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<p>FORMAÇÃO</p><p>SOCIAL,</p><p>ECONÔMICA E</p><p>POLÍTICA DO</p><p>BRASIL</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>> Descrever a política brasileira que estimulou a imigração de europeus.</p><p>> Avaliar os efeitos dessa imigração sobre a política, a economia e a sociedade</p><p>brasileira.</p><p>> Identificar as mudanças sociais decorrentes da chegada de imigrantes no</p><p>século XX.</p><p>Introdução</p><p>Entre os séculos XIX e XX, o Brasil recebeu um dos maiores fluxos imigratórios</p><p>da história humana. Nesse período, imigrantes vindos de todos os continentes</p><p>chegaram ao País e construíram suas vidas, formando a classe trabalhadora</p><p>moderna brasileira. Contudo, esse processo não foi isento de contradições, já</p><p>que, por um lado, a vinda dos imigrantes contribuiu para o desenvolvimento</p><p>econômico e social do Brasil, mas, por outro, empurrou a população negra para</p><p>uma marginalidade cada vez maior no pós-abolição.</p><p>A presença dos</p><p>imigrantes e a</p><p>formação da classe</p><p>trabalhadora</p><p>no Brasil</p><p>Eduardo Pacheco Freitas</p><p>Estudar a história da imigração brasileira e da formação da força de traba-</p><p>lho do País em um momento em que ele se industrializava é fundamental para</p><p>compreender os aspectos do Brasil contemporâneo, tais como a influência das</p><p>diversas culturas estrangeiras, as raízes da desigualdade social e a participação</p><p>de descendentes de imigrantes na construção do Brasil da atualidade.</p><p>Neste capítulo, você conhecerá a política brasileira em relação aos imigrantes</p><p>nos séculos XIX e XX. Além disso, conhecerá os efeitos da imigração sobre elementos</p><p>diversos da sociedade brasileira. Por fim, você verá quais transformações sociais</p><p>ocorreram a partir da chegada dos imigrantes.</p><p>A imigração europeia no Brasil</p><p>A questão da imigração do Brasil remonta ao período colonial, tendo as suas</p><p>origens em 1808, quando D. João VI, manifestando uma grande preocupação</p><p>em ocupar o território brasileiro, permitiu que imigrantes de outros países</p><p>que não Portugal pudessem vir e se estabelecer no Brasil (VIEIRA, 2007).</p><p>Mais adiante, ainda no século XIX, dois discursos principais caracterizaram</p><p>o debate sobre a imigração no Brasil. O primeiro deles girava em torno do</p><p>suposto avanço civilizatório que o Brasil perceberia com a vinda dos imigrantes</p><p>europeus para o País. É importante destacar que a escravidão africana ainda</p><p>vigorava no País, porém as elites proprietárias já elaboravam ideias sobre a</p><p>substituição da mão de obra escrava por trabalhadores livres. Desse modo, o</p><p>imigrante europeu serviria a dois propósitos: ocupar, na cadeia produtiva, o</p><p>espaço que era dos escravos; e promover o embranquecimento da população</p><p>brasileira (MENEZES, 2014).</p><p>Já o segundo ponto remete a uma questão de soberania nacional, pois havia</p><p>a preocupação de que um excesso de população estrangeira, que poderia</p><p>não ser leal ao imperador brasileiro, provocaria um grave risco de invasão e</p><p>ocupação por potências estrangeiras. Desse modo, diversos políticos defen-</p><p>deram a criação de uma legislação restritiva ao ingresso e à permanência de</p><p>imigrantes no território brasileiro. De qualquer forma, a verdade é que, da</p><p>segunda metade do século XIX em diante, grandes contingentes de imigrantes</p><p>chegaram ao País, promovendo grandes transformações sociais, políticas e</p><p>econômicas. Esses fluxos migratórios inseriram o Brasil em uma dinâmica</p><p>mundial de deslocamentos de populações, característica fundamental da</p><p>expansão do capitalismo no século XIX (MENEZES, 2014).</p><p>A historiadora Martha Victor Vieira chama a atenção para as relações entre</p><p>a imigração europeia no Brasil e a construção do Brasil enquanto nação:</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil2</p><p>O processo de construção do Estado no Brasil oitocentista envolveu uma ampla</p><p>discussão sobre as medidas políticas e jurídicas a serem adotadas para promover,</p><p>gradativamente, a substituição do trabalho compulsório para o trabalho livre.</p><p>Dentre tais medidas constava o incentivo para a vinda de imigrantes europeus,</p><p>que considerados como agentes civilizadores deveriam ser os instrumentos para</p><p>incrementar o progresso e o desenvolvimento do país (VIEIRA, 2007, p. 1).</p><p>Como visto, no Brasil, o século XIX é marcado por anseios de construção</p><p>de uma identidade nacional que, em grande medida, buscava esconder a</p><p>grande população negra do País e investir na vinda de imigrantes brancos.</p><p>Desde o início daquele século, essa tendência já se demonstrava. Logo após</p><p>a Proclamação da Independência, D. Pedro I encomendou a Georg Anton von</p><p>Schäffer, mais conhecido como Major Schäffer, uma obra de propaganda</p><p>do Brasil para ser divulgada na Europa como estímulo à vinda de imigran-</p><p>tes. Foi assim que o Major Schäffer escreveu o livro O Brasil como Império</p><p>independente: analisado sob o aspecto histórico, mercantilístico e político,</p><p>que serviu como um importante instrumento para convencer camponeses</p><p>alemães a atravessaram o Atlântico em busca de uma vida melhor no Brasil</p><p>(SCHÄFFER, 2007).