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<p>Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para</p><p>professores do Ensino Médio</p><p>Isabel Cristina Weisz</p><p>Licenciada e mestra em Língua Portuguesa (PUC-SP), pedagoga com múltiplas especializações, pós-graduanda em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem (PUC-RS)</p><p>Vivemos a Era do Epistemicídio. Ele é colocado em prática por meio da eliminação, do “assassinato” de espaços de discussão válida, bem-intencionada, construída</p><p>à base de diálogos de mão dupla para se chegar a um novo conhecimento. Atualmente, a “ordem do dia” é a lavagem cerebral realizada de maneira profissional</p><p>para fins políticos, ideológicos, financeiros e geopolíticos tendo como veículo as principais mídias sociais da web. A palavra escrita é o principal instrumento</p><p>utilizado para a execução de tal fraude.</p><p>Assim, por meio da elucidação de um gênero de engodo argumentativo chamado falácia, este artigo visa oferecer material para que professores e demais</p><p>interessados no processo educativo possam identificar fake news e discursos negacionistas.</p><p>Origem do termo falácia</p><p>Dadas a extensão e a complexidade do tema, este artigo não objetiva enfocá-lo de maneira exaustiva e sim oferecer subsídios para que tanto os professores –</p><p>especialmente os de Filosofia e os de Língua Portuguesa (naquilo que tange à produção e análise textual) – possam trabalhar a questão das fake news e do</p><p>negacionismo científico, lamentavelmente tão presentes e atuantes em nossa sociedade atual.</p><p>Por conseguinte, iniciamos nosso trabalho explicando que ainda não existe uma teoria geral e definitiva que dê conta de conceituar o termo falácia. Segundo Vega</p><p>(2013), a obra que iniciou o estudo moderno do assunto data de 1970. Chama-se Fallacies, de Charles L Hamblin.</p><p>Já no início deste estudo desejamos esclarecer que o vocábulo falácia é aqui empregado e analisado somente como prática presente no gênero discursivo, visto</p><p>que tal expressão também é empregada de maneira genérica, referindo-se a manobras de distração e a toda uma gama de outras atitudes que tenham por</p><p>objetivo confundir e, subsequentemente, defraudar alguém. Portanto, explicitamos que a parte interessada na acepção de falácia estudada por nós é a esfera</p><p>pública do discurso.</p><p>Não obstante a ausência de uma teoria classificatória única, há alguns campos do conhecimento que identificam determinados tipos recorrentes de falácia. Como</p><p>exemplo disso temos a “falácia da Economia”, por meio da qual especialistas da área costumam menosprezar os riscos derivados de determinado plano de</p><p>investimento que estejam tentando persuadir algum cliente a adquirir.</p><p>Vemos assim que nem sempre é fácil identificar uma falácia em um discurso corrente, pois ela não apresenta marca linguística própria. Em geral, sua detecção é</p><p>feita a posteriori, quando se constata que as coisas não saem ou não se apresentam exatamente como aquilo que foi dito ou propagandeado.</p><p>Desse modo, para alcançarmos uma significação mais geral e acadêmica do termo falácia, partiremos do Dicionário Etimológico Nova Fronteira.</p><p>Em tal obra, ao buscarmos o verbete falácia, nos deparamos com a seguinte remissão:</p><p>faláci.a –oso »»» falaz</p><p>Informados de que a palavra falácia é uma derivação do termo falaz e que, portanto, compartilham a mesma etimologia encontramos:</p><p>falaz adj 2 g. ‘enganador, ardiloso’ vão, quimérico XVI. Do lat. Fallāx - āxis ║falaciA XVI ║falacI . oso XIX</p><p>A leitura e análise dos dois verbetes nos levam à conclusão de que produz uma falácia todo aquele que fala com o intuito de burlar, criar ilusões (quimeras) para</p><p>obter alguma vantagem ou ganho, sejam eles de ordem material ou egoica. Entendemos portanto que, para alcançar seus objetivos, o “falacioso” faz uso de</p><p>discursos embasados em dolos e inverdades. A falácia é, pois, uma estratégia deliberadamente enganosa de discurso que tenta se passar por boa argumentação.