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<p>R343g Rego, Nelson</p><p>Geografia [recurso eletrônico]/ Nelson Rego, Antonio</p><p>Carlos Castrogiogiovanni, Nestor André Kaercher - Dados</p><p>eletrônicos. - Porto Alegre: Artmed, 2007.</p><p>Editado também como livro impresso em 2007.</p><p>ISBN 978-85-363-1245-3</p><p>1. Geografia. I. Castrogiogiovanni, Antonio Carlos. II.</p><p>Kaercher, Nestor André. III. Título.</p><p>CDU91</p><p>Catalogação na publicação: Juliana Lagôas Coelho - CRB 10/1798</p><p>NELSON REGO</p><p>ANTONIO CARLOS CASTROGIOVANNI ,</p><p>NESTOR ANDRE KAERCHER</p><p>ORGANIZADORES</p><p>Versão impressa</p><p>desta obra: 2007</p><p>2007</p><p>© Artmed Editora S.A., 2007</p><p>Capa</p><p>Paola Manica</p><p>Preparação do original</p><p>Maria Edith Pacheco</p><p>Leitura final</p><p>Carla Rosa Araujo</p><p>Supervisão editorial</p><p>Mônica Ballejo Canto</p><p>Projeto gráfico e editoração eletrônica</p><p>Armazém Digital Editoração Eletrônica - Roberto Vieira</p><p>Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à</p><p>ARTMED® EDITORAS.A.</p><p>Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana</p><p>90040-340 Porto Alegre RS</p><p>Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070</p><p>,</p><p>E proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,</p><p>sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,</p><p>fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.</p><p>-SAO PAULO</p><p>Av. Angélica, 1091 - Higienópolis</p><p>01227-100 São Paulo SP</p><p>Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333</p><p>SAC 0800 703-3444</p><p>IMPRESSO NO BRASIL</p><p>PRINTED IN BRAZIL</p><p>Autores</p><p>Nelson Rego ( org.)</p><p>Doutor em Educação. Professor no Departamento de Geografia da Universidade Fe</p><p>deral do Rio Grande do Sul.</p><p>Antonio Carlos Castrogiovanni (org.)</p><p>Doutor em Comunicação Social. Mestre em Educação. Professor na Universidade Fede</p><p>ral do Rio Grande do Sul e na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.</p><p>Nestor André Kaercher (org.)</p><p>Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Professor de Prática</p><p>de Ensino de Geografia na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio</p><p>Grande do Sul.</p><p>Bárbara Cristina Farina</p><p>Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.</p><p>Dakir Larara Machado da Silva</p><p>Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor</p><p>do Departamento de Geografia da Universidade Luterana do Brasil/Canoas, RS.</p><p>Elizabeth Helena Coimbra Matheus</p><p>Mestre em Geografia pela UFRGS. Socióloga e licenciada em Ciências Sociais pela</p><p>Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora na rede particular</p><p>de ensino médio em Porto Alegre.</p><p>Fábio Guadagnin</p><p>Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bolsista</p><p>do Programa de Ensino Tutorial - MEC/SESu.</p><p>Geovane Aparecida Puntel</p><p>Mestranda em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Licenciada</p><p>em Estudos Sociais, habilitada em Geografia pela Universidade de Santa Cruz do Sul.</p><p>Professora de Geografia na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul.</p><p>•</p><p>VI Autores</p><p>Leonardo Azambuja</p><p>Professor no Departamento de Ciências Sociais/Geografia na Universidade Regional</p><p>do Noroeste do Rio Grande do Sul/U nijuí.</p><p>Ligia Beatriz Goulart</p><p>Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professo</p><p>ra na Faculdade Cenecista de Osório, RS.</p><p>Lucimara Vizzotto Reffatti</p><p>Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Psicopedagoga</p><p>e professora na rede municipal de Ensino de Porto Alegre.</p><p>Maíra Suertegaray Rossato</p><p>Doutoranda em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Profes</p><p>sora de Geografia do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Gran</p><p>de do Sul.</p><p>Roselane Zordan Costella</p><p>Mestre e doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.</p><p>Professora na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e na Escola de</p><p>Ensino Fundamental e Médio Leonardo da Vinci.</p><p>Vânia Alves Martins Chaigar</p><p>Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas, RS. Doutoranda em Edu</p><p>cação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora assistente da Fundação</p><p>Universitária de Rio Grande.</p><p>Sumário</p><p>Introdução:</p><p>Geografia educadora, isso serve para ... ................................................................................................... 9</p><p>Nelson Rego</p><p>Parte 1</p><p>Saber para saber fazer melhor</p><p>1. Práticas geográficas para lerpensar o mundo, converentendersar</p><p>com o outro e entenderscobrir a si mesmo .................................................................................. 15</p><p>Nestor André Kaercher</p><p>2. Para entender a necessidade de práticas prazerosas</p><p>no ensino de geografia na pós-modernidade ................................................................................ 35</p><p>Antonio Carlos Castrogiovanni</p><p>3. A importância dos desafios na construção do conhecimento geográfico .................................. 49</p><p>Roselane Zordan Costella</p><p>4. Teias que (re)produzem espaços: uma proposta para ampliar</p><p>a inserção de alunos trabalhadores na sociedade ............... ......................................................... 55</p><p>Ligia Beatriz Goulart</p><p>5. A construção conjunta do conhecimento em sala de au la -</p><p>entre o espaço "é tudo free" e a responsabilidade social ............................................................ 67</p><p>Lucimara Vizzotto Reffatti</p><p>6. Nossas práticas, nossos desafios: um olhar por dentro de si ..................................................... 77</p><p>Vânia Alves Martins Chaigar</p><p>8 Sumário</p><p>Parte li</p><p>Grafias da terra e cartão-postal, sol e chuva, supermercado, cultura indígena,</p><p>papel e tesoura e as coisas que existem por trás de uma panela</p><p>7. Os mistérios de ensinar e aprender geografia ............................................................................. 89</p><p>Geovane Aparecida Puntel</p><p>8. Da cotidianidade do tempo meteorológ ico</p><p>à compreensão de conceitos climatológ icos .............................................................................. 103</p><p>Maíra Suertegaray Rossato</p><p>Dakir Larara Machado da Silva</p><p>9. Atividades práticas como elementos de motivação para</p><p>a aprendizagem em geografia ou aprendendo na prática .......................................................... 111</p><p>Bárbara Cristina Farina</p><p>Fábio Guadagnin</p><p>1 O. A geografia na formação de professores indígenas: o projeto Vãfy .......................................... 121</p><p>Leonardo Azambuja</p><p>11. O que há por trás de uma panela? Uma atividade de campo</p><p>como trajetória a um olhar geográfico ......................................................................................... 135</p><p>Elizabeth Helena Coimbra Matheus</p><p>Introdução</p><p>Geografia Educadora, isso serve para ...</p><p>Nelson Rego</p><p>Quais são as diferenças entre ensino de geografia e geografia educadora?</p><p>E quais as semelhanças? As respostas para essas duas perguntas gêmeas po</p><p>dem ser múltiplas. De uma multiplicidade extraordinária. No mínimo, com</p><p>um número equivalente ao número de professores de geografia. Na verdade</p><p>são mais, pois cada professor possivelmente não teria apenas uma ou duas</p><p>respostas se essas perguntas lhe fossem endereçadas, mas algumas ou muitas.</p><p>Esse número poderá ser ainda maior, pois essas perguntas não cabem</p><p>apenas aos professores de geografia, mas a todos os professores, em nome das</p><p>transversalidades entre os conhecimentos. E não apenas professores pode</p><p>riam respondê-las.</p><p>Proponho uma ou duas respostas. A diferença ou a distância entre ensino</p><p>de geografia e geografia educadora pode ser enorme. Isso pode acontecer se o</p><p>ensino de geografia significar meramente a exposição de um programa de</p><p>conteúdos, supostos como invariavelmente já estabelecidos, acompanhada pela</p><p>avaliação de sua assimilação por parte dos alunos. A distância imensa fica</p><p>completa se geografia educativa significar a possibilidade de transformar te</p><p>mas da vida em veículos para a compreensão do mundo, entendido não como</p><p>conjunto de coisas, mas como obra de criadores - sendo a compreensão sobre</p><p>os criadores parte indesligável da compreensão sobre a construção contínua</p><p>da obra.</p><p>Essa compreensão é ampliada</p><p>realizar como construtor de conhecimento. Como afirma</p><p>Morin (2000b, p.34), ''não há conhecimento sem conhecimento do conheci</p><p>mento''. Não há dúvidas de que a geografia crítica colabora para uma leitura</p><p>mais complexa do espaço geográfico e, por que não dizer, da escola como</p><p>parte da vida. Ela prioriza paradigmas atuais, como o respeito às diferenças, a</p><p>valorização das especificidades dos lugares e dos povos, e ressalta a dinâmica</p><p>preservacionista na relação entre sujeito e natureza. De acordo com</p><p>Castrogiovanni (2003, p.44), ela se propõe a lidar com uma nova ética, que</p><p>valoriza a dialética dos contrários, do desconforte a fim de salvaguardar as</p><p>diferenças e proteger as singularidades das representações impostas por for</p><p>ças hegemônicas. A bipolaridade linear relativa ao certo e ao errado deve ser</p><p>redimensionada na busca da valorização da multipolaridade conceitua!.</p><p>Como já vimos, nem sempre esse movimento ocorre com plenitude. Há</p><p>geógrafos/professores considerados críticos que preconizam uma análise, vol</p><p>tada apenas para o estudo das desigualdades, calcadas no capital, suprimin</p><p>do, por exemplo, os aspectos culturais. Como afirma Haesbaert (2002, p.33),</p><p>resolver todas as contradições, projeto de tantos dialéticos, leva à supressão</p><p>das diferenças e, consequentemente, não permite mudanças, como o nascer</p><p>do novo como produto da contraposição de diferenças, inerentes ao ser huma</p><p>no e, portanto, ao espaço.</p><p>Com esse movimento, surgem importantes polêmicas acerca da natureza</p><p>do objeto de estudo da geografia, que não mais seria uma disciplina de pa</p><p>radigma único. No entanto, reconhecemos que alguns debates, em diferentes</p><p>encontros de geógrafos que frequentamos nos últimos anos (Florianópolis,</p><p>Geografia 41</p><p>em 2000; João Pessoa, em 2002; Goiânia, em 2004), procurando delimitar o</p><p>objeto de seu estudo, trazem, ainda, no bojo do discurso, ''uma prática cientí</p><p>fica, envelhecida, tardia e contraditória: reclamam, ainda, pela objetividade e</p><p>são orientados pelo 'método de pensar científico''' (Hissa, 2002, p. 77). Talvez</p><p>a explicação esteja no que diz o geógrafo espanhol Horacio Capei (1988, p.438):</p><p>''a fidelidade às tradições disciplinares, para alguns geógrafos, é mais marcante</p><p>do que a fidelidade às referências conceituais que procuram adotar''. Atenção!</p><p>Sabemos ser desafiador, mas o fazer escolar sempre requer audácia e pre</p><p>disposição às mudanças, por mais utópicas que possam parecer em um pri</p><p>meiro momento.</p><p>Esse percurso traz algumas inquietações metodológicas, entre elas saber</p><p>o que é certo ou errado quando queremos analisar o espaço geográfico. Acre</p><p>ditamos não existir certo ou errado. Sabemos, no entanto, que</p><p>o estudo do espaço supõe a análise da sociedade e da natureza, não isoladas,</p><p>mas como parte integrante de uma totalidade a qual se organiza e relaciona</p><p>configurando-se em diferentes feições (paisagens), de acordo com os diferen</p><p>tes tipos de sociedade em determinado território. (Castrogiovanni e Goulart,</p><p>1990, p.111)</p><p>O estudo do espaço geográfico deve considerar as noções e os concei</p><p>tos, já construídos, que envolvam a espacialidade e valorizar a formação da</p><p>consciência territorial - o sentimento de pertencer ao lugar, tão comumente</p><p>adormecido em países como o Brasil. Deve interpretar as territorialidades</p><p>dentro da complexidade e conhecer não apenas os elementos objetivos que</p><p>compõem o espaço, mas valorizar as subjetividades e tentar entendê-las.</p><p>Esse caminho auxilia a desencadear uma geopolítica de valorização e de</p><p>utilização dos recursos econômicos e culturais de cada lugar e de organiza</p><p>ção socioeconômica em detrimento de privilégios particulares, regionais e</p><p>internacionais e encaminha para práticas que deem conta da sustentabilidade</p><p>do patrimônio natural e cultural. Nessa construção deve ocorrer uma cons</p><p>tante desconstrução. Segundo Soja (1993, p.20), que citando Terry Eagleton</p><p>(1986), desconstruir é:</p><p>reinscrever e ressituar as significações, os acontecimentos e os objetos em</p><p>movimento e estruturas mais amplos; é, por assim dizer, virar pelo avesso a</p><p>tapeçaria imponente, para expor em todo o seu confuso emaranhamento,</p><p>desprovido de qualquer glamour, os fios que compõem a próspera imagem</p><p>que ele expõe ao mundo.</p><p>A desconstrução na escola envolve a retomada da interdisciplinaridade.</p><p>Hoje, para muitos professores, descobrir não é mais desvendar algo que esta</p><p>va encoberto pela realidade, mas inventar novas relações entre conceitos cien</p><p>tíficos. Esse posicionamento faz parte de paradigmas modernos (pós-moder-</p><p>42 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>nos?); no entanto, sabemos que ''os paradigmas majoritários ainda privile</p><p>giam o espaço da especialização e da técnica, da fronteira entre os saberes,</p><p>que se sobrepõem ao trabalho criativo'' (Hissa 2002, p. 73), o que parece ser</p><p>uma dificuldade na busca da compreensão do espaço geográfico na escola. O</p><p>mesmo autor, citando Milton Santos, afirma que a geografia ''não seria a lite</p><p>ratura, a poesia, a filosofia ou a sociologia, mas seria produzida no contato</p><p>com todo o universo de saberes interpenetrantes'' (Hissa, 2002, p. 79). Seria</p><p>esse o caminho para a compreensão interdisciplinar do espaço geográfico na</p><p>escola, ou não?</p><p>Com a geografia crítica, há uma retomada da discussão sobre a inter</p><p>disciplinaridade. Milton Santos prega esse desafio: na verdade, o princípio da</p><p>interdisciplinaridade é geral a todas as ciências (1986, p.102). Ele ressalta</p><p>ainda que, para ela ter sucesso, ''é antes de tudo preciso partir do próprio</p><p>objeto de nossa disciplina, o espaço, tal como ele se apresenta, como um pro</p><p>duto histórico, e não das disciplinas julgadas capazes de apresentar elementos</p><p>para sua adequada interpretação'' (Santos, 1986, p.111). Como observa Hissa</p><p>com o passaporte de Milton Santos, mesmo sendo proposto o caminho da</p><p>interdisciplinaridade, o êxito encontra-se na expectativa da modernidade: ''a</p><p>ciência nasce e se desenvolve a partir de um método e de um objeto próprio''</p><p>(p.80). Nessa linha, parece que, em um primeiro momento, não há ''espaço''</p><p>no espaço da Geografia para emoção, literatura ou outra manifestação cultu</p><p>ral. No entanto, em 1994, Santos (apud Hissa, 2002, p.81) afirma que a ciên</p><p>cia ''não pode ser reduzida a uma percepção exclusiva'' que se sobreponha a</p><p>várias alternativas, já que ela é, principalmente, a criação fundamentada na</p><p>combinação e na mistura: rearranjo de informações, de dados, de teorias, de</p><p>conceitos/metáforas. Trata-se de uma criação, como a arte.</p><p>POR QUE REFLETIR SOBRE O ENSINO DA GEOGRAFIA?</p><p>Muitos ainda acreditam que a geografia é uma disciplina desinteressante</p><p>e desinteressada, elemento de uma cultura que necessita da memória para</p><p>reter nomes de rios, regiões, países, altitudes, etc. Nesta primeira década do</p><p>século XXI, a geografia, mais do que nunca, coloca os seres humanos no cen</p><p>tro das preocupações, por isso pode ser considerada também como uma refle</p><p>xão sobre a ação humana em todas as suas dimensões. Ela preocupa-se com as</p><p>inquietações do mundo atual, buscando compreender a complexidade da for</p><p>ma como ocorre a ordem e a desordem no planeta. Na realidade, ela é um</p><p>instrumento de poder para aqueles que detêm os seus conhecimentos.</p><p>Por outro lado, a linguagem geográfica apresenta características que preci</p><p>sam ser consideradas, tanto quanto possível, como fonte de explicação para as</p><p>dificuldades que os alunos possam vir a ter na sua compreensão, como para</p><p>planejar movimentos pedagógicos que facilitem o processo interativo. Nesse</p><p>sentido, nosso objetivo é focar experiências pedagógicas que procuram oferecer</p><p>Geografia 43</p><p>(trocar!) oportunidades de significação para alunos que, muitas vezes, são so</p><p>cialmente desacreditados e que desacreditam no possível papel social da escola.</p><p>Sabemos que o sujeito traz consigo uma carga de experiências e de conhecimentos</p><p>sistematizados ou não, realidades vividas muitas vezes impossíveis de serem</p><p>representadas pelos professores. No entanto, pelo que temos discutido em dife</p><p>rentes encontros, cada vez mais acreditamos que tais vivências devam ser apro</p><p>veitadas, problematizadas e textualizadas, buscando-se, assim, a inserção da</p><p>vida na escola, tomando a escola, efetivamente, integrada à vida.</p><p>Toda vez que somos convidados a participar de reflexões que envolvam a</p><p>prática da geografia, submergimos no caráter teórico-metodológico desse cam</p><p>po do conhecimento para tecermos considerações contemporâneas. Para nós,</p><p>a geografia deve buscar a compreensão do espaço produzido pela sociedade,</p><p>que continua a apresentar desigualdades, contradições e tensões, e das rela</p><p>ções de produção que nela se desenvolvem. Deve estudar a apropriação que a</p><p>sociedade faz, ainda hoje, da natureza: embora ela pareça, por um lado, estar</p><p>mais ponderada, por outro, tem métodos e instrumentos mais eficientes. Por</p><p>tanto, a capitalização da natureza continua a ocorrer.</p><p>A geografia escolar (será que existe mais de uma geografia?), mais do</p><p>que nunca, deve ser trabalhada de forma a instrumentalizar os alunos para</p><p>lidarem com a espacialidade e com suas múltiplas aproximações: eles devem</p><p>saber operar o espaço! Tal postura procura dar conta da compreensão da vida</p><p>social refletida sobre os diferentes sujeitos, agentes responsáveis pelas</p><p>(trans)formações. Com isso, parece ficar mais fácil para o sujeito reconhecer</p><p>as contradições e os conflitos sociais e avaliar constantemente as formas de</p><p>apropriação e de organização estabelecidas pelos grupos sociais e, quando</p><p>desejar, buscar mecanismos de intervenção.</p><p>Além de refletir o espaço, tarefa não muito fácil diante de tanto dinamis</p><p>mo processual, ela deve reunir instrumentos de análise e de práticas sociais,</p><p>que, no embate do exercício da cidadania, levantem questões como formas de</p><p>ordenação e ocupação territorial, direito à saúde e à educação, acesso à mora</p><p>dia e à terra, preservação e conservação da biodiversidade e da qualidade</p><p>ambiental, necessidade da sustentabilidade cultural e natural. Quanta res</p><p>ponsabilidade!</p><p>O objeto da geografia continua sendo o espaço geográfico. Ele é um pro</p><p>duto histórico e, por consequência, também deve ter um conteúdo histórico.</p><p>Deve ser entendido como o conjunto indissociável de sistemas de objetos e de</p><p>ações, que mostra as práticas sociais dos diferentes grupos que nele interagem,</p><p>produzem, sonham, lutam, desejam, vivem e o (re)constroem. ,</p><p>Portanto, professores, atenção! E fundamental estarmos refletindo aten-</p><p>tamente sobre o que é e o que deve ser a ciência geográfica, não somente</p><p>como ciência, mas também como prática escolar, prática de vida, prática que</p><p>os alunos (nós!) praticam(mos)!</p><p>A vida é extremamente dinâmica e constituída por diferentes processos,</p><p>e não devemos esquecer que a geografia faz parte dela. A geografia não pode</p><p>44 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>distinguir o meio físico da sociedade, pois sempre que trocar a natureza pelo</p><p>sujeito, ela inverterá o real. E o que é o real, senão a vida. Uma boa episte</p><p>mologia é sempre, também, um traço de união, funcionando de forma biunívoca</p><p>entre as ideias que o tempo ajuda a construir como generalidade abrangente</p><p>e o fato que é sempre singular.</p><p>, , #</p><p>A ESCOLA NESTE INICIO DE SECULO: INQUIETAÇOES</p><p>O ensino fundamental e o médio devem ser, acima de tudo, desafiadores,</p><p>capazes de despertar o interesse dos alunos para a resolução dos problemas</p><p>que a vida apresenta. Hoje, na chamada pós-modernidade, a escola deve pro</p><p>porcionar os caminhos necessários para que os sujeitos/alunos possam com</p><p>preender o cotidiano, desenvolvendo e aplicando competências.</p><p>Para que essa mudança ocorra, os professores e a instituição da escola,</p><p>na sua complexidade, devem estar comprometidos com o que chamamos de</p><p>''fazer sociedade com cidadania''. A escola deve provocar o educando para</p><p>conhecer e conquistar o seu lugar no mundo em uma teia de justiça social.</p><p>Parece ser simples, mas é, no mínimo, desafiador, como toda prática peda-</p><p>, .</p><p>gog1ca.</p><p>A ruptura da cultura escolar, que, ainda hoje, está sobreposta no currícu</p><p>lo, com temas enfadonhos, parece ser um dos grandes desafios da escola. A</p><p>compartimentação do saber cria insegurança e insatisfação no saber para sa</p><p>ber fazer melhor. O aluno não adquire confiança nas propostas da escola e</p><p>acha que não aprendeu nada e, mesmo que tenha aprendido, não sabe onde e</p><p>nem como utilizar. Acontece, assim, uma exclusão interna da escola.</p><p>A instituição escolar precisa acreditar que um dos seus propósitos é o de</p><p>motivar para a vida do aluno, muitas vezes repleta de desmotivação. Ela deve</p><p>possibilitar situações para que os seus participantes desenvolvam sua auto</p><p>estima como sujeitos. Para Morin (2000c), sujeito é o autor do seu processo</p><p>organizador, por meio da sua singularidade. Cada sujeito é único e original e,</p><p>por isso, distingue-se dos demais, tornando-se individualizado e, assim, pas</p><p>sando a existir.</p><p>A geografia talvez seja a disciplina que mais trabalhe com práticas</p><p>interdisciplinares, percorrendo um leque de possibilidades na área da educa</p><p>ção. No mundo globalizado, não há como evitar a recorrência aos conceitos</p><p>básicos da geografia - lugar, região, paisagem, território, territorialidade -</p><p>para entender as diferentes concepções de mundo e a transformação das so</p><p>ciedades.</p><p>Na geografia, o comportamento pragmático dos alunos deve ser traba</p><p>lhado com temas que exijam reflexões direcionadas para práticas, tanto na</p><p>escala local quanto global. Como exemplo, podemos discutir temas relaciona</p><p>dos à poluição (causas, efeitos, projeções, interesses) ou à ocupação indevida</p><p>de áreas rurais e urbanas, pois são temas de abrangência mundial e afetam a</p><p>Geografia 45</p><p>todos, direta ou indiretamente, sem exceção. A identificação e a busca de</p><p>resolução de problemas acabam incentivando, cada vez mais, a participação</p><p>dos alunos e da comunidade e ajudam a diminuir o sentimento de impotência,</p><p>que está desmotivando a sociedade, como um todo, a participar do engajamento</p><p>social.</p><p>Os adolescentes apresentam, como forma de defesa e de resistência, um</p><p>certo grau de ironia, e, até, de agressividade. O desinteresse dos alunos deve</p><p>ser combatido com temas atuais, e pode-se procurar identificar as característi</p><p>cas do grupo para envolvê-lo. Aqui passa a valer a aprendizagem por projetos</p><p>que, na geografia, pode fazer com que os alunos se sintam importantes e par</p><p>ticipantes na resolução de um determinado problema, como, por exemplo,</p><p>transporte local ou a falta de emprego.</p><p>No primeiro caso, pode ser um caminho identificar os principais meios de</p><p>transporte da cidade, os problemas, as melhorias possíveis, o valor da passa</p><p>gem e a relação com o salário mínimo de um trabalhador, a localização das</p><p>paradas dos ônibus, a segurança dentro dos ônibus e na espera por eles e,</p><p>depois, propor soluções às questões levantadas. Também pode-se comparar</p><p>com os meios de transporte utilizados no país, ou outros países, as diferentes</p><p>tecnologias, com emprego de novos combustíveis e a origem deles, o custo dos</p><p>combustíveis no valor da passagem, os meios de transporte transcontinentais,</p><p>o transporte com tração animal, etc. Nesse estudo, deve-se procurar adaptar a</p><p>melhor solução para o problema apresentado.</p><p>Com relação ao desemprego, podemos investigar o que é entendido por</p><p>trabalho e por emprego atualmente, quais seriam as profissões do futuro e por</p><p>que, o que é mercado de trabalho e o que é um bom profissional, por que está</p><p>aumentando o desemprego, que profissões estão surgindo e por quê.</p><p>O aspecto competitivo dos adolescentes na escola e na vida deve ser tra</p><p>balhado com muito cuidado e de forma tranquila, objetivando o crescimento</p><p>como cidadãos. Caso não seja bem estabelecido o objetivo da competição em</p><p>um jogo, por exemplo, poderemos estar legitimando perdedores. Como suges</p><p>tão de trabalho, propomos as atividades lúdicas, com critérios bem estabeleci</p><p>dos, inclusive com a participação dos alunos. Os temas são infinitos e depen</p><p>dem da criatividade dos professores, dos alunos e das ferramentas</p><p>que estão à</p><p>disposição. Os temas atuais são envolventes e tendem a despertar interesse,</p><p>como, por exemplo, o petróleo, as guerras no Oriente Médio, os regionalismos</p><p>musicais, a ocupação do litoral brasileiro, etc. Tomando o exemplo do petró</p><p>leo (gasolina, aumento de preços), ele abre diversas possibilidades: podemos</p><p>construir um jogo voltado à caça ao petróleo, à conquista das áreas petrolífe</p><p>ras, por exemplo.</p><p>O professor não deve esquecer que a percepção espacial de cada sujeito</p><p>ou sociedade é resultado, também, das relações afetivas e de referências</p><p>socioculturais. Despertar e manter a curiosidade dos alunos deve ser sempre a</p><p>primeira tarefa da escola e um desafio constante para os professores cujo tra</p><p>balho é prazeroso, mas os resultados nem sempre são imediatos. A maior</p><p>46 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>vitória do professor é a vitória interna, aquela de alcançar a satisfação em ser</p><p>professor no dia a dia.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>CAPEL, H. Filosofia y ciencia en la geografia contemporânea: una introducción a la geografía.</p><p>3.ed. Barcelona: Barcanova, 1988.</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C. (org.). Ensino de geografia: práticas e textualizações no cotidia</p><p>no. 3.ed. Porto Alegre: Contexto, 2004.</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C.; GOULART, L.B. Uma contribuição à reflexão do ensino de geo</p><p>grafia: a noção da espacialidade e o estudo da natureza. Terra Livre: Geografia Pesquisa e</p><p>Prática Social, São Paulo, n. 7, 1990.</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C. et. al. Um globo em suas mãos: práticas para a sala de aula. Porto</p><p>Alegre: UFRGS, 2003.</p><p>CLAVAL, P. A geografia cultural. Curso ministrado na UFRGS, Departamento de Geografia -</p><p>Programa de Pós-Graduação. Porto Alegre: 29 a 31 de outubro de 2002 (Texto</p><p>mimeografado).</p><p>CLOSGROVE, D. A Geografia está em toda parte, cultura e simbolisnmo nas paisagens</p><p>" humanas. ln: CORREA R.L.; ROSENDAHL, Z. Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro:</p><p>UERJ, 1998.</p><p>" ___ .Geografia cultural no milênio. ln: CORREA, R.L.; ROSENDAHL, Z. Manifestações</p><p>da cultura no espaço. Rio de Janeiro: UERJ, 1999.</p><p>" CORREA, R.L. O espaço geográfico: algumas considerações. São Paulo: Hucitec, 1988.</p><p>COSTA, R.H. da. Filosofia. Geografia e crise da modernidade. Geografia Pesquisa e Prática</p><p>Social.Terra Livre, São Paulo n. 7, 1990.</p><p>COSTA, R.H. da; GOMES, P.C. da C. O espaço na modernidade. Terra Livre, São Paulo, n. 5,</p><p>1988.</p><p>FUERTES, C.H. Introducción a la geografia sistémica. Lima (Perú): Editorial San Marcos,</p><p>2000.</p><p>GOMES, P. C. da C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.</p><p>HAESBAERT, R. Territórios alternativos. São Paulo: Contexto/UFF, 2002.</p><p>HARTSHORNE, R. Propósito e natureza da geografia. São Paulo: Hucitec, 1979.</p><p>HARVEY, D. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.</p><p>___ .Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.</p><p>HISSA, e.E.V. A mobilidade das fronteiras: inserções da geografia na crise da modernidade.</p><p>Belo Horizonte: UFMG, 2002.</p><p>KOZEL; MENDONÇA (orgs.). Elementos de epistemologia da geografia. Curitiba: UFPR, 2002.</p><p>LACOSTE, Y. A geografia: isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra. Campinas, Papirus,</p><p>1988.</p><p>MAIA, D.S. A geografia e o estudo dos costumes e das tradições. Paradigmas da Geografia.</p><p>Parte 1. Terra Livre, São Paulo, n.16, 2001.</p><p>Geografia 4 7</p><p>McDOWELL, Linda. A transformação da geografia cultural. ln: GREGORY, D.; MARTIN,</p><p>R.; SMITH, G. Geografia humana: sociedade, espaço e ciência social. Rio de Janeiro: Jorge</p><p>Zahar, 1996.</p><p>MENDONÇA, et ai. El pensamiento geográfico. Madrid: Alianza, 1992.</p><p>MORAES, A.C.R. A gênese da geografia moderna. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1989.</p><p>___ . Geografia: pequena história crítica. 17.ed. São Paulo: Hucitec, 1999.</p><p>MORENTE, R.G. Fundamentos defilosofia: lições preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1966.</p><p>MORIN, E. O Método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 1999.</p><p>___ .O Método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002a</p><p>___ . O Método 4 - as idéias- habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina,</p><p>2002b.</p><p>---·Da Necessidade de um pensamento complexo. ln: MARTINS, EM.; SILVA, J.M. da</p><p>(org.). Para navegar no século XX. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2000a.</p><p>___ .A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:</p><p>Bertrand Brasil, 2000c.</p><p>MORIN, E.; LE MOIGNE, J.-L. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis, 2000b.</p><p>PIAGET, J. A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro: Record, s.d.</p><p>,</p><p>RAFFESTIN, C. Por uma geografia de poder. São Paulo: Atica, 1993.</p><p>SANTOS, M. Tendências da urbanização brasileira no fim do século XX. ln: CARLOS, A.EA</p><p>( org.). Os caminhos da reflexão sobre a cidade e o urbano. São Paulo: USP, 1994a.</p><p>___ .Razão global, razão local. Os espaços da racionalidade. Festival Internacional de</p><p>La geographie, St.-Dié des Vosges, 1994b.</p><p>___ .A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.</p><p>SANTOS, M. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. 2. ed.</p><p>São Paulo: Hucitec, 1980.</p><p>___ . Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.</p><p>___ .O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.</p><p>___ . (org.). Novos rumos da geografia brasileira. São Paulo: Hucitec,1988.</p><p>SANTOS, M.; SOUZA, M.A. de (org.). O espaço interdisciplinar. São Paulo: Nobel, 1986.</p><p>SILVA, A.C. da. O espaço fora do lugar. São Paulo: Hucitec, 1978.</p><p>SOJA, E.W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. São</p><p>Paulo: Jorge Zahar Editor, 1993.</p><p>SUERTEGARAY, D.M. A geografia no contexto das ciências. Boletim Gaúcho de Geografia,</p><p>Porto Alegre, n.22, p.7-16, 1997.</p><p>A importância dos desafios na</p><p>construção do conhecimento geográfico</p><p>Roselane Zordan Costella</p><p>Diante de uma caminhada acadêmica e de um longo percurso profissio</p><p>nal mesclam-se dúvidas, observações e esclarecimentos sobre a construção do</p><p>conhecimento pelo desafio, pela mudança e pela constante análise de sua</p><p>aplicabilidade.</p><p>O sujeito apresenta, em sua estrutura, subjetividades que se constroem</p><p>ao longo do tempo que se apresentam antes mesmo da interpretação dos sig</p><p>nos e que retêm, em sua essência, um ritmo próprio, ligado, principalmente, à</p><p>gênese, à origem do conhecimento em cada um.</p><p>O espaço, aquele trabalhado pela geografia nos bancos escolares e cha</p><p>mado aqui de espaço mentalmente projetado (EMP), merece a atenção dos</p><p>docentes. Eles devem ser transformados, a partir de desafios, em lugares iden</p><p>titários, que correspondam a uma relação direta entre a subjetividade do dis</p><p>cente e a cautela do professor em transformar esse conhecimento subjetivo</p><p>em textos acadêmicos sistematizados.</p><p>Tudo o que a gente ensina a uma criança, a criança não pode mais, ela mes</p><p>ma, descobrir ou inventar (Piaget apud Becker, 2005, p.7).</p><p>A sentença de Piaget, relativa à criança, vale igualmente para o adoles</p><p>cente. A descoberta dos espaços e a análise das relações que ocorrem no inte</p><p>rior deles devem ser exploradas no cotidiano da sala de aula como um conjun</p><p>to de desafios, de descobertas e principalmente como possibilidade de inven</p><p>tar e de reinventar a organização do espaço. Contar como são os EMPs para</p><p>os alunos postando-se na parte superior de uma sala de aula, como detentor</p><p>do saber planetário, ensinando climas, vegetações, economias e organiza</p><p>ções populacionais, é sem dúvida matar a vontade deles de conhecer o mun</p><p>do por meio da descoberta, do desafio e das reestruturações mentais. Contar</p><p>alguma coisa do ponto de vista somente do professor é contar no vazio, é</p><p>despertar angústias e inibir a vontade de remeter as imagens com interiorizações</p><p>efetivas.</p><p>50 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>O professor deve solicitar aos alunos a aplicabilidade e a substituição de ,</p><p>esquemas já construídos, ampliando as construções e provocando reflexões. E</p><p>interessante incentivar um pensamento autônomo e significativo, que desper</p><p>te o desafio e a satisfação do saber que vem da construção.</p><p>A partir dessa concepção, será relatada</p><p>uma prática realizada no 1 º ano</p><p>de ensino médio que compreende várias etapas reflexivas e uma série de aná</p><p>lises envolvendo a crença de que, por meio de diferentes sensações, o EMP</p><p>pode ser construído pela subjetividade e pelos preconceitos que envolvem os</p><p>alunos e suas vivências.</p><p>O local escolhido para a experiência relatada é o Oriente Médio. A inten</p><p>ção é mostrar de que maneira pode-se introduzir esse tema em uma aula que</p><p>não seja tradicional, expositiva, com os famosos exercícios de fixação, ''apeli</p><p>do'' dado aos antigos questionários.</p><p>O Oriente Médio é um EMP, pois refere-se a um local que será projetado</p><p>na mente dos alunos sem eles vivenciarem na prática suas relações, sem mes</p><p>mo nunca terem estado lá. Dessa forma, não se constitui um lugar com algum</p><p>reconhecimento identitário.</p><p>Trabalhar os conceitos que envolvem esse espaço relacionando-os, sem</p><p>compartimentá-los, como um ordenamento natural emergido dos livros didá</p><p>ticos, é difícil e desafiante. Separar clima, vegetação, economia e aspectos</p><p>humanos, descrevendo-os sistematicamente e mencionando de forma superfi</p><p>cial a identificação com o aluno é o que mais ocorre quando tratamos de</p><p>espaços distantes. Explorar as sensações e levar o aluno à essência imaginária</p><p>faz com que o distante se torne próximo.</p><p>Assim, a sugestão é compreender esse espaço a partir de diferentes sen</p><p>tidos, como, por exemplo, o cheiro. Cheirar os lugares, mesmo que virtual</p><p>mente, aguça o imaginário, que, por sua vez, desenvolve esquemas mentais</p><p>que estruturam uma certa legitimidade espacial. O cheiro está ligado à subje</p><p>tividade, que comunica uma certa autonomia conceituai e, por sua vez, a</p><p>construção e a elaboração do saber.</p><p>Quanto à descrição da prática, é importante observar o que segue.</p><p>A GEOGRAFIA DO CHEIRO</p><p>O professor:</p><p>1. Propõe o espaço a ser estudado, colocando-o em evidência no qua</p><p>dro ou em um papel, que poderá servir para a produção do texto.</p><p>2. Solicita que os alunos imaginem-se nesse lugar e que, oralmente,</p><p>digam que tipo de cheiro ou que sensações perceberiam se estives</p><p>sem caminhando pelas ruas do local proposto.</p><p>3. Escreve no canto do quadro-verde os cheiros manifestados pelos alu</p><p>nos e pede que eles justifiquem suas escolhas.</p><p>Geografia 51</p><p>Observação: quando esse trabalho foi aplicado em relação ao Orien</p><p>te Médio, em uma 8ª série do ensino fundamental, os principais</p><p>cheiros que apareceram e suas respectivas justificativas foram as se</p><p>guintes:</p><p>cheiro motivo</p><p>petróleo maior área produtora</p><p>pólvora área de muitos conflitos</p><p>aridez muitos desertos</p><p>suor calor</p><p>• deixada por carros nobres poeira</p><p>dinheiro sheikes</p><p>pobreza do povo</p><p>dentista bocas malcuidadas</p><p>religião gente obcecada</p><p>Nenhum aluno que participou dessa aula conhecia o Oriente Médio,</p><p>e o professor em algum momento mencionou fatos relacionados à</p><p>.....</p><p>reg1ao.</p><p>4. Quando todos os cheiros são justificados, os alunos se reúnem em</p><p>grupos com quatro componentes. Cada grupo produz um texto so</p><p>bre uma das abordagens citadas nos cheiros. Exemplo: um grupo</p><p>ficou com todos os elementos naturais, como clima, vegetação, re</p><p>cursos minerais, solos; outro, com as questões econômicas, como</p><p>petróleo, agricultura.</p><p>5. Após cada texto ser lido e discutido, cada grupo recebe os textos</p><p>feitos pelos outros e tenta estabelecer as relações, juntando os dife</p><p>rentes fatores para explicar a organização do espaço. Como exem</p><p>plo, o cheiro da pólvora pode ser relacionado à exploração de petró</p><p>leo, à questão do poder no mundo e à base da economia, já que a</p><p>aridez do solo e a falta da água em grande parte da região inibe o</p><p>desenvolvimento da agricultura. Essas relações são feitas por todos</p><p>os grupos, pois cada um recebe todos os textos.</p><p>6. Essa textualização coletiva compreende uma série de desafios que</p><p>compõem a análise de conceitos que representam o espaço estuda</p><p>do. Após lerem e discutirem os textos, os alunos devem ser desafia</p><p>dos a completar todos os elementos que faltem nos textos construídos.</p><p>Depois, podem-se sugerir atividades que substituam as tradicionais,</p><p>como:</p><p>- charges;</p><p>- histórias em quadrinhos;</p><p>- desenhos;</p><p>52 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>- dobraduras;</p><p>, .</p><p>- musicas;</p><p>- teatro.</p><p>7. Quanto à localização, à posição geográfica no globo, sugere-se uma</p><p>outra atividade que poderá ser realizada tomando como referência</p><p>qualquer local do mundo:</p><p>a) Coloca-se o mapa-múndi no chão da sala.</p><p>b) Coloca-se o globo em uma posição para todos os alunos enxer</p><p>garem o espaço desejado, no caso, o Oriente Médio.</p><p>c) Os alunos recebem uma folha de papel ofício sem pauta e escre</p><p>vem, no centro e na parte superior da folha, o Oriente Médio.</p><p>Localizam, após, todos os continentes e oceanos, destacando os</p><p>Estados Unidos e o Brasil, além da área em estudo.</p><p>ESQUEMA ESPACIAL MENTAL</p><p>,</p><p>Oceano Glacial Artico</p><p>Europa</p><p>,</p><p>As ia Europa</p><p>,</p><p>Africa Oceano ,</p><p>Indico</p><p>Oceania</p><p>Oriente</p><p>Médio</p><p>Oceano</p><p>Pacífico</p><p>América</p><p>Oceano Glacial Antártico</p><p>Oceano</p><p>Atlântico</p><p>,</p><p>Africa</p><p>Essas práticas podem ser feitas com qualquer tipo de espaço e utilizadas</p><p>até mesmo parcialmente. Serão apresentadas, a seguir, outras variações que</p><p>poderão ser feitas como complementação ou com outros espaços estudados.</p><p>O QUE PERTENCE AO LOCAL?</p><p>O professor escreve uma série de características que envolvam qualquer</p><p>espaço, como as seguintes:</p><p>Floresta úmida</p><p>Geografia 53</p><p>Grande diferença de classes sociais</p><p>Má distribuição da renda</p><p>População predominantemente católica</p><p>Desenvolvimento da indústria bélica</p><p>Essas faixas podem estar em folhas que possam ser recortadas. Os alunos</p><p>escolhem as que se referem ao espaço escolhido, como o Oriente Médio no</p><p>exemplo, e colam junto ao mapa. Em seguida, escrevem logo abaixo um texto ,</p><p>para justificar a escolha, como, por exemplo: ''E uma região que apresenta gran-</p><p>des desigualdades sociais, pois uma minoria detém o poder e o dinheiro da</p><p>exploração de petróleo e a maioria vive em péssimas condições socioeconômicas''.</p><p>Essa prática provoca reflexões e faz com que os alunos repensem as ca</p><p>racterísticas que representam o espaço estudado, projetando mentalmente as</p><p>relações que organizam esse espaço e, assim, familiarizando-o e provocando</p><p>construções.</p><p>,</p><p>QUE LUGAR E ESSE?</p><p>Essa prática trabalha a expressão da criatividade em demonstrar como</p><p>um determinado lugar se apresenta por meio da imagem.</p><p>1. Os alunos, organizados em grupos, escolhem um determinado lugar</p><p>do mundo e não revelam para ninguém.</p><p>2. O local escolhido deve representar algumas características que o iden</p><p>tifiquem e que façam-no ser reconhecido mundialmente.</p><p>3. O grupo deverá apresentar uma foto que contenha componentes para</p><p>representar o local escolhido através da expressão corporal.</p><p>4. As fotos podem ser ampliadas e colocadas na parede ou podem cir</p><p>cular entre os alunos, devidamente numeradas.</p><p>5. Cada aluno olha as fotos, sem ter ideia do local que elas representam,</p><p>e escreve ao lado do número o local que poderá ser e o porquê da</p><p>escolha. Exemplos: Rio de Janeiro, porque representa muita violên</p><p>cia. Essa violência é consequência de uma urbanização desordenada,</p><p>etc., ou Bogotá, porque a expressão é de tristeza, consequência de ,</p><p>uma economia agroexportadora com um baixo Indice de Desenvol-</p><p>vimento Humano (IDH), etc.</p><p>6. Após passar todas as fotos, observa-se que algumas tiveram mais de</p><p>um local identificado. Assim, chega-se à conclusão de que vários lo-</p><p>54 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>cais do mundo se caracterizam por certas organizações semelhantes,</p><p>muitas vezes com causas diferentes. Dessa forma, os alunos se tor</p><p>nam capazes de compreender diferenças e semelhanças entre locais</p><p>construindo justificativas que fluem de subjetividades.</p><p>7. O grupo deve também, após a identificação dos colegas, dizer a que</p><p>espaço se referia a foto e por que foi representada dessa maneira.</p><p>8. Se as fotos representarem locais com guerra, violência, pobreza, ri</p><p>queza, satisfação, pode-se aproveitar para trabalhar</p><p>a divisão norte/</p><p>sul do mundo, a divisão dentro de continentes como a América ou</p><p>mesmo dentro de um país.</p><p>,</p><p>E importante sempre sistematizar as produções e desafiar os alunos so-</p><p>bre os porquês, as diferenças, as causas e as consequências. ,</p><p>E necessário pensar que a estrutura educacional vigente não condiz com</p><p>a organização social, o contexto em que os alunos vivem não apresenta fron</p><p>teiras de tempo e circulação, os eventos são inúmeros e as verdades deixam de</p><p>• • • roJ • • existir por se tornarem passageiras, e nao existe um tempo constante, mas sim</p><p>absoluto e único. Os lugares nunca são os mesmos, e a velocidade da técnica</p><p>torna os espaços infinitamente próximos e virtuais.