontrar o governante</p><p>daquela magnífica cidade, pois ignorava totalmente todos os costumes. Mas</p><p>quando entrou na sala e viu pela primeira vez Sua Majestade, o Espantalho,</p><p>sentado em seu trono brilhante, parou de chofre, maravilhado.</p><p>S uponho que todos os leitores deste livro sabem o que é um</p><p>espantalho, mas Jack Cabeça de Abóbora, nunca tendo visto tal</p><p>criação, estava mais surpreso de encontrar o notável Rei da</p><p>Cidade das Esmeraldas do que por qualquer outra experiência de sua curta</p><p>vida.</p><p>Sua Majestade, o Espantalho, estava vestido com um conjunto de roupas</p><p>azuis desbotadas, e sua</p><p>cabeça era meramente um saquinho recheado de</p><p>palha, no qual olhos, ouvidos, nariz e boca haviam sido rudemente pintadas</p><p>para representar um rosto.</p><p>As roupas também eram preenchidas de palha, e tão desigual ou</p><p>descuidadamente que as pernas de Sua Majestade pareciam mais irregulares</p><p>do que era necessário. Em suas mãos havia luvas com dedos compridos,</p><p>almofadados com algodão. Chumaços de palha saltavam do casaco do</p><p>monarca e também de seu pescoço e da abertura de suas botas. Sobre a</p><p>cabeça, ele usava uma pesada coroa dourada espessa, com joias reluzentes,</p><p>e o peso da peça fazia sua testa se enrugar, dando à face pintada uma</p><p>expressão pensativa. Em verdade, apenas a coroa indicava majestade; em</p><p>todo o resto, o Rei Espantalho era um simples espantalho – fraco,</p><p>desajeitado e inconsistente.</p><p>Entretanto, se a estranha aparência de Sua Majestade parecia espantosa</p><p>para Jack, não menos fantástica era a forma do Cabeça de Abóbora para o</p><p>Espantalho. As calças roxas, colete rosa e camisa vermelha pendiam</p><p>folgadamente sobre as articulações de madeira que Tip forjara, e o rosto</p><p>entalhado na abóbora sorria perpetuamente, como se seu dono considerasse</p><p>a vida a coisa mais divertida que podia imaginar.</p><p>A princípio, na verdade, Sua Majestade pensou que seu esquisito</p><p>visitante estava rindo dele, e ficara inclinado a se ressentir de tal liberdade,</p><p>mas não era sem razão que o Espantalho alcançara a reputação de ser a</p><p>personalidade mais sábia da Terra de Oz. Examinou mais cuidadosamente o</p><p>visitante, e logo percebeu que a expressão de Jack fora entalhada em um</p><p>sorriso, e ele não conseguiria parecer austero, mesmo se quisesse.</p><p>O Rei foi o primeiro a falar. Depois de fitar Jack por alguns minutos, ele</p><p>disse, num tom de surpresa:</p><p>– De onde foi que você veio, e como é que aconteceu de estar vivo?</p><p>– Imploro o perdão de Sua Majestade – respondeu o Cabeça de Abóbora</p><p>–, mas eu não entendi.</p><p>– O que você não entendeu? – perguntou o Espantalho.</p><p>– Bom, não entendo sua língua. Sabe, vim da Província dos Gillikins,</p><p>então sou um estrangeiro.</p><p>– Ah, com certeza! – exclamou o Espantalho. – Eu mesmo falo a língua</p><p>dos Munchkins, que também é a língua da Cidade das Esmeraldas. Mas</p><p>suponho que você fale a língua dos cabeças-de-abóbora?</p><p>– Exatamente, Majestade – respondeu o outro, fazendo uma reverência.</p><p>– Desse modo, será impossível entendermos um ao outro.</p><p>– Isso é um infortúnio, certamente – disse o Espantalho, pensativamente.</p><p>– Precisamos de um intérprete.</p><p>– O que é um intérprete? – perguntou Jack.</p><p>– Uma pessoa que entende tanto a minha língua quanto a sua. Quando eu</p><p>disser alguma coisa, o intérprete poderá lhe dizer o que eu falei, e quando</p><p>você disser alguma coisa, o intérprete poderá me dizer o que você falou,</p><p>pois o intérprete fala ambas as línguas tanto quanto as entende.