</p><p>Porém, seu único objetivo é induzir ao erro. (Vega, 2013).</p><p>Ora, se, como sabemos, existe uma lógica e uma ética para a argumentação, em contrapartida a falácia é uma “terra sem lei” quanto a esses quesitos. Sua única</p><p>lógica é a quebra da confiança, que, em geral, passa despercebida. É exatamente essa característica que torna praticamente impossível a criação de uma</p><p>conceituação que abarque completa e definitivamente aquilo que venha a ser uma falácia. A sociedade se modifica e com ela se modificam as maneiras de</p><p>engendrar mentiras, fantasias, falsidades, enganações e outras artimanhas verbais fraudulentas passíveis de serem resumidas no termo falácia.</p><p>Desconstruindo a mecânica das falácias</p><p>Em uma discussão face a face, o criador de falácias costuma, dentre outros ardis, desrespeitar os argumentos de seus oponentes, tentando diminuí-los, reduzi-los</p><p>ao ridículo. Tal prática foi estudada por Aristóteles, que a chamou de Reductio ad Absurdum. Por ser essa uma das categorias de falácia mais utilizadas</p><p>contemporaneamente, tanto no mundo virtual quanto no atual (ou seja, mundo no qual atuamos, desempenhamos movimentos e ações físicas), discorreremos</p><p>sobre ela neste artigo.</p><p>ISSN: 1984-6290</p><p>Qualis B1 - quadriênio 2017-2020 CAPES</p><p>DOI: 10-18264/REP</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio 1/7</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/</p><p>Aristóteles e sua busca pela verdade</p><p>Considerado o “pai da Lógica”, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) foi um dos mais importantes filósofos da Magna Grécia. Para discorrermos com segurança sobre esse</p><p>importante autor e o vasto conjunto de sua obra utilizaremos a solidez da Enciclopédia Britânica como fonte de referência.</p><p>Nascido em Estagira, uma pequena colônia da Grécia, Aristóteles era filho de um médico importante. Como era tradicional nas culturas mais antigas, uma profissão</p><p>costumava ser transmitida de pai para filho, de geração em geração.</p><p>Destarte, ainda criança Aristóteles foi introduzido nos estudos de Biologia e Medicina. Naquele tempo e lugar, a grade curricular da formação de médico era</p><p>composta por estudos sobre dieta alimentar, medicamentos e exercícios físicos. Os estudantes aprendiam, por exemplo, a checar a circulação sanguínea, fazer</p><p>curativos, aplicar talas em membros faturados, reduzir luxações e fazer cataplasmas usando farinha, azeite e vinho. Presume-se que Aristóteles tenha realizado seus</p><p>estudos formais no Liceu de Atenas. Ao concluir uma formação nesse nível, um homem era considerado suficientemente educado para ser tratado como um</p><p>cavalheiro, ainda que nunca chegasse a praticar a medicina como meio de obter renda. Não é difícil concluir que com um ambiente familiar e uma formação</p><p>acadêmica fundamentados nos aspectos materiais da vida, Aristóteles, em oposição a Platão, se interessava pelos aspectos mais práticos da Filosofia, dentre os</p><p>quais aqueles que orbitavam em torno da política (ética, retórica, lógica etc.), entendida como “governo da pólis”. Tanto é verdade que ele dividiu as ciências em</p><p>três tipos: produtivas, práticas e teóricas.</p><p>Aristóteles lecionou no Liceu de Atenas, e sua notabilidade e reputação foram tais que ele foi contratado para ser preceptor de Alexandre Magno (conhecido como</p><p>Alexandre, o Grande) quando este tinha 13 anos de idade.</p><p>A título de ilustração da importância da filosofia desenvolvida por ele, que se caracteriza por enfatizar os aspectos manifestos e palpáveis da vida, destacamos a</p><p>imagem da Figura 1.</p><p>Figura 1: Detalhe da obra Academia de Atenas, Rafael Sanzio</p><p>Observando o material visual apresentado na figura, vemos que a imagem que aparece à esquerda é uma ampliação da parte central do afresco renascentista</p><p>originalmente chamado Scuola di Atene, pintado por Rafael Sanzio entre 1509 e 1510.