</p><p>As escolas, apesar de mudarem fachadas ou ampliarem áreas de circula</p><p>ção, ainda apresentam um saber compartimentado, com períodos cartesiana</p><p>mente divididos, com quadros-verdes cheios de informações que se tornam</p><p>estranhas quando a outra aula começa. Os profissionais desconhecem a histó</p><p>ria das ciências, que apresentam, em seu potencial epistêmico, uma interdisci</p><p>plinaridade natural. Assim, destoam as realidades e os alunos não conseguem</p><p>compreender essa diferença. A indisciplina contagia e a descrença no ensino</p><p>aumenta o descompasso das instituições, que ficam à deriva das vontades.</p><p>Atividades desafiadoras que agucem a imaginação e a crença de que a</p><p>diversidade de interpretações é importante, mas se tornam uma necessidade</p><p>para crer que o mundo educacional é construído em cima de (des)construções</p><p>e de constantes equilibrações que propiciam a aplicabilidade do conhecimen</p><p>to em um mundo cada vez mais próximo dos acontecimentos da sala de aula:</p><p>a vida.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>BECKER, E A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 12.ed. Petrópolis: Vozes,</p><p>2005.</p><p>,</p><p>PIAGET, J. A construção do real na criança. 3.ed. São Paulo: Atica, 2003.</p><p>SANTOS, J.C. Processos participativos na construção do conhecimento em sala de aula. 2. ed.</p><p>Cáceres (MT): Unemat, 2004.</p><p>Teias que (re)produzem espaços:</p><p>uma proposta para ampliar a inserção</p><p>de alunos trabalhadores na sociedade</p><p>Ligia Beatriz Goulart</p><p>O objetivo deste capítulo é apresentar uma proposta de ensino e aprendi</p><p>zagem, para o ensino médio, desenvolvida a partir da concepção de integração</p><p>de conteúdos e refletir sobre ela. Contemplamos as diferentes áreas de conheci</p><p>mento, mas focaremos com especial destaque a área de ciências humanas e a</p><p>geografia. Essa proposta foi aplicada a alunos jovens e adultos trabalhadores.</p><p>As práticas associadas a esse projeto ocorreram no Programa de Educa</p><p>ção de Jovens e Adultos Trabalhadores, PEMJAT, criado para complementar o</p><p>ensino básico dos trabalhadores de uma instituição de ensino superior. Esses</p><p>alunos com conhecimentos empíricos e, fundamentalmente, vivências e expe</p><p>riências tinham muito interesse em continuar seus estudos, e a instituição, em</p><p>qualificá-los.</p><p>Iluminavam o trabalho ideias vinculadas à valorização das vivências dos</p><p>alunos e de seus interesses, a ressignificação dos conteúdos, a superação da</p><p>ideia de organização do conhecimento por disciplinas e a articulação dos con</p><p>teúdos em temáticas. Assim, trabalhávamos a concepção de currículo flexível,</p><p>dinâmico e favorável à interação entre os participantes.</p><p>Associado à formação dos alunos, esse espaço constituiu-se, também, como</p><p>possibilidade de formação inicial e continuada de professores da educação</p><p>básica.</p><p>,</p><p>A PRATICA NO COTIDIANO</p><p>Não existe conhecimento pertinente senão quando se é capaz de con</p><p>textualizar sua informação, de globalizá-la e de situá-la em um todo. Ora, o</p><p>sistema de pensamento, que impregna o ensino da escola fundamental à uni</p><p>versidade, é um sistema que fragmenta a realidade e torna os sujeitos incapa</p><p>zes de associar os conhecimentos compartimentados em disciplinas. Essa</p><p>56 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>hiperespecialização dos conhecimentos recorta a realidade e retira dela um</p><p>único aspecto. Nesse caso, em relação aos aspectos humanos, as consequên</p><p>cias práticas são consideráveis, por exemplo, nas políticas de infraestrutura</p><p>que desprezam muito frequentemente o contexto social e o humano. Ela con</p><p>tribui também para retirar dos cidadãos a capacidade de tomar decisões polí</p><p>ticas em benefício dos especialistas.</p><p>As ciências humanas representam papel significativo na compreensão do</p><p>espaço em que vivemos e da sua intricada rede de relações. Assim, a geogra</p><p>fia, como parte desse todo e responsável pela espacialização das relações en</p><p>tre sociedade e natureza, contribui para contextualizar as informações e am</p><p>pliar conhecimentos, pois cria as condições de reflexão necessárias às leituras</p><p>de mundo.</p><p>Considerando que as ciências humanas têm função significativa na in</p><p>tegração dos conhecimentos construídos na escola e na vida, é relevante des</p><p>tacar o trabalho desenvolvido pelo grupo de professores e estagiários envolvi</p><p>dos no Projeto para concretizar tal empreendimento.</p><p>A caminhada pedagógica do grupo tinha seus objetivos de trabalho vin</p><p>culados a duas questões fundamentais: os interesses e as necessidades dos</p><p>alunos e a formação de professores para atuarem em uma proposta integradora.</p><p>Isso garantia o efetivo compromisso com a prática que buscasse ensinar para</p><p>conhecer e articular as informações produzindo saberes que qualificavam a</p><p>existência desses atores sociais.</p><p>O bloco das ciências humanas e suas tecnologias* era constituído de qua</p><p>tro professores (sociologia, filosofia, história e geografia), quatro estagiários</p><p>(um de cada campo de conhecimento) e professores eventuais. Reuníamos</p><p>-nos semanalmente para o planejamento do trabalho cotidiano, as aulas pro</p><p>priamente ditas. Também existiam reuniões mensais em que compartilhá</p><p>vamos, com os colegas das outras áreas, nossas angústias e incertezas e em</p><p>que trocávamos consolos e sugestões e as reuniões semestrais, em que nos</p><p>realimentávamos estudando temáticas associadas ao nosso trabalho, pela sis</p><p>temática de seminários.</p><p>Nas reuniões mensais também discutíamos o planejamento geral a partir</p><p>de necessidades e interesses de professores e alunos. Um das particularidades</p><p>desses momentos eram as conversas para transformar o cotidiano do aluno</p><p>em conteúdos. Assim, por exemplo, em uma ocasião, um colega sugeriu que</p><p>lêssemos um capítulo do livro de Santomé (1998, p.187-267). Ele procurava</p><p>analisar o currículo e suas formas de organização do ponto de vista ideológi</p><p>co-filosófico, destacava as práticas pedagógicas que norteavam sua constru-</p><p>*Os parâmetros curriculares para o ensino médio definiram três áreas: Linguagem, Códi</p><p>gos e suas tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias e Ciências</p><p>Humanas e suas tecnologias. A reorganização curricular em áreas de conhecimento tem</p><p>como objetivo facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, em uma perspectiva de</p><p>interdisciplinaridade e contextualização (PCNs: Ensino Médio, 1999).</p><p>Geografia 5 7</p><p>ção e discutia a necessidade de reflexão sobre as formas existentes, encami</p><p>nhando a possibilidade de trabalho integrado.</p><p>O Capítulo VI, sobre o planejamento de um currículo integrado, continha</p><p>sugestão de como realizar um trabalho dessa forma, e por isso foi escolhido. A</p><p>sugestão foi acolhida, pois alguns já conheciam o autor e compartilhavam</p><p>suas ideias. Nas reuniões seguintes a leitura começou a provocar o grupo no</p><p>sentido de experimentar a integração não só no bloco, mas entre eles.</p><p>Integração passou a ser um movimento impulsionador do trabalho. Re</p><p>solvemos, com a provocação da leitura da obra de Santomé, produzir um</p><p>gráfico sobre o que seria possível integrar, usando conceitos das diferentes</p><p>áreas e os interesses dos alunos. Nele, iniciamos representando, por meio de</p><p>palavras, as ideias e o que julgávamos necessário ser desenvolvido para que</p><p>elas contemplassem as referências dos alunos. No início não era essa a preten</p><p>são, mas ela foi consolidando-se à medida que as diferentes intervenções dos</p><p>professores e dos estagiários foram sendo feitas.</p><p>Tudo estava se ''encaixando'',</p><p>e começávamos a ver importantes interfaces no nosso trabalho, apesar das</p><p>desconfianças de alguns colegas, ainda resistentes à proposta.</p><p>A configuração da rede* se mostrou interessante porque permitiu nos</p><p>conhecermos como professores, até então confinados nos universos das áreas:</p><p>os blocos. Em certa ocasião, por exemplo, a geografia percebeu a possibilida</p><p>de de analisar a fronteira com o viés da biologia, da física, da língua, da arte,</p><p>da música. Isso antes só acontecera no ensino fundamental, mas agora estava</p><p>em processo, mesmo incipiente, apresentando-se como possibilidade no ensi</p><p>no médio. Era visível o entusiasmo de alguns professores, especialmente aqueles</p><p>vindos do ensino fundamental. Operava-se uma transformação nas concep</p><p>ções de aspectos básicos que poderiam frutificar. Montamos essa rede (p.58).</p><p>A rede expressava o trabalho que pensamos desenvolver com os alunos.</p><p>Nela apareceram integrados conceitos de diferentes áreas de conhecimento, o</p><p>que permitiu a construção de um planejamento globalizado e voltado para</p><p>dentro das limitações da cada professor e para as interfaces dos conhecimen</p><p>tos, no sentido de favorecer a perspectiva da totalidade proposta nos objetivos</p><p>do projeto.</p><p>A partir da configuração da rede, cada bloco procurou aprofundar a</p><p>temática incluindo os conceitos nela propostos e outros que foram aparecen</p><p>do à medida que o trabalho foi incorporando os interesses dos alunos.</p><p>* A rede é um conjunto de nós interconectados. Há uma tendência nas pesquisas científicas</p><p>atuais de trabalhar com esse conceito. Do mesmo modo que se pode dizer "tudo é um",</p><p>pode-se dizer, sem medo de errar, "tudo é rede". ''Sempre que olhamos para a vida, olha</p><p>mos para redes'', diz Fritjof Capra, em A teia da vida. O curioso é que, para vermos redes,</p><p>basta que desloquemos o olhar das coisas para a ligação entre elas. O estudo das redes é,</p><p>assim, uma abordagem das relações, uma mirada sobre a dinâmica das relações entre</p><p>coisas dinâmicas (Martinho, 2006).</p><p>58 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Energia</p><p>Ambiente Fronteira Religiosidade</p><p>Biornas Identidade Território Entreposto</p><p>,</p><p>Hábitos lndio Comercial</p><p>Geopolítica</p><p>Códigos</p><p>Gaúcho</p><p>Rios Tradição</p><p>Campo Música</p><p>Capão Dança</p><p>Gado Churrasco</p><p>Língua</p><p>" O LUGAR DA GEOGRAFIA OU DAS CIENCIAS HUMANAS</p><p>A geografia tinha lugar reservado no currículo, como as demais discipli</p><p>nas, mas que lugar era esse? Em uma proposta que visava privilegiar a totali</p><p>dade, era fundamental encontrar um espaço em que ela fosse parte e todo, ao</p><p>mesmo tempo. Sua existência só teria sentido como uma possibilidade de</p><p>contribuir para o desenvolvimento de um pensamento geográfico integrado.</p><p>Não era a geografia, mas a geografia nas ciências humanas e esta na produção</p><p>do conhecimento, para ampliar a compreensão de mundo dos alunos, especial</p><p>mente esses, que eram adultos trabalhadores. A tarefa era produzir um plane</p><p>jamento que acolhesse essa ideia.</p><p>As reuniões de planejamento eram do bloco das ciências humanas, e não</p><p>dos componentes curriculares, mesmo que no início isso tivesse sido pensado.</p><p>Começava aí o primeiro de muitos ''nós'' a serem desatados no processo de</p><p>trabalho. As reuniões eram momentos para refletir sobre nossas posturas em</p><p>relação ao aprender e ensinar e às concepções possíveis sobre o papel de cada</p><p>disciplina ou das ciências humanas na sociedade. Afinal, era preciso consti</p><p>tuir esse espaço como uma marca. Eram professores e estagiários que precisa</p><p>vam integrar-se para produzir conhecimento pedagógico e ajudar os alunos a</p><p>produzirem os seus conhecimentos. Não foi uma caminhada fácil, mas todos</p><p>aprenderam coisas diferentes, em níveis variados.</p><p>O grupo tinha uma peculiaridade: a discussão, às vezes muito acalorada.</p><p>Tudo era discutido: as concepções, os conteúdos, as práticas pedagógicas e os</p><p>Geografia 59</p><p>recursos materiais a serem usados junto aos alunos. A harmonia não era nosso</p><p>forte, mas talvez isso tenha feito do bloco um lugar especial. Era o espaço, ao</p><p>mesmo tempo, de planejar e de aprender. Em função das diferenças individuais</p><p>e de formação, o trabalho era sempre muito rico. Em muitos momentos</p><p>havia polêmica teórica, pois buscávamos entender como poderíamos integrar</p><p>as disciplinas, sempre pensadas de forma fragmentada. As reuniões eram mo</p><p>mentos de estudo e de implementação de práticas pedagógicas. O acolhimen</p><p>to de novas ou diferentes concepções só acontecia depois de muitas análises,</p><p>argumentações e mesmo disputas de território intelectual, representadas pela</p><p>disciplina. Como pode ser percebido, não foi fácil trabalhar integradamente.</p><p>Havia momentos de avanço e de recuo, todos com a marca do conflito. Isso</p><p>representou, tanto para os professores como para os estagiários e os demais</p><p>participantes, uma rica experiência de vida profissional e pessoal.</p><p>No bloco das ciências humanas a primeira etapa foi o planejamento da</p><p>sua proposta a partir das concepções do Programa. Para tanto, foi preciso</p><p>refletir sobre o sentido do currículo do ensino médio regular para esses alu</p><p>nos. O currículo regular privilegiava as informações procurando aprofunda</p><p>mentos desconectados, delimitando território de disciplinas. Assim, estabele</p><p>ciam-se verdades absolutas e perspectivas lineares que reproduziam ideias e</p><p>concepções de mundo sem questioná-las: fragmentava-se o conhecimento</p><p>valorizando a razão.</p><p>Se esse currículo era questionável para os alunos do ensino regular, era</p><p>muito mais para alunos adultos trabalhadores. Precisávamos considerar suas</p><p>peculiaridades cognitivas, seus conflitos, suas experiências e seus desejos, enfim,</p><p>conhecê-los para aproximar o ensinar e o aprender. Revisitamos o currículo</p><p>privilegiando a visão integrada, redefinindo ações e aproveitando as experiên</p><p>cias de vida, os conhecimentos empíricos, a trajetória pessoal e profissional</p><p>dos alunos.</p><p>Segundo Claxton (apud Santomé, 1998, p.43), ''as pessoas aprendem antes</p><p>o que necessitam com mais urgência e o que querem saber''. Para um adulto,</p><p>isso parece ser muito mais significativo, tendo em vista o seu grau de amadu</p><p>recimento. Esse foi o contexto dos objetivos do trabalho de ciências humanas.</p><p>Nossas primeiras ações pretendiam indagar o que gostaríamos que nos</p><p>sos alunos aprendessem, quais seriam nossos objetivos com alunos adultos e</p><p>trabalhadores. Preferíamos privilegiar a formação e o desenvolvimento ou</p><p>transmissão de conhecimentos, ou as duas coisas?</p><p>Os objetivos que nortearam a proposta de ciências humanas relaciona</p><p>vam-se à possibilidade de criar um espaço favorável à construção de conheci</p><p>mentos significativos para ampliar a leitura de mundo desses sujeitos. Como</p><p>afirma Morin (2000, p.11), ensinar é ''transmitir uma cultura que permita</p><p>compreender nossa condição e nos ajude a viver, favorecendo ao mesmo tem</p><p>po um modo de pensar aberto e livre''.</p><p>Havia os alunos trabalhadores e adultos com experiências escolares di</p><p>versas. Para eles, escola significava disciplinas recortadas, informação e</p><p>60 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>memorização sem sentido, que precisavam ser aprendidas. Era fundamental</p><p>reorientarmos a rota para a efetiva aprendizagem que os ajudasse a viver</p><p>melhor na família e no trabalho, especialmente como funcionários de um</p><p>ambiente acadêmico.</p><p>Atualmente, para compreender o mundo é necessário não apenas ter aces</p><p>so à informação, mas fundamentalmente saber analisá-la e interpretá-la. Que</p><p>ríamos alunos que aprendessem a aprender e ampliassem sua relação com o</p><p>saber. Então, com base na possibilidade de um ensino educativo, procuramos</p><p>organizar o trabalho buscando a transdisciplinaridade.</p><p>O processo de ensino nesse contexto tinha como objetivo integrar as disci</p><p>plinas a partir da elaboração de propostas que procurassem, ao mesmo tempo,</p><p>vincular os conteúdos específicos por meio de temáticas e atender aos interes</p><p>ses dos alunos, favorecendo o seu aprendizado e ampliando o seu conhecimento.</p><p>A proposta era oportunizar aos alunos uma leitura</p><p>de mundo ampliada a</p><p>partir de suas experiências como cidadãos, nas diferentes comunidades onde</p><p>viviam e também de sua experiência na realidade da universidade como fun</p><p>cionários. Buscávamos, com o ensino de filosofia, história, geografia e socio</p><p>logia, fornecer instrumentos para a efetiva inserção desses sujeitos na so</p><p>ciedade. Conhecer o mundo a partir de informações empíricas, agora con</p><p>textualizadas pelo olhar das ciências humanas, ajudou na compreensão do</p><p>espaço e qualificou sua participação social e o compromisso com sua condição</p><p>de cidadão.</p><p>As temáticas valorizavam situações de vida como o universo do trabalho</p><p>e todas as suas implicações. Como exemplos, podemos citar legislação traba</p><p>lhista, eleições, cultura popular, manifestações tradicionalistas, relações de</p><p>poder, espacialização dos fenômenos e suas relações com nossa vida.</p><p>O trabalho realizado pelo bloco acontecia de forma globalizada em dois</p><p>momentos: no planejamento das atividades e na execução da prática pedagó</p><p>gica. Para planejamento, havia uma reunião de quatro horas uma vez por</p><p>semana. Nesse tempo, discutíamos as temáticas na perspectiva das diferentes</p><p>disciplinas, buscando sempre atender as especificidades e a integração. Os</p><p>assuntos respeitavam os interesses dos alunos, consultados previamente por</p><p>meio de ambientes mobilizadores.</p><p>A metodologia integrada era uma meta às vezes difícil de atingir. Conse</p><p>guir um olhar globalizado não era tarefa fácil, tendo em vista a formação</p><p>fragmentada dos professores e dos estagiários. O desafio era companheiro</p><p>constante na preparação das aulas, pois precisávamos romper com o construído,</p><p>desconstruindo nossas concepções sobre ensinar e interrogando-nos, sistema</p><p>ticamente, sobre o significado das práticas no contexto dos objetivos. Como</p><p>conseguir integrar? Cada nova aula era um novo desafio, com muitas trans</p><p>gressões, inquietações e aprendizagem, nem sempre reconhecidas por todos.</p><p>Também os alunos estavam desafiados a desconstruír suas concepções quanto</p><p>aos seus papéis: não mais apenas ouvir, mas questionar; não mais responder,</p><p>mas perguntar; não mais apenas entender, mas buscar mais.</p><p>Geografia 61</p><p>No interior do bloco, as disputas de território ainda transpareciam nas</p><p>possibilidades de inserção das disciplinas, nas falas dos participantes, nas con</p><p>versas com os alunos, nas brincadeiras informais e até nos momentos de inter</p><p>valo. Desconstruir concepções arraigadas não foi nada fácil. Era preciso estar</p><p>aberto às mudanças e à decomposição de estruturas que consolidavam a anti</p><p>ga base conceituai. O avanço era gradual e exigia flexibilidade e abertura ao</p><p>novo. Precisávamos desacreditar o ''guardião das fronteiras'' e deixar fluir as</p><p>dúvidas, permitindo espaço para outros olhares.</p><p>Implementar a nova concepção passava por organizar diferentes práticas</p><p>que valorizavam os interesses e as necessidades dos participantes. Existiam aulas,</p><p>oficinas, atividades diferenciadas, trabalhos de campo e atividades culturais.</p><p>As aulas eram desenvolvidas em grupo ou individualmente, dependendo</p><p>das características da proposta. Nos planejamentos gerais, o grupo de profes</p><p>sores e de estagiários discutia as aulas e os respectivos conteúdos a partir das</p><p>temáticas propostas para aquele trimestre. Todas as aulas eram preparadas e</p><p>analisadas pelo grupo, que nem sempre aceitava com tranquilidade as obser</p><p>vações e os comentários dos demais. A ideia norteadora era, a partir do tema</p><p>proposto para a semana, o mês ou o trimestre, que as disciplinas procurassem</p><p>desenvolver conteúdos e habilidades necessárias para a compreensão da rea</p><p>lidade vivida. Por exemplo, quando a temática escolhida pelos alunos, em</p><p>função do seu forte sentimento tradicionalista, era o Rio Grande do Sul, traba</p><p>lhamos os conceitos de querência e de fronteira, as características do espaço</p><p>do latifúndio e suas implicações sociais, a formação do espaço rio-grandense,</p><p>as características das cidades da fronteira, a origem da cultura gaúcha. As</p><p>aulas eram integradas e os alunos estudavam a partir de filmes, jornais, ima</p><p>gens ou textos literários para compreender o todo, e não cada conteúdo sepa</p><p>rado. As especificidades entravam no olhar que cada especialista buscava na</p><p>abordagem do ''conteúdo'', na geografia a espacialização.</p><p>As oficinas eram possibilidades de ampliar e de aprofundar conhecimen</p><p>tos, em grupos menores, a partir de interesses manifestados, tanto para resol</p><p>ver dificuldades cognitivas de acompanhamento das aulas como para associar</p><p>conhecimentos empíricos às explicações teóricas. Tais espaços oportunizaram</p><p>condições para alunos e professores analisarem o processo de aprendizagem a</p><p>partir de necessidades individuais, pois os grupos tinham, no máximo, 10 alu</p><p>nos e duravam 18 encontros. Aconteceram oficinas de história e manifesta</p><p>ções artísticas, leitura de periódicos, literatura e história, temáticas contem</p><p>porâneas, texto e contexto, entre outras. Essas atividades variavam de acordo</p><p>com as necessidades e os interesses dos alunos.</p><p>As atividades diferenciadas constituíam-se a partir das necessidades de</p><p>maior interação entre professores e colegas. Eram, normalmente, temáticas</p><p>escolhidas pelos alunos, mas que buscavam ampliar os contatos com diferen</p><p>tes assuntos considerando os interesses de todos. Visavam informar os alunos</p><p>sobre temáticas atuais e em constante debate na sociedade, por isso sua dura</p><p>ção era menor do que a das oficinas. Formavam-se grupos de 10 alunos que</p><p>62 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>trabalhavam de fom1a compartilhada em quatro encontros. São exemplos dessas</p><p>atividades reflexões sobre a problemática da infância, temáticas histórico-geo</p><p>gráficas nos filmes, filosofia no cotidiano, direitos humanos, educação, traba</p><p>lho e gênero, entre outras.</p><p>Possibilidades diversificadas davam sentido à aprendizagem, sempre apro</p><p>ximando o universo dos alunos da informação contextualizada, valorizando</p><p>seus conhecimentos e ressignificando os conteúdos, antes desconectados. Nesse</p><p>sentido, organizávamos o trabalho em função de uma grande temática, como</p><p>a já referida quando foi apresentada a rede.</p><p>.. ..</p><p>A APRECIAÇAO/AVALIAÇAO</p><p>Avaliação precisa ser pensada como possibilidade, de forma prospectiva,</p><p>uma vez que desempenha um papel relevante na aprendizagem. Ela é a bús</p><p>sola, pois indica caminhos, corrige rotas, retoma trajetórias. Tem, assim, um</p><p>, .</p><p>carater construtivo.</p><p>O projeto repensou os referenciais usados em situações regulares de en</p><p>sino médio. Assumiu um papel construtivo para que se estabelecesse uma</p><p>relação pedagógica entre aluno e professor e procurou estabelecer um am</p><p>biente de confiança, onde aluno e professor pudessem trocar informações,</p><p>evidenciando, assim, as condições para aprender. O professor precisava ver o</p><p>aluno como uma totalidade, compreender suas diferentes possibilidades e</p><p>transformá-las em situações para aprender a aprender. Esse novo olhar refleti</p><p>ria compromisso com o respeito aos saberes dos envolvidos no processo.</p><p>A avaliação precisa ser compreendida como um processo que acompa</p><p>nhava o grau de modificabilidade das condições cognitivas, as quais indica</p><p>vam a constante transformação qualitativa implícita no desenvolvimento dos</p><p>alunos. Entendida como processual, a avaliação passou a servir como diag</p><p>nóstico das possibilidades de cada indivíduo em explorar a zona de desen</p><p>volvimento proximal (ZDP)de Vygotsky. Assim, cabia aos professores desco</p><p>brir a capacidade que cada aluno tinha e auxiliar nisso, para ampliar seu</p><p>desenvolvimento e oferecer situações em que ele se deparasse com proble</p><p>mas/ desafios.</p><p>Os instrumentos usados para a avaliação foram combinados entre profes</p><p>sores e alunos e puderam ser analisados e discutidos para indicar caminhos,</p><p>nas reflexões dos participantes do processo. Sua análise permitiu que alunos e</p><p>professores se defrontassem com sua produção, conhecessem suas condições</p><p>e estabelecessem propostas para vencer desafios. Constituíram-se como ins</p><p>trumentos de avaliação todos</p><p>os trabalhos e o portfólio individual, sempre</p><p>avaliados por meio de pareceres escritos e discutidos com os próprios alunos.</p><p>Isso trouxe, inclusive, manifestações de alunos sobre a necessidade de ajuda.</p><p>Os alunos eram especiais por serem trabalhadores, por serem adultos e</p><p>por trazerem conhecimentos empíricos. Tudo isso os tornava diferentes dos</p><p>Geografia 63</p><p>regulares e precisava ser analisado e considerado. Não era intenção desqua</p><p>lificar o seu trabalho, menos ainda distanciá-los da proposta e os excluir do</p><p>processo avaliativo. Ao contrário, a proposta era reintegrá-los. Para tanto se</p><p>buscou, em todas as situações, uma avaliação processual que considerasse a</p><p>caminhada individual de cada sujeito, mesmo que nem sempre houvesse apro</p><p>ximação com aquilo que se pensava como satisfatório em termos gerais. O</p><p>olhar era dirigido para cada indivíduo e contava com seu auxílio.</p><p>Ajudar a encontrar possibilidades individuais, a valorizar o sujeito e a</p><p>oportunizar crescimento era o sentido buscado na prática avaliativa ao longo</p><p>da proposta. Assim, foram pontos de vista diferentes, instrumentos variados e</p><p>observações nem sempre objetivas, pois eram carregadas de emoção causada</p><p>por pequenas mudanças que expressavam muito, tanto para o professor quanto</p><p>para o aluno em questão. Avaliamos tudo e todos, nem sempre com a isenção</p><p>esperada, mas sempre procurando considerar a variedade de olhares: o do</p><p>professor, o do aluno, o do estagiário, o do coordenador. O que ficou foram os</p><p>depoimentos dos participantes, os portfólios e, mais escassamente, as notas,</p><p>as quais tinham um significado próprio para cada professor e para cada aluno.</p><p>Afinal, o que deve ser ensinado? O que os alunos necessitam aprender? O</p><p>que é o conteúdo do ensino médio? O que é conteúdo? Nossos alunos apren</p><p>deram, com certeza, muito menos do que o esperado do currículo formal, mas</p><p>aprenderam um outro conteúdo, aquele que os fez incluídos no mundo. Apren</p><p>deram para poder conversar com colegas e chefes, para ganhar o reconheci</p><p>mento e a consideração social dos grupos a que pertenciam, para interagir no</p><p>mundo. Essa avaliação mereceu por parte do grupo a grande reflexão: qual o</p><p>sentido do ensinar, especialmente para adultos trabalhadores?</p><p>A busca de uma proposta integradora foi a responsável pelas referências</p><p>ao novo sentido dado aos conteúdos, que, ''encaixados como peças de um</p><p>quebra-cabeça'', foram revalorizados. A geografia, ao aparecer contextualizada</p><p>nas ciências humanas, passou a ter um outro status, pois favoreceu a efetivação</p><p>dos objetivos desse campo de conhecimento, a perspectiva integradora e a</p><p>compreensão da totalidade espacial. Isso significou usar as informações para</p><p>perceber o local e o global e, dessa forma, reposicionar-se nos diferentes gru</p><p>pos sociais a que pertencia. Muito mais do que ensinar aos alunos os conceitos</p><p>ligados à fronteira, ao ambiente, à localização, à agricultura e ao território,</p><p>por exemplo, conseguimos fazê-los avaliar o papel de tais informações na com</p><p>preensão da organização espacial e suas implicações no entendimento dos</p><p>diferentes contextos de que participam. Aprender geografia passou a signifi</p><p>car dar sentido àquilo que viviam no cotidiano, enxergar as contradições do</p><p>espaço, conectar fatos e situações, dar sentido ao aprendizado e à vida.</p><p>A capacidade de inserção no mundo tanto dos alunos como dos professo</p><p>res, dos estagiários, dos coordenadores e dos demais participantes pôde ser</p><p>percebida em seus depoimentos. Eles expressaram algo muito especial, a qua</p><p>lificada reinserção nos diferentes ambientes de que participavam. Foram suas</p><p>falas as referências.</p><p>64 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Considero muito bom o que aprendi. Tenho um bom relacionamento com</p><p>colegas e professores. Me sinto mais seguro. Percebi que o relacionamento no</p><p>trabalho melhorou bastante. Consigo compreender o comportamento dos co</p><p>legas. O meu aprendizado contribuiu para melhorar o relacionamento com</p><p>os meus filhos. Agora posso orientá-los melhor. (Aluno do PEMJAT)</p><p>Outros alunos disseram ter sentido a importância de estar no Projeto ao</p><p>entenderem conceitos que liam e ouviam. Também manifestaram satisfação</p><p>em poder participar de conversas sobre as temáticas atuais e terem sido perce</p><p>bidos no ambiente de trabalho.</p><p>Aplico o que aprendo através de conversas com outras pessoas, como, por</p><p>exemplo, quando se fala em ditadura e preconceito, porque isso é do dia a</p><p>dia de todos. (Aluno do PEMJAD</p><p>Com o estudo, meu conceito no trabalho foi lá em cima. Agora tenho mais</p><p>trabalho e mais responsabilidade. (Aluno do PEMJAD</p><p>Os professores e os bolsistas também se manifestaram em relação aos</p><p>resultados. Muitos nem esperavam e se surpreenderam com suas experiências</p><p>no processo.</p><p>Como relatei, a diferença de idade nunca impôs barreiras entre alunos e pro</p><p>fessores. Aliás, deu-se um exercício de tolerância, paciência e muito prazer</p><p>por aprender, de ambas as partes. Para melhor exemplificar cito um aluno já</p><p>com idade avançada chamado Luís. Esse sempre fora chamado de "Seu Luís"</p><p>e sempre me dirigi a ele chamando-o de ''senhor'', em respeito à sua idade.</p><p>Seu rosto marcado por rugas mostrava uma vida de trabalho incansável des</p><p>de a infância, seu sorriso, mesmo longe da perfeição estética, sempre me</p><p>acariciava e fortificava. Esse homem, que poderia estar em casa rodeado de</p><p>filhos e netos, fazia-se sempre presente nas minhas aulas mostrando-me, além</p><p>do sorriso aberto, olhos brilhantes, sedentos de mais conhecimento. Algumas</p><p>vezes achei-o demasiadamente interessado, pois mesmo nos intervalos, pelos</p><p>corredores, enchia-me de perguntas, comentava programas culturais e rela</p><p>tava atividades escolares que realizava com os filhos, sempre com muito en</p><p>tusiasmo. Com o tempo, compreendi o que tanto queria aquele homem: ele</p><p>desejava aprender, conhecer tudo o que um dia lhe fora proibido pelas duras</p><p>circunstâncias que a sociedade impõe aos que ficam à sua margem. O que</p><p>talvez este "senhor" não tenha percebido é que, no exercício do aprendizado,</p><p>na busca incessante pelo novo, muito me ensinou, e acredito que a todos</p><p>meus companheiros de Projeto. (Bolsista do PEMJAD</p><p>Aprender, ao contrário do que muitos entendem, não é uma via de mão</p><p>única. Aprender precisa de interação e de troca. Isso foi uma constante no</p><p>Programa. Todos nós passamos a integrar o universo daqueles alunos. Eles</p><p>nos reconheciam em diferentes locais, fora e dentro da universidade, e fa</p><p>ziam questão de dizer que eram nossos alunos. Conversávamos, trocávamos</p><p>ideias, receitas e informações sobre os setores em que trabalhavam na univer</p><p>sidade, sobre suas vidas e atividades. Aprendíamos coisas diferentes e, espe</p><p>cialmente, entendemos o real sentido da nossa condição de professores</p><p>aprendentes. (Coordenador de bloco)</p><p>Geografia 65</p><p>Aprendemos a ser mais pacientes e mais compreensivos. Muitas pessoas</p><p>me perguntavam o que aconteceu com o meu jeito de falar, pois antes de</p><p>trabalhar no programa, ninguém entendia o que eu falava, pois falava muito</p><p>rápido. [ ... ] Acabamos por nos perceber mais desenvoltas diante de muitas</p><p>situações da nossa vida. (Estagiária do PEMJAT)</p><p>Os trechos citados ilustram as novas concepções de alguns participantes</p><p>que, na essência, buscavam a transformação dos modelos vigentes na maioria</p><p>das escolas. Foi no trabalho cotidiano de planejar, estudar, ensinar e aprender</p><p>que ampliaram suas competências profissionais. Estar no projeto transformou-os</p><p>como profissionais: os experientes ficaram mais reflexivos e incomodados em sua</p><p>prática, e aqueles em formação tiveram a felicidade de se perceberem outro</p><p>tipo de professor aprendendo com seus alunos.</p><p>Os alunos, nem sempre valorizados em suas vivências e experiências,</p><p>demonstraram que tinham muito a ensinar aos professores. O compartilha</p><p>mento do trabalho significou aprendizagens qualificadas que ampliaram co</p><p>nhecimentos e reposicionamento nas diferentes realidades em que estavam</p><p>inseridos.</p><p>As reflexões apresentadas apontam para a necessidade</p><p>de ampliar e de</p><p>modificar nossas concepções sobre ensinar e aprender, tornando-as muito mais</p><p>do que textos a ilustrar livros sobre as questões pedagógicas. Precisamos criar</p><p>situações que permitam a professores, estagiários e bolsistas confrontarem</p><p>sua prática com propostas diferenciadas. Isso significa ousar, no sentido de</p><p>investir em novas experiências construídas à luz das reflexões teóricas. Preci</p><p>samos nos dispor a enfrentar a insegurança da inovação e as críticas e cobran</p><p>ças que ela carrega.</p><p>O trabalho no Projeto foi uma aprendizagem significativa para todos os</p><p>envolvidos, alunos, professores e demais participantes, e por isso mereceu ser</p><p>relatada. Ela serve de inspiração para iniciativas que valorizem as concepções</p><p>que propõem uma forma integrada de ensino e de aprendizagem.</p><p>1\</p><p>REFERENCIAS</p><p>MARTINHO, C. Algumas palavras sobre rede. Disponível em .</p><p>Acessado em 4 de novembro de 2006.</p><p>MORIN, E. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.</p><p>,</p><p>SANTOME, J.T. Globalização e interdisciplinariedade: o currículo integrado. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 1998.</p><p>A construção conjunta do conhecimento</p><p>em sala de aula - entre o espaço</p><p>11é tudo free'' e a responsabilidade social</p><p>Lucimara Vizzotto Reffatti</p><p>O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe</p><p>numa posição em face do mundo que não é a de quem tem nada a ver com</p><p>ele. (Freire, 1996, p.60)</p><p>Ao pensarmos a formação de educadores no ensino médio temos nos</p><p>deparado com a necessidade de trabalhar práticas claras e precisas que auxili</p><p>em como fio condutor reflexivo no momento em que eles estejam em sala de</p><p>aula. Utilizando temas bastante amplos, encontramos na geografia a possibi</p><p>lidade de pensar o mundo, tarefa fundamental na função de educador seja</p><p>qual for o nível de ensino em que ele atue.</p><p>O mundo se apresenta a nós, aos nossos alunos futuros professores e aos</p><p>alunos desses, diariamente, de uma maneira tão fragmentada que nos senti</p><p>mos inseguros diante da realidade. Dificilmente, pela mídia televisiva, dado o</p><p>curto espaço de tempo que as notícias têm para serem veiculadas, teremos a</p><p>historicidade de um fato.</p><p>O vazio deixado pelos meios de comunicação abre um leque de possibili</p><p>dades para o trabalho daqueles que estão voltados ao ensino de temas geográ</p><p>ficos. Nesse meio é possível desenvolver uma leitura articulada e</p><p>problematizada com outras áreas do conhecimento, como história, filosofia,</p><p>matemática, português e educação física, esta última principalmente por seu</p><p>trabalho com a espacialidade.</p><p>No planejamento de atividades com os alunos do ensino médio/magisté</p><p>rio temos proposto a construção conjunta dos parâmetros de desenvolvimen</p><p>to e de avaliação dos temas a serem abordados, usando como base os ''códigos</p><p>da modernidade'', apontados por Bernardo Toro como as capacidades e com</p><p>petências mínimas para a participação produtiva no século XXI:</p><p>68 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>1. domínio da leitura e da escrita;</p><p>2. capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas;</p><p>3. capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações;</p><p>4. capacidade de compreender seu entorno social e de atuar nele;</p><p>5. capacidade de receber criticamente os meios de comunicação;</p><p>6. capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação</p><p>acumulada;</p><p>7. capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo.</p><p>A esses apontamentos, buscamos entrelaçar as redes de relações cotidia</p><p>nas dos alunos, para tornar possível a abordagem de situações concretas para</p><p>a necessária articulação com o que Grand'Maison (1976) chama de ''grelha</p><p>pedagógica'': o saber-fazer, o saber-pensar, o saber-viver, o saber-partilhar e o</p><p>saber-dizer.</p><p>Com estes enfoques que se imbricam, os códigos da modernidade e a</p><p>grelha pedagógica, buscamos desde cedo o desenvolvimento de tarefas que</p><p>sejam realizadas em pequenos e em grandes grupos. Esses são exercícios so</p><p>ciais que devem propiciar o início da autocompreensão e a análise das rela</p><p>ções nas quais os alunos estão inseridos, um processo fundamental para que</p><p>eles se percebam como atores da sua formação e, paralelamente, como atores</p><p>na transformação do meio.</p><p>CRIANDO ESPAÇO PARA O CONHECIMENTO</p><p>Em um projeto em conjunto com o Laboratório de Ensino de Geografia</p><p>da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenado pelo professor</p><p>Nelson Rego, realizamos oficinas de formação para alunos de Magistério. Em</p><p>uma dessas ocasiões, em que iria trabalhar exercícios para a transformação do</p><p>meio com uma turma de 2° ano, fui recebida por uma antiga música de Raul</p><p>Seixas*, que os alunos cantavam um pouco modificada, assim:</p><p>Nós não vamo copiar nada</p><p>Nós não vamo copiar nada</p><p>É tudo free, tá na hora</p><p>Agora é free, vamo embora</p><p>Fiquei pensando em quanto a musicalidade e o bom humor estão arraiga</p><p>dos no povo brasileiro. Essa inventividade nos é tão natural que, na grande</p><p>* Raul dos Santos Seixas, cantor, compositor, produtor e instrumentista, nasceu em Salva</p><p>dor, BA (28/6/1945) e faleceu em São Paulo, SP (21/8/1989). Sua grande influência foi o</p><p>rock-and-roll da década de 1950, que ouviu muito nos discos emprestados pelos vizinhos,</p><p>funcionários do consulado norte-americano em Salvador.</p><p>Geografia 69</p><p>maioria das vezes em que é demonstrada dentro da escola, os professores não</p><p>percebem a possibilidade de fazer um trabalho em que conteúdo e emoção ,</p><p>podem caminhar de mãos dadas. E certo que essa percepção é permeada por</p><p>uma concepção de aluno, de professor e, consequentemente, de como deve</p><p>ser o ensino em sala de aula. Em função desse pensamento, procuramos sem</p><p>pre reforçar que alunos, professores e mesmo suas práticas podem tornar-se</p><p>tanto ''sujeitos a'' quanto ''sujeitos de'', mas nunca devem deixar de se interro-,</p><p>gar ou de permitir ser interrogado. E a dúvida que nos constitui como seres</p><p>que aprendem e ensinam.</p><p>E a questão do ensino que nos traz a este texto, em que de uma forma</p><p>simples vou buscar expor a mudança de pensamento ocorrida nos alunos com</p><p>uma intervenção baseada nas ideias de Shor (1992a, 1992b) e na sua ''estra</p><p>tégia pedagógica para um curso de língua materna''.</p><p>Em vez de ver a atitude dos alunos como natural, esquecer o assunto e</p><p>passar a tarefa no quadro - afinal, cantar uma música como forma de protesto</p><p>é comum, assim como alunos reclamando de professores e de aulas todos os</p><p>dias-, resolvi questionar: Qual é o nome dessa música? Como é a letra origi</p><p>nal? Em que momento da história do país ela foi escrita? Quem é o autor da</p><p>música? O que será que o autor queria dizer realmente?</p><p>Pareceu-me naquele momento que eles não entenderam a proposta de</p><p>que com a música '~luga-se'' poderíamos partir para uma reflexão e buscar</p><p>conhecimento. Tive de retomar a ideia algumas vezes para que houvesse o</p><p>entendimento da possibilidade. Na verdade, a intenção dos alunos não era</p><p>dar-me material para trabalho, mas sim me chocar. Já estamos acostumados a</p><p>isso, todos nós, não só os professores. Somos inundados por eventos que nos</p><p>deixam perplexos, como programas de auditório que exploram conflitos fami</p><p>liares ou guerrilha urbana que impõe o fechamento de lojas, enquanto ima</p><p>gens de ônibus sendo incendiados colorem a tela da televisão. Temos o assom</p><p>bro fazendo parte da nossa rotina e, para conseguirmos sobreviver, acabamos</p><p>por desnaturalizar a pergunta, o questionamento, a filosofia, a busca da res</p><p>posta pelos atos que muitas vezes vemos e repetimos automaticamente, como</p><p>foi alegremente repetida a canção transformada do Raul Seixas.</p><p>Minha esperança no momento era de que, partindo deste ''mote alegre'',</p><p>pudéssemos criar uma situação interessante em que o processo de ensino-apren</p><p>dizagem fosse construído prazerosamente, e que eu, como educadora, além de</p><p>transmitir conhecimento, conseguisse instrumentalizá-los para buscá-lo.</p><p>Assim começamos nossa aula: todos escreveram em seus cadernos o que</p><p>tinham de conhecimento, impressões e dúvidas a respeito da música, alguns</p><p>escreveram</p><p>ainda qual era o sentimento que tinham ao cantar a letra modifi</p><p>cada. O passo seguinte foi a orientação para pesquisa em biblioteca, internet,</p><p>revistas de sebos e entrevistas com familiares.</p><p>Na aula seguinte, partindo da letra original de Raul Seixas e das impres</p><p>sões que os alunos trouxeram de casa sobre o compositor, buscamos fazer</p><p>uma análise primeiramente individual, depois em pequenos grupos e por fim</p><p>70 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>no grande grupo. As conclusões, as dúvidas, as opiniões e os apontamentos</p><p>iam sendo anotados no quadro, para que todos pudessem organizar o assunto</p><p>e suas interfaces, familiarizar-se com o tema e apropriar-se de conceitos ainda</p><p>não adquiridos.</p><p>Letra original '~l uga-se''</p><p>A solução pro nosso povo eu vou dar</p><p>Negócio bom assim ninguém nunca viu</p><p>Tá tudo pronto aqui é só vir pegar</p><p>A solução é alugar o Brasil!