</p><p>– Isso é bem inteligente – disse Jack, imensamente satisfeito por</p><p>encontrar tão simples solução para aquela dificuldade.</p><p>Sendo assim, o Espantalho mandou o Soldado de Bigodes Verdes</p><p>procurar entre o povo por alguém que entendesse a língua dos Gillikins,</p><p>assim como a da Cidade das Esmeraldas, e trazer-lhe a pessoa</p><p>imediatamente.</p><p>Quando o Soldado partiu, o Espantalho disse:</p><p>– Por que não se senta, enquanto esperamos?</p><p>– Sua Majestade se esquece de que não o entendo – replicou o Cabeça de</p><p>Abóbora. – Se você quer que eu me sente, precisa fazer um sinal para que</p><p>eu o faça.</p><p>O Espantalho desceu de seu trono e arrastou uma poltrona para trás do</p><p>Cabeça de Abóbora. Então o empurrou de repente, fazendo-o cair sobre a</p><p>almofada do assento de maneira tão desengonçada, que ele se dobrou como</p><p>um canivete, e teve trabalho para se desemaranhar.</p><p>– Você compreendeu esse sinal? – perguntou Sua Majestade</p><p>polidamente.</p><p>– Perfeitamente – declarou Jack, erguendo os braços para virar a cabeça</p><p>para frente, já que a abóbora tinha girado sobre o espeto que a apoiava.</p><p>– Você parece feito às pressas – observou o Espantalho, assistindo o</p><p>esforço de Jack para se endireitar.</p><p>– Não mais do que Sua Majestade – foi a resposta franca do Cabeça de</p><p>Abóbora.</p><p>– Há uma diferença entre nós – disse o Espantalho. – Enquanto eu dobro,</p><p>mas não quebro, você quebra, mais não dobra.</p><p>Naquele instante, o soldado voltou, trazendo uma jovem pela mão. Ela</p><p>parecia muito doce e recatada, com um rosto bonito e belos olhos e cabelos</p><p>verdes. A delicada saia de seda verde ia até os joelhos, mostrando meias de</p><p>seda bordadas com bolinhas de ervilha, e chinelos de cetim verde com</p><p>pedaços de repolho como decoração em vez de laços ou fivelas. Em seu</p><p>cinto havia folhas bordadas, e ela vestia uma jaquetinha elegante decorada</p><p>com esmeraldas brilhantes de tamanho uniforme.</p><p>– Oh, é a pequena Jellia Jamb! – exclamou o Espantalho, quando a moça</p><p>verde curvou sua cabeça bonita diante dele. – Você entende a língua dos</p><p>Gillikins, querida?</p><p>– Sim, Majestade – ela respondeu –, pois nasci na Província do Norte.</p><p>– Então você será nossa intérprete – disse o Espantalho. – Explique a</p><p>este Cabeça de Abóbora tudo o que eu disser, e me explique tudo o que ele</p><p>disser. Esse arranjo é satisfatório? – ele perguntou, virando-se para seu</p><p>convidado.</p><p>– Muito satisfatório, de fato – foi a resposta.</p><p>– Então, para começar, pergunte a ele o que o trouxe à Cidade das</p><p>Esmeraldas – retomou o Espantalho, virando-se para Jellia.</p><p>Em vez disso, no entanto, a garota, que estivera encarando Jack,</p><p>disselhe:</p><p>– Que criatura maravilhosa você é. Quem o fez?</p><p>– Um menino chamado Tip – respondeu Jack.</p><p>– O que ele disse? – perguntou o Espantalho. – Meus ouvidos devem ter</p><p>me enganado. O que ele disse?</p><p>– Ele disse que o cérebro de Sua Majestade parece ter afrouxado –</p><p>respondeu a garota, recatadamente.</p><p>O Espantalho mexeu-se em seu trono, desconfortável, e usou a mão</p><p>esquerda para sentir a cabeça.</p><p>– Que coisa boa é entender duas línguas diferentes – ele disse com um</p><p>suspiro perplexo. – Pergunte a ele, minha querida, se ele tem alguma</p><p>objeção em ser posto na cadeia por insultar o governante da Cidade das</p><p>Esmeraldas.</p><p>– Eu não insultei você! – protestou Jack, indignado.</p><p>– Tsc tsc! – advertiu o Espantalho. – Espere até Jellia traduzir o que</p><p>falei. Para que temos uma intérprete, se você a interrompe dessa maneira</p><p>precipitada?