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Avaliação: Prática e Reflexão

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Prévia do material em texto

<p>Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos</p><p>Maria Teresa Esteban (org.)</p><p>6. edição</p><p>Coleção: Pedagogias em Ação</p><p>Editoras da coleção:</p><p>Nilda Alves e Regina Leite Garcia</p><p>Capa:</p><p>Fátima Kneipp</p><p>Editoração eletrônica:</p><p>Anthares</p><p>Catalogação na fonte do Departamento Nacional do Livro</p><p>A945</p><p>Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. / Maria</p><p>Teresa Esteban (org.). 6. ed.</p><p>Petrópolis: DP et Alii, 2008.</p><p>120p.: Il.; 14 cm x 21 cm.</p><p>ISBN 978-85-61593-04-9</p><p>1. Avaliação educacional 2. Estudantes - Avaliação I. Esteban,</p><p>Maria Teresa</p><p>CDD - 371.26</p><p>© De Petrus et Alii Editora Ltda.</p><p>Conselho editorial: Alfredo Veiga-Neto (UFRGS/Ulbra); Betânia</p><p>Ramalho; (UFRN); Beth Macedo (UERJ); Elizeu Clementino de Souza</p><p>(UEBA); Inês Barbosa de Oliveira (UERJ); Juarez Dayrell (UFMG);</p><p>Silvio Gallo (Unicamp); Timothy Ireland (Unesco).</p><p>Proibida a reprodução, total ou parcial, por qualquer meio ou processo, seja</p><p>reprográico, fotográico, gráico, microilmagem etc. Estas proibições</p><p>aplicam-se também as caraterísticas gráicas e/ou editoriais. A violação dos</p><p>direitos autorais é punível como crime (Código Penal art. 184 e §§; Lei</p><p>6.895/80), com busca, apreensão e indenizações diversas (Lei 9.610/98 - Lei</p><p>dos Direitos Autorais - arts. 122, 123, 124 e 126).</p><p>De Petrus et Alii Editora Ltda.</p><p>Rua Henrique Raffard, 197-A - Bingen - 25665-062</p><p>PETROPOLIS, RJ, BRASIL - Tel.fax: (24)2233.2101</p><p>editora@depetrus.com.br - Home page: www.depetrus.com.br</p><p>Impresso no Brasil</p><p>2008</p><p>mailto:editora@depetrus.com.br</p><p>http://www.depetrus.com.br/</p><p>Sumário</p><p>A avaliação no cotidiano escolar</p><p>Maria Teresa Esteban</p><p>A avaliação e suas implicações no fracasso/sucesso</p><p>Regina Leite Garcia</p><p>Uma polêmica em relação ao exame</p><p>Ángel Díaz Barriga</p><p>Escola pública, comunidade e avaliação</p><p>Resgatando a avaliação formativa como instrumento de emancipação</p><p>Almerindo Janela Afonso</p><p>A cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e</p><p>adaptada aos moldes neoliberais</p><p>Corinta Maria Grisolia Geraldi</p><p>Avaliação na escola cidadã</p><p>Jussara Margareth de Paula Loch</p><p>A avaliação no</p><p>cotidiano escolar</p><p>Maria Teresa Esteban</p><p>1</p><p>Por que estamos mais uma vez discutindo a avaliação?</p><p>Por que, após tantas discussões, pesquisas, propostas, palestras,</p><p>seminários, textos, livros, modelos, este continua sendo um tema tão</p><p>relevante?</p><p>Entendo que é importante continuar discutindo a avaliação como parte de</p><p>um processo mais amplo de discussão do fracasso escolar, dos mecanismos que</p><p>o constituem e possibilidades de reversão desse quadro com a construção do</p><p>sucesso escolar de todas as crianças, especialmente das crianças das classes</p><p>populares, as que efetivamente vivem cotidianamente o fracasso. Portanto,</p><p>para mim, a reflexão sobre a avaliação só tem sentido se estiver atravessada</p><p>pela reflexão sobre a produção do fracasso/sucesso escolar no processo de</p><p>inclusão/exclusão social.</p><p>O fracasso escolar se configura dentro de um quadro de múltiplas</p><p>negações, dentre as quais se coloca a negação da legitimidade de</p><p>conhecimentos e formas de vida formulados à margem dos limites socialmente</p><p>definidos como válidos. A inexistência de um processo escolar que possa</p><p>atender às necessidades e particularidades das classes populares, permitindo</p><p>que as múltiplas vozes sejam explicitadas e incorporadas, é um dos fatores que</p><p>fazem com que um grande potencial humano seja desperdiçado.</p><p>O grande número de excluídos do acesso ao conhecimento socialmente</p><p>valorizado, dos espaços reconhecidos da vida social, bem como a</p><p>marginalização de conhecimentos socialmente produzidos, mas não</p><p>reconhecidos e validados, vão fortalecendo a necessidade de engendrar</p><p>mecanismos de intervenção na dinâmica inclusão/exclusão social. O processo</p><p>de avaliação do resultado escolar dos alunos e alunas está profundamente</p><p>marcado pela necessidade de criação de uma nova cultura sobre avaliação, que</p><p>ultrapasse os limites da técnica e incorpore em sua dinâmica a dimensão ética.</p><p>Entendendo as relações entre fracasso escolar e avaliação e a decorrente</p><p>percepção da avaliação como responsável pelo resultado do/a aluno/a, faço</p><p>uma segunda indagação: a escola poderia existir sem avaliação?</p><p>Tenho certeza de que os alunos e alunas responderiam sorridentes que</p><p>sim. A inexistência da avaliação permitiria que elas e eles não tivessem que</p><p>deixar de brincar ou sair com os amigos e amigas para passar um bom tempo</p><p>do dia “estudando”; evitaria os castigos e broncas decorrentes das notas baixas;</p><p>eliminaria o trabalho de decorar uma porção de coisas, para as quais não</p><p>encontram o menor sentido e que certamente serão esquecidas no dia</p><p>seguinte; ou o trabalho inútil de preparar a “cola”; reduziria angústias e</p><p>sofrimentos... Faria a escola mais feliz.</p><p>Faria?</p><p>Pensando bem, será que todos os estudantes achariam justo que não</p><p>houvesse algum tipo de reconhecimento do mérito daqueles mais inteligentes,</p><p>mais esforçados, mais estudiosos? Todos ficariam satisfeitos com a ausência de</p><p>hierarquia que marcasse a diferença, conferindo status a uns e rotulando outros</p><p>de menos inteligentes, menos esforçados, menos estudiosos?</p><p>Olhando por este prisma, talvez alguns sorrisos ficassem amarelados, a</p><p>resposta fosse menos rápida e contundente...</p><p>Voltando à segunda indagação - a escola poderia existir sem avaliação? - e</p><p>pensando em nós, professores e professoras, haveria consenso na resposta?</p><p>Talvez sim. Quando pensamos nas pilhas de provas e trabalhos para</p><p>corrigir; na dificuldade de definir parâmetros para a observação e classificação</p><p>do comportamento dos alunos e alunas; no tempo que gastamos organizando</p><p>questões instigantes, que não se reduzam a pedir respostas que reproduzam o</p><p>que foi decorado; na dificuldade de propor trabalhos que realmente interessem</p><p>aos estudantes... Melhor seria não ter que avaliar.</p><p>Por outro lado, sem a prova, o que obrigaria os alunos e alunas a estudar?</p><p>Sem os prêmios e castigos, com seus mil apelidos e disfarces, como garantir a</p><p>disciplina? Sem instrumentos de avaliação, como garantir que os conteúdos</p><p>mínimos estão sendo aprendidos, como identificar quem sabe e quem não</p><p>sabe, atendendo à função de credenciamento assumida pela escola?</p><p>É. Talvez a avaliação seja um “mal necessário”. Conclusão com que</p><p>também concordariam muitos pais e mães (ou responsáveis), seja por um</p><p>argumento ou por outro.</p><p>Com esta conclusão, o que estamos entendendo por avaliação? A avaliação</p><p>da aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e alunas é uma atividade</p><p>fundamentalmente escolar? São educacionais os objetivos da avaliação</p><p>realizada na escola? Qual o papel da avaliação no processo</p><p>ensino/aprendizagem?</p><p>Apesar de ser quase unânime a ideia de que avaliação é uma prática</p><p>indispensável ao processo de escolarização, a ação avaliativa continua sendo</p><p>um tema polêmico. Há uma intensa crítica aos procedimentos e instrumentos</p><p>de avaliação frequentemente usados na sala de aula, que muitas vezes se fazem</p><p>acompanhar da sinalização de novas diretrizes ou de novas propostas de ação.</p><p>O olhar para essas novas alternativas precisa estar atento aos discursos e às</p><p>práticas para evitar que a perspectiva técnica continue colocando na sombra a</p><p>perspectiva ética.</p><p>Uma vez mais estamos imersos(as) na tensão entre continuidade e ruptura,</p><p>que se traduz no dilema entre manter, com algumas reformas superficiais, a</p><p>perspectiva quantitativa da avaliação ou redefinir o percurso no sentido de</p><p>construir uma perspectiva verdadeiramente democrática de avaliação. Este</p><p>dilema nos coloca diante da indagação: o que está efetivamente sendo</p><p>privilegiado no atual debate sobre a avaliação?</p><p>Questão que se desdobra em algumas outras: quais os objetivos das</p><p>alternativas propostas? Que concepções dão suporte às modificações</p><p>implementadas? O que significa este grande interesse pela prática avaliativa</p><p>neste momento? O discurso sobre a avaliação transforma ou apenas reforma</p><p>sua teoria e prática? O que há de realmente novo? As diretrizes que estão</p><p>sendo demarcadas rompem com a dimensão excludente da avaliação? O que</p><p>efetivamente muda no cotidiano da escola?</p><p>Sem pretender responder</p><p>o ensino.</p><p>É muito evidente que por trás da polêmica sobre o papel que o exame</p><p>cumpre na sociedade, na escola e na vida dos alunos existe um reducionismo</p><p>técnico que omite o estudo dos amplos significados que se escondem nesta</p><p>prática.</p><p>O objeto deste ensaio é apresentar a evolução da prática do exame na</p><p>história da pedagogia. Mostrar como nem sempre se vinculou exame à</p><p>certificação nem à atribuição de notas ou conceitos. É importante analisar a</p><p>forma como o exame moderno efetua uma série de reducionismos técnicos</p><p>sobre o saber pedagógico. Ao longo deste texto vamos apresentar três</p><p>inversões realizadas através da conformação de uma pedagogia centrada no</p><p>exame. O resultado destas inversões é que a proposta técnica de fazer exames -</p><p>manejo estatístico dos dados, construção de reativos, objetivos, entre outros -</p><p>contribuiu ao empobrecimento da visão sobre a educação. A pedagogia do</p><p>exame criou mais problemas para a educação do que resolveu. Vamos mostrar</p><p>como existe um vínculo entre problemas sociais e problemas no exame.</p><p>O exame, um problema de</p><p>história e sociedade</p><p>Um dos pontos onde a política educativa adquire concretude é o problema</p><p>do exame. A nova política educativa - de corte neoliberal4 - responde aos</p><p>postulados de racionalidade que impõe a conjuntura da crise econômica. Seus</p><p>fundamentos conceituais são expressos através de noções como: qualidade da</p><p>educação, eficiência e eficácia do sistema educativo, maior vinculação entre</p><p>sistema escolar (entenda-se currículo) e necessidades sociais (entenda-se</p><p>modernização e/ ou reconversão industrial).</p><p>Em termos operativos esta política se concretiza numa redução real do</p><p>orçamento para educação. A ordem é “fazer mais com menos”.5 De fato, busca-</p><p>se que em termos constantes resulte mais econômico o gasto destinado a cada</p><p>estudante no sistema educativo.</p><p>Esta política educativa de corte neoliberal transforma completamente os</p><p>postulados educativos que, como efeito da crise de 1968, impactaram a política</p><p>educativa prévia que caraterizou a década de 1970. Esta se expressou em</p><p>projetos de modernização da Universidade e de reforma educativa. Naqueles</p><p>momentos se tratou de expandir a educação, ampliar as oportunidades de</p><p>acesso.</p><p>A partir da instauração de uma política educativa de corte neoliberal6</p><p>buscam-se justificativas “acadêmicas” que permitam fundamentar a restrição</p><p>do ingresso à educação. Estas justificativas criam novos fetiches pedagógicos</p><p>que se caraterizam por sua debilidade conceitual, como no caso de termos</p><p>como “qualidade da educação”.7 Por outro lado, são estabelecidos instrumentos</p><p>que legalizam a restrição à educação: este é o papel conferido ao exame. Todo</p><p>mundo sabe que o exame é o instrumento a partir do qual se reconhece</p><p>administrativamente um conhecimento, mas igualmente reconhece que o</p><p>exame não indica realmente qual é o saber de um sujeito.</p><p>É habitual que tanto os estudiosos da educação como qualquer pessoa</p><p>comum pensem que o exame é um elemento inerente a toda ação educativa.</p><p>Isto é, é natural pensar que depois de uma aula os estudantes devem ser</p><p>examinados para valorar se adquiriram o conhecimento apresentado. Um</p><p>estudo sobre a história do exame nas práticas pedagógicas mostraria a</p><p>falsidade desta afirmação.</p><p>Primeiro porque o exame foi um instrumento criado pela burocracia</p><p>chinesa para eleger membros das castas inferiores.8 Segundo porque existem</p><p>inúmeras evidências de que antes da Idade Média não existia um sistema de</p><p>exames ligado à prática educativa. Terceiro porque a atribuição de notas ao</p><p>trabalho escolar é uma herança do século XIX à pedagogia. Herança que</p><p>produziu uma infinidade de problemas, dos quais hoje padecemos. Se o exame</p><p>não é um problema ligado historicamente ao conhecimento, é um problema</p><p>marcado pelas questões sociais, sobretudo aquelas que não pode resolver.</p><p>Assim, o exame é na realidade um espaço de convergência de inúmeros</p><p>problemas. Problemas que são das mais diversas ordens. Podem ser</p><p>sociológicos, políticos e também psicopedagógicos e técnicos. No entanto, por</p><p>um reducionismo que no fundo cumpre a função de ocultar a realidade, os</p><p>problemas em relação ao exame aparecem agudizados só em sua dimensão</p><p>técnica. Desconhecendo os outros âmbitos de estruturação.</p><p>Esta convergência determina que no exame se sintetizem uma magnitude</p><p>de problemas de diversas índoles. Tal aglutinação de conflitos ocasiona que</p><p>sobre o exame como espaço social e como técnica “educativa” se depositem9</p><p>uma infinidade de expectativas. Em certo sentido, quando a sociedade não</p><p>pode resolver problemas de ordem econômica (definição de orçamento), de</p><p>ordem social (justiça na distribuição de satisfações), de ordem psicopedagógica</p><p>(conhecer e promover os processos de conhecimento de cada sujeito) transfere</p><p>esta impotência para uma excessiva confiança em “elevar a qualidade da</p><p>educação”, só através de racionalizar o uso de um instrumento: o exame.</p><p>Desta maneira, o exame aparece permanentemente como um espaço</p><p>superdimensionado. Neste espaço se tem o olhar posto. É observado pelos</p><p>responsáveis pela política educativa, pelos diversos diretores das instituições</p><p>escolares, pelos pais de família, pelos alunos e finalmente pelos próprios</p><p>docentes. Ainda que cada grupo social possa ter sua representação em relação</p><p>ao papel que cumpre o exame, todos estes grupos coincidem em termos</p><p>globais em esperar que através do exame se obtenha um conhecimento</p><p>“objetivo” sobre o saber de cada estudante.</p><p>Porém o exame é só um instrumento que não pode por si mesmo resolver</p><p>os problemas gerados em outras instâncias sociais. Não pode ser justo quando</p><p>a estrutura social é injusta; não pode melhorar a qualidade da educação quando</p><p>existe uma drástica redução de subsídio e os docentes se encontram mal pagos;</p><p>não pode melhorar os processos de aprendizagem dos estudantes quando não</p><p>se atende nem à conformação intelectual dos docentes, nem ao estudo dos</p><p>processos de aprender de cada sujeito, nem a uma análise de suas condições</p><p>materiais. Todos estes problemas, e muitos outros que convergem sob o</p><p>exame, não podem ser resolvidos favoravelmente só através deste instrumento</p><p>(social).</p><p>Afirmamos que o exame é um espaço social superdimensionado. Também</p><p>enunciamos que o exame não pode resolver uma infinidade de problemas que</p><p>se condensam nele.10</p><p>Por outro lado, estamos obrigados a manifestar que o exame é um espaço</p><p>onde se realizam muitas inversões das relações sociais e das pedagógicas. Em</p><p>termos de Foucault, é um espaço que inverte as relações de saber e de poder</p><p>(Foucault, 1977). De tal modo que apresenta como se fossem relações de saber,</p><p>as que fundamentalmente são de poder. Esta qualificação, tipicamente</p><p>foucaultiana, resulta muito interessante para observar como a evolução dos</p><p>exames se desenvolveu através de mecanismos de poder: da sociedade, da</p><p>instituição educativa e dos docentes.</p><p>Esta hipótese do exame como um espaço de inversão de relações é muito</p><p>frutífera enquanto nos permite efetuar outro conjunto de precisões. De fato,</p><p>desde nossa aproximação através do exame se realizam outras três inversões:</p><p>uma que converte os problemas sociais em pedagógicos (e permanentemente</p><p>busca sua resolução só neste âmbito); outra que converte os problemas</p><p>metodológicos em problemas só de exame, e uma última que reduz os</p><p>problemas teóricos da educação ao âmbito técnico da avaliação.</p><p>Primeira inversão:</p><p>Problemas sociais em problemas técnicos</p><p>Uma das funções atribuídas ao exame é determinar se um sujeito pode ser</p><p>promovido de uma série para a outra. Sob esta ideia central aparecem outras</p><p>duas funções: permitir o ingresso de um indivíduo em um sistema particular</p><p>(caso do exame de admissão) ou legitimar o saber de um indivíduo através da</p><p>certificação ou da outorga de um título profissional.</p><p>A partir do reconhecimento desta função, a discussão em relação aos</p><p>exames está centrada apenas nos aspectos técnicos que podem dar uma</p><p>imagem de cientificidade aos instrumentos usados. A discussão se realiza sobre</p><p>problemas de objetividade, validade e confiabilidade. Esta discussão,</p><p>que de</p><p>fato é a que encontramos na maioria dos manuais em relação à avaliação, se</p><p>encontra em total coerência com os postulados da teoria da ciência. Sabemos</p><p>que historicamente a ciência moderna se conforma através da eficácia da ação.</p><p>A ciência, tal como postula Habermas (Habermas, 1982), renega a reflexão e</p><p>não busca partir da compreensão de um fenômeno. De fato, fica apenas em sua</p><p>aparência, não chega a construir seu sentido. Portanto não é estranho que</p><p>realize esta inversão. Os problemas de ordem social: possibilidade de acesso à</p><p>educação, justiça social, estratos de emprego, estrutura de investimento para o</p><p>desenvolvimento industrial etc., são transladados a problemas de ordem</p><p>técnica: objetividade, validade, confiabilidade. A discussão que se realiza neste</p><p>nível da problemática desconhece sua conformação. Esta inversão de relações</p><p>sociais em problemas de ordem técnica converte a questão do exame numa</p><p>dimensão cientificista.</p><p>Daí a clássica visão instrumental que marca a discussão sobre este</p><p>instrumento. Se os problemas subjacentes ao exame são de ordem técnica, é</p><p>nesse nível onde deve-se encontrar uma solução. A técnica para ocultar os</p><p>problemas sociais: daí o caráter politicamente conservador subjacente a esta</p><p>perspectiva instrumental.</p><p>Neste ponto, é relevante assinalar que a partir da implantação de uma</p><p>política educativa de corte neoliberal, as formas de uma discussão cientificista</p><p>sobre o exame estão atingindo seu auge.</p><p>Segunda inversão:</p><p>De problemas metodológicos</p><p>a problemas de rendimento</p><p>O exame realiza uma inversão entre os problemas de método e os de</p><p>rendimento. Uma revisão cuidadosa da história da educação mostraria que em</p><p>muitas práticas pedagógicas não existiu nada similar ao exame. Durkheim</p><p>(1982) mostra que este instrumento ingressa no cenário educativo através da</p><p>universidade medieval. No entanto, o autor precisa que só era permitido que</p><p>se apresentasse ao exame os alunos que estavam seguros de poder ter êxito.</p><p>Assim, o exame era um espaço público para mostrar a competência que se</p><p>havia adquirido. Na Didactica Magna (1657) de Comenius o exame está</p><p>indissoluvelmente ligado ao método. Sua função consiste em ser a última parte</p><p>do método que pode ajudar a aprender. Portanto, através do exame não se</p><p>decide nem a promoção do estudante nem sua nota. Esta não existe até o</p><p>século XIX. Comenius fecha portas falsas à atuação docente. Quando o aluno</p><p>não aprende, o autor recomenda que o professor revise seu método. Ainda</p><p>assim, explicitamente indica que o aluno não deve ser castigado porque criaria</p><p>uma aversão ao estudo. Nestas condições o professor deve regressar a seu</p><p>método, seu instrumento central de trabalho, e desde aí apoiar o processo de</p><p>aprendizagem. Esta é na realidade sua tarefa.</p><p>A transformação operada nesse século: promover e qualificar o</p><p>desempenho estudantil através do exame. Por um lado, separou o exame da</p><p>metodologia. O exame deixou de ser um aspecto do método ligado à</p><p>aprendizagem. Por outra parte, perverteu</p><p>11 a relação pedagógica ao centrar os</p><p>esforços de estudantes e docentes apenas na certificação. Muller, em meados</p><p>do século passado, se queixava de que na Universidade de Oxford “o prazer do</p><p>estudo se acabou, o jovem pensa só no exame” (citado em Giner de los Ríos,</p><p>1906). Hernández Ruiz expressa que as possibilidades de sanção inerentes a</p><p>esta transformação do exame levaram a uma superficialidade pedagógica por</p><p>parte dos professores (Hernández Ruiz, 1972). Assim, quando o exame era</p><p>parte do método, tinham que resolver todos os problemas de aprendizagem</p><p>através de diversas tentativas metodológicas. Com o aparecimento das novas</p><p>funções do exame: certificar e promover, quando existe uma dificuldade de</p><p>aprendizagem, os professores e as instituições (caso do exame departamental)</p><p>aplicam exames.</p><p>Esta inversão metodológica é sumamente interessante. Praticamente é</p><p>desconhecida no debate nacional e internacional sobre o tema. Mas as</p><p>justificativas dadas por funcionários, professores, pais e inclusive pelos</p><p>próprios “especialistas” no tema expressam tal inversão. De modo</p><p>reducionista, só argumentam que através da melhoria “técnica” dos sistemas de</p><p>exames a educação será melhor.</p><p>A partir de toda esta situação se estruturou a pedagogia do exame. Uma</p><p>pedagogia articulada em função da certificação, descuidando notoriamente dos</p><p>problemas de formação, processos cognitivos e aprendizagem. Resulta</p><p>bastante sintomático que a Taxonomia de objetivos educacionais (Bloom, 1970)</p><p>seja o resultado do trabalho de um grupo de especialistas que buscam unificar</p><p>(uniformizar) a linguagem dos educadores para que cada símbolo atribuído a</p><p>um aluno (sua nota ou conceito) tenha a mesma significação. A história deste</p><p>absurdo consiste em uniformizar o que é fundamentalmente singular. Uma</p><p>aproximação ao problema, desde perspectivas piagetianas, antropológicas,</p><p>psicanalíticas mostraria o absurdo, e grave, desta pretensão.</p><p>A uniformidade com a que se pretende valorar o homem do século vinte</p><p>responde a um projeto social (um projeto de modernidade) que circunscreve e</p><p>subordina todas as caraterísticas que o fazem sujeito a uma dimensão</p><p>exclusivamente técnica, a-histórica e produtivista (eficientista).</p><p>É o resultado de um projeto que vê o ser humano como um objeto a mais</p><p>no espaço da produção. Um ser que não define seu sentido da vida nem seu</p><p>projeto social, mas que se insere em um projeto preestabelecido para ele.</p><p>O exame, desta maneira, não só esconde sob seu reducionismo técnico</p><p>uma infinidade de problemas, não só inverte as relações sociais e as apresenta</p><p>só numa dimensão pedagógica e inverte os aspectos metodológicos para</p><p>apresentá-los numa dimensão de eficiência técnica, mas, também, se conforma</p><p>historicamente como um instrumento ideal de controle. Se trata de atingir</p><p>formas de controle individual (adaptação social) e sua extensão a formas de</p><p>controle social.</p><p>Terceira inversão: O exame como um problema</p><p>(de controle) científico no século XX. Em direção</p><p>ao empobrecimento do debate educativo</p><p>A problemática do controle é inerente à evolução do próprio exame.</p><p>Entretanto, o século XX cria condições para estabelecer mecanismos</p><p>científicos que garantissem o controle.12 De fato, em nosso século, a pedagogia</p><p>deixará de referir-se ao termo exame, o substituirá por teste (que</p><p>aparentemente é mais científico), e posteriormente por avaliação (que tem</p><p>uma suposta conotação acadêmica).</p><p>Ambas as concepções (testes e avaliação) são o resultado do processo de</p><p>transformação social que a industrialização monopólica provocou nos Estados</p><p>Unidos. Existem múltiplos trabalhos que buscam estabelecer uma articulação</p><p>entre a transformação social a princípios do século nos Estados Unidos e a</p><p>criação de um novo discurso pedagógico.13</p><p>A construção das provas de inteligência (Binet, 1905) constituiu um</p><p>enclave privilegiado para justificar as diferenças sociais apresentando-as</p><p>apenas como individuais. Através do conceito coeiciente intelectual se reduziu o</p><p>problema da injustiça social a uma dimensão biologista. A sociedade fica</p><p>liberada dos problemas éticos que criam a injustiça quando pode mostrar que</p><p>as diferenças sociais são unicamente o resultado das diferenças biológicas.</p><p>Os estudos para medir a inteligência14 desembocaram rapidamente numa</p><p>teoria dos testes. O teste foi considerado como um instrumento científico,</p><p>válido e objetivo que poderia determinar uma infinidade de fatores</p><p>psicológicos de um indivíduo. Entre eles se encontram a inteligência, as</p><p>atitudes, interesses e a aprendizagem.</p><p>Desta maneira, até os anos de 1920 existia na sociedade norteamericana</p><p>uma completa euforia pelo desenvolvimento dos testes. Eram empregados na</p><p>seleção das forças armadas, no conjunto social e nas escolas. Um historiador</p><p>deste período relata desta maneira a situação: “O trânsito da engenharia à</p><p>pedagogia foi pouco perceptível; naquela época ambos os campos estavam</p><p>dominados pela paixão das medidas exatas. Vivíamos numa verdadeira orgia</p><p>de tabulações. Graças à nova técnica quantitativa se acumulavam,</p><p>condensavam,</p><p>resumiam e interpretavam montanhas de fatos. A atmosfera</p><p>estava cheia de curvas normais, desvios típicos, coeficientes de correlação e</p><p>equações de regressão” (Cremin, p. 144-150).</p><p>Por sua parte Bowles e Gintis (op. cit.) analisaram como se empregou nestes</p><p>anos a teoria dos testes de inteligência para determinar que os sujeitos sociais</p><p>marginalizados (negros, presidiários, prostitutas) possuíam um coeficiente</p><p>intelectual abaixo do normal. Estes autores concluem que estes estudos</p><p>cumpriram mais do que uma função de legitimação social.</p><p>Da mesma forma, Kamin mostra o vínculo que existiu entre o</p><p>desenvolvimento dos testes, uma concepção racista e uma visão política</p><p>conservadora. De fato “se estabeleceram sutis vínculos entre os delinquentes,</p><p>os pobres e os pouco inteligentes” (Kamin, 1983, p. 15). Esta ideologia na</p><p>realidade se apoiava nas tradições racistas próprias do desenvolvimento da</p><p>cultura anglo-saxã (Horsman, 1985).15 Com esta perspectiva se chegou a</p><p>“privar o instinto sexual”, (p. 18) isto é, a evitar a procriação para um conjunto</p><p>de pessoas. O psicólogo Terman o justifica desta maneira: “se queremos</p><p>preservar nosso Estado para uma classe de pessoas dignas de possuí-lo, temos</p><p>que evitar na medida do possível a propagação de degenerados mentais” (ibid.,</p><p>p. 20).</p><p>Assim, sob princípios “altruístas” foram aprovados um conjunto de leis</p><p>que obrigavam a esterilização. De tal forma que o doutor Flood, num trabalho</p><p>de 1898, informava sobre a castração de 26 meninos: “24 foram operados</p><p>devido à persistência de sua epilepsia e masturbação, um por epilepsia com</p><p>imbecilidade e outro por masturbação com debilidade mental” (ibid., p. 12).