</p><p>Nós não vamos pagar nada</p><p>Nós não vamos pagar nada ,</p><p>E tudo free,</p><p>Tá na hora, agora é free,</p><p>vamo embora</p><p>Dar lugar pros gringo entrar</p><p>Esse imóvel tá pra alugar</p><p>Os estrangeiros, eu sei que eles vão gostar</p><p>Tem o Atlântico, tem vista pro mar</p><p>A Amazônia é o jardim do quintal</p><p>E o dólar deles paga o nosso mingau</p><p>Nós não vamos pagar nada</p><p>Nós não vamos pagar nada ,</p><p>E tudo free,</p><p>Tá na hora, agora é free,</p><p>vamo embora</p><p>Dar lugar pros gringo entrar</p><p>Esse imóvel tá pra alugar</p><p>Nós não vamos pagar nada</p><p>Nós não vamos pagar nada</p><p>Agora éfree</p><p>Tá na hora, agora é free,</p><p>vamo embora</p><p>Dar lugar pros gringo entrar</p><p>Esse imóvel tá pra alugar</p><p>Nessa parte do trabalho, foram realizadas atividades de leitura, de relei</p><p>tura, de interpretação e de representação de textos. Em um primeiro momen</p><p>to, a minha presença foi necessária como modelo: foi imprescindível dar o</p><p>exemplo que, além de mostrar como fazer, também mostrava comprometi</p><p>mento com a atividade proposta. Essa posição se estendeu durante todo o</p><p>trabalho, mas aos poucos a função de indagadora e de mediadora foi tomando</p><p>corpo e propiciando aos alunos o espaço para a possível discordância com o</p><p>que estava nos livros e nas revistas, e que muitas vezes é tido como verdade só</p><p>''porque está escrito'', e com o que é dito nas fontes de pesquisa ou no relato</p><p>oral das pessoas, sempre marcado por diversas influências.</p><p>Geografia 71</p><p>Debates acirrados e muitas questões não respondidas se destacaram nas</p><p>manhãs quentes daquele outubro sem ventiladores, quando decidíamos o que</p><p>era e o que não era relevante dentro do tema. Esse trabalho foi bastante ár</p><p>duo, pois muitas vezes os alunos discordavam sobre o grau de importância</p><p>dos apontamentos.</p><p>Após essa etapa, os pequenos grupos reuniram-se novamente para redi</p><p>gir suas conclusões, fazendo uso da Navalha de Occam, conceito trabalhado</p><p>na aula de filosofia que diz que, a menos que seja necessário, não devemos</p><p>introduzir complexidades ou suposições em um argumento. A Navalha de</p><p>Occam nos auxiliou com estas duas expressões: ''não dá nada'' e ''jeitinho</p><p>brasileiro''. Com a intenção de compreendê-las melhor, decidimos iniciar uma</p><p>nova etapa do trabalho.</p><p>Demarcamos que o estudo começaria pela fundação do Brasil e evoluiria</p><p>até termos o entendimento de quando, como e por que isso começou. Para</p><p>tanto, teríamos de nos remeter à Bahia do descobrimento. Wilfred Carr (1996)</p><p>dá o nome de ''prática teórica'' para uma ação intencional que só pode ser</p><p>compreendida na relação com um marco de pensamento que dá sentido à</p><p>prática dos atores envolvidos.</p><p>Nesta etapa, além da leitura de textos, trabalhamos com análise de dados</p><p>históricos e de mapas e com confecção de tabelas comparativas de dados</p><p>populacionais: idade, etnia, etc.</p><p>Os alunos desenvolveram pequenos seminários, com duração de 80 mi</p><p>nutos, e a única solicitação feita por mim foi que houvesse, ao final da apre</p><p>sentação, o posicionamento pessoal do grupo. Após esse momento, fazíamos a</p><p>avaliação do desempenho do grupo com base nas pesquisas realizadas e na</p><p>técnica de apresentação. Como as temáticas por grupo diferenciavam-se ao</p><p>mesmo tempo em que eram complementares, incentivei os alunos para que</p><p>explorassem estratégias diversas de apresentação nos seminários, buscando o</p><p>desenvolvimento máximo da criatividade e a integração do grupo.</p><p>O primeiro seminário assumiu ares de sarau poético quando, após os</p><p>alunos falarem sobre os importantes personagens da literatura baiana, um</p><p>aluno vestido com roupas de época recitou um soneto de Gregório de Mattos</p><p>(1636-1695).</p><p>Descrevo o que era realmente naquele tempo a Cidade da Bahia</p><p>A cada canto um grande conselheiro,</p><p>Que nos quer governar cabana e vinha;</p><p>Não sabem governar sua cozinha,</p><p>E podem governar o mundo inteiro.</p><p>Em cada porta um bem frequente olheiro,</p><p>Que a vida do vizinho e da vizinha</p><p>Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,</p><p>Para o levar à praça e ao terreiro.</p><p>72 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Muitos mulatos desavergonhados,</p><p>Trazidos sob os pés os homens nobres,</p><p>Posta nas palmas toda a picardia,</p><p>Estupendas usuras nos mercados,</p><p>Todos os que não furtam muito pobres</p><p>E eis aqui a cidade da Bahia.</p><p>Foram distribuídas cópias do soneto aos colegas, convidados à discussão</p><p>sobre as semelhanças da época representada no poema com os tempos atuais.</p><p>O segundo seminário começou com o convite para que todos fizessem</p><p>um círculo, sentados no chão, para ouvirmos a história do Samba de Roda.</p><p>Ficamos cientes da sua importância na preservação da cultura dos africanos</p><p>escravizados no Brasil. Depois, todos foram convidados a participar da conhe</p><p>cida ''umbigada'' - cada participante, ao sair da roda, convida um novo para a</p><p>dança dando-lhe uma ''umbigada''.</p><p>No terceiro seminário, ficamos sabendo da contribuição dos hábitos ali</p><p>mentares de três etnias para o surgimento da culinária baiana. Os índios plan</p><p>tavam mandioca e milho. Os portugueses trouxeram a sardinha, o bacalhau,</p><p>os cozidos de carne com legumes e os doces. Com os negros vieram a pimenta</p><p>malagueta, o quiabo e o azeite de dendê. Muitos são os pratos gerados dessa</p><p>união, mas delícias como o acarajé e o bobó de camarão devemos ao candom</p><p>blé, porque são adaptações da comida sagrada dos orixás. Nesse dia, tivemos</p><p>uma pequena degustação dessas iguarias tão peculiares, e todos compreende</p><p>ram por que são comidas ''dos deuses''.</p><p>O quarto seminário foi sobre a religião na Bahia. Os alunos trouxeram</p><p>fotos e imagens de vídeo de algumas das mais de 365 igrejas católicas de</p><p>Salvador e também de muitos terreiros de pais e mães de santo, os quais con</p><p>vivem em harmonia de crenças e ritos. Eles explicaram os santos que são cor</p><p>respondentes nas duas religiões e trouxeram reportagens com ritos ecumênicos.</p><p>Foi uma demonstração bastante rica do caldo religioso pelo qual a população</p><p>baiana é envolvida.</p><p>No quinto seminário, ouvimos samba de raiz, axé, forró, reggae, MPB,</p><p>afoxé, bossa nova. O berço da nação não poderia deixar de ser o berço da</p><p>música brasileira, e em meio a demonstrações de dança de cada ritmo nos</p><p>interamos da história, da época e das regiões onde elas se destacavam. A</p><p>música escolhida como destaque pelo grupo para fazer a sua reflexão é a</p><p>seguinte:</p><p>Lourinha Bombril</p><p>[ ... ]</p><p>Essa crioula tem o olho azul.</p><p>Essa lourinha tem cabelo bombril.</p><p>Aquela índia tem sotaque do sul.</p><p>Essa mulata é da cor do Brasil.</p><p>A cozinheira tá falando alemão.</p><p>A princesinha tá falando no pé.</p><p>A italiana cozinhando o feijão.</p><p>A americana se encantou com Pelé.</p><p>[ ... ]</p><p>Diego Blanco y Bahiano.</p><p>Versão: Herbert Vianna. *</p><p>Geografia 73</p><p>Quando chegamos ao sexto seminário, escrevi em meu caderno: ''Senta</p><p>da em um canto da sala tendo ao fundo o som de um pandeiro e a demonstra</p><p>ção de um jogo corporal, vejo um conjunto de brilhos tão intensos que se</p><p>assemelham a quasares ainda não descobertos''.</p><p>Definitivamente, depois de tantas apresentações significativas, ver um</p><p>jogo de capoeira, sobre o qual um grupo de alunos falou emocionado, faz com</p><p>que entendamos o brilho nos olhos de todos daquela sala.</p><p>somente restam ao geógrafo</p><p>se vier junto com algum exercício possível</p><p>da construção do mundo, por pequeno que seja. Os espaços cotidianamente</p><p>vividos (o pátio e o prédio da escola, o bairro e seus diferentes lugares, a</p><p>urbanidade ou a ruralidade) são espaços plenos de perguntas a serem feitas,</p><p>problemas a serem discutidos, de soluções a serem pensadas e até - quem</p><p>sabe? -, em alguma medida, postas em prática. Talvez o ensaio feito no tama</p><p>nho pequeno aumente as chances de uma sociedade futura tentar os acordos</p><p>para o exercício do grande.</p><p>Imensa é a distância entre essa concepção sonhadora de geografia edu</p><p>cadora e aquela primeira noção sobre um dos significados possíveis acerca do ,</p><p>que possa ser ensino de geografia. E pertinente lembrar que uma distinção</p><p>1 O Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>possível entre sonho e ilusão é que o sonho tenta tornar-se realidade e, para</p><p>tanto, estabelece contato com seus próprios limites e avalia possibilidades.</p><p>Muito grande é a diferença entre as duas categorias expostas, pois pou</p><p>cas coisas podem ser mais distantes da ação que vislumbra a modificação da</p><p>realidade do que a repetição programática de um roteiro invariável. Para que</p><p>tantas informações se não é exercitado o pensamento sobre o que é possível</p><p>fazer com elas?</p><p>Essa é uma pergunta que muitos professores fazem e, em busca deres-,</p><p>postas, recriam práticas. E por isso que outra resposta possível para as duas</p><p>perguntas iniciais é o oposto da primeira resposta. A distância tende ao zero,</p><p>pois geografia educadora e ensino de geografia convergem mutuamente.</p><p>Os conteúdos programáticos não são esquecidos. Ao contrário, eles são</p><p>redescobertos. Enxergarei de outro modo, em meu bairro, as questões envol</p><p>vendo perda e deterioração das moradias ou as famílias com membros desem</p><p>pregados ou subempregados. Se pensar no que pode haver em comum, para</p><p>além das aparências das casas, entre o meu bairro e muitos guetos nos Esta</p><p>dos Unidos e na Europa, com tantos conflitos étnicos, raciais e de controle de</p><p>fronteiras, tentando bloquear as levas de migrantes indo em busca de ...</p><p>subempregos. O que, da compreensão de mundo, levarei para a compreensão</p><p>do meu bairro? O que farei em meu bairro? Poderemos mesmo fazer alguma</p><p>coisa? A quem mais caberia fazer alguma coisa? Entrevistar as pessoas, mon</p><p>tar cartazes com figuras e textos explicativos sobre o mundo e sobre o bairro,</p><p>diluir preconceitos, enxergar de outro modo já não será, de fato, fazer alguma</p><p>coisa? O que, da escola, levarei para a minha trajetória no mundo?</p><p>Emissão global de gases na atmosfera, perda anual de solos e modos</p><p>diferentes de agricultura que podem gerar diferentes consequências em rela</p><p>ção à água, à energia ... A lista de problemas é grande. Na verdade, ela deve</p><p>ser feita como roteiro de pesquisas por aqueles que querem conhecer. Querem</p><p>conhecer para ... Preencha essas reticências com eles.</p><p>A lista de problemas que o mundo deixa como herança e patrimônio para</p><p>educandos de todas as idades e latitudes é, presumivelmente, enorme. A lista</p><p>de maravilhas, também. Nada mais maravilhoso do que criar mundos em</p><p>massinha de modelar - e remodelar, remodelar. Talvez o ensaio feito no pe</p><p>queno tamanho aumente as chances de uma sociedade futura tentar os acor</p><p>dos para o exercício do grande.</p><p>Os capítulos deste livro são exemplos dessa comunicação entre ensino de</p><p>geografia e geografia educadora. Cada capítulo é uma cristalização provisória</p><p>dos processos vividos por seus autores e autoras, que sintetiza algo de impor</p><p>tante em cada um desses processos e o devolve, sob a forma comunicativa,</p><p>para a rede dos fazeres. Podem ser observados alguns caminhos pelos quais os</p><p>conteúdos programáticos deixam de ser uma base irremovível e invariável,</p><p>coisificante, para se transformarem nos bancos de informações a serem</p><p>acessadas, selecionadas, organizadas a partir de perguntas e de questões de</p><p>interesse. Quem define quais devem ser essas questões deve ser quem tem</p><p>Geografia 11</p><p>interesse. As aqui propostas colocam em pauta o cotidiano que liga o lugar ao</p><p>mundo, os ambientes, as atitudes, os esforços, os prazeres. Exercitar os modos</p><p>possíveis para nominar os interesses aqui propostos já é, por si, um ato de</p><p>leitura que se faz reconstrutora do que foi escrito.</p><p>Os capítulos estão agrupados em duas partes. ''Saber para saber fazer</p><p>melhor'' é uma frase retirada de um dos textos e serve de título para a primeira</p><p>parte de capítulos. Ela apresenta propostas de práticas relacionadas a reflexões</p><p>teóricas mais abrangentes acerca do ensino de geografia e, assim, dizem tam</p><p>bém respeito a uma extensão ampla. São propostas menos associadas a temas</p><p>ou a procedimentos específicos, e mais a transversalidades dessa extensão.</p><p>''Grafias da terra e cartão-postal, sol e chuva, supermercado, cultura indí</p><p>gena, papel e tesoura e as coisas que existem por trás de uma panela'' é uma</p><p>extensa lista de objetos e de atitudes presentes nos textos, esperando por se</p><p>rem nominadas pela leitura. Sem descartar a tentativa de uma visão mais</p><p>totalizante, as ênfases em cada um dos capítulos da segunda parte caracteri</p><p>zam mais a pulsão de aprofundar determinados temas, instrumentos, atitudes</p><p>ou relações com algum outro campo do conhecimento. Propõem práticas rela</p><p>cionadas a esses aspectos mais especificamente abordados e, desse modo, junto</p><p>com os capítulos da primeira parte, formam uma obra de reflexões e de pro</p><p>postas de práticas que ajudam a costurar uma porção da trama, em movimen</p><p>to, entre o todo e as partes. ,</p><p>E preciso declarar que há, sim, uma boa dose de exagero e de ficção</p><p>literária na caracterização anteriormente feita sobre o que pode vir a ser uma</p><p>geografia educadora, pois entre as boas intenções e as realidades efetuadas</p><p>existem muito mais coisas do que sonham os nossos projetos. Em suma, existe</p><p>o mundo. Entre os obstáculos não há como omitir a desvalorização cultural da</p><p>figura do professor (corolário da desvalorização mais ampla do societário), as</p><p>resistências a mudanças que quebrem os pactos de inércia, a combinação pe</p><p>sada entre salários aquém do merecido e jornadas de trabalho e número de</p><p>alunos excessivos e, ainda, a paradoxal expectativa de que o professor ensine</p><p>respeito e limites quando a família e a sociedade parecem declinar de suas</p><p>partes nessa responsabilidade.</p><p>Obstáculos podem ser impedimentos. Ou podem ser desafios. A finalida</p><p>de de sonhar, por pouco que seja, é escapar à armadilha de fazer tudo como se ,</p><p>tudo devesse ser feito como reflexo do já dado. E finalidade do sonho sondar ,</p><p>o que se agita em busca de formas possíveis nos desvãos do cotidiano. E,</p><p>ainda, sua finalidade sugerir formas possíveis a isso que se agita e apresentá</p><p>las para o diálogo com os outros. As respostas a esse diálogo proposto dirão se</p><p>os intérpretes aqui presentes são bons reconstrutores.</p><p>Parte</p><p>Saber para saber fazer melhor</p><p>Práticas geográficas para lerpensar o</p><p>mundo, converentendersar com o outro</p><p>e entenderscobrir a si mesmo</p><p>Nestor André Kaercher</p><p>Docência: Despir-se do que se aprendeu para reinventar-se e ser ''eu''</p><p>Procuro dizer o que sinto sem pensar em que o sinto. Procuro encostar as</p><p>palavras à ideia e não precisar dum corredor do pensamento para as pa</p><p>lavras.</p><p>Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir. O meu pensamento só</p><p>muito devagar atravessa o rio a nado.</p><p>Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer-me do modo de lem</p><p>brar que me ensinaram e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,</p><p>desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu.</p><p>(Pessoa, 1992, p.110)</p><p>O professor necessita, obviamente, de modelos para guiar a caminhada.</p><p>No entanto, por entender a docência como uma prática que ultrapassa em</p><p>muito a mera racionalidade, não busco apenas modelos técnicos. Quero res</p><p>postas e certezas onde abundam dúvidas e inquietações. Schõn (2000, p. 20-</p><p>21) fala da formação de professores como uma área de incertezas, mas, ao</p><p>mesmo tempo, com tendência forte à imobilidade:</p><p>O que</p><p>duas alternativas: justificar a ordem existente</p><p>através do ocultamento das reais relações sociais no espaço ou analisar essas</p><p>relações, as contradições que elas encobrem, e as possibilidades de destruí</p><p>las. (Santos, 1978, p.213)</p><p>Ao final do trabalho, reunidos em pequenos e depois em grande grupo,</p><p>foi redigido o seguinte texto coletivo:</p><p>Chegamos à conclusão de que não podemos demarcar o início da "cultura" do "não dá</p><p>nada" e do "jeitinho brasileiro", até porque não temos a intenção de vestir "as novas</p><p>roupas do imperador": estaríamos indo em desencontro à natureza aberta do trabalho</p><p>que nos propomos.</p><p>Mas podemos pontuar que, sendo o Brasil colonizado por uma diversidade de culturas,</p><p>já nascemos sob o signo da aceitação, flexíveis e tolerantes com o que é diferente, com o</p><p>que está em desacordo com as normas sociais, com o "jeitinho brasileiro".</p><p>Isso não é de todo mau, porque o "jeitinho" também tem o seu lado positivo, nunca</p><p>poderíamos deixar de apontar isto: quando a professora pede ao seu oftalmologista que ,</p><p>atenda um aluno de graça porque a demora no Sistema Unico de Saúde (SUS) está</p><p>comprometendo sua aprendizagem, ela está dando um jeitinho; quando o médico</p><p>indica ao aluno da escola de periferia uma ótica que fará seus óculos, ele está dando um</p><p>jeitinho; quando a mãe, além de fazer faxina, faz pão para vender aos patrões, ela está</p><p>dando um jeitinho; quando uma vizinha fica com o bebê da outra para que o irmão</p><p>maior possa ir à escola, ela está dando um jeitinho.</p><p>Somos criativos, solidários e nos adaptamos às situações mais diversas desde 1500,</p><p>e é do lugar onde estamos - a escola pública -, que podemos vislumbrar agregar o</p><p>adjetivo "responsável" à identidade brasileira.</p><p>* Herbert Lemos de Sousa Vianna (nascido em João Pessoa, na Paraíba, em 4 de maio de</p><p>1961) é o vocalista, guitarrista e principal compositor do grupo Os Paralamas do Sucesso,</p><p>um dos grupos-base do rock brasileiro.</p><p>7 4 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Entendo por identidade o processo mediante o qual um ator social reconhece</p><p>a si mesmo e constrói o significado em virtude, sobretudo de atributos cultu</p><p>rais determinados com a exclusão de uma referência mais ampla a outras</p><p>estruturas sociais. (Castells, 1999)</p><p>Para finalizar, gostaria de dizer que chegar ao resultado exigiu que os</p><p>alunos, acima de qualquer coisa, sistematizassem as informações coletadas</p><p>durante o trabalho em equipe, o que não é uma coisa fácil, que usassem de</p><p>criatividade e objetividade, pois o tempo das apresentações era curto em rela</p><p>ção ao vasto material coletado, e que expressassem suas ideias e conclusões</p><p>para o grande grupo, sabendo que poderiam surgir opiniões divergentes, mas</p><p>que o importante em momentos como esses é a troca de conhecimentos.</p><p>A minha função durante todo o tempo foi retomar constantemente, junto</p><p>aos grupos, a relação entre a geografia e os objetivos propostos e, com base</p><p>nessa articulação, rever coletivamente as explanações e procurar convergên</p><p>cias ou divergências, questionar amplamente a questão do vocabulário, acen</p><p>tuar a necessidade do dicionário e incentivar os alunos a relerem a primeira e</p><p>a segunda lista de dúvidas logo após os seminários para fazer a verificação da</p><p>mudança de pensamento, do conhecimento adquirido e do que ainda precisa</p><p>va ser visto.</p><p>Como nos diz Sidarta Ribeiro, ''Somos máquinas multissensoriais de apren</p><p>der: todas as portas da percepção são canais de aprendizado''. Somos máqui</p><p>nas com os sentidos desenvolvidos pela necessidade de sobrevivência e, quan</p><p>do exploramos todos esses sentidos, certamente facilitamos para o cérebro o</p><p>aprendizado. Então, ancorar este trabalho na dança, na música, na religiosi</p><p>dade, na culinária, nos jogos corporais, na memória escrita e na memória</p><p>descrita traz informações a todo o nosso corpo e nos faz sabedores do que está</p><p>acontecendo.</p><p>Trataremos, então, de desconstruir a escola da teoria desconstruída para cons</p><p>truir uma escola de acordo com o atual conhecimento que se tem da nature</p><p>za, da sociedade, do universo. Uma escola que não se baseie na linearidade e</p><p>na análise, mas na complexidade e na síntese; uma escola que, aberta para a</p><p>sua realidade social, prepare definitivamente para a mudança e para a inova</p><p>ção. Uma escola que se assente, então, sobre a epistemologia caótica, porque</p><p>a teoria do caos lhe dá coerência entre realidade e forma de conhecer a rea</p><p>lidade. (Colom, 2004)</p><p>Conhecedores da realidade que somos, podemos dizer que mesmo a tele</p><p>visão, que nos assola com a baixa qualidade de muitos programas, não deixa</p><p>de ser um importante instrumento pedagógico. Ela possui funções públicas</p><p>como a informação cultural e intelectual, exibe notícias de acontecimentos</p><p>que há pouco tempo demoraríamos muito para ter acesso e funciona como</p><p>Geografia 7 5</p><p>lazer de baixo custo, pois grande é a parte da população que não tem condi</p><p>ções financeiras de ir ao cinema, de comprar um livro, de ir a uma peça de</p><p>teatro ou de fazer uma viagem. Essa é a nossa realidade, não vamos nos indis</p><p>por diretamente com ela. Por meio da educação, porém, podemos argumen</p><p>tar a seu respeito, abrir o leque das possibilidades que ela nos lega e, na busca</p><p>do equilíbrio entre os aspectos negativos e os positivos, fornecer instrumentos</p><p>e acesso ao conhecimento para que as pessoas saibam, como souberam os</p><p>alunos do 2º ano do magistério, em sua caminhada na busca pelo conheci</p><p>mento, que entre a posição ''tudo free'' e a noção de responsabilidade social,</p><p>existe a possibilidade de construir uma ação crítica, democrática e solidária ,</p><p>em um mundo caótico. E certamente 1 % de inspiração e 99% de transpiração,</p><p>mas pensar o mundo, repensar o mundo e pensar no mundo nunca vai ser</p><p>tarefa fácil.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>ADORNO, T. Educação e emancipação. (Trad. de Wolfgang Leo Maar). São Paulo: Paz e</p><p>Terra, 1995.</p><p>BERTRAND, Y. Teorias contemporâneas da educação. 2.ed. Instituto Piaget, 2001.</p><p>CARR, W. Una teoría para la educación. Hacia una investigación educativa crítica. (Trad.</p><p>cast.) Madrid: Morata, 1996.</p><p>CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. 5.</p><p>ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. V.l.</p><p>COLOM, A.J. A (des)construção do conhecimento pedagógico: novas perspectivas para a</p><p>educação. (Trad. Jussara Haubert Rodrigues). Porto Alegre: Artmed, 2004.</p><p>FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.</p><p>SHOR, I. Culture wars: School and society in the conservative restoration, 1969-1991.</p><p>Chicago: University of Chicago Press, 1992.</p><p>___ . Empowering education: Criticai teaching for social change. Chicago: University of</p><p>Chicago Press, 1992.</p><p>SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo : HUCITEC, 1978.</p><p>TORO, B. Precisamos de cidadãos do mundo. Revista Nova Escola, São Paulo, n.154, 2002.</p><p>Nossas práticas, nossos desafios:</p><p>um olhar por dentro de si*</p><p>Vânia Alves Martins Chaigar</p><p>Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas o que é possível de</p><p>fazer sentido.</p><p>Eu não: quero é uma verdade inventada.</p><p>Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o</p><p>futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios. (Clarice Lispector).**</p><p>Ao me debruçar sobre o título deste capítulo, a primeira coisa que me</p><p>ocorre é justamente refletir sobre o significado de prática e onde ela nasce. Ao ,</p><p>fazê-lo, entretanto, convém esclarecer logo o lugar de onde falo. E ele que</p><p>referencia e possibilita ao interlocutor a compreensão e a concordância ou a</p><p>discordância sobre o que está sendo dito.</p><p>A objetividade, tão decantada na modernidade, foi perdendo sua confor</p><p>tável morada à medida que os homens e as mulheres percebiam que a visão de</p><p>um fenômeno dependia da posição em que se encontravam.</p><p>Sou professora da área de Didática e Metodologias de Ensino, do Depar</p><p>tamento de Educação e Ciências do Comportamento da FURG, e atualmente</p><p>trabalho com Fundamentos e Metodologias de Ciências Sociais, no curso de</p><p>Pedagogia. Vivenciei, entretanto, o ensino de geografia</p><p>no ensino básico por</p><p>13 anos, na rede pública municipal de ensino na cidade de Pelotas, RS, baga</p><p>gem essa que me referencia e constitui parcela significativa do meu ser como</p><p>professora.</p><p>Entendo que a prática na sala de aula traduz uma práxis de vida alinha</p><p>vada por concepções e por representações sobre o mundo e sobre as relações</p><p>*Texto adaptado da fala proferida na mesa-redonda ''Tendências atuais no ensino de geogra</p><p>fia'', parte da programação da 'jornada sobre ensino de geografia: nossas práticas, nossos</p><p>desafios'', promovida pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (RS) e Geografia da Funda</p><p>ção Universidade Federal do Rio Grande. Em Rio Grande (RS), no dia 8 de abril de 2005.</p><p>** Disponível em: .</p><p>78 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>sociais das quais faço parte. A prática, para muito além da forma como às</p><p>vezes é entendida pelo senso comum, no sentido da ação somente, é a expres</p><p>são de uma teoria em movimento ou, dizendo de outra forma, a corporeidade</p><p>dos discursos proferidos. De nada valem as palavras se a elas não estiver co</p><p>lada a corporeidade da ação. Transformar a palavra em práxis! Dar teste</p><p>munho!</p><p>Para Freire (2004, p.176), é o ''dar testemunho'' que legitima a fala do</p><p>professor ou da professora.</p><p>,</p><p>E que na medida em que o testemunho não é um gesto no ar, mas uma ação, ,</p><p>um enfrentamento, com o mundo e com os homens, não é estático. E algo</p><p>dinâmico que passa a fazer parte da totalidade do contexto da sociedade em</p><p>que se deu. E, daí em diante, já não para.</p><p>Vejo a corporeidade da ação, o testemunho, que ''não é um gesto no ar'',</p><p>como algo fundamental ao professor, que tanto pode ajudar a edificar quanto</p><p>a desmanchar modos de sentir-pensar. Os alunos estão sempre atentos ao tes</p><p>temunho do professor, pois é ele que marca a trajetória docente nos caminhos</p><p>da sala de aula, para o melhor e para o pior! Dizer a sua palavra não significa</p><p>apenas pronunciá-la, deixá-la cair da boca. Isso é o mais fácil e o menos im</p><p>portante. Dizer a sua palavra é exemplificar a medida da sua autoridade e, por</p><p>conseguinte, possibilitar a autonomia do aluno.</p><p>''Quero é uma verdade inventada'', desejou Clarice Lispector. A prática</p><p>pedagógica é uma espécie de invenção de modos de ser na instituição escolar.</p><p>Ao entrar pela porta da sala de aula, não deixo o (que penso) que sou do lado</p><p>de fora; ele me acompanha como um adesivo grudado na pele do lado de</p><p>dentro. Suponho que não há como refletir sobre prática sem antes pensar em</p><p>como se é, ou como se está sendo, nos sentimentos, nas emoções, nas relações,</p><p>nos saberes, nos conhecimentos que nos perpassam cotidianamente.</p><p>Desta forma, o professor em ação veicula representações sociais, políti</p><p>cas, culturais, estéticas e éticas, o que me permite especular que o modo do</p><p>cente de ser é a versão escolar (institucional) de um modo de ser (Chaigar,</p><p>2001).</p><p>Outra questão é levantar então de qual práxis estamos falando. O Fórum</p><p>Mundial de Educação, na terceira edição em 2004, aponta em sua Carta* que</p><p>''para as lutas e os movimentos tornarem um outro mundo possível, uma ou</p><p>tra educação se faz necessária''. O artigo primeiro do documento reitera: 'Wir</p><p>ma-se o direito universal a uma educação emancipatória''. A afirmativa explicita</p><p>uma dimensão política da educação relacionada a um conhecimento que não</p><p>é neutro, que nesse caso é dado pela solidariedade, faz-se nas relações</p><p>* Disponível em .</p><p>Geografia 7 9</p><p>estabelecidas entre homens e mulheres e estão a serviço de determinados</p><p>modos de pensar o mundo.</p><p>Na perspectiva desenhada por Santos (2002, p.309), emancipação tem</p><p>um caráter relativo, já que a ''prática social é sempre uma constelação de</p><p>algumas ou de todas as diferentes formas de ação'' e deve estar na base do</p><p>novo conhecimento de uma teoria crítica pós-moderna. Sobre esta teoria, Santos</p><p>(2002, p.327) diz o seguinte:</p><p>Sua contribuição para um senso comum novo e emancipatório reside na iden</p><p>tificação e caracterização das constelações de regulação, isto é, dos múltiplos</p><p>lugares de opressão nas sociedades capitalistas e das interligações entre eles.</p><p>Além disso, propõe "a invenção de novos sentidos que resultem destas cons</p><p>telações'', pois elas "são sementes de novos sensos comuns.</p><p>Nessa direção, uma invenção de novos sentidos para uma educação eman</p><p>cipatória poderia ser dada por aquele capaz de quebrar o caráter ideológico</p><p>da educação que prevê/propõe um só modelo de cidadania, para além do qual</p><p>não há saída. Este está subjacente nas famosas expressões ''é assim mesmo'',</p><p>''não tem outro jeito'', presentes nos discursos e nas proposições neoliberais,</p><p>inclusive na educação.</p><p>Esse modelo do ''pensamento único'' contraria todas as expressões da ,</p><p>diversidade e da pluralidade que caracterizam a riqueza da fauna humana. E</p><p>uma espécie de pasteurização banalizadora da diferença e, ao largo da sua</p><p>disseminação, especialmente a partir do Consenso de Washington, desde o</p><p>início dos anos de 1990, tem auxiliado a produzir vazios existenciais e apro</p><p>fundado desigualdades econômicas e sociais.</p><p>Isso que aqui poderia ser exemplificado como um dos ''múltiplos lugares</p><p>da opressão das sociedades capitalistas'', conforme indicou o sociólogo portu</p><p>guês no destaque anterior, tem na sua desmistificação a possibilidade de inte</p><p>grar sociedades descartáveis, significando um tipo de emancipação por meio</p><p>da qual uma outra estética, um outro olhar sobre si e o outro são reveladas</p><p>(Santos, 2004b).</p><p>O professor identificado com essa práxis é como o artista que sai de seu</p><p>estúdio e vai ao encontro da sua (verdadeira) obra, como propõe também o</p><p>autor, ao entender que a estética é uma das formas de libertação do homem e</p><p>da mulher.</p><p>No pós-modernismo de oposição, com o qual Santos (2004a, p.6) se iden</p><p>tifica, está a ''racionalidade estético-expressiva como pilar da emancipação</p><p>social moderna''. Nela, prática política e estética não são dissociáveis.</p><p>Uma práxis voltada para a busca dessa emancipação, na sala de aula, não</p><p>poderia voltar-se, entre outros, à descoberta e à experimentação dos múltiplos</p><p>espaços de resistência, expressão da comunidade local?</p><p>Penso que uma outra questão a ser debatida, e que é inerente a essa</p><p>práxis, entretanto, diz respeito à maneira como percebo a minha própria eman-</p><p>80 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>,</p><p>cipação. Aqui cabe um bom parêntese. (E inegável e legítimo o enorme desâ-</p><p>nimo que tem, por vezes, se sobreposto aos desejos mais sinceros por emanci</p><p>pação. As avaliações institucionais externas, os financiamentos públicos con</p><p>dicionados, os discursos ressignificados, as descontinuidades de projetos edu</p><p>cativos, os baixíssimos salários, as condições de insalubridade, os modismos</p><p>pedagógicos e tantas outras questões inerentes à educação na instituição es</p><p>colar são fortes condicionantes contemporâneos à emancipação.)</p><p>Embora uma parcela desses sentimentos possa ser creditada ao fatalismo</p><p>neoliberal e à sua ideologia imobilizadora, que tomou conta de boa parte do</p><p>pensamento contemporâneo, inclusive contaminando intelectuais de esquer</p><p>da, eles estão objetivamente presentes na constituição da confiança e da auto</p><p>estima dos professores. Sobre isto pondera Contreras (2003): quando posso</p><p>confiar, acredito mais e me lanço com maior facilidade naquilo que me é pro</p><p>posto. Autorizo-me, conforme diz o autor, a me fazer dono de mim.</p><p>No caminho dessa apropriação de si mesmo, contudo, alguns enfren</p><p>tamentos estão obstaculizando a passagem, gerando lentidão nos movimen</p><p>tos e, não raramente, recuos. Desses, destaco o que Santos (2004a) tem deno</p><p>minado de colonialismo social do pós-colonialismo. Embora, do ponto de vista</p><p>político, o colonialismo tenha sido superado, o mesmo não ocorreu do ponto</p><p>de vista social, incluindo as relações, as mentalidades e as sociabilidades</p><p>autoritárias e discriminatórias. O escravismo no Brasil e no mundo e o tráfico</p><p>de crianças e mulheres, para citar duas questões</p><p>apenas, são exemplos desse ,</p><p>colonialismo social. E o que mostram notícias* como estas:</p><p>BB corta crédito de quem explora trabalho escravo</p><p>O Banco do Brasil cancelou crédito para 60 clientes, entre pessoas e empre</p><p>sas, citados em duas listas feitas pelo governo com os nomes de quem foi</p><p>flagrado pela fiscalização do Ministério do Trabalho explorando mão de obra</p><p>escrava. Esses clientes tinham empréstimos com recursos públicos no valor</p><p>total de R$ 100 milhões. (O Globo, 7 /4, O País, p.8)</p><p>Morre a 18ª criança indígena em MS</p><p>O índio guarani Kaiowá Maciel Nunes morreu ontem na Santa Casa de Cam</p><p>po Grande, em Mato Grosso do Sul, vítima de leishmaniose visceral. Já são 18</p><p>crianças índias mortas no Estado em 2005 por problemas de saúde. O coor</p><p>denador regional da Funasa, Gaspar Hickmann, admitiu ontem que a falta de</p><p>um atendimento adequado no Centro de Reabilitação Nutricional pode estar</p><p>contribuindo para a morte de crianças indígenas no Estado. (O Estado de São</p><p>Paulo, 5/4, Nacional, p. A7; O Globo, 5/4, O País, p.10)</p><p>Esse colonialismo social ratifica a invenção da vida menos importante: a</p><p>vida que não é classificada como a padrão, segundo os interesses hegemônicos</p><p>*Notícias recebidas por e-mail do Instituto Socioambiental - ISA .</p><p>Geografia 81</p><p>de plantão, vale menos. Em uma escala de valores arbitrados de forma exógena,</p><p>atualmente o bordão de terrorista, seja para um país, um grupo ou uma pes</p><p>soa, equivale a dizer que essa vida vale menos.</p><p>O colonialismo social traz implicações espaciais como as verificadas no</p><p>Brasil pelas apropriações de terra por grilagem, demarcação de reservas indí</p><p>genas descontínuas, ''consórcios'' para eliminação ''da vida menos importan</p><p>te'', privatização do espaço público e tantos outros cotidianos exemplos. Nesse</p><p>sentido, diariamente podemos ler notícias como estas duas publicadas em</p><p>. . * Jornais:</p><p>Pará: consórcio é revelado</p><p>Depois de fazer uma acareação sexta-feira entre Amair Feijoli da Cunha, o</p><p>Tato, acusado de ser o intermediário no assassinato da missionária Dorothy</p><p>Stang, e o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, a Polícia Federal e o Ministé</p><p>rio Público anunciaram não ter mais dúvidas de que os fazendeiros Vitalmiro</p><p>Bastos Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão fizeram um consórcio para patro</p><p>cinar a execução da freira. (O Globo, 9/4, O País, p.11; JB, 9/4/2005, País,</p><p>p.A5)</p><p>Ofensiva contra a grilagem</p><p>Ministério Público processará moradores do Núcleo Rural Boa Esperança por</p><p>terem construído em terras do Parque Nacional de Brasília (DF). ''Essas terras</p><p>foram griladas. Todos que construíram estão em situação irregular", destacou</p><p>o procurador Francisco Guilherme Vollsted Bastos. O procurador denunciou</p><p>ainda que a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (CAESB) capta</p><p>irregularmente água da represa Santa Maria, no interior do parque. (Correio</p><p>Brasiliense, 10/4/2005, Cidades, p.30)</p><p>Ações como essas denunciam ou anunciam uma espécie de individualis</p><p>mo predatório que também é parte integrante desse pós-colonialismo, mais</p><p>especificamente do colonialismo social de que fala Santos. Voltado inteira</p><p>mente para si mesmo, ele não reconhece a porção tu, do ''eu-tu'', a da alteridade.</p><p>Esse individualismo é produto e produtor de subjetividades que, por sua vez,</p><p>se transformam em novos modos de pensar e de se relacionar com o outro, o</p><p>qual é visto como um estranho, como um não eu com quem não possuo iden</p><p>tificações. Ele é difícil de ser permeado e constitui uma espécie de autoapri</p><p>sionamento para a emancipação. ,</p><p>E no individualismo predatório que pode estar contida parte das violên-</p><p>cias cotidianas e da banalização da vida, como as que atentam e subtraem a</p><p>vida humana por migalhas, quase nada ou mesmo gratuitamente, se é que é</p><p>possível fazer tal afirmativa. E como o caso da comoção decorrente do caso da</p><p>*Notícias recebidas por e-mail do Instituto Socioambiental - ISA .</p><p>82 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>cadelinha Preta. Prenha e indefesa, a cadelinha de rua foi amarrada a um</p><p>para-choque de carro e arrastada até a morte por jovens, na cidade de Pelotas.</p><p>O caso ganhou repercussão nacional e está configurando-se, a meu ver, como</p><p>uma espécie de símbolo da reação e do repúdio, de parcela da sociedade, à</p><p>violência.</p><p>Destaco também como obstáculo no caminho da práxis por uma educa</p><p>ção emancipadora o conjunto das relações pós-coloniais, a relação norte-sul,</p><p>que é justamente o olhar que se identifica mais com Miami e com a Europa,</p><p>por exemplo, do que com a América Latina. De certa forma, estamos de cos</p><p>tas, no Brasil, olhando para além do Atlântico, distraídos e esquecidos das</p><p>multidões que povoam o Pacífico e formam as gentes latinas, tal como nós: as</p><p>''sociedades descartáveis'', os povos do ''sul''.</p><p>Freire (2004, p.151) diria tratar-se do processo de ''invasão cultural'', em</p><p>que o invadido, ao se sentir inferior, reconhece a superioridade do invasor,</p><p>havendo uma espécie de aderência ao opressor. Um ''eu quase aderido ao tu</p><p>opressor'', que passa a seguir padrões do outro na fala, no vestuário.</p><p>Sobre isso e sobre a ''necessidade de reinventar a emancipação social'',</p><p>diz Santos 2004a, p.6):</p><p>Em meados da década de 1990 era claro para mim que tal reconstrução (de</p><p>uma teoria pós-moderna de oposição) só podia ser completada a partir de</p><p>experiências das vítimas, dos grupos sociais que tinham sofrido com o</p><p>exclusivismo epistemológico da ciência moderna e com a redução das possi</p><p>bilidades emancipatórias da modernidade ocidental às tomadas possíveis pelo</p><p>capitalismo moderno, uma redução que no meu entender transfor111ou a eman</p><p>cipação social no duplo, e não no contrário, da regulação social. O meu apelo</p><p>a aprender com o Sul - entendendo o Sul como uma metáfora do sofrimento</p><p>humano causado pelo capitalismo - significava precisamente o objetivo de</p><p>reinventar a emancipação social indo mais além da teoria crítica produzida</p><p>no Norte e da práxis social e política que ela subscrevera.</p><p>Essa aprendizagem com o Sul me leva, de súbito, a outra questão deste</p><p>processo de escrita na qual prática-práxis-desafios constituem múltiplos laços</p><p>de um só ponto do artesanal bordado da docência e do ensino, que neste caso</p><p>é o da geografia, embora entenda que possa ser o de qualquer área de saber</p><p>com a qual se tenha intimidade teórica e afinidade pedagógica.</p><p>Como parte de uma sociedade midiática da qual a imagem é parte fun-,</p><p>a</p><p>percebo como uma ciência social privilegiada, afinal poderia perguntar: Onde</p><p>não há geografia? Nela todos os caminhos são possíveis, e a interlocução com</p><p>outros conhecimentos confere matizes e sabores especiais à trajetória de quem</p><p>caminha. Reitero, entretanto, na condição de formadora de professores, tra</p><p>tar-se de questões que podem estar presentes na prática de ensino de qual</p><p>quer área de conhecimento, e as pontuo mais como provocações do que como</p><p>lições.</p><p>Então, geografia é uma prática política e estética, seguindo os rastros das</p><p>ponderações de Santos (2004a). Penso também que poderia dizer, por uma</p><p>analogia inspirada em Bachelard (1998), que espaço belo é o espaço bem-pen</p><p>sado e bem-sentido. Não é possível achar belo o clube de veleiros (chique) con</p><p>vivendo com porcos ou lixo. Luxo e insalubridade lado a lado, feito irmãos? ,</p><p>E um olhar para o Sul, essa metáfora do sofrimento, para Santos, mas</p><p>também de possibilidades. Como já propôs Freire (2003), podemos passar a</p><p>conjugar o verbo ''sulear'' em contraposição ao ''nortear'' e ajudar a desmistificar</p><p>semânticas carregadas de significados colonialistas. Podemos também questio</p><p>nar expressões como América (referindo-se apenas à América do Norte), Fun</p><p>do Monetário Internacional (por que é internacional se apenas cinco países</p><p>estão no controle?), país emergente (emergente de que, afinal?), terrorista</p><p>(referindo-se a todas as vozes discordantes do império norte-americano), etc.</p><p>A geografia é pródiga em conceitos que utilizam expressões importadas</p><p>do Norte. Não se trata de ignorá-las ou de menosprezá-las, mas, ao contrário,</p><p>de tentar colocá-las em seu devido lugar, isto é, esclarecer de onde elas vêm</p><p>por meio da problematização.</p><p>Ela é também memória do espaço, que ajuda a clarificar diferenças histó</p><p>ricas e pode ser exemplificada pela geografia dos ''pequenos'', dos ''marginali-</p><p>84 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>zados'', dos ''descartáveis'', dando espaço às experiências locais e aos seus</p><p>autores/atores. Como eles constroem as geografias das suas vidas, inclusive</p><p>as interiores? Segundo nos ensina Daniel Vigliete *, ''o interior também tem</p><p>seus ministérios, suas esplanadas, [ ... ] sua geografia''.</p><p>Ela é desenvolvimento de responsabilidades a favor da vida, podendo ser</p><p>feita com estudos do meio, projetos de valorização do espaço vivido, inter</p><p>câmbios com ONGs, etc. Pode-se conspirar contra a violência e a barbárie</p><p>formando redes de solidariedade com experimentos locais.</p><p>Ela é a coexistência e o intercâmbio com outros saberes, dentre os quais</p><p>destaco a arte. Geografia e arte têm muito em comum. Imaginar outras estéti</p><p>cas é o primeiro passo para viabilizá-las, seja por meio da música, da poesia,</p><p>da fotografia ... A arte ajuda a olhar o espaço na captura e expressão do sentir.</p><p>E não é a emoção que gera o movimento, a ação?</p><p>Penso, enfim, que a geografia deva ser trabalhada como uma ferramenta</p><p>de apropriação da própria vida, considerando o conhecimento como forma de</p><p>autoconhecimento e, portanto, de possibilidade emancipatória, opinião tam</p><p>bém compartilhada por Davini (1995, p.57-58):</p><p>O trabalho pedagógico não é um processo adaptativo dos sujeitos, mas um</p><p>processo de ampliação de consciência e de emancipação que lhes contempla</p><p>não apenas fragmentos para participação cultural, e sim uma base, um nú</p><p>cleo forte de profunda autovalorização, autoconfiança e solidariedade de gru</p><p>po. Ele inclui aspectos éticos e emocionais que estão sempre presentes nas</p><p>relações entre as pessoas.</p><p>Compreendo que o professor ou a professora que se autoriza no artesa</p><p>nato da docência não teme a invenção e a experimentação, no reforço desses</p><p>aspectos ''éticos e emocionais'' que requerem, entretanto, estudos e</p><p>aprofundamentos teóricos como fatores essenciais para a legitimação da ou</p><p>sadia de quem quer se reinventar.