</p><p>– Está bem, vou esperar – respondeu o Cabeça de Abóbora, em um tom</p><p>ranzinza, embora seu rosto sorrisse tão calorosamente quanto sempre. –</p><p>Traduza, jovem.</p><p>– Sua Majestade perguntou se você está com fome – disse Jellia.</p><p>– Oh, nem um pouco – respondeu Jack, mais gentilmente –, pois, para</p><p>mim, é impossível comer.</p><p>– É assim comigo também – observou o Espantalho. – O que ele disse,</p><p>Jellia, minha querida?</p><p>– Ele perguntou se você tem conhecimento de que um de seus olhos foi</p><p>pintado maior que o outro – disse a garota, arteira.</p><p>– Não acredite nela, Majestade! – gritou Jack.</p><p>– Oh, eu não acredito – replicou o Espantalho. Lançando um olhar afiado</p><p>à moça, questionou: – Você tem certeza de que entende tanto a língua dos</p><p>Gillikins quanto a dos Munchkins?</p><p>– Bastante, Majestade – respondeu Jellia Jamb, esforçando-se para não</p><p>rir na cara da realeza.</p><p>– Então como pareço conseguir entendê-lo eu mesmo? – inquiriu o</p><p>Espantalho.</p><p>– Porque as duas línguas são a mesma! – declarou a garota, agora rindo</p><p>alegremente. – Sua Majestade não sabe que em toda a Terra de Oz só se fala</p><p>uma língua?</p><p>– É mesmo? – suspirou o Espantalho, muito aliviado em ouvir aquilo. –</p><p>Então eu poderia facilmente ser meu próprio intérprete.</p><p>– Foi tudo culpa minha, Majestade – disse Jack, de maneira bem tola. –</p><p>Eu pensei que certamente falávamos línguas diferentes, já que viemos de</p><p>províncias diferentes.</p><p>– Isso deve ser um aviso para você nunca pensar – retorquiu o</p><p>Espantalho severamente. – Pois a menos que se possa pensar com</p><p>sabedoria, é melhor continuar um boneco, o que você quase com certeza é.</p><p>– Eu sou! Eu certamente sou! – concordou o Cabeça de Abóbora.</p><p>– Parece-me que seu criador desperdiçou algumas boas tortas para criar</p><p>um homem indiferente – continuou o Espantalho, mais calmo.</p><p>– Garanto a Sua Majestade que não pedi para ser criado – retrucou Jack.</p><p>– Ah, foi o mesmo</p><p>comigo! – disse o Rei, contente. – E já que diferimos</p><p>de todas as pessoas comuns, vamos ser amigos.</p><p>– Com todo o meu coração! – exclamou Jack.</p><p>– O que, você tem um coração? – perguntou o Espantalho, surpreso.</p><p>– Não, isso foi só uma imagem… eu diria, uma figura de linguagem –</p><p>disse Jack.</p><p>– Bem, sua figura mais proeminente parece ser uma de madeira, de</p><p>forma que devo implorar a você para conter sua imaginação que, não tendo</p><p>cérebro, você não tem o direito de exercitar – sugeriu o Espantalho em tom</p><p>de aviso.</p><p>– Com certeza! – disse Jack, sem compreender nada.</p><p>Sua Majestade dispensou Jellia Jamb e o soldado de Bigodes Verdes, e</p><p>quando eles saíram, pegou seu novo amigo pelo braço e levou-o até o pátio</p><p>para um jogo de argolas.</p><p>T ip estava tão ansioso para reencontrar seu boneco-homem e</p><p>o Cavalete que andou uma metade inteira da distância até a</p><p>Cidade das Esmeraldas sem parar para descansar. Descobriu</p><p>estar faminto, e as bolachas e o queijo que providen-ciara para a viagem já</p><p>haviam sido todos comidos.</p><p>Enquanto se perguntava o que faria em tal situação de emergência,</p><p>cruzou com uma garota sentada à beira da estrada. Ela vestia um traje que</p><p>pareceu ao rapaz notadamente chamativo: a parte de cima era de seda</p><p>verde-esmeralda e sua saia de quatro cores distintas: azul na frente, amarela</p><p>do lado esquerdo, vermelha atrás e roxa do lado direito. Prendendo o tronco</p><p>na frente havia quatro botões – o primeiro azul, o seguinte amarelo, o</p><p>terceiro vermelho e o último roxo.