</p><p>Assim, o resultado dos testes de inteligência era utilizado para justificar a</p><p>necessidade de eliminar aos que, por seu escasso coeficiente, não deviam estar</p><p>na escola. Em 1922 o presidente da Universidade de Colgate sustentou que</p><p>unicamente quinze por cento da população tinha inteligência suficiente para</p><p>ingressar no College. Em 1923 a Fundação Carnegie declarou que iam a escola</p><p>muitas crianças que os testes indicavam que em sua maioria não estavam</p><p>preparadas para aproveitar a instrução que recebiam. Em 1927 a Universidade</p><p>de Michigan sugeria que podia-se negar a admissão a vinte por cento dos</p><p>alunos que tinham pontuação mais baixa, e o decano da Universidade de</p><p>Princeton escrevia que pelo menos a sexta parte da população universitária</p><p>não tinha nada que fazer no College. Em 1928 o decano da Universidade de</p><p>Leigh publica um livro, College for Kindergarten, onde afirmava que somente</p><p>um percentual da população devia estar estudando.16</p><p>Os usos educativos dos testes no plano ideológico possibilitaram que na</p><p>escola se apresentasse o debate biologista sobre as diferenças individuais. A</p><p>partir deste debate se estabelecia que alguns estudantes mereciam receber</p><p>educação em virtude de uma qualidade congênita: a inteligência. Enquanto que</p><p>outras crianças e jovens estavam destinados a ser operários. “As crianças deste</p><p>grupo não podem chegar a dominar as abstrações, se bem que em muitos casos</p><p>se pode fazer deles operários eficientes” (Kamin, p. 12). Thorndike e seus</p><p>discípulos se deram a tarefa de elaborar testes de rendimento escolar que</p><p>permitissem efetuar esta discriminação. “Elaboraram escalas para medir o</p><p>rendimento em aritmética (1908), escrita (1910), soletração (1913), desenho</p><p>(1913), leitura (1914), aptidão linguística (1916) (Cremin, p. 148).</p><p>No plano político os testes de inteligência e aprendizagem permitiam</p><p>justificar o acesso à escola de acordo com as condições individuais.</p><p>A teoria do teste, apoiada na teoria da ciência,17 por um lado incorporou a</p><p>teoria da medida que a psicologia experimental estava adotando, por outro</p><p>centrou a discussão da suposta especificidade de seu instrumento nos</p><p>problemas de objetividade, validade e confiabilidade. Os arbitrários</p><p>epistemológicos a partir dos quais se constroem os testes em nenhum</p><p>momento foram debatidos.</p><p>Em aproximações prévias (cf. Díaz Barriga, 1984) mostramos como a</p><p>lógica da construção destes instrumentos impõe uma violência epistemológica</p><p>entre seus passos técnicos: 1) Atributo, 2) Operacionalização do atributo, 3)</p><p>Construção de instrumentos. De fato, entre a seleção de um atributo e a</p><p>definição de operações para reconhecê-lo existe uma independência total que</p><p>não está mediada por uma construção conceitual que resulte compreensiva do</p><p>fenômeno. Esta concepção deixa a juízo de quem desenha a investigação (ou o</p><p>teste), a determinação das operações que ele (e somente ele) reconhece como</p><p>válidas para detectar a presença de um atributo: inteligência ou aprendizagem.</p><p>É em um arbitrário epistemológico onde se constrói a cientificidade deste</p><p>instrumento.</p><p>No entanto, a evolução da teoria dos testes e sua rápida incorporação à</p><p>determinação das aprendizagens, em nenhum momento ocorreu a partir de</p><p>um debate epistemológico, mas de modo apriorístico se determinou que a</p><p>partir de seu uso o sistema de exames se converteria em um ato científico.</p><p>Especialistas em avaliação chegaram a afirmar que enquanto o exame</p><p>“tradicional” era caseiro e subjetivo, a prova objetiva (isto é, construída em</p><p>função da teoria do teste) era válida e objetiva (cf. Thorndike-Hagen, 1973).</p><p>Muito interessante resulta esta visão de Thorndike, não só porque propõe o</p><p>uso dos testes de aprendizagem como somente um problema de ter “crença”</p><p>nele e como um fator de democratização social (afirmações que explicam o</p><p>caráter pouco científico e arbitrário com que se impõe esta concepção), mas</p><p>porque, além de tudo, resulta totalmente ilustrativo que pense que um sistema</p><p>de testes objetivos pode ajudar ao psicólogo e ao educador a cumprir uma de</p><p>suas funções principais: “determinar se uma pessoa deve ser promovida,</p><p>determinar se uma pessoa deve ocupar determinado posto” (Thorndike-</p><p>Hagen, p. 16).18</p><p>Em última instância, através deste instrumento, na opinião de Thorndike,</p><p>os psicólogos e educadores, como novos sacerdotes da sociedade moderna,</p><p>decidem sobre o lugar que a cada pessoa corresponde ocupar.</p><p>Os testes de aprendizagem, sob a forma de provas objetivas, se</p><p>incorporaram muito cedo no sistema educativo mexicano. Existe evidência de</p><p>que na Escola Normal Superior do México são utilizados desde os anos de</p><p>1920.</p><p>Paulatinamente foi sendo abandonado o conceito exame, substituído pelo</p><p>termo prova objetiva. Mas a promessa continuou sendo a mesma.</p><p>Explicitamente, cientificidade e objetividade, e implicitamente, controle e</p><p>democracia.</p><p>O debate em relação ao exame se transformou profundamente a partir do</p><p>desenvolvimento da teoria do teste. Na realidade agudizou a mudança que o</p><p>aparecimento da nota havia imposto a partir do século XIX. Deixou-se de</p><p>analisar os problemas da educação e da didática desde as perspectivas da</p><p>formação e da aprendizagem. O debate em relação ao exame se converteu num</p><p>debate técnico centrado em problemas tais como: construção de provas, tipos</p><p>de prova, validação estatística do exame e atribuição estatística de notas.</p><p>A tecnificação do debate sobre o exame resultou completamente</p><p>prejudicial para o desenvolvimento da educação. A cultura pedagógica em</p><p>relação às provas escolares, de fato, foi reduzida apenas a um conjunto de</p><p>fatores estatísticos. Os livros e os estudos dedicados ao problema da avaliação</p><p>da aprendizagem na realidade se limitam a trabalhar somente os problemas</p><p>descritos. Portanto, a maioria destes trabalhos parecem uma cópia do outro,</p><p>não aportam elementos substantivos ao debate sobre este tema e criam a</p><p>sensação de que em relação ao exame já está tudo dito e já está tudo resolvido.</p><p>A segunda metade do século XX conformou uma geração de estudiosos da</p><p>problemática educativa que se limita a abordar o pedagógico apenas numa</p><p>dimensão técnica. Foi traída a clássica distinção herbartiana entre pedagogia e</p><p>educação. Desta maneira, em vez de solidificar-se a reflexão conceitual sobre o</p><p>educativo e de formar os especialistas neste campo desde perspectivas sociais,</p><p>políticas, econômicas, psicológicas e pedagógicas, o tratamento do</p><p>educativo</p><p>foi sendo centrado na obsessão por dar somente respostas técnicas a</p><p>problemas não construídos. Os sintomas foram tratados com o status de</p><p>problema19 e a eles se aplicou uma resposta técnica. Desta maneira emergiram</p><p>novas especialidades educativas para as quais foi preciso dar capacitação. Entre</p><p>elas se destacam: avaliação, sistematização, currículo, estratégias de instrução.</p><p>De tal maneira que a literatura pedagógica convulsivamente se voltou para</p><p>os problemas técnicos da construção de provas, seu manejo estatístico,</p><p>elaboração de planos e programas, organização de sequências de aprendizagem</p><p>etc. A aproximação teórica, científica e ética sobre a educação foi deixada de</p><p>lado.</p><p>O exame,20 um problema que a história da pedagogia mostra que foi</p><p>tratado sempre vinculado com o didático, tornou-se independente como</p><p>campo de estudo. Enquanto a teoria dos testes imprimia a ideia de estabelecer</p><p>um novo debate sobre o exame, a teoria da administração científica trazia uma</p><p>justificativa para implantar um controle sobre a prática educativa. Isto é, sobre</p><p>os docentes e os estudantes. De fato, toda a pedagogia instrumental criada</p><p>neste período de industrialização recorreu a formas drásticas de controle</p><p>individual e social. Quem tem acesso à educação ou a quem se nega o direito à</p><p>fecundidade.</p><p>São os princípios da administração científica os que utilizam o termo</p><p>controle.21 Na evolução de seu manejo, este termo conforma um mais sutil,</p><p>porém igualmente efetivo: avaliação. A substituição de um por outro se deve à</p><p>necessidade de utilizar um termo neutro (avaliação) que reflita uma imagem</p><p>acadêmica e simultaneamente possibilite a ideia de controle. Assim, no século</p><p>atual, o debate sobre o exame transitou em direção aos testes e recentemente</p><p>se fincou no termo avaliação.</p><p>Na atualidade toda noção de avaliação da aprendizagem remete a uma</p><p>medição. Nunca se analisou a possibilidade de medir uma qualidade</p><p>(aprendizagem) em permanente evolução e transformação no sujeito. Nunca</p><p>se analisou se um comportamento observável realmente manifesta um</p><p>conjunto de acontecimentos internos no sujeito. Tampouco se estudaram as</p><p>dificuldades para que os complexos processos do pensamento (suas sínteses,</p><p>suas contradições, suas formulações não cognitivas)22 pudessem ser traduzidos</p><p>e encontrassem uma palavra adequada para poder expressar-se. Isto é: o</p><p>pensamento se encontra estruturado em determinados tipos de processos</p><p>simbólicos que quando são verbalizados nem sempre são traduzidos para a</p><p>palavra adequada, dado que esta pode não existir na linguagem lógica.</p><p>Desta forma a avaliação educativa paulatinamente adquiriu o status de um</p><p>campo técnico próprio. Esta segmentação do trabalho educativo é o resultado</p><p>de uma pedagogia industrial que se rege pelos princípios da divisão técnica do</p><p>trabalho. O avaliador já não será o docente. O professor, como o artesão,</p><p>perde a imagem integrada de sua profissão para converter-se em um operário</p><p>a mais na linha de produção educativa. O professor não é escolhido por sua</p><p>função intelectual, mas como operário de um sistema educativo que tem</p><p>definida sua função. A avaliação (exame) se converte em um espaço</p><p>independente do processo escolar.</p><p>Não só são elaborados livros técnicos sobre avaliação da aprendizagem</p><p>(que não assumem o tratamento sólido da problemática educativa) senão,</p><p>ademais, são criadas instâncias burocráticas: departamentos responsáveis pela</p><p>construção dos exames. O problema do exame se reduz a efetuar uma mostra</p><p>(estatisticamente)23 consistente de certa informação apresentada no curso,</p><p>assim como a elaborar reativos (estatisticamente)24 válidos. De fato, os novos</p><p>especialistas em avaliação procedem de distintas formações. Em geral não</p><p>possuem uma aproximação pluridisciplinar ao educativo. Basta o manejo de</p><p>elementos mínimos de estatística descritiva, que de fato é a que sustenta a</p><p>nova teoria dos exames, de uma informação mínima sobre a construção de</p><p>reativos (não sobre teoria do teste), e uma mínima aproximação à teoria de</p><p>objetivos (não à formulação teórica da pedagogia industrial).</p><p>Afirmamos que os especialistas em avaliação da aprendizagem em geral</p><p>não têm uma formação sólida. Isto explica por que em alguns casos médicos,</p><p>engenheiros e outros variados profissionais se dedicam a este tema.</p><p>Tomando como referência um documento de publicação interna que se</p><p>trabalha na UNAM, podemos mostrar alguns dos reducionismos técnicos com</p><p>que operam estes especialistas. Evidentemente estes reducionismos são</p><p>portadores de valores ideológicos. Apresentam, sob uma linguagem</p><p>progressista25 e uma visão científica (na realidade reduzida ao estatístico), uma</p><p>concepção conservadora e técnica da educação.</p><p>Assim expressam que “a avaliação vista como atitude crítica (Tristán; e</p><p>Patino, 1983)26 vai além da aplicação do exame. Dentro de um sistema de</p><p>ensino integral é o controle do que se faz em classe e fora dela.”27</p><p>Precisamente por esta visão progressista baseada na crítica que procura o</p><p>controle na sala de aula e fora dela, chegam a propor o exame departamental.</p><p>Segundo estes autores, este exame tem entre outros os seguintes objetivos:</p><p>“Mede igualmente a todos os alunos em forma objetiva. É um elemento para a</p><p>unicidade dos programas” (ibidem). Obviamente esta objetividade se consegue</p><p>quando a atribuição de notas é ajudada pelo computador.</p><p>Os supostos benefícios acadêmicos de tal instrumento devem ser lidos</p><p>desde a perspectiva do controle educativo que propõe alcançar. O docente</p><p>nesta concepção tem perdido sua dimensão intelectual para converter-se em</p><p>um operário de programas preestabelecidos que desconhecem seu saber. A</p><p>tarefa educativa não deve contribuir para formar estudantes com pensamento</p><p>próprio, senão estudantes que mostram o repertório de condutas que tem sido</p><p>preestabelecidas como modelo de aprendizagem. O debate conceitual, a</p><p>gêneses de perguntas originais sobre determinados temas, o prazer pelo saber</p><p>têm sido expulsos da relação pedagógica. Vivemos criticamente a situação que</p><p>Muller descrevia na Universidade de Oxford quando se incorporam as notas.</p><p>O que marca uma profunda diferença é que vivemos inconscientemente esta</p><p>situação.</p><p>A preocupação desta visão instrumental da pedagogia é só como melhorar</p><p>tecnicamente o exame, como identificar fórmulas estatísticas que transitam do</p><p>paramétrico ao não paramétrico. Já não se estuda com seriedade nem com</p><p>aproximações multirreferenciais o problema da educação. As deficiências nos</p><p>métodos de ensino, na seleção dos conteúdos, na aquisição de bibliografia e</p><p>nos hábitos do trabalho intelectual dos estudantes se resolverão por meio do</p><p>exame. Este se tem convertido num problema de “crença”, parafraseando</p><p>Thorndike, que promete uma escola melhor, um professor melhor e um aluno</p><p>melhor.</p><p>Previamente falamos do exame como instrumento que realiza inversões de</p><p>problemas sociais a pedagógicos e de métodos a exame. Porém ao longo destas</p><p>linhas temos mostrado outra inversão: através do exame o debate educativo</p><p>deixou de ser um problema conceitual de ordens diversas e se converteu</p><p>apenas em um problema técnico.</p><p>Porém, precisamente todas estas inversões traem a função que se pretende</p><p>designar a este instrumento. Estas traições giram desde as diversas fraudes que</p><p>se realizam em relação ao exame (copiar do companheiro, levar anotações para</p><p>o exame), até formas muito mais sutis mas não menos eficazes, tais como dar a</p><p>aula em função do exame preparado,28 elaborar cursinhos para identificar as</p><p>formas de resolver com acertos um exame objetivo,29 fotocopiar diversos</p><p>exames de gerações anteriores ou reconstruir exames em função do que quem</p><p>já os resolveu se lembra.</p><p>Desta forma, a ação na aula se converte em uma ação perversa em seu</p><p>conjunto: os professores só preparam os alunos para resolver eficientemente</p><p>os exames e os alunos só se interessam por aquilo que representa pontos para</p><p>passar no exame. O exame moderno (com seu sistema de notas) se converteu</p><p>de fato num instrumento adequado para a perversão das relações pedagógicas.</p><p>Estas não se prendem</p><p>mais ao desejo de saber.</p><p>Frequenta-se a escola para obter notas. O surgimento das notas modificou</p><p>os eixos do trabalho da pedagogia. A teoria técnica do exame construiu uma</p><p>pedagogia centrada nele próprio. A pedagogia do exame se mostra a si mesma</p><p>como eficiente quando consegue representar com um número a aprendizagem</p><p>do estudante. No contexto do exame não há saída para os problemas</p><p>educativos. De modo contundente, podemos afirmar que não é o exame o</p><p>problema central da educação. A saída para a educação deve ser construída a</p><p>partir da elaboração dos problemas que ela enfrenta.</p><p>A modo de conclusão</p><p>Mostramos como o exame perdeu sua dimensão pedagógica e</p><p>metodológica na evolução da pedagogia. O exame é apenas um espaço de</p><p>conflitos entre problemas de diversas índoles. A pedagogia (e neste caso o</p><p>exame) não pode resolver problemas cuja causa se encontra noutra instância</p><p>social.</p><p>Por tanto, os diversos problemas que enfrenta o sistema educacional</p><p>devem ser analisados a partir de uma configuração de suas caraterísticas</p><p>implícitas.</p><p>Precisamos reconhecer que não é factível aplicar as mesmas soluções para</p><p>os diversos níveis do sistema educativo, nem para a transmissão das diversas</p><p>disciplinas. Se a pedagogia do exame se vinculou a uma concepção estreita do</p><p>educativo, somente uma abordagem dos problemas desde múltiplas teorias e</p><p>dimensões poderá permitir uma reflexão mais sólida. É preciso considerar que</p><p>os problemas da sala de aula e concretamente os metodológicos, não se</p><p>resolverão tornando mais rigoroso o sistema de exames. A história da</p><p>educação mostra como tal inflexibilidade leva a um conjunto de fraudes</p><p>(explícitas ou implícitas). Necessitamos recuperar a sala de aula como espaço</p><p>de reflexão, debate e organização de pensamentos originais. Uma vez</p><p>alcançado isto o problema do exame será totalmente secundário.</p><p>Temos afirmado que os sistemas de notas escolares não são inerentes à</p><p>prática educativa nem ao sistema de exames. A nota escolar é um ato que se</p><p>materializa no século XIX. De fato perverteu as relações pedagógicas ao</p><p>centrar o resultado de um curso, e portanto sua valoração, apenas em função</p><p>do exame. Por isso pode-se afirmar que a atribuição de notas não responde a</p><p>um problema educativo nem está forçosamente ligada à aprendizagem. Sua</p><p>tarefa se aproxima mais do poder e do controle.</p><p>Mostramos em trabalhos prévios (ver: Díaz Barriga, 1984) que existe uma</p><p>dificuldade, dentro dos postulados da teoria da medida e em particular na</p><p>regra do isomorfismo, que a um número atribuído a um sujeito corresponda</p><p>uma qualidade chamada aprendizagem. Só um ato de alienação pode conseguir</p><p>que o aluno veja seu trabalho refletido numa nota. Porque o número</p><p>atribuído, seis, oito ou dez, guarda uma total independência do objeto ao qual</p><p>se supõe estar se referindo. Por exemplo: aprender medicina. Lobrot expressa</p><p>que: “o que posso afirmar de um aluno que responde corretamente uma</p><p>pergunta de geografia é que responde essa pergunta” (Lobrot, 1971). Daí</p><p>chegar à conclusão que se sabe geografia não é algo que se infere logicamente.</p><p>Os filósofos da ciência estabelecem sérios questionamentos sobre a existência</p><p>de uma (e somente uma) forma correta de responder a uma pergunta (Juárez,</p><p>1984). O exame converte a informação em um decálogo que se deverá recitar,</p><p>e a nota sancionará se foi respondido o que o professor esperava como</p><p>resposta correta.30</p><p>É preciso recordar que a conformação da escola a partir da Revolução</p><p>Francesa criou as bases para estabelecer um sistema de certificação educativa.</p><p>Esta certificação se realiza sobre habilidades e conhecimentos que se supõe que</p><p>um indivíduo tenha como requisito para ingressar no trabalho.31 Na Idade</p><p>Média eram as corporações que preparavam os aprendizes tanto em sua</p><p>formação conceitual como em seu exercício prático. É a escola do Estado</p><p>nacional a que separa a preparação do indivíduo do exercício da profissão.</p><p>Assim, a escola nacional utiliza o sistema de exames, que Comenius</p><p>considerava como parte da metodologia de ensino, para configurar um espaço</p><p>independente do método a partir do qual se decide sobre a certificação do</p><p>sujeito. A credencial educativa se encontra vinculada mais ao desenvolvimento</p><p>do capitalismo do que às exigências inerentes às práticas educativas.</p><p>A atribuição de uma nota é um problema da instituição educativa e da</p><p>sociedade; não é uma questão intrínseca da pedagogia. O problema das notas</p><p>não se pode abordar desde a perspectiva de objetividade e justiça. As relações</p><p>pedagógicas ocorrem sempre na interação de sujeitos, não de máquinas. O</p><p>subjetivo (não subjetivismo) é inerente a esta relação, como a múltiplas</p><p>relações profissionais32 que não se tornam por isso menos científicas.</p><p>A objetividade na atribuição de notas não é alcançada recorrendo à</p><p>estatística. Isto na realidade ajuda o professor a escapar da angústia que a</p><p>própria atribuição de notas cria.33 O problema da objetividade está, por uma</p><p>parte, na dimensão de sujeitos que carateriza professores e alunos; e pela</p><p>outra, em que não há forma de que tal nota reflita uma qualidade</p><p>(aprendizagem). Piaget nunca tentou atribuir números aos processos</p><p>cognitivos de um sujeito; ele percebeu que o problema era descrever e</p><p>compreender os estágios e sua evolução e não quantificá-los. A atribuição de</p><p>notas se baseia em uma série de arbitrários34 (não arbitrariedades)</p><p>institucionais, acadêmicos e pessoais. A nota só é uma convenção através da</p><p>qual a escola certifica um conhecimento.</p><p>Tampouco a contratação de quem terminou seus estudos depende de suas</p><p>notas, pois, tal como mostram diversas teorias econômicas - mercado</p><p>segmentado, conflito pelo status, correspondência - (ver: Gómez, 1981) a</p><p>obtenção de um emprego obedece a fatores totalmente independentes do</p><p>processo escolar.</p><p>Podemos concluir que a pedagogia, ao preocupar-se tecnicamente com os</p><p>exames e notas, caiu numa armadilha que a impede de perceber e estudar os</p><p>grandes problemas da educação.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>BLOOM, B., et alii. Taxonomía de objetivos educacionales. Buenos Aires: El Ateneo,</p><p>1970. BOWLES-GINTIS. La instrucción escolar en la América capitalista. México:</p><p>Siglo XXI, 1977. CREMIN, L. La transformación de la escuela. Buenos Aires:</p><p>Omeba, 1961.</p><p>DE ALBA; DÍAZ BARRIGA; VIESCA. Evaluación: análisis de una noción. 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Piso, Oficiana 3,</p><p>Buenos Aires) E-mail: funideas@ciudad.com.ar. Tradução: Maria Teresa Esteban..</p><p>2 Pesquisador titular do Centro de Estudo sobre a Universidade da Universidad Nacional Autónoma de</p><p>México (Unam)</p><p>3 Utilizamos intencionalmente o termo exame e não avaliação para nos referir a diversos momentos na</p><p>história deste instrumento.</p><p>4 Assistimos a uma expansão de um pensamento sociológico e econômico de corte neoliberal. Se trata de</p><p>um pensamento conservador que no social regressa aos velhos valores como família e religião. Também</p><p>pode abarcar a discussão sobre raça. No econômico regressa à tese do capitalismo liberal. Um</p><p>pensamento muito de acordo com a conjuntura de crise e aos postulados do Fundo Monetário. Este</p><p>pensamento não só orienta nossas economias como é a base de um novo sentido da política educativa,</p><p>que no caso mexicano se expressou em programas como o Programa Nacional de la Educación Superior</p><p>(Pronaes, 1983-85) e o Programa Integral de la Educación Superior (Proides, 1986-88). No caso da</p><p>Unam suas manifestações têm sido: Evaluación y Marco de Referencia para los cambios académicos-</p><p>administrativos (Unam, 1983) y Fortaleza y debilidad de la Unam (1986). Assim como no Plano de</p><p>contingências da Universidad Autónoma Metropolitana (1986).</p><p>5 Um estudo realizado por professores da Faculdade de Economia da Unam mostra que o orçamento</p><p>desta instituição diminuiu drasticamente. “Desde meados de 1981 o gasto público começa a sofrer uma</p><p>tendência à redução em termos reais: passou de 595.354 milhões de pesos em 1982 a 334.809 em 1986”</p><p>(p. 29). “O orçamento da Unam diminuiu em cinco anos 31%: 3.026 milhões (1981) a 1.787 milhões em</p><p>1986”. “Uma primeira manifestação se expressa na redução significativa que teve o custo real por aluno:</p><p>de 6.301 pesos (1978) a 2.899 (1986). Hoje cada estudante custa 54% mais barato do que em 1978”</p><p>(Guzmán, E. et alii., 1987. p. 36).</p><p>6 Esta política educativa neoliberal na realidade se encontra presente no mundo ocidental. As</p><p>manifestações estudantis de 1986-87 em Paris, Madri e México mostram interessantes convergências</p><p>neste sentido. No México esta política é aplicada a partir de 1983.</p><p>7 A partir de 1968 as problemáticas da educação eram discutidas em relação aos problemas de justiça</p><p>social, oportunidades educativas e sistema educativo. Nesta problemática se buscava expandir a</p><p>educação, modernização, etc. Devido à ascensão de uma concepção econômico-política neoliberal que se</p><p>agudizou a partir da crise da dívida externa, em nossos países os eixos da política educativa se</p><p>mailto:funideas@ciudad.com.ar</p><p>transformam para empregar o conceito de qualidade de educação. Entretanto, esta expressão não se</p><p>constrói formalmente. Na realidade é utilizada mais como ideologia (ou falsa consciência) sobre o</p><p>educativo do que como uma orientação sobre determinadas práticas (cf. Díaz Barriga, 1987 e 1988).</p><p>8 “Para evitar a constante ameaça de apropriação de cargos, impedir o clientelismo e a formação de</p><p>monopólios de notáveis, o poder patrimonial da China imperial tomou estas medidas: nomeações a</p><p>curto prazo, exclusão do cargo onde o funcionário tivesse parentes, vigilância mediante espiões,</p><p>agregando, pela primeira vez na história, a exigência de exames...” (Weber, 1983. p. 791).</p><p>9 Utilizamos este termo em sentido figurado de outro do corpus psicanalítico “deslocar”. Para assinalar</p><p>como a intensidade de uma representação pode transferir-se completamente para outra.</p><p>10 Este conceito também se apoia na tradição psicanalítica; com ele se pretende afirmar que uma</p><p>representação única (no nosso caso o exame) representa por si só várias cadeias associativas (cf.</p><p>LAPLANCHE E PONTALISS; 1983).</p><p>11 Utilizamos o termo em sentido figurado do corpus psicanalítico. Freud o utiliza para analisar como</p><p>numa relação objetal um vínculo natural é substituído por uma relação com um objeto (virtual ou real)</p><p>diferente. Esta nova relação perverte o vínculo natural.</p><p>12 Mostramos previamente que o conceito avaliação na realidade é uma substituição do termo controle</p><p>que se deriva dos princípios da administração científica do trabalho (cf. De Alba; Díaz Barriga; Viesca.</p><p>Evaluación: análisis de una noción. In: Revista mexicana de sociologia. México, Instituto de Investigaciones</p><p>Sociales. Unam, v. 46, n. 1, 1984).</p><p>13 Em particular: Cremin, 1961; e Bowles-Gintis. 1977).</p><p>14 Queremos ressaltar que desde nossa posição é impossível medir uma série de processos psíquicos que</p><p>não são estáticos, se encontram em permanente dinâmica e têm um caráter eminentemente qualitativo.</p><p>Entre eles estaria a inteligência, a aprendizagem etc. Nem Freud, nem Piaget usaram a medida como base</p><p>para o desenvolvimento de suas teorias.</p><p>15 Esse livro constitui um excelente texto sobre a origem anglo-saxã do pensamento racista nos EUA.</p><p>16 Os dados apresentados neste inciso são tomados de Lawrence Cremin. Resulta muito interessante a</p><p>similitude destes argumentos com os expostos recentemente na UNAM em relação a Fortaleza y</p><p>Debilidad.</p><p>17 Afirmamos que a teoria da ciência encontra sua última justificativa na ação e não na compreensão do</p><p>fenômeno. A teoria da ciência evidentemente tem íntimas articulações com o positivismo. Da mesma</p><p>forma se faz necessário explicitar que não é a única forma de alcançar um conhecimento.</p><p>18 “A eles corresponde decidir que é o que há que fazer com um indivíduo ou grupo. Devem determinar</p><p>em que grau escolar é preciso colocar uma criança. Devem opinar sobre a conveniência de dar um</p><p>determinado emprego a um solicitante”.</p><p>19 Uma diferença entre o positivismo e o empirismo é que na visão positivista se dá muita importância à</p><p>construção de um problema para desenvolver uma pesquisa. Para alguns autores a formulação do</p><p>problema implica um esforço equiparável a 50% do trabalho de pesquisa (ver: Seltiz, s/d.).</p><p>20 Seria necessário recordar que não é no exame onde se pode melhorar a educação. Se se deseja que o</p><p>aluno desenvolva processos analíticos, criativos e produtivos de pensamento haveria que trabalhar isto</p><p>durante todo o curso escolar e não no exame. O exame é só um reflexo da prática educativa instaurada.</p><p>21 Inicialmente os princípios da administração foram: planejar, realizar e controlar. Só posteriormente</p><p>foram definidos como planejar, realizar e avaliar. Mas a finalidade da avaliação-controle continuou sendo</p><p>a mesma.