</p><p>Como um dos resultados trágicos dessa política, observou-se a marginali-</p><p>zação cada vez maior dos negros no pós-abolição. Embora livres, as pessoas</p><p>negras viram as melhores oportunidades de trabalho serem reservadas</p><p>aos imigrantes, que, em grande parte das vezes, também recebiam terras</p><p>e subsídios, algo que não ocorreu com os ex-escravos. Portanto, é correto</p><p>afirmar que, se, por um lado, a imigração trouxe benefícios para o País,</p><p>ela também contribuiu para a desigualdade social que afeta sobretudo a</p><p>população negra brasileira.</p><p>Até o momento em que o Brasil se tornou uma nação independente (1822),</p><p>não havia um fluxo constante de imigrantes para o País. Essa situação começou</p><p>a mudar justamente pela intenção de D. Pedro I de prover o grande e desocu-</p><p>pado território nacional de imigrantes europeus. Foi por meio do trabalho do</p><p>Major Schäffer que o intento do imperador passou a ser realizado. Conforme</p><p>Rodrigo Trespach, “com o livro de Schäffer circulando entre cientistas, nobres</p><p>e empresários entusiastas, a população foi abastecida com a publicação de</p><p>folhetins ou cartas explicativas, que passaram a circular em todas as aldeias</p><p>onde os agentes atuavam” (TRESPACH, 2019, p. 106).</p><p>Desse modo, a propaganda encomendada pelo imperador animou a imi-</p><p>gração de alemães para o Brasil. Esse movimento teve origem com a primeira</p><p>colônia germânica em território brasileiro, na região da atual cidade de São</p><p>Leopoldo, no Rio Grande do Sul, fundada em 1824 e composta por menos</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 3</p><p>de 40 imigrantes no início (TRESPACH, 2019). Entretanto, a colônia se tornou</p><p>tremendamente exitosa. Isso porque, no final da década de 1820, o número</p><p>de 40 colonos originais saltou para 5 mil (TRAMONTINI, 2000). De acordo com</p><p>Vieira (2007), foi crucial para o sucesso da empreitada imigratória o foco da</p><p>propaganda do governo nos seguintes tópicos: “facilidade de acesso à terra,</p><p>liberdade religiosa, cidadania brasileira, enfim, melhores condições de vida</p><p>e de trabalho” (VIEIRA, 2007, p. 4). Para uma população que frequentemente</p><p>sofria com guerras religiosas, dificuldade de acesso à terra para plantar e a</p><p>fome, o Brasil se apresentava como uma terra magnífica (SCHÄFFER, 2007).</p><p>Embora a historiografia reconheça que a aposta, por parte do go-</p><p>verno brasileiro, na vinda de imigrantes ao longo do século XIX possa</p><p>ser situada como uma tentativa de substituição da mão de obra escrava pelo</p><p>trabalhador livre, ainda houve um longo caminho até a abolição da escravatura,</p><p>que ocorreu somente no final do século. Portanto, é lícito considerar que os</p><p>colonos brancos e livres também se valeram do trabalho do africano escravizado.</p><p>Durante muito tempo, houve uma historiografia com tendências a amenizar</p><p>a escravidão do sul do Brasil e a negar que os colonos alemães possuíssem</p><p>escravos. Todavia, nas últimas décadas, historiadores têm descoberto uma vasta</p><p>documentação (cartas, registros policiais, processos judiciais, requerimentos,</p><p>etc.) que comprovam que grande parte dos colonos alemães do Rio</p><p>Grande do</p><p>Sul eram proprietários de escravos (TRAMONTINI, 2000).</p><p>A vinda de imigrantes se intensificou após a Independência e, especial-</p><p>mente, após a promulgação da Constituição de 1824. Até então, a cidadania</p><p>brasileira era vedada aos estrangeiros. Com a nova Carta Constitucional, a</p><p>restrição deixou de existir, colaborando para que se iniciasse um fluxo migra-</p><p>tório da Europa para o Brasil. Para viabilizar o enraizamento dos imigrantes na</p><p>nova terra, durante todo o Primeiro Reinado, foram expedidas as chamadas</p><p>cartas de naturalização, que tornavam os imigrantes cidadãos brasileiros.</p><p>Contudo, em muitos casos, essas cartas, emitidas por meio de resoluções</p><p>especiais do governo, eram intermediadas por senadores e deputados, que</p><p>garantiam o encaminhamento das solicitações dos imigrantes ao parlamento,</p><p>favorecendo, assim, amigos ou parentes vindos de outros países (VIEIRA, 2007).</p><p>Na década de 1840, o caráter duplo da política para a imigração (a “civili-</p><p>zação” e o “embranquecimento” do país via colonos europeus, por um lado,</p><p>e a mão de obra substitutiva da escravidão, por outro) passou a se chocar,</p><p>revelando grandes contradições no meio político e entre as classes proprie-</p><p>tárias. A questão é que, ao se discutir sobre qual política imigratória deveria</p><p>vigorar no Brasil, estava-se, ao mesmo tempo, discutindo quais estrangeiros</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil4</p><p>seriam beneficiados com a cidadania brasileira e qual nova sociedade seria</p><p>desenhada a partir disso. Nesse contexto, temas como raça e nacionalidade</p><p>adquiriram um aspecto central nas discussões, que passavam pelo projeto</p><p>de construção de um Estado brasileiro (VIEIRA, 2007).</p><p>De acordo com Menezes (2014, p. 74), “no contexto dessa polarização, foram</p><p>concentradas em um polo formações discursivas que defendiam o incentivo</p><p>à imigração — basicamente a imigração europeia — entendida como único</p><p>caminho possível para o alcance de patamares de progresso e de civilização”.</p><p>Somada a isso, havia uma tese corrente, não só em nível internacional, mas</p><p>também dentro do Brasil, em que o colonizador português, o primeiro a se</p><p>estabelecer na região, era visto como representativo do “atraso” e do “imobi-</p><p>lismo” (MENEZES, 2014, p. 75) que faziam do Brasil um país pouco desenvolvido.