</p><p>O esplendor daquele vestido era quase bárbaro, de forma que bem se</p><p>justificava Tip fixá-lo por alguns momentos antes de seus olhos serem</p><p>atraídos pelo belo rosto acima dele. Sim, o rosto era bonito o suficiente, ele</p><p>decidiu, mas trazia uma expressão de descontenta-mento com uma nuance</p><p>de rebeldia ou audácia.</p><p>Enquanto o garoto a encarava, a moça mirou-o calmamente. Uma cesta</p><p>de almoço jazia a seu lado, e ela segurava um magnífico sanduíche em uma</p><p>mão e um ovo cozido na outra, comendo com um apetite evidente que</p><p>causou a simpatia de Tip.</p><p>Ele já se preparava para pedir um pouco, quando a moça se levantou e</p><p>bateu as migalhas de seu colo.</p><p>– É hora de eu ir – ela disse. – Leve a cesta para mim, e pode pegar o</p><p>que tem nela se estiver com fome.</p><p>Tip pegou a cesta avidamente e começou a comer, seguindo a estranha</p><p>garota por um tempo sem se importar em fazer perguntas. Ela caminhava à</p><p>frente dele com passadas rápidas e havia nela um ar de decisão e</p><p>importância que o levou a suspeitar que se tratava de uma pessoa influente.</p><p>Finalmente, quando ele matara sua fome, correu para ficar ao lado dela e</p><p>tentou acompanhar-lhe o passo – algo muito difícil, pois ela era muito mais</p><p>alta que ele, e evidentemente estava com pressa.</p><p>– Muito obrigado pelos sanduíches – disse Tip, marchando a seu lado. –</p><p>Posso perguntar o seu nome?</p><p>– Eu sou General Jinjur – foi a curta resposta.</p><p>– Oh! – murmurou o rapaz. – Que tipo de general?</p><p>– Eu comando o Exército Rebelde nesta guerra – respondeu a General,</p><p>desnecessariamente azeda.</p><p>– Oh! – exclamou outra vez. – Eu não sabia que estava havendo uma</p><p>guerra.</p><p>– Você não tinha de saber – ela retorquiu –, pois nós a mantivemos em</p><p>segredo, e considerando que nosso exército é inteiramente composto de</p><p>moças, é certamente um feito marcante nossa Revolta ainda não ter sido</p><p>descoberta.</p><p>– É, de fato – reconheceu Tip. – Mas onde está seu exército?</p><p>– A cerca de um quilômetro e meio daqui – respondeu a General Jinjur. –</p><p>As tropas se uniram, vindas de todas as partes da Terra de Oz, ao meu</p><p>comando, pois neste dia lutaremos contra Sua Majestade, o Espantalho, e</p><p>conquistaremos o trono. O Exército Rebelde só está esperando minha</p><p>chegada para marchar até a Cidade das Esmeraldas.</p><p>– Bem – declarou Tip, inspirando profundamente –, isso é surpreendente.</p><p>Posso perguntar por que querem batalhar contra Sua Majestade, o</p><p>Espantalho?</p><p>– Porque a Cidade das Esmeraldas já foi governada por homens por</p><p>tempo o bastante, para começar – disse a garota. – Além do mais, a Cidade</p><p>brilha com belas pedras preciosas, que poderiam ser muito melhor</p><p>utilizadas para fazer anéis, braceletes e colares; e há dinheiro o suficiente na</p><p>sala do tesouro para comprar uma dúzia de novos vestidos para cada garota</p><p>do Exército. Desse modo, pretendemos conquistar a Cidade e tomar o</p><p>governo para nos acomodarmos.</p><p>Jinjur proferiu essas palavras com uma avidez e determinação que</p><p>provaram seu solene engajamento.</p><p>– Mas guerra é uma coisa terrível – disse Tip, pensativo.</p><p>– Esta guerra será agradável – replicou a garota, alegre.</p><p>– Muitas de vocês serão mortas! – continuou o rapaz, com um tom</p><p>apavorado.</p><p>– Oh, não – objetou Jinjur. – Que homem enfrentaria uma garota, ou</p><p>ousaria feri-la? E não há um só rosto feio em todo o meu Exército.