</p><p>Olhando para o ponto onde tudo começou, semelhante aos rios sinuosos</p><p>que, ao serpentearem a Amazônia, dão a ilusão de estarem retornando quan</p><p>do estão mesmo é seguindo em frente para o encontro com o mar, associo-me</p><p>ao pensamento de Lispector que abriu este texto: ''Não quero ter a terrível</p><p>limitação de quem vive apenas o que é possível de fazer sentido. Eu não:</p><p>quero é uma verdade inventada''.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>BACHELARD, G. A poética do espaço. (Trad. de Antonio de Pádua Danesi) . 2.ed. São Paulo:</p><p>Martins Fontes, 1993. (Coleção Tópicos).</p><p>*Músico e compositor uruguaio.</p><p>Geografia 85</p><p>CHAIGAR, V.A.M. A construção de um modo docente de ser: um estudo com alunas do</p><p>Magisterio. (Dissertação de Mestrado). Pelotas, UFPel, 2001 .</p><p>CONTRERAS, D. La didáctica y la autorización del profesorado. ln: TIBALLI, E.EA.; CHA</p><p>VES, S.M. (orgs.). Concepções e práticas em formação de professores: diferentes olhares. Rio</p><p>de Janeiro: DP&A, 2003, p.11-31.</p><p>DAVINI, M.C. Laformación docente en cuestión: política y pedagogía. Buenos Aires: Paidós,</p><p>1995.</p><p>FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 11. ed.</p><p>São Paulo: Paz e Terra, 2003.</p><p>___ . Pedagogia do oprimido. 38.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.</p><p>SANTOS, B. de S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição</p><p>paradigmática. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002, v.l. A crítica da razão indolente: contra o</p><p>desperdício da experiência.</p><p>___ .Do pós-moderno ao pós-colonial - e para além de um e outro. ln: Conferência de</p><p>abertura do VII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, Portugal, 16/</p><p>8/2004 (a).</p><p>___ .Programa Milenium. Globonews. Entrevista à Elisabeth Carvalho, 11/12/2004 (b).</p><p>Parte</p><p>Grafias da terra e cartão-postal, sol e chuva,</p><p>supermercado, cultura indígena, papel e tesoura e</p><p>as coisas que existem por trás de uma panela</p><p>Os mistérios de ensinar e aprender geografia</p><p>Geovane Aparecida Puntel</p><p>Ensinar e aprender, tarefa diária de qualquer educador, aparentemente</p><p>tão simples, porém tão complexa a efetivação desta inteireza, que é o papel</p><p>central da educação. Ensinar nos remete à construção de conhecimento. Sabe</p><p>-se que o ensino só vai ter sentido quando for construído, e isso vai acontecer</p><p>quando houver comprometimento por parte do educador, que precisa</p><p>problematizar, questionar, provocar, confrontar, e do educando, que precisa</p><p>desejar construir o que ''eu'', como educador, desejo. E para o aluno desejar, é</p><p>necessário que as coisas que falamos e que trabalhamos em sala tenham sen</p><p>tido e significado para ele.</p><p>Aprender é um ato lento, é uma busca constante. Toda aprendizagem</p><p>tem um gosto, um sabor e um saber. E nem sempre o gosto e o sabor são</p><p>deliciosos, pois o processo da aprendizagem, muitas vezes, é doloroso; porém,</p><p>' a satisfação se concretiza quando o saber se efetiva. As vezes, o caminho é</p><p>lento e ''pedregoso''.</p><p>Como educadores, podemos estimular, motivar, convencer os nossos</p><p>educandos de que aprender é tão necessário quanto nutrir-se. No momento</p><p>em que isso se tornar um hábito, a cada dia existirá a expectativa de desco</p><p>brir e de se sentir renovado com o novo, tarefa difícil que deve ser revigora</p><p>da frequentemente por todos os educadores. Isso deve ocorrer na busca per</p><p>manente do conhecimento e do entendimento da instituição escolar como</p><p>um todo, que não se deve resumir a eventos, congressos, fóruns, encontros,</p><p>mas sim uma discussão constante na instituição em que atua.</p><p>O educador não pode isolar-se e se achar dono da verdade só porque tem</p><p>anos de experiência, pois essa pode tornar-se uma rotina. Gauthier (1998,</p><p>p.18 7) afirma ''que cada professor recolhido em seu próprio universo constrói</p><p>para si mesmo uma espécie de jurisprudência particular, feita ao longo de</p><p>anos ao sabor dos erros e acertos''.</p><p>Por isso, o diálogo e a troca entre os pares em uma instituição de ensino</p><p>faz-se necessária na busca de um ensino-aprendizado mais satisfatório, pois</p><p>há muitos professores que acreditam na total autonomia da sua disciplina.</p><p>Como diz Curien, citado por Morin (2003, p.99), os professores ''são como</p><p>90 Rego, Castrogiovanni,</p><p>Kaercher & cols.</p><p>lobos que urinam para marcar o seu território e mordem os que nele pene</p><p>tram'', ficando limitados ao seu ''casulo''.</p><p>Precisamos estar abertos a aceitar sugestões e criar propostas que pos</p><p>sam tornar mais significativo o ato de ensinar e de aprender, mesmo sabendo</p><p>que há uma resistência muito forte para a mudança, um grande desafio que</p><p>começa com poucos e pode ir disseminando-se, pois a mudança não ocorre</p><p>por decreto, mas sim pela consciência e pela necessidade de cada um.</p><p>O COMPROMISSO COM O ENSINAR E O APRENDER</p><p>Temos em uma mesma sala de aula alunos com interesses, culturas, elas-,</p><p>ses sociais, sentimentos muito diversos. E um espaço muito heterogêneo que</p><p>precisamos administrar com o conhecimento específico da nossa disciplina e</p><p>não só ele, pois, conforme Gauthier (1998), a escola recebe da sociedade o</p><p>mandato de instruir, de transmitir um certo número de saberes e de habilida</p><p>des, e também tem a função de educar.</p><p>A função do professor vai muito além do conhecimento de sua disciplina,</p><p>pois assumimos um compromisso cada vez maior com os nossos educandos.</p><p>Conhecer bem a nossa disciplina faz-se necessário, como também possibilitar</p><p>situações de ensino-aprendizado que deixem marcas, preferencialmente posi</p><p>tivas, nos nossos educandos, isso é compromisso de cada um. Conforme pes</p><p>quisas de Gauthier (1998, p.254), as atitudes e as disposições dos professores</p><p>influem no bom ambiente da sala de aula e no rendimento dos alunos. Os</p><p>educadores que se mostram estimulantes, encorajadores, amigos, afetivos, to</p><p>lerantes, educados, flexíveis e que possuem uma boa relação com os alunos</p><p>produzem efeitos favoráveis no desempenho deles.</p><p>Quantas vezes nos sentimos impotentes diante de certos conteúdos que</p><p>aparentemente estão tão distantes do cotidiano do nosso aluno e nos pergun</p><p>tamos como podemos torná-los mais significativos? São essas e outras preocu</p><p>pações que nos fazem buscar alguns experimentos, alguns sem sucesso e ou</p><p>tros que deram certo, que objetivam melhor o ensinar e o aprender.</p><p>A seguir, algumas propostas e breves relatos de atividades. Tanto a expe</p><p>riência pessoal quanto aquela compartilhada e formada a partir de relatos</p><p>demonstra que tais atividades são facilitadoras para a obtenção de bons resul</p><p>tados. Elas são flexíveis, adaptáveis a várias séries, inclusive aos três anos do</p><p>ensino médio.</p><p>1\</p><p>ATIVIDADE 1: CORRESPONDENCIA</p><p>Essa experiência foi desenvolvida juntamente com a disciplina de língua</p><p>portuguesa em turmas de 8ª série. Primeiramente, na geografia, foi trabalha-</p><p>Geografia 91</p><p>do o conteúdo sobre o continente asiático, como sua localização geográfica,</p><p>com leitura de textos contidos no livro didático adotado pela escola e recortes</p><p>de jornais separados anteriormente, abordando os vários aspectos do conti</p><p>nente. Foram feitos exercícios, alguns sugeridos no livro didático e outros ela</p><p>borados pela professora, a fim de reforçar e de polemizar alguns assuntos</p><p>abordados.</p><p>Também foi trabalhado material audiovisual como forma de visualizar</p><p>alguns aspectos do continente. Foi exibido o filme ''Sete anos no Tibet'', um</p><p>documentário sobre o dia a dia no Japão e dois programas Globo Repórter,</p><p>um sobre a China e outro sobre Cingapura, Malásia e Laos, ambos de 2004.</p><p>Após cada reportagem ou filme, eram realizadas atividades, buscando ampliar</p><p>a visão de mundo dos alunos e desafiando-os a outros olhares. O aluno precisa</p><p>ser motivado e sentir-se comprometido com a atividade proposta: saber a fi</p><p>nalidade daquele filme ou daquela reportagem naquele momento. Depois de</p><p>tudo isso, conversando com a professora de língua portuguesa, que desenvol</p><p>ve o conteúdo de correspondência nesta série, surgiu a proposta de trabalhar</p><p>mos com a elaboração de carta e cartão-postal com os alunos.</p><p>A seguir, o roteiro do trabalho.</p><p>,</p><p>1. Os alunos deveriam escolher ou um país ou uma região da Asia que</p><p>gostariam de conhecer.</p><p>2. Depois, deveriam escrever uma carta contando uma viagem imagi</p><p>nária. Situar o país ou região visitada, o modo de vida, os costumes,</p><p>a economia, os pontos turísticos visitados, ou seja, o que observou na</p><p>sua viagem, e quando possível comparar com o Brasil. Essa carta</p><p>seria enviada para um amigo de outra turma da 8ª série.</p><p>3. Eles deveriam criar um cartão-postal para enviar junto com a carta.</p><p>Observação: A atividade foi organizada para que todos os alunos, das</p><p>duas sas séries existentes na escola, recebessem uma carta e um car</p><p>tão-postal.</p><p>4. A carta e o cartão-postal deveriam obedecer as regras estudadas na</p><p>aula de língua portuguesa e foram envelopados conforme haviam</p><p>estudado.</p><p>Para fazer essa atividade, os alunos foram até a biblioteca da escola, que</p><p>dispõe de várias assinaturas de periódicos, onde tiveram acesso a revistas</p><p>como Terra, National Geographic, Horizonte, Galileu, entre outras. Puderam</p><p>também pesquisar em livros didáticos, para somar informações ao conheci</p><p>mento que já haviam adquirido nas aulas de geografia.</p><p>A seguir, temos exemplos de duas produções realizadas pelos alunos. As</p><p>cartas foram transcritas de forma fiel, sem nenhuma alteração feita pelo pro</p><p>fessor.</p><p>92 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Monte Alveme, 6 de dezembro de 2004.</p><p>Oi Júlia!</p><p>Vou contar para você como foi a viagem que fiz há duas semanas para Jerusa-</p><p>1</p><p>, ,</p><p>em-Asia.</p><p>Jerusalém é uma terra de três religiões - o judaísmo, o cristianismo e o</p><p>islâmismo. Mais de três bilhões de pessoas praticam essas religiões no mun</p><p>do. Fica a mil metros de altitude, perto do deserto árido da Judeia próximo</p><p>ao mar Morto. Vale a pena lembrar que Jerusalém é importante, pois foi palco</p><p>do maior drama dos cristãos, a Paixão de Cristo e para os muçulmanos é a</p><p>terceira cidade sagrada, depois de Meca e Medina.</p><p>O povo desta cidade é bastante religioso, mas também cheio de discórdias.</p><p>Os judeus a visitam para rezar junto ao Muro das lamentações. Em 1980, o</p><p>parlamento considerou Jerusalém capital ''eterna e indivisível" do estado Judeu.</p><p>Andando pelas ruas desta cidade, quando menos espera, explode avio</p><p>lência. Mas apesar do ódio entre os povos, Jerusalém também oferece diver</p><p>são como bares, cafés e restaurantes, espaços para músicas (blues, jazz e</p><p>rock) que atraem muito público jovem, e com razão, a comida é ótima, bem</p><p>diferente da que temos aqui, por isso é bom viajar e conhecer novas culturas.</p><p>Jerusalém foi fundada há cerca de cinco mil anos. A arqueologia é uma das</p><p>manias de um Estado muito jovem, com pouco mais de 50 anos, e cujo nome</p><p>eu não me recordo mais. Adorei contar sobra minha viagem para você Júlia,</p><p>e espero que você também tenha gostado do pouco que relatei sobre a minha</p><p>ida a Jerusalém.</p><p>Abraços a você!</p><p>Com carinho,</p><p>Jaqueline Inês</p><p>A seguir, mais uma produção realizada por uma aluna:</p><p>Monte Alveme, dezembro de 2004.</p><p>Olá! Tudo Bom?</p><p>Comigo está tudo bem. Muito bem, aliás! No dia 3 de novembro viajei para o</p><p>Japão. Foi uma viagem de turismo. Fui acompanhada por cinco amigas. O</p><p>Japão se localiza à leste do continente asiático. Ficamos lá até 30 de novem</p><p>bro, quando retomei ao Brasil. Desembarquei no aeroporto Salgado Filho, e</p><p>de Porto Alegre até Santa Cruz do Sul vim de ônibus.</p><p>No Japão é muito legal. Os costumes e o modo de vida neste país são</p><p>muito diferentes do Brasil.</p><p>O Japão também é conhecido como o país do arroz. Segundo tradição, o</p><p>arroz chegou ao arquipélago em 250 a.e .. Os japoneses fazem rituais sagra</p><p>dos com o arroz, e existem até templos xenoístas dedicados à deusa do arroz.</p><p>Lá, a religião está muito presente na vida das pessoas.</p><p>Geografia 93</p><p>Você deve ter visto na TV que os japoneses comem com aqueles palitinhos.</p><p>Quando fui à Tóquio, que por sinal é uma cidade maravilhosa, mas como eu</p><p>estava dizendo, fui num restaurante e quando vi as pessoas comendo com</p><p>estes palitinhos, pensei ''eu acho que vou passar fome, pois acho que não vou</p><p>conseguir comer com este palitinhos''. Mas é só uma questão de jeito. Depois</p><p>me acostumei, achei até bem fácil.</p><p>Sabe, lá algumas pessoas</p><p>nos rituais religiosos vestem aqueles kimonos, ,</p><p>usam chinelos havaiana (algo parecido) e meias brancas. E até engraçado.</p><p>Ah, antes falei em comida, minha mãe está fazendo algo para comer e está</p><p>um cheirinho tão bom. E lembrei da comida do Japão, que é muito deliciosa!</p><p>,</p><p>Por sua localização no extremo leste da Asia, o Japão tomou-se conhecido</p><p>como a Terra do Sol Nascente. Este país é formado por 4 ilhas principais e mais</p><p>ou menos 3 mil ilhas menores. Seu território é extremamente montanhoso, o</p><p>que dificulta a agricultura, ainda que grande parte do território esteja coberto</p><p>por imensas florestas. Você já pode imaginar as lindas paisagens que têm lá.</p><p>Ah, são maravilhosas. Por causa desta pequena quantidade de terra para a</p><p>agricultura aliado ao imenso litoral, levou o Japão ao desenvolvimento da maior</p><p>indústria de pesca do mundo. Por falar nisso comi até sushi, que é delicioso.</p><p>O país é também um dos mais competitivos fabricantes e exportadores de</p><p>produtos eletrônicos e automóveis. E isto transformou o país na 2ª maior</p><p>potência, ficando apenas atrás dos EUA. Você tem que ver que coisa mais</p><p>linda os celulares que eu vi lá! Não resisti e comprei um para mim, até que</p><p>não são tão caros assim! Tive que aproveitar.</p><p>São muitos lindas as paisagens como as árvores anãs dos japoneses. Adorei</p><p>tanto que até trouxe uma árvore anã para mim. Sem falar dos jardins decora-,</p><p>dos com pedras, são muito lindos! E um capricho, uma dedicação que só vendo!</p><p>A caligrafia japonesa é muito bonita! Até fiz uma tatuagem em japonês.</p><p>Os japoneses têm um respeito muito grande por todas as coisas, estejam ,</p><p>elas vivas ou mortas. No Japão há mais de 8 milhões de deuses. E inúmeros os</p><p>templos para adoração dos mesmos.</p><p>Ah, o som está ligado e agora mesmo está tocando aquela música</p><p>Satisfiction-Benny Benassi, pois é ela estava bombando na Japão. Por falar</p><p>em bombando, tem até música brasileira fazendo o maior sucesso no Japão.</p><p>,</p><p>Visitei ainda OTORIS, que é um pórtico de pedra, à beira-mar na ilha de</p><p>Miyajima. Este pórtico é um dos principais símbolos da religião.</p><p>Os japoneses preservam até hoje a tradição dos antigos Samurais. A reli-,</p><p>gião Budista também tem vários adeptos no Japão. E muito respeitada, com</p><p>vários templos.</p><p>Através dos noticiários fiquei sabendo que os terremotos no Japão são cons</p><p>tantes e destruidores. Quando estive lá, por sorte não aconteceu nenhum. Gra</p><p>ças a Deus! Mas vi algumas casas e prédios destruídos por causa dos terremotos.</p><p>ESTA VIAGEM VALEU MUITO A PENA! ESTAVA SHOW DE BOLA! ,</p><p>FELIZ NATAL E UM PROSPERO ANO NOVO ! ! !</p><p>Andréa</p><p>94 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Nessa atividade, o aluno construiu o seu conhecimento, fez parte do pro</p><p>cesso, foi um agente ativo. A base foram os conhecimentos geográficos, e cada</p><p>um foi agregando novos saberes para elaborar a sua carta. O cartão-postal</p><p>também exigiu de cada um a criatividade e a busca de imagens que represen</p><p>tavam o país ou cidade por ele visitada imaginariamente.</p><p>Acredito que este é o resultado de um processo de construção de conhe</p><p>cimento, lento e ''pedregoso'', mas cujo produto final foi a satisfação, pois o</p><p>aluno se orgulha do seu trabalho e da sua capacidade. Para isso acontecer,</p><p>porém, precisamos acreditar muito no que fazemos e na capacidade dos nos</p><p>sos alunos. Eles precisam sentir que o professor acredita em seu potencial.</p><p>Muitas vezes, estamos desanimados, chateados com um conjunto de situações</p><p>que gostaríamos que fossem diferentes no sistema educacional, mas esse de</p><p>sânimo não pode ser maior do que a vontade de fazer um bom trabalho.</p><p>Foram os professores de geografia e de língua portuguesa que se encar</p><p>regaram de trocar as correspondências entre os alunos das duas turmas parti</p><p>cipantes. Nesse momento, um novo aprendizado na sala de aula, porque, além</p><p>de cada aluno ler a sua carta, elas foram socializadas entre os colegas, cada</p><p>um querendo ver o que o outro tinha recebido. Será que haveria interesse se</p><p>fosse um texto do livro didático?</p><p>,</p><p>ATIVIDADE 2: VIAJANDO PELA AMERICA DO SUL</p><p>O professor que é atuante se assemelha muito a um detetive, pois em</p><p>qualquer revista ou jornal que lemos já estamos de olho no que podemos apro</p><p>veitar em nossas aulas. O mesmo ocorre com filmes, conversa com amigos,</p><p>palestras. Estamos sempre de ''antenas'' ligadas, em alerta, pensando na</p><p>melhoria e na inovação das aulas. Até uma propaganda por e-mail pode tor</p><p>nar-se um bom recurso. Estava introduzindo o assunto América quando recebi</p><p>uma propaganda de uma agência de viagem, que achei ideal e transformei em</p><p>uma atividade que deu bom resultado. A seguir, um roteiro de viagem sugeri</p><p>do por uma agência.</p><p>Machu Picchu com Atacama</p><p>Rodoviário Leito Turismo (38 lugares) - 17 dias - 15 a 31/01/05</p><p>1º dia, 15/01 - sábado - Porto Alegre -Apresentação às 06h para saída às</p><p>06h30 em frente ao Theatro S. Pedro (Praça da Matriz). Via S. Borja e</p><p>Corrientes. Trânsito.</p><p>2º dia, 16/01 - domingo - Salta (Argentina) - Chegada aproximadamente</p><p>às 14h30. Instalação em hotel. Livre. 1º pernoite.</p><p>30 dia, 17 /01 - segunda-feira - Salta/São Pedro (Chile) - 06h30, saída para</p><p>o Chile, atravessando a Cordilheira dos Andes, chegada (aproximadamente</p><p>23h) e acomodação em hotel. 2º pernoite.</p><p>Condições</p><p>' A Vista</p><p>Geografia 95</p><p>4Q dia, 18/01 - terça-feira - S. Pedro do Atacama/Arica - Após o café da</p><p>manhã, saída para Arica. Chegada à noite. Instalação em hotel. Livre. 3Q per</p><p>noite.</p><p>SQ dia, 19/01- quarta-feira-Arica/Puno- Viagem a Puno, chegada à noite.</p><p>4Q pernoite.</p><p>6Q dia, 20/01- quinta-feira- Puno/Cuzco -Após o café, tour no Lago Titicaca.</p><p>Após o almoço, saída para Cuzco. Chegada à noite. SQ pernoite.</p><p>7° dia, 21/01 - sexta-feira - Cuzco - Tour em Cuzco com conjunto de quatro</p><p>ruínas. 6Q pernoite.</p><p>8° dia, 22/01- sábado- Cuzco/Machu Picchu/Cuzco-Turismo o dia intei</p><p>ro em Machu Picchu. Final da tarde retorno a Cuzco em trem. 7° pernoite.</p><p>9° dia, 23/01 - domingo - Cuzco/Vale Sagrado/Cuzco - Turismo durante</p><p>todo o dia no Vale Sagrado dos Incas. 8Q pernoite.</p><p>lOQ dia, 24/01 - segunda-feira - Cuzco - Dia livre. 9Q pernoite.</p><p>1 lQ dia, 25/01 - terça-feira - Cuzco/ Arequipa-Após o café da manhã, saída</p><p>' para Arequipa. A noite. 1 OQ pernoite.</p><p>12Q dia, 26/01 - quarta-feira - Arequipa/São Pedro - Viagem a São Pedro</p><p>• A • noite em transito.</p><p>13Q dia, 27 /01 - quinta-feira - São Pedro - Chegada à tarde e instalação a</p><p>partir das 14h em hotel. Livre. Sugerimos visita ao Museu Arqueológico. 11 Q</p><p>pernoite.</p><p>14Q dia, 28/01 - sexta-feira - São Pedro do Atacama. Dia destinado a</p><p>opcionais. Sugerimos o gêiser Del Tatio ou Valle da La Luna. 12Q pernoite.</p><p>lSQ dia, 29/01 - sábado - S. Pedro de Atacama/Salta - Após o café da</p><p>manhã, saída para a Argentina, com chegada em Salta à noite (aproximada</p><p>mente 23h30). 13Q pernoite.</p><p>16Q dia, 30/01 - domingo - Salta - 13h - Saída para o Brasil. Trânsito.</p><p>17Q dia, 31/01 - segunda-feira - Porto Alegre - Chegada no final da tarde ou</p><p>' . a noite.</p><p>Opcional de trilha Inca de 1 dia</p><p>7Q dia, 21/01- sexta-feira- Cuzco/Trilha Inca de 1 dia- Trilha Inca (trekking) ,</p><p>e pernoite em Aguas Calientes. 6Q pernoite.</p><p>8Q dia, 22/01 - sábado - Machu Picchu/Cuzco - Turismo o dia inteiro a</p><p>Machu Picchu. Final da tarde, retomo a Cuzco.</p><p>Preço e condições de pagamento (por pessoa e em USS)</p><p>Ap. triplo Ap. duplo Ap. solteiro Adie. Trilha Inca* Criança</p><p>964,00 1.070,00 1.260,00 68,00 856,00</p><p>1 + 5 vezes 169,00 188,00 221,00 12,00 150,00</p><p>Tabela sujeita a alteração sem prévio aviso.</p><p>*Trilha Inca de 1 dia.</p><p>96 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Inclui: Transporte em ônibus categoria turística (Leito Turismo), com ar con</p><p>dicionado, toalete, frigobar, TVs e vídeo; 13 diárias em hotel categoria turís</p><p>tica com café da manhã tipo continental; turismo o dia inteiro a Machu Picchu</p><p>e ao Vale Sagrado dos Incas; Tour em Cuzco e conjunto de quatro ruínas; tour</p><p>no Lago Titicaca; bilhete turístico de ingresso nos museus e sítios arqueológi</p><p>cos de Cuzco; acompanhamento</p><p>de guia em todo o percurso.</p><p>Obs.: para a viagem são necessários: passaporte, cópia do passaporte e certi</p><p>ficado internacional de vacina contra a febre amarela.</p><p>Seguro de viagem opcional, não incluso no pacote.</p><p>A atividade realizada usando a propaganda foi a seguinte:</p><p>País</p><p>1. Cada aluno recebeu um mapa político da América do Sul.</p><p>2. Sugeri um roteiro de atividades:</p><p>• dar um título para o mapa;</p><p>• localizar os países da América do Sul;</p><p>• marcar o trajeto da viagem localizando corretamente as cidades</p><p>citadas no roteiro da propaganda, partindo da cidade deles (para</p><p>isso usaram vários mapas políticos com escalas diferentes);</p><p>• localizar a Cordilheira dos Andes (para isso, usar o mapa político</p><p>da América do Sul);</p><p>• preencher o quadro a seguir, identificando as cidades de cada</p><p>país da viagem e sua localização geográfica.</p><p>Cidades Localização geográfica do país r ' •</p><p>\ Brasi~ /"'" ' ""'</p><p>\ \</p><p>'</p><p>•</p><p>' ~'" '/ f'rg e,nti "la</p><p>J</p><p>a hil ' \ ' \ li ~/ t</p><p>\</p><p>1 - --</p><p>P~ru</p><p>3. Os alunos deveriam responder às seguintes perguntas:</p><p>• Em qual zona climática se localizam as cidades visitadas?</p><p>• O clima, a vegetação, as temperaturas serão semelhantes às da</p><p>nossa cidade? Justifique.</p><p>• Qual o valor total da viagem em reais? (Considere a tabela e sua</p><p>opção de acomodação.)</p><p>• Quantos dias você vai ficar viajando para fazer o trajeto su</p><p>gerido?</p><p>• Que documentos são necessários para a viagem? Que precau</p><p>ções deve-se ter?</p><p>Geografia 97</p><p>• Quais países do roteiro integram o Mercosul?</p><p>• Se existe o Mercosul, que é uma integração entre alguns países</p><p>da América do Sul, porque o turismo brasileiro não tem livre</p><p>acesso entre eles?</p><p>Com essas atividades, foi possível trabalhar muitos assuntos interliga</p><p>dos, como localização geográfica e diferentes tipos de clima, de relevo e de</p><p>vegetação existentes na América. Também foi viável fazer um ''gancho'' e tra</p><p>tar do Mercosul. Foi, enfim, uma atividade prazerosa, em que os alunos se</p><p>imaginavam fazendo a viagem, já que o roteiro realmente existia, possibili</p><p>tando a compreensão de diferentes conteúdos.</p><p>Os alunos gostaram muito de fazer essa atividade, realmente se envolve</p><p>ram, acharam um trabalho diferente e ficaram impressionados com o valor a</p><p>ser pago e com o número de dias da viagem. Os nomes dos lugares eram novidade</p><p>para eles: ''descobrimos lugares de que nunca tínhamos ouvido falar'', disseram</p><p>os alunos, afirmando também que é muito interessante conhecer outros países</p><p>da América do Sul, que estão tão próximos do Brasil, mas são tão diferentes.</p><p>Durante a realização dessa atividade, como forma de buscar a visualização</p><p>de algumas paisagens da América para facilitar a imaginação dos alunos, fo-,</p><p>ram exibidas duas reportagens em vídeo: ''Da Amazônia ao Artico'', que mos-</p><p>tra tanto as diversidades físicas como culturais presentes, na América, e um</p><p>Globo Repórter específico sobre o deserto do Atacama.</p><p>Também foi mostrado o filme ''Diários de motocicleta'', que mostra dife</p><p>rentes paisagens da América do Sul. Os alunos se encantaram com o filme,</p><p>que é gravado na região e disponibiliza aos telespectadores imagens belíssimas,</p><p>assim como as injustiças sociais presentes em cada país. Também há algumas</p><p>cenas engraçadas, do que os adolescentes gostam muito.</p><p>Foi passado aos alunos um roteiro de atividades referentes ao filme, já</p><p>que é uma forma de comprometer mais o grupo no momento de assistir a ele.</p><p>A seguir, temos algumas questões sobre o filme ''Diário de motocicleta'' que</p><p>foram sugeridas aos alunos:</p><p>• Qual o objetivo da viagem?</p><p>• Quais os países visitados?</p><p>• Descreva as paisagens que surgem no decorrer da viagem.</p><p>• Cite grupos étnicos que aparecem em cada país.</p><p>• Quais as condições econômicas desses grupos, suas atividades, seu tra</p><p>balho?</p><p>• Escreva sobre uma passagem em que o personagem Che demonstra</p><p>preocupação com o social, ou seja, com a condição dos habitantes dos</p><p>países visitados.</p><p>• Qual o momento que você achou mais perigoso e qual o mais engraçado?</p><p>• Quais as suas reflexões sobre a mensagem do filme?</p><p>98 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols .</p><p>..</p><p>ATIVIDADE 3: COLOCANDO A MAO NA MASSA , ,</p><p>E VISUALIZANDO VARIOS ASPECTOS DA AMERICA</p><p>Uma atividade geralmente desenvolvida com sucesso é a representação</p><p>de vários assuntos relacionados a um determinado espaço geográfico. No en</p><p>tendimento de Castrogiovanni (1998, p.3 7),</p><p>a ação para que o aluno possa entender a linguagem cartográfica não está em</p><p>colorir ou copiar contornos, mas em construir representações a partir do real</p><p>próximo ou distante. Somente acompanhando e executando cada passo do</p><p>processo pode-se familiarizar com a linguagem cartográfica.</p><p>Conforme o autor, para que o aluno possa dar significados aos signifi</p><p>cantes, ele deve viver o papel de codificador. Para o aluno ser um leitor de</p><p>mapas, é aconselhável que primeiramente o aluno tenha vivenciado a constru</p><p>ção deles.</p><p>Foi nesse sentido de fazer acontecer, de vivenciar o espaço, que surgiu a</p><p>proposta de dar sentido a alguns assuntos que havíamos trabalhado ante</p><p>riormente, pois o professor precisa cumprir com o seu papel de contextualizar,</p><p>uma vez que a informação, para ter sentido, precisa desse recurso.</p><p>Castrogiovanni (2000, p.3 7), ao falar sobre a representação espacial, diz que</p><p>''a elaboração de um mapa envolve o conhecimento do espaço geográfico e</p><p>sua codificação é que traduz em imagem o significado, o conteúdo''.</p><p>Essa atividade proporcionou aos alunos a interação com o espaço que</p><p>estava sendo representado/codificado. Passini (1998, p.49-50) entende que</p><p>as representações são consideradas instrumentos de importância e validade</p><p>inquestionáveis para a leitura de mundo, porque permitem a compreensão da</p><p>realidade geográfica por meio de uma comunicação visual, sintética e rápida.</p><p>O trabalho foi dividido em grupos de três alunos, mas cada grupo tinha</p><p>noção do todo, já que havíamos trabalhando previamente em sala de aula os</p><p>assuntos. Antes de encaminhar a atividade prática, realizamos leitura no livro</p><p>didático, fizemos a localização geográfica, interpretações de mapas e exercícios,</p><p>os sugeridos no livro e outros elaborados pela professora. Era preciso ver a</p><p>possibilidade de fazer alguma relação entre o clima, o relevo, a vegetação, as</p><p>atividades econômicas e a distribuição populacional no continente americano.</p><p>O trabalho sugerido e realizado foi representar em folha de isopor o rele</p><p>vo, a densidade demográfica, o clima, a vegetação, a hidrografia, os proble</p><p>mas ambientais, o nível tecnológico e a renda per capita da América.</p><p>Material necessário:</p><p>• folha de isopor com espessura aproximada de 2cm, lm de altura e 50</p><p>cm de largura, em que será traçado o contorno do continente ame-</p><p>• r1cano;</p><p>• massa de modelar para o grupo que vai trabalhar relevo (marrom,</p><p>verde, laranja);</p><p>Geografia 99</p><p>• tinta têmpera para os demais grupos (amarelo, azul, vermelho, preto,</p><p>etc.);</p><p>• 2 pincéis, um com cerda maior e outro menor;</p><p>• fio de linha azul para o grupo da hidrografia;</p><p>• 2 folhas de papel-manteiga;</p><p>• canetinha, lápis de cor, cola, tesoura.</p><p>Todos os grupos traçaram o contorno do continente americano na folha</p><p>de isopor, para isso usaram o papel-manteiga e dois mapas disponíveis na</p><p>biblioteca com escala de 1: 17 .000.000</p><p>A sugestão de trabalho foi a seguinte:</p><p>1. América: Relevo</p><p>- representar o relevo no mapa com massa de modelar;</p><p>- fazer uma legenda identificando as altitudes;</p><p>- fazer um texto explicativo sobre o que foi representado no mapa.</p><p>2. América: Nível tecnológico e renda per capita da América.</p><p>- identificar os diferentes níveis tecnológicos da América;</p><p>- fazer uma legenda;</p><p>- mostrar, por meio de recortes de gravuras, as desigualdades de</p><p>níveis tecnológicos e de renda da América e fixar no mapa;</p><p>- fazer uma relação entre os níveis tecnológicos e a renda per capita</p><p>dos países da América, e o que justifica tais diferenças.</p><p>3. América: Densidade demográfica</p><p>- identificar com um degradê de cores a distribuição da população</p><p>na América;</p><p>- fazer uma legenda;</p><p>- localizar no mapa as cidades mais populosas;</p><p>- fazer um texto explicando a distribuição da população, relacio-</p><p>nando-a com a disposição do relevo e com os diferentes climas</p><p>da América.</p><p>4. América: Clima</p><p>- identificar com cores diferentes os mais variados climas da Amé-</p><p>• rica;</p><p>- fazer uma legenda;</p><p>- elaborar um texto com as seguintes questões:</p><p>• as características dos diferentes tipos de clima;</p><p>• os fatores que justificam a existência dos diferentes tipos de</p><p>climas da América;</p><p>• as explicações para as alterações climáticas que vêm ocorren</p><p>do no planeta, fixando-as no mapa elaborado.</p><p>5. América: Vegetação</p><p>- representar com cores diferentes todas as vegetações da Amé-</p><p>• rica;</p><p>1 00 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>- fazer uma legenda;</p><p>- pesquisar e recortar uma figura para cada vegetação e fixá-las no</p><p>mapa;</p><p>- escrever os motivos que justificam a grande destruição das flo</p><p>restas e as consequências disso para a humanidade. Quais suges</p><p>tões o grupo apresenta para amenizar o problema?</p><p>6. América: Hidrografia</p><p>- identificar as principais bacias hidrográficas da América;</p><p>- fazer uma legenda;</p><p>- localizar, com linha azul, os principais rios;</p><p>- escrever sobre a importância e a utilidade dos rios. Que proble-</p><p>mas surgem quando os rios não são cuidados? Considerar a situa</p><p>ção da sua localidade.</p><p>7. América: Problemas ambientais</p><p>- representar os principais problemas ambientais presentes no con</p><p>tinente americano onde eles ocorrem com mais intensidade, tais</p><p>como chuva ácida, desmatamento, queimada, poluição do solo e</p><p>das águas, inversão térmica;</p><p>- fazer uma legenda;</p><p>- escrever um texto destacando as seguintes questões:</p><p>• Quais as consequências, para as pessoas, desses problemas</p><p>ambientais?</p><p>• Quais problemas ambientais se destacam no Brasil? E na sua</p><p>localidade? Existe possibilidade de reversão?</p><p>Feita a representação, chegou o momento de ler o mapa elaborado, de</p><p>ampliar e dar sentido e significado para a codificação realizada, de ativar a</p><p>compreensão para os diferentes elementos e para a interação entre eles no</p><p>espaço geográfico. O objetivo, após a construção da representação, era interagir</p><p>com o espaço representado/ construído, contextualizar, refletir, tendo como</p><p>referência o conteúdo estudado.</p><p>Os alunos socializaram com seus colegas o trabalho realizado, as pes</p><p>quisas e os textos elaborados, tornando possível perceber e relacionar os vá</p><p>rios aspectos do continente americano. Por exemplo, a forma como o relevo e</p><p>o clima condicionam a distribuição populacional e como os problemas</p><p>ambientais estão relacionados com as atividades econômicas desenvolvidas</p><p>em cada lugar.</p><p>Os alunos sentem-se gratificados em realizar um trabalho com que pos</p><p>sam interagir e em que possam mostrar o resultado do seu esforço. Constante</p><p>mente solicitam trabalhos diferentes, para ter mais vontade de aprender e</p><p>para que as aulas sejam mais interessantes e atrativas. Quando conseguimos</p><p>fazer uma atividade diferenciada, quase sempre atingimos um número maior</p><p>de alunos do que conseguiríamos com atividades restritas à leitura do livro</p><p>didático e aos exercícios de responder questionários. Não que isso não seja</p><p>Geografia 1 O 1</p><p>importante; porém, os alunos querem mais do que o tradicional ''feijão com</p><p>arroz''.</p><p>CANSAR SIM, DESISTIR NUNCA ...</p><p>O nosso papel como educadores é ensinar com amor, mostrando sempre</p><p>que é possível fazer a diferença, ser a diferença. Temos o grande desafio de</p><p>possibilitar aos educandos condições para que eles construam o seu conheci</p><p>mento. A ação de ensinar e aprender deve ter como base a ética, o amor, a</p><p>paixão, a emoção e a autonomia do educando e do educador.</p><p>Para ensinar e aprender com esses sentimentos não existe receita ou fór</p><p>mula, porque é algo que vem de dentro de cada um, e demostramos isso com</p><p>nossas atitudes e ações no cotidiano. Os gestos do professor, a organização, a</p><p>dinamicidade, o afeto, o respeito, a pontualidade, o rigor são coisas que não</p><p>bastam serem ditas, mas sim feitas, e que são observadas constantemente pelos</p><p>nossos alunos. As atitudes educam tanto quanto as palavras, e podemos</p><p>influenciar mais pelo que fazemos em sala de aula do que pelo que sabemos.</p><p>O nosso aluno quer ser respeitado, ele também quer um professor com-,</p><p>prometido em ensinar e em aproveitar o tempo que temos com ele. E claro que</p><p>eles não nos dizem isso, mas no fundo sabem reconhecer que o professor que</p><p>os leva a sério e que é exigente com ensinar e aprender é o que está mais</p><p>preocupado com eles, tentando fazer o melhor.</p><p>Jamais podemos ser autoritários, mas somos autoridades diante dos nos</p><p>sos educandos, e eles querem limites. Quando fazemos isso com respeito, va</p><p>mos conquistando a confiança e a credibilidade, o que nos dá muito mais</p><p>liberdade de trabalhar e de cobrar com seriedade e comprometimento aquilo</p><p>que consideramos necessário. ,</p><p>Cansar sim, desistir nunca desta árdua tarefa que é ensinar e aprender. E</p><p>preciso sonhar com os milagres da educação, e eles acontecem se nós deixar</p><p>mos. Vamos abrir as asas e voar, sempre crendo na possibilidade de uma edu</p><p>cação para a vida e para o mundo.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>CAS1ROGIOVANNI, A.e. Apreensão e compreensão do espaço geográfico. ln: CAS1ROGIOVANNI,</p><p>A.e.; eALLAI, H.e.; KAEReHER, N.A. Ensino de geografia: prática e textualizações no coti</p><p>diano. Porto Alegre: Mediação, 2002.</p><p>___ . O ensino de geografia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.</p><p>___ . O misterioso mundo que os mapas escondem. ln: CAS1ROGIOVANNI, A.e. et al.</p><p>Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre: UFRGS/AGB - Seção Porto Ale</p><p>gre, 1998, p. 33-48.</p><p>GAUTHIER, e. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber</p><p>docente. Ijuí (RS): Unijuí, 1998.</p><p>1 02 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8.ed. Rio de</p><p>Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.</p><p>PASSINI, E.Y. A importância das representações gráficas no ensino de geografia. SCHÃEFFER.</p><p>Neiva Otero et al. ln: Ensinar e aprender geografia. Porto Alegre. AGB - Seção Porto Alegre,</p><p>1998, p. 47-55.</p><p>Da cotidianidade do tempo meteorológico à</p><p>compreensão de conceitos climatológicos</p><p>Maíra Suertegaray Rossato</p><p>Dakir Larara Machado da Silva</p><p>A ideia deste capítulo surgiu a partir de nossa vivência como professores</p><p>no ensino fundamental e médio. Ela permitiu a percepção das dificuldades na</p><p>compreensão de temas ligados, entre outras áreas do conhecimento, à</p><p>climatologia na sua especificidade (como o movimento de translação da Ter</p><p>ra, estações do ano, tempo e clima) e na sua relação com nosso cotidiano. Essa</p><p>dificuldade, associada à nossa formação acadêmica, que mais especificamente</p><p>se constrói em climatologia, levou-nos a pensar alternativas para tornar o ensino</p><p>desse assunto mais prático e interessante.</p><p>Neste capítulo, será mostrada uma experiência inicial cujo objetivo era, a</p><p>partir da observação diária do tempo meteorológico, construir a noção da</p><p>movimentação das massas de ar, da formação e da passagem dos sistemas</p><p>frontais. A escolha dessa temática específica se justifica pelas características</p><p>climáticas dominantes no Rio Grande do Sul. Os climas constituem, no Sul do</p><p>Brasil, um elemento de individualização regional, pois a circulação atmosféri</p><p>ca nessa região é caracterizada por uma área de passagem da Frente Polar</p><p>Atlântica em frontogênese. Essa circunstância a diferencia dos climas equato</p><p>riais e tropicais que caracterizam as demais porções do Brasil e torna a Região</p><p>Sul sujeita às sucessivas invasões dos sistemas frontais, que alcançam a regu</p><p>laridade de uma ocorrência a cada sete dias em média, sendo mais notável no</p><p>Rio Grande do Sul.</p><p>A GEOGRAFIA NAS ESCOLAS</p><p>Uma educação que contribua para o desenvolvimento do aluno deve atuar</p><p>no processo de ensino e aprendizagem na perspectiva da construção do co</p><p>nhecimento, refletindo sobre a realidade vivida pelo aluno, respeitando e con</p><p>siderando a sua história de vida e contribuindo para que ele entenda o seu</p><p>papel na sociedade: o de cidadão.</p><p>1 04 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Aqui, entende-se a geografia como uma ciência que, ao tratar o espaço</p><p>geográfico, concebe-o na sua construção interativa entre natureza e socieda</p><p>de. Nesse sentido, ao abordar a climatologia, leva-se em consideração a sua</p><p>dinâmica e, quando da articulação desta com a organização da sociedade,</p><p>busca-se questionar quais as consequências dessa interação.</p><p>A geografia deve estar preocupada com a questão da organização do espaço,</p><p>definida de forma diferenciada, em função do tipo de apropriação que dele se</p><p>faz. Para que tal situação seja percebida pelo aluno, é indispensável desenvol</p><p>ver a capacidade de observação, interpretação e análise dos objetos geográfi</p><p>cos: natureza e sociedade. (Castrogiovanni e Goulart, 1998, p.125)</p><p>Ao estudar o espaço geográfico, o aluno refletirá sobre a análise da dinâ-,</p><p>mica social, da dinâmica da natureza e da inter-relação delas. E importante</p><p>destacar que, no ensino, professores e alunos deverão procurar entender que</p><p>ambas, sociedade e natureza, constituem a base objetiva sobre a qual o espaço</p><p>geográfico é construído.</p><p>Nesse sentido, é importante analisar como o clima é abordado em sala</p><p>de aula. Nota-se que a geografia ainda se encontra longe da superação da</p><p>lógica tradicional, que fragmenta o mundo e suas várias partes em aspectos</p><p>físicos, humanos e econômicos, impedindo análises globalizadoras que levam</p><p>em consideração a produção do espaço como fruto das dinâmicas sociais. Para</p><p>Pereira e colaboradores (1991), o movimento executado para a construção do</p><p>conhecimento é sempre o mesmo: parte de uma caracterização conceituai,</p><p>que invariavelmente diz respeito a algum aspecto da dinâmica natural, ilus</p><p>trando com exemplos chamados de quadros humano ou econômico.</p><p>A abordagem que é feita da natureza, e nela se insere a climatologia, é</p><p>meramente descritiva, classificatória e pouco cuidadosa, desconsiderando as</p><p>relações entre os elementos naturais e as inovações científicas sobre a temática,</p><p>e repete concepções ultrapassadas academicamente. Fala-se em clima na pers</p><p>pectiva dinâmica, mas na prática, ao fazer uma análise dos textos, o que apa</p><p>rece é a climatologia tradicional e separativa, em que seus elementos são</p><p>analisados isoladamente (Borsato, 2000).</p><p>A análise desses autores sobre os livros didáticos pode ser transposta</p><p>para a sala de aula, pois, como já se afirmou, o ensino de geografia ainda</p><p>reflete a lógica desse material. Pereira e colaboradores (1991), ao analisarem</p><p>os livros didáticos de geografia de ensino fundamental, chamam a atenção</p><p>para as abordagens primárias e desrespeitadoras do desenvolvimento da pró</p><p>pria criança, não só pela desconsideração das características psicobiológicas</p><p>de cada faixa etária, mas pelo descaso com o conteúdo, cujas inúmeras incor</p><p>reções não podem ser consideradas mero descuido. Um número considerável</p><p>de abstrações é exigido dos alunos, impondo a eles uma lista interminável de</p><p>pontos a serem memorizados.</p><p>A construção dos conceitos e a compreensão das dinâmicas particulares</p><p>dos fenômenos naturais ou sociais devem surgir como necessidade imposta</p><p>Geografia 1 05</p><p>para maior entendimento das manifestações paisagísticas, no sentido de aju</p><p>dar a desvendar seus mistérios e de fornecer elementos para sua modificação</p><p>e seu aprimoramento. O aluno, cujo interesse é o de conhecer a dinâmica</p><p>geográfica do espaço que habita (que é essencialmente humana), não se de</p><p>tém na discussão especializada e detalhada do quadro físico. As referências</p><p>particulares aos elementos específicos (hidrografia, clima, vegetação, geolo</p><p>gia, relevo) deveriam aparecer na medida em que fossem exigências da com</p><p>preensão mais global das dinâmicas geográficas do país como um todo ou de</p><p>uma região qualquer.</p><p>Pereira e colaboradores (1991) entendem que é necessário um trabalho</p><p>mais criterioso com os conteúdos e com a inserção de elementos que hoje já</p><p>estão em discussão para um novo ensino de geografia, mas ainda longe da</p><p>realidade da sala de aula. Ressaltam, ainda, algo fundamental: o ponto de</p><p>partida para a construção do conhecimento pode ser o que há de mais concre</p><p>to na relação entre sociedade e espaço, que é paisagem, pois ela pode ser</p><p>vista, apalpada, medida, mapeada, partindo sempre da ideia de que há algo</p><p>por trás das paisagens e iniciando a percepção das relações que se estabele</p><p>cem entre ela e seu espaço.