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COES_O_E_COER_NCIA_TEXTUAL

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COESÃO TEXTUAL
 Coesão é o encadeamento semântico que produz a textualidade. Podemos definir a coesão, mais especificamente, dizendo que se trata de uma maneira de recuperar, em uma sentença, um termo presente na sentença anterior.
 Se perguntarmos se duas sentenças como Pegue três maçãs, Coloque-as sobre a mesa constituem um texto, a resposta será afirmativa. Se perguntarmos o motivo, dirão que ambas tratam da mesma coisa. Se perguntarmos ainda se existe algo na segunda sentença que possa ligá-la à primeira, apontariam o pronome as. De fato, o pronome recupera semanticamente, na segunda sentença, o termo três maçãs. Eis aí um exemplo de coesão textual.
 Muitas pessoas constroem razoavelmente a textualidade na língua oral, mas, quando se trata de escrever um texto, em geral se limitam a usar as palavras mesmo e referido, produzindo sequências do tipo:
Pegue três maçãs. Coloque as mesmas sobre a mesa.
João Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Na referida cidade, o mesmo disse que a igreja continua a favor do celibato.
 É muito fácil, porém, evitar este procedimento, fazendo uso dos amplos recursos de que a língua dispõe para construir a textualidade. Vejamos outras versões possíveis da sequência (2):
a) João Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Lá, ele disse que a igreja continua a favor do celibato.
b) João Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Lá, disse que a igreja continua a favor do celibato.
 Na versão (2 a), o termo Varsóvia está recuperado pelo advérbio lá e o termo João Paulo II, pelo pronome ele. Esse processo chama-se coesão por referência. As palavras responsáveis por este tipo de coesão são os pronomes pessoais ( ele, ela, nós, o, a, lhe, etc.), os pronomes possessivos ( meu, teu, seu etc. ) e os pronomes demonstrativos ( este, esse, aquele etc. ). Os advérbios de lugar e também os artigos definidos entram nesta lista..
 Em ( 2 b ), João Paulo II se acha retomado na segunda sentença por elipse, ou seja, a omissão do termo ele .
 Outra possibilidade seria utilizar palavras ou expressões sinônimas dos termos que deverão ser retomados. No caso em questão, podemos usar a palavra papa, para retomar João Paulo II, e a expressão capital da Polônia, para retomar Varsóvia.
 ( 2 c) João Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Na capital da Polônia, o papa disse que a igreja continua a favor do celibato.
 Observe que a coesão é essencial para evitar a repetição de termos:
 
 ( 3 ) Acabamos de receber trinta termômetros clínicos. Os termômetros clínicos deverão ser encaminhados ao departamento de pediatria.
 Para evitar este inconveniente, podemos utilizar sinônimos ou outras palavras que substituam, sem fugir aos significados dos termos anteriores. 
 ( 3 a) Acabamos de receber trinta termômetros clínicos. Os mesmos deverão ser encaminhados ao departamento de pediatria. 
 ( 3 b) Acabamos de receber trinta termômetros clínicos. Esses instrumentos deverão ser encaminhados ao departamento de pediatria. 
 Um efeito colateral positivo da coesão é a maior clareza do texto. Comparemos as versões a seguir de um mesmo texto:
O governo de muitos países tem decidido liberar a maconha para uso doméstico. A Inglaterra faz vistas grossas ao seu consumo. Ela deixará, a partir de agora, de efetuar prisões por seu porte para consumo próprio. Ela segue a tendência européia de maior tolerância com os usuários de drogas leves.
 
O governo de muitos países tem decidido liberar a maconha para uso doméstico. A Inglaterra faz vistas grossas ao consumo da erva. As autoridades inglesas deixarão, a partir de agora, de efetuar prisões pelo porte desse entorpecente para consumo próprio. O país segue a tendência européia de maior tolerância com os usuários de drogas leves.
 Às vezes, a coesão textual é feita de maneira indireta, apelando para o conhecimento de mundo do leitor. Vejamos os exemplos seguintes:
 ( 4 ) Ontem fui a uma festa de casamento. O bolo estava delicioso.