</p><p>22 “Inclusive o sistema de pensamento mais lógico e científico tem um significado subjetivo para o</p><p>inconsciente da pessoa que o cria ou adota. Todo sistema de pensamento nasce no inconsciente, como</p><p>defesa contra a angústia e a desorientação; se formula primeiro afetivamente, mais do que</p><p>intelectualmente, e na (ilógica) linguagem do inconsciente (processo primário)(...) posteriormente se</p><p>traduz da linguagem do processo primário, ao do processo secundário que é mais lógico e mais orientado</p><p>para a realidade” (Devereaux, 1977, p. 44).</p><p>23 Com esta afirmação só queremos marcar que o valor da mostra é só estatístico. Não é nem</p><p>epistemológico nem teórico.</p><p>24 Usando uma reiteração pode-se dizer que um reativo estatisticamente válido é só estatisticamente</p><p>válido. Isto é: não é teoricamente correto (poderia</p><p>haver mais de uma resposta), muito menos</p><p>conceitualmente significativo. Determinar o índice de dificuldade e o poder de discriminação de um</p><p>reativo é só atuar com uma lógica darwiniana. Sobrevivência do mais apto.</p><p>25 Com este termo há que ter cuidado. A ideia de progredir pode ser fortemente conservadora</p><p>sobretudo quando se progride para manter estável um conjunto de injustiças e vícios sociais.</p><p>26 Atualmente, se abusa muito do termo. A rigor seu uso deveria remontar às formulações Kantianas</p><p>críticas à razão pura e prática. A não recorrência a tal fundamentação tem feito que o termo perca sua</p><p>dimensão conceitual. Hoje utilizado sem ela.</p><p>27 Os autores deste trabalho são médico e engenheiro respectivamente.</p><p>28 Em diversos cursos nos quais trabalhei sobre este tema encontrei docentes que reconhecem que o</p><p>exame é o instrumento organizador de sua aula. Em algumas escolas é sabido que o aluno recebe</p><p>questionários de perguntas e respostas para preparar os exames. Sabe-se também de departamentos que</p><p>elaboram guias de exames, seguidas por docentes para dar seus cursos.</p><p>29 Na Universidade de São Paulo apresentaram efeitos negativos deste tipo de exames de resposta</p><p>préfabricada. “Semelhante mudança (as provas objetivas) conseguiram de fato que ingresse na</p><p>Universidade uma geração de semianalfabetos [...]acaba fabricando estudantes que não sabem nem</p><p>raciocinar, e que nem sequer conhecem a ortografia [...] há proliferado os cursinhos nos quais ensinam</p><p>os mil e um truques para detectar a resposta correta” (Vanhecke, s/d.</p><p>30 Tenho múltiplas experiências em que os alunos de um curso universitário manifestam que se</p><p>angustiam porque não sabem o que é que o docente “gostaria de ver” quando eles fazem um trabalho.</p><p>Isto é, não desenvolvem um tema em função de sua compreensão, mas em função de agradar ao</p><p>professor.</p><p>31 GÓMEZ, V. Acreditación educativa y reproducción social. In: GONZÁLEZ TORRES (comp.)</p><p>Sociologia de la educación. México: Centro de Estudios Educativos, 1981.</p><p>32 Por exemplo: a relação médico-paciente na construção de um diagnóstico.</p><p>33 A angústia surge da consciência que o docente tem sobre a dificuldade de representar com um</p><p>número o que ocorreu num sujeito. Espero que seja angústia e não prazer (aí se falaria em sadismo).</p><p>34 É uma categoria que propus e fundamentei em meu trabalho: Tesis para una teoría de la evaluación.</p><p>Escola pública,</p><p>comunidade e avaliação</p><p>Resgatando a avaliação formativa</p><p>como instrumento de emancipação</p><p>Almerindo Janela Afonso</p><p>1</p><p>Uma das mais importantes alterações verificadas nas políticas educativas</p><p>contemporâneas diz respeito à redefinição do papel do Estado ante à educação</p><p>pública.</p><p>O fato de estarmos a atravessar uma época de grande protagonismo do</p><p>mercado e de crescente globalização econômica (e também cultural) explica,</p><p>em grande parte, a perda da centralidade do Estado enquanto instância de</p><p>regulação social nacional. Neste sentido, compreender as alterações no papel</p><p>do Estado é muito importante para perceber também as repercussões em</p><p>termos da formulação e implementação das políticas educativas uma vez que</p><p>estas sofrem influências e pressões importantes que vêm do exterior,</p><p>nomeadamente por intermédio de agências internacionais e de organizações</p><p>supranacionais.</p><p>Não nos podemos esquecer, todavia, de que, para além das mudanças</p><p>verificadas na última década, há também fatores (e há muito tempo)</p><p>relacionados com a própria natureza política do Estado que são muito</p><p>importantes para equacionar as políticas educativas tendo em consideração</p><p>quer o contexto interno de um determinado país, quer as diferentes épocas e</p><p>conjunturas sócio-históricas. Assim, por exemplo, não é indiferente para o</p><p>processo de configuração das políticas educativas que, num determinado</p><p>momento histórico, o Estado vigente seja autoritário e fortemente</p><p>centralizador ou, ao contrário, que o Estado seja democrático e</p><p>descentralizador.</p><p>Apesar de sabermos que a escola pública (básica) tem interessado aos</p><p>diferentes tipos de Estado (capitalistas e socialistas, democráticos ou</p><p>autoritários etc.) porque ela se constitui como um lugar e tempo privilegiados</p><p>para incutir e promover em todos os indivíduos os valores e visões do mundo</p><p>dominantes, conforme os casos concretos, as épocas e as sociedades, também é</p><p>verdade que (para além de alguns estados socialistas) foi o Estado capitalista</p><p>democrático aquele que mais investiu no alargamento da escolaridade básica,</p><p>tornando-a universal, obrigatória e tendencialmente gratuita.</p><p>Mais concretamente, a forma política do Estado capitalista democrático</p><p>que levou mais longe esta expansão da escolaridade básica obrigatória foi sem</p><p>dúvida o Estado-providência (ou Estado de Bem Estar Social). Trata-se de um</p><p>Estado que, apesar de comprometido com o processo de acumulação</p><p>capitalista e com os interesses das classes sociais dominantes, procurou</p><p>legitimar-se (ganhar apoio social) alargando os direitos econômicos, sociais e</p><p>culturais dos trabalhadores - naturalmente, também por pressão dos próprios</p><p>trabalhadores e suas organizações representativas (sindicatos e federações</p><p>sindicais, entre outras). A escola pública de massas, isto é, a escola aberta à</p><p>participação de todos os grupos e classes sociais, transformou-se assim num</p><p>dos exemplos fundamentais das conquistas relativas aos direitos humanos</p><p>básicos nos países capitalistas.</p><p>Acontece, porém, que, mais recentemente, com a crise do Estado de Bem</p><p>Estar Social e a emergência do Estado neoliberal, essas conquistas históricas</p><p>dos cidadãos começaram a estar fortemente ameaçadas, desde logo, porque o</p><p>Estado neoliberal vem apostando na redução substancial dos gastos com as</p><p>políticas públicas e sociais, e tem abandonado ou transferido para a iniciativa</p><p>privada muitas das suas obrigações tradicionais. Se isto tem tornado mais</p><p>frágeis os direitos econômicos, sociais e culturais mesmo nos países capitalistas</p><p>avançados onde as conquistas dos trabalhadores foram mais evidentes, o que</p><p>dizer desses direitos em países que nunca tiveram um Estado capitalista</p><p>democrático desenvolvido, isto é, que nunca tiveram um verdadeiro Estado de</p><p>Bem Estar Social? Como aceitar que se reduzam direitos humanos básicos que</p><p>nunca chegaram a ser direitos efetivos e concretos para uma grande parte da</p><p>população de países periféricos ou semiperiféricos? Como aceitar, por</p><p>exemplo, que em Portugal ou no Brasil se reduzam os investimentos na</p><p>educação pública na escola básica se há ainda crianças que não chegam a</p><p>frequentar a escola, ou, quando a frequentam, são fortemente penalizadas pelo</p><p>insucesso e pela evasão?</p><p>A escola pública não pode deixar de ser uma obrigação do Estado</p><p>democrático e, como tal, um lugar de investimento prioritário, quer em</p><p>termos de orçamento, quer em termos de recursos materiais e humanos, quer</p><p>ainda no que diz respeito à formação inicial e contínua de professores e</p><p>educadores. Felizmente, em muitos países capitalistas as políticas sociais e</p><p>educacionais não regrediram tanto, nem tão rapidamente, como os arautos do</p><p>neoliberalismo imaginavam ser possível e desejável. Nas sociedades onde os</p><p>direitos humanos básicos estão mais fortemente interiorizados, isto é, onde os</p><p>direitos são vistos como resultado de lutas sociais e conquistas históricas dos</p><p>cidadãos, tem sido mais difícil desmantelar o Estado de Bem Estar Social.</p><p>Aliás, na minha perspectiva, a resistência desta forma política de Estado não</p><p>pode ser desconectada do papel que a educação tem na construção da cidadania</p><p>democrática. Isto mostra, na verdade, a importância decisiva da escola básica</p><p>enquanto escola pública democrática, porque é nesta escola que alguns dos</p><p>direitos humanos básicos devem ser promovidos e postos em prática, levando</p><p>os alunos (e professores) a vivenciá-los, interiorizálos e mais tarde saber</p><p>defendê-los.</p><p>Um desses direitos é, sem dúvida, o direito a uma educação bem sucedida</p><p>que seja consequência da realização de aprendizagens com qualidade</p><p>democrática, científica e pedagógica. Penso mesmo que a defesa e a exigência</p><p>de uma escola básica com qualidade científica e</p><p>pedagógica, direcionada para a</p><p>transmissão e promoção de um “mínimo cultural comum”para todos (sem</p><p>exceção), é hoje uma estratégia decisiva na luta pela democratização dessa</p><p>mesma escola.</p><p>Neste sentido, é urgente romper criticamente com a representação social,</p><p>muito frequentemente expressa na linguagem do senso comum, de que a</p><p>democratização da educação básica (ou qualquer outra) anda inevitavelmente</p><p>de mãos dadas com a perda de qualidade científica e pedagógica dessa mesma</p><p>educação. Esta ideia é extremamente nefasta em todos os sentidos. Ela tem</p><p>subjacente a falsa visão de que os pobres são naturalmente menos inteligentes</p><p>do que os ricos, ou que não precisam nem são capazes de aprender as mesmas</p><p>coisas - o que leva muitos professores e educadores a adotar estilos de ensino</p><p>menos exigentes, a propor tarefas intelectualmente mais simples, a usar</p><p>métodos pedagógicos menos estimulantes, ou seja, a não investir afetiva e</p><p>profissionalmente com as crianças dos grupos sociais desfavorecidos.2 Além da</p><p>numeração da nota não dar sequência à nota anterior, o texto da não</p><p>corresponde ao texto escrito pelo autor.</p><p>Por esta e por outras questões, a construção da escola democrática deve</p><p>continuar a ser um dos objetivos de todos os educadores e professores que</p><p>acreditam numa sociedade mais igualitária e com menos injustiças sociais. Mas</p><p>não se aceite uma escola qualquer. É necessário que essa escola, bem como os</p><p>seus alunos e professores, tenham todas as condições para poder reconstruir</p><p>quotidianamente o sentido de uma escola promotora das aprendizagens e dos</p><p>saberes que são imprescindíveis a uma participação ativa, digna e com espírito</p><p>crítico, numa sociedade cada vez mais complexa. Isto passa, entre outras</p><p>coisas, por continuar a exigir um investimento público prioritário na educação</p><p>básica, que deve contrapor-se ao espírito do tempo que está indo em sentido</p><p>contrário.</p><p>De fato, a forma mais radical que os neoliberais têm tentado impor para</p><p>resolver os problemas da escola pública tem consistido em esvaziá-la ainda</p><p>mais dos recursos necessários à sua missão societal, propondo ao mesmo</p><p>tempo a revalorização do ensino privado e a criação de “mecanismos de</p><p>mercado” na educação. Neste mesmo sentido têm procurado reduzir ou</p><p>impedir o exercício da autonomia profissional dos professores submetendo-os</p><p>a controles externos cada vez mais apertados que os transformam em meros</p><p>executores de programas e currículos produzidos predominantemente em</p><p>função dos novos interesses hegemônicos. Os exames e as formas de avaliação</p><p>externa são um exemplo desse controle. Não é por acaso que essas formas de</p><p>avaliação reaparecem numa época como a atual e não é por acaso que a “nova</p><p>direita” está associada a essas decisões.</p><p>Alguns aspectos das políticas</p><p>avaliativas contemporâneas</p><p>Tenho trabalhado individualmente (cf. Afonso, 1994, 1998a, 1998b) ou em</p><p>colaboração (cf. Lima e Afonso, 1993, 1995), desde há alguns anos, a</p><p>problemática da avaliação educacional como objeto de análise sociológica e</p><p>como dispositivo central para a configuração e realização de algumas</p><p>dimensões das políticas educativas contemporâneas. Em relação a estas</p><p>últimas, e no que diz respeito mais especificamente à avaliação educacional, é</p><p>possível constatar que, independentemente do seu lugar no “sistema mundial”,</p><p>diferentes países estão a percorrer caminhos bastante semelhantes que podem</p><p>caraterizar-se, genericamente, pela imposição de um crescente controle</p><p>nacional sobre os processos avaliativos (o que é, aliás, congruente em muitos</p><p>casos com uma maior pressão para a uniformidade curricular), bem como pela</p><p>crescente importância e alargamento das fronteiras tradicionais do campo de</p><p>ação da avaliação educacional.</p><p>Numa época de globalização, as sociedades nacionais têm perdido alguma</p><p>centralidade em termos de análise (nomeadamente em termos de análise</p><p>sociológica) e, consequentemente, a compreensão dos processos sociais passa</p><p>cada vez mais pela sua referenciação a contextos mais abrangentes que,</p><p>naturalmente, já não se confinam às fronteiras locais ou nacionais tradicionais.</p><p>Neste sentido, também no que diz respeito à compreensão sociológica da</p><p>avaliação (ou de qualquer outra problemática do campo educacional) se torna</p><p>imprescindível considerar o que ocorre no contexto mundial.</p><p>De fato, a avaliação educacional (expressão ampla que aqui utilizo para</p><p>designar as diferentes modalidades de avaliação que estão disponíveis no</p><p>campo da educação) vem constituindo um dos vetores mais expressivos das</p><p>políticas e reformas educativas deste final de século, e com maior evidência</p><p>desde o advento dos governos da chamada “nova direita”, ou seja, os governos</p><p>que iniciaram a sua atividade em muitos “países centrais” na sequência da crise</p><p>econômica dos anos de 1970, e que se caraterizaram por tentar articular (de</p><p>forma inédita) o neoliberalismo econômico e o neoconservadorismo político.</p><p>A modalidade de avaliação que tem servido melhor os objetivos destas</p><p>políticas pode ser designada por “avaliação criterial com publicitação de</p><p>resultados”. Trata-se, como demonstrei em diferentes trabalhos, de uma</p><p>modalidade de avaliação que permite o controle dos objetivos definidos pelo</p><p>Estado e, simultaneamente, o controle dos respectivos resultados por parte da</p><p>sociedade em geral e de todos daqueles que, mais especificamente, são agora</p><p>vistos (ou redefinidos) como “consumidores” da educação escolar (sobretudo</p><p>os pais). Nesta linha de análise, Stephen Ball explica o interesse que a “nova</p><p>direita” demonstrou pela utilização dos testes estandardizados pelo fato de eles</p><p>permitirem estabelecer</p><p>uma ligação entre a preocupação neoliberal de livre-mercado para comparar escolas e professores, de</p><p>maneira a facilitar uma escolha informada por parte dos pais, e a descrença neoconservadora nos</p><p>professores [...] (Ball, 1990, p. 52).</p><p>Mesmo em países como Portugal onde os indicadores da existência de um</p><p>mercado na educação são ainda escassos e contraditórios (cf. Afonso, 1997), a</p><p>“ideologia do mercado” está bem presente em muitos discursos e práticas</p><p>sociais, sendo hoje mais fácil perceber a sua repercussão em contexto escolar</p><p>(por exemplo, na adoção de critérios discriminatórios para a constituição das</p><p>turmas ou classes, ou na utilização mais frequente de formas de avaliação mais</p><p>seletivas). De fato, ninguém parece indiferente aos resultados dos alunos nos</p><p>exames nacionais e já ouvimos falar em melhores e piores escolas em função</p><p>desses mesmos resultados. E muitos professores críticos sabem que os</p><p>resultados dos seus alunos têm como função latente favorecer uma</p><p>determinada representação social sobre as suas próprias competências como</p><p>profissionais, sendo por isso mais grave que só contem os resultados que</p><p>podem ser medidos e quantificados numa lógica exclusivamente acadêmica,</p><p>positivista e redutora da educação escolar. Afinal, como queriam os</p><p>neoconservadores, os exames (ou quaisquer outras modalidades de avaliação</p><p>externa) acabam por permitir uma maior vigilância sobre as escolas, reduzindo</p><p>a autonomia profissional dos professores e aumentando o poder coercitivo do</p><p>Estado.</p><p>Assim, a definição prévia de objetivos curriculares nacionais tornase</p><p>também um pré-requisito para que seja possível a implementação de</p><p>mecanismos de controle.3 Verificar a numeração da nota. Como é sabido, sem</p><p>objetivos claros e previamente definidos não é possível criar “indicadores” que</p><p>meçam as performances dos sistemas educativos num movimento que se</p><p>carateriza precisamente pela exigência de acompanhamento dos níveis da</p><p>educação, aos quais se atribui, em última instância, a capacidade competitiva</p><p>das economias nacionais numa época de crescente globalização.</p><p>Com estas políticas, a própria teoria da avaliação, que tinha evoluído ao</p><p>longo dos anos de 1960 e 1970 no sentido da valorização e da adoção de</p><p>epistemologias antipositivistas e pluralistas, acabou por sofrer um novo e forte</p><p>viés positivista.</p><p>Não contestando a legitimidade que o Estado democrático tem para</p><p>acompanhar e orientar a educação escolar, creio, todavia, que o</p><p>retorno</p><p>conservador aos exames nacionais (ou a qualquer outra forma de avaliação</p><p>externa exclusivamente voltada para objetivos de controle) é uma opção</p><p>anacrônica e nada criativa - mesmo que pensemos que essa opção começou</p><p>por acontecer em países mais desenvolvidos.</p><p>Resgatando a avaliação formativa como</p><p>instrumento de emancipação</p><p>A avaliação formativa, como qualquer modalidade de avaliação</p><p>pedagógica, tem limites e virtualidades. Relativamente a estas últimas, os</p><p>professores sabem que é a avaliação formativa que lhes possibilita acompanhar</p><p>a par e passo as aprendizagens dos alunos, que permite ajudá-los no seu</p><p>percurso escolar cotidiano e que é talvez a única modalidade de avaliação</p><p>fundamentada no diálogo e congruente com um reajustamento contínuo do</p><p>processo de ensino, para que todos cheguem a alcançar com sucesso os</p><p>objetivos definidos e a revelar as suas potencialidades criativas. Aqui, mais do</p><p>que em qualquer outra modalidade de avaliação, penso que faz sentido o que</p><p>propõe Teresa Esteban:</p><p>Avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a aprendizagem do aluno, para servir</p><p>como momento capaz de revelar o que o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o</p><p>conhecimento demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o aluno não sabe,</p><p>o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado em seu processo, suas possibilidades de</p><p>avanço e suas necessidades para que a superação, sempre transitória, do não saber, possa ocorrer</p><p>(Esteban, 1997, p. 53).</p><p>Trata-se, todavia, de uma modalidade de avaliação muito trabalhosa e que</p><p>exige grande energia do professor. Exige-lhe uma disponibilidade de tempo</p><p>que vai muito além do tempo das aulas, porque é necessário atualizar registros</p><p>sobre cada aluno, é necessário elaborar estratégias adequadas e, com</p><p>frequência, individualizadas, é fundamental planear quotidianamente as</p><p>atividades a realizar. Tudo isto se torna difícil porque às vezes os professores</p><p>não dispõem das condições mínimas para realizar o seu trabalho.</p><p>Frequentemente, quando têm essa oportunidade, procuram outro emprego</p><p>para suplementar os salários geralmente baixos ou têm que acumular as tarefas</p><p>profissionais com as tarefas domésticas, como acontece no caso de muitas</p><p>professoras.</p><p>Acresce a tudo isto o fato de o trabalho do professor ser muitas vezes um</p><p>trabalho solitário, não havendo muita planificação em grupo, nem grande</p><p>interajuda entre colegas, porque as urgências da vida de cada um não deixam</p><p>muito espaço para isso.</p><p>Finalmente, em termos de representação social, a avaliação formativa é</p><p>muitas vezes percepcionada como uma modalidade de avaliação subjetiva -</p><p>querendo isto significar, para alguns, que ela é uma modalidade de avaliação</p><p>menos rigorosa ou mais sujeita a fatores não controláveis por parte dos</p><p>diferentes atores escolares.4</p><p>Inverter a representação social distorcida e errada sobre a avaliação</p><p>formativa é ainda mais difícil numa época como a atual em que a ideologia</p><p>neoliberal está ganhando adeptos ao pôr a tônica em formas de avaliação</p><p>estandardizadas e ao valorizar apenas os resultados mensuráveis,</p><p>quantificáveis e supostamente mais objetivos. Neste contexto, a avaliação</p><p>formativa acaba sofrendo um sério revés porque o seu potencial pedagógico é</p><p>desvalorizado, tornando-se assim mais difícil aceitá-la como modalidade de</p><p>avaliação legítima. Apesar de todas estas dificuldades, há certamente</p><p>professores que a praticam porque estão comprometidos com uma escola</p><p>diferente e com uma perspectiva emancipatória. Torna-se, por isso,</p><p>necessário, na minha perspectiva, dar um novo sentido à opção pela avaliação</p><p>formativa, colocando-a como eixo articulador da escola pública democrática</p><p>(enquanto projeto de cidadania do Estado democrático) e a comunidade</p><p>(enquanto espaço constituído por relações de proximidade, participação,</p><p>reciprocidade e solidariedade), e fugindo assim à mercadorização da educação</p><p>assente numa lógica egoísta e competitiva, individualista e neodarwinista.</p><p>Numa época em que, como já referi, o Estado perde capacidade de</p><p>regulação da vida social e o Mercado vai, quase em simultâneo, ocupando esses</p><p>espaços deixados vagos, alguns autores (entre os quais Boaventura de Sousa</p><p>Santos) têm repensado, de forma muito criativa, o papel da comunidade como</p><p>alternativa à dicotomia Estado/Mercado.</p><p>Na perspectiva deste último autor, o projeto sociocultural da modernidade</p><p>assenta em dois pilares fundamentais: o pilar da regulação e o pilar da</p><p>emancipação. O primeiro é constituído por três princípios (o Estado, o</p><p>mercado e a comunidade) e o segundo é constituído por três lógicas de</p><p>racionalidade (a racionalidade estético-expressiva, a racionalidade moral-</p><p>prática e a racionalidade cognitivo-instrumental). Ainda que a comunidade</p><p>seja também uma das formas de regulação social, é esta que poderá permitir</p><p>“instaurar uma dialética positiva com o pilar da emancipação, e restabelecer</p><p>assim a vinculação da regulação e da emancipação” (Santos, 1991, p. 27). A</p><p>comunidade, estruturada na solidariedade e na participação, pode tornar-se “o</p><p>campo privilegiado do conhecimento-emancipação” se este for concebido</p><p>como trajetória que leva o indivíduo de um estado de ignorância a um estado</p><p>de saber que se pode designar por solidariedade (um conhecimento que</p><p>“progride do colonialismo para a solidariedade”); e se a solidariedade for “o</p><p>processo, sempre inacabado, de capacitação para a reciprocidade através da</p><p>construção de sujeitos que a exercitem” ou “sujeitos capazes de reciprocidade”.</p><p>Por isso, acrescenta o mesmo autor, é necessário romper com o</p><p>“conhecimento-regulação” que transformou o outro em objeto para, de uma</p><p>forma radicalmente nova, passar a “constituir o outro numa rede</p><p>intersubjetiva de reciprocidades” (Santos, 1991, p. 30).</p><p>Do meu ponto de vista, uma teoria como esta - assente na valorização do</p><p>conhecimento - emancipação, na intersubjetividade e na reinvenção da</p><p>comunidade - é extremamente oportuna para fundamentar a defesa de uma</p><p>política avaliativa radicalmente diferente daquela que atravessou e caraterizou</p><p>as décadas de 1980 e 1990. É, aliás, a partir dos seus pressupostos que</p><p>defendemos ser possível (e desejável) relocalizar a avaliação formativa,</p><p>considerando-a um eixo fundamental na articulação entre o Estado e a</p><p>comunidade. De fato, a avaliação formativa, sem deixar de estar relacionada</p><p>com o Estado democrático, enquanto lugar de definição de objetivos</p><p>educacionais, espaço estrutural de cidadania e garantia de igualdade de</p><p>oportunidades, parece ser a forma de avaliação pedagógica mais congruente</p><p>com o princípio da comunidade e com o pilar da emancipação. Penso ainda</p><p>que a avaliação formativa deve ser considerada no âmbito dos direitos sociais e</p><p>educacionais os quais, como lembra também Boaventura Santos (1994, p.</p><p>211), foram direitos essencialmente obtidos por pressão do princípio da</p><p>comunidade. Por outro lado, só a avaliação formativa, enquanto ação</p><p>pedagógica estruturada na base de relações de reciprocidade, e</p><p>intersubjetivamente validada, me parece poder promover um novo</p><p>desequilíbrio no pilar da regulação a favor do pilar da emancipação.5</p><p>Mas, como construir na prática esta perspectiva crítica e utópica? Como</p><p>dar sentido à comunidade enquanto espaço de solidariedade ao serviço da</p><p>emancipação? Como articular a comunidade com a escola quando ambas estão</p><p>atravessadas por contradições profundas e quando esta última se constituiu</p><p>historicamente, em boa parte, contra aquela? Como podem os professores,</p><p>transformados ao longo do tempo em agentes do Estado, constituir-se agora</p><p>como mediadores de uma nova relação entre o Estado e a Comunidade? Como</p><p>fazer para que o apelo à comunidade não seja outra forma de enunciar</p><p>sutilmente a retirada do Estado que deve, evidentemente, continuar a assumir</p><p>as suas obrigações relativamente à escola pública?</p><p>Se a utopia desta proposta significa que ela é difícil de pôr em prática, não</p><p>deve significar impossibilidade. Trata-se de uma “utopia realizável” na medida</p><p>em que só pode ser um projeto a construir gradualmente,</p><p>aproveitando as</p><p>sinergias dos movimentos sociais, contando inicialmente com a</p><p>disponibilidade dos pais que têm confiança nos professores e mobilizando</p><p>todos aqueles que estão dispostos a estabelecer parcerias educativas numa</p><p>lógica não mercantil e de interesse público.</p><p>Mas a avaliação formativa, como chama a atenção Philippe Perrenoud</p><p>(1992), assenta numa relação de extrema confiança e cumplicidade entre os</p><p>alunos e os professores - o que exige da parte dos professores a capacidade de</p><p>fazer todas as articulações e pontes possíveis com os outros atores escolares e</p><p>não escolares sem deixar que a comunidade signifique uma nova regulação que</p><p>acabe por impedir aquilo que aqui se propõe: constituir-se como espaço de</p><p>solidariedade, reciprocidade e emancipação.</p><p>Num próximo trabalho, talvez seja necessário explicitar melhor como me</p><p>parece ser possível (e como tem sido possível em muitos projetos</p><p>educacionais) pôr em prática a construção profissional e institucional dessas</p><p>articulações, reinventando e imaginando (pedagógica e sociologicamente) esta</p><p>comunidade para que, não se substituindo às funções do Estado democrático,</p><p>possa vir a ser uma alternativa credível às lógicas e soluções do mercado,</p><p>recuperando as subjetividade e sinergias criativas que o espaço local pode</p><p>favorecer.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AFONSO, A. J. A centralidade emergente dos novos processos de avaliação no</p><p>sistema educativo português. Forum Sociológico, n. 4, p. 7-18, 1994.