</p><p>Para Suertegaray (2000), a Geografia, como ciência e como disciplina a</p><p>ser ministrada no ensino básico, deve expressar-se pelo método que seja</p><p>indissociável, ou seja, é necessária a busca de um caminho unitário entre a</p><p>dinâmica da natureza e da sociedade. Fazer e ensinar geografia é ultrapassar</p><p>a geografia clássica, considerando como forma determinante da organização</p><p>do espaço não somente as relações homem-natureza, mas principalmente aque</p><p>las entre os homens, as relações sociais de produção (Rossato, 1985).</p><p>Dessa forma,</p><p>Faz-se necessário repensar o ensino da geografia (física?), de maneira que ela</p><p>efetivamente contribua para o reconhecimento mais substancial do espaço</p><p>vivido. Para além da fixação dos conceitos, o conhecimento da realidade que</p><p>se habita favorece o desenvolvimento da criticidade, criatividade e, quiçá, a</p><p>busca da transformação, ou seja, a educação para participação. (Suertegaray,</p><p>2000, p.105)</p><p>Uma educação que tem como objetivo a autonomia do sujeito passa por</p><p>municiar o aluno de instrumentos que lhe permitam pensar, ser criativo e ter</p><p>informações a respeito do mundo em que vive. O processo de construção do</p><p>conhecimento é, pois, uma tarefa que o estudante deve realizar, e o nosso</p><p>desafio como professores é oportunizar-lhe as condições para tanto. (Callai,</p><p>2002, p.101)</p><p>O conteúdo não é único objetivo, é um caminho (e eles são sempre mui</p><p>tos) para ir além dele (Kaercher, 2002, p.137). O caminho escolhido é uma</p><p>opção do professor de acordo com sua perspectiva teórico-pedagógica de ensi</p><p>no e aprendizagem e sua postura frente ao mundo. Sendo o método uma</p><p>opção refletida, o conteúdo a ser ensinado é resultado de uma interação entre</p><p>1 06 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>sujeito (professor) e objeto (conteúdo a ser selecionado); portanto, algo resul</p><p>tante da construção do sujeito (Suertegaray, 2000).</p><p>Mais do que o conteúdo, o importante é como ensinar, no contexto da</p><p>geografia, os conceitos referentes à compreensão da climatologia. Podemos</p><p>ensinar a partir do conceito de lugar - como espaço próximo, espaço vivido e</p><p>como espaço de expressão de relações horizontais (relações da comunidade</p><p>com seu meio) e de relações verticais (relações sociais mais amplas determi</p><p>nando em parte a especificidade dos lugares). Há necessidade da constante</p><p>articulação da observação com a conceituação do fenômeno observado, tarefa</p><p>que é feita por meio das mais diversas técnicas pedagógicas (Suertegaray, 2000).</p><p>''No ensino da geografia, o local e o global formam uma totalidade. A partir</p><p>das representações dos lugares, o aluno forma o ideário que envolve a totali</p><p>dade indissociável do espaço geográfico'' (Castrogiovanni, 2002, p.79).</p><p>No processo de construção do conhecimento, o aluno, ao formular seus</p><p>conceitos, vai fazê-lo operando com os conceitos cotidianos e científicos (Rego,</p><p>1994). A escola deve favorecer a reformulação daqueles originários do senso</p><p>comum em científicos. A construção dos conceitos ocorre pela prática diária,</p><p>pela observação, pelas experiências, pelo fazer. Eles se ampliam e passam a</p><p>graus de generalização e de abstração cada vez maiores.</p><p>O processo de construção do conhecimento que acontece na interação dos</p><p>sujeitos com o meio social, mediado pelos conceitos (sistema simbólico), é</p><p>um processo de mudança de qualidade na compreensão das coisas, do mun</p><p>do. Não é um processo linear, nem de treinos, mas da construção pelos alunos</p><p>de conhecimentos novos, na busca do entendimento das suas</p><p>próprias</p><p>vivências, considerando os saberes que trazem consigo e desvendando as ex</p><p>plicações sobre o lugar. (Callai, 2002, p.104)</p><p>Nesta mesma perspectiva, Rego (2000, p.8) destaca que</p><p>O conhecimento geográfico produzido na escola pode ser o explicitamento</p><p>do diálogo entre a interioridade dos indivíduos e a exterioridade das condi</p><p>ções do espaço geográfico que os condiciona - sendo esse diálogo mediado</p><p>pelas dinâmicas intersubjetivas estabelecidas na relação educacional,</p><p>intersubjetividades que podem chegar a acordos referentes não somente ao</p><p>como compreender, mas também, em alguma medida, ao como transformar a</p><p>realidade cotidianamente vivida.</p><p>Promove-se, por meio dessa perspectiva, o desencadeamento de práticas</p><p>no ensino da geografia que incorporam textualizações diferenciadas, como</p><p>reportagens de revistas e de jornais, indicações de filmes, de romances e de</p><p>poesias, além da própria paisagem. Essas atividades aproximam o conheci</p><p>mento do lugar/ espaço vivido (Rua, 1998; Rego et al., 2000).</p><p>Geografia 1 07</p><p>" A EXPERIENCIA</p><p>A partir dessa reflexão, o objetivo proposto para ser desenvolvido em</p><p>sala de aula era aplicar procedimentos pedagógicos que partissem da vivência</p><p>cotidiana dos alunos sobre as condições meteorológicas e avaliar sua eficácia</p><p>na compreensão da dinâmica climática na relação com hábitos e condições de</p><p>vida, além de construir a noção de movimentação das massas de ar, de forma</p><p>ção e de evolução de frentes.</p><p>A metodologia foi desenvolvida com base no conceito de clima proposto</p><p>por Sarre (1934), isto é, ''o clima é a série de estados atmosféricos acima de</p><p>um lugar e sua sucessão habitual''. A partir daí, procurou-se pensar uma ativi</p><p>dade adaptada aos alunos que desenvolvesse a análise rítmica, aqui entendida</p><p>como um processo interativo entre a circulação atmosférica e os elementos do</p><p>clima, tratados em sua sequência temporal (Monteiro, 1971).</p><p>Dentro dessa abordagem, fez-se a observação diária dos tipos de tempo</p><p>por duas semanas. Ela foi feita em grupos de quatro alunos, em que cada um</p><p>fica responsável por um dos atributos do tempo. Os atributos escolhidos para</p><p>análise são aqueles que podem ser mensurados com instrumentos simples</p><p>como um termômetro (temperatura do ar) e uma rosa dos ventos (direção do</p><p>vento) e os que não exigem quaisquer equipamentos, valorizando-se a sensi</p><p>bilidade de cada um na indicação do conforto térmico e na observação das</p><p>características atmosféricas visíveis (nebulosidade, insolação, existência ou</p><p>não de chuva e de vento).</p><p>Fez-se a opção pelo uso mínimo de equipamentos por duas razões: esti</p><p>mular o uso da capacidade que o organismo humano tem de sintetizar as</p><p>condições do tempo meteorológico e possibilitar a sua prática dentro das reais</p><p>condições de trabalho nas escolas de ensino fundamental e médio (Castro,</p><p>1997). Entretanto, caso a escola ou os professores tenham condições de ad</p><p>quirir instrumentos para a atividade, sugere-se o uso de um barômetro para</p><p>medição da pressão atmosférica e de um termômetro de bulbo seco e de bulbo</p><p>úmido, que, além de fornecer a temperatura, permite o cálculo da umidade</p><p>relativa do ar, dados que dariam mais subsídios para este trabalho.</p><p>A observação dos hábitos das pessoas, como vestimentas, por exemplo,</p><p>também é um dado complementar importante, pois fornece indicativos das</p><p>condições meteorológicas.</p><p>Além dessas observações, foi solicitado que cada grupo coletasse diaria</p><p>mente as análises das imagens de satélites publicadas pelos jornais locais.</p><p>Para a elaboração da análise dessas imagens, propuseram-se as seguintes</p><p>problematizações: Existe nebulosidade sobre a região de Porto Alegre? Em</p><p>caso positivo, essa nebulosidade localiza-se ao norte ou ao sul da região de</p><p>Porto Alegre? Qual é a temperatura do ar neste dia? Neste dia, como estava o</p><p>tempo: seco ou úmido? Chovia? Ventava? O que as pessoas vestiam neste dia?</p><p>1 08 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Com esses dados, cada grupo elaborou um quadro com as informações e</p><p>as imagens de satélites dia a dia, para construir a relação entre os tipos de</p><p>tempo associados à evolução da passagem de uma massa de ar polar, caracte</p><p>rística marcante no clima do Rio Grande do Sul. Nesse momento, ainda não é</p><p>abordada a nomenclatura científica para as massas de ar (Massa Polar Atlân</p><p>tica). Após a análise, então, seguiu-se um debate em que foram apresentados</p><p>os elementos que permitiram aos alunos concluírem sobre as mudanças dos</p><p>estados do tempo atmosférico no Rio Grande do Sul, especificamente em Por</p><p>to Alegre, associadas à passagem de uma massa de ar polar.</p><p>Dia 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 1 12 13 14 15</p><p>1,....</p><p>" T I r ' 1\</p><p>u ' / \ \</p><p>/ 1)\ \ \ ' ~</p><p>,</p><p>V / ~ ,; 1 .....</p><p>_\ \ \ 1)</p><p>-</p><p>DV ~ I~ 1/ ,,,.,,,</p><p>,/ \</p><p>,</p><p>)'v V</p><p>\ \ l/ N , ...</p><p>' '( (</p><p>\~</p><p>1</p><p>~ 1/ e ,/ ~ \ I J</p><p>J r \ 'I\ \/ / INS / \ • -\\ \. --</p><p>J</p><p>,_</p><p>VE/ ~</p><p>' '</p><p>IM ~ '</p><p>Conclu~õeS': '-""'</p><p>FIGURA 8.1 Modelo do quadro desenvolvido para preenchimento dos alunos, onde T: temperatura do ar, U:</p><p>umidade {muito seco, seco, úmido, muito úmido), V: vento {fraco, médio, forte), DV: direção do vento, N:</p><p>nebulosidade {muita nebulosidade, média nebulosidade, pouca nebulosidade, nenhuma nebulosidade),</p><p>C: chuva {presença de chuva, ausência de chuva), INS: insolação {pouca insolação, média insolação,</p><p>grande insolação), VE: vestimenta das pessoas e IM: imagem coletada no jornal local. Observa-se que a</p><p>legenda sugerida para preenchimento do quadro pode ser modificada e construída com os alunos, con</p><p>forme o interesse da turma e do professor.</p><p>Este processo pode ser simplificado, para o trabalho com os alunos, em</p><p>três momentos (Monteiro, 1968):</p><p>1. Momento pré-frontal: na imagem, observa-se que a linha da nebu</p><p>losidade (linha de instabilidade) está avançando do sul do Estado</p><p>Geografia 1 09</p><p>para o norte, e a área em questão está com algumas nuvens. A tem</p><p>peratura está relativamente alta, a pressão atmosférica está em</p><p>declínio e a umidade relativa do ar é mediana. Não está chovendo,</p><p>existe vento com fraca intensidade soprando do quadrante norte. Há</p><p>desconforto térmico pelas altas temperaturas associadas ao vento</p><p>fraco.</p><p>2. Momento frontal: na imagem, observa-se que a área em questão</p><p>está coberta de nuvens. A temperatura começa a declinar, a pressão</p><p>sobe lentamente e tanto a umidade relativa quanto a umidade abso</p><p>luta do ar são elevadas. Há presença de chuva, ventos oriundos de</p><p>várias direções e soprando com diferentes velocidades.</p><p>3. Momento pós-frontal: na imagem, a nebulosidade sobre a área em</p><p>questão diminui, tendendo à ausência, pois desloca-se para os de</p><p>mais estados da Região Sul do Brasil. O céu fica ''limpo'', o sol apare</p><p>ce, a temperatura cai em relação aos dias anteriores e a pressão at</p><p>mosférica aumenta. Apesar de sentir-se que o tempo está mais seco</p><p>em relação ao anterior pela diminuição da umidade absoluta, a</p><p>umidade relativa do ar neste momento está mais alta, em virtude da</p><p>diminuição da temperatura que propicia a rápida saturação do ar.</p><p>A discussão dentro de cada grupo e, posteriormente, entre os grupos e o</p><p>professor foi bastante rica e despertou o interesse dos alunos pelo estudo do</p><p>clima, uma vez que, por ser uma atividade prática de pesquisa e coleta de</p><p>dados, deu significado e mostrou a aplicabilidade dos conceitos aprendidos</p><p>para sua existência individual e/ ou coletiva. A climatologia deixou de ser,</p><p>para esses alunos, uma lista interminável de letras e de características estáti</p><p>cas a serem memorizadas para se tornar um conhecimento em seu sentido</p><p>real, com atividades práticas, associações e construções.</p><p>Pedagogicamente, essa experiência promoveu um processo de ensino</p><p>-aprendizagem facilitador da elaboração de conceitos ligados à climatologia e</p><p>associados ao cotidiano, além de propiciar a integração entre os alunos e o</p><p>desenvolvimento do senso de responsabilidade e comprometimento com as</p><p>atividades curriculares.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>BORSATO, V.A. A climatologia dinâmica e o ensino da geografia no segundo</p><p>mais precisamos é ensinar os licenciandos a tomarem decisões sob</p><p>condições de incerteza, mas isso justamente é o que não sabemos. [ ... ] um</p><p>dos objetivos é ajudar os licenciandos a aprenderem a agir de forma compe</p><p>tente em situações em que não há respostas certas ou procedimentos-padrão.</p><p>[ ... ] A dúvida interna coexiste com a pressão para prestar serviços tradicio</p><p>nais em estudantes que procuram as recompensas tradicionais. e com adapta</p><p>ções)</p><p>Tento agregar outros pensadores - que não educadores ou geógrafos -</p><p>para construir e ressignificar minha prática profissional. A docência implica</p><p>também seu par dialético: aprender com os outros e despir-se do que se apren-</p><p>16 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>deu para se reinventar na profissão, ''raspar a tinta'' com que nos pintaram para</p><p>pensar nossa existência e refazer outras pinturas. A docência implica autoria, e</p><p>ela requer sentimentos, emoções; é preciso ''desencaixotar'' emoções, ser - o</p><p>que não é nada fácil - ''eu mesmo''. Implica também um ato de cidadania: dizer</p><p>sua palavra. Fernando Pessoa é genial ao falar do ''corredor'' que há entre</p><p>nossas ideias e as palavras que as expressam. Desafios epistemológicos: justi</p><p>ficar racionalmente nossa prática, ultrapassar a razão. Desafios ontológicos:</p><p>dizer implica dizer o que penso e o que sou. São desafios que exigem que eu</p><p>me desembrulhe. Tudo é tão difícil quanto inevitável: ''Sempre que olho para</p><p>as coisas e penso no que os homens pensam delas'' (Pessoa, 1992, p.108).</p><p>Olhar para as coisas pode nos remeter às paisagens que vimos e que</p><p>vivemos com nossos sentidos. Remete à fisicidade, à geograficidade da exis</p><p>tência: as coisas e as pessoas ocupam espaço, e isso influi sobremaneira na</p><p>nossa vida. Basta que um motorista ignore o poste a sua frente para perceber</p><p>mos quão espacial e geográfica é nossa existência. Mais até: essa característi</p><p>ca nos constitui. O espaço onde nascemos pode condicionar forte e diferente</p><p>mente a nossa vida. Mesmo sem ser determinista, não se podem desprezar as</p><p>diferenças entre as marcas que um holandês e um afegão apresentam pelo</p><p>simples fato de terem nascido em lugares diferentes.</p><p>Martins (2004, p.21-22) me auxilia: a geografia implica</p><p>coexistência de coisas estabelecida pela relação Homem/Meio, onde a geo</p><p>grafia mostra-se como a ordem das coisas que coexistem [ ... ]. Homem e Meio</p><p>se estabelecem como presença, e neste sentido o fazem na coabitação, no</p><p>sentido de serem alteridade um em relação ao outro. O Ser de ambos, na sua</p><p>mútua determinação, compõe a estrutura instável da existência, compõe a</p><p>ordem/ desordem de existir numa configuração espaçotemporal. Em síntese,</p><p>Meio e Homem, nas suas respectivas materialidades, na fenomenicidade e</p><p>for111a de seus respectivos seres, e a espaçotemporalidade que lhes são pró</p><p>prias, a sua ordem de coexistências, compõem a geograficidade dinâmica do</p><p>mundo. [ ... ] Portanto, a geografia que aí se manifesta é a dimensão existencial</p><p>desta complexidade que representa a relação Homem/Meio. (destaques meus)</p><p>Pensar na importância e na influência do espaço, na fisicidade das coisas</p><p>e na geograficidade de nossa existência é uma das grandes contribuições que</p><p>a geografia pode dar. A geografia é um pretexto para pensarmos nossa exis</p><p>tência, uma forma de ''lerpensar'' filosoficamente as coisas e as relações e</p><p>influências que elas têm no nosso dia a dia, porque ''olhar as coisas'' implica</p><p>pensar no que os seres humanos pensam delas. Ao leitor que tiver paciência</p><p>• comigo:</p><p>Saúdo todos os que me lerem, Tirando-lhes o chapéu largo [ ... ]. Saúdo-os e</p><p>desejo-lhes sol, E chuva, quando a chuva é precisa, E que suas casas tenham</p><p>Ao pé de uma janela aberta Uma cadeira predileta Onde se sentem, lendo os</p><p>meus versos. E ao lerem os meus versos pensem. (Pessoa, 1992, p. 98)</p><p>Geografia 17</p><p>O objetivo deste texto é pensarmos o ensino de geografia como um duplo</p><p>desafio: aumentar a interação entre professor e aluno e fazer da geografia</p><p>uma reflexão cujos temas produzam fagulhas que nos iluminem e inquietem.</p><p>Proponho, a seguir, uma série de atividades dessa forma, todas já testadas</p><p>com alunos do ensino médio ou do superior. Nenhuma demanda recursos que</p><p>não estejam ao nosso alcance, mas todas exigem - para não serem apenas</p><p>atividades de passatempo - uma importante base teórica do professor, a fim</p><p>de que levem à reflexão e aumentem a complexidade da leitura do mundo</p><p>pelos alunos.</p><p>,</p><p>ATIVIDADE 1: COLAGEM COM MUSICA</p><p>Peço aos alunos que, a partir de uma música de sua livre escolha, façam</p><p>uma montagem, uma colagem ou um desenho que tenha relação com a letra.</p><p>Parece simples, mas não é. Procuro direcionar a busca para músicas que falem</p><p>da natureza ou de temáticas sociais. Corre-se o risco de sair muita coisa desco</p><p>nexa, mas é preciso ter paciência. Se alguns fizerem a tarefa de forma que se</p><p>possa socializar a produção, a reflexão já será satisfatória. Não há necessidade</p><p>de que todos tenham grandes produções, mas inegavelmente, ao pedir outras</p><p>formas de expressão que não a tradicional escrita, damos chance para o</p><p>surgimento de ''novos'' talentos dentro da sala.</p><p>No dia da entrega do trabalho, retiro os alunos da sala. Levo-os ao pátio</p><p>e faço com que se revezem na apresentação dos trabalhos. Isso é fundamental</p><p>para que eles se conheçam melhor e estabeleçam afinidades. Depois, escolho</p><p>aleatoriamente alguém para apresentar seu trabalho. Quantos apresentam?</p><p>Não há número ideal, deve ser conforme o envolvimento deles. Uma coisa é</p><p>certa: não há motivo para todos apresentarem. Fica enfadonho, repetitivo,</p><p>demorado.</p><p>Podem surgir boas discussões, mas nem sempre ''dentro da matéria''. Não</p><p>faz mal. Nem sempre o conteúdo é dado linear e expositivamente. Prefiro a</p><p>interação menos convencional com a turma à repetição da aula monologada.</p><p>A aula expositiva é um instrumento plenamente válido para o trabalho docen</p><p>te, desde que não seja o único.</p><p>O objetivo desse trabalho é conhecer melhor os alunos e fazer relações</p><p>entre diferentes tópicos geográficos. Por meio de suas apresentações, percebe</p><p>mos as leituras de mundo que eles fazem, inclusive no que diz respeito à</p><p>intolerância (racismo, machismo, preconceitos vários), ou, o que é comum, o</p><p>simples desconhecimento de certos assuntos. Fica claro que eles têm muito</p><p>em comum, inclusive no que diz respeito aos seus sonhos, medos e aspirações.</p><p>O trabalho com imagens em geografia é tão importante quanto o traba</p><p>lho com mapas, e ambos, geralmente, são pouco usados. Desde fotografias</p><p>que mostram paisagens, que não sofreram ação de seres humanos, até as que</p><p>representam obras feitas por eles - como prédios, plantações, fábricas, fave-</p><p>18 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>las, meios de transporte, máquinas -, todas podem ser interpretadas pela geo</p><p>grafia. Podemos ver um objeto se transformar com o passar do tempo. Um</p><p>carro ou um computador, por exemplo, não mudam apenas na forma, mas</p><p>também na velocidade ou capacidade que atingem. Isso muda o entorno: são</p><p>necessárias estradas cada vez maiores para chegarmos mais rápido. Podemos</p><p>comparar, por outro lado, um mesmo objeto em diferentes espaços. Será que</p><p>crianças do Brasil, do Japão, da Nigéria e do Irã brincam com os mesmos</p><p>objetos? Nem todos os porto-alegrenses sentam nas mesmas cadeiras. Em um</p><p>barraco, a cadeira pode ser um caixote; em um palácio, um móvel suntuoso.</p><p>Todos temos necessidades básicas muito semelhantes, mas a forma como as</p><p>satisfazemos podem ser muito diversas. Ontem e hoje, aqui e acolá são pares</p><p>indissociáveis da geografia.</p><p>Todas essas reflexões podem ser feitas usando a farta e gratuita munição</p><p>das imagens, seja das revistas, dos jornais ou dos calendários. Se a isso acres</p><p>centarmos o desafio do trabalho com a música* que os alunos escutam e das</p><p>leituras que eles fazem, melhor.</p><p>,</p><p>ATIVIDADE 2: VIAJANDO NO MAPA-MUNDI</p><p>Essa atividade se desdobra em duas tarefas que geram boa participação.</p><p>Sugere-se que uma seja feita no pátio, porque desperta uma boa algazarra.</p><p>grau. Uma</p><p>aproximação ao problema. Revista GeoNotas, Maringá, v. 4, n. 1, 2000.</p><p>CALLAI, H.C.O. Estudar o lugar para compreender o mundo. ln: CASTROGIOVANNI, A.C.</p><p>(org.). Ensino de geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 2.ed. Porto Alegre: Me</p><p>diação, 2002, p. 83-134.</p><p>CASTRO, M.G.S. A climatologia e os professores de Geografia no 1° e 2° graus. ln: VII</p><p>Simpósio Brasileiro de Geografia Física aplicada, Curitiba-PR, 1997.</p><p>11 O Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C. A teoria construtivista ... o construir a geografia. Boletim Gaúcho</p><p>de Geografia, Porto Alegre: AGB-PA, n. 19, 1992, p. 5-17.</p><p>___ . Apreensão e compreensão do espaço geográfico. ln: CASTROGIOVANNI, A.C.</p><p>(org.). Ensino de geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 2. ed. Porto Alegre: Medi</p><p>ação, 2002, p. 11-81.</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C.; GOULART, L.B. A questão do livro didático em Geografia: ele</p><p>mentos para uma análise. ln: CASTROGIOVANNI, A.C.; CALLAI, H.C.; SHÃFER, N.O.;</p><p>KAERCHER, N.A. (org.). Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre:</p><p>Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção Porto Alegre, 1998, p. 125-128.</p><p>KAERCHER, N.A. Geografizando o jornal e outros cotidianos: práticas em Geografia para</p><p>além do livro didático. ln: CASTROGIOVANNI, A.C. (org.). Ensino de geografia: práticas e</p><p>textualizações no cotidiano. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2002, p. 135-169.</p><p>MONTEIRO, e.A.E Análise rítmica em climatologia: problemas de atualidade climática em</p><p>São Paulo e achegas para um programa de trabalho. ln: Climatologia, n. l. Instituto de</p><p>Geografia da Universidade de São Paulo, 1971.</p><p>MONTEIRO, C.A.E Clima. ln: Geografia do Brasil. Grande Região Sul. v. 4, Tomo 1. Rio de</p><p>Janeiro: IBGE, 1968. p. 114-166.</p><p>PEREIRA, D; SANTOS, D.; CARVALHO, M. de. A geografia no 1° grau: algumas reflexões.</p><p>Terra Livre, São Paulo, n. 8, p. 121-131, 1991.</p><p>REGO, N. Apresentando um pouco do que sejam ambiências e suas relações com a Geogra</p><p>fia e a educação. ln: REGO, N.; SUERTEGARAY, D.M.A.; HEIDRICH, A. Geografia e educa</p><p>ção: geração de ambiências. Porto Alegre: UFRGS, 2000, p. 7-9.</p><p>REGO, N.; SUERTEGARAY, D.M.A.; HEIDRICH, A. Geografia e educação: geração de</p><p>ambiências. Porto Alegre: UFRGS, 2000.</p><p>REGO, T.C. fygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1994.</p><p>ROSSATO, D.M.S. A geografia que e faz é a geografia que se ensina. Orientação, São Paulo,</p><p>n. 6, p. 85-87, 1985.</p><p>RUA, J. O professor, o livro didático e a realidade vivida pelo aluno como recursos para o</p><p>ensino da geografia. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre: AGB-PA, n.24, p. 87-96,</p><p>1998.</p><p>SILVA, D.L.M. da. A Geografia que se ensina e a abordagem na natureza nos livros didáticos.</p><p>104 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Geociências, Curso de Pós-Gra</p><p>duação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.</p><p>,</p><p>SORRE, M. Traité de climatologie biologique et médicale. Paris: Piery Masson et Cie Editeurs,</p><p>1934, p.1-9</p><p>SUERTEGARAY, D.M.A. O que ensinar em Geografia (Física)? ln: REGO, N.; SUERTEGARAY,</p><p>D.M.A.; HEIDRICH, A. Geografia e educação: geração de ambiências. Porto Alegre: UFRGS,</p><p>2000, p. 97-106.</p><p>Atividades práticas como elementos de</p><p>motivação para a aprendizagem em</p><p>geografia ou aprendendo na prática</p><p>Bárbara Cristina Farina</p><p>Fábio Guadagnin</p><p>Este capítulo busca apontar uma alternativa para o desafio maior que um</p><p>professor de geografia tende a encontrar durante a sua prática: despertar o</p><p>interesse de adolescentes pelos inúmeros tópicos que esta ciência aborda e</p><p>estuda. Durante a disciplina de Prática de Ensino II - ensino médio, foi possí</p><p>vel experimentar a utilização de atividades de campo, de forma que essa alter</p><p>nativa passou a figurar, para nós, como um dos princípios fundamentais para</p><p>o crescimento do interesse dos alunos e para o seu envolvimento com a cons</p><p>trução do seu próprio conhecimento.</p><p>A tarefa de despertar esse interesse repousa quase exclusivamente no</p><p>proceder do professor, ao menos é isso que domina o senso comum. Contudo,</p><p>esse peso pode e deve ser dividido com outros elementos que têm grande</p><p>capacidade de inclusão, por trazerem o aluno para a participação efetiva em</p><p>sala de aula. A natureza desses elementos de apoio pode variar, assim como a</p><p>razão de sua capacidade de inclusão. Sabe-se que filmes, por exemplo, nor</p><p>malmente despertam grande interesse nos alunos por fazerem uso de uma</p><p>linguagem com a qual eles já estão acostumados. Poesia e música, talvez com</p><p>menos efeito, também chamam a atenção e podem ser explorados. Aqui, no</p><p>entanto, discutiremos outro elemento no qual professores podem apoiar-se:</p><p>atividades práticas de campo.</p><p>Sair do ambiente escolar, por si só, gera um efeito geralmente positivo</p><p>sobre o interesse dos alunos pelo conteúdo. Mas mais do que isso, atividades</p><p>práticas fora do ambiente escolar são fundamentais no ensino de geografia,</p><p>pois permitem ao professor a proposição de questões reais e de importância</p><p>concreta para os alunos.</p><p>Em geral, o ensino de tópicos como escala e cartografia é tratado como</p><p>mera instrumentalização dos alunos. A eles são ensinados todos instrumentos</p><p>112 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>lógicos e matemáticos necessários para que se faça uso adequado da escala na</p><p>elaboração de mapas, sem, no entanto, grande preocupação com o entendi</p><p>mento desses mecanismos e nem mesmo com a justificativa para utilizá-los.</p><p>Normalmente, os instrumentos matemáticos são ensinados nas aulas de geo</p><p>grafia sem grande adaptação, como se fosse simples retirar um pequeno peda</p><p>ço das aulas de matemática e condensá-lo em alguns minutos de aula de geo</p><p>grafia.</p><p>A abordagem mais comum para esses assuntos é a apresentação direta</p><p>dos mecanismos matemáticos no primeiro momento, seguido de alguns exem</p><p>plos ou exercícios que supostamente têm o dever de mostrar a importância e</p><p>as possíveis circunstâncias de utilização. O resultado mais comum é a quase</p><p>total rejeição ao conteúdo, porque ele é apresentado como uma mera abstra</p><p>ção matemática que não diz absolutamente nada à vida cotidiana dos alunos.</p><p>Ao realizarmos uma atividade prática antes da exposição, seja fora ou</p><p>dentro do ambiente escolar, temos a oportunidade de apresentar aos alunos</p><p>um problema prático que facilmente pode repetir-se nas suas vidas. Ele pode</p><p>ser apresentado na forma de desafio, de algo que deve ser encarado como um</p><p>obstáculo concreto e que exige reflexão e esforço coletivo para a superação.</p><p>Caso as proposições encontrem ressonância no cotidiano dos alunos, o inte</p><p>resse pela atividade se multiplicará. Precisamos lembrar que dar a roupagem</p><p>correta à atividade é ponto fundamental para que os alunos ''comprem a ideia''.</p><p>Caso isso aconteça, o desafio apresentado os levará naturalmente a questões</p><p>fundamentais para sua resolução, invertendo a ordem normal de exposição e</p><p>criando excelentes momentos para construção coletiva de saber prático, em</p><p>pontos de intersecção direta com os conteúdos que devem ser trabalhados em</p><p>sala de aula.</p><p>Se bem construída, uma atividade de campo pode despertar o interesse</p><p>dos alunos e colocá-los na frente de um desafio a ser vencido. Assim, o instru</p><p>mental necessário para vencer o obstáculo passa a ser não apenas mais con</p><p>creto, mas também útil e necessário. Nessas circunstâncias, não são raras ex</p><p>pressões como esta: ''professor, sei o que tenho que fazer, mas não sei como''. ,</p><p>E nesse momento que surge uma oportunidade única de construção significante</p><p>dos conteúdos, que normalmente nos parecem meras abstrações matemáti</p><p>cas. Inverte-se a ordem: em vez de transmitirmos a instrumentalização e de</p><p>pois justificarmos ou generalizarmos (o que nem sempre é feito e não contri</p><p>bui para que o aluno se interesse pelo conteúdo), podemos primeiro apresen</p><p>tar o desafio, ou seja, a aplicação prática, tornando assim o instrumental ape</p><p>nas o percurso para superação do desafio.</p><p>Uma aplicação desta proposta foi desenvolvida durante o período</p><p>de es</p><p>tágio curricular obrigatório e aplicada em duas turmas de 2° ano do ensino</p><p>Geografia 113</p><p>médio público de Porto Alegre. O objetivo principal da atividade foi trabalhar</p><p>o conceito de globalização e os reflexos de sua dinâmica no nosso cotidiano.</p><p>Ela se centrou em um trabalho de campo, mas os conteúdos previamente apre</p><p>sentados (introdutórios à atividade) e, principalmente, os resultados obtidos</p><p>e todos os seus desdobramentos foram peças-chave na construção pessoal do</p><p>conceito pelos alunos. O resultado final foi a construção coletiva de um relató</p><p>rio de saída de campo, a partir da análise dos dados e de informações coletadas</p><p>ou pesquisadas durante a execução da atividade.</p><p>O trabalho de campo foi realizado próximo a uma importante avenida de</p><p>Porto Alegre, onde foram visitados três estabelecimentos comerciais: um mer</p><p>cado de pequeno porte, um supermercado de médio porte e um hipermercado,</p><p>todos a menos de cem metros de distância um do outro. Para a realização do</p><p>trabalho, a turma foi dividida em quatro grupos. O primeiro deles, que, por</p><p>uma ou outra razão, não pôde comparecer à saída de campo, ficou responsável</p><p>por duas atividades: realizar uma pesquisa a respeito do significado do pro</p><p>cesso de globalização, seu histórico, os países-chave e as relações entre eles,</p><p>todos pontos fundamentais para o entendimento do tema, e procurar notícias,</p><p>reportagens ou propagandas em jornais que explicitassem a globalização no</p><p>nosso dia a dia. Cada um dos três grupos restantes ficou responsável por uma</p><p>das seguintes atividades: localização geográfica e cartografação do terreno,</p><p>entrevistas e pesquisa de preços e de produtos.</p><p>O trabalho do grupo da localização foi, basicamente, a medição dos três</p><p>estabelecimentos e a sua cartografia. Foi fornecido ao grupo um mapa base de</p><p>Porto Alegre, em escala adequada, com destaque para a área visitada, para</p><p>que os alunos localizassem cada um dos estabelecimentos, mostrando as ruas</p><p>de acesso principal e colocando as dimensões das casas visitadas. A cartogra</p><p>fia foi realizada com a utilização de uma transparência, que, posta sobre o</p><p>mapa base, permitiu a escolha e a utilização das informações preexistentes.</p><p>Essa atividade permitiu a retomada de conteúdos como escala e elementos</p><p>cartográficos, além de estimular a observação e a análise da área como um</p><p>todo. O principal ponto positivo concentra-se no fato de que os conteúdos</p><p>passaram a ser resgatados a partir da sua necessidade para a execução da</p><p>atividade, o que cedeu importante caráter de utilidade e de aplicabilidade ao</p><p>conteúdo.</p><p>Outro grupo ficou responsável pela realização de entrevistas com funcio</p><p>nários e clientes por meio da aplicação de um questionário pré-formulado.</p><p>Dessa forma, os alunos partiram em busca de informações que ajudaram a</p><p>caracterizar os diferentes estabelecimentos. Uma versão do esquema entre</p><p>gue aos alunos é apresentado a seguir, contendo as perguntas que serviram</p><p>como orientação geral ao trabalho.</p><p>114 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Grupo das entrevistas</p><p>Minimercado: (5 clientes, 1 funcionário e 1 gerente/dono)</p><p>Supermercado: (8 clientes, 3 funcionários e 1 gerente/dono)</p><p>Hipermercado: (12 clientes, 5 funcionários e 2 gerentes)</p><p>Para funcionários e gerentes:</p><p>1. Há quanto tempo trabalha aqui? Que cargo ocu ~</p><p>2. Como foi contratado? Por indicação ou por eleçao?</p><p>3. Quantos são os funcionários do estabel cimento?</p><p>Exerce diversas funções ou somente uma? , 4.</p><p>5.</p><p>6.</p><p>7.</p><p>8.</p><p>9.</p><p>Qual a relação com a gerência? E positiva? Somente p ofissional?</p><p>1 o.</p><p>Sabe quem são os donos do estabelecimento? Conlíece-os pessoalmente?</p><p>Sabe a nacionalidade dos donos? Onde residem?</p><p>Por que acha que os cliente compram no se~ estabelecimento e não em outro?</p><p>Você conhece pessoalmente os clientes do estabelecimento?</p><p>Sabe em que bair; o a maioria deles m0ra?</p><p>Para clientes:</p><p>1. Qual ~ airro de origem:,,;_?_.</p><p>2. Por que co pra neste estabelecimento?</p><p>3. Como se sente c~prando aqui? É agradável? É fácil achar os produtos? É</p><p>ais Bar~o.</p><p>SemRre encontra o que está procurando?</p><p>Sab ~u 1 o p ís de origem do estabelecimento? Sabe quem é o dono? Onde</p><p>ele mor:a?</p><p>6. Faz iferença fazer suas compras em um estabelecimento nacional</p><p>ou multinacional?</p><p>7. Cite cinco marcas de produtos que você costuma comprar com frequência.</p><p>O grupo das pesquisas de produtos e preços percorreu os três estabeleci</p><p>mentos averiguando as cotações de produtos predefinidos, todos eles apre</p><p>sentados em uma lista entregue aos alunos momentos antes do início da ativi</p><p>dade. Os produtos escolhidos foram aqueles que costumam compor uma cesta</p><p>básica, acrescidos de outros supérfluos, escolhidos com o objetivo de tornar</p><p>clara a competição entre empresas nacionais e multinacionais. Também foi</p><p>solicitado que os alunos anotassem as diferentes marcas existentes em cada</p><p>estabelecimento para cada um dos produtos listados. A lista de produtos en</p><p>tregue aos alunos é apresentada a seguir. ,</p><p>As três atividades ocorreram simultaneamente. E aconselhável a presen-</p><p>ça de mais de um professor para a sua execução, de forma que os grupos não</p><p>permaneçam sozinhos e sem orientação por muito tempo. Por outro lado,</p><p>uma certa liberdade e distanciamento do professor podem acabar incentivan-</p><p>Geografia 115</p><p>Grupo das pesquisas de preços e produtos:</p><p>1. Um litro de leite integral longa-vida 2. Dois litros de nefrigerante do tipo</p><p>"cola"</p><p>3. Um quilo de arroz branco ~--.. 4. Um qaí o de feijão pre o</p><p>5. Um pacote de bolachas recheadas 6 Um pacofe ae massa com o es ae</p><p>de 200g 500g</p><p>7. Uma caixa ~om 20 fós oros long s Rapei hjgiênioo co 4 rolos de 30 m</p><p>9 Um uilo de sabão em p~ Deterge te em embalagem de 500ml</p><p>11. Um litro e óleo lubrificamte Rara Um CD de sua banda favorita</p><p>, .</p><p>automove1s</p><p>13. lJm pacote de pã de leit de forma</p><p>~e 500g</p><p>15. Orna lata de leite condensado</p><p>17. tJm pé de alface</p><p>19. Um quilo de carne (patinho)</p><p>14. Um sabonete de 90g</p><p>16. Uma lata grande de chocolate em pó</p><p>18. Uma camiseta básica branca tam. M</p><p>20. Um litro e meio de água mineral</p><p>do o interesse e a participação, demonstrando uma relação positiva de con</p><p>fiança do professor em relação ao aluno a qual, via de regra, tende a gerar</p><p>bons resultados.</p><p>Como cada grupo executou suas atividades em locais diferentes e o con</p><p>trole do professor sobre a turma ficou comprometido, definiu-se um local e</p><p>um horário para o retorno. Nessa reunião final, foi solicitado que os alunos</p><p>começassem a tecer suas primeiras reflexões sobre o que observaram durante</p><p>a coleta de dados. As diferenças entre os estabelecimentos, nesse momento,</p><p>começaram a ficar claras, e a relação entre essas diferenças e a forma como a</p><p>globalização está estruturada começou a ser construída. De qualquer forma, o</p><p>objetivo do encontro não foi, em absoluto, esgotar a discussão, mas, ao con</p><p>trário, criar questionamentos e incentivar o interesse pelo restante do tra</p><p>balho.</p><p>Em sala de aula, o trabalho foi concluído em duas etapas. A primeira</p><p>delas, a elaboração do relatório de campo, foi realizada ainda em grupos, que</p><p>receberam um roteiro com algumas perguntas que pretendiam orientar a aná</p><p>lise e facilitar a compreensão do conteúdo. A entrega desse roteiro, mesmo</p><p>que carregue traços um tanto limitadores, é fundamental para que os alunos</p><p>tenham um ponto de partida para as suas reflexões. Não utilizar esse recurso</p><p>tornaria a análise excessivamente abstrata, o que resultaria, provavelmente, ,</p><p>em um trabalho muito lento e truncado. E preciso que os alunos saibam qual</p><p>é a proposição inicial do professor, para que então se sintam seguros o sufi</p><p>ciente para acrescentar suas conclusões diversas e suas impressões não previs</p><p>tas pelo roteiro, que talvez sejam a fração mais preciosa do trabalho.</p><p>116 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Roteiro para elaboração do relatório de campo - globalização</p><p>Grupo 1 - Introdução</p><p>O grupo deve finalizar o texto sobre globalização e organizar uma ap esentação sobre</p><p>o assunto. Deve ainda procurar em jornais</p><p>uma notícia que trate do tema e justificar</p><p>sua escolha, argumentando sobre a relação entre a notícia e as ca l'iacterísticas da</p><p>globalização.</p><p>Grupo 2 - Localização</p><p>O grupo deve elaborar um mapa contendo a indicação dos três esta elecimentos, dos</p><p>pontos de referência principais e das vias de acesso. O mapa deve conter ainâa uma</p><p>legenda e a escala utilizada. O grupo deve também organizar uma apresentação, para a</p><p>turma, das etapas de elaboração do mapa, desde as medições em camP.o até a sua</p><p>construção.</p><p>Grupo 3 - Entrevistas</p><p>O grupo deve relatar por escrito as entrevistas realizadas no campo e in erpretar os</p><p>dados a partir das seguintes questões:</p><p>Sobre os funcionários</p><p>a) Como é contratada a maioria dos funcionários de cada estab ,fecimento?</p><p>b) Em algum dos estabelecimentos os funcionários trabalham em mais de uma função?</p><p>Qual? Por quê?</p><p>c) Qual é a relação dos funcionários c m a~erência e cada estabelecimento?</p><p>d) Qual dos estabelecimentos apresentou uma organização mais rígida dos trabalha</p><p>dores?</p><p>e) Em algum dos estabelecimentos os funcionários conhecem os donos? Qual o nível</p><p>de proximidade entre eles?</p><p>f) Algum funcionário soube informar a nacionaliâade correta dos donos dos estabeleci</p><p>mentos?</p><p>g) Quais as vantagens que os funcionários/gerentes veem no seu estabelecimento em</p><p>relação aos demais?</p><p>h) Os funcionários cost mam ce hecer o clientes? Sabem em que bairro moram?</p><p>i) Individualmente, escolha o esta6elecimento no qual você gostaria de trabalhar e</p><p>justifique.</p><p>Sobre os clientes:</p><p>a) Os clientes de cada um dos estabelecimentos costumam vir de bairros próximos</p><p>ou distantes?</p><p>b) Quais as justificativas mais apontadas pelos clientes para comprar no estabelecimen-</p><p>to e como eles se entem, em geral, comprando nele?</p><p>c) Em algum dos esta6el cimentes os clientes reclamaram por não encontrar tudo o</p><p>que procuravam?</p><p>Os clientes de eada estabelecimento costumam conhecer o dono? Aparentemente,</p><p>isso faz diferença para eles?</p><p>Os clientes mostraram a guma preocupação com a nacionalidade do estabelecimen</p><p>to onde compram?---.J</p><p>f) Quais foram as marcas mais citadas pelos clientes? Vocês sabem se elas são</p><p>nacionais?</p><p>g) Você sabe or que é importante comprar produtos nacionais?</p><p>(Continua)</p><p>Geografia 117</p><p>(Continuação)</p><p>Grupo 4 - Pesquisa de preços</p><p>O grupo deve relatar por escrito como foi realizada a pesquisa de preços e interpretar 0s</p><p>resultados a partir das seguintes questões:</p><p>a) Aponte o estabelecimento mais aarato para cada um dos p11odutos pesÇluisados.</p><p>Qual dos estabelecimentos é, filo geral, o ~ais oarato?</p><p>b) Aponte o estabelecimento mai diversificaC:io P,ali cada um des produtos</p><p>pesquisados. Qual dos estabelec'mentos é, no geral, 0111ais diversificado?</p><p>c) Qual dos esta elecirnentos possu· maior nú , ero de marcas nacionais?</p><p>) o geral, qwais são as marcas mais ba atas, as nacionais ou as multinacionais?</p><p>Concl são (TODOS .. individual}</p><p>Respolílã er às seguintes questões:</p><p>a) De g_we forma podemos perceber a globalização no nosso dia a dia?</p><p>b) Destaque alguns pontos positivos e alguns negativos da globalização.</p><p>Após a finalização dessa etapa, a conclusão do trabalho baseou-se na</p><p>apresentação dos resultados e análises construídas. Neste ponto em especial,</p><p>a participação do professor torna-se fundamental, para que todo o longo tra</p><p>balho executado não seja transformado em uma simples apresentação de re</p><p>sultados pontuais e descontextualizados, e para que todas as partes estejam</p><p>bem articuladas e sejam entendidas por todos. A junção de todas as conclu</p><p>sões, elaboradas dentro de cada grupo, finaliza a atividade, formando um</p><p>relatório único, que pode (e deve) ser deixado à disposição dos alunos e do</p><p>restante da escola. Mas o trabalho (e, principalmente, seus resultados ou fru</p><p>tos) não param por aí.</p><p>O mais interessante de realizar uma atividade como esta é o leque de</p><p>possibilidades de análise e o conjunto de conteúdos abrangidos durante o</p><p>trabalho, que não se encerra na conclusão do relatório, tampouco se restringe</p><p>à lista de conteúdos e de conceitos abordados ou passíveis de discussão. O</p><p>resgate contínuo do que foi estudado e que tende a ser lembrado com mais</p><p>facilidade pelos alunos por ter sido fruto do seu próprio trabalho), independen</p><p>temente do conteúdo em foco (sem perder de vista a coerência necessária a</p><p>qualquer atividade), passa a ser enriquecido pela utilização dos resultados e</p><p>das conclusões que são dos próprios alunos. Cria-se um ponto comum para</p><p>todos, uma forma de referência para a qual se pode voltar, tanto para tornar</p><p>mais claro o próprio processo de globalização (no caso desta atividade especí</p><p>fica) quanto para analisar outros processos vinculados a ela, diretamente ou</p><p>...,</p><p>nao.</p><p>Entre os temas que podem ser trabalhados, vinculados a esta atividade e</p><p>que passam mais ou menos despercebidos durante a atividade de campo, é</p><p>possível ressaltar a importância das vias de circulação e a localização dos</p><p>118 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>estabelecimentos comerciais (eixo fundamental para o entendimento da lógi</p><p>ca capitalista globalizante); as formas de propaganda de cada estabelecimen</p><p>to (fôlderes, outdoors, panfletos) e a importância do marketing; a origem das</p><p>diferentes marcas de produtos pesquisados (sendo fundamental a localização</p><p>em mapa dos principais eixos exportadores); construção de vínculos com o</p><p>estudo dos blocos econômicos mundiais (à medida que, por exemplo, apare</p><p>cerem algumas marcas uruguaias e argentinas entre os produtos pesquisados,</p><p>pode-se analisar a diferença de preços entre esses produtos, os nacionais e os</p><p>importados de países não participantes do Mercosul); e tantos outros assuntos</p><p>que, até mesmo pelo próprio interesse dos alunos, acabam aparecendo no</p><p>percurso.