</p><p>A obra, como um todo, retrata uma cena na qual dois homens – Platão e Aristóteles – conversam. À direita, Aristóteles, segurando</p><p>sua Ética a Nicômano com a</p><p>mão esquerda e com a direita espalmada indicando o solo, argumenta com seu interlocutor que o que importa são os assuntos terrenos ou seja, um modelo de</p><p>filosofia que raciocine sobre a natureza do mundo físico para a compreensão da vida e de todos os fenômenos observáveis neste planeta. Platão, expressando</p><p>opinião oposta, segura Timeu com uma mão e aponta o céu com a outra, alegando que o mundo material está em constante mudança e perecimento; portanto, o</p><p>que interessa compreender são as coisas transcendentes, o mundo espiritual (Vesari, 1998).</p><p>Em sua busca pela verdade terrena, Aristóteles nos deixou como legado o valor da observação empírica como instrumento para conhecer seres, objetos e</p><p>acontecimentos. Esse conhecimento foi o fundador da ciência conforme hoje a conhecemos.</p><p>O conjunto de sua obra se estende às Ciências Humanas em virtude da complexidade da vida nas cidades e das relações entre as pessoas que habitam nelas. A</p><p>política, como administração da res publica (coisas do povo, bens públicos, não privados), que originou o termo República, surgiu na Grécia. Sua prática é um fato</p><p>social público, observável e mediado pelo discurso. Aristóteles considerava a democracia como a mais justa forma de governo e se interessou por estudar os</p><p>elementos retóricos e argumentativos utilizados pelos políticos de seu tempo. Nessa perspectiva, escreveu obras como A Ética, A Política e A Retórica, dentre</p><p>outras. É de sua autoria a conceituação de Reductio ad Absurdum, a falácia lógica que demonstraremos a seguir.</p><p>Reductio ad Absurdum</p><p>As falácias possuem dimensões cognitivas; elas distorcem a realidade objetiva dos fatos a partir da criação de sofismas. Por isso, de modo mais geral, podem ser</p><p>definidas como um modo incorreto tanto de pensar (para estabelecer analogias) quanto de argumentar. Nesse universo, cada uma das falácias segue sua lógica</p><p>própria e peculiar. Para elucidar isso, demonstraremos, por meio de um exemplo, como se dá a prática da falácia Reductio ad Absurdum.</p><p>Consideremos, pois, o seguinte diálogo extraído da página @everything.astronomy da mídia social Instagram. A postagem à qual tal diálogo se refere versa sobre</p><p>as características singulares do planeta Terra que, em conjunto, permitiram a existência de vida nele (o link está nas referências deste trabalho).</p><p>Para efeito didático chamaremos os interlocutores de Debatedor 1 e Debatedor 2:</p><p>Debatedor 1:</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio 2/7</p><p>Versão livre do comentário para a língua portuguesa falada no Brasil:</p><p>Ahh, a entropia sendo distorcida para confirmar o criacionismo. Leia sobre a entropia e pense de maneira crítica por dois minutos e você entenderá o porquê não se</p><p>confirma um universo com um design (prévio). Só um tolo olha para um universo que está 99% morto ou tóxico para a existência de vida e pensa: “Sabe de uma coisa,</p><p>tudo isso deve ter sido criado para mim”.</p><p>Logo após publicar esse comentário, o Debatedor 1 o complementa seu discurso com o seguinte texto:</p><p>Para ser justo (e eu sei que os meus amigos criacionistas considerarão isso uma vitória Ahahah): isso também não refuta a criação. [A asserção] simplesmente não é</p><p>falseável, então não pode provar nada, exceto que realmente existimos. [O que algumas pessoas ainda contestariam]. Eu argumentaria que isso refuta o design</p><p>inteligente para humanos, mas minha ênfase está na parte que diz “inteligentes” e não na parte que diz “humanos”.