</p><p>__________. A cultura social de discriminação e a avaliação dos alunos do</p><p>ensino básico. In: PACHECO, J. A.; ZABALZA, M. (orgs.) A avaliação dos</p><p>alunos dos ensinos básico e secundário. Braga: Universidade do Minho, 1995,</p><p>p. 89-96.</p><p>__________. O neoliberalismo educacional mitigado numa década de</p><p>governação socialdemocrata. Revista Portuguesa de Educação, v. 10, n. 2, p.</p><p>103-137, 1997.</p><p>__________. Políticas Educativas e Avaliação Educacional. Braga: Universidade do</p><p>Minho, 1998a.</p><p>__________. Estado, mercado, comunidade e avaliação: esboço para uma</p><p>(re)articulação crítica. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 51, p. 109-135,</p><p>1998b.</p><p>LIMA, L. C.; AFONSO, A. J. A emergência de políticas de racionalização, de</p><p>avaliação e de controle da qualidade na reforma educativa em Portugal.</p><p>Educação & Sociedade, n. 44, p. 33-49, 1993.</p><p>LIMA, L. C.; AFONSO, A. J. The Promised Land: school autonomy, evaluation</p><p>and curriculum decision making in Portugal. Educational Review, vol. 47,</p><p>n. 2, p. 165-172, 1995.</p><p>BALL, Stephen. Politics and policy making in education. London: Routledge, 1990.</p><p>COLLEGE DE FRANCE; BOURDIEU, P. Propostas para o ensino do futuro. Cadernos</p><p>de Ciências Sociais, n. 5, p. 101-120, 1987.</p><p>ESTEBÁN, M. T. Avaliação: momento de discussão da prática pedagógica. In:</p><p>GARCIA, R. L. (org.) Alfabetização dos alunos das classes populares. São Paulo:</p><p>Cortez, 1997. p. 42-54.</p><p>FERNANDES, M. A mudança de paradigma na avaliação educacional. In:</p><p>Educação, sociedade & culturas, n. 9, p. 7-32, 1998.</p><p>FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Porto: Afrontamento, 1975. (Ed. bras., São</p><p>Paulo, Paz e Terra).</p><p>GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986.</p><p>MOREIRA, A. Fl. B. Os parâmetros curriculares nacionais em questão. Educação</p><p>& realidade, v. 21, n. 1, p. 9-22, 1996.</p><p>PERRENOUD, P. Não mexam na minha avaliação! Para uma abordagem sistémica</p><p>da mudança pedagógica. In: ESTRELA, A.; NÓVOA, A. (orgs.) Avaliações em</p><p>educação: novas perspectivas. Lisboa: Educa, 1992. p. 155-173.</p><p>SANTOS, Boaventura S. Ciência. In: CARRILHO, M. (org.) Dicionário do</p><p>pensamento contemporâneo. Lisboa: Dom Quixote, 1991. p. 23-43.</p><p>SANTOS, Boaventura S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade.</p><p>Porto: Afontamento, 1994. (Ed. bras. São Paulo: Cortez).</p><p>SAUL, Ana M. Avaliação Emancipatória. São Paulo: Cortez/Autores Associados,</p><p>1988.</p><p>SILVA, Tomaz T. O que produz e o que reproduz em educação. Porto Alegre: Artes</p><p>Médicas, 1992.</p><p>1 Professor do Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional do Instituto de</p><p>Educação e Psicologia da Universidade do Minho.</p><p>2 A propósito da realização de um “mínimo cultural comum” numa escola que permita uma “pluralidade</p><p>de excelências”, ver, por exemplo, Collège de France, Pierre Bourdieu (1987).</p><p>3 Para o caso do Brasil, mas contextualizada em relação a mudanças mais globais em outros países, ver,</p><p>por exemplo, a reflexão crítica de Antônio Flávio B. Moreira (1996) em relação aos designados</p><p>“Parâmetros Curriculares Nacionais”.</p><p>4 Como afirmei noutro texto, “há crenças e representações em torno da avaliação que se traduzem, por</p><p>um lado, na consideração de que a avaliação formativa é uma modalidade de avaliação qualitativa,</p><p>subjetiva e intuitiva e, por outro lado, na consideração de que a avaliação sumativa é uma modalidade de</p><p>avaliação quantitativa e objetiva. Ora, não há razão (científica ou técnica, pelo menos) que justifique os</p><p>epítetos que frequentemente se associam a estas modalidades de avaliação - por um lado, não há</p><p>nenhuma modalidade de avaliação totalmente objetiva e, por outro, é possível (e os professores sabem</p><p>isso por experiência) praticar de forma extremamente rigorosa a avaliação formativa e de uma forma</p><p>muito pouco rigorosa a avaliação sumativa. Independentemente do que considerarmos ser um</p><p>conhecimento objetivo ou uma avaliação objetiva, diria apenas que cada professor (individualmente</p><p>considerado) está deontologicamente obrigado a reunir as condições possíveis que permitam em</p><p>qualquer situação fazer juízos avaliativos que se aproximem da verdade, isto é, que se fundamentem e</p><p>apóiem num conjunto de requisitos ou condições de legitimidade aceites como válidos, quer pela</p><p>comunidade científica, quer pelos sujeitos (professores, alunos, pais ou outros) interessados nessa</p><p>avaliação. Assim, é possível conhecer profundamente e, dentro de certos limites, controlar as condições</p><p>que estão direta ou indiretamente envolvidas na prática avaliativa [...]”. E, acrescentava ainda, “a</p><p>objetividade possível que cada professor deve alcançar quando faz juízos de avaliação no contexto da sala de</p><p>aula [...] fica naturalmente aquém da objetividade que é possível atingir quando o professor submete</p><p>essesjuízos de avaliação à validação intersubjetiva dos seus pares[...]” (Afonso, 1995, p. 94-95).</p><p>5 Autores como Paulo Freire (1975) ou Henry Giroux (1986) têm também (e há muito tempo)</p><p>contribuições decisivas para pensar a questão da emancipação nas suas relações com a educação e a</p><p>comunidade. Para um exemplo concreto de procura de articulação entre avaliação e emancipação, ver</p><p>também Ana Maria Saul (1988) e, ainda, o trabalho mais recente de Margarida Fernandes (1998) em que</p><p>se procura articular as questões da avaliação educacional com a “teoria dos interesses cognitivos” de J.</p><p>Habermas (interesse “técnico, prático e emancipatório”).</p><p>A cartilha Caminho Suave não</p><p>morreu: MEC lança sua edição</p><p>revista e adaptada aos moldes</p><p>neoliberais1</p><p>Corinta Maria Grisolia Geraldi</p><p>2</p><p>“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.</p><p>- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? - pergunta Kublai Khan.</p><p>- A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra - responde Marco -, mas pela curva do arco que elas</p><p>formam.</p><p>Kublai Khan permanece em silêncio refletindo. Depois acrescenta:</p><p>- Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.</p><p>Polo responde:</p><p>- Sem pedras o arco não existe.”</p><p>[Ítalo Calvino]</p><p>Como Marco Polo, precisarei descrever as “pedras da ponte” para</p><p>podermos visualizar o “arco” nesse intrincado jogo, desconstruindo assim</p><p>algumas tramas que “embolam” as finalidades não declaradas da avaliação</p><p>nacional, que estão sendo realizadas em todos os níveis e em todo o país.</p><p>Inicialmente troco ideias sobre a relação que se estabelece entre a</p><p>reorganização no mundo do trabalho e o que a escola tem feito com os alunos</p><p>que nela permanecem, para depois mostrar como a escola e seus atores têm</p><p>vivido esse processo e o lugar que ocupam nesse jogo os Parâmetros</p><p>Curriculares Nacionais (PCNs), que chamo aqui de uma sofisticada cartilha,</p><p>mais poderosa</p><p>a essas questões, me parece relevante refletir</p><p>sobre elas com a finalidade de repensar o processo de avaliação e agir no</p><p>sentido de criar/consolidar práticas pedagógicas democráticas.</p><p>Estamos vivendo mais um momento de construção de propostas para a</p><p>redefinição do cotidiano escolar e podemos perceber que a avaliação é uma</p><p>questão significativa neste processo. Desde meu ponto de vista, as alternativas</p><p>que se apresentam oscilam entre três perspectivas:</p><p>a) Retorno ao padrão rígido definido pela avaliação quantitativa. Este me</p><p>parece ser o que está sendo assumido pelas propostas vindas do MEC -</p><p>SAEB e “Provão”, no caso da avaliação, complementados pelos</p><p>Parâmetros Curriculares Nacionais. O tema central do discurso é a</p><p>“qualidade da educação”, qualidade esta que será avaliada através da</p><p>quantificação do desempenho cognitivo e das habilidades adquiridas,</p><p>ou seja, o conhecimento que foi transmitido para os alunos e retido</p><p>por eles. A avaliação se revela um “mecanismo de controle” dos</p><p>tempos, dos conteúdos, dos processos, dos sujeitos e dos resultados</p><p>escolares. O estabelecimento de uma avaliação nacional pressiona no</p><p>sentido de homogeneização curricular, pois todos os alunos e alunas</p><p>devem ter acesso a conteúdos iguais para que tenham as “mesmas</p><p>oportunidades” num processo de avaliação padronizado. A dinâmica</p><p>da sala de aula está limitada aos procedimentos que possam favorecer a</p><p>produtividade.</p><p>b) Consolidação de um modelo híbrido. Esta perspectiva de redefinição do</p><p>processo de avaliação dá continuidade a uma dinâmica estabelecida a</p><p>partir do modelo qualitativo e agrupa propostas que, embora possam</p><p>apresentar intencionalidades distintas e muitas vezes opostas,</p><p>desencadeiam práticas com consequências semelhantes. Essas</p><p>propostas afirmam uma ruptura com a avaliação quantitativa, se</p><p>constroem com um discurso crítico à concepção de avaliação como</p><p>quantificação dos resultados, compartilham a afirmação de que os</p><p>sujeitos escolares são sujeitos históricos e sociais.</p><p>As alternativas construídas desta perspectiva avançam no sentido de</p><p>destacar a aprendizagem como um processo, relativizando a dicotomia entre</p><p>erro e acerto, indicando a necessidade de que o tempo escolar considere</p><p>também os tempos e ritmos individuais. Embora o erro seja tolerado como</p><p>parte de um processo que se direciona à resposta certa, mantém-se a percepção</p><p>de um determinado ritmo como o mais adequado e o olhar negativo para o</p><p>erro permanece.</p><p>Muitas das propostas atuais para a reconstrução da prática avaliativa</p><p>mantêm o estabelecimento de parâmetros com os quais as respostas dos alunos</p><p>e alunas devem ser comparados, e não rompem com a prática de classificação,</p><p>ainda que muitas vezes sejam modificados os termos dessa classificação.</p><p>Algumas vezes se abandona a escala de zero a 10, ou de A a E, ou deixa-se de</p><p>utilizar conceitos como “ótimo”, “bom” ou “regular”. Mas frequentemente estes</p><p>são substituídos por outras expressões que não deixam de ter o sentido de</p><p>hierarquizar os resultados alcançados. Sob outros formatos e outros</p><p>instrumentos são sustentadas as mesmas finalidades da avaliação. O contexto</p><p>escolar adquire um certo grau de liberdade, mas os processos pedagógicos</p><p>continuam vinculados a um produto previamente determinado.</p><p>Este modelo híbrido engloba duas perspectivas distintas: uma que não</p><p>abandonou a ideia de que a avaliação deva ser um instrumento de controle, de</p><p>adaptação e de seleção, ainda que o controle deva ocorrer por meio de</p><p>mecanismos cada vez menos visíveis, de modo a adquirir uma aparência</p><p>democrática e a seleção deva ser resultado de um processo que analise o sujeito</p><p>em sua complexidade, atuando no sentido de adaptá-lo ao seu lugar na</p><p>hierarquia social; a outra perspectiva tem como objetivo romper com o</p><p>sistema de controle e de segregação, mas ainda não encontrou os aspectos-</p><p>chave que devem ser transformados, por isso propõe modificações</p><p>superficiais, ainda que aparentemente indique mudanças profundas.</p><p>c) Construção de uma avaliação democrática, imersa numa pedagogia da</p><p>inclusão.</p><p>A terceira perspectiva, para a qual só vamos encontrar alguns processos</p><p>que não estão consolidados nem completamente definidos, engloba as</p><p>alternativas de avaliação que estão pensadas como parte de um processo de</p><p>construção de uma pedagogia multicultural, democrática, que vislumbra a</p><p>escola como uma zona fronteiriça de cruzamento de culturas. Esta percepção</p><p>implica numa mudança radical na lógica que conduz às práticas de avaliação</p><p>porque supõe substituir a lógica da exclusão, que se baseia na homogeneidade</p><p>inexistente, pela lógica da inclusão, fundamentada na heterogeneidade real. É</p><p>nesta perspectiva que este texto se inscreve.</p><p>Avaliar: para quê?</p><p>A escola é um espaço caraterizado pela multiplicidade. Experiências,</p><p>realidades, cosmovisões, objetivos de vida, relações sociais, estruturas de</p><p>poder, tradições históricas e vivências culturais diversos se plasmam nos</p><p>diversos discursos que se cruzam em seu cotidiano, pondo em diálogo</p><p>conhecimentos produzidos a partir de várias perspectivas. A polissemia surge</p><p>como um traço marcante das interações estabelecidas e entra em confronto</p><p>com uma estrutura pedagógica que prevê e propõe o pensamento unívoco.</p><p>Frequentemente a avaliação feita pelo/a professor/a se fundamenta na</p><p>fragmentação do processo ensino/aprendizagem e na classificação das</p><p>respostas de seus alunos e alunas, a partir de um padrão predeterminado,</p><p>relacionando a diferença ao erro e a semelhança ao acerto. É a quantidade de</p><p>erros e de acertos, que também incorpora o “comportamento”, os “hábitos” e</p><p>as “atitudes” dos alunos e alunas, que orienta a avaliação do/a professor/a.</p><p>Nesta perspectiva, entende-se que o erro é resultado do desconhecimento,</p><p>revelador do não-saber do/a aluno/a, portanto uma resposta com valor</p><p>negativo. O erro deve ser substituído pelo acerto, que é associado ao saber, e</p><p>se revela quando a resposta do/a aluno/a coincide com o conhecimento</p><p>veiculado pela escola, este sim, “verdadeiro”, valorizado e aceito, portanto</p><p>positivamente classificado. Saber e não-saber, acerto e erro, positivo e</p><p>negativo, semelhança e diferença são entendidos como opostos e como</p><p>excludentes, instituindo fronteiras que rompem laços, delimitam espaços,</p><p>isolam territórios, impedem o diálogo, enfim, demarcam nossa interpretação</p><p>do contexto e tornam opacas as lentes de que dispomos para realizar leituras</p><p>do real.</p><p>Seleção, classificação e hierarquia de saberes e de pessoas, marcas de um</p><p>processo que faz das relações dialógicas, relações antagônicas. Processo que</p><p>gera práticas que dificultam a expressão dos múltiplos saberes, negando a</p><p>diversidade e contribuindo para o silenciamento dos alunos e alunas - e por</p><p>que não, de professores e professoras - portadores de conhecimentos e</p><p>atuações que não se enquadram nos limites predeterminados: a semelhança e o</p><p>acerto. As vozes dissonantes são avaliadas negativamente, não havendo</p><p>espaço, no cotidiano escolar, para sua expressão, reconhecimento, indagação e</p><p>fortalecimento.</p><p>A avaliação escolar, nesta perspectiva excludente, silencia as pessoas, suas</p><p>culturas e seus processos de construção de conhecimentos; desvalorizando</p><p>saberes fortalece a hierarquia que está posta, contribuindo para que diversos</p><p>saberes sejam apagados, percam sua existência e se confirmem como a</p><p>ausência de conhecimento. A classificação das respostas em acertos e erros, ou</p><p>satisfatórias e insatisfatórias, ou outras expressões do gênero, se fundamenta</p><p>nessa concepção de que saber e não-saber são excludentes e na perspectiva de</p><p>substituição da heterogeneidade real por uma homogeneidade idealizada.</p><p>Apesar desta ser a prática dominante, pelo menos desde minha ótica, a</p><p>necessidade constante de se discutir a avaliação pode estar indicando a</p><p>compreensão, ainda que muitas vezes difusa, de que a classificação é</p><p>insuficiente. Para mim, tal insuficiência está em ter o silenciamento como o fio</p><p>que tece a relação entre “avaliar”, “corrigir” e “selecionar”. A avaliação, que</p><p>impede a expressão de determinadas vozes, é uma prática de exclusão na</p><p>e perigosa que a singela Caminho Suave.</p><p>“Educação. Só assim resolveremos</p><p>o problema do Brasil”</p><p>As elites estão preocupadas com a situação da educação do país. Por que</p><p>será? Cabe-nos ir além do jornal, da propaganda, procurando qualificar essas</p><p>mensagens. Para isso esclareço que a compreensão do tema precisa ser buscada</p><p>no contexto do chamado neoliberalismo que, se não possibilitou os resultados</p><p>esperados na economia, já mostrou seus frutos de destruição do Estado de</p><p>Bem Estar Social e aumento da desigualdade:</p><p>Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do</p><p>capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus</p><p>objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como</p><p>queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual</p><p>seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples ideia de que não há</p><p>alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a</p><p>suas normas (Anderson, 1995, p. 22-23).</p><p>Para iniciar esta reflexão é essencial nos perguntarmos que qualidade é</p><p>buscada na educação básica. Já sabemos que todo ato pedagógico é político,</p><p>que não há educação neutra. Não cabe, portanto, pensar em uma “qualidade”</p><p>em abstrato, ou em permanência na escola a qualquer preço.</p><p>Já sabemos também que a escola pública não tem preparado as crianças</p><p>brasileiras para poder fazer parte ativa e criativa da sociedade democrática.</p><p>Encontramos uma escola regida burocraticamente, com um professor</p><p>expropriado, “adotado” pelo livro didático com noções arbitrárias e</p><p>preconceituosas, alienado de seu trabalho, formando outros para a alienação e</p><p>reprovando mais ainda...</p><p>Mesmo que com muitas exceções e muita luta de professoras e professores,</p><p>de pais e estudantes, de grupos aqui e acolá, em geral, a escola não só tem</p><p>reprovado muito, como tem preparado os que nela permanecem para um</p><p>padrão de trabalhador que não é mais o requerido neste neoliberalismo</p><p>globalizado!</p><p>Assim, a qualidade da escola pública (não para todos, mas para um novo</p><p>quadro de profissionais selecionados) não é, neste momento, uma questão</p><p>restrita à situação brasileira, mas está ligada à nova ordem internacional deste</p><p>final de século e de milênio, alterando o padrão de exigências até então</p><p>requeridas pelo capital para o trabalhador preparado pela escola. A educação</p><p>tem um papel estratégico no projeto neoliberal:</p><p>Se quisermos compreender as estratégias que o projeto neoliberal no Brasil tem reservadas para a</p><p>educação, é importante também compreender que esse processo é parte de um processo</p><p>internacional mais amplo.(...). A construção da política como manipulação do afeto e do sentimento,</p><p>a transformação do espaço de discussão política em estratégias de convencimento publicitário, a</p><p>celebração da suposta eficiência e produtividade da iniciativa privada em oposição à ineficiência e ao</p><p>desperdício dos serviços públicos, a redefinição da cidadania pela qual o agente político se</p><p>transforma em agente econômico e o cidadão em consumidor, são todos elementos centrais</p><p>importantes do projeto neoliberal global (Silva, 1994, p.14-5).</p><p>Se nossa educação não tem sido eficaz para o velho modelo de capitalismo</p><p>selvagem, às suas insuficiências acoplam-se agora as novas necessidades do</p><p>capital, como veremos a seguir.</p><p>É diante das atuais exigências de ordem econômica globalizada que nós,</p><p>desejosos de uma sociedade mais justa e solidária, precisamos propor que a</p><p>educação pública para todos respeite e valorize as diferentes identidades e</p><p>saberes que compõem a cultura brasileira, gerando um caleidoscópio que o</p><p>currículo de cada escola re-significa no trabalho coletivo que produz.</p><p>Esse trabalho multifacetado e peculiar que pode ser feito e em muitos casos</p><p>é feito nas diferentes escolas de nosso país, pode viabilizar a possibilidade de</p><p>cidadania de nossas crianças, no pedaço que cabe às escolas nesta sociedade</p><p>cada vez mais desigual. Cidadania, aqui, significa mais que preparar para as</p><p>novas necessidades do processo de trabalho, indo além da mera discussão de</p><p>direitos de consumidor. Cidadania, numa sociedade democrática que ainda</p><p>não temos, mas que pretendemos, significa preparar qualquer cidadão para ser</p><p>governante (Gramsci, 1978).</p><p>E hoje um batuque, um batuque</p><p>com a pureza de meninos uniformizados de escola</p><p>secundária em dia de parada</p><p>e a grandeza épica de um povo em formação</p><p>nos atrai, nos deslumbra e estimula...</p><p>(Haiti, música de Gilberto Gil e</p><p>Caetano Veloso; letra de Caetano Veloso)</p><p>Mesmo sem desconsiderar as necessidades do novo trabalho, é necessário</p><p>politizá-las, formulando propostas criativas e comprometidas, pois este é um</p><p>tempo de transformar radicalmente não apenas a política da pedagogia como</p><p>também a pedagogia da política, como nos alerta Tomás Tadeu Silva.</p><p>Quem pensa o futuro?</p><p>...E na TV se você vir um deputado em</p><p>[pânico mal dissimulado]</p><p>diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer</p><p>qualquer plano de educação que pareça ácil</p><p>que pareça ácil e rápido</p><p>e vá representar uma ameaça de democratização</p><p>do ensino de primeiro grau...</p><p>(Haiti, música de Gilberto Gil e</p><p>Caetano Veloso; letra de Caetano Veloso)</p><p>Para iniciar este tópico, gostaria de lembrar uma reflexão de Perrenoud.3</p><p>Ele interroga-se sobre os atores e as instâncias que pensam o futuro, as</p><p>mudanças da sociedade e as suas implicações para a educação.</p><p>Constata que pesquisadores, professores, políticos, entre outros, têm</p><p>muita dificuldade de planejar em educação, resultando a existência de poucos</p><p>estudos projetivos sérios, que elaborem cenários possíveis de futuro, uma vez</p><p>que a conjuntura é sempre de tal forma complicada e a emergência dos</p><p>problemas a tratar tão urgente, que fica muito difícil fazer previsões. Nós não</p><p>temos condições de pensar o “amanhã”, quanto mais o “depois de amanhã”.</p><p>Perrenoud completa dizendo que quem está planejando e pensando o</p><p>cenário do futuro em geral, incluindo o da educação, são os grandes grupos</p><p>econômicos internacionais - porque eles precisam planejar para onde vai a</p><p>economia e seus investimentos. Também ocorrem alguns estudos de</p><p>fundações e organizações internacionais, associadas ou não a órgãos</p><p>governamentais que, em geral, são financiados pelos mesmos grupos</p><p>econômicos.</p><p>Assim, quando queremos detectar quem está pensando o futuro e</p><p>esboçando possíveis cenários, de certa forma, encontramos fontes próximas</p><p>que, em função dos seus interesses, esboçam e concretizam seus cenários.</p><p>Tivemos acesso a um documento elaborado para a Seplan4 para obter</p><p>financiamento do Banco Interamericano.5 Trata-se do Relatório Final de</p><p>Educação Fundamental.6</p><p>A Educação Básica no Brasil em 2020</p><p>Este estudo propunha delimitar a situação da educação no Brasil e</p><p>apresentar o cenário desejado para a educação no Nordeste nos anos 2000,</p><p>2010 e 2020. O Relatório afirma:</p><p>...existe uma lógica que preside e articula o conjunto. A partir de um estudo diagnóstico sobre a</p><p>situação do Ensino Fundamental no Nordeste do país, pretende-se desenvolver uma análise</p><p>tendencial para os anos 2000, 2010 e 2020. Do confronto deste panorama tendencial com um</p><p>cenário desejado e possível para o mesmo período, deverão surgir os lags, isto é, os déficits e</p><p>distâncias a serem percorridos, com a finalidade de orientar metas e objetivos para as políticas e</p><p>estratégias educacionais (Brasil, 1994, Introdução).</p><p>São utilizadas referências da Unesco para mostrar, por exemplo, que na</p><p>década de 1970, 14 a cada 100 alunos finalizavam o primeiro grau. Na década</p><p>de 1980, essa proporção permanece quase a mesma (passando para 15,8) às</p><p>custas de um investimento maior de matrícula por formando, que aumenta de</p><p>24,8 para 28,6.</p><p>Em outros termos, apesar dos ganhos que se observam na primeira série,</p><p>os aumentos da evasão e da repetência nas cinco ultimas séries reequilibram a</p><p>situação. Isso quer dizer que todos os investimentos feitos não renderam nada.</p><p>O referido estudo chega a afirmar que, para</p><p>compreender melhor tais</p><p>resultados, é fundamental inseri-los no contexto dos dados da Unesco,</p><p>analisando a “taxa de sobrevivência nacional” (Brasil, 1994:35), que é o</p><p>percentual de alunos que se formam em relação aos ingressantes. No Brasil, ao</p><p>final da década de 1980 essa taxa era de 22%. Comparando com outros dados</p><p>da Unesco, o Brasil ica em último lugar entre os países da América Latina e o</p><p>Caribe, e aparece só na frente da Guiné Bissau na África e Bangladesh na Ásia, cujas</p><p>taxas estão em torno de 18-19%.7</p><p>No Nordeste a taxa é de 15%, portanto menor que a de Bangladesh e</p><p>Guiné Bissau.</p><p>Circunscrevendo a qualidade requerida</p><p>Esses dados nos interessam na medida em que nos auxiliam a compreender</p><p>o próprio cenário que pretendem modelar. Interessa, também, explicitar que</p><p>qualidade pretendem. Dentre as cinco perspectivas relacionadas para</p><p>considerar o fenômeno da qualidade do campo educacional, optam por uma</p><p>abordagem vinculada a resultados escolares, descrita como o</p><p>...atingimento dos objetivos pedagógicos estabelecidos pelo sistema e/ou pela escola. O foco aqui é o</p><p>desempenho do aluno, o conhecimento que foi transmitido e retido (e não os insumos e/ou os</p><p>processos) (p. 37).</p><p>São os resultados da aprendizagem, em termos do conhecimento que foi</p><p>transmitido e retido pelo aluno, que irão auferir a qualidade da escola em</p><p>termos de desempenho cognitivo e habilidades adquiridas pelos alunos. Essa</p><p>opção, segundo o Relatório em questão, não é a única mas é a mais fácil de</p><p>avaliar. É nesse contexto que podemos compreender o papel que a “avaliação”</p><p>terá nesse processo que queremos analisar.</p><p>Após a descrição do cenário da educação brasileira, destacando a situação</p><p>do nordeste, são feitas algumas propostas. Uma delas, muito destacada, é a</p><p>“primazia das oportunidades de aprendizagem por parte dos alunos” e a</p><p>“primazia e proteção do tempo pedagógico”.</p><p>Chamou nossa atenção o conceito de “tempo pedagógico” utilizado,</p><p>segundo o qual é o tempo efetivamente prático no processo de aprendizagem</p><p>de conteúdos dentro de sala de aula. A consideração do ensino reduzido ao</p><p>“espaço” da sala, a compreensão de currículo como um conjunto de conteúdos</p><p>a serem transmitidos e retidos, a incorporação do “recreio” (p. 27) como um</p><p>dos momentos de “perda de tempo pedagógico” (sic.), aliado ao problema</p><p>apontado de que os professores não cumprem todos os conteúdos previstos,</p><p>sinalizam para a compreensão de currículo e controle que pretendem propor,</p><p>a fim de aumentar a qualidade, tal como anteriormente definida.</p><p>No bojo desses elementos, apresentam dados levantados pelo sistema</p><p>nacional de avaliação da educação básica SAEB/90, segundo o qual</p><p>...merece especial atenção uma cultura (sic) que circunda a prática pedagógica do professor.(...)[que]</p><p>permitem apontar, por um lado, um ambiente de escassa responsabilidade docente pelos produtos</p><p>que são gerados pelo processo educacional e, por outro, a baixa importância atribuída ao que deveria</p><p>ser central na escola: o pedagógico (id., ibid., p. 25-6).</p><p>A supervalorização e a proteção do tempo pedagógico é vista como uma</p><p>das possibilidades, dentre outras, para possibilitar maior autonomia às escolas,</p><p>ao seu projeto pedagógico. E obviamente, comparecem, nas propostas,</p><p>mecanismos de avaliação internos e externos que informam os participantes</p><p>sobre o andamento das propostas, os problemas a superar e os resultados</p><p>auferidos. Como consequência, também, comparecem políticas de incentivo</p><p>positivo à melhoria da qualidade do desempenho da escola. Estou</p><p>mencionando esses aspectos porque eles serão os principais pontos a ser</p><p>destacados para a compreensão das estratégias que serão propostas e</p><p>viabilizadas pelos PCNs.</p><p>É afirmado também pelo referido estudo que o principal problema da</p><p>educação é a falta de visibilidade dos problemas de dentro da escola pelo</p><p>público interno e externo. Daí procede a importância atribuída à necessidade</p><p>de sensibilizar os empresários e a população em geral para o problema</p><p>educacional (p. 101).