</p><p>Tip riu.</p><p>– Talvez você esteja certa – concedeu ele. – Mas o Guardião dos Portões</p><p>é considerado um Guardião fiel, e o Exército Real não deixará a Cidade ser</p><p>tomada sem luta.</p><p>– O Exército é velho e decrépito – replicou a general Jinjur</p><p>desdenhosamente. – Sua força toda foi acostumada a deixar crescer</p><p>bigodes, e sua esposa tem tal temperamento que já arrancou mais da metade</p><p>deles pela raiz. Quando o Maravilhoso Mágico reinava, o Soldado de</p><p>Bigodes Verdes era um Exército Real muito bom, pois o povo temia o</p><p>Mágico. Mas ninguém teme o Espantalho, de forma que seu Exército Real</p><p>não conta muito em tempo de guerra.</p><p>Depois dessa conversa, prosseguiram alguma distância em silêncio, e</p><p>logo alcançaram uma clareira grande na floresta, onde quatrocentas jovens</p><p>mulheres encontravam-se reunidas. Riam e conversavam tão alegremente</p><p>quanto se estivessem ali para um piquenique em vez de uma guerra de</p><p>conquista.</p><p>Estavam divididas em quatro companhias, e Tip notou que todas vestiam</p><p>roupas semelhantes à usada pela General Jinjur. A única diferença era que,</p><p>enquanto as moças da província Munchkin tinham a faixa azul na frente de</p><p>suas saias, as da província dos Quadlings tinham a faixa vermelha na frente;</p><p>as da província dos Winkies, a amarela, e as moças Gillikin usavam a roxa.</p><p>Todas tinham o tronco verde, representando a Cidade das Esmeraldas que</p><p>pretendiam conquistar, e o botão de cima de cada cinto representava a</p><p>província de onde sua dona havia vindo. Os uniformes eram vivos e</p><p>elegantes, e bastante efetivos postos em conjunto.</p><p>Tip pensou que aquele exército não empunhava arma alguma, mas estava</p><p>errado nesse ponto, pois cada moça tinha presas em seus coques duas</p><p>longas e brilhantes agulhas de tricô.</p><p>A General Jinjur imediatamente subiu no toco de uma árvore e dirigiu-se</p><p>a seu exército:</p><p>– Amigas, compatriotas e moças! Estamos prestes a iniciar nossa grande</p><p>Revolta contra os homens de Oz! Marchamos para conquistar a Cidade das</p><p>Esmeraldas, destronar o Rei Espantalho, conseguir milhares de lindas</p><p>pedras preciosas, pilhar a sala do tesouro, e obter poder sobre nossos</p><p>antigos opressores.</p><p>– Viva! – disseram aquelas que ouviam, mas Tip notou que boa parte do</p><p>exército estava entretida demais conversando para prestar atenção nas</p><p>palavras da General.</p><p>O comando para marchar foi dado; as garotas formaram quatro frentes, e</p><p>partiram com passadas ávidas para a Cidade das Esmeraldas.</p><p>O menino seguiu-as, carregando várias cestas, embalagens e pacotes que</p><p>vários membros do Exército Rebelde deixaram sob seus cuidados. Não</p><p>demorou até chegarem ao muro de granito verde da Cidade e pararam</p><p>diante dos portões.</p><p>O Guardião dos Portões veio para fora de uma vez e fitou-as curioso,</p><p>como se um circo houvesse chegado à cidade. Ele carregava um molho de</p><p>chaves que pendia de seu pescoço, amarradas por uma corrente dourada;</p><p>suas mãos encontravam-se despreocupadamente nos bolsos, e ele não</p><p>parecia fazer ideia de que toda a Cidade estava sendo ameaçada por</p><p>rebeldes.</p><p>Dirigindo-se às moças de modo afável, disse:</p><p>– Bom dia, minhas caras! O que posso fazer por vocês?</p><p>– Renda-se imediatamente! – respondeu a General Jinjur, pondo-se</p><p>diante dele e fazendo uma carranca tão feia quanto seu belo rosto permitia.</p><p>– Render…! – ecoou o homem, atônito. – Bem, é impossível. É contra a</p><p>lei. Nunca</p>

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