</p><p>Uma explicação: argumento não falseável consiste em uma alegação para a qual não há possibilidade de realizar observação empírica ou experimento científico</p><p>que a comprove ou a contradiga. Exemplo de argumento não falseável: “Sonhei com você essa noite e por isso sabia que iria entrar em contato comigo hoje”. Não</p><p>há como comprovar cientificamente se A sonhou com B e muito menos se o sonho (tendo ele, de fato, ocorrido) seria um prognóstico confiável do contato entre</p><p>seres humanos. Continuando o debate:</p><p>Debatedor 2:</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio 3/7</p><p>Versão livre para a língua portuguesa falada no Brasil:</p><p>Sendo assim... tudo aconteceu com absoluta precisão... De um lago de lama surgiu uma bolha que rastejou para fora e começou a escrever livros, compor música,</p><p>construir estruturas, reunir-se em cidades, educar-se e ensinar os outros. Uau! Realmente precisa ter bastante fé para acreditar nisso.</p><p>Entendendo o diálogo</p><p>Os leitores que estão familiarizados como o tipo de discurso predominante na área dos comentários das redes sociais sabem que a polarização caracteriza tal</p><p>espaço. Explicando de maneira mais genérica: as discussões acaloradas começam quando alguém expressa uma opinião sobre algum assunto inerente ao post. Em</p><p>seguida, a crença no suposto anonimato que muitas pessoas acreditam existir na web as encoraja a postar uma resposta bastante reativa e diametralmente oposta</p><p>ao que foi dito. É essa a sequência que se verifica no diálogo exposto acima.</p><p>Nele, o Debatedor 1 (cuja foto de perfil exibe um homem jovem) apresenta o conceito da entropia aplicado ao surgimento e desenvolvimento do universo. Ele diz</p><p>que, a partir desse conhecimento, a ideia criacionista não tem sustentação científica.</p><p>Surge, então, o Debatedor 2 (a foto mostra uma mulher madura que, na descrição autobiográfica de sua página, descreve a si mesma como “vovó orgulhosa” e</p><p>“seguidora de Jesus”, ou seja, uma mulher idosa e cristã praticante), que, de maneira jocosa e irônica, diz que é necessário ter muita fé para acreditar que uma</p><p>“bolha” – provavelmente referindo-se aos aminoácidos que, segundo algumas teorias científicas da Biologia, deram início ao material orgânico do qual se originou</p><p>toda a diversidade de vida no planeta Terra – tenha se desenvolvido a ponto de se tornar Homo sapiens.</p><p>Vimos que o Debatedor 2, no intuito de atacar e destruir de modo definitivo a afirmação do Debatedor 1, lança mão do recurso de ridicularizar o conteúdo da</p><p>comunicação deste último. Essa fórmula reducente de recapitular uma ideia pretende expô-la ao ridículo e, não raras vezes, consegue surtir efeito em uma</p><p>audiência que não tem muito conhecimento sobre aquilo o que está sendo discutido. Tal prática sofismática de discurso estudada por Aristóteles passou a ser</p><p>conhecida pelo termo latino Reductio ad Absurdum.</p><p>Por meio dessa demonstração, é possível entender que as falácias estão presentes de modo abundante nas mídias da web. Nesse âmbito, pessoas fazem uso de</p><p>artifícios diversos para tentar convencer as demais a pensar de determinada maneira, seja em termos de crenças, de política, de visões de mundo ou de</p><p>cosmovisão dos fenômenos sociais.</p><p>Logo, por extensão, podemos perceber que a comunicação em massa propiciada pela web, espaço que poderia utilizado exclusivamente como veículo de</p><p>propagação da verdade, da instrução e do conhecimento, é também usada como dispositivo deliberado, planejado, de condução de pessoas a erros, preconceitos</p><p>e crenças cientificamente questionáveis quando não totalmente falsas e ilusórias.</p><p>Com vistas a informar, e ainda que não exista um manual definitivo explicitando todos os modelos possíveis de falácia, conforme já discorremos no início deste</p><p>artigo –, elencaremos a seguir aqueles tipos que estão mais comumente presentes nos discursos negacionistas e nas fake news da sociedade atual.</p><p>Tipos recorrentes de falácias no Brasil</p><p>Falácia Ad Hominen – é aquela que busca desqualificar o argumentador, e não o argumento que ele apresenta. Exemplo: atacar um psicólogo solteiro que</p><p>aconselha sobre a vida</p><p>conjugal.