</p><p>Nesse contexto, é ilustrativo registrar o tipo de propaganda</p><p>governamental que tem sido veiculada pela mídia. Destaco: “Acorda Brasil, tá</p><p>na hora da escola!” os empresários falando da importância da escola; a</p><p>propaganda do governo: “Um grande país começa na sala de aula” (aqui se</p><p>explicita essa ênfase do tempo pedagógico dentro da sala de aula); “Educação,</p><p>prioridade nacional, tarefa de todos” (e não tarefa do Estado); “Educação. Só</p><p>assim resolveremos o problema do Brasil”.</p><p>Ou seja, vemos aqui uma série de táticas, de propostas, de metas, que estão</p><p>concretizando exatamente o primeiro objetivo proposto nesse estudo de 1994.</p><p>A segunda causa apontada é a burocratização e a centralização observadas</p><p>no cenário educacional. Para isso, qual é a proposta? Justamente trabalhar com</p><p>os atores do sistema para que compreendam mais claramente os problemas</p><p>gerando maior responsabilidade com seus “produtos” (p. 99). Nesse sentido o</p><p>estudo aponta que a única “empresa” (sic.) que não se preocupa com o seu</p><p>“produto final” é a escola. Para um diretor, para um professor, tanto faz</p><p>aprovar como reprovar o aluno, seu salário continua o mesmo e sua promoção</p><p>não tem nada a ver com isso.</p><p>Os autores do Relatório consideram sério este problema porque se os</p><p>profissionais não se preocupam com os resultados (os produtos), não se</p><p>sentem estimulados a mudar essa situação.</p><p>O conjunto de trabalhos existentes na área permitem sustentar que o grau</p><p>de compromisso ou responsabilização da escola pela aprendizagem dos alunos</p><p>guarda uma forte relação com os resultados do ensino (p. 100).</p><p>Portanto é importante descentralizar a responsabilidade, o controle e a</p><p>fiscalização da escola, e a comunidade deve ser a principal fiscal disso. Se se</p><p>conseguir, com essa publicidade, fazer com que a população comece a</p><p>fiscalizar, não é preciso nem o Estado se preocupar com a escola. Diz o</p><p>Relatório:</p><p>Uma estratégia baseada na aferição e devolução anual dos resultados</p><p>quantitativos e qualitativos de cada escola deverá originar:</p><p>- uma melhor visualização, por parte dos atores da comunidade interna e externa, da magnitude e</p><p>gravidade dos problemas básicos que a escola enfrenta, como forma de superar o baixo patamar de</p><p>percepção, expectativas e demandas detectado;</p><p>- a própria existência de uma avaliação anual externa atua como um poderoso indutor de mudanças</p><p>de comportamento por parte das unidades avaliadas, no sentido de se “preparar” para a avaliação e</p><p>centrar sua atenção nos aspectos que serão avaliados, em nosso caso, o rendimento dos alunos da</p><p>escola e seu fluxo, os dois problemas centrais (sic.) de nossa educação fundamental;</p><p>- uma gestão escolar centrada na qualidade e no desempenho, que deverá ter sua manifestação no</p><p>projeto pedagógico da escola, que funcionaliza estes aspectos como eixos fundamentais do trabalho</p><p>escolar.</p><p>Este esquema não tem nada de “original”. Outros países, como os Estados</p><p>Unidos, Comunidade Europeia, Chile, Costa Rica etc., contam com um</p><p>instrumental semelhante. Também em nosso país, estados como Minas Gerais</p><p>e Ceará vêm realizando tentativas neste sentido (p. 102-3).</p><p>Aqui começa a ficar visível a avaliação</p><p>Com base nos elementos sumariamente expostos, é interessante apontar</p><p>algumas grandes metas, cujas linhas gerais podemos tratar aqui. Na educação</p><p>fundamental, para poder chegar a essa proposta, é imprescindível possibilitar</p><p>seu controle pormenorizado.</p><p>Para tanto, é necessário determinar o tipo de escola desejada, aquilo que</p><p>eles vão chamar do “preparo cognitivo necessário para o homem desempenhar</p><p>suas tarefas e funções demandadas” (p. 9). Como existem graus de</p><p>competências cognitivas necessárias, em função dos níveis de complexidade</p><p>das diversas tarefas ou ocupações na sociedade, também as competências serão</p><p>diferenciadas.</p><p>Para simplificar a questão, foram estabelecidos dois tipos ou níveis de competências cognitivas: a</p><p>primeira, denominada tipo 1, para as tarefas ou ocupações mais simples e difundidas; a segunda, para</p><p>as atividades ou funções mais complexas (tipo 2). Em segundo lugar,</p><p>deveríamos diferenciar as</p><p>competências necessárias na cidade e no campo. Para as funções produtivas mais difundidas num</p><p>processo global de modernização agrícola, deveríamos considerar um patamar mínimo de</p><p>competências cognitivas equivalentes às quatro primeiras séries do 1o Grau. Já nas cidades, as</p><p>funções no setor secundário e, fundamentalmente, no terciário, demandam competências</p><p>equiparáveis ao Primeiro Grau completo. Para o tipo 2, deveriamos considerar o primeiro grau</p><p>completo no meio rural e o segundo grau completo no meio urbano (p. 9-10).</p><p>Como pode-se constatar, são apresentados dois níveis de competências</p><p>cognitivas: o de tipo 1 e o de tipo 2. É em função das necessidades do mundo</p><p>do trabalho que será preciso diferenciar as competências requeridas e o</p><p>percentual necessário para o mundo urbano e para o mundo rural. Para o</p><p>mundo rural, o que é mais importante é a existência de um estoque maior de</p><p>recursos humanos com o domínio das competências do trabalhador do tipo 1,</p><p>que seria aquele formado de primeira a quarta série e que saberia ler, escrever</p><p>e contar, lidar com medidas, porque isso é fundamental para a implantação da</p><p>modernização agrícola.</p><p>O trabalhador do tipo 2 precisa estar mais adequado ao processo de</p><p>modernização do trabalho e acumulação flexível, é necessária uma formação</p><p>que lhe dê condições de trabalhar com conceitos abstratos. Nesse caso, a</p><p>escolarização de primeira a quarta séries não é suficiente. O de tipo 2 é</p><p>pensado como o trabalhador da zona urbana, que por sua vez tem subdivisões,</p><p>sendo uma delas o primeiro grau completo e a outra o segundo grau completo.</p><p>Isso ocorre porque existem níveis de abstração e de produção de que a</p><p>educação fundamental não dá conta.8</p><p>Com base nesses resultados e de acordo com a proposta, vemos aqui como</p><p>deve ser o incentivo à escola e o controle através do processo de avaliação de</p><p>português, matemática e ciências. Na avaliação, tanto interna quanto externa,</p><p>se os professores e as professoras9 tiverem um bom desempenho, eles e os</p><p>alunos serão bem avaliados. Se os alunos forem aprovados, a escola será bem</p><p>avaliada, e isso fará com que o professor receba um salário diferenciado, ou</p><p>seja, poderá receber uma gratificação pelo seu mérito:</p><p>Arcabouço do sistema de monitoramento sistemático da qualidade e do desempenho escolar:</p><p>- Anualmente, ao finalizar o ciclo letivo, são aplicados testes de Português, Matemática e Ciências</p><p>aos alunos da quarta e da oitava série do universo das escolas. A partir dos resultados da correção</p><p>destes testes, são construídos os indicadores de qualidade de cada unidade escolar (p. 103).</p><p>Daí decorre a ideia de responsabilizar-se individualmente cada</p><p>componente do processo pedagógico. A proposta mantém um “salário base</p><p>baixo e uma gratificação vinculada à produtividade”, cujo “monitoramento</p><p>seria feito pelo MEC” e a “fiscalização seria realizada pelos próprios pais” que</p><p>vão querer saber sobre a vida escolar dos filhos, pelos colegas, pela escola, que</p><p>dependerá desse desempenho para manter ou aumentar seu orçamento,</p><p>constituindo uma rede de controles e micropoderes denominada por Foucault</p><p>(1979) de microísica do poder, no qual a centralidade do controle não está</p><p>somente no Estado mas se pulveriza em toda a sociedade e sobre todos os</p><p>agentes da produção.</p><p>Obviamente esse processo só poderá ser implantado se existir uma</p><p>referência básica para que a “avaliação”, que é o “sistema de monitoramento”</p><p>do MEC que catalisa toda a proposta, possa ser efetivada no país. Nesse</p><p>contexto é que se apresenta a discussão sobre os parâmetros curriculares e se</p><p>explicitam suas condições de produção.</p><p>De lá para cá...</p><p>...a entrevista</p><p>Uma das fontes utilizadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso para</p><p>tornar pública sua política de elaboração do Currículo Básico Nacional foi a</p><p>Revista Nova Escola,</p><p>10 em entrevista com a professora Iara Prado, Secretária de</p><p>Educação Fundamental do MEC. Na referida entrevista, ela esclarecia que:</p><p>• O currículo era um dos cinco pontos fundamentais da estratégia para o</p><p>Ensino de Primeiro Grau anunciada pelo Presidente Fernando Henrique</p><p>Cardoso em fevereiro de 1995;</p><p>• Tratava-se de Currículo Básico Nacional, embora o denominasse como</p><p>Parâmetros Curriculares, pois “a existência de parâmetros curriculares</p><p>facilita a avaliação do ensino, a formação de professores em âmbito nacional e a</p><p>produção de livros didáticos. É uma política de curto, médio e longo prazos,</p><p>que se desenvolverá pelos quatro anos de governo, permitindo atingir</p><p>nosso principal objetivo que é a qualidade do ensino” (p. 52);</p><p>• Perguntada se a existência de currículos mínimos estaduais impediam uma</p><p>avaliação mais eficaz do ensino, revela ainda:</p><p>Um dos grandes problemas que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB),</p><p>organismo do MEC, tem enfrentado é justamente a inexistência de um parâmetro curricular</p><p>nacional. Nestes últimos dez anos, vinte unidades da Federação, o Distrito Federal inclusive, vêm</p><p>adotando suas próprias propostas curriculares, o que ocorre também com alguns municípios como</p><p>São Paulo e Rio de Janeiro. São currículos regionais. Quando o SAEB define o conteúdo com que vai</p><p>trabalhar para avaliar o ensino, ele esbarra na questão de que alguns Estados não o adotam ou então</p><p>não aplicam determinado conteúdo da forma que o SAEB quer analisar. Nós agora vamos dar um</p><p>parâmetro para os Estados (p. 52-53).</p><p>• Iara Prado esclarece também que não chama esses “Parâmetros” de</p><p>“Currículo Mínimo Nacional”, porque “pretende ir além de conteúdos</p><p>mínimos”:</p><p>A proposta conterá um currículo básico nas disciplinas Português, Matemática, Ciências e Estudos</p><p>Sociais. Contudo nossa preocupação é que os parâmetros não sejam apenas um elenco de conteúdos,</p><p>mas também um apoio para o professor em sala de aula. Por esse motivo não estamos chamando a</p><p>futura proposta de Currículo mínimo. Nós pretendemos ir além disso. Queremos que os parâmetros</p><p>sejam uma referência para o professor em sala de aula (p. 53).</p><p>Veremos agora como estão situados os PCNs dentro das quatro</p><p>prioridades apontadas pelo MEC: a primeira, os parâmetros curriculares</p><p>nacionais; a segunda, livros didáticos nacionais; a terceira, treinamento de</p><p>professores via televisão; e a quarta, a avaliação nacional. As três primeiras são</p><p>necessárias para que a quarta, a avaliação nacional, seja possível.</p><p>...os parâmetros curriculares nacionais divulgados</p><p>O texto divulgado prevê as seguintes fases de implantação dos PCNs: de</p><p>divulgação, a primeira - então deixa claro que já foi proposto e elaborado pelo</p><p>MEC -, de modo que agora seria iniciada a implantação; a segunda fase é a de</p><p>adaptação desses Parâmetros nos estados ou elaboração a partir das diretrizes; a</p><p>terceira é a de adequação, em que, na escola, o projeto do Estado vai ser</p><p>adequado e concretizado ao nível do projeto pedagógico da escola - mas essa</p><p>adequação vai ser feita neste terceiro nível. A produção já está concluída pelo</p><p>MEC -, a quarta é a realização do processo ensino-aprendizagem, é a programação,</p><p>a adequação do conteúdo ao grupo de alunos, e isso cabe ao professor. Temos</p><p>portanto duas palavras-chave, a produção e a divulgação na primeira fase,</p><p>funções exclusivas do MEC; e na segunda a adequação, que cabe aos outros</p><p>segmentos do “sistema educacional”, conforme proposto pelo documento. Aos</p><p>professores e professoras cabe fazer o que outros pensaram.</p><p>Em outros países, reformas semelhantes a esta instituíram o currículo</p><p>mínimo nacional mesmo. Aqui, o nome ficou Parâmetros Curriculares</p><p>Nacionais (PCNs). De todas as análises que têm sido feitas, vou citar duas, uma</p><p>da professora Vera Candau, da PUC do Rio de Janeiro,11 e outra do professor</p><p>Antônio Flávio Barbosa Moreira.12 Ambos enfatizam que, na verdade, pelo</p><p>jeito que é proposto não se trata de parâmetro curricular, é currículo mínimo</p><p>nacional e mais, é currículo homogeneizante porque tem uma listagem de</p><p>conteúdos, objetivos dos conteúdos e propostas de atividades e processos</p><p>avaliativos. Por isso chamei de uma cartilha muito mais sofisticada que a</p><p>singela</p><p>Caminho Suave.</p><p>Recorrendo às diferentes fontes, parece ficar evidente o objetivo dos</p><p>PCNs: não só tem que ter um conteúdo nacional como também tem que ser do</p><p>jeito que o SAEB quer avaliar, por isso precisa de parâmetro nacional.</p><p>Realizando uma análise, mesmo que superficial, do discurso dessa entrevista e</p><p>do próprio texto dos PCNs, poderemos verificar que, nesse contexto,</p><p>“parâmetros” configuram uma relação (selecionada e arbitrária) de conteúdos</p><p>escolares considerados como válidos e necessários bem como sua</p><p>operacionalização na programação escolar que será considerada válida</p><p>[embora não obrigatória (sic!)], cujo cumprimento e efetivo aprendizado dos</p><p>alunos será controlado pela avaliação nacional.</p><p>Nesse contexto, vocês, professor e professora, grupo de professores da</p><p>escola, podem fazer tudo o que quiserem em aula e na escola, só que os seus</p><p>alunos serão avaliados com base no que propôs a Cartilha dos PCNs, e os</p><p>resultados serão do conhecimento de todos e vão repercutir no seu salário</p><p>(direito ou não a gratificações); na escola (pode ganhar ou perder verbas). Se</p><p>você aguentar tudo isso, então pode ter toda a autonomia porque não é</p><p>obrigatório.</p><p>Agora, entrar nessa seara significa mexer nos processos e insumos que o</p><p>Relatório da Seplan considera que não se deve mexer porque dá muito</p><p>trabalho e é difícil ter controle. Assim, é melhor pegar o produto final, em</p><p>função daquilo que interessa, fazer a avaliaçao e desse modo controlar o</p><p>produto educacional.</p><p>Os resultados das implantações</p><p>curriculares a partir de 1970</p><p>As políticas curriculares implantadas a partir de 1970, sob a égide do</p><p>tecnicismo, e nos anos de 1980, pelos diferentes governos estaduais, eleitos</p><p>diretamente, partilharam de uma mesma crença, a de que bastaria ter uma</p><p>“boa” proposta curricular delineada (e qualifique-se como “boa” o que cada</p><p>ideologia de governo considera), elaborada com o auxílio dos especialistas e,</p><p>em alguns casos, professores e professoras, - às vezes até a participação das</p><p>entidades de classe do professorado em algumas reuniões -, para mudar o</p><p>currículo e a fisionomia do trabalho político/pedagógico nas escolas</p><p>brasileiras. Essa crença supunha também que bastava “treinar” ou “reciclar”11</p><p>os professores para que estes compreendessem e implementassem o que fora</p><p>concebido pelos especialistas e/ou burocratas dos órgãos do aparelho estatal.</p><p>Os estudos que temos feito de acompanhamento do currículo em ação</p><p>13</p><p>14</p><p>vivido pelos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental15 têm nos</p><p>mostrado que esta crença é equivocada e muitas reformas curriculares</p><p>implementadas pelos governos nunca fizeram parte da trajetória curricular</p><p>vivenciada pelos alunos a que se destinavam. A primeira constatação disso</p><p>fizemos em artigo apresentado na III CBE, em Niterói/RJ, em outubro de</p><p>1994.</p><p>Posterior a esses primeiros resultados, pudemos constatar que as propostas</p><p>curriculares, mesmo que muito interessantes, criativas, baseadas na pesquisa</p><p>de ponta, serviam mais para “enfeitar” os armários das escolas do que fazerem-</p><p>se presentes na trajetória curricular das crianças, conforme constatei em</p><p>minha tese de doutorado, após doze anos de acompanhamento, junto com os</p><p>alunos de pedagogia/FE/Unicamp, da trajetória curricular das séries iniciais.</p><p>Sonia Kramer (1989) analisava, em pesquisa sobre formação em serviço,</p><p>que os “pacotes de treinamento” e os “encontros de vivências” que geraram</p><p>tantos investimentos na década de 1980 (em substituição aos mecanismos</p><p>tecnicistas utilizados pelo Regime Militar na década de 1970 de “treinamento</p><p>por multiplicação”, para implantação da Lei 5.692/71) não tinham conseguido</p><p>bons resultados, e propõe um trabalho mais “paciencioso” em grupos, por</p><p>escolas, a partir das dúvidas e questões propostas pelos professores, com um</p><p>acompanhamento de um mediador.</p><p>O cotidiano das escolas vive uma lógica não percebida pelos burocratas e,</p><p>até por muitos especialistas da área, para o qual entre o prescrito e o realizado,</p><p>há um abismo que separa o documentado do não documentado (Ezpeleta e</p><p>Rockwell, 1986). Estas análises foram possíveis porque procuramos discutir o</p><p>currículo a partir de pesquisa empírica no cotidiano da escola/aula e</p><p>detectamos o avesso do avesso: aí encontramos um ritual de silêncio, ditado,</p><p>cópia (Geraldi et alii, 1993), sob a cadência do livro didático, capaz de produzir</p><p>uma instância de controle sobre a trajetória curricular que nenhum plano</p><p>governamental conseguiu realizar (Geraldi, 1994), e num processo de</p><p>expropriação do trabalho docente que dificulta, senão inviabiliza, a mudança</p><p>nesta situação (Geraldi, 1996).</p><p>Tentando mudar...</p><p>Dados recentes de pesquisadores internacionais confirmam que a</p><p>viabilidade da mudança curricular se dará pela produção ativa do professor, no</p><p>trabalho cotidiano, com assessoramento direto, e a reorganização do trabalho</p><p>pedagógico na escola. Nóvoa,16 a partir de pesquisas sobre as reformas na</p><p>Educação Básica portuguesa e o acompanhamento das pesquisas que vêm</p><p>sendo produzidas na área, em todo o mundo, afirma que o “professor é o</p><p>conceptor do currículo;” sem a participação dele ativa desde a concepção do</p><p>currículo, produzindo e refletindo na e sobre a prática, na trajetória curricular</p><p>vivenciada com seus alunos e refletida com seus colegas na escola, não há</p><p>como implantar uma inovação.</p><p>Gimeno Sacristán e Torres Santomé17 corroboram tal afirmação a partir</p><p>dos dados de implantação da Reforma Curricular espanhola. John Elliot, na</p><p>Inglaterra, Zeichner, nos Estados Unidos, Carr e Kemmis na Austrália são</p><p>nossos companheiros nessas possibilidades e vivências.</p><p>Sobre a concepção de professor e professora, que se pode inferir da</p><p>proposta do MEC, vemos que ela contradiz, em sua essência, aquilo que as</p><p>pesquisas acadêmicas no Brasil e em todo o mundo vêm apontando. Ou seja,</p><p>se as pesquisas estiverem certas, o modelo proposto não irá produzir</p><p>aprendizagem.</p><p>Como o próprio documento da Fundação Carlos Chagas mostra, existem</p><p>alternativas a esse projeto que estão sendo implantadas, que foram</p><p>implantadas, e que mostram uma concepção de professor muito diferente. Por</p><p>exemplo, no caso de São Paulo (município), as propostas de</p><p>interdisciplinaridade feitas na gestão Erundina diziam assim, aqui na análise da</p><p>Fundação Carlos Chagas:</p><p>na construção do programa, os professores e não os especialistas, são os principais agentes, e decorre</p><p>do caminho de ação pedagógica trilhado pela escola se apoiando nos seguintes pressupostos:</p><p>consideração da realidade como ponto de partida traduzida em temas geradores e situações</p><p>significativas (...) o currículo é assim recriado em cada escola pelo conjunto dos seus professores,</p><p>deixando-se de lado as prescrições oficiais referentes ao desenvolvimento dos conteúdos. Os temas</p><p>geradores iniciais não serão os únicos a serem considerados durante o ano letivo, novos temas</p><p>surgirão durante os trabalhos dando margem a novas pesquisas de professores e alunos. O processo</p><p>de recriação permanente do currículo demanda forte esquema de capacitação docente através de</p><p>grupos sistemáticos de estudo, bem como uma vigorosa articulação do trabalho na unidade escolar</p><p>com vistas a assegurar integração horizontal e vertical da proposta curricular (FCC, 1995, p. 10-11).</p><p>Então, notem que há uma proposta com fundamento que, obviamente se</p><p>contrapõe a tudo isso aí. Foi feita junto com os professores e professoras, foi</p><p>implantada e dela existem alguns resultados preliminares; sobre ela existe</p><p>pesquisa de um grupo da Universidade de São Paulo (USP) que mostrou que</p><p>diferentes tipos de texto circulam dentro dessa proposta, não é só o livro</p><p>didático.</p><p>Temos também a Escola Plural, do município de Belo Horizonte, citada</p><p>pelo documento, diz que:</p><p>o aluno é quem deve aprender a estabelecer relações. Cabe aos professores organizar experiências</p><p>que propiciem a aprendizagem pela participação do educando e pela fina sintonia dos conteúdos</p><p>escolares com a pluralidade dos espaços e tempos socioculturais em que se dá a sua formação e</p><p>socialização (p. 12-13).</p><p>Quer dizer, existem experiências</p><p>que são diferenciadas, que estão sendo</p><p>produzidas em pequenas escalas.18 E diante disso, precisamos nos contrapor</p><p>politicamente, afirmando propostas alternativas, tal como já foi decidido no I e</p><p>II Coneds.19</p><p>Alinhavando os nós...</p><p>Do exposto, pode-se compreender que os PCNs fazem parte de uma</p><p>política fundamental do governo Fernando Henrique Cardoso para a</p><p>educação; que sua elaboração está estreitamente ligada a outras três estratégias</p><p>que dela dependem (livros didáticos nacionais, formação de professores de</p><p>âmbito nacional e avaliação nacional) e, que uma delas, a avaliação, é</p><p>fundamental e a razão de todas as outras:</p><p>Para os neoliberais e seus aliados, a escola deve melhorar a qualidade dentro dos marcos do atual</p><p>projeto político da escola e, para garantir esse projeto, propõe-se o aumento do controle político do</p><p>aparato escolar.(...) O efeito esperado é que esse controle se dê agora pela via da avaliação externa e</p><p>não mais burocraticamente (Freitas, 1995, p. 258).</p><p>Estas afirmações fazem sentido no contexto da organização da escola</p><p>baseada na exclusão dos que são rotulados de “incapazes”, utilizando para isso</p><p>vários sinônimos, mais ou menos cínicos, mas que geralmente excluem os que</p><p>fogem do “padrão” esperado e delineado pelo capital, cuja “lógica” pode ser</p><p>buscada através das categorias de classe, gênero, raça, opção sexual, portador</p><p>de deficiência (real ou fictícia).</p><p>Segundo artigo recente de Apple, uma nova onda conservadora no mundo</p><p>se faz presente agora pelo argumento de que algumas crianças não se saem</p><p>bem na escola porque seus equipamentos genéticos as tornam globalmente</p><p>menos inteligentes. Assim, não adianta “gastar” recursos com educação</p><p>buscando produzir altos desempenhos de “quem não pode dar”. Apple mostra</p><p>como se expressa essa moral conservadora:</p><p>Esse argumento se desenvolve mais ou menos da seguinte maneira: devemos ser “realistas”. Dadas</p><p>certas heranças genéticas particulares, essas políticas em educação são utópicas. Em vez disso</p><p>precisamos preparar esses estudantes para as vidas “inferiores” que eles provavelmente levarão. Eles</p><p>serão, assim, mais felizes. Seus professores menos frustrados. E nossas sociedades serão mais estáveis</p><p>se nós compreendermos que precisamos renunciar ao sonho de que todas as nossas crianças</p><p>necessitam ser igualmente educadas (Apple, 1996, p. 103).</p><p>A alternativa que Apple propõe a essa nova lógica é radical:</p><p>Os neoliberais e os neoconservadores que utilizam esse tipo de argumento para encobrir os efeitos</p><p>destrutivos de suas políticas precisam ter como resposta algumas simples palavras: “Não. Eu me</p><p>recuso a aceitar seus argumentos.” A luta por uma educação democrática deve continuar (id. ibid., p.</p><p>119) (Grifos do autor).</p><p>Parece-me que temos que tentar todos os meios, fazer circular mais rápida</p><p>a informação e a troca entre os acadêmicos e os práticos, desafiando-nos a nos</p><p>constituir, em grupos, como professores pesquisadores.</p><p>Muitos de nós aqui estamos trabalhando nas escolas, e nós mesmos não</p><p>sabemos das outras, desvalorizando essa prática, esse trabalho que está sendo</p><p>feito no conjunto dessas contradições. Há escola que conseguiu escapar das</p><p>recentes mudanças feitas pelo governo do Estado de São Paulo, permanecendo</p><p>como escola de primeiro grau completo. Conseguiu resistir. Mas a maioria</p><p>não conseguiu. Pergunto: O que vamos fazer? A minha proposta é de</p><p>resistência ativa.</p><p>Nesse contexto em que a avaliação nacional está posta para nós,</p><p>professoras e professores, como iremos trabalhar?</p><p>Referências bibliográficas</p><p>ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER; GENTILI (orgs.) Pós-</p><p>neoliberalismo - as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz</p><p>e Terra, 1995. p. 9-23.</p><p>ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.</p><p>Parecer da ANPED sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais. São Paulo,</p><p>abr. 1996, p. 11 (mimeo.)</p><p>APPLE, M. W. Consumindo o ‘outro’: branquidade, educação e batatas fritas</p><p>baratas In: COSTA, M.W. (org.) Escola Básica na Virada do Século - cultura,</p><p>política e currículo. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 1995. p. 10-20.</p><p>__________. Justificando o neoliberalismo: Moral, Genes e Política</p><p>Educacional. In: SiLVA; AZEVEDO e SANTOS (orgs.) Reestruturação</p><p>Curricular: novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto</p><p>Alegre: Sulina, 1996. p.102-22.</p><p>BRASIL. Educação Fundamental: Relatório Final. Proposta de estudos sobre</p><p>alternativas para o desenvolvimento do semi-árido com ênfase na</p><p>municipalização. Grupo de trabalho de recursos humanos. Recife, set. 1994.</p><p>CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. (Trad. Mainardi.) São Paulo: Cia. das</p><p>Letras, 1990. p. 79. Original de 1972.</p><p>CANDAU, V. M. F. Parecer sobre a “Versão Preliminar dos Parâmetros Curriculares</p><p>Nacionais para o Ensino Fundamental”. Rio de Janeiro, mar. 1996. Mimeo.</p><p>(Apresentado no VIII Endipe - Florianópolis, maio, 1996.)</p><p>FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UFRGS. Análise do Documento: “Parâmetros</p><p>Curriculares Nacionais”. In: SILVA; AZEVEDO e SANTOS (orgs.)</p><p>Reestruturação Curricular: novos mapas culturais, novas perspectivas</p><p>educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 123-136.</p><p>FOUCAULT, M. Microísica do poder. Biblioteca de Filosoia e História das Ciências.</p><p>vol. 7. Rio de Janeiro: Graal, 1979.</p><p>FREITAS, L. C. Neotecnicismo e formação do educador. In: ALVES, N. (org.)</p><p>Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992. p. 89-192.</p><p>__________. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática.</p><p>Campinas: Papirus, 1995.</p><p>FRIGOTTO, G. Cidadania e formação técnico-profissional: desafios neste fim de</p><p>século. In: SILVA; AZEVEDO e SANTOS (orgs.) Reestruturação curricular: novos</p><p>mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996.</p><p>p. 137-164.</p><p>FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. As propostas curriculares oiciais - análise das propostas</p><p>curriculares dos estados e de alguns municípios das capitais para o ensino</p><p>fundamental. Projeto MEC/ Unesco/FCC. Subsídios à elaboração dos</p><p>PCNs. São Paulo, out. 1995. (Mimeo.)</p><p>GARCIA, R. L. A educação escolar na virada do século. In: COSTA, M. W.(org.)</p><p>Escola Básica na virada do Século - cultura, política e currículo. Porto Alegre:</p><p>FACED/UFRGS, 1995. p. 78-91.</p><p>GERALDI, M. G. A produção do ensino e pesquisa na educação. Estudo do trabalho</p><p>docente no Curso de Pedagogia, FE/UNICAMP. Campinas, 1993. Tese de</p><p>Doutorado, Faculdade de Educação - Unicamp.