</p><p>As atividades de campo realizadas foram plenamente satisfatórias. Além</p><p>da fuga das paredes escolares (fundamental, sadia e necessária), que já serve</p><p>como uma motivação para o trabalho e para o surgimento do interesse, o</p><p>estudo de caso específico tem como retorno imediato a atribuição de significa</p><p>do ao conteúdo que está sendo estudado. No momento em que a atividade</p><p>ganha a rua, o conteúdo sai do papel e passa a ficar visível no cotidiano,</p><p>sendo, então, justificado o seu estudo. ,</p><p>E fundamental, dentro e fora da sala de aula, que os alunos entendam</p><p>por que estão estudando determinado assunto e fazendo tal atividade. Contu</p><p>do, essa necessidade torna-se mais efetiva em uma atividade de campo, pois,</p><p>tendo em vista toda a mobilização da turma e o trabalho que essa atividade</p><p>exige, os resultados podem ser muito negativos se não deixarmos absoluta</p><p>mente claro por que as atividades estão sendo encaminhadas daquela forma.</p><p>Ninguém gosta de trabalhar no que não compreende, e não fornecer ao aluno</p><p>este entendimento (novamente, dentro e fora da sala de aula) é uma das</p><p>posturas mais egoístas que um professor pode assumir.</p><p>O desafio de criar interesse nos alunos pode ser mais facilmente supera</p><p>do quando apresentamos desafios a eles, quando os instigamos a participar,</p><p>trazendo questões reais e concretas, quando dedicamos mais tempo mostran</p><p>do o porquê de se ensinar o que se ensina e por que é importante aprender.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>ARALDI, A.R. Construção do conhecimento através da interdisciplinaridade. ln: REGO, N.;</p><p>SUERTEGARAY, D.; HEINDRICH, A. Geografia e educação: geração de ambiências. Porto</p><p>Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2000.</p><p>BARBOSA, J.L. A arte de representar como o reconhecimento do mundo: o Espaço Geográfi</p><p>co, o Cinema e o Imaginário Social. Revista Geografia. Niterói: UFF, 2000.</p><p>CALLAI, H.C. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o ensino? Terra Livre, São</p><p>Paulo, n. 16, p. 134-151, 1° sem./2001.</p><p>CARMO, P.S. do. O trabalho na economia global. 6.ed. São Paulo: Moderna, 1998.</p><p>Geografia 11 9</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C. (org). Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. 2. ed. Porto</p><p>Alegre: UFRGS, 1999.</p><p>LARROSA, J.B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.</p><p>Revista Brasileira de</p><p>Educação, São Paulo, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002.</p><p>MACHADO, N.J. Cidadania e educação. 2.ed. São Paulo: Escrituras, 1997.</p><p>MAGNOLI, D. Globalização, estado nacional e espaço mundial. 12.ed. São Paulo: Moderna,</p><p>1997.</p><p>MARAFON, G.J. Considerações sobre as redes técnicas e a organização do território. Bole</p><p>tim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre: AGB, n. 21, agosto 1996.</p><p>MORIN, E. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.</p><p>REGO, N.; REFFATTI, L.V. Geografias adversas e manejo simbólico. Boletim Gaúcho de Ge</p><p>ografia, Porto Alegre: EDIUPF, n. 29, jan./jun. 2003.</p><p>,</p><p>SANTOME, J. As culturas negadas e silenciadas no currículo. ln: SILVA, T.T. (org.).Alienígenas</p><p>na sala de aula. Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p. 159-177.</p><p>A geografia na formação de</p><p>professores indígenas: o projeto Vãfy</p><p>Leonardo Azambuja</p><p>UM LUGAR, OUTROS LUGARES</p><p>Experiências desenvolvidas em um nível de ensino podem ter valor para</p><p>outros níveis. Isso frequentemente ocorre quando se lida com desafios de in</p><p>clusão e de integração cultural. Nessas experiências, importa menos o conteú</p><p>do específico a ser trabalhado e mais o método de conhecer a realidade vivida</p><p>em conexão com outras escalas. A validade da experiência costuma migrar de</p><p>um nível de ensino para outro.</p><p>A experiência aqui relatada e refletida ocorreu no nível médio com a</p><p>característica de ser voltado para a formação de professores para o ensino</p><p>fundamental, ou seja, o curso normal. Este é singularizado pelo objetivo de</p><p>formar professores para comunidades indígenas, localizadas ao mesmo tempo</p><p>tão próximas e tão distantes da cultura hegemônica que as circunda.</p><p>A experiência eventualmente poderá ensinar algo importante para todo</p><p>professor de ensino fundamental e médio que se depare, em sua sala de aula,</p><p>com o desafio de contribuir para a apropriação por parte daquele que, ocu</p><p>pando um lugar de diferença e na margem, deseja conhecer e interagir com o</p><p>mundo e simultaneamente valorizar sua identidade pessoal, indígena ou não.</p><p>As comparações e os paralelos dessa experiência de afirmação e de integração</p><p>culturais com outras possíveis experiências ficam a cargo dos leitores.</p><p>,</p><p>ESTRUTURANDO O CURRICULO PARA O CONHECIMENTO ,</p><p>DA DIFERENÇA- PRATICAS, PERGUNTAS, PESQUISAS</p><p>O desenvolvimento do Curso Normal Experimental de Formação de Pro</p><p>fessores Bilíngue Kaingang ou Guarani para os Anos Iniciais do Ensino Funda</p><p>mental - Projeto Vãfy - é uma iniciativa construída e desenvolvida em uma</p><p>parceria entre comunidades indígenas, universidades, órgãos governamen</p><p>tais e escolas e tem a finalidade de qualificar a educação escolar indígena. O</p><p>122 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>relato aqui apresentado refere-se à experiência na área da geografia, realiza</p><p>da com a turma de professores indígenas da Guarita e de Inhacorá onde habi</p><p>tam kaingangs e guaranis, totalizando na turma 48 integrantes com predomi</p><p>nância do grupo kaingang.</p><p>A proposta pedagógica do curso assume como princípio a valorização, o</p><p>fortalecimento e a defesa da cultura e da identidade étnica. Três eixos</p><p>orientadores, conforme o Projeto, sustentam essa perspectiva:</p><p>• Fortalecimento da cultura, como conjunto de valores, modo de en</p><p>tender, fazer, viver e significar a vida, expressa em práticas sociais co</p><p>tidianas, que conduzem à dinâmica da revitalização e à recriação per</p><p>manente das afinidades e das lealdades culturais e identitárias que</p><p>formam cada sociedade indígena.</p><p>• Relação diferenciada com a terra, como um bem coletivo sobre o</p><p>qual incidem direitos igualmente coletivos de usufruto do solo e das</p><p>riquezas naturais, o que implica o acesso de todos os membros da co</p><p>m unidade e o uso racional, comprometido com a preservação da</p><p>qualidade e com a conservação dos recursos, de modo a assegurar a</p><p>sobrevivência e a autossustentação das gerações atuais e futuras.</p><p>• Valorização e defesa da língua, herança e patrimônio cultural milenar</p><p>das sociedades, que se constitui recurso privilegiado da transmissão</p><p>cultural e da construção de novos conhecimentos, quer na oralidade,</p><p>quer na escrita, revelando a cosmovisão e o modo de ser dos sujeitos.</p><p>A metodologia de ensino pressupõe a prática da construção dialógica em</p><p>uma permanente busca da articulação entre conhecimento e realidade. O pro</p><p>cesso didático fundamentado na pesquisa tem como ponto de partida a reali</p><p>dade problematizada e desencadeadora das necessidades para a efetivação de</p><p>estudos teóricos e investigativos, oportunizando registros e produções de sín</p><p>teses, sistematizadoras dos conhecimentos produzidos pelos alunos do curso.</p><p>Os eixos temáticos definidos na organização curricular (cultura, terra,</p><p>língua) precisam ser também articuladores do trabalho nas áreas do conheci</p><p>mento, praticando, quando possível e conveniente, uma prática interdisciplinar.</p><p>Cabe à área das ciências sociais contribuir com a sua parte na formação de um</p><p>entendimento totalizador dos processos históricos - sociais, econômicos e cul</p><p>turais - das sociedades indígenas e não indígenas, possibilitando-lhes uma</p><p>compreensão da realidade internalizada e externa, a ''aldeia'', produzindo um</p><p>conhecimento do mundo globalizado.</p><p>No componente curricular da geografia, a ementa proposta no Projeto foi</p><p>a seguinte: Propiciar condições para discussão sobre concepções e ocupação</p><p>de diferentes espaços geográficos, compreendendo-os em sua dinamicidade e</p><p>relacionando-os as forma de classificação do meio existente no território</p><p>kaingang ou guarani. Possibilitar o diálogo sobre as relações do homem com o</p><p>ambiente e sobre as possibilidades de sustentabilidade das comunidades</p><p>Geografia 123</p><p>kaingang ou guarani no contexto das terras ocupadas, da economia regional e</p><p>das relações societárias.</p><p>Uma leitura dessa ementa evidencia a compreensão de que o propósito é</p><p>o estudo do espaço geográfico socialmente produzido. Isto significa construir</p><p>a compreensão das relações do ambiente, natural e social, produzido pelos</p><p>kaingang e pelo guaranis, ou pela sociedade dos não indígenas.</p><p>Estão presentes ou fundamentam a análise proposta na ementa os concei</p><p>tos geográficos de lugar, território, região, sociedade-natureza, ou, numa pers</p><p>pectiva mais abrangente, o conceito de formação social e espacial. Assim, em</p><p>sintonia com os eixos orientadores, com a proposta dialógica de ensinar e apreen</p><p>der e com a ementa proposta, definimos como referência de estudo para a geo</p><p>grafia a formação social e espacial brasileira a partir de três blocos temáticos:</p><p>- tema 1: formação do território e da população brasileira: construindo</p><p>as identidades kaingang, guarani e brasileira;</p><p>- tema 2: espaço natural e agrário;</p><p>- tema 3: sociedade urbana, industrial e da informação (espaço urbano,</p><p>indústria e industrialização, circulação e consumo.</p><p>Ao definirmos esses recortes temáticos da realidade, também podemos</p><p>produzir uma leitura a partir de recortes socioespaciais locais e regionais como</p><p>lugares ou regiões de concretização da formação social e espacial brasileira.</p><p>Quer dizer, podemos em um momento focalizar a reserva da Guarita, municí</p><p>pios da região Celeiro no noroeste gaúcho, ou outros espaços regionais do</p><p>território nacional. No processo de interpretação dessas realidades, estarão</p><p>considerados os níveis de análise local, regional, nacional e mundial, as for</p><p>mas naturais e sociais e o processo de formação desses territórios.</p><p>Cada uma dessas unidades temáticas constitui uma etapa singular do</p><p>estudo. O método de ensino começa pelas atividades de problematização como</p><p>momento de (re)definição dos conteúdos estabelecendo relações com a reali</p><p>dade, produzindo questionamentos e dando significado o processo de estudo</p><p>a ser desenvolvido. O momento seguinte, de instrumentalização, envolve as</p><p>atividades de pesquisa: investigação bibliográfica e de campo e coleta, organi</p><p>zação e análise de informações, com a finalidade de ampliar e refletir sobre</p><p>essas informações, transformando-as, nesse ato de pensar, em</p><p>conhecimento.</p><p>O momento da produção é também de sistematização, de explicitação ou de</p><p>exposição dos conhecimentos ou sínteses elaboradas. Esses trabalhos didáti</p><p>cos dos alunos servem também para avaliar a aprendizagem.</p><p>, ""' , -</p><p>UNIDADE TEMATICA 1: FORMAÇAO DO TERRITORIO E DA POPULAÇAO BRASILEIRA:</p><p>CONSTRUINDO AS IDENTIDADES KAINGANG, GUARANI E, BRASILEIRA</p><p>Começamos o nosso estudo com o olhar socioespacial das formas e da</p><p>formação do Brasil: o território, a população e o espaço geográfico da atuali</p><p>dade e a dimensão histórica dessa formação social e espacial.</p><p>124 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>O ponto de partida foi um roteiro de perguntas respondidas, em um pri</p><p>meiro momento, pela turma organizada em seis grupos de trabalho. A soci</p><p>alização das respostas produzidas evidenciou o conhecimento já apropriado</p><p>pelos alunos e oportunizou interpretações dessa realidade, evidenciou neces</p><p>sidades de aprendizagem (o que queremos ou o que precisamos saber),</p><p>problematizou e aproximou o tema para uma dimensão local e regional, per</p><p>mitindo uma (re)organização e a significação dos conteúdos a serem estuda</p><p>dos. O roteiro de perguntas foi o seguinte:</p><p>• De onde vieram os kaingangs e os guaranis que habitam atualmente</p><p>os postos ou reservas indígenas?</p><p>• Como vivem atualmente e como viviam no passado os kaingangs e os</p><p>guaranis?</p><p>• Qual a diferença entre o território dos kaingangs e dos guaranis, hoje e</p><p>no passado?</p><p>• Quem são os habitantes da região Celeiro do Rio Grande do Sul (mu</p><p>nicípios de Redentora, Miraguai, Tenente Portela, Campo Novo, etc.)?</p><p>• De onde vieram os habitantes da região? Como eles viviam no passado</p><p>e como vivem hoje?</p><p>• Qual a diferença entre o território ocupado pelos moradores dos mu</p><p>nicípios da região Celeiro no passado e hoje?</p><p>• Quem são os brasileiros? De onde vieram? Como viviam no passado e</p><p>como vivem hoje?</p><p>• Qual a diferença entre o território do Brasil no passado e hoje?</p><p>Na apresentação e no debate dessas questões, ouvimos relatos sobre a</p><p>formação da Guarita e de Inhacorá e de como era a vida dos kaingangs e dos</p><p>guaranis e sua relação com a natureza, e ampliamos nossas observações em</p><p>relação à formação da população e do território da região Celeiro, do noroeste</p><p>do Rio Grande do Sul, e do Brasil. Enfim, definimos ou provocamos algumas</p><p>necessidades de estudo do tema e com isso, organizamos o conteúdo a ser</p><p>investigado e os conceitos que precisariam ser assimilados.</p><p>Começamos então a instrumentalização para o estudo da formação da</p><p>população e do território da região próxima, relacionando conceitos como</p><p>fronteira agrícola, colono e colonização, extrativismos e produção agrícola,</p><p>mercado externo, terras públicas ou devolutas, apropriação privada da terra e</p><p>aldeamento. Também conceitos relacionados com a demografia, como dife</p><p>renças e origem étnica, migrações, natalidade, mortalidade, fecundidade, es</p><p>trutura da população - sexo, idade, atividade e inatividade, expectativa de</p><p>vida, densidade demográfica, superpopulação, êxodo rural - foram objeto de</p><p>estudo.</p><p>O conteúdo desta unidade temática, estudado não necessariamente na</p><p>sequência aqui expressa, incluiu os seguintes itens:</p><p>Geografia 125</p><p>1. O povo brasileiro: as nações indígenas kaingangs, guaranis.</p><p>• Identidade com a terra e com o território: natureza e sociedade.</p><p>• Identidade (origem) étnica: kaingang, guarani, europeia, africa</p><p>na, asiática (índios, brancos, negros, amarelos); conceituação de</p><p>etnia, de raça, de nacionalidade; miscigenação.</p><p>• Ocupação/povoamento do território brasileiro: as migrações ex</p><p>ternas e internas - inter-regional, rural-urbana; conceituação de</p><p>fronteira agrícola ou demográfica e de êxodo rural.</p><p>• Dinâmica da população: . ,..,</p><p>- as m1graçoes;</p><p>- o crescimento vegetativo: natalidade, mortalidade, fecun-</p><p>didade, expectativa de vida; densidade demográfica;</p><p>- estrutura da população: sexo (masculino e feminino); idade/</p><p>faixas etárias; população ativa e inativa; setores de atividade</p><p>(primário, secundário e terciário);</p><p>- distribuição espacial da população: a concentração em áreas</p><p>metropolitanas ou mais em áreas urbanas que no meio rural.</p><p>2. O território brasileiro: a natureza e a sociedade.</p><p>• A forma como o território brasileiro foi construído, ocupado e</p><p>transformado de um espaço natural para um espaço social: como</p><p>esse processo torna-se realidade no Brasil, no Rio grande do Sul,</p><p>na região noroeste do Rio Grande do Sul, na região Celeiro, na</p><p>reserva da Guarita (o aldeamento das terras indígenas).</p><p>• O território brasileiro na região noroeste do Rio Grande do Sul</p><p>(na região Celeiro); na reserva da Guarita.</p><p>Os trabalhos foram realizados por meio da leitura orientada de mapas,</p><p>de gráficos e de textos em livros didáticos, de aulas expositivas e de trabalho</p><p>de campo. Esta foi a observação da paisagem existente na reserva da Guarita</p><p>ou de Inhacorá e do processo de formação desses lugares, e a realização de</p><p>entrevistas com pessoas, índios e não índios residentes nas reservas e ou em</p><p>municípios vizinhos.</p><p>No momento de produção ou de elaboração de sínteses sobre os conteúdos</p><p>estudados, foram escritos textos sobre a população e o território kaingang, gua</p><p>rani e brasileiro. O trabalho de campo também oportunizou a escrita de textos</p><p>e a expressão por meio de desenho como interpretações dessas realidades.</p><p>, ,</p><p>UNIDADE TEMATICA 2: ESPAÇO NATURAL E AGRARIO</p><p>Estudar o espaço agrário com esse grupo de alunos tem um significado</p><p>particular na medida em que os aproxima das suas formas culturais de cons</p><p>trução da existência. As práticas agrícolas fizeram e fazem parte da cultura</p><p>126 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>kaingang e guarani e evidenciam aspectos das relações do homem social e</p><p>histórico com a sua dimensão de natureza.</p><p>Para desencadear esse estudo na etapa de problematização, desenvolve</p><p>mos atividades por meio das quais o grupo de alunos pôde expressar o seu</p><p>conhecimento sobre as práticas agrícolas indígenas e não indígenas, no passa</p><p>do e na atualidade. Os depoimentos coletados explicitaram uma agricultura</p><p>que produziu o sedentarismo dos grupos que antes buscavam a sua subsistên</p><p>cia em fontes meramente extrativistas. Foi destacado o uso de equipamentos</p><p>como o sacho e foram apresentadas informações indicando as mudanças nos</p><p>processos agrícolas até a atualidade. Esse conhecimento, já apropriado pelo</p><p>grupo, evidenciou as necessidades de ampliação e de aprofundamento do es</p><p>tudo com a finalidade de construir respostas para os problemas, para os con</p><p>flitos e para as necessidades presentes internamente no território indígena e</p><p>para as relações não menos conflituosas evidenciadas pelas demandas de uma</p><p>agricultura ou de uma sociedade integrada às relações capitalistas de produ</p><p>ção e de consumo. Os questionamentos sobre essa realidade apontaram as</p><p>necessidades de estudo e a organização do conteúdo da unidade temática.</p><p>1. Como os homens fazem agricultura.</p><p>• Os sistemas de cultura: itinerante (primitivo), roça tropical</p><p>(plantation); o sistema colonial (agricultura familiar em peque</p><p>nas propriedades); empresa rural; os sistemas de criação: ultra</p><p>extensiva em campo aberto, extensiva em cercado (com pouca</p><p>tecnologia), semi-intensiva, intensiva (confinamento, com mais</p><p>tecnologia).</p><p>• Sobre os sistemas de cultura: quem são os trabalhadores ou quem</p><p>faz a produção/ as relações de trabalho, a finalidade da produção</p><p>(subsistência, comercial), as tecnologias utilizadas, as relações</p><p>com a natureza e terra)' a comercialização e cooperativas'</p><p>agronegócios), o financiamento da produção (governos, bancos).</p><p>• Sobre a produtividade nos sistemas de cultura da terra: o fator</p><p>terra; do trabalho: o fator mão de obra; do dinheiro/capital: do</p><p>fator capital.</p><p>• Sobre a questão ambiental, ou seja, sobre o que acontece com o</p><p>meio ambiente.</p><p>• Sobre a transformação dos produtos da agricultura: as agroin</p><p>dústrias.</p><p>• Sobre os condicionantes naturais: solo (composição geológica,</p><p>fertilidade natural, relevo),</p><p>climas, vegetação.</p><p>• Sobre os condicionantes humanos: tecnologia na atualidade (me</p><p>canização, uso de insumos, biotecnologia), acesso à terra (estru</p><p>tura fundiária, infraestrutura de armazéns, transportes).</p><p>2. Qual a perspectiva (presente e futura) da agricultura kaingang e</p><p>guarani e dos não indígenas.</p><p>Geografia 127</p><p>O conceito aglutinador desse estudo é o de sistema de cultura (plantação</p><p>e criação), ou seja, é compreender como o homem faz agricultura e como, a</p><p>partir dessa prática econômica, estabelece as suas relações com o mundo ur</p><p>bano e com os outros lugares. Os condicionantes naturais: solo, clima, vegeta</p><p>ção; os condicionantes humanos: estrutura fundiária, acesso à terra (morfologia</p><p>agrária), tecnologia ou biotecnologia, máquinas, insumos; as relações com o</p><p>mercado: o cooperativismo, os movimentos sociais no campo.</p><p>Trabalhar o conceito de sistemas de cultura implica refletir a partir de</p><p>questionamentos: quem são os trabalhadores ou, ainda, quem faz a produção;</p><p>qual o destino ou a finalidade do produto (subsistência, comercial); quais as</p><p>tecnologias utilizadas; quais as relações com a terra e o que acontece com o</p><p>ambiente na sua totalidade; como se organiza a unidade produtiva (familiar,</p><p>empresa rural); qual a relação da unidade produtiva com o mercado e/ ou com</p><p>o complexo agroindustrial.</p><p>A análise desses fatores relacionados com uma agricultura ainda primiti</p><p>va em relação aos sistemas de empresas rurais permitiu estabelecer compara</p><p>ções entre passado e presente, identificando as mudanças nos processos pro</p><p>dutivos. Da mesma forma ocorreu com relação aos processos de criação de</p><p>animais em sistemas ultraextensivos, extensivos em cercados, semi-intensi</p><p>vos e intensivos.</p><p>O estudo dos elementos da realidade agrária permitiu também a compre</p><p>ensão das relações que envolvem os fatores terra, trabalho e capital. A cons</p><p>trução da resposta de como o homem faz agricultura nos diferentes sistemas</p><p>produtivos implica perceber a produtividade desses três fatores, ou seja, os</p><p>níveis de intensidade de incorporação de ciências e tecnologia nesse meio.</p><p>As atividades dessa etapa incluíram leituras de fontes bibliográficas so</p><p>bre os sistemas de cultura, observações de campo realizadas nas imediações</p><p>da escola ou por meio de imagens (fotos) de situações produtivas de planta</p><p>ção (lavouras, reflorestamentos) e de criação, além de áreas ainda naturais.</p><p>Com essas atividades o grupo apropriou-se de mais informações possibilitadoras</p><p>de uma análise geográfica do espaço agrário.</p><p>As produções dos alunos nesta unidade temática aconteceram na forma</p><p>de desenhos com a representação espacial das unidades produtivas (podem</p><p>ser feitas maquetes), de produção de textos sobre a realidade atual da agricul</p><p>tura e sistematizações das leituras realizadas.</p><p>,</p><p>O TRABALHO DE CAMPO EM IJUI</p><p>Para o ensino de geografia, a realização de trabalhos de campo tem como</p><p>finalidade ser uma atividade de pesquisa, um momento de estudo. Nesse sen</p><p>tido, é uma das atividades de instrumentalização, de busca de informações</p><p>relacionadas com a temática em investigação. Condições específicas do Proje</p><p>to Vãfy oportunizaram a realização de uma excursão do grupo de alunos até a</p><p>128 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>cidade de Ijuí, sede da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio</p><p>Gande do Sul (UnijuO, no período em que havíamos encerrado as unidades</p><p>temáticas 1 e 2 e ainda não havíamos iniciado a unidade 3. Não poderíamos,</p><p>no entanto, deixar passar a oportunidade de agregar esse momento ao proces</p><p>so de estudo. Organizamos então um roteiro de visitas envolvendo principal</p><p>mente a temática da terceira unidade: sociedade urbana, industrial e da infor</p><p>mação, que seria estudada nos próximos encontros. As atividades em campo</p><p>foram as seguintes:</p><p>Tema 1: a vida na cidade</p><p>1. Objetivos:</p><p>- conhecer as diferentes paisagens ou os espaços urbanos e rela</p><p>cioná-los;</p><p>- conhecer e avaliar aspectos significativos da qualidade de vida</p><p>na cidade.</p><p>2. Atividade:</p><p>- realização de uma excursão pela cidade de Ijuí com paradas em</p><p>pontos previamente definidos para observações e conversa com</p><p>os moradores. Os pontos são os seguintes:</p><p>• ponto 1: vista panorâmica da cidade - rua asfaltada atrás da</p><p>Cotrijuí;</p><p>• ponto 2: centro da cidade, na esquina do Shopping JB, cami</p><p>nhando até a praça; o que observar: tipos de lojas, bancos,</p><p>faixas de pedestre, funcionamento da sinaleira, infraestrutu</p><p>ra das ruas/ energia elétrica; prédios mais antigos, edifícios</p><p>de apartamentos, parada de ônibus urbano, etc.;</p><p>• ponto 3: bairro Tancredo Neves, próximo à ponte; o que ob</p><p>servar: o bairro, o que é um bairro, tipos de casas, o riacho, a</p><p>poluição, as pessoas;</p><p>• ponto 4: bairro Luiz Folgliatto (vista para o presídio) entran</p><p>do no bairro Alvorada por trás do Cemei; parada no bairro</p><p>Getulio Vargas (os sem teto); o que observar: o bairro, tipos</p><p>de casas, infraestrutura das ruas, energia elétrica, as pessoas.</p><p>• ponto 5: chegada à sede acadêmica da Unijuí.</p><p>Cumprir o roteiro acima foi muito gratificante. No grupo de alunos tí</p><p>nhamos uma diversidade de experiências, pois alguns alunos já haviam tido</p><p>contatos com o meio urbano de uma cidade média como é Ijuí, e outros esta</p><p>vam tendo essa experiência pela primeira vez.</p><p>Caminhar pela área central despertou muitas curiosidades na observa</p><p>ção do movimento da paisagem urbana. Por exemplo, paramos em uma esqui</p><p>na e observamos o funcionamento de uma sinaleira, de uma parada de ônibus</p><p>Geografia 129</p><p>urbano. Tivemos de explicar em detalhes o que era um prédio de apartamen</p><p>tos e por que as pessoas moram dessa forma.</p><p>No trajeto em direção ao bairro, observamos as diferenças na infraestru</p><p>tura urbana - nesse caso, de um bairro carente neste aspecto. Eles ficaram</p><p>impressionados e indignados com a degradação ambiental do riacho existente</p><p>na área próxima ao bairro Tancredo Neves e curiosos ao passar pela peniten</p><p>ciária modulada. Chegamos ao bairro Getulio Vargas, onde havíamos progra</p><p>mado um contato mais direto com a população, organizada em um movimen</p><p>to social dos sem teto, que conquistaram o direito à moradia. Esse foi um</p><p>momento muito significativo, quando moradores relataram a sua trajetória,</p><p>muitos deles com origem da região Celeiro, onde está situada a reserva da</p><p>Guarita. Presenciamos, inclusive, o encontro de pessoas conhecidas, oportu</p><p>nizando uma reflexão sobre identidade e sobre lugar.</p><p>Ainda sobre a questão da identidade, foi também oportuna a visita reali</p><p>zada ao Museu Antropológico mantido junto à Unijuí, onde a trajetória da</p><p>formação da população indígena e não indígena da região é mostrada por</p><p>meio de testemunhos e de documentos.</p><p>Tema 2: conhecendo uma indústria</p><p>1. Objetivo:</p><p>- observar o processo de produção e seus elementos: matéria-pri</p><p>ma, máquinas e instalações, os trabalhadores, a administração, o</p><p>produto.</p><p>2. Atividade:</p><p>- visita à fábrica de balas Soberana.</p><p>Adentramos o portão da fábrica e fomos recebidos pela sua direção e</p><p>pelos técnicos encarregados de nos conduzir na visita. Após uma explanação</p><p>inicial sobre a história dessa indústria e sobre o estágio atual e projetos futu</p><p>ros e uma visão geral das instalações, começamos a conhecer o processo pro</p><p>dutivo propriamente dito: a lenha como fonte de energia para as caldeiras e o</p><p>processo de produção, desde a composição e a mistura dos ingredientes (ma</p><p>téria-prima) até o produto final.</p><p>Foi destaque nessa trajetória a atenção do grupo para com os operários e</p><p>o manejo das máquinas, em especial uma mais automatizada que fazia o pro</p><p>cesso de acondicionamento unitário de cada bala. No final da linha de produ</p><p>ção, as balas eram empacotadas e embaladas em caixas, prontas para serem</p><p>carregadas em caminhões para distribuição e venda ao mercado consumidor.</p><p>Concluímos a visita com um novo encontro do grupo com os técnicos da</p><p>fábrica para uma conversa, momento de questionamentos e de esclarecimen</p><p>tos. O agradecimento do grupo foi pronunciado na língua kaingang</p><p>e devida</p><p>mente traduzido aos não indígenas presentes.</p><p>130 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>,</p><p>UNIDADE TEMATICA 3: SOCIEDADE URBANA, INDUSTRIAL</p><p>H r</p><p>E DA INFORMAÇAO (ESPAÇO URBANO, INDUSTRIA E</p><p>H H</p><p>INDUSTRIALIZAÇAO, CIRCULAÇAO E CONSUMO)</p><p>Nesta unidade temática relacionamos três aspectos da realidade</p><p>socioespacial: o urbano, a produção industrial e a circulação. Eles se incluem</p><p>em uma temática ampla que podemos denominar de sociedade urbana, in</p><p>dustrial e da informação. E a sociedade, em que predominam as relações de</p><p>produção e de consumo definidas a partir do urbano, da produção industrial</p><p>existente, e da circulação e do consumo de produtos industrializados e de</p><p>informações. Esta torna-se um fator essencial na realidade em que todos nós</p><p>vivemos. Portanto, ao estudar os itens a seguir relacionados, deveremos ob</p><p>servar as relações existentes no todo dessa realidade.</p><p>A definição dessa temática ampla considerou as condições e a disponibi</p><p>lidade de tempo para o componente curricular. Poderíamos, e talvez em outra</p><p>situação fosse conveniente, identificar temas mais específicos sobre o urbano,</p><p>a indústria e a circulação; porém, trabalhar com essa abrangência temática</p><p>também é um recorte possível e significativo.</p><p>O nosso ponto de partida foi novamente a organização de questões</p><p>problematizadoras relacionadas à temática e à realidade dos alunos. Nesse</p><p>momento o trabalho de campo realizado em Ijuí foi também uma referência</p><p>para (re)significar os conteúdos. Assim, a turma respondeu, individualmente</p><p>e também organizadas em grupos de trabalho, às perguntas seguintes:</p><p>- O que é uma cidade? O que sabemos sobre a cidade? O que queremos</p><p>saber sobre a cidade?</p><p>- Quais os produtos que consumimos - na alimentação, no vestuário, na</p><p>limpeza, no trabalho?</p><p>- De onde vêm esses produtos - onde são produzidos? Como esses pro</p><p>dutos chegam até nós? Como ficamos sabendo que eles existem?</p><p>O debate e a sistematização a partir dos elementos apresentados neste</p><p>momento permitiram a organização do conteúdo a ser estudado com o se</p><p>guinte roteiro:</p><p>1. O espaço urbano.</p><p>• O que é uma cidade: cidades pequenas, médias e grandes, áreas</p><p>metropolitanas.</p><p>• A urbanização ou a formação das cidades, as redes urbanas.</p><p>• A forma como a cidade se constrói ou como se dá o crescimento</p><p>(horizontal e vertical) delas.</p><p>• A vida nas cidades: o movimento dos transportes coletivos e indi</p><p>viduais, o lugar onde as pessoas moram (casas, apartamentos),</p><p>os meios de consumo coletivos e escolas, hospitais, praças)' meios</p><p>Geografia 131</p><p>de comunicação (telefone, jornal, TY, rádios), infraestrutura (sa</p><p>neamento básico, ruas, iluminação), o comércio, os bancos, as</p><p>relações com o rural.</p><p>• A organização da cidade: os espaços públicos e privados, os bair</p><p>ros, o centro, as áreas industriais.</p><p>2. O espaço da indústria.</p><p>• O que é uma indústria, o processo de produção industrial.</p><p>• O que são produtos industrializados e seu consumo.</p><p>• O que define a localização das indústrias: o mercado de consu</p><p>mo, as fontes de matérias-primas, a oferta de mão de obra, a</p><p>disponibilidade de capital e de tecnologia, o acesso (meios de</p><p>transportes e de comunicação).</p><p>• Os tipos de indústrias: têxtil/vestuário, metalúrgica, siderúrgica,</p><p>alimentícia (agroindústrias), couro-calçadista, madeireira (mó</p><p>veis, esquadrias), eletrodomésticos e eletrônica, automobilística,</p><p>, .</p><p>qu1m1ca.</p><p>3. O espaço da circulação.</p><p>• Os meios de transporte: aéreo, marítimo, fluvial, rodoviário, fer-. , .</p><p>roVIar10.</p><p>• Os meios de comunicação: telefone, TY, rádio, jornal, revistas,</p><p>internet.</p><p>• O que circula: pessoas, produtos (mercadorias), informações.</p><p>No estudo da cidade, podemos trabalhar com dois enfoques de interpre</p><p>tação: o espaço urbano e a rede urbana. O primeiro é o estudo da organização</p><p>espacial e da formação da cidade, ou seja, como a cidade é construída, o</p><p>movimento da paisagem urbana - incluindo as relações dos espaços públicos</p><p>e privados-, os meios de consumo coletivos (escola, hospital, lazer, comuni</p><p>cação), a infraestrutura (ruas, saneamento, iluminação), a organização dos</p><p>espaços urbanos (bairros, vilas, centro, área industrial). A rede urbana é o</p><p>estudo das relações externas com as outras cidades, das pequenas, médias e</p><p>grandes cidades, das áreas metropolitanas. Ainda, a compreensão das rela</p><p>ções do rural e do urbano precisa estar incluída nessa análise socioespacial.</p><p>No momento da instrumentalização, trabalhamos a observação de fotos</p><p>representativas de espaços urbanos, resgatamos observações e informações</p><p>produzidas no trabalho de campo realizado em Ijuí, realizamos leituras sobre</p><p>o tema (livros didáticos) e ampliamos a interpretação desses conteúdos com</p><p>aulas expositivas. A produção ou sistematização por parte dos alunos ficou</p><p>para o final da unidade temática, envolvendo as interações com as questões</p><p>da indústria e da circulação.</p><p>Para o estudo sobre a indústria também podemos ter dois enfoques de</p><p>análise. Um deles é o processo da produção industrial interna à fábrica, ou</p><p>seja, como acontecem as relações de produção, a divisão técnica do trabalho,</p><p>as tecnologias utilizadas, as fontes de energia e matéria-prima e o produto</p><p>132 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>final. O outro enfoque é o da industrialização, isto é, da formação e da locali</p><p>zação das indústrias, como e onde se formam as regiões ou os países industria</p><p>lizados e identificados com ramos ou tipos de produção industrial.</p><p>A interação com o tema da circulação e da comunicação está relacionada</p><p>com as relações entre os lugares, como rede urbana ou como condições neces-,</p><p>sárias desde a distribuição até o consumo da produção industrializada. E im-</p><p>portante destacar que circulam pessoas, produtos e informações. Nesse estu</p><p>do geográfico de redes, são trabalhados conteúdos sobre os tipos de transpor</p><p>tes (aéreo, fluvial, marítimo, rodoviário e ferroviário) e sobre os meios de</p><p>comunicação (telefone, internet, rádio, televisão, mídia impressa).</p><p>Como forma de dinamizar esse estudo, foi realizado um trabalho a partir</p><p>de rótulos e embalagens de produtos consumidos localmente. Trabalhamos as</p><p>seguintes informações: qual produto, onde foi fabricado, qual o tipo de emba</p><p>lagem, onde foi comprado, qual a marca, se é produto perecível. Organizamos</p><p>um quadro com essas informações e, a partir daí, uma classificação: produtos</p><p>fabricados na região Celeiro do Rio Grande do Sul; produtos fabricados no Rio</p><p>Grande do Sul; produtos fabricados em outros estados do Brasil; produtos</p><p>fabricados em outros países. Perguntamos, ainda, como esses produtos che</p><p>gam até a nossa localidade.</p><p>Dual o</p><p>produt</p><p>OndeJoi</p><p>fabricapo</p><p>--1- 0nde foi</p><p>comprado</p><p>---i-</p><p>marca</p><p>É produto</p><p>perecível</p><p>Outras</p><p>obsfrvações</p><p>Essa atividade possibilitou a compreensão dos movimentos de uma so</p><p>ciedade urbana industrial e das relações que um local tem com outros a partir</p><p>do fluxo de pessoas, de produtos e de informações. Tornou mais clara a leitura</p><p>das relações do rural e do urbano, das diferenças socioculturais entre as civi</p><p>lizações kaingang e guarani e a civilização atual urbana, marcada pela presen</p><p>ça da ciência, da tecnologia e da informação, pela produção e pelo consumo</p><p>de industrializados e pelo padrão cada vez mais urbano de vida. Ajudou a</p><p>entender, também, que compreendendo os outros modos de vida pode-se tam</p><p>bém entender melhor o significado de preservação da sua própria cultura e</p><p>identidade.</p><p>Além da atividade mencionada, tivemos aulas expositivas e leituras de</p><p>livros didáticos, observações de fotos e leitura de informações contidas em</p><p>mapas, gráficos e tabelas completando as fontes de estudo para o conheci</p><p>mento e para a interpretação dessa realidade em investigação.</p><p>Geografia 133</p><p>A síntese final dessa unidade temática, na forma de texto, objetivou a in</p><p>teração ainda maior entre os três subtemas, cidade, indústria e circulação, como</p><p>partes do tema mais abrangente representado no entendimento da sociedade</p><p>urbana, industrial e</p><p>da infonnação. Foi sugerido um roteiro por meio do qual os</p><p>alunos sistematizaram o que haviam aprendido, agora fundamentado em no</p><p>vas informações e conceitos, produzindo dessa forma o conhecimento escolar.</p><p>Cabe ainda registrar neste relato de práticas pedagógicas que nas primei</p><p>ras aulas trabalhamos alguns elementos de alfabetização cartográfica, ins</p><p>trumental necessário ao desenvolvimento dos demais estudos temáticos: o</p><p>que é um mapa; o que precisa ser observado na leitura do mapa: posição,</p><p>orientação, escala, projeção; a linguagem do mapa: legenda, título, cores;</p><p>tipos de mapas temáticos: físico, político, com informações sobre população,</p><p>economia, indicadores sociais, mapas históricos .</p><p>..,</p><p>CONSIDERAÇOES FINAIS</p><p>O desafio de trabalhar com a formação de professores indígenas em uma</p><p>turma integrada por kaingangs e guaranis, se tornou um momento de apren</p><p>dizagens significativas e coletivas. O princípio da valorização cultural e da</p><p>identidade étnica, assumido pelo Projeto Vãfy, se comprometia nessa perspec</p><p>tiva com a prática pedagógica.</p><p>A compreensão desse princípio orientador na relação com a contribuição</p><p>da geografia na formação para o magistério em escolas das reservas Guarita e</p><p>Inhacorá, no Rio Grande do Sul, foi a de que o estudo precisaria instrumentalizá</p><p>los para a interpretação da realidade socioespacial interna e externa ao seu</p><p>território, hoje aldeado.</p><p>No atual estágio de mundialização e da globalização da economia e da</p><p>cultura, é preciso construir o conhecimento e a capacidade de interpretar os</p><p>outros lugares e tempos e de discernir diferenças culturais e étnicas como</p><p>elementos fundamentais para a compreensão e a valorização da identidade</p><p>individual e do grupo, e do seu lugar e território.</p><p>Ser cidadão kaingang ou guarani, mas também ser cidadão dos municípios</p><p>de Redentora, Miraguai, Tenente Portela ou Inhacorá, ser gaúcho e ser brasi</p><p>leiro representa uma dialética ou um jogo da vida, um caminho para fortale</p><p>cer as origens sem negar a atualidade possível de uma sociedade justa e frater</p><p>na entre humanos e a natureza humanizada. Ao estudar geografia com o</p><p>conteúdo e da forma realizada nessa prática pedagógica, acreditamos ter ca</p><p>minhado no sentido dessa formação cidadã.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>ADAS, M. Panorama geográfico do Brasil: contradições, impasses e desafios socioespaciais.</p><p>São Paulo: Moderna, 1999.</p><p>134 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>ANDRADE, M.C. Geografia econômica. 12.ed. São Paulo: Atlas, 1998.</p><p>MAGNOLI, D.; SCALZARETTO, R. Geografia: espaço, cultura e cidadania. São Paulo: Mo</p><p>derna, 1998. (Coleção 4 volumes).</p><p>MAGNOLI, D.; OLNEIRA, G.; MENEGOTTO, R. Cenário gaúcho: representações históricas</p><p>e geográficas. São Paulo: Moderna, 2001.</p><p>ROCKENBACH, D. et al. LINK do espaço. São Paulo, 2004. (Coleção 4 volumes).</p><p>,</p><p>SIMIELLI, M.H. Geoatlas. São Paulo: Atica. ano??</p><p>,</p><p>VESENTINI, J.W.; VLACH, V. Geografia crítica. São Paulo: Atica, 2001. (Coleção 4 volu-</p><p>mes).</p><p>ZART, P.A. A conquista da fronteira norte do Rio Grande do Sul. ln.: RECKZIEGEL, A.L.S.;</p><p>FELIX, L.O. (org.). RS: 200 anos definindo espaços na História Nacional. Passo Fundo: UPF,</p><p>2002. p.43-53.</p><p>..</p><p>INTRODUÇAO</p><p>O que há por trás de uma panela? Uma</p><p>atividade de campo como trajetória</p><p>a um olhar geográfico</p><p>Elizabeth Helena Coimbra Matheus</p><p>Proponho neste texto abrir uma discussão sobre o papel da atividade de</p><p>campo como um dos processos na construção do conhecimento geográfico,</p><p>percebendo-a como uma ação que encaminha para uma visão de mundo calca</p><p>da em retroações e no entendimento das conexões lugar-mundo a partir da</p><p>complexidade.</p><p>.. ,</p><p>REFLEXOES SOBRE A PRATICA NO ENSINO DA GEOGRAFIA</p><p>A atividade de campo é instrumento histórico de análise na geografia.</p><p>Vê-la como uma simples observação de um fenômeno ou como coleta de da</p><p>dos sobre objetos específicos, seguindo roteiros pré-concebidos, remete a refletir</p><p>sobre essa metodologia como ação pedagógica. Superando esse modelo, enca</p><p>minhamos uma estratégia de construção e de participação do aluno no seu</p><p>processo de aprendizagem. Dessa forma, vincular o trabalho desenvolvido na</p><p>escola e estendê-lo ao exercício da descoberta, da ''desconstrução'' e da cria</p><p>ção do saber estão sempre presentes.</p><p>O objetivo primordial é encaminhar o desafio de olhar o cotidiano ''do</p><p>lugar'', seja ele o bairro a que pertencemos, um local de trabalho, de produção,</p><p>de ocupação ou vida, e vislumbrar um olhar curioso, instigador, que rompa a ,</p><p>inércia da indiferença. E encaminhar uma reflexão dialógica que instigue o</p><p>pensamento sobre representações de mundo individuais, em que se percebam</p><p>as interações do local revelador da história de cada um, interagindo com o</p><p>global em uma perspectiva que busca uma compreensão de que o todo é muito ,</p><p>mais que a soma das partes, pois as partes retroagem entre si. E o diálogo</p><p>permanente entre a ordem estabelecida pelas nossas certezas e a desordem,</p><p>que contém a eterna possibilidade de existência do que não está dado.</p><p>136 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Partimos da trajetória individual, das nossas subjetividades construídas ,</p><p>no tempo e concretizadas no lugar. E a possibilidade de se ver como ator e ,</p><p>construtor do espaço, refletindo de forma a conectar o mundo e o sujeito. E</p><p>proporcionar uma mediação entre professor e aluno que possa levar a uma</p><p>reflexão e a uma modificação dessas representações.</p><p>Tenho como foco o trabalho que desenvolvo na rede particular de ensino</p><p>médio em Porto Alegre. Assim, proponho uma reflexão sobre diferentes estra</p><p>tégias utilizadas ao longo de um ano letivo, priorizando o papel pedagógico</p><p>da atividade de campo. As discussões anteriores à atividade de campo busca</p><p>ram uma aproximação entre conceitos como globalização, relações comerciais</p><p>e capitalistas, mundo do trabalho, processo migratório, crescimento populacio</p><p>nal, entre outros, com uma aplicação no cotidiano vivencial dos alunos. Por</p><p>exemplo, o aluno pode observar que o tênis que usa reflete o valor agregado</p><p>de uma marca, que sua etiqueta interna passa de um símbolo de consumo a</p><p>uma representação de relações comerciais globais inseridas no mundo do con</p><p>sumo e do trabalho. Segundo Kellner (1995, p.109), observamos:</p><p>Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e in</p><p>terpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e ope</p><p>ram em nossas vidas quanto os conteúdos que elas comunicam em situações</p><p>concretas.