</p><p>Em contrapartida, os imigrantes vindos de outras regiões da Europa eram</p><p>vistos como promotores do progresso, principalmente os que vinham das</p><p>regiões que constituiriam a futura Alemanha (até 1871, a Alemanha não era um</p><p>país unificado). Essa divisão nada mais era do que uma reprodução de uma</p><p>divisão já existente na Europa, em que os povos anglo-saxões e germânicos</p><p>eram vistos como superiores aos povos latinos, que ocupavam um lugar se-</p><p>cundário no imaginário do desenvolvimento industrial e econômico do século</p><p>XIX (MENEZES, 2014). É importante destacar que essas ideias contribuíram</p><p>sobremaneira para o fomento das políticas de imigração que favoreceram a</p><p>vinda de alemães para o Brasil.</p><p>Assim como os imigrantes alemães, que receberam crédito, ferramentas e</p><p>terras para se estabelecerem no Brasil, a imigração italiana — mais tardia —</p><p>foi subvencionada, durante muitas décadas (1870–1930). O auxílio pecuniário</p><p>para que italianos se deslocassem para o Brasil se manifestou de diversas</p><p>formas: alojamento, financiamento de passagens e garantia de trabalho no</p><p>campo. Além do mais, as subvenções eram fornecidas para famílias inteiras,</p><p>fato que colaborou para a decisão de muitos imigrantes virem para o Brasil,</p><p>já que não precisariam abandonar suas famílias (HUTTER, 1987).</p><p>A grande maioria dos italianos que vieram para o Brasil tinham origem</p><p>na região do Vêneto. Os primeiros imigrantes foram enviados para o sul do</p><p>Brasil, sobretudo para a Serra Gaúcha. Nessa região, foram fundadas as</p><p>primeiras colônias, que dariam origem às atuais cidades de Garibaldi, Bento</p><p>Gonçalves e Caxias do Sul (Figura 1). A formação dessas colônias data de 1875,</p><p>e os italianos ali estabelecidos passaram a cultivar uva e a trabalhar com a</p><p>produção de vinho. No mesmo ano, novas colônias foram criadas em Santa</p><p>Catarina e no Paraná (HUTTER, 1987).</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 5</p><p>Figura 1. Colonos italianos em Caxias do Sul, região da Serra Gaúcha, em 1904. Os italianos</p><p>formaram o maior contingente de imigrantes no Brasil, influenciando significativamente a</p><p>sociedade brasileira com sua cultura.</p><p>Fonte: Mancuso (1904, documento on-line).</p><p>A região Sul recebeu os primeiros colonos, mas foi a região Sudeste (prin-</p><p>cipalmente São Paulo) que recebeu o maior número de imigrantes italianos.</p><p>Enquanto no Sul os colonos se especializaram no ramo viticultor, os imigrantes</p><p>estabelecidos na região Sudeste atuaram basicamente nas grandes planta-</p><p>ções de café; naquele momento o grande produto brasileiro de exportação e</p><p>carro-chefe da economia nacional. Dessa configuração inicial, muitos italianos</p><p>conseguiram acumular algum capital, que logo foi investido em terras. Outros</p><p>abandonaram o campo e rumaram para as cidades, sobretudo São Paulo,</p><p>para trabalharem nas indústrias, que se tornavam cada vez mais numerosas</p><p>(HUTTER, 1987).</p><p>O café e a industrialização brasileira são as expressões econômicas mais</p><p>importantes das últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. É</p><p>precisamente nesse contexto que a imigração italiana se situou. As ideias de</p><p>embranquecimento da população brasileira ainda estavam vivas, e a vinda</p><p>de mão de obra livre e branca atendeu à necessidade de trabalhadores nas</p><p>lavouras de café, onde o trabalho dos negros libertos não era bem-vindo.</p><p>Portanto, o Estado brasileiro se viu pressionado a fornecer subsídios para</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil6</p><p>os imigrantes italianos. Formou-se, então, um verdadeiro negócio em torno</p><p>da vinda dos imigrantes, em que companhias de navegação aliciavam os</p><p>colonos, tendo em vista o pagamento da passagem realizado pelo governo</p><p>brasileiro (HUTTER, 1987).</p><p>Contudo, com a crise do café, na virada do século XIX para o XX, somada</p><p>às duras condições de trabalho e de moradia encontradas pelos imigrantes</p><p>no Brasil, houve a intervenção do governo italiano no sentido de coibir a</p><p>emigração de seus cidadãos. É nesse contexto que se promulga o chamado</p><p>Decreto Prinetti, em março de 1902, elaborado pelo governo da Itália para</p><p>proibir a imigração subvencionada pelo Brasil. Como resultado, a imigração</p><p>italiana despencou, tornando-se inferior à de espanhóis e portugueses, ao</p><p>passo que a subvenção continuou existindo para outros povos, como os</p><p>japoneses, por exemplo (HUTTER, 1987).</p><p>Em síntese, pode-se afirmar que o movimento imigratório do século</p><p>XIX se divide em dois momentos principais. No primeiro, ocorrido</p><p>no início daquele século, houve o deslocamento de alemães e italianos para a</p><p>região Sul do Brasil, em um tipo de colonização voltada para o povoamento e</p><p>baseada na pequena propriedade. Já a partir da segunda metade do século XIX,</p><p>os imigrantes se dirigiram à região Oeste paulista para trabalhar nas grandes</p><p>lavouras de café, bem como para os centros urbanos, onde atuaram como</p><p>operários (PATARRA; FERNANDES, 2011).</p><p>Efeitos econômicos, políticos e sociais da</p><p>imigração</p><p>Como visto na seção anterior, a imigração europeia no Brasil ajudou a delinear</p><p>um novo país. O Brasil, até então, tinha a sua base social assentada sobre</p><p>portugueses (e seus descendentes), povos indígenas e africanos escraviza-</p><p>dos. Além disso, o País já era composto por uma grande população mestiça,</p><p>fenômeno que persiste até os dias atuais. No entanto, novos ingredientes</p><p>foram acrescentados a esse grande caldeirão étnico e cultural com a vinda</p><p>de alemães e de italianos. Com esses novos elementos, o Brasil ganhou</p><p>novos contornos, que influenciaram a economia, a política e a sociedade</p><p>como um todo.