</p><p>__________. Currículo em ação: buscando a compreensão do cotidiano da</p><p>escola básica. Pro-Posições, vol..5, n. 3(15), nov. 1994.</p><p>__________. A produção acadêmica sobre o professor, o movimento dois</p><p>professores e a Apeoesp. Revista de Educação da APEOESP. São Paulo, n.</p><p>8, p 29-38, fev. 1996.</p><p>GIMENO SACRISTÁN, J. Escolarização e Cultura: a dupla determinação. In: SILVA;</p><p>AZEVEDO e SANTOS (orgs.) Reestruturação Curricular: novos mapas culturais,</p><p>novas perspectivas educacionais. 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E educação da nova direita e a retórica da qualidade total. In:</p><p>Universidade e Sociedade, v. 6, n. 10, p. 82-89, 1996.</p><p>TORRES SANTOMÉ, J. A instituição escolar e a compreensão da realidade: o</p><p>currículo integrado. In: SILVA.; AZEVEDO e SANTOS (orgs.) Reestruturação</p><p>Curricular: novos mapas culturais,</p><p>novas perspectivas educacionais. Porto</p><p>Alegre: Sulina, 1996. p. 58-74.</p><p>1 Capítulo baseado em estudo sobre os PCNs publicado na Revista da AEC, n. 100, set. 1996.</p><p>2 Professora do Departamento de Metodologia de Ensino - Faculdade de Educação/Unicamp.</p><p>3 Citado por Nóvoa (1991, p. 28-29).</p><p>4 Este documento não teve circulação ampla. Algumas pessoas foram selecionadas e convidadas para</p><p>discuti-lo, por meio do qual obtivemos o exemplar, a fonte e sua finalidade.</p><p>5 Lembro que o Ministro da Educação, Paulo Renato da Costa Souza, ocupou alto cargo administrativo</p><p>no Banco Interamericano, antes de assumir a coordenação do Programa de Governo para o então</p><p>candidato a presidente Fernando Henrique Cardoso.</p><p>6 BRASIL. Educação Fundamental: Relatório Final. Proposta de estudos sobre alternativas para o</p><p>desenvolvimento do semi-árido com ênfase na municipalização - grupo de trabalho de recursos</p><p>humanos.. Recife, set. 1994. Foi elaborado no conjunto de estudos sobre alternativas para o</p><p>desenvolvimento da Região do semiárido brasileiro, com ênfase na municipalização, abrangendo</p><p>basicamente a região nordeste. A data de sua conclusão foi setembro de 1994. Portanto,</p><p>coincidentemente, dois anos atrás e pouco antes das últimas eleições presidenciais.</p><p>7 Para estabelecermos alguns parâmetros, na América do Sul, América Latina e Caribe, o Chile tem 85%,</p><p>Costa Rica 76%, México 69%, Panamá 87%, Uruguai 86%, Venezuela 73%, Peru 70%. Por motivos</p><p>óbvios, o Relatório não se refere à situação educacional, ou “taxa de sobrevivência nacional” de Cuba. Em</p><p>seguida aparece Haiti com 32% e, num conjunto de 114 países, o Brasil aparece em antepenúltimo lugar</p><p>(Brasil, 1994. p. 35).</p><p>8 Talvez resida aí uma das hipóteses explicativas para compreender essa profissionalização pós-</p><p>secundária, que tem o colegial como base porque, para um mercado muito seleto, não serão necessárias</p><p>muitas pessoas com essa formação.</p><p>9 Um outro ponto interessante para ser levantado é a forma como a mulher é vista no projeto aqui</p><p>discutido. Segundo esse documento, a mulher está mais próxima das competências do tipo 1, produzindo</p><p>uma marcação de gênero bastante interessante, que infelizmente não poderá ser analisada neste texto.</p><p>10 Revista Nova Escola. São Paulo, Ano X, n. 83, abril/1995.</p><p>11 Apresentada em Debate sobre os PCNs no VIII Endipe - Encontro Nacional de Didática e Práticas de</p><p>Ensino - realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, no início de maio de</p><p>1996.</p><p>12 Apresentada no IV CEPFE - Congresso Estadual Paulista pela Formação do Educador, em Águas de</p><p>São Pedro (SP), no final de maio de 1996.</p><p>13 “Treinamento” e “ Reciclagem” eram termos muito em voga nessas épocas, apesar de se adaptarem</p><p>melhor a animais e máquinas, respectivamente.</p><p>14 “O currículo é entendido e trabalhado como o conjunto das aprendizagens vivenciadas pelos alunos,</p><p>planejadas ou não pela escola, mas sob a responsabilidade desta, ao longo de sua trajetória escolar.</p><p>Denominamos esta concepção de currículo em ação” (GERALDI, 1994:117).</p><p>15 Trata-se das pesquisas realizadas junto com os alunos do curso de pedagogia, da Faculdade de</p><p>Educação da UNICAMP desde 1984, em Projeto de Pesquisa denominado: Apreensão de Fragmentos da</p><p>Trajetória Curricular Vivenciada pelos Alunos em Escolas Públicas de Campinas e Região, no início de sua</p><p>Escolarização Obrigatória. Esta pesquisa, iniciada como componente curricular obrigatória é continuada</p><p>com os alunos interessados no seu aprofundamento através da participação, com temas individuais ou de</p><p>grupo, no Grupo de Pesquisas. Seus resultados têm sido apresentados em vários Congressos. Do que</p><p>interessa aqui, saliento os seguintes trabalhos: GERALDI, C.M.G. et alii (1986), Geraldi, C.M.G. (1994a;</p><p>1994b e 1996).</p><p>16 Em palestra realizada na PUC-SP, no dia 23 de abril de 1996.</p><p>17 Nas respectivas palestras proferidas no III Seminário Internacional sobre Reestruturação Curricular:</p><p>novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais, realizado, em julho/1996, promovido pela</p><p>Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (RS).</p><p>18 Se nós pensássemos nos projetos de formação que foram desmontados por essa reformulação que o</p><p>Estado de São Paulo fez nas escolas. Professores choravam porque tiveram que deixar um projeto em</p><p>implantação, um projeto pedagógico sério sendo feito pela escola com a participação do grupo e que, por</p><p>uma medida de racionalização econômica, foi simplesmente destruído, de cima para baixo. A proposta de</p><p>magistério do Jamil Gadia era uma que estava com um projeto pedagógico em implantação, tinha um</p><p>grupo trabalhando, e simplesmente um decreto reduziu tudo a nada.</p><p>19 Trata-se do I Congresso Nacional de Educação, realizado em julho de 1996, em Belo Horizonte.</p><p>Avaliação na escola cidadã</p><p>Jussara Margareth de Paula Loch</p><p>1</p><p>Na Rede Municipal de Ensino (RME) de Porto Alegre, um conjunto</p><p>significativo de educadores lutam contra a face conservadora da escola e</p><p>procuram construir alternativas progressistas e coletivas envolvendo os</p><p>diferentes segmentos da comunidade escolar nessa direção. O processo de</p><p>reestruturação curricular, proposto pela Administração Popular, busca essa</p><p>consciência da escola como espaço integrante e indissociável dos demais</p><p>aspectos que compõem a totalidade social. Para isso a SMED, vem desde o</p><p>início da segunda gestão num processo permanente de discussão, estudo e</p><p>aprofundamento teórico-prático.</p><p>Este texto é fruto da reflexão, sistematização e contribuição de todos os</p><p>envolvidos, em diferentes momentos, através do seu fazer no desdobramento</p><p>concreto do Projeto Constituinte Escolar, realizado em 1994-1995.</p><p>Propomos começar analisando a escola tradicional, de concepção</p><p>positivista neoliberal (voltada para o mercado), em que existe o tempo de</p><p>ensinar e o tempo de avaliar, enquanto momentos estanques:</p><p>• diagnóstico no início do ano;</p><p>• em cada bimestre ou trimestre de provas, testes, trabalhos, notas conceitos,</p><p>recuperação: comunicação aos pais;</p><p>• ao final do ano o tempo de classificar: aprovando ou reprovando o aluno</p><p>como decorrência natural deste processo.</p><p>Os “conteúdos escolares” são organizados de forma linear, hierárquica e</p><p>previamente determinados por bimestre, série, disciplina, sob justificativa de</p><p>serem pré-requisitos de outros. Dessa forma a repetência (repetição) é vista</p><p>como um fator de aprendizagem uma vez que ficar mais tempo na mesma</p><p>série é a alternativa para que o aluno alcance os pré-requisitos da série</p><p>seguinte, o que na realidade pouco acontece. Segundo o professor Celso</p><p>Vasconcelos “a reprovação representa a lógica da exclusão social no campo da</p><p>educação; se a repetência fosse fator de aprendizagem não teríamos uma</p><p>realidade de tantos alunos multirrepetentes” (1993).</p><p>Assim, a avaliação escolar é usada como instrumento de coerção e controle</p><p>social, muitas vezes justificando-se “naturalmente” a seleção social, a</p><p>discriminação e até a punição de determinados grupos.</p><p>A RME, durante o processo “Escola Constituinte”, ao propor no Princípio</p><p>n. 37 que “o currículo deve acolher a diversidade, explicitar e trabalhar as</p><p>diferenças, garantindo a todos o seu lugar e a valorização de suas</p><p>especificidades, ao mesmo tempo em que aproveita o contato com essas</p><p>dificuldades para questionar o seu próprio modo de ser”, comprometeu-se em</p><p>combater a escola conservadora excludente, de repetidos fracassos através de</p><p>“uma proposta político-pedagógica progressista voltada para as classes</p><p>populares na superação das condições de dominação a que estão submetidas,</p><p>proporcionando uma ação pedagógica, dialética, onde se efetive a construção</p><p>do conhecimento e a relação entre aprendizagem e desenvolvimento pela</p><p>Comunidade Escolar” (Princípio n. 39).</p><p>Transformar, portanto, a escola, o currículo e consequentemente o</p><p>processo avaliativo de caráter classificatório sentensivo e excludente marcado</p><p>pela aprovação X reprovação, ao final de cada série em um processo inclusivo,</p><p>interativo e de promoção dos sujeitos, tem sido um dos grandes desafios da</p><p>escola fundamental organizada por ciclos de formação na busca de</p><p>concretização</p><p>destes princípios.</p><p>Esta transformação não é fácil, não está pronta, porém construções e</p><p>reconstruções têm sido feitas ao longo desta caminhada e já se evidenciam na</p><p>nossa prática cotidiana.</p><p>A proposta de avaliação na escola cidadã propõe uma ruptura com essas</p><p>visões tradicionais, funcionalistas ou sistêmico-mecanicistas que permeiam a</p><p>educação e consequentemente as práticas pedagógicas decorrentes delas,</p><p>assumindo uma posição contra-hegemônica que contempla o</p><p>desenvolvimento do sujeito e de todos os sujeitos do ato educativo.</p><p>Parte do entendimento de avaliação enquanto a possibilidade de vir a ser</p><p>ou de fazer um outro de si mesmo, a construção de cada um e do coletivo</p><p>como diferentes, saudáveis, alegres cidadãos. É a prática da nossa existência se</p><p>construindo a partir da avaliação que fazemos de nós mesmos e das</p><p>incorporações que fazemos a partir da percepção - atuação do outro conosco,</p><p>de tal forma que assim como “sofremos” a interferência do outro, também</p><p>interferimos na realidade do outro. Realidade esta entendida como construção</p><p>social e não como algo meramente objetivo e natural; como, compreensão da</p><p>ação humana concreta e contextualizada em que as tentativas de compreensão</p><p>e apreensão do mundo têm sentido naquele momento, para aquele sujeito,</p><p>naquele grupo, e é na investigação dessas tentativas de desvelamento que</p><p>precisamos intervir. Nenhuma nota, conceito ou “certo ou errado” poderá</p><p>expressar e trabalhar esse momento.</p><p>O caráter da avaliação tem, portanto, outra lógica, diferente, é ato político.</p><p>Propicia e vivencia mudança, avanço, progressão, enfim, aprendizagem.</p><p>Na perspectiva da Escola Cidadã, proposta pelos princípios, ideias e</p><p>diretrizes levantados no Constituinte Escolar a avaliação se carateriza como</p><p>processual, contínua, participativa, diagnóstica e investigativa princípios esses</p><p>que são descritos da seguinte forma:</p><p>• Processual e contínua:</p><p>- intimamente ligada à concepção de conhecimento e currículo como a</p><p>construção histórica, singular e coletiva dos sujeitos;</p><p>- processo permanente de ação-reflexão-ação;</p><p>- contínua, isto é, ocorre durante o processo de aprendizagem dos alunos e</p><p>não após, com a finalidade de proporcionar avanço conceitual,</p><p>progressão, inclusão e reinclusão no sentido do autoconhecimento e</p><p>autopromoção do sujeito.</p><p>• Participativa:</p><p>- Envolve todos os segmentos: pais/mães, alunos/as, professores/as,</p><p>funcionários/as como:</p><p>* copartícipes</p><p>* coautores</p><p>* corresponsáveis na práxis durante o processo de aprendizagem,</p><p>retomando, reorganizando e reeducando os envolvidos por meio de</p><p>reuniões, assembleias e conselhos de classe, de série /etapa ou ciclo.</p><p>• Investigativa e diagnóstica:</p><p>- o aluno é o parâmetro de si mesmo;</p><p>- respeita o processo de construção de conhecimento do aluno</p><p>considerando o acúmulo de conhecimentos dele;</p><p>- considera o erro construtivo como ponto de reflexão, busca de</p><p>alternativa e desafio para novas construções;</p><p>- inclui a medida mas não se esgota nela: a observação, o registro e a</p><p>reflexão constantes são alguns dos múltiplos instrumentos para</p><p>levantar dados e “ver” a realidade.</p><p>Nesse sentido a avaliação como nos diz Saul</p><p>é dimensão intrínseca do ato de conhecer e portanto fundamentalmente compromissada com o</p><p>diagnóstico do avanço do conhecimento quer na perspectiva de sistematização, quer na produção do</p><p>novo conhecimento de modo a se constituir em estímulo para o avanço da produção do</p><p>conhecimento (1986, p. 129).</p><p>A avaliação faz parte do ato educativo, do processo de aprendizagem.</p><p>Avalia-se para diagnosticar avanços e entraves, para intervir, agir,</p><p>problematizando, interferindo e redefinindo os rumos e caminhos a serem</p><p>percorridos.</p><p>O desafio que as escolas têm proposto a si próprias, já expressa a avaliação</p><p>dentro de uma concepção emancipatória através de práticas reconstruídas tais</p><p>como:</p><p>• anotações sobre as produções dos alunos;</p><p>• registros de observações ou produções dos alunos;</p><p>• dossiê;</p><p>• relatórios descritivos de desempenho individual;</p><p>• autoavaliação do aluno, do grupo, da turma e dos educadores;</p><p>• reunião pais/alunos/professores para análise do dossiê pela família - “ver</p><p>pelo olhar da família”;</p><p>• conselhos de classe, etapa/ciclos, participativo;</p><p>• assembleias avaliativas;</p><p>• reuniões pedagógicas.</p><p>Um dos conceitos inseridos na Proposta Político-Pedagógica da Escola</p><p>Cidadã por ciclos de formação é o de “progressão”. É um dos elementos</p><p>centrais da proposta, senão o elemento central, pois assegura o direito de</p><p>todos à continuidade e à conclusão da educação básica pelo menos de nove</p><p>anos. É preciso entendê-lo enquanto um processo pelo qual passam todos os</p><p>sujeitos envolvidos durante todo o tempo de sua formação.</p><p>A ideia de progressão já se evidencia: primeiro na “enturmação” de alunos</p><p>e alunas, pois as crianças pré-adolescentes e adolescentes são enturmadas</p><p>conforme o contexto de desenvolvimento que apresentam dentro das idades</p><p>em que se encontram e as atividades pedagógicas de cada turma são pensadas a</p><p>partir de suas vivências, saberes e experiências considerando ainda a</p><p>manifestação de diferentes ritmos, tempos, dificuldades, potencialidades</p><p>dentre outras.</p><p>Essa enturmação se dá em cada ano do ciclo, considerando as quatro fontes</p><p>diretrizes do currículo: socioantropológica, sociopsicopedagógica,</p><p>epistemológica, filosófica ou se apresenta no conjunto do ciclo pelas chamadas</p><p>“Turmas de Progressão” (TPs). Essas TPs se constituem em mais uma</p><p>estratégia necessária enquanto todas as escolas não consigam superar as visões</p><p>ainda classificatórias e excludentes.</p><p>Nas TPs as turmas são menores, constituídas de mais ou menos vinte</p><p>alunos. O trabalho pedagógico se origina na investigação da situação de cada</p><p>aluno em particular e do grupo em geral, se propondo a criar condições para</p><p>que as aprendizagens ocorram. Portanto possibilita assim, que em qualquer</p><p>tempo os/as alunos/as possam progredir e serem enturmados, no ano de ciclo,</p><p>a seus pares aproximados em conhecimento e fases de desenvolvimento.</p><p>A previsão e o importante trabalho das professoras volantes ou itinerantes</p><p>atuando junto com as professoras referências também contribuem na</p><p>superação do trabalho isolado e individual que caraterizavam a ação do titular.</p><p>Cria-se um “coletivo de educadores” em cada ciclo em que há</p><p>corresponsabilidade na aprendizagem e no sucesso dos alunos. A solidariedade</p><p>no planejamento, na execução e avaliação se estabelece na busca constante da</p><p>aprendizagem dos alunos.</p><p>Este é também um importante avanço na proposta para as professoras:</p><p>termina o isolamento, a solidão; o exercício cotidiano docente não pode mais</p><p>aceitar fechar a porta da sala de aula e ser “dona” da mesma. Organizam os</p><p>tempos e espaços de forma diferenciada: a professora volante ou itinerante</p><p>poderá entrar junto, trabalhar com grupos pequenos enquanto a professora</p><p>referência reagrupa o ciclo, ou outros movimentos que se fizerem necessários.</p><p>As três modalidades ou tipos de avaliação: formativa, sumativa e</p><p>especializada indicam cada uma delas, formas diferenciadas de progressão:</p><p>Avaliação Formativa - investiga, diagnostica, se dá no cotidiano. É nesta</p><p>modalidade que se investigam os processos de construção do conhecimento e</p><p>neles se intervém. Durante essa modalidade se organiza um dossiê - pasta</p><p>individual - com o registro das aprendizagens significativas realizadas pelos</p><p>alunos/as. Esses registros são constituídos de trabalhos, produções individuais</p><p>e grupais de relatórios construídos coletivamente pelo grupo de educadores,</p><p>dos educandos, pelos próprios pais e outros documentos que poderão ser</p><p>analisados na trajetória do/a aluno/a na escola.</p><p>Os trabalhos que servirão de amostra no dossiê não precisam ser os</p><p>mesmos para todos os/as alunos/as, pois cada um é parâmetro de si mesmo,</p><p>devem sim é ser “datados” e retratar o processo particular de cada um. Cada</p><p>dossiê é diferenciado mostrando o caminho de cada sujeito no seu processo de</p><p>aprendizagem, as diferentes hipóteses construídas, as alternativas encontradas</p><p>na resolução das questões, a maneira como os conceitos trabalhados na escola</p><p>estão sendo construídos etc.</p><p>Esta modalidade, avaliação formativa, está presente desde a enturmação e</p><p>tem duração trimestral. O importante para todos, alunos dos anos do ciclo ou</p><p>das TPs, é a garantia do avanço nas aprendizagens e que são responsabilidade e</p><p>compromisso coletivo dos sujeitos envolvidos no processo: aluno, pais-mães,</p><p>professores...</p><p>Contamos, ainda, com a existência do laboratório de aprendizagem que</p><p>pretende investigar e compreender os processos cognitivos pelos quais passam</p><p>os/as alunos/as na construção do conhecimento, em horários extraclasse.</p><p>Contribui, também, com os/as professores/as referências na sua intervenção</p><p>em sala de aula durante o processo de construção do conhecimento pelo</p><p>educando. Pretende ainda criar alternativas didático-pedagógicas de</p><p>atendimento aos alunos não só aos do laboratório de aprendizagem assim</p><p>como de disseminá-las e difundi-las entre todos os educadores, integrando as</p><p>atividades do laboratório de aprendizagem com o trabalho das turmas e</p><p>contribuindo na discussão do trabalho pedagógico na sala de aula.</p><p>O laboratório de aprendizagem atende a grupos pequenos de alunos que</p><p>poderão ser diferentes conforme a realidade de cada escola e dos alunos.</p><p>Avaliação Sumativa (de sumário e não de soma) - É a globalização da</p><p>avaliação formativa que acontece ao final do ano, para todos os/as alunos(as)</p><p>do ano do ciclo e de um ciclo para outro, pois todos progridem. Aponta os</p><p>modos ou tipos de progressão que são três:</p><p>a) Progressão Simples - para os estudantes que acompanharam o trabalho</p><p>desenvolvido sem encontrar maiores dificuldades. Alunos que</p><p>avançaram na aprendizagem.</p><p>b) Progressão com plano didático de apoio - para os estudantes que ainda</p><p>manifestam algumas dificuldades, que necessitam de uma intervenção</p><p>mais individualizada. Este plano deve ser elaborado pelo coletivo de</p><p>educadores a partir do dossiê dos alunos.</p><p>c) Progressão sujeita a uma investigação especializada - requerida pelos</p><p>educadores para casos de alunos que necessitam de uma investigação</p><p>mais aprofundada sobre as dificuldades e que extrapolam os limites da</p><p>escola apresentando necessidade de atendimento mais amplo.</p><p>Realizada por todos os profissionais possíveis de contribuir para a</p><p>organização do trabalho no ano seguinte: orientadora educacional,</p><p>supervisora escolar, educadores e volantes do ciclo. Laboratórios de</p><p>aprendizagem, coordenador cultural e recorrendo a outros</p><p>profissionais como assistentes sociais, psicólogos, agentes de saúde,</p><p>médicos e outros em parceria com a SMS, Universidades, redes de</p><p>atendimento.</p><p>Avaliação Especializada - Pode ser realizada sempre que necessário ou será</p><p>indicada, quando for o caso na progressão de um ciclo para outro. É destinada</p><p>àqueles educandos que necessitam de apoio educativo especial e muitas vezes</p><p>individualizado.</p><p>Para atender crianças com necessidades especiais, contamos ainda com o</p><p>atendimento em turno contrário aos alunos, pela SIR: Sala de Integração e</p><p>Recurso. É atendida por pedagogos especiais em turno oposto ao horário</p><p>regular da turma, para alunos com necessidades especiais contínuas ou</p><p>transitórias. O atendimento poderá ser individual ou em grupo.</p><p>Constitui-se num espaço e modalidade de trabalho pedagógico</p><p>complementar e específico para a investigação e atendimento aos alunos que</p><p>apresentarem necessidades educativas especiais.</p><p>Finalizando quero citar o depoimento do segmento de pais/mães na</p><p>discussão realizada no IV Encontro de Conselhos Escolares em dezembro de</p><p>1995:</p><p>Na avaliação deve ser visto o aproveitamento dos alunos dentro do que a escola propôs e discutir os</p><p>porquês das dificuldades de assimilação desses conhecimentos. A escola não existe para avaliar</p><p>pessoas e aprovar ou reprovar, mas para fazê-las adquirir conhecimentos e crescer plenamente.</p><p>Luckesi (1996), neste sentido, faz uma distinção entre julgamento e</p><p>avaliação, diz que o julgamento define uma situação, do ponto de vista do sim</p><p>e do não, do certo e do errado; a avaliação acolhe alguma coisa, ato, pessoa ou</p><p>situação, reconhece-a como é (diagnóstico) para agir; não há uma separação</p><p>entre o certo e o errado; há o que existe e esta situação que existe é acolhida</p><p>para ser modificada. Na avaliação não há seleção e exclusão. Ele define a</p><p>avaliação da aprendizagem como um “ato amoroso, no sentido de que a</p><p>avaliação por si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo.” Tem portanto,</p><p>objetivo de diagnosticar, acolher e reincluir o educando, pelos mais variados</p><p>meios, no processo de aprendizagem, de tal forma que integre todas as suas</p><p>experiências de vida.</p><p>Nesse sentido é importante destacar o papel dos sujeitos envolvidos:</p><p>Alunos: o aluno é sujeito responsável pelo ato de aprender. A</p><p>aprendizagem é de sua responsabilidade na relação com o professor, com seus</p><p>colegas e com o conhecimento. Ninguém aprende pelo outro, ninguém dá do</p><p>seu conhecimento a outro. O conhecimento é construído pelo sujeito e</p><p>portanto, a sua avaliação também, ninguém melhor que o próprio aprendiz</p><p>para dizer o que está aprendendo ou não.</p><p>Pais: Compromisso com o vir a ser de seus filhos, é o pai e a mãe que</p><p>escutam, ouvem, vêem, “sabem” no que seu filho avança ou não, percebem</p><p>suas dificuldades. Necessidade de se envolver, não se omitir, de buscar espaços</p><p>na escola para pensar juntos e concretizar alternativas que venham a</p><p>contribuir na aprendizagem e na formação de seus filhos.</p><p>Funcionários: Enquanto educador, também é parceiro, ouvinte dos alunos</p><p>na hora do recreio, nos corredores quando “cuida” deles para que o professor</p><p>possa sair da aula por alguns momentos e portanto “o conhece” e tem muito a</p><p>dizer e contribuir neste processo.</p><p>Professores: Enquanto principais sujeitos desta transformação, por isso e</p><p>para isso quero usar as palavras de Paulo Freire:</p><p>(...) Se a minha opção é democrática, progressista, não posso ter uma prática reacionária. Não posso</p><p>discriminar o aluno em nome de nenhum motivo. A percepção que o aluno tem de mim não resulta</p><p>exclusivamente de como atuo mas também de como o aluno entende como atuo. Evidentemente,</p><p>não posso levar meus dias como professor a perguntar aos alunos o que acham de mim ou como me</p><p>avaliam. Mas devo estar atento à leitura que fazem de minha atividade com eles. Precisamos</p><p>aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da sala.</p><p>O tom menos cortês com que foi feita a pergunta. Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser</p><p>constantemente “lido”, interpretado, “escrito” e “relido”. Neste sentido, quanto mais solidariedade</p><p>exista entre o educador e educandos no “trato” deste espaço, tanto mais possibilidades de</p><p>aprendizagem democrática se abrem na escola.</p><p>Creio que nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face da</p><p>esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da educação. Desse ponto de vista,</p><p>que é reacionário, o espaço pedagógico, neutro por excelência, é aquele em que se treinam os alunos</p><p>para práticas apolíticas, como se a maneira humana de estar no mundo fosse ou pudesse ser uma</p><p>maneira neutra.</p><p>Minha presença de professor, que não passa despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma</p><p>presença em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções.</p><p>Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar,</p><p>de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem</p><p>que ser meu testemunho.</p><p>Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.</p><p>(...) O diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se</p><p>encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem... Através do diálogo,</p><p>refletindo juntos sobre o que sabermos e não sabemos, podemos a seguir, atuar criticamente para</p><p>transformar a realidade (1996).</p><p>Concluindo, é importante ter presente e salientar a concepção que</p><p>permeia toda a proposta dos ciclos de formação e em especial neste assunto -</p><p>avaliação - as funções de investigação</p><p>- pesquisa - diagnóstico e de</p><p>participação que perpassam todos os momentos/ tempos/espaços e todos os</p><p>sujeitos envolvidos na constante postura de ação-reflexão-ação sobre a vida</p><p>vivida no cotidiano escolar. Optamos por centrar nossa discussão não nos</p><p>instrumentos e técnicas historicamente usados, mas nos mecanismos,</p><p>estratégias e iniciativas forjados nesta concepção e garantidos pela própria</p><p>proposta.</p><p>Há que refletir, questionar e problematizar se, e até que ponto, estes</p><p>mesmos mecanismos e estratégias estão contribuindo na formação de cidadãos</p><p>porto-alegrenses, riograndenses, brasileiros e do mundo, mais sensíveis,</p><p>solidários, apaixonados, éticos, coletivos, construtores de uma cidadania</p><p>melhor.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AZEVEDO, J. C. Escola cidadã: construção coletiva e participação popular. In:</p><p>SILVA, L. Heron. Escola cidadã no contexto da Globalização. Petrópolis:</p><p>Vozes, 1998.</p><p>FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São</p><p>Paulo: Paz e Terra, 1996.</p><p>FREITAS, A. L. S. O processo de reestruturação curricular e a formação permanente de</p><p>educadores da RME de Porto Alegre: reletindo o processo de constituição da</p><p>escola por ciclos de formação. Porto Alegre, 1997. (mimeo.)</p><p>LOCH, J. M. P. Avaliação emancipatória: um processo de construção coletiva da</p><p>RME de Porto Alegre. In: Cadernos Pedagógicos, n. 4. Porto Alegre,</p><p>SMED, 1996.</p><p>ROCHA, S. J. e KRUG, A. R. F. Buscando compreender a progressão no processo</p><p>avaliativo das escolas por ciclos de formação. In: Relexões da escola cidadã:</p><p>dialogando sobre ciclos de formação. n. 4, abr. 1998.