 ( 5 ) Liguei o carro e saí. Duas quadras depois notei um pneu da frente 
 vazio.
 ( 6 ) Mamãe ficou uma semana internada em um hospital. Ela chegou a ficar 
 amiga de várias enfermeiras.
 Veja que na sequência ( 4 ) a palavra bolo é responsável pela coesão entre as duas frases, mas não retoma nenhum termo anterior. A coesão textual é feita por uma relação de idéia entre os termos. A mesma coesão lexical indireta se dá entre os termos carro/pneu e hospital/enfermeiras.
 COESÃO TEXTUAL - EXERCÍCIOS
Construa novas versões dos textos a seguir, utilizando, em relação às palavras destacadas, os mecanismos de coesão que julgar adequados. Observe que a seleção vocabular utilizada, além da coesão, tem função estilística, pois evita a repetição das mesmas palavras. 
As revendedoras de automóveis não estão mais equipando os automóveis para vender os automóveis mais caro. O cliente vai à revendedora de automóveis com pouco dinheiro e, se tiver que pagar mais caro o automóvel, desiste de comprar o automóvel, e as revendedoras de automóveis têm prejuízo. 
A China é mesmo um país fascinante, onde tudo é dimensionado em termos gigantescos. A China é uma civilização milenar. A China abriga cerca de um quarto de toda a humanidade. Mencionar tudo o que a China, um tanto misteriosa, tem de grande, ocuparia um espaço também exagerado. 
Muita gente votou nas últimas eleições. Muita gente pensava que as coisas iriam mudar radicalmente, mas muita gente estava enganada. O Brasil parece que levará ainda um tempo muito grande para amadurecer. O que o Brasil precisa, entretanto, para chegar a ficar maduro, é manter arejada e viva a democracia com a ajuda de muita gente.
Os advogados do réu apresentaram um pedido ao juiz, no entanto o juiz não acatou o pedido dos advogados do réu.
O publicitário ficou encarregado de fazer a publicidade, porém o cliente não achou a publicidade muito boa e a publicidade teve que ser refeita.
 COERÊNCIA TEXTUAL
Um texto é coerente quando é possível interpretá-lo. Estudar a coerência de um texto é, pois, estudar as condições de sua interpretabilidade. Vejamos alguns exemplos:
 ( 1 ) Quem tem uma foto importada de 1000 cilindradas, que custa 20 mil dólares, não vai expô-la ao trânsito de uma cidade como Recife.
 ( 2 ) Holyfield venceu a luta, apesar de ser o mais forte dos lutadores.
Observe que os textos acima são incoerentes. No primeiro caso, houve o uso inadequado, talvez por erro de grafia, da palavra foto pela palavra moto. No segundo caso, houve uma falha gramatical. A conjunção apesar de não está adequada e deveria ser substituída pela conjunção pois, o que resultaria em coerência textual.
A coerência de um texto depende também de outros fatores, como os elementos contextualizadores que são data, local, elementos gráficos etc. Imagine o seguinte texto:
 ( 3 ) Hoje, eu, o rei, convido a todos a comparecer em massa, para assistir ao massacre de Israel.
Percebemos que a coerência textual também depende de nosso conhecimento de mundo.
Alguém com conhecimento em história pode relacionar o fato ao povo judeu, quando Roma, na ocupação da Judeia , a destruiu sob o comando do imperador Tito. Os mais aficionados por futebol, vão associar o texto à frase dita pelo rei Pelé, no Rio de Janeiro, em 1995, numa partida entre as seleções do Brasil e de Israel.