</p><p>Durante vários séculos, o Brasil foi um país que teve no trabalho escravo</p><p>a base de sua economia. Dessa forma, todo o restante</p><p>da sociedade, em suas</p><p>expressões ideológicas e políticas, foi estruturado a partir do fato de que a</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 7</p><p>grande parte da população brasileira era escravizada. Esse sistema apresenta</p><p>repercussões até a atualidade, seja por meio do racismo, seja por meio do viés</p><p>autoritário da sociedade brasileira, ou então por meio da grande desigualdade</p><p>social, que atinge, em particular, a população negra descendente de escravos.</p><p>Portanto, a vinda de imigrantes destinados ao trabalho livre no campo ou na</p><p>indústria, bem como a formação de uma classe de pequenos proprietários</p><p>rurais, imprimiu novas características à formação socioeconômica brasileira.</p><p>Para melhor compreensão do impacto dos novos grupos sociais formados</p><p>a partir da imigração, deve-se considerar alguns números que revelam uma</p><p>forte “europeização” de algumas regiões do Brasil, sobretudo a região Sul.</p><p>Entre os anos de 1875 e 1894, quase 80 mil imigrantes italianos chegaram ao</p><p>País. Destes, apenas 16% se fixaram no sul, porém, no início dos anos 1920,</p><p>o número da população italiana no Rio Grande do Sul havia dado um salto</p><p>impressionante: no ano de 1920, havia entre 900 mil e 1 milhão de imigrantes</p><p>e/ou pessoas de ascendência italiana na região. Esse número correspondia</p><p>a 41,5% da população do estado, que, naquele momento, era de 2.226.000</p><p>habitantes. Em outras palavras, os italianos representavam quase a metade</p><p>da população do Rio Grande do Sul (LIA; RADÜNZ, 2016). Os dados referentes</p><p>aos imigrantes alemães também são importantes. Somados aos 41,5% de</p><p>italianos no início da década de 1920, os alemães representavam 17% da</p><p>população gaúcha. Esse número subiu para 21,6% na metade do século XX</p><p>(LIA; RADÜNZ, 2016).</p><p>De posse desses dados, pode-se concluir que as imigrações alemã e italiana</p><p>afetaram de maneira particular as regiões Sudeste e Sul, com um impacto mais</p><p>expressivo nesta última. Portanto, a economia e a sociedade dessas áreas</p><p>do Brasil foram profundamente afetadas pela presença dos imigrantes e por</p><p>suas formas de trabalho. Com o processo de imigração, houve o encontro de</p><p>dois modelos econômicos diferentes: “o latifúndio escravista e as áreas de</p><p>colonização com minifúndio, policultura e mão de obra familiar. Essa distinção</p><p>da estrutura produtiva oitocentista marcou o desenvolvimento econômico</p><p>do Brasil meridional e explica as diferenças regionais contemporâneas” (LIA;</p><p>RADÜNZ, 2016, p. 259), com o norte do estado do Rio Grande Sul apresentando</p><p>maior avanço (área de imigração e de pequenas propriedades rurais) e o sul</p><p>latifundiário e escravista apresentando menor desenvolvimento.</p><p>Em São Paulo, a significativa presença de italianos e, em menor número,</p><p>de imigrantes espanhóis causou um grande impacto em termos sociais e</p><p>políticos. Grande parte dos imigrantes vindos da Itália e da Espanha no final</p><p>do século XIX e início do século XX fugiam das condições políticas hostis em</p><p>seus países. Isso ocorria principalmente com aqueles indivíduos pertencen-</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil8</p><p>tes a grupos políticos vinculados ao socialismo e, no caso da Espanha, ao</p><p>anarquismo. Portanto, à medida que esses imigrantes chegavam ao Brasil,</p><p>traziam na bagagem suas ideologias e, como membros do proletariado, ini-</p><p>ciavam movimentos que lutavam por melhores salários, melhores condições</p><p>de trabalho e de combate à exploração do trabalho infantil. É importante</p><p>destacar que o grande fluxo de imigrantes italianos e espanhóis em direção</p><p>ao estado de São Paulo coincidiu, em determinado momento, com um surto de</p><p>industrialização naquela região, sobretudo na capital paulista (BIONDI, 2010b).</p><p>O ano de 1917 foi particularmente importante no âmbito da organização da</p><p>classe trabalhadora em todo o mundo. Na Rússia, a autocracia tricentenária</p><p>dos Romanov foi derrubada, dando lugar ao governo dos bolcheviques, que</p><p>realizaram a primeira revolução de cunho marxista da história. Essa movi-</p><p>mentação também foi sentida no Brasil, com a Greve Geral de 1917, que atingiu</p><p>diversas capitais brasileiras. Em São Paulo, as ideias anarquistas e socialistas</p><p>trazidas pelos imigrantes estiveram na base dessa paralisação, que chegou</p><p>a atingir, no período de um mês e meio, 50 mil operários (BIONDI, 2010a).</p><p>O ponto inicial da Greve foi o Cotonifício Crespi, uma indústria do ramo</p><p>têxtil. Inicialmente, 400 operários dessa empresa decidiram entrar em greve,</p><p>uma vez que a diretoria da fábrica se recusara a dar um aumento de 15 a 20%</p><p>nos salários. Além disso, os trabalhadores exigiam a abolição do trabalho</p><p>à noite. Aquilo que começou como uma simples greve, localizada em uma</p><p>única indústria, rapidamente se espalhou, promovendo a maior paralisação</p><p>já vista até então (BIONDI, 2010a). Um dado muito importante desse evento</p><p>histórico diz respeito à composição social dos empregados do Cotonifício</p><p>Crispi, então uma das maiores fábricas brasileiras: aproximadamente, 75% dos</p><p>seus empregados eram italianos. Essa informação nos permite compreender</p><p>como foi possível que os trabalhadores se organizassem a ponto de iniciar</p><p>uma greve que paralisaria dezenas de milhares de pessoas.