</p><p>Falácia do apelo à autoridade – busca atribuir credibilidade a algo por meio da citação de uma pessoa famosa ou entidade tida como respeitável. Essa</p><p>falácia é muito comum em propagandas comerciais. Exemplo: O jogador Pelé dando a entender que seu vigor e agilidade física eram resultantes do uso de</p><p>uma vitamina chamada Vitasay.</p><p>Falácia da alegação especial – esse tipo de falácia fica caracterizado quando seu autor, constatando que sua argumentação foi refutada por fatos concretos,</p><p>cita exceções. Exemplo: um famoso vidente prevê a morte de um apresentador de TV em dado ano e, ao final dele, verifica-se que tal previsão não se</p><p>confirma. Ao ser questionado ele responde: “Vejo que você não conhece o poder das boas vibrações”.</p><p>Falácia da falsa dicotomia – é a construção de um falso dilema caracterizado por duas alternativas extremas como se não houvesse outras possibilidades</p><p>além delas. Um bom exemplo é a frase “Brasil: ame-o ou deixe-o!”, usada na propaganda do regime militar nos anos 1970. Na época das eleições,</p><p>costumamos ouvir essa falácia em dicotomias como “Se o candidato X não vencer, este país vai ficar pior do que Cuba”.</p><p>Falácia da falsa causalidade – estabelece uma falsa relação de causa e efeito entre dois fatos ou fenômenos que ocorrem simultaneamente. Exemplo: “O</p><p>número de analfabetos funcionais aumentou no Brasil. Isso está acontecendo porque as pessoas hoje em dia se comunicam por meio de fotos e emojis no</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio 4/7</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=KzSYRrcfzH8</p><p>celular; ou seja, a tecnologia acabou com a cultura”.</p><p>Síntese das principais características das falácias</p><p>Da leitura de Vega (2013) extraímos os elementos que comumente estão presentes na maioria das falácias:</p><p>Falácias rompem com o acordo tácito de confiança entre as partes que estão dialogando;</p><p>O usuário de falácias tende a recorrer a uma “economia de crenças”, buscando elementos do “pensamento mágico” para rebater argumentos lógicos;</p><p>Falácias costumam se amparar em recursos retóricos ou emotivos para compensar a carência ou insuficiência de meios de persuasão racional;</p><p>A detecção de uma falácia em um discurso de determinado indivíduo coloca em suspeita tudo o que foi dito anteriormente por ele sobre o assunto; em</p><p>outras palavras, fica caracterizada a sua intenção de dolo referente à questão em pauta;</p><p>Cada falácia tem sua contrapartida correta. Isso significa que um indivíduo tenta falsear uma verdade. Por exemplo, para a falácia anticientífica de que o ser</p><p>humano nunca pisou na lua existe uma copiosa documentação que prova o contrário, seja em imagens gravadas, seja em elementos minerais trazidos dela,</p><p>como tranquilitita, armalcolita, piroxferroíta, que somente após vários anos de sua captação em solo lunar foram buscadas e encontradas no planeta Terra</p><p>(Revista Veja, 2016).</p><p>Convém notar que uma falácia não precisa necessariamente preencher todos esses requisitos para ser reconhecida como tal.</p><p>Meios para testar falácias</p><p>Uma vez identificadas características falaciosas em um argumento, devemos submetê-lo a alguns testes para verificar ou não sua veracidade. Para tanto,</p><p>utilizaremos parte do material apresentado por Carl Sagan em seu Kit de Detecção de Mentiras (Sagan, 1996, cap. 12) com orientações para o reconhecimento de</p><p>argumentos falaciosos ou fraudulentos:</p><p>Sempre que possível deve haver uma confirmação independente para verificar se os “fatos” descritos são compatíveis com a realidade;</p><p>Se há uma cadeia de argumentos, todos os elos dela devem funcionar. Essa afirmação expressa que absolutamente tudo, o discurso como um todo, deve</p><p>fazer sentido e não apenas alguns de seus argumentos;</p><p>Devemos sempre perguntar se as hipóteses apresentadas em uma argumentação são ou não passíveis de serem testadas. Nesse caso, não se deve atribuir</p><p>credibilidade a argumentos místicos ou anedóticos.