</p><p>[ ... ] desconstruir o óbvio, tomando aquilo que é familiar e tornando-o estra</p><p>nho e não familiar e, assim, fazendo com que prestemos atenção à for111a</p><p>como nossa linguagem, experiência e comportamento são socialmente</p><p>construídos, sendo, pois, constrangidos, sobre determinados e convencionais,</p><p>estando ao mesmo tempo sujeitos à mudança e à transformação.</p><p>Ao longo do ano desenvolvem-se diferentes propostas de trabalho que</p><p>visam estimular os alunos a interpretar, a simbolizar, a relacionar e a debater</p><p>no grupo uma problemática. Uma das atividades, por exemplo, é solicitar-lhes</p><p>que assistam às principais notícias e propagandas na televisão, em um dia</p><p>estipulado, e que as listem. Ao voltarem ao espaço escolar, reunidos em pe</p><p>quenos grupos, têm de representar e relacionar os fatos que julgaram relevan</p><p>tes, por meio de desenhos, de colagens, de palavras-chave, enfim, de uma</p><p>forma simbólica e significativa. Os trabalhos são também discutidos no gran</p><p>de grupo, em forma de seminário com o objetivo de contextualizar fatos den</p><p>tro de uma dinâmica mundial e seus reflexos no nosso cotidiano.</p><p>Outra atividade interessante foi montar uma reduzida árvore genealógica</p><p>em que se priorizou traçar o histórico das origens dos familiares e até a tercei</p><p>ra geração) e o número de filhos que cada uma dessas gerações teve. A partir</p><p>daí, conjugamos todas as informações para chegar a uma radiografia do gru</p><p>po e para fazer um paralelo com a formação cultural e populacional do Rio</p><p>Grande do Sul e do Brasil. Notamos o reflexo direto da diversidade</p><p>étnica do</p><p>grupo com a riqueza da realidade étnica brasileira. Comparamos as modifica</p><p>ções do decréscimo acentuado da quantidade de filhos de geração a geração,</p><p>Geografia 13 7</p><p>o que corresponde a uma realidade brasileira mais ampla quando trabalha</p><p>mos com o conceito de crescimento vegetativo e seus reflexos nos dados do</p><p>ritmo do crescimento populacional do Brasil. Dessa forma, oportuniza-se a</p><p>reflexão sobre as interações entre o local e o global percebendo que a história</p><p>de cada um ultrapassa uma ação individual, e está inserida em um contexto</p><p>histórico global. E ver-se fazendo parte da história.</p><p>Foi proposto ao grupo, com o objetivo de aproximar vários conceitos es</p><p>tudados e debatidos em sala de aula ao longo das diferentes atividades, o</p><p>questionamento: O que há por trás de uma panela?</p><p>O que, no primeiro momento, foi reflexo de um quase desprezo pela</p><p>ideia de uma panela tornou-se um desafio quando eles, gradativamente, fo</p><p>ram lançando um novo olhar, visualizando e verbalizando ''as infinitas rela</p><p>ções'', muitas já estudadas em sala de aula. A partir daí, foi organizado pelos</p><p>alunos um roteiro que os instrumentalizou na visita ao setor de panelas da</p><p>fábrica Tramontina em Carlos Barbosa. O objetivo era buscar, por meio de</p><p>palestras, de entrevistas, de visitação à área de produção, as respostas às ques</p><p>tões levantadas por eles anteriormente.</p><p>Ao pensarmos a atividade de campo, foi lançada primeiramente a refle</p><p>xão sobre o bairro onde se mora e se estuda, para tentar instigar nos alunos</p><p>um olhar observador sobre o cotidiano. Muitos me perguntaram: ''Mas, afinal,</p><p>o que tem em meu bairro?''. ''Quem sabe você olha para ver o que existe?'',</p><p>respondi. Fomos gradativamente construindo representações do que</p><p>visualizamos, e elas se modificavam ao longo da trajetória entre o local onde</p><p>morávamos, o que estudávamos e a cidade de Carlos Barbosa.</p><p>A cidade centraliza algumas questões que acredito terem servido como</p><p>motivadoras. Ela possui uma fábrica de panelas, economicamente funda</p><p>mental à economia da cidade, e apresenta aproximadamente 20 mil habi</p><p>tantes, uma pequena cidade do interior, que certamente incorpora um coti</p><p>diano diferente ao dos alunos. Possui também uma forte presença da cultu</p><p>ra italiana, certamente reflexo de relações em um contexto local-global a ser</p><p>analisada.</p><p>Desta forma, ela nos oportunizou o contraponto entre as informações</p><p>que tínhamos da realidade de uma cidade do interior, com a possibilidade de ,</p><p>vivenciar, de olhar e de conversar com os próprios atores. E a conjugação</p><p>entre a unidade e a multiplicidade, constituintes de um quadro feito de entre</p><p>laçamentos e fundamento da dialógica entre imaginação e verificação.</p><p>Ao longo do trajeto, foram observadas diferenciações nas paisagens e</p><p>relacionados conceitos de urbanização - ''não sabemos onde começa uma ci</p><p>dade e outra'', disseram os alunos, pois estava ali presente uma conurbação,</p><p>conceito anteriormente estudado em sala de aula. Os alunos ficaram surpre</p><p>sos quando perceberam que, visualizando a paisagem, observam-se diferentes</p><p>tonalidades de verde e que, a partir disso, pressupõe-se que seja uma mata</p><p>nativa, e que a outra ao lado com uma tonalidade uniforme, seja uma mata</p><p>exótica. Lançar-lhes o desafio de pensar diferentes contextos ambientais, eco-</p><p>138 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>nômicos, culturais, no qual essas áreas estejam inseridas, é possibilitar-lhes</p><p>um entendimento multidimensional.</p><p>No meu papel de educadora, busco mediar o processo de aprendizagem,</p><p>procurando estimular os alunos a buscar novos significados, a observar o que</p><p>está contido em uma paisagem, até então indiferente a eles. Essa leitura passa</p><p>pela descrição, pelo estabelecimento de relações, pela historicidade e pelas</p><p>justificativas do que é visto, buscando um novo significado para seus conceitos.</p><p>Em Carlos Barbosa, as pessoas responsáveis por nos acompanhar na</p><p>visitação ao setor de panelas da fábrica da Tramontina nos aguardavam. Os</p><p>alunos estavam com os materiais elaborados por eles para fazer perguntas,</p><p>referentes ao processo de fabricação e de comercialização, à tecnologia, aos</p><p>custos, enfim, à fabricação de uma panela, aos funcionários, no final da pe</p><p>quena exposição oral feita por eles. A situação levou quase a um embate entre</p><p>os alunos curiosos e os responsáveis pela visitação, que, na ausência de res</p><p>postas aos alunos, definiram que ''esta visitação e minhas informações são</p><p>para turistas''. A situação foi mediada e, no conflito entre as perguntas dos</p><p>alunos e um certo desconforto da funcionária, que se sentiu ameaçada por</p><p>não dominar o assunto sobre o qual estava sendo questionada, novas estraté</p><p>gias foram traçadas.</p><p>Fica presente que pensar uma nova trajetória é o reflexo da existência</p><p>potencial da ordem, do planejado, perante a desordem, o inédito, o imprevisí</p><p>vel. Esse é o fundamento do pensamento dialógico, princípio dinâmico,</p><p>dualístico, aberto ao risco, lançando-se à eterna possibilidade do novo. ,</p><p>E primordial lançar aos alunos o desafio: mais do que respostas específi-</p><p>cas às suas perguntas, eles também devem buscar, com o olhar, componentes</p><p>que fazem parte do contexto, desenvolvendo, dessa forma, uma reflexão so</p><p>bre o percebido. O que vemos na utilização, no manejo, na fabricação de uma</p><p>panela, como percebemos a feição do trabalhador na sua rotina, que tipo de</p><p>ação/criação ele executa, o aproveitamento de matéria-prima, o ambiente de</p><p>trabalho. As nossas ferramentas foram substituídas: em vez de respostas fala</p><p>das, construiríamos as nossas respostas a partir da nossa própria observação.</p><p>Mais do que ver que grande parte da tecnologia aplicada vinha da Alema</p><p>nha, foi percebido e dito pelos alunos ''este é um trabalho alienado'', que o</p><p>semblante do operário não transparece prazer com a sua atividade. Os alunos</p><p>ponderaram que a previsão de automatizar uma das áreas visitadas teria como</p><p>reflexo o desemprego dos funcionários. A nossa panela começava a fazer sen</p><p>tido, ela fazia parte da realidade e da sobrevivência de um operário que trazia</p><p>consigo sua trajetória como migrante e estava inserido em um contexto eco</p><p>nômico complexo. Na economia local, a fábrica detinha uma representatividade</p><p>das mais expressivas, estando presente também em todo o comércio do país e</p><p>hoje se estendendo em importantes economias mundiais.</p><p>Além da visitação à fábrica, tínhamos outros objetivos. Uma visita a uma</p><p>cooperativa, com o objetivo de traçar um contraponto entre a sua estrutura e</p><p>a economia privada, com uma outra lógica econômica. Visitamos a Cooperati-</p><p>Geografia 139</p><p>va Santa Clara e vivenciamos o processo produtivo de elaboração de dife</p><p>rentes beneficiamentos do leite, como o iogurte e diferentes tipos de queijo e</p><p>de requeijão, que muitas vezes fazem parte da nossa rotina de consumo diá</p><p>rio, mas que também estão no rol de produtos pouco representativos no seu</p><p>processo.</p><p>Um dos atores principais de uma cooperativa era o pequeno produtor</p><p>rural, fornecedor e assim grande agente do processo produtivo. Um ônibus</p><p>menor, adequado à rusticidade da estrada, nos levou até a propriedade do</p><p>''Seu Biso'', uma pessoa que conjugava a simplicidade e a cordialidade de</p><p>alguém disposto a dividir e a compartilhar a sua história de vida e seu papel</p><p>na cadeia produtiva e familiar.</p><p>Os alunos aproximaram conceitos e características de uma pequena pro</p><p>priedade familiar, fortemente patriarcal, que agregava um ar despretensioso e</p><p>simples à uma tecnologia que garantia alta qualidade do produto e surpreen</p><p>deram-se quando perceberam que a retirada do leite da vaca, hoje, muito</p><p>pouco envolve a utilização direta da mão de obra humana e é fruto do empre</p><p>go de uma tecnologia adequada.</p><p>O cheiro do feno fermentado é sentido. O local onde as vacas são confi</p><p>nadas é fotografado, e os alunos descobriram que as vacas, na sua rotina</p><p>diária de ordenha, gostam de ouvir música e respondem com uma maior pro</p><p>dutividade diária, o que foi o motivo de uma grande surpresa.</p><p>Em uma</p><p>visitação rápida, fomos a uma agroindústria familiar que per</p><p>tence à ''Dona Salete''. Nascida na cidade, ela abandonou a opção do magisté</p><p>rio na tentativa de suprir as dificuldades e as necessidades da família. Como</p><p>uma típica produção familiar, ela, seu marido e os seus dois filhos estão envol</p><p>vidos no processo de agregar valores a produtos comuns e abundantes, como</p><p>leite, ovos e farinha. Conjugam ainda sua habilidade ao conhecimento de</p><p>fazer diferentes tipos de massas, como ravióli, tortei, bolos e pães, que são</p><p>vendidos em feiras na cidade e em algumas lojas do ramo.</p><p>Os alunos ficaram espantados que, em um local com uma área de produ</p><p>ção tão pequena, conseguissem produzir uma renda para garantir o sustento</p><p>da família, com uma qualidade de vida tão expressiva, visível nos cuidados e</p><p>nas benfeitorias presentes no local.</p><p>Após esses contatos, fomos para o centro da cidade com o objetivo de</p><p>traçar uma ''radiografia da vida e dos moradores de Carlos Barbosa''. A partir</p><p>de entrevistas e de conversas, elaboramos um painel com imagens e um pe</p><p>queno depoimento do olhar dos alunos frente aos contatos vivenciados. Para</p><p>isso, os alunos haviam elaborado um esboço do que margearia as suas conver</p><p>sas com diferentes moradores, em que tentariam captar o tipo de trabalho que</p><p>ele fazia, seu grau de satisfação, as dificuldades, o que esperam para seus</p><p>filhos, o que pensam de Porto Alegre e da sua cidade e quais são seus sonhos.</p><p>Os alunos inicialmente se mostraram resistentes, principalmente no ato</p><p>de abordar, afirmando que ''as pessoas não vão querer falar sobre suas vidas</p><p>com a gente''. Pensamos juntos em soluções provisórias, e eles tentaram. Ao</p><p>140 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>caminhar pela cidade, percebi que os alunos estavam envolvidos em diferen</p><p>tes conversas com jovens, com mulheres, com pessoas de diferentes idades e</p><p>ocupações, o que era um dos objetivos.</p><p>Alguns alunos ficaram desanimados por se depararem com a resistência</p><p>de algumas pessoas, que diziam estar com pressa, o que os fazia lembrar as</p><p>rotinas estressantes da grande cidade e gerava um confronto com o que viam.</p><p>''Por que ter pressa em uma cidade tão calma?'', indagavam os alunos para mim.</p><p>A maioria dos alunos ficava surpresa em ouvir e em partilhar gentilezas,</p><p>como serem convidados a entrar nas casas e tomar um chá e em ouvir longos</p><p>depoimentos de pessoas que estão felizes e têm como opção irrevogável conti</p><p>nuar morando na pequena cidade, considerando um enorme prejuízo na sua</p><p>qualidade de vida se fossem obrigadas a modificar a sua opção. Grande parte</p><p>dos diálogos vividos pelos alunos os encaminhou a uma desconstrução de</p><p>verdades que até então eram inquestionáveis. Esta é objetivada pela aproxi</p><p>mação de conhecimentos teóricos com as representações sociais construídas</p><p>por eles, rompendo a simplicidade do senso comum e a erudição do conheci</p><p>mento científico. Foi uma caminhada que incitou um olhar multidimensional,</p><p>através de um espaço de dialogicidade.</p><p>Ao retornarmos às atividades escolares foram feitos, em duplas, relatórios</p><p>em que buscávamos, por meio da escrita e do uso de imagens (fotografias,</p><p>desenhos, colagens), expressar o que foi mais representativo.</p><p>A disciplina de língua portuguesa buscou a execução de um texto final</p><p>sobre como eles se veem como moradores de Porto Alegre, tomando como</p><p>contraponto o olhar que os moradores têm da cidade de Carlos Barbosa. A</p><p>disciplina de física explorou os conceitos de calor utilizados na execução dos</p><p>diferentes processos na elaboração da panela. A disciplina de história lançou</p><p>seu olhar sobre as contribuições que as migrações tiveram ao longo da história</p><p>do Rio Grande do Sul, enfatizando os lugares visitados e visualizados ao longo</p><p>do trajeto.</p><p>Tenho observado que o aluno, ao sair do espaço escolar, cria expectativas</p><p>de prazer e de interação sobre o que irá vivenciar. Nato que a postura dele não</p><p>é só de observador, mas também de questionador. Ele se surpreende na sua</p><p>vivência, torna-se um agente ativo na construção do seu conhecimento.</p><p>De volta ao espaço escolar, percebo que os alunos passam a interagir,</p><p>trazendo relatos que anteriormente para eles não tinham importância, e pas</p><p>sam a contextualizar, percebendo que o conhecimento não se fez somente em ,</p><p>sala de aula, mas foi fruto de uma aproximação dele com sua subjetividade. E</p><p>o que Morin (1999) define como a capacidade humana de autoeco-organi</p><p>zar-se, em que a dimensão cognitiva se estabelece pela capacidade de compu</p><p>tar, em que o sujeito está aberto ao ambiente, aos desafios e, assim, aberto à</p><p>reorganização, a complexificação.</p><p>Morin (2000, p.52) expõe que ''a ideia de sujeito, um indivíduo-sujeito, é</p><p>a possibilidade de poder estar no centro de seu mundo para considerar seu</p><p>mundo e a si mesmo''. Dentro dessa perspectiva, a vivência provocaria no</p><p>Geografia 141</p><p>aluno uma aproximação ao ''saber se ver'' na medida em que potencializa uma</p><p>reflexão da sua realidade e dos significados construídos por ele ao longo da ,</p><p>sua vida, no seu espaço. E a busca do ressignificar remetendo a uma visão de</p><p>pertencimento, de interação dele enquanto sujeito.</p><p>O estudo do lugar, concebido como expressão das relações no campo</p><p>objetivo e subjetivo, é destacado por Santos (1996, p.252) como</p><p>Intermediário entre o Mundo e o Indivíduo. Cada lugar é a sua maneira o</p><p>mundo. Mas também cada lugar, irrecusavelmente imerso numa comunhão</p><p>com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais. A uma maior</p><p>globalidade, corresponde uma maior individualidade. [ ... ] Impõe-se, ao mes</p><p>mo tempo, a necessidade de, revisitando o lugar no mundo atual, encontrar</p><p>os seus novos significados. Uma possibilidade nos é dada através da conside</p><p>ração do cotidiano.</p><p>A tradução de um determinado espaço com seus costumes, seus valores, ,</p><p>sua historicidade forma um conjunto, uma identidade. E o passar histórico, o</p><p>registro da convivência do passado que deixará suas marcas em uma nova</p><p>tradução do agora. A leitura desse lugar é um exercício em que se considera o</p><p>desenvolvimento da capacidade e da sensibilidade de traduzir essa ''baga</p><p>gem'', tradução geográfica de paisagem, que o lugar carrega, e de poder remetê</p><p>-la a uma reflexão do lugar ao qual pertencemos.</p><p>Quando um aluno escreve ''nada sabemos, se não o que vivemos'', fica</p><p>claro o comprometimento que temos, como educadores, de oportunizar ao</p><p>aluno o espaço do fazer, do olhar através da geograficidade, buscando a vivência</p><p>como experiência por meio da qual construímos, conhecemos e nos apropria</p><p>mos como sujeitos/ atores.</p><p>A educação desta forma proporciona o caminho da autonomia, que englo</p><p>ba e estimula o pensamento, a criatividade, a trajetória de ler o local e perceber</p><p>o global, a contextualização da experiência do indivíduo integrada ao todo.</p><p>Essas são questões que irão nortear este trabalho, margeando uma proposta de</p><p>possibilidades e uma análise sobre diferentes ações, de diferentes profissionais</p><p>que têm como objetivo estimular a ação e a reflexão do seu aluno .</p><p>..</p><p>O CONHECIMENTO COMO APROPRIAÇAO</p><p>Ao longo da trajetória da disciplina de geografia, como também de ou</p><p>tras disciplinas, a atividade de campo esteve presente de uma forma inques</p><p>tionável, sempre considerada como um importante passo no apuro do conhe</p><p>cimento. A geografia a utiliza em toda a sua trajetória, mas certamente per</p><p>correndo caminhos que refletiram em um olhar e em uma apropriação bas</p><p>tante diferenciada.</p><p>Vamos percorrer uma série de conceituações para demarcar uma aproxi</p><p>mação entre o sujeito e a sua subjetividade. Dessa forma, o próprio olhar</p><p>142 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>geográfico traçará um caminho de busca conceituai que considerará o conhe</p><p>cimento científico como fruto de um diálogo entre o sujeito e o objeto, suas</p><p>interações com o social, o cultural, o político, etc. Perceber o pensar do aluno</p><p>e abrir um espaço de discussão e de reflexão, passa a ser imprescindível.</p><p>Assim sendo, acredito que uma proposta de atividade</p><p>Na primeira, distribuo um mapa do mundo (''mudo'' ou não) e peço,</p><p>entre outras coisas, que os alunos tracem um roteiro no mapa: três ou cinco</p><p>países que eles mais gostariam de visitar. Solicito - por escrito - um dado</p><p>qualquer sobre os países e os motivos pelos quais os escolheram. Pode-se variar:</p><p>''qual a primeira ideia que você teve ao pensar nesses países?'', ou ''que curio</p><p>sidade ou dúvida você tem sobre esses países?''.</p><p>De novo percebem-se sonhos e estereótipos, ou mesmo desconhecimento</p><p>entre os alunos. Há uma certa homogeneidade nas respostas: quase todos</p><p>querem conhecer os mesmos países, sobretudo os europeus. O Egito (pelas</p><p>pirâmides) e a Austrália (por causa do surfe) também se destacam. Influência ,</p><p>da mídia, da família? E um pretexto para pensar o que ''faz a cabeça'' deles, o</p><p>que eles têm na cabeça.**</p><p>* Trabalhar com trechos das músicas que eles ouvem é uma possibilidade. Tudo depende</p><p>do planejamento e de um certo grau de riscos que queremos ou devemos correr.</p><p>**Impossível não relembrar as constantes discussões entre nós professores: os alunos po</p><p>dem ou não usar boné? Um colega disse perspicazmente: "Não me importa o que eles têm</p><p>em cima da cabeça, e sim o que eles têm dentro da cabeça: suas ideias!''.</p><p>Geografia 1 9</p><p>Quase não ouço referências aos países do chamado ''terceiro mundo ou</p><p>subdesenvolvidos''. E, quando eles apareciam, via de regra era algo negativo.</p><p>Percebemos aqui a importância da mídia na construção dessas visões e o papel</p><p>da geografia para repensá-las. A ligação com a geografia da percepção (como</p><p>vemos o que vemos?) é bastante rica.</p><p>Uma outra tarefa com o mapa-múndi é a seguinte: forneço para os alu</p><p>nos uma folha (representada a seguir) com três colunas, cada uma delas com</p><p>uma lista de países. Procuro selecionar os maiores, os mais populosos, os mais</p><p>conhecidos. Posteriormente, divido a turma em três grupos, uma para cada</p><p>coluna. Um critério aleatório fácil de distribuição é pelo número da chamada.</p><p>Primeiros 10 serão o grupo A, do 11 ao 20 serão o grupo B, etc. Não deixo</p><p>formar ''panelas'', é importante misturá-los. Não precisa coincidir o número</p><p>de pessoas com o número de países.</p><p>Após a definição dos grupos, pode-se começar a brincadeira. Colocados</p><p>em filas (A, B e C), de acordo com as colunas, cada aluno terá que localizar um</p><p>país da lista no mapa-múndi. O mapa pode ficar a uns 20 metros deles para</p><p>que precisem dar um pequeno pique e para que não possam passar ''cola'' para</p><p>o colega. O professor fica ao lado do mapa verificando se, de fato, o aluno</p><p>apontou corretamente o país. A brincadeira dura até que o último país seja</p><p>localizado. Vence o grupo que chegar ao último país de sua lista mais</p><p>rapidamente.</p><p>O resultado é um caos! Como todos os grupos querem ''ganhar'', eles se</p><p>mostram muito interessados. Por haver países não tão conhecidos e muitos</p><p>alunos que não conhecem nada do mapa, surgem situações bem engraçadas.</p><p>Basta um não saber um país que tranca toda a coluna, enquanto as outras</p><p>avançam.</p><p>Sugiro repetir a atividade, trocando as colunas, a fim de que todos pas</p><p>sem por A, B e C.</p><p>Depois disso, com os alunos ainda cansados, fazemos um círculo e peço,</p><p>aleatoriamente, para que alguns deles localizem novamente alguns dos países</p><p>e que falem o que sabem sobre ele. Aqui, claro, ''trancava o disco'' - em época</p><p>de CDs essa expressão está se tornando anacrônica -, pois eles geralmente</p><p>pouco sabem de outros países. Se não sabem nada, pode-se pedir para, por</p><p>exemplo, falarem algo pessoal (que tipo de música gostam, tipo de lazer prefe</p><p>rido, etc.). Se insisto em ouvi-los, não é à toa. Quando falam, vou mapeando</p><p>-os, percebendo suas potencialidades, vendo suas lacunas. Tenho orientação para</p><p>planejar a continuidade de meu trabalho com eles. E, claro, podemos continuar</p><p>estudando a localização e algumas informações sobre os países do mundo. Des</p><p>sa forma, surgem pretextos para que falemos de assuntos atuais na mídia.</p><p>A lista dos países é a que segue:</p><p>20 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>A B e</p><p>1 Uruguai Paraguai Argentina</p><p>2 Chile Equador Bolívia</p><p>3 Peru Colômbia Venezuela</p><p>4 Guiana Suriname Guiana Francesa</p><p>5 Canadá México Estados Unidos</p><p>6 Panamá Nicarágua Honduras</p><p>7 Jamaica Cuba Haiti</p><p>8 Japão China</p><p>,</p><p>lndia</p><p>9 Irã Arábia Saudita Turquia</p><p>10 Vietnã Iraque Rússia</p><p>11 Nepal Indonésia Filipinas</p><p>12 Líbia Egito Argélia ,</p><p>13 Angola Africa do Sul Madagascar</p><p>14 Marrocos Etiópia Zaire</p><p>15 Nigéria Namíbia Quênia</p><p>16 Portugal Espanha França</p><p>17 Grécia ltá 1 ia Inglaterra</p><p>18 Alemanha Suécia Polônia</p><p>19 Ucrânia Suíça Holanda</p><p>20 Austrália Nova Zelândia Papua Nova Guiné</p><p>Após a atividade, passo uma tarefa de casa para toda turma, com as</p><p>seguintes questões:</p><p>1. Localize algum país que você precisou achar. Fale algo sobre ele. Se</p><p>não souber nada, elabore alguma pergunta para o professor.</p><p>2. Fale uma dificuldade que você tem com o mapa-múndi (ou com ou</p><p>tro mapa qualquer).</p><p>3. Você saberia localizar algum país que está sendo notícia na mídia</p><p>atualmente? Qual?</p><p>A</p><p>ATIVIDADE 3: A INFLUENCIA DO TEMPO ,</p><p>ATMOSFERICO NA NOSSA VIDA COTIDIANA</p><p>Essa atividade foi feita para o curso de Pedagogia (Sº semestre). Desdo</p><p>bra-se em duas.</p><p>1. Individualmente ou em dupla, complete o quadro a seguir. Pense o Rio</p><p>Grande do Sul em duas estações distintas: inverno e verão. A partir disso,</p><p>imagine o que ''combina'' mais com cada estação. Em relação aos</p><p>alimentos, por exemplo: no inverno, pinhão; no verão, sorvete.</p><p>Alimentos (4 exemplos)</p><p>Bebidas (3 exemplos)</p><p>Roupas e/ou acessórios</p><p>Calçados</p><p>Indústrias/produtos "em a ta"</p><p>Agricultura/frutas típi as</p><p>TipaS""âe lazer mais comuns</p><p>Locai de lazer ~ais comuns</p><p>Destinos turístic0s ma·s comtJns</p><p>Doenças comuhs</p><p>Crescimento das 13>lan as (grama, p. ex.)</p><p>Hum r/."astraf", sexo</p><p>Disposição para acordar e para trabalhar</p><p>Observações:</p><p>Geografia 21</p><p>Inverno no RS Verão no RS</p><p>Luvas Biquíni</p><p>Gramado Litoral</p><p>• Há coisas que são indiferentes às estações, isto é, são consumidas igual</p><p>mente o ano todo. Comer feijão com arroz, por exemplo, é um hábito</p><p>cultural. Você pode criar uma terceira coluna para exemplificar coisas</p><p>em que as estações não interferem. Coloque um exemplo para cada</p><p>linha da tabela.</p><p>• A tecnologia tem interferido no ritmo da natureza, mudando padrões</p><p>que já foram mais rígidos. A laranja já não é mais, no Rio Grande do</p><p>Sul, uma fruta apenas de inverno.</p><p>• Repare que há respostas bem subjetivas: há os que preferem o calor,</p><p>outros, o frio. Não há, portanto, respostas certas ou erradas. Não pode</p><p>mos cair na armadilha do determinismo (a temperatura molda o ser</p><p>humano). Discutir essas armadilhas é, justamente, um dos objetivos</p><p>dessa atividade.</p><p>• Uma dica que comumente dá bons resultados: deixe um espaço para</p><p>que os alunos criem mais um item no quadro, de forma a ampliar os</p><p>desafios propostos. As sugestões ajudam, mais uma vez, a entender</p><p>mos como eles leem o mundo.</p><p>• Explicar as causas das mudanças de estações do ano pode preceder ou</p><p>suceder a atividade. Não se pode é esquecer de falar sobre o assunto.</p><p>2. Faça o mesmo tipo de comparação entre um local tropical (Rio de</p><p>Janeiro, por exemplo) e uma cidade da Europa ou da América do Norte.</p><p>Monte uma minitabela com cinco diferenças no seu caderno (moradias,</p><p>alimentação, etc.).</p><p>22 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>,</p><p>ATIVIDADE 4: SETORES TECNOLOGICOS E SETORES TRADICIONAIS</p><p>A ,</p><p>DA ECONOMIA E A INFLUENCIA DAS INDUSTRIAS NA SUA VIDA</p><p>Proponho aqui duas atividades.</p><p>1. Complete o quadro a seguir com o nome do fabricante de cada um dos</p><p>produtos listados. Se possível, coloque o país sede da empresa. Faça sozi</p><p>nho ou em dupla. Se não souber, deixe em branco.</p><p>Produto ou setor da economia</p><p>(número de exemplos)</p><p>1</p><p>2</p><p>3</p><p>4</p><p>5</p><p>6</p><p>7</p><p>8</p><p>9</p><p>10</p><p>11</p><p>12</p><p>~</p><p>15</p><p>16</p><p>17</p><p>18</p><p>19</p><p>Automóveis (5)</p><p>Caminhões (2)</p><p>Ônibus (2)</p><p>Tratores (2)</p><p>Aviões</p><p>Petrolíferas (4)</p><p>Refrigerante (2)</p><p>Computadores {2)</p><p>Pneus (3)</p><p>Motos (2)</p><p>Filme fotográf" co (2)</p><p>Apar~lhos (televisãe, s m) (6)</p><p>Lâm~é\das</p><p>de campo tenha</p><p>como necessidade fundamental definir a relação entre o sujeito, pesquisador</p><p>e pesquisado, e seu objeto de análise, o campo. Neste trabalho, percebo a</p><p>importância de ver o campo como uma construção do sujeito apropriando-se</p><p>do objeto, reinventando-o e, a partir daí, transformando-o.</p><p>Suertegaray aproxima o trabalho de campo com a palavra campear, que</p><p>evoca primordialmente a ideia da busca, considerando tanto o sujeito como o</p><p>objeto fruto de interações dialógicas, de ação e de retroação. Essa apropriação</p><p>se faz em cima de signos, resultado da trajetória do indivíduo, inserido em um</p><p>contexto histórico, social e cultural que refletirá em uma percepção.</p><p>O grande desafio é utilizar a motivação despertada no aluno quando</p><p>convive e atua em uma dada realidade, buscando aproximar conceitos e signi</p><p>ficados muitas vezes já estabelecidos. Dessa forma ele vai partilhar seus signos</p><p>com diferentes membros de um grupo social, fortalecendo relações interpessoais</p><p>com pessoas até de outra cultura, gerando assim uma interação social que</p><p>propicie um novo ressignificar.</p><p>Morin (1998) afirma que temos de ver o conhecimento como uma busca</p><p>da interação do físico e do biológico dentro de uma cultura, em uma socieda</p><p>de histórica e humana. Todo conhecimento depende das condições, das possi-,</p><p>bilidades e das limitações de nosso entendimento. E preciso encontrar o cami-</p><p>nho de um pensamento multidimensional, que contenha uma dimensão indi</p><p>vidual, social e biológica, que irá integrar, formalizar e quantificar, buscando a</p><p>contribuição das diferentes áreas para uma visão de cruzamento, de redes,</p><p>consolidando a complementaridade e o antagonismo. Nessa perspectiva, o</p><p>conhecimento é visto como inesgotável, alimentando as incertezas e os enig</p><p>mas como desafio à mudança.</p><p>O aluno está acostumado, em sala de aula, a ver o professor como disse</p><p>minador de verdades, e o seu papel é reproduzi-las. Dessa forma, temos que</p><p>agir não só quebrando esse papel de onipotência como também potencializando</p><p>o aluno a se ver dentro do processo de construção de um conhecimento que é</p><p>só seu, que partirá dele, da sua bagagem, da sua leitura do ''nós-mundo''. Ele</p><p>construirá conhecimentos que pertenceram àquele momento. Instigá-lo a ter</p><p>incertezas e a ver os elementos e as verdades como coisas mutáveis é ver o</p><p>mundo por meio da complexidade. Para Morin (1998, p.206), ''A complexida</p><p>de não é só pensar o uno e o múltiplo conjuntamente, é também pensar con</p><p>juntamente o certo, o lógico e o contraditório, e é a inclusão do observador na</p><p>observação''.</p><p>A complexidade está presente nas relações estabelecidas em sala de aula,</p><p>em que contrapomos o respeito entre os diferentes ritmos e as necessidades</p><p>diversas, com diferentes ideologias convivendo e tentando estabelecer uma</p><p>Geografia 143</p><p>proximidade entre o cumprimento e as exigências de um programa e de ava</p><p>liações pré-concebidas pela instituição escolar.</p><p>1\</p><p>VIVENCIA COMO PROCESSO</p><p>,</p><p>E importante perceber que será a visão fragmentada entre o corpo e a</p><p>mente que fundamentará o nosso sistema educacional, cabendo à mente uma</p><p>simples reprodução bioquímica, de ações e reações neurológicas, desconside</p><p>rando totalmente as interações e os processos particulares de cada indivíduo.</p><p>Na perspectiva de romper com este fracionamento e de buscar uma visão</p><p>que, em vez de parcializar, seja multidimensional, abrangente e complexa, a ,</p><p>geografia traça um novo olhar. E assim que defendo o trabalho vivencial como</p><p>possibilidade de se aproximar dessa trajetória.</p><p>A atividade de campo passa a ser um momento de construir e de compar</p><p>tilhar o novo com o aluno e de aproximar o conhecimento teórico, lógico, ao</p><p>experenciado, ao empírico. Ela também dá sentido e prazer ao fazer pedagó</p><p>gico, a que se propõe o educador. Segundo Morin (1999, p.59):</p><p>A aprendizagem da vida deve dar ao mesmo tempo a consciência de que a</p><p>''verdadeira vida'', para retomar a expressão de Rimbaud, não é tanto nas</p><p>necessidades utilitárias, às quais ninguém pode escapar, mas na expansão de</p><p>si e na qualidade poética da existência, que viver necessita ao mesmo tempo</p><p>de lucidez e de compreensão, e mais lentamente da mobilização de todas as</p><p>aptidões humanas.</p><p>Ao buscarmos respostas racionais para uma existência que se entrelaça e</p><p>tem suas raízes no sensível, essa visão rapidamente se esgota e mostra sua</p><p>incompletude quando tiver que dar conta de explicar estruturas complexas. ,</p><p>Maffesoli (1998, p.27) assinala que ''E preciso compreender que o racionalismo,</p><p>em sua pretensão científica, é particularmente inapto para perceber, ainda</p><p>mais aprender, o aspecto denso, imagético, simbólico da experiência vivida''.</p><p>Como podemos romper com essa redoma racionalizante e simplificadora que</p><p>normalmente nos aprisiona? ,</p><p>E nessa perspectiva que considero importante sair do espaço escolar, mais</p><p>formal, com papéis definidos e cadeiras ordenadas, para um local que nos</p><p>permita desfrutar emoções, compartilhar, cantar, rir, quem sabe proporcionar ,</p><p>um novo olhar ao que já está dado. E um olhar diferenciado até mesmo para o</p><p>nosso colega, que brinca, que ''assume papéis'', canta, conta piadas, ou até</p><p>mesmo dá boas contribuições ao trabalho, que é o princípio que fundamentou</p><p>a saída.</p><p>Dessa forma, nos abre a possibilidade: ''Estando sob determinada emo</p><p>ção, há coisas que podemos fazer e coisas que não podemos fazer, e que acei</p><p>tamos como validados certos argumentos que não aceitaríamos sob outra</p><p>emoção'' (Maturana, 1998, p.15).</p><p>144 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Percebo que esses alunos ampliam os seus espaços de convívio e se abrem</p><p>com outros colegas, anteriormente bastante distantes. Ficam surpresos quan</p><p>do nós, professores, estamos abertos a essa troca igualitária de papéis. Ver e</p><p>ouvir o professor cantar, dançar, rir das suas piadas e das brincadeiras quebra,</p><p>muitas vezes, um certo distanciamento na relação, que na sala de aula muitas</p><p>vezes nem é percebido. Os alunos ficam surpresos ao sentirem essa aproxima</p><p>ção, esse compartilhamento de emoções, igualmente com todo o grupo. Cabe</p><p>aos professores garantir e estimular essas interações, como espaço de trocas</p><p>que muitas vezes só se consolidará quando sairmos do espaço escolar.</p><p>Ao proporcionarmos situações aos alunos que favoreçam estas interações,</p><p>não as vendo como casualidade, mas como escolha de uma direção entre muitas,</p><p>a própria escola introduz o aluno em um ambiente que pode incentivar</p><p>interações. Elas muitas vezes vão acontecer em decorrência de algo que não</p><p>estava planejado, mas por pertencer direta ou indiretamente àquela situação,</p><p>elas podem eclodir. O inesperado tem que ser entendido não como algo alea</p><p>tório, mas sim como algo que pertence àquele grupo ou situação, e a partir daí</p><p>servir também como espaço de reflexão e mudança.</p><p>As interações recorrentes só existem porque se constituem por meio de</p><p>uma historicidade, que para Maturana (1998, p.67) é abordada como</p><p>condicionante da emoção, em que o amor se afasta da visão de sentimento e</p><p>passa a ser valorizado como uma emoção ''que constitui as ações de aceitar o</p><p>outro como legítimo outro na convivência''.</p><p>O que podemos perceber é que, fora do espaço formal, é facilitada uma</p><p>mudança de atitude de rejeição e de não aceitação do outro que culmina com</p><p>a separação, a exclusão. Encaminham-se uma nova via de aceitação do outro,</p><p>um caminho gerado pela emoção que pode consolidar a aproximação e o res</p><p>peito ao diferente.</p><p>Porém, não podemos pensar que a emoção desencadeará algo puramente</p><p>espontâneo. Pelo contrário, temos que estabelecer a possibilidade da reflexão ,</p><p>sobre ela e do repensar a ação a partir da emoção. E uma tentativa de romper</p><p>com critérios pré-estabelecidos em sala de aula, muitas vezes pouco flexíveis,</p><p>procurando democratizar, ampliar esses critérios para uma aceitação das</p><p>diferenças, segundo Maturana (1998, p.75), ''um domínio de convivência no</p><p>qual a pretensão de ter um acesso privilegiado a uma verdade absoluta se</p><p>desvanece''. Essa</p><p>situação também engloba o próprio repensar de papéis que</p><p>atribuímos a determinados sujeitos, como as lideranças, os falantes extrover</p><p>tidos que não cumprem o papel a eles delegados.</p><p>O nosso objetivo, como mediadores em um projeto, é buscar desafiar o</p><p>aluno a um olhar mais aberto sobre os seus critérios de aceitação do outro e de</p><p>suas próprias verdades, tomando para si a possibilidade de gerenciar o impre</p><p>visto, na busca de uma solução dentro do grupo.</p><p>O que temos que buscar com o aluno é a sua capacidade de refletir e de</p><p>questionar as suas verdades e o rompimento de uma visão simplificadora para,</p><p>segundo Morin (2000a, p.23), ''iniciar na serendipidade, arte de transformar</p><p>Geografia 145</p><p>detalhes, aparentemente insignificantes, em indícios que permitam reconstituir ,</p><p>toda uma história''. E a valorização e o resgate de um olhar sensível, em que</p><p>detalhes aparentes condicionaram todo o entendimento de uma situação com</p><p>plexa.</p><p>Temos que resgatar a capacidade de compreensão, acima de simples ex</p><p>plicações. Estarmos abertos a sentir o outro como sujeito, dotado de alegrias e</p><p>tristezas, tentando romper com uma simples explicação lógica e racional para</p><p>aproximar, segundo Morin (1991), de uma racionalidade ''que procura unir a ,</p><p>coerência à experiência''. E o caminho em que se busca uma visão que mais</p><p>soma do que elimina. ''Desenvolver e refinar os sentidos, eis a tarefa, tanto</p><p>mais urgente quanto mais o mundo contemporâneo parece mergulhar numa</p><p>crise sem precedentes na história da humanidade'' (Duarte, 2001, p.14).</p><p>PERCEBENDO O LUGAR, CONTEXTUALIZANDO A PAISAGEM</p><p>A descoberta do que nos envolve no nosso cotidiano, sem dúvida, passa</p><p>por um exercício de olhar à nossa volta. Olhar e perceber o entorno nos con</p><p>duz a refletir sobre ele, nos enxergando como sujeitos ativos para, dessa for</p><p>ma, poder também transformá-lo.</p><p>Lançando a possibilidade da apropriação de fatos cotidianos, podemos,</p><p>juntamente com o aluno, transitar entre os fatos do local e percebê-los inseri</p><p>dos em um contexto global, em que ambos retroagem, nas particularidades e</p><p>na identidade de cada lugar.</p><p>O aluno construirá conhecimentos que pertenceram àquele momento.</p><p>Instigá-lo a incertezas e a ver os elementos e as verdades como coisas mutáveis</p><p>é ver o mundo através da complexidade. Para Morin (1998, p.206), ''A com</p><p>plexidade não é só pensar o uno e o múltiplo conjuntamente, é também pen</p><p>sar conjuntamente o certo, o lógico e o contraditório, e é a inclusão do obser</p><p>vador na observação''.</p><p>A complexidade está presente nas relações estabelecidas em sala de aula,</p><p>onde contrapomos o respeito entre os diferentes ritmos, necessidades e ideo</p><p>logias, convivendo e tentando estabelecer uma proximidade entre o cumpri</p><p>mento e as exigências de um programa e de avaliações pré-concebidas pela</p><p>instituição escolar.</p><p>O estudo do lugar passa a ser uma ferramenta na medida em que quere</p><p>mos que o aluno passe a compreender e a pensar a partir da decodificação do</p><p>seu próprio espaço. Entender as relações entre os diferentes atores e destes</p><p>com a natureza é potencializar, também, a possibilidade de se ver dentro da</p><p>realidade e de ser sujeito. ,</p><p>E o espaço, vivido com significações próprias, construídas por meio de</p><p>materializações e de emoções, em que o objeto e o sujeito fazem parte do</p><p>mesmo processo. Ao decodificarmos o lugar, estamos também lendo o mundo</p><p>ali presente, pois eles se constroem juntos. Não são simplesmente somatórios,</p><p>146 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>mas retroação, que remetem à visão de pluralidade, de complexidade e de</p><p>articulação.</p><p>O lugar se mostra através da paisagem, e esta é o resultado do processo</p><p>de construção do espaço. A paisagem parte da percepção de quem a vê e de</p><p>suas concepções ligadas à cultura, com o objetivo de demarcar formas e com</p><p>posição ao visualizarmos a ''superfície da Terra'' (Cosgrove, 1998).</p><p>Dessa forma, reforço a importância de traçar um caminho que perceba a</p><p>paisagem geográfica como processo de criação de um momento, fruto de inte</p><p>resses e de apreensões de diferentes atores, que reflete em uma multiplicidade</p><p>de significados, na medida em que representa leituras individuais de diferen</p><p>tes grupos sociais.</p><p>A análise da paisagem tem sentido quando o aluno passa a vê-la como</p><p>um espaço transformado. Dentro de um contexto social, histórico-cultural, o</p><p>homem está ali presente, ele o transformou. Cabe à disciplina de geografia</p><p>fazer o estudo e a análise dessa realidade, contemporizando uma análise do</p><p>espaço a partir da visão homem-mundo.</p><p>Essa percepção tem que ser vista dentro de um processo complexo. Além</p><p>do visível, ela busca um significado, gerador de incertezas. A projeção de uma</p><p>imagem sobre a retina se dá na conjunção de múltiplas atividades internas</p><p>simultâneas, em que cada indivíduo perceberá o que lhe interessa. Assim,</p><p>perceber é um ato individualizado, personalizado.</p><p>A realidade atual é constituída de problemas cada vez mais polidisci</p><p>plinares, globais, multidimensionais, na contrapartida de um saber que ao</p><p>longo dos anos se caracterizou por fortalecer uma visão fragmentada, refleti</p><p>da pelo seu parcelamento em diferentes disciplinas que se especializaram tan</p><p>to que perderam muitas vezes a essência dos problemas. Esse parcelamento</p><p>não instrumentaliza o ''ver o todo'', o complexo que só pode existir na soma do</p><p>econômico, político, sociológico e afetivo. Estes são inseparáveis, e existe um</p><p>tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o</p><p>todo e as partes.</p><p>Cabe a nós, educadores, resgatarmos a aptidão de ver o conhecimento de</p><p>uma forma contextualizada e integrada. A geografia, pelo seu trânsito em</p><p>diversas áreas do conhecimento, pode ser uma importante ferramenta para ,</p><p>revitalizar essa visão interativa entre o todo e a parte. E a coerência de um</p><p>objetivo em busca de um saber que vise à formação de um cidadão crítico,</p><p>flexível e democrático.</p><p>..</p><p>ALGUMAS CONSIDERAÇOES</p><p>Na perspectiva traçada sobre o papel da atividade de campo, passa a ser</p><p>inquestionável justificar a sua importância como instrumento pedagógico, nas</p><p>diferentes áreas do conhecimento, inclusive na geografia. Entretanto, o desa</p><p>fio se dará na forma de fazer. Algumas questões tendem a ser priorizadas. Se</p><p>Geografia 14 7</p><p>repetirmos uma prática unidirecional que encaminhe respostas já dadas, que</p><p>levem a uma simples reprodução de um saber produzido, então qual seria o</p><p>papel priorizado?