</p><p>Os índices de analfabetismo no Brasil eram muito altos no início do século</p><p>XX, pois somente 10 a 20% da população era alfabetizada. Em contrapartida,</p><p>os operários vindos da Europa eram, em sua grande maioria, alfabetizados.</p><p>Essa diferença de formação permitiu que os operários imigrantes fossem</p><p>capazes de organizar congressos, publicar jornais e panfletos, facilitando,</p><p>assim, a organização do proletariado paulista em torno de uma causa comum</p><p>(BIONDI, 2010a).</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 9</p><p>Além dos alemães e italianos, que representaram o mais importante</p><p>contingente de imigrantes no Brasil (ao menos do ponto de vista de impacto</p><p>cultural), outros povos se deslocaram para o País no século XX. Em 1908,</p><p>por exemplo, iniciou-se a imigração japonesa no Brasil. Nas décadas que se</p><p>seguiram, em torno de 240 mil japoneses se estabeleceram no País, formando,</p><p>assim, 4% dos imigrantes que foram introduzidos no Brasil desde o século</p><p>XIX. A imigração japonesa foi reforçada quando o governo italiano adotou</p><p>políticas que proibiam a subvenção por parte do governo brasileiro para</p><p>imigrantes da Itália. Além disso, as condições precárias de vida nas fazendas</p><p>desestimulou a continuidade do fluxo de imigrantes italianos em direção</p><p>ao Brasil (SUZUKI, 1995). Dessa forma, houve o deslocamento dos recursos</p><p>destinados à promoção da imigração para a população japonesa desejosa</p><p>de se estabelecer em terras brasileiras.</p><p>Nesse contexto, também se tornou relevante a luta dos sindicatos de</p><p>operários nos Estados Unidos contra a imigração japonesa, considerada uma</p><p>ameaça aos empregos dos trabalhadores estadunidenses. Como a superação</p><p>da crise do café no Brasil, no final do século XIX, havia uma grande demanda</p><p>por mão de obra, que já não era mais suprida por imigrantes europeus. Desse</p><p>modo, essa junção de fatores possibilitou que a companhia de imigração</p><p>japonesa encontrasse no Brasil um novo mercado, inaugurado em 18 de</p><p>junho de 1908, com a primeira leva de imigrantes japoneses (SUZUKI, 1995).</p><p>De acordo com a pesquisadora Teiiti Suzuki, especializada na imigração</p><p>nipônica, esta pode ser categorizada para fins didáticos em três fases prin-</p><p>cipais, conforme o Quadro 1, a seguir.</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil10</p><p>Quadro 1. Fases da imigração japonesa no Brasil</p><p>Fase Características</p><p>1ª Fase: 1908—1924 As passagens eram pagas pelo governo de São</p><p>Paulo, embora com oscilações. Quando o fluxo de</p><p>europeus aumentava, o subsídio era suspenso.</p><p>Quando escasseava, era retomado. Nessa fase, 31</p><p>mil japoneses chegaram ao Brasil (13% do total).</p><p>2ª Fase: 1924–1941 A partir de 1924, o subsídio do transporte passou</p><p>a ser concedido pelo Japão. Assim, o afluxo de</p><p>imigrantes tornou-se ininterrupto, chegando</p><p>somente</p><p>na década de 1930 quase 45% do total dos</p><p>imigrantes que vieram ao longo de todo o século</p><p>XX para o País. Em toda a segunda fase, 158 mil</p><p>japoneses (67% do afluxo total) chegaram ao Brasil.</p><p>Em 1941, com o ataque japonês a Pearl Harbor e a</p><p>subsequente declaração de guerra por parte dos</p><p>Estados Unidos, a imigração foi encerrada.</p><p>3ª Fase: a partir de 1952 Com a imigração reiniciada a partir de 1952, com</p><p>um pequeno contingente, chegaram ao Brasil,</p><p>desse ano até meados da década de 1970, 46</p><p>mil pessoas, correspondendo a 20% do total de</p><p>imigrantes japoneses no País. Em 1958, em função</p><p>do cinquentenário da imigração japonesa, foi</p><p>realizado um censo, com o objetivo de determinar</p><p>o tamanho da comunidade nipônica no Brasil. O</p><p>resultado mostrou que existiam 430 mil pessoas</p><p>entre imigrantes e seus descendentes.</p><p>Fonte: Adaptado de Suzuki (1995).</p><p>Muitos judeus também vieram para o Brasil no início do século XX. De</p><p>acordo com Lesser (1995, p. 40, 41 e 44 apud CRUZ, 2009, p. 227):</p><p>[...] as colônias agrícolas foram o primeiro passo na direção de uma emigração regu-</p><p>lar e organizada de judeus para o Brasil. Como eram vítimas da política czarista de</p><p>“russificação” e fugiam da perseguição cotidiana, aceitavam a agricultura, na qual</p><p>tinham pouca ou nenhuma experiência, apenas como uma condição para sua fuga.</p><p>Por muitos séculos vitimados pelo antissemitismo, a maior parte dos judeus</p><p>vivia em condições muito difíceis em seus países de origem, na Europa. Com</p><p>frequência, eles precisavam fugir, devido aos pogroms, isto é, as persegui-</p><p>ções sistemáticas organizadas, muitas vezes, pelos governos locais, como</p><p>era frequente ocorrer na Rússia czarista. Dessa forma, a imigração, embora</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 11</p><p>para lugares desconhecidos e para o trabalho no campo, se mostrava como</p><p>uma alternativa à violência à qual eram vítimas. Na maior parte da Europa,</p><p>os judeus era proibidos de possuírem terras, de modo que o trabalho rural</p><p>era pouco usual entre a comunidade judaica. No entanto, as primeiras levas</p><p>de judeus que chegaram ao Brasil foram encaminhadas para esse tipo de</p><p>trabalho (GUTFREIND, 2010).