 A meta-regra da não contradição nos diz que cada pedaço do texto deve “fazer sentido” com o que se disse antes. Se um texto cita um fato e logo em seguida cita outra coisa diferente sobre o mesmo fato, fica bem clara a contradição. As informações não batem.Vejamos o texto a seguir:
Para as tropas aliadas, o dia quatro de junho foi umdia terrível. Os homens da quarta divisão de infantaria ficaram o dia inteiro no mar. Os navios-transporte e as embarcações de desembarque faziam círculos ao largo da ilha de Wight. As ondas arrebentavam sobre os lados, caía uma chuva forte. Os homens estavam prontos para o combate, mas sem destino nenhum. Depois dessa exaustiva caminhada, debaixo de um sol escaldante, todos estavam cansados. Nesse dia três de junho, ninguém queria jogar dados ou pôquer, ou ler um livro ou ouvir outra instrução. O desânimo tomava conta de todos.
A informação de que os soldados estavam exaustos depois de uma caminhada contradiz o que está pressuposto na parte inicial. Afinal, eles estavam embarcados em navios-transporte e pressupõe-se que, nessas condições, soldados não façam caminhadas. Outra coisa sem nexo é que caía uma forte chuva. Como eles podiam estar cansados sob um sol escaldante? Outra contradição é a de que no dia três de junho ninguém queria jogar dados ou pôquer. O início do texto explicita o dia quatro de junho. Portanto, o texto em questão tem coesão, progressão, mas é contraditório e, por isso, incoerente.
A regra-meta de relação estabelece que o conteúdo do texto deve estar adequado a um estado de coisas no mundo real ou em mundos possíveis. Vejamos o seguinte texto:
O município de Gravatá abrange uma região imensa que é composta por vários estados limítrofes que ocupam uma área respeitável. Conta ainda com uma superpopulação, com uma maioria de pessoas cultas e uma juventude com grandes recursos educacionais, cursando as várias escolas e faculdades existentes.
Isto posto, essa cidade sente falta urgente de uma capela crematória. Para os leigos é preciso esclarecer que, para um corpo ser exumado através do forno crematório, há necessidade que ele registre esta vontade diante de duas testemunhas. Somente o interessado poderá usar esta forma de suprir seu desejo, caso contrário, a exumação seria da forma natural, ou seja, o sepultamento.
Esse texto contraria de várias maneiras a meta-regra de relação, pois seu conteúdo não condiz com a realidade. Afinal, Gravatá não se limita com vários estados, não tem superpopulação, um corpo (cadáver) não pode mais registrar suas vontades e, se pudesse, como o faria diante de duas testemunhas? Há também o emprego inadequado do léxico. Afinal, exumar não é o mesmo que cremar ou sepultar. 
O que torna um texto inteligível, passível de interpretação, é a presença de elementos que assegurem sua compreensão por parte de quem o ouve ou lê. Esses elementos estão relacionados aos conceitos de coesão e coerência.
“Fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos lingüísticos presentes na superfície do texto se encontram interligados entre si, por meios de recursos também lingüísticos, formando sequências veiculadoras de sentido”. ( Koch, 1998.)
O texto abaixo, em que não ocorrem marcas lingüísticas de coesão, é um bom exemplo de como a coerência pode se compreendida da seqüência dos vocábulos. 
 
Canção do exílio facilitada (José Paulo Paes)
Lá?
Ah!
Sabiá...
Papá...
Maná...
Sinhá...
Cá?
Bah!
O poema de José Paulo Paes, que apresenta no título a palavra “facilitada”, serve para mostrar como um texto pode ser coerente, mesmo sem apresentar elementos de coesão. O sentido dos termos colocados em seqüência transmite a idéia de que em outra terra tudo é muito bom. 
Lá existem pássaros, alimento, mulheres, tudo em abundância, está subentendida nas reticências ao final de cada linha. As últimas palavras exprimem toda a decepção do poeta com a terra indicada pelo advérbio “cá”. A interjeição final “bah!”, traduz todo o desapontamento do narrador com esta outra terra. A coerência, que é a unidade de sentido, é percebida pela ordem como as idéias foram arranjadas em uma única palavra, ao invés de frases. O que a primeira vista se apresenta como uma lista de palavras aparentemente sem sentido, pois não existe entre elas nenhum elo sintático, acaba por se revelar um texto coerente, em que o autor fala da paixão pela sua terra natal.