</p><p>SAUL, A. M. Avaliação emancipatória: desaio à teoria e à prática de avaliação e</p><p>reformulação de currículo. São Paulo: Cortez, 1995.</p><p>ROCHA, Silvio (org.). Ciclos de Formação - Proposta Política-Pedagógica da</p><p>Escola Cidadã. In: Cadernos Pedagógicos. Porto Alegre; Secretaria</p><p>Municipal de Educação, n. 9, 1996.</p><p>__________. Princípios e diretrizes da constituinte escolar. Porto Alegre, 1995.</p><p>TORRES, G. e SALES, M. T. Hacia una teoría contra-hegemónica de la evolución.</p><p>In: Revista Espaço Pedagógico. Passo fundo, vol. 2, n. 1, 1995.</p><p>VASCONCELLOS, C. S. Avaliação: concepção dialética-libertadora do processo de</p><p>avaliação escolar. Cadernos Pedagógicos, São Paulo: Libertad, n. 8, 1993.</p><p>1 Professora de didática do curso de Pedagogia da PUC/RS e Assessora Técnica da Coordenação</p><p>Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Porto Alegre.</p><p>Capa</p><p>Página de Créditos</p><p>Folha de Rosto</p><p>Expediente</p><p>Sumário</p><p>A avaliação no cotidiano escolar</p><p>A avaliação e suas implicações no fracasso/sucesso</p><p>Uma polêmica em relação ao exame</p><p>Escola pública, comunidade e avaliação</p><p>A cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais</p><p>Avaliação na escola cidadã</p><p>medida em que vai selecionando o que pode e deve ser aceito na escola. A</p><p>análise da prática pedagógica mostra claramente que a avaliação como prática</p><p>construída a partir da classificação das respostas dos/as alunos/as em erros ou</p><p>acertos impede que o processo ensino/aprendizagem incorpore a riqueza</p><p>presente nas propostas escolares, o que seria valorizar a diversidade de</p><p>conhecimentos e de processos de sua construção e socialização. A avaliação</p><p>funciona como instrumento de controle e de limitação das atuações</p><p>(alunos/professores) no contexto escolar.</p><p>Esta análise mostra a insuficiência da prática de avaliação instituída para</p><p>responder à dinâmica do processo ensino/aprendizagem e a necessidade de</p><p>reconstrução do processo de avaliação como parte de um movimento</p><p>articulado pelo compromisso com o desenvolvimento de uma prática</p><p>pedagógica comprometida com a inclusão, com a pluralidade, com o respeito</p><p>às diferenças, com a construção coletiva. Um movimento direcionado pela</p><p>concepção de escola como território múltiplo, marcado pela diversidade de</p><p>culturas e vozes. Esta transformação requer uma redefinição paradigmática</p><p>(Barriga, 1992).</p><p>Os diversos fios que tecem o cotidiano escolar, as dobras que ocultam e</p><p>revelam, as palavras que falam e calam, vão nos indicando simultaneamente o</p><p>esgotamento dos processos de negação, seleção e exclusão, e a emergência de</p><p>possibilidades de ruptura com esses processos.</p><p>Acredito que o não-dito, os silêncios, os fatos cotidianos, as historinhas</p><p>comuns, iguais a tantas outras povoadoras de nossas salas de aula, e que</p><p>contamos na sala de professores ou mesmo aquelas a que não damos maior</p><p>importância e que nem chegam a ser incorporadas ao nosso vasto repertório,</p><p>histórias aparentemente banais, constituidoras da vida escolar, são eventos</p><p>importantes a indicar outras possibilidades de ação. Essas histórias,</p><p>extremamente comuns (quem não teria alguma historinha ocorrida em seu</p><p>cotidiano sobre momentos em que o/a aluno/a respondeu errado à pergunta</p><p>feita pelo/a professor/a?), podem nos ajudar a refletir sobre a ação docente,</p><p>quanto à resposta do/a aluno/a e quanto ao processo de avaliação como parte</p><p>da dinâmica ensino/aprendizagem.</p><p>Fatos, que apesar de comuns, em geral estão marcados pela palavra</p><p>diferente. Inicialmente, diferente marca a distância entre a proposta do</p><p>exercício e a resposta dada, porém, um olhar mais atento, uma escuta mais</p><p>refinada, uma intuição mais apurada, que vão sendo construídos através do</p><p>diálogo, podem indicar que diferente é o fio que enlaça a pergunta à resposta</p><p>desde um ponto de vista original, inesperado, desconcertante, que algumas</p><p>vezes achamos engraçado, outras interessante, outras trágico. De um modo ou</p><p>de outro, esta diferença chama nossa atenção.</p><p>O que leva a professora ou o professor em alguns casos a refletir sobre a</p><p>diferença em vez de simplesmente negá-la, como frequentemente acontece na</p><p>escola? Podemos levantar a hipótese de que tal situação consegue romper as</p><p>barreiras e se colocar no campo do diálogo, de modo que, estando aberto ao</p><p>outro, o/a professor/a pode, apesar da surpresa, ou talvez como consequência</p><p>da surpresa, refletir sobre o que o/a aluno/a diz e sobre a avaliação que ele/a</p><p>mesmo/a havia feito.</p><p>Nestas situações cotidianas, às quais não damos maior relevância, podemos</p><p>encontrar sinais de ruptura com o discurso da classificação que vem dando</p><p>sentido às práticas de avaliação. Ao dialogar com o/a aluno/a, ainda que</p><p>brevemente, e ao se dispor a aprender com ele/a, o/a professor/a desfaz</p><p>muros e restabelece laços. Porém, como afirmei anteriormente, há muitos</p><p>desses “casos”, que, sendo diferentes, possuem aspectos comuns que nos</p><p>permitem “classificá-los” como “histórias interessantes”. Retirar destes fatos o</p><p>rótulo de extraordinário, longe de esvaziar-lhe a importância, sublinha a</p><p>potência, pois como parte das situações comuns se tornam indícios de que se a</p><p>prática pedagógica está impregnada do discurso da exclusão, nela também se</p><p>anunciam possibilidades de transformação do discurso hegemônico.</p><p>Quero ressaltar a palavra “possibilidade”. Não há certeza de que</p><p>construiremos práticas menos excludentes na escola, mas podemos vislumbrar</p><p>um movimento neste sentido. Portanto, a possibilidade nos convida ao</p><p>trabalho, árduo porque desconhecido, de transformála em realidade. A</p><p>existência da possibilidade nos desafia a buscar alternativas. Nessa busca</p><p>encontro o conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (Vigotsky, 1988)</p><p>como um instrumento que amplia a reflexão sobre o processo de avaliação.</p><p>Este conceito indica a existência de um espaço onde os conhecimentos</p><p>estão em construção, sendo estes, e não os conhecimentos já consolidados, que</p><p>devem conduzir a prática pedagógica. Ressalta a natureza coletiva,</p><p>compartilhada e solidária do conhecimento, além da riqueza da</p><p>heterogeneidade, pois em cooperação os sujeitos revelam seus conhecimentos</p><p>potenciais, desenvolvem novas potencialidades, articulando um processo</p><p>permanente de ampliação dos conhecimentos. Forja novos olhares para o</p><p>movimento de construção de conhecimentos, indica outros caminhos para o</p><p>processo ensino/aprendizagem, sinalizando uma perspectiva interessante para</p><p>se repensar a avaliação: o abandono da classificação dos conhecimentos já</p><p>consolidados, e a busca dos processos emergentes, em construção, que podem</p><p>anunciar novas possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento.</p><p>Põe o diálogo no centro do processo ensino/aprendizagem e joga luz sobre</p><p>as pontes que conectam os territórios artificialmente isolados. Substitui a</p><p>interpretação unívoca, de natureza excludente, que propõe a avaliação como</p><p>um processo articulado pela distinção entre erro e acerto, por uma orientação</p><p>dialógica, que pressupõe inclusão e multiplicidade. A emergência da</p><p>multiplicidade de saberes permite o confronto e revela a ambiguidade que o</p><p>processo de avaliação, como prática de classificação, possui enquanto atividade</p><p>impregnada pela dinâmica e pelos valores sociais. Dando visibilidade à</p><p>ambiguidade, a incorpora como um sinal de que as conclusões devem ser</p><p>relativizadas e continuamente interrogadas, de que é preciso procurar</p><p>entender a lógica do outro, de que a diferença sinaliza novas possibilidades.</p><p>Iluminar a multiplicidade de culturas que permeiam o cotidiano escolar</p><p>nos desafia a ultrapassar a dicotomia entre norma e desvio, subjacente ao</p><p>antagonismo acerto e erro. Reconhecer a existência da diversidade significa que</p><p>os vários conhecimentos não são formas “aceitáveis” para se atingir o</p><p>“verdadeiro” conhecimento, a diferença nos mostra que os resultados variados</p><p>são conhecimentos construídos a partir de óticas diferentes, articulando de</p><p>maneira peculiar os fragmentos de conhecimento que cada um possui.</p><p>Quem erra não sabe?</p><p>O que sabe quem erra?</p><p>O erro passa a ser visto por outro prisma, como momento do processo de</p><p>construção de conhecimentos que dá pistas sobre o modo como cada um está</p><p>organizando seu pensamento, a forma como está articulando seus diversos</p><p>saberes, as diversas lógicas que atravessam a dinâmica ensino/aprendizagem,</p><p>as muitas possibilidades de interpretação dos fatos, a existência de vários</p><p>percursos, desvios e atalhos, as peculiaridades de cada um nos processos</p><p>coletivos, a tensão individual/coletivo. Deixa de representar a ausência de</p><p>conhecimentos, a deficiência, a impossibilidade, a falta.</p><p>O erro oferece novas informações e formula novas perguntas sobre a</p><p>dinâmica aprendizagem/desenvolvimento, individual e coletiva. O erro,</p><p>muitas vezes mais do que o acerto, revela o que a criança “sabe”, colocando</p><p>este saber numa perspectiva processual, indicando também aquilo que ela</p><p>“ainda não sabe”, portanto o que pode “vir a saber” (Esteban, 1992). Neste</p><p>sentido, passa a ser um estímulo (ou um desafio) ao processo</p><p>ensino/aprendizagem - estímulo para quem aprende e estímulo para quem</p><p>ensina. O erro desvela a complexidade do processo de conhecimento, tecido</p><p>simultaneamente pelo passado, pelo presente e pelo devir.</p><p>O conceito de “zona de desenvolvimento proximal” constitui um</p><p>instrumento significativo para explorar a diversidade de conhecimentos e a</p><p>pluralidade de processos para sua construção, além de estabelecer mecanismos</p><p>para a construção de conhecimentos novos e mais amplos que os anteriores.</p><p>Este conceito requer professores que reflitam sobre sua ação estabelecendo um</p><p>permanente diálogo no qual se entreteçam a teoria e a prática, o professor</p><p>pesquisador de que nos fala Schon (1992).</p><p>Como outra face dessa exigência, oferece aos professores uma ferramenta</p><p>conceitual que atua no sentido de transformar a avaliação de uma prática de</p><p>classificação num processo de investigação. Esta perspectiva de avaliação</p><p>insere na prática pedagógica uma ação concreta que fomenta a ação coletiva e</p><p>contribui para que o professor reflita sobre seu contexto, sobre o processo de</p><p>aprendizagem/desenvolvimento de seus alunos, sobre sua atuação profissional</p><p>e sobre seu próprio processo de construção de conhecimentos (Esteban, 1997).</p><p>A avaliação como processo de classificação está limitada por ter em sua</p><p>raiz a homogeneidade; como prática de investigação se configura uma</p><p>perspectiva de heterogeneidade, abrindo espaço para que o múltiplo e o</p><p>desconhecido ganhem visibilidade. As respostas predeterminadas cedem lugar</p><p>às respostas em constante construção, desconstrução e reconstrução, que</p><p>passam a configurar o início de novos questionamentos, sejam elas certas ou</p><p>erradas. As diferenças entre alunos/as são assumidas como peculiaridades que</p><p>devem ser trabalhadas e incorporadas pelo movimento coletivo, deixando de</p><p>ser compreendidas como deficiências que precisam ser corrigidas. O erro passa</p><p>a representar um indício, entre muitos outros, do processo de construção de</p><p>conhecimentos. O erro aporta aspectos significativos para o processo de</p><p>investigação ao sinalizar que a criança está seguindo trajetos diferentes</p><p>(originais, criativos, novos, impossíveis?) dos propostos e esperados pelo/a</p><p>professor/a.</p><p>Avaliar é interrogar e interrogar-se. Assim como Bachelard (1970),</p><p>precisamos indagar: por que não? A pergunta por que não nega a absolutização</p><p>do “saber” e do “não saber” e ressalta a relevância de se considerar a construção</p><p>do conhecimento como uma possibilidade permanente. Esta compreensão nos</p><p>ajuda a transformar nossa leitura dos resultados alcançados e processos</p><p>instaurados na sala de aula, convertendo o não saber, estático, negativo e</p><p>definitivo, em “ainda não saber”, provisório, relativo e potencial (Esteban,</p><p>1992). A pergunta “por que não” revela a existência de possibilidades que</p><p>ultrapassam os limites do que foi observado no contexto de produção e</p><p>socialização do saber. A pergunta “por que não” convida a ultrapassar os</p><p>limites do já conhecido, do que foi observado no contexto de produção e</p><p>socialização do saber, sugerindo a existência de possibilidades até então</p><p>desconhecidas.</p><p>Este movimento incide sobre o sentimento de onipotência que tem</p><p>caraterizado a produção científica e se reflete na ação docente: o/a professor/a</p><p>proprietário/a do conhecimento relevante que vai transmiti-lo a um/a</p><p>aluno/a carente de conhecimentos, torna-se um/a professor/a atento à</p><p>parcialidade, incompletude e relatividade dos saberes, valorizando o diálogo</p><p>por compreender que alunos/as e professores/as possuem conhecimentos e</p><p>desconhecimentos, podendo ajudar-se mutuamente a superar o ainda não</p><p>saber de cada um especificamente e do grupo como um todo.</p><p>Nesta perspectiva, o/a professor/ procura compreender o que os/as</p><p>alunos/as podem vir a saber/fazer, com vistas a desenhar uma ação docente</p><p>que favoreça este processo. Para conhecer e transformar o processo</p><p>pedagógico, procura meios de se aproximar do contexto no qual a escola se</p><p>insere e dialogar com esse entorno, considerandoo parte significativa da</p><p>dinâmica ensino/aprendizagem. Se apropria dos conhecimentos já produzidos,</p><p>articula-os com sua observação/ ação e, em conjunto com seus companheiros,</p><p>produz novos conhecimentos.</p><p>A avaliação como prática de investigação tem o sentido de romper as</p><p>barreiras entre os participantes do processo ensino/aprendizagem e entre os</p><p>conhecimentos presentes no contexto escolar. Desta forma, os mecanismos de</p><p>percepção e de leitura da realidade são ampliados, facilitando a identificação</p><p>dos sinais de que algum/a aluno/a esteja sendo posto à margem do processo e</p><p>das pistas para viabilizar a reconstrução de seu trajeto, como parte da dinâmica</p><p>coletiva instaurada na sala de aula. A finalidade é que todos possam ampliar</p><p>continuamente os conhecimentos que possuem, cada um no seu tempo, por</p><p>seu caminho, com seus recursos, com a ajuda do coletivo.</p><p>Investigando o processo de ensino/aprendizagem o/a professor/a redefine</p><p>o sentido da prática avaliativa. A avaliação como um processo de reflexão</p><p>sobre e para a ação contribui para que o/a professor/a se torne cada vez mais</p><p>capaz de recolher indícios, de atingir níveis de complexidade na interpretação</p><p>de seus significados, e de incorporálos como eventos relevantes para a</p><p>dinâmica ensino/aprendizagem. Investigando, refina seus sentidos e</p><p>exercita/desenvolve diversos conhecimentos com o objetivo de agir conforme</p><p>as necessidades de seus alunos alunas, individual e coletivamente</p><p>considerados.</p><p>Um convite desafiador</p><p>Construir uma avaliação capaz de dialogar com a complexidade do real,</p><p>com a multiplicidade de conhecimentos, com as particularidades dos sujeitos,</p><p>com a dinâmica individual/coletivo, com a diversidade de lógicas, dentro de</p><p>um processo costurado pelos múltiplos papéis, valores e vozes sociais,</p><p>perpassado pelo confronto de interesses individuais e coletivos, não é tarefa</p><p>simples. Este texto não se propõe elaborar propostas/respostas. O que nos</p><p>move é a possibilidade de contribuir com o debate. Sobretudo pretendemos</p><p>investir nas possibilidades de ruptura com a estrutura excludente já</p><p>consolidada, tecendo novos laços entre saberes e fazeres que buscam as</p><p>fronteiras, não como territórios que isolam, mas como lugares de trânsito,</p><p>espaços de interseção que estimulam o contato, indicando formas mais</p><p>solidárias de compreensão e de construção da realidade, escolar e social.</p><p>A avaliação como prática de investigação pressupõe a interrogação</p><p>constante e se revela um instrumento importante para professores e</p><p>professoras comprometidos com uma escola democrática. Compromisso esse</p><p>que os coloca frequentemente diante de dilemas e exige que se tornem cada dia</p><p>mais capazes de investigar sua própria prática para formular “respostas</p><p>possíveis” aos problemas urgentes, entendendo que sempre podem ser</p><p>aperfeiçoadas.</p><p>Professores/as arriscam novas possibilidades, delineiam novos percursos,</p><p>esboçam novas análises de antigas questões e se sentem estimulados pelos</p><p>desafios diários implícitos no ser professor/a: profissionais cientes dos riscos e</p><p>erros entranhados na construção do novo, capazes de ler nos erros respostas</p><p>que instigam a repensar o processo e sinalizam novos pontos de partida.</p><p>Professores e professoras que encontram no desconhecido pontes para novos</p><p>e mais profundos conhecimentos e que vêem seus alunos/as como parceiro/as</p><p>nesse caminho, enquanto convidam os/as alunos/as, na verdade também estão</p><p>aceitando um desafio.</p><p>O convite/desafio feito por alunos/as que não se deixam modelar pela</p><p>escola, demandando práticas que não reduzam o conhecimento a respostas</p><p>certas de questões escolares; convite/desafio que se fazem professores/as</p><p>comprometidos/as com os/as alunos/as das classes populares que não têm seus</p><p>saberes reconhecidos, são frequentemente impedidos de ampliar seus</p><p>conhecimentos e não conseguem escapar do perverso círculo da exclusão.</p><p>O convite/desafio à mudança, para muitos, é bastante atrativo. Porém,</p><p>toda mudança pressupõe riscos. Muitas vezes é preciso reconstruir o olhar,</p><p>num movimento que requer a desconstrução do modo como se interpreta a</p><p>realidade e se organiza a vida. Pode ser bastante difícil questionar, negar e</p><p>substituir as crenças, preconceitos, valores, conhecimentos e costumes já</p><p>consolidados.</p><p>A dicotomia entre erro e acerto e entre saber e não-saber, marcos da</p><p>concepção classificatória</p><p>de avaliação, são aspectos profundamente enraizados</p><p>em nossa forma de ver o mundo. A compreensão de que toda resposta, seja ela</p><p>“certa” ou “errada” do ponto de vista do avaliador, traz em si conhecimentos e</p><p>desconhecimentos leva à conclusão de que o que permite o movimento é o</p><p>“ainda não saber” - síntese do já consolidado e sinal de novas possibilidades - e</p><p>à percepção de que o “não saber” tem tanto valor, para se tecer novos</p><p>conhecimentos, quanto o saber: rompe com essa dicotomia e traz outros</p><p>olhares para o processo avaliativo. A leitura do erro em sua positividade nega</p><p>o conhecimento hegemônico e se insere na perspectiva de reconstrução</p><p>paradigmática.</p><p>A transformação no processo de avaliação se configura no âmbito de um</p><p>movimento mais amplo de reconstrução do sentido da escola e se articula ao</p><p>movimento global de redefinição das práticas sociais. Neste processo é</p><p>fundamental: olhar atentamente para as pequenas histórias do nosso</p><p>cotidiano, refletir sobre elas, contá-las aos outros, compartilhar o espanto e</p><p>admiração, as dúvidas, certezas e surpresas. entender essas historinhas, os</p><p>acontecimentos simples, os fatos corriqueiros, os erros, como pistas</p><p>significativas dos múltiplos processos que atravessam a construção de</p><p>conhecimentos, indícios que permitem ver além do imediatamente</p><p>perceptível, sinais que trazem novas possibilidades ainda não exploradas;</p><p>enxergar o cotidiano como espaço/tempo plural onde ocorrem interações</p><p>diversas, onde o eu e o outro, ou eu e os muitos outros, com seus erros e</p><p>acertos, movidos tanto pelo que “sabem” quanto pelo que “ainda não sabem”,</p><p>se encontram simplesmente para dar continuidade à teia da vida.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>AQUINO, J. (org.) Erro e fracasso na escola - alternativas teóricas e práticas. São</p><p>Paulo: Summus, 1997.</p><p>ARROYO, M. Fracasso-sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da</p><p>educação básica. In: ABRAMOWIC, A. e MOLL, J. (orgs.) Para além do fracasso</p><p>escolar. Campinas: Papirus, 1997.</p><p>BACHELARD, G. La ilosoia del no. Buenos Aires: Amorrortu, 1970.</p><p>BARRIGA, A. D. Tesis para una teoría de la evaluación y sus derivaciones en la</p><p>docencia. In: Periles Educativos. México: Centro de Investigaciones y</p><p>Servicios Educativos de la UNAM, 15, mar. 1982.</p><p>GARCIA, R. L. e VALLA, V. V. (orgs.) A fala dos excluídos. In: Cadernos CEDES,</p><p>38. São Paulo: Papirus, 1996.</p><p>ESTEBAN, M. T. Não saber/Ainda não saber/Já saber: pistas para a superação do</p><p>fracasso escolar. Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1992.</p><p>__________. La reconstrucción del saber docente sobre la teoría y la práctica de la</p><p>evaluación. Tese de Doutorado. Santiago de Compostela, Universidade de</p><p>Santiago de Compostela. 1997.</p><p>__________. Desafios escolares para a avaliação. In: Presença Pedagógica, 25.</p><p>Dimensão, jan./fev. 1999.</p><p>GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.</p><p>MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1998.</p><p>SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto, Afrontamento, 1993.</p><p>SACRISTÁN, J. G. La Pedagogia por objetivos: obsesión por la eiciencia. Madrid:</p><p>Morata, 1982.</p><p>SCHON, D. La formación de profesionales relexivos. Hacia un nuevo diseno de la</p><p>ensenanza y el aprendizaje en las profesiones. Barcelona: Paidós, 1992.</p><p>VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988.</p><p>1 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense - UFF.</p><p>A avaliação e suas implicações</p><p>no fracasso/sucesso1</p><p>Regina Leite Garcia</p><p>2</p><p>A avaliação sempre foi uma atividade de controle que visava selecionar e,</p><p>portanto, incluir alguns e excluir outros. Aliás, vamos descobrir em Barriga</p><p>que é recente a denominação “avaliação” a uma prática por muito tempo</p><p>chamada “exame”.</p><p>Muitos foram os críticos do exame, embora em nosso século tenha sido</p><p>crescente o seu uso e abuso. Para Marx, “o exame não é outra coisa senão o</p><p>batismo burocrático do conhecimento, o reconhecimento oficial da</p><p>transubstanciação do conhecimento profano em conhecimento sagrado”, com</p><p>o que Bourdieu concorda, tanto que o cita no capítulo 3 de A Reprodução, bíblia</p><p>dos educadores críticos brasileiros, mais tarde criticados por demasiadamente</p><p>reprodutivistas, nos idos dos anos de 1970, princípios de 1980. No referido</p><p>livro, Bourdieu e Passeron estudam as caraterísticas e funções internas do</p><p>exame no sistema francês de ensino deixando claro que</p><p>é somente com a condição de apartar-se, numa segunda ruptura, da ilusão da neutralidade e</p><p>independência do sistema escolar em relação à estrutura das relações de classe que se pode chegar a</p><p>interrogar a interrogação sobre o exame para descobrir o que o exame oculta e o que a interrogação</p><p>sobre o exame contribui ainda para ocultar ao desviar-se da interrogação sobre a eliminação sem</p><p>exame.</p><p>E Foucault nos mostra como o exame é um espaço que inverte as relações</p><p>de saber em relações de poder. Em seus estudos de uma microfísica do poder,</p><p>revela como se deu o uso da normalização nos séculos XVII e XVIII,</p><p>estruturando relações de submissão, de objetivação e de normalização a partir</p><p>da escola. “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção</p><p>que normaliza. ”</p><p>A primeira notícia que temos de exame nos é trazida por Weber quando se</p><p>refere ao uso pela burocracia chinesa, nos idos de 1200 a.C., para selecionar,</p><p>entre sujeitos do sexo masculino, aqueles que seriam admitidos no serviço</p><p>público. Portanto o exame aparece não como uma questão educativa mas</p><p>como um instrumento de controle social. Através de exames públicos, soi</p><p>disant abertos a todos, abriamse as portas a fim de que alguns entrassem para</p><p>fazer parte da burocracia, ainda que portas laterais deixassem passar aqueles</p><p>que podiam oferecer dádivas não tão lícitas quanto a competência exigida na</p><p>porta principal. Autores como Judges consideram ser impossível compreender</p><p>o que sustentou o velho império chinês por tanto tempo e o seu colapso final</p><p>sem o conhecimento do funcionamento social do sistema de exames “com</p><p>todos os seus aspectos caprichosos”.</p><p>Nada se encontra na literatura pedagógica, até muito recentemente, que</p><p>nos permita afirmar ter havido a prática do exame na escola, apesar de</p><p>Durkheim se referir ao exame na universidade medieval. Segundo o autor,</p><p>havia três situações em que aparecia o exame: para o bacharel, para o</p><p>licenciado e para o doutor. Estes exames seriam como rituais de iniciação, ou</p><p>melhor dito, de passagem pois o candidato teria de mostrar um determinado</p><p>grau de maturidade intelectual adquirido durante a sua escolaridade para</p><p>poder ser reconhecido como bacharel, licenciado ou doutor. É interessante nos</p><p>reportarmos ainda a Durkheim quando afirma que, no século XV, o exame era</p><p>um momento em que aquele que se expunha ao ritual era frequentemente</p><p>ridicularizado por perguntas embaraçosas, o que nos faz pensar que “lá como</p><p>cá más fadas há”. Penso nas bancas de defesa de dissertação e de tese, quando</p><p>algumas vezes o quase mestre ou quase doutor é exposto a uma sabatina, em</p><p>que até o orientador, esquecido de sua corresponsabilidade na elaboração do</p><p>trabalho, participa do massacre. Penso ainda nos comitês ad hoc, em que</p><p>protegidos pelo anonimato, inimigos não assumidos se vingam, reprovando</p><p>projetos apenas por discordâncias teóricas, epistemológicas, ideológicas ou</p><p>políticas.</p><p>No século XVII surgem duas formas de institucionalizar o exame: uma</p><p>vem de Comenius que em 1657 o toma como um problema metodológico em</p><p>sua Didactica Magna, um lugar de aprendizagem e não de verificação de</p><p>aprendizagem; a outra, defendida por La Salle em 1720 em Guia das Escolas</p><p>Cristãs, que propõe o exame como supervisão permanente, posição que levou</p><p>Foucault a denunciar o aspecto de vigilância contínua pois que os exames,</p><p>cujos resultados são entregues ao diretor, passam a ser realizados em todos os</p><p>dias da semana, provocando reprimendas públicas aos que se atrasam e</p><p>estímulo aos que se destacam pelos bons resultados. O sistema de avaliação,</p><p>instituído no Brasil hoje, não poderia pensar melhor um sistema de controle</p><p>do</p><p>ensino!</p><p>Ficam assim, desde o século XVII, anunciadas as consequências das</p><p>posições de Comenius e de La Salle, cujos efeitos se podem sentir até hoje.</p><p>Um, Comenius, ao considerar o exame um problema metodológico, convida a</p><p>repensar a prática pedagógica, a melhor ensinar para que “todos possam</p><p>aprender tudo” conforme recomendava. Jamais pretendeu que o exame levasse</p><p>à promoção ou qualificação do aprendiz, o que efetivamente não aconteceu até</p><p>o século XIX. Para Comenius, se o aluno não aprendesse, havia que se</p><p>repensar o método, ou seja, o exame era um precioso auxílio a uma prática</p><p>docente mais adequada ao aluno. Já o outro, La Salle, centra no aluno e no</p><p>exame o que deveria ser o resultado da prática pedagógica, um complexo</p><p>processo em que dois sujeitos interagem: um que ensina e outro que aprende.</p><p>Assim, rompendo a unidade dialética ensino/ aprendizagem e dando à parte (o</p><p>que aprende) valor de totalidade, além de obviamente responsabilizar aquele</p><p>que aprende por um processo em que o sujeito que aprende está em situação</p><p>dialógica dialética com o que ensina. Este, que por sua posição na relação,</p><p>deveria saber como ensinar de modo que aquele que está no lugar de quem</p><p>aprende, efetivamente aprenda. Se avançarmos na reflexão chegaremos</p><p>inevitavelmente ao que hoje todos e todas sabemos - que aquele que ensina</p><p>aprende... ou não será mestre; e que aquele que aprende também ensina, ainda</p><p>que disto possa não ter consciência, pois ao aprender ou não conseguir</p><p>aprender estará ensinando a quem ensina o que poderia ser o melhor caminho</p><p>a ser seguido (ao que chamamos metodologia) para ter sucesso ao ensinar, ou</p><p>seja, que quem ensina possa contribuir para que o aprendiz efetivamente</p><p>aprenda.