</p><p>Em quase a sua totalidade, os judeus imigrantes vieram do Leste Europeu,</p><p>patrocinados pela Jewish Colonization Association (JCA), organização que</p><p>atuou no início do século XX e conseguiu imigrar milhares de pessoas para os</p><p>Estados Unidos, Argentina e Rio Grande do Sul. Em 1904, foi criada a colônia</p><p>Philippson, a primeira colônia judaica do Brasil, localizada no interior do</p><p>Rio Grande do Sul, 25 km distante da cidade de Santa Maria. A maior parte</p><p>dos imigrantes dessa colônia veio da Bessarábia, província que fazia parte</p><p>do Império Russo e que sofria com frequentes pogroms (GUTFREIND, 2010).</p><p>Em relação ao antissemitismo no Brasil, há dois momentos a se distinguir.</p><p>Inicialmente, a vinda dos imigrantes judeus era vista como parte da solução</p><p>para o branqueamento da população brasileira, questão de fundo do processo</p><p>de imigração. Entretanto, durante a Era Vargas, houve uma certa ascensão</p><p>do antissemitismo, tendo em vista diversos intelectuais do período que</p><p>demonstraram ideias contrárias à vinda de judeus para País. O sociólogo</p><p>Bernardo Sorj (2008) discute essa questão nos seguintes termos:</p><p>[...] na medida em que os judeus são aceitos como parte da raça branca — o que só</p><p>foi questionado por alguns intelectuais brasileiros associados a ideologia fascista</p><p>nas décadas de 20 e 30 – eles passam a ser parte da solução, e não um problema.</p><p>Neste caso, embora a sociedade brasileira seja racista, antinegra, esse racismo</p><p>não atingiria outras etnias, como os judeus (SORJ, 2008, p. 4–5).</p><p>Como conclusão, o autor defende que a imigração judaica no Brasil foi</p><p>exitosa, particularmente no que diz respeito à integração dos imigrantes na so-</p><p>ciedade brasileira. Atualmente, assim como ocorre com a colônia japonesa em</p><p>São Paulo (no bairro da Liberdade), existem “bairros étnicos” historicamente</p><p>judaicos, como o bairro Bom Fim, em Porto Alegre. Além disso, há inúmeras</p><p>associações e escolas judaicas em várias cidades brasileiras, atestando a</p><p>importante contribuição da comunidade judaica para a sociedade brasileira.</p><p>Imigrantes e mudanças sociais</p><p>Como visto, diversos grupos de imigrantes chegaram ao Brasil no período que</p><p>abrange desde as últimas décadas do século XIX até as primeiras décadas do</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil12</p><p>século XX. Italianos, alemães, espanhóis, japoneses e judeus representam</p><p>alguns dos principais povos a chegarem ao Brasil, correspondendo a 80% do</p><p>total de imigrantes. Contudo, estes não foram os únicos. O Brasil também</p><p>recebeu importantes contingentes de imigrantes árabes, turcos, libaneses,</p><p>ucranianos, poloneses e até mesmo imigrantes de países da América Latina,</p><p>como bolivianos e, mais recentemente, haitianos. Da África, na época con-</p><p>temporânea, também vieram indivíduos de Angola e de Moçambique, países</p><p>lusófonos (HERMANN, 2000).</p><p>É evidente que esses grupos, de maneira isolada ou somada, provocaram</p><p>transformações na sociedade brasileira, principalmente no que tange à cultura,</p><p>à língua e aos costumes. Como visto, a política e as lutas sociais também foram</p><p>influenciadas, sobretudo no período de industrialização brasileira no início</p><p>do século XX, quando italianos e espanhóis, ideologicamente alinhados ao</p><p>anarquismo, ao anarcossindicalismo e ao socialismo, organizaram grandes</p><p>greves que paralisaram milhares de trabalhadores. Além disso, a presença</p><p>dos imigrantes, além de contribuir para a formação da classe trabalhadora</p><p>brasileira, revela aspectos relacionados com a integração social e cultural,</p><p>nem sempre tranquila (HERMANN, 2000).</p><p>Entre 1889 e 1930, ou seja, no período da Primeira República, o Brasil</p><p>percebeu expressivos fluxos imigratórios. Nas primeiras décadas da Re-</p><p>pública, entraram no País aproximadamente 3,5 milhões de estrangeiros,</p><p>correspondendo a 65% de todos os imigrantes que entraram no País desde</p><p>a Independência até os anos 1960. Alguns dados nos possibilitam conhecer a</p><p>composição étnica desses imigrantes. No período mencionado, os imigrantes</p><p>se dividiram em: 35% de italianos, 28% de portugueses e 14% de espanhóis.</p><p>Ou seja, 80% dos imigrantes que entraram no Brasil entre 1889 e 1930 tinham</p><p>as suas origens na Itália, em Portugal ou na Espanha. Alemães e japoneses,</p><p>por sua vez, representavam 4 e 3%, respectivamente.</p><p>De acordo com Biondi (2010b, p. 8):</p><p>As cidades brasileiras do Sul e Sudeste, algumas mais, outras menos, refletiram essa</p><p>revolução étnico-demográfica desde os primeiros anos da República, tornando-</p><p>-se locais fundamentais de experiências transculturais cosmopolitas e centros</p><p>agregadores de cada grupo étnico e nacional imigrado no país.</p><p>Portanto, as transformações ocorridas na sociedade brasileira com o</p><p>advento da imigração se manifestaram em diversas esferas. O encontro de</p><p>diferentes culturas, as novas línguas, as novas sociabilidades e as novas com-</p><p>posições étnicas contribuíam para tornar o Brasil o país que conhecemos hoje.