</p><p>A atividade de campo deve ser abordada como possibilidade de constru</p><p>ção, de busca, sob o reflexo de interações dialógicas. Repensar, reinventar,</p><p>conviver com possibilidades, explorar, apaixonar-se pelo que conhece. A sim</p><p>ples saída do espaço escolar não garante um real rompimento com as amarras</p><p>de um saber unidirecional. Faz-se necessário resgatar o espírito humano do</p><p>encantamento e deixar-se envolver, despertando o sentimento de pertencimento</p><p>e ao mesmo tempo de estranheza, ação reflexiva em um circuito que se auto</p><p>-organiza no indivíduo e nas suas interações cotidianas.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>COSGROVE, D. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens huma-</p><p>" nas. ln: CORREA, R.L. (org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. p.</p><p>92-123.</p><p>DUARTE Jr., J.E O sentido dos sentidos. A educação (do) sensível. Cuiritiba: CRIAR Edi</p><p>ções, 2001.</p><p>KELLNER, D. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-Moderna. ln:</p><p>SILVA, T.T. (org.), Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1995.</p><p>p.104-131.</p><p>MAFFESOLI, M. Elogio da razão sensível. Petrópolis: vozes, 1998.</p><p>MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Editora</p><p>UFMG,1998.</p><p>MATURANA, H.; VARELA, E A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão</p><p>humana. São Paulo: Palas Athena, 2001.</p><p>MORIN, E. O Método W: a ideia das ideias. Portugal: Europa-América, 1991.</p><p>___ . Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.</p><p>___ . Repensar a reforma, reformar</p><p>o pensamento, a cabeça bem feita. Lisboa: Instituto</p><p>Piaget, 1999.</p><p>___ .A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:</p><p>Bertrand Brasil, 2000a.</p><p>___ . Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000b.</p><p>___ . Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.</p><p>___ . O Método V: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.</p><p>REGO, N.; SUERTEGARAY, D.; HEINDRICH, A. (orgs.). Geografia: geração de ambiências.</p><p>Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.</p><p>REGO, N.; AIGNER, C.; PIRES, C.; LINDAU, H. O ensino de geografia como uma Hermenêutica</p><p>Instauradora. ln: Um pouco do mundo cabe nas mãos, geografizando em educação o local e o</p><p>global. Porto Alegre: UFRGS, 2002.</p><p>REGO, N.; AIGNER, C.; PIRES, C.; LINDAU, H. Um pouco do mundo cabe nas mãos,</p><p>geografizando em educação o local e o global. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.</p><p>Geografia 14 7</p><p>repetirmos uma prática unidirecional que encaminhe respostas já dadas, que</p><p>levem a uma simples reprodução de um saber produzido, então qual seria o</p><p>papel priorizado?</p><p>A atividade de campo deve ser abordada como possibilidade de constru</p><p>ção, de busca, sob o reflexo de interações dialógicas. Repensar, reinventar,</p><p>conviver com possibilidades, explorar, apaixonar-se pelo que conhece. A sim</p><p>ples saída do espaço escolar não garante um real rompimento com as amarras</p><p>de um saber unidirecional. Faz-se necessário resgatar o espírito humano do</p><p>encantamento e deixar-se envolver, despertando o sentimento de pertencimento</p><p>e ao mesmo tempo de estranheza, ação reflexiva em um circuito que se auto</p><p>-organiza no indivíduo e nas suas interações cotidianas.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>COSGROVE, D. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens huma-</p><p>" nas. ln: CORREA, R.L. (org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. p.</p><p>92-123.</p><p>DUARTE Jr., J.E O sentido dos sentidos. A educação (do) sensível. Cuiritiba: CRIAR Edi</p><p>ções, 2001.</p><p>KELLNER, D. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-Moderna. ln:</p><p>SILVA, T.T. (org.), Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1995.</p><p>p.104-131.</p><p>MAFFESOLI, M. Elogio da razão sensível. Petrópolis: vozes, 1998.</p><p>MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Editora</p><p>UFMG,1998.</p><p>MATURANA, H.; VARELA, E A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão</p><p>humana. São Paulo: Palas Athena, 2001.</p><p>MORIN, E. O Método W: a ideia das ideias. Portugal: Europa-América, 1991.</p><p>___ . Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.</p><p>___ . Repensar a reforma, reformar o pensamento, a cabeça bem feita. Lisboa: Instituto</p><p>Piaget, 1999.</p><p>___ .A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:</p><p>Bertrand Brasil, 2000a.</p><p>___ . Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000b.</p><p>___ . Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.</p><p>___ . O Método V: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.</p><p>REGO, N.; SUERTEGARAY, D.; HEINDRICH, A. (orgs.). Geografia: geração de ambiências.</p><p>Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.</p><p>REGO, N.; AIGNER, C.; PIRES, C.; LINDAU, H. O ensino de geografia como uma Hermenêutica</p><p>Instauradora. ln: Um pouco do mundo cabe nas mãos, geografizando em educação o local e o</p><p>global. Porto Alegre: UFRGS, 2002.</p><p>REGO, N.; AIGNER, C.; PIRES, C.; LINDAU, H. Um pouco do mundo cabe nas mãos,</p><p>geografizando em educação o local e o global. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.</p><p>148 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1982.</p><p>___ .Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec,1996.</p><p>___ .Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000.</p><p>SUERTEGARAY, D.M.A. Pesquisa de Campo em Geografia. Revista Geographia, Niterói, Rio</p><p>de Janeiro, v. 7, p. 92-99, 2002a.</p><p>___ . Geografia física e geomorfologia: uma (re)leitura. Ijuí: Unijuí, 2002b.</p><p>VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.</p><p>0-1600</p><p>1-1600</p><p>2-1600</p><p>3-1600</p><p>4-1600</p><p>5-1600</p><p>6-1600</p><p>7-1600</p><p>8-1600</p><p>9-1600</p><p>10-1600</p><p>11-1600</p><p>12-1600</p><p>13-1600</p><p>14-1600</p><p>15-1600</p><p>16-1600</p><p>17-1600</p><p>18-1600</p><p>19-1600</p><p>20-1600</p><p>21-1600</p><p>22-1600</p><p>23-1600</p><p>24-1600</p><p>25-1600</p><p>26-1600</p><p>27-1600</p><p>28-1600</p><p>29-1600</p><p>30-1600</p><p>31-1600</p><p>32-1600</p><p>33-1600</p><p>34-1600</p><p>35-1600</p><p>36-1600</p><p>37-1600</p><p>38-1600</p><p>39-1600</p><p>40-1600</p><p>41-1600</p><p>42-1600</p><p>43-1600</p><p>44-1600</p><p>45-1600</p><p>46-1600</p><p>47-1600</p><p>48-1600</p><p>49-1600</p><p>50-1600</p><p>51-1600</p><p>52-1600</p><p>53-1600</p><p>54-1600</p><p>55-1600</p><p>56-1600</p><p>57-1600</p><p>58-1600</p><p>59-1600</p><p>60-1600</p><p>61-1600</p><p>62-1600</p><p>63-1600</p><p>64-1600</p><p>65-1600</p><p>66-1600</p><p>67-1600</p><p>68-1600</p><p>69-1600</p><p>70-1600</p><p>71-1600</p><p>72-1600</p><p>73-1600</p><p>74-1600</p><p>75-1600</p><p>76-1600</p><p>77-1600</p><p>78-1600</p><p>79-1600</p><p>80-1600</p><p>81-1600</p><p>82-1600</p><p>83-1600</p><p>84-1600</p><p>85-1600</p><p>86-1600</p><p>87-1600</p><p>88-1600</p><p>89-1600</p><p>90-1600</p><p>91-1600</p><p>92-1600</p><p>93-1600</p><p>94-1600</p><p>95-1600</p><p>96-1600</p><p>97-1600</p><p>98-1600</p><p>99-1600</p><p>100-1600</p><p>101-1600</p><p>102-1600</p><p>103-1600</p><p>104-1600</p><p>105-1600</p><p>106-1600</p><p>107-1600</p><p>108-1600</p><p>109-1600</p><p>110-1600</p><p>111-1600</p><p>112-1600</p><p>113-1600</p><p>114-1600</p><p>115-1600</p><p>116-1600</p><p>117-1600</p><p>118-1600</p><p>119-1600</p><p>120-1600</p><p>121-1600</p><p>122-1600</p><p>123-1600</p><p>124-1600</p><p>125-1600</p><p>126-1600</p><p>127-1600</p><p>128-1600</p><p>129-1600</p><p>130-1600</p><p>131-1600</p><p>132-1600</p><p>133-1600</p><p>134-1600</p><p>135-1600</p><p>136-1600</p><p>137-1600 (1)</p><p>137-1600</p><p>138-1600</p><p>(3) ~_.</p><p>Re!11édi s (4)</p><p>Material e~portivo (2)</p><p>Super ercados (2)</p><p>Proê:f utos de higiene (2)</p><p>Produtos de limpeza (2)</p><p>(crie um exemplo)</p><p>Fabricantes (país de origem) .__....._</p><p>(sublinhe as empresas que tê</p><p>fábrica no Brasil)</p><p>Feita a lista, peço que os alunos elaborem, por escrito, duas observações</p><p>sobre o assunto. Depois, discutimos no grupo.</p><p>Alguns aspectos se destacam, como a forte presença de empresas mul</p><p>tinacionais na nossa economia. No geral, elas atuam em setores que requerem</p><p>uma maior tecnologia e/ou um maior capital. A partir dessas informações,</p><p>podem-se discutir as relações internacionais, a divisão de trabalho ou o poder</p><p>da tecnologia e do conhecimento como propulsores de uma maior autonomia</p><p>das nações. Em tempo: é importante evitar o velho ranço dogmático das leitu</p><p>ras simplificadas do tipo ''multinacionais são exploradoras'' ou ''os países são</p><p>desenvolvidos porque são inteligentes e trabalhadores''.</p><p>2. Faça um quadro com produtos (entre três e cinco) que você tenha nas</p><p>partes da casa listadas a seguir. Podem ser móveis, remédios, eletrodo-</p><p>Geografia 23</p><p>mésticos, livros, alimentos, etc. Faça individualmente em casa e anote no</p><p>caderno. Traga para próxima aula.</p><p>Matéria-prima</p><p>Parte da casa Produto Local de fabricação principal</p><p>Escritório Disquete Canadá Plástico</p><p>Cozinha Leite Nan 2 lbiá (MG) Leite em pó</p><p>A partir dos quadros dos alunos - não esqueça de socializar entre eles as</p><p>produções-, podemos discutir a industrialização, o consumo, a propaganda, a</p><p>importância das redes de transporte, a globalização/internacionalização da</p><p>produção (mas não do consumo), a relação de uso e de destruição da nature</p><p>za. Pode-se também usar o mapa e abordar os assuntos que os alunos trazem.</p><p>ATIVIDADE 5: AS DISTINTAS GEOGRAFIAS DO CONSUMO</p><p>Preencha o quadro a seguir de acordo com as diferenças de renda. De um</p><p>lado, descreva como é cada item para quem tem renda de até 1 salário míni</p><p>mo (SM), e, do outro, para quem tem renda superior a 20 salários mínimos.</p><p>Pode-se solicitar que os alunos tragam, posteriormente, imagens que retratem</p><p>as situações imaginadas.</p><p>As distintas geografias do consumo e paisagens daí decorrentes</p><p>Onde e como é a moradia. Como é a</p><p>casa (número de cômodos, os móveis)</p><p>e o bairro (equipamentos).</p><p>Que produtos há na geladeira</p><p>O que tem na despensa</p><p>Meios de transporte</p><p>Local das compras (alimentos, móveis,</p><p>etc.). Marcas consumidas.</p><p>Onde é o lazer .-</p><p>Tipos de lazer.</p><p>Se doente, ~nd b ca socorro</p><p>Doenças mais co,muns</p><p>Co~o é a esc~la (equrP.a entos,</p><p>estrut ra, prédios)</p><p>Um medo</p><p>Um so ho</p><p>Crie algama diferença que você</p><p>julga importante</p><p>Renda até 1 SM Renda superior a 20 SMs</p><p>24 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Comentários:</p><p>• Sugestão para debate: foi fácil montar/imaginar a tabela? Por quê?</p><p>• Quais as contribuições que os alunos criaram na última linha da tabe</p><p>la? O desafio do docente é, a partir das falas deles, fazer as relações ,</p><p>com a geografia, com os diferentes espaços vividos ou imaginados. E</p><p>teorizar sobre a contribuição deles, alargar as fronteiras dos alunos,</p><p>tensioná-los cognitivamente.</p><p>• Podemos sugerir mais uma coluna que inclua uma faixa de renda in</p><p>termediária. A sua, a nossa renda, por exemplo.</p><p>• Cada um desses quadros permite que imaginemos paisagens diferen</p><p>tes. Como será um quarto de uma mansão? Como será a casa de uma</p><p>pessoa desprovida de recursos? Como são as escolas dos grupos cita</p><p>dos acima? Ou seja, vamos superar a ideia de que paisagens são so</p><p>mente coisas bonitas, harmoniosas onde não aparecem o ser humano e</p><p>suas mazelas sociais.</p><p>• Mesmo que seja uma cidade pequena, se tivermos rendas muito distin</p><p>tas, podemos viver na mesma cidade e jamais nos encontrarmos.</p><p>ATIVIDADE 6: QUEM SOU EU? QUEM ,</p><p>SOMOS NOS? CARTOGRAFIAS PESSOAIS</p><p>A ideia aqui é, além de obter mais informações sobre a turma, buscar e</p><p>trocar esses dados de forma divertida, mas que permitam ganchos com a geo</p><p>grafia a partir da seguinte reflexão pessoal: Que lugar eu ocupo no mundo?</p><p>Por onde anda minha imaginação? Há uma geografia ''dos sonhos''?</p><p>Vamos a um possível modelo desta ''arqueologia geográfica-pessoal'':</p><p>Preencha:</p><p>1. Nome completo:</p><p>2. Significado do primeiro nome: -T----=__. -;:__-T--1:-------~~=:;;;:-.::._7-_</p><p>3. Pessoa que escolheu o nome-----. ~~~=---~~......;....--:::-"~....::::._~=----</p><p>4. Local de nascimento·</p><p>5. Data de nascimento: l ....:.----:.. _ _,..____..___.,_,_..;:;;.... _________ _</p><p>6 Númer cfle irmãos:</p><p>-+-+--~~-------------</p><p>V o ê é o (Rrimeii;o, segunelo, último, único) ____ filho</p><p>Pai:</p><p>a~ orne completo: ------------------b) Local de nascimento: -----------------c) Idade que tinha quando você nasceu:</p><p>Geografia 25</p><p>d) Número de irmãos: ----------~=~----</p><p>e) Idade: ______________ ..;.._ ___ ---=:.~-</p><p>9. Mãe:</p><p>ajNomecompleto: ________ ~-~---~---</p><p>b) Local de nascimento: ) _______ .....,____~----;....-..;i.--</p><p>c) Idade que tinha quando você nasceu:</p><p>d) Número de irmãos: -~--:~===~-r--</p><p>e) Idade: ____________ __;::,,-====~:o--'/~--</p><p>10. Avô paterno: origem étnica, local de nascimento</p><p>e número de irmãos:</p><p>------+---___:;;.~--+----l-----</p><p>11. Avó paterna: origem étnica, local de nascimento</p><p>e número de irmãos:</p><p>----+--i-7 -~~=----+------</p><p>12. Avô materno: origem étnica, 1 cal rle nasciment'-'-</p><p>e número de irmãos:</p><p>--~r---r--r-~----r--+-------</p><p>13. Avó materna: origem étnica, local ae na cim nto</p><p>e número de irmãos: ___ __;~---~--r--------</p><p>14. Prato favorito:</p><p>---~-=----=-=~=--~--------</p><p>15. Lazer favorito:</p><p>-----'=--------.:..---~--------</p><p>16. Duas pessoas que você admira (sem ser familiar):</p><p>Pessoa:</p><p>-----r--~-----T----+---------~</p><p>Motivo:</p><p>------+---~~--+-~r-------------</p><p>P e s soa:</p><p>Motivo:------..;;:;....~-----......_ ________ __</p><p>17. Grupo musicalJ som preferiae: _ ;::....,,,.:.-/ ___________ _</p><p>18. Livro preferido (e que in.dicaria): ------------</p><p>19. Esporte que pratica:--------------------</p><p>20. Número de filhos gue tem:</p><p>21. Quanto~filh0 quer ter: --7--------------</p><p>M o ti v o: _ __;~~--~"'-------------------</p><p>22. Um onh~desajo:~~----------------</p><p>23. Umm do~and: ________________ _</p><p>24. Ensino fundamental. ( ) escola pública ( ) escola privada</p><p>25. Uma lembrança inesquecível do ensino fundamental</p><p>26. Ensino édio: e ) €Scala pública e ) escola privada</p><p>2 7. Uma lembrança inesquecível do ensino médio:</p><p>28. Um iugar lina gue você conhece e recomendaria:</p><p>Motivo:</p><p>__;=-=-~--------------------</p><p>29. Curso que quer fazer: -----------------</p><p>Motivo:</p><p>26 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>30. Lugar que quer conhecer:</p><p>a) No RS:</p><p>~------------~-T---r---+--~---T-</p><p>M o ti v o:</p><p>----------~~~~---T--r---+---+---+-</p><p>b) No Brasil:</p><p>Motivo: -------:::==:::::::-\-r:::::-T""r-r-~~--_-_:?'--:;:;~-</p><p>c) No mundo: ~</p><p>Motivo: ---=~~-'r---+----T-r\~=-=--~;:;._------</p><p>-r---t---T--1-T-_,.--r--7"-1~~----------</p><p>Ba a pFó:xtima aula traga:</p><p>a~ Nma foto de lugar ou de uma viagem inesquecível.</p><p>b) Uma imagem de um lugar que você quer conhecer.</p><p>c) Foto suas: quando bebê, ao entrar na escola, aos 15 anos e uma outra</p><p>foto importante.</p><p>Comentários:</p><p>As possibilidades de exploração dessa atividade são muitas e podem, se</p><p>houver tempo e interesse, ocupar várias aulas. Começo pelo fim e reforço a</p><p>ideia de trabalhar com imagens: locais que conhecemos e que queremos (Ah,</p><p>o desejo, tão esquecido nas escolas!) conhecer. A geografia precisa do imagi</p><p>nário para criarmos e mantermos a ideia de pertencimento.</p><p>Relembro o poeta:</p><p>O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é</p><p>mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que</p><p>corre pela minha aldeia. (Pessoa, 1992, p.108)</p><p>Com base nas fotos podemos pensar o que se mantém e o que muda com</p><p>o passar dos anos. A moda, o corte de cabelo, os objetos que circundam as</p><p>pessoas: priorizar o entorno, a paisagem das fotos pode fornecer elementos</p><p>que estimulem a memória e a capacidade de observação.</p><p>Com as questões relativas aos nomes, podemos reforçar a ideia da indis</p><p>sociabilidade entre</p><p>tempo e espaço, entre geografia e história. Nossa história</p><p>pessoal implica ocupar espaço, inclusive simbólico, entre os que nos precede</p><p>ram. Sobre os pais e avós podemos saber, além da sua origem* - aqui o uso do</p><p>mapa é sempre necessário -, o número de irmãos. Com isso podemos falar da</p><p>natalidade, da mortalidade, das condições de vida no passado e no presente.</p><p>As questões pessoais podem ser lidas e discutidas com vagar. Cabe ao</p><p>professor, fazendo perguntas e dando informações básicas, direcionar tais</p><p>,</p><p>* E proposital, para gerar confusão, a pergunta sobre a origem étnica dos antepassados.</p><p>Via de regra há uma grande mistura, o que é legal para embaralhar um pouco a convicção,</p><p>um tanto idealizada, do passado europeu de muitos de nós.</p><p>Geografia 27</p><p>questões para que os alunos pensem a espacialidade e a temporalidade como</p><p>eixos fundamentais da estruturação de sua individualidade e da sociedade a</p><p>que eles pertencem.</p><p>.. ..</p><p>ATIVIDADE 7: POPULAÇAO OU POPULAÇOES? ..</p><p>DIFERENÇAS SAO PROBLEMAS OU RIQUEZAS?</p><p>Para esta atividade, proponho pequeno texto a seguir quando disponho de</p><p>menos tempo. A ideia é atacar a generalidade do conceito de população (no</p><p>singular), que tende a homogeneizar/padronizar grupos distintos, incorrendo</p><p>no risco de eleger um padrão como o normal. Os demais seriam os ''desviantes'',</p><p>o que, às vezes, pode ser encarado como uma ameaça. O texto é o que segue:</p><p>População ou populações? Ouando as diferenças podem ser estereótip, s</p><p>O que é população para você? Escrev-a saa pr-imeira idera, sem se preocupar com a</p><p>exatidão de suas palavras-. -</p><p>auem é Vcocê? O que ocê é? ~±=±=±~:-±~=----=\\::::====~~~~=--:~</p><p>Você poderia ter espondido</p><p>sobre o espaço.</p><p>Uma conclusão possível: é preciso treinar mais tanto o desenho quanto a</p><p>capacidade de descrever o que vemos, para estimular o cérebro a ver além do</p><p>óbvio, além do imediato. Eis a tarefa do educador: ultrapassar o imediato,</p><p>provocar o espanto no aluno: ''Isso eu não tinha pensado!''.</p><p>Não se desenha apenas com as mãos. Usa-se o cérebro, ou seja, ao dese</p><p>nharmos estamos, mais do que desenvolvendo uma habilidade estética, lendo</p><p>o mundo de forma teórica.</p><p>ATIVIDADE 9: UM LIVRO MARCANTE EM UM MINUTO</p><p>Trata-se de uma técnicajá mencionada por Castrogiovanni (2002, p.167).</p><p>Serve para qualquer faixa etária ou série e visa, basicamente, a fazer com que</p><p>eles assumam sua palavra, que tragam assuntos de seu interesse, que se expo</p><p>nham, que ''saiam da toca'' do comodismo de serem meros ouvintes.</p><p>Faça um calendário previamente em que a cada aula (ou semana) um</p><p>aluno dispõe de cerca de um minuto para falar de um livro de literatura - não</p><p>''técnico'', portanto - que o marcou. Não é para resumir, ou contar a história</p><p>do livro. Isso é impessoal, fácil demais. Pode-se propor um desafio ao aluno ,</p><p>do tipo: ''Você tem um minuto para tentar nos convencer a ler este livro''. E</p><p>preciso que digam por que o livro foi escolhido.</p><p>Geografia 31</p><p>O aluno pode ser instigado também a contextualizar a obra e o autor, isto</p><p>é, quem o escreveu e em que época. O livro não precisa ter relação nem com a</p><p>disciplina e nem com a matéria tratada. ,</p><p>Não importa se o professor não tenha lido o livro. E evidente que um</p><p>professor leitor irá se sentir mais à vontade, mas dizer que o professor precisa</p><p>ser um leitor que ultrapasse os estreitos limites de sua disciplina é dizer que a</p><p>água do mar é salgada.</p><p>Surgem, muitas vezes, boas discussões. Se o professor souber fazer relações,</p><p>extrapolando o que o aluno diz, há boas chances de uma aprendizagem que,</p><p>deixando a geografia um pouco de lado, ensine uma leitura generosa de mundo.</p><p>Rego (2004, p.88) incita-nos:</p><p>Com essa referência a uma linha feita de livros não queremos sugerir que</p><p>tenham sido tantos os livros nesse período, nem que todos esses livros tenham</p><p>sido assim tão significativos. Queremos apenas dizer que aconteceram esse</p><p>livros - esses objetos que se pode ter em mãos, dar-se a eles o ritmo variável</p><p>de leitura que se desejar, voltar páginas, segurar esse objeto sem olhar para</p><p>ele - olhando para qualquer outro lugar, porque esse outro lugar estava nele,</p><p>o livro, quer fosse a Divina comédia ou um livrinho qualquer. Os livros têm</p><p>essa generosidade, eles nos introduzem o mundo enquanto nos introduzem</p><p>ao mundo, e tudo isso - o mundo - no ritmo que escolhern1os para a relação</p><p>amorosa entre os nossos dedos e as páginas. (grifos meus)</p><p>Tal técnica pode ser adaptada para falar sobre um filme marcante ou</p><p>sobre uma pessoa que ele admira e que não seja seu familiar. O importante é a</p><p>vontade do diálogo professor-aluno-mundo. Ouvir o aluno é importante não</p><p>só porque entendemos a sua forma de pensar, mas sobretudo, porque percebe</p><p>mos a nossa ignorância em relação ao universo simbólico deles. E entender</p><p>esse universo - ou, pelo menos, conhecê-lo - é a chave de entrada para uma</p><p>docência mais qualificada.</p><p>Desejo a aproximação com a leitura pelo risco deliberado de dar asas à</p><p>imaginação. Valho-me do delicioso capítulo VI (''Do curioso e grande expurgo</p><p>que o padre-cura e o barbeiro fizeram na livraria do nosso engenhoso fidal</p><p>go'') de Cervantes (2002, p.53-54):</p><p>Assim será - respondeu o barbeiro -; mas que se há de fazer destes livrecos</p><p>que ainda aqui estão?</p><p>Estes - disse o cura - não hão de ser de cavalarias, mas sim de poesia [ ... ].</p><p>Estes não devem ser queimados como todos os demais, porque não fazem</p><p>nem farão os danos que os de cavalaria têm feito; são obras de entretenimento.</p><p>Ai, senhor! - disse a sobrinha. - Bem os pode Vossa Mercê mandar queimar</p><p>como aos outros, porque não admiraria que, depois de curado o senhor meu</p><p>tio da mania dos cavaleiros, lendo agora estes se lhe metesse em cabeça fa</p><p>zer-se pastor, e andar-se pelos bosques e prados, cantando; e pior fora ainda</p><p>o perigo de se fazer poeta, que, segundo dizem, é enfer1nidade incurável e</p><p>pegadiça.</p><p>32 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>Para lerpensar o mundo, converentendersar com o outro e entenderscobrir</p><p>a si mesmo é preciso cultivar o desejo, este ente esquecido nas escolas.</p><p>Qual foi o acontecimento mais marcante em sua infância que o levou a em</p><p>preender seu caminho atual na vida?</p><p>Resposta: Acho que foi o fato de ter pais e avós que liam histórias para mim e</p><p>que despertaram meu interesse pela leitura. Isso me ajudou a compreender</p><p>que eu podia sair para o mundo, aprender coisas legais e ler sobre assuntos</p><p>interessantes, bastando para isso abrir um livro. Se eu tivesse que identificar</p><p>um único fator, seria esse. (Bill Gates, 1998, p.5-2)</p><p>Nós, professores, precisamos da imaginação e da fantasia!</p><p>As atividades aqui sugeridas não podem ser pretexto para o professor</p><p>trabalhar menos, tampouco garantirão sucesso. São dicas para tentarmos au</p><p>mentar a relação e o diálogo com nossos alunos, que visam a aproximar a</p><p>geografia do cotidiano deles. Queremos fazer desta disciplina uma atividade</p><p>de descobertas, gerando novas questões e espantando os alunos. Mas, se o</p><p>professor não tiver uma boa formação cultural, se não tiver os objetivos cla</p><p>ros, de pouco valem estas - ou quaisquer outras - atividades. Esses não procu</p><p>ram ocupar ou divertir os alunos. Pelo contrário, tudo que se inova gera turbu</p><p>lência e desgaste. Temos que admitir que nem sempre as novidades dão certo</p><p>e que o insucesso faz parte de nossa profissão.</p><p>O resultado de todas essas tarefas pode ser extremamente satisfatório na</p><p>medida em que os alunos participam mais das aulas, rompem um pouco a sua</p><p>inibição e aquela ideia de que geografia é maçante e restrita aos livros ou ao</p><p>discurso do professor.</p><p>Essas dicas são exemplos de que é possível, sem gastos extras ou recursos</p><p>extraordinários, criar atividades que levem os alunos a perceber o espaço geo</p><p>gráficos de forma mais plural e dinâmica. Podemos romper a indiferença dos</p><p>alunos em relação à disciplina.</p><p>Nenhuma das atividades aqui descritas prescinde do ''conteúdo'' ou des</p><p>carta que trabalhemos metodicamente com textos ou com aulas expositivas.</p><p>Tampouco estou sugerindo que de brincadeiras vive a nossa disciplina. Para o</p><p>aluno, ler é fundamental. Para o professor, ler é imprescindível.</p><p>Todos nós, professores e alunos, somos produtores de conhecimento. Po</p><p>demos ser sujeitos mais ativos e propositivos na busca de novas metodologias.</p><p>Pouco resolve só ficar reclamando que os alunos estão parados ou que não ,</p><p>sabem ler e nem querem escrever. Ninguém nasce fazendo isso. E nossa tarefa</p><p>ensiná-los, e isso dá trabalho.</p><p>Ao mar, companheiros. Como diz o mestre Pessoa (1992, p.39): ''Valeu a</p><p>pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do</p><p>Geografia 33</p><p>Bojador* Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu,</p><p>Mas nele é que espelhou o céu''.</p><p>" REFERENCIAS</p><p>CASTROGIOVANNI, A.C. Ensino de geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 2. ed.</p><p>Porto Alegre: Mediação, 2002.</p><p>CERVANTES, M. Dom Quixote. São Paulo: Nova Cultural, 2002.</p><p>GATES, B. Folha de São Paulo, 27 /11/98, p.5-2.</p><p>KAERCHER, N.A. A geografia escolar na prática docente: a utopia e os obstáculos</p><p>epistemológicos da geografia crítica. São Paulo: USP /FFLCH/Departamento de Geografia,</p><p>2004 (Tese de Doutorado) (Disponível em: www.teses.usp.br).</p><p>MARTINS, E.R. A relação homem/geografia (p.21-29). ln: Anais do XXII! Encontro Estadual</p><p>de Geografia, 2003, Canoas (RS). Porto Alegre: AGB-PA, 2004.</p><p>PESSOA, E Antologia poética. Lisboa: Biblioteca Ulisséia de Autores Portugueses, 1992.</p><p>REGO, N. Tão grande quase nada. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2004.</p><p>SCHÔN, D. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed, 2000.</p><p>,</p><p>*Cabo Bojador. Costa Oeste da Africa (26° OB'N, 14° 30' W, na costa do Saara Ocidental).</p><p>Era temido na época das grandes navegações. Local de muitos naufrágios, ventos traiçoeiros.</p><p>Para entender a necessidade de</p><p>práticas prazerosas no ensino de</p><p>geografia na pós-modernidade</p><p>Antonio Carlos Castrogiovanni</p><p>,</p><p>A GEOGRAFIA AO LONGO DA HISTORIA</p><p>Acreditamos que, para qualquer proposta de práticas prazerosas no fazer</p><p>escolar, deve haver o entendimento, inicialmente, do que é geografia. Somos</p><p>o que somos pela nossa história, portanto, toda ciência é o que é pela sua</p><p>história.</p><p>A geografia, ao longo da sua trajetória, foi se desvencilhando da filoso</p><p>fia, da arte, da literatura, da emoção, da imaginação e se aproximando da</p><p>objetividade do método de pensar científico (Santos, 1996; Hissa, 2002;</p><p>Haesbaert, 2002). Suas bases epistemológicas foram pontuais e descontínuas</p><p>(Hissa, 2002; Haesbaert, 2002). Poucos geógrafos, ao longo da história, sen</p><p>tiram necessidade de realizar uma densa reflexão sobre as bases teórico-me</p><p>todológicas da geografia, mas esse movimento toma sentido a partir da se</p><p>gunda metade do século passado.</p><p>Desde o início, quando se escreveram as primeiras bases filosóficas, a no</p><p>ção de espaço já era uma preocupação dominante. Aristóteles já afirmava: ''aquilo</p><p>que não está em nenhuma parte não existe''! A noção de espaço, como espaço</p><p>absoluto, nascia e se manteria assim até a segunda metade do século XX. ,</p><p>E possível afirmar que a ciência da geografia nasceu na Grécia, com os</p><p>filósofos Eratóstenes (276-194 a.C.) e Estrabón (60 a.e. - 20 d.C.). Foram eles</p><p>que a denominaram. Para os gregos antigos, ela tem um enfoque holístico</p><p>(holon = todo), ou seja, de totalidade, de plenitude. Segundo essa leitura, o</p><p>todo possui propriedades que não existem nos seus elementos. ''O todo é mais</p><p>que a soma das partes'', já dizia Aristóteles.</p><p>Embora as ideias geográficas sejam já produzidas desde a Antiguidade, é</p><p>somente no século XVIII que ela começa a ser dividida em geografia geral e</p><p>regional. Essa é uma época de grandes transformações sociais e, por consequên</p><p>cia, há mudanças expressivas na forma de concepção do mundo. O desen-</p><p>36 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>volvimento das ciências em geral, e da geografia em particular, acelerou nos</p><p>séculos XVIII e XIX em consequência da expansão do capitalismo. Sabemos,</p><p>que fatos como a Revolução Industrial, em 1750 na Inglaterra, as ideias de</p><p>liberdade e de democracia, vindas com a Revolução Francesa em 1789, e a</p><p>formação de nações como a Alemanha e a Itália ofereceram possibilidades</p><p>para que ocorressem uma aceleração técnico-científica, e o desenvolvimento</p><p>das ciências exatas tornou-se uma necessidade. Foi também ''nesse momento</p><p>histórico que se formaram as bases da geografia, a qual terá sua autonomia,</p><p>mais precisamente, no final do século XIX'' (Suertegaray, 1997, p. 7).</p><p>Desde então até a segunda metade do século XX, a geografia, assim como</p><p>as demais ciências, procura desenvolver-se dentro de paradigmas alicerçados</p><p>nas verdades de pensadores como Kant, Comte, Galileu e Newton e adota</p><p>uma postura reducionista-mecanicista (Moraes, 1999; Fuertes, 2000; Men</p><p>donça e Kozel, 2002). O reducionismo implica reduzir o fenômeno estudado</p><p>em suas partes constitutivas, analisando-as independentemente uma das ou</p><p>tras. Será que essa visão de ciência ainda é preconizada no fazer geográfico</p><p>em muitas salas de aula? O mecanicismo (a relação entre natureza e socieda</p><p>de) acredita poder entender os fenômenos a partir das relações de causa e</p><p>efeito. Atenção, professores, isso não lembra muitas aulas ainda hoje minis</p><p>tradas nas escolas?</p><p>O geógrafo francês Paul Claval (2002) sustenta que as duas grandes con</p><p>cepções da geografia que existiram entre o século XVIII e o período após a</p><p>segunda grande guerra (século XX) se preocupavam com o papel do espaço no</p><p>funcionamento dos grupos humanos (funcionalista-reducionista) e com are</p><p>lação entre natureza e sociedade (mecanicista). No entanto, embora elas se</p><p>jam muito diferentes, baseiam-se em um pressuposto comum: o da existência</p><p>de realidades globais sejam elas a natureza ou a sociedade. ''As suas ambições</p><p>consistiam em desenvolver propostas aceitáveis nestas escalas e em parti</p><p>cipar, desta maneira, dos acontecimentos úteis aos homens'' (Claval, 2002,</p><p>p.11).</p><p>As mudanças ocorridas no século XVIII estão relacionadas ao advento da ,</p><p>Razão e ao rompimento com a metafísica. E uma época em que é priorizada a</p><p>ordem, regulada por leis, como resultado dos princípios do iluminismo e do</p><p>positivismo no contexto das ciências. O espaço geográfico é visto como um</p><p>espaço absoluto e bidimensional vinculado à física clássica, à maneira de</p><p>Newton. Segundo Moraes (1999, p.41), essas transformações levam à</p><p>sistematização da geografia, sua colocação como uma ciência autônoma, foi</p><p>um desdobramento das transformações operadas na vida social, pela emer</p><p>gência do modo de produção capitalista. E mais, a geografia foi, na verdade,</p><p>um instrumento da etapa final deste processo de consolidação do capitalismo</p><p>em deter111inados países da Europa.</p><p>Portanto, nessa época há uma premência na busca de recursos a serem</p><p>empregados pela sociedade industrial e do conhecimento sistematizado de</p><p>Geografia 3 7</p><p>diferentes áreas do mundo para onde pudesse ocorrer a expansão do capitalis</p><p>mo, como, por exemplo, a solidificação do colonialismo africano. A geografia</p><p>contribui, então, com a expansão do capitalismo industrial. ,</p><p>E inegável que tais posturas trouxeram avanços à geografia ( Claval, 2002;</p><p>Haesbaert, 2002; Fuertes, 2000; Hissa, 2002). No entanto, percebemos hoje</p><p>que a ''nossa razão, que parecia o meio mais seguro de conhecimento, desco</p><p>bre em si uma sombra cega'' (Morin, 2000a, p.16), pois sabemos que nenhum</p><p>olhar pode ser isento, nenhuma prática pode ser destituída de intenção e,</p><p>portanto, de reflexão e de emoção! Como afirma Milton Santos (1994a, p.17),</p><p>''sem emoção não se produz nada, sobretudo no campo da inteligência''.</p><p>Quanto nós perdemos ou deixamos de conhecer por não duvidar do ra</p><p>cional ou por causa da insuficiência (lógica) da realidade e da insuficiência</p><p>(real) da lógica? Como afirma Morin (2002b, p.235), a riqueza e a complexi</p><p>dade da realidade e do pensamento que ultrapassam a lógica, embora a conte</p><p>nham, transgridem-na, respeitando-a. A busca da verdade parece estar</p><p>doravante ligada à investigação constante sobre a possibilidade da verdade,</p><p>embora saibamos que os conceitos devem ser avaliados em cada momento</p><p>histórico da geografia. Avaliar significa buscar a compreensão que não seja</p><p>mutilante ou manipulatória do real. Isso evidencia incertezas, ambiguidades,</p><p>paradoxos, ou mesmo contradições - relações ao mesmo tempo logicamente</p><p>complementares e antagônicas entre termos ou enunciados (Morin, 2002b,</p><p>p.235). Portanto, parece ser impossível alcançarmos a totalidade da compre</p><p>ensão ou a concretude da complexidade que se encerra no mundo. ,</p><p>E importante termos presente que, apesar de o pensamento positivista, e</p><p>mais remotamente o iluminista, terem predominado na concepção da geogra</p><p>fia dita moderna, a expansão do capitalismo foi e ainda é conflituosa, gerou e</p><p>gera desigualdades sociais, dominação e tensão entre o exercício dos poderes;</p><p>portanto, constrói diferentemente o espaço geográfico. Essas diferenciações</p><p>possibilitam interpretações sociais singulares, a exemplo do marxismo e do</p><p>anarquismo. Há movimentos por outra ordem, como a Revolução Russa do</p><p>início do século XX. Assim, surgem outras formas de concepções geográficas</p><p>preocupadas com os problemas sociais emergentes (Suertegaray, 198 7).</p><p>Segundo Silva (1978), o espaço para os filósofos na modernidade é defi</p><p>nido, também a partir do todo, como um a priori, implicando a existência de</p><p>uma ''coisa-em-si''. O mesmo autor afirma que ''[ ... ] um estudo completo de</p><p>espaço geográfico não pode ser feito sem a consideração de significado de sua</p><p>formação, estrutura, características, processos e funções, transformações para</p><p>a consciência humana'' (Silva, 1978, p.15).</p><p>Essa postura epistemológica,</p><p>que hoje sofre questionamentos (Mendonza,</p><p>1982; Haesbaert, 2002), é uma reação à nova geografia ou geografia quanti</p><p>tativa, que teve expressão no Brasil durante os governos militares. Na realida</p><p>de, a geografia quantitativa foi a retomada, no século XX, do positivismo em</p><p>suas bases neopositivistas. Ela busca ser uma ciência ''moderna'', movimenta</p><p>se conforme as referências do momento histórico, reestrutura-se no sentido</p><p>38 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>de buscar leis do seu objeto de estudo, que passa a ser definido como ''organi</p><p>zação do espaço''. Em muitos livros didáticos observamos essa corrente ainda</p><p>muito presente. Segundo Hissa (2002, p. 70-71):</p><p>A ''revolução quantitativa" na geografia pode ser compreendida como um</p><p>movimento de adequação da disciplina ao "método de pensar científico''. Cri</p><p>am-se uma reorientação e uma expectativa: além de tomar a geografia "mais</p><p>científica" a "revolução quantitativa" induziria o pensamento teórico da disci</p><p>plina. [ ... ] Os modelos poderiam, assim, a partir do critério da regularidade,</p><p>conduzir ao estabelecimento de leis.</p><p>A postura quantitativa passa a conceber o espaço geográfico não mais</p><p>como absoluto, mas como espaço relativo. Segundo Suertegaray, ''a lingua</p><p>gem, neste contexto geográfico, foi a [ ... ] dos testes, das medições, sempre</p><p>com o objetivo de compreender os processos em um espaço relativizado (pelo</p><p>capitalismo?) e para fins de planejamento''.</p><p>Se a geografia clássica favoreceu a expansão do capitalismo, a nova geo</p><p>grafia auxiliou a sua consolidação, empregando instrumentos oriundos das</p><p>concepções científicas surgidas após a Segunda Guerra Mundial (Moraes,</p><p>1999).</p><p>Embora tenha apresentado adeptos, no que diz respeito à pesquisa e ao</p><p>ensino universitário, a geografia quantitativa, no Brasil, não trouxe consigo</p><p>um movimento teórico que provocasse um significativo debate epistemológico</p><p>e, portanto, pouco se fez refletir no ensino. Esse fato contribuiu para que</p><p>continuasse a predominar no ensino fundamental e médio a geografia clássi</p><p>ca/tradicional, marcada pelo positivismo. Ela enfatiza a descrição da paisa</p><p>gem, a partir de uma sistemática compartimentação em que o ''maior'', o ''mais</p><p>alto'', o ''melhor'' são ressaltados. Apresenta-se cartesiana, valorizando as ver</p><p>dades absolutas, e manifesta uma postura mecanicista-reducionista na sua</p><p>análise espacial. Outra vez identificamos em muitos textos escolares e em</p><p>discursos de profissionais a convicção, talvez não refletida, dessa postura filo</p><p>sófico-metodológica. Segundo Silva (1978, p.114):</p><p>a Geografia, essa positivista, tem de um lado raízes em Aristóteles, por causa</p><p>da preocupação com a enumeração, classificação, tipologia, que é uma he</p><p>rança bastante antiga; e por outro lado tem raiz em Kant, com a preocupação</p><p>de aparência e realidade. E a geografia ao chegar aos séculos XVIII e XIX</p><p>passa ao lado de Hegel, e não avança nem na direção existencialista, que</p><p>parte de Hegel, nem na direção marxista, que também parte de Hegel. Ela</p><p>passa ao lado de Hegel, evita o problema da dialética, da contradição, se</p><p>encontra com Comte e continua desenvolvendo a sua tradição positivista.</p><p>Convém pontuar aqui que não somos contra o fato de a descrição compor</p><p>o fazer geográfico escolar. Pelo contrário, a observação e a descrição devem</p><p>ser resgatadas pelos professores de geografia, pois entre as competências soli</p><p>citadas estão, justamente, saber observar e descrever.</p><p>Geografia 39</p><p>A história é processual; portanto, a geografia, como a sociedade, não é</p><p>linear, no sentido de que uma corrente substitui a outra (Suertegaray, 1997).</p><p>Com isso, surgem diferentes movimentos, a partir, principalmente, da segun</p><p>da metade do século XX, no chamado pós-guerra. Entre tais movimentos há</p><p>aquele que foi chamado, pelos norte-americanos, de geografia radical, e que</p><p>para nós brasileiros é conhecido como geografia crítica.</p><p>Esse movimento nasce a partir da denúncia: é a geografia da denúncia.</p><p>Aos poucos ela adere ao materialismo histórico como paradigma e incorpora a</p><p>dialética como método de análise espacial. A corrente está vinculada ao con</p><p>texto científico, ao marxismo, ao anarquismo (cuja origem aparece em Reclus</p><p>e Kropotkin), mas inspira-se e organiza-se em perspectivas estruturais marxis</p><p>tas como o exemplo das influências de Althusser em Castells e em Milton Santos</p><p>(Suertegaray, 1997).</p><p>No Brasil, a partir de 1978, com o III Encontro Nacional de Geógrafos,</p><p>realizado em Fortaleza, com a volta de geógrafos exilados, principalmente da</p><p>França, e como reação à ditadura militar ainda em vigor, a ciência geográfica</p><p>adota o paradigma e o método de investigação da geografia crítica, e assume,</p><p>nos meios acadêmicos, essa denominação. O espaço, (re)nomeado como seu</p><p>objeto de estudo, passa a ter uma concepção de totalidade, embora inicial</p><p>mente rejeite a natureza enquanto dimensão do espaço geográfico. Com isso,</p><p>geógrafos radicais, como o norte-americano David Harvey (1980), concebem</p><p>o espaço ao mesmo tempo absoluto, relativo e relacional. A geografia radical</p><p>nasce ''comprometida com a compreensão do mundo para melhor intervir, ou</p><p>seja, pela práxis marxista (de um lado) e pelo liberalismo (de outro)''</p><p>(Suertegaray, 1997, p.15). Nesse caminho, o debate epistemológico da geo</p><p>grafia adquire magnitude.</p><p>Segundo Moraes (1999, p.126):</p><p>A unidade da geografia crítica manifesta-se na postura de oposição a uma rea</p><p>lidade social e espacial contraditória e injusta fazendo-se do conhecimento geo</p><p>gráfico uma arma de combate à situação existente. Portanto, o caminho da geo</p><p>grafia crítica é a busca da superação das desigualdades, pois a história do capi</p><p>talismo leva à seletividade, estabelece uma divisão territorial e social do tra</p><p>balho, diferencia e privilegia lugares. Para os "geógrafos críticos'' é tal processo</p><p>que deve ser objeto de preocupação na leitura do mundo, feita pela geografia.</p><p>Essa proposta da ciência geográfica possibilita ao sujeito não apenas o</p><p>conhecimento dos elementos que formam o espaço geográfico, mas a compre</p><p>ensão da sua (re)construção e (re)organização (Lacoste, 1977; Hartshorne,</p><p>1979; Silva, 1986; Santos, 1994; Moraes, 1999). Parece ser essa, em um pri</p><p>meiro momento, a postura da geografia que pode contribuir para amenizar o</p><p>problema incontornável da relação entre sujeito e objeto, aquela em que o</p><p>conhecimento exclui o sujeito que conhece. Em outras palavras, a geografia</p><p>que não valoriza as experiências dos alunos e os seus diferentes ''mundos'' não</p><p>trata a sala de aula com uma leitura dialógica. No seu discurso, ela encaminha</p><p>40 Rego, Castrogiovanni, Kaercher & cols.</p><p>para o conhecimento do conhecimento, pois tem como inquietude a busca</p><p>constante da verdade do conhecimento. No entanto, na sua prática, apresenta</p><p>também contradições. Ela tem lidado com a ideia de que a realidade está</p><p>amplamente condensada nos limites da razão, na relação entre trabalho e</p><p>capital. Essa prática parece sufocar a paixão, a subjetividade e as representa</p><p>ções que construímos, particularmente, do espaço e que são tão necessárias</p><p>para buscarmos a compreensão do que parece ser a vida, mesmo que proviso</p><p>riamente. Não negamos a relevância da dialética na busca da compreensão do</p><p>caráter mutável e contraditório que constitui o espaço. No entanto, na crise</p><p>atual dos fundamentos das ciências e diante do desafio da complexidade que</p><p>impõe o real, do todo que é o conhecimento, é fundamental para uma ciência</p><p>refletir sobre si mesma e sobre o seu papel como disciplina escolar. Sabemos</p><p>que uma ciência não é um ente pensante; quem pensa somos nós, os profissio</p><p>nais da geografia. Assim, devemos ter claro que tanto os dogmatismos de direita</p><p>como os de esquerda são empobrecedores quando percebemos que as verdades</p><p>são muitas e mutáveis e que as dúvidas são cada vez maiores e diversas. A</p><p>escola, lamentavelmente, parece ainda lidar com verdades absolutas.</p><p>Reconhecer-se, situar-se, problematizar-se é o movimento que cada profes</p><p>sor/ cientista deve</p>