</p><p>Os herdeiros de Comenius disso sabem, tanto que se preocupam em</p><p>melhor “compreender o compreender” (ainda que possam não conhecer</p><p>Gregory Bateson), ou seja, procuram compreender como compreendem os</p><p>alunos e alunas aquilo que lhes é ensinado e, melhor compreendendo o</p><p>processo de aprendizagem, podem avançar, incorporando esse conhecimento</p><p>sobre o processo de aprendizagem a fim de melhor atuarem no processo de</p><p>ensino. Entendem que o processo ensino/aprendizagem se constitui numa</p><p>unidade dialética dialogal, em que dois sujeitos interagem, influindo e sendo</p><p>influenciados um pelo outro. E, se vão mais longe, compreendendo que na</p><p>relação sujeito-objeto no ato de conhecimento, numa leitura freudiana,</p><p>haveria elementos de transferência e contratransferência, ou antes, haveria na</p><p>relação não apenas o observado em presença, mas o produzido em ausência. Se</p><p>levássemos o raciocínio comeniano às últimas consequências, poderiamos</p><p>dizer que um professor ou professora que pretenda compreender o</p><p>compreender de seus alunos, inevitavelmente se tornará um professor(a)</p><p>pesquisador(a), por compreender que a teoria de que dispõe não dá conta da</p><p>complexidade do que acontece em sua sala de aula e que é preciso afinar os</p><p>sentidos, as intuições e os conhecimentos para melhor compreender o que</p><p>acontece e como acontece. Este caminho é indispensável para chegar a</p><p>elaborar estratégias pedagógicas, em que se incluam relações, metodologias,</p><p>atividades, materiais didáticos, critérios de avaliação para melhor atender ao</p><p>pretendido por Comenius de que todos possam, de fato, aprender tudo aquilo</p><p>que lhes seja ensinado. Sintetizando, eu diria que um professor comeniano</p><p>hoje, é aquele que “ descobriu” ser preciso investigar o cotidiano da sala de aula</p><p>a fim de poder atuar didaticamente de forma mais favorável aos alunos; daí</p><p>tornar-se um professor-pesquisador.</p><p>Os filhos de La Salle centram a avaliação/exame no aspecto de</p><p>supervisão/controle, preocupando-se sobretudo com o aprimoramento das</p><p>técnicas de mensuração. Acreditam-se capazes da neutralidade e são ferrenhos</p><p>defensores da objetividade, pois se desconfiassem da carga de subjetividade</p><p>que a objetividade carrega e da impossibilidade do neutralismo, o rei</p><p>apareceria nu e o jogo se tornaria impossível. Mas, para estes, o importante é</p><p>medir os resultados do ato de ensinar naquele que aprende e naquilo que</p><p>consideram importante ser aprendido, ou antes, memorizado. Simplificam um</p><p>processo extremamente complexo, em que o próprio olhar e a própria</p><p>pergunta influem na resposta de quem está sendo testado, reduzindo o</p><p>processo ao resultado identificado, ao que denominam produto, também</p><p>reduzido a números. São os especialistas em testes e medidas que vão se</p><p>tornando mais e mais especialistas até que se perdem naquilo em que se</p><p>especializaram sofrendo um estranho processo de esquecimento de onde e por</p><p>que começaram. Com isto se perde o sentido da educação. Os aficionados</p><p>deste enfoque avaliativo seriam “professores-gendarmes”, controladores</p><p>competentes do resultado do que acontece numa sala de aula em que um</p><p>professor ou professora ensina para alunos e alunas que devem aprender.</p><p>Parte deles a ideia de “tempo pedagógico” e de “perda de tempo”, denunciado</p><p>por Geraldi, pois consideram tudo o que não seja tempo de aula, de ensino de</p><p>conteúdos pedagógicos, perda de tempo. Nada de perder tempo com entrada e</p><p>saída demoradas, de recreio, de artes e de música, de conversas. O tempo de</p><p>aula é o tempo de ensinar e de aprender, e o modo de avaliar é a “prova única”,</p><p>única forma de comparar o que está sendo feito em cada escola e de identificar</p><p>e destacar quem faz bem e quem perde tempo e não sabe bem o que fazer.</p><p>Acreditam eles que a prova única irá mobilizar as professoras a ensinarem o</p><p>que está proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, garantindo assim a</p><p>“qualidade total” tão almejada, cujo produto serão sujeitos capazes,</p><p>competitivos e destinados ao sucesso. Este é o caminho do recrudescimento</p><p>das exclusões, o que pouco lhes importa, porque será também (pelo menos</p><p>acreditam) o caminho da formação de futuros partícipes do processo de</p><p>inclusão do Brasil no Primeiro Mundo.</p><p>O sistema de avaliação instituído no Brasil, melhor dizendo, imposto,</p><p>acompanha o proposto por La Salle, ainda que talvez disso não tenham</p><p>consciência os que o formulam. Tal sistema está sendo infligido ao sistema</p><p>educacional brasileiro, desde as primeiras séries do ensino fundamental até a</p><p>pós-graduação. Descarta uma cultura pedagógica produzida historicamente</p><p>pelo coletivo de educadores e, enfatizando o aspecto meramente técnico da</p><p>avaliação, reduz um complexo processo a números, quadros, médias,</p><p>medianas, estatísticas. Este desemboca numa classificação em que as</p><p>excelências são distinguidas, passando a se constituir em modelo, sendo elas</p><p>próprias cópias de um modelo abstratamente denominado internacional,</p><p>enquanto aqueles que não alcançam os almejados padrões internacionais são</p><p>desmoralizados. Nada mais esperado, quando o que impera é a lógica do</p><p>mercado, do que uma enlouquecida competição, em que os laços de</p><p>solidariedade se rompem, pois é preciso disputar as escassas verbas destinadas</p><p>à educação. Aos vencedores as batatas... e o ódio dos perdedores. Afinal, os</p><p>nossos intelectuais governantes leram Maquiavel e com ele aprenderam a</p><p>importância de “dividir para reinar”.</p><p>Para consolidar o modelo de avaliação/controle vai sendo criada e</p><p>difundida uma ideologia que escamoteia a máxima conhecida desde sempre,</p><p>embora “esquecida”, de que “quem estabelece as regras do jogo anuncia</p><p>antecipadamente quem serão os vencedores”. E tudo é feito com a capa do</p><p>trabalho sério, competente, neutro, em que alguns colegas nossos</p><p>ingenuamente cumprem o papel complicado de referendar as normas,</p><p>desenvolvendo efetivamente um trabalho sério, que sérios, sem dúvida, são.</p><p>Referendam também o modelo aqueles que solicitam a revisão da avaliação de</p><p>sua instituição, já que ao fazê-lo reconhecem a validade da norma e, assim</p><p>fazendo, a legitimam. Só pedem que o seu caso seja revisto por se sentirem</p><p>injustiçados. Para eles, errou o comitê que usou mal um instrumento bom.</p><p>Como se refere Cyrulnik, “diz-me para onde vão os teus fundos de</p><p>investigação e dir-te-ei quais os mitos da tua cultura”. E assim, como todos são</p><p>parte da mesma cultura, “fica tudo como dantes no quartel de</p><p>Abrantes”.</p><p>Feita esta introdução, vamos ao que pretendo desenvolver. Este capítulo</p><p>está dividido em duas partes, ainda que elas se interpenetrem. Na primeira, me</p><p>valerei sobretudo das reflexões de Ángel Díaz Barriga, pesquisador mexicano,</p><p>muito conhecido na América Latina hispano-falante, embora, por motivos</p><p>inexplicáveis, pouco conhecido no Brasil. Em minha avaliação, ninguém</p><p>chegou a uma crítica tão radical sobre avaliação quanto Barriga. Na segunda</p><p>parte trarei os resultados de uma jovem pesquisadora brasileira, Maria Teresa</p><p>Esteban, recém-doutora da Universidade de Santiago de Compostela na</p><p>Espanha que, partindo da crítica de Barriga, propõe novas abordagens</p><p>avaliativas. Trata do que acontece e pode acontecer no interior da sala de aula</p><p>em seu cotidiano. À crítica radical de Barriga, acrescenta uma proposta de</p><p>abordagem pedagógica radical. Tanto Barriga quanto Esteban consideram que</p><p>o que vem sendo feito é apenas “mudar para manter tudo como sempre esteve”</p><p>pois que o paradigma se mantém o mesmo. Para ambos a mudança só se dará</p><p>quando acompanhada por uma ruptura epistemológica.</p><p>Esteban chama Boaventura de Sousa Santos para defender o que ele</p><p>denomina uma segunda ruptura epistemológica. Admitindo a importância da</p><p>primeira ruptura epistemológica, quando a ciência se opôs ao senso comum, o</p><p>que criou as condições favoráveis para o desenvolvimento da ciência, embora</p><p>tenha também desqualificado o conhecimento prático que passou a ser</p><p>chamado senso comum, com desprezo dos desde então denominados</p><p>cientistas, Boaventura propõe uma segunda ruptura epistemológica que se</p><p>constituiria numa ruptura com a ruptura bachelardiana. Propõe o autor que</p><p>tanto a ciência quanto o senso comum se transformem: o senso comum</p><p>apoiando-se nos avanços da ciência e a ciência incorporando o caráter prático</p><p>e prudente do senso comum,</p><p>uma vez realizada essa ruptura (a primeira, lembro eu), o acto epistemológico mais importante é</p><p>romper com ela e fazer com que o conhecimento científico se transforme em novo senso comum.</p><p>Para isso é preciso, contra o saber, criar saberes e, contra os saberes, contrassaberes - (perspectiva na</p><p>qual Barriga e Esteban trabalham).</p><p>São estes saberes e contrassaberes que aparecem na escola quando está</p><p>sendo construído um projeto político-pedagógico compartido, includente</p><p>porque democrático, no qual a avaliação desempenha um papel fundamental,</p><p>dando voz aos historicamente silenciados e reconhecendo-os como sujeitos de</p><p>conhecimento, que por serem reconhecidos e se reconhecerem como sujeitos</p><p>de saberes podem participar da segunda ruptura epistemológica prenunciada</p><p>por Boaventura. Os seus saberes põem em questão a lógica hegemônica, que se</p><p>apresenta como A Lógica, revelando a coexistência de diferentes lógicas na</p><p>sociedade e por conseguinte, na escola.</p><p>Trata-se de virar de cabeça para baixo (como fizera Marx com Hegel) a</p><p>velha epistemologia que na escola produziu resultados lamentáveis, por dar</p><p>respaldo ao processo de discriminação e exclusão que desde sempre penalizou</p><p>os filhos de trabalhadores e trabalhadoras, os de origem africana ou indígena,</p><p>os deserdados de uma terra que os trouxe como escravos (os africanos) ou os</p><p>expulsou de suas terras (os indígenas que já aqui viviam quando chegaram os “</p><p>descobridores da terra”) e que hoje os alija até do direito ao trabalho.</p><p>E, como quem conta um conto acrescenta um ponto, continuarei</p><p>acrescentando alguns pontos e convidando outros autores a participarem do</p><p>diálogo sobre avaliação e suas implicações: no sucesso de alguns, que em geral</p><p>nasceram em berço de ouro e são destinados a ter garantidos os privilégios que</p><p>já os esperavam antes de seu nascimento; e no fracasso de outros, os marcados</p><p>pelo destino antecipado de uma sociedade colonizada e escravista que sempre</p><p>esteve voltada para fora, sonhando ser o que jamais foi e desprezando tudo e</p><p>todos os que a obrigam a se ver mazomba, pois como mazombos os poderosos</p><p>deste país idealizam o colonizador e desprezam o populacho.</p><p>Subsídios para a desejada</p><p>segunda ruptura epistemológica</p><p>Barriga parte da constatação de que existiria uma continuidade linear no</p><p>modo como diferentes autores abordam avaliação e lhe dão respostas. Ainda</p><p>que possa haver algumas diferenças, na verdade, mantém-se a mesma</p><p>concepção de homem e de sociedade, de educação e de aprendizagem. Seria</p><p>necessário que fossem retomados os enfoques epistemológicos dos diversos</p><p>discursos avaliativos e que, após a apreciação crítica desses pressupostos, se</p><p>avançasse na construção de um novo paradigma teórico-epistemológico, no</p><p>que, embora sem citar ou, quem sabe, conhecer, se aproxima de Boaventura.</p><p>Em seus estudos o autor vai recuperando a história dos exames, a fim de</p><p>melhor compreender o que acontece hoje, como acontece e por que acontece.</p><p>Vai nos revelando como se deu historicamente e como hoje o projeto</p><p>neoliberal acentua o processo de seleção e de exclusão exercido por aqueles</p><p>que exerciam/exercem e lutavam/lutam para manter o poder. E conclui - o</p><p>exame desde o seu aparecimento foi um espaço de conflito,</p><p>espacio sobredeterminado por instancias ocultas que actúan y tensan toda situación de examen. Estas</p><p>instancias son de orden social, institucional, laboral, familiar y personal.</p><p>Na história da construção da escola como a conhecemos, o exame foi</p><p>perdendo a sua dimensão pedagógica e metodológica tal como defendida por</p><p>Comenius e assumindo crescentemente a dimensão de controle preconizada</p><p>por La Salle. Mas é preciso destacar que, hoje no Brasil, algumas prefeituras</p><p>progressistas retomam o sentido pedagógico e metodológico defendido por</p><p>Comenius e os resultados são extremamente favoráveis aos que foram</p><p>historicamente segregados, discriminados e excluídos na escola. Não se trata</p><p>de resolver o problema do fracasso escolar abrindo as porteiras e deixando</p><p>passar todo mundo; trata-se sim de pôr em discussão as consequências sociais</p><p>da reprovação e da repetência e, obviamente, da investigação dos</p><p>determinantes sociais, culturais, econômicos e políticos que facilitam a vida</p><p>escolar de alguns e colocam barreiras ao sucesso escolar de outros. Trata-se de</p><p>levar às últimas consequências a máxima comeniana de que é preciso ensinar</p><p>tudo a todos, ou, como diz João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Sem</p><p>Terra (MST), trata-se de “pôr abaixo as cercas da ignorância”.</p><p>Ao contrário do que muitos acreditam, o exame não surge na escola, mas</p><p>como um instrumento de controle social. Na verdade é apenas no século XIX</p><p>que se instala a qualificação escolar.</p><p>Haveria uma tendência a tentar resolver os problemas da educação</p><p>sofisticando os testes, as provas, os exames, ou seja, reduzindo o problema da</p><p>avaliação ao bom uso da estatística descritiva, deixando de lado a</p><p>multiplicidade de aspectos presentes no processo ensinoaprendizagem e,</p><p>apesar das “inovações”, pouca diferença se observa entre os antigos manuais de</p><p>avaliação e as provas hoje tão valorizadas e apresentadas como a solução para o</p><p>problema de uma escola “problemática”.</p><p>O prazer de aprender desaparece quando a aprendizagem é reduzida a</p><p>provas e notas; os alunos passam a estudar “para se dar bem na prova” e para</p><p>isso têm de memorizar as respostas consideradas certas pelo professor ou</p><p>professora. Desaparecem o debate, a polêmica, as diferentes leituras do mesmo</p><p>texto, o exercício da dúvida e do pensamento divergente, a pluralidade. A sala</p><p>de aula se torna um pobre espaço de repetição, sem possibilidade de criação e</p><p>circulação de novas ideias. Pouco importa que filósofos da ciência afirmem o</p><p>absurdo de se defender haver uma, e apenas uma, forma correta de responder</p><p>a uma pergunta, pois, na escola cujo valor maior são as provas, os bem</p><p>sucedidos são aqueles capazes de melhor repetir o que diz o professor ou</p><p>professora, enquanto os que ousam divergir são considerados “alunos-</p><p>problema”, e recebem as piores notas. Ou seja, a nota dez recebe aquele que foi</p><p>capaz de responder de acordo com as verdades do professor e do autor por ele</p><p>referendado. A nota cinco é a que recebe aquele que respondeu “certo” apenas</p><p>50% do que lhe foi perguntado. E zero se poderia dizer que muitas vezes é a</p><p>nota do divergente, aquele que ainda não abdicou da capacidade de pensar</p><p>crítica e criativamente e tem a ousadia de afirmar a sua diferença. Na verdade,</p><p>nada nos garante que o aluno ou aluna que recebeu uma nota dez saiba mais</p><p>do que aquele ou aquela que só alcançou a nota cinco. Pode significar apenas</p><p>que das questões perguntadas na prova e consideradas as mais importantes</p><p>pelo formulador da prova, um dos alunos tenha respondido a todas e o outro,</p><p>apenas à metade das perguntas, de acordo com o que o professor considera</p><p>respostas certas. O aluno que tirou dez pode só ter memorizado as questões</p><p>que caíram na prova - o acaso, tão pouco considerado na escola, seria a</p><p>explicação - enquanto o aluno que tirou cinco pode saber muito mais do que o</p><p>outro, muito mais sobre o seu próprio processo de aprendizagem, embora das</p><p>questões perguntadas só saber responder a metade. A epistemologia da</p><p>complexidade ajudaria a compreender o seu processo sem cair nas</p><p>simplificações. O resultado da prova pouco dirá ao professor ou professora</p><p>sobre o processo de aprendizagem de cada aluno; sobre as dificuldades que</p><p>cada um enfrenta e do que sabe além do perguntado na prova; de sua</p><p>capacidade de fazer sínteses, de comparar, de criticar, de criar; e, o que é mais</p><p>importante, o que do que foi ensinado e aprendido contribuiu para que cada</p><p>um dos alunos e alunas melhor compreendesse a sociedade em que vive, a</p><p>natureza da qual é parte e a si próprio enquanto ser da natureza e da cultura.</p><p>A ênfase no “produto” e a desconsideração do “processo” vivido pelos</p><p>alunos e alunas para chegar ao resultado final resulta de um corte artificial no</p><p>complexo processo de aprendizagem.</p><p>Concebir el aprendizaje como producto es una manera de negar la necesidad que tiene cualquier</p><p>persona de ir elaborando la información, con el fin de aprender, dado que el proceso de aprendizaje</p><p>está mediado por el esquema referencial del estudiante; esto es, el conjunto de conocimientos,</p><p>sentimientos y afectos con los que piensa y actúa, esquema que ha sido organizado a lo largo de la</p><p>vida del propio sujeto y que al entrar en contacto con una nueva información, es susceptible de ser</p><p>movilizado (cf. Barriga).</p><p>É preciso ter clareza de que o esquema referencial tem aspectos</p><p>conscientes e outros inconscientes que, por desconhecidos, podem distorcer</p><p>ou mesmo impedir a aprendizagem. O “esquema referencial” do sujeito é</p><p>mobilizado sempre que se confronta com uma nova informação, demandando</p><p>muitas vezes mais tempo do que o tempo da escola permite, pois não se trata</p><p>de algo mecânico que possa limitar-se ao ensinar e ao imediato aprender. Isto</p><p>acontece com crianças, com jovens e com adultos sempre que se deparam com</p><p>uma nova informação e quanto mais surpreendente a informação mais</p><p>resistências podem decorrer do esquema referencial conservador.</p><p>É comum, até em curso de doutorado, no primeiro dia de aula, os alunos e</p><p>alunas, ansiosos, perguntarem como serão avaliados. Não se abrem sequer</p><p>para a surpresa do que possa acontecer no fascinante diálogo de diferenças,</p><p>pois o que lhes interessa é que possam obter uma boa nota para garantir a</p><p>bolsa que, afinal, lhes garante sobreviver. E quem se poria contra a luta pela</p><p>sobrevivência que se instalou na universidade brasileira? Quanto mais</p><p>inovador o curso, mais ameaçador, pois é impossível se preparar para ter</p><p>sucesso no final do curso quando não se sabe com antecedência o que virá a</p><p>acontecer. Os alunos pedem normas fixas, predefinidas, obedecidas por</p><p>professores e professoras, por alunos e alunas. Seria cômico, não fosse trágico,</p><p>que os críticos ferozes do pensamento único (o neoliberal) fossem os</p><p>defensores radicais do modelo único de curso.</p><p>O exame por si só não pode resolver problemas produzidos em outras</p><p>instâncias sociais, pois que, se a estrutura social é injusta, o exame não pode</p><p>ser justo, por mais aperfeiçoado que seja ser. Assim também, se não se investe</p><p>na formação e atualização de professores, se não se estimula a pesquisa</p><p>educacional em que se investiguem os processos de aprendizagem,</p><p>considerando as condições objetivas e subjetivas dos alunos e alunas, não se</p><p>podem melhorar os processos de aprendizagem. E é preciso não esquecer que,</p><p>sem o reconhecimento social da atividade docente em que se incluem salários</p><p>justos e planos de carreira, nada de bom pode se esperar da escola, pois como</p><p>fazer coisas importantes quem é considerado tão pouco importante e tratado</p><p>como subalterno?</p><p>No entanto, apesar de tudo e de todos, alguns professores(as) rompem</p><p>com a aceitação acrítica de qualquer possibilidade para a escola ser um espaço</p><p>de inclusão de todos, ou pelo menos, da aceitação passiva de que “pau que</p><p>nasce torto tarde ou nunca endireita.”</p><p>É aí que entra a contribuição de Esteban em seu estudo sobre o</p><p>microespaço da sala de aula em seu cotidiano. Ela vai investigar o processo de</p><p>avaliação, não apenas no momento da prova ou da avaliação final, quando já</p><p>está definido o destino dos condenados ao fracasso, mas nos exercícios, nas</p><p>respostas que as crianças dão às questões apresentadas pelas professoras e nas</p><p>microavaliações que as professoras fazem a cada dia, em cada situação, com</p><p>cada criança. Esteban procura compreender como vai sendo construído o</p><p>fracasso escolar desde o início da escolaridade, nas classes de alfabetização e, ao</p><p>compreendêlo, pode contribuir para que as professoras também o</p><p>compreendam e possam reverter o que parece ser um destino inescapável dos</p><p>alunos das classes populares. O processo vai sendo desvelado e desconstruídas</p><p>as formas de avaliar aprendidas pelas professoras em seus cursos de formação e</p><p>em suas histórias de professoras. Quando se depara com uma resposta de</p><p>criança que foge ao esperado pela professora, Esteban se vale de Bachelard e</p><p>pergunta - “por que não?” A partir da pergunta instigadora tem início um</p><p>trabalho de garimpagem no sentido de descobrir pistas na resposta da criança</p><p>que possam ajudar a professora a compreender o que pretendeu a criança ao</p><p>dar aquela resposta, em vez de simplesmente identificar o “erro”.</p><p>Rompendo as dicotomias erro/acerto, saber/não saber, certo/errado, Esteban</p><p>avança para vê-los como complementares e introduz a possibilidade de acerto no</p><p>erro, o ainda-não-saber como ponte entre o não-saber e o já-saber, o quase-certo</p><p>que foge ao absoluto certo ou errado. Retoma o conceito de “zona de</p><p>desenvolvimento proximal” proposto por Vigotsky como pista para que a</p><p>criança seja ajudada a alcançar níveis mais complexos de desenvolvimento e de</p><p>aprendizagem. Vai mostrando à professora o que significa trabalhar apenas</p><p>com o desenvolvimento consolidado, ou seja, com o que já é passado na vida</p><p>da criança, convidando-a a se voltar para o futuro da criança e ajudá-la a</p><p>construir este futuro em interação e interlocução com as outras crianças da</p><p>classe, numa relação em que são incorporados os conhecimentos construídos</p><p>em suas vivências e experiências</p><p>Mas Esteban sabe que a professora só pode ver o ainda-não-saber e o quase-</p><p>certo se compreender o que está à sua frente. É o que vêm afirmando e</p><p>comprovando autores como von Foerster, Maturana, Varella, Bateson a partir</p><p>do que já afirmava William Blake de que “não via com os olhos, mas através</p><p>dos olhos”. Ou, como von Foerster nos ensina quando diz que devemos</p><p>compreender o que vemos ou, do contrário, não o vemos. Para von Foerster</p><p>“ver equivale a um insight, equivale a alcançar a compreensão de algo,</p><p>utilizando todas as explicações, metáforas, parábolas etc., com que contamos.”</p><p>Ou ainda, o que Maturana e Varella em seus estudos sobre as trajetórias</p><p>visuais demonstram - que as fibras centrífugas originárias na porção central</p><p>do cérebro e que se dirigem à retina, lá no cérebro se distribuem de tal modo</p><p>que mantêm o controle sobre o que a retina vê. Portanto, repito a pergunta</p><p>que já fiz em outro lugar: “afinal, quem vê, a retina ou o cérebro?”</p><p>Ora, se é o cérebro que vê, a professora só pode ver aquilo que</p><p>compreende ou em que acredita.</p><p>Isto</p><p>significa que pouco adianta fazer belos e incompreensíveis discursos</p><p>para a professora se ela não compreender o que está sendo dito, ou lhe impor</p><p>leituras que para ela não tenham sentido. Esteban em sua pesquisa vai</p><p>trabalhando junto com a professora, trazendo a teoria quando oportuna,</p><p>quando reveladora, sem com isto pôr de lado os recursos teóricos de que a</p><p>professora dispõe, pois que reconhece saberes práticos carregados de teoria na</p><p>prática docente, no dizer de Bourdieu - as razões da prática - que Razão não é</p><p>apenas a referendada pela academia, mas também a produzida no cotidiano das</p><p>práticas sociais, em nosso caso, na prática pedagógica. Trata-se de um</p><p>processo de desconstrução e reconstrução a partir do reconhecimento de um</p><p>saber decorrente da prática e da escola como um locus de produção de</p><p>conhecimentos e não somente de reprodução do já sabido, já dito, já</p><p>instituído. Esteban em sua pesquisa dá consequências à discussão de Vigotsky,</p><p>ampliando-a, não se limitando a ver a escola a partir do conceito de</p><p>desenvolvimento consolidado - o conhecimento instituído - mas a partir das</p><p>zonas de desenvolvimento proximal - o conhecimento instituinte. Rompe com os</p><p>limites de um conhecimento produzido no passado, o saber instituído, e</p><p>avança para um conhecimento em processo de construção, numa perspectiva</p><p>de futuro, os saberes instituintes. Do já-ter-sido se projeta um devir.</p><p>E a professora vai vendo, porque compreendendo, que o que antes ela via</p><p>como erro ou como um não saber absoluto pode ser apenas uma busca por</p><p>outro caminho, diferente daquele que a professora via porque assim lhe</p><p>informava a teoria de que dispunha, e assim ensinava como o único. Quando</p><p>se põe a investigar o processo de construção de conhecimentos de seus alunos</p><p>e alunas a professora vai compreendendo/vendo que cada criança tem o seu</p><p>método próprio de construir conhecimentos, o que torna absurdo um método</p><p>de ensinar único como se houvesse a tão falada homogeneidade de</p><p>aprendizagens.</p><p>Compreendendo o que antes não compreendia, a professora começa a ver</p><p>o que antes não via e, obviamente, passa a ajudar seus alunos e alunas a</p><p>avançar, rompendo com o estigma do fracasso. Nesse processo de investigação</p><p>de sua prática e da repercussão dela na aprendizagem de seus alunos e alunas</p><p>vai-se criando uma relação de afeto e de solidariedade (talvez a solidariedade</p><p>de preocupações a que se refere Milton Santos) entre a professora e seus</p><p>alunos. A professora torna-se o que Cyrulnik denomina “figura de apego” e</p><p>nesta relação de apego vai fornecendo os “nutrimentos afetivos”, ainda</p><p>segundo Cyrulnik, condição indispensável para que alguém se desenvolva e</p><p>aprenda.</p><p>Se trago estes dois autores, Barriga e Esteban, é porque neles reconheço a</p><p>crítica radical e uma proposta igualmente radical de rompimento com o</p><p>paradigma hegemônico que nos impede de ver por não nos permitir</p><p>compreender a complexidade do que acontece numa sala de aula, e porque</p><p>ambos os autores nos dão pistas para a construção de uma teoria de avaliação</p><p>que signifique mais um passo para uma segunda ruptura epistemológica. E se</p><p>aos dois acrescento outros autores, é porque nos têm ajudado a ver o que antes</p><p>não víamos e a compreender o que antes não compreendíamos.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>ALVES, N.; GARCIA, R. L. 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De tal modo que a modificação</p><p>de um afetasse ao outro. Desta maneira se estabelece um falso princípio</p><p>didático: um melhor sistema de exame, melhor sistema de ensino. Nada mais</p><p>falso que esta proposição. O exame é um efeito das concepções sobre a</p><p>aprendizagem, não o motor que transforma</p>

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