</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 13</p><p>Na década de 1920, os habitantes da capital paulista eram compostos por</p><p>aproximadamente 67% de imigrantes e descendentes de primeira geração. No</p><p>período imediatamente anterior, ou seja, nos anos 1910, essa taxa era de 50%</p><p>da população total. Ou seja, em pouco mais de 10 anos, ocorreu um grande</p><p>salto no número de imigrantes ou descendentes diretos que ainda mantinham</p><p>a cultura e o idioma dos pais. No Rio de Janeiro, nesse mesmo período, a</p><p>população imigrante estava na casa dos 25%. Em Porto Alegre, os imigrantes</p><p>somavam 12% da população. Mesmo nas regiões Norte e Nordeste, menos</p><p>impactadas pelo processo imigratório da Primeira República, a população</p><p>de imigrantes somava 4% (BIONDI, 2010b).</p><p>De modo evidente, tamanha presença estrangeira em solo nacional pro-</p><p>vocou diversos embates étnicos, embora não no mesmo nível ocorrido</p><p>nos</p><p>Estados Unidos, onde verdadeiras guerras campais ocorreram. As origens</p><p>comuns e latinas dos três principais grupos de imigrantes serviram como</p><p>atenuante para os conflitos, que, contudo, acabavam ocorrendo, tanto entre</p><p>esses grupos quanto em relação ao governo brasileiro. Apesar de serem o</p><p>grupo que mais compartilhava aspectos culturais com o Brasil, os portugueses</p><p>foram, muitas vezes, confrontados pela população e pelas elites brasileiras.</p><p>Em particular, foram importantes os conflitos entre a população afro-brasileira</p><p>e os imigrantes, sobretudo na questão do trabalho, pois havia uma disputa</p><p>entre esses dois grupos sociais pelas oportunidades de emprego nas grandes</p><p>cidades (BIONDI, 2010b).</p><p>Nas regiões urbanizadas, como na cidade de São Paulo, havia o predomínio</p><p>de brancos, relativizando-se, assim, os conflitos inter-raciais (embora sem</p><p>eliminar o racismo), que muitas vezes escondiam outros conflitos, como os</p><p>políticos e de classe. De qualquer forma, essas disputas não se restringiram</p><p>à oposição entre imigrantes e brasileiros. As rusgas ocorriam também inter-</p><p>namente, por meio de divisões trazidas da Europa, em geral relacionadas</p><p>às diferentes regiões de um mesmo país do qual os imigrantes vieram. Nas</p><p>cidades, o componente “classe” também apresentava relevância nos conflitos</p><p>entre imigrantes:</p><p>Na imigração urbana havia todo tipo de estratificação social interna nos grupos imi-</p><p>grados: ao lado de empresários, comerciantes e profissionais liberais estrangeiros</p><p>bem-sucedidos, havia seus patrícios operários, artesãos, vendedores ambulantes.</p><p>Entre os primeiros, não poucos foram os que chegaram como trabalhadores urbanos</p><p>ou até rurais, mas a maioria geralmente chegava ao Brasil com capitais ou como</p><p>técnicos e administradores de firmas, ou ainda como membros de sólidas redes</p><p>comerciais, procurando uma ascensão social e uma consolidação maior que não</p><p>lhe eram possíveis no país de origem (BIONDI, 2010b, p. 9).</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil14</p><p>Dessa forma, a imigração italiana, em particular, trazia a sua própria dinâ-</p><p>mica de luta de classes para o ambiente brasileiro, provocando transformações</p><p>nessa sociedade. Para se ter uma ideia do tamanho dessa interferência, no</p><p>ano de 1920, aproximadamente 2/3 das empresas no estado de São Paulo</p><p>eram pertencentes a estrangeiros. Os estabelecimentos pertenciam, em sua</p><p>maioria, desde o início do fluxo migratório, a portugueses, alemães e sírio-</p><p>-libaneses. Com a chegada dos italianos, surgiram grandes grupos industriais,</p><p>pertencentes às famílias Matarazzo, Siciliano e Crespi, sendo esta última a</p><p>fábrica na qual os operários iniciaram a Greve Geral de 1917 (HERMANN, 2000).</p><p>A presença dos imigrantes também se manifestou fortemente entre as</p><p>lideranças políticas e sindicais, contribuindo sobremaneira para a formação</p><p>de classes operárias locais. Além disso, a publicação de jornais de caráter</p><p>anarquista e socialista, em língua estrangeira, tornou-se uma prática comum</p><p>entre esses grupos, preocupando o governo brasileiro (Figura 2). Assim, em</p><p>1907, foi promulgada a Lei de Expulsão de Estrangeiros, visando a coibir esse</p><p>tipo de iniciativa considerada subversiva, por meio da prisão e da deportação</p><p>de líderes sindicais estrangeiros (HERMANN, 2000).</p><p>Figura 2. Após iniciar como um instrumento revolucionário, a imprensa italiana em São Paulo</p><p>tornou-se convencional, atingindo grandes tiragens e, inclusive, publicando anúncios de</p><p>grandes indústrias pertencentes a imigrantes italianos. No detalhe da primeira página do</p><p>jornal Il Pasquino, de 22 de maio de 1915, observa-se um anúncio das indústrias Matarazzo.</p><p>Fonte: Il Pasquino (1915, documento on-line).</p><p>Neste capítulo, você conheceu a política brasileira em relação à imigração.</p><p>Inicialmente, houve um grande estímulo, por meio de uma política sintonizada</p><p>com o racialismo da época, que pregava o “branqueamento” da população</p><p>brasileira. Já no século XX, embora a imigração ainda fosse estimulada por</p><p>parte do governo, distúrbios causados por imigrantes urbanos, que lutavam</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 15</p><p>por direitos trabalhistas, fizeram o País aprovar uma legislação visando à</p><p>expulsão dos líderes políticos e sindicais dos trabalhadores imigrantes. Você</p><p>também viu como a presença dos imigrantes alterou o panorama nacional,</p><p>por meio da chegada de novas ideias e sociabilidades, que influenciaram o</p><p>desenvolvimento da sociedade brasileira.