Circuito fechado (Ricardo Ramos)
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal, mesa, cadeiras, xícaras, pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboço de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos, telefone interno, externo, papéis, anuncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadro. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.
Este texto em prosa parece, à primeira leitura, um simples aglomerado de palavras. Entretanto, uma observação mais cuidadosa permite ao leitor estabelecer relações semânticas entre os vários grupos de vocábulos, revelando, a partir dessa organização, a coerência do texto, que tem como tema a descrição da rotina diária do narrador. Fica evidente, mais uma vez, a possibilidade de um texto ser coerente, apesar da ausência de elementos coesivos.
Anáfora e catáfora
“Eu darei sempre o primeiro lugar à modéstia entre todas as belas qualidades. Ainda sobre a inocência? Ainda, sim. A inocência basta uma falta para a perder; da modéstia só culpas graves, só crimes verdadeiros podem privar. Um acidente, um acaso podem destruir aquela, a esta só uma ação determinada e voluntária.” 
 (Almeida Garret, Viagens na minha terra) 
A palavra aquela retoma o substantivo inocência. O vocábulo esta retoma recupera a palavra modéstia. Todos os termos que servem para retomar outros, citados anteriormente, são chamados de anafóricos.
“Qualquer que tivesse sido seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele. O professor era grande, gordo e silencioso, de ombros contraídos.”
 (Clarice Lispector, A legião estrangeira)
O possessivo seu e o pronome pessoal ele não retomam nenhum termo citado anteriormente, mas termos que foram elucidados posteriormente. São, pois, chamados de catafóricos.
Pedro é um idiota. Ele me deu bolo ontem.
O termo ELE é um elemento anafórico ou anáfora, pois faz referência a um termo já citado anteriormente.
 Preciso fazer uma coisa: ligar para casa.
Perceba que, nesse caso, “uma coisa" refere-se a algo que foi explicitado posteriormente (ligar para casa). Portanto, trata-se de uma catáfora. 
Pronomes
Antes de apresentar o Carlinhos para a turma, Carolina pediu:
- Me faz um favor?
- O quê?
- Você não vai ficar chateado?
- O que é?
- Não fala tão certo.
- Como assim?
- Você fala correto demais. Ficaesquisito.
- Por quê?
- É que a turma repara. Sei lá, parece...
- Soberba?
- Olha aí, “soberba”. Se você falar assim ninguém vai saber o que é. Não fala “soberba”. Nem “todavia”. Nem “outrossim”. E cuidado com os pronomes.
- Os pronomes? Não posso usá-los corretamente?
- Está vendo? Usar eles. Usar eles!
O Carlinhos ficou tão chateado que, junto com a turma, não falou nem certo nem errado. Não falou nada. Até comentaram:
- Carol, teu namorado é mudo?
Ele ia dizer: “não, é que, falando, sentir-me-ia vexado”, mas se conteve a tempo. Depois, quando estavam sozinhos, a Carolina agradeceu, com aquela voz que ele gostava.
- Comigo você pode botar os pronomes onde quiser, Carlinhos.
Aquela voz de cobertura de caramelo.
(Luis Fernando Veríssimo, Contos de verão, O Estado de S. Paulo, 16 de janeiro de 2000)
Para refletir
1. O pedido feito por Carolina a Carlinhos se baseia na definição da fala do namorado como “certa demais”. O que isto significa?
2. Em dois momentos do texto, Carlinhos usa os pronomes corretamente. Em um desses momentos é corrigido pela namorada, que deixa claro o que se espera em uma situação de informalidade. Comente sobre o fato.
3. Carolina pede ao namorado que não fale “certo demais” porque “a turma repara”. É possível afirmar que, segundo a namorada, a maneira de Carlinhos falar poderia parecer esnobe aos amigos dela, uma demonstração de “superioridade lingüística”. Poderíamos dizer que esse juízo sobre a maneira de falar de Carlinhos é a manifestação de “um preconceito lingüístico às avessas”?

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