</p><p>Para os tempos da circulação de informações via web/redes sociais, acrescentamos: é necessário saber qual a fonte de referência nas informações veiculadas por</p><p>um post antes de tomá-lo por verdadeiro. Se não for possível encontrar fontes confiáveis que comprovem suas afirmações, não devemos de modo algum</p><p>compartilhá-lo. Nessa importante observação convém testar a advertência de Sagan:</p><p>A questão não é se gostamos da conclusão que emerge de uma cadeia de raciocínio, mas se a conclusão deriva da premissa ou do ponto de partida e se essa</p><p>premissa é verdade (Sagan, 1996, p.182, grifo do autor).</p><p>Encerramos este tópico pontuando que uma pessoa que esteja disposta a dizer a verdade por meio da argumentação jamais fará uso de expedientes que sequer</p><p>se aproximem de uma falácia. Portanto, uma vez que nos deparemos com semelhante atitude discursiva, podemos nos cientificar da má-fé do argumentador. A</p><p>credibilidade que eventualmente tivéssemos depositado nele no início do diálogo estará destruída e, por conseguinte, está extinto o interesse em prosseguir</p><p>debatendo; restou claro que tal pessoa não possui argumentos válidos.</p><p>O poder político e universo das fake news</p><p>Há atualmente uma discussão constante, presente até mesmo nos meios acadêmicos, em torno da seguinte pergunta: “Como o poder político, de maneira geral,</p><p>consegue tão facilmente convencer as pessoas leigas a aceitar ideias tão excêntricas e anticientíficas?” E, mais especificamente: “de que meios eles se servem para</p><p>levar tal manobra a efeito de maneira tão eficiente?”.</p><p>Para elucidar essa questão, utilizaremos um triste fato que pertence à história mundial: a propaganda nazista. No decorrer das últimas sete décadas, foram</p><p>realizados robustos estudos no campo da comunicação enfocando a propaganda política da Alemanha dos anos 1930 e primeira metade dos anos 1940. É muito</p><p>fácil encontrar copioso material produzido pelos próprios nazistas explicando os seus procedimentos para conseguir conduzir o povo. A metodologia continua</p><p>sendo a mesma em todo o mundo ocidental.</p><p>Veja, por exemplo, o que disse Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler:</p><p>A ideia permanece inalterável. A propaganda, contudo, é sempre instável, passível de acomodação às respectivas situações e exigências. Ela volta-se às amplas</p><p>massas de milhões de pessoas do povo trabalhador e precisa ser, por isso, acima de tudo, popular. Ela não deve rejeitar o uso daqueles meios que certamente</p><p>decepcionam o intelecto, mas que, muito mais, emocionam o coração do povo. Um bom propagandista fala sempre a língua do povo ao qual ele se dirige. Ele não</p><p>procura pelas causas últimas de nossa existência, senão assume o conhecimento pronto que o filósofo encontrou; sua tarefa é fundi-lo em uma fórmula que também</p><p>o homem simples compreenda. Uma ideia só pode ter proveito quando entendida pelos homens. O propagandista, por isso, precisa adaptar-se àquele a quem quer</p><p>transmitir seus conhecimentos. Ele irá falar nos seus discursos, nos seus cartazes aos camponeses, diferente do que falará aos trabalhadores. Transformar, inculcar de</p><p>outra forma um resultado científico ou emocional conseguido com sacrifício, e dele fazer um lema popular, que tem penetração na cabeça do povo, este é o seu</p><p>objetivo. [...] O jornal deve ser um agitador de rua. Nossa imprensa é quase exclusivamente determinada por essa tendência. Seu objetivo não é informar, transmitir</p><p>fatos claros e objetivos, senão incitar, estimular, mover. Para nós, a imprensa é propaganda com meios jornalísticos. [...] Ela (a imprensa) tira de suas informações</p><p>consequências políticas, mas não deixa que o leitor as elabore segundo seu próprio gosto. Ela realiza propositada e conscientemente a influência política. Todo o seu</p><p>pensar e sentir deve ser levado de qualquer jeito, com seus meios, numa determinada direção ideológica. [...]