</p><p>Referências</p><p>BIONDI, L. Greve geral de 1917 em São Paulo. In: DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO DA</p><p>PRIMEIRA REPÚBLICA. Rio de Janeiro; São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2010a. 6 p.</p><p>Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/</p><p>GREVE%20GERAL%20DE%201917%20EM%20S%C3%83O%20PAULO.pdf. Acesso em:</p><p>19 nov. 2020.</p><p>BIONDI, L. Imigração. In: DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO DA PRIMEIRA REPÚBLICA. Rio</p><p>de Janeiro; São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2010b. 11 p. Disponível em: https://cpdoc.</p><p>fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/IMIGRA%C3%87%C3%83O.pdf.</p><p>Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>CRUZ, N. R. A imigração judaica no Brasil e o anti-semitismo no discurso das elites. Política</p><p>& Sociedade, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 225–250, out. 2009. Disponível em: https://cpdoc.</p><p>fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/IMIGRA%C3%87%C3%83O.pdf.</p><p>Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>GUTFREIND, I. Imigração judaica no Rio Grande do Sul: pogroms na terra gaúcha?</p><p>WebMosaica – revista do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, Porto Alegre, v. 2,</p><p>n. 1, p. 84–91, jan./jun. 2010. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/webmosaica/article/</p><p>view/15547. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>HERMANN, J. Cenário do encontro de povos: a construção do território. In: BRASIL: 500</p><p>anos de povoamento. Brasília: IBGE, 2000. p. 17–33. Disponível em: https://biblioteca.</p><p>ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv6687.pdf. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>HUTTER, L. M. Imigração italiana: aspectos gerais do processo imigratório. Revista do</p><p>Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 27, p. 59–73, 1987. Disponível em: http://</p><p>www.periodicos.usp.br/rieb/article/view/69906. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>IL PASQUINO Coloniale, S. Paolo, v. 8, n. 406, p. 1, 22 maggio 1915. Disponível em:</p><p>http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=359670&pagfis=11. Acesso em:</p><p>19 nov. 2020.</p><p>LIA, C. F.; RADÜNZ, R. Os processos imigratórios dos séculos XIX e XX: diálogos entre o</p><p>saber acadêmico e a Educação Básica. Educar em Revista, Curitiba, v. 32, n. 61, p. 257–272,</p><p>jul./set. 2016. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/46330. Acesso</p><p>em: 19 nov. 2020.</p><p>MANCUSO, D. 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Sociabilidade brasileira e identidade judaica: as origens de uma cultura não</p><p>antissemita. In: SORJ, B. (org.). Identidades judaicas no Brasil contemporâneo. Rio de</p><p>Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. p. 3–24. Disponível em: http://</p><p>centroedelstein.org.br/PDF/sociabilidadebrasileiraeidentidadejudaica.pdf. Acesso</p><p>em: 19 nov. 2020.</p><p>SUZUKI, T. A imigração japonesa no Brasil. Revista do Instituto de</p><p>Estudos Brasileiros,</p><p>São Paulo, n. 39, p. 57–65, 1995. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rieb/article/</p><p>view/72056. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>TRAMONTINI, M. J. A escravidão na colônia alemã de São Leopoldo na primeira metade</p><p>do séc. XIX. In: JORNADAS DE HISTÓRIA REGIONAL COMPARADA, 1., 2000, Porto Alegre.</p><p>Anais [...]. Porto Alegre: IPEA; PUC; FEE, 2000. p. 1–17. Disponível em: http://cdn.fee.tche.</p><p>br/jornadas/1/s5a3.pdf. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>TRESPACH, R. 1824: como os alemães vieram parar no Brasil, criaram as primeiras colô-</p><p>nias, participaram do surgimento da igreja protestante e de um plano para assassinar</p><p>D. Pedro I. São Paulo: LeYa, 2019. 368 p.</p><p>VIEIRA, M. V. Construção do Estado, Política Imigratória e Cidadania. In: SIMPÓSIO NACIO-</p><p>NAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo. Anais [...]. São Leopoldo: Anpuh, 2007. p. 1–8.</p><p>Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/anpuhnacional/S.24/</p><p>ANPUH.S24.0103.pdf. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>Leituras recomendadas</p><p>CORNELSEN, E. Infância e espacialização do bairro judeu nos romances Bom Retiro, de</p><p>Eliezer Levin e A Guerra no Bom Fim, de Moacyr Scliar. Revista do Centro de Estudos</p><p>Portugueses, Belo Horizonte, v. 26, n. 35, p. 97–106, jan./jun. 2006. Disponível em:</p><p>http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/cesp/article/view/6650. Acesso em:</p><p>19 nov. 2020.</p><p>SANTOS, M. O. Reescrevendo a história: imigrantes italianos, colonos alemães, portugue-</p><p>ses e a população brasileira no sul do Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis,</p><p>v. 9, n. 20, p. 230–246, jan./abr. 2017. Disponível em: https://revistas.udesc.br/index.</p><p>php/tempo/article/view/2175180309202017230. Acesso em: 19 nov. 2020.</p><p>Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos</p><p>testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da</p><p>publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas</p><p>páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores</p><p>declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou</p><p>integralidade das informações referidas em tais links.</p><p>A presença dos imigrantes e a formação da classe trabalhadora no Brasil 17</p>

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