</p><p>Não é sentido da propaganda ser brilhante. Sua tarefa é levar ao sucesso.</p><p>Se uma propaganda foi boa, isso se vê quando ela pôde atuar por um tempo mais longo</p><p>sobre as pessoas que ela pretendia conquistar. Se ela foi ruim, também se mostra. Se uma natureza atinge um círculo de pessoas que ela pretendia ganhar, então ela</p><p>foi possivelmente boa; se não, foi ruim. Ninguém pode por isso dizer dela que ela foi muito crua, baixa ou não suficientemente honesta. Ela também não precisa sê-</p><p>lo. Ela não precisa nada, a não ser levar ao sucesso (Goebbels, 1934 apud Marcondes Filho, apud Weisz, 2010).</p><p>Assim, respondendo ao questionamento levantado no início deste tópico, podemos demonstrar que a classe política consegue persuadir facilmente o senso</p><p>comum porque as preocupações diárias das pessoas são muito comezinhas. Em sentido amplo, pode-se dizer que a atenção delas é dirigida, quase</p><p>exclusivamente, a assuntos relacionados ao trabalho, aos horários da escola/creche dos filhos, à saúde etc. A maior fração numérica da população comumente não</p><p>tem tempo, energia ou interesse para checar se aquilo que a imprensa propaga é ou não verdade. Nesse sentido, Wilhelm Reich afirma:</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio 5/7</p><p>A consciência de classes das mais vastas massas é inteiramente do tipo pessoal [...]; ela está orientada para reflexos, incrustações e efeitos desse mecanismo objetivo</p><p>da subjetividade sob a forma de inúmeras questões da vida cotidiana; o seu conteúdo é, pois, o interesse pela alimentação, o vestuário, a moda, as relações com os</p><p>outros, as possibilidades de satisfação sexual e outras em sentido mais restrito, tais como cinema, teatro [a TV e as redes sociais da web, diríamos atualmente], as</p><p>festas e as danças e também o interesse pelas dificuldades de educação das crianças, o arranjo da casa, a duração e o conteúdo dos tempos livres etc. (Reich, 1976).</p><p>Pela leitura do excerto acima, entendemos que a vida cotidiana da maioria das pessoas é marcada pelo cansaço e pelas preocupações. Tais elementos acabam</p><p>acarretando tensões psíquicas e emocionais que levam os indivíduos a usar o seu tempo livre na busca de prazeres palpáveis que os atenuem. Em face a tantas</p><p>contingências da vida prática, poucas são as pessoas das camadas mais populares que se interessam em questionar se aquilo que seu político preferido está</p><p>dizendo tem ou não algum embasamento na realidade dos fatos. Pensar, estudar, refletir, comparar cansa, exige raciocínio lógico, consome tempo e energia. Por</p><p>isso, é mais simples aceitar as ideias e as teorias de conspiração que são lançadas nos trend topics a partir do trabalho profissional (que inclui o uso de robôs) de</p><p>marqueteiros contratados pelos membros das políticas partidárias.</p><p>Propostas de atividades para o Ensino Médio</p><p>Em vista da complexidade do tema apresentado neste texto e da relevância dele para a Educação de nossos tempos, gostaríamos de sugerir aos professores da</p><p>área das Ciências Humanas (notadamente os de Filosofia, Língua Portuguesa, Sociologia, História) algumas atividades que propiciam o debate entre os alunos.</p><p>Trabalhando a conceituação – o professor poderá utilizar este artigo como referência para produzir um texto explicando a seus alunos o que é falácia e qual</p><p>a importância de não nos deixarmos manipular por argumentos fraudulentos.</p><p>Debate – tendo trabalhado a conceituação de “falácia” em sala de aula, o professor pode pedir aos alunos que encontrem textos, posts ou mensagens</p><p>supostamente falaciosos nas redes sociais, façam prints (ou usem qualquer outro meio de reprodução) e os levem para a sala para que a turma possa</p><p>analisar e categorizar os tipos de falácia encontrados.</p><p>Envolvendo a comunidade mais ampla e a sociedade – com conhecimento e autorização dos pais, monitorar os alunos na elaboração de um blog com textos,</p><p>prints e sugestões de leitura sobre falácias, negacionismo e fake news, priorizando formas de alertar a população contra os danos sociais e políticos</p><p>decorrentes deles.</p><p>Considerações finais</p><p>A título de fechamento deste texto, desejamos lembrar a todos os colegas professores que nos encontramos em um importante ano político. Independentemente</p><p>de predileção ou filiação partidária, todos os brasileiros necessitam e têm pleno direito a ter acesso a informações verídicas quanto às ciências, à saúde e à vida</p><p>pública dos políticos de destaque. Nunca é demais nos lembrar também de que somos professores e que sobre nós repousa a responsabilidade de preservar e dar</p><p>continuidade ao progresso da civilização humana.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>CUNHA, A. G. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.</p><p>ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Aristotle. Enciclopaedia Britannica. Nova York, 1980.</p><p>MINERAL ‘LUNAR’ é encontrado na Terra. Revista Veja, Ciência, 6 de junho de 2016. Disponível em: https://veja.abril.com.br/ciencia/mineral-lunar-e-encontrado-na-</p><p>terra/ Acesso em: 07 fev. 2021.</p><p>REICH, W. O que é consciência de classe? São Paulo: Martins Fontes, 1976.</p><p>SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.</p><p>VEGA, L. R. La fauna de las falácias. Madri: Trotta, 2013.</p><p>VESARI, G. The lives of the artists. A new translation by Julia Conaway Bondanella and Peter Bondanella. 2ª ed. Nova York: Oxford University Press, 1998.</p><p>WEISZ. I. C. Sociedade e cultura. A transmutação da palavra no espaço da notícia-publicidade. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa), Pontifícia Universidade</p><p>Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/14640/1/Isabel%20Cristina%20Weisz.pdf Acesso em: 08 fev. 2021.</p><p>Recurso virtual</p><p>Instagram</p><p>@everything.astronomy. Our planet. Instagram. 21 nov. 21. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CWV6O2jM3xe/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso</p><p>em: 07 fev. 2022.</p><p>Publicado em 22 de março de 2022</p><p>Como citar este artigo (ABNT)</p><p>WEISZ, Isabel Cristina. Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v.</p><p>22, nº 10, 22 de março de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-</p><p>para-professores-do-ensino-medio</p><p>Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0)</p><p> Novidades por e-mail</p><p>Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio 6/7</p><p>https://veja.abril.com.br/ciencia/mineral-lunar-e-encontrado-na-terra/</p><p>https://veja.abril.com.br/ciencia/mineral-lunar-e-encontrado-na-terra/</p><p>https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/14640/1/Isabel%20Cristina%20Weisz.pdf</p><p>https://www.instagram.com/p/CWV6O2jM3xe/?utm_source=ig_web_copy_link</p><p>https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR</p><p>https://groups.google.com/u/7/a/cecierj.edu.br/g/rep?hl=pt-BR</p><p>O que achou deste artigo?</p><p></p><p>Agradável</p><p>0</p><p></p><p>Útil</p><p>12</p><p></p><p>Motivador</p><p>0</p><p></p><p>Inovador</p><p>2</p><p></p><p>Preocupante</p><p>0</p><p>Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário</p><p> Deixe seu comentário</p><p>Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.</p><p>22/07/2024, 11:31 Revista Educação Pública - Desconstruindo as falácias do negacionismo e das fake news: um manual para professores do Ensino Médio</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/10/desconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio</p><p>7/7</p><p>https://educacaopublica.cecierj.edu.br/login?voltar_para=artigos%2F22%2F10%2Fdesconstruindo-as-falacias-do-negacionismo-e-das-fake-news-um-manual-para-professores-do-ensino-medio%23enviar-comentario</p>